Dissertação Completa

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UNIVERSIDADE DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS MESTRADO EM MEMÓRIA SOCIAL E DOCUMENTO UNIVERSIDADE DO RIO DE JANEIRO discurso, memória e identidade: gênese e afirmação por Carmen Irene Correia de Oliveira Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção de grau de Mestre em Memória Social e Documento da Universidade do Rio de Janeiro. Orientadores: Prof. Dr. Nilson Moraes Profª. Dra. Evelyn Goyannes Dill Orrico Rio de Janeiro 2002

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UNIVERSIDADE DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS MESTRADO EM MEMÓRIA SOCIAL E DOCUMENTO

UNIVERSIDADE DO RIO DE JANEIRO discurso, memória e identidade:

gênese e afirmação

por Carmen Irene Correia de Oliveira

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção de grau de Mestre em Memória Social e Documento da Universidade do Rio de Janeiro.

Orientadores: Prof. Dr. Nilson Moraes

Profª. Dra. Evelyn Goyannes Dill Orrico

Rio de Janeiro 2002

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BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________ Prof. Dr. Nilson Alves Moraes - Orientador

_______________________________________________________ Profa. Dra. Evelyn Goyannes Dill Orrico - Co-orientadora

_______________________________________________________ Profa. Dra. Icléia Thiessen Magalhães Costa

_______________________________________________________ Profa. Dra. Lídia Silva de Freitas

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Agradecimentos

Em um trabalho desta natureza, muitos são os agradecimentos

devidos. Alguns os merecem por terem ajudado com indicações de fontes,

referências, etc. Outros por terem dito a palavra certa no momento certo: o

"isso é legal!" pode parecer pouco, mas foi muito. No entanto, todos

colaboraram, cada um à sua maneira, para que eu continuasse acreditando

no que estava fazendo. Por isso, eu agradeço

aos meus orientadores, Nilson Moraes, pelo incentivo constante e

pelas oportunidades, e Evelyn Orrico, que foi muito além do seu papel e

para quem todos os agradecimentos são poucos;

à professora Icléia Thiessen, pela seriedade no trato acadêmico e pela

chance de compartilhar outras idéias;

às professoras Leila Beatriz Ribeiro, Valéria Wilke, Mônica

Mandarino e Cláudia Cerqueira, grupo querido e respeitado que sempre

acreditou em meu trabalho e em minhas idéias;

à professora Gilda Grumbach, mais do que chefe, uma pessoa

admirável;

às colegas Míriam do Arquivo Central e Viviane da Secretaria dos

Conselhos que auxiliaram na minha busca pelas fontes;

aos professores José Mauro Matheus Loureiro, Marcos Cavalcanti de

Miranda, Luiz Otávio Barreto Leite e José Gabriel Assis Almeida que

sempre me incentivaram.

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"Nicetas foi visitar Pafnúcio. Contou-lhe tudo, do início ao fim, desde o momento em que encontrou Baudolino em Santa Sofia, e tudo o que Baudolino lhe dissera. 'Que devo fazer?', perguntou-lhe. 'Por ele? Nada. Está indo ao encontro de seu destino.' 'Não por ele, por mim. Sou um escritor de Histórias, mais cedo ou mais tarde terei de preparar-me para escrever o regesto dos últimos dias de Bizâncio. Onde deverei colocar a história que Baudolino me contou?' 'Em parte alguma. É uma história toda dele. E afinal, tens certeza de que é verdadeira?' 'Não, tudo o que sei, eu o conheci através dele, como também soube por ele que era um mentiroso.' 'Como vês' , disse o sábio Pafnúcio, 'um escritor de Histórias não pode confiar num testemunho tão incerto. Apaga Baudolino da tua narrativa.' 'Mas nos últimos dias tivemos uma história comum, na casa dos genoveses.' 'Apaga também os genoveses, pois terias de falar das relíquias que fabricavam, e teus leitores perderiam a fé nas coisas mais sagradas. Bastará muito pouco para que alteres ligeiramente os acontecimentos, dirá que foste ajudado por alguns venezianos. Sim, eu sei, não é verdade, mas numa grande História podem-se alterar pequenas verdades, para ressaltar a verdade maior. Deves contar a história verdadeira do império dos romanos, não um pequeno fato, que se originou de um pântano distante, em países bárbaros, entre gentes bárbaras. E depois, gostarias de enfiar na cabeça de teus leitores futuros que existe um Greal, entre as neves e o gelo e o reino do Preste João nas terras perustas. Quem sabe quantos desvairados não iriam vagar sem descanso, por séculos e séculos.' 'Era uma bela história. Pena que ninguém venha a conhecê-la.' 'Não te julgues o único autor de histórias deste mundo. Mais cedo ou mais tarde alguém, mais mentiroso do que Baudolino, acabará por conta-la.' (Baudolino, de Humberto Eco)

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Dedicatória

A quem devo tudo que sou, a quem

devo tudo que faço, motivo maior de

todo meu esforço e aplicação: Giana.

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RESUMO

Este trabalho objetiva delinear a trajetória de formação identitária de uma

Instituição de Ensino Superior, a Universidade do Rio de Janeiro, a partir

da produção discursiva oriunda dos Conselhos Superiores. O edifício

teórico-metodológico sustenta-se em torno de conceitos como Instituição,

Memória, Identidade, Discurso e Documento que arregimentaram questões

que se amalgamavam na constituição deste trabalho. Foram delimitados

dois períodos para estudo, o de 1969 a 1979 e o ano de 1999. Tal

delimitação deu-se em função da própria história da Instituição que surgiu

como unidade Federativa no ano de 1969, transformou-se em Universidade

em 1979, e comemorou 30 anos em 1999. A Análise do Discurso foi

escolhida como metodologia adequada a um estudo que pressupõe as

instâncias discursiva e institucional como acontecimentos e como

elementos em mútua influência. As análises dos enunciados dos períodos

recortados levaram a detectar a existência de projetos que procuraram

delinear imagens para a Instituição em períodos específicos de sua

trajetória. As construções do nascimento romântico e Federação como

uma caminho marcaram o período federativo e o projeto de Universidade

Humanística foi característico do período de 1999. Tais construções

apontam para uma Instituição preocupada em forjar uma imagem para si e

para o outro que constitua a sua base identitária e construção de uma

memória oficial em períodos específicos de sua trajetória.

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ABSTRACT

Sketch out the trajetory of identity formation and a University,

Universidade do Rio de Janeiro, ouer the discursive prodution derived from

highers courts. The structure theoretic-methodologically sustain yourself in

tap of conceptions like institution, memory, individuality, discourse and

document that amalgamated in this work constitution question were

reunited. Two periods were delimited for study, to 1969 till 1979 and the

year 1999. Within a proper function of institution's history gave this

delimitation that surged like unity's federation in 1969, was transformed in

University in 1979, and celebrated thirty years in 1999. The analysis of the

speech was chosen like adequate methodology the one study the

pressupposed pleding and institutional instances like occurences and

elements in mutual influence. The enunciation's analysis of idented

periods, carried to disclose the projects' existence that searched sketch

images for institutions specific's periods of your trajetory. The

constructions of the romantic origin and the federation like a way marked

the federative and humanistic university's project that was characteristic in

1999. These constructions indicated for one worried institution in forge a

image for yourself and for another that constitute your identity base.

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SUMÁRIO

1. Introdução 09

2. Caracterização do quadro teórico-metodológico: instituição e discurso 17

2.1- Discurso 18

2.2 - Instituição 24

2.2.1 - A problemática dos grupos e dos papéis 31

2.3 – Identidade e memória 35

2.3.1 – A questão da identidade institucional 36

2.3.2 – A memória e suas manifestações 38

2.4 -A Análise do Discurso – AD 41

2.4.1 - A materialidade discursiva: as fontes 45

2.4.2 – Os procedimentos metodológicos 52

3. A formação da Universidade do Rio de Janeiro – UNIRIO 58

3.1 – Contextualizando: A Universidade no Brasil 58

3.2- 1969 a 1979: período de gestação 77

3.3 – 1999: A UNI-RIO faz 30 anos 127

4. Identidade e singularidade: imagens possíveis 158

4.1 – As tensões entre a identidade e a diferença 158

4.2- As imagens possíveis 159

4.3 – As imagens e as identidades pretendidas 164

5. Considerações finais 177

6. Referências bibliográficas 184

7. Anexos 190

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1. INTRODUÇÃO

Já se passaram quase sete anos desde que ingressamos no quadro efetivo de funcionários da Universidade do Rio de Janeiro - UNIRIO e, naquela época, pouco sabíamos sobre a instituição que nos recebia. Porém, uma das primeiras coisas que tomamos conhecimento foi que a UNIRIO se originou da FEDERAÇÃO DAS ESCOLAS ISOLADAS DO ESTADO GUANABARA – FEFIEG, criada em 1969, e tornou-se Universidade somente em 1979. Por isso, era comum ouvir de funcionários mais antigos que no tempo da Federação as “coisas” eram diferentes. Hoje, após algum tempo vivendo a rotina desta Instituição Federal de Ensino, bem como tendo vivenciado algumas experiências conflituosas, na convivência diária com profissionais de todas as categorias, compartilhando idéias e aspirações sobre o que é uma Universidade, e com discentes empenhados em sua trajetória rumo ao status de profissional qualificado, podemos afirmar que a tentativa de compreendê-la trouxe-nos mais questionamentos do que respostas. Daí, de simples inquirições acerca dos projetos e das pretensões que ela estabelecia no âmbito de suas funções e acerca do seu status dentro do panorama maior das Instituições de Ensino Superior, nossas questões voltaram-se, com o decorrer do tempo, ao processo de sua formação como Universidade.

No cotidiano de nosso trabalho nesta Instituição, muitas foram as estórias ouvidas de funcionários antigos e as impressões trocadas com os colegas que ingressaram na universidade à mesma época que nós. Não foram poucas as vezes que se comentava ser a UNIRIO uma universidade de pequeno porte e muito nova, considerando suas conterrâneas. Também era uma constante, nessas estórias, a idéia de que a UNIRIO nasceu por obra e graça do Professor Guilherme Figueiredo, quando da investidura do seu irmão, General João Baptista de Figueiredo, na Presidência da República. Além disso, para os mais antigos, os tempos de outrora eram melhores, tanto em termos administrativos quanto salariais. Para aqueles tão novos quanto nós, aquele momento, 1994, representava uma incógnita para o futuro da Universidade Pública e para o funcionalismo federal.

Hoje, quase 8 anos depois, as políticas governamentais conduzidas por uma única gestão presidencial* deram o tom para as manifestações conduzidas pelas Instituições Federais de Ensino Superior, ao implantar uma política neoliberal que procurou desestabilizar uma estrutura de ensino e serviço público considerada obsoleta.

* O Presidente Fernando Henrique Cardoso iniciou sua primeira gestão presidencial em 1994 e a segunda em 1998.

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Considerando tais fatos, este trabalho, então, nasceu do propósito específico de compreender e analisar melhor a Instituição na qual trabalhamos, cientes de que tal empreitada poderia se revelar difícil, talvez até impossível, se considerarmos que conhecer completamente um objeto requer muito mais do que a pesquisa que se pretende apresentar aqui.

Assim, questões como aquelas que envolvem a transformação da Federação em Universidade e o nome do seu primeiro Reitor, Professor Guilherme Figueiredo, interessam na medida em que deixam marcas na trajetória da Instituição. Sejam verdades ou mentiras, elas são construídas e contribuem na constituição de uma memória e de uma identidade. O fruto deste processo de engendramento é o que fica para as gerações posteriores.

Neste empreendimento, a nossa posição como membro desta Instituição foi-nos constantemente lembrada por aqueles que tomavam conhecimento do estudo. As várias opiniões acerca desta situação oscilavam entre aquelas que consideravam negativo investigar a Instituição na qual estávamos inseridas, pois além das dificuldades que poderíamos encontrar para acessar as fontes, teríamos de considerar o fato da “neutralidade” do pesquisador; e aquelas que achavam positivo o fato de alguém da própria Instituição querer investigá-la. E mais, o fato de sermos funcionária auxiliaria nosso trabalho.

Opiniões à parte, o próprio fazer científico demandava, da nossa parte, um posicionamento equilibrado. Ou seja, assumir que o postulado da neutralidade na investigação científica era uma meta inalcançável, pois que a delimitação de qualquer objeto já representa um ato de escolha consciente, sem isenção por parte do pesquisador.

No entanto, nossa imersão na comunidade acadêmica em questão levou-nos a considerar melhor tudo que ouvimos e presenciamos no momento da pesquisa. Assim, se a neutralidade absoluta não era possível, um certo grau de isenção tornava-se imprescindível. Foi então que, tentando pensar e repensar nossa posição na Instituição, conduzimos a investigação entre a neutralidade não possível e o distanciamento necessário. Procurando este equilíbrio, demos início ao projeto.

Quando se afigura a proposta de estudar uma Instituição de qualquer natureza, muitas são as possibilidades que se apresentam, tendo em vista que várias são as facetas desse objeto e inúmeros os caminhos que podemos trilhar, consoante as diferentes abordagens teóricas, e que o enfoque é determinado basicamente pela área de conhecimento na qual o pesquisador pretende desenvolver seu trabalho.

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Em nosso estudo objetivamos, principalmente, perceber quais os sentidos que circulam no discurso oficial da Instituição e que concorrem na formação de uma identidade institucional. Nesse sentido, a identidade é vista como: a) as características, os traços peculiares muito próprios que marcaram a Instituição durante sua trajetória; b) a imagem que ela formou de si mesma e que se encontra refletida no discurso oficial.

A identidade que consideramos neste trabalho constrói-se nas interações intra-institucionais e na confluência da Instituição com os acontecimentos sócio-político-econômicos. O discurso da Instituição, compreendendo o discurso daqueles que a compõem, apresenta formas de expressar a si mesma que se desenvolvem face àquelas interações e confluências.

A afirmação somos uma universidade solidifica-se graças a estes processos, e a identidade que aí está em formação é aquela que se manifesta na memória da Instituição e estrutura sua continuidade em uma série de acontecimentos externos e internos que as reatualizam – memória e identidade.

Como nos dizem, apropriadamente, Fentress & Wickham, estudar a maneira como lembramos (memória) é também estudar a maneira como somos (identidade), e

“(...) a maneira como nos apresentamos nas nossas memórias, a maneira como definimos as nossas identidades pessoais e coletivas através de nossas memórias, a maneira como ordenamos e estruturamos as nossas idéias nas nossas memórias e a maneira como transmitimos essas memórias a outros (...)”1

Além do liame entre identidade e memória, vemos em nosso horizonte de pesquisa outro binômino: discurso e memória, na medida em que, dentre as formas de exteriorização da memória, temos a linguagem em primeiro lugar. “É evidentemente a linguagem que, no início, permitiu esta exteriorização da memória humana e que, por esta razão, deve ser considerada como sua primeira extensão. [...]”2

Tendo estabelecido o percurso a ser seguido, optando por focalizar o discurso oficial e a formação da identidade institucional, procuraremos, também, observar a atuação de determinados grupos nesse processo. Quais seriam e como atuariam tais grupos são questões que também pretendemos abordar.

1 FENTRESS, J. & WICKHAM, C. Memória Social. Lisboa: Teorema, 1992. p. 20 2 CANDAU, J. Anthropologie de la mémoire. Paris: PUF, 1996, Col. Que sais-je?. p. 42. Tradução nossa.

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A análise das práticas discursivas afigurou-se como uma opção para a exploração desta temática, considerando que pressupomos uma relação entre linguagem e sociedade, onde "[...] consideraríamos, então, o condicionamento lingüístico da sociedade - a língua cria identidade - e o condicionamento social da língua - a estrutura da sociedade está " refletida" na estrutura lingüística."3.

Nesse sentido, destacamos no nosso trabalho duas instâncias: a discursiva e a institucional. Nesses dois campos que se mesclam, buscaremos a partir do discurso a configuração do quadro ideológico ao qual as evidências discursivas estão vinculadas, procurando configurar um painel acerca da memória oficial da Instituição. A natureza de nossa investigação nos leva a pensar: a) no discurso como acontecimento; expressão de um evento que tem lugar em determinado contexto e produzido por determinado(s) autor(es) e cujo funcionamento reflete a intencionalidade de quem o produz* e b) na Instituição, como um espaço no qual o embate entre diferentes grupos concorre na formação de estratégias e procedimentos capazes de garantir a sua auto-regulação e sua identidade; uma instituição constitui-se em uma rede complexa de relações que se estabelecem, não no "papel", mas através de uma prática habitual, fundamentada em valores e normas adotadas pelo conjunto de atores que nela atuam.4

O nosso caminho é uma opção que não desvincula os processos discursivos do processo de constituição da Instituição, procurando perceber "o modo como a instituição, ao se constituir como tal, discursivizou-se".5

É perceptível, nessa postura, a relevância do social e do simbólico no processo de produção do discurso, não sendo possível conceber um estudo dessa natureza sem considerar as relações entre os planos institucional, discursivo, contextual e ideológico. Na base dessas relações está a própria produção do discurso que implica o sujeito e a

3 ORLANDI, E. A Linguagem e seu funcionamento. Campinas, SP: Pontes, 1996. p.98 * "[...] não há discurso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia. O sujeito não é um sujeito-em-si, livre de toda determinação, ele é um sujeito socialmente (culturalmente, historicamente) constituído (determinado)" ORLANDI, E. Terra a vista. São Paulo: Cortez; Campinas: Editora da UNICAMP, 1990. p. 178. Nossa afirmativa pressupõe dois marcos teóricos caros à análise do discurso: a falsa evidência do sujeito - como sujeito já-dado - e a falsa evidência do sentido - como um sentido já-lá ou preexistente. Tanto um como outro constituem-se face às formações ideológicas. A intencionalidade refere-se, especificamente, ao agenciamento de enunciados que o sujeito efetua dentro de uma dada formação discursiva, em função da formação ideológica. Em nosso estudo, essa intencionalidade está presente "[...] toda vez que o produtor da linguagem está na origem, produzindo o texto com unidade coerência, não-contradição e fim. A noção de autor, em nossa perspectiva, pode assim se aplicar ao corriqueiro da fabricação da unidade do dizer comum, afetada pela responsabilidade social: o autor é um sujeito responsável pelo que diz." (ORLANDI, E. O discurso fundador. Campinas: Pontes, 2001, 2ª edição. p. 24 4 COSTA, Icléia T. M. Memória Institucional: a construção conceitual numa abordagem teórico-metodológica. Tese de Doutorado, CNPq/IBICT/UFRJ/ECO, 1997. 5 MARIANI, B. Discurso e Imprensa. Revista Rua, Campinas, São Paulo, n. 5, março 1999. p. 47

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situação (contexto), enquanto o ideológico diz respeito à produção de sentidos e à interpretação que têm lugar em uma formação discursiva.

[...]podemos dizer que o sentido não existe em si mas é determinado pelas posições ideológicas colocadas em jogo no processo sócio-histórico em que as palavras são produzidas. As palavras mudam de sentido segundo as posições daqueles que as empregam. Elas ‘tiram’ seu sentido dessas posições, isto é, em relação às formações ideológicas nas quais essas posições se inscrevem.6

Sendo assim, considerando a vinculação das formações discursivas com as formações ideológicas que lhes dão forma*, conforme observamos ao longo de nossa pesquisa, centraremos nossas investigações em dois períodos.

O primeiro refere-se ao período de formação da Federação das Escolas Federais Isoladas do Estado da Guanabara (até 1977 quando tornou-se Federação das Escolas Federais Isoladas do Estado do Rio de Janeiro), criada em 1969, tendo se tornado Universidade apenas em 1979. O segundo período é o de 1999 e diz respeito às comemorações de 30 anos da UNI-RIO.

Esse recorte temporal foi escolhido em função da própria Instituição que, ao comemorar 30 anos em 1999 estabelece seu nascimento em 1969, ano de criação da FEFIEG, abarcando e assumindo seu período como Federação na sua memória de Universidade. Daí o caráter significativo desses 10 anos. Os dois períodos focalizados procuram dar conta de processos significativos para a Instituição, quais sejam, o de fundação e o de consolidação.

Temos então, um período (1969-1979) no qual o status de Federação durou 10 anos culminando com a criação da Universidade do Rio de Janeiro em 1979. Seria esta transformação um projeto já acalantado durante muito tempo? Nossas análises procuram observar se esse é um momento de gestação onde a Federação forma-se e constitui-se preliminarmente à Universidade. O segundo período, no qual a UNI-RIO comemora seus 30 anos, funciona como uma sedimentação de suas origens, remetendo seu “nascimento” a 1969.

6 ORLANDI, Eni. Análise de Discurso : princípios e procedimentos. Campinas, SP : Pontes, 1999. p. 42-43. * Essa relação será melhor explicitada no capítulo da Metodologia.

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Considerando esses momentos, a observação que podemos fazer é que o início da FEFIEG é marcado pela união de algumas instituições que já possuíam uma história anterior, e que a partir daquele momento viverão, contribuirão na e para a nova Instituição da qual agora fazem parte. Elas passarão a ser reconhecidas como unidades dessa nova Instituição. Nós pressupomos que essa passagem implicou novas mudanças para aquelas unidades fundadoras. Como ocorreu esse processo? Até que ponto as exigências dessa nova Instituição, FEFIEG/FEFIERJ, implicaram mudanças fundamentais nas estruturas que elas possuíam? Como foram as primeiras decisões tomadas em conjunto? A formação de um nós institucional FEFIEG passou pela anulação de um eu institucional anterior? Ocorreram conflitos? E quanto aos 30 anos? Trata-se de um período de afirmação?

Para elucidar esses questionamentos, utilizamo-nos de fontes documentais assim constituídas: a) as atas das reuniões dos Conselhos Superiores da Instituição, ocorridas nos períodos demarcados; b) relatórios, projetos e demais documentos informativos institucionais sob a guarda do Arquivo Central da Instituição.

Com o primeiro conjunto de documentos, pretendemos especificamente focalizar o período que estamos chamando gestação ou fundador (1969-1979) e o período de comemoração/afirmação dos 30 anos (1999), os atores institucionais e a possibilidade de uma identidade em formação no âmbito de um fórum decisório. Com o segundo conjunto de documentos procuramos delinear a construção de imagem institucional formada a partir de outro tipo de discurso representado pelos relatórios, projetos e documentos propagandísticos. Ressaltamos que as denominações gestação e afirmação constituem produto de nossa leitura inicial das fontes pesquisadas. Apresentar tais períodos com estas denominações, desde o início de nosso trabalho, foi uma postura assumida por nós por acharmos ser mais fácil explicitar esta nossa impressão desde o primeiro momento.

O que pretendemos é manter nossas questões diretamente ligadas ao processo de construção de uma identidade institucional: a) fortemente condicionada por uma relação com o social e; b) fomentada nesses dois períodos.

Assim, nossas questões procuram perceber a Instituição considerando as suas funções, as ações desenvolvidas no sentido de atingir os seus objetivos, o papel dos grupos que nela atuam, focalizando, enfim, o seu processo de formação, percebendo que se atores, funções e ações são inerentes às instituições, seus mecanismos de funcionamento variam, daí as peculiaridades que diferenciam uma instituição de outra.

Neste sentido, conhecer o como desse processo de construção de identidade, por

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intermédio das práticas discursivas e das ações nela produzidas e dos atores institucionais que as produzem, pode constituir uma contribuição relevante, tanto no âmbito restrito da própria Instituição, quanto no meio acadêmico, por se apresentar como uma forma de “olhá-la” por intermédio de seu(s) discurso(s) com vistas a um processo de “auto-conhecimento” que acarretaria uma melhor percepção dos rumos que a Instituição deve seguir. Esse enfoque procura dar conta dos mecanismos de produção e das condições de existência desse discurso e sua conseqüente materialização sob qualquer forma de registro documental. Além disso, ao abordar o discurso da Instituição procuramos detectar a cristalização de uma série de eventos que se amalgamaram na formação da memória oficial desta Universidade.

Nossa proposta encontra-se desenvolvida na organização desta dissertação, considerando as questões que envolvem o discurso e seu contexto, a Instituição e as relações entre identidade e memória.

Inicialmente, o segundo capítulo, Caracterização do quadro teórico- metodológico: instituição e discurso, aborda os conceitos com os quais pretendemos trabalhar, considerando as relações entre eles e a contribuição na construção de uma memória da Instituição. A FEFIEG/FEFIERJ/UNI-RIO que surge nos discursos de documentos oficiais da Instituição, como catálogos e projetos, é objeto de análise comparativa nos dois períodos abordados. Procuramos focalizar o espaço institucional como produtor de um discurso cujo desvelamento possibilita o estudo de uma identidade em formação, por intermédio de uma metodologia que considere as relações ideológicas como constituintes do sujeito e cristalizadas no discurso. Assim, o nosso edifício teórico-metódológico apresenta conceitos que se constroem na intersecção de áreas diversas. Memória, identidade, instituição e discurso nos apresentam desafios, pois tal construção é feita em função dos contatos de suas fronteiras com outros conceitos e em função de transitarem em diferentes áreas das ciências humanas e sociais.

O capítulo seguinte, A formação da Universidade do Rio de Janeiro – UNIRIO, procura, a partir de um painel maior, o da trajetória da Universidade no Brasil face às disposições legais e ideológicas vigentes à cada época, chegar até o contexto de nascimento da Federação de Escolas Federais Isoladas do Estado da Guanabara (semente da UNIRIO) e até aquele dos 30 anos da Universidade do Rio de Janeiro. Tal procedimento justifica-se por termos como pressuposto que a Instituição constitui-se em função, também, das correntes externas. No presente caso, é importante observar a força dos ditames legais que formam a nossa estrutura educacional superior. Não foram poucas as ações governamentais nesta área e muito do que somos hoje, como Instituições

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de Ensino Superior, forjou-se na esteira destas determinações.

O quarto capítulo, intitulado Identidade e Singularidade: imagens possíveis, ocupar-se-á das imagens possíveis que se cristalizam neste discurso oficial e que puderam ser delineadas a partir do trabalho de análise. Foi nossa opção considerar a construção identitária desenvolvendo-se entre os pólos da similitude e da singularidade. Além disso, consideramos, dentre as características da memória, aquela que nos coloca diante não da veracidade dos fatos, mas da força de sua permanência no tempo; o que ficou, porque ficou e como ficou é o que nos interessa.

Finalmente, em Considerações Finais fechamos o painel de nossas investigações a partir de tudo que foi levantado e analisado ao longo dos capítulos anteriores, procurando apresentar as relações entre a identidade e a memória da Instituição, a atuação dos grupos envolvidos no processo de construção dessa identidade e as possibilidades de investigações futuras.

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2. Caracterização do quadro teórico-metodológico: discurso e instituição

A palavra é fenômeno ideológico por excelência.

Mikhail Bakhtin

Neste capítulo, procuramos estabelecer os conceitos que atravessam nossa investigação e guiam nossas análises. Nesse sentido, não construímos novos conceitos, mas estabelecemos a concepção de Discurso, Instituição, Identidade, Grupo, Memória e Documento com que estamos trabalhando.

Antes de mais nada, gostaríamos de ressaltar que discurso e instituição, em nossa pesquisa e em nossas opções teóricas, não constituem elementos isolados; são instâncias que se determinam mutuamente. Não obstante, faz-se necessário abordá-las separadamente no nosso campo teórico, delimitando-as como conceitos básicos em nosso trabalho.

Começamos com alguns caminhos pelos quais os estudos do discurso seguiram, tomando como ponto de partida as teorizações de alguns estudiosos como Paul Ricoeur, Michel Pêcheux e Michel Foucault para então chegar à definição eleita para este trabalho.

Logo em seguida, iniciamos um item sobre a Instituição, distinguindo-a de Organização, onde ressaltamos alguns pontos concernentes ao trabalho de seletividade que ela opera na memória de seus membros, e de constituição de uma forma reconhecível que lhe garanta estabilidade. Neste momento, já indicamos a relação entre esta forma reconhecível e a tarefa de construção de uma identidade, para, ao final, mostrarmos que pensamos a Instituição, conforme as teorizações de Michel Foucault e Icléia Costa, como acontecimento, como relações que se desenvolvem continuamente.

No item subseqüente, preocupamo-nos com a questão do grupo e dos papéis institucionais, mostrando que a delimitação do grupo é problemática. Entretanto, alguns pontos foram precisados e o grupo pode ser percebido a partir de sua relação com outros grupos e com o estabelecimento, por contraste, de algumas características que lhe são próprias: o "nós" exclui os "outros". O pertencimento, as relações entre grupos e intragrupos que formam a Instituição acionam outro conceito que é o de papel. Neste sentido, procuramos apontar para a multiplicidade de papéis possíveis que as relações institucionais possibilitam. Além disso, as teorizações acerca do discurso já mostraram a relevância do papel do sujeito na relação discursiva.

Quando abordamos as relações entre identidade e memória, é nosso objetivo estabelecer a base das análises que empreenderemos acerca da Instituição, tocando em

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pontos que constituem o que chamamos memória oficial. Tal denominação foi escolhida por estarmos trabalhando com a produção de sentidos no espaço discursivo daqueles que ocupavam cargos decisórios, que ditavam os rumos da Instituição. O caráter oficial era garantido pela própria oficialização destes cargos e pelo status dos documentos nos quais se inscreviam as determinações, as considerações e os acontecimentos. Dito de outro modo, a fala de um conselheiro proferida em Conselho, inscrita em uma ata, legitimada pela assinatura dos demais membros deste Conselho, é um ato oficial que repercute, que fica e prevalece, acima de outras, dentro da Instituição.

Por último, após uma breve historização da Análise do Discurso de linha francesa, apresentamos nossos procedimentos metodológicos, baseados nesta corrente, e abordamos a questão do documento, também considerada fulcral no âmbito deste trabalho.

2.1- Discurso

É por intermédio do discurso que pretendemos alcançar as respostas às questões que nos movem.

Como nos apontam Berger e Luckmann a linguagem é uma das objetivações da expressividade humana e elas "[...] servem de índices mais ou menos duradouros dos processos subjetivos de seus produtores [...]".7

Retomando as nossas questões, reforçamos que pretendemos mantê-las diretamente ligadas ao processo de formação/construção de uma identidade institucional: a) fortemente condicionada por uma relação com o social; b) fomentada pelas ações de determinados grupos com forte poder decisório e influência e c) estruturada no e pelo discurso produzido institucionalmente.

Os itens que se seguem procurarão mostrar os aspectos teórico-metodológicos que sustentam nossa investigação, de forma que alguns pontos até aqui apresentados estarão melhor explicitados.

Acreditamos que o contexto institucional nos oferece uma série de produções discursivas susceptíveis de análise, materializadas através dos registros das interações ocorridas em contextos específicos, como as reuniões dos Conselhos Superiores da Instituição, e de outros tipos de documentação textual oficial.

Nossa opção pelo discursivo está relacionada ao entendimento que temos acerca das funções da linguagem, considerando que, para muitos, ela tem como objetivo primordial a comunicação, tendo, inclusive, se desenvolvido em decorrência da

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necessidade comunicativa. Sem negar tal aspecto, outros estudiosos apontam para funções, tão ou mais importantes, que abarcam a simbolização, a representação e a cognição.

Essas opções nos mostram que a linguagem parece ser necessária ao homem tanto para comunicar quanto para pensar sua relação com o mundo e representá-la. Sapir8 propõe três funções gerais para a linguagem (o pensamento, a comunicação e a expressão das emoções) e algumas secundárias, dentre as quais merece destaque:

a) a linguagem como instrumento de socialização;

b) a linguagem como instrumento de transmissão da história e da acumulação cultural.

Os analistas do discurso também colocaram a questão da não comunicação como uma das funções da linguagem. Tal opção estaria ligada aos silêncios do discurso que, por sua vez, são perceptíveis a partir da análise e do entendimento do que é dito. Na relação com dito e o não-dito temos, a partir dos estudos da AD, uma outra função da linguagem.

Conseqüentemente, a linguagem em ação se oferece como um campo propício à análise que procura perscrutar evidências que levem à delimitação de grupos, práticas institucionais e traços identitários.

Os textos que pretendemos analisar constituem materialidades de um discurso institucional e procuramos abordá-los como práticas socialmente inseridas em contextos específicos, lembrando que "[...] os documentos são a própria materialidade do discurso, e não o signo de outra coisa, como se fosse uma matéria inerte a ser interpretada.”9 No caso, a própria intencionalidade que cerca o processo de produção documental nos servirá de indicador para algumas análises.

Para uma melhor compreensão do sentido que o termo discurso toma neste trabalho, é necessário ressaltar que ele começa a ter seu perfil delineado – dentro de uma teoria que o toma como objeto - com os estudos que se preocupam com a prática da linguagem contextualizada socialmente e que divergiam dos caminhos estabelecidos pela Lingüística.

7 BERGER, P. L. & LUCKMANN. A construção social da realidade. Petrópolis: Vozes, 1985. p. 53. 8 SAPIR, E. Linguistique. Paris: Minuit, 1968, p. 35-63. apud GIRIN, Jacques. A linguagem nas organizações: signos e símbolos. In: O indivíduo na organização: dimensões esquecidas. São Paulo: Atlas, 1996, vol. III, p. 30. 9 PORTOCARRO, Vera (org.). Filosofia, história e sociologia das ciências I: abordagens contemporâneas. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1994. p. 48.

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Os rumos dessa ciência têm como marco a obra de Ferdinand de Saussure (1916), Curso de Lingüística Geral, escrita por seus discípulos a partir de anotações de suas aulas. Desde então os estudos da língua ocuparam-se das relações internas de seus elementos.

A partir do momento em que se constituiu como ciência autônoma, a lingüística passou a estudar internamente a linguagem. A maioria dos lingüístas não mais se preocupou com as relações entre a linguagem e a sociedade, não mais cuidou das vinculações entre a linguagem e os homens que dela fazem uso.10

Teóricos como Michel Pêcheux e Paul Ricoeur não negam a importância fundamental da obra de Saussure, mas atentam para os problemas acarretados ao se excluir o social e a prática dos estudos da língua.

[...] a partir do momento em que a língua deve ser pensada como um sistema, deixa de ser compreendida como tendo função de exprimir sentido; ela torna-se um objeto do qual uma ciência pode descrever o funcionamento (retomando a metáfora do jogo de xadrez utilizada por Saussure para pensar o objeto da lingüística, diremos que não se deve procurar o que cada parte significa, mas quais são as regras que tornam possível qualquer parte, quer se realize ou não).11

Um aspecto dessa questão está ligado à definição da língua como sistema e à dicotomia língua X fala – langue X parole –, ainda que na obra de Saussure o discurso não seja associado à fala.

A partir desse ponto, a maior parte dos estudos lingüísticos evoluiu percebendo a língua como sistema e estrutura, esquecendo as abordagens com relação ao seu uso e à prática, ou pelo menos, deixando de efetuá-las com profundidade.

Esses caminhos, segundo Ricoeur12, levaram a uma "recessão do problema do discurso" levando-o a um "exílio marginal e precário". Isso porque o discurso representa essa dimensão esquecida na qual a virtualidade da língua como sistema atualiza-se através da prática. Como nos diz Pêcheux, a Lingüística constitui-se como ciência no interior de um debate sobre a questão do sentido, ou, mais precisamente, como não abarcá-lo dentro do seu campo de investigação.13

Muitos estudos que hoje trabalham na confluência da língua com o social creditam a Bakhtin as primeiras teorizações acerca "da interação verbal e das relações entre linguagem, sociedade e história".14

10 FIORIN, J. L. Linguagem e Ideologia. São Paulo: Ática, Série Princípios, 2000. p.5. 11 PÊCHEUX, M. Análise Automática do Discurso. In: GADET. F & HAK, T. Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Campinas, São Paulo: Editora da UNICAMP, 1997, p. 62. 12 RICOEUR, P. Teoria da significação. Lisboa: Edições 70, 1999, p. 14. 13 PÊCHEUX, M. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas, São Paulo: Editora da Unicamp, 1997. p. 88. 14 BARROS, D.L.P. “Dialogismo, polifonia e enunciação”. In: ____. Dialogismo, Polifonia e Intertextualidade. São Paulo: EDUSP, p. 1, 1999.

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Verificamos que Bakhtin coloca a língua como um sistema imutável de regras sob a ótica da consciência individual. Ele também afirma que ela – a língua – é utilizada pelo locutor para suas necessidades enunciativas concretas.

Trata-se, para ele [locutor], de utilizar as formas normativas (admitamos, por enquanto, a legitimidade delas) num dado contexto concreto. Para ele, o centro de gravidade da língua não reside na conformidade à norma da forma utilizada, mas na nova significação que essa forma adquire no contexto. O que importa não é o aspecto da forma lingüística que, em qualquer caso em que esta é utilizada, permanece sempre idêntico. Não; para o locutor o que importa é aquilo que permite que a forma lingüística figure num contexto , aquilo que a torna um signo adequado às condições de uma situação concreta dada.15

Efetivamente, o pensador russo concebe a língua como se oferecendo aos locutores em momentos de enunciação – concretização do sistema em situações de fala – que implicam "sempre um contexto ideológico preciso".16

[...] Na realidade, não são as palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis, etc. A palavra é sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial.17

Esse componente ideológico representa um fator diferenciador entre os estudos lingüísticos que se ocupavam do funcionamento interno da língua e aqueles que focalizam o homem em ação comunicativa e o discurso como acontecimento.

E não poderia ser diferente, pois como nos lembra Pêcheux18 o materialista e o idealista, o revolucionário e o reacionário têm à disposição para seu uso o mesmo sistema de língua, no entanto, não se pode dizer que eles tenham o mesmo discurso.

Essas observações mostram que existe uma diferenciação necessária entre língua e discurso. A primeira apresentando-se como a base comum aos falantes, como um sistema virtual (e social) que se realiza concretamente em processos discursivos diferentes. O segundo representando a ação empreendida pelo homem ao se utilizar da base lingüística "com o propósito de exprimir seus pensamentos, de falar do mundo exterior ou de seu mundo interior, de agir sobre o mundo".19

Assim, temos, segundo Pêcheux:

a) a base lingüística como conjunto de estruturas fonológicas, morfológicas e sintáticas que dispõe de uma autonomia relativa, cujas leis internas que regem seu funcionamento são objeto dos estudos lingüísticos;

15 BAKHTIN, M. Marxismo, filosofia da linguagem. São Paulo: HUCITEC, 1997, p. 92-93. 16 Ibid., p. 95. 17 Ibid., p. 95. 18 PÊCHEUX, M. Semântica e discurso..., p. 91. 19 FIORIN, J.L. Linguagem e ideologia... p. 10-11.

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b) os processos discursivos que funcionam sobre essa base, não como “expressão de um puro pensamento”, mas como conseqüência de relações ideológicas.

Nesse sentido, as relações sintáticas podem representar "a condição formal de um efeito de sentido", como o “pré-construído” que designa “o que remete a uma construção anterior, exterior, mas sempre independente, e que se liga ao que é construído no enunciado.”20

Com esse novo “olhar”, a definição do que vem a ser um discurso passou a ser uma questão enfrentada pelos estudiosos. Apesar de sua delimitação ser pouco definida e pensarmos que usualmente ele ultrapassa o nível da frase, algumas vezes isso não corresponde à realidade, pois uma frase pode se constituir em um discurso, considerando o contexto em que é pronunciado e que a transforma em unidade de sentido naquela situação.

A orientação mais comum que a literatura da área (Teorias do Discurso e Análise do Discurso) tem nos mostrado é a de considerar inicialmente os objetivos do estudo e adotar alguns princípios já consagrados no meio 21:

a) o discurso é um evento, um acontecimento que se realiza em um contexto determinado, envolvendo sujeitos que ocupam lugares específicos nesse processo. Esses lugares correspondem a funções dentro de uma estrutura social, aproximando a noção de sujeito da noção de papel*;

b) o discurso é o locus de cristalização das significações ideológicas que controlam sua produção;

c) o discurso associa-se a condições de produção determinadas, ou seja, envolve um gênero discursivo determinado (artigo de jornal, romance etc.).

Essas considerações nos impedem de definir o discurso como uma simples sucessão de frases, para demarcá-lo em função de fins específicos do estudo a ser compreendido. Por isso, Osakabe em seu trabalho propõe abordar o discurso como realidade empírica sobre a qual incidirá a análise. “[...] Entende-se como realidade empírica um objeto delimitável no tempo e no espaço, perceptivelmente observável e compreensível, e analisável em seus elementos recorrentes.” 22

20 PÊCHEUX, M. Semântica e discurso..., p. 99 21 RICOUER, P. Teoria da...., p. 20-22 * Sobre esta conceituação, falaremos mais adiante no item 2.2.1 - A problemática dos grupos e dos papéis institucionais. 22 OSAKABE, H. Argumentação e discurso político. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p.8. Nesta obra o autor trabalha com os discursos políticos de Getúlio Vargas.

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Pêcheux também apresenta uma delimitação “física” para o objeto discurso: “Chamamos discurso uma seqüência lingüística limitada por dois brancos semânticos e que corresponde a condições de produção discursivas definidas.”23

A noção de branco semântico pode ser entendida em oposição à marca de parada que caracteriza o espaço entre uma frase e outra. Enquanto as paradas teriam uma função conectiva os brancos apenas marcam o fim de um discurso.

Em trabalho posterior, Pêcheux não menciona mais o branco semântico e associa o discurso ao processo discursivo.

[...] Observemos antes de mais nada, que o próprio termo ‘discurso’ pode remeter ao que chamamos acima um processo discursivo, mas também a uma seqüência verbal oral ou escrita de dimensão variável, em geral superior à frase. Esta última realidade, em razão de seu caráter imediatamente ‘concreto’, foi designada (Pêcheux, 1969) pela expressão ‘superfície discursiva’[...]24

Em nossa proposta de trabalho optamos pela abordagem do discurso institucional por intermédio de suas materialidades textuais.

As teorizações apresentadas até o momento estão na interseção da língua com o social e procuram embasar as análises que serão realizadas em produções discursivas institucionalizadas. Sendo assim, o discurso que estamos focalizando estrutura-se a partir de um contexto determinado (Instituição de Ensino Superior) no qual se dá a relação entre sujeitos e grupos (atores) e no qual se forja uma série de práticas, valores e normas, que contribuem para a formação de uma identidade.

Na verdade, o aspecto regulador da instituição está presente em várias instâncias, inclusive nessa produção discursiva. No entanto, as coerções que se exercem sobre o discurso são a garantia mesma da existência de sentido.25

Foucault em seu discurso de posse no Collège de France nos mostra os mecanismos (internos e externos ao discurso) dos quais lança mão a instituição (em sentido lato) para controlar e ordenar o discurso:

O desejo diz: ‘Eu não queria ter de entrar nesta ordem arriscada do discurso; não queria ter de me haver com o que tem de categórico e decisivo; gostaria que fosse ao meu redor como uma transparência calma, profunda, indefinidamente aberta, em que os outros respondessem à minha expectativa, e de onde as verdades se elevassem, uma a uma; eu não teria senão de me deixar levar, nela e por ela, como um destroço feliz’. E a instituição responde: “Você não tem por que temer começar; estamos todos aí para lhe mostrar que o discurso está na ordem das leis; que há muito tempo se cuida de sua aparição; que lhe foi preparado um lugar

23 PÊCHEUX, M. Semântica e discurso..., p. 108. 24 PÊCHEUX, M. & FUCHS, C. A propósito da análise automática do discurso: atualização e perspectivas (1975). In: GADET. F & HAK, T. Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Campinas, São Paulo: Editora da UNICAMP, 1997, p. 180. 25 FIORIN, J.L. As astúcias da enunciação. São Paulo: Ática, 1999. p. 22.

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que o honra mas o desarma; e que, se lhe ocorre ter algum poder, é de nós, só de nós, que ele lhe advém.”26

[...]

suponho que em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade.27

Os estudos de Foucault vão nos mostrar como o discurso (controlado pela instituição) trabalha no sentido de dissimular suas próprias estratégias e selecionar a emergência de determinadas formações em detrimento de outras. Pêcheux trata dessa questão ao afirmar que “toda formação discursiva dissimula, pela transparência do sentido que nela se constitui, sua dependência com respeito ao ‘todo complexo dominante’ das formações discursivas, intrincado no complexo das formações ideológicas”.28 Em suas teorizações ele apresenta as noções de esquecimento nº1 e nº2 para dar conta das ilusões discursivas às quais o sujeito está submetido.29

Essas colocações possibilitam que fundamentemos o nosso caminho, qual seja, o de abordar a Instituição por intermédio das produções discursivas. Abre espaço também para discutirmos as condições dessa produção e de suas formas materiais (atas, relatórios, projetos, informativos etc.). Esse trabalho passa por uma demarcação de categorias discursivas (que incluem as categorias de controle discursivo) e de outras categorias analíticas e operacionais que serão melhor abordadas mais adiante.

O que pretendemos destacar aqui é que a construção dessas categorias tem como base esses elementos que se manifestam no discurso e nele engendram efeitos de sentido. Daí sua potencialidade de fornecer os indícios necessários aos objetivos que nos propomos: perceber a formação de uma identidade institucional considerando o desempenho de alguns grupos e a imagem construída, nesta trajetória, acerca desta Instituição.

2.2 - Instituição

A Universidade do Rio de Janeiro – UNIRIO – é uma Instituição Federal de Ensino Superior. Essa classificação simples pareceria indicar a desnecessária tarefa de trabalhar o conceito de instituição, tendo em vista não haver necessidade de caracterizar nosso objeto como Instituição.

26 FOUCAULT, M. A ordem do discurso. São Paulo: Ed. Loyola, 1999. p. 7. 27 Ibid. p. 8. 28 PÊCHEUX, M. Semântica e Discurso..., p. 162. 29 Esses dois conceitos serão apresentados mais adiante quando tratarmos de outras teorizações de Michel Pêcheux.

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No entanto, tal visão esbarra na constatação de um sem número de variáveis e características que compõem as IFES brasileiras, desde as condições de sua emergência até o seu funcionamento atravessado por uma práxis burocrática fundamentada no serviço público.

Em nossa investigação percebemos que as Instituições – em sentido amplo – são focalizadas de modos diferentes, conforme a área de conhecimento.

Na área de Administração, por exemplo, a despeito das orientações que vêem a Instituição como normas de comportamento que “[...] tendem a ter caráter duradouro, não se confundindo neste particular com usos e comportamentos passageiros [...]”30, este termo, algumas vezes, é utilizado em alternância com a palavra Organização que apresenta, como a Instituição, um sistema de redes, de status e papéis. Costa também nos mostra como tal confusão se dá nas perspectivas economicistas e juridicistas.

[...] A perspectiva economicista, herdeira do utilitarismo inglês, vê a organização como uma instituição. Talvez se deva tal confusão ao fato de que toda instituição tem suas formas de organização, sem as quais não poderia exercer sua prática, que é coletiva e social. A prática é primeira e se impõe no processo de institucionalização.

A visão jurisdicista tende a definir instituição como um produto, um instrumento legal de reprodução das relações sociais, ou como institutos, tais como as normas jurídicas, que regem o funcionamento de uma determinada sociedade.31

No entanto, há uma diferenciação que deve ser apontada:

Organização e Instituição são situações extremas. Entre uma e outra há uma infinidade de posições possíveis. Qualquer grupo pode deslocar-se da posição de organização a de instituição, dependendo de como responde no dia-a-dia aos desafios e pressões e demandas do ambiente.32

Para que essa transformação se opere, organização instituição, é necessária a ocorrência de um conjunto de fatores e não de fatos isolados.

Em Lapassade temos um posicionamento mais preciso no qual a organização pode assumir, ao menos, duas significações, sendo, por um lado, entendida como um ato organizador que é exercido nas instituições, e por outro, designa uma realidade social precisa, como um banco ou uma fábrica.33 As Instituições podem ser, também, grupos sociais oficiais como empresas, escolas, sindicatos; sendo também um sistema de regras que determina a vida dos grupos. 34

30 NETO, L.F. Instituição (Administração). In: Dicionário de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1987. p. 612. 31 COSTA, Icléia T. M. Memória Institucional: a construção conceitual numa abordagem teórico-metodológica. Tese de Doutorado, CNPq/IBICT, UFRJ/ECO, 1997. p. 51. 32 NETO,L.F. Instituição... p. 612. 33 LAPASSADE, Georges. Grupos, organizações e instituições. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1983. p. 101. 34 Ibid, p. 193.

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Segundo Berger & Luckmann35, o que precede o processo de institucionalização é a formação de hábitos: ações tornadas habituais passam a formar o acervo de possibilidade possíveis, frente a uma situação que demande uma ação-resposta. Em contrapartida, nesse processo, uma série de outras ações possíveis, que não se tornaram habituais e conseqüentemente não se institucionalizaram, não são consideradas por não fazerem parte desse acervo. O que primeiramente se destaca nessa definição é o trabalho de seletividade que age no e pelo processo de institucionalização das práticas, hábitos e normas. Então, percebemos que a instituição em sua trajetória de formação e afirmação opera seletivamente. Nesse trabalho, ela parece empregar procedimentos que garantam a consecução de seus objetivos, e os motivos para essa operação podem estar relacionados às práticas de “sobrevivência”, auto-afirmação, estabilidade e legitimação.

Em Mary Douglas36 encontramos algumas questões que nos levam a perceber como os procedimentos e motivos acima mencionados são colocados em funcionamento pela Instituição, quando a autora mostra que o pensamento individual depende das instituições. Ela nos diz bque, em situações de crise, as decisões não são tomadas individualmente, “uma resposta só parece estar correta quando apóia o pensamento institucional que já se encontra na mente dos indivíduos enquanto eles procuram chegar a uma decisão”.37 Para que isso seja viável, as instituições devem controlar sistematicamente a memória individual no sentido de “canalizar nossas percepções para formas compatíveis com as relações que elas autorizam”.38

Parece que além da seletividade, merece destaque também o trabalho de controle. Para Berger & Luckmann pelo simples fato de existirem, as instituições controlam a conduta humana. Trata-se de um controle inerente à instituição não sendo estabelecido por nenhuma lei ou regra.

Foucault também trabalha com a questão do controle mostrando como ele se exerce, atualmente, sobre o indivíduo através da fixação deste último em várias instituições: escola, trabalho, religião etc. Todas elas procuram garantir a sua formação, dos indivíduos e das mentalidades de acordo com esse sistema. As formas utilizadas são muitas; as instituições desenvolvem maneiras, mais ou menos ostensivas, de garantir esse controle. Ele nos mostra que as instituições pedagógicas, médicas, penais etc.

35 BERGER, P. L. & LUCKMANN, T. A construção social ... p.80. 36 DOUGLAS, Mary. Como as instituições pensam. São Paulo: Edusp, 1999. 37 Ibid., p. 18 38 Ibid., p. 98

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procuram se encarregar de todo esquema temporal da vida dos indivíduos. O seqüestro do tempo é assim uma forma de controle. 39

Mas a importância do controle que a instituição exerce sobre o indivíduo nos interessa na medida em que ele funciona para formar mentalidades e padrões, para policiar o desenvolvimento e garantir a estabilidade institucional40. Nesse processo está implicada a construção de uma forma reconhecível. Essa é uma expressão utilizada por Mary Douglas e diz respeito ao trabalho de formação de uma identidade. Em seu livro, a antropóloga social afirma que é altamente improvável que as instituições se formem e se estabeleçam sem qualquer tipo de obstáculos a partir de uma situação momentânea de interesses convergentes. Na verdade, ela nos diz que a tendência é que, muitas vezes, elas entrem em colapso antes de adquirirem a estabilidade. Esse processo de estabilização implica adquirir uma forma reconhecível que permitirá à Instituição formar tipos estáveis que podem ser identificados em diferentes épocas e circunstâncias.

Estabilidade Forma Reconhecível

Figura 2.1 - Retroalimentação.

Ou seja, a estabilidade garante a manutenção e desenvolvimento dessa forma reconhecível e, por um processo de retroalimentação, é garantida por esta dinâmica; forma que caracteriza uma determinada instituição e através da qual ela é reconhecida, como tal “[...] O fato de podermos falar de uma burocracia de complexidade bizantina ou de que podemos reconhecer os instrumentos monetários sob uma forma exótica é a prova da existência de tipos de instituições resistentes.”41

O que é acionado nessa busca de manutenção de uma forma reconhecível é um processo de legitimização que procurará justificar a naturalidade de determinados

39 FOUCAULT, M. Conferência 4. In: _________. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro : Nau Editora, 1996. FOUCAULT, M. Conferência 5. In: _________. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro : Nau Editora, 1996, 40 Não se trata de pensar que as instituições nunca mudam. Elas apenas procuram controlar o processo de mudança, de forma que as “discordâncias” tornem-se “concordâncias”. O processo torna-se lento, levando-nos a percebê-la sempre estável. 41 DOUGLAS, M. Como as instituições..., p. 115.

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papéis institucionais e determinadas identidades. Sem esse procedimento, não é possível manter uma forma identificável. Nesse sentido, segundo Douglas, a Instituição opera um controle da memória de seus membros:

Assim, qualquer instituição começa a controlar a memória de seus membros; ela os leva a esquecer experiências incompatíveis com aquela imagem de correção que eles têm de si mesmos e traz para suas mentes acontecimentos que apóiam uma visão de natureza que lhe é complementar. A instituição propicia as categorias dos pensamentos dos seus membros, estabelece os termos para o autoconhecimento e fixa as indentidades. 42

Diante de nós apresenta-se, então, com relação à identidade institucional uma outra questão: a instituição na tarefa de garantir-se como tal, controlando, assumindo uma forma reconhecível, estabilizando-se, também confere identidade aos seus membros. Trata-se de uma questão que não pode ser neglicenciada em nossas investigações, pois nos parece constituir-se em uma complexa estrutura onde a identidade institucional forma-se garantindo sua continuidade através da identidade de seus membros.

A preocupação com o processo de formação/construção identitária nos leva a considerar como pressuposto que a identidade se estabelece de forma relacional.

Em um trabalho acerca da identidade e da diferença Kathryn Woodward toma como ponto de partida para a discussão a questão identitária no conflito entre sérvios e croatas. Em determinado momento ela afirma que a identidade é relacional.

A identidade sérvia depende, para existir, de algo fora dela: a saber, de outra identidade (croácia), de uma identidade que ela não é, que difere da identidade sérvia, mas que, entretanto, fornece as condições para que ela exista. A identidade sérvia se distingue por aquilo que ela não é. Ser um sérvio é ser um “não-croata”. A identidade é, assim, marcada pela diferença.43

Nessa linha de exposição destaca-se prontamente a articulação entre identidade-diferença-exclusão que tem marcado profundamente muitos conflitos humanos e que tem impedido a consolidação de um terreno propício à aceitação do outro. Não são poucos os exemplos que nos mostram o grau de intolerância que alguns grupos atingem ao tratar de questões que envolvem a defesa de seu território, de sua língua, de sua cultura etc. que formam um amálgama do que eles acreditam ser a identidade do grupo. E se eles acreditam, ela provavelmente o é.

Na base desse processo encontramos a diferença como um elemento sempre a ser marcado negativamente ou positivamente. No primeiro caso, como fator de exclusão, no segundo como elemento de afirmação e valorização.

42 Ibid. p. 116. 43 WOODWARD, K. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, Thomaz Tadeu da. Identidade e Diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis: Vozes. p. 09.

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A nossa proposta é perceber como, dentro de um contexto institucional – objeto de nossa investigação –, a diferença pode funcionar como elemento valorizador de um determinado perfil ou como algo que deve ser obscurecido dentro de um projeto homogeneizador de construção de identidade.

Questionamo-nos se nesse processo não se opera um “apagamento” de algumas diferenças características de determinados grupos para que uma identidade institucional possa se afirmar. E se assim, em uma força retroativa, as diferenças começassem a ser acirradas e marcadas como resistência a esse movimento homogeneizador. Isso pode ser observado em uma Instituição como a UNIRIO?

“As identidades são fabricadas por meio da marcação da diferença”44. Essa relação funciona para demonstrar que o “diferente” é um contraponto necessário ao estabelecimento da identidade, separando uma identidade da outra, constituindo a oposição entre nós e eles.

Nesse processo dialético, as identidades emergem e “estabelecem suas reivindicações [...] por meio do apelo a antecedentes históricos”, levando grupos, nações, instituições etc. a buscar no passado eventos, personas, momentos fundadores que reafirmem essa identidade. Esse mecanismo pode nos dizer mais sobre a posição daqueles que estão no presente, e aponta para o movimento, ou seja, significa que muitas vezes não se tem uma identidade fixa e determinada. 45

Há ainda a vinculação entre a produção de significados e a produção de identidades dentro de sistemas de representação. No âmbito desse sistema, entendido como um conjunto de práticas por meio do qual os significados são produzidos, as identidades se estabelecem – sejam individuais ou coletivas – considerando o posicionamento do sujeito. “Os discursos e os sistemas de representação constroem os lugares a partir dos quais os indivíduos podem se posicionar e a partir dos quais podem falar.”46

Podemos dizer que essa posição está inserida em um sistema de representações que possibilita ao sujeito afirmar-se, identificando-se com uns (e com algumas coisas) e separando-se de outros, contribuindo na produção identitária.

44 Ibid., p. 39. 45 Ibid., p. 11. 46 WOODWARD, K. Identidade e diferença..., p. 17.

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Sistema de Representação

PRODUÇÃO DE PRODUÇÃO DE

SIGNIFICADOS IDENTIDADES

Figura 2.2 - A relação de reciprocidade entre produção de significados e de identidades

Até o momento, podemos perceber que o processo de estabelecimento da identidade ocorre em função da diferença, negativizando-a. Por isso, é importante ressaltar que tanto ambas estão em uma relação na qual a valorização de uma ocorre em detrimento da outra, a desviante.47

Considerando esses posicionamentos e definições, temos a idéia de Instituição ligada ao processo de institucionalização de relações sociais cuja reprodução ordenada por práticas e manutenção de valores asseguram sua durabilidade. Nesse sentido, organização refere-se mais diretamente à operacionalização desses dispositivos institucionais.

Como nos diz Costa

Uma instituição é, pois, obra coletiva, criação social, cultural, acontecimento. São agenciamentos coletivos que se instituem no seio das relações sociais. As instituições são construídas historicamente e trazem embutidos, em seu processo instituinte, mecanismos de controle social, estabelecendo regras e padrões de conduta que venham a garantir seu funcionamento e o exercício de suas funções reprodutoras, que tendem à estabilidade e que obedecem a uma certa regularidade. Trata-se de reproduzir uma determinada ordem alcançada, com a intenção de manutenção dessa ordem. 48

Sendo assim, pensar em Instituição partindo de alguns conceitos encontrados na literatura da área de ciências sociais mostrou-se adequado em um trabalho inicial. No entanto, fomos obrigados a buscar outros caminhos complementares.

Com Foucault e seus trabalhos49, e considerando a posição de Costa50, decidimos pensar na formação das instituições como produto de uma relação de saber-poder que tem sua condição de emergência determinada por demandas sociais específicas. Essa questão torna-se importante na medida em que nos mostra que uma instituição constitui-se em uma rede complexa de relações que se estabelecem não no "papel", mas através de uma prática habitual, fundamentada em valores e normas adotadas pelo conjunto de atores que nela atuam.

47 WOODWARD, K. Identidade e diferença..., p. 51. 48 COSTA, I.M.T. Memória Institucional... p. 82 49 Especificamente, A ordem do discurso, A verdade e as formas jurídicas e Arqueologia do Saber. 50 Especificamente a tese Memória Institucional...

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2.2.1 – A problemática dos grupos e dos papéis

Colocamo-nos, desde o início dos nossos estudos, uma questão: é possível identificar a existência de grupos cuja atuação tenha se revelado fundamental em determinados períodos da trajetória da instituição? Acreditamos que sim. A partir desse ponto, cabia uma delimitação conceitual para estabelecer o que definiríamos como grupo em nossa investigações.

Constituindo as Instituições temos os grupos que podem estabelecer relações simétricas e assimétricas entre si, além de agirem de maneira a marcar seus espaços e afirmarem-se hegemonicamente.

O processo de associação de indivíduos em grupos não é aleatório e é determinado por uma série de fatores que o regulam. Atingir um objetivo específico é, por exemplo, um fator de coesão que determina também a organização e os procedimentos do grupo. Sendo assim, o grupo não é necessariamente todo e qualquer agrupamento constituído eventualmente ou de forma legal: “Os pressupostos legais não atribuem vezes emocionais ao grupo que se associa. Somente pelo fato de ser legalmente constituído não se pode dizer que um grupo ‘comporta-se’ e muito menos que ele pensa ou sinta.” 51

Nesse sentido, teríamos dois tipos de grupos: os estruturados e os não- estruturados. Os primeiros caracterizam-se por um compartilhamento ideológico, ou seja, sua conduta baseia-se no mesmo conjunto de normas, valores e crenças. Além disso, a relação entre os membros é interdependente, isto é, a conduta de um deles influi sobre a conduta dos outros. Os não-estruturados constituem-se em meros grupamentos fortuitos, como por exemplo, um grupo de pessoas que viaja no mesmo avião.52

É preciso notar que o grupo difere “da multidão, da massa, do bando, do agregado, da classe, da coletividade, da categoria social, mas também da associação, da comunidade, da instituição e da organização”.53

Com relação ao grupo, especificamente, é importante frisar que nos é relevante trabalhar com esse conceito, pois uma de nossas questões é perceber como – e se – a existência de diferentes grupos, com diferentes posicionamentos na formação de uma instituição, refletiu e se reflete neste processo de construção identitária.

51 DOUGLAS, Como as instituições..., p. 23. 52 VILLAR, A. A. Grupo. In: Dicionário de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1987. p. 527. 53 BUSINO, G. Grupo. In: Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional, Casa da Moeda, vol. 38, 1999. p. 125.

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Em nosso estudo, o grupo constitui uma categoria relevante na medida em que “envolve interação regular entre seus membros e uma identidade coletiva comum. Isso significa que o grupo tem um senso de ‘nós’ que permite que seus membros se considerem como pertencendo a uma entidade separada.” 54

Considerando a natureza desse conceito nas ciências sociais, apoiamo-nos em BUSINO para trabalhar a noção de grupo reportando-nos sempre “ao contexto discursivo específico”55, ou, mais precisamente, optamos por delimitá-lo a partir do contexto e com base em critérios específicos. Assim, no nosso trabalho entenderemos o grupo como sendo fruto de uma coesão determinada por interesses comuns. Como nos diz BUSINO56 a existência e a permanência dos grupos depende do estímulo e da incitação, e não necessariamente do consenso. Assim, apesar da problemática conceitual, acreditamos que seja possível trabalhar com a noção de grupo considerando que: a) sua constituição implica “o problema das relações com as instituições, quando os grupos não constituem já instituições em si”.57 b) o grupo define a si mesmo por contraste e por exclusão: nós não temos possibilidade de dizer “nós” a não ser pelo fato de formarmos uma coletividade que se opõe à massa dos outros”. 58

Podemos perceber que esta última definição tangencia, ou mesmo confunde-se, com a questão da identidade, levando-nos a pensar em um processo no qual o grupo, ao constituir-se como tal, “constrói” uma identidade que lhe é própria. Ortiz nos lembra que sendo a identidade uma construção simbólica, no caso de uma nação, por exemplo, ela é efetuada por diferentes grupos, não cabendo então, tomá-la como una: teríamos, nesse caso, uma pluralidade de identidades.59 Pensando na Instituição, não é outro o nosso problema, considerando a diversidade de grupos que a constituem.

A relevância do conceito para nossa investigação, assim como das demais considerações, relaciona-se ao pressuposto da construção de uma identidade institucional onde a atuação de diferentes grupos pode ter contribuído neste processo.

Os grupos desenvolvem uma identidade comum cuja base, um “senso de nós” – em oposição aos outros – pode variar em termos de intensidade. Nesse processo, “os membros tendem a se considerar como ‘de casa’ e os não-membros como ‘de fora’,

54 JOHNSON, A. G. Dicionário de sociologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. p. 119. 55 BUSINO, G. Grupo...p. 125. 56 Ibid., p. 136 57 BUSINO, G. Grupo..., p. 145. 58 CLAVAL, Paul. A Geografia Cultural. Florianópolis : Ed. da UFSC, 1999. p. 98. 59 ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo : Brasiliense, 1994. p. 8.

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fenômeno este descrito por Willian Graham SUMMER como pertencimento e não-pertencimento (in-group/out-group).”60

Os grupos são uma constante presença ao longo da vida do indivíduo que é impulsionado, por um desejo de pertencimento, a fazer parte deles.

Esse sentimento de pertencer a um grupo determina de forma decisiva o sentimento individual do valor próprio, e seu status subjetivo reflete o status objetivo dentro desse grupo. É inevitável que as identificações coletivas de um indivíduo se convertam em uma parte muito importante de seu ser, já que tais objetivos valorizados são o produto da interação do indivíduo com os membros do seu grupo primário..61

O desejo de pertencimento, por si só, não é suficiente para garantir a adesão e coesão de um grupo. A sintonia de interesses, idéias e ocupações funciona para que indivíduos se associem e garante a adesão dos outros.

[...] Mas uma fez formado o grupo, forma-se nele uma moralidade que traz naturalmente a marca das condições particulares em que se desenvolveu. Porque é impossível que os homens vivam juntos, se associem no operar, sem adquirirem um sentido do todo que a sua união constitui, sem se apegarem a este todo, sem cuidarem dos seus interesses e terem-nos em conta ao regular a sua conduta. 62

Todas essas questões vão nos interessar na medida em que contribuírem para diagnosticar o procedimento dos grupos e perceber sua dinâmica no desenvolvimento da Instituição.

No entanto, devemos frisar que a formação dos grupos será fruto do trabalho de análise do pesquisador, com base em um único critério a ser definido durante a pesquisa. Assim, grupos de situação e oposição, por exemplo, podem ser delineados em função do seu posicionamento pró ou contra o grupo estabelecido no poder. Esse delineamento não deve acarretar a falsa idéia de um consenso interno, pois como já foi dito, o grupo pode unir-se em torno de um ideal comum, como por exemplo, oposição aos ditames da administração superior.

Uma questão que consideramos vinculada à atuação dos grupos no âmbito institucional é aquela relacionada ao papel. Dentro de nosso estudo, vemos a necessidade de trabalhar com esse conceito face às relações que se estabelecem neste espaço.

Algumas definições servem para desencadear as considerações acerca deste conceito em nosso trabalho.

60 JOHNSON, A. G. Dicionário de Sociologia..., p. 120. 61 VILLAR, A. A. Grupo... p. 528. 62 DURKHEIM, Emile. apud BUSINO, G. Grupo. In: Enciclopédia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional, Casa da Moeda, p. 125-145, 1999. p. 129

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Um papel é um conjunto de idéias associadas a um status social, que definem sua relação com outra posição. O papel de professor, por exemplo, é construído em torno de um conjunto de idéias sobre professores em relação a estudantes: crenças sobre quem são eles, valores relacionados com os objetivos que se supõe que busquem atingir, normas relativas a como se espera que pareçam e se comportem, atitudes sobre suas predisposições emocionais em relação ao trabalho e aos estudantes.63

Duas observações podem ser feitas a partir desta afirmação. A primeira implica perceber que em sua trajetória de vida o sujeito pode assumir mais de um papel. A segunda refere-se a uma distinção entre o papel e o desempenho neste papel, ou seja, entre papel e status. Nesse sentido, cumpre salientar que alguns teóricos desconsideram essa distinção, afirmando ser “inútil ter nomes diferentes para uma regra de comportamento e sua aplicação.”64

Segundo BUSINO, as tentativas de delimitação deste termo não conseguem fugir à polarização onde, de um lado temos as significações de papel relacionadas à “máscara, de personagem representado por um ator” sugerindo atitudes e aparências não verdadeiras, e por outro lado “aquilo que o indivíduo faz quando ocupa uma determinada posição, quando age em conformidade com normas e regras.”65

Face aos objetivos que propusemos em nosso estudo, nos será particularmente útil trabalhar com o termo papel social que pode ser entendido como

[...] o fato de que o indivíduo se destaca e assume socialmente um perfil à medida em que cumpre determinadas tarefas ou funções, as quais encontra, na maioria das vezes, dadas e definidas pela sociedade em que vive. Ao cumprir tais tarefas, preenche mais ou menos bem um papel, e a sociedade lhe corresponde de uma maneira ou de outra, dependendo de seu rendimento. 66

O cumprimento do papel aparece como uma obrigação, considerando que o sujeito é constantemente solicitado a desempenhar um ou mais. Essa concepção aparentemente rígida deixa, no entanto, espaço para liberdade individual no exercício dos papéis sociais que se oferecem.

Ocorre que se espera de determinado ator um comportamento condizente com o seu papel. Daí, considerando ser o papel social produto de uma agregação laboriosa de dimensões diversas, que envolve normas que fixam obrigações, prescrevem e moldam comportamentos, observamos conflitos entre a expectativa do papel e o desempenho no mesmo. Os conflitos entre diferentes papéis (inter-role conflict), face às nossas diferentes

63 JONHNSON, A.G. Dicionário de Sociologia..., p. 168-169. 64 NADEL, S.F., apud: SWEETSER, D.A. Papel. In: Dicionário de Ciências Sociais. Rio de Janeiro : Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1987. p. 861. “Para R. Linton, status é uma ‘coleção de direitos e deveres’; e um papel é o ‘aspecto dinâmico de um status’; viabilizar direitos e deveres é desempenhar um papel” 65 BUSINO, G. Papel/Estatuto. In: Enciclopédia Einaudi. Lisboa: Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1999. p. 108. 66 SWEETSER, D.A. Papel..., p. 862.

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posições possíveis na estrutura social ou no desempenho de um mesmo papel (intra-role conflict), caracterizam a dificuldade que nós, sujeitos, atores sociais enfrentamos atualmente nos processos de relação no interior dos vários grupos nos quais nos inserimos.67

[...]Acontece ainda que um actor ou um grupo já não possam ou não queiram conformar-se com as expectativas inerentes ao papel, ou não cheguem a comportar-se de maneira adequada ou mesmo pertinente. Pode isto advir de uma série de factores: o papel e/ou as expectativas são ambíguos, e contudo ineptos, incapazes de obter, de suscitar consenso; o papel suscita expectativas incompatíveis ou competição no interior de um sector do papel; o papel exige uma amplitude tal que qualquer descontinuidade ou incongruência é insuportável.68

BUSINO69 nos coloca essa problemática apontando para o crescimento quantitativo de profissões e diversificação das atividades intelectuais para os quais ele só encontra explicação através da especialização e diversificação de papéis. Mais do que isso, ele aponta para os intelectuais que hoje inserem-se em estruturas de trabalho bem diferentes daquelas do passado, como as burocráticas-hierárquicas, por exemplo. Isso acarretaria uma perda dos papéis e posições, funções e vocações que até hoje os teriam caracterizado, o que representaria, talvez, um fratura entre a formação/competência e o papel a ser efetivamente desempenhado. A constatação é que haveria uma perda dos papéis que até então teriam caracterizado as profissões.

A estrutura universitária, mais precisamente, compreende uma série de funções, a serem desempenhadas por determinados atores, cujas fronteiras são razoavelmente delimitadas. Atualmente, o burocrático é uma atribuição que ocupa um espaço significativo nas atividades do segmento docente, levando-o a dedicar àquele parte do tempo reservado ao acadêmico-científico.

2.3 – Identidade e Memória

As observações feitas até o momento apontam para uma identidade que constitui-se de forma relacional e excludente. Nesta dinâmica, é importante perceber também a questão da memória que se estabelece. É nesse sentido que nossa abordagem traz, na sua concepção, algumas preocupações relacionadas à memória/identidade e memória/documento.

Memória e identidade constituem-se mutuamente em um processo no qual a primeira fornece substrato à segunda. Basta lembrarmos como a preocupação com a memória, em alguns países ou grupos, por exemplo, é fundamental para manter a

67 Ibid. p. 863 68 BUSINO, G. Papel/Estatuo...p. 111. 69 BUSINO, G. Papel/Estatuo...p. 112.

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unidade, a coesão e garantir os elementos necessários à afirmação de tais países ou grupos. A memória apresenta o que fomos para melhor consolidar as nossas construções acerca do que somos.

Desta forma, a memória trabalha seletivamente arregimentando os elementos, os acontecimentos que constituirão "aquilo que fica e que vale" para aquele grupo no qual ela se constrói. Nesse sentido, ela também é objeto de disputa pelo poder e é passível de ser manipulada.

É, assim, nesta dialética entre memória e identidade 'funcionando' em uma instituição que situamos nosso trabalho. E, nessa interseção de memória, identidade e instituição devemos considerar os aspectos que envolvem a construção de uma memória oficial.

2.3.1 - A questão da identidade institucional

A identidade como fator de coesão (de um grupo, ou comunidade, ou instituição) fortemente condicionada pela relação com o social nos é relevante na medida em que pretendemos perceber como o discurso oficial produz determinados significados relacionados com a construção identitária da instituição em foco, e como podemos identificar a atuação dos grupos implicados nesse processo e sua relação com a memória. É perceptível que a questão da identidade está atrelada à da memória. E esta relação tem envolvido muitas discussões, pois as modificações ocorridas a partir do século XIX "torna particularmente evidente a dispersão do sujeito, sua nova identidade fictícia e fragmentária, sua nova multiplicação."70

Encontramos em Pollak71 considerações que remetem à relação entre memória e identidade social. Considerando o nosso estudo, são particularmente caras duas afirmações: a) a memória como fenômeno construído, organizando seletivamente o que deve permanecer na memória do grupo e b) a memória como contribuição na formação de uma identidade no sentido da imagem de si, para si e para os outros. Para o sociólogo há uma estreita relação entre a memória e a identidade que articuladamente concorrem para a solidificação do social.

[...] quando a memória e a identidade estão suficientemente constituídas, suficientemente instituídas, suficientemente amarradas, os questionamentos vindos de grupos externos à organização, os problemas colocados pelos outros,

70 COLOMBO, Fausto. Arquivos imperfeitos: memória social e cultura eletrônica. São Paulo: Perspectiva, 1991. p. 112. 71 POLLAK, Michel. Memória e identidade social. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro : Fundação Getúlio Vargas, 1992, vol. 5, n. 10, p. 200-212.

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não chegam a provocar a necessidade de se proceder a rearrumações, nem no nível da identidade coletiva, nem no nível da identidade individual.72

As teorizações acerca do conceito de identidade quase sempre trabalham no nível do indivíduo e do grupo. Berger e Luckmann nos dizem que o processo de formação e conservação da identidade é determinado pela estrutura social. Mas, ao mesmo tempo, há uma interação entre a consciência individual e essa estrutura social. Não há como deixar de considerar essa dialética quando trabalhamos com a questão da identidade de um grupo, de uma comunidade ou de uma Instituição. Para eles “a identidade é um fenômeno que deriva da dialética entre um indivíduo e a sociedade”.73 Sendo assim, é importante observar que o grupo possui uma identidade definida por meio de um processo interacional - muitas vezes com outros grupos – e é com base nela que os membros do grupo concebem a sua, individualmente.

Velho74 nos diz que há uma diferença entre a identidade socialmente dada (étnica, familiar) e aquela adquirida em função de uma trajetória, processo que implicaria opções.

Através de um paralelismo podemos conceber uma “identidade já dada” da UNIRIO enquanto Universidade (apresentando um conjunto de traços ou características que a ligam à mesma natureza das outras Universidades) e uma “identidade adquirida” em função de uma trajetória (o que lhe acarreta um aspecto singular, com traços e características que a identificam em sua particularidade).

Trata-se de considerar a questão da identidade em relação às condições de surgimento da UNIRIO e em relação à imagem que ela começou a construir.

Nesse processo, como já foi dito, as mudanças ocorrem, porém de maneira controlada, pois a construção de uma identidade implica uma estabilidade que garanta a formação da imagem institucional, assim como a propagação de normas, valores e crenças, o que colabora com a tarefa de auto-afirmação.

Entendemos que esta problemática, em nossos estudos, engloba a relação entre a memória oficial e suas formas de fixação. Como nos diz Colombo75, modernamente, as exteriorizações da memória (lembranças individuais e sociais) apóiam-se em suportes variados, levando, conseqüentemente, à pouca capacidade de rememoração pessoal dos eventos. Temos a nosso dispor um arsenal de documentos e objetos que nos auxiliam, sobremaneira, nesta tarefa, tornando-se, assim, crucial a reflexão acerca da construção da

72 Ibid., p. 207 73 BERGER, P. L. & LUCKMANN, T. A construção social... p. 230. 74 VELHO, G. Projeto e Metamorfose : antropologia das sociedades complexas. Rio de Janeiro : Jorge Zahar Ed., 1994.

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memória e sua fixação em tais suportes, principalmente, quando enfocamos o discurso e a construção identitária de uma Instituição considerando os grupos que ocuparam o poder durante determinados períodos. Assim, apesar das discussões acerca da fragmentação identitária que acompanha o homem a partir do século XX, há um caminho dominado pela tendência aglutinante, que procura na eleição/construção de uma memória específica, dar uma certa homogeneização ao grupo ou Instituição.

2.3.2 - A memória e suas manifestações

Considerando o nosso enfoque, ao falarmos de memória, e no presente caso de uma memória oficial, estaremos também falando de esquecimento, sem tomá-lo como oposto à memória, mas sim como elemento dela constitutivo nessa trajetória de construção identitária.

"Quando observamos mais de perto a construção do passado, verificamos que o processo tem muito pouco a ver com o passado e tudo a ver com o presente." 76 Essa afirmação nos leva a pensar em um trabalho manipulativo onde o esforço revisionista procura relevar alguns eventos e acontecimentos em detrimento de outros, relegados à "lugares de sombra no qual nada pode ser visto e nenhuma pergunta pode ser feita"77.

Por isso, é a partir de 1999, ano em que a UNIRIO comemora 30 anos, que perguntamos sobre seu período de formação – 1969/1979 – como Federação. Importa-nos perceber quais as “cristalizações” do discurso oficial, tanto aquele da comemoração de 30 anos quanto o do período de Federação. O que fica nos textos institucionais pretende eternizar-se como “verdade” para essa Instituição que se forma, e é reflexo de uma formação ideológica que predomina na elaboração discursiva.

O que procuramos destacar é o processo de constituição mútua que afeta a Instituição e o discurso institucional onde uma memória discursiva (interdiscurso) funciona dando significação ao que é dito e onde uma memória oficial constrói-se nessa trajetória de institucionalização dando forma à FEFIEG/FEFIERJ/UNIRIO.

A relação entre identidade e memória estrutura-se com base na necessidade de continuidade e permanência para o indivíduo e o grupo. Nesta relação, estão em jogo a lembrança e o esquecimento que, articulados, funcionam para organizar/selecionar o conjunto de eventos que constitui, no presente caso, a memória oficial da Instituição.

A ênfase dada por Halbwachs ao aspecto social na construção da memória do indivíduo, nos leva a considerar como primordial o processo que faz com que “o

75 COLOMBO, Fausto. Arquivos imperfeitos... p. 119-121. 76 DOUGLAS, M. Como as instituições... p. 75. 77 DOUGLAS, M. Como as instituições... p. 75

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indivíduo toma como suas as lembranças do grupo com o qual se relaciona: há um processo de apropriação de representações coletivas por parte do indivíduo em interação com outros indivíduos”.78

Pensando nos grupos hegemônicos e sua atuação ao longo da vida institucional podemos conceber um quadro no qual temos a identidade em construção, e, constituindo-a, a memória e o esquecimento como elementos manipulados. A memória com a qual trabalhamos engloba algumas características já apontadas por vários teóricos. Inicialmente, devemos percebê-la como aquela instância que, realmente, possui condições de ligar aquilo que fomos e somos agora ao que seremos no futuro.79 Garantir seu controle hoje, seletivamente ordenando o que fica e o que é esquecido, parece determinar a memória do grupo, no futuro. Para a memória, além da seletividade podemos destacar a repetição. Conforme nos diz Candau, a persistência das lembranças comuns no interior do grupo necessita da repetição.80 Dentre as estratégias de repetição de acontecimentos que precisam "ficar na memória" o rito ganha destaque. Sobre a comemoração, tanto Candau quanto Namer levantam questões que nos mostram o trabalho de "remodelagem" dos acontecimentos do passado, de tal forma que algumas "memórias" são englobadas em prol de uma memória oficialmente construída.

De um modo geral, a comemoração oficial vê-se [...] organizada de tal maneira que o passado, a memória não chegam a pôr em causa o presente. Deste ponto de vista, seria judicioso se interessar tanto pelo que uma sociedade não comemora quanto pelo que ela comemora, pois, mais uma vez, a ausência (o esquecimento) tem uma importância tão grande quanto a presença (a comemoração).81

Em suas pesquisas, Namer nos mostra como a comemoração pela libertação da França após a Segunda Guerra Mundial tornou-se uma batalha entre os partidários de De Gaule e aqueles do Partido Comunista, onde o objeto de disputa seria a memória da resistência aos nazistas. Neste processo, ocorreu um "apagamento": a memória dos colaboracionistas foi praticamente apagada.82

Cabe lembrar que os grupos, por menores que sejam, assim como as nações, não recordam espontânea e coletivamente.83 O mesmo podemos dizer para as Instituições.

No essencial, os portadores da memória nacional a partir da chegada do capitalismo a cada país são as classes médias altas e a intelligentsia, que

78 SANTOS, Myrian Sepúlveda. Sobre a autonomia das novas identidades coletivas. Revista Brasileira de Ciências Sociais. v.13, n. 38, out/98. Disponível em www.scielo.br. Acessado em 23/03/2001. 79 CANDAU, Joël. Anthropologie de la mémoire. Paris: PUF, 1996. p. 22. 80 Ibid. p. 65. 81 Ibid. p. 71 82 GERARD, Namer. Memoire et Societe. Paris: Klandischk. 83 FENTRESS & WICKHAM. Memória Social... p. 156.

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receberam a capa das aristocracias, dos legistas e do clero de épocas anteriores. A este nível, a memória pode ser espontânea ou manipulada; pode envolver discursos retóricos dirigidos a opositores internos ou externos; pode estar internamente dividida e ser combatida. A sua articulação, porém, pertence essencialmente às elites políticas e é relativamente raro ser contestada, ainda mais raramente com êxito.84

O caráter dominante desta memória não abre espaço para outras, que, no entanto, não morrem, podendo sobreviver "marginalmente" face à oficial, esperando um momento político-social propício à sua emergência. Há ainda outro aspecto relevante com relação à memória. Trata-se da noção de lugar de memória, que foi consolidada por Pierre Nora, em uma vasta obra, a partir dos trabalhos de Frances A. Yates. Deste modo, não caberia aqui um resumo de suas teorizações, mas podemos destacar alguns pontos fulcrais acerca deste conceito, tais como o de constituir-se elemento simbólico de alguma comunidade ou grupo, ser resultado de um processo de construção e elaboração e, em virtude desta dinâmica, possuir um caráter temporário, pois "os lugares de memória de hoje serão os lugares de amnésia de amanhã, o caminho inverso é igualmente considerado".85 Os lugares de memória não preexistem, eles constituem-se no exato momento em que a memória começa a operar.

As considerações até aqui desenvolvidas procuram mostrar o caminho que seguimos para fundamentar nossas análises e nossa noção de memória oficial, já delineada anteriormente no início deste capítulo. Assim, a manipulação, a construção e o esquecimento serão sempre consideradas em nosso trabalho, ressaltando-as como estratégias articuladas na constituição não só de uma memória oficial, de uma identidade institucional, mas, também, da própria Instituição como obra coletiva.

Nesse sentido, trouxemos a articulação entre memória e projeto, na concepção de Velho86, a partir do desenvolvimento de algumas idéias de Alfred Schutz na obra Fenomenologia e relações sociais. No entanto, considerando que o projeto e a memória, nas suas próprias concepções, "associam-se e articulam-se ao dar significado à vida e às ações dos indivíduos, em outros termos, à própria identidade", pensamos ser possível ultrapassar este posicionamento - do individual - e pensar em projetos na trajetória de uma instituição que, articulados por agentes institucionais, procuram dar sentido à existência e às ações da própria instituição. O projeto [...] é resultado de uma deliberação consciente a partir das circunstâncias, do campo de possibilidades em que está inserido o

84 Ibid. p. 156. 85 CANDAU, Joël. Anthropologie... p. 116. 86 VELHO, Gilberto. Projeto e Metamorfose... p. 101

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sujeito. Isso implica reconhecer limitações, constrangimentos de todos os tipos [...]87

Tais projetos sustentam ideais construídos com objetivos determinados que procuram, muitas vezes, dar novas feições à instituição, por intermédio de diretrizes estabelecidas. O discurso constrói-se na intencionalidade destes projetos e possibilita o estabelecimento de uma identidade e de uma memória para todos da Instituição, ou seja, para a Instituição.

Mais adiante, nossas análises apontarão para a formação de três "projetos" - de Federação, de Universidade e de Universidade Humanística - que, em momentos diferentes de sua trajetória, cristalizam-se para garantir um valor e uma imagem a esta Instituição.

2.4- A Análise do Discurso (AD)

As relações expostas até aqui acerca do discurso e da instituição, assim como o contexto de nosso trabalho, colocou-nos como opção teórico-metodológica a Análise do Discurso de corrente francesa. A AD possui um aporte teórico próprio, que deve ser conjugado com aquele da área na qual se insere o estudo a ser efetuado, e deve considerar uma abordagem não subjetiva do sujeito (entendendo que o sujeito é “convocado” a ocupar lugares na produção discursiva). Trataremos desta questão mais adiante quando mostrarmos a influência althusseriana na obra de Pêcheux.

Os vários trabalhos que tratam sobre a AD citam os estudos pioneiros de Roman Jackbson e Émile Benveniste, além de Zellig Harris, como um dos primeiros nomes na área da Lingüística a efetuar estudos que ultrapassavam o nível da frase.

Os anos 50 serão decisivos para a constituição de uma análise do discurso enquanto disciplina. De um lado, surge o trabalho de Harris (Discourse Analysis, 1952) que mostra a possibilidade de ultrapassar as análises confinadas meramente à frase, ao estender procedimentos da lingüística distribucional americana aos enunciados (chamados discursivos), e, de outro lado, os trabalhos de R. Jackbson e E. Benveniste sobre a enunciação.88

O trabalho de Harris não responde às nossas necessidades, pois ainda não aborda as questões que cercam o contexto sócio-histórico de emergência dos discursos.

A AD de linha francesa, aquela que adotamos neste estudo, surge na conjuntura intelectual dos anos de 1960, sob a égide do estruturalismo, articulando uma reflexão sobre a “escritura”, a lingüística, o marxismo e a psicanálise.89

87 Ibid. p. 103-104. 88 BRANDÃO, H.H.N. Introdução à análise do discurso. Campinas, S.P.: Editora da UNICAMP, s/d. p.15 89 MAINGUENAEU, D. Novas tendência em análise do discurso. Campinas, S.P.: Pontes, Editora da UNICAMP, 1997. p. 10

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Orlandi também destaca essa conjunção:

Desse modo, se a Análise do Discurso é herdeira das três regiões do conhecimento – Psicanálise, Lingüística, Marxismo – não o é de modo servil e trabalha uma noção – a de discurso – que não se reduz ao objeto da Lingüística, nem se deixa absorver pela Teoria Marxista e tampouco corresponde ao que teoriza a Psicanálise.90

Maldidier91 estabelece uma “dupla fundação” para a AD francesa, com os trabalhos de Jean Dubois (lingüísta) e Michel Pêcheux (filósofo). O horizonte comum desses dois estudiosos – que desenvolveram seus trabalhos independentemente um do outro – é o marxismo e a política. A convergência nesse ponto, aliada ao status da Lingüística, que à época (fins dos anos 60) foi promovida à ciência piloto estando no centro do dispositivo das ciências, marcou este início.* “[...] Se a AD ganha consistência, isto se dá tanto do lado de J. Dubois quanto de M. Pêcheux, sob o signo da ciência lingüística.”92

O que caracteriza essa dupla fundação, presidida pelo marxismo e pela lingüística, é o objeto discurso pensado ao mesmo tempo que o dispositivo construído para análise.93 O objeto discurso representava um deslocamento dentro da Lingüística, ainda que os métodos analíticos desta área tenham sido utilizados tanto por Dubois quanto por Pêcheux.

A AD de linha francesa apóia-se sobre conceitos e métodos da lingüística, não sendo este, porém, um traço que a diferencie basicamente das outras vertentes. Sua adoção em nosso trabalho justifica-se devido à sua especificidade: a de preocupar-se fundamentalmente com textos escritos:

a) no quadro de instituições que restringem fortemente a enunciação;

b) nos quais se cristalizam conflitos históricos, sociais etc.;

90 ORLANDI, E.P. Análise de Discurso..., p. 20 91 MALDIDIER, D. Elementos para uma história da análise do discurso na França. In: ORLANDI, E.P (org.). Gestos de Leitura. Campinas, São Paulo: Editora da UNICAMP, 1994. * Talvez residam aí as preocupações de Pêcheux, conforme Paul Henry, em fornecer às ciências sociais um instrumento científico de que elas tinham necessidade, um instrumento que seria a contrapartida de uma abertura teórica em seu campo. (HENRY, P. Os fundamentos teóricos da Análise Automática do Discurso de Michel Pêcheux. In: GADET. F & HAK, T. Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Campinas, São Paulo : Editora da UNICAMP, 1997. p. 15) Ao conceber a AAD para as ciências sociais, Pêcheux preocupou-se em evitar a “importação” de instrumentos de outras áreas. Isto entraria em total contradição com sua concepção de instrumento científico, já que este não deve ser considerado independente da teoria ou como uma ‘aplicação’ desta. 92 MALDIDIER, D. Elementos para uma história..., p. 18. 93 Ibid., p. 20.

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c) que delimitam um espaço próprio no exterior de um interdiscurso* (conjunto de discursos ao qual um determinado discurso faz referência, explícita ou não, e que sustenta o que é dito) limitado.94

Assim, podemos perceber que a AD estabelece uma relação entre o dizer e as condições de produção desse dizer, percebendo a linguagem como uma prática social e histórica, tornando-se a opção mais viável ao projeto que empreedemos.

Algumas concepções teóricas que regem os estudos da AD de linha francesa podem ser compreendidas a partir do enfoque nas teorizações de Michel Pêcheux. Não se trata de abordar criticamente, e profundamente, as colocações do filósofo, mas mostrar que suas posições no âmbito dos estudos do discurso são importantes no presente trabalho, daí a importância de situá-las e, conseqüentemente, inserir nossas discussões dentro desse quadro.

Inicialmente, devemos destacar que é grande a influência de Michel Foucault e de Louis Althusser – no que concerne ao sujeito interpelado pela ideologia - nas teorizações de Pêcheux. Maldidier e Ghilhaumou95 relatam que em um simpósio na Universidade Autônoma do México sobre “Discurso Político: teorias e análises”, em 1977, a “linguagem marxista” de Pêcheux começa a se matizar com expressões como "identidade e divisão de sentido”, “uma ideologia não é um bloco homogêneo”, “ela é não-idêntica a si mesma".

[...] Assim, Michel Pêcheux que, há tempos, havia transplantado para sua teoria do discurso as formações discursivas de Michel Foucault, tomava-lhe emprestado agora as noções de ‘formas de repartição’ e ‘sistemas de dispersão’.96

Destacar essa influência possibilita que situemos melhor as idéias de Pêcheux que contribuíram para a configuração das concepções teórico-metodológicas da AD francesa.

Dois pontos, que foram levantados no item anterior, se encontram desenvolvidos em seus estudos e devem ser considerados quando se trabalha na seara da AD: a abordagem não subjetiva da subjetividade e a formação discursiva.

Para Pêcheux, naquilo que ele chama de teoria materialista dos processos discursivos*, é fundamental a constituição de uma teoria não-subjetiva da subjetividade,

* A questão do interdiscurso será abordada mais adiante. No momento, ressaltamos que essas colocações levam o objeto da AD a aproximar-se do conceito de formação discursiva de Foucault. Mais adiante trataremos deste conceito que será retomado por Pêcheux em suas teorias. 94 MAINGUENAEU, D. Novas tendências..., p. 13-14. 95 GUILHAUMOU, J. & MALDIDIER, D. Da enunciação ao acontecimento discursivo em análise de discurso. In: GUIMARÃES, E. (org.) História e sentido na linguagem. Campinas, São Paulo : Pontes, 1989. 96 GUILHAUMOU, J. & MALDIDIER, D., op. cit., p. 63. Além de Pêcheux, em sua tese, Analyse de discours et lingüistique générale, J. M. Maradin aprofunda a contribuição da Arqueologia do Saber para a análise do discurso.

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na qual o sujeito não é um “sempre-já dado”. Este sujeito é, na verdade, fruto de um processo de imposição/dissimulação que o constitui “situando-o (significando para ele o que ele é) e, ao mesmo tempo, dissimulando para ele essa situação (esse assujeitamento) pela ilusão de autonomia constitutiva do sujeito, de modo que o sujeito ‘funcione por si mesmo’ [...]”97 A teoria não-subjetiva funcionaria para designar tais processos.

Na base desse posicionamento está a teoria de Althusser acerca do sujeito concreto interpelado pela ideologia, daí a colocação de Pêcheux sobre as “idéias como forças materiais que constituem os indivíduos em sujeitos.”98

Ele nos diz que Althusser trata em sua obra99 de sujeito e sentido. Assim, o processo de assujeitamento do indivíduo (o indivíduo torna-se sujeito ao ser “convocado” pela ideologia) é mascarado pela evidência. Trata-se de um processo que funciona por “saturação de sentidos” para que, em nível discursivo, uma palavra ou um enunciado queiram dizer o que realmente dizem.

O próprio Althusser destaca que os lingüístas e aqueles que recorrem à Lingüística enfrentam dificuldades decorrentes do desconhecimento do jogo dos efeitos ideológicos sobre os discursos:

[...] a evidência de que vocês e eu somos sujeitos – e até aí que não há problema – é um efeito ideológico [...] Este é aliás o efeito característico da ideologia – impor (sem parecer fazê-lo, uma vez que se tratam de ‘evidências’) as evidências como evidências, [...]”100

Assim, a teoria não-subjetiva da subjetividade (do sujeito) no âmbito da AD surge para descortinar os efeitos da ideologia no processo de assujeitamento e a constituição das evidências. As conseqüências atingem diretamente a supremacia do sujeito autor/dono do seu próprio discurso, mostrando a existência do complexo das formações ideológicas, que funciona para dar sentido às formações discursivas que nelas são engendradas. O sentido está em relação de dependência com essa formação ideológica.

[...] o sentido de uma palavra, de uma expressão, de uma proposição, etc., não existe ‘em si mesmo’ [...] mas, ao contrário, é determinado pelas posições ideológicas que estão em jogo no processo sócio-histórico no qual as palavras, expressões e proposições são produzidas (isto é, reproduzidas). Poderíamos

* Em Semântica e discurso Pêcheux enfatiza que o seu próposito não é oferecer mais uma tendência que resolveria os problemas que cercam os estudos discursivos, mas contribuir com o desenvolvimento dessas questões sob uma base materialista dentro do materialismo histórico. Ele chamará pela denominação global de Teoria do Discurso aos elementos científicos que propõe para analisar os processos discursivos nessa base materialista. 97 PÊCHEUX, M. Semântica e discurso... p. 133 98 PÊCHEUX, M. Semântica e discurso. p. 129. Para Pêcheux as ideologias não são feitas de idéias mas de práticas. 99 Aqui ele se refere à Réponse à John Lewis, Idéologie et appareils idéologiques d’Etat, Éléments d’autocritique. 100 ALTHUSSER, L. Aparelhos ideológicos do Estado. Rio de Janeiro: Graal, 1985. p. 94

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resumir essa tese dizendo: as palavras, expressões, proposições, etc. mudam de sentido segundo as posições sustentadas por aqueles que as empregam, o que quer dizer que elas adquirem seu sentido em referência a essas posições, isto é, em referência às formações ideológicas [...] nas quais essas posições se inscrevem.101

A formação discursiva é, em Pêcheux, tudo que pode ser dito ou deve ser dito (sob qualquer forma) em determinada formação ideológica, ou seja, a partir de uma posição dada numa conjuntura dada.

Essas definições permitem entender como a AD considera fundamental pensar o sujeito como aquele que ocupa diferentes lugares no processo discursivo*, conforme a sua interpelação como sujeito ideológico. Além disso, elas também funcionam para estabelecer as relações entre a formação ideológica (o complexo que articula a evidência a seu favor) e a formação discursiva na qual ela se cristaliza, na qual constitui seu sentido.

A partir daí Pêcheux fala sobre os dois tipos de esquecimento que constituem o sujeito: o esquecimento nº 01 no qual ele “esquece” aquilo que o determina (o “exterior” da formação discursiva, que por sua vez é determinada pela formação ideológica) e o esquecimento nº 2 no qual o sujeito-falante seleciona, dentro da formação discursiva que o domina, “um enunciado, forma ou seqüência, e não um outro, que, no entanto, está no campo daquilo que poderia reformulá-lo na formação discursiva dada”. 102

Como Pêcheux nos diz, é próprio da formação discursiva dissimular, "pela transparência de sentido", sua dependência com relação à formação ideológica. Agindo sobre o sujeito, o esquecimento nº 02 mascara o funcionamento do esquecimento nº 01. Nessas colocações, o filósofo nos mostra que esta relação funciona para determinar o efeito da forma-sujeito*.

Esse panorama das idéias de Pêcheux não constitui um quadro completo das bases que determinam os caminhos da AD de linha francesa. No entanto, tais idéias são pertinentes para que possamos entender como o sujeito é abordado dentro dessa vertente e como são pensadas as formações discursivas e ideológicas.

2.4.1 - A materialidade discursiva: as fontes

Dentro da linha teórico-metodológica que adotamos, o discurso constitui-se no

objeto teórico ao passo que temos o texto como objeto empírico, ou seja, ele será a nossa

101 PÊCHEUX, M. Semântica e Discurso..., p. 160. * Em Pêcheux o processo discursivo designa o sistema de relações entre elementos lingüísticos (paráfrases, sinonímias, substituição, etc.) em uma formação discursiva dada. 102 PÊCHEUX, M. Semântica e discurso..., p. 173. * Pêcheux toma essa expressão de Althusser. A forma-sujeito, de fato, é a forma de existência histórica de qualquer indivíduo, agente das práticas sociais. (PÊCHEUX, M. Semântica e discurso... p. 183)

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unidade de análise e deve ser visto como o espaço que guarda múltiplas possibilidades de leituras, não necessariamente excludentes.

Há várias instâncias a serem consideradas quanto tratamos de analisar o(s) discurso(s) institucional(is) em sua materialidade oficial, entre as quais destacamos a construção de uma memória oficial. A nossa opção pelas atas e por outros gêneros de documentos oficiais reside no fato de acreditarmos no potencial que eles possuem para nos trazer o registro de fatos no momento em que foram produzidos e de que boa parte dos ditames e "fazeres" institucionais podem ser apreendidos por intermédio dos documentos escritos que a Instituição produz para implantá-los, disseminá-los e consolidá-los como práticas permanentes. Conseqüentemente, considerando as fontes que adotamos, a problemática do documento coloca-se na gênese do nosso estudo. Como nos diz ROUSSO 103 este tipo de documentação é produzido por indivíduos e possui um caráter funcional antes de ser tornar vestígio*; o que modificará o seu status inicial será o trabalho de análise empreendido. Sendo assim, apesar de estarmos conscientes de que nossa fonte engloba a documentação oficial de uma Instituição, acreditamos que a abordagem metodológica escolhida permite uma forma de leitura que dê conta das representações que funcionam, significam e marcam a construção identitária da Instituição. Tomamos os documentos como materialidade de uma discursividade que se constrói como processo de institucionalização, pois, ambos, discurso e instituição, são acontecimentos.

Estaremos atentas, também, à aparente neutralidade do documento, que nos é apontada por Le Goff e a questão do contexto social que o engendra.

O documento não é qualquer coisa que fica por conta do passado, é um produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí detinham o poder.104

Para Dodebei, "os documentos são constructos que se revelam a partir de escolhas circunstanciais da sociedade. [...] Dizer que tudo é documento é abdicar de sua compreensão. Dizer que documento não existe é anular a possibilidade de memória." 105 Para a autora, o documento é representação "uma abstração temporária e circunstancial

103 ROUSSO, H. “O arquivo ou o indício de uma falta”. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 9, n.17, 1996, p. 85-91. * Entendemos vestígio, dentro do discurso de Rousso, como aquilo que restou de alguma coisa e que permite, através de sua investigação, chegar o mais próximo possível deste algo. Seria similar ao conceito que o termo tem em arqueologia: o material que restou da vida de povos antigos e que permite estudar suas culturas, costumes etc. 104 LE GOFF, Jacques. Documento/Monumento. In: _____. História e memória. Campinas, São Paulo: Editora da Unicamp, 1996. p. 545. 105 DODEBEI, Vera. O sentido e o significado de documento para a memória social. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, Centro de Filosofia e Ciência Humanas/Escola de Comunicação, 1997. p. 165.

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do objeto natural ou acidental, constituído de essência (forma ou forma/conteúdo intelectual), selecionado do universo social para testemunhar uma ação cultural."106

É também no relatório de reformulação do Mestrado em Memória Social e Documento que buscamos outro ângulo para esta questão.

A memória de uma sociedade não é somente uma herança acabada [...] é, em nosso entendimento, o próprio movimento de constituição identitária que permeia, viabilizando e atribuindo significação, às produções e às relações dos membros da sociedade entre si [...] esta tensão entre a necessidade de enraizamento e o caráter dinâmico da memória social parece ser o terreno mais propício para que situemos a acepção que pretendemos atribuir ao conceito de documento. "Documento" que aparece, agora, não apenas como dado material, como objeto a ser manipulado segundo certas técnicas específicas, mas como operador que nos permite acesso à problematização da memória social.107

O documento é, em nosso trabalho, tratado de forma gradativa onde, em uma primeira etapa efetuamos uma classificação conforme a sua funcionalidade, para, então, concebê-lo como este dispositivo que possibilita uma ação analítica e crítica acerca da memória.

Nossas fontes são de dois tipos:

1) atas: registro sucinto de fatos, ocorrências, resoluções e decisões de uma assembléia, sessão ou reunião. Geralmente é lavrada em livro próprio, devidamente autenticado, com suas páginas rubricadas pela autoridade que redigiu os termos de abertura e encerramento.108 Trabalharemos com as atas dos Conselhos Superiores da Instituição.

2) relatórios, projetos, informativos: documentos oficiais da Instituição.

A maior parte da documentação por nós utilizada é classificada como atos administrativos oficiais e seguem a seguinte tipologia.109

ATAS Atos de assentamento: destinam-se a registro.

ESTATUTOS e REGULAMENTOS Atos deliberativo-normativos: deliberações, regras e normas imperativas expedidas por autoridade administrativa.

106 Ibid., p. 164. 107 MESTRADO EM MEMÓRIA SOCIAL E DOCUMENTO. Proposta de Reformulação...Rio de Janeiro: UNIRIO/Centro de Ciências Humanas/Curso de Mestrado, 1995. p. 29 108 BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Normas sobre correspondências e atos oficiais. Brasília : MEC, SE, SAA, 1998. p. 3. 109 NEY, João Luiz. Prontuário de redação oficial. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1988. p. 67-69.

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RELATÓRIO Atos de correspondência

Destacamos ainda um conjunto de documentos que não se enquadra na classificação acima, mas tem caráter institucional e oficial por emanar de autoridade administrativa e se referir a interesses e necessidades da Instituição. Neste sentido, temos projetos, informativos, catálogos, folders sendo que estes três últimos podem ter como função apresentar aspectos institucionais visando atingir as comunidades interna e externa e órgãos superiores.

Esta classificação é funcional; considera aspectos da "vida" do documento tendo em conta a sua natureza primária. O conceito de documento, assim com o de memória, identidade, instituição e discurso, demanda cuidados no presente trabalho, em virtude de sua "maleabilidade" conforme a área que o enfoca.

A opção por focalizar o discurso realizado nos Conselhos Superiores* nesses períodos permite depreender os processos concernentes à formação (1969-1979) e afirmação (1999) desta Instituição no espaço de liderança e representação institucional. Os membros dos Conselhos são atores com papéis intercambiáveis (professor, profissional da área, representante de categoria, etc.) cujo discurso pode refletir a imagem que eles possuem da Instituição e que, em um processo de retroalimentação, forma a imagem da própria Instituição por fazerem parte dela.

As atas a serem analisadas cobrem os seguintes períodos: a) 1969 a 1979; b) 1999, demarcados em função de três eventos.

O primeiro deu-se em 1999 quando a UNIRIO instituiu seu aniversário, comemorando 30 anos, e com isso remeteu sua origem ao surgimento da Federação, em 1969, o que sempre esteve presente nos documentos oficiais. Assim, a importância do ato de 1979 passou a representar apenas uma mudança de status.

Os outros dois eventos servem para demarcar o período de 1969-1979 e correspondem, respectivamente, ao nascimento da Federação e à passagem para Universidade.

Os relatórios, projetos, informativos não possuem uma demarcação cronológica específica como as atas. A sua utilização justifica-se por completar as análises que empreenderemos em busca dessa formação identitária.

* No período de 1969-1979 temos o Conselho Federativo e o Conselho de Ensino e Pesquisa que iniciou sua atividades em 1978; no período de 1999 temos o Conselho Universitário e o Conselho de Ensino e Pesquisa

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Assim, uma busca no Arquivo Central da Instituição nos dará acesso ao material disponível desde 1969 até 1999 em termos de documentos oficiais que possam nos fornecer:

a) o discurso institucional acerca de sua trajetória;

b) o discurso institucional acerca de sua missão;

c) o discurso institucional acerca de suas realizações.

No que tange à elaboração dos documentos citados nos itens a e b, temos de lidar com certas normatizações características deste tipo de produção. Em um primeiro momento, temos procedimentos padrões para elaboração de documentos escritos no âmbito do serviço público e das práticas organizacionais, que incluem também o trabalho de revisão para se chegar à versão final. Em um segundo momento, temos as coerções, restrições que, mesmo não estando prescritas em manual de procedimentos, funcionam para seletivamente ordenar o que é dito e o que não é dito.

A documentação do tipo ata, por exemplo, é de caráter oficial e construída por meio de um processo de seletividade e sintetização que procura registrar as ocorrências de um determinado evento sob forma escrita.

Devemos fazer uma observação no que diz respeito à elaboração deste tipo de documento. O processo de seletividade e sintetização que propicia a omissão de determinadas elocuções feitas durante o evento não acarreta, necessariamente, a supressão do assunto tratado, considerando que a finalidade da ata, muitas vezes, é o registro dos assuntos oficiais de natureza decisória, com vistas à recuperação da informação, para encaminhamentos posteriores. Daí o seu caráter de documento permanente. Ocorre que esse status contribui no sentido de permitir que o próprio processo de construção do documento seja também objeto de análise.

Nesse sentido, entendemos que a ata, também, constitui-se em um produto, como forma empírica do uso da linguagem no contexto de práticas sociais específicas e marcadas/influenciadas pelas relações sócio-históricas.

A ata é um documento ou registro institucional que deve ser considerada em sua especificidade. Uma ata é escrita segundo as estratégias e alianças conjunturais. [...] Uma ata não apresenta [explicitamente] as alianças, as estratégias e atribui um sentido burocrático-administrativo-institucional de acontecimentos em que prevalecem o pessoal/grupos e transforma em coletivo o que é específico do grupo [...] Mas uma ata sinaliza/apresenta tensões, interesses, estratégias [...] Ela é uma intervenção lógica sobre a realidade.

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A ata é a materialização da memória e do esquecimento, da prioridade e do que deve ser negado. [...] A ata é um lugar de memória e de poder.110

Suplementarmente, pesquisaremos a legislação pertinente ao período e ao assunto que abordamos com vistas a contribuir com o delineamento do contexto de surgimento desta IFES no cenário nacional.

A análise que empreenderemos implica a utilização de estratégias que dêem conta do processo de de-superficialização (trabalhar a superfície do discurso mostrando como ele se materializa). Nesse momento é necessário perceber os elementos estruturais das condições de produção do discurso. Trabalharemos com as orientações analíticas de Michel Pêcheux, Eni Orlandi e Michel Foucault.

PÊCHEUX toma inicialmente o esquema informacional emissor mensagem receptor e o transforma, conforme os ditames teóricos dos estudos em

AD. Assim, o esquema apresenta-se da seguinte maneira:

( L )

D

A B

R

Onde,

A: o emissor

B: o destinatário

R: o referente

( L ): código lingüístico comum a A e B

: o contato estabelecido entre A e B

D: a seqüência verbal emitida por A em direção a B111

Nesse esquema, no lugar de transmissão de informação, Pêcheux propõe o termo discurso, que implica a produção de sentidos entre A e B.

Nesse processo, os sujeitos não são designados pelo autor, como indivíduos corporalmente presentes na produção discursiva, mas lugares determinados na

110 MORAES, N. Aula de orientação. Mestrado em Memória Social e Documento. Dia 23/04/2001. 111 PÊCHEUX, M. Análise Automática do Discurso... p. 81-82.

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estrutura da formação social. Ele procura mostrar que o sujeito-falante é interpelado a ocupar determinadas “posições” estabelecidas pelas formações discursivas e que representa na linguagem as formações ideológicas que lhe são correspondentes. A esse processo também estão ligados os sentidos que uma palavra ou expressão assume em determinado contexto (pois os sentidos não existem em si mesmo): “as palavras, expressões, proposições etc., mudam de sentido segundo as posições sustentadas por aqueles que as empregam.”112

Pêcheux trabalha com uma relação de correspondência entre a formação ideológica e a formação discursiva, na qual a primeira determina as ocorrências específicas (umas e não outras) no nível discursivo. Essas colocações estão em diálogo com aquelas de Foucault em sua Arqueologia do Saber, onde a formação discursiva funciona como uma épistémè englobando (selecionando e agenciando estrategicamente) enunciados heterogêneos que funcionam como “verdades”, dentro de um campo de cientificidade. Como um sistema de regras de formação de enunciados que determina o que pode ou não ser dito:

[...] Por sistema de formação, é preciso pois, compreender um feixe complexo de relações que funcionam como regra: ela prescreve o que deve ser correlacionado em uma prática discursiva, para que esta se refira a tal ou qual objeto, para que empregue tal ou qual enunciação, para que utilize tal ou qual conceito, para que organize tal ou qual estratégia. Definir em sua individualidade singular um sistema de formação é, assim, caracterizar um discurso ou um grupo de enunciados pela regularidade de uma prática.113

Desta forma, podemos dizer que a interação entre os sujeitos funciona com base na percepção que cada um tem do seu lugar e do lugar do outro, e a respectiva produção discursiva de cada um é influenciada por tal percepção e regida pelo sistema de regras de formação.

Para melhor compreendermos como opera a percepção dos sujeitos nesta interação, Pêcheux propõe perguntas implícitas:

A B

- quem sou eu para lhe falar assim? - quem sou eu para que ele me fale assim? - quem é ele para que eu lhe fale assim? - quem é ele para que me fale assim?

Face ao que foi exposto até o momento, as teorizações de Pêcheux funcionarão para delimitar:

a) o sujeito-autor do discurso e como ele se posiciona;

112 PÊCHEUX, M. Semântica e Discurso..., p. 160. 113 FOUCAULT, M. Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro : Editora Forense, 1997. p. 82

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b) o público/o auditório desse discurso ou para quem o sujeito-autor fala.

Com tal delimitação, procuramos identificar o(s) responsável(is) pelo discurso (seja um sujeito, seja um grupo), sua inserção na estrutura institucional, sua competência e seu respaldo para enunciar determinado discurso. Essas delimitações estão ligadas ao referente (R), ou seja, aquilo a que A e B se remetem ao produzir o discurso. Pêcheux também propõe perguntas implícitas para que percebamos a imagem que os partícipes fazem de R:

Ponto de vista de A sobre R De que lhe falo assim?

Ponto de vista de B sobre R De que ele me fala assim?

Ainda nos marcos teóricos da AD, é importante destacar a questão da heterogeneidade do discurso, que pode ser de dois tipos: a) heterogeneidade mostrada que "incide sobre as manifestações explícitas, recuperáveis a partir de uma diversidade de fonte de enunciação"; b) heterogeneidade constitutiva que "não é marcada em superfície, mas que a AD pode definir, formulando hipóteses, através do interdiscurso, a propósito da constituição de uma formação discursiva".114

O que a AD pressupõe é que o discurso “nasce” de um trabalho sobre outros discursos. Assim, "se consideramos um discurso particular, podemos chamar interdiscurso o conjunto de unidades discursivas com as quais ele mantêm relação".115

A heterogeneidade procura refletir sobre a identidade discursiva, trabalhando outras noções complementares (universo, campo e espaços discursivos) para mostrar essa relação de um discurso com outras formações que servem para legitimá-lo, criando um sistema de remissões que produz efeito de evidência e trabalhando ideologicamente através de uma saturação de sentidos.

2.4.2 - Procedimentos Metodológicos

Como nos diz Orlandi116, o texto é o objeto material que o analista tem diante de si e, nesse sentido, deve ele perceber que este texto remete a um discurso que, por sua vez, forma-se nas estratégias de uma determinada formação ideológica.

O discurso não está dado; chega-se a ele através da análise de sua materialidade.

É neste momento que "estamos em condição de desenvolver a análise, a partir dos vestígios que aí vamos encontrando [...]"117. Baseado no aporte teórico-metodológico da

114 MAINGUENAEU. D. Novas tendências ..., p. 75. 115 MAINGUENAEU, D. Termos-chave...., p. 86. 116 ORLANDI, E. P. Análise do Discurso..., p. 63. 117 ORLANDI, E. P. Análise do Discurso..., p. 63.

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AD de corrente francesa o trabalho de análise focalizará um conjunto de materialidades discursivas oficiais da Instituição em foco, com vistas a delimitar o objetivo já explicitado nesse estudo. Neste sub-capítulo, ocuparemo-nos em apresentar os passos empreendidos naquilo que podemos chamar pólo técnico, tomando o sentido que este termo tem para BRUYNE.118

Nosso objetivo inicial é, justamente, efetuar uma análise auxiliar com termos-pivôs* definidos em função da nossa problemática, para, então, a partir do levantamento, delinear os enunciados que se constroem em momentos precisos da trajetória institucional e que também constituem acontecimentos.

No estabelecimento do que vem a ser enunciado, neste trabalho, procuramos pautar-nos nas teorizações de Oswald Ducrot e Michel Foucault que contribuíram, cada um conforme sua área, na delimitação deste conceito. Conforme Ducrot o enunciado constitui um produto do ato de enunciação. Temos, nesse sentido, duas situações, onde a primeira - enunciação - refere o acontecimento histórico ou particular no qual se inscreve o enunciado, dando-lhe significado.119 Ducrot não se preocupa, nesta construção sobre enunciado e enunciação, com outros elementos que não os lingüísticos, apesar de apontar para o sentido e a significação do contexto no qual eles são produzidos. Ele abre caminhos, ao considerar "o conjunto de fatores que se situam na relação entre material lingüístico e situação concreta."120

Focault, ao tratar desta questão no seu livro Arqueologia do Saber, procura por intermédio de confrontações estabelecer, inicialmente, o que não constitui um enunciado. Assim, ele precisa não ser o enunciado um equivalente à frase, ao ato de linguagem (semelhante ao speech act) ou à proposição.

O enunciado não é, pois, uma estrutura (isto é, um conjunto de relações entre elementos variáveis, autorizando assim um número talvez infinito de modelos concretos); é uma função de existência que pertence, exclusivamente, aos signos, e a partir da qual se pode decidir, em seguida, pela análise ou pela intuição, se eles "fazem sentido" ou não, segundo que regra se sucedem ou se justapõem, de

118 Na obra BRUYNE, P.; HERMAN, J.; SCHOUTHEETE, M de. Dinâmica da pesquisa em ciências sociais. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1997., o pólo teórico trata dos procedimentos de coleta de informações, seleção do corpus, etc. "[...] A pesquisa, em seu pólo técnico, coletará os dados em função dos quais elaborará seus fatos." P. 201. * Trataremos dos termos-pivôs mais adiante, neste mesmo sub-capítulo. 119 DUCROT, O. Enunciação. In: Enciclopédia Einaudi. Lisboa: Imprensa Nacional, Casa da Moeda, p. 369. Vol 2, Linguagem-Enunciação. 120 Ibid., p. 393

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que são signos, e que espécie de ato se encontra realizado por sua formulação (oral ou escrita). [grifo nosso] 121

Esta reflexão nos deixa no espaço do sentido e do acontecimento, e nos mostra a impossibilidade de pensar em fórmulas ou esquemas para delimitação do enunciado, pois devemos sempre pensá-los na perspectiva das significações que se engendram em contextos específicos.

O enunciado apresenta, então, quanto à sua delimitação, uma série de problemas, não sendo nosso objetivo, neste estudo, discorrer sobre eles. No entanto, questões metodológicas nos impelem a reelaborar de alguma maneira os elementos com os quais iremos trabalhar. Lembramos, que tanto Ducrot quanto Foucault colocaram o enunciado para além da fronteira da frase. Considerando a natureza dos nossos documentos, sua delimitação, a partir dos sentidos produzidos (denominados temáticas) em torno dos termos-pivôs, foi facilitada. As temáticas não se esgotam, muitas vezes, em uma única reunião, o que nos levou a pensar em fragmentos enunciativos que, após um trabalho de "costura", reconstituiriam o enunciado completo acerca do tema em questão.

Mainguenau122 nos traz dois exemplos de trabalho de análise com termos-pivôs que se desenvolveram de forma diferente. No primeiro, o estudo dos manuais escolares da III República Francesa focalizando os deslizes metafóricos de "mãe" para "Pátria", o termo não é escolhido "em função de um saber histórico anterior, mas definido durante a análise." No segundo, um trabalho sobre discursos xenófobos suíços, "inscreve-se em um procedimento diferente, [pois] parte do princípio que duas palavras, Überfremdung ("dominação e superpopulação estrangeiras") e xenofobia representam, desde o início dos anos 60, na Suíça, fórmulas dominantes. O método dos termos-pivôs dominou os trabalhos da Escola Francesa de AD logo no seu início, consistindo em "selecionar a priori algumas palavras-chave (os termos-pivôs), consideradas representativas de uma formação discursiva, depois em construir um corpus com todas as frases onde figuravam essas palavras."123

Sendo assim, considerando que a etapa de elaboração do quadro referencial teórico foi iniciada em primeiro lugar, apresentamos os seguintes passos no pólo técnico.

1º passo: Delimitação das fontes. Tal procedimento ocorreu quase que paralelamente à etapa de fundamentação teórica.

121 FOUCAULT, M. Arqueologia do Saber... p.99. 122 MAINGUENAU, D. Novas tendências... p.136 123 MAINGUENAU, D. Termos-chave... p. 77.

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2º passo: Leitura do conjunto de atas: do Conselho Federativo e, a partir de 1977, do Conselho de Ensino e Pesquisa, no período 1969-1979 e dois Conselhos - Conselho Universitário e Conselho de Ensino e Pesquisa, no período de 1999. A tal etapa denominamos impressão.* Nela, construímos por intermédio de uma leitura inicial o primeiro esboço de nossas análises, e verificamos as possibilidades que a eleição dos termos-pivôs poderiam nos trazer.

3º passo: Delimitação dos termos-pivôs. Como nos diz MAINGUENEAU124, tal procedimento é pertinente, dentro da AD, desde que respeitadas duas condições: a) ser utilizado como uma estratégia auxiliar e não essencial à análise; b) ser utilizado quando for possível controlá-lo e não recorrer a ele sistematicamente. O temo-pivô é delimitado pelo analista considerando os seus objetivos na pesquisa. No nosso caso, em um procedimento similar apresentado por Mainguenau, a escolha dos termos federação e universidade deve ser entendida diante da necessidade de se perceber a identidade como construção. Assim, esta eleição constitui um passo nessa estratégia, face à trajetória da Instituição que estamos analisando.

4º passo: Delimitação dos enunciados que emergem em função dos termos-pivôs. Em um processo que designamos desfragmentação, o discurso foi recortado em função dos termos para, em seguida, serem "construídos" outros discursos, alinhavados pelas temáticas levantadas no 2º passo.

5º passo: Construção de temáticas em um processo que denominamos concentração, no qual, com os "novos discursos" construídos, procuramos perceber o quê sustenta os sentidos que eles colocam em circulação quando dispersos. Tais temáticas não são aleatórias; constituem um trabalho da analista em função dos objetivos perseguidos.

6º passo: Análise dos enunciados selecionados e conjugados em dimensões. Construção das imagens possíveis e da intertextualidade, em função do contexto externo. Nesse ponto, legalidade, visões de federação e universidade são buscados para entender de qual instituição está se falando no discurso oficial. Delineamento dos esquecimentos. Neste ponto, as considerações acerca do contexto social são mais acuradas. Não somente os textos analisados como produtos de um conjunto de forças sociais nos são interessantes; também, desde o início, temos nos preocupado com as condições sócio-políticas que regem os períodos analisados.

* Nesse sentido, agradecemos a contribuição da Professora Lídia Freitas que compôs nossa Banca de Qualificação. 124 MAINGUENEAU, D. Novas tendências... p. 134

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Considerando estes passos, ressaltamos que o diferencial entre o segundo e o terceiro reside em um procedimento mais "invasivo" no qual efetuamos um tratamento da superfície do texto, trabalhando com unidades lingüísticas e procurando “pistas” que nos levem a compreender a construção de sentidos que se efetua no e pelo discurso.

Os termos-pivôs escolhidos foram: federação e universidade, face aos dois períodos abordados. Com esta opção, podemos, também, efetuar um paralelismo entre a Federação que emerge no discurso de 1969-1979 e aquela que surgia no discurso de 1999.

Tópicos conclusivos

Desde o início procuramos estabelecer as fronteiras de nosso estudo marcando-o como um projeto que trabalha na interseção do institucional com o discursivo, pois por intermédio do discurso objetivou-se chegar ao delineamento de processo de construção identitária de uma Instituição em momentos pontuais de sua trajetória. Neste contexto, tanto discurso quanto Instituição são pensados como acontecimento.

A delimitação dos períodos analisados obedeceu a uma lógica fundamentada na história da Instituição, pois, ao comemorar 30 anos, a UNIRIO remeteu seu nascimento à 1969 quando surgiu como Federação.

A essência deste capítulo constitui a estruturação do quadro teórico e metodológico do nosso estudo, sendo assim, procuramos mostrar como os conceitos de Instituição, Memória, Identidade, Discurso e Documento foram importantes na constituição dos alicerces desta pesquisa. A eleição da Análise do Discurso de linha francesa demandou o estabelecimento de uma noção de discurso que considerasse o político e o ideológico na sua construção. Daí pensar, também, o sujeito como agente de uma discursividade que não nasce com ele, mas que encontra nele um elemento catalisador de seus elementos constituintes. As relações entre formação discursiva e formação ideológica é que irão oferecer as possibilidades de este sujeito construir seu discurso em função do contexto no qual se encontra.

Esta opção tornou-se adequada, pois trabalhamos no espaço do discurso oficial e procuramos perceber os efeitos de sentido que se produzem na intencionalidade de construir uma identidade e uma memória oficial para esta Instituição.

As relações entre memória e identidade foram apresentadas nos aspectos que maior importância teriam para este estudo. Assim, apontamos para as possibilidades de trabalho manipulativo na construção de projetos identitários e de memória no âmbito institucional, quando estão em jogo as relações entre grupos dominantes. Destacamos também a necessidade da consolidação de uma identidade que garanta a continuidade

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de um grupo, por exemplo, e como a memória constitui o espaço adequado para a cristalização das significações que se quer preservar e perpetuar. Neste processo, a manipulação apresenta-se no trabalho seletivo que se opera para determinar o que fica e o que se apaga na constituição da memória oficial. No entanto, mostramos que as memórias que não são eleitas na constituição deste quadro não morrem, subsistem nos subterrâneos como torrentes que esperam o momento propício para emergir. Assim, o que hoje constitui elemento essencial de uma memória cuidadosamente construída, amanhã pode ser relegada ao esquecimento e ser substituída por uma outra memória que então emerge e encontra seu lugar.

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3. A Formação da Universidade do Rio de Janeiro

Ora, a universidade é uma instituição social. Isso significa que ela realiza e exprime de modo determinado a sociedade de que é e faz parte. Não é uma realidade separada e sim uma expressão historicamente determinada de uma sociedade determinada.

Marilena Chauí

Neste capítulo, concentraremos algumas de nossas análises iniciando com um breve histórico das Instituições de Ensino Superior no país passando pelas condições de emergência da Federação no período imediatamente posterior à implementação da Lei 5540 de 1968 que, com um conjunto de leis e decretos que lhe regulamentavam, definia os caminhos do Ensino Superior no País. Chegaremos até 1999, quando domina o cenário da política educacional a Lei 9396/96 e a legislação correlata. Esse será o primeiro tópico a ser abordado.

Em seguida focalizaremos os dois períodos nos quais concentramos nossas análises. Estabelecemos, no que tange especificamente à análise das atas, dois eixos temporais: a) o primeiro cobrindo o período que vai de 1969 a 1979 no qual a Instituição surgiu e desenvolveu-se na condição de Federação de Escolas Isoladas; b) o segundo focalizando o aniversário de 30 anos da Universidade do Rio de Janeiro em 1999, ato que significativamente coloca o "nascimento" da Universidade no ano de 1969. A ligação entre essas duas épocas dá-se em função dos 30 anos da UNI-RIO que, mesmo tendo alçado o status de Universidade em 1979, remete sua origem à 1969, data que marca o "nascimento" da FEFIEG. Sendo assim, a Instituição assume e engloba o período "federativo" em sua memória oficial.

3.1 – Contextualizando: A Universidade no Brasil

O painel que procuramos traçar nesta parte pretende trazer a emergência da idéia de Universidade no Brasil desde alguns empreendimentos ainda no século XIX, passando pela Reforma do Ensino Superior em 1968, que era o projeto vigente quando da criação da FEFIEG, e chegando até à Lei 9396/96 – Lei de Diretrizes e Bases – e o ordenamento legal correlato. (Anexo 1)

Considerando um período que se inicia com a chegada dos portugueses, podemos dizer que a universidade é, no Brasil, uma instituição recente, datando das primeiras décadas do século XX os projetos para sua idealização.

Durante o período colonial não havia por parte de Portugal qualquer iniciativa

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para criar uma universidade no Brasil.125 Em comparação, tínhamos na América Colonial, já no século XVI as primeiras universidades nas colônias espanholas: São Domingos (1538), Lima e México (1551). Nas colônias inglesas, Harvard (1636), Williamsburg (1693) e Yale (1701).*

Portugal negou aos jesuítas, no século XVI, a autorização para criar uma Universidade no Brasil, levando aqueles que concluíam seus estudos nos colégios jesuíticos a cursar a Universidade de Coimbra ou outra congênere européia.

Até o século XVIII, de modo explícito, o governo português procurou impedir a criação de instituições de ensino superior e da imprensa, prevendo que, no futuro, pudessem constituir focos ou instrumentos de libertação dos colonos.126

Essa política refletia o interesse em manter os laços de dependência do Brasil com Portugal e garantir uma formação em nível superior nos moldes culturais e ideológicos da Metrópole. As primeiras Escolas Superiores começaram a surgir quando a Corte de Portugal instalou-se no Brasil.

[...] Nos dez anos iniciais que se seguiram ao evento [chegada da Corte], estruturaram-se no Brasil cursos superiores de engenharia e medicina, bem como outros dedicados à formação de diversos tipos de profissionais.127

O ensino superior que começou a desenvolver-se no Brasil seguia o modelo português, mais precisamente aquele estabelecido pelo Marquês de Pombal, que, segundo Cunha, adotou os ideais da Revolução Francesa no campo do ensino.128

A reforma pombalina provocou a destruição do modelo universitário tradicional*, considerado arcaico, e privilegiou uma instituição “voltada para a ciência aplicada.”129 A Universidade era o foco de ataque daqueles que abraçaram esse projeto, que evoluiu privilegiando o ensino superior em estabelecimentos isolados.

125 FÁVERO, M. L. Universidade do Brasil : das origens à construção. Rio de Janeiro : Editora UFRJ/Comped/Inep, 2000. p. 9-25) * As Universidades da América Hispânica foram “instituídas por decreto real com estatutos inspirados nos de Salamanca e Alcalá, quase sempre controladas por ordens religiosas (Dominicanos e Jesuítas), ensinando principalmente Teologia e Direito Canônico (...)” (CHARLE, C & VERGER, J. História das Universidades. São Paulo : UNESP, 1996, p. 42.) A Espanha trouxe seu sistema universitário para a América Latina desde o início da colonização, tanto que à época dos movimentos de independência existiam universidades espanholas espalhadas por várias cidades. (SCHWARTZMAN, S. Ciência, Universidade e Ideologia. Capturado da Internet em 31/01/2001 em www.10minutos.com.br/simon/zahar.htm. 126 FÁVERO, M. L. Universidade e Poder. Rio de Janeiro: Achiamé, 1980. p. 33 127 SCHWARTZMAN, S. A pesquisa científica no Brasil: matrizes culturais e institucionais. Capturado na Internet em 06/02/2000 em www.10minutos.com.br/simon/matrizes.htm. 128 CUNHA, Luiz Antonio. Ensino Superior e Universidade no Brasil. In: LOPES, M. T.; FARIA FILHO, L. M. de; VEIGA, C.G. (orgs) 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: Ed. Autêntica, 2000. p. 153. * Modelo que tem como base a universidade medieval, sua estrutura e organização de cursos. 129 PAIM, A. A busca por um modelo universitário. In: SCHWARTZMAN, S. (org.) Universidades e instituições científicas no Rio de Janeiro. Brasília : CNPq, 1982. p. 17.

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Em vista dessa circunstância, o ensino superior brasileiro evitaria o modelo universitário ao longo do Império e nas primeiras décadas da República, de tal modo que a defesa da idéia de universidade acabaria sendo um prolongamento da luta que se travou contra os positivistas na Escola Politécnica do Rio de Janeiro.130

Para Paim,131 a Reforma Pombalina e o modelo que aqui no Brasil se adotou para o Ensino Superior foram decisivos para a cultura brasileira que embasou a idéia de ensino superior, tendo este projeto privilegiado o ensino técnico. Fávero também nos mostra que nesse período a preocupação do governo português, agora instalado no Brasil, era com o ensino prático e profissionalizante, daí o incremento de algumas escolas superiores.

1808 – Curso Médico de Cirurgia da Bahia 1808 – Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica no Hospital Militar do Rio de Janeiro 1810 – Academia Real Militar 1812 – Curso de Agricultura na Bahia 1812 – Laboratório de Química no Rio de Janeiro 1814 – Curso de Agricultura no Rio de Janeiro 1816 – Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios no Rio de Janeiro

1817 – Curso de Química na Bahia 1818 – Curso de Desenho Industrial na Bahia Além dessas, tivemos algumas cadeiras criadas, isoladamente: Matemática Superior (1809), em Pernambuco, Desenho e História (1817) em Vila Rica.132 Nesse período, foram criados também os cursos jurídicos, um no Convento de São Francisco (São Paulo), em 1828, e outro no Mosteiro de São Bento (Olinda) no mesmo ano.133

Todas essas iniciativas, como podemos perceber, estavam preferencialmente limitadas ao Rio de Janeiro e à Bahia. Este processo de criação de escolas isoladas não guardava nenhuma preocupação em se propiciar condições para o desenvolvimento de um modelo de instituição de ensino superior voltado às necessidades e à realidade do Brasil.134

As iniciativas no sentido de desenvolver um modelo universitário no país foram efêmeras durante esse período e quando surgiam projetos nesse sentido, eles apresentavam um caráter essencialmente centralizador, nos quais o Estado procurava coordenar a formação de uma Instituição de Ensino Superior através da agregação de

130 Ibid. p. 17-18. 131 Ibid. p. 18. 132 FÁVERO, M. L. Universidade do Brasil... p. 19. 133 FÁVERO, M.L. Universidade e Poder... p. 34. Esses cursos eram importantes para a formação das elites e da mentalidade política do Império.

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escolas isoladas. Essas ações indicam o objetivo de controlar o ensino de nível superior no país, como evidencia o relatório encaminhado pelo Visconde de Abaeté ao Sr. Ministro do Império, em 1837, onde ele falava sobre a já demonstrada “conveniência de fundar os estabelecimentos de ensino [...] e de formar, com outros já existentes, uma só corporação científica com o título de universidade”. No entanto, ele adverte:

[...] é , porém de meu dever o lembrar-vos a absoluta precisão de criar-se uma autoridade, individual ou coletiva, a quem não só se incumba a tarefa de vigiar sobre as doutrinas ensinadas à mocidade, mas também se dê mais influências a respeito dos lentes e certa jurisdição correcional para compelir o aluno ao cumprimento de suas obrigações escolásticas e manter a necessária decência, respeito e subordinação. 135

Ainda no período colonial temos a idéia de instauração de uma Universidade no Brasil como uma iniciativa ligada ao nome de José Bonifácio que, à época, encontrava-se na Europa a serviço do governo português.

José Bonifácio regressou ao Brasil, ao que se supõe, atendendo ao convite de D. João VI para assumir a reitoria do Instituto Acadêmico, espécie de universidade que se cogitava fundar no Rio de Janeiro. Não se sabe que razões teriam determinado a postergação da providência. O certo é que, tendo ido residir em Santos, decorrido pouco mais de um ano estava envolvido nos acontecimentos de que iriam resultar o regresso do monarca à Portugal e a proclamação da independência no país. Tendo-lhe cabido redigir, em 1821, as instruções aos deputados paulistas que faziam parte da representação nacional junto às recém-convocadas Cortes de Lisboa, retoma a idéia da universidade brasileira. E o faz inspirando-se amplamente no modelo pombalino.

[...]

Esperançoso nas possibilidades minerais do país, em vista sobretudo da vastidão do território, cuidava de encaminhar o ensino no sentido da formação preferencial de homens habilitados a promover sua exploração. Este projeto, no entanto, jamais adquiriria realidade.136

Tendo passado pelo período do Império sem que nascesse uma Universidade, chegou-se à República sem um projeto que ultrapassasse o modelo pombalino e “a universidade que chegou a ser cogitada jamais teve outra incumbência além da agregação de faculdades isoladas.”137

Na República, logo no início do século XX, a idéia de universidade enfrentava oposição por parte dos positivistas que criticavam o seu modelo tradicional e arcaico (mesma crítica dos pombalistas) que para alguns era um verdadeiro flagelo. Nesse sentido, foram basilares as idéias de Luiz Pereira Barreto (positivista brasileiro) que em uma série de artigos para A Província de São Paulo, em 1880, desenhava críticas severas ao sistema universitário (curiosamente, ainda inexistente no país).

134 FÁVERO, M.L. Universidade do Brasil... p. 22. 135 PAIM, A. A busca por um modelo... p. 21. 136 SCHWARTZMAN, S. A pesquisa científica... p. 6-7.

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[...] a Igreja e a Academia, tais são, por toda parte, as duas grandes cúmplices que estão resolvidas a instruir-nos – embrutecendo-nos. É o ensino, emanado dessas duas corporações, que constitui a verdadeira fonte da corrupção dos nossos costumes sociais.138

Aí se ensina a idolatrar o passado e a abominar o presente. Mas também o contrário. Aí se ensina que existe um Deus, que existem muitos, que não existe nenhum. Todas as contradições, todos os disparates aí encontram uma cadeira assalariada, um abrigo seguro e uma retórica certa. Trata-se, portanto, de um verdadeiro flagelo social.139

Apesar desse contexto pouco propício à constituição de uma Universidade no país, tivemos, no início da República, as duas primeiras instituições denominadas universidades: a Universidade de Manaus em 1909 e do Paraná, em 1912, ambas de duração efêmera.140

Continua a política de se oferecer ensino técnico e prático, e nesse período tivemos a criação de algumas tantas Escolas Superiores:

1893 – Escola Politécnica de São Paulo 1896 – Escola de Engenharia do Mackenzie College 1901 – Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz 1902 – Escola Superior de Comércio do Mackenzie College 1913 – Escola de Medicina de São Paulo Por intermédio de dados que nos indicam o quantitativo dos documentos legais referentes ao Ensino Superior, obtidos em um levantamento junto ao sistema do Senado Federal, podemos perceber a vontade de o Estado delinear os rumos deste sistema de ensino. Na última década do século XIX tivemos 40 documentos legais regulando o Ensino Superior no país141. Comparativamente, a primeira década do século XX, com 36 documentos legais, pode ser considerada como um período de iniciativas tímidas no âmbito do Ensino Superior.142 A segunda década, com 42 documentos legais, continua com o mesmo ritmo, porém com determinações diferentes que incluíam a reorganização do ensino superior (juntamente com o ensino secundário) pelo Decreto 11530 de

137 PAIM, A. A busca por um modelo... p. 22 138 BARRETO, L. P. Filosofia teológica (1874) e Filosofia metafísica (1876). Apud PAIM, A. p. 22 139 Essas considerações resultaram da aplicação, efetuada por Barreto, da lei dos três estados à Instituição Universitária. Tais passagens foram retiradas do texto de Paim, A Busca de um modelo... p. 23. A reação antipositivista inicia-se ainda no primeiro decênio do século XX com Otto de Alencar e Amoroso Costa dentro do próprio reduto positivista: a Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Alcançaria êxitos notáveis com a criação da Academia Brasileira de Ciências em 1916, que promoveu a vinda de Albert Einstein em 1925. Licínio Cardoso (positivista catedrático de mecânica racional da Escola Politécnica), na ocasião saudou o evento com um artigo intitulado “Relatividade Imaginária”. Nas discussões que se seguiram não houve intervenção ao seu favor, o que indicava o declínio da vertente positivista no meio acadêmico-científico. 140 FÁVERO, M.L. Universidade e Poder... P. 35 141 Fonte: Banco de Legislação Federal do Senado Federal. wwwt.senado.gov.br/legbra. 142 Fonte: Banco de Legislação Federal do Senado Federal. wwwt.senado.gov.br/legbra.

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18/03/1915 e que culminaram com a criação daquela que muitos consideram como a primeira universidade do Brasil, a Universidade do Rio de Janeiro (URJ).

Instituída pelo Governo através do Decreto 14.343 de 07/07/1920, ela é formada pela reunião da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e a Faculdade de Direito do Rio de Janeiro.

Cumpre assinalar que esse ato legal não foi suficiente para que a idéia de Universidade se institucionalizasse, sendo sua criação saudada pelo círculo restrito de autoridades que estiveram ligados a esse processo.143

No relatório do primeiro reitor, Dr. Benjamin Franklin Ramiz Galvão, podemos perceber esse cenário:

Cumpre-nos oferecer à atenção do Governo o relatório do que mais importante ocorreu na Universidade do Rio de Janeiro, durante o ano de 1921, que acaba de findar. Ele será forçosamente sucinto (...) Não errarei afirmando, pois, que a Universidade do Rio de Janeiro está apenas criada in nomine, e por esta circunstância se acha longe de satisfazer o desideratum do seu Regimento: estimular a cultura das ciências, estreitar, entre os professores, os laços de solidariedade intelectual e moral, e aperfeiçoar os métodos de ensino.144

No entanto, a criação da URJ teve o mérito de reavivar o debate em torno do problema universitário no país, graças sobretudo à atuação da Associação Brasileira de Educação e à Academia Brasileira de Ciências.

Entre as questões recorrentes sobre educação superior, nas discussões ao longo da década de 20, destacam-se: concepção de universidade; funções que deverão caber às universidades brasileiras; autonomia universitária; modelo de universidade a ser adotado no Brasil, se cada universidade deveria ser organizada de acordo com suas condições peculiares e as da região onde se localiza, ou sugerir um padrão.145

As discussões que se sucederam no meio acadêmico e intelectual refletiam as preocupações em torno da universidade que se queria para o Brasil, deixando claro que esta instituição não poderia se resumir à reunião ou agregado de diferentes faculdades. A formação da universidade implicava uma mentalidade a ser desenvolvida.146

Sendo a década de 1920 marcada, no cenário do ensino superior, pela criação da URJ, iniciam-se os anos 30 com uma Revolução que dá um caráter centralizador ao governo que se inicia com Getúlio Vargas e que se faz acompanhar de uma Reforma em todos os níveis de ensino.

Em 1930, é criado o Ministério da Educação e Saúde Pública e seu primeiro titular, Francisco Campos, apresenta, no ano seguinte, a Reforma do Ensino Superior que se

143 FÁVERO,M.L. Universidade do Brasil... p. 31 144 GALVÃO (1921) Apud: FÁVERO, M.L. Universidade do Brasil... p. 31-32. 145 FÁVERO, M. L. Universidade do Brasil... p. 34

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divide em três partes: uma relativa à organização das Universidades Brasileiras, outra que contém a reorganização da Universidade do Rio de Janeiro e de todo ensino superior da República, e a terceira em que se cria o Conselho Nacional de Educação e se definem as suas atribuições.147 Para ilustrar a posição do Governo face à estrutura universitária, destacamos alguns trechos da exposição de motivos apresentada pelo Ministro ao documento da Reforma.

A Universidade constituirá, assim, ao menos como regra geral, e em estado de aspiração enquanto durar o regime transitório de institutos isolados, a unidade administrativa e didática que reúne, sob a mesma direção intelectual e técnica, todo o ensino superior, seja o de caráter utilitário e profissional, seja o puramente científico e sem aplicação imediata, visando, assim, a Universidade o duplo objetivo de equipar tecnicamente as elites profissionais do País e de proporcionar ambiente propício às vocações especulativas e desinteressadas, cujo destino, imprescindível à formação da cultura nacional, é o da investigação e da ciência pura. [...] O projeto provê, em quadros amplos e linhas singelas, abrindo assim, largas perspectivas ao espírito associativo das Universidades, àqueles dois aspectos fundamentais da organização universitária, propondo, quanto à sua vida social interna, modelos de associações de classe, destinados a proporcionar contatos e fortalecer os laços de solidariedade, fundada na comunidade de interesses econômicos e espirituais, entre os corpos docente e discente, e, quanto à influência educativa que a Universidade deve exercer sobre o meio social, instituindo a extensão universitária, poderoso mecanismo de contato dos institutos de ensino superior com a sociedade, utilizando em benefício desta as atividades universitárias. [...] Demais disto, o estatuto das Universidades brasileiras se limita a instituir, em linhas gerais, o modelo de organização administrativa e didática para as Universidades federais e equiparadas, admitindo, porém, variantes, desde que orientadas por condições e circunstâncias cuja interferência, na organização e objetivos do ensino universitário, seja de manifesta utilidade.148

As preocupações com ensino prático continuam, cabendo à Universidade sua responsabilidade, juntamente com o saber científico. A instituição isolada, por sua vez, é mencionada como um regime transitório, mas continuará a persistir através da criação de novas Escolas Superiores.* O desejo de criar um modelo único para todas as Instituições Universitárias fica claro, apesar de deixar brechas para o estabelecimento das diferenças, para aquelas que têm sua formação marcada pelas características da região em que surgem. Seguindo essa política, em 11/04/1931 temos a promulgação do Estatuto das Universidades Brasileiras que:

146 FÁVERO, M.L. Universidade do Brasil... p. 34 147 FÁVERO, M. L. Universidade do Brasil: guia dos dispositivos legais. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, Comped, MEC/Inep, 2000. p. 21 148 CAMPO, Francisco. Exposição de motivos do Ministro Francisco Campos sobre a Reforma do Ensino Superior. In: FÁVERO, M. L. Universidade do Brasil: guia..., p. 22-23.

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Dispõe que o ensino superior no Brasil obedecerá, de preferência, ao sistema universitário, podendo ainda ser ministrado em institutos isolados, e que a organização técnica e administrativa das universidades é instituída no presente Decreto, regendo-se os institutos isolados pelos respectivos regulamentos, observados os dispositivos do seguinte Estatuto das Universidades Brasileiras.149

Em 1931, a URJ é reestruturada, por intermédio do Decreto nº 19.852 que dispôs sobre sua nova organização, em uma ação que ensaiava solucionar os problemas que existiam desde sua criação.*

Paralelamente ao ordenamento legal que se desenhava, temos, a partir de 1930, a influência do Exército na política nacional levando-o a uma maior participação na esfera educacional. Aliando interesses com a Igreja Católica e o Governo, este segmento desenvolve gradualmente um projeto educacional que procura influenciar na formação de toda sociedade.

[...] o Exército vinha cuidando de modificar substancialmente sua prática disciplinar, substituindo punições físicas e castigos por um tipo de treinamento formalizado em 'disciplinas’ a serem ensinadas: a educação moral e cívica, religiosa, familiar e a educação nacionalista. Assim fazendo, o Exército elabora ao longo do tempo uma pedagogia que irá inspirar posteriormente a educação da infância e da juventude fora dos quartéis. O conteúdo dessa pedagogia era a inculcação de princípios de disciplina, obediência, organização, respeito à ordem e às instituições. Estes eram os ingredientes necessários para por fim ao ‘pacifismo ingênuo’ da sociedade brasileira que, conforme diria Dutra ainda no início da década de 1940, era um obstáculo que precisava ser ultrapassado.150

Esse posicionamento do Exército era embasado e justificado por preocupações com a Segurança Nacional, vinculando a educação a essas questões e encarando-a como um projeto para mobilizar, estrategicamente as mudanças.

Um indicador da evolução das iniciativas governamentais no que tange à organização do ensino superior pode ser detectado através da quantidade de

* Por exemplo: Escola Nacional de Agronomia (Decreto nº 23.857 de 08/02/1934) e Escola Nacional de Veterinária (Decreto nº23.858 de 08/02/1934) Fonte: www.senado.gov.br/legbra. 149 BRASIL. Decreto nº 19.851, de 11 de abril de 1931. Dispõe que o ensino superior... In: FÁVERO, M. L. Universidade do Brasil: guia..., p. 51 * Tomamos, entre outros, os discursos do Prof. Moniz Aragão “[...] em 1922, ao comemorar-se o primeiro centenário da Independência, o decoro nacional exigiu que se instituísse a universidade no País; estávamos para isso completamente despreparados. Surge uma instituição por forma artificial e abortiva: a reunião de escolas e faculdades isoladas e dispersas na área da cidade, através de uma cúpula frágil, representada por um Reitor meramente administrativo.” (ARAGÃO, R.M. Introdução. In: A reforma da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro : Gráfica da UFRJ, 1968. Apud: FÁVERO, M.L. A Universidade do Brasil..., p. 36) e do Prof. Raul Bittencourt “o decreto de 1920, que fundou a Universidade do Rio de Janeiro, não fundou, porém, na realidade, universidade alguma (...) porque se limitava a estabelecer um nexo jurídico entre as Faculdades que já existiam, todas de caráter profissional e, segundo, porque as relações entre os estabelecimentos de ensino eram de fachada, meramente figurativas, e o todo, mal cimentado e incongruente, sujeito ao controle minucioso do Ministro da Justiça e, mais tarde, da Educação e Saúde.” ( BETTENCOURT, R.J. Autonomia Universitária. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v.7, n. 21, p. 561-563, mar./abr., 1946. Apud: FÁVERO, M.L. A Universidade do Brasil..., p. 36-37 150 SCHWARTZMAN, S. Tempos de Capanema. Disponível em www.10minutos.com.br/simon/capanema. 25/07/2000

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instrumentos legais elaborados para regular esta instância, desde o início do século XX até a década de 30.

Gráfico demonstrativo da evolução do quantitativo de Leis e Decretos que regularam o Ensino Superior no Brasil no período de 1900 a 1940.

Evolução do ordenamento legal nas 4 primeiras décadas do século XX

120

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0

20

40

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80

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1900-1905 1906-1910 1911-1915 1916-1920 1921-1925 1926-1930 1931-1940

Período

Qua

ntita

tivo

Fonte: Gráfico elaborado pela autora com base nos dados da PRODASEN - Senado Federal. www.senado.gov.br/servlets

Para Paim, este período apresenta uma certa desorientação concernente ao sistema de Ensino Superior e, como exemplo, ele aponta a criação da Universidade Técnica Federal (Dec. 24. 738 de 14/07/1934) constituída pelas Escolas Politécnica e de Minas, retiradas da URJ, e pela Escola Nacional de Química, além de 8 institutos de pesquisa. No entanto, a nova Instituição sequer existiu.

O Decreto nº 24.738, de 14 de julho de 1934, é uma página sombria na história do ensino brasileiro: separa a Escola Politécnica da Universidade do Rio de Janeiro e a inclui na Universidade Técnica Federal. Esta universidade nunca teve reitor: nos diplomas dos engenheiros graduados pela Escola Politécnica, entre os anos de 1934 e 1937, a assinatura do reitor está em branco...151

O quadro político da década de 1930 era de acirramento entre o Governo de Getúlio Vargas, com fortes cores autoritárias, e seus opositores, notadamente Luis Carlos Prestes. Foi nesse período turbulento, quando Vargas usou contra Prestes e a Aliança Libertadora Nacional a nova Lei de Segurança Nacional, que se criaram a Universidade do Distrito Federal (UDF) e a Universidade de São Paulo (USP), com propostas inovadoras que frutificaram das discussões entre teóricos e educadores, na década anterior, acerca da necessidade de renovação no sistema de ensino. Entre várias

151 Aula magna do ano letivo de 1950 proferida por Maurício Joppert da Silva. Apud: PAIM, A. A busca por um modelo universitário. In: SCHWARTZMAN, S. (org.) Universidades e instituições científicas no Rio de Janeiro. Brasília : CNPq, 1982. p. 66.

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questões, eles pensavam no ensino superior como uma forma não somente de veiculação da formação profissional e técnica, mas, também, como a institucionalização da pesquisa científica. Tal circunstância, segundo Paim152, deveu-se, em parte, à ascensão de governantes, Armando Sales em São Paulo e Pedro Ernesto no Rio de Janeiro, aos quais se achavam ligados partidários desse movimento. No entanto, o ideário destes reformadores não encontrou ressonância nem na reforma de Francisco Campos, e posteriormente de Gustavo Capanema, nem na política de Vargas durante a década de 30. Sendo assim, tanto a UDF (extinta em 1938) quanto a USP (reformulada pelo Governo Vargas no final da década) representaram tentativas isoladas de levar adiante o ideal de universidade pensado por parte da intelectualidade brasileira. Anísio Teixeira, considerado o grande idealizador da UDF, na aula inaugural desta Universidade parece indicar bem o espírito que regia tal empreendimento.

E qual a universidade que abre, hoje, aqui as suas portas? É, por acaso, mais uma universidade para o preparo puro e simples de profissionais, de médicos, de bacharéis, de dentistas e engenheiros civis?

Não. É uma universidade cujas escolas visam ao preparo do quadro intelectual do país, que até hoje se tem formado ao sabor do mais abandonado e do mais precário autodidatismo.153

A proposta da UDF não se restringia à produção e difusão passiva dos conhecimentos, pois como diria o próprio Anísio, os livros também os difundem, assim como a aprendizagem direta prepara os técnicos e artífices nas diferentes profissões.154 No entanto, a instabilidade política da época, as críticas e a oposição do Ministro da Educação Gustavo Capanema à criação da UDF, determinaram sua curta trajetória.

Não resta dúvida de que o fato de a UDF ter nascido num momento em que o país caminhava a largos passos para um fechamento cada vez maior em termos ideológicos e para a implantação declarada de um regime autoritário, fez com que sua presença, enquanto instituição se tornasse incômoda, uma vez que o ideal de universidade proposto por seu fundador e colaboradores não correspondia ao modelo de universidade outorgada pelo regime.155

Eis que demissões e prisão de educadores e intelectuais, além da implantação do Estado Novo e a intervenção no Distrito Federal, tornaram difícil a situação da UDF. A partir de 1937, a política governamental objetivou o seu desmonte e seu acervo passou à URJ que, no mesmo ano, passa a denominar-se Universidade do Brasil, sofrendo uma

152 PAIM, A. A busca por um modelo... p. 60. 153 Aula inaugural dos cursos da UDF proferida por Anísio Teixeira. Apud: PAIM, A. A busca por um modelo universitário. In: SCHWARTZMAN, S. (org.) Universidades e instituições científicas no Rio de Janeiro. Brasília : CNPq, 1982. p. 70. 154 FÁVERO, M.L. Universidade e Poder... p. 79. 155 FÁVERO, M.L. Universidade e Poder... p. 79.

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reestruturação conforme o projeto de Gustavo Capanema para o ensino Superior.

A instituição do Estado Novo dá a Capanema os recursos políticos de que necessitava para, finalmente, eliminar este obstáculo [a UDF] aos seus planos. Com a demissão de Pedro Ernesto, Afonso Pena Jr. assumirá a reitoria da UDF no lugar de Afrânio Peixoto; em 1937 a reitoria é entregue a Alceu Amoroso Lima, que a exerce até o ano seguinte, quando chega o momento de preparar sua extinção. Em 1938 o ministro prepara um texto intitulado "Observações sobre a Universidade do Distrito Federal", que é enviado ao diretor do DASP, Luís Simões Lopes. Segundo texto, o decreto municipal nº 8.215, de 21 de maio de 1938, que definia a organização da UDF, era inconstitucional, por faltar competência ao prefeito para tanto. Além deste aspecto formal, Capanema argumenta que a UDF não tinha todos os institutos previstos na Lei Federal para este tipo de instituição, e, o que é mais grave, seus estatutos foram aprovados pelo prefeito, e não pelo Ministério da Educação; ora, até mesmo as universidades estaduais de São Paulo, Minas Gerais e Porto Alegre já se haviam submetido à sanção federal. Por estas e outras violações das normas federais ficava claro para o ministro que ´a existência da Universidade do Distrito Federal constitui uma situação de indisciplina e de desordem no seio da administração pública do país. O Ministério da Educação é, ou deve ser, o mantenedor da ordem e da disciplina no terreno da educação´. E por isto afirmava que ´é preciso, a bem da ordem, da disciplina, da economia, e da eficiência, ou que desapareça a Universidade do Brasil, transferindo-se os seus encargos atuais para a Universidade do Distrito Federal, ou que esta desapareça, passando a Universidade do Brasil a se constituir o único aparelho universitário da capital da República.156

A trajetória da USP, criada em contexto semelhante ao da UDF, não foi muito diferente, apesar de não ter sido extinta. Pensada no mesmo ideário renovador, ela teve na Faculdade de Filosofia o Instituto fundamental da Universidade, integrando todas as disciplinas oferecidas na Instituição. No entanto, a partir de 1937 ela sofreu as conseqüências da política do Estado Novo e, com isso, alterou-se este modelo inovador de integração, em um único núcleo, de disciplinas que abarcavam a totalidade dos conhecimentos humanos.

O modelo de universidade do final da década de 1930 é aquele estabelecido por Capanema por intermédio da Universidade do Brasil, a qual ele atribui dois princípios: "o primeiro, ela terá a função de fixar o padrão do ensino superior para todo o País; o segundo princípio, é ser a UB uma instituição de significação nacional, e não local. A Lei 452 de 5 de julho de 1937, que organizava a UB, determinava que ela fosse constituída por 15 escolas ou faculdades que passaram a ter o adjetivo Nacional. 157

a) Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Letras b) Faculdade Nacional de Educação c) Escola Nacional de Engenharia

156 SCHWARTZMAN, S.; BOMENY, H.M.B.; COSTA, V.M.R. Tempos de Capanema. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, Editora Paz e Terra, 2000. p. 107. Disponível em www.10minutos.com.br/simon/Capanema.

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d) Escola Nacional de Minas e Metalurgia e) Escola Nacional de Química f) Faculdade Nacional de Medicina g) Faculdade Nacional de Odontologia h) Faculdade Nacional de Farmácia i) Faculdade Nacional de Direito j) Faculdade Nacional de Política e Economia k) Escola Nacional de Agronomia l) Escola Nacional de Veterinária m) Escola Nacional de Arquitetura n) Escola Nacional de Belas-Artes o) Escola Nacional de Música

Segundo Fávero, tanto a Escola Nacional de Agronomia quanto a de Veterinária não chegaram a integrar a UB. Passaram, ainda, a integrar a UB alguns institutos para cooperação com as Escolas e Faculdades, sendo que alguns foram criados pela própria Lei 452 e outros já existiam.

a) Museu Nacional b) Instituto de Física c) Instituto de Eletrotécnica d) Instituto de Hidro-Aéreo-Dinâmica e) Instituto de Mecânica Industrial f) Instituto de Ensaio de Materiais g) Instituto de Química e Eletroquímica h) Instituto de Metalurgia i) Instituto de Nutrição j) Instituto de Eletro-Radiologia k) Instituto de Biotipologia l) Instituto de Psicologia m) Instituto de Criminologia n) Instituto de Psiquiatria o) Instituto de História e Geografia p) Instituto de Organização Política e Econômica.158

O modelo de universidade implementado pelo Estado Novo durou até o fim deste regime, em 1945, e neste mesmo ano a UB passa a ser "pessoa jurídica com autonomia

157 FÁVERO, M.L. Universidade do Brasil... p. 54-55

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administrativa, financeira, didática e disciplinar", através do Dec. 8.393 de 17/12/1945.

Assim, a década que se segue ao regime autoritário procura repensar as bases do Ensino Superior. Na realidade, a organização educacional do Estado Novo foi reestruturada em seus aspectos mais autoritários e a nova Constituição de 1946 garantia, ao menos de maneira formal, os direitos individuais de expressão, reunião e pensamento.159

A questão da pesquisa retorna com a criação de algumas instituições cujos modelos apresentavam características modernas. As discussões na Academia Brasileira de Ciências, instituição que na década de 1920 trouxe Einstein ao Brasil, continuavam e os anos 1940 e 1950 ainda poderão colher alguns frutos que floresceram das iniciativas da UDF e USP.

O período pós-guerra assistiu a um processo de modernização que demandava uma igual modernização em nível de ensino superior. Teremos, nesta época, a criação do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (1947) "profundamente influenciado pelos padrões de organização universitária dos EUA." Dentre suas características inovadoras, destacam-se: ausência de cátedra vitalícia, organização departamental, pós-graduação, regime de dedicação exclusiva dos docentes ao ensino e à pesquisa.160

Ainda na década de 1940, e em São Paulo, nasceram a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (1948) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (1947). Dentre os fatores que contribuíram para estes acontecimentos destacam-se a fundação da USP na década anterior, que trouxe professores estrangeiros de alta qualificação proporcionando a formação de um novo modelo de docente-pesquisador; o desenvolvimento econômico do estado de São Paulo e as condições desfavoráveis do Rio de Janeiro (baixos salários, nepotismo) que acabaram levando os quadros de pesquisadores do institutos federais localizados na capital para o estado paulista.161

O papel da SBPC foi fundamental, por intermédio de suas reuniões e publicações, para o desenvolvimento das questões ligadas à pesquisa e ao ensino superior, seja criticando, avaliando e comparando os modelos daquele momento.

O resultado desse processo foi que se constituiu, nos anos 50 e 60, um intelectual coletivo, desde então um protagonista sempre presente nas políticas educacionais do país, fosse como propositor, como colaborador de iniciativas estaduais, fosse como crítico de tais medidas.162

158 FÁVERO, M.L. Universidade do Brasil... p. 55. 159 CUNHA, L.A. Ensino Superior...p. 170. 160 CUNHA, L.A. Ensino Superior... p. 173. 161 CUNHA, L.A. Ensino Superior... p. 173 162 CUNHA, L.A. Ensino Superior... p. 174

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Logo no início da década de 1950, vimos a criação do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) e da CAPES (1951),163 e no início da década de 1960, abril de 1962, inicia as suas atividades a Universidade de Brasília, considerada a mais moderna universidade brasileira, criada no regime fundacional para que pudesse escapar do enrijecimento organizacional das demais universidades federais.

O período que vai de 1945, fim do Estado Novo, até a década de 1960 vê um certo impulso na atividade de pesquisa, fato que mantém aceso o ideal de uma universidade voltada à produção científica, mas, também, presencia a proliferação de instituições superiores voltadas à formação profissional, principalmente, em detrimento da formação de docentes-pesquisadores.

É nesse contexto que a Reforma Universitária de 1968, empreendida pelo regime militar que ascendeu ao poder após o golpe de 1964, vai moldar a estrutura do ensino superior e, segundo Cunha, propiciar "condições institucionais para a efetiva criação da instituição universitária no Brasil, onde, até então, existiam somente faculdades isoladas ou ligadas por laços mais simbólicos do que propriamente acadêmicos."164 A nova face do ensino superior nesta década formou-se com base em diretrizes governamentais que instituíram a departamentalização, o regime de créditos e mudanças no território com a concentração em campi de faculdades localizadas em regiões diferentes das cidades.

Segundo Forget165, este período que se inicia com o Golpe Militar de 1964 tem como característica a elaboração de uma política de desenvolvimento econômico e segurança nacional e, com isso, acaba empreendendo ações que procuram eliminar toda e qualquer forma de resistência às suas determinações. Neste caminho, a partir de 1964 "o governo militar se fará através da promulgação de decretos"166. Tal fato é constatado no âmbito do ensino superior. Cunha167 nos diz que após 20 anos de ditadura militar o saldo foi 17 atos institucionais, 130 atos complementares, 11 decretos secretos e 2.260 decretos-leis. As reformas empreendidas estavam de acordo com os interesses que regeram o golpe militar e estruturaram-se em um contexto específico visando a interesses externos.

A tomada do poder no Brasil em 1964 não foi um simples golpe latino-americano, nem mais um pronunciamiento, e sim uma articulação política de profundas raízes internas e externas, vinculada a interesses econômicos sólidos e com respaldos sociais expressivos. Não foi coisa de amadores. Tanto é assim

163 CUNHA, L.A. Ensino Superior... p. 176 164 CUNHA, L.A. Ensino Superior... p. 178 165 FORGET, Danielle. Conquistas e resistências do poder. São Paulo: Editora da USP, 1994. p. 62. 166 FORGET, Danielle. Conquistas e resistências... p. 63. 167 CUNHA, Luiz Antonio. "Educação" pela repressão. In: CUNHA, L.A. e GÓES, M. de. O golpe na educação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. p. 36

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que, passados os primeiros momentos de perplexidade, o novo Estado emergiu do figurino do IPES com objetivos programados, metas estabelecidas e, naturalmente, com os homens que se apossaram do poder.168

Em 1968, o IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) coordenou junto com a PUC do Rio de Janeiro um fórum que pudesse delinar o perfil de educação que se procurava. Na Apresentação do documento produzido a partir do fórum e intitulado "A Educação que nos Convém", menciona-se a articulação ordenada e calculada do movimento estudantil que se iniciou em Paris, na primavera de 1968, e que também teve repercussões no Brasil. Lembrando que "entre as razões, boas e más, para o desencadear da campanha estudantil, destacam-se as relacionadas com a extensão e a qualidade da Educação prevalente no Brasil" houve o interesse por parte destas duas Instituições em esclarecer e definir "o tipo de educação conveniente aos interesses brasileiros".169 A crise que culminou com o golpe era tanto social quanto econômica e política. Os interesses estrangeiros capitalistas encontraram, a partir de 1964, espaço para atuar em diversos níveis, principalmente o econômico. As ações do governo autoritário influíram no sistema educacional, considerando que a nova estrutura tecnocrática e autoritária necessitava reprimir toda forma de oposição, não somente aos inimigos comunistas, e no espaço universitário a educação deveria prevenir a fermentação de idéias opostas ao estado que o novo regime queria perpetuar.

É nesse sentido que podemos pensar que o modelo universitário que hoje conhecemos em fins dos anos de 1990 foi desenhado neste contexto onde os interesses estrangeiros influenciavam todos os níveis e, na área da educação, consolidou-se um regime tecno-burocrata que procurou maximizar o desempenho econômico e o aspecto da legalidade. Estes interesses redundaram em reformas no ensino superior que demandaram, por parte do presidente Costa e Silva, turnês por diversas Universidades visando a sua implementação.170

Em 1968, promulga-se a Lei 5540/68 que trata da organização das Instituições Superiores (IES), cujos aspectos são de interesse para este trabalho. Desde o início, a formação de IES no Brasil tem se caracterizado pela forma de Instituição Isolada de Ensino e os esforços empreendidos tanto pelo Governo quanto pelos intelectuais em implantar uma Universidade no país não apresentavam a mesma sintonia. Assim, projetos viáveis, pensados no interesse de formar uma estrutura acadêmico-científica,

168 GÓES, Moacir de. 1964-Os acordos MEC-USAID: em direção aos "anos de chumbo". In: CUNHA, L.A. e GÓES, M. de. O golpe na educação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. p. 32. 169 PAIVA, Glycon. Apresentação. In: INSTITUTO DE PESQUISAS E ESTUDOS SOCIAIS & PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA/RJ. (orgs.) A educação que nos convém. Rio de Janeiro: APEC Editora, 1969. p. III. 170 FORGET, Danielle. Op. cit. p. 62

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naufragaram em virtude de ações governamentais que privilegiavam outras instituições mais subservientes aos seus interesses.

Em 1968, a forma de organização universitária foi privilegiada. As Instituições Isoladas deveriam, necessariamente, organizar-se formando Universidade ou Federação, ou juntar-se a uma outra Universidade já existente, passando a fazer parte dela. Estas determinações configuraram um novo quadro para o ensino superior. No entanto, não foi fechada a possibilidade de se criarem Instituições Isoladas e, por isso, estas continuaram a proliferar no país.

Vale ressaltar ainda que neste período, com base no modelo norte-americano, estruturaram-se os programas de pós-graduação que se constituíram em um novo segmento de ensino e pesquisa no país. Estes programas representaram verdadeiras "ilhas" em meio a uma estrutura arcaizante e seu propósito, desde o início, era a formação de pesquisadores que logo eram aproveitados como docentes na graduação em um processo que minou paulatinamente o regime de cátedra e o poder dos catedráticos em escolher seus auxiliares e assistentes. Para o sucesso deste empreendimento, foram muitos os intercâmbios com a Europa e os Estados Unidos e muitos pesquisadores vieram para o país como professores visitantes e muitos brasileiros foram para o exterior cursar a pós-graduação. O interesse nesses programas era reflexo de um plano de carreira que estabelecia quatro categorias de docentes universitários: professor auxiliar, professor assistente, professor adjunto e professor titular. Apesar de a legislação permitir uma mudança de categoria com base em um processo de avaliação interna, a obtenção do título de mestre garante o enquadramento como professor assistente e o de doutor como professor adjunto. 171

Trinta anos depois, o cenário nacional viu o apogeu e o declínio do regime militar, presenciou outras reformas no ensino, mas que sempre vinham associadas ao ideário de 1968. Por isso, depois da Abertura iniciada no Governo do General Figueiredo, no início dos anos de 1980, os caminhos conduziam para a eleição do primeiro presidente civil em 1989.

Na última década do século XX, diante das mudanças do quadro sócio-político vê-se a necessidade de pensar em outra reforma do ensino em todos os níveis. Outros tempos, outras formas de conduzir os processo educacionais. As Instituições que nasceram com a Reforma de 1968 continuavam sua trajetória e agora deveriam adaptar-se às novas políticas governamentais para a área. Assim, segundo Cunha, desde 1995 o

171 CUNHA, L.A. Ensino Superior... p. 184-186.

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Governo empreende atividades reformadoras em todos os níveis de ensino.172

Em 20 de dezembro de 1996 é promulgada a Lei 9394, a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. E, como nos diz Saviani, sua situação é no mínimo curiosa, pois, antes de ser promulgada, alguns de seus artigos já estavam regulamentados: a Lei 9131 de 25/11/1995; a emenda constitucional nº 14, aprovada em setembro de 1996 e, por sua vez, regulamentada pela Lei 9424 de 24/12/1996 tendo, portanto, tramitado junto com a LDB; a Lei 9192/95 de 21/12/1995 que trata da escolha dos dirigentes universitários e o Decreto 2026 de 10/10/1996 que versa sobre a avaliação dos cursos e instituições de ensino superior.173

Tal situação parece refletir a premência de uma nova ordenação legal que cuidasse de organizar o ensino em seus vários níveis, principalmente o superior, em um novo contexto econômico-político do qual a antiga Lei 5540/68 não conseguia dar conta. Assim, estes decretos anteriores e simultâneos à LDB, assim como os posteriores, vão formar o quadro que regula atualmente os vários níveis de ensino e, também, redefinir o papel do Governo nesta estrutura organizacional.174

A estrutura do ensino superior começou a redesenhar-se em função de uma estratégia que procurava hierarquizar as IES em cinco níveis: a) universidades; b) centros universitários; c) faculdades integradas; d) faculdades; e) institutos superiores ou escolas superiores. No entanto, a criação de universidades continua dentro dos padrões antigos, ou seja, a partir de instituições preexistentes.

A novidade representada nesta hierarquia reside na criação dos centros universitários que, considerando suas funções, podem ser entendidos como "universidades, onde não se desenvolve pesquisa", o que seria um eufemismo para as universidades de ensino, se adotarmos a divisão na categoria universidade.175 *

Dentro dos projetos governamentais desenhou-se, também, um grande plano de avaliação do ensino superior que englobava diferentes estratégias, incluindo a avaliação institucional que poderia ser empreendida pela própria instituição com base no

172 CUNHA, L.A. Ensino Superior... p. 189. 173 SAVIANI, Demerval. Da nova LDB ao novo plano nacional de educação. Campinas, São Paulo: Autores Associados, 1998. p. 3. 174 SAVIANI, Demerval. Da nova LDB.... p. 7 175 SAVIANI, Demerval. Da nova LDB.... p. 14. * A divisão entre universidade de pesquisa e universidade de ensino representa uma classificação que tem como diretriz a vocação institucional. Já em 1968 quando a efervescência estudantil chegou aos Estados Unidos, Robert Paul Wolff escreveu um livro no qual já mostrava, na realidade norte-americana, a convivência entre quatro modelos de universidade: a) a universidade como santuário de saber; b) a universidade como campo de treinamento para as profissões liberais; c) a universidade como agência de

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Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileira - PAIUB lançado pelo MEC em 1992, no Exame Nacional de Cursos denominado provão, e na avaliação dos programas de pós-graduação realizada pela CAPES.

As perspectivas que se oferecem quando chegamos em 1999 são delimitadas pelo horizonte deste ordenamento legal, o que não é muito diferente das outras épocas na quais a estrutura do ensino no Brasil sempre se regulou a partir do Governo Federal. As questões que emergem no panorama daquele ano relacionam-se, principalmente, à autonomia, à pesquisa, ao credenciamento, ao financiamento e à avaliação.

A primeira questão já estava presente na Lei 5.540 de 1968. Atualmente, os embates em torno do tema refletem duas visões ou posições antagônicas: a autonomia que o Governo Federal pensa ou quer para o ensino superior e a autonomia que os órgãos de classe como a Associação Nacional dos Docentes - ANDES, por exemplo, e os segmentos universitários pensam ou querem para si. A escolha do dirigente universitário e a gestão dos recursos são indicadores de como a autonomia constitui um ponto delicado nas relações entre o governo e as universidades devido aos interesses envolvidos.

A implementação da pesquisa e sua indissociabilidade com o ensino sempre foi o objeto de desejo da intelectualidade brasileira. Isto também estava previsto na Lei 5540 de 1968, e sua articulação com a pós-graduação representou, desde aquele período, o motor de renovação da universidade. Em 1999, eis que tal questão vê-se ameaçada pelos sucessivos cortes orçamentários, pouco investimento por parte do Governo e pela associação com o mercado, fazendo com que as pesquisas comecem a ser enfatizadas conforme a demanda externa.176 No que tange ao financiamento e à avaliação, sua articulação por intermédio de diretrizes que levaram o Governo a liberar mais verbas àquelas Instituições que obtiverem melhor desempenho neste setor, pode levar a um beneficiamento daquelas situadas no eixo Rio de Janeiro-São Paulo.177

O credenciamento também se vê atrelado a esta política de avaliação e passa a constituir um motivo de preocupação, pois a articulação destes três fatores acaba constituindo um círculo vicioso que uma instituição mal avaliada não conseguirá vencer, em função da diminuição dos recursos orçamentários que, então, seriam necessários como nunca para que ela melhoresse seu desempenho em todos os níveis.

prestação de serviço; d) a universidade como linha de montagem para o homem do sistema. (WOLFF, Robert Paul. O ideal da Universidade. São Paulo: Editora Universidade Paulista, 1993. p. 27) 176 CUNHA, L.A. Ensino Superior... p. 198. 177 CUNHA, L.A. Ensino Superior... p. 197.

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Tópicos conclusivos

O panorama do ensino superior no país que se procurou mostrar neste capítulo deu ênfase ao nascimento e crescimento da instituição universitária apontando a formação de uma filosofia que lhe garanta uma identidade e uma forma de atuação próprias, articulada com uma longa tradição de ditames legais que procuraram ordenar seu funcionamento.

O ensino superior no Brasil demorou a tornar-se uma realidade, em virtude, principalmente, das ordens da Coroa Portuguesa. Sem uma tradição muito longínqua no tempo, pois a primeira universidade data do início do século XX, floresceram no Brasil as Instituições Isoladas de Ensino que cumpriam um papel determinado: capacitar os profissionais como arquitetos, médicos, engenheiros, entre outros, necessários a uma nação em crescimento.

Quando iniciamos a República, a idéia de Universidade ainda encontra resistência no meio intelectual brasileiro, no entanto, já em meados da década de 20 do século XX, os debates fomentados pela Associação Brasileira de Educação e a Acadêmica Brasileira de Ciências já apontavam para a questão da pesquisa como fundamental para a formação superior.

Em 1920, é instituída, a partir da reunião de três Instituições, a Universidade do Rio de Janeiro futura Universidade do Brasil, que muitos consideram a primeira universidade brasileira.

A formação de universidades no Brasil, a partir da união entre Institutos Isolados de Ensino, tornou-se uma tradição que pouquíssimas instituições, como a Universidade de Brasília, conseguiram quebrar.

Outro ponto de destaque neste quadro é as ações governamentais que, com uma imensa constância, orientaram os caminhos do ensino superior no país, com um ordenamento legal que enquadrava as instituições superiores, reorientando seus procedimentos e atividades.

Podemos dizer que a estrutura universitária como esta que temos atualmente é algo muito recente no país e formou-se a partir de uma série de procedimentos governamentais que pensaram para o ensino superior inúmeros projetos sempre mantendo-o subjugado aos seus interesses. Entre a reforma de Capanema da década de 30, a Lei 5.540 e a Lei 9394 vão-se cerca de 60 anos de interesses externos e governamentais em embate com a intelectualidade brasileira que pensava seriamente em uma universidade calcada em uma pesquisa forte e estruturada, associada a um ensino

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de graduação que fosse, realmente, um espaço de reflexão. Deste período, metade foi o suficiente para a Instituição em foco neste estudo nascer, crescer e repensar seus caminhos.

3.2 – 1969-1979: O período de gestação

Anteriormente, destacamos que uma leitura inicial de nossas fontes apontou-nos para a idéia de denominar gestação o período que vai de 1969 a 1979. Tal justifica-se em virtude de este espaço temporal abarcar da criação da FEFIEG à mudança para Universidade, e, também, por ser palco de uma série de ajustes e transformações que formaram o que seria a base da UNIRIO.

O contexto político do período de gestação é marcado pelo Golpe Militar de 1964. Denielle Forget, em seu livro Conquistas e Resistências do Poder, analisa o discurso político no Brasil desde esta época até a campanha pelas diretas, em 1984. Neste estudo, ela destaca dois acontecimentos de real importância nos discursos políticos em fins da década de 1960: o AI-5 e a Reforma do Ensino Superior.

É nesse contexto da Reforma de 1968, cujas transformações mudariam a face das Instituições de Ensino Superior à época, que surge a FEDERAÇÃO DAS ESCOLAS FEDERAIS ISOLADAS DA GUANABARA - FEFIEG, futura UNIVERSIDADE DO RIO DE JANEIRO. Neste sentido, ela pode bem ser considerada fruto de sua época. E mais; além de refletir as determinações legais pensadas para o ensino superior no período da ditadura militar, ela nasce com uma marca que a destaca, que a torna peculiar: o organização sob a forma federativa.

Neste subitem, estaremos enfocando algumas marcas deste período e para tal delimitamos algumas temáticas que procuram dar conta de nossos objetivos.

A FEFIEG nasceu em 20 de agosto de 1969. Esta afirmação está relacionada tanto ao aspecto legal, por ser esta a data do Decreto 773/69 que provê sobre a sua criação, quanto aos aspectos institucionais. Antes desta data, a FEFIEG não existia como instituição, no sentido em que ela está concebida neste trabalho. Por força de um decreto, ela aproxima-se, considerando seu nascimento, das instituições que surgem em virtude de determinações legais. Tal quadro não será aquele encontrado em 1979 quando a Federação torna-se Universidade. Aqui, há um caminho já trilhado pelas Escolas que vieram formar a Federação; uma trajetória de convivência, de relações que se estabeleceram durante dez anos.

A FEFIEG no seu início congregava 07 estabelecimentos isolados de ensino, conforme estabelecido no Decreto supra-citado,

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I – A Fundação Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro II – A Escola de Enfermagem Alfredo Pinto III – A Escola Central de Nutrição IV – O Curso Superior de Teatro, do Serviço Nacional de Teatro V – O Instituto Villa-Lobos VI – O Curso de Biblioteconomia, da Biblioteca Nacional VII – O Instituto Nacional do Câncer.

O Instituto Nacional do Câncer integrou a FEFIEG durante um período muito breve, cerca de dois anos, sendo reintegrado ao Ministério da Saúde em 16 de novembro de 1971.

Trata-se de um período em que a Reforma Universitária trabalhava no sentido de congregar instituições isoladas de ensino, conforme estabelecido na Lei nº 5540/68. Ela e outros dispositivos legais complementares marcaram o rumo do ensino superior, e tais determinações basearam o estabelecimento de várias universidades, públicas e privadas, no país. Em consulta on-line ao banco de legislação do Senado Federal, verificamos que no ano de 1969 foram criadas, autorizadas ou instituídas 06 Universidades, entre públicas e privadas, além da FEFIEG.

QUADRO 3.1 - Criação de Universidades Públicas e Privadas - Ano: 1969 INSTITUIÇÃO LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA

Federação da Escolas Isoladas do Estado da Guanabara

Instituída pelo Poder Executivo, através do Decreto-Lei 773 de 20/08/1969, sob a forma jurídica de fundação de direito público, para reunir e integrar, estabelecimentos isolados de ensino.

Universidade Federal de Ouro Preto

Criada pelo Decreto-Lei 778/69, tendo em vista o disposto no artigo 10 da Lei 5.540/68. Constituída pelas Escola Federal de Minas de Ouro Preto (de 1960) e Escola Federal de Farmácia e Bioquímica de Ouro Preto (de 1950).

Universidade de Uberlândia Fundação de direito privado, autorizada pelo Decreto-Lei 762/69, tendo em vista o artigo 10 da Lei 5.540/68. Constituiu a UB a Faculdade Federal de Engenharia (de 1961), a Faculdade de Direito de Uberlândia (de 1960), a Faculdade de Ciências Econômicas de Uberlândia (de 1962), a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Uberlândia (de 1960) e o Conservatório Musical de Uberlândia (de 1967).

Universidade Federal de Pelotas Criada pelo Decreto-Lei 750/69, considerando o art. 52 da Lei 5.540/68, mediante a transformação e incorporação da Universidade Federal Rural do Rio Grande do Sul, e das Faculdades de Direito e de Odontologia e do Instituto de Sociologia e Política.

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QUADRO 3.1 - Criação de Universidades Públicas e Privadas - Ano: 1969 (cont) INSTITUIÇÃO LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA

Universidade do Vale do Rio dos Sinos

Fundação de direito privado, autorizada pelo Decreto-Lei 762/69, nos termos do artigo 7 da Lei 5.540/68. Constituída pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Leopoldo e pela Faculdade de Economia do Vale do Rio dos Sinos.

Universidade Federal de Viçosa Instituída sob forma de Fundação pelo Decreto-Lei 570/69, conforme os artigos 4º, 8º e 11 da Lei 5.540/68. A ela foi incorporada a Universidade Rural de Minas Gerais.

Universidade do Rio Grande Fundação de direito privado autorizada pelo Decreto-Lei 774/69 tendo em vista o disposto no artigo 10 da Lei 5.540/68, sendo constituída, por força de decreto, pela Escola de Engenharia Industrial do Rio Grande, Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas do Rio Grande, Faculdade de Direito "Clóvis Beviláqua", Faculdade Católica de Filosofia do Rio Grande.

A criação, autorização ou instituição (diferentes são os termos empregados pelos decretos) destas Universidades justifica-se, legalmente, face às disposições da Lei 5.540/68. Tais disposições são as mesmas que justificam a criação da FEFIEG sob a forma federativa.

Art. 8º Os estabelecimentos isolados de ensino superior deverão, sempre que possível incorporar-se a universidades ou congregar-se com estabelecimentos isolados da mesma localidade ou de localidades próximas, constituindo, neste último caso, federações de escolas, regidas por uma administração superior e com regimento unificado que lhes permita adotar critérios comuns de organização e funcionamento.

Tal disposição está explícita nos parágrafos iniciais do Decreto-Lei 773/69:

Considerando a existência, no Estado da Guanabara, de estabelecimentos isolados de ensino superior pertencentes ao sistema federal;

Considerando, que é diretriz da Reforma Universitária a associação de instituições de ensino em entidades de nível universitário ou federativo, conforme as características próprias em cada caso [...]178

Ao afirmarmos a vinculação da FEFIEG à sua época, o fazemos também face à peculiaridade da forma federativa que surge na possibilidade aberta pelo artigo 8º.

A formação de Universidades a partir da congregação de instituições isoladas não era uma novidade no quadro do ensino superior.* A forma federativa, que o dispositivo

178 BRASIL. Decreto-Lei 773 de 20 de agosto de 1969. Provê sôbre a criação da Federação das Escolas Isoladas do Estado da Guanabara (FEFIEG), e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 21/08/1969. Disponível em www.senado.gov.br/servlets.

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legal facilitava, poderia nunca ter sido efetivamente colocada em prática se a FEFIEG não tivesse surgido.

Vamos então, a partir dos passos metodológicos propostos, procurar as imagens desta Federação, do seu nascimento peculiar e da idéia de gestação representada pela concepção de que a Federação era uma fase intermediária até à Universidade. Como já foi estabelecido, utilizamos como base o conjunto de atas do período de 1969-1979 e os demais elementos textuais auxiliam na compreensão e contextualização dos sentidos produzidos nas atas.

Pela fase de impressão e desfragmentação passaram 132 atas** de reuniões realizadas pelo Conselho Federativo (C.F.) entre 1969 e 1979, e 13 atas do Conselho de Ensino e Pesquisa (C.E.P.) criado em 1977 como parte dos preparativos de adaptação à nova forma universitária. (Anexo 2)

Em função dos dois termos-pivôs – Federação e Universidade - foram selecionados enunciados que arregimentavam sentidos diversos. No entanto, tais enunciados puderam ser conjugados em dimensões que representavam as temáticas que predominavam. No trabalho de seleção, foram descartados os enunciados nos quais os termos-pivôs compunham as fórmulas de abertura e encerramento das atas e os nomes de outras instituições, pois neste caso o termo universidade não se referia à UNIRIO.

Sendo assim, destacamos as seguintes temáticas como condutoras da nossa leitura/análise:

1) nascimento da instituição: os enunciados acerca das origens da FEFIEG.

2) projeto de transformação em universidade: os enunciados que marcam o surgimento e desenvolvimento da idéia de transformação em Universidade.

3) conflitos internos: enunciados que marcam situações de tensão entre a administração superior e outra(s) facçõe(s).

4) ditames externos: enunciados acerca das questões que determinam as adequações necessárias aos condicionantes externos.

* Isto já foi demonstrado no subcapítulo 3.1 ** O trabalho que nos propomos implica, entre outras estratégias, a delimitação do locutor (L) do enunciado, aquele que exerce a atividade lingüística. Considerando que estamos trabalhando com discurso relatado, ou seja, as atas representam os discursos de outros, optamos por não considerar o papel do redator do documento, que seria o responsável pela materialização do enunciado de uma outra pessoa.

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5) afirmação institucional: enunciados representativos de estratégias elaboradas para o estabelecimento dos símbolos da Federação e das menções acerca da Federação, seus membros e suas atividades.

Este grupo de temáticas procura oferecer subsídios ao quadro que iremos delinear acerca da construção identitária da UNIRIO. Assim, focalizamos sua origem e os esforços envidados para se constituir como uma Instituição de Ensino Superior adequando-se aos ditames externos; relacionamos seu projeto de tornar-se Universidade; destacamos os conflitos internos detectáveis a partir das relações estabelecidas em nível de Conselho Superior, por serem eles, também, elementos formadores; e, finalmente, selecionamos os elementos que apontam para uma afirmação institucional, necessária neste período inicial de formação. Tais orientações procuram abarcar o discurso acerca da trajetória, da missão e das realizações da Instituição, opção já apontada no capítulo anterior, e a nossa problemática, considerando a questão da identidade institucional e a atuação dos grupos.

Nas análises que se seguirão, é possível observar que estas temáticas cruzam-se em muitos pontos. Os condicionantes externos, por vezes, geram os conflitos internos, e a idéia de universidade mantém ligações com a temática acerca do nascimento da Federação.

Optamos por apresentar somente os enunciados mais representativos de cada temática de forma a desenvolver nossas análises.

Nascimento da instituição

A partir da leitura dos enunciados acerca das origens da FEFIEG, é possível observar que as referências ao seu "nascimento" começam a circular com o passar do tempo, mais precisamente, próximo ao fim da primeira gestão, sob a presidência do Professor-Médico-General Alberto Soares de Meirelles, que cobriu o período de 1969 a 1974.

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QUADRO 3.2 – ENUNCIADOS ANALISADOS SOBRE NASCIMENTO DA INSTITUIÇÃO

Documento Enunciado Ata da 50ª sessão CF, em 04/09/1973

No expediente, o Sr. Presidente diz que como todos sabem o Senador Tarso Dutra foi quem criou esta FEDERAÇÃO, em mil novecentos e sessenta e nove, quando era Ministro da Educação e Cultura do Governo Costa e Silva, e o atual Ministro, Senador Jarbas Gonçalves Passarinho, a frente desse mesmo Ministério tem se destacado pela sua lúcida e operosa gestão, procurando mostrar, por suas palavras e atos, a importância da educação no desenvolvimento do país, daí propor para ambos o título de “Doutor Honoris Causa”. O Conselheiro Mendes Monteiro propõe e é aprovado que se faça a aprovação por aclamação. O Conselheiro Remi Gorga, na oportunidade manifesta o seu entusiasmo, mostrando-se feliz por ter sido lembrado o nome do Senador Tarso Dutra do qual tive a honra de ser Secretário particular.

Ata da 53ª sessão CF, em 19/10/1973

Ainda pela ordem diz o Conselheiro Caetano Dias que é insuspeito para falar, [...] daí propor que, no interesse da própria administração e tendo em vista o verdadeiro milagre que o Sr. Presidente conseguiu fazer, criando esta FEDERAÇÃO sem sede e sem recursos, colocando-a na situação atual que todos conhecem, continue ele no exercício das funções até que seja designado o seu substituto legal, por Decreto.

Ata da 60ª sessão CF, em 21/02/1974

No expediente, o Sr. Presidente diz que esta é a sexagésima reunião do Conselho, que coincide com o final de sua gestão na Presidência. Refere-se as dificuldades encontradas para a criação e implantação da FEDERAÇÃO, no 2º semestre de 1969, sem verbas e sem pessoal, e acrescenta que para ele não foi surpresa, pois no Brasil tudo é assim, feito às pressas sem planejamento adequado, tudo levado pela necessidade e pelo entusiasmo do momento; refere que, sabendo de tudo, dos defeitos, e das dificuldades, aceitou o encargo de Presidir a Instituição com idealismo e entusiasmo, pois fora habituado a não desertar e não se arrecear do difícil e trabalhoso e a perseverar no cumprimento da missão, coisas que trouxe da sua longa vida militar; [...]

Ata 67ª sessão CF, em 20/08/1974

O Conselheiro Antonio Joaquim de Figueiredo parabenizou todos os professores da FEFIEG, em nome dos Representantes da Comunidade. Particularmente, ressaltou o trabalho do Professor Alberto Soares de Meirelles, “Alma Mater” da união de áreas tão heterogêneas, conseguida através da luta incessante contra os obstáculos.

Ata 67ª sessão CF, em 20/08/1974

O Conselheiro Alberto Soares de Meirelles usou a palavra para dizer do seu orgulho em ver a FEFIEG crescendo tão rapidamente. A FEFIEG que ele criou; nascida debaixo de um arvoredo - nos jardins do Palácio Laranjeiras - de uma conversa entre o então Presidente da República, Arthur da Costa e Silva, o Ministro da Educação, Tarso Dutra, e ele. O nome de FEDERAÇÃO, foi ele quem deu, e o Presidente da República - Arthur da Costa e Silva — Batizou-a carinhosamente: A Federação de Meirelles. Deu tudo certo, e, nas próprias palavras dele, Professor Alberto Soares de Meirelles: [...] O Conselheiro Jayme Ribeiro da Graça emocionou-se com as palavras do Conselheiro Alberto Soares de Meirelles que lhe levantaram o véu da saudade, e foram estas as suas palavras: “ A FEFIEG nasceu pelas mãos do Presidente Costa e Silva. Nasceu pelas mãos da Bondade. Via-se nele a alma do Gaúcho. E a FEFIEG trouxe consigo esta bondade. [...]

Ata 68ª sessão CF, em 19/09/1974

[O Presidente B. de Paiva] Ainda no expediente, convidou os Srs. Conselheiros para comparecerem, no dia 20 de setembro, ao Instituto Biomédico - as 11 horas - e ao Instituto Villa Lobos - às 19:30 horas - para as homenagens ao Conselheiro Alberto Soares de Meireilles, que encerrou sua carreira por força de Lei. “Mestre, Médico, Militar, Meirelles — Mestre no ensino da Medicina; médico na prática da maravilhosa ciência; militar serviço da Pátria, cumprindo as determinações da carreira e do Governo e, Meirelles - poeta - gerador da FEFIEG. A partir da Escola de Medicina Cirurgia do Rio de Janeiro, agrupou à sua volta outras Escolas, órfãs e abandonadas, e elevou-as a uma situação condigna.

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QUADRO 3.2 (continuação)

Documento Enunciado Ata 68ª sessão CF, em 19/09/1974

O Sr. Presidente cedeu a palavra ao Conselheiro Alberto Soares Meirelles que agradeceu pelas homenagens recebidas, demonstrando uma satisfação muito grande em ver o seu trabalho reconhecido; não só o seu, o de todos os seus companheiros. Disse não ser mérito de ninguém cumprir o seu dever. Ressaltou o trabalho de foice que foi definir a situação ao da FEFIEG. Congratulou-se com o Conselheiro Pernambuco de Oliveira por sua nomeação para Diretor da Escola de Teatro e, com Conselheiro Nilton Salles, pela nomeação do Professor Antar Padilha, como Vice-Diretor da EMCRJ. Despediu-se de todos agradecendo, mais uma vez, pelo reconhecimento ao seu trabalho e às suas realizações.

Ata 79ª sessão CF, em 21/08/1975

Com a palavra o Conselheiro Alberto Soares de Meirelles felicitou a todos e agradeceu pela colaboração que sempre desfrutou, desde os primeiros passos na FEDERAÇÃO, estendendo seus agradecimentos ao Sr. Secretário Geral, Alvaro Velloso dos Santos que com ele iniciou, não evitando esforços para o engrandecimento da FEDERAÇÃO.

O Conselheiro JAYME RIBEIRO DA GRAÇA teceu comentários sobre os seis anos de criação da FEFIEG, elogiando o General Alberto Soares de Meirelles seu criador, e o Professor JOSÉ MARIA BEZERRA PAIVA seu continuador dedicado e leal.

Ata 93ª sessão CF, em 09/12/1976

Em continuação, o Sr. Presidente explanou sobre a importância do momento que atravessa a FEFIERJ, uma vez que desde 1969, quando o General Alberto Soares de Meirelles unificou um grupo de Escolas Isoladas, até a presente data, vem a FEDERAÇÃO se dimensionando em sua estrutura, para atingir a meta prioritária que é sua transformação em UNIVERSIDADE. Informou que nos contatos realizados com o Sr. Edson Machado, Diretor do Departamento de Assuntos Universitários do MEC e Membro do Conselho Federal de Educação, lhe foi prometido que este projeto se tornará realidade brevemente. Agradeceu a colaboração e dedicação de todos os Conselheiros, Diretores e Assessores para a montagem da implantação do novo Estatuto, dirigindo os agradecimentos, em especial, ao Professor Francisco Alcantara Gomes Filho pela colaboração prestada a fim de que, no 1º semestre de 1977, possa a FEFIERJ contar com o Centro de Tecnologia. Enfatizou o Sr. Presidente que a implantação da nova estrutura será realizada a médio e longo prazos, a fim de que as modificações possam ser realizadas sem prejuízos.

Ata102ª sessão CF, em 31/08/1977

Em continuação o Sr. Presidente relembrou o passado da FEDERAÇÃO, desde a sua criação pelo General Alberto Soares de Meirelles, até a presente data. Citando os resultados alcançados nesses oito anos de existência, afirmou estar a FEFIERJ apta, pelo seu desenvolvimento, a se transformar em UNIVERSIDADE. Nos quatro anos de sua gestão foram desenvolvidos assuntos relativos à definição do patrimônio, a criação dos Centros de Ensino e, com a aprovação do Ministério da Educação e Cultura através do Departamento de Assuntos Universitários e o Ministério da Justiça, a transferência do Curso de Museologia e Arquivologia para a FEDERAÇÃO. Finalizando o Prof. José Maria Bezerra Paiva demonstrou sua satisfação em ver a participação do alunado nas decisões da FEFIERJ, pedindo a cada estudante que se conscientize da grande responsabilidade que lhe cabe. Passando para Ordem do Dia, deu posse aos Membros eleitos para o Conselho de Ensino Pesquisa e aos Representantes dos Diretórios Setoriais.

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QUADRO 3.2 (continuação)

Documento Enunciado Ata 112ª sessão CF, em 09/03/1978

Retomando da palavra o Sr. Presidente convidou os Conselheiros presentes para a transmissão do cargo de Presidente da FEFIERJ ao Professor Guilherme de Oliviera Figueiredo, a realizar-se no Anfiteatro da Universidade Federal do Rio de Janeiro, dia 13 próximo, às 20:30 horas. Iniciando a Ordem do Dia o Professor B. de Paiva passou a palavra ao Prof. Guilherme de Oliveira Figueiredo, seu substituto e sucessor que enfatizou a não existência de uma despedida, pois o Prof. José Maria Bezerra Paiva continuará prestando serviços á FEFIERJ, ajudando-o a prosseguir o que foi iniciado pelo Benemérito Prof. Alberto Soares de Meirelles e, num curto espaço de tempo, transformar a FEDERAÇÃO na UNIVERSIDADE que ela merece ser. Lamentou apenas, a redução sofrida na jornada de trabalho do Prof. B.DE PAIVA, tendo em vista sua matrícula na Escola Superior de Guerra. Com os agradecimentos aos Professores Alberto Soares de Meirelles e Jose Maria Bezerra Paiva, pelo muito que fizeram pela FEFIERJ encerrou seu pronunciamento, devolvendo a palavra ao Presidente que, após esclarecer sobre o convite que lhe fora feito pelo Excelentíssimo Senhor Ministro da Educação e Cultura, para que cursasse a Escola Superior de Guerra, fez, ainda, um sucinto relato das atividades desenvolvidas em sua gestão.

Ata 126ª sessão CF, em 21/06/1979

Na ordem do dia o Sr. Reitor referiu-se aos novo membros do Conselho de Curadores, Italo Viviani Matoso, Professor Titular da Disciplina Bioquímica do Curso Básico do Centro de Ciências da Saúde, Afrânio dos Santos Coutinho, Professor da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Carlos Israel Mozer Penha, advogado da Secretaria de Planejamento da Presidência da República. O Professor Guilherme Figueiredo teceu comentários sobre as personalidades em causa, referindo-se a grande honra com que esta UNIVERSIDADE recebe aqueles conselheiros. Em continuação o Sr. Reitor dirigiu-se ao plenário para relatar os acontecimentos que envolveram a transformação da FEFIERJ em UNIVERSIDADE, congratulando-se com o Conselheiro Alberto Soares de Meirelles que, movido de grande inspiração reuniu, em mil novecentos e sessenta e nove, algumas escolas isoladas de ensino superior criando e dirigindo, com amor e carinho, a Federação das Escolas Isoladas do Estado do Rio de Janeiro. Enfocou ainda os diversos estágios por que passou o anteprojeto de transformação em Universidade, inclusive sobre o movimento de alguns professores desavisados, do Centro de Artes. Mas, apesar das dificuldades surgidas e graças a atuação brilhante e dedicada do Conselheiro Milton Antônio Aguiar, Vice-Reitor da UNI-RIO, que apresentou sugestões ao projeto tendo a matéria sido aprovada, sem mais emendas, e sancionada pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República. Agradeceu também a colaboração de todos os Professores e funcionários pela conjunção de esforços que resultou na criação da Universidade do Rio de Janeiro.

Professor Alberto S. Meirelles Catálogo /Boletim da FEFIEG Ano 1974

Estabelecida em 1968 a Reforma Universitária e efetivada por um conjunto de leis e decretos-leis, faltava criar, para modelo, uma Federação de Escolas, recomendada pela Lei nº 5.540. Era uma experiência pioneira que deveria reunir todas as Escolas Isoladas Federais, situadas nesta cidade, numa primeira fase, para atingir depois a Universidade. Foi assim, que, pelo Decreto-Lei nº 773, de 20 de agosto de 1969, foi criada a Federação das Escolas Federais Isoladas do Estado da Guanabara (FEFIEG). Tive a ventura e a honra de, tendo idealizado e preparado a sua criação, ser designado seu primeiro Presidente. Enfrentando as maiores dificuldades, explicáveis pelas circunstâncias da própria criação de uma entidade nova, na nova legislação universitária, conseguimos, mercê de Deus, e sempre servido pela inigualável colaboração dos Diretores das Escolas incorporadas.

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PAIVA, J.M. B. Catálogo da FEFIEG, 1976. p. 11.

No espaço de sete anos de vida desta Federação [...] vários foram os nomes que tornaram possível o seu encaminhamento para o status de universidade na nova geografia carioca. Dentre aqueles, um nome que servirá como símbolo do esforço de todos: o ilustre professor Alberto Soares de Meirelles, primeiro presidente, que ficará na tradição e no respeito de tantos quantos, pósteros, lembrarem-se de ontem. Médico, militar, mestre, coordenando idéias e planejando reformas, foi o batalhador incansável. Conseguiu salvar do isolamento estéril os vários cursos e escolas que, subordinados a ministérios diversos, não poderiam mais sobreviver institucionalmente após a decisão maior da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. [...] É, pois, obrigação de todos os que formam hoje esta organização lembrar permanentemente a figura do professor Meirelles, ainda hoje, aposentado, seu colaborador, pelo benefício que trouxe, unindo todos na busca patriótica universitária nacional.

Os 80 anos da primeira Escola de Biblioteco- nomia do Brasil. 1991. p. 21.

O General-médico e Professor Alberto Soares de Meirelles foi encarregado pelo Ministro da Educação e Cultura, Tarso Dutra, do Governo Costa e Silva, de unificar em órgão de ensino superior várias escolas isoladas que funcionavam no antigo Estado da Guanabara.”

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A primeira referência ao nascimento da Federação é feita pelo próprio Professor Meirelles, em 1973, ao afirmar que foi o Ministro Tarso Dutra quem a criou. Ainda no mesmo ano, com pouco intervalo de tempo, a segunda referência já coloca o Professor Meirelles como criador da Federação. A partir deste momento, quanto maior a distância temporal, mais "românticos" são os contornos e as cores que cercam este nascimento. Ao longo das atas encontramos menções ao papel fundamental do Prof. Alberto Soares de Meirelles, idealizador da Federação, que transformam o primeiro Presidente no único agente do processo e a FEFIEG em obra de um único homem que enfrentou inúmeras dificuldades para edificá-la. Vejamos alguns elementos textuais que funcionam nesta produção de sentidos.

Quadro 3.3 – Criação da Federação como obra individual – produção de sentidos

Complementos Sujeito da ação Ação O quê Como

Prof. Alberto Soares de Meirelles

criar

unificar

agrupar

...a partir da EMCRJ, outras Escolas órfãs e abandonadas...

... áreas tão heterogêneas...

... grupos de Escolas Isoladas...

...algumas Escolas Isoladas...

sem sede, sem recursos

sem verbas, sem pessoal

trabalho de foice

Estes elementos, selecionados a partir das ocorrências expostas no Quadro 3.2, apontam tanto para um único sujeito e para a expressão de sua ação através dos verbos criar, unificar e agrupar. O primeiro complemento refere-se ao produto expresso pela ação verbal, que no caso é a FEFIEG referenciada por intermédio de expressões que denotam uma natureza diferenciada e isolacionista para os elementos (Escolas, áreas) que a compõem. Cria-se, então, uma imagem: a do começo difícil, porém levado a cabo por um homem empreendedor, colocando a Federação como resultado de um trabalho personalíssimo.

A figura do primeiro Presidente, considerando sua relevância na construção da imagem que se forma acerca do nascimento da Federação, é esculpida com adjetivos que funcionam no mesmo campo semântico da idéia de geração e concepção: idealizador, alma mater e gerador. Tal operação é reforçada pelo uso dos adjetivos órfãs e

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abandonadas associados às Escolas que o Professor Meirelles unificou, pois estas não poderiam mais viver sozinhas. Assim, quando não era nomeado criador da Federação, o primeiro presidente era referenciado como salvador, que "agrupou à sua volta outras Escolas, órfãs e abandonadas", ou "salvou do isolamento estéril os vários cursos e escolas que, subordinados a ministérios diversos, não poderiam mais sobreviver institucionalmente". Além disso, o uso dos verbos reunir e unificar, do substantivo união, e da expressão salvar do isolamento estéril apontam para a necessidade de uma re-união fértil. Assim, uma linha temporal demarca o passado e o presente/futuro destas Escolas Isoladas tendo como ponto de referência o ano de 1969.

As Escolas/Unidades Fundadoras

Isoladas Unificadas

Estéreis 1969 Férteis

Abandonadas Amparadas

Retocam este retrato de nascimento difícil e necessário a todos algumas marcas que, no discurso, formam a idéia do nascimento romântico. Elegemos, neste caso, o trecho mais significativo: aquele que situa o nascimento da idéia de se formar uma Federação em uma conversa nos jardins do Palácio das Laranjeiras. "A FEFIEG que ele criou; nascida debaixo de um arvoredo - nos jardins do Palácio Laranjeiras - de uma conversa entre o então Presidente da República, Arthur da Costa e Silva, o Ministro da Educação, Tarso Dutra, e ele." Temos aí o jardim e o arvoredo; simbolismo caro às representações do arcadismo herdadas pelo romantismo com tênues significações. No entanto, não são somente estas imagens que vêm reforçar este espírito romântico. Temos ainda a alusão à pátria. Finalmente, o nascimento romântico é marcado, explicitamente, de forma oficial, no catálogo de 1976, através do título "Princípio Romântico" que encabeça o histórico da Federação.

No entanto, se na primeira referência, em 1973, a criação é atribuída pelo próprio Professor Meirelles ao Ministro Tarso Dutra, em outra, já no ano de 1991, o verbo criar cede lugar ao verbo unificar e a voz ativa, utilizada em todas as outras ocorrências, é substituída pela voz passiva. Neste caso, o agente da ação é o Sr. Ministro Tarso Dutra que encarrega o Professor Meirelles de uma tarefa. A distância com relação aos enunciados anteriores, estes sim próximos à época da criação da Federação, parece

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indicar que o tempo reduziu um pouco o brilho deste empreendimento. Retomando alguns trechos dos enunciados analisados, podemos atentar para o fato de uma imagem que se forma a partir do trabalho pessoal do Professor Meirelles, e que se transforma com o tempo. O epíteto de pai e salvador, justificado pelos termos criar e salvar, que marca o período inicial da Federação pode ser substituído, com o passar do tempo, pelo de agente do governo, encarregado pelo Ministro de unificar unidades isoladas.

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Projeto de Transformação em Universidade

QUADRO 3.4 – ENUNCIADOS ANALISADOS SOBRE A IDÉIA DE UNIVERSIDADE

Documento Enunciado Ata da 63ª sessão CF, em 02/05/1974

O Sr. Presidente, relatando sua viagem à Brasília, disse ter mantido contatos muito proveitosos com autoridades superiores do MEC, como o Sr. Secretário Geral e o Inspetor Geral de Finanças que deu a maior atenção a proposta orçamentaria da FEFIEG. Trouxe, como sugestão, a idéia da FEFIEG desenvolver uma política de alta rentabilidade, podendo, desse modo, adquirir a mobilidade característica das fundações, que somente será alcançada a partir do momento, em que a FEDERAÇÃO tomar um rumo altamente empresarial. [...] O Sr. Presidente agradeceu ao Conselheiro Jayme Ribeiro da Graça, que o acompanhou nesta viagem, ter conseguido que o Senhor Vice—Presidente da República, General Adalberto Santos Pereira os recebesse, interessando-se visivelmente pela transformação da FEFIEG em UNIVERSIDADE. Com re1ação a essa transformação, pretende caracterizar urgentemente um reexame do nosso regimento Unificado.

Ata da 79ª sessão CF, em 21/08/1975

O Conselheiro João Monteiro de Carvalho pediu a palavra para juntar-se aos cumprimentos dos demais Conselheiros, declarando que o grande ideal do primeiro Presidente da FEFIEG, ou seja, o de transformá-la em uma universidade, breve será uma realidade. Ressaltou ainda, que foi no Governo do Presidente Artur da Costa e Silva, respondendo pela pasta da Educação e Cultura o Deputado Tarso Dutra, que foi lançada a semente para a criação da Federação das Escolas Federais Isoladas do Estado da Guanabara.

Ata da 88ª sessão CF, em 03/06/1976

[O Presidente] Informou que dentro de aproximadamente seis meses, será levado ao Conselho Federal de Educação o projeto que transformará a FEDERAÇÃO em Universidade.

Ata da 89ª sessão CF, em 12/08/1976

Com a palavra o Prof. J. Monteiro de Carvalho saudou o Conselho Federativo — “Com a minha volta, consumada hoje ao Conselho Federativo, passei de novo a ser o homem contente de antes e mais agradecido a V. Exa. porque: a) Cumpriram-se os ditames que V. Exa. mesma espontâneamente pronunciara quando o coloquei a vontade sobre a minha reeleição claramente politizada. b) readquiri o privilégio de conviver num meio cujo ideal supera qualquer interesse politico partidário e pessoal. c) tranqüilizou-se-me a consciência de que algo que eu ignorasse pudesse honestamente me ter afastado deste Conselho que eu ajudei a criar e a manter com o mais puro dos desprendimentos pessoais e a mais fiel convicção de quem trabalhou sempre aqui, exclusivamente, pelo engrandecimento da FEFIERJ. d) muito obrigado meu caro B., obrigado meus amigos, obrigado Álvaro. Eu estou de volta para continuar lutando como antes pela nossa FEFIERJ futura Universidade, uma das melhores do Brasil de amanhã.

O Conselheiro Remi Figurelli Gorga congratulou—se com a FEFIERJ ao constatar já existir um projeto no Conselho Federal de Educação para transformar a FEDERAÇÃO em Universidade, possibilitando a criação de mais um centro cultural no Rio de Janeiro.

Ata da 92ª sessão CF, em 14/10/1976

Iniciando o expediente o Presidente comunicou a designação dos novos representantes estudantis, apresentando o Sr. Jadir Figueira Rossi, da Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, e o Sr. Alvaro Pereira, da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto. Em seguida, dirigiu-se aos jovens alertando-os para a importância do momento em que os mesmos passam a integrar o colegiado, uma vez que o objetivo é a transformação da FEDERAÇÃO em Universidade.

O Presidente informou sobre a aprovação do novo Estatuto, através da Lei n 96.363, de 23 de setembro do corrente ano, testemunhando seus agradecimentos ao Deputado Alvaro Valle, Presidente da Comissão de Educação da Câmara Federal, e aos Senadores Virgílio Távora e Magalhães Pinto. Enfatizou que a característica da nova estrutura da FEDERAÇÃO é a integração das escolas isoladas, agrupadas em Centros. Comunicou também a criação de um novo colegiado na FEFIERJ, Conselho de Ensino e Pesquisa, que tratará dos assuntos relacionados ao ensino, até então da competência da COSEPE.

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Em Assuntos Gerais o Presidente falou sobre o grande discernimento e a constante preocupação que o Prof. Annibal Nogueira tem tido para com o ensino superior no País, esclarecendo que a FEFIERJ encontrará solução para a implantação dos cursos de pós-graduação. Dirigiu-se, ainda, aos estudantes, observando que a FEDERAÇÃO deixou de ser um conjunto de escolas isoladas, para se transformar numa familia UNIVERSITÁRIA, solicitando que os alunos usem do diálogo franco e construtivo, numa real integração entre eles e as professores.

QUADRO 3.4 – (continuação)

Documento Enunciado Ata da 93ª sessão CF, em 09/12/1976

Em continuação, o Sr. Presidente explanou sobre a importancia do momento que atravessa a FEFIERJ, uma vez que desde 1969, quando o General Alberto Soares de Meireles unificou um grupo de Escolas Isoladas, até a presente data, vem a FEDERAÇÃO se dimensionando em sua estrutura, para atingir a meta prioritária que é sua transformação em Universidade. Informou que nos contatos realizados com o Sr. EDSON MACHADO, Diretor do Departamento de Assuntos Universitários do MEC e Membro do Conselho Federal de Educação, lhe foi prometido que este projeto se tornará realidade brevemente. Agradeceu a colaboração e dedicação de todos os Conselheiros, Diretores e Assessores para a montagem da implantação do novo Estatuto, dirigindo os agradecimentos, em especial, ao Professor Francisco Alcântara Gomes Filho pela colaboração prestada a fim de que, no 1º semestre de 1977, possa a FEFIERJ contar com o Centro de Tecnologia. Enfatizou o Sr. Presidente que a implantação da nova estrutura será realizada a médio e longo prazos, a fim de que as modificações possam ser realizadas sem prejuízos.

Ata da 98ª sessão CF, em 27/01/1977

Iniciando o expediente, o Presidente informou ao Conselho que, nos primeiros dias do mês corrente, recebeu visita informal do Exmº Sr. Ministro da Educação e Cultura e da Sra. Delegada Regional do MEC, tendo sido tratados durante o encontro assuntos relacionados com a transformação da FEDERAÇÃO em Universidade e a regularização dos imóveis da FEDERAÇÃO. Com sua viagem a Brasilia, na semana passada, foram iniciados os primeiros contatos para a transferência dos Cursos de Arqueologia e Museologia para a FEFIERJ. Comunicou, ainda, o Sr. Presidente que o ante-projeto do Regimento Unificado foi aprovado em parte, pelo Conselho Federal de Educação, estando a Presidência aguardando quais as exigências a serem cumpridas.

Ata da 101ª sessão CF, em 21/07/1977

Após a aprovação o Presidente perguntou aos Senhores Conselheiros se havia algo mais a tratar. A Conselheira Moema Renart de Brito solicitou seja designado um Grupo de Trabalho de Apoio à Comissão já encarregada dos estudos sobre o corpo Docente desta FEFIERJ, pedindo que fosse apontado um Professor de cada Centro. O Presidente, depois de discorrer sobre as dificuldades e pressões sofridas pela DEPE perante o DAU que de nós exigirá um outro comportamento administrativo quando nos transformarmos de Fundação em Universidade, falou dos andamentos dos trabalhos feitos pela Comissão e pediu competência para designar os três nomes solicitados pela Conselheira Moema Renart de Brito

Ata da 102ª sessão CF, em 31/08/1977

Em continuação O Sr. Presidente relembrou o passado da FEDERAÇÃO, desde a sua criação pelo General Alberto Soares de Meirelles, até a presente data. Citando os resultados alcançados nesses oito anos de existência, afirmou estar a FEFIERJ apta, pelo seu desenvolvimento, a se transformar em Universidade. Nos quatro anos de sua gestão foram desenvolvidos assuntos relativos à definição do patrimônio, a criação dos Centros de Ensino e, com a aprovação do Ministério da Educação e Cultura através do Departamento de Assuntos Universitários e o Ministério da Justiça, a transferência do Curso de Museologia e Arquivologia para a FEDERAÇÃO. Finalizando o Prof. José Maria Bezerra Paiva demonstrou sua satisfação em ver a participação do alunado nas decisões da FEFIERJ, pedindo a cada estudante que se conscientize da grande responsabilidade que lhe cabe. Passando para Ordem do Dia, deu posse aos Membros eleitos para o Conselho de Ensino Pesquisa e aos Representantes dos Diretórios Setoriais.

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QUADRO 3.4 – (continuação)

Documento Enunciado Ata da 2ª sessão CEPE, em 21/10/1977

O Presidente ao passar para o assunto do Quadro de Magistério, enfatizou que este é um delicado problema e gostaria de entregar ao seu sucessor, um quadro de magistério perfeitamente definido, pois a partir de março de 1978, iniciar-se-á na FEFIERJ uma nova sistemática no ensino com a concretização final do regime de créditos. [...] Passou a palavra ao Professor Guilherme de Oliveira Figueiredo que louvou o trabalho eficientíssimo das Professoras Moema Renart de Brito e Maria Augusta Paredes Bevilácqua e do Sr. Luiz Barroso Magno na elaboração do estudo sobre o quadro de magistério, que por si só, representa não apenas para a Vice-Presidência de Ensino, mas para toda a FEFIERJ, uma séria e grave demonstração do que nós queremos e devemos ser como Universidade. Dirigindo-se aos Conselheiros e à Presidência, o Conselheiro e Vice-Presidente de Ensino, pediu que fosse, desde logo, aprovado o quadro pelo que representará para o próximo Presidente da FEFIERJ.

Ata da 112ª sessão CF, em 09/03/1978

Retomando da palavra o Sr. Presidente convidou os Conselheiros presentes para a transmissão do cargo de Presidente da FEFIERJ ao Professor Guilherme de Oliveira Figueiredo, a realizar-se no Anfiteatro da Universidade Federal do Rio de Janeiro, dia 13 próximo, às 20:30 horas. Iniciando a Ordem do Dia o Professor B. de Paiva passou a palavra ao Prof. Guilherme de Oliveira Figueiredo, seu substituto e sucessor que enfatizou a não existência de uma despedida, pois o Prof. José Maria Bezerra Paiva continuará prestando serviços à FEFIERJ, ajudando-o a prosseguir o que foi iniciado pelo Benemérito Prof. Alberto Soares de Meirelles e, num curto espaço de tempo, transformar a FEDERAÇÃO na Universidade que ela merece ser. Lamentou apenas, a redução sofrida na jornada de trabalho do Prof. B.de Paiva, tendo em vista sua matrícula na Escola Superior de Guerra. Com os agradecimentos aos Professores Alberto Soares de Meirelles e José Maria Bezerra Paiva, pelo muito que fizeram pela FEFIERJ encerrou seu pronunciamento, devolvendo a palavra ao Presidente que, após esclarecer sobre o convite que lhe fora feito pelo Excelentíssimo Senhor Ministro da Educação e Cultura, para que cursasse a Escola Superior de Guerra, fez, ainda, um sucinto relato das atividades desenvolvidas em sua gestão.

Ata da 124ª sessão CF, em 19/03/1979

Nos Assuntos Gerais o Conselheiro Alberto Soares de Meirelles fez uso da palavra para congratular-se com o Professor Guilherme Figueiredo pela investidura no cargo de Chefe da Nação Brasileira do seu irmao, General Joao Baptista Figueiredo, tecendo comentarios sobre a figura daquele ilustre militar. O Presidente agradeceu o aproveitou da oportunidade para comunicar que no segundo semestre do ano, a FEDERAÇÃO deverá se transformar em Universidade.

Ata da 125ª sessão CF, em 24/05/1979

[...] O Professor Milton Antonio Aguiar sugeriu que somente após a elaboração do estatuto e do Regimento da UNI-RIO fosse revisto o regimento do HUGG. A proposição foi aprovada pelos Conselheiros J. Monteiro de Carvalho e Annibal Nogueira, que declararam não encontrarem razão para a pressa na aprovação do documento uma vez que aquele hospital vem sendo muito bem dirigido, apesar da ausência do regimento. A Conselheira Moema Renart de Brito usou da palavra para sugerir a aprovação do regimento, considerando que após a implantação da Universidade, se fizessem as alteraçães de rotina.

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Ata da 126ª sessão CF, em 21/06/1979

[...] Em continuação o Sr. Reitor dirigiu-se ao plenário para relatar os acontecimentos que envolveram a transformação da FEFIERJ em Universidade, congratulando-se com o Conselheiro Alberto Soares de Meirelles que, movido de grande inspiração reuniu, em mil novecentos e sessenta e nove, algumas escolas isoladas de ensino superior criando e dirigindo, com amor e carinho, a Federação das Escolas Isoladas do Estado do Rio de Janeiro. Enfocou ainda os diversos estágios por que passou o anteprojeto de transformação em Universidade, inclusive sobre o movimento de alguns professores desavisados, do Centro de Artes. Mas, apesar das dificuldades surgidas e graças a atuação brilhante e dedicada do Conselheiro Milton Antonio Aguiar, Vice-Reitor da UNI-RIO, que apresentou sugestões ao projeto tendo a matéria sido aprovada, sem mais emendas, e sancionada pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República. Agradeceu também a colaboração de todos os professores e funcionários pela conjunção de esforços que resultou na criação da Universidade do Rio de Janeiro.

Documento Enunciado Informativo Integrado FEFIERJ nº 0, ano 1 de 11/11/1976

Ao dar posse a Guilherme Figueiredo, no cargo de Vice-Presidente de Ensino da FEFIERJ, o Presidente José Maria Bezerra de Paiva, disse: "Ele vem se juntar a nós no momento em que teremos a nossa Universidade."

A FEFIERJ caminha para se transformar numa Universidade. O Presidente José Maria Bezerra de Paiva, a Diretora do DEPE, Moema Renart de Brito, e a Diretora de Divisão de Tecnologia de Ensino, Helena Maria Abu-Merhi, estão-se reunindo com os diretores da unidades (que passam a integrar os centros) e os chefes de departamento. A finalidade dessas reuniões é estruturar cada Centro, conscientizando seus integrantes da nova estrutura implantada.

A idéia de tornar-se Universidade também não surge no discurso oficial desde os primeiros tempos da Federação. Os seus vestígios mais fortes são quase que contemporâneos àqueles do surgimento romântico. No entanto, podemos considerar que, em virtude do aspecto legal, o status da Federação era idêntico ao de uma Universidade.

O projeto de tornar-se universidade virá à tona de forma clara e direta, somente em 1974 (79ª sessão), na gestão do segundo presidente, Prof. José Maria Bezerra de Paiva, quando ele menciona uma entrevista com o Vice-Presidente da República que se interessou pela transformação da FEFIEG em Universidade.

Em alguns momentos, esta temática vem entrecruzada com as referências ao nascimento da Instituição e à figura do primeiro presidente, até que em determinado momento remetem tal projeto ao período inicial da Federação. As articulações entre o nascimento da FEFIEG e o projeto de transformação em Universidade não seguiram porém uma trajetória de sustentação mútua. A partir de 1975 as referências ao projeto são mais constantes e o tema sempre retorna ao discurso dos Conselhos já como projeto encaminhado ao Ministério. Com relação a esta mudança, temos ainda uma série de procedimentos que a Instituição começa a operar com vistas à transformação em Universidade: departamentalização, criação de Centros, implantação de regime de

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créditos etc. Neste ponto, esta idéia tangencia a temática dos condicionantes externos e dos conflitos internos, pois além de serem constantes as demandas de adequações que começam a alterar estruturas internas, ao que parece a idéia de tornar-se Universidade não era uma unanimidade.

Esta é uma mudança que passa por ditames administrativos, mas também comportamentais e mesmo filosóficos, pois implica a postura de ser uma Universidade e não mais uma Federação.

As adaptações são prementes, constantemente solicitadas e lembradas. No entanto, é significativo observar que o horizonte da Universidade desloca a grandeza inicial de ser Federação, tantas vezes lembrada no nascimento romântico. Na trajetória desde discurso, em determinado momento a Federação perde um pouco do seu brilho, passando a ser associada a um conjunto de Escolas Isoladas. (Ata da 92ª sessão). O conjunto de escolas isoladas, mencionada na ata, opõe-se, logo em seguida, à família universitária e à solicitação de uma real integração entre eles [alunos] e os professores. Utilizando o recurso da linha temporal podemos perceber que a condição de isolamento estéril, que era uma condição anterior a 1969 e superada pela criação da Federação, reconfigura-se às vésperas do projeto de transformação em Universidade.

As Escolas/Unidades Fundadoras

Isoladas Unificadas

Estéreis 1969 Férteis

Abandonadas Amparadas

FEDERAÇÃO UNIVERSIDADE

Escolas Família

1969 Isoladas Ano da Transformação Integrada

em Universidade

Se, em 1969, as Escolas Isoladas foram salvas do isolamento estéril pelo Prof.

Alberto Soares de Meirelles com a criação da Federação, agora um novo projeto preocupa-se em transformar este conjunto de escolas isoladas, condição que continuou prevalecendo sobre o espírito federativo, em Universidade. Um paralelismo entre as duas mostra uma retomada da condição anterior a 1969. Por um lado, o isolamento, a

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esterilidade e o abandono das Escolas Isoladas antes de 1969 associam-se, agora, no momento do projeto de transformação em Universidade, à Federação, e por outro, a unificação, a fertilidade e o amparo resultados do processo de transformação em FEFIEG, virão, agora, como conseqüência da transformação em Universidade.

Inicialmente, o discurso acerca da transformação é contemporâneo àquele do nascimento da Instituição, e ocasionalmente compartilham a mesma formação discursiva com a mesma freqüência. Com o tempo, por vezes, a emergência da idéia de tornar-se Universidade parece sustentar-se pelo "apagamento" do empreendimento difícil que foi criar a FEFIEG. Como dissemos anteriormente, as temáticas parecem não seguir um processo de sustentação mútua, ou seja, a idéia do nascimento difícil conduzido por uma pessoa empreendedora sofre diluições e o projeto de transformação em universidade começa a apoiar-se na noção de escolas/unidades isoladas que precisam de maior integração.

Conflitos internos

Os conflitos internos delimitados neste estudo procuram apontar não só a existência de grupos cujo posicionamento nem sempre foi o de alinhamento com as políticas determinadas pela administração superior. Eles nos mostram as dificuldades decorrentes de uma processo de crescimento e acomodação, se podemos assim denominar, pelo qual passava esta instituição recentemente organizada a partir do congregação de outras instituições isoladas.

Eles possuem diferenciais que decorrem da natureza do tema em jogo na polêmica. Assim, o conflito da integração/desvinculação do Instituto Nacional do Câncer estaria ligado a uma relação de forças que transcendia o âmbito da Federação, ao passo que a discussão em torno da legitimidade ou não do segundo presidente ocupar o cargo parecem se limitar à esfera da Instituição, mesmo que nesse caso a escolha, não tendo recaído sobre o primeiro colocado da lista tríplice, pareça refletir uma conjunção de forças externas.

Sendo assim, destacamos, dentro desta temática, quatro conflitos: a) a criação do Instituto Biomédico; b) a desvinculação do Instituto Nacional do Câncer; c) a indicação do Prof. Bezerra de Paiva; d) a transformação da Federação em Universidade.

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A) A criação do Instituto Biomédico – IB

QUADRO 3.5 – ENUNCIADOS ANALISADOS SOBRE A CRIAÇÃO DO IB

Documento Enunciado Ata da 18ª sessão CF, em

No expediente o Sr. Presidente apresenta o Prof. Ariovaldo Vulcano, novo membro do Conselho em virtude de ter sido designado Diretor “pro tempore” do Instituto Biomédico desta FEDERAÇÃO, criado pela Resolução deste Conselho em sessão de cinco de agosto último [...] Prosseguindo, pede a palavra o Conselheiro Ézio Fundão para solicitar seja inserida em ata o seguinte voto que apresenta escrito: “Como membro do Comitê de Peritos da Organização Mundial de Saúde quero lamentar o tratamento dado a Higiene, pela Comissão Organizadora do Instituto Biomédico. Aquela Instituição Internacional de saúde propõe que se crie nos países filiados, Instituto de Medicina Social, dando-se grande ênfase à Higiene em todos os programas de ensino e trabalho, e o Governo Brasileiro ratificou as resoluções da 21a Assembléia Geral daquele organismo internacional, dando força a [sic] posição que defende. Como membro daquela organização, para cujo Comitê de Peritos tive a honra de ser conduzido para o meu terceiro mandato, quero e devo, para salvaguardar minha posição pessoal, lamentar o erro que aqui se pratica nesse momento, acompanhando-se a sugestão da ilustre comissão nomeada para propor a criação do Instituto Biomédico, em si também a meu ver outro grande e lamentável equívoco.” Respondendo, o Sr. Presidente diz que, como todos sabem ou devem saber a criação do Instituto Biomédico, não foi um lamentável equívoco deste Conselho e sim uma resolução que se impunha para se adaptar a FEDERAÇÃO à Reforma Universitária. Quanto a criação do Instituto de Medicina Social, informa que, no momento a FEDERAÇÃO não possui recursos financeiros para criá-la, ficando, assim, esclarecidas as questões levantadas pelo Conselheiro Fundão.

A criação do IB, primeira unidade "nascida" na Federação, não pode ser considerada uma unanimidade. No entanto, a voz que se manifesta contrariamente a tal ato é identificável a partir de um Conselheiro, o Prof. Ézio Fundão, que posiciona-se como representante de um grupo específico - o Comitê de Peritos da Organização Mundial de Saúde. Seu posicionamento contrário justifica-se em decorrência do tratamento dado à questão da higiene, quando da organização do IB.

Devemos, inicialmente, atentar para a questão do papel. O Conselheiro, professor da Federação, é também membro de um Comitê ligado à OMS. O seu discurso, no contexto da criação do IB na Instituição à qual pertence, aparece, inicialmente, como uma defesa dos interesses que o ligam ao Comitê de Peritos. Ao justificar a relevância da questão da saúde, ele procura legitimá-la por intermédio de outra Instituição, desta feita, em nível internacional - a OMS. São elementos agenciados na sua justificativa:

a) a Organização Mundial de Saúde que propõe aos países filiados a criação do Instituto de Medicina Social;

b) a ratificação por parte do Governo Brasileiro (sendo o Brasil um país filiado) das

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resoluções da OMS sobre este assunto.

Sendo membro de tal Comitê, o professor vê-se na obrigação de posicionar-se em relação ao ocorrido. Sua fala não pode ser desprovida de autoridade, por isso a OMS e o Governo Brasileiro são evocados. Não bastasse criticar, inicialmente, o posicionamento da comissão que organizou o Instituto, posicionou-se contrário, também, à sua criação, considerando-o um lamentável equívoco.

Para responder, o Presidente da Federação evoca outra autoridade:

a) a criação do Instituto Biomédico não foi um lamentável equívoco deste Conselho e sim uma resolução que se impunha para se adaptar a FEDERAÇÃO à Reforma Universitária.

Aqui o Governo também deve ter seu ordenamento cumprido.

Como membro do Comitê de Peritos, o professor Fundão entra em conflito com a Instituição a qual pertence como funcionário.

Parece transparecer um conflito entre as relações de forças que não está explicitado a não ser pela existência de um projeto que vingou - a criação do IB - e de outro que foi abortado antes do seu possível nascimento - o Instituto de Medicina Social, quando o Presidente aponta para a impossibilidade de criá-lo por falta de recursos. Além disso, a justificativa apresentada a favor do IB desconsidera a importância do Instituto de Medicina Social em nível de Federação, conforme a argumentação apresentada.

o Instituto Biomédico é necessário para adaptar a Federação à Reforma Universitária

ao passo que

o Instituto de Medicina Social não é necessário para adaptar a Federação à Reforma Universitária

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B) A desvinculação do Instituto Nacional do Câncer

QUADRO 3.6 – ENUNCIADOS ANALISADOS SOBRE O INCA

Documento Enunciado 7ª sessão, do C.F., em 24/09/1970

[O Presidente] Prosseguindo diz que em relação ao rumuroso caso do Instituto Nacional do Câncer ainda não foi dada a palavra final pelo Sr. Presidente da República pois essa autoridade mandou reestudar a questão.

11ª sessão, do C.F., em 04/02/1971

Passando-se a ordem do dia, entrou em discussão o anteprojeto de resolução que dispõe sobre a implantação da estrutura básica da FEDERAÇÃO, enviado pela Presidência com o ofício nº C-GP/26/70, datado de 28 de janeiro de 1971; com a palavra o Prof. Alcântara Gomes, faz considerações a respeito da omissão do Instituto Nacional do Câncer, pedindo que não se deixe de incluí-lo na estrutura básica, uma vez que nenhum ato oficial o desvinculou da FEDERAÇÃO [...]

14ª sessão do C.F. , em 19/05/1971

Prosseguindo com a palavra, o Sr. Presidente faz considerações sobre uma notícia veiculada pelo Correio da Manhã, onde um artigo do Diretor do Instituto Nacional do Câncer, procura mostrar a ineficiência atual desta tradicional instituição. Com a palavra o Prof. Pinheiro Guimarães faz uma longa e brilhante exposição sobre o fato mostrando que, muito pelo contrário o INC está em perfeitas condições de atender, como sempre atendeu, aos portadores do terrível mal e acrescenta que as dificuldades atuais decorrem justamente da confusão que alguns elementos tentam fazer, com intenção manifesta de perturbar a vida normal daquela Instituição; mostra, em seguida, com a sua autoridade de antigo Diretor do Serviço Nacional de Câncer, e construtor daquele Instituto que a sua passagem para o âmbito da FEDERAÇÃO das Escolas Federais Isoladas do Estado da Guanabara em nada prejudicou e não poderá prejudicar a sua eficiência, muito ao contrário trouxe-lhe mais uma incumbência de muita importância como a de contribuir para o desenvolvimento do ensino médico em nosso meio. Acrescenta que não se julga na obrigação de responder ao articulista, pois, entre outras coisas a declaração não foi feita em caráter oficial, não merecendo portanto, nenhum desmentido.

16ª sessão, do C.F., em 19/07/1971

No expediente o Sr. Presidente, diz que no dia vinte e oito do corrente às dez horas, esta FEDERAÇÃO teve a honra de receber a visita, no Instituto Nacional do Câncer, de Sua Eminência, o Cardeal D. Eugênio Salles, Arcebispo do Rio de Janeiro, o qual de lá saiu com a melhor das impressões, tendo oportunidade de visitar várias dependências daquele hospital, dando a benção aos enfermos internados; acrescenta o Sr. Presidente, na oportunidade que nunca é de mais ressaltar a organização, a ordem e a limpeza daquele nosocômio que vem sendo dirigido por dois professores da Escola de Medicina e Cirurgia, o Prof. Fialho e, agora o Prof. Pinheiro Guimarães a quem louva pelo que verificou. Com a palavra o Prof. Ugo, depois de mostrar a grande significação da visita da Sua Eminência que distinguiu o Instituto Nacional do Câncer com palavras que manifestaram o seu agrado e o seu interesse pelos doentes, agradece os elogios do Sr. Presidente e aproveita a ocasião para mostrar que não corresponde à verdade o que, insistentemente se veicula pela imprensa por elementos interessados em detratar o Instituto Nacional do Câncer, aquele hospital, vencendo todas as dificuldades, vem cumprindo sua missão, atendendo, com eficiência aos que sofrem do terrível mal, declara, em seguida, que não se vê na obrigação de refutar as acusações de que a instituição está disvirtuada, não mais tratando de câncer, pois os fatos estão aí para desmentí-la; lá se trata, lá se pesquisa, lá se ensina, através de uma organização de residência e de preparo de alunos da Escola de Medicina e Cirurgia, como preconiza a Organização Mundial de Combate ao Câncer, aproveita o ensejo, para mostrar o esforço e a dedicação do Sr. Presidente no sentido de dotar o Instituto de recursos, o que chama de verdadeiro milagre.

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19ª sessão do C.F., em 06/12/1971

[O Presidente] Em seguida dá a palavra ao Prof. Pinheiro Guimarães para fazer a leitura do prêambulo do relatório de sua gestão na direção do Instituto Nacional do Câncer; o relatório foi muito apreciado merecendo do Sr. Presidente palavras encomiásticas à respeito da personalidade do Prof. Ugo e das características de sua brilhante e eficiente colaboração na direção daquele Instituto, em fase tão difícil; nesta ocasião o Sr. Presidente leu as referências elogiosas ao Prof. Ugo Pinheiro Guimarães. Em seguida o Prof. Pinheiro Guimarães agradece com emoção as palavras do Sr. Presidente. Com a palavra o Prof. Alcântara, fez, em nome da Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro elogios ao Prof. Ugo que por tantos anos deu ao ensino médico a contribuição da sua brilhante inteligência.

20ª sessão do C.F., em 20/12/1971

Continuando no expediente, o Sr. Presidente dá conhecimento ao Conselho, do Decreto nº 69.745, de 10/12/1971, que abre o crédito suplementar à FEDERAÇÃO, no valor de Cr$1.905.000,00 (hum mil novecentos e cinco mil cruzeiros), para fazer face às despesas do INC (Instituto Nacional do Câncer), que não foi contemplado no Orçamento da República, sendo intenção desta Presidência, entregar aquele órgão ao Ministério da Saúde, em 1º de janeiro de 1972, sem dívida de qualquer espécie.

Nesse contexto, afirmar que a desvinculação do INCa é um conflito, implica,

também, afirmar que sua agregação como unidade fundadora da Federação foi conflituosa.

Aquilo que chamamos enunciado do conflito INCa constitui uma série de fragmentos enunciativos dispersos ao longo de mais de um ano e que tinham como referente a questão do Instituto Nacional do Câncer e sua continuidade na Federação. Alguns destes fragmentos não apresentam nenhum termo-pivô que justifique sua inclusão no material de análise. No entanto, foram incorporados por representarem elos importantes neste enunciado que reflete um período no qual a Federação, ainda jovem, vê-se compelida a abrir mão de uma de suas unidades.

Vários elementos são destacados para indicar que havia um jogo de forças atuando, a partir do próprio INCa, no sentido da desvinculação. Considerando que tais forças são postas em ação por grupos de interesses e que estes são também parte da Federação, a partir do momento que o INCa passou a integrá-la, temos um conflito interno que reflete a instabilidade inicial da FEFIEG, tal qual um movimento tectônico que culmina com uma acomodação das camadas terrestres, cujo resultado final é um outro relevo.

A primeira menção ao problema vem logo no início, pouco depois que a Federação completou um ano de existência (7ª sessão). Os termos empregados são poucos, mas refletem bem o clima: rumoroso e palavra final do Presidente da República dão o tom da incompatibilidade que vem desde o nascimento da Federação. Logo em seguida (11ª sessão) a afirmação uma vez que nenhum ato oficial o desvinculou da Federação é clara indicação de que forças agiam no sentido de uma desvinculação. As expressões palavra final do Presidente e ato oficial podem ser consideradas sinônimas

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neste contexto conflituoso.

A pergunta “Quem não queria o INCa na Federação?” pode ser respondida levando em conta duas questões: a) o relativo silêncio em torno do caso durante o seu desenvolvimento e b) o desfecho final.

Com relação a primeira, observamos que no âmbito de Conselho Federativo (CF), os problemas que cercam a permanência do INCa nunca é discutido ou apresentado. Todas as evidências acerca de um conflito constituem trechos de informes apresentados aos conselheiros. Destes emergem, vez por outra, um indício sobre a atividade empreendida por grupos que desejam a desvinculação, ou seja, o outro surge a partir do discurso da Federação. Teríamos, neste quadro, duas posições: a da Federação e a daqueles que se opõem à integração do INCa.

Nos enunciados da 7ª e da 11ª sessão do CF, observamos que para a Federação o Instituto Nacional do Câncer ainda é uma unidade congregada, já que nenhum ato o desvinculou.

Em outros momentos, observamos as estratégias empreendidas pelo grupo desejoso da desvinculação por intermédio dos meios de comunicação. O INCa, representado pelo seu Diretor e por "elementos interessados na sua detratação", afirma sua insatisfação. No discurso, temos a marcação temporal que indica o antes e o depois na vida do INCa a partir da integração, e a estratégia utilizada é a de associar a ineficiência ao novo status do Instituto, que antes era eficiente.

ineficiência atual X eficiência no passado

membro da Federação Instituição Isolada

Observando o esquema acima, podemos perceber um movimento inverso àquele que se desenvolveu nas temáticas do nascimento da Federação e da transformação em Universidade, onde a ineficiência estava ligada sempre à situação presente e o futuro apresentava a solução buscada.

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A utilização da mídia impressa parece marcar uma real insatisfação e serve a uma maior repercussão. A resposta vem na voz de uma autoridade com duplo papel: Conselheiro da Federação e antigo Diretor, e construtor, do INCa, mostrando que a integração não afetou a eficiência do Instituto. A opção por não responder às questões levantadas no artigo constitui uma estratégia de "apagamento" desta oposição, pois não abre espaço para a contra-argumentação acerca da situação. Não considerar o outro, não abarcar o seu discurso implica não admitir sua existência. Assim, não merecer uma resposta significa não existir uma mentira a ser desmentida, logo o INCa não é ineficiente, pois as ações estão mostrando isso.

Os fragmento enunciativos que se seguem mostram existir uma campanha em prol da desvinculação, utilizando a estratégia já mencionada. Isto, associada às menções acerca do posicionamento do Presidente da República, que estaria estudando o caso, indicam uma rede de ações que conjugaram-se no sentido da separação.

Com relação à segunda questão, o desfecho final, é interessante assinalar como a decisão emergiu a partir de um informe acerca de recursos extras, destinados, neste caso, a cobrir as despesas com o INCa. A intenção do Presidente da FEFIEG seria entregar o INCa ao Ministério da Saúde sem qualquer dívida. A partir deste momento, dezembro de 1971, o INCa não mais será mencionado, sendo lembrado somente quando for elaborado o primeiro Catálogo da Instituição, merecendo uma menção acerca do seu curto período de permanência como unidade Congregada. Com o tempo ele chega inclusive a desaparecer de documentos posteriores que falam sobre os antecedentes da Instituição.

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C) A indicação do Prof. Bezerra de Paiva

QUADRO 3.7 – Enunciados sobre a Indicação do Prof. B. De Paiva

Documento Enunciado Ata da 65 ª sessão do C.F., em 20/06/1974.

O Presidente dirigindo-se ao Conselho, em cunho especial, alegou distorções que se processavam em algumas correntes que vinham criticando sua presença na Presidência da FEFIEG, pondo em dúvida a disposição do Governo Federal ao designá-lo para o cargo. Salientou o Presidente, revendo sua vida e sua participação no contexto sócio-cultural da Educação Brasileira, ter sido sua escolha realizada dentro da forma legal, eleito pela lista sêxtupla do CF e nomeado por ato do Exmo. Sr. Presidente da República, após indicação pelo Sr. Ministro da Educação. Demonstrou com sinceras mas enérgicas expressões que se submetia a todas as críticas feitas, ou a serem feitas, por quaisquer participantes da comunidade universitária que presidia, não admitindo porém, sob nenhum aspecto, que houvessem tentativas de desmoralizar a figura do Presidente, ou de quebra da autoridade das suas altas funções. “Cheguei dentro das cerimônias legais, eleito, indicado e nomeado na forma dos princípios de lei. Cheguei não para modificar a lei, mas para fazê-la cumprir, e dentro desta visão e destes princípios, não admitirei que qualquer dos meus servidores, do modesto contínuo aos meus dignos titulares, ponha em dúvida o “status”, a posição e a missão que me foram confiadas pelo Governo”. Ao final disse de todo o ideal, interesse e dedicação de que está empenhado para, pelo bem comum, pugnar pelo desenvolvimento, prestígio e alcance maior da FEFIEG.

Ata da 67ª sessão do C.F., em 20/08/1974

Iniciando o expediente, o Sr. Presidente apresentou os Representantes do Corpo Discente da FEFIEG: Sr. Antonio Joaquim Werneck de Castro, da EMCRJ; Sra. Vanny de Matos Pereira, da EBD; e Sr. Ciro Costa Bragardo IVL. No ato da apresentação, o Sr. Presidente solicitou à representação estudantil que se fizesse presente a todas as reuniões, a fim de colaborar para o engrandecimento da FEFIEG, trazendo ao CF a opinião dos alunos de toda a Federação. Agradeceu aos Conselheiros a ajuda que vem recebendo, não só dos que são ligados diretamente à FEFIEG, mas também, dos Representantes da Comunidade que, além da participação efetiva nas sessões do Conselho, por várias vezes atenderam às solicitações da Presidência no sentido de um assessoramento mais amplo.

86 ª sessão do C.F., em 01/04/1976

O Conselheiro Antonio Caetano Dias solicitou fosse consignado em ata um voto de louvor ao 2º aniversario da gestão do Prof. José Maria Bezerra Paiva como Presidente da Federação, comentando sobre a luta exercida neste período. O Representante do corpo discente do IVL Reginaldo Bessa, juntou seu voto de louvor ao Presidente e expôs sobre o problema financeiro da Federação, apoiando a necessidade de maior criatividade por parte das Unidades, propondo a criação de uma comissão para o assunto.

91ª sessão do C.F., em 23/09/1976

Em continuação à Ordem do Dia foram debatidos assuntos administrativos referentes à disciplina, hierarquia e obediência às determinações dos colegiados da FEFIERJ. O Professor José Maria Bezerra Paiva explanou sobre a filosofia que tem marcado seus atos como Presidente da Federação. Concedida a palavra, dela fizeram uso os Conselheiros Alberto Soares De Meirelles, J. Monteiro De Carvalho e Geraldo Francisco Maldonado, que declararam apoio integral ao Presidente. Retomando da palavra, o Presidente comentou sobre as transformações que sofrerá a estrutura atual da FEFIERJ, com a implantação do novo estatuto, as quais deverão ser realizadas a médio e a longo prazos. Declarou que serão designadas Comissões para exame dos projetos que nortearão os Centros de Ciências.

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QUADRO 3.7 – (continuação)

Documento Enunciado 1ª sessão do CEPE, em 15/09/1977.

Retomando a palavra, o Professor Francisco Fialho, levantou ainda outras dúvidas, agora quanto à validade de providências administrativas da Presidência com base no Estatuto, pois desconhecia ter sido cumprido o artigo 105 do Estatuto, uma vez que tomara conhecimento de Decreto do Poder Executivo para colocá-lo em vigor, bem como desconhecia o cumprimento de outras determinações estatutárias, na aprovação do Regimento Unificado. Ao expor tais dúvidas, o Ilustre Conselheiro alegou que, certamente, o Presidente, teria desenvolvido essas providências apressadamente com a intenção de conseguir a transformação da FEFIERJ em Universidade, não tendo, por isso, tais providências seguido tramitação normal. O Presidente, considerando que essas dúvidas suscitavam descrédito à sua atuação, resolveu suspender a sessão, informando ao Colegiado que, em face das dúvidas levantadas pelo Ilustre Conselheiro representante do Centro de Ciências da Saúde, levaria, em obediência ao artigo 104, o assunto à consideração do Departamento de Assuntos Universitários e que, dependendo da decisão daquele órgão do Ministério da Educação e Cultura, pediria ao Senhor Diretor designação de representação oficial para examinar o assunto, mantendo ou não o Presidente no uso de suas atribuições legais e estatutárias. E nada mais havendo a tratar, o Senhor Presidente deu por encerrada a sessão da qual eu, Vera Lúcia Beltrão Machado, como secretária, lavrei a presente ata que, depois de lida e achada conforme, será por todos assinada.

110ª sessão do C.F., em 12/02/1978

Iniciando o expediente o Professor B. DE PAIVA explicou aos Conselheiros que o seu regresso ao exercício da Presidência estava sendo realizado de acordo com entendimentos anteriores com o presidente em exercício e não em decorrência de notícias que circulavam de que o Presidente, havia sido obrigado a entrar de férias e que a FEFIERJ estava sob intervenção. Após comentários e esclarecimentos sobre o assunto o Professor B. DE PAIVA esclareceu que esta [sic] explicações se tornavam necessárias a fim de que não houvesse interpretações dúbias sobre seus pensamentos e atos.

O Professor José Maria Bezerra de Paiva, por todos conhecido como B. de Paiva, foi o segundo presidente da FEFIEG tendo sido escolhido pelo Presidente da República a partir de uma lista sêxtupla composta por nomes escolhidos após uma série de votações ocorridas no Conselho Federativo. O nome do professor foi o sexto a ser escolhido. Não encontramos nenhuma informação que nos indicasse ter sido a lista montada considerando a ordem crescente de votação, ou seja, se o primeiro nome corresponde ao do mais votado na escolha. No entanto, aqueles que participaram do processo, assim como a comunidade federativa, conheciam os candidatos e quantos votos cada um recebeu e o Prof. Bezerra de Paiva não constituiu uma unanimidade.

Os fragmentos apresentados no Quadro 3.7 cobrem um período de quase 04 anos, o que é significativo, pois indica que durante sua gestão o segundo Presidente enfrentou alguma oposição.

A primeira alusão a este conflito é feita pelo próprio Prof. B. de Paiva. Os elementos por ele arregimentados são significativos, pois ao mesmo tempo em que evidencia, no seu discurso, a existência do outro/opositor, busca a legitimidade de sua posição utilizando-se de uma referenciação a um texto bíblico.

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a) algumas correntes da FEFIEG – a oposição não tem nome e não constitui uma grande parcela da comunidade. O pronome indefinido não determina a quantidade, que tanto podem ser poucos quanto muitos.

b) criticar sua presença na Presidência da FEFIEG, pondo em dúvida a disposição do Governo Federal – trata-se de uma questão de legitimidade que coloca em evidência a imagem do presidente. Neste momento, ao que parece, há uma dissociação entre o cargo e a legitimidade. O segundo presidente ocupa o cargo por disposição de uma poder maior, mas a legitimidade apresenta duas faces – a primeira é garantida pela lei federal que lhe facultou ocupar o cargo, e a segunda está intrinsecamente ligada à sua relação com a comunidade federativa e à imagem de autoridade (ou falta dela) que lhe é atribuída pelos pares.

c) cheguei não para modificar a lei, mas para fazê-la cumprir – este empréstimo às palavras de Jesus, citadas na Bíblia, funcionam para estabelecer a legitimidade do cargo. Nesse sentido, o segundo Presidente seleciona palavras de dimensões divinas às quais a dimensão humana deve subordinar-se, fortalecendo sua posição. A lei, no discurso e no interdiscurso, não deve ser modificada e sim cumprida. A estratégia de evocar o princípio da lei, seja de Deus ou do Governo Federal, desloca para estas duas instâncias a competência de tê-lo colocado neste cargo, somente a elas caberia a competência de destituí-lo.

Ao longo de sua gestão, o Presidente B. de Paiva não parece ter enfrentado uma crise de governabilidade que colocasse em risco o funcionamento da Federação. As referências ao apoio (91ª sessão) e ajuda (67ª sessão) recebidos, assim como à luta exercida neste período (2º ano de gestão/86ª sessão) indicam uma aliança em torno do seu mandato e uma articulação em franca oposição: ajuda dos aliados na luta contra o inimigo, o que garantiu a validação de alguns dos seus atos.

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Convém destacar que é neste período de luta entre dois grupos que emerge a idéia de transformação em Universidade, referente colocado em jogo no fragmento da 1ª sessão do Conselho de Ensino e Pesquisa da Federação e diretamente associado a um projeto do segundo Presidente. Muitas das alterações e reestruturações internas pelas quais passou a Federação com vistas a tornar-se Universidade ocorreram durante esta gestão.

Inicialmente, Presidente alegou distorções que se processavam em algumas correntes que vinham criticando sua presença na Presidência da FEFIEG, pondo em dúvida a disposição do Governo Federal ao designá-lo para o cargo. [...] Cheguei dentro das cerimônias legais, eleito, indicado e nomeado na forma dos princípios de lei. Cheguei não para modificar a lei, mas para fazê-la cumprir, e dentro desta visão e destes princípios, não admitirei que qualquer dos meus servidores, do modesto continuo aos meus dignos titulares, ponha em dúvida o “status”, a posição e a missão que me foram confiadas pelo Governo”.

Sendo assim, Agradeceu aos Conselheiros a ajuda que vem recebendo, não só dos que são ligados diretamente à FEFIEG, mas também, dos Representantes da Comunidade que, além da participação efetiva nas sessões do Conselho, por varias vezes atenderam às solicitações da Presidência no sentido de um assessoramento mais amplo.

Em seguida, foram debatidos assuntos administrativos referentes a disciplina, hierarquia e obediência as determinações dos colegiados da FEFIERJ. O Professor JOSÉ MARIA BEZERRA PAIVA explanou sobre a filosofia que tem marcado seus atos como Presidente da Federação. Concedida a palavra, dela fizeram uso os Conselheiros ALBERTO SOARES DE MEIRELLES, J. MONTEIRO DE CARVALHO e GERALDO FRANCISCO MALDONADO, que declararam apoio integral ao Presidente

No entanto, o Professor FRANCISCO FIALHO, levantou ainda outras dúvidas, agora quanto à validade de providências administrativas da Presidência.

Mas, para deixar tudo claro, o Professor B. DE PAIVA explicou aos Conselheiros que o seu regresso ao exercício da Presidência estava sendo realizado de acordo com entendimentos anteriores com o presidente em exercício e não em decorrência de notícias que circulavam de que o Presidente, havia sido obrigado a entrar de férias e que a FEFIERJ estava sob intervenção.*

A questão em torno de sua autoridade reflete-se na legitimidade e aceitabilidade de seus atos, e a contestação feita a alguns procedimentos efetuados pelo Prof. B. de Paiva apontam para esta crise; se sua nomeação é contestada seus atos também o são. Durante os 4 anos de sua gestão, o movimento dos enunciados segue uma evolução que vai do estabelecimento do conflito até a manutenção de sua autoridade.

Permeiam estes posicionamentos imagens construídas tanto pelo segundo Presidente quanto pelo grupo que a ele se opõe. Tendo em A a figura do presidente e em B o referenciado opositor, a relação que se estabelece em nível discursivo considera as seguintes posições:

* As expressões em negrito foram introduzidas por nós como estratégia para unir fragmentos cujas ocorrências foram espaçadas temporalmente. A intenção foi produzir um sentido de continuidade, como um longo discurso que se inicia durante a segunda gestão presidencial e termina próximo à conclusão do mandato.

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A (Presidente)

quem sou eu para lhe falar assim? O Presidente legalmente constituído quem é ele para que eu lhe fale assim? Membro da Federação a mim subordinado

B (Oposição)

quem sou eu para que ele me fale assim? Membro da Federação quem é ele para que me fale assim? Um par, sem legitimidade para ocupar o cargo

Elegendo como argumento a força da lei, o segundo Presidente procura não abrir espaço para qualquer contestação à sua autoridade, salvo aquelas vindas de uma instância superior a ele. Se a oposição não reconhece o Prof. B. de Paiva como Presidente, este, em contrapartida, não lhe reconhece competência para desacreditar seus atos.

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D) A transformação da Federação em Universidade QUADRO 3.7 – Enunciados sobre a transformação em Universidade

Documento Enunciado 125 sessão do C.F., em 21/08/1979

Ainda com a palavra o Professor Guilherme Figueiredo esclareceu que ao assumir a Presidência da FEFIERJ já encontrou elaborado um projeto de transformação da Federação em Universidade, percebendo que este deveria ser mudado em alguns aspectos, principalmente no que se referia ao ”Conselho Diretor’, órgão dirigido por cinco diretores designados pelo Exmo. Sr. Ministro da Educação e Cultura. Solicitou, então, ao Sr. Vice-Presidente de Ensino que reformulasse o projeto encaminhando-o posteriormente ao Sr. Ministro da Educação e Cultura. Ainda com a palavra o Professor Guilherme Figueiredo esclareceu aos Senhores Conselheiros que foi procurado pelo Presidente da Diretório Acadêmico Eduardo Sa Marinho quando da apresentação do projeto à Câmara dos Deputados, tendo explicado que o citado projeto, não era o que havia sido encaminhado pela presidência dando conhecimento das alterações propostas. Apesar das providências tomadas surpreendeu-se com movimento de alguns professores e alunos, que, totalmente desinformados, demostraram em suas atitudes, má fé, uma vez que já tinham tido ciência das emendas propostas ao projeto original.

126ª sessão do C.F., em 28/08/1979. Primeira reunião como Universidade.

Na ordem do dia o Sr. Reitor referiu-se aos novo membros do Conselho de Curadores, Italo Viviani Matoso, Professor Titular da Disciplina Bioquímica do Curso Básico do Centro de Ciências da Saúde, Afrânio dos Santos Coutinho, Professor da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Carlos Israel Mozer Penha, advogado da Secretaria de Planejamento da Presidência da República. O Professor Guilherme Figueiredo teceu comentários sobre as personalidades em causa, referindo-se a grande honra com que esta Universidade recebe aqueles conselheiros. Em continuação o Sr. Reitor dirigiu-se ao plenário para relatar os acontecimentos que envolveram a transformação da FEFIERJ em Universidade, congratulando-se com o Conselheiro Alberto Soares de Meirelles que, movido de grande inspiração reuniu, em mil novecentos e sessenta e nove, algumas escolas isoladas de ensino superior criando e dirigindo, com amor e carinho, a Federação das Escolas Isoladas do Estado do Rio de Janeiro. Enfocou ainda os diversos estágios por que passou o anteprojeto de transformação em Universidade, inclusive sobre o movimento de alguns professores desavisados, do Centro de Artes. Mas, apesar das dificuldades surgidas e graças a atuação brilhante e dedicada do Conselheiro Milton Antônio Aguiar, Vice-Reitor da UNI-RIO, que apresentou sugestões ao projeto tendo a matéria sido aprovada, sem mais emendas, e sancionada pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República. Agradeceu também a colaboração de todos os professores e funcionários pela conjunção de esforços que resultou na criação da Universidade do Rio de Janeiro.

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O projeto de transformação em Universidade, anunciado desde 1974, foi concretizado em 1979, já na gestão do Professor Guilherme Figueiredo, que de terceiro Presidente da Federação passou a primeiro Reitor da Universidade. Neste momento, a concretização deste projeto, coroamento das iniciativas das gestões anteriores, é o momento de emergência de um novo conflito que parece evidenciar, mais uma vez, a dinâmica da relação entre os grupos que compõem a Instituição. Tal projeto que, inicialmente, parecia ir ao encontro das expectativas e desejos de toda comunidade, mostrou-se objeto de controvérsia.

O grupo de antagonistas é explicitamente referenciado, um grupo de professores do CLA, e a adjetivação utilizada – desavisados e desinformados – trabalha no sentido de desacreditar tal postura de oposição. Considerando ter o prefixo des- prefixo uma idéia de negação, podemos aplicar, neste contexto, um valor negativo aos adjetivos por ele compostos.

Assim, a falta de aviso e de informação caracteriza negativamente a atitude daqueles que se mostram contra o projeto e, por oposição, positivamente a sua consecução. O referente em jogo parece não ser, especificamente, a transformação em Universidade, mas a estruturação de um projeto que não refletia o pensamento de alguns grupos que compunham a Federação.

Sendo assim, além do descrédito como estratégia contra a oposição, há uma outra produção de sentidos que dá conta da legitimidade de tal projeto. Na primeira reunião como Universidade temos a emergência do conflito e a retomada da temática do nascimento da Federação com a figura do primeiro Presidente. Unem-se assim dois “nascimentos”; o primeiro sendo o da FEFIEG e o segundo (re-nascimento) sendo o da Universidade. No enunciado seguinte, temos uma referência à anterioridade do projeto: ele não foi concebido pela atual gestão. Assim, se o primeiro nascimento, o da Federação, tem a figura de um pai o mesmo não ocorre com o segundo, o nascimento da Universidade. No entanto, considerando que anteriormente houve uma vinculação de tal projeto à pessoa do primeiro Presidente, e que o “primeiro nascimento” é referenciado no “segundo nascimento” podemos supor que o Prof. Alberto Soares de Meirelles é, também, o pai desta mudança de status. A articulação de lançar, no passado, as raízes deste ideal fortalece-o e descarateriza-o como projeto particular de uma pessoa específica.

Ditames externos

Não foram poucas as circunstâncias nas quais a Federação necessitou ajustar-se

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aos ditames governamentais na área de educação, ou às demandas advindas de outras esferas, provavelmente superiores. No primeiro caso, a constante necessidade de adequação e a demora nestes processos parece ter acarretado situações inconclusas, das quais o próprio status de Federação parece ser o exemplo máximo: ainda não tendo estabelecido uma integração entre as partes congregadas, a Federação vê-se na condição de reestruturar-se para tornar-se Universidade. No segundo caso, a premência do Ministério em ver resolvida favoravelmente, na Federação, uma determinada situação (a do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, conforme mostraremos mais adiante) e os pedidos de integração parecem refletir a idéia de que a Federação representava uma solução prática e legal àquelas Instituições que isoladamente não poderiam mais “sobreviver”.

As preocupações que marcaram o período inicial da vida da Instituição estão muito relacionadas aos aspectos econômicos e administrativos o que parece normal se considerarmos a mudança pela qual passaram as Instituições Isoladas quando vieram formar a Federação.

QUADRO 3.8 – Enunciados sobre ditames externos

Documento Enunciado 4ª sessão do C.F., em 24/03/1970

No expediente o Sr. Presidente comunica que, em eleição que mandou fazer para uma representação provisória dos estudantes das diversas Unidades da FEDERAÇÃO ficou constituída a representação estudantil junto a este Conselho da seguinte forma: Vera Lúcia Medina Coeli, da Escola de Biblioteconomia e Documentação, Elizabeth Mendes França, da Escola de Teatro e Carlos Alberto Nascimento dos Santos, da Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro; em seguida apresenta-os aos Senhores Conselheiros mostrando a todos a significação da colaboração dos estudantes na alta administração universitária, como está preconizada pela legislação que reestruturou o ensino superior no Brasil.

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QUADRO 3.8 – (continuação)

Documento Enunciado 8ª sessão, do C.F.em 5/10/1970

Prosseguindo, o Sr. Presidente diz que em face do que preceitua o Decreto nº 68908 de 18 de julho de 1971 que dispõe sobre o vestibular unificado para as Escolas Superiores do País foi criada pela Portaria Ministerial nº 96, de 26 de julho do corrente ano, uma comissão com o fim de estabelecer as normas para sua execução e que o Presidente dessa Comissão, em ofício datado de 17 do corrente mês, depois da reunião com os Reitores e Diretores das UNIVERSIDADES e Escolas da área do Grande Rio apresentou as instruções e programas para o Concurso Vestibular a realizar-se em 1972, para que os mesmo sejam apreciados pelos colegiados competentes das Unidades participantes. Acrescenta que essa documentação foi presente a 19 do corrente, à Comissão Supervisora de Ensino e Pesquisa desta FEDERAÇÃO, que, a 23, deu parecer favorável, o qual é lido para os Srs. Conselheiros. Tendo em vista o acerto da medida, que terá reflexos favoráveis não só para os candidatos como a administração do ensino, e considerando que os programas para a área da Saúde coincidem com os que vigoraram no ano passado, o Conselho resolve aprová-los autorizando, ao mesmo tempo, o Sr. Presidente a firmar o convênio respectivo com as autoridades do Ministério da Educação e Cultura para a realização do Concurso que terá início, em todo o Brasil, a 9 de janeiro próximo, data já fixada pelo Diretor do Departamento de Assuntos Universitários, do citado Ministério.

6ª sessão CEPE 15/06/1978

Dando início a Ordem do Dia o Presidente leu as propostas para alteração do Estatuto e do Regimento da FEDERAÇÃO, em virtude da criação da Vice-Presidência de Desenvolvimento e Assuntos Comunitários. Colocada a proposição para discussão e votação foi considerada APROVADA.

31ª sessão do C.F., em 28/08/1972

Ainda no expediente, o Sr. Presidente faz um apelo ao Presidente da Comissão Supervisora de Ensino e Pesquisa para que apresente o projeto de modificação daquela comissão e sua estruturação, a fim de que no ano próximo sejam iniciadas as aulas da FEDERAÇÃO em moldes mais bem organizados e com vários órgãos de coordenação e acompanhamento em regular funcionamento; acrescenta que se devem desde já, admitir gente capaz de fazer funcionar a Comissão como um verdadeiro órgão técnico de ensino da FEDERAÇÃO, a exemplo dos Conselhos similares que existem nas Universidades.

34ª sessão do C.F. em 17/10/1972

Passando-se a ordem do dia, diz o Presidente que a sessão foi especialmente convocada para atender ao Excelentíssimo Senhor Ministro da Educação e Cultura que, através da aprovação do Parecer nº 126/72 do Consultor Jurídico do Ministério publicado no Diário Oficial de seis do corrente, recomendou às UNIVERSIDADES e estabelecimentos federais signatários do convênio firmado em doze de outubro do ano passado com o Departamento de Assuntos Universitários, para a realização do Vestibular Unificado, a participação, como constituidores, da Fundação Cesgranrio, por ser esta a melhor modalidade de cristalizar e aprimorar os resultados já obtidos. Acrescenta que há necessidade de aprovação por parte deste Conselho, não só a instituição e constituição dessa Fundação como a designação do representante desta FEDERAÇÃO e seu suplente. Lido o projeto do Estatuto da Fundação, enviado pelo Presidente do Cesgranrio (Centro de Seleção de Candidatos ao Ensino Superior do Grande Rio) em ofício circular nº 05/72, foi o mesmo aprovado e também a participação desta FEDERAÇÃO como instituidora e constituidora da Fundação Cesgranrio. Continuando, foi designado o Prof. Ariovaldo Vulcano como representante desta FEDERAÇÃO como instituidora e constituidora da Fundação Cesgranrio. Continuando, foi designado para o Conselho Diretor da Fundação o Prof. Jair Pereira Ramalho, como suplente.

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40ª sessão do C.F. em 16/04/1973

Passando-se a ordem do dia, o Sr. Presidente diz que, há tempos, recebeu a notícia, por intermédio do Sr. Diretor do Departamento de Assuntos Universitários, de que o Sr. Ministro da Educação mandara estudar um meio de incorporar o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas a esta FEDERAÇÃO que, posteriormente, quando esteve em Brasília, manteve contatos a respeito, com o mesmo Diretor do DAU, acrescenta que dia onze do corrente esteve naquele Departamento, no Rio, com o Prof. Heitor Gurgulino de Souza, Diretor do DAU, o Almirante Otacílio Cunha, Presidente do Centro e o Prof. Raimundo Miranda, Assessor de Planejamento do DAU, onde se mantiveram entendimentos prévios necessários a possível integração ao MEC, preferentemente como Órgão de Ensino e Pesquisa incorporado a esta FEDERAÇÃO disse mais que o Diretor do DAU apresentasse o seu Estatuto, o seu balanço patrimonial, as folhas de pagamento, a relação de todo o pessoal por categoria, idade, tempo de serviço, salários e gratificações e as demais despesas para a manutenção do Centro, marcando, em seguida, uma nova reunião em Brasília, para um dia da semana que se inicia a vinte e dois do corrente, pedindo que sobre a incorporação se manifeste o nosso Conselho Federativo, uma vez que a Assembléia do Centro já se manifestou sobre o assunto [...].

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QUADRO 3.8 – (continuação)

Documento Enunciado 60ª sessão do C.F. em 21/02/1974

Passando-se a ordem do dia, o Sr. Presidente da a palavra ao Consultor Jurídico, Dr. Fer-nando Cavalcanti, que esteve em Brasilia, convocado pelo Chefe do Gabinete do Ministro, para ultimar os entendimentos referentes à incorporação do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, o Dr. Cavalcanti lê o processo em causa e o despacho do próprio punho do Sr. Ministro onde esta expresso o seu desejo de resolver esta questão, ainda na sua gestão, daí a urgência em se discutir a matéria, acrescenta o Consultor Jurídico [...]

61ª sessão do C.F. em 12/03/1974

O Prof. Alberto Soares de Meirelles apresenta aos senhores Conselheiros um trabalho elaborado pelos Conselheiros Leda Santos Pires, Francisco Alcântara Gomes Filho, Ariovaldo Vulcano e Fernando Nogueira Pinto, em Comissão, para a implantação do sistema de créditos, para o qual solicita a atenção do novo Presidente da FEFIEG, pois o sistema, se não for implantado neste exercício, alteraria o ensino em 3 anos. Outro problema a ser encarado com urgência é o do ensino de Problemas Brasileiros. [...] O Professor José Maria Bezerra Paiva assume a Presidência, dirigindo palavras de carinho e agradecimento ao Prof. Alberto Soares de Meirelles, pelo tanto que foi feito em beneficio da FEDERAÇÃO durante a sua gestão. Agradece, também, aos senhores Conselheiros pela atenção que dedicaram a ele, ainda como Diretor da Escola de Teatro e, pela confiança demonstrada, quando de sua indicação para a lista sêxtupla. Diz que sua administração será voltada para os interesses de todas as Unidades, procurando estar sempre atento às dificuldades e pretensões de cada Diretor. Fala da necessidade da FEFIEG se preparar para alcançar os meios necessários, para seguir os ditames da Reforma Universitária. Antes de por em discussão a tabela apresentada, solicita mais uma vez aos Conselhos Federativo e de Curadores para que o apóiem na sua pretensão maior, que é ver a FEDERAÇÃO no seu verdadeiro lugar, figurando junto e em igualdade de condições com todas as outras Universidades.

76ª sessão do C.F. em 08/05/1975

Iniciando o expediente o Sr. Presidente informou que esteve em Brasília, nos dias 6 e 7 do corrente, a fim de, atendendo ao convite do Conselho Federal de Educação, participar do VII Seminário de Assuntos Universitários, ao qual compareceram todos os Reitores de Universidades Brasileiras. A temática principal deste Encontro foi o Vestibular Unificado, cujos resultados práticos foram analisados. O Sr. Presidente elogiou a destacada atuação da Professora MOEMA RENART DE BRITO, Coordenadora da COSEPE, nos trabalhos realizados em Brasília. Solicitou reunião com os Diretores das Unidades, para uma posição definitiva sobre aplicação do decreto de opção dos funcionários estatutários do Quadro da FEDERAÇÃO.

80ª sessão do C. F. em 28/08/1975

Iniciando a sessão o Presidente comunicou aos Conselheiros que, devendo o Estatuto da FEFIEG adequar-se à Reforma, colocando a FEDERAÇÃO nos moldes de uma estrutura Universitária, havia sido elaborado um anteprojeto que, encaminhado à Professora Nair Fortes Abu—Merhy fôra por ela examinado. Nesta sessão, em que se distribui, para estudo e apreciação de todos, uma cópia do referido anteprojeto, continuou o Presidente, temos a honra de contar com a presença da ilustre Conselheira Nair Fortes Abu—Merhy que nos dará seu parecer sobre o trabalho. Tomando a palavra, disse a Professora Nair Fortes Abu—Merhy que se sentia honrada de participar de uma reunião do Conselho Federativo por se sentir ligada à FEDERAÇÃO desde que participara da Comissão de Estudos para a sua criação. Relativamente ao Estatuto, disse ter considerado a nova estrutura, baseada em Departamentos e Centros, perfeitamente enquadrada à Reforma, passando a examinar página por página tudo que se encontra ali estabelecido, concordando de modo geral e elogiando. Terminou congratulando—se com o presidente da FEFIEG pela iniciativa do documento e cumprimentando a Professora Moema Renart de Brito pela sua elaboração.

88ª sessão do C.F. em 03/06/1976

Em continuação, o Sr. Presidente informou que ainda este ano se processará a auditoria de pessoal, a cargo do DASP, e chamou a atenção para necessidade de ser observado o quadro de magistário, o que significa que a FEFIERJ tem de se expandir com novos cursos para acompanhar a sistemática operacional, realizando concurso para atualização de seu corpo docente.

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92ª sessão do C.F. em 14/10/1976

O Presidente solicitou aos Diretores de Unidades e Chefes de Departamento que estudem uma data para a organização dos Centros da FEFIERJ.

94ª sessão do C.F. em 16/12/1976

Iniciando o expediente o Sr.Presidente solicitou a distribuição do documento final da Comissão Relatora designada para estudos relativos à Departamentalização dos Centros da FEFIERJ, informando que todas as críticas e emendas encaminhadas àquela Comissão, foram estudadas minuciosamente.

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QUADRO 3.8 – (continuação)

Documento Enunciado 97ª sessão do C.F. em 13/01/1977

Acrescentou, ainda, o Prof. B. de Paiva que o sistema de crédito a ser adotado pela FEDERAÇÃO implicará em transformação de comportamento na área do ensino. Esclareceu, também que será oferecida gratuidade aos alunos que, comprovadamente, não puderem pagar seus estudos. Continuando sua exposição sobre taxas e emolumentos a serem cobrados pela FEDERAÇÃO, o Presidente expôs aos Conselheiros a solicitação e a justificativa apresentadas pelo Professor Sérgio Magarão, relativas ao aumento dos serviços prestados pelo HCGG.

Na parte referente aos Assuntos Gerais, foi debatido pelos Conselheiros o sistema de crédito e sua implantação nos Centros da FEFIERJ. O Presidente solicitou ao Conselho que lhe fosse dada competência para sua aprovação após reunião com os Decanos, o que terá lugar no decorrer da próxima semana.

100ª sessão do C.F. em 07/07/1977

Retomando da palavra o Presidente apresentou a necessidade de se realizar estudo cuidadoso do número de professores na FEFIERJ uma vez que o total aprovado pelo DAU é inferior àquele já atingido pela FEDERAÇÃO. Passou a palavra a Conselheira Moema Renart de Brito que demonstrou a disparidade entre as cargas horárias docentes e discentes sendo, aquelas muito superiores a estas o que exige cuidadoso reexame.

101ª sessão do C.F. em 21/07/1977

Após a aprovação o Presidente perguntou aos Senhores Conselheiros se havia algo mais a tratar. A Conselheira MOEMA RENART DE BRITO solicitou seja designado um Grupo de Trabalho de Apoio à Comissão já encarregada dos estudos sobre o corpo Docente desta FEFIERJ, pedindo que fosse apontado um Professor de cada Centro. O Presidente, depois de discorrer sobre as dificuldades e pressões sofridas pela DEPE perante o DAU que de nós exigirá um outro comportamento administrativo quando nos transformarmos de Fundação em UNIVERSIDADE, falou dos andamentos dos trabalhos feitos pela Comissão e pediu competência para designar os três nomes solicitados pela Conselheira Moema Renart de Brito, [...]

102ª sessão do C.F. em 31/08/1977

Em continuação, o Sr. Presidente relembrou o passado da FEDERAÇÃO, desde a sua criação pelo General Alberto Soares de Meirelles, até a presente data. Citando os resultados alcançados nesses oito anos de existência, afirmou estar a FEFIERJ apta, pelo seu desenvolvimento, a se transformar em UNIVERSIDADE. Nos quatro anos de sua gestão foram desenvolvidos assuntos relativos à definição do patrimônio, a criação dos Centros de Ensino e, com a aprovação do Ministério da Educação e Cultura através do Departamento de Assuntos Univsersitários e o Ministério da Justiça, a transferência do Curso de Museologia e Arquivologia para a FEDERAÇÃO. Finalizando o Prof. José Maria Bezerra Paiva demonstrou sua satisfação em ver a participação do alunado nas decisões da FEFIERJ, pedindo a cada estudante que se conscientize da grande responsabilidade que lhe cabe. Passando para Ordem do Dia, deu posse aos Membros eleitos para o Conselho de Ensino Pesquisa e aos Representantes dos Diretórios Setoriais.

116ª sessão do C. F. em 22/06/1978

O Conselheiro JOSÉ MARIA BEZERRA PAIVA usou da palavra para agradecer a aprovação pelo egrégio Conselho concernente as alterações e modificações do Estatuto e Regimento Unificado em razão da Vice Presidência de Desenvolvimento e Assuntos Comunitários. O Conselheiro ANNIBAL DA ROCHA NOGUEIRA JUNIOR pronunciou-se acerca da organização do ensino em termos de curso, declarando não ver incompatibilidade entre a criação da UNIVERSIDADE e a estrutura das antigas Escolas, solicitando revisão da matéria. Os Conselheiros J. MONTEIRO DE CARVALHO, MILTON ANTONIO AGUIAR, ANTONIO CAETANO DIAS, HANS DOHMANN, MOEMA RENART DE BRITO e GERALDO FRANCISCO MALDONADO comentaram sobre o assunto para esclarecimentos gerais.

Passando para a Ordem do Dia o Presidente enfocou as alterações propostas no Estatuto e no Regimento Unificado da FEDERAÇÃO, esclarecendo que se faz necessária a proposição um vez que foi criada a Vice Presidência de Desenvolvimento e Assuntos Comunitários. Informou que as referidas alterações já foram aprovadas pela Câmara correspondente.

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QUADRO 3.8 – (continuação)

Documento Enunciado 125ª sessão do C. F. em 24/05/1979

Em continuação a pauta o Sr. Presidente solicitou ao Conselho a retirada da Ordem do Dia do Regimento do Hospital de Clínicas Gaffrée e Guinle, em atendimento ao requerido pelo conselheiro Milton Antonio Aguiar na qualidade de Presidente da Comissão de estudos, uma vez que o citado regimento deveria ser encaminhado ao Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão. O Conselheiro Hans Dohmann solicitou que a exigência fosse cumprida a curto prazo, considerando que a direção do HUGG vem se ressentindo da falta de um regimento, que há quatro anos esta para ser aprovado. O Professor Milton Antonio Aguiar sugeriu que somente após a elaboração do estatuto e do Regimento da UNI-RIO fosse revisto o regimento do HUGG. A proposição foi aprovada pelos Conselheiros J. Monteiro de Carvalho e Annibal Nogueira, que declararam não encontrarem razão para a pressa na aprovação do documento uma vez que aquele hospital vem sendo muito bem dirigido, apesar da ausência do regimento. A Conselheira Moema Renart de Brito usou da palavra para sugerir a aprovação do regimento, considerando que após a implantação da UNIVERSIDADE, se fizessem as alteraçães de rotina. O Diretor do HUGG, Professor Hans Dohmann insistiu na urgência que o assunto requer, enfocando a dificuldade em administrar sem um instrumento legal. Retomando da palavra o Decano, Professor J. Monteiro de Carvalho declarou acreditar que na nova estrutura organizacional da UNIVERSIDADE, o hospital volte a ser parte integrante do Centro de Ciencias da Saúde. O Presidente encerrou a discussão alegando que deferiu a petição do Conselheiro Milton Antônio Aguiar, tendo o assunto sido retirado da Ordem do Dia.

Os enunciados selecionados abarcam diferentes questões referentes à implantação da Reforma Universitária empreendida pelo Governo Militar em fins dos anos de 1960. No período de 10 anos, a Instituição passou por diferentes procedimentos de adequação às proposições legais, pois inicialmente constituiu-se como Federação e como tal apresentou peculiaridades relacionadas à estruturação das Escolas e a relação entre elas. Posteriormente, o projeto de transformação em Universidade trouxe novas determinações e, conseqüentemente, novos procedimentos de reestruturação cujas conseqüências podem ser percebidas nas reformulações do Estatuto.

O período posterior à Lei 5.540/68 presenciou inovações consideráveis na estrutura do Ensino Superior, se lembrarmos o Vestibular Único, tema que emerge em diversas reuniões; a possibilidade de união de Instituições Isoladas sob a forma federativa, opção adotada pela FEFIEG; a estrutura departamental. No entanto, devemos considerar também a estrutura política que, em virtude das características ditadoriais, regeu esta fase e determinou que as questões legais fossem absorvidas de forma a-crítica pela Instituição. Quase sempre não há manifestação, nem positivas nem negativas, acerca dos muitos dispositivos legais implementados. Há, no entanto, várias referências explícitas ao fato de muitas das determinações terem como origem uma ordem ministerial e a obediência a um ordenamento legal.

Como medida para calcular a situação específica na área acadêmica da Federação nos seus anos iniciais, destacamos o enunciado da ata da 31ª sessão, de agosto de 1972.

Ainda no expediente, o Sr. Presidente faz um apelo ao Presidente da Comissão

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Supervisora de Ensino e Pesquisa para que apresente o projeto de modificação daquela comissão e sua estruturação, a fim de que no ano próximo sejam iniciadas as aulas da FEDERAÇÃO em moldes mais bem organizados e com vários órgãos de coordenação e acompanhamento em regular funcionamento; acrescenta que se devem desde já, admitir gente capaz de fazer funcionar a Comissão como um verdadeiro órgão técnico de ensino da FEDERAÇÃO, a exemplo dos Conselhos similares que existem nas Universidades. (grifo nosso)

O enunciado do primeiro presidente vale muito pelo que ele negativiza quando afirma o seu apelo.

a) a fim de que sejam iniciadas as aulas em moldes mais bem organizados - ou seja, as aulas não estavam devidamente organizadas;

b) gente capaz de funcionar a Comissão como um verdadeiro órgão de ensino - a Comissão não possui gente capacitada e, conseqüentemente, ela não funciona como deveria funcionar.

Em 1972, a FEFIEG funcionava há aproximadamente 2 anos em uma estrutura na qual as comissões e conselhos funcionavam com membros de diferentes Escolas e a eles caberia coordenar, agora, os rumos administrativo-acadêmicos para todas as unidades. A nova realidade demandava novas respostas aos problemas que emergiam em função da nova forma organizacional. Isto é perceptível no pronunciamento do primeiro presidente em 06/07/1972 registrado na ata da 28ª sessão.

Passando-se ao exame do projeto de Resolução dispondo sobre a regulamentação dos Cursos Extraordinários desta FEDERAÇÃO, depois de discutida a matéria longamente, ficou resolvido voltar ele à Comissão Supervisora de Ensino e Pesquisa para um exame mais minucioso por parte daquele colegiado, em seu conjunto, para que saia uma peça que represente a opinião e o pensamento dos representantes das várias unidades. Finalmente, com a palavra o Conselheiro B. de Paiva faz considerações sobre o papel importante que desempenha a Comissão Supervisora de Ensino e Pesquisa, no estabelecimento de uma filosofia de unidade de ensino e colaboração entre as Unidades Congregadas, chamando especial atenção para a cooperação da disciplina de psiquiatria no ensino das atividades teatrais, principalmente visando a importância do Psico-drama.

Opondo este enunciado àquele que lhe é posterior, é possível verificar o fosso entre a expectativa de desempenho do órgão cujo desempenho no estabelecimento da filosofia de colaboração e integração na FEFIG era fundamental, e a consecução de suas atividades.

Outro momento importante na trajetória da Federação, desta vez ligado às determinações ministeriais, está o processo de agregamento do Centro Brasileiro de Pesquisa Físicas. A primeira referência a esta questão foi feita pelo primeiro presidente na 40ª sessão em 16/04/1973, onde ele notifica o Conselho Federativo de que recebeu a notícia, por intermédio do Sr. Diretor do Departamento de Assuntos Universitários, de

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que o Sr. Ministro da Educação mandara estudar um meio de incorporar o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas a esta FEDERAÇÃO. Mais tarde, em 21/02/1974, quase um ano depois, novamente as notícias sobre a agregação do CBPF chegam ao Conselho, quando o Sr. Presidente dá a palavra ao Consultor Jurídico, Dr. Fernando Cavalcanti, que esteve em Brasília, convocado pelo Chefe do Gabinete do Ministro, para ultimar os entendimentos referentes à incorporação do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, o Dr. Cavalcanti lê o processo em causa e o despacho do próprio punho do Sr. Ministro onde está expresso o seu desejo de resolver esta questão, ainda na sua gestão. A palavra/desejo do Ministro da Educação chega à Federação no pronunciamento do primeiro presidente que, na posição de sujeito falante, não expressa suas palavras e sim as palavras de outro locutor, o Ministro da Educação. Se tomarmos as teorizações de Ducrot179, temos o presidente como o agente da atividade lingüística, aquele que efetua uma ação, a de enunciar, no caso, um enunciado de uma outra pessoa, o enunciador, o Sr. Ministro da Educação e também sujeito da enunciação. Neste sentido, as objeções, caso existam, não são direcionadas ao sujeito que fala e sim ao responsável pela enunciação: o Ministro. Os verbos utilizados deixam clara a posição e a imagem que estes atores constroem acerca dos seus interlocutores: o ministro manda estudar um meio; o ministro convoca para ultimar entendimentos e expressa o seu desejo, tendo, face à hierarquia, consciência que ao presidente cabe conduzir tais determinações no âmbito da Instituição, ou seja, viabilizar o seu desejo concretizado no início do ano de 1975. Afirmação institucional QUADRO 3.9 – Enunciados sobre afirmação institucional

Documento Enunciado 11ª sessão do C.F. em 04/02/1971

O Prof. B. de Paiva mostrando a importância de um serviço de relações públicas para o desenvolvimento do projeto da FEDERAÇÃO, propõe que no item 0.2 se acrescente o de 2.8 – Relações Públicas. Com todas essas emendas, foi o projeto aprovado, ficando o Sr. Presidente autorizado a promulgá-lo, baixando o ato respectivo.

14ª sessão do C.F. em 19/05/1971

No expediente o Sr. Presidente fez um relato dos episódios que se desenrolaram no Instituto Villa-Lobos, pela interferência indevida de um detetive que, sob o pretexto de repressão aos tóxicos tentou amedrontar os estudantes com a possibilidade de detê-los por estarem usando trajes modernos e cabelos compridos que, no seu entender, caracterizam os traficantes. O caso foi objeto de várias notícias na imprensa, dando origem à intervenção tanto do Ministro da Educação como da Presidência da FEDERAÇÃO, não tendo prosseguido a ação policial. Na oportunidade, acrescenta o Sr. Presidente que a Direção do Instituto, a esse propósito, deverá exercer uma constante vigilância para que naquele Instituto seja mantida uma disciplina compatível com uma Unidade Universitária. A Profa. Palmyra, com a palavra, diz que o Sr. Presidente poderá ficar tranqüilo, pois nenhuma alteração existirá naquele Instituto

179 DUCROT, O. Enunciação. In: Enciclopédia Einaudi. vol. 2. Lisboa: Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1984. p. 389.

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não só sobre tóxicos como a respeito da disciplina que lá deve ser mantida. Prosseguindo com a palavra, o Sr. Presidente faz considerações sobre uma notícia vinculada pelo Correio da Manhã, onde um artigo do Diretor do Instituto Nacional do Câncer, procura mostrar a ineficiência atual desta tradicional instituição.

15ª sessão do C.F. em 25/06/1971

Passando-se a ordem do dia, é submetido ao plenário o Ofício ET 151/71, do Diretor da Escola de Teatro onde propõe a realização de um documentário cinematográfico para que, de uma maneira objetiva se mostrem as atividades desta FEDERAÇÃO, ressaltando a necessidade de se apresentar esta Unidade Universitária nos seus aspectos positivos e não com foi apresentada, a tempos atrás na imprensa pelos episódios ocorridos no Instituto Villa-Lobos, por ocasião da tentativa de intervenção policial. Acrescenta o Sr. Presidente que o Departamento Financeiro chamado a pronunciar-se, o fez a vinte e um do corrente, no processo em causa, informando que há recursos financeiros para este empreendimento que, segundo cálculo do proponente, custará cerca de vinte e oito mil cruzeiros, incluindo material, laboratório (prestação de serviços), estúdio de som (aluguel), contratação de técnicos especializados (prestação de serviços) e cópias, e filme documentário, em 35 mm, será filmado pelo processo “Eastman-Color”, com duração de dez minutos, sonorizado (narração e música), com titulagem gráfica.

15ª sessão do C.F. em 25/06/1971

Prosseguindo na ordem do dia o Sr. Presidente fala sobre a necessidade de se estabelecer um símbolo para a FEDERAÇÃO e mandou ler o trabalho apresentado neste sentido pelo Prof. Vicente Marques da Escola de Teatro, o qual foi muito apreciado e onde ficou evidenciada a importância do setor de Relações Públicas e a criação do símbolo acima mencionado. Discutida a matéria, toma a palavra o Prof. Reginaldo Carvalho para propor que seja aberto um Concurso para que seja escolhido o símbolo da FEDERAÇÃO, ressalvando que os apresentados pelo Prof. Vicente Marques são de muito bom gosto. Com a palavra o Conselheiro Gregori, diz que ao aprovar a medida diz que o Concurso proposto já representa um evento promocional para a FEDERAÇÃO. Posta em votação a proposta do Prof. Reginaldo foi ela aprovada por unanimidade. Em conseqüência, o Sr. Presidente designa o Prof. B. de Paiva para, com a colaboração do Prof. Vicente Marques, apresentar dentro do prazo de quinze dias as instruções para a realização do concurso.

17ª sessão do C.F. em 05/08/1971

Passando ao estudo do Edital do Concurso para escolha da insígnia e símbolo da FEFIEG, foi o mesmo aprovado, com a redação proposta pela comissão presidida pelo Prof. B. de Paiva. O Sr. Presidente agradeceu o trabalho das comissões encarregadas da elaboração dos projetos acima referidos e louva os mesmos pela presteza com que se desencumbiram das respectivas tarefas.

19ª sessão do C.F. em 06/12/1971

O Prof. B. de Paiva faz considerações sobre a regulamentação dos profissionais de teatro e mostra os benefícios obtidos para a Escola de Teatro com sua incorporação a esta FEDERAÇÃO, agradecendo o Sr Presidente tudo o que ele tem feito para o desenvolvimento daquela Unidade, não só no que tange ao ensino como ao aspecto material da Escola. Terminando o Sr. Presidente se congratula com todas as Unidades da FEDERAÇÃO pelos resultados obtidos nas competições desportivas ultimamente realizadas, tendo sido distribuídos prêmios na Associação Atlética Vila Isabel, local obtido por interferência do Prof. Jayme Graça.

28ª sessão do C.F. em 06/07/1972

Passando-se ao exame do projeto de Resolução dispondo sobre a regulamentação dos Cursos Extraordinários desta FEDERAÇÃO, depois de discutida a matéria longamente, ficou resolvido voltar ele à Comissão Supervisora de Ensino e Pesquisa para um exame mais minucioso por parte daquele colegiado, em seu conjunto, para que saia uma peça que represente a opinião e o pensamento dos representantes das várias unidades. Finalmente, com a palavra o Conselheiro B. de Paiva faz considerações sobre o papel importante que desempenha a Comissão Supervisora de Ensino e Pesquisa, no estabelecimento de uma filosofia de unidade de ensino e colaboração entre as Unidades Congregadas, chamando especial atenção para a cooperação da disciplina de psiquiatria no ensino das atividades teatrais, principalmente visando a importância do Psico-drama.

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QUADRO 3.9 – (continuação) Documento Enunciado 31ª sessão do C.F. em 28/08/1972

Em seguida, recomenda, mais uma vez, aos Diretores para que façam ampla divulgação do Boletim Semanal desta FEDERAÇÃO, para que todos tomem conhecimento das ordens e notícias nele publicadas acrescentando que nunca é demais ressaltar a importância das comunicações dentro das Unidades que, quando falhas, fazem com que os subordinados ajam em desacordo ou mesmo em contradição com os objetivos da direção; mostra que o Boletim corresponde a uma necessidade real de expedir e transmitir ordens e dizer o que acontece no País, no Ministério, na FEDERAÇÃO e nas Unidades; apela para que os Diretores comuniquem constantemente, para que sejam divulgadas, todas as atividades científicas e de pesquisa que se tenha processado ou que estejam em andamento dentro de suas Unidades; lamenta que se tome conhecimento de atividades importantes dos membros do corpo docente, em Sociedades Científicas, em Congressos etc., sem que a Presidência tome conhecimento.

33ª sessão em 11/10/1972

[O Presidente] Acrescenta, ainda, que estão sendo realizada as Olimpíadas Universitárias com a participação dos alunos da FEDERAÇÃO.

41ª sessão em 17/04/1973

Prosseguindo no expediente, o Conselheiro Vulcano apresenta um projeto de bandeira para o Instituto Biomédico, sendo o mesmo aprovado provisoriamente até que definitivamente se aprovem os Símbolos da FEDERAÇÃO e sua Bandeira.

50ª sessão do C.F. em 04/09/1973

Com a palavra o Conselheiro Jayme Ribeiro da Graça, aproveita o expediente para mostrar uma grande reportagem inserta no Jornal de Brasília a respeito do Colegium Musicum, do Instituto Villa-Lobos. O Sr. Presidente se congratula com o fato que demonstra que a FEDERAÇÃO pouco a pouco vai se tornando conhecida no Brasil, e aproveita a oportunidade para comunicar que o Conselheiro Sylvio de Mendonça justificou sua falta a presente sessão.

67ª sessão do C. F. em 20/08/1974

Passando a Ordem do Dia, cujo único assunto a comemoração do V Aniversario da FEFIEG, o Sr. Presidente convidou os Srs. Conselheiros para as festividades e comunicou que a publicação da Aula Inaugural da FEFIEG no ano de 1974, “O Teatro é Terrível”, proferida pelo Professor Guilherme Figueiredo estaria sendo distribuída aos convidados, durante toda a semana do aniversario

75ª sessão do C.F. em 10/04/1975

Facultada a palavra, o Conselheiro Alberto Soares De Meirelles congratulou-se com o Sr. Presidente pela defesa dos interesses da FEFIEG e referiu-se à grande significação que o dia dez de abril tem para a FEDERAÇÃO, uma vez que nesse dia, em mil novecentos e doze, foi fundada a Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro. Esclareceu que foi escolhido o dia dez de abril para a fundação da citada Escola em homenagem ao grande professor e fundador da Homeopatia Samuel Hahnemann. O Conselheiro JAYME RIBEIRO DA GRAÇA congratulou-se com os sessenta e três anos de existência da Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro. O Conselheiro Nilton Salles agradeceu em nome daquela Unidade, discorrendo sobre a origem, tradição e desenvolvimento da Escola, assim como sobre o valor incontestável do seu Corpo Docente. O Conselheiro Antonio Caetano Dias associou-se, juntamente com os demais Conselheiros, às homenagens prestadas àquela Unidade, lembrando que, no dia sete de abril próximo passado, aniversariou a Escola de Teatro, de reconhecido valor na formação da cultura brasileira. O Conselheiro Pernambuco de Oliveira agradeceu, sentindo-se orgulhoso de pertencer a FEFIEG. o Sr. Presidente referiu-se ao fato de ser o mês de abril destacado pelo aniversário de três Unidades, comemorando-se no próximo dia quinze, mais um ano de fundação da Escola de Biblioteconomia e Documentação.

78ª sessão do C.F. em 07/08/1975

Comunicou o Senhor Presidente que, interpretando o pensamento de toda a FEDERAÇÃO, homenageará o Senhor Mário Moreira Padrão, Secretário da Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro pelos 50 anos de serviços prestados e solicita a presença dos estudantes na festa de comemoração.

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QUADRO 3.9 – (continuação) Documento Enunciado 79ª sessão do C.F. em 21/08/1975

Iniciando o expediente o Sr. Presidente esclareceu que convocou para esta reunião os Conselhos de Curadores e o Federativo a fim de que, num congraçamento, pudesse ser comemorado a passagem de mais um aniversário da FEFIEG. Informou que nos primeiros contatos que teve com o então Presidente da Federação General Alberto Soares de Meirelles, aprendeu que a filosofia existente era, e continuará a ser, a do espírito de compreensão e fraternidade entre todos os seus professores, alunos e funcionários. Nesta manhã de festa é com grande alegria que, continuou o Presidente, trazia ao Conselho como convidado de honra o Embaixador Paschoal Carlos Magno, nome por demais conhecido e respeitado em todas as áreas da educação e cultura do país. Ressaltou que o Conselho Federativo, dentro de pouco tempo contará com a presença permanente do Embaixador, como Representante da nova Unidade – Aldeia de Arcozelo – que se converterá num centro avançado de educação artística da FEFIEG. Discorreu ainda o Sr. Presidente sobre a grandiosa figura do Embaixador, homem conhecido e admirado pelos estudantes do Brasil através de suas memoráveis campanhas em prol da Casa do Estudante. Parabenizou os Diretores das Unidades pelos serviços que vêm prestando ao ensino superior brasileiro, transformando a FEFIEG em uma grande família.

80ª sessão do C.F. em 28/08/1975

A seguir o Senhor Presidente apresentou o anteprojeto para a mudança de nome da FEDERAÇÃO, permanecendo a sigla FEFIEG. O Conselheiro Francisco Alcântara Gomes Filho declarou que o projeto estava muito bem definido e sugeriu o acréscimo [no original o termo "ao mesmo" foi riscada], de um artigo que define sobre a transferência para a FEDERAÇÃO dos direitos de importação. O Conselheiro Antônio Caetano Dias sugeriu que a Consultoria Jurídica opinasse sobre o acréscimo do artigo. Os Conselheiros Antonio Caetano Dias, Nilton Salles, Geraldo Francisco Maldonado e Alberto Soares de Meirelles concordaram com a permanência da sigla FEFIEG. Os Conselheiros Jayme Ribeiro da Graça e Reginaldo Bessa foram de opinião que a sigla deveria ser mudada. Colocada em votação foi aprovado o anteprojeto com a sigla FEFIEG.

87ª sessão do C.F. em 29/04/1976

Em Assuntos Gerais o Presidente apresentou o diploma concedido a FEDERAÇÃO - pela FEURJ (Federação de Esportes Universitários do Rio de Janeiro), pela sua participação durante o ano de mil novecentos e setenta e cinco como a maior colaboradora. Citou o Sr. Presidente que o referido diploma foi conseguido pela brilhante atuação e incentivo do Diretor do Departamento de Educação Fisica e Desportos, Coronel GILBERTO BAPTISTA DE ALMEIDA

87ª sessão do C.F. em 29/04/1976

Apresentou para aprovação do Conselho o Concurso de Monografia para estudantes co-memorativo do sétimo aniversário da FEFIERJ, cujo tema seria definido pelos Conselheiros. APROVADO o regulamento do Concurso a temática ficou a critério do Sr. Presidente por deliberação do próprio Conselho.

89ª sessão do C.F. em 12/08/1976

Encerrando o Expediente o Prof. B. DE PAIVA convidou os Conselheiros para as comemorações da passagem do 7º Aniversario da FEFIERJ, no dia 20 de agosto, cujas festividades terão início com almoço às 12,30 hs. na Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, e uma solenidade no Instituto Biomédico às 17 horas onde serão homenageados os eméritos Professores aposentados no âmbito da FEDERAÇÃO e entregues os prêmios aos alunos vencedores do Concurso de Monografias.

93ª sessão do C.F. em 09/12/1976

Ainda em Assuntos Gerais o Sr. Presidente apresentou o Calendário Escolar para 1977, que após discussões em plenário foi APROVADO com as seguintes emendas [...] - AGOSTO: 20 - aniversário da FEFIERJ - não haverá expediente.

94ª sessão do C. F. em 16/12/1976

Aproveitou a oportunidade para deixar consignado em ata, seu elogio a João Bosco De Souza, funcionário da Administração Central, cuja dedicação e alto poder de comunicação com todos, possibilitou sempre, junto ao Banco do Brasil e a outras entidades, contatos que permitiram a solução de alguns problemas. Considerou o Sr.Presidente o funcionário João Bosco como o símbolo da família da FEFIERJ, pela sua pureza e dedicação.

95ª sessão do C.F. em 21/12/1976

O Conselheiro Guilherme de Oliveira Figueiredo comunicou que recebeu convite da Universidade Federal do Rio de Janeiro para ser examinador do Concurso para Professor Titular de “Teoria da Literatura”, considerando este convite como um prestígio para a FEFIERJ.

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QUADRO 3.9 – (continuação) Documento Enunciado 101ª sessão do C.F. em 21/07/1977

Lembrou ao Conselho que no próximo mês será comemorado o aniversário da FEFIERJ, quando se realizará a lª sessão conjunta dos Conselhos Federativos e de Ensino, Pesquisa e Extensão, dando-se, na oportunidade, posse aos Colegiados estudantis dos Diretórios Setoriais. Serão apresentados, na ocasião, aos dois Colegiados, todos os atos baixados pela Presidência quando se solicitará o estudo dos mesmos para aprovação.

102ª sessão do C.F. em 31/08/1977

Foi concedida a palavra ao Conselheiro Guilherme Figueiredo, Vice-Presidente de Ensino da FEDERAÇÃO que congratulou-se com os docentes e discentes que se confraternizam, solicitando que os estudantes fixassem em sua memória, o que é o espírito livre em uma UNIVERSIDADE.

111ª sessão do C.F. em 26/01/1978

Passando para a ordem do dia, foi apresentada ao plenário o projeto da criação da Vice—Presidência de Desenvolvimento e Assuntos Comunitários, tendo o relator Prof. Antonio Caetano Dias esclarecido sobre as grandes dificuldades encontradas pelos administradores da FEDERAÇÃO com relação ao entrosamento de todos os seus órgãos. Ponderou ainda, em seu relatório, que o objetivo primordial daquela Vice—Presidência seria a ligação entre as realizações internas da FEFIERJ, possibilitando total conhecimento e promoção das atividades, não somente no âmbito da FEDERAÇÃO, como também e principalmente entre outros órgãos públicos. O Conselheiro Remi Gorga solicitou a atenção uma vez que no Regimento da FEDERAÇÃO foi criado apenas uma Assessoria de Relações Públicas, o que poderia vir a constituir duplicidades de atribuições. O Presidente esclareceu aquele Conselheiro que as atribuições serão estudadas e determinadas após a criação do cargo. O Conselheiro J.Monteiro de Carvalho manifestou-se favorável à criação, preocupado apenas com as despesas que por ventura sejam necessárias, tendo em vista a compressão financeira que vem acontecendo à FEFIERJ. Os Conselheiros Nisio Marcondes da Fonseca e Milton Aguiar propuseram aprovação imediata e encaminhamento a Câmara correspondente, para efeito de ser preparada a sua regulamentação. Colocada em votação foi APROVADA, e encaminhada a matéria à Câmara de Legislação e Normas, tendo o Presidente solicitado que o Decano do Centro de Ciências da Saúde, Prof. J. Monteiro de Carvalho participasse da reunião.

117ª sessão do C.F. em 27/07/1978

Ainda nos Assuntos Gerais o Sr. Presidente solicitou a colaboração dos Conselheiros no sentido de cederem fotografias de grandes nomes entre professores e funcionários da FEFIERJ, para comporem a galeria dos grandes vultos da FEDERAÇÃO. Informou também que seguirá viagem para Brasília a fim de tratar com o Excelentíssimo Sr. Ministro de Educação e Cultura da transferência da FEDERAÇÃO em UNIVERSIDADE.

118ª sessão do C.F. em 10/08/1978

Foi submetida ao plenário a ata da reunião passada [...] Solicitou, ainda, o conselheiro B. de PAIVA que ficasse consignado em ata que a galeria de fotografias será composta de retratos de personalidades já falecidas.

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QUADRO 3.9 – (continuação) Documento Enunciado 121ª sessão do C.F. em 07/12/1978

Os Conselheiros consideraram, face ao estado atual daquele Hospital, que o seu aproveitamento viria acarretar despesas de grande vulto para a FEFIERJ. Em continuação o Conselheiro AUGUSTO MAIA exposicionou sobre a proposta orçamentária para o próximo ano, esclarecendo sobre os critérios adotados. O Conselheiro ANTONIO CAETANO DIAS manifestou-se acerca da verba a ser destinada à COPERT solicitando que, do detalhamento da despesa, fosse desmembrado os valores para pessoal docente a fim de que a Comissão, ao examinar as propostas para concessão, pudesse avaliar as implicações que o problema traria para a área financeira. Foi esclarecido àquele Conselheiro que à COPERT cabe, de acordo com a lei, apenas a análise das condições de concessão dos incentivos funcionais aos docentes. Os Conselheiros NESIO MARCONDES FONSECA e JAYME DE BARROS FREITAS solicitaram esclarecimentos sobre os percentuais de aumento proposto, declarando que a situação financeira das unidades é cada vez mais angustiante. O Conselheiro GERALDO FRANCISCO MALDONADO pediu a palavra esclarecendo que o orçamento fixado á sempre complementado, durante o exercício, através de créditos suplementares concedidos pelo MEC. Esclareceu, ainda que as necessidades da FEFIERJ vão muito além do proposto, porém o Ministério prevê um percentual que não pode ser ultrapassado. O Conselheiro HANS DOHMANN, mostrou-se preocupado com a exigüidade de verbas e a dificuldade em administrar com os recursos concedidos. O Conselheiro J. MONTEIRO DE CARVALHO declarou que apesar da FEDERAÇÃO ser uma fundação de direito publico, não se pode empresariá-la através de prestação de serviços, pois a medida necessitaria, inicialmente, de uma grande movimentação financeira. O Sr. Presidente esclareceu que o orçamento de que dispõe a Federação é, praticamente, imposto pelo MEC.

125ª sessão do C.F. em 24/05/1979

O Conselheiro ANNIBAL NOGUEIRA referiu-se ao lançamento do livro “Tratado de Cirurgia Digestiva”, de autoria do Professor LUCIO GALVÃO e sua equipe, declarando que o compêndio é obra de grande valor, propondo voto de louvor para aquele Professor e seus colaboradores, sugerindo que se organizassem, através da Vice-Presidência de Ensino, um movimento para colecionar obras publicadas, ou a publicar, dos Professores, o que seria um testemunho permanente das atividades Universitárias da FEFIERJ. APROVADOS os votos de louvor ao Professor LÚCIO GALVÃO e aos seus colaboradores. Com relação à proposição referente às publicações científicas do corpo docente, o Sr. Presidente sugeriu a criação de uma estante permanente na Biblioteca Central. O Conselheiro HANS DOHMANN informou que da direção do Hospital de Clínicas Gaffrée e Guinle, havia sido distribuído a todos os Chefes de Serviço um ofício solicitando a remessa de quaisquer trabalhos científicos, representados por monografia, teses ou livros, a fim de compor um painel demonstrativo dos trabalhos do corpo clínico do HUGG, possibilitando à implantação de uma "memória científica do HUGG".

O Presidente solicitou ao Conselho uma alteração na sigla da UNIVERSIDADE, passando a ter um traço de união entre as palavras UNI-RIO. APROVADO. O Conselheiro REMI GORGA sugeriu um concurso entre os alunos, professores e servidores da Federação para escolha do logotipo da UNIVERSIDADE, ficando aquele Conselheiro encarregado de elaborar a regulamentação do citado concurso

129ª sessão do C.F. em 30/08/1979

Passando para a Ordem do Dia o Professor GUILHERME FIGUEIREDO esclareceu que por ato daquela presidência, foram apresentadas sugestões de dar-se um nome às escolas e institutos da UNI-RIO, porém com o intuito de manter as suas tradições reformulava sua proposta anterior, apresentando como emenda a sugestão de serem mantidos os nomes das antigas Escolas, propondo, nova redação ao artigo quarenta e três, que passou a ser a seguinte: I —Centro de Artes e Letras: a) Instituto Villa Lobos; b) Escola de Teatro - II — Centro de Ciências Biológicas e da Saúde: a) Escola de Enfermagem Alfredo Pinto; b) Escola de Medicina e Cirurgia; c) Escola Central de Nutrição; d) Instituto de Ciências Biológicas —III — Centro de Ciências da Informação e Sociais Aplicadas: a) Escola de Arquivologia; b) Escola de Biblioteconomia e Documentação; c) Escola de Museologia. A proposição foi aprovada com aplausos pelos Conselheiros.

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A nossa preocupação com esta temática foi procurar indicadores que apontassem para estratégias institucionais engendradas pela Federação para construir uma imagem própria, afirmando-se como Instituição de Ensino Superior. Nesse processo, afirmar-se como IES representa situar-se em um contexto específico que é o do sistema de ensino superior formado, majoritariamente, por Universidades; significa encontrar um lugar, seu lugar, neste universo. Como já apontamos, a Federação constituiu-se a partir da congregação de Escolas Isoladas que contavam com uma trajetória anterior de mais de 50 anos, como a Escola de Medicina e Cirurgia (reconhecida em 18/03/1915) a Escola de Biblioteconomia (reconhecida em 01/07/1911), e neste espaço de 10 anos moldou-se conforme demandas organizacionais, internas e externas, no intuito de estabelecer-se como mais uma Instituição de Ensino Superior no país. O decreto-lei nº 773/69 garante-lhe o aspecto legal, mas é nos embates de sua trajetória cotidiana, na formação de hábitos e no delineamento de uma forma reconhecível que ela vai buscar e garantir a legitimidade externa e interna e um perfil próprio pelo qual a identificarão como FEFIEG. Os procedimentos de afirmação em nível discursivo são, em alguns momentos claramente explícitos, deixando transparecer as estratégias procuradas, mas não necessariamente executadas, no estabelecimento de uma imagem própria. Em nosso trabalho não deixamos de pensar identidade e imagem como conceitos próximos, ambos constituindo-se na linguagem e na interação com o outro.180 Ambas como representações e em uma relação de dependência, onde a identidade, construída e estabelecida, tem uma imagem que lhe é atrelada e que externa o caráter identitário da Instituição. Ao mesmo tempo a imagem pode reestruturar-se em função do contato com o outro e dos projetos que direcionam os elementos que podem compô-la, formando assim um quadro ou forma reconhecível específica. Mas este trabalho é controlável e intencional? A imagem como projeção da identidade implica compreender que, no nosso caso, não é toda a Instituição que está representada nesta imagem e sim alguns aspectos selecionados para formá-la. Conseqüentemente, esta imagem construída, formada e conformada vincula-se a uma vontade/desejo institucional que, por sua vez, considera o outro, suas intenções e suas "leituras" quando empreende tal projeto de construção. Tal imagem não representaria o todo, mas sim determinados aspectos institucionais arregimentados para formar o que se pretende apresentar e, nesse sentido, ela estaria ligada a um determinado momento fixo da trajetória institucional, pois esta imagem construída pode mudar conforme a época e os projetos envolvidos.

180 BRESSANE, Thais B. da Rocha. Construção de identidade numa empresa em transformação. Dissertação de Mestrado. São Paulo: PUC, 2000. Nossas reflexões acerca da imagem e sua construção têm por base o trabalho de Bressane.

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As formas de representação utilizadas neste processo podem ser todas as disponíveis na cultura em foco. Nossos sistemas de linguagem são plurais e desta forma, recursos visuais também auxiliam no projeto institucional de estruturar e veicular uma imagem própria. No entanto, é necessário ter em conta que toda e qualquer leitura foge ao controle do produtor do discurso. Assim, a mensagem construída deve ter em conta seu leitor e os possíveis efeitos de produção de sentidos. No caso da FEFIEG a idéia de criação de um logotipo, de uma bandeira e a proposta de realização de um documentário apontam para a necessidade de estabelecer uma imagem, idéia que surge no início de vida desta Instituição reforçando uma relação entre nascimento/afirmação e identidade. No caso da filmagem, ela está diretamente ligada aos acontecimentos negativos que ocorreram no Instituto Villa-Lobos, e a idéia de se mostrar aspectos positivos da Instituição nos leva a inferir que, até então, não havia nenhuma imagem, positiva ou negativa, da FEFIEG estabelecida e veiculada na mídia. Sendo uma Instituição nova e desconhecida do grande público a primeira repercussão que ela apresenta na mídia não foi das mais positivas, daí "a necessidade de se apresentar esta Unidade Universitária nos seus aspectos positivos". (15ª sessão) A ausência de uma imagem formada pela própria Instituição pôde, neste caso, ter deixado espaço para que uma outra fosse construída com base em acontecimentos negativos, tornando-se necessária uma contra-estratégia que mostrasse ao público que a FEFIEG não era aquilo que foi veiculado. A estratégia de afirmação institucional abarca tais procedimentos e, a preocupação com a imagem externa tem sua contrapartida interna na necessidade de se veicular no âmbito institucional as atividades acadêmico-científicas dos professores (31ª sessão; 50ª sessão), as atividades esportivas dos alunos em torneios e olimpíadas universitárias (33ª sessão), as homenagens recebidas e prêmios outorgados e o interesse em se colecionar obras publicadas pelos professores com o objetivo de testemunhar as atividades da Instituição (125ª sessão) e em formar uma galeria de vultos composta por fotografias de professores e funcionários da Federação (117ª sessão). As comemorações de aniversário e das atividades realizadas pelos professores e o estabelecimento de lugares que não deixem morrer a memória daqueles que formaram a Federação funcionam, por intermédio da dialética presente-passado, na consolidação de uma identidade que ainda busca estabelecer seus alicerces. Não há tradição sem passado que abarque eventos e acontecimentos a serem rememorados e restabelecidos periodicamente no presente. Como construção, tal tradição pode estabelecer as bases de um projeto futuro e sua mutabilidade reside, justamente, na intencionalidade dos grupos que ocupam o poder. A tradição, como fórmula que cumpre um papel específico na construção da identidade

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e nos projetos de memória, trabalha seletivamente nas estratégias que colocam em jogo o passado e o presente. Assim, a afirmação da Federação enfrenta, internamente, a afirmação das Instituições Isoladas que sempre relembram sua data de nascimento e remetem sua origem a um passado mais remoto. O melhor exemplo vem do início do período como Universidade (129ª sessão) quando as Escolas, convidadas a mudar seus nomes, preferiram "com o intuito de manter as suas tradições" manter os antigos, aqueles que elas tinham desde antes de virem formar a FEFIEG. O mesmo ocorrendo com as datas comemorativas de aniversário da cada Escola Isolada que sempre foram lembradas no Calendário Universitário, ao lado da data de criação da Federação. Tópicos conclusivos A análise empreendida com os enunciados neste subcapítulo procurou apontar as possibilidades que emergiam no trabalho de construção narrativa dos eventos que marcaram o período federativo da Instituição que hoje é a UNIRIO. Duas grandes dimensões ou áreas foram percebidas já na fase inicial de leitura de todas as atas e seleção dos enunciados: a acadêmica e a administrativa. Sem fronteiras nítidas, tais dimensões articulam-se na vida desta Instituição e, muitas vezes, vêem-se perpassadas por outros aspectos que determinam as estratégias de implantação e implementação de políticas internas de desenvolvimento em ambas as áreas. Assim, sejam delineando a estrutura da Instituição, quando por determinações superiores a Federação vê-se na obrigação de participar do futuro do CBPF, aceitando-o como Unidade Congregada, ou perdendo uma unidade fundadora como o INCa; sejam conduzindo internamente os ditames legais na esfera acadêmico-administrativa, os acontecimentos que emergem destas dimensões são possibilidades dentro de um quadro maior condicionado por determinações ideológicas próprias de sua época. É perceptível que muitas questões que surgem nesta fase revestem-se do aspecto da legalidade tecno-burocrática que marcou o período da ditadura militar.181

Inicialmente, contextualizamos a Federação apontando para as peculiaridades do período no qual ela surgiu, ressaltando a importância atribuída pelo Governo do Regime Militar ao processo de Reforma Universitária de 1968. Desta forma, a Federação surge como uma Instituição típica de sua época em virtude, inclusive, de sua forma peculiar de organização que se torna viável em função da Lei 5.540/68. As temáticas construídas procuraram mostrar alguns aspectos desse período inicial de 10 anos e o resultado constitui uma faceta desta Instituição. As nossas análises mostraram um nascimento “romântico” que se construiu discursivamente a partir da

181 FORGET, Danielle. Conquistas e resistências..., p. 55.

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segunda gestão presidencial quase que contemporaneamente ao projeto de transformação em Universidade. Este último estabelece-se e consolida-se com o enfraquecimento da imagem da Federação como instituição viável. O gráfico 3.1 apresenta esta evolução. GRÁFICO 3.1 - Emergência dos enunciados NASCIMENTO DA INSTITUIÇÃO x PROJETO DE TRANSFORMAÇÃO EM UNIVERSIDADE

012345678

1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979

Nascimento Projeto de transformação

Os conflitos internos destacados neste período foram quatro e todos representativos das forças atuantes na Instituição durante a sua formação. A criação da primeira unidade nascida na Federação, o Instituto Biomédico, foi marcada pela controvérsia. A desvinculação do Instituto Nacional do Câncer desnudou um conflito congênito e a relação de forças em jogo apontou para a instabilidade inicial desta união e o resultado alterou sua estrutura. A gestão do Prof. Bezerra de Paiva como segundo presidente foi marcada pela oposição à sua indicação, e esta relação entre oposição (do outro) e afirmação (do Presidente) marcou o período e os seus atos eram contestados em sua legitimidade. Finalmente, o que aparentemente pareceu uma unanimidade, a transformação da Federação em Universidade, tornou-se um evento controverso como nos mostra a emergência de grupos que se opunham a tal idéia. Os ditames externos foram apontados como diretrizes às quais a Instituição vai se conformando durante sua trajetória. As estratégias empreendidas para cumprir determinados aspectos legais para estabelecer-se como Federação, em um primeiro momento, e com vistas à transformação em Universidade, em um segundo momento, expõe uma Instituição em constante mutação, que não estabelece um perfil próprio quando Federação, e é lançada no redemoinho de adequações necessárias à mudança de

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status. As estratégias de afirmação institucional parecem reforçar este aspecto, quando

percebemos que as Escolas Isoladas continuam a manter suas tradições e seus perfis próprios transpassam seus procedimentos. Mesmo assim, existe uma preocupação em reforçar a imagem desta nova Instituição da qual agora fazem parte, reconhecendo a importância da união em favor do coletivo. Ao iniciar a segunda gestão, este processo de formação de uma identidade federativa vê emergir o projeto universitário e a necessidade, agora, é reforçar a Instituição seja ela uma Federação ou Universidade, reconhecer seus feitos e comemorar seus empreendimentos e datas representativas.

O crescimento e fortalecimento desta idéia da Federação como uma condição prévia à Universidade (gestação) e sua cristalização no espaço discursivo da Administração Superior conduzem ao crescente apagamento da importância da fase federativa na trajetória da Instituição. Tal processo opera elementos constitutivos de uma memória oficial que engloba a manipulação, articulação e seleção de eventos e acontecimentos, de forma a construir um já-lá, um fato instituído que não conhece sua origem, não porque esta se perdeu, mas porque como estratégia, apagou suas próprias trilhas. Assim, o que fica, o que permanece graças a tal processo é que a Federação foi um caminho e desde seu nascimento já trazia um projeto de Universidade embutido. Mas se a FEFIEG tinha uma pai, a Universidade poderia tê-lo também. Neste contexto, a imagem do primeiro Reitor, Prof. Guilherme Figueiredo capitanea todas as ações que cercaram o nascimento da UNI-RIO, apesar de ser com o segundo presidente, B. de Paiva que surge e se fortalece o discurso sobre a transformação em Universidade. A seguir, mostraremos, entre outros aspectos, como o período de 1999, ao comemorar os 30 anos da UNIRIO, vê esta fase federativa.

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3.3 – 1999: A UNI-RIO faz 30 anos

A Universidade do Rio de Janeiro comemorou seus 30 anos em 1999, e a forma mais explícita e direta de marcar esta data (este acontecimento) no cotidiano da comunidade acadêmica foi a criação do logotipo UNIRIO – 30 anos (figura 02).

Figura 01-Logotipo Oficial da UNIRIO Figura 02 - Logotipo dos 30 anos

O logotipo comemorativo desta data tem como base o tradicional logotipo da UNIRIO (figura 01), e foi utilizado nos documentos oficiais e no web site institucional durante todo o ano de 1999.

Outras marcas deste acontecimento foram por nós delimitadas no âmbito do discurso oficial registrado nas atas dos Conselhos Superiores – Conselho de Ensino e Pesquisa (CESEPE) e Conselho Universitário (CONSUNI).

Como já foi dito anteriormente, ao comemorar 30 anos de criação em 1999 a Instituição assume como data de nascimento 20/08/1969 – data de publicação do Decreto nº 773 que cria a Federação das Escolas Federais Isoladas do Estado da Guanabara (FEFIEG).

Nesta perspectiva, a Universidade incorpora o período federativo à sua própria memória tornando o ano de 1979 (Lei 6655 de 05/06/1979), que transforma a FEFIERJ em Universidade do Rio de Janeiro – UNIRIO), uma data representativa de uma mudança de status, somente.

No item dedicado ao período de 1969-1979 vimos como perpassava no discurso oficial a idéia de que a Federação evoluiria para uma Universidade, e como, por vezes, o discurso oficial deixava transparecer que esta condição de Federação foi uma escolha. Agora, procuramos ver, como – e se – nos 30 anos é retomada esta fase federativa, pois conforme o calendário comemorativo, a UNIRIO não surgiu em 1979, ela nasceu em 1969.

Se o seu nascimento deu-se no bojo da Reforma do Ensino Superior de 1968, o seu aniversário de 30 anos ocorre em um período de adaptação aos novos ditames legais, que se estabelecem no horizonte de todos os níveis de ensino, com a promulgação da Lei

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9394 de 1996 – A Lei de Diretrizes e Bases do Ensino Nacional. O nosso estudo não pode, em virtude de suas características, deixar de considerar

o quadro sócio-político-econômico do país quando a UNIRIO completa seus 30 anos. Como instituição social a Universidade não pode ser entendida fora do contexto no qual está inserida.182

Nesse sentido, procuramos mostrar algumas questões emergentes no panorama do ensino superior ao final da década de 1990. Nas discussões que se desenvolvem neste período, coloca-se em relevância não somente o destino da Universidade como Instituição mas, sobretudo, o futuro da Universidade Pública.

A UNIRIO, tendo em vista sua condição de IFES, sofre os reflexos daquilo que estudiosos como Marilena Chauí e José Leite Lopes apontam como “política de extermínio do ensino superior”.

Em 2001, Marilena Chauí reuniu alguns ensaios sobre a Universidade, escritos e publicados nos últimos 20 anos. As colocações que transcrevemos aqui são indicadores da problemática enfrentada pela Universidade Pública frente à política governamental.

Em toda parte, temos acompanhado e participado de discussões sobre a universidade pública e a necessidade de defendê-la como um direito democrático, opondo-nos às medidas estatais que visam ao seu desaparecimento. (...)183

É nesse patamar que a filósofa desenvolve sua argumentação mostrando como, na universidade brasileira, se refletem as idéias neo-liberais hoje dominantes, e como elas fundamentam todas as discussões.

Quer os universitários se ponham a favor quer se ponham contra, todos trabalham com a mesma temática, que pode ser assim resumida: 1. aceitação da idéia de avaliação universitária sem nenhuma

consideração sobre a situação do ensino de primeiro e segundo graus, como se a universidade nada tivesse a ver com eles (...);

2. aceitação da avaliação acadêmica pelo critério da titulação e das publicações, com total descaso pela docência, critério usado pelas universidades privadas norte-americanas (...);

3. aceitação do critério de distribuição dos recursos públicos para pesquisa a partir da idéia de ‘linhas de pesquisa’, critério que faz sentido para as áreas que operam com grandes laboratórios e com grandes equipes de pesquisadores, mas que não faz nenhum sentido nas áreas de humanidades (...);

4. aceitação da idéia de modernização racionalizada pela privatização e terceirização da atividade universitária, a universidade participando da economia e da sociedade como prestadora de serviços às empresas privadas (...).184

Segundo ela, o campo para discussão já está predeterminado, estabelecido pela

182 FÁVERO, M.L. Universidade e poder..., 1980. p. 7-9 183 CHAUÍ, M. Escritos sobre a universidade. São Paulo: Editora UNESP, 2001. p. 9. 184 CHAUÍ, M. Escritos sobre a ... p. 35-36

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temática neo-liberal e pela “alienação que ela acarreta”.

Temos ainda as palavras de José Leite Lopes, físico de renome internacional e cuja dedicação à causa universitária é bem conhecida. No prefácio ao livro de Maria de Lourdes Fávero, sobre as origens da Universidade do Brasil, ele é explícito:

Este livro que aparece agora é muito oportuno. Atravessamos um período em que a universidade pública está ameaçada por tantas incertezas e dificuldades que se faz necessário seja repensada. Mas qualquer proposta não terá sentido se não houver respeito pelo pensamento, pelas atividades de produção de conhecimento. Respeito mútuo, dentro da universidade, de cada um por um. 185

Boa parte de suas reflexões acerca desta temática pode ser encontrada na obra Ciência e Liberdade: escritos sobre ciência e educação no Brasil, do qual extraímos os trechos a seguir.

O Governo Federal, há anos, tem anunciado que não lhe compete fabricar aço, cuidar das florestas tropicais e da nossa rica biodiversidade, explorar minas de materiais estratégicos raros como o nióbio, e outros serviços relativos às nossas riquezas e ao nosso patrimônio. Deve dedicar-se antes a atividades como a educação e a saúde. Entretanto, o corte de dotações para as universidades federais, a diminuição do número de bolsas de formação e de aperfeiçoamento no setor científico, o terrorismo propagado pelas autoridades federais, propondo uma redução de 30% nos vencimentos dos professores e pesquisadores ao se aposentarem, segundo o projeto em estudo no Congresso, constituem ameaças ao florescimento das universidades públicas, ao futuro da ciência no Brasil e até à sua sobrevivência.”(p. 281) “(...) segundo o Ministro da Educação, em entrevista ao Jornal o Globo de 5 de abril de 1998, ‘o atual modelo de universidade está falido’. E quais são as universidades privadas que – além da oferta de altos salários aos seus reitores – baseiam as suas atividades em trabalho de criação de conhecimento novo? Pois é isto que os economistas em exercício no Ministério da Educação e provavelmente nos demais órgãos do Governo menosprezam: o trabalho permanente de investigação científica, de descoberta de novas idéias, de novas substâncias, de novos mecanismos e de novas técnicas que fizeram crescer a ciência no Brasil (...) 186

Para completar esta contextualização da tensão universidade pública X política governamental, temos o documento intitulado “A Presença da Universidade Pública”, fruto de um trabalho realizado pela Comissão de Defesa da Universidade Pública, grupo instituído em 1998 junto ao Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo (USP), e coordenado pelo professor Alfredo Bosi. É interessante destacar no nome da Comissão a presença da palavra Defesa como um indicador dos sintomas que afetam o panorama da universidade pública no país.

185 LOPES, J.L. Prefácio. In: FÁVERO, M.L. Universidade do Brasil... p. 9 186 LOPES, J.L. Universidade e ciência: as ameaças do governo federal. In: _______Ciência e Liberdade: escritos sobre a ciência e a educação no Brasil. Rio de Janeiro : Editora da UFRJ; CBPF/MCT, 1998. p. 283. Este capítulo do livro foi publicado em 1998 na Revista Ciência e Sociedade.

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A universidade pública é responsável pelos melhores cursos de graduação e pós-graduação e pela quase totalidade da pesquisa científica e tecnológica do Brasil. Embora incontestada, incontestável, e amplamente conhecida por quantos se debruçam sobre a questão do ensino superior em nosso país, essa afirmação exige ser lembrada, pois constitui a porta de entrada obrigatória para qualquer discussão.187

A partir desta introdução, o documento apresenta um quadro rico de informações acerca da produção científica e do ensino de graduação coletadas pelo grupo, para sustentar os argumentos em defesa da universidade pública.

No momento em que se firma como padrão de qualidade no ensino superior e no desenvolvimento de ciência e tecnologia, a universidade pública sofre, contraditoriamente, uma série de ataques por parte de setores limitados, mas influentes, da mídia e da política. Deveria estar no auge do seu prestígio, mas é acusada de uma multidão de pecados. Seria elitista, corporativa e, sobretudo, cara demais, consumindo verbas indispensáveis ao desenvolvimento do ensino primário e secundário. O impulso inicial desses ataques nasce do momento histórico. Vivendo a restauração exarcebada de valores do liberalismo econômico, muitos passaram a defender a superioridade da iniciativa privada como princípio absoluto, tornando-se incapazes de distinguir entre uma siderúrgica e uma universidade. (...) Como agravante, há no país uma gigantesca falta de informação, que permite a formação de opiniões sem nenhuma base na realidade. Não é raro, por exemplo, ouvir-se que o Brasil deveria concentrar esforço no ensino básico, deixando o superior a cargo da iniciativa privada ‘como se faz nos países avançados’.188

Corroborando estas colocações, temos a leitura de CHAUÍ sobre um documento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) intitulado “Ensino Superior na América Latina e no Caribe. Um documento estratégio”, datado de 1996. No seu ensaio, Chauí nos mostra que avocando uma larga experiência em projetos de reforma do ensino superior, conduzidas no período de 1962 e 1984 “portanto durante o período das ditaduras”, o BID, neste documento, mostra seu projeto para a área:

(...) O BID trata o ensino superior exatamente como trata todos os seus outros investimentos (portanto, numa perspectiva administrativo-operacional) e apoiará os projetos com forte componente de reforma. Em outras palavras, financiará os projetos adequados à idéia de investimento bancário (...)189

Poderíamos continuar com outros textos, ensaios e depoimentos, no entanto, mais do que tudo, a imersão no cotidiano de uma universidade pública nos mostra a pertinência e a atualidade desses tópicos.

Por isso, em 1999 não devemos achar estranho que temas como autonomia, por

187 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Instituto de Estudos Avançados. A presença da Universidade Pública. Disponível em: http://www.usp.br/iea/unipub.html. Acesso em: 14/05/2000. p. 1 188 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Op. cit. p. 7 189 CHAUÍ, M. Op. cit. p. 198.

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exemplo, mobilizem a comunidade universitária da UNIRIO. Nem que medidas previstas pela LDB, e sua regulamentação, influenciem algumas medidas de adequação em nível interno.

3.3.1 A produção de sentidos

Iniciamos nossas análises pelas atas dos Conselhos Universitário e de Ensino e Pesquisa, o primeiro com 10 reuniões e o segundo com 14 reuniões realizadas, sendo que 06 foram conjuntas, conforme o quadro 3.10.

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Quadro 3.10 – Relação de atas dos Conselhos Superiores da UNIRIO Data CONSUNI CONSEPE

24/02/99 297ª sessão 08/04/99 186ª sessão 15/04/99 298ª sessão 06/05/99 187ª sessão 08/06/99 299ª sessão 188ª sessão 10/06/99 300ª sessão 189ª sessão

24 e 29 06/99 190ª sessão 12/07/99 191ª sessão 12/08/99 301ª sessão 26/08/99 192ª sessão 14/09/99 302ª sessão 07/10/99 303ª sessão 193ª sessão 04/11/99 304ª sessão 194ª sessão 04/11/99 195ª sessão 11/11/99 305ª sessão 196ª sessão 23/11/99 197ª sessão 21/11/99 306ª sessão 198ª sessão 21/11/99 199ª sessão

Os demais recursos textuais citados no item 2.2 serão utilizados, também, com o

intuito de compreender melhor o efeito de sentidos. O Conselho Universitário (CONSUNI) e o Conselho de Ensino e Pesquisa

(CONSEPE) têm suas atribuições definidas no Regimento da Universidade. Em 1999, a UNIRIO ainda aguarda a homologação do seu novo Estatuto face às considerações do Ministério de Educação e Cultura. Por isso, ainda neste período, as funções dos dois Conselhos devem seguir o Regimento Geral homologado em 09/11/1982.

Conforme este Regimento, estes dois Conselhos fazem parte da Administração Superior da Universidade, ao lado do Conselho de Curadores e da Reitoria. Enquanto o CONSUNI “dispõe de função normativa, consultiva, deliberativa e jurisdicional” o CONSEPE é um “órgão normativo, deliberativo e consultivo da Administração Superior da Universidade em matéria de ensino e pesquisa”. Considerando os termos pivôs já selecionados, federação e universidade, novas temáticas foram delimitadas, já que elas são construídas em função dos eventos e do contexto de cada período estudado.

a) projeto de Universidade Humanística

b) comemoração dos 30 anos

c) afirmação institucional

Nos sentidos que se produzem no discurso, procuramos elementos que nos indiquem a construção/produção de uma memória oficial dos 30 anos, que alicerça a identidade desta Universidade que nasceu Federação. No entanto, nesta busca,

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marcamos, também, os indicadores de determinações externas, os elementos das relações com outras instituições que propiciam a emergência de algumas temáticas. Assim, quando a discussão sobre autonomia universitária se faz presente, ela estabelece uma ligação da UNIRIO com o panorama político-ideológico do ensino superior no país e marca um posicionamento da Instituição diante destas questões. Retomamos aqui as dimensões acadêmica e administrativa que regem os fazeres institucionais e refletem os condicionantes político-ideológicos que determinam suas possibilidade de emergência.

Universidade Humanística

A eleição desta temática justifica-se pela sua associação aos 30 anos da Instituição, constituindo, como pretendemos demonstrar, um projeto político-acadêmico que se constrói em fins dos anos de 1990* (Anexo 03), de se acrescentar o termo humanista ao nome da Universidade: UNIVERSIDADE HUMANISTA DO RIO DE JANEIRO – UNIRIO.

QUADRO 3.11 – Enunciados sobre Humanismo

Documento Enunciado 298ª sessão do CONSUNI em 15/09/99

Pedido de concessão de título de professor emérito para o Professor José Maria Neves [...] relatado pelo Professor Ricardo Tacuchian [...] O Professor José Maria Neves durante os trinta anos que trabalhou naquela UNIVERSIDADE tanto na área musical, como na área artística foi um sinônimo de UNIVERSIDADE DO RIO DE JANEIRO, antes antiga FEFIEG, FEFIERJ e UNIRIO. Foi um homem que, literalmente vestiu a camisa da UNIVERSIDADE, que brigou por ela, que lutou e conseguiu definir a área musical [...] Ele conseguiu conciliar aquela formação artística, cultural, humanista como um certa disciplina acadêmica como convém à convivência dentro de uma vida universitária, obviamente sem perder o perfil, pois éramos antes de tudo artistas, porém tínhamos que saber conciliar com o ritual acadêmico [...]

O pedido de concessão de título de professor emérito para a Professora Yeda Barroso de Medeiros [...] relatado pelo Professor Mario Gaspare Giordano disse que sentia-se muito honrado [...] A Professora Yeda Barroso sempre se dedicou à causa Universitária e por muitos anos. Formou-se em Medicina [...] foi admitida na Escola de Medicina e Cirurgia na Disciplina de Ginecologia, em mil novecentos e sessenta e sete, mesmo antes de pertencer oficialmente ao quadro da UNIVESIDADE, ela já integrava a disciplina [...] Além do aspecto acadêmico com a publicação de todos aqueles trabalhos, achava, também, por bem mostrar o aspecto humanístico que sempre adornou aquela Professora, que estava a qualquer hora prontamente a serviço da vida humana.

300ª sessão do CONSUNI, conjunta à 189ª sessão do CEPE e à 260ª sessão do Conselho de Curadores, em 10/06/1999

[...] A Professora Doutora Regina Abreu [...] fez uma saudação aos Professores Eméritos da UNIRIO [...] É com orgulho e alegria que faço esta saudação aos professores eméritos aqui homenageados. Fico muito feliz e honrada em ingressar na mesma casa que abrigou e vem abrigando professores com tantas qualidades morais e éticas. Cidadãos que fizeram de suas vidas, de suas trajetórias individuais, exemplos para as novas gerações. Cidadãos que pelo desempenho profissional e pela grandeza de caráter tornaram-se o maior patrimônio desta UNIVERSIDADE. [...] São ‘histórias exemplares` como as dos nossos professores eméritos os únicos antídotos capazes de fazer frente aos milhares de “maus exemplos” a que quotidianamente vemos expostos nossas crianças e nossos jovens [...] Quero crer que a “exemplaridade” de que estamos falando hoje aqui nesta casa, quando se comemoram os trinta anos de fundação da UNIVERSIDADE HUMANÍSTICAS DO RIO DE JANEIRO é

* Alguns registros do termo humanista associado ao nome da UNIRIO são datados de 1997.

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uma “exemplaridade” de outra ordem. [...]

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QUADRO 3.11 – (continuação)

Documento Enunciado 305ª sessão do CONSUNI conjunta à 196ª sessão do CEPE em 11/11/1999

[...] O Magnífico Reitor fez a entrega do Diploma ao Professor Doutor Adib Jatene. O Professor Doutor disse [...] Por outro lado eu sou um universitário. Eu fui aposentado faz poucos meses, depois de trabalhar bastante, e tenho exata consciência do papel que uma Universidade tem numa sociedade como a nossa e no mundo como nosso. [...] A sociedade que precisa ser construída é outra. É uma sociedade solidária, é uma sociedade mais fraterna, uma sociedade que as pessoas se preocupem com as pessoas, e aí vem o papel da Universidade aí vem o papel dos setores como da saúde, que tenham a responsabilidade, compromisso de reformular a sociedade, eu acredito que a reformulação da sociedade, eu discutia isso ainda a pouco com o Doutor Hans, só será feita pela elite, a elite intelectual, a elite econômica, a elite financeira é que tem a possibilidade de reformular a sociedade e não o Governo. [...] No momento em que recebo esta homenagem, eu quero, já agora como membro desta Universidade, agradecer mais uma vez esta honra [...] O Magnífico Reitor Professor Hans Dohmann acreditava que depois das palavras do Professor Adib Jatene, não tinha mais nada a acrescentar, pois falavam a mesma língua, e não foi à toa que a UNIRIO introduziu em seu Estatuto a palavra Humanista, que era exatamente isso que todos queremos que aconteça na nossa Instituição. [...]

187ª sessão do CEPE em 06/05/1999

Pedido de aprovação da reforma curricular do curso de pedagogia [...] relatado pela Professora Janete de Oliveira Elias [...] A Conselheira Maria Teresa Fontoura parabenizou a Escola e alguns docentes que estavam ali presentes [...] Disse que aquele currículo estava totalmente adequado à Leia de Diretrizes e Bases – LDB [...] Era um exemplo de currículo com o fundamento no princípio da Educação Humanística. Parabenizou o grupo todo. [...]

As duas primeiras ocorrências emergem em narrativas acerca da trajetória de vida institucional de professores que integraram a UNIRIO desde a sua formação. Tais relatos foram feitos em virtude do pedido de concessão de título de professor emérito, com o intuito de mostrar os feitos do futuro agraciado e a justeza da solicitação.

A terceira ocorrência surge em um momento solene, no discurso proferido em homenagem aos vários professores que serão agraciados com a emerência, incluindo os ex-reitores e presidentes da FEFIEG/FEFIERJ e UNIRIO.

A quarta ocorrência aparece no encerramento da sessão na qual é concedido o título de doutor honoris causa ao Dr. Adib Jatene.

A última ocorrência emerge no momento de elogio à reforma curricular da Escola de Educação.

As quatro primeiras ocorrências deram-se em reuniões da CONSUNI, fórum adequado aos assuntos referentes à concessão de título; a última surge em uma reunião da CONSEPE que cuida de assuntos acadêmicos.

Vejamos como estes termos funcionam nos enunciados que lhes dão suporte.

1ª ocorrência (...) Ele conseguiu conciliar aquela formação artística, cultural, humanista, com uma certa disciplina acadêmica como convém à convivência dentro de uma vida universitária (...)

Aqui o termo humanístico está ligado à formação do professor ao qual se está

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solicitando a emerência*, que engloba os aspectos artístico e cultural. A coordenação expressa essa idéia, com o termo funcionando como o terceiro adjetivo que vem modificando o substantivo formação. Se considerarmos o conectivo aditivo e implícito na seqüência “... formação artística, [e] cultural, [e] humanística...” podemos supor um valor conclusivo, verificável quando ele é substituível por portanto;190 - formação artística, cultural, portanto humanística.

Se com a conjunção e temos uma adição com valor conclusivo, com o conectivo com temos um valor associativo. Assim, a formação humanística é associada a “...uma certa disciplina acadêmica...” que convém - é próprio – à vida universitária. Temos então uma relação que pode ser expressa da seguinte maneira:

formação humanística = humanismo vida universitária = universidade

2ª ocorrência: (...) Além do aspecto acadêmico com a publicação de todos aqueles trabalhos, achava, também, por bem mostrar o aspecto humanístico que sempre adornou aquela Professora, que estava a qualquer hora prontamente a serviço da vida humana.(...)

Aqui também temos uma narrativa de vida institucional nos mesmos moldes do enunciado anterior. Incialmente, destacamos o valor da locução prepositiva além de funcionando com valor aditivo: “ao aspecto acadêmico” junta-se, também, o “aspecto humanístico”. Teríamos, então, a seguinte relação:

aspecto humanístico = humanismo aspecto acadêmico = universidade

Se na primeira ocorrência o humanismo parece referir-se à formação “do espírito”, na segunda ela parece ligar-se ao sentido de trabalho humanitário.

3ª ocorrência: (...) Quero crer que a “exemplaridade” de que estamos falando hoje aqui nesta casa, quando se comemoram os trinta anos de fundação da Universidade Humanista do Rio de Janeiro é uma “exemplaridade” de outra ordem.(...)

Temos aqui a única ocorrência do novo nome proposto para a Universidade, com o acréscimo do termo humanista, no ano de 1999 e em nível de conselhos superiores.

Além disso, as marcações espaço-temporal explícitas – aqui e agora – nos remetem

* O título de professor emérito é uma solicitação regulada por resolução e não parte do interessado, obviamente. O pedido deve ser apresentado por um representante da unidade solicitante e acompanhado do currículo do futuro professor emérito que é narrado para os demais conselheiros de forma que todos possam conhecer a sua trajetória de vida. 190 OLIVEIRA, H.F. Conectores da conjunção. In: SANTOS, L.W. Discurso, coesão, argumentação. Rio de Janeiro : Oficina do Autor, 1996. Série Investigações Lingüísticas, volume 1. p. 70.

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à solenidade de homenagem aos professores e vultos da história institucional e que ocorre quando a UNIRIO comemora seus 30 anos. Nada mais adequado, nesta ocasião, que lembrar de trajetórias “exemplares” dessas figuras:

Cidadãos que fizeram de suas vidas, de suas trajetórias individuais, exemplos para as novas gerações. Cidadãos que pelo desempenho profissional e pela grandeza de caráter tornaram-se o maior patrimônio desta Universidade. Atuando em diferentes áreas, como medicina, teatro, música, estes professores eméritos transcenderam suas próprias disciplinas, realizando acima de tudo a dimensão do humano em sua máxima grandeza. Desse modo, as trajetórias narradas aqui neste momento festivo transformam-se em ‘histórias exemplares’.191

Aqui, o humanismo está no universitário.

4ª ocorrência: (...) O Magnífico Reitor, Professor HANS DOHMANN, acreditava que depois das palavras do Professor ADIB JATENE, não tinha mais nada a acrescentar, pois falavam a mesma língua, e não foi à toa que a UNIRIO introduziu em seu Estatuto a palavra “HUMANISTA”, que era exatamente isso que todos queremos que aconteça na nossa Instituição.(...)

Esta é por nós considerada a ocorrência mais interessante, pois há uma afirmação explícita do projeto de Universidade Humanística para a UNIRIO. E, na verdade, ela não poderia vir em outra circunstância. Como nos diz Maingueneau, todo ato de fala “é inseparável de uma instituição” que garante a eficácia de sua ação e a legitimidade de sua realização.

(...) Ao dar uma ordem, por exemplo, coloco-me na posição daquele que está habilitado a fazê-lo e coloco meu interlocutor na posição daquele que deve obedecer; não preciso, pois, perguntar se estou habilitado para isto: ao ordenar, ajo como se as condições exigidas para realizar este ato de fala estivessem efetivamente reunidas.192

Temos como locutor (L) do enunciado – o agente da atividade lingüística - a pessoa do Reitor, marcando sua posição e a posição da Instituição.

Retomando as colocações de Pêcheux, apresentadas em nosso quadro teórico-metodológico (item 2.2), acerca das condições de produção do discurso, temos:

Reitor Conselho

R (referente) = discurso do Professor Jatene + Humanismo

a) quem sou eu para lhe falar assim – o lugar do Reitor, na instância do Conselho,

191 (trecho do discurso no qual emerge o termo em análise) Ata da 300ª Sessão Solene do Conselho Universitário, conjunta com a 189ª Sessão do Conselho de Ensino e Pesquisa e a 260ª Sessão do Conselho de Curadores da Universidade do Rio de Janeiro, realizada no dia 10 de junho de 1999. 192 MAINGUENEAU, D. Novas tendências..., 1997, p. 29-30.

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temos um feixe de representações: o de presidente do Conselho, o de dirigente máximo da Instituição e o de professor, logo, um par.

b) quem é ele para que eu lhe fale assim – desse lugar ele vê o Conselho ao qual se dirige como uma instância composta de professores, logo pares, e outros membros da comunidade (inclusive técnico-administrativos), mas todos a ele subordinados pelo seu duplo papel de Presidente e Reitor.

Aqui, a representação que ele tem de seu papel e de sua posição é explicitada pela tomada da palavra, ao final do discurso do convidado, afirmando que nada mais havia a acrescentar e que ambos falavam a mesma língua. Somente no papel de Reitor e Presidente lhe caberia a palavra final. Além disso, somente nestes papéis é que poderia “substancializar” a Instituição, tornando-a sujeito de uma ação: não foi à toa que a UNIRIO introduziu em seu Estatuto a palavra HUMANISTA.

Com relação ao referente (R), temos que a partir da adesão ao discurso do homenageado – falavam a mesma língua – ocorre um processo de identificação das idéias do Professor Adib Jatene com a idéia de Humanismo, por intermédio da introdução desta temática.

Mais uma vez o conectivo e surge, agora reforçando a argumentação, para introduzir o que seria a concretização de um projeto: “...e não foi à toa que a UNIRIO introduziu em seu Estatuto a palavra HUMANISTA.

A introdução do termo humanismo no Estatuto não é para ser letra morta e sim uma vontade se assumir esta condição. Ou seja, acrescentar o termo humanista no Estatuto da Instituição, associar à UNIRIO a idéia de humanismo se apresenta como uma estratégia – ou uma das - para que ela se torne humanista.

A negativa tem relevância nesta produção de sentidos, pois segundo PERELMAN:

A mesma idéia pode ser formulada de um modo afirmativo ou negativo. (...) Toda descrição se estabelece contra um plano de fundo do qual se quer destacar o objeto, de uma forma que só se torna significativa em função da meta buscada. Mas essa referência à situação e à maneira pela qual é orientada pode não ser detectável por quem não reconhece o vínculo entre o pensamento e a ação. No caso da formulação negativa, a referência a outra coisa é totalmente explícita: a negação é uma reação a uma afirmação real ou virtual de outrem.193

Teríamos então algo mais do que o reforço a uma idéia. A negativa parece registrar a existência de uma oposição ao projeto que se está querendo implantar, negando o que seria a sua irrelevância – não é à toa = é com razão; justifica-se; ou, indo mais além, não se trata de um projeto oportunista. Para se ter uma idéia da força dessa

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negativa, do jogo que ela movimenta, vejamos, como seria a possibilidade de expressar a idéia por meio de uma afirmativa:

Da referência explícita a outra coisa passamos a um valor conclusivo expresso pela locução por isso.

Temos também que a implantação foi conduzida pela própria UNIRIO e todos queriam que isto (o espírito humanista) acontecesse na Instituição: ...que era exatamente isso que todos queremos que aconteça na nossa Instituição...

O advérbio exatamente não abre espaço para contradição, e o nós associa-se a todos reforçando o caráter coletivo desse desejo. A UNIRIO fez o que fez porque todos nós queremos que “aconteça” o espírito humanista em nossa Instituição.

O projeto não é de ninguém pois é de todos; de toda comunidade acadêmica.

... pois falavam a mesma língua, e foi por isso que a UNIRIO introduziu em seu

Estatuto a palavra HUMANISMO...

5ª ocorrência: (...) Era um exemplo de currículo com o fundamento no princípio da Educação Humanista. Parabenizou o grupo todo. (...)

Nesta ocorrência temos novamente, como nas duas primeiras, uma associação do humanismo com o acadêmico. Trata-se de elogiar um currículo elegendo-o como “exemplo” do princípio humanista aplicado à esfera do ensino.

As ocorrências do termo humanista e derivados, em associação ao termo-pivô UNIRIO, estão estreitamente associadas à dimensão acadêmica. No entanto, elas são poucas se considerarmos a intencionalidade de associar o humanismo à imagem da Universidade.

Poucas no sentido de que a repetição desta idéia, de forma sistemática e por intermédio de várias estratégias, contribuiria com a sedimentação dos sentidos projetados e a conseqüente naturalidade por intermédio de sua institucionalização194, podendo construir o que chamaríamos “plano ideológico do humanismo” que organizaria os discursos circulantes na Instituição.

193 PERELMAN,C. Tratado da argumentação. São Paulo : Martins Fontes, 2000. p. 175. 194 FREITAS, L.S. de. NA TEIA DOS SENTIDOS: análise do discurso da Ciência da Informação sobre a atual condição da informação. 2001. Tese (Doutorado) – Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, 2001. p. 54.

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Este projeto, cujas evidências podem ser encontradas já em 1997, parece tentar lançar uma idéia para o futuro, o que pode ser percebido pela imagem que se forma com o ano 2000 estampado sob a sigla da Instituição (UNIRIO) e logo abaixo os dizeres UNIVERSIDADE HUMANÍSTICA DO RIO DE JANEIRO.

Coincidentemente, este período compreende, também, o período de uma gestão que: a) conduziu as comemorações dos 30 anos; b) conduziu a reformulação do Estatuto; e que encerraria suas atividades no ano 2000, com possibilidades de recondução, graças à nova legislação de escolha de reitores.

Daí, apontamos para a intencionalidade do projeto que utilizou algumas estratégias de implantação, porém insinuando-se de forma tímida no discurso oficial de 1999, o que pode representar, em nível de Conselhos Superiores, a não assimilação da idéia por parte da comunidade acadêmica; ao menos pelo segmento que participa daqueles fóruns.

No entanto, o termo foi introduzido no Estatuto, conseqüentemente, a UNI-RIO deverá conviver com ele, ao menos em sua missão como Instituição.

Ao completar 30 anos a FEFIEG/UNIRIO vê-se com um novo projeto construído e articulado com vistas a fornecer um perfil próprio a esta Instituição que procura estabelecer-se em meio a um contexto pouco propício ao ensino superior público e gratuito. As representações de humanismo que são construídas discursivamente e que poderiam funcionar como traços constitutivos dessa nova identidade pretendida, são pouco consistentes. Não há sequer a elaboração de um documento-proposta que delineasse o que se procura como humanismo para esta Instituição.* A força da prática e do costume pode suplantar a necessidade de um documento escrito, no entanto nem mesmo estas estratégias foram acionadas. A afirmação do Magnífico Reitor é o indício mais contundente: o seu alinhamento com as idéias do Doutor Adib Jatene o leva a justificar o termo Humanismo no Estatuto da UNIRIO. Tais idéias expressam o papel relevante da educação, e de outros aspectos, na reformulação da sociedade; somente as elites intelectuais, econômicas, etc. teriam condições de conduzir este processo. Humanismo seria então educar para construir uma nova sociedade?

Segundo J. R. Hale195 humanismo “é uma palavra inventada no século XIX para descrever o programa de estudos, e seu condicionamento de pensamento e expressão,

* Segundo a Professora Valéria Wilke, em 16/09/1999 foi constituído um Grupo de Trabalho (Portaria 369/99) para elaborar um Projeto Pedagógico para a UNIRIO. Nesta tarefa, ele deveria preocupar-se em introduzir conteúdos humanísticos na filosofia pedagógica da Instituição. 195 HALE, J.R. Humanismo. In: Dicionário do Renascimento Italiano. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. p. 187

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que era conhecido desde o final do século XV como a província do umanista, o professor dos studia humanitatis ou roteiro de estudos das artes liberais em escolas e universidades.” Nesse sentido, o que está em foco é a recuperação do escopo do pensamento clássico em fins do período medieval. Após longa trajetória em que foi investido de vários significados originando vários “humanismos”, o autor alude a teoria educacional humanista como aquela em que há uma preocupação com a vida para a ação. No entanto, considerando o nascimento do termo, Hale afirma que “se a palavra humanismo não retiver o cheiro da candeia do erudito, será enganadora [...].196 Mas se o humanismo, como vocábulo, foi “inventado” no século XIX, é a Cícero que se deve o cunho do termo humanitas “aquilo que o homem pensa, sente e que por isso age”.197

Não há espaço neste trabalho para trazer todos os discursos construídos acerca do humanismo e que consolidaram as várias vertentes que se encontram à nossa disposição neste início de milênio, no entanto, é importante ressaltar alguns pontos concernentes a esta questão. Conforme a literatura pesquisada, percebemos que o humanismo estabelece um projeto para o homem elegendo-o como “medida de todas as coisas” e, nesse sentido, falar em educação humanista é fazer emergir um outro caminho para o homem. É pensar em propostas que o levem a conduzir suas ações com base em princípios filosóficos, o homem como ser autônomo, dotado de livre arbítrio e racionalidade; sócio-políticos, lastreado por uma ordem política democrática e igualitária; pedagógicos, onde há uma preocupação com o aperfeiçoamento pleno de todas as capacidades do indivíduo.198 A educação, por si só, já é considerada como um poderoso instrumento de mudança estrutural. Associada ao humanismo como filosofia que permeia uma ação, o quadro que se estabelece aponta caminhos possíveis para uma nova sociedade. Mas quando falamos em novos caminhos e reestruturação da sociedade há um indicativo de crise do espaço ao qual estamos nos referindo: só queremos algo novo e reestruturado quando o atual não mais supre as nossas necessidades. E é nesse sentido que Masschelein apresenta a estruturação de um ideal humanista ou neo-humanista de educação emergendo como uma resposta à problemática da identidade de um grupo ou comunidade qualquer.

A educação humanista é então uma obra de identificação e de apropriação. E a reflexão pedagógica humanista se orienta na direção da realização de uma comunidade “perfeita”, uma comunidade constituída por intermédio da apropriação, por todos os seus membros, de uma identidade (que seria então

196 HALE, J. R. Op. Cit. p. 188. 197 WILKE, Valéria Cristina L. Da educação humanista: umas poucas palavras. 1999. Documento não publicado. 198 ALONI, Ninrod. Educação Humanista. Disponível em www.educacao.pro.br/ed-human.htm . Acessado em 15/12/2001.

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“comum”).199

O problema de tal projeto surge quando as diferenças emergem e começam a exercer suas potencialidades e procurar formas de estabelecimento, fazendo ruir qualquer tentativa de aplainamento.

Os 30 anos da UNIRIO

Os enunciados do discurso oficial dos Conselhos Superiores acerca da comemoração dos 30 anos da UNIRIO foram selecionados com base muito menos na indicação direta deste acontecimento do que pelas menções aos professores eméritos e comemorações que cercaram a entrega de títulos naquele ano. Assim, é mais pelo que não é expresso de forma objetiva que sabemos que a UNIRIO está completando 30 anos. Assim, é nos eventos e realizações que detectamos tal celebração: nas cerimônias comemorativas, na produção de um vídeo institucional, na estruturação de um novo Estatuto e na formulação de um projeto identitário - a Universidade Humanística.

199 MASSCHELEIN, J. L’education humaniste comme réponse à la question de la communauté. Colloque Education et Humanisme. Disponível em www.revues.org/calenda/articles/859.html. Acessado em 25/04/2001.

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QUADRO 3.12 – Enunciados sobre a Comemoração dos 30 anos

Documento Enunciado Ata da 300ª Sessão Solene do Conselho Universitário, conjunta com a 189ª Sessão do Conselho de Ensino e Pesquisa e a 260ª Sessão do Conselho de Curadores da Universidade do Rio de Janeiro, realizada no dia 10 de junho de 1999.

A Professora Doutora REGINA ABREU, Professora Adjunta de Antropologia e Cultura Brasileira, Departamento de Filosofia e Ciências Sociais fez uma saudação aos Professores Eméritos da UNIRIO. “Magnífico Reitor Professor HANS JURGEN FERNANDO DOHMANN, Ilustríssima Senhora Vice-Reitora Professora REGINA LUGARINHO, Autoridades aqui presentes, Senhoras e Senhores. Eu gostaria de começar citando a profética frase proferida por Monteiro Lobato no início dos anos trinta: “Um país se faz com idéias e com livros”. [...] Homens que, como assinalou Euclides da Cunha, vêm fazendo do país e da humanidade a sua principal missão. Hoje, ao saudar os professores eméritos da UNIRIO, sinto-me instigada a evocar a figura emblemática de Monteiro Lobato, o escritor que não hesitou em empenhar as grandes propriedades de terras do Vale do Paraíba que lhe chegaram às mãos pela morte do avô para abrir o caminho decisivo de pioneira inovação editorial no país. [...] É com orgulho e alegria que faço esta saudação aos professores eméritos aqui homenageados. Fico muito feliz e honrada em ingressar na mesma casa que abrigou e vem abrigando professores com tantas qualidades morais e éticas. Cidadãos que fizeram de suas vidas, de suas trajetórias individuais, exemplos para as novas gerações. Cidadãos que pelo desempenho profissional e pela grandeza de caráter tornaram-se o maior patrimônio desta UNIVERSIDADE. [...] São “histórias exemplares” como as dos nossos professores eméritos os únicos antídotos capazes de fazer frente aos milhares de “maus exemplos” a que quotidianamente vemos expostos nossas crianças e nossos jovens. [...] Quero crer que a “exemplaridade” de que estamos falando hoje aqui nesta casa, quando se comemoram os trinta anos de fundação da UNIVERSIDADE HUMANISTA DO RIO DE JANEIRO é uma “exemplaridade” de outra ordem. Ela não pode ser diluída, dissolvida, como mais uma modalidade. Ela é radicalmente diversa. É de outro teor. Em primeiro lugar, porque estamos aqui a homenagear educadores que se destacam como paradigmas de mestres. Se o Brasil tem sido construído pela ação conseqüente de pessoas que se entendem como sujeitos de sua própria história, os mestres ocupam lugar destacado neste processo. Que seria do país não fosse a ação desinteressada de muitos destes docentes a despeito de toda a precariedade de infra-estrutura nos diversos setores da educação no Brasil? Sendo assim, as “histórias exemplares” destes mestres que hoje são homenageados como professores eméritos apontam num sentido bastante diverso das múltiplas individualidades passageiras que nos são apresentadas pela mídia. Os mestres aqui homenageados são figuras emblemáticas encarnando o sentido do verdadeiro espírito público alimentado pela crença numa UNIVERSIDADE pública de qualidade; o sentido de um ideal de sociedade fraterna, humana e solidária. Capitaneados pela lembrança do Doutor GUILHERME DE OLIVEIRA FIGUEIREDO, um dos pioneiros desta UNIVERSIDADE, os professores eméritos aqui homenageados, nas palavras de seus próprios colegas, são merecedores da nossa admiração pelo empenho na organização de novos setores na UNIVERSIDADE, pela ação pioneira na área da pós-graduação, pelo intenso combate pela melhoria das condições de capacitação profissional da nossa UNIVERSIDADE. Desse modo, as “histórias exemplares” narradas aqui configuram mais do que modelos possíveis de subjetividade, configuram histórias de vida com grande consistência que certamente ficarão para a posteridade.

Ata da 190ª sessão CEPE em 24 e 29/06/1999

O Magnífico Reitor agradeceu a todos que de alguma forma colaboraram com a semana de comemoração dos trinta anos da UNIRIO.

No âmbito dos Conselhos Superiores há duas menções ao aniversário de 30 anos. Uma feita pela professora encarregada de discursar na cerimônia de homenagem aos ex-presidentes e reitores da Instituição e outra feita pelo próprio Reitor agradecendo a

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colaboração durante a semana de comemoração dos 30 anos.

Consideramos o primeiro enunciado como um discurso oficial construído por um agente da Instituição dentro de um contexto determinado. A cerimônia de entrega de emerência aos antigos dirigentes da Instituição condiciona a construção deste discurso e o insere na corrente contínua de manifestações efusivas dessa trajetória, pois, nesta data, são homenageados aqueles que representaram a FEFIEG/FEFIERJ/UNIRIO ocupando o cargo maior da Instituição: é a comemoração dos trinta anos na figura emblemática de seus dirigentes.

O início é marcado pela interdiscursividade manifesta na citação à Monteiro Lobato. Tal estrutura é característica de discursos oficiais; a introdução com uma referência a um outro discurso, geralmente materializado por uma frase, de um grande escritor, filósofo ou pensador; ditado popular, devidamente enraizado na cultura da sociedade que é reinserido em outro contexto e serve de nota introdutória ou epígrafe à idéia que será desenvolvida. Não pode desvincular-se do leitmotiv do discurso oficial que, no presente caso, é homenagear os antigos dirigentes e, sobretudo a Instituição. Homens (=dirigentes) e livros (=saber erudito;universitário), construção (=trajetória de 30 anos) e nação (=Instituição UNIRIO) parecem funcionar muito bem nesse sentido.

Tais professores não são somente dirigentes. Considerando as forças coercivas que atuam nesta produção discursiva, o local, a natureza da cerimônia, os receptores, somente para citar alguns, temos uma força de adjetivação positiva que nos apresenta os antigos dirigentes como patrimônio da Universidade, figuras emblemáticas e donos de uma exemplaridade que deve ser seguida. A imagem destes dirigentes não se "descola" mais da Instituição, o liame entre eles é indelével e ao homenageá-los a Instituição homenageia a si mesma. Este processo constrói uma memória de 30 anos englobando os ex-presidentes da época federativa à época universitária. Não há uma marca temporal separando os dois períodos, e, também não há menção à figura empreendora do pai da Federação, o Professor Alberto Soares de Meirelles. Tanto no discurso quanto nas homenagens a figura do Professor Guilherme Figueiredo, primeiro Reitor, ganha destaque. Todos os homenageados têm seu currículo lido para a audiência e os registros em ata não mostram, no currículo do Professor Meirelles, menção ao seu papel como criador da Federação.

CURRÍCULO DO PROFESSOR ALBERTO SOARES DE MEIRELLES - PRESIDENTE – FEFIEG mil novecentos e sessenta e nove a mil novecentos e setenta e quatro. Nasceu em vinte e um de setembro de mil novecentos e quatro na cidade do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro -Falecido em mil novecentos e noventa. Fez seus estudos de Humanidades no Internato do Colégio Pedro Segundo, diplomando-se em mil novecentos e trinta e seis pela Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro. Concluiu também, os cursos

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de Organização e Administração Hospitalar do Ministério da Saúde em mil novecentos e cinqüenta e um, de Técnica de Ensino para Docentes de Escola Superior pela Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil em mil novecentos e cinqüenta e nove, Internacional de Organização e Administração de Hospitais, promovido pela Repartição Sanitária Pan-Americana e a Associação Interamericana de Hospitais em mil novecentos e cinqüenta de Técnica de Ensino do Exército em mil novecentos e cinqüenta e sete e o curso de Educação Física do Exército em mil novecentos e trinta e dois. Foi Chefe de Clínica do Hospital Hahnemanniano do qual foi Diretor desde mil novecentos e quarenta e três. Assistente (mil novecentos e quarenta e um), livre-docente (mil novecentos e cinqüenta) e professor interino da carreira de Clínica Médica Homeopática da Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, onde foi catedrático, por concurso, desde mil novecentos e cinqüenta e um, tendo sido membro do seu Conselho Técnico Administrativo, de mil novecentos e cinqüenta e dois a mil novecentos e sessenta e um. Foi membro Titular do Instituto Hahnemanniano do Brasil e da Academia de Medicina Militar. Sócio Honorário da Associação Paulista de Homeopatia, da Liga Homeopática do Rio Grande do Sul e da Associação dos Livres-Docentes da Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro. Sócio da Federação Brasileira de Homeopatia, da Sociedade de Medicina e Cirurgia e do Instituto de Docentes Militares. Vice-Presidente do Instituto Hahnemanniano do Brasil e correspondente da Associação Paulista de Medicina. Colaborou em Revistas Cientificas do País como o Boletim de Homeopatia e outros, tendo publicado : “Introdução ao Estudo da Homeopatia (mil novecentos e quarenta e seis); “A Repetição das Doses em Homeopatia”- tese que apresentou ao Segundo Congresso Brasileiro de Homeopatia – e “A Doença de Bouillaud, seu tratamento homeopático (mil novecentos e cinqüenta e um). Participou do X Congresso Brasileiro de Geografia ( Rio, agosto de mil novecentos e quarenta e quatro); do Primeiro Congresso de Medicina Militar (São Paulo, junho de 1953); do II Congresso Brasileiro de Homeopatia (Rio, mil novecentos e cinqüenta e cinco). Foi Presidente do Sétimo Congresso Brasileiro de Homeopatia (Rio, julho de mil novecentos e cinqüenta e nove) que se reuniu para comemorar o Primeiro Centenário do Instituto Hahnemanniano do Brasil. Como delegado brasileiro, compareceu à XXV Convenção do Congresso Pan-Americano, realizado em Nova Orleans (USA), de outubro a novembro de mil novecentos e cinqüenta e três. Foi condecorado várias vezes nacional e internacionalmente. Foi agraciado com a Medalha de Guerra. Foi casado com Dona Carmen Martins de Meirelles, sendo pai de Maria Cecilia Soares de Meirelles Saramago, esposa do Capitão de Corveta Eldyr Damázio Saramago, pais da Professora de Microbiologia do Instituto Biomédico – Carmem Saramego Stern. Foi chamada para receber os cumprimentos do Magnífico Reitor em nome da Comunidade Universitária a Senhora MARIA CECÍLIA DE MEIRELLES SARAMAGO, naquele ato representando seu pai Professor ALBERTO SOARES DE MEIRELLES. (Ata da 300ª sessão do Conselho Universitário)

Outros procedimentos marcaram este período. Destacamos, neste caso, estratégias que concorrem para marcar o ano de 1999 como um ano especial: a produção do vídeo institucional, por exemplo, é um marco, considerando ser um desejo antigo dentro da Instituição. Além disso, o projeto de Universidade Humanística que se constrói nesta gestão começa a ocupar o espaço discursivo institucional neste período.

Afirmação Institucional

No item 3.2 tratamos da afirmação de uma Instituição que acabara de ser criada e

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sentia a necessidade de estabelecer-se, internamente consolidando suas práticas e construindo um fazer que pudesse permear todas as suas ações, externamente estruturando um imagem que representaria o amálgama de seus traços mais importantes e constitutivos. Neste meio tempo, a Federação que surgiu como alternativa viável à convivência de diferentes Instituições Isoladas vê-se na condição de se pensar como futura Universidade.

O que destacamos na temática de afirmação institucional, em 1999, para a UNIRIO, engloba os questionamentos acerca dos caminhos possíveis como Instituição Universitária face ao contexto sócio-político de fim de década e fim de século. Tal aspecto orbita em torno de temas como autonomia, pesquisa e recursos colocando a UNIRIO em meio a uma discussão maior que se estabelece entre o Governo e as Instituições Federais de Ensino.

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QUADRO 3.13 – Enunciados sobre a Afirmação Institucional

Documento Enunciado Ata da 298ª sessão do CONSUNI em 15/04/1999

[...] A Conselheira [...], disse que a cada momento que passava, ficava mais preocupada e desanimada, percebia que se encontrava num locus de reflexão, debates, formação de opiniões, cristalização de valores, reformulações de valores, e percebia-se que naquele locus que poderia ser lugar privilegiado de abertura, tornavam-se mais presos, cada vez com mais dificuldades de gerir o pouco que se tinha, e quando olhava para um orçamento, e gostaria de parabenizar a PROPD, pois todos estavam conseguindo compreender um pouco melhor, e conseguia equiparar o orçamento à previsão. [...] O que se podia fazer, se num momento existia uma situação de total aniquilamento da visão do amanhã, e não havia consenso, e os Reitores ainda tinham um determinado prestígio junto ao MEC, para que pudessem dizer alguma coisa, se não fizermos um debate conclamando aqui na UNIRIO, a própria UNIRIO convocando junto com o corpo docente, a ADUNIRIO, a ASUNIRIO e todos, inclusive a Reitoria, convocando os Reitores para um debate ali, naquela que era a nossa casa, para que fosse lançada uma moção com a idéia firme de repúdio àquela política, que aniquilava e acabava com todos. Como proposta sugeria que se conclamasse imediatamente, e formassem ali um grupo de duas ou três pessoas que tentassem organizar um seminário próximo, para a próxima semana, que se chamasse os outros Reitores, outros formadores de opinião, para que se fizesse um debate de repercussão, e com uma proposta clara de uma moção ou de um movimento de repúdio da política de aniquilamento da Universidade Federal. [...]

301ª sessão do CONSUNI, em 12/08/1999

Item cinco: AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA, relatado pelo Magnífico Reitor disse que a Professora EVELYN GOYANNES DILL ORRICO junto com um grupo, tiveram a coragem de aceitar a tarefa de fazer um estudo detalhado sobre Autonomia Universitária, sabia que a escolha fora muito adequada, assim sendo passou a palavra a Professora EVELYN ORRICO, disse que antes de tecer algumas considerações sobre o projeto de lei que o MEC estava encaminhando ao Congresso Nacional, estava sendo desenvolvido um trabalho com a ASUNIRIO, ADUNIRIO, com representantes da PROPD, HUGG e PROEG, discutindo ao longo desse tempo, regularmente, com base em documentos já elaborados por outras Universidades e aquilo resultou na tentativa de se elaborar um documento que refletisse a visão da UNIRIO, com a organização de um ciclo de debates, em que o primeiro ocorreria no dia vinte e três de agosto, para se discutir como será o amanhã da Universidade Brasileira. [...]

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Ata da 302ª sessão do CONSUNI 14/09/1999.

Item um: AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA, relatado pela Conselheira EVELYN GOYANNES DILL ORRICO gostaria de ressaltar que aquele foi um trabalho de equipe e em especial agradecer alguns colaboradores [...] A Senhora Presidente gostaria [...] de parabenizar toda a equipe pela sistemática, metodologia, a forma agradável e prazerosa de tratar um tema tão mobilizante e árduo. Em nome da Reitoria gostaria de parabenizar a liderança da Conselheira EVELYN GOYANNES e a toda equipe, por todo o processo. De fato foi um momento muito importante um marco na trajetória da UNIRIO. Aquele trabalho coletivo e participativo não deveria se encerrar com a apreciação e aprovação daquele documento, como o Doutor JOSÉ MAURO PACHÊCO havia falado, o governo já estava reconhecendo publicamente a fragilidade daquele projeto. O Professor WILLIAN SOARES, falou algo muito importante: “o projeto pode ser outro, mas o debate continua na ordem do dia”, pois fazia parte de toda uma agenda que todos tinham conhecimento. Gostaria de se associar à proposta do Professor WILLIAN SOARES, de se transformar aquele seminário, a partir daquele documento, num fórum permanente de debates da UNIRIO, aquele documento deveria se transformar exatamente num instrumento de mobilização e de debates na UNIVERSIDADE. Aquele debate extrapolava o interior da UNIVERSIDADE e deveria ser mandado para todos os parlamentares, movimentos sociais, movimentos políticos. [...] Ficou acordado pelo grupo, que aquilo seria uma espécie de seminário permanente e o próximo seria no HUGG. Entendiam que a comunidade interna deveria ser conquistada, como também conclamar a comunidade extra muros, gostaria de ressaltar que naquele dia a UNIVERSIDADE contou com a presença da representante da Associação dos Moradores da Urca.

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QUADRO 3.13 – (continuação)

Documento Enunciado Ata da 306ª sessão Extraordinária do CONSUNI, conjunta com a 198ª Sessão do CEPE em 21/12/1999.

O Senhor Presidente, Professor HANS JURGEN FERNANDO DOHMANN, assumiu a presidência dos trabalhos passando para o primeiro item da pauta: PEDIDO DE APROVAÇÃO DO CALENDÁRIO PARA O PROCESSO SUCESSÓRIO DA REITORIA, o Senhor Presidente disse que aquele calendário foi apresentado como uma minuta e estava aberto a todas as sugestões. O Professor WILLIAN SOARES, Presidente da ADUNIRIO, declarou que a ADUNIRIO se posicionou contrária à Reitoria ter lançado manifesto referente à candidatura do atual Reitor antes da reunião daquele Conselho. [...] O Senhor Presidente disse que se permitia fazer alguns comentários sobre a observação do Professor WILLIAN SOARES [...]: “Pois, na verdade, o que simplesmente foi feito, foi seguir dois outros candidatos, só que o fizemos de uma maneira mais concreta, clara e definitiva. Porque, aliás a gentileza que já é comum ao Professor PIETRO NOVELLINO, há um ou dois meses veio comunicar-me que seria candidato a Reitor e somente depois passou a divulgar sua candidatura e, mais recentemente, a Professora REGINA LUGARINHO tornou-se candidata, portanto somos os terceiros, e espero que não sejamos os últimos. Gostaria de deixar bem claro, neste momento que esta Reitoria terminará no dia quinze de julho de dois mil. Até o dia quinze de julho continuaremos trabalhando da mesma maneira que fizemos ao longo desses três anos e meio. E não admito, não aceito qualquer restrição a essa atividade. [...]E continuaremos fazendo o que nos pareça mais adequado para esta Instituição, até porque se é que tivemos progresso ao longo desses quatro anos, um trabalho de equipe muito grande onde todos participaram, ainda estamos muito longe de uma Instituição ideal. Temos vários problemas muito agudos, claros, bem definidos que têm que ser mexidos, seja lá quem for o Reitor. E se os problemas não forem resolvidos, nós correremos sérios riscos de deixarmos de ser UNIVERSIDADE. De maneira que, com a devida vênia do nosso Presidente da ADUNIRIO, é o tipo de manifestação que não aceitei bem e que não seguirei com certeza”.

Os enunciados selecionados são recortes importantes de uma fase em que a Instituição está pesando sua atuação no contexto maior das IFEs e sua continuidade como Universidade.

Para além do projeto de discussão sobre a autonomia universitária em seminários internos, vê-se o desejo de que exista um pensamento, e talvez uma ação, que reflita toda a Instituição. Nesse sentido, a comunidade deve ser acionada, mobilizada e incentivada a participar. O outro está claramente referenciado neste discurso: o repúdio à política de aniquilamento, que só pode ser empreendida pelo Governo Federal, esfera superior à Universidade Pública. O instrumento desta política: recursos orçamentários, um dos pontos nevrálgicos do projeto de autonomia universitária.

O contexto sócio-político de 1999 é bem diferente daquele de 1969 quando surgiu a FEFIEG. Se naquela época o discurso oficial do Conselho Federativo não abria espaço para se discutir a política governamental, trinta anos depois este é o fórum adequado

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para se refletir criticamente acerca destas questões e ao mesmo tempo afirmar-se como Instituição construindo um discurso que traduza sua filosofia.

No entanto, esta Instituição que completa 30 anos como Universidade vê-se agora na iminência de perder tal status. Os problemas aos quais o reitor alude não são explicitados, porém a veemência das afirmações não deixa dúvida quanto à gravidade da situação. Talvez uma melhor compreensão possa advir da articulação deste enunciado com um produzido em outra reunião na qual os problemas de dotação orçamentária são discutidos a luz da nova matriz de financiamento que estava sendo implantada pelo MEC.

O Magnífico Reitor, iniciou falando sobre AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA informou que na verdade mais uma vez as Universidades Públicas perderam a oportunidade de apresentar propostas que pudessem ter sido norteadoras dessas novas orientações. [...] As Universidades que deveriam propor ao Ministro as ações que julgávamos necessárias. Assim mais uma vez recebemos um pacote. Isso iniciou no dia trinta de junho em Brasília com a apresentação de uma nova matriz de financiamento em substituição à que esta em vigor até o momento. Basicamente a nova matriz levava em consideração dois grandes parâmetros que são o ensino e a pesquisa. Infelizmente, apesar de muitas solicitações ao longo dos últimos anos, não se conseguiu desenvolver neste segundo aspecto uma atividade que fosse adequada ao que estava sendo exigido no momento pelo Ministério e que, mais uma vez, era fundamental para todas as Universidades, de modo que iria se analisar de uma maneira rápida, mas consciente. [...] A Professora IARA DE MORAES XAVIER, Pró-Reitora de Ensino de Graduação, disse que valeria apenas trabalhar um pouco essa matéria na visão acadêmica, os impactos, as repercussões na área acadêmica. O modelo atual de mil novecentos e noventa e quatro até hoje era o modelo holandês e a partir de agosto passaria a vigorar, se aprovado, o modelo inglês. A diferença era que o modelo holandês considerava a totalidade das atividades desenvolvidas na área acadêmica e o modelo inglês não considerava para efeito de financiamento atividades de extensão e pós-graduação lato sensu, que estava sendo muito discutido, pois a indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão que estava contido no artigo duzentos e sete da constituição federal que também era um princípio básico da nova LDB. As Universidades que tinham uma vocação forte para a extensão, como era o caso da UNIRIO, contavam neste modelo com muito prejuízo. Outro ponto eram os cursos lato sensu, a justificativa que estava no modelo inglês era que os cursos de especialização e extensão poderiam pleitear e conseguir recursos no mercado externo. O que ele financiava era apenas o ensino e pesquisa. [...] A Professora IARA XAVIER propôs que a partir daquele momento todos, docentes, técnico-administrativos e discentes, enfim o corpo social da UNIRIO, primeiro deveriam tomar conhecimento de toda aquela discussão, segundo seria reordenar o PDI, e repensar naquela Universidade à luz do conjunto das Institucionais [sic] Públicas de Ensino Superior, priorizar as ações de pós-graduação, pesquisa, pois era naquele campo que seria preciso incrementar ainda mais o que já havia sido feito, e sem perder de vista a graduação, e a extensão, que apesar de não estar no modelo, também era fundamental para a aproximação com a realidade social daquele país. [...] O Senhor OSCAR GOMES DA SILVA, Presidente da ASUNIRIO, lembrou que foi eleita uma comissão no Conselho Universitário, da qual a Professora EVELYN DILL ORRICO era a Presidente, para a elaboração de um Seminário para a discussão sobre a Autonomia Universitária e posteriormente seria enviado um documento daquele Conselho ao Ministério da Educação – MEC, colocando a sua

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posição em relação àquele contexto que o Governo estava propondo para a Instituição. O Magnífico Reitor gostaria de responder ao Senhor OSCAR DA SILVA, que na reunião da ANDIFES, da semana passada houve o pronunciamento de uma série de Instituições, quase todas através de seu Conselho Universitário, e aquilo não impedia e nem devia tirar o entusiasmo de se discutir a Autonomia Universitária porque era um problema que viria mais cedo ou mais tarde e todos teriam que tomar consciência. A ANDIFES tinha fixado o final do mês de junho para as Unidades darem suas posições que na verdade não foram muito esclarecedoras, preferia que se discutisse aquilo com mais detalhes e com mais empenho para se ter uma conscientização maior do que significava a Autonomia em termos institucionais. Disse que deveríamos ser menos burocráticos e mais criativos, pois a Universidade deveria ser criativa e criadora, ela não podia simplesmente cumprir regulamentos, diretrizes, ela deveria cumpri-los, porém aquela não era a essência da Universidade, a essência era a criação. (Ata 191ª sessão do CEPE, em 12/06/1999.)

Inicialmente é necessário contextualizar as questões que estão sendo discutidas no Conselho Superior da Instituição. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e os decretos que vieram posteriormente regulamentar seus artigos trouxeram uma novidade quanto à organização acadêmica das Instituições responsáveis pela educação superior. No caso específico do Decreto 2.306 de 19/08/1997200 ficou estabelecido

Art. 8º - Quanto à sua organização acadêmica, as instituições de ensino superior do Sistema Federal de Ensino classificam-se em: I - universidades; II - centros universitários; III - faculdades integradas; IV - faculdades; V - institutos superiores ou escolas superiores.

O diferencial nesta hierarquia estava nas indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. A Portaria 2.040 de 22/10/1997201 define critérios adicionais de organização institucional para as Universidades, dos quais destacamos:

a) a integração entre ensino, pesquisa e extensão deve constituir um esforço institucional permanente e abrangente (art. 1º);

b) durante o seu credenciamento ou recredenciamento como universidade a instituição deverá demonstrar que suas atividades de pesquisa estão consolidadas e são permanentes. (art.º 2)

Com as novas determinações legais para a área do ensino superior a pesquisa

200 BRASIL. Decreto nº 2.306, de 19/08/1997. Regulamenta, para o sistema federal de ensino, as disposições contidas no art. 10 do Medida Provisória nº 1477-39, de 8/8/1997, e nos arts. 16,19,20,45, 46 e § 1º, 52, parágrafo único, 54 e 88 da Lei 9.394 de 10/12/1996 e dá outras providências. Disponível em www.senado.gov.br/servlets 201 BRASIL. Decreto nº 2.040, de 22/10/1997. Define critérios adicionais aos já estabelecidos na legislação vigente, de organização institucional para as Universidades. Disponível em www.senado.gov.br/servlets.

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assume papel relevante nas funções da Universidade. Ser uma Universidade implica construir fortes alicerces na área de pesquisa e o caráter da UNIRIO, assumido oficialmente e refletido no discurso oficial, é a vocação extensionista. O problema foi detectado e precisa ser atacado, no entanto, o conflito que emerge neste contexto de movimentada reordenação é fruto do reflexo da política governamental na esfera da educação superior que mais uma vez parece direcionar os rumos da Instituição em foco.

Em nível discursivo podemos observar como a nova matriz proposta pelo Governo, assim como a política educacional, coloca em foco os rumos desta Instituição: todos, docentes, técnico-administrativos e discentes, enfim o corpo social da UNIRIO, primeiro deveriam tomar conhecimento de toda aquela situação, segundo seria reordenar o PDI [Plano de Desenvolvimento Institucional], e repensar naquela [sic] Universidade à luz do conjunto das Instituições Públicas de Ensino Superior... Malgrado a construção relativamente truncada da última oração iniciada com repensar, é possível, tomando as formas verbais utilizadas tomar conhecimento (locução), reordenar e repensar, perceber uma estratégia em duas etapas: a) internamente a comunidade universitária deve conhecer a real situação da Instituição face à política governamental; b) em função desta, estabelecer uma nova ordem de prioridades na missão institucional e, ao mesmo tempo, pensar a UNIRIO no contexto das IFEs e nesta nova dinâmica da educação superior. O discurso parece indicar uma situação na qual a mudança de rumo faz-se necessária, pois repensar e reordenar reforçam, pelo uso do prefixo re-, a idéia de iteração. O que a UNIRIO era, não pode mais continuar sendo. Mas o que ela era? As palavras do Reitor, neste mesmo enunciado, nos apontam para um dos traços que marcam o perfil da Instituição, introduzindo com a locução verbal dever ser, na condição de necessidade e obrigação, as qualidades necessárias que parecem se opor àquelas que realmente existem. Tal enunciado, após uma longa discussão em torno dos rumos da Instituição e da idéia de repensar seus caminhos, parece encerrar a questão indicando alguns fatores que contaminam a essência e o fazer acadêmico-institucional.

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deveríamos ser menos burocráticos e mais criativos

é preciso mudar,

pois somos mais burocráticos e menos critativos. 1º

pois a Universidade deveria ser criativa e criadora,

logo 2º não somos criativos e criadores

ela não podia simplesmente cumprir regulamentos, diretrizes

3º há o reforço da idéia do burocrático (cumprir regulamentos e diretrizes)

e a locução verbal não podia reforça o apelo do locução devemos ser

utilizada na oração anterior

ela deveria cumpri-los, porém aquela não era a essência da Universidade, 4º a essência era a criação

a burocracia existe e deve ser considerada,

mas não pode ser este o caráter distintivo da Universidade.

É a criação (=pesquisa) que constitui seu traço principal.

Este fragmento coloca em jogo, sinteticamente, as questões constantemente discutidas internamente em relação à pesquisa, à autonomia e à política governamental para o setor. O dever ser e o não poder (ser mais) reforçam-se mutuamente na idéia de mudança, realçando a criatividade (=pesquisa) como principal característica da Universidade. A força coerciva que externamente coloca-se como reordenadora do sistema da educação superior movimenta o ideal de Universidade que se constrói internamente na UNIRIO. Neste momento, em uma situação paradoxal, ela necessita mudar para continuar sendo. Em 1969 ela nasceu como Federação, dez anos depois, em 1979, tornou-se Universidade e agora, em 1999, o futuro não parece muito promissor e acena com a perda deste status alcançado há vinte anos atrás.

A situação de crise vivenciada pela UNIRIO não está muito longe da realidade

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vivida à época pela Universidade, se considerarmos o que nos diz Santos202 acerca das contradições que emergiram, a partir dos anos sessenta do século passado, entre as funções que esta instituição milenar já exercia e outras inúmeras que começaram a surgir face às pressões e transformações a que foi sujeita. Desta forma, criaram-se pontos de tensão que o autor agrupou em três domínios: a) na crise de hegemonia: a tensão é provocada pela contradição entre produção de alta cultura e produção de padrões culturais médios; b) na crise de legitimidade: a tensão é provocada pela contradição entre a hierarquização dos saberes especializados e as exigências sócio-políticas da democratização e da igualdade de oportunidades; c) na crise institucional: a tensão é provocada pela contradição entre a reivindicação de autonomia e a submissão crescente a critérios de eficácia.

Para o autor tais crises se estabelecem face a este novo contexto que se estabeleceu na segunda metade do século XX e que gerou uma multiplicidade de funções para a Universidade, a partir do tripé ensino, pesquisa e extensão. Estas funções, por sua vez, seriam decorrentes "da explosão da universidade, do aumento dramático da população estudantil e do corpo docente, da proliferação das universidades, da expansão do ensino e da investigação universitária a novas áreas do saber"203.

As crises apontadas parecem mostrar que as dificuldades de conjugar novas e antigas funções levam a Universidade a delinear sua missão e seus objetivos entre o que a sociedade e o Estado demandam e aquele papel que sempre lhe coube, como a de formação da elite cultural e o da investigação científica.

Na trajetória desta crise, insere-se aquela da UNI-RIO (1969 a 1999) que parece enfrentar, também, os efeitos da crise institucional que, conforme Santos204 traz como um dos seus aspectos a avaliação do desempenho universitário, decorrente da "entrada da universidade" na luta pela competitividade, que, por sua vez, foi acarretada pelos crescentes cortes orçamentários dos Governos.

No meio desta crise que transparece no período de 1999, retomamos as palavras de Candau, "de um modo geral, a comemoração oficial vê-se [...] organizada de tal maneira que o passado, a memória não conseguem pôr em causa o presente.205 O presente para a UNIRIO representa a possibilidade de não ser mais universidade e assim a comemoração do passado deve apresentar uma imagem que não acione tal perspectiva.

202 SANTOS, Boaventura de Sousa. Pelas mãos de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 2000. p. 187-196. 203 SANTOS, B. de Sousa. op. cit. p. 188. 204 SANTOS, B. de S. op. cit. p. 214. 205 CANDAU, Joël. op. cit. p. 71

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As comemorações destes 30 anos utilizaram muito a estratégia da rememoração dos grandes vultos da Instituição, ex-dirigentes e outros professores que mereceram destaque por sua trajetória institucional, e neste processo as referências ao termo Federação foram mínimas. Vejamos alguns exemplos.

O Professor JOSÉ MARIA NEVES durante os trinta anos que trabalhou naquela Universidade, tanto na área musical, como na área artista foi um sinônimo de Universidade do Rio de Janeiro, antes antiga FEFIEG, FEFIERJ e UNIRIO. Foi um homem que, literalmente, vestiu a camisa da Universidade, que brigou por ela, que lutou e conseguiu definir a área musical, que era uma área emergente, não tradicional como a área da Medicina no âmbito do ambiente universitário.

A Professora YEDA BARROSO sempre se dedicou à causa Universitária e por muitos anos. Formou-se em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ na década de cinqüenta; foi admitida na Escola de Medicina e Cirurgia, na Disciplina de Ginecologia, em mil novecentos e sessenta e sete, mesmo antes de pertencer oficialmente ao quadro da Universidade, ela já integrava a disciplina de Ginecologia, ministrando aulas para os alunos de Graduação, dizia aquilo com grande orgulho, pois fora seu aluno em mil novecentos e sessenta e quatro.

PEDIDO DE CONCESSÃO DE TÍTULO DE PROFESSOR EMÉRITO PARA O PROFESSOR CARLOS AMÉRICO DE BARROS E VASCONCELLOS GIESTA DO CCBS. [...] relatado pelo Professor ISAAC SIROTA ROTBANDE, agradeceu a administração da Universidade o convite para relatar aquela matéria, e afirmou que sentia-se na qualidade de discípulo e não de assistente, extremamente honrado em ser o relator do processo. Ele ingressou na Universidade do Rio de Janeiro - UNIRIO como Professor Titular de Ortopedia e Traumatologia em mil novecentos e setenta e sete, após memorável concurso.

Não viera ali para dizer aos Senhores Conselheiros que o Professor ROCCO tinha quarenta e quatro anos de formado e quarenta e dois dentro da UNIRIO, pois aquilo estava escrito, e todos os Conselheiros haviam recebido. (Ata da 298ª Sessão do Conselho Universitário dia 15 de abril de 1999.)

A UNIRIO comemora, logo torna presente e atual, seu passado como Universidade, e marca, pela ausência (esquecimento) de menções, a fase federativa como um período que antecedeu ao surgimento da Universidade e que teve suas características próprias. Com esta estratégia ela engloba esta fase como constitutiva deste passado sem pensar nas peculiaridades que marcaram tal período de sua trajetória. Ao mesmo tempo, ela procura na emergência de um conflito causado pela reordenação de seus rumos em função dos ditames externos repensar seu papel, seu perfil e sua vocação.

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Tópicos conclusivos

O ano de 1999 se apresentou como um marco temporal importante na trajetória da UNIRIO e seus trinta anos representam o início da fase madura desta Instituição tão recente. Se antes, de 1969 a 1979 a Instituição começa a dar seus primeiros passos e não havia um passado a ser comemorado, agora há uma trajetória própria que pode ser instituída, manipulada e reconstruída.

A Universidade Humanística está no momento certo de consolidar-se como projeto que, de forma projetiva, procura construir um caminho e uma imagem própria para a Instituição baseada em uma educação humanística.

Segundo Aloni,

o termo Educação Humanística é geralmente empregado para designar diversas teorias e práticas engajadas na visão de mundo e código de ética do humanismo; ou seja, a proposta de aprimoramento do desenvolvimento, bem-estar e dignidade como objetivo último de todo pensamento e ação humanos [...]206

A associação ao humanismo pode ser vista como a estruturação de uma forma reconhecível por intermédio da construção de uma imagem de Universidade Humanística (educação humanística). No entanto, ela (a imagem) deve estar alicerçada em ações que garantam não somente a sua construção como a sua perenidade. E como garantir a continuidade do projeto diante da mudança da perspectiva de mudança de status? Ou o investimento neste perfil seria um dos caminhos para enfrentar este problema?

É difícil pensar esta Instituição fora do contexto de uma política para a educação superior e desligada dos acontecimentos que se desenvolveram no período de 1969-1979.

No primeiro caso, lembremos que a vigência da nova LDB demanda novas ordens e novas políticas acadêmicas. Tal quadro guarda semelhanças com o passado se lembrarmos que a Lei 5.540/68 determinou a organização das Instituições de Ensino Superior preferencialmente em Universidade ou Federações de ensino, tendo então nascido a FEFIEG. A questão da pesquisa é um tema que perpassou todas as discussões empreendidas na área da educação brasileira, principalmente a partir da década de 20, conforme mostramos no item 3.1. Nesse sentido, existe uma formação discursivo-ideológica que determina, em nível institucional, a construção de políticas acadêmicas fundamentadas na questão da pesquisa. Nesta formação, diferentes instituições acionam estratégias para reger suas determinações: o governo estipula leis e avalia as IFEs e as universidades procuram formas de resistência e repensam, não a importância da

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pesquisa, mas os seus rumos. Se o governo encontra força na forma da lei, as instituições de ensino procuram na sua tradição, na sua ação educativa e no seu papel secular de formadoras de massa crítica marcar um posicionamento face à política governamental.

Nesse sentido, em meio a estes acontecimentos, uma instituição nova e de pouca tradição no contexto universitário enfrenta dificuldades externas e internas de afirmação. A problemática da identidade institucional coloca-se desta forma em um momento em que a UNIRIO percebe um futuro não mais como Universidade e constrói para si uma memória de trinta anos como instituição universitária, onde a imagem do nascimento romântico da Federação e de seu "pai" o Professor Meirelles não encontram eco.

206 ALONI, Nimrod. Educação Humanística. Disponível em: www.educacao.pro.br/ed-human.htm. Acessado em 15/12/2001.

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4 – Identidade e Singularidade: imagens possíveis

A nossa preocupação neste capítulo é retomar as discussões apresentadas no capítulo anterior e fundamentar a construção ou condições de possibilidade de emergência de uma identidade institucional. Desta forma, utilizamos outros documentos para reforçar a construção discursiva de algumas imagens que se formam internamente e a intencionalidade que subjaz à elaboração de uma imagem que projete, externamente, a Instituição.

4.1 - As tensões entre a identidade e a diferença

No segundo capítulo deste trabalho, procuramos mostrar como a maior parte dos estudos colocam a formação da identidade com base em uma relação opositiva entre um eu e um você. A partir da questão da identidade do grupo, como um dos constituintes básicos de afirmação grupal e identificação dos seus membros, vimos a importância de estratégias que procuravam fixar os traços peculiares que contribuem na constituição de um quadro identitário e na coesão grupal.

Essa é uma posição que na tradição filosófica ocidental insere-se no pensamento representativo onde a diferença é pensada dentro dos limites da identidade.207 A diferença nesse caso aparece subjugada pela identidade, garantindo a estabilidade necessária às nossas representações.

É contra essa concepção que surge a crítica de Gilles Deleuze que busca a expressão do ser mesmo da diferença desatrelando-a dessa identidade previamente marcada e desnegativizando-a. Deleuze nos mostra que essa via nasce da falência do pensamento representativo.

[...] O primado da identidade, seja qual for a maneira pela qual esta é concebida, define o mundo da representação. Mas o pensamento moderno nasce da falência da representação, assim como a perda das identidades, e da descoberta de todas as forças que agem sob a representação do idêntico.”208

Trata-se de pensar a diferença em si, uma diferença sem negação e que não necessita de uma oposição para estabelecer-se. Esta atitude implicaria perceber a construção da identidade a partir do delineamento e compreensão de seus próprios traços característicos, sem problematizar uma relação com o outro, sem exclusão ou inclusão, sem parâmetros de comparação, simplesmente, sendo o que se é.

207 CHEDIAK, Introdução a filosofia de Deleuze. Londrina : UEL, 1999. p. 21 208 DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. Rio de Janeiro : Graal, 1988. p. 15-16

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Segundo Chediak essa filosofia da diferença é construtivista e perspectivista, não apresentando seu discurso nem como verdadeiro ou universalista e não elimina as outras perspectivas.

[...] Isso ocorre principalmente porque o problema do verdadeiro e do falso só se constrói no interior de uma concepção representativa do conceito e, assim, um discurso que se põe como verdadeiro estaria explicitamente em desacordo com a própria idéia da filosofia como criação e com o conceito de diferença. A diferença é criação, e toda criação é singular.”209

Para Deleuze a viabilidade de tal projeto implica um desvencilhamento das limitações do pensamento representativo que redunda na fixação de valores e conceitos.210 A dificuldade reside em pensar sem um modelo ou parâmetro representativo que estabeleça o que devemos ou podemos ser.

Tal projeto pareceria adequado para pensar uma Instituição que nasceu como a única a concretizar um dispositivo legal implementado, ou seja, a FEFIEG tornou-se a primeira e única Instituição a surgir sob a forma federativa como possibilitava a Lei 5540/68, abarcando Escolas Isoladas que procuraram, desde o início, manter suas próprias tradições. Podemos mencionar, novamente, o fato de o nome da Instituição - Federação da Escolas Federais Isoladas do Estado da Guanabara - manter o termo Isoladas quando este não mais teria razão para existir a partir da união. A Federação surge no contexto educacional de fins dos anos 60 de forma diferenciada, ao menos no aspecto legal que garantia uma interdependência entre as Unidades constituintes, como veremos mais adiante quando abordarmos o conceito de Federação.

No entanto, pensar no reforço da singularidade e da diferença para uma Instituição Univesitária que se insere em um contexto sócio-político que ordena, de cima para baixo, a estrutura e a organização acadêmica é muito difícil. Suas ações estão constantemente voltadas para um modelo que determina como deve ser uma Universidade, e ela está sempre pensando em como introjetar tal modelo.

4.2 As imagens possíveis

Já no capítulo anterior, no item 3.2, tangenciamos a questão da imagem e sua relação com a identidade. Vamos aqui reforçá-la, mostrando como ela funciona nesta dinâmica identitária.

209 CHEDIAK, Op. Cit. p. 108 210 Idem, p. 21

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À parte o sem número de definições que delimitam a idéia de imagem, é possível pensá-la a partir de sua função representativa e, nesse sentido, entendê-la como o produto de uma impressão provocada pelo contato ou experiência exterior. No entanto, a imagem não carrega todos os traços daquilo que representa e, considerando a questão de uma imagem institucional, que é o nosso foco, podemos tomá-la como a projeção da identidade tomada num recorte sincrônico.211 Durante sua trajetória uma Instituição estaria sujeita a formar e projetar mais de uma imagem.

A imagem não se dissocia do objeto que representa e no caso de uma Instituição podemos delimitar dois tipos: a) uma imagem construída voluntária e conscientemente como produtor de uma projeto político-identitário, produzindo uma representação que funciona para associar aspectos positivos à Instituição; b) uma imagem projetada involuntariamente, mas que está ligada aos traços peculiares que ela apresenta e que se consubstancia-se na leitura efetuada tanto pela comunidade interna quanto interna. Basicamente, ambas as formas são construções e toda Instituição tem associada a ela uma imagem.

No que tange ao primeiro tipo, a imagem construída voluntariamente, que denominamos imagem pretendida, constitui um bom exemplo de trabalho de manipulação política na consecução de projetos identitários, onde os traços positivos são selecionados ou mesmo criados, reordenados e fatos são colocados em novos contextos, por exemplo. O controle sobre o processo de produção da imagem é, nesse caso, muito maior, pois o indivíduo ou o grupo pode agenciar aspectos a serem representados e as formas adequadas para expressá-los.

No segundo tipo, sua forma de inserção social, sua função e sua trajetória fornecem os subsídios necessários à construção desta imagem que, desta forma "foge ao controle" da Instituição que a produz e se oferece à leitura e interpretações de todo o corpo social. Esta imagem projeta traços identitários que causam impressões, positivas ou não, e contribuem para consolidar a forma reconhecível desta Instituição.

Em um documento elaborado pela UNI-RIO, em 1995, há uma introdução que parece trazer à baila uma tensão entre o que chamamos imagem pretendida e forças endógenas atuantes.

A UNI-RIO, quando de sua fundação, passou a congregar Escolar Federais Isoladas, muito tradicionais, sendo algumas delas as mais antigas do país. Posteriormente, implantou novos cursos de Graduação de Pedagogia, Ciências Biológicas e Direito. A resultante

211 BRESSANE, Thais B. da Rocha. Construção de identidade... p. 25.

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desta heterogeneidade foi que a universidade não possuía um perfil próprio que perpassasse por todos os cursos.212

Tal afirmação vai ser utilizada para justificar a elaboração de um Projeto Pedagógico para o Ensino de Graduação cujas metas estabelecidas no Documento Final de abril de 1995 contêm "as ações que o grupo participante considerou que deveriam ser desenvolvidas objetivando aproximar a ‘universidade diagnosticada’ da ‘universidade que queremos".213

Temos, funcionando neste discurso, dois campos em nítida oposição a partir da perspectiva oficial.

Projeto Universidade Diagnosticada

Universidade Pretendida

Escolas Isoladas tradicionais Perfil próprio que perpasse

Heterogeneidade todos os cursos

Aqui a homogeneidade não é citada no texto, mas é inferida a partir do jogo de oposições com a condição diferenciada que marca as origens da UNIRIO.

Esse diagnóstico formulado e instaurado no discurso oficial aponta para uma situação onde a tão buscada forma reconhecível (perfil próprio) tropeça na heterogeneidade, nas diferenças marcantes e marcadas fruto da composição da Universidade.

O que podemos perceber é que dificilmente a busca por um perfil próprio prescinde de um processo homogeneizador. O objetivo parece ser a diluição dessa heterogeneidade para que o nós UNI-RIO abarque todos os nós Unidades Isoladas, ou pelos menos não exista conflito entre eles, e este último venha a ser, também, o nós UNI-RIO. Outro autor também mostra essa relação de exclusão fortemente marcada entre identidade e diferença:

[...] A identidade e a diferença se traduzem, assim em declarações sobre quem pertence e sobre quem não pertence, sobre quem está incluído e quem está

212 UNIVERSIDADE DO RIO DE JANEIRO/PROPD. Relatório de Atividades 1995. p. 08

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excluído. Afirmar a identidade significa demarcar fronteiras, significa fazer distinções entre o que fica dentro e o que fica fora. A identidade está sempre ligada a uma forte separação entre ‘nós’ e ‘eles’. Essa demarcação de fronteiras, essa separação e distinção, supõem e, ao mesmo tempo, afirmam e reafirmam relações de poder. ‘Nós’ e ‘eles’ não são, neste caso, simples distinções gramaticais. Os pronomes ‘nós’ e ‘eles’ não são aqui, simples categorias gramaticais, mas evidentes indicadores de posições-de-sujeito fortemente marcadas por relações de poder.214

Interessante observar, nesse sentido, que no mesmo documento, em um trecho do relatório da Escola de Medicina e Cirurgia encontramos uma referência à trajetória de 83 anos de existência dessa Instituição. No entanto, não há citação alguma ao período de 26 anos – dentro desses 83 – que a Escola tem como unidade da Universidade. Seria o caso, não de negar tão longa história, mas inseri-la nos últimos anos do contexto da uma Instituição maior.

Para compreendermos melhor as imagens possíveis desta Instituição, propomo-nos, inicialmente, trabalhar com a idéia de Federação, pois tal foi sua situação e status durante 10 anos. E foi por este tipo de regime que as Escolas Congregadas optaram em 1969. Depois, devemos ressaltar o contexto de emergência dos projetos de Universidade e Universidade Humanística que discursivamente instauram-se como vontade institucional.

O conceito de Federação vem da ciência política e, o que parece pesar a favor deste sistema, é a descentralização que garante a não concentração de poder na mão de um único partido ou indivíduo, pois constitui um "instrumento político que permite instaurar relações pacíficas entre as nações e garantir ao mesmo tempo sua autonomia, através de sua subordinação a um poder superior, mas limitado [...]".215 Desta forma, podemos pensá-la, inicialmente, como uma organização que nasce do pacto entre entes autônomos que, muitas vezes, preexistem à Federação216. O Federalismo como sistema político constitutivo da Federação sustenta uma interdependência entre as partes e garante relações pacíficas por estarem estas subordinadas a uma poder superior limitado. Segundo Levi217, os efeitos da Primeira Guerra Mundial colocaram em xeque a estrutura do Estado Nacional abrindo espaço para a positivação deste sistema. Tal fato foi reforçado pelas conseqüências da Segunda Guerra Mundial que apontaram para a necessidade da união dos Estados Europeus que, se estabelecida, não poderia ser em outro sistema senão o federativo. Em termos teóricos, o sistema federativo garante às partes poderes para governar autonomamente, não procurando impor um único sistema

213 Idem, p. 5

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homogeneizante e autoritário a todas as partes. Em uma Federação são mantidas as individualidades dos territórios/nações que a

compõem e, ao mesmo tempo, estimula-se a idéia de pertencimento a uma União maior. Tal condição propicia a construção de uma identidade dual: "do ponto de vista ideal, portanto, em uma federação democrática os cidadãos deveriam ter identidades políticas duplas, mas complementares."218

Em seu trabalho Souza219 procura argumentar que no Brasil "o federalismo sempre foi, e continua sendo, uma forma de acomodação das demandas de elites com objetivos conflitantes, bem como um meio para amortecer as enormes disparidades regionais." Em virtude de suas características, o sistema federativo funcionou como estratégia de apaziguamento das diferenças possibilitando acomodações que outro sistema não conseguiria efetuar. A autora conclui que "a experiência brasileira corrobora a visão de que o federalismo como mecanismo de divisão territorial de poder é uma forma de acomodar conflitos em vez de promover harmonia." Tal conclusão nos leva a pensar no Projeto de Federação como resultado de uma negociação entre Instituições que possuíam uma certa tradição nas suas áreas, isoladamente, e que na iminência de, por força de lei, passarem a integrar um conjunto, viram nesse sistema uma possibilidade de convivência e acomodação das diferenças.

As marcas discursivas do nascimento da Federação e o discurso que se forma para sustentar a idéia de Universidade nos mostram que a congregação nasceu em virtude de uma necessidade de responder ao contexto político que não permitia mais a existência de tais Instituições Isoladas. A Federação parece ter surgido como possibilidade viável de manter uma união com a interdependência almejada por Instituições tão antigas. A mudança de status para Universidade poderia ser um caminho possível depois de pensadas as diferenças e possibilidades durante a fase Federação.

214 SILVA, Thomaz Tadeu da. A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, Thomaz Tadeu da. Identidade e Diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais. 215 LEVI, Lucio. Federalismo. In: BOBBIO, H.; MATTEUCCI, N; PASQUINO,G. Dicionário de Política. Brasília: Editora da Universidade de Brasília. p.476. 216 FARHAT, Saïd. Dicionário parlamentar e político: o processo político e legislativo no Brasil. São Paulo: Fundação Peirópolis, Companhia Melhoramentos, 1996. 217 LEVI, Lucio. Federalismo. In: BOBBIO, N. & MATTELUCCI, N. Dicionário de Política. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1999. 218 STEPAN, A. Para uma ... 219 SOUZA, Celina. Intermediação de interesses regionais no Brasil: o impacto do Federalismo e da Descentralização. In Dados-Revista de Ciências Sociais. vol. 41, n. 3, 1998

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Durante este período houve uma série de acomodações internas e externas para que todas as Escolas e Instituições Isoladas pudessem formar o que hoje é a UNIRIO. Neste período houve perdas e ganhos. As perdas, INCa e CBPF, sofreram um apagamento imediato da lembrança institucional. Os documentos oficiais, como catálogos de cursos e relatórios datados de 1999, que apresentam um breve histórico da Instituição omitem o INCa como uma unidade fundadora e o CBPF como unidade congregada, apesar do pouco tempo que ambas permaneceram na estrutura da Instituição. Acentuando o caráter manipulativo desta memória/esquecimento temos, em contrapartida, no website do INCa uma menção ao período em que fez parte da FEFIEG e uma alusão à luta empreendida e vitoriosa para que o Instituto retornasse a seu Ministério de origem. A perda/derrota é relegada ao esquecimento e a reintegração/vitória é marcada na memória. (Anexo 4) De outra forma, a vinculação/desvinculação do CBPF tornou-se um esquecimento coletivo em ambas as Instituições. (Anexo 5) Os ganhos, como a criação do Instituto Biomédico e a transformação em Universidade, também centralizaram conflitos entre grupos.

4.3 - As imagens e as identidades pretendidas

Como foi demonstrado, ainda na segunda gestão presidencial, a FEFIEG vê nascer o Projeto de Universidade. Tal idéia instaura e funda, discursivamente, uma origem remota: estaria na gênese da Federação o desejo e a vontade de tornar-se Universidade. Este Projeto ganha força conforme se distancia, no tempo, da origem federativa. Ela articula, neste processo, um minimizamento do papel da Federação e uma maximização da função integradora que a Universidade possibilita e que não foi cumprida pela Federação.

Deste modo, não podemos afirmar que o projeto de Universidade tenha sido acalantado desde o ano de 1969, sendo a Federação pensada como um status temporário. Em nenhum momento da primeira gestão esta idéia aparece, seja por parte do Presidente da FEFIEG, seja por parte de algum Conselheiro. Todas as referências a esse desejo inicial são feitas posteriormente. As possibilidades de tal idéia ter surgido após algum tempo são mais plausíveis, considerando que estas imagens parecem construir-se mutuamente após algum tempo. O nascimento da Federação pode ter sido um projeto claro e desejável desde o início, mais do que a idéia de querer tornar-se Universidade. Do contrário, desde 1969, nunca teria havido FEFIEG e sim UNIRIO.

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Supomos que o "nascimento romântico" e o enaltecimento da figura do primeiro presidente justifiquem-se em virtude, justamente, do nascimento da idéia de Universidade. A mudança de status não deveria deixar no limbo aquele que deu o primeiro passo na direção do congregaçamento das Instituição Isoladas e que, provavelmente, ainda possuía um certo trânsito nos meios políticos nacionais. Tal procedimento, inclusive, legitima a idéia de Universidade por colocá-la já na origem da Federação: não é algo extemporâneo ou um projeto oportunista de um novo dirigente. Fazia parte do ideal empreendedor do primeiro presidente. Porém, para consolidar-se como projeto a idéia de Universidade precisou negar a forma anterior, a de Federação. A força argumentativa utilizada em dois exemplos retirados da ata da 92ª sessão (14/10/1976) articula, estrategicamente: a) uma imagem que encontra-se estruturada internamente, aquela das Escolas Isoladas; b) o jogo entre tal imagem e o processo de transformação em Universidade. 1) [O presidente] enfatizou que a característica da nova estrutura da FEDERAÇÃO é a integração das escolas isoladas em Centros, 2) [O presidente] dirigiu-se, ainda, aos estudantes, observando que a FEDERAÇÃO deixou de ser um conjunto de escolas isoladas, para se transformar numa família UNIVERSITÁRIA.

No primeiro momento temos apenas uma menção: as Escolas Isoladas da Federação integrarão os Centros que vão se formar. Ainda em 1976, cerca de sete anos depois da formação da Federação, as Escolas que a integram continuam recebendo, eventualmente, o epíteto de Isoladas. Já era de se esperar que elas não fossem senão Escolas Federativas. Neste momento específico, é importante esta menção, pois logo em seguida o presidente diz aos alunos que esta Federação deixou de ser um conjunto de Escolas Isoladas para ser uma família universitária (=Universidade). Esta estratégia, mostrada anteriormente no subitem idéia de transformação em Universidade, é aqui retomada para indicar a articulação empreendida pelos projetos concebidos ao longo da trajetória institucional. A imagem federativa é negativizada em prol de uma meta maior que é a de tornar-se Universidade. Após 30 anos de trajetória, sendo 20 anos como Universidade, a Instituição pensa em um novo projeto. As comemorações de aniversário da UNI-RIO em 1999 - que já reflete esse apagamento da fase federativa ao colocar o nascimento da Universidade em 1969 - vêem o surgimento do Projeto de Universidade Humanística.

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Em 1999, o contexto é de afirmação, contexto adequado à construção de um projeto identitário que lhe garanta, também, o perfil de Universidade próprio. "Não basta ser Universidade, tem que ser Humanística." O conflito entre universidade diagnosticada e universidade pretendida reflete que ser uma Universidade, sob o aspecto legal, não é suficiente e que as marcas do nascimento ainda são fortes. A idéia de Universidade que surge durante a segunda gestão já apresenta um caráter homogeneizador que se reforça com o tempo e com a idéia de uma "universidade desejada" no lugar daquela que é detectada. Em ambos os casos, não há espaço para se discutirem as possibilidades positivas de se trabalhar com as peculiaridades da Instituição, abrindo caminhos de integração que não aplainassem as diferenças estruturais e orgânicas das diferentes Unidades que compõem a FEFIEG/FEFIERJ/UNIRIO.

Se internamente a imagem que emerge é a de uma Instituição que nasceu para resolver a situação de Instituições que não poderiam manter-se isoladas, tornando-se assim um mosaico que refletia diferentes tradições sem formar um perfil próprio, e que com o tempo não conseguiu vencer o isolamento de suas Unidades Congregadas, a construção de uma imagem externa parece um projeto difuso e pouco preciso. Logotipos, bandeiras, participação em eventos externos, representação em órgãos decisórios e outras formas de atuação junto a comunidade indicam a existência da UNIRIO, mas não lhe garantem uma identidade. Nesse sentido, é necessária a construção de um feixe de traços e caracteres que marquem e reflitam seus aspectos positivos e que se reforce com a sedimentação de uma tradição como Instituição Universitária e de uma memória institucional. Em tal processo ela deve considerar o contexto social no qual está inserida e as demandas externas, pois há uma identidade que lhe é atribuída de antemão desde que ela surge como Universidade. Esta identidade obedece a um modelo social e politicamente construído e a esta linha mestra, deve a Instituição reportar-se. As peculiaridades devem e podem ser realçadas positivamente, no entanto, para ser Universidade ela precisa ocupar um espaço e agir como demanda o modelo pré-existente.

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Entre a vocação extensionista, a heterogeneidade latente e a obediência a modelos há uma tensão que demanda vigorosas políticas internas de reordenamento. Em meio as estratégias, a construção de um projeto que marque um perfil próprio, como o da Universidade Humanística, enseja lançar os alicerces de uma identidade que se constrói e se fortalece com o tempo. Desta forma, uma memória oficial deve ser acionada para, ao mesmo tempo, reforçar a tradição que, neste caso, é "redesenhada" conforme as necessidades da época, e lançar as bases para um futuro planejado no presente. Assim é que em 1999, presenciamos as cerimônias de concessão de emerência, a profusão de discursos que homenagearam os vultos da Instituição, a UNIRIO surgindo com 30 ou mais anos de existência e a fase federativa sendo absorvida. Ao mesmo tempo, esta é uma época de reconfiguração conduzida por uma crise que coloca em questão a própria condição de ser e continuar Universidade. Novos caminhos devem ser pensados, uma nova ordem deve se estabelecer para que a UNIRIO continue sendo uma Universidade. No entanto, se ela é uma Universidade por que correria o risco de deixar de sê-lo? Em um primeiro nível, podemos destacar o quadro político-ideológico do período em foco, 1999, no qual as IFEs discutem os programas governamentais e a questão da autonomia. Inserida neste contexto, a UNIRIO vê-se na possibilidade de deixar de ser Universidade face ao novos rumos da política educacional. Em um segundo nível, ao pensar os ditames externos e suas conseqüências, ela repensa sua missão e sua essência e conscientiza-se das dificuldades enraizadas em sua estrutura que dificultam a adequação a uma nova ordem.

Se lembrarmos o período federativo, havia pouco espaço para discussão crítica das determinações do Governo Federal. Os conflitos que emergiam eram determinados pela atuação de um ou mais grupos internos que iam de encontro às determinações da Administração Superior. Todos apontavam para uma efervescência inicial que marcava os ajustes necessários a uma convivência integrada e integradora. Cristalizou-se no discurso oficial, ainda naquela época, a imagem de que a Federação era um caminho para a Universidade. Como nossas análises demonstraram, esta idéia não nasceu na primeira gestão, levando-nos a inferir que tratava-se de um projeto organizado em um período posterior.

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Tomemos três exemplos, o primeiro é a apresentação do Boletim FEFIEG datado de 1971, o segundo é uma nota introdutória ao Catálogo da Instituição de 1974 e, por último, trechos do Histórico apresentado no Catálogo de 1976. Os dois primeiros foram escritos pelo Professor Alberto Soares de Meirelles, o segundo não apresenta uma assinatura que identifique nominalmente o responsável, mas constitui parte de um documento oficial.

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Figura 4.1 - Fac-símile da página 1 do Boletim FEFIEG - setembro de

Este documento registra uma fase nova para o veículo de informação interna da Instituição com uma proposta: atingir a todos buscando a integração e incentivando a participação mais efetiva da comunidade. Ao dirigir-se à comunidade interna, principalmente, mas não deixando de ter em foco o público externo, ele apresenta a FEFIEG como uma Instituição jovem, porém nascida grande e complexa. Há o desejo de cumprir promessas feitas, a concretização de metas estabelecidas e a projeção de um futuro promissor.

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O texto pode ser dividido em três partes. Na primeira, ele dirige-se ao público alvo estabelecido. Este ponto é importante, pois em função de tal público o discurso estrutura as idéias que pretende estabelecer. Nominalmente determinados eles são os nossos diretores, professores, alunos e funcionários e o público imenso que lá de fora participa de nossas atividades. Este Boletim constituiu-se, então, não somente como um veículo de informação interna, mas, também, como um documento propagandístico. Na segunda parte, há uma convocação deste público para participar da consecução das metas da nossa Federação. O apelo apóia-se na integração, participação, harmonia entre as pessoas, no cumprimento das atividades de cada um que levará a um todo ideal. Na terceira parte, o fechamento mostrando que isto é importante para uma Instituição que é jovem, mas tem metas a serem cumpridas e cujo futuro caminha junto com o futuro do país. A FEFIEG conta neste momento com dois anos de existência e o caminho que se lhe abre é de muitas expectativas e o compromisso maior é a concretização desse futuro. Vale destacar que neste momento, em que se fala de futuro, não há menção à idéia de tornar-se Universidade. Se há um desejo, o que se deixa transparecer é o de continuar crescendo, como Federação. Esta é a mensagem veiculada nesta fase inicial tanto aqueles que fazem parte da comunidade interna quanto àqueles que têm contato com a Instituição.

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Figura 4.2 - Fac-símile da página 2 do Catálogo da FEFIEG - Ano 5 - 1974

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A apresentação intitulada 1º ANO abre o Catálogo da FEFIEG quando ela já tem cinco anos de existência. Aqui, a construção do discurso toma rumos bem diferentes daquele anterior, estabelecendo desde o início que a FEFIEG nasceu como experiência pioneira com o objetivo de reunir Escolas Isoladas que viriam, posteriormente, formar uma Universidade. Neste período, conforme mostramos no capítulo anterior, já está instaurada discursivamente a idéia da Federação como etapa transitória. O próprio Professor Meirelles incorpora este ideário e coloca-o em circulação no seu discurso atuando como agente reprodutor de um plano ideológico de transformação em Universidade. Tal construção recebe os retoques finais no documento apresentado nas Figuras 4.3a e 4.3b.

Figura 4.3 a - Fac-símile da página 15 do Catálogo da FEFIERJ - 1976

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Figura 4.3 b - Fac-símile de parte da página 17 do Catálogo da FEFIERJ - 1976. Continuação do texto da página 15.

Em 1976, algumas imagens da trajetória federativa já se consolidaram discusiva e oficialmente, como a do nascimento romântico e a Federação como caminho, e já são perceptíveis alguns apagamentos, como o do INCa e do CBPF. O tempo de convivência já apresenta seus frutos, pois uma Instituição com cerca de sete anos de existência já desenvolveu estratégias para construir uma memória oficial. As duas imagens podem ser consideradas elementos constitutivos desta memória da fase federativa e funcionam adequadamente para mostrar que tal período deve ser deixado para trás não funcionando como referencial para a nova Instituição, a Universidade. A idéia de "caminho" projeta para frente e não para trás, e, dessa forma, a Federação será lembrada como um marco nesta estrada. Vemos, em 1999, que transcorridos trinta anos, este marco distante no tempo começa a apagar-se da lembrança e memória institucional, sendo, porém, evocado quando menciona-se a falta de integração entre as Unidades da Universidade, como mostrado na apresentação do Relatório de Atividades de 1995. Como uma força latente que continua atuando nos subterrâneos da Instituição.

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No outro período focalizado neste estudo, o ano de 1999, a imagem que se constrói está alicerçada no projeto de Universidade Humanística, procurando fornecer à UNIRIO uma identidade calcada na formação de caráter humanista, sendo assim, um projeto que procura perpassar toda a Instituição, mas que depende da sedimentação, da formação de hábitos e da construção de valores embasados neste ideário para garantir seu sucesso. A identidade pretendida não se constrói no papel e a força de sua instauração no âmbito do discurso depende da reiteração e da continuidade sob diferentes formas de expressão. Se antes "não bastava ser Universidade, tinha que ser Humanista", agora "não basta ser Humanista, tem que agir como tal". As representações deste humanismo são quase que inexistentes no discurso oficial; é difícil depreender de qual humanismo a Instituição está falando ou qual educação humanista ela se propõe a realizar. Tal dificuldade em estabelecer de forma contundente este projeto ou qualquer outro, em firmar uma imagem com contornos regulares e definidos pode refletir uma identidade ainda em vias de estabelecer-se. Uma identidade que se arrisca ao construir-se na tensão entre ser uma Instituição com vocação extensionista, com uma heterogeneidade marcada pelas marcas de seu nascimento e o enquadramento a um modelo organizacional demandado externa e coercitivamente. Considerando a sua trajetória, a UNIRIO nasceu como Federação e antes de pensar a si mesma como tal, viu-se na condição de Universidade. Depois de 30 anos, em fase de afirmação, vê-se, novamente, na iminência de mudar e deixar de ser Universidade. Nestes caminhos e descaminhos, ela procura para si uma forma reconhecível sólida que lhe garanta um certa estabilidade como Instituição, mas antes necessita reconhecer que suas raízes federativas ainda estão vivas, e se em 1999 ela é o que é, mesmo sem ter noção disso, ela o deve aos anos de 1969 a 1979. A diferença, se entendida como elemento constitutivo fundamental, pode ser positivada e tal proposta pode representar uma possibilidade diferenciada na construção de projetos identitários. Esta questão pressupõe um trabalho auto-reflexivo que culmine com o reconhecimento de todas as peculiaridades próprias que esta Instituição apresenta. Entre o desconsiderar a fase federativa e a detecção de que seus traços ainda são fortes na Instituição a identidade em construção oscila face esta força imanente que vem desde o nascimento. A necessidade de apagar a heterogeneidade que marcou a Federação mostra que ela ainda existe e que ainda se busca, como perfil próprio para a UNIRIO uma homogeneidade que poderia ser alcançada com um projeto de Universidade Humanística. No entanto, no lugar de estratégias de apagamento, pode-se considerar em um projeto identitário a importância e a validade dos traços distintivos que, por vezes, a Instituição tende a negar.

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Tópicos conclusivos

O conceito de identidade, na longa tradição da filosofia ocidental, manteve a diferença como elemento constitutivo, porém subjugado. Isto porque a identidade constituía-se com base em um relação de oposição entre um "eu" e um "outro". O projeto deleuziano de identidade pela diferença procura uma nova ordem na qual esta relação não encontra lugar e abre espaço para que as peculiaridades e os traços distintivos venham a formar a identidade, sem nenhum parâmetro de comparação. Estas teorizações nos pareceram adequadas quando pensamos nas possibilidades que se abriam para esta Instituição que nasceu como Federação, traz ainda suas marcas de heterogeneidade fortes o suficiente para formar uma imagem interna, que diagnosticada oficialmente direciona ações no sentido do apagamento de tais marcas. Apagar e realçar podem ser vistas como ações apropriadas para qualquer processo de construção tanto de identidade/imagem quanto de memória. Nesse sentido, as imagens pretendidas para o período federativo - nascimento romântico e Federação como caminho - e para o período de 30 anos - universidade humanística são produtos de processos identitários que fornecem à Instituição uma imagem própria e pontual, características de determinado fase de sua trajetória. O que subjaz a tais projetos é uma intencionalidade homogeneizadora que procura introjetar, na nova Instituição, o modelo universitário no qual todas as outras Instituições estão calcadas. Neste sentido, os traços peculiares da fase federativa são objeto de preocupação. Tal intencionalidade cristaliza-se, principalmente, nas imagens construídas da Federação como um caminho da Universidade Humanística e com o apagamento da imagem do nascimento romântico. Como vimos anteriormente, esta foi a primeira imagem construída em um momento pontual da trajetória da Federação, respondeu a uma necessidade daquele período e seu apagamento acompanha o reforço e o realce da idéia de tornar-se Universidade. A construção da imagem de Universidade Humanística procurou estabelecer para a UNIRIO uma identidade que ao mesmo tempo lhe fornecesse uma afirmação como Universidade e uma diferenciação no contexto universitário.

No entanto, tanto o relato oficial de 1995 quanto a intencionalidade de trabalhar a fase federativa como sendo universitária durante as comemorações dos 30 anos demonstram que os traços da fase federativa ainda subsistem.

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Entre trabalhar com a construção de uma identidade que não considera a diferença e modelar-se conforme os ditames de um modelo externo, homogeneizador, há uma opção de equilíbrio que passa pelo reconhecimento das características próprias que formaram a Federação e foram herdadas pela UNIRIO. Afinal, a UNIRIO não nasceu em 1979, ela já existia na Federação de 1969.

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5. Considerações finais

Dir-se-ia de maneira muito mais própria: os tempos são três, o presente do pretérito, o presente do presente e o presente do futuro. Esses últimos estão em nosso espírito e não os vejo em outro lugar. O presente das coisas passadas é a memória, o presente das coisas presente é o olhar, o presente das coisas futuras e a espera.

Santo Agostinho - Confissões (Tradução José Luiz Fiorin)

Na Introdução deste trabalho, salientamos a nossa posição como agente da Instituição que nos propomos pesquisar. Entre várias questões que surgiram no tempo que nela atuamos, uma merece destaque, pois ele atravessa este trabalho na forma de uma dupla representação que procuramos salientar por intermédio da alternância das grafias: afinal, é UNI-RIO ou UNIRIO? A primeira forma, com hífen, foi instituída no período federativo, e em algum momento da trajetória institucional o hífen foi suprimido. O período de 1999 adota, por completo, a segunda forma. Na prática habitual da elaboração de documentos, muitos funcionários da Instituição ainda alternam as duas grafias. A nossa intenção foi, principalmente, demonstrar que mesmo nos menores indícios ainda permeia um embate entre as raízes desta Instituição e o que ela pretende como nova imagem.

Abre-se aqui o espaço apropriado não só ao fechamento de algumas questões e à consecução dos objetivos propostos, como também à apresentação e proposta de perspectivas futuras.

É fundamental retomar neste momento a nossa meta principal e os caminhos escolhidos para se chegar ao pretendido.

Propomo-nos, desde o início, trabalhar na junção dos espaços discursivo e institucional que foram tratados separadamente por questões metodológicas, mas sempre tendo em consideração que ambos são acontecimentos marcados e determinados por formações ideológicas que dominam os elementos constitutivos tanto de um quanto de outro.

O nosso objetivo maior foi o delineamento da formação identitária da UNIRIO a partir de sua produção discursiva oficial. Embutida estava a idéia de perceber a atuação de grupos neste processo. Foram demarcados dois períodos para análise: o primeiro, os anos de 1969 a 1979 representavam o período inicial desta Instituição Univesitária que nasceu Federação; o segundo, o ano de 1999, foi eleito como o período comemorativo dos 30 anos de sua criação. Ao primeiro demos o nome de gestação e ao segundo de afirmação.

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O quadro teórico-metodológico considerou os conceitos basilares desta pesquisa que se insere no âmbito da memória e da identidade institucional. Assim, houve a preocupação em estabelecer com qual memória, identidade, discurso, instituição e documento iríamos trabalhar, sendo adotada a metodologia Análise do Discurso da Escola Francesa. Tal opção implicou uma postura face ao objeto em questão, o discurso oficial, que considerava as determinações ideológicas que regiam a construção discursiva. O contexto sócio-político foi considerado na análise face a esta determinação que leva a considerar o discurso como produto de seu tempo. No entanto, é na trama do que se diz que devemos depreender o não dito e perceber como são colocados em funcionamento os elementos lingüísticos a serviço de uma formação ideológica determinada. Os dois períodos em foco guardavam suas características e representavam recortes de fases bem distintas da história do país. O contexto político não poderia ser deixado de lado quando pensamos tanto na emergência da Federação, no início da ditadura militar e no auge da implantação da Lei 5.540/68 que organizava o ensino superior à época, quanto nos 30 anos da UNIRIO, em meio a implantação de uma nova política educacional em decorrência da LDB de 1996. Desta forma, a análise empreendida trabalhou com a trama discursiva, ou seja, a base lingüística sobre a qual se efetua a ação ideológica, selecionando, manipulando e fazendo emergir determinadas construções em detrimento de outras. Mas considerou, também, o contexto ao qual a formação ideológica estava ligada.

Sendo assim, é sobretudo no capítulo 3 que concentramos os nossos esforços, analisando as nossas fontes que se constituíam de atas das reuniões dos Conselhos Superiores da Instituição realizadas durante os períodos focalizados. O período federativo é caracteristicamente marcado, no seu discurso oficial, pela imagem de um nascimento romântico e pela idéia de ser a Federação um caminho para tornar-se Universidade.

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Nesta busca, hoje, de traços deste período que fornecessem subsídios à construção de uma memória da Federação, é importante ressaltar que aquilo que fica nos textos institucionais pretende-se eternizar como “verdade” para essa Instituição que se forma, e é reflexo de uma formação ideológica que predomina na elaboração discursiva. A relação identidade e memória, em um processo de sustentação mútua, é a garantia de continuidade e auto-reconhecimento que permite à Instituição afirmar-se como tal. E o discurso oficial, como representação, funciona sedimentando significações de acontecimentos selecionados ou construídos, e nos possibilita procurar entender o que fica, do passado, para aqueles que hoje olham estes rastros, vestígios. Nesse sentido, o funcionamento dessas duas imagens deve ser entendido considerando a necessidade e/ou desejo de transformação em Universidade. Para fazer emergir tal projeto, a idéia da Federação como Instituição viável necessitava ser apagada, mas o cuidado em construir o nascimento romântico reflete uma preocupação em conservar esta fase sob uma outra forma: a de fase necessária, mas temporária. Isto não colocaria em risco o novo projeto pretendido, mas também não negativizaria por completo o nascimento da Instituição. Tais articulações só encontram respaldo se embasadas por grupos que transitam no poder e se instituídas de credibilidade em nível interno. Além disso, a sedimentação dos sentidos que se opera por intermédio da reiteração encontra no discurso oficial um espaço adequado à difusão e cristalização de sentidos a serviço de um projeto de formação de identidade e memória. Um estudo que tomasse outro discurso que não o oficial poderia perceber se tais sentidos também permaneceram junto à comunidade (professores e funcionários), por exemplo, ou se outros se formaram.

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Os conflitos que emergiram neste período colocaram em campos opostos o poder instituído legalmente, e conseqüentemente seus projetos, e outros grupos que somente encontraram espaço no discurso oficial quando referenciados. Processo semelhante foi destacado por Forget220 em seu trabalho sobre o discurso da ditadura militar no Brasil. Quase que de forma paralela o discurso oficial da Federação neste período articula-se da mesma maneira, e aqueles que se opunham ao mandato do segundo presidente e à idéia de transformar a FEFIEG em Universidade encontraram pouco espaço para manifestação, e, quando referenciados, o são na 3ª pessoa e se identificados são negativizados. Chegam até nós tais indícios porque as atas funcionam, primeiramente como documentos de registro oficial ao qual as instituições e organizações recorrem para estabelecer seus procedimentos e ordenações. O que se registra em ata vale, mas também permanece. E aí o trabalho do analista investe o documento de uma funcionalidade de outra ordem: a de espaço de cristalização de sentidos e de possibilidade de teorização acerca da memória. Sendo assim, os projetos constroem-se e instauram-se discursivamente e, nesse sentido, valem-se de várias formas de representação: desde a frase slogan até o logotipo. A análise deste período ainda nos revelou que a congregação não foi uma tarefa fácil e que as marcas desta heterogeneidade característica da Federação vão manter-se por muito tempo. Ao lado dos conflitos internos, os ditames externos foram apontados como diretrizes às quais a Instituição vai se conformando durante sua trajetória. Inicialmente, ela necessita obedecer a determinados aspectos legais para estabelecer-se como Federação, em um segundo momento, o mesmo ocorre com vistas à transformação em Universidade. Isto reflete uma Instituição em constante mutação, que não estabelece um perfil próprio quando Federação, e é lançada no redemoinho de adequações necessárias à mudança de status.

Em 1999, a Universidade comemora seus 30 anos, olha para o passado e no lugar de celebrar a fase federativa, engloba-a em sua memória de UNIRIO. Desta vez, o apagamento é quase que completo, pois poucas são as nomeações feitas à Federação e muitas as referências à longa trajetória de 30 anos da UNIRIO. Agora, no discurso instaura-se um novo significado: de 1969 a 1979 já éramos UNIRIO. Neste processo, as imagens construídas no período inicial de dez anos sofrem um apagamento completo.

220 FORGET, D. Conquistas e resistências...p. 77-78

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Acompanhando esta época temos os rituais que procuram comemorar o aniversário, homenagear professores eméritos, ex-dirigentes e sobretudo celebrar a própria Instituição e a emergência de um projeto de Universidade Humanística. Tal estratégia nos leva a pensar no apelo que nações e instituições fazem a antecedentes históricos, eventos, personas ou momentos fundadores para afirmar uma identidade. Conforme apontou Woodward221, tal movimento parece indicar que não se tem uma identidade fixa.

Quando nos reportamos às teorizações acerca da identidade e memória nos referimos, também, à possibilidade de trabalhar com a idéia de projeto, apresentada por Velho222, no âmbito da Instituição. Tal opção pareceu-nos adequada em função das construções elaboradas institucionalmente com vistas a um ordenamento futuro. Nas nossas análises, o projeto articula uma identidade e é articulado por grupos cujos interesses e alianças, temporários ou duradouros, coloca em funcionamento as engrenagens institucionais.

A UNIRIO de 1999 enfrenta um questionamento interno que a leva a repensar seus rumos e questionar sua vocação, pois priorizar alguns aspectos acadêmicos em detrimento de outros pode significar a perda do status de Universidade. A Instituição Universidade é milenar, com uma imagem consolidada que sofre as eventuais mudanças dos contextos sócio-político-econômico de épocas diferentes. Neste período, as inovações introduzidas pela LDB de 1996 e sua legislação correlata colocaram em xeque os caminhos que a UNIRIO traçou para si e fizeram emergir seus pontos fracos como Instituição Universitária. A exposição clara de tais problemas e a conscientização de que se abre uma crise em função desta possibilidade, leva-a a querer mudar para continuar a ser Universidade.

Na base desta problemática está a tensão entre uma identidade que lhe é conferida, e à qual ela deve conformar-se em função de ser uma Universidade, e as forças latentes de uma heterogeneidade herdada da fase federativa que ainda resistem e subjazem, provavelmente, introjetadas nas atitudes, posturas, procedimentos cotidianos e valores da Instituição. Entrementes, ser uma Universidade, no Brasil em 1999, significa, principalmente, cumprir determinadas funções específicas considerando a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, bem como privilegiar a pesquisa e a pós-graduação strictu sensu.

221 WOODWARD, K. Identidade e diferença... p. 17. Ver também citação n. 45 na página 27 desta dissertação. 222 VELHO, G. Projeto e Metamorfose : antropologia das sociedades complexas. Rio de Janeiro : Jorge Zahar Ed., 1994.

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A possibilidade de perda do status significa, também, a perda de um traço identitário conferido. Como um ciclo, esta Instituição que surgiu como Federação e construiu para este período uma imagem como fase transitória, torna-se Universidade e, antes de consolidar uma forma reconhecível vê-se frente à possibilidade de mudança de status novamente.

A problemática de construção de uma identidade própria é perceptível somente no segundo período focalizado neste estudo. Costurando uma rede de significados constituída por atas e demais documentos, procuramos mostrar que houve a percepção de uma heterogeneidade marcada pela herança da forma federativa e tal condição era indesejável para a implantação de uma Universidade que então se desejava. No conflito entre o que desejamos ser e o que somos, a gestão que assume a Administração Superior em 1996, um ano após a produção do documento que trazia à baila esta questão, procura já no ano seguinte lançar as bases de um projeto que pode funcionar para garantir a coesão institucional com base na construção de uma identidade que diga o que é a UNIRIO, tanto internamente quanto externamente.

Nos 30 anos, mais do que no período federativo, a UNIRIO necessita de uma identidade que lhe garanta uma coesão interna, que lhe dê uma face universitária, única possibilidade, talvez, de fazer frente a uma crise que coloca em questão o que ela é ou pensa ser: uma Universidade. Nossas análises, nos levaram a ver nesta Instituição um traço marcante que tem raízes no seu nascimento como Federação, e que é visto como uma deficiência. A inexistência de "um perfil próprio que perpasse todos os cursos" é uma característica negativa, atribuída às suas origens federativas, que está ligada a uma Universidade que não se deseja ser.223 A constante luta contra o que chamamos heterogeneidade marcada representa um esforço de apagar este traço marcante de sua própria natureza. Tal empreendimento, possivelmente, demanda um longo processo de mudança cultural. Neste sentido, a memória funciona como espaço de articulação de estratégias que garantem a identificação/coesão do grupo por intermédio de projetos e construções identitárias que podem se perpetuar e chegar até os novos membros da Instituição, operando, gradualmente, uma mudança na mentalidade e nas feições desta Instituição. Retomando Pollak224 lembremos que na relação entre memória e identidade, aquela contribui na formação de uma identidade no sentido de imagem de si para si e para os outros, e ambas, quando solidamente instituídas em nível coletivo ou individual, constituem um forte anteparo aos questionamentos e problemas que surgem. Parece-nos que a busca da UNIRIO tem sido exatamente esta. No entanto, ela tem ainda uma identidade difusa, pouco definida, pois carrega traços de nascença que procura

223 UNIVERSIDADE DO RIO DE JANEIRO. Relatório de Atividades de 1995. UNIRIO. p. 8

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constantemente apagar. A crise que se afigura em 1999 nos mostra que nestes 30 anos nenhuma identidade, ou mesmo memória, suficientemente instituída cristalizou-se para fazer frente a esta situação.

As estratégias já foram apontadas, e somente um estudo que ultrapasse o limite temporal estabelecido nesta pesquisa poderá mostrar se a consecução do Projeto de Universidade Humanística rendeu os frutos a que se propunha. Tal estudo também poderia considerar os desdobramentos da crise que surge em 1999.

Procuramos não "fechar" por completo a questão acerca da identidade desta Instituição por entendermos que o nosso trabalho procurou trazer representações que se construíram em um determinado espaço discursivo e em determinados períodos. Trata-se, na verdade, de reconstruções de determinados momentos da trajetória institucional e nestes pontos precisos aos quais voltamos nossos olhos, a Instituição parece sempre estar em processo de transformação: seja de Federação para Universidade, seja de Universidade para Universidade Humanística, seja para não-Universidade.

224 POLLAK, Michel. Memória e identidade social... p.66.

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57. NETO, L.F. Instituição (Administração). In: Dicionário de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1987.

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69. PÊCHEUX, M. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas, São Paulo: Editora da Unicamp, 1997.

70. PERELMAN,C. Tratado da argumentação. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 71. PINTO, M.J. Comunicação e discurso: introdução à análise de discursos. São Paulo:

Hacker Editores, 1999. 72. POLLAK, Michel. Memória e identidade social. In: Estudos Históricos. Rio de

Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1992, vol. 5, n. 10. 73. PORTOCARRO, Vera (org.). Filosofia, história e sociologia das ciências I : abordagens

contemporâneas. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1994. 74. RICOEUR, P. Teoria da significação. Lisboa: Edições 70, 1999. 75. ROUSSO, H. “O arquivo ou o indício de uma falta”. Estudos Históricos, Rio de

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Janeiro, v. 9, n.17, 1996. 76. SANTOS, Myrian Sepúlveda. Sobre a autonomia das novas identidades coletivas.

Revista Brasileira de Ciências Sociais, vo. 13, n. 38, São Paulo, 1998. 77. SAPIR, E. Linguistique. Paris : Minuit, 1968, p. 35-63. apud GIRIN, Jacques. A

linguagem nas organizações: signos e símbolos. In: O indivíduo na organização: dimensões esquecidas. São Paulo: Atlas, 1996, vol. III.

78. SCHWARTZMAN, S. A pesquisa científica no Brasil: matrizes culturais e institucionais. Capturado na Internet em 06/02/2000 em www.10minutos.com.br/simon/matrizes.htm.

79. SCHWARTZMAN, S. Ciência, Universidade e Ideologia. Capturado da Internet em 31/01/2001 em www.10minutos.com.br/simon/zahar.htm.

80. SCHWARTZMAN, S. (org.) Universidades e instituições científicas no Rio de Janeiro. Brasília : CNPq, 1982.

81. SCHWARTZMAN, S. Tempos de Capanema. Disponível em www.10minutos.com.br/simon/capanema. 25/07/2000

82. SCHWARTZMAN, S.; BOMENY, H.M.B.; COSTA, V.M.R. Tempos de Capanema. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, Editora Paz e Terra, 2000. p. 107. Disponível em www.10minutos.com.br/simon/Capanema.

83. SILVA, Thomaz Tadeu da. A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, Thomaz Tadeu da. Identidade e Diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais.

84. SOUZA, Celina. Intermediação de interesses regionais no Brasil: o impacto do Federalismo e da Descentralização. In Dados-Revista de Ciências Sociais. vol. 41, n. 3, 1998.

85. STEPAN, A. Para uma nova análise comparativa do Federalismo e da descentralização. Revista de Ciências Sociais. vol 42, n.2, Rio de Janeiro, 1999. Disponível em www.scielo.br

86. SWEETSER, Dorrian Apple. Status. In: Dicionário de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1987, 2ª edição.

87. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Instituto de Estudos Avançados. A presença da Universidade Pública. Disponível em: http://www.usp.br/iea/unipub.html. Acesso em: 14/05/2000. p. 1

88. UNIVERSIDADE DO RIO DE JANEIRO/PROPD. Relatório de Atividades 1995. 89. VELHO, G. Projeto e Metamorfose : antropologia das sociedades complexas. Rio de

Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994. 90. VILLAR, A. A. Grupo. In: Dicionário de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Ed. Fundação

Page 189: Dissertação Completa

UNIVERSIDADE DO RIO DE JANEIRO - discurso, memória e identidade: gênese e afirmação. Por Carmen Irene C. de Oliveira

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Getúlio Vargas, 1987. 91. WILKE, Valéria Cristina L. Da educação humanista: umas poucas palavras. 1999.

Documento não publicado. 92. WOODWARD, K. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In:

SILVA, Thomaz Tadeu da. Identidade e Diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis: Vozes.

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ANEXO 01 Quadro da Legislação Federal utilizada

AA/MM/DD TIPO EMENTA

1915/03/18 Dec. 11.530 Reorganiza o ensino secundário e superior na República.

1920/07/07 Dec. 14.343 Institue a Universidade do Rio de Janeiro.

1931/04/11 Dec. 19.851 Dispõe que o ensino superior no Brasil obedecerá, de preferência, ao sistema universitário, podendo ainda se ministrado em Institutos Isolados, e que a organização técnica e administrativa das Universidades é instituída no presente decreto, regendo-se os Institutos Isolados pelos respectivos regulamentos, observados os dispositivos do seguinte estatuto das Universidades Brasileiras.

1931/40/11 Dec. 19.852 Dispõe sobre a organização da Universidade do Rio de Janeiro.

1934/07/14 Dec. 24.738 Dispõe sobre a criação da Universidade Técnica Federal e dá outras providências.

1937/07/05 Lei 452 Concede autonomia, administrativa, financeira, didática e disciplinar, à Universidade do Brasil, e dá outras providências.

1968/11/28 Lei 5.540 Fixa as normas de organização e funcionamento do Ensino Superior e sua articulação com a escola média, e dá outras providências.

1969/08/20 Dec. 773 Prove sobre a criação da Federação das Escolas Federais Isoladas do Estado da Guanabara, e da outras providências.

1979/05/06 Dec. 6655 Transforma a Federação das Escolas Federais do Estado do Rio de Janeiro - FEFIERJ em Universidade do Rio de Janeiro - UNIRIO.

1995/11/24 Lei 9.131 Altera os dispositivos da Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961 e dá outras providências.

1995/12/21 Lei 9.192 Altera dispositivos da Lei nº 5.540 de 20 de novembro de 1968, que regulamentam o processo de escolha dos dirigentes universitários.

1996/10/10 Dec. 2.026 Estabelece procedimentos para o processo de avaliação dos cursos e instituições de ensino superior.

1996/12/20 Lei 9.394 Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.

1996/12/24 Lei 9.424 Dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, na forma prevista no art. 60, § 7º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e dá outras providências.

1997/08/19 Dec. 2.306 Regulamenta, para o sistema federal de ensino, as disposições contidas no art. 10 da Medida Provisória nº 1.477-39, de 08/08/1997, e nos arts. 16, 19, 20, 45, 46 e § 1º, 52, parágrafo único, 54 e 88 da Lei nº 9.394, de 20/12/1996, e dá outras providências.

1997/10/22 Port. 2.040 Define critérios adicionais aos já estabelecidos na legislação vigente, de organização institucional para Universidades.

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ANEXO 2 Relação das atas trabalhadas do período 1969-1979

ANO SESSÃO DATA1969 1 6/dez1970 2 12/jan

3 16/jan 4 24/mar 5 29/jun 6 6/ago 7 24/set 8 15/out 9 9/dez 10 16/dez

1971 11 4/fev 12 15/abr 13 22/abr 14 19/mai 15 25/jun 16 29/jul 17 5/ago 18 28/set 19 6/dez 20 20/dez

1972 21 27/jan 22 24/fev 23 23/mar 24 28/mar 25 6/abr 26 19/mai 27 15/jun 28 6/jul 29 13/jul 30 31/jul 31 28/ago 32 19/set 33 11/out 34 17/out 35 22/nov 36 28/dez

1973 37 30/jan 38 28/fev 39 22/mar 40 16/abr 41 17/abr 42 23/abr 43 26/abr 44 31/mai 45 19/jun 46 5/jul

ANO SESSÃO DATA 47 18/jul 48 23/ago 49 30/ago 50 4/set 51 12/set 52 14/set 53 1/out 54 16/out 55 31/out 56 29/nov 57 12/dez 58 27/dez

1974 59 28/jan 60 21/fev 61 12/mar 62 18/abr 63 2/mai 64 23/mai 65 20/jun 66 1/ago 67 20/ago 68 19/set 69 31/out 70 19/dez

1975 71 16/jan 72 23/jan 73 27/fev 74 20/abr 75 10/abr 76 8/mai 77 22/mai 78 7/ago 79 21/ago 80 28/ago 81 2/out 82 30/out 83 11/dez

1976 84 8/jan 85 29/jan 86 1/abr 87 29/abr 88 3/jun 89 12/ago 90 16/set 91 23/set

1977 92 14/out 93 9/dez 94 16/dez 95 21/dez 96 23/dez

ANO

SESSÃO DATA

97 13/jan 98 27/jan 99 28/abr 100 7/jul 101 21/jul 102 31/ago 103 8/set 1 (CEPE) 15/set 104 29/set 105 13/out 2(CEPE) 21/out 106 27/out 107 10/nov 108 8/dez 3 (CEPE) 26/dez

1978 109* - 110 12/jan 111 26/jan 112 9/mar 113 17/mar 114 6/abr 115 4/mai 6 (CEPE) 15/jun 7 (CEPE) 20/jun 116 22/jun 8 (CEPE) 13/jul 117 27/jul 118 10/ago 119 5/out 120 9/nov 121 7/dez 122 21/dez 9 (CEPE) 28/dez

1979 123 22/fev 124 19/mar 125 24/mai 126 21/jun 127 5/jul 128 21/ago 129 30/ago 130 27/set 131 6/dez 132 27/dez

* A ata de número 109 foi omitida por erro na numeração. Ela não existe, conforme registrado no livro de Atas do período.

183

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Anexo 03

Primeiras e quartas capas dos calendários universitários 1997-1998-1999

161

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Anexo 04

Página 1 de 2 do Website do Instituto Nacional do Câncer

165

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Anexo 05

Páginas do Website do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas

167