Dissertação Abrigamento de idosos... (2).pdf

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL ROSANETE STEFFENON Abrigamento de idosos: situações documentadas no Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro RIO DE JANEIRO 2013

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

    CENTRO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS

    ESCOLA DE SERVIO SOCIAL

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SERVIO SOCIAL

    ROSANETE STEFFENON

    Abrigamento de idosos: situaes documentadas no Ministrio Pblico

    do Estado do Rio de Janeiro

    RIO DE JANEIRO

    2013

  • ROSANETE STEFFENON

    Abrigamento de idosos: situaes documentadas no Ministrio Pblico

    do Estado do Rio de Janeiro

    Dissertao de mestrado apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao em Servio Social, Escola de Servio Social,

    Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial

    obteno do ttulo de mestre em Servio Social.

    Orientadora: Profa. Dra. Myriam Moraes Lins de Barros

    RIO DE JANEIRO

    2013

  • S816 Steffenon, Rosanete.

    Abrigamento de idosos: situaes documentadas no Ministrio

    Pblico do Estado do Rio de Janeiro / Rosanete Steffenon. Rio de

    Janeiro: 2013. 141f.

    Orientadora: Myriam Moraes Lins de Barros.

    Dissertao (mestrado) Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Servio Social, Programa de Ps-Graduao em Servio

    Social, 2013.

    1. Idosos - Brasil. 2. Idosos Poltica governamental. 3. Assistncia velhice Brasil. 4. Velhice - Aspectos sociais. I. Barros, Myriam Moraes Lins de. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Escola de Servio Social.

    CDD: 305.26

  • Rosanete Steffenon

    Abrigamento de idosos: situaes documentadas no Ministrio Pblico

    do Estado do Rio de Janeiro

    Dissertao de mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao

    em Servio Social, Escola de Servio Social, Universidade Federal do

    Rio de Janeiro, como requisito parcial obteno do ttulo de mestre

    em Servio Social.

    Aprovada em 10 de maio de 2013

    ______________________________________

    Myriam Moraes Lins de Barros

    Doutora em Antropologia Social

    Escola de Servio Social UFRJ

    ______________________________________

    Andrea Moraes Alves

    Doutora em Antropologia Social

    Escola de Servio Social UFRJ

    ______________________________________

    Clarice Ehlers Peixoto

    Doutora em Antropologia Social

    Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ

  • Dedico esta dissertao aos meus pais Erico e Lourdes,

    e aos demais idosos(as).

  • Agradecimentos

    "[...] e aprendi que se depende sempre de tanta, muita, diferente gente. Toda pessoa

    sempre as marcas das lies dirias de outras tantas pessoas" (Gonzaguinha).

    Ao final desta etapa so muitas as pessoas a quem eu agradeo, apesar de mencionar

    aqui apenas algumas.

    Gratido aos meus pais que embora distantes geograficamente e das discusses deste

    trabalho, repetiram semanalmente as perguntas: como vo os estudos? Falta muito pra

    acabar? Dessa forma, no somente me lembraram de que eu tinha que levar a cabo o que

    comeara, mas tambm me incentivaram a continuar.

    De maneira muito especial agradeo a professora Myriam Moraes Lins de Barros, a

    quem desde a graduao eu devo muito pelo aprendizado. Foi com muito conhecimento e

    simplicidade que me orientou na elaborao desta dissertao, e que anteriormente contribuiu

    para que eu gostasse de pesquisar.

    Minha gratido s professoras Andra Moraes Alves e Clarice Ehlers Peixoto, pelas

    contribuies na ocasio da qualificao do projeto e da apresentao desta dissertao.

    Obrigada tambm s professoras Maria das Dores Campos Machado e Carla Almeida pela

    disponibilidade.

    Aos demais professores da Escola de Servio Social UFRJ , que de diferentes

    modos contriburam para o aprendizado aqui colocado.

    Ao Ministrio Pblico do Estado do Rio de Janeiro, gratido pela autorizao que

    permitiu a realizao da pesquisa documental. E, aos seus funcionrios que foram solcitos em

    possibilitar o acesso ao material necessrio.

    s colegas assistentes sociais que atuam no Centro de Apoio Operacional s

    Promotorias de Justia de Proteo ao Idoso e Pessoa com Deficincia e no Centro de Apoio

    s Promotorias de Justia Cveis, pela troca de ideias que favoreceu o aprofundamento das

    questes aqui desenvolvidas. Alm disso, pela convivncia que incentivou e cooperou no

    desenvolvimento deste trabalho e da prpria atuao profissional.

    Agradeo a Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES),

    pela bolsa concedida durante o mestrado.

    Aos colegas de ps-graduao, por compartilharmos de situaes que tornaram esta

    elaborao menos solitria.

  • Aline e Josy, com quem durante a escrita deste trabalho no dividi apenas a casa,

    mas tambm alegrias e preocupaes.

    Gratido aos demais amigos (as), que cada um (a) a seu modo tornam a vida bonita e

    leve.

    Enfim, a todos (as) que de diferentes formas e mesmo sem saber, contriburam para o

    resultado deste trabalho.

  • Resumo

    STEFFENON, Rosanete. Abrigamento de idosos: situaes documentadas no Ministrio

    Pblico do Estado do Rio de Janeiro. Dissertao (Mestrado em Servio Social) Escola de Servio Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2013.

    O processo de transio demogrfica e outras mudanas sociais, econmicas e

    polticas tornam visveis situaes vivenciadas por idosos e as colocam na pauta das

    intervenes institucionais. Embora haja modos distintos e desiguais de envelhecer e

    heterogneas velhices, as aes pblicas esto voltadas prioritariamente para idosos com

    condies de participao em atividades culturais, de lazer e de convivncia comunitria.

    Desse modo, a velhice dependente tem ficado ao encargo da proteo familiar, controlada

    pelo Estado. Com base nesses aspectos, e por meio da discusso de situaes de abrigamento

    de idosos, apresentadas ao Ministrio Pblico do Estado do Rio de Janeiro, que esta

    dissertao debate a forma de organizao das relaes sociais e suas instituies. Neste

    sentido, argumenta que h pressupostos legais e morais que se condicionam reciprocamente.

    Ao tratar dessa temtica, apresenta uma discusso da trajetria das aes pblicas voltadas

    aos idosos, da construo de termos classificatrios da velhice e de instncias de defesa dos

    direitos do idoso, com enfoque na instituio Ministrio Pblico. Alm de aportes tericos,

    utilizou-se de pesquisa documental e de observaes e registros etnogrficos realizados em

    dois tempos da prtica profissional estagiria e assistente social na citada instituio. A

    pesquisa documental imps tambm uma reflexo sobre o sentido desses documentos e seus

    percursos. A partir da descrio dos andamentos documentais decorrentes de trs demandas

    apresentadas ao Ministrio Pblico foi possvel ainda, debater os pressupostos legais e morais

    que se mostraram no fluxo dos mesmos e que retratam a forma da sociedade se organizar e

    responder as necessidades que se colocam no processo histrico. Alm disso, o abrigamento

    apresentado sob a tica de diferentes envolvidos nessa demanda, inclusive a viso dos

    prprios idosos sobre o mesmo. Assim, se constitui esta dissertao que pretende contribuir

    para a reflexo sobre a necessidade de avanos no campo das polticas sociais, com maior

    participao do Estado na execuo de servios sociais.

    Palavras-chave: idosos, abrigamento, famlia, Ministrio Pblico, polticas sociais.

  • Abstract

    STEFFENON, Rosanete. Abrigamento de idosos: situaes documentadas no Ministrio

    Pblico do Estado do Rio de Janeiro. Dissertao (Mestrado em Servio Social) Escola de Servio Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2013.

    The process of demographic transition and other social, economic and political

    changes have evidenced the situations experienced by the elderly and put them on the agenda

    of institutional interventions. Despite the existence of different and uneven ways of growing

    old and of heterogeneity in aging, public actions are mainly directed to the elderly who have

    conditions to engage in cultural, leisure and community-based activities. Dependent aging,

    though, has been a duty of the family, controlled by the State. Based on these aspects and by

    means of the discussion of assumptions the situations for elderly sheltering submitted to the

    Public Prosecutors Office of the State of Rio de Janeiro, this thesis discusses the way social

    relations and their related institutions are organized. In this respect, the argument herein is

    that have legal and moral assumptions which are conditioned to each other in a reciprocal

    way. Our approach to this issue presents a discussion of the history of public actions directed

    to the elderly, of the construction of classificatory terms to old age and of instances for the

    defense of elderly rights, with focus on the Public Prosecutors Office. Besides theoretical

    contributions, we have used documental research and observations from ethnographic records

    from two periods of professional practice as an intern and as a social assistant in the

    aforementioned institution. The documental research also led to the reflection about the

    meaning of these documents and the course taken by them. By describing the progress of

    three demands submitted to the Public Prosecutors Office, it was also possible to discuss the

    moral and legal assumptions which arose during the process and which show the way society

    organizes itself and meets the needs of the historical process. Furthermore, sheltering is

    presented according to the perspectives of different agents, including the elderly themselves.

    Thus, this thesis is constituted as and aimed at being a contribution to the reflection on the

    need for advancements in the field of social policies, with increased participation of the State

    in the execution of social services.

    Key words: elderly, sheltering, family, Public Prosecutors Office, social policies.

  • Lista de abreviaturas e siglas

    ATI Academias da Terceira Idade

    AVD Atividades da Vida Diria

    BPC Benefcio de Prestao Continuada

    CAOIPD Centro de Apoio Operacional s Promotorias de Justia de Proteo ao Idoso e

    Pessoa com Deficincia

    CAOP Centro de Apoio Operacional s Promotorias de Justia Cveis

    CAP(s) Caixas de Aposentadorias e Penses

    CEPEDI Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa

    CRAS Centro de Referncia de Assistncia Social

    CREAS Centro de Referncia Especializado de Assistncia Social

    DEAPTI Delegacia Especial de Atendimento s Pessoas de Terceira Idade

    EI Estatuto do Idoso

    ESF Estratgia Sade da Famlia

    GAP Grupo de Apoio ao Promotor

    GATE- Grupo de Apoio Tcnico

    IAP(s) Institutos de Aposentadorias e Penses

    ILPI(s) Instituies de Longa Permanncia para Idosos

    INPS Instituto Nacional de Previdncia Social

    INSS Instituto Nacional de Seguro Social

    LOAS Lei Orgnica da Assistncia Social

    LOPS Lei Orgnica da Previdncia Social

    MGP Mdulo Gesto de Processos

    MP Ministrio Pblico

    MPAS Ministrio da Previdncia e Assistncia Social

    MPRJ Ministrio Pblico do Estado do Rio de Janeiro

    NEAPI Ncleo Especial para Atendimento s Pessoas da Terceira Idade

    OCDE Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico

    PAI Programa de Assistncia ao Idoso

    PA(s) Procedimentos Administrativos

    PIB Produto Interno Bruto

    PJPIPD Promotorias de Justia e Proteo ao Idoso e a Pessoa com Deficincia

  • PNAS Poltica Nacional de Assistncia Social

    PNDH Plano Nacional de Direitos Humanos

    PNI- Poltica Nacional do Idoso

    SBGG Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia

    SESC Servio Social do Comrcio

    SESQV Secretaria Especial do Envelhecimento Saudvel e Qualidade de Vida

    SMAS Secretaria Municipal de Assistncia Social

    SUS Sistema nico de Sade

    UPA Unidade de Pronto Atendimento

  • Sumrio

    Introduo............................................................................................................................. 12

    A realizao da pesquisa documental................................................................................... 17

    Captulo I: Velhice como questo e configurao de polticas voltadas aos idosos no

    Brasil

    1.1 Mudanas na estrutura populacional ............................................................................. 22

    1.2 Elaboraes sobre velhice.............................................................................................. 24

    1.3 Construo social de termos classificatrios da velhice................................................ 27

    1.4 Panorama histrico das aes e proposies pblicas voltadas aos idosos................... 33

    Captulo II: Intervenes estatais na rea do idoso com direitos violados

    2.1 Instncias de defesa dos direitos do idoso na cidade do Rio de Janeiro........................ 50

    2.2 Ministrio Pblico Promotorias do Idoso e da Pessoa com Deficincia.................... 55

    2.3 Localizao e espao fsico das Promotorias do Idoso e da Pessoa com Deficincia 61

    2.4 Situao de risco como parmetro de atuao........................................................... 65

    2.5 Populao que busca atendimento nas Promotorias do Idoso e da Pessoa com

    Deficincia....................................................................................................................

    71

    Captulo III: Documentos retratos de momentos da vida e que sobre ela intervm

    3.1 A lgica dos documentos............................................................................................... 81

    3.2 Etnografia dos documentos............................................................................................ 92

    3.3 Etnografias de trs casos estudados............................................................................... 97

    3.4. Concepes de idosos sobre abrigamento..................................................................... 117

    Consideraes finais................................................................................................... ........ 127

    Referncias bibliogrficas.................................................................................................. 131

  • 12

    Introduo

    As questes que suscitaram a elaborao desta dissertao se constituram ao

    longo do meu processo de formao e prtica em Servio Social.

    Assim, a construo textual apresenta elementos inicialmente observados

    durante a realizao de estgio em Servio Social realizado junto s Promotorias de

    Justia de Proteo ao Idoso e Pessoa com Deficincia, pertencentes ao Ministrio

    Pblico do Estado do Rio de Janeiro, que foram aprofundados com pesquisa documental

    e atuao como assistente social na mesma instituio.

    Mediante a experincia de estgio em Servio Social foi que inicialmente atentei

    para elementos da realidade social at ento por mim ignorados, dentre os quais,

    situaes de abrigamento de idosos.

    Para que eu os observasse contribuiu o conjunto de conhecimentos apreendidos

    ao longo da graduao e mestrado, dentre eles, a experincia de iniciao cientfica no

    Ncleo de Pesquisa Cultura Urbana, Sociabilidade e Identidade Social (NuSIS), nos

    projetos Relaes intergeracionais e de gnero em famlias de camadas mdias

    urbanas e Perspectiva dos jovens adultos sobre as mudanas sociais, por meio dos

    quais as discusses sobre famlia, relaes intergeracionais, gnero, entre outras,

    trouxeram elementos para a anlise da realidade social1.

    Atravs dos referidos projetos observaram-se mudanas sociais no modo da

    famlia se reorganizar, na tendncia de flexibilidade dos domiclios para processos de

    sadas e retornos, nas tenses e negociaes que conjugam rupturas e conciliaes, bem

    como projetos individuais e papis familiares. Essas dinmicas tm relao com

    movimentos contemporneos mais amplos de redefinio da juventude e da velhice, de

    mudanas no curso da vida e nas relaes de gnero e de gerao que, entre outras

    1 A participao como bolsista de iniciao cientfica PIBIC/UFRJ, com recursos do CNPQ foi realizada

    durante dezoito meses da graduao, sob a orientao da professora doutora Myriam Moraes Lins de Barros. No primeiro projeto citado, as histrias de vida de trs geraes de mulheres de diferentes

    famlias foram base para a anlise das relaes intergeracionais e de gnero e da percepo das mudanas

    e continuidades relativas aos valores e prticas sociais, onde foram analisados de modo inter e

    intrageracional variados temas. As trajetrias de vida da primeira gerao trouxeram aspectos para pensar

    tambm a velhice na atualidade. O lugar da gerao intermediria entre pais idosos e filhos jovens

    adultos, em situao de dependncia financeira e coabitao, foi importante para a discusso do tema da

    autonomia feminina, entre outros. A gerao jovem, ento estudada, suscitou questes sobre os processos

    de construo da autonomia e independncia, a flexibilidade das unidades residenciais, a convivncia

    intergeracional, os projetos de vida e os sentidos atribudos famlia, ao trabalho e escolarizao, entre

    outros, que foram impulsionadores para a construo e realizao do projeto de pesquisa posterior, no

    qual foram includos tambm rapazes.

  • 13

    situaes, repercutem na reconstituio do cotidiano familiar circunstanciado pelas

    separaes e recasamentos, adiamento da sada dos jovens de casa, aumento da

    expectativa de vida, coabitao de diferentes geraes, entre outros aspectos.

    A discusso desses elementos foi importante para provocar a observao de

    outros na prtica profissional, os quais tm relao com as mediaes que se

    estabelecem entre famlia e outras instituies, entre elas se destaca aqui o Ministrio

    Pblico pelas suas recentes atribuies e intervenes em face dos direitos do idoso, do

    que participa tambm o Servio Social. No entanto, para a anlise das especificidades

    do tema aqui dissertado encontrei dificuldades no que tange a outras produes

    bibliogrficas semelhantes, com as quais eu pudesse estabelecer dilogo. No decorrer do

    mestrado, contedos de algumas disciplinas contriburam para direcionar o

    desenvolvimento desta dissertao. Essas trouxeram temas sobre famlia, polticas

    voltadas aos idosos, violncia e sistemas de justia, que de acordo com a possibilidade

    de interlocuo foram agregados a este trabalho. As demais disciplinas foram utilizadas

    como pano de fundo para o entendimento da formao e desenvolvimento do Estado, da

    prpria sociedade e do Servio Social.

    Alm de limites para a interlocuo com estudos especficos sobre o tema, h

    que se considerar que recente a atuao do Ministrio Pblico em face da tutela

    individual de idosos em situao de risco 2, o que tambm traz limites para uma

    anlise histrica. Essa atribuio institucional provocada pela Lei Federal n

    10.741/2003 Estatuto do Idoso , sendo que na cidade do Rio de Janeiro a primeira

    Promotoria especfica foi instituda em 2005.

    Dentre as vrias questes apresentadas ao Ministrio Pblico, a escolha da

    apreciao de demandas de abrigamento de idosos se deu na observao de que essas

    trazem em seu bojo elementos importantes para pensar a sociedade de modo mais

    abrangente. Ademais, constituem desafios para as polticas sociais, que se mostram no

    cotidiano profissional do Servio Social.

    Neste sentido, a partir do estgio em Servio Social realizado junto s

    Promotorias do Idoso e da Pessoa com Deficincia da Capital, no perodo de julho de

    2009 a julho de 2010, se mostraram algumas questes em atendimentos sociais e em

    visitas domiciliares e institucionais feitas com as assistentes sociais do 3 Centro de

    2 O que ser debatido em tpico especfico frente.

  • 14

    Apoio Operacional das Promotorias de Justia Cveis 3 CAOp Cvel3. A minha

    observao e anlise foi ampliada por meio da atuao como assistente social a partir de

    julho de 2012, quando aps um processo seletivo fui nomeada para trabalhar junto ao

    referido Centro. Neste, as demandas de atuao do assistente social em sua maior parte

    voltavam-se populao idosa e em decorrncia desse volume de solicitaes, em

    setembro do mesmo ano, foi institudo o Centro de Apoio Operacional das Promotorias

    de Justia de Proteo ao Idoso e Pessoa com Deficincia CAOIPD. A equipe de

    Servio Social foi dividida entre os dois Centros de apoio e passei ento a exercer

    minhas funes no recm-criado.

    A experincia enquanto estagiria e como profissional, compreendem no s

    dois momentos da minha trajetria profissional, mas tambm parte do movimento de

    estruturao do trabalho voltado aos idosos no Ministrio Pblico. Ademais, nessa

    instituio a dinmica de alteraes organizacionais permite pensar que a interveno

    voltada ao idoso oriunda de um campo aberto de provocaes, que forjam respostas

    institucionais, ainda em construo.

    Dentre as vrias demandas e situaes de violaes de direitos do idoso

    apresentadas ao Ministrio Pblico, o abrigamento de idosos chama tambm a ateno

    por mostrar diversos entendimentos, que so apresentados pelos prprios, por

    familiares, por instituies, profissionais, entre outros.

    De acordo com o Estatuto do Idoso, as Instituies de Longa Permanncia para

    Idosos ILPIs so legalmente obrigadas a diligenciar no sentido da preservao dos

    vnculos familiares (EI, Art. 49, I), bem como comunicar ao Ministrio Pblico

    situaes de abandono moral ou material por parte dos familiares, proceder a estudo

    social e pessoal de cada caso e manter arquivo de informaes sobre cada idoso, entre

    outras obrigaes (cf. EI, Art. 49).

    O Ministrio Pblico, enquanto rgo fiscalizador da poltica de atendimento ao

    idoso instaura procedimentos administrativos PA(s) relativos aos idosos abrigados e

    requisita documentao s instituies. Assim, podem ser tambm notificados os

    responsveis pelo idoso a fim de explicarem as razes do abrigamento.

    Alm das questes acerca dos idosos em ILPI, durante o estgio, me chamava

    ateno os pedidos de abrigamento e os decorrentes encaminhamentos, que em parte

    3 Trata-se de rgo de apoio do Ministrio Pblico e que ser retomado frente, bem como ser exposto

    sobre as Promotorias do Idoso e da Pessoa com Deficincia e seu funcionamento.

  • 15

    dos casos se tornava conhecido pelo retorno dos PA(s) para novo atendimento social.

    Nas intervenes relativas aos idosos em ILPI e naquelas que solicitavam o

    abrigamento, os comunicantes relatavam situaes comuns. Dessa forma, acionavam

    aspectos familiares e sociais para explicar a necessidade de institucionalizao.

    O meu maior questionamento se deu em face de comunicaes que envolviam

    pedidos de abrigamento, porque tambm apresentavam relatos de que o acesso s

    instituies de acolhimento pblicas e conveniadas somente seria efetivado aps

    determinao do MP, o que em parte se deve a insuficincia de vagas. Assim, antes de

    chegar s Promotorias parte dos comunicantes j haviam acionado outros servios

    pblicos, dentre eles a Central de Recepo de Idosos, vinculada a Secretaria Municipal

    de Assistncia Social, abrigos e Defensoria Pblica. H casos relatados em que os

    comunicantes percorriam todas essas instituies. H outros em que profissionais da

    Secretaria Municipal de Assistncia Social e da Secretaria de Envelhecimento Saudvel

    e Qualidade de Vida encaminharam demandas de abrigamento de idosos ao MP para

    que o autorizasse, embora o acolhimento institucional pblico seja de execuo do

    municpio.

    Alm disso, durante o estgio em Servio Social foram atendidos familiares

    notificados que anteriormente haviam procurado o MP para solicitar o abrigamento do

    idoso. Parte deles fora chamada para tomar cincia de que a famlia deveria viabilizar o

    abrigamento. Assim, era lhes fornecida para consulta uma listagem de ILPIs privadas,

    filantrpicas e conveniadas com o municpio e ou Estado para que de posse dos

    endereos providenciassem a institucionalizao.

    Diante disso, os atendidos narravam outras problemticas, entre elas, o fato de

    idosos serem responsveis por outros idosos e questionavam quem assegurava o seu

    prprio direito. Ademais, houve casos em que, pela demora e dificuldades em

    concretizar o abrigamento pblico, alguns familiares se reorganizavam de diferentes

    formas para resolver a situao, por vezes aceitando o idoso para residir com eles,

    mesmo avaliando no terem condies para tal.

    Neste sentido, considerei pertinente analisar o contedo desses documentos,

    percebendo, entre outras questes: o perfil desses idosos; como os aspectos individuais,

    familiares e sociais so acionados; de que forma os servios pblicos so provocados; o

    que informa o prprio idoso e os demais comunicantes; como o abrigamento

    compreendido pelos envolvidos.

  • 16

    Assim, no trabalho dissertativo utilizei de pesquisa documental de comunicaes

    apresentadas ao Ministrio Pblico, que traziam de forma direta ou nas entrelinhas

    demandas de abrigamento de idosos.

    No perodo da insero como assistente social, a pesquisa e elaborao dessa

    dissertao j estavam de certo modo avanadas. Dessa forma, embora alguns pontos

    tenham sido retomados e aprofundados com o olhar no s de ex-estagiria e de

    pesquisadora, mas tambm de profissional, o trabalho j tinha uma estrutura bsica, isto

    , se pautava pelo material de pesquisa documental realizada.

    A presente dissertao constituda por um tpico inicial sobre a metodologia

    utilizada na realizao da pesquisa e est estruturada posteriormente em trs captulos.

    No primeiro, apresento como a velhice se torna uma temtica a ser discutida e um

    problema social a ser contemplado em polticas e aes especficas. Neste sentido, de

    modo mais detalhado e qui exaustivo, apresento a trajetria das aes pblicas

    voltadas aos idosos. Isso para mostrar que ideias de velhice as perpassam e entender que

    os idosos com dependncia no so alvo de polticas pblicas efetivas.

    No segundo captulo, menciono instncias de defesa dos direitos do idoso e de

    maneira explicativa apresento as Promotorias de Justia de Proteo ao Idoso e Pessoa

    com Deficincia. Nisso abordo a utilizao da definio de idoso em situao de risco

    social como delimitador da interveno dessas Promotorias. Junto com isso e por meio

    de informaes obtidas na pesquisa realizada e em observaes, descrevo o espao

    fsico da instituio e um grupo representativo da populao que solicita interveno.

    E por fim, no terceiro captulo desenvolvo uma discusso em torno da lgica dos

    documentos institucionais. Por meio da utilizao da etnografia realizo uma descrio

    densa dos percursos documentais intra e interinstitucionais e ainda de trs casos

    estudados, para com isso debater como se conformam as demandas e situaes de

    abrigamento de idosos e as concepes que as conduzem.

    Com essa formatao possvel observar como as relaes sociais se

    desenvolvem em dado perodo histrico e em processo, e nisso como a sociedade se

    organiza para responder as necessidades que se apresentam.

  • 17

    A realizao da pesquisa documental

    Na trajetria de construo das questes, em meados de agosto de 2011 me

    dirigi ao 3 CAOp, onde em conversa com as assistentes sociais me foram perguntadas

    questes metodolgicas da pesquisa, das quais eu tambm ainda no tinha clareza.

    Naquela ocasio, sugeriram que no pesquisasse documentos muito antigos, nem muito

    recentes, pois com relao aos primeiros, provavelmente parte significativa j teria sido

    encaminhada ao arquivo ou s Varas de Justia. J em relao aos novos PA(s) haveria

    ainda poucas informaes neles. Assim, foi definida a pesquisa de PA(s) constitudos no

    segundo semestre de 2010, para possibilitar a leitura e anlise de procedimentos

    administrativos no decorrer de no mnimo um ano, contemplando as aes decorrentes

    da demanda inicial e os aspectos invocados para realiz-las.

    Para a viabilizao da pesquisa, solicitei previamente autorizao ao MP, por meio

    de texto redigido por mim e entregue no protocolo geral da instituio no dia 30 de

    agosto de 2011. Esse gerou um procedimento administrativo (sob o n MPRJ

    2011.00982976) e foi encaminhado Chefia de Gabinete, que o enviou ao 3CAOp no

    dia 05 de setembro. O pedido foi recebido na secretaria desse rgo de assessoramento

    no dia oito do mesmo ms. Quatro dias depois, foi analisado pela promotora que

    ocupava o cargo de subcoordenadora do rgo e que considerou ser necessrio

    encaminh-lo s Promotorias do Idoso da Capital, com a observao de eu ter sido

    lotada nelas como estagiria. Essa informao havia sido mencionada por mim no texto

    que redigi e pode ter favorecido a aceitao para a realizao da pesquisa. No perodo

    entre 15 e 29 de setembro, o PA passou pelas secretarias das quatro promotorias e pelos

    respectivos promotores que o assinaram com a inscrio sem oposio. Em meados

    de outubro, foi encaminhado s assistentes sociais do 3CAOp que me deram cincia

    sobre a permisso para a pesquisa. Assim, extra cpia do referido PA, cujo original foi

    arquivado naquele setor, e pude iniciar o trabalho de campo.

    Dentre os variados documentos que compem os PA(s), escolhi comear a

    anlise pelo que chamado de representao 4, uma das formas de dar a conhecer ao

    Ministrio Pblico dada situao.

    4 Denomina-se representao a ao por meio da qual algum em nome alheio defende interesse e direito

    alheio. Trata-se de elaborao escrita que apresenta dada situao e solicita a interveno institucional.

  • 18

    As representaes estudadas foram elaboradas em atendimentos sociais e

    apresentam uma formatao comum, que privilegia os mesmos pontos a serem

    registrados, dentre os quais, o vnculo do comunicante com o idoso.

    A pesquisa foi iniciada em novembro de 2011 na sala do Servio Social das

    Promotorias, onde fiz a leitura das cpias das representaes constitudas no segundo

    semestre de 2010 e separei as que abordavam o abrigamento. Foram encontradas

    dezessete, que de modo direto ou nas entrelinhas expunham a necessidade dessa

    medida. Essas representaes se referem a dezoito idosos, uma vez que uma delas

    relatava a situao de um casal. As informaes extradas desses documentos foram

    inicialmente tabeladas considerando como dados principais a data da representao e

    o nome do idoso, para a posterior localizao dos PA(s).

    No ms de dezembro, com a autorizao da coordenadora das Secretarias das

    Promotorias, pesquisei na intranet do Ministrio Pblico, no Mdulo de Gesto de

    Processos MGP, o nmero de cada um dos PA(s), a secretaria de qual Promotoria

    pertencia, o nmero atribudo nessa, bem como a sua localizao at aquela data. Nisso,

    identifiquei que, das 17 representaes iniciais, onze ainda tramitavam nas

    Promotorias, quatro haviam sido arquivadas e duas encaminhadas para Varas de Justia.

    Dessa forma, para a realizao da minha pesquisa o acesso parte dos documentos

    estaria inviabilizado por no estarem mais no MP.

    Posteriormente, elaborei novas tabelas com as informaes obtidas e, em janeiro

    de 2012 retornei s Promotorias para iniciar a leitura dos onze PA(s) que estariam em

    andamento. Na ocasio, foi identificado que restava a possibilidade de acesso a oito

    procedimentos, pois um fora encaminhado Vara de Justia e dois a outras sedes do

    Ministrio Pblico, estes devido mudana de endereo do idoso.

    Com isso, dei continuidade pesquisa com a leitura e anotaes dos oito PA(s)

    restantes. Novas tabelas foram constitudas a partir dos seguintes eixos: a) dados

    bsicos: nmero do PA, data da representao, gnero, idade, vnculo do comunicante

    com o idoso; b) forma de apresentao da situao pelo comunicante, membros do MP e

    terceiros; c) percursos institucionais e intervenes anteriores representao no MP

    e via esta instituio; d) condies relatadas convivncia familiar e comunitria,

    sade, moradia, econmicas.

    No caso das Promotorias, o documento representao difere da comunicao feita Ouvidoria por constar a identificao do comunicante, podendo na Ouvidoria ser sigiloso.

  • 19

    Desses aspectos, uma parte foi possvel obter em relao aos dezoito idosos,

    considerando as informaes registradas no texto da representao de cada um. Com

    relao aos oito casos ainda em andamento foram agregadas as informaes extradas da

    leitura dos PA(s), isto , relativas aos encaminhamentos posteriores s representaes

    que os originaram. O trabalho de campo foi feito at agosto de 2012 e alguns aspectos

    includos posteriormente mediante a atuao profissional.

    Ao optar pelo estudo de parte das representaes com pedidos de abrigamento

    de idosos, redigidas no atendimento social das Promotorias, necessrio se faz considerar

    que esses documentos so produzidos na interao entre profissional e atendido

    (famlia, idoso e outros). Ou seja, o discurso escrito uma produo e no um dado,

    pois pr-fabricado e construdo pela interao que o atravessa (BLANCHET e

    GOTMAN, 1992). De modo semelhante, so constitudos os relatrios sociais presentes

    nos procedimentos administrativos, os quais tambm devem responder ao despacho do

    Promotor que os solicitou, ou seja, h uma direo do que documentar e o modo de

    faz-lo, que esto definidas a priori.

    Neste sentido, so pertinentes os apontamentos de Vianna (2002), que afirma

    que esses documentos, enquanto bens administrativos registram aspectos parciais da

    realidade, que resultam da converso das falas em depoimentos escritos e desses em

    peas para a produo de uma deciso administrativa e ou judicial. As condies de

    constrangimento das falas so dadas pela situao de estar perante profissionais e

    especialistas com poder de avaliao e deciso. Nisso, h a escolha do que deixar

    registrado ou do que silenciar ao longo do processo. Ademais, ao mesmo tempo em que

    cada caso relatado em sua singularidade, tambm submetido a uma lgica comum,

    dada pela elaborao padronizada e legal dos procedimentos adotados. A negociao do

    contedo a ser registrado, se d entre os que so objeto do procedimento

    administrativo e os profissionais que os atendem. Os procedimentos expressam, ainda, o

    formato das relaes e das necessidades apresentadas e remodeladas legalmente e o

    embate das concepes morais e simblicas capazes de definir uma famlia e um lugar

    para o idoso.

    Alm dessas consideraes, para realizar a anlise documental se estabelecem

    critrios do que ser observado (SEVERINO, 2007). No que tange a esta elaborao,

    foram considerados os aspectos acionados em face ao abrigamento, os demandantes

  • 20

    desse atendimento, os motivos apresentados, o acesso ou no s polticas sociais, entre

    outras questes.

    Por se tratar de estudo qualitativo, pode-se afirmar que a quantidade de

    documentos a ser analisada menos importante que as particularidades que apresentam.

    Eles revelam a heterogeneidade e a complexidade das questes, que permitem pensar o

    abrigamento em diversos aspectos e sob variadas perspectivas. A quantidade de

    documentos a ser analisada foi, inicialmente, demarcada pelo recorte temporal e

    temtico. Posteriormente, na anlise dos dados e na escrita desta dissertao, foram

    escolhidos trs casos para o relato dos percursos documentais e da vida desses idosos.

    Alm disso, foram observados elementos relacionados ao abrigamento em outras

    trajetrias de vida de idosos e de seus familiares, dos quais tomei conhecimento no

    exerccio profissional, sendo alguns aspectos aqui includos.

    Analisar o texto das representaes e os procedimentos administrativos que

    tratam de situaes individuais, no significa, parafraseando Fonseca (1998), considerar

    que cada caso um caso, mas sim atravs do particular abrir caminho para

    interpretaes abrangentes, pois ao situar os sujeitos no contexto histrico e social h

    como perceber os aspectos particulares e os que so compartilhados.

    Ao utilizar como fonte de pesquisa os documentos produzidos na atuao do

    Servio Social e de outros profissionais envolvidos, pondera-se o fato de, na sua

    elaborao, se dar o confronto entre as prprias concepes profissionais, valores

    culturais, conhecimentos especficos e condies de trabalho.

    No que se refere aos registros e pareceres elaborados/documentados pelo

    Servio Social, Fvero (2008) explica que o profissional pauta-se pelo que expresso

    verbalmente e pelo que no falado, mas que se expressa aos olhos como integrante do

    contexto em foco. Ele dialoga, observa, analisa, registra, estabelece pareceres,

    apresentando muitas vezes, a reconstituio dos acontecimentos que levaram a uma

    determinada situao (p. 27-28). Para tanto, segundo a autora, deve utilizar um saber

    fundamentado histrica e teoricamente com base no compromisso com a garantia de

    direitos.

    Assim, a configurao dos documentos analisados neste estudo expressa

    diferentes saberes e perspectivas. De modo semelhante, a escolha do tipo de anlise e de

    coleta das informaes est subordinada aos objetivos da pesquisa e a formulao

    terica que a norteia (BLANCHET e GOTMAN, 1992).

  • 21

    Cabe mencionar tambm que a discusso aqui apresentada incorpora uma

    pesquisa que abarca um perodo e que agrega elementos de observao e atuao de

    tempos distintos, ou seja, enquanto estagiria em Servio Social, pesquisadora, e

    profissional. Essas inseres trazem em seu bojo desafios diferentes para o

    estranhamento das questes. Alm disso, a realidade institucional tambm se modifica

    no decorrer desse tempo e continua em movimento, o que significa considerar que este

    estudo temporalizado e que as anlises aqui construdas no so definitivas, como,

    alis, ocorre em qualquer anlise de processos sociais se observamos as relaes sociais

    sob o ponto de vista dos contextos histricos e em situaes especficas.

  • 22

    Captulo I

    Velhice como questo e configurao de polticas voltadas aos

    idosos no Brasil

    1.1 Mudanas na estrutura populacional

    De acordo com a sntese de indicadores sociais (IBGE, 2009), a proporo de

    idosos entre 1998 e 2008 passou de 8,8% para 11,1%, sendo o Rio de Janeiro (14,9%) e

    o Rio Grande do Sul (13,5%) os estados com a maior proporo de idosos. Em 2008 o

    contingente de pessoas com mais de 60 anos somava cerca de 20 milhes e o segmento

    de pessoas com mais de 75 anos em torno de 5,5 milhes. No grupo etrio de 80 anos

    ou mais, o crescimento relativo superou os demais, chegando a quase 70,0%.

    Conforme os ltimos dados censitrios (IBGE, 2010), a populao idosa acima

    de 60 anos soma 20.590.599, dos quais 9.527.354 se concentram na regio sudeste. Esta

    e a regio sul apresentam evoluo semelhante da estrutura etria e se mantm como as

    reas mais envelhecidas do pas. Juntas tinham, em 2010, contingente superior a 8,1%

    de idosos acima de 65 anos.

    As inflexes na pirmide etria indicam o impacto das sucessivas quedas da

    fecundidade, que se iniciaram a partir da dcada de 1960. Segundo Moreira (2001), a

    mudana na estrutura populacional atravs do tempo, se d basicamente por dois

    processos: reduo da populao jovem (envelhecimento pela base) e reduo da

    mortalidade nos grupos etrios mais velhos (envelhecimento pelo topo). De acordo com

    a autora, o envelhecimento pelo topo ocorre nos atuais pases desenvolvidos que

    continuam envelhecendo, a despeito dos seus baixos nveis de fecundidade. No Brasil,

    embora estejam em curso ambos os processos, envelhecimento pelo topo e pela base, o

    maior impacto se deve diminuio de nascimentos e em menor proporo pelo

    aumento da expectativa de vida.

    A reduo da fecundidade desencadeia mudanas profundas na distribuio

    etria. A maior parte dos pases europeus levou quase um sculo para completar a

    transio da estrutura etria. No Brasil, entre os anos 1970 e 2000, houve um declnio

  • 23

    da fecundidade equivalente a 60% e os efeitos na variao dos grupos etrios sero

    sentidos nas prximas dcadas. Estima-se que, entre os anos 2000 e 2020, o tamanho da

    populao abaixo de 25 anos diminuir em cerca de 5 milhes. O grupo etrio de 15 a

    35 anos, que inclui as mulheres responsveis por mais de 90% dos nascimentos,

    enfrentar taxas de crescimento negativas por todo o perodo 2011-2050. Com isso, o

    nmero de nascimentos continuar declinando, mesmo se a taxa de fecundidade

    continuar a mesma (WONG e CARVALHO, 2006).

    Para a demografia, uma populao identificada como envelhecida quando a

    proporo de pessoas acima de 65 anos oscila entre 8 e 10% da populao total

    (MOREIRA, 2001). Essa proporo j existe no Brasil, conforme os dados expostos

    acima. Recente relatrio do Banco Mundial sobre o envelhecimento populacional no

    Brasil e o seu rebatimento em vrias reas, alerta para a velocidade do envelhecimento

    populacional que em nosso pas

    [...] ser significativamente maior do que ocorreu nas sociedades mais

    desenvolvidas no sculo passado. Por exemplo, foi necessrio mais de um

    sculo para que a Frana visse sua populao com idade igual ou superior a

    65 anos aumentar de 7% para 14% do total. Em contraste, essa mesma variao demogrfica ocorrer nas prximas duas dcadas (entre 2011 e

    2031) no Brasil. A populao idosa ir mais do que triplicar nas prximas

    quatro dcadas, de menos de 20 milhes em 2010 para aproximadamente 65

    milhes em 2050 (BANCO MUNDIAL, 2011, p. 10).

    Atravs de estudo comparativo entre Brasil e Frana, e guardadas as distines

    do ponto de vista econmico e social, Peixoto (2000) afirma que:

    [...] ao contrrio da Frana, no Brasil o processo de envelhecimento da populao est no incio e os problemas relativos ao envelhecimento no

    constituem pauta importante das polticas sociais: as penses de

    aposentadorias so muito baixas, a sade pblica precria e no existe

    nenhum tipo de assistncia social nem casas geritricas fundadas pelo Estado

    do tipo das maisons de retraite francesas (PEIXOTO, 2000, p. 96).

    O crescimento da proporo de idosos impe a necessidade de servios cada vez

    mais complexos e especficos para esse segmento, pois o envelhecimento, no

    problema, e sim vitria. Problema ser se as naes desenvolvidas ou em

    desenvolvimento no elaborarem e executarem polticas e programas para promoverem

    o desenvolvimento digno e sustentvel (BERZINS, 2008, p. 20).

    H fatores que tendem a aumentar o nmero de idosos necessitados de cuidados

    de longa durao. Um deles resulta na estimativa de nas prximas dcadas haver

    crescimento do nmero de pessoas com idade acima de oitenta anos, e com isso

    demandas na rea da sade, devido multiplicidade e natureza de suas patologias, j

  • 24

    que muitos desenvolvem doenas crnicas que tm impacto sobre a vida cotidiana

    (IBGE, 2009). Em parte, a incapacidade funcional, conceito definido pela Organizao

    Mundial da Sade OMS como a dificuldade devido a uma deficincia para realizar

    as atividades tpicas e desejadas na sociedade, decorre dos processos de

    envelhecimento, pois a sade produto das condies objetivas de existncia e

    resultado das condies de vida (CAVALCANTI e ZUCCO, 2009, p. 70).

    Outro fator que tender ao aumento do cuidado de idosos por outras instituies,

    que no a famlia, refere-se ao:

    [...] status da mulher e os valores familiares e sociais que passam por

    transformaes e iro continuar a impactar na disponibilidade de ajuda familiar. A baixa taxa de nascimentos e as complexidades da transio dos

    jovens para uma maioridade moderna iro compor o cenrio. Estudos de um

    amplo conjunto de pases em desenvolvimento revelam que pessoas mais

    velhas esto se tornando menos confiantes em receber auxlio familiar.

    Projees para o Brasil estimam o dobro de pessoas sendo cuidadas por no-

    familiares em 2020, e cinco vezes mais em 2040, do que em comparao com

    2008 (BANCO MUNDIAL, 2011, p 57).

    Alm dessas questes, nas discusses polticas tendem a ganhar fora os

    discursos favorveis s redues nos direitos previdencirios, sob a argumentao de

    que os gastos com aposentadorias e penses iro dobrar para 22,4% do PIB em 2050.

    Em um cenrio alternativo, projetamos uma srie de reformas que gradualmente

    trariam os benefcios previdencirios no Brasil em linha com aqueles dos pases da

    OCDE 5 (Idem, ibidem, p. 55).

    1.2 Elaboraes sobre velhice

    A velhice enquanto questo foi at pouco tempo um assunto sem valor

    acadmico, passando a ter visibilidade atravs das transformaes sociais das ltimas

    dcadas, nas relaes sociais desenvolvidas na famlia, no trabalho, nos espaos de

    sociabilidade e com o movimento dos aposentados na dcada de 90 (LINS de

    BARROS, 2004). Polticas especficas para os idosos tambm foram plasmadas nesse

    perodo.

    5 Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico.

  • 25

    Ao fazer um levantamento das teses e dissertaes se observa que a produo

    acadmica sobre velhice ainda pequena e que a maior parte dos estudos refere-se

    discusso da rea da sade, principalmente da enfermagem e psiquiatria6. Pode-se

    considerar que no Servio Social, ainda no h expressivo nmero de elaboraes sobre

    idosos. No entanto, observa-se um aumento da demanda por interveno desse

    profissional junto a idosos e suas famlias. Neste sentido, cabe citar a obrigatoriedade

    das entidades que prestam servio de atendimento ao idoso em proceder a estudo

    social e pessoal de cada caso (Estatuto do Idoso, Art. 50, XI), o que implica no

    exerccio de uma atribuio privativa do assistente social7. Alm disso, no Estado do

    Rio de Janeiro, as instituies prestadoras de servios de abrigamento aos idosos devem

    dispor de equipe tcnica que, entre outros profissionais, tenha assistente social (Lei n.

    3875/2002). Ao mesmo tempo, na atuao dessa profisso novas situaes vm sendo

    colocadas. Uma parte delas exige respostas urgentes, para as quais o Estado ainda no

    instituiu mecanismos de ao.

    Na conjuntura de fragmentao e focalizao das polticas, de tendncia

    responsabilizao dos sujeitos e individualizao dos problemas, torna-se necessrio

    ao Servio Social, atravs da prtica profissional, impulsionar pesquisas e projetos que

    favoream o conhecimento criterioso dos segmentos populacionais atendidos e dos

    processos sociais, o que alimentar aes inovadoras, capazes de propiciar o

    atendimento s efetivas necessidades sociais (IAMAMOTO, 2008, p.200).

    Conhecimento, realidade e ao se articulam no exerccio profissional do Servio

    Social, numa dinmica em que a pesquisa assume papel importante como prtica

    investigativa de apreenso das facetas da realidade social e de sua anlise, ou seja, uma

    atividade necessria e bsica do fazer profissional, tanto por seu papel destacado de

    indagao e questionamento permanente das aes desenvolvidas, como,

    principalmente de construo da realidade (SARMENTO, 1999, p.107).

    No mbito das Promotorias do Idoso, solicitado ao Servio Social a realizao

    de estudo social, em geral com a determinao de visita domiciliar. As respostas aos

    requerimentos das Promotorias so documentadas em relatrios sociais, que geralmente

    6 Conforme leituras feitas por mim, de ttulos e resumos de publicaes divulgadas em sites de

    universidades e no Scielo. 7 Segundo a Lei de Regulamentao da Profisso Lei n. 8.662/93, Art. 5.

  • 26

    se embasam em informaes obtidas por meio de visitas domiciliares e entrevistas8. De

    acordo com Fvero (2008), o estudo social consiste na construo de um saber que pode

    se constituir numa verdade. O relatrio social uma das formas de documentar e

    apresentar com maior ou menor detalhamento a sistematizao do estudo realizado.

    Via de regra deve apresentar o objeto de estudo, os sujeitos envolvidos e finalidade

    qual se destina, os procedimentos utilizados, um breve histrico, desenvolvimento e

    anlise da situao (FVERO, 2008, p.45). Embora na atuao das assistentes sociais

    do 3CAOP Cvel e do CAOIPD esses aspectos sejam considerados, as profissionais

    no utilizam a terminologia estudo social nos relatrios enviados como resposta aos

    requerimentos dos Promotores. A no utilizao dessa definio se deve considerao

    de que as informaes apresentadas so parciais e oriundas geralmente apenas de uma

    visita social e ou entrevista, o que no permite caracterizar o resultado desse trabalho

    como um estudo social aprofundado, no sentido que essa nomenclatura contm.

    A visita domiciliar um meio para observar e conhecer a situao em que vive o

    idoso e nisto compreender o contexto particular e as relaes sociais. Em parte dos

    casos a visita tambm a nica forma possvel de contatar o idoso, e conforme as suas

    condies, entrevist-lo sobre a situao em questo.

    Com isso, por um lado, a interveno do Estado no espao domstico das

    relaes sociais, atravs do assistente social, pode representar uma invaso de

    privacidade. Por outro lado, ao desvelar a vida dos indivduos, pode oferecer subsdios

    s decises, no sentido de abrir possibilidades de acesso aos direitos, alm de acumular

    um conjunto de informaes sobre as expresses contemporneas da questo social,

    pela via do estudo social (IAMAMOTO, 2004).

    O relatrio um documento que apresenta

    [...] de forma cristalizada pela escrita, as informaes colhidas e as interpretaes realizadas iro intermediar a partir de um norte terico a fala do sujeito, os demais dados obtidos e a anlise realizada, e aquele ou

    aqueles que sero os leitores, os quais, geralmente, so os agentes que

    emitiro uma deciso, ou participaro de uma deciso a respeito dos sujeitos

    envolvidos (FVERO, 2008, p. 28).

    Cabe lembrar que, ao longo do processo histrico do Servio Social, o estudo

    social esteve presente no campo sociojurdico, onde a interveno tende a ser desviada

    8 Conforme a finalidade a que se destina que so definidos os meios de realizao do exerccio

    profissional. As visitas e entrevistas so instrumentos, dentre outros como, por exemplo, a anlise de

    documentos, que possibilitam conhecer e clarificar situaes e consider-las em suas singularidades

    inseridas na realidade social mais ampla.

  • 27

    para a direo da regulao caso a caso, do controle e do disciplinamento dos sujeitos

    sociais (FVERO, 2008, p.38). Assim, na atuao do assistente social se coloca a

    tenso entre prticas consideradas tradicionais no Servio Social, no sentido de que no

    rompem com a imediaticidade e podem expressar uma prtica indiferenciada (NETTO,

    1992) se comparadas s aes filantrpicas anteriores e centradas no indivduo, e o

    desafio de construir e fomentar novas estratgias de interveno e de respostas

    institucionais.

    1.3 Construo social de termos classificatrios da velhice

    De acordo com Hareven (1999), a preocupao com a velhice parte de uma

    tendncia contnua segregao por idade. O envelhecimento e a idade esto

    relacionados a fenmenos biolgicos, porm seus significados so determinados social e

    culturalmente. No ocidente, faz-se referncia a estgios de vida como etapas de

    desenvolvimento, que envolvem grupos etrios com caractersticas singulares. Com

    relao velhice, a sua formulao pblica e institucional, como etapa distinta, se deu

    na convergncia das elaboraes do campo gerontolgico, na proliferao de

    esteretipos negativos sobre os velhos e no estabelecimento da aposentadoria

    compulsria.

    Desse modo, foi a partir do final do sculo XIX com a industrializao e

    mudanas demogrficas, que, paulatinamente, comeou a ser desenvolvida uma maior

    diferenciao entre os grupos de idade. Conforme Hareven (1999), a sociedade norte-

    americana passou de uma aceitao da velhice como processo natural para um perodo

    caracterizado pelo declnio e dependncia. Foi no incio daquele sculo que se

    assentaram as bases da geriatria como ramo especfico da medicina. Ao longo do sculo

    XX, a industrializao e as demandas por proteo aos idosos provocaram o interesse

    pelo significado do envelhecimento relacionado a questes sobre os limites da utilizao

    da fora de trabalho. Assim, quando as particularidades so associadas a algum

    problema social importante, as necessidades podem ser reconhecidas, integrar

    legislaes e serem estabelecidas instituies para atend-las.

  • 28

    Segundo Peixoto (2007), a velhice se tornou um problema social a ser

    reconhecido pelo Estado em consequncia de mudanas socioeconmicas, entre elas, o

    advento da aposentadoria e a dificuldade das famlias em arcar com os custos de

    manuteno dos idosos. A criao de categorias classificatrias na representao social

    da velhice sofreu modificaes com o prolongamento da vida, que pressiona o

    alargamento das faixas etrias mais jovens, e com as mudanas que reclamavam

    polticas sociais para a velhice.

    Neste sentido, a autora estabelece uma comparao entre Frana e Brasil.

    Observa que, naquele pas do sculo XIX, o termo velho ou velhote designava as

    pessoas com mais de 60 anos que no possuam condies econmicas de assegurar seu

    futuro em decorrncia da diminuio de suas foras para o trabalho, o nico bem que

    possuam. Os que tinham posses eram designados pelo termo idoso. No entanto, a partir

    dos anos 60 do sculo XX, com uma nova poltica francesa para a velhice que elevou as

    penses e aumentou o prestgio dos aposentados, se deu uma mudana nos termos de

    tratamento, que transformou os problemas dos velhos em necessidades dos idosos.

    Os aposentados passaram a reproduzir prticas sociais associadas s camadas mdias

    assalariadas e se designou o vocbulo terceira idade para representar os jovens

    aposentados. Contudo, foi necessrio distinguir os jovens idosos dos idosos velhos e,

    assim, as pessoas com mais de 75 anos foram classificadas como pertencentes quarta

    idade.

    No que tange s denominaes da velhice no Brasil, os textos oficiais, anteriores

    aos anos 60, utilizavam a expresso velho. No final daquela dcada, as mudanas da

    imagem da velhice na Europa ecoaram no Brasil e, com isso, paulatinamente se passou

    a utilizar o termo idoso.

    O uso da categoria velho est associado decadncia, dependncia,

    incapacidade e pobreza, que apresentam mais nitidamente as consequncias do

    envelhecimento. A noo terceira idade mascara um grupo social heterogneo e

    advm de um decalque francs adotado aps a implantao de polticas para a velhice

    naquele pas, voltadas para atividades culturais, sociais e esportivas. Terceira idade

    designa ento os jovens velhos, os aposentados dinmicos, consumidores de produtos

    de beleza, de turismo e de especialidades mdicas, enquanto idoso se refere aos

    velhos respeitados (PEIXOTO, 2007).

  • 29

    No entanto, diferentemente das intervenes voltadas s crianas e adolescentes

    que se justificavam na preocupao de que a negligncia poderia torn-las adultos

    perigosos ordem societria, os idosos receberam pouca ateno por no configurarem

    uma possvel ameaa sociedade (HAREVEN, 1999).

    Alm disso, conforme Bassit (2000), a modernidade, ao estar ligada ao

    nascimento do Estado moderno e ao desenvolvimento do capitalismo, da cincia e da

    tecnologia, provoca maior preocupao em registrar, regular e disciplinar a vida das

    pessoas e passa a periodiz-la. Assim, por exemplo, se institucionalizam as passagens

    da famlia para a escola ou trabalho, delimitando qual a idade ideal para esses e outros

    eventos. Pode-se considerar que h uma transio para dentro e uma para fora da vida

    adulta e a durao das diferentes fases (infncia, adolescncia, maturidade e velhice)

    esto relacionadas e so determinadas historicamente.

    Neste sentido, as categorias de idade so construes sociais, que mudam

    historicamente, mas isso no significa dizer que no tenham efetividade. Essas

    categorias so constitutivas de realidades sociais especficas, uma vez que operam

    recortes no todo social, estabelecendo direitos e deveres diferenciais em uma

    populao, definindo relaes entre as geraes e distribuindo poder e privilgios

    (DEBERT, 2007, p. 53). Isso se deu na conjuntura de passagem de uma economia

    domstica para o mercado de trabalho e no processo de transformao de questes,

    antes consideradas da esfera privada e familiar, para a ordem pblica, tornando o Estado

    a instituio que regula o curso da vida.

    Ademais, a separao gradual entre trabalho e demais aspectos da vida, o

    abandono da predominncia dos valores familiares em favor do individualismo e da

    privacidade, a expulso dos mais velhos do trabalho e o declnio em suas funes

    familiares devido substituio da orientao pautada na experincia pela informao

    profissional, levaram diminuio de poder dos mais velhos na vida familiar. Parte das

    funes antes concentradas no lar, entre as quais, o cuidado dos dependentes, foi

    transferida para instituies especializadas (HAREVEN, 1999).

    De acordo com Lins de Barros (2002), na modernidade, o curso da vida

    pensado a partir da concepo individualista do ser humano, por isso se

    institucionalizam periodizaes e se colocam questes como as crises de idade e os

    conflitos entre geraes. Nessa conjuntura, as experincias individuais adquirem

  • 30

    relevncia como construtoras de significados para os sujeitos, e as mudanas culturais e

    histricas so vistas como produtoras de conflitos e negociaes.

    Na contemporaneidade, as aes direcionadas aos idosos trazem consigo a

    ideologia individualista no trato com a velhice e na experincia do envelhecer (LINS

    de BARROS 2004, p. 49). Nas ltimas dcadas, com o termo terceira idade se apresenta

    uma nova forma de envelhecer e uma imagem menos negativa dessa fase da vida, sob

    a ideia de que para viver bem o ltimo perodo da vida, bastaria nos engajarmos

    nesta ideia e se no o fazemos, isto se deve mais a ns mesmos do que s condies

    sociais e culturais (Ibidem; p. 49).

    Nesta perspectiva, Debert (1999) discute como a velhice foi transformada de um

    problema da esfera familiar e privada para uma questo do mbito da interveno

    pblica, sujeita a legislaes e polticas especficas, ou seja, h uma socializao

    progressiva da gesto da velhice. Ao mesmo tempo, nesse processo posta como um

    problema individual, tendncia que a mesma autora denomina de reprivatizao da

    velhice.

    Conforme Simes (2000), no Brasil as mobilizaes dos aposentados

    contriburam na produo de representaes sociais dos idosos. O movimento dos

    aposentados ganhou alguma visibilidade durante a Assembleia Constituinte, na

    elaborao de artigos relativos Seguridade Social, e adquiriu maior auge na dcada de

    90, por meio das manifestaes que contestavam o reajuste das aposentadorias e

    penses, em valor inferior ao ndice aplicado ao salrio mnimo. As mobilizaes

    operaram com duas imagens polarizadas dos idosos.

    De um lado, os aposentados foram identificados com o idoso carente,

    dependente e abandonado pela famlia e pelo Estado, imagem que,

    reiteradamente, tem servido para legitimar os direitos especficos dos mais

    velhos proteo social e que, desta feita, tambm sustentou a relevncia

    social e poltica das associaes e do movimento dos aposentados. De outro

    lado, a ateno conquistada na mdia pelas manifestaes dos aposentados

    acionou uma nova representao de idosos militantes, que encontravam na luta poltica uma forma de combater os esteretipos e preconceitos da

    inatividade e da perda de papis associados velhice (SIMES, 2000,

    p.281).

    Assim, nos discursos realizados nas mobilizaes e nas entrevistas, os

    aposentados militantes procuravam se apresentar como lcidos e ativos, com saber

    poltico e experincia de vida. Ao mesmo tempo, falavam dos seus direitos como

    reinvindicaes particulares e como interpelao s novas geraes para que se

    conscientizassem de seus destinos.

  • 31

    Cabe lembrar que, no plano econmico, a aposentadoria desde os seus primeiros

    sistemas no marca necessariamente o envelhecimento fsico e cronolgico do

    trabalhador, e sim sua incapacidade para o trabalho. No incio do sculo XX, com

    alteraes na organizao da produo que visavam a sua maximizao, os

    trabalhadores mais velhos passaram a ser discriminados por no se adaptarem o

    suficiente s novas condies de trabalho e de produtividade. Com isso, criou-se uma

    modalidade de envelhecimento profissional e a aposentadoria foi um dos meios para a

    recomposio etria da fora de trabalho (SIMES, 1997). Na conjuntura atual, pode-se

    observar que produzida uma dinmica inversa, que, junto com a difuso do

    envelhecimento ativo e do direito do idoso ao trabalho9, so favorveis a reformas da

    previdncia que estendem os limites etrios para a aposentadoria e reduzem os valores

    dos benefcios, uma vez que pensada a continuidade, o retorno ou nova insero do

    idoso no trabalho.

    Outro aspecto presente na construo do envelhecimento trabalhado por Koury

    (2011), que atenta para a construo do envelhecimento no imaginrio de homens e

    mulheres idosos. O morrer referenciado de forma implcita ou explcita como um

    processo natural dos velhos, embora presente em todas as fases da vida de qualquer

    pessoa, e se a

    [...] imagem do idoso tem sido constantemente deslocada para uma idade mais tardia, a partir do final dos setenta anos ainda so considerados jovens e

    ativos, essa juventude e ativismo so vistos como um esforo pessoal de se

    manter jovem e considerado pelo vis, seja como um modelo a ser seguido,

    seja pelo preconceito: parece que esse velho (ou velha) no se enxerga (KOURY, 2011, p.61).

    Com isso, no processo de envelhecer se coloca a questo de como permanecer

    ativo e resguardar um corpo saudvel, associado ao ser jovem, sem cair no ridculo. E

    ao mesmo tempo, como se guiar em um mundo voltado para uma construo de

    juventude e para interesses volteis de ser jovem quando o corpo e a mente exigem

    outro tipo de insero cultural, social e psquica (Ibid.).

    Assim, os valores dominantes, ao enfatizarem o envelhecimento saudvel, a

    liberdade individual e a autonomia, tm deixado de lado a velhice frgil e dependente

    (DEBERT, 1999). A transformao dos problemas da velhice em responsabilidade

    9 Inclusive prevendo programas de estmulos s empresas para admisso de idosos e proibio de limite

    mximo de idade, dando-se ainda preferncia ao de idade mais elevada nos casos de empate em concursos

    pblicos (EI, Art. 26-28).

  • 32

    individual contribui, no contexto brasileiro, para a no proposio de polticas pblicas

    que, de fato, viabilizem respostas s demandas dos vrios segmentos idosos,

    principalmente daqueles que apresentam dependncia de cuidados.

    Cabe ainda mencionar que a construo de termos classificatrios da velhice no

    d conta da heterogeneidade que comporta os vrios grupos etrios que ela contm, nem

    os modos de envelhecer. Ademais, ao contrrio da trajetria dos movimentos

    feministas e tnico-raciais, no encontramos a constituio de uma memria coletiva

    que sustente a definio de velhice como uma identidade social que conforme um

    grupo minoritrio (LINS de BARROS e ALVES, 2012)

    Os idosos no constituem grupo identitrio como os movimentos feminista e

    negro, por exemplo, que se originaram em oposio ao outro: mulheres x homens,

    negros x brancos. Com a ideologia do envelhecimento ativo, idosos no se opem a

    grupos etrios mais novos e a velhice se apresenta de forma mltipla e fragmentada.

    Desse modo, numa conjuntura em que se constituem polticas pblicas para

    segmentos especficos, e, para tal, se estabelece uma suposta relao entre poltica de

    reconhecimento e identidade (TAYLOR, 1998), cabe observar por quais meios e lutas

    se configuram as polticas para os idosos.

    Segundo Debert (1997), o discurso gerontolgico contribuiu para dar

    visibilidade ao envelhecimento e transform-lo em uma questo poltica e para propor

    prticas promotoras de uma velhice bem sucedida. A quebra do silncio no trato da

    velhice no pas pode ser observada em torno de quatro aspectos: mudana demogrfica,

    que exige gastos pblicos para atender os idosos; a crtica ao capitalismo, que torna a

    misria e a excluso ainda mais amargas na velhice queles que no dispem de

    condies para trabalhar e que so desvalorizados e abandonados pelo Estado e a

    sociedade; a valorizao do jovem e o menosprezo da experincia e da memria; e, o

    que diz respeito ao Estado, pois com o declnio da famlia extensa e um Estado incapaz

    de resolver problemas bsicos da populao, a pobreza e a misria se tornam ainda mais

    paradigmticas na velhice.

    Ademais, conforme Camarano (2004), em parte do debate poltico e da literatura

    sobre o envelhecimento se observam duas concepes polarizadas da experincia do

    envelhecer: uma viso negativa, que a associa a problemas sociais e dependncia; e

    outra, que a considera com condies de contribuir para o desenvolvimento

    socioeconmico dos pases. Essas concepes influenciam na direo das polticas

  • 33

    sociais, pois podem conduzir a discriminaes no mercado de trabalho, estruturao de

    polticas que reforam o aspecto da dependncia econmica, da sade e da autonomia,

    e, alm disso, apresentar o idoso como improdutivo e consumidor de servios pblicos,

    entre eles, os previdencirios e de sade.

    No entanto, h que se considerar que, parte dos estudos, por exemplo, na rea

    das cincias sociais, abordam a heterogeneidade das experincias do envelhecer e das

    distintas necessidades da populao idosa. Conforme Debert (1997), no h como

    afirmar em que medida o discurso de especialistas influencia nas prticas sociais e nas

    polticas voltadas aos idosos. Entretanto, constata-se que, desde a dcada de 80, as

    questes relativas velhice ocupam espao entre os temas que preocupam a sociedade

    brasileira. Isso se evidencia em trs tipos de manifestaes: pesquisas acadmicas,

    aberturas de espaos em organizaes governamentais e privadas para iniciativas

    voltadas ao envelhecimento bem sucedido, e o tratamento mais amplo que o idoso e

    seus problemas recebem na mdia.

    A representao do avano da idade como um processo contnuo de perdas em

    que os indivduos ficariam relegados a uma situao de abandono, de desprezo e de

    ausncia de papis sociais, contribuiu para a universalizao da aposentadoria, leis

    protetivas dos idosos e conferncias e planos de ao internacionais para o

    envelhecimento (DEBERT, 2012).

    Segundo a mesma autora, junto com as mudanas objetivas, necessrio um

    processo de enunciao que as incorpore na luta poltica. Diferentemente de outras

    categorias, os velhos nem sempre tm condies para a expresso pblica e suas

    demandas so apresentadas por porta-vozes, os especialistas, que tem sua competncia

    reconhecida por um campo de saber, por exemplo, a gerontologia.

    1.4 Panorama histrico das aes e proposies pblicas

    voltadas aos idosos

    A discusso relativa ao abrigamento de idosos implica em observar como, ao

    longo da histria, esse segmento populacional foi includo no que hoje se convencionou

    chamar de sistema de garantia de direitos. Desse modo, cabe aqui explanar sobre as

  • 34

    legislaes e polticas sociais, no nvel nacional e municipal, e atentar para os nexos

    com o plano internacional, bem como para as mudanas societrias que lhe so

    inerentes. Isso tem como pano de fundo o fato de parte significativa das diretrizes legais

    constitudas no mbito nacional serem decorrentes de documentos internacionais dos

    quais o Brasil signatrio. Ademais, as polticas sociais se concretizam no mbito dos

    muncipios, pautadas pelo princpio da descentralizao, que lhes confere a competncia

    para execut-las.

    Ao voltar o olhar para as polticas sociais, vale rememorar que elas foram

    gestadas na confluncia dos movimentos de ascenso do capitalismo com a Revoluo

    Industrial, das lutas de classe e do desenvolvimento da interveno estatal (BEHRING e

    BOSCHETTI, 2007). Elas resultam de processos sociais e, desse modo, no se pode

    indicar com preciso um perodo especfico do seu surgimento. O que se pode afirmar

    que, as origens das polticas sociais so comumente associadas aos movimentos de

    massa socialdemocratas e formao dos Estados-nao na Europa ocidental, nos fins

    do sculo XIX. Ademais, a expanso das polticas sociais se d no ps II Guerra

    Mundial, em um contexto de passagem do capitalismo concorrencial para o

    monopolista.

    Dessa forma, as polticas sociais surgem e se desenvolvem na perspectiva do

    enfrentamento da questo social, isto , por um conjunto de expresses do processo

    de desenvolvimento do capitalismo, da formao da classe trabalhadora e de seu

    ingresso no cenrio poltico, exigindo do Estado e do empresariado respostas s suas

    necessidades de sobrevivncia. Assim, dizem respeito diviso da sociedade em classes

    e organizao dos trabalhadores, do Estado e do capital em torno da direo a ser dada

    riqueza socialmente produzida.

    Nas sociedades pr-capitalistas, o Estado assumia algumas demandas sociais ao

    lado de aes filantrpicas e de caridade privada. As intervenes eram de cunho mais

    punitivo do que protetivo. Nesse sentido, a literatura sobre a temtica, frequentemente

    recorda as Leis Inglesas10

    , que antecederam a Revoluo Industrial e que se espalharam

    pela Europa. Essas estavam fortemente associadas ao trabalho e a ele estavam obrigados

    todos os que para tal apresentassem condies. A assistncia era mnima e com critrios

    10 Exemplos disso so: Estatuto dos Trabalhadores (1349), Estatuto dos Arteses (1563), Lei dos Pobres

    Elisabetanas (1531-1601), Lei de Domiclio (1662), Speenhamland Act (1795), Poor Law Amendment

    Act (1834). Ver mais sobre as mesmas em: BEHRING e BOSCHETTI (2007).

  • 35

    seletivos e restritivos, visando induzir a todos a se manterem por meio do trabalho.

    Alm disso, por intermdio da Lei dos Pobres, por exemplo, ao acessar aos direitos

    sociais, os pobres deixavam de ser inteiramente cidados, porque na condio de

    internados nas casas de trabalho no tinham o direito civil da liberdade pessoal, e,

    consequentemente, tambm eram impedidos de exercer os direitos polticos

    (MARSHALL, 1967). Desse modo, pode-se afirmar que, se dava um divrcio entre

    direitos sociais e estatuto de cidadania. Assim, mulheres e velhos, por exemplo, eram

    protegidos porque no eram considerados cidados. Isto, de certa forma, remete s

    polticas sociais contemporneas que pela sua organizao pontual e fragmentada e

    pelas condicionalidades que impem no acesso, tambm colidem na forma de

    interveno e dificultam a consolidao de direitos.

    Conforme argumenta Fleury Teixeira (1989), a natureza compensatria e

    punitiva das polticas de assistncia social, que submetem os atendidos a rituais

    comprobatrios de sua condio, faz com que o indivduo se relacione com o Estado

    quando se reconhece como no cidado. pela percepo de sua incapacidade que o

    indivduo recorre assistncia social e, na condio de necessitado, nas palavras da

    mesma autora, estabelece com o Estado uma relao de cidadania invertida.

    No entanto, h tambm que se considerar que dos primrdios atualidade, as

    aes no campo das polticas sociais tm dupla face: por um lado, representam a busca

    de estabilizao das relaes sociais, e, por outro, permitem o acesso a recursos,

    servios, reconhecimento de direitos. Desse modo, as polticas sociais cumprem funo

    ideolgica e so espaos de presso pela ampliao de direitos. O Estado incorpora

    exigncias dos trabalhadores e as integra sua ordem, de modo que possa atender a

    ambos (YASBEK, 1993).

    Pode-se ponderar que, os idosos passaram a constituir uma categoria social

    somente ao longo do sculo XIX, quando os grupos necessitados de cuidados

    comearam a ser diferenciados. Com isso, poca, os mendigos e os velhos foram

    considerados incapazes para o trabalho e os que no trabalhavam, sob a alcunha de

    vadios, eram tratados como caso de polcia. No Brasil, em termos de legislao, h

    como marco o decreto imperial de 1884, que regulamentou o funcionamento do Asilo

    de Mendicidade, no qual quatro grupos de mendigos eram admitidos: os menores de 14

    anos, abandonados e ociosos; os indigentes, os velhos e os incapazes; os que se

    apresentavam espontaneamente provando sua indigncia; e os alienados, que no eram

  • 36

    recebidos no Hospcio Dom Pedro II (GROISSMAM, 1999 apud CHRISTOPHER,

    2009).

    O incio do sculo XX foi marcado por lutas operrias que se manifestaram por

    intermdio de greves gerais dos trabalhadores (1905, 1907, 1917, 1919) que, em meio

    reinvindicaes por questes salariais, incluram a proteo social da famlia, e nisso a

    demanda por aposentadoria. No entanto, as respostas do Estado se centravam na

    represso policial e a sua omisso perante as necessidades dos trabalhadores fazia com

    que eles organizassem sistemas de Caixas de Aposentadorias e Penses com recursos

    prprios, a fim de assegurar materialmente a si mesmos e suas famlias nas situaes de

    desemprego, velhice, doena ou morte. Em 1923, as Caixas de Aposentadorias e

    Penses foram normatizadas pelo Estado, por intermdio da Lei Eli Chaves.

    Naquele perodo, as aes no campo da assistncia, em sua maior parte, eram

    civis e com carter caritativo, como as Irmandades da Misericrdia, ligadas Igreja

    Catlica, e que ofereciam servios de hospedaria, albergue e enfermaria. Essa

    modalidade de atendimento se estendeu ao longo dos tempos, constituindo instituies

    de acolhimento e convivendo com diferentes graus de interao com os sistemas

    pblicos de proteo social (TEIXEIRA, 2008).

    Na dcada de 1930, o processo de modernizao e as lutas dos trabalhadores

    conduziram a ao do Estado na regulao entre capital e trabalho, o que levou a

    instaurar direitos sindicais, trabalhistas e previdencirios. Em 1933, foram institudos os

    Institutos de Aposentadorias e Penses (IAPs), que contavam com a participao estatal

    na administrao e financiamento, porm mantinham a capitalizao por parte dos

    trabalhadores. Em 1960, por meio da Lei Orgnica da Previdncia Social LOPS ,

    foram uniformizados os direitos dos segurados, que, anteriormente, eram definidos de

    acordo com as categorias ocupacionais, e ampliados os benefcios para todos os

    trabalhadores regulados pelas leis do trabalho. No entanto, nesse perodo, os

    trabalhadores rurais, os autnomos e as empregadas domsticas permaneceram sem

    cobertura.

    Dessa forma, para os idosos que no contavam com trabalho regulamentado

    restavam apenas pontuais aes de assistncia, com carter filantrpico. Em 1942, foi

    criada a Legio Brasileira de Assistncia (LBA), cuja presidncia era assegurada s

    primeiras-damas e que, mesmo sob a interveno estatal, manteve caractersticas de

  • 37

    ajuda, relacionada ao mrito da necessidade e no ao direito do cidado (TEIXEIRA,

    2008).

    Nas dcadas de 1960 e 1970, no contexto ditatorial, a incorporao de demandas

    do envelhecimento se deu por meio de iniciativas da sociedade civil, das associaes

    cientficas e do Estado. Esse, contraditoriamente, ampliou a proteo social na

    perspectiva de alcanar legitimidade.

    No mbito da sociedade civil, foi criada, em 1961, a Sociedade Brasileira de

    Geriatria (SBG), no Rio de Janeiro. Formada por mdicos, visava estimular iniciativas e

    obras sociais de amparo velhice e cooperar com outras organizaes interessadas em

    atividades educacionais, assistenciais e de pesquisa, entre outros objetivos

    (CAMARANO e PASINATO, 2004). Em 1978, passou a incorporar outras categorias

    profissionais e a ser denominada Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia

    (SBGG).

    Outra iniciativa que marca a trajetria de aes voltadas ao idoso, data de 1963,

    quando, em So Paulo, o Servio Social do Comrcio (SESC) passa a realizar trabalho

    com idosos e a dar visibilidade social ao envelhecimento (CAMARANO e PASINATO,

    2004; TEIXEIRA, 2008). Essa instituio desenvolveu atividades socioculturais e de

    convivncia entre idosos, promoveu formao de tcnicos na rea de gerontologia, criou

    centros de documentao, publicaes, seminrios e congressos envolvendo idosos e

    profissionais, que contriburam para a constituio de polticas pblicas posteriores.

    Na dcada de 1970, comearam a ser desenvolvidas aes do governo federal,

    atravs do Instituto Nacional de Previdncia Social (INPS) que executava o Programa

    de Assistncia ao Idoso PAI, o qual congregava espaos de convivncia em seus

    prprios centros sociais e em instituies conveniadas, bem como dispunha de

    internao de aposentados e pensionistas do Instituto que apresentassem desgaste fsico

    e mental, insuficincia de recursos e inexistncia de suporte familiar. De acordo com

    Silva (2006), a incluso dos idosos nas instituies dependia de um laudo mdico e de

    uma anlise do Servio Social, em que se avaliava o estado fsico e mental, a falta de

    recursos do idoso ou de sua famlia e as circunstncias do abandono familiar.

    Em 1971, foi estendida a aposentadoria para trabalhadores rurais chefes de

    domiclio e a renda mensal vitalcia para trabalhadores urbanos e rurais idosos e, ainda,

    para pessoas com deficincia e insuficincia de renda. Em 1972, as empregadas

  • 38

    domsticas foram incorporadas previdncia e, no ano seguinte, os trabalhadores

    autnomos.

    Ainda na dcada de 70, o Ministrio da Previdncia e Assistncia Social

    (MPAS) organizou trs seminrios regionais, nas cidades de So Paulo, Belo Horizonte

    e Fortaleza, com o tema A situao do idoso no pas. Esses foram preparatrios para o

    seminrio nacional intitulado Estratgias de Poltica Social para o Idoso no Brasil. De

    acordo com Teixeira (2008), as discusses dos seminrios indicaram a falta de uma

    poltica social definida e a necessidade de conjugar aes entre famlia, comunidade e

    poder pblico na ateno ao idoso.

    Em 1977, o MPAS definiu a Poltica Social do Idoso, elencando aes de

    atendimento institucionalizado e mdico-social, programas de pr-aposentadorias,

    treinamento de recursos humanos, mobilizao comunitria, entre outros. No entanto,

    devido a seu contedo abstrato, se tornou letra morta (GOLDMAN, 2000). Conforme

    exposto, as polticas voltadas para a populao idosa se resumiam ao provimento de

    renda para os segmentos de trabalhadores e de assistncia para os vulnerveis e

    dependentes. Somente ao longo dos anos 1980 que comearam a ganhar espao outras

    concepes de ateno ao idoso, as quais foram impulsionadas pelo debate

    internacional, quando o Brasil foi signatrio do Plano Internacional de Ao para o

    Envelhecimento (1982).

    O referido Plano resultou da primeira Assembleia Mundial sobre o

    Envelhecimento realizada em Viena, e que teve como marco de referncia a

    Conferncia dos Direitos Humanos realizada em Teer, em 1968.

    Dado o contexto poltico, econmico e social, admitiu-se que, pela

    vulnerabilidade da populao idosa, esta deveria sofrer mais as consequncias do colonialismo, neocolonismo, racismo e prticas do

    apartheid. (...) No plano global, vivia-se um momento marcado pelas tenses

    da Guerra Fria e, no regional, predominavam os regimes de exceo

    (CAMARANO e PASINATO, 2004, p.255).

    O Plano Internacional de Ao indicou aos pases a adoo de um conceito ativo

    e positivo do envelhecimento e de aes que garantissem um envelhecimento saudvel.

    Estava centrado no bem estar dos idosos dos pases desenvolvidos e voltado para

    aqueles independentes e com poder de compra, bem como tinha uma viso de

    medicalizao da velhice. Alm disso, no Plano foram elencadas recomendaes aos

    pases, para, entre outras questes, prover penses, aposentadorias e assistncia sade,

  • 39

    porm, essas dependiam de alocao de recursos, que no foram previstos (Id.; Ibid.,

    255-256).

    Sob a influncia do debate internacional e por intermdio do processo

    Constituinte, o Brasil incorporou o tema do envelhecimento na Carta Magna de 1988.

    Assim, junto com o processo de redemocratizao do pas, vivenciado na mesma

    dcada, organizaes da sociedade civil, incipientes em perodos anteriores, adquiriram

    maior fora, entre elas as organizaes de aposentados e pensionistas que tiveram papel

    relevante na luta por polticas pblicas para os idosos. Por intermdio do movimento

    dos aposentados tornou-se favorvel a construo de uma concepo de idoso enquanto

    ator poltico, apesar do grupo de aposentados no se restringir a pessoas com mais de 60

    anos.

    A Constituio de 1988 inovou ao apresentar a ideia de seguridade social com

    integrao das polticas de assistncia, previdncia e sade, e princpios como

    universalizao, equidade, participao, descentralizao. Para assegurar direitos

    fundamentais, o texto constitucional comporta no captulo VII, que trata da famlia, da

    criana, do adolescente, do jovem e do idoso, a viso de repartio de responsabilidades

    entre famlia, Estado e sociedade.

    Neste sentido, no que se refere ao idoso, a famlia, a sociedade e o Estado tm

    o dever de amparar as pessoas idosas assegurando sua participao na comunidade,

    defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito vida (Art. 230). E

    ainda, os programas de amparo aos idosos sero executados preferencialmente em

    seus lares (Art. 230, 1).

    No que tange diviso de responsabilidades entre sociedade, Estado e famlia,

    pode-se observar que, nas normativas, a ideia de proteo por parte da sociedade um

    tanto inespecfica. Na realidade, a participao desta se torna visvel pela oferta de

    servios de natureza privada e ou filantrpica e, mais do que pelo carter de proteo, se

    mostra pela omisso, por exemplo, quando h violao de direitos. Alm disso, embora

    se trate de repartio de responsabilidades, a falta ou precariedade de aes estatais na

    promoo de servios sociais nem sempre devidamente apreciada. J sobre a famlia,

    considerada no texto constitucional como base da sociedade (Art. 226) e cuja

    natureza protetiva , tradicionalmente, considerada ontolgica, recaem julgamentos

    morais e de responsabilidade legal.

  • 40

    A Constituio Federal explicita que os pais tm o dever de assistir, criar e

    educar os filhos menores, e os filhos maiores tm o dever de ajudar e amparar os pais

    na velhice, carncia ou enfermidade (Art.229). Nesse sentido, pode-se considerar que,

    na prtica, o dever legal no configura exatamente reciprocidade geracional, pois, em

    geral, os idosos demandam suporte dos filhos por mais tempo do que esses foram

    assistidos por seus pais, bem como as necessidades de cuidados dos idosos tendem a ser

    mais complexas e dispendiosas. Ademais, a depender do tipo de famlia e do momento

    do ciclo vital domstico, a gerao adulta pode vivenciar, ao mesmo tempo, o dever

    legal de suporte material e afetivo aos antecedentes e descendentes.

    Alm disso, a Carta Magna no mesmo Captulo que trata do idoso especifica em

    seu artigo 227, como dever da famlia, da sociedade e do Estado assegurar criana, ao

    adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, um conjunto de direitos, entre eles a

    vida, sade, educao, lazer, cultura, dignidade, respeito, liberdade, convivncia

    familiar e comunitria, bem como salvaguard-los das formas de negligncia,

    discriminao, explorao, violncia, crueldade e opresso. Chama ateno que, essa

    normativa exclui o idoso, e disso denota que esse segmento populacional no era

    considerado como sujeito de direitos e ainda, pode-se supor se no estaria como pano de

    fundo uma viso que distingue os grupos etrios e considera que a criana, o

    adolescente e o jovem tm potenciais a serem desenvolvidos, diferentemente do idoso,

    que estaria na finitude da vida. Os direitos anteriormente elencados, somente em 2003

    no Estatuto do Idoso, que foram afirmados como direitos fundamentais dos idosos.

    A Constituio Federal de 1988 criou a gratuidade nos transportes coletivos

    urbanos para os maiores de 65 anos (Art. 230,2) e, posteriormente, com o Estatuto do

    Idoso (2003) incorporou o transporte semiurbano e a reserva de 10% dos assentos nos

    veculos coletivos (Art. 39) 11

    . O EI prev, ainda, a reserva de duas vagas gratuitas nos

    veculos interestaduais para idosos com renda igual ou inferior a dois salrios mnimos e

    o desconto de 50% para os que excederem essas vagas (Art. 40). Com relao

    educao, cultura, esporte e lazer, prev redues de 50% nos ingressos para eventos

    artsticos, culturais, esportivos e de lazer, bem como o acesso preferencial aos

    respectivos locais (Art. 23). P