Dissertacao Daniela - Parte 1

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAO E CONTABILIDADE

    DEPARTAMENTO DE ADMINISTRAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ADMINISTRAO

    ORGANIZAES COLETIVAS PARA MELHORAMENTO VEGETAL:

    CONDICIONANTES DE SUA EXISTNCIA

    Daniela de Moraes Aviani

    Orientador: Prof. Dr. Paulo Roberto Feldmann

    SO PAULO 2014

  • Prof. Dr. Marco Antonio Zago Reitor da Universidade de So Paulo

    Prof. Dr. Adalberto Amrico Fishmann

    Diretor da Faculdade de Economia, Administrao e Contabilidade

    Prof. Dr. Roberto Sbragia Chefe do Departamento de Administrao

    Prof. Dr. Lindolfo Galvo de Albuquerque

    Coordenador do Programa de Ps-Graduao em Administrao

  • DANIELA DE MORAES AVIANI

    ORGANIZAES COLETIVAS PARA MELHORAMENTO VEGETAL:

    CONDICIONANTES DE SUA EXISTNCIA

    Dissertao apresentada ao Departamento de Administrao da Faculdade de Economia, Administrao e Contabilidade da Universidade de So Paulo como requisito para obteno do ttulo de Mestre em Administrao.

    Orientador: Prof. Dr. Paulo Roberto Feldmann

    Verso original

    SO PAULO 2014

  • FICHA CATALOGRFICA Elaborada pela Seo de Processamento Tcnico do SBD/FEA/USP

    Aviani, Daniela de Moraes Organizaes coletivas para melhoramento vegetal: condicionantes de sua existncia / Daniela de Moraes Aviani. -- So Paulo, 2014. 102 p. Dissertao (Mestrado) Universidade de So Paulo, 2014. Orientador: Paulo Roberto Feldmann.

    1. Estratgia organizacional 2. Inovao no agronegcio 3. Melho- ramento gentico vegetal I. Universidade de So Paulo. Faculdade de Economia, Administrao e Contabilidade. II. Ttulo. CDD 658.401

  • iii

    A Roberto Mesquita Melo, por acreditar.

  • iv

    A Sergio Paulino, por visualizar este trabalho antes que eu o pudesse.

    Ao meu orientador, Prof. Dr. Paulo Feldmann, pelo exemplo, ensinamentos,

    generosidade e confiana.

    A Leandro Pongeluppe, por me reconduzir aos livros.

    Aos professores da FEAUSP Roberto Sbragia e Bernadete Marinho, por

    compartilharem seus conhecimentos e, em especial, a Decio Zylbersztajn, Nuno Fouto e

    Sylvia Saes, pelo apoio, incentivo e amizade.

    Aos membros da banca, Prof. Sylvia Saes e Prof. Antnio Mrcio Buainain, por

    aceitarem prontamente o convite para avaliao deste trabalho e pelas valiosas sugestes.

    A Claudio Oliveira, pelo inestimvel suporte na etapa de qualificao.

    A Heloisa, Daniela e Fabiana (PPGA/FEAUSP), Jos Alves (MAPA), Nice e Silvia (FIA),

    pelos incontveis auxlios, mesmo a distncia.

    Aos amigos que fiz na USP, Ana Luiza Mascarin, Anders Fredriksson, Caroline

    Gonalves, Caroline Quevedo, Claudia Knig, Claudio Oliveira, Eder Carvalho, Gaby

    Tiscoski, Leandro Pongeluppe, Lilian Schreiner, Kassia Watanabe, Nobuiuki Ito e

    Thiago Carvalho, pelo companheirismo e pela acolhida em So Paulo.

    Ao Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento, por me proporcionar a

    inestimvel oportunidade de crescimento intelectual e pessoal.

    Aos colegas do Servio Nacional de Proteo de Cultivares, pela torcida, pela ajuda na

    pesquisa e pelo interesse com o qual acompanharam meu curso.

    Aos dirigentes, aos lderes e ao pessoal de apoio das organizaes que colaboraram de

    forma atenciosa e prestativa com as informaes aqui utilizadas.

    A Elza Cunha, Ivo Carraro, Marcos Fuck e Ton Rocha, por me instigarem e inspirarem.

    A amiga Rosa Ceclia, pela generosidade em contribuir com providenciais sugestes.

    A Eliane e Do Carmo, fiis escudeiras que mantiveram a ordem na vida de minha

    famlia.

    Aos meus dois maiores amores, Joo e Elisa, por entenderem minhas frequentes

    ausncias, por compartilharem seus espaos de estudo e pelo companheirismo. Se ficar o

    exemplo, fizeram tudo valer a pena.

    Aos meus pais, Romano e Geny, por me nutrirem de sonhos e apoiarem minhas

    empreitadas.

    Ao meu companheiro de vida, Roberto, por me sustentar quando no consegui

    andar sozinha.

    Deixo minha gratido!

  • v

    "Desde que ns descobrimos

    que algumas vezes os burocratas

    no tm as informaes corretas,

    enquanto cidados e usurios dos recursos

    tm, ns esperamos que isso ajude a

    encorajar um senso de capacidade

    e de poder"

    Elinor Ostrom

  • vi

    RESUMO

    O melhoramento vegetal constitui a primeira etapa de todos os sistemas das cadeias agroindustriais, pois responsvel por gerar e disponibilizar aos agricultores, sob a forma de novas cultivares, a gentica das sementes a serem utilizadas nos cultivos que suprem a demanda do pas por produtos agrcolas. O presente trabalho pretende investigar a dinmica de constituio de entidades privadas, pertencentes a grupos de produtores rurais, com a finalidade de gerar novas cultivares. A observao deste fenmeno pode auxiliar o aperfeioamento de mecanismos institucionais para fortalecimento das aes coletivas voltadas para o interesse pblico e importantes, do ponto de vista estratgico, para o agronegcio do Brasil. Pretende-se, assim, responder seguinte questo de pesquisa: Quais os incentivos para as organizaes coletivas se dedicarem ao melhoramento vegetal? A presente investigao, de cunho qualitativo e com fins exploratrios, realiza um estudo de mltiplos casos luz de conceitos da economia das organizaes por meio de variveis motivacionais especficas situadas em duas dimenses: ambiente institucional e estrutura de mercado. As organizaes analisadas so: Cooperativa Central Gacha Ltda. CCGL, Cooperativa Central de Pesquisa Agrcola Coodetec, Centro de Tecnologia Canavieira CTC, Fundao de Apoio Pesquisa Agropecuria de Mato Grosso Fundao MT, e Instituto Mato-Grossense do Algodo IMAmt. possvel observar diferenas marcantes de estrutura, estratgia e diversas outras variveis analisadas nas organizaes, o que dificulta comparaes. Embora no tenham sido confirmadas as hipteses sugeridas de que as organizaes teriam surgido para competir no mercado de sementes ou para exercer poder de barganha nas negociaes com empresas de grande porte, a avaliao de algumas variveis motivacionais leva a crer que os ganhos dos agricultores esto na influncia que exercem sobre o direcionamento das pesquisas realizadas pelas organizaes e na celeridade com que acessam os seus resultados, na forma de novas cultivares. O financiamento dessas pesquisas sob a forma de uma ao coletiva possibilita diluir os seus elevados custos. Os achados tambm apontam a preocupao dos entrevistados com a baixa taxa de suprimento de novas cultivares ao mercado e estreitamento gentico que coloca em risco as culturas de grande expresso econmica no caso de haver agravamento de incidncia de pragas. Por fim, questiona-se a sustentabilidade das organizaes em ambiente de concorrncia acirrada, haja em vista que, em grande parte, foram estruturadas para compensar limitaes do sistema pblico de pesquisa. Diante do exposto, percebeu-se, nas entrevistas, haver uma movimentao no sentido de aperfeioar as estratgias mercadolgicas, com o aproveitamento dos mecanismos legais disponveis, como a Lei de Proteo de Cultivares, e a realizao de parcerias com empresas multinacionais. Palavras-chave: Estratgia organizacional, inovao no agronegcio, melhoramento gentico vegetal.

  • vii

    ABSTRACT

    Plant breeding is the very first step of agro-industrial systems. It is responsible for creating new varieties and providing farmers with the seeds to be used in agricultural production to supply the country's demand. The present study aims to investigate the establishment of private entities engaged in plant breeding, belonging to groups of farmers. The observation of this phenomenon can assist the development of institutional mechanisms for strengthening collective actions, especially if they are of public interest and important as a strategy for the Brazilian agribusiness. It is intended, therefore, to answer the following research question: What are the incentives for collective organizations to engage in plant breeding? The present investigation is classified as qualitative with exploratory purposes. It is based on a multiple case study and takes account the concepts of the economics of organizations using specific motivational variables divided into two dimensions: institutional environment and market structure. The organizations are: Cooperativa Central Gacha Ltda. CCGL, Cooperativa Central de Pesquisa Agrcola Coodetec, Centro de Tecnologia Canavieira CTC, Fundao de Apoio Pesquisa Agropecuria de Mato Grosso Fundao MT, and Instituto Mato-Grossense do Algodo IMAmt. We observed remarkable differences in structure, strategy and other variables analyzed in organizations, making any kind of comparison difficult. Although the suggested hypotheses have not been confirmed i.e. that the organizations have arisen to compete in the seed market or to exercise bargaining power against big companies, the assessment of some motivational variables suggests that the gains of the farmers could be driving the research conducted by the organizations toward their own interests and, in the short term, to access new varieties. Funding research in a collective action allows reduction of their high costs. The findings also indicate some concern of respondents about the low rate of supply of new varieties to the market and genetic narrowing which increases susceptibility of crops to pests. Finally, one can question the sustainability of organizations in a fiercely competitive environment, considering that they have been structured to compensate the limitations of public research. Lastly, it was noted in the interviews, that there is a movement in collective organizations towards improving marketing strategies, by taking advantage of legal mechanisms available, such as the Plant Variety Protection Law and building partnerships with multinational companies. Key words: Organizational strategy, innovation for agribusiness, plant breeding.

  • SUMRIO

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ................................................................................... 2

    LISTA DE FIGURAS .................................................................................................................... 3

    1 INTRODUO........................................................................................................................ 4

    1.1 Contextualizao ............................................................................................................... 4

    1.2 Questo de pesquisa........................................................................................................ 11

    1.3 Objetivos do estudo ........................................................................................................ 12

    1.4 Definies operacionais .................................................................................................. 12

    1.5 Justificativa e contribuies ........................................................................................... 15

    1.6 Organizao do estudo ................................................................................................... 16

    2 REVISO DE LITERATURA ............................................................................................. 17

    2.1 O agronegcio no Brasil ................................................................................................. 17

    2.2 Transformaes econmicas e institucionais................................................................ 19

    2.3 A adaptao das organizaes ao ambiente institucional ........................................... 21

    2.4 Organizao de produtores em aes coletivas ............................................................ 25

    2.5 Estrutura competitiva do mercado de sementes .......................................................... 30

    3 O SEGMENTO DE MELHORAMENTO VEGETAL NO BRASIL ............................... 33

    4 METODOLOGIA .................................................................................................................. 48

    4.1 Natureza do estudo ......................................................................................................... 48

    4.2 Mtodos e tcnicas de coleta de informaes ............................................................... 49

    4.3 Modelo conceitual ........................................................................................................... 52

    4.4 Variveis e indicadores .................................................................................................. 52

    4.5 Universo de estudo e unidades de anlise ..................................................................... 54

    4.6 Procedimentos e instrumentao .................................................................................. 54

    4.7 Forma de anlise ............................................................................................................. 56

    4.8 Aferio da qualidade da pesquisa ................................................................................ 57

    4.9 Limitaes........................................................................................................................ 59

    4.10 Sntese da metodologia ................................................................................................. 60

    5 AS ORGANIZAES COLETIVAS OBTENTORAS DE PLANTAS NO BRASIL .... 61

    5.1 CCGL - Cooperativa Central Gacha Ltda. ................................................................ 64

    5.2 Coodetec - Cooperativa Central de Pesquisa Agrcola ............................................... 68

    5.3 CTC - Centro de Tecnologia Canavieira ...................................................................... 72

    5.4 Fundao MT - Fundao de Apoio Pesquisa Agropecuria de Mato Grosso ...... 74

    5.5 IMAmt - Instituto Mato-Grossense do Algodo .......................................................... 78

    5.6 Anlise geral .................................................................................................................... 81

    6 CONSIDERAES FINAIS ................................................................................................ 85

    6.1 Concluses ....................................................................................................................... 85

    6.2 Limitaes e investigaes futuras ................................................................................ 87

  • 2

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    CCGL: Cooperativa Central Gacha Ltda.

    CEPEA: Centro de Pesquisas Econmicas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz

    CIRAD: Centro de Cooperao Internacional em Pesquisa Agronmica para o

    Desenvolvimento

    Coodetec: Cooperativa Central de Pesquisa Agrcola

    CTC: Centro de Tecnologia Canavieira

    CTPA: Centro Tecnolgico para Pesquisas Agropecurias

    EPAMIG: Empresa de Pesquisa Agropecuria de Minas Gerais

    FACUAL: Fundo de Apoio Cultura do Algodo

    FAPCEN: Fundao de Apoio Pesquisa do Corredor de Exportao Norte Irineu Alcides

    Bays

    Fundao MT: Fundao de Apoio Pesquisa Agropecuria de Mato Grosso

    IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    IMAmt: Instituto Mato-grossense do Algodo

    FAO: Organizao das Naes Unidas para Agricultura e Alimentao

    LPC: Lei de Proteo de Cultivares

    MAPA: Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento

    OCEPAR: Organizao das Cooperativas do Estado do Paran

    P&D: Pesquisa e Desenvolvimento

    SAG: Sistema Agroindustrial

    SNPC: Servio Nacional de Proteo de Cultivares

  • 3

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 - Fluxo genrico de produo de sementes ................................................................ 34

    Figura 2 - Ganho de produtividade por produto no Brasil ....................................................... 36

    Figura 3 - Evoluo de rea e produo de cereais, leguminosas e oleaginosas no Brasil ...... 37

    Figura 4 - Perfil comercial de empresas globais - Investimentos em P&D 2006 .................... 39

    Figura 5 - Participao de empresas no mercado de sementes de milho no Brasil em 2009 (%)

    .......................................................................................................................................... 40

    Figura 6 - Participao de cultivares no mercado de soja da Regio Sul, por origem ............. 44

    Figura 7 - Participao de empresas no mercado de sementes de soja no Brasil em 2009 (%)45

    Figura 8 - Modelo conceitual da pesquisa ................................................................................ 52

    Figura 9 - Evoluo de cultivares protegidas pertencentes CCGL (dez/2013) ..................... 64

    Figura 10 - Evoluo de cultivares protegidas pertencentes Coodetec (dez/2013) ............... 71

    Figura 11 - Evoluo de cultivares de soja e algodo protegidas pertencentes CTC

    (dez/2013) ......................................................................................................................... 73

    Figura 12 - Evoluo de cultivares de soja e algodo protegidas pertencentes Fundao MT

    (dez/2013) ......................................................................................................................... 78

    Figura 13 - Evoluo de cultivares de soja e algodo protegidas pertencentes ao IMAmt

    (dez/2013) ......................................................................................................................... 79

  • 4

    1 INTRODUO

    O presente trabalho busca analisar os fatores que influenciam as organizaes coletivas

    mais precisamente, entidades privadas, mantidas e geridas por grupos de produtores rurais a

    atuarem em atividades que antecedem a porteira, como as que envolvem o suprimento de

    insumos, em particular, a criao de novas variedades vegetais. As organizaes coletivas

    observadas nesta pesquisa de casos mltiplos atuam no mesmo ambiente de inovao

    ocupado tradicionalmente pela pesquisa pblica e onde tm predominado, mais recentemente,

    as empresas transnacionais. Haja vista a importncia do negcio de sementes para os agentes

    envolvidos nos elos primrios do agronegcio brasileiro e os consequentes desdobramentos

    estratgicos, entende-se como relevante conhecer um pouco mais sobre o contexto em que

    essas organizaes coletivas emergiram. Quem so essas organizaes? Quais incentivos

    estariam por trs dessas iniciativas? Que aspectos institucionais e caractersticas do mercado

    induziram a sua formao? Em que arranjos organizacionais e mercadolgicos esto

    inseridas? Quais fatores influenciam suas perspectivas futuras? So essas algumas das

    indagaes que esta investigao prope desvendar.

    1.1 Contextualizao

    O melhoramento de plantas, ou melhoramento vegetal, reconhecido como uma das

    atividades mais antigas e contnuas conduzidas pelo homem. Numa anlise histrica, Hallauer

    (2011) associa a evoluo da civilizao aos sucessos obtidos pela prtica do melhoramento

    gentico vegetal. O autor assinala que, apesar das diferenas encontradas entre autores sobre

    seus objetivos, h consenso que o melhoramento de plantas uma combinao de arte e

    cincia para manipular sistemas genticos para desenvolvimento de cultivares superiores (p.

    198). Graas domesticao e ao aprimoramento das plantas para cultivo, foi possvel

    garantir suprimento de alimento, combustvel e fibras necessrio para fixao do homem em

    comunidades sedentrias, h aproximadamente 10.000 anos. Hallauer ainda acredita que,

    apesar do relevante papel no desenvolvimento de vrias civilizaes humanas, a atividade de

    melhoramento vegetal no tem sua importncia reconhecida talvez por absoluta falta de

    compreenso do pblico em geral , sendo comum que desenvolvimentos nas rea de

  • 5

    medicina, engenharia, eletrnica, transportes, por exemplo, recebam consideravelmente mais

    ateno que a rea de melhoramento de plantas.

    As atividades que envolvem o melhoramento de plantas constituem o primeiro segmento dos

    sistemas das cadeias agroindustriais, responsvel por gerar e disponibilizar aos agricultores,

    sob a forma de novas variedades, ou cultivares1, a gentica das sementes que sero utilizadas

    nos cultivos agrcolas.

    Esses aspectos tcnicos tornam-se relevantes em razo das preocupaes que assolam as

    naes no que diz respeito ao abastecimento de alimentos nos anos vindouros. A Organizao

    das Naes Unidas para Agricultura e Alimentao - FAO estima que o fornecimento de

    gneros alimentcios deveria aumentar 60% nos prximos 30 a 40 anos a fim de acompanhar

    o aumento da populao mundial (FAO, 2013, p. 128).

    Cientes da presso que essas perspectivas exercem sobre a agricultura, os pases mais

    desenvolvidos reconhecem que os caminhos passam pela produo mais eficiente e mais

    sustentvel, por meio da melhoria das prticas agrcolas, dos sistemas de armazenamento, da

    distribuio e minimizao das perdas ocorridas nesses canais. Porm, considerando-se que a

    superfcie de terras agricultveis diminui progressivamente e que as oportunidades de

    aumentar a rea cultivada so extremamente limitadas, cresce a importncia dos

    investimentos em melhoramento vegetal (PARLAMENTO EUROPEU, 2014).

    Diante desse quadro, o principal desafio dos melhoristas adaptar as espcies s mais

    diversas condies ambientais e de manejo e tambm conferir a elas potencial produtivo para

    suprir, em volume e qualidade, a demanda da populao por gros, cereais, fibras, hortalias,

    frutferas, espcies energticas e florestais. Para tanto, os melhoristas lanam mo de

    diferentes tcnicas: cruzamento controlado, seleo em populaes, engenharia gentica,

    1 Os conceitos de variedades e cultivares so alvos contnuos de discusses tcnicas. O termo cultivar originou-

    se do termo ingls cultivated variety. Assim, uma corrente de pesquisadores e tcnicos entende que as

    variedades so aquelas que surgem sem interferncia do homem, ao passo que as cultivares seriam resultantes de

    cruzamentos realizados pelo homem, dando origem a plantas utilizadas com fins econmicos. Para efeito deste

    trabalho, cultivar e variedade sero usados como sinnimos, em consonncia com a legislao brasileira,

    que dispe sobre a matria: Cultivar: a variedade de qualquer gnero ou espcie vegetal superior que seja

    claramente distinguvel de outras cultivares conhecidas por margem mnima de descritores, por sua denominao

    prpria, que seja homognea e estvel quanto aos descritores atravs de geraes sucessivas e seja de espcie

    passvel de uso pelo complexo agroflorestal, descrita em publicao especializada disponvel e acessvel ao

    pblico, bem como a linhagem componente de hbridos. (Lei de Proteo de Cultivares n. 9.456, de 25 de abril

    de 1997)

  • 6

    mutao, entre outras ao alcance da criatividade humana, para a obteno de novas cultivares

    que so comercializadas na forma de sementes e mudas2.

    Em geral, os programas de melhoramento gentico de plantas promovem inovao do tipo

    incremental3, porque se dedicam a aperfeioar variedades j utilizadas nos sistemas de cultivo.

    Porm, as contnuas mudanas ambientais, a migrao de espcies agrcolas para novas reas

    e o comportamento dinmico de pragas e doenas exigem da pesquisa esforo ininterrupto.

    Assim, os melhoristas valem-se da cincia e da criatividade para realizar recombinaes

    genticas, no s entre as cultivares reconhecidamente vantajosas, mas tambm com

    variedades no comerciais, chamadas de germoplasma4.

    Embora o sucesso da atividade agrcola no Brasil esteja muito atrelado s condies

    favorveis de solo e clima, confluncia de fatores econmicos, institucionais e capacidade

    empreendedora de grupos e indivduos, sua evoluo pode ser creditada, em boa parte,

    participao ativa da pesquisa geradora de tecnologia, seja ela realizada no setor pblico ou

    privado. Os agentes responsveis pela promoo e pelo desenvolvimento dos programas de

    melhoramento so conhecidos no meio agrcola como obtentores5.

    Obtentores possuem infraestrutura de campos, casas de vegetao e laboratrios, alm de

    propriedades ou contratos de arrendamento ou de parceria , para realizao de

    experimentos de adaptao em diversas localidades. Empregam especialistas em gentica,

    fitotecnia, entomologia, fitopatologia, biologia e em outras reas das cincias e, por

    2 Neste trabalho, ser considerado o conceito amplo de sementes estabelecido pela Lei de Sementes e Mudas, n.

    10.711, de 5 de agosto de 2003, que dispe que: material de reproduo vegetal de qualquer gnero, espcie

    ou cultivar, proveniente de reproduo sexuada ou assexuada, que tenha finalidade especfica de semeadura.

    Desse modo, englobam-se tambm as mudas, estacas, bulbos e tubrculos. 3 Inovao incremental definida por Cohen e Graham (2002) como o acrscimo de novas caractersticas aos

    produtos existentes, representando pequenos ajustes aos atuais. Outro conceito dado por Afuah (1998), que

    considera a inovao incremental como parte do conhecimento j existente, que requerido para oferecer um

    novo produto, contrapondo-se inovao do tipo radical, que necessita de conhecimento tecnolgico diferente

    do existente, resultando em um produto superior que no permite concorrente. 4 Germoplasma, em um sentido mais restrito, o conjunto de linhagens, hbridos ou populaes melhoradas que

    so preservadas para utilizao em programas de melhoramento (AVIANI, 2011). Tambm pode designar, de

    modo genrico, uma planta em seu estgio selvagem, porm devidamente caracterizada e catalogada por pessoa

    ou instituio. As colees de germoplasma so a matria-prima dos programas de melhoramento por

    englobarem o material hereditrio de uma espcie. 5 Ainda seguindo as definies da Lei de Proteo de Cultivares, obtentor considerado a pessoa fsica ou

    jurdica que obtiver nova cultivar. Ele pode ser, por exemplo, horticultor amador, agricultor, cientista, instituto

    de pesquisa em melhoramento vegetal ou empresa especializada no melhoramento de plantas, desde que tenha

    sido o patrocinador da atividade. , portanto, o detentor dos direitos patrimoniais sobre a cultivar. O termo difere

    conceitualmente de melhorista, que a pessoa fsica intelectualmente responsvel pelo desenvolvimento da

    nova cultivar e detentor dos direitos morais sobre ela (AVIANI, 2011, p. 37).

  • 7

    conjugao de esforos interdisciplinares, estabelecem as diretrizes dos programas de

    melhoramento que resultam nas novas cultivares.

    Uma vez eleitas para utilizao pelo sistema produtivo, as cultivares chegam aos agricultores

    por meio da multiplicao de suas sementes em escala comercial. A depender do volume e do

    local de adaptao do material, os obtentores realizam contratos de licenciamento com

    agricultores especializados em produo de sementes em larga escala. A comercializao das

    sementes aos agricultores comuns normalmente feita por representantes dos prprios

    obtentores, que podem optar tambm por celebrar contratos com os produtores de sementes

    para que realizem a venda diretamente aos agricultores. O tipo de envolvimento do obtentor

    nos mecanismos de comercializao indicativo do grau de monitoramento que ele exerce

    sobre o recolhimento de royalties a principal fonte de rendimentos das empresas de

    melhoramento e, consequentemente, do seu poder de controle sobre o mercado.

    O royalty a remunerao cobrada aos usurios de um dado produto, no caso as cultivares,

    pelo detentor de um direito exclusivo de propriedade reconhecido pelo Estado. No Brasil, esse

    direito pode ser concedido por diversos instrumentos legais, como, por exemplo, patentes,

    direitos de marcas, direitos de autores. No contexto deste trabalho, cabe ressaltar a

    importncia da proteo de cultivares, regulamentada pela Lei de Proteo de Cultivares -

    LPC n. 9.456, de 25 de abril de 1997. A LPC foi instituda com o objetivo de incentivar

    investimentos da iniciativa privada na pesquisa de melhoramento vegetal, outorgando o

    direito de explorao exclusiva aos obtentores de novas variedades no pas, por um perodo de

    15 a 18 anos. Vale lembrar que no s as organizaes privadas se beneficiam desse

    dispositivo, mas qualquer organizao que detenha direitos de proteo sobre cultivares. A

    Embrapa, atualmente, a empresa com maior nmero de cultivares protegidas no pas.

    Rodrigues e Campante (2012) estimam que, no Brasil, a captao de royalties pelas empresas

    detentoras de novas tecnologias genticas protegidas por direitos intelectuais foi de

    aproximadamente R$ 2,6 bilhes em 2012. Valor equivalente correspondeu ao movimento do

    mercado domstico de sementes. No h dvidas de que a liderana do Brasil no mercado

    mundial de caf, suco de laranja, acar, etanol, soja e algodo devida, em grande parte, s

    pesquisas em melhoramento vegetal. Em 2012, o agronegcio contribuiu com o montante de

    900 bilhes de reais para o Produto Interno Bruto do pas (CEPEA, 2013), estimado em 4,4

    trilhes de reais (IBGE, 2013).

  • 8

    Possas et al (1994) discorrem sobre a origem das inovaes na agricultura e categorizam os

    agentes em seis grupos, definidos em termos dos comportamentos na gerao e na difuso da

    inovao: (a) organizaes empresariais industriais de origem privada (a qual faz parte a

    indstria de sementes); (b) instituies de origem pblica (universidades, instituies de

    pesquisa e empresas pblicas de pesquisa); (c) origens privadas relacionadas s agroindstrias

    (agentes que atuam no processamento de alimentos); (d) organizaes coletivas de origem

    privada, sem fins lucrativos (que, mesmo no dependendo de lucros, exerce forte influncia

    competitiva em alguns mercados); (e) prestadores de servios de origem privada; e (f)

    unidades de produo agrcola (onde o agricultor responsvel pela gerao da inovao).

    Dentro das categorias apontadas destacam-se as organizaes dos tipos (a) e (b), que atuam na

    gerao de novas variedades vegetais no pas. As organizaes pblicas, do tipo (b),

    pertencentes s unidades estadual ou federal, caracterizam-se por dispor de ativos elevados,

    fruto de investimentos a longo prazo, mas, em contrapartida, enfrentam dificuldades para

    transpor barreiras burocrticas, inerentes ao setor, e para manter constante o fluxo de recursos

    para o desenvolvimento de seus programas de pesquisa.

    A pesquisa conduzida pela organizao do tipo (a), calcada em investimentos privados,

    apresenta maior liberdade tanto em nveis financeiros quanto em tomada de deciso, o que lhe

    confere agilidade administrativa. O setor privado formado por empresas nacionais e

    estrangeiras (ou transnacionais), que tm em comum o fato de concentrarem seus trabalhos de

    melhoramento em espcies agrcolas cujo material propagativo (sementes, mudas, tubrculos

    etc.) seja passvel de controle eficaz, pois o lucro sobre a comercializao desses insumos

    primrios que viabiliza seu sustento e crescimento, e possibilita a contnua retroalimentao

    do mercado com novos produtos. As empresas estrangeiras caracterizam-se pelos elevados

    investimentos em pesquisa e pelo constante aporte de novidades tecnolgicas. Essa

    capacidade resultante do desenvolvimento proporcionado pela viso estratgica, pela

    capacidade gerencial e pela atuao global. So altamente competitivas e, muitas vezes,

    atuam tambm no segmento da indstria qumica, o que amplia seu poder de negociao com

    os agricultores, por lidarem com pesticidas, outro insumo agrcola importante (COSTA;

    SANTANA, 2013).

    Empresas privadas de origem brasileira so iniciativas que geralmente partem de melhoristas

  • 9

    provenientes de organizaes pblicas, com elevada capacidade tcnica, que tm a seu favor a

    vivncia e facilidade para entender as necessidades dos agricultores, o conhecimento da

    dinmica agrcola, e boa insero em nvel local. Todavia, sua capacidade de trabalho

    tolhida, como pequenas e mdias empresas que so, pela difcil concorrncia com as grandes,

    que passam a definir o patamar de investimentos e de tecnologia para se firmarem no mercado

    (SCATOLIN et al, 2000).

    A terceira categoria que merece destaque na tipologia de Possas et al (1994) a organizao

    do tipo (d), que engloba aquelas pertencentes a grupos de agricultores, sendo-lhes peculiar o

    fato de apresentarem grande capacidade de investimento e de serem alvos de incentivos por

    parte do poder pblico. Os incentivos podem ocorrer por meio de isenes tributrias

    (conforme a natureza jurdica da organizao), aporte de recursos por convnios ou fundos

    especficos ou, ainda, pela facilitao de parcerias dessas organizaes com o setor pblico.

    Os casos mais frequentes de parceria dessas organizaes com o setor pblico ocorrem entre

    vrias Fundaes6, que firmam compromisso com a Embrapa no intuito de, entre outros

    objetivos, canalizar recursos financeiros para o custeio da pesquisa, promover a transferncia

    de tecnologia e divulgao das novas cultivares, viabilizar aporte parcial de recursos fsicos

    (propriedades rurais), de veculos, mquinas, equipamentos e recursos humanos e facilitar o

    recolhimento dos royalties alusivos utilizao das cultivares protegidas pela Embrapa

    (FUCK; BONACELLI, 2007). Tomando-se os objetivos elencados, a pesquisa em si no

    consta como atividade finalstica dessas organizaes, de forma que no sero objeto de

    anlise desta investigao.

    O escopo analtico do presente estudo restringe-se s organizaes fruto de aes coletivas7

    de agricultores brasileiros que, por razes a serem investigadas, foram impelidos a ingressar

    no setor de inovao em gentica de sementes e continuam atuando como agentes, e gerando

    resultados na forma de cultivares protegidas.

    6 Fuck e Bonacelli (2007) citam algumas dessas fundaes: Fundao Pr-Sementes (RS), Fundao Meridional

    (PR); Fundao Vegetal (MS); Fundao Tringulo (MG); CTPA - Centro Tecnolgico para Pesquisas

    Agropecurias (GO); FAPCEN - Fundao de Apoio Pesquisa do Corredor de Exportao Norte Irineu

    Alcides Bays (MA); Fundao Centro Oeste (MT); Fundao Bahia (BA); EPAMIG - Empresa de Pesquisa

    Agropecuria de Minas Gerais (MG); e Agncia Rural (GO). 7 Em um sentido amplo, pode-se entender ao coletiva como sendo a associao voluntria de pessoas que

    compartilham interesses, podendo representar a possibilidade de atuar na soluo de problemas em escala local,

    nacional ou global. O conceito de ao coletiva transcende as organizaes formais, representadas geralmente

    por associaes e cooperativas, podendo assumir a forma de grupos informais engajados em esforos coletivos,

    como para realizar um mutiro, ou fazer lobby poltico (SANGLARD; SANTOS, 2013).

  • 10

    Em Lgica da Ao Coletiva, Mancur Olson (2011) busca explicar o comportamento de

    indivduos racionais que se associam para a obteno de algum benefcio coletivo, por meio

    da avaliao de que o custo dos esforos (como tempo, dinheiro, etc.) seria inferior aos

    resultados alcanados. Alm disso, o autor argumenta que o incentivo econmico no seria a

    nica motivao dos indivduos que agem em grupo, pois haveria interesse tambm em

    alcanar objetivos sociais e psicolgicos, entre outras recompensas (WILLER, 2009; OLSON,

    2011).

    Adicionalmente teoria de Olson, outros referenciais utilizados para confrontar os achados

    desta investigao so fundamentados na Teoria dos Custos de Transao (TCT), abordada

    com maior profundidade por autores como Coase (1960), Williamson (1985, 1991, 1996),

    North (2011) e Zylbersztajn (1995). Nesse sentido, as mudanas institucionais, decorridas da

    crise econmica das dcadas de 1980 e 1990, podem ter induzido o surgimento das

    organizaes estudadas. Do mesmo modo, luz da TCT, a mudana na configurao dos

    agentes do segmento de melhoramento vegetal, no mbito da indstria sementeira, pode ser

    considerada como resultado das estratgias de competio entre as organizaes.

    Ideias nesse sentido podem ainda ser consideradas a partir de uma anlise menos ortodoxa,

    conforme proposto por Machado-da-Silva e Fonseca (2010), que apresentam um conceito de

    competitividade que abrange noes de tempo e de expectativas, segundo o qual se pode

    observar o surgimento das organizaes coletivas como um fator de ajuste s circunstncias

    ambientais. Esses autores elegeram, para seus estudos, a abordagem da ecologia populacional

    em cuja perspectiva a competitividade vista como um tipo de relao permeada pela

    disputa entre organizaes, ou populaes de organizaes, por recursos escassos, mas

    essenciais a sua sobrevivncia (p. 35). Desse modo, a anlise conduzida por esta

    investigao permitir entender se as organizaes coletivas so uma estratgia delineada

    pelos agricultores para participarem como competidores no mercado de sementes ou para

    servirem como um poderoso instrumento de barganha com os fornecedores de sementes,

    sendo possvel, tambm, ocorrer as duas hipteses simultaneamente.

    Dados o contexto da pesquisa e o referencial terico em que se pretende assentar as anlises,

    tem-se uma premissa central, baseada em Olson (op. cit., p. 53-65), de que, ao ingressarem

    numa ao coletiva, os indivduos esperam obter ganhos superiores aos que poderiam obter se

  • 11

    agissem isoladamente. Outra premissa que permeia este trabalho parte do princpio de que h

    uma tendncia internalizao de transaes quando ocorrem em ambiente de incerteza, por

    meio da adoo de estratgias mitigadoras dos custos dessas transaes.

    Procurou-se abordar nesta seo os elementos que constituiro a base do presente trabalho de

    pesquisa. Ao melhoramento vegetal, atividade econmica geradora de inovaes incrementais

    sob a forma de novas cultivares, atribui-se boa parte do sucesso da agricultura do pas, em

    razo da disperso geogrfica dos cultivos, da reduo de custos e do incremento de

    produo. Entre organizaes pblicas e privadas que operam neste segmento integrantes

    dos primeiros elos de todos os sistemas de cadeias agroindustriais destacam-se aquelas

    criadas e mantidas por grupos de agricultores, que disputam mercado com grandes empresas

    transnacionais de sementes. Nesse contexto, gerar e adquirir direito de propriedade sobre as

    cultivares um importante indicativo do nvel de controle que pode ser exercido pelas

    organizaes sobre a semente principal insumo da agricultura , conferindo-lhes alta

    influncia sobre as cadeias agrcolas. Dessa forma, torna-se fundamental a observao

    sistemtica dos tipos de organizaes atuantes nesse setor, bem como o acompanhamento do

    comportamento desses agentes.

    1.2 Questo de pesquisa

    A partir de evidncias de iniciativas de agricultores em financiar diretamente pesquisas em

    melhoramento vegetal, em vez de apenas se utilizar da inovao disponibilizada por

    obtentores especializados, surge o seguinte questionamento:

    Quais os incentivos para as organizaes coletivas

    se dedicarem ao melhoramento vegetal?

    Por meio de relatos orais e registros documentais, busca-se identificar as motivaes, ou

    mudanas conjunturais, que resultaram na fundao de organizaes de propriedade coletiva,

    que atuam como aes coletivas, cujo negcio principal seria a promoo de pesquisas em

    melhoramento vegetal. As explicaes sero extradas de vertentes tericas que se dedicam a

    analisar os contextos organizacionais e institucionais.

  • 12

    1.3 Objetivos do estudo

    As seguintes hipteses sero apreciadas no decorrer da anlise dos casos apresentados por

    esta investigao:

    Hiptese 1 - As organizaes coletivas so estratgias dos agricultores para competir com

    outras empresas no mercado de sementes;

    Hiptese 2 - As organizaes coletivas so instrumentos de barganha dos agricultores diante

    das grande empresas sementeiras.

    Por meio da anlise da atividade de melhoramento de novas variedades vegetais, esta

    investigao tem como objetivo geral compreender os fatores que estimulam os agricultores

    brasileiros a tomarem aes coletivas e tornarem-se mantenedores de empresas especializadas

    em melhoramento de plantas.

    Para atingir o objetivo geral, sero buscados os seguintes objetivos especficos:

    (a) descrever as organizaes coletivas que promovem o melhoramento vegetal no pas;

    (b) relatar mudanas institucionais e econmicas que possam ter desencadeado aes

    coletivas focadas no melhoramento vegetal;

    (c) detectar, sob a tica de lideranas, as motivaes para o surgimento das organizaes

    coletivas voltadas para o melhoramento vegetal;

    (d) identificar incentivos atuais para as organizaes coletivas manterem a atividade de

    melhoramento vegetal; e

    (e) compreender a dinmica de funcionamento e estratgias desenvolvidas pelas organizaes

    coletivas.

    1.4 Definies operacionais

    Os seguintes conceitos foram adotados para fins desta investigao:

    Ambiente institucional: conjunto de regras bsicas sociais e culturais que definem

    caractersticas comportamentais individuais e coletivas, alm dos sistemas legais de soluo

  • 13

    de disputas e as polticas macroeconmicas, tarifrias, tributrias, comerciais e setoriais

    adotadas pelo governo, parceiros e concorrentes, que estabelecem as bases para a produo,

    troca e a distribuio.

    Ambiente legal: implementao de regulamentos em nvel estadual ou nacional que

    influenciam o comportamento da sociedade, dos indivduos ou das organizaes que nela

    esto inseridos.

    Arranjo organizacional: organizao interna de uma firma envolvendo a coordenao das

    atividades, hierarquia, procedimentos, monitoramento e estratgia cuja definio associada

    a: reduo de risco, economia de escala, racionalizao no uso de recursos, transferncia

    tecnolgica, competio, exigncias governamentais, barreiras comerciais, realizao de

    parceria, criao de valor, entre outros.

    Atuao do estado: ao do governo no sentido de modificar o curso da economia ou do

    mercado, seja por meio de controle da moeda, polticas de preo mnimo, financiamento, ou

    de substituio da iniciativa privada em atividades produtivas que inexistam ou sejam

    passveis de risco.

    Concentrao do mercado: diz respeito parcela de mercado abrangida por um nmero

    relativamente reduzido de empresas em um dado setor da economia ou mercado individual.

    Ser analisada a partir de uma viso dinmica, observando suas variaes ao longo de um

    determinado perodo de tempo. Seus efeitos sero estudados tanto com relao ao nmero de

    firmas envolvidas no processo de gerao de novas cultivares quanto no que concerne s

    desigualdades, capacidade de inovao e barreira entrada de novas empresas.

    Concorrncia: corresponde situao de um mercado em que os diferentes

    produtores/vendedores de um determinado bem ou servio atuam de forma independente face

    aos compradores/consumidores, com vista a alcanar um objetivo para o seu negcio lucros,

    vendas e/ou quota de mercado utilizando diferentes instrumentos, tais como os preos, a

    qualidade dos produtos, os servios aps venda. um estado dinmico de um mercado que

    estimula as empresas a investir e a inovar com vista maximizao dos seus ganhos e ao

    aproveitamento timo dos recursos escassos disponveis.

  • 14

    Custo de transao: termo criado por Ronald Coase para designar o dinheiro ou tempo

    perdido que um comprador ou vendedor gastam no mercado, alm do preo ou custo de

    produo, tendo em vista burocracias, dificuldades de acesso informao (assimetrias),

    impostos, inseguranas e falta de garantias.

    Estrutura de mercado: espao econmico formado pelo conjunto de agentes responsveis pelo

    melhoramento vegetal de cultivares e pelas negociaes de sementes no mbito do Brasil.

    Incerteza: grau de imprevisibilidade das mudanas, que emerge na tomada de deciso relativa

    s estratgias ou aos planos feitos pelos concorrentes, e que afetado pelas contingncias

    ambientais resultantes das aes aleatrias da natureza , pela falta de informaes, ou pelo

    oportunismo.

    Inovao: desenvolvimento ou melhora significativa de cultivares que atendam aos requisitos

    legais de novidade, distinguibilidade, homogeneidade e estabilidade e sejam registradas junto

    ao Ministrio da Agricultura.

    Organizaes coletivas para melhoramento vegetal: entidades pertencentes a um grupo de

    agricultores ou produtores de sementes atuantes em territrio nacional, cujo objetivo realizar

    pesquisa para melhoramento vegetal de espcies agrcolas. Para fins desta investigao, sero

    consideradas equivalentes a aes coletivas.

    Poder de barganha do consumidor: uma das cinco foras de Porter, e definida pela

    capacidade de barganha dos agricultores para com as empresas do setor de sementes. Esta

    fora competitiva tem a ver com o poder de deciso dos compradores sobre os atributos do

    produto, principalmente quanto a preo e qualidade. Os consumidores podem exigir mais

    qualidade por um menor preo ou pode forar os preos para baixo, jogando os concorrentes

    uns contra os outros.

    Recompensa: ganho compensatrio esperado pelo indivduo em retribuio colaborao

    com a ao coletiva.

    Transformaes econmicas: resultado da combinao de fatores internos ou externos,

    polticos ou estruturais, que implicaram mudanas macroeconmicas e resultaram em ruptura

    do modo de operar dos agentes econmicos.

  • 15

    1.5 Justificativa e contribuies

    Observa-se uma abundncia de estudos sobre aes coletivas em pequenas comunidades do

    meio rural ou de agricultores menos favorecidos economicamente, em regimes de gerao de

    bens ou de preservao de recursos naturais de uso comum8. As aes coletivas voltadas para

    as atividades agrcolas so principalmente investigadas sob o aspecto da influncia poltica,

    ou econmica, de grupos em defesa de seus interesses, notadamente conhecidas como

    atividades de lobby (IGLCIAS, 2007), que vo desde disputas por terras at intervenes no

    comrcio internacional. razoavelmente explorado tambm, do ponto de vista cientfico, o

    papel das organizaes coletivas como difusoras de tecnologia, para a compra de insumos e

    na comercializao da produo (CHADDAD et al, 1999; MARTINELLI, 2004). Porm,

    pouco se conhece sobre aes coletivas diretamente implicadas na inovao de produtos, cuja

    essncia se situa na confluncia de uma associao de produtores e de uma empresa voltada

    para o mercado. Portanto, no sentido de agregar conhecimento aos estudos sobre as

    organizaes coletivas para fins de inovao que este estudo busca contribuir.

    Desse modo, pretende-se abordar o ponto de vista dos sujeitos envolvidos na constituio das

    organizaes brasileiras mantidas por agricultores e identificar as percepes sobre as

    motivaes que os impeliram a ingressar como agentes do segmento de inovao em gentica

    de sementes.

    Em um pas de base agrcola como o Brasil, torna-se essencial o desenvolvimento de

    organizaes fortes, sobretudo no que se refere ocupao de posies sensveis nas cadeias

    produtivas. As organizaes contempladas neste estudo tm papel fundamental no mercado de

    sementes, por vezes superando a pesquisa pblica nacional, e grande potencial competitivo

    diante das empresas transnacionais, cuja participao no mercado internacional de sementes

    mundial crescente. Conhecer as motivaes para esse tipo de ao coletiva pode auxiliar no

    aperfeioamento de mecanismos institucionais que fortaleam, haja vista a importncia dessas

    8 Apesar de no ter sido realizado uma pesquisa bibliomtrica sobre o assunto, observou-se, por ocasio da

    pesquisa documental para este trabalho com buscas restritas a temticas da agricultura e da pesquisa agrcola ,

    que a maior parte dos estudos sobre as aes coletivas versa sobre cooperativas, associaes ou, ainda, grupos

    informais em pequenas comunidades. Via de regra esses estudos so conduzidos com abordagem

    desenvolvimentista, com cunho social ou ambiental. Foram identificados em menor nmero, porm, com grande

    expressividade, estudos voltados analise de aes coletivas engajadas no lobby de categorias produtivas.

  • 16

    aes do ponto de vista estratgico para o agronegcio do pas, o que justifica, assim, a

    presente investigao.

    1.6 Organizao do estudo

    O presente documento reporta-se a uma pesquisa realizada entre os anos de 2013 e 2014, e

    est divido em seis partes. A introduo apresenta a temtica a ser tratada, o intuito da

    dissertao, a questo de pesquisa, seus objetivos e justificativas que a amparam. Segue-se

    introduo, a segunda parte que traz um levantamento de literatura com enfoque histrico

    sobre o agronegcio e as transformaes econmicas e institucionais que o afetaram na

    dcada de 1990, bem como uma reviso terica sobre o papel do ambiente institucional e a

    dinmica de surgimento das organizaes coletivas. A terceira parte discorre sobre o

    segmento de melhoramento vegetal do pas, a fim de situar a questo pesquisada no contexto

    nacional. Na quarta parte so descritos os procedimentos metodolgicos utilizados, tais como

    as variveis que sero consideradas para anlise da questo enfocada, o universo a ser

    pesquisado, a forma de coleta e de anlise dos dados. A parte cinco apresenta as organizaes

    estudadas e analisa as percepes obtidas nas entrevistas realizadas com alguns de seus

    dirigentes, combinando os fatos com o referencial terico. As consideraes finais so

    expressas na parte seis com as concluses, limitaes da pesquisa e recomendaes para

    investigaes futuras. Por fim, listam-se as referncias bibliogrficas consultadas ao longo da

    investigao.

  • 17

    2 REVISO DE LITERATURA

    2.1 O agronegcio no Brasil

    O fenmeno das aes coletivas evidenciadas por este trabalho ocorre no contexto do

    agronegcio. O conceito de agribusiness foi apresentado nos Estados Unidos da Amrica em

    1957 por Davis e Goldberg para definir a soma total das operaes de produo e

    distribuio de suprimentos agrcolas; as operaes de produo nas unidades agrcolas; e o

    armazenamento, o processamento e a distribuio dos produtos agrcolas, e itens produzidos

    com eles. No Brasil foi convertido para o termo agronegcio e, a partir da dcada de 1990,

    consolidou-se com sua acepo atual, ao ser usado por Ney Bittencourt Arajo, Ivan Wedekin

    e Luiz A. Pinazza (1990) e outros autores renomados, como A. Kageyama (1990) e Jos

    Graziano da Silva (1991), em virtude de sua capacidade em representar, em termos de anlise

    econmica, a abordagem intersetorial agricultura-indstria (HEREDIA, 2010).

    Arajo et al (1990) sustentam que o agronegcio engloba os fornecedores de bens e servios,

    os produtores rurais, os processadores, os transformadores e os distribuidores envolvidos na

    gerao e no fluxo dos produtos agrcolas at o consumidor final. Os autores consideram que

    participam tambm desse complexo os agentes que influenciam e coordenam o fluxo dos

    produtos, tais como, o governo, os mercados, as entidades comerciais, financeiras e de

    servios.

    Farina e Zylbersztajn (1996) abordam o sistema agroindustrial como uma sequncia

    encadeada de atividades montante (de dentro ou anterior fazenda) e jusante (para fora da

    fazenda), ou seja, um nexo de contratos que abrangem segmentos antes, dentro e depois da

    porteira. So considerados por Amaral et al (2003) como pioneiros em anlises do

    agronegcio do ponto de vista sistmico, importantes para o apoio tomada de decises

    corporativas (p. 67). A viso sistmica caracterizada pelo nvel de agregao dada

    atividade produtiva, no mais segmentada em setores agrcola, industrial e de servios, mas

    integrada a esses setores. Caracteriza-se tambm pela incluso das instituies como varivel

    no neutra (FARINA; ZYLBERSZTAJN, 1996). Como consequncia, Mendes (2006, p. 312)

  • 18

    destaca a importncia da estabilidade institucional para garantia do cumprimento dos

    contratos e da legalidade das relaes para o desempenho do sistema.

    A designao de agronegcio tambm aplicada por Jank (2005) aos sistemas integrados de

    produo de alimentos, fibras e biomassa, desde o melhoramento gentico at o produto final,

    no qual se devem inserir os agentes que se propem a produzir matrias-primas agropecurias,

    sejam eles pequenos ou grandes produtores.

    Grynszpan (2012), em uma anlise crtica sobre o conceito de agronegcio, assinala que a

    terminologia passou a denominar uma categoria de aglutinao e de identificao de agentes e

    instituies diversos, posicionados em diferentes setores da economia no restritos ao mundo

    rural, sendo hoje um ente social que enseja polticas pblicas e que se transforma ao longo

    do tempo. Essa conotao abrangente ressalta o feixe de transaes relacionais do universo

    enfocado por este trabalho.

    Na viso de Jank et al (2004, p.15) o agronegcio apresentou taxas elevadas de crescimento a

    partir de 1999 quando a poltica de cmbio flutuante trouxe nimo aos agricultores, em

    decorrncia da alta internacional dos preos aliada ao crescimento exponencial da demanda

    dos pases asiticos, em especial a China. Segundo os autores, a relevncia desse complexo

    para a economia nacional pode ser medida por indicadores da magnitude de um Produto

    Interno Bruto (PIB) setorial de US$ 165 bilhes, ou 31% do total das riquezas produzidas no

    pas, mo de obra empregada correspondente a 35% da populao economicamente ativa e

    uma participao de 42% nas exportaes brasileiras.

    Este estudo ocorre no mbito da cadeia de produo de sementes, um sistema especializado,

    com peculiaridades inerentes a cada espcie agrcola e elo primrio de todo sistema

    agroindustrial (SAG), visto que qualquer matria-prima agrcola produzida a partir de

    sementes. A investigao emprica concentra-se na observao do dobramento da cadeia,

    ou seja, uma situao em que agentes a jusante mantm sua posio no fluxo de produo,

    porm passam a atuar na gerao de um insumo primrio, a variedade vegetal. Desse modo,

    esses agentes estariam ampliando o controle sobre novos meios de produo e,

    consequentemente, o poder de barganha sobre os demais agentes que concorrem na produo

    desse insumo, como ser visto.

  • 19

    2.2 Transformaes econmicas e institucionais

    No Brasil, a dcada de 1990 foi marcada por uma srie de transformaes institucionais,

    notadamente a diminuio da influncia que o governo exercia sobre o mercado, que alterou o

    funcionamento e a forma de relacionamento das organizaes. Segundo Castillo (2007, p. 22),

    o perodo de consolidao da produo de commodities nas regies de fronteira agrcola do

    pas inicia-se a partir de 1980. O autor atribui a mudana na forma de interveno no setor

    agrcola crise fiscal do Estado brasileiro. Considera tambm que polticas neoliberais, como

    privatizaes, concesses, diminuio dos subsdios e abertura comercial conduziram a novas

    formas de relaes entre os agentes produtivos, sobretudo quando voltadas s exportaes e

    constata ter havido a transferncia do comando do Estado sobre os circuitos espaciais

    produtivos para as grandes empresas do agronegcio.

    Gasques et al (2004) descrevem com mais detalhes o contexto das polticas governamentais e

    as transformaes macroeconmicas determinantes para a consolidao da agricultura nos

    moldes atuais. A poltica intervencionista do governo, visvel nas dcadas de 1960 a 1980,

    oscilava em intensidade e compreendeu diversas medidas (desde o crdito rural subsidiado at

    a poltica de garantia de preos mnimos) que foram gradativamente abandonadas em razo

    das crises da dvida externa e interna, causadas pela exigncia de ajuste fiscal por parte do

    Fundo Monetrio Internacional. Paralelamente a isso, intensificou-se o processo de abertura

    da economia brasileira na dcada de 1990. Mudanas econmicas e de polticas

    governamentais ocorridas a partir de ento foram balizadas por duas condicionantes:

    limitao dos gastos governamentais e maior exposio da agricultura brasileira ao comrcio

    internacional (p. 18). A agricultura, assim como os demais setores da economia, sofreu

    sucessivas oscilaes de crescimento provocadas pelos planos econmicos, os quais, a partir

    de 1986, passam a servir de base para a poltica de combate inflao no Brasil. A dvida

    agrcola foi estagnada somente com a estabilizao do Plano Real na safra 1995/1996, quando

    tambm se iniciaram as renegociaes e se abriu caminho para a retomada dos investimentos

    no setor. Os autores tambm destacam os reflexos da abertura comercial e da

    desregulamentao de setores importantes:

    A maior concorrncia vinda do exterior, decorrente da maior abertura comercial e da taxa de

    cmbio valorizada, atingiu o setor agrcola como um todo e foi magnificada em razo da maior

    exposio de nossos mercados aos pases do Mercosul. Note-se, ainda, que ocorreu tambm um

    aumento do grau de concorrncia dentro do setor e entre o setor agrcola e os demais setores da

    economia, graas sada do governo dos setores de acar e lcool, caf, leite e trigo, o que

  • 20

    permitiu um desenvolvimento mais livre das relaes entre o setor agrcola stricto sensu e os

    demais setores comerciais e industriais a jusante e a montante da agricultura. (grifos dos autores)

    Na sequncia, Gasques et al (op. cit.) relatam que, a partir de 1999, houve um efeito benfico

    da desvalorizao cambial na rentabilidade da agricultura, no to visvel de imediato, porm

    importante para a gradual capitalizao dos agricultores. Os autores buscam outros fatores

    que simultaneamente explicam o sucesso do agronegcio. So eles:

    (a) Pesquisa e desenvolvimento, que contriburam de forma decisiva para o aumento da

    produtividade agrcola e pecuria nos ltimos anos e mantiveram crescente a oferta de

    produtos e matrias-primas, com pequena ampliao da rea explorada. Destacava-se a

    Embrapa como principal agente promotor de incorporaes tecnolgicas na agricultura, muito

    embora essa atuao muitas vezes fosse compartilhada com outras instituies pblicas e

    privadas de pesquisa. Os ganhos produtivos mais relevantes deveram-se ao desenvolvimento

    de novas variedades, e essa atividade foi atribuda em grande parte atuao do setor privado

    sozinho ou em parcerias com o setor pblico (ALTON, 2001, apud GASGUES, 2004, p. 27).

    (b) Financiamento do agronegcio, marcado pelas mudanas de fontes de recursos, de tipos

    de instrumentos utilizados e de instituies de crdito. De modo geral, os custos relativos para

    os produtores do segmento agropecurio eram considerados elevados. Os autores consideram

    que a participao da agroindstria no financiamento de insumos foi um dos principais fatores

    responsveis pelo impulso das atividades do agronegcio, no que se refere ao crdito de

    custeio, assim como a agilidade introduzida nas operaes de financiamento. Mas ressaltam

    que a retomada do crdito de investimento foi mais importante.

    (c) Organizao do agronegcio, que, aliada s polticas macroeconmicas, setoriais e de

    tecnologia, assinalada como um fator essencial para o sucesso. Envolve basicamente a

    capacidade de articulao em busca de vantagens comparativas construdas principalmente

    pela tecnologia e pela inovao, e no pelo menor custo dos fatores (WEDEKIN, 2002, apud

    GASGUES, 2004, p. 27). Alm desse esforo, a estratgia adotada, de diferenciao de

    produtos e de servios, decisiva na competitividade do agronegcio. Nesse caso, procura-se

    oferecer novos produtos e agregar valor s commodities tradicionais, por meio da qualidade e

    da incorporao de novos atributos.

    Vale mencionar, para o caso especfico da pesquisa em melhoramento vegetal, a mobilizao

  • 21

    feita, por volta de 1997, por grupos de agricultores, em unidades federativas de forte

    economia agrcola, para a criao de fundos para captura de parte de impostos gerados pela

    produo com o objetivo de serem aplicados no desenvolvimento de pesquisa para a gerao

    de tecnologias adaptadas cada regio. Houve, deste modo, a criao do Fundo para o

    Desenvolvimento da Pesquisa do Trigo - FDPT e do Fundo de Apoio Cultura do Algodo -

    Facual9 importantes coadjuvantes para o fomento de algumas das organizaes coletivas.

    2.3 A adaptao das organizaes ao ambiente institucional

    Alfred Chandler (1962) afirma que a estrutura da organizao reflete a estratgia moldada

    conforme o ambiente institucional e os recursos disponveis. Essa lgica pode ser percebida

    no aparecimento de aes coletivas concebidas por agricultores para a gerao de tecnologia

    no Brasil em fins da dcada de 1990, momento em que ocorreram mudanas no papel do

    Estado e no ambiente competitivo das corporaes (ZYLBERSZTAJN; MACHADO FILHO,

    1998).

    Para Douglass North (2011, p. 3-5), instituies so as regras de jogo da sociedade, mais

    especificamente, aparatos formais tais como normas elaboradas e informais como

    cdigos de comportamento concebidos para restringir e moldar as interaes entre as

    pessoas. A evoluo dessas regras reflete a crena dos indivduos que, atuando de modo

    conjunto, constituem organizaes que, por sua vez, influenciam as instituies. A

    cooperao entre agricultores com interesses voltados para a sustentao e o crescimento de

    suas atividades e os consequentes efeitos nas instituies, pode ser analisada pela tica de

    North, que se utiliza da teoria das aes coletivas preconizada por Mancur Olson ,

    associada teoria dos custos de transao proposta por Ronald Coase e defendida por

    Oliver Williamson.

    Na concepo de North (op. cit.), as organizaes contempladas por este estudo estariam

    9 O Fundo para o Desenvolvimento da Pesquisa do Trigo - FDPT era administrado pelo Banco do Brasil, existiu entre 1966 e 1990, e era composto de 0,2 a 0,4% do valor pago pelo governo aos agricultores na compra do trigo

    contribuio conpulsria para a pesquisa do trigo. O Fundo de Apoio Cultura do Algodo - Facual, formado

    por recursos advindos da renncia fiscal do ICMS recolhido pelos agricultores pela venda do algodo em

    algumas Unidades da Federao - MT, GO e BA - e revertido pelo governo estadual em financiamento pesquisa de melhoramento gentico do algodo, ao treinamento de mo de obra e promoo da cotonicultura.

  • 22

    sujeitas aos reflexos das transformaes institucionais, em que as restries gerariam

    oportunidades (KNIGHT, 1964). Segundo Coase (1960), na tentativa de reduzir os custos

    embutidos nas negociaes de mercado, as firmas internalizam algumas etapas produtivas. A

    concretizao dessas negociaes depende de contratos, sendo as organizaes, portanto,

    um conjunto de contratos. Dada a existncia de custos de transao, tambm necessrio

    compreender como eles contribuem para a escolha da forma de coordenao dos recursos e

    como isso pode impactar no desempenho econmico e formam arranjos institucionais. Com

    esse entendimento, Coase inaugura a Economia dos Custos de Transao (ECT), cuja unidade

    de anlise a transao, para abordar o problema da economia das organizaes como um

    problema de contratao (WILLIAMSON, 1985).

    Para compreenso da ECT, Williamson (op. cit.) define alguns pressupostos

    comportamentais. O primeiro pressuposto a racionalidade limitada, qual apesar de o

    agente econmico desejar a otimizao dos recursos, ele no consegue alcanar

    (ZYLBERSZTAJN, 1995). O outro pressuposto tratado pelo autor o oportunismo, que

    permite aos agentes agir por interesses prprios, contrrios outra parte contratante, antes da

    transao ocorrer ou durante a vigncia do contrato.

    Dados esses pressupostos, Williamson (op. cit.) descreve as dimenses que cada transao

    apresenta e como elas se relacionam com a escolha da forma de coordenao, ou governana.

    A primeira dimenso a frequncia das transaes, que possibilita a construo de

    reputao entre os agentes e dilui os custos de adoo de um mecanismo complexo pela

    ocorrncia de vrias transaes. Outra dimenso das transaes a incerteza, cujo conceito

    aplicado s contingncias no previsveis que podem surgir em uma transao.

    A dimenso que tem motivado o maior nmero de estudos a especificidade de ativos10

    .

    Investimentos em ativos especficos podem resultar em apropriao de valor por uma das

    partes, ocorrendo o que se conhece por problema de hold up quando uma das partes de uma

    relao contratual se comporta de forma oportunista diante dos investimentos especficos

    realizados pela outra parte. Como a parte que fez o investimento especfico no consegue

    converter o ativo para outra finalidade sem perda de valor, a outra parte fora uma

    10

    O conceito de ativo especfico pode ser aplicado quando um determinado ativo no consegue ser realocado em

    outra atividade sem que haja perda de valor. Assim, o valor do ativo depende da continuidade da transao.

    Quanto maior o grau de especificidade, maior a necessidade de salvaguardas para evitar o comportamento

    oportunstico da outra parte.

  • 23

    renegociao em que se apropria da quase renda da parte que realizou os investimentos.

    Williamson (1985) relaciona a forma de governana com o grau de especificidade dos ativos

    envolvidos nas transaes. Quando o ativo pouco especfico, o mercado a forma de

    coordenao que apresenta o menor custo. A partir do momento em que a especificidade

    aumenta, chegando a um nvel mdio, a forma hbrida (por exemplo, contratos de

    terceirizao) a forma de coordenao minimizadora dos custos. No entanto, quando a

    especificidade do ativo muito alta, trazer a atividade para dentro da empresa passa a ser uma

    soluo. Esse cenrio de hierarquia, ou integrao vertical, a melhor alternativa para evitar

    comportamentos oportunistas de apropriao de renda e minimizar os custos.

    O ambiente institucional tambm foi descrito por Williamson (op. cit.) como o conjunto de

    regras bsicas sociais e culturais, de sistemas legais para soluo de disputas e de polticas

    macroeconmicas, tarifrias, tributrias, comerciais e setoriais adotadas por governo,

    parceiros e concorrentes, que estabelecem as bases para a produo, a troca e a distribuio e

    que definem as caractersticas comportamentais individuais e coletivas.

    Os arranjos institucionais em curso podem facilitar ou dificultar o desenvolvimento

    econmico de setores da economia e afetar a forma com que suas organizaes operam em

    ambiente competitivo. No entendimento de Coase (1960), o processo de coordenao no se

    baseia somente na racionalidade dos agentes, mas nos contratos entre eles e, sobretudo, leva

    em conta os custos de transao percebidos e a incompletude das informaes.

    Em meio incerteza, as estratgias de organizao do setor produtivo voltam-se para a

    criao de condies de mercado favorveis aos seus agentes. No contexto do agronegcio, as

    cooperaes ocorrem, geralmente, com o objetivo de facilitar o acesso aos fatores de

    produo terra, insumo, crdito ou ainda, no outro extremo da cadeia, como forma de

    agregar vantagem na comercializao dos produtos. Na agricultura, associaes com fins

    produtivos podem tambm surgir para viabilizar ou reduzir o custo da adoo de novas

    tecnologias. Por exemplo, comum que produtores menos capitalizados que desejem acessar

    equipamentos mais modernos o faam atravs da compra conjunta e do uso compartilhado.

    Assim, no processo de incorporao de inovaes, intensificam-se os relacionamentos e

    consequentemente h fortalecimento das cadeias produtivas (SZAFIR-GOLDSTEIN;

    TOLEDO, 2004).

  • 24

    No estgio atual da agricultura, as sementes se comportam como principal meio de aporte de

    novas tecnologias. Seja por meio de cruzamentos convencionais ou pelo uso de engenharia

    gentica, o melhoramento vegetal a forma mais eficaz de elevar a produtividade das

    culturas, adapt-las a diferentes condies climticas, aperfeioar o sistema de manejo, criar

    resistncia a pragas e adequar-se s exigncias do mercado. Atuar no ramo de obtenes de

    novas variedades, no entanto, requer elevados investimentos especficos, sendo esta uma das

    principais razes para a grande concentrao da atividade nas mos do Estado. Poucas

    empresas privadas tm capacidade de operar nessa rea haja vista o risco e o retorno a longo

    prazo.

    As motivaes para a atuao de organizaes de propriedade coletiva representam um

    fenmeno cuja observao se faz importante para trazer tona os efeitos das mudanas

    institucionais no setor de inovao em gentica de sementes, o que impulsiona transformaes

    nas estruturas de governana convencionais e afeta as relaes e estratgias de mercado,

    evidenciando uma terceira fora constituda pelo agrupamento de agricultores em um

    ambiente onde os principais agentes so tradicionalmente as estatais e as empresas

    multinacionais.

    Num cenrio em que a expanso da agricultura e o crescente nvel de profissionalizao no

    setor resultava em presso por nova tecnologia cuja demanda no era suportada

    exclusivamente pelo setor pblico o Estado adotou a estratgia de incentivar a entrada de

    empresas em pesquisa na gerao de novas cultivares, cujo retorno comercial seria favorecido

    pelo aperfeioamento das normas legais de produo de sementes e de direitos propriedade

    intelectual11

    . Como ganhos adjacentes, encurtava-se o tempo de gerao de novos materiais e

    desonerava-se o governo de gastos adicionais com pesquisas.

    Em 1997, ano em que foi sancionada a Lei de Proteo de Cultivares, Avila (1997) sugeriu

    haver conexo entre o aumento da participao de organizaes privadas na pesquisa agrcola

    e a sua implementao. Anos depois, Vieira, Ribeiro e Carvalho (2013) reforam esse

    11

    O setor de sementes no Brasil basicamente regido por quatro marcos legais: MP n 2.186-16, de 23 de agosto

    de 2001, que dispe sobre o acesso ao patrimnio gentico; Lei n 11.105, de 24 de maro de 2005, de

    Biossegurana; Lei n 9.456, de 25 de abril de 2007, a Lei de Proteo de Cultivares (LPC); e Lei n 10.711, de 5

    de agosto de 2003, conhecida como Lei de Sementes e Mudas. As duas ltimas, complementadas pelos seus

    respectivos regulamentos estabelecem as bases para a organizao da produo e comrcio de sementes no pas.

  • 25

    prognstico, considerando estratgica a influncia dos marcos legais de propriedade

    intelectual na dinmica de inovao da agricultura por contribuirem para intensificar os

    investimentos no setor. Em especial, citam que a partir da promulgao da Lei de Proteo de

    Cultivares foi possvel observar simultaneamente ao fortalecimento institucional da pesquisa

    pblica, uma maior coordenao entre os entes envolvidos na pesquisa agropecuria,

    nacionais e estrangeiros. Os investimentos privados para melhoria gentica dos cultivos

    agrcolas principalmente em espcies de relevncia econmica, como soja, arroz, trigo,

    cana-de-acar e algodo intensificaram-se na medida em que direitos de propriedade sobre

    novas cultivares foram garantidos pelo Estado. O titular desses direitos de propriedade

    intelectual detm exclusividade para explorao de sementes resultantes de cultivares

    protegidas, permitindo a cobrana de royalties aos agricultores.

    O aumento gradativo da participao de instituies privadas, como fundaes, organizaes

    no governamentais, cooperativas de agricultores, entre outras de propriedade coletiva, na

    pesquisa agrcola, foram objeto do estudo de Massola (2002) no intuito de compreender a

    organizao da pesquisa agrcola privada cooperativa. A autora abordou a gesto para

    inovao existente nas organizaes privadas de fins comerciais e as transformaes

    concomitantes ocorridas nas instituies pblicas. Ela se baseou em Salles Filho et al (2000)

    para discorrer sobre as mudanas organizacionais sofridas pelas instituies pblicas, em que

    a busca de redefinio de seu papel frente aos novos atores no espao de inovao

    agropecuria e, ao mesmo tempo, a interao com eles , de novas fontes e mecanismos de

    financiamento das pesquisas, bem como a redefinio de suas funes pblicas, foram

    primordiais para pautar a configurao e o limite de atuao das organizaes coletivas.

    Coordenar os custos de transao, sob forma de garantir ganhos mtuos e funcionalidade,

    parece ser a forma dessas organizaes aproveitarem economias de escala e de escopo em um

    contexto no qual a competitividade potencial (SALLES FILHO et al, 2000 apud Massola,

    2002, p. 38).

    2.4 Organizao de produtores em aes coletivas

    Chaddad et al (1999) descrevem arranjos institucionais presentes em pases desenvolvidos

    para contrabalanar o maior poder de mercado de processadores e distribuidores de alimentos

    e aumentar a renda agrcola a longo prazo. Configuram-se por algum tipo de ao coletiva,

  • 26

    cujo funcionamento no depende necessariamente de envolvimento do governo e citam como

    exemplos as cooperativas agrcolas, associaes setoriais e certificaes de qualidade.

    Dentre os arranjos conhecidos, os autores destacam a cooperativa agrcola como sendo a

    forma mais disseminada e de maior sucesso. A maior parte delas tem objetivos sociais ou no

    tm fins lucrativos, o que acaba induzindo a ineficincias, mas por definio, a cooperativa

    um negcio que visa ao lucro. A ao coletiva de grupo de produtores surgiu inicialmente na

    Europa para fortalecer o poder de negociao dos agricultores, sobretudo para

    comercializao de seus produtos, evoluindo tambm para modalidades de compra coletiva de

    insumos bsicos. Historicamente as cooperativas foram criadas para proteger a renda agrcola,

    mas muitas se formaram com objetivos estratgicos competitivos, propiciando aos seus

    membros, grande poder de mercado, sobretudo quando focadas em uma nica commodity.

    Outro tipo de ao coletiva so as prprias associaes setoriais que congregam produtores

    com objetivos comuns. Os autores mencionam, como exemplo, a United Soybean Board,

    organizao que se ocupa com pesquisas sobre novos produtos de soja, com a divulgao de

    informaes de mercado e com a promoo dos produtos em nvel nacional e internacional.

    Essas associaes desempenham papel importante na reduo de assimetria informacional e

    na organizao de lobby junto ao governo, influenciando nas polticas agrcolas. As

    certificaes de qualidade tambm surgiram na Europa, e protegem as margens da produo

    agrcola atravs da valorizao de produtos agropecurios com atributos especficos. Apesar

    de dirigidas a nichos especficos de consumidores, as certificaes de qualidade tem crescido

    por todo o mundo e so usadas para transmitir uma certa mensagem ao consumidor, seja pelo

    sistema de produo adotado, seja decorrente de apelo ambiental, tradicional ou da origem

    geogrfica. Essa modalidade organizada pela iniciativa privada mas, via de regra,

    supervisionada pelo poder pblico, por envolver aspectos legais e de fiscalizao. No

    obstante, constatam os autores que "todas essas alternativas apresentadas de adio e reteno

    de valor pelos produtores rurais sob fortes presses competitivas dependem de um ambiente

    institucional que d suporte s aes coletivas". Torna-se relevante ento polticas pblicas

    que favoream iniciativas privadas e permitam a organizao de arranjos institucionais

    eficientes.

    Com um olhar mais contemporneo e focado nas relaes entre o empresariado brasileiro do

    agronegcio e o governo, Iglcias (2007) exemplifica vrias aes coletivas do agronegcio

  • 27

    com proeminente atuao poltica (lobby). Ele assinala que a interao entre Estado e

    empresariado agropecurio no mais resume-se tradicional agenda formada por metas de

    garantia de preos, estoques reguladores, crdito agropecurio, pesquisa e desenvolvimento,

    assistncia tcnica etc., mas amplia-se no sentido da interlocuo permanente entre instncias

    governamentais e agentes privados. Por meio da anlise de casos de interao entre os

    empresrios dos segmentos de acar e de algodo com altas instncias do Estado brasileiro,

    ele demonstrou a capacidade de adaptao de setores do agronegcio, via de regra, entendido

    como atrasado em relao a outras parcelas da elite econmica nacional, ao novo regime

    produtivo que vem constituindo-se no Brasil desde a virada dos anos 1980 para a dcada de

    1990.

    Outro mrito das aes coletivas dos produtores que resultaram na constituio das

    organizaes a produo de bens pblicos12

    , como pesquisas e informaes, mantendo, ao

    mesmo tempo, instrumentos de gerao de recursos para sua sobrevivncia (NASSAR;

    KIKUDOME; ZYLBERSZTAJN, 1998). Em um estgio onde a pesquisa fruto das aes

    coletivas resultam em bens protegidos por mecanismos legais de proteo de direitos de

    propriedade eles passam a ser considerados bens coletivos, ou seja, bens comuns de interesse

    de um grupo exclusivo (OLSON, 2011).

    O esprito da cooperao entre agricultores tem origem no objetivo comum, qual seja, a

    gerao de inovaes tecnolgicas capazes de promover o seu crescimento econmico e

    agregar vantagem competitiva. Vrias so as inovaes que influenciam positivamente o

    crescimento da agricultura, porm a semente tem um significado mpar, pois a nica

    imprescindvel para a prpria existncia da lavoura, repercutindo na minimizao de custos e

    na otimizao dos demais fatores de produo. O mercado de sementes um negcio

    altamente especializado que tem a jusante outra funo ainda mais especfica: o

    melhoramento gentico de novas cultivares. A iniciativa de investir em empresas dedicadas a

    realizar o trabalho de melhoramento gentico, desde modo, decorre da carncia de cultivares

    adaptadas s reas de fronteira agrcola.

    Outra consequncia da colaborao entre os produtores a ampliao de controle sobre os

    12

    Um bem pblico apresenta custo marginal de fornecimento para um consumidor adicional igual a zero (PINDYCK, 1994, p. 726).

  • 28

    fatores de produo que, somada escala, proporciona, de acordo com Porter (1993), maior

    poder de barganha junto a compradores. Combinando a necessidade de inovao com o

    interesse pelo controle dos recursos, esse esforo conjunto culmina, no compartilhamento de

    ganhos. O sucesso das organizaes, patrocinadas pelos agricultores para realizar pesquisa em

    melhoramento vegetal, implica em ganho financeiro para a instituio, que recebe royalties

    pelo uso das cultivares disponibilizadas. Por outro lado, as vantagens revertem, para os

    prprios associados que contam com o aperfeioamento gentico das sementes que utilizam.

    H estimativas de que os programas de melhoramento tm proporcionado ganhos genticos de

    1,0 a 1,3% ao ano, em vrios pases do mundo, inclusive no Brasil (MORELLO; FREIRE,

    2005). Outro benefcio aos associados, pode advir do privilgio de acesso, concedido na

    forma de licenas exclusivas para produo de semente das novas cultivares.

    Os agricultores, por sua vez, dispem de poder de escolha limitado s cultivares eleitas para

    comercializao pelos obtentores, havendo grande preocupao com aspectos relativos

    qualidade e quantidade de semente necessria para plantio. Cientes do valor deste insumo

    para sobrevivncia de suas atividades, os agricultores mobilizaram-se atravs de associaes

    de classe, das quais eram membros, e partiram para a criao de novas organizaes, de cunho

    igualmente coletivo, que possibilitam que tomem as decises sobre o direcionamento da

    pesquisa em melhoramento vegetal, a fim de suprir suas prprias necessidades. A atitude

    guarda coerncia com o modelo desenvolvido por Zylbersztajn e Farina (2010) para redes de

    cooperao, onde verificaram efeitos de externalidades nas escolhas das estratgias pelos

    agentes sugerindo que a integrao entre eles seria estruturada como forma de proteg-los de

    riscos posteriores s transaes, sobretudo na presena de investimentos especficos.

    Segundo Williamson (1985), os ativos especficos so aqueles que tm seu valor

    comprometido em caso de realocao provocada por quebra prematura, ou interrupo de

    contratos. A existncia desse tipo de ativo numa transao faz com que a continuidade dos

    vnculos estabelecidos entre as partes, ganhe uma dimenso econmica fundamental,

    implicando em custos para geri-la e conserv-la. A especificidade dos ativos o mais

    importante indutor da forma de governana uma vez que implica em dependncia bilateral. O

    agricultor que realiza investimentos de monta, procura segurana no momento de acessar os

    insumos requeridos para produo a fim de viabilizar seu negcio. Poucas opes de escolha

    trazem, como consequncia, baixo poder de deciso, gerando desgaste entre os compradores

    agricultores e os fornecedores de insumos obtentores.

  • 29

    Esse contexto analisado sob a influncia da incerteza e da frequncia outros dois elementos

    que, segundo Williamson (1985), caracterizam as transaes e acabam influenciando , a

    forma de relacionamento entre agricultores e obtentores, em outras palavras, a escolha da

    estrutura de governana a ser adotada pelos agricultores em suas organizaes. Para

    Williamson, a incerteza passvel de ser calculada na medida em que as perdas, em caso de

    quebra contratual, afetam a estrutura de governana adotada. A incerteza quanto ao

    comportamento das partes envolvidas na transao que podem tender ao oportunismo

    permeia, desta forma, as transaes entre agricultores e obtentores. E partindo da observao

    de Zylbersztajn (1996) de que a recursividade das transaes permitiria a recuperao de

    eventuais custos de investimentos e viabilizaria a emergncia das firmas como formas de

    governana unificada, pode-se sugerir que, havendo a percepo de dependncia extrema de

    uma das partes, pode esta decidir por internalizar transaes que sofram ameaa de

    descontinuidade. Importante observar que a parte referida , na verdade uma organizao

    coletiva cujos membros passam a compartilhar interesses frente a uma situao de incerteza

    as transaes entre agricultores e obtentores.

    Para North (2011, p. 5) o ambiente institucional a referncia para os indivduos entenderem

    as circunstncias correntes, que aliadas incompletude informacional, influenciam em sua

    tomada de deciso: a incerteza no s produz comportamento previsvel, como tambm a

    fonte subjacente das instituies. Segundo North na incerteza, a cooperao seria difcil de

    ser sustentada nos casos em que o jogo no se repete, quando falta informao sobre os outros

    jogadores e quando h um grade nmero de jogadores. A instituio surge como mitigadora

    dessa situao. Assim, novos arranjos institucionais, como a cooperao sob a forma de uma

    organizao, podem funcionar como redutores de incertezas envolvidas na interao humana.

    Nesse contexto, o surgimento das aes coletivas tido pelos agricultores, como alternativas

    seguras, que, em ltima anlise, poderiam retornar sob a forma de benefcios individuais

    (OLSON, 2011). O autor utiliza-se da Teoria da Lgica da Ao Coletiva para discorrer sobre

    os motivos pelos quais os indivduos agem conjuntamente. Ele focaliza organizaes que

    supostamente promovem os interesses de seus membros e inclui o conceito de bens coletivos

    como fator de estmulo para a constituio dos grupos. Assim, os indivduos se uniriam para

    atingir um objetivo comum que no alcanariam individualmente, em razo da incapacidade

    de arcar com o custo, alm disso, considerariam bem sucedidas as aes cujo ganho grupal

  • 30

    fosse superior soma dos ganhos individuais. Bens coletivos referidos nesse caso incluem os

    ativos que esto a servio dos integrantes da organizao, como por exemplo, as cultivares, as

    tecnologias de produo geradas, a assistncia tcnica, entre outros.

    Outra perspectiva testada empiricamente por Willer (2009) baseada nas recompensas sociais

    angariadas pelos membros individualmente ao se dedicarem ao fortalecimento da ao

    coletiva. Tais ganhos estariam ligados ascenso hierrquica no grupo e influncia sobre

    outros membros, sem todavia possuir conotao negativa. Pelo contrrio, o grupo se

    beneficiaria da elevada contribuio proporcionada por lideranas individuais, posto que seria

    convertida em um bem coletivo, alm de retroalimentar a motivao do grupo como um todo.

    2.5 Estrutura competitiva do mercado de sementes

    A competio na indstria sementeira tem srias implicaes no suprimento de alimentos e de

    matria-prima para as indstrias. Ao descreverem a histria e o desenvolvimento da indstria

    de sementes e sua importncia para o abastecimento mundial de alimentos, Matson et al

    (2012) identificaram existir nos EUA um direcionamento para o controle de propriedade dos

    recursos genticos, incluindo as alteraes relevantes na legislao de propriedade intelectual.

    Eles descrevem o poder crescente das empresas de sementes dominantes, e discutem possveis

    preocupaes antitruste (incluindo o potencial de uso de patentes para aumentar o poder das

    empresas dominantes do mercado).

    Barquero (2002) explicita que o desenvolvimento econmico e a dinmica produtiva

    dependem da introduo e da difuso de inovaes e de conhecimento, aspectos que

    alavancam a transformao e a renovao do arranjo produtivo, j que, em ltima anlise, a

    acumulao de capital resultado dire