DISPONIBILIDADE DE ÁGUA DOCE
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DISPONIBILIDADE DE ÁGUA DOCE Haverá água doce suficiente para as necessidades
humanas deste planeta?
CIV 211
ANA CUNHA – EC09044
LUÍS PEREIRA – EC09095
MARIA SANTOS - EC09112
MIGUEL RIBEIRO – EC09094
RUI MARRANA – EC09133
Supervisor: Professor Doutor Cheng Chia-Yau
Monitor: Rúben Joel de Oliveira Guedes
OUTUBRO 2009
AGRADECIMENTOS
Embora o presente documento seja apresentado como o resultado de um trabalho de poucas semanas,
é no fundo, uma aprendizagem profunda para futuros trabalhos. É o primeiro relatório que realizámos
na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e este não seria possível sem a colaboração
incansável do supervisor Professor Doutor Cheng Chia-Yau e do monitor Rúben Joel de Oliveira
Guedes.
A estes o nosso especial agradecimento.
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RESUMO
O presente relatório, realizado no âmbito da disciplina Projecto FEUP, tem como objectivo estudar e
dar a conhecer a disponibilidade da água doce no mundo, as dificuldades que a população sofre
quando esta falta, devido às secas e à escassez de água, os conflitos económicos, sociais e políticos
que se criam e várias medidas e soluções para estes mesmos problemas.
Para o efeito, tendo em vista a elaboração deste trabalho, é necessário dar a conhecer de que recursos
hídricos dispomos actualmente, enquanto população mundial, tendo em conta a sua distribuição
geográfica, facilidade de acesso e as necessidades de uma sociedade em ascensão, cuja demanda de
água potável é cada vez maior. Em seguida, esclarecem-se essas mesmas necessidades e demonstra-se
que usos damos à água e se o fazemos de forma sustentada, salvaguardando o futuro de um recurso
finito que, dada a situação actual, se crê que seja rapidamente saturado. Essa problemática ainda é
mais agravada devido às secas e restantes alterações climáticas que apenas contribuem de forma
negativa para a existência da água enquanto recurso incansavelmente utilizado pelo homem.
Finalmente, propõe-se algumas medidas para uma melhor utilização e gestão da água assim como
outras alternativas, tais como a utilização das águas dos mares e oceanos para fins de consumo
humano, depois de serem anteriormente tratadas.
A metodologia de trabalho e o seu desenvolvimento passaram pela tentativa de arranjar informação e
dados válidos e correctos, sendo que pesquisa foi maioritariamente feita utilizando a internet. Na
primeira fase de elaboração do relatório foi feita uma pesquisa exaustiva sobre o tema e subtemas
relacionados, procurando cruzar várias informação e assegurar a veracidade das mesmas, sendo que
na segunda fase o tratamento dessa informação para posterior apresentação no presente relatório foi o
objectivo principal, até à conclusão do trabalho propriamente dito.
Vários objectivos foram atingidos com a elaboração do relatório. Foi tratada e reunida informação que
permite uma leitura eficaz sobre o tema, permitindo uma percepção clara sobre a disponibilidade da
água doce no mundo e as implicações que a sua falta está a trazer.
PALAVRAS-CHAVE: disponibilidade da água doce, necessidade sustentável, consumo, seca e escassez
de água, valor da água.
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ÍNDICE GERAL
1. Introdução pág. 1
2. Água doce disponível e consumo: definição, quantificação, disponibilidade pág. 2
3.Consumo de água doce: necessidade sustentável pág. 5
3.1 Relatório do Desenvolvimento Humano 2003 pág. 5
3.2 Dimensão do Problema pág. 5
3.3 Comissão das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável pág. 6
3.4 Metas Internacionais para resolução do problema pág. 7
4. Balanço da água doce: disponibilidade vs consumo pág. 8
4.1 Como é usada a água pág. 8
4.2 Definições de utilização de água, conservação e eficiência pág. 9
4.3 Causas para a fraca disponibilidade de água doce pág. 11
4.4 Medidas que podem ser tomadas para converter esta situação pág. 12
5. Seca e escassez de água pág. 14
5.1Seca pág. 15
5.1.1 Consequências pág. 16
5.2Escassez da água pág. 17
5.3 Alterações climáticas pág. 18
6. Valores qualitativos, internacionais e económicos da água pág. 20
7. Medidas e soluções para a escassez de água pág. 25
7.1 Medidas e soluções pág. 25
7.1.1 Orientações económicas pág. 25
7.1.1.1 Fixar um preço justo para a água pág. 25
7.1.1.2 Melhor ordenamento do território pág. 25
7.1.1.3 Financiamento da eficiência hídrica pág. 27
7.1.2 Melhoria da gestão dos riscos de seca pág. 27
7.1.2.1 Desenvolvimento de planos de gestão dos riscos de seca pág. 27
7.1.2.2 Desenvolvimento de observatórios e de um sistema de alerta
precoce sobre secas pág. 27
7.1.2.3 Optimização da utilização do Fundo de Solidariedade e do
Mecanismo Comunitário de Protecção Civil pág. 28
7.1.3 Consideração de infra-estruturas adicionais de abastecimento de água pág. 28
7.1.4 Promoção de tecnologias e práticas com boa eficiência hídrica pág. 28
7.1.5 Promover a emergência de uma cultura de poupança de água pág. 28
7.2 A dessalinização como alternativa pág. 29
8. Conclusão pág. 30
9. Bibliografia pág. 31
Disponibilidade de Água Doce
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INTRODUÇÃO
Devido à sua grande disponibilidade e abundância, a água nunca foi um motivo de preocupação.
O planeta azul visto do espaço parece apresentar uma quantidade infindável de água, mas de facto esta
é um recurso finito e tão importante que nos últimos anos passou a ser denominado Ouro Azul.
Aproximadamente um terço da população mundial vive em países que se debatem com necessidades
hídricas, onde o consumo de água é superior a 10% dos recursos renováveis de água doce, portanto, a
falta de água será o tema dos grandes debates mundiais no nosso século.
Perante a crise internacional que atravessamos, a água foi um dos últimos recursos naturais que mais
passou a ser discutido.
A ênfase dada ao abastecimento de água, associado à aplicação ineficiente da legislação, tem limitado
a eficácia da gestão dos recursos hídricos, principalmente nas regiões em desenvolvimento.
Foi-nos proposto na disciplina “Projecto FEUP” a elaboração de um relatório que vise uma reflexão
sobre a disponibilidade de água doce a nível mundial.
O nosso trabalho incide sobretudo numa pesquisa global acerca da influência das alterações climáticas
a nível temporal e espacial na precipitação, um balanço entre a água doce disponível e as necessidades
exigidas pela população que está ainda em crescimento e uma previsão da disponibilidade futura deste
recurso.
Disponibilidade de Água Doce
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2 ÁGUA DOCE DISPONÍVEL E CONSUMO: DEFINIÇÃO,
QUANTIFICAÇÃO, DISPONIBILIDADE
Ingrediente essencial à vida, a água é decerto o recurso mais precioso de que dispomos. Esta é o
constituinte mais característico do nosso planeta Terra. É muito frequente o desperdício, a negligência
e a falta de respeito pelo bem mais precioso, já que o futuro da espécie humana e de muitas outras
espécies pode ficar comprometido se não se verificar o controlo dos recursos hídricos terrestres uma
vez que estes são finitos.
Quase toda a água do planeta se encontra nos oceanos. Só uma pequena fracção (menos de 3%) está
em terra e a maior parte desta está sob a forma de gelo e neve ou ainda sob a superfície (águas
subterrâneas). Apenas uma fracção muito pequena (cerca de 1%) de toda a água terrestre está
directamente disponível ao homem e aos outros seres vivos, sob a forma de lagos e rios, na atmosfera,
como humidade do solo ou como componente dos mais diversos organismos.
Chama-se água doce à água dos rios, lagos e à maioria dos lençóis subterrâneos, com uma salinidade
próxima de zero.
A água doce é proveniente de um processo de precipitação de chuva, granizo e neve ou ainda do
degelo.
A maior parte desta água apresenta-se sob a forma de gelo ou neve, armazenada na Antárctida e na
Gronelândia.
A água doce na terra distribui-se da seguinte forma:
Gelos - 77.39%
Águas subterrâneas - 22,03%
Lagos, rios, etc - 0,37%
Humidade no solo - 0,18%
Vapor atmosférico - 0,03%
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Fig.1 - Distribuição da água salgada ou doce, a nível de disponibilidade física.
Por mais que se saiba que apenas 1% da água do planeta tem aproveitamento para consumo humano e
que se divulgue a sua importância, estamos longe de um consumo sustentável deste recurso. O
crescimento urbano, a expansão industrial, a poluição das águas superficiais e subterrâneas e ainda as
mudanças climáticas que provocam severas, secas dificultam a obtenção de água limpa.
O sector agrícola também contribui muito para a redução da disponibilidade deste recurso. Nos dias
de hoje os grandes centros urbanos, industriais e áreas de desenvolvimento agrícola utilizam grandes
quantidades de adubos químicos que diminuem a qualidade da água e podem gerar problemas de
saúde pública.
A quantidade de água doce no mundo está estimada em 34,6 milhões de km3, mas só 10.5 milhões de
km3 correspondem a água doce podendo ser utilizada na vida animal e vegetal.
A sua distribuição é irregular no território. Os fluxos estão concentrados nas regiões inter-tropicais
que possuem 50% do escoamento das águas. Nas zonas temperadas estão 48% e nas zonas áridas
apenas 2%. Para além disso, a sua utilização também difere entre países desenvolvidos e em
desenvolvimento.
O consumo de água doce em países desenvolvidos distribui-se por:
30% na agricultura;
11% no consumo doméstico;
59% na indústria.
Já em países em desenvolvimento:
82% na agricultura;
8% no uso doméstico;
10% na indústria.
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A possível escassez de água não se deve somente à irregularidade da distribuição da água e ao
aumento da necessidade do seu consumo, o que pode gerar conflitos, mas também ao facto de nos
últimos 50 anos a degradação da qualidade da água ter aumentado consideravelmente.
Fig. 2 – Distribuição da água a nível mundial.
A distribuição relativa dos recursos hídricos está definida da seguinte forma: 26% - América do Sul;
36% - Ásia; 15% - América do Norte; 8% - Europa; 11% - África; 5% - Oceânia e 2% - América
Central.
Segundo o relatório da Nações Unidas sobre o Desenvolvimento dos Recursos Hídricos no Mundo,
actualmente 1,3 biliões de pessoas não possui acesso a água potável e cerca de 40% da população
mundial não dispõe de condições sanitárias básicas.
Para se ter uma ideia do agravamento da disponibilidade de água para consumo, a ONU compara essa
disponibilidade em 1950 (16 800 m3 por habitante/ano) e em 2000 (7 300 m3 por habitante/ano)
estimando que as reservas em 2025 serão em média de 4 800 m3 por habitante/ano.
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3 CONSUMO DE ÁGUA DOCE:
NECESSIDADE SUSTENTÁVEL
3.1 RELATÓRIO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO 2003
“O desenvolvimento sustentável pretende satisfazer as necessidades das gerações actuais sem
prejudicar os recursos da Terra de tal forma que as gerações futuras não fiquem impedidas de as
satisfazer.”
In Relatório do Desenvolvimento Humano 2003
A água é necessária à vida em todos os aspectos: é utilizada para beber, tomar banho, cozinhar,
limpar, cultivar alimentos, fazer funcionar máquinas, sustentar os ecossistemas. Isto faz com que a
água seja um dos muitos recursos naturais sobre os quais é necessário desenvolver um conjunto de
medidas para que esta se torne um recurso sustentável.
Mas nem todos os seres humanos têm igual acesso a este indispensável bem natural, não querendo isto
dizer que apenas os países em desenvolvimento têm problemas de escassez: países como a Bélgica ou
o Luxemburgo são países que já lutam contra este problema
Tal como o Secretário-geral das Nações Unidas refere:
“Embora os problemas relacionados com a água sejam mais agudos no mundo em desenvolvimento,
os países desenvolvidos estão em perigo.”
3.2 DIMENSÃO DO PROBLEMA
Consumo doméstico:
No mundo, 8% da água é utilizada para consumo doméstico (beber, limpeza e saneamento);
Um americano comum consome em média 200 litros de água por dia;
1100 milhões de pessoas carecem de acesso a água potável;
2400 milhões dos habitantes do planeta não têm acesso a serviços de saneamento básico (40%
da população mundial);
Uma descarga de autoclismo num país desenvolvido equivale ao consumo médio diário de
água de um habitante de um país em vias de desenvolvimento;
Os habitantes do bairro degradado de Kibeira em Nairobi (Quénia), pagam cerca de 5 vezes
mais por litro de água do que o cidadão americano médio.
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Agricultura:
Cerca de 70% da água doce disponível é utilizada na agricultura. No entanto devido a
sistemas de irrigação deficientes, 60% dessa água acaba por ser desperdiçada;
São necessárias 1000 toneladas de água para produzir uma tonelada de cereais. Logo quanto
maior a necessidade de cereais maior é o consumo de água;
As águas subterrâneas estão a ser consumidas a um ritmo superior ao da sua reposição, o que
leva a que muitos rios cheguem já secos ao mar.
Industria e Energia:
Cerca de 22% da água é utilizada na indústria e o principal problema é a poluição e as
descargas de resíduos feitos sem qualquer controlo;
Construção de grandes barragens significa: produção eléctrica, controlo do caudal de certos
rios, armazenamento de água para irrigação mas também alteração de ecossistemas e a
extinção de determinadas espécies da fauna e da flora.
Saúde Pública:
Um abastecimento de água e um saneamento deficientes conduzem a elevadas taxas de
doenças associadas à água, a reduzidas opções de desenvolvimento económico e a tensões
políticas e civis;
80% das doenças dos países em vias de desenvolvimento devem-se à água insalubre e a um
saneamento e higiene deficientes;
6000 crianças morrem diariamente;
Mais de 3 milhões de pessoas morrem todos os anos, devido a doenças causadas pelas água
insalubre.
3.3 COMISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
A Comissão do Desenvolvimento Sustentável é um órgão subsidiário do Conselho Económico e
Social das Nações Unidas. Esta comissão reúne anualmente por um período de duas a três semanas e é
composto por 53 membros eleitos por mandatos de três anos, segundo uma lógica de grupos regionais
(13 membros – África; 11 membros – Ásia; 10 membros – América Latina e Caraíbas; 6 membros –
Europa de Leste; 13 membros – Europa Ocidental).
As suas principais funções são:
Vigiar e avaliar o cumprimento dos acordos alcançados na Conferência das Nações Unidas
sobre o Ambiente e Desenvolvimento;
Coordenar esforços com outras agências e órgãos das Nações Unidas que tratam das
problemáticas do desenvolvimento e do ambiente;
Motivar e mobilizar a sociedade civil, os governantes, as empresas e as organizações não-
governamentais em torno da necessidade de alterar comportamentos e de construir parcerias.
A Comissão tem desempenhado um papel fundamental nesta área da mobilização de esforços em
torno da necessidade de alterar hábitos de consumo e de produção em nome do desenvolvimento
sustentável.
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Tem ainda promovido estudos nesta matéria e fomentado o diálogo entre as várias entidades (ONG’s,
sociedade civil, empresas, organizações internacionais, governos), pretendendo sobretudo demonstrar
que “usar menos recursos e desperdiçar menos, é o melhor negócio”.
Esta lógica permite poupar dinheiro e proteger o ambiente através da conservação dos recursos
naturais e da redução da poluição, e como tal contribui directamente para garantir a sustentabilidade
do planeta e a sua preservação para as gerações futuras.
Estas funções da Comissão foram reforçadas e aumentadas em 2002 na Cimeira Mundial do
Desenvolvimento Sustentável.
3.4 METAS INTERNACIONAIS PARA RESOLUÇÃO DO PROBLEMA
Em Joanesburgo, na Cimeira Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (2002) os 147 líderes
mundiais presentes vieram reforçar que até 2015 deveria ser reduzida para metade a percentagem de
pessoas sem acesso a serviços de saneamento básico.
Para que estas metas com a água e saneamento sejam uma realidade é necessário:
Aumentar os recursos, através do desenvolvimento de tecnologias de baixo custo disponíveis
ao maior número de famílias.
No caso do saneamento, por vezes não é suficiente fornecer a tecnologia, é necessário levar a cabo
campanhas de sensibilização e de educação higiénica adequada, pois só deste modo a comunidade se
sentirá verdadeiramente envolvida e capaz de garantir a manutenção das infra-estruturas:
Aumentar a equidade no acesso á água e aos serviços de saneamento tanto no que diz respeito
á diminuição das assimetrias entre ricos e pobres, como na distinção entre géneros;
Aumentar os investimentos e limitar os danos ambientais.
Antes que a água se torne numa fonte de conflitos e de feroz competição entre as nações é necessário
transformar esta questão num catalisador de cooperação entre todos os países.
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4 BALANÇO DA ÁGUA DOCE:
DISPONIBILIDADE VS CONSUMO
4.1 COMO É USADA A ÁGUA
A água é utilizada com variados propósitos nas nossas economias e nos ecossistemas naturais. A
agricultura é a actividade que mais água consome a nível mundial, sendo que as estimativas apontam
para que 85% da água utilizada pelo Homem a nível mundial é direccionada para a irrigação na
agricultura. No entanto, apesar de esta utilização da água poder parecer exagerada, ela é vital para a
produção de alimentos. No ano 200, cerca de 270 milhões de hectares de terra eram irrigados com
vista à actividade agrícola. 40% de toda a produção agrícola vem das referidas áreas irrigadas. Assim,
aquando de uma avaliação da utilização da água por sectores de actividade devemos dar particular
atenção a este sector.
A água utilizada na agricultura está envolvida numa série de processos que condicionam o
crescimento das plantas, tais como as variações de temperatura ou a difusão de sais ao nível das
raízes. No entanto a água empregue na agricultura acaba por divergir desta mesma actividade e entrar
no ciclo natural da água através da transpiração das plantas, da evaporação da água do solo ou de
superfícies atmosfericamente expostas ou podem ainda infiltrar-se em lençóis freáticos.
Em contexto urbano e residencial a água é utilizada para diversas actividades no dia-a-dia, o que
inclui cozinhar, limpezas e banhos, irrigação em pequena escala em jardins ou espaços verdes
públicos e ainda na actividade comercial e industrial. Quase todas as formas de produção de bens e
serviços requerem a utilização de água como aspecto fundamental. Por vezes a água entra mesmo no
processo de produção do bem, como por exemplo no caso das bebidas, noutros casos a água é
utilizada para limpeza, arrefecimento ou funcionamento da maquinaria de produção. Uma parte
substancial da água extraída em algumas nações industrializadas é utilizada para a produção de
energia, quer através de uma utilização directa, como no caso da energia hidroeléctrica, ou
indirectamente para a produção de vapor no caso da energia nuclear por exemplo.
Finalmente, a água é ainda utilizada naturalmente nos ecossistemas. No entanto esta parcela de água
não costuma ser tida em conta em estudos ou estatísticas. Muita desta água usada nos ecossistemas
não é sequer utilizada pelo homem directamente, no entanto, a circulação que a água efectua nos
ecossistemas terrestres é vital para a manutenção do bem-estar humano.
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Em 2025, um terço da população mundial vai sofrer sérios problemas de abastecimento de água.
Um dos maiores desafios do século XXI é como a falta de água afecta um terço da humanidade. Esta
é considerada o "ouro" do século XXI e, como tal, é essencial conseguir garantir água em quantidade
e em qualidade para não correr o risco de afectar a vida pública e o próprio desenvolvimento
económico.
4.2 DEFINIÇÕES DE UTILIZAÇÃO DE ÁGUA, CONSERVAÇÃO E EFICIÊNCIA
Há uma confusão considerável na utilização dos termos utilização, necessidade, procura, extracção e
consumo de água. Deve-se ter um grande cuidado aquando da interpretação ou comparação de
diferentes estudos ou pressupostos sobre a utilização da água. O conceito “utilização da água”, num
registo linguístico corrente, pode significar diferentes coisas, referindo-se por vezes à extracção da
água ou então ao seu uso consumptivo. A extracção de água refere-se à água retirada de uma fonte e
utilizada para necessidades humanas. Alguma desta água acaba por retornar à fonte original, sofrendo
no entanto alterações de qualidade, no entanto algumas podem ainda depois disso ser consumidas pela
indústria por exemplo, tornando-a desta forma imprópria para ser reutilizada na mesma base. Desta
forma, dizemos que o consumo de água por parte da indústria é um consumo sem retorno uma vez que
a água não deve voltar à sua forma (um rio por exemplo) sem antes ser previamente tratada.
No entanto, há casos em que a água é utilizada na indústria e em que pode regressar directamente para
a sua fonte, como no caso da produção de energia numa central hidroeléctrica.
A necessidade de água é igualmente um termo ambíguo, mas tipicamente refere-se à quantidade
mínima de água necessária para satisfazer um propósito em particular.
A requisição de água é um conceito do domínio económico utilizado por vezes para descrever a
quantidade de água pretendida por um utilizador. O nível de requisição de água está intimamente
relacionado com a necessidade de água por parte desse utilizador para o fim particular a que o seu uso
se destina. No entanto, a requisição de água poderá variar dentro dum mesmo fim. Por exemplo, a
água necessária para limpar uma sanita é, à partida, menor que aquela que é descarregada e
efectivamente gasta. Mas também a água gasta irá variar, por exemplo, consoante utilizemos um
autoclismo antigo ou um autoclismo recente que esteja fabricado de acordo com as directivas actuais.
Um considerável número de outros termos tem vindo a aparecer no que se refere à água nos últimos
anos. Entre estes termos utilizados para descrever os tipos de água que podem ser poupados no
contexto das inovações tecnológicas e políticas da água surgem por exemplo água real, água de papel
e água nova. Algumas destas distinções podem ser importantes na hora de identificar onde e quando a
poupança de água é mais eficaz.
Como pode ser notado em cima, a utilização da água por parte da indústria pode impedir a água de ser
reutilizada num sistema. A poupança de água neste sector assume por isso uma particular importância,
uma vez que para além da redução do consumo de água ela liberta mais água para ser utilizada para
outros fins.
No entanto a poupança de água nem sempre é igualmente vantajosa. Por exemplo, uma poupança na
água utilizada a jusante dum rio por exemplo (a fonte neste caso) não assume tanta importância como
aquela levada a cabo mais a montante, uma vez que a poupança a jusante terá menos repercussões nos
restantes consumidores. Isto é, se numa cidade próxima da foz de um rio houver uma poupança
efectiva de água ela não estará, por não ser gasta por eles, disponível para utilizadores abaixo deles
pois ela irá sim em direcção ao mar. No entanto uma poupança mais a montante, para além de
disponibilizar mais água para os utilizadores mais a jusante traz ainda outras vantagens, como por
exemplo, aumentar a navegabilidade de um rio, melhorar a qualidade da água a jusante ou ainda
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aumentar a capacidade de irrigação não só a nível local como em todos os consumidores localizados
mais a jusante. Relativamente à agricultura, e especificamente falando do Rio Nilo, apenas 20% a
30% da água de irrigação extraída do rio se perde pela evaporação e transpiração, os restantes 70% a
80% regressam ao curso de água podendo esta ser utilizada mais a jusante. Desta forma as poupanças
a montante podem não ser tão importantes como as mesmas a jusante, mas podem trazer mais
benefícios. No entanto é necessário separar perda de água de desperdício de água. A primeira acaba
por regressar ao curso e voltar a ser utilizada (como a que se infiltra no solo), já a segunda torna-se
imprópria para consumo. Ou seja, o retorno de água que existe depois da irrigação não se torna
desperdício caso esta mesma água seja utilizada mais a jusante.
Ainda relacionados com os problemas da definição do uso da água temos o desafio de como melhorar
esse mesmo uso. Os termos conservação, eficiência e produtividade são por vezes utilizados como
sinónimos quando queremos dizer “fazer mais com menos”. Usado geralmente, o termo conservação
da água refere-se apenas a redução da sua utilização seja por qualquer razão, como a instituição de
novos comportamentos ou o avanço tecnológico.
Uma definição mais específica de conservação da água é qualquer redução socialmente benéfica na
utilização da água ou nas perdas da mesma (nas canalizações por exemplo). Esta definição sugere que
a eficiência deveria não só passar pela redução do consumo de água por actividade mas também por
uma redução social e economicamente contextualizada. Isto conduz-nos então à eficiência económica,
levando-nos a ter em conta todos os custos e a tentarmos levar a conservação até ao ponto em que o
custo da diminuição da requisição e consumo é equivalente ao custo do aumento da capacidade de
fornecimento. A vantagem desta definição é que ela se foca num consumo moderado e numa gestão
do fornecimento com o objectivo de aumentar o bem-estar geral por unidade de água utilizada.
O uso eficiente da água é uma medida mais precisa no que toca à conservação da água, pois ela é que
nos permite avaliar a disparidade entre a água que é necessária a uma certa actividade e aquela que é
efectivamente gasta. Sob esta definição, teoricamente, a utilização mais eficiente da água acontece
quando a sociedade utiliza realmente a quantidade mínima necessária para realizar certa tarefa. Na
realidade, no entanto, esta perfeição raramente é alcançada, senão mesmo nunca. Ou porque a
tecnologia não está disponível ou comercializada, ou porque o custo económico é demasiado elevado,
ou porque o contexto sociocultural o impede.
Finalmente, o conceito de produtividade da água é útil em discussões sobre a utilização da água e
refere-se, habitualmente, à quantidade de produzida por unidade de água utilizada. As quantidades
podem ser físicas (por exemplo toneladas de peso), ou económicas (por exemplo, o valor em euros do
bem ou serviço produzido). Por isso, o termo produtividade da água é uma forma de traduzir a
ideologia atrás referida de “fazer mais com menos”.
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4.3 CAUSAS PARA A FRACA DISPONIBILIDADE DE ÁGUA DOCE
Alterações climáticas:
As alterações climáticas vão induzir perdas crescentes nos ecossistemas (incluindo ecossistemas
marinhos) e na biodiversidade, afectando as espécies e consequentemente os serviços que estes
prestam, dos quais depende a sociedade. Os ecossistemas desempenham um papel directo na
regulação do clima ou até mesmo na protecção contra tempestades. Outros serviços dos
ecossistemas serão igualmente afectados, nomeadamente a oferta de água para consumo
humano. Certas práticas de utilização dos solos e decisões de ordenamento (por exemplo
construção em planícies aluviais), bem como a utilização não sustentável dos mares (por exemplo
sobrepesca), tornaram os ecossistemas e os sistemas socioeconómicos mais vulneráveis e, por
conseguinte, menos capazes de se adaptarem.
Modificarão de forma significativa a qualidade e a disponibilidade dos recursos hídricos
afectando inúmeros sectores, incluindo a produção alimentar, em que a água desempenha um
papel crucial. Mais de 80 % dos terrenos agrícolas são irrigados pela chuva. A disponibilidade
limitada de água já constitui um problema em diversas partes da Europa e é provável que a
situação se deteriore devido às alterações climáticas, prevendo-se que o stress hídrico passe dos
actuais 19 % para 35 %. Este aspecto poderá aumentar igualmente as pressões migratórias.
Frequência de situações de seca;
Má qualidade da água:
Hoje em dia os esforços feitos no tratamento garantem bons níveis de qualidade da água, mas,
nem toda a água distribuída para o consumo humano respeita os níveis de qualidade exigidos.
Aumento do consumo da água motivado pela concentração urbana, pela industrialização,
pelo crescimento populacional e pela subida do nível das populações;
Aumento dos volumes de efluentes lançados nos cursos de água;
Os desperdícios do uso da água são muito elevados, quer no sector doméstico, quer no
sector industrial:
Fig. 3 - Simulador dos gastos de uma família.
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4.4 MEDIDAS QUE PODEM SER TOMADAS PARA CONVERTER ESTA SITUAÇÃO
Tomar duche em vez de tomar banhos de imersão;
Fechar as torneiras quando não se usa a água (o caudal de uma torneira á de 11 a 19 litros de água
por minuto);
Diminuir as descargas dos depósitos de autoclismos;
Usar máquinas de lavar roupa e louça com carga máxima;
Regar o jardim ao final da tarde para evitar desperdícios a nível de evaporação;
Lavar o automóvel com um balde e um pano, em vez de usar uma mangueira de água corrente;
A água de cozedura dos vegetais, depois de arrefecida, ou a água captada da chuva, podem ser
utilizadas para regar as plantas ou o jardim;
Aderir à reciclagem do papel: a produção de papel reciclado gasta menos água que a produção de
papel virgem (1 tonelada de papel reciclado poupa 25 mil litros de água).
A adaptação será um processo longo e contínuo. Processar-se-á a todos os níveis e exigirá uma
coordenação estreita com as partes interessadas.
A UE apoiará os esforços internacionais e nacionais de adaptação, assegurando a disponibilidade de
recursos adequados para medidas de adaptação eficazes e economicamente eficientes, de modo a
estabelecer uma base económica sustentável e sólida para as gerações futuras.
Um dos factores determinantes para a saúde humana é a disponibilidade de água potável. O
crescimento populacional, a industrialização e a expansão da agricultura de irrigação nas últimas
décadas aumentou dramaticamente a necessidade que os seres humanos têm de água.
As principais fontes de água para o consumo humano são as zonas húmidas tais como lagos, rios e os
aquíferos. No entanto, a água que abastece as zonas húmidas e os aquíferos provêm de outros
ecossistemas, principalmente a montanha e as florestas. Contrariamente, muito pouca água provém
dos ecossistemas cultivados ou de áreas urbanas. Globalmente poderíamos até dizer que existe uma
disponibilidade de água doce suficiente, mas o que acontece é que esta encontra-se mal distribuída no
tempo e no espaço, e muitos países utilizam-na de forma insustentável. Juntando isto às
complexidades da gestão da água que atravessa fronteiras, e os impactes cada vez mais sentidos das
alterações climáticas, nomeadamente seca e cheias, e o desafio de nos tornarmos globalmente
sustentáveis no nosso uso de água, torna-se imenso.
Algumas estatísticas relevantes:
Estima-se que 1.4 biliões de pessoas vivem em bacias hidrográficas onde o uso de água excede os
níveis da sustentabilidade;
2 em cada 5 pessoas vivem em bacias de águas internacionais, partilhadas por mais que um país;
Em 2003, 50% de pessoas dependiam de águas subterrâneas, algumas de fontes não-renováveis;
Cerca de 60% das cidades Europeias com mais de 100,000 habitantes dependem de aquíferos
sobre explorados;
20% da água subterrânea é utilizada para a cultura de irrigação, mas entre 15 a 35% dessa
utilização é considerada insustentável.
Apesar de existirem muitos aspectos relativos à gestão da água que têm impactos na saúde pública,
existe uma área particular que se destaca: o impacto que tem uma má gestão das águas na saúde
humana. Se a água é extraída mais rapidamente do que é reposta, os ecossistemas irão, em casos
extremos, “fechar”, havendo uma perda completa dos serviços por eles providenciados. Um exemplo
Disponibilidade de Água Doce
13
bem documentado é o do mar de Aral na Ásia Central, onde a água extraída para irrigação de culturas
reduziu uma zona húmida a pó - causando perda de rendimentos a curto prazo e afectando a saúde das
comunidades que viviam em redor, através de tempestades de areia, erosão, e má qualidade da água
para consumo. No lago Chade, partilhado pelos Camarões, Chade, Nigéria e Niger, as alterações
climáticas, a cultura de irrigação, e má gestão da água, reduziram o tamanho do lago em cerca de 90%
nos últimos 40 anos. Os efeitos nas 20 milhões de pessoas, sobretudo pescadores e agricultores que
dependem directamente do lago, são níveis elevados de má nutrição, que por sua vez levam a uma
maior vulnerabilidade à doença. Um projecto que utiliza uma bacia integrada está a ser estudado para
reverter a situação.
O Dia Mundial da Água foi criado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1993 para promover
a conservação e preservação da água.
Disponibilidade de Água Doce
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5 SECA E ESCASSEZ DE ÁGUA
A falta de água é um fenómeno que preocupa a generalidade dos países no mundo, pois afecta
pessoas, indústrias e comércio de forma dramática. Além disso, todas as estimativas e estudos
apontam para que o cenário actual piore, contribuindo ainda mais para o agravamento desta situação.
Isto acontece devido aos fenómenos meteorológicos e alterações climáticas que, à partida, irão
agravar situações de seca e escassez da água, mas também devido ao uso inapropriado da água, face à
sua disponibilidade. Só na Europa, nos últimos 30 anos, os valores médios de território e população
afectados pela falta de água aumentaram bastante, trazendo enormes custos à economia europeia.
Actualmente, cerca de um terço dos europeus já vive em zonas com problemas de falta de água. Os
países que continuarão a ser mais afectados serão Portugal, Espanha, Itália e todos os outros que
constituem a região sul da Europa. Calcula-se que volume de precipitação seja reduzido em 40% por
volta de 2080, em relação ao valor registado em 1990.
No entanto, é importante notar que a falta de água é apenas uma parte do problema. A contaminação e
a degradação da água considerada potável é uma variável cada vez mais importante na crise que se
vive. Milhões de pessoas já são afectadas em todo o mundo devido a problemas relacionados com a
ingestão de água contaminada ou devido ao contacto com insectos que habitam zonas de água
poluída, por exemplo, originando várias doenças e infecções.
Para percebermos então o verdadeiro impacto de todos estes problemas é preciso identificar as suas
causas: a seca e a escassez de água. Estes dois conceitos são muitas vezes confundidos e tomados
como iguais, mas é preciso fazer uma distinção entre ambos.
Fig.4 - Percentagem do total de doenças causadas por consumo de água imprópria.
Disponibilidade de Água Doce
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5.1 SECA
A seca, resumidamente, é um fenómeno natural, causado pela ausência de precipitação numa
determinada região, normalmente áreas extensas, e num certo período de tempo, geralmente de longa
duração, causando a diminuição da disponibilidade média da água. Este acontecimento vai provocar
alterações que, conforme o período e características do local afectado, poderão ou não ser fatais para
os ecossistemas que ali habitam, casos da fauna e da flora, e poderão afectar também as actividades
humanas, como a agricultura, várias outras indústrias e restantes actividades socioeconómicas,
causando avultados prejuízos a todas elas.
As secas são melhor percebidas se forem estudadas conforme as características do local em questão e
os níveis de utilização de água, pois fazê-lo de forma geral trará grandes inconsistências e erros ao
estudo, que não se identificará com o local e as necessidades em questão.
Há duas grandes categorias pelas quais podemos estudar o fenómeno das secas:
Seca meteorológica: Caracteriza-se pela simples ausência de precipitação em relação aos
valores normais, causando um desequilíbrio entre a quantidade de chuva e a evaporação.
Seca hidrológica: Mais problemática, esta está relacionada com a quantidade de água
armazenada em certos reservatórios (naturais ou não), como barragens e lagoas, causando
então a diminuição de água disponível. Este tipo de seca leva mais tempo a manifestar-se.
Conforme os locais e climas, podemos estudar as secas da seguinte forma:
Seca permanente: Existente nos climas desérticos, é caracterizado pela total ausência de água,
excepto após as violentas tempestades que por vezes se fazem sentir. A agricultura é
totalmente impossível sem o auxílio de uma irrigação artificial e permanente. A vegetação
existente está totalmente adaptada à falta de água.
Seca sazonal: Faz-se sentir em climas semi-áridos. A humidade é pouca, assim como a
precipitação. A agricultura só é possível em período de chuvas. É importante notar que grande
parte dos locais denominados de semi-áridos estão em processo de desertificação, fruto das
alterações climáticas mas também devido à fraca exploração e manutenção desses locais por
parte do homem.
Seca irregular: Pode ocorrer em qualquer região e o seu aparecimento é, geralmente, breve e
imprevisto.
Num contexto social e económico, ainda podemos voltar a separar este fenómeno:
Seca agrícola: Afecta sobretudo as actividades agrícolas e indústrias relacionadas.
Seca urbana: Tem sobretudo a ver com a disponibilidade da água nos sistemas de captação da
mesma, como albufeiras e barragens, para distribuição e abastecimento urbano.
No entanto, é relevante saber que não é apenas a falta de precipitação que caracteriza uma seca. O
estudo destas passa pela definição de várias variáveis que entram nesta avaliação. O intervalo de
tempo e o período temporal em que se desenrola (mês, semestre, estação), a extensão da área afectada,
a temperatura, o escoamento superficial, o volume de água armazenado em barragens e albufeiras, a
humidade, a resistência dos solos, a radiação solar incidente, a questão das águas subterrâneas e nível
freático ou o estado da vegetação existente são variáveis e elementos que têm de ser consideradas no
estudo de uma seca, sendo também importante integrá-lo num contexto de problema social e
económico, devido às repercussões negativas que tudo isto causa às actividades humanas.
Todas estas variáveis são determinantes na análise de uma seca. Além disso, existem também índices
de seca e registos às secas previamente ocorridas, criados para que se possam comparar vários destes
fenómenos e avaliar que consequências poderão trazer à população mundial, cada vez mais
preocupada e alarmada em relação à falta de água.
Disponibilidade de Água Doce
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5.1.1 CONSEQUÊNCIAS
Um período de seca, que não em locais constantemente afectados pela mesma, é, geralmente, um
acontecimento imprevisível. Muitas vezes, só damos conta dela quando as primeiras consequências
aparecem. Isto acontece porque o desenvolvimento de um período de seca é lento e pouco perceptível.
Essas consequências são várias. O deficiente fornecimento de água para abastecimento urbano, a
diminuição do caudal dos rios, diminuição da água em lagos e albufeiras, poços que secam e os
consequentes danos causados à agricultura, às indústrias, à produção de energia eléctrica e à pesca são
alguns exemplos das consequências mais óbvias que as secas provocam. As secas são (ou já foram)
responsáveis pela fome e, por vezes, morte de populações numerosas, provocam movimentos
migratórios em massa, matam criações de gado, destroem espécies selvagens e enfraquecem
economias, criando enormes problemas políticos e sociais.
No entanto, vários outros problemas são causados por períodos de seca. Os incêndios florestais, a
degradação da qualidade da água e a erosão do solo são também consequência das secas e da falta de
água. A flora que habita certos locais também sofre bastante com este fenómeno, devido à falta de
água. Existem, no entanto, espécies com mecanismos próprios para se protegerem das secas: algumas
entram em processos de crescimento quase nulo, poupando no consumo de água e as árvores, por
exemplo, deixam cair as folhas, reduzindo a perda de água desse modo.
Por tudo o que elas provocam, a atenção dedicada às secas tem vindo a aumentar. Isto acontece
devido às crescentes necessidades de água face às disponibilidades reduzidas, mais ainda em período
de seca. Exemplo dessa preocupação é a intenção em criar um Observatório Europeu da Seca, capaz
de monitorizar, controlar e fazer tudo para evitar a propagação das consequências deste fenómeno,
que cada vez mais se vai fazer sentir.
Disponibilidade de Água Doce
17
5.2 ESCASSEZ DA ÁGUA
Este problema é, essencialmente, social e político. Trata-se do consumo superior à disponibilidade
física da água e acontece devido a uma deficiente gestão dos recursos disponíveis. Se é certo que as
secas são um fenómeno de origem natural, com esta utilização desenfreada dos recursos hídricos
disponíveis, estaremos a agravar esse problema. Não podemos mais ignorar o aumento do consumo de
água, fruto da concentração urbana, do crescimento da população, do aumento do seu nível de vida e
da industrialização mas também devido à diminuição de qualidade da água, diminuindo ainda mais os
recursos hídricos aos quais podemos recorrer.
A actual protecção e gestão das águas, que se revelam ineficientes, constituem um grave problema de
degradação ambiental, colocando em risco a qualidade e a qualidade dos recursos hídricos. Um
crescimento económico muito pouco planeado, que permite às fontes poluidoras, à salinização e à
desflorestação, por exemplo, afectar as reservas hídricas existentes está a agravar um problema que,
por si só, já é grave o suficiente, quer para a população actual quer para as próximas gerações.
Uma gestão eficiente da água permitirá evitar os excessos, contribuindo para um melhor uso dessa
mesma água sendo também possível prepararmo-nos previamente aos ciclos de seca que todos os anos
nos afectam e continuarão a afectar.
Fig. 5 - Estimativas em relação à população que enfrentará falta de água,
até 2050, e em relação à escassez de água em 2025, em várias zonas do Mundo.
Disponibilidade de Água Doce
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5.3 ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS
Apesar do alarmismo em que já se vive actualmente, a tendência será para que todos estes fenómenos
relativos à seca e à escassez de água se tornem mais frequentes, se nada for feito. Isto acontecerá
devido às alterações climáticas que, segundo as previsões, agravarão toda esta situação, além da
ineficaz gestão da água que se verifica actualmente.
Os recursos hídricos que estão armazenados nos glaciares e mantos de neve, por exemplo, já estão a
derreter fruto do aumento da temperatura ambiente. Fenómenos como furacões também alteram de
forma quase surpreendente o desenvolvimento do ecossistema e alteram regiões de secas ou de chuvas
intensas para outros locais, por exemplo. A seca na Califórnia tem sido apontada como consequência
da expansão dos trópicos, em função do aquecimento global. Estas alterações climáticas também já
estão a provocar o aumento do teor de vapor de água no ar, fruto dos níveis de evaporação da água
serem superiores devido ao aumento excessivo da temperatura ambiente, alterando também o ritmo
das precipitações. Nem os solos, porque encontram-se ressequidos, conseguem reter e absorver as
águas das chuvas, deixando fugir muita água potável para os oceanos.
Por tudo isto é que os cientistas encontram uma relação cada vez mais estreita entre as alterações
climáticas e a escassez de água. Esta ligação funciona de duas maneiras: o aquecimento global
influencia negativamente o equilíbrio natural e, consequentemente, o regime de precipitações,
originando secas e falta de água. Daí que o aumento da procura de água potável aumente, sendo então
necessário mais energia na purificação e distribuição de água, causando um aumento da emissão de
gases com efeitos de estufa, aumentando a temperatura e acelerando as alterações climáticas. E é
preciso notar que a indústria da produção de energia consome cerca de 44% da água disponível, isto
na União Europeia, sendo que apenas 17% se dirigem para o abastecimento público de água. As
restantes percentagens distribuem-se da seguinte maneira: 24% para a agricultura e 15% para a
indústria.
No ano de 2007, a Comissão Europeia publicou um comunicado sobre a seca, revelando alguns
factos:
Nos últimos 30 anos, as secas aumentaram dramaticamente, quer em número quer em
intensidade em toda a União Europeia.
O número de áreas e pessoas afectadas nesses 30 anos aumentou cerca de 20%.
Em 2003, naquela que foi a seca mais generalizada, cerca de 100 milhões de pessoas, assim
como um terço de todo o território da União Europeia, foram afectados.
Os custos totais das secas dos últimos 30 anos cifram-se nos 100 mil milhões de euros.
Estima-se que em 2090, metade da superfície da Terra seja afectada por seca moderada, severa ou
mesmo extrema, sendo que estes períodos serão cada vez mais longos. A América do Norte, América
Central, Europa, Rússia, Ásia Central e o Norte e Sul de África serão as regiões mais afectadas pelas
secas. No entanto, a China, a Ásia Oriental e a África Ocidental serão pontos do globo que se tornarão
mais húmidos.
Por esta razão, mas também por ser um continente bastante afectado devido a factores como a
pobreza, doenças e problemas governamentais, África é visto como o continente mais vulnerável aos
efeitos negativos das alterações climáticas.
Disponibilidade de Água Doce
19
Em 2001, a ONU já tinha identificado várias razões que faziam de África um continente
particularmente preocupante:
Os conflitos com origem na gestão partilhada dos recursos hídricos;
A ameaça à segurança alimentar devido à quebra na população agrícola;
O risco a que a produtividade com base em recursos naturais e a biodiversidade estão
sujeitas;
Doenças decorrentes de infra-estruturas sanitárias deficientes;
Zonas costeiras vulneráveis à subida do nível da água do mar;
Aumento da desertificação devido a chuvas irregulares e ao uso intensivo dos solos.
Fig. 6 - Impacto na produtividade da Agricultura, por volta de 2080.
Como é visível na Fig. 6, África será um continente particularmente afectado, sendo que a
maioria do seu território diminuirá a produtividade da sua agricultura em 25%. Portanto,
promover uma agricultura sustentável tem de ser um dos grandes desafios dos governos
locais, numa época onde os apoios à agricultura africana têm vindo a diminuir.
Devido a todos estes factos, é urgente tomar medidas, medidas essas que têm de passar por
um maior e melhor aproveitamento da água disponível e evitar agravar este fenómeno das
alterações climáticas, que se revela muito problemático para o futuro que se avizinha.
Disponibilidade de Água Doce
20
6 VALORES QUALITATIVOS, INTERNACIONAIS E
ECONÓMICOS DA ÁGUA
Cerca de 97% de água existente no nosso planeta encontra-se nos oceanos (água salgada), sendo que
esta apresenta um teor em sal demasiado elevado para consumo humano, até mesmo para a maior
parte dos usos industriais, sendo apenas 3% água doce. Dos 3% de água doce, perto de 69%, a
maioria, está armazenada em calotes polares e em icebergs, especialmente na Gronelândia e na
Antárctida. De toda a água doce existente no globo, apenas 0,3% se encontra em lagos e em rios. É
aqui que mais se extrai a água para o consumo das populações mundiais, tendo obrigatoriamente de
sofrer um processo elaborado de tratamento antes de chegar directamente ao consumidor. Esta
pequena parcela de água disponível para consumo humano demonstra a necessidade de utilizar, de
forma sustentável, as reservas de água doce ainda existentes, que têm vindo a sofrer, nos últimos 50
anos, uma drástica redução quantitativa (quase 62%) e qualitativa (com alteração profunda das
condições ecológicas dos cursos de água), devido sobretudo ao crescimento demográfico, explosão do
parque industrial e descarga directa de efluentes domésticos, industriais e agro-pecuários não sujeitos
a tratamento (nos países em desenvolvimento, 90% das descargas de águas residuais não são
precedidas de tratamento).
Água Salgada (97%)
Água Doce (3%)
Fig. 7 - Distribuição de água á escala mundial.
Disponibilidade de Água Doce
21
Contudo, a água que usamos diariamente não se encontra na mesma forma que existe na Natureza,
obrigando a um forte investimento, tendo em vista o seu melhoramento na composição. Deste
modo, geram-se grandes impactos na economia do país que a produz.
A comunidade científica antecipa que o acesso à água doce, que serve para o consumo humano será
cada vez mais difícil. Infelizmente, é possível até imaginar, como aconteceu recentemente com o
petróleo, que em poucos anos a água seja motivo para guerras de grande proporção. Em certo
aspecto a guerra hídrica já é uma realidade, pois desde há algum tempo, Síria, Líbano e Jordânia
competem pelo acesso às águas do rio Jordão, Índia e Paquistão pelo acesso às águas do rio Indo e
Índia e Bangladesh pelo acesso às águas do rio Ganges. Tais conflitos ocorrem, e inclusive com
maior intensidade, no âmbito interno de cada país, colocando em lados separados os vários actores
políticos interessados na utilização abusiva da água.
Fig. 9 – A falta de água pode gerar conflitos económicos, políticos e sociais.
Em vários países a falta de água doce é um problema habitual, a exemplo da Arábia Saudita, da
Argélia, da Bélgica, do Egipto, de Israel e do Kuwait.
Calotes Polares e Icebergs (69%)
Outros (30,7%)
Rios e Lagos (0,3%)
Fig. 8- Distribuição de água doce a nível mundial
Disponibilidade de Água Doce
22
Diante deste quadro, torna-se necessário que cada Estado passe a controlar a utilização da água
doce por meio de um sistema de recursos hídricos eficiente, de forma a manter a quantidade e a
qualidade desse bem e a promover o seu acesso por parte da população. Ao estabelecer o direito à
água das gerações presentes e futuras e a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, a lei
em comento consagrou expressamente o desenvolvimento sustentável como objectivo da Política
Nacional de Recursos Hídricos. Por sustentabilidade hídrica se deve compreender a disponibilidade
quantitativa, a disponibilidade qualitativa e o acesso equitativo, dentro dos usos e das necessidades
de cada bacia hidrográfica.
Actualmente, a falta de água já não é particularidade de países pobres. Na Califórnia, o governador
Arnold Schwarzenegger declarou em 2008 a primeira seca estadual em 17 anos. A notícia não
chega a surpreender muito porque parte do território californiano é desértico. Mais espantosa foi a
estiagem no húmido sudeste dos Estados Unidos em 2007, que levou a Governadora do Tennessee,
a liberar o consumo de água dos reservatórios municipais por apenas três horas diárias. Em Maio de
2008, em Barcelona houve a necessidade de importar água de outras cidades (incluindo Marselha,
em França) para abastecer seus 3,2 milhões de moradores.
Na verdade, nos últimos 50 anos, o aumento da população e as necessidades derivadas desse
aumento fizeram o consumo de água subir seis vezes. Mas a má gestão desse recurso tem diminuído
a quantidade de água possível de ser consumida.
Seis anos seguidos de estiagens severas, iniciadas em 2002, já reduziram em 98% a produção de
arroz da Austrália, e um relatório do governo local prevê que o sistema de abastecimento humano
poderá entrar em crise se a situação não melhorar ainda este ano. Segundo o texto, desde 1986 as
secas ocorrem no país, em média, a cada dois anos, e as crescentes ondas de calor e mudanças do
regime de chuvas podem tornar as secas parte permanente da paisagem australiana.
Fig. 10 – Plantações de arroz na Austrália.
O crescimento populacional e a necessidade de abastecer as pessoas com água são factores
essenciais na questão, em que o aquecimento global só vem agravar. Só para atender à produção de
alimentos, o Banco Mundial estima que o consumo de água aumentará 50% por volta de 2030.
Especialistas antevêem que, se nada for feito, bilhões de indivíduos se juntarão aos que já sofrem
com a falta de água. As decorrências disso serão doenças, fome, migrações e guerras.
Disponibilidade de Água Doce
23
Fig. 11 - O crescimento populacional é um desafio constante no abastecimento de água.
A ONU considera “escassez de água” a disponibilidade de menos de 1000m³/p/ano de água doce.
Essa medida põe cerca de metade da população mundial em países com escassez de água. A
Jordânia está entre os mais atingidos: a média ali é de 160 m3 anuais de água doce por pessoa. O
resultado disso é um severo racionamento. Os 2 milhões de habitantes da região metropolitana da
capital do país, Amã, e das áreas agrícolas próximas só dispõem de água um dia por semana.
Por fim, existe a ameaça cada vez maior de conflitos pela posse de água. No Médio Oriente, por
exemplo, o ex-presidente da União Soviética Mikhail Gorbachev declarou na 3ª Conferência
Mundial sobre Água, em 2003, que na história recente haviam sido travados 21 confrontos armados
envolvendo água, 18 dos quais em Israel. Segundo o secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, a
guerra em Darfur (Sudão), que já levou à morte mais de 200 mil pessoas, começou com uma crise
ecológica provocada por uma alteração climática.
As sociedades deverão adaptar-se à escassez e à perda da qualidade da água potável, impondo-se
um uso cada vez mais eficiente da existente, através da optimização da sua utilização (eficiência),
sem pôr em causa as necessidades vitais, qualidade de vida e desenvolvimento socioeconómico
(eficácia). A capacidade de adaptação dependerá dos recursos sociais e técnicos disponíveis,
implicando um enorme esforço concertado entre governos, cidadãos e entidades gestoras.
O esforço de aumento de eficiência deverá passar pela utilização de novas tecnologias menos
poluentes e com menores perdas na gestão da água bem como pelo uso mais racional deste recurso
vital. Só assim será possível a redução dos caudais captados, da poluição dos meios hídricos e do
consumo de energia, contribuindo para um melhor aproveitamento das infra-estruturas existentes.
No entanto, técnicas como a de dessalinização da água representam ainda custos demasiado
elevados para poderem ser considerados sustentáveis.
Os cidadãos também desempenharão um importante papel na protecção e conservação dos recursos
hídricos, desde que devidamente consciencializados para o efeito e para quais as melhores medidas
a adoptar (nomeadamente a redução de consumos em banhos e autoclismo): o menor volume
consumido de água e a eventual descida de escalão permitirão a redução de encargos dos cidadãos
com a utilização da água, sem prejuízo da qualidade de vida do seu agregado familiar e da
salvaguarda da saúde pública.
Disponibilidade de Água Doce
24
Contudo, a melhoria da eficiência de utilização da água não significará necessariamente uma
redução generalizada da procura em todas as regiões do globo, na medida em que haverá um
aumento das capitações em áreas mais carenciadas ou de menor nível socioeconómico.
Tem-se procurado estabelecer as regras de acesso à água praticamente desde o início da civilização.
No entanto, com a intensificação das utilizações da água e sobretudo com o incremento da rejeição
de águas residuais, as regras foram sendo alteradas, de forma a garantir que diversos utilizadores de
uma mesma região ou bacia hidrográfica tivessem acesso à água e que esta fosse utilizada de forma
eficiente, sem causar danos significativos a outros utilizadores, como os provocados pela sua
poluição. A crescente preocupação ambiental foi sendo introduzida no Direito Internacional da
Água, desempenhando a sensibilidade económica e ecológica da água importantes estímulos nessa
evolução.
Em suma, podemos relacionar três princípios económico-financeiros associados ao consumo de
água: água como um bem económico, visto que a água doce é um recurso limitado, cuja
disponibilização tem um custo e para o qual deve ser estipulado um preço; uso eficiente da água,
restringido utilizações que não são essenciais, de menor utilidade, ou menos eficientes, e finalmente
o facto de haver um utilizador-pagador, reforçando a ideia de que todas as utilizações do recurso
suportem o custo de utilização do mesmo, no qual se incluem a degradação ambiental e os custos
associados à escassez do recurso.
Nas grandes Bacias Europeias, como a do Reno, já se cooperava, desde 1932, para a protecção
ambiental das águas internacionais. Na Bacia do Aral, partilhada por cinco estados (Cazaquistão,
Quirguistão, Tajiquistão, Turquemenistão e Uzbequistão), estabeleceu-se um acordo, em 1991,
entre esses estados, aplicando o princípio da equidade na exploração dos recursos comuns, de
forma a resolver conflitos sobre as reservas de água partilhadas, assim como os problemas
crescentes da falta de água, desertificação e degradação ambiental.
Uma outra forma de facilitar a repartição eficiente e equitativa dos benefícios proporcionados pelos
recursos hídricos entre Estados que os compartilham seria o estabelecimento de mercados
internacionais de água entre esses países e uma aceitação mútua de preços de água, baseados nesses
mercados, estando a ser criados instrumentos jurídicos para esse fim em termos comunitários.
Ressalva-se que os modelos de gestão da água deverão ser apropriados às condições ambientais,
políticas e culturais da região, não devendo restringir-se à busca de maximização do valor
económico da água (especialmente em sociedades desiguais, com grandes segmentos de pobreza),
mas antes resultar de uma construção contínua com participação concertada de políticos, técnicos e
cidadãos.
O Chile é um dos poucos países em desenvolvimento que encorajam o mercado de águas, sendo
mais activo nas regiões norte e central do país, onde a água é escassa e os custos de transacção
baixos.
Disponibilidade de Água Doce
25
7 MEDIDAS E SOLUÇÕES PARA A ESCASSEZ DE ÁGUA
Depois de vistos todos os problemas que afectam a população e a própria água em si, o mais normal
passa por tentar arranjar soluções para esses mesmos problemas. Até agora, talvez ainda não tenha
existido uma medida que realmente revolucionasse todo este processo, dado o alongar deste
fenómeno. No entanto, existem várias formas e soluções, aplicáveis pelos governos, empresas e
privados que podem contribuir de forma significativa, evitando o alastrar da situação e o caminhar
para uma situação extrema no que toca à falta de água.
Como tal, aumentar a capacidade de armazenamento da água, alargar as redes de distribuição, de
tratamento das águas residuais e de controlo da qualidade da água, ao nível da monitorização, são
propostas que diminuirão possíveis falta de água para a população, assim como assegura a reutilização
e qualidade da mesma.
Deve-se também fomentar a utilização eficiente da água, junto dos industriais e privados: melhorar a
responsabilização, regulamentação das actividades relacionadas com os recursos hídricos (navegação,
pesca, lazer) e fiscalização, assim como incentivar a utilização ecológica e introduzir conceitos como
o do “poluidor-pagador”.
7.1 MEDIDAS E SOLUÇÕES
7.1.1 ORIENTAÇÕES ECONÓMICAS
7.1.1.1 Fixar um preço justo para a água
Implementar um preço justo para a água, baseado numa avaliação económica coerente, tendo em
conta a sua utilização e valor, incentivando a um uso adequado dos recursos hídricos conforme as
necessidades. Introduzir métodos de medição obrigatória em todas as indústrias e restantes sectores
consumidores de água.
Desenvolver uma política eficaz de tarifação e medição de água e desenvolver incentivos fiscais para
a promoção de boas práticas de eficiência hídrica.
7.1.1.2 Melhor ordenamento do território
Neste momento, algumas bacias hidrográficas poderão estar a ter efeitos adversos na disponibilidade
dos recursos hídricos, visto que estão sujeitas, quase permanentemente, a stress hídrico ou a falta de
água. Também o desenvolvimento de estâncias turísticas em bacias hidrográficas tem afectado os
recursos hídricos dos locais em questão, assim como a agricultura, em função de problemas
relacionados com a irrigação e a captação excessiva da água. Daí que estas, e restantes actividades
socioeconómicas, devam ser adaptadas à quantidade de água disponível localmente. É necessário
Disponibilidade de Água Doce
26
adoptar medidas para restabelecer um equilíbrio sustentável nestas bacias, tais como a poupança
obrigatória de água e consequente eficiência hídrica.
Reabilitar a rede hidrográfica, despoluindo rios e todos os outros cursos de água, assim como manter e
melhorar infra-estruturas como, por exemplo, as barragens trará vantagens no domínio da qualidade
ambiental assim como ao desenvolvimento das actividades económicas. Fomentar uma agricultura
sustentável, aumentado a sustentabilidade da gestão dos recursos hídricos, e perceber até que ponto os
biocombustíveis poderão desempenhar um papel importante na poupança de água, evitando que esta
seja gasta na produção de energia eléctrica.
Fig. 12 - Esquema de uma bacia hidrográfica.
Disponibilidade de Água Doce
27
7.1.1.3 Financiamento da eficiência hídrica
É necessário investir em melhores e mais modernas infra-estruturas relacionadas com a gestão da
água, desde a armazenagem à distribuição, passando pelo tratamento, tendo em vista uma maior
poupança de água, implementando também sistemas de monitorização e restantes ferramentas
convenientemente adaptadas. Incentivar o uso de tecnologias limpas e implementar medidas de
prevenção de riscos.
Fig. 13 - Esquema de um processo de reutilização da água.
7.1.2 MELHORIA DA GESTÃO DOS RISCOS DE SECA
7.1.2.1 Desenvolvimento de planos de gestão dos riscos de seca
Planear antecipadamente a utilização dos recursos hídricos, o que também permite um maior
conhecimento dos recursos existentes, um melhor aproveitamento, protecção e eficaz
distribuição.
Desenvolver planos que visem a gestão dos riscos de seca nas bacias hidrográficas mais relevantes,
estudando e criando a cartografia das áreas de stress hídrico, definindo níveis e sistemas de alerta,
identificando metodologias para os limiares de seca, etc.
Os vários governos nacionais podem ainda promover o intercâmbio de informação e das melhores
práticas na gestão de uma seca. Uma estratégia internacional, com a cooperação de vários países, trará
outras vantagens para todos e valorizará a importância da água a todos os níveis. Daí que se deva
fomentar e promover uma gestão integrada dos recursos hídricos internacionais, dinamizar a
cooperação técnica, partilhando conhecimentos e experiências, assim como prevenir e evitar conflitos
internacionais, garantindo assim o respeito entre países que utilizem os mesmos recursos hídricos.
7.1.2.2 Desenvolvimento de observatórios e de um sistema de alerta precoce sobre secas
Actualmente, existe a intenção em criar um Observatório Europeu de Seca. Este observatório
permitirá aprofundar os conhecimentos sobre este fenómeno de forma muito importante. Este sistema
irá integrar todos os dados relevantes, resultados da investigação, monitorização, detecção e previsão
de secas em diferentes escalas, das regionais às continentais, passando assim a ser possível avaliar
possíveis ocorrências, recorrendo à base de dados gradualmente completada. Um sistema de alerta
precoce será assim mais eficiente e assertivo, tal como a resistência e nível de preparação da
sociedade face a situações de seca.
Disponibilidade de Água Doce
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7.1.2.3 Optimização da utilização do Fundo de Solidariedade e do Mecanismo Comunitário de
Protecção Civil
Promover apoios entre países que necessitem de auxílio em caso de seca. A criação de fundos de
solidariedade e solicitação de serviços de protecção civil são algumas das soluções, visando a
utilização eficiente dos escassos recursos disponíveis e complementá-los assim que possível.
No entanto, é necessário salvaguardar que esses pedidos de auxílio não serão resultado de más
práticas no que toca à gestão da água.
7.1.3 CONSIDERAÇÃO DE INFRA-ESTRUTURAS ADICIONAIS DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA
Quando se continuar a verificar uma procura superior à oferta de água, em locais onde já tenham sido
tomadas todas as medidas no que toca a infra-estruturas para uma gestão mais eficiente da água, a
única solução poderá passar por criar mais infra-estruturas de abastecimento de água, evitando os
impactos das secas graves.
Existem várias formas para desenvolver infra-estruturas hídricas adicionais, como a armazenagem de
águas superficiais ou subterrâneas, transferências de água ou utilização de outras fontes. No entanto,
na União Europeia, por exemplo, estas medidas estão sujeitas a estudos rigorosos já que, por exemplo,
a transferência de caudais modifica indubitavelmente o ambiente e pode provocar quezílias políticas
que devem ser evitadas.
Daí que a dessalinização ou a reutilização de águas residuais sejam cada vez mais consideradas como
potenciais soluções para a falta de água. No entanto, estas carecem de estudos de impacto e avaliação
de riscos.
7.1.4 PROMOÇÃO DE TECNOLOGIAS E PRÁTICAS COM BOA EFICIÊNCIA HÍDRICA
Crê-se que, em algumas regiões, seria possível poupar até 30% do volume de água consumido em
edifícios. Estudos também apontam que, em certas cidades, as perdas em redes públicas de
abastecimento podem exceder os 50%. Perdas semelhantes foram registadas nos sistemas de irrigação
para a agricultura.
Daí que seja necessário investir no melhoramento das tecnologias e na modernização das práticas de
gestão de água já que são vários os sectores que consomem grandes quantidades de água.
Também é necessário incutir a adopção de critérios de eficiência hídrica para redes públicas e
privadas assim como para os novos, incluindo dispositivos consumidores de água, tais como torneiras
e chuveiros, que não se encontravam abordados pelas normas existentes.
7.1.5 PROMOVER A EMERGÊNCIA DE UMA CULTURA DE POUPANÇA DE ÁGUA
Para se conseguir um desenvolvimento social e económico sustentado numa cultura de poupança e
gestão da água, é necessário sensibilizar as pessoas de forma convincente. A educação, informação e
formação devem ser as grandes áreas para tornar as pessoas mais cientes do problema que
atravessamos e da importância do contributo de cada um.
Em menor escala, cada cidadão pode desenvolver alguns hábitos próprios de poupança de água de
forma a evitar desperdícios, a reutilizar recursos e a fazer uso de habitações e equipamentos
domésticos que salvaguardem a qualidade do ambiente. Os pequenos agricultores devem procurar
poupar água no seu transporte e rega, tal como criar culturas adequadas e adoptar a reutilização de
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recursos. As indústrias mais pequenas devem procurar evitar a contaminação dos cursos de água
locais assim como procurar o uso de tecnologia eficiente no domínio da reutilização de água.
Em Saragoça, Espanha, em 1997, foi lançado um programa baseado em equipamentos e dispositivos
hídricos modernizados, na introdução da medição e na sensibilização do público. Isto resultou na
poupança de 1,2 mil milhões de litros de água por ano.
Todas estas medidas são no sentido de criar condições para que o mundo cresça e evolua de forma
sustentável e a elaboração de uma estratégia capaz e eficiente no domínio da gestão e eficiência
hídrica é um passo importante nesse sentido, dado que a escassez de água e as secas são fenómenos
que certamente irão agravar-se no contexto das alterações climáticas.
7.2 A DESSALINIZAÇÃO COMO ALTERNATIVA
Todas as medidas e sugestões anteriormente mencionadas têm sobretudo a ver com os recursos já
existentes, numa perspectiva de melhorar a sua utilização e gestão. No entanto, a dessalinização
apresenta-se como uma das grandes alternativas, senão a melhor, para a crise hídrica que vivemos.
Como é sabido, apenas cerca de 3% da água existente é doce, e numa sociedade em crescimento, a
falta deste elemento torna-se vital. Daí que a dessalinização da água dos mares e oceanos se apresente
como uma forma de suprir as crescentes necessidades de água potável. A dessalinização significa a
separação (e consequente remoção) do sal da água, tornando-a passível de utilização, pois é
transformada numa água potável. As técnicas mais utilizadas são a destilação e a osmose inversa.
A destilação consiste em provocar a evaporação da água e posterior condensação do vapor, já sem os
sais. A osmose inversa permite obter água própria para consumo através da sua purificação numa
membrana semi-permeável, deixando apenas passar a água pura. Neste momento, o processo mais
utilizado é a osmose inversa já que é também o mais seguro para o consumidor, pois assegura a
eliminação de vírus ou bactérias. No entanto, já existe, no Japão, um equipamento mais vantajoso pois
custa até 5 vezes menos que os processos convencionais, ocupando ainda um terço do espaço. É capaz
de produzir cerca de 3,7 litros de água por cada 10 litros introduzidos no sistema.
A dessalinização estaria facilmente disseminada se não fossem certas limitações tecnologias, as
grandes necessidades de consumo de energia e os elevados custos que estes processos acarretam. No
entanto, crê-se que, com certos avanços tecnológicos, diminuição de custos e consequente difusão à
escala mundial deste processo, esta possa ser a grande solução para escassez de água, aproveitando
assim os cerca de 97% de recursos hídricos que existem no nosso planeta que não estão a ser
devidamente utilizados.
Actualmente, os grandes utilizadores das técnicas de dessalinização são os países do Médio Oriente.
Espanha assume-se como o país europeu que mais sobressai no uso destas técnicas.
Fig. 14 - Gráfico sobre a percentagem de utilização de técnicas de dessalinização, por países e zonas.
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8 CONCLUSÃO
Ao ser-nos proposto este tipo de trabalho, onde tivemos de nos confrontar com uma situação que
estamos a viver no presente, deparamo-nos com um cenário que, muito provavelmente, não tínhamos
a noção de tomar tais proporções.
A realidade é que os problemas em relação á água existem efectivamente, e não são só para alguns,
mais cedo ou mais tarde vão acabar por tocar a todos. Assim como certas zonas desérticas outrora não
o foram, também num futuro, próximo ou não, muitas das áreas húmidas poderão deixar de o ser.
A água é um bem essencial, necessário a todos. Sem ela não seria possível viver. O planeta Terra é o
único com as características que permitem a existência de vida, que ao longo do tempo evolucionário
se desenvolveu. E é o único planeta que o permite por possuir água no estado líquido. Por esta razão,
não podemos deixar que este ambiente seja destruído mas sim preserva-lo. Porém, a espécie humana é
a que mais dano causa ao planeta. Assim, esta situação deve e tem de ser revertida.
Dado o problema do trabalho e a consequente pesquisa, pudemos concluir que o futuro estará
comprometido se a situação actual se alastrar. A falta de água será um verdadeiro problema se os
recursos hídricos continuarem a ser mal geridos e distribuídos. No entanto, foi possível concluir que
existem alternativas viáveis que podem ajudar a solucionar o problema, que se revela grave.
Concluindo, o relatório que elaboramos para o projecto FEUP contribuiu em duas perspectivas
distintas: por um lado permitiu-nos um maior contacto com os colegas, uma convivência crucial para
o desenvolvimento do trabalho e, por outro, permitiu-nos alargar os nossos conhecimentos, alertar-nos
para o grande problema a nível mundial, o problema da escassez da água, ampliando desta forma os
nossos horizontes, os nossos pontos de vista.
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