Dissertação de Mestrado
-
Upload
amandaleite2103 -
Category
Documents
-
view
311 -
download
6
description
Transcript of Dissertação de Mestrado
38
Universidade Federal do Pará
Programa de Pós-Graduação em Neurociências
Defesa de Dissertação de Mestrado
Impacto do Isolamento Social no Curso
Temporal da Doença Prion em Modelo Murino.
Amanda de Oliveira Ferreira
39
“O temor do Senhor é o princípio da sabedoria e de
toda ciência”. Provérbios do Rei Salomão, capítulo 1,
verso 7.
40
Agradecimentos...
Como agradecer a realização de um sonho? Há muitas pessoas que fazem parte dessa conquista
e seria impossível enumerá-las todas.
Acima de tudo, agradeço a Deus por ter me criado e por ter sonhado como seria cada minuto da
minha vida. Ele é o sentido da minha existência.
Agradeço a meus pais, pelo esforço, amor e dedicação que me dedicam incondicionalmente.
Agradeço aos amigos, especialmente: aos de infância (Manuela e Luciana), da juventude
(Renata, Renan, Lyfson, Rebeca, Josué), da amada faculdade de Psicologia (Jacqueline e
Fábio), aos professores e psicólogos (Edson Frazão, Mauro Barreto, Denise Scaff, Léa Salles e
Emanuel Tourinho). Sem vocês, não teria chegado até aqui, seja pelo apoio emocional ou pela
inestimável contribuição que trouxeram para minha prática e conhecimentos profissionais.
Agradeço grandemente ao querido professor Cristovam Diniz, que me recebeu e me orientou
sempre com muito bom humor, respeito e algo que realmente me cativou: acreditou no meu
potencial (ainda latente) e me conduziu por caminhos que eu nem sabia que poderia andar.
Obrigada por ter sido meu orientador.
Agradeço aos colegas do Laboratório de Neuropatologia e Infecção, pelo apoio constante e de
grande valor, em especial, aos amigos Juliana Paes, Aline Andrade, Renatinha e Roseane
Borner.
Finalizo no esmo ponto onde comecei: sou grata ao meu Deus, pois Ele é fiel pra terminar a boa
obra que começou em mim. Tenho certeza que essa vitória é apenas uma de muitas que Ele me
reservou.
41
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM NEUROCIÊNCIAS E BIOLOGIA CELULAR
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: NEUROCIÊNCIAS.
AMANDA DE OLIVEIRA FERREIRA
ISOLAMENTO SOCIAL ANTECIPA A INSTALAÇÃO DAS ALTERAÇÕES
COMPORTAMENTAIS EM MODELO MURINO DE DOENÇA PRION
Belém – Pará
Julho/2009
42
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM NEUROCIÊNCIAS E BIOLOGIA CELULAR
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: NEUROCIÊNCIAS.
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Amanda de Oliveira Ferreira
Este exemplar corresponde à redação final da
dissertação defendida por Amanda de Oliveira
Ferreira e aprovada pela comissão julgadora.
Aprovada em: 15/07/2009
Orientador: Prof. Dr. Cristovam W. Picanço Diniz.
Examinador: Prof. Dr. Juarez A. S. Quaresma.
Examinador: Prof. Dr. Rommel M. R. Burbano
43
FERREIRA-OLIVEIRA, A.
ISOLAMENTO SOCIAL ANTECIPA A INSTALAÇÃO DAS ALTERAÇÕES
COMPORTAMENTAIS EM MODELO MURINO DE DOENÇA PRION.
Amanda de Oliveira Ferreira. Belém, Pará, UFPA/ICB, 2009.
Dissertação: Mestre em Neurociências.
44
RESUMO
O objetivo do presente trabalho é avaliar o impacto do isolamento social sobre a instalação da
Doença Prion em modelo murino da variedade Albina Suíça. Camundongos isolados (IS) ou
agrupados (GR) foram infectados com o agente ME7 ou com homogenado de cérebro normal
(NBH). O consumo de glicose, a remoção e estocagem de comida e a temperatura anal foram
medidos duas vezes por semana, entre a 1ª e a 17ª semana pós-inoculação (PI). Grooming,
Labirinto em Cruz Elevado (LCE), Campo Aberto (CA) e Peso corporal foram mensurados
antes da inoculação e na 17ª semana PI. Em todos os testes estatísticos (ANOVA, um critério,
Bonferroni a priori) o nível de significância foi p<0.05. Burrowing: o grupo ME7-IS
apresentou redução desse comportamento (16ª semana PI) mais precocemente que o ME7-GR
(17ª semana PI). Consumo de glicose: na 17ª PI os sujeitos IS, principalmente o grupo ME7-IS,
reduziram o consumo de glicose quando comparados aos sujeitos GR (NBH e ME7) que
mantiveram consumo igual até a 17ª semana. Grooming: o grupo ME7-IS apresentou menor
freqüência de grooming que os demais (p<0.01). Campo Aberto: os sujeitos GR apresentaram
menor atividade que os sujeitos IS antes da inoculação e na 17ª semana PI, quando os
indivíduos ME7-IS demonstraram maior atividade locomotora do que os demais grupos
(p<0.01). LCE: os animais isolados apresentaram comportamentos semelhantes aos associados
à ansiedade, na 3ª semana na de isolamento, enquanto que, na 17ª semana PI, esses mesmos
sujeitos pareciam estar se aproximando do espectro de comportamento semelhante à depressão.
Além disso, o grupo ME7-IS apresentou alteração no LCE enquanto que o ME7-GR não teve
seu comportamento alterado nesse teste. Burrowing, grooming, consumo de glicose, LCE e
peso corporal sugerem uma influência aditiva do isolamento social nas mudanças
comportamentais da Doença Prion. Os grupos ME7 (GR e IS) apresentaram redução do número
de redes perineuronais e microgliose, tanto na região de CA1 como no septum, na 17ª semana
PI. Não encontramos diferença estatística significante nos achados neuropatológicos entre os
grupos ME7-GR e ME7-IS. Em conclusão o isolamento social promove alterações
comportamentais mais precoces e seus efeitos parecem agravar os sintomas da fase precoce da
doença. Permanecem por ser investigados os mecanismos moleculares associados a tais
alterações.
Palavras-chave: Doença Prion, Isolamento Social, Comportamento, Neurodegeneração
Crônica, Camundongo suíço albino.
45
I. INTRODUÇÃO
1. Doenças Neurodegenerativas Crônicas Associadas ao Envelhecimento
1.1 Envelhecimento Normal e Envelhecimento Patológico.
O envelhecimento normal apresenta inúmeras transformações bioquímicas, morfológicas,
fisiológicas e psicológicas (MOI, 2004). Dentre elas, podemos citar a perda de funções
biológicas; a diminuição da fertilidade; o aumento da mortalidade; e o aparecimento de
dificuldades cognitivas. Tais modificações implicam em perda gradual da capacidade de
adaptação ao meio ambiente e conseqüente diminuição da capacidade de sobrevivência. O
envelhecimento é influenciado por fatores como educação, estilo de vida, estresse, alimentação e
exercícios físicos (MOI, 2004). Em geral, o envelhecimento normal não traz danos que interferem
abruptamente nas atividades diárias do idoso (CHARCHAT-FICHMAN et al., 2005).
Por outro lado, o envelhecimento patológico possui limites conceituais tênues.
Atualmente, muitas características outrora atribuídas à idade, são consideradas parte de um
quadro de demência leve não-reconhecida (COREY-BLOOM et al., 1995). Apesar de
observamos uma queda das funções cognitivas gerais no idoso, não é normal que as mesmas
decresçam consideravelmente (ALMEIDA e NITRINI, 1998).
O termo demência designa o declínio progressivo e global das funções cognitivas,
interferindo nas atividades sociais e ocupacionais do indivíduo e afetando obrigatoriamente a
memória (ALMEIDA, 1997; CARAMELLI e BARBOSA, 2002). A demência é uma das maiores
causas de morbidade entre idosos e sua prevalência está entre 2% e 25% dos pacientes com mais
de 65 anos (FRATIGLIONI e AMADUCI, 1990). A maioria das doenças crônicas que acometem
o indivíduo idoso tem a idade como principal fator de risco (ALMEIDA e NITRINI, 1998).
1.2 Neurodegeneração crônica no idoso: o Mal de Alzheimer como a doença do século.
46
A Doença de Alzheimer tem apresentação clínica e patológica bem definida (MARINHO
et al, 1997), afetando pelo menos 5% dos indivíduos com mais de 65 anos e 20% daqueles acima
de 80 anos (JORM e JACOMB, 1989), representando a forma mais comum de demência (TUPPO
e ARIAS, 2005).
Clinicamente, o indicador mais notável na Doença de Alzheimer é a perda progressiva da
memória, além do prejuízo na linguagem, na capacidade cognitiva, laborativa e social
(TEIXEIRA e CARAMELLI, 2006). Nos estágios mais avançados da doença, observam-se
alterações comportamentais significativas, a saber: sintomas depressivos (apatia, desinteresse,
desmotivação); sintomas ansiosos (ansiedade generalizada, fobias, perturbações obsessivo-
compulsivas); comportamentos agressivos; desinibição sexual e idéias delirantes (ABREU et al.,
2005).
Os primeiros dados sobre a neuropatologia do Alzheimer remontam a 1906, quando o
médico alemão Alois Alzheimer (1864-1915) observou em uma autópsia lesões cerebrais até
então desconhecidas: atrofia neuronal, presença de placas e fibras retorcidas em diferentes
regiões do encéfalo (ALMEIDA, 1997). Atualmente, sabe-se que as placas senis são depósitos
extracelulares da proteína β-amilóide (Figura 1) e que os emaranhados neurofibrilares são
estruturas intraneuronais compostas pela proteína tau (Figura 2) (TUPPO e ARIAS, 2005).
Placas β-amilóide β-amilóide
Enzimas
APP Neurônio
Interior
celular
Figura1: Agregação da proteína β-amilóide; (APP) proteína precursora amilóide.
Adaptado de: www.boston.com /yourlife/health/special /alzheimers.
47
Em condições normais, a proteína tau está associada à estabilização dos microtúbulos
axonais (Figura 2); no Alzheimer ela é encontrada nas placas senis e nos emaranhados
neurofibrilares (SHIN et al., 1989). O depósito da proteína β-amilóide - derivada da proteína
precursora amilóide (APP) - nas placas senis é um dos carimbos oficiais da Doença de Alzheimer
(RAMÍREZ et al., 2005).
O Alzheimer também se caracteriza pela perda sináptica, morte neuronal e astrogliose
reativa (LEONARD, 2007). As alterações cerebrais ocorrem especialmente no córtex cerebral e
no hipocampo. A etiologia da doença permanece obscura, mas há vários estudos indicando a
importância de fenômenos inflamatórios (EIKELENBOOM et al., 2002; TUPPO e ARIAS, 2005;
ROGERS e LUE, 2001; DICKSON, 1997).
EIKELENBOOM et al (2002) destaca quatro evidências que relacionam o acúmulo
fibrilar de β-amilóide a eventos inflamatórios: diversos fatores inflamatórios já foram
identificados em cérebros com Alzheimer (citocinas e proteínas pró-inflamatórias); as placas
Microtúbulos Emaranhados
neurofibrilares
Tau
Axônio
Neurônio
Figura 2: A hiperfosforilação da proteína tau ocasiona a desintegração dos microtúbulos axonais e a formação dos
emaranhados neurofibrilares. Adaptado de: www.boston.com/yourlife/health/special /alzheimers.
48
amilóides são caracterizadas pela presença de microglia ativada; a ausência de células T e de
imunoglobinas indicam que respostas imunes clássicas não estão envolvidas; e não há indícios de
que sejam requeridos leucócitos nas repostas inflamatórias do Alzheimer.
A neuroinflamação difere da inflamação periférica, pois além da ausência de células T,
imunoglobinas e leucócitos, não estão presentes sinais inflamatórios característicos, como rubor,
calor e dor (EIKELENBOOM et al., 2002). Ademais, as células neurais se defendem de eventos
inflamatórios e patogênicos através de um estratagema singular: a barreira hemato-encefálica,
ausente no sistema vascular periférico (TUPPO e ARIAS, 2005).
Os componentes celulares mais importantes no desenvolvimento das respostas
inflamatórias da Doença de Alzheimer são as microglias, os astrócitos e os neurônios, os quais
estão envolvidos em processos fundamentais como a homeostase e o funcionamento cerebral
(TUPPO e ARIAS, 2005).
O Sistema Nervoso Central (SNC) possui um mecanismo endógeno imunoprotetor que é
coordenado pelas microglias, as quais proveem suporte e proteção aos neurônios (TUPPO e
ARIAS, 2005). Dependendo das condições nas quais há ativação microglial, essas células podem
exercer efeitos neuroprotetores ou neurotóxicos (RAMÍREZ et al., 2005). A microglia é ativada
nos locais de depósito da proteína β-amilóide, agrupando-se, em seguida, ao redor desses
agregados amilóides (TUPPO e ARIAS, 2005). Essa exposição microglial à β-amilóide estimula
a secreção de fatores pró-inflamatórios, como as interleucinas (IL-6 e IL-1β) e o Fator de
Necrose Tumoral (TNF ) (ROGERS e LUE, 2001). A β-amilóide pode, ainda, viabilizar a
circulação de macrófagos periféricos através da barreira hemato-encefálica, aumentando as
chances de um evento inflamatório (TUPPO e ARIAS, 2005).
Os astrócitos são as células encontradas em maiores quantidades no cérebro (TUPPO e
ARIAS, 2005). Sabe-se que eles estão envolvidos na conexão dos tecidos e nas funções
esqueléticas cerebrais, mantendo a integridade funcional das sinapses (TUPPO e ARIAS, 2005).
Quando ocorre uma injúria neural, os astrócitos participam do processo de cura, formando uma
49
cicatriz glial na lesão (TUPPO e ARIAS, 2005). Sabe-se pouco sobre o papel dos astrócitos na
inflamação da Doença de Alzheimer; no entanto, astrócitos reativos foram associados às placas
senis e à secreção de moléculas pró-inflamatórias (DICKSON, 1997). Alguns dados sugerem que
os astrócitos estão envolvidos na síntese ou na fagocitose da β-amilóide (KURT et al., 1999).
Na Doença Prion e no Mal de Alzheimer, os astrócitos parecem ir além das ações
benéficas identificadas nas lesões agudas, contribuindo para o aumento do dano tecidual e para a
evolução destas doenças (MRAKA e GRIFiN, 2001). Essas ações parecem estar associadas a
superexpressão da proteína S100B, um mensageiro químico intercelular em astrócitos ativados
(SHENG et al, 1994). Foram descritas dezenove proteínas da família S100, as quais são
encontradas em diversos tecidos e estão envolvidas na regulação intracelular de cálcio associado
à múltiplas funções dependentes do cálcio, tais como: fosforilação de proteínas; atividades
enzimáticas; proliferação e diferenciação celular; construção e reparo do citoesqueleto; e
homeostase do cálcio (DONATO, 1999).
O tipo S100B é o mais abundante nas células da glia do SNC, contribuindo para o
crescimento de neuritos, a sobrevivência de subpopulações neuronais (durante o
desenvolvimento e após injúrias), além de estimular a proliferação e hipertrofia de astrócitos
(GRIFiN et al, 1995; SHASHOUA et al, 1984).
Os astrócitos ativados são componentes indissociáveis das placas amilóides na Doença
de Alzheimer, localizando-se na periferia dessas placas e envolvendo os depósitos amilóides
(MANDYBUR e CHUIRAZZI, 1990). Esses astrócitos ativados também podem ser observados
nos estágios iniciais da Doença, antes mesmo da formação de placas, quando o depósito amilóide
ainda é difuso (MRAK et al, 1996). Sabe-se que pacientes com leve distúrbio cognitivo, nos
primeiros sinais do Mal de Alzheimer, mostram um aumento expressivo do número de astrócitos
associado a um reduzido número de placas; enquanto que, nos estágios mais tardios, o número de
astrócitos associados à placas está diminuído, sugerindo que a astrocitose reativa parece
contribuir principalmente para a patologia dos estágios iniciais (PIKE et al, 1995).
50
Assim como as microglias e os astrócitos, os neurônios também secretam substâncias
inflamatórias, como IL-1, IL-6 e TNF . Esses produtos conduzem os neurônios a um aumento da
toxicidade e à morte (TUPPO e ARIAS, 2005).
1.3 A Doença Prion como modelo de Neurodegeneração Crônica
A Encefalopatia Espongiforme Bovina e sua variante humana, a Doença Creutzfeldt-
Jakob, são conhecidas como encefalopatias espongiformes transmissíveis ou Doenças Prion
(FOURNIER e GRIGORIEV, 2001). Essas desordens neurológicas são fatais e estão associadas a
mudanças conformacionais anormais de proteínas celulares: a proteína celular prion (PrPc), rica
em -hélices, é convertida em proteína prion scrapie (PrPsc
), que contém folhas β-pregueadas
(PRUSINER, 1998). Essa é a principal diferença estrutural entre as duas formas de prion, visto
que a seqüência de aminoácidos é idêntica (SAKAGUCHI, 2007).
A PrPc é uma glicoproteína da membrana celular expressa em altas concentrações no
SNC, especialmente nos neurônios (PRUSINER et al., 1998). A proteína prion não possui ácido
nucléico, replicando-se através da conversão autocatalítica da PrPc em PrP
sc (Figura 3)
(PRUSINER, 1989). Em condições normais, a PrPc
é fundamental na emissão de prolongamentos
neuronais e na comunicação entre as células nervosas (MARTINS et al., 1997).
Figura 3: Esquema do processo patológico da conversão da proteína prion normal (PrPc) em sua forma aberrante
(PrPsc
). Adaptado de: http://fig.cox.miami.edu/~cmallery/255/255prot
Passo 1:
PrPc normal
(em verde)
Passo 2: Príons invasores
estimulam a conversão de
PrP em PrPsc
Passo 3: O neurônio não
consegue destruir o prion aberrante e
morre
Passo 4: Os prions migram para outras
células e
recomeçam o ciclo
PrP PrPsc
Núcleo
51
O aparecimento da proteína infecciosa no organismo pode ocorrer, entre outros fatores,
por hereditariedade, uso de material cirúrgico contaminado ou consumo de carne de animais
infectados. O acúmulo de moléculas alteradas nos neurônios provoca a morte dessas células, o
que pode prejudicar a coordenação motora e a memória (MARTINS et al., 1997).
O processo neuropatológico do prion requer a participação tanto da proteína normal
quanto da anormal (FOURNIER e GRIGORIEV, 2001). Como exposto na Figura 3, a PrPsc
invade o neurônio sadio e força a PrPc a assumir sua forma patogênica. A conformação da PrP
sc é
inflexível, o que a torna resistente à degradação enzimática e permite que ela se acumule e
destrua a célula nervosa.
Assim como a Doença de Alzheimer tem como principal característica neuropatológica o
acúmulo do peptídeo β-amilóide, a Doença Prion é reconhecida pelo depósito difuso,
perivacuolar ou em forma de placas, da proteína prion. As placas senis dos pacientes com
Alzheimer comumente contêm depósitos de PrPc (SCHWARZE-EICKER et al, 2005). Apesar do
papel funcional do acúmulo de PrPc ainda ser desconhecido, dados sugerem que essa proteína
promove a formação de placas e que parece ser mediada pelo aumento da agregação do peptídeo
β-amilóide (SCHWARZE-EICKER et al., 2005). Estas duas patologias também apresentam em
comum ativação microglial e a ação de fatores pró-inflamatórios (EIKELENBOOM, 2002).
Em contrapartida, apenas na Doença de Alzheimer vemos a presença prévia de baixas
concentrações de β-amilóide, mais uma evidência de que processos neuroinflamatórios estão
envolvidos (EIKELENBOOM, 2002). Ademais, a ativação microglial exerce um feedback
positivo, regulando a síntese de APP e a fibrilação da β-amilóide, mantendo, assim, a cadeia de
eventos que conduzem a neurodegeneração no Alzheimer.
1.4 Doenças Neurodegenerativas Crônicas, Depressão e Ansiedade.
52
A associação entre os estados de humor e alterações biológicas em humanos remonta a
Hipócrates, que acreditava que a melancolia estaria associada a um excesso de bile negra. Charles
Darwin foi o primeiro cientista a realizar um estudo científico das emoções em animais, no livro
A expressão das emoções no homem e nos animais. Nas últimas décadas, as pesquisas genéticas,
moleculares e de neuroimagem têm provido contribuições substanciais sobre os mecanismos
neurais subjacentes aos estados afetivos.
1.4.1 Estresse, Depressão e Ansiedade.
O estresse é um fator importante para o desenvolvimento de alterações de humor
(MCARTHUR e BORSINI, 2006). Em situações aversivas, a ativação do eixo hipotálamo-
pituitária-adrenal é uma das primeiras respostas fisiológicas, sendo que a manutenção dessa
ativação resulta em altos níveis de glucocorticóides, seguida de perda neuronal (LEONARD,
2007; DUMAN, 2004). O estresse crônico também afeta o sistema imunológico e o
funcionamento dos neurotransmissores (DUMAN, 2004). A reação ao estresse pode resultar em
conseqüências comportamentais e psicológicas, como a depressão e a ansiedade (NESSE, 1999;
FAVA e KENDLER, 2000).
As causas que podem levar um indivíduo a estados alterados de humor são inúmeras.
Biologicamente, podemos citar predisposição genética; funcionamento alterado de
neurotransmissores ou de seus receptores; lesões cerebrais; presença de outras condições
patológicas que envolvam circuitos neurais relacionados às emoções (TENG et al., 2005;
ROZENTHAL et al., 2004). Quanto às condições ambientais, podemos citar perdas, frustrações,
mudanças abruptas, histórico de abandono familiar, dentre muitos (ROZENTHAL et al, 2004). É
importante frisar que, no tangente ao contexto psicossocial, indivíduos diferentes manifestam
sintomas depressivos ou ansiosos por motivos distintos, o que depende da capacidade ou
possibilidade do mesmo de lidar com as situações aversivas cotidianas.
53
Muitas vezes, uma condição genética pré-existente manifesta-se após a exposição do
paciente a uma situação traumática. Segundo CRYAN e HOLMES (2005) a exposição a traumas
e a situações de estresse são os principais fatores predisponentes para o aparecimento da
Depressão Maior1. Ademais, pessoas que enfrentam mudanças abruptas de ambiente ou na forma
como são tratadas pelos seus pares apresentam aumento da ansiedade; baixa auto-estima;
sentimentos de solidão e sintomas depressivos (DEUSSING, 2006).
Os sintomas depressivos e ansiosos são heterogêneos, manifestando-se em aspectos
comportamentais, psicológicos, fisiológicos e neurofisiológicos, como exposto no quadro abaixo
(Quadro 1).
Quadro 1: Quadro dos principais sintomas presentes na ansiedade e na depressão.
1 O conceito de depressão maior inclui os sintomas depressivos como um todo, dos mais leves aos mais severos
(DSM-IV, 1994).
Sintomas Depressão Ansiedade
Comportamentais
(DSM IV, 1994)
Mudanças no apetite
Insônia ou sono excessivo
Aumento ou diminuição da
atividade motora
Perda de peso
Inquietação
Fadiga
Irritabilidade
Distúrbios do sono
Comportamentos compulsivos
Psicológicos
(DSM IV, 1994)
Anedonia (diminuição do interesse
por atividades prazerosas)
Dificuldade de concentração e de
planejamento
Sentimento de culpa
Ideações suicidas
Excesso de preocupação
Pensamentos obsessivos
Dificuldade de concentração
Sentimento de perda de controle
Lembranças recorrentes de
eventos traumáticos
Fisiológicos
(OVERSTREET et al,
1994; WILLNER,
1997)
Queda da temperatura
Perda de peso
Taquicardia
Rubor
Sudorese
Neuropatológicos
(ROZENTHAL, 2004;
LEMAIRE et al, 2000;
CONNOR e
DAVIDSON, 1998;
DEACON et al,2002)
Queda do metabolismo cerebral
Funcionamento alterado da
amídala, hipocampo e córtex frontal
Queda da neurogênese hipocampal
Queda da expressão de fatores
neurotróficos
Alterações nos sistemas
serotoninérgicos, gabaérgicos e
noradrenérgicos
Lesões hipocampais
Queda da expressão de fatores
neurotróficos
54
Segundo DEUSSING (2006), a depressão é uma patologia de alta prevalência, atingindo
cerca de 20% da população mundial. Sua característica essencial é o humor triste por um período
prolongado, levando a perda do interesse nas atividades cotidianas (DEUSSING, 2006). Diante
da prevalência e do potencial incapacitante da doença, há um grande esforço das entidades
governamentais em desenvolver novas formas de tratamento. Os antidepressivos atuais são
eficazes em 65% dos casos e requerem uma administração continuada (semanas ou meses)
(HUNSBERGER et al., 2007). Assim, várias pesquisas enfocam o esclarecimento das bases
neurobiológicas da depressão, buscando caminhos alternativos de tratamento. Uma possibilidade
é o estudo dos efeitos do exercício físico, que tem mostrado ações antidepressivas em modelos
animais (CRYAN e HOLMES, 2005; HUNSBERGER et al., 2007). Paralelamente, problemas
cardíacos, obesidade, diabetes, ansiedade e demências, têm sido associados à ocorrência de
eventos estressores e à Depressão Maior (LEONARD, 2007).
O estado ansioso pode ser definido como um desprazer emocional diante de uma situação
de perigo ou escassez controlado e modulado por múltiplas regiões do Sistema Nervoso Central,
incluindo amídala, córtex, núcleo tegmentar ventral, hipotálamo, septum e hipocampo
(CLEMENT e CHAPOUTHIER, 1998; FENDT e FANSELOW, 1999; HANDLEY, 1995).
Diferentemente da depressão, a ansiedade é uma reposta natural e adaptativa a situações de
perigo. O quadro patológico caracteriza-se por um medo persistente, excessivo, aparentemente
infundado ou desproporcional, que interfere significativamente nas atividades cotidianas
(CONNOR e DAVIDSON, 1998).
Indivíduos expostos a estresse periódico podem desenvolver comportamentos de
supervigilância, na tentativa de evitar os efeitos indesejáveis da situação ansiogênica, mesmo na
ausência dela. A divisão da ansiedade em seis subtipos torna visível a complexidade
comportamental da doença: ansiedade generalizada, transtorno do pânico, fobia específica, fobia
social, transtorno obsessivo-compulsivo e estresse pós-traumático (DSM IV, 1994).
55
Há controvérsias quanto à relação entre ansiedade e depressão: trata-se de um transtorno
misto ou de patologias distintas que, eventualmente, ocorrem em comorbidade? De qualquer
forma, ambas são as condições psiquiátricas mais prevalentes; as taxas de comorbidade são altas,
pois cerca de 85% dos pacientes deprimidos apresentam sintomas ansiosos (RIHMER et al.,
2001).
1.4.2 Eventos inflamatórios, demências e distúrbios do humor.
LYKETOS e OLIN (2002) relatam que a incidência de depressão em pacientes com
Alzheimer é de, aproximadamente, 50%. Estudos epidemiológicos indicam que sintomas
depressivos, como perda de interesse e de energia, podem estar presentes nos estágios iniciais do
Alzheimer (GEERLINGS et al, 2000).
Ultimamente, as pesquisas têm concedido espaço ao papel do sistema imunológico e
endócrino na depressão (LEONARD, 2007; BRAMBILLA, 2000). Nesse sentido, LEONARD
(2007) relatou uma série de citocinas que provocam mudanças imunológicas tanto nas demências
(particularmente, no Alzheimer) quanto na depressão: citocinas pró-inflamatórias (IL-1, IL-6,
TNF) e citocinas antiinflamatórias (IL-4, IL-10, IL-13 e Fator Transformador do Crescimento
Tumoral-β). De acordo com o autor, o aumento de proteínas pró-inflamatórias também é
encontrado em pacientes com sintomas de fadiga e insônia, comuns na ansiedade.
Ainda segundo LEONARD (2007) a perda neuronal resultante das demências e do
estresse pode estar relacionada às mudanças crônicas inflamatórias estimuladas pela ativação de
macrófagos no sangue e de microglias no cérebro. Quanto às mudanças neurodegenerativas,
LEONARD (2007) comenta que elas estão associadas ao aumento de citocinas pró-inflamatórias
e a outros mediadores inflamatórios. A ativação microglial por essas citocinas, juntamente com a
apoptose astrocitária, resulta em degeneração neuronal. Em suma, o aumento da
56
neurodegeneração, a queda da neuroproteção e do reparo neuronal são comuns ao estresse e ao
Alzheimer (LEONARD, 2007).
57
II. Os Modelos Animais de Depressão e Ansiedade.
Historicamente, o estudo das emoções a partir de modelos animais tem buscado responder
a três questões: quais sistemas neurais estão envolvidos nas emoções; como esses sistemas
funcionam quando alterados por psicopatologias; e como essas condições patológicas podem ser
modeladas (CRYAN e HOLMES, 2005). As semelhanças neurofuncionais entre os vertebrados,
especialmente os mamíferos, possibilitaram o desenvolvimento de diversas técnicas
experimentais.
Por décadas os estudos com ratos foram privilegiados, principalmente pelo desempenho
desses roedores em testes cognitivos e pela possibilidade do uso de técnicas invasivas,
envolvendo o sacrifício dos animais para estudos de correlação neuropatológica. Entretanto, com
o desenvolvimento das pesquisas genéticas e com o avanço do conhecimento sobre as bases
neurais do comportamento, tornou-se possível o uso de animais menores, como os camundongos,
de manipulação mais fácil e custo menor (CRYAN e HOLMES, 2005).
Podemos dividir os modelos experimentais de depressão e ansiedade em quatro grupos:
genéticos; neuroquímicos; relacionados a lesões cerebrais; e indutores de estresse.
2.1 Modelos genéticos.
No experimento de OVERSTREET et al (1994), os pesquisadores aumentaram a
sensibilidade dos roedores ao 8-OH-DPAT (8-hidroxi-DPAT-hidrobromida). Sabe-se que os
receptores de serotonina estão envolvidos na patofisiologia da depressão e da ansiedade, além de
participarem da regulação da temperatura corporal. O 8-OH-DPAT reduz a temperatura,
induzindo hipotermia. Camundongos sensíveis ao DPAT e, portanto, mais propensos à queda de
temperatura, apresentaram maior tempo de imobilidade no Teste do Nado Forçado (conhecido
como FST, da expressão inglesa Forced Swim Test) e comportaram-se de forma ansiosa em testes
de interação social.
58
LACHMAN et al (1992) criou roedores geneticamente mais propensos a desenvolverem o
Desamparo Aprendido. Esses animais mostraram queda no desempenho quando testados para
memória espacial e regulação alterada dos receptores de serotonina.
WEISS et al (1998), por sua vez, criaram ratos com diferentes desempenhos no FST (um
grupo mais sensível ao teste e outro controle) que recebiam choques na cauda antes de
executarem a tarefa. O primeiro grupo apresentou menos tentativa de escape no FST e maior
tempo de flutuação em relação aos controles. O comportamento induzido por estresse
apresentado pelos roedores foi revertido pelo tratamento crônico com diferentes antidepressivos.
YOSHIKAWA et al (2002) objetivou determinar, por mapeamento genético, os genes que
estariam envolvidos na resposta de imobilidade no Teste de Suspensão da Cauda (conhecido
como TST, referente à expressão inglesa Tail Suspension Test) e no FST. As linhagens estudadas
foram a F2, C57BL/6 e C3H/He. Foram encontrados 5 loci que afetam a imobilidade no FST e 4
no TST.
Por fim, KROMER et al (2005) observaram que roedores treinados para desenvolver
comportamentos ansiosos no Labirinto em Cruz Elevado (LCE) são mais ansiosos em diversos
outros testes de ansiedade e apresentam tempo de imobilidade maior no FST e no TST.
2.2 Modelos neuroquímicos.
Podemos elencar os estudos com monoaminas (KALIA, 2005); psicofármacos
(HUNSBERGER et al, 2007; RUSSO-NEUSTADT et al., 2006; SCACCIANOCE et al., 2005;
HOCK et al., 2000; DUMAN e MONTEGGIA, 2006); e fatores neurotróficos (HUNSBERGER
et al., 2007; RUSSO-NEUSTADT et al., 2006).
As monoaminas são representadas por neurônios oriundos de pequenos núcleos no tronco
cerebral e no mesencéfalo, os quais se difundem pelo córtex e pelo sistema límbico (KALIA,
2005). O primeiro modelo de funcionamento alterado das monoaminas utilizou a reserpina, droga
que causa depleção ou inativação da norepinefrina [NE], induzindo estados depressivos ou
59
sedativos. Esses efeitos são reversíveis quando são administrados antidepressivos tricíclicos
[TCA] ou inibidores da monoaminoxidase [MAOI] (MCARTHUR e BORSINI, 2006).
A descoberta de que drogas que potencializam a NE também têm efeito antidepressivo
indicou uma relação entre o funcionamento monoaminérgico e o humor (KALIA, 2005). No
mesmo sentido, pacientes deprimidos apresentam elevados níveis de receptores de serotonina [5 -
HT] e menor quantidade de 5-HT no sangue, na urina e no líquido cefalorraquidiano (KALIA,
2005).
Os antidepressivos agem nos sistemas: noradrenérgico, aumentando a atividade cardíaca e
a pressão em ratos (DeGRAAF et al, 1985), porém antagonizando a clonidina (induz hipotermia)
(VON VOIGTLANDER et al., 1978); serotoninérgico, revertendo a ação da paracloramfetamina,
a qual induz hipertermia e depleção de 5-HT (VON VOIGTLANDER et al., 1978);
dopaminérgico, diminuindo a ação hipotérmica da apomorfina (MAJ et al., 1974).
Os receptores benzodiazepínicos (BZD) e o ácido gama-butírico (GABA) estão
presentes difusamente no Sistema Nervoso Central, afetando diversos sistemas funcionais.
Entretanto, os sistemas neuronais envolvidos na regulação da ansiedade são particularmente os
núcleos lateral e baso-lateral da amígdala, os quais são ricos em receptores BZD (GRAEFF,
1997; RIBEIRO e KAPCZINSK, 2000). A noradrenalina tem sido relacionada também com
experiências intrusivas. Na resposta aguda ao estresse, há um aumento importante de
noradrenalina na fenda sináptica, resultando num aumento da resposta monosináptica evocada
(KATZ et al, 1996). Finalmente, o estresse aumenta a liberação e o metabolismo da dopamina
no córtex pré-frontal, uma área envolvida na produção de respostas ao estresse (CHARNEY et
al., 1993).
Nos últimos anos, os pesquisadores têm submetido os animais a modelos que alteram
especificamente os marcadores neurais desejados, aplicando, posteriormente, antidepressivos ou
ansiolíticos específicos.
60
Paralelamente, HUNSBERGER et al (2007) discute que a ação dos antidepressivos
possivelmente envolve a regulação de fatores neurotróficos. Esses fatores participam de funções
fundamentais à saúde neuronal: sobrevivência, diferenciação, suporte, manutenção e aumento da
atividade do neurônio e são afetados pelo estresse (HUNSBERGER et al, 2007; RUSSO-
NEUSTADT et al, 2006).
O Fator Neurotrófico de Crescimento cerebral (BDNF) é o mais encontrado no cérebro,
especialmente no hipocampo. Estudos indicam que o BDNF é reduzido em roedores submetidos a
modelos animais de depressão e em pacientes com Alzheimer; em contrapartida, é estimulado
pelo exercício físico (HUNSBERGER et al, 2007; RUSSO-NEUSTADT et al, 2006;
SCACCIANOCE et al, 2005; HOCK et al, 2000; DUMAN e MONTEGGIA, 2006).
Infusões intraventriculares de IGF-1 (Fator de Crescimento Insulínico) e VEGF (Fator de
Crescimento Vascular Endotelial) produzem ações antidepressivas no Teste do Nado Forçado e
no Desamparo Aprendido (NEWTON et al, 2003).
2.3 Modelos relacionados a lesões cerebrais.
Considerando-se que a depressão altera o funcionamento cerebral, é de suma importância
avaliar o impacto causado pelas lesões neuronais em modelos animais de depressão. A região
mais estudada é o bulbo olfatório. Lesões nessa região prejudicam as conexões do eixo
hipotálamo-sistema límbico, causando, portanto, mudanças neurofisiológicas e comportamentais
(SONG e LEONARD, 2005). Essas mudanças são comparáveis aos sintomas da depressão, pois
ratos bulbectomizados apresentam: aumento da exploração e da hiperatividade no teste do Campo
Aberto; déficits no ritmo circadiano e em atividades cognitivas; níveis elevados de
glucocorticóides; queda da ingestão de glicose e do comportamento sexual; e anedonia (HARKIN
et al., 2003; MONLEON et al., 1995). Segundos esses autores, tais alterações não seriam
causadas simplesmente pela perda olfativa, mas por modificações nas sinapses e na densidade de
regiões como o hipocampo e a amígdala.
61
2.4 Modelos indutores de estresse.
A maioria dos modelos de depressão e ansiedade utiliza a exposição do animal a
situações estressantes. No primeiro caso, observa-se uma incapacidade do mesmo de enfrentar
situações aversivas; enquanto que, no tocante à ansiedade, os roedores tendem a exacerbar seu
comportamento natural de evitar/esquivar-se de situações aversivas.
O Teste do Nado Forçado (FST) e o Teste de Suspensão da Cauda (TST) baseiam-se na
premissa de que um roedor submetido a uma situação aversiva e incontrolável empreenderá
tentativas de escape até, finalmente, permanecer imóvel. Enquanto no FST o roedor encontra-se
imerso em um cilindro com água, no TST ele é preso pela cauda verticalmente. A validade destes
testes consiste no fato de diversos antidepressivos diminuírem o tempo de imobilidade do animal
(CRYAN e HOLMES, 2005). A imobilidade apresentada nestes testes é interpretada como uma
falha em persistir na fuga de uma contingência aversiva. Comparativamente, em pacientes
deprimidos, há uma inabilidade de lidar com o estresse (CRYAN e HOLMES, 2005).
O FST e o TST são sensíveis a vários fatores que influenciam ou são alterados em
humanos deprimidos, como predisposição genética, anedonia, exposição prévia a eventos
estressores e alterações no sono (CRYAN e HOLMES, 2005). Para CRYAN et al (2005), ambos
os testes possuem a vantagem de ser facilmente aplicados, requerem pouco tempo (5-6 min) e
ainda, de responderem a um amplo espectro de antidepressivos. Apesar das semelhanças,
CRYAN et al (2005) apontam algumas diferenças entre o FST e o TST: o tempo de imobilidade
do animal varia bastante; as doses eficazes de antidepressivos são distintas; o primeiro pode
induzir hipotermia, enquanto o segundo induz hipertermia; a alternação entre agitação motora-
imobilidade é visível somente a partir do 3º minuto no FST.
O modelo do Desamparo Aprendido baseia-se na observação de déficits de tentativas de
escape em roedores que recebem choques incontroláveis. Os efeitos do Desamparo Aprendido
permanecem apenas 2-3 dias após o termino das sessões de choque; no entanto, quando os
62
animais são expostos a estressores crônicos moderados, os sintomas permanecem por semanas,
sendo revertidos por fluoxetina e imipramina (CRYAN et al., 2002).
Outro modelo de depressão muito utilizado é o Estresse Crônico Moderado (CMS).
WILLNER (1997) comenta que, ao desenvolver este modelo, planejava simular a depressão tanto
na sintomatologia quanto na cronicidade. O CMS induz anedonia nos roedores, a qual
caracteriza-se por uma queda da capacidade de buscar situações que antes da depressão eram
consideradas prazerosas. Os estressores propostos por WILLNER (1997) são: iluminação
noturna; períodos de privação de água ou comida; mudanças de companheiro da gaiola.
Os testes comportamentais mais comumente utilizados para medir o grau de ansiedade e
atividade locomotora são, respectivamente, o Labirinto em Cruz Elevado (LCE) e o Campo
Aberto (CA), que exploram a aversão natural dos roedores a espaços abertos e a tendência natural
à exploração de ambientes ou objetos novos sem risco aparente (ASANO, 1986; HANDLEY e
MITHANI, 1984; HEGMANN e DEFRIES, 1968; LISTER, 1987; MONTGOMERY, 1955;
PELLOW et al, 1985; RODGERS e JOHNSON, 1997; TREIT et al, 1993).
O LCE é usado para investigar as bases biológicas da emoção e suas correlações com
memória, aprendizado, síndromes de dependência e abstinência, assim como várias formas de
síndromes ansiosas (PELLOW et al, 1985). No teste do LCE, os animais ficam livres para
explorar o ambiente, que é dividido em dois braços abertos, dois braços fechados e uma
plataforma central, observando-se uma preferência natural dos roedores pelos braços fechados,
que evitam as áreas abertas, sendo esse um indicador de ansiedade natural (HANDLEY e
MITHANI, 1984)
O teste de Campo Aberto é comum na análise de comportamentos ansiosos, atividade
motora ou sedação (PRUT e BELZUNG, 2003). A ansiedade medida pelo teste parece ser
ativada por dois fatores: a separação do indivíduo de seu grupo social na hora do teste, e a
agorafobia produzida pela exposição do animal à arena, que é desenhada para ser aberta e maior
do que o ambiente natural que ele costuma habitar. A ansiedade gerada por esse tipo de
63
paradigma só se instala em espécies gregárias e que exibem medo em espaços abertos, nos quais
são forçados a entrar (PRUT e BELZUNG, 2003).
Apesar da grande disponibilidade de modelos animais, é necessário estar atento a alguns
critérios de validação dos testes. Os mais aceitos são os propostos por MCKINNEY e BUNNEY
(1969): os sintomas ou manifestações apresentadas pelos animais devem ter razões análogas à
patologia em humanos; as mudanças comportamentais precisam ser objetivamente observáveis; a
produção de mudanças comportamentais reversíveis pelos mesmos tratamentos efetivos em
humanos; e os resultados devem ser reproduzíveis entre diferentes laboratórios.
64
3. Plasticidade na Formação Hipocampal
A capacidade do Sistema Nervoso, especialmente dos neurônios, de adaptar-se às
diferentes situações vivenciadas pelos indivíduos é conhecida como neuroplasticidade. Esse
fenômeno é imprescindível ao funcionamento neural e está presente desde lesões irreversíveis até
os processos de aprendizagem (LENT, 2004). A fase mais plástica do Sistema Nervoso é durante
o desenvolvimento ontogenético, no qual o organismo está altamente suscetível às modificações
ambientais e às informações genéticas (LENT, 2004).
3.1 O hipocampo
O hipocampo é composto por duas áreas principais: o corno de Amon (também chamado
de hipocampo propriamente dito) e o giro denteado (LENT, 2004). Em secções coronais, o corno
de Amon divide-se em quatro campos, de acordo com a morfologia dos neurônios piramidais,
chamados de CA1, CA2, CA3 e CA4 (Figura 5) (DUVERNOY, 1998).
Quanto às conexões hipocampais, as fibras perfurantes são aferentes externos ao
hipocampo e fazem sinapse com as células granulares do giro denteado. Os axônios das células
granulares, por sua vez, estabelecem sinapses com os dendritos das células piramidais e se
estendem até a região de CA3. Por fim, as células piramidais podem seguir dois caminhos:
projetar seus axônios para fora do hipocampo ou enviar os colaterais de Schaffer à região CA1,
onde fazem sinapses com os dendritos de outras células piramidais, cujos axônios projetam para
fora do hipocampo (LENT, 2004). Segundo FRITSCHY et al., (1998), as células granulares e as
glutamatérgicas piramidais representam 90% do hipocampo, enquanto que interneurônios
produtores de GABA correspondem a 10%.
65
Lesões em diferentes subcampos hipocampais ocasionam respostas fisiológicas e
comportamentais distintas; isso porque há diferenças na conectividade aferente e eferente ao
longo do eixo longitudinal do hipocampo, dividindo-o em uma porção dorsal e uma porção
ventral, ambas funcionalmente distintas (CAMPBELL e MACQUEEN, 2003; SAHAY e HEN,
2007).
SAHAY e HEN (2007) esclarecem que a parte dorsal do giro denteado recebe projeções
do córtex entorrinal, o que concede a essa área participação no processamento de informações
sensoriais visuais e espaciais. Assim, lesões no hipocampo dorsal afetam a aprendizagem espacial
e a memória.
Acerca do hipocampo ventral, os autores supracitados explicam que, além do envio de
projeções axonais para o córtex pré-frontal, essa região possui forte conexão com a amígdala, o
núcleo acumbens, os terminais estriados e com o eixo hipotálamo-adrenal-hipofisário. Classes
específicas de interneurônios e fibras musgosas são mais freqüentes no hilo ventral; ambos são
Figura 4. As fibras Colaterais de Schaffer conectam a região CA3 a CA1, representando o circuito neural no qual ocorre a LTP. A região de CA3 comunica-se com o giro denteado através das fibras musgosas. As fibras perfurantes
são provenientes do córtex entorrinal e conduzem informações sensoriais ao giro denteado. Na camada de neurônios
piramidais (CA1) encontramos o estrato oriens. O giro denteado divide-se em camadas: molecular, granular e
polimórfica (ou hilo). Figura adaptada encontrada em www.sciencephtolibrary.com.
Colaterais de Schaffer
Fibras musgosas
Fibras perfurantes
66
modulados por vias dopaminérgicas, serotoninérgicas e noradrenérgicas, circuitos conhecidos
pela influência nos estados de humor. Injúrias no hipocampo ventral ocasionam alterações nos
comportamentos relacionados às emoções (CAMPBELL e MACQUEEN, 2003; SAHAY e HEN,
2007).
O hipocampo é a principal região de acúmulo da proteína prion (FOURNIER e
GRIGORIEV, 2001). A injeção intrahipocampal dessa proteína altera características
comportamentais (GUENTHER et al., 2001), neurológicas (JEFFREY et al., 1995) e
eletrofisiológicas (JOHNSTON et al., 1998). Dentre os tipos de prion estudados em
camundongos, o ME7 é conhecido pela ação patológica no hipocampo e no tálamo, ocasionando
perda sináptica e alterações comportamentais (SCHWARZE-EICKER et al., 2005).
3.2 A plasticidade sináptica no hipocampo
A primeira teoria conectando memória e plasticidade surgiu nos anos 40, quando o
psicólogo Donald Hebb propôs que a transmissão de informação entre dois neurônios seria
facilitada ou fortalecida se houvesse sincronia entre o disparo do primeiro e do segundo
neurônio.
A comprovação dessa teoria só foi possível anos mais tarde, quando Bliss e Terje Lomo
aplicaram uma estimulação repetitiva nas fibras colaterais de Schaffer e verificaram um
aumento significativo na atividade elétrica das células piramidais de CA1. Mesmo após a
interrupção da eletroestimulação, o potencial pós-sináptico excitatório mantinha-se por horas ou
dias. O LTP (Potenciação de Longa Duração) é um exemplo de plasticidade sináptica
específico, pois só ocorre entre os colaterais de Schaffer (neurônio pré-sináptico) e as células
piramidais de CA1 (neurônio pós-sináptico). Assim como no condicionamento clássico, o LTP é
uma indução associativa, pois só ocorrerá se a estimulação for suficientemente forte para
67
despolarizar os colaterais de Schaffer e aumentar a eficácia sináptica entre os neurônios
envolvidos (MORRIS e FREY, 1997).
A LTP é o modelo mais estudado de plasticidade sináptica e foi primeiramente
identificado no hipocampo; estudos indicam que tanto o hipocampo quanto a amígdala sofrem
modificações sinápticas durante a aprendizagem (WHITLOCK et al., 2006). O hipocampo
ocupa um papel central no estudo da plasticidade sináptica, especialmente em relação ao
armazenamento das informações. O padrão laminar de neurônios e os caminhos neuronais
existentes possibilitam que o hipocampo armazene eventos sinápticos por períodos virtualmente
ilimitados in vivo (NEVES et al., 2008).
3.3 Prion e Plasticidade Sináptica
O modelo murino da Doença Prion resulta em perda sináptica, mudanças na plasticidade
sináptica e degradação das redes perineuronais. A redução da plasticidade sináptica (LTP) ocorre
no hipocampo ventral, acompanhada de dificuldade em testes comportamentais que envolvem a
atividade hipocampal (FRANKLIN et al, 2008).
A expressão da LTP hipocampal depende da integridade de uma região específica da
matriz extracelular, a chamada rede perineuronal, a qual é formada por células gliais, neurônios e
sinapses (FRANKLIN et al, 2008). No córtex cerebral, as redes perineuronais associam-se a
interneurônios inibitórios gabaérgicos positivos para parvalbumina; no hipocampo, estão dentro
ou próximos à camada piramidal do hipocampo propriamente dito, subículo e pré-subículo, mas
também nos neurofilamentos de CA2 e CA3 (FRANKLIN et al, 2008).
Modelos experimentais que não possuem alguns componentes das redes perineuronais
(tenascina e brevican) mostram redução na LTP (BRAKEBUSCH et al., 2002). Ademais, a perda
de redes perineuronais em modelos humanos e experimentais de Doença de Creutzfeldt-Jakob
precede a degeneração neuronal (GUENTCHEV et al., 1998).
68
Estudos genéticos com roedores sugerem que a ausência de PrPc prejudica tanto a função
quanto a plasticidade sináptica. Sabemos que a presença dessa proteína é essencial para o
desenvolvimento da Doença Prion, mas a sua ausência altera a LTP (BRANDNER et al., 1996).
Se o PrP tem uma papel crítico na LTP, podemos esperar que o seu acúmulo anormal diminua a
função sináptica no hipocampo (JOHNSTON et al., 1998).
A matriz extracelular (ME) do tecido nervoso é formada por uma complexa rede de
proteínas e carboidratos secretados tanto por neurônios quanto por células gliais e difere da ME de
outros tecidos por suas propriedades bioquímicas, composição molecular e complexidade de função
(JOHN et al, 2006; RAUCH, 1997; RUOSLAHTI, 1996). Uma das principais especializações da ME
no SNC são as Redes Perineuronais presentes em alguns neurônios (GOLGI, 1989). Essas redes são
compostos agregados de macromoléculas de proteoglicanos (MIYATAL et al, 2005), formadas por
proteínas da membrana plasmática associadas à cadeias longas de dissacarídeos
(glicosaminoglicanos). A composição das redes perineuronais pode diferir dependendo do tipo
neuronal, região cerebral ou mesmo espécie animal a ser considerada (BANDTLOW E
ZIMMERMANN, 2000).
No que concerne ao papel funcional das redes perineuronais, recentemente levantou-se as
seguintes hipóteses: moléculas-guia para axônios em crescimento; concentradoras de fatores de
crescimento em microambiente ao redor de certos neurônios; manutenção das relações intercelulares
e estabilização das sinapses formadas; e integração dos inputs sinápticos e propriedades elétricas da
membrana (BENEYTO et al, 1999; BRUCKNER et al, 2006; CELIO et al, 1998; HENDRY et al,
1988; MULLIGAN et al, 1989; VIGGIANO, 2000). A perda de redes perineuronais coincide com a
ativação microglial e com a redução da plasticidade sináptica na Doença Prion (Franklin et al.,
2008b).
69
4. Neurogênese, Astrogênese, Depressão e Ansiedade.
Há pouco tempo acreditava-se que o Sistema Nervoso não possuía a capacidade de gerar
novos neurônios, uma vez que, após a embriogênese, as células progenitoras neurais seriam
incapazes de dividir-se (SCORZA et al, 2005).
Desde a década de 90, entretanto, inúmeras pesquisas constataram a existência de três
áreas no cérebro mamífero geradoras de células nervosas: a zona subventricular, o giro denteado
do hipocampo e o bulbo olfatório (Figura 5) (SCHARFMAN e REN, 2007). Segundo esses
autores, a neurogênese parece ocorrer para fins bastante específicos, possuindo, assim, limitações.
Em condições neuropatológicas, por exemplo, há liberação de fatores neurotróficos e
conseqüente migração de novos neurônios para a região lesada. Em seguida, há um decréscimo
da taxa dessas células. A sobrevivência desses
neurônios pode sofrer influência da aprendizagem e do enriquecimento do ambiente
(SCHARFMAN e REN, 2007).
O hipocampo possui conexões com outras áreas cerebrais - córtex pré-frontal, córtex
cingulado e amígdala - também conhecidas por possuírem relações com comportamentos
afetivos. Seguindo esse raciocínio, parece possível que alterações na neurogênese hipocampal
contribuam para os sintomas apresentados nas síndromes depressivas e ansiosas (DUMAN,
2004).
Figura 5. Localização de células
progenitoras mitoticamente ativas no SNC
adulto. Fonte: SCORZA et al, 2005.
70
Especialmente em razão dos efeitos positivos dos antidepressivos na neurogênese
hipocampal, essa região tem sido o principal alvo de estudos neuropatológicos sobre os distúrbios
do humor (CAMPBELL e MACQUEEN, 2003). Apesar de não ser o único responsável pela
complexa gama de sintomas emocionais, o hipocampo parece desempenhar um papel
patofisiológico central.
No campo das pesquisas com antidepressivos, em modelos que utilizam o FST (Teste do
Nado Forçado), os efeitos da fluoxetina são permeados pela neurogênese (AIRAN et al, 2007).
Em humanos, os medicamentos antidepressivos demoram algumas semanas para fazer efeito, o
que pode estar relacionado ao tempo de maturação de novos neurônios no giro denteado
(SAHAY e REN, 2007).
Estudos recentes de neuroimagem mostram que a magnitude da redução hipocampal está
diretamente ligada à gravidade do estresse; tratamentos antidepressivos/ansiolíticos reduzem os
efeitos dessa atrofia (DUMAN, 2004). De forma análoga, história prévia do paciente, histórico
familiar e presença de outras doenças podem contribuir para a alteração do volume hipocampal
(CAMPBELL e MACQUEEN, 2003). Essas alterações podem ser causadas pela remodelação de
elementos celulares chave, envolvendo retração de dendritos e perda de células gliais
(CAMPBELL e MACQUEEN, 2003).
BECKER e WOJTOWICZ (2006) sugerem que a conexão entre hipocampo e
neurogênese está fundamenta basicamente em duas evidências. Primeiro, o estresse é largamente
conhecido por seu papel contributivo na patogênese da depressão maior e, em conjunto com
outros fatores predisponentes, pode ocasionar déficit na gênese neuronal. Em segundo,
tratamentos benéficos para os sintomas depressivos estimulam a neurogênese, como exercício,
ECT (Eletro Convulso Terapia) e enriquecimento ambiental.
Estudos com animais que sofreram estresse indicam redução da expressão dos receptores
GABA A, aumento da ansiedade, além de redução na neurogênese (CALDJI et al., 2000, 2003,
71
2004). Os efeitos inibitórios do estresse estão mais relacionados à proliferação do que a
maturação, sobrevivência ou diferenciação neuronal (KARTEN et al., 2005).
Há poucos estudos sobre a relação entre os astrócitos e a ansiedade. Sabe-se que a
astrogliose no giro cingulado pode causar comportamentos ansiosos em roedores, o que pode
levar a mudanças na transmissão sináptica e a efeitos ansiogênicos (NARITA et al., 2006). A
presença de astrócitos no córtex cingulado (microinjetados em roedores de dois meses) ou a
liberação de moléculas por estas células estão implicadas, de alguma forma, na ansiedade
(NARITA et al., 2006). Os processos próprios do envelhecimento promovem astrogliose através
da disfunção no receptor gama-opióide no córtex frontal, incluindo o córtex cingulado. Isso
pode levar a distúrbios emocionais, como aumento da ansiedade e da depressão (NARITA et al.,
2006).
72
5. Neuromorfologia quantitativa.
Embora haja um conjunto notável de estudos dedicados a revelar aspectos morfológicos,
fisiológicos e comportamentais associados à formação hipocampal do camundongo, tanto em
condições normais como em alteradas, não há esforço sistemático para investigar o número de
elementos celulares que compõem àquela região, empregando estimativas sem viés (BONTHIUS
et al, 2004; BUCKMASTER et al, 2002; FABRICIUS et al, 2008; LONG et al,1998A; LONG et
al, 1998B; LORENZI AND REEVES, 2006; MOUTON et al, 2002; SEVERI et al, 2005;
WIRENFELDT et al, 2003).
Quando se fala de estimativas sem viés no contexto da contagem de elementos de
interesse em uma dada região, estamos nos referindo a um capítulo da estatística espacial
denominada estereologia, que permite a realização de análises quantitativas de estruturas
tridimensionais, a partir da reconstrução serial de estruturas bidimensionais (WEIBEL, 1989).
Dado que neste trabalho estima-se o número de células empregando o fracionador óptico, é
interessante rever, ainda que superficialmente, suas bases conceituais. A regra geral em análises
qualitativas é encontrar palavras descritivas tais como menores, maiores, mais largas, menos
freqüentes, mais freqüentes, diferente, similar, ausência ou presença que em geral são suficientes
para os propósitos investigados (SCHMITZ e HOF, 2005).
Entretanto, outros estudos que geram análises quantitativas e expressam valores
numéricos sobre contagem de células, densidades, áreas e volumes apresentam resultados
controversos que se devem à suposições prévias acerca do tecido, da geometria das células e de
suas distribuições no plano da secção (GEINISMAN et al, 1995; MAYHEW e GUNDERSEN,
1996). Esses estudos quantitativos eventualmente introduzem vieses de amostragem e/ou erros
sistemáticos, cuja magnitude é impossível de ser apreciada, qualquer que seja a resolução da
análise: óptica (Gardella et al., 2003; Howard and Reed, 2005; Mandarim-de-Lacerda, 2003;
73
Mayhew and Gundersen, 1996), confocal (KUBINOVA e JANACEK, 2001; PETERSON, 1999)
ou eletrônica (FIALA e HARRIS, 2001; NYENGAARD e GUNDERSEN, 2006).
A análise microscópica, em qualquer nível, é uma ferramenta analítica poderosa para se
descrever formas normais e anormais de tecidos biológicos, particularmente se for possível gerar
números a partir de secções histológicas. Entretanto é necessário considerar que, se um
microscópio é utilizado para analisar a estrutura de interesse, é inevitável, na maioria dos
experimentos, que apenas uma pequena fração da área de interesse original será de fato analisada
em detalhe (HOWARD e REED, 2005; SCHMITZ e HOF, 2005). Para contornar tais viéses,
empregam-se técnicas estereológicas que estimam o número total dos objetos contidos em uma
dada região de interesse através de coleta de informação aleatória e sistemática, multiplicando-se
o número de elementos de interesse registrados pelos valores de probabilidade da amostra
(WEST, 2002).
O termo sem viés é utilizado para definir sistemas de amostragem que são independentes
das propriedades do tecido, onde as dimensões da sonda (caixa de contagem) e os parâmetros
amostrais a ela associados (número e intervalo entre elas) são definidos a priori, desprezando-se
a coleta de dados acerca do tamanho, forma e orientação espacial da área a ser investigada
(GLASER e GLASER, 2000). Assim, os números estimados a partir da amostragem podem ser
expressos em valores relativos ou absolutos indicando volume, número, conectividade,
distribuição espacial e tamanho das estruturas biológicas, sem conhecimento prévio da geometria
das células ou do tecido a ser investigado e.g. (GLASER e GLASER, 2000; SCHMITZ e HOF,
2005; WEST, 2002).
Dentre todos os procedimentos utilizados para estimar o número total de objetos de
interesse dentro de uma determinada região ou camada, o fracionador óptico é o que tem sido
usado com mais freqüência, pois combina as propriedades da sonda tri-dimensional para
contagem dos elementos de interesse (o dissector óptico) com o sistema de amostragem
sistemática e aleatória (o fracionador), removendo vieses amostrais e pressuposições (WEST et
74
al, 1991). Essa metodologia foi adotada no presente trabalho e sua utilização para fins práticos é
descrita a seguir.
5.1. O fracionador óptico em ação
Para estimar o número de células dentro de um volume específico, usando investigação
estereológica sem viés, a estereologia utiliza caixas de contagem virtuais (sondas estereológicas)
aplicadas a uma série ordenada de secções histológicas obtidas das regiões de interesse. É
possível seccionar opticamente as secções histológicas usando objetivas de grande abertura
numérica para produzir imagens de baixa profundidade de foco. O plano de foco (ou secção
óptica) pode ser deslocado, através de distâncias conhecidas, ao longo da espessura da secção,
produzindo planos de foco contínuos através dos quais a contagem é feita de acordo com as
regras de contagem do dissector escolhido. Na prática, o que acontece é a inclusão na contagem
de objetos novos que entram em foco (ou saem de foco) enquanto descemos ou subimos dentro
da caixa de contagem de volume conhecido.
A combinação do dissector óptico com o fracionador de amostras, conhecida na literatura
como fracionador óptico (WEST et al, 1991), tem numerosas vantagens práticas, sendo a
principal o fato de não ser afetado pela retração do tecido e não requerer definições rigorosas de
fronteiras estruturais, que podem ser feitas em objetivas de baixo aumento. O fracionador óptico
envolve a contagem de objetos utilizando sondas de dissectores ópticos em uma amostra
sistemática uniforme que constitui uma fração conhecida do volume da região em análise. Na
prática, isso é feito através de amostragem sistemática de uma fração conhecida da espessura da
secção, tsf (iniciais de “thickness sample fraction”), de uma fração conhecida da área seccional
asf (iniciais de “area sample fraction”) e de uma fração conhecida do número de secções que
incluem a região de interesse, ssf (iniciais de “section sample fraction”).
75
Cada análise estereológica começa com o delineamento da região de interesse em uma
série de secções escolhidas de forma randômica e sistemática (HOWARD e REED, 2005). Para
analisar sistematicamente e registrar a ocorrência dos objetos de interesse, é necessário mudar
para uma objetiva de grande aumento (60x) com elevada abertura numérica e reduzida
profundidade de foco (SCHMITZ E HOF, 2005).
Utilizando essa metodologia não é possível contar todas as células dentro da região de
interesse. Para contornar esse dilema e obter estimativas confiáveis (que se aproximam do real) a
partir de uma diminuta fração amostral, é necessária a utilização de coleta sistemática e aleatória
de dados, incluindo a terceira dimensão. Essa alternativa assegura a estimativa adequada do
número total de células dentro da área de interesse, a partir do número de células detectadas em
cada caixa de contagem da amostra e da probabilidade amostral (SCHMITZ E HOF, 2005).
Entretanto, mesmo com todos esses cuidados, a incerteza nas estimativas ainda
permanece e é decorrente de outras fontes de erro possíveis, como aquelas introduzidos pelos
pressupostos do operador acerca dos grupos experimentais, pelas alterações induzidas nas
secções pelo processamento do tecido, pela ambigüidade no reconhecimento de áreas ou dos
objetos de interesse. Para minimizar esse tipo de incerteza é necessário executar uma série de
procedimentos controle, como ensaios duplo-cegos, escolhas adequadas no tipo de
processamento tecidual incluindo fixação, plano de corte, imunohistoquímicas seletivas,
garantindo a cada passo que todas as regiões da estrutura tenham a mesma probabilidade de
contribuir para a amostra, reduzindo a ambigüidade no reconhecimento dos limites da região
assim como dos objetos da contagem.
A partir de critérios arquitetônicos, hodológicos e de marcadores seletivos, é possível
caracterizar sem ambigüidades as áreas e os objetos de interesse com arquitetonia clássica
utilizando técnicas consagradas (como o Nissil); imunohistoquímica e histoquímicas específicas.
Para caracterização de áreas ou núcleos funcionais específicos no sistema nervoso,
uma série de critérios são aplicados e foram resumidos em cinco principais abordagens
76
experimentais: estudos arquitetônicos, padrão de conexões, mapeamento topográfico, análise
eletrofisiológica de propriedades de neurônios isolados e déficits comportamentais após lesões
seletivas reprodutíveis (PHILLIPS et al., 1984).
77
6. O Modelo Murino de Doença Prion.
Os efeitos da proteína prion anormal são estudados em vários mamíferos, entre eles
ovelhas, gatos, bovinos, cabras e roedores (BRUCE, 2003). As primeiras pesquisas sobre o prion
investigaram as características biológicas elementares e descobriram que a doença é transmissível
e que possui diferentes espécies, as quais possuem tempos de incubação e cursos
neuropatológicos diferenciados. Em seguida, os estudos concentraram-se no isolamento e na
caracterização bioquímica da proteína PrPsc
(TELLING, 2000; BRANDNER et al., 2000).
Nos últimos anos, animais geneticamente modificados têm sido utilizados para a
caracterização genética da proteína anormal e para o estudo dos efeitos dos tipos de prion em
diferentes espécies de mamíferos. Nesse sentido, a confirmação do papel essencial da proteína
prion normal no desenvolvimento da Doença Prion provém de pesquisas com ratos que sofreram
ablação do gene PrP e que se mostraram resistentes ao prion e incapazes de reproduzir as
proteínas infecciosas (PRUSINER, 1998; BRANDNER et al., 2000).
A microinjeção hipocampal de homogenado cerebral infectado com o agente ME7 (uma
espécie de prion estudada em murinos) produz neurodegeneração progressiva (GUENTHER et
al., 2001). Apesar dos sinais clínicos só aparecerem vinte semanas após a inoculação, mudanças
no desempenho cognitivo e locomotor são visíveis antes disso, sendo que o curso total do ME7
gira em torno de 24 semanas (BETMOUNI et al., 1999; DEACON et al., 2001). Em relação a
outras espécies de prion, o ME7 atinge principalmente o hipocampo, possibilitando o estudo de
alterações na memória dos roedores infectados (GUENTHER et al., 2001).
O critério usado para o começo dos sinais clínicos é a detecção de mudanças na atividade
locomotora, que aparece poucas semanas antes da morte (HUNTER et al., 1986). Diversos testes
são realizados na tentativa de caracterizar os prejuízos cognitivos causados pelo ME7. A tela
invertida requer que o camundongo exerça força com as quatro patas juntas. A barra horizontal,
além de avaliar a força nas patas, também detecta déficits na coordenação (GUENTHER et al.,
78
2001). As mudanças comportamentais precoces no modelo murino de prion está associado à
ativação microglial, ativação de astrócitos e deposição de PrPsc
no sistema límbico
(CUNNINGHAM et al, 2003).
O burrowing é um teste simples e de curta duração muito sensível aos efeitos precoces do
da doença induzida pelo agente ME7 (DEACON et al, 2001). A inibição do burrowing ocorre
quando a atividade no Campo Aberto aumenta; assim, esse decréscimo não é devido a uma
depressão motora geral (GUENTHER et al, 2001). Mudanças no comportamento espontâneo
(aumento da atividade locomotora, queda no burrowing e no consumo de glicose) precedem tanto
o prejuízo nas tarefas que requerem coordenação e força motora quanto os sinais clínicos mais
severos (DEACON et al, 2001; GUENTHER et al, 2001).
A espécie C57BL/6J é bastante estudada na Doença Prion; nessa variedade de
camundongo, a deposição do PrPsc
causa morte por apoptose, a qual é precedida por alterações
sinápticas e dendríticas (GIESE et al., 1995; LUCASSEN et al., 1995; CUNNINGHAM et al,
2003). Essa morte ocorre nos últimos estágios da doença (GUENTHER et al., 2001). Análises
com microscopia eletrônica mostram perda de sinapses no estrato radiado do hipocampo em 98
dias (CUNNINGHAM et al, 2003).
Diante do exposto e da literatura revisada até o momento, consideramos importante
estudar a influência de eventos estressores prévios no curso temporal da Doença Prion pelos
seguintes motivos:
1. Já sabemos que o hipocampo é uma região de vital importância para o estudo da Doença
Prion e de eventos estressores. Desse modo, é plausível supormos que a combinação dessas
condições patológicas, em modelos animais, resulte em mudanças hipocampais significativas.
2. Há poucos estudos sobre o agente ME7 na variedade suíça albina.
3. Não obstante os efeitos significativos do estresse no organismo, não existem trabalhos na
literatura que investiguem a influência de eventos estressores prévios no desenvolvimento da
Doença Prion.
79
4. Não há dados, na variedade suíça albina, acerca de possíveis alterações comportamentais na
temperatura corporal, no consumo de glicose, ganho de peso e no testes do Labirinto em Cruz
Elevado; apesar destas alterações serem bem documentadas em outras espécies de roedores, nas
fases iniciais e intermediárias da Doença Prion.
5. Os comportamentos relacionados ao grooming (autolimpeza) ainda não foram investigados
nos roedores injetados com o agente ME7, apesar de ser um indicativo inato do funcionamento
geral ótimo do SNC.
6. O avanço na caracterização dos eventos comportamentais e neuropatológicos iniciais
provocados pela Doença Prion e possivelmente alterados por um evento estressor prolongado é
relevante para o um melhor entendimento da evolução desta doença e mesmo para o
desenvolvimento de possíveis mecanismos de intervenção terapêutica.
Nesse sentido, o presente trabalho pretende investigar qual a contribuição do isolamento
social para as alterações comportamentais precoces observadas na doença prion, assim como as
possíveis alterações relacionadas à matriz extracelular (redução de redes perineuronais) e à
resposta inflamatória (ativação microglial) previamente descritas nessa variedade.
80
II. OBJETIVOS
Geral.
Avaliar o impacto do isolamento social sobre a fase inicial da Doença Prion através de
alguns ensaios comportamentais relacionados e análise estereológica da resposta inflamatória
microglial e das redes perineuronais empregando o fracionador óptico.
Específicos.
1. Verificar, ao longo das semanas de isolamento e após a injeção do agente ME7, possíveis
mudanças comportamentais nos seguintes aspectos:
1.1. Atividade exploratória: Campo Aberto e Labirinto em Cruz Elevado;
1.2. Comportamentos naturais da espécie: grooming, consumo de glicose, burrowing;
1.3. Respostas inatas: temperatura corporal, peso corporal;
1.4. Comportamento diante de uma situação aversiva: Teste de Suspensão da Cauda.
2. Descrever possíveis mudanças neuropatológicas no hipocampo (região de CA1) e no septum
a partir dos seguintes ensaios neuropatológicos:
2.2. Contagem de microglias;
2.3. Alteração da ocorrência e distribuição das redes perineuronais.
81
III. MÉTODOS
1. Formação dos grupos experimentais
Foram utilizadas 40 fêmeas de camundongos da variedade albina suíça, com oito semanas
de idade, originários da colônia do Instituto Evandro Chagas (Pará – Brasil) e manipulados
segundo os "Principles of Laboratory Animal Care" (NIH).
O primeiro passo foi dividir os 40 camundongos em dois grupos: Agrupados (20) -
divididos em quatro gaiolas, com cinco camundongos cada; Isolados (20) - uma gaiola para cada
animal, sendo que, em nenhum momento, esses animais isolados mantiveram contato entre si.
Após três semanas, os dois grupos (Agrupados e Isolados) passaram por testes
experimentais e receberam a injeção com NBH (homogenado de cérebro normal) ou com ME7
(agente da Doença Prion). A partir da injeção, os animais Agrupados subdividiram-se em NBH-
Grupo (n=10) e ME7-Grupo (n=10); e os Isolados em NBH-Isolados (n=10) e ME7-Isolados
(n=10). O esquema abaixo ilustra a divisão dos grupos experimentais:
AGRUPADOS
(n=20)
ISOLADOS
(n=20)
NBH-GRUPO
(n=10)
ME7-GRUPO
(n=10)
NBH-ISOLADOS
(n=10)
ME7-ISOLADOS
(n=10)
Figura 6. Formação dos grupos experimentais antes e após a inoculação com NBH ou ME7.
Após a injeção com NBH ou ME7
82
Tanto os animais Agrupados (Figura 7A) quanto Isolados (Figura 7B) foram mantidos em
gaiolas-padrão de plástico (32cm x 39cm x 16.5cm), com livre acesso a água e comida, em uma
temperatura média de 22ºC, e ciclo claro-escuro de 12 horas (início às 7h, término às 19h).
Figura 7. (A) Camundongos em grupo; (B) camundongo isolado na gaiola-padrão.
A B
83
2. Indução da doença (injeção no hipocampo)
Na 12ª semana de idade os animais foram anestesiados com 2,2,2 tribromoetanol (0.2ml/g
I.P.) e fixados em aparelho estereotáxico (Insight Equipamentos Ltda.). Após a tricotomia, o
crânio foi exposto através de uma incisão no escalpo e, com o auxílio de uma broca, foram feitas
duas aberturas para permitir a infusão bilateral de 1µl do Homogenado (10% p/v em PBS estéril)
de Cérebro de Camundongo Normal (NBH, n=20) ou do agente da Doença Prion (ME7, n=20).
As injeções forram feitas com uma seringa de Hamilton de 1.0µl no hipocampo dorsal, segundo
as seguintes coordenadas estereotáxicas, adotando-se o bregma como ponto de referência:
+1.3mm da linha interaural, ±2.0mm da linha média, e –2.0mm da superfície do crânio, que
correspondem à CA1 do hipocampo dorsal (PAXINOS e FRANKLIN, 2001).
Após a infusão da suspensão, a agulha foi mantida no local por 3 minutos para evitar o
refluxo da solução, após os quais era retirada lentamente. O escalpo era, então, suturado e o
camundongo posto em uma gaiola para recuperação. Terminado o procedimento cirúrgico, os
animais retornaram às suas gaiolas e foram transportados para o Instituto Evandro Chagas
(Belém-PA), onde permaneceram até o término dos experimentos.
84
3. Ensaios comportamentais
Entre a 1ª e a 17ª semana pós-injeção, os camundongos foram submetidos, duas vezes por
semana, aos seguintes testes comportamentais: burrowing, medida de temperatura corporal e
ingestão de glicose. Os testes de Campo Aberto, Labirinto em Cruz Elevado, Testes de Suspensão
da Cauda, Grooming e Peso foram realizados em dois momentos: no período pré-inoculação e na
17ª semana pós-inoculação.
3.1.1 Burrowing. O burrowing é uma palavra inglesa que se refere ao comportamento
típico de certos roedores de remover e estocar comida a partir de uma toca. A toca é simulada por
um tubo de PVC de 20cm de comprimento por 7,2cm de diâmetro. O burrowing é um teste
desenvolvido recentemente e sabe-se que os protocolos mais eficazes são aqueles em que o teste
é feito em 2 horas ou durante o ciclo escuro (CUNNINGHAM et al, 2003). Optamos pela
primeira opção em virtude do testes de consumo de glicose ser realizado durante a noite. Os
camundongos eram colocados individualmente em gaiolas de 100x50x100cm (Figura 8),
previamente equipadas com os tubos de PVC, contendo 150g de ração e posicionados a 3cm da
base, na parte superior direita da gaiola, para evitar que os péletes caíssem acidentalmente
(GUENTHER et al., 2001). Os animais tinham livre acesso à água. A quantidade de ração
deixada nos tubos era pesada no dia seguinte. O teste era realizado, em média, das 16h às 18h.
Figura 8. Gaiola e tubos de PVC utilizados no teste do burrowing.
85
3.1.2 Temperatura. Após o término do burrowing, os animais permaneciam na gaiola de
100x50x100cm e a temperatura anal era medida utilizando-se um termômetro digital (InfraRed
Thermometer TD-960), posicionado a 2cm da região anal do camundongo (Figura 9). Essa
medida era realizada pelo mesmo experimentador, em horário definido (19h), para evitar
diferenças na manipulação do camundongo e a interferência de luminosidade e temperaturas
variadas. O ambiente era silencioso e a manipulação cuidadosa, a fim de evitar estresse adicional
aos animais, visto que a medida da temperatura em si já consiste em um evento estressor
(HEYDEN et al, 1997; COUDEREAU et al., 1996).
3.1.3 Consumo de glicose. Para termos acesso aos níveis basais de consumo de glicose
dos camundongos (Figura 10A), a ingestão desta solução foi auferida durante quatorze dias, antes
da indução da Doença Prion. Depois da inoculação, da 1ª a 17ª semana de tratamento, a solução
de glicose (5% - Solução Glicosada Madrevita) era disponibilizada, em recipientes plásticos
individuais de 25ml (Figura 10B), logo após a medida da temperatura anal. A quantidade ingerida
pelos animais era conferida no dia seguinte.
Figura 9. Procedimento realizado para a medida da temperatura anal.
86
Os testes relatados abaixo foram realizados uma semana antes da indução da Doença
Prion e na 17ª semana de tratamento.
3.1.4 Labirinto em Cruz Elevado. O LCE é constituído por dois braços abertos e dois
fechados (30cm x 5cm) colocados em posições opostas, e uma plataforma central (5cm x 5cm)
(LISTER, 1987). Os braços fechados possuem paredes de 15 cm de altura, enquanto que nos
braços abertos não há paredes. As plataformas de passeio do LCE distanciam-se 45 cm do chão
(Figura 11).
O protocolo usado para este teste foi o mesmo utilizado por CAROLA et al. (2002). O
teste foi realizado em dois dias, sendo que cada animal explorava o ambiente por 5 minutos a
cada dia. O teste iniciava-se sempre que o animal era colocado na plataforma central do LCE e
solto com a face virada para um dos braços abertos. As imagens de cada treino foram capturadas
por uma câmera de vídeo instalada a 1 m de altura do LCE e conectada a um computador, com o
objetivo de armazenar os testes para posterior análise. Os testes eram analisados com o auxílio do
programa Any Maze (Stoelting®
). Ao fim de cada treino, o LCE era limpo com álcool a 10%.
Os parâmetros analisados nos braços abertos e fechados foram: tempo de permanência,
Figura 10. Camundongo isolado em gaiola-padrão para a medição do consumo de glicose (A). Soluções de
glicose e recipientes plásticos utilizados (B).
A B
87
distância percorrida e número de entradas. Esses parâmetros foram contados somente quando o
animal colocava as quatro patas nas áreas correspondentes aos braços ou ao centro do LCE
(CRUZ et al., 1994; LISTER, 1987; RODGERS E JOHSON, 1995).
3.1.5 Campo Aberto. Para a realização deste teste utilizamos o protocolo descrito em
CAROLA et al (2002). A tarefa de exploração foi realizada em uma caixa de 30x30x40 cm, feita
em compensado (Figura 12). O piso foi dividido em nove quadrantes de 10cm x 10cm. Um metro
acima do Campo Aberto (CA) havia uma câmera de vídeo conectada a um computador, de modo
a filmar e armazenar as sessões de amostragem e avaliação, para posteriores análises.
Este teste durou três dias consecutivos e consistiu em colocar o camundongo, através de
sua cauda, no centro do CA como ponto de partida. Nos dois primeiros dias de testes os animais
foram expostos ao CA por 1 min (habituação ao aparato) e no 3º dia exploraram o ambiente
durante 5 min. Ao fim de cada sessão de exploração os animais eram retirados do CA, devolvidos
às suas gaiolas e o aparelho era limpo com uma solução de etanol a 75%. O número de
quadrantes explorados foi o parâmetro analisado como medida para a atividade exploratória.
Figura 11. Labirinto em Cruz Elevado.
88
3.1.6 Grooming. O groomimg é uma palavra inglesa que se refere a uma série de
comportamentos inatos de limpeza observados na maioria das espécies, sendo um repertório
comportamental particularmente importante em roedores (BERRIDGE e ALDRIDGE, 2000). O
aparato utilizado neste teste é o mesmo do Campo Aberto. A partir das imagens capturadas no
terceiro dia de treino no Campo Aberto, observou-se a freqüência dos comportamentos
referentes ao grooming, que são: lamber as patas; passar as patas no focinho e na cabeça;
movimentos semicirculares no topo da cabeça e atrás da orelha; lamber e arranhar o corpo;
lamber a cauda e a região genital (KALUEFF e TUOHIMAA, 2004, 2005).
3.1.7 Teste de Suspensão da Cauda. O aparato usado para este teste foi uma caixa com
36cm(altura) x 30cm(largura) x 20cm(profundidade). O interior da caixa foi forrado com papel
preto para contrastar com as paredes do aparato e como os sujeitos albinos (Figura 13). Uma
câmera de vídeo foi posicionada diante da caixa, a 70 cm de distância. O topo do aparato
continha um orifício por onde era suspensa e presa a cauda do animal, a qual era envolta por um
pedaço de gaze para evitar escoriações. O comportamento foi analisado durante 5 minutos
(JUSZCZAK et al., 2006; LAD et al., 2007). A análise do vídeo foi feita com o auxílio do
Figura 12. Teste do Campo Aberto.
89
programa Any Maze (Stoelting®
) e o parâmetro avaliado foi o tempo e a freqüência de
imobilidade.
3.1.8 Peso corporal. O peso corporal dos sujeitos foi medido em dois momentos: antes da
injeção de NBH ou ME7 e antes da perfusão (17ª semana pós-inoculação).
Figura 14. Pesagem dos camundongos.
Figura 13. Teste de Suspensão da Cauda
90
4. Ensaios neuropatológicos
4.1 Perfusão e microtomia.
Com o encerramento dos testes comportamentais (semanais e agudos), os animais foram
pesados para receber uma dose do anestésico (avertina, 0,08mg/ 5g de peso) por via
intraperitoneal. Assim que verificado o efeito do anestésico, fez-se uma ampla toracotomia e
iniciou-se a perfusão, por via transcardíaca, com solução salina (0,9%, com 1ml/L de heparina
sódica - Liquemine, Roche), durante 10 minutos. Em seguida, a solução salina foi substituída pela
solução fixadora de paraformaldeído (PFA, 4%, pH 7.2-7.4) em solução tampão fosfato (PB)
0,2M, por 30 minutos.
Posteriormente, iniciou-se a craniotomia: os encéfalos foram removidos após a dissecação
de pele, do tecido subcutâneo e músculos e posterior retirada da dura-máter e secção dos nervos
cranianos. O encéfalo ficou imerso em PFA 4% a 4ºC, durante a noite e, então, conservado em
PFA 2%.
O tecido foi seccionado no plano horizontal com o auxílio de um vibrátomo (Série 1000
Pelco Internacional) na espessura de 70µm. Uma a cada cinco secções foi utilizada para detectar
proteína ácida fibrilar glial (GFAP), microglias (Lectina Esculentum) e redes perineuronais
(Lectina Floribunda).
4.2 Processamento de tecidos para histoquímica
4.2.1 Lectina Esculentum: A proliferação e ativação da microglia foram avaliadas usando
histoquímica para lectina de tomate Lycopersicon esculentum–Biotinilada. Esta técnica marca
receptores de açúcar presentes nas microglias ativadas.
91
As secções foram incubadas em solução de Peróxido de Hidrogênio (H202) + Metanol
por vinte minutos e lavadas duas vezes em tampão fosfato salina (PBS-T 5%) com intervalos de
cinco minutos, sendo, em seguida, imersas PBS-T por vinte minutos. Seguiu-se a incubação em
Lectina Biotinilada (3µl sol estoque + 1ml PBS) por 12 horas.
Os cortes foram lavados três vezes em PBS (com intervalo de dois minutos) antes e após
a incubação em solução ABC (complexo Biotina Avidina) por 1 hora. Por fim, os cortes foram
reagidos em solução GND (0,5mg/ml de DAB + 1,2mg/ml Níquel) e lavados três vezes em PB
0,1M (com intervalos de cinco minutos). As secções reagidas foram montadas em lâminas
gelatinizadas para posterior análise estereológica.
4.2.2 Lectina Floribunda: A alteração da ocorrência e distribuição das redes
perineuronais foi avaliada usando a marcação de proteoglicanos da matriz extracelular através
da lectina Wisteria floribunda. A histoquímica com a lectina Wisteria floribunda empregada no
presente trabalho marca os terminais de açúcar (glicosaminoglicanos) ligados aos
proteoglicanos da matriz extracelular.
As secções foram incubadas em solução de Ácido Bórico (70º C) por 1 hora e lavadas
três vezes em tampão TRIS salina triton (TBST-Tris 5%) com intervalos de cinco minutos. Em
seguida, as secções foram imersas em solução de Peróxido de Hidrogênio (H202) + Metanol por
vinte minutos; lavadas duas vezes em TBST.
A seguir, realizou-se a incubação em Lectina Floribunda (3 µl sol estoque + 1ml PBS)
por 12 horas. Antes e após serem incubadas em solução ABC (complexo Biotina Avidina) por 1
hora, as secções foram lavadas três vezes em tampão Tris (0,1M pH 7,4) com intervalo de dois
minutos. Após a imersão em tampão acetato (0,1 M) por cinco minutos, os cortes foram
reagidos em solução GND (0,5mg/ml de DAB + 1,2mg/ml Níquel). As secções reagidas foram
montadas em lâminas gelatinizadas para posterior análise estereológica.
92
4.3 Coloração com Nissil
As secções processadas por histoquímica foram montadas para avaliação microscópica e
posteriormente contracoradas para Nissl. A coloração de Nissl utiliza o cresil violeta tingindo
núcleos e nucléolos com a coloração violeta. Neurônios e glia são corados indistintamente pela
técnica de Nissl. Para preparar a solução de coloração é preciso aquecer o cresil violeta em
banho-maria a 40°C, agitando-a por 5 minutos; filtrar a solução final em papel filtro; e
acrescentar o ácido acético até que o pH da solução esteja entre 3 e 3,5.
93
5. Análise estereológica.
As análises estereológicas foram realizadas no Laboratório de Neuroanatomia Funcional
através do programa StereoInvestigator (MicroBrightField, Williston, VT, USA). O uso desse
software integrado a um microscópio óptico Nikon, de alta resolução, com placa motorizada para
os eixos “x”, “y” e “z”, possibilitou que os dados das coordenadas tridimensionais e a
implementação dos métodos e fórmulas estereológicas fossem aplicados.
O número total de redes perineuronais e microglias presentes na região CA1 e do septum
foi estimado segundo o método do fracionador óptico em combinação com o princípio do
dissector óptico, e segundo regras que minimizam os vieses de contagem celular (HOWARD e
REED, 2005).
Foram analisadas, pelo menos, cinco secções por animal, sendo o intervalo entre elas de 5
secções. Os limites de CA1 e do septum (de apenas um dos hemisférios, escolhido
aleatoriamente) foram facilmente identificados e delineados, a partir da imagem de uma objetiva
de baixo aumento (3.2x) e possíveis reajustes empregados na objetiva de 10x. Uma vez
delimitada a área de interesse, a mesma é dividida em quadrantes (matriz ou gride), sendo que em
cada um deles é posicionada apenas uma caixa de contagem. As dimensões das caixas de
contagem e da matriz de contagem estão descritas na tabela abaixo.
Objeto de interesse Caixa de
contagem (µm²)
Matriz de
Contagem (µm²)
Espessura da
caixa (µm)
Secções
contadas
CA1
Redes Perineuronais 120x120 120x120 20 5
Microglias 45x45 80x80 10 5
Septum Redes Perineuronais 70x70 120x120 20 3
Microglias 40x40 120x120 13 3
Tabela 1: Parâmetros estereológicos utilizados na contagem de redes perineuronais e microglias em CA1 e no
septum.
94
Tais medidas particulares diferiram por técnica de marcação em função da necessidade
de, sempre que possível, obter um coeficiente de erro igual ou menor que 0.05 e manter um
número mínimo de 30 caixas contadas por secção (considerando-se as diferenças de tamanho e
distribuição, conforme o tipo celular marcado). A imunorreatividade seletiva, associada a
características morfológicas, foram os critérios adotados na contagem, que foi realizada em uma
objetiva de grande aumento (60x), com exceção da contagem de redes perineuronais, que foi feita
em uma objetiva de 40x.
O processamento histológico (microtomia, desidratação, imunohistoquímica, etc.) pode
resultar em variações de espessura dentro do mesmo corte. Para corrigir esse erro, a cada caixa de
contagem mensurou-se a espessura do tecido e o bloco de contagem foi posicionado no centro da
espessura total do tecido. A disposição do bloco de contagem no centro não comprometeu a
visualização e foco da célula, visto que o protocolo adotado resultou num padrão de marcação
satisfatório.
5.1 Caracterização das áreas e dos objetos de interesse.
Nossas áreas de interesse nas análises estereológicas foram o hipocampo (mais
especificamente, CA1) e o septum. A figura 15 ilustra a fotomicrografia do hipocampo e do giro
denteado, detalhando a laminação e os limites arquitetônicos.
B A
95
Figura 15. Fotomicrografia ilustrando o giro denteado (GD) e o hipocampo dorsal da fêmea adulta do camundongo
da variedade suíça albina marcados com o anticorpo NEU-N (A) e com lectina Wisteria floribunda biotinilada (B).
Legenda: (Or) Oriens; (Pir) Piramidal; (Rad) Radiatum; (Lac Mol) Lacunosum Molecular; (Mol) Molecular; (Gr)
Granular; (Po) Camada Polimórfica. Escala: (A) 500µm, (B) 250µm.
No presente trabalho dois critérios foram suficientes para caracterização do hipocampo
(CA1, CA2, CA3) e do septum: os padrões arquitetônicos e de conexões. No que concerne ao
padrão arquitetônico, empregou-se imunohistoquímica seletiva para identificação de neurônios
empregando anticorpos dirigidos contra a proteína nuclear NeuN e histoquímica seletiva
empregando a lectina Wisteria floribunda para marcação de proteoglicanos da matriz
extracelular e melhor definição dos limites de CA1, CA2 e CA3 e dos núcleos septais,
preenchendo o critério de definição inambígua da área e dos objetos de interesse.
NeuN é uma proteína nuclear específica de neurônios, encontrada no núcleo e parte do
citoplasma da vasta maioria de tipos neuronais do sistema nervoso dos vertebrados. Por conta da
especificidade de sua expressão ele tem sido referido como um marcador universal do fenótipo
neuronal maduro (pós-mitótico) e é usado para distinguir neurônios de células da glia, assim
como de outras células que não expressam NeuN (DARLINGTON et al, 2008; KUMAR e
BUCKMASTER, 2007). Assim, anticorpos monoclonais dirigidos contra a proteína NeuN do
núcleo neuronal, marcam seletivamente o núcleo e parte do citoplasma de neurônios maduros
em todas as regiões neurais até então estudadas (AMBROGINI et al, 2004; DARLINGTON et
al, 2008; EDGAR AND ROSENBLUM, 2008; MAGAVI et al, 2000).
Na formação hipocampal do camundongo em particular, objeto de interesse do
presente trabalho, uma série extensa de estudos confirma essa observação tanto em animais
saudáveis quanto em doentes (BRANDT et al, 2003; KEMPERMANN et al, 2003;
TAKAHASHI et al, 2008; VON BOHLEN e HALBACH, 2007). O anticorpo monoclonal
empregado no presente trabalho (MAB377, Chemicon, Tremecula, CA), dirigido contra o
96
epitopo murino de NeuN, reage positivamente em uma variedade de espécies, sugerindo que é
conservado por todas elas e isso inclui pássaros, outros roedores e humanos (KUMAR e
BUCKMASTER, 2007).
O limite arquitetônico entre as regiões CA1, CA2 e CA3 podem ser identificados com
relativa facilidade por imunomarcação com anticorpo para NEU-N em função da variação do
empacotamento e do tamanho dos neurônios marcados em cada região (Figura 15A). Os corpos
celulares marcados em CA3 parecem maiores e distribuídos de forma menos empacotada do que
os de CA1 e CA2. As células da camada piramidal de CA2 são mais dispersas espacialmente que
as de CA1, observando-se um estreitamento desta camada no limite entre CA1 e CA2. Essa
distinção anatômica entre CA1 e CA2 é melhor observada na histoquímica para Wisteria
floribunda (Figura 15B).
Paralelamente, as características da distribuição dos terminais de glicosaminoglicanos
da matriz extracelular foram utilizadas também como um indicador de transformações
neuropatológicas que afetam as redes perineuronais da matriz associadas à doença
neurodegenerativa crônica.
Essa escolha se deveu ao fato de que dados da literatura mostram que tanto os
neurônios quanto as próprias redes que os envolvem, são afetados na Doença de Alzheimer e na
Doença Prion; além disso, a integridade dessas redes perineuronais é relevante para preservação
dos mecanismos de memória e aprendizado, promovendo neuroprotetor contra excitotoxicidade,
estresse oxidativo (MORAWSKI et al., 2004) e formação de placas neurofibrilares
(BRUCKNER et al, 1999; HARTIG et al., 2001).
Além das redes perineuronais, nossos objetos de interesse nas análises estereológicas
foram as microglias ativadas, seletivamente marcadas por histoquímica com lectina de tomate
(Lycopersicum esculentum) para a microglia ativada, de modo a acompanhar sua plasticidade
fenotípica em forma e número que acompanham a neurodegeneração (BOUCSEIN et al., 2000;
KANNAN et al., 2007; STREIT, 2000)
97
A região septal, por sua vez, foi definida como aquela delimitada entre a linha média, a
comissura anterior e núcleo anterior do bulbo olfatório, em sua porção mais ventral, enquanto
que, em sua porção mais dorsal, compreendida entre a linha média, o corpo caloso e a fímbria.
A identificação das redes perineuronais através da Wisteria floribunda biotinilada permitiu,
portanto, a definição clara dos campos hipocampais, e do septum medial e lateral assim como a
distinção entre os dois tipos de redes.
Tomados os resultados em conjunto foi possível caracterizar com precisão os limites das
áreas e identificar-se sem ambigüidades os objetos de interesse.
98
6. Análise Estatística
A estimativa do número total de células dentro da região de interesse foi obtida através do
método do fracionador óptico, multiplicando-se o número de células contadas dentro de cada
bloco pelos valores de probabilidade da amostra. Esses valores dependem: 1) do número de
secções investigadas comparadas com o número total de secções que contem a região de interesse
(“section sampling fraction”); 2) da área dos blocos de contagem comparada com a área da matriz
de contagem (“area sampling fraction”); e 3) a altura do bloco de contagem comparada com a
média da espessura da secção após os procedimentos histológicos (“thickness sampling
fraction”).
Onde,
N – número total de células
ΣQ – número de células contados
ssf – “section sampling fraction” = secções contadas/total de secções
asf – “area sampling fraction” = área bloco/área matriz (x,y)
tsf – “tissue sampling fraction” = altura bloco/espessura da secção.
Comparando o coeficiente de erro verdadeiro para grandes amostras com o calculado
por diferentes métodos, encontrou-se que o coeficiente de Scheaffer é o que mais se aproxima do
erro verdadeiro (GLASER e WILSON, 1998). Assim, no presente trabalho, deu-se preferência ao
fracionador óptico como método estereológico e ao coeficiente de Scheaffer como instrumento
de medida do erro intrínseco à metodologia. Utilizando esse coeficiente, definiu-se que a grade e
as dimensões da caixa de contagem seriam adequadas quando a relação entre o coeficiente de
erro e o coeficiente de variação fosse menor do que 0.5.
N = ΣQ * 1/ssf * 1/asf * 1/tsf
99
Outro parâmetro que se estimou de forma sistemática foi o coeficiente de variação
biológica, definido como: CVB2 = CV
2 – CE
2 (CE, coeficiente de erro; CV coeficiente de
variação; CVB, coeficiente de variação biológica), expresso em valor percentual do coeficiente
de variação, estabelecendo-se que sua contribuição precisa ser sempre maior do que 50% para
que se minimize os erros intrínsecos do processo amostral.
A análise estatística paramétrica avaliou o grau de significância dos resultados dos
testes comportamentais através da análise de variância (ANOVA, um critério) seguido do teste
de Bonferroni a priori, aceitando-se como significantes as diferenças entre grupos com intervalo
de confiança mínimo de 95% (p<0,05). O software Bioestat 5.0 foi empregado em todos os testes
estatísticos.
A seguir (Quadro 2) vemos um esquema ilustrativo da metodologia e dos
procedimentos experimentais.
74
IV. RESULTADOS.
Seleção de 40 camundongos
da variedade Suíça albina
com 8 semanas de idade
Divisão dos grupos:
Agrupados (n=20)
Isolados (n=20)
Isolados: três semanas de isolamento
Agrupados: cinco por gaiola
Aferição dos níveis basais de consumo de glicose
1ª fase
1ª a 3ª semana de isolamento
social
2ª fase
Testes comportamentais:
Campo Aberto, Labirinto em
Cruz, Peso corporal
Subdivisão dos grupos:
Agrupados – NBH-GR e ME7-GR
Isolados – NBH-IS e ME7-IS
Testes (2x por semana): consumo
de glicose, burrowing e medida e
da temperatura anal.
1ª a 17ª semana pós-inoculação Inoculação com NBH ou ME7 3ª semana de isolamento
Testes comportamentais:
Campo Aberto, Labirinto em Cruz,
TST, Grooming e Peso corporal.
Perfusão, fixação, microtomia,
técnicas de histoquímica
Análises estereológicas em CA1 e
no septum: redes perineuronais e
microglias ativadas
3ª fase 17ª semana pós-inoculação
Quadro 2: Esquema ilustrativo da metodologia e dos procedimentos experimentais.
75
0
5
10
15
20
25
3 5 7 9 11 13 15 17
semanas pós-inoculação
qtd
e. in
geri
da (
ml)
NBH-GR ME7-GR NBH-IS ME7-IS
1. Ensaios Comportamentais.
Os testes de Consumo de Glicose, Burrowing e Temperatura foram aplicados duas vezes por
semana, da 1ª a 17ª semana pós-inoculação; enquanto que os testes Campo Aberto, Labirinto em
Cruz Elevado, Grooming, Teste de Suspensão da Cauda e Peso corporal foram realizados antes e
depois da inoculação com a Doença Prion (17ª semana).
1.1 Consumo de glicose
CONSUMO DE GLICOSE – 17ª SEMANA PÓS-INOCULAÇÃO
Média Aritmética (ml) Desvio Padrão Grupos Significância (Anova, Bonferroni)*
NBH-GR = 18.4 5.27 NBH-GR e NBH-IS p<0.025
ME7-GR = 15.66 2.96 NBH-GR e ME7-IS p<0.01
NBH-IS = 11.62 4.87 ME7-GR e ME7-IS p<0.01
ME7-IS = 8.30 6.31 NBH-IS e ME7-IS p<0.05
Figura 16. Média da quantidade de glicose consumida ao longo das semanas pós-inoculação com NBH ou ME7.
Os ME7-IS consumiram menor quantidade de glicose que os demais grupos (NBH-Grupo, ME7-Grupo e NBH-
Isolados). ANOVA um critério, Bonferroni, p<0.01.
76
Tabela 2: Dados estatísticos relativos ao consumo de glicose na 17ª semana pós-inoculação. *Apenas as diferenças
significativas.
A figura 16 mostra que não houve diferença no consumo de glicose entre animais em grupo
(NBH-GR e ME7-GR) e isolados (NBH-IS e ME7-IS), exceto na 17ª semana PI.
Da 3ª a 9ª semana PI os grupos NBH-GR e ME7-GR ingeriram, em média, 11ml da solução
glicosada; na 13ª houve uma queda dessa média para 5ml, o que não representa um dado
significativo, pois na semana seguinte, os camundongos retornaram para os níveis iniciais de
consumo, apresentando uma tendência crescente da ingestão de glicose.
Os sujeitos isolados (NBH-IS e ME7-IS), por sua vez, exibiram níveis de consumo similares
até a 17ª semana PI, nas qual os ME7-IS (MA=8.30, Erro Padrão=1.99) ingeriram menor quantidade
de glicose que os NBH-IS (MA=12, EP=1.72, p<0.05). Na 17ª semana os animais ME7-IS também
se diferenciaram dos NBH-GR (MA=18; EP=1.67, p<0.01) e dos ME7-GR (MA=16; DP=0.99,
p<0.01).
77
0
30
60
90
120
150
180
5 7 9 11 13 5 16 17
semanas pós-inoculação
qtd
e. re
mo
vid
a
NBH ME7 NBH+IS ME7+IS
1.2 Remoção e estoque de ração (burrowing)
Figura 17. Quantidade de ração removida ao longo das semanas pós-inoculação com ME7 e NBH. Legenda:
Diferença entre os animais NBH-Isolados e ME7-Isolados (ANOVA, Bonferroni, p<0.01); Os sujeitos ME7 (GR e IS)
removeram menor quantidade de ração que os NBH (GR e IS). ANOVA um critério, Bonferroni, p<0.01.
Tabela 3: Quantidade de ração removida na 16ª e na 17ª semana pós-inoculação. *Apenas os dados estatisticamente
significativos.
BURROWING – 16ª SEMANA PÓS-INOCULAÇÃO
Média Aritmética
(gramas)
Desvio Padrão Grupos* Significância
(Anova, Bonferroni)*
NBH-GR = 119 45 NBH-GR e ME7-IS p<0.01
ME7-GR = 90 61 ME7-GR e NBH-IS p<0.01
NBH-IS = 148 4.5 NBH-IS e ME7-IS p<0.01
ME7-IS = 66 60
BURROWING – 17ª SEMANA PÓS-INOCULAÇÃO
Média Aritmética
(gramas)
Desvio Padrão Grupos Significância
(Anova, Bonferroni)*
NBH-GR = 135 35 NBH-GR e ME7-GR p<0.01
ME7-GR = 80 59 NBH-GR e ME7-IS p<0.01
NBH-IS = 135 22 ME7-GR e NBH-IS p<0.01
ME7-IS = 24 32 ME7-GR e ME7-IS p<0.01
NBH-IS e ME7-IS p<0.01
78
Nas primeiras 15 semanas, não encontramos diferença entre os grupos experimentais quanto
ao burrowing (Figura 17).
Na 16ª semana, observamos que os animais ME7-IS (MA=66, EP=10) se distinguem dos
NBH-IS (MA=148, EP=8), apresentando uma queda brusca na quantidade de ração removida
(p<0.01) que persiste na semana seguinte.
Na 17ª semana os sujeitos ME7-GR (MA=87.51, EP= 20) removeram menos ração que os
NBH-GR (MA=145.60, EP=11, p<0.01) e os NBH-IS (MA=135, EP=7.95, p<0.01). O grupo ME7-
IS distinguiu-se dos demais grupos, apresentando maior queda no burrowing na 17ª semana PI
(MA=24, EP=10.40, p<0.01).
Observamos que, enquanto os ME7-IS distinguiram-se dos NBH-IS na 16ª semana, os ME7-
GR só apresentaram queda no burrowing, em relação aos NBH-GR, na 17ª semana PI.
1.3 Temperatura corporal
36
37
38
Figura 18. Temperatura retal dos animais da 5ª a 17ª semana pós-inoculação. Legenda: Diferença entre os
sujeitos em grupo (NBH-GR e ME7-GR) e os sujeitos isolados (NBH-IS e ME7-IS). ANOVA, Bonferroni, p<0.01.
semanas pós-inoculação
controles
ME7
isolados
Isolados+ME7
79
TEMPERATURA ANAL
Semana Média Aritmética (ºC) Desvio Padrão Significância*
NBH-GR ME7-GR NBH-IS ME7-IS NBH-GR ME7-GR NBH-IS ME7-IS
5ª 34.1 34.1 34.2 34.4 0.36 0.25 0.09 0.15 ns
7ª 34.2 34.2 35.2 35.1 0.18 0.21 0.11 0.09 p<0.01
9ª 34.3 34.0 35.5 35.3 0.35 0.35 0.05 0.09 p<0.01
11ª 34.8 35.4 34.9 35.0 0.55 0.64 0.087 0.17 ns
13ª 34.0 33.9 35.8 35.9 0.5078 0.45 0.097 0.13 p<0.01
15ª 34.5 35.3 35.8 35.8 0.22 0.48 0.12 0.11 p<0.01
16ª 33.7 33.7 35.6 36.0 0.28 0.71 0.17 0.10 p<0.01
17ª 34.6 34.8 36.4 36.9 0.34 0.73 0.18 0.15 p<0.01
Tabela 4: Dados estatísticos da medida da temperatura anal dos sujeitos em grupo (NBH-GR e ME7-GR) e
isolados (NBH-IS e ME7-IS). *Comparação dos animais em grupo (NBH-GR e ME7-GR) e isolados (NBH-IS e
ME7-IS) em cada semana pós-inoculação (Anova, um critério, Bonferroni).
Na 7ª, 9ª, 13ª, 15ª, 16ª e 17ª os animais isolados apresentam temperaturas mais elevadas em
relação aos animais em grupo (Anova, Bonferroni, p<0.01), sem, contudo, distinguirem-se entre si
(NBH-IS e ME7-IS), o que, provavelmente, representa uma resposta hipertérmica ao estresse
32
33
34
35
5 7 9 11 13 15 16 17
º C
80
provocado pelo isolamento. A queda da temperatura dos NBH-IS e ME7-IS na 11ª semana constitui
um fenômeno isolado, pois não se mantém nas semanas posteriores (Figura 18).
Ao longo das semanas pós-inoculação, os animais em grupo (NBH-GR e ME7-GR) mantêm
um padrão, permanecendo próximos aos níveis basais das primeiras semanas, enquanto que os
isolados exibem uma elevação gradual da temperatura retal, aproximando-se dos 37ºC na 17 ª semana
PI.
Os testes comportamentais seguintes foram realizados em dois momentos: antes na injeção
com ME7 ou NBH e na 17ª semana pós-inoculação. Os animais do período pré-inoculação são:
Agrupados (cinco por gaiola) e Isolados (um por gaiola, isolados há três semanas). Após a
81
inoculação, os sujeitos Agrupados dividiram-se em NBH-GR e ME7-GR, enquanto que os Isolados
dividiram-se em NBH-IS e ME7-IS.
1.4 Campo Aberto (CA)
Tabela 5: Dados estatísticos do Teste do Campo Aberto. *Apenas os dados estatisticamente significativos.
Observamos que os Agrupados (MA=8.64, EP=0.85) e os Isolados (MA=12.43, DP=0.93)
apresentaram desempenho distinto no Campo Aberto no período pré-inoculação (p<0.01), no qual os
TESTE DO CAMPO ABERTO - DISTÂNCIA
Média Aritmética Desvio Padrão Grupos* Significância (Anova, Bonferroni)*
Agrupados = 8.64 3.82 Agrupados e Isolados p<0.01
Isolados = 12.43 4.18 Agrupados e ME7-GR p<0.01
NBH-GR = 11.67 4.31 Agrupados e ME7-IS p<0.01
ME7-GR = 14.87 7.39 Isolados e ME7-IS p<0.01
NBH-IS = 12.66 2.77 NBH-GR e ME7-IS p<0.01
ME7-IS = 18.87 6.05 ME7-GR e ME7-IS p<0.05
NBH-IS e ME7-IS p<0.01
Fig. 19 Comportamento Exploratório no Teste do Campo Aberto (CA). : ME7-IS percorreram maior
distância no CA em relação aos demais grupos (ANOVA, um critério, Bonferroni, p<0.05 e p<0.01).
0
4
8
12
16
20
24
Agrupados Isolados NBH-GR ME7-GR NBH+Isol ME7+Isol
dis
tancia
(m
)
Pré-inoculação 17ª semana pós-injeção
82
Isolados encontravam-se na 3ª semana de isolamento. Isso mostra-nos que o modelo de estresse
induzido por isolamento social induz alterações comportamentais já na 3ª semana de isolamento.
A distância percorrida pelos animais Agrupados (pré-inoculação) não foi alterada
significativamente nos animais NBH-Grupo (17ª semana). Entretanto, os sujeitos ME7-Grupo
percorreram uma distância maior na 17ª semana (MA=14.88, EP=2.46) que os Agrupados (p<0.01).
Não encontramos diferença, quanto à distância percorrida, entre os grupos NBH-GR e ME7-GR.
Os animais NBH-IS não se distinguiram dos grupos Isolados e Agrupados. Os ME7-IS
percorreram a maior distância no CA (MA=18.87, EP=2.14, p<0.05), distinguindo-se tanto dos
grupos do período pré-inoculação (Agrupados e Isolados) quanto dos grupos da 17ª semana (NBH-
GR, ME7-GR e NBH-IS).
Percebemos que a agitação psicomotora dos sujeitos Isolados (pré-inoculação) é
potencializada nos ME7-IS (MA=18.82, EP=2.14, p<0.01), indicando uma sobreposição dos efeitos
do isolamento e das alterações comportamentais da Doença Prion.
83
1.5 Labirinto em Cruz Elevado (LCE)
Tabela 6: Dados estatísticos relativos à distância percorrida no Braço Aberto do LCE. *Apenas os dados estatisticamente
significativos.
A figura 20A mostra a distância percorrida no Braço Aberto (BA) do LCE. Na semana pré-
inoculação, vemos que os camundongos Isolados (MA=0.15, EP=0.03) percorreram uma distância
menor que os Agrupados (MA=0.77, EP=0.13, p<0.01), os ME7-GR (MA=0.70, EP=0.25, p<0.01) e
os NBH-IS (MA=0.88, EP=0.30, p<0.01).
Na 17ª semana, o grupo ME7-IS (MA=0.18, EP=0.08) percorreu uma distância bem menor
que o NBH-IS (p<0.01), sendo que não houve diferença entre o NBH-GR e ME7-GR. A distância
LCE – DISTÂNCIA PERCORRIDA NO BRAÇO ABERTO
Média Aritmética Desvio Padrão Grupos* Significância (Anova, Bonferroni)*
Agrupados = 0.77 0.56 Agrupados e Isolados p<0.01
Isolados = 0.15 0.16 Agrupados e NBH-GR p<0.05
NBH-GR = 0.35 0.54 Agrupados e ME7-IS p<0.01
ME7-GR = 0.70 0.79 Isolados e ME7-GR p<0.01
NBH-IS = 0.88 0.92 Isolados e NBH-IS p<0.01
ME7-IS = 0.13 0.21 NBH-GR e NBH-IS p<0.05
ME7-GR e ME7-IS p<0.05
NBH-IS e ME7-IS p<0.01
A B
Figura 20 (A, B): Distância percorrida no Braço Aberto (A) e no Braço Fechado (B) do LCE. B: * Os Isolados
percorreram menor distância no Braço Fechado em relação aos demais grupos (Anova, Bonferroni, p<0.01).
Distancia percorrida no Braço Aberto
0
0,4
0,8
1,2
1,6
Controles Isolados NBH ME7 NBH+IS ME7+IS
dis
tancia
(m
)
Distancia percorrida no Braço Fechado
0
2
4
6
8
10
12
Controles Isolados NBH ME7 NBH+IS ME7+IS
Agrupados Isolados NBH-GR ME7-GR NBH-IS ME7-IS
Agrupados Isolados NBH-GR ME7-GR NBH-IS ME7-IS
A B
84
percorrida no Braço Fechado (BF) está exposta na figura 20B, onde os animais Isolados da semana
pré-inoculação distinguiram-se dos demais grupos percorrendo a menor distância (MA=3.5,
EP=0.22, p<0.01).
Figura 21 (A e B): Entradas no BA (A) e no BF (B) do Labirinto em Cruz Elevado. (C): *Agrupados entrou mais vezes
no BA que os demais grupos (p<0.025); (D): # Diferente do ME7-GR, NBH-IS e ME7-IS (p<0.05); Diferente dos
grupos da 17ª semana PI (Anova, Bonferroni, p<0.025).
Quanto ao número de entradas no BA (figura 21A), os animais Agrupados (MA=21.55,
EP=2.7) distinguiram-se de todos os grupos, apresentando a maior freqüência de entradas no Braço
Aberto do LCE (p<0.025).
Na 17ª semana, os animais NBH-GR (MA=13.2, EP=3.62) e ME7-GR (MA=6.71, EP=2.49)
apresentaram queda no número de entradas no BA em relação a semana pré-inoculação (Agrupados,
p<0.025). Os sujeitos NBH-IS (MA=5.62, EP=1.30) e ME7-IS (MA=11.7, EP=2.80) não se
distinguiram dos Isolados (pré-inoculação). Os camundongos NBH-GR (MA=10.22, EP=3.62) não
se distinguiram dos NBH-IS (MA=5.62, EP=1.30).
A B
Entradas do Braço Fechado
0
5
10
15
20
25
30
35
40
Conroles Isolados NBH ME7 NBH-IS ME7-IS
nº de e
ntradas
#
Agrupados Isolados NBH-GR ME7-GR NBH-IS ME7-IS
Entradas no Braço Aberto
0
5
10
15
20
25
30
35
40
nº d
e e
ntr
ada
s
Agrupados Isolados NBH-GR ME7-GR NBH-IS ME7-IS
*
85
Observamos, então, que os sujeitos NBH-GR e ME7-GR entraram menos no BA que seus
controles do período pré-inoculação (Agrupados), o que não foi observado nos NBH-IS e ME7-IS em
relação aos Isolados.
No Braço Fechado (BF) (figura 21B) encontramos maior freqüência de entrada dos
Agrupados (MA=29.2, EP=2.15) em relação ao ME7-GR (MA=19.28, EP=3.5), NBH-IS
(MA=21.37, EP=3.47) e ME7-IS (MA=20.1, EP=2.75). Os sujeitos Isolados entraram mais no BF
que os NBH-GR (MA=25.4, EP=3.63, p<0.025), os ME7-GR (p<0.01), os NBH-IS (p<0.01) e os
ME7-IS (p<0.01).
Em suma, os ME7-GR entraram menos no BF que os Agrupados, os sujeitos NBH-IS e ME7-
IS reduziram a freqüência de entrada no BF em relação aos Isolados e, na 17ª semana PI, os grupos
experimentais não se distinguiram no Braço Fechado.
Figura 22E: Tempo no Braço Aberto. # Os Agrupados são diferentes de todos os grupos, com exceção do ME7-IS;
Diferença significativa em relação aos Isolados, ME7-GR e aos NBH-IS. Anova, Bonferroni, p<0.01.
Tempo no Braço Aberto
0
20
40
60
80
100
Contro les Experimentais NBH M E7 NBH+IS M E7+IS
#
Agrupados Isolados NBH-GR ME7-GR NBH-IS ME7-IS
86
A figura 22 mostra que os animais Agrupados (MA=72.42, EP=10.19) passaram mais tempo
no BA (p<0.01) que os Isolados (MA=24.18, EP=4.0), os NBH-GR (MA=35.2, EP=7.06), os ME7-
GR (MA=12.81, EP=6.9) e os NBH-IS (MA=13.5, EP=6.2).
Os sujeitos NBH-IS mantiveram a tendência vista nos Isolados (semana pré-inoculação) de
permanecer pouco tempo no BA, diferente do observado no ME7-IS, o qual aumentou
significativamente seu tempo no BA (p<0.01), distinguindo-se também dos ME7-GR (p<0.01) e dos
NBH-IS (p<0.01). Os grupos experimentais não diferiram quanto ao tempo de permanência no Braço
Fechado (BF).
Tomando os dados em conjunto, percebemos que apesar da figura 20A mostrar que a
distância percorrida pelos ME7-IS no Braço Aberto é menor, os gráficos 21A e 22 apontam,
respectivamente, que esses animais entraram mais e permaneceram mais tempo no BA. Supomos que
esses animais entraram mais no BA, mas percorreram uma distância menor neste braço porque
estavam imóveis. Temos, então, uma inversão da tendência natural de evitar o Braço Aberto; essa
inversão pode estar vinculada à somação do isolamento a Doença Prion.
87
1.6 Grooming.
Figura 23. Freqüência dos comportamentos relacionados ao grooming. Legenda: Diferença entre os grupos ME7-GR
e NBH-IS (ANOVA, um critério, Bonferroni, p<0.025); ME7-IS realizaram menos grooming que os demais grupos
(ANOVA, um critério, p<0.01).
Tabela 7: Comportamentos relacionados ao grooming observados na 17ª semana pós-inoculação. * Apenas as
correlações significativas.
A figura 23 mostra que os NBH-GR não se distinguiram dos ME7-GR e dos NBH-IS quanto
à freqüência dos comportamentos relacionados ao grooming.
Os sujeitos NBH-IS (MA=10.8, EP=0.9) realizaram mais grooming que os ME7-GR
(MA=7.6, EP=0.7, p<0.025) e os ME7-IS (MA=3.5, EP=1.1, p<0.01). Os sujeitos ME7-IS
apresentaram a menor freqüência de grooming, diferenciando-se de todos os grupos (p<0.01): NBH-
GR (MA=9.6, EP=1.3), ME7-GR, NBH-IS e ME7-IS.
GROOMING – 17ª SEMANA PI
Média Aritmética Desvio Padrão Grupos* Significância (Anova, Bonferroni)*
NBH-GR = 9.6 3.2 NBH-GR e ME7-IS p<0.025
ME7-GR = 7.6 1.5 ME7-GR e NBH-IS p<0.01
NBH-IS = 10.8 2.2 ME7-GR e ME7-IS p<0.01
ME7-IS = 3.5 2.6 NBH-IS e ME7-IS p<0.01
Grooming
0
4
8
12
16
NBH ME7 NBH IS ME7 IS
freq
uê
nci
a d
e g
room
ing
17ª semana pós-inoculação
NBH-GR ME7-GR NBH-IS ME7-IS
88
Resumidamente, os ME7-IS apresentaram comportamento oposto (queda no grooming) ao
observado nos NBH-IS e realizaram menos grooming que os ME7-GR.
1.7 Teste de Suspensão da Cauda.
O tempo de imobilidade e a freqüência de episódios imóveis do TST não sofreram influência
significativa da infecção com prion e do isolamento, quando avaliado na 17ª semana pós-inoculação.
1.8 Peso corporal.
Fig. 24 Percentual de ganho de peso entre o período pré-inoculação e a 17ª semana pós-inoculação. * Diferença em
relação aos demais grupos. Anova um critério, Bonferroni, p<0.05.
Tabela 8: Percentual de ganho de peso entre a 1ª e a 17ª semana PI. * Apenas as correlações significativas.
GANHO DE PESO (%).
Média Aritmética Desvio Padrão Grupos* Significância (Anova, Bonferroni)*
NBH-GR = 57.66% 2.30 NBH-GR e NBH-IS p<0.01
ME7-GR = 58.11 % 3.40 NBH-GR e ME7-IS p<0.01
NBH-IS = 52.5 % 1.77 ME7-GR e NBH-IS p<0.01
ME7-IS = 54.6 % 2.11 ME7-GR e ME7-IS p<0.025
NBH-IS e ME7-IS p<0.05
Ganho de peso entre a 1ª e a 17ª semana pós-inoculação
0
10
20
30
40
50
60
NBH ME7 NBH-IS ME7-IS
gan
ho
de p
eso (
%)
* *
89
No tocante ao ganho de peso (Figura 24) entre a pré-injeção e a 17ª semana PI, os sujeitos em
grupo (NBH-GR e ME7-GR) não se distinguiram. Os animais NBH-IS apresentaram menor ganho de
peso que os NBH-GR (MA=57.66, EP=0.74, p<0.01), os ME7-GR (MA=58.11, EP=1.13, p<0.01) e
os ME7-IS (MA=54.6, EP=0.67, p<0.05). Por fim, os ME7-IS apresentaram menor ganho de peso
que os NBH-GR (p<0.01) e ME7-GR (p<0.025), e maior peso que os NBH-IS (p<0.01).
Em síntese, vemos que os sujeitos isolados (NBH-IS e ME7-IS) tiveram um percentual de
ganho de peso menor que os sujeitos agrupados (NBH-GR e ME7-GR), enquanto que os ME7-IS
demonstraram maior percentual de ganho de peso que o grupos NBH-IS.
90
2. Achados Neuropatológicos
Após o término dos testes comportamentais, na 17ª semana pós-inoculação, os animais
foram perfundidos, o tecido cerebral seccionado e seletivamente marcado para posterior
identificação e contagem de redes perineuronais, microglias ativadas e astrócitos nas regiões de
CA1 e septum.
2.1 Análise qualitativa
2.1.1 Redes Perineuronais
Na Figura 25 são ilustradas as alterações da matriz extracelular em CA1 e na região
septal, 17 semanas após a injeção do agente ME7. Os animais ME7 (GR e IS) apresentaram queda
no número de redes perineuronais tanto em CA1 quanto no septum. Essas alterações das redes
perineuronais da matriz extracelular parecem restritas às mesmas regiões onde se detectou a
ativação da microglia e de astrócitos reativos e a redução observada nas redes foi tanto mais
intensa quanto maior a freqüência de microglias ativadas e astrócitos reativos (Figuras 22 e 23).
O número de redes encontradas no septum e em CA1 foram semelhantes, tanto para os
grupos injetados com NBH (GR e IS) quanto para aqueles injetados com ME7 (GR e IS). Não
encontramos diferença no número de redes perineuronais em ter os sujeitos ME7-GR e ME7-IS,
nem entre os NBH-GR e NBH-IS, em ambas as regiões investigadas. Entretanto, os sujeitos ME7-
IS apresentaram maior queda de redes na região septal, enquanto que os Isolados demonstraram
queda maior em CA1.
91
SEPTUM CA1
NBH-GR ME7-GR NBH-IS
ME7-IS
92
Figura 25. Fotomicrografia de baixo aumento de secções marcadas com lectina Wisteria Floribunda nas regiões de
CA1 e do septum. Os sujeitos inoculados com ME7 apresentaram redução de redes perineuronais tanto em CA1
quanto no septum. Escala: 250 m.
Na figura 26, temos os tipos de redes encontrados nas regiões de interesse: tipo 1, corpo
celular e prolongamentos neurais bem definidos; enquanto que as redes tipo 2 possuem uma
marcação nuclear mais rarefeita e pouca definição dos prolongamentos.
Figura 26. Fotomicrografia em médio (A) e grande aumento (B) para ilustrar a extensão e os tipos de redes perineuronais
em secção do cérebro de um animal sadio. Notar a extensão da rede envolvendo o soma (seta preta) e ramos dendríticos
(seta branca) de neurônios hipocampais de CA3 (B) e a distinção entre os tipos I e II de redes perineuronais (A). Escalas:
(A) 25 μm; (B) 10 μm.
A B
93
2.1.2 Ativação Microglial.
CA1 SEPTUM
Figura 27: Fotomicrografia de secções reagidas por
histoquímica para lecitina Lycopersicum esculentum
biotinilada, contracoradas pelo Nissl para detecção de
microglias ativadas em CA1 e no septum medial na 17ª
ME7-GR
ME7-IS
NBH-IS
94
semana PI. Escalas: baixo aumento: 250µm; grande aumento: 25μm.
A Figura 27 ilustra a ativação microglial em CA1 e no septum. Notamos que, em ambas
as regiões, esta ativação é bastante intensa nos sujeitos inoculados com o agente ME7, tanto em
grupo quanto isolados. Vemos também que os sujeitos do grupo NBH apresentam apenas
marcação de vasos, sem a presença de microglias ativadas. As microglias que porventura foram
encontradas representam microglias não ativadas e, portanto, não são úteis para serem comparadas
com os achados de ativação microglial nos grupos ME7 (GR e IS).
Na 17ª semana PI, não encontramos diferença entre os sujeitos ME7-GR e ME7-IS, tanto
em CA1 quanto no septum. A ativação microglial, em ambos os grupos, foi maior na região septal
do que na região de CA1.
95
2.2 Análise Quantitativa.
2.2.1 Redes perineuronais.
Em CA1, utilizamos os seguintes parâmetros estereológicos.
Sujeitos a (caixa)
( m²)
A (X, Y)
( m²)
asf tsf ssf nº de
caixas
nº de
secções Q
NBH Grupo
NBH-1
120 x 120
120 x 120
1 0.91 0.004
1/5
213
5
421
NBH-2 0.81 0.03 298 315
NBH-6 0.89 ± 0.05 237 422
NBH-3 0.77 ± 0.02 213 352
ME7 Grupo
ME7-4
120 x 120
120 x 120
1
0.78 ± 0.04
1/5
146
5
154
ME7-5 0.93 ± 0.06 151 273
ME7-6 0.95 0.01 134 174
ME7-7 0.89 0.03 142 152
NBH
Isolado
NBH-1
120 x 120
120 x 120
1 0.95 0.04
1/5
215
5
400
NBH-3 0.86 0.03 206 331
NBH-4 0.78 ± 0.08 237 389
NBH-5 0.77 ± 0.02 225 421
ME7
Isolado
ME7-1
120 x 120
120 x 120
1
0.82 ± 0.08
1/5
146
5
154
ME7-5 0.89 ± 0.02 151 273
ME7-6 0.94 0.01 134 174
ME7-7 0.82 0.04 142 152
Tabela 9: Parâmetros experimentais e resultados da contagem de redes perineuronais na região septal ( Q). a (dimensões da caixa de contagem), A (dimensoes da matriz de contagem), asf (área bloco/área matriz), tsf (altura
bloco/espessura da secção), ssf (secções contadas/total de secções).
ESTIMATIVAS INDIVIDUAIS UNILATERAIS: REDES PERINEURONAIS EM CA1
Sujeitos Espessura
da secção
Nº Coef. de
Erro (CE)
Desvio
Padrão
CV²=
(DP/Média)²
CE² CE²/
CV²
CVB² CVB²
(% de CV²)
NBH Grupo
NBH-1 24.4 ± 0.18 4819 0.06
366
0.006
0.0036
0.6
0.0024
40% NBH-2 26.6 ± 1.32 4106 0.06
NBH-6 22.9 ± 0.45 4472 0.06
NBH-3 23.3 ± 0.67 4934 0.06 Média 4617 0.06
ME7
Grupo
ME7-4 24.4 ± 0.55 881 0.09
234
0.051
0.0081
0.15
0.043
84% ME7-5 27.8 ± 0.12 1374 0.09
ME7-6 20.1 ± 0.27 1035 0.09
ME7-7 22.4 ± 0.22 872 0.08 Média 1040 0.09
NBH
Isolado
NBH-1 22.4 ± 0.34 5137 0.06 685
0.022
0.0036
0,163
0.02
83.6% NBH-3 23.2 ± 0.06 5664 0.07
NBH-4 22.3 ± 0.58 4915 0.06
NBH-5 23.4 ± 0.33 4020 0.06
Média 4634 0.06
ME7
Isolado
ME7-1 21.7 ± 0.48 852 0.6 88
0.0096
0.0064
0,66
0.0032
33% ME7-5 20.1 ± 0.28 802 0.8
ME7-6 21.6 ± 0.52 997 0.1
ME7-7 20.5 ± 0.11 947 0.09
Média 900 0,08
96
Tabela 10: Estimativa individual unilateral do número de redes perineuronais (N) com o Coeficiente de Erro (CE) na
região septal nos quatro grupos experimentais. CV (coeficiente de variação), CVB (coeficiente de variação biológica),
CVB²= CV² - CE².
No septum utilizamos os parâmetros estreológicos a seguir.
Sujeitos a (caixa)
( m²)
A (X, Y)
( m²)
asf tsf ssf nº de
caixas
nº de
secções Q
NBH Grupo
NBH-1
70 x 70
120 x 120
0,34 0.87 0.03
1/5
163
3
349
NBH-2 0.88 0.01 147 356
NBH-5 0.85 0.09 188 275
NBH-3 0.89 0.002 165 255
ME7
Grupo
ME7-4
70 x 70
120 x 120
0,34 0.91 0.004
1/5
154
3
102
ME7-5 0.91 0.03 112 149
ME7-6 0.95 0.01 144 206
ME7-7 0.89 0.02 103 81
NBH
Isolado
NBH-1
70 x 70
120 x 120
0,34 0.69 0.04
1/5
92
3
303
NBH-3 0.71 0.01 97 352
NBH-4 0.83 0.06 70 292
NBH-5 0.81 0.003 81 341
ME7
Isolado
ME7-1
70 x 70
120 x 120
0,34 0.72 0.04
1/5
92
3
154
ME7-5 0.83 0.01 103 164
ME7-6 0.98 0.02 71 135
ME7-7 0.89 0.06 92 154
Tabela 11: Parâmetros experimentais e resultados da contagem de redes perineuronais na região septal.
ESTIMATIVAS INDIVIDUAIS UNILATERAIS: REDES PERINEURONAIS NA
REGIÃO SEPTAL
Sujeitos Espessura
da secção
Nº Coef. de
Erro (CE)
Desvio
Padrão
CV²=
(DP/Média)²
CE² CE²/
CV²
CVB² CVB²
(% de CV²)
NBH Grupo
NBH-1 23.2 ± 0.08 5931 0.08
833
0.025
0.0049
0.19
0.02
80% NBH-2 22.7 ± 0.27 5936 0.06
NBH-5 23.6 ± 0.27 4254 0.07
NBH-3 22.5 ± 0.07 4851 0.07 Média 5243 0.07
ME7
Grupo
ME7-4 21.94 ± 0.09 1643 0.10
1212
0.26
0.0081
0.031
0.25
96% ME7-5 22.48 ± 0.58 2404 0.1
ME7-6 22.19 ± 0.85 4060 0.07
ME7-7 21.0 ± 0.10 1357 0.1 Média 21.90 ± 0.32 2366 0.09
NBH
Isolado
NBH-1 27.1 ± 0.06 6026 0.06
372
0.04
0.0036
0.09
0.036
90% NBH-3 24.5 ± 0.51 6334 0.06
NBH-4 25.6 ± 0.23 5486 0.06
NBH-5 24.7 ± 0.37 6198 0.06
Média 6011 0.06
ME7
Isolado
ME7-1 25.3 ± 0.25 2867 0.06
209
0.005
0.0036
0.72
0.0014
28% ME7-5 22.4 ± 0.46 2702 0.06
ME7-6 31.5 ± 0.18 3128 0.07
ME7-7 25.3 ± 0.57 2867 0.06
Média 2956 0.06
97
Tabela 12: Estimativas individuais unilaterais quanto às redes perineuronais no septum.
No gráfico (Figura 28) abaixo, observamos o número de redes perineuronais em CA1 e
na região septal.
Figura 28: Número de redes perineuronais na em CA1 (barras cinzas) região septal (barras pretas). *Os sujeitos dos
grupos NBH (GR e IS) se distinguiram dos sujeitos inoculados com ME7 (GR e IS). Anova, um critério, Bonferroni,
p<0.01.
Em CA1 (barras cinzas), os sujeitos NBH-GR (MA=4617, EP=64.9) apresentaram maior
número de redes perineuronais que os ME7-GR (MA=1041, DP=29.2, p<0.01). Não encontramos
diferença entre os grupos NBH-GR e NBH-IS, nem entre os ME7-GR e ME7-IS. Os camundongos
NBH-IS (MA=4934, EP=44.3), por sua vez, possuem mais redes que os ME7-IS (MA=900,
EP=87.9, p<0.01).
Na região septal, os sujeitos NBH-GR (MA=5243, EP=416.8) e NBH-IS (MA=6.011,
EP=186) não se diferenciaram, sendo o mesmo observado entre os ME7-GR (MA=2.366,
EP=606.3) e os ME7-IS (MA=2.891, EP= 87.9). Os ME7-GR e os ME7-IS possuem menor
número de redes em relação aos NBH-GR (p<0.01) e os NBH-IS (p<0.01), respectivamente.
Vemos, então, que tanto em CA1 quanto no septum, os grupos ME7 (GR e IS) possuem
menos redes perineuronais que os NBH (GR e IS) e que o septum concentra maior número
dessas redes que a região de CA1.
2891
6011
2366
5243
0
1000
2000
3000
4000
5000
6000
NBH-GR ME7-GR NBH-IS ME7-IS
* * 4617 4934
9001041
0
1000
2000
3000
4000
5000
6000
NBH-GR ME7-GR NBH-IS ME7-IS
* *
98
2.2.2 Microglias ativadas em CA1 e septum.
Para a contagem de microglias em CA1, utilizamos os parâmetros estereológicos
abaixo.
PARÂMETROS ESTREOLÓGICOS: MICROGLIAS ATIVADAS EM CA1
Sujeitos a (caixa)
( m²)
A (X, Y)
( m²)
asf tsf ssf nº de
caixas
nº de
secções Q
ME7
Grupo
ME7-7 45 x 45
80 x 80
0,32
0.89 ± 0.02 1/5
112 5
267
ME7-10 0.77 ± 0.03 116 262
ME7-3 0.78 ± 0.02 127 448
ME7-9 0.93 ± 0.02 110 294
NBH
Isolado
NBH-5
45 x 45
80 x 80
0,32
0.79 ± 0.05
1/5
119
5
121
NBH-1 0.71 ± 0.07 135 113
NBH-3 0.81 ± 0.08 127 105
NBH-6 0.86 ± 0.01 120 80
ME7
Isolado
ME7-2
45 x 45
80 x 80
0,32
0.91 ± 0.04
1/5
100
5
310
ME7-1 0.97 ± 0.03 106 385
ME7-3 0.89 ± 0.01 116 418
ME7-4 0.76 ± 0.07 109 436
Tabela 13: Parâmetros experimentais e resultados da contagem de microglias em CA1.
ESTIMATIVAS INDIVIDUAIS UNILATERAIS: MICROGLIAS EM CA1
Sujeitos Espessura
da secção
N
Coef. de
Erro (CE)
Desvio
Padrão
CV²=
(DP/Média)²
CE² CE²/
CV²
CVB² CVB²
(% de CV²)
ME7
Grupo
ME7-7 14.62 ± 0.35 10974 0.07
2611
0.05
0.003
0.06
0.047
94% ME7-10 17.15 ± 0.83 8705 0.06
ME7-3 16.88 ± 0.42 14763 0.05
ME7-9 20.34 ± 0.35 9967 0.06 Média 11102 0.06
NBH
Isolado
NBH-5 17.25 ± 0.18 3404 0.06
460
0.02
0.0049
0.24
0.015
75% NBH-1 17.8 ± 0.46 2978 0.07
NBH-3 16.7 ± 0.70 3366 0.06
NBH-6 20.3 ±0.22 2412 0.08
Média 3040 0.07
ME7
Isolado
ME7-2 20 ± 0.36 9754 0.05
2148
0.02
0.0016
0.08
0.018
90% ME7-1 20.8 ± 0.37 12658 0.04
ME7-3 18.5 ± 0.59 12199 0.04
ME7-4 21.8 ± 0.55 14997 0.04
Média 12402 0.04
Tabela 14: Estimativa individual unilateral quanto à ativação microglial na região de CA1 nos quatro grupos
experimentais.
99
Quanto ao septum, os parâmetros e resultados estereológicos estão descritos abaixo.
PARÂMETROS ESTREOLÓGICOS: MICROGLIAS ATIVADAS NO SEPTUM
Sujeitos a (caixa)
( m²)
A (X, Y)
( m²)
asf tsf ssf nº de
caixas
nº de
secções Q
ME7
Grupo
ME7-3
40 x 40
80 x 80
0,25 0.70 0.03
1/5
119
3
385
ME7-6 0.80 0.02 115 437
ME7-9 0.63 0.08 101 233
ME7-10 0.74 0.02 108 371
NBH
Isolado
NBH-3
40 x 40
80 x 80
0,25 0.51 0.01
1/5
90
3
41
NBH-4 0.64 0.08 76 61
NBH-5 0.59 0.07 79 70
NBH-1 0.81 0.05 62 80
ME7
Isolado
ME7-1
40 x 40
80 x 80
0,25 0.67 0.05
1/5
85
3
291
ME7-3 0.69 0.03 83 178
ME7-2 0.73 0.06 108 274
ME7-4 0.85 0.08 91 262
Tabela 15: Parâmetros experimentais e resultados da contagem de microglias no septum.
ESTIMATIVAS INDIVIDUAIS UNILATERAIS: MICROGLIAS NO SEPTUM
Sujeitos Espessura
da secção
N Coef. de
Erro (CE)
Desvio
Padrão
CV²=
(DP/Média)²
CE² CE²/CV² CVB² CVB²
(% de CV²)
ME7
Grupo
ME7-3 19.14 0.91 24.512 0.07
5279
0.050
0.005
0.98
0.045
90% ME7-6 19.54 0.75 29.596 0.07 ME7-9 22.0 2.51 16.797 0.07 ME7-10 17.84 0.35 22.175 0.07
Média 23.405 0.07
NBH
Isolado
NBH-1 19.63 0.87 6.728 0.07
1647
0.1279
0.0064
0.05
0.121
95% NBH-3 17.35 ± 0.18 4.770 0.10
NBH-4 17.6 ± 0.46 4.189 0.06
NBH-5 21.2 ± 0.21 2.754 0.1
Média 4.610 0.08
ME7
Isolado
ME7-1 18.25 ± 0.28 22428 0.04
4603
0.064
0.0036
0.06
0.06
88% ME7-3 19.8 ± 0.56 20319 0.06
ME7-2 17.7 ± 0.80 11789 0.07
ME7-4 22.3 ±0.31 17789 0.06
Média 18.081 0.06
Tabela 16: estimativa individual unilateral do número microglias (n) com o coeficiente de erro (ce), região septal, nos quatro grupos
experimentais. CV (coeficiente de variação), CVB (coeficiente de variação biológica), CVB²= CV² - CB².
100
Comparativamente, a ativação microglial dos grupos experimentais da 17ª semana PI
apresentou-se da seguinte forma, em CA1 e no septum (Figura 29):
Figura 29. Número de microglias em CA1 (A) e na região septal (B). Os sujeitos NBH-IS (CA1 e septum)
apresentaram menor número de microglias que os ME7-GR e ME7-IS (CA1 e septum). Notamos maior quantidade de
microglias na região septal. ANOVA, um critério, Bonferroni, p<0.01.
Tanto em CA1 quanto septum (Figura 29B) não encontramos diferença entre os ME7 (GR
e IS).
A contagem de microglia ativada dos sujeitos NBH-GR e NBH-IS, embora não ilustrada no
presente trabalho em função de seu pequeno número, é um bom indicador de que esses animais,
não desenvolveram resposta inflamatória crônica após a injeção dos homogenados cerebrais
normais, em oposição aos animais ME7 que demonstraram intensa ativação microglial.
0
5000
10000
15000
20000
25000
30000
ME7 ME7-IS
0
5000
10000
15000
20000
25000
30000
ME7 ME7-IS
A B
ME7-GR ME7-IS ME7-GR ME7-IS
101
Tendo observado as alterações provocadas pelo agente ME7, é interessante compararmos,
em CA1 (Figura 30) e no septum (Figura 31), como se apresenta a relação entre o número de redes
perineuronais e de microglias.
0
1000
2000
3000
4000
5000
6000
NBH NBH-IS ME7 ME7-IS
Redes
10000
10500
11000
11500
12000
12500
Mic
roglia
s
Redes Microglias
Figura 30: Comparação entre o número de redes perineuronais e a ativação microglial em CA1.
Na Figura 30 observamos, na região de CA1, a comparação entre a diminuição do
número de redes perineuronais em relação à progressão do número de microglias, 17 semanas após
a inoculação com o agente ME7.
Notar que os sujeitos inoculados com ME7 (GR e IS), apresentaram queda do número de
redes em relação aos seus controles NBH (GR e IS, respectivamente). Paralelamente, os grupos
ME7-GR e ME7-IS apresentaram aumento do número de microglias, visto que os grupos NBH
(GR e IS) não apresentam microglias ativadas em número significativo. Assim, embora não
possamos afirmar com segurança que a ativação microglial induz a queda no numero de redes,
claramente existe uma correlação inversa entre esses elementos.
102
0
1000
2000
3000
4000
5000
6000
7000
NBH NBH-IS ME7 ME7-IS
Redes
0
5000
10000
15000
20000
25000
Mic
roglia
s
Redes Microglia
De modo geral, considerando os resultados dos grupos ME7 (GR e IS), percebemos que a
redução observada nas redes foi tanto mais intensa quanto maior a freqüência de microglias
ativadas.
Por fim, a Figura 31 mostra a relação entre o número de redes e de microglias no septum.
Figura 31: Comparação entre o numero de redes perineuronais e de microglias na região septal, 17 semanas após a
inoculação com ME7.
Observamos na Figura 31 que o grupo que apresenta maior ativação microglial (ME7-
GR, MA=23.407, EP=2639) apresenta também menor número de redes perineuronais (MA=2.366,
EP=606). Os sujeitos ME7-IS (MA=18.082, EP), que demonstram uma ativação microglial menor
que os ME7-GR, também demonstram reduzido número de redes (MA=2891, EP=2.301).
Observamos maior redução do número de redes perineuronais quando o número de
microglias ativadas cresce não apenas em CA1 mas também na região do septum (Figuras 30 e
31).
Apesar de não termos encontrado diferença entre os grupos ME7 (GR e IS) nos dados
absolutos, podemos observar que em termos percentuais a taxa de redução de redes no hipocampo
103
é maior do que no septum. O número de microglias ativadas cresceu 407% nos ME7-IS em CA1
em relação ao grupo NBH-IS e o número de redes reduziu em torno de 73% nos ME7-GR e 83%
nos ME7-IS. Notar que, nessa região, observamos maior queda percentual de redes perineuronais
nos ME7-IS em relação ao ME7-GR.
Na região septal, o aumento de microglias ativadas foi de 392% no grupo ME7-IS em
comparação aos NBH-IS. A quantidade de redes perineuronais diminuiu 55% nos ME7-GR e 51%
nos ME7-IS. Tal como em CA1, vemos o aumento da microgliose associado à perda de redes
perineuronais na região septal.
Tomando os dados em conjunto, observamos que o aumento da ativação microglial é
acompanhado de queda no número de redes perineuronais, revelando uma relação inversamente
proporcional. A análise comparada da taxa de redução em função do número de microglias
utilizando o método de regressão para diferentes ajustes de curva revelou que enquanto nos
animais em grupo, a taxa de redução segue uma função geométrica, nos animais isolados, essa
mesma taxa revela uma correlação linear. Isso significa que para essa janela temporal, o
isolamento parece alterar a relação entre as alterações da matriz extracelular e a resposta
inflamatória na doença prion em fases iniciais.
104
V. DISCUSSÃO
No presente trabalho objetivamos investigar as principais alterações comportamentais e
neuropatológicas induzidas pela Doença Prion em camundongos albinos suíços infectados com
o agente ME7, comparando animais mantidos em grupo com animais isolados. Nossos achados
revelaram que a atividade de burrowing, grooming, consumo de glicose, LCE e peso corporal
alteram-se de forma aditiva por conta do isolamento social. Os achados neuropatológicos
confirmaram resultados anteriores apresentando redução do número de redes perineuronais e
microgliose, tanto na região de CA1 como no septum, na 17ª semana PI não indicando em
termos absolutos diferenças significativas em relação aos animais em grupo.
Achados comportamentais.
Poucos estudos têm investigado o efeito em longo prazo de um estressor severo. A
maioria dos trabalhos utiliza exposições repetidas a um certo estressor ou observa o
comportamento do animal após uma situação aversiva aguda (JONG et al, 2005). Além disso,
apesar dos efeitos prejudiciais do estresse à imunidade e ao funcionamento em geral do
organismo, não há estudos acerca da possível influência de eventos estressores no
desenvolvimento da Doença Prion.
Diversos trabalhos demonstram que a Doença Prion é caracterizada por alterações
comportamentais significativas em roedores, as quais precedem as mudanças neuropatológicas
(BETMOUNI et al, 1999; DEACON et al, 2001; GUENTHER et al, 2001). Nesse sentido,
nossa bateria de testes examinou comportamentos espontâneos (burrowing, consumo de glicose
e grooming), motores e cognitivos (Labirinto em Cruz Elevado e Campo Aberto), diante de
105
uma situação estressora (Teste de Suspensão da Cauda) e respostas inatas (peso corporal e
temperatura anal).
II. Consumo de glicose
A perda do interesse em atividades prazerosas e em recompensas (anedonia) é um
sintoma muito comum na depressão, seja em humanos ou em modelos animais (CRYAN et al,
2002). Uma das formas mais utilizadas para acessar essa variável em modelos experimentais é
a observação de alterações na ingestão de soluções açucaradas (CRYAN e HOLMES, 2005;
CRYAN et al, 2002), sendo que a preferência pelo soro glicosado não parece ser influenciada
nem pela concentração do açúcar nem pela presença ou ausência de um segundo recipiente
com água (WILLNER, 1997).
No presente trabalho, apenas na 17ª semana pós-inoculação observamos diferença,
quanto ao consumo de glicose, entre os grupos experimentais. A dificuldade de distinguir os
sujeitos isolados (NBH-IS e ME7-IS) dos sujeitos em grupo (NBH-GR e ME7-GR) nas
primeiras 16 semanas sugere que o modelo do isolamento social não induziu queda da
ingestão de glicose. De fato, nossos achados confirmam que esse modelo induz
comportamentos mais relacionados à ansiedade (BLANCHARD et al, 2001;
MAISONNETTE et al, 1993).
Não há trabalhos prévios que descrevam a ingestão de glicose em camundongos da
variedade albina Suíça injetados com o agente ME7. No entanto, estudos na variedade
C57BL6J (C57), mostram queda na ingestão desta solução em torno da 12ª semana PI
(CUNNINGHAM et al, 2005; CUNNINGHAM et al, 2003; GUENTHER et al, 2001).
Os circuitos neurais envolvidos na preferência por glicose ainda são pouco
conhecidos, mas sabe-se que, provavelmente, não são decorrentes de alterações hipocampais
(DEACON et al, 2002). Alguns trabalhos sugerem a importância de lesões no tálamo
gustatório (REILLY e TRIFUNOVIC, 2000), mas não estudos sistemáticos que revelem
106
evidencias consistentes de que haja ativação microglial nessa região. Nesse sentido, nossos
dados qualitativos sugerem maior ativação microglial no tálamo do que nas regiões de CA1 e
do septum, na 17ª semana PI, indicando que as estruturas talâmicas são bastante alteradas pela
Doença Prion, na variedade albina Suíça.
Por falta de estudos conclusivos, ainda não se sabe se a queda na preferência por
glicose observada na Doença Prion estaria relacionada a dificuldades gustativas ou a perda do
interesse em recompensas. Se considerarmos a intensa ativação microglial encontrada no
tálamo dos nossos sujeitos inoculados com ME7, a primeira hipótese parece mais provável..
O isolamento também parece ter influência no consumo de glicose, a partir da 17ª
semana PI, pois os sujeitos isolados (NBH-IS e ME7-IS) ingeriram menor quantidade desta
solução do que os animais em grupo (NBH-GR e ME7-GR). Assim, 17 semanas após a
inoculação, começam a surgir indícios de anedonia, cuja evolução permanece por ser
investigada.
Burrowing (remoção e estocagem de ração)
Em roedores sadios, a atividade de remoção e estocagem de comida é intensa e regular,
observando-se a remoção de grande quantidade de ração em apenas 2 horas, contrariamente ao
observado em animais injetados com o agente ME7, que apresentam um declínio brusco desta
atividade (DEACON et al, 2001). As vantagens do burrowing são diversas: é um teste simples
e barato, não é invasivo, é bastante sensível aos efeitos comportamentais iniciais da Doença
Prion (DEACON et al, 2001).
Em nossos experimentos, os sujeitos ME7-Isolados apresentaram declínio
significativo no burrowing na 16ª semana, enquanto os ME7-GR somente na 17ª semana.
Em camundongos da variedade C57Bl6, as mudanças no burrowing aparecem em
torno da 12ª semana (CUNNINGHAM et al, 2003; 2005). Os experimentos de BORNER
107
(2009) apontam que a queda no burrowing provocada pelo ME7 são mais tardias no
camundongo albino suíço, entre a 16ª e 17ª semana pós-inoculação. Nossos achados, além de
confirmarem essa alteração mais tardia do burrowing na variedade albina Suíça, indicam que
os sujeitos isolados injetados com ME7 apresentam declínio, nesse teste, uma semana antes
do que os sujeitos doentes mantidos em grupo. Assim, nossos dados sugerem que o
isolamento social antecipa as alterações no burrowing observadas na Doença Prion.
A queda no burrowing não é devido a uma depressão motora geral, pois em testes de
atividade exploratória, como o Campo Aberto, esses roedores apresentam hiperatividade
locomotora (CUNNINGHAM et al, 2003 e 2005). A remoção/estocagem de comida é um
comportamento natural dos roedores muito sensível a eventos que perturbem o funcionamento
global do Sistema Nervoso Central (GUENTHER et al, 2001).
O declínio da remoção e estocagem de ração parece estar associada à alterações
neuropatológicas de circuitos que envolvem o hipocampo (DEACON et al., 2002). Esses
circuitos hipocampais, junto com suas aferências e eferências, parecem desempenhar papel
importante no processamento de estímulos externos ligados à motivação inata; à programas
motores associados à comportamentos naturais de cada espécie; assim como às relações
espaciais do ambiente durante o comportamento exploratório (DEACON et al., 2005).
Em humanos, a apatia e a perda de interesse são comuns nos estágios iniciais da
doença de Creutzfeldt-Jacob (SPENCER et al, 2002), assim como incapacidade para lidar
com tarefas rotineiras é freqüente na Doença de Alzheimer (REISBERG et al, 2001).
Temperatura anal
Eventos estressores, sejam físicos ou psicológicos, provocam mudanças fisiológicas
que perturbam a homeostase, afetando o sistema imunológico, o sistema nervoso e
funcionamento normal do corpo (BOWERS et al, 2008). Situações extremas de estresse
provocam aumento da temperatura corporal (BOWERS et al, 2008; WILLNER, 1997).
108
Ademais, o aumento da temperatura corporal é um sintoma bastante comum em modelos de
ansiedade, de forma que diversos estudos utilizam esse critério para caracterizar alterações
fisiológicas implícitas ao estado semelhante ao ansioso (HEYDEN et al, 1997;
OVERSTREET et al, 1994).
Ao longo das semanas pós-injeção os animais isolados (NBH-IS e ME7-IS)
apresentaram temperatura mais elevada que os mantidos em grupo (NBH-GR e ME7-GR).
Esse achado se alinha à hipótese do presente trabalho de que esses animais apresentam
comportamentos mais relacionados à ansiedade, pelo menos no período observado.
Os sujeitos NBH-IS e ME7-IS não se distinguiram uns dos outros, enquanto que os
ME7-GR apresentaram temperatura mais elevada do que os NBH-GR na 11ª e 15ª semana PI.
Não relacionamos esta elevação térmica dos sujeitos ME7-GR à Doença Prion, pois a mesma
parece induzir queda de temperatura (CUNNINGHAM et al, 2002). Assim dentro dos limites
temporais analisados, nossos dados apontam que, pelo menos até a 17ª semana, a Doença Prion
não altera a temperatura anal dos roedores da variedade Suíça albina.
Teste do Campo Aberto
No período pré-injeção, os animais Isolados apresentaram um aumento significativo
da atividade exploratória no Campo Aberto em relação aos Agrupados. Como a única
diferença entre os dois grupos foi o isolamento, fica claro que o potencial ansiogênico desta
variável já está presente na 3ª semana de isolamento. Estudos prévios demonstram que o
simples afastamento do roedor do seu grupo provoca comportamentos semelhantes aos
observados na ansiedade (BLANCHARD et al, 2001; MAISONNETTE et al, 1993). Na 17ª
semana PI, esse comportamento semelhante ao ansioso persiste nos sujeitos NBH-IS e é
exacerbado nos ME7-IS.
Na variedade C57BL6J, os sujeitos injetados com o agente ME7 aumentam a atividade
exploratória, no CA, na 16ª semana PI (CUNNINGHAM et al, 2005; GUENTHER et al,
109
2001). Já os camundongos da variedade Suíça albina apresentam essas alterações somente a
partir da 20ª semana PI (BORNER, 2009), o que confirma nossos achados, pois os sujeitos
NBH-GR e ME7-GR não se distinguiram, quanto à exploração do Campo Aberto, na 17ª
semana.
Durante um período curto (4 semanas) tanto a variedade C57Bl6 (entre a 16ª a 20ª)
quanto a Suíça albina (entre a 20ª a 24ª ), infectadas pelo agente ME7, apresentam marcada
hiperatividade em relação aos camundongos do grupo controle. Entretanto, a origem
fisiopatológica desse aumento da atividade locomotora, que se restringe ao período
intermediário da doença, ainda não está esclarecida.
O grupo ME7-IS, entretanto, apresentou intensa hiperatividade no Campo Aberto,
apontando uma somação dos efeitos provocados pela Doença Prion e pelo modelo de
isolamento social. Na Doença Prion, parece que a inserção dos animais doentes em um novo
ambiente dispara ciclos mais longos de atividade exploratória quando comparados aos
controles, que normalmente a diminuem com a habituação ao ambiente (BORNER, 2009). No
mesmo sentido, trabalhos anteriores relatam que o isolamento social também aumenta a
atividade exploratória no Campo Aberto e em ambientes novos (JONG et al, 2005; HALL et al,
1996 e 1997).
Tomando esses dados em conjunto, parece provável que a sobreposição das alterações
provocadas pelo agente ME7 e pelo isolamento exacerbaram o comportamento exploratório dos
ME7-IS, antecipando para a 17ª semana as alterações no Campo Aberto que só são observadas,
no camundongo albino, na 20ª semana PI.
Observando-se a performance do grupo ME7-IS nos testes comportamentais
discutidos até o momento, vemos que as alterações no Campo Aberto são subseqüentes à
queda no burrowing e no consumo de glicose (tabela 18). Isso é observado tanto na variedade
C57Bl6J (CUNNINGHAM et al, 2005) quanto na variedade Suíça albina (BORNER, 2009).
110
Tabela comparativa: espécie inoculada, isolamento social e testes comportamentais.
Camundongo inoculado
com agente ME7
Consumo de glicose
Burrowing
Hiperatividade no CA
C57BL6J (CUNNINGHAM et al, 2005)
12ª S.P.I.
12ª S.P.I.
16ª S.P.I.
Suíço Albino – 24 semanas PI
(BORNER, 2009)
Não foi auferido
16ª/17ª S.P.I.
20ª S.P.I.
Suíço Albino em grupo
(17 semanas PI)
17ª S.P.I.
17ª S.P.I.
----
Suíço Albino isolado
(17 semanas PI)
17ª S.P.I.
16ª S.P.I.
17ª S.P.I.
Tabela 18: Comparação entre a espécie inoculada com agente ME7, influência do isolamento social, e os testes
do consumo de glicose, burrowing e Campo Aberto. (S.P.I.) semanas pós-inoculação. (---) Não encontramos
hiperatividade no Campo Aberto nos sujeitos ME7-GR.
Labirinto em Cruz Elevado
Diversos estressores afetam a performance no Labirinto em Cruz Elevado
(DUCOTTET e BELZUNG, 2004). Nossos dados apontam que nosso modelo de isolamento
social, na 3ª semana pós-isolamento, altera o comportamento, no LCE, dos roedores isolados
e, na 17ª semana PI, altera a performance dos sujeitos isolados inoculados com o agente ME7.
Os sujeitos Isolados, na 3ª semana de isolamento (período pré-inoculação),
apresentaram comportamentos semelhantes ao ansioso, pois: percorreram menor distância no
Braço Aberto (BA); entraram menos e passaram menor tempo neste braço que os Agrupados,
o que está de acordo como o observado, em ratos, por KOIKE et al (2009). Quanto mais
intensa a ansiedade menor será a preferência pelo braço aberto, pois explorá-lo gera medo e
ansiedade, levando o animal a esconder-se no Braços Fechado do LCE (HANDLEY e
MITHANI, 1984; PELLOW e FILE, 1986).
111
Na espécie C57 inoculada com ME7, alterações no LCE são subseqüentes à
hiperatividade no Campo Aberto (TRÉVIA, 2008). No albino Suíço o fato de não termos
encontrado alterações no LCE nos sujeitos ME7-GR da 17ª semana PI, é coerente com achados
prévios que demonstraram que a hiperatividade da variedade Suíça albina, no CA, só ocorre a
partir da 20ª semana PI (BORNER, 2009).
Por outro lado, os sujeitos ME7-Isolados comportaram-se de forma mais complexa.
Na semana pré-inoculação, esse grupo apresentou o comportamento associado à ansiedade de
percorrer menor distancia, entrar menos e passar menor tempo no Braço Aberto. Na 17ª
semana PI percorreram menor distancia no BA, porém aumentaram o número de entradas e o
tempo neste braço, sugerindo diminuição da aversão pelo BA. Esse aumento de permanência
no Braço Aberto também foi observado na variedade C57 inoculada com o agente ME7
(TRÉVIA, 2008).
Ademais, o fato dos sujeitos ME7-IS passarem maior tempo, porém percorrerem
menor distância no BA, sugere que os mesmos diminuem a sua mobilidade nesse braço.
Enquanto que no período pré-inoculação (3ª semana de isolamento) esses animais evitaram o
Braço Aberto, na 17ª semana PI, permaneceram mais tempo imóveis no BA, distanciando-se
dos comportamentos relacionados à ansiedade e, aparentemente, aproximando-se do espectro
do que seria esperado em comportamento semelhante à depressão, que tende a induzir
imobilidade em diversos testes (CRYAN e HOLMES, 2005; CRYAN et al, 2002).
Grooming (comportamentos relacionados a autolimpeza)
Notamos que, na 17ª semana PI, o isolamento não influenciou os comportamentos
relacionados ao grooming dos sujeitos NBH-IS, pois eles não se distinguiram dos NBH-GR.
Não temos dados referentes ao grooming na 3ª semana de isolamento (período pré-
inoculação), porém, dado que nossos testes comportamentais apontam, claramente, para uma
112
conduta semelhante à ansiedade neste período, é provável que os sujeitos Isolados
apresentassem maior freqüência no grooming, conforme o esperado em modelos de estresse
que induzem respostas próximas à ansiedade (KALUEFF e TUOHIMAA, 2004).
Os ME7-GR, por sua vez, não se distinguiram dos NBH-GR, porém os ME7-IS
apresentaram queda na freqüência do grooming em relação ao grupo NBH-IS. Não há
trabalhos prévios sobre o grooming em roedores injetados com ME7. Como encontramos
queda na freqüência deste comportamento nos ME7-IS, mas não nos ME7-GR, o grooming
parece ser mais um indicativo de que as alterações comportamentais provocadas pela Doença
Prion e manifestam mais precocemente nos animais isolados injetados com ME7. Afinal, o
grooming, assim como o burrowing, é um comportamento inato que depende do ótimo
funcionamento global do SNC, funcionamento este que é alterado pela Doença Prion
(CUNNINGHAM et al, 2003).
Esta hipótese parece ser confirmada em nossos achados nos sujeitos ME7-IS, pois eles
apresentaram freqüência no grooming 65% menor que a observada nos NBH-IS. A queda no
grooming é um dos efeitos mais observados em animais que apresentam comportamentos
semelhantes à depressão (KALUEFF e TUOHIMAA, 2004). Novamente, vemos a
antecipação de alterações comportamentais da Doença Prion em função do isolamento social.
Teste de Suspensão da Cauda
Não encontramos diferenças nas variáveis imobilidade e freqüência no Teste de
Suspensão da Cauda nos grupos experimentais da 17ª semana PI. Este teste é um indicativo
bastante valioso para se verificar a habilidade do animal em empreender tentativas de escape
em uma situação extremamente aversiva (CRYAN et al, 2005).
Apesar de não termos dados prévios sobre o comportamento de animais injetados com
ME7 no Teste de Suspensão da Cauda, podemos construir algumas hipóteses. Primeiramente,
notamos que a Doença Prion (ME7-GR) não influenciou a performance no TST na janela
113
temporal estudada. Como o teste do LCE, que também possui um caráter aversivo, não sofreu
alteração pela Doença, na 17ª semana PI, parece razoável que ainda não sejam detectadas
alterações no TST.
Em segundo lugar, os sujeitos isolados (NBH-IS e ME7-IS) não apresentaram o
comportamento semelhante à depressão de permanecer mais tempo imóveis no TST. Isso
pode indicar que, se os animais ME7-IS estão se aproximando de um modelo de depressão, a
janela temporal observada ainda não induz respostas robustas e permanentes detectáveis no
TST com padrões comuns ao estado depressivo em modelos animais (CRYAN et al, 2005;
RIPOLL et al, 2003).
Outra possibilidade é de que o TST talvez seja um teste extremamente aversivo
mesmo para os camundongos em grupo, impossibilitando a distinção daqueles dos isolados as
custas de um possível comportamento extremo dos animais mantidos em grupo.
114
Peso corporal
Por fim, observamos que os sujeitos isolados (NBH-IS e ME7-IS) da 17ª semana
tiveram menor ganho de peso que os sujeitos em grupo (NBH-GR e ME7-GR).
O aumento do peso corporal nos sujeitos do grupo ME7-IS é observado
concomitantemente à queda na ingestão de glicose e ao aumento da atividade exploratória no
Campo Aberto (todos referentes à 17ª semana PI). Tais resultados também foram encontrados
por GUENTHER et al (2001) na variedade C57 infectada com ME7, só que por volta da 12ª
semana PI. Para estes autores, há uma relação ainda não esclarecida entre estes três testes. De
qualquer forma, estes pesquisadores argumentam que o ganho de peso dos animais injetados
com ME7 não pode ser relacionado a Diabetes (decorrente da ingestão semanal de glicose),
pois não foram encontradas diferenças na concentração de açúcar na urina dos roedores C57.
Em nossos experimentos, vemos que o isolamento induziu menor ganho de peso. Em
longo prazo, a redução do ganho de peso é um dos efeitos mais consistentes do isolamento
social (JONG et al, 2005). Paralelamente, os sujeitos ME7-IS apresentaram aumento
significativo de peso em relação aos NBH-IS, o que não foi observado nos ME7-GR. Como
os resultados de GUENTHER et al (2001) indicam que, nos estágios iniciais da Doença Prion,
os camundongos C57 injetados com ME7 apresentam ganho de peso em relação a seus
controles, parece que o isolamento social antecipou a manifestação desta alteração
comportamental. É importante frisar que nos estágios mais tardios da Doença, observa-se
perda gradativa de peso corporal (CUNNINGHAM et al, 2005).
Na tabela 19, temos uma visão geral do comportamento dos animais inoculados com o
agente ME7 em nossos testes comportamentais, comparando sujeitos isolados com agrupados e
com os dados relatados para espécie C57.
115
Tabela 19: Comparação dos achados comportamentais com os já descritos para as variedades Suíça Albina e
C57BL6J. * Dados em semanas pós-inoculação com ME7; ** BORNER (2009); *** CUNNINGHAM et al, 2003,
2005; GUENTHER, 2001; (SD): não há dados acerca destes testes; (----): não foram encontradas alterações na 17ª
semana PI.
Considerando-se os testes específicos para alterações provocadas por estresse de
(consumo de glicose, LCE, groomimg e peso corporal) notamos que o isolamento social
induziu comportamentos relacionados à ansiedade, na 3ª semana de isolamento, enquanto que,
na 17ª semana PI, os sujeitos isolados parecem estar se distanciando desses comportamentos e
se aproximando de uma conduta semelhante à observada em modelos animais de depressão.
Notamos também que os sujeitos isolados inoculados com ME7 apresentaram
alterações comportamentais iniciais da Doença Prion (queda no burrowing, hiperatividade no
Campo Aberto, maior tempo no BA do LCE, queda no grooming e alterações no ganho de
peso) mais precocemente do que aqueles injetados com ME7 mantidos em grupo.
Alterações comportamentais nas espécies Suíça Albina e C57 inoculadas com ME7*
ME7-GR ME7-IS Suíça Albina** C57***
Diminuição do Consumo de
glicose
17ª
17ª
SD
12ª
Diminuição do Burrowing
17ª
16ª
16ª/17ª
12ª
Hiperatividade no Campo
Aberto
----
17ª
20ª
16ª
Aumento do Tempo no
Braço Aberto do LCE
----
17ª
SD
17ª
Diminuição do Grooming
----
17ª
SD
SD
Alterações no TST
----
----
SD
SD
Ganho de peso
----
17ª
SD
13ª
116
Sabe-se que indivíduos em grupo demonstram maior proteção contra injúrias no
sistema imunológico e contra os efeitos adversos do estresse, além de serem mais saudáveis e
longevos (HOGAN et al, 2002; COHEN, 1988). Diversos estudos apontam que o estresse
crônico (longa duração) é um modelo animal de depressão que induz, entre diversos efeitos,
queda na ingestão de soluções açucaradas, queda nos comportamentos relacionados ao
groomimg e perda de peso em roedores (KALUEFF e TUOHIMAA, 2004; RETANA-
MÁRQUEZ et al, 2003; KEENEY et al, 1999; BERTON et al, 1998; KOOLHAAS et al,
1997; KUDRYAVTSEVA et al, 1991).
117
Achados Neuropatológicos
A maioria dos estudos sobre a Doença Prion enfoca as alterações neuropatológicas que
ocorrem nos estágios finais. No entanto, é de suma importância investigar tais modificações
nas fases iniciais da Doença, identificando as regiões cerebrais mais afetadas e avançando no
entendimento dos componentes celulares e moleculares envolvidos. Essa investigação vem
sendo feita na variedade C57BL6J (CUNNINGHAM et al, 2001, 2002, 2003, 2005) e, mais
recentemente, na variedade Suíça albina (BORNER, 2009).
A microgliose e a astrocitose no camundongo são os primeiros sinais que caracterizam
o quadro neuropatológico da Doença Prion; a vacuolização consiste no terceiro sinal,
aparecendo mais tardiamente com tais alterações ocorreendo, preferencialmente, no sistema
límbico (BORNER, 2009).
As alterações neuropatológicas da Doença Prion diferem, quanto ao tempo de
aparecimento e às áreas mais atingidas, nas espécies C57 e Suíça albina: na primeira, são mais
precoces (12ª semana PI) e em maior proporção em CA1, no tálamo e no septum; enquanto que
na segunda variedade, são mais tardias (15ª semana PI) e as regiões mais afetadas, nos estágios
iniciais, são o septum, a camada polimórfica do giro denteado e o tálamo. Esses achados
definem um período de incubação mais longo para a Doença Prion induzida pelo agente ME7
na variedade Suíça albina.
No C57, as primeiras alterações quanto à ativação microglial e à redução nas redes
perineuronais (dendríticas e somáticas) são observadas na 8ª semana pós-inoculação. A partir
de então (na 12ª, 16ª e 20ª semana PI) essas modificações hipocampais tornam-se
progressivamente mais intensas, aparecendo prejuízos na plasticidade sináptica, presença de
placas amilóides e marcação difusa da neurópila para proteína PrPSC
em diversas regiões:
Cornos de Amon, giro denteado, subículum e córtex entorrinal (FRANKLIN et al, 2008).
118
Em nossos achados, observamos que 17 semanas após a inoculação com o agente ME7,
houve redução no número de redes perineuronais e aumento da microgliose. Isso está de acordo
com os resultados de BORNER (2009) que encontrou essas alterações a partir da 15ª semana
PI, nas regiões de CA1, septum e giro denteado (camada polimórfica). Não observamos
diferença entre os grupos ME7-GR e ME7-IS no presente trabalho.
A comparação percentual das estimativas do número de redes perineuronais da região
de CA1 do sujeitos ME7 demonstrou maior queda do número de redes do que a região septal.
Sabe-se que o agente ME7 provoca no C57Bl6J redução severa do número de sinapses
em CA1 mais precocemente do que em outros modelos murinos da Doença Prion
(CUNNINGHAM et al, 2003b). Como a integridade das redes perineuronais é essencial para a
ocorrência dos potenciais de longa duração hipocampais, a degradação dessas redes pode
contribuir diretamente para alterações da plasticidade sináptica. No entanto essas alterações da
plasticidade sináptica continuam por ser investigadas na variedade albina Suíça.
Como a quantificação dos achados neuropatológicos na variedade C57Bl6J não
empregou métodos estereológicos, é difícil comparar os resultados daquela variedade com a do
presente trabalho. Alternativamente, se os achados quantitativos na variedade C57Bl6J
estiverem corretos, é possível que no camundongo Suíço albino haja um ou mais eventos
neuropatológico iniciais promovendo a maior degradação proporcional das redes em CA1
quando comparadas com a degradação septal.
A microgliose é um evento bastante citado em áreas cerebrais afetadas por processos
neurodegenerativos e disfunções a eles associadas, representando um indicador sensível da
ocorrência subseqüente de morte neuronal e modificações homeostáticas (CUNNINGHAM,
2005; KREUTZBERG, 1996; et al, 2002). Nos estágios iniciais da Doença Prion, os fenótipos
mais presentes são microglias ramificadas e em bastão, enquanto que, na fase terminal, o
fenótipo amebóide, típico dos fagócitos, parece ser mais freqüente e geralmente co-existe com
119
outros fenótipos menos alterados (WIERZBA-BOBROWICZ et al., 2002). É possível também
identificar outras formas microgliais que parecem não se enquadrar claramente em nenhum
desses fenótipos, coexistindo nas diferentes janelas temporais e sugerindo a ocorrência de um
contínuo morfológico entre os tipos bem definidos (BORNER, 2009).
BORNER (2009) relata intensa microgliose a partir da 15ª semana PI, a qual aumenta
na 18ª semana PI e é mais expressiva no septum. Em nossos experimentos, o septum também
foi a região mais afetada no grupo ME7-GR. A intensa microgliose encontrada no septum
parece indicar que essa região é uma das primeiras afetadas pela Doença Prion, tanto no C57
(CUNNINGHAM et al, 2003) quanto na variedade Suíça albina (BORNER, 2009).
Sabe-se que conectando o septum ao hipocampo, há uma via celular colinérgica, cuja
disfunção parece estar envolvida com prejuízos cognitivos e distúrbios do humor (DAVIES e
MALONEY, 1976), além de hiperatividade locomotora no Campo Aberto (LEAVITT et al,
1994). Apesar da possibilidade de alterações comportamentais iniciais da Doença Prion
estarem relacionadas a danos na via septohipocampal (CUNNINGHAM, 2005) não há
estudos sobre morte neuronal septal no C57 assim como não há indícios dessa degeneração na
variedade Suíça albina, 18 semanas após a inoculação com o agente ME7 (BORNER, 2009).
É possível que essa degeneração neuronal seja mais tardia, assim como aquela observada no
hipocampo (CA1), a partir da 19ª semana na variedade C57Bl6J (Cunningham et al., 2003).
No entanto, não é condição necessária para que se instalem alterações comportamentais a
presença de morte neuronal sendo suficiente o estabelecimento de disfunções sinápticas para
que isso ocorra (CUNNIGHAM et al., 2003).
A relação entre ativação microglial e morte neuronal talâmica durante a progressão da
Doença se restringe a ensaios qualitativos. Em função da diversidade funcional do tálamo, é
provável que seu comprometimento ocasione déficits sensoriais específicos (às custas dos
núcleos ventrais posteriores) motores (núcleos ventrais anteriores e laterais), levando à
120
parestesias, dor, dormência, tremor e ataxia, comumente relatadas na doença humana
(MACLEOD et al., 2002). De fato, o aspecto qualitativo da região talâmica dos nossos
animais dos grupos ME7 sugere intensa ativação microglial. Estudos posteriores sobre as
possíveis alterações talâmicas induzidas pela Doença Prion seriam de grande relevância no
entendimento da neuropatologia. Ensaios preliminares a partir de correlações quantitativas
entre as alterações da matriz extracelular e a microgliose, sugerem que o isolamento altera a
relação entre esses dois elementos mudando a curva de regressão do formato geométrico
(animais em grupo) para regressão linear (animais isolados). Não se sabe entretanto como
essas variáveis irão se comportar ao longo da progressão da doença.
A correlação estereológica sem viés entre a queda no número de redes perineuronais e
o aumento de ativação microglial é um instrumento útil para o entendimento dos mecanismos
neurotóxicos subjacentes à Doença Prion (BLOCK et al, 2007). É importante frisar que o Mal
de Alzheimer é uma das primeiras doenças neurodegenerativas a ser associada com os efeitos
tóxicos da ativação microglial (BLOCK et al, 2007; XIANG et al, 2006; YANKNER, 1989).
De fato, a superativação microglial é um evento patológico que precede a destruição da
neurópila em pacientes com a doença de Alzheimer (CAGNIN et al, 2001), inclusive sendo
possível a identificação de placas beta-amilóides antes mesmo do aparecimento dos sintomas
(MCGEER et al., 1987).
Por fim, apesar de numerosos experimentos sobre alterações comportamentais, poucos
estudos mostram modificações bioquímicas provocadas pelo isolamento social e não há
pesquisas que empreguem o método estereológico sobre possíveis alterações cerebrais
induzidas por este modelo de estresse. Assim, não temos dados previamente publicados que
permitam comparar nossos achados neuropatológicos. Nesse sentido o presente trabalho
inaugura uma nova linha de investigação no âmbito da quantificação das alterações
neuropatológicas na doença prion.
121
Sabe-se que o isolamento social reduz os níveis de Fator Neurotrófico Cerebral
(BDNF) no hipocampo, substância que protege os neurônios dos efeitos prejudiciais do
estresse e parece estar envolvida na neurogênese hipocampal (ROCERI et al, 2004). Há outros
fatores neurotróficos alterados pelo estresse, como o Fator de Crescimento Vascular (VGF),
Fator de Crescimento Neural (NGF) e Neurotrofina 3 (NT-3) (DUMAN e MONTEGGIA,
2006).
Além da queda desses fatores importantes para a sobrevivência neuronal e o
funcionamento global do SNC, o estresse aumenta a liberação de inúmeras citocinas pró-
inflamatórias, conforme discutido na introdução deste trabalho. No entanto, os resultados
relatados quanto a estas alterações cerebrais divergem bastante de acordo com o tipo de
modelo de estresse, o tempo de exposição ao estressor; a própria aplicação de testes que, por
si só, já é aversiva, além de outras condições patológicas associadas (DUMAN e
MONTEGGIA, 2006; CAMPBELL e MACQUEEN, 2004).
Nossos achados comportamentais demonstram, de forma clara, que o modelo de
isolamento social interferiu significativamente no comportamento dos sujeitos, tanto na 3ª
semana de isolamento quanto na 17ª pós-inoculação quando o agente ME7 soma seus efeitos
aos impostos pelo isolamento. Tomados em conjunto os dados revelam que as alterações
comportamentais iniciais da Doença Prion manifestam-se mais precocemente nos
camundongos isolados.
Permanece por ser investigado se as alterações neuropatológicas também não se
manifestam mais precocemente dado que no estudo de BORNER (2009), os sujeitos
inoculados com ME7 e mantidos em grupo as revelaram em média na 15ª semana pós-
inoculação. Nos achados comportamentais, os sujeitos isolados se distinguiram por revelar
sintomas mais precocemente do que os camundongos agrupados ainda que não se tenham
encontrado diferenças quantitativas nos achados neuropatológicos. Uma interpretação simples
122
e direta para esse fato seria que o aparecimento concorrente de alterações neuropatológicas se
dá em fase mais precoce nos animais isolados, hipótese essa que permanece em aberto.
Outra alternativa seria a de que o hipocampo ventral, seria de forma seletiva mais
alterado do que o hipocampo dorsal hipótese a ser confirmada por quantificações
neuropatológicas regionais fora do escopo do presente trabalho. Essa hipótese seria coerente
com o fato de que hipocampo ventral está mais relacionado a desordens do humor que o
dorsal (CAMPBELL E MACQUEEN, 2004).
Seria interessante igualmente investigar a neurogênese hipocampal regional nos
animais isolados, a partir de análises estereológicas sem viés. Uma outra alternativa seria a de
que as regiões de CA1 e do septum poderiam não ser as mais afetadas pelo isolamento social
abrindo a possibilidade de investigarmos seletivamente os núcleos talâmicos alterados
previamente descritos tanto na variedade C57BlJ e Suíça albina. Achamos relevante então, a
investigação da região talâmica, pela intensa microgliose sugerida pela análise qualitativa,
assim como do giro denteado, por ter revelado maior comprometimento do que a região de
CA1 (BORNER, 2009, CUNNIGHAM, 2005).
123
CONSIDERAÇÕES TÉCNICAS
Os Limites das Análises Quantitativas pelo Fracionador Óptico.
Em nosso trabalho utilizamos a investigação estereológica sem viés para estimarmos
as alterações neuropatológicas influenciadas pela Doença Prion. Apesar das inúmeras
vantagens desse método, discutidas na Introdução deste trabalho, os resultados das análise
estereológicas são apenas uma estimativa aproximada do número real de um dado objeto de
interesse (CRUZ-ORIVE, 1994; SCHMITZ, 1998). Ainda assim, tais estimativas são muito
mais confiáveis, estatisticamente, e bem menos dispendiosas para o pesquisador do que as
estimativas realizadas a partir da análise de densidade e volume (SCHMITZ e HOF, 2000).
Como o Coeficiente de Erro de Scheaffer representa a variação devida à incerteza
metodológica intrínseca, é preferível que sua contribuição para a variação total seja a mínima
possível (CE2/CV
2<0.5). Em geral, a relação CE
2/CV
2 manteve-se abaixo de 0.5,
minimizando a probabilidade de erros procedimentais durante as contagens. Nas exceções
observadas, em particular, a regra geral não é útil para avaliar erros metodológicos intrínsecos
ao sistema de amostragem, já que o coeficiente de variação biológica e o coeficiente de erro
são muito pequenos, perdendo o sentido aplicar a regra geral (SLOMIANKA e WEST, 2005).
A outra maneira que se empregou para se avaliar os erros relacionados à escolha da
matriz amostral foi o cálculo da variação biológica, expresso em valor percentual do
coeficiente de variação. Considera-se que o coeficiente de erro é adequado sempre que ele
contribui menos do que a variação biológica para o coeficiente global de variação. Em geral, a
relação previamente descrita (CE2/CV
2<0.05) acompanha esse parâmetro, havendo
igualmente exceções que confirmam a regra.
124
Para evitar ambigüidades e reduzir a possibilidade de inserir viéses amostrais nas
regiões e objetos de interesse, adotamos técnicas de marcação específicas e contracoloração
com Nissl, além de estimativas independentes (sem conhecimento prévio do grupo
experimental ao qual o animal pertencia) em vários ensaios estereológicos, aumentando a
confiabilidade dos dados analisados.
125
VI. CONCLUSÕES
O presente trabalho, a partir do estudo das alterações comportamentais e
neuropatológicas induzidas pela Doença Prion, comparou camundongos da variedade Suíça
albina, mantidos em grupo ou isolados, e posteriormente inoculados com ME7. Nossos
achados nos levaram as seguintes conclusões, até então não descritas na literatura:
As alterações comportamentais iniciais típicas da Doença Prion (queda no burrowing,
hiperatividade no Campo Aberto, maior tempo no Braço Aberto do LCE) ocorreram, pelo
menos, uma semana antes nos sujeitos ME7-Isolados.
O consumo de glicose é reduzido na Doença Prion na 17ª semana PI, tanto nos sujeitos em
grupo quanto nos isolados.
A temperatura anal dos sujeitos isolados é mais elevada que a dos sujeitos em grupo. Essa
medida não foi afetada, até a 17ª semana PI, pela Doença Prion.
Na 17ª semana PI, não há alteração do comportamento no LCE, nos sujeitos do grupo
ME7-GR; tampouco, há alteração nos comportamentos relacionados ao grooming e no peso
corporal.
Tomados em conjunto, os testes comportamentais revelam uma somação dos efeitos do
isolamento social aos efeitos da Doença Prion, conduzindo os sujeitos ME7-Isolados a
apresentarem alterações comportamentais mais precocemente do que os ME7 em grupo.
O isolamento social induziu comportamentos mais relacionados à ansiedade até a 16ª
semana PI e a partir da 17ª o comportamento dos animais isolados parece estar se
aproximando do espectro compatível com depressão.
O isolamento social não alterou o número de redes perineuronais e de microglias ativadas
em relação aos sujeitos com ME7 mantidos em grupo, na 17ª semana PI.
126
VIII. ANEXO
127