Dissertação Ana Pinto Sever Vouga
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Ana Cristina dos Santos Pinto
PAISAGEM, PLANEAMENTO E DESENVOLVIMENTO
EM SEVER DO VOUGA
FACULDADE DE LETRAS
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
2011
OS TERRITRIOS
RURAIS
-
Ana Cristina dos Santos Pinto
PAISAGEM, PLANEAMENTO E DESENVOLVIMENTO
EM SEVER DO VOUGA
Dissertao de Mestrado em Geografia
Humana, rea de especializao em
Ordenamento do Territrio e
Desenvolvimento, apresentada
Faculdade de Letras da Universidade de
Coimbra, sob a orientao do Professor
Doutor Norberto Nuno Pinto dos Santos
FACULDADE DE LETRAS
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
2011
OS TERRITRIOS
RURAIS
-
NOTA DE AGRADECIMENTO
Thomas Edison afirmava que o gnio consiste em um por cento de
inspirao e noventa e nove por cento de transpirao. Concretizar uma
dissertao de Mestrado requer, mais do que a ideia, disponibilidade,
esforo e dedicao. Contudo, a sua elaborao no poderia suceder sem
os vrios contributos de pessoas e entidades e apoio daqueles que nos so
mais prximos.
Desde o primeiro vislumbre da ideia at ao esboo do ltimo pargrafo,
foram vrias as colaboraes que me auxiliaram:
O Professor Doutor Norberto Santos, por acolher esta ideia, pelo
incentivo, acompanhamento e partilha de conhecimentos.
O Municpio de Sever do Vouga, pela cedncia da informao sem a qual
no seria possvel efectuar o trabalho apresentado, assim como alguns dos
seus colaboradores, cujo conhecimento da realidade territorial permitiu-
me compreender melhor as dinmicas concelhias.
A ADRIMAG e a MIRTILUSA, pela disponibilidade demonstrada na
cedncia de dados essenciais elaborao de anlises.
A minha famlia: os meus pais, pelo apoio e compreenso sempre
presentes e o Joo Miguel, pelo companheirismo, incentivo e prontido em
acompanhar-me pelas paisagens severenses.
No posso ainda deixar de mencionar a relevncia dos vrios
professores, que ao longo do meu percurso acadmico, contriburam com
o seu conhecimento para formar e aguar o meu esprito geogrfico.
A todos o meu sincero agradecimento.
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RESUMO
Os espaos rurais sofreram fortes transformaes na estrutura socioeconmica e
territorial, que conduziram necessidade de (re) pensar os processos de
desenvolvimento. Apesar da paisagem rural se caracterizar pela baixa densidade,
actualmente distingue-se tambm pela diversidade funcional. O surgimento da
multifuncionalidade rural lanou novas oportunidades de reabilitao de um mundo
deixado margem, relembradas nas potencialidades e recursos endgenos que estes
territrios podem oferecer s suas populaes e aos agentes externos. Por outro lado,
a complexidade territorial de espaos que so heterogneos, torna ainda mais
relevante a necessidade da existncia de um ordenamento e planeamento que seja
sensvel a esta caracterstica, que responda s necessidades do territrio e das
populaes e que possa prever desafios futuros.
O territrio de Sever do Vouga, sendo um espao com caractersticas
marcadamente rurais, tem a particularidade de se localizar numa faixa de transio
litoral/interior e a vantagem de se inserir na dinmica Sub-Regio do Baixo Vouga. Este
facto confere-lhe uma acrescida diversidade paisagstica, manifesta em oportunidades
de maior potencial socioeconmico e territorial, que tornam relevante o interesse no
seu estudo.
O trabalho a apresentar segue uma abordagem metodolgica que se apoia no
estudo de trs dimenses territoriais. A paisagem, cuja anlise de parmetros
permitir adquirir um conhecimento territorial contributivo na identificao das
potencialidades e das fragilidades que, por sua vez, podem favorecer ou comprometer
o desenvolvimento. O planeamento, em que atravs da confrontao entre as medidas
planeadas e executadas se poder avaliar o alcance do seu nvel de adequao ao
territrio. O desenvolvimento, que servir para analisar as opes seguidas na
implementao das polticas de desenvolvimento rural.
Pretende-se que o resultado comprove que, o profundo conhecimento do territrio,
obtido do estudo da paisagem, e a reflexo sobre o impacto de aces de
planeamento e desenvolvimento passadas, so fundamentais no processo de melhoria
contnua da escolha das opes futuras e do caminho a seguir na definio de
estratgias que melhorem a qualidade de vida do mundo rural.
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ABSTRACT
Rural areas experienced major changes in the socio-economic and territorial
structure, which led to the need to (re) think processes of development. Although the
rural landscape is characterized by its low density, nowadays is also distinguished by its
functional diversity. The emergence of multifunctional rural launched new
opportunities for the rehabilitation of a world left aside, remembered in the local
resources and capabilities offered by this territories to their populations and external
agents. On the other hand, the territorial complexity of spaces that are heterogeneous
makes even more relevant the existence of a planning sensitive to this reality, able to
meet the needs of the territory and its population, and capable of anticipate future
challenges.
The territory of Sever do Vouga, markedly a rural space, has the particularity to be
located in a transition zone coast/interior and the advantage to be part of the dynamic
sub-region of Baixo Vouga. This justifies its landscape diversity, manifested in
increased opportunities for socio-economic and territorial potential, which make
relevant interest in its study.
The present work follows a methodological approach that relies on the study of
three territorial dimensions. The landscape, whose analysis of parameters will allow to
acquire territorial knowledge, contributive in identifying strengths and weaknesses of
which, in turn, can promote or hinder the development. The planning, in which
through the confrontation between the measures planned and executed, one can
assess the extent of their adequacy to the territory. The development, which will serve
to analyze the options taken in the implementation of rural development policies.
It is intended that the final result proves that the deep knowledge of the territory,
obtained from the study of the landscape, and from the impact of past actions in
planning and development, are the key in the process of continuous improvement, in
the choice of future options, and the way to follow in defining strategies to improve
the quality of life in the rural world.
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NDICE
INTRODUO ................................................................................................................ 9
PARTE I. OS TERRITRIOS RURAIS ...................................................................... 13
CAPTULO I. ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL DA NOO DE RURAL ................. 13 1. Espao, territrio, lugar ................................................................................... 13
1.1. Organizao do espao geogrfico ......................................................... 16 2. O Mundo rural ................................................................................................. 19
2.1. Dos novos usos territorializao do mundo rural ................................ 25
CAPTULO II. OLHAR A PAISAGEM: CONTRIBUTO PARA O ORDENAMENTO E PLANEAMENTO RURAL ................................................................................................ 30
1. Noes de paisagem ........................................................................................ 30 1.1. A Paisagem rural ...................................................................................... 32
2. Ordenamento e Planeamento: dos conceitos prtica .................................. 35 2.1. Conceitos de Ordenamento e Planeamento do Territrio ..................... 35 2.2. Polticas do Ordenamento do territrio .................................................. 38 2.3. Ordenamento rural ................................................................................. 42
CAPTULO III. DESENVOLVIMENTO NO CAMINHO PARA MELHORAR A QUALIDADE DE VIDA.. ........................................................................................................... 46
1. A qualidade de vida ......................................................................................... 46 2. Emergncia do conceito de Desenvolvimento ................................................ 49
2.1. Polticas de desenvolvimento rural ......................................................... 53 2.1.1 Do LEADER ao PRODER: um caminho de sucesso? ............................. 57
PARTE II. ESTUDO DE UM TERRITRIO RURAL: O CASO DE SEVER DO VOUGA ........... 63
CAPTULO I. ENQUADRAMENTO DO ESTUDO ........................................................ 63 1. A metodologia ................................................................................................. 65
1.1. Os indicadores ......................................................................................... 70 2. Enquadramento Geogrfico ............................................................................ 73
2.1. Contextualizao na Sub-Regio do Baixo Vouga ................................... 75
CAPTULO II. A PAISAGEM ....................................................................................... 80 1. A Paisagem Patrimnio (tendencialmente imutvel) ..................................... 80
1.1. O patrimnio natural ............................................................................... 80 1.2. O patrimnio cultural (material e imaterial) ........................................... 85
2. A Paisagem Activa (tendencialmente mutvel) .............................................. 89 2.1. O perfil sociodemogrfico ....................................................................... 89 2.2. As actividades econmicas ...................................................................... 95 2.3. O Povoamento ....................................................................................... 100 2.4. Ocupao e usos do solo ....................................................................... 104
3. A Paisagem Observada .................................................................................. 107
CAPTULO III. O PLANEAMENTO ............................................................................. 109 1. Contextualizao das polticas de planeamento nacional e regional ........... 110 2. A gesto territorial em Sever do Vouga: do planeado ao executado ........... 113
CAPTULO IV. O DESENVOLVIMENTO ..................................................................... 121 1. Desenvolvimento rural em Sever do Vouga: as polticas LEADER e PRODER 122
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2. Estratgias para Sever do Vouga: planear o desenvolvimento rural ............ 127
CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................ 134
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .................................................................................. 142
ANEXO I Patrimnio Classificado em Sever do Vouga ... ........................................... 149 ANEXO II Mapa sntese da paisagem de Sever do Vouga. ......................................... 152 ANEXO III Nmero total de projectos aprovados, investimento total e valor financiado, por medidas e sub-medidas, no territrio abrangido pela ADRIMAG ......................... 153 ANEXO IV Nmero de projectos aprovados, por medidas e sub-medidas, nos concelhos da ADRIMAG ... ................................................................................................................ 155
NDICE DE FIGURAS
Figura 1 As trs componentes da organizao regional. ................................................... 16 Figura 2 Os tipos de centros e periferias. .......................................................................... 18 Figura 3 Evoluo das relaes entre urbano e rural. ....................................................... 19 Figura 4 Tipologia dos espaos rurais. ............................................................................... 23 Figura 5 As duas vertentes da anlise da paisagem. ......................................................... 32 Figura 6 Lei de Bases da Poltica de Ordenamento do Territrio e Urbanismo (Lei 48/98, de 11 de Agosto)................................................................................................................... 41 Figura 7 Ciclo representativo da condio rural. ............................................................... 43 Figura 8 Conceitos e elementos da qualidade de vida. ..................................................... 48 Figura 9 Pilares da ENDS. ................................................................................................... 50 Figura 10 Parmetros de avaliao da sustentabilidade territorial. ................................. 51 Figura 11 A Iniciativa Comunitria LEADER em Portugal Entidades Locais LEADER I (1991-93); LEADER II (1994-99); LEADER+ (2001-06). .......................................................... 57 Figura 12 As trs macro-geografias de Portugal Continental............................................ 64 Figura 13 Imagens regionais. ............................................................................................. 68 Figura 14 Unidades e grupos de unidades de paisagem em Portugal Continental. ......... 68 Figura 15 Esquema da metodologia de trabalho. ............................................................. 69 Figura 16 Indicadores de anlise da paisagem de Sever do Vouga. .................................. 71 Figura 17 Enquadramento geogrfico de Sever do Vouga. ............................................... 73 Figura 18 Unidades e grupos de unidades de paisagem na Sub-Regio do Baixo Vouga . 74 Figura 19 Relevo e rede hidrogrfica da Sub-Regio do Baixo Vouga. ............................. 75 Figura 20 Enquadramento de Sever do Vouga nas redes de transportes. ........................ 76 Figura 21 Populao residente e estrutura etria da populao na Sub-Regio do Baixo Vouga. ................................................................................................................................... 79 Figura 22 Taxa de actividade e populao por sectores de actividade na Sub-Regio do Baixo Vouga. ......................................................................................................................... 79 Figura 23 Taxa de analfabetismo e populao por nvel de instruo na Sub-Regio do Baixo Vouga. ......................................................................................................................... 79 Figura 24 Hipsometria e rios principais de Sever do Vouga. ............................................. 80 Figura 25 RAN e REN de Sever do Vouga (1997), verso vectorizada. .............................. 82 Figura 26 Localizao do patrimnio natural do concelho de Sever do Vouga. ............... 84 Figura 27 Localizao do patrimnio histrico do concelho de Sever do Vouga. ............. 88 Figura 28 Variao da populao entre 1960 e 2001 nos lugares de Sever do Vouga. .... 93 Figura 29 Populao residente e estrutura etria da populao nas freguesias de Sever do Vouga. .............................................................................................................................. 94
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Figura 30 Taxa de actividade e populao por sectores de actividade nas freguesias de Sever do Vouga. .................................................................................................................... 94 Figura 31 Taxa de analfabetismo e populao por nvel de instruo nas freguesias de Sever do Vouga. .................................................................................................................... 94 Figura 32 Localizao das actividades econmicas em Sever do Vouga. .......................... 96 Figura 33 Estrutura urbana de Sever do Vouga. .............................................................. 101 Figura 34 Rede principal de transportes de Sever do Vouga. ......................................... 103 Figura 35 Evoluo da ocupao e uso do solo em Sever do Vouga. .............................. 106 Figura 36 Sistema urbano e acessibilidades em Portugal Continental. .......................... 110 Figura 37 Sntese do sistema urbano. ............................................................................. 112 Figura 38 Planta de Ordenamento do PDM de Sever do Vouga (1997), verso vectorizada. ............................................................................................................................................ 116 Figura 39 rea geogrfica de interveno da ADRIMAG. ................................................ 122 Figura 40 Total de projectos apresentados no mbito dos programas LEADER e PRODER, na rea geogrfica de interveno da ADRIMAG. .............................................................. 124 Figura 41 Anlise SWOT do territrio de Sever do Vouga. .............................................. 128 Figura 42 Paisagem natural em mudana (Rio Vouga, lugar do Rdo em Couto de Esteves). .............................................................................................................................. 129 Figura 43 Posto de desnatao (Rocas do Vouga). ......................................................... 130 Figura 44 Identificao do posto de desnatao. ............................................................ 130 Figura 45 Condicionante morfolgica nas reas industriais (Zona Industrial de Cedrim) ............................................................................................................................................ 131 Figura 46 Casa da Aldeia (Sever do Vouga), antes das obras de recuperao. ................ 133 Figura 47 Casa da Aldeia, aps as obras de recuperao. ................................................ 133
NDICE DE QUADROS
Quadro 1 Empresas sediadas em Sever do Vouga e na Sub-Regio do Baixo Vouga, segundo a CAE-Rev. 3, 2008 ................................................................................................. 98 Quadro 2 rea de cultivo de mirtilos e percentagem de espao agrcola com cultivo de mirtilos, nas freguesias do concelho de Sever do Vouga ..................................................... 99 Quadro 3 Aces planeadas e executadas do PDM de Sever do Vouga e respectiva avaliao. ............................................................................................................................ 117
NDICE DE GRFICOS
Grfico 1 Evoluo da populao residente entre 1864 e 2011, em Sever do Vouga. ..... 89 Grfico 2 Evoluo da populao por sectores de actividade entre 1864 e 2001,em Sever do Vouga ............................................................................................................................... 90 Grfico 3 Evoluo da populao residente entre 1864 e 2001, nas freguesias de Sever do Vouga .................................................................................................................................... 91 Grfico 4 Evoluo da estrutura etria da populao entre 1864 e 2001,em Sever do Vouga .................................................................................................................................... 91 Grfico 5 Percentagem de ocupao do solo nas freguesias de Sever do Vouga, por tipo de espao, no ordenamento do PDM em vigor e na situao actual. ............................... 119 Grfico 6 Investimento total dos projectos por medida, dos programas LEADER e PRODER, na rea geogrfica de interveno da ADRIMAG. .............................................. 125
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9
INTRODUO
O Mundo Rural constitui um alargado conjunto de regies, com dinmicas opostas
ao urbano, e que se iniciam nos limites onde este acaba. Partindo deste conceito os
territrios rurais representam uma elevada percentagem de espao que, no caso
portugus, se encontra bem presente, sobretudo no interior do pas, fragilizado e
marginalizado. Mas o que so hoje espaos rurais?
Os territrios rurais que existem actualmente reproduzem uma realidade territorial,
resultante de sucessivas mutaes organizacionais e funcionais, ocorridas medida
que a sociedade evoluiu, e que resultaram em consequncias pouco favorveis para o
equilbrio das suas estruturas socioeconmicas. Os desequilbrios territoriais,
desencadeados com maior expresso no contexto da Revoluo Industrial,
manifestaram-se atravs do favorecimento do espao urbano e declnio do mundo
rural. Esta condio, que se foi arrastando e intensificando ao longo de dcadas,
conduziu a um estado de conscincia acerca da necessidade de reabilitar os espaos
rurais e conceber novas estratgias, que contribussem para criar regies
socioeconomicamente mais coesas. Desde ento, o conceito de desenvolvimento,
aliado noo de sustentabilidade, tornou-se o objectivo maior a atingir em todos os
territrios, com especial incidncia no rural desfavorecido.
Na realidade, a concepo do que hoje rural bem mais complexa e assume
contornos cada vez mais subjectivos, medida que a sociedade evolui, os espaos
geogrficos se alteram e as percepes humanas se ampliam. O que antes se
caracterizava com a funo principal de produo alimentar e com o predomnio da
prtica da agricultura, actualmente um rural com novas funes, que abrange vrios
sectores de actividade e com modos de vida cada vez mais prximos ao urbano.
Caracterizar estes espaos , portanto, um processo difcil. No s pela diversidade de
tipos existentes, com diferentes dinmicas territoriais, mas tambm pela prpria
heterogeneidade de percepes em relao a um mesmo espao, tendo em conta os
diferentes utilizadores e as vrias pretenses.
A dissertao apresentada surgiu da vontade de relanar uma reflexo em torno
destas questes colocando, como tal, uma questo primordial: Que estratgias de
desenvolvimento para os territrios rurais de hoje? Debruando-se sobre, as
dinmicas, as problemticas e as oportunidades territoriais que o mundo rural encara,
pretende-se que este trabalho possa constituir um contributo no (re) pensar dos
processos de desenvolvimento. Na tentativa de alcanar respostas, e tendo noo que
o desenvolvimento rural uma problemtica bastante debatida, interessa adoptar
uma metodologia que lance uma perspectiva diferente sobre esta matria. Como tal,
optou-se pelo estudo do territrio vertido sobre uma anlise que engloba: a paisagem,
o planeamento e o desenvolvimento.
A finalidade desta metodologia sintetiza-se em quatro objectivos principais:
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10
Entender a complexidade estrutural da paisagem rural, recorrendo anlise de
indicadores;
Analisar o territrio planeado, determinando o impacto da aplicao dos planos e
polticas de ordenamento territorial na paisagem;
Reconhecer o caminho seguido na implementao das polticas de desenvolvimento
rural;
Identificar estratgias futuras a considerar no planeamento e desenvolvimento
rural.
O mbito da anlise aplicou-se ao estudo de caso do concelho de Sever do Vouga.
Situado na Regio Centro do pas, numa posio transitria entre a dicotomia
litoral/interior, rene um conjunto de aspectos que determinam a existncia de uma
paisagem diversa que, por sua vez, se reflecte em potencialidades que podem
contrariar as adversidades da marcada condio rural.
O trabalho encontra-se estruturado em duas grandes partes. A primeira refere-se
abordagem terica, que contextualiza as temticas utilizadas recorrendo reviso
bibliogrfica de alguns autores. A segunda parte do trabalho dedica-se concretamente
ao estudo de caso.
O estudo inicia-se com o enquadramento conceptual do mundo rural, expondo-o
sobre trs aspectos: o espao como cenrio e produto social, o espao como territrio
apropriado e valor identitrio e o espao como lugar gerador de afectos. Para estudar
os territrios rurais, as formas de organizao e a evoluo das estruturas
socioeconmicas essencial entender as relaes espaciais que estabelecem com o
meio urbano. De forma que a noo de rural s poder ser compreendida por meio da
abordagem da evoluo das relaes centro-periferia e urbano-rural. Neste captulo
interessa ainda descrever a diversidade de funes que atribuem o carcter
multifuncional, caracterstico dos territrios rurais da actualidade, e onde se
depositam as oportunidades de desenvolvimento.
O segundo e terceiro captulo da contextualizao terica inclinam-se sobre os
conceitos de paisagem, planeamento e ordenamento do territrio e desenvolvimento,
relevando a sua aplicao ao mundo rural. A paisagem, por abranger todos os
elementos fsicos e humanos que compem o territrio, constitui a forma primria de
diagnstico territorial. Este facto torna a sua anlise fundamental, tanto no contexto
da objectividade, como no campo da subjectividade das percepes individuais.
Considerando que a paisagem rural de hoje no tem as mesmas caractersticas que
tinha h dcadas atrs, pretende-se demonstrar que o conhecimento profundo do
territrio, que advm do seu estudo, imperativo na identificao de problemas
estruturais e no reconhecimento das potencialidades. Sendo, por isso, fundamental na
definio de objectivos de ordenamento territorial que sejam concordantes com as
necessidades dos intervenientes e dos beneficirios do desenvolvimento.
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11
Ordenar permite definir um conjunto de polticas interdisciplinares que afectam
todas as actuaes com impacto nos territrios, tendo como objectivo melhorar a
qualidade de vida atravs da gesto equilibrada e integrada dos recursos e do espao.
O planeamento uma etapa fundamental neste processo, permitindo definir
objectivos, traar medidas de aco e regulamentar as intervenes no espao, de
forma a salvaguardar o desenvolvimento e a sustentabilidade. Nesta temtica,
contextualiza-se o caminho percorrido na implementao das polticas de
ordenamento territorial, atravs da evoluo do quadro legislativo, e enumeram-se os
principais desafios a considerar na definio de estratgias de ordenamento rural.
A derradeira, mas central, temtica incide precisamente sobre o desenvolvimento
como caminho para a melhoria da qualidade de vida das populaes. Neste mbito,
necessrio efectuar uma breve abordagem a estes conceitos, referindo as grandes
alteraes sociais que despoletaram maior consciencializao para estas questes e a
complexidade da sua avaliao. Procura-se focar a ateno na adopo do
desenvolvimento sustentvel como necessidade global de alterar comportamentos e
atitudes que no colocassem em causa a preservao dos recursos. Nesta matria,
interessa evidenciar o trajecto que se segue no campo da sustentabilidade territorial,
nomeadamente com a adopo da Estratgia Nacional e a sua operacionalizao por
meio do desenvolvimento local e rural na lgica do pensar global, agir local.
Considerando que o desenvolvimento rural e a coeso territorial tm constitudo
objectivos comuns ao nvel dos Estados-membros da Unio Europeia, no seria
possvel falar em polticas de desenvolvimento rural sem referir as vrias iniciativas e
programas comunitrios. Contudo, neste estudo optou-se por centrar a ateno na
anlise de dois programas especficos: Ligao entre Aces de Desenvolvimento da
Economia Rural (LEADER) e o Fundo Europeu Agrcola de Desenvolvimento Rural
(FEADER). No caso do LEADER, o seu destaque deve-se ao facto de ter sido percursor
de uma metodologia inovadora que privilegiou as polticas locais, dando continuao
aos princpios provenientes do desenvolvimento sustentvel. A ateno dada ao
FEADER relaciona-se com o seu surgimento como poltica culminadora de um conjunto
de programas anteriormente adoptados, e a importncia do seu papel de instrumento
nico de desenvolvimento rural.
A segunda parte da dissertao pretende analisar estas trs temticas centrais,
aplicando-as ao estudo do caso do territrio rural de Sever do Vouga. Composto por
quatro captulos, o estudo inicia-se com o enquadramento, onde se expe com maior
detalhe a metodologia prtica, referenciando a escolha dos indicadores usados na
anlise da paisagem. Efectua-se ainda o enquadramento geogrfico do territrio,
dando particular relevncia sua insero no contexto da Sub-Regio do Baixo Vouga,
como forma de melhor entender a sua realidade.
O segundo captulo centra-se na anlise da paisagem concelhia, seguindo o
conjunto de indicadores previamente referenciados. O objectivo obter um modelo
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12
territorial que sintetize todos estes elementos analisados e permita identificar as
potencialidades e os entraves territoriais.
Este modelo ser fundamental para a concretizao do terceiro captulo, dedicado
anlise do planeamento. Neste ponto, pretende-se alcanar um dos objectivos
primordiais do trabalho, que consiste em confrontar as medidas planeadas no passado
com o cenrio territorial existente na actualidade, de forma a avaliar o nvel de
adequao do planeamento s realidades especficas do territrio.
O ltimo captulo finaliza o estudo prtico com a anlise do caminho que se tem
seguido na implementao de medidas de desenvolvimento rural e no caminho que se
dever seguir no futuro. Como tal, sero analisadas as polticas LEADER e PRODER
(Programa de Desenvolvimento Rural, no mbito do FEADER), na rea geogrfica de
interveno da Associao de Desenvolvimento Rural Integrado das Serras de
Montemuro, Arada e Gralheira (ADRIMAG), por permitir efectuar uma anlise
comparativa entre territrios que agrupam as mesmas problemticas e requerem
solues semelhantes. No ponto dois deste captulo efectua-se uma sntese da
condio territorial de Sever do Vouga, recorrendo, para isso ao mtodo de anlise
SWOT. Pretende-se que a exposio das potencialidades/fraquezas e das
oportunidades/ameaas, permita revelar mais nitidamente o trajecto a seguir no
planeamento para o desenvolvimento.
As consideraes finais so o ponto conclusivo do trabalho. Aqui expem-se as
concluses retiradas das vrias anlises efectuadas ao longo do estudo.
Na elaborao do trabalho apresentado fundamental referenciar a recorrncia s
ferramentas de informao geogrfica (software ArcGIS) como uma importante mais-
valia. A representao cartogrfica e as vrias anlises territoriais, particularmente dos
elementos paisagsticos, s foi possvel graas capacidade de armazenamento e
sobreposio do vasto conjunto de dados utilizado na composio do estudo prtico.
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PARTE I. OS TERRITRIOS RURAIS CAPTULO I. ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL DA NOO DE RURAL
13
PARTE I. OS TERRITRIOS RURAIS
CAPTULO I. ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL DA NOO DE RURAL
1. Espao, territrio, lugar
Para estudar um territrio, perceber a sua organizao e dinmica, essencial
entender como se desenvolveu a ocupao humana e como se distriburam os
diferentes tipos de usos no espao. O espao geogrfico , assim, o cenrio da
compreenso de qualquer anlise que se prenda com as dinmicas territoriais.
DOLLFUS (1976) refere o duplo carcter do espao geogrfico, considerando-o
localizvel e diferenciado. Localizvel, porque se situa num local especfico da
superfcie terrestre e diferenciado porque, no contexto da sua localizao e evoluo,
um fenmeno nico que no se repete em outro lugar ou momento. Segundo o
autor, no ser tanto a sua localizao que importa, mas sim a sua situao num
conjunto mais vasto e a relao que mantm com outros espaos desse mesmo
conjunto.
Numa outra acepo, LEFBVRE (1974) aborda o espao como um produto social,
resultante dos movimentos laborais. Na sua interpretao de influncia marxista, o
autor identifica duas formas de produo do espao: por um lado, por meio da
produo de coisas, referindo-se aos bens materiais, por outro lado, atravs da
produo imaterial, manifesta na reproduo das relaes surgidas nos processos
produtivos e a partir das quais se constri a prpria sociedade. ISNARD (1982) explora
esta mesma perspectiva, encarando o espao geogrfico como um produto social, que
resultou da transformao e organizao do meio natural. Da afirmao que o espao
geogrfico nasce da iniciativa humana e exprime o projecto prprio de cada
sociedade (p. 47), subentende-se que a aco humana que condiciona o percurso
das mutaes espaciais. Neste mbito, todos os espaos so geogrficos porque so
determinados pelo movimento da sociedade, da produo (M. SANTOS, 1988, p. 21).
M. SANTOS (2000) refere ainda que o espao geogrfico pode ser definido atravs de
duas categorias: a sua configurao territorial e as relaes sociais. Considera a
configurao territorial como sendo o sistema natural existente em determinado local
e as alteraes introduzidas pelo homem sobre esse sistema. O autor no cr, no
entanto, que a configurao territorial tenha propriamente a ver com o espao,
antes, a expresso das relaes sociais que se materializam no local e o configuram.
Afirma, inclusive, que a configurao territorial um produto da histria, isto , desde
o espao natural original at perda das caractersticas primrias, resultantes da
humanizao.
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PARTE I. OS TERRITRIOS RURAIS CAPTULO I. ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL DA NOO DE RURAL
14
Quando se refere o espao geogrfico no sentido de pertena, de apropriao social
de um local com fronteiras, faz mais sentido referir a noo de territrio, diferente de
espao. Num sentido mais amplo, os territrios referem-se a espaos delimitados por
fronteiras e que esto sob a jurisdio de alguma entidade individual ou colectiva,
pblica ou privada, implica uma apropriao, um ordenamento, uma identificao por
parte de um grupo social (GASPAR, 2004, p. 182). A noo de territrio no , assim,
to ampla como a noo de espao (geogrfico). O territrio implica a existncia de
uma identidade, uma ligao a um determinado local que partilhada pelos indivduos
que pertencem a esse mesmo local, num sentimento de propriedade ou de posse.
Todos os territrios evoluram (historicamente) a partir de espaos que foram
dominados e assumiram dimenses mais objectivas, no que respeita estruturao.
Cada um destes locais distingue-se dos restantes devido forma como se desenvolveu,
na sua relao com outros territrios, e no estabelecimento de uma identidade nica.
As dimenses da territorialidade variam e assumem conotaes diferentes medida
que a escala espacial aumenta.
O desenvolvimento da sociedade reproduz novas formas territoriais ou territrios
transformados, que surgem a partir da evoluo das relaes entre sociedade e
espao. Estas relaes materializam-se na criao de lugares, ou seja, espaos
apropriados e vividos, a partir do qual se constitui uma identidade habitante-lugar
(CARLOS, 2007, p. 41). Desta forma, o lugar poder ser considerado uma forma
territorial dentro de um territrio mais vasto, porque implica apropriao emocional
de um espao com significado para um s indivduo ou para um grupo social. Como
refere SANTOS (2002), o espao reflecte a importncia de lugares como recursos, os
quais, por sua vez, atribuem importncia e significado a determinado local. O autor
refere ainda que no mesmo espao que criamos outros espaos, dos quais somos
parte integrante e nos revemos atravs de sentimentos de pertena. CRESSWELL
(2004) reala este mesmo aspecto, diferenciando lugar, dos conceitos de territrio, de
espao e de paisagem, considerando que o lugar est em qualquer parte, desde que
lhe tenha sido atribudo significado.
TUAN (1996) refere-se ao sentido de lugar, entendendo-o como a capacidade das
pessoas discernirem sobre determinados locais. Percebe-se que os lugares atraem a
ateno pelo impacto visual, precisamente pelo simbolismo que podem conter ou
representar. Contudo, a ligao emocional no se associa somente ao que a viso
capta, mas antes a ligaes mais profundas, olfactivas, sensoriais, tcteis e
psicolgicas, com o meio, em que sentir conhecer (TUAN, 1996, traduo nossa, p.
446). Daqui resulta a diferenciao de lugar em: smbolo pblico e campo afectivo ou
de pertena. O primeiro diz respeito aos locais que chamam de imediato a ateno por
serem reconhecidos enquanto smbolos pela viso, o segundo mais difcil de
identificar porque no se projecta na imagem, depende sim das emoes que desperta
em cada indivduo e da valorizao sensorial para alm da viso.
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PARTE I. OS TERRITRIOS RURAIS CAPTULO I. ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL DA NOO DE RURAL
15
O espao geogrfico que existe hoje , portanto, a reproduo da realidade
territorial resultante de sucessivas mutaes organizacionais e funcionais, que
ocorreram medida que a sociedade evoluiu. palco de aces e influenciador dos
protagonistas da aco (SANTOS, 2002, p. 3), representa, o testemunho das vontades
de diferentes pocas e contextos polticos, econmicos e sociais (Figura 1). Este espao
pode ser um territrio com limites definidos e encontrar-se inserido num conjunto
mais vasto, distinguindo-se pelo seu relacionamento com outros territrios. Pode
tratar-se ainda de um lugar, que por ser um cenrio de relacionamentos emocionais,
desperta sentimentos de pertena nos indivduos, simblico e fruto de uma herana,
ou seja, representa uma componente essencial do que ns somos, individual e
colectivamente, da nossa identidade (CAVACO, 2003, p. 192).
As sociedades so as responsveis por dotar os territrios com caractersticas
prprias e simblicas. Se a sociedade molda o local que ocupa de acordo com os seus
modos de vida e pretenses, este projecta um determinado ambiente social que o
torna um local de pertena para os indivduos que a habitam ou habitaram. Qualquer
sociedade humana vive num espao que considera como necessrio para a sua
existncia, quer seja em virtude de uma herana biolgica, quer de uma tradio
cultural (ISNARD, 1982, p. 30).
Entender o espao geogrfico , por isso, algo que no se limita anlise da sua
forma, dos seus componentes estruturais. fundamentalmente entender o modo
como percebido pelos diferentes indivduos e como responde s necessidades
especficas de cada grupo social (populao, visitantes, gestores, investidores, etc.).
Como referido por M. SANTOS (2000), para analisar um espao geogrfico
necessrio ir mais alm das suas funcionalidades e procurar perceber as motivaes
que esto na origem das aces.
O espao que geogrfico tambm um espao percebido. Percebido em funo
de cada indivduo e do seu papel na sociedade e segundo as necessidades e os
desgnios das diferentes pocas. A percepo de cada indivduo ou grupo social
permite que um mesmo local tenha significados diferentes e possa ser mais ou menos
valorizado. Desta forma, o espao mais do que a realidade fsica, dele fazem parte
uma srie de elementos que despertam estmulos sensoriais relacionados com
aspectos imateriais de ordem cultural, religiosa, mtica. Cada grupo humano tem uma
percepo prpria do espao que ocupa, e que de uma forma ou outra lhe pertence
(DOLLFUS, 1976, p. 53), e objecto de representao.
Ao ser entendido como um produto histrico e social, subentende-se que as
actividades sociais se materializam espacialmente, ao longo do tempo (CARLOS, 2007),
determinando a dinmica do espao e a sua organizao. Contudo, se este se forma
pela acumulao das actividades humanas ao longo dos tempos, tambm o momento
presente importante porque lhe confere a funcionalidade e o dinamismo que lhe do
vida (M. SANTOS, 2000). A conjugao das dinmicas espaciais passadas e presentes,
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PARTE I. OS TERRITRIOS RURAIS CAPTULO I. ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL DA NOO DE RURAL
16
juntamente com as percepes e desejos emanados dos vrios grupos sociais, o
caminho para antever a estruturao dos territrios no futuro (Figura 1).
Fonte: MARCHAND, 2001
Figura 1 As trs componentes da organizao regional.
1.1. Organizao do espao geogrfico
Como se organiza o espao geogrfico? Que factores influenciam a disposio e
dimenso dos diferentes lugares? Quais so os condicionantes espaciais da distribuio
da populao e das actividades? Estas so algumas das questes que so passveis de
se colocar quando se pretende compreender a estrutura de um determinado local.
Todos os territrios so constitudos por reas abertas (naturais ou artificiais), pelas
estruturas fsicas (edificaes) e pela populao, que a se movimenta e desenvolve as
suas actividades, criando um emaranhado de fluxos que resultam das funes que lhe
esto associadas. A presena do homem contribui para a diversificao do espao
natural, que aumenta medida que as intervenes se multiplicam e o espao se
socializa, (M. SANTOS, 2000). O mesmo autor entende que o espao uno mas
diversificado e a produo o grande factor impulsionador desta diversificao,
contribuindo para atribuir funes aos lugares e para criar identidades e unidades. De
facto, o aumento e a distribuio das vrias actividades humanas contribui para
segmentar o espao geogrfico, de acordo com a funcionalidade predominante, e
torn-lo mais complexo. No mesmo territrio, coexistem vrias categorias espaciais,
cada uma especializada em determinada funo, mas que conjugadas fazem parte de
um todo. No dia-a-dia , assim, possvel distinguirem-se, espaos residenciais, espaos
de trabalho, espaos de consumo, espaos culturais, espaos de lazer e espaos
naturais. As vrias funcionalidades provm dos diferentes usos que so atribudos ao
espao e que se relacionam com a rotina social. O espao geogrfico , assim, formado
por um conjunto de funes que se interrelacionam e constituem um todo organizado
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PARTE I. OS TERRITRIOS RURAIS CAPTULO I. ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL DA NOO DE RURAL
17
pela sociedade. So estas funes as foras transformadoras e renovadoras dos
espaos geogrficos e que tm, hoje, nos territrios de consumo uma expresso
superlativa.
A dinmica da organizao espacial depende da forma como a populao e as suas
actividades foram sendo geograficamente distribudas. No entanto, da observao dos
espaos geogrficos, independentemente da sua dimenso, evidencia-se uma
caracterstica que comum a todos e que se trata do lugar central. Este ponto, sendo
habitualmente o local de ocupao mais antiga a partir do qual se disseminou a
ocupao humana, agregador das funes que servem as necessidades de outros
locais de menor dimenso, que se encontram sobre o seu domnio. A estruturao do
espao geogrfico , assim, definida pela localizao de funes num centro que, por
sua vez, so desempenhadas para reas tributrias, como refere LOPES (1980).
A noo de centralidade abordada, pela primeira vez, na teoria dos lugares
centrais de CHRISTALLER1. O gegrafo alemo procurou teorizar uma explicao que
justificasse a quantidade, a dimenso e a localizao de lugares num sistema urbano,
tendo em conta as relaes funcionais entre esses espaos. Ser central surge assim
como a caracterstica mais importante de um espao, porque significa agregar um
conjunto de funes que lhe permitem ser distribuidor de bens e servios. A dimenso
e diversificao funcional que conferem maior ou menor centralidade ao espao,
sendo mais central quanto mais e diversas funes possuir. Por usa vez, quanto mais
central for um espao, maior capacidade polarizadora ter.
REYNAUD (1981) procura definir o conceito de centro contrapondo-o noo de
periferia. Numa acepo relativa, o autor identifica centro como: local onde se rene
uma elevada massa populacional, local com nvel de vida mais elevado e local com
nvel de desenvolvimento mais antigo. O centro caracterizado pelas suas vrias
capacidades: produtor, agregador de actividades, capitais, tecnologia e mo-de-obra
qualificada, concentrador de recursos, de poder e ideias e capaz de se auto-
desenvolver. Pelo contrrio, a periferia identifica-se pela baixa produtividade, baixo
nvel de vida, populao mais dispersa, fraco poder de deciso e dependncia do
centro. No obstante a distino dos dois conceitos, os dois tipos de espaos
complementam-se em relaes hierrquicas, que o autor identifica em vrios tipos
(Figura 2), estabelecidas pela troca de fluxos: de pessoas, de capitais, de bens e de
informao.
O centro destaca-se, assim, por padres de elevada densidade em relao sua
envolvente. Esta densidade evidencia-se: ao nvel da centralizao de actividades, da
concentrao populacional, ligada ao exerccio das diversas funes, da elevada
mancha de espao edificado e na disseminao da informao.
1 Die zentralen Orte in Sddeutschland (1933).
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PARTE I. OS TERRITRIOS RURAIS CAPTULO I. ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL DA NOO DE RURAL
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Fonte: REYNAUD, 1981
Figura 2 Os tipos de centros e periferias.
A sociedade, sendo organizadora e indutora de modificaes, contribui para a
formao de estruturas polticas, socioeconmicas, culturais e ambientais com
diferentes caractersticas. Estas caractersticas permitem distinguir e comparar
realidades espaciais diferentes, cujas diferenas manifestam-se em termos de
desenvolvimento e de relacionamentos entre espaos (Figura 2). Ou seja, as
desigualdades nos nveis de desenvolvimento geram hierarquias espaciais,
estabelecidas a partir de relaes de dependncias. Estas diferenas no
desenvolvimento territorial notam-se entre o centro, acumulador de funes e
polarizador, e as reas perifricas envolventes, sob a sua influncia.
A definio de hierarquias espaciais encontra-se bastante dependente do sistema
de redes existente entre lugares e da capacidade de mobilidade. O nvel de alcance do
centro depende, no propriamente da distncia fsica, mas da existncia de infra-
estruturas de ligao deste s reas envolventes. Ou seja, o centro tanto mais
polarizador quanto maior for a sua influncia que, por sua vez, depende das ligaes
de redes e da sua fluidez.
Ao fazer-se referncia s ligaes de redes, no se trata somente de atribuir
importncia s infra-estruturas e deslocaes de transportes de pessoas, bens e
mercadorias e s redes de comunicaes, trata-se tambm de valorizar a circulao de
informao, de tecnologia e de inovao. Como nos recorda M. SANTOS, (2000) as
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PARTE I. OS TERRITRIOS RURAIS CAPTULO I. ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL DA NOO DE RURAL
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redes so tambm sociais e polticas, pela difuso de ideias e valores e, por isso,
devem ser consideradas, no apenas na sua realidade material, mas tambm
imaterialmente pelo seu feito social. Por outro lado, a fluidez das redes decisiva nas
velocidades de circulao e de transmisso, sobretudo numa sociedade onde a relao
entre tempo-espao cada vez mais curta, devido rapidez com que ocorrem
mudanas, incluindo na prpria percepo das distncias.
2. O Mundo rural
O espao geogrfico, que pode ser territrio ou lugar, distingue-se, amplamente,
sob duas formas: urbano ou rural. Neste sentido, a concepo primria de rural baseia-
se em tudo o que no urbano. Esta anttese urbano/rural ou cidade/campo foi
fundamental na definio de ambas as noes e na anlise da evoluo espacial dos
territrios. Na verdade, o entendimento das dinmicas do mundo rural s estar
completo se tiver em conta o desenvolvimento das relaes com o mundo urbano, de
modo que necessrio encarar esta relao como um continuum.
A oposio histrica entre rural e urbano evidenciada atravs de uma srie de
caractersticas relacionadas com a organizao espacial, decorrente da distribuio da
populao, das actividades econmicas dominantes e das dinmicas sociais e
territoriais. Na realidade, esta distino tem sofrido alteraes tornando-se cada vez
mais complexa, medida que a sociedade evolui e os espaos geogrficos se alteram.
Ao longo dos tempos, possvel distinguir perodos histricos que marcaram
diferenas substanciais nas relaes entre urbano e rural e, logo, no caminho evolutivo
destes espaos. FERRO (2000) refere a existncia de quatro fases marcantes: A velha
oposio, de linhas bem definidas, entre urbano e rural, a supremacia do mundo
urbano-industrial sobre o mundo rural arcaico, a nova dicotomia entre um rural
modernizado e o urbano e, mais recentemente, as novas relaes entre urbanos e um
mundo rural no agrcola (Figura 3).
Fonte: elaborao prpria a partir de
FERRO, 2000
Figura 3 Evoluo das relaes entre urbano e rural.
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PARTE I. OS TERRITRIOS RURAIS CAPTULO I. ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL DA NOO DE RURAL
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No perodo clssico, que antecedeu a Revoluo Industrial, os espaos urbanos e
rurais coexistiam com fronteiras bem definidas, sendo reconhecidos pela dicotomia
cidade-campo. FERRO (2000) afirma que o mundo rural se organizava em torno de
uma tetralogia de aspectos que constituam o oposto realidade urbana: a funo
predominante de produtor de alimentos, a agricultura como principal actividade
econmica, o campesinato como grupo social de referncia e uma paisagem
demonstrativa do equilbrio entre natural e humano. O carcter funcional encontrava-
se bem determinado: de um lado o campo produtor de bens alimentares, do outro
lado a cidade, consumidora. O desenvolvimento socioeconmico dos territrios
processava-se a ritmos semelhantes e, por isso mesmo, o relacionamento situava-se
num ponto simbitico de complementaridade, mas sempre entre dominncia e
dominado, devido s caractersticas das suas funes (Figura 2).
A Revoluo Industrial lanou o grande ponto de viragem nas dinmicas espaciais,
traduzido no crescimento de assimetrias territoriais: a ascenso desenfreada das
cidades e o gradual declnio dos campos. A um mundo rural de caractersticas
seculares veio opor-se a sociedade urbano-industrial (NAVE, 2003). O que se
reproduziu espacialmente foi uma concentrao das atenes nos espaos urbanos,
fruto da modernizao industrial e do aumento das actividades econmicas. Enquanto,
que o mundo rural, ao perder protagonismo econmico e social, viu-se passado a
segundo plano, tendo pela frente a posio de duplo abastecedor das cidades,
alimentos por um lado, e mo-de-obra a baixo custo, por outro. Posteriormente viria a
aparecer uma condio de triplo abastecimento: o de fornecedor de solos, face ao
crescimento desenfreado das cidades que voltou as atenes para os valores
competitivos dos solos perifricos.
Toda esta capacidade de atraco das novas urbes gerou efeitos no mundo rural. Os
rendimentos familiares provenientes da agricultura deixaram de satisfazer as
necessidades dos trabalhadores, que viram no sector industrial uma oportunidade de
melhorar a capacidade financeira familiar. Iniciou-se, assim, o desenvolvimento das
correntes migratrias no sentido campo-cidade, traduzido no fenmeno de xodo
rural. O aceleramento dos movimentos desencadeou o envelhecimento da pirmide
etria e o aumento das tendncias de despovoamento rural, reforando a incrustao
do rural no urbano (BAPTISTA, 1993), ou seja, a convivncia, em espaos urbanos, de
pessoas provenientes do meio rural.
A sociedade e os modos de vida tambm sofreram as consequncias do processo
de desagregao do mundo rural (NAVE, 2003, p. 131). As comunidades camponesas,
encontrando-se numa situao de crescente marginalidade, viram-se cada vez mais
isoladas. As redes de infraestruturas e o acesso a equipamentos concentraram-se nas
cidades deixando os rurais mais limitados, pela prpria restrio demogrfica ou pelo
crescente isolamento. O afastamento, que condicionou igualmente a difuso da
informao e a participao mais activa na sociedade, proporcionou uma maior
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PARTE I. OS TERRITRIOS RURAIS CAPTULO I. ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL DA NOO DE RURAL
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relao de proximidade com a natureza e modos de vida mais tradicionalistas. As
relaes mantm-se complementares mas com a superioridade do urbano sobre o
rural. Como refere ISNARD (1982), a indstria que confere o poder aos estados e
estrutura as sociedades e os seus espaos (p. 182), porque a sua capacidade
multiplicadora, em termos econmicos, avassaladora.
Novas mudanas so verificadas quando a industrializao se difunde e atinge os
meios rurais. Com a mecanizao e a implementao do modo de produo agro-
industrial, a agricultura sofre alteraes que lhe conferem capacidade competitiva nos
mercados. Esta mudana transformou irreversivelmente o campo, os modos de vida e
a estrutura social e econmica, sobretudo ao nvel da subsistncia familiar.
A automatizao da produo atribuiu uma nova dimenso actividade agrcola. O
desenvolvimento de fertilizantes e pesticidas e a especializao produtiva, atravs da
introduo de monoculturas, favoreceram a actividade e permitiram a obteno de
rendimentos mais elevados. Com estas modificaes o nmero de trabalhadores
afectos actividade diminuiu drasticamente e, enquanto os proprietrios fundirios
viram os seus rendimentos aumentarem substancialmente, para a maioria das famlias,
o sector primrio deixou de ser a fonte predominante de rendimento.
A exploso industrial fez disparar, a rpida velocidade, a urbanizao dos espaos e
a populao. As cidades densificaram-se a um ritmo acelerado e depressa
extravasaram os seus antigos limites e os seus habitantes para o exterior. Os campos,
atravessados no caminho desta propagao urbana, foram invadidos e agregados aos
plos de influncia citadina, num processo de rurbanizao. Face elevada presso
imobiliria nos centros das urbes e consecutiva falta de espao, as indstrias,
sobretudo de maior dimenso, passaram a localizar-se em espaos rurais perifricos. O
rural, que antes se dedicava quase exclusivamente s actividades agro-florestais, v-se
agora detentor de um novo mercado de trabalho com rendimentos familiares bastante
superiores aos da agricultura. Como refere LOURENO (1993), o modo de vida rural
tradicional alterou-se visivelmente com a ocupao urbana dos espaos agrcolas e
com a descentralizao das indstrias. Aumentou a pluriactividade e a prtica da
agricultura a tempo parcial, em grande parte apenas como forma de subsistncia.
A invaso do espao rural pelas dinmicas urbanas despoletou uma redistribuio
populacional (FIELDING, 1994), embora muito mitigada, caracterizada pela sada de
pessoas dos grandes aglomerados urbanos para as pequenas cidades e vilas em seu
redor. Este fenmeno, designado de contra-urbanizao, manifestou-se por vrios
motivos, referidos por FIELDING (1994). Uma das razes que desencadeou este
movimento surgiu na sequncia de um sentimento anti-urbanstico, gerado pela
diminuio da qualidade de vida nas cidades. As reas rurais tornaram-se mais
atractivas por oferecerem o espao, a tranquilidade e a segurana que j no existia
nos meios urbanos. A implementao de polticas descentralizadoras influenciou
igualmente a contra-urbanizao, sobretudo ao nvel da criao de meios para as
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PARTE I. OS TERRITRIOS RURAIS CAPTULO I. ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL DA NOO DE RURAL
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pessoas, bens e servios se deslocarem para as periferias. O que se verificou,
nomeadamente, na melhoria das acessibilidades, nos preos competitivos dos
terrenos perifricos e no aumento do custo de vida nos centros urbanos. Verifica-se
ainda outro tipo de movimentao que abrange uma determinada faixa etria,
referente ao perodo ps idade da reforma. Trata-se, neste caso, do retorno terra
natal ou apenas de indivduos que procuram alguma tranquilidade numa fase mais
avanada das suas vidas.
De um modo geral, a contra-urbanizao contribui para alterar as estruturas das
economias rurais de forma positiva, no sentido em que gerou maior diversidade
funcional, aumentou a empregabilidade, proporcionou maiores rendimentos
familiares, reduziu as migraes, facilitou a aquisio de habitaes unifamiliares e
contribuiu para a reabilitao do patrimnio edificado. Contudo, o reverso da medalha
tambm visvel no surgimento de alguns dos problemas, semelhantes aos que
provocaram inicialmente a contra-urbanizao. Tratam-se do aumento do nvel de vida
para os habitantes rurais economicamente mais desfavorecidos, o incremento da
concorrncia gerada pelo aumento das actividades econmicas e o mercado de
trabalho mais instvel. Para alm disso, a deslocao de elevado nmero de
trabalhadores que, optando pela vida em meio rural, mantm o emprego na cidade,
obriga a deslocaes dirias que sobrecarregam as vias de comunicao.
Estas transformaes no se expandiram nem chegaram a todos os territrios
rurais. Dependentes das acessibilidades e infraestruturas que possam favorecer a
deslocao e a circulao de pessoas, bens e servios, nem todos os locais usufruram
das condies propcias para o desenvolvimento tecnolgico, sobretudo os mais
isolados e de difcil acesso. De modo que as dicotomias passaram a assumir novas
formas, que no se cingem ao urbano/rural, mas passam a englobar o rural/rural,
sendo habitualmente referido o rural profundo por se assumir como um espao
duplamente marginal.
KAYSER (1990) identifica quatro tipos de espaos rurais que se organizam
espacialmente numa lgica hierrquica, em torno de um plo urbano central (Figura
4). O primeiro tipo de espao localiza-se nas periferias dos centros urbanos, no local de
encontro entre a urbanizao e a sociedade rural. O segundo tipo caracteriza-se pela
estrutura fundiria produtiva, mas que, no entanto, sofre presses decorrentes da
expanso periurbana. medida que o centro urbano se distancia surge um terceiro
tipo de espao designado de rural profundo, por se encontrar numa situao de
marginalizao e por estar mais prximo ao ambiente natural. O autor identifica ainda
um quarto tipo presente em todas as tipologias e caracterizado pela existncia de
actividades urbanas, nomeadamente, o turismo.
Seguindo o caminho que se impunha da diferenciao rural/rural, CAVACO (1996)
agrupa os territrios rurais em trs grandes grupos: os espaos rurbanos, os campos
intermdios e os campos profundos. Os primeiros situam-se no seguimento dos
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PARTE I. OS TERRITRIOS RURAIS CAPTULO I. ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL DA NOO DE RURAL
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espaos periurbanos e so fortemente influenciados pela cidade, o que se materializa
nos movimentos dirios pendulares e nas constantes mudanas de ocupao do solo
causada pela expanso urbana. Os campos intermdios so espaos de charneira que
se localizam entre os rurbanos e o rural profundo. Aqui subsiste a presena da
agricultura que, em conjunto com outras actividades econmicas, potencializa as
capacidades de desenvolvimento. Os campos profundos situam-se num patamar
ultraperifrico, porque se encontram completamente margem das dinmicas
territoriais sob influncia dos plos urbanos.
Fonte: KAYSER, 1990
Figura 4 Tipologia dos espaos rurais.
REIS (2003), tal como KAYSER (1990), diferencia quatro realidades rurais da seguinte
forma: o rural urbano, espao urbanizado com forte presena do sector secundrio e
tercirio e elevada densidade demogrfica; o rural assente na indstria e nos servios,
resultante do processo de urbanizao difusa; o rural de baixa densidade, com forte
presena da agricultura e rarefaco territorial e o rural agrcola, com a hegemonia da
agricultura bem visvel no territrio.
Esta nova dicotomia rural-rural resulta da diferenciao entre territrios que foram
capazes de se modernizar ou assim obrigados, por proximidade ao dinamismo urbano,
e territrios que por estarem mais afastado dos plos de influncia se mantiveram
com nveis de desenvolvimento e modos de vida bem diferenciados dos citadinos. A
fragmentao do mundo rural originou novos graus de assimetrias territoriais, cada
vez mais complexas e difceis de inverter. Por um lado, revela-se vitimizado pela
contnua propagao do urbano, subdividido em diferentes tipos de espaos (urbanos,
suburbanos, periurbanos), que ganham territrio ao campo e esbatem as fronteiras
entre o incio de um e o fim de outro. As consequncias manifestam-se, positivamente
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PARTE I. OS TERRITRIOS RURAIS CAPTULO I. ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL DA NOO DE RURAL
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quando existe continuidade e articulao equilibrada do ambiente urbanizado para o
ambiente ruralizado, e negativamente nos casos em que se verificam conflitos nas
ocupaes dos solos. Por outro lado, existe o mundo rural, que comea nos
presumveis limites das reas urbanas, e se encontra isolado destas. medida que se
caminha para o interior diminuem as relaes de interdependncia com os espaos
mais polarizadores e o rural torna-se mais profundo, mais isolado, mais despovoado e
mais fragilizado.
Mais recentemente, o mundo rural assume novos contextos. Os gestores territoriais
encontram-se mais conscientes da condio de subaproveitamento destes locais e das
questes do despovoamento acelerado que tm vindo a enfrentar, voltando as suas
atenes para formas alternativas de rentabilizar os recursos locais. O campo recupera
algum do protagonismo outrora perdido para as cidades e ganha a ateno do
habitante urbano, atrado, ora pelo sentimento de nostalgia, ora pela necessidade de
fuga ao quotidiano. Todo este despertar para o mundo rural fomenta outro tipo de
alteraes, exemplo disso a melhoria nas acessibilidades e infra-estruturao e a
construo de equipamentos, aces estas que vieram a tornar-se determinantes na
diversificao econmica.
Na actualidade, quando nos referimos era da globalizao, sustentada pela
evoluo tecnolgica, referimo-nos intensificao das relaes de proximidade entre
territrios e modos de vida. O Mundo Rural do sculo XXI encontra-se menos isolado e
as diferenas entre a sociedade rural e a sociedade urbana atenuam-se. Os espaos
rurais so cada vez menos espaos de presumvel estabilidade (GASPAR, 2004), porque
as suas dinmicas territoriais intensificaram-se.
No obstante, todas as modificaes que se verificaram ao longo dos tempos, que
contriburam para a construo do mundo rural, e dentro deste de diferentes
realidades, continuam a existir alguns aspectos comuns que permitem identificar de
imediato os territrios marcadamente rurais. KAYSER (1990) sintetiza-os da seguinte
forma: a baixa densidade populacional e edificada, a predominncia do coberto
vegetal, a preponderncia para as actividades econmicas agro-silvo-pastoris, o modo
de vida caracterizado pela pertena a pequenas comunidades, relacionadas
particularmente com o espao, e uma identidade relacionada com a cultura
camponesa. A esta noo de KAYSER (1990) acrescenta-se ainda que o rural existe
numa relao de dependncia, mais ou menos marcada, em relao a um plo exterior
que o controla, no sendo, por isso, totalmente autocfalo (RMY e VOY, 1994).
MORENO (2007) desenvolve afirmando que, o rural est em parte receptivo ao
domnio e ao encanto das ofertas urbanas, em parte reactivo, de forma mais ou
menos subtil, s manifestaes de inteno exploradoras da cidade (p. 123).
DINIZ e GERRY (2002) encontraram uma definio convencional que descrevia o
mundo rural, na sua complexidade e multi-dimensionalidade, como sendo um
conjunto de territrios compostos por aldeias, vilas e sedes de concelho e tambm por
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PARTE I. OS TERRITRIOS RURAIS CAPTULO I. ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL DA NOO DE RURAL
25
espaos naturais e reas cultivadas. Estas comunidades interrelacionam-se e
caracterizam-se pela diversidade de actividades econmicas.
Esta afigura-se uma concepo tpica que comum a todos os espaos rurais, de
uma forma mais ou menos fidedigna, consoante os diferentes tipos, abordados
anteriormente. Neste mbito, como o conceito no esttico nem se reporta a um s
estado, a percepo da ruralidade, por parte de cada indivduo ou grupos sociais,
revela-se essencial na atribuio de diversos significados consoante as diversas
perspectivas. Na ptica dos habitantes so reas deficitrias ao nvel estrutural, com
poucas oportunidades para os indivduos na idade activa. Do ponto de vista dos
urbanos, o rural proporciona um ambiente mais tranquilo e prximo natureza,
diferente da confuso e stress da vida urbana, o que torna estes espaos atractivos
como meio de escape. Para os investidores, emerge como uma fonte de recursos com
fortes potencialidades para explorar, mas onde existe alguma dificuldade de
implementao de medidas dinamizadoras, causada pela falta de iniciativa das
populaes e pela predominncia de atitudes comportamentais conservadoras e
tradicionais. Para os gestores territoriais significa um constante desafio na busca de
meios dinamizadores que captem a ateno do investimento e que forneam
condies de fixao da populao e de melhoria de qualidade de vida.
Na realidade, constata-se que a concepo de rural bem mais subjectiva e, por
isso, mais complexa do que transparecem as definies mais genricas. Caracterizar os
territrios rurais de hoje , por isso, um processo difcil. Entende-se igualmente, e
como bem recorda BAPTISTA (2003), que a diferenciao entre urbano e rural assenta,
nos dias que correm, mais em critrios respeitantes distribuio da populao e das
actividades no espao, do que em diferenas sociolgicas. De modo que, actualmente,
cada vez mais perceptvel que a dicotomia urbano/rural deve antes ser entendida no
sentido da existncia de espaos com caractersticas diferentes mas cujas relaes
hierrquicas no permitem que sejam vistos dissociadamente.
2.1. Dos novos usos territorializao do mundo rural
O mundo rural quebrou a relao com dois dos aspectos que o caracterizavam: a
produo alimentar como funo principal e a agricultura como actividade dominante.
A sociedade rural deixou de se confundir com a actividade agrcola e esta j no unifica
a sociedade rural (BAPTISTA, 2003). Assistimos, assim, nestas ltimas dcadas
ressurgncia dos territrios rurais com uma nova faceta de no agrcola, que
transformou, de algum modo, as estruturas destes meios e a relao antagnica que
desde sempre mantiveram com o urbano. Mas qual a dinmica deste meio rural no
agrcola, considerando a desde sempre associao ao campo e agricultura?
Designar o rural de no agrcola poder no ser a expresso mais representativa da
realidade constatada actualmente nestes territrios. Esta designao pretende antes
vir ao encontro da situao de perda de importncia que outrora a actividade agrcola
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PARTE I. OS TERRITRIOS RURAIS CAPTULO I. ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL DA NOO DE RURAL
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detinha e no da ausncia da sua prtica. , assim, prefervel falar em novos usos do
espao, pluriactividade ou multifuncionalidade, porque so estes os fenmenos que
melhor retratam a dinmica actual dos territrios rurais.
BAILLY (2006) identifica trs tipos de usos que contribuem para reforar o carcter
multifuncional dos meios rurais. O uso produtivo, no somente agrcola mas de outras
actividades que constituem uma mais-valia econmica, tais como, a floresta, a
produo energtica, a extraco mineral e a instalao de grandes infra-estruturas.
Os usos industriais e de servios, cuja implantao mais passvel de se efectuar na
proximidade s reas urbanas ou junto de locais que usufruem de boas acessibilidades.
Os usos de conservao da natureza, relacionados com a preservao da
biodiversidade e dos recursos naturais vitais vida humana. Os usos residenciais e de
lazer, que compreendem a funo de consumo dos espaos/paisagens com fins
recreativos.
A multifuncionalidade rural encontra-se bem representada na ocupao e
distribuio de diferentes actividades econmicas no espao. A agricultura, mesmo j
no sendo dominante, indissocivel do rural e, por isso, o seu papel na
sustentabilidade dos territrios fundamental. A sua prtica ocorre em duas situaes
distintas, tratando-se maioritariamente de pequenas exploraes de subsistncia, que
servem de rendimento complementar s famlias rurais, mas encontrando-se tambm
como principal fonte de rendimento familiar, em exploraes de dimenso
empresarial. Esta ltima situao abriu lugar ao estabelecimento do sector agro-
industrial em meio rural. Com os progressos tecnolgicos a favorecerem a
especializao produtiva e a produo em massa, foram surgindo pequenas e mdias
empresas agro-industriais, com capacidade competitiva nos mercados, que acabaram
por substituir o modo de produo artesanal. Contudo, face ao surgimento de novos
segmentos de mercado voltados para produtos de alta qualidade, os mtodos
tradicionais adquiriram novo valor e foram reabilitados. Em territrios econmica e
socialmente mais desfavorecidos a recuperao e revalorizao dum patrimnio
cultural campons, anterior acelerao da mecanizao, motorizao,
homogeneizao de raas, variedades e sistemas de cultivo e massificao das ofertas
(CAVACO, 1992, p. 38), foi uma medida bastante inovadora que, ao contribuir para
reavivar o saber-fazer tradicional, trouxe um pouco mais de dinamismo a locais que
pareciam cados no esquecimento.
A concretizao de medidas de valorizao dos produtos tradicionais em meio rural
no se afigura propriamente fcil de alcanar. Neste mbito, necessrio destacar o
importante papel do cooperativismo e do associativismo no apoio prestado aos
produtores locais. A constituio de organizaes cooperativas e de associaes de
produtores um marco fundamental no processo de desenvolvimento local. As
grandes mais-valias centram-se no apoio diversificao de produtos e actividades,
tendo como estratgia a conservao da riqueza cultural dos territrios e a diminuio
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PARTE I. OS TERRITRIOS RURAIS CAPTULO I. ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL DA NOO DE RURAL
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do despovoamento e da dependncia externa (CAVACO, 1992). O associativismo tem,
assim, contribudo para melhorar as condies de trabalho, valorizar a produo e
aumentar os rendimentos.
Para alm da indissociao da actividade agrcola do meio rural, a ocupao
florestal est em igual patamar de relacionamento com estes territrios. Em espaos
onde o natural supera o urbano, a floresta destaca-se pela elevada percentagem de
rea que ocupa e pela diversidade de actividades que alberga. BAPTISTA (2003)
identifica vrios tipos de exploraes, diferenciadas de acordo com a gesto levada a
cabo pelos seus proprietrios, e que se resumem em duas situaes distintas de
aproveitamento dos recursos florestais. Por um lado, a existncia de propriedades que
no exigem despender muito trabalho ou investimento mas que, eventualmente,
podem fornecer algum rendimento excepcional ao proprietrio. Por outro lado, as
propriedades de maior dimenso, onde a expressividade de trabalho e de
investimento assumem um cariz de nvel empresarial. Contudo, as potencialidades das
reas florestais vo alm da produo de matria-prima. A explorao dos recursos
florestais, numa dupla perspectiva de espaos de lazer e de ecossistemas a preservar
cada vez mais valorizada. Neste mbito, surgiram uma srie de actividades que
souberam tirar partido das mltiplas opes que estes ecossistemas proporcionam,
nomeadamente o mercado de lazer e turismo.
O sector industrial, para alm das j referidas empresas agro-industriais, integra o
leque multifuncional possvel de identificar nos espaos rurais. As indstrias,
inicialmente a laborar em reas urbanas, iniciaram um processo de relocalizao para
as periferias, despoletado pelo desenvolvimento das redes de acessos e de
transportes. Os territrios rurais mais prximos das urbes passaram a albergar
unidades fabris, que aqui encontraram caractersticas que as cidades j no podiam
oferecer: terrenos de maior dimenso e de menor custo, mo-de-obra mais barata e
matrias-primas. As sedes empresariais, empregadoras de recursos humanos mais
qualificados, mantiveram-se nas cidades enquanto, que o processo produtivo, menos
exigente em termos de qualificao profissional dos seus trabalhadores, relocalizou-se
para o rural. A presena da indstria em meio rural no , no entanto, comum a todos
os territrios, sendo dificultada pelo isolamento e a falta de infra-estruturas. Nestes
locais mais remotos, essencialmente em reas de montanha, desenvolveu-se, mais
recentemente um novo tipo de funo produtiva, relacionada com o aproveitamento
de energia elica. uma nova actividade que se associa ao rural e que contribui de
forma positiva para o seu desenvolvimento.
Os gestores territoriais, procurando inverter a situao de despovoamento e
isolamento, apostaram na introduo de urbanismos no rural de baixa densidade. A
infra-estruturao e a instalao de equipamentos sociais, escolares, desportivos e
culturais surgiram como uma estratgia que veio preencher lacunas, anteriormente
colmatadas pelos plos urbanos mais prximos, no apoio e servio s necessidades das
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PARTE I. OS TERRITRIOS RURAIS CAPTULO I. ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL DA NOO DE RURAL
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populaes. O aparecimento deste tipo de estruturas contribuiu bastante para alterar
a organizao econmica rural, ao introduzir um aumento da populao ligada s
actividades tercirias, que rapidamente ultrapassou a percentagem de trabalhadores
no sector primrio, aumentando em termos gerais a qualidade de vida da populao.
Nas dcadas mais recentes, com o aumento do leque multifuncional, relacionado
directa e indirectamente com o crescimento do turismo e do lazer, as actividades de
comrcio e servios acentuaram ainda mais a sua presena nos espaos rurais. A
actividade turstica surgiu em meio rural como opo massificao do turismo de sol
e praia. A maior presena do estado natural, a sensao de tranquilidade e a
curiosidade pelo tradicionalismo desencadearam a fuga ao stress do meio urbano e a
vontade de retornar s origens. As actividades de turismo em espao rural (TER)
rapidamente se desenvolveram sobre vrias formas e novas designaes, que surgem
estrategicamente, tirando o mximo proveito dos recursos que o mundo rural pode
oferecer e do seu rtulo de reserva ambiental (FIGUEIREDO, 2001). So exemplo
disso, o turismo de habitao, o turismo de aldeia, o ecoturismo, o agro-turismo,
algum turismo de aventura, etc. Associado a este recuperaram-se tradies, costumes
e romarias de outros tempos, anteriores aos movimentos migratrios que deixaram os
aglomerados rurais vazios das suas gentes, e criaram-se novos cones e imagens de
marca, passveis de projectar os territrios no espao.
Como refere CARVALHO (2005), o destaque dado ao patrimnio surge num
contexto de necessria afirmao das diferenas, marcado pela forte presena da
competio territorial. Estas aces de patrimonializao, em que se procura atribuir,
do ponto de vista simblico-ideolgico, a revalorizao social da dimenso no
agrcola do mundo rural (p. 218), so cada vez mais utilizadas na promoo territorial
e neste contexto que se fomenta a territorializao do mundo rural. Porque se
desenvolve uma forte aposta nos recursos locais, que tem sido uma contribuio
largamente positiva no desenvolvimento socioeconmico de estruturas debilitadas.
Este recente carcter multifuncional no seria bem sucedido se no fosse o
contributo da densificao da rede viria, atravs da melhoria das infra-estruturas, que
serviu para encurtar as distncias campo-cidade e facilitou a mobilidade das
populaes, dos bens, dos servios e da informao. Os espaos rurais, que antes se
caracterizavam como sendo comunidades fechadas, deixaram de ser exclusivamente
relevantes para os indivduos que neles habitam ou habitaram, e tornam-se locais de
interesse e curiosidade urbana. Se em pocas passadas o mundo rural pertencia aos
agricultores, actualmente pertence a mltiplos actores e actividades que ocupam e co-
gerem o territrio (BAILLY, 2006). O mesmo autor atribuiu a existncia de actores com
quatro tipos de perfis: os nostlgicos, representam as pessoas que retornam terra de
origem; os pragmticos, interessados nos benefcios econmicos que podem obter dos
espaos rurais; os novos enraizados, com uma forte percepo do territrio, procuram
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PARTE I. OS TERRITRIOS RURAIS CAPTULO I. ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL DA NOO DE RURAL
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formas de se envolver localmente; os sem-territrio, indiferentes agricultura e que
procuram no rural uma atmosfera especfica.
Mas qual a razo deste retorno ao rural? De facto esta busca pelo natural tem vindo
a acentuar-se nas dcadas mais recentes. A crescente massificao das cidades,
resultante de um processo de crescimento muito rpido e desenfreado, conduziu ao
congestionamento dos espaos urbanos e degradao da qualidade de vida. As
populaes, que antes se concentravam nas cidades para viver e trabalhar, optam
cada vez mais por habitar nos espaos mais tranquilos e seguros dos subrbios e
periferias urbanas. Para as classes mdia alta e alta, esta fuga mais facilitada,
ocorrendo essencialmente sob a forma de aquisio de segundas residncias.
As novas procuras dos espaos rurais baseiam-se num quadro de representaes
dos urbanos (CRISTVO, 2002) sobre as paisagens rurais. Emerge uma busca pelas
origens e um sentimento de pertena, movida pela necessidade de calma e escape ao
stress urbano. H um ambiente que sentimental em relao aos espaos vividos ou
imaginados, que valorizam territrios e lugares (CAVACO, 2003). O rural assume,
assim, um valor simblico, enquanto santurio ou refgio, ou mesmo de repositrio de
modos sustentveis da relao entre homem e natureza, diferente da funo
alimentar e produtiva que tinha no passado. Pode ainda afirmar-se que este retorno
terra surge nas ltimas dcadas como uma resposta globalizao econmica e
cultural e aos hbitos massificados, que suscitaram a busca pela simplicidade. O que
resulta a predominncia de uma ideologia claramente urbana, que identifica as
necessidades da populao rural com as suas prprias necessidades. Ser urbano o
modo de vida mais adequado ao homem (CAVACO, 2003, p. 193). No sendo
necessariamente o mais adequado, sim o mais adoptado ou melhor ser dizer
globalizado.
Se ainda h poucas dcadas atrs as populaes rurais se encontravam numa
situao de marginalidade pelo afastamento aos centros urbanos, quer em distncia,
quer em tempo de deslocao, e logo, distanciadas de recursos de apoio social, de
servios, equipamentos e dos centros de informao, nos tempos que correm o
cenrio evoluiu bastante. A era da globalizao esbateu as distncias, aproximou os
territrios e facilitou a mobilidade. Numa primeira fase, atravs do progresso nos
meios de transporte e vias de comunicao, mais recentemente com os espaos
virtuais e distncia de um clique. Esta proximidade, que atraiu o interesse da
populao urbana pelo mundo rural, atraiu tambm os investidores que viram nestes
espaos e nas suas potencialidades nichos de negcio.
A multifuncionalidade rural maioritariamente devida s aces de agentes
exteriores ao mundo rural. Este facto evidencia que, apesar de emergirem novas
pticas acerca das relaes entre urbano-rural, a subordinao do ltimo aos
interesses do primeiro persiste e dificilmente se alterar este cenrio.
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PARTE I. OS TERRITRIOS RURAIS CAPTULO II. OLHAR A PAISAGEM: CONTRIBUTO PARA O ORDENAMENTO E PLANEAMENTO RURAL
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CAPTULO II. OLHAR A PAISAGEM: CONTRIBUTO PARA O ORDENAMENTO E PLANEAMENTO RURAL
1. Noes de paisagem
A anlise espacial/territorial feita, em primeira medida, atravs da observao da
paisagem e o seu estudo , por isso, fundamental na Geografia e no entendimento da
complexidade das relaes entre o homem e o meio natural. O conceito de paisagem
difere, portanto, da noo de espao, abordada anteriormente, e a sua discusso,
sendo j antiga, engloba uma srie de diferentes perspectivas.
LA BLACHE2 introduziu o grande debate em torno da noo de regio/pays3, com as
teorias possibilistas da Escola Francesa de Geografia. O autor constatava que as
sociedades humanas adaptam-se ao ambiente onde habitam e moldam-no ao longo do
tempo, estando sujeitas influncia dos elementos naturais. Neste mbito, h no
possibilismo, uma clara distino entre a paisagem natural sem presena da aco do
homem e a paisagem humanizada, resultante da forma como a populao expressava
o seu nvel civilizacional no espao de vida. O panorama inicial de paisagem referia-se a
relaes causais que no compreendiam a aco do homem sobre a natureza mas,
apenas a influncia do natural sobre o cultural. Estas elaes surgem com RATZEL4,
mentor do determinismo geogrfico. RATZEL defendeu que o ambiente interfere nas
sociedades humanas sobre duas pticas, como estmulo ou como obstculo, no
entanto esta relao dinmica e sofre modificaes ao longo do tempo. A grande
revoluo no conceito surge com SAUER (1996), com a sua concepo de morfologia
da paisagem cultural. O Gegrafo norte-americano encara a paisagem como uma rea
feita de distintas associaes de formas, ambas fsicas e culturais (p. 300). O autor
refere pela primeira vez a importncia da identidade paisagstica, baseada na sua
constituio reconhecvel, ou seja, nos seus limites e na relao com outras paisagens,
que constituem um sistema geral. A geografia baseada na realidade da unio dos
elementos fsicos e culturais da paisagem (traduo nossa, p. 303).
Num contexto mais recente, as noes de paisagem multiplicaram-se, influenciadas
pela rpida transformao e crescente complexidade com que se deparam os
territrios. M. SANTOS (2000) refere que o conjunto de formas que, num dado
momento, expressa as heranas que representam as sucessivas relaes localizadas
entre homem e natureza (p. 86). O autor expe trs caractersticas fundamentais
nesta definio: a paisagem integradora, a paisagem herdada e a paisagem mutvel.
Pretende-se com isto dizer que a paisagem existente em determinado momento
2 Principes de gographie humaine (1922).
3 Noo que pode, neste caso, equivaler noo de paisagem, embora sem o carcter geossistmico.
4 Anthropogeographie (1909).
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PARTE I. OS TERRITRIOS RURAIS CAPTULO II. OLHAR A PAISAGEM: CONTRIBUTO PARA O ORDENAMENTO E PLANEAMENTO RURAL
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agrega um conjunto de elementos que estabelecem a unio entre o passado e o
presente. Esse conjunto resulta de uma herana histrica construda a partir da
interaco entre o homem e o meio.
CORREIA (2007) sintetiza a mesma noo referindo, no s a sua capacidade
integradora e herdada mas evidenciando igualmente que se trata de algo que
observvel por algum. A paisagem o resultado, observado pelo Homem, de um
sistema complexo e dinmico de muitos factores naturais e culturais que se
influenciam mutuamente e se modificam ao longo do tempo (p. 3). A paisagem ,
portanto, a imagem da evoluo territorial observvel num determinado momento.
Este espao mutvel, que abarca uma srie de elementos fsicos e humanos que
formam um todo coerente (ALMEIDA, 2006, p. 31), distribuem-se e ligam-se entre si,
diferenciando-se de espao para espao. As paisagens so, ainda, o reflexo de escolhas
sociais, das decises polticas e administrativas, das presses econmicas, das
possibilidades tcnicas e das iniciativas individuais (NEURAY, 1982).
Na noo de paisagem existem duas perspectivas fundamentais que reflectem dois
pontos de vista diferentes por parte dos analisadores. Uma ptica esttico-naturalista,
proveniente da landscape anglo-saxnica e uma acepo histrico-cultural originria
da noo francesa de paysage (MELA, BELLONI e DAVICO, 2001). A primeira conotao
refere-se a uma paisagem objectiva centrada na observao esttica dos elementos
que a constituem, na segunda acepo o estudo recai sobre os aspectos mais
subjectivos, onde se evidencia a relao entre o homem e o meio, atravs das marcas
histrico-culturais que atribuem paisagem um carcter singular (Figura 5).
Falar em singularidade paisagstica referir a capacidade de distinguir os territrios
atravs do reconhecimento de aspectos que os tornam nicos. Podem ser a morfologia
do terreno, a hidrografia, o coberto florestal, o patrimnio arquitectnico ou
quaisquer outras caractersticas capazes de transmitir uma imagem nica ao
observador, que lhe permita representar mentalmente um determinado territrio. Os
mapas mentais constroem-se atravs das percepes que os indivduos ou grupos
sociais criam em relao a determinado lugar, utilizando para isso um processo de
filtragem cultural a que corresponde uma memria dos lugares e dos espaos de
vida (MELA, BELLONI e DAVICO, 2001, p. 137).
Esta imagem captada do que existe no territrio no chega de igual modo a todos
os observadores, individuais ou colectivos. BAILLY (1980) menciona que a noo de
paisagem resulta, em simultneo, da percepo de elementos principais e da
construo activa do esprito (p. 20). Como evidencia o autor, o conceito assume
significncias bastante diferentes de acordo com a percepo de cada indivduo ou
grupo social e do papel que ele desempenha na sociedade. Existem, ainda, detalhes
que suscitam maiores estmulos visuais, dependendo de algumas caractersticas dos
observadores, como o nvel cultural, a formao, o escalo etrio e, eventualmente, o
prprio gnero e o grupo em que se insere. Efectivamente, apesar da imagem global
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PARTE I. OS TERRITRIOS RURAIS CAPTULO II. OLHAR A