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Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Comunicação, Media e Justiça, realizada sob a orientação científica da Sr.ª Professora Doutora Anabela Miranda Rodrigues

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Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do

grau de Mestre em Comunicação, Media e Justiça, realizada sob a orientação

científica da Sr.ª Professora Doutora Anabela Miranda Rodrigues

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A todos aqueles que se querem exprimir livremente ( mas com responsabilidade)

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AGRADECIMENTOS

Quero agradecer a todos aqueles que contribuíram para a concretização desta

prova de dissertação:

À Professora Doutora Anabela Miranda Rodrigues, pela disponibilidade e

orientação.

Aos meus Pais e Irmãos pelo apoio e confiança.

Aos Amigos sem os quais nada faz sentido.

Obrigada.

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RESUMO: A questão que se coloca refere-se à actuação dos meios de

comunicação, no âmbito da actividade jornalística e ao abrigo da Liberdade de

Imprensa, face ao princípio da presunção de inocência do arguido. Estão inseridos em

dois campos sociais (Justiça e Media) que, embora distintos, não conseguem sobreviver

um sem ou outro, complementando as respectivas actividades entre si. Devido a essa

sinuosa relação, o facto de haver um maior contacto com os processos judiciais por

parte dos Media e um maior interesse, suscitado pelo facto de se tratar de um arguido

figura pública, nos processos criminais, vai fazer com que se assista à Mediatização da

própria justiça, que de alguma maneira vai possibilitar o aparecimento dos julgamentos

paralelos feitos na praça pública e o desenvolver do jornalismo de investigação, auxiliar

e ao serviço da boa administração da Justiça. Por se tratar de dois direitos

constitucionalmente previstos, no caso de estarmos perante um conflito de direitos

fundamentais, o que importa saber é se, no caso concreto, qual o direito que deve

prevalecer.

ABSTRACT: The present issue refers to the Media’s activity, under the

freedom of the Press, against the principle of presumption of innocence of the accused.

They are inset in two social fields (Justice and Media) although different; they can’t

survive without the other, complementing their activities. Due to that sinuous relation

the fact that there is more contact with the judicial proceedings by that Media and a

bigger interest, raised by the fact of a accused public figure in a criminal proceeding,

will make us watch to the media coverage of Justice and Law that in some way will

possibility the emerge of the parallels trials made in a public discussion and the

development of the investigation journalism, helpful of the good justice administration.

They are two constitutionally rights and if we’re facing conflict of fundamental rights it

should be very important to know in the specific case, which right must prevail.

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PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA DO ARGUIDO E COMUNICAÇÃO

SOCIAL: INFLUÊNCIA OU INTERACÇÃO?

THE PRESUMPTON OF INNOCENCE AND MEDIA: INFLUENCE OR

INTERACTION?

Benedita Dias Alcoforado Côrte-Real

PALAVRAS-CHAVE: Princípio da presunção de inocência, direito à dignidade

humana, liberdade de imprensa, mediatização da justiça, julgamentos paralelos, conflito

de direitos, interesse público, exceptio veritatis.

KEYWORDS: Principle of presumption of innocence, right of human dignity,

freedom of the press, media coverage of justice, parallels trials, conflict of rights, public

interest, exceptio veritatis

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Índice

Introdução ........................................................................................................................... 1

I Princípio da Presunção de Inocência – evolução ............................................ 4

1 Da presunção de culpabilidade à presunção de inocência ................................................. 4

2 Consagração constitucional e internacional do princípio da presunção de inocência

............................................................................................................................................................................... 11

2.1 Presunção de inocência como direito fundamental pertencente aos direitos,

liberdades e garantias ...................................................................................................................................... 14

2.1.1 Conteúdo da presunção de inocência .............................................................................. 16

II Justiça e Media – relação de amor-ódio ........................................................ 21

1 Papel dos media na sociedade – 4.º Poder? .......................................................................... 21

2 O interesse da comunicação social em questões judiciais ............................................... 24

3 Mediatização da justiça e suas consequências ..................................................................... 26

III Direito Fundamental diminuído pela opinião pública através dos

meios de Comunicação Social ................................................................................ 38

1 Liberdade de imprensa e actividade jornalística ................................................................. 38

2 Direitos de personalidade – limite à liberdade de imprensa ............................................ 41

3 Protecção jurídico - penal: responsabilização penal .......................................................... 46

4 Conflito de direitos e os excessos de linguagem da Comunicação Social .................. 49

Conclusão ....................................................................................................................... 59

Bibliografia .................................................................................................................... 60

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Lista de abreviaturas

Acórdão - ac.

Alta Autoridade para a Comunicação Social- AACS

Boletim do Ministério Público- BMJ

Artigo(s) - art.º/ arts

Centro de Estudos Judiciários - CEJ

Código do Procedimento Admnistrativo – CPA

Código Civil- CC

Código Penal - CP

Código Processual Penal – CPP

Colectânea de Jurisprudência- CJ

Confrontar - cf

Constituição da República Portuguesa - CRP

Conselho Superior de Magistratura - CSM

Convenção Europeia dos Direitos do Homem - CEDH

Diário da República - D.R.

Edição - ed.

Estatuto do Magistrados Judiciais - EMJ

Ministério Público - MP

Número(s) - nr.º/ nrs

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Obra citada - ob. cit.

Página(s) - p./ pp

Recomendação- Rec

Século- séc

Seguintes - ss

Supremo Tribunal de Justiça- STJ

Tribunal Constitucional- TC

Tribunal da Relação de Coimbra- TRC

Tribunal da Relação de Évora- TRE

Tribunal da Relação de Guimarães- TRG

Tribunal da Relação de Lisboa- TRL

Tribunal da Relação do Porto- TRP

Tribunal de Primeira Instância- TPI

Tribunal Europeu dos Direitos do Homem – TEDH

Volume- vol

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Introdução

“Liberdade de

expressão é um dos nossos direitos

mais preciosos. Sustenta toda a liberdade aos outros e fornece uma

base para a dignidade humana. Imprensa

livre, pluralista e independente é

essencial para o seu exercício”. 1

Actualmente procura-se encontrar e compatibilizar o tempo mediático e o tempo

judicial, o tempo dos media e tribunais, não podendo os agentes da justiça continuar a

ignorar praticamente tudo sobre as ciências da comunicação, e prescindir da

aprendizagem das boas práticas na relação entre profissionais do foro judicial e da

comunicação social.2 A constante mutação e evolução correspondente à explosão da

informação faz entrosar o campo da Justiça e o campo dos Media que, embora pareçam

campos antagónicos, estão intimamente ligados pelo facto de ambos procurarem a

verdade dos factos. No entanto, essa busca da verdade material é muitas vezes

prejudicada ou comprometida por eventuais excessos de opacidade por parte dos

tribunais, que não se podem refugiar no facto de o tempo da justiça e dos media ser

diferente em que função dos Media no esclarecimento da opinião pública é condição

fulcral para a existência de uma sociedade aberta e democrática em que o cidadão tenha

acesso a uma informação livre,3 direito tão importante e desejado, que demorou tanto

tempo a conquistar. Será que os media estão vinculados à presunção de inocência?

Assim sendo, o nosso estudo vai versar sobre a relação entre a liberdade de imprensa,

1 Frase retirada da mensagem conjunta da Directora- Geral da Unesco, Irina Bokova e do

secretário Geral da Onu, Ban Ki moo, no âmbito da comemoração do dia mundial da liberdade de

imprensa, celebrado no dia 3 de Maio de 2012. 2 FERNANDES, Plácido Conde, “Justiça e Media – Legitimação pela Comunicação”, Revista do

Centro de Estudos Judiciários, 2º Semestre, nº10, número temático, “Verdade, Justiça e Comunicação”,

Almedina, Coimbra, 2008. 3 O filósofo britânico John Stuart Mill, "O Padrinho da Liberdade '', acreditava que a liberdade de

expressão era uma das garantias mais importantes que as pessoas tinham para se proteger contra os

governos tirânicos. Qualquer nação que quer viver sem a tirania e a corrupção deve-se esforçar por

alcançar para si o direito fundamental à liberdade de expressão e o direito a uma imprensa livre. É só com

esse direito básico garantido, de dizer e escrever o que se deseja sobre o seu governo, que as pessoas

podem reduzir os poderes deste quando age de maneira contrária ao seu bem-estar. Em suma, é através de

uma imprensa livre que as pessoas podem esperar alcançar um governo honesto.

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considerada como um “subcaso” da liberdade de expressão,4 nos termos do art.º 38.º da

CRP, garantia institucional enquanto elemento essencial de uma ordem estadual

democrática e pluralista colocando-se, deste modo, em relevo a missão de interesse

público que ela deve realizar, e a (violação) da presunção de inocência do arguido

inserida no direito à dignidade humana e à honra, 5 6 enquanto figura pública. É, por

isso, um domínio que implica uma particular sensibilidade social que deverá ser

compreendida de forma diferente relativamente às pessoas anónimas que não têm esse

estatuto de notoriedade pública.7 8 O tratamento que lhes é dado decorre da exposição e

condição social que têm, traduzindo-se numa maior tolerância em relação às críticas que

lhes possam ser dirigidas e às informações veiculadas pelos media. No presente estudo,

a preferência e a escolha de arguidos figuras públicas9 justificam-se pelo facto de

4 MACHADO, Jónatas, E. M Liberdade de Expressão, Dimensões Constitucionais da Esfera

Pública no Sistema Social, Boletim da Faculdade de Direito – Universidade de Coimbra, Coimbra

Editora, 2002, pp. 518 e ss. 5 SOUSA, Nuno e, A Liberdade de Imprensa, Separata do vol. XXVI, Suplemento ao Boletim da

Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra,1984. pp. 277 e ss. A título de curiosidade, o Código

Civil Italiano trata da questão do direito à honra da pessoa, concedendo-lhe o chamado direito ao

resguardo. 6 A violação do princípio da presunção de inocência vai acarretar, inevitavelmente, a violação do

direito à dignidade humana que se concretiza do direito à honra, reputação, do bom nome da pessoa

visada e, por isso, ao longo do presente estudo vai-se fazer alusão ao direito à honra, bom nome e

reputação por ser inevitável a íntima relação com a lesão e violação do princípio em causa. Nos termos do

art.º 18º n.º 3 da CRP, o exercício de um direito fundamental não é constitucionalmente válido quando

implicar a violação do núcleo essencial de outro direito fundamental. Daí que a interpretação de uma

norma que consagra um direito fundamental deve reger-se pelo respeito do “efeito recíproco de mútuo

condicionamento entre normas tuteladoras de diversos bens jurídico-constitucionais.” MACHADO,

Jónatas, E. M., ob. cit. pp. 768 e ss. Esta busca pelo equilíbrio na ponderação dos bens jurídicos em causa

é mais notória quando o agente for um jornalista e a vítima uma figura pública em que a liberdade de

imprensa entra em conflito, pois o jornalista, em particular, e a imprensa, em geral, exerce uma função

pública na divulgação de factos e opiniões sobre questões que tenham interesse público, fundamentais

para formação de uma opinião pública informada. Idem. 7 SOUSA, Nuno e, ob. cit. pp. 277 e ss.

8 A Comunicação Social, considerada pela jurisprudência e doutrina constitucionais, assume

funções no domínio da dinamização de circulação de comunicação, de formação de opinião pública e de

vontade política, na medida em que assegura a possibilidade de uma rápida e massiva circulação de

informação e em que a representação de diferente ideias e opiniões, “são um forte contributo para

afirmação e consolidação de uma opinião pública autónoma, a qual constitui um momento indeclinável de

garantia substantiva da democracia.” MACHADO, Jónatas E. M., ob. cit. p. 504 a 506. Pelo exercício da

sua função informativa, encontra-se próxima de situações perigosas como o da intrusão ou invasão na

vida privada, assumindo-se por isso numa actividade de risco pois interfere com direitos e interesses

juridicamente protegidos. Se a divulgação de determinada noticia se reportar a uma figura pública no

exercício de funções públicas próprias, cuja conduta num Estado de Direito Democrático, podemos

considerar que assume relevo e interesse público, estando por isso submetida à vinculação da

transparência e legalidade. É por este motivo que é “irrecusavelmente legítimo que os cidadãos, que não

são meros eleitores, numa sociedade pautada por valores democráticos, participem na vida pública,

tornando-se necessário que, para o efeito, sejam e estejam informados da conduta daqueles a quem

confiaram, por eleição, a decisão sobre os negócios de interesses comum, que se prendem com os destinos

do país.” Ac. TRL, 12 de Outubro de 1994, Processo 33359 9 Caso haja um patente abuso do direito de informação que possa por em causa a presunção de

inocência do arguido, o juiz, nestes casos execpcionalíssimos, no âmbito do poder que lhe é conferido,

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ocuparem cargos de relevância política ou na administração pública, que aos olhos da

opinião pública e dentro do espaço público, estão sujeitas a uma maior interesse e

intromissão nas suas vidas, através da actuação dos órgãos de comunicação social.10 Os

políticos e outras figuras públicas, quer pela sua exposição, discutibilidade das ideias

que professam, quer ainda pelo controle a que devem ser sujeitos, estão sempre

susceptíveis ao escrutínio da comunicação social. O TEDH vem reiterando mesmo a

expressão “cão de guarda” atribuída aos Media. As figuras públicas devem ser mais

tolerantes a críticas do que os particulares e ser, concomitantemente, admissível maior

grau de intensidade destas. Não raras vezes, apesar do estatuto de “ cão de guarda” a

actuação, por vezes irresponsável, dos meios de comunicação social vai muito para além

da mera violação da presunção de inocência do arguido, colocando em risco o próprio

Estado de direito democrático ao violar as garantias individuais do arguido. Os avanços

tecnológicos, nomeadamente, a Internet e o consequente aumento do acesso das

pessoas aos meios de comunicação numa sociedade de massa, propicia a que a

imprensa se arroge no poder de formar e construir uma opinião pública, transformando-

se muitas das vezes numa opinião publicada. Novos equilíbrios terão que ser

reencontrados, o poder de facto da Comunicação Social tem que ser de uma maneira

democraticamente legitimada e responsabilizada pelos possíveis crimes que possam

cometer, tal como a difamação. E é essa a nossa missão.

pela sua função judicial, não está impedido de salvaguardar e proteger os direitos do arguido que, caso

haja um abuso cometido pela Comunicação Social se transforma em vítima, instaurando-se um novo

processo em que arguido passa a ofendido e os jornalistas arguidos. 10

A ofensa do direito à honra de um arguido figura pública nem sempre produz consequências

indemnizatórias. Se assim fosse neutralizar-se-ia o núcleo essencial do direito fundamental à liberdade de

expressão. Os cidadãos em geral e os jornalistas em particular estariam, deste modo, inibidos de criticar

um titular de um cargo público, por exemplo, sob pena de acarretar a sua responsabilização penal. Para

que a figura pública alcance a sua indemnização é necessário que a ilicitude da conduta expressiva

ofensiva não esteja excluída por uma causa de justificação, nomeadamente pelo exercício do direito à

liberdade de expressão. No entanto, a invocação deste direito não pode excluir a ilicitude do facto, sob

pena de por em causa a salvaguarda do núcleo essencial do direito fundamental à honra, em que aquele

que ofender a honra de outrem teria sempre assegurada a legitimidade da sua conduta, só tendo que

reivindicar o exercício do direito à liberdade de expressão de que é titular. BRITO, Iolanda, A. S.

Rodrigues de, Liberdade de Expressão e Honra das Figuras Públicas, 1.ª Edição, Coimbra Editora, 2010,

pp. 136 e ss.

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I Princípio da Presunção de Inocência – evolução

1 Da presunção de culpabilidade à presunção de inocência

É com o aparecimento do Absolutismo no séc. XII que o processo inquisitório

surge, correspondendo esta forma de processo a uma época histórica mais avançada

relativamente ao processo acusatório que já estava vigente desde a Grécia e Roma

antigas até ao séc. XII em que não havia juízo sem acusação. Desde então, desprezou-se

o tipo acusatório, substituindo-o pelo inquisitório.11

Na Europa, existia um processo

penal essencialmente inquisitório de base romano-canónica, que se traduzia no poder de

supremacia que o Estado detinha sobre aos cidadãos, o qual se denominava, processo

inquisitório.12

Francisco J. Duarte Nazareth mencionou que, apesar de este sistema

pertencer a uma época mais avançada da civilização, o sistema inquisitório “foi uma

obra de compilação e ciência, mas não um verdadeiro progresso da sociedade, no

sentido que a aproximasse da perfeição. A sociedade marcha sempre, mas nem sempre

progride no legítimo sentido desta palavra.”13

Podemos caracterizar o processo

inquisitório como a acumulação, no mesmo órgão - juiz - das funções de acusação,

instrução e julgamento, facultando-lhe uma posição de superioridade em relação ao

arguido, reduzido a mero objecto processual, aparecendo na “cena criminal”

desprotegido de qualquer tipo de garantias. Neste sistema, em que a estrutura do

processo inquisitório é dominada pela busca da verdade e defesa da sociedade, mais do

que pela garantia da pessoa do acusado,14

o juiz intervém ex officio, isto é, sem

necessidade de existir uma acusação, levando a cabo uma investigação oficiosa. É

também ao juiz que cabe o dominus do processo, tendo este livre arbítrio para julgar, e

ao suspeito, não lhe são atribuídos (praticamente) qualquer tipo de direitos. Germano

Marques da Silva refere que, a par da tarefa de julgar, o juiz “é ao mesmo tempo

acusador e que por isso dificilmente poderá manter a independência necessária a um

11

SILVA, Germano Marques da, Curso de Processo Penal, I, Lisboa, Editorial Verbo, 2008, p.

57. 12

VILELA, Alexandra, Considerações acerca da Presunção de Inocência em Direito

Processual Penal, Coimbra Editora, 2005, p. 26. 13

SILVA, Germano Marques, ob. cit. p. 57. 14

Idem.

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5

julgamento imparcial.15

Quanto à forma, é totalmente escrito e secreto e, em grande

medida, sem direito a contraditório, havendo lugar a denúncia secreta,16

a prova dos

factos é legalmente tarifada17

e a sentença não faz caso julgado, o que significa que ele

poderá ser novamente julgado pela prática do mesmo crime.18

Desde a abertura do

processo até ao seu encerramento, o tratamento a dar ao arguido é de pura desconfiança

sendo logo “rotulado” como culpado, recaindo sobre ele uma presunção de

culpabilidade e o ónus de prova dos factos.19

O arguido é submetido ao sistema da

tortura20

como forma de obtenção da, tão importante e esperada, confissão. A este

propósito Alexandra Vilela afirma que a confissão é a regina probationum, e como tal,

todos os meios são úteis e necessários para a sua obtenção.21

Relativamente à relação

entre o princípio inquisitório e às medidas de coacção, mais precisamente, a prisão

preventiva, esta não se encontra abrangida por limites temporais22

, como acontece

actualmente,23

e a sua concepção prende-se com a concepção vigente de equiparação do

acusado e culpado24

que é igualmente utilizada como pena que, por necessidade, deveria

preceder a sentença e ser arbitrariamente, aplicada pelo juiz, tratando-se de uma medida

15

Ibidem. 16

Até a mais ligeira suspeita poderia dar lugar à instauração de um processo-crime contra o

acusado que sobre ele, desde o início do processo, recai uma presunção de culpabilidade. VILELA,

Alexandra. ob. cit. p. 29. 17

Diferentemente do que se passa no actual processo penal português, em que o sistema é o da

prova livre. O princípio da prova livre faculta ao julgador a liberdade de formar a sua própria convicção

sobre os factos que são sujeitos a julgamento com base no juízo que vai ter como fundamento o “mérito

objectivamente concreto desse caso na sua individualidade histórica, tal como ele foi exposto e adquirido

representativamente no processo (pelas alegações, meios de prova utilizados, entre outros). NEVES, A.

Castanheira, Sumários de Processo Criminal, 1967-1968, p. 48; SILVA, Germano Marques SILVA,

Germano Marques da, 2006 b), pp. 38 e ss. 18

Vai contra o princípio ne bis in idem. O n.º 5 do art.º 29.º da CRP estipula que “ninguém pode

ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime.” Este princípio está igualmente plasmado

em documentos internacionais, tais como, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos no seu art.º

14.º n.º 7, e no art.º 4.º do protocolo n.º 7 à CEDH. 19

Cabe ao arguido a prova da sua inocência como forma de evitar a sua condenação. VILELA,

Alexandra, ob. cit. p. 30. 20

O uso da tortura era utilizado como “forma de obtenção da confissão, que, destituído de

qualquer garantia de defesa, atribuía poderes absolutos ao juiz, bem como aos órgãos de investigação e de

acusação.” VILELA, Alexandra, ob. cit. p. 30 21

Idem. 22

Por não se por em causa e por não se valorizar a dignidade humana do arguido, ele era tratado

como um objecto processual sem direitos. Se o juiz assim o entendesse o arguido poderia ficar preso por

tempo indeterminado, pois aqui a liberdade do arguido pouco interessava ao juiz pois se sobre arguido

pendia imediatamente uma presunção de culpabilidade e tratamento igualitário, que vinha a ser reclamado

pela presunção de inocência, em relação aos outros cidadãos, não fazia sentido. 23

Cf. art. º 215. º do CPP. 24

VILELA, Alexandra, ob. cit. p. 35. Hoje em dia é inadmissível fazermos essa equiparação pois

uma pessoa pode ser acusada e por arquivamento do processo, em sede de julgamento ou por via

princípio in dubio pro reu, a sua culpabilidade não chegar a ser provada.

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de carácter ordinário e através da actuação judicial, um meio necessário à obtenção de

provas. 25

Foi somente no final do século XVIII, em plena época do Iluminismo, que

começou a surgir no Continente Europeu uma necessidade de reagir contra os abusos e

excessos cometidos do processo penal até então vigente. A presunção de culpabilidade,

característica do processo penal inquisitório, traduzida no facto de o Estado exercer a

sua autoridade máxima perante o cidadão, sobrepôs-se, de forma implacável, à liberdade

individual do arguido pondo em causa a sua dignidade humana que veio a assumir um

factor muitíssimo importante sendo o ponto de partida para o alcance da, tão aclamada,

presunção de inocência, o que veio permitir a renovação do processo penal,

substituindo-se, deste modo, o processo inquisitório e por conseguinte a presunção de

culpa inerente a ele. 26

Depois de humanistas como Montesquieue e Voltaire já terem

escrito sobre a necessidade de se cortar com a mentalidade da época, excessos e

arbítrios que se manifestavam por parte do órgão judicial – o juiz – no arguido,27

foi

através da obra de Beccaria que se materializou e formalizou esta vontade convergente

de ver acabados estes excessos e arbítrios cometidos no passado, que contribuíram,

indiscutivelmente, para a falência do próprio processo inquisitório. Através do notável

contributo em “Dei delitti e dele pene” de Beccaria, surge a primeira manifestação e

reacção sólidas, contra o processo inquisitório, “o soberano, que representa a mesma

sociedade, pode unicamente promulgar leis gerais que obriguem a todos os membros;

mas não julgar quando alguém haja violado o contrato social, porque então a Nação se

dividiria em duas partes: uma representada pelo soberano, que alega a violação, e a

outra pelo acusado, que a nega”, referindo, igualmente, que só a lei, e não o arbítrio do

juiz, deverá determinar os indícios de um crime que mereça a custódia do réu e não a

prepotência do poder da força usado na estrutura inquisitória do processo penal. É

necessário por essa razão que um terceiro imparcial e independente que julgue a

verdade das alegações de facto e eis aqui a necessidade de um magistrado, cujas

sentenças sejam definitivas.28

A obra acima citada, que tem com data da 1.ª ed. o ano de

1764, à qual Voltaire apelidou de Código da Humanidade, permite-nos observar o

espoletar de um processo penal acusatório, oposto ao inquisitório. Caracteriza-se pelo

25

Idem, 30 e ss. 26 Ibidem. 27

O arguido no processo inquitório era sujeito a torturas e abuso do poder por parte das

entidades competentes, como forma de se obter a confissão do crime em causa. 28

Apud VILELA, Alexandra, ob. cit. p. 32.

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facto o acusado ser considerado um sujeito, e não mero objecto processual encontrando-

se em posição de igualdade com a acusação,29

podendo esta ser pública ou privada,

sendo que no presente estudo quando estivermos perante o crime cometido pelos órgãos

de comunicação social – difamação – a acusação vai ser privada, ou seja, necessitando

de dedução de acusação particular nos termos do art.º 188º n.º 1 do CP, ressalvados os

casos das respectivas alíneas.30

Assim, enquanto à entidade acusadora cabe investigar e

acusar, sendo que o arguido tem sempre o direito de conhecer a totalidade dos factos

que contra si são imputados e ter o direito ao contraditório, ao julgador fica reservado

um papel mais passivo relativamente ao que lhe cabia no processo de carácter

inquisitório, limitando-se a observar a contenda entre a acusação e a defesa, para no

final ditar a sua decisão.31

A acusação e a defesa, às quais são garantidas uma

“concreta” igualdade de armas,32

constituem-se como partes processuais. Procedeu-se,

assim, à separação das funções de acusar e julgar, pertencendo cada uma delas a dois

órgãos diferentes, criando-se para o efeito a magistratura do Ministério Público, titular

da fase de investigação e acusação que procedia à averiguação dos preliminares dos

29

Uma das características da estrutura acusatória do processo está adstrita ao princípio da

igualdade de armas. A estruturação do processo penal caracteriza-se pelo facto da acusação e a defesa

disporem de possibilidades idênticas para intervir no processo penal, aquando da demonstração, perante o

tribunal, da validade das suas alegações. Para que haja uma verdadeira igualdade de armas, ambas as

partes no processo (acusação e defesa) devem dispor dos mesmos meios de investigação. Mas será que

essa igualdade existe mesmo? Por exemplo, na fase de inquérito o MP tem ao serviço da investigação

todo o aparelho policial e a lei confere-lhe mecanismos de coacção que poderá usar caso seja necessário,

mas no caso dos particulares (aqui englobam-se se os arguidos e acusadores) essas facilidades não lhes

são atribuídas pois a lei limita-lhes a possibilidade de investigação. Na prática essa igualdade não existe,

podendo existir, como diz Germano Marques da Silva, “ tendencialmente e formalmente, nas fases

jurisdicionais e nos incidentes jurisdicionais, como sucede no nosso processo na fase da instrução, na

audiência e nos recursos.”A questão é que a lei faça assegurar ao arguido a possibilidade de ele usar todos

os meios necessários para a sua defesa, nos termos do art.º 32.º nº 1 da CRP, com vista a que haja,

segundo o art.º 6.º § 1da CEDH, uma verdadeira efectivação de um processo equitativo. SILVA,

Germano Marques, ob. cit. p. 63. 30

Dependendo da natureza do crime. Se estiver em causa um crime público é concedida ao MP

legitimidade para promover livremente o procedimento criminal, se o crime for de natureza particular,

para que o processo se desencadeie, caberá somente ao ofendido proceder à queixa e se constituir

assistente no processo para que seja deduzida acusação pelo crime de que foi vítima. Há, ainda, outra

categoria de crimes, aos quais a doutrina denomina crimes semipúblicos ou quase públicos em que o

procedimento criminal depende de queixa particular. Nestas últimas situações o MP não poderá promover

o procedimento sem que ocorra a acusação e a queixa por parte dos particulares, nos termos dos arts. 49.º

e 50.º do CP. No n.º5 do art.º 113.º do CP está plasmada a excepção, admitindo que, independentemente

do procedimento criminal depender de queixa, o MP pode instaurar o procedimento sem queixa sempre

que o interesse do ofendido o aconselhar. Há mais duas situações que possibilitam a intervenção do

Ministério público. A primeira é se estiver em causa um menor e se este não possuir discernimento para

entender o alcance e significado do exercício do direito de queixa, em segundo quando o direito de queixa

não puder ser exercido porque a sua titularidade caberia apenas ao agente do crime. Todos os casos em

que seja impossível a apresentação de queixa ou denúncia por parte do particular, ao MP são atribuídos

uma função subsidiária de modo a evitar situações como esta que se segue: atentado ao puder pelo pai na

pessoa de filha menor. SILVA, Germano Marques, ob. cit. pp. 258 a 261. 31

Nunca esquecendo que tem poderes de investigação a título subsidiário. 32

Nota de rodapé n.º 28.

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factos pelos quais o arguido foi acusado. Germano Marques da Silva caracteriza o

processo acusatório como a “disputa entre duas partes, a defesa e acusação, orientadas

por um terceiro, juiz ou tribunal, que ocupa uma posição de supremacia e independência

relativamente ao acusador e acusado” em que não pode haver, por parte do juiz, a

promoção do processo, nem uma condenação para além da acusação.33

Por isso nunca

se poderá proceder a um julgamento que não tiver por base uma acusação. O processo

inquisitório deixa, por isso, de vigorar, dando lugar ao processo penal acusatório em que

o que se verifica o equilíbrio entre a procura da verdade, objectivo que se pretendia

igualmente com o processo inquisitório, e o debate entre a acusação e a defesa, sendo

este o carácter inovador por nem sequer no processo inquisitório se verificar este debate.

Na estrutura acusatória do processo penal, o arguido, que se presume inocente, é

encarado como um verdadeiro sujeito de direitos e não um mero objecto processual. Tal

presunção de inocência leva a que sejam garantidos os mais amplos meios de defesa ao

arguido. Como forma de assegurar a defesa do arguido, o processo desenrola-se de

forma pública e oral, fazendo-se respeitar os princípios de publicidade e oralidade do

processo penal, de modo que a publicidade do processo implique a oralidade,34

para que

o público possa acompanhar a prática dos actos processuais em que há-de assentar a

decisão jurisdicional pois através “das perguntas directas e das respostas espontâneas

mais facilmente se alcança a verdade”, demonstrando-se assim a importância que a

publicidade e oralidade do processo penal têm para a descoberta da verdade.35

Quanto

ao ónus de prova, diferentemente do que se passa no processo inquisitório, referido no

capítulo anterior, num processo de carácter, fortemente, acusatório como o nosso, 36

a

33

SILVA, Germano Marques da, ob. cit. p. 57. 34

O princípio da oralidade tem plena consagração no direito processual penal em sede de

julgamento, por exemplo, nos termos do art.º 96.º n.º 1 do CPP, referindo que a prestação de quaisquer

declarações se processa por forma oral, salvo as excepções estabelecidas pela lei. Nem sempre foi assim,

pois até ao século XIX era característico um processo essencialmente escrito, mas a necessidade de

assegurar a publicidade para permitir a imediação das provas, (outro dos princípios ao serviço do

processo penal) levou a que se consagrasse a oralidade como princípio processual penal. Nas palavras de

Germano Marques da Silva, “o princípio da oralidade não exclui que os actos praticados oralmente

fiquem documentados para servir para o controlo da assunção da prova, nomeadamente em matéria de

recurso, e esse registo responde à mais relevante das críticas habitualmente dirigidas à oralidade: o

possível arbítrio dos juízes na apreciação da prova produzida”, pois se não houvesse registo das provas o

juiz poderia alegar o que quisesse não se regendo pelas prova já feita dos factos. Idem. 35

Ibidem, pp. 86 e ss. 36

Não totalmente, pois se assim fosse estaríamos perante uma estrutura acusatória pura em que

acusação e defesa são partes no processo e o juiz vem assumir um papel passivo no que toca a produção

de prova., incumbindo somente às partes fazer a prova dos factos que lhes interessa ver provados. Caso

uma das partes não o faça, ninguém se irá substituir e fazer essa prova por ela. O nosso sistema penal

insere-se, simplesmente, numa estrutura acusatória, como bem refere a CRP, no seu art.º 32 n.º 5.

MOURA, José Souto de, “A Questão da presunção de inocência do arguido”, Revista do Ministério

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prova dos factos pertence essencialmente à acusação, isto é, o arguido não terá que

provar a sua inocência37

cabendo a outra parte provar a sua não inocência.38

Também no

que concerne à medida de coacção prisão preventiva,39

40

a sua concepção vai ser

alterada, deixando de ser encarada com uma pena que precedesse a sentença, passando a

acolher-se o princípio como uma finalidade cautelar41

por ser um atentado à liberdade

individual do arguido que, enquanto tal, deveria ser tratado como inocente, pois a

aplicação desta sem qualquer limite temporal era uma decorrência do processo

inquisitório.42

Germano Marques da Silva refere, a esse propósito, que “o modo como

Público, Ano 11.º, n.º 42, p. 44. A doutrina vem acrescentar que essa estrutura acusatória é integrada e

auxiliada por um princípio de investigação que se traduz “ num poder - dever que incumbe ao tribunal de

esclarecer e instruir autonomamente, mesmo para além das contribuições da acusação e defesa, o facto

sujeito a julgamento, criando aquelas mesmas as bases necessárias à sua decisão”. SILVA, Germano

Marques da, ob. cit. p. 78. É interessante, para demonstrar o quão importante é o princípio da investigação

enxertado na estrutura acusatória, o exemplo facultado por Jorge de Figueiredo Dias no livro Direito

Processual Penal, I vol. Coimbra, Coimbra Editora, 1974, p. 193: “se A é acusado de um crime de

homicídio doloso e se defende alegando provocação da vítima ou nem sequer se defende ou ate confessa

o crime e a culpa, nem por isso o tribunal fica impedido ou absolvido de investigar se, em vez ou para

além da provocação, o arguido não terá actuado, v.g. em estado de legítima defesa.” O que significa que o

nosso sistema acusatório penal está, subsidiariamente, auxiliado pelo processo de investigação sempre

que for necessário. Nas palavras de Germano Marques da Silva, a estrutura acusatória “seria temperada

com o princípio da investigação judicial.” Idem. Podemos encontrar exemplos do princípio da

investigação espalhados ao longo do CPP, nos arts. 290.º na fase de instrução, 323.º, 327.º e 340.º, na

fase de julgamento. 37

Entre outros direitos que lhe são conferidos, o direito ao silêncio está previsto nos termos do

art.º 61.º n.º 1, al. c) do CPP, “tem o direito a não responder a perguntas feitas sobre os factos que lhe

forem imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar”. Nunca o direito ao

silêncio poderá ser interpretado como uma presunção de culpa do arguido, ele presume-se inocente, nos

termos do art.º 32.º, n.º 2 da CRP. As razões pelas quais o arguido faz isso podem ser várias, sem que com

isso possa ser prejudicado pelo exercício do seu direito ao silêncio. É importante frisar que a lei não

estabelece qualquer sanção para o arguido que falte à verdade, através da prestação de declarações sobre

os factos que lhe forem imputados. SILVA, Germano Marques da, ob. cit. pp. 300 e 301. Como diz Jorge

de Figueiredo Dias, ob. cit. acima pp. 450 e ss, “Não se trata de um direito de mentir, mas simplesmente

da não punição da mentira”. 38

Se o arguido não tiver nada a esconder poderá perfeitamente trazer para a investigação factos

que possam servir para provar a sua não culpabilidade e por conseguinte servir de apoio às investigações

desencadeadas pela acusação. 39

É a medida de coacção mais gravosa, pois trata-se de uma privação total da liberdade

individual atribuída ao arguido. Cf. art.º n.º 215 do CPP. 40

No ac. 6936/2006-3 do TRL, Figueiredo Dias diz-nos que, “relativamente ao arguido como

objecto de medidas de coacção, o princípio jurídico-constitucional em referência vincula estritamente à

exigência de que só sejam aplicadas àquele as medidas que ainda se mostrem comunitariamente

suportáveis face à possibilidade de estarem a ser aplicadas a um inocente, e daí as exigências…de

necessidade, adequação, proporcionalidade, subsidiariedade e precariedade que o art.º 193º do Código

integralmente produz.” 41

VILELA, Alexandra, ob. cit. p. 35. A aplicação da medida da prisão preventiva terá que ser

aplicada com base no princípio da proporcionalidade em sentido amplo, englobando o princípio da

necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito. Cf. art.º 266.º n.º 2 da CRP e art.º 5.º n.º 2

do CPA. 42

Quanto menos restrição sofrer melhor, isto é, se for necessário restringir os seus direitos, que

seja feito dentro dos limites rigorosos da necessidade do processo, com vista a obter a verdade dos factos

e também para a tornar possível a execução da pena que o acusado venha a sofrer, mas nunca como

tratamento punitivo, como era observado no processo inquisitório.

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no processo penal se aplicam medidas de coacção, mormente as privativas da liberdade,

traduz bem a medida do culto de liberdade de um povo e, por isso também, do grau de

implementação na sociedade dos ideais democráticos”. 43

Nas palavras de Alexandra

Vilela é por esta altura, séc. XVIII, que o princípio da presunção de inocência nasce

enquanto “ ideia força que vem assegurar ao acusado todas as garantias de pela defesa,

ao invés de se encontrar tal como o seu oposto - o princípio da culpabilidade até então

vigente, ao serviço da tirania.”44

Ghiara diz-nos que já no direito romano era referido

como máxima a seguir, “innocens praesumitur cuius nocentia non prabatur omnis

praesumitur bonus nisi probetur malus”.45

43

SILVA, Germano Marques da, ob. cit. p. 278. 44

VILELA, Alexandra, ob. cit. p. 32. 45

Apud VILELA, Alexandra. ob. cit. p. 32.

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2 Consagração constitucional e internacional do princípio da presunção de

inocência

De modo a encontrar instrumentos jurídicos que limitassem o “jus puniendi” do

Estado para se evitar os abusos e exageros cometidos no passado e afastar a presunção

de culpa, é votada em França, em 1789, a Declaração dos Direitos do Homem e do

Cidadão46

, constituindo um marco notável na história da liberdade. A partir desse

momento “o interesse do indivíduo foi sobrevalorizado em relação ao interesse

colectivo.”47

Vem acolher no seu art.º 9.º, juntamente com outros princípios basilares

do processo penal, 48

o princípio da presunção de inocência, “todo o homem é

considerado inocente, até tão momento em que, reconhecido como culpado, se julgar

indispensável a sua prisão: todo o rigor desnecessário, empregado para a efectuar, deve

ser severamente reprimido pela lei.” Assim sendo, a presunção de inocência foi erigida

a direito cívico do cidadão, concedendo-lhe, deste modo, a tutela jurídica da sua honra e

liberdade, garantida pelos órgãos do Estado e invocáveis no processo penal.49

No que

concerne à CEDH50

a presunção de inocência vem enunciada no art.º 6.º n.º 2,51

assumindo entre nós dignidade constitucional nos termos do art.º 32.º n.º 2 da CRP.

Relativamente à Carta Europeia dos Direitos Fundamentais refere-se igualmente à

presunção de inocência, nos termos do art.º 48 n.º 1 em que enuncia as condições para

que se aplique o princípio da presunção de inocência, “todo o arguido se presume

inocente enquanto não tiver sido legalmente provada a sua culpa.” Por fim, no Pacto

Internacional dos Direitos Civis e Políticos, vem enunciado no art.º 14.º n.º 2 que “

qualquer pessoa acusada de qualquer infracção penal é de direito presumida inocente até

que a sua culpabilidade tenha sido legalmente estabelecida.” O traço em comum entre

estes textos internacionais é a consideração de que a presunção de inocência cessa a sua

46

Foi o primeiro momento de positivação do princípio da presunção de inocência, enquanto

modo de tratamento a dispensar ao arguido, rejeitando em primeiro lugar a presunção de culpabilidade

que até ai recaia sobre o acusado, em segundo lugar, faz a ligação da prisão preventiva ao estatuto de

inocência, o que não significa que a referida presunção não se estenda a todos os outros aspectos do

tratamento do acusado, que não apenas aquele que diz respeito à prisão preventiva. 47

MOURA, José Souto de, ob. cit. p. 31. 48

A título de exemplo, no art.º 7.º e 8º da DEDH, encontram-se os princípios nullum crimen sine

lege e nulla pena sine culpa, respectivamente. 49

VILELA, Alexandra, ob. cit. p. 34. 50

BARRETO, Ireneu Cabral, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.ª edição, 2010,

pp. 201 e ss. 51

“Qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade

não tiver sido legalmente provada”.

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aplicação no momento em que a culpabilidade de uma pessoa acusada ficar provada.52

No que diz respeito à formulação destes textos, suscitava dúvidas em saber se a

presunção de inocência continuava a surtir efeito após a decisão quanto à matéria de

facto, quando estivesse pendente um recurso apenas relativo à análise de questões de

direito.53

54

Foi com a CRP de 1976 que se elevou o princípio da presunção de inocência à

categoria de direito constitucional. 55

Actualmente, está consagrado no n.º 2 do art.º 32.º

da CRP, “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de

condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de

defesa.” Este preceito deve ser interpretado à luz do denominado processo equitativo,56

da designação feita do CEDH que, à luz do princípio do primado,57

esta lei europeia

prevalece face a qualquer norma de direito interno de cada Estado membro, nos termos

do art.º 8.º da CRP. 58

O art.º 32º n.º 2 da CRP, não nos diz como o princípio se vai

manifestar na lei ordinária e ao longo do processo, mas concede, antes de mais, ao

legislador um amplo poder de discricionariedade, aquando do momento de o

concretizar. Nesse sentido, a Constituição dá-lhe poder de consagração, não apenas

enquanto modo de tratamento a dispensar ao arguido quando contra si corra um

processo-crime,59

pretendendo oferecer-lhe o direito a um tratamento que se assemelhe

o mais possível igual a quem não se encontre acusado pela prática de um crime, mas

também enquanto regra probatória aliada ao princípio do in dubio pro reo. A CRP, ao

52

BOLINA, Helena Magalhães, Boletim da Faculdade de Direito, Faculdade de Direito da

Universidade de Coimbra, vol. 70, 1994, p. 459. 53

Idem. 54

Em relação à CRP, nos termos do art.º 32.º n.º2 precisa com maior rigor o momento em que

termina a aplicação da presunção de inocência, “até trânsito em julgado da sentença.” 55

Até aí desconhecido do nosso ordenamento jurídico português, quer ao nível constitucional,

quer ao nível da legislação ordinária. O primeiro momento de consagração do princípio da presunção de

inocência foi o art.º 9.º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. 56

Cf. art.º 20.º n.º 4 da CRP, “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja

objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”. 57

Este princípio foi consagrado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia através do ac.

COSTA ENEL, em que o tribunal declara que o direito proveniente das instituições europeias se integra

nos sistemas jurídicos dos Estados-Membros, sendo estes obrigados a respeitá-lo. O direito europeu tem

assim o primado sobre os direitos nacionais. Deste modo, se uma regra nacional for contrária a uma

disposição europeia, as autoridades dos Estados-Membros devem aplicar a disposição europeia. O direito

nacional não é nem anulado nem alterado, mas a sua força vinculativa é suspensa. 58

“As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas

vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o

Estado Português.” 59

SILVA, Germano Marques da, ob. cit. pp. 307 e ss.

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aspirar a um modelo de processo penal,60

entendeu que este deveria passar, igualmente,

pela revelação do princípio da presunção inocência e, ao fazer essa revelação, é

manifesta a autoridade do Estado, aspirando à defesa do interesse social, tendo como

objectivo primordial a paz social e a segurança dos cidadãos em geral, reprimindo os

índices de criminalidade, nunca esquecendo a defesa da liberdade individual de cada

cidadão submetido ao exercício do poder punitivo do Estado. Cabe à Lei Fundamental

de um Estado e, posteriormente, à legislação processual infraconstitucional, como é

caso da lei processual penal, solucionar, eficazmente, o conflito existente entre a

necessidade socialmente sentida de procurar assegurar um justo e correcto tratamento

das infracções criminais e a salvaguarda dos interesses e da personalidade dos acusados.

Por outro lado, não deixa de ser importante verificar que o próprio n.º 2 do art.º 32º da

CRP conseguiu conciliar, desde a revisão constitucional de 1982, a existência do

princípio da presunção de inocência com o julgamento em “ um curto prazo compatível

com as garantias de defesa.” 61

A celeridade processual assume-se como uma

consequência da presunção de inocência, desencadeando consequências não só ao nível

da prática de actos processuais, que deve ser atempada, mas também sobre a actividade

do poder judicial.62

Importa acrescentar que, desta consagração constitucional, resulta o

facto de ser oferecido ao legislador legitimidade para, ao longo do CPP, difundir a

marca da presunção de inocência.63

60

Cf. art. º 29. º da CRP. 61

MEDEIROS, Rui e MIRANDA, Jorge, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição,

Coimbra Editora, 2010, pp. 702 e ss. 62

Esta questão não é desprovida de utilidade e significado pois prende-se com a questão de

termos um processo penal demasiado lento que inculca na sociedade em geral, nos órgãos de

comunicação e também no arguido, um sentimento de culpa, que eventualmente não se expiará numa

audiência de julgamento que termina com a absolvição passados, por exemplo, 3 anos. Isto porque uma

demora excessiva no julgamento acabará por esvaziar o sentido e tirar alcance ao princípio da presunção

de inocência, ficando o arguido de algum modo injustamente penalizado. 63

O arguido beneficia assim de um direito de defesa assegurado, entre muitos outros, no CPP,

pelos arts. 61.º n.º 1 relativo aos direitos e deveres do arguido; 287.º n.º1 e 2 referente ao requerimento

para abertura de instrução; 302º relativo ao decurso do debate; 327.º que diz respeito à contraditoriedade;

340º que se refere à produção de prova; 361.º n.º 1 que concerne às últimas declarações do arguido e

encerramento da discussão e de uma presunção de inocência até trânsito em julgado da sentença

condenatória.

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2.1 Presunção de inocência como direito fundamental pertencente aos

direitos, liberdades e garantias

O princípio da presunção de inocência, ao ser elevado a categoria de norma

constitucional, plasmado no art.º 32.º da CRP, conte uma imposição que vincula

imediatamente os destinatários e que todos devem respeitar em virtude do qual ninguém

pode ser considerado culpado até que a sentença condenatória definitiva assim o afirme,

assegurando-se simultaneamente o recurso ao TC, quando qualquer norma jurídica

encerre a sua violação 64

. Daqui decorre que o valor constitucional desta presunção de

inocência oferece bem mais do que um princípio geral do direito, isto é, o legislador

constitucional não se bastou com a mera constitucionalização do preceito, colocou-o

entre os direitos fundamentais. Dentro desses direitos importa destacar os direitos,

liberdades e garantias previstos ao longo do Título II da Parte I da CRP, sendo no

capítulo referido em primeiro lugar, referente aos direitos, liberdades e garantias, que o

legislador elencou as normas referentes ao processo criminal, e, por conseguinte, a

presunção de inocência, enquanto princípio integrante deste processo. Ao inserir-se a

presunção de inocência entre os direitos, liberdades e garantias, resulta que esta passa a

beneficiar do regime especial privativo destes, constante dos arts. 17.º e 18.º do texto

constitucional. A presunção de inocência pode encontrar-se em conflito ou tensão com

outros direitos fundamentais, como iremos ver nos capítulos seguintes, em situações

entram em confronto o direito à dignidade humana englobando o a presunção de

inocência e a liberdade de imprensa.65

Resulta da aplicação deste regime que, quando

haja um conflito, se restrinja o mínimo possível o conteúdo do direito fundamental em

causa. 66

67

Para além de que este princípio vê as suas restrições apertadas ao limite dado

64

Diz-nos o ac. 264/1999 de 5 Maio de 1999 do TC que é motivo para recorrer a este tribunal

quando as garantias constitucionais de defesa, incluindo o princípio da presunção de inocência, que

significam uma protecção global e completa dos direitos de defesa do arguido, não sejam respeitadas. 65

MEDEIROS, Rui e MIRANDA, Jorge, ob. cit. pp. 702 e ss. 66

Vai ser abordado nos capítulos seguintes a questão da tensão entre a presunção de inocência e

outro direito fundamental que é o direito à informação, consagrado no art.º 37º da CRP. 67

A título de exemplo, no que diz respeito à coordenação entre o art.º 27º, consagrando o direito

à liberdade e à segurança, e o n.º 2 do art.º 32.º, onde se acha prevista a presunção de inocência, este

último consagra-a expressamente, já o primeiro reafirma-a ao dispor no seu n.º 2 “que ninguém pode ser

total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória.”

Dispõe expressamente que ninguém pode ver a sua liberdade restringida enquanto se presumir inocente, o

que só acontecerá quando houver trânsito em julgado da sentença condenatória. No que diz respeito a

estes dois artigos, é importante referir que, num primeiro momento, a presunção de inocência implica que

a liberdade não seja restringida. Mas o que acontece, na prática, é que temos de proceder à sua restrição,

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que é beneficiário do regime dos direitos, liberdades e garantias e constitui, em última

instância, uma garantia constitucionalmente substantiva tendente à protecção judicial

dos direitos do acusado. 68

69

Gomes Canotilho e Vital Moreira, no que diz respeito ao

sentido que se pode dar à presunção de inocência, referem que este se traduz numa

garantia substantiva constitucional que é equivalente ao direito dos cidadãos de

exigirem dos poderes públicos a protecção dos seus direitos, bem como o

reconhecimento dos meios adequados à prossecução dessa finalidade protectora.70

Germano Marques da Silva refere que a presunção de inocência não é uma verdadeira

presunção em sentido jurídico na medida em que, “através dela não se prova nada, é

antes de mais uma regra política que releva do valor da pessoa humana na organização

da sociedade e que recebeu consagração constitucional como direito subjectivo público,

direito que assume relevância prática no processo penal num duplo plano, no tratamento

do arguido no decurso do processo e como princípio de prova”.71

obedecendo ao princípio da proporcionalidade em sentido amplo, desdobrando-se este nos princípios da

adequação, proporcionalidade em sentido estrito e necessidade, quando se encontrem dois direitos

fundamentais em colisão, tendo essa restrição que ser limitada ao mínimo indispensável. Cf. VILELA,

Alexandra, ob. cit. p. 23 nota de rodapé n.º 21; ANDRADE, José Carlos Vieira de, Os Direitos

Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 4.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2010, pp. 50 e ss. 68

Idem, p. 52. 69

A constituição de arguido representa uma garantia da pessoa sobre quem recai a investigação

ou foi deduzida acusação, garantia de que se pode defender, ser assistido por um defensor, de se manter

em silêncio, entre outras. Na altura em que o processo penal estava abrangido pela presunção de culpa,

sobre o arguido recaiam mais deveres do que propriamente direitos. Socialmente, o arguido era tido como

culpado. Fruto dessa presunção de culpa, hoje em dia, apesar do estatuto de arguido ser totalmente

oposto, para a sociedade em geral, continua a ser um grande desconforto o facto de alguém ser constituído

arguido pois inerente a ele está a presunção social de culpa, que a sua constituição, na prática, acarreta. O

arguido estava, até à reforma da lei processual (lei 48\2007 de 29 de Agosto) condenado ao exercício do

poder da opinião pública e, por isso, uma das alterações que foram introduzidas diziam respeito,

precisamente, aos pressupostos da constituição de arguido. A partir dai, começou a ser exigido que, para a

constituição de arguido, fosse necessário a existência nos autos, indícios de fundada suspeita da prática de

crime. SILVA, Germano Marques da, da, ob. cit. p. 306. 70

CANOTILHO, José Joaquim Gomes e MOREIRA, Vital, Constituição da República

Português Anotada, 1.º vol., Coimbra: Coimbra Editora, 2007, pp. 518 e ss. 71

SILVA, Germano Marques da, ob. cit. p. 307.

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2.1.1 Conteúdo da presunção de inocência

Após ter sido analisada a evolução do instituto da presunção de inocência até aos

dias de hoje, é importante referir qual o impacto nos cidadãos e os efeitos intra e extra

processuais que a presunção de inocência acarreta. 72

O direito do arguido a um

tratamento igual a quem não tem qualquer tipo de processo-crime, é o ponto de partida

para a análise do alcance deste instituto jurídico. Naturalmente, ao nível intra

processual, é impossível tratar o arguido como se não tivesse um processo dirigido

contra si, daí que o princípio da presunção de inocência sofra uma constrição que

praticamente só se vai manifestar em matéria probatória,73

colocando-se o acusado em

condições de se defender adequadamente para que o princípio da presunção de

inocência, na falta de um contraditório da prova da acusação, não perca a sua razão de

ser,74

para além de se verificar enquanto regra de tratamento a dispensar ao arguido.75

O

arguido será tratado como inocente ate que seja proferida a sentença condenatória

definitiva não podendo se diminuído social, moral ou fisicamente comparativamente aos

outros cidadãos, que nesse momento, não se encontram sujeito a qualquer processo.

Nestes termos, a liberdade pessoal do arguido vai beber de tal forma à presunção de

inocência que quando se revelar necessária a aplicação de uma medida de coacção, esta

não possa configurar uma sanção que se aplica a alguém cuja responsabilidade penal já

foi provada.76

Extra processualmente, o arguido tem o direito a um tratamento como se

não tivesse processo dirigido contra si, devendo ser tratado como qualquer cidadão.

“Ter um processo contra si contraria tal tratamento, porque para a maioria dos cidadãos

não está sujeita às implicações dum processo penal “(...) interessará que o processo

72

VILELA, Alexandra, ob. cit. p. 58. 73

MOURA, José de Souto Moura, ob. cit. p. 44. Alexandra Vilela refere que a presunção

enquanto regra de juízo probatório liga-se à estrutura do processo acusatório, desonerando o acusado de

demonstrar a sua inocência. VILELA, ob. cit. pp. 58 e 59. 74

Idem. 75

Germano Marques da Silva refere que uma das formas de fazer com que a garantia

constitucional da presunção de inocência do arguido se verifique, é relativamente ao tratamento

processual, que se traduz no direito do arguido a ser considerado culpado sem nenhum prejuízo de culpa,

que possa afectá-lo social ou moralmente em confronto com os outros cidadãos. Esta medida vai ter

implicações no que diz respeito à aplicação de medidas de coação, impondo que sejam aplicadas com

base nos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, nos termos no art.º 193.º do CPP.

Qualquer desvio na utilização destas medidas vai contra o princípio da presunção de inocência. Cf.

SILVA, ob. cit. p. 307. 76

VILELA, Alexandra, ob. cit. pp. 58 e 59.

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penda contra o arguido o menos tempo possível”.77

José de Souto Moura refere que “ o

arguido ou acusado em processo penal não pode ser discriminado ou sofrer tratamento

em desfavor comparativamente ao não arguido”;78

o tratamento igual vai reflectir-se “na

relação laboral, no desempenho defunções da Administração Pública como actividade

de fomento ou serviço público” 79

e igualmente nos direitos fundamentais do arguido,

não afectados pelo processo que se deverão manter ” intocados”, no que diz respeito,

por exemplo, ao direito à imagem e ao bom nome.80

81

A condição de arguido é,

segundo o autor, “a razão de ser do princípio da inocência, mas tal não implica que o

estatuto do arguido e toda a disciplina processual, se coadunem só com o princípio da

inocência,” Há muitos outros princípios processuais penais e interesses,82

que não os do

arguido, que obrigam a que haja uma contenção das decorrências lógicas do princípio da

presunção de inocência em que o que mais impacto tem é o do instituto da prisão

preventiva. 83

77

Idem. 78

MOURA, José de Souto, ob. cit. pp. 40 e ss. 79

Idem. 80

O tratamento igualitário ao qual nos referimos é só em relação ao tratamento jurídico, “ o

princípio não pode fazer-se valer onde o tratamento desigual deriva da própria esfera de liberdade de

quem lide com o arguido.” A título de exemplo, se o despedimento de uma pessoa não pode ocorrer só

pela sua condição de arguido, já a admissão de um trabalhador que se processe ao nível contratual poderá

ser recusada com base na falta de confiança, pois o direito ao trabalho constitucionalmente previsto nos

termos do arts. 58º e 59º da CRP, “não se trata de um direito a um certo e determinado posto de trabalho”

pois na génese da relação laboral “ está exactamente o exercício da liberdade contratual.” MOURA, José

de Souto, ob. cit. pp. 40 e 41. 81

Relativamente a estes direitos, é inegável a existência de direitos conflituantes e, por isso, será

necessário proceder-se à sua compatibilização. É o caso dos interesses e direitos do arguido (direito a

dignidade humana ligado à presunção de inocência) e por outro lado os colectivos (o direito à informação

e imprensa). Vai ser abordado nos próximos capítulo com maior profundidade a relação conflitual dos

direitos em causa, entre arguidos e a própria Comunicação Social e até que ponto o direito à informação

se poderá impor face aos direitos do arguido. 82

Idem. 83

Ibidem, p. 44.

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2.2 Princípio da presunção de inocência ou/e princípio in dubio pro reu?

Muito se tem dito sobre estes dois princípios, se podem ou não ser equiparados,

o que tem levado a que se teçam, por parte da doutrina, várias e diferentes opiniões

acerca do assunto. Contrariamente ao que Cavaleiro de Ferreira defende, 84

parece-nos

não se poder ver na constitucionalização da presunção de inocência uma duplicação do

princípio segundo o qual a subsistência da dúvida deve favorecer o arguido pois para

isso socorrer-nos-emos ao princípio in dubio pro reu.85

86

Para este autor, os dois

princípios traduzem-se “na opção de absolver um condenado e não condenar um

inocente quando substituam dúvidas quanto à prática dos factos pelos quais o arguido se

encontra acusado, vigorando sempre a presunção de inocência, independentemente da

natureza dos factos probandos a que se refira a falta ou insuficiência de prova”,87

aplicando-se assim aos factos constitutivos, extintivos, modificativos e impeditivos,

vigorando, em qualquer dos caso, a necessidade de prova plena em desfavor do

arguido.88

Costa Pimenta89

distingue para a presunção de inocência dois sentidos: um

referente ao estatuto do arguido e outro relativo aos meios de prova. Ora, quando o

autor se refere à presunção de inocência enquanto relacionada com os meios de prova

identifica-a com o princípio in dubio pro reo, à semelhança do que Cavaleiro de

Ferreira defende, tendo como consequência da sua aplicação o arquivamento processo

por falta de prova. O que nos faz parecer que também este autor, ao referir-se aos dois

84

FERREIRA, Manuel Cavaleiro de, Curso de processo penal, vol. I, Lisboa: Editorial Danúbio,

Lda., 1986, pp. 216 e ss. 85

A opinião de Alexandra Vilela segue neste sentido. Cf. VILELA, Alexandra, ob. cit. pp. 77 e

ss. 86

Mesmo ao nível probatório o princípio da presunção de inocência tem um significado e

alcance que o princípio in dubio pro reu não consegue abranger. A presunção de inocência é a forma de

garantir que não sejam condenados culpados. Enquanto o in dubio pro reu só é accionado quando surgir

em relação à verificação de factos um caso de dúvida. A presunção de inocência não se esgota neste

aspecto, dado que o facto de essa dúvida não surgir, e por isso não haver lugar a aplicação do princípio in

dubio pro reu, pode igualmente configurar uma situação violadora da presunção de inocência. Para um

maior aprofundamento. BOLINA, Helena Magalhães, ob. cit. pp. 443 e ss. 87

Apud, VILELA, Alexandra, ob. cit. pp. 77 e ss. 88

Idem. 89

Ibidem.

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19

princípios, os trata como equivalentes.90

Castanheira Neves, ao defender e fazer a

distinção dos dois princípios, aponta o surgimento da presunção de inocência

atribuindo-lhe consequências ao nível do tratamento a outorgar ao arguido ao longo de

todo o processo penal. Em relação ao princípio in dubio pro reo, há o objectivo de

responder à questão “de saber qual a decisão a tomar quando o tribunal, uma vez

chegado o momento de se pronunciar sobre a questão, não adquira a certeza sobre os

factos que constituem a acusação e, em relação aos quais, não há a aquisição de um

convencimento real e efectivo de que o réu é o responsável pelo crime cometido,

concluindo que o princípio em causa proíbe a condenação penal baseada na dúvida.” 91

92 Acrescenta que não se pode entender o princípio in dubio pro reo como estando na

base de uma presunção de inocência, que se pudesse impor ao processo criminal, não

tendo que se invocar o princípio da presunção de inocência. 93

Outra das aplicações do

princípio in dubio pro reu reside na opção pela solução mais favorável ao arguido,

quando surja a dúvida, não sobre os pressupostos da punição, se estão preenchidos os

requisitos do crime tipificado, mas sobre as particularidades concretas do

comportamento do próprio arguido ou do objecto da sua acção, que vão ter repercussão

jurídica.94

José de Souto Moura afirma que esta opção pela solução mais favorável ao

arguido parece ser um corolário do princípio da presunção de inocência. Para o justificar

diz-nos que as decisões penais para se imporem e para convencerem têm de ser

fundadas, e esse fundamento reside na matéria de facto que vai ser dada por provada, ou

seja, baseia-se nas provas dadas.95

O princípio in dubio pro reu está intimamente ligado

a questão da produção de prova e da distribuição do ónus da prova, “é a dúvida, a não

prova, o infundado.”96

E por isso, nesta não prova não se poderá cimentar o que quer

que seja, isto é, nem a absolvição nem a condenação e, pelo facto de o juiz não puder

terminar o processo com um “non liquet”, terá de optar por uma das duas opções. Mas

porque a opção pela absolvição? Porque as consequências da não prova devem ser

90

Cf. art. º 277. º n. º 2 do CPP. 91

NEVES, A. Castanheira, ob. cit. p. 56. 92

Idem. 93

Ibidem. 94

Por exemplo, no furto, a dúvida sobre o valor da coisa subtraída tem que resolver-se optando

pelo valor menos elevado. A dúvida sobre se o agente transportava ou não armas quando actuou deverá

resolver-se tendo em conta a segunda hipótese, entre outros exemplos. “Sempre que a dúvida seja sobre

factos e a consideração duns ou de outros não seja indiferente para o arguido, o in dubio aparecerá.”

MOURA, José de Souto, ob. cit. p. 47. 95

Idem, p. 46. 96

Enquanto na presunção de inocência uma das suas principais consequências revela-se na não

necessidade do arguido provar a sua inocência para ser absolvido.

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sofridas por quem tinha a obrigação de a fazer. E esse ónus da prova cabe em primeiro

lugar ao Ministério Público,97

que promove o processo e, subsidiariamente, ao juiz.98

O

arguido é que não poderá arcar com as consequências das faltas de prova e pelo estado

de dúvida, porque não lhe incumbe provar a sua inocência.99

Daí que o autor diga que

mais do que operar uma verdadeira distribuição de ónus da prova pela positiva100

o

princípio da presunção de inocência vai “tão só isentar de qualquer ónus a defesa.” 101

Essencialmente, o que os distingue é “que o princípio da presunção de inocência actua

necessariamente em qualquer caso, o in dubio apenas actuará em caso de dúvida, como

último recurso.”102

Na análise duma sentença do Supremo Tribunal Espanhol,103

afirma-

se que a diferença existente entre os dois princípios reside no facto de a presunção de

inocência criar, a favor do acusado, um verdadeiro direito subjectivo, um direito a ser

considerado inocente até que se produza prova do contrário, enquanto o in dubio pro

reu, tende a afirmar-se como um princípio geral de direito, isto é, vai assumir-se como

uma norma de interpretação que se dirige ao juiz quando, “ pese embora o facto de se

ter realizado uma actividade probatória mínima”, essa prova não seja suficiente para

dissipar o estado de dúvida em que o tribunal se encontra relativamente à culpabilidade

do acusado. 104

Deste modo, na referida sentença, faz-se a distinção entre os dois

princípios sendo que a presunção de inocência se relaciona com a existência objectiva

de prova bastante que o “desvirtue”, em relação ao in dubio pro reu prende-se com o

problema subjectivo de valoração da prova.105

Pode dizer-se que a presunção de inocência cria, a favor dos cidadãos, o direito a

serem considerados inocentes enquanto não se produza prova bastante acerca da sua

culpabilidade, ligando-se a esta presunção a existência ou não de uma prova, já o in

dubio dirige-se ao juiz como norma de interpretação para estabelecer que, em casos de

dúvida, o acusado deve ser absolvido, ligando-se este princípio somente à valoração

97

Nos termos do art.º 53.º n.º 2 do CPP é da competência do MP, entre outras, adquirir a notícia

do crime, abrir e dirigir o inquérito, deduzir acusação e sustenta-la na instrução e julgamento. A excepção

é feita nos casos em que a actuação do Ministério Público esteja condicionada pela queixa ou queixa e

acusação particular, caso se trate de crime particular ou semipúblico, respectivamente. 98

De acordo com o princípio da investigação da estrutura acusatória do processo penal, que

concede poderes subsidiários ao juiz para produção de prova, caso seja necessário fazê-la. 99

MOURA, José de Souto, ob. cit. p. 46. 100

O carácter positivo significa que, ao arguido, não lhe cabe a prova da sua inocência, podendo

fazê-la se quiser, mas sim à acusação. 101

Idem. 102

VILELA, Alexandra, ob. cit. p. 79. 103

Sentença de 31 de Janeiro do 1983. 104

VILELA, Alexandra, ob. cit. p. 80. 105

Idem.

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subjectiva da prova.106

Conclui-se deste modo que, embora continuem as divergências,

são princípios que se relacionam e identificam entre si mas que não podem ser

confundidos nem ser tidos como equivalentes, “são dois princípios que se revelam em

momentos processuais diferentes, manifestando-se o princípio da presunção de

inocência ao longo de todo o processo, desde o inquérito até à audiência preliminar do

julgamento, prolongando-se ainda até ao trânsito em julgado da sentença de

condenação” 107

, quanto ao in dubio pro reo “tem os seus momentos principais de

actuação em sede de acusação e julgamento podendo estar adormecido desde que tenha

sido feita a acusação ”, isto é, “ poderá reaparecer, em sede de julgamento, se não for

feita a valoração de prova”.108

II Justiça e Media – relação de amor-ódio

1 Papel dos media na sociedade – 4.º Poder?

A veiculação da informação levada a cabo pela Comunicação Social é de tal

forma importante, que se torna imperiosa a verificação do estado da mesma para o bom

funcionamento do sistema democrático. A existência de um quadro legal

particularmente exigente no domínio da Comunicação Social encontra-se justificada

pela necessidade de assegurar o justo equilíbrio de interesses que lhe são subjacentes,

cuja intervenção estatal neste sector, reflecte-se não só na promoção e protecção da

liberdade de expressão e informação sempre que essa actividade se revista de interesse

público mas também pela salvaguarda de valores constitucionais que possam ser

afectados pela Comunicação Social, tais como, os direitos à dignidade humana,

personalidade, honra e bom nome.109

O importante é saber se, como cidadãos de um

Estado formalmente democrático, recebemos informação apropriada e suficiente para

formar juízos fundamentados sobre a res pública, a sua gestão e orientação.110

A livre

formação de opinião pública supõe um intercâmbio de ideias, pensamentos e factos sem

restrições, constituindo desta forma uma condição necessária para a realização do

106

FERREIRA, Cavaleiro de, ob. cit. pp. 216 e ss. 107

VILELA, Alexandra, ob. cit. pp. 77 e ss. 108

Idem 109

CARVALHO, Alberto Arons de, [et al], Direito da Comunicação Social, Casa das Letras,

2.ªed, 2005, pp. 9, 51 e ss.

110 SÁNCHEZ GONZÁLEZ, S., apud CARVALHO, Alberto Arons de, [et al], ob. cit. p. 52.

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Estado de Direito Democrático e indispensável para que a informação seja amplamente

divulgada e captada pelo maior número de cidadãos. Os media influem, assim, na

determinação e percepção dos acontecimentos relevantes num dado momento histórico,

constituindo um instrumento importantíssimo na promoção, na generalização da cultura

e na difusão de valores sociais, de modo a contribuir positivamente para o nível de

informação e conhecimento dos cidadãos sobre os assuntos públicos. 111

Há quem qualifique os media como 4.º Poder, colocando desta forma a imprensa

ao nível das instituições de poder constituído como o poder executivo, legislativo e

judicial. Sendo muito utilizada para (re) forçar a respectiva legitimidade no espaço

público,112

deverá ser analisada como um fenómeno relacionado com os outros poderes

e nunca isoladamente pois há uma íntima relação com o campo político, económico e

sócio-cultural e por isso, trata-se de uma relação complexa, repleta de influências e

dependências que se fazem notar na veiculação d notícias que vão ser determinantes

na livre formação da opinião pública e na salvaguarda do pluralismo informativo, na

medida em que estas influências e dependências poderão condicionar a livre formação e

nessas medida é que vai ser determinante. A legitimidade da presença do jornalista no

espaço público é um tema que está em profundo debate na nossa sociedade. O problema

é-nos colocado do ponto de vista da competência do jornalista para recolher e tratar

informações, cuja missão é de analisar, comentar, exprimir opiniões, investigar e

examinar factos, com o objectivo de gerir o acesso ao espaço público.113

Hoje em dia, a

Comunicação Social, “tem-se como um poder, um poder de facto, que se auto legitima e

111

Neste sentido é importante referir a “teoria da responsabilidade social” dos meios de

comunicação social, fruto de um estudo americano intitulado “Theories of the press”, decorrente da teoria

liberal, segundo a qual, o mais importante do que conseguir a liberdade de imprensa através da liberdade

de expressão e de informação é a capacidade de garantir o direito dos cidadãos a uma informação livre,

plural, e objectiva, ou seja, não basta assegurar os direitos aos jornalistas, importa antes verificar o

direitos dos cidadãos a uma boa informação. É frequente a ideia de desresponsabilização da liberdade de

imprensa, não se fazendo respeitar os deveres de isenção, objectividade e imparcialidade inerentes à

profissão de jornalista, mas a imprensa tem que ter a consciência de que os seus erros podem ter

consequências ao nível do público em geral. Se ela se enganar é a opinião pública que engana e não vai

ser possível atribuir-lhe o direito a errar já que tem uma missão de serviço público. Deparamo-nos assim

com uma situação complexa e ambígua em que a imprensa deverá manter-se como uma actividade livre e

privada no sentido da não interferência do Estado. Idem, p. 265., MACHADO, Jónatas E. M., ob. cit. p.

510; MONTEIRO, António Pinto, Estudos de Direito da Comunicação, Instituto Jurídico da

Comunicação, Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, Coimbra, 2002, pp. 19 a 24. 112

Idem, 108 e 109. Segundo Mário Mesquita, esta denominação é fruto do resultado perverso da

afirmação da legitimidade de presença do jornalista no espaço público, isto é, se os media fossem

considerados poderes em sentido idêntico aos poderes enunciados por Montesquieu a intervenção do

jornalista no espaço público teria que ser encarada nos mesmos termos em que se colocam, por exemplo,

as questões de representatividade de mandato e, em tempos de crise política como a que vivemos, este

problema surge no âmbito de estratégias de pressão sobre a imprensa. 113

Idem.

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23

legitimador de todos os poderes,114

mas em democracia não são admissíveis poderes

absolutos, muito menos quando estão sujeitos às leis do mercado.”115

“Um poder sem

uma fonte legitimadora, sem controlo, sem sanção é um poder “pré-democrático.”

Daniel Cornu coloca a questão da legitimidade como se trata-se de um processo

argumentativo aberto à participação dos destinatários do discurso jornalístico. Para o

autor, a expressão quarto poder carece de rigor analítico pois nem os media nem o

jornalismo correspondem à concepção do poder constituído nem têm capacidade de

acção e coerção no quadro de uma política nem são análogos ao poder executivo

legislativo e judicial. “O jornalista retira a sua legitimidade apenas da discussão (…)

sobre a verdade da sua informação e sobre a forma como a sua informação

verdadeiramente reflecte as preocupações reais da sociedade.”116

No que concerne às

fontes legitimadoras do Poder Judicial o sistema de responsabilização e limitação está

previsto na lei e, em relação à Comunicação Social, o que importa saber é onde começa

e acaba a sua responsabilidade, como se exerce a disciplina, ética e deontologia do

jornalista, ou seja, qual é o verdadeiro papel da Entidade Reguladora da Comunicação

Social.117

O que não significa que sejamos apologistas de uma Comunicação Social

censurada ou com controlo prévio, mas sim que esta tenha que ser repensada para

colmatar as lacunas inerentes aos campos da Justiça e dos Media,118

de forma a que não

haja uma Comunicação Social manipuladora da opinião pública ou que atribua a si

mesma o poder de construir e desconstruir a própria democracia. Embora reconheçamos

que a Comunicação tem uma importante função no desenvolvimento da sociedade ao

nível informativo, não a podemos equiparar a um (suposto) 4.º Poder instituído, por

carecer de legitimidade para tal. O poder judicial não poderá estar dependente do

mediático, evitando-se assistir ao vergar da Justiça perante as exigências da

Comunicação Social que, por vezes, atribui a si mesma a natureza e condição de opinião

114

MEUNIER admite que a acção desencadeada pelos media condiciona “fortemente o contexto

político, social e económico circundante”. Apud, CORREIA, António Ferrer, [et al], Os Direitos da

Pessoa e Comunicação Social, Fundação Calouste Gulbenkian, Edições Asa, S.A Lisboa, 1996, pp. 121. 115

“As leis do mercado comandam a produção de imagens rentáveis. Os tempos de antena

custam caro. Todo o tempo morto é tempo perdido”. AFONSO, Orlando, “Poder Judicial e Opinião

Pública,” VI Congresso dos Juízes Portugueses, Justiça e Opinião Pública, Tribunais e Comunicação

Social: o olhar dos juízes portugueses, Aveiro, 8 a 10 Novembro de 2001, pp. 90. e 92 116

Apud MONTEIRO, António Pinto, ob. cit. p.109. 117

Nos termos da lei 53/2005 de 8 de Novembro, foi criada esta entidade substituindo a anterior

AACS. 118

“Cada campo social, para além da legitimidade, do corpo e da ordem de valores, comporta

ainda o conjunto de processos, de formas expressivas que lhes são exclusivas, o que é particularmente

relevante no campo da justiça, um campo de cariz bastante formal.” FERNANDES, Plácido Conde,

“Justiça e Media – Legitimação pela Comunicação”, Revista do CEJ, 2º Semestre, nº10, “Verdade,

Justiça e Comunicação”, Coimbra, Editora Almedina, 2008, pp. 322 e ss.

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pública; deverá sim haver uma relação de colaboração inter ajuda entre os campos

sociais e não de dependência entre eles.

2 O interesse da comunicação social em questões judiciais

A forma como a Justiça tem sido encarada aos olhos da Comunicação Social tem

vindo a alterar-se com a denúncia de casos graves de (in)justiça ganhando um papel de

enorme relevo a partir de finais do séc. XIX. Nas palavras de Fernando Martins, “a

denúncia de casos graves de negligência é obrigação dos media acima da qual não deve

estar nenhum dos poderes. Mas a verdade e o rigor não podem ser sacrificados ao

espectáculo ou por ele prejudicados. E é intolerável que se lance o descrédito público

sobre instituições que são o esteio da sociedade democrática em que vivemos. Como o

Poder Judicial.”119

Apesar disso, esta forma de actuação que, na teoria é bem

conseguida, na prática deixou de ser um acto de cidadania para começar a servir uma

sociedade de consumo mediático que se alimenta, sem parar, de processos criminais e

casos políticos. A imprensa desempenha, por essa razão, um papel determinante no

controlo da actividade governativa do exercício dos poderes públicos, das instituições

perante os desvios, prepotências e os abusos de poder, assumindo-se, dessa forma, como

um “cão de guarda” ao serviço dos cidadãos, pois uma parte considerável dos

escândalos é desvendada pela comunicação social,120

passando os políticos, juízes,

advogados, governantes e presidentes da república a estar, constantemente, na mira dos

meios de comunicação social.121

122

Sendo vista como “vigilante” de espaços violados a

sua imagem foi reforçada com o surgimento dos crimes políticos, erros judiciários,

violação de direitos fundamentais, entre outros,123

em que mesmo antes de existir um

processo criminal, os media, ao descobrirem e denunciarem novos crimes, ajudam a

119

MARTINS, Fernando, A Geração da Ética, Minerva, Coimbra, 2006. p. 177. 120

Ou “Watchdog”. BRITO, Iolanda, ob. cit. p. 137. 121

Tais como a rádio, televisão, jornais e Internet. Esta última, considerada como espaço de

exercício de democracia como consequência da fragmentação do espaço público. Para um maior e

aprofundado desenvolvimento, cf. GONÇALVES, Maria Eduarda, Democracia e cidadania na sociedade

de Informação, Os Cidadãos e a Sociedade de Informação, Debates Presidência da República, Lisboa,

Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 2000, pp. 107 e 118; CORREIA, João Carlos, Jornalismo e Espaço

Público, Colecção Estudos em Comunicação, Covilhã, Universidade da Beira Interior, 1998. Disponível

em : http://www.bocc.ubi.pt/ 122

Considerada como contra-poder, a imagem da imprensa corresponde à acção dos jornais e

jornalistas enquanto modo de afirmar dos profissionais do jornalismo no espaço público, enquadrando-se,

neste âmbito, os momentos em que o jornalismo foi visto enquanto defensor de causas democráticas. O

“caso Watergate” é um dos exemplos da importante função dos media na descoberta, procura de

informação e na consequente defesa da democracia. MONTEIRO, António Pinto, ob. cit. pp. 112 e 113. 123

Os casos Dreyfus e dos italianos Sacco e Vanzitti são dois exemplos paradigmáticos relativos

ao erro judiciário. AFONSO, Orlando, ob. cit. pp. 86 e ss.

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desencadear as posteriores investigações e instaurações de processos criminais, podendo

funcionar e ser considerada como uma espécie de colaborador independente com uma

função auxiliar às autoridades judiciais.124

Há quem diga que, inclusive, a sua presença

junto dos tribunais, para além de preparar melhor o juiz, defesa e acusação, faz com que

o arguido receba um tratamento melhor e mais respeitoso.125

Para Jónatas Machado a

presença dos meios de comunicação social nos tribunais, tirando os casos em que estes

possam comprometer o sucesso da investigação e do processo, é bastante importante na

denúncia das irregularidades processuais cometidas pelas autoridades policiais e

judiciárias, do perigo do transcurso do prazo de prescrição e da violação de direitos

fundamentais, bem como na crítica de decisões como a de acusação ou de arquivamento

do processo.126

É de referir o forte contributo que os meios de comunicação trazer à

efectivação da finalidade da prevenção geral no que diz respeito aos fins das penas, em

que a punição do indivíduo é feita com vista a alertar toda sociedade para o facto de que

se alguém cometer um crime já sabe qual a pena que lhe vai ser aplicada, em que o fim

legitimador da pena tem como destinatário toda a comunidade social.127

124

MACHADO, Jónatas, E. M., ob. cit. p. 560; MATA-MOUROS, Maria de Fátima, Direito à

Inocência- Ensaio de processo penal e jornalismo judiciário, Princípia Editora Lda., Estoril, 2007, pp. 30

e ss. 125

Há, no entanto, uma corrente contrária que nos diz que a presença dos meios de comunicação

social é uma forma de instrumentalização e entretenimento da própria justiça e não de educação para a

justiça, tendo um efeito nefasto para a boa administração da justiça, pressionando os juízes, podendo

afectar os intervenientes e inibindo as testemunhas. 126

MACHADO, Jónatas E. M., ob. cit. pp. 564 e ss. 127

CARVALHO, Américo A. Taipa de, Direito Penal - Parte Geral, Teoria Geral do Crime,

vol. II, Publicações Universidade Católica, Porto, 2006, pp. 80 e ss.; MACHADO, Jónatas, E. M., ob. cit.

p. 560.

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3 Mediatização da justiça e suas consequências

A evolução da informação, com o aparecimento da “aldeia global” e a respectiva

diminuição de fronteiras entre os países, fez com que a justiça, um pouco por todo o

mundo, se tornasse alvo de grande interesse noticioso. Uma boa parte dos media dedica-

se a assuntos judiciários, principalmente os que dizem respeito a questões penais,

assistindo-se à crescente mediatização da justiça. A ocorrência de acontecimentos

inesperados e que são tidos como um desvio à normalidade não só impressiona como

gera nos cidadãos um interesse que tende a aumentar quanto maior for a notoriedade

pública dos envolvidos.128

Só muito recentemente é que os tribunais e toda a actividade

judicial ganharam visibilidade perante a opinião pública através da actuação da

comunicação social e, na actual sociedade info-democrática em que vivemos, a

chamada democracia mediatizada tem vindo a reflectir-se na crescente expansão da

esfera pública em detrimento da espera privada, levando à quebra de fronteiras entre

estas duas esferas. A comunicação tornou-se o palco do poder judicial, tomando como

premissa que se administração da justiça for conhecida e reconhecida pelos cidadãos

será melhor legitimada. Deste modo podemos afirmar que a mediatização da justiça

decorre do interesse suscitado pelas questões judicias, nomeadamente as penais e

traduz-se num factor bastante positivo na e para a boa administração da justiça,

consequência da abertura da justiça penal aos meios de comunicação social,

característica dos Estados de direito democrático, como o nosso. A abertura da justiça

penal aos media, para além de conforme ao processo do tipo acusatório e ao principio da

publicidade,129

isto é, a própria Comunicação Social ao desempenhar a sua função

utilitária, assegura também a publicidade da efectiva aplicação das leis para a realização

de uma das grandes finalidades do direito penal, a prevenção geral, em que a punição do

individuo é feita com vista a alertar toda a sociedade para o facto de se alguém cometer

um crime daquele tipo já sabe qual a pena que lhe vai ser aplicada, o fim legitimador da

pena tem com destinatário a comunidade social.130

A este propósito o STJ, fala-nos da

128

A título de exemplo, o processo Face Oculta com Armando Vara, ou o processo Casa Pia com

Carlos Cruz. 129

Entidade que julga, Juiz, é diferente da que acusa, MP. 130 CARVALHO, Américo A. Taipa de, Direito Penal - Parte Geral, Teoria Geral do Crime,

vol. II, Publicações Universidade Católica, Porto, 2006, pp. 80 e ss.; MACHADO, Jónatas, E. M., ob. cit.

p. 560.

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27

“utilidade social da notícia”,131

que deverá ser objectiva e essencialmente verdadeira na

divulgação de informação.”132

No seguimento da linha que defende a abertura das

instituições judiciais à Comunicação Social encontramos as figuras do jornalismo de

investigação e do jornalismo judiciário mais informado e preparado nas áreas do

processo, do direito e da organização judiciária, podendo ser necessário o conhecimento

de outras matérias mais especializadas e técnico-científicas, através dos quais se exerce

uma função pública e social, auxiliar e utilitária da função judicial que por isso mesmo

merece ser incentivada.133

134

Este tipo de jornalismo é importante para um

esclarecimento razoável da opinião pública, passando pela boa informação técnica e

pela capacidade que o jornalista tem que ter de explicitar, com rigor técnico, o

funcionamento normal ou deficiente do sistema judicial e/ou expor os problemas

processuais e, é neste ponto que se verificam as mais graves insuficiências na

preparação do jornalista, pois ao veicular a informação, fá-lo sem ter o mínimo de

preparação técnica para tal, o que faz com que a justiça se torne num palco judicial em

que assiste, constantemente, à violação dos direitos dos arguidos.135

Quanto à

linguagem jurídica e correspondentes actos processuais, o papel da imprensa e de

extrema importância. A função descodificadora da linguagem judicial atribuída aos

media um dos pontos mais positivos e relevantes do princípio da publicidade

processual, daí que o papel de imprensa é o de transmitir de forma claro ao leigo (à

população em geral) o tecnicidade dos termos utilizados no campo judicial,136

traduzindo-se num factor de risco da mediatização da justiça, aumentando consoante o

grau de especialização do jornalista, isto é, quanto maior for a especialização e

131

Ac. STJ, 3 de Março de 2005, Processo n.º 2799/03. 132

VIEIRA, Ana Lúcia Menezes, “Processo penal e Media”, São Paulo, Editora Revista dos

Tribunais, 2003, pp. 108 e 109

Disponível em: http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/507. 133

No entanto, certas investigações jornalísticas configuram-se como uma espécie de pré-

julgamentos de opinião pública que, em determinadas circunstâncias, poderão sobrepor-se, reduzir

eficácia ou influenciar decisivamente, o julgamento propriamente dito. CORREIRA, António Ferrer [et

al], Os Direitos da Pessoa e a Comunicação Social, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, Edições

Asa, S.A., 1996, pp. 121 e ss. 134

CLUNY, António, Revista Trajectos, Media, Justiça e Espaço Público, “Dois planos possíveis

de um relacionamento possível entre justiça e media”, n.º 10, Instituto Superior de Ciências do Trabalho e

da Empresa (ISCTE), Fim de Século Edições, 2007. 135

Idem. 136

A publicidade prende-se com a necessidade de proteger o arguido da prática de acusações,

instruções e julgamentos secretos com vista a estabelecer a confiança no público do exercício da

actividade jurisdicional e de afirmar o princípio do controlo democrático da mesma, no que diz respeito,

por exemplo ao princípio da igualdade de todos os cidadãos perante a lei, tornando-se assim possível o

controlo democrático através deste princípio estrutural da nossa Constituição, para que se crie um espaço

público de “exteriorização das preocupações e emoções comunitárias.” MACHADO, Jónatas E.M., ob.

cit. pp. 563 e ss.

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28

formação do jornalista137

o risco de a justiça ser mediatizada é bastante menor, pelo

facto do jornalista ter amplo conhecimento dos termos técnicos relativos ao campo da

Justiça, a mediatização que possa existir não vai produz o efeito distorcido da realidade

de modo a influenciar o entendimento e posição das pessoas face aos factos e acção da

justiça. Para que isto não aconteça elencamos algumas possíveis soluções para combater

esta forma errónea de mediatização da justiça que passariam por dar uma nova e

constante formação a juristas e a jornalistas, possibilitando a criação de um debate

público em que se discutissem as principais questões relativas à relação entre ambos os

campos, de modo a diminuir a “tensão” existente, tornando-a menos perversa e mais

virtuosa, compatibilizando-se assim os discursos, quer mediático quer jurídico através

do respectivo respeito pelos direitos, liberdades e garantias de todos os intervenientes;

promover a credenciação de jornalistas judiciários para que lhes seja reconhecida e

fornecida informação pertinente e relevante para (bem) informar a opinião pública; por

fim a criação de Gabinetes de Imprensa junto do CSM habilitados a procederem ao lado

dos jornalistas de modo a criar, eficazmente, a ligação do mundo jurídico ao mundo

exterior, aos cidadãos em geral.138

139

Através do desenvolvimento destas iniciativas

estaremos a caminhar, seguramente, para um maior equilíbrio entre o direito de

informar e o respeito pelos direitos do cidadão.

Para que imprensa cumpra a tal função de publicidade, é necessário que tenha

um razoável conhecimento jurídico no que diz respeito ao processo, aos termos

utilizados e os seus significados, o que não é tarefa nada fácil e que não poderá ser

dispensada sob pena de violar o princípio da publicidade.140

Não se nega que a

publicidade seja bastante benéfica para a democratização da justiça, cumprindo aos

media a função de informar e dar a conhecer a todos os cidadãos as normas penais, que

137 Só o juízo crítico formulado por jornalistas especializados em matérias com base na consulta

dos processos e na assistência aos actos, vai permitir um adequado tratamento jornalístico da accão da

justiça. Dependendo dele o controlo externo da actividade dos tribunais bem como a credibilidade aos

olhos dos cidadãos. MATA-MOUROS, ob. cit. p.52. 138

Nos termos da lei 36/2007 de 14 de Agosto foi aprovado o novo regime de organização e

funcionamento do CSM e, com o objectivo de estabelecer uma ponte entre o CSM, cidadãos em geral e os

jornalistas, foi criado um Gabinete de Comunicação/Imprensa. 139

Maria de Fátima Mata-Mouros, não defende que esta seja a melhor solução a adoptar, dado

que os gabinetes de imprensa como meio de veiculação de informação entre tribunais e comunicação

social, só darão a informação que quiserem, que nunca será a que o jornalista quer na realidade. Devia

haver a acreditação dos jornalistas junto do tribunais junto dos tribunais e dos órgãos superiores de

hierarquia judicial para que se acompanhasse permanentemente a actividade dessas instituições. Em

Portugal o único local em que há um corpo de jornalistas acreditados é na Assembleia de República.

MATA-MOUROS, Maria de Fátima, ob. cit. pp. 53 e ss; SERRANO, Estrela, Para Compreender o

Jornalismo, Minerva, Coimbra, 2006, p. 57. 140

VIEIRA, Ana Lúcia Menezes, ob. cit. pp. 108 e 109.

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nem sempre as lê, aproximando-as, deste modo, a todos os cidadãos, mas produz,

igualmente, alguns efeitos maléficos para todo o sistema penal, contribuindo para o

incentivo e aumento da criminalidade apontando-a por vezes como a causadora desse

tipo de crimes. 141

Deste modo os media desempenham um papel essencial na

divulgação da estrutura e funcionamento de uma instituição que a generalidade dos

cidadãos ignora, por lhes ser “culturalmente longínqua”.142

Por vezes, os media dão uma ideia errada do que se passa na justiça, devido à

diferença dos campos da justiça e media pois ambos obedecem a lógicas

substancialmente diferentes, em que o único elo de ligação é o objectivo da procura da

verdade dos factos relatados. O campo jornalístico oferece-nos a verdade ditada por

uma parte aleatória do universo focado nos media, para a comunicação social, a

informação corre ao minuto e o que interessa é a notícia, na hora, acabada de sair. Não

há prescrição nem sequer despachos de arquivamento, o que significa que as verdades

criteriosamente escolhidas para passar na imprensa, escapam a qualquer controlo

judicial. Não se contentam em informar o que se passa na justiça ou em exercer a sua

crítica sobre o papel desta, “eles copiam os métodos da justiça”, substituindo-se ao MP,

interrogando as testemunhas antes da Justiça, confrontando testemunhos e fazendo

inquéritos, antes mesmo de o cidadão estar acusado ou pronunciado, ficando, deste

modo, já sentenciado pela Comunicação Social.143

Muitos dos malefícios produzidos

pela imprensa decorrem da falta de conhecimento e preparação técnico dos jornalistas

em relação ao discurso jurídico, “tanto que confundem as funções da polícia com as do

Ministério Público, destes com as do Poder Judiciário, englobando-os todos na noção de

Justiça.”144

Há outros factores de relevo que contribuem para que haja uma realidade

judicial “distorcida”, nomeadamente, a falta de transparência e publicidade, a

141

A publicidade é uma importante salvaguarda dos diferentes bens jurídicos em causa, pois a

investigação jornalística pode permitir a descoberta de novas provas e existência de outros culpados. A

CRP estabelece no art.º 206.º uma regra de publicidade igualmente vinculativa para o processo penal. No

entanto é no art.º 86.º do CPP que vamos encontrar a concretização desse princípio adequado às diferentes

fases do processo penal, delimitando dessa forma o secretismo e publicidade do processo, evitando desta

forma “especulações infundadas” repondo a verdade sobre os factos que sejam publicamente divulgados

para evitar que haja a perturbação da tranquilidade pública e das pessoas injustamente envolvidas.

SILVA, Germano Marques da, ob. cit. p. 29. É necessário criar-se um justo equilíbrio das razões que

levam a que o processo esteja sob segredo de justiça e as que militam a favor da garantia do direito à

informação, sendo que de um lado e do outro há argumentos favoráveis ou não ao sucesso da investigação

e à garantia dos direitos do arguido e do ofendido. MACHADO, Jónatas E.M., ob. cit. pp. 560, 567 e ss. 142

MONTEIRO, António Pinto, ob. cit. p. 16. 143

MATA-MOUROS, Maria de Fátima, ob. cit. pp. 28 e 29. 144

VIEIRA, Ana Lúcia Menezes, “Processo penal e Media”, São Paulo, Editora Revista dos

Tribunais, 2003, pp. 108 e 109

Disponível em: http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/507.

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tecnicidade dos conceitos jurídicos e a correspondente opacidade dos tribunais face aos

órgãos de comunicação social. Nas instituições judiciárias predominam os aspectos

esotéricos de opacidade145

e reserva que visam assegurar a autenticidade originária do

campo da justiça, adoptando um discurso de rigor oposto ao que sucede no campo dos

media que recorrem a um discurso normalizado e destinado ao consumo externo do

público. Relativamente à reserva, é imposto a todos os magistrados judiciais uma

obrigação de reserva e sigilo, colocando-os numa relação especial com o fenómeno

mediático146

traduzindo-se na impossibilidade de prestar declarações relativas a

processos, nem revelar opiniões emitidas durante as conferências nos tribunais que não

constem de decisões, actas ou documentos oficiais com carácter não confidencial ou que

versem sobre assuntos de natureza reservada, nos termos do art.º 12º do EMJ,147

contribuindo para que haja um “especial” interesse dos jornalistas relativo a essas

matérias.148

A referida opacidade dos tribunais, poderá abrirá caminho a indesejáveis

imprecisões e especulações por parte da Comunicação Social, por não lhes ser facultada

145

Há autores que a defendem como uma forma de transformar a opacidade da “ cena jurídica” -

sala de audiências - num espaço onde o espectador cidadão é promovido a actor, esquecendo-se que a

Justiça, considerada como uma acção dramática tem a sua própria essência, ou seja, contém símbolos

característicos e específicos do campo da Justiça, tais como o espaço, tempo, papéis convencionais e a

própria oralidade do debate, encontrando-se determinados pela finalidade que os une – satisfação de

necessidade de justiça com o intuito de finalizar a acção judicial. Os símbolos inerentes a cada campo

social, Media e Justiça, marcam a distância entre ambos. Neste caso, os media fazem a abolição de três

distâncias na Justiça que achamos essenciais, a delimitação de um espaço protegido, o tempo deferido do

processo e a qualidade oficial dos actores do drama sócio-judiciário, fazendo com que a Comunicação

desloque o espaço judiciário, paralisando o tempo e desqualificando as autoridade judiciais. AFONSO,

Orlando, ob. cit. pp. 89 e ss. RODRIGUES, Duarte Adriano, “Experiência, Modernidade e campo dos

media”, Universidade Nova de Lisboa, 1999, pp. 24 e ss. Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/ 146

A obrigação de reserva destina-se a preservar a imagem de isenção e independência das

magistraturas e também a não favorecer a criação de opiniões que possam desvirtuar ou influenciar a

acção da justiça. Cf. para este efeito o art.º 63.º da Lei Orgânica do MP. 147

Germano Marques da Silva refere que, relativamente ao alcance do art.º 12º do EMJ, sem

limitar o “protagonismo mediático que alguns magistrados assumem relativamente a processos em que

intervêm.” A nova realidade da comunicação social com que nos deparamos requer um esforço de

reflexão sobre este processo “mediático-judiciário”. Não parece ser possível manter os princípios e os

deveres tradicionais, nomeadamente no que respeita aos deveres do arguido e aos deveres deontológicos

do advogado uma vez que as fugas de informação nas fases preliminares do processo são constantes e em

que os media acham que têm direito de julgarem os suspeitos na praça pública antes de serem julgados

em tribunal. SILVA, Germano Marques da, ob. cit., pp. 238 e ss. 148

Ao longo dos anos a Comunicação Social esteve sempre atenta ao que se passava com todos

os magistrados, quer no exercício da sua função, quer na sua vida privada, daí que não seja surpreendente

que, quando algo se passa com um magistrado, fora das suas funções surja a curiosidade dos jornalistas e

subsequentemente a divulgação de informação. Acontecendo também com outras figuras públicas, tais

como deputados, autarcas, outros políticos ou pessoas que ocupam cargos importantes na sociedade civil.

Assim sendo, teremos que aceitar que a matéria em causa revista relevância para a formação da opinião

pública, ou seja, que o facto assuma inegável interesse público e a sua publicação sempre seria de exigir

pela consciência ética da comunicada. Cf. ac. TRL, 11 de Março de 1996, Processo 902/95.

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determinada informação.149

Essa opacidade do fenómeno judiciário tem sido objecto de

forte e constante censura por estarmos a assistir a constantes violações do direito dos

arguidos, nomeadamente o direito à honra e consequente violação da presunção de

inocência pelo facto de não haver a tal abertura do direito aos media. A mediatização da

justiça contribuiu para além dos riscos referentes ao arguido, “transporta” os agentes do

processo para a opinião pública e produz uma forma de exposição e vedetismo, entre os

quais, o de alterações da conduta por parte dos agentes do processo, o desgaste

profissional provocado pela exposição e criação de estereótipos que insinuam ligações

entre o poder judicial e outros poderes ou interesses. Vital Moreira diz-nos que “hoje

em dia, os meios de comunicação de massa já não são expressão da liberdade e

autonomia individual dos cidadãos, antes relevam dos interesses comerciais e

ideológico de grandes organizações empresariais, institucionais ou de grupos de

interesse”.150

A prática jornalística tornou-se assim tendenciosa, pois por um lado a

existência de agências de comunicação leva a que o jornal tome a forma da vontade dos

próprios clientes que as procuram e por outro lado a relação pouco saudável que existe

entre os próprios jornalistas e as entidades patronais que controlam todo o seu

trabalho.151

Não raras vezes e no que toca a processos mediáticos, de forma consciente ou

inconsciente, as pessoas já têm a sua opinião “formatada” sobre determinados assuntos

que a imprensa retrata e, consequentemente, o julgamento que irá ser feito pelos media

incorporar-se-á no processo penal e por essa razão será mais fácil ao juiz ter contacto

com essa matéria e ser influenciado quando estiver a decidir e a julgar. Germano

Marques da Silva enuncia que em alguns processos mediáticos chega-se a “justificar a

prisão preventiva dos arguidos pela repercussão que a sua liberdade teria na

149

Opacidade que se deve ao tempo da decisão judicial ser dificilmente compatibilizada com as

exigências inelutáveis de uma comunicação cada vez mais em tempo real. 150

MOREIRA, Vital, Direito de Resposta na Comunicação Social, Coimbra, Coimbra Editora,

1994, p. 9. 151

A alteração de comportamento pela intervenção dos audiovisuais verifica-se, para além destes

intervenientes, nas testemunhas. A doutrina conclui que a mediatização provoca alterações ao nível da

espontaneidade, auto-censura e vedetismo. Cunha Rodrigues diz-nos que há casos em que as testemunhas

ao serem utilizadas na investigação jornalística, para além do risco de se vulnerabilizar a e consistência

das provas, a espontaneidade da testemunha tende a diminuir quanto mais repetitiva for a sua inquirição e

se o seu depoimento for objecto de publicidade. RODRIGUES, José Narciso Cunha, “Justiça e

Comunicação Social”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Director: Jorge de Figueiredo Dias, Ano

7, fascículo 4.º, Outubro-Dezembro 1997, Coimbra, Coimbra Editora, pp. 562 e 563.

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comunicação social, subvertendo-se desse modo o conceito de tranquilidade pública.”152

153 A incidência dos meios de comunicação social no desenrolar do processo “abalando”

a sua tranquilidade e serenidade necessita de ser compaginada com o direito do público

de ser informado. Os jornalistas, ao se dedicarem a processos penais em curso, devem

recordar-se que mesmo as pessoas mediáticas têm o direito de beneficiar de um

processo equitativo e por isso não devem produzir declarações que possam

intencionalmente ou não, reduzir as condições para uma pessoa beneficiar de um tal

processo ou de prejudicar não só o arguido como confiança do público na administração

da justiça penal, podendo, com a sua conduta, afectar o equilíbrio do processo, dada a

sua enorme capacidade de influenciar a opinião pública. Os meios de comunicação

social provocam deste modo, quer nos, nos juízes,154

MP, advogados e arguido(s), uma

reacção que pode espoletar uma sentença errónea e, para que isso não aconteça, é

necessário que os jornalistas, ao veicularem informações sobre determinado crime, o

façam respeitando os deveres de objectividade, isenção e credibilidade de acordo com o

Código Deontológico dos Jornalistas,155

sob pena se serem punidos criminalmente.156

Por exemplo, as violentas campanhas fomentadas pela imprensa têm por efeito levar o

tribunal a adquirir um juízo desfavorável sobre o arguido o que poderá acontecer com

mais facilidade quando intervier o júri.157

158

Pode acontecer, em certas situações, a

antecipação de opiniões que directamente afectam a dignidade dos arguidos e

152

Por exemplo, Oliveira e Costa que ficou em prisão preventiva no caso do Banco Português de

Negócios. 153

SILVA, Germano Marques da, Novos Desafios do Processo Penal, II Congresso de Processo

Penal, Coimbra, Editora Almedina, 2006, p. 307. 154

E jurados, se houver intervenção do Tribunal de Júri. 155

Relativamente aos deveres dos jornalistas, cf. MACHADO, Jónatas E. M., ob. cit. pp. 588 e

ss. 156

No cap. seguinte vai ser abordada a responsabilização criminal dos jornalistas. 157

BARRETO, Irineu Cabral, ob. cit. pp. 176 e ss. 158

Esta influência aumenta exponencialmente nos crimes que sejam da competência do tribunal

de júri, nos termos do art.º 13.º do CPP, pois não só exercem influência sobre os intervenientes do

processo mas também no júri que é formado por cidadãos comuns, contribuindo dessa forma para uma

maior incidência dos media na decisão penal ao exercerem a função de jurados estes cidadãos poderão já

estar com a opinião formada, fruto da acção dos jornalistas, sem permitir ao arguido, na pendência do

processo, o direito a exercer o contraditório. Dificilmente um jurado consegue manter-se isento da

pressão exercida pelos media e do prévio julgamento extrajudicial transmitido diariamente para as suas

casas. O arguido, mesmo que, teoricamente, protegido pelo princípio da presunção de inocência, na

realidade é tido como culpado pela opinião pública através da actuação dos meios de comunicação de

massa, sofrendo uma maior exposição e, no momento de enfrentar o plantel de jurados, o julgamento vai

ser “manchado” por um jornalismo pouco ético e harmonizado com a realidade dos factos que são tidos

pelo júri, enquanto cidadãos, como provados. SANGUINÉ, Odone, “A inconstitucionalidade do clamor

público como fundamento de prisão preventiva”, Revista de Estudos Criminais, PUCRS (Pontifícia

Universidade Católica de Rio Grande do Sul), ITEC (Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais),

Porto Alegre, Editora Notadez, ano 4, n.º 10, 2003, pp. 113 a 120. Disponível em:

http://www.itecrs.org/revista/10.pdf

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indirectamente possam ter consequências danosas nas investigações, na situação

processual do arguido e, em última ratio, na decisão do juiz.159

Para que isto não

aconteça, ao juiz vai-lhe ser exigida uma maior imparcialidade e independência ao

tomar as suas decisões,160

uma melhor e maior preparação para julgar nos termos e de

acordo com a lei e os seus princípios, de modo a conseguir fugir das pressões exercidas

pela imprensa em sede de julgamento que podem ser suficientes para lhe criar a

convicção de que está correcta a sua decisão, condicionando assim o resultado final.161

Odone Sanguiné refere que, “um obstáculo importante para a realização efectiva da

presunção de inocência é a manifestação rápida e precipitada, dos media, que precede à

decisão do tribunal (…) o que pode perturbar o desenvolvimento de julgamentos

posteriores, porque alguns juízes são influenciados negativamente em relação ao

acusado por meio de descrição televisiva, por exemplo.”162

A influência descrita,

embora possa não ser suficiente para convencer o juiz, em determinados casos, poderá

desempenhar uma função implícita na sua consciência, induzindo-o a agir em

determinado sentido, de acordo com o que pensa que é esperado, manipulando dessa

forma a actuação do juiz. Exercem, desse modo, directa ou indirectamente pressão nos

magistrados, através das pessoas “atingidas” pelos seus julgamentos antecipados, os

chamados julgamentos paralelos, pois apesar da já reconhecida e referida função

auxiliar da investigação jornalística relativamente à judicial, há sempre a possibilidade

de provocar erros ou desvios,163

quer por intenção das fontes, quer pelo modo como a

notícia se reflectiu negativamente na investigação ou pela fiabilidade das provas, em

que há o perigo da realização da justiça à medida da opinião pública, ou seja, a

faculdade dada aos jornalistas de entrarem na sala do tribunal pode produzir

reinterpretações do real no sentido da sua aproximação às expectativas da comunidade,

159

SILVA, Germano Marques da, ob. cit. p. 28. 160

A imparcialidade de um juiz não supõe que este tenha que ser um juiz de fora, totalmente

isolado da realidade, significa que quando for confrontado com reportagens ou artigos da imprensa

relativos a um caso sub judice, “deverá manter-se aberto à evidência que diante dele é processualmente

colocado, decidindo unicamente em função daquela que considera pertinente”. MACHADO, Jónatas

E.M., ob. cit. pp. 562 e ss. Os problemas poderão complicar-se quando estivermos a analisar a influência

das informações publicadas pelos media sobre jurados ou testemunhas. 161

DOMINGUEZ, Daniela Montenegro Mota, Revista electrônica de Direito UNIFACS, “A

influência da mídia nas decisões do juiz penal”, n.º 14, 2009, disponível em

http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/507. 162

SHECAIRA, Sérgio Salomão, Estudos Criminais em Homenagem a Evandro Lins e Silva,

Editora Método, São Paulo, 2001, pp. 269 e 270. 163

Há quem veja os julgamentos paralelos como uma forma de provocar erros e desvios na

investigação judicial. MONTEIRO, António Pinto, ob. cit. p. 153.

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podendo não corresponder à verdade judiciária.164

165

A consequência inevitável é a

instrumentalização do direito, isto é, através da confrontação da imprensa livre com o

julgamento justo166

surgem os julgamentos paralelos promovidos pelos meios de

comunicação social.167

O erro cometido na sala de audiência vai destruir por completo,

a vida de uma pessoa cujos efeitos serão devastadores, o arguido vai sofrer uma

ampliação extra desse mesmo erro, apesar de ser absolvido em tribunal, esta absolvição

não vai desfazer o sofrimento que foi causado antecipadamente pelo esse julgamento em

praça pública feito pelos meios de comunicação social e, mesmo que seja accionado o

direito de resposta, só vai acentuar este sofrimento. Mesmo que condenados pela justiça

o que é pior mas sim a repercussão social provocada por essa exposição, prejudicando a

própria ressocialização do arguido, a prevenção especial do agente.168

O efeito

devastador dos julgamentos paralelos pode verificar-se quer a nível pessoal, na sua

relação com a família e amigos, quer a nível profissional, pois para sempre a sua figura

vai ficar “manchada” e associada a um tipo de crime e, por mais que se tenha provado a

sua inocência em julgamento transitado em julgado, vai ser sempre perseguido pela

opinião pública, carregando o estigma de culpado de um crime que não cometeu.

Estigma que, por não se conseguir ultrapassar facilmente, terá que se recorrer à

psicologia e psiquiatria para o fazer desaparecer, tarefa árdua que compete aos

profissionais. Por isso o arguido não vai ter só o estigma de culpado mas também de

doente. In extremis, tal estigma poderá levar ao suicídio, por a pessoa não conseguir

ultrapassar a culpa, injustamente atribuída pelos media. E questionamo-nos, por isso, se

haverá uma verdadeira justiça e até que ponto é que os media se podem arrogar no

poder de destruir completamente a reputação e a vida de uma pessoa, falsamente

164

Idem. 165 Boaventura Sousa Santos diz-nos que “Os media recorrem às fontes judiciárias por

pretenderem assumir, aos olhos da sociedade, uma função de justiça que a justiça nunca conseguirá

atingir de forma satisfatória.” SANTOS, Boaventura de Sousa Santos, Revista Visão, “Tribunais e

Comunicação Social”, Impresa Publishing, 30 de Outubro de 2003, disponível em

http://www.ces.uc.pt/opiniao/bss/091.php, consultada em 06-07-2012 166

Ou free press vs fair trial. MACHADO, Jónatas E. M., ob. cit. pp. 558 e ss. Neste sentido no

caso Bridges v. California, o Supremo Tribunal americano entendeu que um juiz não poderia acusar um

jornalista por desrespeito pelo tribunal a não ser que houvesse um perigo claro e iminente para a

administração da justiça. Cf. http://supreme.justia.com/cases/federal/us/314/252/ 167

Temos como exemplo os casos portugueses Face Oculta ou o caso Casa Pia em que os

arguidos foram considerados culpados antes de serem julgados em tribunal, assistindo-se a um verdadeiro

“circo mediático” em torno deles que se traduz num julgamento em praça pública perante uma opinião

pública, que os considerou culpados. Mais uma vez, a Comunicação Social antecipou-se ao veredicto

final emitido por uma entidade legalmente competente, o juiz. 168 CARVALHO, Américo A. Taipa de, ob. cit. pp. 80 e ss.

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protegidos pela liberdade de expressão que não pode servir como forma de afrontar a

dignidade humana, atropelando-se assim a presunção de inocência, assim a liberdade de

expressão deverá ser exercida com responsabilidade e respeito pela dignidade humana.

O princípio da presunção de inocência, como norma basilar do processo penal, não

exclui a liberdade de informar dos meios de comunicação, mas exige destes cautela e

reserva na divulgação dos actos judiciais. As notícias de um crime atribuído a uma

pessoa devem ser verdadeiras e possuir um conteúdo e uma forma de advertir o público

de que a pessoa acusada ainda não foi considerada culpada.169

Não se trata só da

violação grosseira dos direitos fundamentais do arguido, só da manipulação dos factos e

da informação que, veiculados de forma errónea vão, de certo modo, influenciar a

opinião pública, levada a cabo pela actuação irresponsável dos media, mas sim da

própria vida do arguido que é posta em causa. Para que haja uma justiça total e séria é

necessário defender as pessoas que, decorrente do que é escrito nos jornais, ao abrigo da

liberdade de imprensa, vêm a sua imagem e direitos violados. O princípio da presunção

de inocência existe para proteger quem é acusado de algum crime, mas na prática a

tendência que se tem verificado é que na generalidade o ser humano gosta e prefere

difamar, achincalhar, humilhar e culpar qualquer pessoa suspeita de ter praticado um

crime em vez de tomar como princípio que, de acordo com o nosso sistema penal e ao

serviço do processo acusatório, o arguido é constitucionalmente considerado inocente

até prova em contrário. Por essa razão é necessária a responsabilização penal dos que,

injustamente, atentam contra a dignidade humana da arguido, que ao ser difamado se

torna automaticamente em ofendido e vítima de um (suposto) julgamento paralelo

levado a cabo pelos media. Germano Marques da Silva, aborda a relação dos meios de

comunicação social com a presunção de inocência do arguido, dizendo que há uma

necessidade de alterar e melhorar o modo como a comunicação social aborda

determinadas questões criminais, condenando ou absolvendo na praça pública o

arguido, geralmente condenando, porque é o que vende mais.170 171 Também Fernando

169 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes, ob. cit. p. 168. 170

SILVA, Germano Marques da, Novos Desafios do Processo Penal, II Congresso de Processo

Penal, Coimbra, Editora Almedina, 2006 a), pp. 305 e ss. 171

Numa sociedade democrática, a liberdade de informação, plasmada no art.º. 37.º n.º 1, da

CRP é um instrumento imprescindível para informar, dar a conhecer factos, formar opiniões dos cidadãos,

por exemplo, sobre quem é que os vai representar num determinado cargo público. Neste aspecto vai

adquirir relevância e atinge o seu nível máximo de eficácia justificadora relativamente aos direitos de

personalidade, tais como a honra e imagem, muitas vezes postos em causa pelo direito à informação.

CANOTILHO,J. J., Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6ª ed. Coimbra: Almedina,

2002, p. 1266.

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Martins, relativamente à complexa relação entre presunção de inocência e liberdade de

informação e a consequente influência dos órgãos de comunicação social no processo

penal, afirma que “a dificuldade vivida em sede de justiça, quando é certo que toda a

estrutura do processo é altamente atentatória dessa mesma presunção, desde a

investigação, à instrução, culminando com a obrigação em tribunal de o arguido ter de

sentar-se no banco dos réus. Aliás os próprios juristas reconhecem a contradição entre

os actos do aparelho tradicional e a intenção de salvaguarda da dignidade da pessoa

humana. Por isso devem minimizar-se todos os riscos de que o aparato da acusação

coincida num inocente”…“Mas nem a própria Constituição consegue obrigar que o

veredicto dos tribunais seja coincidente com o julgamento paralelo a cargo da opinião

pública. E esse muitas vezes resulta numa humilhação que nem a sentença consegue

apagar. A responsabilidade dos jornalistas exponencia-se, pois, nestes casos

confrontados que estão com os também constitucionalmente consagrados direito à

informação e dever de informar”.172

Os tribunais e a comunicação social são essenciais para o aprofundamento da

democracia pelo que, nas palavras de Paquete de Oliveira, é muito importante

“estabelecer formas de coabitação no mesmo espaço social, estabelecer a normatividade

(normas jurídicas e de conduta) que regule e permita a visibilidade da administração da

justiça e do seu lugar, os tribunais,”173

de modo a que sua administração seja ampliada

e não distorcida pelos jornalistas.174

E é por isso de extrema importância construir uma

relação mais virtuosa entre a justiça e a comunicação social desenvolvendo um

programa de conhecimento recíproco que vise impedir a perda de legitimidade de um e

outro pois é de conhecimento geral que as práticas discursivas e os objectivos a alcançar

pelos tribunais e comunicação geram uma potencial conflitualidade e incomunicação175

e, para tentar combatê-la, será necessário partir dessas diferenças e tentar encontrar

formas de entendimento e cooperação entre ambos.176

É na fase de julgamento que

172

MARTINS, Fernando, A Geração da Ética, Minerva, 2006, p. 169; MONTEIRO, António

Pinto, ob. cit. pp. 153 e ss; CARVALHO, Alberto Arons de, [et al], ob. cit. p. 207. 173

OLIVEIRA, José Manuel Paquete de, “A Comunicação Social e os Tribunais”, Revista Sub

Júdice 15/16, Editora DocJuris, Viseu, 2001, p. 27. 174

MONTEIRO, António Pinto, ob. cit. p. 156. 175

A incomunicação praticada pelos tribunais vai ter consequências ao nível do processo, pois as

“ primeiras condições de um modelo anti kafkiano são a comunicabilidade do processo - a própria

compreensão pelo arguido e pela sociedade das razões da acusação e, em geral, do processo concreto.”

MATA-MOUROS, Maria de Fátima, ob. cit. p. 11. 176

MONTEIRO, António Pinto, ob. cit. pp. 156 e ss.

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podemos observar os efeitos da mediatização;177

com a transmissão do julgamento pelos

audiovisuais vai-se produzir um espaço de “encenação” que cria nas pessoas

sentimentos sobre os acontecimentos gerando novas formas de pensar sobre o assunto

em questão, misturando o real com o imaginário, o que vai produzir uma cisão entre a

justiça dita e a justiça feita em que o efeito de estigmatização vai ultrapassar os efeitos

que se podem aceitar como próprios do processo penal. Poderá, por isso, afirmar-se que

o princípio da igualdade é afectado na medida em que se deixa nas mãos dos órgãos de

comunicação o “poder” de manobrar os efeitos da ressonância da estigmatização do

arguido na sociedade.178

Por vivermos numa sociedade do imediatismo, do consumismo

desenfreado e de tudo o que é novo, a comunicação social tem vindo a assumir um

papel substituto da própria Justiça, de ingerência no seu funcionamento, “rejeitando” o

papel de mero relator de factos ao controlar o pensamento de quem receber a notícia,

determinado assim a forma de pensar da própria opinião pública. A forma de actuação

da imprensa revela a fragilidade do cidadão comum que se limita a absorver a

informação sem questionar e sem tentar adquirir novas perspectivas, traduzindo-se na

lógica do imediatismo o que agora é notícia, pode não o ser daqui a umas horas, “ em

que predomina o simples, o curto e o que vende bem.”179

Com uma visão mais pessimista, Cunha Rodrigues, vai mais longe ao chamar

“diabolização da justiça”180

à lógica de boomerang pela qual se procura que a

estigmatização que recai sobre os arguidos atinja, de certa forma e com causas

diferentes os agentes envolvidos no processo como magistrados que investigam, isto é,

para além do estigma que recai sobre o arguido, os magistrados também são arrastados e

arrasados pelo julgamento que fizeram, estando toda a vida a serem relembrados pelos

órgãos de comunicação social que se intitulam como (falsa) consciência que não os

deixa em paz. Elenca, igualmente, um vasto rol de problemas que rodeiam esta questão,

177

O julgamento possui um potencial de estigmatização que decorre da exposição pública das

pessoas, da retórica do processos e da própria forma de difusão dos factos. O aumento da publicidade vai

ampliar a representação do conflito ou do desvio alargando a esfera de impacto, intensificando o espaço

de reprovação social, pois é totalmente diferente ser julgado a quatro paredes, dentro de fronteiras ou sê-

lo com cobertura mediática em que o seu julgamento é transmitido para todo o universo. RODRIGUES,

José Narciso Cunha, “Justiça e Comunicação Social”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Director:

Jorge de Figueiredo Dias, Ano 7, fascículo 4.º, Outubro-Dezembro 1997, Coimbra, Coimbra Editora, pp.

562 e 563. 178

Idem. 179

ARAÚJO, Cláudia, Os crimes dos Jornalistas, uma análise dos Processos Judiciais contra a

Imprensa Portuguesa, Coimbra, Editora Almedina, 2010, p. 23. 180

RODRIGUES, José Narciso da Cunha, “ Justiça e Comunicação Social”, Revista Portuguesa

de Ciência Criminal, Director: Jorge de Figueiredo Dias, ano 7.º, fasciculo 4.º, Outubro-Dezembro 1997,

p. 563.

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sendo os mais relevantes a “sobrepenalização” dos arguidos, pelas formas de

mediatização utilizadas, principalmente quando não se respeita a garantia constitucional

de que os arguidos devem considerar-se inocentes até ao trânsito em julgado da decisão

condenatória, a “espectacularização” da audiência, produzindo na comunidade

sentimentos contraditórios de trivialidade da justiça e estigmatização do arguido, grupos

ou classes sociais. 181

Esta é uma visão, um pouco redutora da actuação dos media no plano judicial,

ou seja, há “infeliz” tentativa de limitar a liberdade de imprensa. Sabemos que a

publicidade do processo penal e presença dos meios de comunicação social nos

tribunais, tirando os casos em que estes possam comprometer o sucesso da investigação

e do processo, é um factor que contribui positivamente para que os direitos do arguido

não sejam afectados. Jónatas Machado reforça a ideia de que a falta de publicidade e

transparência pode favorecer a ocorrência de graves violações dos direitos dos arguidos,

ou da boa administração da justiça, podendo ainda dar cobertura noticiosa a motivações

que sejam menos claras das autoridades policiais e judiciárias “ciosas de apresentar

resultados rápidos do seu trabalho, ou eventualmente, receosas de atingirem

determinados sujeitos particularmente poderosos e influentes ou de contenderem com

interesses instalados”.182

A publicidade do processo penal, custe a quem custar, é uma

forma insubstituível de controlo da justiça pela própria comunidade.183

III Direito Fundamental diminuído pela opinião pública através dos meios

de Comunicação Social

1 Liberdade de imprensa e actividade jornalística

Foi com Gutenberg, através da invenção da máquina gráfica que se concebeu o

conceito de imprensa, fazendo corresponder a essa liberdade o direito de todo o cidadão

181

RODRIGUES, José Narciso da Cunha, Comunicar e Julgar, Coimbra, Edições Minerva, p.

51. 182

MACHADO, Jónatas, E. M., ob. cit. pp. 563. A este propósito a jurisprudência constitucional

norte-americana tem vindo a permitir e garantir o acesso aos meios de comunicação em todas as fases

processuais, a não ser que no caso concreto se aponte para outra solução. Cf. Press Enterprise Co. v.

Superior Court of California, 478 U.S. 1(1986). 183

“O princípio da publicidade constitui uma dimensão constitutiva da vida política democrática

e o segredo e silêncio são inconciliáveis com esta publicidade democrática”.Apud, MATA-MOUROS, ob.

cit. p. 33,

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de imprimir livremente, surgindo assim a liberdade de imprensa, decorrência da

liberdade de expressão, consagrada expressamente no art.º 38.º CRP, sendo regulada por

legislação própria nos termos da lei 2/99. Liberdade essa que se reflecte em três funções

que caracterizam a prática jornalística, são elas a função de informação, integração e de

controlo e é mediante essas que a imprensa se vai autonomizar e definir o papel do

jornalismo na sociedade, transformando-se numa arma contra a censura social a favor

do interesse público, surgindo-os, desta forma como uma espécie de 4.º Poder do

Estado.184

Jurgen Habermas defendia a comunidade mediática enquanto espaço de uma

esfera pública como lugar para livre troca de argumentos entre cidadãos de forma

universal e democrática.185

Nesse contexto, poderá considerar-se a liberdade de

imprensa como a principal impulsionadora dessa troca de argumentos, surgindo-nos

assim como uma manifestação da liberdade individual de expressão e opinião,

assumindo várias formas durante todo o seu processo de evolução até aos dias de hoje.

Inicialmente, tínhamos uma liberdade de imprensa como veículo de expressão das

várias correntes liberais clássicas, como garantia de uma verdadeira liberdade de

expressão política permitidas através da criação de jornais e do respectivo pluralismo de

informação que permitiam a divulgação de opiniões, com o decorrer do

desenvolvimento das comunidades políticas e da respectiva vida social, tornou-se

evidente que a liberdade teria novos alcances passando a encarar-se como um

importante “poder social” como pertença a um grupo restrito com capacidade para

atingir a esfera individual de qualquer cidadão em nome de um suposto interesse

público. Nas palavras de Cláudia Araújo somos confrontados com uma mercantilização

do jornalismo que provocou uma drástica mudança no modo de actuação dos jornalistas,

o objecto de notícia passou a ser encarado como um bem de consumo gerando

concorrência comercial entre os próprios meios de comunicação o que por sua vez

provoca um certo desleixo da função social do jornalismo, pois os media caiem no erro

de se deixarem levar pela guerra das audiências, não interessando a qualidade ou o

interesse da peça jornalística mas sim o potencial económico enquanto produto, quanto

objecto de venda.186

Assim deparamo-nos com uma limitada liberdade de imprensa,

pressionada pela rentabilidade e seguindo uma lógica do critério de audiências,

184

Cf. ponto 1 do capítulo II. 185

HABERMAS, Jurgen, Mudança Estrutural da Esfera Pública, Biblioteca Tempo

Universitário, 2.ª ed., Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro,1984, pp. 101 e ss. 186

ARAÚJO, Cláudia, ob. cit. pp. 70 e ss.

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associada u uma desvalorização da prática jornalística ao nível da imprensa escrita,

provocada pela concorrência das novas tecnologias, como a Internet.

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2 Direitos de personalidade – limite à liberdade de imprensa

A liberdade de imprensa e, consequentemente, a liberdade de expressão

constituem uma forma de exercício ligada à necessária participação activa na vida em

sociedade, constituindo um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática.

No entanto tal liberdade não pode estabelecer-se como absoluto num Estado em que

existem outro bens jurídicos de igual importância e que deste modo não podem ser

postos em causa. Para além dos limites internos próprios da actividade de imprensa,

temos os externos que restringem igualmente o seu âmbito de intervenção, os chamados

bens jurídicos incluídos nos direitos de personalidade, que servem de limite à actividade

jornalística representando, o “direito de exigir de outrem o direito da própria

personalidade”.187

A liberdade de imprensa, para além de constitucionalmente

consagrada no art.º 38.º, está, igualmente, garantida na lei ordinária, ao abrigo da lei

2/99 de 13 de Janeiro,188

cujos únicos limites a que está sujeita são os que decorrem da

própria Constituição e da lei, de forma a manter o rigor e a objectividade da

informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada,

à imagem à palavra dos cidadãos e a defender a ordem democrática.189

Para se verificar

a causa justificadora, deverá assumir como um interesse público.190

A imprensa cumpre

a sua função pública de informar, protegida pelas fontes fidedignas, o que implica a

boa-fé e convencimento da verdade da notícia, devendo o artigo ser escrito com

seriedade e rigor próprios do tratamento jornalístico, constituindo dessa forma um relato

objectivo e incisivo dos factos.191

Na sequência do exposto, Gomes Canotilho e Vital

Moreira afirmam que há certos limites ao exercício do direito de exprimir e divulgar

187

MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV- Direitos Fundamentais, 3.ª

ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2000, p. 59. 188

Integrando-se no direito fundamental dos cidadãos a uma informação livre e pluralista,

essencial para a prática da democracia, abrangendo desta forma o direito de informar, de se informar e de

ser informado, sem impedimentos nem discriminações não podendo ser impedido ou limitado por

qualquer tipo de censura. 189

Art.º 3.º da Lei de Imprensa 2/99 de 13 de Janeiro. 190

Ac. TRE, 9 de Novembro de 2004, Processo 1135/04, p. 14. Consultar COSTA, José

Francisco de Faria, Direito Penal da Comunicação, Coimbra, Coimbra Editora, 1998, pp. 59 e 60. 191

É necessário o cumprimento do fim que a imprensa, no exercício da sua função pública,

pretende atingir no caso concreto e por essa razão o meio utilizado não pode ser excessivo como também

deve ser o menos pesado possível para a honra do atingido pois qualquer excesso poderá ser suficiente

para empurrar a conduta para o âmbito do ilícito. DIAS, Figueiredo, DIAS, Jorge de Figueiredo Revista

de Legislação e de Jurisprudência, “Direito de Informação e Tutela da Honra no Direito Penal da

Imprensa Português,” Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 115, n.º 3697, 1982-1983, pp. 137 e

170.

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livremente o pensamento. “A liberdade de expressão e informação não pode,

efectivamente, prevalecer sobre os direitos fundamentais do arguido cidadão ao bom

nome, honra e presunção de inocência. Alguns dos seus limites encontram-se plasmados

na lei penal, tal como a difamação,192

que não pode reclamar-se da manifestação da

liberdade de expressão e informação.”193

Embora limitado, o exercício da actividade

jornalística, no caso concreto, poderá justificar agressões à personalidade de

determinada pessoa (ofensas à sua honra) revelando-se necessárias e adequadas por

constituírem o único meio de concretizar o direito à informação. A informação prestada

pelos media deverá ser rigorosa e verdadeira, de forma a não defraudar o direito do

público a ser informado e não se impedir a plena formação de opinião pública,

característica duma sociedade democrática, devendo o jornalista colher as informações

em fontes fidedignas e estar convicto da verdade da informação que divulga.194

O

direito de informar não é, por isso um direito absoluto que possa conduzir à impunidade

do jornalista face aos factos divulgados.195

Parece assim desadequado a ideia genérica

da prevalência da honra sobre a actividade jornalística, apontada por alguma

jurisprudência nacional, estipulando como regra que o direito à livre expressão deve

ceder perante o direito ao bom nome, honra e reputação. 196

A liberdade de imprensa e o

direito de informação comportam limites legais entre os quais relevam a garantia, quer

de objectividade, de rigor e da verdade, do que é veiculado ao público, quer a

salvaguarda do direito à honra e bom nome, decorrências do princípio da presunção de

inocência do arguido.197

Os deveres elementares do jornalista enquanto profissional

192

A par do crime de injúrias. 193

Ac. do TRP de 21-03-2007, processo 6771/06. 194

Ac. STJ, 27 de Maio de 2008, Processo 08B1478. 195

O TC afirma que a liberdade de expressão não é um direito absoluto nem ilimitado, estando

sujeito aos limites imanentes do próprio direito em causa. Daí que a liberdade de expressão, presunção de

inocência, honra e bom nome não podem ser hierarquizáveis por estarem constitucionalmente garantidos

ao mesmo nível Ac. TRP, 21 de Março de 2007, Processo 6771/06. Relativamente ao direito à liberdade

de imprensa não é um direito absoluto e ilimitado e, tal como os outros direitos fundamentais, está

sujeitos às restrições do nr.º 2 do art.º 18.º da CRP, nos termos do qual a lei só poderá restringir os

direitos liberdades e garantias nos caos expressamente previstos na CRP, devendo as restrições limitar-se

ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. 196

A título de exemplo cf. acórdãos de 6-03-1996, Processo 9211008 e de 30-11-2000, processo

203/97 ambos do TRP, ver também acórdãos de 27 de Abril de 1995, Processo 0078496 e de 2 de

Fevereiro de 1995, Processo 0091832, ambos do TRL que fazem prevalecer o direito à honra e bom nome

relativamente à liberdade de imprensa, “O direito ao bom nome e reputação está acima e sobrepõe-se ao

direito de informação e crítica da imprensa.” 197

Refere-se igualmente o ac. 10 de Março de 2005 do TRL, Processo n.º 1413/05; “O direito de

informar não é, pois, um direito absoluto que possa conduzir, como é natural, à impunidade dos

jornalistas”, em que o problema coloca-se quando estivermos perante situações em que ambos os direitos

conflituam entre si e, a este propósito, importa referir que ambos os direitos devem ceder um perante o

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pautam-se, assim, pelo respeito do rigor e objectividade da informação e pelos limites

acima referenciados. O facto é que os órgãos de comunicação social tendem a afastar

qualquer tipo de restrição que lhes possam prejudicar o trabalho, assumindo o direito de

informação como valor quase absoluto apelando à liberdade de expressão e evocando o

interesse o interesse público acima tudo como justificação plena da sua actividade

profissional, em nome da defesa social, por outro lado, este “público” que beneficia da

dita defesa social, admite o sensacionalismo e a falta por vezes de rigor e respeito que,

tantas vezes caracterizam a actividade dos media. Por isso, se actividade jornalística

ofender, sem estar abrangido pela causa justificadora, e ameaçar a personalidade moral

violando a presunção de inocência do arguido o agente encontra-se a abusar da

liberdade e a violar ilicitamente os direitos alheios e, nesse sentido, mesmo antes de se

verificarem concretamente os interesses e valores em contraste, o direito ao bom nome e

honra sobrepõe-se ao direito de informação e liberdade de imprensa.198

Como já foi referido, tanto a liberdade de imprensa como os direitos de personalidade se

referem a direitos, não absolutos e não hierarquizáveis, constituindo-se como autênticos

direitos fundamentais, consagrados a título constitucional, o que significa que carecem

do mesmo tipo de protecção por beneficiarem do mesmo valor jurídico: tratarem-se de

bens jurídicos intrínsecos à prática da democracia e como tal não podem ser postos em

causa. É através dos bens jurídicos integradores do direito de personalidade que o “

sujeito afirma a sua individualidade e irrepetibilidade perante o ambiente que o rodeia”,

199 garantindo-se deste modo a protecção do uso indevido das suas “características

individualizadoras e identificadoras”.200

Para tentar compreender até que ponto

constituem tais bens jurídicos um limite ao exercício da liberdade de empresa é

importante conhecer a sua concepção e o seu modo de actuação para aferir da

necessidade da sua protecção. Quanto ao bem jurídico honra, passa pela representação

que os outros têm sobre o valor de uma pessoa, é reforçada a ideia de que a honra só

outro e nunca se anularem a si mesmos, ac. STJ, 27 de Maio de 2008, Processo 1478/08; ac. TC n.º 81/84

publicado no D.R. II Série, de 31 de Janeiro de 1985.

A liberdade de expressão quando manifestada na veste de imprensa ao serviço da comunicação

social, não constituiu um direito absoluto e ilimitado que se possa sobrepor aos demais direitos e valores.

O direito a exprimir livremente o pensamento, está sujeito a limitações decorrentes do conflito de direitos

existente entre direitos fundamentais, como é o caso em questão. Como tal não são hierarquizáveis e não

poderão ser considerados absolutos dado o seu valor fundamental, “tanto o direito ao bom nome e

reputação como o de liberdade de expressão e informação estão constitucionalmente reconhecidos e

garantidos ao mesmo título, sem qualquer hierarquia”. 198

Ac. STJ, 26 de Abril de 1994, CJ, Tomo II, p. 54. 199

MACHADO, Jónatas, E.M., ob. cit. p. 752. 200

Idem.

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poderá ser sacrificada pela própria pessoa que a detém, ou seja, a cada um cabe decidir

como zelar a sua honra, a dignidade moral da pessoa,201

em que o seu conteúdo é

constituído basicamente por uma pretensão de cada um ao reconhecer a sua dignidade

por parte dos outros, ou seja, a cada um cabe zelar pela sua honra. Se não houver a

observância social desta condição, vai acarretar a impossibilidade da pessoa realizar os

seus planos de vida e os “ideais de excelência na multiplicidade de contextos e relações

sociais em que intervém.”202

O bem jurídico-constitucional ao ser delineado desta

forma, apresenta tanto um lado individual (o bom nome) como outro social (a reputação

ou consideração) ambos fundidos numa pretensão de respeito que está relacionada com

uma conduta negativa dos outros, isto é, uma pretensão a não ser vilipendiado ou

depreciado no seu valor aos olhos da comunidade.203

A imagem que se cria de alguém

influencia a maneira como a encaramos na comunidade e o tipo de tratamento que lhe

damos, logo, a honra constitui-se num forte instrumento de ligação social que fortalece

as relações interpessoais. Contrariamente, se for influenciada em sentido negativo, fará

com que a pessoa, que vê a sua imagem desonrada, sofra consequências ao tornar-se

vítima de um autêntico julgamento social em que, “a difamação pode funcionar como

mecanismo de exclusão e estigmatização do indivíduo, como outsider afectando a sua

auto-estima e o seu sentido de pertença à comunidade política como membro de pleno

direito”204

por o Homem ser, no dizer de Aristóteles, um animal social e não uma

ilha.205

Portanto, para salvaguardar a integridade moral terá que se preservar toda a

condição do individuo enquanto tal e evitar que este esteja isolado da sociedade, tendo

os media um importante papel no construir da reputação individual pois tanto podem

valorizar como denegrir a honra de qualquer pessoa provocando um impacto negativo

na opinião pública que por sua vez irá fazer o seu próprio julgamento. O limite imposto

aos media surge-nos como um modo de afastar os juízos de valor prejudiciais ao bem

estar da vida social. No dizer de Jónatas Machado, e com o qual estamos inteiramente

de acordo, a questão da reserva da intimidade não passa por saber se os factos relatados

são ou não verdadeiros mas sim se as imputações feitas dizem ou não respeito à esfera

privada da pessoa, e é neste aspecto específico que o direito de reserva à intimidade

201

A CRP consagra, entre vários direitos da personalidade, o direito ao bom nome e reputação

(art.º 26.º) em que a tutela penal desse direito é assegurada pelos arts. 180º e 181º do CP que, na descrição

típica utilizam a expressão “ofensivos da honra ou consideração.” 202

Ac. STJ, 17 de Março de 1998, Processo 264/98, p. 5. 203

Idem. 204

MACHADO, Jónatas, ob. cit. p. 762. 205

Expressão original, “no men is no Island”, criada por John Donne.

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privada se apresenta como principal limite à actividade jornalística. Caso o interesse de

quem informa se situe no domínio puro do privado, sem qualquer dimensão pública, o

direito ao bom nome e honra e reputação não poderá ser sacrificado para salvaguardar

uma “egoística liberdade de expressão e informação.” É uma jurisprudência que está

acordo com a do TEDH, segundo a qual há pouco espaço dentro do n.º 2 do art.º 10.º da

CEDH, para restrições nas questões relevantes para a sociedade.206

206

MOTA, Francisco Teixeira da, O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e a Liberdade de

Expressão- os casos portugueses, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, ob. cit. p. 23.

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3 Protecção jurídico - penal: responsabilização penal

Relativamente ao direito à reserva da vida privada, corolário do princípio

constitucional da presunção de inocência, terá que ser delimitado em função das

circunstâncias em causa, caso estejamos a tratar de cidadão comum ou de uma figura

pública, com relevo social. O direito penal só deverá intervir a nível subsidiário, isto é,

quando a tutela conferida pelos outros ramos do ordenamento jurídico não for

suficientemente capaz para acautelar a manutenção desse bens considerados vitais ou

fundamentais à existência do próprio Estado e da sociedade,207

mas atendendo aos

direitos à honra e a reserva da intimidade privada, em regra o nível de tutela que lhe é

atribuído é o da tutela penal em detrimento da tutela civil.208

Acrescenta-se que, por

força do princípio da suficiência da jurisdição, o indivíduo poderá valer-se do

mecanismo de responsabilidade penal juntamente com o da responsabilidade civil,

desde que reunidos os pressupostos do tipo legal. No âmbito do direito à honra, ou seja,

no caso de haver ofensas à integridade moral, a tutela penal vai ser mais limitada na

medida em que se vai especificar os tipos de ameaças que constituem crime, punível por

lei. Embora o nosso ordenamento jurídico-penal consagre uma concepção ampla da

honra, integrando tanto a consideração como reputação exteriores. O direito à

integridade moral é deste modo protegido, por via dos crimes de difamação e injúria

previstos, respectivamente nos arts. 180.º e 181.º do CP. A condição sine qua non para

que seja desencadeado o mecanismo da responsabilidade penal é a invocação de danos

207

Há vários níveis de tutela da personalidade: os meios preventivos, que englobam a auto e

hétero-regulação e os meios repressivos, que são constituídos pela tutela civil, disciplinar e penal; tutela

disciplinar e correspondente responsabilidade disciplinar; tutela contra-ordenacional; meios reparadores

caracterizados pelo direito de resposta. Para um maior aprofundamento da questão ver FIDALGO,

Joaquim. O Lugar da Ética e da Auto- Regulação na Identidade Profissional dos Jornalistas, Fundação

Calouste Gulbenkian, 1.ª ed., 2009; ARAÚJO, Cláudia, ob. cit. pp. 280 e ss., MOREIRA, Vital, ob. cit.

p.11. Consultar www.erc.pt e www.ccpj.pt/ccpj.htm. 208

No campo juscivilístico, de acordo com a teoria das esferas, originária da doutrina alemã,

consiste na divisão da intimidade em cinco esferas distintas: a esfera pública, relativa a figuras públicas,

que permite a existência de um área acessível ao público, independente de autorizações; uma esfera

individual-social que se reporta às relações sociais, entre amigos, colegas e conhecidos; uma esfera

privada que engloba o círculo da família e amigos mais chegados; uma esfera secreta que abrange o

âmbito que o próprio tenha decidido não revelar a ninguém e, por último, uma esfera íntima que se

reporta à vida sentimental ou familiar e que tem tutela absoluta, ou seja, independente de qualquer

decisão judicial. Esta teoria das esferas tem relevância prática aquando da necessidade de definir a

extensão da reserva, como refere o nº2 do artigo 80º CC, artigo este que consagra a tutela civil do direito

à reserva sobre a intimidade privada, abrange todas as formas de violação da vida privada, seja na forma

de divulgação, seja na forma de recolha das informações, seno que a tutela assim formulada limita, de

certo modo a actividade jornalística. CORDEIRO, António Menezes, Tratado De Direito Civil, Tomo III,

2ª ed., Almedina, 2007, p. 240 e 241 e SOUSA, Rabindranath Capelo de, O Direito Geral de

Personalidade, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, p. 303 a 305.

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patrimoniais ou morais, resultantes do acto lesivo que esteja em causa, a acrescentar ao

facto de, por se tratar de crimes particulares, vai depender de queixa e acusação

particular, excepcionando os casos previstos no arts. 184.º e 187.º do CP. Caberá por

isso ao arguido a prova dos requisitos legalmente exigidos, não se aplicando o disposto

no art.º 487 n.º1 do CC segundo o qual é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor

da lesão, a verificação do facto tem como consequência directa a não ilicitude e não

punibilidade da conduta.209

Tanto a difamação como a injúria se referem a imputações

ofensivas da honra ou consideração feitas a outra pessoa, no entanto a injúria distingue-

se daquela por ser feita perante a própria vítima enquanto a difamação é perpetrada

através de terceiros. Nas palavras de Cláudia Araújo, “é perceptível que os atentados

contra a honra feitos através da comunicação social se englobem globalmente nos

crimes de difamação e não nos de injúria”.210

E é por essa razão que nos debruçamos

essencialmente no crime de difamação e não no de injúria. Para que um facto ou juízo

possa ser havido como ofensivo da honra e consideração devida a qualquer pessoa, deve

constituir um comportamento com objecto eticamente reprovável para que a sociedade

não lhe fique indiferente, reclamando a tutela penal de dissuasão e repressão desse

comportamento, supondo por isso a violação de um mínimo ético necessário à

salvaguarda sócio - moral da pessoa, da sua honra e consideração”.211

Quando haja

emissão de juízos de valor, capazes de desacreditar, desprestigiar e diminuir

socialmente o ofendido, e por isso ofensivos da honra e consideração sobre uma pessoa

através da imprensa, integra a materialidade típica do crime de difamação cometido

através de meio de comunicação social, nos termos dos arts.180.º n.º 1 e 183.º n.º 2 do

CP. O regime entre nós vigentes permite ao arguido a impunibilidade se se verificarem

dois requisitos essenciais, a realização de interesses legítimos e a exceptio veritatis. No

campo do direito de expressão e informação, para que o autor do escrito, arguido e

jornalista, consiga excluir a ilicitude da sua conduta precisará de provar que, pelo

menos, fundadamente, acreditou na verdade do que escreveu, após ter cumprido o seu

dever de esclarecimento e comprovação e o dever da verificação da verdade da

209

Esses requisitos são a exigência da realização de um interesse legítimo e a admissão da

exceptio veritatis em que há um fundamento sério para julgar verdadeira a afirmação, no caso particular

de estar a ser discutido temas de relevante interesse público. MACHADO, Jónatas, E. M., ob. cit. pp. 780

e 781; 210

ARAÚJO, Cláudia, ob. cit. p. 80. 211

Ac. TRG, 18 de Fevereiro de 2002, Processo 1061/02-1.

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imputação, a exeptio veritatis.212

213

Relativamente ao interesse legítimo passa assim

pela “existência e a integridade de uma esfera de discurso público” de modo a que se

verifique uma “efectivação prática dos princípios estruturantes” caracterizadores de um

sistema democrático, constitucional e funcional.214

Quanto à causa de justificação

prevista no n.º 2 do art.º 180 do CP, a exceptio veritatis referida quanto “à existência de

um fundamento sério para julgar verdadeira a afirmação”,215

apenas deverá ser aplicável

à imputação de factos ou à reprodução da correspondente imputação, pelo que não

abrange a formulação de juízos ofensivos, a atribuição de factos genéricos e abstractos.

Por trás dessa causa justificativa encontra-se o dever, por parte do arguido-jornalista, de

averiguar previamente a verdade da imputação, de acordo com as circunstâncias do

caso. De acordo com o n.º 3 do art.º 180.º do CP, a prova da verdade dos factos, a

chamada exceptio veritatis, somente não é admitida quando se tratar da imputação de

um facto relativo à intimidade da vida privada e familiar. Porém, nesses casos, a

conduta não será punível desde que ocorra alguma das causas de exclusão de ilicitude

previstas no art.º 31.º do CP (quando o facto tenha sido praticado no exercício de um

direito, no cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem legítima de

autoridade, ou com consentimento do titular do interesse jurídico lesado).216

A

protecção deste direito é accionada pela conjugação do art.º 26.º da CRP com o art.º

192.º do CP, em que ambos consagram uma concepção material do bem jurídico

intimidade no sentido de que é “a natureza ou conteúdo específico dos eventos ou

vivências que determina a sua pertinência à esfera e ao regime do correspondente bem

jurídico-penal”, fazendo alusão ao crime de devassa da vida privada.

Relativamente à relação entre a liberdade de imprensa com o direito à reserva da

intimidade, é regulada pela teoria das esferas, já anteriormente mencionada no âmbito

da responsabilidade civil, definindo-se até que ponto podem os media interferir na

reserva íntima da pessoa e em que situações é que tal intromissão pode ser considerada

legítima. A legitimidade, mais uma vez, é aferida consoante se trate ou não de uma

figura pública e haja a respectiva autorização para a reprodução e divulgação dos factos

212

“O elemento emocional é decisivo para que se possa afirmar o carácter doloso da actuação do

arguido, pelo que, a sua falta equivale à não verificação do elemento subjectivo do tipo legal do crime de

difamação.” Ac. TRP, 10 de Outubro de 2010, Processo 872\09.3. 213

BRITO, Iolanda A.S. Rodrigues, ob. cit. pp. 341 e ss. 214

MACHADO, Jónatas E. M., ob. cit. p. 784. 215

Idem. 216

MACHADO, Jónatas E.M, ob. cit. p.783; CARVALHO, Alberto Arons de, [et al], ob. cit. pp.

211 e ss.; ANDRADE, Manuel da Costa, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal: uma

perspectiva Jurídico - Criminal, Coimbra Editora, Coimbra, 1998, pp. 212 a 217.

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que estejam em causa. Esta distinção entre cidadão comum e figuras públicas justifica-

se pelo facto de a liberdade de expressão necessitar da existência de uma esfera de

discurso público em que possam ser debatidos temas de interesse geral, políticos e

sociais, o que nos obriga a destacar quais as figuras que integram essa esfera como

titulares de cargos públicos e figuras públicas.

4 Conflito de direitos e os excessos de linguagem da Comunicação Social

Os direitos de personalidade são caracterizados como direitos, por um lado, ditos

absolutos, que beneficiam da oponibilidade erga omnes, tendo como titular desse

direitos poderes directos e imediatos sobre o bem global da sua personalidade, por

outro, como são direitos irrenunciáveis e intransmissíveis, no sentido em que são

insusceptíveis de serem transferidos de um sujeito jurídico para outro, ou seja, são

inseparáveis, inerentes à pessoa do seu titular, próprio da característica de

indisponibilidade. Tal como os direitos de personalidade, a própria liberdade de

imprensa, em que o seu regime está consagrado na CRP nos arts. 25.º e 26.º e arts. 37.º e

38.º, respectivamente. Beneficiam, por isso, do mesmo tipo de forca jurídica por ambos

representarem autênticos direitos fundamentais.217

Para além da consagração

constitucional, temos para os direitos de personalidade a tutela geral enunciada no art.º

70.º CC e para a liberdade de imprensa, o art.º 1 da lei 2/99, “ A liberdade de imprensa

abrange o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos e

discriminações”, e “o exercício deste direitos não pode ser impedido ou limitado por

qualquer tipo ou forma de censura”. Para além disso, o art.º 10 da CEDH, reforça a ideia

da protecção da liberdade de imprensa, ao admitir a existência de uma liberdade de

transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer

autoridades públicas. No, entanto no n.º 2 do citado artigo, o exercício de tal liberdade,

embora considerado como pleno, está sujeito a deveres e responsabilidades que

constituem seu limite, podendo exercício de tal direito ser submetido a certas

formalidades, condições restrições ou sanções que constituam providencias necessárias,

numa sociedade democrática, para a protecção da saúde e da moral e para a protecção

da honra ou dos direitos de outrem. Será que o direito à liberdade terá sempre que ceder

217

COSTA, José Francisco de Faria, ob. cit. pp. 52 a 55.

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perante direita personalidade? Terá este n.º 2 carácter imperativo, sem possibilidade de

qualquer ponderação? Ou tal cedência depende de uma análise casuística? Como

contrabalançar tais interesses? Como resolver tal colisão de direitos, cambos

consagrados e reconhecidos como direitos constitucionais e internacionalmente

fundamentais? Ao nível interno, o art.º 335.º do CC poderá estar na base da resolução

do tal conflito. Muitas vezes o exercício de direitos subjectivos cria situações de

conflito. Estamos perante um conflito de direitos quando o exercício do direito de uma

das pessoas, isoladamente considerado, é incompatível ou inconciliável com o exercício

de direito de outra pessoa, também isoladamente considerado. O art.º. 335.º cuja

epígrafe é precisamente colisão de direitos, distingue duas situações no n.º 1 e 2218

,

sendo o objectivo primordial deste artigo distinguir situações em que os direitos

conflituantes podem ser hierarquizados onde tais direitos comportam entre eles uma

relação de paridade. É necessária uma ponderação dos direitos em causa, que deverá ser

feita casuisticamente. No caso em questão há que respeitar o principio da igualdade,

tratar igual o que igual e diferente o q eu diferente. O n.º 2 do preceito consagra que “

prevalecer o que deverá considerar-se superior”. Mas qual será o superior? A

prevalência de um ou outro deverá ser feita de acordo com o caso concreto. Por um lado

dar primazia ao direito de personalidade e noutros casos ao direito com ele conflituante,

liberdade de imprensa. A análise casuística presente no art.º 335.º do CC para resolver

situações de colisão de direitos assenta numa base de ponderação a que esta subjacente

o princípio da proporcionalidade em sentido amplo ou da proibição do excesso.219

Citando Jónatas Machado, tal princípio “apresenta-se como um metaprincípio

vocacionado para resolução de conflitos entre direito e interesses constitucionalmente

protegidos, procurando alcançar, um ponto óptimo de máxima efectividade ou de

clímax entre bens jurídicos, situado o mais longe possível do respectivo conteúdo

essencial, fornecendo critérios que assegurem a justeza intrínseca do processo de

ponderação”.220

O art.º 18 da CRP vem, deste modo, concretizar e reforçar este ideia

considerando tal princípio como núcleo central dos requisitos materiais exigidos às

218

O n.º 1 enuncia situações em que a colisão se refira a direitos iguais ou da mesma espécie e o

n.º 2 refere-se à colisão de direitos desiguais ou de espécie diferente. Podendo ser considerados iguais

dois direitos à honra que estejam em conflito, na medida em que a satisfação de um exige a ofensa do

outro e podem ser considerados desiguais ou de espécies diferente um direito de personalidade e um

direito à liberdade de expressão, com o caso do objecto de estudo em causa. 219

“O princípio da proibição do excesso é, actualmente, pode dizer-se, a autêntica chave de

resolução da esmagadora maioria dos problemas de direitos fundamentais. NOVAIS, Jorge Reis, Direitos

Fundamentais: Trunfos Contra a Maioria, Coimbra Editora, 2006. p. 101. 220

MACHADO, Jónatas, ob. cit. pp. 727.

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restrições dos direitos fundamentais. Com isto, qualquer restrição de uma posição

jurídica tutelada por uma norma de direitos fundamentais terá que observar três

critérios: idoneidade ou adequação – a medida deverá ser apta à prossecução do fim

visado com ar restrição; necessidade; de entre todas as medidas possíveis aptas a

realizar, de forma igualmente eficaz o fim pretendido, deve ser escolhida a menos

agressiva par ao titular do direito; proporcionalidade em sentido restrito – a importância

do fim, obrigatoriamente legítimo, prosseguido pela restrição e a medida da realização

através do meio escolhido devem estar numa relação razoável, adequada à medida e

importância dos efeitos produzidos na esfera do titular do direito. A esse propósito,

Vieira de Andrade diz-nos que, por a nossa ordem jurídica ser “uma ordem

constitucional aberta e pluralista”,221

a harmonização dos valores tutelados terá que ser

resolvida, caso a caso, de modo a respeitar no máximo possível, todos os direitos em

confronto e a impedir o aniquilamento do conteúdo essencial de cada um deles como

sugere o n.º 3 do art.º 18.º da CRP, em que está excluída uma harmonização em

abstracto,222

não podendo existir nenhuma preferência abstracta a favor nem do direito

de liberdade de imprensa nem do direito de preservação da honra. Esta vertente do

equilíbrio exige que os benefícios que se esperam alcançar com uma medida adequada e

necessária suplantem à luz de certos parâmetros materiais os custos que ela poderá

acarretar. Se uma medida concreta não for simultaneamente adequada, necessária e

equilibrada ao fim em vista com a sua adopção ela será desproporcional. Caberá ao juiz

o poder de avaliar tal desproporcionalidade e decidir contrabalançando o bem da

dignidade humana e o bem da liberdade de imprensa, imprescindível para a democracia

em que vivemos, com base da veracidade dos factos e na justificação do interesse

legítimo em causa. Facto é que tal ponderação deverá ser alvo de uma análise casuística

pois o sistema carece de uma lista de critérios base que pudesse ser tido em conta

aquando do momento da decisão final. Contudo, mesmo sem uma lista definida, há uma

tendência na jurisprudência portuguesa tomar rumo num sentido específico o

reconhecimento da dignidade humana como valor supremo da ordenação constitucional

democrática em que o direito à honra, ao bom nome e por conseguinte a presunção de

inocência estão acima da liberdade de expressão e informação. Esse reconhecimento

221

ANDRADE, José Carlos Vieira de, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de

1976, 4ª ed., Coimbra, Editora Almedina, 2010, p. 108. 222

DIAS, Jorge de Figueiredo Revista de Legislação e de Jurisprudência, “Direito de Informação

e Tutela da Honra no Direito Penal da Imprensa Português,” Revista de Legislação e Jurisprudência, ano

115, n.º 3697, 1982-1983, p. 102.

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feito pelos tribunais portugueses vai impor que a colisão desses direitos deva, em

princípio, resolver-se pela prevalência daquele direito de personalidade (n.º 2 do art.º

335 do CC), só assim não sucedendo quando, em concreto, concorram circunstâncias

susceptíveis de, à luz de relevante interesse publicado, justificar a adequação da solução

oposta. Tendo ambos natureza constitucional e havendo em situações de confronto de

dois direitos com a mesma hierarquia constitucional, o TRC acabou por decidir que a “a

colisão entre ambos vai conduzir, em princípio, à necessidade de compressão do

segundo”, sustentando-se a tese da prevalência da honra sob a liberdade de expressão,223

com a qual não concordamos pois o eventual conflito terá que ser resolvido segundo o

caso concreto e por isso não se poderá “à partida” conceder prevalência ao direito à

honra face à liberdade de imprensa. Quando o direito à honra “entrar em conflito com o

direito de liberdade de imprensa, há que resolvê-lo, coordenando-o um com o outro, de

forma a distribuir proporcionalmente os custos desse conflito, sem atingir o núcleo

essencial de cada um deles”, “se partirmos da ideia de não primazia de qualquer dos

direitos fundamentais, parece razoável que se vise a sua coordenação proporcionada,

havendo que tentar a eficácia óptima dos dois preceitos em conflito, sem aniquilar

nenhum no seu conteúdo essencial.”224 Deverá por isso atender-se ao caso concreto por

se tratar de direitos que tem tutela constitucional em que nenhum deles sobreleva os

outros, devendo cada um ceder o estritamente necessário e em termos proporcionais de

modo a possibilitarem a concretização adequada deles mesmos, em que a necessidade,

adequação e proporcionalidades são os princípios básicos para a conjugação prática do

exercício concreto desses direitos. Daí que o STJ declarou que o princípio norteador da

informação jornalística deverá ser o de causar o menor mal possível, pelo que quando

ultrapassarem os limites de necessidade ou quando os termos forem, de per si,

injuriosos, a conduta será ilegítima. 225 No estudo feito por Cláudia Araújo conclui-se

que, “ a maioria dos processos-crime que chegam a julgamento (…) resulta na

absolvição dos meios de comunicação social”.226

Mas será que a absolvição tem lugar

apenas ao nível das instâncias internas ou será que os órgãos de comunicação social só

223

Ac. do TRC, 18-04-2001, CJ, ano XXVI (2001), Tomo II, p. 53. Há uma parte da doutrina

que, no conflito de direitos fundamentais contrapostos, defende a absolutização do direito ao bom nome,

(honra) e reputação (consideração), art.º 26.º da CRP em razão do sacrifício do direito de informação, o

que não se pode aceitar dado que ambos têm o mesmo valor e dignidade constitucional e não são

hierarquizáveis entre si. 224

Ac. STJ, 12 de Janeiro de2000, BMJ, 493, pp. 156 a 170. 225

Ac. STJ, 17 de Outubro de 2000, CJ ano VIII, (2000), Tomo III, pp. 78 a 81. 226

Disponível em: http://www.publico.pt/Media/processos-contra-jornais-estao-a-aumentar-e-a-

classe-politica-e-a-principal-queixosa_1444508

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conseguem a devida protecção e consequente absolvição, quando esgotadas as vias

judicias internas, terem que recorrer ao TEDH? Dos acórdãos analisados verificamos a

existência de duas correntes diferentes,227

por um lado, temos uma linha maioritária dos

tribunais superiores que continua a conceder prevalência ao direito à honra aliado ao

princípio da presunção de inocência face à liberdade de expressão, por outro, tem vindo

a admitir-se, consideravelmente, a partir do séc. XXI, a justificação de ofensas à honra

através da liberdade de imprensa, desde que verificados determinados requisitos. Esta

via de entendimento justifica-se pelo facto de os tribunais estarem a aceitar cada vez

melhor o valor da liberdade de expressão face ao direito à honra, talvez justificado pelo

aumento de vivências de carácter democrático. Por fazermos de um Estado de direito

democrático, a acção desencadeada pelos media tem vindo a ser considerada e

compreendida não como uma forma de agressão à esfera privada, pessoal e individual

da pessoa, mas como uma forma de exercer democraticamente a cidadania, preenchidos

os requisitos legalmente exigidos.228

Em primeiro lugar a notícia divulgada deverá ter interesse legítimo e público (e

não do público), em segundo, os meios de expressão utilizados não deverão ser

excessivos e por último que se verifique a exceptio veritatis, em que, na pendência de

um processo, se contra o jornalista for intentada uma acção judicial, ele deverá

explicitar as razões que lhe permitiram considerar objectivamente fundamentados os

factos e imputações dirigidas, e por isso ser justificada a sua conduta.229

Os efeitos da

ofensa, com repercussões negativas na esfera pessoal do assistente serão justificáveis à

luz do interesse público, exigido para que a conduta não seja considerada ilícita, desde

que não extravase os limites exigidos pelo cumprimento da função pública da imprensa,

e se mostre um meio adequado e razoável ao interesse público na divulgação da notícia

em causa e que, em razão do fim prosseguido, do meio empregue e da forma correcta

227

Aprendemos com as posições da doutrina e a jurisprudência que embora não exista um

modelo de solução, um critério geral e abstracto para a resolução de conflitos de direitos, há sempre a

necessidade de decidir esses conflitos de direitos e descobrir qual a via indicada para que se harmonize os

direitos em conflito ou, se necessário, dar prevalência a um deles, conjugando o princípio da

proporcionalidade com os ditames da necessidade e da adequação de acordo com as circunstâncias do

caso concreto, dendo sempre em conta os valores jurídicos ínsitos nos textos legais. BRITO, Iolanda A.S.

Rodrigues, ob. cit. pp. 155 e ss; MACHADO, Jónatas E. M., ob. cit. pp. 805 e ss. 228

No Ac. TRP, 20-06-2012, processo 7132/09.8, estipula que numa sociedade democrática, a

liberdade de expressão reveste a natureza de verdadeira garantia institucional, impondo por vezes, um

recuo da tutela jurídico-penal da honra. Recuo, que tem que ser justificado por um correcto exercício da

liberdade de expressão, aferido pelo interesse geral. 229

A este propósito não é de mais referir o ac. STJ de 27 de Maio de 2008, processo 08B1478,

mencionando que “a liberdade de imprensa deverá estar condicionada pela relevância social do facto a

qual pode advir do facto em si mesmo ou da importância da pessoa a que é importado ou atribuído”.

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utilizada, o sacrifício pessoal do direito à honra se revelar proporcionado por não ser

excessivo. 230

No panorama nacional, como referimos anteriormente, a tendência vai no

sentido de privilegiar a protecção da esfera pessoal em detrimento da esfera pública,

como podemos constatar no caso “Sporting – Público”. “No caso vertente ocorre um

conflito concreto entre o direito de personalidade na vertente de crédito e bom nome de

uma pessoa colectiva de utilidade pública e o de liberdade de informação através dos

meios de comunicação de massa, que não pode deixar de ser resolvido em termos de

prevalência do primeiro em relação ao último”. 231

Estava em causa uma notícia

publicada em 2001 sobre dívidas fiscais do Sporting, tenho este recorrido aos tribunais

para defender seu bom nome; o TPI ilibou o jornal Público e os jornalistas que

colaboraram na notícia, sentença que viria a ser confirmada pelo TRL a 19 de Setembro

de 2009. Em Março de 2007, o STJ inverteu a decisão, condenando o jornal ao

pagamento do Sporting de 75 mil euros, por afectação negativa do seu crédito e bom

nome, considerando não haver “ concreto interesse público na divulgação do que foi

divulgado”.232

O que significa que, com base neste exemplo e na análise de alguns

acórdãos233

parece-nos que a CRP atribuiu maior consistência, protecção jurídica e

densidade a alguns direitos fundamentais, aplicando critérios metódicos e abstractos que

orientem a tarefa de ponderação e ou harmonização concretas, tidas como o princípio da

concordância prática e a ideia do melhor equilíbrio possível entre os direitos

colidentes”,234

dando primazia, quando perante uma situação de colisão de direitos, ao

direito de personalidade.

Ao contrário do que se passa em Portugal, a nível europeu vem-se assistindo à

“elevação” para primeiro plano a defesa do exercício da liberdade de expressão, pedra

angular da democracia, em prol da garantia dos princípios democráticos. No seio da

União Europeia surgiu, pelas mãos do Comité de Ministros do Conselho da Europa aos

Estados Membros, a Recomendação 13 de 2003, com o objectivo de regular as relações

dos media com a justiça e, consequentemente a difusão de informação, pelos meios de

230

Idem. 231

Disponível em: http://diariojuridico.blogs.sapo.pt/1652.html 232

Disponível em:

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/2977b1d06e94b2e5802572980

0577374?OpenDocument 233

Disponível em: www.dgsi.pt 234

Ac. STJ, 5 de Março de 1998, processo 87.897.

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comunicação social, relativa a processos penais e, a esse propósito, o princípio da

presunção de inocência não foi esquecido. A Recomendação lembra que “os meios de

comunicação social têm o direito de informar o público e este o direito de receber

informações, inclusive sobre questões de interesse público, nos termos do art.º 10.º da

CEDH e que aqueles têm o direito profissional de o fazer.” E igualmente que o direito à

presunção de inocência, garantido pelo art.º 6.º da CEDH constitui uma das exigências

fundamentais que deve ser respeitada em toda a sociedade democrática e, caso haja

interesses, eventualmente, conflituantes, que estejam protegidos pelos arts. 6.º e 10.º da

presente Convenção. E é necessário, para assegurar um equilíbrio entre eles, a

intervenção do TEDH que garante o respeito pelos compromissos contratados no âmbito

da presente protecção dos direitos e interesses em jogo no quadro das notícias

difundidas pelos meios de comunicação social sobre processos penais assegurando-lhes

o acesso aos mesmos. Em anexo à Recomendação, vêm anunciados vários princípios

sobre a difusão pelos meios de comunicação de informação, entre os quais, o princípio I

sobre informação do público pelos órgãos de comunicação social235

e o princípio II

relativo à presunção de inocência236

. A liberdade de expressão, nos termos do art.º 10.º a

CEDH constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e as

garantias a conceder à imprensa revestem-se de uma importância particular237

,

desempenhando um papel eminentemente activo que terá que ser respeitado numa

sociedade democrática pois não deverá ultrapassar certos limites relativos, no que

concerne à protecção da honra, reputação e presunção de inocência bem como à

necessidade de impedir a divulgação de informações confidenciais, incumbindo-lhe,

todavia, comunicar, no respeito pelos seus deveres e responsabilidades, informações e

ideias sobre qualquer questão de interesse geral.238

O instituto da presunção de

inocência foi reforçado, igualmente, como forma de ultrapassar o mero estatuto de regra

235

É do direito do público receber informações sobre a actividade das autoridades judiciárias e

dos serviços através dos meios de comunicação social e, em consequência, poder livremente fazer

notícias sobre o funcionamento do sistema judiciário penal, ressalvadas as limitações previstas nos outros

princípios enunciados no anexo. 236

O respeito por este princípio faz parte integrante do direito a um processo equitativo, em que

as opiniões e informações relativas a processos penais em curso, não deverão ser comunicadas ou

difundidas através dos meios de comunicação social a não ser que não cause prejuízo à presunção de

inocência do arguido.

237 Ac. Worm vs. Áustria, n.º 22714/93; Fressoz e Roire vs. França, n.º 29183/95.

238 Ac. Tourancheau vs. França, n.º 53886/00.

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de sistema de prova para passar a incorporar um direito que deverá ser conjugado com o

respeito pela dignidade humana.239

Retomando o caso “Sporting - Público”, o jornal Público ao recorrer para o

TEDH, viu a sentença do STJ ser contrariada, resultando na absolvição do jornal,

acompanhada de uma indemnização por parte do Estado português em benefício do

jornal. A doutrina europeia engloba a ideia de interesse legitimo, atribuindo-lhe a

concepção mais ampla que engloba, para além das informações e ideias inofensivas, as

que ofendam, choquem ou perturbem podendo observar-se no acórdãos Dabrowski

contra Polónia 240

e no De Haes et Gijsels contra Bélgica241

, a pronúncia favorável do

TEDH quanto à liberdade de crítica, admitindo mesmo que uma certa dose de exagero,

até mesmo provocação, é admissível. Esta perspectiva é justificada, segundo o próprio

tribunal, pelo pluralismo, tolerância e espírito de abertura sem os quais não há sociedade

democrática.242

O TEDH admite excepções à primazia da liberdade de expressão mas

estas terão que ser interpretadas restritivamente, isto é, só na medida do estritamente

necessário, conceito que de acordo com jurisprudência do TEDH corresponde a uma “

necessidade social imperiosa” cabendo aos Estados uma “razoável valoração dos factos

relevantes”.243

Confirmando-se assim a intolerância do Estado Português face ao

exercício da liberdade de expressão face à liberdade de Imprensa, pois no caso “

Sporting – Porto”, o que para o TEDH constitui um interesse legítimo na medida em

239

A título exemplificativo, em França, a 15 de Junho de 2000, foi publicada a lei 2000/516, que

veio reforçar a protecção da presunção de inocência e os direitos das vítimas, consagrando expressamente

que os atentados à presunção de inocência são prevenidos, reparados e reprimidos nas condições previstas

na lei francesa, procurando, de certa fora, ultrapassar o mero estatuto de regra de sistema de prova para se

passar a afirmar como um direito a conjugar com o principio da dignidade humana, Disponível em:

http://translate.google.pt/translate?hl=ptPT&langpair=en%7Cpt&u=http://www.heuni.fi/uploads/fq98onb

f0fojy.pdf Em Portugal, não há qualquer tipo de lei que se assemelhe à lei francesa. No entanto, o nosso

país não está tão isolado quanto parece no que diz respeito a esta questão. Apesar do seu generalizado

reconhecimento alcançado por este princípio a sua afirmação teórica tem tido mais êxito do que a efectiva

aplicação prática do mesmo. A presunção de inocência, na prática, continua a ser tratada e assumida

essencialmente enquanto regra probatória, apesar de o nosso ordenamento jurídico apresentar já as

capacidades suficientes para produzir “consequências do referido princípio ao nível do tratamento a

outorgar ao arguido ao longo do processo”. VILELA, Alexandra, ob. cit. pp. 58 e ss. 240

Apud MOTA, Francisco Teixeira da, ob cit. p. 22. 241

“En aquest darrer sentit, la jurisprudència europea i l’espanyola han puntualitzat que les

exigències de la societat democràtica fan que la llibertat d’expressió empari, no només pensaments, idees

o opinions favorables o considerades inofensives, sinó també les que contrasten, xoquen o inquieten un

Estat o un sector de la población. La llibertat d’expressió comprèn la llibertat de crítica, fins i tot quan

pugui molestar, inquietar o disgustar,19 per la qual cosa empara també les opinions equivocades o

perilloses, fins i tot les que ataquen el sistema democràtic mateix” Este excerto foi retirado do texto da

autora espanhola Laura Diez Bueso sobre a liberdade de expressão e os seus limites, “La llibertat

d’expressió i els seus límits”, fazendo uma referência ao acórdão em questão. Disponível em:

http://www.cac.cat/pfw_files/cma/recerca/quaderns_cac/Q27_Diez.pdf 242

Idem. 243

MOTA, Francisco Teixeira da, ob. cit. 29.

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que estava em causa uma questão relativa ao sistema fiscal público, no entender do STJ

tal interesse não justificava intervenção dos órgãos de comunicação social em defesa de

uma opinião pública esclarecida.

De acordo com Javier García Roca,244

a solução para a discrepância perante uma

colisão de direitos entre a pratica jurídica europeia e a prática a nível interno passaria

pela criação de uma lista de critérios standards a se seguida pelos juízes a nível nacional

para uma melhor ponderação dos bens jurídicos em causa e para evitar que o TEDH

tivesse que intervir. O autor enuncia alguns critérios que embora já sejam tidos pelo

sistema judicial espanhol podiam perfeitamente constituir a base jurídica pretendida.

Teríamos que proceder em primeiro lugar à diferenciação entre juízos de facto e juízos

de valor entre a liberdade de expressão e de opinião, Acerca dos juízos e factos de valor

emitidos pelos jornalistas, 245

o TEDH, em sentença de 8 de Julho de 1986, declarou que

se deve distinguir com precisão entre factos e opiniões. “Se a materialidade dos

primeiros pode ser provada, os segundos não podem em nenhum caso prestar-se a uma

demonstração da sua exactidão”246

e em relação à exigência da prova da verdade das

imputações, como causa da não punibilidade da conduta, o art.º 180.º n.º2 alínea b) do

CP conclui que “é evidente que para os juízos de valor esta exigência é irrealizável e,

em consequência, atentatória da liberdade de expressão, elemento fundamental do

direito garantido no art.º 10.º da CEDH.247

O TEDH já reconhece tal distinção e refere-a

como essencial para uma ponderação justa dos bens em causa, pois a veracidade das

opiniões revela-se de difícil acesso em comparação com a demonstração concreta da

existência dos factos, e um indício da exactidão do acontecimento que esteja em causa

revela-se de utilidade máxima para o julgamento. A outra linha de orientação passaria

pela teoria das esferas, já referenciada, de forma a delinear a intromissão no âmbito da

intimidade e da ofensa à honra, procedendo-se à devida distinção entre figuras privadas

e públicas, atendendo à amplitude do círculo da vida íntima e reservada da pessoa

visada pela divulgação da notícia. No que diz respeito ao tom das afirmações feitas

também deve ter sido tido em conta, de modo a avaliar a intenção do próprio jornalista.

244

GARCÍA ROCA, Javier, Los imprecisos límites a los poderes informativos derivados de los

derechos de la personalidad: una función jurisdiccional, Estudios de Derecho Judicial, Madrid, 2001 245

BRITO, Iolanda S.A., Rodrigues de, ob. cit. pp. 157 e ss. 246

MOTA, Francisco Teixeira da, ob. cit. pp. 21 e ss. 247

Idem. A título de exemplo, na sentença referida, o tribunal considerou não se poder manter a

condenação do recorrente por ter afirmado que o então chanceler era um “oportunista mais detestável,”

“imoral” e “indigno”, pois estavam em causa meros juízos de valor sobre alguém que exercia cargos

políticos e públicos.

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Como referência história, mencionamos o caso “New York versus Sullivan” (376, US,

245), culminando o mesmo com a formação de um critério máximo base a ser seguido,

que consiste na “actual malice” isto é, passa por averiguar se a informação foi

produzida com pleno conhecimento da sua falsidade ou se houve negligência por parte

do jornalista, se ao recolher a informação houve falta de cuidado a confirmá-la. Com

base no último critério defende-se que no que toca à ética e deontologia da actividade

jornalística, deverão os jornalistas ter uma formação séria que obedeça a regras e

deveres inerentes à própria actividade, de modo a situações de desconsideração pela

esfera privada do indivíduo em detrimento da espera pública. Quanto à veracidade da

informação veiculada pelos meios de comunicação, é evidente que a comprovação não

poderá revestir-se das exigências da comprovação científica ou mesmo da judiciária,

antes hão-de bastar as exigências das legis artis dos jornalistas e das suas concepções

sérias. Do exposto resulta que, no quadro do direito de informação, uma crença fundada

na verdade haverá de possuir o mesmo efeito que esta como elemento de justificação,

devendo o jornalista utilizar fontes de informação fidedignas e se possível diversificadas

de modo a testar e controlar a veracidade dos factos. 248

É insustentável, por esta razão, a ideia de que, no caso em que ocorrerem os

factos relatados pelos jornalistas, seja vedada ao jornalista a possibilidade de se

referirem a eles publicamente. Mais uma vez evocamos a nossa condição de Estado

Democrático para justificar a conduta do jornalista. Enquanto cidadãos e membros de

um estado democrático e por estarmos inseridos numa sociedade em que,

constantemente, aparecem crimes públicos, tais como a corrupção, temos a obrigação e

o dever cívico de denunciar estes casos, possibilitando o exercício activo da verdadeira

democracia.

248

Para um maior desenvolvimento e aprofundamento da questão das fontes e manipulação da

informação, cf. RODRIGUES, José Narciso da Cunha, Comunicar e Julgar, Coimbra, Edições Minerva,

1999, pp. 79 e ss; BRETON, Phillipe, A Palavra Manipulada, ed. Caminho, 2001.

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Conclusão

Tivemos oportunidade de referir que a organização dos campos da Justiça e

Media é sempre obra comum de participação e só poderá possuir significado quando

essa participação se transforme em activa colaboração entre ambos; “ora a colaboração

só poderá existir se existirem plataformas de pensamento e de acção, se existir uma

unidade de interesses, se existirem compreensão e respeito mútuos, se existir, numa

palavra e num sentido amplo, uma cultura comum ou, pelo menos, bases culturais

comuns”,249

sendo para isso necessário incentivar o diálogo e a compreensão entre as

duas profissões. Pelo que seremos obrigados a concluir que apenas educando e

colaborando poderemos reencontrar as bases para o normal desenvolvimento da

actividade jornalística que conflitua com direitos pessoais intrinsecamente ligados à

presunção de inocência. Suscita-se a necessidade de uma conciliação entre ambos para

que haja para uma organização harmoniosa da nossa sociedade democrática. O que

constamos é que, embora concordemos com o uso, mas não abuso, da liberdade de

imprensa e reconheçamos que há situações em que o direito à dignidade humana250

tenha que recuar perante a liberdade de imprensa, é necessário que no exercício dessa

mesma liberdade, o instituto da presunção de inocência como conceito jurídico e

princípio norteador do processo penal que é, não seja esquecido e se faça respeitar; o

que temos vindo assistir na prática é, muitas vezes, à atribuição de uma presunção da

culpabilidade ao arguido em que maioria das pessoas (jornalistas e cidadãos) prefere

culpabilizar do que inocentar um suspeito usando, com mais agrado, a “presunção de

culpabilidade”.

Como diria Tom Waits: “If there´s one thing you can say about mankind/

There´s nothing kind about man”.

249

TÁVORA, Fernando, Da Organização do Espaço, Publicações FAUP, Porto, 2007, p. 68 250

Leia-se, igualmente, presunção de inocência.

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