Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos ... FINAL ALTERADA... · Aos Amigos sem...
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Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do
grau de Mestre em Comunicação, Media e Justiça, realizada sob a orientação
científica da Sr.ª Professora Doutora Anabela Miranda Rodrigues
A todos aqueles que se querem exprimir livremente ( mas com responsabilidade)
AGRADECIMENTOS
Quero agradecer a todos aqueles que contribuíram para a concretização desta
prova de dissertação:
À Professora Doutora Anabela Miranda Rodrigues, pela disponibilidade e
orientação.
Aos meus Pais e Irmãos pelo apoio e confiança.
Aos Amigos sem os quais nada faz sentido.
Obrigada.
RESUMO: A questão que se coloca refere-se à actuação dos meios de
comunicação, no âmbito da actividade jornalística e ao abrigo da Liberdade de
Imprensa, face ao princípio da presunção de inocência do arguido. Estão inseridos em
dois campos sociais (Justiça e Media) que, embora distintos, não conseguem sobreviver
um sem ou outro, complementando as respectivas actividades entre si. Devido a essa
sinuosa relação, o facto de haver um maior contacto com os processos judiciais por
parte dos Media e um maior interesse, suscitado pelo facto de se tratar de um arguido
figura pública, nos processos criminais, vai fazer com que se assista à Mediatização da
própria justiça, que de alguma maneira vai possibilitar o aparecimento dos julgamentos
paralelos feitos na praça pública e o desenvolver do jornalismo de investigação, auxiliar
e ao serviço da boa administração da Justiça. Por se tratar de dois direitos
constitucionalmente previstos, no caso de estarmos perante um conflito de direitos
fundamentais, o que importa saber é se, no caso concreto, qual o direito que deve
prevalecer.
ABSTRACT: The present issue refers to the Media’s activity, under the
freedom of the Press, against the principle of presumption of innocence of the accused.
They are inset in two social fields (Justice and Media) although different; they can’t
survive without the other, complementing their activities. Due to that sinuous relation
the fact that there is more contact with the judicial proceedings by that Media and a
bigger interest, raised by the fact of a accused public figure in a criminal proceeding,
will make us watch to the media coverage of Justice and Law that in some way will
possibility the emerge of the parallels trials made in a public discussion and the
development of the investigation journalism, helpful of the good justice administration.
They are two constitutionally rights and if we’re facing conflict of fundamental rights it
should be very important to know in the specific case, which right must prevail.
PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA DO ARGUIDO E COMUNICAÇÃO
SOCIAL: INFLUÊNCIA OU INTERACÇÃO?
THE PRESUMPTON OF INNOCENCE AND MEDIA: INFLUENCE OR
INTERACTION?
Benedita Dias Alcoforado Côrte-Real
PALAVRAS-CHAVE: Princípio da presunção de inocência, direito à dignidade
humana, liberdade de imprensa, mediatização da justiça, julgamentos paralelos, conflito
de direitos, interesse público, exceptio veritatis.
KEYWORDS: Principle of presumption of innocence, right of human dignity,
freedom of the press, media coverage of justice, parallels trials, conflict of rights, public
interest, exceptio veritatis
1
Índice
Introdução ........................................................................................................................... 1
I Princípio da Presunção de Inocência – evolução ............................................ 4
1 Da presunção de culpabilidade à presunção de inocência ................................................. 4
2 Consagração constitucional e internacional do princípio da presunção de inocência
............................................................................................................................................................................... 11
2.1 Presunção de inocência como direito fundamental pertencente aos direitos,
liberdades e garantias ...................................................................................................................................... 14
2.1.1 Conteúdo da presunção de inocência .............................................................................. 16
II Justiça e Media – relação de amor-ódio ........................................................ 21
1 Papel dos media na sociedade – 4.º Poder? .......................................................................... 21
2 O interesse da comunicação social em questões judiciais ............................................... 24
3 Mediatização da justiça e suas consequências ..................................................................... 26
III Direito Fundamental diminuído pela opinião pública através dos
meios de Comunicação Social ................................................................................ 38
1 Liberdade de imprensa e actividade jornalística ................................................................. 38
2 Direitos de personalidade – limite à liberdade de imprensa ............................................ 41
3 Protecção jurídico - penal: responsabilização penal .......................................................... 46
4 Conflito de direitos e os excessos de linguagem da Comunicação Social .................. 49
Conclusão ....................................................................................................................... 59
Bibliografia .................................................................................................................... 60
2
Lista de abreviaturas
Acórdão - ac.
Alta Autoridade para a Comunicação Social- AACS
Boletim do Ministério Público- BMJ
Artigo(s) - art.º/ arts
Centro de Estudos Judiciários - CEJ
Código do Procedimento Admnistrativo – CPA
Código Civil- CC
Código Penal - CP
Código Processual Penal – CPP
Colectânea de Jurisprudência- CJ
Confrontar - cf
Constituição da República Portuguesa - CRP
Conselho Superior de Magistratura - CSM
Convenção Europeia dos Direitos do Homem - CEDH
Diário da República - D.R.
Edição - ed.
Estatuto do Magistrados Judiciais - EMJ
Ministério Público - MP
Número(s) - nr.º/ nrs
3
Obra citada - ob. cit.
Página(s) - p./ pp
Recomendação- Rec
Século- séc
Seguintes - ss
Supremo Tribunal de Justiça- STJ
Tribunal Constitucional- TC
Tribunal da Relação de Coimbra- TRC
Tribunal da Relação de Évora- TRE
Tribunal da Relação de Guimarães- TRG
Tribunal da Relação de Lisboa- TRL
Tribunal da Relação do Porto- TRP
Tribunal de Primeira Instância- TPI
Tribunal Europeu dos Direitos do Homem – TEDH
Volume- vol
1
Introdução
“Liberdade de
expressão é um dos nossos direitos
mais preciosos. Sustenta toda a liberdade aos outros e fornece uma
base para a dignidade humana. Imprensa
livre, pluralista e independente é
essencial para o seu exercício”. 1
Actualmente procura-se encontrar e compatibilizar o tempo mediático e o tempo
judicial, o tempo dos media e tribunais, não podendo os agentes da justiça continuar a
ignorar praticamente tudo sobre as ciências da comunicação, e prescindir da
aprendizagem das boas práticas na relação entre profissionais do foro judicial e da
comunicação social.2 A constante mutação e evolução correspondente à explosão da
informação faz entrosar o campo da Justiça e o campo dos Media que, embora pareçam
campos antagónicos, estão intimamente ligados pelo facto de ambos procurarem a
verdade dos factos. No entanto, essa busca da verdade material é muitas vezes
prejudicada ou comprometida por eventuais excessos de opacidade por parte dos
tribunais, que não se podem refugiar no facto de o tempo da justiça e dos media ser
diferente em que função dos Media no esclarecimento da opinião pública é condição
fulcral para a existência de uma sociedade aberta e democrática em que o cidadão tenha
acesso a uma informação livre,3 direito tão importante e desejado, que demorou tanto
tempo a conquistar. Será que os media estão vinculados à presunção de inocência?
Assim sendo, o nosso estudo vai versar sobre a relação entre a liberdade de imprensa,
1 Frase retirada da mensagem conjunta da Directora- Geral da Unesco, Irina Bokova e do
secretário Geral da Onu, Ban Ki moo, no âmbito da comemoração do dia mundial da liberdade de
imprensa, celebrado no dia 3 de Maio de 2012. 2 FERNANDES, Plácido Conde, “Justiça e Media – Legitimação pela Comunicação”, Revista do
Centro de Estudos Judiciários, 2º Semestre, nº10, número temático, “Verdade, Justiça e Comunicação”,
Almedina, Coimbra, 2008. 3 O filósofo britânico John Stuart Mill, "O Padrinho da Liberdade '', acreditava que a liberdade de
expressão era uma das garantias mais importantes que as pessoas tinham para se proteger contra os
governos tirânicos. Qualquer nação que quer viver sem a tirania e a corrupção deve-se esforçar por
alcançar para si o direito fundamental à liberdade de expressão e o direito a uma imprensa livre. É só com
esse direito básico garantido, de dizer e escrever o que se deseja sobre o seu governo, que as pessoas
podem reduzir os poderes deste quando age de maneira contrária ao seu bem-estar. Em suma, é através de
uma imprensa livre que as pessoas podem esperar alcançar um governo honesto.
2
considerada como um “subcaso” da liberdade de expressão,4 nos termos do art.º 38.º da
CRP, garantia institucional enquanto elemento essencial de uma ordem estadual
democrática e pluralista colocando-se, deste modo, em relevo a missão de interesse
público que ela deve realizar, e a (violação) da presunção de inocência do arguido
inserida no direito à dignidade humana e à honra, 5 6 enquanto figura pública. É, por
isso, um domínio que implica uma particular sensibilidade social que deverá ser
compreendida de forma diferente relativamente às pessoas anónimas que não têm esse
estatuto de notoriedade pública.7 8 O tratamento que lhes é dado decorre da exposição e
condição social que têm, traduzindo-se numa maior tolerância em relação às críticas que
lhes possam ser dirigidas e às informações veiculadas pelos media. No presente estudo,
a preferência e a escolha de arguidos figuras públicas9 justificam-se pelo facto de
4 MACHADO, Jónatas, E. M Liberdade de Expressão, Dimensões Constitucionais da Esfera
Pública no Sistema Social, Boletim da Faculdade de Direito – Universidade de Coimbra, Coimbra
Editora, 2002, pp. 518 e ss. 5 SOUSA, Nuno e, A Liberdade de Imprensa, Separata do vol. XXVI, Suplemento ao Boletim da
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra,1984. pp. 277 e ss. A título de curiosidade, o Código
Civil Italiano trata da questão do direito à honra da pessoa, concedendo-lhe o chamado direito ao
resguardo. 6 A violação do princípio da presunção de inocência vai acarretar, inevitavelmente, a violação do
direito à dignidade humana que se concretiza do direito à honra, reputação, do bom nome da pessoa
visada e, por isso, ao longo do presente estudo vai-se fazer alusão ao direito à honra, bom nome e
reputação por ser inevitável a íntima relação com a lesão e violação do princípio em causa. Nos termos do
art.º 18º n.º 3 da CRP, o exercício de um direito fundamental não é constitucionalmente válido quando
implicar a violação do núcleo essencial de outro direito fundamental. Daí que a interpretação de uma
norma que consagra um direito fundamental deve reger-se pelo respeito do “efeito recíproco de mútuo
condicionamento entre normas tuteladoras de diversos bens jurídico-constitucionais.” MACHADO,
Jónatas, E. M., ob. cit. pp. 768 e ss. Esta busca pelo equilíbrio na ponderação dos bens jurídicos em causa
é mais notória quando o agente for um jornalista e a vítima uma figura pública em que a liberdade de
imprensa entra em conflito, pois o jornalista, em particular, e a imprensa, em geral, exerce uma função
pública na divulgação de factos e opiniões sobre questões que tenham interesse público, fundamentais
para formação de uma opinião pública informada. Idem. 7 SOUSA, Nuno e, ob. cit. pp. 277 e ss.
8 A Comunicação Social, considerada pela jurisprudência e doutrina constitucionais, assume
funções no domínio da dinamização de circulação de comunicação, de formação de opinião pública e de
vontade política, na medida em que assegura a possibilidade de uma rápida e massiva circulação de
informação e em que a representação de diferente ideias e opiniões, “são um forte contributo para
afirmação e consolidação de uma opinião pública autónoma, a qual constitui um momento indeclinável de
garantia substantiva da democracia.” MACHADO, Jónatas E. M., ob. cit. p. 504 a 506. Pelo exercício da
sua função informativa, encontra-se próxima de situações perigosas como o da intrusão ou invasão na
vida privada, assumindo-se por isso numa actividade de risco pois interfere com direitos e interesses
juridicamente protegidos. Se a divulgação de determinada noticia se reportar a uma figura pública no
exercício de funções públicas próprias, cuja conduta num Estado de Direito Democrático, podemos
considerar que assume relevo e interesse público, estando por isso submetida à vinculação da
transparência e legalidade. É por este motivo que é “irrecusavelmente legítimo que os cidadãos, que não
são meros eleitores, numa sociedade pautada por valores democráticos, participem na vida pública,
tornando-se necessário que, para o efeito, sejam e estejam informados da conduta daqueles a quem
confiaram, por eleição, a decisão sobre os negócios de interesses comum, que se prendem com os destinos
do país.” Ac. TRL, 12 de Outubro de 1994, Processo 33359 9 Caso haja um patente abuso do direito de informação que possa por em causa a presunção de
inocência do arguido, o juiz, nestes casos execpcionalíssimos, no âmbito do poder que lhe é conferido,
3
ocuparem cargos de relevância política ou na administração pública, que aos olhos da
opinião pública e dentro do espaço público, estão sujeitas a uma maior interesse e
intromissão nas suas vidas, através da actuação dos órgãos de comunicação social.10 Os
políticos e outras figuras públicas, quer pela sua exposição, discutibilidade das ideias
que professam, quer ainda pelo controle a que devem ser sujeitos, estão sempre
susceptíveis ao escrutínio da comunicação social. O TEDH vem reiterando mesmo a
expressão “cão de guarda” atribuída aos Media. As figuras públicas devem ser mais
tolerantes a críticas do que os particulares e ser, concomitantemente, admissível maior
grau de intensidade destas. Não raras vezes, apesar do estatuto de “ cão de guarda” a
actuação, por vezes irresponsável, dos meios de comunicação social vai muito para além
da mera violação da presunção de inocência do arguido, colocando em risco o próprio
Estado de direito democrático ao violar as garantias individuais do arguido. Os avanços
tecnológicos, nomeadamente, a Internet e o consequente aumento do acesso das
pessoas aos meios de comunicação numa sociedade de massa, propicia a que a
imprensa se arroge no poder de formar e construir uma opinião pública, transformando-
se muitas das vezes numa opinião publicada. Novos equilíbrios terão que ser
reencontrados, o poder de facto da Comunicação Social tem que ser de uma maneira
democraticamente legitimada e responsabilizada pelos possíveis crimes que possam
cometer, tal como a difamação. E é essa a nossa missão.
pela sua função judicial, não está impedido de salvaguardar e proteger os direitos do arguido que, caso
haja um abuso cometido pela Comunicação Social se transforma em vítima, instaurando-se um novo
processo em que arguido passa a ofendido e os jornalistas arguidos. 10
A ofensa do direito à honra de um arguido figura pública nem sempre produz consequências
indemnizatórias. Se assim fosse neutralizar-se-ia o núcleo essencial do direito fundamental à liberdade de
expressão. Os cidadãos em geral e os jornalistas em particular estariam, deste modo, inibidos de criticar
um titular de um cargo público, por exemplo, sob pena de acarretar a sua responsabilização penal. Para
que a figura pública alcance a sua indemnização é necessário que a ilicitude da conduta expressiva
ofensiva não esteja excluída por uma causa de justificação, nomeadamente pelo exercício do direito à
liberdade de expressão. No entanto, a invocação deste direito não pode excluir a ilicitude do facto, sob
pena de por em causa a salvaguarda do núcleo essencial do direito fundamental à honra, em que aquele
que ofender a honra de outrem teria sempre assegurada a legitimidade da sua conduta, só tendo que
reivindicar o exercício do direito à liberdade de expressão de que é titular. BRITO, Iolanda, A. S.
Rodrigues de, Liberdade de Expressão e Honra das Figuras Públicas, 1.ª Edição, Coimbra Editora, 2010,
pp. 136 e ss.
4
I Princípio da Presunção de Inocência – evolução
1 Da presunção de culpabilidade à presunção de inocência
É com o aparecimento do Absolutismo no séc. XII que o processo inquisitório
surge, correspondendo esta forma de processo a uma época histórica mais avançada
relativamente ao processo acusatório que já estava vigente desde a Grécia e Roma
antigas até ao séc. XII em que não havia juízo sem acusação. Desde então, desprezou-se
o tipo acusatório, substituindo-o pelo inquisitório.11
Na Europa, existia um processo
penal essencialmente inquisitório de base romano-canónica, que se traduzia no poder de
supremacia que o Estado detinha sobre aos cidadãos, o qual se denominava, processo
inquisitório.12
Francisco J. Duarte Nazareth mencionou que, apesar de este sistema
pertencer a uma época mais avançada da civilização, o sistema inquisitório “foi uma
obra de compilação e ciência, mas não um verdadeiro progresso da sociedade, no
sentido que a aproximasse da perfeição. A sociedade marcha sempre, mas nem sempre
progride no legítimo sentido desta palavra.”13
Podemos caracterizar o processo
inquisitório como a acumulação, no mesmo órgão - juiz - das funções de acusação,
instrução e julgamento, facultando-lhe uma posição de superioridade em relação ao
arguido, reduzido a mero objecto processual, aparecendo na “cena criminal”
desprotegido de qualquer tipo de garantias. Neste sistema, em que a estrutura do
processo inquisitório é dominada pela busca da verdade e defesa da sociedade, mais do
que pela garantia da pessoa do acusado,14
o juiz intervém ex officio, isto é, sem
necessidade de existir uma acusação, levando a cabo uma investigação oficiosa. É
também ao juiz que cabe o dominus do processo, tendo este livre arbítrio para julgar, e
ao suspeito, não lhe são atribuídos (praticamente) qualquer tipo de direitos. Germano
Marques da Silva refere que, a par da tarefa de julgar, o juiz “é ao mesmo tempo
acusador e que por isso dificilmente poderá manter a independência necessária a um
11
SILVA, Germano Marques da, Curso de Processo Penal, I, Lisboa, Editorial Verbo, 2008, p.
57. 12
VILELA, Alexandra, Considerações acerca da Presunção de Inocência em Direito
Processual Penal, Coimbra Editora, 2005, p. 26. 13
SILVA, Germano Marques, ob. cit. p. 57. 14
Idem.
5
julgamento imparcial.15
Quanto à forma, é totalmente escrito e secreto e, em grande
medida, sem direito a contraditório, havendo lugar a denúncia secreta,16
a prova dos
factos é legalmente tarifada17
e a sentença não faz caso julgado, o que significa que ele
poderá ser novamente julgado pela prática do mesmo crime.18
Desde a abertura do
processo até ao seu encerramento, o tratamento a dar ao arguido é de pura desconfiança
sendo logo “rotulado” como culpado, recaindo sobre ele uma presunção de
culpabilidade e o ónus de prova dos factos.19
O arguido é submetido ao sistema da
tortura20
como forma de obtenção da, tão importante e esperada, confissão. A este
propósito Alexandra Vilela afirma que a confissão é a regina probationum, e como tal,
todos os meios são úteis e necessários para a sua obtenção.21
Relativamente à relação
entre o princípio inquisitório e às medidas de coacção, mais precisamente, a prisão
preventiva, esta não se encontra abrangida por limites temporais22
, como acontece
actualmente,23
e a sua concepção prende-se com a concepção vigente de equiparação do
acusado e culpado24
que é igualmente utilizada como pena que, por necessidade, deveria
preceder a sentença e ser arbitrariamente, aplicada pelo juiz, tratando-se de uma medida
15
Ibidem. 16
Até a mais ligeira suspeita poderia dar lugar à instauração de um processo-crime contra o
acusado que sobre ele, desde o início do processo, recai uma presunção de culpabilidade. VILELA,
Alexandra. ob. cit. p. 29. 17
Diferentemente do que se passa no actual processo penal português, em que o sistema é o da
prova livre. O princípio da prova livre faculta ao julgador a liberdade de formar a sua própria convicção
sobre os factos que são sujeitos a julgamento com base no juízo que vai ter como fundamento o “mérito
objectivamente concreto desse caso na sua individualidade histórica, tal como ele foi exposto e adquirido
representativamente no processo (pelas alegações, meios de prova utilizados, entre outros). NEVES, A.
Castanheira, Sumários de Processo Criminal, 1967-1968, p. 48; SILVA, Germano Marques SILVA,
Germano Marques da, 2006 b), pp. 38 e ss. 18
Vai contra o princípio ne bis in idem. O n.º 5 do art.º 29.º da CRP estipula que “ninguém pode
ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime.” Este princípio está igualmente plasmado
em documentos internacionais, tais como, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos no seu art.º
14.º n.º 7, e no art.º 4.º do protocolo n.º 7 à CEDH. 19
Cabe ao arguido a prova da sua inocência como forma de evitar a sua condenação. VILELA,
Alexandra, ob. cit. p. 30. 20
O uso da tortura era utilizado como “forma de obtenção da confissão, que, destituído de
qualquer garantia de defesa, atribuía poderes absolutos ao juiz, bem como aos órgãos de investigação e de
acusação.” VILELA, Alexandra, ob. cit. p. 30 21
Idem. 22
Por não se por em causa e por não se valorizar a dignidade humana do arguido, ele era tratado
como um objecto processual sem direitos. Se o juiz assim o entendesse o arguido poderia ficar preso por
tempo indeterminado, pois aqui a liberdade do arguido pouco interessava ao juiz pois se sobre arguido
pendia imediatamente uma presunção de culpabilidade e tratamento igualitário, que vinha a ser reclamado
pela presunção de inocência, em relação aos outros cidadãos, não fazia sentido. 23
Cf. art. º 215. º do CPP. 24
VILELA, Alexandra, ob. cit. p. 35. Hoje em dia é inadmissível fazermos essa equiparação pois
uma pessoa pode ser acusada e por arquivamento do processo, em sede de julgamento ou por via
princípio in dubio pro reu, a sua culpabilidade não chegar a ser provada.
6
de carácter ordinário e através da actuação judicial, um meio necessário à obtenção de
provas. 25
Foi somente no final do século XVIII, em plena época do Iluminismo, que
começou a surgir no Continente Europeu uma necessidade de reagir contra os abusos e
excessos cometidos do processo penal até então vigente. A presunção de culpabilidade,
característica do processo penal inquisitório, traduzida no facto de o Estado exercer a
sua autoridade máxima perante o cidadão, sobrepôs-se, de forma implacável, à liberdade
individual do arguido pondo em causa a sua dignidade humana que veio a assumir um
factor muitíssimo importante sendo o ponto de partida para o alcance da, tão aclamada,
presunção de inocência, o que veio permitir a renovação do processo penal,
substituindo-se, deste modo, o processo inquisitório e por conseguinte a presunção de
culpa inerente a ele. 26
Depois de humanistas como Montesquieue e Voltaire já terem
escrito sobre a necessidade de se cortar com a mentalidade da época, excessos e
arbítrios que se manifestavam por parte do órgão judicial – o juiz – no arguido,27
foi
através da obra de Beccaria que se materializou e formalizou esta vontade convergente
de ver acabados estes excessos e arbítrios cometidos no passado, que contribuíram,
indiscutivelmente, para a falência do próprio processo inquisitório. Através do notável
contributo em “Dei delitti e dele pene” de Beccaria, surge a primeira manifestação e
reacção sólidas, contra o processo inquisitório, “o soberano, que representa a mesma
sociedade, pode unicamente promulgar leis gerais que obriguem a todos os membros;
mas não julgar quando alguém haja violado o contrato social, porque então a Nação se
dividiria em duas partes: uma representada pelo soberano, que alega a violação, e a
outra pelo acusado, que a nega”, referindo, igualmente, que só a lei, e não o arbítrio do
juiz, deverá determinar os indícios de um crime que mereça a custódia do réu e não a
prepotência do poder da força usado na estrutura inquisitória do processo penal. É
necessário por essa razão que um terceiro imparcial e independente que julgue a
verdade das alegações de facto e eis aqui a necessidade de um magistrado, cujas
sentenças sejam definitivas.28
A obra acima citada, que tem com data da 1.ª ed. o ano de
1764, à qual Voltaire apelidou de Código da Humanidade, permite-nos observar o
espoletar de um processo penal acusatório, oposto ao inquisitório. Caracteriza-se pelo
25
Idem, 30 e ss. 26 Ibidem. 27
O arguido no processo inquitório era sujeito a torturas e abuso do poder por parte das
entidades competentes, como forma de se obter a confissão do crime em causa. 28
Apud VILELA, Alexandra, ob. cit. p. 32.
7
facto o acusado ser considerado um sujeito, e não mero objecto processual encontrando-
se em posição de igualdade com a acusação,29
podendo esta ser pública ou privada,
sendo que no presente estudo quando estivermos perante o crime cometido pelos órgãos
de comunicação social – difamação – a acusação vai ser privada, ou seja, necessitando
de dedução de acusação particular nos termos do art.º 188º n.º 1 do CP, ressalvados os
casos das respectivas alíneas.30
Assim, enquanto à entidade acusadora cabe investigar e
acusar, sendo que o arguido tem sempre o direito de conhecer a totalidade dos factos
que contra si são imputados e ter o direito ao contraditório, ao julgador fica reservado
um papel mais passivo relativamente ao que lhe cabia no processo de carácter
inquisitório, limitando-se a observar a contenda entre a acusação e a defesa, para no
final ditar a sua decisão.31
A acusação e a defesa, às quais são garantidas uma
“concreta” igualdade de armas,32
constituem-se como partes processuais. Procedeu-se,
assim, à separação das funções de acusar e julgar, pertencendo cada uma delas a dois
órgãos diferentes, criando-se para o efeito a magistratura do Ministério Público, titular
da fase de investigação e acusação que procedia à averiguação dos preliminares dos
29
Uma das características da estrutura acusatória do processo está adstrita ao princípio da
igualdade de armas. A estruturação do processo penal caracteriza-se pelo facto da acusação e a defesa
disporem de possibilidades idênticas para intervir no processo penal, aquando da demonstração, perante o
tribunal, da validade das suas alegações. Para que haja uma verdadeira igualdade de armas, ambas as
partes no processo (acusação e defesa) devem dispor dos mesmos meios de investigação. Mas será que
essa igualdade existe mesmo? Por exemplo, na fase de inquérito o MP tem ao serviço da investigação
todo o aparelho policial e a lei confere-lhe mecanismos de coacção que poderá usar caso seja necessário,
mas no caso dos particulares (aqui englobam-se se os arguidos e acusadores) essas facilidades não lhes
são atribuídas pois a lei limita-lhes a possibilidade de investigação. Na prática essa igualdade não existe,
podendo existir, como diz Germano Marques da Silva, “ tendencialmente e formalmente, nas fases
jurisdicionais e nos incidentes jurisdicionais, como sucede no nosso processo na fase da instrução, na
audiência e nos recursos.”A questão é que a lei faça assegurar ao arguido a possibilidade de ele usar todos
os meios necessários para a sua defesa, nos termos do art.º 32.º nº 1 da CRP, com vista a que haja,
segundo o art.º 6.º § 1da CEDH, uma verdadeira efectivação de um processo equitativo. SILVA,
Germano Marques, ob. cit. p. 63. 30
Dependendo da natureza do crime. Se estiver em causa um crime público é concedida ao MP
legitimidade para promover livremente o procedimento criminal, se o crime for de natureza particular,
para que o processo se desencadeie, caberá somente ao ofendido proceder à queixa e se constituir
assistente no processo para que seja deduzida acusação pelo crime de que foi vítima. Há, ainda, outra
categoria de crimes, aos quais a doutrina denomina crimes semipúblicos ou quase públicos em que o
procedimento criminal depende de queixa particular. Nestas últimas situações o MP não poderá promover
o procedimento sem que ocorra a acusação e a queixa por parte dos particulares, nos termos dos arts. 49.º
e 50.º do CP. No n.º5 do art.º 113.º do CP está plasmada a excepção, admitindo que, independentemente
do procedimento criminal depender de queixa, o MP pode instaurar o procedimento sem queixa sempre
que o interesse do ofendido o aconselhar. Há mais duas situações que possibilitam a intervenção do
Ministério público. A primeira é se estiver em causa um menor e se este não possuir discernimento para
entender o alcance e significado do exercício do direito de queixa, em segundo quando o direito de queixa
não puder ser exercido porque a sua titularidade caberia apenas ao agente do crime. Todos os casos em
que seja impossível a apresentação de queixa ou denúncia por parte do particular, ao MP são atribuídos
uma função subsidiária de modo a evitar situações como esta que se segue: atentado ao puder pelo pai na
pessoa de filha menor. SILVA, Germano Marques, ob. cit. pp. 258 a 261. 31
Nunca esquecendo que tem poderes de investigação a título subsidiário. 32
Nota de rodapé n.º 28.
8
factos pelos quais o arguido foi acusado. Germano Marques da Silva caracteriza o
processo acusatório como a “disputa entre duas partes, a defesa e acusação, orientadas
por um terceiro, juiz ou tribunal, que ocupa uma posição de supremacia e independência
relativamente ao acusador e acusado” em que não pode haver, por parte do juiz, a
promoção do processo, nem uma condenação para além da acusação.33
Por isso nunca
se poderá proceder a um julgamento que não tiver por base uma acusação. O processo
inquisitório deixa, por isso, de vigorar, dando lugar ao processo penal acusatório em que
o que se verifica o equilíbrio entre a procura da verdade, objectivo que se pretendia
igualmente com o processo inquisitório, e o debate entre a acusação e a defesa, sendo
este o carácter inovador por nem sequer no processo inquisitório se verificar este debate.
Na estrutura acusatória do processo penal, o arguido, que se presume inocente, é
encarado como um verdadeiro sujeito de direitos e não um mero objecto processual. Tal
presunção de inocência leva a que sejam garantidos os mais amplos meios de defesa ao
arguido. Como forma de assegurar a defesa do arguido, o processo desenrola-se de
forma pública e oral, fazendo-se respeitar os princípios de publicidade e oralidade do
processo penal, de modo que a publicidade do processo implique a oralidade,34
para que
o público possa acompanhar a prática dos actos processuais em que há-de assentar a
decisão jurisdicional pois através “das perguntas directas e das respostas espontâneas
mais facilmente se alcança a verdade”, demonstrando-se assim a importância que a
publicidade e oralidade do processo penal têm para a descoberta da verdade.35
Quanto
ao ónus de prova, diferentemente do que se passa no processo inquisitório, referido no
capítulo anterior, num processo de carácter, fortemente, acusatório como o nosso, 36
a
33
SILVA, Germano Marques da, ob. cit. p. 57. 34
O princípio da oralidade tem plena consagração no direito processual penal em sede de
julgamento, por exemplo, nos termos do art.º 96.º n.º 1 do CPP, referindo que a prestação de quaisquer
declarações se processa por forma oral, salvo as excepções estabelecidas pela lei. Nem sempre foi assim,
pois até ao século XIX era característico um processo essencialmente escrito, mas a necessidade de
assegurar a publicidade para permitir a imediação das provas, (outro dos princípios ao serviço do
processo penal) levou a que se consagrasse a oralidade como princípio processual penal. Nas palavras de
Germano Marques da Silva, “o princípio da oralidade não exclui que os actos praticados oralmente
fiquem documentados para servir para o controlo da assunção da prova, nomeadamente em matéria de
recurso, e esse registo responde à mais relevante das críticas habitualmente dirigidas à oralidade: o
possível arbítrio dos juízes na apreciação da prova produzida”, pois se não houvesse registo das provas o
juiz poderia alegar o que quisesse não se regendo pelas prova já feita dos factos. Idem. 35
Ibidem, pp. 86 e ss. 36
Não totalmente, pois se assim fosse estaríamos perante uma estrutura acusatória pura em que
acusação e defesa são partes no processo e o juiz vem assumir um papel passivo no que toca a produção
de prova., incumbindo somente às partes fazer a prova dos factos que lhes interessa ver provados. Caso
uma das partes não o faça, ninguém se irá substituir e fazer essa prova por ela. O nosso sistema penal
insere-se, simplesmente, numa estrutura acusatória, como bem refere a CRP, no seu art.º 32 n.º 5.
MOURA, José Souto de, “A Questão da presunção de inocência do arguido”, Revista do Ministério
9
prova dos factos pertence essencialmente à acusação, isto é, o arguido não terá que
provar a sua inocência37
cabendo a outra parte provar a sua não inocência.38
Também no
que concerne à medida de coacção prisão preventiva,39
40
a sua concepção vai ser
alterada, deixando de ser encarada com uma pena que precedesse a sentença, passando a
acolher-se o princípio como uma finalidade cautelar41
por ser um atentado à liberdade
individual do arguido que, enquanto tal, deveria ser tratado como inocente, pois a
aplicação desta sem qualquer limite temporal era uma decorrência do processo
inquisitório.42
Germano Marques da Silva refere, a esse propósito, que “o modo como
Público, Ano 11.º, n.º 42, p. 44. A doutrina vem acrescentar que essa estrutura acusatória é integrada e
auxiliada por um princípio de investigação que se traduz “ num poder - dever que incumbe ao tribunal de
esclarecer e instruir autonomamente, mesmo para além das contribuições da acusação e defesa, o facto
sujeito a julgamento, criando aquelas mesmas as bases necessárias à sua decisão”. SILVA, Germano
Marques da, ob. cit. p. 78. É interessante, para demonstrar o quão importante é o princípio da investigação
enxertado na estrutura acusatória, o exemplo facultado por Jorge de Figueiredo Dias no livro Direito
Processual Penal, I vol. Coimbra, Coimbra Editora, 1974, p. 193: “se A é acusado de um crime de
homicídio doloso e se defende alegando provocação da vítima ou nem sequer se defende ou ate confessa
o crime e a culpa, nem por isso o tribunal fica impedido ou absolvido de investigar se, em vez ou para
além da provocação, o arguido não terá actuado, v.g. em estado de legítima defesa.” O que significa que o
nosso sistema acusatório penal está, subsidiariamente, auxiliado pelo processo de investigação sempre
que for necessário. Nas palavras de Germano Marques da Silva, a estrutura acusatória “seria temperada
com o princípio da investigação judicial.” Idem. Podemos encontrar exemplos do princípio da
investigação espalhados ao longo do CPP, nos arts. 290.º na fase de instrução, 323.º, 327.º e 340.º, na
fase de julgamento. 37
Entre outros direitos que lhe são conferidos, o direito ao silêncio está previsto nos termos do
art.º 61.º n.º 1, al. c) do CPP, “tem o direito a não responder a perguntas feitas sobre os factos que lhe
forem imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar”. Nunca o direito ao
silêncio poderá ser interpretado como uma presunção de culpa do arguido, ele presume-se inocente, nos
termos do art.º 32.º, n.º 2 da CRP. As razões pelas quais o arguido faz isso podem ser várias, sem que com
isso possa ser prejudicado pelo exercício do seu direito ao silêncio. É importante frisar que a lei não
estabelece qualquer sanção para o arguido que falte à verdade, através da prestação de declarações sobre
os factos que lhe forem imputados. SILVA, Germano Marques da, ob. cit. pp. 300 e 301. Como diz Jorge
de Figueiredo Dias, ob. cit. acima pp. 450 e ss, “Não se trata de um direito de mentir, mas simplesmente
da não punição da mentira”. 38
Se o arguido não tiver nada a esconder poderá perfeitamente trazer para a investigação factos
que possam servir para provar a sua não culpabilidade e por conseguinte servir de apoio às investigações
desencadeadas pela acusação. 39
É a medida de coacção mais gravosa, pois trata-se de uma privação total da liberdade
individual atribuída ao arguido. Cf. art.º n.º 215 do CPP. 40
No ac. 6936/2006-3 do TRL, Figueiredo Dias diz-nos que, “relativamente ao arguido como
objecto de medidas de coacção, o princípio jurídico-constitucional em referência vincula estritamente à
exigência de que só sejam aplicadas àquele as medidas que ainda se mostrem comunitariamente
suportáveis face à possibilidade de estarem a ser aplicadas a um inocente, e daí as exigências…de
necessidade, adequação, proporcionalidade, subsidiariedade e precariedade que o art.º 193º do Código
integralmente produz.” 41
VILELA, Alexandra, ob. cit. p. 35. A aplicação da medida da prisão preventiva terá que ser
aplicada com base no princípio da proporcionalidade em sentido amplo, englobando o princípio da
necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito. Cf. art.º 266.º n.º 2 da CRP e art.º 5.º n.º 2
do CPA. 42
Quanto menos restrição sofrer melhor, isto é, se for necessário restringir os seus direitos, que
seja feito dentro dos limites rigorosos da necessidade do processo, com vista a obter a verdade dos factos
e também para a tornar possível a execução da pena que o acusado venha a sofrer, mas nunca como
tratamento punitivo, como era observado no processo inquisitório.
10
no processo penal se aplicam medidas de coacção, mormente as privativas da liberdade,
traduz bem a medida do culto de liberdade de um povo e, por isso também, do grau de
implementação na sociedade dos ideais democráticos”. 43
Nas palavras de Alexandra
Vilela é por esta altura, séc. XVIII, que o princípio da presunção de inocência nasce
enquanto “ ideia força que vem assegurar ao acusado todas as garantias de pela defesa,
ao invés de se encontrar tal como o seu oposto - o princípio da culpabilidade até então
vigente, ao serviço da tirania.”44
Ghiara diz-nos que já no direito romano era referido
como máxima a seguir, “innocens praesumitur cuius nocentia non prabatur omnis
praesumitur bonus nisi probetur malus”.45
43
SILVA, Germano Marques da, ob. cit. p. 278. 44
VILELA, Alexandra, ob. cit. p. 32. 45
Apud VILELA, Alexandra. ob. cit. p. 32.
11
2 Consagração constitucional e internacional do princípio da presunção de
inocência
De modo a encontrar instrumentos jurídicos que limitassem o “jus puniendi” do
Estado para se evitar os abusos e exageros cometidos no passado e afastar a presunção
de culpa, é votada em França, em 1789, a Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão46
, constituindo um marco notável na história da liberdade. A partir desse
momento “o interesse do indivíduo foi sobrevalorizado em relação ao interesse
colectivo.”47
Vem acolher no seu art.º 9.º, juntamente com outros princípios basilares
do processo penal, 48
o princípio da presunção de inocência, “todo o homem é
considerado inocente, até tão momento em que, reconhecido como culpado, se julgar
indispensável a sua prisão: todo o rigor desnecessário, empregado para a efectuar, deve
ser severamente reprimido pela lei.” Assim sendo, a presunção de inocência foi erigida
a direito cívico do cidadão, concedendo-lhe, deste modo, a tutela jurídica da sua honra e
liberdade, garantida pelos órgãos do Estado e invocáveis no processo penal.49
No que
concerne à CEDH50
a presunção de inocência vem enunciada no art.º 6.º n.º 2,51
assumindo entre nós dignidade constitucional nos termos do art.º 32.º n.º 2 da CRP.
Relativamente à Carta Europeia dos Direitos Fundamentais refere-se igualmente à
presunção de inocência, nos termos do art.º 48 n.º 1 em que enuncia as condições para
que se aplique o princípio da presunção de inocência, “todo o arguido se presume
inocente enquanto não tiver sido legalmente provada a sua culpa.” Por fim, no Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos, vem enunciado no art.º 14.º n.º 2 que “
qualquer pessoa acusada de qualquer infracção penal é de direito presumida inocente até
que a sua culpabilidade tenha sido legalmente estabelecida.” O traço em comum entre
estes textos internacionais é a consideração de que a presunção de inocência cessa a sua
46
Foi o primeiro momento de positivação do princípio da presunção de inocência, enquanto
modo de tratamento a dispensar ao arguido, rejeitando em primeiro lugar a presunção de culpabilidade
que até ai recaia sobre o acusado, em segundo lugar, faz a ligação da prisão preventiva ao estatuto de
inocência, o que não significa que a referida presunção não se estenda a todos os outros aspectos do
tratamento do acusado, que não apenas aquele que diz respeito à prisão preventiva. 47
MOURA, José Souto de, ob. cit. p. 31. 48
A título de exemplo, no art.º 7.º e 8º da DEDH, encontram-se os princípios nullum crimen sine
lege e nulla pena sine culpa, respectivamente. 49
VILELA, Alexandra, ob. cit. p. 34. 50
BARRETO, Ireneu Cabral, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.ª edição, 2010,
pp. 201 e ss. 51
“Qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade
não tiver sido legalmente provada”.
12
aplicação no momento em que a culpabilidade de uma pessoa acusada ficar provada.52
No que diz respeito à formulação destes textos, suscitava dúvidas em saber se a
presunção de inocência continuava a surtir efeito após a decisão quanto à matéria de
facto, quando estivesse pendente um recurso apenas relativo à análise de questões de
direito.53
54
Foi com a CRP de 1976 que se elevou o princípio da presunção de inocência à
categoria de direito constitucional. 55
Actualmente, está consagrado no n.º 2 do art.º 32.º
da CRP, “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de
condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de
defesa.” Este preceito deve ser interpretado à luz do denominado processo equitativo,56
da designação feita do CEDH que, à luz do princípio do primado,57
esta lei europeia
prevalece face a qualquer norma de direito interno de cada Estado membro, nos termos
do art.º 8.º da CRP. 58
O art.º 32º n.º 2 da CRP, não nos diz como o princípio se vai
manifestar na lei ordinária e ao longo do processo, mas concede, antes de mais, ao
legislador um amplo poder de discricionariedade, aquando do momento de o
concretizar. Nesse sentido, a Constituição dá-lhe poder de consagração, não apenas
enquanto modo de tratamento a dispensar ao arguido quando contra si corra um
processo-crime,59
pretendendo oferecer-lhe o direito a um tratamento que se assemelhe
o mais possível igual a quem não se encontre acusado pela prática de um crime, mas
também enquanto regra probatória aliada ao princípio do in dubio pro reo. A CRP, ao
52
BOLINA, Helena Magalhães, Boletim da Faculdade de Direito, Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra, vol. 70, 1994, p. 459. 53
Idem. 54
Em relação à CRP, nos termos do art.º 32.º n.º2 precisa com maior rigor o momento em que
termina a aplicação da presunção de inocência, “até trânsito em julgado da sentença.” 55
Até aí desconhecido do nosso ordenamento jurídico português, quer ao nível constitucional,
quer ao nível da legislação ordinária. O primeiro momento de consagração do princípio da presunção de
inocência foi o art.º 9.º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. 56
Cf. art.º 20.º n.º 4 da CRP, “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja
objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”. 57
Este princípio foi consagrado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia através do ac.
COSTA ENEL, em que o tribunal declara que o direito proveniente das instituições europeias se integra
nos sistemas jurídicos dos Estados-Membros, sendo estes obrigados a respeitá-lo. O direito europeu tem
assim o primado sobre os direitos nacionais. Deste modo, se uma regra nacional for contrária a uma
disposição europeia, as autoridades dos Estados-Membros devem aplicar a disposição europeia. O direito
nacional não é nem anulado nem alterado, mas a sua força vinculativa é suspensa. 58
“As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas
vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o
Estado Português.” 59
SILVA, Germano Marques da, ob. cit. pp. 307 e ss.
13
aspirar a um modelo de processo penal,60
entendeu que este deveria passar, igualmente,
pela revelação do princípio da presunção inocência e, ao fazer essa revelação, é
manifesta a autoridade do Estado, aspirando à defesa do interesse social, tendo como
objectivo primordial a paz social e a segurança dos cidadãos em geral, reprimindo os
índices de criminalidade, nunca esquecendo a defesa da liberdade individual de cada
cidadão submetido ao exercício do poder punitivo do Estado. Cabe à Lei Fundamental
de um Estado e, posteriormente, à legislação processual infraconstitucional, como é
caso da lei processual penal, solucionar, eficazmente, o conflito existente entre a
necessidade socialmente sentida de procurar assegurar um justo e correcto tratamento
das infracções criminais e a salvaguarda dos interesses e da personalidade dos acusados.
Por outro lado, não deixa de ser importante verificar que o próprio n.º 2 do art.º 32º da
CRP conseguiu conciliar, desde a revisão constitucional de 1982, a existência do
princípio da presunção de inocência com o julgamento em “ um curto prazo compatível
com as garantias de defesa.” 61
A celeridade processual assume-se como uma
consequência da presunção de inocência, desencadeando consequências não só ao nível
da prática de actos processuais, que deve ser atempada, mas também sobre a actividade
do poder judicial.62
Importa acrescentar que, desta consagração constitucional, resulta o
facto de ser oferecido ao legislador legitimidade para, ao longo do CPP, difundir a
marca da presunção de inocência.63
60
Cf. art. º 29. º da CRP. 61
MEDEIROS, Rui e MIRANDA, Jorge, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição,
Coimbra Editora, 2010, pp. 702 e ss. 62
Esta questão não é desprovida de utilidade e significado pois prende-se com a questão de
termos um processo penal demasiado lento que inculca na sociedade em geral, nos órgãos de
comunicação e também no arguido, um sentimento de culpa, que eventualmente não se expiará numa
audiência de julgamento que termina com a absolvição passados, por exemplo, 3 anos. Isto porque uma
demora excessiva no julgamento acabará por esvaziar o sentido e tirar alcance ao princípio da presunção
de inocência, ficando o arguido de algum modo injustamente penalizado. 63
O arguido beneficia assim de um direito de defesa assegurado, entre muitos outros, no CPP,
pelos arts. 61.º n.º 1 relativo aos direitos e deveres do arguido; 287.º n.º1 e 2 referente ao requerimento
para abertura de instrução; 302º relativo ao decurso do debate; 327.º que diz respeito à contraditoriedade;
340º que se refere à produção de prova; 361.º n.º 1 que concerne às últimas declarações do arguido e
encerramento da discussão e de uma presunção de inocência até trânsito em julgado da sentença
condenatória.
14
2.1 Presunção de inocência como direito fundamental pertencente aos
direitos, liberdades e garantias
O princípio da presunção de inocência, ao ser elevado a categoria de norma
constitucional, plasmado no art.º 32.º da CRP, conte uma imposição que vincula
imediatamente os destinatários e que todos devem respeitar em virtude do qual ninguém
pode ser considerado culpado até que a sentença condenatória definitiva assim o afirme,
assegurando-se simultaneamente o recurso ao TC, quando qualquer norma jurídica
encerre a sua violação 64
. Daqui decorre que o valor constitucional desta presunção de
inocência oferece bem mais do que um princípio geral do direito, isto é, o legislador
constitucional não se bastou com a mera constitucionalização do preceito, colocou-o
entre os direitos fundamentais. Dentro desses direitos importa destacar os direitos,
liberdades e garantias previstos ao longo do Título II da Parte I da CRP, sendo no
capítulo referido em primeiro lugar, referente aos direitos, liberdades e garantias, que o
legislador elencou as normas referentes ao processo criminal, e, por conseguinte, a
presunção de inocência, enquanto princípio integrante deste processo. Ao inserir-se a
presunção de inocência entre os direitos, liberdades e garantias, resulta que esta passa a
beneficiar do regime especial privativo destes, constante dos arts. 17.º e 18.º do texto
constitucional. A presunção de inocência pode encontrar-se em conflito ou tensão com
outros direitos fundamentais, como iremos ver nos capítulos seguintes, em situações
entram em confronto o direito à dignidade humana englobando o a presunção de
inocência e a liberdade de imprensa.65
Resulta da aplicação deste regime que, quando
haja um conflito, se restrinja o mínimo possível o conteúdo do direito fundamental em
causa. 66
67
Para além de que este princípio vê as suas restrições apertadas ao limite dado
64
Diz-nos o ac. 264/1999 de 5 Maio de 1999 do TC que é motivo para recorrer a este tribunal
quando as garantias constitucionais de defesa, incluindo o princípio da presunção de inocência, que
significam uma protecção global e completa dos direitos de defesa do arguido, não sejam respeitadas. 65
MEDEIROS, Rui e MIRANDA, Jorge, ob. cit. pp. 702 e ss. 66
Vai ser abordado nos capítulos seguintes a questão da tensão entre a presunção de inocência e
outro direito fundamental que é o direito à informação, consagrado no art.º 37º da CRP. 67
A título de exemplo, no que diz respeito à coordenação entre o art.º 27º, consagrando o direito
à liberdade e à segurança, e o n.º 2 do art.º 32.º, onde se acha prevista a presunção de inocência, este
último consagra-a expressamente, já o primeiro reafirma-a ao dispor no seu n.º 2 “que ninguém pode ser
total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória.”
Dispõe expressamente que ninguém pode ver a sua liberdade restringida enquanto se presumir inocente, o
que só acontecerá quando houver trânsito em julgado da sentença condenatória. No que diz respeito a
estes dois artigos, é importante referir que, num primeiro momento, a presunção de inocência implica que
a liberdade não seja restringida. Mas o que acontece, na prática, é que temos de proceder à sua restrição,
15
que é beneficiário do regime dos direitos, liberdades e garantias e constitui, em última
instância, uma garantia constitucionalmente substantiva tendente à protecção judicial
dos direitos do acusado. 68
69
Gomes Canotilho e Vital Moreira, no que diz respeito ao
sentido que se pode dar à presunção de inocência, referem que este se traduz numa
garantia substantiva constitucional que é equivalente ao direito dos cidadãos de
exigirem dos poderes públicos a protecção dos seus direitos, bem como o
reconhecimento dos meios adequados à prossecução dessa finalidade protectora.70
Germano Marques da Silva refere que a presunção de inocência não é uma verdadeira
presunção em sentido jurídico na medida em que, “através dela não se prova nada, é
antes de mais uma regra política que releva do valor da pessoa humana na organização
da sociedade e que recebeu consagração constitucional como direito subjectivo público,
direito que assume relevância prática no processo penal num duplo plano, no tratamento
do arguido no decurso do processo e como princípio de prova”.71
obedecendo ao princípio da proporcionalidade em sentido amplo, desdobrando-se este nos princípios da
adequação, proporcionalidade em sentido estrito e necessidade, quando se encontrem dois direitos
fundamentais em colisão, tendo essa restrição que ser limitada ao mínimo indispensável. Cf. VILELA,
Alexandra, ob. cit. p. 23 nota de rodapé n.º 21; ANDRADE, José Carlos Vieira de, Os Direitos
Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 4.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2010, pp. 50 e ss. 68
Idem, p. 52. 69
A constituição de arguido representa uma garantia da pessoa sobre quem recai a investigação
ou foi deduzida acusação, garantia de que se pode defender, ser assistido por um defensor, de se manter
em silêncio, entre outras. Na altura em que o processo penal estava abrangido pela presunção de culpa,
sobre o arguido recaiam mais deveres do que propriamente direitos. Socialmente, o arguido era tido como
culpado. Fruto dessa presunção de culpa, hoje em dia, apesar do estatuto de arguido ser totalmente
oposto, para a sociedade em geral, continua a ser um grande desconforto o facto de alguém ser constituído
arguido pois inerente a ele está a presunção social de culpa, que a sua constituição, na prática, acarreta. O
arguido estava, até à reforma da lei processual (lei 48\2007 de 29 de Agosto) condenado ao exercício do
poder da opinião pública e, por isso, uma das alterações que foram introduzidas diziam respeito,
precisamente, aos pressupostos da constituição de arguido. A partir dai, começou a ser exigido que, para a
constituição de arguido, fosse necessário a existência nos autos, indícios de fundada suspeita da prática de
crime. SILVA, Germano Marques da, da, ob. cit. p. 306. 70
CANOTILHO, José Joaquim Gomes e MOREIRA, Vital, Constituição da República
Português Anotada, 1.º vol., Coimbra: Coimbra Editora, 2007, pp. 518 e ss. 71
SILVA, Germano Marques da, ob. cit. p. 307.
16
2.1.1 Conteúdo da presunção de inocência
Após ter sido analisada a evolução do instituto da presunção de inocência até aos
dias de hoje, é importante referir qual o impacto nos cidadãos e os efeitos intra e extra
processuais que a presunção de inocência acarreta. 72
O direito do arguido a um
tratamento igual a quem não tem qualquer tipo de processo-crime, é o ponto de partida
para a análise do alcance deste instituto jurídico. Naturalmente, ao nível intra
processual, é impossível tratar o arguido como se não tivesse um processo dirigido
contra si, daí que o princípio da presunção de inocência sofra uma constrição que
praticamente só se vai manifestar em matéria probatória,73
colocando-se o acusado em
condições de se defender adequadamente para que o princípio da presunção de
inocência, na falta de um contraditório da prova da acusação, não perca a sua razão de
ser,74
para além de se verificar enquanto regra de tratamento a dispensar ao arguido.75
O
arguido será tratado como inocente ate que seja proferida a sentença condenatória
definitiva não podendo se diminuído social, moral ou fisicamente comparativamente aos
outros cidadãos, que nesse momento, não se encontram sujeito a qualquer processo.
Nestes termos, a liberdade pessoal do arguido vai beber de tal forma à presunção de
inocência que quando se revelar necessária a aplicação de uma medida de coacção, esta
não possa configurar uma sanção que se aplica a alguém cuja responsabilidade penal já
foi provada.76
Extra processualmente, o arguido tem o direito a um tratamento como se
não tivesse processo dirigido contra si, devendo ser tratado como qualquer cidadão.
“Ter um processo contra si contraria tal tratamento, porque para a maioria dos cidadãos
não está sujeita às implicações dum processo penal “(...) interessará que o processo
72
VILELA, Alexandra, ob. cit. p. 58. 73
MOURA, José de Souto Moura, ob. cit. p. 44. Alexandra Vilela refere que a presunção
enquanto regra de juízo probatório liga-se à estrutura do processo acusatório, desonerando o acusado de
demonstrar a sua inocência. VILELA, ob. cit. pp. 58 e 59. 74
Idem. 75
Germano Marques da Silva refere que uma das formas de fazer com que a garantia
constitucional da presunção de inocência do arguido se verifique, é relativamente ao tratamento
processual, que se traduz no direito do arguido a ser considerado culpado sem nenhum prejuízo de culpa,
que possa afectá-lo social ou moralmente em confronto com os outros cidadãos. Esta medida vai ter
implicações no que diz respeito à aplicação de medidas de coação, impondo que sejam aplicadas com
base nos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, nos termos no art.º 193.º do CPP.
Qualquer desvio na utilização destas medidas vai contra o princípio da presunção de inocência. Cf.
SILVA, ob. cit. p. 307. 76
VILELA, Alexandra, ob. cit. pp. 58 e 59.
17
penda contra o arguido o menos tempo possível”.77
José de Souto Moura refere que “ o
arguido ou acusado em processo penal não pode ser discriminado ou sofrer tratamento
em desfavor comparativamente ao não arguido”;78
o tratamento igual vai reflectir-se “na
relação laboral, no desempenho defunções da Administração Pública como actividade
de fomento ou serviço público” 79
e igualmente nos direitos fundamentais do arguido,
não afectados pelo processo que se deverão manter ” intocados”, no que diz respeito,
por exemplo, ao direito à imagem e ao bom nome.80
81
A condição de arguido é,
segundo o autor, “a razão de ser do princípio da inocência, mas tal não implica que o
estatuto do arguido e toda a disciplina processual, se coadunem só com o princípio da
inocência,” Há muitos outros princípios processuais penais e interesses,82
que não os do
arguido, que obrigam a que haja uma contenção das decorrências lógicas do princípio da
presunção de inocência em que o que mais impacto tem é o do instituto da prisão
preventiva. 83
77
Idem. 78
MOURA, José de Souto, ob. cit. pp. 40 e ss. 79
Idem. 80
O tratamento igualitário ao qual nos referimos é só em relação ao tratamento jurídico, “ o
princípio não pode fazer-se valer onde o tratamento desigual deriva da própria esfera de liberdade de
quem lide com o arguido.” A título de exemplo, se o despedimento de uma pessoa não pode ocorrer só
pela sua condição de arguido, já a admissão de um trabalhador que se processe ao nível contratual poderá
ser recusada com base na falta de confiança, pois o direito ao trabalho constitucionalmente previsto nos
termos do arts. 58º e 59º da CRP, “não se trata de um direito a um certo e determinado posto de trabalho”
pois na génese da relação laboral “ está exactamente o exercício da liberdade contratual.” MOURA, José
de Souto, ob. cit. pp. 40 e 41. 81
Relativamente a estes direitos, é inegável a existência de direitos conflituantes e, por isso, será
necessário proceder-se à sua compatibilização. É o caso dos interesses e direitos do arguido (direito a
dignidade humana ligado à presunção de inocência) e por outro lado os colectivos (o direito à informação
e imprensa). Vai ser abordado nos próximos capítulo com maior profundidade a relação conflitual dos
direitos em causa, entre arguidos e a própria Comunicação Social e até que ponto o direito à informação
se poderá impor face aos direitos do arguido. 82
Idem. 83
Ibidem, p. 44.
18
2.2 Princípio da presunção de inocência ou/e princípio in dubio pro reu?
Muito se tem dito sobre estes dois princípios, se podem ou não ser equiparados,
o que tem levado a que se teçam, por parte da doutrina, várias e diferentes opiniões
acerca do assunto. Contrariamente ao que Cavaleiro de Ferreira defende, 84
parece-nos
não se poder ver na constitucionalização da presunção de inocência uma duplicação do
princípio segundo o qual a subsistência da dúvida deve favorecer o arguido pois para
isso socorrer-nos-emos ao princípio in dubio pro reu.85
86
Para este autor, os dois
princípios traduzem-se “na opção de absolver um condenado e não condenar um
inocente quando substituam dúvidas quanto à prática dos factos pelos quais o arguido se
encontra acusado, vigorando sempre a presunção de inocência, independentemente da
natureza dos factos probandos a que se refira a falta ou insuficiência de prova”,87
aplicando-se assim aos factos constitutivos, extintivos, modificativos e impeditivos,
vigorando, em qualquer dos caso, a necessidade de prova plena em desfavor do
arguido.88
Costa Pimenta89
distingue para a presunção de inocência dois sentidos: um
referente ao estatuto do arguido e outro relativo aos meios de prova. Ora, quando o
autor se refere à presunção de inocência enquanto relacionada com os meios de prova
identifica-a com o princípio in dubio pro reo, à semelhança do que Cavaleiro de
Ferreira defende, tendo como consequência da sua aplicação o arquivamento processo
por falta de prova. O que nos faz parecer que também este autor, ao referir-se aos dois
84
FERREIRA, Manuel Cavaleiro de, Curso de processo penal, vol. I, Lisboa: Editorial Danúbio,
Lda., 1986, pp. 216 e ss. 85
A opinião de Alexandra Vilela segue neste sentido. Cf. VILELA, Alexandra, ob. cit. pp. 77 e
ss. 86
Mesmo ao nível probatório o princípio da presunção de inocência tem um significado e
alcance que o princípio in dubio pro reu não consegue abranger. A presunção de inocência é a forma de
garantir que não sejam condenados culpados. Enquanto o in dubio pro reu só é accionado quando surgir
em relação à verificação de factos um caso de dúvida. A presunção de inocência não se esgota neste
aspecto, dado que o facto de essa dúvida não surgir, e por isso não haver lugar a aplicação do princípio in
dubio pro reu, pode igualmente configurar uma situação violadora da presunção de inocência. Para um
maior aprofundamento. BOLINA, Helena Magalhães, ob. cit. pp. 443 e ss. 87
Apud, VILELA, Alexandra, ob. cit. pp. 77 e ss. 88
Idem. 89
Ibidem.
19
princípios, os trata como equivalentes.90
Castanheira Neves, ao defender e fazer a
distinção dos dois princípios, aponta o surgimento da presunção de inocência
atribuindo-lhe consequências ao nível do tratamento a outorgar ao arguido ao longo de
todo o processo penal. Em relação ao princípio in dubio pro reo, há o objectivo de
responder à questão “de saber qual a decisão a tomar quando o tribunal, uma vez
chegado o momento de se pronunciar sobre a questão, não adquira a certeza sobre os
factos que constituem a acusação e, em relação aos quais, não há a aquisição de um
convencimento real e efectivo de que o réu é o responsável pelo crime cometido,
concluindo que o princípio em causa proíbe a condenação penal baseada na dúvida.” 91
92 Acrescenta que não se pode entender o princípio in dubio pro reo como estando na
base de uma presunção de inocência, que se pudesse impor ao processo criminal, não
tendo que se invocar o princípio da presunção de inocência. 93
Outra das aplicações do
princípio in dubio pro reu reside na opção pela solução mais favorável ao arguido,
quando surja a dúvida, não sobre os pressupostos da punição, se estão preenchidos os
requisitos do crime tipificado, mas sobre as particularidades concretas do
comportamento do próprio arguido ou do objecto da sua acção, que vão ter repercussão
jurídica.94
José de Souto Moura afirma que esta opção pela solução mais favorável ao
arguido parece ser um corolário do princípio da presunção de inocência. Para o justificar
diz-nos que as decisões penais para se imporem e para convencerem têm de ser
fundadas, e esse fundamento reside na matéria de facto que vai ser dada por provada, ou
seja, baseia-se nas provas dadas.95
O princípio in dubio pro reu está intimamente ligado
a questão da produção de prova e da distribuição do ónus da prova, “é a dúvida, a não
prova, o infundado.”96
E por isso, nesta não prova não se poderá cimentar o que quer
que seja, isto é, nem a absolvição nem a condenação e, pelo facto de o juiz não puder
terminar o processo com um “non liquet”, terá de optar por uma das duas opções. Mas
porque a opção pela absolvição? Porque as consequências da não prova devem ser
90
Cf. art. º 277. º n. º 2 do CPP. 91
NEVES, A. Castanheira, ob. cit. p. 56. 92
Idem. 93
Ibidem. 94
Por exemplo, no furto, a dúvida sobre o valor da coisa subtraída tem que resolver-se optando
pelo valor menos elevado. A dúvida sobre se o agente transportava ou não armas quando actuou deverá
resolver-se tendo em conta a segunda hipótese, entre outros exemplos. “Sempre que a dúvida seja sobre
factos e a consideração duns ou de outros não seja indiferente para o arguido, o in dubio aparecerá.”
MOURA, José de Souto, ob. cit. p. 47. 95
Idem, p. 46. 96
Enquanto na presunção de inocência uma das suas principais consequências revela-se na não
necessidade do arguido provar a sua inocência para ser absolvido.
20
sofridas por quem tinha a obrigação de a fazer. E esse ónus da prova cabe em primeiro
lugar ao Ministério Público,97
que promove o processo e, subsidiariamente, ao juiz.98
O
arguido é que não poderá arcar com as consequências das faltas de prova e pelo estado
de dúvida, porque não lhe incumbe provar a sua inocência.99
Daí que o autor diga que
mais do que operar uma verdadeira distribuição de ónus da prova pela positiva100
o
princípio da presunção de inocência vai “tão só isentar de qualquer ónus a defesa.” 101
Essencialmente, o que os distingue é “que o princípio da presunção de inocência actua
necessariamente em qualquer caso, o in dubio apenas actuará em caso de dúvida, como
último recurso.”102
Na análise duma sentença do Supremo Tribunal Espanhol,103
afirma-
se que a diferença existente entre os dois princípios reside no facto de a presunção de
inocência criar, a favor do acusado, um verdadeiro direito subjectivo, um direito a ser
considerado inocente até que se produza prova do contrário, enquanto o in dubio pro
reu, tende a afirmar-se como um princípio geral de direito, isto é, vai assumir-se como
uma norma de interpretação que se dirige ao juiz quando, “ pese embora o facto de se
ter realizado uma actividade probatória mínima”, essa prova não seja suficiente para
dissipar o estado de dúvida em que o tribunal se encontra relativamente à culpabilidade
do acusado. 104
Deste modo, na referida sentença, faz-se a distinção entre os dois
princípios sendo que a presunção de inocência se relaciona com a existência objectiva
de prova bastante que o “desvirtue”, em relação ao in dubio pro reu prende-se com o
problema subjectivo de valoração da prova.105
Pode dizer-se que a presunção de inocência cria, a favor dos cidadãos, o direito a
serem considerados inocentes enquanto não se produza prova bastante acerca da sua
culpabilidade, ligando-se a esta presunção a existência ou não de uma prova, já o in
dubio dirige-se ao juiz como norma de interpretação para estabelecer que, em casos de
dúvida, o acusado deve ser absolvido, ligando-se este princípio somente à valoração
97
Nos termos do art.º 53.º n.º 2 do CPP é da competência do MP, entre outras, adquirir a notícia
do crime, abrir e dirigir o inquérito, deduzir acusação e sustenta-la na instrução e julgamento. A excepção
é feita nos casos em que a actuação do Ministério Público esteja condicionada pela queixa ou queixa e
acusação particular, caso se trate de crime particular ou semipúblico, respectivamente. 98
De acordo com o princípio da investigação da estrutura acusatória do processo penal, que
concede poderes subsidiários ao juiz para produção de prova, caso seja necessário fazê-la. 99
MOURA, José de Souto, ob. cit. p. 46. 100
O carácter positivo significa que, ao arguido, não lhe cabe a prova da sua inocência, podendo
fazê-la se quiser, mas sim à acusação. 101
Idem. 102
VILELA, Alexandra, ob. cit. p. 79. 103
Sentença de 31 de Janeiro do 1983. 104
VILELA, Alexandra, ob. cit. p. 80. 105
Idem.
21
subjectiva da prova.106
Conclui-se deste modo que, embora continuem as divergências,
são princípios que se relacionam e identificam entre si mas que não podem ser
confundidos nem ser tidos como equivalentes, “são dois princípios que se revelam em
momentos processuais diferentes, manifestando-se o princípio da presunção de
inocência ao longo de todo o processo, desde o inquérito até à audiência preliminar do
julgamento, prolongando-se ainda até ao trânsito em julgado da sentença de
condenação” 107
, quanto ao in dubio pro reo “tem os seus momentos principais de
actuação em sede de acusação e julgamento podendo estar adormecido desde que tenha
sido feita a acusação ”, isto é, “ poderá reaparecer, em sede de julgamento, se não for
feita a valoração de prova”.108
II Justiça e Media – relação de amor-ódio
1 Papel dos media na sociedade – 4.º Poder?
A veiculação da informação levada a cabo pela Comunicação Social é de tal
forma importante, que se torna imperiosa a verificação do estado da mesma para o bom
funcionamento do sistema democrático. A existência de um quadro legal
particularmente exigente no domínio da Comunicação Social encontra-se justificada
pela necessidade de assegurar o justo equilíbrio de interesses que lhe são subjacentes,
cuja intervenção estatal neste sector, reflecte-se não só na promoção e protecção da
liberdade de expressão e informação sempre que essa actividade se revista de interesse
público mas também pela salvaguarda de valores constitucionais que possam ser
afectados pela Comunicação Social, tais como, os direitos à dignidade humana,
personalidade, honra e bom nome.109
O importante é saber se, como cidadãos de um
Estado formalmente democrático, recebemos informação apropriada e suficiente para
formar juízos fundamentados sobre a res pública, a sua gestão e orientação.110
A livre
formação de opinião pública supõe um intercâmbio de ideias, pensamentos e factos sem
restrições, constituindo desta forma uma condição necessária para a realização do
106
FERREIRA, Cavaleiro de, ob. cit. pp. 216 e ss. 107
VILELA, Alexandra, ob. cit. pp. 77 e ss. 108
Idem 109
CARVALHO, Alberto Arons de, [et al], Direito da Comunicação Social, Casa das Letras,
2.ªed, 2005, pp. 9, 51 e ss.
110 SÁNCHEZ GONZÁLEZ, S., apud CARVALHO, Alberto Arons de, [et al], ob. cit. p. 52.
22
Estado de Direito Democrático e indispensável para que a informação seja amplamente
divulgada e captada pelo maior número de cidadãos. Os media influem, assim, na
determinação e percepção dos acontecimentos relevantes num dado momento histórico,
constituindo um instrumento importantíssimo na promoção, na generalização da cultura
e na difusão de valores sociais, de modo a contribuir positivamente para o nível de
informação e conhecimento dos cidadãos sobre os assuntos públicos. 111
Há quem qualifique os media como 4.º Poder, colocando desta forma a imprensa
ao nível das instituições de poder constituído como o poder executivo, legislativo e
judicial. Sendo muito utilizada para (re) forçar a respectiva legitimidade no espaço
público,112
deverá ser analisada como um fenómeno relacionado com os outros poderes
e nunca isoladamente pois há uma íntima relação com o campo político, económico e
sócio-cultural e por isso, trata-se de uma relação complexa, repleta de influências e
dependências que se fazem notar na veiculação d notícias que vão ser determinantes
na livre formação da opinião pública e na salvaguarda do pluralismo informativo, na
medida em que estas influências e dependências poderão condicionar a livre formação e
nessas medida é que vai ser determinante. A legitimidade da presença do jornalista no
espaço público é um tema que está em profundo debate na nossa sociedade. O problema
é-nos colocado do ponto de vista da competência do jornalista para recolher e tratar
informações, cuja missão é de analisar, comentar, exprimir opiniões, investigar e
examinar factos, com o objectivo de gerir o acesso ao espaço público.113
Hoje em dia, a
Comunicação Social, “tem-se como um poder, um poder de facto, que se auto legitima e
111
Neste sentido é importante referir a “teoria da responsabilidade social” dos meios de
comunicação social, fruto de um estudo americano intitulado “Theories of the press”, decorrente da teoria
liberal, segundo a qual, o mais importante do que conseguir a liberdade de imprensa através da liberdade
de expressão e de informação é a capacidade de garantir o direito dos cidadãos a uma informação livre,
plural, e objectiva, ou seja, não basta assegurar os direitos aos jornalistas, importa antes verificar o
direitos dos cidadãos a uma boa informação. É frequente a ideia de desresponsabilização da liberdade de
imprensa, não se fazendo respeitar os deveres de isenção, objectividade e imparcialidade inerentes à
profissão de jornalista, mas a imprensa tem que ter a consciência de que os seus erros podem ter
consequências ao nível do público em geral. Se ela se enganar é a opinião pública que engana e não vai
ser possível atribuir-lhe o direito a errar já que tem uma missão de serviço público. Deparamo-nos assim
com uma situação complexa e ambígua em que a imprensa deverá manter-se como uma actividade livre e
privada no sentido da não interferência do Estado. Idem, p. 265., MACHADO, Jónatas E. M., ob. cit. p.
510; MONTEIRO, António Pinto, Estudos de Direito da Comunicação, Instituto Jurídico da
Comunicação, Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, Coimbra, 2002, pp. 19 a 24. 112
Idem, 108 e 109. Segundo Mário Mesquita, esta denominação é fruto do resultado perverso da
afirmação da legitimidade de presença do jornalista no espaço público, isto é, se os media fossem
considerados poderes em sentido idêntico aos poderes enunciados por Montesquieu a intervenção do
jornalista no espaço público teria que ser encarada nos mesmos termos em que se colocam, por exemplo,
as questões de representatividade de mandato e, em tempos de crise política como a que vivemos, este
problema surge no âmbito de estratégias de pressão sobre a imprensa. 113
Idem.
23
legitimador de todos os poderes,114
mas em democracia não são admissíveis poderes
absolutos, muito menos quando estão sujeitos às leis do mercado.”115
“Um poder sem
uma fonte legitimadora, sem controlo, sem sanção é um poder “pré-democrático.”
Daniel Cornu coloca a questão da legitimidade como se trata-se de um processo
argumentativo aberto à participação dos destinatários do discurso jornalístico. Para o
autor, a expressão quarto poder carece de rigor analítico pois nem os media nem o
jornalismo correspondem à concepção do poder constituído nem têm capacidade de
acção e coerção no quadro de uma política nem são análogos ao poder executivo
legislativo e judicial. “O jornalista retira a sua legitimidade apenas da discussão (…)
sobre a verdade da sua informação e sobre a forma como a sua informação
verdadeiramente reflecte as preocupações reais da sociedade.”116
No que concerne às
fontes legitimadoras do Poder Judicial o sistema de responsabilização e limitação está
previsto na lei e, em relação à Comunicação Social, o que importa saber é onde começa
e acaba a sua responsabilidade, como se exerce a disciplina, ética e deontologia do
jornalista, ou seja, qual é o verdadeiro papel da Entidade Reguladora da Comunicação
Social.117
O que não significa que sejamos apologistas de uma Comunicação Social
censurada ou com controlo prévio, mas sim que esta tenha que ser repensada para
colmatar as lacunas inerentes aos campos da Justiça e dos Media,118
de forma a que não
haja uma Comunicação Social manipuladora da opinião pública ou que atribua a si
mesma o poder de construir e desconstruir a própria democracia. Embora reconheçamos
que a Comunicação tem uma importante função no desenvolvimento da sociedade ao
nível informativo, não a podemos equiparar a um (suposto) 4.º Poder instituído, por
carecer de legitimidade para tal. O poder judicial não poderá estar dependente do
mediático, evitando-se assistir ao vergar da Justiça perante as exigências da
Comunicação Social que, por vezes, atribui a si mesma a natureza e condição de opinião
114
MEUNIER admite que a acção desencadeada pelos media condiciona “fortemente o contexto
político, social e económico circundante”. Apud, CORREIA, António Ferrer, [et al], Os Direitos da
Pessoa e Comunicação Social, Fundação Calouste Gulbenkian, Edições Asa, S.A Lisboa, 1996, pp. 121. 115
“As leis do mercado comandam a produção de imagens rentáveis. Os tempos de antena
custam caro. Todo o tempo morto é tempo perdido”. AFONSO, Orlando, “Poder Judicial e Opinião
Pública,” VI Congresso dos Juízes Portugueses, Justiça e Opinião Pública, Tribunais e Comunicação
Social: o olhar dos juízes portugueses, Aveiro, 8 a 10 Novembro de 2001, pp. 90. e 92 116
Apud MONTEIRO, António Pinto, ob. cit. p.109. 117
Nos termos da lei 53/2005 de 8 de Novembro, foi criada esta entidade substituindo a anterior
AACS. 118
“Cada campo social, para além da legitimidade, do corpo e da ordem de valores, comporta
ainda o conjunto de processos, de formas expressivas que lhes são exclusivas, o que é particularmente
relevante no campo da justiça, um campo de cariz bastante formal.” FERNANDES, Plácido Conde,
“Justiça e Media – Legitimação pela Comunicação”, Revista do CEJ, 2º Semestre, nº10, “Verdade,
Justiça e Comunicação”, Coimbra, Editora Almedina, 2008, pp. 322 e ss.
24
pública; deverá sim haver uma relação de colaboração inter ajuda entre os campos
sociais e não de dependência entre eles.
2 O interesse da comunicação social em questões judiciais
A forma como a Justiça tem sido encarada aos olhos da Comunicação Social tem
vindo a alterar-se com a denúncia de casos graves de (in)justiça ganhando um papel de
enorme relevo a partir de finais do séc. XIX. Nas palavras de Fernando Martins, “a
denúncia de casos graves de negligência é obrigação dos media acima da qual não deve
estar nenhum dos poderes. Mas a verdade e o rigor não podem ser sacrificados ao
espectáculo ou por ele prejudicados. E é intolerável que se lance o descrédito público
sobre instituições que são o esteio da sociedade democrática em que vivemos. Como o
Poder Judicial.”119
Apesar disso, esta forma de actuação que, na teoria é bem
conseguida, na prática deixou de ser um acto de cidadania para começar a servir uma
sociedade de consumo mediático que se alimenta, sem parar, de processos criminais e
casos políticos. A imprensa desempenha, por essa razão, um papel determinante no
controlo da actividade governativa do exercício dos poderes públicos, das instituições
perante os desvios, prepotências e os abusos de poder, assumindo-se, dessa forma, como
um “cão de guarda” ao serviço dos cidadãos, pois uma parte considerável dos
escândalos é desvendada pela comunicação social,120
passando os políticos, juízes,
advogados, governantes e presidentes da república a estar, constantemente, na mira dos
meios de comunicação social.121
122
Sendo vista como “vigilante” de espaços violados a
sua imagem foi reforçada com o surgimento dos crimes políticos, erros judiciários,
violação de direitos fundamentais, entre outros,123
em que mesmo antes de existir um
processo criminal, os media, ao descobrirem e denunciarem novos crimes, ajudam a
119
MARTINS, Fernando, A Geração da Ética, Minerva, Coimbra, 2006. p. 177. 120
Ou “Watchdog”. BRITO, Iolanda, ob. cit. p. 137. 121
Tais como a rádio, televisão, jornais e Internet. Esta última, considerada como espaço de
exercício de democracia como consequência da fragmentação do espaço público. Para um maior e
aprofundado desenvolvimento, cf. GONÇALVES, Maria Eduarda, Democracia e cidadania na sociedade
de Informação, Os Cidadãos e a Sociedade de Informação, Debates Presidência da República, Lisboa,
Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 2000, pp. 107 e 118; CORREIA, João Carlos, Jornalismo e Espaço
Público, Colecção Estudos em Comunicação, Covilhã, Universidade da Beira Interior, 1998. Disponível
em : http://www.bocc.ubi.pt/ 122
Considerada como contra-poder, a imagem da imprensa corresponde à acção dos jornais e
jornalistas enquanto modo de afirmar dos profissionais do jornalismo no espaço público, enquadrando-se,
neste âmbito, os momentos em que o jornalismo foi visto enquanto defensor de causas democráticas. O
“caso Watergate” é um dos exemplos da importante função dos media na descoberta, procura de
informação e na consequente defesa da democracia. MONTEIRO, António Pinto, ob. cit. pp. 112 e 113. 123
Os casos Dreyfus e dos italianos Sacco e Vanzitti são dois exemplos paradigmáticos relativos
ao erro judiciário. AFONSO, Orlando, ob. cit. pp. 86 e ss.
25
desencadear as posteriores investigações e instaurações de processos criminais, podendo
funcionar e ser considerada como uma espécie de colaborador independente com uma
função auxiliar às autoridades judiciais.124
Há quem diga que, inclusive, a sua presença
junto dos tribunais, para além de preparar melhor o juiz, defesa e acusação, faz com que
o arguido receba um tratamento melhor e mais respeitoso.125
Para Jónatas Machado a
presença dos meios de comunicação social nos tribunais, tirando os casos em que estes
possam comprometer o sucesso da investigação e do processo, é bastante importante na
denúncia das irregularidades processuais cometidas pelas autoridades policiais e
judiciárias, do perigo do transcurso do prazo de prescrição e da violação de direitos
fundamentais, bem como na crítica de decisões como a de acusação ou de arquivamento
do processo.126
É de referir o forte contributo que os meios de comunicação trazer à
efectivação da finalidade da prevenção geral no que diz respeito aos fins das penas, em
que a punição do indivíduo é feita com vista a alertar toda sociedade para o facto de que
se alguém cometer um crime já sabe qual a pena que lhe vai ser aplicada, em que o fim
legitimador da pena tem como destinatário toda a comunidade social.127
124
MACHADO, Jónatas, E. M., ob. cit. p. 560; MATA-MOUROS, Maria de Fátima, Direito à
Inocência- Ensaio de processo penal e jornalismo judiciário, Princípia Editora Lda., Estoril, 2007, pp. 30
e ss. 125
Há, no entanto, uma corrente contrária que nos diz que a presença dos meios de comunicação
social é uma forma de instrumentalização e entretenimento da própria justiça e não de educação para a
justiça, tendo um efeito nefasto para a boa administração da justiça, pressionando os juízes, podendo
afectar os intervenientes e inibindo as testemunhas. 126
MACHADO, Jónatas E. M., ob. cit. pp. 564 e ss. 127
CARVALHO, Américo A. Taipa de, Direito Penal - Parte Geral, Teoria Geral do Crime,
vol. II, Publicações Universidade Católica, Porto, 2006, pp. 80 e ss.; MACHADO, Jónatas, E. M., ob. cit.
p. 560.
26
3 Mediatização da justiça e suas consequências
A evolução da informação, com o aparecimento da “aldeia global” e a respectiva
diminuição de fronteiras entre os países, fez com que a justiça, um pouco por todo o
mundo, se tornasse alvo de grande interesse noticioso. Uma boa parte dos media dedica-
se a assuntos judiciários, principalmente os que dizem respeito a questões penais,
assistindo-se à crescente mediatização da justiça. A ocorrência de acontecimentos
inesperados e que são tidos como um desvio à normalidade não só impressiona como
gera nos cidadãos um interesse que tende a aumentar quanto maior for a notoriedade
pública dos envolvidos.128
Só muito recentemente é que os tribunais e toda a actividade
judicial ganharam visibilidade perante a opinião pública através da actuação da
comunicação social e, na actual sociedade info-democrática em que vivemos, a
chamada democracia mediatizada tem vindo a reflectir-se na crescente expansão da
esfera pública em detrimento da espera privada, levando à quebra de fronteiras entre
estas duas esferas. A comunicação tornou-se o palco do poder judicial, tomando como
premissa que se administração da justiça for conhecida e reconhecida pelos cidadãos
será melhor legitimada. Deste modo podemos afirmar que a mediatização da justiça
decorre do interesse suscitado pelas questões judicias, nomeadamente as penais e
traduz-se num factor bastante positivo na e para a boa administração da justiça,
consequência da abertura da justiça penal aos meios de comunicação social,
característica dos Estados de direito democrático, como o nosso. A abertura da justiça
penal aos media, para além de conforme ao processo do tipo acusatório e ao principio da
publicidade,129
isto é, a própria Comunicação Social ao desempenhar a sua função
utilitária, assegura também a publicidade da efectiva aplicação das leis para a realização
de uma das grandes finalidades do direito penal, a prevenção geral, em que a punição do
individuo é feita com vista a alertar toda a sociedade para o facto de se alguém cometer
um crime daquele tipo já sabe qual a pena que lhe vai ser aplicada, o fim legitimador da
pena tem com destinatário a comunidade social.130
A este propósito o STJ, fala-nos da
128
A título de exemplo, o processo Face Oculta com Armando Vara, ou o processo Casa Pia com
Carlos Cruz. 129
Entidade que julga, Juiz, é diferente da que acusa, MP. 130 CARVALHO, Américo A. Taipa de, Direito Penal - Parte Geral, Teoria Geral do Crime,
vol. II, Publicações Universidade Católica, Porto, 2006, pp. 80 e ss.; MACHADO, Jónatas, E. M., ob. cit.
p. 560.
27
“utilidade social da notícia”,131
que deverá ser objectiva e essencialmente verdadeira na
divulgação de informação.”132
No seguimento da linha que defende a abertura das
instituições judiciais à Comunicação Social encontramos as figuras do jornalismo de
investigação e do jornalismo judiciário mais informado e preparado nas áreas do
processo, do direito e da organização judiciária, podendo ser necessário o conhecimento
de outras matérias mais especializadas e técnico-científicas, através dos quais se exerce
uma função pública e social, auxiliar e utilitária da função judicial que por isso mesmo
merece ser incentivada.133
134
Este tipo de jornalismo é importante para um
esclarecimento razoável da opinião pública, passando pela boa informação técnica e
pela capacidade que o jornalista tem que ter de explicitar, com rigor técnico, o
funcionamento normal ou deficiente do sistema judicial e/ou expor os problemas
processuais e, é neste ponto que se verificam as mais graves insuficiências na
preparação do jornalista, pois ao veicular a informação, fá-lo sem ter o mínimo de
preparação técnica para tal, o que faz com que a justiça se torne num palco judicial em
que assiste, constantemente, à violação dos direitos dos arguidos.135
Quanto à
linguagem jurídica e correspondentes actos processuais, o papel da imprensa e de
extrema importância. A função descodificadora da linguagem judicial atribuída aos
media um dos pontos mais positivos e relevantes do princípio da publicidade
processual, daí que o papel de imprensa é o de transmitir de forma claro ao leigo (à
população em geral) o tecnicidade dos termos utilizados no campo judicial,136
traduzindo-se num factor de risco da mediatização da justiça, aumentando consoante o
grau de especialização do jornalista, isto é, quanto maior for a especialização e
131
Ac. STJ, 3 de Março de 2005, Processo n.º 2799/03. 132
VIEIRA, Ana Lúcia Menezes, “Processo penal e Media”, São Paulo, Editora Revista dos
Tribunais, 2003, pp. 108 e 109
Disponível em: http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/507. 133
No entanto, certas investigações jornalísticas configuram-se como uma espécie de pré-
julgamentos de opinião pública que, em determinadas circunstâncias, poderão sobrepor-se, reduzir
eficácia ou influenciar decisivamente, o julgamento propriamente dito. CORREIRA, António Ferrer [et
al], Os Direitos da Pessoa e a Comunicação Social, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, Edições
Asa, S.A., 1996, pp. 121 e ss. 134
CLUNY, António, Revista Trajectos, Media, Justiça e Espaço Público, “Dois planos possíveis
de um relacionamento possível entre justiça e media”, n.º 10, Instituto Superior de Ciências do Trabalho e
da Empresa (ISCTE), Fim de Século Edições, 2007. 135
Idem. 136
A publicidade prende-se com a necessidade de proteger o arguido da prática de acusações,
instruções e julgamentos secretos com vista a estabelecer a confiança no público do exercício da
actividade jurisdicional e de afirmar o princípio do controlo democrático da mesma, no que diz respeito,
por exemplo ao princípio da igualdade de todos os cidadãos perante a lei, tornando-se assim possível o
controlo democrático através deste princípio estrutural da nossa Constituição, para que se crie um espaço
público de “exteriorização das preocupações e emoções comunitárias.” MACHADO, Jónatas E.M., ob.
cit. pp. 563 e ss.
28
formação do jornalista137
o risco de a justiça ser mediatizada é bastante menor, pelo
facto do jornalista ter amplo conhecimento dos termos técnicos relativos ao campo da
Justiça, a mediatização que possa existir não vai produz o efeito distorcido da realidade
de modo a influenciar o entendimento e posição das pessoas face aos factos e acção da
justiça. Para que isto não aconteça elencamos algumas possíveis soluções para combater
esta forma errónea de mediatização da justiça que passariam por dar uma nova e
constante formação a juristas e a jornalistas, possibilitando a criação de um debate
público em que se discutissem as principais questões relativas à relação entre ambos os
campos, de modo a diminuir a “tensão” existente, tornando-a menos perversa e mais
virtuosa, compatibilizando-se assim os discursos, quer mediático quer jurídico através
do respectivo respeito pelos direitos, liberdades e garantias de todos os intervenientes;
promover a credenciação de jornalistas judiciários para que lhes seja reconhecida e
fornecida informação pertinente e relevante para (bem) informar a opinião pública; por
fim a criação de Gabinetes de Imprensa junto do CSM habilitados a procederem ao lado
dos jornalistas de modo a criar, eficazmente, a ligação do mundo jurídico ao mundo
exterior, aos cidadãos em geral.138
139
Através do desenvolvimento destas iniciativas
estaremos a caminhar, seguramente, para um maior equilíbrio entre o direito de
informar e o respeito pelos direitos do cidadão.
Para que imprensa cumpra a tal função de publicidade, é necessário que tenha
um razoável conhecimento jurídico no que diz respeito ao processo, aos termos
utilizados e os seus significados, o que não é tarefa nada fácil e que não poderá ser
dispensada sob pena de violar o princípio da publicidade.140
Não se nega que a
publicidade seja bastante benéfica para a democratização da justiça, cumprindo aos
media a função de informar e dar a conhecer a todos os cidadãos as normas penais, que
137 Só o juízo crítico formulado por jornalistas especializados em matérias com base na consulta
dos processos e na assistência aos actos, vai permitir um adequado tratamento jornalístico da accão da
justiça. Dependendo dele o controlo externo da actividade dos tribunais bem como a credibilidade aos
olhos dos cidadãos. MATA-MOUROS, ob. cit. p.52. 138
Nos termos da lei 36/2007 de 14 de Agosto foi aprovado o novo regime de organização e
funcionamento do CSM e, com o objectivo de estabelecer uma ponte entre o CSM, cidadãos em geral e os
jornalistas, foi criado um Gabinete de Comunicação/Imprensa. 139
Maria de Fátima Mata-Mouros, não defende que esta seja a melhor solução a adoptar, dado
que os gabinetes de imprensa como meio de veiculação de informação entre tribunais e comunicação
social, só darão a informação que quiserem, que nunca será a que o jornalista quer na realidade. Devia
haver a acreditação dos jornalistas junto do tribunais junto dos tribunais e dos órgãos superiores de
hierarquia judicial para que se acompanhasse permanentemente a actividade dessas instituições. Em
Portugal o único local em que há um corpo de jornalistas acreditados é na Assembleia de República.
MATA-MOUROS, Maria de Fátima, ob. cit. pp. 53 e ss; SERRANO, Estrela, Para Compreender o
Jornalismo, Minerva, Coimbra, 2006, p. 57. 140
VIEIRA, Ana Lúcia Menezes, ob. cit. pp. 108 e 109.
29
nem sempre as lê, aproximando-as, deste modo, a todos os cidadãos, mas produz,
igualmente, alguns efeitos maléficos para todo o sistema penal, contribuindo para o
incentivo e aumento da criminalidade apontando-a por vezes como a causadora desse
tipo de crimes. 141
Deste modo os media desempenham um papel essencial na
divulgação da estrutura e funcionamento de uma instituição que a generalidade dos
cidadãos ignora, por lhes ser “culturalmente longínqua”.142
Por vezes, os media dão uma ideia errada do que se passa na justiça, devido à
diferença dos campos da justiça e media pois ambos obedecem a lógicas
substancialmente diferentes, em que o único elo de ligação é o objectivo da procura da
verdade dos factos relatados. O campo jornalístico oferece-nos a verdade ditada por
uma parte aleatória do universo focado nos media, para a comunicação social, a
informação corre ao minuto e o que interessa é a notícia, na hora, acabada de sair. Não
há prescrição nem sequer despachos de arquivamento, o que significa que as verdades
criteriosamente escolhidas para passar na imprensa, escapam a qualquer controlo
judicial. Não se contentam em informar o que se passa na justiça ou em exercer a sua
crítica sobre o papel desta, “eles copiam os métodos da justiça”, substituindo-se ao MP,
interrogando as testemunhas antes da Justiça, confrontando testemunhos e fazendo
inquéritos, antes mesmo de o cidadão estar acusado ou pronunciado, ficando, deste
modo, já sentenciado pela Comunicação Social.143
Muitos dos malefícios produzidos
pela imprensa decorrem da falta de conhecimento e preparação técnico dos jornalistas
em relação ao discurso jurídico, “tanto que confundem as funções da polícia com as do
Ministério Público, destes com as do Poder Judiciário, englobando-os todos na noção de
Justiça.”144
Há outros factores de relevo que contribuem para que haja uma realidade
judicial “distorcida”, nomeadamente, a falta de transparência e publicidade, a
141
A publicidade é uma importante salvaguarda dos diferentes bens jurídicos em causa, pois a
investigação jornalística pode permitir a descoberta de novas provas e existência de outros culpados. A
CRP estabelece no art.º 206.º uma regra de publicidade igualmente vinculativa para o processo penal. No
entanto é no art.º 86.º do CPP que vamos encontrar a concretização desse princípio adequado às diferentes
fases do processo penal, delimitando dessa forma o secretismo e publicidade do processo, evitando desta
forma “especulações infundadas” repondo a verdade sobre os factos que sejam publicamente divulgados
para evitar que haja a perturbação da tranquilidade pública e das pessoas injustamente envolvidas.
SILVA, Germano Marques da, ob. cit. p. 29. É necessário criar-se um justo equilíbrio das razões que
levam a que o processo esteja sob segredo de justiça e as que militam a favor da garantia do direito à
informação, sendo que de um lado e do outro há argumentos favoráveis ou não ao sucesso da investigação
e à garantia dos direitos do arguido e do ofendido. MACHADO, Jónatas E.M., ob. cit. pp. 560, 567 e ss. 142
MONTEIRO, António Pinto, ob. cit. p. 16. 143
MATA-MOUROS, Maria de Fátima, ob. cit. pp. 28 e 29. 144
VIEIRA, Ana Lúcia Menezes, “Processo penal e Media”, São Paulo, Editora Revista dos
Tribunais, 2003, pp. 108 e 109
Disponível em: http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/507.
30
tecnicidade dos conceitos jurídicos e a correspondente opacidade dos tribunais face aos
órgãos de comunicação social. Nas instituições judiciárias predominam os aspectos
esotéricos de opacidade145
e reserva que visam assegurar a autenticidade originária do
campo da justiça, adoptando um discurso de rigor oposto ao que sucede no campo dos
media que recorrem a um discurso normalizado e destinado ao consumo externo do
público. Relativamente à reserva, é imposto a todos os magistrados judiciais uma
obrigação de reserva e sigilo, colocando-os numa relação especial com o fenómeno
mediático146
traduzindo-se na impossibilidade de prestar declarações relativas a
processos, nem revelar opiniões emitidas durante as conferências nos tribunais que não
constem de decisões, actas ou documentos oficiais com carácter não confidencial ou que
versem sobre assuntos de natureza reservada, nos termos do art.º 12º do EMJ,147
contribuindo para que haja um “especial” interesse dos jornalistas relativo a essas
matérias.148
A referida opacidade dos tribunais, poderá abrirá caminho a indesejáveis
imprecisões e especulações por parte da Comunicação Social, por não lhes ser facultada
145
Há autores que a defendem como uma forma de transformar a opacidade da “ cena jurídica” -
sala de audiências - num espaço onde o espectador cidadão é promovido a actor, esquecendo-se que a
Justiça, considerada como uma acção dramática tem a sua própria essência, ou seja, contém símbolos
característicos e específicos do campo da Justiça, tais como o espaço, tempo, papéis convencionais e a
própria oralidade do debate, encontrando-se determinados pela finalidade que os une – satisfação de
necessidade de justiça com o intuito de finalizar a acção judicial. Os símbolos inerentes a cada campo
social, Media e Justiça, marcam a distância entre ambos. Neste caso, os media fazem a abolição de três
distâncias na Justiça que achamos essenciais, a delimitação de um espaço protegido, o tempo deferido do
processo e a qualidade oficial dos actores do drama sócio-judiciário, fazendo com que a Comunicação
desloque o espaço judiciário, paralisando o tempo e desqualificando as autoridade judiciais. AFONSO,
Orlando, ob. cit. pp. 89 e ss. RODRIGUES, Duarte Adriano, “Experiência, Modernidade e campo dos
media”, Universidade Nova de Lisboa, 1999, pp. 24 e ss. Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/ 146
A obrigação de reserva destina-se a preservar a imagem de isenção e independência das
magistraturas e também a não favorecer a criação de opiniões que possam desvirtuar ou influenciar a
acção da justiça. Cf. para este efeito o art.º 63.º da Lei Orgânica do MP. 147
Germano Marques da Silva refere que, relativamente ao alcance do art.º 12º do EMJ, sem
limitar o “protagonismo mediático que alguns magistrados assumem relativamente a processos em que
intervêm.” A nova realidade da comunicação social com que nos deparamos requer um esforço de
reflexão sobre este processo “mediático-judiciário”. Não parece ser possível manter os princípios e os
deveres tradicionais, nomeadamente no que respeita aos deveres do arguido e aos deveres deontológicos
do advogado uma vez que as fugas de informação nas fases preliminares do processo são constantes e em
que os media acham que têm direito de julgarem os suspeitos na praça pública antes de serem julgados
em tribunal. SILVA, Germano Marques da, ob. cit., pp. 238 e ss. 148
Ao longo dos anos a Comunicação Social esteve sempre atenta ao que se passava com todos
os magistrados, quer no exercício da sua função, quer na sua vida privada, daí que não seja surpreendente
que, quando algo se passa com um magistrado, fora das suas funções surja a curiosidade dos jornalistas e
subsequentemente a divulgação de informação. Acontecendo também com outras figuras públicas, tais
como deputados, autarcas, outros políticos ou pessoas que ocupam cargos importantes na sociedade civil.
Assim sendo, teremos que aceitar que a matéria em causa revista relevância para a formação da opinião
pública, ou seja, que o facto assuma inegável interesse público e a sua publicação sempre seria de exigir
pela consciência ética da comunicada. Cf. ac. TRL, 11 de Março de 1996, Processo 902/95.
31
determinada informação.149
Essa opacidade do fenómeno judiciário tem sido objecto de
forte e constante censura por estarmos a assistir a constantes violações do direito dos
arguidos, nomeadamente o direito à honra e consequente violação da presunção de
inocência pelo facto de não haver a tal abertura do direito aos media. A mediatização da
justiça contribuiu para além dos riscos referentes ao arguido, “transporta” os agentes do
processo para a opinião pública e produz uma forma de exposição e vedetismo, entre os
quais, o de alterações da conduta por parte dos agentes do processo, o desgaste
profissional provocado pela exposição e criação de estereótipos que insinuam ligações
entre o poder judicial e outros poderes ou interesses. Vital Moreira diz-nos que “hoje
em dia, os meios de comunicação de massa já não são expressão da liberdade e
autonomia individual dos cidadãos, antes relevam dos interesses comerciais e
ideológico de grandes organizações empresariais, institucionais ou de grupos de
interesse”.150
A prática jornalística tornou-se assim tendenciosa, pois por um lado a
existência de agências de comunicação leva a que o jornal tome a forma da vontade dos
próprios clientes que as procuram e por outro lado a relação pouco saudável que existe
entre os próprios jornalistas e as entidades patronais que controlam todo o seu
trabalho.151
Não raras vezes e no que toca a processos mediáticos, de forma consciente ou
inconsciente, as pessoas já têm a sua opinião “formatada” sobre determinados assuntos
que a imprensa retrata e, consequentemente, o julgamento que irá ser feito pelos media
incorporar-se-á no processo penal e por essa razão será mais fácil ao juiz ter contacto
com essa matéria e ser influenciado quando estiver a decidir e a julgar. Germano
Marques da Silva enuncia que em alguns processos mediáticos chega-se a “justificar a
prisão preventiva dos arguidos pela repercussão que a sua liberdade teria na
149
Opacidade que se deve ao tempo da decisão judicial ser dificilmente compatibilizada com as
exigências inelutáveis de uma comunicação cada vez mais em tempo real. 150
MOREIRA, Vital, Direito de Resposta na Comunicação Social, Coimbra, Coimbra Editora,
1994, p. 9. 151
A alteração de comportamento pela intervenção dos audiovisuais verifica-se, para além destes
intervenientes, nas testemunhas. A doutrina conclui que a mediatização provoca alterações ao nível da
espontaneidade, auto-censura e vedetismo. Cunha Rodrigues diz-nos que há casos em que as testemunhas
ao serem utilizadas na investigação jornalística, para além do risco de se vulnerabilizar a e consistência
das provas, a espontaneidade da testemunha tende a diminuir quanto mais repetitiva for a sua inquirição e
se o seu depoimento for objecto de publicidade. RODRIGUES, José Narciso Cunha, “Justiça e
Comunicação Social”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Director: Jorge de Figueiredo Dias, Ano
7, fascículo 4.º, Outubro-Dezembro 1997, Coimbra, Coimbra Editora, pp. 562 e 563.
32
comunicação social, subvertendo-se desse modo o conceito de tranquilidade pública.”152
153 A incidência dos meios de comunicação social no desenrolar do processo “abalando”
a sua tranquilidade e serenidade necessita de ser compaginada com o direito do público
de ser informado. Os jornalistas, ao se dedicarem a processos penais em curso, devem
recordar-se que mesmo as pessoas mediáticas têm o direito de beneficiar de um
processo equitativo e por isso não devem produzir declarações que possam
intencionalmente ou não, reduzir as condições para uma pessoa beneficiar de um tal
processo ou de prejudicar não só o arguido como confiança do público na administração
da justiça penal, podendo, com a sua conduta, afectar o equilíbrio do processo, dada a
sua enorme capacidade de influenciar a opinião pública. Os meios de comunicação
social provocam deste modo, quer nos, nos juízes,154
MP, advogados e arguido(s), uma
reacção que pode espoletar uma sentença errónea e, para que isso não aconteça, é
necessário que os jornalistas, ao veicularem informações sobre determinado crime, o
façam respeitando os deveres de objectividade, isenção e credibilidade de acordo com o
Código Deontológico dos Jornalistas,155
sob pena se serem punidos criminalmente.156
Por exemplo, as violentas campanhas fomentadas pela imprensa têm por efeito levar o
tribunal a adquirir um juízo desfavorável sobre o arguido o que poderá acontecer com
mais facilidade quando intervier o júri.157
158
Pode acontecer, em certas situações, a
antecipação de opiniões que directamente afectam a dignidade dos arguidos e
152
Por exemplo, Oliveira e Costa que ficou em prisão preventiva no caso do Banco Português de
Negócios. 153
SILVA, Germano Marques da, Novos Desafios do Processo Penal, II Congresso de Processo
Penal, Coimbra, Editora Almedina, 2006, p. 307. 154
E jurados, se houver intervenção do Tribunal de Júri. 155
Relativamente aos deveres dos jornalistas, cf. MACHADO, Jónatas E. M., ob. cit. pp. 588 e
ss. 156
No cap. seguinte vai ser abordada a responsabilização criminal dos jornalistas. 157
BARRETO, Irineu Cabral, ob. cit. pp. 176 e ss. 158
Esta influência aumenta exponencialmente nos crimes que sejam da competência do tribunal
de júri, nos termos do art.º 13.º do CPP, pois não só exercem influência sobre os intervenientes do
processo mas também no júri que é formado por cidadãos comuns, contribuindo dessa forma para uma
maior incidência dos media na decisão penal ao exercerem a função de jurados estes cidadãos poderão já
estar com a opinião formada, fruto da acção dos jornalistas, sem permitir ao arguido, na pendência do
processo, o direito a exercer o contraditório. Dificilmente um jurado consegue manter-se isento da
pressão exercida pelos media e do prévio julgamento extrajudicial transmitido diariamente para as suas
casas. O arguido, mesmo que, teoricamente, protegido pelo princípio da presunção de inocência, na
realidade é tido como culpado pela opinião pública através da actuação dos meios de comunicação de
massa, sofrendo uma maior exposição e, no momento de enfrentar o plantel de jurados, o julgamento vai
ser “manchado” por um jornalismo pouco ético e harmonizado com a realidade dos factos que são tidos
pelo júri, enquanto cidadãos, como provados. SANGUINÉ, Odone, “A inconstitucionalidade do clamor
público como fundamento de prisão preventiva”, Revista de Estudos Criminais, PUCRS (Pontifícia
Universidade Católica de Rio Grande do Sul), ITEC (Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais),
Porto Alegre, Editora Notadez, ano 4, n.º 10, 2003, pp. 113 a 120. Disponível em:
http://www.itecrs.org/revista/10.pdf
33
indirectamente possam ter consequências danosas nas investigações, na situação
processual do arguido e, em última ratio, na decisão do juiz.159
Para que isto não
aconteça, ao juiz vai-lhe ser exigida uma maior imparcialidade e independência ao
tomar as suas decisões,160
uma melhor e maior preparação para julgar nos termos e de
acordo com a lei e os seus princípios, de modo a conseguir fugir das pressões exercidas
pela imprensa em sede de julgamento que podem ser suficientes para lhe criar a
convicção de que está correcta a sua decisão, condicionando assim o resultado final.161
Odone Sanguiné refere que, “um obstáculo importante para a realização efectiva da
presunção de inocência é a manifestação rápida e precipitada, dos media, que precede à
decisão do tribunal (…) o que pode perturbar o desenvolvimento de julgamentos
posteriores, porque alguns juízes são influenciados negativamente em relação ao
acusado por meio de descrição televisiva, por exemplo.”162
A influência descrita,
embora possa não ser suficiente para convencer o juiz, em determinados casos, poderá
desempenhar uma função implícita na sua consciência, induzindo-o a agir em
determinado sentido, de acordo com o que pensa que é esperado, manipulando dessa
forma a actuação do juiz. Exercem, desse modo, directa ou indirectamente pressão nos
magistrados, através das pessoas “atingidas” pelos seus julgamentos antecipados, os
chamados julgamentos paralelos, pois apesar da já reconhecida e referida função
auxiliar da investigação jornalística relativamente à judicial, há sempre a possibilidade
de provocar erros ou desvios,163
quer por intenção das fontes, quer pelo modo como a
notícia se reflectiu negativamente na investigação ou pela fiabilidade das provas, em
que há o perigo da realização da justiça à medida da opinião pública, ou seja, a
faculdade dada aos jornalistas de entrarem na sala do tribunal pode produzir
reinterpretações do real no sentido da sua aproximação às expectativas da comunidade,
159
SILVA, Germano Marques da, ob. cit. p. 28. 160
A imparcialidade de um juiz não supõe que este tenha que ser um juiz de fora, totalmente
isolado da realidade, significa que quando for confrontado com reportagens ou artigos da imprensa
relativos a um caso sub judice, “deverá manter-se aberto à evidência que diante dele é processualmente
colocado, decidindo unicamente em função daquela que considera pertinente”. MACHADO, Jónatas
E.M., ob. cit. pp. 562 e ss. Os problemas poderão complicar-se quando estivermos a analisar a influência
das informações publicadas pelos media sobre jurados ou testemunhas. 161
DOMINGUEZ, Daniela Montenegro Mota, Revista electrônica de Direito UNIFACS, “A
influência da mídia nas decisões do juiz penal”, n.º 14, 2009, disponível em
http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/507. 162
SHECAIRA, Sérgio Salomão, Estudos Criminais em Homenagem a Evandro Lins e Silva,
Editora Método, São Paulo, 2001, pp. 269 e 270. 163
Há quem veja os julgamentos paralelos como uma forma de provocar erros e desvios na
investigação judicial. MONTEIRO, António Pinto, ob. cit. p. 153.
34
podendo não corresponder à verdade judiciária.164
165
A consequência inevitável é a
instrumentalização do direito, isto é, através da confrontação da imprensa livre com o
julgamento justo166
surgem os julgamentos paralelos promovidos pelos meios de
comunicação social.167
O erro cometido na sala de audiência vai destruir por completo,
a vida de uma pessoa cujos efeitos serão devastadores, o arguido vai sofrer uma
ampliação extra desse mesmo erro, apesar de ser absolvido em tribunal, esta absolvição
não vai desfazer o sofrimento que foi causado antecipadamente pelo esse julgamento em
praça pública feito pelos meios de comunicação social e, mesmo que seja accionado o
direito de resposta, só vai acentuar este sofrimento. Mesmo que condenados pela justiça
o que é pior mas sim a repercussão social provocada por essa exposição, prejudicando a
própria ressocialização do arguido, a prevenção especial do agente.168
O efeito
devastador dos julgamentos paralelos pode verificar-se quer a nível pessoal, na sua
relação com a família e amigos, quer a nível profissional, pois para sempre a sua figura
vai ficar “manchada” e associada a um tipo de crime e, por mais que se tenha provado a
sua inocência em julgamento transitado em julgado, vai ser sempre perseguido pela
opinião pública, carregando o estigma de culpado de um crime que não cometeu.
Estigma que, por não se conseguir ultrapassar facilmente, terá que se recorrer à
psicologia e psiquiatria para o fazer desaparecer, tarefa árdua que compete aos
profissionais. Por isso o arguido não vai ter só o estigma de culpado mas também de
doente. In extremis, tal estigma poderá levar ao suicídio, por a pessoa não conseguir
ultrapassar a culpa, injustamente atribuída pelos media. E questionamo-nos, por isso, se
haverá uma verdadeira justiça e até que ponto é que os media se podem arrogar no
poder de destruir completamente a reputação e a vida de uma pessoa, falsamente
164
Idem. 165 Boaventura Sousa Santos diz-nos que “Os media recorrem às fontes judiciárias por
pretenderem assumir, aos olhos da sociedade, uma função de justiça que a justiça nunca conseguirá
atingir de forma satisfatória.” SANTOS, Boaventura de Sousa Santos, Revista Visão, “Tribunais e
Comunicação Social”, Impresa Publishing, 30 de Outubro de 2003, disponível em
http://www.ces.uc.pt/opiniao/bss/091.php, consultada em 06-07-2012 166
Ou free press vs fair trial. MACHADO, Jónatas E. M., ob. cit. pp. 558 e ss. Neste sentido no
caso Bridges v. California, o Supremo Tribunal americano entendeu que um juiz não poderia acusar um
jornalista por desrespeito pelo tribunal a não ser que houvesse um perigo claro e iminente para a
administração da justiça. Cf. http://supreme.justia.com/cases/federal/us/314/252/ 167
Temos como exemplo os casos portugueses Face Oculta ou o caso Casa Pia em que os
arguidos foram considerados culpados antes de serem julgados em tribunal, assistindo-se a um verdadeiro
“circo mediático” em torno deles que se traduz num julgamento em praça pública perante uma opinião
pública, que os considerou culpados. Mais uma vez, a Comunicação Social antecipou-se ao veredicto
final emitido por uma entidade legalmente competente, o juiz. 168 CARVALHO, Américo A. Taipa de, ob. cit. pp. 80 e ss.
35
protegidos pela liberdade de expressão que não pode servir como forma de afrontar a
dignidade humana, atropelando-se assim a presunção de inocência, assim a liberdade de
expressão deverá ser exercida com responsabilidade e respeito pela dignidade humana.
O princípio da presunção de inocência, como norma basilar do processo penal, não
exclui a liberdade de informar dos meios de comunicação, mas exige destes cautela e
reserva na divulgação dos actos judiciais. As notícias de um crime atribuído a uma
pessoa devem ser verdadeiras e possuir um conteúdo e uma forma de advertir o público
de que a pessoa acusada ainda não foi considerada culpada.169
Não se trata só da
violação grosseira dos direitos fundamentais do arguido, só da manipulação dos factos e
da informação que, veiculados de forma errónea vão, de certo modo, influenciar a
opinião pública, levada a cabo pela actuação irresponsável dos media, mas sim da
própria vida do arguido que é posta em causa. Para que haja uma justiça total e séria é
necessário defender as pessoas que, decorrente do que é escrito nos jornais, ao abrigo da
liberdade de imprensa, vêm a sua imagem e direitos violados. O princípio da presunção
de inocência existe para proteger quem é acusado de algum crime, mas na prática a
tendência que se tem verificado é que na generalidade o ser humano gosta e prefere
difamar, achincalhar, humilhar e culpar qualquer pessoa suspeita de ter praticado um
crime em vez de tomar como princípio que, de acordo com o nosso sistema penal e ao
serviço do processo acusatório, o arguido é constitucionalmente considerado inocente
até prova em contrário. Por essa razão é necessária a responsabilização penal dos que,
injustamente, atentam contra a dignidade humana da arguido, que ao ser difamado se
torna automaticamente em ofendido e vítima de um (suposto) julgamento paralelo
levado a cabo pelos media. Germano Marques da Silva, aborda a relação dos meios de
comunicação social com a presunção de inocência do arguido, dizendo que há uma
necessidade de alterar e melhorar o modo como a comunicação social aborda
determinadas questões criminais, condenando ou absolvendo na praça pública o
arguido, geralmente condenando, porque é o que vende mais.170 171 Também Fernando
169 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes, ob. cit. p. 168. 170
SILVA, Germano Marques da, Novos Desafios do Processo Penal, II Congresso de Processo
Penal, Coimbra, Editora Almedina, 2006 a), pp. 305 e ss. 171
Numa sociedade democrática, a liberdade de informação, plasmada no art.º. 37.º n.º 1, da
CRP é um instrumento imprescindível para informar, dar a conhecer factos, formar opiniões dos cidadãos,
por exemplo, sobre quem é que os vai representar num determinado cargo público. Neste aspecto vai
adquirir relevância e atinge o seu nível máximo de eficácia justificadora relativamente aos direitos de
personalidade, tais como a honra e imagem, muitas vezes postos em causa pelo direito à informação.
CANOTILHO,J. J., Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6ª ed. Coimbra: Almedina,
2002, p. 1266.
36
Martins, relativamente à complexa relação entre presunção de inocência e liberdade de
informação e a consequente influência dos órgãos de comunicação social no processo
penal, afirma que “a dificuldade vivida em sede de justiça, quando é certo que toda a
estrutura do processo é altamente atentatória dessa mesma presunção, desde a
investigação, à instrução, culminando com a obrigação em tribunal de o arguido ter de
sentar-se no banco dos réus. Aliás os próprios juristas reconhecem a contradição entre
os actos do aparelho tradicional e a intenção de salvaguarda da dignidade da pessoa
humana. Por isso devem minimizar-se todos os riscos de que o aparato da acusação
coincida num inocente”…“Mas nem a própria Constituição consegue obrigar que o
veredicto dos tribunais seja coincidente com o julgamento paralelo a cargo da opinião
pública. E esse muitas vezes resulta numa humilhação que nem a sentença consegue
apagar. A responsabilidade dos jornalistas exponencia-se, pois, nestes casos
confrontados que estão com os também constitucionalmente consagrados direito à
informação e dever de informar”.172
Os tribunais e a comunicação social são essenciais para o aprofundamento da
democracia pelo que, nas palavras de Paquete de Oliveira, é muito importante
“estabelecer formas de coabitação no mesmo espaço social, estabelecer a normatividade
(normas jurídicas e de conduta) que regule e permita a visibilidade da administração da
justiça e do seu lugar, os tribunais,”173
de modo a que sua administração seja ampliada
e não distorcida pelos jornalistas.174
E é por isso de extrema importância construir uma
relação mais virtuosa entre a justiça e a comunicação social desenvolvendo um
programa de conhecimento recíproco que vise impedir a perda de legitimidade de um e
outro pois é de conhecimento geral que as práticas discursivas e os objectivos a alcançar
pelos tribunais e comunicação geram uma potencial conflitualidade e incomunicação175
e, para tentar combatê-la, será necessário partir dessas diferenças e tentar encontrar
formas de entendimento e cooperação entre ambos.176
É na fase de julgamento que
172
MARTINS, Fernando, A Geração da Ética, Minerva, 2006, p. 169; MONTEIRO, António
Pinto, ob. cit. pp. 153 e ss; CARVALHO, Alberto Arons de, [et al], ob. cit. p. 207. 173
OLIVEIRA, José Manuel Paquete de, “A Comunicação Social e os Tribunais”, Revista Sub
Júdice 15/16, Editora DocJuris, Viseu, 2001, p. 27. 174
MONTEIRO, António Pinto, ob. cit. p. 156. 175
A incomunicação praticada pelos tribunais vai ter consequências ao nível do processo, pois as
“ primeiras condições de um modelo anti kafkiano são a comunicabilidade do processo - a própria
compreensão pelo arguido e pela sociedade das razões da acusação e, em geral, do processo concreto.”
MATA-MOUROS, Maria de Fátima, ob. cit. p. 11. 176
MONTEIRO, António Pinto, ob. cit. pp. 156 e ss.
37
podemos observar os efeitos da mediatização;177
com a transmissão do julgamento pelos
audiovisuais vai-se produzir um espaço de “encenação” que cria nas pessoas
sentimentos sobre os acontecimentos gerando novas formas de pensar sobre o assunto
em questão, misturando o real com o imaginário, o que vai produzir uma cisão entre a
justiça dita e a justiça feita em que o efeito de estigmatização vai ultrapassar os efeitos
que se podem aceitar como próprios do processo penal. Poderá, por isso, afirmar-se que
o princípio da igualdade é afectado na medida em que se deixa nas mãos dos órgãos de
comunicação o “poder” de manobrar os efeitos da ressonância da estigmatização do
arguido na sociedade.178
Por vivermos numa sociedade do imediatismo, do consumismo
desenfreado e de tudo o que é novo, a comunicação social tem vindo a assumir um
papel substituto da própria Justiça, de ingerência no seu funcionamento, “rejeitando” o
papel de mero relator de factos ao controlar o pensamento de quem receber a notícia,
determinado assim a forma de pensar da própria opinião pública. A forma de actuação
da imprensa revela a fragilidade do cidadão comum que se limita a absorver a
informação sem questionar e sem tentar adquirir novas perspectivas, traduzindo-se na
lógica do imediatismo o que agora é notícia, pode não o ser daqui a umas horas, “ em
que predomina o simples, o curto e o que vende bem.”179
Com uma visão mais pessimista, Cunha Rodrigues, vai mais longe ao chamar
“diabolização da justiça”180
à lógica de boomerang pela qual se procura que a
estigmatização que recai sobre os arguidos atinja, de certa forma e com causas
diferentes os agentes envolvidos no processo como magistrados que investigam, isto é,
para além do estigma que recai sobre o arguido, os magistrados também são arrastados e
arrasados pelo julgamento que fizeram, estando toda a vida a serem relembrados pelos
órgãos de comunicação social que se intitulam como (falsa) consciência que não os
deixa em paz. Elenca, igualmente, um vasto rol de problemas que rodeiam esta questão,
177
O julgamento possui um potencial de estigmatização que decorre da exposição pública das
pessoas, da retórica do processos e da própria forma de difusão dos factos. O aumento da publicidade vai
ampliar a representação do conflito ou do desvio alargando a esfera de impacto, intensificando o espaço
de reprovação social, pois é totalmente diferente ser julgado a quatro paredes, dentro de fronteiras ou sê-
lo com cobertura mediática em que o seu julgamento é transmitido para todo o universo. RODRIGUES,
José Narciso Cunha, “Justiça e Comunicação Social”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Director:
Jorge de Figueiredo Dias, Ano 7, fascículo 4.º, Outubro-Dezembro 1997, Coimbra, Coimbra Editora, pp.
562 e 563. 178
Idem. 179
ARAÚJO, Cláudia, Os crimes dos Jornalistas, uma análise dos Processos Judiciais contra a
Imprensa Portuguesa, Coimbra, Editora Almedina, 2010, p. 23. 180
RODRIGUES, José Narciso da Cunha, “ Justiça e Comunicação Social”, Revista Portuguesa
de Ciência Criminal, Director: Jorge de Figueiredo Dias, ano 7.º, fasciculo 4.º, Outubro-Dezembro 1997,
p. 563.
38
sendo os mais relevantes a “sobrepenalização” dos arguidos, pelas formas de
mediatização utilizadas, principalmente quando não se respeita a garantia constitucional
de que os arguidos devem considerar-se inocentes até ao trânsito em julgado da decisão
condenatória, a “espectacularização” da audiência, produzindo na comunidade
sentimentos contraditórios de trivialidade da justiça e estigmatização do arguido, grupos
ou classes sociais. 181
Esta é uma visão, um pouco redutora da actuação dos media no plano judicial,
ou seja, há “infeliz” tentativa de limitar a liberdade de imprensa. Sabemos que a
publicidade do processo penal e presença dos meios de comunicação social nos
tribunais, tirando os casos em que estes possam comprometer o sucesso da investigação
e do processo, é um factor que contribui positivamente para que os direitos do arguido
não sejam afectados. Jónatas Machado reforça a ideia de que a falta de publicidade e
transparência pode favorecer a ocorrência de graves violações dos direitos dos arguidos,
ou da boa administração da justiça, podendo ainda dar cobertura noticiosa a motivações
que sejam menos claras das autoridades policiais e judiciárias “ciosas de apresentar
resultados rápidos do seu trabalho, ou eventualmente, receosas de atingirem
determinados sujeitos particularmente poderosos e influentes ou de contenderem com
interesses instalados”.182
A publicidade do processo penal, custe a quem custar, é uma
forma insubstituível de controlo da justiça pela própria comunidade.183
III Direito Fundamental diminuído pela opinião pública através dos meios
de Comunicação Social
1 Liberdade de imprensa e actividade jornalística
Foi com Gutenberg, através da invenção da máquina gráfica que se concebeu o
conceito de imprensa, fazendo corresponder a essa liberdade o direito de todo o cidadão
181
RODRIGUES, José Narciso da Cunha, Comunicar e Julgar, Coimbra, Edições Minerva, p.
51. 182
MACHADO, Jónatas, E. M., ob. cit. pp. 563. A este propósito a jurisprudência constitucional
norte-americana tem vindo a permitir e garantir o acesso aos meios de comunicação em todas as fases
processuais, a não ser que no caso concreto se aponte para outra solução. Cf. Press Enterprise Co. v.
Superior Court of California, 478 U.S. 1(1986). 183
“O princípio da publicidade constitui uma dimensão constitutiva da vida política democrática
e o segredo e silêncio são inconciliáveis com esta publicidade democrática”.Apud, MATA-MOUROS, ob.
cit. p. 33,
39
de imprimir livremente, surgindo assim a liberdade de imprensa, decorrência da
liberdade de expressão, consagrada expressamente no art.º 38.º CRP, sendo regulada por
legislação própria nos termos da lei 2/99. Liberdade essa que se reflecte em três funções
que caracterizam a prática jornalística, são elas a função de informação, integração e de
controlo e é mediante essas que a imprensa se vai autonomizar e definir o papel do
jornalismo na sociedade, transformando-se numa arma contra a censura social a favor
do interesse público, surgindo-os, desta forma como uma espécie de 4.º Poder do
Estado.184
Jurgen Habermas defendia a comunidade mediática enquanto espaço de uma
esfera pública como lugar para livre troca de argumentos entre cidadãos de forma
universal e democrática.185
Nesse contexto, poderá considerar-se a liberdade de
imprensa como a principal impulsionadora dessa troca de argumentos, surgindo-nos
assim como uma manifestação da liberdade individual de expressão e opinião,
assumindo várias formas durante todo o seu processo de evolução até aos dias de hoje.
Inicialmente, tínhamos uma liberdade de imprensa como veículo de expressão das
várias correntes liberais clássicas, como garantia de uma verdadeira liberdade de
expressão política permitidas através da criação de jornais e do respectivo pluralismo de
informação que permitiam a divulgação de opiniões, com o decorrer do
desenvolvimento das comunidades políticas e da respectiva vida social, tornou-se
evidente que a liberdade teria novos alcances passando a encarar-se como um
importante “poder social” como pertença a um grupo restrito com capacidade para
atingir a esfera individual de qualquer cidadão em nome de um suposto interesse
público. Nas palavras de Cláudia Araújo somos confrontados com uma mercantilização
do jornalismo que provocou uma drástica mudança no modo de actuação dos jornalistas,
o objecto de notícia passou a ser encarado como um bem de consumo gerando
concorrência comercial entre os próprios meios de comunicação o que por sua vez
provoca um certo desleixo da função social do jornalismo, pois os media caiem no erro
de se deixarem levar pela guerra das audiências, não interessando a qualidade ou o
interesse da peça jornalística mas sim o potencial económico enquanto produto, quanto
objecto de venda.186
Assim deparamo-nos com uma limitada liberdade de imprensa,
pressionada pela rentabilidade e seguindo uma lógica do critério de audiências,
184
Cf. ponto 1 do capítulo II. 185
HABERMAS, Jurgen, Mudança Estrutural da Esfera Pública, Biblioteca Tempo
Universitário, 2.ª ed., Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro,1984, pp. 101 e ss. 186
ARAÚJO, Cláudia, ob. cit. pp. 70 e ss.
40
associada u uma desvalorização da prática jornalística ao nível da imprensa escrita,
provocada pela concorrência das novas tecnologias, como a Internet.
41
2 Direitos de personalidade – limite à liberdade de imprensa
A liberdade de imprensa e, consequentemente, a liberdade de expressão
constituem uma forma de exercício ligada à necessária participação activa na vida em
sociedade, constituindo um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática.
No entanto tal liberdade não pode estabelecer-se como absoluto num Estado em que
existem outro bens jurídicos de igual importância e que deste modo não podem ser
postos em causa. Para além dos limites internos próprios da actividade de imprensa,
temos os externos que restringem igualmente o seu âmbito de intervenção, os chamados
bens jurídicos incluídos nos direitos de personalidade, que servem de limite à actividade
jornalística representando, o “direito de exigir de outrem o direito da própria
personalidade”.187
A liberdade de imprensa, para além de constitucionalmente
consagrada no art.º 38.º, está, igualmente, garantida na lei ordinária, ao abrigo da lei
2/99 de 13 de Janeiro,188
cujos únicos limites a que está sujeita são os que decorrem da
própria Constituição e da lei, de forma a manter o rigor e a objectividade da
informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada,
à imagem à palavra dos cidadãos e a defender a ordem democrática.189
Para se verificar
a causa justificadora, deverá assumir como um interesse público.190
A imprensa cumpre
a sua função pública de informar, protegida pelas fontes fidedignas, o que implica a
boa-fé e convencimento da verdade da notícia, devendo o artigo ser escrito com
seriedade e rigor próprios do tratamento jornalístico, constituindo dessa forma um relato
objectivo e incisivo dos factos.191
Na sequência do exposto, Gomes Canotilho e Vital
Moreira afirmam que há certos limites ao exercício do direito de exprimir e divulgar
187
MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV- Direitos Fundamentais, 3.ª
ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2000, p. 59. 188
Integrando-se no direito fundamental dos cidadãos a uma informação livre e pluralista,
essencial para a prática da democracia, abrangendo desta forma o direito de informar, de se informar e de
ser informado, sem impedimentos nem discriminações não podendo ser impedido ou limitado por
qualquer tipo de censura. 189
Art.º 3.º da Lei de Imprensa 2/99 de 13 de Janeiro. 190
Ac. TRE, 9 de Novembro de 2004, Processo 1135/04, p. 14. Consultar COSTA, José
Francisco de Faria, Direito Penal da Comunicação, Coimbra, Coimbra Editora, 1998, pp. 59 e 60. 191
É necessário o cumprimento do fim que a imprensa, no exercício da sua função pública,
pretende atingir no caso concreto e por essa razão o meio utilizado não pode ser excessivo como também
deve ser o menos pesado possível para a honra do atingido pois qualquer excesso poderá ser suficiente
para empurrar a conduta para o âmbito do ilícito. DIAS, Figueiredo, DIAS, Jorge de Figueiredo Revista
de Legislação e de Jurisprudência, “Direito de Informação e Tutela da Honra no Direito Penal da
Imprensa Português,” Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 115, n.º 3697, 1982-1983, pp. 137 e
170.
42
livremente o pensamento. “A liberdade de expressão e informação não pode,
efectivamente, prevalecer sobre os direitos fundamentais do arguido cidadão ao bom
nome, honra e presunção de inocência. Alguns dos seus limites encontram-se plasmados
na lei penal, tal como a difamação,192
que não pode reclamar-se da manifestação da
liberdade de expressão e informação.”193
Embora limitado, o exercício da actividade
jornalística, no caso concreto, poderá justificar agressões à personalidade de
determinada pessoa (ofensas à sua honra) revelando-se necessárias e adequadas por
constituírem o único meio de concretizar o direito à informação. A informação prestada
pelos media deverá ser rigorosa e verdadeira, de forma a não defraudar o direito do
público a ser informado e não se impedir a plena formação de opinião pública,
característica duma sociedade democrática, devendo o jornalista colher as informações
em fontes fidedignas e estar convicto da verdade da informação que divulga.194
O
direito de informar não é, por isso um direito absoluto que possa conduzir à impunidade
do jornalista face aos factos divulgados.195
Parece assim desadequado a ideia genérica
da prevalência da honra sobre a actividade jornalística, apontada por alguma
jurisprudência nacional, estipulando como regra que o direito à livre expressão deve
ceder perante o direito ao bom nome, honra e reputação. 196
A liberdade de imprensa e o
direito de informação comportam limites legais entre os quais relevam a garantia, quer
de objectividade, de rigor e da verdade, do que é veiculado ao público, quer a
salvaguarda do direito à honra e bom nome, decorrências do princípio da presunção de
inocência do arguido.197
Os deveres elementares do jornalista enquanto profissional
192
A par do crime de injúrias. 193
Ac. do TRP de 21-03-2007, processo 6771/06. 194
Ac. STJ, 27 de Maio de 2008, Processo 08B1478. 195
O TC afirma que a liberdade de expressão não é um direito absoluto nem ilimitado, estando
sujeito aos limites imanentes do próprio direito em causa. Daí que a liberdade de expressão, presunção de
inocência, honra e bom nome não podem ser hierarquizáveis por estarem constitucionalmente garantidos
ao mesmo nível Ac. TRP, 21 de Março de 2007, Processo 6771/06. Relativamente ao direito à liberdade
de imprensa não é um direito absoluto e ilimitado e, tal como os outros direitos fundamentais, está
sujeitos às restrições do nr.º 2 do art.º 18.º da CRP, nos termos do qual a lei só poderá restringir os
direitos liberdades e garantias nos caos expressamente previstos na CRP, devendo as restrições limitar-se
ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. 196
A título de exemplo cf. acórdãos de 6-03-1996, Processo 9211008 e de 30-11-2000, processo
203/97 ambos do TRP, ver também acórdãos de 27 de Abril de 1995, Processo 0078496 e de 2 de
Fevereiro de 1995, Processo 0091832, ambos do TRL que fazem prevalecer o direito à honra e bom nome
relativamente à liberdade de imprensa, “O direito ao bom nome e reputação está acima e sobrepõe-se ao
direito de informação e crítica da imprensa.” 197
Refere-se igualmente o ac. 10 de Março de 2005 do TRL, Processo n.º 1413/05; “O direito de
informar não é, pois, um direito absoluto que possa conduzir, como é natural, à impunidade dos
jornalistas”, em que o problema coloca-se quando estivermos perante situações em que ambos os direitos
conflituam entre si e, a este propósito, importa referir que ambos os direitos devem ceder um perante o
43
pautam-se, assim, pelo respeito do rigor e objectividade da informação e pelos limites
acima referenciados. O facto é que os órgãos de comunicação social tendem a afastar
qualquer tipo de restrição que lhes possam prejudicar o trabalho, assumindo o direito de
informação como valor quase absoluto apelando à liberdade de expressão e evocando o
interesse o interesse público acima tudo como justificação plena da sua actividade
profissional, em nome da defesa social, por outro lado, este “público” que beneficia da
dita defesa social, admite o sensacionalismo e a falta por vezes de rigor e respeito que,
tantas vezes caracterizam a actividade dos media. Por isso, se actividade jornalística
ofender, sem estar abrangido pela causa justificadora, e ameaçar a personalidade moral
violando a presunção de inocência do arguido o agente encontra-se a abusar da
liberdade e a violar ilicitamente os direitos alheios e, nesse sentido, mesmo antes de se
verificarem concretamente os interesses e valores em contraste, o direito ao bom nome e
honra sobrepõe-se ao direito de informação e liberdade de imprensa.198
Como já foi referido, tanto a liberdade de imprensa como os direitos de personalidade se
referem a direitos, não absolutos e não hierarquizáveis, constituindo-se como autênticos
direitos fundamentais, consagrados a título constitucional, o que significa que carecem
do mesmo tipo de protecção por beneficiarem do mesmo valor jurídico: tratarem-se de
bens jurídicos intrínsecos à prática da democracia e como tal não podem ser postos em
causa. É através dos bens jurídicos integradores do direito de personalidade que o “
sujeito afirma a sua individualidade e irrepetibilidade perante o ambiente que o rodeia”,
199 garantindo-se deste modo a protecção do uso indevido das suas “características
individualizadoras e identificadoras”.200
Para tentar compreender até que ponto
constituem tais bens jurídicos um limite ao exercício da liberdade de empresa é
importante conhecer a sua concepção e o seu modo de actuação para aferir da
necessidade da sua protecção. Quanto ao bem jurídico honra, passa pela representação
que os outros têm sobre o valor de uma pessoa, é reforçada a ideia de que a honra só
outro e nunca se anularem a si mesmos, ac. STJ, 27 de Maio de 2008, Processo 1478/08; ac. TC n.º 81/84
publicado no D.R. II Série, de 31 de Janeiro de 1985.
A liberdade de expressão quando manifestada na veste de imprensa ao serviço da comunicação
social, não constituiu um direito absoluto e ilimitado que se possa sobrepor aos demais direitos e valores.
O direito a exprimir livremente o pensamento, está sujeito a limitações decorrentes do conflito de direitos
existente entre direitos fundamentais, como é o caso em questão. Como tal não são hierarquizáveis e não
poderão ser considerados absolutos dado o seu valor fundamental, “tanto o direito ao bom nome e
reputação como o de liberdade de expressão e informação estão constitucionalmente reconhecidos e
garantidos ao mesmo título, sem qualquer hierarquia”. 198
Ac. STJ, 26 de Abril de 1994, CJ, Tomo II, p. 54. 199
MACHADO, Jónatas, E.M., ob. cit. p. 752. 200
Idem.
44
poderá ser sacrificada pela própria pessoa que a detém, ou seja, a cada um cabe decidir
como zelar a sua honra, a dignidade moral da pessoa,201
em que o seu conteúdo é
constituído basicamente por uma pretensão de cada um ao reconhecer a sua dignidade
por parte dos outros, ou seja, a cada um cabe zelar pela sua honra. Se não houver a
observância social desta condição, vai acarretar a impossibilidade da pessoa realizar os
seus planos de vida e os “ideais de excelência na multiplicidade de contextos e relações
sociais em que intervém.”202
O bem jurídico-constitucional ao ser delineado desta
forma, apresenta tanto um lado individual (o bom nome) como outro social (a reputação
ou consideração) ambos fundidos numa pretensão de respeito que está relacionada com
uma conduta negativa dos outros, isto é, uma pretensão a não ser vilipendiado ou
depreciado no seu valor aos olhos da comunidade.203
A imagem que se cria de alguém
influencia a maneira como a encaramos na comunidade e o tipo de tratamento que lhe
damos, logo, a honra constitui-se num forte instrumento de ligação social que fortalece
as relações interpessoais. Contrariamente, se for influenciada em sentido negativo, fará
com que a pessoa, que vê a sua imagem desonrada, sofra consequências ao tornar-se
vítima de um autêntico julgamento social em que, “a difamação pode funcionar como
mecanismo de exclusão e estigmatização do indivíduo, como outsider afectando a sua
auto-estima e o seu sentido de pertença à comunidade política como membro de pleno
direito”204
por o Homem ser, no dizer de Aristóteles, um animal social e não uma
ilha.205
Portanto, para salvaguardar a integridade moral terá que se preservar toda a
condição do individuo enquanto tal e evitar que este esteja isolado da sociedade, tendo
os media um importante papel no construir da reputação individual pois tanto podem
valorizar como denegrir a honra de qualquer pessoa provocando um impacto negativo
na opinião pública que por sua vez irá fazer o seu próprio julgamento. O limite imposto
aos media surge-nos como um modo de afastar os juízos de valor prejudiciais ao bem
estar da vida social. No dizer de Jónatas Machado, e com o qual estamos inteiramente
de acordo, a questão da reserva da intimidade não passa por saber se os factos relatados
são ou não verdadeiros mas sim se as imputações feitas dizem ou não respeito à esfera
privada da pessoa, e é neste aspecto específico que o direito de reserva à intimidade
201
A CRP consagra, entre vários direitos da personalidade, o direito ao bom nome e reputação
(art.º 26.º) em que a tutela penal desse direito é assegurada pelos arts. 180º e 181º do CP que, na descrição
típica utilizam a expressão “ofensivos da honra ou consideração.” 202
Ac. STJ, 17 de Março de 1998, Processo 264/98, p. 5. 203
Idem. 204
MACHADO, Jónatas, ob. cit. p. 762. 205
Expressão original, “no men is no Island”, criada por John Donne.
45
privada se apresenta como principal limite à actividade jornalística. Caso o interesse de
quem informa se situe no domínio puro do privado, sem qualquer dimensão pública, o
direito ao bom nome e honra e reputação não poderá ser sacrificado para salvaguardar
uma “egoística liberdade de expressão e informação.” É uma jurisprudência que está
acordo com a do TEDH, segundo a qual há pouco espaço dentro do n.º 2 do art.º 10.º da
CEDH, para restrições nas questões relevantes para a sociedade.206
206
MOTA, Francisco Teixeira da, O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e a Liberdade de
Expressão- os casos portugueses, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, ob. cit. p. 23.
46
3 Protecção jurídico - penal: responsabilização penal
Relativamente ao direito à reserva da vida privada, corolário do princípio
constitucional da presunção de inocência, terá que ser delimitado em função das
circunstâncias em causa, caso estejamos a tratar de cidadão comum ou de uma figura
pública, com relevo social. O direito penal só deverá intervir a nível subsidiário, isto é,
quando a tutela conferida pelos outros ramos do ordenamento jurídico não for
suficientemente capaz para acautelar a manutenção desse bens considerados vitais ou
fundamentais à existência do próprio Estado e da sociedade,207
mas atendendo aos
direitos à honra e a reserva da intimidade privada, em regra o nível de tutela que lhe é
atribuído é o da tutela penal em detrimento da tutela civil.208
Acrescenta-se que, por
força do princípio da suficiência da jurisdição, o indivíduo poderá valer-se do
mecanismo de responsabilidade penal juntamente com o da responsabilidade civil,
desde que reunidos os pressupostos do tipo legal. No âmbito do direito à honra, ou seja,
no caso de haver ofensas à integridade moral, a tutela penal vai ser mais limitada na
medida em que se vai especificar os tipos de ameaças que constituem crime, punível por
lei. Embora o nosso ordenamento jurídico-penal consagre uma concepção ampla da
honra, integrando tanto a consideração como reputação exteriores. O direito à
integridade moral é deste modo protegido, por via dos crimes de difamação e injúria
previstos, respectivamente nos arts. 180.º e 181.º do CP. A condição sine qua non para
que seja desencadeado o mecanismo da responsabilidade penal é a invocação de danos
207
Há vários níveis de tutela da personalidade: os meios preventivos, que englobam a auto e
hétero-regulação e os meios repressivos, que são constituídos pela tutela civil, disciplinar e penal; tutela
disciplinar e correspondente responsabilidade disciplinar; tutela contra-ordenacional; meios reparadores
caracterizados pelo direito de resposta. Para um maior aprofundamento da questão ver FIDALGO,
Joaquim. O Lugar da Ética e da Auto- Regulação na Identidade Profissional dos Jornalistas, Fundação
Calouste Gulbenkian, 1.ª ed., 2009; ARAÚJO, Cláudia, ob. cit. pp. 280 e ss., MOREIRA, Vital, ob. cit.
p.11. Consultar www.erc.pt e www.ccpj.pt/ccpj.htm. 208
No campo juscivilístico, de acordo com a teoria das esferas, originária da doutrina alemã,
consiste na divisão da intimidade em cinco esferas distintas: a esfera pública, relativa a figuras públicas,
que permite a existência de um área acessível ao público, independente de autorizações; uma esfera
individual-social que se reporta às relações sociais, entre amigos, colegas e conhecidos; uma esfera
privada que engloba o círculo da família e amigos mais chegados; uma esfera secreta que abrange o
âmbito que o próprio tenha decidido não revelar a ninguém e, por último, uma esfera íntima que se
reporta à vida sentimental ou familiar e que tem tutela absoluta, ou seja, independente de qualquer
decisão judicial. Esta teoria das esferas tem relevância prática aquando da necessidade de definir a
extensão da reserva, como refere o nº2 do artigo 80º CC, artigo este que consagra a tutela civil do direito
à reserva sobre a intimidade privada, abrange todas as formas de violação da vida privada, seja na forma
de divulgação, seja na forma de recolha das informações, seno que a tutela assim formulada limita, de
certo modo a actividade jornalística. CORDEIRO, António Menezes, Tratado De Direito Civil, Tomo III,
2ª ed., Almedina, 2007, p. 240 e 241 e SOUSA, Rabindranath Capelo de, O Direito Geral de
Personalidade, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, p. 303 a 305.
47
patrimoniais ou morais, resultantes do acto lesivo que esteja em causa, a acrescentar ao
facto de, por se tratar de crimes particulares, vai depender de queixa e acusação
particular, excepcionando os casos previstos no arts. 184.º e 187.º do CP. Caberá por
isso ao arguido a prova dos requisitos legalmente exigidos, não se aplicando o disposto
no art.º 487 n.º1 do CC segundo o qual é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor
da lesão, a verificação do facto tem como consequência directa a não ilicitude e não
punibilidade da conduta.209
Tanto a difamação como a injúria se referem a imputações
ofensivas da honra ou consideração feitas a outra pessoa, no entanto a injúria distingue-
se daquela por ser feita perante a própria vítima enquanto a difamação é perpetrada
através de terceiros. Nas palavras de Cláudia Araújo, “é perceptível que os atentados
contra a honra feitos através da comunicação social se englobem globalmente nos
crimes de difamação e não nos de injúria”.210
E é por essa razão que nos debruçamos
essencialmente no crime de difamação e não no de injúria. Para que um facto ou juízo
possa ser havido como ofensivo da honra e consideração devida a qualquer pessoa, deve
constituir um comportamento com objecto eticamente reprovável para que a sociedade
não lhe fique indiferente, reclamando a tutela penal de dissuasão e repressão desse
comportamento, supondo por isso a violação de um mínimo ético necessário à
salvaguarda sócio - moral da pessoa, da sua honra e consideração”.211
Quando haja
emissão de juízos de valor, capazes de desacreditar, desprestigiar e diminuir
socialmente o ofendido, e por isso ofensivos da honra e consideração sobre uma pessoa
através da imprensa, integra a materialidade típica do crime de difamação cometido
através de meio de comunicação social, nos termos dos arts.180.º n.º 1 e 183.º n.º 2 do
CP. O regime entre nós vigentes permite ao arguido a impunibilidade se se verificarem
dois requisitos essenciais, a realização de interesses legítimos e a exceptio veritatis. No
campo do direito de expressão e informação, para que o autor do escrito, arguido e
jornalista, consiga excluir a ilicitude da sua conduta precisará de provar que, pelo
menos, fundadamente, acreditou na verdade do que escreveu, após ter cumprido o seu
dever de esclarecimento e comprovação e o dever da verificação da verdade da
209
Esses requisitos são a exigência da realização de um interesse legítimo e a admissão da
exceptio veritatis em que há um fundamento sério para julgar verdadeira a afirmação, no caso particular
de estar a ser discutido temas de relevante interesse público. MACHADO, Jónatas, E. M., ob. cit. pp. 780
e 781; 210
ARAÚJO, Cláudia, ob. cit. p. 80. 211
Ac. TRG, 18 de Fevereiro de 2002, Processo 1061/02-1.
48
imputação, a exeptio veritatis.212
213
Relativamente ao interesse legítimo passa assim
pela “existência e a integridade de uma esfera de discurso público” de modo a que se
verifique uma “efectivação prática dos princípios estruturantes” caracterizadores de um
sistema democrático, constitucional e funcional.214
Quanto à causa de justificação
prevista no n.º 2 do art.º 180 do CP, a exceptio veritatis referida quanto “à existência de
um fundamento sério para julgar verdadeira a afirmação”,215
apenas deverá ser aplicável
à imputação de factos ou à reprodução da correspondente imputação, pelo que não
abrange a formulação de juízos ofensivos, a atribuição de factos genéricos e abstractos.
Por trás dessa causa justificativa encontra-se o dever, por parte do arguido-jornalista, de
averiguar previamente a verdade da imputação, de acordo com as circunstâncias do
caso. De acordo com o n.º 3 do art.º 180.º do CP, a prova da verdade dos factos, a
chamada exceptio veritatis, somente não é admitida quando se tratar da imputação de
um facto relativo à intimidade da vida privada e familiar. Porém, nesses casos, a
conduta não será punível desde que ocorra alguma das causas de exclusão de ilicitude
previstas no art.º 31.º do CP (quando o facto tenha sido praticado no exercício de um
direito, no cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem legítima de
autoridade, ou com consentimento do titular do interesse jurídico lesado).216
A
protecção deste direito é accionada pela conjugação do art.º 26.º da CRP com o art.º
192.º do CP, em que ambos consagram uma concepção material do bem jurídico
intimidade no sentido de que é “a natureza ou conteúdo específico dos eventos ou
vivências que determina a sua pertinência à esfera e ao regime do correspondente bem
jurídico-penal”, fazendo alusão ao crime de devassa da vida privada.
Relativamente à relação entre a liberdade de imprensa com o direito à reserva da
intimidade, é regulada pela teoria das esferas, já anteriormente mencionada no âmbito
da responsabilidade civil, definindo-se até que ponto podem os media interferir na
reserva íntima da pessoa e em que situações é que tal intromissão pode ser considerada
legítima. A legitimidade, mais uma vez, é aferida consoante se trate ou não de uma
figura pública e haja a respectiva autorização para a reprodução e divulgação dos factos
212
“O elemento emocional é decisivo para que se possa afirmar o carácter doloso da actuação do
arguido, pelo que, a sua falta equivale à não verificação do elemento subjectivo do tipo legal do crime de
difamação.” Ac. TRP, 10 de Outubro de 2010, Processo 872\09.3. 213
BRITO, Iolanda A.S. Rodrigues, ob. cit. pp. 341 e ss. 214
MACHADO, Jónatas E. M., ob. cit. p. 784. 215
Idem. 216
MACHADO, Jónatas E.M, ob. cit. p.783; CARVALHO, Alberto Arons de, [et al], ob. cit. pp.
211 e ss.; ANDRADE, Manuel da Costa, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal: uma
perspectiva Jurídico - Criminal, Coimbra Editora, Coimbra, 1998, pp. 212 a 217.
49
que estejam em causa. Esta distinção entre cidadão comum e figuras públicas justifica-
se pelo facto de a liberdade de expressão necessitar da existência de uma esfera de
discurso público em que possam ser debatidos temas de interesse geral, políticos e
sociais, o que nos obriga a destacar quais as figuras que integram essa esfera como
titulares de cargos públicos e figuras públicas.
4 Conflito de direitos e os excessos de linguagem da Comunicação Social
Os direitos de personalidade são caracterizados como direitos, por um lado, ditos
absolutos, que beneficiam da oponibilidade erga omnes, tendo como titular desse
direitos poderes directos e imediatos sobre o bem global da sua personalidade, por
outro, como são direitos irrenunciáveis e intransmissíveis, no sentido em que são
insusceptíveis de serem transferidos de um sujeito jurídico para outro, ou seja, são
inseparáveis, inerentes à pessoa do seu titular, próprio da característica de
indisponibilidade. Tal como os direitos de personalidade, a própria liberdade de
imprensa, em que o seu regime está consagrado na CRP nos arts. 25.º e 26.º e arts. 37.º e
38.º, respectivamente. Beneficiam, por isso, do mesmo tipo de forca jurídica por ambos
representarem autênticos direitos fundamentais.217
Para além da consagração
constitucional, temos para os direitos de personalidade a tutela geral enunciada no art.º
70.º CC e para a liberdade de imprensa, o art.º 1 da lei 2/99, “ A liberdade de imprensa
abrange o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos e
discriminações”, e “o exercício deste direitos não pode ser impedido ou limitado por
qualquer tipo ou forma de censura”. Para além disso, o art.º 10 da CEDH, reforça a ideia
da protecção da liberdade de imprensa, ao admitir a existência de uma liberdade de
transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer
autoridades públicas. No, entanto no n.º 2 do citado artigo, o exercício de tal liberdade,
embora considerado como pleno, está sujeito a deveres e responsabilidades que
constituem seu limite, podendo exercício de tal direito ser submetido a certas
formalidades, condições restrições ou sanções que constituam providencias necessárias,
numa sociedade democrática, para a protecção da saúde e da moral e para a protecção
da honra ou dos direitos de outrem. Será que o direito à liberdade terá sempre que ceder
217
COSTA, José Francisco de Faria, ob. cit. pp. 52 a 55.
50
perante direita personalidade? Terá este n.º 2 carácter imperativo, sem possibilidade de
qualquer ponderação? Ou tal cedência depende de uma análise casuística? Como
contrabalançar tais interesses? Como resolver tal colisão de direitos, cambos
consagrados e reconhecidos como direitos constitucionais e internacionalmente
fundamentais? Ao nível interno, o art.º 335.º do CC poderá estar na base da resolução
do tal conflito. Muitas vezes o exercício de direitos subjectivos cria situações de
conflito. Estamos perante um conflito de direitos quando o exercício do direito de uma
das pessoas, isoladamente considerado, é incompatível ou inconciliável com o exercício
de direito de outra pessoa, também isoladamente considerado. O art.º. 335.º cuja
epígrafe é precisamente colisão de direitos, distingue duas situações no n.º 1 e 2218
,
sendo o objectivo primordial deste artigo distinguir situações em que os direitos
conflituantes podem ser hierarquizados onde tais direitos comportam entre eles uma
relação de paridade. É necessária uma ponderação dos direitos em causa, que deverá ser
feita casuisticamente. No caso em questão há que respeitar o principio da igualdade,
tratar igual o que igual e diferente o q eu diferente. O n.º 2 do preceito consagra que “
prevalecer o que deverá considerar-se superior”. Mas qual será o superior? A
prevalência de um ou outro deverá ser feita de acordo com o caso concreto. Por um lado
dar primazia ao direito de personalidade e noutros casos ao direito com ele conflituante,
liberdade de imprensa. A análise casuística presente no art.º 335.º do CC para resolver
situações de colisão de direitos assenta numa base de ponderação a que esta subjacente
o princípio da proporcionalidade em sentido amplo ou da proibição do excesso.219
Citando Jónatas Machado, tal princípio “apresenta-se como um metaprincípio
vocacionado para resolução de conflitos entre direito e interesses constitucionalmente
protegidos, procurando alcançar, um ponto óptimo de máxima efectividade ou de
clímax entre bens jurídicos, situado o mais longe possível do respectivo conteúdo
essencial, fornecendo critérios que assegurem a justeza intrínseca do processo de
ponderação”.220
O art.º 18 da CRP vem, deste modo, concretizar e reforçar este ideia
considerando tal princípio como núcleo central dos requisitos materiais exigidos às
218
O n.º 1 enuncia situações em que a colisão se refira a direitos iguais ou da mesma espécie e o
n.º 2 refere-se à colisão de direitos desiguais ou de espécie diferente. Podendo ser considerados iguais
dois direitos à honra que estejam em conflito, na medida em que a satisfação de um exige a ofensa do
outro e podem ser considerados desiguais ou de espécies diferente um direito de personalidade e um
direito à liberdade de expressão, com o caso do objecto de estudo em causa. 219
“O princípio da proibição do excesso é, actualmente, pode dizer-se, a autêntica chave de
resolução da esmagadora maioria dos problemas de direitos fundamentais. NOVAIS, Jorge Reis, Direitos
Fundamentais: Trunfos Contra a Maioria, Coimbra Editora, 2006. p. 101. 220
MACHADO, Jónatas, ob. cit. pp. 727.
51
restrições dos direitos fundamentais. Com isto, qualquer restrição de uma posição
jurídica tutelada por uma norma de direitos fundamentais terá que observar três
critérios: idoneidade ou adequação – a medida deverá ser apta à prossecução do fim
visado com ar restrição; necessidade; de entre todas as medidas possíveis aptas a
realizar, de forma igualmente eficaz o fim pretendido, deve ser escolhida a menos
agressiva par ao titular do direito; proporcionalidade em sentido restrito – a importância
do fim, obrigatoriamente legítimo, prosseguido pela restrição e a medida da realização
através do meio escolhido devem estar numa relação razoável, adequada à medida e
importância dos efeitos produzidos na esfera do titular do direito. A esse propósito,
Vieira de Andrade diz-nos que, por a nossa ordem jurídica ser “uma ordem
constitucional aberta e pluralista”,221
a harmonização dos valores tutelados terá que ser
resolvida, caso a caso, de modo a respeitar no máximo possível, todos os direitos em
confronto e a impedir o aniquilamento do conteúdo essencial de cada um deles como
sugere o n.º 3 do art.º 18.º da CRP, em que está excluída uma harmonização em
abstracto,222
não podendo existir nenhuma preferência abstracta a favor nem do direito
de liberdade de imprensa nem do direito de preservação da honra. Esta vertente do
equilíbrio exige que os benefícios que se esperam alcançar com uma medida adequada e
necessária suplantem à luz de certos parâmetros materiais os custos que ela poderá
acarretar. Se uma medida concreta não for simultaneamente adequada, necessária e
equilibrada ao fim em vista com a sua adopção ela será desproporcional. Caberá ao juiz
o poder de avaliar tal desproporcionalidade e decidir contrabalançando o bem da
dignidade humana e o bem da liberdade de imprensa, imprescindível para a democracia
em que vivemos, com base da veracidade dos factos e na justificação do interesse
legítimo em causa. Facto é que tal ponderação deverá ser alvo de uma análise casuística
pois o sistema carece de uma lista de critérios base que pudesse ser tido em conta
aquando do momento da decisão final. Contudo, mesmo sem uma lista definida, há uma
tendência na jurisprudência portuguesa tomar rumo num sentido específico o
reconhecimento da dignidade humana como valor supremo da ordenação constitucional
democrática em que o direito à honra, ao bom nome e por conseguinte a presunção de
inocência estão acima da liberdade de expressão e informação. Esse reconhecimento
221
ANDRADE, José Carlos Vieira de, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de
1976, 4ª ed., Coimbra, Editora Almedina, 2010, p. 108. 222
DIAS, Jorge de Figueiredo Revista de Legislação e de Jurisprudência, “Direito de Informação
e Tutela da Honra no Direito Penal da Imprensa Português,” Revista de Legislação e Jurisprudência, ano
115, n.º 3697, 1982-1983, p. 102.
52
feito pelos tribunais portugueses vai impor que a colisão desses direitos deva, em
princípio, resolver-se pela prevalência daquele direito de personalidade (n.º 2 do art.º
335 do CC), só assim não sucedendo quando, em concreto, concorram circunstâncias
susceptíveis de, à luz de relevante interesse publicado, justificar a adequação da solução
oposta. Tendo ambos natureza constitucional e havendo em situações de confronto de
dois direitos com a mesma hierarquia constitucional, o TRC acabou por decidir que a “a
colisão entre ambos vai conduzir, em princípio, à necessidade de compressão do
segundo”, sustentando-se a tese da prevalência da honra sob a liberdade de expressão,223
com a qual não concordamos pois o eventual conflito terá que ser resolvido segundo o
caso concreto e por isso não se poderá “à partida” conceder prevalência ao direito à
honra face à liberdade de imprensa. Quando o direito à honra “entrar em conflito com o
direito de liberdade de imprensa, há que resolvê-lo, coordenando-o um com o outro, de
forma a distribuir proporcionalmente os custos desse conflito, sem atingir o núcleo
essencial de cada um deles”, “se partirmos da ideia de não primazia de qualquer dos
direitos fundamentais, parece razoável que se vise a sua coordenação proporcionada,
havendo que tentar a eficácia óptima dos dois preceitos em conflito, sem aniquilar
nenhum no seu conteúdo essencial.”224 Deverá por isso atender-se ao caso concreto por
se tratar de direitos que tem tutela constitucional em que nenhum deles sobreleva os
outros, devendo cada um ceder o estritamente necessário e em termos proporcionais de
modo a possibilitarem a concretização adequada deles mesmos, em que a necessidade,
adequação e proporcionalidades são os princípios básicos para a conjugação prática do
exercício concreto desses direitos. Daí que o STJ declarou que o princípio norteador da
informação jornalística deverá ser o de causar o menor mal possível, pelo que quando
ultrapassarem os limites de necessidade ou quando os termos forem, de per si,
injuriosos, a conduta será ilegítima. 225 No estudo feito por Cláudia Araújo conclui-se
que, “ a maioria dos processos-crime que chegam a julgamento (…) resulta na
absolvição dos meios de comunicação social”.226
Mas será que a absolvição tem lugar
apenas ao nível das instâncias internas ou será que os órgãos de comunicação social só
223
Ac. do TRC, 18-04-2001, CJ, ano XXVI (2001), Tomo II, p. 53. Há uma parte da doutrina
que, no conflito de direitos fundamentais contrapostos, defende a absolutização do direito ao bom nome,
(honra) e reputação (consideração), art.º 26.º da CRP em razão do sacrifício do direito de informação, o
que não se pode aceitar dado que ambos têm o mesmo valor e dignidade constitucional e não são
hierarquizáveis entre si. 224
Ac. STJ, 12 de Janeiro de2000, BMJ, 493, pp. 156 a 170. 225
Ac. STJ, 17 de Outubro de 2000, CJ ano VIII, (2000), Tomo III, pp. 78 a 81. 226
Disponível em: http://www.publico.pt/Media/processos-contra-jornais-estao-a-aumentar-e-a-
classe-politica-e-a-principal-queixosa_1444508
53
conseguem a devida protecção e consequente absolvição, quando esgotadas as vias
judicias internas, terem que recorrer ao TEDH? Dos acórdãos analisados verificamos a
existência de duas correntes diferentes,227
por um lado, temos uma linha maioritária dos
tribunais superiores que continua a conceder prevalência ao direito à honra aliado ao
princípio da presunção de inocência face à liberdade de expressão, por outro, tem vindo
a admitir-se, consideravelmente, a partir do séc. XXI, a justificação de ofensas à honra
através da liberdade de imprensa, desde que verificados determinados requisitos. Esta
via de entendimento justifica-se pelo facto de os tribunais estarem a aceitar cada vez
melhor o valor da liberdade de expressão face ao direito à honra, talvez justificado pelo
aumento de vivências de carácter democrático. Por fazermos de um Estado de direito
democrático, a acção desencadeada pelos media tem vindo a ser considerada e
compreendida não como uma forma de agressão à esfera privada, pessoal e individual
da pessoa, mas como uma forma de exercer democraticamente a cidadania, preenchidos
os requisitos legalmente exigidos.228
Em primeiro lugar a notícia divulgada deverá ter interesse legítimo e público (e
não do público), em segundo, os meios de expressão utilizados não deverão ser
excessivos e por último que se verifique a exceptio veritatis, em que, na pendência de
um processo, se contra o jornalista for intentada uma acção judicial, ele deverá
explicitar as razões que lhe permitiram considerar objectivamente fundamentados os
factos e imputações dirigidas, e por isso ser justificada a sua conduta.229
Os efeitos da
ofensa, com repercussões negativas na esfera pessoal do assistente serão justificáveis à
luz do interesse público, exigido para que a conduta não seja considerada ilícita, desde
que não extravase os limites exigidos pelo cumprimento da função pública da imprensa,
e se mostre um meio adequado e razoável ao interesse público na divulgação da notícia
em causa e que, em razão do fim prosseguido, do meio empregue e da forma correcta
227
Aprendemos com as posições da doutrina e a jurisprudência que embora não exista um
modelo de solução, um critério geral e abstracto para a resolução de conflitos de direitos, há sempre a
necessidade de decidir esses conflitos de direitos e descobrir qual a via indicada para que se harmonize os
direitos em conflito ou, se necessário, dar prevalência a um deles, conjugando o princípio da
proporcionalidade com os ditames da necessidade e da adequação de acordo com as circunstâncias do
caso concreto, dendo sempre em conta os valores jurídicos ínsitos nos textos legais. BRITO, Iolanda A.S.
Rodrigues, ob. cit. pp. 155 e ss; MACHADO, Jónatas E. M., ob. cit. pp. 805 e ss. 228
No Ac. TRP, 20-06-2012, processo 7132/09.8, estipula que numa sociedade democrática, a
liberdade de expressão reveste a natureza de verdadeira garantia institucional, impondo por vezes, um
recuo da tutela jurídico-penal da honra. Recuo, que tem que ser justificado por um correcto exercício da
liberdade de expressão, aferido pelo interesse geral. 229
A este propósito não é de mais referir o ac. STJ de 27 de Maio de 2008, processo 08B1478,
mencionando que “a liberdade de imprensa deverá estar condicionada pela relevância social do facto a
qual pode advir do facto em si mesmo ou da importância da pessoa a que é importado ou atribuído”.
54
utilizada, o sacrifício pessoal do direito à honra se revelar proporcionado por não ser
excessivo. 230
No panorama nacional, como referimos anteriormente, a tendência vai no
sentido de privilegiar a protecção da esfera pessoal em detrimento da esfera pública,
como podemos constatar no caso “Sporting – Público”. “No caso vertente ocorre um
conflito concreto entre o direito de personalidade na vertente de crédito e bom nome de
uma pessoa colectiva de utilidade pública e o de liberdade de informação através dos
meios de comunicação de massa, que não pode deixar de ser resolvido em termos de
prevalência do primeiro em relação ao último”. 231
Estava em causa uma notícia
publicada em 2001 sobre dívidas fiscais do Sporting, tenho este recorrido aos tribunais
para defender seu bom nome; o TPI ilibou o jornal Público e os jornalistas que
colaboraram na notícia, sentença que viria a ser confirmada pelo TRL a 19 de Setembro
de 2009. Em Março de 2007, o STJ inverteu a decisão, condenando o jornal ao
pagamento do Sporting de 75 mil euros, por afectação negativa do seu crédito e bom
nome, considerando não haver “ concreto interesse público na divulgação do que foi
divulgado”.232
O que significa que, com base neste exemplo e na análise de alguns
acórdãos233
parece-nos que a CRP atribuiu maior consistência, protecção jurídica e
densidade a alguns direitos fundamentais, aplicando critérios metódicos e abstractos que
orientem a tarefa de ponderação e ou harmonização concretas, tidas como o princípio da
concordância prática e a ideia do melhor equilíbrio possível entre os direitos
colidentes”,234
dando primazia, quando perante uma situação de colisão de direitos, ao
direito de personalidade.
Ao contrário do que se passa em Portugal, a nível europeu vem-se assistindo à
“elevação” para primeiro plano a defesa do exercício da liberdade de expressão, pedra
angular da democracia, em prol da garantia dos princípios democráticos. No seio da
União Europeia surgiu, pelas mãos do Comité de Ministros do Conselho da Europa aos
Estados Membros, a Recomendação 13 de 2003, com o objectivo de regular as relações
dos media com a justiça e, consequentemente a difusão de informação, pelos meios de
230
Idem. 231
Disponível em: http://diariojuridico.blogs.sapo.pt/1652.html 232
Disponível em:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/2977b1d06e94b2e5802572980
0577374?OpenDocument 233
Disponível em: www.dgsi.pt 234
Ac. STJ, 5 de Março de 1998, processo 87.897.
55
comunicação social, relativa a processos penais e, a esse propósito, o princípio da
presunção de inocência não foi esquecido. A Recomendação lembra que “os meios de
comunicação social têm o direito de informar o público e este o direito de receber
informações, inclusive sobre questões de interesse público, nos termos do art.º 10.º da
CEDH e que aqueles têm o direito profissional de o fazer.” E igualmente que o direito à
presunção de inocência, garantido pelo art.º 6.º da CEDH constitui uma das exigências
fundamentais que deve ser respeitada em toda a sociedade democrática e, caso haja
interesses, eventualmente, conflituantes, que estejam protegidos pelos arts. 6.º e 10.º da
presente Convenção. E é necessário, para assegurar um equilíbrio entre eles, a
intervenção do TEDH que garante o respeito pelos compromissos contratados no âmbito
da presente protecção dos direitos e interesses em jogo no quadro das notícias
difundidas pelos meios de comunicação social sobre processos penais assegurando-lhes
o acesso aos mesmos. Em anexo à Recomendação, vêm anunciados vários princípios
sobre a difusão pelos meios de comunicação de informação, entre os quais, o princípio I
sobre informação do público pelos órgãos de comunicação social235
e o princípio II
relativo à presunção de inocência236
. A liberdade de expressão, nos termos do art.º 10.º a
CEDH constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e as
garantias a conceder à imprensa revestem-se de uma importância particular237
,
desempenhando um papel eminentemente activo que terá que ser respeitado numa
sociedade democrática pois não deverá ultrapassar certos limites relativos, no que
concerne à protecção da honra, reputação e presunção de inocência bem como à
necessidade de impedir a divulgação de informações confidenciais, incumbindo-lhe,
todavia, comunicar, no respeito pelos seus deveres e responsabilidades, informações e
ideias sobre qualquer questão de interesse geral.238
O instituto da presunção de
inocência foi reforçado, igualmente, como forma de ultrapassar o mero estatuto de regra
235
É do direito do público receber informações sobre a actividade das autoridades judiciárias e
dos serviços através dos meios de comunicação social e, em consequência, poder livremente fazer
notícias sobre o funcionamento do sistema judiciário penal, ressalvadas as limitações previstas nos outros
princípios enunciados no anexo. 236
O respeito por este princípio faz parte integrante do direito a um processo equitativo, em que
as opiniões e informações relativas a processos penais em curso, não deverão ser comunicadas ou
difundidas através dos meios de comunicação social a não ser que não cause prejuízo à presunção de
inocência do arguido.
237 Ac. Worm vs. Áustria, n.º 22714/93; Fressoz e Roire vs. França, n.º 29183/95.
238 Ac. Tourancheau vs. França, n.º 53886/00.
56
de sistema de prova para passar a incorporar um direito que deverá ser conjugado com o
respeito pela dignidade humana.239
Retomando o caso “Sporting - Público”, o jornal Público ao recorrer para o
TEDH, viu a sentença do STJ ser contrariada, resultando na absolvição do jornal,
acompanhada de uma indemnização por parte do Estado português em benefício do
jornal. A doutrina europeia engloba a ideia de interesse legitimo, atribuindo-lhe a
concepção mais ampla que engloba, para além das informações e ideias inofensivas, as
que ofendam, choquem ou perturbem podendo observar-se no acórdãos Dabrowski
contra Polónia 240
e no De Haes et Gijsels contra Bélgica241
, a pronúncia favorável do
TEDH quanto à liberdade de crítica, admitindo mesmo que uma certa dose de exagero,
até mesmo provocação, é admissível. Esta perspectiva é justificada, segundo o próprio
tribunal, pelo pluralismo, tolerância e espírito de abertura sem os quais não há sociedade
democrática.242
O TEDH admite excepções à primazia da liberdade de expressão mas
estas terão que ser interpretadas restritivamente, isto é, só na medida do estritamente
necessário, conceito que de acordo com jurisprudência do TEDH corresponde a uma “
necessidade social imperiosa” cabendo aos Estados uma “razoável valoração dos factos
relevantes”.243
Confirmando-se assim a intolerância do Estado Português face ao
exercício da liberdade de expressão face à liberdade de Imprensa, pois no caso “
Sporting – Porto”, o que para o TEDH constitui um interesse legítimo na medida em
239
A título exemplificativo, em França, a 15 de Junho de 2000, foi publicada a lei 2000/516, que
veio reforçar a protecção da presunção de inocência e os direitos das vítimas, consagrando expressamente
que os atentados à presunção de inocência são prevenidos, reparados e reprimidos nas condições previstas
na lei francesa, procurando, de certa fora, ultrapassar o mero estatuto de regra de sistema de prova para se
passar a afirmar como um direito a conjugar com o principio da dignidade humana, Disponível em:
http://translate.google.pt/translate?hl=ptPT&langpair=en%7Cpt&u=http://www.heuni.fi/uploads/fq98onb
f0fojy.pdf Em Portugal, não há qualquer tipo de lei que se assemelhe à lei francesa. No entanto, o nosso
país não está tão isolado quanto parece no que diz respeito a esta questão. Apesar do seu generalizado
reconhecimento alcançado por este princípio a sua afirmação teórica tem tido mais êxito do que a efectiva
aplicação prática do mesmo. A presunção de inocência, na prática, continua a ser tratada e assumida
essencialmente enquanto regra probatória, apesar de o nosso ordenamento jurídico apresentar já as
capacidades suficientes para produzir “consequências do referido princípio ao nível do tratamento a
outorgar ao arguido ao longo do processo”. VILELA, Alexandra, ob. cit. pp. 58 e ss. 240
Apud MOTA, Francisco Teixeira da, ob cit. p. 22. 241
“En aquest darrer sentit, la jurisprudència europea i l’espanyola han puntualitzat que les
exigències de la societat democràtica fan que la llibertat d’expressió empari, no només pensaments, idees
o opinions favorables o considerades inofensives, sinó també les que contrasten, xoquen o inquieten un
Estat o un sector de la población. La llibertat d’expressió comprèn la llibertat de crítica, fins i tot quan
pugui molestar, inquietar o disgustar,19 per la qual cosa empara també les opinions equivocades o
perilloses, fins i tot les que ataquen el sistema democràtic mateix” Este excerto foi retirado do texto da
autora espanhola Laura Diez Bueso sobre a liberdade de expressão e os seus limites, “La llibertat
d’expressió i els seus límits”, fazendo uma referência ao acórdão em questão. Disponível em:
http://www.cac.cat/pfw_files/cma/recerca/quaderns_cac/Q27_Diez.pdf 242
Idem. 243
MOTA, Francisco Teixeira da, ob. cit. 29.
57
que estava em causa uma questão relativa ao sistema fiscal público, no entender do STJ
tal interesse não justificava intervenção dos órgãos de comunicação social em defesa de
uma opinião pública esclarecida.
De acordo com Javier García Roca,244
a solução para a discrepância perante uma
colisão de direitos entre a pratica jurídica europeia e a prática a nível interno passaria
pela criação de uma lista de critérios standards a se seguida pelos juízes a nível nacional
para uma melhor ponderação dos bens jurídicos em causa e para evitar que o TEDH
tivesse que intervir. O autor enuncia alguns critérios que embora já sejam tidos pelo
sistema judicial espanhol podiam perfeitamente constituir a base jurídica pretendida.
Teríamos que proceder em primeiro lugar à diferenciação entre juízos de facto e juízos
de valor entre a liberdade de expressão e de opinião, Acerca dos juízos e factos de valor
emitidos pelos jornalistas, 245
o TEDH, em sentença de 8 de Julho de 1986, declarou que
se deve distinguir com precisão entre factos e opiniões. “Se a materialidade dos
primeiros pode ser provada, os segundos não podem em nenhum caso prestar-se a uma
demonstração da sua exactidão”246
e em relação à exigência da prova da verdade das
imputações, como causa da não punibilidade da conduta, o art.º 180.º n.º2 alínea b) do
CP conclui que “é evidente que para os juízos de valor esta exigência é irrealizável e,
em consequência, atentatória da liberdade de expressão, elemento fundamental do
direito garantido no art.º 10.º da CEDH.247
O TEDH já reconhece tal distinção e refere-a
como essencial para uma ponderação justa dos bens em causa, pois a veracidade das
opiniões revela-se de difícil acesso em comparação com a demonstração concreta da
existência dos factos, e um indício da exactidão do acontecimento que esteja em causa
revela-se de utilidade máxima para o julgamento. A outra linha de orientação passaria
pela teoria das esferas, já referenciada, de forma a delinear a intromissão no âmbito da
intimidade e da ofensa à honra, procedendo-se à devida distinção entre figuras privadas
e públicas, atendendo à amplitude do círculo da vida íntima e reservada da pessoa
visada pela divulgação da notícia. No que diz respeito ao tom das afirmações feitas
também deve ter sido tido em conta, de modo a avaliar a intenção do próprio jornalista.
244
GARCÍA ROCA, Javier, Los imprecisos límites a los poderes informativos derivados de los
derechos de la personalidad: una función jurisdiccional, Estudios de Derecho Judicial, Madrid, 2001 245
BRITO, Iolanda S.A., Rodrigues de, ob. cit. pp. 157 e ss. 246
MOTA, Francisco Teixeira da, ob. cit. pp. 21 e ss. 247
Idem. A título de exemplo, na sentença referida, o tribunal considerou não se poder manter a
condenação do recorrente por ter afirmado que o então chanceler era um “oportunista mais detestável,”
“imoral” e “indigno”, pois estavam em causa meros juízos de valor sobre alguém que exercia cargos
políticos e públicos.
58
Como referência história, mencionamos o caso “New York versus Sullivan” (376, US,
245), culminando o mesmo com a formação de um critério máximo base a ser seguido,
que consiste na “actual malice” isto é, passa por averiguar se a informação foi
produzida com pleno conhecimento da sua falsidade ou se houve negligência por parte
do jornalista, se ao recolher a informação houve falta de cuidado a confirmá-la. Com
base no último critério defende-se que no que toca à ética e deontologia da actividade
jornalística, deverão os jornalistas ter uma formação séria que obedeça a regras e
deveres inerentes à própria actividade, de modo a situações de desconsideração pela
esfera privada do indivíduo em detrimento da espera pública. Quanto à veracidade da
informação veiculada pelos meios de comunicação, é evidente que a comprovação não
poderá revestir-se das exigências da comprovação científica ou mesmo da judiciária,
antes hão-de bastar as exigências das legis artis dos jornalistas e das suas concepções
sérias. Do exposto resulta que, no quadro do direito de informação, uma crença fundada
na verdade haverá de possuir o mesmo efeito que esta como elemento de justificação,
devendo o jornalista utilizar fontes de informação fidedignas e se possível diversificadas
de modo a testar e controlar a veracidade dos factos. 248
É insustentável, por esta razão, a ideia de que, no caso em que ocorrerem os
factos relatados pelos jornalistas, seja vedada ao jornalista a possibilidade de se
referirem a eles publicamente. Mais uma vez evocamos a nossa condição de Estado
Democrático para justificar a conduta do jornalista. Enquanto cidadãos e membros de
um estado democrático e por estarmos inseridos numa sociedade em que,
constantemente, aparecem crimes públicos, tais como a corrupção, temos a obrigação e
o dever cívico de denunciar estes casos, possibilitando o exercício activo da verdadeira
democracia.
248
Para um maior desenvolvimento e aprofundamento da questão das fontes e manipulação da
informação, cf. RODRIGUES, José Narciso da Cunha, Comunicar e Julgar, Coimbra, Edições Minerva,
1999, pp. 79 e ss; BRETON, Phillipe, A Palavra Manipulada, ed. Caminho, 2001.
59
Conclusão
Tivemos oportunidade de referir que a organização dos campos da Justiça e
Media é sempre obra comum de participação e só poderá possuir significado quando
essa participação se transforme em activa colaboração entre ambos; “ora a colaboração
só poderá existir se existirem plataformas de pensamento e de acção, se existir uma
unidade de interesses, se existirem compreensão e respeito mútuos, se existir, numa
palavra e num sentido amplo, uma cultura comum ou, pelo menos, bases culturais
comuns”,249
sendo para isso necessário incentivar o diálogo e a compreensão entre as
duas profissões. Pelo que seremos obrigados a concluir que apenas educando e
colaborando poderemos reencontrar as bases para o normal desenvolvimento da
actividade jornalística que conflitua com direitos pessoais intrinsecamente ligados à
presunção de inocência. Suscita-se a necessidade de uma conciliação entre ambos para
que haja para uma organização harmoniosa da nossa sociedade democrática. O que
constamos é que, embora concordemos com o uso, mas não abuso, da liberdade de
imprensa e reconheçamos que há situações em que o direito à dignidade humana250
tenha que recuar perante a liberdade de imprensa, é necessário que no exercício dessa
mesma liberdade, o instituto da presunção de inocência como conceito jurídico e
princípio norteador do processo penal que é, não seja esquecido e se faça respeitar; o
que temos vindo assistir na prática é, muitas vezes, à atribuição de uma presunção da
culpabilidade ao arguido em que maioria das pessoas (jornalistas e cidadãos) prefere
culpabilizar do que inocentar um suspeito usando, com mais agrado, a “presunção de
culpabilidade”.
Como diria Tom Waits: “If there´s one thing you can say about mankind/
There´s nothing kind about man”.
249
TÁVORA, Fernando, Da Organização do Espaço, Publicações FAUP, Porto, 2007, p. 68 250
Leia-se, igualmente, presunção de inocência.
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