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Discursos pronunciados na solenidade de posse do Doutor Aldir Guimarães Passarinho como

Ministro do Tribunal Federal de Recursos

Discurso pronunciado pelo Exmo. Sr. Ministro Jorge Lafayette Guimarães na Sessão Solene de posse do Dl'. Aldir Guimarães Passarinho como Ministro do Tribunal Federal de Recursos.

Exmo. Sr. Ministro Aldir Guimarães Passarinho:

Incumbido de trazer a V. Ex~ a saudação do Tribunal, no momento em que acaba de ser investido no cargo de Ministro do Tribunal Federal de Recursos, passando a integrá~lo, constitui esta missão, para mim, especial e compreensível motivo de satisfação, pelas estritas vinculações entre nós existentes, de todos conhecidas, que, por certo, determinaram a minha designação.

Depois de um prolongado e diário convívio, no exercício das funções de Juiz Federal da Seção da Guanabara, durante mais de quatro anos, traba~ lhando lado a lado daí surgindo uma amizade que desde então cresceu e se desenvolveu, para honra minha, dos melhores frutos por mim colhidos, na passagem pela Justiça Federal de Primeira Instância, tive o prazer de, ao ser empossado neste Tribunal, em maio de 1971, ouvir a sua palavra, como sempre generosa, saudando~me em nome dos colegas da Justiça Federal da Guanabara.

Hoje, pouco tempo decorrido, invertem~se os papéis, tendo eu a satis~ fação de dirigir~lhe a palavra, e formular os votos de boas vindas deste Tribunal.

Com o seu acesso a este Tribunal não se restabelecem nossas relações, jamais interrompidas, apesar do obstáculo físico da distância, mas será reto~ mado aquele convívio, do trabalho desenvolvido dia a dia, num mesmo objetivo, o de bem servir à Justiça, ao qual tem se dedicado, de modo integral e sem medir sacrifícios, elevando e dignificando a nobre função de julgar, tornando~se credor do respeito e admiração de quantos, como juízes, advo~ gados, membros do Ministério Público, servidores do Poder Judiciário, ou como simples jurisdicionados, tiveram oportunidade de tomar conhecimento da sua atividade, no desempenho da magistratura, por V. Ex~ exercida há sete anos, como verdadeiro sacerdócio, na realização de um ideal.

A magistratura exige vocação, e como já acentuou E.D. Muniz de Aragão, poucas são as verdadeiras vocações de Juiz (Rev. do Direito Proces~ sual Civil, VoI. IH, pág. 90), estando V. Ex"', inegavelmente, entre as exceções.

Hoje se inicia, Ministro Aldir Passarinho, ao ser empossado neste Tribunal, uma nova fase de sua vida.

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Cumpre, porém, desde logo ressaltar que neste Tribunal não representa V. Ex" uma promessa, mas uma realidade.

Aqui chega V. Ex~ por seus méritos, que lhe asseguraram reconhecida posição de destaque na magistratura federal; o seu passado, o trabalho antes desenvolvido, a eficiência e dedicação já demonstradas, permitem a certeza, e não apenas a esperança, de encontrar o Tribunal Federal de Recursos no novo Ministro, um fiel servidor da Justiça, capaz, operoso, culto e independente, que honrará o Judiciário Nacional e as tradições do Tribunal.

Assume V. Ex? novas funções, mas a atividade a desempenhar não lhe é desconhecida; pelo contrário, aqui prosseguirá na sua trajetória cumprindo o mesmo dever de distribuir Justiça e assegurar a exata aplicação das leis, tal como vinha fazendo de forma exemplar, na 5<' Vara Federal da Guanabara.

Suas qualidades credenciam~no, sem dúvida, ao exercício do cargo no qual ora foi investido, e constitui garantia suficiente o seu êxito a atividade antes desenvolvida, no desempenho da magistratura, que grangeou~lhe mere~ cido conceito, permitindo assegurar que também aqui acolherá a justa recompensa reservada aos Juízes que se destacam no cumprimento de seus deveres, não de ordem material, mas consistente no reconhecimento, na consi~ deração e no respeito, de parte dos seus concidadãos e da opinião pública.

Não são poucas as dificuldades que a função oferecerá, e V. Ex" bem as conhece.

Colocado no centro dos conflitos de interesses, cabendo~lhe dar solução aos mesmos, mediante aplicação da lei, forçosamente o juiz há de descon~ tentar, com freqüência, para não dizer habitualmente, pelo menos um dos contendores, o que muitas vezes provoca de parte dos vencidos reações censuráveis, embora até certo ponto decorrentes das imperfeiç,ões da natureza humana, e assim inevitáveis.

Não obstante, em decorrência da imparcialidade de que deve se revestir o Juiz, e que diz respeito à própria essência da função de julgar - ressaltando JOSé Frederico Marques pressupor a jurisdição juiz imparcial e independente - e a expressão «juiz parcial» envolve uma contradição, com a negação do verdadeiro julgamento, cumpre ao magistrado abstrair~se destas possíveis conseqüências, ao proferir decisão, colocando~se acima das suas repercussões, perante as partes ou mesmo face à opinião pública.

Para tanto deverá possuir aquela «coragem da convicção», a que alude Woodrow Wilson (Governo Constitucional nos Estados Unidos, trad., pág. 148), decidindo livremente, sem influência de eventuais pressões, e sem esquecer que, como acentua Calamandrei, há mais coragem em ser justo, parecendo injusto, do que em ser injusto, para que sejam salvas as aparências.

No particular, tem V. Ex'.' se destacado como magistrado modelar, cuja conduta pode ser adotada como exemplo.

Mas, dentre as dificuldades mencionadas, avultam, por certo, as decor~ rentes do dever da fidelidade do Juiz à lei, tão bem realçado por Gustav Radbruch, por ser esta, sobretudo, penhor da segurança e da ordem, sua razão principal.

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Como já tive oportunidade de ressaltar, certa feita, na época atual, marcada por entrechoques constantes e violentos, com freqüentes diver~ gências entre a lei e os fatos sociais, e conflitos entre a norma legal e as aspirações e necessidades da sociedade, ou de uma classe social, a função de julgar torna~se consideravelmente mais espinhosa, e mais pesadas são as obrigações dela decorrentes.

Não pode, todavia, o Juiz sobrepor à lei as suas convicções, por mais respeitáveis que sejam, porque, como afirmou Orozimbo Nonato,

e mais,

«A fidelidade do juiz à lei deve ser completa e sincera. O impulso mais profundo e violento de sua consciência não deve ser poderoso e assoberbar o mandamento da lei que ele é apelidado a interpretar e aplicar».

«Ao texto legal indúvido e unívoco se curvará sempre a cons~ ciência do bom Juiz».

Se, nas palavras de Calamandrei, o jurista deve~se abster de interpretar e aplicar a lei como quisera que ela fosse, em relação ao Juiz a fidelidade à lei assume maior relevância, e se impõe com maior intensidade.

Ê o sacrifício das convicções pessoais às convicções do Juiz, a' que aludiu Benjamin Cardoso, muitas vezes difícil de se alcançar, e que por tantas vezes orientou os pronunciamentos de Felix Frankfurter, que foi um dos maiores expoentes da Corte Suprema Norte Americana, nos últimos tempos, desencadeando onda de críticas injustas.

Corresponde o princípio ao conhecido aforisma «o JUiz não julga a lei, julga segundo a lei», e entre nós Mário Guimarães proclamou que:

«Deverá o juiz obedecer à lei, ainda que dela discorde, ainda que lhe pareça injusta. Ê um constrangimento que o princípio da divisão dos poderes impõe ao aplicador» (O Juiz e a Função Jurisdicional, pág. 3.300),

enquanto Francisco Campos realça não existir nenhum sistema jurídico que permita ao juiz substituir a regra legal pela que lhe seja ditada pela sua consciência, ou pelo seu sentimento de justiça, ou pela sua filosofia econômica, política ou social.

Daí resulta a necessidade de sobrepor o Juiz, na aplicação da lei, aos impulsos de sua consciência, a norma legal, pois a Justiça que ele realiza não é a Justiça Ideal, produto de seus sentimentos, mas a Justiça estabe~ lecida pelas leis, das quais é -executor.

Tal, porém, não significa, evidentemente, que o Juiz seja um autômato, ou aplicador mecânico da lei, impedido de procurar, mediante sua intere' pretação, o verdadeiro alcance da norma, à qual deverá dar fiel aplicação.

Conseguiu V. Ex~, Ministro Aldir Passarinho, e nas numerosas decisões proferidas assim o demonstrou, o justo equilíbrio entre o respeito e a fideli~ dade à lei, e a necessidade de esta ser interpretada, evitando o predomínio frio do texto, mas sem sobrepor ao texto legal as suas convicçpes e tendências pessoais, do que posso dar o meu testemunho.

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Não representa, em consequencia, para V. Ex~, este problema crucial, da fidelidade do Juiz à lei, um obstáculo ao perfeito desempenho das funções, e à dístribuição da Justiça, estando superadas as dificuldades pelo seu equi~ líbrio, sua formação e sua experiência.

As suas demais qualidades, a que antes me referi, e como também já acentuado, permitem a certeza de que, se é quase um truísmo dizer que a qualidade da justiça depende mais da qualidade dos homens que aplicam a lei do que do conteúdo da lei que eles aplicam, nas palavras de Bernard Schwartz (DireifJo Constitucional Americano, trad. pág. 166) V. Ex~ contri~ buirá para manter elevado o conceito do Tribunal, e da Justiça.

Ê, pois, com alegria que V. Ex" hoje aqui é recebido, Ministro Aldir Passarinho, e cumprindo grata missão, venho expressar~lhe os sentimentos do Tribunal, e os meus próprios, formulando votos de êxitos sempre cres~ centes, nas novas funções, e da mais completa felicidade pessoal.

Discurso pronunciado pelo Exmo. Sr. Ministro Aldir Guimarães Passarinho por ocasião de sua posse, em 12~9 .... 74.

A fraterna amizade que nos liga - a mim e ao Ministro Jorge Lafayette Guimarães - se constitui na explicação única para as suas palavras, o que vem a mostrar que esse ilustre Juiz, cuja severidade nos seus julgamentos é tão conhecida, quando apenas se trata de homenagear um amigo é de extrema generosidade.

Aos demais oradores que me saudaram, este nobre Subprocurador .... Geral da República, o Dr. Gildo Corrêa Ferraz, a quem tanto admiro pelas suas qualidades pessoais e de jurista, os Drs. Miranda Lima e Carlos Henrique Froes, dignos e cultíssimos representantes das Seções Regionais da Ordem dos Advogados de Brasília e da Guanabara, respectivamente, eu manifesto os meus agradecimentos pelas palavras que me dirigiram.

Venho, neste Eg. Tribunal, ocupar a vaga deixada pelo eminente Ministro Henoch Reis que, atendendo a honrosa convocação para governar os destinos de sua terra natal. em coroamento de sua vida pública, deixa esta Corte, com a absoluta tranquilidade do dever cumprido. Não tenho a velei .... dade de, sucedendo .... o, sequer diminuir a marcante lembrança de sua passagem neste Tribunal. As qualidades que ornam sua personalidade singular fa .... lo~ão sempre presente neste Colegiado, pelo exemplo que aqui deixa, de jurista de escol que, em harmoniosa integração, conseguiu aliar à austeridade da toga de magistrado a afabilidade de maneiras e a simplicidade de trato, que o fizeram tão admirado e querido. Pessoas assim, na verdade, não se subs .... tituem, até porque procuramos sempre tê~las presentes, como fonte pura das mais nobres inspirações.

Ao concluir o seu discurso de posse neste Tribunal, em peça que se constitui em estudo precioso de filosofia do Direito, Henoch Reis disse trazer, em uma mensagem de fé, como os partícipes da festa de Palas Atenas, o facho crepitante com que, na Grécia imortal, se transmitia de pessoa a pessoa o fogo sagrado que, para ele, aqui, significava a sua fé em Deus, no Direito, na Justiça e no futuro do Brasil.

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Senhores. Sinto~me perfeitamente cônscio da alta soma de responsa~ bilidades que assumo ao empossar~me nesta Corte. E tal responsabilidade sinto avultá~la, quando o simbólico facho crepitante, tendo~o com o mesmo significado, eu o recebo de Henoch Reis. Recebo~o com humildade, mas com a mesma fé que animou o meu antecessor.

Após mais de sete anos no exercício da magistratura na Guanabara, com número de Juízes sempre inferior à sua lotação e, de algum tempo para cá com tal número reduzido à metade, espero, Senhores Ministros, poder acompanhá~los no mesmo ritmo de trabalho. E se não lhes prometo tenham os meus pronunciamentos o brilho que a erudição dos demais sabe emprestar aos seus votos, posso assegurar~lhes, contudo, que ao máximo me empenharei para que esta Corte mantenha bem alto o dístico que Frabreguettes queria insculpido, em mármore, na porta de todos os Tribunais:

«Jus titia est canstans et perpetua voluntas jus suum cuique tribuendi»,

ou seja, a vontade constante e perpétua de dar a cada um o que oé seu.

Senhores:

O Tribunal Federal de Recursos, criado com a Constituição de 1946, assume, na nossa organização judiciária, posição de especial relevo, posto que é ele o órgão recursal por excelência, em cujo âmbito se sobrelevam as causas de interesse da União, das autarquias e empresas públicas federais.

Já a primeira Constituição Republicana previa tribunais federais, mas não chegaria a ser editada a lei que os integraria na organização judiciária do País, e mesmo quando, em 1921, veio lei a autorizar o Poder Executivo a criar três Tribunais Regionais, surgiram dúvidas sobre a sua constitu~ cionalidade, à base de entendimento do Supremo Tribunal Federal, jamais vindo tal lei a ter execução.

Posteriormente, a Lei Fundamental de 1934, no seu artigo 89, renovava a matéria, criando tribunais regionais federais, e o artigo 79 previa a criação de um tribunal, a ser estabelecida em lei, sendo que tanto àqueles como a este caberiam atribuições que vieram a incluir~se no âmbito compe~ tencial do Tribunal Federal de Recursos, quando de sua instituição. Entre~ tanto. não vieram a ser editadas as leis ordinárias que dariam vida quer aos tribunais regionais, quer ao previsto no artigo 79 da Carta de 34, que seria o equivalente, com menores encargos, porém, a esta Corte.

O anteprojeto apresentado à Assembléia Nacional Constituinte, em 1933, previa a criação de um Tribunal de Reclamações, que o substitutivo eliminou, para julgamento, em grau de recurso, das questões em que fosse parte a União, ou empresa, sociedade ou instituição, em cuja administração aquela interviesse, salvo as já fixadas como privativas do Supremo Tribunal Federal. Dito Tribunal seria, de certo modo, o que veio a ser criado com a Constituição de 1946, como Tribunal Federal de Recursos. Na discussão do anteprojeto foi alegado, em algumas emendas, que se procurava restaurar Q contencioso administrativo, como lembra João Mangabeira, Relator~Geral, o qual, repelindo o argumento, diz que «é preciso não ter noção do que seja isso, para aS"itl} classificar um Tribunal de Recursos judiciais, incluído

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expressamente entre os órgãos do Poder Judiciário, e cujos Ministros subs~ tituiam os do Supremo Tribunal quando impedidos, teriam as mesmas garantias deste, se nomeariam pelo mesmo processo e em tudo se regeriam pela organização judiciária» (Em Torno da Constituição, pág. 120).

E tinha razão João Mangabeira ao repelir o argumento. A criação do então Tribunal de Reclamações não poderia ser entendido como sendo um contencioso administrativo, eis que fora da estrutura do Poder Executivo e de sua dependência. Não poderia ser confundido aquele Tribunal, como não poderá sê~lo esta Corte, com um contencioso administrativo, pelas razões mesmo da posição que teria aquele e tem este como integrante do Judiciário, um dos três poderes da clássica divisão montesquiana que muitos já consi~ deram desatualizada, mas que veio a ser consagrada na nossa atual Constituição.

Nesta alta Corte vêm a ter solução, na maioria das vezes de forma definitiva, os conflitos entre terceiros e a União ou seus órgãos de admi~ nistração indireta, exceto as sociedades de economia mista. É, em suma, o Estado que vem, sem os seus atributos de império, submeter~se em condições de igualdade jurídica, à decisão do Judiciário. É aspecto este da maior relevância em um Estado de Direito.

Embora no Estado Moderno se venha acentuando a tendência interven~ cionista do Poder Público, sobretudo na área econômica, por absoluta necessidade de atender aos reclamos que a coexistência atualmente exige em todos os quadrantes do mundo, não só internamente entre os interesses individuais e os coletivos, como, externamente, entre os países, o certo é que o respeito ao Poder Judiciário é postulado que se tem mantido como constante.

Tal respeito se deve ao Judiciário por ser ele o administrador da Justiça, o que vale dizer, aquele que, dirimindo os conflitos e, portanto, assegurando o equilíbrio social pelo afastamento do arbítrio dos mais fortes, se constitui no esteio organizacional de uma das atividades fundamentais do Estado que, como a administrativa e a legislativa, é elemento integrante da sua estrutura institucional.

Na verdade, a manutenção da harmonia entre o Direito e o Estado se insere como princípio indispensável à estabilidade e ao progresso sociais, interessando ao último, assim, o prestígio das instituições judiciárias para atingir suas próprias finalidades, inclusive, porque nelas é que se poderá buscar a proteção jurisdicional aos direitos do homem.

Jhering, na sua obra clássica, «A Evolução do Direito», acentua que o motivo que determina a separação da Justiça da Administração não se filia apenas na divisão do trabalho, mas sim reside (<na missão particular do direito confrontada com a dos outros ramos da atividade do Estado».

E faz notar que o simples fato da separação exterior da Justiça e da Administração significa que

«o poder público reconhece, em princípio, que o direito tem uma missão muito especial a que se aplicam consideracões diff>­rentes daquelas que se aplicam aos outros ramos de (lua atividade. Pela investidura que ele dá ao Jlli7.. o poder cledara que renuncia

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a exercer por si próprio as funções judiciais. Criando o juiz, limita a sua própria potência nesta parte do direito, cuja realização compete ao Juiz; confia a este o cuidado de dizer qual seja o direito, conforme sua própria convicção, independentemente de toda e qualquer ação governamental; garante a execução da sentença judicial».

o respeito do Estado aos órgãos de atividade jurisdicional assume a sua maior relevância quando são as suas próprias causas que vêm ao exame e julgamento. E, acatando as decisões judiciais, resguarda ele os seus inte~ resses, não só como exemplo de integração ao sistema político que o emoldura, como porque, na verdade, e este aspecto vale enfocar, a revisão judicial dos atos administrativos corrige as distorsões daqueles que se divorciam das normas legais que orientam a conduta do Estado.

Senhores:

Considerando o elemento formal~lógico da doutrina alemã de J ellineck, segundo a qual o Estado se auto~limita pelo direito originário deste mesmo Estado, ou seja, declarado o direito submete~se a ele, e temos que a responsa~ bilidade deste Eg. Tribunal avulta, porque aqui é que, em regra, têm fim as causas de interesse do Estado, nos seus conflitos com terceiros, entregues ao Judiciário, por força mesmo desta auto~limitação.

Anote~se, neste passo, porém, que esta auto~limitação não fere a sobe~ rania do Estado, posto que é ela voluntária e a ela cabe estabelecer a sua maior ou menor amplitude. Mas, estabelecidas as fronteiras desta auto~ limitação, que surge e se fixa pela necessidade de coexistência de interesses, às normas legais submete~se o Estado pela conveniência mesma de respeito ao Direito.

Assim, quando esta Colenda Corte julga questões de tal natureza, deve essencialmente procurar a reta administração da Justiça, certo de que não só estará cumprindo sua missão específica, mas igualmente atendendo a postulados primaciais do próprio Estado, que é o do império da lei e da ordem jurídica, como elemento fundamental ao seu objetivo último, a reali~ zação do bem comum.

Entretanto, Senhores, nobre, mas realmente difícil é julgar. Há os Juízes que interpretam a lei na sua estrita literalidade e os que a vivificam procurando o seu espírito. E não é possível ao Juiz desprender~se de sua condição natural, deixando de entender a lei no seu contexto humano.

Anatole France, no conhecido diálogo dos Juízes íntegros, bem revela a disparidade de critérios na aplicação da lei. Enquanto um entendia desne~ cessário indagar sequer se as leis eram justas, partindo do princípio de que elas o são, cabendo~lhe apenas aplicá~las, na sua letra, o segundo argumentava:

«Devemos raciocinar se a lei que aplicamos é justa ou injusta, porque se a tivermos reconhecido injusta, nos é possível recorrer a qualquer atenuação no emprego que dela formos obrigados a fazer».

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Não é raro que as decisões do Juiz não sejam bem compreendidas, pois, na verdade. nem sempre lhe é possível encontrar, ante os termos dos frios textos legais, a solução que lhe pareça a melhor, porque decidir com justiça, será, em linguagem jurídica, em conformidade com o direito, o que, nesta acepção, se confunde com legalidade, como faz notar Mário Guimarães. «Não há de estranhar, por isso» - Diz o mesmo autor:

«que às vezes, decisões rigorosamente justas talo não pareçam aos olhos do leigo. É que para o povo, a conceituação de justiça não se atém ao Direito. Afina com a Moral. E como o Direito e a Moral, na velha comparação de Bentham, são dois círculos concêntricos dos quais o de menor circunferência é o do direito, segue~se que há um largo espaço no qual o povo situa a Justiça e os Tribunais não na reconhecem».

E, Senhores, por este mesmo motivo, o Juiz como homem, como inte~ grante do seu meio social, sabendo, portanto, também, que a conceituação do Direito há de afinar~se com a Moral, e que muitas vezes o rigorismo do texto legal ainda não se ajusta ao sentimento do grupo social, gostaria, por certo, resolvendo o seu conflito interior, de poder adotar aquela mesma solução do Aerópago ateniense que, com hábil sutileza, em certo caso, em que a severa lei não permitiria absolvição, resolveu, como relata Aulo Gellio, em face das razões de ordem moral existentes, adiar o julgamento e convocar as partes, sob as penas legais, para nova audiência 100 anos depois ... (Mário Guimarães, ob. cito pág. 25).

O JUiz não deve, não pode, manter~se atado a conceitos tradicionais, apenas porque o sejam, tendo~os como verdades axiomáticas, esquecido de que o sopro renovador anima não só as coisas, como o pensamento jurídico, e se a sociedade evolve e o Estado possui sua dinâmica natural de desenvol~ vimento, «a fixidade do direito, em conseqüência» - na excelente imagem de eminente pensador - «quer como idéia, quer como sentimento, é uma verdade local, ou uma ilusão de ótica intelectual, devida aos mesmos motivos que nos levam a falar na fixidade das estrelas ... ».

Cito E. Block entre os autores que insistiram no tema da pluralidade dos tempos. Este conceito altera a função do Juiz de hoje. Este tem de estar presente no sentido de acompanhar a evolução da comunidade onde o homem está inserido, de maneira a assegurar a intersubjetividade do direito, dando à norma jurídica a comunicação social indispensável.

EscIareça~se que não concordamos aqui com a colocação do neotomismo no «atemporal», já que esta doutrina pretende não se colocar fora do tempo, mas, antes, transcendê~lo, o que é diferente.

Estamos certos que para o Direito não existe uma evolução indefinida, mas antes infinita, embora seus limites estejam delimitados pela situação no momento existente.

Qualquer que seja a posição que assumamos, seja ela social ou psico~ lógica, não podemos deixar de nos fundamentar numa preocupação temporal.

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A cultura, como um «haver» que se sobrepõe à realidade anterior e que pertencerá ao homem como um capital, do qual vai desfrutar e que vai entretê~lo - à cultura «como uma certa maneira de viver a vida», «como uma certa forma dada à história pessoal» nas expressões de Pierre Furter, não pode ficar alheio o Direito.

Assim, os conceitos jurídicos têm de ser permanentemente revisados, cabendo ao Juiz atuar a partir da situação concreta e global, na qual está colocado, norteando~se pelos princípios jurídicos emanados da legislação, não só tomados como base, como ponto de referência, mas igualmente neles se inspirando para a garantia dos direitos individuais e segurança da sociedade que integra, atento ainda aos postulados da soberania do Estado.

O Direito, essencialmente, não deve ser conservador, porque assim seria acreditar que o ideal é a situação do momento: nem os preceitos jurídicos são meramente adaptadores porque implicaria em crer que a socialização será imposta totalmente pela sociedade. O Direito goza, portanto, de uma liberdade relativa dentro das estruturas sociais, liberdade que lhe permite prever a evolução e ser o seu próprio elemento propulsor.

Senhores. Desejo, ao ingressar nesta Corte de tão nobres e elevadas tradições lembrar, numa homenagem de saudade, os nomes dos eminentes Ministros que a integravam quando da criação da Justiça Federal e vieram a falecer. os Ministros Cunha Vasconcellos e Oscar Saraiva, que deixaram uma marca de nobreza, inteligência e probidade que todos aqui mantêm.

O eminente Presidente General Ernesto Geisel, o brasileiro ilustre e de extraordinário espírito público, em cujas mãos seguras se encontra a chefia do País, nomeou~me para o cargo que ora assumo, após aprovação de meu nome pelo nobilíssimo Senado Federal. Em mim confiaram.

Os meus colegas, Juízes Federais da Guanabara, os Senhores Procuradores da República e os servidores daquela Seção Judiciária ofere~ ceram~me as vestes talares. Prometo honrá~las. Prometo tudo fazer para corresponder à confiança que mereci do Chefe do Governo, do Senado da República e de todos aqueles - muitos dos quais aqui se encontram - que me animaram a vir para esta Corte. Agradeço de coração.

E ao integrar este Colegiado ilustre - honra que para mim se constitui em glória com a qual jamais sonhei - termino com as palavras com que encerrei minha oração ao ensejo da instalação da Justiça Federal na Guana~ bara como representante dos meus colegas, na certeza de que meus eminentes pares, tanto como nós, entendemos como Edmund Picard:

«A Justiça, para merecer o seu grande nome, deve abraçar toda a Sociedade, não fornecer as suas vantagens a alguns, mas a todos; não ser apenas a servidora dos poderosos, mas sobretudo dos humildes; não esquecer ninguém e não esquecer nenhuma neces~ sidade; exigir o concurso de todos, mas no limite das forças de cada qual; penetrar na organização social, como um fluido benéfico».

E que Deus me ilumine.

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Discurso proferido pelo Procurador Dl'. Gildo Corrêa Ferraz, por ocasião da posse do Ministro Aldir Guimarães Passarinho.

Honra~me sobremaneira a incumbência delegada de saudar o ilustre Mi~ nistro Aldir Guimarães Passarinho, pela admiração e profundo respeito que infundiram em mim as virtudes e a conduta de S. Ex~.

Relacionamento de longa data permitiu acompanhar a ascensional traje~ tória do então bacharel. meu contemporâneo. trilhando os meandros da vida pública, após se capacitar em cursos de especialização e na prática da advo~ cacia a ultrapassar as veredas tortuosas que se nos defrontam. Destacou~se S. Ex~ nos setores de pessoal do DASP, na legislação de seguro, - obtendo no concurso de Inspetor a primeira colocação no Brasil, aprimorou~se em Direito ,do Trabalho, Civil, Comercial e Penal, compondo bancas examinado~ ras, até assumir a Procuradoria do SESC, participando nesse interreHno de comissões e exercendo chefias as mais destacadas. Atingiu, finalmente, o laurel como Subchefe do Gabinete Civil da Presidência da República, daí gUindado a Juiz Federal.

Ministro Passarinho. V. Ex~ alcançou essa honra suprema, que não constitui dádiva, mas conquista, que não se deveu à reinvindicação, mas a re~ conhecimento e coroação pelos excelentes serviços prestados à Nação. Re~ cordo~me, neste momento, dos primórdios da instalação da Justiça Federal, quando V. Ex~ mereceu a distinção da escolha pelo descortino, equilíbrio, independência, cultura fulgurante, sensibilidade e dedicação, a par da inaba~ lável fidelidade aos princípios, que trouxe do berço, - glória autêntica dos que vos souberam modelar o caráter. Quando eu enaltecia o Governo pela acertada indicação, ouvi de V. Ex" palavras de preocupação ante as respon­sabilidades a assumir, mormente pelo fato de se encontrar afastado das lides forenses há algum tempo. Mas o esforço, a ponderação e o preparo intelectual se refletiram nas primeiras sentenças e se reproduziram como ensinamentos doutrinários nas que se seguiram, constituindo~se em verda~ deiros precedentes jurisprudenciais. E para que peças de tal erudição e juri­dicidade fossem compostas sabia eu das horas da madrugada utilizadas na burilação; não desconhecia, igualmente, que as férias pretensa mente gozadas representavam apenas intervalos mais tranqüilos, aproveitados para atualizar o crescente e asfixiante serviço.

V. Ex" galga essa curul numa época caracterizada por amplas refor­muIações, com inovação de códigos e prometidas modificações na estrutura do Judiciário e com o vosso tirocínio e vivência podereis oferecer valiosa cooperação. Entre as alteraçÕfi:!S introduzidas pelo diploma processual o pré­julgado possibilitará, por certo, celeridade nos julgamentos e o espírito criador do Juiz encontrará reconhecimento cada vez mais crescente. A súmula ado­tada com sucesso pela Corte Suprema terá sucedâneo no Tribunal. Poderia parecer, numa crítica mais precipitada, que a adoção do pré~julgado alargaria excessivamente o poder do Magistrado. A experiência, principalmente nos Estados Unidos, vem demonstrando que tal não ocorre. mas, pelo contrário, a compulsão para qUfi:! o precedente seja prestigiado constitui, sim, uma limi~ tação do poder. Não sucederia o perigo de uma Corte, influenciada por

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tendências de momento, decidir senão em coerência com acórdãos que ante­cederam ao caso, e somente judiciosos e persuasivos argumentos justificariam a reconsideração.

Almejamos que os bons propósitos do Governo na reestruturação do Judiciário não falhem em seus objetivos, para o que deverão contribuir, decisivamente, os subsídios a serem fornecidos pelos próprios Tribunais, com a colaboração do Ministério Público e da obreira classe dos advogados. Tememos que o espírito de economia, a preocupação das Autoridades com as finanças públicas possam esmagar a iniciativa e prejudicar seu desenvol­vimento. Mas dentro das circunstâncias é nosso dever coadjuvar no aperfei~ çoamento do obsoleto aparelho judiciário, para adaptá~lo às mais recentes aquisições da ciência do direito, que concorrem para intensificar a atividade jurisdicional. Contribuem também para o atravancamento a explosão popula~ cionaI. o desenvolvimento da Nação nos diversos retores de exploração da riqueza, com a repercussão dos choques de interesses na arena dos Tribunais. A sua vez, a necessidade de interpretação da kgislação recente e a adoção de novos códigos exigirão dos julgadores as perfeições que a cultura sugere e que a inteligência descobre, não d,;!vendo se exaurir em aplicar os textos no desenvolvimento da vontade do legislador. É profícuo o reflexo da busca de horizontes mais dilatados na interpretação das leis, penetrando em inexplo~ rados campos na doutrina, através de sanção consagradora da jurisprudência, que constitui, no conceito de Ferrara, a elaboração científica do Direito.

Aos Juízes não cabe corrigir as leis. Mas, na SUa exegese, é~lhes atri~ buída valiosa contribuição no evitar ou atenuar os excessos da legislação e no sugerir aos seus elaboradores as modificações imprescindíveis.

Felicidades, Ministro Passarinho. As homenagens ora tributadas a V. Ex~ - que se estendem à diletíssima esposa, Dra. Yesis, incentivo permanente e refúgio nos momentos plangentes - devem causar profundas e insopitáveis vibrações sentimentais. A mensagem que trazemos é de solidariedade e con­fiança, com os aplausos pela investidura, que soma as garantias do passado, os propósitos do presente e a promessa do futuro. Saudamos V. Ex~ na dupla qualidade de componentes de órgão de cooperação das atividades go~ vernamentais e de fiscais da fiel execução da lei, - a Magistratura de Pé, no dizer de Carlos Maximiliano. Conhecemos a têmpera de V. Ex~ e sabemos que a penosa tarefa a cumprir não encontrará guarida no esmorecimento. Comungamos do pensamento de Rui: «Todo o bom magistrado tem muito de heróico em si mesmo, na pureza imaculada e na plácida rigidez, que a nada se dobre, e de nada se tema, senão da outra justiça, assente, cá em baixo, na consciência das nações e culminante, lá em cima, no juízo divino».

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