Dissertação dos Livros

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Curso: História e Cultura Afro-Brasileira Módulo 4 Maria José Caldas GPEC Educação a Distância www.gpeconline.com.br Historia e Cultura Afro-Brasileira Módulo 4 Dissertação dos Livros

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Curso Histporia e Cultura Afro-Brasileira GPEC - Edição do Texto Tais Sabrine - Autora do Texto: Maria José Caldas

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Curso:

História e Cultura Afro-Brasileira

Módulo 4

Maria José Caldas

GPEC – Educação a Distância www.gpeconline.com.br

Historia e Cultura Afro-Brasileira

Módulo 4

Dissertação dos Livros

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Dissertação dos Livros

Crime e Escravidão, Liberdade Por Um Fio,

Rebelião Escrava no Brasil

Ailton Mattos Jr.

Denise Coutinho

Flávio de Miranda S. Machado

Marcos Flávio Nascimento dos Santos

Maria José Caldas

Ronney Fernando Castanha

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Sumário

Introdução 02

Múltiplas Faces da Resistência Escrava no Brasil_______________ 05

Revolta do Malês ____________________________________ 08

Dos Quilombos a Abolição ______________________________ 13

Memórias da Escravidão __________________________________ 18

Representações do Trabalho _______________________________ 19

Conclusão _____________________________________________ 23

Bibliografia ____________________________________________ 24

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Introdução

O trabalho que para nós foi proposto baseia-se em um recorte de tempo que vai do

final do século XVIII ao final do século XIX. Foram dadas três obras para trabalharmos

cada uma delas com recortes espaciais diferentes, vamos do interior de São Paulo,

Campinas e Taubaté (Crime e Escravidão), passando por Minas Gerais, Rio de Janeiro e

retornando a São Paulo (Liberdade Por Um Fio), culminando na Bahia, na revolta de 1835

(Rebelião Escrava no Brasil). Após dialogarmos com as fontes, tentaremos traçar um

paralelo com a produção didática que apresentamos aos alunos de 6ª série (História e Vida

Integrada). Tentaremos levantar a hipótese de que o que é passado sobre escravidão em

sala de aula é bem diferente da resistência negra que encontramos em obras acadêmicas.

Cada obra apresenta resistência negra de sua maneira, mas culminando na mesma

ideia: de que forma a resistência existiu? Seja quebrando uma ferramenta, organizando

rebeliões, reunindo-se em quilombos e agredindo seus senhores, vemos a insatisfação que

o regime escravista gerava no indivíduo escravizado. Outro ponto que abordaremos em

nosso trabalho são as redes de comunicações que levavam e traziam informações

importantes para o sucesso da resistência.

Diversos dos pré-conceitos trazidos até antes da leitura dessas obras foram

quebrados. Principalmente a escravidão, o quilombo e a abolição foram desmistificados das

ideias secundaristas que trazíamos até então. A ideia que tínhamos de escravidão

mostrava-nos a vinda de milhões de escravos para trabalharem em lavouras e mineração

como meras mercadorias, sem identidade étnica ou uma ideia de nação. Percebemos agora

que a nossa antiga visão estava condicionada às restrições dos livros didáticos, a

escravidão foi muito além do que simplesmente um comércio de escravos, foi um processo

pelo quais negros trazidos da África formaram uma sociedade, tendo como modelo as

estruturas sociais que viveram além mar. A respeito de quilombo, a ideia que tínhamos era

unicamente o Quilombo de Palmares, sendo que existiram vários quilombos em diversas

regiões por onde se expandiu a escravidão.

Aprendemos com Richard Price que, em todos os lugares do nosso mundo onde

houve plantation, houve formação de quilombos, essa “nova” informação que nos foi

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passada desconstruiu a ideia de Palmares como única resistência negra no Novo Mundo.

“Da mesma forma que a escravidão de plantation

implicava violência e resistência, o ambiente selvagem

das primeiras fazendas e engenhos do novo mundo fez da

fuga e da e da existência de quilombo uma realidade

onipresente.” (PRICE, 2003. p. 52).

A nossa mentalidade sobre abolição remetia-se a assinatura da princesa Isabel. O

que dava a entender era que tinha ocorrido um presente do branco para com o negro,

onde só os intelectuais participaram deste processo, como se o negro não fosse um ator

importante no processo de sua liberdade, sendo apenas um espectador passivo que

concordava com o sistema em que vivia.

O que se pôde comprovar é que o negro foi agente do processo de sua “liberdade”,

lutando por ela, se engajando em processo de resistência e em alguns momentos até

mesmo tentando subtrair o poder constituído, e dessa forma estabelecendo no Novo

Mundo, uma nação negra.

“(...) o problema que se coloca é o da integração da

figura do escravo, seus comportamentos sociais, valores e

universo mental articulado à desintegração da escravidão e o

processo emancipacionista. Trata-se de inscrever a participação

escrava no interior do complexo quadro de desagregação da

escravidão, resultante este último de inúmeras variáveis

conjunturais e estruturais.” (MACHADO, 1987. p. 15-16).

No processo de cotejamento dos dados, nos deparamos com várias situações

atípicas, com problemas e questionamentos fora da nossa concepção escravista, como por

exemplo, o levante do Malês, que era totalmente desconhecido por nós, até então, com

toda sua complexidade, com as questões religiosas, culturais e a sofisticação com que

articulara o processo de revolta.

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Outro fato importante, e que será abordado no decorrer deste trabalho, foi o

perceber que, mesmo tão distante um levante do outro, havia uma ligação, mesmo que em

um primeiro momento não perceptível, entre as várias formas de resistir.

O trabalho é levado, quase que naturalmente, a começar tratando a ideia de crime.

Percebe-se que as três obras „Liberdade Por Um Fio‟, organizado por João José Reis e

Flávio do Santo Gomes (1996), „Crime e Escravidão‟ de Maria Helena P. T. Machado (1987)

e „Rebelião Escrava no Brasil‟ de João José Reis (2003) são fortemente embasados na ideia

de crimes, os dois últimos, por exemplo, foram produzidos utilizando como bases autos

criminais; mesmo agora sabendo que quase todas as “movimentações” negras no período

(fim do século XVIII) eram tidas pelas autoridades como crime. Como base para o nosso

trabalho, tomará alguns crimes que se assemelham nas obras para tentarmos provar o

desenrolar dos autos criminais, os mesmos contextualizam a sociedade escravista da época

e suas relações e tensões com os escravos.

Múltiplas Faces da Resistência Escrava no Brasil

Muitos dos crimes eram resolvidos dentro do próprio território, nem todo crime era

levado ao estado maior, era preferível castigar o escravo na terra a levá-lo para castigo do

poder maior e ser punido por pouco tempo e o senhor acabaria ficando sem uma mão de

obra por muito tempo, acarretando grande prejuízo. Muitos desses crimes eram cometidos

devido à vontade de se libertar e de se proteger. Quando esses crimes eram levados até o

estado maior, a pena que era imposta era a pena de galés, em outros crimes as punições

mais comuns eram as que eram feitas com ferros e açoites.

Em muitas dessas denúncias ocorria certo castigo para ambas as partes, tanto para

o senhor que levava seu escravo quanto para o próprio escravo que denunciasse seu

senhor por alguma agressão por ele praticada. Os senhores temiam, todavia, todos os

escravos domiciliares que fossem maldosos e estivessem presentes em sua casa devido a

muitos contatos pessoais que aconteciam, eles tinham medo de algum envenenamento ou

qualquer outra espécie de violência. Aconteciam muitas resistências e elas eram baseadas

nas honras pessoais, o individuo é usado para brigar como os próprios escravos.

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Crimes de furto eram cometidos por muitos escravos, com intenção de ficar com os

bens do seu senhor, o principal alvo de consequência desses crimes eram as escravas que

tinham contato direto com os senhores por trabalharem em sua casa, com o lucro desses

roubos os escravos investiam em objetos para um culto.

“Fato demonstrativo de que os bens apropriados vinham

a preencher muito mais um universo simbólico do que prover

recompensas econômicas. É notável também que em alguns

casos escravos e libertos tenham destinado parte da quantia

furtada para a aquisição de velas e objetos litúrgicos, ou para

mandar rezar missas”.

A própria sociedade é controladora da vida dos escravos. Para que não aconteça

nenhum tipo de desordem ocasionada por furtos e outros tipos de crimes, o pensamento

da sociedade vem com interesses de proteger e manter a ordem de si própria. Como

exemplo, podemos citar o processo criminal que descreve a história de dois escravos, João

e Antonio, que foram indiciados pelo crime de roubo. Isso aconteceu, porque,

simplesmente, estavam fazendo compra em uma venda. Ao desenrolar do processo,

Antonio foi “liberto” das acusações, pois sempre recebia pequenas quantias em dinheiro do

seu senhor.

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Um dos castigos citados no livro „Rebelião Escrava no Brasil‟ nos leva a ter contato

com um fato vivido por um escravo que é enviado de Salvador para o engenho do seu

senhor no recôncavo baiano de Santo Amaro, como punição por ter furtado o seu senhor

em sua própria casa.

“De fato, meses antes da rebelião, Ahuna fora enviado

para lá algemado, acusado pelo dono de algum pequeno criem

doméstico, cuja natureza desconhecemos.” ( Reis, José João,

2003).

Nesse contexto, podemos ter como segmento dos crimes as questões dos

quilombolas que em várias regiões do Brasil cometiam diversos roubos e sequestros de

escravos para se integrar ao grupo, não existem dúvidas de que esse grupo ameaçava a

estabilidade da escravidão. Tendo esse contexto de crime seguido de certas revoltas, nos

permite dizer como citado no livro “Liberdade Por Um Fio” que “onde houve escravidão,

houve resistência”, e incrementando, onde houve crimes, tivemos conflitos com seus

senhores.

Dentro do território de convívio dos próprios escravos, existiam escravos que tinham

certas obrigações de um ritmo de trabalho intenso, que poderia aumentar de acordo com o

aumento da produção, automaticamente com o aumento dessa produção que era cercado

de grande rigidez e abusos por parte dos senhores, obviamente resultaria em grandes

tensões; devido a essas explorações constantes, os escravos reagiam com grande oposição

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aos senhores. Nesse contexto, era necessária uma manutenção do sistema escravista para

que o mesmo tivesse continuidade.

Homicídios e lesões corporais relatados, nos quais aparecem como vítimas homens

livres, violência na qual teve como estimulo a ação deste mesmo homem livre que quis

substituir a autoridade senhorial, controlando os escravos que ali estavam, no momento da

captura, da prisão e do mau trato, obviamente sofriam o revide dos cativos, que entendiam

que aquele homem livre não detinha nenhuma autoridade senhorial. No intuito de receber

uma quantia na captura de escravos, eram constantemente vítimas de agressões.

Também existiram conflitos entre escravos e homens livres pobres, o que dá a ideia

de uma intensa relação entre eles, tornando os conflitos inevitáveis. Vários destes conflitos

ocorriam de forma que se pode chamar de crime por honra pessoal, onde uma parte

tentava afirmar-se tanto pessoalmente quanto socialmente, isso suscitava a ideia de

coragem, destreza e destemor, o livro “Crime e Escravidão” chama estas condutas de

“Código do Sertão”.

Na convivência mútua, tanto na senzala como na vida comum escrava, os escravos

necessitavam de laços de cooperação, que ajudariam na sua própria sobrevivência, isso

não significa que não existiam crimes entre escravos, esses crimes existiam sim para uma

aquisição de poder dentro do próprio grupo de convívio deles. A conclusão da análise dos

autos criminais onde foram encontrados esses crimes indica que existia sobre os escravos

um forte código de convivência, isso era necessário devido à realidade de extrema pobreza

e carência material. Outro fato que levava a grande quantidade de crimes eram as disputas

afetivas, isto justificado pela quantidade reduzida de mulheres em relação ao número

excessivo de homens.

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Revolta do Malês “Nosso Senhor! Resgatai-nos desta cidade, Cujo povo é opressor; E mandai-nos alguém que nos protegerá: E mandai-nos alguém que nos ajudará!” Alcorão 4:75

Conforme o trabalho se desenvolvia, fez-se necessário falar com grande

especificação do levante do Malês. Por ser um assunto com uma vasta bibliografia e de

extrema importância para as revoltas escravas do século XIX, mesmo sabendo que não

foram apenas escravos que dela participaram.

Como já foi citado no trabalho, esta revolta ou levante não era por nós conhecida

até este momento, e ao dela tomar-mos conhecimento ficamos deslumbrados com suas

especificidades, tanto em organização como em motivação religiosa. Jamais havia passado

por nossa cabeça que os africanos de confissão religiosa islâmica tivessem tão bem

articulados como demonstrado pela historiografia. Não tínhamos ideia de como a Bahia

deste período era rica em diversidade cultural e étnica, sabia-mos que tinham escravos de

várias etnias, mas com nossa visão secundarista, não entendíamos como se dava esta

divisão no Brasil e se em terras tupiniquins havia união entre estes filhos das mesmas

regiões africanas. Agora começa descortinar para nós a realidade do que aqui acontecia.

Tanto na obra “Rebelião Escrava no Brasil” (REIS, 2003), como em um artigo da

obra “Liberdade Por Um Fio” (org. REIS, GOMES, 1996) escrito por Schwartz (p.373), nos

são apresentados o contexto histórico do levantes do Malês, e no caso do último,

conspiração de escravos Haussás na Bahia em 1814. Os acontecimentos de ambos são

semelhantes por serem insurreições que têm como principais os negros islamizados que

vieram como escravos para a Bahia.

Em sua terra natal, tanto Haussás como Iorubas sofreram processos de assimilação

da cultura muçulmana e ambos os povos se viram próximos a territórios que estavam

envolvidos em um Jihad Fulane, esta havia sido declarada por Dan Fodio contra o regime

do Sarki Yunfa.

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“Em 1808, Dan Fodio transferiu seus acólitos para um

local protegido, Gudu, definindo essa migração como uma

hégira, e ali declarou uma Jihad contra o regime do Sarki Yunfa”

(REIS,2003 p.160).

Após este período, várias cidades-estados Iorubas foram islamizadas, estes

conflitos geraram um enorme número de prisioneiros, que eram levados até a costa e

vendidos como escravos, estes por sua vez acabaram vendidos para o mercado escravista

brasileiro, mais precisamente baiano.

Não temos aqui a pretensão de dar conta de todo o processo que ocorria na África

neste período e pedimos perdão se as poucas palavras descritas acima banalizam a

complexa história deste continente tão importante em nossa formação como nação. Mas a

nossa vontade é apenas mostrar que estes povos, Iorubás e Haussás, eram povos que

entendiam e vivenciavam a guerra em suas terras natais, e provar assim que a grande

maioria dos escravos destas nações que aqui chegavam eram guerreiros.

É importante ressaltar o que o José Reis gosta muito de frisar em sua obra, que

estes elementos acima descritos não são base para afirmar que o levante de 1835 era uma

Jihad, o levante, mesmo sendo feito por muçulmanos, não tinha apenas muçulmanos,

tinha também escravos pagãos e cristãos, outro ponto por Reis levantado é que o levante

brasileiro foi feito basicamente por iorubas e estes:

“(...) não possuíam uma tradição própria em Jihad.(

...)”(REIS,2003. p.274)

Há momentos que temos de nos policiar para não tropeçar-mos nos argumentos.

Por ser muita informação, a tendência é querer expor tudo de uma só vez, tentaremos não

cometer este erro, porém se não tivermos êxito, mais uma vez pedimos desculpas.

Retornando ao raciocínio. Os levantes foram feito por negros libertos e escravos que

por eles foram convocados para o levante. Estes negros eram em sua maioria Iorubas e

Haussás islamizados que em “terra de branco” ensinava o alcorão para outros de sua

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“família”, neste caso o mesmo que nação. Ele se reuniam em casas alugadas ou na casas

dos próprios líderes, para ali estudarem e aprenderem a cultura islâmica.

Os Alufás (mestres Malês na tradição Ioruba) convidavam alguns para estudarem o

alcorão e a escrita árabe, com isto os neófitos tinham contato com as bases de liberdade

pregada pelo “profeta”, e aprendiam a citar partes do livro sagrado. Quando da revolta,

muitos carregavam amuletos que traziam escrito partes do alcorão em árabe, segundo

Reis, eles criam que estes amuletos protegiam suas vidas quando em batalha. Temos

mitos destes patoás que resistiram ao levante e foram usados como provas nos processos

que seguiram o levante.

O levante propriamente dito teve seu início na madrugada do dia 25 de Janeiro de

1835, ainda na noite do dia 24 os negros se juntaram para planejar o que ocorreria

naquela madrugada, pelos depoimentos descritos no livro “Rebelião Escrava no Brasil”, o

levante já vinha sendo planejado com muita antecedência, o dia foi escolhido por que os

escravos sabiam que naquela data todos estariam em festa no bairro de Bonfim, era dia de

Nossa Senhora da Guia, um bom dia para rebelar-se, a cidade estaria vazia e tomar o

poder seria mais fácil.

Como dito antes, os lideres da revolta eram todos muçulmanos, alfabetizados no

árabe e alufás, como tal tinham muita influência entre a comunidade Malê, em sua maioria

homens, pois as mulheres eram menos praticantes dos ritos. Destes homens, destacam-se

sete: Ahuna, Pacífico Licutan, Luís Sanin, Manuel Calafate, Elesbão do Carmo (Dandará),

Nicobé (Sule) e Dassalú. Estes sete homens eram os alufás mais importantes na revolta, é

tanto que será na casa de Manuel Calafate que começará a movimentação na noite do dia

24 e começo da madrugada do dia 25.

O plano já havia sido combinado com vários libertos e escravos, tanto da capital

Salvador como do Recôncavo Baiano, em principal as cidade de Santo Amaro. A ideia

inicial era começar em Salvador e ir caminhando em direção do Recôncavo, rumo aos

engenhos de lá e no percurso ir ganhando simpatizantes ou forçando outros escravos

africanos a participar, mesmo que a força, do levante. No pensamento dos líderes, na

manhã do dia 25 os reforços do Recôncavo chegavam e a vitória era certa.

O grande problema que os líderes da revolta não sabiam é que as autoridades já

haviam sido informadas do levante. Uma negra liberta por nome Guilhermina, ao tomar

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conhecimento por intermédio de seu cônjuge das movimentações por parte dos negros

nagôs e saber por intermédio de outra mulher de que muitos participariam, correu para

avisar seu antigo senhor;

“Também ouviu algo sobre a chegada de gente de Santo

Amaro para participar da luta. Mais tarde ela informou que

'depois de combinar com seu camarada foi também avisar ao

seu patrono Souza Velho'. Era uma prova de lealdade ao ex-

senhor ou 'patrono', Firmino Joaquim de Souza Velho. Lealdade

que provavelmente lhe favorecera a própria liberdade.” (REIS,

2003. p.12).

Com as autoridades avisadas, os revoltosos foram pegos de surpresa, por volta da 1

hora da madrugado do dia 25 eles esperavam o momento para começar o levante mas

foram pegos de surpresa pelo juiz de paz do 2º distrito da Sé, um tenente e dois soldados.

Quando se viram acuados, os quase cinquenta ou sessenta homens seguiram gritando.

Mas para os líderes da revolta esta antecipação dos acontecimentos foi ruim, os negros

não estavam preparados para aquele momento e os reforços do Recôncavo não chegariam

a tempo.

A casa que eles estavam localizava-se na sobreloja da casa nº2, da ladeira da igreja

da Nossa Senhora de Guadalupe. Os negros se dividiram em várias frentes, uns subiram a

ladeira e outros correram em sentidos opostos. A ideia era encontrar-se no quartel da

cavalaria. Alguns saíram batendo de porta em porta chamando e forçando os negros a

participarem do conflito. Porém, na frente do quartel, foi o lugar onde se deu o maior

número de baixas para os negros, muitos tombaram e outros fugiram no sentido

Recôncavo. O sonho da liberdade era mais uma vez adiado.

O que nos chama mais a atenção nesta revolta é a vontade da tomada do poder, e

não apenas resistir ou tentar reproduzir parte da África em um lugar isolado. Eles queriam

Salvador e suas riquezas. Outra coisa que nos chama a atenção é a ausência de crioulos e

mulatos no levante, a revolta era de negros, e os afro-baianos não participariam. Os

negros tinham o Brasil como terra de branco, e esta terra não era o que eles queriam,

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havia um desejo de voltar à África e vemos quanto os Nagôs tinham a coragem e a força

para tentar alcançar tal feito.

Outra informação que para nós foi valiosíssima é a de que na Bahia de1835 o

número de Nagôs era relativamente pequeno comparado com outras etnias, mas no

levante a proporção de Nagôs é altíssima.

“Eles figuram como 31,1% dos africanos escravos e

24,2% dos africanos que obtiveram alforria em Salvador

(excluímos deste cálculo os nascidos no Brasil), mas formavam

83% dos africanos escravos e 53,6% dos libertos (excluindo os

cinco afro-baianos presos) que enfrentaram a justiça dos

senhores. (...), 72,6% de todos réus, enquanto representam

apenas 29,6% de todos os africanos de Salvador, uma grande

distância de 43 pontos percentuais.” (REIS, 2003. p.332).

As noticias do levantes do Malês rodaram o mundo na época, demonstrando a força

negra em terras longínquas, mostrando tanto para o negro daquele tempo, quanto para

nós, seus descendentes de hoje, que a resistência é possível mesmo que em um primeiro

momento vá gerar perdas.

Alguns de nosso grupo, que já estão lecionando e conversaram com seus alunos sobre

o levante do Malês, constataram que alunos desconheciam o tema. Nossa proposta é

apresentar para estas crianças esta parte da nossa história que lhes foi negada a

conhecer.

Dentro de muitas revoltas que aconteciam, já existiam objetivos claros por parte dos

escravos, reconhecidos pela vontade de obter certas autonomias na senzala ou até mesmo

para reivindicar melhores condições de sobrevivência, e é nítido que se estas solicitações

não tivessem sido atendidas, surgiriam e gerariam tensões, como ditas anteriormente, e

em seguida estas tensões ocasionavam revoltas e fugas, tornando o negro um criminoso

foragido, lembrando que existiam fugas com intenção escravista de criar um lugar com

ideal de recuperar sua etnia, que pouco estava sendo praticada.

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Dos Quilombos a Abolição

O tráfico de escravos da África para o Novo Mundo foi uma grande empreitada,

tanto do ponto de vista comercial quanto do ponto de vista cultural. O Brasil teve papel

extremamente participativo neste processo, calculado em 40% desta participação e por

mais de três séculos a escravidão fez parte da sociedade. Hoje, a ideia de grande parte da

população brasileira sobre resistência dentro do processo de escravidão negra, é que

houve sim, mas com restrições a certos grupos. A ideia comprovada é de “onde houve

escravidão, houve resistência”, esta gerada de formas diversas: seja quebrando

ferramentas, fazendo “corpo mole”, agredindo senhores e feitores e até incendiando

plantações; dessa forma o escravo negro manifestava sua revolta e insatisfação contra o

sistema escravista colonial. Isso quebra a ideia de que o negro em geral era acomodado e

inconformado com a sua real situação.

O negro que fugia não necessariamente formava grupos de escravos foragidos, o

mesmo poderia se diluir no anonimato, geralmente em cidades onde não era incomum a

circulação de homens negros livres.

A questão do quilombo tratada de forma especial no livro „Liberdade Por Um Fio‟,

desenha Palmares com uma visão arqueológica, tratando de detalhes da divisão territorial,

conseguindo descrever onde e como viviam, como se defendiam e como atacavam. Esse

que foi o mais importante quilombo das Américas e que até hoje desperta curiosidade em

muitas partes do mundo. Não há dúvidas que questões ligadas a temas diversos,

relacionadas ao contexto dos quilombos, trazem questionamentos e a necessidade de

desvendá-los: as condições que facilitavam fugas, como os quilombos eram constituídos, a

geografia que facilitava a instalação e ao mesmo tempo a defesa do território e suas

táticas especificas, a economia, as estruturas de poder, as relações com o mundo exterior

a eles, a religiosidade e as culturas que foram mantidas e as que foram agregadas. Tudo

isso e muito mais é alvo de estudo de diversos historiadores. Não se pode deixar de lado a

reflexão que os conflitos gerados entre escravos fugidos e as autoridades coloniais fazem

parte de um capítulo da história militar do Brasil.

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As reflexões das forças militares contribuíram para o combate de fugitivos, é

importante ressaltar a presença da Igreja e outras instituições no desejo de dominação do

negro.

“No Brasil, Deus estava contra Palmares. O poderoso

Deus católico... Jesuítas defendiam e até praticavam a

escravidão, ressaltando que era necessário reformá-la para não

haver revoltas da grandeza de Palmares” (Reis, 1996, 15).

Como em todo confronto e toda guerra, a imagem divina tornava-se ambígua, com

os dois lados dizendo-se protegidos, amparados por Deus. Pode-se notar esse pensamento

nas relações de Santo Antônio com os escravos, da mesma forma que os caçava ele

também os protegia.

O quilombo, que no conceito colonial começava pela reunião de cinco ou mais

escravos fugidos, foi, pelo escritor Carlos Magno Guimarães, entendido como “uma

contradição estrutural da realidade escravista”. Os quilombolas, assim chamados os

integrantes de um quilombo, que não incomum possuíam brancos e comumente indígenas,

praticavam o sequestro de escravos, roubo, agricultura, caça, coleta e mineração. Isso

tudo dependendo da área que estavam estabelecidos e também da época. Mas o maior

perigo para a sociedade escravista em relação aos inúmeros quilombos espalhados pelo

país, era de serem grupos politicamente estruturados que contavam com líderes

consagrados e mantinham importantes contatos com diversos setores sociais.

As autoridades coloniais detinham em seu controle um importante ator no combate

aos quilombolas, os próprios negros, estes livres e libertos intitulados “milicianos” ou

“capitães-do-mato”. O motivo desta atitude deve-se ao fato de que eram ou tornava-se a

ser negros donos de outros negros (negro-forro). Mas em contra partida, os fugitivos

tinham o apoio de outros setores da população, que os informavam sobre o avanço dos

ataques.

Palmares e todos os demais quilombos próximos, ao fim da escravidão, fazem parte

da história das resistências e anseios de liberdade de homens que ousaram confrontar os

ideais escravistas.

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Devido ao uso habitual da escravidão na Europa no final da Idade Média e no

começo do período Moderno, não havia empecilho algum, do ponto de vista moral, em

fazer o mesmo aqui, no Novo Mundo. Considera-se o negro africano e mesmo o índio como

coisa e não como ser humano, arrastou-se desde o direito romano até então, tirando de

ambos quaisquer direito a condição humana. Os quilombos tornaram-se comuns, havendo

ali o mais efetivo meio de se opor à escravidão e a essa negação dos europeus em

considerá-los como gente, dignas de direitos e não só de deveres.

Palmares, datado do século XVII, tinha em sua maioria habitantes de origem

africana, de regiões onde hoje são os atuais países africanos Angola e Zaire. Nos anos de

1640, os holandeses que haviam invadido Pernambuco consideravam Palmares “um sério

perigo”. Ao analisar a estrutura física de Palmares, constatou-se que ali os fugitivos viviam

da mesma forma que em Angola, porém índios, europeus e africanos, mesmo com a

predominância desse último, interagiam ali, estabelecendo uma sociedade multiétnica. O

assentamento de Palmares, com ruas, casas, muros, entre outros, mostra a diferença do

que fora encontrado na África. Está ai uma forma de analisar como eles forjavam uma

nova cultura no Brasil, que por longos anos se bem sucedeu e desafiou a sociedade

escravista.

Entre tantas designações que se possa dar, até mesmo com termos poéticos como

“Terra de Heróis”, esse quilombo foi a maior resistência no Novo Mundo, a forma de

escravidão de plantation prova de que o negro, no geral, não se acomodou, mas resistiu.

Grande parte do que se soube sobre Palmares vem de escritos que se opuseram a ele, ou

seja, os militares e ou autoridades dispostas a aniquilar tal afronta. Partindo da ideia de

que os militares analisaram as defesas de Palmares, conseguem-se informações para se ter

uma ideia de como eram suas fortificações, seus armamentos e suas táticas de guerrilha.

A descoberta em Macaco de uma capela e escritos levaram estudiosos a concluir que

a religião ali praticada era semelhante à religião católica, isso é explicado por talvez haver

nos povos bantos uma certa pobreza mística, mas é claro que os mesmos possuíam seus

rituais religiosos habituais e os de guerra.

Perante muitos quilombos tivemos inúmeros líderes, mas um dos que mais se

destacou por ter sido líder de um dos maiores quilombos foi Zumbi, sobrinho do Rei Ganga

Zumba, hoje conhecido como Zumbi dos Palmares, atuou pela primeira vez com grande

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destreza destacando-se na batalha que ocorreu na expedição organizada por Manuel Lopez

em 1675.

“Segundo Eduardo Bueno, Zumbi, cujo nome quer dizer

“deus da guerra”, era sobrinho-neto da princesa Alquetune.

Envenenou seu tio Ganga Zumba, “rei” de Palmares, e tomou o

poder. Zumbi era casado com uma branca. Zumbi preferiu o

suicídio à rendição: jogou-se dum penhasco para não ser

capturado pelos que atacam seu quilombo. Zumbi era

homossexual. Todas as afirmativas acima estão erradas ou são

improváveis. Pouco se sabe sobre o guerreiro dos Palmares.

Documentos comprovam que, de 1676 a 1695, de fato existiu

um “general” negro de nome Zumbi. Ele era baixo, coxo e

valente: “negro de singular valor, grande ânimo de constância

rara; aos nossos serve de embaraço, aos seus de exemplo”,

disse um cronista. Contrário a paz firmada por Ganga Zumba,

Zumbi liderou a resistência final de Palmares. Delatado, foi

morto em 20 de novembro de 1695. Sua cabeça foi exposta na

praça central do Recife até se decompor”.

Conforme citado no livro “Liberdade Por Um Fio”, Zumbi conseguiu fugir desse

conflito e após algum tempo foi capturado e morto no dia 20 de novembro de 1695,

quando hoje se comemora o dia da Consciência Negra.

Nesse contexto, a importância de Palmares para os dias atuais, refere-se a

“negritude”, isso levanta paixões, sonhos e imaginários e a refletirmos sobre essa

importância, inevitavelmente somos obrigados a relacionar Palmares com as relações

raciais dos dias atuais no Brasil. Termos como “Terra de Heróis” e “Solo Sagrado” são

termos carregados de paixões e emoções deste que foi um dos territórios mais importantes

das Américas e que ousou lutar pela liberdade, tantas vezes almejada e até hoje

questionada.

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19

A importância de Palmares foi tão grande e intensa que propiciou mudanças na

legislação escravista para repressão de quilombos e fugitivos, pois o maior temor entre a

sociedade escravista colonial era do aparecimento de outros inúmeros Palmares. Não se

pode ter a ideia de que não houve outros grandes quilombos, podemos citar como exemplo

a existência de grandes quilombos em Minas Gerais e no Mato Grosso durante o século

XVIII. Para se ter uma noção da participação dos quilombos de Minas Gerais e sua

tamanha importância para formação da reação contra a escravidão, entre 1710 e 1798

foram descobertos e destruídos cerca de 160 quilombos na área dessa capitania. Isso já

nos dá a ideia de que é necessário recuperar as teses de escravidão suave, de harmonia

entre senhores e escravos que muitos autores teriam levantado.

O conceito de que o quilombo teria gerado apenas prejuízo econômico não é

verdadeiro. O quilombo trouxe danos ao sistema escravista como um todo. Gerado

principalmente por negros fugidos, ele trazia um questionamento da real estrutura do

sistema escravista e sua eficácia, isso nos permite dizer que os escravos foram

participantes árduos na queda da escravidão.

Devido ao grande processo de crescimento das revoltas de escravos, teve início a

disseminação de que poderia acontecer uma revolução social extremamente perigosa e

ameaçadora à sociedade elitista, o que era muito pior que a liberdade dos escravos. A

partir disso, começa-se a adotar várias questões sobre a participação do negro no processo

de dissolução do sistema escravista colonial e o processo emancipacionista. Diversos

fatores podem ser apontados como sintetizadores deste assunto. As disputas político-

partidárias e a política imigracionista serviram como incentivo à transição do trabalho

escravo para o trabalho livre, além disso, temos a forte pressão dos grupos de opinião que

cada vez mais mostravam indícios de abusos sofridos no interior das senzalas.

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Memórias da Escravidão

Em 1986, um grupo de pesquisadores coordenados pelas professoras Maria de

Lordes M. Jannotti e Suely Robles R. de Queiros, começou a registrar depoimentos orais de

integrantes de famílias negras do estado de São Paulo. Formou-se assim um acervo

documental composto hoje por 150 fitas, acompanhadas de transcrições, fichas,

fotografias, relatórios de viagens... Foram ouvidas 110 pessoas, de 45 famílias,

representando em geral, em cada caso, três gerações adultas consecutivas.

“O 13 de maio não significou o desaparecimento de

hábitos associados à escravidão. Por isso, em nosso país, quanto

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mais o negro e o mulato se identifiquem com os ideais do

cidadão e encarnem os direitos fundamentais da pessoa, tanto

mais serão incompreendidos e depreciados. Submissão e

conformismo são o que deles se espera. Mas as novas gerações

esboçam reação.” Suely Robles Reis de Queiros.

“Da escravidão nem eu me lembro. Os únicos cativos aqui

da minha gente foram minha avó e meu avô. Não gosto nem

que fale, porque me dói o coração. Minha mãe não contava isso,

não falava no assunto. Eu fui cativeiro na televisão. Não gosto

de ver. Me dá aquele nervo de saber o sofrimento que todos ali

passaram. Não quero saber. Não gosto de falar”. (D. Maria

Francisca Bueno, 106 anos, moradora de Rio Claro). (Memórias

da Escravidão, Revista Ciência Hoje, suplemento vol. 8 nº48 -

p.36).

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Representações do Trabalho

A geração de escravos libertos não chegou a competir de forma efetiva no mercado

de trabalho. Mas os depoimentos mostram que, no decorrer de três gerações, mudam-se

muito as avaliações sobre a posição social do negro. A reflexão sobre o preconceito e da

discriminação continua polêmica, mesmo entre os descendentes diretos daqueles que

foram escravizados.

Vários destes entrevistados na reportagem de Tânia R. de Luca iniciaram algum tipo

de atividade produtiva entre sete e doze anos de idade.

“Trabalhei, quando moleque, dos sete anos em diante:

era engraxate, carregador de lenha, de sacos de carvão.

Trabalhei de empregadinho no Carlos Campos, e ali perto tinha

a Cadeia Pública. Eu ia comprar cigarros para os presos na

praça, o único moleque que podia entrar lá era eu. Quando fiz

14 anos, voltei para Votorantin e comecei a trabalhar na fábrica,

no setor de estamparia”. (Joel Marciano, da segunda geração

pós-Abolição, de Sorocaba)

“Eu era pequena, mas gostava de trabalhar (...) Sai de

Sorocaba e fui para Votorantin arranjar serviço (...) Eu não

alcançava nem a máquina naquele tempo! No canto da

repartição eles puseram um balde de pôr lixo e eu tinha que

varrer a seção, duas varridas por dia. Quando não tinha o que

fazer, eu ia ver o que os outros estavam fazendo, para

aprender. De modo que eu cresci lá, naquela fábrica”. (Maria

Mathias, da primeira geração pós-abolição)

“Minha vida foi primeiramente a roça, lavoura, serviço de

enxada. Depois, em continuação, entrei no serviço de carvão;

trabalhei no carvão durante 21 anos da minha vida. Depois que

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saí do carvão entrei no serviço do machado, derrubava madeira.

Terminou a madeira me arrumaram para entrar no clube. Fui

empregado do clube por oito anos. Minha vida é essa”. (João

Gonçalves, primeira geração, morador de Cruzeiro).

Questionado sobre sua infância, o depoente respondeu laconicamente: “Está tudo

esquecido.” A imagem que faz de si mesmo se esgota nas funções que desempenhou ao

longo da vida. Maria do Carmo, esposa do Sr. João, também da primeira geração pós-

abolição, descreve a vida da família durante os vinte e um anos em que o marido trabalhou

no carvão:

“Nós estávamos sempre nos matos. Naqueles desertos,

naquelas serras, lugar de onça, lugar de cobra, de bicho bravo.

Tinha que derrubar as árvores, queimar, fazer lenha. Aí cortava

aqueles paus para fazer casinha, fazia casinha de dois cômodos,

um quarto e uma cozinha. Arrumava pedra, barro, fazia um

fogãozinho, cortava pau, fincava quatro esteios no chão, fazia

uma espécie de tarimba de pau para poder dormir - porque nós

mudávamos muito e não tínhamos condições de ter móveis.

Quando saia dali, ia pra outro mato, tornava a fazer a mesma

coisa, sempre trabalhando. Sei dizer que, durante 21 anos que

ele trabalhou no carvão, nós fizemos quase 200 mudanças. As

vezes eu pedia: ai meu Deus do céu, dá força pra nós, saúde

pra nós vivermos e um meio da gente ter uma condição melhor

pra ele largar esse serviço! Tinha dia que ele levantava duas

horas da manhã pra ir tirar carvão”.

Essa vida solitária, longe de tudo e de todos, que raramente propicia a participação

em espaços públicos ou a convivência com grupos sociais mais amplos, só permite relações

humanas mais intensas no âmbito familiar. Os deslocamentos constantes não significavam

nesse caso ampliação de perspectivas, mas subordinação a fatores naturais adversos. O

trabalho é esforço muscular, sujeição a necessidades primeiras, puro sofrimento que

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garante apenas a sobrevivência. (Representações do Trabalho, Revista Ciência Hoje,

suplemento vol. 8 nº48 - p.41)

“Minha avó foi escrava. Minha mãe disse que um dia viu a

mãe dela ir para o tronco. Ela era criança e começou a chorar,

porque viu quando pegaram minha avó para pôr no tronco. Aí

ela pediu socorro para um homem chamado Antônio e dizia:

“Acuda! Estão matando a minha mãe!” E esse homem disse:

“Não estão matando, não. Não chore.” Minha mãe sempre

contava essa história. Ela dizia que os escravos tinham que fazer

tudo e sempre apanhavam. Minha mãe sempre contava isso.

A Abolição foi uma coisa boa, porque naquele tempo os

pretos eram mandados, não tinham liberdade, não podiam sair.

„Mainha‟ contava muitos casos. Ficavam presos nas senzalas, diz

que era tudo junto, diz que comia no cocho tudo junto. “Eu acho

que agora é melhor”. (Dona Hermelinda, de Piracicaba,

representante da primeira geração pós-abolição).

À medida que se avança na compreensão dos testemunhos comprova-se que há

memórias individuais e memórias coletivas. O indivíduo participa desses dois tipos de

memórias (...) Conforme ele participa de uma ou de outra, ele adotará duas atitudes muito

diferentes e ao mesmo tempo contraditórias (...) De um lado e no quadro de sua

personalidade, ou de sua vida pessoal, que as recordações tomam sentido, relacionam-se

com outras recordações e delas se diferenciam.

“Meu avô falava que o avô dele veio do Congo, da África.

As vezes ele mistura as histórias. São histórias que se a gente

for ver, tem que ir juntando, pedaço por pedaço, para a gente

inteirar uma história”. (Ediana Arruda, pós-abolição, da terceira

geração)

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No decênio após a Abolição, o negro não desempenhou papel relevante na

constituição do mercado de trabalho livre. Os indivíduos (pertencentes às famílias

entrevistadas) ocupavam os cargos mais subalternos de uma sociedade estruturada em

classes.

Conclusão

Contextualizamos em uma pequena dissertação todo o conjunto dessa obra, sempre

procurando mostrar os objetivos apresentados, esse trabalho tem como objetivo restaurar

todos os pensamentos e colocações estabelecidas nas três obras por muitas vezes citadas

acima. Sem mais ressaltar, dentro do temas selecionados pelo grupo, temos:

Os crimes omitidos pelos senhores com pensamentos apenas econômicos,

esquecendo o conceito de que os escravos também eram seres-humanos e não mão de

obra movida à violência. Esse ponto de omissão tem a visão de que o senhor é literalmente

dono da “vida” do seu escravo, ao mesmo tempo em que ocorriam esses fatos, os

senhores também tinham receio de serem traídos, consequentemente roubados ou até

mesmo mortos. Devido a muitas punições que ocorriam aos escravos que cometiam

crimes, foi gerado um clima de tensão entre as duas partes, principalmente por parte dos

escravos, isso inevitavelmente gerou a necessidade de uma possível manutenção do

sistema escravista.

Dentre muitos conflitos que tivemos, não podemos deixar de ressaltar os conflitos

entre escravos, que eram causados por diversos motivos, um dos principais eram as

disputas afetivas, externamente, temos os conflitos com fundamentos religiosos pela

intolerância e interesse da igreja católica em afirmar a supremacia do Deus cristão.

Nem todos os escravos que conseguiam fugir dos seus cativeiros, juntavam-se a

quilombos, mas morriam no anonimato da sociedade.

Aqueles que se juntaram a outros grupos formavam quilombos, que foi a mais

comum forma de resistência nas Américas. O mais importante deles foi Palmares, liderado

por Zumbi, que hoje é um símbolo de resistência e luta daqueles que ousam lutar por

liberdade.

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Os quilombos não ocasionaram prejuízos somente na parte econômica, mas também

trouxeram danos a todo sistema escravista, motivando junto a outros fatores, o

crescimento do processo abolicionista.

Bibliografia BUENO, Eduardo. História do Brasil. 2. ed. Folha de São Paulo/Zero Hora, 1997. MACHADO, Maria Helena Pereira Toledo. Crime e Escravidão. São Paulo: brasiliense, 1987.

Memórias da Escravidão, Revista Ciência Hoje, suplemento vol. 8 nº48.

PRICE, Richard. REIS, João José. Liberdade Por Um Fio. São Paulo: Companhia das Letras,

2003.

REIS, João José. Rebelião Escrava no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.