Dissertação Completa Formatada_revcap27abril

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UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ Elida Maria Rodrigues Bonifácio CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO DE LIVRO DIDÁTICO PARA O ENSINO-APRENDIZAGEM DE INGLÊS PARA CONTROLADORES DE TRÁFEGO AÉREO: uma proposta de checklist TAUBATÉ - SP 2015

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Trabalho acadêmico sobre avaliação de material didático de língua inglesa para controladores de tráfego aéreo.

Transcript of Dissertação Completa Formatada_revcap27abril

  • UNIVERSIDADE DE TAUBAT

    Elida Maria Rodrigues Bonifcio

    CRITRIOS DE AVALIAO DE LIVRO

    DIDTICO PARA O ENSINO-APRENDIZAGEM

    DE INGLS PARA CONTROLADORES DE

    TRFEGO AREO: uma proposta de checklist

    TAUBAT - SP

    2015

  • Elida Maria Rodrigues Bonifcio

    CRITRIOS DE AVALIAO DE LIVRO

    DIDTICO PARA O ENSINO-APRENDIZAGEM

    DE INGLS AERONUTICO: uma proposta de

    checklist

    Dissertao apresentada como requisito

    parcial para obteno do Ttulo de

    Mestre em Lingustica Aplicada pelo

    Programa de Ps-graduao em

    Lingustica Aplicada da Universidade de

    Taubat.

    rea de Concentrao: Lngua materna e

    lnguas estrangeiras.

    Orientadora: Prof. Dr. Silvia

    Matravolgyi Damio.

    Taubat - SP

    2015

  • ELIDA MARIA RODRIGUES BONIFCIO

    CRITRIOS DE AVALIAO DE LIVRO DIDTICO PARA O ENSINO-

    APRENDIZAGEM DE INGLS AERONUTICO: uma proposta de cecklist

    Dissertao apresentada como requisito parcial

    para obteno do Ttulo de Mestre em

    Lingustica Aplicada pelo Programa de Ps-

    graduao em Lingustica Aplicada da

    Universidade de Taubat.

    Data: 27/05/2015

    Resultado: _________________________

    BANCA EXAMINADORA

    Prof. Dr. Silvia Matravolgyi Damio Instituto Tecnolgico da Aeronutica

    Assinatura: __________________________________________________

    Prof. Dr. Maria Aparecida Garcia Lopes Rossi Universidade de Taubat

    Assinatura: __________________________________________________

    Prof. Dr. Rosinda de Castro Guerra Ramos Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo

    Assinatura: __________________________________________________

  • Dedico este trabalho ao meu mais valioso

    tesouro: minha famlia.

  • AGRADECIMENTOS

    Prof. Dr. Silvia Matravolgyi Damio, pela serenidade com que me auxiliou

    na conduo deste trabalho.

    s colegas Mrcia Rita e Ana Paula, com as quais compartilhei muitas alegrias

    e angstias no decorrer do curso.

    Aos chefes e colegas de trabalho da Escola de Especialistas de Aeronutica, pela

    compreenso e pela confiana.

    Ao Prof. Dr. Elson de Campos, pelas valiosas sugestes.

    s Professoras Doutoras Maria Aparecida Garcia Lopes Rossi e Karin Quast,

    pela aceitao em participar da Banca de Qualificao e por terem contribudo imensamente no

    direcionamento deste trabalho.

    secretria Cidinha, por sua educao e sensibilidade.

    Aos colegas do Programa de Mestrado da turma 2013, pelo companheirismo.

    Ao Everton, meu nico irmo, por dispender seu tempo na leitura deste trabalho

    e na emisso de comentrios to significativos.

    minha me Nilda, exemplo de companheira e de me (duplamente), por

    acompanhar meus filhos durante minha ausncia prolongada.

    Aos meus filhos Isaac, dile e Rebeca, pela compreenso e pela rpida

    adaptao s minhas ausncias.

    Ao meu marido, companheiro, amigo e confidente, Bonifcio, pela pacincia,

    pelo carinho, pelos momentos em que o trabalho domstico e o cuidado com as crianas

    precisavam ficar sob sua responsabilidade.

    A todos que contriburam, de alguma forma, com a concluso deste trabalho.

  • LISTA DE ACRNIMOS

    ANAC Agncia Nacional de Aviao Civil

    ATCO Air Traffic Controller

    CEF Common European Framework

    CEPRIL Centro de Pesquisas, Recursos e Informao em Linguagem

    DECEA Departamento de Controle do Espao Areo Brasileiro

    EAP English for Academic Purposes

    EBE English for Business and Economics

    ELF English as a Lingua Franca

    EMP English for Medical Purpose

    EOP English for Ocupational Purpose

    EPAP English for Professional and Academic Purpose

    EPLIS Exame de Proficincia em Lngua Inglesa do SISCEAB

    ESP English for Specific Purpose

    ESS English for Social Sciences

    EST English for Science and Technology

    FAB Fora Area Brasileira

    FPV Ficha de Progresso de Voo

    ICAO International Civil Aviation Organization

    ICEA Instituto de Controle do Espao Areo

    IELTS International English Language Testing System

    LA Lingustica Aplicada

    LD Livro Didtico

    OACI Organizao de Aviao Civil Internacional

    PCA Plano do Comando da Aeronutica

    PUCSP Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo

    SISCEAB Sistema de Controle do Espao Areo Brasileiro

    TOEFL Test of English as a Foreign Language

    TSA Target Situation Analysis

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Checklist para avaliao de materiais 52

    Figura 2 Ficha de avaliao de LD 54

    Figura 3 Checklist referncia 55

    Figura 4 Exemplo de checklist para avaliao superficial 56

    Figura 5 Checklist para identificao de lacuna em LD 57

    Figura 6 Critrios para avaliao de LD 57

    Figura 7 Instrumento de avaliao de LD 58

    Figura 8 Critrios para anlise de LD 61

    Figura 9 Checklist teste para avaliao de LD 62

    Figura 10 Estruturao da Checklist ATCO 80

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Modelo de avaliao de proficincia 72

    Tabela 2 Categorias das checklists 75

    Tabela 3 Critrios de Hutchinson e Waters (1987) 81

    Tabela 4 Critrios de Cunningsworth (2005) 81

    Tabela 5 Critrios de McGrath (2002) 81

    Tabela 6 Critrios de Tomlinson (2003) 82

    Tabela 7 Critrios de Dias (2009) 83

    Tabela 8 Critrios de Oliveira e Furtoso (2009) 83

    Tabela 9 Critrios de Ramos (2009) 84

    Tabela 10 Critrios de Mukundan (2011) 84

    Tabela 11 Critrios de OACI (2010) 85

    Tabela 12 Aspectos grficos 85

    Tabela 13 Competncias lexicais 86

    Tabela 14 Competncias estruturais 87

    Tabela 15 Competncias lingusticas funcionais 88

    Tabela 16 Material de apoio 88

    Tabela 17 Preparao para o EPLIS 89

    Tabela 18 Item 1 de Princpios norteadores 95

    Tabela 19 Item 2 de Princpios norteadores 96

    Tabela 20 Item 3 de Princpios norteadores 96

    Tabela 21 Item 4 de Princpios norteadores 96

    Tabela 22 Item 5 de Princpios norteadores 97

    Tabela 23 Item 6 de Princpios norteadores 97

    Tabela 24 Item 7 de Princpios norteadores 98

    Tabela 25 Item 8 de Princpios norteadores 98

    Tabela 26 Item 9 de Princpios norteadores 99

    Tabela 27 Item 10 de Princpios norteadores 99

    Tabela 28 Item 11 de Princpios norteadores 99

  • Tabela 29 Item 12 de Princpios norteadores 100

    Tabela 30 Item 13 de Princpios norteadores 100

    Tabela 31 Item 14 de Princpios norteadores 101

    Tabela 32 Item 15 de Princpios norteadores 101

    Tabela 33 Item 16 de Princpios norteadores 101

    Tabela 34 Item 17 de Princpios norteadores 102

    Tabela 35 Item 18 de Princpios norteadores 102

    Tabela 36 Item 19 de Princpios norteadores 103

    Tabela 37 Item 20 de Princpios norteadores 103

    Tabela 38 Item 21 de Princpios norteadores 103

    Tabela 39 Item 22 de Princpios norteadores 104

    Tabela 40 Item 23 de Princpios norteadores 104

    Tabela 41 Item 24 de Princpios norteadores 105

    Tabela 42 Item 25 de Princpios norteadores 105

    Tabela 43 Item 26 de Princpios norteadores 106

    Tabela 44 Item 27 de Princpios norteadores 106

    Tabela 45 Item 28 de Princpios norteadores 106

    Tabela 46 Item 29 de Princpios norteadores 107

    Tabela 47 Item 30 de Princpios norteadores 107

    Tabela 48 Item 31 de Princpios norteadores 108

    Tabela 49 Item 32 de Princpios norteadores 108

    Tabela 50 Item 33 de Princpios norteadores 108

    Tabela 51 Item 34 de Princpios norteadores 109

    Tabela 52 Item 35 de Princpios norteadores 109

    Tabela 53 Item 1 de Aspectos grficos 109

    Tabela 54 Item 2 de Aspectos grficos 110

    Tabela 55 Item 3 de Aspectos grficos 110

    Tabela 56 Competncias lexicais de Emery e Roberts (2008) 111

    Tabela 57 Marcao das Competncias lexicais 112

    Tabela 58 Competncias estruturais de Emery e Roberts (2008) 113

  • Tabela 59 Marcao das Competncias estruturais 114

    Tabela 60 Competncias lingusticas funcionais de Emery e Roberts (2008) 115

    Tabela 61 Marcao das Competncias lingusticas funcionais 115

    Tabela 62 Item 1 de Materiais de apoio 116

    Tabela 63 Item 2 de Materiais de apoio 116

    Tabela 64 Item 3 de Materiais de apoio 116

    Tabela 65 Item 4 de Materiais de apoio 117

    Tabela 66 Item 5 de Materiais de apoio 117

    Tabela 67 Item 6 de Materiais de apoio 118

    Tabela 68 Item 1 de Preparao para o EPLIS 119

    Tabela 69 ndice percentual de assinalaes 119

  • RESUMO

    CRITRIOS DE AVALIAO DE LIVRO DIDTICO PARA O ENSINO-

    APRENDIZAGEM DE INGLS PARA CONTROLADORES DE TRFEGO AREO:

    uma proposta de cecklist

    Considerando a necessidade de aumentar o nvel de proficincia em lngua inglesa de

    controladores de trfego areo (ATCO), a fim de prevenir incidentes e acidentes, cujas causas

    tambm estejam relacionadas falta de proficincia na lngua, vrios cursos de idiomas

    comearam a oferecer aulas de ingls para esses profissionais, que, segundo OACI (2010),

    devem ser aprovados em exame de proficincia para operarem em rgos que controlam o

    trfego areo internacional. No entanto, o nmero de livros didticos (LD) de ingls aeronutico

    continua modesto e, com isso, a escolha do mais adequado torna-se difcil, devido s poucas

    opes. O objetivo deste trabalho elaborar critrios para avaliao de material didtico de

    ingls para controladores de trfego areo. Como consequncia, ser proposta uma checklist

    intitulada Checklist ATCO, para avaliar o LD de Emery e Roberts (2008). A Checklist ATCO

    ser elaborada luz do Documento 9835, de OACI (2010); das teorias de linguagem como fator

    social de interao, de Vigotski (1934/1991) e outros; da lngua inglesa como lngua franca da

    aviao, de Oliveira E. (2007), Hlmbauer et al (2008) e outros; dos princpios de ensino-

    aprendizagem de lnguas, de Larsen-Freeman (2000), Brown (2007) e outros; do ensino de

    ingls para propsito especfico, de Hutchinson e Waters (1987), Dudley-Evans e St. John

    (1998) e outros; e de avaliao de livro didtico, de Swales (1980), Cunningsworth (1995),

    Tomlinson (1998; 2003), Mc Grath (2002), Dias (2007) e outros. A checklist tem como

    principais indicadores os princpios norteadores (linguagem e princpios de ensino-

    aprendizagem), os aspectos grficos, as competncias lexicais, gramaticais e funcionais

    descritas no Documento 9835, os materiais de apoio e a familiarizao com as atividades

    aplicadas no exame de proficincia. A partir da aplicao da Checklist ATCO na avaliao do

    material, ser possvel apresentar um instrumento de avaliao para auxiliar profissionais

    envolvidos no processo de ensino-aprendizagem de ingls para ATCO a escolher o material

    mais adequado s necessidades de seu pblico-alvo. A avaliao de LD utilizando a checklist

    proposta facilita a identificao de lacunas e fornece informaes ao professor que avalia, a fim

    de que ele planeje as adaptaes de atividades, j que o material perfeito ser difcil de

    encontrar.

    Palavras-chaves: avaliao de material didtico, ensino de ingls, controladores de trfego

    areo.

  • ABSTRACT

    CRITERIA FOR EVALUATION OF TEXTBOOKS DESIGNED FOR ENGLISH

    LANGUAGE TEACHING TO AIR TRAFFIC CONTROLLERS: a checklist proposal

    Considering the need to improve the level of proficiency of air traffic controllers in the English

    language, in order to avoid incidents and accidents due to lack of proficiency, many language

    courses started offering English classes to those professionals. Nevertheless, the number of

    published textbooks in aviation English field is still low; therefore, choosing the most

    appropriate textbook becomes difficult due to the few options. The aim of this paper is to create

    criteria to evaluate English textbooks to air traffic controllers. Hence, a checklist named

    Checklist ATCO will be proposed in order to evaluate Emery and Roberts (2008) textbook. The

    checklist criteria were created in the light of the Document 9835 (ICAO 2010), as well as in

    the light of the theories of language as an interaction social factor, Vigotski (1934/1991), and

    others; the theory of English as a lingua franca of aviation, Oliveira E. (2007), Hlmbauer et

    al (2008), and others; the principles of language teaching and learning, Larsen-Freeman

    (2000), Brown (2007), and others; the tenets of English for Specific Purposes, Hutchinson and

    Waters (1987), Dudley-Evans and St. John (1998), and others; and the conception of materials

    development, Swales (1980), Cunninsworth (1995), Tomlinson (1998; 2003), Mc Grath (2002),

    Dias (2007), and others. The checklist has as main categories the theoretical principles

    (language role and language teaching and learning), graphical features, lexical, grammatical

    and functional competences described in the Document 9835, support materials and English

    proficiency test preparation. Using the checklist to evaluate materials will enable professionals

    engaged in English teaching to air traffic controllers to choose the most appropriate textbook

    according to their audience, as well as to identify gaps in the book, in order to adapt the

    material, since there is no such thing as perfect material.

    Key words: textbook evaluation, English teaching, air traffic controllers.

  • SUMRIO

    INTRODUO 13

    CAPTULO 1: FUNDAMENTAO TERICA 20

    1.1 Linguagem e comunicao 20

    1.1.1 A linguagem da radiotelefonia 25

    1.1.2 A lngua inglesa como lngua franca da aviao 28

    1.2 Princpios de ensino e aprendizagem de lnguas 31

    1.3 Ensino de lnguas para fins especficos ESP 36

    1.3.1 ESP no Brasil 39

    1.3.2 O ensino de ingls para fins ocupacionais EOP 43

    1.4 O livro didtico em sala de aula 45

    1.4.1 Avaliao e anlise de livro didtico 49

    1.4.2 Elaborao de critrios para avaliao/anlise de livro didtico 51

    1.5 Documentos norteadores do ensino de ingls para ATCO 63

    1.5.1 O Documento 9835 64

    1.5.2 A avaliao de proficincia 68

    1.5.2.1 O Exame de Proficincia em Lngua Inglesa do SISCEAB (EPLIS) 71

    CAPTULO 2: PROCEDIMENTOS METODOLGICOS PARA ANLISE DE

    MATERIAIS 74

    2.1 Estruturao da checklist em categorias 74

    2.2 Os critrios de cada categoria 80

    2.3 Procedimentos de anlise 89

    CAPTULO 3: ANLISE DO MATERIAL 90

    3.1 Aviation English 90

    3.1.1 As unidades didticas temas apresentados 91

    3.1.2 As funes lingusticas e estruturas gramaticais 92

    3.1.3 A estruturao das unidades didticas 93

    3.2 Consideraes sobre a avaliao do LD 94

    3.3 Consideraes finais 119

    CONCLUSO 120

    REFERNCIAS 123

    ANEXOS 130

    APNDICES 155

    DivalNotano d pra ter consideraes finais ao final do captulo - ainda no li o CAP 3 mas penso que o contedo dessa seo poder ir para a Concluso - ou ento pense em mudar o ttulo dessa seo.

  • INTRODUO

    O material didtico um dos recursos que intermedeiam a relao entre

    professor e aluno no processo de ensino e aprendizagem e, como tal, deve se prezar por sua

    consistncia em termos de contedo, metodologia e aplicabilidade em sala de aula.

    Consideram-se materiais didticos de lngua estrangeira, mais especificamente

    de lngua inglesa, segundo Tomlinson (2012), todos os recursos facilitadores do processo de

    ensino e aprendizagem, seja ele o livro didtico, o vdeo, o udio, o jogo, a internet e outros.

    No entanto, segundo Paiva (2009) estudos acadmicos sobre material didtico tm mantido seu

    foco em materiais impressos, em especial o livro didtico, doravante denominado tambm LD,

    e tm expandido seus horizontes em direo seara digital.

    A partir do momento em que um material de lngua inglesa projetado,

    competncias multidisciplinares so ativadas de maneira sistemtica at o produto final, ou seja,

    pesquisadores e professores de diversas reas, tais como da rea de elaborao de material

    didtico, de contedos sobre os quais o material vai tratar, de tecnologia da informao e de

    lngua inglesa se unem para construir esse recurso didtico. O professor, por sua vez,

    experimentar o produto (ainda em construo ou o produto final), utilizando-o em sala de aula,

    a fim de verificar os resultados, de adotar o material, de planejar adaptaes do material ao seu

    pblico-alvo e at mesmo de experimentar outro material para comparao. Enfim, o

    desenvolvimento de material didtico o ensejo propcio para que professores possam

    confirmar ou no a exequibilidade das atividades e colaborar na sugesto de melhorias para o

    processo de ensino-aprendizagem de lnguas. Ele o amlgama da pesquisa acadmica na rea

    de metodologias de ensino, de estratgias de aprendizagem, de contedo especfico e do saber

    prtico de docentes experientes tambm nessas reas.

    Como elemento complexo, repleto de combinaes tericas e prticas, o material

    didtico, ou LD, ento, um reflexo das tendncias metodolgicas de seus desenvolvedores,

    ou seja, segundo Ramos (2009), o LD no possui neutralidade de princpios, ficando o sucesso

    de sua utilizao dependente basicamente de como seu usurio se relacionar com ele tambm

    em termos tericos e prticos. Isso quer dizer que as crenas do docente usurio do LD em

    relao ao processo de ensino e aprendizagem, bem como as necessidades do pblico aprendiz

    que ser beneficiado com o material devero ser compatveis com os princpios nele

    apresentados, a fim de que a utilizao do LD seja bem sucedida.

    O incio dos estudos acadmicos sobre livro didtico de lngua estrangeira como

    uma rea da Lingustica Aplicada (LA) bem recente, datando dos anos de 1990. At ento, de

  • acordo com Tomlinson (2012), a LA no dava muita importncia ao material didtico,

    considerando, ento, o desenvolvimento de materiais como uma atividade secundria dentro da

    rea de metodologias de ensino e passvel de ser executada pelos prprios professores.

    Tomlinson (2012) define como desenvolvimento de materiais qualquer ao a eles relacionada:

    avaliao, produo, uso, adaptao, desenho e pesquisa.

    Neste trabalho, tratar-se- da avaliao ou anlise1 de LD para o ensino e

    aprendizagem de lngua inglesa voltado para a rea de aviao, mais especificamente para o

    desenvolvimento de competncias lingusticas de controladores de trfego areo ou ATCO

    (acrnimo em ingls para controlador de trfego areo - air traffic controller), uma rea

    igualmente recente, cujo incio de expanso data dos anos 2000.

    Atualmente, a variedade de materiais didticos destinados ao ensino de ingls

    abundante; no entanto, vrios autores discorrem sobre a grande dificuldade de escolher o mais

    adequado para cada situao de ensino e aprendizagem. No caso de materiais para cursos de

    ingls de aviao, essa variedade ainda modesta, mas a dificuldade de selecionar o material

    mais apropriado igualmente grande. Os principais fatores que tornam a escolha rdua esto

    relacionados ao fato de que a maioria dos materiais publicados de circulao internacional,

    ou seja, no voltada s especificidades locais/regionais; a carga horria de aulas disponvel

    nos cursos, muitas vezes, incompatvel com a carga horria sugerida no material; os nveis de

    proficincia so muito heterogneos entre os alunos, tornando difcil a aplicao do material

    em sua totalidade, j que os livros no sugerem a proficincia mnima que os alunos precisam

    ter para acompanh-lo; a falta de experincia dos professores, tanto na rea de ingls para

    aviao quanto na rea de ensino-aprendizagem de lnguas; a insegurana do professor com

    relao ao papel do LD em sua prtica, que, ou pode considerar o livro didtico seu guia

    irrestrito ou no reconhecer o apoio que o LD pode lhe oferecer; e, finalmente, a necessidade

    que os alunos tm de adquirir a proficincia mnima necessria ao desempenho de suas funes

    como ATCO em curto espao de tempo.

    Alguns estudos tm sido feitos na rea de avaliao de material didtico, dentre

    os quais citam-se Sheldon (1988), que apresenta algumas sugestes para avaliar livros didticos,

    inclusive sugerindo alguns critrios gerais para serem utilizados em checklists2; Litz (2000),

    que relata um estudo de caso sobre a avaliao de um livro didtico adotado por uma

    1 Os termos anlise e avaliao sero usados neste trabalho como sinnimos. 2 Uma checklist uma lista de verificao, que pode utilizada para analisar o material e verificar se contempla os

    itens estabelecidos para a sua elaborao. O termo ser utilizado em ingls ao longo do trabalho em decorrncia

    da facilidade de reconhecimento, uma vez que tambm utilizado em lngua portuguesa.

  • 15

    universidade da Coreia do Sul; Salas (2004), que discorre sobre o professor como

    desenvolvedor de material didtico; Mukundan, Nimehchisalem e Hajimohammadi (2011), que

    tambm sugerem critrios para a criao de uma checklist para avaliao de LD; Tomlinson

    (2012), que faz o histrico do estudo acadmico sobre o material didtico e sugere alguns

    critrios para sua anlise; Hashemi e Borhani (2012), que relatam uma experincia de avaliao

    de LD da srie Touchstone, utilizada no Ir, e baseiam sua ao no trabalho de Litz (2000); Jun,

    Hua e Huiru (2014), que dissertam sobre a avaliao de livros de ingls sob a perspectiva da

    aprendizagem centrada no aluno; e Richards (2014), que apresenta as funes do material

    didtico no contexto de aprendizagem de lngua estrangeira, bem como apresenta as vantagens

    e as limitaes de seu uso.

    Alm disso, alguns trabalhos acadmicos na rea de ensino de ingls para

    aviao tm sido desenvolvidos no Brasil, dentre eles o de Oliveira (2007), que trata da lngua

    inglesa como lngua franca da aviao; Monteiro (2009), que discorre sobre os fatores

    lingusticos utilizados na comunicao radiotelefnica entre piloto e controlador; S (2011),

    que versa sobre a construo de syllabus ou contedo programtico em um curso de ingls para

    formao de ATCO; Freitas (2014), que analisa a capacitao lingustica de controladores de

    voo em uma unidade de controle de trfego operacional no nordeste do pas; e Chini (2014),

    que discorre sobre a importncia de se fazer uma anlise de necessidades detalhada, quando o

    objetivo planejar um curso de ingls para a formao de ATCO no Brasil.

    Ademais, h trabalhos voltados para o desenvolvimento de livro didtico para o

    ensino-aprendizagem de ingls de aviao, por exemplo, Qionglan (2008), que discorre sobre

    a Lingustica Sistmico Funcional no desenho de livro didtico de ingls de aviao e

    Paramasivam (2013), que disserta sobre o desenvolvimento de atividades de produo oral em

    material didtico de ingls aeronutico para controladores de trfego areo da Malsia. Da

    mesma forma que esses trabalhos auxiliam e embasam a presente pesquisa, este trabalho visa a

    contribuir com profissionais atuantes na rea de ensino-aprendizagem de ingls para aviao,

    rea em expressiva expanso.

    Este trabalho tem como objetivo geral contribuir com pesquisas nas reas de

    avaliao/anlise de material didtico e de ensino-aprendizagem de ingls, reas essas que vm

    crescendo sensivelmente no Brasil, principalmente nos ltimos anos. Os objetivos especficos

    so: estabelecer critrios para a elaborao de uma checklist3, a partir de critrios existentes na

    literatura sobre avaliao de LD, adequando-os aos requisitos estabelecidos pela OACI

    3 A checklist a ser elaborada neste trabalho ser referenciada como Checklist ATCO.

  • 16

    (Organizao de Aviao Civil Internacional) e s atividades aplicadas no Exame de

    Proficincia a que so submetidos os controladores de trfego areo no Brasil; e aplicar a

    checklist elaborada na anlise do livro didtico Aviation English4.

    Para que os objetivos sejam atingidos, responder-se-o s seguintes perguntas:

    a) Quais so os critrios necessrios para anlise de LD de ingls para formao

    de ATCO?

    b) Em que medida o material analisado atende s necessidades da formao

    lingustica do controlador de trfego areo, de acordo com a avaliao realizada por meio da

    Checklist ATCO?

    De acordo com os autores do material escolhido para ser analisado nesta

    pesquisa, Emery e Roberts (2008), o livro destinado a pilotos e controladores de trfego areo,

    com a finalidade de que pratiquem o ingls aeronutico e se preparem para a prova de

    proficincia em lngua inglesa, que um dos requisitos para habilitao profisso.

    A escolha do tema em questo se deu em decorrncia da constante preocupao

    com a necessidade da elevao do nvel de proficincia em ingls dos controladores de trfego

    areo no Brasil e no mundo. No ano de 2004, a Organizao de Aviao Civil Internacional

    (OACI), instituio que regulamenta os procedimentos aeronuticos de 191 pases signatrios,

    sendo o Brasil um deles, publicou a primeira edio do Documento 9835 (Doc. 9835) ou

    Manual on the Implementation of ICAO Language Proficiency Requirements (Manual de

    Implementao dos Requisitos de Proficincia em Lngua Inglesa da OACI), que foi atualizado

    em 20105. Esse documento descreve as habilidades lingusticas e os nveis de proficincia em

    lngua inglesa, enfatizando o nvel de proficincia mnimo nas habilidades orais de

    compreenso e produo para o desempenho das funes dos profissionais de controle de

    trfego areo, pilotos e operadores de estaes aeronuticas (reas de meteorologia,

    comunicaes e informaes aeronuticas). Esse documento possui o seu correspondente em

    lngua portuguesa, adaptado realidade brasileira e atualizado a cada trs anos: o PCA 37-9 ou,

    em sua mais recente edio, Plano de Implementao dos Requisitos de Proficincia em Ingls

    para o perodo 2014-2016.

    Embora OACI (2010) ou Documento 9835 verse sobre a proficincia no s de

    controladores de trfego areo, mas tambm de pilotos e operadores de estaes aeronuticas,

    este trabalho ter como foco elaborar critrios que avaliem o modo de organizao do material

    escolhido para anlise, a fim de atender os requisitos de proficincia somente de ATCO.

    4 EMERY, Henry; ROBERTS, Andy. Aviation English. Oxford: Macmillan, 2008. 5 A referncia OACI (2010) ser tambm denominada Documento 9835 ou Doc. 9835 ao longo do trabalho.

  • 17

    O Doc. 9835 tambm estabelece os descritores de cada nvel de proficincia em

    seis categorias6 da lngua inglesa necessrias ao exerccio da funo de controlador de trfego

    areo, de piloto e de operador de estaes aeronuticas, como pode ser observado no Anexo A.

    So elas: fluncia, pronncia, vocabulrio, compreenso, estrutura e interao. Essas categorias

    devem ser avaliadas em prova de proficincia oral compreenso e produo desenhada por

    cada pas signatrio e validada pela OACI.

    Com a finalidade de padronizar o ensino de lnguas, bem como os critrios

    necessrios para avaliao da proficincia desses profissionais nos pases signatrios, a OACI

    tambm publicou, para tratar de cada assunto, respectivamente, a Circular 323 ou Guidelines

    for Aviation English Training Programmes (Guia para Programas de Treinamento em Ingls

    Aeronutico) e a Circular 318 ou Language Testing Criteria for Global Harmonization

    (Critrios de Avaliao da Proficincia Lingustica para Harmonizao Global). No Brasil, o

    exame de proficincia denominado Exame de Proficincia em Lngua Inglesa do SISCEAB7

    EPLIS e desenhado pelo Instituto de Controle do Espao Areo ICEA, instituio

    subordinada ao Departamento de Controle do Espao Areo DECEA, que tem sua sede em

    So Jos dos Campos-SP.

    Aps a publicao do Doc. 9835, houve um crescente aumento global de cursos

    de ingls voltados para o pblico de pilotos, controladores e profissionais de aviao em geral.

    No Brasil, o aumento dos cursos, coincidentemente ou no, foi visvel aps o acidente areo

    com as aeronaves Boeing 737, da empresa GOL e o Legacy 300, da EMBRAER, em 29 de

    setembro de 2006, em que, segundo Frana (2011), o controlador teve grande parcela de culpa,

    porque seu nvel de proficincia em ingls no lhe permitiu comunicar-se efetivamente com os

    pilotos do Legacy, que eram americanos. Assim, a proficincia em lngua inglesa dos

    controladores de trfego areo tornou-se um motivo de grande preocupao da Aeronutica

    brasileira.

    O crescimento de publicaes de livros didticos com o propsito de trabalhar o

    ingls no contexto de aviao, no entanto, tem sido inversamente proporcional ao crescimento

    de cursos na rea. Dos materiais para cursos de ingls de circulao internacional, destacam-se

    Airspeak, de Robertson (1988), Aviation Englsih, de Emery e Roberts (2008), English for

    Aviation, de Ellis (2009), Check your Aviation English, tambm de Emery e Roberts (2010),

    Flight Path, de Shawcross (2011) e General English for Aviation, da brasileira Uemura (2015).

    6 Ser utilizada a nomenclatura categoria da lngua para fazer referncia aos aspectos da lngua inglesa que compreendem as habilidades de pronncia, vocabulrio, estrutura, fluncia, compreenso e interao. 7 Sistema de Controle do Espao Areo Brasileiro.

  • 18

    Com isso, a seleo do material mais adequado para o desenvolvimento das habilidades

    lingusticas do ATCO em lngua inglesa deve ser judiciosa. Para isso, preciso estabelecer

    critrios significativos, que realmente avaliem a relevncia das atividades contidas no LD

    quanto ao aspecto da linguagem, da comunicao eficaz e da sua adequao aos requisitos

    estabelecidos no Doc. 9835.

    O trabalho ser organizado em trs captulos. O Captulo 1 tratar da

    fundamentao terica necessria ao desenvolvimento deste trabalho. Primeiramente, ser feita

    uma reviso de literatura sobre o papel da linguagem, de acordo com Widdowson (1978),

    Fromkin e Rodman (1993) e Vigotski (1934/1991). luz de Hlmbauer et al (2008), Smit

    (2010), Oliveira E. (2007), Kim e Elder (2009), discorrer-se- sobre o conceito de lngua franca

    para estabelecer o papel da lngua inglesa no contexto de aviao. Em seguida, far-se- a reviso

    bibliogrfica sobre as teorias de ensino-aprendizagem de lnguas luz de Larsen-Freeman

    (2000), Richards e Rodgers (2001), Celce-Murcia (2001), Brown (2007) e Kumaravadivelu

    (2006). Em sucesso, ser feita uma discusso sobre o Ensino de Ingls para Propsito

    Especfico ou English for Specific Purpose (ESP) e seu papel no Brasil, luz de Widdowson

    (1983), Hutchinson e Waters (1987), Dudley-Evans e St. John (1998) e Celani et al (2005;

    2009). Adiante, discutir-se- sobre o papel e a avaliao de material didtico luz de

    Cunningsworth (1995), Tomlinson (1998; 2003), Mc Grath (2002), Paiva (2009), Ramos

    (2009), Dias (2009), Tomlinson e Masuhara (2005) e Rojo (2014). Finalmente, ser feita uma

    reviso sobre os requisitos de proficincia luz de OACI (2010) e sobre o exame de proficincia

    em lngua inglesa aplicado no Brasil, segundo ICEA (2014).

    O Captulo 2 descrever a estruturao da Checklist ATCO. Sero apresentados

    os critrios de avaliao de LD existentes na literatura e que serviram como base para a

    elaborao da Checklist ATCO, bem como os critrios baseados no Documento 9835 e no

    Exame de Proficincia a que os ATCO so submetidos. Esses dois procedimentos sero

    necessrios para responder a primeira pergunta de pesquisa.

    Finalmente, no Captulo 3, proceder-se- anlise do material. A fim de

    responder a segunda pergunta de pesquisa, far-se- uma breve reviso do material a ser utilizado

    para testar a Checklist ATCO, tratando dos aspectos temticos, dos aspectos lingusticos e dos

    aspectos organizacionais, grficos e metodolgicos das unidades didticas do livro. Para

    concluir o captulo, aplicar-se- a Checklist na avaliao do material de Emery e Roberts (2008),

    no sentido de verificar de que maneira os critrios definidos realmente foram pertinentes para

    a anlise do material em questo e se esse material atende s necessidades de ATCO quanto

    formao em lngua inglesa para o desempenho de suas atividades.

  • 19

    Aps a aplicao dos critrios estabelecidos na anlise do LD e das

    consideraes sobre os resultados, ser apresentada a concluso desta pesquisa, juntamente com

    as referncias para leitura posterior e os anexos e apndices.

    O material avaliado foi somente uma mostra, sendo ideal que outros materiais

    sejam avaliados com a utilizao da mesma checklist, com o intuito de se fazer uma anlise

    comparativa entre eles, facilitando, assim, a escolha do mais apropriado.

    Certamente, a checklist proposta passvel de adaptaes, dependendo de quem

    avaliar, como e onde avaliar. No entanto, o primeiro passo foi dado e espera-se que o

    instrumento de avaliao proposto, a Checklist ATCO, contribua com profissionais envolvidos

    no processo de ensino e aprendizagem de ingls aeronutico, para que possam selecionar um

    material que se aproxime das necessidades de seu pblico-alvo, uma vez que o material perfeito

    ser difcil de encontrar.

  • CAPTULO 1

    FUNDAMENTAO TERICA

    Este captulo apresenta o arcabouo terico desta pesquisa, tendo como ponto de

    partida as teorias de linguagem. Em seguida, as teorias de ensino e aprendizagem de lnguas

    sero tratadas de forma sucinta e abriro precedente para uma breve descrio da abordagem

    do ensino de lnguas para fins especficos. Dando continuidade ao captulo, o papel e a avaliao

    do livro didtico sero debatidos, a fim de justificarem a importncia deste trabalho para a rea

    de desenvolvimento de material didtico no processo de ensino-aprendizagem de ingls para a

    formao de ATCO. Finalmente, analisar-se-o os documentos norteadores para a elaborao

    de alguns dos itens do instrumento utilizado para avaliao do LD.

    1.1 Linguagem e comunicao

    A linguagem a principal caracterstica do ser humano e este depende dela para

    que seu desenvolvimento seja perene. O aperfeioamento do homem como ser social cresce

    proporcionalmente sua capacidade de utilizao de linguagem cada vez mais especializada.

    Como afirma Vigotski (1934/2005, p. 7), as formas mais elevadas da comunicao humana

    somente so possveis porque o pensamento do homem reflete uma realidade conceitualizada.

    inegvel que a linguagem especializada uma linguagem complexa, repleta de conceitos

    especficos e, por isso, no atinge indivduos que no compartilham o mesmo universo

    discursivo.

    Ainda, segundo Vigotski (1934/2005), as relaes sociais so aprimoradas por

    meio da comunicao que se d pela linguagem, seja ela verbal ou no-verbal e, como parte de

    um ciclo, a lngua aprendida e aprimorada com a colaborao de outros indivduos, ou seja,

    pela interao social, segundo a teoria da zona de desenvolvimento proximal, de Vigotski

    (1991). A linguagem verbal, em indivduos sem quaisquer fatores impeditivos do

    desenvolvimento da fala, d-se desde a tenra idade, em decorrncia da necessidade de

    comunicar as carncias primrias e, medida que as experincias e os contextos scio histricos

    do indivduo vo tomando dimenses mais abrangentes, a comunicao se torna mais

    desenvolvida, mais complexa e conceitual.

    Krashen (1982) afirma que a aprendizagem da lngua estrangeira se d com

    vistas comunicao. Assim sendo, o processo de aprendizagem da lngua envolve tambm a

  • 21

    aprendizagem de aspectos sociais e culturais, necessrios para que a lngua seja utilizada de

    forma adequada. H autores que utilizam termos diferenciados para descreverem o processo de

    utilizao de lngua: aquisio e aprendizagem. Littlewood (1998), por exemplo, utiliza o termo

    acquisition para falar da aprendizagem de primeira lngua e o termo learning para falar da

    aprendizagem de segunda lngua ou lngua estrangeira. No entanto, ambos os termos so

    utilizados de maneira alternada por outros autores, como Tomlinson (2012) e Krashen (1982),

    sendo este ltimo o autor que conceitua os dois termos como sendo parte do processo de

    desenvolvimento de competncias comunicativas:

    The first way is language acquisition, a process similar, if not identical, to the

    way children develop ability in their first language. Language acquisition is a

    subconscious process; language acquirers are not usually aware of the fact that

    they are acquiring language, but are only aware of the fact that they are using

    language for communication. The result of language acquisition, acquired

    competence, is also subconscious. () The second way to develop competence in a second language is by language

    learning. We will use the term learning henceforth to refer to conscious knowledge of a second language, knowing the rules, being aware of them, and

    being able to talk about them. In non-technical terms, learning is knowing about a language, known to most people as grammar, or rules. Some synonyms include formal knowledge of a language, or explicit learning.

    (KRASHEN, 1982, p. 10) 8

    A despeito da distino entre os termos aquisio e aprendizagem

    apresentada por Krashen (1982), ambos os termos sero utilizados neste trabalho no sentido

    genrico de aprendizagem, de forma alternada, j que os processos de aprendizagem de segunda

    lngua so distintos de indivduo para indivduo e provvel que no se possa medir se, de fato,

    a lngua est sendo adquirida (processo inconsciente) ou aprendida (processo consciente),

    segundo a definio do autor.

    Littlewood (1998) defende que o processo de aprendizagem de segunda lngua

    uma forma de aprendizagem social e divide esse processo em duas categorias, que se inter-

    relacionam e se complementam: a construo criativa (creative constructions) e aprendizagem

    8 A primeira maneira a aquisio da lngua, um processo semelhante, se no idntico, maneira como as crianas desenvolvem habilidades em sua primeira lngua. A aquisio da lngua um processo inconsciente;

    aqueles que adquirem a lngua nem sempre esto conscientes de que esto adquirindo uma lngua, mas esto conscientes de que esto usando a lngua para comunicao. O resultado da aquisio da linguagem a competncia adquirida tambm inconsciente. (...) A segunda forma de desenvolver competncias em segunda lngua pela aprendizagem da lngua. Usaremos o

    termo aprendizagem daqui por diante para nos referirmos ao conhecimento consciente de uma segunda lngua, conhecendo as regras, sendo conscientes delas e capazes de falar sobre elas, processo conhecido como gramtica ou regras. Alguns sinnimos incluem conhecimento formal de uma lngua ou aprendizagem explcita. (Traduo nossa).

  • 22

    de habilidades (skill learning). A primeira diz respeito internalizao da lngua como um

    processo natural e depende da motivao do aprendiz que, por sua vez, baseada na necessidade

    de se comunicar. Essa internalizao da segunda lngua ocorre de maneira semelhante

    aquisio da lngua materna, no conceito de Krashen (1982). A segunda categoria considera a

    internalizao da lngua como algo aprendido a partir da criao de hbitos, como uma

    habilidade a ser treinada e controlada. Dessa forma, a lngua, conforme Littlewood (1998),

    vista em sua completude, ou seja, os aspectos afetivos, cognitivos e estruturais esto presentes,

    uma vez que motivao, aprendizagem e formao de hbitos se completam no processo de

    aprendizagem de segunda lngua.

    Hymes (1972) afirma que a linguagem como instrumento precpuo da

    comunicao entre indivduos no pressupe somente os aspectos sinttico-organizacionais de

    uma lngua, mas tambm as nuances sociais e culturais que acompanham a lngua e que, cabe

    ressaltar, variam entre comunidades falantes de uma mesma lngua. Conhecer essas nuances e

    saber utiliz-las ser linguisticamente competente. No entanto, Widdowson (1983) vai alm

    dessa competncia comunicativa descrita por Hymes (1972) e a diferencia de capacidade.

    Ele descreve capacidade como o processo de produo de significado de sentenas orais, que

    nem sempre correspondem s sentenas da norma culta.

    A produo de significado baseada nos recursos gramaticais, nos aspectos

    contextuais e nos conhecimentos compartilhados dos interlocutores. Assim Widdowson (1983)

    afirma que:

    The second distinction I have made is between competence and capacity. The

    former term is a familiar one. In Chomskys original formulation, it refers to the speakers knowledge of the sentences of his language and constitutes a generative device for the production and reception of correct linguistic forms.

    Over recent years the concept of competence has been extended to incorporate

    not only the speakers knowledge of the language system, but his knowledge also of social rules which determine the appropriate use of linguistic forms.

    Thus communicative competence is said to include linguistic competence. But

    in both cases what is referred to is a conformity to pre-existing rules of

    behavior as if instances of language use were only tokens of types of

    knowledge structure. What the concept of competence does not appear to

    account for is the ability to create meanings by exploiting the potential

    inherent in the language for continual modification in response to change. It

    is the ability that I refer to in using the term capacity. (WIDDOWSON, 1983, p. 7) 9

    9 A segunda distino feita entre competncia e capacidade. O primeiro termo familiar. Na formulao original

    de Chomsky, ele se refere ao conhecimento que o falante tem sobre as sentenas de sua lngua e constitui um

    dispositivo gerativo para a produo e recepo de formas lingusticas corretas. Com o passar dos anos, o conceito

    de competncia tem sido expandido para incorporar no somente o conhecimento do falante sobre o sistema da

    lngua, mas tambm o conhecimento de regras sociais que determinam o uso apropriado das formas lingusticas.

  • 23

    Essa definio de competncia e capacidade comunicativa explica claramente

    que no necessrio somente o conhecimento estrutural de uma lngua para o seu uso efetivo,

    mas tambm o conhecimento do contexto social e histrico, bem como dos participantes do

    processo comunicativo. Fromkin e Rodman (1993) definem capacidade e competncia como

    conceitos semelhantes: o conhecimento necessrio para a produo de frases da lngua. A forma

    como o conhecimento aplicado no comportamento lingustico denominada pelos autores

    como realizao lingustica. Para Brown (2000), no entanto, essa nomenclatura diverge um

    pouco, sendo a realizao lingustica de Fromkin e Rodman (1993) ou a capacidade de

    Widdowson (1983) denominada performance, que, nada mais do que a negociao de

    significados.

    Logo, negociar significado construir o sentido baseando-se em aspectos

    internos e externos lngua, compartilhar competncia lingustica e competncia

    comunicativa para poder produzir discurso. No contexto de uso da lngua nas interaes

    radiotelefnicas, esse compartilhamento de competncias no sempre pressuposto, devido s

    diferenas sociais e culturais, mas, ao contrrio, pode ser realizado durante a comunicao entre

    piloto e controlador. A negociao de significado necessria e essencial para eliminar os riscos

    de incidentes ou acidentes causados pela linguagem ou por negligncia comprovada pela

    linguagem, bem como para eliminar a probabilidade de ambiguidade na comunicao

    radiotelefnica entre piloto e controlador.

    A seguir, transcrever-se- a interao radiotelefnica entre um piloto que

    precisava pousar em determinada pista, porque ele desconfiava de vazamento de combustvel e

    este estava acabando. Se ele pousasse em outra pista, teria que voar por mais alguns minutos e

    isso poderia ser fatal, j que ele no tinha conhecimento sobre a quantidade de combustvel que

    lhe restaria para fazer o procedimento de aproximao em outra pista. O piloto solicita a pista

    de pouso mais apropriada, declara emergncia e diz que h um problema relacionado ao

    combustvel. O controlador, por sua vez, informa ao piloto que ele no poder pousar na pista

    solicitada e oferece aquela que levaria mais tempo at realizar o procedimento de aproximao.

    Dessa forma, competncia comunicativa pressupe a incluso da competncia lingustica. No entanto, em ambos

    os casos, o referente uma conformidade de regras pr-existentes de comportamento, como se exemplos de uso

    da lngua fossem somente caractersticas de tipos de conhecimento de estrutura. O que o conceito de competncia

    parece no contemplar a habilidade de criar significado pela explorao do potencial para contnua modificao

    em resposta mudana, que inerente lngua. a habilidade a que me refiro usando o termo capacidade. (Traduo nossa).

  • 24

    Aps a recusa do ATCO em prover o piloto com a pista solicitada, o piloto decide pousar na

    pista oferecida10:

    ATCO Centro: American 489.

    Piloto: We need to declare emergency. We got a low fuel situation.

    Were not sure if its a fuel leak or what, but we need to get on the ground right away, please. DFW, maybe even landing south, if the wind

    permits.

    () Piloto: OK, sir, wed like to land on 17 center, please. ATCO Centro: Okay, sir, I will tell approach control your request. Im sure they will try to accommodate you.

    ATCO Centro: American 489 just declared an emergency. He needs to

    go direct to the airport and he is requesting to landing south. Hes having a fuel emergency. American 489 is requesting 17 center.

    ATCO Aproximao: Tell him unable, expect 31 right.

    Piloto: Im sorry, sir. We cannot accept 31 right. We got a low fuel situation. We need 17 center.

    ATCO Aproximao: Can I suggest a closer airport if youre that low? Piloto: American 489. We will take 31 right there, we got enough fuel

    to make that.11 (ABC NEWS, 2007).

    Na situao transcrita, o ATCO Aproximao declara ser negligente em sua

    ltima interao: Can I suggest a closer airport if youre THAT low? A expresso THAT pode

    ser interpretada como se o ATCO estivesse duvidando da natureza da emergncia que o piloto

    declarara. importante ressaltar que em situaes declaradas de emergncia, o ATCO deve

    fazer tudo o que o piloto solicitar. O piloto, no se sabe a razo, diz que possui combustvel

    suficiente para fazer o pouso na pista oferecida e no questiona a negligncia do ATCO.

    10 O vdeo com a transcrio completa da interao, bem como a anlise de especialistas sobre o ocorrido pode

    ser visualizado em https://www.youtube.com/watch?v=J0S4IhtsXgw. 11 ATCO Centro: American 489.

    Piloto: Precisamos declarar emergncia. Estamos com combustvel baixo. No temos certeza se vazamento de

    combustvel ou o qu, mas precisamos pousar imediatamente, por favor. DFW, talvez mesmo pousando ao sul,

    se o vento permitir.

    (...)

    Piloto: OK, senhor, queremos pousar na pista 17 do centro, por favor.

    ATCO Centro: OK, senhor, vou transmitir ao controlador do controle de aproximao o seu pedido. Tenho

    certeza que eles vo acomod-lo.

    ATCO Centro: American 489 acabou de declarar emergncia. Ele precisa ir direto para o aeroporto e est

    pedindo para pousar ao sul. Ele est tendo uma emergncia com combustvel. American 489 est solicitando a

    pista 17 do centro.

    ATCO Aproximao: Diga a ele que impossvel. S tem a pista 31 da direita.

    Piloto: Me desculpe, senhor. No podemos aceitar a 31 da direita. Estamos com combustvel baixo. Precisamos

    da 17 do centro.

    ATCO Aproximao: Posso sugerir um aeroporto mais prximo, se voc est com to pouco combustvel?

    Piloto: American 489. Vamos aceitar a 31 da direita, temos combustvel suficincia para chegar l.

  • 25

    As negociaes de significado tambm so realizadas por meio de solicitao de

    repetio e de parfrase, do cotejamento de informaes (readback) transmitidas por pilotos e

    controladores, da solicitao de confirmao de informaes (confirmation) e da clarificao

    (clarification), aspectos da radiotelefonia que sero explanados na prxima seo.

    1.1.1 A linguagem da radiotelefonia

    A comunicao radiotelefnica um gnero do discurso12, conforme definio

    de Bakhtin (1997), e uma forma de comunicao exclusiva e muito especfica entre pilotos e

    controladores de trfego areo. Essa linguagem pressupe o uso de terminologia especializada,

    subclassificada como fraseologia aeronutica. Cada nao possui sua fraseologia aeronutica

    padro em lngua verncula e foi convencionada pela Organizao de Aviao Civil

    Internacional OACI, a fraseologia padro em lngua inglesa, a lngua franca da aviao, a 191

    pases signatrios da Organizao, da qual o Brasil tambm um membro.

    A fraseologia engloba todo o repertrio lingustico envolvido na comunicao

    entre piloto e controlador no processo de pouso e decolagem, incluindo toda e qualquer

    movimentao da aeronave em solo e no ar, com ou sem passageiros antes e depois do pouso e

    da decolagem.

    Se a fraseologia em lngua inglesa padro para todos os pases signatrios da

    OACI, no ser tambm suficiente para que piloto e controlador troquem informaes entre si,

    inclusive em situaes de emergncia? Ora, assim como h situaes previsveis em que o uso

    da fraseologia automtico, inclusive a fraseologia de emergncia, possvel que nas situaes

    imprevisveis de emergncia, somente a fraseologia no cumpra sua finalidade. Sendo assim,

    imprescindvel a utilizao da lngua inglesa13, para solicitar e fornecer detalhes do ocorrido,

    solicitar dos envolvidos ou fornecer-lhes orientaes, realizaes lingusticas que extrapolam o

    uso da fraseologia aeronutica padro.

    No sentido de padronizar aes por parte dos rgos responsveis pelos servios

    de trfego areo dos pases signatrios, a OACI elaborou o Manual on the Implementation of

    12 Gneros do discurso so enunciados estveis caracterizados pelos componentes temticos, estilsticos e

    composicionais que tm o fito de atender s necessidades da atividade humana, sendo esta condicionada s

    condies de produo. A linguagem radiotelefnica formada por sequncias de unidades fraseolgicas (estilo)

    relacionadas aviao (tema) e utilizadas nica e exclusivamente por pilotos e controladores de trfego areo

    falantes das mais variadas lnguas (composio). No objetivo deste trabalho apresentar profundidade conceitual

    sobre o assunto. 13 OACI (2010) define a lngua inglesa como lngua comum para as comunicaes entre membros da comunidade

    aeronutica.

  • 26

    ICAO Language Proficiency Requirements, o Documento 9835 (Doc. 9835), estabelecendo

    elementos estruturais e funcionais da lngua a serem desenvolvidos em formao lingustica

    para o atingimento do nvel de proficincia esperado de controladores de trfego areo, pilotos

    e operadores de estaes aeronuticas. A verso compacta do Documento 9835, adaptada

    realidade brasileira pelo Departamento de Controle do Espao Areo, o Plano do Comando

    da Aeronutica 37-9, que versa sobre a preparao lingustica que o controlador de trfego areo

    e os operadores de estaes aeronuticas no Brasil devem receber, bem como sobre a avaliao

    o EPLIS14 que devem realizar. Versa, ainda, sobre a capacitao dos professores que

    trabalharo com esses profissionais para aperfeioamento lingustico.

    A linguagem aeronutica , de certa forma, muito ampla, porque abrange, alm

    das interaes do controle de trfego areo em si, vrias outras reas da aviao, como

    manuteno, engenharia e outras. O Doc. 9835 estabelece os requisitos de proficincia da lngua

    inglesa utilizada nas comunicaes de radiotelefonia aeronutica somente de controladores de

    trfego areo e de tripulaes de voo (pilotos e comissrios), como o prprio Documento

    afirma:

    The sole object of ICAO language proficiency requirements is aeronautical

    radiotelephony communications, a specialized subcategory of aviation

    language corresponding to a limited portion of the language uses of only two

    aviation professions controllers and flight crews. It includes ICAO standardized phraseology and the use of plain language. (OACI, 2010, p. 3-

    2).15

    Essa linguagem da comunicao radiotelefnica a juno da fraseologia

    aeronutica e a linguagem cotidiana ou comum. Por sua vez, de acordo com o Documento, a

    linguagem comum um conjunto de expresses para comunicao em situaes rotineiras do

    trfego areo, cujas principais caractersticas so a conciso, a preciso e a ausncia de

    ambiguidade na produo comunicacional de controladores e de tripulaes de voo. Essas

    caractersticas, segundo OACI (2010), continuam prevalecendo mesmo em situaes no

    rotineiras, em que piloto e controlador necessitam da utilizao da linguagem no-especializada

    ou linguagem comum, ou seja, quando a fraseologia no for suficiente para relatar fatos,

    negociar significados e resolver problemas.

    14 Mais adiante, haver uma seo destinada ao EPLIS. 15 O nico objeto dos requisitos de proficincia lingustica da OACI a comunicao da radiotelefonia aeronutica,

    uma subcategoria especializada da linguagem de aviao correspondente a uma poro limitada dos usos da lngua

    de somente duas profisses da aviao controladores e tripulaes. Essa comunicao inclui a fraseologia padro e o uso da linguagem simples. (Traduo nossa).

  • 27

    Na prpria fraseologia existem expresses e procedimentos comunicacionais

    utilizados com o fito de dissolver ambiguidades e deixar a comunicao ainda mais clara,

    colocando em prtica a negociao de significados. Por exemplo, o cotejamento de informaes

    ou readback, em que controlador d uma instruo especfica ao piloto e este precisa repetir a

    informao, deixando claro que ele compreendeu a instruo dada. As expresses comumente

    usadas para o controlador solicitar confirmao de recebimento de informao por parte do

    piloto e para que este repita o que ouviu so Acknowledge, roger e wilco (acrnimo de will

    comply), que tm a funo de confirmar informao. Em geral, o piloto as diz em substituio

    s expresses I understood what you said (eu entendi o que voc disse) e I will do what you are

    saying (eu vou fazer o que voc est dizendo), respectivamente. Para clarificao, o cotejamento

    tambm vlido, bem como as solicitaes de repetio, como Say again (repita) e outras.

    Embora o Doc 9835 estabelea os requisitos para proficincia em lngua inglesa

    de pilotos, controladores e operadores de estaes aeronuticas, a comunicao radiotelefnica

    ainda susceptvel de mal-entendidos, se forem considerados alguns fatores, como a no

    utilizao de jargo padronizado e da fraseologia estabelecida pela OACI; se a utilizao da

    lngua comum for necessria, a m pronncia pode causar problemas de compreenso. O no

    conhecimento de certos aspectos culturais do local onde se est voando no caso do piloto

    pode interferir na comunicao efetiva.

    As principais caractersticas da linguagem aeronutica da radiotelefonia,

    segundo OACI (2010), so a ausncia de canais visuais, como por exemplo, a linguagem

    corporal, para auxiliar na compreenso da linguagem oral, e a m qualidade acstica da

    transmisso. Essas caractersticas exigem de ambos, controlador e piloto, maior acuidade em

    seu turno comunicacional, ou seja, a produo da lngua precisa ser clara, precisa e

    perfeitamente compreensvel, evitando ao mximo a probabilidade de ambiguidade.

    Sob a tica de utilizao da lngua como elemento que permite ao indivduo

    comunicar-se de forma interativa, negociando significados, constata-se que essa interao

    comunicativa entre pilotos e controladores pode surtir efeitos danosos, caso haja falha em seu

    processo. Um simples atraso na confirmao de informaes ou na produo de uma expresso

    mal pronunciada e mal clarificada podem ser fatores contribuintes para um incidente ou at

    mesmo um acidente fatal. Como consequncia, essa utilizao da lngua por falantes

    multiculturais, com a finalidade de negociar signifcados e comunicar, gerou novas frentes de

    pesquisa, dentre elas os estudos da lngua inglesa como lngua franca da aviao, sobre a qual

    se discorrer na prxima seo.

  • 28

    1.1.2 A lngua inglesa como lngua franca da aviao

    Os estudos sobre a lngua inglesa como lngua franca ou ELF (English as a

    lingua franca), segundo Smit (2010), so bastante recentes e seu incio, segundo o autor, data

    dos anos 1990. Ele afirma que, apesar de ainda ser controversa a definio do ELF, h consenso

    entre pesquisadores de que o ingls como lngua franca se refere ao uso da lngua inglesa por

    interlocutores pertencentes a contextos culturais diferentes, utilizando o ingls como lngua

    comum, em um local cuja lngua do cotidiano no o ingls.

    Dessa forma, os estudos sobre o ingls como lngua franca caracterizam a lngua

    como instrumento de negociao de sentidos, em que os participantes precisam utilizar

    estratgias comunicacionais para a resoluo de problemas e a preveno ou gerenciamento de

    mal-entendidos. Logo, como afirmam Hlmbauer, Bhringer e Seidlhofer (2008),

    ELF is thus defined functionally by its use in intercultural communication

    rather than formally by its reference to native-speaker norms. () So defined, ELF is emphatically not the English as a property of its native

    speakers but is democratized and universalized in the exolingual process of being appropriated for international use.16 (HLMBAUER; BHRINGER;

    SEIDLHOFER, 2008, p. 27).

    Ou seja, a lngua considerada do ponto de vista de sua funcionalidade como

    instrumento de comunicao entre falantes que no compartilham da mesma lngua materna e,

    como tal, torna-se desnecessrio soar como um nativo17. Assim sendo, a lngua passa a ser

    propriedade de todos os que a utilizam e o falante nativo no possui poder algum sobre ela, isto

    , a lngua democratizada e universalizada. O processo exolngue mencionado so as

    competncias lingusticas que um falante no nativo possui para se comunicar em uma lngua

    estrangeira. Essa terminologia originada de Porquier (1994), que distingue uma situao

    endolngue (situao monolngue) de uma situao exolngue (situao bilngue).

    Dausendschn-Gay (2003) afirma que

    16 O ingls como lngua franca (ELF) , ento, mais definido funcionalmente pelo seu uso em comunicaes

    interculturais do que formalmente pela sua referncia s normas de um falante nativo. (...)

    Assim definido, o ingls como lngua franca (ELF), enfaticamente, no o ingls como sendo uma propriedade

    do falante nativo, mas democratizado e universalizado no processo exolngue de ser apropriado para uso internacional. (Traduo nossa) 17 No objeto deste trabalho definir a questo do sotaque nativo da lngua inglesa, uma vez que se consideram falantes nativos aqueles que possuem a lngua inglesa como primeira ou segunda lngua. Como a lngua inglesa

    lngua oficial em vrias naes, a conceitualizao do termo nativo deveria ser ampla. Dessa forma, o termo

    nativo usado neste trabalho com a conotao do senso comum, ou seja, considerando como sotaque nativo o sotaque similar ao americano ou ao britnico.

  • 29

    Il est vrai que, selon la dfinition propose lorigine par Porquier, la qualit exolingue dune conversation rside dans le fait de lingalit des comptences linguistiques des interlocuteurs par rapport la langue de la

    communication en cours. On peut donc supposer que les traces de cette

    ingalit, aussi minimes quelles soient, sont constamment prsentes pour les interactants. Cela distingue, premire vue, lexolingue de linterculturel.18 (DAUSENDSCHN-GAY, 2003, p. 43).

    Dausendschn-Gay (2003) quis dizer que falantes no nativos em comunicao

    exolngue (em lngua estrangeira) possuem diferentes competncias lingusticas em relao

    lngua. Essas divergncias, por menor que sejam, sempre estaro presentes, porque so traos

    culturais relativos a cada lngua nativa dos falantes envolvidos na comunicao e interferiro,

    de alguma forma, na produo da lngua estrangeira.

    exatamente isso o que acontece com a comunicao radiotelefnica. Por

    exemplo, no Brasil, quando um controlador de trfego areo precisa se comunicar com um

    piloto japons, rabe ou francs, a lngua utilizada para tal a lngua inglesa. Nesses casos, os

    interlocutores no compartilham da mesma lngua nativa e os nveis de proficincia variam

    entre eles. Alm disso, segundo Swan e Smith (1987) os traos de cada lngua (pronncia e

    entonao, por exemplo) podero influenciar na produo e, consequentemente, na

    compreenso por parte do interlocutor, podendo causar um mal-entendido irreversvel ou um

    atraso na compreenso, em virtude da necessidade de aplicar estratgias comunicacionais que

    possam solucionar o problema de compreenso. O falante nativo da lngua inglesa pode fazer

    com que a comunicao com um indivduo no nativo seja ineficaz, considerando que a

    utilizao, em sua linguagem, de elementos culturais, como expresses idiomticas, podem ser

    de difcil compreenso para o seu interlocutor. No entanto, a comunicao radiotelefnica em

    lngua inglesa, preconizada pela OACI, prev estratgias comunicacionais para minimizar as

    falhas na comunicao causadas tambm por esses fatores. Exemplos dessas estratgias so o

    uso da fraseologia e do alfabeto fontico aeronutico, representado pelas letras Alfa, Bravo,

    Charlie, Delta, Echo, Foxtrot, etc., em vez de A, B, C, D, E, F, etc., utilizado para soletrar

    18 verdade que, segundo a definio proposta originariamente por Porquier, a qualidade exolngue de uma

    conversao est na diferena de competncias lingusticas dos interlocutores para se expressarem na lngua da

    comunicao em curso. Pode-se supor que os traos dessa diferena, ainda que sejam mnimos, esto

    constantemente presentes nas interaes. Isso distingue, primeira vista, o exolngue do intercultural. (Traduo

    nossa)

  • 30

    muitas expresses da radiotelefonia: identificao de aeronave (call sign), fixos19, identificao

    de pistas de txi e de pouso e outras.

    Embora a utilizao do ingls aeronutico como lngua franca no seja

    mencionada na literatura sobre ingls como lngua franca, Kim e Elder (2009) categorizam o

    ingls aeronutico como tal e essa categorizao pertinente, uma vez que a lngua inglesa

    utilizada como um instrumento de negociao de significados entre interlocutores de quaisquer

    nacionalidades. E complementam: Communication in the aviation context is a complex matter

    and () responsabilities for its success (or failure) are shared across participants, regardless

    of their language background20 (KIM; ELDER, 2009, p. 23.14).

    Oliveira E. (2007) d sua contribuio, quando fala do ingls como lngua franca

    da aviao utilizada no espao areo do Brasil por controladores e pilotos, mostrando quo

    realmente sria e complexa a responsabilidade dos indivduos envolvidos na comunicao

    radiotelefnica:

    No que se refere produo oral e recepo na comunicao piloto-

    controlador, gostaramos de frisar:

    1. O controlador produz a lngua franca com sotaque prprio, nem sempre igual ao dos pilotos;

    2. Pilotos de diferentes nacionalidades expem o controlador a diferentes tipos de ingls;

    3. As elises so comuns lngua falada; 4. A lngua produzida sob forte estresse; 5. A lngua veiculada por equipamentos de radiocomunicao, que nem sempre

    reproduzem o som com a qualidade desejada;

    6. A falta de proficincia da lngua inglesa, tanto do piloto quanto do controlador fato; e

    7. Duas lnguas, portugus e ingls, so produzidas quase que simultaneamente pelos controladores de trfego areo, o que aumenta as possibilidades do

    surgimento de interferncias de uma na outra (ressaltamos que os mesmos

    problemas podem ocorrer com os pilotos que no tm a lngua inglesa como

    primeira ou segunda lngua, em seus pases de origem). (OLIVEIRA, E., 2007,

    p. 24-25)

    19 Os fixos (fixes) so pontos imaginrios no espao identificados em carta de navegao, com a finalidade de

    auxiliar na localizao da aeronave. Esses fixos so, geralmente, pontos que sobrevoam um equipamento de auxlio

    navegao, como uma NDB (non-directional beacon) ou VOR (very omni-directional range), conhecidos como

    antenas que emitem sinais e que so recebidos por um receptor na aeronave. Esses pontos so representados por 4

    ou 5 letras e o piloto instrudo a se reportar ao controlador no momento em que sobrevoa esses fixos. Dessa

    forma, se um fixo recebe o nome, na carta de navegao, de PORGY, o piloto se reporta dizendo: Reaching Papa,

    Oscar, Romeo, Golf, Yankee, que so as letras do alfabeto fontico correspondentes ao nome do fixo. 20 A comunicao no contexto de aviao uma questo complexa e (...) as responsabilidades pelo seu sucesso

    (ou falhas) so compartilhadas entre os participantes, independentemente de sua experincia lingustica. (Traduo

    nossa)

  • 31

    Com essas nuances apresentadas pela linguagem aeronutica (altamente

    especializada e complexa), com tantos fatores que favorecem as falhas de comunicao (falta

    de fluncia, estresse e m qualidade de recepo sonora) e com tanta responsabilidade de fazer

    com que ela seja eficaz e no-ambgua e, consequentemente, segura, sem dvida a linguagem

    da radiotelefonia ter de ser treinada e aprendida pelos profissionais envolvidos pilotos e

    controladores de trfego areo , tanto em situaes rotineiras quanto em situaes

    imprevisveis. Como, ento, ensinar uma lngua estrangeira para propsitos to especializados?

    Nas prximas sees, sero apresentados os princpios de ensino e aprendizagem

    de lnguas desde o sculo XVI at a hodiernidade, levando-se em considerao a viso da

    linguagem em cada perodo, bem como as caractersticas do ensino de lnguas para fins

    especficos, trazendo essa abordagem para o contexto deste trabalho.

    1.2 Princpios de ensino e aprendizagem de lnguas

    Na atualidade, a maior preocupao com a aprendizagem de lngua estrangeira

    que ela no seja, como diz Sardinha (2007) the book is on the table, sinnimo de abordagens

    e de tcnicas ineficazes aplicadas em escolas de idiomas e escolas regulares de Ensino

    Fundamental e Mdio, que fazem com que o usurio da lngua memorize sentenas

    descontextualizadas e sem finalidade de comunicao em situao real de interao social,

    procedimento que vai completamente de encontro finalidade da linguagem descrita no incio

    deste captulo.

    Como comentam Richards e Rodgers (2001), o estudo das abordagens e dos

    mtodos de ensino e aprendizagem de lngua estrangeira existe h tempos. Desde o sculo XVI,

    quando o estudo do Latim era disseminado como sendo a lngua franca do comrcio, da

    educao, da religio e do governo, o ensino j priorizava alguns aspectos da lngua, como, por

    exemplo, o ensino por meio da traduo, com o objetivo primeiro de internalizar regras

    gramaticais, em detrimento da desenvoltura da linguagem oral. Mesmo depois do declnio do

    Latim como lngua viva, o modelo de ensino daquela lngua tornou-se o modelo para o ensino

    de outras lnguas estrangeiras, como o italiano, o francs e o ingls at o sculo XIX. Esse

    mtodo de traduo foi conhecido como Grammar Translation, cujo foco era a leitura. Com o

    passar dos anos, conforme a necessidade dos aprendizes em desenvolver a proficincia em

    determinada rea da linguagem listening, speaking, reading ou writing ia crescendo, as

    abordagens e mtodos foram se adaptando ou at mesmo sofrendo alteraes sensveis.

    Segundo Celce-Murcia (2001), at o sculo XIX as metodologias de ensino variavam entre

  • 32

    ensinar a usar a lngua (falar e compreender) e ensinar a analisar a lngua (conhecer sua estrutura

    gramatical).

    Segundo Brown (2007), o Series Method, protagonizado por Franois Gouin,

    privilegiava o uso exclusivo da lngua alvo, sem tradues e sem ensino de gramtica. A lngua

    era internalizada por meio de sequncias de sentenas conectadas entre si e fceis de serem

    memorizadas. Tal mtodo tinha como fundamentao para suas tcnicas o uso da lngua como

    instrumento de representao de mundo, ou seja, de representao de conceitos. Ao longo do

    sculo XIX, segundo o autor, a lingustica aplicada ganhou campo em meio s tendncias de

    ensino e aprendizagem de lnguas e passou a dar credibilidade aos mtodos considerados

    naturais de aprendizagem de lngua, iniciados com o Series Method.

    Ainda, de acordo com Brown (2007), com essa credibilidade, os mtodos

    naturais ganharam campo. O princpio do mtodo era tornar a aprendizagem de lngua

    estrangeira mais prxima da aprendizagem de primeira lngua, ou seja, exposio oral intensiva

    lngua alvo. Dessa forma, na virada do sculo XIX para o sculo XX, o Direct Method ou

    Mtodo Direto passou a ser conhecido e praticado. Nesse mtodo, as aulas eram conduzidas

    exclusivamente na lngua alvo, gramtica era ensinada indutivamente, materiais concretos ou

    realia eram explorados, vocabulrio abstrato era abordado por associao de ideias, as

    habilidades orais eram focadas e enfatizava-se a correo de pronncia e estrutura.

    Como resultado da exploso da Segunda Guerra Mundial e da necessidade de

    comunicao entre foras aliadas e de conhecimento da lngua de foras inimigas, surgiu o

    primeiro mtodo que privilegiava as habilidades orais e que levou estudiosos a discutirem o

    ensino de lnguas sob a tica de teorias lingusticas, dando origem, assim, aos primeiros estudos

    da Lingustica Aplicada. Esse mtodo ficou conhecido como Army Method, conforme descrito

    em Brown (2007), pois foi iniciado para o pblico-alvo militar e que, por volta dos anos 50,

    com a sua expanso para o pblico civil, passou a ser chamado de Audiolingual Method. Suas

    caractersticas, desde aquela poca, eram: grande nfase na pronncia e na correo gramatical,

    embora a gramtica no fosse explicitamente ensinada; o uso da lngua materna mnimo ou

    nenhum; os recursos auditivos e visuais so bastante explorados; h muita repetio para

    memorizao de estrutura e de conjunto de sentenas; e o sentido no to considerado como

    a estrutura.

    Conforme apontam Richards e Rodgers (2001), a dcada de 70 foi o auge do

    desenvolvimento de mtodos e abordagens de ensino de lnguas. Considerada a dcada em que

    a Lingustica Aplicada inicia seu desmembramento da Lingustica Terica, foi o perodo em

    que os estudos sobre o ensino e a aprendizagem de lnguas tiveram um papel importante no

  • 33

    surgimento de mtodos, abordagens e tcnicas que influenciaram e, at hoje, influenciam o

    ensino de lngua estrangeira.

    O Community Language Learning, segundo Larsen-Freeman (2000) e Brown

    (2007), foi o primeiro mtodo a privilegiar o aspecto afetivo como o elemento chave no

    desempenho do aprendiz durante o processo de aprendizagem, pois, at o momento, as

    perspectivas sobre a aprendizagem de lnguas eram somente behavioristas ou estruturalistas e

    cognitivas.

    J, a Suggestopedia defendia os aspectos externos que circundam o aluno no

    momento de sua exposio lngua estrangeira como principais influentes no seu desempenho,

    como, por exemplo, o relaxamento provocado por sons e pelo conforto fsico. Larsen-Freeman

    (2000) denomina a Suggestopedia como Desuggestopedia. Pelo fato de o mtodo priorizar a

    otimizao da capacidade mental do indivduo e respeitar o aspecto emocional no momento da

    aprendizagem, o objetivo dessugestionar as supostas limitaes individuais para a

    aprendizagem.

    Segundo Richards e Rodgers (2001), no Silent Way, acreditava-se que o aluno

    s alcanava a verdadeira aprendizagem se ele fosse capaz de fazer descobertas em vez de ter

    de se lembrar ou de repetir o que deveria ser aprendido. Alm disso, a aprendizagem era

    mediada por objetos, os fishing rods, como eram chamados os objetos coloridos utilizados para

    apresentar gramtica e vocabulrio, o que fazia com que as aulas no fossem comunicativas at

    que o aluno fizesse as descobertas necessrias.

    Derivado do Direct Method, o Total Physical Response, como descreve Larsen-

    Freeman (2000), prioriza a compreenso e a razo para tal baseada na aprendizagem de

    primeira lngua, cuja habilidade primria a ser desenvolvida a da compreenso oral. A maneira

    mais fcil de verificar compreenso, ento, era a de fazer os alunos seguirem comandos dados

    pelo professor, sem traduo para a lngua nativa. De maneira similar ao Silent Way, no h

    muita comunicao na aplicao desse mtodo, j que a compreenso envolve inicialmente e

    majoritariamente a linguagem no verbal.

    De acordo com Richards e Rodgers (2001), do incio dos anos 80 at os anos 90,

    estudiosos chegaram concluso de que no era necessria a criao de novos mtodos para

    que se encontrasse a maneira ideal de se ensinar e aprender lngua. A necessidade era de ir alm

    dos mtodos engessados at ento emergidos, compreendendo suas limitaes e adaptando

    tcnicas e atividades, conforme a percepo do professor/instrutor em relao a todo o ambiente

    de aprendizagem e, principalmente, do aluno. Alm disso, verificou-se que a aprendizagem de

    uma lngua no depende somente da aprendizagem de sua estrutura.

  • 34

    Surgem ento vrias abordagens dentro do Ensino Comunicativo de Lnguas,

    que colocam a comunicao, nos vrios contextos, como foco no processo de ensino e

    aprendizagem. Richards e Rodgers (2001) defendem que as abordagens so fundamentadas em

    um conjunto de teorias e crenas sobre a natureza da lngua e sobre os princpios que norteiam

    o ensino e a aprendizagem de uma lngua. No entanto, elas no estabelecem procedimentos a

    serem seguidos na efetivao do processo de ensino e aprendizagem. As abordagens nada mais

    so do que interpretaes variadas quanto aplicao daqueles princpios e, por causa de sua

    flexibilidade de interpretao e de aplicabilidade, podem ser revisadas e atualizadas assim que

    novas prticas surgem.

    Os principais traos identitrios da abordagem comunicativa, segundo Larsen-

    Freeman (2000) so: o uso da linguagem autntica, isto , da linguagem usada em situao real

    de comunicao; o papel do professor como um facilitador, no tocante a prover os alunos com

    atividades comunicativas; a concepo do erro como um processo natural do desenvolvimento

    de habilidades lingusticas e comunicativas; e a negociao de significados entre os

    interlocutores. Algumas outras prticas surgiram com base na abordagem comunicativa. So

    elas a abordagem baseada em contedo (Content-based approach) e a abordagem baseada em

    tarefas (Task-based approach), que sero explanadas a seguir.

    De acordo com Richards e Rodgers (2002), a abordagem baseada em contedo

    contribui para a aprendizagem da lngua e de contedo ao mesmo tempo. Embora o foco do

    ensino no seja a lngua, o resultado do ensino do contedo tambm a aprendizagem da lngua.

    Isso pode ser exemplificado no contexto de aviao, com a aprendizagem do contedo de

    Fundamentos de Voo, que seria ensinado em ingls e esse seria o contexto para a produo e

    o aperfeioamento da lngua de forma integral, envolvendo as quatro habilidades. Nessa

    abordagem, afirmam Richards e Rodgers (2001), a lngua somente o meio para a efetivao

    do ensino e aprendizagem do contedo. Brown (2010) afirma que o papel do professor de

    grande reponsabilidade, porque, alm de ser um especialista na lngua, ele tambm deve ser um

    conhecedor do contedo que ensinar, demandando ainda mais preparo de sua parte.

    Na abordagem baseada em tarefas, segundo Richards e Rodgers (2001), o centro

    das atenes a completude da tarefa, levando em considerao as experincias do aprendiz.

    Para esse resultado, segundo os autores, necessrio que haja problemas envolvendo a

    comunicao para serem resolvidos e que a tarefa seja relacionada com as tarefas realizadas na

    vida real. Essas tarefas nada mais so do que funes lingusticas, com o objetivo de atingir um

    propsito comunicativo: solicitar detalhes de um problema de sade sofrido por um passageiro

    a bordo de uma aeronave, por exemplo, fornecer informaes meteorolgicas ao piloto e outras

  • 35

    funes/tarefas de carter geral e especfico. As atividades tpicas dessa abordagem, segundo

    Harmer (2001), envolvem a pr-tarefa (pre-task), que a preparao para a tarefa (apresentao

    de tpico e exemplo de tarefa); a tarefa em si (task cycle), que envolve a aplicao do que foi

    apresentado em situaes diversas; e o estudo da estrutura (language focus), que a anlise da

    estrutura utilizada na realizao da tarefa e a subsequente prtica dessa estrutura.

    De acordo com Richards e Rodgers (2001), alm dessas duas abordagens, h

    tambm, seguindo a Abordagem Comunicativa de Lnguas, o Treinamento de Estratgias de

    Aprendizagem, a Aprendizagem Cooperativa, a Programao Neurolingustica e a

    aprendizagem baseada nas Mltiplas Inteligncias. possvel que muitas outras abordagens

    emerjam todos os dias em salas de aula do mundo inteiro, j que abordagens no seguem

    procedimentos predeterminados. Ao contrrio, no s so resultado da atitude intuitiva, da

    experincia e do propsito do professor como facilitador da comunicao em lngua estrangeira

    por parte de seus alunos, mas tambm da predisposio e do propsito do aluno em aprender a

    lngua.

    Ora, os mtodos de ensino de lnguas foram divergindo dcada aps dcada, as

    abordagens foram tomando o espao dos mtodos e sofrendo influncias institucionais, pessoais

    e culturais. Como afirma Brown (2000, p. 43), a abordagem a dynamic composite of energies

    within you that change, or should change, with your experiences in your learning and

    teaching21. Como corolrio, conforme Richards e Rodgers (2001), o perodo iniciado nos anos

    90 ficou conhecido como a era do ps-mtodo, oferecendo ao professor maior autonomia no

    processo de tomada de decises sobre a aplicao de atividades que promovem o aprendizado

    efetivo de seus alunos.

    Kumaravadivelu (2001, p. 538, apud KUMARAVADIVELU, 2006, p. 170)

    descreve esse perodo ps-mtodo como o perodo em que o foco na pedagogia da

    particularidade, que significa levar em considerao quem so os professores, quem so os

    alunos e em que tipo de instituio e contexto social o processo de ensino-aprendizagem

    ocorrer. Ou seja, o contexto social e histrico e so os fatores cognitivos e afetivos sendo

    considerados na prtica de sala de aula.

    A era do ps-mtodo, ainda segundo o autor, abriu-se a muitas prticas docentes

    que se tornaram modelos a serem seguidos e aplicados em cursos de formao de professores,

    porque esse perodo aceitou todas as prticas que foram, em algum momento, eficazes no

    desenvolvimento lingustico dos aprendizes, sem preconceitos contra mtodos rgidos ou

    21 um complexo de energias dinmico dentro de voc, que muda, ou deveria mudar, com suas experincias de aprendizagem e de ensino.

  • 36

    abordagens mais flexveis. Assim, as mais variadas atividades, tanto as desenvolvidas nos

    mtodos mais rgidos de ensino quanto as que promovem mais autonomia do aluno em seu

    prprio processo de aprendizagem, juntaram-se em uma s prtica. Essa mesclagem de

    atividades, como o uso de drills na prtica de estruturas gramaticais (modelo de ensino-

    aprendizagem estrutural), o ensino contextualizado de gramtica e de vocabulrio, integrao

    das quatro habilidades, criao de atividades que promovam aumento do tempo em que o aluno

    pratica e produz a lngua (high student talking time), que so atividades caractersticas de

    diferentes mtodos e abordagens de ensino, bem como a prpria sensibilidade do professor s

    necessidades e potencialidades de seus alunos tornaram-se a marca da era ps-mtodo, afirmam

    Richards e Rodgers (2001).

    Essas prticas de ensino e aprendizagem de lnguas so desenvolvidas e

    percebidas de maneiras diferentes pelos indivduos envolvidos no processo, tanto pelo professor

    que aplica as estratgias quanto pelo aluno que deve ser conscientizado de suas capacidades de

    se apropriar das estratgias, dependendo de suas experincias anteriores, de seu contexto scio-

    histrico, de suas expectativas para o futuro e de como o professor potencializa essas

    estratgias. A partir de todos esses fatores, a competncia comunicativa passa a ser tambm

    considerada e no mais somente a competncia lingustica, concretizando o que Widdowson

    (1983) afirma: competncia e capacidade esto juntas na prtica, em sala de aula.

    J que a aprendizagem de lnguas um processo complexo, ou seja, ocorre

    dependendo de fatores relacionados a aprendizes, professores e contexto de aprendizagem,

    ocorre tambm com finalidades especficas e, como j foi visto, a comunicao o objetivo

    primrio. No entanto, a linguagem em diversos contextos de comunicao idiossincrtica e,

    portanto, deve ser tratada de forma igualmente especfica. Isso quer dizer que para cada

    contexto existe uma forma diferente de se utilizar a linguagem para comunicar-se e essa

    linguagem deve ser aprendida para que seu uso seja efetivo. Para isso, sero apresentadas

    algumas consideraes sobre o ensino de lnguas para fins especficos, uma vez que o contexto

    deste trabalho consideravelmente especfico.

    1.3 Ensino de lnguas para fins especficos - ESP

    Segundo Widdowson (1983), embora o registro terico do ensino de lnguas para

    fins especficos s tenha ocorrido a partir dos anos de 1960, quando a exploso da tecnologia e

    das relaes comerciais intercontinentais veio tona no ps-guerra, a ideia de que o ensino de

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    lnguas precisa satisfazer as necessidades particulares dos aprendizes j tinha emergido por

    Palmer (1920 apud Widdowson, 1983).

    Hutchinson e Waters (1987) traam o histrico do surgimento do Ingls para

    Propsito Especfico ou Englsih for Specific Purposes (ESP) e afirmam que o registro dos textos

    cientficos teve grande influncia na definio dessa abordagem, por conterem caractersticas

    lingusticas muito prprias do campo de estudo da cincia e da tecnologia, como estruturas

    gramaticais e elementos lxicos especficos de cada rea. Dessa forma, English for Science and

    Technology (EST), por algum tempo, tornou-se sinnimo de ESP.

    Alm das caractersticas especficas do registro dos textos de reas especficas,

    Hutchinson e Waters (1987) chegaram concluso de que os aprendizes da lngua inglesa no

    deveriam somente ter contato com as especificidades da lngua enquanto sistema morfolgico

    e sinttico, mas tambm enquanto lngua viva utilizada em situao real de estudo ou trabalho.

    Da houve a diviso do ESP em trs outras grandes reas: Ingls para Cincia e Tecnologia ou

    English for Science and Technology (EST), Ingls para Negcios e Economia ou English for

    Business and Economics (EBE) e Ingls para Cincias Sociais ou English for Social Sciences

    (ESS). Cada uma dessas grandes reas se subdivide, ainda, em duas: Ingls para Propsitos

    Acadmicos ou English for Academic Purposes (EAP) e Ingls para Propsitos Ocupacionais

    ou English for Ocupational Purposes (EOP). Segundo os autores, o EAP destina-se a indivduos

    que necessitam da lngua inglesa para os estudos acadmicos e o EOP a indivduos que

    utilizaro a lngua em contexto de trabalho.

    Desmistificando a imagem de que o ensino de lnguas para fins especficos era

    estrutural, isto , que o ensino de ESP tinha foco em gramtica e vocabulrio por meio da leitura,

    Hutchinson e Waters (1987) afirmam que o ensino de ESP no ensina gramtica e vocabulrio

    a profissionais de reas especficas tampouco uma metodologia. O ESP uma prtica que no

    difere de nenhuma outra abordagem de ensino de lnguas; ao contrrio, considera as

    caractersticas de todos os outros mtodos e abordagens de ensino como vlidos em sua prtica,

    assim como o ps-mtodo mencionado na seo anterior, desde que sejam seguidos todos os

    passos antes, durante e aps a efetivao da prtica de ensino e aprendizagem. Esses passos so

    o que caracterizam essa abordagem e nada mais so do que perspectivas em relao a QUEM

    estar envolvido no processo de ensino e aprendizagem, O QUE ser ensinado, COMO ser

    ensinado, PARA QUE ser ensinado, QUANDO e ONDE se efetivar.

    A resposta a essas perguntas faz parte de uma prtica comum entre os

    profissionais atuantes no ensino de lnguas, mais especificamente no ensino de lnguas para fins

    especficos. Esse conjunto de perguntas e suas respectivas respostas so denominados anlise

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    de necessidades. Na verdade, quaisquer planejadores de cursos de lngua estrangeira devem ter

    como objetivo e meta primordiais atender s necessidades de seus aprendizes quanto

    utilizao da lngua. necessrio identificar as situaes em que a lngua ser utilizada, a fim

    de que haja a prtica comunicativa adequada para a atuao esperada em situao real de uso

    da lngua.

    Calcados na apresentao que Hutchinson e Waters (1