Disfunções sinusais: do diagnóstico ao implante de ......ção entre a desembocadura da veia cava...

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Disfunções sinusais: do diagnóstico ao implante de marcapasso INTRODUÇÃO Embora existam vários conceitos so- bre frequência cardíaca (FC), define-se como normal quando atende as necessi- dades fisiológicas do organismo para cada situação. Do ponto de vista prático, as disfunções sinusais (DS) podem englobar as alterações próprias do nódulo sinusal (NS), os bloqueios sinoatriais, a síndrome taquicardia-bradicardia e a hipersensibi- lidade do seio carotídeo. As causas mais comuns são os processos degenerativos crônicos como a esclerose do sistema ex- citocondutor, doença isquêmica cardíaca aguda ou crônica, e disfunções autonômi- cas, como na doença de Chagas e diabetes. Algumas formas de DS, principalmen- te as que afetam a estrutura do NS, pare- cem ser decorrentes de uma ação anormal da adenosina. A avaliação diagnóstica pode ser feita por quadro clínico, que se apresenta com astenia, fraqueza, dispneia, intolerância ao esforço e/ou episódios de claudicação cerebral, como tonturas, pré-síncope e síncope. Como métodos auxiliares, podem ser utilizados o eletro- cardiograma convencional ou de longa duração, como a gravação ambulatorial pelo sistema Holter, testes farmacológicos com atropina, teste ergométrico e estimu- lação atrial. O tratamento pode ser feito por meio de fármacos, principalmente as disfunções agudas (fase aguda do infarto do miocárdio, intoxicações exógenas), ou utilizando a estimulação cardíaca, tempo- rária ou definitiva. Estimulação cardíaca definitiva ideal é a que estimula exclusiva- mente o átrio, mas nos casos que mostram anomalia da condução atrioventricular simultânea há necessidade de emprego de dupla câmara. A evolução em longo prazo costuma ser boa e depende da cardiopatia de base ou do modo que se faz a estimu- lação cardíaca definitiva, com possibilida- des de aparecimento de insuficiência car- díaca e fenômenos tromboembólicos. JBAC – Suplemento – 30 anos 1. Serviço de Cardiologia, Hospital do Servidor Público Estadual, São Paulo, SP. E-mail para correspondência: [email protected] JOÃO PIMENTA 1 O ritmo sinusal normal tem origem numa estrutura celular localizada na jun- ção entre a desembocadura da veia cava superior e o átrio direito, composta de células com capacidade autoexcitável chamadas células “P” (pacemaker). Os estímulos aí originados atingem o tecido atrial contrátil através da junção sinoatrial e, posteriormente, o nódulo auriculoven- tricular (AV) pelas fibras intermodais e o feixe de His, despolarizando, finalmente, os ventrículos. Isso ocorre em intervalos regulares de tempo, determinando a FC. A caracterização da FC para um indi- víduo normal é por vezes difícil, já que múltiplos fatores podem exercer influên- cia sobre a função do NS, alterando mar- cadamente o número de impulsos gerados por essa estrutura. A diminuição da FC provocando sintomas foi descrita há mais de um século por Laslett, mas foi Bernard Lown, numa conferência em Londres em 1967, a “Thomas Lewis Lecturer” na So- ciedade Britânica de Cardiologia, o pri- meiro a usar o nome de doença do nódulo sinusal (sick sinus syndrome) 1,2 . CONCEITO Bradicardia sinusal sintomática, pau- sas e paradas sinusais, doença do nódu- lo sinusal, incompetência cronotrópica e síndrome taquicardia-bradicardia são variantes de DS e podem ser considera- das como definição. Assim, as DS englo- bam todas as alterações que ocorrem na FC de origem sinusal, sendo menor que 50 bpm pela III Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Análise e Emissão de Laudos Eletrocardiográficos (2016) 3 . Como a FC pode variar intensa- mente num mesmo indivíduo durante o dia, parece que a melhor definição para bradicardia sinusal seria uma condição que não atende às necessidades fisioló- gicas do indivíduo para uma determina- da situação de momento, levando-se em consideração, principalmente quando em repouso, em atividade física ou mental. Não há limites inferiores para essa frequ- ência, não havendo, portanto, um número fixo abaixo do qual se poderia sugerir bradicardia. Assim, em trabalho realizado com 500 indivíduos assintomáticos com idade entre 50 e 80 anos, o limite inferior da frequência cardíaca foi de 46 bpm para os homens e 51 bpm para as mulheres 4 . Sabe-se que, no repouso, a frequ- ência cardíaca deve ser baixa, devendo aumentar progressivamente nas situações de incremento do tono adrenérgico, como emoção ou exercício físico. Por outro lado, indivíduos considerados normais, mas com ascensão lenta da frequência cardíaca em algumas situações podem também caracterizar disfunção do NS. Atletas, entretanto, apresentam entre 40 e 50 bpm, podendo, durante o sono, chegar a níveis abaixo de 40 bpm ou apresentar pausas sinusais. Uma bradicardia importante (< 40 bpm), principalmente se for persistente e com pouca variação diurna, é indicativa de disfunção do NS. Pausas prolongadas, especialmente na ausência de tono vagal aumentado, bloqueio sinoatrial e ritmo de escape, são sugestivas de doença de longa duração. Do mesmo modo, a síndrome ta- quicardia-bradicardia indica estágio avan- çado da doença, com alterações do NS e do tecido atrial contrátil, progredindo algumas vezes para fibrilação atrial permanente. De- ve-se acrescentar que pausas, noturnas ou mesmo diurnas, podem estar associadas à dispneia obstrutiva do sono. CLASSIFICAÇÃO Existem várias formas de listar as al- terações de funcionamento do NS, mas para facilidade de compreensão, costu- ma-se dispor as DS em cinco grupos que incluem vários distúrbios cuja resposta final é a alteração da FC sob a forma de bradicardia sinusal:

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Disfunções sinusais: do diagnóstico ao implante de marcapasso

INTRODUÇÃO

Embora existam vários conceitos so-bre frequência cardíaca (FC), define-se como normal quando atende as necessi-dades fisiológicas do organismo para cada situação. Do ponto de vista prático, as disfunções sinusais (DS) podem englobar as alterações próprias do nódulo sinusal (NS), os bloqueios sinoatriais, a síndrome taquicardia-bradicardia e a hipersensibi-lidade do seio carotídeo. As causas mais comuns são os processos degenerativos crônicos como a esclerose do sistema ex-citocondutor, doença isquêmica cardíaca aguda ou crônica, e disfunções autonômi-cas, como na doença de Chagas e diabetes.

Algumas formas de DS, principalmen-te as que afetam a estrutura do NS, pare-cem ser decorrentes de uma ação anormal da adenosina. A avaliação diagnóstica pode ser feita por quadro clínico, que se apresenta com astenia, fraqueza, dispneia, intolerância ao esforço e/ou episódios de claudicação cerebral, como tonturas, pré-síncope e síncope. Como métodos auxiliares, podem ser utilizados o eletro-cardiograma convencional ou de longa duração, como a gravação ambulatorial pelo sistema Holter, testes farmacológicos com atropina, teste ergométrico e estimu-lação atrial. O tratamento pode ser feito por meio de fármacos, principalmente as disfunções agudas (fase aguda do infarto do miocárdio, intoxicações exógenas), ou utilizando a estimulação cardíaca, tempo-rária ou definitiva. Estimulação cardíaca definitiva ideal é a que estimula exclusiva-mente o átrio, mas nos casos que mostram anomalia da condução atrioventricular simultânea há necessidade de emprego de dupla câmara. A evolução em longo prazo costuma ser boa e depende da cardiopatia de base ou do modo que se faz a estimu-lação cardíaca definitiva, com possibilida-des de aparecimento de insuficiência car-díaca e fenômenos tromboembólicos.

JBAC – Suplemento – 30 anos

1. Serviço de Cardiologia, Hospital do Servidor Público Estadual, São Paulo, SP.

E-mail para correspondência: [email protected]

JOÃO PIMENTA1

O ritmo sinusal normal tem origem numa estrutura celular localizada na jun-ção entre a desembocadura da veia cava superior e o átrio direito, composta de células com capacidade autoexcitável chamadas células “P” (pacemaker). Os estímulos aí originados atingem o tecido atrial contrátil através da junção sinoatrial e, posteriormente, o nódulo auriculoven-tricular (AV) pelas fibras intermodais e o feixe de His, despolarizando, finalmente, os ventrículos. Isso ocorre em intervalos regulares de tempo, determinando a FC. A caracterização da FC para um indi-víduo normal é por vezes difícil, já que múltiplos fatores podem exercer influên-cia sobre a função do NS, alterando mar-cadamente o número de impulsos gerados por essa estrutura. A diminuição da FC provocando sintomas foi descrita há mais de um século por Laslett, mas foi Bernard Lown, numa conferência em Londres em 1967, a “Thomas Lewis Lecturer” na So-ciedade Britânica de Cardiologia, o pri-meiro a usar o nome de doença do nódulo sinusal (sick sinus syndrome)1,2.

CONCEITO

Bradicardia sinusal sintomática, pau-sas e paradas sinusais, doença do nódu-lo sinusal, incompetência cronotrópica e síndrome taquicardia-bradicardia são variantes de DS e podem ser considera-das como definição. Assim, as DS englo-bam todas as alterações que ocorrem na FC de origem sinusal, sendo menor que 50 bpm pela III Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Análise e Emissão de Laudos Eletrocardiográficos (2016)3. Como a FC pode variar intensa-mente num mesmo indivíduo durante o dia, parece que a melhor definição para bradicardia sinusal seria uma condição que não atende às necessidades fisioló-gicas do indivíduo para uma determina-da situação de momento, levando-se em

consideração, principalmente quando em repouso, em atividade física ou mental. Não há limites inferiores para essa frequ-ência, não havendo, portanto, um número fixo abaixo do qual se poderia sugerir bradicardia. Assim, em trabalho realizado com 500 indivíduos assintomáticos com idade entre 50 e 80 anos, o limite inferior da frequência cardíaca foi de 46 bpm para os homens e 51 bpm para as mulheres4.

Sabe-se que, no repouso, a frequ-ência cardíaca deve ser baixa, devendo aumentar progressivamente nas situações de incremento do tono adrenérgico, como emoção ou exercício físico. Por outro lado, indivíduos considerados normais, mas com ascensão lenta da frequência cardíaca em algumas situações podem também caracterizar disfunção do NS. Atletas, entretanto, apresentam entre 40 e 50 bpm, podendo, durante o sono, chegar a níveis abaixo de 40 bpm ou apresentar pausas sinusais. Uma bradicardia importante (< 40 bpm), principalmente se for persistente e com pouca variação diurna, é indicativa de disfunção do NS. Pausas prolongadas, especialmente na ausência de tono vagal aumentado, bloqueio sinoatrial e ritmo de escape, são sugestivas de doença de longa duração. Do mesmo modo, a síndrome ta-quicardia-bradicardia indica estágio avan-çado da doença, com alterações do NS e do tecido atrial contrátil, progredindo algumas vezes para fibrilação atrial permanente. De-ve-se acrescentar que pausas, noturnas ou mesmo diurnas, podem estar associadas à dispneia obstrutiva do sono.

CLASSIFICAÇÃO

Existem várias formas de listar as al-terações de funcionamento do NS, mas para facilidade de compreensão, costu-ma-se dispor as DS em cinco grupos que incluem vários distúrbios cuja resposta final é a alteração da FC sob a forma de bradicardia sinusal:

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1. Doença do nódulo sinusal (DNS) – bradiarritmia, persistente, geralmente se-cundária à anomalia intrínseca das células “P”, responsáveis pelo automatismo do NS.

2. Bloqueio sinoatrial – devido a al-terações na junção entre o NS e o tecido atrial contrátil.

3. Síndrome taquicardia-bradicardia (taqui-bradi) – episódios de fibrilação ou flutter atrial a cuja reversão espontânea se-gue-se uma bradicardia sinusal importan-te, geralmente sintomática.

4. Hipersensibilidade do seio carotídeo – bradicardia sinusal dependente de altera-ções do suprimento neurogênico do NS.

5. Variações cronotrópicas da FC – ocorrem devido à bradicardia e apareci-mento de ritmos de suplência ou aumento da FC de um foco ectópico, geralmente juncional, bem como descargas vagais le-vando à bradicardia e pausas, mais comuns durante o sono. Isto também pode ocorrer em portadores de apneia obstrutiva do sono.

1. Doença do NS

Resulta de uma alteração exclusi-va na formação dos impulsos nas cé-lulas “P”, sendo caracterizada por uma frequência cardíaca persistentemente baixa, arrítmica, provocando sintomas (Figura 1). Essa diminuição da automa-ticidade pode estar relacionada à doença intrínseca do NS, com esclerose e des-truição das células “P”, ou decorrente de fatores extracardíacos (metabólicos e ação farmacológica). Pode manifestar-se como bradiarritmia ou paradas sinusais, com ausência total de atividade atrial, devido à falência na formação do im-pulso nas células “P”, forma como foi descrita1. As pausas são consideradas patológicas quando a duração excede 3 segundos, embora nem sempre indi-quem, por si só, necessidade de trata-mento específico. Em pacientes jovens e saudáveis, como nos atletas, mormente nos períodos de maior ação vagal, po-dem ser encontradas pausas maiores, sem apresentar caráter de patogenici-dade. Tem sido encontrada, também, em portadores de apneia obstrutiva do sono cujo tratamento adequado evita o implante de marcapasso. Agudamente, é comum ser uma exteriorização do com-prometimento do NS na fase aguda do infarto do miocárdio (IAM) de parede inferior, já que a artéria culpada por esse

evento é a coronária direita, de onde se origina o ramo que irriga o NS. Desse modo, quando a lesão coronariana se localiza antes do local onde se origina a artéria do NS, este poderá ficar isquê-mico e provocar bradiarritmia. Doenças crônicas degenerativas e inflamatórias, como esclerose idiopática do NS (ate-rosclerose), diabetes e cardiopatia cha-gásica crônica, também podem provocar disfunção do NS. Atualmente, algumas formas de DS vêm sendo creditadas à ação da adenosina5,6. Nos idosos, altera-ções nos canais de cálcio são responsá-veis por tais alterações, sendo sequelas do envelhecimento7,8.

2. Bloqueio sinoatrial

É causado por alterações no tecido perissinusal entre as células ”P”, consideradas como normais, e o tecido atrial contrátil. É de ocorrência incomum, talvez porque seja pouco reconhecido, sendo interpretado, na maioria das vezes, como simples bradiarritmia. Assim, inter-preta-se que o NS está com as células “P” despolarizando-se de forma normal, mas a condução do estímulo entre essas células e o tecido atrial ordinário está comprome-tida. Fora do momento das pausas, a FC é considerada normal, diferente da doença

do nódulo sinusal, onde a bradiarritmia costuma ser constante. É classificado como sendo de 1º, 2º e 3º graus, à semelhança dos bloqueios AV. O bloqueio sinoatrial de 1º grau seria um atraso na entrada do im-pulso sinusal no miocárdio atrial contrátil e não é detectado pelo eletrocardiograma (ECG) de superfície, sendo, portanto, pra-ticamente impossível o seu diagnóstico pelos métodos da rotina clínica atual, bem como sem manifestação clínica ou ele-trocardiográfica. Com estimulação atrial programada por meio de extraestímulos pode inferir-se um atraso na condução si-noatrial, mas é apenas uma conclusão in-direta e sem aplicabilidade prática nos dias atuais. Por meio do registro do potencial do NS poder-se-ia identificar um bloqueio sinoatrial do 1º grau, mas essa técnica diagnóstica nunca foi e não é usada como rotina9-11. O bloqueio sinoatrial do 2º grau é subclassificado em dois tipos: a) tipo I (Wenckebach sinoatrial), caracterizado por encurtamento gradual e progressivo do ciclo sinusal precedendo uma pausa, sen-do que o intervalo “PP“ que inclui a pau-sa é menor que 2 vezes o intervalo “PP” que precede a pausa, e intervalo “PP” que se segue à pausa é maior que o intervalo “PP” que a precede (Figura 2); b) tipo II, caracterizado por ausência súbita de um

Figura 1 – Disfunção sinusal por alteração específica das células do nódulo sinusal. Traçado de Holter obtido de uma portadora de bradiarritmia sinusal e acompanhada clinicamente há 15 anos, mas com sintomatologia recente. Observa-se arritmia sinusal bradicárdica, sem repetição de dois ciclos semelhantes, característica de alterações das células pacemakers do nódulo sinusal.

Figura 2 – Bloqueio sinoatrial do 2o grau, tipo I. Derivação D1. NS indica nível do nódulo sinusal; SA, condução sinoatrial; e AD, átrio direito; medidas em milissegundos. Traçado exibe arritmia rítmica com dois grupos de três batimentos sinusais seguidos por pausa. Notar que os intervalos P-P exibem ciclos progressivamente menores aos quais se segue uma pausa. Essa sequência eletrocardiográfica é característica de bloqueio sinoatrial do 2º grau, tipo I (Wenckebach na junção entre o NS e o tecido atrial contrátil, AD). O ciclo básico de despolarização do NS pode ser calculado pela divisão do intervalo entre as duas ondas P que iniciam cada ciclo (onda P nº 1 e a de nº 4, ou nº 4 e nº 7) pelo número de ondas P que formam o grupo de ativação atrial entre as pausas acrescido de 1. Esse cálculo fornece o ciclo básico que indica aproximadamente a FC sinusal em condições normais. Observar o nível NS do diagrama que representa a atividade intrínseca do NS. Assim, no primeiro bloco 4:3, ciclo básico = 1.000 + 880 + 1.800 ÷ 3 + 1 = 920 ms e no 2º, 895 ms. Observar que, diferentemente da doença do nódulo sinusal, mostrado na Figura 1, não há grandes variações nos ciclos sinusais basais, e quando ocorre, o faz dentro de uma lógica calculável. Considerar também que o grau dos atrasos diminui com a sequência do ciclo.

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batimento sinusal, precedido por ciclos “PP” semelhantes, podendo ter pequenas diferenças decorrentes da própria variação do ritmo sinusal normal. Em contraste à parada sinusal, a duração da pausa no blo-queio sinoatrial do tipo II apresenta um valor múltiplo aproximado do ciclo básico sinusal, podendo ser observadas pausas de 2, 3 ou mais vezes o intervalo “PP” basal (Figura 3). O tipo III seria a dissociação completa entre a liberação dos impulsos pelas células “P” e a ativação atrial, meca-nismo não detectável pelo ECG comum.

Os bloqueios sinoatriais geralmente decor-rem de alterações degenerativas da região perissinusal, como a esclerose do sistema de condução.

3. Síndrome taquicardia-bradicardia (taquibradi)

Descrita por DS Short, em 195412, é caracterizada por episódios de taquiarritmias tipo fibrilação atrial, flutter atrial ou taquicardia atrial ectópica, seguidos de bradicardia sinusal

ou parada sinusal após a cessação da fase de taquicardia (Figura 4). Decorre de alterações mais difusas e avançadas do átrio, envolvendo o NS e o miocárdio atrial ordinário, às vezes atingindo estruturas do sistema juncional AV. É consequente a processos degenerativos, identificando alterações estruturais avançadas no átrio direito como um todo, englobando o NS, as fibras internodais (que unem o NS ao nódulo AV) e o nódulo AV.

4. Hipersensibilidade do seio carotídeo

É frequentemente observada em idosos portadores de hipertensão arterial e/ou coronariopatia, sendo encontrada em 5 a 25% da população assintomática, manifestando-se, porém, como episódios de síncope em 5 a 20% desses pacientes, também chamada de síncope vasovagal, neuromediada ou neurocardiogênica. O mecanismo fisiopatológico é o aumento do tono parassimpático, precedido por ativação simpática, que reflexamente provoca bradicardia sinusal, distúrbio da condução AV com aumento do inter-valo PR até bloqueios AV avançados13. Pode apresentar-se clinicamente com resposta cardioinibitória, vasodepresso-ra ou mista. A resposta cardioinibitória é caracterizada por uma bradicardia e/ou pausa sem atividade atrial (Figura 5), enquanto que a vasodepressora, por uma redução na pressão arterial que se asso-cia a sintomas e sem documentação de bradicardia. A mista apresenta simulta-neamente os dois componentes. Deve-se a alterações funcionais do sistema ner-voso autônomo, podendo também estar associada a doenças do pescoço, como tumor do corpo carotídeo, da tireoide, da parótida, cicatrizes tissulares e aumen-to de linfonodos. Além disso, fármacos como betabloqueadores, metildopa e di-gitálicos podem estar associados a essa entidade.

5. Incompetência cronotrópica

É uma situação, às vezes, interpretada como DS que se exterioriza por intolerância ao esforço, astenia, sonolência e quadros de claudicação cerebral, mas raramente síncope. Fisiopatologicamente, deve-se a uma deficiência da transmissão da ativação simpática ao coração, provocando uma bradicardia sinusal e aparecimento de

Figura 3 – Bloqueio sinoatrial do 2º grau, tipo II. O traçado superior mostra ritmo sinusal com pequenas variações nos ciclos PP, ocorrendo subitamente uma pausa (entre as ondas P, com setas) e duração aproximadamente o dobro do ciclo sinusal basal, indicando um bloqueio sinoatrial 2:1. Baseando-se no diagrama da Figura 2, não há aumento na condução SA e subitamente ocorre bloqueio nesse nível. No traçado intermediário ocorre o mesmo fenômeno, mas uma pausa maior, equivalente a 5 ciclos sinusais, já que após a 4ª onda P (da esquerda para a direita) somente reaparece o ritmo sinusal com a onda P indicada pela seta, 4.840 ms depois, indicando um bloqueio sinoatrial prolongado. Observar um escape juncional antes da captura ventricular pela P sinusal. O traçado inferior demonstra claramente a ausência de ativação atrial, utilizando-se um eletrocardiograma com dois canais simultâneos, derivação periférica (D1) e outra esofagiana, e que o tempo entre as ondas P indicadas pelas setas (2.880 ms) é três vezes o ciclo sinusal básico (960 ms), indicando bloqueio SA do 2º grau, tipo II, 3:1 – três despolarizações do NS para uma onda P manifesta. Notar, também, o escape juncional antes da captura ventricular pela P sinusal.

Figura 4 – Síndrome bradicardia-taquicardia. Traçado obtido pelo Holter, mostrando um episódio de fibrilação atrial que se interrompe espontaneamente, seguido de uma pausa prolongada e surgimento de ritmo sinusal.

Figura 5 – Hipersensibilidade do seio carotídeo. Traçado com derivações simultâneas, durante massagem do seio carotídeo, mostrando ritmo sinusal com pausa prolongada que termina com ritmo sinusal com condução AV e discreto aumento do intervalo PR. No meio da pausa nota-se onda P sem ser conduzida para os ventrículos, denotando uma depressão da condução AV, simultaneamente à intensa bradicardia característica de uma descarga vagal atuando sobre os nódulos sinoatrial e atrioventricular.

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focos de suplência, atriais ou juncionais14. Eletrocardiograficamente, se manifesta por três formas principais (Figura 6): a) bradicardia sinusal e aparecimento de um foco ectópico de suplência que passa a dominar o ritmo basal (“substituição”); b) ritmo ectópico com frequência ligeiramente maior que o ritmo sinusal basal, passando a ocupar a FC (“usurpação”); e c) ação vagal importante, com bradicardia sinusal, distúrbios da condução AV e/ou pausas prolongadas. Na maioria das vezes, são de ocorrências transitórias e sem caracterizar uma doença, mais dependentes do balanço anormal do sistema nervoso autônomo15.

ETIOLOGIA

As DNS podem ser transitórias e reversíveis, secundárias a doenças car-díacas estruturais ou à ação de subs-tâncias químicas, cardioativas ou não (Quadros I e II).

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

Apesar de a DNS ser encontrada em jovens, é mais frequente em idosos. O paciente pode evoluir por muitos anos de modo assintomático, com início dos sintomas ocorrendo, geralmente, na 6ª ou 7ª década de vida. As queixas mais frequentes são fraqueza, tonturas, astenia física e claudicação cerebral. Síncope e outras manifestações de súbita queda do fluxo cerebral são mais evidentes nos pacientes em idade avançada, já que nesse grupo, por apresentar déficit de circulação cerebral, ocorre maior intolerância aos episódios de pausas mais prolongadas, que podem acontecer nos bloqueios sinoatriais e hipersensibilidade do seio carotídeo. Uma bradicardia sinusal estável e com diminuição contínua do débito cardíaco pode provocar sintomas de fraqueza, astenia e limitação física, mas raramente síncope. Até mesmo insuficiência cardíaca pode ser observada nas bradicardias crônicas, mas com ritmo estável. Os fenômenos tromboembólicos têm sido relatados em 16% dos pacientes com disfunção do NS, sendo que a maioria dos estudos revelam que essas situações estão associadas à síndrome taqui-bradi, provavelmente decorrente dos episódios

1. Causas autolimitadas e reversíveis

Aumento do tono vagal (qualquer causa)

Hipercapnia

Hipercalemia

Hipotermia

Infarto agudo do miocárdio

Injúria cirúrgica do NS

Miocardites (incluindo reumáticas e diftéricas)

Pericardite aguda

2. Causas crônicas e irreversíveis

Amiloidose

Ataxia de Friedreich

Câncer metastático

Distrofia muscular miotônica e de Duchenne

Doença esclerodegenerativa

Doença familiar do NS

Doença isquêmica do coração

Embolia sistêmica

Hemocromatose

Hipersensibilidade do seio carotídeo

Hipotireoidismo

Injúria cirúrgica do NS

Lúpus eritematoso sistêmico

Prolapso valvar mitral

Quadro I – Causas de bradiarritmias sinusais.

Figura 6 – Incompetência cronotrópica. Traçados obtidos de gravação de 24 h. O traçado superior após a 4ª onda P sinusal (da esquerda para a direita) mostra discreta lentificação da FC, com pequeno aumento do ciclo sinusal e aparecimento de ritmo atrial ectópico para manter uma frequência adequada por “substituição” do ritmo cardíaco pelo foco atrial ectópico, geralmente originado no átrio esquerdo. No traçado intermediário, o 3º intervalo PR (da esquerda para a direita) torna-se menor devido a um ritmo juncional que “ocupa” a FC, levando a um padrão de dissociação AV; isso costuma ser chamado de “usurpação” da FC pelo ritmo juncional. Finalmente, no traçado inferior ocorre uma pausa durante o sono e aumento do intervalo PR – ou mesmo onda P – bloqueada e escape juncional, evidências típicas de ação vagal com bradicardia sinusal e distúrbio na condução AV.

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de fibrilação atrial (FA). A possibilidade de síncope por hipersensibilidade do seio carotídeo deve ser suspeitada, principalmente quando as manifestações de claudicação cerebral estiverem associadas a atividades ou movimentos que sugerem compressão do seio carotídeo (ato de barbear-se, colocar gravata, usar colares ou ao girar a cabeça).

CONSIDERAÇÕES DIAGNÓSTICAS

1. Avaliação clínica

Para comprovação diagnóstica da disfun-ção do NS é necessário documentar as altera-ções eletrocardiográficas, correlacionando-as com os sintomas, visto que períodos de bra-dicardia sinusal ou pausas podem ser comuns em indivíduos normais. O ECG é um impor-tante método para avaliar pacientes com sus-peita das várias formas de bradicardia sinusal, porém, nem sempre as situações que causam sintomas se manifestam no momento da to-mada de um traçado de 12 derivações. Assim, as alterações do ritmo são melhor avaliadas pela monitorização ambulatorial pelo sistema Holter, com registro de episódios de bradi-cardia sinusal sintomática de pausas sinusais, de taqui-bradi e seio carotídeo hipersensível.

Nas suspeitas de hipersensibilidade do seio carotídeo, a compressão ou massagem do seio carotídeo poderá provocar longas pau-sas e reproduzir as manifestações de clau-dicação cerebral.

2. Eletrocardiograma

O ECG convencional tem contribui-ção limitada, pois os sintomas em ge-ral são rápidos e/ou intermitentes, nem sempre documentados no momento do registro de um traçado de rotina. Bra-dicardia sinusal - 60 bpm - são achados comuns em pessoas normais ou durante o sono, e não necessariamente constitui evidência de DNS. A análise da duração e morfologia da onda P ao ECG pode predizer a recorrência de fibrilação atrial em pacientes com DNS, pois sabe-se que morfologia da onda P sugestiva de bloqueio intra e interatrial é o preditor mais importante de fibrilação atrial.

A DNS é representada por vários crité-rios eletrocardiográficos, originariamente agrupados por Ferrer16 da seguinte forma:

a) Bradicardia sinusal importante (< 50 bpm) persistente e não esperada.

b) Curtos períodos de parada sinusal com ou sem aparecimento de ritmo de escape, levando a parada cardíaca (> 3 segundos).

c) Incapacidade para o coração assumir o ritmo sinusal após cardioversão elétrica de fibrilação atrial ou flutter atrial.

d) Fibrilação atrial crônica com resposta ventricular baixa não associada à ação de fármacos e apresentando concomitante disfunção do nódulo AV.

e) Episódios de bloqueio sinoatrial não associados a fármacos.

f) Bradicardia alternando com taquicardia.

3. Monitorização eletrocardiográfica ambulatorial

É o método ideal, documentando bradicardia sinusal ou bloqueio sinoatrial coincidente com tonturas ou síncope, embora se considere a natureza intermitente da anomalia. Em comparação à estimulação atrial programada, estudo utilizando Holter em pacientes com DNS mostrou uma sensibilidade de 60–75%17. Em con-sequência, o gravador de eventos implantável poderia ser útil para se estabelecer o diagnóstico, podendo detectar fibrilação atrial ou pausas prolongadas em pacientes com queixas eventuais.

Outra forma comum de se diagnos-ticar por meio da gravação contínua do ECG é o aparecimento de ritmo ectó-pico, atrial ou juncional, competindo com o sinusal. Assim, há um padrão eletrocardiográfico em que um peque-no alentecimento do ritmo sinusal faz surgir ritmos de suplência, atriais ou juncionais com certa ritmicidade, com uma frequência ligeiramente superior, conhecido como ritmo de “substitui-ção”. Com rigor, essa situação con-figura uma DS. Outra forma ocorre na presença de um ritmo sinusal com FC aceitável e surge o ritmo juncio-nal com frequência maior, passando a comandar o ritmo cardíaco, sendo chamado de “usurpação”. Este não caracteriza uma DS, mas apenas um

Podem causar disfunção sinusal em pacientes com função sinusal normal

Digitálicos*

Quinidina*

Lidocaína*

Atropina**

Carbonato de lítio

Cimetidina**

Betabloqueadores***

Reserpina***

Guanetidina***

Clonidina***

Organofosforados***

Podem piorar a função sinusal em pacientes com função sinusal intrínseca anormal

Betabloqueadores

Digitálicos

Quinidina

Procainamida

Disopiramida

Verapamil

Metildopa

Reserpina

Quadro II – Causas farmacológicas de bradiarritmias sinusais.

*Em níveis tóxicos. **Após administração endovenosa; controverso. ***A diminuição da automaticidade é resposta farmacológica esperada.

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Disfunções sinusais: do diagnóstico ao implante de marcapasso17

ritmo juncional anormalmente acele-rado (Figura 6).

4. Teste ergométrico

Quando a monitorização eletrocardio-gráfica é insuficiente na confirmação de arritmias sinusais e há sintomas sugestivos de bradicardia sinusal, poderá lançar-se mão de outros métodos para se confirmar a suspeita. Assim, uma insuficiente elevação da frequência cardíaca sinusal ao exercício físico, na ausência de fármacos depressores da automaticidade sinusal, sugere DS. Isso pode ser observado em pacientes com possibilidade de denervação autonômica, como em diabéticos e chagásicos. Por isso, é importante para avaliar a habilidade do NS para acelerar a sua frequência de modo apropriado em resposta ao estresse físico. Pacientes com DS costumam apresentar incompetência cronotrópica, definida como a incapacidade de atingir 75% da frequência cardíaca máxima para a idade ou 100–120 bpm ao esforço máxi-mo na ausência de fármacos depressores da automaticidade sinusal.

5. Teste da Mesa Inclinada (tilt-table testing)

Conhecida simplesmente por teste da inclinação, é um método usado para reproduzir os sintomas que os pacientes manifestam sob a mudança rápida da posição postural. Isso ocorre quando, rapidamente, se eleva a posição da ca-beça após permanecer algum tempo na posição horizontal. Em pessoas mais suscetíveis, provoca uma queda do re-torno venoso e diminuição do enchi-mento ventricular, gerando uma resposta adrenérgica, consequente taquicardia numa descarga vagal com interrupção da ação simpática. Subsequentemente, uma vasodilatação, hipotensão e bradicardia, com síncope. É um teste útil, mas com baixa sensibilidade e especificidade, en-dossada por vários estudos recentes18,19.

6. Estimulação atrial

Atualmente é pouco empregada, pois evidências por outros meios são su-ficientes para estabelecer o diagnóstico e a conduta. Assim, o estudo eletrofisio-lógico invasivo pode ser utilizado para avaliar o tempo de recuperação do NS e o tempo de condução sinoatrial, além da condução no nódulo AV e no sistema His-Purkinje. O registro do potencial do

NS, obtido pela primeira vez em 1982, trouxe pouco interesse para os eletro-fisiologistas. Esse método não é usado como rotina, mas seria o único com avaliação direta da função sinusal, bem como da condução sinoatrial11. Em por-tadores de DS associada a bloqueios in-traventriculares, a avaliação do sistema de condução juncional AV se reveste de alguma importância.

TRATAMENTO

A história clínica e o exame físico são essenciais para a abordagem terapêu-tica. Deverão ser corrigidos os fatores desencadeantes como uso inadequado de fármacos, anormalidades endocrino-metabólicas como hipercalemia e hipoti-reoidismo, e outras possíveis causas não cardíacas de bradiarritmias. O tratamen-to pode ser classificado quanto a sua for-ma de apresentação, aguda ou crônica, e pelo tratamento recomendado, sob uma abordagem farmacológica e com uso da estimulação cardíaca definitiva a mais fisiológica possível.

As formas agudas costumam ser de curta duração, podendo reverter de modo espontâneo ou com tratamento. Nos quadros de DS por ação de fárma-cos, estes deverão ser suspensos, como na intoxicação digitálica, doses exces-sivas de amiodarona, betabloqueado-res e alguns bloqueadores dos canais de cálcio. Intoxicações exógenas com substâncias tipo organofosforados, que são inibidores da acetilcolinesterase, deverão ser tratadas prontamente com antídotos apropriados, como a atropina. Bradiarritmias consequentes ao infarto agudo do miocárdio são secundárias ao reflexo de von Bezold-Jarish e respon-dem à administração de atropina e volu-me, com restabelecimento da frequência cardíaca e pressão arterial. Quando se deve à isquemia, como na síndrome de Prinzmetal, o uso de vasodilatadores co-ronarianos de ação rápida é mandatório. Nos casos de acometimento de parede inferior pode ser secundária a isquemia do NS, já que na grande maioria dos in-divíduos recebe suprimento sanguíneo de um ramo da artéria coronária direi-ta; essas situações costumam responder adequadamente à atropina. Caso não haja resposta ao tratamento farmacoló-gico, deverá ser providenciada estimu-lação cardíaca temporária. A regressão

da DS geralmente ocorre após 48 horas, com resolução completa do problema. Há casos em que permanecem por mais tempo e nem sempre o diagnóstico é es-tabelecido, interpretando-se como uma miocardite mas sem comprovação defi-nitiva.

Entre as formas crônicas, a doença esclerodegenerativa é a mais frequente, atingindo as estruturas do NS, provocan-do alterações do automatismo sinusal e da condução sinoatrial. A miocardiopatia chagásica é uma causa frequente de DS, principalmente em indivíduos jovens, por destruição celular ou por acometi-mento do sistema nervoso autônomo que suprem o NS. O uso crônico de diversos fármacos pode causar DS (Quadro II) e, na dependência da necessidade desses medicamentos, a estimulação cardíaca permanente poderá ser necessária como suporte ao tratamento farmacológico.

1. Tratamento farmacológico

Não existe, no momento, fármacos que possam ser utilizados com objetivo de reduzir os sintomas inerentes à claudicação cerebral, redução do tempo de recuperação do NS e número e tempo de duração das pausas sinusais. Diversos fármacos foram usados no passado, como disopiramida, teofilina e o próprio digital, mas atualmente não encontram adeptos.

2. Tratamento com estimulação cardíaca definitiva

O uso da estimulação atrial, ventri-cular ou sequencial de dupla câmara é a forma de tratamento empregada para controle das formas crônicas de disfun-ção do NS. A hipersensibilidade do seio carotídeo, quando houver necessidade de tratamento com estimulação cardíaca, sempre deverá ser tratada com dispositi-vos de dupla câmara. O modo de estimu-lação VVI não previne a ocorrência de síncope na forma mista de hipersensibi-lidade do seio carotídeo.

A estimulação atrial, modo AAI ou DDD, tem demonstrado uma ampla van-tagem em relação à estimulação ventri-cular, com menor taxa de morbimorta-lidade. Apesar do modo AAI ser mais fisiológico, só poderá ser indicado nos casos em que não há distúrbio na con-dução AV e/ou instabilidade atrial. Deve

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ser enfatizado que a instabilidade atrial não é contraindicação absoluta para o modo de estimulação AAI, visto que algumas formas de estimulação atrial tendem a prorrogar o início da fibrilação atrial. O modo DDD tem sido o mais uti-lizado, com programação com intervalo AV adequado para aproveitar o máximo da estimulação atrial isolada. Assim sendo, a escolha do tipo de estimulação é essencial para manter as condições hemodinâmicas, melhorar qualidade de vida e prognóstico em longo prazo. A hi-persensibilidade do seio carotídeo com sintomas de claudicação cerebral deve ser tratada com estimulação cardíaca de-finitiva com dupla câmara.

3. Tratamento com cardioneuroablação

Nos últimos anos tem sido tentada, embora ainda de forma experimental e não empregada como rotina, essa técni-ca que oferece algum horizonte de espe-rança. Recentemente, foi introduzida a técnica da cardioneuroablação na tenta-tiva de cura dessa síndrome com alguns resultados positivos, embora não seja ainda de uso rotineiro20-23.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como há alguma evidência da ação da adenosina sobre o NS, mantendo por longo tempo a bradicardia, talvez esta seja a terapia do futuro, ou seja, a desco-berta de algum antídoto ou bloqueador de receptor da adenosina para controle das bradicardias sinusais permanentes sintomáticas6. Moduladores dos canais de cálcio mais específicos para o NS tal-vez possam contribuir para liberar a FC nos pacientes bradicárdicos e sintomáti-cos, pois já se conhecem bloqueadores de canais de cálcio que induzem a au-mento da FC (anlodipina)24,25. Mas a te-rapia genética será a mais impactante, e não devemos duvidar que ela chegará26.

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