DISSEMINAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E PROGRAMAS GOVERNAMENTAIS NO NÍVEL SUBNACIONAL DE GOVERNO1

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Nas últimas décadas, os governos locais, no Brasil, passaram por um processo detransformação caracterizado pela incorporação de novas atribuições e responsabilidades epela introdução de inovações na administração pública local. Embora haja um númeroexpressivo de pesquisas e trabalhos voltados à análise dessas transformações, há umadimensão ainda negligenciada pela literatura.

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  • Marta Ferreira Santos Farah Revista Administrao e Dilogo, n.11, v.2, 2008, p. 69-89

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    Revista Administrao em Dilogo Programa de Estudos Ps-Graduados em Administrao

    Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo

    DISSEMINAO DE POLTICAS PBLICAS E PROGRAMAS GOVERNAMENTAIS NO NVEL SUBNACIONAL DE GOVERNO1

    Marta Ferreira Santos Farah2

    Resumo Nas ltimas dcadas, os governos locais, no Brasil, passaram por um processo de transformao caracterizado pela incorporao de novas atribuies e responsabilidades e pela introduo de inovaes na administrao pblica local. Embora haja um nmero expressivo de pesquisas e trabalhos voltados anlise dessas transformaes, h uma dimenso ainda negligenciada pela literatura. Trata-se do processo de disseminao de polticas pblicas, de programas inovadores e de novas formas de gesto pblica, processo segundo o qual uma inovao reproduzida em outras localidades, ou, visto de uma outra perspectiva, de processo segundo o qual um municpio se inspira em iniciativas desenvolvidas anteriormente em outras localidades. O objetivo deste trabalho contribuir para a anlise do processo de disseminao ou difuso de inovaes na esfera local de governo, por meio da discusso dos fatores que contribuem para a disseminao de polticas, programas e formas de gesto inovadoras.

    Palavras-chave: Polticas Pblicas, programas governamentais, gesto pblica

    Abstract In the last decades, the local government in Brazil passes through a transformation process set by new atributes and responsabilities in the introduction of public administration innovation. Beside it has an expressive number of researches and papers focused in these transformation analysis, there is still a neglected dimension by its literacture. This is the process of dissemination of public policies, innovative programs and new forms of public management, the process by which an innovation is "reproduced" at other locations, or, seen from another perspective, the process by which a municipality is based on earlier initiatives in other locations. The goal of this study is to examine the case of spread or diffusion of innovations at the local level of government by discussion of the factors that contribute to the dissemination of policies, programs and innovative forms of management.

    Keywords: public policies, government programs, public management

    1 Trabalho prepararado para o X Colquio Internacional de Poder Local, realizado oem Salvador:

    Desenvolvimento e gesto social de territrios. Salvador: CIAGS-UFBA, 2006. Trabalho publicado na O&S 9FARAH, 2008) constitui uma verso modificada e ampliada do trabalho apresentado no Congresso, ora publicado.

    2 Fundao Getulio Vargas FGV-EAESP. Curso de Mestrado e Doutorado em Administrao Pblica e

    Governo. Email: [email protected]

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    Introduo A emergncia de novas polticas pblicas e de inovaes no processo de produo

    e proviso de servios pblicos tem sido objeto de diversos trabalhos e pesquisas na rea de Administrao Pblica e no campo de estudos de Polticas Pblicas. Mas, na literatura sobre polticas pblicas e administrao pblica no Brasil, h uma lacuna de estudos sobre o processo de disseminao ou difuso de polticas e programas de governo. Embora o debate sobre difuso e disseminao j ocorra h algumas dcadas em outros pases, sobretudo nos Estados Unidos (ROGERS, 1962; WALKERS, 1969; ROSE, 1973; COLLIER AND MESSICK, 1975) apenas muito recentemente o tema disseminao foi incorporado em trabalhos sobre a rea pblica no Brasil. Alguns pesquisadores, no Brasil e nos Estados Unidos, desenvolveram nos ltimos anos os primeiros estudos neste campo, tendo como referncia programas inovadores, como o Bolsa-Escola/Renda Mnima, o Programa de Sade da Famlia e o Oramento Participativo, os quais, a partir de iniciativas pioneiras, disseminaram-se por um grande nmero de municpios em todo o pas (PAULICS, 2003; SUGYAMA, 2004 E WRAMPER, 2004). Outros trabalhos, tambm recentes, foram desenvolvidos, tendo por referncia um conjunto mais abrangente de polticas pblicas, selecionadas por programa de premiao e disseminao

    de iniciativas inovadoras de governos subnacionais, o Programa Gesto Pblica e Cidadania (FARAH, 2006a e FARAH, 2006b).

    A anlise do processo de disseminao requer, no obstante, o desenvolvimento de novas pesquisas sobre o tema, de forma a propiciar tanto avanos no plano analtico, como subsdios para o processo concreto de transformao de polticas e prticas na gesto pblica subnacional no pas.

    O propsito deste trabalho contribuir para este processo de introduo do tema disseminao na agenda de pesquisa sobre gesto e poder local no Brasil, por meio da discusso dos fatores que contribuem para a disseminao de inovaes no campo da administrao pblica e das polticas pblicas.

    Disseminao de best practices ou de inovaes?

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    A discusso do processo de disseminao ou difuso de polticas requer que se discuta anteriormente o conceito de melhores prticas e o de inovao, pois a discusso deste conceito est intimamente ligada construo de uma teoria do processo de disseminao.

    O conceito de melhores prticas (best practices) foi introduzido no campo de estudos de administrao pblica e governo a partir da literatura de administrao (management), especificamente da literatura sobre gesto da qualidade (MYERS, SMITH and MARTIN, 2004). Apesar da impreciso do termo, utilizado atualmente em diferentes campos disciplinares, possvel identificar alguns elementos comuns sua utilizao, em diferentes reas, os quais revelam a origem do termo no campo gerencial. Um destes

    elementos comuns o foco no desempenho da organizao, do programa, ou da poltica. Assim, por exemplo, documento de orientao aos participantes de reunio sobre transferncia de melhores prticas na rea pblica, organizada pelas Naes Unidas em 2005, assim definia best practice:

    um mtodo superior ou uma prtica inovadora que contribua para a melhoria do desempenho de uma organizao, mtodo ou prtica esta reconhecida usualmente como melhor por outras organizaesi (UNDESA, 2005, p.5).

    Um segundo elemento comum s diversas utilizaes do termo best practices o foco na tcnica adotada para lidar com um problema ou desafio, sobretudo em uma tcnica social (Myers, Smith and Marin, 2004).

    Finalmente, um terceiro componente do conceito de melhores prticas, que interessa destacar aqui, a idia de modelo, algo a ser algo replicado em diferentes contextos. A replicabilidade de uma tcnica social constitui um componente intrnseco do conceito de melhores prticas, que surgiu associado idia de melhoria da gesto (management): a melhoria ocorreria como resultado da adoo de best practices disponveis, o que supe, por sua vez, a comparao entre diferentes casos, em busca da melhor frmula ou modelo.

    O conceito de melhores prticas ou best practices implica um conceito de inovao como uma soluo completa, fechada e integral, a qual, implicitamente,

    prescreve um modo especfico e nico de responder a um desafio ou problema.

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    Da adoo de tal perspectiva resulta uma tendncia a negligenciar a influncia de diferentes contextos na formulao de cada soluo uma poltica pblica, um programa, um novo modo de gesto ou arranjo institucional e, ao mesmo tempo, o risco de se desconsiderar o processo que conduz inovao.

    Outra perspectiva, adotada neste trabalho, considera a inovao como a resposta a um desafio ou problema, que pode ser til a outros, como parte de um repertrio de alternativas a serem consideradas por aqueles que enfrentam problemas similares (FARAH, 2006b)ii.

    Um resposta especfica a um problema a inovao nesta perspectiva, no vista como uma soluo fechada e completa, pronta para ser transferida para outras

    localidades, mas sim como algo em processo de transformao (FARAH, 2006b; FARAH, 2006c; PAULICS, 2003).

    A inovao , assim, um novo e bem sucedido arranjo particular de determinados componentes, uma condensao temporria de componentes, que pode ser potencialmente til em outros contextos e localidades, como soluo para um problema especfico (FARAH, 2006b).

    Nesta perspectiva, o componente prescritivo caracterstico da noo de modelo abandonado, adotando-se, em seu lugar, a perspectiva de uma alternativa a ser

    considerada por aqueles que tomam a deciso sobre polticas e programas em outras localidades.

    A tcnica social passa, assim, a ser apenas um dos aspectos que explicam o sucesso da inovao, to importante quanto aspectos do contexto em que se deu a formulao e a implementao da poltica ou programa.

    De forma complementar, a inovao passa a ser entendida como o resultado de um processo de criao coletiva que no se encerra com sua adoo em determinado local (original), sendo antes uma soluo aberta, para cuja construo contribuem todos os que a adotam, por meio de mudanas incrementais e constantes. Adotando tal conceito de inovao (e no o de melhores prticas/best practices), que se discutem, neste trabalho, os fatores que contribuem para a disseminao ou difuso de polticas pblicas e programas governamentais.

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    Fatores que determinam o processo de disseminao Quais os fatores que explicam a disseminao de uma inovao? Se se adota a

    perspectiva melhores prticas-replicao, o foco da anlise recai sobre a inovao enquanto tal e sobre suas caractersticas, isto , supe-se que a difuso dependa essencialmente de caractersticas intrnsecas de cada inovao. a caracterstica do modelo que determina se a poltica pblica ou programa governamental poder ser adotada em outra localidade.

    Na perspectiva que v inovao como uma alternativa dentre um repertrio de

    possibilidades, a importncia do contexto enfatizada pela anlise, no sentido de que a localidade ou municpio receptor que define as caractersticas da inovao que pode

    adotar. O termo disseminao mais adequado a tal abordagem do que o termo replicao. Este ltimo sugere a reproduo de um modelo. O termo disseminao, por sua vez, sugere uma perspectiva mais horizontal, a qual inclui a seleo ativa e a

    incorporao de idias e prticas por outros iii . A perspectiva das melhores prticas-replicao tende a atribuir um papel passivo localidade receptora, enquanto a perspectiva da inovao-disseminao pretende reconhecer a participao ativa das localidades ou municpios receptores no processo de adoo de inovaes e mesmo na sua recriao, reatulizando a inovao..

    Indicam-se, a seguir, com base na abordagem inovao-disseminao, fatores que devem ser considerados na anlise do processo de disseminao de polticas e

    programasiv.

    Caractersticas intrnsecas da inovao O primeiro fator que contribui para que uma poltica ou programa se dissemine consiste em caractersticas intrnsecas poltica ou programa inovador relacionadas sua

    capacidade de dar uma resposta efetiva a problemas e desafios enfrentados por uma administrao ou governo. Sendo uma inovao, trata-se da capacidade de dar uma

    resposta a novos problemas ou de dar uma resposta a velhos problemas de uma forma nova e bem sucedida.

    Segundo Marsh e Dolowitz, estudos sobre difuso de polticas pblicas desenvolvidos nos anos 60 e 70, ao focalizarem o processo de difuso, considerando

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    aspectos como tempo, proximidade geogrfica e semelhana de recursos, acabaram negligenciando os contedos especficos das polticas. Estudos desenvolvidos por analistas de polticas pblicas a partir da dcada de 80 procuraram superar esta lacuna, incorporando a dimenso substantiva das polticas, seu contedo, anlise do processo de transferncia de polticas (MARSH and DOLOWITZ, 1996).

    Na perspectiva adotada neste trabalho, considera-se o contedo da poltica ou programa um elemento central anlise. A capacidade que uma poltica, programa ou processo tem de constituir-se em soluo inovadora para problemas sociais (KINGDON, 1995) condio para sua disseminao para outras localidades.

    No caso brasileiro, iniciativas selecionadas por programa de premiao de inovaes

    em governos subnacionais, o Programa Gesto Pblica e Cidadania, podem ser consideradas ilustrativas desta capacidade de responder a problemas e desafios enfrentados por governos locais, atendendo, assim, a um dos condicionantes bsicos do processo de disseminaov.

    Natureza do problema enfrentado pela poltica ou programa inovador Uma segunda caracterstica relevante para a anlise do potencial de disseminao de

    uma inovao a natureza do problema enfrentado. Se o problema tratado pela inovao comum a outras localidades, a inovao tem, em princpio, o potencial de ser til a estas outras localidades ou municipalidades (FARAH, 2007) Se o problema peculiar a uma localidade, a inovao tender a ser uma resposta especfica, com reduzido potencial de disseminao. Trabalho de Donahue, sobre a difuso de inovaes em governos estaduais nos Estados Unidos, chama a ateno para este fator na anlise do processo de disseminao. Este autor prope uma tipologia de modelos de inovao em polticas pblicas estaduais, que afetam o processo de disseminao. Um dos modelos

    propostos por este autor o modelo idiossincrtico, o qual consiste em inovaes sob medida, desenvolvidas para realidades especficas, o que constitui uma barreira sua adoo por outros estados (DONAHUE, 2005).

    Dentre os programas finalistas do Gesto Pblica e Cidadaniavi todos os programas desenvolvidos originalmente em um municpio, estado ou comunidade indgena (ou simultaneamente em mais de um local), respondem a problemas comuns a diversas

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    localidades. Na verdade, este foi um dos critrios de seleo adotados (http://inovando.fgvsp.br). Assim, em princpio, todos teriam potencial de disseminao.

    Podem ser citados, como exemplos, o Programa Bolsa-Escola/Renda Mnima e o Programa Sade da Famlia. O primeiro foi implementado de forma inovadora, simultaneamente, em meados da dcada de 90 em duas localidades distintas em Braslia, Distrito Federal e no municpio de Campinas, em So Paulo, como iniciativa de dois partidos polticos distintos (PT e PSDB). Esta iniciativa tem por objetivo a concesso de uma renda bsica a famlias de baixa renda, condicionando o acesso a este

    benefcio garantia de ingresso na escola de crianas de 7 a 14 anos. O programa Sade da Famlia, por sua vez, estrutura a ateno sade de forma integral e com foco na famlia, articulando o atendimento ambulatorial ao acompanhamento das famlias em seu local de moradia. Em ambos os casos, trata-se de respostas a carncias bsicas nas reas de educao e sade, presentes em todos os municpios brasileiros, e que, portanto, tinham, em princpio, o potencial de se disseminarem, o que de fato ocorreu. Num primeiro momento, a disseminao se deu de forma horizontal, de municpio para municpio e por meio de redes, constitudas por partidos, polticos, servidores pblicos, comunidades profissionais e movimentos sociais ligados aos setores de educao e de sade. Num segundo momento, o governo federal adotou estas inovaes como

    programas nacionais, implementados e geridos no nvel municipal, o que fortaleceu o processo de disseminaovii.

    Percepo da relevncia do problema ou desafio A existncia de um problema similar em locais distintos da localidade onde a

    iniciativa foi implantada pela primeira vez no constitui um fator suficiente para que a disseminao ocorra. A inovao tender a ser adotada por outros municpios se os atores

    sociais e polticos destas localidades considerarem os problemas tratados pela inovao como problemas relevantes, como problemas sociais que requerem uma resposta e a

    busca de solues inovadoras (Kingdon, 1995 e Fucks, 2000). Este fator chama a ateno para a importncia de atores internos s localidades

    receptoras no processo de disseminao de polticas e programas. Nos casos mencionados, a disseminao de um municpio a outro baseou-se, no apenas no fato de

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    diversos municpios compartilharem situaes sociais comuns, mas na percepo comum destas situaes como problemas sociais: a pobreza, a educao e a sade so percebidas como questes sociais relevantes pelas localidades receptoras.

    Convergncia com a agenda de polticas pblicas de diferentes localidades Um quarto fator consiste na existncia de convergncia entre o problema tratado pela

    poltica ou programa inovador e a agenda de polticas pblicas de diferentes localidades

    (KINGDON, 1995, FUCKS, 2000). Neste caso, maior a probabilidade de a inovao ser selecionada pelos atores envolvidos no processo de formulao e implementao de polticas e programas, nestas localidades.

    A ttulo de ilustrao, pode ser citado o programa Pingo dgua, de Quixeramobim, no Cear, localizado no semirido. Esta iniciativa foi reproduzida em diversos municpios da regio Nordeste, tambm afetados pelo problema da seca, segundo depoimento do responsvel pelo programa:

    [o programa Pingo dgua foi desenvolvido em pelo menos 87 dos 100 municpios mais afetados pela seca no Cear, e tambm em outras municipalidades do semirido, em outros estados (Entrevista Pingo dgua, 2004).

    Este caso ilustra bem a presena dos quatro fatores cruciais ao processo de disseminao mencionados at aqui: a capacidade de responder a um problema social, a existncia de um problema comum a diversas localidades; o reconhecimento da situao ou condio como problema social e, finalmente, sua incluso na agenda governamental e

    de deciso (Kingdon, 1995) das localidades receptoras. A agenda local, por sua vez, influenciada por um conjunto de fatores (os quais

    condicionam, portanto, de forma indireta, o processo de disseminao): Fatores estruturais, tais como a globalizao e a crise fiscal, que estabelecem

    novos desafios aos governos subnacionais. Assim, por exemplo, passaram a

    ganhar relevncia na agenda local, nas ltimas dcadas temas como gerao de emprego e renda e desenvolvimento local;

    A influncia de agncias externas, sobretudo de agncias de financiamento, por meio de mecanismos indutivos, tais como condicionalidades no acesso a recursos e de estratgias de difuso em fruns internacionais. A incorporao da varivel

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    ambiental e da questo de gnero pelas aes governamentais constituem exemplos de temas e abordagens sugeridos por agncias financiadoras que influenciam a agenda local (de diferentes locais);

    A redefinio de atribuies dos municpios no quadro do federalismo brasileiro, ps-88. A agenda local sofreu fortemente o impacto dessa redefinio, ganhando maior relevncia a problemtica social;

    A influncia de atores sociais e polticos internos, como polticos, burocratas, especialistas e movimentos sociais de cada localidade. H um processo de deciso

    no nvel da localidade receptora que intervm no processo de construo da agenda e da formulao de polticas pblicas locais, o qual inclui a seleo de

    alternativas de polticas e a busca de opes em outras localidades. Este processo interno localidade receptora parte fundamental do processo de disseminao.

    importante reconhecer a influncia desta agenda local no processo de disseminao para evitar a perspectiva que ignora o contexto das localidades receptoras. Se, nestas localidades, a agenda local no enfatiza determinados temas, as caractersticas intrnsecas da inovao tornam-se, no limite, irrelevantes: a municipalidade no quer a inovao, pois ela no diz respeito a uma questo social e poltica relevante naquele contexto

    especfico, ou, ainda, a sua adoo no considerada prioritria no quadro mais abrangente de ao governamental, tendo em vista um balano entre recursos

    mobilizados e resultados a serem obtidos. Assim, embora o tema possa integrar a agenda sistmica, isto , embora seja reconhecido localmente, por atores sociais e polticos locais, como um problema social, ele pode no ter um status suficiente para integrar a agenda de governo e, sobretudo, a de deciso, isto , a que inclui as questes que sero objeto de ao governamental efetiva.

    Depoimento a respeito da no ocorrncia de disseminao de um dos programas selecionados como finalista pelo Programa Gesto Pblica e Cidadania bastante interessante neste sentido. O responsvel pelo programa Escola Pantaneira, desenvolvido

    em Aquidauana, no Pantanal, relata que, apesar do esforo de disseminao do programa,

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    esta no ocorreu, pois as localidades potencialmente receptoras decidiram pela no adoo da iniciativa:

    Recentemente houve uma tentativa [de disseminao ]... Eles [O Instituto Parque do Pantanal] tentaram levar a experincia a outros municpios; fizeram uma proposta orientada ampliao do programa, incluindo estas outras localidades. .Mas a proposta no foi aceita pelos municpios, porque eles [IPP] queriam que as municipalidades colocassem recursos financeiros e eles queriam entrar apenas com recursos administrativos (Entrevista Escola Pantaneira, 2003).

    Acesso a informao A disseminao de inovaes tambm dependente da existncia de informao,

    a qual pode ser difundida por intermdio de uma relao direta entre o municpio inovador e outras localidades, a partir de relaes de vizinhana (WALKER, 1969, BERRY and BERRY, 1990 apud WRAMPLER, 2004 e SUGYAMA, 2004) ou de semelhanas entre as localidades envolvidas (WEYLAND, 2004). Anlise sobre programas finalistas do Programa Gesto Pblica e Cidadania no perodo 1996-2003 revela que, dentre os programas municipais que se disseminaram sem a induo de nveis mais abrangentes de governo, 56,8% obedeceram ao efeito vizinhana apontado pela literatura. (FARAH, 2006 a).

    O depoimento de um entrevistado a respeito da iniciativa do processo de disseminao do programa Universalizao do Ensino em Icapu, no Cear, ilustra a a transmisso de informaes entre as prprias localidades, neste caso, pelo efeito de vizinhana ou proximidade

    [a iniciativa foi] do governo do municpio de Fortim, por meio dos canais de comunicao estabelecidos entre os dois municpios, porque eles esto geograficamente na mesma rea, a qual enfrenta os mesmos desafios (Entrevista Universalizao do Ensino) (Entrevista Universalizao do Ensino).

    Mas, a difuso de informao freqentemente ocorre por meio de redes compostas seja por um tipo especfico de participante (burocratas, especialistas, prefeitos, ONGs, partidos polticos etc...), seja por uma composio de diferentes tipos de atores (SUGIYAMA, 2004), deixando a informao de ser transmitida diretamente pelo inovador aos receptores potenciais.

    Nesse processo de divulgao indireta da informao, por meio de redes, ocorre a participao de atores e instituies externas s localidades envolvidas. Destacam-se,

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    neste sentido, programas de premiao de mbito internacional como o Habitat, das Naes Unidas, e o de Melhores Prticas, de Dubai, cujo propsito divulgar informaes sobre polticas, programas ou prticas em diversas reas ligadas ao desenvolvimento econmico e social e melhoria de condies de vida. No Brasil, as primeiras iniciativas com o objetivo de tornar pblicas e acessveis informaes sobre polticas, programas ou prticas inovadoras governamentais datam das dcadas de 80 e 90. A primeira destas iniciativas foi a RECEM - Rede de Comunicao de Experincias Municipais, criada pelo CEPAM Fundao Prefeito Faria Lima. Em documento de

    lanamento da Rede, explcita a importncia atribuda ao acesso informao: A Rede de Comunicao de Experincias Municipais RECEM um sistema dedicado coleta, documentao e disseminao de informaes referentes a experincias alternativas e inovadoras de iniciativa de poderes municipais ou de grupos sociais e comunidades do pas, e gerao de conhecimento que possam funcionar como apoio a decises de planejamento e administrao municipal (FUNDAO PREFEITO...., 1988).

    Dentre outras iniciativas com objetivo similar destacam-se o Boletim Dicas, do Instituto Polis, o Prmio Gesto Pblica e Cidadania, da Fundao Getulio Vargas e da Fundao Ford, e o Prmio Prefeito Criana, da Fundao Abrinq, todas com foco no

    nvel local de governo. A divulgao de informaes por meio de iniciativas como as indicadas se

    diferencia da transmisso direta da informao pelo inovador para outras localidades, caracterizando-se por um processo que envolve redes sociais (SUGYAMA, 2004 e SUGYAMA, 2006) e uma terceira parte, no diretamente envolvida no desenvolvimento ou na adoo da poltica ou programa (WEYLAND, 2004). Weyland, analisando o processo de difuso de modelos de reforma poltica na Amrica Latina, afirma que a interveno dessa terceira parte no processo de disseminao tem a vantagem de ampliar o horizonte de inovaes, trazendo experincias de locais no diretamente em contato com o pas receptor. Mas, este mesmo autor aponta como esta participao, sobretudo no caso de organizaes internacionais, traz o risco de que solues uniformes sejam empurradas para os pases receptores, ainda que no sejam convenientes s suas condies especficas (WEYLAND, 2004, p. 14). As observaes de Weyland a respeito da disseminao de modelos de reforma poltica chamam a

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    ateno para potencialidades e limites da participao de atores externos no processo de divulgao de informaes sobre inovaes que podem ser adaptadas anlise da disseminao de inovaes em nveis subnacionais de governo.

    Ainda a respeito da informao como fator relevante para o processo de disseminao, importante considerar que alguns analistas, ao enfatizarem o acesso informao, tendem a ver a disseminao como um processo estritamente cognitivo. Segundo Marcus Melo, em muitos estudos sobre a influncia de modelos cognitivos, a difuso de polticas aparece simplesmente como um problema de tornar disponvel o conhecimento (MELO, 2004, p.4 viii ). Embora o acesso seja uma importante condicionante do processo de disseminao, no fator suficiente, sendo importante no

    negligenciar outros aspectos aqui mencionados, em especial o indicado a seguir, relativo influncia da deciso de atores locais.

    Seleo de inovaes por atores envolvidos no processo decisrio nas localidades receptoras.

    A disseminao de inovaes na rea pblica condicionada por um papel ativo desempenhado por atores sociais e polticos nas localidades receptoras. Isto significa que

    as condies mencionadas at aqui so importantes mas no suficientes para que a disseminao ocorra.

    Atores sociais e polticos internos agem para incorporar uma determinada inovao - podendo tambm rejeit-la ou ignor-la influenciando assim o processo de disseminao. Esta participao ativa de atores locais apontada por Marcus Melo:

    O mimetismo, dessa perspectiva, visto no como um mecanismo automtico, como em muitos estudos de difuso, mas como representando uma escolha. De fato, atores domsticos, em processo de difuso, perseguem ativamente modelos de polticas e tambm usam atores externos de forma estratgica (MELO, 2004, p. 7).

    Esta ao no se d, preciso destacar, num vazio institucional e estrutural. Ela condicionada por fatores de contexto mencionados anteriormente e pela prpria existncia de informao. Mas outros elementos so relevantes, definindo constrangimentos institucionais e estruturais deciso por parte das localidades receptoras:

    Incentivos polticos

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    A adoo de uma inovao pode ser influenciada por incentivos polticos, o que significa que afetada pelos benefcios polticos que a inovao potencialmente trar (SUGYAMA, 2004; CONDE-MARTINEZ, 2005)). Esta perspectiva a privilegiada pela abordagem da escolha racional, que enfatiza o cenrio competitivo, opondo partidos e polticos em uma democracia (WALKER, 1969, apud SUGYAMA, 2004). A inovao ser adotada, nesta perspectiva, se for vista como um meio para a reeleio. Pesquisa recente de Natasha Sugyama (SUGYAMA, 2004 e SUGYAMA, 2006) revela, no entanto, que este fator pode ter reduzido poder explicativo na explicao da disseminao

    de polticas e programas inovadores no nvel subnacional de governo no Brasil. Analisando o processo de disseminao dos programas Bolsa-Escola/Renda Mnima e

    Sade da Famlia, esta autora afirma: Surpreendentemente, as proxies para competio poltica ofereceram pouco apoio ao argumento de que a competio eleitoral e o comportamento orientado para a busca de voto por parte de polticos favoreceram a reproduo de polticas pblicasix (SUGYAMA, 2006, p. 26).

    Incentivos financeiros A adoo de determinadas polticas e programas pela esfera local de governo tende a

    ser influenciada pela existncia de incentivos financeiros, vindos do governo federal, mas tambm provenientes de agncias multilaterais e de ONGs (SUGIYAMA, 2004). No Brasil, a incorporao de inovaes pelo nvel local de governo influenciada por transferncias financeiras feitas pelo governo federal, associadas implementao pelos

    governos locais de polticas e programas especficos. Este o caso, por exemplo, dos programas de Sade da Famlia e Me Canguru, na rea de sade, que surgiram como iniciativas locais e se transformaram posteriormente em programas federais, condicionados adoo voluntria de governos municipais, beneficirios da possibilidade de acesso a recursos federais. Outro exemplo o programa de qualificao de professores do ensino fundamental, estimulado pela criao do FUNDEF Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorizao do Magistrio: o acesso a Fundo por parte dos municpios condicionado alocao de 60% dos recursos em programas de qualificao de professores.

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    A mesma influncia se faz sentir no caso do apoio de ONGs e agncias multilaterais ao desenvolvimento de programas governamentais locais h diretrizes e condicionalidades no acesso a recursos que acabam por induzir a adoo de determinadas inovaes.

    Quadro institucional A seleo de uma poltica ou programa inovador por parte de atores locais pode ser

    facilitada ou dificultada por caractersticas do quadro institucional existente no pas e na

    prpria localidade (FARAH, 2005). No Brasil, muitos dos programas inovadores e das novas instituies e arranjos organizacionais no nvel subnacional de governo tiveram um importante estmulo no quadro institucional estabelecido a partir da Constituio de 1988, no nvel federal. Tal o caso da adoo de programas inovadores para a ateno a Crianas e Adolescentes, estimulada no nvel local de governo pela regulao federal consubstanciada no Estatuto da Criana e do Adolescente e pela atribuio, pela Constituio de 88, s esferas subnacionais, da coordenao e execuo de programas

    nesta rea. O mesmo ocorre na rea da sade, na qual iniciativas inovadoras orientadas para a abordagem preventiva e para a integrao de diferentes nveis de ateno esto fortemente ligadas estrutura institucional federal, consubstanciada no Sistema nico de Sade SUS. A existncia deste quadro institucional pode ser entendida como um incentivo adoo de inovaes coerentes com os princpios estruturadores do arcabouo federal.

    Caractersticas estruturais da localidade receptora A adoo de uma inovao depende da existncia de capacidade administrativa e de

    recursos diversos, que viabilizem a adoo da poltica ou programa e sua adaptao s

    condies locais. Algumas iniciativas requerem, por exemplo, capacidade de mobilizao de recursos

    por parte do municpio, exigncia que pode restringir o leque de localidades com capacidade de ser receptora de determinada inovao. Este tipo de restrio ocorre, inclusive em casos em que est presente a induo federal por meio de incentivos

    financeiros. Anlise de Lena Lavinas mostra como, em proposta do governo federal

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    referente adoo de programas de renda mnima na dcada de 90, de 5.507 municpios, apenas 251 poderiam arcar com a contrapartida financeira local prevista na implantao do programa, que contaria com recursos federais. (LAVINAS, 1998 apud SOUZA, 1999).

    As caractersticas da inovao determinam os requisitos de capacitao e de recursos das localidades receptoras. No caso do programa Licenciamento Ambiental para Redes de Infra-Estrutura Urbana, de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, por exemplo, interessante refletir sobre o fato de o responsvel pelo programa no ter informaes sobre a

    disseminao do programa. A ausncia de disseminaox decorre, muito provavelmente, em primeiro lugar, do fato de tratar-se de uma problemtica que integra a agenda

    governamental de poucos locais, de caractersticas similares de Porto Alegre: algumas regies metropolitanas do pas. Mas, a disseminao para algumas destas localidades requereria a existncia de atributos institucionais e de recursos tcnicos relativamente complexos, alm de recursos financeiros que poucas localidades poderiam mobilizar, restringindo ainda mais o leque de potenciais receptores.

    Legado de polticas prvias A deciso sobre a seleo e adoo de determinada poltica, de um repertrio de

    alternativas disponveis, tambm afetada por padres prvios consolidados em cada campo de poltica pblica, em um pas, em um estado e nos municpios. Assim, a probabilidade de uma poltica inovadora se disseminar e o ritmo da disseminao tendem a ser afetados por este legado de cada campo. No h ainda, no entanto, estudos empricos que levem em considerao este fator.

    Ideologia A adoo (ou rejeio) de inovaes na rea pblica pode tambm ser afetada por um

    processo de seleo ideolgica de alternativas, como apontado por Sugiyama (2004 e 2006)), em anlise sobre programas inovadores no Brasil. Segundo esta autora:

    ...polticos e seus administradores so fortemente orientados por suas crenas ideolgicas e estas freqentemente limitam o espectro de suas escolhas polticas e prioridades. Cidades governadas por prefeitos da direita, tipicamente enfatizam polticas pblicas que encorajam os interesses ligados a negcios, seja por meio de investimentos em infra-estrutura, seja por meio de programas que estimulem a competio do mercado.... Polticos da esquerda

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    tendem a enfatizar programas sociais em suas campanhas e em suas polticas...xi (SUGYAMA, 2004).

    A anlise de Natasha Sugyama baseia-se no estudo do processo de disseminao de dois programas sociais que confirmou a importncia de fatores ideolgicos na adoo dos programas. importante, no entanto, incluir como desafio para futuras anlises o fato de a agenda definida em um campo ideolgico influenciar a agenda do outro campo. Assim, programas surgidos em governos de filiao ideolgica esquerda como o oramento participativo tornado conhecido pela experincia de Porto Alegre

    difundiram-se para diversos municpios, em administraes de diferentes partidos. Do mesmo modo, iniciativas orientadas para a criao de um ambiente de negcios ou para a

    eficincia do gasto acabaram por ser adotadas por administraes de partidos esquerda.

    Consideraes finais A disseminao de polticas pblicas e programas governamentais constitui o leit

    motiv de diversas instituies e atores que procuram estimular a divulgao de informaes sobre inovaes ou sobre do que consideram best practices, como forma de promover a reproduo de polticas bem sucedidas. Partidos polticos, agncias multilaterais, ONGs, universidades, redes de profissionais de determinado campo de ao governamental, como sade e educao, participantes de movimentos sociais, tm participado de esforos neste sentido. Nveis mais abrangentes de governo, por sua vez, tm induzido a reproduo de programas, por intermdio da concesso de recursos condicionada adoo de determinados modelos de ao.

    Ainda que esta ao pr-disseminao seja hoje expressiva, a anlise do processo de disseminao ainda incipiente no pas, sobretudo no que se refere aos governos

    subnacionais, em especial disseminao de programas e polticas no nvel municipal. Procurou-se neste trabalho, com base na literatura sobre o tema, e da reflexo

    sobre o processo de disseminao no Brasil, construir um referencial analtico, identificando os principais fatores a serem considerados na anlise do processo de disseminao.

    O referencial adotado enfatiza o papel exercido pelas localidades receptoras no processo de disseminao. As localidades receptoras, nesta perspectiva, exercem um papel ativo no processo de disseminao, participando da deciso relativa adoo da

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    poltica ou programa. A disseminao depende, portanto, no apenas de caractersticas intrnsecas da poltica ou programa, ou de um processo estritamente cognitivo, associado ao acesso informao, mas da relao entre a inovao (poltica ou programa) e o contexto em que esta ser implementada sob a influncia de atores e instituies externas (e de seu papel indutor, de fornecedor de informao, dentre outros), mas tambm de atores e instituies internas.

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    i Traduo da autora.

    ii Sobre o conceito de inovao e sobre inovao em governos subnacionais, ver tambm JACOBI, Pedro e PINHO, Jos Antonio, 2006.

    iii Dolowitz e Marsh propem o termo policy transfer ou transferncia de polticas

    pblicas em substituio ao termo difuso. Segundo estes autores, a literatura sobre difuso prevalece a viso da transferncia de polticas como um processo espontneo e sem sujeito. Ao adotar o conceito de transferncia, estes autores procuram chamar a ateno para a ao de agentes ou atores na disseminao ou difuso de polticas. A proposta de utilizao do termo disseminao no presente trabalho teve o mesmo propsito de destacar o papel de atores no processo de difuso, com nfase nos atores das unidades receptoras (uma expresso que ainda merece reviso, por sugerir passividade). Ver tambm trabalho de Rose sobre a transferncia voluntria de polticas pblicas, definida por este autor como lesson drawing (ROSE, 1991). iv

    Este trabalho retoma e aprofunda anlise desenvolvida em trabalhos anteriores (FARAH, 2006a e FARAH, 2006b)

    v Consideram-se aqui os programas finalistas 200 iniciativas selecionadas entre 1996 e 2006 ao longo

    de processos seletivos que envolveram pesquisadores e prticos engajados na gesto pblica subnacional em diversas reas da administrao e de polticas pblicas. Estes programas foram reunidos em publicaes reunindo os 20 finalistas de cada ano, as quais encontram-se disponveis no site http://inovando.fgvsp.br. Ver, por exemplo, SPINK, Peter e CLEMENTE, Roberta (org.), 1997; FARAH, Marta Ferreira Santos e BARBOZA, Hlio Batista, 2000 e FUNDAO..., 2005).

    vi 200 programas selecionados entre 1996 e 2006.

    vii Um aspecto do processo de disseminao, cuja anlise ultrapassa o escopo deste trabalho, diz respeito s transformaes introduzidas na inovao original, como ocorreu, por exemplo, quando o programa Bolsa-Escola foi transformado no programa Bolsa-Famlia pelo governo federal, durante o governo Lula.

    viii Grifo nosso.

    ix Traduo da autora.

    x A ausncia de informao sugere ausncia de disseminao ou disseminao restrita.

    xi Traduo da autora.