Disparos Acidentais, Brigas e Prejuízo Na Taurus - Revista Exame

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23/7/2014 Disparos acidentais, brigas e prejuízo na Taurus - Revista Exame http://exame.abril.com.br/noticia/guerra-tiro-e-prejuizo/imprimir 1/3 Armas 21/07/2014 05:55 Disparos acidentais, brigas e prejuízo na Taurus A Taurus, maior fabricante de armas da América Latina, vive sua maior crise. Os resultados pioraram, os acionistas não se entendem e algumas armas vendidas para a polícia dispararam sozinhas Ana Luiza Leal , de São Paulo - No ano passado, em meio à onda de protestos que assolava o país, a Polícia Militar de São Paulo resolveu parar de usar, temporariamente, 98 000 pistolas calibre .40. A decisão foi tomada depois de 30 armas terem disparado sozinhas — com a trava de segurança ainda ativada — ou dado vários tiros consecutivos, apesar de o policial ter apertado o gatilho uma única vez. Em alguns casos, só uma chacoalhada foi suficiente para fazer a pistola atirar (a PM não comenta, mas policiais dizem que houve feridos). Entre 2011 e 2012, problemas idênticos haviam sido relatados pelas polícias Civil e Militar do Rio de Janeiro. No fim de 2013, foi a vez da PM do Distrito Federal informar que três submetralhadoras davam tiros em rajada quando o seletor estava na posição de um tiro por vez. O ponto comum desses casos é o fato de as pistolas e as submetralhadoras terem sido feitas pela Taurus, maior fabricante de armas da América Latina e uma das dez maiores do mundo. Com faturamento de 800 milhões de reais, a Taurus reina quase sozinha no Brasil. Mesmo assim, vive uma crise sem precedentes — as armas disparam sozinhas, os acionistas brigam publicamente e, por fim, os prejuízos se avolumam. Fundada em 1939 em Porto Alegre , a Taurus começou como uma fábrica de ferramentas. Depois da Segunda Guerra Mundial, passou a produzir revólveres e, no início da década de 70, foi vendida para a americana Smith & Wesson. Mas os americanos não gostaram do negócio e, em 1977, decidiram revendê-lo para três diretores brasileiros — Luis Fernando Estima, Carlos Murgel e Hebert Haupt. Estima é o único que continua até hoje: detém o maior número de ações com direito a voto, 35% do total. A companhia cresceu por 20 anos, ajudada pelas restrições à importação e à instalação de fábricas de concorrentes estrangeiros no país. Mas, a partir de 1995, com o aumento da fiscalização na venda de armamentos e a proibição da propaganda, as vendas começaram a cair. A Taurus, então, resolveu diversificar. Passou a fabricar máquinas industriais, ferramentas, contêineres, capacetes para motociclistas e coletes à prova de bala. Investiu 100 milhões de reais nisso, um terço de seu faturamento na época, mas só as linhas de capacetes e de coletes deram certo. Também pesou no caixa da empresa a compra das ações dos dois sócios de Estima, que morreram. O melhor resultado da Taurus foi em 2010, quando lucrou 70 milhões de reais. Depois disso, os números pioraram. Nos últimos dois anos, fechou no vermelho — em 2013, o prejuízo foi de 80 milhões de reais — e o

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23/7/2014 Disparos acidentais, brigas e prejuízo na Taurus - Revista Exame

http://exame.abril.com.br/noticia/guerra-tiro-e-prejuizo/imprimir 1/3

Armas 21/07/2014 05:55

Disparos acidentais, brigas e prejuízo na TaurusA Taurus, maior fabricante de armas da América Latina, vive sua maior crise. Os resultadospioraram, os acionistas não se entendem e algumas armas vendidas para a políciadispararam sozinhas

Ana Luiza Leal, de

São Paulo - No ano passado, em meio à onda de protestos que assolava o país, a Polícia Militar deSão Paulo resolveu parar de usar, temporariamente, 98 000 pistolas calibre .40.

A decisão foi tomada depois de 30 armas terem disparado sozinhas — com a trava de segurançaainda ativada — ou dado vários tiros consecutivos, apesar de o policial ter apertado o gatilho uma únicavez. Em alguns casos, só uma chacoalhada foi suficiente para fazer a pistola atirar (a PM nãocomenta, mas policiais dizem que houve feridos).

Entre 2011 e 2012, problemas idênticos haviam sido relatados pelas polícias Civil e Militar do Rio deJaneiro. No fim de 2013, foi a vez da PM do Distrito Federal informar que três submetralhadoras davamtiros em rajada quando o seletor estava na posição de um tiro por vez.

O ponto comum desses casos é o fato de as pistolas e as submetralhadoras terem sido feitas pelaTaurus, maior fabricante de armas da América Latina e uma das dez maiores do mundo.

Com faturamento de 800 milhões de reais, a Taurus reina quase sozinha no Brasil. Mesmo assim,vive uma crise sem precedentes — as armas disparam sozinhas, os acionistas brigam publicamentee, por fim, os prejuízos se avolumam.

Fundada em 1939 em Porto Alegre, a Taurus começou como uma fábrica de ferramentas. Depois daSegunda Guerra Mundial, passou a produzir revólveres e, no início da década de 70, foi vendida para aamericana Smith & Wesson. Mas os americanos não gostaram do negócio e, em 1977, decidiramrevendê-lo para três diretores brasileiros — Luis Fernando Estima, Carlos Murgel e Hebert Haupt.

Estima é o único que continua até hoje: detém o maior número de ações com direito a voto, 35% dototal. A companhia cresceu por 20 anos, ajudada pelas restrições à importação e à instalação defábricas de concorrentes estrangeiros no país. Mas, a partir de 1995, com o aumento da fiscalização navenda de armamentos e a proibição da propaganda, as vendas começaram a cair.

A Taurus, então, resolveu diversificar. Passou a fabricar máquinas industriais, ferramentas,contêineres, capacetes para motociclistas e coletes à prova de bala. Investiu 100 milhões de reaisnisso, um terço de seu faturamento na época, mas só as linhas de capacetes e de coletes deramcerto.

Também pesou no caixa da empresa a compra das ações dos dois sócios de Estima, que morreram.O melhor resultado da Taurus foi em 2010, quando lucrou 70 milhões de reais. Depois disso, osnúmeros pioraram.

Nos últimos dois anos, fechou no vermelho — em 2013, o prejuízo foi de 80 milhões de reais — e o

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endividamento, que respondia por quatro vezes a geração de caixa em 2012, cresceu para oito vezes.

Além disso, as exportações para os Estados Unidos, seu maior mercado fora do Brasil, diminuíram28% no primeiro trimestre, porque a concorrência tem vendido produtos de melhor qualidade pelomesmo preço, segundo executivos do setor. Procurados, os executivos da Taurus não deramentrevista.

Com poucos recursos disponíveis, a companhia deixou de investir em modernização. Profissionais dosetor dizem que a linha de produção é antiga e pouco eficiente e que a quantidade de produtos queeram fabricados até o fim do ano passado, cerca de 5 000, era excessiva. Nem todos davam lucro eera impossível fazer testes de qualidade cuidadosos.

A Taurus começou a fazer mudanças em 2013. Está implementando um novo sistema de produçãopara tentar minimizar falhas e, em março, reduziu o número de produtos fabricados para 800 — oobjetivo é chegar a 400 até dezembro. Mas os investidores ainda não se convenceram do plano: nesteano, as ações caíram 64%, a maior baixa da Bovespa.

Mesmo que as mudanças deem certo, há outro risco para os investidores: a disputa entre Estima e osacionistas minoritários — o principal deles é a Previ, fundo de pensão do Banco do Brasil — paraconseguir maioria no conselho de administração e, assim, mandar na empresa.

No início de 2013, Estima propôs fazer uma oferta de ações para captar recursos e reduzir oendividamento da companhia. Os minoritários, que tinham maioria no conselho, vetaram. Para eles,ainda que tenha prejuízo, a empresa consegue renegociar as dívidas e amortizá-las com a geração decaixa.

Em seguida, Fernando Estima, sobrinho de Luis Fernando e conselheiro da Taurus, pediu para sair docargo, o que dissolveu o conselho e obrigou a empresa a convocar uma nova eleição de conselheiros.

Antes da eleição, Estima negociou a entrada da Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC), maiorfabricante de munição do país, no capital da empresa: vendeu parte de suas ações à CBC, quecomprou outras no mercado até ficar com 15% de participação.

Assim, Estima, CBC e outros acionistas passaram a ter maioria no conselho. De acordo cominvestidores, o objetivo da nova oferta de ações é permitir que a CBC compre mais papéis e que asduas empresas caminhem para uma associação (a CBC não deu entrevista).

Numa reunião de conselho em 27 de junho, Estima conseguiu outra vitória: não ser questionado sobrea venda da subsidiária de máquinas e ferramentas da Taurus, feita em 2012.

Uma consultoria contratada pelo conselho anterior apontou irregularidades na venda da subsidiária paraa metalúrgica SüdMetal, do empresário Renato Conill, que foi lobista da Taurus junto ao governo navotação do estatuto do desarmamento, em 2003.

O atual conselho decidiu que o parecer precisa ser analisado por uma nova empresa. “Essa disputaestá tirando o foco do que importa, que é investir para melhorar a qualidade”, diz André Gordon, sócioda gestora GTI, que investe na Taurus.

Em tese, a sociedade entre Taurus e CBC, que tem o monopólio da fabricação de munição no país, éótima para as empresas. Juntas, elas têm mais força para competir com companhias estrangeiras,como a austríaca Glock e a checa CZ, que planejam instalar fábricas aqui (a lei brasileira passou apermitir isso em 2012).

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Ainda assim, os minoritários estão torcendo contra: esperam que o Conselho Administrativo de DefesaEconômica vete a união, porque assim voltariam a ter ingerência na gestão da Taurus. Os investidoresfizeram duas reclamações na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que, até o fechamento destareportagem, não havia aberto processo para investigar o caso.

A Taurus afirmou, por e-mail, que o problema das armas com defeito já foi resolvido. Já a PM de SãoPaulo disse, também por e-mail, que “há relatos, relatórios e laudos de armas que, após a correçãoefetuada, ainda apresentaram problemas de disparos acidentais”. É um problemão — mas apenas umdos que a Taurus precisa resolver.