Dissertação integral

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  PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-graduação em Direito O DEVER FUNDAMENTAL DE PAGAR TRIBUTOS E SUAS POSSÍVEIS CONSEQUÊNCIAS PRÁTICAS Leonardo Varella Giannetti Belo Horizonte 2011

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-graduação em Direito

O DEVER FUNDAMENTAL DE PAGAR TRIBUTOS E SUAS

POSSÍVEIS CONSEQUÊNCIAS PRÁTICAS

Leonardo Varella Giannetti

Belo Horizonte

2011

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Leonardo Varella Giannetti

O DEVER FUNDAMENTAL DE PAGAR TRIBUTOS E SUAS

POSSÍVEIS CONSEQUÊNCIAS PRÁTICAS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade Mineira deDireito da Pontifícia Universidade Católica deMinas Gerais, como requisito parcial paraobtenção do título de Mestre em Direito.

Linha de pesquisa: Estado, Constituição eSociedade no Paradigma do Estado Democráticode Direito.

Orientador: Marciano Seabra de Godoi

Belo Horizonte

2011

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Leonardo Varella Giannetti

O DEVER FUNDAMENTAL DE PAGAR TRIBUTOS E SUAS POSSÍVEIS

CONSEQUÊNCIAS PRÁTICAS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade Mineira de

Direito da Pontifícia Universidade Católica deMinas Gerais, como requisito parcial paraobtenção do título de Mestre em Direito.

 __________________________________________ 

Marciano Seabra de Godoi (orientador) – PUC MINAS

 __________________________________________ 

Flávio Couto Bernardes – PUC MINAS

 __________________________________________ 

José Casalta Nabais (Universidade de Coimbra)

 __________________________________________ 

Hugo de Brito Machado Segundo (UNIFOR/Faculdade Christus) - suplente

Belo Horizonte, 01 de abril de 2011.

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 Dedico esta dissertação à minha querida esposa, Flávia, cujocarinho e incentivo proporcionaram a realização deste trabalho.

 Aos meus filhos, Lucas e Mateus, anjos que guardam nossa casa ecujos sorrisos alegram nosso coração.

 Ao meu pai, Américo, e à minha mãe, Elaene, por tudo que me proporcionaram e por mostrarem a importância do estudo nanossa vida, seja em que fase desta for.

 Aos meus irmãos, Renê, Júnia, Alexandre e Jaqueline, que sempreestiveram por perto e colaboraram, cada um, com seu jeito, para aminha formação humana.

 Ao José Arthur e à Maria Fernanda, por terem me proporcionadoo desenvolvimento profissional e a oportunidade de participar de

uma grande empreitada, que é a advocacia. Ao meu sogro, Sidney, e ao seu irmão, Roodney, dois grandesamigos, que me ensinaram muito com suas experiências de vida. 

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AGRADECIMENTOS

Esse trabalho certamente decorre de um esforço que não teria sido concretizado

sem a presença de algumas pessoas.

Inicialmente, agradeço à minha esposa, Flávia, pela compreensão e incentivo, pois vários foram os momentos em que eu me ausentei do convívio familiar para estudar e

redigir a presente dissertação.

Agradeço também ao Professor Marciano, pela formidável orientação dada,

não só pela paciência, mas também pelos ensinamentos, debates e indicação precisa de

sugestões, ideias e esclarecimentos, sempre a tempo e modo, extremamente importantes para

a realização deste trabalho. Apesar de conhecê-lo há mais de dez anos e já saber de toda a sua

competência e zelo, ele conseguiu me surpreender.

Agradeço também aos Professores Álvaro Ricardo de Souza Cruz, José

Adércio Leite Sampaio e Antônio Cota Marçal pelos valiosos ensinamentos dados nas aulas

do curso de Mestrado, com opiniões firmes e bem fundamentadas, mas também sempre

abertos ao debate.

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RESUMO

A presente dissertação de mestrado trata do dever fundamental de pagar tributos, um tema

que, no âmbito do Direito Tributário brasileiro, vem sendo pouco estudado. O objetivo deste

trabalho é justamente pesquisar os deveres fundamentais e procurar desmitificar tal termo,

trazendo argumentos no sentido de comprovar que o dever fundamental de pagar tributos

existe no texto constitucional brasileiro e que não é sinônimo de tributação desmedida ou que

não observa os direitos dos contribuintes. Pretendemos demonstrar neste trabalho que

 paradigma do Estado Democrático de Direito exige compreender o fenômeno tributário deoutra forma: ao invés de encarar o tributo como uma norma de rejeição social, devemos,

segundo a ótica desenvolvida neste trabalho, entender o tributo como um dever fundamental,

inerente à cidadania e decorrente da solidariedade e que busca servir como um instrumento

adequado e necessário para possibilitar a transformação social. Buscamos também aduzir 

argumentos no sentido de que o Direito Tributário não deve ser visto ou interpretado de forma

apartada e isolada, mas, ao contrário, de forma sistêmica e dentro do contexto constitucional

atual. Nós nos propusemos a estudar com mais profundidade, como uma das consequências

 práticas da adoção dessa tese, a possível e necessária flexibilização do sigilo bancário frente àadministração tributária. Tal questão possui atualidade, pois ela não está definida no âmbito

do Supremo Tribunal Federal, apesar de ter sido debatida recentemente no seu Plenário. Com

 base no referencial dogmático e jurisprudencial, nos filiamos à tese de que a administração

tributária pode obter diretamente – ou seja, sem a intervenção prévia do Poder Judiciário – 

informações resguardadas em segredo pelas instituições financeiras.

PALAVRAS CHAVES: DEVER FUNDAMENTAL DE PAGAR TRIBUTOS – ESTADO

DEMOCRÁTICO DE DIREITO – DIREITO FUNDAMENTAL - SIGILO BANCÁRIO.

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ABSTRACT

The following thesis concerns about the fundamental duty of paying taxes, a theme that

among the Brazilian Tax Law has been forgotten. This piece’s focus is to research about these

 basics duties and attempt to demystify this term, adding some arguments to demonstrate that

the legal duty of paying taxes does exist in the brazilian constitutional text and that it isn’t a

synonymous of over taxing or overlapping the contributors rights. In this essay, we search to

elucidate that for a better comprehension of the Democratic State of Law paradigm isnecessary to modify the common perspective about the taxes existence: Opposite of seeing the

taxes as a rule rejected by the society, we should, pursing this work view, understand it as a

 basic duty, intrinsic to citizenship and an important tool to enable social transformation. Other than that, we

intent to justify in the sense that the Tax Law shouldn't be interpreted as an isolate subject, but

opposite of that, systemicly as a part of the recent constitutional context. Indeed, a concrete

consequence of proceding this thesis, is a potential and needed loosening of bank secrecy law

to enlarge the tax administration. This theme yet is not defined by our Supreme Court,

although it has been recently discussed. Based on jurisprudences and with an dogmatisefocus, we regard to the thesis that the Taxes Administration can and should obtain private

information directly from the Financial Institutions, without asking Court’s permission.

KEYWORDS: FUNDAMENTAL DUTY OF PAYING TAXES – DEMOCRATIC STATE

OF LAW- FUNDAMENTAL HUMAN RIGHTS - BANK SECRECY

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LISTA DE SIGLAS

ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias

ADI - Ação Direta de Inconstitucionalidade

ADIMC – Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade

Ag(Rg)/REsp- Agravo (Regimental) em Recurso Especial

ANATEL - Agência Nacional de Telecomunicações

CIDE – Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico

COFINS – Contribuição Social para a Seguridade Social

CF/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

CRP – Constituição da República PortuguesaCSL - Contribuição Social sobre o Lucro

CTN – Código Tributário Nacional

DRU – Desvinculação das Receitas da União

EC – Emenda Constitucional

FUST – Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações

FUNTTEL - Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações

IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e EstatísticaLC - Lei Complementar 

MS - Mandado de Segurança

MP – Medida Provisória

PET - Petição (STF)

PIS – Programa de Integração Social

RE – Recurso Extraordinário

REsp – Recurso Especial

RMS – Recurso Ordinário em Mandado de Segurança

STA – Supremo Tribunal Administrativo

STJ – Superior Tribunal de Justiça

STF – Supremo Tribunal Federal

TCFA - Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental

TC – Tribunal Constitucional Português

UFPR – Universidade Federal do Paraná

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO....................................................................................... 11

2. OS DEVERES FUNDAMENTAIS: UM TEMA ESQUECIDO NO DEBATECONSTITUCIONAL BRASILEIRO................................................................. 15 2.1. Introdução............................................................................................... 152.2. O unilateralismo dos direitos fundamentais........................................ 162.3. Os deveres fundamentais: evolução e importância no cenário jurídicoatual........................................................................................................................ 192.4. Os deveres fundamentais e a busca por sua autonomia..................... 252.4.1 Suporte fático restrito e amplo dos Direitos Fundamentais: a influência das

teorias interna e externa no debate dos deveres fundamentais............................ 25 2.4.2 A tese de Vieira de Andrade: limites imanentes e possibilidade de restrição legal 

aos direitos fundamentais..................................................................................... 312.4.3. Deveres fundamentais: restrições ou limites imanentes aos direitos

 fundamentais? ........................................................................................................ 342.4.4. As possíveis relações entre os deveres fundamentais e os direitos fundamentais.................................................................................................................................  392.4.5. Ideia central dos deveres fundamentais..................................................  442.5. Características dos deveres fundamentais............................................ 45 2.5.1. Posições jurídicas passivas....................................................................... 452.5.2 Deveres fundamentais e intervenção do Estado na propriedade............ 472.5.3. Dever de pagar impostos: uma situação de sujeição ou uma posição necessária

e essencial para a sociedade e para o Estado?...................................................... 512.5.4 Universalidade e generalidade como características dos deveres fundamentais................................................................................................................................. 552.6. Tipologia dos deveres fundamentais...................................................... 59 2.6.1. Deveres positivos e deveres negativos...................................................... 60 2.6.2. Deveres autônomos e deveres não autônomos........................................ 61 2.6.3. Os deveres e sua relação com os deveres fundamentais......................... 63 2.7. Os titulares ativos e os destinatários passivos dos deveres fundamentais 692.8. A participação do Poder Legislativo na concretização dos deveresfundamentais.......................................................................................................... 72 2.9. A importância do tema........................................................................... 79

3 - O DEVER FUNDAMENTAL DE PAGAR IMPOSTOS NA OBRA DE JOSÉCASALTA NABAIS.............................................................................................. 81 3.1. Introdução................................................................................................ 81 3.2. Estado Fiscal e Dever Fundamental de pagar tributos: uma nova visão darelação jurídica tributária..................................................................................... 82 3.3. Dever fundamental de pagar impostos e não tributos: o entendimento de JoséCasalta Nabais....................................................................................................... 86 3.3.1. A importância do imposto no Estado Democrático de Direito............... 87 3.3.2 Estado Fiscal não é Estado suportado por tributos bilaterais................ 90 

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3.4. A face fiscal do Estado Democrático de Direito.................................... 91 3.5. Há mudanças na visão do fenômeno tributário em razão da característica dotributo como dever fundamental?........................................................................ 94 3.5.1 A preocupação com o tamanho da carga fiscal no Estado Democrático: O

 Estado Fiscal necessita e garante a livre iniciativa e a economia de mercado.... 95 

3.5.2. A existência do dever fundamental de pagar impostos não significa que o Poder Tributário não tenha limites.................................................................................. 100 3.5.3.   A crítica à legalidade e a possibilidade de haver conceitos indeterminados  103 3.5.4. A luta contra a fraude à lei tributária...................................................... 106 3.5.5. Analogia e Direito Tributário.................................................................. 110 3.5.6. A segurança jurídica e a necessidade de proteção da boa-fé do contribuinte 112 3.5.7 A preocupação com a igualdade................................................................ 1153.5.8. Capacidade contributiva e sua ligação com a igualdade.......................... 1173.5.9. Tributação, eficiência e praticidade.......................................................... 1223.5.10. Até onde os direitos, liberdades e garantias fundamentais limitam o poder detributar?.................................................................................................................... 125 3.5.11. O Estado Social e sua influência no conteúdo normativo do dever fundamental 

de pagar impostos......................................................................................................... 1373.5.12. Coerência e unidade sistêmica.................................................................. 1413.5.12.1. A flexibilização do sigilo bancário para a Administração Tributária.. 1433.5.13 Extrafiscalidade e sua importância no Estado Democrático de Direito.. 1493.6. Conclusão................................................................................................... 153 

4. O DEVER FUNDAMENTAL DE PAGAR TRIBUTOS NO BRASIL  1564.1. Introdução................................................................................................. 1564.2. Influências da Constituição Portuguesa e Espanhola sobre o textoconstitucional brasileiro promulgado em 1988.................................................... 1564.3. O Estado Brasileiro como Estado Fiscal............................................... 1704.4. O perfil do dever fundamental de pagar tributos.................................. 177 4.5. Interesse público, interesse da arrecadação e o dever fundamental de pagartributos: as críticas feitas por Raquel Cavalcanti Ramos Machado.................. 182 4.6. O princípio da solidariedade................................................................... 1884.7 Dever fundamental como referencial teórico: a leitura integral do textoconstitucional......................................................................................................... 1944.8 . O alcance dos princípios na interpretação tributária: algumas consideraçõesfrente as correntes doutrinárias brasileiras........................................................ 202 4.8.1. A posição da professora Misabel Derzi ................................................... 2044.8.2. A posição de Raquel Machado................................................................ 207 

4.8.3 Posições mais extremadas........................................................................ 2074.8.3.1. Ives Gandra da Silva Martins e Hugo de Brito Machado..................... 207 4.8.3.2. Sacha Calmon Navarro Coelho............................................................... 211 4.8.4. Autores que trataram com mais profundidade o dever fundamental de pagar 

tributos: Marciano Buffon e Maria Luíza Pessoa Vianna de Mendonça............ 214 4.8.5. Nossa visão: a busca por um pensamento mais harmônico e coerente do textoconstitucional ......................................................................................................... 218 

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5. A QUESTÃO DO SIGILO BANCÁRIO E SUA OPONIBILIDADE AOFISCO..................................................................................................................... 221 5.1 Algumas considerações sobre a LC 105/2001....................................... 221 5.2. A posição da doutrina pátria tradicional............................................... 225 5.3. A posição do Supremo Tribunal Federal............................................... 227 

5.3.1. A recente manifestação do Supremo Tribunal Federal: RE 389.808 (caso GVA), julgado em dezembro de 2010................................................................................ 231 5.3.1.1. Ministro Marco Aurélio.......................................................................... 234 5.3.1.2. Ministro Dias Toffoli............................................................................... 236 5.3.1.3. Ministra Cármen Lúcia.......................................................................... 2365.3.1.4. Ministro Ricardo Lewandowski............................................................. 2375.3.1.5. Ministro Carlos Ayres Britto.................................................................. 2375.3.1.6. Ministro Gilmar Mendes........................................................................ 2385.3.1.7. Ministra Ellen Gracie.............................................................................. 240 5.3.1.8. Ministro Celso de Mello.......................................................................... 2435.3.1.9. Ministro Cézar Peluso............................................................................. 2435.4. Intimidade e privacidade: proteção constitucional relativa e que não só admite

como impõe diferentes graus de intervenção estatal.......................................... 2445.5. O dever fundamental de pagar tributos como referencial constitucionalnecessário de ser considerado no âmbito normativo do direito à intimidade eprivacidade............................................................................................................ 2525.6. A experiência espanhola e a importância do Direito Comparado...... 261

6. CONCLUSÃO......................................................................................... 266

REFERÊNCIAS..................................................................................................... 270

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1. INTRODUÇÃO

Atualmente, diversos temas de Direito Tributário estão em voga na discussão

doutrinária e na jurisprudência pátria, especialmente dos Tribunais Superiores. Uma rápida

 pesquisa no sítio do STF na internet demonstra que a matéria tributária é alvo de diversos

 processos, sendo discutida tanto em grau de recurso extraordinário (controle difuso) como em

ações diretas e declaratórias de constitucionalidade (controle concentrado). É comum também

vermos nos jornais e nos boletins de jurisprudência notícias de julgamentos de relevância

nacional envolvendo a matéria tributária.

A presente dissertação de mestrado busca contribuir na investigação de um tema que,

no âmbito nacional, vem sendo pouco estudado, qual seja o dever fundamental de pagar tributos.

Falar em dever fundamental de pagar tributos muitas vezes soa como uma tese

 fiscalista  para parte da doutrina tradicional brasileira. Outra parte da dogmática jurídica

manifesta claras reservas em relação à adoção de tal tese.

Diante desse quadro, o objetivo deste trabalho é justamente pesquisar os deveres

fundamentais e procurar desmitificar tal termo, trazendo argumentos no sentido de comprovar 

que o dever fundamental de pagar tributo existe no texto constitucional brasileiro e que não é

sinônimo de tributação desmedida ou que não observa os direitos dos contribuintes.Buscamos demonstrar que a adoção dessa tese gera consequências práticas na

interpretação e no estudo dos institutos do Direito Tributário 1, sendo que não se trata de

apenas um nome mais “pomposo” para tratar o fenômeno tributário.

Apesar de haver outras tantas questões de igual importância, nós nos propusemos a

estudar com mais profundidade, como uma das consequências práticas da adoção dessa tese, a

 possível e necessária flexibilização do sigilo bancário frente à administração tributária. Com

 base no referencial dogmático e jurisprudencial, nos filiamos à tese de que a administração

tributária pode obter diretamente – ou seja, sem a intervenção prévia do Poder Judiciário – 

informações resguardadas em segredo pelas instituições financeiras.

1 Como, por exemplo, no estudo do controle dos planejamentos tributários, nos meios de fiscalização daadministração tributária, na utilização de meios para simplificar a tributação, (praticidade), na exigência de umatributação progressiva ou regressiva, no controle dos gastos públicos, entre outros.

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O nosso interesse pelo tema dos deveres fundamentais não é recente, mas foi se

desenvolvendo com o tempo, especialmente após as leituras das obras do Professor  José

Casalta Nabais – responsável pelo estudo do tema em Portugal -, do Professor  Marco Aurélio

Greco – pioneiro ao criticar as visões dogmáticas tradicionais brasileiras e mostrar que a

Constituição Federal conferiu novo enfoque ao Direito Tributário – e do Professor  Marciano

Seabra de Godoi - cujos textos salientam, entre outras coisas, a importância do tributo na

realização e concretização dos direitos fundamentais.

 No caso da presente dissertação, iniciamos nossa pesquisa centrada na obra de José

Casalta Nabais, especialmente na sua tese de doutorado denominada  Dever fundamental de

 pagar impostos. O Professor da Faculdade de Direito de Coimbra possui obra pioneira sobre o

assunto, sempre citada pelos doutrinadores nacionais e estrangeiros que se dispuseram a

estudar o tema, tendo também influenciado a jurisprudência dos Tribunais Portugueses.Assim, o item n.º 2 desse trabalho busca investigar o que são os deveres

fundamentais como  gênero, justamente para compreender sua relação com a tributação.

Entendemos necessária essa investigação prévia, pois o próprio instituto dos deveres

 fundamentais é muito pouco estudado pela doutrina do Direito Constitucional brasileiro, que

está focada principalmente no debate que envolve apenas os direitos fundamentais.

 No item nº 3, buscamos demonstrar quais foram as teses lançadas por Casalta

 Nabais, bem como mostrar a posição do citado autor em diversos temas concretos do Direito

Tributário e que são debatidos também pela doutrina e jurisprudência pátria.Apesar de nos focarmos na obra de Nabais, tanto no segundo como no terceiro item,

estudamos também outros doutrinadores estrangeiros (especialmente portugueses e espanhóis)

e brasileiros que possuem entendimento similar ou contrário a temas do Direito Tributário que

foram expostos por Nabais ao longo de sua obra.

Prosseguindo, no item nº 4, buscamos argumentar que o texto constitucional

 brasileiro reconhece a existência de um dever fundamental de pagar tributos e que várias teses

trazidas por Nabais se aplicam ao Direito Tributário brasileiro.

 Neste capítulo aprofundamos o estudo de como o direito e o fenômeno tributário são

estudados no Brasil, descrevendo e explicando não só a visão adotada por parte da doutrina

 brasileira que não trata do tema, como também a que é contrária à adoção do dever 

fundamental de pagar tributos, e, por fim, a pequena parcela de autores nacionais que é

 favorável a essa tese.

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 Nessa linha de entendimento, buscamos aduzir argumentos no sentido de que o

Direito Tributário não deve ser visto ou interpretado de forma apartada e isolada, mas, ao

contrário, de forma sistêmica e dentro do contexto constitucional atual.

Enfocamos também no item n.º 4 a importância do princípio da solidariedade, como

norma jurídica e referencial teórico necessário de ser considerado quando da interpretação de

dispositivos constitucionais que veiculam matéria tributária. Nesse ponto, demos grande

atenção à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

 No item nº 5, tratamos do sigilo bancário e sua oponibilidade à administração

tributária. Entendemos que a adoção do dever fundamental de pagar tributos é um referencial

teórico muito importante e que afasta a interpretação tradicional no sentido de impedir à

administração tributária o acesso direto aos dados resguardados com o sigilo bancário.

Preferimos estudar tal questão em razão da sua atualidade – o tema não está definidono STF, apesar de ter sido debatido recentemente no Plenário – bem como em face das

consequências práticas que lhe são inerentes.

 Nesse capítulo, procuramos trabalhar os aspectos doutrinários e jurisprudenciais do

tema (com foco na jurisprudência do STF) antes de entrar na discussão de se a adoção de um

dever fundamental de pagar tributo gera consequências na compreensão do sigilo bancário e

nos limites ao direito fundamental da intimidade e privacidade.

Cumpre ressaltar que em todos os capítulos procuramos não só enfatizar o

entendimento doutrinário sobre a matéria discutida, mas também demos importância capitalao entendimento da jurisprudência dos Tribunais Constitucionais, não só brasileiro, mas

também de Portugal e da Espanha. No caso de Portugal, em razão da sua importância no

contexto português, indicamos também a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.

Entendemos que compreender o entendimento jurisprudencial é tão importante como

saber a posição de determinado autor sobre a matéria. A Jurisprudência Constitucional, mais

do que nunca, possui grande importância na compreensão do Direito. Cabe à doutrina

trabalhar cada vez mais com tal referencial, seja para criticar, seja para demonstrar o seu

acerto. Atualmente, é difícil que um estudo acadêmico sério envolvendo o Direito Tributário -

especialmente quando trate de matéria constitucional - não trabalhe também o entendimento

 jurisprudencial dos Tribunais Superiores (STF, principalmente) sobre determinada matéria,

explicando os pressupostos fáticos e jurídicos que motivaram determinada decisão.

De outro lado, no curso do trabalho, procuramos demonstrar que as Constituições

Portuguesa e Espanhola influenciaram o trabalho da Assembléia Constituinte bem como o

texto final aprovado em 1988. Em face disso, o presente estudo pautou-se também no Direito

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Comparado, como método necessário para compreendermos melhor nosso texto

constitucional.

Ao final (item n.º 6), formulamos nossas conclusões, reconhecendo a importância do

dever fundamental de pagar tributos e a adoção no Brasil de algumas das teses defendidas por 

Casalta Nabais.

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2 - OS DEVERES FUNDAMENTAIS: UM TEMA ESQUECIDO NO DEBATE

CONSTITUCIONAL BRASILEIRO

2.1. Introdução

Mendonça (2002, p. 174) conceitua os deveres fundamentais como “situações

 jurídicas de imposição de comportamentos às pessoas, aos membros da comunidade política;

não constituem deveres do homem como homem, mas do homem perante o Estado e derivam

do seu estatuto básico, a Constituição.” Esses deveres expressam a responsabilidade

comunitária dos indivíduos e possuem como objetivo a existência e manutenção dacomunidade e do Estado.

O tema dos deveres fundamentais é pouco debatido pela doutrina brasileira. A ênfase

dada à matéria é maior na doutrina europeia, especialmente em obras alemãs, italianas,

 portuguesas e espanholas, como bem anota Vieira de Andrade. Segundo este professor 

 português, “é extensíssima a bibliografia relativa aos deveres fundamentais.”  (ANDRADE,

2009, p. 150, nota 107), sendo que o autor indica vários textos de autores alemães, italianos e

 portugueses. Algumas das obras indicadas por Vieira de Andrade também constam nos

trabalhos de Canotilho (2003, p. 536) e de Nabais (2004, p. 15-16). Em língua portuguesa,não há dúvida que a obra de José Casalta Nabais é a mais completa sobre o tema. Em sua tese

de doutorado 2, o professor da Faculdade de Coimbra dedica mais de 160 páginas ao estudo

do tema dos deveres fundamentais. Isso sem mencionar que tal tema é constantemente posto

em discussão em outros artigos acadêmicos do mesmo autor. 3 

 No Brasil, contudo, tal tema é pouco tratado, mesmo em obras de grande relevo.

Sarlet (2008, p. 240-245), por exemplo, trata da questão em poucas páginas, sintetizando

apenas suas ideias principais. Da mesma forma seguem Dimoulis e Martins (2008, p. 76-80).

José Adércio Leite Sampaio (2004a) não traz qualquer consideração sobre o tema. Jane Reis

Gonçalves Pereira (2006), por sua vez, em livro destinado ao estudo da interpretação

constitucional dos direitos fundamentais, tampouco aborda esta matéria. Virgílio Afonso da

Silva (2009), em obra que trata das limitações e restrições aos direitos fundamentais e é

2 O Dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 2004.3 Vide as coletâneas de artigos publicadas em Nabais (2005) e Nabais (2007). Nesta última obra, o autor tambéminseriu um capítulo sobre os deveres fundamentais, publicado originalmente na sua tese de doutorado.

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amparada no pensamento de Alexy, também não trata do tema. Por fim, Felipe de Paula

(2010, p. 150-151 e nota 368), em obra que trata da (de)limitação dos Direitos Fundamentais

e que foca principalmente as lições de Reis Novaes, Vieira de Andrade e de Virgílio Afonso

da Silva, apenas consigna o nome e a obra de Casalta Nabais para demonstrar que este último

se alinha a uma teoria restrita do suporte fático dos direitos fundamentais, ao defender a

existência de “limites imanentes”. 4 

Em geral, no Brasil, quando o tema dos deveres fundamentais é versado em algum

texto acadêmico, os autores se apegam à referida obra de José Casalta Nabais e o tratam, em

regra, como pano de fundo para a discussão de algum dever fundamental específico.

Assim, por exemplo, na seara tributária, o dever fundamental de pagar tributo é

tratado na obra de Marciano Buffon (2009) e em tese de doutorado de autoria de Maria Luíza

Vianna Pessoa de Mendonça (2002), tendo esta autora sintetizado em sua tese a teoria geralelaborada por Casalta Nabais. 5 

 Na Espanha também há tese de doutorado desenvolvida sobre o tema 6, sendo que na

 primeira parte desta obra a autora trata do tema geral dos deveres fundamentais, apoiando-se

em vasta doutrina espanhola, bem como em Casalta Nabais. Por sua vez, no campo do direito

ambiental, há obras que enfatizam o dever fundamental de proteção ambiental. 7 

2.2. O unilateralismo dos direitos fundamentais

 Nabais (2004, p. 15-16) constata que o debate sobre os direitos fundamentais foi o

centro de todo o constitucionalismo moderno, especialmente após a Segunda Guerra

Mundial.8 Para ele, o tema dos deveres está inserido no escasso desenvolvimento teórico e

dogmático das chamadas “situações jurídicas passivas” no direito público atual. Na verdade, o

debate sobre a luta pelos direitos é muito mais forte e simpático aos indivíduos do que

4 Esse tema será visto mais à frente, em tópico específico.5 Mendonça publicou posteriormente (MENDONÇA, 2006) um artigo sobre o tema que reflete parte de sua tesede doutorado, no qual resume a matéria dos deveres fundamentais aplicada ao Direito Tributário.6 CHULVI, Cristina Pauner. El deber constitucional de contribuir al sostenimiento de los gastos públicos.Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2001. Uma cópia dessa tese de doutorado, defendidaem 2000 perante a Facultad de Ciencias Jurídicas y Económicas da Universitat Jaume I, está disponível nainternet <http://www.tesisenxarxa.net/TESIS_UJI/AVAILABLE/TDX-0730108-120005//pauner.pdf> Acessoem 15/01/2010.7 Vide Ruschel (2007, p. 231-266). Essa autora noticia a obra de MEDEIROS, Fernanda. Meio ambiente:direito e dever fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.8 Nesse sentido, Canotilho (2003, p. 531); Martinez (2009, p. 271-273); Chulvi (2001, p. 37-38).

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questionamentos sobre sujeições, obrigações ou deveres destes frente ao Estado ou à

comunidade, entendimento que também é seguido por Robles (2005, p. 17-18). 9 

A influência liberal levou à formação de um pensamento em que a liberdade

individual tinha prioridade sobre a responsabilidade comunitária (NABAIS, 2004, p. 16;

 NABAIS, 2007, p. 109; ROBLES, 2005, p. 18-24). Assim, os indivíduos seriam apenas

titulares de direitos subjetivos, sendo que os deveres seriam apenas de titularidade do Poder 

Público.

Outro fator teve grande influência nesta primazia da liberdade: boa parte das

Constituições europeias foi promulgada após a queda de regimes totalitários que, em grande

 parte, limitaram ou reduziram drasticamente os direitos individuais e priorizaram a sujeição

do cidadão ao Estado.

A reação a tal fenômeno foi a incessante busca pela proteção dos direitosfundamentais. Apesar de algumas Constituições possuírem o termo dever ou deveres inseridos

em algum título no texto constitucional, é certo que o grau de detalhamento e refinamento

dado ao tema dos direitos individuais fez com que praticamente se esquecesse que o tema

sobre os deveres existe e possui base constitucional. 10 

Gregorio Robles (2005, p. 17) assinala que o exame autônomo dos direitos, sem

qualquer vínculo com os deveres, é típico da mentalidade oitocentista. Crítico ferrenho da

defesa de uma ideologia liberal a ser aplicada no presente contexto social e jurídico, Robles

acentua que “não faz sentido pretender, como é comum, fundamentar os direitos humanossem fazê-los corresponder aos deveres e valores morais.” Para ele, não existe homem e depois

sociedade, sendo a tese contratualista uma total ficção. O homem real é social, pois é gerado a

 partir de um homem e uma mulher e depende sempre de um ser semelhante, ou de um grupo,

mesmo que seja aquele de menor porte, como a família (ROBLES, 2005, p. 32-33). 11 Sobre

essa questão, merece ser transcrito trecho da obra de Nabais:

9 “Um fato social palpável é que na sociedade de nossos dias o sentimento do dever é obscuro, com frequênciaextinto, enquanto seu oposto, o sentimento reivindicativo, alcança as maiores cotas de intensidade. Sob um pontode vista ético esse fenômeno se traduz em um decréscimo da solidariedade e em uma justificação dohedonismo.” (ROBLES, 2005, p. 18).10 A própria Constituição da República do Brasil de 1988 possui um capítulo denominado “Dos direitos edeveres individuais e coletivos”, inserido no Título sobre “Direitos e Garantias Fundamentais”, que se inicia noart. 5º. A Constituição de Portugal, de 1976, também possui um título denominado “Direitos e DeveresFundamentais” (art. 12 em diante). A Constituição Espanhola, de 1978, também segue este modelo, tendo umtítulo denominado  De los derechos y deberes fundamentales (artigo 10 em diante). Nabais (2004, p. 18-20)consigna que a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, de 1949, diferentemente, não emprega, emnenhum momento ao longo de seu texto, a expressão dever fundamental .11 “O homem carrega a sociedade dentro de si mesmo; o homem é sociedade. Mesmo quando acredita estar contra ela, não deixa de ser sociedade. Essa se erige sempre em seu referencial – para ele acatá-la ou atacá-la – eem sua própria essência pessoal. Por todas essas razões, é necessário compreender que não faz sentido estudar o

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Mas, embora de uma maneira menos ostensiva do que a verificada na Alemanha, oesquecimento dos deveres fundamentais também é visível na generalidade dos países a cujos sistemas constitucionais vimos aludindo. Isto verifica-se desde logo,ao nível dos próprios textos constitucionais. Com efeito estes, não obstante referiremos deveres ao lado dos direitos fundamentais na própria epígrafe a que subordinam a parte, título ou capítulo relativo ao que podemos designar por “(sub)constituição do

indivíduo”, de conterem numerosos e diversos deveres fundamentais, ou de preverem mesmo um dever genérico dos cidadãos à solidariedade política,económica e social (art. 2º da Constituição Italiana) ou ao respeito da constituição edo ordenamento jurídico (art. 9º, nº 1, da Constituição Espanhola), estão longe dededicarem aos deveres fundamentais um tratamento minimamente comparável aodispensado aos direitos fundamentais. Neste confronto sobressai sobretudo o factode os deveres fundamentais, para além de não serem objecto de qualquer enumeração ou sistematização, não disporem de um regime constitucional(mentetraçado) minimamente parecido com o previsto para os direitos (maxime, para osdireitos fundamentais em sentido estrito ou os, entre nós, designados ‘direitos,liberdades e garantias’). (NABAIS, 2004, 22-23).

Isso é visível na Constituição Brasileira de 1988. Como anota Mendonça (2002, p.

175), embora o título do “Capítulo I” seja “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”,

não há um tratamento sistemático de deveres, nem mesmo uma simples enumeração dos

mesmos. No texto constitucional brasileiro, o que há são deveres específicos, indicados em

outros dispositivos, de forma assistemática e espalhada, como, por exemplo, o dever dos pais

e da família de educarem os filhos (art. 205, 227 e 229, CF/88), o dever de todos de preservar 

e defender o meio ambiente (art. 225), ou mesmo o dever de prestar serviço militar (art. 143,

CF/88).

Para Nabais (2004, p. 24/27), os deveres fundamentais originalmente eram vistos

apenas como limites dos direitos fundamentais, o que dispensaria seu tratamento e estudo

autônomo. O citado professor critica tal posição, associada à ideologia liberal e que tinha

como base uma separação estanque entre sociedade e Estado. Reconhecia-se uma série de

direitos fundamentais pré-estatais e, pela via de uma repartição de competências, os poderes

do Estado eram limitados. 12 Como bem assinalam Moreira e Canotilho (1991, p. 102), “uma

concepção liberal de direitos fundamentais enquadra mal a equiparação constitucional dos

deveres fundamentais do cidadão aos direitos fundamentais e sua ligação orgânica com ele.”

É certo que uma repartição de poderes, contudo, não seria suficiente para explicar 

 por que o tema dos deveres fundamentais permaneceu no ostracismo. A ideia de repartição de

 poderes é ínsita à gênese do Estado de Direito e necessária para sua realização, seja qual for a

ser humano na idealização de uma situação associal, como o estado de natureza criado pelos jusnaturalistas daIlustração, um estado em que não é possível pensar que os homens foram homens.” (ROBLES, 2005, p. 34).12 José Carlos Vieira de Andrade (2009, p. 150-151) consigna também que “a concepção dos direitosfundamentais como poderes individuais contra o Estado não seria, de facto, suficiente nem adequada paraexprimir juridicamente as relações entre os cidadãos e os poderes públicos: àqueles não caberiam apenas direitosnem a estes meros deveres.”

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forma que o mesmo assuma. Os direitos não são limitados apenas por razões subjetivas

(“minha liberdade termina onde a do outro começa”), mas por outras exigências, inspiradas

em valores comunitários previstos no texto constitucional (solidariedade, por exemplo), que

legitimam o estudo e o tratamento autônomo dos deveres fundamentais. Para Nabais, o

homem atual:

[…] não é um mero indivíduo isolado ou solitário, mas sim uma pessoa solidária emtermos sociais, constituindo precisamente esta referência e vinculação sociais doindivíduo – que faz deste um ser ao mesmo tempo livre e responsável – a base doentendimento da ordem constitucional assente no princípio da repartição ou daliberdade como uma ordem simultânea e necessariamente de liberdade eresponsabilidade, ou seja, de uma ordem de liberdade limitada pelaresponsabilidade. Enfim, um sistema que confere primazia, mas não exclusividade,aos direitos face aos deveres fundamentais, ou, socorrendo-nos de  K. Stern, umsistema em que os direitos fundamentais constituem a essência da liberdade e osdeveres fundamentais o seu correctivo. (NABAIS, 2004, p. 31).

Merece ser advertido de que a posição de K. Stern, indicada por Nabais no trecho

acima, deve ser lida com certa cautela, pois ela pode soar contraditória. Talvez a melhor 

interpretação ao trecho citado seja no sentido de que os deveres fundamentais podem figurar 

como corretivo de algum exercício abusivo do direito de liberdade.

Por outro lado, também não é possível aceitar a tese que realça de tal forma os

deveres fundamentais de modo que estes acabam reduzindo o conteúdo dos direitos

fundamentais a meras funções, concepção esta vinculada à ideologia marxista (NABAIS,

2007, p. 32-33). O que um regime democrático exige é justamente a composição entre as duas

ideias, evitando os extremismos. A necessidade de uma análise de complementaridade foi

feita recentemente por Martínez (2009, p. 273), que busca justamente ver os deveres como

forma de compreender os direitos, pois estes (os direitos) exigem aqueles (os deveres) como

instrumentos essenciais para sua eficácia, não devendo ser vistos como categorias opostas,

mas que demandam uma aplicação conjunta.

2.3. Os deveres fundamentais: evolução e importância no cenário jurídico atual

A evolução histórica dos deveres fundamentais também comprova que o tema é,

hoje, de maior importância que anteriormente. Como assevera Canotilho (2003, p. 531),

 passado o pós-guerra e o trauma com governos autoritários e ingressando em momento de

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redemocratização, é cabível uma nova problematização dessa “importante categoria jurídica e

 política”. E ao se perguntar o que significam os deveres fundamentais em um Estado

Democrático de Direito, acentua o renomado professor que:

Significam, em primeiro lugar, que eles colocam, tal como os direitos, problemas dearticulação e de relação do indivíduo com a comunidade. Compreende-se, nestecontexto, que a Parte I da Constituição da República tenha como epígrafe ‘Direitos edeveres fundamentais’ e que o art. 12º consagre o princípio da universalidade quer quanto a direitos, quer quanto a deveres: ‘todos os cidadãos gozam dos direitos eestão sujeitos aos deveres consignados na Constituição. (CANOTILHO, 2003, p.531-532).

Se em um primeiro momento os deveres fundamentais se restringiam ao de defesa da

 pátria e ao de pagar impostos, com a evolução dos direitos fundamentais e a correspondente

“onda de gerações”, o número de deveres aumentou. 13 

Afinal, em um primeiro instante, existiu uma compreensão do indivíduo e do cidadão

menos empenhado nos afazeres da comunidade do que a mesma concepção nos estágios do

Estado Social e mais ainda no Estado Democrático do pós-guerra. As novas dimensões dos

direitos (sociais e ecológicos, especialmente) passam a demandar não só prestações

“positivas” do Estado, mas também expressam novas exigências contra o indivíduo face ao

Estado e à comunidade. (NABAIS, 2004, p. 49-51).

Assim, deveres como de proteção do meio ambiente 14 e do patrimônio cultural 15, ou

mesmo de educação dos filhos por parte dos pais16

, o dever da família de amparo às crianças, jovens e adolescentes 17 e o dever de cuidar dos idosos 18 são frutos da própria consolidação

dos direitos fundamentais.

13 Cristina Chulvi deixa claro que “de forma similar a lo que ocurre con los derechos fundamentales, podemosafirmar que existe una relación directa entre el reconocimiento constitucional de distintos tipos de deberes y elmodelo estatal vigente en el tiempo de su constitucionalización.” (CHULVI, 2001, p. 45).14 Art. 225, CF/88: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.” (BRASIL, 1988).15 Art. 216, § 1º, CF/88: “O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e deoutras formas de acautelamento e preservação.” (BRASIL, 1988).16 Art. 205, CF/88: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivadacom a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício dacidadania e sua qualificação para o trabalho.” (BRASIL, 1988).Art. 229, CF/88: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm odever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.” (BRASIL, 1988).17 Art. 227, CF/88: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem,com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, àcultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvode toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” (BRASIL, 1988).

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É por isso que Nabais (2004, p. 54)  conclui que “o ‘catálogo’ dos deveres

fundamentais foi-se alargando dos clássicos deveres do Estado liberal aos deveres políticos,

aos deveres económicos, sociais e culturais e aos deveres ‘ecológicos’ do actual estado social

[…].”

Realmente, como anota Chulvi (2001, p. 45-46), a evolução dos direitos levou

também à evolução dos deveres, sendo que é frequente em diversas cartas internacionais de

direitos (Declaração Universal dos Direitos Humanos, Declaração Americana dos Direitos e

Deveres do Homem, entre outras) a previsão também de deveres gerais frente à comunidade.19 Contudo, esses pactos internacionais não chegam a especificar concretamente quais seriam

esses deveres, especificando-os ou determinando-os. Há, em regra, apenas uma cláusula geral

de deverosidade social .

Como exemplo, o artigo 29, n. 1, da Declaração Universal dos Direitos Humanos prevê que “toda pessoa tem deveres em relação à comunidade uma vez que somente nela pode

desenvolver livre e plenamente a sua personalidade.”

Da mesma forma, no preâmbulo do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos20 consta a seguinte afirmativa: “Compreendendo que o indivíduo, por ter deveres quanto aos

outros indivíduos e à comunidade a que pertence, tem a obrigação de se esforçar pela

consecução e observância dos direitos reconhecidos neste Pacto […]”.

Ainda, no Pacto de São José da Costa Rica, que versa sobre a Convenção Americana

dos Direitos Humanos, consta no item 32, referente à correlação entre deveres e direitos, que“toda pessoa tem deveres para com a família, a comunidade e a humanidade” e que “os

direitos de cada pessoa são limitados pelos direitos dos demais, pela segurança de todos e

 pelas justas exigências do bem comum, em uma sociedade democrática.”

Chulvi (2001, p. 36-39) diferencia obrigação de dever, acentuando que o primeiro

termo se refere a alguma situação concreta, existente em uma relação jurídica travada entre as

 partes, em que se prevê um comportamento específico e necessário para realizar o interesse de

outrem, ao passo que se entende por dever comportamentos mais genéricos, sem o caráter de

individualidade e sem estar vinculado a uma relação jurídica concreta.

18 Art. 230, CF/88: “A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurandosua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.”(BRASIL, 1988). 19 Nesse sentido, vide Canotilho (2003, p. 532).20 Esse Pacto foi adotado pela XXI Sessão da Assembléia-Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966e passou a integrar a legislação brasileira quando da edição do Decreto 592, de 06 de julho de 1992.

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Em razão disso, a autora consigna que é correto afirmar que o texto constitucional

impõe aos cidadãos deveres que, através da intermediação da lei infraconstitucional, tornam-

se obrigações específicas. 21 

Como forma de reação ao exclusivismo dos direitos fundamentais e justamente para

combater a ênfase retórica e superlativa deste discurso – que leva ao que o autor chama de

 jusfundamentalismo  – Nabais chega a formular algumas “frases de efeito” como “menos

direitos fundamentais, em nome dos direitos fundamentais” ou “menos direitos fundamentais,

melhores direitos fundamentais.” (NABAIS, 2007, p. 87-88).

O que o mencionado professor busca criticar é justamente algumas ideias que

defendem a tese de que uma pessoa possui determinado direito a qualquer pretensão

simplesmente porque tal direito está descrito em um dispositivo do texto constitucional, o que

faz com que essas teses, ao contrário de fortalecer a defesa dos direitos fundamentais, levemao sentido oposto, qual seja, banalizem os direitos fundamentais e os tornem meros

instrumentos de retórica, destituídos de conteúdo e eficácia.

 No contexto brasileiro, por exemplo, essa crítica caberia àqueles que defendem que

uma pessoa possui direito subjetivo a exigir do Estado que lhe forneça gratuitamente uma

residência simplesmente porque o art. 6º da CF/88 reconhece a moradia como direito social 22.

Ou, ainda, a pretensão de alguém exigir do Judiciário que condene seu empregador a lhe

 pagar a título de salário-mínimo um valor superior ao fixado na lei, pois este, segundo o art.

7º, IV, da CF/88, deve atender às necessidades básicas do trabalhador e de sua família,incluindo as despesas com moradia, alimentação, educação, lazer, entre outros direitos. Isso

sem esquecer outros direitos sociais que, por também envolverem prestações materiais e a

necessária intervenção legislativa, não são direitos absolutos, não sendo, assim, possível sua

aplicação automática simplesmente em razão do seu status constitucional . 23 

Cruz (2008, p. 131-132) nos alerta sobre a questão da atuação desmedida (beirando o

ativismo) do Poder Judiciário, que acaba por amparar esse jusfundamentalismo combatido por 

 Nabais. Após mencionar uma decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina que entendeu

que o direito à saúde, garantido na Constituição, seria suficiente para ordenar ao Estado o

custeio de tratamento ainda experimental, sem comprovação de sua eficácia, nos Estados

21 “Puede afirmarse que la Constitución impone a los ciudadanos deveres que, com la mediación de la ley, seconcretan em obligaciones específicas.” (CHULVI, ob. cit. p. 39). 22 “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma destaConstituição.”23 Isso, contudo, não retira sua eficácia como norma jurídica, com bem se sabe. Sobre a eficácia das normas jurídicas, inclusive as programáticas, vide Barroso (2000), Canotilho (2003) e Sarlet (2008).

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Unidos, de menor vítima de uma distrofia muscular, de origem genética, ao custo de US$

163.000,00, o autor assim consigna:

O caso acima demonstra um velho ditado: ‘o inferno está cheio de boas intenções!’.

Ora, será vedado ao magistrado examinar questões orçamentárias? O direito à saúdeé absoluto? O Estado está sempre obrigado de fornecer assistência à população, nãoimporta o custo? Será que no papel cabe tudo? Será que os direitos nascem emárvores ou caem do céu? Será que a caneta do juiz se parece com a varinha de HarryPotter? […] Entendemos que os operadores do Direito devam se debruçar sobre taisquestões de modo que a efetivação dos direitos sociais não se torne um merodiscurso retórico de boas intenções. […] É preciso que o magistrado saiba quegarantir a entrega gratuita de um Interferon Peguilado para um paciente podeimportar na paralisação de obras para saneamento básico. Ou seja, o cobertor é curto[…] A compreensão de que a alocação de recursos – quando não há previsãoconstitucional ou legal de aplicação de percentual mínimo – deve ser, no mínimocompartilhada com  os Poderes Legislativo e Executivo seria um excesso? Dessemodo, condenamos tanto a postura positivista/formalista que propugna uma completainércia quanto a tais questões, mas, de outro lado, tampouco acatamos o incentivo ao

engajamento dos operadores do Direito sem um exame criterioso de todo umuniverso de problemas vinculados à concretização de direitos fundamentais. (CRUZ,2008, 131-132) 

De qualquer forma, a crítica de Nabais visa justamente a reforçar a importância dos

direitos fundamentais e sua primazia – mas não exclusivismo - frente aos deveres.

 Nabais também deixa claro que não aceita uma teoria comunitarista, em que se

colocaria a comunidade sempre à frente do indivíduo e em que os deveres precederiam aos

direitos. 24 Reconhece Nabais que os deveres fundamentais gravitam em torno dos direitos

fundamentais, pois:

[…] por detrás dos valores comunitários, que são função directa dos deveresfundamentais, se encontram as pessoas humanas e sua eminente dignidade. Isto é, arealização desta passa também pela existência dos deveres fundamentais. (NABAIS,2004, p. 40). 

24 Ao diferenciar o liberalismo do comunitarismo, Marcelo Galuppo (2004, p. 346) assevera que o primeiro privilegia a liberdade em detrimento da igualdade, ao passo que no comunitarismo temos o inverso. Segundo ele,o liberalismo “tende a pensar na sociedade como uma sociedade sem laços, incapaz de produzir, de modoestável, integração, já que cada indivíduo, egoisticamente, tende a realizar apenas seu projeto individual de vida,e não um projeto comum a todos.” Por sua vez, o comunitarismo “tende a conceber a comunidade de modo adispensar a existência dos indivíduos enquanto indivíduos, sendo uma perspectiva totalizadora ehomogeneizadora que diluiria o indivíduo na própria comunidade.” Merece destaque a crítica feita por JoséAdércio Leite Sampaio, assinalando que o comunitarismo, diante de sua perspectiva holística, “termina por funcionalizar o direito, sem estabelecer adequadamente as fronteiras entre o ‘particular’, se há de existir, e o‘coletivo’.” Para o citado autor, corre-se o risco de se legitimarem, sob a aparência da virtude comunitária, práticas totalitaristas e autoritárias. Ademais, essa ideologia pressupõe certa homogeneidade, o que, na prática, édifícil de acontecer, frente uma sociedade cada vez mais plural. (SAMPAIO, 2004a, p. 90).

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Todavia, tal relação não é simétrica, pois há uma primazia dos direitos, tendo em

vista o Estado Democrático estar fundado na dignidade da pessoa humana face à comunidade,

ou, ainda, na liberdade frente à autoridade, como bem assinala Mendonça (2006, p. 367). 25 

Assim, compreender os direitos fundamentais como “os direitos que os cidadãos

 precisam reciprocamente reconhecer uns aos outros, em dado momento histórico, se quiserem

que o direito por eles produzido seja legítimo, ou seja, democrático” (GALUPPO, 2003, p.

236), bem como ver o cidadão como sujeito “capaz de criar ou modificar, em cooperação com

outros, a ordem social na qual quer viver, cujas leis vai cumprir e proteger para a dignidade de

todos” (TORO, 2005, p. 52), são posições que envolvem, necessariamente, uma consideração

séria sobre a categoria jurídica dos deveres fundamentais, na medida em que os componentes

 participação e relação intersubjetiva influenciam a construção da própria democracia.

O elemento da alteridade é de grande importância na construção de um Estadodemocrático, especialmente como forma de superar as concepções do liberalismo e do

comunitarismo. O Estado Democrático de Direito está pautado na preservação dos direitos

fundamentais como instrumento para que a pessoa humana se realize e alcance a

emancipação. Ele é, assim, contrário a uma perspectiva assistencialista e paternalista, típica da

que existia no contexto anterior, do Estado Social.

Ao se assumir que caminhamos para a denominada  Democracia Deliberativa, seja

em qual vertente for, estaremos exigindo uma constante participação da pessoa não só no

momento do voto, mas, principalmente, em momento anterior.26

Cláudio Pereira de Souza Neto assinala que esse modelo democrático envolve:

[…] além da deliberação, inúmeras outras atividades, tais como a educação política,a organização e a mobilização. O que diferencia a democracia deliberativa dasdemais teorias democráticas é apenas a sua ênfase  na deliberação, e não aexclusividade dessa atividade” (SOUZA NETO, 2007, p. 123). 

Alcançar tais metas exige sempre o exercício de uma liberdade com

responsabilidade, o que demonstra a necessidade de reconhecermos a existência de deveres

fundamentais como categoria autônoma em relação aos direitos fundamentais. Afinal, a

construção do público exige o incessante intercâmbio entre o privado e o público, ou entre o

individual e coletivo, não havendo qualquer separação estanque entre as esferas.

25 Vide Canotilho (2003, p. 532-533).26  Como assinala André Ramos Tavares (2007, p.80), com apoio em Amy Gutmann e Dennis Thompson, ademocracia deliberativa “não pode ser confundida com democracia na deliberação”, pois “a ênfase recai, antes,no modo de formação e encaminhamento da discussão e conclusão, do que na decisão ou seu conteúdo.” Sobre otema, conferir a obra de Souza Neto (2006). 

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2.4. Os deveres fundamentais e a busca por sua autonomia

Atualmente, o que os autores portugueses em geral mais enfatizam é o estudo dos

deveres fundamentais como categoria jurídica autônoma. 27 Todavia, cumpre enfatizar desde

 já que esta autonomia é relativa, pois os deveres se relacionam, em maior ou menor grau, com

os direitos fundamentais (dos próprios titulares dos deveres ou de outras pessoas), já que os

 primeiros, na terminologia de Nabais (2004, p. 36-37), “gravitam forçosamente em torno dos

direitos fundamentais”, fazendo parte do estatuto constitucional - ou da (sub) constituição – 

do indivíduo, perfazendo parte da “matéria lato sensu dos direitos fundamentais”. Isso será

evidenciado mais adiante.

De antemão, é importante consignar que algumas teorias voltadas para o tratamento

dos direitos fundamentais irão influenciar o debate sobre o conteúdo dos deveres

 fundamentais. Um desses temas é justamente a amplitude do suporte fático dos direitos

fundamentais (se restrito ou amplo). Isso porque, dependendo da adesão a uma teoria ou

outra, a compreensão dos deveres fundamentais será diferente, o que faz com que sejam

necessárias algumas explicações prévias, desenvolvidas a seguir.

2.4.1 Suporte fático restrito e amplo dos Direitos Fundamentais: a influência das teorias

interna e externa no debate dos deveres fundamentais.

 Não há como tratar dos deveres fundamentais sem ter em conta os direitos

fundamentais. Este tópico se limitará a expor as teorias que debatem qual o conteúdo dos

direitos fundamentais (o que é protegido por eles). Não entraremos nas diversas críticas feitas

às duas teorias que serão expostas. Tal escolha metodológica se deve apenas em razão do

escopo do presente trabalho, reconhecendo-se, desde já, a importância desse debate e ascríticas existentes a ambos os modelos.

Apesar de o tema dos deveres fundamentais não ser muito discutido na doutrina

majoritária brasileira, é frequente o debate sobre os limites e as restrições aos direitos

fundamentais. Afinal, já é pacífico que os mesmos não possuem caráter absoluto, sendo

27 Conferir Moreira; Canotilho (1991, p. 118); Canotilho (2003, p. 532-533); Andrade (2009, p. 159); Nabais(2004, p. 35-40); Nabais (2005, p. 14-20). Da mesma forma, Sarlet (2008, p. 243). Tal tema também já édebatido na América Latina. Conferir o texto do peruano Luis Alberto Dúran Rojo (2010).

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frequente situações de conflito ou colisão – mesmo que aparentes, como alguns doutrinadores

defendem – entre direitos fundamentais. Esses conceitos, contudo, necessitam ser melhor 

explicados.

Diferentemente da Constituição brasileira, há diversas Constituições estrangeiras

(como a Portuguesa, Espanhola e Alemã) que se referem expressamente à possibilidade de

restrições e regulamentações a direitos fundamentais, sempre com a preocupação de se

 preservar o conteúdo essencial desses direitos (SILVA, Virgílio, 2009, p. 25).

Para tanto, os direitos fundamentais estarão pautados em um suporte fático que,

segundo a doutrina, poderá ser restrito ou amplo. Para Virgílio Afonso da Silva:

Suporte fático abstrato é formado, em linhas gerais, por aqueles fatos ou atos domundo que são descritos por determinada conseqüência jurídica; preenchido o

suporte fático, ativa-se a conseqüência jurídica. Suporte fático concreto,intimamente ligado ao abstrato, é a ocorrência concreta, no mundo da vida, dos fatosou atos que a norma jurídica, em abstrato, juridicizou. (SILVA, Virgílio, 2009, p.67-68). 

Assim, a tônica dessa discussão será saber se esse ou aquele ato, fato ou estado é

 protegido por uma norma que garante um direito fundamental ou, ainda, saber se uma ação

estatal configura ou não uma intervenção no âmbito de proteção desse direito fundamental.

Merece ser citado um exemplo posto por Virgílio Afonso da Silva para ilustrar a discussão

existente:

Um determinado grupo musical, frustrado com a impossibilidade de demonstrar aogrande público seu talento, resolve, recorrendo a seu direito constitucional dereunião (CF, art. 5º, XVI), fazer um concerto em local aberto ao público no horáriode maior movimento de automóveis, na avenida mais movimentada de sua cidade,em cujas cercanias se encontram dezenas de hospitais importantíssimos. Asautoridades locais, com fundamento no transtorno para o trânsito, na possibilidadede mortes ou piora no quadro de saúde daqueles que têm que ser transportados por ambulâncias para os referidos hospitais e, por fim, em vista da dimensão meramenteindividual, festiva e interesseira do evento, resolvem proibi-lo. Diante desse cenário,várias perguntas são possíveis: (a) o ato “ show de rock no meio da rua” é exercíciodo direito de reunião? (b) Há colisão entre o exercício do direito de reunião e odireito à vida daqueles que podem morrer nas ambulâncias em vista dos problemas

no trânsito de automóveis? (c) Quais são as formas de resolver o problema?Sopesamento entre direitos? Delimitação de um deles? Exclusão de determinadassituações – por exemplo, “show de rock no meio da rua” – da garantia de alguns dosdireitos envolvidos? A resposta a essas perguntas dependem, entre outras coisa, dadefinição do que seja suporte fático, da análise dos elementos que o compõem e, por fim, da fundamentação da sua extensão. (SILVA, Virgílio, 2009, p. 68-69).

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As principais teorias construídas para responder a essas questões são a teoria do

suporte fático restrito (teoria interna) e a teoria do suporte fático amplo (teoria externa). 28 

A principal característica da primeira teoria (suporte fático restrito) é a inexistência 

de garantia a algumas ações, estados ou posições jurídicas que poderiam ser, em abstrato,

alcançadas pelo âmbito de proteção das normas de direito fundamental. Ou seja, alguns atos,

situações ou posições são excluídos a priori do âmbito de proteção da norma de direito

fundamental (SILVA, Virgílio, 2009, p. 80; PAULA, 2010, p. 53-60).

Assim, no caso acima descrito, certamente um doutrinador filiado a essa teoria iria

dizer que a situação do  show de rock, nessas circunstâncias, não seria alcançada pela norma

de direito fundamental que garante o direito de reunião. O conflito seria aparente. Em outras

 palavras, essa situação estaria  fora da área de proteção do direito fundamental , excluída a

 priori, o que demonstra que a atividade estatal sequer configuraria uma restrição. Esse é oentendimento de Vieira de Andrade:

 Nestes, como em outros casos semelhantes, não estamos propriamente perante umasituação de conflito entre o direito invocado e outros direitos ou valores, por vezesexpressos através de deveres fundamentais: é o próprio preceito constitucional quenão protege essas formas de exercício do direito fundamental, é a própriaConstituição que, ao enunciar os direitos, exclui do respectivo programa normativoa protecção esse tipo de situações. E a diferença é importante, como veremosmelhor, já que, a entender-se que não há conflito, a solução do problema não temque levar em conta o direito invocado, porque ele não existe naquela situação.(ANDRADE, 2009, p. 276) 

 Na teoria interna não se discute se o direito fundamental é possível de ser 

restringindo no caso concreto, mas, sim, debate-se qual será o conteúdo desse direito

fundamental. Nela, a norma jurídica de direito fundamental seria construída a partir de textos

legislativos e situações concretas (interpretação do programa da norma e definição do âmbito

da norma). 29 

28 Em regra, a teoria externa de direitos fundamentais está ligada à teoria de Alexy, enquanto a teoria interna éadotada por Friedrich Muller. Sobre o tema, inclusive críticas, conferir Virgílio Afonso da Silva (2009) e Felipede Paula (2010).29 Para Müller (2005, p. 42), “o teor literal expressa o ‘programa da norma’, a ‘ordem jurídica’ tradicionalmenteassim compreendida.” O âmbito da norma, por sua vez, é o “recorte da realidade social na sua estrutura básica,que o programa da norma ‘escolheu’ para si ou em parte criou para si como seu âmbito de regulamentação(como amplamente nos casos de prescrições referentes à forma e questões similares).” Por sua vez, José MariaArruda de Andrade (2006, p. 154) ensina que: “a concreção normativa parte do texto normativo e, mediante processos cognitivos ligados à situação específica, por meio de recursos interpretativos, obtém-se o programa danorma. Diante dele, elabora-se a área da norma, que é a estrutura básica do segmento da realidade regulada eobtida no programa da norma. Essa porção da realidade pode ser construída pelo direito (prazos, prescrições) ounão construída, mas reconhecida por ele (casamento, família). Em outros termos, na aplicação do textonormativo, o intérprete faz um exame da área da norma – por meio do programa da norma (…) - para aconstrução da norma-decisão (…), que, não obstante estar veiculada através da forma lingüística, não se resumetão-somente nela.”

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Por outro lado, a denominada teoria externa se ampara em um suporte amplo dos

direitos fundamentais e rejeita a tese de exclusão a priori de condutas ou situações no âmbito

de proteção dos direitos fundamentais. Assim, essa teoria distingue dois momentos lógicos:

 primeiramente, o que é protegido prima facie; depois, o que é protegido de forma definitiva,

com base no sopesamento (princípio ou regra da proporcionalidade).

Assim, enquanto na teoria interna a resposta sobre o que faz parte do âmbito de

 proteção de um determinado direito fundamental exige a definição definitiva do que é

 protegido pela norma de direito fundamental, na hipótese da teoria externa, essa resposta será

dada em duas etapas. É importante dizer que esta corrente defende que:

[…] toda ação, estado ou posição jurídica que tenha alguma característica que,isoladamente considerada, faça parte do ‘âmbito temático’ de um determinado

direito fundamental deve ser considerada como abrangida por seu âmbito de proteção, independentemente da consideração de outras variáveis. A definição é propositalmente aberta, já que é justamente essa abertura que caracteriza aamplitude da proteção. (SILVA, Virgílio, 2009, p. 109-110). 

Assim, para essa corrente, toda e qualquer manifestação de pensamento,

independentemente do conteúdo (ofensivo ou não), da forma, do lugar, do dia e do horário

será protegida em princípio ( prima facie) pelo direito fundamental à livre manifestação de

 pensamento (art. 5º, IV, CF). (SILVA, Virgílio, 2009, p. 110). Assim, pela teoria externa, o

 show de rock  indicado no exemplo anteriormente citado estaria, em princípio, dentro do

campo de proteção do direito fundamental de reunião, mesmo que, após o sopesamento,

restasse compreendido que a restrição ou intervenção estatal era fundamentada e legítima.

Para esta teoria, o importante será saber se a intervenção estatal é

constitucionalmente fundamentada ou não. Teremos, portanto, uma ação, um estado ou uma

 posição jurídica protegida  prima facie por um direito fundamental que, entretanto, sofreu uma

intervenção estatal fundamentada. Nessa hipótese, não se estará diante de uma afronta a

direito fundamental, mas diante de uma restrição (SILVA, Virgílio, 2009, p. 110). A

fundamentação dessa decisão estará sob o crivo da regra (ou princípio, para alguns) da

 proporcionalidade.

A importância de explicar essas duas teorias decorre do fato de que os deveres

fundamentais muitas vezes são entendidos ora como restrições constitucionais, ora como

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limites imanentes dos direitos fundamentais. E esse rigor na terminologia é importante, pois

os pressupostos usados por ambas as teorias são distintos. 30 

Realmente, no contexto ora em estudo, restrições e limites não são sinônimos. Para

Felipe de Paula (2010, p. 46), com apoio na obra de Reis Novaes, restrição significa

 supressão ou diminuição de algo, ao passo que limite se refere à  fronteira, à borda. Na

restrição há uma intervenção “ablativa”, que diminui um conteúdo pré-determinado. Todavia,

os limites resultam da atribuição de um contorno a um determinado conteúdo normativo,

deixando de fora algumas situações que poderia estar dentro dele. Por isso, a teoria externa

adota o conceito de restrição, ao passo que a teoria interna usa o conceito de limite.

Em uma teoria interna que se poderia denominar de “pura”, os direitos e os

respectivos limites são imanentes a qualquer posição jurídica. O conteúdo de um direito será

definido de uma só vez, via processo hermenêutico, pois “os direitos fundamentais, nessa perspectiva, não são absolutos, pois têm seus limites definidos, implícita ou explicitamente,

 pela própria Constituição”. (SILVA, Virgílio, 2009, p. 131). Assim:

[…] cada direito apresenta limites lógicos, imanentes, oriundos da própria estruturae natureza do direito e, portanto, da própria disposição que o prevê. Os limites jáestão contidos no próprio direito, portanto, não se cuida de uma restrição imposta a partir do exterior. No conhecido exemplo do Professor Vieira de Andrade, aliberdade de expressão artística não autoriza um pintor a armar seu cavalete no meiode uma via expressa para lá permanecer pintando: essa pretensão seria bloqueada por um limite imanente, lógico, contido no próprio direito. (BARCELLOS, 2005, p.

59-60)

31

 

Ainda na linha de outros exemplos descritos por Vieira de Andrade (2009, p. 275-

276) e mencionados por Virgílio Afonso da Silva (2009, p. 132), as vedações a sacrifícios

humanos e a andar nu na via pública não representam restrições aos direitos de liberdade de

religião ou de ir e vir , mas são ações que estão excluídas a priori do âmbito normativo dos

respectivos direitos fundamentais.

Dessa forma, para uma teoria interna “pura”, não existem restrições, mas meros

limites que decorrem da própria Constituição. Por isso, esses limites “fazem parte da própria

30 Virgílio Afonso da Silva (2009, p. 128) aduz que “a simples menção a expressões como ‘restrição a direitosfundamentais’, ‘sopesamento’, ‘ponderação’ ou ‘proporcionalidade’ – que, via de regra, sobretudo na jurisprudência, são utilizadas como se estivessem destacadas de qualquer pressuposto teórico – exige uma claracompreensão da relação entre o direito, de um lado, e  seus limites ou restrições, de outro. A precisãoterminológica, neste ponto, é inafastável, pois há diversos termos que muitas vezes são usados em conjunto masque, analiticamente enfocados, são incompatíveis entre si.”31 Vide também Virgílio Afonso da Silva (2009, p. 131-132), que entende que os exemplos de Vieira de Andradesão retóricos.

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essência dos direitos fundamentais”, sendo seus contornos definidos pela interpretação

constitucional (SILVA, Virgílio, 2009, p. 132).

Mesmo nos casos em que há conformação legislativa, a lei infraconstitucional que

 proibir determinada conduta apenas irá declarar o limite imanente ao direito fundamental em

 jogo. Não terá ela eficácia constitutiva. 32 

Um exemplo ilustrará tal raciocínio: o doutrinador que aderir a uma teoria interna

“ pura”, ao enfrentar o tema da oponibilidade do sigilo bancário ao Fisco33,

metodologicamente irá construir seu raciocínio de duas formas: primeiramente, pode-se

entender que o direito fundamental de privacidade impede por sua natureza tal intervenção, e,

então, a lei seria inconstitucional. Ou, então, pode-se compreender que esse mesmo direito

fundamental, em razão dos limites imanentes, aceita  definitivamente tal intervenção. Nesse

último caso, a lei que confere o direito ao Fisco de acessar diretamente (sem intervenção judicial, portanto) os dados dos contribuintes seria uma lei que apenas declara o conteúdo do

direito fundamental à privacidade, ao passo que a lei anterior que impedia tal acesso era uma

mera lei protetora ou promotora de mais garantias.

A teoria externa possui pressuposto distinto. Baseando-se principalmente na teoria de

Robert Alexy, os direitos fundamentais são vistos como normas com estrutura de  princípios.

Como estes são compreendidos como mandamento de otimização, os direitos fundamentais

são, inicialmente, ilimitados. Contudo, como eles não podem ser ilimitados, faz-se necessária

sua restrição, que se operará via regras ou princípios. Assim, Virgílio Afonso da Silva afirmao seguinte:

O direito definitivo não é – ao contrário do que defende a teoria interna – algodefinido internamente e a priori. Somente nos casos concretos, após o sopesamentoou, se for o caso, aplicação da regra da proporcionalidade, é possível definir o quedefinitivamente vale. A definição do conteúdo definitivo do direito é, portanto,definida a partir de fora, a partir das condições fáticas e jurídicas existentes.(SILVA, Virgílio, 2009, p. 140)[…]Isso significa que em um conceito amplo de liberdade devem ser incluídas,  prima facie, condutas que eventualmente sejam consideradas imorais e até mesmo ilícitas.

Para ficar em um exemplo simples: a liberdade de expressão protege, por exemplo,o direito à calúnia, à injúria e à difamação. Ainda que possa soar estranho em um primeiro momento, isso é necessário para a coerência da teoria.

É óbvio, contudo, que ninguém – nem mesmo os defensores do suporte fático amploe da teoria externa – imagina que no direito definitivo de liberdade estão incluídasações como furtar; ou que no direito definitivo de liberdade de expressão estáincluída a possibilidade de caluniar à vontade; ou, por fim, que no direito definitivoà liberdade religiosa está incluída a possibilidade de fazer sacrifícios humanos.

32 Vide Virgílio Afonso da Silva (2009, p. 154) e Paula (2010, 71-72).33 Tema ligado à LC 105/2001 e que será tratado com mais detalhe no capítulo cinco.

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Pensar diferente seria, mais uma vez, confundir os planos  prima facie e definitivo,além de imaginar que a teoria externa seja uma teoria normativa que prescreve taisdireitos. O que a teoria externa faz – repita-se – é reconstruir um problema teórico a partir de uma premissa. Essa premissa é a de que os direitos fundamentais têmsuportes fáticos amplos e que as restrições a eles são produtos de um sopesamentocom princípios colidentes. Nesse sentido, seria teoricamente inconsistente supor, por 

exemplo, que o direito  prima facie à liberdade de expressão não inclui a possibilidade de caluniar, difamar ou injuriar. Excluir tais ações do suporte fáticosignificaria abandonar suas próprias premissas teóricas. (SILVA,Virgílio, 2009, p.153-154) 

Essa citação bem delimita as diferenças entre as duas teorias, pois há doutrinadores

que entendem que os deveres fundamentais importam em restrições aos direitos

 fundamentais, justamente porque adotam a teoria externa dos direitos fundamentais.

 No exemplo do sigilo bancário dado anteriormente, para um doutrinador que adote a

teoria externa “ pura”, o direito fundamental da privacidade acolheria  prima facie a proteção

dos dados bancários contra todos, sendo que a lei que conferisse autorização ao Fisco para

acessá-los diretamente seria uma lei restritiva, e não simplesmente declarativa ou

conformadora.

Essa intervenção seria legítima caso fosse fundamentada constitucionalmente 34, com

obediência à regra da proporcionalidade.

Por fim, é importante também asseverar que a visão exposta representa o que Felipe

de Paula denomina de teorias “puras” do suporte fático. Isso porque, atualmente, é comum

adotar-se uma teoria híbrida, que acolhe os pressupostos de ambas as teses 35.

 Nas teorias híbridas, adota-se inicialmente um suporte fático restrito, mas se admite

a edição de leis restritivas em alguns casos. Como exemplo paradigmático dessa visão merece

ser destacada a obra de Vieira de Andrade, que será rapidamente comentada a seguir.

2.4.2 A tese de Vieira de Andrade: limites imanentes e possibilidade de restrição legal 

aos direitos fundamentais

Apesar de o entendimento de Vieira de Andrade sobre os direitos fundamentais ser 

muito próximo da teoria interna, ele admite elementos da teoria externa, o que faz com que

Paula (2010, p. 104-127) classifique sua teoria de “híbrida”.

34 Os deveres fundamentais poderão, inclusive, servir como parâmetros de validade e legitimar a edição da citadalei. Esse tema será visto mais à frente.35 Conferir Virgílio Afonso da Silva (2009, p. 158-164).

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Primeiramente, entende o autor português que nem toda legislação

infraconstitucional servirá para restringir o conteúdo dos direitos. Haveria, em regra, uma

atividade do legislador para regular a matéria de direitos fundamentais. Ter-se-iam, então, leis

ordenadoras, condicionadoras, interpretativas, conformadoras, protetoras, promotoras,

ampliativas e harmonizadoras. Em suma, elas não restringiriam os direitos fundamentais.

Sem adentrar na classificação e características de cada uma das leis, é certo que a

crítica de Felipe de Paula (2010, p. 117-118) procede, pois a diferença entre os tipos de leis

restritivas, conformadoras, condicionadoras é mais aparente que real. Trata-se muito mais de

uma questão de  grau: afinal, uma regulamentação muito forte pode envolver, sim, a

diminuição de um direito fundamental. Tanto no plano teórico como prático é muito difícil

saber qual a fronteira entre o que representa uma conformação e o que indica se algo está ou

não inserido no âmbito protetivo.De qualquer forma, Vieira de Andrade reconhece que existem limites imanentes aos

direitos. O mencionado professor português (Andrade, 2009, p. 273) afirma que “os direitos

fundamentais têm os seus limites imanentes, isto é, as fronteiras definidas pela própria

Constituição que os cria ou recria (mesmo quando os recebe)”. 36 Ele reconhece também a

 possibilidade de limites imanentes implícitos nos direitos fundamentais. 37 

Vieira de Andrade entende que algumas situações configuram meros conflitos

aparentes, tais como os exemplos citados no tópico anterior. É importante salientar que o

autor entende que a compreensão do âmbito de proteção será precedida de uma atividade deinterpretação dos enunciados que preveem cada um dos direitos fundamentais. Assim ele

afirma textualmente:

O problema deve, portanto, ser resolvido como problema de interpretação dos preceitos que prevêem cada um dos direitos fundamentais no contexto global dasnormas constitucionais. O que se pergunta é se o programa normativo do preceitoem causa inclui ou não um certo aspecto ou modo de exercício, isto é, até onde vai odomínio de protecção (a hipótese) da norma. Se num caso hipotético ou concreto se põe em causa o conteúdo essencial  de outro direito, ou quando se atingemintoleravelmente valores comunitários básicos ou princípios fundamentais da ordem

constitucional, deverá resultar para o intérprete a convicção de que a proteçãoconstitucional do direito não quer ir tão longe. E, então, o domínio protegido dodireito é delimitado pelos direitos dos outros ou por valores comunitários

36 Vieira de Andrade centra seu estudo no que ele denomina de “limites de conteúdo”, que seriam limites nosentido jurídico, em que se delimitaria o conteúdo protegido, já que a proteção constitucional não abrange todasas situações, formas ou modos de exercício possíveis para cada um dos direitos.37 Estes, entretanto, serão possíveis apenas quando “se possa afirmar, com segurança e em termos absolutos, quenão é pensável em caso algum que a Constituição, ao proteger especificamente um certo bem através daconcessão e garantia de um direito, possa estar a dar cobertura a determinadas situações ou formas do seuexercício; sempre que, pelo contrário, deva concluir-se que a Constituição as exclui sem condições nemreservas.” (ANDRADE, 2009, p. 276-277).

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fundamentais, de modo que as leis que eventualmente os exprimam não restringemo seu conteúdo, tal como é constitucionalmente definido. (ANDRADE, 2009, p.278). 38 

Ocorre que Vieira de Andrade (2009, p. 216-217) entende que também é possível a

existência de leis que restringem realmente o conteúdo do direito fundamental . Assim, seria

 possível ao legislador a edição de leis restritivas propriamente ditas. Essa visão o aproxima

um pouco da teoria externa (suporte fático ampliado).

Todavia, como bem acentua Felipe de Paula (2010, p. 126), apesar de Vieira de

Andrade assumir as restrições como “verdadeiros sacrifícios de conteúdo”, possíveis a

 posteriori, tais “amputações” somente são possíveis se forem constitucionalmente autorizadas

e nos limites dessa autorização. É importante ressaltar que essa restrição via legislador 

infraconstitucional somente ocorreria quando  já ocorrida a delimitação constitucional do

conteúdo do direito fundamental.

Essa solução não poderia ser muito diferente no cenário constitucional português,

 pois os itens 2 e 3 do art. 18º da Constituição Portuguesa 39 expressamente reconhecem a

 possibilidade de o legislador restringir direitos fundamentais.

Vieira de Andrade (2009, p. 217) deixa claro que a restrição pressupõe o que ele

denomina de “prefiguração constitucional da necessidade de sacrificar o conteúdo protegido

de um direito”. Esse “sacrifício” pode decorrer do caráter “potencialmente agressivo” desse

direito (e o autor enfatiza o caráter potencialmente agressivo da liberdade) em face de outro

direito, como também ser fruto da necessidade de se garantir “um valor comunitário”, que,

 para ser realizado, exigirá a limitação em pauta.

Partindo desse entendimento, pode-se pensar que, no exemplo dado anteriormente

relativo à oponibilidade do sigilo bancário frente ao Fisco, o direito de privacidade, a priori,

admite a proteção dos dados, mas também não exclui, a princípio, a intervenção estatal.

Contudo, é possível a edição de lei infraconstitucional para restringir ou diminuir o campo de

 proteção deste direito fundamental, medida esta que poderá ter como base constitucional um

dever fundamental: o dever fundamental de pagar impostos.

38 Vide Paula (2010, p. 123-125).39 Art. 18º n.2: “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos naConstituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interessesconstitucionalmente protegidos.” (PORTUGAL, 1976).Art. 18º, n. 3: “As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto enão podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitosconstitucionais.” (PORTUGAL, 1976).

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Por fim, e somente como uma terceira hipótese, haveria o problema das colisões ou

conflitos de direitos e valores comunitários afirmados por normas ou princípios

constitucionais. Para Vieira de Andrade (2009, p. 301), “haverá colisão ou conflito sempre

que se deva entender que a Constituição protege simultaneamente dois valores ou bens em

contradição numa determinada situação concreta (real ou hipotética).”

 Não é preocupação do presente trabalho toda a argumentação desenvolvida pelo

citado professor português para a correta solução desses conflitos. O que se quis foi apenas

mostrar as bases de sua teoria, bem como os conceitos por ele utilizados, pois Vieira de

Andrade irá expressamente consignar que os deveres fundamentais irão servir para aferir os

limites imanentes dos direitos fundamentais, conforme se verá a seguir.

2.4.3. Deveres fundamentais: restrições ou limites imanentes aos direitos fundamentais?

Sarlet (2008, p 243) e Canotilho (2003, p. 535) acentuam que os deveres

fundamentais são “normas jurídicas autônomas”, que até podem se relacionar com o “âmbito

normativo de vários direitos”, mas, segundo Canotilho, mesmo que esses deveres

fundamentais sejam conexos com direitos, ainda assim os deveres não constituem restrições

ou limites imanentes aos direitos fundamentais com ele conexos.40

 Canotilho (2003, p. 535) indica alguns exemplos de duvidosa validade para

fundamentar sua posição. Inicialmente, ele aduz que “o dever de defesa do ambiente não é

uma ‘restrição do direito ao ambiente’.” Ainda, o dever de educação dos filhos não é um

“limite imanente” ao direito de educação dos pais. Realmente, o dever de defesa do ambiente

que uma pessoa possui não interfere com o seu respectivo direito ao meio ambiente

equilibrado. Da mesma forma, o dever dos pais de educarem os filhos não restringe o direito 

destes pais de educarem os filhos.

Ocorre que, nos exemplos dados, o dever fundamental de uma pessoa pode conflitar 

com outro tipo ou espécie de direito fundamental de titularidade da mesma ou de outra

 pessoa. No primeiro exemplo (meio ambiente), pode-se pensar que a proteção ao meio

ambiente ensejaria uma “restrição” constitucional ao direito de propriedade ou ao direito à

40 Sarlet (2008, p. 243) se apóia em Canotilho, porém indica outra obra do professor português. De qualquer forma, ele não entra em detalhes para explicar sua posição. Importante dizer que a teoria de Canotilho sobrelimites imanentes é diferente da exposta por Vieira de Andrade. Conferir Felipe de Paula (2010, p. 106-108) eCanotilho (2003, p. 1273-1283). Canotilho expressamente segue a linha defendida pela teoria externa.

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livre iniciativa de determinadas empresas com atividades econômicas potencialmente

 poluidoras.

Já no caso do dever dos pais de educarem os filhos, é possível que se entenda que

esse dever não conflita com nenhum direito fundamental dos próprios filhos. 41 

Cumpre dizer que, ao menos nessa obra 42, Canotilho não desenvolve muito o tema

dos deveres fundamentais.

De outro lado, Mendonça (2002, p. 181) afirma que os deveres fundamentais são

restrições expressas ou limites imanentes dos direitos fundamentais de nível constitucional.

Assim assinala a autora mineira, em duas passagens na sua obra:

As restrições de direitos fundamentais de nível constitucional são restrições dedireitos fundamentais diretamente constitucionais. O conceito de restrição de direito

fundamental corresponde à perspectiva do direito fundamental. O conceito decláusula restritiva, à perspectiva da norma. Uma cláusula restritiva é a parte danorma completa de direito fundamental que diz como está restringido ou pode ser restringido o que o suposto de fato do direito fundamental garante prima facie. As cláusulas restritivas podem ser expressas ou tácitas.A cláusula restritiva expressa configura uma regra que converte a liberdade ou odireito prima facie que resulta de um princípio constitucional em uma não-liberdadeou em um não-direito definitivo. A peculiaridade dessa cláusula restrita é que o próprio legislador constitucional expressamente formula a restrição definitiva. … Acláusula restritiva expressa consiste em nada mais do que uma decisão do legislador constitucional em favor de determinadas razões contrárias à proteção jusfundamental. Essas razões contra a proteção jusfundamental, qualquer que seja asua formulação, pertencem ao âmbito das restrições de direito fundamental. …Além disso, podem ser incluídas entre as cláusulas restritivas expressas os

preceitos que consagram deveres fundamentais que impõem limites a certosdireitos fundamentais, como, por exemplo, o dever de pagar impostos queimpõe limite ao direito de propriedade e às liberdades econômicas. (MENDONÇA, 2002, p. 112-113, destaque nosso).

A posição de se considerarem deveres fundamentais apenas aqueles consagradosconstitucionalmente tem um significado muito importante, pois expressa asupremacia da liberdade do indivíduo frente aos poderes estatais. E a suaimportância prática reside no fato de que, enquanto a disciplina dos deveresfundamentais se coloca no campo das restrições expressas ou dos limitesimanentes aos direitos fundamentais, dependendo do caso, - no nívelconstitucional, portanto – os deveres ditos legais se colocam no campo dasrestrições indiretamente constitucionais – legais – aos direitos fundamentais.(MENDONÇA, 2002, p. 181, destaque nosso).

Essa autora faz minucioso estudo dos direitos fundamentais, cujo teor não cabe no

 presente momento explicitar. O que é importante para nosso trabalho é a consideração que a

autora faz sobre restrições e limites. Ela demonstra, na mesma linha do que restou dito nos

41 Sobre esse exemplo, trataremos mais à frente, ainda neste tópico.42 Talvez sua obra mais famosa ou, então, a mais citada seja “Direito Constitucional e Teoria da Constituição.” Nela, ele trata do tema dos deveres fundamentais em apenas seis páginas.

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dois tópicos anteriores do presente trabalho, que restrição e limites não são termos idênticos,

variando de acordo com a adoção de uma teoria externa ou interna dos direitos

fundamentais.43 

Mendonça (2002, p. 108) adota a teoria externa, pois acolhe a tese de Alexy sobre

 princípios e regras e admite a possibilidade de colisões e sopesamento. Ou seja, os direitos

fundamentais seriam normas principiológicas e, assim, admitiriam restrições (algo externo).

Mendonça (2002, p. 176) acentua diversas vezes em sua tese que os deveres fundamentais

restringem direitos fundamentais, entre eles a propriedade e a liberdade 44. Seriam restrições 

 postas no próprio texto constitucional aos direitos fundamentais.

Em posição contrária, como adiantado no tópico anterior, Vieira de Andrade acentua

que o conteúdo dos direitos fundamentais será delimitado pelo texto constitucional , sendo

 possível a edição de lei restritiva apenas quando houver a expressa autorização constitucional.Para o citado autor:

Tais limites podem ser expressamente formulados no texto constitucional, em regra,no próprio preceito relativo ao direito fundamental, mas também em preceitosincluídos noutras partes da Constituição – por vezes os efeitos limitadores resultamda consagração de deveres fundamentais manifesta e inequivocadamente dirigidosou referidos a certos direitos, havendo por isso de ser contados entre os limitesimanentes expressos destes, como acontece, por exemplo, no caso do dever de pagar impostos em relação ao direito de propriedade.” (ANDRADE, 2009, p. 275).

Em sequência ao raciocínio desenvolvido e transcrito acima, Vieira de Andrade

enuncia diversas hipóteses para corroborar a existência de limites imanentes, sendo que uma

delas é justamente a relação entre o direito de propriedade e o dever fundamental de pagar 

impostos:

Por exemplo, teria sentido invocar a liberdade religiosa para efetuar sacrifícioshumanos ou, associada ao direito de contrair casamento, para justificar a poligamiaou a poliandria? […] Ou apelar ao direito de propriedade para não pagar impostos […] ? Nestes, como em outros casos semelhantes, não estamos propriamente perante uma situação de conflito entre o direito invocado e outros direitos e valores, por vezes expressos através de deveres fundamentais: é o próprio preceito

constitucional que não protege essas formas de exercício do direito fundamental, é a própria Constituição que, ao enunciar os direitos, exclui do respectivo programanormativo a protecção esse tipo de situação. (ANDRADE, 2009, p. 276).

43 Restrições pressupõem “algo externo ao direito fundamental, algo que não faz parte de seu conteúdo, algo‘anexo’ a ele.” Aquele que entende que não há restrições externas a direitos fundamentais, compreenderá que atarefa será a de delimitar, definir o que é protegido por cada direito fundamental. (SILVA, Virgílio, 2009, p. 87). 44 “Considerando o que ficou dito neste trabalho acerca da tipologia dos deveres fundamentais em função do seurelacionamento com os direitos fundamentais, pode-se observar como todos os deveres fundamentais, emboracom intensidades diferentes consoante a espécie a que pertencem, restringem os direitos fundamentais.”(MENDONÇA, 2002, p. 191 e 2006, p. 387).

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Para Vieira de Andrade, o conteúdo (ou âmbito) normativo do direito de propriedade

e de livre iniciativa (parcela da liberdade) não conflita, em nenhum momento, com o dever 

fundamental de pagar impostos.

Para Mendonça, por sua vez, o direito de propriedade e de liberdade seria, em

 princípio, ilimitado, e a norma constitucional que define o dever fundamental de pagar 

impostos iria restringir os direitos fundamentais indicados.

Essa diferenciação é interessante e poderá ensejar algumas consequências, na medida

em que Mendonça justificará a restrição (intervenção estatal) com base na ponderação de

 princípios (regra da proporcionalidade), ao passo que Vieira de Andrade partirá de uma

interpretação do texto constitucional, chegando à conclusão que o conflito não existe, pois é

aparente.

Este trabalho adotará a teoria de Vieira de Andrade, pois entendemos que o suportefático dos direitos fundamentais é restrito, sendo o mesmo delimitado a partir da interpretação

do texto constitucional. Portanto, é possível que algumas situações estejam excluídas, desde o

início, do campo de proteção de determinado direito fundamental.

É importante também, desde já, assinalar uma crítica à posição de Mendonça. Isso

 porque cremos que um dever fundamental não restringe necessariamente um direito

fundamental. Imagine-se, por exemplo, o dever fundamental dos pais de cuidarem de seus

filhos (artigos 227 e 229, CF), bem como o dever fundamental dos filhos de cuidarem dos

 pais idosos (art. 229, CF). Ou, ainda, o dever dos membros da família de ampararem os idosos(art. 230, CF). Tais deveres restringiriam algum direito fundamental? As pessoas que figuram

como responsáveis pela realização dos citados deveres teriam, ainda que  prima facie, o

direito fundamental de se omitirem em relação a tais prestações? Um pretenso direito

fundamental de liberdade, que compreende o genérico “direito de não agir”, seria afetado?

Cremos que não. Não é possível confundir o direito fundamental de liberdade com alguma

 parcela de liberdade.

O dever fundamental servirá para delimitar o conteúdo do direito de liberdade e

excluir algumas ações ou omissões do âmbito normativo desse direito. Vieira de Andrade

 possui passagem interessante que ilustra a situação debatida:

Deve entender-se que as liberdades não estão funcionalizadas, ou seja, não sãoreconhecidas aos indivíduos para a prossecução de determinados fins sociais, queforneceriam os critérios de concretização do seu conteúdo e de controle do seu bomexercício. O conteúdo das liberdades de actuação é, em princípio, determinado pelosseus titulares, presumindo-se que abrange todas as situações ou formas de exercícioque não estejam constitucionalmente proibidas.

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[…]A liberdade de decisão individual – isto é, a sua não sujeição a um padrão oficial deexercício de liberdades – e o direito de não exercício devem assim considerar-seimplícitos na hipótese normativa dos preceitos que prevêem as liberdades, de acordocom o princípio de que em matéria de direitos fundamentais a liberdade é regra, quesó cede perante razões que imponham interpretações limitadoras ou restritivas.

E essas razões podem existir: a liberdade nos direitos fundamentais não correspondeà emancipação anárquica, é autonomia moral e auto-responsabilidade na actuaçãosocial.Por isso, também nesse campo os indivíduos não se podem considerar desligadosdos valores comunitários que preenchem o espaço normativo em que se movem etêm o dever de respeitar. Não se trata aqui, porém, de deveres fundamentais associados aos direitos, mas dodever geral de respeito pelas normas constitucionais, que, naturalmente, constituemlimites aos direitos dos cidadãos: limites imanentes que excluem determinadassituações do âmbito de protecção constitucional (v. artigo 46.º, nº 4); valores que,em situação de conflito, obrigam a uma compreensão dos direitos ou autorizam olegislador a restringi-los ou limitá-los na medida do necessário (v. artigo 270.º); princípios de interpretação que permitem conferir graus de intensidade de protecçãodistintos às diversas situações ou modos do seu exercício. (ANDRADE, 2009, p.

155-156).

Por sua vez, Vieira de Andrade (2009, p. 157) realça que não se pode esquecer, seja

no plano filosófico, seja no âmbito jurídico, que o estatuto constitucional do indivíduo tem de

incluir os deveres fundamentais.

Dessa forma, a compreensão de que os deveres fundamentais previstos nos artigos

227, 229 e 230 da Constituição Brasileira figuram como limites imanentes à esfera de

liberdade das pessoas (liberdade de não agir ) - excluindo desde já algumas posições que não

seriam abarcadas pela norma de direito fundamental – é uma solução mais adequada. Logo, os

deveres fundamentais não restringem necessariamente um direito fundamental. Nessa

 perspectiva, a diferença entre as visões de Vieira de Andrade e de Mendonça não seria apenas

de método, mas ensejaria soluções distintas no resultado.

De qualquer forma, merece ser consignado que a afirmativa de Mendonça que ora é

refutada é coerente com a premissa teórica utilizada pela citada autora, que se ampara na

teoria do suporte fático amplo, no qual o direito fundamental é em princípio absoluto.

Por fim, é importante dizer que os deveres fundamentais têm o efeito de fundamentar 

e legitimar a atividade legislativa infraconstitucional que venha a instituir eventuais restrições,conformações e regulações na esfera dos direitos fundamentais. Não se adota, aqui, uma

 posição “pura” da teoria interna, sendo certo que a lei editada nem sempre busca declarar ou

exprimir o conteúdo do direito fundamental. Essa lei poderá conformar o exercício de um

direito fundamental (como as regras urbanísticas que limitam construções), como restringir o

campo de proteção desse direito (tal qual no exemplo do sigilo bancário para fins fiscais).

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2.4.4. As possíveis relações entre os deveres fundamentais e os direitos fundamentais

 Nabais, ao defender a autonomia dos deveres fundamentais, consigna que eles, de

alguma forma ou com mais ou menos vigor, irão se relacionar com os direitos fundamentais,

especialmente para delimitar o conteúdo dos direitos fundamentais. Assim ele assevera:

Desse modo, os deveres fundamentais constituem uma categoria constitucional própria, expressão imediata ou directa de valores e interesses comunitáriosdiferentes e contrapostos aos valores e interesses individuais consubstanciados nafigura dos direitos fundamentais. O que não impede, e embora pareça paradoxal, queos deveres fundamentais ainda integrem a matéria dos direitos fundamentais, poisque, constituindo eles a activação e mobilização constitucionais das liberdades e patrimónios dos titulares dos direitos fundamentais para a realização do bem comumou do interesse público (primário), se apresentam, em certa medida, como umconceito relativo, contraste, delimitador do conceito de direitos fundamentais. (2004, p. 37-38)[…]Em suma, os direitos e os deveres fundamentais não constituem categoriastotalmente separadas nem domínios sobrepostos, encontrando-se antes numa relaçãode ‘conexão funcional’ que, por um lado, impede o exclusivismo ou aunilateralidade dos direitos fundamentais, (…), e, por outro, não constitui obstáculoà garantia da primazia ou primacidade dos direitos fundamentais ou da liberdadeface aos deveres fundamentais, uma vez que estes ainda servem, se bem queindirectamente, o objectivo constitucional da liberdade. (NABAIS, 2004, p. 120).

Entendemos que essa passagem não segue a mesma compreensão esposada por 

Mendonça (2002), no sentido de que os deveres fundamentais sempre importam em restriçõesa direitos fundamentais 45. Explica-se.

Ao que tudo indica, Nabais adere à teoria do suporte restrito dos direitos

 fundamentais. Afinal, para ele, os deveres fundamentais podem, muitas vezes, conformar ou

delimitar o conteúdo normativo do direito de liberdade de uma pessoa (“contrapostos aos

valores e interesses individuais”) para prestigiar o direito de liberdade “dos outros” (de

terceiros). Como dito no início deste capítulo, os deveres fundamentais constituem situações

 jurídicas de imposição de comportamentos às pessoas, expressam a responsabilidade

comunitária dos indivíduos e possuem como objetivo a existência e manutenção da

comunidade e do Estado. Por isso, esses deveres servem também à garantia de direitos

fundamentais, mesmo que sejam os direitos fundamentais de titular diverso daquele que

 possui o dever fundamental .

45 Ver tópico 2.4.3 deste trabalho.

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Muitas vezes, uma limitação ao próprio conteúdo do direito fundamental já se

encontra expressa no próprio texto constitucional. É o que ocorre quanto ao direito à

inviolabilidade do sigilo das comunicações telefônicas, que pode ser afastado por ordem

 judicial e na forma da lei. 46 A lei irá apenas conformar esse direito. Ou ainda, no direito à

 plena liberdade de associação para fins lícitos, em que a Constituição brasileira, de antemão,

veda qualquer associação de caráter paramilitar 47.

Outras vezes, a Constituição brasileira já condiciona o exercício de um determinado

direito aos requisitos legais, impondo, assim, a necessidade de edição de uma lei

conformadora da disciplina deste direito. Como exemplo, pode-se citar a liberdade de

exercício de profissão, que será exercida nos termos da lei. 48 

De qualquer forma, como restou demonstrado no tópico anterior, e ao contrário do

entendimento adotado por Mendonça, um dever fundamental não irá propriamente restringir ou confrontar um direito fundamental previsto na Constituição. A posição defendida por 

Mendonça só pode ser aceita caso se adote um suporte fático amplo de direitos fundamentais,

o que não é acolhido no presente trabalho. E pela passagem abaixo, parece ser este também o

entendimento de Nabais:

Passando agora à relacionação mais estreita dos deveres fundamentais com a própriafigura ou categoria dos direitos fundamentais é de salientar, por outro lado, a (de)limitação do conteúdo dos direitos pelos deveres e, por outro lado, a (de) limitaçãodo conteúdo dos deveres pelos próprios direitos fundamentais. Quanto ao primeiro

aspecto é, desde logo, de assinalar que todos os deveres fundamentais limitam, pelasua natureza, a esfera de liberdade dos indivíduos. Com efeito, constituindo osdeveres fundamentais limites a posições de vantagem necessários a uma harmónicacomposição de interesses opostos apta a impedir, quer uma prevalência dosinteresses do estado, quer um reconhecimento sem limites dos interesses dosindivíduos, todos eles, independentemente ou para além da eventual associação oucoligação específica que tenham como determinados direitos, acabam por afectar ourestringir o conteúdo das liberdades individuais. (NABAIS, 2004, p. 122-123). 

Assim, um dever fundamental poderá limitar ou conformar o âmbito normativo de

determinado direito fundamental. Como exemplo, o dever fundamental de proteção ao meio

ambiente irá conformar o direito de propriedade e de livre iniciativa.

46 Art. 5°, XII, CF/88: “É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e dascomunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a leiestabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.” (BRASIL, 1988).47 Art. 5º, XVII, CF/88: “É plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar.”(BRASIL, 1988).48 Art. 5°, XIII, CF/88: “É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.” (BRASIL, 1988).

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Assim, uma pessoa não poderá invocar o direito de propriedade e de livre iniciativa

 para poluir um rio ou uma nascente de água que exista em seu terreno, em razão da

exploração de atividade econômica. O dever fundamental de proteção ambiental, a priori e

definitivamente, impedirá tal conduta. Da mesma, o dever fundamental descrito irá impedir 

que a exploração minerária seja realizada de forma irrestrita ou sem observar os requisitos

necessários descritos na lei.

 Nesse exemplo, o dever fundamental de proteção ambiental irá não só determinar o

âmbito normativo de um direito fundamental específico (propriedade e liberdade, no caso),

como assegurar o direito fundamental (difuso) de proteção ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado.

Há outros exemplos, entretanto, que podem levantar alguma suspeita na afirmação de

que os deveres fundamentais sempre estão em contato, em maior ou menor grau, com osdireitos fundamentais. Como dito anteriormente, no exemplo que envolve o dever dos filhos

cuidarem dos pais idosos, parece claro que nenhum direito fundamental dos  filhos (titulares

do dever) é atingido. Porém, verifica-se que o dever em debate irá garantir justamente o

direito fundamental dos pais de terem assistência e cuidado.

Pode-se, então, entender que os deveres fundamentais, muitas vezes, se relacionam

com os direitos fundamentais de outras pessoas, e não com o direito fundamental do próprio

titular do dever fundamental.

Um outro exemplo também importante envolve o dever de defesa da pátria, queengloba o serviço militar. O titular do dever fundamental não terá limitado algum direito

fundamental (no máximo, pode-se dizer que é limitada uma parcela de sua liberdade). Esse

dever fundamental de defesa da pátria, entretanto, busca garantir que direito fundamental?

Pode-se entender que esse dever representa um valor comunitário que busca assegurar a paz e

a segurança da coletividade. Haveria, assim, interesses difusos em jogo. Por outro lado, pode-

se dizer que ele busca assegurar o direito à vida, saúde e patrimônio das pessoas, bem como à

soberania popular. Esse é um exemplo que demonstra que a relação entre deveres

fundamentais e direitos fundamentais é mais abrangente que a simples relação dever/direito

sob o ponto de vista do mesmo titular.

Cremos, portanto, que devemos entender a relação dos deveres fundamentais com os

direitos fundamentais sob essa perspectiva mais aberta, que justamente demonstra a

importância dos primeiros para a garantia dos direitos fundamentais.

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De outro lado, por diversas vezes ao longo da obra, Nabais (2004, p. 38, 120 -123)

deixa claro que os deveres fundamentais também buscam assegurar a primazia da dignidade

da pessoa humana, o que comprova que esses deveres também têm por função limitar as

intervenções dos poderes públicos na esfera dos indivíduos. 

O que o autor quis dizer é o seguinte: é possível que a legitimidade de uma medida

legislativa ou administrativa editada seja negada no caso concreto e se reconheça sua

inconstitucionalidade com base em um dever fundamental . Isso porque, na hipótese levantada,

será demonstrado que o dever fundamental não permite tal restrição.

Apesar de o autor não dar nenhum exemplo, é possível imaginar uma hipótese que

tem relação com o presente trabalho. Imagine-se, seguindo a ótica do autor, um imposto cuja

carga tributária fosse altíssima – como, por exemplo, o IPTU cobrado com uma alíquota de

25%. O dever fundamental que ampara a cobrança de impostos exige também a observânciado princípio do não-confisco. Dessa forma, esse dever fundamental não legitimaria tal

imposição, na perspectiva de que o mesmo também busca preservar o direito de propriedade,

 bem como a dignidade da pessoa humana.

De qualquer forma, ainda assim, é mais lógico amparar o reconhecimento de

invalidade de uma restrição a um direito fundamental nos  próprios direitos fundamentais

afetados (direito à propriedade e não confiscatoriedade, por exemplo) do que invalidar uma

restrição com amparo no próprio dever fundamental que o fundamenta. 49 

Isso quer dizer que o papel “normal” dos deveres fundamentais será delimitar, apartir do texto constitucional, o conteúdo normativo de um direito fundamental 50 ou,

ainda, legitimar a edição de outros deveres legais. Relembre-se o exemplo do dever de

 proteção ambiental que irá delimitar a priori o conteúdo normativo do direito fundamental da

livre iniciativa, mas que também poderá legitimar a edição de leis infraconstitucionais para

conformar ou restringir o exercício de determinada atividade.

Vieira de Andrade bem sintetiza essa questão:

Os deveres fundamentais, mesmo os aparentemente associados a direitos,constituem, na generalidade dos casos, uma realidade autónoma e exterior a cada umdeles, embora, na medida em que são explicitações de valores comunitários, possamfundamentar a limitação dos direitos fundamentais em geral, designadamente das

49 Ou seja, a invalidade de uma norma infraconstitucional que limita ou restringe um direito fundamental serámuito mais fácil de ser aferida frente a um ou vários direitos fundamentais afetados do que diante do dever fundamental que em tese amparou sua edição. Em outras palavras, o juízo de invalidade dirá que o direitofundamental “x” impossibilita a norma editada com base no dever fundamental “y”, ou, ainda, o dever fundamental “z” não é suficiente para amparar a restrição ao direito fundamental “w”.50 Lembrando que, por lealdade acadêmica, delimitar não é sinônimo de restringir. Segue-se a linha, portanto, datese de Vieira de Andrade. Vide tópicos anteriores.

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liberdades. Normalmente, a consagração de deveres fundamentais significa, pois, a previsão expressa de um valor ou interesse comunitário, satisfazendo uma dasexigências do n° 2 do artigo 18° para que o legislador possa restringir os direitos,liberdades e garantias. 51 Por vezes, a medida constitucional dos deveres e dos valores comunitárioscorrespondentes justificará uma interpretação limitativa do próprio direito

fundamental, interferindo assim directamente na determinação do seu conteúdo –  pode falar-se então de deveres imanentes. Em nenhum caso, porém, essainterferência será total, pois nunca poderá afectar o conteúdo essencial do direito: aintensidade dos deveres será sempre inferior à das faculdades reconhecidas.(ANDRADE, 2009, p. 159-160).

Por isso pode-se dizer que os deveres fundamentais, apesar de configurar uma

categoria autônoma, em regra, estão em contato com a matéria dos direitos fundamentais e

que constituem o estatuto constitucional do indivíduo. Reforça-se novamente que o fato de os

deveres fundamentais estarem presentes no debate dos direitos fundamentais não importa em

dizer que os primeiros restringem – no sentido de confrontar - os segundos. Nota-se, contudo, que todo o esforço na busca da autonomia dos deveres

fundamentais envolve conceitos muito próximos uns dos outros, tornando o tema complexo,

às vezes um pouco nebuloso, o que pode, inclusive, atrapalhar na argumentação dessa

autonomia científica. Certamente fica a dúvida se o tema era realmente tão esquecido assim

ou se ele era tratado na doutrina com outros nomes.

Apesar de adotarmos nesse trabalho o entendimento defendido por Vieira de

Andrade e entender que os deveres fundamentais não irão restringir  52 um direito

fundamental, não se descarta a hipótese de um doutrinador adepto da teoria externa - queutiliza os termos “restrição” e que compreenda que os direitos fundamentais são, a princípio,

absolutos - chegar, na análise de um caso concreto, às mesmas conclusões que um teórico que

acolhe a teoria interna. 53 

51 O art. 18° da Constituição de Portugal de 1976 trata da força jurídica de princípios gerais de direitos e deveresfundamentais tem a seguinte redação:“1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis evinculam as entidades públicas e privadas.2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição,devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.”(PORTUGAL, 1976) 52 No sentido de confrontar, contrariar.53 Virgílio Afonso da Silva (2009, p. 156-157) acentua que “não é novidade alguma o fato de que diferentesteorias ou modelos para a compreensão de um determinado fenômeno não implicam, necessariamente,conclusões diferentes. É muito possível, portanto, que ainda que os pressupostos e os meios utilizados na análisedivirjam, os resultados são os mesmos.”

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2.4.5. Ideia central dos deveres fundamentais

Visto tudo isso, cumpre salientar a ideia central do que os deveres fundamentais

configuram. Peces-Barba traz, na nossa visão, o mais adequado conceito de deveres

fundamentais. Segundo ele:

[…] podemos pactuar o uso do conceito de deveres fundamentais como aquelesdeveres jurídicos que se referem a dimensões básicas da vida do homem emsociedade, a bens de primordial importância, à satisfação de necessidades básicas ouque afetam setores especialmente importantes para a organização e o funcionamentodas instituições públicas ou ao exercício de direitos fundamentais, geralmente noâmbito constitucional.O exercício de um dever fundamental não gera benefícios exclusivamente para otitular do direito subjetivo correlativo, quando existe, mas também alcança uma

dimensão de utilidade geral, beneficiando o conjunto dos cidadãos e a suarepresentação jurídica, o Estado. (apud MENDONÇA, 2002, p. 182).

 Nabais (2004, p. 59-60) também acentua que os deveres fundamentais constituem o

 pressuposto geral da existência e funcionamento do Estado, bem como a garantia de eficácia

dos direitos fundamentais, entre eles a proteção à vida, à liberdade e à propriedade. Essa é a

ideia central dos deveres fundamentais.

Essa visão não é contraditória com o entendimento de que os deveres fundamentais

exprimem valores contrapostos aos direitos fundamentais 54. Afinal, estabelecer posições

 jurídicas em prol de terceiros, bem como fixar os limites ao âmbito normativo de algum

direito fundamental individual ou  justificar a edição de leis infraconstitucionais restritivas a

um direito fundamental são situações que visam justamente prestigiar o direito fundamental

no aspecto objetivo, proteger o direito fundamental “de outras pessoas” ou interesses da

coletividade (direitos difusos), além de assegurar a existência do Estado.

De outro lado, como restou dito anteriormente, partindo-se de um referencial restrito

de suporte fático dos direitos fundamentais (a ideia de limites imanentes), os deveres

 fundamentais não restringem os direitos fundamentais, especialmente porque há situações

que o conflito será aparente. Mesmo que se entenda que uma parcela da liberdade da pessoa

foi “diminuída”, esta “restrição” não alcançou seu “direito fundamental de liberdade”. Como

salientou Nabais, os deveres fundamentais, com maior ou menor eficácia, “acabam por afectar 

ou restringir o conteúdo das liberdades individuais.” (NABAIS, 2004, p. 122-123).

54 Entendimento de Nabais que foi exposto no item anterior.

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E na mesma linha, lembrando a lição de Vieira de Andrade (2009, p. 274-276), os

deveres fundamentais servirão como limites imanentes dos direitos fundamentais, inclusive da

liberdade. Isso sem esquecer que é possível que um dever fundamental fundamente a edição

de uma lei restritiva.

2.5. Características dos deveres fundamentais.

 Na terminologia de Nabais, os deveres fundamentais são “posições jurídicas

 passivas, autônomas, subjectivas, individuais, universais e permanentes e essenciais.” (2004,

 p. 64). Vejamos separadamente essas características.

2.5.1. Posições jurídicas passivas

Posições jurídicas passivas, para Nabais (2004, p. 65; 83-85; 112), exprimem que o

indivíduo está situado no pólo passivo da relação jurídica estabelecida entre ele e o Estado.

Elas podem figurar como posições que demandam uma ação ou  prestação (dar ou

fazer) do indivíduo - como ocorre no caso típico do dever de pagar impostos - como também é

 possível que importem em situações de omissão (não fazer) – tais como o dever de isenção

 político-partidária do militar e do Juiz (art. 142, V, e art. 95, § único, III, ambos da CR/88).

Alguns podem, inclusive, apresentar simultaneamente as duas obrigações, como no caso da

defesa do meio ambiente.

Essa é uma parte da obra de Nabais que não é de fácil compreensão. Mendonça

(2002, p. 182-184), por sua vez, também não exaure totalmente a classificação trazida pelo

 professor de Coimbra. Apesar de transcrever trechos da obra de Nabais e apontar umaobservação em nota de rodapé, não vai muito adiante.

Realmente, a compreensão do que essas “posições jurídicas passivas, autônomas,

subjetivas e individuais” envolvem não é muito clara na doutrina, necessitando um esforço

 para o seu entendimento.

Para Nabais (2004, p. 65), os deveres fundamentais não são meras situações de

inércia ou inativas, como as sujeições, que são totalmente independentes da vontade do

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respectivo titular. Segundo o citado professor, “nem todas as posições jurídicas passivas (hoc

 sensu), constitucionalmente imputadas ao indivíduo, configuram verdadeiros deveres

fundamentais, entendidos estes como categoria própria.”

 Nabais diz que o dever de tolerância ou sujeição não configura um dever 

fundamental, mas compreende algumas figuras próximas deste, tais como deveres correlatos,

relacionais, simétricos a direitos fundamentais, que, muitas vezes, recaem sobre o Estado ou

entidades públicas. Assim, o dever do Estado na prestação na garantia e manutenção da saúde

não configura um dever fundamental, mas uma imposição constitucional de um dever.

Também nesse sentido, suportar os efeitos de uma decisão transitada em julgado, por 

exemplo, não configura um dever fundamental, mas um ônus decorrente da força cogente do

ato judicial, reconhecido pelo direito. Ele assinala, ainda, que os deveres fundamentais se

apresentam como:

[…] posições subjectivamente imputadas ao indivíduo pela própria constituição, enão posições fundamentalmente objectivas resultantes da consagração constitucionaldos poderes e competências estaduais e das condições de validade do seu exercício,condições estas que, muito embora desencadeiem, por via de regra, indirecta ereflexamente efeitos subjectivos na esfera dos indivíduos, traduzidos em vínculos oulimitações desta mesma esfera, não visam de maneira imediata os indivíduos,determinando ou tornando determinável materialmente o seu comportamento projectado numa dimensão essencialmente intersubjectiva. […]É o que se passa, segundo cremos, com os chamados deveres de tolerância ou desuportar (deveres de  pati = Duldungspflichten), cujo traço caracterizador reside em pressuporem uma actividade de intervenção na vida, liberdade, integridade física ou

 propriedade das pessoas e uma correspondente passividade por parte destas, e entreos quais sobressai o (frequentemente mencionado pela doutrina) dever de suportar expropriações por utilidade pública, consagrado constitucionalmente a propósito dodireito ou instituto da propriedade. (NABAIS, 2004, p. 67-68).

E em outra passagem, o citado autor consigna que:

Em quinto lugar, podemos mencionar certas sujeições constitucionais que seconfiguram como posições passivas correlativas dos poderes constitucionais doestado e que têm de característico, como todas as sujeições, serem situações deinércia, inactivas ou meros ter de suportar, ou seja, deveres de tolerância. Também oter de suportar o exercício dos poderes constitucionais do estado que, dada a suanatureza de poderes funcionais ou de funções, têm conexo um elemento dedeverosidade, não integra a figura dos deveres fundamentais.[…]Por outras palavras, para que se trate de deveres fundamentais necessário se tornaque estejamos perante normas constitucionais relativas a posições subjectivas ounormas que integram a constituição do indivíduo e não perante consequências naesfera dos indivíduos das normas de organização económica, política eadministrativo do estado. Assim, os estados de sujeição ( Pflichtigkeiten),decorrentes do poder de legislar, do poder punitivo, do poder de expropriação, do poder de polícia, do poder disciplinar, do poder regulamentar, do poder judicial, etc.,

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não configuram quaisquer deveres fundamentais, antes são meros reflexossubjectivos do estatuto organizatório do estado. (NABAIS, 2004, p. 83-84).

Sobre a questão da desapropriação, em outra passagem, Nabais (2004, p. 46) acentua

que o dever de suportar uma expropriação da propriedade é previsto a título de limite aorespectivo direito, e não como um dever fundamental. Isso porque, segundo o professor 

 português (NABAIS, 2004, p. 46), o dever de suportar uma expropriação ou outra limitação

ao direito de propriedade constitui “vinculações ou sujeições constitucionais decorrentes

directamente dos poderes do estado e integrantes, justamente por isso, dos princípios

fundamentais da constituição económica e patrimonial e não da constituição do indivíduo”,

local em que repousam os deveres fundamentais.

Conforme anota Mendonça (2002, p. 183; 2006, p. 370), nessa hipótese, Nabais está

se referindo àquelas situações que pressupõem uma atividade estatal que irá intervir na vida,na liberdade ou na propriedade das pessoas e uma correspondente passividade por parte

dessas pessoas, sendo que, nessas situações, os reflexos nos direitos das pessoas decorrem do

exercício de uma competência fundada na Constituição (em regra de forma genérica, como

ocorre no art. 23 da CF/88) ou em lei específica.

A possível relação entre deveres fundamentais e a intervenção do Estado na

 propriedade será descrita a seguir.

2.5.2 Deveres fundamentais e intervenção do Estado na propriedade

A visão trazida por Nabais deixa claro que nem toda intervenção na propriedade ou

na liberdade das pessoas importa em um dever fundamental. Ou seja, a  simples existência de

intervenção na propriedade ou liberdade não é a característica típica que irá separar o dever 

fundamental de outras espécies de imposição de deveres.

Realmente, existem no nosso ordenamento outras figuras jurídicas que caracterizam

hipóteses de intervenção do Estado na propriedade e que, na visão de Nabais e de Mendonça,

não configurariam um dever fundamental. Intervenção do Estado na propriedade é toda e

qualquer atividade estatal que, amparada em lei, tenha por fim ajustá-la aos inúmeros fatores

exigidos pela função social a que está condicionada. Ela se funda na potestade que decorre da

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necessidade de se assegurar ou tutelar um interesse público 55 bem como na função social da

 propriedade.

Assim, as limitações administrativas à propriedade, conceituadas como “medidas

gerais, unilaterais e gratuitas, por meio do qual o Estado condiciona os direitos e as atividades

de pessoas naturais e jurídicas, com fundamento na supremacia do poder público”

(CARVALHO, 2008, p. 961), irão delinear o contorno do direito de propriedade, podendo,

assim, impor obrigações de fazer, de não fazer ou de suportar. Dessa forma, a título de

exemplo, muitas vezes o proprietário é obrigado por lei a parcelar ou edificar no solo urbano

(obrigação de fazer, positiva, imposta pelo art. 5º da Lei 10.257/2001).

Outras vezes, a obrigação imposta pode ser  negativa, de não fazer, como ocorre na

 proibição de construção acima de determinada altura ou de construção de um prédio com

destinação comercial em uma área exclusivamente residencial.Por fim, em outras situações, o particular deve suportar , tolerar, permitir algo, como

ocorre na ocupação temporária, em que o proprietário de um bem tem de permitir a sua

utilização temporária pelo Poder Público para o atendimento de necessidades administrativas,

tais como a execução de obras ou serviços, ou mesmo na hipótese de ocupação de escolas

 particulares em época de eleição 56. Ainda, como exemplo de situações de sujeição, pode-se

citar o caso de requisição administrativa, prevista no art. 5º, inciso XXV, da CF/88. 57 

Existem ainda outras hipóteses de intervenção estatal na propriedade, como a

servidão administrativa, o tombamento e a desapropriação, sendo que esta última, ao contráriodas demais, importa na perda do domínio. Em todos esses casos, na linha defendida por 

 Nabais e Mendonça, o que existe é uma situação de sujeição, de tolerância, buscando o

cidadão apenas o direito à justa indenização, quando esta for cabível. 58 Em demandas como

55 Que deverá ser visto no caso concreto, pois, como bem acentua Humberto Ávila (2007, p. 207), “na definiçãode interesse público estão também contidos elementos privados”. Assim, questiona-se o “princípio” dasupremacia do interesse público sobre o privado, pois o primeiro, por si só, não possui primazia frente aosegundo, muito menos a priori. Eventual supremacia “só se verifica em algumas situações específicas e sempredentro de condições definidas e limitadas constitucionalmente.” (SCHIER, 2007, p. 241). Marçal Justen Filho(2006, p. 46) acertadamente consigna que “somente seria possível aludir a ‘interesse público’ como resultado deum longo processo de produção e aplicação do direito. Não há interesse público prévio ao direito ou anterior àatividade decisória da administração pública. Uma decisão produzida por meio de procedimento satisfatório ecom respeito aos direitos fundamentais e aos interesses legítimos poderá ser reputada como traduzindo ‘ointeresse público’. Mas não se legitimará mediante a invocação a esse ‘interesse público’, e sim porquecompatível com os direitos fundamentais.”56 Sobre o tema, vide Carvalho (2008, p. 963-979) e art. 36 do Decreto-lei 3.365/41.57 “Requisição administrativa é um ato administrativo unilateral e auto-executório que consiste na utilização de bens ou de serviços particulares pela Administração, para atender necessidades coletivas em tempo de guerra ouem caso de perigo público iminente, mediante pagamento de indenização a posteriori.” (CARVALHO, 2008, p.979).58 Em regra, as limitações administrativas (com exceção da desapropriação, lógico), não importam em um dever do Estado a indenizar pela intervenção restritiva e parcial (CARVALHO, 2008, p. 969).

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essas, questiona-se apenas o preço da indenização. No tombamento, por exemplo, a

 possibilidade de o Poder Judiciário rever o ato administrativo do tombamento é bem restrita,

 pois há um juízo discricionário exercido pelo Poder Executivo, que, diante da prova e

considerações realizadas por seus órgãos, poderá ou não impor a mencionada restrição.

 Não seriam, assim, hipóteses ou tipos de deveres fundamentais, mas de limitações à

 propriedade, amparadas, entre outras, na sua respectiva função social.

 No caso do poder de polícia, haverá uma atividade realizada pela Administração

Pública que irá limitar ou disciplinar direito, interesse e liberdade com vista a regular a prática

de ato ou situação de fato, em razão do interesse público concernente a diversas áreas de

atuação (segurança, higiene, ordem, costumes, condicionamento ao exercício de atividade,

entre outras). 59 Esse poder poderá ser exercido, inclusive, contra outro ente público, como

ocorre na necessidade de a União se submeter às regras urbanísticas e às fiscalizaçõesmunicipais, caso pretenda construir em determinado local.

 Nessas hipóteses de sujeição, “as disposições constitucionais […] não visam a

investir os indivíduos em posições subjetivas, determinando ou tornando determinável o seu

comportamento nas relações intersubjetivas, mas sim estabelecer condições de validade e

exercício das competências estatais.” (MENDONÇA, 2002, p. 183, nota 18 60).

Os exemplos dados de intervenção do Estado na propriedade são situações de

sujeição que devem ser suportados pelas pessoas em razão do exercício pela Administração

Pública de uma função administrativa.Esta função é conceituada como “o conjunto de poderes jurídicos destinados a

 promover a satisfação de interesses essenciais, relacionados com a promoção de direitos

fundamentais, cujo desempenho exige uma organização estável e permanente e que se faz sob

regime jurídico infralegal e submetido ao controle jurisdicional.” (JUSTEN FILHO, 2006, p.

30). A função administrativa, como assinala Marçal Justen Filho (2006, p. 34), “se traduz

concretamente na atividade administrativa” e pode ser conformadora ou ordenadora,

 prestacional e regulatória. Nelas haverá, assim, regras, decisões e atos que buscam conformar 

liberdades e direitos individuais, disciplinar comportamento bem como garantir o

fornecimento de utilidades, visando atender as necessidades da população.

Uma questão merece ser destacada. É possível que algumas hipóteses de intervenção

do Estado na propriedade  sirvam como meio ou instrumento para a realização de um dever 

 fundamental . Exemplificando, o dever de proteção e preservação do meio ambiente, seja

59 Vide art. 78 do Código Tributário Nacional.60 Igual teor se encontra no texto de Mendonça publicado posteriormente (2006, p. 370-371, nota 4).

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físico, natural ou cultural 61, pode ser garantido pelo tombamento, pela instituição de uma

servidão, bem como pela desapropriação de uma área para a criação de um parque florestal.

Da mesma forma, o tombamento, por exemplo, é meio previsto constitucionalmente

 pelo qual o Poder Público busca proteger o patrimônio cultural brasileiro (art. 216, § 1º,

CF/88), que é um dever fundamental.

Ainda, o licenciamento ambiental ou o estabelecimento de uma condicionante,

impondo obrigações positivas ou negativas ao indivíduo, bem como a realização de uma

fiscalização (ato característico de poder de polícia), podem ser meios de se impor ao indivíduo

o cumprimento de um dever fundamental.

Ou seja, o indivíduo pode ser obrigado a suportar ou tolerar uma obrigação imposta

 pela Administração Pública em face da existência de um dever fundamental (preservação

ambiental, por exemplo). Mas será que o ônus de suportar o tombamento de um imóvel nãoseria um limite imanente ao direito de propriedade de uma pessoa? Assim, a indagação que

fica é se essas situações passivas de tolerância não são, na verdade, formas de concretização

de um dever fundamental.

Isso sem dizer que, a se entender que a função social da propriedade configura um

dever fundamental 62, como seriam classificadas as limitações administrativas dela

decorrentes? Meras sujeições, decorrentes de meros deveres legais, frutos da existência de um

dever fundamental? A situação imposta ao proprietário em face de uma desapropriação para

fins de reforma agrária ou para fins de atender a política urbanística seria meramente umasujeição ou, por conformarem e se pautarem em um dever fundamental, não seriam elas

situações passivas autônomas, subjetivas, ao invés de meras sujeições?

Assim, essa parte da obra de Nabais (2004) e seguida por Mendonça (2002) não

responde a todos os questionamentos existentes, trazendo um conceito de dever fundamental

que pode não se ajustar a algumas situações que, à primeira vista, não seriam enquadradas por 

eles como deveres fundamentais por importarem em funções administrativas.

61 O meio ambiente cultural é o patrimônio histórico, artístico, paisagístico, ecológico, científico e turístico e éformado tanto de bens de natureza material (lugares, objetos e documentos de importância para a cultura),quanto bens de cunho imaterial (idiomas, das danças, dos cultos religiosos e dos costumes de uma maneirageral).62 Dimoulis (2008, p. 78) e Sarlet (2008, p. 242) entendem que a função social da propriedade é um dever fundamental. Dimitri Dimoulis entende que a função social da propriedade é um dever fundamental porque, aomesmo tempo que o art. 5° garante o direito da propriedade, ele apresenta como contrapartida um dever dotitular de exercer seu direito de forma solidária e levando em consideração os interesses da sociedade. Todavia,Leonardo Martins, coautor da obra, diverge, pois entende que a ela configura um limite constitucional ao direitode propriedade (2008, p. 78).

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2.5.3. Dever de pagar impostos: uma situação de sujeição ou uma posição necessária e

essencial para a sociedade e para o Estado?

Uma outra questão que não é discutida pelos autores que tratam do tema em debate é

 por que o dever de pagar tributo não poderia ser incluído nas hipóteses classificadas como

“sujeição”. Um argumento seria o de que a pessoa é obrigada a suportar e honrar sua

obrigação tributária (ela é compulsória e decorre da lei), sob pena de incorrer em sanções.

Além disso, a cobrança é realizada mediante atividade plenamente vinculada (art. 3º do

Código Tributário Nacional), por órgãos administrativos que possuem, inclusive, poder de

fiscalização (poder de polícia).

Como já visto, Nabais diz que a obrigação de suportar o exercício de poderes estataisnão configura um dever fundamental. Ele adverte, contudo, que “aos poderes constitucionais

 podem corresponder deveres fundamentais, como é o caso do dever de pagar impostos face ao

 poder tributário.” Todavia, para que isso ocorra:

[…] não basta a mera consagração desses poderes e dos conseqüentes estados desujeição, antes se exige também que ao nível constitucional se fixem vínculos devontade para os indivíduos, ou seja, que haja normas constitucionais quedirectamente visam determinar o comportamento dos indivíduos, ou seja, que hajanormas constitucionais que directamente visam determinar o comportamento dosindivíduos ou o seu status passivus. (NABAIS, 2004, p. 83) 

Realmente, a ideia de imposição não é suficiente para colocar a obrigação de pagar 

tributos fora do rol dos deveres fundamentais ou vinculá-la a uma situação de sujeição.

Atualmente, o tributo é visto como o preço que se paga para se ter liberdade.

Schoueri (2006, p. 452-453), apoiado na lição de Ricardo Lobo Torres 63, afirma que, com o

liberalismo, o tributo, como preço da liberdade, surge em duas dimensões: primeiramente,

como expressão de liberdade; e em segundo lugar, enquanto garantia da liberdade. “Só quem

frui da liberdade paga tributo”, diz o citado professor paulista, pois a riqueza não será

monopólio do Estado, permitindo a livre iniciativa e a economia de mercado. Surge, assim, a

figura do Estado Fiscal, ou seja, um Estado suportado por receitas derivadas dos integrantes

da sociedade e não amparado em receitas próprias, decorrentes de seu patrimônio.

Com o avanço do Estado Social e Democrático de Direito, o tributo, enquanto preço

da liberdade, assume uma nova dimensão: ele não é mais “o ônus para a fruição da liberdade,

63 Vide Torres (1991), especialmente página 97 em diante.

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e sim instrumento para sua concretização.” (SCHOUERI, 2006, p. 462). Se a liberdade deixa

de ser um valor em si e passa a ser visto como um direito exercido para algum fim, ou seja,

deverá cumprir uma  função social , o papel interventivo do Estado torna-se mais presente,

deixando de lado, assim, aquela falsa ideia de neutralidade estatal . 64 Assim, atualmente, ao

se falar de preço da liberdade, pode-se associar ao preço que a sociedade paga para que o

Estado promova a liberdade de todos, inclusive dos desamparados, através da redução das

desigualdades.

Tudo isso demonstra a importância do tributo no Estado Democrático de Direito. O

dever de pagar tributo não se resume a uma função administrativa. Ele é justamente um dever 

necessário para que o Estado e a sociedade existam e, em razão dessas receitas, o Estado terá

suporte para garantir, ao menos minimamente, os direitos fundamentais.

 Não que a sociedade também não esteja envolvida neste projeto. A sociedade cadavez mais reivindica espaços que eram ocupados originariamente pelo Estado. Vide, como

exemplo, as diversas delegações de serviços públicos - muitas decorrentes de um processo de

 privatização prévio - bem como a criação de novos instrumentos contratuais, como as

 parcerias público-privadas e o aumento de entidades que atuam no chamado “Terceiro Setor”

(Fundações, Organizações Sociais e OSCIP´s). 65 

De qualquer forma, o fato de este Estado muitas vezes falhar na realização desses

objetivos não é suficiente para retirar do tributo a força e a importância que desempenha no

Estado Democrático de Direito. Afinal, mesmo com as múltiplas crises que enfrenta, o Estadoainda é o “principal garantidor dos direitos fundamentais”, tendo de criar novas instituições,

remodelar as já existentes e se “aparelhar” para realizar suas diversas funções (SARMENTO,

2003, p. 308).

De outro lado, o fato de a cobrança ser compulsória e feita por uma estrutura da

Administração Pública previamente estabelecida e cuja competência impositiva é repartida na

 própria Constituição Federal não transforma o dever de pagar tributo em simples função

administrativa. Em outras palavras, a operacionalização da cobrança, pautada em um vínculo

64 Schoueri (2006, p. 456) consigna que “enquanto antes se parte de uma visão contratualista, onde o indivíduoresguarda para si algumas liberdades, no pensamento do Estado Social Democrático de Direito, a liberdade éconcedida ao indivíduo, para um fim. Ou seja: no pensamento liberal, a liberdade era pressuposta, antecedendo oDireito; no texto constitucional de índole social, a liberdade é conferida, para uma finalidade.”65 Schoueri (2006, p. 464) assim afirma: “No Estado do século XXI, a liberdade assume nova feição, síntese daexacerbação do individualismo, própria do liberalismo e do Estado, característica do Estado Social: o Estado éafastado e a sociedade civil reivindica para si espaço que fora ocupado por aquele. A síntese que desse conflitoresulta começa a apresentar suas primeiras feições, quando se propõe, no lugar da atuação direta do Estado, acriação de agências reguladoras que ofereçam maior espaço à iniciativa privada; obras públicas se fazem por meio de parcerias público-privadas; organizações não-governamentais prestam assistência social negada peloEstado; em síntese, a sociedade já não mais espera a atuação estatal.”

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obrigacional legalmente previsto não transforma a especificação de um dever fundamental em

uma situação de sujeição, decorrente do exercício de competências.

Ao contrário, é este dever fundamental que irá legitimar a atribuição de competência

tributária aos entes públicos que, então, irão prever, via lei, uma hipótese de incidência que,

ocorrendo, irá fazer nascer uma obrigação, vinculando, assim, em regra 66, o particular 

(pessoa física ou jurídica). E essa lei observará parâmetros estabelecidos no texto

constitucional que limitam esse poder de tributar.

 Não se deve esquecer que o dever fundamental de preservação do meio ambiente

também é garantido via instrumentos legais que impõem sujeições aos particulares. Nem por 

isso, a preservação ambiental se transforma em simples questão de competência ou mera

decorrência do exercício de uma função administrativa. Em outras palavras, o fato de a lei

criar situações que limitam, disciplinam ou conformam a liberdade e a propriedade de outrem,inclusive pela via do exercício do poder de polícia por órgãos integrantes da Administração

Pública, não transforma esse dever fundamental em situações de sujeição.

Assim, suportar uma desapropriação em razão do alargamento de uma avenida é uma

situação distinta daquela que envolve o pagamento de um tributo. A hipótese de intervenção à

 propriedade indicada pode existir ou não, sendo também condicionada, dentre outras coisas, à

existência de receitas. Irá variar em razão do caso concreto e o Ente Público irá, dentro de sua

discricionariedade, eleger o momento adequado para intervir na propriedade do cidadão.

Da mesma forma, as normas urbanísticas que irão conformar o direito de propriedade, mesmo que para assegurar a função social da propriedade, poderão variar em

razão do tempo e do momento (contexto local).

Diferentemente, o dever de suportar um tributo decorre do tipo de Estado que a

Constituição moldou – o Estado Fiscal – e o objeto desse dever será justamente o suporte

financeiro deste Estado. Não há opção ao Ente Público. Ele pode legislar de acordo com

certas conveniências, aumentando ou majorando um tributo, mas o ônus tributário sempre

haverá. Atualmente, não é possível imaginar, na maioria dos países, em especial os do bloco

ocidental, um Estado capaz de garantir não só os direitos fundamentais, como a própria

dignidade da pessoa humana, que não seja suportado por tributos, em especial os impostos.

Ou seja, os deveres fundamentais configuram encargos ou sacrifícios atribuídos a

todos os indivíduos (generalidade e universalidade) para com a comunidade nacional ou o

Estado, encargos estes necessários para a existência do Estado Democrático de Direito.

66 É possível, em alguns casos, que os entes públicos federados sejam contribuintes ou responsáveis por algunstributos, como no caso de taxas e contribuição previdenciárias.

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Assim, a tônica ou característica  principal dos deveres fundamentais compreende

não só a existência de uma situação passiva atribuída a um indivíduo, mas também o seu

elevado significado para a comunidade.

Aliás, a essencialidade é uma característica dos deveres fundamentais. Os deveres,

segundo Nabais (2004, p. 72-73) configuram “posições essenciais”, ou seja, posições que

 possuem um elevado significado para a comunidade, revelando-se importantíssimas para a

existência, subsistência e funcionamento da comunidade organizada em um Estado

constitucional, bem como para a realização de outros valores comunitários. Em resumo,

“posições que traduzam a quota parte constitucionalmente exigida a cada um e,

consequentemente, ao conjunto dos cidadãos para o bem comum” (NABAIS, 2004, p. 73).

Essa essencialidade está presente no já citado dever fundamental de pagar imposto

que ampara a existência de um Estado Fiscal e que garante o exercício da livre iniciativa e daeconomia do mercado, na medida em que, no modelo constitucional do Estado Fiscal, o

Estado não poderá atuar diretamente na economia, tal qual o particular.

Estados de sujeição, por sua vez, não possuem essa característica de essencialidade à

manutenção do Estado e da sociedade. Eles variam dentro de um campo de discricionariedade

muito mais amplo que o existente nos deveres fundamentais, o que leva, por sua vez, a um

menor controle jurídico desses estados de sujeição.

Em razão disso, o dever de pagar tributos não configura um estado de sujeição, mas

um dever fundamental. Pode-se perguntar se haveria alguma consequência em se adotar esteentendimento. Entendemos positivamente. Não temos dúvida que essa teoria irá inovar no

debate do direito tributário.

Entender que o tributo é objeto de um dever fundamental não só traz mais

legitimidade e importância à sua cobrança como inova e altera o cenário jurídico, pois poderá

servir de fundamento constitucional para diversos temas, tais como: (1) validar a edição de

leis que buscam um maior controle da sonegação, como, por exemplo, as leis que tipificam

algumas condutas como crime, (2) amparar um maior controle dos planejamentos tributários;

(3) justificar a constante necessidade de simplificação do sistema tributário; (4) permitir que a

sociedade exija do Estado mais possibilidade e espaço de participação na edição de leis e

 políticas públicas que envolvam a matéria tributária; (5) legitimar a sociedade e o Ministério

Público a questionarem a criação de benefícios fiscais concedidos ilegalmente, inclusive com

violação à isonomia; (6) obrigar o Estado a ser mais transparente nas suas condutas, inclusive

com os gastos feitos; (7) permitir e exigir que o Tribunal de Contas e que os órgãos de

auditoria sejam presentes e eficientes no controle das despesas do Estado. Adianta-se, desde

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 já, que esse dever fundamental não legitima qualquer cobrança de tributo, como será visto no

capítulo seguinte.

Essas são matérias que perpassam a ideia do dever fundamental de pagar tributos

(impostos, para alguns, como será visto mais tarde) e que faz com que a matéria debatida

neste trabalho deva ser objeto de maior reflexão do que desperta atualmente.

Merece ser consignado que Mendonça, tanto em sua tese (2002), como em seu artigo

 publicado posteriormente (2006), apesar de reconhecer a existência do dever fundamental de

 pagar tributos, não aduz qualquer consequência prática ao se adotar tal dever fundamental,

nem relaciona temas que seriam sensíveis ao dever fundamental de pagar tributos.

2.5.4 Universalidade e generalidade como características dos deveres fundamentais

A universalidade e generalidade são outras características dos deveres fundamentais.

Ou seja, valem para todos. Logicamente, isso não significa que não seja possível a atribuição

de um dever fundamental a um grupo específico – os pais, por exemplo, na educação dos

filhos. Todavia, tal dever alcança a generalidade dos pais, casados ou não, não sendo possível

discriminação. É possível que um dever alcance também um estrangeiro (como o dever de

 preservação do meio ambiente), observadas as reservas necessárias.

Ainda, os deveres fundamentais podem alcançar as pessoas jurídicas, inclusive as

estrangeiras, guardadas as devidas particularidades. Como exemplo, pode-se citar o dever de

 preservação ambiental ou o dever de se pagar o Imposto de Renda em razão de ganho de

capital de imóvel localizado no Brasil. 67 

Por outro lado, é certo que os deveres fundamentais são frutos da criação do Estado.

Mesmo que eles decorram desta soberania, há um limite à criação desses deveres, pois estes

estão vinculados à dignidade da pessoa humana. Sua fundamentação estará no texto

constitucional (NABAIS, 2004, p. 56-60).Para Canotilho (2003, p. 535), “os deveres fundamentais reconduzem-se a normas

constitucionais autônomas.” Mesmo que não haja um “catálogo” descritivo dos deveres

fundamentais, tal como o extenso rol de direitos existentes nas atuais Constituições, eles

estarão previstos expressa ou implicitamente na Constituição. Para Nabais, não existem

67 Vide NABAIS, 2004, p. 106-111.

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deveres pré-estatais. O dever fundamental será aquele previsto no texto constitucional,

devendo haver um suporte expresso ou implícito. 68 

Chulvi (2001, p. 40-43), entretanto, possui visão mais restritiva: para a autora

espanhola, os deveres devem estar expressos no texto constitucional, sendo os demais deveres

simplesmente legais. Nesse ponto, a autora anota o ponto de vista de Casalta Nabais, mas

discorda do autor português, assinalando que não é possível a existência de deveres

fundamentais implícitos na Constituição.

Para Canotilho (2003, p. 534), a Constituição Portuguesa não possui uma cláusula

geral ou aberta para admitir deveres materialmente fundamentais, ou seja, uma cláusula

constitucional que pudesse comportar e legitimar a criação, via lei, de qualquer obrigação que

se amoldasse ao conceito de dever fundamental. Afirma o autor lusitano, contudo, ser possível

a criação de deveres legais, que seriam chamados de deveres extraconstitucionais (2003, p.534; MOREIRA; CANOTILHO, 1991, p. 119) ou de deveres legais ou ordinários (NABAIS,

2004, p. 63).

 Nabais (2004, p. 63 e 86-87) entende, inclusive, que uma cláusula geral de atribuição

de deveres – denominada de deverosidade social  pelo citado autor – tal qual a existente na

Constituição Italiana 69 e Espanhola 70 - não poderia legitimar a instituição, via lei, de

obrigações que conformassem um dever fundamental. Um dever fundamental é extraído de

cláusula (ou cláusulas) específica, expressa ou implícita, existente no texto constitucional.

Assim, por exemplo, o dever fundamental de pagar impostos, o dever de preservação do meioambiente, o dever de prestar serviço militar são deveres decorrentes do texto constitucional,

68 Mendonça (2002, p. 180-181) também concorda com a afirmação de que os deveres fundamentais têm por  base a Constituição, seja expressa, seja implicitamente.69 Constituição Italiana:“Art. 2º - A República reconhece e garante os direitos invioláveis do homem, quer como ser individual quer nasformações sociais onde se desenvolve a sua personalidade, e requer o cumprimento dos deveres inderrogáveis de solidariedade política, econômica e social .” (ITÁLIA, 1948, tradução livre do autor)

“Art. 4º - A República reconhece a todos os cidadãos o direito ao trabalho e promove as condições que tornemefetivo esse direito. Todo cidadão tem o dever de exercer, segundo as próprias possibilidades e a própria opção,uma atividade ou uma função que contribua para o progresso material ou espiritual da sociedade” . (traduçãolivre do autor)

70 Constituição Espanhola:“Artículo 9.1. Los ciudadanos y los poderes públicos están sujetos a la Constitución y al resto del ordenamiento jurídico.”(ESPANHA, 1978)Apesar da posição da doutrina mencionada, na nossa visão, entendemos que esse dispositivo da ConstituiçãoEspanhola – ao contrário do descrito na Constituição Italiana - não congrega um dever fundamental “genérico”.Afinal, ele apenas exige o respeito à Constituição e ao ordenamento jurídico, sem impor qualquer condutaespecífica em prol de alguém ou da coletividade e que seja essencial à manutenção da sociedade, do Estado eque garanta os direitos fundamentais. 

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mas cada um decorre de dispositivos constitucionais distintos. Eles não possuem a mesma

origem, o mesmo fundamento constitucional. Todavia, como já dito, Nabais aceita que o

dever fundamental possua uma base constitucional implícita.

Para Mendonça (2002, p. 181), a taxatividade dos deveres fundamentais reforça a

 primazia conferida pela Constituição aos direitos fundamentais frente aos poderes do Estado e

demais valores comunitários que amparam a criação dos deveres fundamentais.

 No caso brasileiro, como bem afirma Mendonça (2002, p. 181), não existe uma

cláusula geral de deverosidade social. Poder-se-ia entender que os artigos 1º e 3º da

Constituição, ambos com seus incisos, 71 corresponderiam a uma cláusula geral de imposição

de deveres. Todavia, ela não representa uma cláusula geral de atribuição de deveres, mas

apenas especifica os fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil. De qualquer 

forma, dispositivos de caráter genéricos e abertos como os citados,  por si só, não criamqualquer dever fundamental específico. Assim, assegurar o respeito à dignidade humana não é

suficiente para amparar um dever fundamental específico. Esses dispositivos, juntamente com

outros dispositivos constitucionais, podem auxiliar apenas na compreensão de existência ou

alcance de um determinado dever fundamental específico.

Eles também podem auxiliar na verificação de validade (constitucionalidade) de uma

lei ordinária que crie um dever legal. Ou seja, seriam úteis na atividade interpretativa. Mas

este dever  legal  não estaria conformando qualquer dever fundamental, mas apenas criando

uma espécie de restrição infraconstitucional a um direito fundamental. Contudo, não é possível compreender a existência deste tipo de dever partindo apenas e isoladamente dos

artigos 1º e 3º da CF/88. Ao contrário dos direitos, os deveres não possuem uma cláusula

aberta. 72 

71 “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e doDistrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:I - a soberania;II - a cidadania;III - a dignidade da pessoa humana;IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;V - o pluralismo político.Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente,nos termos desta Constituição.

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;II - garantir o desenvolvimento nacional;III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas dediscriminação.” (BRASIL, 1988).72 Conferir Canotilho (2003, p. 534) e Nabais (2004, p. 87-94). Chulvi (2001, p. 40-41) também não aceita aideia de que uma cláusula aberta poderia legitimar um dever fundamental concreto.

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Esse raciocínio possui consequências, pois uma medida legal restritiva terá mais

chances de ser legitimada se existir um dever fundamental para ampará-la

constitucionalmente. Buscar fundamento apenas nos artigos 1º e 3º da Constituição Federal

exige um esforço hermenêutico muito mais forte, pois esses dispositivos apresentam textura

muito ampla e fluída, e necessitam, em geral, de outros dispositivos constitucionais mais

específicos para legitimarem a edição de uma lei restritiva dos direitos fundamentais.

Deve-se destacar que mesmo um dever fundamental implícito, extraído do texto

constitucional, será compreendido a partir de algum dispositivo (ou alguns dispositivos) que o

encerra. Nabais (2004, p. 63), por exemplo, diz que o dever fundamental de pagar imposto é

implícito, pois ele, em Portugal, não decorre de um dispositivo expresso, mas resulta “quer da

ampla e desenvolvida ‘constituição fiscal’ que contém (art. 106º e 107º), quer da própria

natureza do estado fiscal que incorpora e que o reconhecimento e garantia dos direitosfundamentais pressupõe”.

Maria Luíza Mendonça, por sua vez assevera que o dever de trabalhar não está

 previsto expressamente no texto constitucional brasileiro:

[…] mas decorre implicitamente do conjunto de normas sobre o trabalho delaconstantes, especialmente o inciso IV do artigo 1º, segundo a qual a RepúblicaFederativa do Brasil tem como fundamentos, dentre outros, os valores sociais dotrabalho os artigos 170 e 193, o primeiro que estatui que a ordem econômica estáfundada sobre a valorização do trabalho, e o segundo que dispõe que a ordem socialfunda-se no primado do trabalho, […].(MENDONÇA, 2002, p. 186). 

Poder-se-ia questionar essa posição de Mendonça, pois é duvidosa a afirmação da

existência de um dever fundamental de trabalhar. Mendonça (2002, p. 188) apenas esclarece,

com apoio em Vieira de Andrade que o dever de trabalhar não pode ser interpretado como a

consagração do trabalho forçado nem como a funcionalização do direito ao trabalho em face

às necessidades comunitárias (haja vista a liberdade de iniciativa e de profissão).

Para Mendonça (2002, p. 188, nota 29), citando uma versão mais antiga da obra de

Vieira de Andrade, 73 esse dever “não é mais do que uma afirmação programática que autoriza

73 Nesse trecho específico (pág. 188, nota 29), Maria Luíza indica que a obra de Vieira de Andrade é de 1976.Todavia, nas referências postas no final da tese, a autora indica que a obra é de 1987. Ocorre que, conformeconsta na última edição (2009), a 1ª edição é de 1983 e a segunda é de 2001. Isso é importante, pois as duasrevisões mais significativas na Constituição Portuguesa ocorreram em 1989 e 1997. Ou seja, a autora utilizouuma obra que foi objeto de alteração significativa. Na última edição (2009), que foi a utilizada para fazer essetrabalho, Vieira de Andrade nos dá a impressão que o dever de trabalhar não existe atualmente ou perdeu a suaimportância em Portugal. Isso porque o autor menciona tal dever com verbos no tempo passado. Explicamos. Na página 158 de sua obra, Vieira de Andrade trata de deveres associados a direitos que eram, em alguns casos,afirmações de valores ou interesses comunitários feitos a propósito dos direitos, mas sem interferência no seuconteúdo específico. Nesse ponto, ele informa em nota de rodapé (n° 125), o seguinte: “Assim acontecia, por 

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o legislador a (eventualmente) estabelecer obrigações concretas, se isso se revelar necessário,

 para a salvaguarda de valores comunitários (a independência nacional ou o bem-estar geral,

 por exemplo).”

O que importa é que a norma jurídica que encerra o dever fundamental tenha

substrato constitucional, sendo decorrente de um processo hermenêutico que terá como ponto

de partida o texto constitucional. Certamente, o dever fundamental não precisa se encerrar em

um único dispositivo legal. Ele deve ser extraído da unidade sistêmica da Constituição, após a

atividade criativa do intérprete na conformação da norma jurídica.

Por isso, entende-se incorreta a posição de Chulvi ao assinalar que apenas os deveres

expressos seriam possíveis. Esse entendimento acaba por igualar o texto à norma, bem como

reduzir o papel criativo do intérprete, que, como se sabe, não prevalece na moderna

hermenêutica jurídica.

74

 

2.6. Tipologia dos deveres fundamentais.

 Nabais apresenta diversas classificações sobre os deveres fundamentais, levando em

consideração sua estrutura lato sensu. Pela importância, enfrentaremos apenas três, sendo

duas que enfatizam o conteúdo dos deveres fundamentais (conteúdo positivo e negativo;

conteúdo do dever autônomo e não autônomo) e uma que está focada na relação dos deveres

fundamentais com os direitos fundamentais. 75 Duas questões devem ser abordadas

antecipadamente.

exemplo, com o dever de trabalhar, mau grado a Constituição o apresentar como inseparável do direito aotrabalho. De facto, não estávamos perante um dever conexo com um direito […]. Esse dever […] não era maisque uma afirmação programática que autorizava o legislador […].” (ANDRADE, 2009, p. 158, nota 125,destaque nosso). Nota-se que Maria Luíza Mendonça cita o mesmo trecho, mas com verbo ser no tempo presente (“é”, ao invés de “era”, que é o termo hoje usado por Vieira de Andrade). Parece-nos, portanto, que houve umaalguma alteração na posição do autor português.74 Eros Grau (2006) deixa claro que norma é texto interpretado. Norma e texto não se confundem. Texto é normaem potência. A norma é produzida pelo intérprete, sendo que a interpretação do direito é constitutiva, e nãodeclaratória. Afinal, o direito é alográfico, ou seja, o texto normativo não se completa no sentido impresso pelolegislador, necessitando sempre do intérprete para estar completo. E o direito não se interpreta em tiras, em pedaços. Mesmo a Constituição deve ser examinada na sua totalidade. Conferir também a primeira parte da obrade Jane Reis Gonçalves Pereira, que assim consigna: “nunca é possível cogitar de uma aplicação pura simples daobra legislativa. A aplicação é o ‘momento final da interpretação’, pressupondo antes que se opere adeterminação dos textos normativos relevantes para a solução do problema e a atribuição de sentido a estes.”(PEREIRA, 2006, p. 41).75 Nabais (2004, p. 112-117) ainda menciona outras classificações: o dever com conteúdo constitucional (dever fundamental) do dever com base legal; os deveres de conteúdo cívico-político e os deveres de conteúdoeconômico, social ou cultural; deveres do ponto de vista dos titulares; deveres do ponto de vista dos

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Em primeiro lugar, a classificação entre deveres autônomos e não autônomos, se

comparada com a classificação feita a partir das relações dos deveres com os direitos, soa

muito próxima, havendo sérias dificuldades em se compreender a diferença entre elas,

inclusive pelos termos utilizados nas mencionadas classificações.

Em segundo lugar, entendemos que as duas classificações acima versadas não

alteram o conceito e as características dos deveres fundamentais, nem interferem na análise

concreta de um caso. Na nossa visão, elas se confundem e não conseguem delimitar com

nitidez qual o tipo de dever de que se está tratando. Infelizmente, elas não ajudam a facilitar a

compreensão da matéria. Entendemos que as classificações propostas apenas reforçam a

importância dos deveres fundamentais, na medida em que comprovam sua constante relação

com a matéria dos direitos fundamentais.

2.6.1. Deveres positivos e deveres negativos

Uma das classificações possíveis dos deveres fundamentais envolve a análise do seu

conteúdo. Assim, podemos ter deveres positivos e negativos. No primeiro, o destinatário será

obrigado a um comportamento positivo, ou seja, deveres que envolvam prestações pessoais do

respectivo destinatário (obrigação de dar ou fazer ). Essa classificação alcança a maioria dosdeveres fundamentais, entre eles o de pagar tributos. Alguns são, inclusive, personalíssimos,

como o dever de voto e de prestar serviço militar. 76 

 No que diz respeito ao dever de abstenção (não fazer ), Nabais (2004, p. 112)

exemplifica com a hipótese de isenção político-partidária das forças armadas, mesmo

exemplo observado por Mendonça (2002, p. 188) 77, que acresce o dever de isenção político-

 partidária dos juízes (art. 95, § único, III, da CF/88).

destinatários; encarados do ponto de vista das relações em si; e a que toma em perspectiva a evolução históricados deveres.76 Pode-se indagar se os deveres de voto e de alistamento seriam realmente fundamentais, bem como se elesrestringem algum direito fundamental. Como visto anteriormente, somente se poderá falar que o direito deliberdade resta restringido pelos mencionados deveres de votar e de alistamento na hipótese de se adotar comoreferencial teórico a teoria do suporte amplo de direitos fundamentais (teoria externa). Por essa teoria, o direitofundamental de liberdade, a priori, compreenderia o direito de não votar e de não se alistar (direito à não ação).Os deveres seriam, assim, restrições constitucionais externas (posição adotada por Mendonça). Contudo, como járestou claro neste trabalho, adota-se a linha de Vieira de Andrade (teoria interna), na qual os deveresmencionados (como outros qualquer) irão delimitar o conteúdo normativo do direito fundamental, pois excluema priori algumas posições ou parcelas da liberdade.77 Previsto no art. 142, § 6º, da CF/88.

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O professor da Universidade de Coimbra (NABAIS, 2004, p. 112) ressalta

novamente que deveres de tolerância envolvem situações de sujeição e não deveres

fundamentais propriamente ditos, ponto este bastante discutível – ao menos em alguns casos

concretos – conforme já detalhado no item 2.5 deste trabalho.

Além disso, há deveres que envolvem ao mesmo tempo tanto deveres de dar ou de

fazer como deveres de não fazer (positivos e negativos, simultaneamente). Os deveres de

 proteção ao meio ambiente bem como de proteção ao patrimônio cultural englobam ambas as

 prestações.

Lembra Nabais (2004, p. 112) também que é possível a existência de deveres

 positivos que cumulam as obrigações de dar e fazer. Como exemplo, ele lembra os vetores

 positivos dos deveres de proteção ao meio ambiente bem como de proteção ao patrimônio

cultural, bem como o dever dos pais em educar e manter os filhos.

78

 Essa, contudo, não é a classificação que mais gera polêmica, mas, sim, aquela

 pautada na relação dos deveres com os direitos fundamentais.

2.6.2. Deveres autônomos e deveres não autônomos

 Nabais (2004, p. 113) indica que os deveres fundamentais podem ser classificadosem deveres com conteúdo autônomo ou deveres autônomos e deveres não autônomos.

Os deveres autônomos não estão relacionados diretamente com a conformação de

nenhum direito fundamental, dispondo de um conteúdo totalmente excluído de específicos

direitos fundamentais.

Entretanto, Nabais (2004, p. 114) afirma claro que essa classificação não importa na

total desvinculação dos deveres fundamentais frente aos direitos fundamentais em geral ou

com algum direito em particular. Assim, mesmo dentro dessa classificação de deveres

autônomos, Nabais compreende que a generalidade dos deveres fundamentais está em contato

com os direitos fundamentais em geral.

Por isso, quando um dever fundamental autônomo possui alguma relação com algum

direito fundamental específico, Nabais o denomina como dever coligado a direitos (2004, p.

114).

78 Mendonça (2002, p. 188) segue essa diferenciação entre deveres positivos e negativos.

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Para o professor português, o conteúdo desse dever está separado do direito, mas, ao

ser constitucionalmente concebido com o fim de limitar ou restringir certos direitos

fundamentais, apresenta-se funcionalmente ligado aos mesmos (aos direitos, portanto). Assim,

 para Nabais, o dever coligado a direitos é um dever autônomo.

Dessa forma, talvez o termo utilizado não seja o melhor, servindo apenas para causar 

uma falsa impressão de autonomia.

Por outro lado, na classificação de Nabais, há os deveres não autônomos. Estes estão

atrelados materialmente a um direito fundamental (direitos-deveres ou deveres-direitos,

variando conforme a primazia de cada categoria). Nabais (2004, p. 113) entende que os

deveres não autônomos “têm um conteúdo constitucional que integra a exclusão da liberdade

negativa (ou de não exercício) dos direitos a que se encontram associados.” Seu conteúdo

coincide com parte do conteúdo dos específicos direitos fundamentais. A grande diferença naclassificação aqui mencionada e proposta por Nabais é que:

[…] enquanto nos deveres não autónomos o seu conteúdo está numa relação deintegração com o dos direitos, nos deveres autónomos o seu conteúdo está numarelação de exclusão ou de delimitação com o dos direitos em geral ou com o dealgum ou alguns direitos em especial. (NABAIS, 2004, p. 114) 

Ora, saber quando um dever classifica-se como “não autônomo” e quando ele é

autônomo (que compreende o dever coligado a direitos), na prática, é tarefa muito difícil, pois

a interação entre os direitos e deveres é dinâmica, e não estática. Para dificultar mais a

compreensão, Nabais adota também uma outra classificação, que toma como base a relação

dos deveres fundamentais com os direitos fundamentais. Levando em conta este último

referencial, Nabais reparte os deveres fundamentais em: a) deveres associados ou conexos

com direitos; b) deveres coligados a direitos; e c) deveres autônomos ou separados dos

direitos em sentido estrito. Essa classificação será vista a seguir.

Ora, saber qual a diferença entre um dever autônomo tendo em vista o referencial

“conteúdo” e um dever autônomo diante do parâmetro “relação com direito fundamental” não

é tarefa simples. Além disso, fica a dúvida se tal classificação tem sentido prático, pois os

conceitos envolvidos irão sempre se envolver e cruzar.

Talvez por isso, o ideal seria reunir as duas classificações, facilitando ou explicitando

melhor os conceitos pertinentes.

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Classificar, em ordens distintas (em razão do referencial diferente), usando os

mesmos termos (autônomo, conexo, coligado), não ajuda no propósito metodológico de se

classificar, que é justamente fragmentar em partes o objeto a ser estudado e facilitar a

compreensão do instituto em discussão. Entendemos que tanto a classificação posta neste item

como a que a seguir será estudada não conseguem, com êxito, esse propósito.

2.6.3. Os deveres e sua relação com os deveres fundamentais

Como dito no final do tópico anterior, os deveres fundamentais também podem ser 

classificados conforme sua relação com os direitos fundamentais. Afinal, a relação entre os primeiros e os segundos é questão sempre debatida pela doutrina e importante para se

reconhecer a importância dos deveres fundamentais. Essa classificação é a que mais gera

dúvidas, conforme será exposto a seguir.

Desde já adiantamos que, na nossa compreensão, a classificação proposta por Nabais

e aceita por Mendonça representa mais uma diferença de  grau na relação entre os deveres e

direitos fundamentais, do que propriamente uma classificação que importa em nítida

separação dos tipos de deveres fundamentais. Falar em deveres conexos, coligados ou

autônomos como categorias distintas de deveres  poderá servir apenas para confundir o leitor.Afinal, a ideia de que os deveres fundamentais integram a matéria de direitos fundamentais é

constantemente defendida pela doutrina. Mendonça, com amparo na obra de Nabais, acentua

que:

Os deveres fundamentais juntamente com os direitos fundamentais integram asubconstituição do indivíduo.[…]Pode-se afirmar que não há direitos fundamentais sem deveres fundamentais nemdeveres fundamentais sem direitos fundamentais. Não se pode falar em direitos sem

deveres fundamentais porque o cumprimento dos deveres fundamentais do homem edo cidadão, sendo indispensável para a existência e o funcionamento da comunidadeestatal, assegura a fruição dos direitos fundamentais só passível de acontecer dentrodessa comunidade organizada. O cumprimento dos deveres fundamentais constituigarantia jurídica para o gozo dos direitos fundamentais. …Os direitos fundamentais e os deveres fundamentais não são categorias jurídicastotalmente separadas nem sobrepostas, mas existem numa relação de conexão funcional. (MENDONÇA, 2002, p. 190). 

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Para os fins do presente trabalho, deve-se entender que as afirmativas feitas por 

Mendonça estão corretas desde que se compreenda que esses deveres fundamentais irão

figurar como limites imanentes dos direitos fundamentais e que os mencionados deveres irão

garantir, mesmo que indiretamente, não apenas os direitos fundamentais do  próprio titular  

dos deveres fundamentais, mas também – e, às vezes, tão somente – os direitos fundamentais

de outras pessoas.

Afinal, como também já dito, é possível que um dever fundamental não possua

relação direta com algum direito fundamental do  próprio titular do dever fundamental. Como

 já asseverado, no caso do dever fundamental dos filhos de amparo aos pais idosos, nenhum

direito fundamental dos filhos está sendo “restringido” ou “diminuído”. Eventual parcela da

liberdade individual de não exercício terá sido excluída de antemão (a priori) do conteúdo

normativo do direito fundamental da liberdade. Nesse exemplo, os filhos não terão seu direitofundamental de liberdade limitado, pois o conflito é aparente. Mas, de outro lado, por meio

desse dever fundamental, será garantido o direito fundamental dos pais idosos em obterem

cuidados e assistência. 79 

Chulvi (2001, p. 35), por sua vez, consigna que não há correlação necessária entre os

deveres e os direitos fundamentais previstos na Constituição, embora esta autonomia não

signifique uma total desvinculação entre estas figuras. Para essa autora, o dever de contribuir 

 para o sustento dos gastos públicos (dever de pagar impostos), o dever de defesa, o dever de

conhecer a língua espanhola, o dever de colaborar com a justiça, entre outros, não são umreflexo de um direito subjetivo outorgado a outra pessoa ou um grupo determinado.

Realmente, esses deveres não geram automaticamente algum direito subjetivo a

alguém. Mas, mesmo assim, o dever fundamental poderá servir como limite imanente de

algum direito fundamental (como o de pagar impostos e sua ligação com os direitos de

 propriedade e liberdade) e irradiar efeitos na concretização de outros direitos fundamentais

 próprios do titular do dever ou de terceiras pessoas.

Sua autonomia decorre do fato de serem suportes de valores comunitários, não

figurando apenas como o “reverso da moeda”. 80 Mas os deveres fundamentais existem, com

maior ou menor vínculo, em razão dos direitos fundamentais.

79 Nabais (2004, p. 122-123) acentua a (de) limitação do conteúdo dos direitos pelos próprios deveres e a (de)limitação do conteúdo dos deveres pelos próprios direitos fundamentais. Essa afirmativa faz com que se entendaque o mesmo acolhe a tese da teoria interna (suporte fático restrito) dos direitos fundamentais.80 Martínez defende que se deve buscar a confluência entre direitos e deveres, buscando a superação do binômiodireitos/deveres como institutos antagônicos. (MARTÍNEZ, 2009, p. 273-285).

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Por isso, devem ser tratados como matéria atinente aos direitos fundamentais, uma

vez que os deveres “gravitam” em torno de direitos fundamentais e formam o que Nabais

chama de (sub) constituição do indivíduo.

Assim, Nabais (2004, p. 116-117) entende que, olhando pelo lado da relação dos

deveres com os direitos fundamentais, é possível identificar três tipos de deveres: a) deveres

associados ou conexos com direitos; b) deveres coligados a direitos; c) deveres autônomos ou

separados de direitos em sentido estrito.

O primeiro tipo (deveres associados ou conexos) assume as modalidades de deveres-

direitos ou de direitos-deveres, consoante os deveres assumam ou não a primazia. Esses

deveres excluem negativamente a liberdade de não exercício (liberdade de não agir ou

negativa) e positivamente impõem um comportamento que se integra em parte ou totalmente

no conteúdo do direito, sem, contudo, esgotá-lo.Para Sarlet (2008, p. 241-242), por exemplo, os direitos fundamentais ao meio

ambiente equilibrado e à saúde, por exemplo, constituem típicos direitos-deveres, uma vez

que, “os deveres fundamentais de proteção do ambiente e de promoção da saúde encontram-se

vinculados de forma direta ao comando normativo-constitucional que prevê os direitos

fundamentais em questão.” Assim, os deveres relacionados com o meio ambiente seriam

classificados como deveres não autônomos,  bem como deveres associados ou conexos com

direitos. 81 

Mendonça (2002, p. 188, nota 28) também relaciona outros exemplos de deveresassociados ou conexos com direitos fundamentais: o dever dos pais de manutenção e

educação dos filhos; o dever de trabalhar em relação ao direito do trabalho; o dever de defesa

e promoção da saúde em relação ao direito à saúde; o dever de defesa do meio ambiente em

relação ao direito a um meio ambiente saudável; o dever de escolaridade básica em relação ao

direito ao ensino. 82 Neles, o dever exclui do conteúdo do direito a liberdade negativa e, ao

mesmo tempo, impõe uma ação ao titular do dever.

Duas questões são importantes de serem apontadas: em primeiro lugar, a relação

entre direitos e deveres fundamentais não ocorre sempre entre o mesmo titular . Nos exemplos

dados, os titulares dos deveres fundamentais associados ou conexos não são obrigatoriamente

os titulares dos direitos fundamentais. Isso é uma característica importante, pois esses deveres

81 É possível que Sarlet (2008, p. 241-242) também tenha adotado tal classificação, tendo em vista a semelhançados termos por ele utilizados. Ele simplesmente descreve que uma das distinções possíveis entre os diversostipos de deveres costuma ser feita levando em consideração a “existência de deveres conexos ou correlatos (aosdireitos) e deveres autônomos.” Andrade (2009, p. 151-159) também adota a classificação em deveresautônomos e deveres associados a direitos, o que simplifica bem. 82 Canotilho (2003, p. 533) também ilustra com os mesmos exemplos.

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 buscam garantir os direitos fundamentais previstos constitucionalmente, mesmo que

 pertencentes a outras pessoas ou à coletividade.

Em segundo lugar, a exclusão, a priori, pelo dever fundamental, de alguma parcela

da liberdade do indivíduo (mesmo que seja a liberdade de não agir), na conformação do

direito fundamental é uma constância no tema em debate, sendo uma característica existente

nos outros tipos da classificação ora em debate.

Isso não quer dizer que os deveres fundamentais sempre restringem direitos

fundamentais. Essa concepção, como já dito, só pode ser aplicada no caso se de adotar uma

teoria de suporte fático amplo dos direitos fundamentais, tal como admite Mendonça.

Entendemos que os deveres fundamentais irão servir como limites imanentes aos

direitos fundamentais 83, bem como servir como parâmetros de validade e legitimidade para o

legislador editar medidas legislativas específicas que, aí sim, restringem direitosfundamentais. 84 

Resta saber se os deveres qualificados como associados ou conexos também seriam

considerados deveres não autônomos, nos termos da explicação posta no item anterior. Pela

concepção de Nabais, exposta no item anterior, parece que sim.

 No segundo grupo da classificação oferecida por Nabais (deveres coligados a

direitos), não há identidade do conteúdo do dever com o do direito, mas os deveres se dirigem

à diminuição (enfraquecimento, segundo Nabais) ou limitação específica do conteúdo

 potencial dos direitos a que se encontram vinculados. Nota-se que a diferença real entre esses dois tipos não é tão grande, pois em ambos

haverá uma delimitação do conteúdo do direito fundamental, bem como é difícil saber quando

o dever integra o conteúdo do direito. O próprio Nabais (2004, p. 117) reconhece que “esses

dois tipos de deveres [associados e coligados], vistos do ângulo dos limites que originam nos

respectivos direitos 85, são deveres de actuação que excluem seja o se, seja algum como desses

direitos.” 86 

83 Excluem, portanto, a priori, alguns atos, fatos ou situações do âmbito normativo do direito.84 Vide tópico anterior, em que debatemos as teorias externa e interna, bem como a teoria de Vieira de Andrade.85 Entendemos que a expressão “limites que originam nos respectivos direitos” demonstra que Nabais adota ateoria interna (suporte fático restrito) dos direitos fundamentais.86 Em outra passagem, Nabais (2004, p. 123) assevera: “Os deveres associados ou coligados a direitos, namedida em que constituem específicas amputações ao conteúdo destes: os primeiros, os deveres associados a (ouconexos com) direitos, porque, por um lado, excluem do conteúdo destes a liberdade negativa ou a faculdade denão exercício e, por outro lado, impõem em geral no todo ou em parte o conteúdo positivo dos mesmos; ossegundos, os deveres coligados a direitos, porque restringindo os direitos a que estão coligados, excluem doconteúdo dos mesmos diversas faculdades ou segmentos positivos que de outro modo integrariam o seuconteúdo.”

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Por sua vez, é possível que estes deveres, mesmo qualificados como coligados a

direitos, sejam considerados como deveres autônomos, tomando-se como referencial o

conteúdo (classificação vista no item anterior), e não a relação dos deveres com os direitos

fundamentais. 87 

Por fim, os mencionados direitos autônomos  stricto  sensu representam valores

comunitários que traduzem interesses constitucionalmente protegidos (NABAIS, 2004, p.

123). 88 Nabais (2004, p. 117) frisa que esses deveres não possuem ligação específica com os

direitos. Todavia, segundo ele, isso não quer dizer que eles não tenham qualquer contato com

a matéria de direitos fundamentais, “pois que eles sempre (de)limitam negativamente certo(s)

grupo(s) ou mesmo o conjunto dos direitos fundamentais”.

Entendemos que essa segunda afirmativa chega a contradizer a primeira. Ou seja,

dizer que os deveres autônomos são aqueles que não possuem ligação específica com osdireitos fundamentais, mas, ao mesmo tempo, afirmar que os mesmos possuem contato com a

matéria dos direitos fundamentais serve apenas para confundir ou dificultar a compreensão do

árduo tema em debate.

Mendonça (2002, p. 189, nota 31) exemplifica esse tipo de dever com o dever de

defesa da pátria em sentido estrito. Andrade (2009, p. 152) também indica esse dever como

exemplo de dever autônomo. Sarlet (2008, p. 242), por sua vez, indica como exemplos dessa

categoria o dever de colaborar na administração eleitoral (mesários), o de prestar serviço

militar e o dever autônomo de votar (art. 14, § 1º, CF).89

 Esse dever de votar, entendido por Sarlet como autônomo, é compreendido por 

Vieira de Andrade (2009, p. 158) e Mendonça (2002, p. 175 e 189) como deveres associados

com direitos fundamentais. Sarlet (2008, p. 241) entende que o mencionado dever seria

autônomo por não estar relacionado diretamente na conformação de nenhum direito subjetivo.

Vieira de Andrade (2009, p. 151), por sua vez, entende que os deveres fundamentais

autônomos são os “impostos pela Constituição independentemente de qualquer direito”. E

87 Vide Nabais (2004, p. 114).88 É importante advertir para não que não confunda o dever autônomo ora tratado com o dever autônomo tratadono item anterior (2.6.2).89  Apesar de este não ser o ponto central deste trabalho, quanto ao mencionado dever de votar, merece ser assinalado que essa questão não é pacífica, pois há aqueles defensores do voto facultativo, que argumentam,inclusive, de que há países que implantaram tal sistema e, mesmo sem a obrigatoriedade do voto, configuramEstados Democráticos. Não se sabe se a experiência estrangeira seria bem aplicável ao país, mas, de qualquer forma, entender essa obrigação como um dever fundamental equivale a dizer que, em razão do textoconstitucional, ela é essencial para que o Estado e a sociedade tenham existência e para garantir o regimedemocrático. De qualquer forma, trata-se de um dever vinculado ao regime democrático e que o textoconstitucional tornou obrigatório, o que induz que, ainda hoje, ele configuraria um dever fundamental. VideLuíza Helena Herrmann de Oliveira (1999), que trata de uma pesquisa feita em Londrina sobre o tema. 

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Mendonça (2002, p. 189, nota 30), dando outra conotação, alega que o dever fundamental de

votar exclui o direito ao não exercício do direito de voto.

Mais uma vez, a dificuldade na classificação se apresenta. Primeiramente, não fica

claro se a classificação de Sarlet e a Vieira de Andrade levam em consideração o conteúdo

dos deveres fundamentais (tratado no item anterior – 2.6.2) ou a relação dos deveres com os

direitos fundamentais (item atual – 2.6.3).

Em segundo lugar, entendemos que a simples exclusão a priori de uma parcela da

liberdade (direito de não agir) não é justificativa suficiente para qualificar determinado dever 

como dever conexo ou associado a direito fundamental. Na conceituação trazida por Nabais

(2004, p. 116), um dever será associado ou conexo a um direito quando este, além de

delimitar  o âmbito normativo do direito fundamental, impõe positivamente “um

comportamento que se integra total ou parcialmente no conteúdo do direito, conteúdo esteque, todavia, não esgotam.” Por sua vez, um dever será considerado autônomo em sentido

estrito se não tiver qualquer ligação específica com os direitos fundamentais.

 No caso, o direito (fundamental) político 90 em jogo configura, ao mesmo tempo, um

dever fundamental, pois a Constituição optou pela sua obrigatoriedade, entendendo que o

mesmo é essencial para assegurar o regime democrático e a participação de todos, o que leva

à sua classificação como dever conexo ou associado a direito.

Contudo, como ficaria o dever fundamental de pagar impostos? Por configurar o

meio ou instrumento básico que possibilita ao Estado cumprir suas tarefas e por ter o seuconteúdo constitucional totalmente distinto de algum específico direito fundamental, ele

 poderia ser compreendido como um dever autônomo. Esse entendimento, aliás, é seguido por 

Vieira de Andrade (2009, p. 152), Canotilho (2003, p. 533) e Sarlet (2008, p. 242).

De outro lado, o dever fundamental de pagar impostos também pode ser visto como

limite imanente dos direitos fundamentais de propriedade e de liberdade 91, o que poderia

legitimar sua classificação como dever  coligado a direito. Para Nabais (2004, p. 117), ele

90 “Os direitos políticos são entendidos como um conjunto de regras que disciplina o exercício da soberania popular. Nesse sentido, é um grupo de normas que envolvem a participação dos indivíduos (cidadãos) nos processos de poder, ou seja, nas tomadas de decisões que envolvem a vida pública do Estado e da sociedade. Osdireitos políticos fundamentam o princípio democrático presente no § único do art. 1° da CR/88 e sãodesenvolvidos por meio de normas que dizem respeito à escolha de representantes para o exercício do poder emnome do povo ou pela própria participação direta do povo no exercício do poder. … As espécies de direitos políticos são: a) direito de sufrágio (direito de votar e ser votado) com seus correlatos de alistabilidade (direito devotar em eleições, plebiscitos e referendos) e elegibilidade (direito de ser votado); b) iniciativa popular de lei; c)ação popular; d) direito de organização e participação de partidos políticos.” (FERNANDES, 2010, p. 485).91 Nesse sentido, Vieira de Andrade (2009, p. 274-276), o que faz com que não se compreenda o motivo peloqual esse autor português não compreende o dever fundamental de pagar impostos como deveres coligados adireitos fundamentais.

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seria um dever coligado a direito, pois este amputa parte do conteúdo normal ou típico do

direito de propriedade, raciocínio seguido por Mendonça (2002, p. 175 e 189):

[…] deveres estabelecidos constitucionalmente com o objetivo de enfraquecer ou

limitar o conteúdo de certos direitos; aqui não há identidade de conteúdo do dever fundamental com o direito fundamental, havendo total ausência de relações entre osrespectivos conteúdos, uma vez que os deveres dessa categoria, tendo por objetivoenfraquecer ou limitar o conteúdo potencial dos direitos fundamentais a que eles seacham coligados, isso traz para aqueles deveres a característica de se apresentaremcomo verdadeiras restrições constitucionais expressas aos direitos fundamentaisrespectivos, retirando-lhes parte do seu conteúdo normal ou típico […].(MENDONÇA, 2002, p. 189; 2006, p. 378).

Entendemos que o mais correto, frente às classificações propostas, é que o dever 

fundamental de pagar impostos seja compreendido como um dever coligado a direitos e não

apenas como dever autônomo em sentido estrito. Esse dever será um limite imanente aosdireitos de propriedade e de livre iniciativa, retirando-lhes de antemão parte do seu conteúdo

normal ou típico.

Por fim, seja classificando como dever autônomo, seja como dever coligado a

direitos, Nabais (2004, p. 123) reconhece que o dever fundamental de pagar impostos

interfere no conteúdo normativo do direito de propriedade bem como afeta as liberdades de

escolha e exercício de atividade econômica e a livre iniciativa, o que é um dado importante

quando tratarmos neste trabalho de algumas hipóteses concretas em que o mencionado dever 

fundamental poderá ser invocado para amparar uma pretensão estatal contra o contribuinte.Em suma, o que merece ser frisado é que os deveres fundamentais serão

didaticamente classificados conforme a maior ou menor vinculação (direta) com algum direito

fundamental específico, seja limitando o âmbito normativo de um direito fundamental, seja

 para garantir o direito fundamental de outra pessoa.

2.7. Os titulares ativos e os destinatários passivos dos deveres fundamentais

Acertadamente, Mendonça (2002, p. 186) assinala que os deveres fundamentais são

deveres dos membros da comunidade para com esta comunidade ou com o Estado. Esses

deveres estão a serviço da realização de valores assumidos no texto constitucional. Uma das

características será a generalidade e universalidade, alcançando todas as pessoas que

estiverem inseridas naquela situação fática geradora do correspondente dever.

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Poderão ser destinatários de deveres fundamentais não só os cidadãos, como também

outras pessoas físicas, tais como os estrangeiros e os apátridas, bem como as pessoas jurídicas

(pessoas coletivas). Assim, o dever fundamental de pagar imposto não alcança apenas o

 brasileiro (pessoa física ou jurídica, tanto faz), mas também o estrangeiro que possui renda

localizada no Brasil. Da mesma forma, o dever de proteção ambiental alcança tanto as pessoas

físicas ou jurídicas como as nacionais e as estrangeiras que aqui residem ou se encontram 92.

Outros, todavia, só podem ser opostos a pessoas físicas e a nacionais, excluindo,

assim, os estrangeiros e as pessoas físicas. Como exemplos, temos o dever de prestar serviço

militar e o associado ao voto.

Apesar da generalidade e universalidade, alguns deveres serão restritos a

determinados grupos, como os pais (no dever de educação dos filhos – artigos 205, 227 e 229,

CF/88) e os filhos maiores (no dever de amparo dos pais na velhice – art. 229, CF/88). Nessecaso, por imperativo lógico, o dever se estende a todos os pais e filhos indistintamente.

 Nabais (2004, p. 110) assinala, entretanto, que os entes públicos também podem ser 

destinatários de um dever fundamental. Entendemos que se deve fazer uma diferenciação:

entidades da Administração Pública Indireta que exerçam atividade econômica (empresas

 públicas e sociedades de economia mista, por exemplo), por estarem em posição equiparável à

de outras pessoas jurídicas de direito privado, devem ser destinatárias passivas dos deveres

fundamentais, da mesma forma que as demais sociedades empresariais. 93 

Por outro lado, os Entes Públicos, dotados de personalidade jurídica de direito público, possuem competências, e não deveres fundamentais. Estes são deveres dos membros

da comunidade para com esta comunidade ou com o Estado. Os deveres do Estado não podem

ser incluídos nessa tipologia.

Além disso, apesar de ser discutível, como os deveres fundamentais fazem parte da

matéria atinente aos direitos fundamentais e estes últimos não são extensivos aos Entes

92 Ou seja, um turista europeu não pode cortar uma árvore sem licença ou mesmo colocar fogo em uma mata, bem como uma empresa mineradora deverá exercer sua atividade observando toda a legislação ambiental editada para conformar o dever fundamental de proteção ambiental.93 Art. 173, § 1º, CF: “A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mistae de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:…II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis,comerciais, trabalhistas e tributários;…§ 2º - As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais nãoextensivos às do setor privado.” (BRASIL, 1988).

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Públicos, entendemos que o Estado (em sentido amplo) não pode figurar como destinatário

dos mencionados deveres fundamentais.

Vistos os destinatários dos deveres, temos do outro lado da relação intersubjetiva os

titulares dos deveres fundamentais. Ou seja, os deveres fundamentais visam inicialmente

alguém, mesmo que esse alguém seja indeterminado. É necessário, entretanto, ponderar a

seguinte questão. Inicialmente, os deveres fundamentais são extraídos do texto constitucional,

ou seja, eles são uma criação do Estado, o que demonstra que eles são expressão da soberania

constitucional. (MENDONÇA, 2002, p. 186; NABAIS, 2004, p. 101).

Em segundo lugar, esses deveres, em regra, exigem a mediação legislativa, ou seja,

eles necessitam a edição de lei formal e material por parte do Poder Legislativo competente.

Visto isso, a titularidade das relações intersubjetivas decorrentes dos deveres

fundamentais irá variar conforme o tipo de dever fundamental que estiver em discussão.Haverá três situações:

a) Em primeiro lugar, quanto aos deveres fundamentais clássicos, o sujeito ativo desses

deveres é o Estado. Estes deveres configuram verdadeiro pressuposto da existência e

funcionamento do Estado e não podem deixar de ser reconhecidos e exigidos. Ou seja, devem

necessariamente estar previstos no texto constitucional. Expressam, assim, o

comprometimento e a responsabilidade dos cidadãos para com a comunidade. Como

exemplos, podem ser citados o dever fundamental de defesa da pátria – prestação de serviçomilitar – os deveres econômicos – o dever de pagar tributos – e os deveres políticos – dever 

de votar e de colaborar com a administração eleitoral. (NABAIS, 2004, p. 102;

MENDONÇA, 2002, p. 186).

 b) Em segundo lugar, há os deveres de conteúdo econômico, social ou cultural,

decorrentes do Estado Social, em que se buscará a tutela de determinados valores positivados

no texto constitucional. O sujeito ativo, no caso, é a coletividade e não o Estado. O dever de

 promover a defesa do meio ambiente, o de escolaridade mínima obrigatória, o de preservar o

 patrimônio cultural, o de trabalhar, entre outros, são hipóteses desse tipo de dever (NABAIS,

2004, p. 103; MENDONÇA, 2004, p. 182).

c) Por fim, há deveres que se dirigem a grupos específicos de pessoas, que serão os

titulares ativos de determinados direitos fundamentais. Ou seja, o cumprimento do dever 

reverte em prol de certos indivíduos, o que irá favorecer indiretamente a comunidade. Como

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exemplo, pode-se citar o caso do dever dos pais de manutenção e educação dos filhos

(NABAIS, 2004, p. 104; MENDONÇA, 2002, p. 187). Ainda, no caso do dever dos filhos

maiores de amparar os pais na velhice, carência ou doença (art. 229, CF/88). Nessas

hipóteses, um determinado grupo (filhos, no primeiro caso, pais, na segunda hipótese) será

titular do dever fundamental.

De qualquer forma, todos os deveres fundamentais estão a serviço de valores

comunitários objetivados no texto constitucional, ainda que alguns sejam diretamente

dirigidos à realização de específicos direitos fundamentais de outras pessoas. Variando quanto

ao grau de vinculação, é certo que todos os deveres, ainda que associados a um grupo

específico de pessoas, são deveres frente à comunidade estatal. 94 

2.8. A participação do Poder Legislativo na concretização dos deveres fundamentais

Já restou dito que os deveres fundamentais são expressões de valores comunitários

afirmados no texto constitucional. Tenham eles conteúdo cívico, social ou econômico, eles

limitam, em algum ponto, a esfera de liberdade dos indivíduos, o que não quer dizer que

limitam direitos fundamentais dos indivíduos.Isso já indica a necessidade constante de atuação do legislador, mesmo nos casos em

que o dever fundamental esteja expressamente determinado na Constituição. Afinal, eles não

 possuem seu conteúdo totalmente concretizado no texto constitucional, dirigindo-se

especialmente, portanto, ao legislador ordinário. Este último lhes dará o conteúdo ou a devida

conformação segundo o desenho traçado na Constituição. O legislador terá mais

discricionariedade para aqueles deveres conexos a direitos sociais, pois estes envolvem a

criação de toda uma estrutura de políticas públicas, ao passo que o legislador terá menos

liberdade de conformação naqueles deveres que tiverem um tratamento constitucional mais

específico e detalhado – como ocorre nos deveres de isenção político-partidária do militar, de

votar.

94 Nesse sentido, Nabais (2004, p. 105): “[…] todos os deveres fundamentais estão ao serviço de valorescomunitários, de valores que, ainda que dirigidos directamente à realização de específicos direitos fundamentaisdos próprios destinatários dos deveres ou de terceiros, são assumidos pela comunidade nacional como valoresseus, constituindo assim, ao menos de um modo directo ou imediato, deveres para com a comunidade estadual.”

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Quanto ao dever fundamental de pagar impostos, Nabais (2004, p. 164) entende que

o legislador possui ampla liberdade de conformação. Contudo, Mendonça (2002, p. 199, nota

46) crê que esse entendimento não se aplica ao Brasil, pois nossa Constituição, ao contrário de

Portugal, foi pródiga em dispositivos tributários, traçando diversos limites ao exercício da

competência tributária. Não acompanhamos a posição de Mendonça, pois, mesmo que a

Constituição Brasileira tenha delimitado a competência tributária de forma rígida e

estabelecido diversas regras para a imposição e cobrança dos tributos, ainda assim o

legislador infraconstitucional, na maioria dos casos, possui uma margem de conformação

muito grande.

Mesmo aqueles que são mais bem estruturados no texto constitucional, como os

deveres cívicos vinculados ao voto ou mesmo o dever fundamental de pagar tributo, ainda

assim, eles estão “longe de esgotar toda a disciplina que corresponde a esses deveres”(MENDONÇA, 2002, p. 191-198).

Assim, os deveres fundamentais, em regra, não são diretamente aplicáveis, exigindo

a intervenção do legislador para concretizar o conteúdo dos primeiros, transformando-os,

assim, em obrigações. 95 Destacamos o “em regra” porque é possível , em poucas hipóteses, a

desnecessidade de lei infraconstitucional para que um dever fundamental possa ser exigido.

Dois exemplos ilustram essa afirmativa: o dever dos pais em manter e educar os

filhos e o dever dos filhos em cuidar dos pais idosos. É necessária a edição de lei

infraconstitucional para obrigar concretamente os pais a manterem e educarem os filhos?Da mesma forma, é necessária lei infraconstitucional para que os filhos se vejam

concretamente obrigados a cuidar dos pais idosos? Cremos que não, pois esses deveres, da

forma como postos no texto constitucional, já geram efeitos e impedem qualquer inércia dos

respectivos destinatários, impondo-lhes algum comportamento. Nesse sentido é a lição de

Canotilho:

Os “deveres fundamentais”, ou melhor, as normas da constituição que consagramdeveres fundamentais, só excepcionamente têm a natureza estrutura de “direitodirectamente aplicável”. Ressalvando, porventura, alguns deveres “directamenteexigíveis” (Jorge Miranda) como, por ex., o dever de educação dos filhos (cfr. CRPart. 36º/3 e 5), a generalidade do deveres fundamentais pressupõe uma interpositiolegislativa necessária para a criação de esquemas organizatórios, procedimentais e

95 Tal posição também é compartilhada por Nabais (2004, p. 148-149), Mendonça (2002, p. 197-199), Andrade(2009, p. 160) e por Moreira e Canotilho (1991, p. 149), sendo que estes últimos assim consignaram: “umaanálise das normas impositivas de deveres parece mostrar que elas não são directamente aplicáveis, carecendoem todos os casos de concretização legal, embora nem sempre a Constituição faça uma explícita remissão para alei.”

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 processuais definidores e reguladores do cumprimento de deveres.” (CANOTILHO,2003, p. 535).

O próprio dever de proteção ambiental, em regra, necessita da edição de atos

normativos que estabeleçam as obrigações que a pessoa (física ou jurídica) deverá cumprir – seja uma obrigação de dar, de fazer ou não fazer – sob pena de sofrer alguma sanção. Mas, de

qualquer forma, é possível vislumbrar que tal dever fundamental impede, sem a necessidade

de intermediação legislativa, algumas condutas das pessoas, como a destruição de bens

ambientais essenciais à vida humana.

O dever fundamental de pagar tributos, para ser efetivo, exige a edição de lei, pelo

Poder Legislativo do Ente Público competente, para instituir e possibilitar a cobrança de

determinado tributo.

Sobretudo para a previsão de sanções, é imprescindível a participação do legislador.Afinal, diante do princípio da legalidade, e tendo em vista que muitos dos deveres configuram

 prestações positivas (obrigações de fazer ou dar), a maioria dos deveres só se torna

obrigatórios com a sua previsão legal, bem como com a estipulação das sanções cominadas

em razão do inadimplemento. Mas, ressalte-se novamente, é possível que haja dever 

fundamental cujo cumprimento, para ser exigido, não necessite de lei.

Há uma liberdade de conformação dada ao legislador ordinário, que deverá, em razão

de situações concretas, particulares, em que se considera não só o momento histórico como o

local em questão, estabelecer a devida conformação ao dever fundamental que irá refletir,com mais ou menos vigor, em algum direito fundamental. Nabais, invocando o princípio da

liberdade, consigna o seguinte:

[…] materializando-se os deveres em limitações da esfera de liberdade dosindivíduos e suas organizações e devendo tais limitações, segundo esse princípio, ser as menos e menores possíveis, a sua completa e única concretização constitucionalsempre podia traduzir-se numa concretização mais gravosa para a liberdade do que anecessária em cada momento. Daí que se deixe ao legislador essa concretização, aqual assim será mais compatível com a liberdade dos indivíduos. Trata-se, pois, dedeixar mais liberdade ao legislador para ele a usar no sentido da maior liberdade

 possível do cidadão. (NABAIS, 2004, p. 151-152).

Moreira e Canotilho (1991, p. 147) seguem o mesmo entendimento. Para esses

constitucionalistas, o regime democrático não deixa à completa discricionariedade do

legislativo tratar de uma matéria que influi diretamente no estatuto constitucional da pessoa.

A previsão legal desses deveres, para se conformar ao parâmetro constitucional, não poderá

“atentar desnecessária ou desproporcionalmente contra a esfera de liberdade e

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autodeterminação dos cidadãos, nem contra a ordem constitucional dos direitos

fundamentais.”

 Nabais (2004, p. 152-153) acentua que a aplicabilidade direta dos deveres seria

 possível apenas em hipóteses excepcionais em que a Constituição preveja expressamente a

 pena, como acontece com a situação descrita no item nº 6 do art. 276 da Constituição

Portuguesa. Nesse caso, como sanção ao descumprimento do dever fundamental de cumprir 

seus deveres militares ou de serviço cívico obrigatórios, o cidadão inadimplente não poderá se

empregar ou manter o emprego ou cargo público. 96 

Sarlet (2008, p. 244) entende ser possível que os deveres fundamentais tenham

eficácia e aplicabilidade imediata. Tal efeito, segundo o autor, dependerá do caráter da norma

 jurídico-constitucional que fundamenta tal dever, sendo necessária muita cautela quando se

tratar de imposição de sanções de caráter penal, administrativa ou mesmo econômica.Da mesma forma que os direitos sociais não deixam de ser considerados como

direitos fundamentais por necessitarem de uma conformação legislativa e envolverem

questões orçamentárias para serem integralmente eficazes, a necessidade de intervenção do

Poder Legislativo não retira a importância dos deveres fundamentais.

 No caso dos deveres, sua “fundamentalidade” decorre justamente da importância

 jurídica e política que restou afirmada no texto constitucional. Eles refletem esses valores

cívicos, políticos e sociais que a Constituição assumiu. Assim, esta última prevê textualmente

a nossa cota parte para que exista uma comunidade organizada em um Estado Democrático deDireito.

Assim, restaram previstos no texto constitucional alguns deveres imputados à pessoa

física e jurídica, em prol do Estado e da comunidade, cujo conteúdo, portanto, prima pela

essencialidade e importância à coletividade e à estrutura do Estado Democrático.

Todas essas características somadas é que darão o diferencial ao estudo dos deveres

fundamentais. A denominação dada a esses deveres poderia até ser outra (deveres essenciais,

deveres do homem, etc.), mas, como eles estão em constante relação com os direitos

fundamentais, há algum sentido ao nome conferido aos mesmos. De qualquer forma, esquecê-

los importará na atribuição de uma unilateralidade aos direitos fundamentais que poderá

distorcer o texto constitucional, não permitindo que alguns valores assumidos na Constituição

sejam efetivamente implementados pela sociedade e pelo Estado.

96 Também segue este entendimento Mendonça (2006, p. 401).

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 Não que não haja outros deveres jurídicos importantes, estabelecidos na

Constituição, tais como os atribuídos ao Poder Público, na esfera de sua competência. O dever 

de cuidar da saúde, o de garantir a segurança pública, o de combater as causas da pobreza,

tudo isso é de grande importância à comunidade. Mas, na nossa compreensão, eles não serão

deveres fundamentais, nos termos da doutrina constitucional, pois estão voltados a atribuições

dirigidas ao Poder Público, muitas transformadas em competências exercidas conforme um

 planejamento determinado, que considerará, entre outros pontos, a questão orçamentária.

O diferencial dos deveres fundamentais é justamente positivar no texto constitucional

alguns “encargos” ao indivíduo, conferindo a ele responsabilidade na condução de sua vida,

seja no campo pessoal, seja no campo econômico e financeiro, pois há limites ao exercício de

sua autonomia privada, limites estes que se tornaram mais evidentes com a consagração de

valores do Estado Social. Mesmo que não mais se discuta que os direitos fundamentais nãosão absolutos e que os direitos sofrem restrições ou limitações, o estudo dos deveres

fundamentais reforça a visão unitária do estatuto constitucional do indivíduo, necessária para

se garantir a total coerência da aplicação dos preceitos constitucionais.

De qualquer forma, os deveres fundamentais irão amparar juridicamente não só a

edição de uma legislação que certamente irá gerar algum reflexo no conteúdo dos direitos

fundamentais (diante das restrições que então serão previstas), como eles serão utilizados na

atividade interpretativa desencadeada pelo Juiz.

E mesmo que, em regra, portanto, os deveres fundamentais necessitem da atividadedo legislador para disciplinar o conteúdo do referido dever, isso não quer dizer que as normas

constitucionais que o veiculam são destituídas de eficácia normativa.

 Nabais (2004, p. 157-159), em entendimento seguido por Mendonça (2006, p. 401-

403), assevera que as normas jurídicas que exprimem deveres fundamentais possuem eficácia

 jurídica muito maior que aquela que é própria das normas programáticas. Afinal, as normas de

deveres fundamentais não configuram preceitos organizatórios e atributivos de competência,

que teriam como destinatários os entes públicos, mas, sim, consagram posições passivas 97 e

subjetivas dos cidadãos, destinando-se, portanto, aos indivíduos e suas organizações. 98 

97 Cumpre lembrar que Nabais (2004) e Mendonça (2002) não consideram as sujeições como posições passivas.Vide item 2.5 desta peça.98 Chulvi (2001, p. 49-53) também entende da mesma forma. De qualquer forma, vide considerações feito noitem 2.5, especialmente sobre as obrigações impostas aos indivíduos decorrentes de funções administrativas, masque visam conformar e concretizar um dever fundamental.

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O legislador, no caso, figura como um “destinatário de passagem”, na terminologia

usada por Nabais, e não seu destinatário final, que será sempre o indivíduo ou a pessoa

 jurídica de direito privado 99.

Acentua o professor lusitano que cada dever fundamental “constitui um instituto

 jurídico cujo significado essencial para a comunidade e para os indivíduos é formalmente

reconhecido e normativamente valorado pela constituição” (2004, p. 160). Assim, para ele,

deve-se ver o dever fundamental como uma unidade entre o preceito constitucional e sua

conformação legal necessária à concretização do seu respectivo conteúdo, no qual se insere a

 previsão de sanção.

De qualquer forma, não vigora mais o entendimento de que as normas programáticas

estabelecem meras diretrizes ao legislador, que estará plenamente livre para tratar ou não da

matéria.Canotilho (2003, p. 1176) prefere os termos normas-fins, normas-tarefas, normas-

 programas ao invés de normas programáticas. As primeiras são normas que impõem uma

atividade e conduzem para a concretização constitucional. Não são meras promessas, apelos

ao legislador, desprovidos de qualquer vínculo. Elas possuem força normativa, mesmo que

não sejam aplicadas diretamente. Elas vinculam não só o legislador, como o

intérprete/aplicador, que deverá tomá-las em consideração quando for enunciar a norma

 jurídica concreta do caso (norma-decisão).

Além disso, como acentua Canotilho (2003, p. 1180), elas têm o efeito“derrogativo”, ou de revogação de atos normativos infraconstitucionais que não são mais

compatíveis (válidos) com as atuais normas constitucionais. Servem, assim, como “limite

negativo” às leis que serão editadas com fim de regular algum direito ou mesmo para as leis

que já existiam antes da entrada em vigor de um novo texto constitucional. 100 

Em outras palavras, a norma jurídica que trata de um dever fundamental gera efeitos

não só quanto à validade do ordenamento jurídico em vigor antes da vigência do texto

constitucional (fenômeno da recepção) como também serve de parâmetro para se aferir a

constitucionalidade de determinada lei. No plano da eficácia, portanto, o preceito de dever 

fundamental age tal como qualquer outro dispositivo constitucional, devendo ser utilizado e

observado pelo juiz ao decidir uma questão. Sobre o tema, Nabais consigna o seguinte:

99 Como já asseverado (item 2.7 do trabalho), entendemos, ao contrário de Nabais, que os Entes Públicos dotadosde personalidade jurídica de direito público não são destinatários de deveres fundamentais.100 Vide Canotilho (2003, p. 1176-1180); Sarlet (2008, p. 310-318).

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 Nestes termos, os preceitos relativos aos deveres fundamentais assumem umespecífico significado normativo para o juiz. Um significado, porém, que, em rigor,não é diferente do que assumem os outros preceitos constitucionais não directamenteaplicáveis, e um significado que, bem vistas as coisas, não resulta de cada um dos preceitos consagradores dos deveres fundamentais, nem de um preceitoconstitucional especificadamente concernente aos deveres fundamentais em geral,

mas antes de um preceito constitucional geral que retira um mínimo de eficácia parao juiz comum do caráter paramétrico dos preceitos constitucionais face ao direitoordinário e demais actos jurídicos, que necessariamente está implicado nos sistemasconstitucionais em que está consagrado ou é reconhecido em qualquer controlo judicial de constitucionalidade. (NABAIS, 2004, p. 161-162).

A aplicabilidade (eficácia) imediata das normas programáticas é questão diversa da

exeqüibilidade (efetividade) por si mesma da norma constitucional. As referidas normas

incorporam valores que não podem ser desconsiderados tanto na criação da lei como no

 processo de sua interpretação. Ou seja, elas impedem que o legislador edite leis em sentido

contrário ao disposto no texto constitucional, condicionando a futura legislação integrativa,como servem de diretrizes para os juízes e agentes públicos interpretarem e proferirem a

decisão de um caso concreto. 101 

Em razão disso, Mendonça (2002, p. 198) afirma que as normas de dever 

fundamental, na sua perspectiva objetiva, “têm significado normativo que decorre já do

 próprio texto constitucional”, tornando, assim, possível a sua aplicação imediata pelos órgãos

 judiciais independentemente da sua conformação pelo legislador nos casos que envolvam o

controle de constitucionalidade de leis ou atos normativos.

Assim, uma determinada lei poderá ser considerada inconstitucional se for editadasem observar a necessidade de cumprimento de determinado dever fundamental.

Como exemplo, pode-se citar uma lei que não exija, entre as condicionantes para a

instalação de uma atividade econômica, a previsão de qualquer instrumento de proteção

ambiental. Ou, ainda, uma lei que libere os filhos maiores do dever de cuidar dos pais na

velhice, carência ou enfermidade, transferindo integralmente tal dever para outros parentes.

De outro lado, uma lei poderá passar pelo teste de constitucionalidade se, mesmo que

venha a limitar uma esfera da liberdade, tiver como amparo um dever fundamental extraído

do texto constitucional. Como exemplo, uma lei que crie obrigações tributárias acessórias de

modo a permitir uma fiscalização mais eficiente e combater a sonegação poderá ter como

amparo o dever fundamental de pagar tributos.

101 Neste sentido Barroso (2000, p. 80 e 118-119). Vide Canotilho (2003, p. 1176-1180); Sarlet (2008, p. 310-318). 

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2.9. A importância do tema

Diante de todo o exposto até aqui, fica bem evidente a necessidade do estudo desta

categoria jurídica que vem sendo muito pouco estudada pela doutrina nacional. Não há dúvida

que os deveres fundamentais ganharam relevância no debate constitucional, especialmente

 porque a legitimação da imposição de deveres aos cidadãos advém da Constituição, não se

fundando meramente em razão da existência de um poder estatal. Eles buscam, justamente,

assegurar a realização dos valores positivados bem como auxiliam na concretização de

diversos direitos fundamentais.

Com isso, trazem o indivíduo ao debate, à devida participação, à assunção de

algumas responsabilidades comunitárias, necessárias para o desenvolvimento dos projetosindividuais de cada um. A retomada do elemento da alteridade faz com que tenhamos uma

concepção de que os direitos fundamentais não estão sozinhos, mas, circulando entre eles, há

os deveres fundamentais.

As palavras de Cristina Chulvi expressam bem a importância dos mesmos no deveres

fundamentais no debate constitucional atual:

A construção do Estado Social e Democrático de Direito supõe uma mudança nafundamentação dos deveres fundamentais. Verificou-se anteriormente como a

evolução do Estado implicou o surgimento de novos deveres que começaram sendoexigidos dos súditos e se ampliaram em requerimentos dirigidos ao Estado. Aintrodução destes deveres respondia a novas finalidades e objetivos estatais. Mas,como o reconhecimento constitucional de alguns direitos ocorreu porque o direitoem questão foi considerado um bem jurídico protegido em si mesmo, os deveresnão constituem um fim em si mesmos, senão têm um caráter meramenteinstrumental, é dizer, assegurar a proteção de bens que se consideram valiosos.(2001, p. 56, tradução nossa e destaque nosso). 102 

E a citada autora espanhola arremata que, tendo em vista o importante papel

distributivo do Estado Democrático, os deveres representam um importante elemento

viabilizador desta tarefa, na medida em que eles irão legitimar práticas que buscam submeter 

102 “La construcción del Estado Social y democrático de Derecho ha supuesto un cambio em la fundamentaciónde los deberes constitucionales. Se comprobó, anteriormente, cómo la evolucion estatal implicaba la aparición denuevos deberes que comenzaron exigiéndose a los súbditos y se ampliaron plasmándose em requerimientosdirigidos al Estado. La introdución de estos deberes respondia a nuevas finalidades u objetivos estatales. Pero asícomo el reconocimiento constitucional de algunos derechos se produce porque el derecho en cuestión seconsidera un bien jurídico protegible en sí mismo, los deberes no constituyen um fin en sí mismos sino quetienen um carácter meramente instrumental, es decir, asegurar la protección de bienes que se consideranvaliosos.” (CHULVI, 2001, p. 56) 

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os cidadãos a uma série de obrigações concretas com o fim de conformar a ordem social.

(CHULVI, 2001, p. 56-58).

De qualquer forma, o tema merece estudo pela doutrina, especialmente a nacional,

que, em sua maioria, quando trata do assunto, o faz de forma superficial. Como dito em outra

 passagem, o tema dos deveres fundamentais envolve conceitos muito próximos uns dos

outros, tornando-o complexo, às vezes um pouco nebuloso, o que pode, inclusive, atrapalhar 

na argumentação dessa autonomia científica.

 No caso do presente trabalho, uma análise geral e introdutória dos deveres

fundamentais foi necessária para ser possível, então, focar um dever fundamental específico,

qual seja o dever fundamental de pagar tributo, estudado há muito tempo nas obras

 portuguesas e espanholas, mas que somente em período recente começou a ser debatido pela

doutrina nacional.

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3 - O DEVER FUNDAMENTAL DE PAGAR IMPOSTOS NA OBRA DE JOSÉ

CASALTA NABAIS

3.1. Introdução

 Nesse capítulo abordaremos qual é o papel da tributação no Estado Democrático de

Direito bem como o que configura o dever fundamental de pagar impostos segundo os

 pressupostos teóricos contidos na obra de José Casalta Nabais. Iremos investigar como o autor 

analisa o fenômeno jurídico-tributário no momento atual e tentaremos responder à pergunta

de se essa caracterização do tributo como “dever fundamental” traz algo de novo à dogmáticae aos institutos do Direito Tributário ou se se trata apenas de um nome ou denominação de

cunho predominantemente retórico, cuja invocação em nada altera o funcionamento ou a

compreensão concreta dos institutos do Direito Tributário.

O ponto de partida será a obra de José Casalta Nabais denominada  Dever 

 Fundamental de Pagar Impostos, bem como outros textos de sua autoria publicados

 posteriormente. Veremos se as teses por ele defendidas realmente inova em alguns aspectos,

modificando o modo de compreender o Direito Tributário, alguns de seus princípios e a

relação da questão tributária com outros direitos fundamentais. A importância de analisar suaobra decorre de seu pioneirismo, especialmente na língua portuguesa.

Trataremos também, no curso deste capítulo, de algumas considerações pertinentes

ao tema contidas nas obras de outros autores. Não se trata de um resumo, pois há diversas

questões tratadas na tese de Nabais que se referem ao contexto português ou estão vinculadas

à União Europeia. O que se pretendeu foi mostrar o conjunto de sua obra e sua opinião sobre

diversos temas que possuem paralelo atual com as discussões existentes no Brasil. No

capítulo seguinte, veremos se há no Brasil esse dever fundamental e como a doutrina

 brasileira vem tratando desse tema.

A tese de doutorado de Casalta Nabais trata de diversos temas do Direito Tributário.

É praticamente um “Tratado” sobre essa disciplina. Sua obra é bem extensa (quase 700

 páginas) e Nabais trata de inúmeros temas, especialmente sobre os limites da tributação.

Como dito, apesar de alguns desses temas serem específicos da realidade de Portugal, outros

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 possuem ampla correspondência com o que foi e ainda é debatido na doutrina brasileira 103.

Questões envolvendo a legalidade, igualdade e isonomia necessitam de algumas

considerações específicas, que serão feitas neste capítulo.

Inicialmente, o autor acentua a necessidade de se debater e compreender o que são os

deveres fundamentais e a sua importância atual, com o fim de evitar o discurso unilateral dos

direitos fundamentais. Como visto no capítulo anterior, ele defende uma visão de conjunto

entre os direitos e os deveres fundamentais, salientando, contudo, que, apesar de relacionadas,

ambas são figuras autônomas.

Em seguida, o autor afirma a importância do imposto no Estado Democrático de

Direito, bem como sua relação com os Direitos Fundamentais. Após tratar do que ele

denomina Estado Fiscal, dissertar sobre o Poder Tributário e tratar dos limites formais e

materiais da tributação, o autor finaliza a obra tratando do fenômeno da extrafiscalidade. Nos outros textos de autoria de Casalta Nabais, publicados posteriormente à sua tese

de doutorado, muitas ideias inicialmente trabalhadas na sua principal obra são reiteradas,

sendo certo que algumas delas são, hoje, também tratadas pela doutrina brasileira, conforme

será demonstrado no próximo capítulo.

Cumpre dizer que, apesar de sua obra ter sido publicada em 1997, a tese do dever 

fundamental de pagar impostos ainda não foi devidamente enfrentada e assimilada pela

doutrina brasileira. A presente dissertação, como dito, buscará contribuir para sua

compreensão, analisando suas inovações, bem como tentando compreender o mito que secriou em torno da expressão “dever fundamental de pagar impostos”.

3.2. Estado Fiscal e Dever Fundamental de pagar tributos: uma nova visão da

relação jurídica tributária

 Na obra analisada, Nabais enfatiza a importância do imposto no Estado Democrático

de Direito, pois este é o objeto de um dever fundamental, dever este que integra a

‘constituição do indivíduo’. Para ele, essa perspectiva é importante e muda a forma como se

deve analisar o fenômeno tributário.

103 Por exemplo, questões como mínimo existencial, combate à evasão fiscal e a planejamentos tributáriosartificiosos (elusão fiscal), progressividade, tributação sobre a renda, praticidade e simplificação do sistematributário, entre outros temas.

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Compreender que o imposto decorre de um dever fundamental leva, por 

consequência que este não pode ser considerado nem como um sacrifício para os cidadãos

nem como uma simples relação de poder, em que o Estado faz meras exigências

discricionárias aos súditos. O imposto não pode ser visto:

[…] nem como um mero poder  para o estado, nem simplesmente como um mero sacrifício  para os cidadãos, mas antes como o contributo indispensável a uma vidaem comum e próspera de todos os membros da comunidade organizada em estado.(Nabais, 2004, p. 185).

O dever fundamental de pagar impostos enfatiza o caráter solidário do tributo e que o

Estado necessita dos meios (recursos financeiros de origem tributária) para realizar suas

diversas atividades (prestações sociais).

A tese de que não há Estado sem impostos e que todos os direitos possuem custos públicos é uma constante na obra de Nabais, inclusive em escritos posteriores. 104 Por isso,

frente ao texto constitucional português, há, sim, o dever de todos contribuírem, na medida de

sua capacidade contributiva, para as despesas gerais do Estado. Dessa forma:

[…] não há lugar a um qualquer (pretenso) direito fundamental  de não pagar impostos, como o radicalismo das reivindicações de algumas organizações decontribuintes ou a postura teórica de alguns jusfiscalistas mais inebriados peloliberalismo econômico e mais empenhados na luta contra a “opressão fiscal”, quevem atingindo a carga fiscal nos países mais desenvolvidos, parecem dar a entender.

(2004, p. 186).105

 

Para Nabais (2004, p. 186), o imposto representa o preço (e para o autor, um dos

mais baratos) a pagar pela manutenção da liberdade ou da sociedade civilizada (2004, p. 186).

O dever fundamental de pagar imposto, como outro dever fundamental qualquer, pautado na

solidariedade e integrante da esfera de cidadania da pessoa, permitirá ou trará suporte mínimo

necessário para a realização de direitos fundamentais, entre eles a liberdade e propriedade. 106 

104 Vide Nabais (2005, p. 20-39 e 21-62). Nabais assevera que se o Estado necessita de recursos financeiros paragarantir a existência da sociedade e conferir alguma eficácia aos direitos fundamentais, quanto menos esteEstado confiar na própria responsabilidade dos cidadãos relativa à satisfação das suas necessidades, mais eletenderá a interferir nas relações, inclusive econômicas, negligenciando ou abandonando o seu caráter desubsidiariedade, podendo chegar ao extremo do Estado Social paternalista, que impede a emancipação das pessoas.105 Alerta Nabais (2004, p. 186, nota 5), contudo, que tal afirmação não alcança o direito a não pagar impostosinconstitucionais (e ilegais), concretizado no art. 106°, n° 3, da Constituição Portuguesa (redação originária,correspondente ao atual art. 103°, n° 3).106 A ideia de que não há propriedade nem liberdade sem uma estrutura governamental que é suportada pelatributação é tratada na obra de Holmes e Sunstein (1999), que por sinal é indicada por Nabais em texto publicadoem 2005. No Brasil, vide Galdino (2005), cujo pensamento toma como marco teórico a mencionada obra dosautores americanos.

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Outro autor português, João Ricardo Catarino, também segue a linha defendida por 

 Nabais. Para o primeiro, o imposto é realidade inerente à pessoa humana; não é um mero

 produto político, nascido do exercício de poderes outorgados, mas é, antes, “um dever que

recai sobre cada um de contribuir para o bem de todos situado portanto, desde logo, na inata

natureza (necessidade) gregária da pessoa humana […]”. (CATARINO, 2009, p. 413). 107 Em

outra passagem, o citado professor da Universidade Técnica de Lisboa afirma o seguinte:

Pois que o imposto constitui um dever fundamental que se não esgota numa simplesrelação de poder/dever do cidadão e a tributação não deve ser vista como um fimmas um meio para atingir fins. Embora tenhamos um modelo de Estado fiscal, nãodeixa de ser legítimo considerar que não lhe compete apenas, no plano tributário, agestão das receitas ou gastos públicos, cabendo-lhe também corrigir resultados darepartição dos rendimentos e patrimônios quando os mesmos sejam indefensáveis perante critérios de justiça, na linha aliás do que Klaus Vogel tem defendido.”(CATARINO, 2009, p. 413-414).

Por sua vez, Vitor Faveiro (2002, p. 87) acentua o caráter primordial do dever de

contribuir, compreendido como um pressuposto inerente à ordem constitucional e que decorre

da natureza social das pessoas que se congregam em uma comunidade para a realização

integral da coletividade e das pessoas que ela forma. Esse dever, para o citado autor, não

necessita de formulação expressa no texto constitucional, pois ele é um elemento inato da

 própria qualidade das pessoas como seres sociais. Seria, na sua visão, algo quase decorrente

de um direito natural .

Apesar de ser passível de crítica a posição extremada defendido por Faveiro, este

autor assevera que prepondera atualmente a concepção social da tributação, no qual o dever 

de contribuir é:

[…] uma qualidade inata da pessoa humana como ser social, e, como tal, a própriarazão de ser do imposto como disciplina jurídica da justa e eficiente distribuição dodever de contribuir, e o fundamento e limite do poder soberano de tributar.(FAVEIRO, 2002, P. 91-92).

Assim, a afirmação da existência do dever fundamental de contribuir é defendida

categoricamente pela doutrina portuguesa. A sua existência decorre do modelo constitucional

existente.

107 Em outra passagem, Catarino (2009, p. 426) assim afirma: “o tributo constitui a fase financeira (a maisvisível) da natureza societária da pessoa humana, sendo que a sua existência se fica a dever não ao Estado oumais latamente, ao poder político, como se viu, mas à circunstância de na vida social, o acesso a bens e àsatisfação de necessidades colectivas determinarem encargos comuns, devendo pois ser suportados por todos.”

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Logo, o Estado fiscal - aqui entendido como aquele suportado financeiramente pelos

impostos pagos pelas pessoas físicas e jurídicas fiscalmente capazes (ou seja, que demonstrem

capacidade contributiva) - é uma característica dos atuais Estados contemporâneos. Assim, o

dever fundamental de pagar impostos não é atribuído a todas as pessoas que estão em um

território, mas apenas às que denotem capacidade contributiva. Isso começa, segundo Nabais,

a ser uma afirmação trivial na doutrina. 108 

A tese de que o Estado contemporâneo é um Estado Fiscal, suportado principalmente

 pelos impostos é repetida em outros textos do autor português (NABAIS, 2005, p. 24 e 44;

2008, p. 44-48), sendo que em artigo publicado em periódico brasileiro no ano de 2009 ele

sintetizou sua ideia nos seguintes termos:

Perguntar por quem suporta os custos do estado social é indagar sobre quemefectivamente arca com os custos por termos um estado social, ou seja, um estadoque para além de assegurar os clássicos direitos, liberdades e garantiasfundamentais, realiza também um núcleo essencial dos chamados direitos e devereseconômicos, sociais e culturais ou, na versão da União Europeia, assegura o bemconhecido ‘modelo social europeu’. Pois bem, como se afigura óbvio, os custosstricto sensu do estado, isto é, os seus custos financeiros, implicam a existênciade um estado fiscal, concretizando-se portanto para os cidadãos nocumprimento do dever fundamental de pagar impostos. Pois é preciso nãoesquecer que, ao contrário do que por vezes se vê afirmado, todos os direitos têmcustos e custos públicos. (NABAIS, 2009, p. 270-271, destaque nosso).

Apesar de o Estado de Direito oitocentista, inaugurado com o fim do absolutismo,

ser um Estado Fiscal, não há dúvida que a evolução do constitucionalismo fez com que aleitura dos direitos fundamentais e dos deveres fundamentais sofresse alteração, bem como

novos direitos e deveres surgissem.

Afinal, em razão do predomínio da ideologia liberal, o que existia era o Estado

mínimo, que não intervinha na economia e buscava assegurar a liberdade e o exercício pleno

da propriedade. Indiferença e neutralidade 109 do Estado eram as premissas defendidas.

Realmente, enquanto o Estado Fiscal liberal tinha como preocupação a neutralidade

econômica e social e era assentado em uma tributação limitada, necessária apenas para

satisfazer as despesas primordiais decorrentes do funcionamento da máquina burocrática, o

Estado Social era economicamente interventor e socialmente conformador, estando, assim,

108 Sobre a evolução do Estado Patrimonial ao Estado Fiscal, vide Torres (1991).109 É certo que neutralidade nunca existiu. Alguma extrafiscalidade estava presente (algum tipo de tributoaduaneiro já existia). O imposto sempre afetou em algum ponto a sociedade, mesmo a liberal oitocentista.Contudo, o papel do tributo no Estado Liberal não era de transformar, mas de apenas garantir o uso e fruição(por alguns, logicamente) dos direitos individuais de liberdade e propriedade. Assim, havia uma forte contençãode despesas, que deveriam ser reduzidas ao mínimo para a garantia da liberdade e da segurança. Vide Catarino(2009, p. 209-210).

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mais preocupado com o funcionamento global da sociedade e da economia e possuindo como

 base uma tributação mais alargada. 110 

Assim, a evolução do liberalismo do Estado de Direito para o Estado Social,

chegando, então, ao Democrático, colocou a tributação em uma situação de mais destaque,

sendo certo que o Tribunal Constitucional Português 111, com amparo na teoria do Dever 

Fundamental e da importância do imposto no Estado Democrático de Direito, legitima a

criminalização das condutas que importam em sonegação:

 Num Estado de direito, social e democrático, a assunção pelo Estado da realizaçãodo bem estar social, através da concretização de uma democracia económica, sociale cultural, com respeito pelos direitos e liberdade fundamentais, legitima-se pelanecessidade de garantir a todos uma existência em condições de dignidade.A realização destas exigências não só confere ao imposto um carácter de meio privilegiado ao dispor de um Estado de direito para assegurar as necessárias

 prestações sociais, como também alarga o âmbito do que é digno de tutela penal. Aeste respeito escreve Roxin "A garantia das prestações necessária à existência(daseinsnotwendiger Leistungen) constitui tarefa tão legítima do Direito penal comoa tutela de bens jurídicos" (in «Sinn und Grenzen staatlicher Strafe, JuristisheSchulung, 1966, pg. 381 e citado por Jorge Figueiredo Dias e Manuel CostaAndrade, "O Crime de Fraude Fiscal no novo Direito Penal Tributário Português", in"Revista Portuguesa de Ciência Criminal", Ano 6º, 1º, pág. 76).De facto, um Estado para poder cumprir as tarefas que lhe incumbem tem derecorrer a meios que só pode exigir dos seus cidadãos. Esses meios ou instrumentosde realização das suas finalidade são os impostos, cuja cobrança é condição da posterior satisfação das prestações sociais. Compreende-se, assim, que o dever de pagar impostos seja um dever fundamental (cf. Casalta Nabais, "O dever fundamental de pagar impostos", Livraria Almedina, 1998, pág. 186,ss) e que aviolação deste dever, essencial para a realização dos fins do Estado possa ser 

assegurado através da cominação de sanções criminais. (PORTUGAL, 2000).

As características do Estado Fiscal são sempre retomadas no curso da obra, seja para

 justificar alguma mudança na interpretação de um princípio, seja para garantir um direito do

cidadão.

3.3. Dever fundamental de pagar impostos e não tributos: o entendimento de José

Casalta Nabais

110 O grande problema do Estado Social era sua característica paternalista, intervindo na esfera individual e maisíntima da pessoa e impedindo que o cidadão se emancipasse.111 Acórdão nº 312/2000, processo n° 442/99 do Tribunal Constitucional, relatado pelo Cons.º Vítor Nunes deAlmeida e julgado pela 1ª Secção em 20/06/2000, Disponível em:<http://vlex.com/vid/31792190 ehttp://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20000312.html> Acesso em 05 de novembro de 2010.

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Compreendida a tese exposta de que existe um dever fundamental de contribuir e que

o Estado Democrático é um Estado suportado financeiramente pela sociedade, cumpre

explicar o motivo pelo qual José Casalta Nabais entende que o dever fundamental é de pagar 

impostos e não tributos, bem como se é possível a existência de um Estado “Taxador” ou

“Tributário”.

3.3.1. A importância do imposto no Estado Democrático de Direito

Inicialmente, acentua o autor que não há dúvida que o Estado Português é um Estado

Fiscal, apesar de não haver no texto constitucional uma afirmação neste sentido. Tal naturezafiscal decorre da interpretação do texto constitucional. Inicialmente, há a afirmação extensa e

intensa de direitos e garantias fundamentais dos indivíduos, bem como de suas liberdades

econômicas 112, fato que seria incompatível com um Estado patrimonial ou proprietário.

Além disso, a afirmação do princípio do Estado social ou da democracia econômica,

social e cultural 113 e a rejeição do princípio socialista, descrito no texto originário da Carta de

1976 (artigos 2°, 82°, 89° e 185°, por exemplo, em que restou retirada do texto a expressão

112 Tais como o direito de propriedade, de liberdade de trabalho e profissão, de iniciativa econômica privada ecooperativa, de residência ou estabelecimento econômico e de associação econômica (NABAIS, 2004, p. 210-211).113 Exemplos: Art. 2° da Constituição Portuguesa:“A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo deexpressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdadesfundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica,social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.” (PORTUGAL, 1976).“Art. 9° da Constituição Portuguesa:São tarefas fundamentais do Estado:a) Garantir a independência nacional e criar as condições políticas, económicas, sociais e culturais que a promovam; b) Garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático;c) Defender a democracia política, assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos na resoluçãodos problemas nacionais;d) Promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como aefectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernizaçãodas estruturas económicas e sociais;e) Proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar osrecursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território;f) Assegurar o ensino e a valorização permanente, defender o uso e promover a difusão internacional da língua portuguesa;g) Promover o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional, tendo em conta, designadamente, ocarácter ultraperiférico dos arquipélagos dos Açores e da Madeira;h) Promover a igualdade entre homens e mulheres.” (PORTUGAL, 1976).

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“em transição para o socialismo”) demonstram que o Estado Português não é um Estado

 patrimonial.

Todavia, isso não é suficiente para caracterizar o Estado como fiscal. É necessário

que o mesmo tenha como suporte financeiro os impostos e não taxas ou contribuições

retributivas (tributos bilaterais).

Apesar de não restar expressa a preferência pelos impostos, há sinais no texto

constitucional português de tal preferência. Primeiro, o atual art. 103°, n° 1 (antigo art. 106°,

§3°) 114, estabelece como primeiro objetivo do sistema fiscal a satisfação das necessidades

financeiras do Estado e de outras entidades públicas. Esse dispositivo exclui não só a

 possibilidade de haver um Estado patrimonial como se pronuncia claramente pelo Estado

Fiscal. Ainda, segundo o autor, o quadro dos impostos traçados na Constituição (art. 104° e

art. 107° na redação original do texto), bem como os decorrentes da distribuição decompetência e repartição de receitas (art. 229° do texto original e art. 227° do texto

reformado; art. 255° do texto original e 254° do texto reformado) demonstram que as receitas

das entidades públicas são fundamentalmente as provenientes dos impostos. (NABAIS, 2004,

 p. 213-214).

Em terceiro lugar, o texto constitucional português refere-se pouco às taxas e outros

tributos, sem lhes dar destaque. Ademais, para o autor, uma contribuição destinada à

seguridade social e cobrada das entidades empregadoras é, na jurisprudência portuguesa,

entendida como integrante do próprio conceito constitucional de imposto. (NABAIS, 2004, p.214).

Por fim, segundo o autor, até por exclusão se entende que o sistema prioriza as

receitas de impostos. Isso porque as diversas tarefas atribuídas ao Estado (descritas, por 

exemplo, no art. 9° da Constituição Portuguesa) referem-se ao que Nabais denomina de “bens

 públicos”, que buscam satisfazer necessidades coletivas e que beneficiam um número

indeterminado de pessoas, sendo, assim, impossível sua individualização.

Essa ideia também decorre dos dispositivos constitucionais que tratam dos direitos

sociais e culturais (entre eles os artigos 63°, 64° e 74° da Constituição Portuguesa), que

excluem no todo ou em parte o financiamento individualizado de tarefas estatais que

satisfazem necessidades individuais, mas cuja proteção e garantia representam verdadeiro

interesse público.

114 A atual redação do texto constitucional foi dada pela VII Revisão Constitucional, que ocorreu em 2005.Como a obra é de 1998, e tendo sido utilizada uma edição de 2004 para fazer o presente trabalho, algunsdispositivos indicados referem-se à antiga redação do texto constitucional.

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Mesmo reconhecendo uma crescente parafiscalidade, com a criação de diversas

espécies tributárias - constituindo uma espécie de “mercado paralelo” da fiscalidade - conclui

o autor que o texto constitucional é inequivocamente um Estado ( primariamente, adverte o

autor) Fiscal, no qual imposto figura como principal tributo e suporte normal do Estado na

realização de suas tarefas.

Assim, para Nabais (2004, p. 223), o Estado Fiscal está pautado no dever 

fundamental de pagar impostos e não outros tributos. Em Portugal não há um conceito legal

de imposto, sendo este elaborado exclusivamente pela doutrina e jurisprudência. Todavia,

 para o autor, deve-se buscar um conceito constitucional de imposto.

Amparado na doutrina e jurisprudência, o imposto seria uma prestação (objeto de

uma obrigação), pecuniária (traduzida em dinheiro), unilateral (não está vinculado a uma

contraprestação estatal a favor do contribuinte), definitiva (que não dá lugar a qualquer reembolso, restituição ou indenização) e coativa (obrigação estabelecida em lei). Ele é exigido

de pessoas físicas ou jurídicas detentoras de capacidade contributiva.

Em Portugal, segundo o autor, a doutrina e a jurisprudência 115 rejeitaram qualquer 

autonomia ou relevo próprio às contribuições especiais, que são impostos cujos fatos

tributários apresentam uma configuração singular quando comparados com os fatos tributários

típicos de impostos em geral. Isso porque nas contribuições existe o que o autor denomina de

vontade econômica reflexa, seja no caso das contribuições de melhoria, seja nas contribuições

 por maiores despesas.Todavia, tal afetação não traz como consequência uma autonomia classificatória.

Trata-se de “um tipo de impostos e não de uma categoria intermediária entre o imposto e a

taxa, que mereça qualquer tratamento jurídico próprio, mormente jurídico-constitucional.”

(NABAIS, 2004, p. 256). Assim, em Portugal, as contribuições estão inseridas no dever 

 fundamental de pagar impostos. 116 

Dessa forma, Estado fiscal não deve ser confundido com um Estado suportado por 

taxas ou outro tributo cujo fato gerador esteja vinculado a uma atividade estatal.

115 “Podemos dizer por maioria de razão, a nossa doutrina e jurisprudência recusa qualquer autonomia às figurastributárias que integram o fenômeno da parafiscalidade, ou seja, as chamadas (taxas, contribuições, etc) parafiscais.” (NABAIS, 2004, p. 256).116 Em outro estudo, Nabais (2005, p. 446) assevera: “uma figura que é conceitualmente diferenciada do impostomas sujeita ao regime constitucional deste é a constituída pelas chamadas contribuições especiais, que, segundo adoutrina italiana, conhece duas modalidades: as contribuições de melhoria que se verifica naqueles casos em queé devida uma prestação, em virtude de uma vantagem económica particular resultante do exercício de umaactividade administrativa, por parte de todos aqueles que tal actividade indistintamente beneficia; e ascontribuições por maiores despesas que se verifica naquelas situações em que é devida uma prestação em virtudedas coisas possuídas ou da actividade exercida pelos particulares darem origem a uma maior despesa dasautoridades públicas.”

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3.3.2 Estado Fiscal não é Estado suportado por tributos bilaterais

Para Nabais (2004, p. 200), a possibilidade de o Estado contemporâneo figurar como

um Estado tributário - entendido como aquele cujo suporte financeiro advém de tributos

 bilaterais (taxas e contribuições) ao invés de impostos (tributo unilateral) 117 - é mais aparente

do que real.

A maioria dos Estados modernos configura Estados Fiscais e não Estados

Tributários. Há vários argumentos que indicam essa tendência. Em primeiro lugar, diversas

tarefas estatais satisfazem necessidades coletivas indeterminadas e não podem ser excluídas

de sua fruição ou utilização, o que as torna insusceptíveis de individualização nas suas

vantagens ou benefícios e de dividir os respectivos custos.  Exemplos seriam os gastos com amanutenção da segurança pública, política externa, funcionalismo público, custos arcados, em

regra, pelas receitas advindas do recolhimento de impostos.

Além disso, algumas tarefas estatais, apesar de satisfazerem necessidades individuais

 – sendo, assim, em tese, possível a repartição dos custos – são, por imperativo constitucional,

voltadas à coletividade e serão, assim, custeadas pelos impostos. É o que ocorre com o

financiamento de políticas públicas destinadas à concretização dos direitos sociais (educação,

saúde, por exemplo), e nos direitos ecológicos (preservação do meio-ambiente).

Em Portugal, segundo o autor, isso acontece especialmente nos casos de gratuidadedo ensino básico, nos serviços de saúde para aqueles que não possam pagá-los, nas prestações

vinculadas à previdência e assistência social para aqueles que não possam contribuir para o

sistema, nos serviços forenses para aqueles que declarem não poderem arcar com os

respectivos custos (justiça gratuita).

Esse tema será também tratado no próximo capítulo, diante das particularidades do

Direito Tributário brasileiro, que confere grande importância às contribuições, haja vista o

nosso texto constitucional. A tese de Casalta Nabais, portanto, é de que os impostos são o

verdadeiro suporte do Estado contemporâneo.

117 A classificação do autor é bem similar à teoria dos tributos vinculados e não-vinculados a uma atuaçãoestatal, predominante na doutrina brasileira e baseada na clássica obra de Geraldo Ataliba denominada Hipótesede Incidência Tributária.

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3.4. A face fiscal do Estado Democrático de Direito

Frente ao que restou dito, uma conclusão atual é a de que o tributo (em especial o

imposto, como visto), no Estado Democrático de Direito, possui um papel central, pois será o

suporte financeiro do Estado, amparado na supremacia da Constituição e na afirmação dos

direitos fundamentais. Está é a solução mais adequada para a realização de uma justiça

relativa no nosso tempo. Pode não ser a melhor ou a mais justa, mas é a que se apresenta,

histórica e comparativamente, a mais apropriada para o momento (NABAIS, 2004, p. 186-

187). Como bem sintetizam Marciano Godoi e Luciana Saliba:

Se um juiz considera que a principal função da forma atual de nosso Estado é,intervindo o menos possível na ordem social, promover segurança e certeza jurídicas para que as pessoas físicas e jurídicas possam exercer livremente sua autonomia privada desde que tal exercício não prejudique a autonomia dos demais cidadãos,então sua concepção sobre o  papel do tributo, do sistema tributário e da própriainterpretação do direito tributário será uma concepção bem distinta da de um juizque considere que o paradigma atual de Estado exige a transformação das condiçõessociais de modo a que todos os cidadãos tenham uma liberdade o mais igual possívelno que diz respeito ao nível de participação na definição dos rumos políticos dasociedade (autonomia pública) e uma igualdade equitativa de oportunidades para a busca e realização de seus projetos pessoais de vida (autonomia privada). (GODOI;SALIBA, 2010, p. 271). 

 Nesse ponto, a obra de Nabais possui repercussão e influência, ao menos para o

contexto luso-brasileiro. 118 Considerando que o tributo decorre, atualmente, de um dever 

 fundamental , vinculado à solidariedade, e que é o preço que se paga para a realização dos

direitos fundamentais, não só os individuais (liberdade, propriedade, por exemplo), como

sociais (educação, saúde, entre outros), a questão tributária não se resume apenas à

118 Realmente, na época em que a obra de Nabais foi publicada, talvez o único doutrinador brasileiro quemencionava que o tributo decorria de um dever fundamental era Ricardo Lobo Torres, cujos textos assinalamuma preocupação com a justiça tributária. Contudo, na época, tal autor se amparara na doutrina alemã. Eleexpressou – e ainda expressa - não só sua preocupação com a ética da tributação e com a justiça fiscal(TORRES, 1998, p. 173-196), como mencionou expressamente, em um trabalho publicado no ano de 1999, queo tributo decorria de um dever fundamental: “O dever de pagar tributos surge com a própria noção moderna decidadania e é coexistente à ideia de Estado de Direito. Tributo é dever fundamental  estabelecido pelaConstituição no espaço aberto pela reserva de liberdade e pela declaração dos direitos fundamentais. Transcendeo conceito de mera obrigação prevista em lei, posto que assume dimensão constitucional. […] O dever de pagar tributos é correspectivo à liberdade e aos direitos fundamentais: é por eles limitado e ao mesmo tempo lhes servede garantia, sendo por isso o  preço da liberdade. (TORRES, 1999, p. 471-472). Contudo, Ricardo Lobo Torresnão problematiza a questão. Ele apenas afirma a existência do dever fundamental em debate, sem ponderar outras posições da doutrina nacional, como a externada há muitos anos por Ives Gandra da Silva Martins ou por outros doutrinadores brasileiros que sempre viram o Direito Tributário como um ramo jurídico que servia apenasde proteção ao contribuinte.

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arrecadação. O cumprimento do dever fundamental em debate será um exercício de cidadania

(a cidadania fiscal).

Logicamente que a realização dos direitos fundamentais não depende apenas da

obtenção do suporte financeiro. Mas o tributo será um instrumento essencial para a

consecução e realização de políticas públicas 119 responsáveis pela concretização dos direitos

fundamentais.

Assim, não prospera a posição de Ives Gandra da Silva Martins, que enxerga o

tributo como um instrumento para benefício dos governantes, ou mesmo a visão de que o

tributo é uma norma de rejeição social porque somente é cumprida em razão da sanção

existente:

O poder só se mantém por força do tributo, que, certamente, é relevantíssimo paraque os governantes, que dele usufruem, alimentem seus planos presentes e futurosde governo. Mesmo quando prestam serviços públicos, o retorno em serviços àcomunidade é menor do que deveria ser, pois seu ideal maior é o poder pelo poder.…Enfim, por enquanto, o tributo ainda é uma norma de rejeição social , comdestinação maior à manutenção dos detentores do poder, e grande instrumento doexercício do poder por parte destes, com alguns efeitos colaterais a favor do povo,quando há algum retorno de serviços públicos. Por enquanto, serve mais aosdetentores e aos seus amigos do que aos produtores da riqueza e ao povo. No futuro,todavia, a globalização da economia poderá levar a ter uma função social maior, não por mudança de perfil dos governos, mas por força da necessidade de sobrevivência.

Como dizia Bobbio, o século XX foi o século do reconhecimento dos direitos; oséculo XXI poderá ser aquele da efetividade dos mesmos, quando os contribuintes possivelmente poderão ter um tratamento mais digno por parte dos controladores euma carga tributária mais justa e mais adequada à prestação de serviços públicos,entre os quais o de ações sociais efetivas. Até lá, mantenho a minha teoria de queo tributo é apenas um fantástico instrumento de domínio, por parte dosgovernantes.” (MARTINS, Ives, 2007, p. 6-7, destaque nosso). 120 

Entendemos que essa posição não se sustenta. Compreender o tributo como uma

 prestação decorrente de um dever fundamental reforça não só a legitimidade do encargo como

a responsabilidade da pessoa como integrante da sociedade para a concretização dos direitos

fundamentais previstos na Constituição. Esse enfoque muda a concepção do tributo como

instrumento de poder ou de força, fruto do exercício de uma mera competência atribuída pelo

texto constitucional em benefício dos governantes ou de funcionários públicos. O tributo não

será uma norma de rejeição social nem será legítima a sonegação em razão do mau uso do

119 Neste trabalho, as políticas públicas são entendidas como “programas de ação governamental que visamcoordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmenterelevantes e politicamente determinados.” (BREUS, 2007, p. 221).120 Vide também Martins (2005).

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dinheiro público. Como bem assinala Catarino (2009, p. 193), uma coisa é a “legitimidade da

cobrança, outra é a da medida da contraprestação a exigir e o modo da respectiva repartição.”

É certo que o fato de o Estado ser suportado por tributos não retira a importância do

controle do destino da receita, ou seja, o controle dos gastos. Como afirma Marco Aurélio

Greco (2005, p. 182), “a ideia de dever fundamental não se esgota em si; ao revés, dela emana

a responsabilidade que o próprio Estado tem perante a sociedade na busca dos objetivos e fins

 por ela consagrados”. 121 

 Não há dúvida que essa nova visão impõe ao Estado compromissos junto à

sociedade, entre os quais o de tratar os cidadãos como iguais. Sobre tal tema merecem ser 

transcritas algumas considerações de Juarez Freitas, ao tratar do direito à boa administração

 pública:

O Estado Constitucional, numa de suas mais expressivas dimensões, pode ser traduzido como o  Estado das escolhas administrativas legítimas. Assimconsiderado, nele não se admite a discricionariedade pura, intátil, sem limites. Emoutras palavras, impõe-se controlar (ou, ao menos mitigar) os contumazes víciosforjados pelo excesso degradante, pelos desvios ímprobos ou pela omissãodesidiosa. Faz-se cogente, sem condescendências, enfrentar todo e qualquer ‘demérito’ ou antijuridicidade das escolhas públicas, para além do exame adstrito aaspectos meramente formais. (FREITAS, 2007, p. 7).

De qualquer forma, o tributo não deixará de ser visto como um dever fundamental

apenas porque a receita decorrente não foi utilizada (ficou “no caixa” do Governo) ou foi mal

utilizado.

Em outras palavras, uma coisa é a ideia de tributo como objeto de um dever 

fundamental, o que lhe confere uma legitimidade ética; outra situação é o tributo criado pela

lei, capaz de vincular as pessoas que realizaram o fato gerador a cumprir uma obrigação

tributária concreta, passível de questionamento. E por fim, outra hipótese é a questão

financeira e orçamentária, matéria que deve ser, sim, objeto de rigoroso controle, não só por 

órgãos da própria Administração Pública (como Auditorias e Controladorias), como também

 pelo Tribunal de Contas.

121 Essa tese é seguida por Ernani Contipelli (2010), que, inclusive, cita essa afirmação de Marco Aurélio Greco.Segundo Contipelli (2010, p. 199), “em outras palavras, a tributação, na perspectiva do modelo de EstadoDemocrático de Direito, insere o Poder Público na condição de titular do direito de exigir o cumprimento dodever de colaboração de pagar tributos pelos membros da comunidade e, concomitantemente, lhe atribui o dever correlato de redistribuir adequadamente estas riquezas arrecadadas em consonância com os objetivosconstitucionais orientados pela solidariedade social.”

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Isso sem falar, logicamente, no necessário controle exercido pela sociedade civil,

seja por meio de organizações sociais, seja representada pelo Ministério Público, passando,

inclusive, em algumas hipóteses, pelo Poder Judiciário 122.

Afinal, a sociedade também é responsável pela construção do público, ou seja,

“aquilo que convém a todos, da mesma maneira, para a dignidade de todos.” (TORO, 2005, p.

30).

Assim, a má gestão dos recursos públicos, apesar de ser uma prática totalmente

indesejada, não retira do imposto sua característica de ser objeto de um dever fundamental,

decorrente da solidariedade, nem o transforma em uma norma odiosa ou de rejeição social.

De outro lado, não há dúvida que uma melhor aceitação do tributo – a eficácia social,

 portanto – passa pela correta aplicação dos recursos públicos. Um desvio de moralidade

estatal induz, infelizmente, a uma maior permissividade ao descumprimento da obrigaçãotributária e aceitação da sonegação, fatos que, por si só, geram grandes prejuízos à sociedade.

A aceitação social passa pelo desenvolvimento de uma moral social amparada na

separação do público e do privado, combatendo o patrimonialismo e a ética salvacionista. 123 

3.5. Há mudanças na visão do fenômeno tributário em razão da característica do

tributo como dever fundamental?

Fica demonstrado, portanto, que a obra de Nabais busca conferir uma nova visão do

fenômeno tributário. A pergunta que ainda paira no ar – e talvez a mais importante – é saber 

quais são as mudanças reais e concretas que a visão do tributo da forma como sugerida

impõem ou determinam na relação jurídica tributária. Ela permitirá uma tributação ou uma

atuação do Fisco sem limites? Irá transformar ou equiparar o interesse público ao interesse

122 Como exemplo, vide acórdão proferido na ADI 2925, DJ 04.03.2005, em que o STF enfrentou o destino previsto em lei orçamentária (Lei 10.640/2003) à contribuição de intervenção no domínio econômico incidentesobre operações com combustíveis (art. 177, § 4°, CF), julgando procedente a ação para dar interpretaçãoconforme a Constituição, no sentido de que a abertura de crédito suplementar deve ser destinada às trêsfinalidades enumeradas no art. 177, § 4º, inciso II, alíneas ‘a’, ‘b’ e ‘c’, da CF/88.123 Vide Torres (2005, p. 11-13), bem como a seguinte passagem, na p. 39 de seu livro: “[…] com a retomada dorelacionamento entre ética e direito no plano abstrato tornou-se imperativo equilibrar o juízo de legalidade com ode moralidade pública, em busca da legitimidade do próprio Estado Democrático Fiscal. Pena que os ranços do patrimonialismo na cultura brasileira e a arraigada concepção privatista das finanças públicas vêm impedindo o pleno desabrochar da moralidade pública na conduta do Fisco, dos contribuintes e dos Tribunais.” Ver tambémTipke (2002, p. 121), que acentua que uma má atuação do Estado influencia de forma negativa a moral doscontribuintes.

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arrecadatório do Estado? O imposto configura sempre uma intervenção na propriedade e na

liberdade das pessoas? Ou nada é alterado nos institutos e conceitos de dogmática tributária

tradicional, tratando-se de simples retórica e um nome mais pomposo para a necessidade do

contribuinte se submeter ao Poder Tributário?

Veremos a seguir treze tópicos tratados na obra de Nabais que demonstram algumas

novidades ou posições do autor que são distintas de parte da doutrina mais tradicional, como

também veremos que ele possui posições que estão na mesma linha de entendimento de

outros autores clássicos ou liberais.

3.5.1 A preocupação com o tamanho da carga fiscal no Estado Democrático: O Estado

Fiscal necessita e garante a livre iniciativa e a economia de mercado

Inicialmente, é importante frisar que a preocupação com o tamanho do Estado Fiscal

sempre foi uma constante no debate tributário, inclusive por quem defende a ideia da

existência do dever fundamental de contribuir segundo a capacidade contributiva.

 Nabais apresenta sua preocupação com a atual dimensão do Estado, capaz de

descaracterizá-lo, a ponto de, aos poucos, voltarmos a um Estado patrimonial disfarçado.

Ou seja, apesar de defender a existência de um Estado Fiscal e que o imposto decorrede um dever fundamental, apoiado na solidariedade, ele expressamente defende que há limites

à intensidade da tributação:

E assim acontece presentemente, em que o crescimento do estado (no sentido do queveio a designar-se ‘estado providência’ ou ‘estado de bem estar’) e do respectivosuporte fiscal coloca justamente a questão de saber se ele não está a metamorfosear-se num estado proprietário encapuçado por via fiscal, assim se conseguindo uma‘socialização a frio’. Efectivamente, a invocação do estado fiscal, como princípioconstitucional, pretende obstar a que a tributação, e sobretudo o seu aumento semcessar, se converta no ‘cavalo de Troia do socialismo no estado de direito burguês’,

ou seja, que através do aumento quantitativo dos impostos se dê uma mutaçãoqualitativa, que ponha termo ao estado fiscal e instaure um estado de carácter  patrimonial ou proprietário. (NABAIS, 2004, p. 194-195).

Assim, o Estado moderno, para ser um Estado de Direito, tem de ser um Estado

Fiscal, não havendo alternativa, pois outro meio o levaria à sua própria anulação como um

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Estado de Direito. 124 Ou seja, na visão de Nabais, a ideia de um Estado suportado por receitas

advindas das pessoas já configura um limite teórico a ser observado.

O fracasso do Estado Social levou à ideia que o regresso ao Estado Liberal é que

seria a melhor solução para sanar a crise financeira dos Estados, crise esta decorrente da

dimensão do Estado, sendo medida necessária a contenção do déficit público. 125 O grande

 problema desse entendimento é que a ideia de Estado mínimo poderia levar ao retrocesso ou à

insuficiência, reduzindo a eficácia ou a realização de direitos anteriormente já conquistados,

tema que a doutrina constitucional combate veementemente, em prol da proteção dos direitos

fundamentais. 126 

Um Estado Fiscal parte do pressuposto de que há uma separação entre Estado e

sociedade. Essa separação, contudo, não é estanque ou absoluta (paradigma liberal), mas,

segundo o autor, uma separação na qual o Estado deva estar focado primordialmente com a política e a sociedade focada principalmente com a economia.

Isto permite uma zona de interseção entre as esferas de atuação do Estado e da

sociedade. Esta faixa de contato será menor que as áreas de atuação cabíveis respectivamente

ao Estado e à sociedade, e representa justamente a área em que o Estado irá intervir para

garantir o equilíbrio e a orientação da economia. Essa atuação interventiva, logicamente, irá

variar conforme o contexto histórico, econômico e social do país.

O que não resta dúvida é que alguma intervenção sempre ocorrerá, pois será o Estado

a entidade responsável não só por dirigir a economia, sobretudo no nível macro, mas também por garantir uma perspectiva de justiça aos cidadãos:

A ‘estadualidade fiscal’ significa assim uma separação fundamental entre estado eeconomia e a consequente sustentação financeira daquele através da sua participaçãonas receitas da economia produtiva pela via do imposto. Só essa separação permiteque o estado e a economia actuem segundo critérios próprios e autónomos. O estadoorienta-se pelo interesse geral ou comunitário da realização da justiça, critérioque pode falhar uma vez que nem sempre o mesmo é suficientemente claro, paraalém das vias para a sua efectivação não estarem totalmente isentas de conduzirem aavaliações erradas ou mesmo a confusão do interesse geral com os interesses particulares. A economia, por seu turno, guia-se pelo critério do lucro, ou seja,

pela existência de uma relação positiva entre proveitos ou benefícios, de umlado, e custos e perdas, de outro, lucro que não têm de ser o maior possível nemtem necessariamente de se verificar todos os anos econômicos, pois que aoempresário, para manter a viabilidade da sua empresa, é indispensável apenas que,ao menos a longo prazo, os ganhos compensem as perdas e prejuízos acumulados,

124 Merece ser ressaltado que, como bem salienta Casalta Nabais (2004, p. 193), os Estados Socialistas nãoconfiguravam um Estado fiscal,  pois o Estado era o proprietário dos meios de produção (monopolizado ou em posição hegemônica), sendo que a tributação não era a principal fonte de recursos financeiros do Estado.125 Vide as críticas ao modelo neoliberal feitas por Buffon, (2009, p. 23-77).126 Vide Breus (2007, p. 251 em diante); Sarlet (2008, p. 436) em diante.

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compensação que, a não se verificar, conduzirá inexoravelmente ao perecimento daempresa. …

A (maior) racionalidade do sistema económico é, porém, uma racionalidade limitadaou parcelar, uma vez que ela renuncia à consideração de outros objectivos – isto é,de objectivos não traduzíveis em dinheiro – no apuramento do sucesso ou insucesso

do sistema social global. O que leva a que a consideração dos interesses nãoeconómicos, dos interesses públicos, caiba ao estado, que assim fica com as tarefas, por um lado, de controlar e corrigir o próprio processo da actividade económica,de modo a que o mesmo não ponha em perigo outras actividades (daí a acção doestado traduzida na inspecção empresarial, na protecção do ambiente, etc.) oufomente desenvolvimentos culturalvelmente indesejáveis (daí a acção estadual de planeamento e ordenamento do território, de protecção do património cultural, etc.)e, por outro, de corrigir os resultados da repartição dos rendimentos epatrimónios decorrentes do processo económico, quando os mesmos sejamindefensáveis do ponto de vista da justiça. (NABAIS, 2004, p. 196-197, destaquenosso). 

Se o Estado Fiscal parte desta parcial separação, então, é esse mesmo Estado que

garante que os cidadãos atuem com certa de liberdade no mercado e que permite vingar a

ideologia capitalista, na qual impera a livre iniciativa. Mas se é este mesmo Estado que

garante tal situação, só lhe resta ser custeado participando de parte das receitas geradas e

 provenientes da economia produtiva.

[…] tendo o estado fiscal um interesse próprio, se bem que indirecto, nas receitas daeconomia, ele não pode, a título das suas tarefas de controlo e correcção ou aqualquer outro, afectar inteiramente a produtividade da economia. É que as suasmissões de ordenação e de providência, assim como os seus objectivos sociais eculturais, apenas podem ser prosseguidos se e na medida em que o sector produtivo

se mantenha duradouramente numa situação de propiciar os meios necessários àstarefas comunitárias. Pois um estado que, através de regula(menta)ção exacerbadaou de impostos exagerados, estorve, paralize ou destrua a produtividade daeconomia, destroi-se como estado fiscal, pois que, ao minar a sua base, mina, ao fime ao cabo, automaticamente a sua própria capacidade financeira. (NABAIS, 2004, p.198).

Assim, o Estado fiscal, apesar de possuir o papel de interventor, observará sempre o

 princípio da subsidiariedade ou supletividade do Estado no domínio econômico. O que poderá

variar, segundo o contexto e a política pública necessária em determinado momento, será um

maior ou menor  grau de intervenção, sempre respeitando a primazia da liberdade dos

indivíduos.

Em outras palavras, o Estado fiscal, para existir, deve garantir a livre iniciativa e que

o exercício da atividade econômica esteja predominantemente nas mãos da iniciativa

 privada. Logo, haverá, sim, limites à tributação, sob pena deste Estado não existir e não

cumprir seus objetivos que, no fim de tudo, resume-se à garantia e concretização efetiva dos

direitos fundamentais.

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Ainda sobre o tema da carga fiscal, Nabais (2005, p. 48-51; 2009, p. 276-277; 300-

301; 306-307) crítica o denominado “Estado Tributário” ou “Taxador”, pois este está

duplicando o tamanho do Estado Fiscal. Essas taxas e contribuições não configuram o suporte

financeiro principal do atual Estado, apesar de suas receitas serem destinadas a importantes

setores da economia, bem como auxiliarem os Entes Públicos a financiarem políticas públicas

que certamente, garantirão a efetividade de algum direito fundamental, como a proteção do

meio ambiente.

 Nabais reconhece que o Estado Social fiscal, mais intervencionista no campo

econômico e social, levou ao aumento no nível de fiscalidade. Isso, ao menos por enquanto, é

um caminho sem volta. Entretanto, ele ressalta (NABAIS, 2008, p. 105-106) sua preocupação

com o desequilíbrio financeiro do Estado, ou seja, o excesso na despesa pública, que não será

resolvido simplesmente com o aumento da carga fiscal ou com a diminuição das despesas públicas.

Assim, para o autor, a crise do Estado fiscal não será resolvida pela instituição de um

Estado tributário (NABAIS, 2004, p. 201-202). O que deverá ocorrer é uma reformulação do

 papel e das funções do Estado:

[…] não com a pretensão de o fazer regredir ao estado mínimo do liberalismooitocentista, actualmente de todo inviável, mas para o compatibilizar com os princípios da liberdade dos indivíduos e da operacionalidade do sistema económico, procurando evitar que o estado fiscal se agigante ao ponto de não ser senão um

envólucro de um estado em substância dono (absoluto) da economia e da sociedade pela via (pretensamente) fiscal. (NABAIS, 2004, p. 202-203).

Para Nabais (2004, p. 203), uma via adequada deve ser encontrada, de forma que a

responsabilidade própria (autorresponsabilidade) dos cidadãos pelo seu sustento e de suas

famílias não seja postergada na prática.

Em suma, o autor deixa claro que o dever fundamental não ampara qualquer forma

de tributação nem legitima qualquer carga tributária.

De outro lado, a tese do dever fundamental não só ampara como legitima a economia

de mercado (capitalista), bem como sua necessidade para que o Estado Fiscal exista.

Realmente, o autor deixa claro que informa a ideia de Estado Fiscal o princípio da

livre disponibilidade econômica, entendido como a ampla liberdade de decisão do indivíduo

em todos os domínios da vida, sendo que a limitação dessa liberdade de decisão será admitida

quando, “do seu exercício sem entraves, resultem danos para a colectividade, ou quando o

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estado tenha de tomar precauções para que se possa conservar e manter essa mesma liberdade

de decisão.” (NABAIS, 2004, p. 204).

O exercício da livre iniciativa, para ser eficaz, depende também da efetiva

 participação do cidadão na formação da vontade política. Assim, a primazia da ação

econômica dos cidadãos realmente será garantida se for concedido aos mesmos a

 possibilidade de participar efetivamente do debate político travado nas esferas

governamentais. (NABAIS, 2004, p. 206-207).

Diante dessa configuração, fica claro para o autor que a ideia de Estado fiscal

configura não só o limite mínimo como o limite máximo do mesmo.

Abaixo de um limite mínimo, o Estado moderno se dissolveria, passando a existir 

apenas uma comunidade incipiente. Comparando com o chamado mínimo vital dos

indivíduos, também o Estado possui um “mínimo de subsistência estadual”, “o qual, se nãofor satisfeito, põe em perigo a existência do estado.”  (NABAIS, 2004, p. 216). O professor 

 português enfatiza, assim, sua preocupação de que o Estado não pode afundar por 

incapacidade financeira, havendo funções básicas e imprescindíveis à estatalidade. Saber 

quais seriam esses gastos mínimos é a grande pergunta, como bem reconhece o autor.

(NABAIS, 2004, p. 218). Não é possível definir a priori quais são estas atividades, mas, frente

ao panorama constitucional atual, na qual há diversas tarefas atribuídas ao Estado, entre as

quais a preservação da dignidade da pessoa humana, fica difícil estabelecer de qual limite

mínimo estaria se tratando.Contudo, em termos práticos, o questionamento mais importante atualmente é saber 

qual o limite máximo do Estado fiscal. Ultrapassado determinado limite, impossível de ser 

definido a priori e com critérios mais rígidos ou objetivos, haverá sua desnaturação. Através

de uma tributação excessiva que fará com que a própria fonte dos recursos tributários pereça,

teremos o que o autor denomina de “despotismo mascarado” ou “leviatã fiscal”. Seria uma

intervenção indireta na economia a tal ponto de romper com a dualidade “Estado e sociedade”

anteriormente mencionada.

Assim, a respeito desse tema, o autor reconhece que é preocupante a crescente

expansão da tributação frente ao PIB, que, por parte de todo o mundo desenvolvido (industrial

e economicamente) já ultrapassou os 30%, podendo se aproximar dos 50% em alguns casos.

(NABAIS, 2004, p. 217).

Verifica-se, portanto, que algumas preocupações do autor – que defende a existência

de um dever fundamental de pagar imposto – são iguais à de um doutrinador brasileiro

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tradicional como Ives Gandra, que chega a defender que o tributo é uma norma de rejeição

social.

3.5.2. A existência do dever fundamental de pagar impostos não significa que o Poder 

Tributário não tenha limites

O dever fundamental de pagar impostos, visto pelo lado do sujeito ativo da relação

 jurídico-tributária, consubstancia-se na atribuição ao legislador de um poder tributário para a

criação, instituição ou estabelecimento de imposto (competência tributária).

Esse poder, logicamente, foi objeto de evolução, tendo em vista a própria mudançada configuração do tipo de Estado. Se o poder tributário era menos importante na época do

Estado absolutista, em virtude do caráter patrimonial deste Estado, a sua faceta democrática

faz com que o poder tributário seja visto como  pressuposto, como requisito indispensável da

 própria configuração do Estado Fiscal. (NABAIS, 2004, p. 285).

Em face disso, para Nabais (2004, p. 277 e 286), este poder está no plano

constitucional. Ele decorre da Constituição, da opção feita pelo tipo de Estado. Mas esse

 poder não precisa estar descrito ou previsto expressamente na Constituição, pois esta, no seu

entender, apenas declara a existência deste “poder conatural ou essencial” do Estado. Emsuas palavras (NABAIS, 2004, p. 286), “afirmada a soberania e enunciada a configuração

fiscal do estado pela constituição, consagrado está o poder tributário, enquanto poder inato ou

congênito de tal ente.”

Temos dois momentos diferentes: primeiro o da instituição e depois o da exigência

do imposto. Um é praticado no âmbito do Poder Legislativo e outro pelos agentes do Poder 

Executivo. Nabais (2004, p. 277) separa bem esses planos e foca o estudo no Poder Tributário

entendido como “o conjunto de poderes necessários à instituição e disciplina essencial dos

impostos.”

Apesar de unidades da Federação ou poderes locais poderem possuir alguma parcela

desse poder, é certo que, como pressuposto do Estado Fiscal, este poder se centra no Estado,

sendo sua repartição uma consequência de uma opção política e administrativa deste mesmo

Estado.

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O poder tributário decorre da soberania fiscal – uma face da soberania estatal – que,

 por sua vez, é una e indivisível, permanente, indisponível e de titularidade do Estado, cujo

exercício, contudo, por opção de organização política e administrativa, pode ser repartido

entre os entes componentes deste Estado (entidades autônomas, Estados-membros, províncias,

municípios, etc., que configura a atribuição de competência tributária).

Soberania é um conceito jurídico, não absoluto e aplicável à situação normal ou

cotidiana. Ela se exprime, essencialmente, na função legislativa, cujo exercício deve obedecer 

aos limites constitucionais. (NABAIS, 2004, p. 299).

Assim, o termo “dever fundamental” não dota o Estado de um poder irrestrito nem

desconsidera os direitos do contribuinte e os limites existentes ao poder de tributar . 127 

Também de forma preliminar, o autor deixa claro que rejeita uma posição  positivista

de que a tributação somente possui limites formais. Assim, o legislador não podearbitrariamente estabelecer os fatos sobre os quais irá recair a tributação. (NABAIS, 2004, p.

316-317).

Por outro lado, critérios materiais de justiça tributária são temas que devem ser 

considerados pelo Direito Tributário, que não se contenta com uma justiça meramente formal,

assegurada pelo princípio da legalidade. Para o professor português:

Ora, tal ideia, que, no contexto do estado liberal, era em larga medida desprovida deconsequências, dado, por um lado, conceito racional de lei então vigente, que fazia

desta (assim se acreditava) uma forma a que necessariamente correspondia umconteúdo balizado por requisitos de justiça e, por outro, o carácter mínimo doestado, a reclamar uma tributação diminuta e proporcional, é de todo inaceitável nostempos que correm, atento o conceito político de lei que prevalece e o carácter socialdo estado contemporâneo suportado por uma crescente exigência de receitas fiscais.

Daí que nossa análise não se limite às exigências que, em geral, se prendem com asegurança jurídica dos contribuintes, antes abranja também e sobretudo osrequisitos ligados à justiça fiscal, pois só assim se obterá uma compreensãoconstitucional adequada do dever de pagar impostos no estado de direito. É queeste conceito, não obstante a falta de unanimidade que tem suscitado, semprecongrega os autores pelo menos quanto à ideia de que o mesmo se não basta com umconteúdo formal ligado à necessidade de o estado, na prossecução dos seus fins,utilizar exclusivamente certos meios ou formas jurídicas, em que predomina a lei

formal, antes integra também um conteúdo material, expresso na afirmação de que afinalidade essencial do estado consiste na realização da justiça. Por outras palavras,o imposto não pode mais ser configurado como um tipo (meramente) formal, que se

127 Em mais de 300 páginas da obra “Dever Fundamental de pagar impostos”, Nabais irá tratar dos limites datributação, indicando, inclusive, diversas situações analisadas em Portugal e na Alemanha. Ele divide os limitesem limites formais e materiais, sendo os primeiros aqueles requisitos relativos ao sujeito e à forma (sentido lato),o que envolve o modo de instituição do tributo. Nas suas palavras, esses limites formais se referem  ao quemtributa ou é tributado e ao como se tributa. (NABAIS, 2004, p. 316). De outro lado, os limites materiais dizemrespeito ao objeto e conteúdo do poder tributário, recaindo, assim, sobre o que será tributado. Trataremos nestecapítulo 3 apenas das questões principais, necessárias para compreender a ideia básica do dever fundamental de pagar impostos e que poderão repercutir no ordenamento jurídico brasileiro.

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 baste em ser suportado por um qualquer acto de vontade do legislador, exigindo-seantes que seja concebido como um tipo material, que oferece soluções fundadas emtermos de justiça, ou seja, penetradas ela ideia do estado de direito material.(NABAIS, 2004, p. 317-318, destaque nosso).

Por isso, o autor irá estudar não só o princípio da legalidade, mas também aspectosda segurança jurídica, bem como o princípio da isonomia tomado conjuntamente com a

capacidade contributiva, o princípio da consideração fiscal da família, o princípio do respeito

 pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais, o princípio do Estado Social, outros

limites materiais da tributação, o princípio da coerência do sistema e o limite dos limites

materiais da tributação.

Esse tópico já demonstra que a postura do autor e a tese que o mesmo sustenta não

 são simplesmente de defesa do Fisco, ou seja, afirmar a existência de um dever fundamental

de pagar impostos não significa defender  uma postura que dá prestígio às meras práticasarrecadatórias (“fiscalista”). Na verdade, o autor busca mostrar a importância da tributação,

como verdadeiro pressuposto do Estado Democrático, tributação que está sujeita a diversos

 princípios, não só de cunho formal (o quem tributa e como), mas também o conteúdo (o quê e

o quanto) que será submetido à tributação.

Mas ele deixa claro também que a tributação possui uma importância transformadora

da sociedade, especialmente quando se preocupa com a isonomia e a capacidade contributiva.128 Tal posição comprova também que a tese do autor não se compatibiliza com argumentos

de que o tributo deve ser visto sempre com desconfiança, que o contribuinte deve ser sempre

 privilegiado na atividade interpretativa e, ainda, que o texto constitucional possui dispositivos

que protegem apenas o contribuinte. Realmente, o que a ideia do dever fundamental irá

 permitir será alguma mudança na compreensão do conteúdo dos limites da tributação, ou

seja, como os mesmos devem ser compreendidos no Estado Democrático de Direito.

De toda forma, se as ideias lançadas por Nabais e por outros professores portugueses

apresentam algumas novidades frente à doutrina clássica, outros temas tratados pelo autor são

também aceitos por parte da doutrina que olha com desconfiança o dever fundamental de

 pagar tributo.

128 Esse papel da tributação e a preocupação com o caráter de transformação social do tributo é tema que já vemocupando a doutrina brasileira contemporânea e serão vistos no capítulo posterior. Vide Greco (2008), Godoi(1999), Lodi (2008), Buffon (2009), Mendonça (2002), Contipelli (2010), Oliveira (2010).

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3.5.4.   A crítica à legalidade e a possibilidade de haver conceitos indeterminados

O autor português inicia seu estudo dos limites pelo princípio da legalidade. Se

durante o século XVIII e XIX (Estado Liberal), a busca por segurança da propriedade e da

liberdade eram as preocupações principais, servindo o princípio da legalidade como uma

garantia plena para o contribuinte, no Estado Social, a crença do caráter de onipresença da lei,

decorrente das características de generalidade e abstração, perde sua força, não estando “mais

em condições de assegurar uma justiça social a priori e de suscitar a confiança da

generalidade de seus destinatários.” (NABAIS, 2004, p. 333).

Uma questão que é tratada na obra de Nabais e que permeia o entendimento daqueles

autores que afirmam ou defendem a existência de um dever fundamental de pagar imposto é acrítica à concepção clássica de compreender o princípio da legalidade como princípio da

tipicidade fechada. Aqui há uma novidade, frente à dogmática tradicional do Direito

Tributário.

O autor critica veementemente certa concepção do princípio da legalidade. Este que

seria um princípio de proteção ao contribuinte, não serve como qualquer barreira para a

crescente instituição ou majoração de tributos (NABAIS, 2004, p. 218-219). Para ele,

(NABAIS, 2004, p. 218), não há, assim, “garantia de que a lei seja expressão do bem

comum”.Sendo certo que o contribuinte não deve ser abandonado, submetido à dominação do

fisco (ferocidade do fisco, segundo o autor), não é possível que o limite estabelecido importe

no retorno a um Estado liberal fruto do Iluminismo – o chamado Estado mínimo.

Para o autor (NABAIS, 2004, p. 219), não faz mais sentido uma “ideia de moderação

ou economicidade assim entendida, que necessariamente impõe e exige a neutralidade

económica e social dos impostos”.

Observa-se também que a Administração passa a ter um papel mais ativo,

especialmente porque a lei passa a adotar conceitos indeterminados e cláusulas gerais, o que

abre o caminho a uma ampla margem de livre atuação do operador jurídico administrativo.

(NABAIS, 2004, p. 334).

O sistema fiscal clássico, do modelo liberal, era simples, pois estava baseado em

impostos com baixas alíquotas, proporcionais e polarizado em manifestações mais simples de

capacidade contributiva. Por outro lado, esse modelo, hoje, não é mais possível,

especialmente porque a lei tributária não tem a preocupação em ser apenas um instrumento de

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limitação ao poder de tributar, mas  servir como meio para transformar a sociedade. Assim, a

 preocupação em atingir as mais diversificadas e complexas manifestações de poder será uma

característica presente no momento atual. O citado autor assim expressa as diferenças dos

modelos e suas consequências:

Mas esta pretensão de apuramento real – mormente tratando-se da realidadeeconómica em permanente e acelerada evolução -, para além de conduzir a umaexcessiva analítica da lei do imposto, capaz de pôr em causa a segurança jurídicaque essa consideração do real visava resguardar, é, em larga medida, impossível derealizar ao nível das normas fiscais, não restando ao legislador outro remédio senãodeixar essa função à administração fiscal a exercer aquando da aplicação dasmesmas. Por isso, uma tributação ancorada na capacidade contributiva efectiva

dos contribuintes singulares ou colectivos, ao invés da visão clássica (liberal),que reclamava uma legalidade fiscal estrita, pode conseguir-se justamente comuma certa autocontenção ou reconhecimento dos limites do legislador para dominar totalmente a realidade fiscal e a consequente atribuição de uma dada “margem de

livre decisão” à administração fiscal. Uma margem que, nomeadamente, lhepermita actuar eficazmente contra a fraude e a evasão fiscais, permitidas por umsistema que arvore a reserva da lei em valor absoluto, e deixe, por impossibilidade prática, de prever ou de prever adequadamente a tributação de factos que eminentesrazões de justiça exigem. (NABAIS, 2004, p. 335, destaque nosso)

Verifica-se, portanto, que a leitura atual do dever fundamental de pagar impostos está

amplamente vinculada com o  papel da tributação no Estado Democrático de Direito, que

deve ter seu foco voltado também para objetivos sociais e econômicos, o que já é uma

diferença frente ao panorama clássico da doutrina brasileira. Nabais (2004, p. 339) frisa que

não será o princípio da legalidade a garantia para a produção de um direito tributário justo.Da mesma forma, Nabais (2004, p. 337; 354-356) demonstra que é utópica 129 a

figura idealizada do princípio da legalidade como instrumento para assegurar a segurança

 jurídica, no qual o contribuinte terá, com certeza absoluta e prévia, se sua renda ou se a

atividade que exerce será tributada e em quanto. É possível, portanto, a utilização de cláusulas

gerais e conceitos indeterminados.

Também esse tema já passou a ser tratado nas obras jurídicas nacionais. 130 Ricardo

Lodi (2008, p. 73-74), citando o próprio Casalta Nabais, afirma que a legalidade vista como

 juridicidade é aplicada ao Direito Tributário, pois a atividade administrativa está vinculada àlei e ao Direito.

129 Vide Greco (2008), Lodi (2008), Godoi (2008), Oliveira (2010) e Torres (2006).130 Nesse ponto da obra há certas particularidades do modelo constitucional português em que se discute, por exemplo, se o princípio da legalidade alcança as taxas. Isso sem contar as várias inserções no direito comparadoeuropeu. Constam na obra trechos bem específicos da situação jurídica portuguesa – por exemplo, a autonomiadas regiões e comunidades locais em matéria tributária, algo diferente da experiência brasileira, na medida emque nossa Constituição outorga expressamente competência para os Municípios e Estados-membros – o que fazcom que tais partes não mereçam maior destaque no presente momento, pois elas não possuem muitaimportância para os objetivos deste trabalho.

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Realmente, a segurança jurídica em uma sociedade de risco 131 não pode ser vista sob

os mesmos parâmetros do paradigma liberal. Dizer o que configura segurança em uma

sociedade plural e desigual é muito difícil, especialmente porque não há como conceitos ou a

linguagem do Direito assegurar uma pré-determinação absoluta.

Isso, contudo, não retira a necessidade de lei formal e material para a

criação/instituição e majoração de tributo (art. 150, I, CF/88). Lodi (2008, p. 75, nota n° 288),

nesse ponto, sintetiza tal ideia ao afirmar que “não há que se confundir a expressão ‘reserva

absoluta de lei’, que se refere à necessidade da lei em sentido formal ser o veículo criador do

tributo, com uma maior necessidade de fechamento dos tipos no Direito Tributário.”

De qualquer forma, Nabais (2004, p. 326-365) deixa claro que, em face do princípio

da legalidade, lei formal e material deverá dispor sobre o fato ou situação que dá origem ao

imposto (tributo, no caso do Brasil); sobre os sujeitos da relação tributária (credor,contribuinte e responsáveis); o montante (base de cálculo e alíquota); deduções; benefícios

fiscais. Isso não destoa do Direito brasileiro.

Ainda nesse tema, face à realidade atual e o alto grau de complexidade da legislação

fiscal, reconhece o autor a impossibilidade de o legislador diferenciar e individualizar todas as

situações e estabelecer as regras específicas para atender a capacidade contributiva real e

 pessoal.

Um legislador onipotente, capaz de descer aos ínfimos detalhes dos impostos, não é

compatível com o modelo atual do Direito Tributário. Economicidade, racionalidade eeficiência têm importância no direito fiscal atual, que é pautado, entre outras, por duas

características: a) pela tributação em massa, que atinge inúmeros contribuintes, que são

obrigados não só a pagar o tributo como preencher e enviar à Administração Pública diversas

declarações (obrigações acessórias ou instrumentais); e b) pela exigência de uma tributação

 progressivamente preocupada com critérios materiais de justiça, que exige a verificação de

uma capacidade contributiva real.

Assim, admite o autor a estipulação de regras de simplificação e a adoção do

 princípio da praticidade. Afirma o autor, de forma clara, que:

[…] não se pode esquecer que o princípio da determinabilidade não se confundecom um suposto dever de pormenorizar o mais possível ou de optimizar a pormenorização da disciplina dos impostos, uma vez que, quanto mais o legislador tenta pormenorizar, maiores lacunas acaba por originar relativamente aos aspectosque ficam à margem dessa disciplina, aspectos estes que, como facilmente se

131 Termo muito utilizado por Ricardo Lobo Torres, disseminando entre seus orientandos do Rio de Janeiro, entreeles, Ricardo Lodi.

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compreende, variarão na razão inversa daquela pormenorização. Ou seja, asespecificações excessivas, porque se enredam na riqueza dos pormenores, perdem o plano de que partiram, acabando, ao invés, por conduzir a maior indeterminação.(NABAIS, 2004, p. 377).

3.5.4. A luta contra a fraude à lei tributária

 Nabais (2004, p. 381-383) acentua, em outra passagem, a necessidade de se combater 

a fraude e evasão fiscal. Ele não esclarece muito bem a que tipo de atos seu raciocínio busca

alcançar. Em nota de rodapé, Nabais diferencia a fraude e evasão ilegítima – que, para ele,

seriam condutas claramente violadoras na regra tributária (a tax evasion) - da fraude e evasão

legítima – que seria o negócio fiscalmente menos oneroso, realizado com o intuito exclusivoou preponderante de economia tributária, no qual há a divergência ou a falta de

correspondência entre o ato realizado e o fim típico do negócio jurídico (tax avoidance).

Em outro estudo acadêmico, dirigido propriamente à luta contra a evasão, o autor 

deixa claro que ele utiliza a expressão “evasão fiscal” com “um sentido amplo que abarca o

que tradicionalmente entre nós designamos por ‘fraude e evasão fiscais’”, ou seja, engloba

tanto a evasão lícita, “isto é, a elisão fiscal que constitua um abuso da liberdade de

 planeamento e gestão fiscais, como a evasão ilícita, ou seja, a evasão fiscal em sentido

estrito.” (NABAIS, 2008, p. 106).

Para Nabais (2008, p. 105), é importante o combate ao que ele denomina “evasão

fiscal” – conforme conceito amplo acima traduzido – utilizando-se todos os meios e com

eficácia, uma vez que esse fenômeno viola não só a isonomia e justiça fiscal – que são direitos

assegurados a todos os contribuintes – como perturba o funcionamento do mercado na medida

em que introduz um elemento novo na concorrência (desleal) entre as empresas.

Assim, ele deixa subentendido que se trata de combater algumas práticas de

 planejamento tributário “lícitos” 132.

132 Situações que a doutrina nacional muitas vezes chama de elusão e que alcança negócios artificiosos feitoscom o intuito de “contornar a lei tributária”. O contribuinte estaria agindo em fraude à lei tributária, ou comabuso de formas, abuso de direito, falta de propósito negocial, negócio jurídico indireto ou outras formas maissofisticadas e feitas às claras, com o intuito de não pagar ou pagar menos tributo, realizadas antes da ocorrênciado fato gerador. Em regra, as figuras mencionadas não configurariam simulação “clássica”, ou seja, divergênciaentre a vontade declarada e o real interesse das partes (compra e venda de um imóvel com valor declarado menor que o efetivamente pactuado e pago pelo comprador ao vendedor). Sobre o tema, vide Greco (2008), Godoi(2001, p. 101-123), Godoi (2007a, p. 272-298) e Furlan (2007).

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Isso porque, para ele,  fraude e evasão fiscais (são os termos usados pelo autor) são

“extraordinariamente facilitadas” atualmente, em que impera a “hipertrofia e complexidade

técnica da generalidade da legislação”. O combate às mesmas, para obter sucesso, não é

compatível com uma visão rígida do princípio da legalidade - tal como visto por Xavier 

(2001) 133 - que deixe a autoridade fiscal sem qualquer margem de atuação e dependente de

estritas determinações legais (NABAIS, 2004, p. 381). O legislador deve reconhecer suas

limitações e conferir ao administrador certa margem de livre decisão, podendo este recorrer,

inclusive, à analogia para colmatar certas lacunas. Em interessante passagem, ele afirma que:

[…] ao contrário do que continua a ser voz corrente na generalidade da doutrina, nãoencontramos razões para insistir num entendimento do princípio da legalidade fiscal,que só os quadros do estado liberal suportavam e que não tem correspondência emdiversos sectores da estadualidade contemporânea, para os quais também se reclama

uma legalidade estrita. (NABAIS, 2004, p. 382)

Dessa forma, não há motivos para tratar a legalidade tributária diferentemente da

legalidade estudada pelo Direito Administrativo, ou da legalidade como fonte de restrições

aos direitos fundamentais. Para Nabais, o que está por trás desse raciocínio são preconceitos

de outras épocas, como o da odiosidade do fisco, o do caráter excepcional das normas

impositivas, que serviram de suporte a teorias de interpretação tais como in dúbio contra fisco

ou que propugnavam por uma interpretação literal da legislação tributária. De outro lado, tal

visão diminui a importância ou mesmo a efetividade do princípio da igualdade tributária,

 princípio que não pode ser desconsiderado na luta contra a fraude e evasão fiscal. (NABAIS,

2004, p. 382-383).

Essa leitura também é feita por Saldanha Sanches, outro influente doutrinador 

 português. Esse renomado professor da Faculdade de Direito de Lisboa acentua que a doutrina

tradicional vê o Direito Fiscal como uma forma de atividade pública que “ameaça e restringe

os direitos do cidadão”, importando, assim, em uma intromissão administrativa. Dessa forma,

defende-se a existência de princípios especiais de interpretação do Direito Tributário que

 poderão, assim, conter os excessos administrativos e garantir a segurança jurídica. Teríamos, portanto, a defesa da aplicação literal da lei fiscal e o princípio da tipicidade fechada,

“articulados num todo coerente que permitiria garantir a integral predeterminação

administrativa na aplicação da lei fiscal.” (SANCHES, 2006, p. 29-30).

133 Sobre a crítica à obra de Alberto Xavier, conferir as obras citadas na nota anterior. Sobre a defesa dalegalidade, como razão oponível a uma norma antielusão, vide Derzi (2001, p. 219-226) e Côelho (2001, p. 284-298; e 2006).

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O valor “segurança” era o que preponderava, abandonando o valor “justiça”, se

necessário. O Direito Tributário, contudo, mudou e, aos poucos, o uso de formas ou “tipos”

abertos na previsão normativa leva a uma crítica a essa postura rígida e formal do Direito

Tributário. Essa evolução culminará com a adoção nos ordenamentos jurídicos (especialmente

o europeu) da adoção de uma cláusula geral que combata o planejamento jurídico abusivo ou

feito em fraude à lei, “deixando-se de fazer a segurança prevalecer sobre a justiça e

obrigando-se à busca de formas de concordância prática entre estes dois valores.”

(SANCHES, 2006, p. 32).

Saldanha Sanches (2006, p. 46) critica justamente aquelas teorias que viam o Direito

Tributário apenas como um direito de intromissão do Estado na propriedade e liberdade do

cidadão, esquecendo-se que o mesmo também atribui à lei fiscal a função de obter uma “justa

repartição dos encargos tributários”. Sua ponderação comprova que o Direito Tributário não possui apenas uma via, mas um caminho “de mão dupla”:

O Direito Fiscal pode ser concebido com um direito de intromissão que tem comolimite um puro direito de defesa do contribuinte em certas áreas de importânciavital: por exemplo, o direito de não ver tributado o mínimo de existência não podeser considerado como um mero direito social. Tem antes de ser considerado comoum direito de defesa ( Abwehrecht ) do cidadão de mais baixos recursos perante oEstado. Os direitos humanos, como direitos a ser incluídos na relação jurídico-tributária e que fazem com que a desconsideração de certos negócios jurídicos exijaa legitimação da demonstração da existência da fraude à lei, inserem-se nessadimensão do Direito Fiscal. … Contudo, existe uma outra dimensão do Direito

Fiscal como um conjunto de regras jurídicas que tem como objectivo a justarepartição dos encargos tributários, o que se reflectirá nos princípios condicionantesda aplicação da lei fiscal. O postulado da igualdade na aplicação da lei tem de serum princípio fundamental para predeterminar o trabalho do legislador e aactividade da Administração.” (SANCHES, 2006, p. 43, destaque nosso)

A preocupação do citado autor, portanto, será o estabelecimento de uma cláusula

legal que permita a aplicação que satisfaça tanto a segurança jurídica como a igualdade na

repartição dos encargos financeiros na comunidade.

A luta contra a fraude à lei 134 tributária, segundo Sanches (2006, p. 99), busca

 justamente preservar o ordenamento jurídico. Diz ele que se a lei pode, regularmente, ser contornada, sem qualquer problema, o ordenamento jurídico não atingirá os objetivos que o

legitimam, quer se trate da segurança, quer diga respeito à correta distribuição de encargos

134 Segundo Sanches (2006, p. 21-22), fraude à lei fiscal não é a mesma coisa que fraude fiscal. Enquanto estaúltima configura um comportamento que viola um dever de cooperação, podendo configurar, inclusive, umcrime, a primeira designa os comportamentos que consistem em contornar a lei fiscal sem expressamente ainfringir. Em outra parte, Sanches (2006, p. 98) diz que “a fraude à lei existe quando alguém contorna ‘uma proibição legal, recorrendo a processos formalmente lícitos, mas que conduzam afinal ao resultado que a lei quis proibir’.”

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tributários, bem como o mercado não terá a necessária estabilidade, já que este não tolera

contratos firmados com amparo em artifícios.

 Nabais (2005, p. 74-75) também enfrenta o tema na linha de Saldanha Sanches.

Mesmo ao criticar a redação do art. 38°, n° 2, da Lei Geral Tributária (Decreto-Lei 398/98),

com redação dada pela Lei n° 100, de 27/06/1999, ele expressamente consigna que

“naturalmente que não discordamos, em princípio, da adopção de uma cláusula geral contra a

evasão e fraude fiscal”. O autor discordava da cláusula existente em Portugal 135 em razão de

sua amplitude, pois ela se revelava demasiado aberta, concedendo poderes excessivamente

amplos à Administração Tributária, poderes que poderiam comprometer a liberdade

econômica dos contribuintes. Tal redação foi alterada pela Lei n° 30-G, de 29 de dezembro de

2000, cujo art. 38°, n° 2, ao tratar da ineficácia dos atos e negócios jurídicos, passou a ter o

seguinte conteúdo:

2 - São ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso dasformas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos queseriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fimeconómico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação deacordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagensfiscais referidas. (PORTUGAL, 1998).

 Nabais reconhece que o referido dispositivo é extenso e complexo, mas consegue

limitar o poder da Administração Pública, sanando o problema do dispositivo anterior.

Assim, apesar de a liberdade das empresas de gestão de conformar seus negócios de

forma a alcançar a menor tributação possível derivar do princípio do Estado Fiscal, essa

liberdade não poderá ser concretizada por meio de contratos ou instrumentos “insólitos ou de

todo inadequados ao objectivo ou objectivos econômicos pretendidos.” (NABAIS, 2005, p.

74-75).

 Nota-se, portanto, que a compreensão da existência de um dever fundamental levará

a uma concepção mais alargada ou a uma leitura “menos formal” do princípio da legalidade e

da segurança jurídica, compreensão esta que fomentará, inclusive, a luta contra alguns tipos

de planejamento tributário que parte da doutrina considera como legítimos. 136 O ordenamento

135 A redação dada pela Lei n° 100, de 1999, era a seguinte: “são ineficazes os actos ou negócios jurídicosquando se demonstre que foram realizados com o único ou principal objectivo de redução ou eliminação dosimpostos que seriam devidos em virtude de actos ou negócios jurídicos de resultado económico equivalente, casoem que a tributação recai sobre estes últimos.”136 Vide considerações feitas por Godoi (2008, p. 272-298) e Greco (2008).

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 jurídico aceita o direito à livre gestão dos negócios privados, desde que não se comprove que

haja uma intenção de contornar artificiosamente a lei fiscal.

Tanto a estabilidade e a preservação do mercado como o objetivo constitucional da

 justa distribuição dos encargos tributários exigem a desconsideração de negócios artificiosos

ou abusivos (praticados em fraude à lei).

3.5.5. Analogia e Direito Tributário

De outro lado, Nabais alega que a segurança jurídica não seria suficiente para afastar 

a possibilidade de a analogia ser aplicada, pois, diante do atual panorama legislativo – complexo e hipertrofiado – e frente aos modelos de gestão empresariais – mais profissionais e

técnicos – é pura ficção achar que o contribuinte, na construção de sua estratégia ou

 planejamento, irá, ele próprio, conhecer com boa precisão e certeza de acerto qual a lei

aplicável ao caso concreto. Enfim, para o autor, o uso da analogia não confere mais ou menos

segurança jurídica e nem é proibida pela Constituição Portuguesa:

[…] é de começar por referir que, à semelhança do que se passa lá fora nageneralidade dos países (e ao contrário do que se prevê para o direito penal), a nossa

Constituição não contem qualquer disposição que, directa ou indirectamente,interdite a analogia no domínio das normas jurídico-fiscais agravadoras da situaçãodo contribuinte. (2004, p. 387).

Por outro lado, Nabais (2004, p. 389-393) entende que a analogia pode servir ao

 princípio da isonomia, mediante a ampliação da aplicação dos princípios existentes nas leis

impositivas e constituir, assim, um importante instrumento na luta contra a evasão e a fraude

fiscais. Ele entende que a “solução equilibrada” entre os valores decorrentes da legalidade e

da isonomia (ou seja, entre segurança e justiça fiscal) passa pela não rejeição total da

aplicação analógica das normas jurídico-fiscais de tributação.Apesar de o autor (NABAIS, 2004, p. 392) afirmar categoricamente que não vê

“qualquer inconveniente na admissão da analogia relativamente às normas de imposição como

na interpretação extensiva destas”, ele, ao mesmo tempo, entende que isso “não significa a

aceitação em geral da analogia”. No caso de normas relativas a impostos com natureza fiscal,

a analogia somente será possível “se e na medida em que a lei fiscal a venha a admitir.”

(NABAIS, 2004, p. 393). E refuta:

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Isto é, em princípio toda e qualquer lacuna jurídica neste domínio deve ser havidacomo uma lacuna política, um domínio que o legislador pretende que não seja preenchido senão por si, a menos que expressamente diga o contrário. Assim, de umlado, a aplicação analógica não será admitida à revelia do legislador e, de outro, este,no leque das suas opções políticas, pode dispor do recurso à analogia,nomeadamente para lutar, ou lutar mais eficazmente, contra a evasão e fraude

fiscais. (NABAIS, 2004, p. 393-394). 

Sobre tal tema, é necessário fazer uma consideração. A postura adotada por Nabais

não teria acolhida na grande maioria doutrina brasileira, especialmente em razão da previsão

do art. 108, § 1°, do CTN, que impede a utilização da analogia para a cobrança de tributo 137.

Isso porque, na visão tradicional, a analogia é forma de integração, ou seja, pressupõe lacuna

e, no caso do direito tributário, seria o mesmo que dizer que não há lei prevendo os aspectos

da hipótese de incidência daquele tributo e que, por motivos de igualdade, seria utilizada a

analogia.

Greco (2008, p. 162-168), contudo, se posiciona no sentido de que a impossibilidade

de utilização da analogia no Direito Tributário decorre apenas do Código Tributário Nacional

e não da Constituição. Na sua visão, a proibição da utilização da analogia, decorrente da

Constituição, foi fruto de uma concepção doutrinária que invocava os cânones interpretativos

do Direito Penal e os aplicava integralmente ao Direito Tributário. Este autor (GRECO, 2008,

 p. 163) expressamente adverte que “não há uma relação necessária entre garantia do cidadão e

 proibição da analogia.”

Lodi (2008, p. 158-159) também comenta que o uso da analogia no DireitoTributário – cuja vedação sempre foi defendida pelos autores clássicos – começa a ser 

questionado pela doutrina atual. De qualquer forma, ele entende que nada impede a existência

de uma regra que confira ao valor segurança jurídica um peso ou uma importância maior no

caso e vede expressamente a utilização da analogia.

Entendemos, contudo, que o princípio da legalidade veda a utilização da analogia

como procedimento de interpretação e integração das normas que instituem tributos.

Compreendemos também que o dever fundamental de pagar impostos não legitima a

utilização da analogia para tal fim.Por outro lado, aderimos à posição de Godoi e Saliba (2010, p. 283) que entendem

totalmente pertinente a utilização da interpretação extensiva no Direito Tributário. Salientam

esses dois autores que a diferença entre interpretação extensiva e analogia é mais uma

diferença de  grau, e não de natureza, apesar de, na prática, tal diferença não ser fácil de se

137 Eis o teor do dispositivo legal: “O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei”. (BRASIL, 1966).

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identificar. Contudo, Godoi e Saliba afirmam que o § 1º do art. 108 do CTN não veda a

interpretação extensiva e que uma posição como essa, amparada na ideia de que deve

 prevalecer uma “interpretação estrita”, “faz lembrar as concepções ultrapassadas do tributo

como algo odioso e excepcional.” (GODOI; SALIBA, 2010, p. 283). 138 

De qualquer forma, e o que é importante para o nosso trabalho, é demonstrar que a

visão compartilhada por Greco e Lodi está amparada numa ótica diversa da tratada por  parte 

da doutrina “clássica” ou tradicional do Direito Tributário brasileiro, que é a de que se vive

em um Estado inimigo das liberdades (e não o inverso) e do contribuinte interessado em pagar 

o menos possível de impostos, a qualquer custo, “como se lhe assistisse um direito

fundamental de não pagar impostos”, ao invés de ser uma pessoa socialmente solidária e

responsável, interessada em uma tributação conforme a igualdade. (NABAIS, 2004, p. 386).

3.5.6. A segurança jurídica e a necessidade de proteção da boa-fé do contribuinte

Ao tratar da segurança jurídica, relembra o autor o já versado sobre o princípio da

legalidade, esclarecendo que tratará de outros limites formais à tributação (NABAIS, 2004, p.

394-396).

Inicialmente, assinala o autor que o princípio da segurança jurídica não está previstoexpressamente no ordenamento constitucional português, fato este que também se repete no

caso brasileiro. Mas sua ausência não significa que o mesmo não exista, pois decorre do

 princípio do Estado de Direito. Assinala o autor a necessidade de proteção da confiança, que

é decorrente do princípio da segurança jurídica.

Para ele, no âmbito do Direito Tributário, este princípio está voltado essencialmente ao

legislador, limitando a edição de leis retroativas e na livre revogabilidade e alteração das leis

tributárias. Contudo, é possível também sua aplicação aos atos praticados pela Administração

Pública, especialmente porque ela não aplica mecanicamente a regra, mas a interpreta e

 produz uma norma jurídica concreta.

A impossibilidade de retroatividade alcança apenas as normas que criam ou

aumentam os impostos (tributos, no caso do Brasil) ou diminuam os benefícios fiscais. Ela

138 Também aderimos à posição de Godoi e Saliba (2010, p. 284-286) de que a norma antielusão – que combateos planejamentos tributários abusivos ou em fraude à lei - não configura uma tributação por analogia. Esse tema,contudo, por ser muito amplo e complexo, não será tratado na presente dissertação.

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não alcança as normas que diminuam ou extingam os tributos ou aumentem os benefícios

fiscais. Quando o autor redigiu seu trabalho (1997), a Constituição Portuguesa não previa

expressamente esse princípio, ao contrário da Brasileira (art. 150, III, ‘a’), como o próprio

autor reconhece em nota de rodapé. (NABAIS, 2004, p. 397).

Todavia, com a revisão constitucional de 1997, o legislador constituinte português

optou por consagrar no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição o princípio geral de proibição de

cobrança, pelo Estado, de impostos retroactivos. 139 Explicitou-se, aqui, algo que já decorria

do princípio da proteção de confiança e da ideia de Estado de Direito nos termos do artigo 2.º

da CRP.

Essa alteração trouxe mudanças no entendimento do Tribunal Constitucional

Português, que conferiu à citada garantia um critério mais objetivo à proteção do direito do

contribuinte, não dependendo a aceitação ou não da retroatividade em razão do contexto darelação jurídica. O Tribunal Constitucional, no Acórdão 128/2009 140, consignou a alteração

sobre o tema:

Uma vez expresso no texto da Constituição a proibição da retroactividade emmatéria fiscal, o Tribunal passou a ler  esta proibição já não numa dimensãosubjectiva (dependendo, em concreto, do contexto dos sujeitos da relação tributáriaresultante da aplicação da lei) mas antes numa dimensão objectiva. Diz o Tribunal, aeste propósito, que à proibição expressa da retroactividade da lei fiscal “não podedeixar de estar ínsita uma garantia forte de objectividade e auto-vinculação doEstado pelo Direito” (Cfr . Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 172/2000, in

www.tribunalconstitucional.pt)Quer isto dizer que, actualmente, e consagrado que está o princípio geral deirretroactividade da lei fiscal, a mera natureza retroactiva de uma lei fiscaldesvantajosa para os particulares é sancionada, de forma automática, pelaConstituição, qualquer que tenha sido, em concreto, a conduta da administraçãofiscal ou do particular tributado. Por outras palavras, o juízo deinconstitucionalidade decorre apenas da mera análise dos dados normativos,  nãodependendo, em nenhum momento, da averiguação de quaisquer  elementoscircunstanciais que resultem da condição, em concreto, de uma certa relação jurídico-tributária. (PORTUGAL, 2009).

Todavia, reconhece o Tribunal Constitucional a importância de se proteger a boa-fé

do contribuinte nas questões tributárias. Citando outra obra de Casalta Nabais, o Tribunal

conclui:

139 Eis o teor do dispositivo constitucional português: “Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que nãohajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança senão façam nos termos da lei.” (PORTUGAL, 1976).140 Processo nº 772/2007, Rel. Conselheira Maria Lúcia Amaral, j. 12.09.2009. Disponível em:<http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20090128.html> Acesso em 27/07/2010.

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A proibição expressa da retroactividade da lei fiscal não tornou inútil a eventualaplicação, a matérias de natureza tributária, do parâmetro da protecção da confiança.Como diz Casalta Nabais, (Cfr. “ Direito Fiscal ”, 3ª Edição, Almedina, Coimbra, p.149) a  protecção da confiança não foi absorvida pelo novo preceito constitucional.Ao textualizar a proibição de normas fiscais retroactivas, a Constituição conferiuuma especial corporização ao princípio, corporização essa que se traduz na

necessária ausência de ponderações sempre que ocorram casos [de leis tributárias]que sejam retroactivas em sentido próprio ou autêntico.  Nesses casos – nos quais,recorde-se, se não inclui o presente - não há lugar a ponderações: a normaretroactiva é, por força do nº 3 do artigo 103º, inconstitucional. Mas tal não significaque, por causa disso , se tenha esgotado ou exaurido a «utilidade» do princípio daconfiança em matéria tributária. Pode haver outras situações – de retroactividadeimprópria, ou até de não retroactividade – que convoquem a questão constitucionalque é resolvida pela tutela da confiança. (PORTUGAL, 2009).

Essas ponderações eram necessárias para manter atualizada a questão em debate,

 bem como para mostrar que o autor não se equivocou, pois seu texto foi escrito em momento

anterior à revisão constitucional.

Entende o autor, em interessante ponto de vista, que a proibição de retroatividade

não decorre da proibição de retroatividade de leis restritivas de direitos, liberdades e garantias,

 prevista no art. 18º, n. 3, da CRP. 141 Para Nabais (2004, p. 399), com apoio em decisões do

Tribunal Constitucional, “os impostos não podem ser havidos como restrições aos direitos

fundamentais, mas sim, na medida em que integram o dever fundamental de pagar impostos,

como limites imanentes a esses direitos.” 142 O conteúdo dos direitos, da liberdade ou

 garantia “apenas começa aí onde terminem as concretizações legais do dever

fundamental de pagar impostos.” (NABAIS, 2004, p. 400, destaque nosso). Esse tema será visto mais à frente, mas já é possível adiantar que esse ponto de vista

deve ser uma das grandes novidades da obra de Casalta Nabais, que traz novas luzes ao

Direito Tributário, capazes de provocar decisões diversas das que seriam tomadas por outros

doutrinadores, tendo em vista o referencial teórico distinto.

141 “As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.”(PORTUGAL, 1976).142 O Tribunal Constitucional Português, no acórdão nº 67/91, decidiu:“No que se refere à invocada inconstitucionalidade por violação do artigo 18.º, n.º 3, da Constituição, que proíbeque as leis restritivas dos direitos liberdades e garantias tenham efeito retroactivo, também tal invocação não pode proceder. A este respeito se escreveu no Acórdão n.º 11/83:Desde logo, não se poderá ir buscar a proibição da retroactividade da lei fiscal ao artigo 18.º, n.º 3, pois, mesmo para quem considere o direito de propriedade um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias par efeitosdaquele artigo 18.º, as imposições tributárias, porque têm um fundamento autónomo, não podem ser vistas comorestrições para aquela finalidade. Hão-de antes ser consideradas como limites implícitos do referido direito de propriedade. Não se tratando, portanto, de restrições ao direito de propriedade, não se verifica qualquer violação daquelenormativo constitucional pela lei que atribui efeitos retroactivos a um novo imposto.” (Disponível em:<http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19910067.html> Acesso em 27/07/2010).

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Isso porque, conforme assevera Lodi (2008, p. 2) “todo o delineamento teórico do

valor da segurança jurídica no Direito Tributário foi concebido em bases datadas na relação

 jurídica do Estado Liberal com o contribuinte, e fundadas na proteção do indivíduo e da

 propriedade como limite à tributação, o que gerou reflexo na configuração dos princípios que

o operacionalizam.”

Por fim, Nabais ressalta a importância em se assegurar a proteção da confiança do

contribuinte frente a atos praticados pela Administração tributária, tema já enfrentado pela

doutrina brasileira, inclusive como meio de contrapor certo “legalismo” que, muitas vezes,

 poderia importar em prejuízo ao contribuinte, que confiava plenamente nas práticas da

Administração Pública. Esse tema também já é tratado pela doutrina brasileira. 143 

Merece ser novamente destacado que a tese de dever fundamental de pagar impostos

não legitima qualquer comportamento do Fisco nem desconsidera os direitos doscontribuintes. É premissa para a adesão a esta teoria uma nova compreensão da legalidade e

segurança jurídica, que passam a ser verificadas juntamente com a igualdade e capacidade

contributiva. Isso não quer dizer que os contribuintes não terão seus direitos respeitados ou

que o Estado possa agir de qualquer forma, no interesse maior da arrecadação. Nada disso.

Razões de Estado não podem subverter o Estado Democrático de Direito. E Nabais deixou de

forma bem clara que o combate à fraude à lei não legitima o conteúdo de qualquer cláusula

antiabuso. Além disso, uma nova leitura do princípio da segurança jurídica não retira a

necessidade de se proteger a boa-fé do contribuinte.

3.5.7 A preocupação com a igualdade

 Nabais (2004, p. 435-436) começa tratando do princípio da igualdade tributária,

decorrente do princípio geral da igualdade – princípio estruturante do sistema constitucional – 

e ressalta as duas vertentes: igualdade formal (igualdade perante a lei), e igualdade material

(igualdade na lei).

O autor não compartilha da doutrina clássica que o princípio da igualdade não se

aplica ao Poder Legislativo. Ao contrário, ele deixa claro que esse princípio o obriga a “não

fazer discriminações ou igualizações arbitrárias” ou sem justificativa racional, a “não fazer 

143 Conferir Ávila (2006) e Lodi (2008).

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discriminações assentes em critérios subjectivos ou em critérios objectivos, mas aplicados em

termos subjectivos” e a respeitar o direito individual de igualdade. (2004, p. 436). Essa seria a

igualdade na lei, segundo o professor português.

De outro lado, teríamos a igualdade  pela lei, que se daria com a obrigação do

Legislativo em criar um mínimo de igualdade como ponto de partida ou igualdade de

oportunidades, que dependeria do grau de satisfação das necessidades primárias

(representadas pelos direitos sociais de alimentação, vestuário, moradia, saúde, seguridade

social, educação), ou mesmo um mínimo de igualdade como ponto de chegada (igualdade de

resultados). Logicamente, essa igualdade de resultado dependeria não só da implementação da

satisfação e implementação de direitos sociais e de políticas redistributivas, que permitam à

 pessoa exercer seus atributos pessoais e realizar, de forma livre e emancipada, suas escolhas.

(NABAIS, 2004, 436). Nesse ponto, parece que o autor, apesar de não citá-lo, se apega à terminologia

utilizada por Ronald Dworkin em seus textos publicados posteriormente na obra Virtude

Soberana. Nesta obra, o filósofo americano ressalta que a legitimidade de um governo

depende que ele “demonstre igual consideração pelo destino de todos os cidadãos sobre os

quais afirme seu domínio e aos quais reivindique fidelidade.” (DWORKIN, 2005, p. IX/X.).

Essa consideração igualitária é denominada como a virtude soberana da

comunidade política, sendo que a distribuição desigual de recursos (como ponto de partida)

demonstra que o Estado não considera com igualdade os cidadãos.Ressalta ainda que “a distribuição das riquezas é produto de uma ordem jurídica”, na

medida em que depende das leis promulgadas na comunidade, entre elas das leis de

 previdência, fiscais, de direitos políticos, etc. Igualdade, assim, é tratar os indivíduos como

iguais, no sentido de que eles possuem o mesmo valor como pessoa e merecem o mesmo

respeito e consideração como cidadãos. 144 

Vislumbra o autor a mudança de visão sobre o princípio da igualdade então existente

no modelo liberal e a que passa a vigorar posteriormente. No modelo liberal, predominou a

 preocupação com a generalidade e universalidade, no qual todos os cidadãos possuem a

obrigação de pagar tributos. Assim, ninguém era excluído desse dever (aspecto subjetivo), ao

mesmo tempo em que todos os cidadãos irão pagar sobre todas as manifestações de riqueza

(capacidade contributiva) previstas pelo legislador.

144 Conferir Godoi (1999, p. 105-110) e Ávila (2008, p. 103-104).

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 Nabais (2004, p. 440) ressalta, corretamente, que estão incluídos como sujeitos

 passivos desses deveres as pessoas jurídicas, os estrangeiros e os apátridas, estes últimos

enquanto residentes no país. Da mesma forma, salienta que a generalidade, vista dessa forma,

 busca impedir qualquer distinção pautada em critérios puramente subjetivos, como o sexo, a

origem, a religião, a ascendência, a instrução, entre outros.

Outro ponto acentuado pelo autor é a uniformidade de tratamento, no qual todos

serão alcançados pela norma de tributação com base no mesmo critério, que será justamente a

capacidade contributiva.

 Nesse ponto, o autor não inova em termos dogmáticos, já que tal tema é tratado pela

maioria da doutrina tradicional nos mesmos termos. O que se vislumbra é a preocupação do

autor não só com a necessidade de o Estado tratar a todos com a mesma consideração – tese

defendida por quem entende que não existe um dever fundamental – mas também com ocomportamento das pessoas frente ao Estado e à sociedade, uma vez que o ordenamento

 jurídico determina que se assegure a justa repartição dos encargos tributários.

Mais uma vez, resta comprovada que a tese de Nabais é uma “via de mão dupla”: ela

não caminha apenas na defesa do cidadão, nem busca apenas a salvaguarda do Fisco.

O que ela busca é sempre uma compatibilização desses interesses, de forma a tornar 

o mais eficaz possível (frente à realidade, portanto) o conjunto dos direitos fundamentais, dos

quais se destaca, na visão do autor, a preservação da dignidade da pessoa humana.

3.5.8. Capacidade contributiva e sua ligação com a igualdade

 Nabais (2004, p. 444) consigna que a “exigência da tributação em conformidade com

a capacidade contributiva mais não é do que uma expressão específica do princípio da

igualdade para o domínio dos impostos.” Invocando a lição de Tipke, Nabais (2004, p. 444)

entende que o “princípio da igualdade e da capacidade contributiva não se justapõem

cumulativamente, constituindo antes o princípio da capacidade contributiva o critério de

comparação com base no qual se mede a igualdade da tributação”.

Realmente, a necessária correlação entre igualdade e capacidade contributiva é

frequente na doutrina brasileira 145 

145 Conferir dois textos de nossa autoria em que citamos diversos doutrinadores que tratam do tema, conjugandoos princípios da igualdade e capacidade contributiva (Giannetti, 1999, p. 279-293 e Giannetti, 2000, p. 316-332).

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De qualquer forma, é importante mencionar a acertada opinião de Marco Aurélio

Greco. Para o citado autor, com base na doutrina italiana, a capacidade contributiva não está

mais vinculada ao sentido de disponibilidade financeira, nem de capacidade individual ou

 presumida, mas, antes de tudo, vinculada ao pressuposto de fato do tributo. E ele continua:

Desta ótica, afasta-se uma visão subjetiva de capacidade contributiva, paracompreendê-la objetivamente, no sentido de que certos fatos da realidade indicam aexistência de capacidade contributiva, o que é muito diferente das posturasanteriores, em que se dizia que “alguém teria” capacidade contributiva. Tais fatosindicam que as pessoas a eles relacionadas têm aptidão para contribuir, o que afastaa indeterminação e o subjetivismo do conceito. […] O pressuposto de fato é oelemento referencial básico da interpretação e aplicação do direito, pois ele retrata amanifestação de capacidade contributiva que se quer atingir. (GRECO, 2000, 193-194). 

Essa perspectiva é reafirmada pelo citado doutrinador paulista. Em obra maisrecente, Greco (2008, 318-319) consigna que, em primeiro lugar, o ordenamento jurídico

tributário deve se estruturar com base no princípio da capacidade contributiva. Em um

segundo momento, na sua execução, os impostos devem ser criados com a observância da

igualdade. Essas tarefas, logicamente, caberiam ao legislador apenas.

 Na Constituição Portuguesa, ao contrário da brasileira, não há um dispositivo

específico sobre a capacidade contributiva. Contudo, afirma Nabais (2004, p. 445) que ele

decorre do princípio da igualdade, dos princípios atinentes aos impostos e ao sistema fiscal e

dos preceitos relativos aos direitos fundamentais. De qualquer forma, o seu reconhecimentoexpresso não deixa de ser importante, reforçando seu caráter jurídico, e não de mero

 postulado ético ou de simples valor. Ainda, sua previsão no texto constitucional também não

 pode ser vista como a consagração de simples norma programática, mas como norma com

força vinculante.

Após tecer considerações sobre a teoria do benefício e a do sacrifício como

 justificativas para a capacidade contributiva, Casalta Nabais (2004, p. 449-456) acentua que,

após o pós-guerra, a doutrina europeia começou a tratar esse princípio como uma limitação do

Estado Fiscal contemporâneo.

Vide também Godoi (1999, p. 191-193). Misabel Derzi, em notas à obra de Baleeiro (2000, p. 200), bem resumeessa posição da doutrina brasileira: “[…] generalidade, capacidade contributiva (considerada proporcional ou progressivamente) e outros valores, ditados pela política econômica e social do País, são desdobramentos de ummesmo e único princípio, o da igualdade. A justiça como igualdade distributiva não se completa apenas noDireito Tributário, mas nas restantes partes do Direito. Deve-se tributar de acordo com a capacidade contributivado contribuinte. Esse é um princípio de Direito Tributário. Mas a destinação dos recursos deve ser a melhor,segundo a necessidade e voltada a reduzir as desigualdades econômicas entre grupos e regiões.”

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Apoiado em Tipke, Nabais afirma que o Direito Tributário deve estar amparado em

um sistema fiscal justo, que estaria pautado pela capacidade contributiva.

Atualmente, a capacidade contributiva compreende dois significados ou aspectos: o

 primeiro como pressuposto de fato, ou substrato da tributação – bem similar ao que defende

Greco, conforme visto; o segundo como critério ou parâmetro da tributação. Essa visão é

muito similar ao que é tratado pela doutrina brasileira, quando afirma a existência de

capacidade contributiva objetiva ou absoluta e subjetiva ou relativa. (NABAIS, 2004, p. 462).146 

O primeiro aspecto (pressuposto de fato) é compreendido como a tributação apoiada

em signos presuntivos de riqueza, ou seja, em manifestações que exprimam riqueza. Isso não

seria nada novo, pois decorre da própria natureza do imposto, enquanto tributo cujo fato

gerador não configura qualquer atividade estatal, mas recai sobre algum fato ou direitovinculado à esfera jurídica do contribuinte.

Além desse aspecto, a capacidade contributiva é também “critério dos impostos”.

Este poderá ser visto, segundo o professor da Universidade de Coimbra, sob dois pontos de

vista: um negativo e um positivo. (NABAIS, 2004, p. 469).

Pelo primeiro, serão rejeitados todos os impostos apoiados em critérios opostos ao da

capacidade contributiva, ou seja, que a estrutura da norma jurídica do imposto esteja

vinculada ao princípio da equivalência ou, então, seja calculado em valores  per capita. 147 

Quanto ao segundo critério (o vetor positivo), a capacidade contributiva é entendida enquanto“medida dos impostos”. (Nabais, 2004, p. 473). Esse princípio se refere apenas aos impostos,

não alcançando as taxas e contribuições 148. E esse princípio alcançará os impostos com nítida

motivação fiscal, ou seja, aqueles cujo principal objetivo seja de carrear aos cofres públicos

valores para o suporte financeiro deste Estado.

Assim, impostos com características extrafiscais poderão não observar a capacidade

contributiva  sob a ponto de vista subjetivo ou relativo, ou seja, como medida da oneração.

Isso porque impostos com essas características devem observar a capacidade contributiva

como pressuposto de fato, ou seja, devem atingir fatos que denotem alguma riqueza, sob pena

de inconstitucionalidade.

146 Vide Godoi (1999, p. 198-200) e as notas de atualização feitas por Misabel Derzi à obra de Aliomar Baleeiro(2000, p. 201-202).147 Nabais possivelmente não aceitaria a regra descrita nos parágrafos 1º e 3° do art. 9º do Decreto-lei 406/68 quetrata da tributação minorada do ISS incidente sobre os serviços realizados por profissionais liberais, regra estaconsiderada constitucional pelo STF (Súmula 663).148 Tema também discutido no Brasil, conforme exemplificadamente aponta Misabel Derzi (BALEEIRO, 2000, p. 200-201). Para Nabais, as taxas estão vinculadas ao princípio da proporcionalidade, no qual se buscará aferir ocusto aproximado da atividade estatal que irá legitimar sua cobrança.

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Segundo Nabais (2004, p. 479), esses impostos com feição de extrafiscalidade (como

os aduaneiros) serão testados por meio de outros princípios, através do princípio da

 proporcionalidade, no qual se demonstrará que o imposto é instrumento adequado e

necessário para atingir determinado fim econômico que se busca alcançar.

A possibilidade de haver alguns impostos – que possuem o objetivo principal de

servir como instrumento de intervenção no domínio econômico (extrafiscalidade) – que não

observam o princípio da capacidade contributiva é entendimento também acolhido na doutrina

 brasileira, que vislumbra que esse princípio, apesar de importante, não alcança a totalidade do

fenômeno tributário. 149 

De outro lado, para Nabais, a capacidade contributiva atingirá melhor os impostos

que afetam o patrimônio e a renda (os denominados “impostos diretos”), mas, de qualquer 

forma, ela alcançará também os impostos que oneram o consumo (impostos indiretos).

150

 Por seu turno, Nabais afirma, em mais de uma vez ao longo de sua tese 151, que a

 progressividade não é decorrente da capacidade contributiva, nem esta exige um sistema

tributário progressivo. Segundo ele, a progressividade decorre de cláusula própria, expressa

ou em razão do princípio do Estado Social, que exige, portanto, que a tributação forneça

meios para a redistribuição de renda, bem como seja instrumento para propiciar a realização

de políticas públicas que busquem a redução das desigualdades sociais. O que a capacidade

contributiva exige, segundo Nabais, é uma tributação proporcional 152:

Efectivamente, enquanto o princípio da capacidade contributiva postula umaigualdade fiscal ou igualdade no imposto, ou igualdade aritmética ordenada à justiçacomutativa, que impõe igual imposto para igual capacidade contributiva e desigualimposto para desigual capacidade contributiva na proporção ou porção dessadesigualdade, o princípio do estado social exige uma desigualdade fiscal, igualdade pelo imposto ou igualdade  geométrica ordenada à justiça distributiva, que reclama

149 Vide Godoi (1999, p. 192-195; 202-205 e 213-215): “acreditamos que, após todas essas vicissitudes, restouclaro que o princípio que orienta a justiça tributária é o princípio da igualdade, sendo a capacidade contributivaum subprincípio importante e atuante, mas não o único. Quem há de negar que o tributo é um instrumento poderosíssimo para a redução das desigualdades sociais e regionais, para a construção de um quadro econômicode ‘igualdade eqüitativa de oportunidades’? E quem há de negar que tal redução de desigualdade substancial étarefa essencial do Estado Democrático de Direito? Pois bem. Agora se pergunta: uma política legislativa queconstrua potentes instrumentos de extrafiscalidade e os faça atuar com eficácia estará respeitando o princípio dacapacidade contributiva, segundo a qual todos têm que arcar com o mesmo sacrifício? Claro que não. E noentanto tal política legislativa estará realizando em cheio o valor  justiça tributária, se considerado este comoespecificação do valor  justiça constitucional .”150 Acentua Nabais (2004, p. 483) que “o princípio da capacidade contributiva tem por âmbito objectivo osimpostos fiscais incidentes sobre o rendimento obtido, o rendimento mantido ou o rendimento gasto em consumoou na aquisição de bens.”151 Vide Nabais (2004, p. 477, 493 e 495).152 No Brasil, essa posição é defendida por Fernando Zilveti (2002, p. 27-32), mas ainda há na doutrina nacionaldefesa em sentido contrário: vide Giannetti (1999) e Godoi (1999, p. 218-223). Esse último autor, contudo,reconhece que há discussão sobre o tema.

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que o imposto sirva de instrumento a uma igualdade  social ou de resultados, comoexpressamente prevê a nossa Constituição, no art. 106º, nº 1, ao fixar comoobjectivos (secundário) do sistema fiscal uma repartição justa dos rendimentos e dariqueza. (NABAIS, 2004, p. 494).

Quanto ao que Nabais (2004, p. 483-484) denomina de “âmbito subjetivo do critérioda capacidade contributiva”, o autor deixa consignado que ele alcança apenas as pessoas que

tenham alguma aptidão para suportar o encargo tributário, ou seja, que dispunham de algum

rendimento, patrimônio ou exerça alguma atividade econômica. Assim, a tributação com base

na capacidade contributiva não obriga qualquer pessoa. De outro lado, ela não se dirige

apenas às pessoas físicas nacionais, mas alcançam as pessoas jurídicas, inclusive estrangeiras,

desde que haja algum elemento de conexão (fonte da renda, por exemplo, ou que aqui tenham

residência). Esse tema, aliás, é mera consequência do já discutido no capítulo sobre os

destinatários dos deveres fundamentais. Nabais (2004, p. 487), contudo, ressalta a importância na consideração sobre a

família e se a mesma pode ser considerada uma unidade fiscal. O citado professor deixa claro

que a família não pode ser considerada um sujeito fiscal, mas somente cada um dos seus

membros. Ou seja, a opção por constituir uma família não pode ser incentivada ou acarretar 

uma tributação menos ou mais gravosa em relação àquele que optou por ficar solteiro. Afinal,

o Estado não pode interferir nos projetos pessoais de cada indivíduo. Entretanto, na apuração

do imposto de cada indivíduo, devem ser levados em conta os encargos da família. 153 Nabais

completa que as despesas existenciais da família, em especial os encargos com os filhos,

devem ser vistos como “diminuição da capacidade contributiva” e “amputações do

rendimento disponível”, e não como simples “prestações sociais”. Isso porque a consideração

desses encargos figura como exigências de justiça do Estado Fiscal, não sendo apenas

 benefícios fiscais concedidos em nome do Estado Social. (NABAIS, 2004, p. 537-538).

Entende o autor, inclusive, que os gastos devem ser deduzidos antecipadamente da tributação

(ou seja, antes de se chegar à base de cálculo do imposto a pagar):

Em conclusão, o mínimo de existência familiar, porque integra o rendimentoindisponível ou necessário para assegurar aos pais e filhos os próprios pressupostosmínimos da sua dignidade como pessoas, deve ser excluído antecipadamente datributação através da sua dedução à matéria colectável do imposto.” (NABAIS,2004, p. 541).

153 Sobre a necessidade de o Direito Tributário proteger a família, vide as notas de Misabel Derzi (BALEEIRO,1997, p. 759 e seguintes) e Mendonça (2002, p. 448-455).

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Assim, da mesma forma que outros autores que não aceitam ou olham com

desconfiança a existência do dever fundamental, Nabais defende a existência de um mínimo

existencial, imune à tributação 154. Defende também a consideração da família, impedindo,

assim, que as pessoas, simplesmente por constituírem família, passem a pagar mais impostos

que aqueles que não são casados nem possuem filhos. (NABAIS, 2004, p. 534). A exposição

feita das ideias do citado autor comprova, mais uma vez, que sua tese não ampara qualquer 

 pretensão fazendária simplesmente por necessidade arrecadatória.

3.5.9. Tributação, eficiência e praticidade

 Nabais também trata na sua obra de questões envolvendo a eficiência da tributação,

que será relacionada com a necessidade de simplificação e a possibilidade de aplicação da

 praticidade no âmbito tributário.

 Não que o sistema atual deva se orientar pela simplicidade do sistema clássico liberal

(impostos com alíquotas baixas, proporcionais, analíticos). O princípio do Estado Social

impõe uma tributação mais elevada e mais complexa. É inevitável. Mas, como assevera

 Nabais, diante da hipertrofia e complexidade técnica da legislação fiscal, parte-se para a

edição de normas que padronizam, com o fim de simplificar e permitir a aplicação da lei aomaior número de pessoas, assumindo-se como regra o que é típico, normal e provável,

desprezando-se eventuais diferenciações e individualizações que somente poderiam ser 

concretizadas por uma tributação analítica (NABAIS, 2004, p. 375). O processo de

massificação da aplicação da lei busca garantir sua execução a mais padronizada possível.

A preocupação com a simplificação da tributação foi reafirmada por Nabais em outro

texto posterior (2008, p. 124-129). Acentua ele que é necessário simplificar o sistema fiscal,

154 Nabais acentua (2004, p. 522): “Finalmente, o princípio da capacidade contributiva exige, relativamente aoimposto pessoal sobre o rendimento, o respeito pelo princípio do rendimento disponível, segundo o qual aorendimento líquido, ou melhor à soma dos rendimentos líquidos, há que proceder às deduções de despesas privadas, sejam as imprescindíveis à própria existência do contribuinte (mínimo de existência individual), sejamas necessárias à subsistência do casal ou da família (mínimo de existência conjugal ou familiar). Efectivamente,a capacidade contributiva só começa a contar a partir desses mínimos, ou seja a partir do que cada pessoa ouconjunto de pessoas precisa para a sua existência física (alimentação, vestuário e habitação) e existência humana(instrução e educação), enquanto pressupostos respectivamente do direito à vida e a uma vida minimamentedigna como ser humano, o que, ao fim e ao cabo, é a expressão da ideia primum vivere, deinde tributum solvere.”O autor reconhece, contudo, que o legislador possui margem para estabelecer o valor desse mínimo.

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sobretudo as obrigações das empresas, inclusive as instrumentais, que cada vez mais crescem.

Dessa forma, ele acentua que:

Impõe-se, por isso, reduzir, e reduzir significativamente, o número de leis fiscais que

nos regem, bem como simplificar as restantes, de modo a que tenhamos umalegislação fiscal que não só seja susceptível de ser aplicada, mas sobretudo possa ser aplicada com custos bem menores do que aqueles que se verificam actualmente.Assim, como há que fazer um esforço sério e consequente no sentido de reconduzir aos diversos códigos fiscais, gerais como a LGT, o CPPT e o RGIT, ou especiaisrelativos aos diversos impostos, conferindo racionalidade e estabilidade à numerosalegislação avulsa que crescentemente se tem vindo a acumular fora dessascodificações. (NABAIS, 2008, p. 125).

Ora, a defesa da simplificação do sistema tributário, bem como o uso de formas

menos complexas de tributação é algo pretendido e ardorosamente defendido por 

doutrinadores e advogados que olham com desconfiança a existência de um dever fundamental de pagar impostos. Nota-se, mais uma vez, que a tese de Nabais não legitima

qualquer fiscalismo, mas apenas coloca a importância de se ver o fenômeno tributário de

forma ampla e com os olhos no ordenamento constitucional como um todo, e não apenas

mirando os dispositivos constitucionais de proteção do contribuinte.

Vinculado a esse tema da substituição tributária, Nabais (2004, p. 497-498) assevera

que a possibilidade do legislador criar algumas presunções com a finalidade de facilitar e

simplificar a aplicação da lei, fazendo com que a mesma alcance um número indeterminado

de pessoas, evitando desequilíbrios e sonegação fiscal, são instrumentos hábeis e legítimos,desde que tais presunções não sejam absolutas, mas relativas, isto é, possam ser objeto de

 prova em sentido contrário.

Assim, a praticidade não pode se sobrepor à capacidade contributiva, tema este bem

 pertinente à realidade brasileira 155, como ilustra a problemática da restituição do indébito no

caso de substituição tributária progressiva ou “para a frente” em que o fato gerador ocorreu,

mas a base de cálculo efetiva é menor que a base de cálculo presumida utilizada para calcular 

e recolher o imposto antecipadamente. 156 

O tema da praticidade é também tratado por Nabais (2004, p. 619) quando ele trata

do “limite aos limites formais e materiais da tributação”. Inicialmente, ele assevera que o

155 Vide a posição de Misabel Derzi nas suas notas de atualização à obra de Baleeiro (1997, p. 789-798). Aautora, na linha da doutrina tradicional, rechaça a possibilidade de presunções absolutas, admitindo, sempre, queseja possível a refutação da presunção por prova em sentido contrário. Vide também Regina Helena Costa (2007, p. 239-240).156 Apesar de o STF ter julgado a ADI 1851/AL, entendendo que o contribuinte somente possui direito àrestituição se o fato gerador não ocorrer, o tema ainda está em discussão nas ADI´s 2675 e 2777, com cincovotos a favor do Fisco e cinco votos a favor do contribuinte.

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 princípio da legalidade, na tentativa de determinar ou tornar determinável de forma

 pormenorizada a situação dos contribuintes, se depara com limites decorrentes da ideia de

 praticidade que busca assegurar uma execução eficaz e econômica da lei.

Assim, mesmo que teoricamente desejável, por questões pragmáticas, o legislador 

muitas vezes não deve esgotar completamente a determinação do conteúdo na norma

tributária, “permitindo-lhe a concessão à administração fiscal de uma margem de livre decisão

 para esta aplicar e executar a lei em conformidade com a sua capacidade administrativa

efectivamente existente, mormente lançando mão de técnicas de simplificação como a

tipificação ou estandardização.” (NABAIS, 2004, p. 620).

A universalização e massificação tende a tornar a legislação super complexa e

incoerente, tornando inviável sua aplicação e execução em “termos minimamente

respeitadores dos princípios de justiça, mormente do princípio da igualdade fiscal.”(NABAIS, 2004, p. 620).

Aliado a isso tudo, a impossibilidade prática de se realizar uma eficaz fiscalização

facilita a evasão e, consequentemente, frustra o desejável equilíbrio na repartição dos

encargos financeiros do Estado. Em razão disso, Nabais confere importância ao princípio da

 praticidade e sua aplicação ao Direito Tributário, especialmente em setores em que impera a

massificação, sendo referencial importante para a melhor aplicação do princípio da isonomia:

Por outras palavras, a justiça fiscal e a praticabilidade não são incompatíveis,constituindo esta uma das actuais vias – e, por certo, não das menos importantes – de realização daquela. Daí que, por detrás da praticabilidade, mormente dasimplificação das leis fiscais, ainda esteja o apelo à justiça fiscal, valendoactualmente a divisa duma “justiça fiscal através da simplificação fiscal.” (NABAIS,2004, p. 621).

A praticidade exige a elaboração de leis cuja aplicação e execução seja eficaz e

econômica, ou seja, leis que alcancem o objetivo pretendido e a um custo razoável, sem que

haja desperdício. A luta é, portanto, contra o fenômeno da inflação legislativa, que leva não só

à dificuldade de aplicá-la como à inevitável incoerência interna. Não que a Administração

Tributária também não necessite ser mais bem aparelhada e sofrer melhoras na sua capacidade

de trabalho, seja do ponto de vista humano como tecnológico. Mas isso não será suficiente

 para tornar mais efetiva a aplicação do princípio da igualdade e da capacidade contributiva.

Por isso, Nabais corretamente adverte que:

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[…] ao elaborar as leis fiscais, o legislador há-de ter sempre a preocupação deautocontenção nas suas pretensões regulativas e perfeccionistas, de molde a quecada imposto seja exequível e praticável e o sistema fiscal funcione com coerência.Com esse propósito, o legislador pode e deve socorrer-se de diversas técnicas.(NABAIS, 2004, p. 622).

Uma dessas técnicas é justamente a previsão de presunções legais que, conforme

adverte o autor, devem sempre ser relativas, ou seja, admitir prova em contrário. Além disso,

a possibilidade de tipificação ou padronização com o fim de simplificar e tornar a lei

exequível deve estar condicionada a uma previsão legal de “medidas ou mecanismos

equitativos”, passives de ser invocada pelo sujeito passivo “sempre que uma tal técnica

 provoque efeitos iníquos intoleráveis.” (NABAIS, 2004, p. 625).

Busca-se, assim, a correção necessária, presente no caso concreto, em razão dos

resultados “manifestamente iníquos” produzidos pela regra de simplificação, autorizando a

Administração Tributária tanto a não aplicar a disciplina simplificadora como a disciplinar 

esse caso atípico “nos termos em que eventualmente o seriam caso não se tivesse recorrido à

tipificação.” (NABAIS, 2004, p. 625).

Mais uma vez, verifica-se que o autor trata de temas tributários concretos, que dizem

respeito ao cotidiano dos contribuintes, e que defende ideias bem similares às acolhidas por 

doutrinadores mais tradicionais ou que olham com desconfiança a ideia de haver um dever 

fundamental de pagar tributo.

3.5.10. Até onde os direitos, liberdades e garantias fundamentais limitam o poder de

tributar?

A Constituição Portuguesa prevê no artigo 18° o seguinte:

1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias sãodirectamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário parasalvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter gerale abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcancedo conteúdo essencial dos preceitos constitucionais. (PORTUGAL, 1976).

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Esse dispositivo trata da força jurídica dos princípios fundamentais da Constituição

de Portugal. A indagação que Nabais (2004, p. 551) faz é se os direitos, liberdades e garantias

fundamentais podem ser utilizados para limitar os impostos e, se podem, em que termos.

Pois bem, os direitos, liberdades e garantias fundamentais possuem “critérios

essenciais de valor e de justiça para a tributação” que os impostos devem levar em

consideração sob pena de inconstitucionalidade. (NABAIS, 2004, p. 551). Nabais entende,

contudo, que a influência desses direitos, liberdades e garantias fundamentais como limites à

tributação não será a regra. Ou seja, na maioria dos casos, eles não se aplicam aos impostos,

 pois estes últimos não podem ser vistos como restrições aos direitos fundamentais. Tal

 posição possui amparo na jurisprudência do Tribunal Constitucional, que compreende os

impostos como objeto de um dever fundamental e se apresentam como “limites imanentes ou

limites máximos do conteúdo ou do âmbito dos direitos que, embora  prima facie, parecemafectar, mas que, dum ponto de vista jurídico-constitucional, deixam intactos no respeitante à

sua zona de protecção constitucional.” (NABAIS, 2004, p. 551-552).

 Não sendo, assim, restrições, não há que se falar, em regra, em aplicação do teste da

 proporcionalidade. A estipulação dos impostos é,  prima facie, adequada, necessária e

 proporcional ao objetivo geral de custear (obter receitas) as atividades do Estado Fiscal.

Assim, expressamente Nabais assevera que:

Ou, por outras palavras, sempre que estejamos perante a regra de um (verdadeiro)imposto, e não face à excepção de uma qualquer medida de intervenção económico-social sob a máscara de “imposto”, os testes de proporcionalidade foram realizados pelo legislador constituinte que considerou os impostos meios adequados,necessários e (conquanto respeitem o princípio da capacidade contributiva ou os preceitos e princípios suportes da progressividade) proporcionais à obtenção dosrecursos para fazer face às necessidades colectivas num estado fiscal.[…]Pelo que e em conclusão, tanto pelo lado da afirmação constitucional do conteúdo dos direitos fundamentais, que não vai além dos limites concretizados nos deveresfundamentais e naturalmente no dever de pagar impostos, como pelo lado daconsagração dum estado fiscal e, consequentemente, dos impostos como seu suportefinanceiro, resulta a inoperacionalidade, por via de regra, do princípio da proibiçãodo excesso face à tributação. (NABAIS, 2004, p. 553-554, destaque nosso). 

Sabe-se que os direitos fundamentais, assim, não são absolutos; ao contrário,

 possuem inicialmente limites definidos no próprio texto constitucional. Esses limites

imanentes definem o “âmbito ou a esfera normativa de cada um dos direitos fundamentais.”

(ANDRADE, 2009, p. 274).

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A posição de Andrade (2009), que restou comentada no capítulo anterior, ampara o

entendimento de Nabais. Para o primeiro autor, os limites do direito dizem respeito à

delimitação do respectivo âmbito de proteção constitucional, que irá definir seu objeto e

conteúdo principal. (ANDRADE, 2009, p. 267). A restrição, no âmbito constitucional,

somente se opera após a delimitação do conteúdo do direito – delimitação esta feita pela via

da interpretação, em que se leva em consideração os limites imanentes. Esse autor relaciona o

termo restrições às intervenções legislativas.

Andrade (2009, p. 268) deixa claro que não adota o modelo de Robert Alexy, pois

este último admite um âmbito de proteção máximo ao preceito fundamental que, no caso

concreto, poderá ser restringido. 157 Assim, segundo Viera de Andrade:

[…] deve admitir-se uma interpretação das normas constitucionais que permita

restringir à partida o âmbito de proteção da norma que prevê o direito fundamental,excluindo os conteúdos que possam considerar-se de plano constitucionalmenteinadmissíveis, mesmo quando não estão expressamente ressalvados na definiçãotextual do direito.Essa delimitação substancial justifica-se, desde logo, pela vantagem prática de evitar que venha a considerar-se como uma situação de conflito de direitos aquela em queo conflito é apenas aparente: não tem sentido fazer uma ponderação, que pressupõe aconsideração de dois valores, quando estamos perante um comportamento que não pode, em caso algum, considerar-se constitucionalmente protegido, pois que, nãoexistindo à partida um dos direitos, a solução só pode ser a da afirmação total dooutro.Mas a interpretação restritiva, em abstracto, da norma constitucional que prevê odireito fundamental justifica-se ainda, e sobretudo, por assim se assegurar  plenamente o núcleo essencial  (o ‘domínio garantido’) dos outros direitos

 fundamentais, reforçando o valor normativo da dignidade da pessoa humana queneles se projecta, bem como os valores comunitários básicos.[…]Acresce que a construção dogmática da figura dos ‘limites imanentes’ não é, em si,dispensável: desde logo, porque não podem ignorar-se os limites expressos no próprio texto da Constituição; depois, na medida em que tais limites hão-de ser reconhecidos, a partir do processo de ponderação, pelo menos como limitesconstitucionais a posteriori, quando, numa situação concreta, as circunstâncias permitam formular uma regra cuja hipótese seja constituída por essas mesmascircunstâncias.

Aliás, a figura dos limites imanentes é ainda relevante do ponto de vista doregime jurídico aplicável, na medida em que a sua determinação constitui umaatividade interpretativa referida ao nível constitucional, que, por isso, deve estar sujeita, quando seja efectuada pelo legislador ou outros poderes, ao controlo total próprio de um reexame  judicial, em última instância pelo Tribunal Constitucional.(ANDRADE, 2009, p. 269-271).

Entender os limites imanentes como limites de conteúdo quer dizer que o direito

 protegido não abrange todas as situações, formas ou modos de exercício pensáveis para cada

um dos direitos, especialmente quando estamos tratando das liberdades.

157 Posição seguida por Mendonça (2002), conforme visto no capítulo 2 dessa dissertação, que acolhe adenominada teoria externa dos direitos fundamentais.

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Entre esses limites – e que está expressamente formulado no texto constitucional

 português – está o dever fundamental de pagar imposto. Assim expressamente afirma o citado

constitucionalista:

Tais limites poder ser expressamente formulados no texto constitucional, em regra,no próprio preceito relativo ao direito fundamental, mas também em preceitosincluídos noutras partes da Constituição – por vezes, os efeitos limitadores resulta daconsagração de deveres fundamentais manifesta ou inequivocamente dirigidos oureferidos a certos direitos, havendo por isso de ser contados entre os limitesimanentes expressos destes, como acontece, por exemplo, no caso do dever de pagar impostos em relação ao direito de propriedade. (ANDRADE, 2009, p. 274-275)

O autor continua ainda ilustrando com diversas situações envolvendo os limites e

conflitos entre direitos:

Por exemplo, terá sentido invocar a liberdade religiosa para efectuar sacrifícioshumanos ou, associada ao direito de contrair casamento, para justificar a poligamiaou a poliandria? Ou invocar a liberdade artística para legitimar a morte de um actor no palco ou para roubar o material necessário à execução de uma obra de arte? Ouapelar ao direito de propriedade para não pagar impostos ou ao direito deeducar os filhos para os espancar violentamente? Ou invocar a liberdade de reunião para utilizar um edifício privado contra a vontade do legítimo proprietário ou odireito à greve para destruir ou danificar equipamentos da empresa ou para que oGoverno faça pressão para o reconhecimento do estatuto de preso político aosmembros de um grupo terrorista? Ou invocar o direito ao casamento para contrair matrimónio com uma pessoa do mesmo sexo? Ou invocar a liberdade de expressão para, através de afirmações falsas, injuriar uma pessoa?Nestes, como em outros casos semelhantes, não estamos propriamente perante

uma situação de conflito entre o direito invocado e outros direitos ou valores,  por vezes expressos através de deveres fundamentais: é o próprio preceitoconstitucional que não protege essas formas de exercício do direito fundamental, é a própria Constituição que, ao enunciar os direitos, exclui do respectivo programanormativo a protecção esse tipo de situação. (ANDRADE, 2009, p. 275-276,destaque nosso).

Assevera Vieira de Andrade (2009, p 276) que esse entendimento leva como

consequência ao raciocínio de que se situações como as acima transcritas não se qualificam

como conflitos entre direitos, então não há porque levar em conta o direito invocado, já que

ele não existe naquela situação. Diversamente, entendendo haver conflito, então haveria a

existência de um direito em face de outros direitos ou de outros valores (deveres) e a solução

não poderia ignorar o direito invocado.

De resto, assevera o autor que o problema do conteúdo dos direitos, liberdades e

garantias será resolvido por meio da interpretação dos preceitos que prevêem cada um dos

direitos fundamentais, que deverão ser analisados dentro do contexto global de normas

constitucionais.

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A indagação a ser feita é se o programa normativo do dispositivo constitucional

inclui ou não determinado aspecto ou modo de exercício, ou, em outras palavras, até onde vai

o domínio de proteção da norma.

As citações ora feitas são importantes para mostrar o raciocínio desenvolvido por 

Andrade e ajudar a explicar o entendimento de Casalta Nabais. As leis que criam ou majoram

os impostos, frutos de um dever fundamental, não limitam o exercício do direito à liberdade

ou da propriedade. O conteúdo constitucional destes direitos já é, ab initio, delimitado pelo

mencionado dever fundamental. Assim, a tributação da renda e do patrimônio não ofende, por 

si só, o direito de propriedade e a liberdade de iniciativa e de profissão. Logo, as disposições

 previstas no art. 18° da Constituição Portuguesa não se aplicam, em regra, às leis que

instituem ou majoram impostos. Esse entendimento é acolhido pelo Tribunal Constitucional

Português que, por várias vezes, com apoio na obra de Casalta Nabais, assim consignou:

 No que se refere à invocada inconstitucionalidade por violação do artigo 18.º, n.º 3,da Constituição, que proíbe que as leis restritivas dos direitos liberdades e garantiastenham efeito retroactivo, também tal invocação não pode proceder. A este respeitose escreveu no Acórdão n.º 11/83:Desde logo, não se poderá ir buscar a proibição da retroactividade da lei fiscal aoartigo 18.º, n.º 3, pois, mesmo para quem considere o direito de propriedade umdireito análogo aos direitos, liberdades e garantias par efeitos daquele artigo 18.º, asimposições tributárias, porque têm um fundamento autónomo, não podem ser vistascomo restrições para aquela finalidade. Hão-de antes ser consideradas comolimites implícitos do referido direito de propriedade.Não se tratando, portanto, de restrições ao direito de propriedade, não se

verifica qualquer violação daquele normativo constitucional pela lei que atribuiefeitos retroactivos a um novo imposto.” (PORTUGAL, 1991, destaque nosso) 158 

 No dizer de José Casalta Nabais, o princípio da não retroactividade das leisfiscais não podia:"... retirar-se indirectamente, quer da proibição de leis retroactivas restritivas dedireitos, liberdades e garantias, uma vez que os impostos, ao menos em geral, nãodevem ser vistos como restrições de direitos (nomeadamente do direito de propriedade), mas sim como a concretização de limites imanentes desses direitosdecorrentes do dever fundamental de pagar impostos (pressupostos de qualquer Estado fiscal) [...], quer do princípio da legalidade fiscal. …” (PORTUGAL,1998,destaque nosso) 159 

158 Acórdão 67/91 do Tribunal Constitucional, relatado pelo Conselheiro Vítor Nunes de Almeida e julgado pela1ª Secção em 09/04/1991. Disponível em: <http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19910067.html.Acesso em 27/07/2010. Discutia-se se a cobrança impugnada violava ou não o princípio da retroatividade da leifiscal, antes da alteração do texto constitucional pela Revisão Constitucional de 1997. Sobre esse tema, ver oitem deste capítulo sobre Segurança Jurídica.159 Acórdão 275/98 do Tribunal Constitucional, relatado pelo Conselheiro Ribeiro Mendes e julgado pela 1ªSecção em 09/03/1998. Disponível em: <http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19980275.html>Acesso em 05/11/2010. Esse precedente também discutia a questão da aplicação retroativa de lei tributaria.

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O Supremo Tribunal Administrativo 160 também possui julgados nesse sentido. No

Acórdão 0938/06 161, alegou-se que a exigência de prestação de garantia como condição de

suspensão de um processo de execução fiscal instaurado contra uma pessoa física, sendo certo

que já havia oposição em que se discutia a legalidade da exigência da dívida exeqüenda,

violava os princípios da propriedade privada, proporcionalidade, autonomia privada e do

 próprio direito de resistência fiscal. O Tribunal entendeu que tais princípios não eram

violados, pois “os impostos fiscais configuram-se como limites imanentes, que não como

restrições, dos direitos, liberdades e garantias que entrem em conflito com o dever 

fundamental de pagar impostos.” Pautou-se o Tribunal na doutrina de Casalta Nabais 162,

sendo que restou acentuado o seguinte:

[…] o dever de pagar impostos é um dever geral fundamental dos cidadãos cujaconsagração se extrai com nitidez do recorte dos artigos 12.º, n.º 1, 103.º e 104.º daConstituição da República Portuguesa. E como dever fundamental, ele constitui umalimitação estabelecida pela própria lei fundamental ao direito que entra em confrontonegativo com ele, qual seja o direito de propriedade. Aonde chegar o dever fundamental de pagar os impostos que tenham sido criados nos termos daConstituição não existe o direito de salvaguarda do património amputado aocontribuinte. (PORTUGAL, 2006)

Em outro precedente (Acórdão 0896/2002 163), o Supremo Tribunal Administrativo

discutiu se a exigência de prestação de garantia idônea para a suspensão da execução da

 prestação tributária, prevista no art. 52º n.º 2 da LGT, violava os artigos 18º n.º 2 e 103º n.º 3

da Constituição da República Portuguesa.

160 A Constituição da República Portuguesa (art. 212°) consagra a existência do Supremo TribunalAdministrativo, órgão de cúpula da hierarquia dos tribunais administrativos e fiscais, aos quais compete o julgamento de litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais. A sua sede situa-se em Lisboae tem jurisdição sobre todo o território nacional. Não se trata, contudo, de simples órgão julgador vinculado aoPoder Executivo. O STA possui independência (art. 203°, CP) e pode julgar, inclusive, questões que envolvam aconstitucionalidade de atos normativos. Segundo o art. 202°, n° 1, “os tribunais são os órgãos de soberania comcompetência para administrar a justiça em nome do povo” e, de acordo com o art. 204°, “nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nelaconsignados.” Conferir http://www.stadministrativo.pt.161 De 08/11/2006, Magistrado responsável Brandão de Pinho, Disponível em:http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/27c6438d89f2e8038025722f003cb2c0?OpenDocument&Highlight=0,Ac%C3%B3rd%C3%A3o,0938%2F06> Acesso em 05 de novembro de 2010.162 Assim consta no voto do Magistrado Brandão de Pinho: “como assinala Casalta Nabais e salienta o MinistérioPúblico – cfr. fls. 184 -, no respeitante aos direitos, liberdades e garantias, ‘toda a teoria respeitante às restriçõesé inservível no que concerne aos impostos fiscais (isto é, impostos que tenham por objectivo predominante aobtenção de receitas): é que estes configuram-se como limites imanentes de tais direitos, mormente dos direitosque são a matriz e o pressuposto do próprio estado fiscal – o direito de propriedade e a liberdade profissional ouempresarial lato sensu – e não como restrições desses mesmos direitos. O que significa que o teste material detais impostos passa pelo princípio da capacidade contributiva e não, designadamente, pelo princípio da proporcionalidade por que se regem as restrições dos direitos, liberdades e garantias’.”163 De 09/10/2002, Magistrado Responsável Benjamim Rodrigues. Disponível em:<http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d558a0569b86ec7680256c56003d5bcd?OpenDocument&Highlight=0,Ac%C3%B3rd%C3%A3o,0896%2F02> Acesso em 05/11/2010.

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A resposta foi negativa em razão dos mesmos argumentos desenvolvidos no

 precedente anteriormente citado, em que restou dito que há um dever fundamental de pagar 

impostos e que esse dever constitui uma limitação constitucional ao direito de propriedade.

Cumpre dizer que, em face dessa concepção, o Tribunal Constitucional julgou

constitucional lei que determinava a apreensão de bens em razão da falta de pagamento de

impostos, acentuando, inclusive, que o direito de propriedade é amputado  pelo dever 

fundamental de pagar impostos. Restou salientado que o direito de propriedade previsto no

texto constitucional não é absoluto, mas originalmente “encurtado na sua textura essencial,

ora pelas normas constitucionais que estabelecem o dever de pagar impostos, ora pelos

 preceitos que pressupõem a possibilidade de sancionamento, no campo do direito

sancionatorio publico, de quem quer que se furte ao cumprimento desse dever tributario.”

(PORTUGAL, 1986). Também foi consignado que: 

Os referidos limites imanentes do direito de propriedade são compativeis quer comas normas de direito ordinario que definem o regime de cobrança coerciva, seja deimpostos legalmente estabelecidos, seja de multas judicialmente impostas, quer coma normação de medidas conservatorias do direito estadual a exigir o pagamento deimpostos e multas, desde que se verifique uma relação de perfeita concatenaçãoentre a medida prevista e o direito que se pretende assegurar. (PORTUGAL, 1986).

Dessa forma, a medida de apreensão de bens, por falta de pagamento de liquidação

do Imposto de Transacções Português, prevista nos artigos 1° n. 1 e 3 do Decreto-Lei n.

399/82, foi considerada legítima, seja no plano da justificação, seja no plano da adequação,

 pelo que é “consentida pelos limites imanentes do direito de propriedade tal como e definido

no artigo 62, n. 1, da Constituição”. Para o Tribunal, “tais normas não criam (…) uma

especial diminuição do direito de propriedade”. (PORTUGAL, 1986). 164 Assim, as referidas

normas não foram declaradas inconstitucionais.

Apesar de o entendimento relatado ser contrário à jurisprudência do nosso Supremo

Tribunal Federal 165, não há dúvida que a fundamentação posta nas decisões indicadas

comprova uma mudança na ideia ou na concepção que se deve ter da tributação e sua relação

com o direito de propriedade.

164 Acórdão 85-0056, de 09/07/1986, do Tribunal Constitucional Português. Disponível em:<http://jurisprudencia.vlex.pt/vid/22860168> Acesso em 05/11/2010. Nabais, em dois textos distintos (2004, p.555, nota 1039; 2007, p.28, sendo que este último é republicação de um artigo publicado originalmente em 1989)indica outro precedente (Acórdão 236/86) que trata do mesmo assunto. Infelizmente, o inteiro teor desse acórdãonão estava disponível no sítio da internet do Tribunal Constitucional quando da redação deste trabalho (consultarealizada em novembro de 2010).165 Conferir Súmulas 70, 323 e 547 do STF.

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Essa tese, aliás, é similar à defendida por Liam Murphy e Thomas Nagel, na obra O

mito da propriedade. Esses autores ressaltam que “numa economia capitalista, os impostos

não são simples método de pagamento pelos serviços públicos e governamentais: são também

o instrumento mais importante por meio do qual o sistema político põe em prática uma

determinada concepção de justiça econômica ou distributiva”. (MURPHY; NAGEL, 2005, p.

5).

Os autores americanos buscam discutir o papel do tributo e sua vinculação com a

realização de justiça. Por isso, dizem que os diversos problemas de que trata o debate político

têm relação com o projeto do sistema tributário, bem como com o objetivo desse sistema. Eles

enfrentam e inovam um tema de grande importância ao direito: a de que a propriedade privada

é uma convenção jurídica cuja existência e validade dependem da tributação. Eles afirmam

que “os impostos têm de ser avaliados como um elemento do sistema geral de direitos de propriedade que eles mesmos ajudam a criar”. (MURPHY; NAGEL, 2005, p. 11). 

Em face disso, dizem que a análise tributária deve-se libertar de um liberalismo

denominado de “vulgar”, que é fundado, entre outros, nos seguintes aspectos: de que há um

direito moral à propriedade da renda pré-tributária; de que os tributos “tomam nosso

dinheiro”; e de que a questão de justiça tributária resume-se à distribuição dos sacrifícios

segundo a capacidade contributiva.

Ao contrário, expressam os autores que a justiça do sistema tributário não se resume

à forma de imposição, mas também ao modo que o dinheiro arrecadado é gasto - o quereafirma a função distributiva da renda - e que:

[…] uma vez que os impostos são um elemento absolutamente essencial dessesistema, a ideia de um direito natural à propriedade da renda pré-tributária – rendaque sequer existiria sem o governo sustentado pelo impostos – simplesmente nãotem sentido.[…]O sistema tributário não é como uma ‘vaquinha’ feita pelos membros de umdepartamento para comprar um presente de casamento para um colega. Não é algoque se impõe sobre uma distribuição de bens proprietários já supostamente legítima.Antes, conta-se entre as condições que criam um conjunto de bens proprietários,

cuja legitimidade só pode ser aferida pela avaliação da justiça do sistema como umtodo, do qual fazem parte os impostos. Dentro desse contexto, é certo que as pessoas podem reivindicar legitimamente para si a renda que obtêm pelos meios usuais, otrabalho, o investimento e as doações – todavia, o sistema tributário é um elementoessencial do quadro estrutural que cria as expectativas legítimas nascidas doscontratos de emprego e outras transações econômicas; não é algo que se intromete a posteriori nesse quadro.…Os direitos de propriedade são direitos que as pessoas têm sobre aquilo que lhesresta depois de cobrados os impostos, e não antes.” (MURPHY; NAGEL, 2005, p. 51; 240, destaque nosso)

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 Nessa linha, entendem os autores que justiça tributária não se resume a um sistema

de alíquotas, aplicadas sobre as diversas faixas de renda, à medida que esta aumenta. É muito

mais do que é isso: a justiça tributária deve estar inserida no contexto de uma teoria global de

 justiça social e dos objetivos do governo. Por isso, são contra questionamentos do tipo: “que

 proporção daquilo que me pertence deve ser tirada deles e repassada às outras pessoas?”; “que

 proporção daquilo que me pertence deve ser tirada de mim para o custeio de serviços

 públicos?”. Isso porque o direito de propriedade surge após a tributação. (MURPHY;

 NAGEL, 2005, p. 53 e 241).

Essa visão, apesar de tomada em base constitucional diversa da europeia, mostra que

o debate sobre a influência dos impostos sobre o direito de propriedade e sobre as liberdades

está possuindo, hoje, uma coloração diferente.

Isso porque, para Nabais, os direitos, liberdades e garantias fundamentais serãoutilizados para impedir impostos confiscatórios, mas não para saber se determinado imposto é

adequado ou necessário. O limite superior dos impostos (visto especialmente no limite da

 progressividade da alíquota) é, na visão de Nabais (2004, p. 556), controlado pela

 proporcionalidade (proibição do excesso), o que faz possível, aí sim, a invocação do art. 18°

da Constituição Portuguesa. Assim, em primeiro lugar – como limite externo - é verificado se

o legislador não estabeleceu imposto excessivo ou sufocante (com efeito de confisco, no caso

 brasileiro); após – como limite interno – o imposto é testado frente aos parâmetros de

igualdade, capacidade contributiva, proteção à família. Ou seja, se ele não for confiscatório,não há lugar para um teste de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

Os direitos, liberdades e garantias também servirão como parâmetro à tributação

extrafiscal, à criação de obrigações fiscais acessórias, à criação de medidas de fiscalização da

atividade do contribuinte e à estipulação de medidas de simplificação fiscal. (NABAIS, 2004,

 p. 557).

Assim, normas desse tipo estarão sujeitas a um teste de proporcionalidade nos

mesmos termos que outras normas que afetem os direitos fundamentais. Nesse ponto, merece

ser lembrada uma crítica que Nabais acentua à descaracterização da atividade clássica da

fiscalização, deixando esta de atuar na liquidação do tributo (lançamento) e passando apenas a

uma postura de vigilante das atividades do sujeito passivo:

A propósito das obrigações fiscais acessórias é de referir que se assiste actualmente,um pouco por toda parte, à entrega aos particulares (contribuintes e terceiros) de parte significativa das tarefas da administração ou gestão dos impostos, vinculando-os, sem qualquer compensação, ao lançamento, liquidação e cobrança de diversosimpostos, o que naturalmente levanta a questão de saber […] até onde é

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constitucionalmente legítimo ir nesta progressiva conversão dos particulares e suasorganizações numa “administração fiscal indireta ad hoc”, sem violação dos direitos,liberdades e garantias fundamentais do cidadão. Por certo que esta manifestação dofenômeno mais geral do crescente “abandono” das tarefas (e responsabilidades)clássicas do estado não pode deixar de ser testado com base na ponderação típica dasafectações (rectius restrições) jusfundamentais, em que o valor constitucional

consubstanciado no dever fundamental de pagar impostos não pode servir de suportea todas e quaisquer soluções de “privatização” das competências tributárias.(NABAIS, 2004, p. 557-558, nota 1044).

Esse tema é constantemente debatido no direito brasileiro, merecendo destaque que o

autor, apesar de reconhecer a existência de um dever fundamental, preocupa-se com a criação

acelerada de obrigações acessórias e da imputação ao sujeito passivo de diversas atividades

que seriam de responsabilidade da Administração Pública.

Ressalte-se ainda que os direitos, liberdades e garantias fundamentais irão influenciar 

a criação de imunidades tributárias, sendo certo que, neste ponto da obra, o autor menciona aexperiência brasileira, indicando, inclusive, em nota de rodapé, as obras de Aliomar Baleeiro,

Ruy Barbosa Nogueira e Sacha Calmon Navarro Coelho. (NABAIS, 2004, p. 558-559, e nota

1046).

Por fim, ressalta o autor que a dignidade da pessoa humana pode ser, em tese, um

obstáculo a algum tipo de tributação, como aquela que desconsidera a capacidade

contributiva. Contudo, reconhece o autor que essa dignidade será um argumento subsidiário,

ou seja, um argumento a mais a se juntar aos princípios da igualdade e capacidade

contributiva. (NABAIS, 2004, p. 559-562). De qualquer forma, a dignidade da pessoa humanairá amparar a não tributação do denominado mínimo existencial. Ou seja, servirá como limite

inferior à interferência do Fisco, garantindo a “intangibilidade fiscal de um mínimo de meios

ou recursos materiais indispensáveis à salvaguarda dessa dignidade.” (NABAIS, 2004, p.

562).

Merece ser destacado que o autor reconhece ao Poder Legislativo uma boa margem

 para concretizar ou definir esse mínimo existencial. Para Nabais, o mínimo não pode ser 

inferior ao que o Estado está em condições de dispor, mediante prestações sociais, a favor dos

que dele não dispõem. Afinal, não seria lógico que o Estado tributasse aquilo que este mesmo

Estado é obrigado a conceder em caso de carência.

De outro lado, a necessidade de se articular o direito fiscal e o direito das prestações

sociais - visão sistêmica – levam à conclusão que esse mínimo existencial dependerá de vários

fatores, como o grau de desenvolvimento econômico-social do país, o que faz com que esse

limite à tributação varie no tempo e no espaço.

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Merece também destaque a posição de Nabais sobre o direito de propriedade e as

liberdades econômicas. O autor deixa claro que:

[…] os impostos, como limites imanentes e não afectações (rectius restrições)

aos direitos fundamentais, não podem socorrer-se dos testes de proporcionalidadeque suportam estas, sendo testados pois com base na capacidade contributiva. Só namedida em que este teste não possa funcionar, é permitido lançar mão dos direitosfundamentais, o que ocorre claramente no respeitante ao limite ou limites superioresdos impostos. (NABAIS, 2004, p. 563, destaque nosso).

Em outras palavras, falar em direito de propriedade e de liberdade de iniciativa é

reconhecer  previamente a existência de um dever fundamental de pagar impostos, que irá

definir, a princípio, o conteúdo desses direitos e liberdades.

Todavia, deixa claro o autor que não são legítimas quaisquer amputações ao direito

de propriedade e às liberdades. A concretização do dever fundamental não pode ir ao ponto de

desfigurar os direitos fundamentais. Por isso, acentua o autor o seguinte:

Pelo que as liberdades económicas de escolha e de exercício do trabalho, da profissão e da iniciativa privada e o direito de propriedade (privada) são convocáveiscomo parâmetro material dos impostos, muito embora, como resulta claro do quevimos de dizer, a sua intervenção assuma carácter marcadamente supletivo ousubsidiário face aos princípios constitucionais especificamente vocacionados para amodelação dos impostos, como os da capacidade contributiva e da nãodiscriminação fiscal da família. Só na medida em que estes sejam inaplicáveis ou serevelem inoperantes, como sucede no concernente ao limite ou limites superiores(máximos) dos impostos, são convocáveis aqueles direitos e liberdades. (NABAIS,2004, p. 565).

Assim, como limites superiores aos impostos (à carga tributária, portanto), Nabais

admite que o direito de propriedade e a liberdade de iniciativa e de profissão sejam invocados.

Afinal, tais direitos constituem o que o autor denomina de “pressuposto e a outra face do

estado fiscal.” (NABAIS, 2004, p. 563).

Essa visão é realmente uma postura nova frente à doutrina tradicional ainda adotada

no Direito Tributário Brasileiro. Entender que o dever fundamental de pagar impostos

conforma o conteúdo normativo do direito de propriedade e das liberdades individuais muda odebate, pois traz um novo componente à discussão (a solidariedade fiscal) e tira um pouco a

força de um argumento mais individualista.

Para encerrar esse tema, merece ser destacada a posição que Nabais confere à

objeção fiscal como forma de objeção de consciência. Apesar de reconhecer que a objeção de

consciência possui base na Constituição Portuguesa (art. 41º, n° 6) e que pode ser invocada

relativamente à generalidade dos deveres fundamentais, não se limitando apenas ao dever de

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 prestar serviço militar, e tendo por base motivos de índole religiosa, moral, filosófica

(personalista, portanto), essa objeção, como direito a não cumprir determinada obrigação,

não pode ser invocada face às obrigações tributárias. Tais obrigações buscam a obtenção de

receitas que suportem financeiramente o Estado a realizar suas diversas tarefas, possuindo,

assim, um forte componente solidário.

De outro lado, a objeção de consciência não se configura como uma negativa a

cumprir pura e simplesmente uma determinada obrigação. Ao contrário, em primeiro lugar,

ela exige que a obrigação que a pessoa não pretende cumprir seja pautada em motivos de

índole pessoal e que estejam acobertadas por um direito fundamental. No caso, não há um

direito fundamental de não pagar o imposto. Além disso, a obrigação repudiada deve ser 

substituída por outra, cabendo à lei delimitar não só essa outra obrigação como os meios

 procedimentais para o exercício da objeção de consciência.De qualquer forma, Nabais deixa claro que o termo objeção fiscal é abusivo e não

 pode ser compreendido no âmbito normativo da objeção de consciência.

Pois bem, de tudo o que foi dito neste item, mais longo e detalhado em razão da

importância do tema, o que se compreende é que a tese do dever fundamental irá repercutir 

fortemente na compreensão do imposto no Estado Democrático de Direito e que o mesmo não

deve ser visto como uma intervenção no direito à propriedade ou à liberdade de iniciativa ou

 profissional. Estes direitos não subsistem previamente ao Sistema Fiscal e só poderão ser 

invocados nos casos de limites sufocantes da tributação166

, ou nos casos de extrafiscalidade,obrigações acessórias, medidas de fiscalização e de simplificação da tributação. Uma

concepção mais forte do conteúdo do dever fundamental irá refletir no conteúdo normativo do

direito de propriedade e da liberdade de iniciativa. E não há dúvida que o conteúdo do dever 

fundamental de pagar impostos é fortemente influenciado pelo Estado Social, conforme será

exposto a seguir.

Também não há dúvida que esta teoria irá conferir uma nova leitura e compreensão

dos direitos fundamentais individuais conjugados ao fenômeno tributário. Todavia, como já

afirmado anteriormente neste capítulo, ela não leva a uma Soberania Fiscal irrestrita ou, em

outras palavras, a um absolutismo com vestes contemporâneas.

166 Tributo com efeito de confisco, conforme previsto no art. 150, IV, da CF/88.

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3.5.11. O Estado Social e sua influência no conteúdo normativo do dever fundamental de

 pagar impostos

O princípio de Estado Social certamente influenciará a realização das políticas

tributárias e a conformação das estruturas dos tributos exigidos pelo Estado. Na medida em

que cabe ao Estado reduzir as desigualdades sociais, combater a pobreza, conferir a cada

indivíduo um mínimo de existência e oportunidades na vida, o tributo deixará de ser uma

mera limitação à propriedade para se transformar em um instrumento que poderá viabilizar a

dignidade da pessoa humana. Essa tese é extraída da obra de Casalta Nabais, que

expressamente consigna que:

[…] podemos dizer que o princípio constitucional do estado social se exprime naassunção ao nível constitucional por parte do estado duma tarefa ou função deconformação social (ou, mais especificamente, económica, social e cultural) dasociedade. […]O que tem como consequência a conformação económica e social, baseada no princípio do estado social, visar ou ter como objectivo tão-só a atenuação oudiminuição pelos poderes públicos das desigualdades fácticas de naturezaeconómica, social e cultural, a fim de assim se assegurar uma igualdade jurídico-material, e não a eliminação, no seu conteúdo essencial, dessas desigualdades. Emsuma, o princípio do estado social, no quadro dum estado de direito, não pode exigir uma igualdade absoluta ou uma igualdade sem liberdade, mas sim uma maior igualdade na liberdade.[…]

Um estado que, para assegurar a liberdade entendida como ‘a possibilidade real dedesenvolvimento da personalidade do indivíduo em sociedade garantida juridicamente’, se concretiza em dois vetores: garantia de liberdade aos que dispõemdas condições fácticas da mesma, consubstanciada assim no respeito dos clássicosdireitos, liberdades e garantias fundamentais através essencialmente da abstenção ounão intervenção estadual; e garantia dessa mesma liberdade aos que estãodesprovidos de tais condições, materializada na criação e promoção dos pressupostos da mesma através da acção e intervenção do estado mormente atravésde prestações sociais ou direitos sociais, que assim se configuram como verdadeiros‘direitos de liberdade social’, pois ‘os direitos fundamentais sociais afirmam que oliberalismo é um liberalismo social’.[…]Pois bem, como facilmente se compreenderá, em qualquer destes aspectos, o princípio do estado social tem importantes implicações para a tributação e os

impostos. Implicações essas que, em geral, vão mais no sentido da expansão eintensificação da tributação do que no da sua limitação, o que, naturalmente, nãosurpreende se tivermos na devida conta que é o estado fiscal que paga a conta doestado social, e que esta, ao concretizar-se no alargamento da acção do estado muito para além do seu homogéneo e restrito domínio clássico (rectius liberal), seconsubstancia em mais e maior estado a implicar maiores despesas e,consequentemente, maior tributação ou carga fiscal. (NABAIS, 2004, p. 573-576).

O Estado Social exigirá, assim, que a tributação também tenha por objetivo a

redistribuição de renda, legitimando, portanto, uma oneração mais efetiva e real do patrimônio

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e do capital. Assim, como já adiantado em outro item, o Estado Social legitimará um sistema

 progressivo na tributação. 167 

Esse princípio permitirá também a adoção de mais medidas extrafiscais, seja

desonerando para incentivar os comportamentos desejáveis, seja o inverso. Nesse ponto, a

 proteção ao meio ambiente pode ser um objetivo que compreenderá, na sua concretização,

instrumentos fiscais.

Esse princípio também irá conferir eficácia ao mínimo existencial, exigido em

respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana. Nabais entende que não será apenas o

 princípio da capacidade contributiva que dará legitimidade à não tributação do mínimo

existencial. Isso porque, na sua visão, quem conforma o montante ou as parcelas que irão

compor esse mínimo dependem do grau de concretização do Estado Social de determinado

 país.Ou seja, o mínimo existencial dependerá do lugar e do tempo. Para Nabais (2004, p.

579-580), em razão do princípio do Estado Social, o valor do mínimo existencial será, ao

menos, igual ao montante “das prestações que o estado está em condições e na disposição de

realizar relativamente aos cidadãos economicamente incapazes de prover às suas necessidades

existenciais.”

 Nesse ponto da obra, Nabais trata de diversas situações específicas do Direito Fiscal

Português. Delas, uma é interessante de mencionar, qual seja, a dedução dos gastos com a

saúde e de educação para fins de apuração do imposto de renda da pessoa física. Nabais (2004, p. 583) enfatiza que o direito à saúde traz implicações ao legislador 

fiscal, que não pode deixar de considerar as despesas realizadas com saúde. Assevera que a

legislação do imposto de renda da pessoa natural contempla a dedutibilidade total das

despesas devidamente documentadas e efetivamente realizadas.

Para o autor, contudo, o direito à saúde exige apenas que as respectivas despesas

sejam dedutíveis pelo menos até o montante que o Estado, “em consonância com as suas

 possibilidades econômicas expressas nas correspondentes opções de política de saúde”, pode

empenhar a favor de todos os cidadãos, tenham ou não condições econômicas. Assim, para

 Nabais (2004, p. 584), as despesas com saúde que poderão ser deduzidas para fim de apuração

do imposto de renda terão como parâmetro aquelas que o Estado pode satisfazer, levando em

consideração as opções já tomadas quando da concretização dessas políticas.

167 Tal ideia também é acolhida por Tipke (2002, p. 35; 44). Em outra passagem, esse autor alemão acentua que:“o princípio do Estado Social dá à justiça um acento social; ele cuida para que a justiça não se esgote naigualdade perante a lei, mas também vise mais à igualdade material, a fim de que a distribuição de renda e patrimônio não seja tão ruim, a ponto de ameaçar a paz social.” (TIPKE; YAMASHITA, 2002, p. 43).

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Essa posição, contudo, deve ser vista com certa reserva. Isso porque, levada ao

extremo, ela pode desprezar as características pessoais e necessárias do contribuinte do

imposto de renda, o que é exigido também pelo princípio da capacidade contributiva.

 Não há dúvida que algumas dessas despesas podem ser consideradas essenciais para

que a pessoa pudesse sobreviver ou manter um mínimo de bem-estar. Poder-se-ia, talvez,

negar a dedução de tratamentos médicos por simples estética. Mas outros tratamentos,

inclusive com intervenções cirúrgicas necessárias para manter o contribuinte vivo ou em

condições normais de vida (como a colocação de prótese na perna ou a plástica para recuperar 

algum tecido em razão de queimadura), devem ser considerados quando da apuração do

imposto. Afinal, foram gastos necessários e não apenas realizados para satisfazer algum

desejo particular.

Por outro lado, para o autor, a legislação portuguesa estabelece limites muito baixos para a dedução das despesas com educação para fins de apuração do imposto de renda.

De qualquer forma, o importante desse tópico é comprovar que o princípio do Estado

Social irá conformar o conteúdo do dever fundamental de pagar impostos e impedir qualquer 

teoria que busque imputar a toda a tributação (ao conjunto, portanto) um dever de

neutralidade 168.

Em outras palavras, diante do previsto no texto constitucional não só português, mas

no ordenamento jurídico dos países europeus, a tributação possui um papel transformador da

sociedade. Como bem anota Ricardo Lobo Torres, o Direito Tributário:

[…] não é insensível aos valores nem cego para com os princípios jurídicos. Apesar de não serem fundantes de valores, o orçamento e a tributação se movem noambiente axiológico, eis que profundamente marcados pelos valores éticos e jurídicos que impregnam as próprias políticas públicas. A lei financeira serve deinstrumento para a afirmação da liberdade, para a consecução da justiça e para agarantia e segurança dos direitos fundamentais. (TORRES, 2005, p. 42).

Assim, não é possível um retorno ao paradigma liberal, em que se defendia uma

 baixa pressão fiscal, buscando-se assegurar apenas a proteção da liberdade e da propriedade.

168 Dá-se ênfase ao conjunto da tributação, pois o ICMS, por exemplo, que incide sob o consumo, deve ser neutro na cadeia da respectiva operação, repercutindo economicamente apenas no consumidor final. De outrolado, é importante acentuar que a neutralidade discutida nesse trabalho – vinculada, portanto, ao caráter deinstrumento de transformação social - não se equivale à busca de um regime de tributação que não provoquedesequilíbrios na livre concorrência. Contudo, como bem acentua Ávila (2008, p. 98), “compreender aneutralidade como proibição total de qualquer influência no comportamento dos contribuintes é negar não só asfinalidades da tributação, como, também, atuação estatal no direcionamento das atividades da iniciativa privada,conforme permite o art. 174 da Constituição. Ser neutro, pois, não pode significar a proibição de o ente estatalexercer qualquer influência comportamental direta ou indireta por meio da tributação.” Sobre a neutralidade esua ligação com a igualdade, vide Ávila (2008, p. 97-104).

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Lógico que a discussão dos limites da carga tributária é pertinente e deve ser mantida.

Todavia, não há dúvida de que ela será bem mais alta comparando-se com o modelo de

Estado Liberal. Afinal, houve o alargamento das funções do Estado.

Segundo José Ricardo Catarino (2009, p. 281), a liberdade do indivíduo para exercer,

conforme suas escolhas, interesses e vocação, a atividade que bem entender, resultou na

configuração dos Estados modernos como  parte interessada, pois este passou a ser mais

demandado. E enfatiza esse autor que:

Agora, contrariamente ao que sucedeu nas sociedades políticas em que o Estadoassumiu uma atitude abstencionista, em que os impostos se limitavam a um maismodesto contributo para a defesa e a segurança colectiva, e não mais do que isso, oimposto é o meio eficaz e o único suficientemente seguro para a realização do bemcomum, deixando de ser visto como mal necessário. Para as doutrinas liberais tinha,de facto, essa qualificação e conotação negativa. Actualmente, configura-se como

um elemento estruturante da acção interventora do Estado, essencial na prossecuçãodo bem comum e a um só tempo seu factor causal e condicionante, mas sem que se possa afirmar que o imposto seja sua propriedade absoluta, plena e exclusiva. Defacto, o mínimo de existência tenderá, teoricamente, a subir numa espiral que nãoque não conhece limites, enquadrado numa constante procura de elevação do padrãode bem-estar desejável e justo. (CATARINO, 2009, p. 284).

 Não é possível mais fechar os olhos para a necessidade de se compatibilizar a

liberdade com a igualdade. A Constituição não busca apenas proteger a esfera pessoal do

contribuinte. Solidariedade, cooperação, justa harmonia de interesses são princípios de grande

relevo, que irão fundamentar todo o Direito e os programas políticos do Governo, entre eles a

 política fiscal. A necessidade de se assegurar a justa repartição dos encargos financeiros e o

objetivo presente de que a tributação deverá, nos tempos atuais, servir como instrumento

transformador da sociedade e em prol do indivíduo é um caminho sem volta.

Por isso, assiste razão à afirmativa de Catarino (2009, p. 290-291) no sentido de que

o imposto não possui a finalidade única de garantir o máximo de produção e riqueza

socialmente útil; ele também se destina “a servir de meio para a realização do conjunto de fins

do Estado e designadamente o da coordenação, impulsionamento e direcção de todas as

atividades sociais.”Logo, a correlação do Estado Social e o dever fundamental de pagar impostos é

muito grande, pois há “uma íntima ligação entre o modelo de tributo e a concepção de justiça

dominante.” (CATARINO, 2009, p. 266).

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3.5.12. Coerência e unidade sistêmica

Outro ponto tratado na obra de Nabais é a sua preocupação com um mínimo de

coerência 169 entre os diversos tipos de impostos e o sistema fiscal (seu conjunto), bem como

a coerência dos impostos e do sistema tributário com o sistema jurídico que o cerca (sistema

 jurídico global). Para ele:

[…] não há dúvidas de que os impostos – cada um de per si e no seu conjunto – não podem deixar de se integrar e ajustar adequadamente no(s) sistema(s) em que seinserem, constituindo pois esta sistematicidade (…) mais uma exigência ou umaexigência complementar da justiça dos impostos e do sistema fiscal. Uma exigênciaa que a doutrina e a jurisprudência constitucionais alemãs vêm lançando mão,sobretudo em domínios jurídicos de grande complexidade interna, como é o caso do

sistema fiscal. (NABAIS, 2004, p. 599-600).

 Nabais acentua, contudo, que a necessidade de coerência não provoca a

inconstitucionalidade (invalidade) das leis fiscais. Todavia, é possível deduzir-se que a

utilização do mencionado imperativo de coerência é de grande importância como um

referencial na atividade interpretativa das leis fiscais. Afinal, como reconhece Nabais (2004,

 p. 601), “o princípio da coerência sempre se apresenta como um auxiliar importante no

desencadear da operacionalidade prática dos princípios constitucionais, […] mormente do

 princípio da igualdade que, perante uma assistematicidade, mais facilmente se pode concluir  pela sua violação.”

O autor menciona alguns exemplos e hipóteses específicas da legislação portuguesa,

merecendo ser indicadas algumas posições.

Primeiramente, Nabais assevera que a necessidade de coerência do sistema como

forma de evitar a conversão do imposto de renda em imposto sobre o capital. Em casos em

que há inflação e o legislador se mantém inerte. Como hipótese, o autor indica a tributação

dos rendimentos nominais do capital, que ocorre quando a taxa de juros é negativa.

169 É importante advertir que diante do pluralismo ínsito ao Estado Democrático de Direito, o pensamentosistêmico não pode ser levado às últimas consequências. Como ensina Marcelo Galuppo, “na verdade, o pluralismo constitutivo do Estado Democrático de Direito indica que os princípios jurídicos, inclusive aquelesexpressamente contidos na Constituição, não precisam ser concebidos rigorosamente como harmônicos ecoerentes no contexto de sua aplicação. Muitas vezes, eles indicam diferentes projetos de vida, presentes em umamesma sociedade, e o intérprete que pretenda realizar o tipo de justiça inerente ao Estado Democrático deDireito deve levar à sério esta divergência principiológica.” (GALUPPO, 2001, p. 60). E em outro momento,Galuppo assevera: “é preciso levar em conta, então, que cumprir ou aplicar o direito, no Estado Democrático deDireito, não é cumprir ou aplicar  todas as normas jurídicas contemporaneamente, mas apenas aquelas que sãoadequadas ao contorno fático de uma situação.” (GALUPPO, 2001, p. 61).

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Casos como este, segundo Nabais, viola o princípio por duas causas: inicialmente,

torna o sistema fiscal incongruente pondo em causa, sem o assumir, “o equilíbrio tributação

do rendimento/tributação do capital”; em segundo lugar, perturba o mercado de capitais e o

funcionamento da economia, penalizando certas aplicações de capital face outras, inclusive

 pequenas poupanças ao invés dos altos montantes, o que pode ensejar a violação do princípio

da isonomia tributária. (NABAIS, 2004, p. 605).

Esse tema foi e ainda é constantemente discutido pela doutrina nacional, preocupada

com algumas práticas tomadas pelo Governo Brasileiro que, por meio de alterações da

legislação federal, tendem para uma tributação sobre o capital e não sobre a renda. 170 

Outro exemplo é a necessidade de se buscar harmonização entre as normas de

tributação e as que preveem benefícios fiscais. Deixa claro o autor que o legislador fiscal não

 pode esquecer a necessidade de coerência do sistema, seja no nível individualizado de cadaimposto com os correspondentes benefícios (micro-fiscal) como em um conjunto maior 

(macro-fiscal), “tornando coerente o conjunto dos impostos com o conjunto dos benefícios

fiscais.” (NABAIS, 2004, p. 605-606).

Esse tema também é de grande importância - inclusive no debate brasileiro -

especialmente para ensejar o controle da criação desses benefícios fiscais, pois pode ser que,

mesmo com a aparência de legitimidade dada pela lei que os criou, não passam de um

 privilégio. 171 

Uma terceira questão e de grande importância resulta na aproximação do DireitoTributário ao Direito Financeiro. A necessidade de articulação das receitas com as despesas é

um tema pertinente ao Estado Democrático de Direito, um dos problemas que este modelo

deve buscar resolver é o tamanho do Estado Social e o tamanho de suas despesas.

Em razão da preocupação com a totalidade das despesas públicas, Nabais ressalta a

importância do art. 31° da Constituição Espanhola 172 que, depois de consagrar o dever 

fundamental de todos contribuírem com os encargos públicos segundo sua capacidade

contributiva (n° 1), aduziu que “a despesa pública realizará uma afectação equitativa dos

170 Vide Derzi (1995, p. 97-115) e Gonçalves (2002, p. 200-211).171 O tema do controle da extrafiscalidade, apesar da relevância, não será tratado na presente dissertação, emrazão dos limites deste trabalho e da profunda investigação que será necessária.172 “Artículo 31.1. Todos contribuirán al sostenimiento de los gastos públicos de acuerdo con su capacidad económica medianteun sistema tributário justo inspirado en los principios de igualdad y progresividad que, em ningún caso, tendráalcance confiscatorio.2. El gasto público realizará una asignación equitativa de los recursos públicos, y su programación y ejecuciónresponderán a los criterios de eficiencia y economía.” (ESPANHA, 1978).

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recursos públicos e a sua programação e execução corresponderão aos critérios da eficiência

económica.” (NABAIS, 2004, p. 607).

Por fim, merece ser destacado outro assunto de grande relevância também no debate

constitucional tributário brasileiro e que será influenciado pelo dever fundamental de pagar 

impostos. Por ser fundamental para o presente trabalho, ele será enfocado em item separado.

3.5.12.1. A flexibilização do sigilo bancário para a Administração Tributária

Para Nabais (2004, p. 616), a falta de coerência sistêmica entre os diversos ramos do

Direito e o Direito Tributário não se verifica apenas nas normas de oneração e desoneração,mas também nas normas que buscam controlar as atividades do contribuinte, incluindo as que

envolvem os poderes de fiscalização.

Uma dessas situações é justamente a que envolve o sigilo bancário e sua

oponibilidade ao Fisco. Ou seja, a impossibilidade de o Fisco ter acesso direto – sem

intermédio do Poder Judiciário – para verificar se o sujeito passivo recolheu corretamente o

tributo devido.

 Nabais (2004, p. 616) reconhece que o sigilo bancário constitui manifestação do

“segredo profissional”, cujo fundamento, para ele, reside na privacidade e não na intimidade.Tal proteção deve ser harmonizada com o dever fundamental de pagar impostos, devendo ser 

 permitido o acesso ao Fisco de tais informações para os fins de cobrança de impostos,

especialmente porque tais informações passam a ser protegidas pelo sigilo fiscal, que possui,

inclusive, tutela penal. Como bem resume Nabais (2004, p. 619), “podemos concluir que a

referida quebra do segredo bancário deixa salvaguardado o conteúdo essencial tanto do direito

à privacidade da vida privada e familiar dos contribuintes como da dinâmica da actividade

 bancária.”

 Nabais irá retomar esse tema em outro estudo, publicado primeiramente em 2002 e

republicado em 2005. Neste texto, mais atual e com algumas considerações importantes, ele

acentua a importância do acesso do Fisco às informações bancária, pois este será o meio mais

eficaz para conferir se o sujeito passivo está cumprindo sua obrigação tributária, inclusive no

que tange à apuração do valor do tributo a pagar.

Como ele bem reconhece (2005, p. 75), o papel atual da Administração Tributária

não é de lançar ou liquidar o imposto, mas de conferir e verificar se os particulares

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desempenharam corretamente a tarefa a eles legalmente atribuída. Para tal missão

fiscalizadora, a Administração Tributária deverá ser dotada de instrumentos eficientes, que

deverão envolver o acesso aos dados bancários, pois, na economia moderna, praticamente

todas as riquezas passam pelos estabelecimentos financeiros. Assim, impedir o acesso direto

aos dados bancários irá dificultar – e muito – o trabalho de fiscalização dos tributos que estão

submetidos a uma “administração privada dos impostos”, bem como favorecer e, quem sabe,

estimular a sonegação. Por isso Nabais faz a seguinte indagação que é inevitável ao caso:

Como fiscalizar os rendimentos empresariais e profissionais se os documentos ouinformações com que se poderia eventualmente provar a falta de correspondênciaentre a realidade declarada ao fisco e a realidade vivida pelas empresas ou pelos profissionais estão basicamente fora do alcance da administração? (NABAIS, 2005, p. 77).

Aduz, contudo, que o acesso será sempre realizado de maneira excepcional,

devidamente fundamentado, 173 e pautado em indícios fortes e suficientes para afastar a

 proteção do direito individual 174. Entretanto, ele nunca poderá ser oponível em absoluto ao

Fisco. E tal sistemática é prevista na Lei Geral Tributária desde o ano de 2000, sendo que a

redação do atual art. 63-B, que trata do acesso a informações e documentos bancários, assim

dispõe:

173 Vide Processo 0897/09, julgado pela 2ª Seção do Supremo Tribunal Administrativo em 25/09/2009:“As decisões da administração tributária de acesso a informações e documentos bancários de acordo com o art.63°-B da LGT devem ser fundamentadas com expressa menção dos motivos concretos que as justificam, não podendo essa fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório de fiscalização tributária.” Disponívelem:<http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/4c5013004b64e0f18025765d005ccd79?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1> Acesso em 12/11/2010.174 Vide Acórdão 0292/07, julgado pelo Supremo Tribunal Administrativo em 02/05/2007:“I - A Administração Fiscal tem o poder de derrogação do sigilo bancário apenas quando existam «indícios da prática de crime doloso em matéria tributária», designadamente, em «situações em que existam factosconcretamente identificados gravemente indiciadores da falta de veracidade do declarado» - de harmonia com odisposto na alínea c) do nº 2 do artigo 63º- B da Lei Geral Tributária (na redacção da Lei nº 30-G/2000, de 29-12).II - A situação de existência de dois empréstimos, garantidos pelo mesmo prédio, não preenche a previsão legalde «factos (…) gravemente indiciadores da falta de veracidade do declarado», para efeitos de tributação emimposto municipal de sisa.III - Como assim, em tal situação, não tem fundamento legal o acesso da Administração Fiscal a todos osdocumentos bancários do contribuinte.IV - Os «factos concretamente identificados gravemente indiciadores da falta de veracidade do declarado»constituem um prius da derrogação do sigilo bancário - pelo que o acesso «a todos os documentos bancários» docontribuinte é ilegítimo quando em busca da verificação daqueles factos pressupostos.” Disponível em:<http://vlex.com/vid/29199247> Acesso em 04/11/2010.

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1 - A administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações oudocumentos bancários sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos:

a) Quando existam indícios da prática de crime em matéria tributária; b) Quando se verifiquem indícios da falta de veracidade do declarado ou esteja em

falta declaração legalmente exigível; (alterado pela Lei 94/2009 de 1 de Setembro)c) Quando se verifiquem indícios da existência de acréscimos de património não justificados, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º; (aditado pela Lei nº94/2009, de 1 de Setembro)d) Quando se trate da verificação de conformidade de documentos de suporte deregistos contabilísticos dos sujeitos passivos de IRS e IRC que se encontremsujeitos a contabilidade organizada; (aditado pela Lei nº 94/2009, de 1 deSetembro)e) Quando exista a necessidade de controlar os pressupostos de regimes fiscais privilegiados de que o contribuinte usufrua; (aditado pela Lei nº 94/2009, de 1 deSetembro)f) Quando se verifique a impossibilidade de comprovação e quantificação directa eexacta da matéria tributável, nos termos do artigo 88.º, e, em geral, quando estejamverificados os pressupostos para o recurso a uma avaliação indirecta. (aditado pela

Lei nº 94/2009, de 1 de Setembro)g) Quando se verifique a existência comprovada de dívidas à segurança social.(aditado pela Lei nº 37/2010, de 2 de Setembro)2 - A administração tributária tem, ainda, o poder de aceder directamente aosdocumentos bancários, nas situações de recusa da sua exibição ou de autorização para a sua consulta, quando se trate de familiares ou terceiros que se encontremnuma relação especial com o contribuinte. (aditado pela Lei nº 94/2009, de 1 deSetembro)3 - (Revogado) (aditado pela Lei nº 94/2009, de 1 de Setembro)4 - As decisões da administração tributária referidas nos números anteriores devemser fundamentadas com expressa menção dos motivos concretos que as justificame, salvo o disposto no número seguinte, notificadas aos interessados no prazo de 30dias após a sua emissão, sendo da competência do director-geral dos Impostos oudo director-geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, ou

seus substitutos legais, sem possibilidade de delegação. (aditado pela Lei nº94/2009, de 1 de Setembro)5 - Os actos praticados ao abrigo da competência definida no n.º 1 são susceptíveisde recurso judicial com efeito meramente devolutivo e os previstos no n.º 2dependem da audição prévia do familiar ou terceiro e são susceptíveis de recurso judicial com efeito suspensivo, por parte destes. (aditado pela Lei nº 94/2009, de 1de Setembro)6 - Nos casos de deferimento do recurso previsto no número anterior, os elementosde prova entretanto obtidos não podem ser utilizados para qualquer efeito emdesfavor do contribuinte.7 - As entidades que se encontrem numa relação de domínio com o contribuinteficam sujeitas aos regimes de acesso à informação bancária referidos nos nºs 1, 2 e3.8 - (Revogado) (Revogado pela Lei nº 94/2009, de 1 de Setembro)9 - O regime previsto nos números anteriores não prejudica a legislação aplicávelaos casos de investigação por infracção penal e só pode ter por objecto operações emovimentos bancários realizados após a sua entrada em vigor, sem prejuízo doregime vigente para as situações anteriores.10 - Para os efeitos desta lei, considera-se documento bancário qualquer documentoou registo, independentemente do respectivo suporte, em que se titulem,comprovem ou registem operações praticadas por instituições de crédito ousociedades financeiras no âmbito da respectiva actividade, incluindo os referentes aoperações realizadas mediante utilização de cartões de crédito.11 - A administração tributária presta ao ministério da tutela informação anual decarácter estatístico sobre os processos em que ocorreu o levantamento do sigilo bancário, a qual é remetida à Assembleia da República com a apresentação da

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 proposta de lei do Orçamento do Estado. (Aditado pela Lei nº 37/2010, de 2 deSetembro). (PORTUGAL, 1998).

Assevera Nabais (2004, p. 78) que a alteração feita na legislação fiscal, apesar de

tímida – pois só pode ser decidida pelos dirigentes máximos da Administração Tributária(vide item 4 da Lei acima citada) – possui alto significado político, pois ao abrir uma

“pequena brecha no muro blindado do sigilo bancário, nos termos verdadeiramente

fundamentalistas com que o mesmo tem sido entendido entre nós”, conseguiu inverter o

caminho que Portugal estava seguindo, que era no sentido oposto ao da generalidade dos

 países desenvolvidos.

A tese do dever fundamental de pagar impostos, pautado na solidariedade fiscal, é

também um argumento utilizado por Saldanha Sanches e João Gama (2005, p. 89-103) para

compreenderem que o segredo tributário deve ceder em face da administração tributária.Esses dois autores reconhecem que a efetiva fiscalização fica comprometida sem o

acesso direto aos dados bancários, meio que propiciará, inclusive, a conferência das

declarações feitas pelos sujeitos passivos. Assim, deve haver um procedimento administrativo

 – e não judicial – em que se adotarão as cautelas necessárias que envolvem os atos

administrativos que consubstanciam o exercício do poder de polícia.

Reconheceu-se, assim, a necessária conexão entre a declaração e o controle das

informações bancárias:

[…] se existe para o sujeito passivo uma obrigação de declarar a totalidade dos seusrendimentos (princípio da sujeição ilimitada ou ‘world wide taxation’), averificação da conta bancária serve apenas para verificar a veracidade dessadeclaração, pois os dados contidos na conta bancária só poderão acrescentar algumacoisa aos elementos já comunicados à Administração quando se tiverem verificadoviolações do dever de declarar. (SANCHES; GAMA, 2005, p. 98) 

 Nesse contexto surge na discussão outro importante princípio que deve ser observado

 pela administração pública, qual seja, o da eficiência. Como explicam Sanches e Gama (2005,

 p. 93-94), a derrogação do sigilo pela própria Administração é realizada em nome dos

 próprios contribuintes que vão suportar as despesas do Estado, pois estes têm:

[…] o direito de exigir uma Administração eficiente e isso implica o legislador, semrestrição inaceitável dos direitos fundamentais de qualquer cidadão, […] encontrar asformas mais eficientes e baratas de controlar a aplicação da lei, o que, numa sociedademoderna, implica o controle administrativo da informação financeira. (SANCHES;GAMA, 2005, p. 93-94)

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Merece ser destacado entendimento de Klaus Tipke, autor que é citado diversas

vezes na obra de Nabais. O autor alemão diz que não basta que as leis cuidem de uma

repartição igual da carga tributária. Para que se assegure a isonomia, são necessários

dispositivos procedimentais que possibilitem uma aplicação isonômica, “especialmente uma

verificação isonômica dos fatos.” (TIPKE; YAMASHITA, 2002, p. 25).

Deve-se ter uma visão de conjunto entre as matérias de fundo e de procedimento

reguladas pelo Direito Tributário. Por isso, o Tribunal Constitucional Alemão decidiu, em

1991, que não é suficiente que o cidadão cumpra com a obrigação de declarar seus

rendimentos. Também deve ser apurado pela fiscalização se as informações estão corretas.

Em face disso, Tipke adverte:

O legislador, que promulga dispositivos fiscais materiais, deve, por conseguinte,sempre ter o cuidado de instituir dispositivos procedimentais que possibilitem aimposição do direito material. (TIPKE; YAMASHITA, 2002, p. 25).

Portanto, o dever fundamental de pagar tributo irá legitimar uma restrição ao

conteúdo do direito de privacidade, frente à realidade normativa e prática vivenciada

atualmente, sendo certo que, como reconhece Nabais, o levantamento do sigilo bancário sem

a participação do Poder Judiciário ultrapassa a questão fiscal, recaindo na esfera penal,

especialmente no combate aos crimes financeiros.

E esse entendimento é acompanhado pelo Tribunal Constitucional Português, ao

 proferir o Acórdão 602/2005 175, que assim consignou:

Sendo o controlo administrativo das movimentações bancárias dos contribuintes,como método de avaliação da sua situação fiscal, uma realidade recente (ou, comodiz Saldanha Sanches, ob. cit., que “ são esses dados contidos nas contas bancárias enos seus movimentos (ou na aquisição de um bem sujeito a registo como um prédioou um automóvel) que permitem o controlo da declaração tributária do sujeito passivo e que constituem a condição sine qua non de um controlo eficaz, na faseactual da evolução da relação jurídico-tributária”), e postando-se como necessário – e, quantas vezes para tanto como imprescindível – o conhecimento das respectivasoperações, não se poderá deixar de concluir que se torna justificada, para proteger o bem constitucionalmente protegido da distribuição equitativa da contribuição paraos gastos públicos e do dever fundamental de pagar os impostos, a procura daconsagração de uma articulação ponderada e harmoniosa da reserva (se não daintimidade da vida provada, ao menos da reserva de uma parte do acervo patrimonial) acarretada pelo sigilo bancário e dos interesses decorrentes dos citadosdever e direito. (PORTUGAL, 2005).

175 Disponível em: <http://w3.tribunalconstitucional.pt/acordaos/Acordaos05/601-700/60205.htm> Acesso em 10de novembro de 2010. Vide também acórdão 672/2006 (Processo n° 298/06), Disponível em:<http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20060672.html> Acesso em 03/11/2010; acórdão 442/2007(Processo n° 815/2007), Disponível em: <http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20070442.html>Acesso em 03/11/2010.

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Essa decisão manteve acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, assim fundamentado:

Ora, na nossa opinião, o objectivos de luta contra a evasão fiscal e a prossecução dointeresse público, o desenvolvimento dos princípios da igualdade, daimparcialidade, da eficácia dos actos, da iniciativa da Administração e dacooperação dos contribuintes implica necessariamente a eventual quebra do segredo bancário (nomeadamente para a averiguação dos crimes tributários), quando adescoberta da verdade material das situações tributárias dos contribuintesinspeccionados imponha a consulta de elementos bancários e essas consultas nãosão autorizadas pelos contribuintes.

Só assim é possível começar a controlar (e consequentemente evitar na medida do possível) a evasão fiscal, que, como é sabido, é realidade bem conhecida, que emmuito prejudica o interesse da comunidade, e portanto, da generalidade doscidadãos contribuintes em proveito de alguns.Só assim se dará eficácia à almejada justiça e igualdade dos cidadãos perante aAdministração Fiscal.

Trata-se, de resto, de uma questão processual, cuja solução garante o equilíbrioentre os poderes da Administração (que têm de ser eficazes) e as garantias doscontribuintes (que em casos como o sigilo bancário estão longe de ser absolutas,antes se têm de subordinar ao interesse geral), na medida em que faz intervir otribunal comum na resolução do diferendo.Cremos, por isso, que a lei de autorização legislativa contempla no âmbito do seusentido e extensão a medida processual prevista no nº 5 do Art 63 da L.G.T.,aprovada pelo D.L.398/98 de 17/12, não se verificando a alegadainconstitucionalidade orgânica. (apud PORTUGAL 2005).

Essa linha também foi seguida pelo Supremo Tribunal Administrativo, ao proferir,

entre outros, os Acórdãos 0950/04 176 e 0292/07 177, em que restou expressamente assentada a

 preocupação com o dever fundamental de pagar impostos.Dessa forma, a efetividade dos princípios da capacidade contributiva, da igualdade e

da solidariedade passa pela ampliação do poder de fiscalizar com o intuito de identificar o

 patrimônio, os rendimentos e a atividade econômica do contribuinte. 178 

Esse tema é particularmente sensível ao Direito Tributário Brasileiro, pois, com a

edição da Lei Complementar 105, em 2001, semelhante instrumento normativo foi criado no

Brasil, sendo certo que, até o momento, o STF ainda não se manifestou com clareza sobre sua

constitucionalidade. Essa matéria será desenvolvida em outro capítulo.

176 Julgado em 13/10/2004, Disponível em:<http://vlex.com/vid/29194154> Acesso em 03/11/2010.177 Julgado em 02/05/2007, Disponível em: <http://vlex.com/vid/29199247> Acesso em 03/11/2010.178 Conferir Sanches; Gama (2008, p. 100); Batista Júnior (2001, p. 230-240); Gomes (2006); Chinen (2006).

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3.5.13 Extrafiscalidade e sua importância no Estado Democrático de Direito

 Nabais afirma que o imposto, sob o ponto de vista teleológico, tem uma função

instrumental (meio de realização das tarefas estatais) sendo passível sua utilização tanto para

fins fiscais como extrafiscais.

Diferencia-se da taxa, pois esta possui caráter bilateral, ou seja, refere-se a uma

contraprestação ao particular em razão de uma atividade específica do Estado ou de outros

entes públicos direcionadas ao particular (NABAIS, 2005, p. 441).

Disso não destoa a realidade brasileira, apoiada no art. 145, II, da CF e no art. 77 do

CTN. Contudo, é importante ressaltar que, em Portugal, as taxas não alcançam apenas a

 prestação de um serviço público ou atos característicos de poder de polícia, mas também autilização pelo particular de bens públicos (NABAIS, 2005, p. 441).

Uma concepção liberal do imposto apenas admitia uma função fiscal (p. 227/228),

sendo destinada apenas para as funções de defesa, justiça e serviços públicos deficitários.

Pugnava-se, nesta época, pela neutralidade da tributação frente ao mercado (produção e

consumo). Assim, o imposto era mínimo, geral, proporcional e exclusivamente fiscal. (2004,

 p. 228) 179 

Contudo, a evolução mostrou que o imposto também tem uma função político-social

dirigida à melhor repartição da renda e do patrimônio.  Com o crescente intervencionismoestatal no domínio econômico, o entendimento sobre a finalidade do imposto apresenta

reformulação, passando o imposto a ser um instrumento de intervenção. Não só houve o

aumento da carga tributária (em razão do incremento de tarefas estatais), como o imposto foi

utilizado também para a realização de tarefas estatais, seja na órbita econômica, seja de

conformação social.

Mas apenas na década de 70 do século passado, e frente à influência do Direito

Tributário Alemão, é que se consolidou na jurisprudência e na maioria da doutrina “a ideia de

que um tributo para ser qualificado de imposto basta que tenha por objectivo também a

obtenção de receitas: a intenção do legislador em obter receitas é uma característica necessária

do conceito (constitucional) de imposto, embora este objetivo possa ser secundário ou

acessório”. (NABAIS, 2004, p. 235).

179 Como o autor assinala, havia um equívoco nesta teoria, pois os impostos aduaneiros sempre tiveram cunhoextrafiscal. (NABAIS, 2004, p. 228).

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A função extrafiscal do tributo reforça seu papel de ser instrumento de realização de

direitos fundamentais. Segundo o autor, com apoio em Fichera:

[…] os objectivos extrafiscais dos impostos não são apenas admissíveis, mas antes

exigíveis, de modo a que a actividade fiscal concorra directamente para a prossecução dos fins constitucionais, nos quais se inclui a própria modificação da base económica e social exigida pela constituição em ordem à realização da járeferida igualdade de facto. Em suma, o uso do instrumento tributário no sentidoextrafiscal, não é apenas constitucionalmente legítimo, antes se tornou num dever constitucional, pelo que o legislador, no exercício do seu poder impositivo, não só pode como deve prosseguir as finalidades de carácter econômico, social e político,utilizando para esse efeito os impostos e as normas fiscais. (NABAIS, 2004, p. 240-241)

 Nabais (2004, p. 244) salienta também que a Constituição Portuguesa ressalta que a

função do imposto não é apenas satisfazer as necessidades do Estado e demais entes públicos,

mas também a repartição mais justa da renda, impondo ao legislador a obrigação de utilizar os

impostos com fins orientadores ou reguladores.

Recomenda o autor também que se deve olhar para os efeitos que os impostos

 produzem nas relações econômico-sociais em que os mesmos se inserem, merecendo

destaque, nesse ponto, os benefícios fiscais que são sempre orientados por fins extrafiscais:

Por outro lado, também é de aceitar a ideia de W. KNIES, ao salientar que, paraalém de se atender aos objectivos ou finalidades (subjectiva ou objectivamente)tidos em conta pelo legislador aquando da instituição do imposto, há que olhar para

os efeitos que os impostos produzem no quadro das relações económico-sociais emque os mesmos se inserem, sendo sobretudo ao nível dos efeitos que melhor secompreendem os benefícios fiscais que, por natureza, são orientados por objectivosextrafiscais. O que é visível, nomeadamente, no respeitante aos chamados estímulosou incentivos extrafiscais, cuja emergência e importância, sendo uma consequênciadirecta da abertura da figura do imposto à extrafiscalidade, constituem uma dasnotas típicas do estado fiscal social, expressa na utilização do instituto do imposto nadirecta realização das prestações do estado social e na aproximação que tais‘subvenções indirectas’ ou ‘despesas passivas’ vêm provocando entre o direito dasreceitas (rectius, o direito fiscal) e o direito das despesas (maxime, o direito dassubvenções), tradicionalmente separados mormente ao nível das exigências jurídico-constitucionais. (NABAIS, 2004, p. 244).

Por isso, Nabais entende que essas normas não estão inseridas integralmente nodomínio fiscal, mas fazem parte do direito econômico fiscal.

Estímulos fiscais constituem hoje uma das características mais típicas do Estado

fiscal social, que se expressa na utilização do instituto do imposto na realização direta das

 prestações (tarefas) sociais imputadas ao Estado.

Eles configurariam normas de orientação de comportamentos (terminologia de

Vogel, adotada por Nabais, 2004, p. 249), enquanto as outras seriam normas de repartição de

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encargos. De qualquer forma, até em face da equilibrada relação entre o papel interventor do

Estado no domínio econômico e a defesa/garantia da liberdade e propriedade, o conceito de

imposto não pode deixar de ter como característica normal ou usual o fim típico de obter 

receitas.

Deixa claro o autor (NABAIS, 2004, p. 246) que “a suplantação do estado fiscal

liberal e da ideia de neutralidade fiscal, em que este pretendia assentar, não pode conduzir a

uma aceitação total e sem limites do intervencionismo fiscal”.  O imposto será sempre um

instrumento financeiro, “um instrumento que assim se presume orientado por um objectivo

 principalmente fiscal.”  (NABAIS, 2004, p. 247). O que irá prevalecer será a orientação

 prioritária do imposto: busca obter receitas ou visa persecução de interesses jusfundamentais.

As normas de objetivo fiscal – normas oneradoras – serão avaliadas

constitucionalmente segundo o princípio da capacidade contributiva, ao passo que osimpostos extrafiscais não serão regidos por este princípio, mas serão testados

constitucionalmente com base nos direitos, liberdades e garantias fundamentais, por meio de

um juízo de proporcionalidade frente aos outros princípios constitucionais, no qual se

comprovará que o imposto é adequado e necessário para atingir o fim ou objetivo pretendido,

 bem como se a sua aplicação é proporcional (vedação do excesso) na afetação de outros

direitos, liberdades e garantias fundamentais. (NABAIS, 2004, p. 250). Por isso, Casalta

 Nabais conclui nos seguintes termos:

Por isso, somos da opinião que há que separar dicotomicamente as normas fiscaisdas normas extrafiscais, ordenando aquelas, como direito fiscal (clássico) que são,aos princípios jurídico-constitucionais da ‘constituição fiscal’, e estas, como direitoeconómico (fiscal) que são, aos princípios jurídico-constitucionais da ‘constituiçãoeconómica’. Daí que aquelas hão-de obedecer primordialmente aos princípios dalegalidade e da igualdade fiscais, e estas aos princípios da legalidade econômica e daigualdade e da proporcionalidade lato sensu na intervenção econômico-social.(NABAIS, 2004, p. 648).

De qualquer forma, como o instrumento utilizado na intervenção econômica é um

instrumento fiscal, vinculado à legislação tributária e cujo pressuposto de fato é passível de

oneração, a estipulação de uma política de extrafiscalidade não está tão dissociada dos

 princípios que disciplinam a criação dos impostos. Deve-se compreender que a estipulação de

 benefícios fiscais gera reflexos nos direitos e liberdades de terceiros, podendo, assim, ser 

objeto de controle pela via da proporcionalidade e da igualdade. (NABAIS, 2004, p. 655).

Diante disso, Nabais reconhece que o atual problema constitucional dos benefícios

fiscais não será sua legitimidade, mas os limites para sua criação.

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As medidas econômicas de natureza “agressiva” ou “desfavorável”, para o autor,

serão medidas excepcionais, predominando, assim, as medidas de incentivo ou de

favorecimento. Enquanto as primeiras serão testadas principalmente pela proporcionalidade

(especialmente vinculada à proibição de excesso), as segundas serão verificadas sobre o

 parâmetro da isonomia, atrelada, aqui, à vedação de proibição do arbítrio.

Ou seja, as medidas que conferem incentivos fiscais (“menos tributo ou nenhum

tributo”) serão ilegítimas se não houver qualquer fundamento racional, ao passo que aquelas

que buscam desestimular determinado comportamento (“mais tributos”) serão inválidas se

forem excessivas ou desproporcionais frente aos objetivos que visam prosseguir. Afastar o

 princípio da capacidade contributiva – que é a diretriz que ampara toda a regra de oneração -

exige justificativa racional e amparada no ordenamento jurídico, sob pena de se transformar 

em um privilégio e desestruturar o equilíbrio na justa distribuição dos encargos tributários.

180

  Nabais (2004, p. 667) reconhece que o controle dos benefícios fiscais pode levar em

conta as desvantagens que estes causem a terceiros, especialmente concorrentes e para a

generalidade dos contribuintes.

De qualquer forma, o controle desses benefícios pelo Poder Judiciário não será

amplo, pois possui o Poder Legislativo uma considerável margem de liberdade para sua

criação, sendo certo que este incentivo deve ser objeto de controle futuro pela própria

Administração Pública para saber se os efeitos ou resultados desejados com tal medida

interventora foram alcançados, ao menos parcialmente. Como assinala Casalta Nabais:

[…] não se trata de apurar se determinado benefício fiscal constitui o melhor meio – ou o meio óptimo – para prosseguir certo objectivo de política económico-social,mas unicamente se ele não se apresenta como inadequado, desnecessário ouexcessivo, atento os outros meios disponíveis, o fim visado e os direitos, liberdadese garantias fundamentais que afecta. (NABAIS, 2004, p. 668).

Diante disso, a extrafiscalidade possui ligação com a cidadania fiscal, que se

consubstancia no dever fundamental de pagar impostos. Afinal, nenhum membro da

comunidade poderá, salvo por justificativa racional, ser afastado da obrigação de contribuir  para o suporte financeiro do Estado.

180 Tipke e Lang (2008, p. 229-230) consignam o seguinte: “Favorecimentos fiscais (s. §§19) poupam acapacidade tributária, enquanto tributos de finalidade social como por exemplo, impostos ambientais e normasde fim social exacerbantes de impostos oneram acima do nível da existente capacidade contributiva tributáriacomo por exemplo, normas exacerbantes de tributos ecológicos (s. § 8 Rz. 113) e restrições da compensação ededução de perdas (s. § 9 Rz. 95 ff.). […] Quebras de princípio dessa espécie necessitam de  justificação. O princípio justificativo cria para a norma de finalidade social o critério do ajustamento […], segundo o qual deve-se examinar se a preferência tributária ou prejuízo pode ser justificado.”

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Assim, diante dos reflexos econômicos e jurídicos decorrentes do fenômeno

tributário, todos os membros da comunidade possuem o direito de exigir do Estado que todos

os membros da comunidade figurem como sujeitos passivos do dever fundamental e que eles

sejam obrigados ao cumprimento da obrigação.

Em razão disso, Nabais (2005, p. 60) entende que os contribuintes possuem

legitimidade ativa para impugnarem (inclusive judicialmente), inclusive via ação popular,

medidas fiscais extrafiscais que envolvem a não tributação ou a tributação minorada. Assim

ele assevera:

Acção popular essa que, para além de todo o sentido que a cidadania fiscal lheconfere, parece impor-se também por razões de ordem prática, ou seja, num quadrode luta eficaz contra o actual fenómeno, verdadeiramente avassalador, da fraude eevasão fiscais. Um fenómeno que, devemos acrescentar, coloca mesmo a questão de

se à referida acção popular não seria de associar uma certa recompensa a favor doautor popular, uma recompensa a concretizar na atribuição a este de uma percentagem da receita fiscal recuperada na correspondente impugnação. (NABAIS,2005, p. 60).

De qualquer forma, nota-se que Casalta Nabais deixa claro que o dever fundamental

gera efeitos na análise de medidas extrafiscais. Mesmo que as medidas interventivas tenham

 base no Direito Econômico Fiscal, a deliberação não é feita com os olhos fechados ao sistema

fiscal. A importância da justa repartição dos encargos financeiros é motivo suficiente para que

as medidas extrafiscais também sejam passíveis de controle (inclusive judicial), justamente

 para evitar privilégios ou arbitrariedades.

Como bem assinala Tipke (2002, p. 15), o Direito Tributário não admite qualquer 

conteúdo, pois é um ramo do Direito orientado por valores. E esse Direito Tributário afeta não

só a relação do cidadão com o Estado, como também a relação dos cidadãos uns com os

outros.

3.6. Conclusão

Para finalizar, e buscando responder as perguntas postas no início deste capítulo,

conclui-se pelo exame analítico dos principais pontos da obra de José Casalta Nabais, que a

tese de que existe um dever fundamental de pagar impostos gera efeitos sobre algumas

compreensões do Direito Tributário.

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Inicialmente, o tributo não pode mais ser visto como mero encargo ou sacrifício. Há

um dever fundamental de pagar impostos, inerente à cidadania fiscal e à solidariedade, e

 pautado na capacidade contributiva das pessoas. Esse dever será o preço pago pelos membros

da comunidade para se viver em liberdade.

Constata-se, portanto, que o Estado Democrático de Direito possui uma face fiscal

muito relevante, pois este Estado, principal garantidor dos direitos fundamentais, é suportado

quase exclusivamente pela receita de impostos (que, em Portugal, é figura que alcança as

contribuições).

O Estado Fiscal pressupõe, assim, a existência da livre iniciativa e livre

concorrência, assegurando a economia de mercado (capitalista). O Estado Fiscal é, dessa

forma, um Estado subsidiário, que irá intervir na economia para regular as atividades e não

 para exercê-las de forma direta, tal qual o particular, salvo extrema necessidade.Ficou demonstrado também que todos os direitos possuem custos, o que comprova a

importância da tributação na concretização desses direitos. Estes não surgem da natureza, mas

demandam uma estrutura estatal suficiente para garanti-los.

A importância da tributação é tema que, hoje, não pode ser desprezado. Apesar das

tentativas de se vingar um modelo neoliberal, não é possível o retorno de um Estado neutro e

 preocupado apenas com a liberdade e a propriedade individual. O Estado deve buscar a

inclusão de uma gama enorme de pessoas e lhes assegurar um mínimo de dignidade. Dessa

forma, o princípio do Estado Social irá servir para conformar o conteúdo do dever fundamental de pagar impostos e garantir que os tributos sejam vistos como instrumentos de

transformação da sociedade. Igualdade e capacidade contributiva devem ser princípios

conjugados com a liberdade e segurança jurídica, não possuindo os dois últimos qualquer 

 primazia no Sistema Tributário.

Assim, o dever fundamental de pagar impostos, como limite imanente, irá conformar 

o conteúdo dos direitos individuais (liberdade e propriedade), podendo, inclusive, e observado

todo o ordenamento, legitimar medidas legislativas de restrição aos citados direitos, tal como

ocorreu na criação da norma antielusão (planejamento tributário abusivo ou realizado em

fraude à lei), bem como na permissão de as Autoridades Tributárias terem acesso direto (sem

interferência do Poder Judiciário) dos dados resguardados pelo sigilo bancário.

Em conclusão, o dever fundamental de pagar impostos legitima o alargamento de

alguns poderes da Administração Tributária. Contudo, o dever fundamental em debate é uma

“via de mão-dupla”, na medida em que exigirá do Estado mais atenção e interação com a

sociedade civil na busca incessante pela eficácia dos direitos fundamentais.

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Dessa forma, viu-se que Nabais defende a não tributação do mínimo existencial, cujo

valor deve ter como parâmetro as prestações sociais arcadas pelo Estado; ressalta a

importância da praticidade e da estipulação de presunções relativas, mas nunca absolutas;

reconhece a necessidade de simplificação, inclusive para permitir a melhor e mais isonômica

aplicação da lei tributária; ressalta a importância em se manter o equilíbrio das contas

 públicas; e, o que é muito importante, defende a existência de limites ao Poder de Tributar,

 bem como da carga tributária de cada imposto e a conjunta.

Por fim, o autor deixa claro que a adoção de medidas extrafiscais é importante para a

concretização dos direitos fundamentais, mas que, por envolverem instrumentos fiscais, em

razão da necessidade de se manter a justa e igualitária repartição dos encargos financeiros

conforme a capacidade contributiva de cada um, será permitido o controle desses benefícios,

inclusive por concorrentes prejudicados com tais benefícios. Não há dúvida que sua obra inovou. Contudo, é interessante observar que algumas

conclusões suas são também acolhidas por autores que veem com desconfiança a figura do

dever fundamental de pagar impostos. Veremos no capítulo seguinte se sua tese teria ou não

aplicação no Direito Brasileiro, bem como as reações da doutrina brasileira à ideia de um

dever fundamental de pagar impostos.

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4. O DEVER FUNDAMENTAL DE PAGAR TRIBUTOS NO BRASIL

4.1. Introdução

Buscaremos neste capítulo analisar como a doutrina brasileira vem se posicionando

sobre a existência no direito brasileiro de um dever fundamental de pagar tributos, se as teses

de Nabais possuem aplicação no nosso Direito Tributário e quais seriam as consequências

 práticas da existência de um dever fundamental de pagar tributos.

Retoma-se aqui, novamente, a ideia de ser necessário desmitificar a ideia de dever 

fundamental de pagar tributos e afastar a possível tese de que esse dever legitimaria qualquer intervenção ou restrição estatal.

Para tanto, iniciaremos com um pequeno estudo de direito constitucional comparado,

no qual serão demonstradas as semelhanças entre o ordenamento constitucional espanhol e

 português que influenciaram a Constituição Brasileira. Após, iremos examinar as correntes

doutrinárias brasileiras que se pronunciaram sobre o dever fundamental de pagar tributos

sobre o tema, bem como tratar de algumas possíveis consequências práticas da existência

entre nós de um dever fundamental de pagar tributos.

4.2. Influências da Constituição Portuguesa e Espanhola sobre o texto constitucional

brasileiro promulgado em 1988

Conforme ensina José Afonso da Silva (2009, p. 27), quando confrontamos

ordenamentos constitucionais diversos ou institutos ou instituições de ordenamentos

constitucionais diversos, estaremos no campo do direito constitucional comparado. A

comparação, segundo José Afonso da Silva, tem por finalidade a:

[…] captação de princípios gerais ou a noção dos vários direitos comparados e decertos princípios que informam o direito constitucional de todos os países de formageral, que se forma com os princípios gerais que não se encontram no direitoconstitucional em particular, embora alguns desses princípios possam ser extraídosdo direito constitucional positivo. (SILVA, José, 2009, p. 28).

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 Não há dúvida que nos ordenamentos constitucionais há diversas peculiaridades,

sendo certo que, muitas vezes, normas de mesmo enunciado e pertencentes a ordenamentos

constitucionais diferentes podem ter sentido diverso.

Mas também pode haver semelhanças, sendo certo que estas semelhanças estão

adstritas ao que é possível de ser comparado (princípio da comparabilidade).

 No caso, nosso objetivo é verificar se o ordenamento brasileiro adota o dever 

fundamental de pagar tributo, partindo, inicialmente, de dois ordenamentos constitucionais

que o preveem, mesmo que não seja expressamente. Vale lembrar a lição de Nabais:

Por outro lado, os deveres fundamentais não carecem de uma consagraçãoconstitucional expressa, bastando-se com uma consagração implícita como aconteceactualmente entre nós com o dever de pagar impostos, dever este que ninguémduvida que tem consagração na nossa Constituição, pois que ele resulta claramente,

quer da ampla e desenvolvida ‘constituição fiscal’ que contém (art. 106° e 107°),quer da própria natureza do estado fiscal que incorpora e que o reconhecimento egarantia dos direitos fundamentais pressupõe. (NABAIS, 2004, p. 63).

Os dois ordenamentos jurídicos foram escolhidos não só pela influência que tiveram

na Constituinte brasileira, como pelo fato de as obras de maior repercussão no Brasil sobre o

tema terem origem nestes dois países. Sobre tal influência 181, assim aponta José Afonso da

Silva, constitucionalista que participou ativamente da Assembléia Constituinte:

A Constituição espanhola e a Constituição portuguesa, como também a italiana e aalemã, serviram de modelo no que tange à distribuição da matéria constitucional,dando primazia aos direitos fundamentais, com que se inicia o texto constitucional,ao contrário do costume brasileiro de começar as Constituições pela organizaçãoestatal. Essa é uma influência da mais alta importância, porque essa primazia deudestaque aos direitos fundamentais da pessoa humana, que passaram a ter consideração popular e a ser objeto de amplas discussões doutrinárias e acadêmicas,quando no sistema anterior praticamente só se ensinava a organização do Estado edos Poderes. (SILVA, José, 2009, p. 47).

A Constituição portuguesa de 1976, a Constituição espanhola de 1978 e aConstituição brasileira de 1988 são três documentos constitucionais da mais altasignificação no Constitucionalismo contemporâneo, porque agasalham uma novaidéia de Direito e firmam o princípio de que as Constituições têm o sentido de proteção dos direitos fundamentais do homem, tomada essa expressão na suaacepção mais ampla, mediante a construção de um novo tipo de Estado: o EstadoDemocrático de Direito. É um avanço que não só dá continuidade aos princípiosincorporados no Constitucionalismo de pós-guerra pelas Constituições italiana ealemã, como ainda traz novos valores constitucionais, especialmente por situar nocentro do ordenamento jurídico o primado da dignidade da pessoa humana comofundamento do Estado Democrático de Direito, que a Lei Fundamental da RepúblicaFederal da Alemanha erigiu em direito fundamental inviolável e digno de proteção

181  Sobre a influência das Constituições Portuguesa e Espanhola nos debates e na formação do textoconstitucional de 1988, bem como da reação por parte da doutrina nacional a uma concepção libertária feita daConstituição, vide Cittadino (2004, p. 11-49). 

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 pelos Poderes estatais, sem, no entanto, elevá-lo à condição de fundamento doEstado, como fizeram aquelas três Constituições. (SILVA, José, 2009, p. 59).

Se no relativo à organização do poder e da estrutura do Estado não há influência possível da Constituição espanhola na Constituição Federal do Brasil, há

 possibilidade de se encontrar nesta momentos nítidos de inspiração, não propriamente de uma transcrição normativa pura e simples, mas de adaptação, àsvezes até com maior desenvoltura e melhor formulação. […]O  Preâmbulo da Constituição Federal de 1988 declara: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir umEstado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais eindividuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade ea justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos (…)”. Aqui, com certeza, o constituinte brasileiro inspirou-se no art. 1°da Constituição espanhola, onde se diz que a Espanha se constitui em um EstadoSocial e Democrático de Direito, que propugna como valores superiores de seuordenamento jurídico a liberdade, a justiça, a igualdade e o pluralismo político. Foimais, longe, mais abrangente, mas a fonte do que é essencial no texto está no art. 1°.(SILVA, José, 2009, p. 70).

A Espanha constitui-se em um  Estado Social e Democrático de Direito (Constituição espanhola, art. 1°), e a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito (CF, art. 1°). Esta não incluiu em sua formulação o“Social”, mas até o enunciado denuncia a influência espanhola. Aqui, sim, ainfluência foi marcante, talvez não tanto da Constituição espanhola, como dadoutrina espanhola sobre esse tipo de Estado, especialmente a doutrina de EliasDíaz, que é anterior à promulgação da Constituição da Espanha. Dou meutestemunho de que aqui a influência é real, porque o dispositivo do art. 1° da CF de1988 proveio de uma proposta minha, que, na sua formulação inicial, se baseou nãono art. 1° da Constituição espanhola, mas na doutrina daquele publicista. (SILVA,José, 2009, p. 72).

As passagens citadas comprovam a necessidade de comparar os textos

constitucionais dos dois países para vermos suas semelhanças com o texto da Constituição

Brasileira. Dentro do escopo do presente trabalho, iremos transcrever alguns artigos da

Constituição portuguesa, dispositivos estes que traduzem a essência do Estado Democrático

Português, especialmente: os objetivos do Estado Português (entre os quais se inclui a

 proteção aos direitos fundamentais, suas tarefas), a garantia do direito da propriedade 

 particular e da livre iniciativa e o  papel da tributação, especialmente pela via dos impostos,

que busca servir como elemento de transformação social. Assim, consta no texto

constitucional português, na redação atual dada após a revisão feita em 2005:

Artigo 2.ºEstado de direito democrático

A República Portuguesa é um  Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, norespeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e naseparação e interdependência de poderes, visando a realização da democraciaeconómica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.

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Artigo 9.ºTarefas fundamentais do Estado

São tarefas fundamentais do Estado:a) Garantir a independência nacional e criar as condições políticas, económicas,

 sociais e culturais que a promovam; b) Garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático;c)  Defender a democracia política, assegurar e incentivar a participaçãodemocrática dos cidadãos na resolução dos problemas nacionais;d) Promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais eambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais;e)  Proteger e valorizar o património cultural  do povo português, defender anatureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correctoordenamento do território;f)  Assegurar o ensino e a valorização permanente, defender o uso e promover adifusão internacional da língua portuguesa;

g) Promover o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional, tendo emconta, designadamente, o carácter ultraperiférico dos arquipélagos dos Açores e daMadeira;h) Promover a igualdade entre homens e mulheres.

Artigo 12.ºPrincípio da universalidade

1. Todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados naConstituição.2. As pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveiscom a sua natureza.

Artigo 80.ºPrincípios fundamentais

A organização económico-social assenta nos seguintes princípios:a) Subordinação do poder económico ao poder político democrático; b) Coexistência do sector público, do sector privado e do sector cooperativo e socialde propriedade dos meios de produção;c)  Liberdade de iniciativa e de organização empresarial  no âmbito de umaeconomia mista;d) Propriedade pública dos recursos naturais e de meios de produção, de acordo como interesse colectivo;e) Planeamento democrático do desenvolvimento económico e social; f) Protecção do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção;g)  Participação das organizações representativas dos trabalhadores e dasorganizações representativas das actividades económicas na definição das principaismedidas económicas e sociais.

Artigo 81.ºIncumbências prioritárias do Estado

Incumbe prioritariamente ao Estado no âmbito económico e social:a) Promover o aumento do bem-estar social e económico e da qualidade de vida das pessoas, em especial das mais desfavorecidas, no quadro de uma estratégia dedesenvolvimento sustentável ;

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 b ) Promover a justiça social, assegurar a igualdade de oportunidades e operar asnecessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e dorendimento, nomeadamente através da política fiscal ;c) Assegurar a plena utilização das forças produtivas, designadamente zelando pelaeficiência do sector público;d) Promover a coesão económica e social de todo o território nacional, orientando

o desenvolvimento no sentido de um crescimento equilibrado de todos os sectores eregiões e eliminando progressivamente as diferenças económicas e sociais entre acidade e o campo e entre o litoral e o interior ;e) Promover a correcção das desigualdades derivadas da insularidade das regiõesautónomas e incentivar a sua progressiva integração em espaços económicos maisvastos, no âmbito nacional ou internacional;f)  Assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir aequilibrada concorrência entre as empresas, a contrariar as formas de organizaçãomonopolistas e a reprimir os abusos de posição dominante e outras práticas lesivasdo interesse geral;g) Desenvolver as relações económicas com todos os povos, salvaguardando semprea independência nacional e os interesses dos portugueses e da economia do país;h) Eliminar os latifúndios e reordenar o minifúndio;i) Garantir a defesa dos interesses e os direitos dos consumidores;

 j) Criar os instrumentos jurídicos e técnicos necessários ao planeamentodemocrático do desenvolvimento económico e social ;l) Assegurar uma política científica e tecnológica favorável ao desenvolvimento do país;m) Adoptar uma política nacional de energia, com preservação dos recursos naturaise do equilíbrio ecológico, promovendo, neste domínio, a cooperação internacional;n) Adoptar uma política nacional da água, com aproveitamento, planeamento egestão racional dos recursos hídricos.

Artigo 82.ºSectores de propriedade dos meios de produção

1.  É garantida a coexistência de três sectores de propriedade dos meios de produção.

2. O sector público é constituído pelos meios de produção cujas propriedade egestão pertencem ao Estado ou a outras entidades públicas.3. O sector privado é constituído pelos meios de produção cuja propriedade ou gestão pertence a pessoas singulares ou colectivas privadas, sem prejuízo dodisposto no número seguinte.4. O sector cooperativo e social compreende especificamente:a) Os meios de produção possuídos e geridos por cooperativas, em obediência aos princípios cooperativos, sem prejuízo das especificidades estabelecidas na lei paraas cooperativas com participação pública, justificadas pela sua especial natureza; b) Os meios de produção comunitários, possuídos e geridos por comunidades locais;c) Os meios de produção objecto de exploração colectiva por trabalhadores;d) Os meios de produção possuídos e geridos por pessoas colectivas, sem carácter lucrativo, que tenham como principal objectivo a solidariedade social,designadamente entidades de natureza mutualista.

Artigo 103.ºSistema fiscal

1. O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outrasentidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza.2. Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefíciosfiscais e as garantias dos contribuintes.3. Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nostermos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação ecobrança se não façam nos termos da lei.

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Artigo 104.ºImpostos

1. O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e seráúnico e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregadofamiliar.

2. A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real.3. A tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos.4.  A tributação do consumo visa adaptar a estrutura do consumo à evolução dasnecessidades do desenvolvimento económico e da justiça social , devendo onerar osconsumos de luxo. (PORTUGAL, 1976, destaque nosso).

Cumpre dizer que a Constituição de Portugal sofreu duas alterações importantes em

1982 e 1989, no qual foi reformulado o artigo 2º, incluindo o termo “direito” ao denominado

“Estado Democrático” e subtraindo o objeto de transformar o Estado Português em um Estado

socialista. 182 Da mesma forma, a organização econômica foi alterada, assegurando-se a

 propriedade privada e se admitindo uma economia de mercado, com uma menor intervençãodo Estado na propriedade. 183 Por sua vez, o sistema fiscal, na redação original de 1976, era

tratado de forma similar ao atual texto constitucional. 184 

De outro lado, a Constituição Espanhola de 1978 dispõe da seguinte forma:

Artigo 1°

1.  A Espanha se constitui em um Estado Social e Democrático de Direito, que propugna como valores superiores de seu ordenamento jurídico a liberdade, a justiça, a igualdade e o pluralismo político. 185 

182 A redação original do art. 2º da Constituição da República Portuguesa de 1976 era a seguinte: “A RepúblicaPortuguesa é um  Estado democrático, baseado na soberania popular, no respeito e na garantia dos direitos eliberdades fundamentais e no pluralismo de expressão e organização política democrática, que tem por objectivoassegurar a transição para o socialismo mediante a criação de condições para o exercício democrático do poder  pelas classes trabalhadoras.” Sobre as revisões constitucionais do texto português, conferir Canotilho (2003, p.207-210; e p. 335-337). 183 A redação original do art. 80º (Fundamento da organização económico-social) da Constituição da RepúblicaPortuguesa de 1976 era a seguinte: “A organização económico-social da República Portuguesa assenta nodesenvolvimento das relações de produção socialistas, mediante a apropriação colectiva dos principais meias de produção e solos, bem como dos recursos naturais, e o exercício do poder democrático das classestrabalhadoras.” Os artigos 81º e 82º também sofreram alterações, sendo que, como são extensos, deixaremos detranscrevê-los nesta nota. As revisões foram feitas em 1982 e 1989 (respectivamente, a 1ª e a 2ª revisões da

Constituição Portuguesa). Conforme assevera Canotilho (2003, p. 208-209), o “revisionismo de 1989” é dematriz econômica, em que o texto originário “sofreu mutação profunda: a constituição económica do textooriginário marcada por inequívocas dimensões socializantes é substituída por uma outra constituição económicaaberta ao ‘mercado comum’.” 184 O sistema fiscal era tratado nos artigos 106º e 107º, sendo que o primeiro tinha uma redação similar ao atualart. 103º: “Artigo 106.º: (Sistema fiscal) 1. O sistema fiscal será estruturado por lei, com vista a repartiçãoigualitária da riqueza e dos rendimentos e à satisfação das necessidades financeiras do Estado .” (PORTUGAL,1976). O art. 107º (atual 104º) teve apenas alguns ajustes, como a substituição do imposto sobre sucessão edoações (constante na redação originária), passando para imposto sobre o patrimônio. 185 Artículo 1.1. España se constituye en un Estado social y democrático de Derecho, que propugna como valores superiores desu ordenamiento jurídico la libertad, la justicia, la igualdad y el pluralismo político.

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Artigo 9º

1. Os cidadãos e os poderes públicos estão sujeitos à Constituição e ao resto doordenamento jurídico.2. Corresponde aos poderes públicos promover as condições para que a liberdadee a igualdade do indivíduo e dos grupos que integra sejam reais e efetivas;

remover os obstáculos que impeçam ou dificultem sua plenitude e facilitar a participação de todos os cidadãos na vida política, econômica, cultural e social .3. A Constituição garante o princípio da legalidade, a hierarquia normativa, a publicidade das normas, a irretroatividade das disposições sancionadoras nãofavoráveis ou restritivas a direitos individuais, a segurança jurídica, aresponsabilidade e a vedação a arbitrariedades cometidas pelo poder público. 186 

Artigo 31.

1. Todos contribuirão para o sustento dos gastos públicos de acordo com suacapacidade econômica, mediante um sistema tributário justo inspirado nos princípios da igualdade e progressividade que, em nenhum caso, terá alcanceconfiscatório.

2. O gasto público realizará a alocação eqüitativa dos recursos públicos, e sua programação e execução responderão aos critérios de eficiência e economia.3. Somente poderão ser estabelecidas prestações pessoais ou patrimoniais de caráter  público com amparo na lei. 187 

Artigo 33

1. É reconhecido o direito à propriedade particular e à herança.2. A função social destes direitos delimitará seu conteúdo, de acordo com as leis.3. Ninguém poderá ser privado de seus bens e direitos senão por causa justificadade utilidade pública ou interesse social, mediante a correspondente indenização e deconformidade com o disposto nas leis. 188 

Artigo 38

É reconhecida a liberdade de empresa no modelo de uma economia de mercado. Os poderes públicos garantirão e protegerão seu exercício e a defesa da produtividade,

186 Artículo 9.1. Los ciudadanos y los poderes públicos están sujetos a la Constitución y al resto del ordenamiento jurídico.2. Corresponde a los poderes públicos promover las condiciones para que la libertad y la igualdad del individuoy de los grupos em que se integra sean reales y efectivas; remover los obstáculos que impidan o dificulten su plenitud y facilitar la participación de todos los ciudadanos en la vida política, económica, cultural y social.3. La Constitución garantiza el principio de legalidad, la jerarquía normativa, la publicidad de las normas, lairretroactividad de las disposiciones sancionadoras no favorables o restrictivas de derechos individuales, laseguridad jurídica, la responsabilidad y la interdicción de la arbitrariedad de los poderes públicos. 187 Artículo 31.1. Todos contribuirán al sostenimiento de los gastos públicos de acuerdo con su capacidad económica medianteun sistema tributário justo inspirado en los principios de igualdad y progresividad que, en ningún caso, tendráalcance confiscatorio.2. El gasto público realizará una asignación equitativa de los recursos públicos, y su programación y ejecuciónresponderán a los criterios de eficiencia y economía.3. Sólo podrán establecerse prestaciones personales o patrimoniales de carácter público con arreglo a la ley.188 Artículo 33.1. Se reconoce el derecho a la propiedad privada y a la herencia.2. La función social de estos derechos delimitará su contenido, de acuerdo con las leyes.3. Nadie podrá ser privado de sus bienes y derechos sino por causa justificada de utilidad pública o interes social,mediante la correspondiente indemnización y de conformidad con lo dispuesto por las leyes.

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de acordo com as exigências da economia em geral e, sendo o caso, conforme a planificação. 189 

Artigo 40

1. Os poderes públicos promoverão as condições favoráveis para o progresso sociale econômico e para uma distribuição da renda regional e pessoal mais eqüitativa, nomodelo de uma política de estabilidade econômica. De maneira especial, realizarãouma política voltada para o pleno emprego. 190 

Artigo 128

1. Toda a riqueza do país em suas distintas formas e seja qual for sua titularidadeestá subordinada ao interesse público.2. É reconhecida a iniciativa pública na atividade econômica. Mediante lei se poderá reservar al setor público recursos ou serviços essenciais, especialmente emcaso de monopólio e, ainda assim, conciliar a intervenção em empresas quandoassim exigir o interesse público. 191 

Artigo 129 

A lei estabelecerá as formas de participação dos interessados na Seguridade Sociale na atividade de órgãos públicos cuja função afete diretamente a qualidade de vidae o bem-estar geral.Os poderes públicos promoverão eficazmente as diversas formas de participação naempresa e fomentarão, mediante legislação adequada, as sociedades cooperativas.Também estabelecerão os meios que facilitem o acesso dos trabalhadores à propriedade dos meios de produção. 192 

Artigo 131.

1. O Estado, mediante lei, poderá planificar a atividade econômica geral para

atender as necessidades coletivas, equilibrar e harmonizar o desenvolvimentoregional e setorial e estimular o crescimento da renda e da riqueza e sua mais justadistribuição. 193 (ESPANHA, 1978, tradução nossa, destaque nosso)

189 Artículo 38.Se reconoce la libertad de empresa en el marco de la economía de mercado. Los poderes públicos garantizan y protegen su ejercicio y la defensa de la productividad, de acuerdo con las exigencias de la economía general y,en su caso, de la planificación.190 Artículo 40.1. Los poderes públicos promoverán las condiciones favorables para el progreso social y económico y para unadistribución de la renta regional y personal más equitativa, en el marco de una política de estabilidad económica.De manera especial realizarán una política orientada al pleno empleo.191 Artículo 128.1. Toda la riqueza del país en sus distintas formas y sea cual fuere su titularidad está subordinada al interésgeneral.2. Se reconoce la iniciativa pública en la actividad económica. Mediante ley se podrá reservar al sector públicorecursos o servicios esenciales, especialmente en caso de monopolio, y asimismo acordar la intervención deempresas cuando así lo exigiere el interes general.192 Artículo 129.1. La ley establecerá las formas de participación de los interesados en la Seguridad Social y en la actividad de losorganismos públicos cuya función afecte directamente a la calidad de la vida o al bienestar general.2. Los poderes públicos promoverán eficazmente las diversas formas de participación en la empresa yfomentarán, mediante una legislación adecuada, las sociedades cooperativas. También establecerán los mediosque faciliten el acceso de los trabajadores a la propiedad de los medios de producción.193 Artículo 131.

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 Notam-se várias semelhanças nos dois ordenamentos jurídicos: ambos são Estados

Democráticos de Direito; ambos atribuem ao Estado uma enorme quantidade e diversidade de

tarefas, muitas delas voltadas para garantir os direitos fundamentais – entre eles liberdade,

igualdade e propriedade – e, assim, satisfazer a pessoa humana; ainda, em ambos os

ordenamentos o Estado é sustentado principalmente por impostos pagos pelas pessoas (físicas

e jurídicas), o que os qualifica com  Estado Fiscal ; também é assegurado o direito de

 propriedade e a liberdade de iniciativa, sendo que o Estado intervirá na economia, em regra,

através de planejamentos e medidas de fomento (Estado Subsidiário 194); também se verifica

que o Estado é um dos responsáveis pela transformação da realidade social e econômica, que

deverá ser concretizada, entre outros meios, pela redistribuição de renda; e, por fim, nota-se

que nesses ordenamentos as pessoas são chamadas a participar da esfera pública. Todas essas

características reforçam a existência de um dever fundamental de pagar impostos (ou tributos,conforme o caso).

A Constituição Brasileira não é muito diferente nestes aspectos. Ela estabelece no

seu art. 1º que a República Federativa do Brasil se constitui em  Estado Democrático de

 Direito e tem como fundamentos, entre outros, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e

os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

Por sua vez, constituem objetivos  fundamentais da República Federativa do Brasil: I

- construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III

- erradicar a  pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades  sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer 

outras formas de discriminação (art. 3º).

 Na parte relativa aos direitos fundamentais, é assegurada a liberdade de exercício de

qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei

estabelecer (art. 5º, XIII); é garantido o direito de propriedade, mas esta atenderá a sua função 

 social (art. 5º, XXII e XXIII).

 Na parte dos  Direitos sociais, são assegurados os direitos a educação, a saúde, a

alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à

maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (art.

6º).

1. El Estado, mediante ley, podrá planificar la actividad econômica general para atender a las necesidadescolectivas, equilibrar y armonizar el desarrollo regional y sectorial y estimular el crecimiento de la renta y de lariqueza y su más justa distribución.194 Apesar de a Constituição Portuguesa, originariamente, contemplar um projeto socialista.

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Entre as diversas tarefas de competência comum da União, dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios, constam as de  proporcionar  os meios de acesso à cultura, à

educação e à ciência e de combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização,

 promovendo a integração social dos setores desfavorecidos (art. 23, incisos V e X).

 Na parte de tributação, a Constituição é bastante detalhada, muito mais que as Cartas

 portuguesa e espanhola. Restou estabelecido que a União, os Estados, o Distrito Federal e os

Municípios poderão instituir os seguintes tributos: impostos, taxas e contribuições de

melhorias (art. 145), sendo que, no caso dos impostos, estes foram discriminados no texto

constitucional, havendo uma partilha de competência. Competirá ainda à União a instituição 

de contribuições sociais – entre elas as destinadas ao custeio da seguridade social (art. 195),

de intervenção no domínio econômico e de interesse de categoriais profissionais (art. 149) e,

excepcionalmente, de empréstimos compulsórios (art. 148).É importante ainda dizer que restou reconhecido também o  princípio da capacidade

contributiva, pela qual, sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão

graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração

tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os

direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades

econômicas do contribuinte (§ 1º do art. 145).

 Na parte da Ordem Econômica, restou assegurado que a mesma está  fundada na

valorização do trabalho humano e na livre iniciativa e tem por  fim assegurar a todosexistência digna, conforme os ditames da justiça social , observados, entre outros, os seguintes

 princípios: a)  propriedade privada; b)  função social da propriedade; c) livre concorrência; d)

redução das desigualdades regionais e sociais; e) busca do pleno emprego. Por fim, restou

assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de

autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei (§ único do art. 170).  

 Nota-se, assim, certa estrutura comum nas três Constituições: elas consagram

Estados Democráticos de Direito; elas reconhecem o direito de propriedade particular, mas

exigem que o seu exercício seja conforme a função social; asseguram a livre iniciativa e

 buscam incentivar o trabalho humano; reconhecem ao Estado uma série de competências que

 buscam melhorar a vida humana; reconhecem o valor da solidariedade como necessário à

coesão social; e, por fim, conferem aos Estados poder para instituir e cobrar tributos, entre os

quais os impostos, que deverão levar em consideração a capacidade contributiva da pessoa.

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O que importante ressaltar é o caráter socialmente transformador que as três

Constituições impõem aos respectivos Estados. No caso brasileiro, como bem afirma

Bercovici (2005, p. 9), buscou-se estabelecer um Estado Democrático de Direito “voltado à

melhoria da população”, sendo que o texto constitucional  atual contém “as bases de um

 projeto nacional de desenvolvimento, em que torna possível a reestruturação do Estado

 brasileiro para conduzir as transformações sociais necessárias para a superação do

subdesenvolvimento.”

Esse entendimento também é seguido por Eros Grau (1998, p.176-180), que acentua

em suas lições a importância de considerar os objetivos fundamentais da República brasileira

na interpretação do conjunto do texto constitucional. Um desses objetivos é justamente a

construção de uma sociedade livre, justa e solidária, que, para Grau (1998, p. 237), seria uma

“norma-objetivo” - ou, como o próprio autor reconhece, seria um princípio constitucionalimpositivo (Canotilho) ou uma diretriz (Dworkin) – cujo caráter constitucional conformador é

evidenciado.

Salienta o autor que devemos compreende o termo “sociedade livre” como sociedade

regida pelo primado da liberdade em todas as suas manifestações. Mas salienta que esta

liberdade deve ser real e não meramente formal. (GRAU, 1998, p. 237).

Sociedade justa, por sua vez, será aquela que “realiza justiça social”, que significa a

superação das injustiças na repartição do produto econômico. Para Eros Grau (1998, p. 245),

as “correções na injustiça da repartição deixam de ser apenas uma imposição ética, passando aconsubstanciar exigência de qualquer política econômica capitalista.”

Por fim, solidária será a sociedade que não torna o homem inimigo de si mesmo, mas

que, ao contrário, busque sua coesão, sem, contudo, a perda de parcela da individualidade

(autonomia privada). Assim, Eros Grau (1998, p. 238) assume que a Constituição atual é

dirigente e reclama uma interpretação dinâmica 195, ou seja, uma interpretação que “adapta o

195 “A vida social corresponde ao contexto funcional das normas jurídicas e leva em consideração o atualcontexto sistêmico e lingüístico; nada obsta a que o direito suscite e antecipe mudanças na vida social; impõe-seque a interpretação jurídica adapte o direito às necessidades da vida social, para torná-lo mais adequado a ela – […] - seu significado se altera na medida em que se alteram os contextos nos quais a norma jurídica se opera; alinguagem jurídica varia na medida em que passam por variações os contextos funcional e sistêmico; ametodologia funcional é tomada de modo preferencial, sendo fim básico da interpretação jurídica a adaptação dodireito às necessidades da vida social; a metodologia lingüística privilegia a pragmática da linguagem jurídica,ou seja, a dependência do significado dos termos e expressões – especialmente dos termos e expressõesvalorativas – ao contexto de seu uso interpretativo atual; a metodologia sistêmica privilegia a consideração dascontínuas alterações do sistema jurídico e as características do sistema jurídico atual, no momento no qual ainterpretação é processada; a interpretação, no quadro da ideologia dinâmica, é uma atividade criadora exdefinitione, na medida em que cria o direito em ato, ou seja, aquele cujas normas são determinadas nainterpretação.” (GRAU, 1998, p. 171).

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direito às necessidades presentes e futuras da ‘vida social’.” (GRAU, 1998, p. 170). Na leitura

feita por Eros Grau, há um projeto constitucional voltado:

[…] à transformação da sociedade, transformação que será promovida na medida em

que se reconheça, no art. 3° - e isso se impõe – fundamento à reivindicação, pelasociedade, de direito à realização de políticas públicas. Políticas públicas que,objeto de reivindicação constitucionalmente legitimada, hão de importar ofornecimento de prestações positivas à sociedade. (GRAU, 1998, p. 238)

Outro objetivo fundamental indicado no texto constitucional (art. 3°, II), é o de

garantir o desenvolvimento nacional. Eros Grau (1998, p. 238) também reconhece neste

dispositivo uma norma-objeto – princípio constitucional implícito (Canotilho) ou diretriz

(Dworkin) – dotado de caráter constitucionalmente conformador. Eros Grau afirma que o

 processo de desenvolvimento não se limita a crescimento econômico, mas “sobretudo

elevação do nível cultural-intelectual comunitário e um processo, ativo, de mudança social.”

(GRAU, 1998, p. 239). 196 Assim, o citado autor afirma que:

Garantir o desenvolvimento nacional é, tal qual construir uma sociedade livre, justae solidária, realizar políticas públicas cuja reivindicação, pela sociedade, encontrafundamentação neste art. 3°, II. O papel que o Estado tem a desempenhar na perseguição da realização do desenvolvimento, na aliança que sela com o setor  privado, é, de resto, primordial . (GRAU, 1998, p. 239).

196 Desenvolvimento não só econômico, mas especialmente social e humano, com vistas a alcançar a plenaliberdade. Sobre o tema, conferir a obra de Amartya Sen (2009), cuja maior contribuição é mostrar que odesenvolvimento de um país está essencialmente ligado às oportunidades que ele oferece à população de fazer escolhas e exercer sua cidadania. Em determinado trecho de sua cultuada obra (o autor ganhou o prêmio Nobelde Economia em 1998), Sen aduz o seguinte: “procuramos demonstrar neste livro que o desenvolvimento podeser visto como um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam. O enfoque nas liberdadeshumanas contrasta com visões mais restritas de desenvolvimento, como as que identificam desenvolvimento comcrescimento do Produto Nacional Bruto (PNB), aumento de rendas pessoas, industrialização, avanço tecnológicoou modernização social. O crescimento do PNB ou das rendas individuais obviamente pode ser muito importantecomo um meio de expandir as liberdades desfrutadas pelos membros da sociedade. Mas as liberdades dependemtambém de outros determinantes, como as disposições sociais e econômicas (por exemplo, os serviços deeducação e saúde) e os direitos civil (por exemplo, a liberdade de participar de discussões e averiguações públicas). De forma análoga, a industrialização, o progresso tecnológico ou a modernização social podemcontribuir substancialmente para expandir a liberdade humana, mas ela depende também de outras influências.Se a liberdade é o que o desenvolvimento promove, então existe um argumento fundamental em favor daconcentração desse objetivo abrangente, e não em algum meio específico ou em alguma lista de instrumentosespecialmente escolhida. Ver o desenvolvimento como expansão de liberdades substantivas dirige a atenção paraos fins que o tornam importante, em vez de restringi-la a alguns meios que, inter alia, desempenham um papelrelevante no processo. O desenvolvimento requer que se removam as principais fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dosserviços públicos e intolerância ou inferência excessiva de Estados repressivos.” (SEN, 2009, p. 17-18). Não hádúvida que tal visão reforça não só o papel que a tributação pode exercer como instrumento para odesenvolvimento, como comprova que para alcançá-lo há a necessidade da constante participação do Estado e dasociedade.

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Logicamente, todo o raciocínio acima desenvolvido se aplica também ao objetivo

fundamental de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e

regionais - art. 3°, III, CF/88. (GRAU, 1998, p. 240-242). Não há dúvida que esses objetivos

servirão de norte não apenas à conformação legislativa, mas também à atividade

interpretativa. 197 

Cristina Chulvi, por sua vez, ao tratar do texto constitucional espanhol e seu caráter 

transformador, afirma o seguinte:

A fórmula do Estado social e democrático de Direito que consagra nosso textofundamental no item 1 do artigo 1° supõe a assunção de um tipo de Estadocomprometido com a realização de uma ordem social mais igualitária e mais justa. A afirmação de que isto não pode ser feita sem a intervenção decisiva daFazenda Pública constitui lugar comum entre a doutrina. Por isso, são inumeráveisos preceitos constitucionais vinculados com a atividade financeira para se chegar 

à conclusão de que a atividade financeira terá uma função primordial: tornarefetivo um dispositivo fundamental da Constituição, qual seja o artigo 9.2 queafirma que “corresponde aos poderes públicos promover as condições para que aliberdade e igualdade do indivíduo e dos grupos que integra sejam reais e efetivas;remover os obstáculos que implicam ou dificultem sua plenitude e facilitar a participação de todos os cidadãos na vida política, econômica, cultural e social.” Etoda a problemática ao redor dessa tarefa redistributiva “não é uma questão apenasfinanceira, mas primordialmente política.” (CHULVI, 2001, p. 25-26, traduçãonossa, destaque nosso) 198 

E em outra passagem, após aduzir que em outros textos constitucionais (como o de

Portugal – arts. 9° e 81 – e o da Itália – art. 3°) há preceitos similares ao art. 9.2 indicado no

trecho transcrito, a autora espanhola arremata:

197 Mendonça (2002, p. 278), ao comentar os artigos 1° e 3° da CF/88, acentua que a atual “Constituição brasileira consagra assim como normas jurídicas valores que antigamente pertenciam e um estádio anterior ao da positividade, portanto, valores que não eram jurídicos num sentido estrito e agora passaram a sê-lo. O que anteseram aspirações éticas ou políticas, hoje são realidades constitucionalizadas. Com isso, não se pode negar aosvalores da liberdade, da segurança, da igualdade, da solidariedade e do pluralismo político, expressamente professados no preâmbulo da Constituição brasileira de 1988 e reafirmados explicitamente em normasintegrantes do próprio corpo da Constituição, a função de valores superiores do ordenamento jurídico brasileiro,que, nesta condição, devem imantá-lo na sua formação pela via legislativa e devem informar a interpretação e aaplicação das normas que o compõem.”198 “La fórmula de  Estado social y democrático de Derecho que consagra nuestro Texto fundamental em elapartado 1 del artículo 1 supone la asunción de un tipo estatal comprometido con la consecución de in ordensocial más igualitario y más justo. La afirmación de que esto no puede lograrse sin la intervención decisiva de laHacienda pública constituye lugar común entre la doctrina. Por ello, son inumerables los preceptosconstitucionales vinculados con la actividad financiera hasta llegar a la conclusión de que la actividad financieratotal tendrá una función primordial: hacer efectivo un enunciado fundamental de la Constitución cual es el art.9.2 que expresa que “Corresponde a los poderes públicos promover las condiciones para que la liberdad eigualdad del individuo y de los grupos en que se integra sean reales y efectivas; remover los obstáculos queimplidan o dificulten su plenitud y facilitar la participación de todos los ciudadanos en la vida política,económica, cultural e social”. Y esa igualdad real y justicia social se logra no sólo según el modo en que sereparte la carga tributaria sino, muy especialmente, según el destino de esos ingresos obtenidos a través delsistema fiscal. La evidente conexion que se da entre los ingresos y los gastos públicos es lo que aporta alDerecho financiero y tributario el carácter de Derecho redistributivo o promocional . Y toda la problemática querodea a esta tarea redistributiva “no es una cuestión sólo financiera, sino primordialmente política.”

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 Nosso Estado se compromete a alcançar a igualdade efetiva - não somente a formal – eliminando diferenças entre seus cidadãos e lhes garantindo uma integração política, econômica, cultural e social. O instrumento imprescindível nesta tarefaredistributiva é, precisamente, o sistema tributário. Por isso que, em nãopoucas ocasiões, a doutrina qualificou a atividade financeira como atividade

instrumental  a respeito de outros fins do Estado. (CHULVI, 2001, p. 89-90,

tradução nossa, destaque nosso)199

 

Assim, Cristina Chulvi (2001, p. 304), ao se referir à Constituição Espanhola, afirma

que os poderes públicos assumiram o compromisso de transformar a sociedade dentro de um

horizonte de uma maior liberdade e igualdade. Tais objetivos resultam inalcançáveis se não se

considerar a contribuição solidária dos cidadãos. Cremos que, frente ao texto constitucional

 brasileiro, não temos dúvida em afirmar que o entendimento expresso por Chulvi se encaixa

 perfeitamente no perfil constitucional brasileiro.

 Nesse sentido também se manifesta Canotilho (2003, p. 335), para quem as

Constituições europeias, de uma forma ou outra, integram o  princípio da socialidade no

núcleo duro do Estado Constitucional democrático. Esse princípio da socialidade, para

Canotilho, estaria vinculado à cláusula constitucional que considera como objetivo do Estado

de direito democrático a realização da democracia econômica, social e cultural.

Para o citado autor português:

O princípio da democracia económica e social contém uma imposição obrigatóriadirigida aos órgãos de direcção política (legislativo, executivo) no sentido de

desenvolverem uma actividade económica e social conformadora  das estruturas socioeconómicas, de forma a evoluir-se para uma sociedade democrática (cfr. arts.2º e 9º).  No seu cerne essencial, o princípio da democracia económica, social ecultural é um mandato constitucional juridicamente vinculativo que limita adiscricionariedade legislativa quanto ao ‘se’ da actuação, deixando, porém, umamargem considerável de liberdade de conformação política quanto ao como da suaconcretização (cfr. TC 189/80).[…]O princípio da democracia económica e social impõe tarefas ao Estado e justificaque elas sejam tarefas de conformação, transformação e modernização das estruturaseconómicas e sociais, de forma a promover a igualdade real entre os portugueses(arts. 9º/d e 81º/ a e b). (CANOTILHO, 2003, p. 338).

Se as semelhanças são tantas, a indagação que ainda paira no ar é o porquê daresistência, no Brasil, à ideia do dever fundamental de pagar tributos. Afinal, como o Estado

será socialmente transformador sem haver um dever fundamental de pagar tributos?

199 “Nuestro Estado se compromete a alcanzar la igualdad efectiva – no sólo la formal -, limando diferenciasentre sus ciudadanos y garantizándoles una integración política, económica, cultural y social. El instrumentoimprescindible en esta tarea redistribuidora es, precisamente, el sistema tributario. De ahi que, en no poçasocasiones, la doctrina haya calificado a la actividad financiera como actividad instrumental  respecto  de otrosfines del Estado.”

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4.3. O Estado Brasileiro como Estado Fiscal

Como bem ensina José Afonso da Silva (2009, p. 46), a comparação constitucional

 pode prestar relevantes contribuições, na medida em que revela como outros Direitos

resolvem os mesmos problemas “por instituições mais apropriadas ou simples, e pode mostrar 

 por que e como certas instituições nacionais são ultrapassadas”, concorrendo, assim, para o

aperfeiçoamento do direito constitucional interno. Além disso, a comparação constitucional

 pode facilitar a compreensão do direito nacional e indicar uma tendência da evolução de

certas instituições.

 No caso, as semelhanças no texto constitucional mostram que não há dúvida que o

Estado brasileiro é um Estado Fiscal. Isso porque o Estado é financiado prioritariamente comreceitas advindas do patrimônio das pessoas, e não com o patrimônio próprio. Além disso,

como condição necessária para tal modelo, é assegurado o direito de propriedade e de livre

iniciativa. Sobre o tema, Maria Luiza Mendonça assim se expressa:

O Estado brasileiro não é um Estado socialista, monopolizador ou homogenizador dos meios de produção nem um Estado simplesmente patrimonial.A Constituição Federal brasileira, assegura dentre outros direitos fundamentais, noinciso XIII do artigo 5°, a liberdade de exercício profissional, e, no inciso XXII domesmo artigo 5°, o direito de propriedade, ainda que condicione o seu exercício aoatendimento da função social da propriedade; no inciso IV do seu artigo 1°, a citadaConstituição coloca como um dos fundamentos do Estado Brasileiro o valor socialda livre iniciativa. A atuação direta do Estado no domínio econômico só se daráquando for necessária por motivo de segurança nacional ou interesse coletivorelevante conforme definido em lei (artigo 173). Os cidadãos brasileiros são, assim,agentes econômicos ativos, cabendo regulação da economia no nível damicroeconomia não ao Estado, mas ao mercado e à livre concorrência. A economia,no Estado brasileiro, é da responsabilidade da sociedade e dos indivíduos que aformam, aos quais cabe a produção e a distribuição dos bens e serviços econômicos.Ao Estado cabe exercer apenas o papel de agente normativo e regulador da atividadeeconômica, exercitando neste âmbito funções de fiscalização, incentivo e planejamento (art. 174, caput ).Ao excluir a configuração do Estado brasileiro como um Estado patrimonial, aConstituição exclui, também, que as necessidades financeiras desse Estado sejamsatisfeitas pela via dessa espécie de Estado. Assim é que a Constituição brasileira,no seu Título VI, que cuida da Tributação e do Orçamento, prevê as fontes derecursos dos entes que compõem a Federação, centrando-se nas receitas tributárias enão em receitas patrimoniais. (MENDONÇA, 2002, p. 236). 200 

Como bem observam Tipke e Lang (2008, p. 53), tributação é “participação na

 propriedade privada, na economia privada” e é necessária, pois o Estado não é o detentor da

 propriedade dos meios de produção.

200 No mesmo sentido, vide Oliveira (2010, p. 71).

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Assim, o Estado fiscal, apesar de possuir o papel de interventor, ele observará

sempre o princípio da subsidiariedade ou supletividade do Estado no domínio econômico. O

que poderá variar, segundo o contexto e a política pública necessária, será um maior ou menor 

 grau de intervenção, sempre respeitando a primazia da liberdade dos indivíduos. 201 Esse é o

caso da maioria dos países atuais, conforme demonstrou Casalta Nabais em sua obra, e na

qual se inclui o Brasil, como bem descreveu Mendonça.

Todas estas características do texto constitucional, comparadas com os textos da

Carta portuguesa e espanhola – reconhecidamente Estados Fiscais e que acolhem o dever 

fundamental em debate - comprovam que o Brasil, além de ser um Estado Fiscal, é um Estado

 preocupado com a transformação da sociedade, que necessita de recursos advindos das

 pessoas (físicas e jurídicas) para custear o cumprimento das diversas tarefas a ele imputadas

 pelo texto constitucional.Por consequência, a tributação não é mais vista como um mero instrumento a serviço

do interesses do Governante ou de quem ocupa o poder ou cargos públicos, mas meio  para

que o Estado busque a efetivação dos direitos fundamentais e, por consequência, da dignidade

da pessoa humana. 202 

201 Sobre a questão da subsidiariedade do Estado Brasileiro, merece ser destacada a decisão proferida pelo STFno julgamento da ADI 1950, rel. Ministro Eros Grau, julgado em 03/11/2005:EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 7.844/92, DO ESTADO DE SÃOPAULO. MEIA ENTRADA ASSEGURADA AOS ESTUDANTES REGULARMENTE MATRICULADOSEM ESTABELECIMENTOS DE ENSINO. INGRESSO EM CASAS DE DIVERSÃO, ESPORTE, CULTURAE LAZER. COMPETÊNCIA CONCORRENTE ENTRE A UNIÃO, ESTADOS-MEMBROS E O DISTRITOFEDERAL PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO ECONÔMICO. CONSTITUCIONALIDADE. LIVREINICIATIVA E ORDEM ECONÔMICA. MERCADO. INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA.ARTIGOS 1º, 3º, 170, 205, 208, 215 e 217, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.1. É certo que a ordem econômica na Constituição de 1.988 define opção por um sistema no qual joga um papel primordial a livre iniciativa.  Essa circunstância não legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado sóintervirá na economia em situações excepcionais.2.  Mais do que simples instrumento de governo, a nossa Constituição enuncia diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade. Postula um plano de ação global normativo para o Estado e paraa sociedade, informado pelos preceitos veiculados pelos seus artigos 1º, 3º e 170.3. A livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas também pelo trabalho. Por isso a Constituição, ao contemplá-la, cogita também da "iniciativa do Estado"; não a privilegia, portanto, como bem pertinente apenas à empresa.4. Se de um lado a Constituição assegura a livre iniciativa, de outro determina ao Estado a adoção de todas as providências tendentes a garantir o efetivo exercício do direito à educação, à cultura e ao desporto [artigos 23,inciso V, 205, 208, 215 e 217 § 3º, da Constituição]. Na composição entre esses princípios e regras há de ser  preservado o interesse da coletividade, interesse público primário.5. O direito ao acesso à cultura, ao esporte e ao lazer, são meios de complementar a formação dos estudantes.6. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. (BRASIL, 2006, destaque nosso).202 Na linha defendida por Casalta Nabais, tal dever fundamental decorre da necessidade de se assegurar aexistência de uma sociedade organizada e de um Estado que, juntos, buscarão garantir a efetividade dos direitosfundamentais, direitos estes que funcionam como verdadeira condição de possibilidade  para o homememancipar. Vide também Contipelli (2010, p. 194-202). 

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Esse enfoque gera consequências na concepção que passamos a ter do tributo. Este

deixa de ser um mero objeto de uma relação de poder, mas o preço que o indivíduo paga pela

manutenção da sua liberdade. Como bem ensina Ricardo Lobo Torres (1999, p. 471; 2005, p.

59), o dever fundamental do cidadão de pagar tributo possui sua raiz na Constituição. Ele

nasce no “espaço aberto pela liberdade individual”, ou seja, na parte que “excede à liberdade

reservada pelos indivíduos no pacto social”. Por isso, compreende o renomado tributarista

carioca que:

O dever de pagar tributos surge com a própria noção moderna de cidadania e écoextensivo à ideia de Estado de Direito. Tributo é dever fundamental estabelecidona Constituição no espaço aberto pela reserva da liberdade e pela declaração dosdireitos fundamentais. Transcende o conceito de mera obrigação prevista em lei, posto que assume dimensão constitucional. O dever de pagar tributos écorrespectivo à liberdade e aos direitos fundamentais: é por eles limitado e ao

mesmo tempo lhes serve de garantia, sendo por isso o  preço da liberdade.(TORRES, 1999, p. 471-472). 203 

Essa posição é algo que a doutrina nacional mais atual vem começando a considerar,

como ilustra o trecho abaixo, decorrente de tese de doutorado feita por Ernani Contipelli:

Partindo da premissa que, no modelo de Estado Democrático de Direito, a realizaçãoda proposta de bem comum necessita de recursos financeiros, a tributação nãoconsubstancia uma mera subtração da riqueza do membro da comunidade, mas seudever constitucional de colaboração patrimonial para assegurar o ingresso dereceitas nos cofres públicos que encontra , como direito correlato, a possibilidade de

exigir prestações positivas, por parte do Poder Público, voltadas a realização dosobjetivos orientados axiologicamente pela solidariedade social e que se encontramdescritos no Texto Constitucional. (CONTIPELLI, 2010, p. 198)

Há outra parte da doutrina, contudo, que entende que a justificação “social” da

tributação não passaria de uma falácia. Para essa parte da doutrina, a tributação atual impede o

desenvolvimento econômico, pois inibe a atuação do setor privado. Eventuais tarefas do

Poder Público devem ser realizadas pelo meio menos onerosos possíveis. O trecho abaixo

escrito por Rogério Gandra da Silva Martins exemplifica essa corrente:

203 Mendonça (2002, p. 248-249) segue o mesmo entendimento: “o tributo hoje não é considerado mais, como ofoi no século XIX e ainda no século XX, uma simples relação de poder por meio da qual o Estado faz exigênciasaos seus súditos e estes se sujeitam a ele em consequência dessa relação – um mero poder para o Estado,ilimitado, ou que, no máximo, se autolimita. Nem se considera mais o tributo simplesmente como um merosacrifício para os indivíduos. A idéia que se tem hoje de tributo é de que ele constitui, isto sim, a contrapartidaindispensável exigida do cidadão para financiar a existência e o funcionamento da comunidade estatal, possibilitando-se, assim, em razão dos recursos arrecadados com sua imposição, uma vida comum e harmoniosados membros dessa comunidade; portanto, o tributo constitui um dever fundamental do indivíduo para com oEstado.” Cumpre dizer que Ricardo Lobo Torres trata do dever fundamental de pagar tributos sem problematizá-lo, ou seja, afirma sua existência, mas não disserta sobre o que representa um dever fundamental, nem mesmodiscute se a doutrina nacional o reconhece, bem como quais seriam os efeitos práticos em se adotar essa teoria.

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Fundamentar a imposição fiscal com base na “função social do tributo” nosdias de hoje para nosso país seria o mesmo que sustentar a inocência de um réuacusado de latrocínio alegando que o mesmo agiu por culpa e não por dolo.Nem se alegue que a “função social do tributo”, como fundamento para aimposição fiscal em nosso país, seria uma “moderna corrente doutrinária” quevisa no tributo à eliminação de distorções sociais e a redistribuição de riqueza

na sociedade, “consertando”, desta forma, os “maus frutos” produzidos peloneoliberalismo econômico. Tal argumento apresenta-se, a nosso ver, falacioso eabsolutamente sofismático.…Destarte, o argumento da “teoria social do tributo” como fundamento daimposição fiscal a fim de promover uma justa distribuição de riquezaapresenta-se falacioso em nosso país, uma vez que a História pátria tem mostradoque, quanto mais a imposição fiscal aumenta, mais a sociedade é prejudicada, pois perde os recursos econômicos para o setor público, o qual não os revertepara o setor privado em serviços, inibe a produção de bens e serviços pela menor capacidade contributiva advinda da tributação, acarreta menos empregos e, neste ponto, sim, “não distribui riqueza”, reduz o poder aquisitivo do cidadão contribuinte,diminui o consumo, além de tornar o País “descompetitivo” no mercado externo,uma vez que a renda é diminuída na produção. Tem a história tributária nacional

demonstrado que o tributo é fator de retirada de recursos da sociedade, jamais tendocomo fatores preponderantes a “distribuição de riqueza” e a “função social”.Outrossim, nossa carga tributária atual, a qual gera, como mostramos, um perversocírculo econômico vicioso, a imposição fiscal só teria a sua finalidade social dedistribuição de riqueza se fosse diminuída. (MARTINS, Rogério, 2007, p. 140-142,destaque nosso).

 Não se desconhece a existência na sociedade de uma “aversão” ao tributo, visão esta

decorrente, entre outras causas, do caráter unilateral do imposto e da falta de controle e

transparência nos gastos públicos. 204 Cada vez mais se discute e se combate a carga tributária

existente no Brasil. Essa bandeira não é só dos doutrinadores de índole mais liberal; mesmo

autores que acolhem a tese do dever fundamental criticam o modelo tributário atual. Marciano

Buffon, por exemplo, em sua obra, critica diversas vezes o modelo brasileiro, que possui alta

carga tributária, mas sem instrumentos adequados de aferir a correta e justa capacidade

contributiva. Para ele, o que há no Brasil é um sistema tributário como eficaz meio de

redistribuição de renda “às avessas”, no qual a população vive um estado de anestesia social

fiscal. 205 

204 Vitor Faveiro (2002, p. 120) assim descreve essa compreensão do imposto: “O carácter unilateral do imposto,a invisibilidade da aplicação da receita tributária, a violência com que em tempos era exercido a tributação, adiscricionariedade com que o é ainda em muitos casos, a autoridade aparente com que é controlado e cobrado oimposto, e a ausência de qualquer acção formativa da consciencilização cívica, jusnaturalística e sociológico dodever de contribuir, são, entre tantos outros, caracteres e elementos causais de um ambiente geral e tradicional dementalidades que se radicaram ao longo dos tempos em todos os participantes da fenomenologia e dasinstituições tributárias: a da autonomia ou mesmo da antinomia entre o poder e o dever; a de autoridade e por vezes de discricionariedade como fundamento e justificação das imposições; a concepção de que a tributação éuma situação de luta e não de consenso; a de que ao Estado não cabe, sequer, o dever de formar o cidadão comotal, designada e especialmente como sujeito passivo da relação tributária.”205 Conferir Buffon (2009, p. 67-69; 74; 192).

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Entretanto, mesmo que haja abusos e ilegalidade, não é essa concepção de

“discórdia” que devemos, hoje, ter sobre o Estado e a tributação, pois não foi esta a ideologia

adotada na Constituição, que ampara a existência de um dever fundamental de pagar 

tributos. 

Caso se entenda que a receita decorrente dos tributos não vem sendo bem aplicada,206 cabe a todos os agentes interessados – sociedade, organizações não-governamentais,

Ministério Público e Tribunais de Contas, por exemplo – cobrar de forma séria o devido

cumprimento pelos agentes políticos dos deveres e das tarefas de competência do Estado. A

exigência de mais participação na construção da política fiscal, incluindo no debate sobre

alguns destinos que o dinheiro público tomará – como o orçamento participativo – e de mais

transparência e controle nos gastos públicos são direitos dos indivíduos e representam, para

nós, a “via dupla”, a “outra face” do dever fundamental de pagar tributos.Essa é uma consequência prática importante da existência do dever fundamental de

 pagar tributo: aproximar o estudo da receita (arrecadação) com a despesa (gastos). 207 

206 Apesar de ainda haver muito a fazer e a implementar no segmento de políticas públicas sociais, é certo que,no Brasil, alguns índices estatísticos demonstram alguma melhora para a população, como, por exemplo, adiminuição da mortalidade infantil (de 47 mortos para mil nascidos vivos em 1990 para 23 em 2008) como oaumento da expectativa de vida do brasileiro (de 66 anos em 1990 para quase 73 anos em 2008). VideINSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (2009a). Em relatório sobre uma questãoespecífica da educação, datado de 2009 e com dados de 2008, o IBGE aponta o seguinte: “A mensuração daescolaridade da população jovem de 18 a 24 anos de idade com 11 anos de estudo é considerada essencial paraavaliar a eficácia do sistema educacional de um País, bem como a capacidade de uma sociedade para combater a pobreza e melhorar a coesão social, segundo a Comissão das Comunidades Européias - EUROSTAT. No caso doBrasil, o percentual de jovens que possuem essa escolaridade, ainda era extremamente baixo, apenas 36,8%, deacordo com os dados da PNAD 2008. Contudo, é importante registrar que esse percentual dobrou em relação a1998 (18,1%).” E em outro trecho, assim restou consignado pelo IBGE: “A redução paulatina do nível de pobreza que vem ocorrendo na segunda metade da presente década pode ser, também, constatada nas famíliascom crianças e adolescentes, embora tais famílias continuem a ser mais pobres que a média das famílias doBrasil. A porcentagem de famílias com pessoas até 17 anos que vivia com até ½ salário mínimo  per capita passou de 45,0% para 37,7%, entre 1998 e 2008 (Tabela 6.1). Quando se analisa a situação do conjunto decrianças dentro das famílias, nota-se que o nível de pobreza também se reduziu entre 1998 e 2008, especialmenteaquelas que viviam em extrema pobreza (com rendimento de até ¼ de salário mínimo per capita). Em 1998,27,3% das pessoas até 17 anos estavam nesta situação, e em 2008 o percentual diminuiu para 18,5%. Entretanto,uma proporção significativa, quase metade (44,7%), das crianças e adolescentes até 17 anos ainda vivia commenos de ½ salário mínimo per capita, faixa de rendimento que pode ser considerada como uma situação de pobreza. Na Região Nordeste, este percentual chegava a 66,7%, mas também melhorou em relação a 1998(73,1%). Tais melhoras podem ser atribuídas ao efeito de políticas públicas de transferência de rendaimplementadas nos últimos anos (Tabela 6.17).” (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA EESTATÍSTICA, 2009b). Repita-se que se reconhece que ainda há uma enorme quantidade de pessoas excluídase que mecerem a devida atenção. As tarefas realizadas ainda não chegaram a um nível satisfatório. Contudo, nãose pode deixar de reconhecer que ocorreu alguma melhora na esfera social nos últimos 15 anos, proporcionada pela alocação das receitas públicas, especialmente as tributárias.207 Vide a obra de Contipelli (2010, especialmente págs. 236-255), merecendo destaque a seguinte passagem:“Portanto, a validação da instituição e cobrança do dever de colaboração de pagar tributo encontra-se semprevinculada, em maior ou menor grau de especificação, às finalidades axiológicas ditadas pela solidariedade socialque se pretende consagrar perante o plano social, obrigando o Estado a exigir o cumprimento deste contributoem correspondência com seu respectivo dever de redistribuição adequada de riquezas arrecadadas nos moldes propostos no âmbito normativo constitucional.” (CONTIPELLI, 2010, p. 238).

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 Não que qualquer abuso nos gastos legitime uma pessoa a pleitear em juízo alguma

reparação ou, ainda, que a mesma alegue que, pelo mero fato de pagar tributos, teria direito

subjetivo a prestações que envolvessem saúde, educação ou assistência social. Não se chega a

tanto, pois os direitos possuem custos repartidos na sociedade. 208 

Mas deve haver um controle mais efetivo sobre a discricionariedade pública, tendo

em vista que o controle de demérito deve ser feito. (FREITAS, 2007). Por exemplo, o Prefeito

da cidade do interior, que possui verba curta para o cumprimento de suas tarefas e que carece

de escolas e hospitais, pode até possuir discricionariedade em entender que uma escola é

 prioritária à construção de um hospital. Mas ele não terá discricionariedade em eleger a

construção de uma fonte luminosa em homenagem aos seus antepassados como uma obra

 preferível a outros tipos de edificações que trariam mais benefícios diretos à população.

Feito o esclarecimento, e voltando ao tema em debate, é importante consignar que oentendimento que está por trás dessa posição mais conservadora da doutrina, cujo trecho

citado anteriormente bem representa, é uma teoria pautada na absoluta separação entre o

Estado e a sociedade, perspectiva que não é mais defendida por parte considerável da

doutrina, como já demonstrado. 209 

Afinal, o Brasil não é um simples Estado de Direito nem um Estado Social apenas:

ele é os dois ao mesmo tempo, na medida em que agrega valores liberais (liberdade e

segurança) e sociais (igualdade, solidariedade). Por isso, não cabe o prestígio apenas de um

dos valores, mas a solução passa por prestigiar ambos, naquilo que puderem conviver.210

 Em outras palavras, não há apenas um Estado de Direito que se limite a proteger os

direitos individuais (direitos de defesa) nem simplesmente um Estado Social de cunho

intervencionista. Houve, ao contrário, a adoção de uma síntese em acolher as duas visões,

cujo resultado prático é termos assumido no texto constitucional um compromisso que

envolve, ao mesmo tempo, dispositivos de caráter protetivo (limitação ao poder, proteção do

direito de propriedade, intimidade, etc) e dispositivos que traduzem valores sociais que

 buscam a transformação da realidade.

 Não se deve, portanto, assumir apenas uma posição de defensor de uma visão liberal

 protetiva dos direitos individuais nem se adotar uma visão estritamente social, no qual as

razões de Estado são justificadas suficientes para a desconsideração de direitos individuais. A

visão é de conjunto, pois:

208 Vide considerações sobre o tema no item 2.3 (capítulo 2 deste trabalho), em que cito um trecho da lição deÁlvaro Ricardo Souza Cruz.209 Conferir Breus (2007, p. 38-48; 59-60) e Greco (1998, p. 28-29). 210 Verificar também Sarmento (2007, p. 70-79).

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[…] não há questão jurídica que tenha relevância constitucional que, ao mesmotempo, não envolva um valor protetivo (típico do Estado de Direito) e um valor modificador da realidade (típico do Estado de Social). Ambos estão presentes, e umnão exclui o outro. (GRECO, 2008, p. 49-50) 211 

Isso certamente gera reflexos nas concepções que temos de ter sobre a tributação e suaimportância no atual momento constitucional. Ensina Marco Aurélio Greco o seguinte:

A CF/88, ao instituir um efetivo Estado Democrático de Direito – vale dizer, aoconsagrar concomitantemente valores protetivos e modificadores do perfil dasociedade e prestigiar valores e finalidades sociais a alcançar – faz com que atributação passe a ser um poder juridicizado pela Constituição, que deve ser exercido em função e sintonia com os objetivos que a própria sociedade elevou àdignidade constitucional. (GRECO, 2005, p. 177)

Como afirma Amartya Sen (2009, p. 19), o que as pessoas conseguem realizar é

“influenciado por oportunidades econômicas, liberdades políticas, poderes sociais e por 

condições habilitadoras como boa saúde, educação básica e incentivo e aperfeiçoamento de

iniciativas.”

Em face da centralidade dos direitos fundamentais, cuja garantia torna possível a

realização do primado da pessoa humana, entende-se atualmente que a tributação é um

instrumento poderoso para tal consecução. Tal conclusão não pode ser considerada uma

falácia simplesmente em razão dos desvios éticos de políticos e governantes, alvos de alto

índice de corrupção e de baixa credibilidade junto à população. O cumprimento de tal dever é

condição necessária para viabilizar as possibilidades de realização dos próprios direitos,

notadamente aqueles de caráter prestacional. Como corretamente afirma Marciano Buffon

(2009, p. 125), o princípio da dignidade da pessoa humana possui grande relevância no

ordenamento jurídico, servindo como fundamento do Estado Brasileiro. Logicamente, ele irá

influenciar todo o ordenamento jurídico, inclusive o Sistema Tributário Nacional.

Assim, Buffon acentua que:

 No campo tributário fica muito fácil perceber a importância do princípio dadignidade da pessoa humana. Numa análise perfunctória, pode-se afirmar que arelação da tributação com o princípio-guia da constituição pode revelar-se sob doisaspectos: para justificar as exações tributárias visando a captação de recursos paracobrir os gastos do Estado na proteção da dignidade humana; e para exigir que naimposição dos tributos seja resguardado o mínimo necessário à manutenção dessadignidade humana. (BUFFON, 2009, p. 125)

211 Esse entendimento é seguido por Buffon (2009, p. 109-111).

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A capacidade de a tributação servir como instrumento de transformação da realidade

social é, hoje, um tema necessário de ser enfrentado, especialmente quando há correntes que

defendem o retorno ao Estado mínimo 212. Não há dúvida que a tributação, se adequadamente

implementada e observados os limites existentes, pode se constituir num meio de concretizar 

os direitos sociais (educação, saúde, moradia, assistência social, etc). Ora, atingir tais fins

exige uma ação efetiva do Estado, o que o distancia de qualquer postura de neutralidade que é

defendida por um modelo econômico neoliberal. Para tanto, a tributação efetivada de acordo

com a real capacidade contributiva (envolvendo, assim, elementos de progressividade e

seletividade e que respeitem o mínimo existencial), bem como a utilização de medidas

extrafiscais podem servir à consecução de tais resultados.

Dessa forma, não há motivos para se negar a existência de um dever fundamental de

 pagar impostos (ou tributos), pautado na solidariedade e no princípio da capacidadecontributiva. Tudo o que restou dito no item 2.5.3 é pertinente ao presente tópico, não sendo

necessário repetir as diversas ideias nele debatidas.

4.4. O perfil do dever fundamental de pagar tributo

É importante, antes de qualquer coisa, adequar uma parte da teoria de Nabais àrealidade brasileira. Sendo certo que o texto constitucional contempla o dever fundamental de

 pagar tributos, temos de saber se alcança todos os tributos ou se apenas alguns.

Para Casalta Nabais, como explicado no item 3.3 (capítulo 3 deste trabalho), o dever 

fundamental, em Portugal, alcança apenas os impostos, não alcançando as taxas ou tributos

 bilaterais (Estado Tributário, segundo ele). De outro lado, pela jurisprudência e doutrina

majoritária portuguesa, as contribuições são consideradas espécies de impostos.

 No Brasil, é necessária certa adaptação. Isso porque, neste ponto, é importante dizer 

que a doutrina brasileira majoritária 213, bem como o Supremo Tribunal Federal 214 entende

212 Sobre as críticas a um ideário neoliberal de Estado, vide Buffon, 2009, p. 37-56, críticas estas tambémexistentes no exterior. Vide Farrelly (2004, p. 185-197), que invoca, entre outros textos, as obras The Cost of  Rights (Os custos dos direitos, de Stephen Holmes e Cass Sunstein) e The myth of ownership (O mito da propriedade, de Thomas Nagel e Liam Murphy), ambas citadas neste trabalho, para refutar o pensamentolibertarista de Estado mínimo e que a tributação viola o direito de propriedade.213 Apesar das divergências doutrinárias que existiram, conforme afirma Eduardo Sabbag (2009, p. 450),“entendem-se que subsistem no sistema tributário doméstico, à luz da teoria  pentapartite, 5(cinco)inconfundíveis espécies tributárias. Esse é o entendimento que tem prevalecido na doutrina e no STF queseparam os tributos em: (I) impostos (art. 145, I, CF c/c art. 16, CTN); (II) taxas (art. 145, II, CF c/c arts. 77 e 78

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que as contribuições sociais lato sensu 215  são espécies tributárias autônomas, não se

confundindo com os impostos. De outro lado, diversas contribuições, apesar de terem sua

receita afetada a uma destinação, podem ser qualificadas como tributos não-vinculados a uma

atuação estatal específica dirigida ao contribuinte.

Por isso, no caso do Brasil, o dever fundamental  alcança não só os impostos, mas

alguns outros tributos. Isso porque, não obstante as divergências doutrinárias, não é possível 

desconsiderar o papel das contribuições sociais (especialmente as destinadas à seguridade

social) na tributação brasileira.

Segundo informação do Ministério da Fazenda, no ano de 2009 foram arrecadados

R$ 698.289.000,00 em receitas federais administradas pela Secretaria da Receita Federal do

Brasil, sendo que, somente a título de Contribuição Social sobre o Lucro, Contribuição ao PIS

e Contribuição Social para a Seguridade Social (COFINS), o valor foi de R$ 193.878.000,00.216 

Ou seja, praticamente 28% da arrecadação total referem-se ao montante arrecadado

nas três contribuições sociais indicadas. E a arrecadação dessas três espécies tributárias juntas

supera a arrecadação total de imposto de renda no ano de 2009 (R$ 191.597.000,00). 217 Isso

sem falar da receita previdenciária própria, que foi de R$ 182.126.000,00 no ano de 2009 218,

sendo que tal cifra decorre, entre outras origens, das diversas contribuições sociais recolhidas

 pelas pessoas físicas e jurídicas empregadoras. Ou seja, a figura das contribuições possui um

 peso importante na composição da receita tributária no Brasil, o que faz com que seu pagamento também seja alcançado como um dever fundamental.

do CTN); (IIII) contribuições de melhoria (art. 145, III< CF c/c arts. 81 e 82 do CTN); (IV) empréstimoscompulsórios (art. 148, CF); (V) contribuições (art. 149, CF).”214 RE 138284, Relator: Min. Carlos Velloso, julgado em 01/07/1992, DJ 28-08-1992, p. 3456. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28138284%2ENUME%2E+OU+138284%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos> Acesso em 27/11/2010; RE 146.733, Relator Min. MoreiraAlves, julgado em 29/06/1992, DJ 06-11-1992, p. 20110. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28146733%2ENUME%2E+OU+146733%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos> Acesso em 27/11/2010.215 Ou seja, as contribuições sociais previstas nos artigos 149, 177, § 4°, art. 195, art. 212, § 5°, art. 239, todos daCF. Em suma, as contribuições sociais gerais, as contribuições de intervenção no domínio econômico, ascontribuições de interesse de categorias profissionais e as contribuições sociais destinadas ao custeio daseguridade social.216 MINISTÉRIO DA FAZENDA (2009). Disponível em:<http://www.receita.fazenda.gov.br/Publico/arre/2009/Analisemensaldez09.pdf> Acesso em 17 de outubro de2010.217 MINISTÉRIO DA FAZENDA (2009). Disponível em:<http://www.receita.fazenda.gov.br/Publico/arre/2009/Analisemensaldez09.pdf> Acesso em 17 de outubro de2010.218 Este valor está inserido no montante total das receitas federais (R$ 698.289.000,00).

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Reforça tal entendimento a possibilidade – bem discutível, diga-se de passagem - de

o Poder Executivo destinar 20% da arrecadação dos impostos e contribuições sociais para

outros fins, conforme previsto no art. 76 do ADCT, com redação dada pela EC 56 219. É a

chamada Desvinculação de Receitas da União (DRU) 220, cujo principal efeito é transferir 

recursos de contribuições sociais do orçamento da seguridade social para o orçamento fiscal

da União. Isso comprova que, no Brasil, a afetação dos recursos advindos de contribuições

não é absoluta, podendo parte dos mesmos ser gerida de forma discricionária pelo Governo. A

defesa desta desvinculação, pelos órgãos governamentais, se liga à necessidade de garantir o

chamado “superávit primário” e permitir o ajuste fiscal e a estabilidade financeira do

Governo. Busca-se, assim, a contenção de gastos, muitos deles essenciais para a concretização

de direitos fundamentais. 221 

Assim, no Brasil, o dever fundamental alcança o pagamento de tributos não-vinculados, alcançando, portanto, os impostos e as contribuições sociais que não possuem

qualquer correspondência a um benefício específico e direto ao contribuinte 222. O dever 

fundamental não alcança as taxas, as contribuições de melhoria, a contribuição de custeio do

serviço de iluminação pública, as contribuições em prol de categorias profissionais e

219 Art. 76. “É desvinculado de órgão, fundo ou despesa, até 31 de dezembro de 2011, 20% (vinte por cento) daarrecadação da União de impostos, contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, já instituídosou que vierem a ser criados até a referida data, seus adicionais e respectivos acréscimos legais. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 56, de 2007).” (BRASIL, 1988). Esse artigo foi incluído com a EmendaConstitucional 27, e vigoraria no período de 2000 a 2003. Em 19.12.2003, foi editada a EC 42, prorrogando taldesvinculação até 2007. Por sua vez, em 2007, nova prorrogação foi feita, desta vez via EC 56. É provável, portanto, que no ano de 2011, tenhamos nova prorrogação, perpetuando essa prática governamental. Vide críticade Godoi (2007b, p. 81-110) à DRU.220 O mecanismo fiscal hoje conhecido como DRU foi criado em 1994, durante a implantação do Plano Real,através da EC de Revisão n° 01/1994, sendo à época denominado de “Fundo Social de Emergência”. Este sedestinava a desvincular “vinte por cento do produto da arrecadação de todos os impostos e contribuições daUnião”. À época, aprovado como transitório, o mecanismo foi prorrogado até 30 de junho de 1997 pela EC n°10/1996, passando a se denominar “Fundo de Estabilização Fiscal”. Foi novamente prorrogado até o fim de 1999 pela EC n°17, de 22 de novembro de 1998 e em 21 de março 2000 foi prorrogada até 2003 pela EC nº 27,conforme indicado no nota acima.221 “O resultado primário, que exclui das receitas totais os ganhos de aplicações financeiras e, dos gastos totais,os juros nominais devidos, mede como as ações correntes do setor público afetam a trajetória de seuendividamento líquido. O principal objetivo desse cálculo é avaliar a sustentabilidade da política fiscal em umdado exercício financeiro, tendo em vista o patamar atual da dívida consolidada e a capacidade de pagamento damesma pelo setor público no longo prazo. Os superávits primários são direcionados ao serviço da dívida, o quecontribui para reduzir o estoque total da dívida líquida. Por sua vez, os déficits primários indicam a parcela docrescimento da dívida decorrente de financiamentos de gastos não-financeiros que excedem as receitas não-financeiras. A metodologia de cálculo das Necessidades de Financiamento Líquido para o Governo Central sob ocritério "acima da linha" (receitas menos despesas), enfoca a realização do gasto pela ótica de caixa e abrange asoperações de todas as entidades não-financeiras da administração direta e indireta que compõem o OrçamentoGeral da União (OGU). Cabe informar que tal metodologia de cálculo tem sido aprimorada nos últimos quinzeanos, com objetivo de conferir maior grau de transparência e confiabilidade às estatísticas fiscais, face àcomplexidade do setor público brasileiro.” (TESOURO NACIONAL, 2010).222 Ou seja, as contribuições sociais pagas pelas empresas, especialmente as destinadas à seguridade social (art.195 - sobre folhas de salário, faturamento ou receita – PIS e COFINS – importação e lucro –CSL), bem como ascontribuições de intervenção no domínio econômico e a contribuição ao salário-educação.

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contribuições previdenciárias pagas pelo empregado ou pelo servidor público, que, apesar do

caráter solidário, buscam principalmente a concessão de futuros benefícios. 223 

Isso não quer dizer que os outros tributos não tenham importância e podem ser 

sonegados. Não é nada disso. As taxas buscam, entre outras coisas, remunerar a prestação de

um serviço público, que oferece utilidades e benefícios ao contribuinte. Elas ainda podem ter 

um papel de intervenção no domínio econômico, sendo relevante aqui lembrar sua

importância como medida utilizada na consecução de políticas ambientais. As taxas

decorrentes do exercício de poder de polícia buscam justamente conformar a atividade

empresarial, adequando-a ao exercício regular, sem afrontar outros interesses da coletividade,

como, por exemplo, o combate à poluição sonora ou visual, a proteção do patrimônio cultural,

a proteção da vizinhança, o controle da prestação de serviços públicos, entre outros.

Assim, apesar delas estarem submetidas a algumas diretrizes diversas (custoaproximado do serviço ou do exercício de poder de polícia – referibilidade – e não capacidade

contributiva), ainda assim, sua importância como instrumento para assegurar alguns objetivos

constitucionais não pode ser ignorado. Entretanto, a importância das taxas não as tornam

objeto de um dever fundamental, pois o possibilita o Estado brasileiro a realizar as tarefas de

concretização de direitos fundamentais por meio de políticas públicas é a arrecadação de

impostos e de contribuições sociais.

Da mesma forma, a excepcionalidade de instituição dos empréstimos compulsórios e

das contribuições de melhoria, bem como os fins visados por estas espécies tributárias sãomotivos suficientes para que elas não sejam alcançadas pelo dever fundamental em debate.

Apesar de serem instrumentos financeiros previstos no texto constitucional cuja utilização

 pode reforçar ou facilitar a realização do caráter compromissório e indutor previsto na

Constituição da República, ainda assim não serão eles que irão permitir o funcionamento

normal e prioritário do Estado nem serão eles que darão o suporte financeiro necessário para

a concretização de políticas públicas que atenderão os diversos direitos fundamentais.

A síntese proposta por Marciano Buffon é inteiramente acolhida neste trabalho:

Enfim, embora Casalta Nabais desenvolve sua teoria acerca dos “impostos” e digaque tal dever fundamental a eles se refere, no Brasil parece ser mais adequado falar-se em “dever fundamental de pagar tributos não-vinculados ou desprovidos de bilateralidade”. Para fins desse trabalho, no entanto, utiliza-se apenas a expressão“dever fundamental de pagar tributos”, deixando-se claro que entre eles não seincluem os tributos vinculados ou bilaterais. (BUFFON, 2009, p. 90).

223 Esse é o entendimento de Marciano Buffon (2009, p. 89-90).

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Cumpre mencionar a posição de Maria Luíza Mendonça diverge um pouco da

adotada neste trabalho, pois a autora entende que o dever fundamental alcança todas as

espécies tributárias. Se em determinado ponto da obra a mencionada autora (MENDONÇA,

2002, p. 237) aduz que o Estado brasileiro é um Estado Fiscal, sendo a figura do tributo não

vinculado, representado pelo imposto, o “tipo-regra de tributo, ou seja, o meio financeiro

normal para o suporte da atuação dos entes federados”, por outro lado, ela (MENDONÇA,

2002, p. 214-215) considera o tributo como “o dever fundamental em virtude do qual os

 particulares ficam obrigados a concorrer financeiramente para o custeio das atividades

incumbidas ao Estado.”

E em outro ponto da obra, Maria Luíza Mendonça deixa claro que cada espécie

tributária compreende um dever fundamental específico, sendo que o foco de sua tese será o

estudo do dever fundamental de pagar impostos:

Como já estudado no subitem 6.2 retro, perante o texto constitucional brasileiro, asespécies tributárias dividem-se em impostos, taxas, contribuições especiais eempréstimos compulsórios, donde corresponder a cada uma dessas espéciestributárias uma espécie do dever fundamental de pagar tributos.Ao cuidar do Sistema Tributário Nacional, a Constituição brasileira dá especialrelevo aos impostos, que estão na base do financiamento do Estado brasileiro, umEstado Fiscal. … Este trabalho centrar-se-á, dentre as espécies que compõem odever fundamental de pagar tributos previsto na Constituição brasileira, no dever fundamental de pagar impostos. (MENDONÇA, 2002, p. 250, destaque nosso).

Cumpre apenas salientar uma questão importante tratada por Casalta Nabais. Em texto publicado em 2009, o autor comenta que a ideia de um Estado Tributário 224 vem

entusiasmando alguns doutrinadores, não para substituir os impostos ou custear todas as

despesas do Estado, mas para servir como contraprestação de alguns setores específicos,

como a proteção do meio ambiente e servir como meio de regulação econômica e social.

Realmente, no Brasil, é crescente o aumento de taxas destinadas a órgãos e entidades

ambientais. 225 

A advertência posta por Nabais (2009, p. 276-277) 226 de passarmos a ter um Estado

Fiscal e um Estado Tributário financiando o primeiro é realmente um fato que deve ser 

considerado, sob pena de passarmos a ter um Estado Fiscal duplicado. 227.

224 Estado Tributário é o Estado suportado financeiramente basicamente por tributos bilaterais. Vide item 3.3.2do capítulo anterior.225 Como exemplo, a taxa ambiental destinada ao IBAMA (Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental – TCFA -Lei 10.165/2000).226 Advertência já apontada no item 3.5.1 do capitulo anterior.227 No Brasil, tem aumentado a instituição de contribuições de intervenção no domínio econômico, algo que preocupa a doutrina nacional, pois, apesar destas contribuições estarem, no nosso entender, inseridas no conceito

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A necessidade de equilíbrio financeiro é uma meta importante a ser considerada pelo

Governo, na qual a criação desenfreada de novos tributos não servirá a tal propósito.

De qualquer forma, a discussão da carga tributária não pode gerar, como

consequência, a busca por um modelo de tributação neutro e de baixa pressão fiscal, que serve

de pano de fundo a uma política neoliberal e que leva a diversos discursos, alguns, inclusive,

 bem apelativos. 228 Não pode acarretar também a desconsideração de que nosso ordenamento

 jurídico constitucional estabelece um dever fundamental de pagar tributos (não-vinculados, na

esteira do entendimento de Marciano Buffon).

4.5. Interesse público, interesse da arrecadação e o dever fundamental de pagar

tributos: as críticas feitas por Raquel Cavalcanti Ramos Machado

Raquel Cavalcanti Ramos Machado produziu dissertação de mestrado que confronta

alguns temas abordados nessa dissertação e que tangenciam o dever fundamental de pagar 

tributos.

Seu pensamento pode ser classificado como mais tradicional ou conservador sob o

 ponto de vista do referencial jurídico utilizado. Seu estudo possui consistência e, o que é

importante, posicionamento firme sobre determinados pontos. Contudo, trata-se de uma obracom um foco diferente do ora apresentado. A seriedade de sua pesquisa merece ser ressaltada.

de dever fundamental (tributos não-vinculados), elas podem aumentar ainda mais o tamanho do Estado Fiscal.Por exemplo, a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre operações com petróleo ecombustíveis (art. 177, § 4°, da CF/88 e Lei 10.366/2001) cuja receita será destinada para (a) pagamento desubsídios a preços ou transporte de álcool combustível, de gás natural e seus derivados e de derivados de petróleo; (b) financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás; e (c)financiamento de programas de infra-estrutura de transportes. Merece ser citado ainda a Contribuição deIntervenção no Domínio Econômico destinada a financiar o programa de estímulo à interação universidade-empresa para apoio à inovação (CIDE Royalties - Lei nº 10.168/2000). Ainda, a Contribuição ao FUST eFUNTTEL (Leis 9998/2000 e 10.052/2000), ambos fundos "de telecomunicações" - cuja variação se restringe àdestinação ou finalidade definida para cada um (o FUST, destinado ao suprimento da universalização; oFUNTTEL, ao desenvolvimento tecnológico; ambos vinculados aos serviços de telecomunicações) e cujasreceitas são da ANATEL.228 Vide o chamado “impostômetro” (www.impostometro.org.br), criado pela Associação Comercial de SãoPaulo, em parceria com o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) e o discurso frequente nosmeios de comunicação de que a tributação consome 04 meses de trabalho das pessoas, ou seja, levantam a ideiade que as pessoas trabalham 04 meses de graça no Brasil para “custear o Estado”. Não discordamos da assertivade que a carga tributária é elevada e que o Estado não seja eficiente. Também não discordamos da necessidadede se conscientizar a população de saber não só o quanto ela paga a título de tributos como, especialmente, deexigir do Estado transparência nos gastos públicos. Todavia, o discurso adotado não trata também daconscientização da importância do pagamento do tributo, ou seja, de educação fiscal . A postura adotada, ao quenos parece, considera a tributação sempre como algo que não promove qualquer benefício à população e que seresume a um mero aspecto do Poder, o que não é a posição adotada neste trabalho.

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Raquel Machado (2007, p. 15-16) traz uma preocupação dominante na doutrina que

 poderíamos chamar de mais clássica ou conservadora. Afirma a mencionada autora que a

 busca pelo desenvolvimento de um Estado Social, e junto com uma hermenêutica pautada na

teoria dos princípios, “vem sendo constantemente apontado como motivo para, no Direito

Tributário, justificar a invocação do interesse público ou da supremacia do interesse público

sobre o particular.” E essa invocação é feita, segundo a autora, com o intuito de “restringir 

direitos dos contribuintes consagrados na Constituição Federal.”

A autora (MACHADO, 2007, p. 15) exemplifica sua afirmação com alguns

exemplos: primeiramente, aponta a decisão dada pelo STF na ADI 1851/AL, que definiu que

na substituição tributária progressiva a base de cálculo presumida era definitiva, não

comportando direito ao contribuinte de restituição do ICMS recolhido a maior. 229 Para a

autora, o que explica o conteúdo da decisão seriam interesses arrecadatórios do Fisco.Outro exemplo mencionado, no sentido de se prestigiar o interesse público, é a

validade dada pelo STJ 230 ao denominado “recurso hierárquico” em benefício da Fazenda

Pública, que adotou o entendimento que tal medida (verdadeiro privilégio) não infringiria a

isonomia.

Raquel Machado entende ainda que a invocação genérica do “interesse público” ou

da “supremacia do interesse público sobre o particular” serviu como justificativa para: 1)

impedir a concessão de medidas liminares contra o Poder Público; 2) convalidar cobrança de

tributos em desconformidade com a Constituição ou com as leis; c) aumentar abusivamente os poderes da fiscalização. 231 

Alega a autora que raciocínios dessa natureza teriam sido desenvolvidos de forma

acrítica e com respaldo em motivos políticos, enfraquecendo os direitos fundamentais e

empobrecendo o debate jurídico.

Afinal, segundo Raquel Machado (2007, p. 68), a realidade brasileira demonstra que

a invocação generalizada do interesse público como fundamento para relativizar direitos

229 Ou seja, o fato gerador ocorreu, mas sobre uma base de cálculo menor que a considerada para pagamento por antecipação (base de cálculo presumida). Nesse caso, a praticidade na tributação foi um elemento que a maioriado STF considerou relevante na interpretação da regra descrita no art. 150, § 7º, da CF. Apesar da ADI 1851/AL,esse tema ainda está aberto no STF, esperando o julgamento a ADI 2777 e ADI 2675. Há repercussão geralreconhecida (RE 593.849). 230 A autora menciona como exemplo o ROMS 13.592, rel. Ministro Paulo Medina, DJ 2.12.2002., p. 266(MACHADO, 2007, p. 15, nota 2). Esse entendimento ainda é adotado pelo STJ: vide AgRg no RMS 26.512/RJ,Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, julgado em 15/09/2009, DJe 27/04/2010. Disponível em:<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=13592&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=4#. Acessoem 09/11/2010.231 -Sobre esses três temas, a autora não indica casos concretos submetidos a julgamento.

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fundamentais, muitas vezes, serve como mero “verniz”, transportando para o mundo jurídico

“um artificialismo constrangedor”. Para ela:

De fato, num país de políticos corruptos, em que a receita pública escancaradamente

não é revertida para a prestação de serviços públicos de qualidade, é até uma afrontaà razoabilidade dos cidadãos – principalmente no âmbito de demandas individuais – afirmar que o Fisco merece tratamento privilegiado, como meio de garantir que, como valor discutido, realize o interesse público ou os fins do Estado social.Ou seja, a pretexto de realizar o Estado social, cria-se um Estado artificial eautoritário, sem legitimidade para exigir o cumprimento de obrigações com base nosentimento popular de apoio às políticas públicas.[…] Na prática, aliás, o Estado tem se esquivado mesmo do cumprimento de deveres queteoricamente não ousa afirmar que não sejam seus, como a proteção da liberdade[…]. Neste cenário, o discurso da necessidade de relativização de direitos doscontribuintes para fins de realização dos direitos sociais mostra-se claramente vazio,artificial e inválido.Por outro lado, e essa idéia é central e da mais elevada importância, não há razão

 para, ao se pretender aumentar a carga tributária e aumentar a fiscalização sob o pretexto de viabilizar direitos fundamentais de segunda geração, criar ou elevar ecobrar tributos violando o núcleo dos direitos individuais do contribuinte, tais comoa legalidade e o devido processo legal. (MACHADO, 2007, p. 68-72)

Raquel Machado, nessa parte de sua obra, critica – e com acerto – diversas falhas de

 políticas estabelecidas pelo Governo Federal, entre elas a criação da denominada “DRU”, da

omissão na prestação de segurança pública e de saúde – levando parte da população à

contratação de serviços privados e outra parte à própria sorte - bem como à criação desmedida

de contribuições de intervenção no domínio econômico (CIDE).

A autora até reconhece que há um dever fundamental de pagar tributos, citando,

inclusive, a obra de Nabais e a posição defendida por Ricardo Lobo Torres de cidadania

multidimensional. Ela aduz expressamente que “realmente, os direitos fundamentais não

 podem ser considerados isoladamente, em desprezo ao dever de contribuir, até porque a

realização desse dever pode apresentar resultados benéficos ao cidadão.” (MACHADO, 2007,

 p. 58-59)

Todavia, é visível que a autora possui uma desconfiança ou um receio de que o termo

dever fundamental  passe a ser usado para justificar qualquer atitude ou manobra fiscal, tal

como o termo interesse público foi e vem sendo empregado.

Primeiramente, para Raquel Machado, é possível que uma teoria sobre o dever 

fundamental mais organizada não tenha prejudicado o Fisco, mas, sim, o contribuinte, pois a

grande maioria cumpre sua obrigação por receio da sanção, sendo que, de outro lado, “o

Estado não depende do Direito para cobrar tributos. O cidadão, este sim, é que depende do

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Direito para que a tributação ocorra dentro de limites preestabelecidos.” (MACHADO, 2007,

 p. 59).

 Nesse ponto, discordamos da autora, pois essa relação não possui vencedores e

vencidos. O desprestígio da tese dos deveres fundamentais é prejudicial a todos. Rechaçar 

essa teoria ou deixar de compreendê-la adequadamente, na linha defendida por Casalta

 Nabais, só beneficia interesses exclusivamente privados e extremamente individualistas.

Em segundo lugar, ela afirma categoricamente que a existência do dever fundamental

não pode legitimar uma norma antielisão:

Além disso, observa-se que são atualmente desenvolvidas muitas teorias quealargam os deveres do contribuinte, face à invocada necessidade de realização dosdireitos sociais, tal como a teoria que entende possível a criação de contribuiçõessociais gerais, bem como a que entende válida uma norma geral antielisão. Essas

teorias assistemáticas acarretaram, na prática, um dever ilimitado e desorganizado de pagar tributo.Com efeito, cada teoria isolada amplia os deveres do contribuinte, ora com base nointeresse público e na supremacia do interesse público sobre o particular, ora comfundamento no dever de solidariedade, sem lhe afirmar os limites gerais, o que nãose pode admitir.Uma teoria ordenada sobre o dever de pagar tributo deixaria os cidadãos maisconscientes de seu cumprimento, e estes, então, exigiriam com mais força acontraprestação estatal, exatamente porque saberiam que a exigência decorre não do paternalismo estatal, mas como resposta do Estado ao cumprimento do dever decontribuir. (MACHADO, 2007, p. 59).

Em outra passagem, reconhecendo que todos os direitos possuem um custo – 

inclusive a liberdade – Raquel Machado aduz que esse custo não pode ser alto a ponto de

suprimir a própria liberdade, premissa do Estado Fiscal. Para ela, mesmo o alto custo dos

direitos sociais não justifica “o processo que vem ocorrendo nos últimos tempos de grande

amesquinhamento dos direitos do contribuinte, a pretexto da necessidade de aumento de

receita para realização dos direitos sociais.” (MACHADO, 2007, p. 63-64).

Afinal, os direitos sociais, na visão da autora (MACHADO, 2007, p. 64),

“constituem uma limitação adicional feita ao Estado, e não direitos de que dispõe o Estado

contra o cidadão em face do dever de pagar tributo.” E, para ela, a grande demonstração de

que a promoção de direitos fundamentais de segunda e terceira dimensões não é fundamento,

nem de forma abstrata, para justificar os valores arrecadados, foi a criação da DRU

(Desvinculação de Receitas da União).

Após tais críticas, a autora reconhece, em síntese, que a necessidade de realização

dos direitos sociais “pode até autorizar o aumento de carga tributária, bem como da

fiscalização” (MACHADO, 2007, p. 74). Esse aumento, contudo, só pode ocorrer com o

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respeito aos direitos fundamentais individuais e de forma menos gravosa possível, em

respeitos à proporcionalidade e razoabilidade.

Essa é uma posição pacífica. O próprio Casalta Nabais deixa bem claro em sua obra

que a liberdade é a premissa básica do Estado fiscal que, não só o justifica, como o limita, sob

 pena de transformar-se em Estado patrimonial “encapuzado”. Os autores tratados nesta obra

que defendem a existência de um dever fundamental de pagar tributos ou que reconhecem na

tributação um possível instrumento de transformação social não defendem poderes ilimitados

ao Fisco ou o desrespeito à legalidade para se alcançar a máxima capacidade contributiva ou a

isonomia tributária.

De outro lado, não há dúvida que a cláusula do Estado Social irá fazer com que a

carga fiscal aumente, pois o número de tarefas aumentou e o Estado deixou de ser socialmente

neutro para assumir um papel socialmente transformador. Os limites da tributação podem edevem ser discutidos, mas seria irreal imaginar um retorno a um Estado mínimo.

 Nota-se, assim, que a posição de Raquel Machado, embora inicialmente reconheça a

existência de um dever fundamental de pagar tributos, não inova no debate constitucional da

relação tributária, mantendo ainda a concepção tradicional de que os direitos individuais

“falam mais alto” no debate tributário.

Assim, da leitura de sua obra, entende-se que o dever fundamental por ela aceito é

um dever de grau “fraco”, ou seja, existente, mas cuja consequência prática na relação

“Estado x contribuinte” será apenas para ampliar os direitos do sujeito passivo da relação jurídica tributária e limitar os poderes do Estado.

Contudo, o ponto central da questão será justamente a compreensão que devemos dar 

ao âmbito normativo dos direitos individuais, especialmente liberdade e propriedade. Em

outras palavras, até que ponto o dever fundamental de pagar tributo irá interagir – como limite

imanente que é – com o direito da liberdade e propriedade e até onde este dever fundamental

servirá como legítimo amparo constitucional para validar uma restrição aos mencionados

direitos.

Essa é a grande diferença entre as concepções defendidas, dentre outros, por Marco

Aurélio Greco, Marciano Godoi, Marciano Buffon e Ricardo Lobo Torres (de um lado) e por 

Raquel Machado, Misabel Derzi, Sacha Calmon e Hugo de Brito Machado (de outro lado).

Para os primeiros, o Estado poderá ter em algumas matérias uma atitude mais ativa,

 pois parcelas da liberdade e propriedade não poderiam ser invocadas contra o Fisco. Assim,

em tese, o Fisco poderá ter alguns poderes (e os ônus correspondentes) mais amplos.

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Para os segundos, a leitura da Constituição caminha no sentido de mais proteção

(segurança) e garantia ao contribuinte (foco individual e subjetivo). Luciana Saliba, em

dissertação de Mestrado defendida em 2010, sintetizou bem as posições doutrinárias a

respeito das concepções atuais da tributação.

Conforme Godoi (2010), os que consideram que o Direito existe principalmente para assegurar a paz social e, intervindo o menos possível na vida privada doscidadãos, garantir a certeza e a previsibilidade nas relações entre os indivíduos, provavelmente interpretarão muitas questões de forma diametralmente oposta à dosque entendem que o objetivo precípuo do Direito é promover a justiça e dar a todosos cidadãos igualdade de oportunidades para desenvolverem sua personalidade eseus talentos pessoais.O mesmo ocorre com relação ao Direito Tributário. Como alerta Godoi (2010), seum juiz considera que a principal função da forma atual de nosso Estado é,intervindo o menos possível na ordem social, promover segurança e certeza jurídicas para que as pessoas físicas e jurídicas possam exercer livremente sua autonomia

 privada desde que tal exercício não prejudique a autonomia dos demais cidadãos,então sua concepção sobre o papel do tributo, do sistema tributário e da própriainterpretação do Direito Tributário será uma concepção bem distinta da de um juizque considere que o paradigma atual de Estado exige a transformação das condiçõessociais de modo a que todos os cidadãos tenham uma liberdade o mais igual possívelno que diz respeito ao nível de participação na definição dos rumos políticos dasociedade (autonomia pública) e uma igualdade equitativa de oportunidades para a busca e a realização de seus projetos pessoais de vida (autonomia privada).(SALIBA, 2010, p. 64)

Essa última visão é, na nossa compreensão, mais harmônica com o texto

constitucional.

 Não que algumas críticas feitas pela doutrina não sejam reais e que não mereçamnossa adesão. Realmente, nossos Governos e agentes políticos não têm dado o melhor 

exemplo. 232 Mas corrupção e desvio de verbas públicas, apesar de serem terríveis para a

sociedade, não são motivos suficientes para que se tenha tanta resistência ou desconfiança

com o dever fundamental de pagar tributos. Não que quem defenda esse dever aceite ou fique

 passivo em razão dessas “patologias”.

Também não se aceita com serenidade qualquer medida tomada pelo Governo,

mesmo que pelas vias formais aparentemente corretas, como ocorreu com a criação da DRU.

233 

232 E problema cultural brasileiro é enorme, sendo que grande camada da população de baixa renda e comnenhuma ou alguma escolaridade aceita facilmente o patrimonialismo e o chamado “jeitinho brasileiro”.Conferir o trabalho de Alberto Carlos Almeida, denominado “A cabeça do brasileiro”. Segundo o autor, “aPesquisa Social Brasileira mostrou que Roberto DaMatta está certo em muitas de suas afirmações: o Brasil éhierárquico, familista, patrimonialista e se encaixa em vários outros adjetivos que significam arcaísmo, atraso.”(ALMEIDA, 2007, p. 25).233 A Desvinculação das Receitas da União, como dito, foi criada por emenda constitucional e decorre de ummodelo econômico adotado pelo Brasil desde o Plano Real. Vide as críticas de Buffon (2009, p. 57-60) aocontrole do déficit público, bem como texto de Godoi (2007b) que assim afirma: “O conceito de contribuições

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Mas esses fatos, por si só, não são suficientes para desconsiderar que nosso

ordenamento jurídico acolhe uma solidariedade fiscal, nem tornam inexistente o dever 

fundamental de pagar tributos.

4.6. O princípio da solidariedade

O princípio da solidariedade está intimamente ligado ao dever fundamental, como

 bem reconhecem Marciano Buffon (2009, p. 94-99), Ricardo Lobo Torres (2005, p. 181) e

Ernani Contipelli (2010, p. 142-160). Apesar de o ideal burguês ter se inspirado na tríade

liberdade, igualdade e fraternidade, esta última está vinculada muito mais a uma idéia de filantropia ou caridade - que tratamos muitas vezes como obras ou ações sócias - do que a um

valor que deve ser observado para o êxito da comunidade. Da mesma forma , a solidariedade

não poderia se identificar com mero assistencialismo. 

Como bem anota Marciano Godoi (2005, p. 144), as mudanças no papel e no modelo

de Estado (de liberal ou de Direito, passando pelo Social, até o atual Estado Democrático)

fazem com que a sociedade passe a ser o centro da ciência jurídica, fazendo com que surja o

conceito de solidariedade social, que assume grande importância nos debates jurídicos.

A solidariedade é questão discutida tanto na Europa como nos Estados Unidos.Wanda Cláudia Galluzzi Nunes (2007, p. 86), em estudo sobre a visão da solidariedade em

Denninger, Habermas e Rosenfeld, diz que os europeus parecem mais familiarizados com a

inclusão ou com o destaque da solidariedade na ordem constitucional, enquanto os

americanos, de raízes mais individualistas, apresentam mais resistência ao tema, enfatizando

muito mais as liberdades negativas do que o fortalecimento de vínculos entre cidadãos.

sociais e de intervenção no domínio econômico contido na Constituição originária promulgada em 1988 vemsendo paulatinamente desfigurado por diversas Emendas Constitucionais promulgadas a partir de 1994. Aolongo dos últimos anos, economistas tidos por experts em finanças públicas, além de Ministros de Estado como oatual Ministro do Planejamento, deram entrevistas e publicaram artigos em jornais de grande circulaçãodefendendo mudanças constitucionais que dessem ampla liberdade para o Executivo aplicar onde bementendesse os recursos dos impostos e das contribuições, como se entre essas duas categorias não houvessequalquer diferença de monta. Segundo essas opiniões, o alto grau de vinculação das receitas públicas federaisseria um "defeito" do sistema tributário criado pela Constituição de 1988. Emendas Constitucionais promulgadasa partir de 1994 buscaram claramente corrigir o que se percebia como um defeito da Constituição originária. Oque não ocorre a tais economistas é que o que eles tomam por  defeito é exatamente a pedra de toque da natureza jurídica das contribuições: a necessária vinculação de sua arrecadação ao provimento de finalidades públicasespecíficas.”

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De qualquer forma, a citada autora (NUNES, 2007, p. 86) aponta que “o recurso à

idéia de solidariedade, de qualquer forma, parece ser uma necessidade, a fim de evitar a

desagregação crescente de sociedades cada vez mais multipolarizadas.” No campo do Direito

ele poderá contribuir para a “formação de um novo ‘ethos’ político, chegando mesmo a

vincular a própria comunidade.” 

Canotilho (2008, p. 30-31), ao comparar a modernidade liberal com a modernidade

republicana, conclui que o homem republicano não é meramente um defensor enérgico da

liberdade e do individualismo, mas é um homem politicamente a favor do progresso, da

educação, da associação, enfim, de  soluções positivas. E ao tratar dos direitos fundamentais

dentro de uma república, conclui o citado professor português que:

 No ‘fazer iguais’ e ‘exercer direitos’ em prol da solidariedade e da fraternidade,sugerem-se dimensões democrático-funcionalistas na teoria republicana dos direitosfundamentais. Este ponto é de primacial importância para se compreender a ‘razãomilitante’ dos republicanos. A moderna teoria dos direitos fundamentais, conhecidacomo na doutrina juspublicística como teoria democrática-funcional, oferece algunselementos de compreensão da teoria republicana. Os tópoi essenciais desta teoriasão os seguintes: 1) reconhecimento de direitos fundamentais aos cidadãos quedeverão por estes ser exercidos, enquanto membros da comunidade, e no interesse público; 2) o exercício da liberdade é um meio de garantia e de prossecução do processo democrático; 3) a vinculação do exercício dos direitos à prossecução defins públicos justifica a sua articulação com a ideia de deveres; 4) a dimensãofuncional justifica, em caso de ‘abuso’, a intervenção restritiva dos poderes públicos. (CANOTILHO, 2008, p. 33-34). 

Ou seja, há uma vinculação dos direitos à realização dos ideais de solidariedade.

De outro lado, Casalta Nabais (2005, p.99-101) entende que uma das facetas da

cidadania é justamente a solidária, que implica no empenho tanto do Estado como do

indivíduo na “permanente ‘inclusão’ de todos os membros na respectiva comunidade de modo

a todos partilharem um mesmo denominador comum, um mesmo ‘chão comum’, que assim os

torne cidadãos de corpo inteiro dessa comunidade.”

Assim, não mais prevalece a concepção liberal, baseada na simples igualdade formal

e no entendimento de que a solidariedade não era um princípio normativo, mas apenas uma

virtude humana. Atualmente, inclusive no Brasil, tal compreensão não é mais acolhida; ao

contrário, deve prevalecer, no atual estágio constitucional, manifestações no sentido de que “o

discurso jurídico tradicional deve libertar-se das amarras da singularidade e lançar mão do

‘nós’, pronome plural e coletivo que consubstancia a construção de um espaço de inclusão do

outro, sempre com vistas à efetivação e solidificação da dignidade da pessoa humana.”

(BREUS, 2007, p. 181).

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Afinal, como já dito, não é possível retirar a força normativa dos artigos 1° e 3° da

Constituição da República, que proclamam, respectivamente, que o Brasil é uma república e

um Estado Democrático de Direito, que tem como fundamentos, entre outros, a cidadania e a

dignidade da pessoa humana e como objetivos: a construção de uma sociedade livre, justa e

solidária, bem como erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e

regionais e promover o bem de todos. Esses dizeres não expressam uma mera

“recomendação” ou um “ideal” que pode ser alcançado. Eles possuem normatividade própria,

irradiando efeitos nas políticas públicas a serem implementadas e nas legislações que serão

editadas. O comentário contextual de José Afonso da Silva confirma a afirmação feita:

3. CONSTRUIR UMA SOCIEDADE LIVRE JUSTA E SOLIDÁRIA. AConstituição de 1988, nesse aspecto inspirou-se no preâmbulo da Constituição

Portuguesa, que se propõe a ‘construção de um país mais livre, mais justo e maisfraterno’. A fórmula brasileira é talvez menos superlativa, mas é mais elegante emais sintética, e acabou por inspirar a nova redação do art. 1º da ConstituiçãoPortuguesa na sua segunda revisão, que é de 1989, quando fala em República‘Empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária’, emsubstituição ao texto anterior, que falava em República ‘empenhada na suatransformação numa sociedade sem classes’.‘Construir’, aí, tem sentido contextual preciso. Reconhece que a sociedade existenteno momento da elaboração constitucional não era livre, nem justa, nem solidária.Portanto, é signo lingüístico que impõe ao Estado a tarefa de construir não asociedade – porque esta já existia – mas a liberdade, a justiça e a solidariedade a elareferidas. Ou seja: o que a Constituição quer, com esse objetivo fundamental, é quea República Federativa do Brasil construa uma ordem de homens livres, em que a justiça distributiva e retributiva sejam um fator de dignificação da pessoa e em que o

sentimento de responsabilidade e apoio recíprocos solidifique a idéia de comunidadefundada no bem comum. Surge aí o Estado Democrático de Direito, voltado àrealização da justiça social, tanto quanto a formula liberdade, igualdade efraternidade o fora no estado Liberal proveniente da Revolução Francesa. (SILVA,2010, p. 48-49). 234 

O próprio preâmbulo da Constituição - que, apesar de não se situar no âmbito do

Direito, mas no da política, reflete posição ideológica do constituinte e espelha os princípios e

objetivos descritos na Carta 235 – dispõe que o Estado Democrático de Direito instituído em

1988 destina-se a assegurar o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como

valores supremos de uma sociedade fraterna. Não era assim na Constituição de 1967, que se estruturava, inicialmente, nos

elementos do  Estado. Houve, sim, uma alteração de paradigma com a atual Carta, que

234 Contipelli (2010, p. 157-160), no qual o autor deixa claro que a solidariedade não se limita à caridade e que,enquanto valor, a solidariedade confere sentido aos comportamentos realizados na sociedade, ao passo que,como princípio, a solidariedade irradia efeitos no sistema positivo do Direito.235 Conferir ADI 2076, rel. Min. Carlos Velloso, julgado em 15.08.2002, DJ 08.08.2003. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=ADI+2076&base=baseAcordaos>Acesso em 28/11/2010.

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 primeiro se preocupa em definir o perfil básico da sociedade civil e de quem participa do

 processo de manifestação da vontade da coletividade. (GRECO, 2005, p. 171). 

Enfim, o operador do Direito não pode ficar inerte nem passivo a estas alterações no

texto constitucional, que induzem a uma constante busca pela plena eficácia dos direitos

fundamentais, que tangenciará, sempre, uma postura ativa não só do Estado, mas também da

sociedade. Ao primeiro (Estado) há uma grande tarefa que será conferir a todos os membros

da sociedade igual consideração (a virtude soberana, de Dworkin). Aos membros da

sociedade, estes deverão participar da realização desse projeto constitucional. Segundo

Habermas:

[...] defendo o conteúdo racional de uma moral baseada no mesmo respeito por todos e na responsabilidade solidária geral de cada um pelo outro. A desconfiança

moderna diante de um universalismo que, sem nenhuma cerimônia, a todos assimilae iguala não entende o sentido dessa moral e, no ardor da batalha, faz desaparecer aestrutura relacional da alteridade e da diferença, que vem sendo validada por umuniversalismo bem entendido. Na Teoria da Ação Comunicativa, formulei esses princípios básicos de modo que eles constituíssem uma perspectiva para condiçõesde vida que rompesse a falsa alternativa entre ‘comunidade’ e ‘sociedade’. A essaorientação da teoria da sociedade corresponde, na teoria moral e do direito, umuniversalismo dotado de uma marcada sensibilidade para as diferenças. O mesmorespeito para todos e cada um não se estende àqueles que são congêneres, mas à pessoa do outro ou dos outros em sua alteridade. A responsabilização solidária pelooutro como um dos nossos se refere ao ‘nós’ flexível numa comunidade que resiste atudo o que é substancial e amplia constantemente suas fronteiras porosas. Essacomunidade moral se constitui exclusivamente pela idéia negativa da abolição dadiscriminação e do sofrimento, assim como da inclusão dos marginalizados – e de

cada marginalizado em particular –, em uma relação de deferência mútua. Essacomunidade projetada de modo construtivo não é um coletivo que obriga seusmembros uniformizados à afirmação da índole própria de cada um. Inclusão nãosignifica aqui confinamento dentro do próprio e fechamento diante do alheio. Antes,a ‘inclusão do outro’ significa que as fronteiras da comunidade estão abertas a todos – também e justamente àqueles que são estranhos um ao outro – e querem continuar sendo estranhos. (HABERMAS, 2007, p. 7-8).

Em razão disso, o STF, por diversas vezes, consagrou que a liberdade de iniciativa

 pode sofrer interferência do Estado, sendo que o dever de solidariedade e a busca pela

redução das desigualdades sociais, em vários casos, serviram como diretriz para a

interpretação e aplicação do direito no caso concreto.Por exemplo, ao deliberar sobre a Lei 8039/90, que estipulou critérios de reajuste de

mensalidades escolares, o Plenário do STF entendeu que:

[…] em face da atual Constituição, para conciliar o fundamento da livre iniciativa edo princípio da livre concorrência com os da defesa do consumidor e da redução dasdesigualdades sociais, em conformidade com os ditames da justiça social, pode oEstado, por via legislativa, regular a política de preços de bens e de serviços,

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abusivo que e o poder econômico que visa ao aumento arbitrário dos lucros.(BRASIL, ADI 319, 1993). 236 

Em outro caso, o STF entendeu que as alterações ao Código Florestal promovidas

 pela MP 2166-67 - que visavam regular a supressão de vegetação em área de preservaçãoambiental, submetendo-a a devida autorização prévia em procedimento administrativo próprio

- eram constitucionais, pois todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,

típico direito fundamental de terceira dimensão, sendo obrigação do Estado como a sociedade

a defesa e a preservação desse direito. Para o STF, “o adimplemento desse encargo, que é

irrenunciável, representa a garantia de que não se instaurarão, no seio da coletividade, os

graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade, que

a todos se impõe, na proteção desse bem essencial de uso comum das pessoas em geral.”

(BRASIL, ADI 3540, 2006).237

 Também em outro precedente, em que se discutia lei estadual que assegurava aos

estudantes regularmente matriculados em instituições de ensino o direito de meia-entrada em

estabelecimentos de diversão, cultura, esporte e lazer (teatro, cinemas, museus, estádios, etc),

o STF entendeu que tal intervenção estatal era legítima na economia e no exercício da

atividade econômica, pois “mais do que simples instrumento de governo, a nossa Constituição

enuncia diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade. Postula

um plano de ação global normativo para o Estado e para a sociedade, informado pelos

 preceitos veiculados pelos seus artigos 1º, 3º e 170.” (BRASIL, 2006). 238 Por fim, o STF, em caso que versava sobre concurso público prestado por deficiente

físico (visão monocular), consignou que “a reparação ou compensação dos fatores de

desigualdade factual com medidas de superioridade jurídica constitui política de ação

afirmativa que se inscreve nos quadros da sociedade fraterna que se lê desde o preâmbulo da

Constituição de 1988”. (BRASIL, 2008). 239 

236 Conferir ADI 319, rel. Min. Moreira Alves, julgado em 03/03/93. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%22ADI+319%22+e+mensalidades+escolares&base=baseAcordaos> Acesso em 28/11/2010.237 Conferir ADI 3540, rel. Min. Celso de Mello, julgado em 01.09.2005. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%22ADI+3540%22&base=baseAcordaos> Acesso em 28/11/2010.238 ADI 1950, rel. Min. Eros Grau, julgado em 03.11.2005. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%22ADI+1950%22&base=baseAcordaos> Acesso em 28/11/2010.239 RMS 26071, rel. Min. Carlos Britto, julgado em 13/11/2007, Disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=RMS+26071&base=baseAcordaos>Acesso em 28/11/2010.

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Tanto neste como em outros votos, foi ressaltado o princípio da solidariedade,  240 

inclusive na esfera fiscal 241, como ocorreu no julgamento da contribuição dos servidores

inativos. 242 

Assim, diante do que já foi exposto, não há dúvida que o princípio da solidariedade

social deve ser também considerado na interpretação das questões tributárias, na medida em

que a cidadania se expressa também no dever de contribuir  - pautado na capacidade

contributiva - sendo os tributos – logicamente cobrados seguindo uma pauta legal – o preço

que pagamos para ter uma sociedade organizada e baseada na economia de mercado. 243 Essa

síntese é acompanha por Marciano Buffon, que consigna o seguinte:

Enfim, o liame da solidariedade é o fundamento que justifica e legitima o dever fundamental de pagar tributos, haja vista que esse dever corresponde a uma

decorrência inafastável de se pertencer a uma sociedade. Por isso, faz-se necessárioexaminar a questão da denominada cidadania fiscal, pois, em face do dever fundamental de pagar tributos, uma concepção adequada de cidadania passa peloreconhecimento de que o cidadão tem direitos, porém, em contrapartida, tambémdeve cumprir seus deveres dentro de uma sociedade. (BUFFON, 2009, p. 99).

Ao lado disso, não podemos esquecer que o sistema fiscal deve buscar a realização

da justiça, que se dará pela busca da igualdade material, em que o Estado tratará os cidadãos

como iguais (ou seja, o Estado tratará os cidadãos com a mesma consideração). Tal finalidade

é alcançada, justamente, com a redistribuição de renda e realização de prestações que são

suportadas, justamente, pela coletividade, através do pagamento de tributos.244

 Cumpre dizer, por fim, que a solidariedade no campo fiscal não serve para agravar 

ou justificar aumento dos tributos. Tudo vai depender do contexto, sendo que é de grande

importância que o sistema tributário, como um todo, esteja estruturado para prestigiar os

240 Conferir também ADI 1.003-MC, Rel. Min. Celso de Mello, j. 01.08.94, DJ de 10-9-99 (lei que ampliou ashipóteses de responsabilidade objetiva das empresas seguradoras) e ADI 2.649, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 08.05.2008, (passe livre em transporte para pessoas deficientes). Em ambas, foram ressaltados osobjetivos descritos no art. 3° da CR, entre eles o princípio da solidariedade.241 Sobre o tema da solidariedade social e sua relação com a tributação, vide obra de Ernani Contipelli (2010),especialmente Capítulo 3.242 ADI 3105, rel. p/ acórdão Min. Cézar Peluso, julgado em 18.08.2004, DJ 18.2.2005, p. 4. Conferir ainda RE450.855-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 23-8-05, DJ  9-12-05, que expressamente diz: “o sistema público de previdência social é fundamentado no princípio da solidariedade [artigo 3º, inciso I, da CB/88].”(BRASIL, 2005). Verificar também Godoi (2005, p. 159-167).243 Verificar Faveiro (2002, p. 828-829). Marciano Buffon (2009, p. 100), por sua vez, afirma que “é possívelafirmar que o dever de pagar tributos é o principal dever de cidadania, justamente porque, caso tal dever sejasonegado por parte dos componentes de uma sociedade, restarão inviabilizados as possibilidades de realizaçãodos próprios direitos, especialmente aqueles de cunho prestacional”.244 Daniel Sarmento (2007, p. 71) diz que “na Constituição brasileira, a igualdade não é só um limite, mas antesuma meta a ser perseguida pelo Estado, justificadora de enérgicas políticas públicas de cunho redistributivo, que podem gerar forte impacto sobre os direitos patrimoniais dos particulares.”

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valores constitucionais, dentre os quais está a solidariedade. 245 Dessa forma, em razão da

solidariedade, pode-se ter, inclusive, a atenuação da carga 246.

4.7 Dever fundamental como referencial teórico: a leitura integral do texto

constitucional

Realmente, a mera alegação de interesse público ou de supremacia do interesse

 público sobre o particular não é suficiente para amparar qualquer pleito. É válida e legítima a

 preocupação de Raquel Machado em alertar:

[…] para os perigos e para os prejuízos de se utilizar o termo interesse público e ochamado “princípio” da supremacia do interesse público sobre o particular como panacéia hábil a validar todo tipo de ilegalidade praticada pelo Poder Público,notadamente quando estejam envolvidos direitos e garantias fundamentais.(MACHADO, 2007, p. 16).

Como já visto anteriormente, o interesse público somente existe no caso concreto!

Como restou consignado anteriormente, no capítulo 2 247, tanto para Ávila (2007, p. 207),

como para Schier (2007, p. 241) e Justen Filho (2006, p. 46), a definição de interesse público

também considera elementos privados, sendo que não existe uma supremacia do interesse público a priori. O reconhecimento da existência de um interesse público será o resultado de

um processo de interpretação e aplicação do direito, que deverá levar em consideração todo o

contexto envolvido.

Assim, a mera necessidade de recursos – simples razões de Estado, na leitura do STF248 -,  por si só, não é suficiente para legitimar qualquer criação ou majoração de tributos. A

245 Conferir Greco (2005, p. 189), Godoi (2005, p. 152-160) e Torres (2005, p. 198-207).246 Como ocorreu no caso do afastamento da tributação pela Contribuição ao PIS e a COFINS sobre atoscooperativos via PIS e COFINS. Sobre o tema, vide Godoi (2005, p. 164) - inclusive com a indicação de precedentes do STJ - e Greco (2005, p. 186).247 Item 2.5.2.248 RAZÕES DE ESTADO E INTEGRIDADE DA ORDEM CONSTITUCIONAL. Razões de Estado - quemuitas vezes configuram fundamentos políticos destinados a justificar, pragmaticamente, ex parte principis, ainaceitável adoção de medidas que frustram a plena eficácia da o rdem constitucional, comprometendo-a em suaintegridade e desrespeitando-a em sua autoridade - não se legitimam como argumento idôneo de sustentação da pretensão jurídica do Poder Público. Precedentes. (STF - AgRE 263975, Relator: Min. Celso de Mello, julgadoem 26/09/2000, DJ 02-02-2001, p. 113. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%22razoes+de+estado%22+e+celso&base=baseAcordaos> Acesso em 09/12/2010.

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maior legitimidade de qualquer política pública – inclusive fiscal – será justamente o debate

 prévio até chegar-se a um consenso.

Por isso, a autora está correta quando combate os fundamentos dados em

determinada decisão do STJ 249 que legitimou a restrição à compensação integral de prejuízos

em razão da mera existência de interesse público.

Tal decisão analisava o regime previsto na Lei 8.981/95 que estabelecia o limite de

compensação dos prejuízos resultantes do balanço das empresas em no máximo 30% do

crédito existente e justificava sua legalidade na assertiva de que “não houve vedação acerca

da dedução, tão-somente o escalonamento, em atenção ao interesse público, reduzindo o

impacto fiscal” (apud MACHADO, 2007, p. 105).

Reconhece a autora que a decisão até poderia afirmar a validade da limitação legal,

mas não poderia simplesmente dizer que tal restrição é válida porque reduz o impacto fiscal erealiza o interesse público. Esse argumento, diz ela, pode servir para justificar qualquer 

restrição – inclusive as ilegítimas - a direito do contribuinte, como, por exemplo, a hipótese

absurda de uma lei que proíba a devolução integral de tributos pagos indevidamente, pois a

mesma também reduz o impacto fiscal. 250 

Contudo, é importante ressaltar que o reconhecimento do tributo como objeto de um

dever fundamental coligado ao direito fundamental de liberdade e propriedade é um elemento 

 jurídico que não pode ser desconsiderado no debate que envolve as relações do Fisco com o

contribuinte. Ele será um elemento importante na argumentação, na interpretação econstrução da norma jurídica aplicável ao caso, tendo em vista que busca, justamente, a

concretização de outros direitos fundamentais e a manutenção da estrutura básica do Estado.

Afinal, a realização de um dever fundamental – que atuará como limite imanente no

âmbito normativo da liberdade e propriedade do indivíduo e servir como fundamento para a

edição de medidas infraconstitucionais restritivas - poderá garantir a realização ou a eficácia

249 A decisão mencionada por Raquel Machado foi proferida pela 1ª Turma do STJ ao julgar, em 07/12/2004, oAgRg no REsp 644.527. Essa decisão, contudo, não discute profundamente a questão tributária, limitando-se aindicar precedentes do Tribunal para negar a pretensão ao contribuinte. Um desses precedentes deixa claro que oescalonamento (limitação de compensação dos prejuízos) estava dentro da discricionariedade do legislador,tratando-se, assim, de “política fiscal que, de acordo com a lei, pode promover adições, exclusões oucompensações quanto aos abatimentos, obedecido os princípios da legalidade e da anterioridade.” (STJ – 2ªTurma, REsp 242.237, rel. Min. Eliana Calmon, j. 04.09.2001. Disponívelem:<https://ww2.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/IMGD?seq=97011&nreg=199901146844&dt=20020311&formato=PDF> Acesso em 10 de janeiro de 2011)250 “O interesse público, em matéria tributária, é o fundamento que dá ao Estado poder para intervir no patrimônio dos cidadãos, através da cobrança de tributos. Invocá-lo, em cascata, em todos os demais momentosda relação tributária, até para mascarar o desprezo às normas da Constituição e mesmo quando se sabe que, na prática, pouco do que se arrecada é efetiva e diretamente revertido em prol da sociedade, implica esvaziar desentido todas as normas que traçam os limites ao poder de tributar, próprias de qualquer Estado de Direito, alémde implicar em várias imprecisões já demonstradas.” (MACHADO, 2007, p. 106).

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de um direito fundamental de diversas outras pessoas, ou mesmo da coletividade (direitos

difusos). Assim, deve-se ler com reservas a afirmativa posta por Raquel Machado no sentido

de que:

[…] se é do interesse público primário a proteção de direitos fundamentais, mesmoconsiderados em sua dimensão individual, […], não pode ser do interesse público arealização de ato, pela Administração Pública, que poderá implicar violação aosdireitos fundamentais. (MACHADO, 2007, p. 117).

 Não há dúvida que a Administração Pública está impedida de editar ato que viole os

direitos fundamentais. Todavia, como já foi visto neste trabalho, não há direitos fundamentais

absolutos; ao contrário, há deveres fundamentais que interagem com os direitos de liberdade e

 propriedade, servindo-lhes como limites imanentes, justamente para assegurar a realização de

outros direitos fundamentais. É certo que, em determinados casos, será de interesse público a proteção do direito fundamental. Mas, em diversas outras situações, será possível a

conformação ou restrição a um direito individual, bem como a interpretação menos ampliativa

de um enunciado legal, pois o direito fundamental que se busca proteger ou efetivar é digno

de ser considerado de interesse público.

O exemplo do sigilo bancário, já citado diversas vezes neste trabalho, ilustra o

alegado. Aparentemente, caso se tome em consideração uma determinada interpretação, pode-

se ter em mente que está havendo uma violação ou direito fundamental de intimidade e

 privacidade. Contudo, partindo-se de outras premissas constitucionais, a medida

administrativa pode ser válida. De qualquer forma, é importante lembrar o alegado interesse

 público em questão será fruto do processo interpretativo (resultado) e não o fundamento da

solução dada.

Como bem lembra Marco Aurélio Greco (2004, p. 261-268), a solidariedade – que é

um valor positivado e ínsito ao dever fundamental de pagar tributos – foi um argumento

importante para que o STF decidisse que o § 3º do art. 155 da CF (na antiga redação) não

contemplava uma imunidade que alcançava inclusive as contribuições sociais do PIS e da

COFINS nas operações com energia e combustíveis. 251 

Realmente, ao interpretar o termo “tributo” descrito nesse dispositivo, o STF (voto

do Ministro Carlos Velloso) decidiu que esse dispositivo não podia ser interpretado

251  RE 227832, Relator Min. Carlos Velloso, julgado em 01/07/1999, DJ 28-06-2002, p. 93. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28227832%2ENUME%2E+OU+227832%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos> Acesso em 09/10/2010. 

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isoladamente, mas, sim, em consonância com o que está disposto no art. 195, caput, do texto

constitucional, que determina que “a seguridade social será financiada por toda a sociedade”.

Entende Marco Aurélio Greco (2004, p. 266) que essa decisão confere ao

mencionado art. 195 uma eficácia positiva, no sentido de “extrair da previsão uma diretriz que

ilumina a interpretação e serve de critério para determinar o sentido e o alcance de outros

 preceitos constitucionais”. Em feliz passagem, Greco assim sintetiza a decisão do STF:

Financiamento por toda a sociedade não é mera recomendação ao legislador quandotiver de criar os instrumentos geradores de recursos para a seguridade social.Financiamento por toda a sociedade é comando positivo no sentido de que ascompetências constitucionais e os instrumentos que vierem a ser criados têmamplitude compatível com a direção apontada pelo art. 195, caput .[…]Em matéria de seguridade social, estamos no âmbito de direitos fundamentaisligados a prestações sociais estatais, em que se asseguram liberdades por intermédiodo Estado. Daí a pertinência de identificar um caráter positivo à eficácia jurídicadessa norma programática, pois os direitos consagrados nesse capítulo “pode ser considerados uma densificação do princípio da justiça social”. (GRECO, 2004, p.266).

Além disso, em outra passagem importante do mencionado precedente, o Ministro

Velloso acentuou que a interpretação “puramente literal e isolada” do § 3º do art. 155 da CF

levaria “ao absurdo”, pois empresas de grande porte (do ramo de energia, telecomunicações,

derivados de petróleo e mineração) ficariam sem contribuir para a Seguridade Social. A

argumentação do Ministro Velloso também foi reforçada com a assertiva de que, quando a

Constituição Federal buscou estabelecer imunidade às contribuições sociais previstas no art.

195, ela a previu no § 7º do respectivo artigo, alcançando apenas as entidades beneficentes de

assistência social. Assim, como bem indaga Marco Aurélio Greco:

[…] até que ponto uma interpretação puramente literal (que o texto constitucionalcomporta) deve prevalecer quando a conclusão a que ela conduz (deixar de foraempresas de grande porte) entra em confronto com a norma programática de quetoda sociedade deve contribuir para a seguridade social, máxime tendo em conta aigualdade e a capacidade contributiva que também estão constitucionalmenteconsagradas? (GRECO, 2004, p. 267).

A argumentação desenvolvida, portanto, buscou assegurar a unidade, a coerência e a

força normativa da Constituição não pode ser desprezado, sob pena de se desconsiderar outros

 princípios constitucionais que são o da igualdade e da capacidade contributiva. Esses dois

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 princípios serviram, no caso concreto, como fundamentos para se afastar a interpretação

literal e se buscar uma posição de “equidistância”, como assevera Greco. 252 

Cumpre dizer, contudo, que a defesa da solidariedade fiscal não vingou em outros

casos julgados pelo STF. Nesse sentido, merece ser destacado o RE 166.772 (julgado em

12.05.1994) 253, em que se discutiu a contribuição social sobre o pró-labore (administradores)

e sobre remuneração para a trabalhadores autônomos e avulsos que prestassem serviço à

empresa.

O conceito de “folha de salário” pautado no Direito Previdenciário e defendido pelos

Ministros Carlos Velloso, Francisco Resek e Ilmar Galvão não foi acolhido pela maioria dos

membros do Tribunal, que se filiou à corrente liderada pelo Ministro Marco Aurélio no

sentido de que o termo “salário” deveria ser apreciado à luz do Direito do Trabalho. Assim,

como o termo “salário” alcança apenas as remunerações recebidas por aqueles que possuemvínculo de emprego, então a contribuição prevista no inciso I do art. 195 da CF/88 (redação

original) não poderia alcançar verbas as pagas e creditadas a terceiros (administradores e

autônomos) que não possuíam vínculo de emprego com a contribuinte (pessoa jurídica).

Para o Ministro Velloso, o termo “salário” deveria ser buscado no Direito

Previdenciário, que adotava um conceito mais “elástico” e que o equipara a remuneração,

“aquilo que percebe o segurado”, sendo certo que segurado não é somente o empregado, mas

o trabalhador. Isso porque, segundo Velloso, a previdência social reconhece como segurados

não somente as pessoas que possuem vínculo de trabalho, mas todos os trabalhadores,independentemente do tipo de vínculo. Para o citado Ministro, essa seria o entendimento mais

razoável, considerando que a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações

voltadas à previdência, saúde e assistência social e será financiada pelo Estado e por toda a

sociedade (artigos 194 e 195, caput , CF). Mas, como restou dito, esse posicionamento foi

vencido.

A questão da solidariedade fiscal também foi debatida recentemente no STF, quando

do julgamento da imunidade da contribuição social sobre o lucro sobre as receitas de

252Schoueri (2004, p. 255-256) também comentou outra decisão semelhante, também relatada pelo Ministro

Velloso (RE 144.971, julgado em 13.05.1996), acentuando a necessidade de se assegurar a unidade e a coerênciado sistema. Essa decisão, inclusive, foi amparada em manifestação do Prof. Sacha Calmon, que foi o Juiz quesentenciou e julgou improcedente a ação judicial proposta pelo contribuinte, que também reconheceu que aimunidade almejada pela mineradora seria um “absurdo lógico”, na medida que iria dispensar do custeio daseguridade social (art. 195, caput ) uma empresa que demonstra inegável capacidade contributiva, violandofortemente a isonomia. (SCHOUERI, 2004, p. 260). 253 Inteiro teor do acórdão disponível em:<http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=216095> Acesso em 10/01/2011.

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exportação (art. 149, § 2°, I, da CF/88, incluído com a EC 33/2001 – vide RE 564.413,

 julgado em 12.10.2010). 254 

O Ministro Ricardo Lewandowski, por exemplo, após afirmar que o conceito de

receita (utilizado na regra de imunidade prevista no inciso I do § 2° do art. 149 da

Constituição Federal) não se confundia com o lucro, ressaltou, como reforço na

argumentação, que, tendo em vista o princípio da solidariedade - que serve de fundamento à

cobrança das contribuições sociais - caso o constituinte derivado quisesse imunizar o lucro

decorrente das exportações, ele teria de ter feito isso de forma expressa.

O Ministro Lewandowski ressaltou, inclusive, que a interpretação restritiva por ele

adotada seguia o entendimento firmado pelo STF, em precedente relatado pelo Ministro

Velloso e já mencionado neste trabalho. 255 

O Ministro Carlos Britto também considerou o princípio da solidariedade no custeioda seguridade social uma importante norma jurídica a ser observada na interpretação da regra

descrita no inciso I do §2° do art. 149 da CF/88.

Mesmo reconhecendo que tal imunidade busca incrementar o desenvolvimento

nacional – o que é um objetivo da República Federativa do Brasil (art. 3°, II, CF/88) – o

Ministro Carlos Ayres Britto afirmou que o art. 195, caput , da CF/88, ao estabelecer que a

seguridade social será financiada por toda a sociedade, dificulta a interpretação da exclusão

desse ou daquele segmento empresarial na realização de tal tarefa.

Por sua vez, o voto do Ministra Ellen Gracie também caminhou no sentido dos votosdos antecessores que negavam a imunidade pretendida pelo contribuinte. Apesar de seu voto

enfatizar mais que a imunidade em destaque, por ser objetiva (e não subjetiva), alcança

apenas as receitas decorrentes das exportações e não o lucro da empresa exportadora, ela

afirmou que o princípio da universalidade no custeio da seguridade social deve ser levado em

conta na interpretação do dispositivo constitucional em discussão.

A mencionada Ministra asseverou que foi com esse enfoque que o STF, ao julgar o

Agravo Regimental no RE n.º 249.841, reconheceu que a pessoa jurídica empregadora em

 potencial deveria contribuir normalmente para a seguridade social. 256 

254 Por seis votos a cinco, o STF entendeu que a imunidade prevista no art. 149, § 2°, I, da CF/88 não alcançava acontribuição social sobre o lucro. Inteiro teor do acórdão disponível em:<http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=617645> Acesso em 10/01/2011.255 O precedente invocado pelo Ministro Lewandowski trata do no caso da imunidade descrita no § 3° do art. 155da CF (RE 227.832/PR).256 O precedente citado pela Ministra Ellen Gracie possui a seguinte ementa:RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. COFINS. PESSOA JURÍDICA SEMEMPREGADOS. EXIGÊNCIA.

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Por fim, merecem ser considerados os votos do Ministro Gilmar Mendes e do

Ministro Joaquim Barbosa. O primeiro abriu a divergência, entendendo que a regra

constitucional alcançava não só a receita (já onerada pela Contribuição ao PIS e COFINS),

mas também o lucro tributado pela CSL. O segundo – que desempatou a questão – votou no

sentido de que não haveria imunidade. Porém, para ele, a fundamentação relevante para a

solução do caso não estava no princípio da solidariedade, mas em eventual descumprimento

de acordos internacionais.

Para o Ministro Gilmar Mendes, por se tratar de regra que traduz uma imunidade, sua

interpretação deverá considerar a finalidade visada pela norma jurídica em discussão, que, no

caso em questão, foi o de incentivar o desenvolvimento nacional – finalidade prestigiada pelo

texto constitucional (art. 3°, II, CF/88). Assim, esse contexto afasta eventual conflito com o

 princípio da solidariedade previsto no art. 195 da CF/88, até porque se está retirando alguns fatos da norma de incidência e não  pessoas (distinção em imunidade objetiva e subjetiva).

Para o Ministro Gilmar Mendes, esse referencial é importante para saber se a regra de

imunidade alcança o lucro tributado pela CSL ou não.

Por sua vez, o Ministro Joaquim Barbosa vê com ressalvas o argumento da

solidariedade. Contudo, uma crítica merece ser feita ao seu voto. Isso porque entendemos que

o mesmo discutiu algo que os demais Ministros não expressaram nem entendem pertinente.

Inicialmente, o Ministro Joaquim Barbosa assim aduziu:

A questão constitucional a ser enfrentada pela Corte diz respeito a valoresconstitucionais caros e pode ser resumida nas seguintes palavras: o princípio da solidariedade justifica a ampliação irrestrita das fontes de custeio dos benefíciossociais, mesmo se não houver benefício direto ao contribuinte? Se existentes, oslimites constitucionais foram violados neste caso e, mais importante, quais são os parâmetros para controle que podem ser fixados para a aplicação em casos futuros?[…]Entendo que a adoção do modelo solidário de custeio da previdência está longe dechancelar  todo e qualquer tipo de aumento da base de tributação. É plausívelconsiderar que a criação de mecanismos destinados a sustentar condições justas decompetitividade no mercado internacional atende o fortalecimento da arrecadaçãoassistencial e previdenciária tanto quanto o aumento nominal da base decontribuintes ou das receitas tributáveis. De forma bastante simplificada, odeslocamento do potencial de emprego para regiões com tratamento tributário, fiscalou regulatório mais favorável, talvez predatório, tende a diminuir a quantidade de

1. O enunciado do art. 195, caput, da CF/88 "a seguridade social será financiada por toda a sociedade" revela aintenção do legislador constituinte de não excluir de ninguém a responsabilidade de custeá-la. O vocábulo"empregador" constante do inciso I desse artigo abrange a pessoa jurídica empregadora em potencial.Precedentes: RE 335.256-AgR e RE 442.725-AgR.2. Agravo regimental improvido. (RE 249841 AgR, Relator: Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, julgado em28/03/2006, DJ 05-05-2006, p. 34). Inteiro teor disponível em:<http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=334113> Acesso em 11/11/2010. 

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empregos formais, a remuneração paga e a geração de riquezas. Conseqüentemente,também cairá a base efetiva (calculada) das contribuições.Ausente comprovação de que a imunidade torna o Brasil o país predatório (comtributação favorecida, “paraíso fiscal”), bem como de que a própria OMC tenharefugado a postura nacional, o cálculo entre os princípios é desfavorável à pretensãomeramente arrecadatória. (BRASIL, RE 564.413, 2010)

Entendemos que a interpretação dada pelos Ministros Lewandowski, Ayres Britto e

Ellen Gracie não estavam amparados em interesses “meramente arrecadatórios”. Ao contrário,

eles estavam preocupados em compatibilizar a melhor interpretação a ser dada ao termo

“receitas” - previsto na regra de imunidade em discussão (art. 149, § 2° I, CF/88) - com o

 preceito constitucional que deixa expresso que a seguridade social será financiada por toda a

sociedade (art. 195, caput , CF/88).

E certamente os três Ministros em destaque também não aceitam a tese de que o

 princípio da solidariedade chancelaria todo e qualquer tipo de ampliação irrestrita das fontes

de custeio da seguridade social. 257 

O trabalho que os três Ministros fizeram foi similar ao desenvolvido pelo Ministro

Velloso quando do julgamento do RE 227.832/PR, que discutiu se a imunidade sobre as

operações com energia, combustíveis e minerais prevista no art. 155, § 3°, CF/88 alcançava o

PIS e a COFINS 258. Eles conferiram ao termo utilizado no texto constitucional um conceito

compatível com a Constituição como um todo (interpretação sistêmica), observando as regras

descritas no art. 195, entre elas o princípio da solidariedade e universalidade no custeio da

seguridade social.

Portanto, entendemos que o raciocínio desenvolvido pelo Ministro Joaquim Barbosa

não se adequa ao caso em debate, muito menos aos votos dos Ministros que o antecederam.

Para finalizar esse item, fica evidenciado que o princípio da solidariedade social é

norma jurídica que deve ser considerada na interpretação dos dispositivos de leis que tratam

da tributação, sendo certo que ele não deve ser lido sozinho, unilateralmente, como bem

adverte Greco (2005, p. 189), mas conjugado com outros valores positivados no texto

constitucional.

257 Como bem afirma Marco Aurélio Greco (2005, p. 189), o grande desafio hoje é compatibilizar os valoresconstitucionalmente consagrados. “Não podemos ler a Constituição pela metade, ou seja, só pensando emsolidariedade social, pois estaríamos cometendo a mesma distorção cometida por aqueles que lêem aConstituição só pensando na liberdade individual; temos de ler o conjunto, porque é pela conjugação dos valores protetivos da liberdade e modificadores da solidariedade que iremos construir uma tributação efetivamente justa.” Acreditamos que os Ministros Carlos Britto, Ricardo Lewandowski e Ellen Gracie, no caso em debate,trilharam esse caminho.258 Tema que foi visto anteriormente neste item da presente dissertação.

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4.8 . O alcance dos princípios na interpretação tributária: algumas considerações

frente as correntes doutrinárias brasileiras

Adiantamos, desde já, que a busca pela solidariedade, ou pela real capacidade

contributiva e o tratamento isonômico como medida de justiça fiscal não são argumentos

 suficientes para quebrar as regras de competência tributária descritas na Constituição

Federal, nem para afastar as regras de anterioridade e de legalidade descritas no texto

Constitucional (art. 150, I e III, alíneas ‘b’ e ‘c’). 259 

Como já mencionado no capítulo anterior, quem aceita a existência desse dever 

fundamental não discorda da afirmação de que esse poder é limitado constitucionalmente.260 

O que está jogo, na grande maioria das vezes, é questão diversa. Indagaçãoimportante, por exemplo, é saber como esses princípios devem agir na atividade de

interpretação dessas regras de competência 261. Devemos levá-los em consideração quando

formos interpretar a expressão “serviços de qualquer natureza” como atividades econômicas

que promovam ou possibilitem algum benefício ao tomador de serviços – alcançando, assim,

atividades econômicas como a locação de bens móveis? 262 

Ou, ao contrário, não devem ser considerados em nenhum momento, permitindo que

essa expressão seja interpretada como simples obrigações de fazer , não envolvendo

 prestações de dar, na linha adotada pelo Código Civil de prestação de serviço.263

 Esse é um ponto importante que tende a separar aqueles que defendem daqueles que

não acolhem a tese de um dever fundamental de pagar tributos.

259 Para Raquel Machado (2007, p. 43), não há como aceitar a relativização do princípio da legalidade a ponto deautorizar a tributação por analogia. Esse tema, contudo, como visto no item 3.5.5, começa a deixar de ser um“tabu”, havendo respeitável corrente que entende que o texto constitucional não veda a tributação por analogia.260 Como bem frisa Marco Aurélio Greco (2008, p. 50), “quando se diz que é preciso tributar segundo acapacidade contributiva, também é preciso ponderar não ser adequado transformar a capacidade contributivanum valor absoluto que atropele a legalidade e a tipicidade. Essa confluência de valores é a base de toda atemática que vamos examinar daqui para frente.” Conferir também Greco (2005, p. 188-189).261 Afinal, o texto possui abertura e não apenas uma única solução possível. Texto e norma não se confundem,como já visto no capítulo 3.262 Linha inicialmente adotada pelo STF, conforme se verifica do RE 112947/SP, rel. Ministro Carlos Madeira, julgado em 1987, em que restou consignado que se deve levar em conta “a realidade econômica, que é aatividade que se presta com o bem móvel, e não a mera obrigação de dar, que caracteriza o contrato de locação,segundo o artigo 1188 do Código Civil. Na locação de guindastes, o que tem relevo e a atividade com elesdesenvolvida, que adquire consistência econômica, de modo a tornar-se um índice de capacidade contributiva doimposto sobre serviços.” Disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=locacao+e+bens+moveis+e+carlos+madeira&base=baseAcordaos> Acesso em 09/10/2010.263 Linha atual adotada pelo STF – Vide Súmula Vinculante nº 31: “É inconstitucional a incidência do Impostosobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis”. Vide RE 116.121,Relator p/ acórdão Min. Marco Aurélio, julgado em 11/10/2000, DJ 25-05-2001, p. 17.

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Se não é mais possível falar em poder ilimitado ou em direitos absolutos, o centro da

discórdia, portanto, será determinar em que ponto está esse limite ou qual é esse limite.

Para a doutrina mais liberal, o alcance dos direito individuais de proteção exige uma

intervenção mínima do Estado, conferindo aos direitos fundamentais individuais uma maior 

extensão possível , o que torna o poder tributário bastante limitado, não só na criação como na

atividade fiscalizadora (poder de polícia). Valerá aqui o entendimento de que o Poder Público

somente poderá agir conforme a lei expressamente descrever e o particular praticar tudo o que

não estiver expressamente proibido.

Da mesma forma, essa concepção (liberal) tende a ser defendida por aqueles que

entendem que o direito individual de intimidade e privacidade impede que o Fisco tenha

acesso diretamente aos dados protegidos com o sigilo bancário. Na visão dada por essa

corrente, a lei que confere tal direito ao Fisco despreza o delineamento preciso traçado pelaConstituição Federal. 264 

Essa compreensão, contudo, diminui ou retira a eficácia positiva de outros direitos

 fundamentais, bem como de eventual dever fundamental . A necessidade de se assegurar os

direitos fundamentais, entre eles os de 2ª e 3ª dimensão gera ônus tanto para o Estado como

 para o indivíduo.

Gera ônus ao Estado (alcançando, portanto, o Fisco) na medida em que o mesmo

deverá respeitar todo o ordenamento jurídico, incluindo preceitos constitucionais. É a velha

fórmula “lei e o direito”. O administrador não terá que observar apenas o texto da lei ordinária posta, mas também os princípios e as normas constitucionais que sempre irradiam algum

efeito. A legalidade passa a ser concebida como juridicidade. 265 

Por outro lado, o cidadão (o contribuinte) não só irá sofrer algumas limitações em

seus direitos individuais como deverá se portar com respeito também à totalidade do

264 Nesse sentido, conferir a afirmação de Raquel Machado (2007, p. 77): “Nesse contexto, a atribuição genéricade poder à Administração Tributária, em desprezo ao delineamento preciso traçado na Constituição, é armadilha perigosa, eis que viabiliza a instauração do arbítrio. Armadilha esta que ainda pode trazer caos para a economia,ante a imprevisibilidade sobre formas de tributação.”265 O Direito Administrativo foi extremante influenciado pelo Direito Constitucional, o gerou o movimento da“constitucionalização do Direito Público”. Vários foram os efeitos dessa nova linha de pensamento: limitar adiscricionariedade; impor deveres de atuação; e fornecer fundamento de validade para a prática de atos deaplicação direta e imediata da Constituição, independentemente da interposição do legislador ordinário. Comoressalta Gustavo Binenbojm (2008, p. 140-141), o Direito Administrativo ficou, durante muito tempo, atrelado àideia de que “administrar é aplicar a lei de ofício” (mera reprodução ou aplicação mecânica da lei). Caminha-se, portanto, para uma vinculação da atividade administrativa ao ordenamento jurídico como um todo (bloco delegalidade), não a uma espécie normativa específica (lei formal). A Constituição da República (com suas regras e princípios) “passa a ser o elo de unidade a costurar todo o arcabouço normativo que compõe o regime jurídicoadministrativo. A superação do paradigma da legalidade administrativa só pode ocorrer com a substituição da lei pela Constituição como cerne da vinculação administrativa à juridicidade.” Sobre o princípio da juridicidade,conferir também Raquel Urbano Carvalho (2007, p. 52-57).

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ordenamento jurídico 266, sendo vedado, assim, abusar ou exercer abusivamente seu direito ou

agir em fraude à lei.

Esse tema é de suma importância ao debate do controle do planejamento tributário,

mas que, em razão do escopo e dos limites do presente trabalho, não será abordado com

 profundidade.

Ainda assim, uma compreensão que agasalha a tese do dever fundamental de pagar 

tributo irá  sempre considerar , na atividade hermenêutica, os princípios da capacidade

contributiva e da isonomia, bem como os valores positivados no início do texto

constitucional, como argumentos para legitimar determinada oneração ou limitação ao

exercício de um direito individual.

Ao contrário, quem não acolhe a tese do dever fundamental tende a dar mais

relevância aos direitos de propriedade e liberdade, sendo certo que, quando invocam os princípios da isonomia e capacidade contributiva, os utilizam apenas como argumentos para

afastar a tributação ou para repudiar alguma medida que aumente os poderes de fiscalização.

Alguns exemplos tirados da doutrina brasileira comprovam essa premissa.

4.8.1. A posição da professora Misabel Derzi 

Como exemplo, podemos citar a Professora Misabel Derzi, uma das mais renomadas

tributaristas do Brasil. Apesar de em seus comentários ela sempre aduzir e reconhecer o papel

importante da justiça tributária e de defender também a necessidade de se garantir efetividade

aos direitos fundamentais, a autora não utiliza em seus escritos a noção de dever fundamental

de pagar tributos. 267 Em determinada parte de suas notas à obra de Aliomar Baleeiro, ela

consigna o seguinte:

Ao erigir a República Federativa em Estado Democrático de Direito e, ao construir um sistema tributário norteado pelo reforço ao federalismo e dirigido pela igualdade,capacidade contributiva, segurança e certeza do direito, a Carta brasileira atualmostrou-se pródiga em normas limitadoras do poder de tributar e secularmenteinspiradas pelas Ciências das Finanças. Estudá-las em suas causas, funções e origenshistóricas somente pode ser enriquecedor para o intérprete, mas não se deve descurar 

266 Basta lembrar os efeitos dos direitos fundamentais nas relações entre particulares (a chamada eficáciahorizontal dos direitos fundamentais).267 Importante dizer que a Prof. Misabel Derzi foi a orientadora da Dra. Maria Luíza Mendonça, na obra jácitada.

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de que o fio condutor é o valor jurídico, a diretriz posta pelo Direito. (BALEEIRO,1997, p. 3).

 Nota-se que a autora reconhece que o Estado Democrático de Direito possui um viés

transformador, mais preocupado com justiça social, “centrada na igualdade de oportunidadese em variadas formas de inclusão social.” (DERZI, 2009, p. 6-7).

Quanto à tributação, aduz a autora que a “Constituição adota a concepção de tributo

como solidariedade, graduado de acordo com a capacidade contributiva” (DERZI, 2004, p.

71), e não simples meio de troca por serviços públicos.

A autora aceita a progressividade na “busca de um melhor padrão de vida para todos,

dentro dos planos de desenvolvimento nacional integrado e harmonioso” (BALEEIRO, 1997,

530). Misabel Derzi (2004, p. 112) também reconhece que o princípio da igualdade pode ser 

invocado para justificar as “desigualdades de tratamento em favor dos economicamente maisfracos”, justamente para reduzir as disparidades e buscar igualar as condições concretas.

Derzi (2004, p. 112-116) reconhece ainda a possibilidade de  progressividade fiscal 

do IPTU , mesmo antes da Emenda Constitucional nº 29, de 2000, fazendo coro ao voto

vencido do Ministro Carlos Velloso no julgamento do RE 153.771/MG, precedente em que

acabou vigorando a tese liderada pelo Ministro Moreira Alves de que o IPTU, até a edição da

citada Emenda Constitucional, somente admitia a progressividade extrafiscal, ou seja, para

atender a função social da propriedade (art. 182, § 4º, CF). 268 

Para a citada autora, não é possível uma leitura do § 1º do art. 145 da CF/88, queiguale a capacidade contributiva à mera proporcionalidade dos impostos, com exceção do

imposto de renda, em razão da cláusula expressa prevista no art. 153, § 2º, I, da CF/88. Para

Derzi:

[…] graduar “segundo a capacidade econômica do contribuinte” é dito que, aliadoaos arts. 1º e 3º da Constituição, autoriza a progressividade nos impostos incidentessobre a sucessão e o patrimônio. O conceito de igualdade não se vincula, naatualidade constitucional, à manutenção do  status quo, mas ganha (ou deveriaganhar) um conteúdo concreto que obriga o legislador a medidas mais socializantes.

(DERZI, 2004, p. 112).

De outro lado, Misabel Derzi invoca a isonomia e a capacidade contributiva quase 

sempre como argumentos a favor da proteção do contribuinte. Em geral , nas lições de Derzi,

268 “A propriedade de imóveis suntuosos ou de alto luxo, já edificados e plenamente utilizados, demonstra aelevada capacidade econômica de seu titular. Submetê-los a certa progressividade (de cunho não sancionatório),à luz da progressividade em razão do valor, sempre foi perfeitamente conciliável com o art. 182, que obedece aoutros pressupostos.” (DERZI, 2004, p. 115).

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os princípios da isonomia e capacidade contributiva são voltados para evitar a tributação do

mínimo existencial, por exemplo, ou para legitimar deduções da base de cálculo do imposto

de renda, como meio, inclusive, de prestigiar a família, instituição que a Constituição

 brasileira deu grande importância. 269 Em determinada anotação à obra de Baleeiro, Derzi, ao

reafirmar a importância do princípio da capacidade contributiva e reconhecer a importância da

obra de Griziotti, aduz:

Para isso, destaca o autor, exatamente, a força econômica, que não esgota oconteúdo do princípio da capacidade contributiva, a qual é pesada e valorada pelolegislador mas se presta a limitar e a condicionar a margem de discricionariedadelegislativa, a saber:

•  tolhendo as imposições excessivas, que sejam confiscatórias;•  impedindo a oneração das rendas mínimas e levando à graduação progressiva

do sistema tributário.Por conseguinte, não deve surpreender o fato de a Constituição de 1988, que tende àconcreção e à efetividade, referir no art. 145, § 1°, a capacidade econômica e não acapacidade contributiva. Com isso ela pretendeu afastar as criações jurisprudenciais,administrativas ou legais que, baseadas em presunções, ficções ou falseamentos, buscassem atingir fatos que não estivessem assentados em realidades econômicas.Capacidade econômica contributiva, então, somente se pode medir por meio dasverdadeiras forças econômicas do contribuinte como quer Moschetti. (BALEEIRO,1997, p. 690).

E em passagem do seu recente livro, a Professora Misabel aduz que:

Sempre me filiei à corrente daqueles que aliam a moral, a ética jurídica,

especialmente tributária, à  justiça. A segurança jurídica, para mim, é valor fundamental, mas não está em questão no conflito, por ser prévio ou pressupostoevidente sem o qual não se pode alcançar a justiça. (DERZI, 2009, p. 608).

Mas, por outro lado, ela é expressamente contra uma norma antielusão, em razão de

a mesma afrontar a segurança jurídica e a legalidade 270 e afirma que o direito individual de

intimidade e privacidade (art. 5°, X e XII, CF) bloqueia a pretensão do Fisco em obter os

dados bancários diretamente (sem intervenção judicial, portanto) das instituições financeiras.271 

Algumas de suas premissas básicas (como o reconhecimento dos objetivostransformadores da sociedade determinados pela Constituição ao Estado e aos indivíduos) são

269 Uma boa parte da obra de Mendonça (2002), que abarca o dever fundamental de pagar impostos, centra-se nanecessidade de se considerar a isonomia como postulado necessário para a devida proteção da família.270 Vide Derzi (2001, p. 207-232) e Derzi (2010, p.59-61). Neste último texto, a renomada professoraexpressamente afirma que o entendimento de Klaus Tipke sobre o limite no direito de planejar tributos nãoencontra respaldo no Brasil .271 Vide nota de Misabel Derzi à obra de Baleeiro (1997, p. 799-808) e parecer feito pela professora em co-autoria com o Prof. Sacha Calmon (COÊLHO; DERZI, 1997, p. 261-305).

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as mesmas defendidas por Nabais, Buffon, Mendonça, Godoi e Greco. Contudo, tudo indica

que, para Derzi, o alcance protetivo dos direitos fundamentais individuais “fala mais alto”

Assim, é possível que, para Misabel Derzi, o dever fundamental de pagar tributo,

mesmo que existente, não traria mudanças na sua compreensão dos limites da tributação nem

na forma como ela interpretaria os dispositivos de matéria fiscal.

4.8.2. A posição de Raquel Machado

O entendimento anteriormente explicado também é seguido por Raquel Machado,

que entende, corretamente, que devemos ter cuidado ao “transplantar” para o Brasil algumasteorias ou modelos debatidos no exterior. Ilustra tal afirmação com a Constituição Italiana,

que, por ser pouco detalhada, consagra o princípio da capacidade contributiva como

“fundamento da tributação”.

Para a mencionada autora, este princípio, apesar de poder ser compreendido como

uma autorização à tributação até o limite da capacidade econômica individual, “tem por fim

 precípuo impedir que os tributos extrapolem essa capacidade econômica”. Assim, ele será

“mais uma limitação ao poder de tributar, do que uma determinação para tributar”

(MACHADO, 2007, p. 76). As considerações feitas no item 4.5 deste capítulo jácomprovaram que tal autora tende à visão mais liberal da doutrina.

4.8.3 Posições mais extremadas 

4.8.3.1. Ives Gandra da Silva Martins e Hugo de Brito Machado

Por fim, há o entendimento mais extremo defendido por aqueles que expressamente

vislumbram que o texto constitucional, em matéria tributária, é servil à função de proteção

dos direitos individuais. Apesar de não serem expressos, essa corrente rechaça veemente a

tese de Nabais. Ou, se a aceita, então a resume ao componente ético de que todos devem

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 participar do custeio do Estado com a menor quantia possível, sem maiores consequências

 práticas. Nesse sentido, Ives Gandra da Silva Martins é enfático ao afirmar que:

Estou convencido de que o atual sistema, como o anterior, é mais uma carta de

direitos do contribuinte contra os excessos da carga tributária da Federaçãotripartida, que é o Brasil, único país do mundo a outorgar, constitucionalmente,competência impositiva aos municípios.Tendo o constituinte plena consciência de que a carga tributária tende sempre a ser excessiva, optou, como já o fizera o constituinte anterior, por um sistema rígido de partilha de competências, pelo qual tudo o que estiver em lei é permitido ao Fisco, enada obriga o contribuinte, se em lei não estiver.A falta de legislação não beneficia o Fisco, mas exclusivamente, o contribuinte.Tem o Fisco o direito de brandir a espada da imposição, mas tem o contribuinteo direito de se defender com o escudo da lei.É, portanto, o Sistema plasmado, mais uma carta do contribuinte do que umEstatuto do Poder Tributante, nada obstante hospedar instrumentos que possibilitam considerável aumento de carga, que já não era pequena, à luz do velhosistema.

Tenho para mim, como tantas vezes acentuei nos capítulos anteriores, que o tributoé uma norma de rejeição social, porque todos os contribuintes, em todos osespaços geográficos, pagam mais do que deveriam pagar, para sustentar ogoverno. Além daquilo que retorna à comunidade em nível de serviços públicos, pagam, também, para sustentar os desperdícios, as mordomias, o empreguismo,inclusive a corrupção dos detentores do poder.[…]O tributo, pela densidade superior de sua carga, sempre exigido a mais do que asreais necessidades do Estado, é uma norma de rejeição social.Tal concepção entendo tenha sido hospedada pelo Sistema atual, cuja rigidezdemonstra que os princípios da estrita legalidade, da tipicidade fechada e da reservaabsoluta da lei continuam nele plasmados. (MARTINS, 2005, p. 330-332, destaquesnossos).

Consideramos que a posição defendida por Ives Gandra induz ao reconhecimento de

um direito fundamental ao não pagamento de tributos, posição esta criticada por Nabais. 272 

Merece ser dito também que, em consequência desse raciocínio, Ives Gandra defende

que a tributação deve ser sempre vista como um “castigo” e, assim, dirigida para “punir”

atividades “moralmente” decaídas, com o intuito de “desestimulá-las”. 273 

272 Conforme colocado no capítulo 3 (item 3.2), Nabais (2004, p. 186) afirma que “não há lugar a um qualquer 

(pretenso) direito fundamental  de não pagar impostos, como o radicalismo das reivindicações de algumasorganizações de contribuintes ou a postura teórica de alguns jusfiscalistas mais inebriados pelo liberalismoeconômico e mais empenhados na luta contra a “opressão fiscal”, que vem atingindo a carga fiscal nos paísesmais desenvolvidos, parecem dar a entender.”273 A posição adotada por Ives Gandra é confirmada por Marciano Godoi (2010): “Em suma, segundo a posturalibertarista o tributo confunde-se com uma pena, um castigo. Tanto é assim que a proposta final da referida obrade Ives Gandra é usar o tributo para combater condutas ilícitas que desrespeitam “regras consideradasfundamentais para a convivência social” Para se ter uma ideia de como o tributo é identificado como um castigo,a proposta concreta do autor é usar a tributação como “grande instrumento de moralização de costumes”,gravando pesadamente a “exploração do lenocínio, copular ou fotográfico”, os jogos de azar, o “campo difícil datoxicomania”, num movimento de “utilizar-se da obrigação tributária como forma corrente de recondução da lei positiva aos contornos próprios da lei natural”.” 

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Importante notar que Ives Gandra não está defendendo uma tributação extrafiscal, tal

qual permitida na Constituição, que envolve a seletividade e essencialidade. As situações

narradas por Ives Gandra são bem distintas daquelas que buscam, via tributação, a proteção à

saúde, por exemplo – como ocorre com a tributação mais elevada de IPI sobre a venda de

cigarros e bebidas – ou mesmo a tributação mais alta de bens supérfluos (perfume, jóias),

isentando, em contrapartida, as operações com bens essenciais.

Para Ives Gandra, a tributação deve alcançar atividades que, na  sua concepção

 pessoal , são moralmente condenáveis, tais como as atividades econômicas dos “motéis”,

locais que envolvam “jogos de azar” e revistas pornográficas. Assim o mencionado professor 

 paulista afirma:

Determinadas atividades de natureza mais contravencional podem ser melhor combatidas a partir da imposição tributária. Neste campo situam-se aquelas atividades de exploração da pornografia, dolenocínio disfarçado, dos jogos proibidos, dos meios de comunicaçãoatentatórios aos valores morais etc. Na medida em que certas atividades não são proibidas ou não desestimuladas, alucratividade inerente à sua existência atrai comportamentos menos compatíveiscom a ética que, por outro lado, obtêm resultados sensíveis sem qualquer imposiçãotributária.[…] No Brasil, o jogo do bicho, por exemplo, gera alta lucratividade, sem que o Estadodela participe, servindo o interesse econômico resultante, apenas para fortalecimentodos grupos de gangsters que o exploram.Da mesma forma, certas outras atividades, que escondem sensível ilicitude sob aforma disfarçada de licitude, como a exposição de motéis, filmes pornográficos,revistas dessa natureza, casas de “massagem” para homens etc., se sofremtributação, ela é, em grande parte, sonegada, pelo sigilo que os que dela participam pretendem, criando concorrência desleal com relação aos que atuam nos setores decomunicações, na hotelaria e nas casas fisioterápicas de indiscutível seriedade.O caminho correto de combate seria admitir a licitude para efeitos fiscais ecombater tais atividades mediante uma tributação desestimuladora.”(MARTINS, 2005, p. 443-444, destaque nosso). 

 Nota-se, portanto, que Ives Gandra, apesar de ser considerado um defensor das

liberdades, impõe o seu próprio juízo como um valor a ser considerado na política tributária

 para fins de “punir” alguns comportamentos ou atividades que não foram valorados positiva

ou negativamente pelo Direito. A tributação, na visão de Ives Gandra, poderia servir,

 portanto, como um instrumento para tolher a liberdade de expressão e de escolha das pessoas,

 pois elas seriam “castigadas”, pelo tributo, se comprassem, por exemplo, uma revista

 pornográfica. Não há dúvida que tal tese não se sustenta, pois o Estado estaria interferindo em

esfera que não lhe é própria.

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Outro tributarista de renome que possui algumas ideias voltadas à concepção

libertária do Direito Tributário é Hugo de Brito Machado. Apesar de o citado professor 

cearense reconhecer a importância do tributo para a economia de mercado e que o Estado não

 poderia realizar suas atividades seus esse instrumento financeiro 274, afirma que o Direito

Tributário “tem por finalidade limitar o poder de tributar e proteger o cidadão contra os

abusos desse poder.” (MACHADO, 1998, p. 35).

E Hugo de Brito Machado, em prefácio à obra de Raquel Machado, aduz que o

Direito Tributário, como sistema de limites ao poder de tributar, é fruto da civilização e do

resultado da luta contra o arbítrio dos governantes, mas que, com o tempo, ele tem evoluído.

Isso porque, apesar de todos os defeitos, existe um Estado com poderes definidos e dividido,

que se submete de algum modo ao Direito, sendo que tal evolução tende a ser mais

 promissora na “medida em que os juristas de dedicarem à construção de doutrinas maisconsistentes para a defesa do cidadão contra o arbítrio.” (MACHADO, 2007, p. 8).

Reconhecemos que o Direito Tributário possui esse papel de limitar o poder do

Estado.  Mas não apenas esse. O Direito Tributário, no Estado Democrático de Direito,

também deve ser considerado como um repositório de normas jurídicas que buscam assegurar 

a realização dos direitos fundamentais, de forma a prestigiar a dignidade da pessoa humana.

Isso passará também pela criação e interpretação de normas que oneram e desoneram o

contribuinte. Esse entendimento é afirmado por Marciano Godoi, em texto ainda não

 publicado:

Assim como ocorre com Ives Gandra, Hugo de Brito sempre descreve o tributocomo um recurso “do Estado”; a arrecadação tributária sempre é descrita como “derecursos financeiros para o Estado”, destinada ao “custeio das atividades do Estado”.O Estado é visto como completamente apartado da sociedade civil. Não é que essa descrição esteja errada; a questão é que se trata de uma descriçãoincompleta e pouco esclarecedora. Por que não reconhecer que o tributo se destina,ao fim e ao cabo, a financiar toda uma gama de atividades direta ou indiretamenterelacionadas com o próprio sistema de direitos individuais e coletivos asseguradosna Constituição? (GODOI, 2010).

Diante disso, entendemos desacertada a posição defendida por estes dois autores, que

desconsideram completamente a existência do dever fundamental de pagar tributos.

274 “A tributação é, sem sombra de dúvida, o instrumento de que se tem valido a economia capitalista parasobreviver. Sem ele não poderia o Estado realizar os seus fins sociais, a não ser que monopolizasse toda aatividade econômica. O tributo é inegavelmente a grande e talvez única arma contra a estatização da economia.”(MACHADO, 1998, p. 24) Entendemos que essa afirmação demonstra que o renomado professor reconhece aexistência de um Estado Fiscal, na linha defendida por Casalta Nabais e já exposto no capítulo 3 dessadissertação.

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4.8.3.2. Sacha Calmon Navarro Coêlho

Outro autor que nega a existência do dever fundamental de pagar tributos é Sacha

Calmon Navarro Coêlho. Em livro sobre a evasão e elisão fiscal, o autor expressamente

repudia o entendimento de Maria Luíza Mendonça (obra já tratada neste trabalho).

Para Sacha Calmon (COÊLHO, 2006, p. 13-14), Mendonça entende que a

solidariedade fundamenta diretamente o dever fundamental de pagar impostos e serve também

de fundamento indireto, por via do mesmo dever fundamental, aos direitos sociais, que serão

custeados pelos recursos oriundos da tributação alargada de um Estado Social, como o é o

Estado brasileiro. Dessa forma, na visão de Sacha sobre a teoria de Mendonça, a solidariedade

e a igualdade material impedem que se compreenda a existência de um direito absoluto àliberdade fiscal do particular, que alcança, assim, o direito à economia fiscal, o direito à

 prática de negócios fiscalmente menos onerosos e, principalmente, o direito à livre utilização

dos institutos e formas do Direito Privado.

Assim, para Mendonça, tanto a solidariedade como a igualdade material, conjugados,

impõem limitação a essa liberdade, levando-se em conta os danos que o uso abusivo 

(egoístico) do direito possa causar a terceiros. Além desses dois valores, para Mendonça

(2002, p. 404 e 520), a isonomia formal (generalidade da tributação) também impõe a adoção

da doutrina do abuso do direito no Direito Tributário, sob pena de se frustrar o direito a umacarga tributária repartida entre todos os economicamente aptos a contribuírem para os cofres

 públicos segundo sua capacidade econômica. A citada autora afirma expressamente que:

Assim, a solidariedade, complementando a generalidade considerada como uma dascaracterísticas da igualdade em matéria tributária, impede que se tenha comolegítima a economia de impostos quando esta última é praticada sob o manto de umaautonomia contratual abusivamente exercida pelo cidadão-contribuinte, pois, casocontrário, admitir-se-ia que tal pessoa se furtasse ao seu dever de pagar impostos emdetrimento do financiamento das tarefas do Estado no campo social e com vantageminjustificada frente aos demais cidadãos-contribuintes que, se encontrando na mesma

situação, vale dizer, demonstrando a mesma capacidade contributiva, cumprissemaquele dever. (MENDONÇA, 2002, p. 404).

Sacha Calmon nega veementemente a posição defendida por Mendonça, bem como a

existência de tal dever fundamental, expressando-se nos seguintes termos:

Em compensação, a Juíza Federal MARIA LUÍZA VIANNA PESSOA DEMENDONÇA, em obra volumosa e fundamentada, adepta do Estado Social deDireito, esforçada em NABAIS, inventa um “dever fundamental de contribuir”,

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algo sem precedentes, que a leva a combater qualquer tipo de elisão tributária comoabuso de direito, capaz de “desclassificação judicial” contra os princípios dalegalidade e tipicidade. (COÊLHO, 2006, p. 13, destaque nosso).

Sacha Calmon (COÊLHO, 2006, p. 14) afirma que Klaus Tipke, na obra “Moral

tributária do Estado e dos contribuintes” (p. 109), assevera que “apenas os países da antiga

esfera soviética e islâmicos adota o dever de contribuir nas constituições”.

O citado autor (COÊLHO, 2006, p. 70) reafirma, em outra passagem de seu livro,

que “somente países de tendência totalitária e fundamentalistas fazem constar de suas

Constituições o dever fundamental de pagar tributos: Rússia, art. 57; Egito, art. 61; Iraque, art.

35; Yemen, art. 58; Síria, art. 4°; Tunísia, art. 16, et caterva.” Para tanto, pauta-se novamente

na mesma página n° 109 da obra de Tipke acima indicada.

 Na verdade, Klaus Tipke (2002, p. 109) apenas cita que, diferentemente de outros

textos constitucionais, a Constituição alemã não contempla os deveres dos contribuintes. Ao

contrário, outras Constituições – entre elas a russa e de alguns países do Oriente Médio -

estabelecem que todos estão obrigados ao pagamento dos impostos estabelecidos legalmente.275 Adverte ainda Tipke (2002, p. 109, nota 1) que outras Constituições desconhecidas para o

citado autor podem conter preceitos iguais ou semelhantes.

Ou seja, Tipke não afirma que esse dever fundamental é algo autoritário e existente

apenas em Estados menos democráticos, quiçá arbitrários. Ao contrário, Tipke (2002, p. 109)

aduz que essa obrigação posta no texto constitucional impõe uma obviedade, qual seja, a de

que as leis são regras que obrigam com caráter geral e que o cumprimento das leis é também

um dever moral.

Cumpre dizer que, na linha defendida por Casalta Nabais, o dever fundamental de

 pagar impostos não precisa estar expresso, com esses termos, no texto constitucional. 276 

Isso sem esquecer que, no caso da Constituição da Espanha – que é um Estado

Democrático de Direito – consta expressamente o dever de todos contribuírem, segundo sua

capacidade econômica, para com o sustento dos gastos públicos (art. 31.1). 277 

275 Assim afirma Tipke (2002, P. 109): “A diferencia de otros textos constitucionales, la Constitución alemana nocontempla los deberes de los contribuyentes. Em efecto, resulta llamativo que la Constitución prácticamente selimite a establecer derechos del ciudadano. Por el contrario, otras Constituciones establecen que todos estánobligados al pago de los impuestos establecidos por la ley (Constituciones de Rusia de 1993, art. 57; de Egiptode 1971/1980, art. 61; de Irak de 1979, art. 35; de Yemen de 1991, art. 58; de Siria de 1973, art. 41; de Túnez de1959, art. 16; de los Emirados Árabes Unidos de 1971, art. 42, y de Kuwait de a962, art. 48). Con ello se expresauna obviedad: las leys son reglas que obligan com carácter general. ‘El cumplimiento de las leys es también umdeber moral’.”276 A “Parte I” da Constituição portuguesa, logo após o artigo 11°, denomina-se “Direitos e deveresfundamentais”. Mas não está expresso, em algum dispositivo da Constituição de Portugal, o termo “dever fundamental de pagar impostos”.

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Além disso, é importante asseverar que, ao contrário do que sugere Sacha Calmon,

Klaus Tipke reconhece a existência de um dever fundamental de pagar impostos, conforme se

verifica do trecho abaixo transcrito:

O dever de pagar impostos é um dever fundamental. O imposto não é meramente umsacrifício, mas, sim, uma contribuição necessária para que o Estado possa cumprir suas tarefas no interesse do proveitoso convívio de todos os cidadãos. O DireitoTributário de um Estado de Direito não é Direito técnico de conteúdo qualquer, maramo jurídico orientado por valores. O Direito Tributário afeta não só a relaçãocidadão/Estado, mas também a relação dos cidadãos uns com os outros. É Direito dacoletividade. Estados de Direito são obrigados a criar um Direito justo, inclusive um DireitoTributário justo. Se, segundo suas próprias Constituições, tanto o Brasil como a Alemanha são igualmente Estados Sociais de Direito, cada qual não pode ser diferentemente justo. (TIPKE; YAMACHITA, 2002, p. 15) 

Além disso, o mencionado autor alemão reconhece ser legítimo o combate àdenominada elusão tributária, na linha defendida por Mendonça. 278 

Tipke 279 reconhece a validade de alguns planejamentos tributários (elisão fiscal),

mas admite e mesmo se põe de acordo com a possibilidade de combate a alguns

 planejamentos tributários que recaem no âmbito da elusão fiscal , categoria não reconhecida

 por Sacha Calmon. 280 

Ao reconhecer a legitimidade da legislação alemã que combate o “abuso do direito”

no Direito Tributário, Tipke assevera o seguinte:

a)  Segundo o §42 I 1 AO não pode a lei tributária ser evitada por meio de abusode possibilidades de formas do direito. Segundo pacífica jurisprudência do BFHexiste um abuso de forma no sentido do § 42 I 1 AO, quando a forma jurídicaescolhida é descabida, servirá à redução de tributos e não está justificada por razõeseconômicas ou outras atendíveis […];

277 Sobre este dispositivo da Constituição Espanhola, vide CHULVI (2001, p. 59-138), especialmente o capítulosegundo.278 Sobre a evolução do tema no Brasil, vide Greco (2008), Godoi, (2001), Godoi (2007a) e Furlan (2007).279 Vide Tipke; Lang (2008, p. 333-347). Antes mesmo da alteração do CTN pela LC 104/2001, Ricardo LoboTorres já defendia o cabimento de uma norma antielusiva: “O contribuinte tem o direito de planejar os seusnegócios e organizar a sua empresa da forma que melhor lhe aprouver e que lhe provoque os menores ônusfiscais. Não pode, entretanto, abusar do formalismo jurídico e criar figuras negociais com o único objetivo de pagar menos imposto. Se assim proceder a Fazenda fica autorizada a requalificar o ato e a exigir o impostodevido. […] No Direito Estrangeiro, nas últimas décadas, foram criadas ou reformuladas, com fundamento no princípio da transparência, inúmeras normas antielisivas, com os aplausos da doutrina. O Código Tributário daAlemanha (AO77) combate o abuso da forma jurídica (art. 42). O Código Tributário da Espanha tevereformulado o art. 24, para proibir a fraude à lei.” (TORRES, 2001, p. 16-17). Conferir também Torres (2006, p.217-276), bem como Greco (1998) e Greco (2008). Não custa lembrar que Marco Aurélio Greco é um dos precursores no Brasil da renovação do debate sobre essa matéria.280 Sacha Calmon (COÊLHO, 2006, p. 60-68) expressamente afirma que o § único do art. 116 do CTN não éuma norma antielusão, mas, sim, de uma norma anti-simulação. Para ele, as figuras da fraude à lei, do abuso deformas e do abuso de direito não têm cabimento no direito tributário brasileiro.

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 b)  O tipo de abuso de forma foi deduzido com legitimidade das conseqüências jurídicas dispostas no § 42 I 2 AO. O descabimento da forma jurídica tem em mira aredução de impostos através de esquivança a consequências fiscais mais onerosas ourealização delas favorecedoras. Sendo impostos minimizados através de forma jurídica adequada, não existe nenhuma elusão tributária. […]c)  A hipótese de um abuso de forma exige ações  finalisticamente dirigidas à

elusão de uma lei fiscal […]. Com isso fecha o sujeito passivo freqüentementevários negócios jurídicos para camuflar o abuso de forma: […] Por isso julga a pacífica jurisprudência o abuso de forma segundo um plano global do sujeito passivo, que domina o curso dos acontecimentos. (TIPKE; LANG, 2008, p. 336-337).

Assim, a invocação da lição de Klaus Tipke posta na obra “Moral Tributária” não

ampara a posição teórica de Sacha Calmon, radicalmente contrária à existência de um dever 

fundamental de pagar tributos.

Além disso, a apresentação de algumas das ideias de Sacha Calmon sobre o tema foi

necessária para se demonstrar como os argumentos contra a existência do dever fundamentalde pagar direcionam-se para a adoção ou para a defesa de um modelo liberal  do Estado,

 pautado na neutralidade e não no caráter transformador atribuído ao Estado, cujo instrumento

 principal para a realização de suas diversas tarefas, muitas delas baseadas em políticas

 públicas – atividades estas que buscarão garantir os direitos fundamentais – é justamente o

tributo. 281 

4.8.4. Autores que trataram com mais profundidade o dever fundamental de pagar 

tributos: Marciano Buffon e Maria Luíza Pessoa Vianna de Mendonça

Ultimamente, parte da doutrina vem aceitando e defendendo a existência do dever 

fundamental de pagar tributos. 282 

281 Vide as obras de Buffon (2009), Mendonça, (2002) e Godoi (1999).282 Trabalho que merece nota é a dissertação de mestrado de Karina Pawlowsky (2008), defendida na UFPR, quetrata do princípio do não-confisco. A autora, na linha de Casalta Nabais (que é citado várias vezes no texto),reconhece que existe um dever fundamental de pagar tributos e que o direito de propriedade, apesar de constituir  pressuposto da tributação, é garantido por esta tributação. Assinala a citada autora, corretamente, que há “umarelação de mútua dependência entre direitos e deveres, pela qual o reconhecimento de direitos individuaisimplica o dever de pagar tributos e vice-versa.” (PAWLOWSKY, 2008, p. 195). E ao relacionar o dever fundamental de pagar tributo com o princípio do não-confisco, a autora se expressa da seguinte forma: “Não é porque a tributação está impedida de alcançar as raias do efeito de confisco, entretanto, que a realização dedireitos sociais, essencial à promoção de um Estado Social e Democrático de Direito, como é o nosso, deve ser extinta ou mesmo diminuída, pelo reducionismo do aparato estatal, como se observa em diversos países europeusdesenvolvidos. Torna-se essencial, nessa direção, implementar formas alternativas de controle da expansão dacarga tributária e dos gastos públicos, cujos detalhes, embora fujam do âmbito deste trabalho, mostram-se

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Apesar de alguns trabalhos indicarem sua existência – como, por exemplo, e de

forma pioneira no Brasil, Ricardo Lobo Torres 283 – poucos adentram na discussão e

 problematização do que seja o mencionado dever fundamental de pagar tributo e se sua

adoção altera ou não a compreensão dos institutos do Direito Tributário.

Em outras palavras, é comum vermos obras que não aceitam ou não mencionam o

dever fundamental de pagar tributos e outras que o acolhem, sem demonstrar as

consequências, nos institutos de Direito Tributário, de sua adoção. 284 

Dentre as obras estudadas, merecem ser destacadas as teses de Maria Luíza

Mendonça e Maurício Buffon, pois ambas estudaram, com mais profundidade, o tema dos

deveres fundamentais. Contudo, entendemos que a primeira não tem a mesma originalidade

que a segunda apresenta.

Isso porque, apesar da tese de doutorado de Maria Luíza Mendonça tratar de formacompleta o tema do dever fundamental e explicar a tese de Nabais do dever fundamental de

 pagar impostos, ela nos passa a impressão que o tema dos deveres fundamentais não possui

muita discussão ou discórdia na doutrina tributária brasileira, sendo, assim, bem aceito

atualmente. Ela sequer questiona a doutrina de Ives Gandra ou posições mais tradicionais de

Hugo de Brito Machado.

Ocorre que, conforme restou comprovado neste trabalho, tal matéria é palco de

muitas controvérsias, dividindo os teóricos do Direito Tributário.

Além disso, apesar de Maria Luíza Mendonça aceitar a tese de que existe o dever fundamental de pagar tributo no texto constitucional brasileiro e que nosso Estado é um

Estado Fiscal, ela não dá o passo seguinte, que é demonstrar algumas consequências práticas

que a adoção dessa matéria pode trazer ou influir no debate tributário brasileiro.

 Não obstante Maria Luíza Mendonça aduzir, em poucas páginas, que o planejamento

tributário realizado com abuso de formas ou com abuso de direito deve ser combatido, ela

direciona a maior parte de sua tese na busca pela justiça social e no estudo da igualdade,

especialmente vista no plano do contribuinte. Não que esses temas não sejam importantes. Ao

contrário, eles são atuais e também foram tratados por Nabais, Tipke e por diversos outros

fundamentais para que a realização de direitos conviva harmonicamente com um Estado de índole tributária.”(PAWLOWSKY, 2008, p. 195).283 Como já dito anteriormente, Ricardo Lobo Torres trata do dever fundamental em suas obras, porém comreferencial teórico alemão. Além disso, ele não problematiza o tema, nem o desenvolve com mais profundidade,deixando de explicar, inclusive, o que representam os deveres fundamentais.284 Conferir, nesse sentido, a dissertação de Mestrado de Douglas Roberto Ferreira (2008), defendida naUniversidade de Marília/PR, que reconhece a existência e a importância do dever fundamental de pagar tributo,mas foca seu trabalho na importância do controle dos gastos públicos.

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autores brasileiros. Mas, como restou demonstrado nessa dissertação, essas questões não são

únicas nem podem ser vista de forma unilateral.

Assim, no nosso entendimento, a obra de Maria Luíza representa um avanço no

enfoque doutrinário sobre o tema, mas deixa não só de debater – mesmo que superficialmente

- outros temas importantes do Direito Tributário com mais profundidade como também sequer 

menciona que o dever fundamental em discussão poderá afetar ou repercutir na discussão

sobre temas como sigilo bancário, praticidade, competência tributária, controle da

extrafiscalidade, entre outros.

Por outro lado, não há dúvida que o valor de seu trabalho – muito bem feito e escrito

e com boa metodologia no que se propôs – deve ser reconhecido, não só por trazer ao cenário

 brasileiro, de forma pioneira, a tese de Casalta Nabais, como demonstrar que o Brasil é um

Estado Fiscal, que nossa Constituição Federal reconhece a existência de um dever fundamental de pagar tributo, além de reconhecer que a solidariedade é um dos fundamentos

da tributação, que juntamente com a igualdade material justificarão uma tributação mais

alargada do Estado Social. (MENDONÇA, 2002, p. 248-251; p. 287-294; p. 369-370).

A crítica tecida à obra de Maria Luíza Mendonça, por sua vez, não pode ser dirigida

à obra de Marciano Buffon, cuja tese de doutorado é mais enfática não só na importância da

tributação como instrumento poderoso e eficaz de “densificação do princípio da dignidade da

 pessoa humana”, como nas alterações que tal dever fundamental impõe na compreensão e na

interpretação do Direito Tributário, em especial do princípio da capacidade contributiva.Sobre o dever fundamental de pagar tributos, Marciano Buffon (2009, p. 259)

expressamente afirma que este é “o principal dever da cidadania, justamente porque, caso tal

dever seja sonegado por parte dos componentes de uma sociedade, restarão inviabilizadas as

 possibilidades de realização dos próprios direitos.”

O autor reconhece a importância da tributação no Estado Democrático de Direito,

compreendendo o tributo como um instrumento necessário para conferir eficácia aos direitos

fundamentais. Assim, o tributo não é visto como mero instrumento de poder, mas como meio

de transformação social:

Se o papel do Estado, dentro de uma concepção social-contemporânea, é intervir naeconomia e promover a justiça social, faz-se necessário que este Estado disponha derecursos para fazer frente a tal dever. Numa economia capitalista, tais recursos sãooriginados da arrecadação de tributos, ou seja, do cumprimento do dever fundamental de pagar tributos. (BUFFON, 2009, p.259).[…]É possível sustentar que a tributação, concomitantemente à observância dosclássicos direitos fundamentais de primeira dimensão, tem por objetivo a

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concretização dos direitos fundamentais sociais econômicos e culturais. Assim,através dela é possível dar a máxima eficácia ao princípio da dignidade dapessoa humana, haja vista que esse princípio se faz presente em todos os direitosfundamentais, especialmente aqueles ditos de segunda dimensão. (BUFFON, 2009, p. 263).[…]

Tributar os cidadãos com adequação à capacidade contributiva viabiliza aspossibilidades de se construir uma sociedade livre, justa e solidária, permitindoque as desigualdades sociais sejam reduzidas e a pobreza, bem como amarginalização, sejam erradicadas ou minizadas.  Nesse novo formato estatal, portanto, agrega-se um  plus à regra do tratamento diferenciado conforme acapacidade contributiva, pois esse passa a ter uma finalidade: a redução dasdesigualdades econômicas e sociais e a construção de uma sociedade fundada nadignidade da pessoa humana. (BUFFON, 2009, p. 264, destaque nosso).

Sua crítica ao Estado mínimo é contundente, reconhecendo que o Estado ainda

 possui importância e um papel primordial a ser cumprido em prol dos cidadãos.

Além disso, com amparo em forte conhecimento de Filosofia e Teoria Geral do

Direito, Marciano Buffon demonstra que a leitura feita pelo STF de que a progressividade

fiscal somente poderia alcançar os impostos pessoais (como imposto de renda) e não os

impostos reais (como o IPTU) é bastante equivocada, pois despreza o conteúdo do princípio

da capacidade contributiva. 285 

A capacidade contributiva, segundo a visão de Buffon, exige que a progressividade

seja aplicada a todos os impostos, inclusive os denominados “impostos reais” (tributação do

 patrimônio). Assim, para Buffon, não só o entendimento externado pelo STF estava

equivocado, como não prospera a tese de que a Emenda Constitucional n° 29 violaria cláusula pétrea. O mencionado autor deixa claro que a tributação segundo a capacidade contributiva

exige a diferenciação das alíquotas, tributando-se mais as maiores manifestações de riqueza.

Mas, coerentemente, Buffon reconhece que se deve preservar o mínimo existencial.

Quanto à tributação sobre o consumo, o autor deixa claro que o princípio da

capacidade contributiva, nesse caso, é assegurado pela aplicação da seletividade, tributando-se

menos - ou até mesmo isentando – uma variedade gama de produtos e serviços necessários e

essenciais para o cidadão, tornando possível, assim, a redução de preços de forma a contribuir 

 para a melhoria das condições de vida das pessoas.Por fim, Buffon reconhece o importante papel que a extrafiscalidade pode conferir à

eficácia dos direitos fundamentais. Todavia, o autor ressalta a importância em realizar o

285 Buffon (2009, p. 258) assim afirmou: “Constata-se, assim, que o disposto no §1° do artigo 145 daConstituição Brasileira vem sendo interpretado – por uma significativa parcela da doutrina e da jurisprudência – de uma forma hermeneuticamente inadequada, haja vista que não é levada em consideração a diferença entretexto e norma (diferença ontológica), restringindo-se ao mero exame da literalidade do texto e desconsiderando-se os princípios que fundamental tal regra.”

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devido controle da concessão de benefícios e isenções, sob pena de se quebrar o equilíbrio na

devida repartição dos encargos públicos, atingindo-se, assim, o dever fundamental de pagar 

tributos, que recai sobre todas as pessoas com capacidade contributiva. 286 

Para finalizar, mesmo que as duas obras versem sobre temas relevantes, entendemos

que a obra de Buffon, além de ser menos generalista que a de Mendonça – esta, de cunho

mais teórico – possui perfil mais pragmático que a tese da autora mineira, pois Buffon trata de

temas concretos que são debatidos tanto pela doutrina nacional como pela jurisprudência, indo

um passo adiante, que é discutir e criticar, de forma séria, o entendimento do Supremo

Tribunal Federal sobre determinada matéria.

4.8.5. Nossa visão: a busca por um pensamento mais harmônico e coerente do textoconstitucional 

Primeiramente, aderimos à opinião de Marco Aurélio Greco (2008, p. 46-54) e

Felipe Oliveira (2010, p. 48-51) de que o Direito Tributário não se restringe ao Título VI da

Constituição Federal nem que começa no seu art. 145. A questão tributária permeia todo o

texto constitucional. Não há como defender a autoridade da Constituição com fundamento em

apenas um simples dispositivo. Não há como entender que o capítulo tributário existeisoladamente, uma vez que este está “inserido no contexto da Constituição.” (Greco, 2008, p.

47). Assim, a compreensão do mencionado capítulo, deve-se, de início, entender quais são os

valores e objetivos deste Estado Democrático de Direito que foram definidos pela

Constituição.

A necessidade de visão de unidade é muito bem defendida por Tipke e Lang:

O Direito Tributário é parte do Ordenamento Jurídico global. Elemento essencial deum Ordenamento é a liberdade de contraposição de seus valores fundamentais do Direito e da Justiça: se o legislador fixou esses valores fundamentais em uma partedo Ordenamento Jurídico, então ele deve em outros setores do OrdenamentoJurídico observá-los. Essa liberdade de contraposição valorativa do OrdenamentoJurídico como elemento disciplinador do Direito é evidenciada pelo postulado“Unidade do Ordenamento Jurídico”. (TIPKE; LANG, 2008, p. 69). 

286 Buffon (2009, p. 267) afirma que “o dever fundamental de pagar tributo não pode ser, injustificadamente,dispensado, pois isso quebra os vínculos de solidariedade que pressupõem a cidadania, em sua contemporâneaconcepção, a qual passa pelo reconhecimento de que, além de direitos, têm-se deveres, entre os quais o de pagar tributos. Entre aqueles, destaca-se o direito de exigir que não haja a ilegítima fuga ao dever tributário.”

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A necessidade de visão “do todo” é defendida por Gilberto Bercovici (2005, p. 9-13)

ao entender que Constituição, Estado e política não podem ser entendidas separadamente.

Tendo em vista que o texto constitucional contém as bases de um projeto nacional

desenvolvimento 287 que busca tornar possível a reestruturação do Estado brasileiro para que o

mesmo efetue transformações sociais necessárias para a superação desse subdesenvolvimento,

a denominada “Constituição Econômica” não deve ser lida isoladamente (art. 170 e seguintes

da CF); ao contrário, a aplicação da Constituição deve ser feita de forma global. Esse

raciocínio se aplica ao integralmente ao Direito Tributário. Afinal, como o próprio Bercovici

afirma:

A ideologia constitucional não é neutra, é política, e vincula o intérprete. Os princípios constitucionais fundamentais, como o art. 3° da CF, são a expressão das

opções ideológicas essenciais sobre as finalidades sociais e econômicas do Estado,cuja realização é obrigatória para os órgãos e agentes estatais e para a sociedade ou,ao menos, aos detentores do poder econômico ou social fora da esfera estatal.Constitui o art. 3° da CF um verdadeiro programa de ação e de legislação, devendotodas as atividades do Estado brasileiro (inclusive as políticas públicas, medidaslegislativas e decisões judiciais) conformarem-se formal e materialmente ao programa inscrito no texto constitucional. (BERCOVICI, 2005, p. 110).

Assim, acertadamente, Bercovici (2005, p. 110-111) alega que “qualquer norma

infraconstitucional deve ser interpretada com referência aos princípios constitucionais

fundamentais” e que “toda interpretação está vinculada ao fim expresso na Constituição”. Por 

isso, é correto o entendimento de Felipe Faria de Oliveira (2010, p. 48-49) ao dizer que oDireito Tributário dialoga com as demais disciplinas jurídicas, sendo que, no caso do Direito

Constitucional, “esse diálogo não apenas se intensifica, como ainda acaba por se tornar 

conformador à área fiscal!”

Em segundo lugar, e em consequência do defendido nos parágrafos antecedentes,

não podemos ler a Constituição tributária como se fosse exclusivamente uma “Carta de

Direitos” dos contribuintes nem mais conceber a relação jurídica entre Fisco e contribuinte

como se fossem eternos adversários com interesses totalmente opostos 288. Não há dúvida de

que os direitos individuais classificados como de 1ª dimensão são relevantes e que foram

 prestigiados na Constituição Federal brasileira. Porém, os mesmos não possuem são

 prioritários nem superiores aos demais direitos fundamentais. A necessidade de uma

287 Na linha defendida por Amartya Sen (2009), conforme já explicitado neste trabalho, no item 4.2.288 É interessante verificar na obra de Ives Gandra, por exemplo, que o mesmo compara a relação entre Fisco econtribuinte como se fosse uma luta, em que o primeiro “brande a espada” ou “atira sua lança” contra ocontribuinte, que terá, como proteção, o “escudo da lei”. A defesa dessa visão apenas dificulta mais a busca por consenso nas relações tributárias. Sobre o tema, conferir Oliveira (2010, p. 80).

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interpretação sistêmica e que mira a unidade constitucional irá mudar algumas concepções

que devemos ter sobre os direitos e deveres tanto das pessoas como do Estado.

Afinal, a realização dos direitos fundamentais passa por novas atitudes e ações de

todos os agentes participantes da sociedade organizada, o que inclui o Estado, os políticos e as

 pessoas físicas e jurídicas, como bem acentuam Alfredo Vasconcelos e Álvaro Ricardo Souza

Cruz 289 

O autoritarismo imanente ao Estado brasileiro, bem como o discurso individualistaque ainda permeia certas esferas de nossa sociedade civil, são, em última análise, asfaces opostas de uma mesma moeda. Nutrem-se de idênticos e perigosos substratos:a insensibilidade, a cegueira e a intolerância. Totalmente fechados num “agir estratégico” (HABERMAS, 1989, p. 79), acabam mesmo por retroalimentarem-semutuamente: a subsistência do primeiro depende, em larga medida, de suasinterações com o segundo; e vice-versa.Romper definitivamente com este círculo vicioso ainda é tarefa hercúlea para muitasgerações. O mais eficaz enfrentamento do problema dependerá,fundamentalmente, de uma radical transformação cultural da própriasociedade, bem como do ininterrupto fortalecimento de suas mais diversasinstituições democráticas, o que somente ocorrerá caso a participaçãodiscursivamente inclusiva de todos os cidadãos seja permanentemente assegurada, inconcreto, pelo próprio Direito Tributário e por cada um de seus operadores: parlamentares, autoridades fazendárias, magistrados, advogados públicos e privados,contribuintes etc. (CRUZ; VASCONCELLOS NETO, 2009, p. 49, destaque nosso).

Assim, acompanhamos o entendimento de Felipe Faria de Oliveira (2010, p. 54) no

sentido de que “o Fisco – ou melhor, a sociedade nele incorporada – passa a ter garantidos

alguns direitos que visam assegurar uma arrecadação que irá auxiliar na concretização dosideais sociais (e também liberais!) presentes na gama dos direitos fundamentais.”

A linha de raciocínio ora exposta e defendida reconhece a validade da tese de Nabais

de que os impostos não podem ser compreendidos como meros instrumentos de poder ou

mesmo como simples restrições aos direitos fundamentais, mas, sim, como dever fundamental 

que irá servir de limite imanente a esses direitos, além de legitimar a adoção de eventuais

restrições legislativas (não qualquer medida, mas as juridicamente fundamentadas).

É bom esclarecer também que a existência de um dever fundamental de pagar tributo

impõe ao Estado a adoção de comportamentos ativos no sentido de concretizar, via políticas públicas, as diversas tarefas constitucionalmente previstas, em especial as de cunho

transformador. 290 

289 O Estado Democrático de Direito, como acentua Habermas (2007, p. 329), deve ser visto como umaconquista dos cidadãos. Sobre o caráter inacabado do programa constitucional previsto na Carta de 1988, videCruz (2001, p. 2002-203; 243) e Sampaio (2004b, p. 48-54).290 É justamente a via de “mão dupla”, mencionada por Marco Aurélio Greco e enfatizada por Ernani Contipelli,conforme mencionado neste capítulo.

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5. A QUESTÃO DO SIGILO BANCÁRIO E SUA OPONIBILIDADE AO FISCO

Como já aduzido anteriormente, a questão do dever fundamental de pagar tributo irá

influenciar o tema da flexibilização do sigilo bancário. Afinal, o acesso direto aos dados

 bancários (movimentações financeiras) pela administração tributária permitirá o efetivo

controle da atividade do contribuinte – inclusive com a conferência das declarações recebidas

 pela Receita Federal - e permitirá não só combater a sonegação como buscar a aplicação

isonômica da lei tributária, de forma a permitir uma equânime repartição dos gastos públicos,

consequências práticas de grande importância ao debate atual do Direito Tributário.

5.1 Algumas considerações sobre a LC 105/2001

Questão que ainda é objeto de diversos debates doutrinários e jurisprudenciais e que

tangencia a matéria do dever fundamental de pagar tributos é se o sigilo bancário é oponível

ou não à Administração Tributária. 291. Seu enfoque ressurgiu em 2001, com a entrada em

vigor da Lei Complementar n° 105, que pôs fim à oponibilidade do sigilo bancário ao Fisco.

A partir dessa lei, a Administração Tributária pode obter diretamente (ou seja, sem aintervenção do Poder Judiciário) alguns dados bancários do contribuinte e, sendo o caso,

efetuar o lançamento de ofício.

Esta lei, apesar de obrigar as instituições financeiras a conservarem sigilo em suas

operações ativas e passivas e serviços prestados (art. 1º, caput ), consignou que não constitui

violação do dever de sigilo, entre outras situações, a prestação de informações ao Fisco,

observado os termos e condições estabelecidos na referida lei (art. 1, § 3º, c/c art. 5º e 6º).

O art. 5º dispõe que o Poder Executivo disciplinará, inclusive quanto à periodicidade

e aos limites de valor, os critérios segundo os quais as instituições financeiras informarão à

administração tributária da União, as operações financeiras efetuadas pelos usuários de seus

serviços. 292 

291 Sobre o tema, conferir dois trabalhos anteriores em que buscamos resumir a posição da doutrina e da jurisprudência antes da LC 105/2001: Giannetti (1998, p. 95-113) e Giannetti (2002, p. 113-135).292 O §1º do art. 5º da LC 105/2001 arrola 14 operações financeiras distintas, sendo que no inciso XV dispõe deuma cláusula genérica do seguinte teor: “quaisquer outras operações de natureza semelhante que venham a ser autorizadas pelo Banco Central do Brasil, Comissão de Valores Mobiliários ou outro órgão competente”.

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Esse dispositivo se refere à entrega “em massa” e periódica, a cargo das instituições

financeiras, de alguns dados bancários dos correntistas,  sem que haja qualquer  processo ou

 procedimento administrativo prévio ou antecedente a qualquer intimação do contribuinte

sobre a remessa dos dados bancários.

É importante dizer que o Fisco não terá acesso a todas as informações bancárias do

sujeito passivo, mas apenas aquelas relacionadas com a identificação dos titulares das

operações e os montantes globais mensalmente movimentados. Assim, não serão fornecidos

dados ou algum elemento que permita identificar a origem ou a natureza dos gastos a partir 

deles efetuados (§ 2º do art. 5º, LC 105/2001).

Tal dispositivo legal foi regulado pelo Decreto 4.489/2002, cujo art. 2º

expressamente consigna que essas informações bancárias serão prestadas, continuamente, em

arquivos digitais, e se restringirão a informes relacionados com a identificação dos titulares das operações e com os montantes globais mensalmente movimentados, relativos a cada

usuário, vedada a inserção de qualquer elemento que permita identificar a sua origem ou

a natureza dos gastos efetuados.

Atualmente, os valores envolvidos para fins de informação estão previstos na

Instrução Normativa nº 802, de 27/12/2007, que assim prevê:

Art. 1º As instituições financeiras, assim consideradas ou equiparadas nos termosdos §§ 1º e 2º do art. 1º da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001,

devem prestar informações semestrais, na forma e prazos estabelecidos pelaSecretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), relativas a cada modalidade deoperação financeira de que trata o art. 3º do Decreto nº 4.489, de 2002, em que omontante global movimentado em cada semestre seja superior aos seguinteslimites:I – para pessoas físicas, R$ 5.000,00 (cinco mil reais);II – para pessoas jurídicas, R$ 10.000,00 (dez mil reais). (MINISTÉRIO DAFAZENDA, 2007, destaque nosso).

Ou seja, qualquer movimentação global acima desses valores será repassada

automaticamente para a Receita Federal.

Justamente para assegurar o direito de intimidade e privacidade, as informações a

que refere este artigo serão conservadas sob sigilo fiscal, na forma da legislação em vigor,

sendo vedada sua divulgação, nos termos do art. 198 do CTN, salvo as exceções descritas nos

 parágrafos 1º a 3º do citado art. 198. Estas exceções abrangem, em síntese, as requisições

 judiciais, a troca de informações entre as Administrações Tributárias, a representação ao

Ministério Público para fins penais e divulgação de informação para fins de inscrição em

Dívida Ativa.

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Recebidas as informações acima referidas – ou seja, as obtidas periodicamente e sem

 prévio procedimento administrativo - se detectados indícios de falhas, incorreções ou

omissões, ou de cometimento de ilícito fiscal, a autoridade interessada poderá requisitar as

informações e os documentos de que necessitar, bem como realizar fiscalização ou auditoria

 para a adequada apuração dos fatos (§ 4º do art. 5º da LC 105/2001). Nesse caso, contudo,

será necessário prévio processo administrativo, conforme dispõe o art. 6º da LC 105/2001.

Assim, um dado importante merece ser apontado: a Lei Complementar deixou claro

que a administração tributária obterá alguns dados bancários diretamente (sem intervenção do

Poder Judiciário) e de duas maneiras: primeiramente, a Receita Federal receberá as

informações repassadas periodicamente pelas instituições financeiras, obrigação esta prevista

no citado art. 5º da LC 105/2001.

Havendo indícios de irregularidade – indícios estes que poderão ser constatados apósa confrontação pela Receita Federal dos dados recebidos periodicamente com outras

informações obtidas, que podem, inclusive, constar das declarações recebidas – então, a

administração tributária irá iniciar um procedimento de fiscalização do contribuinte, dando-

lhe ciência dessa investigação (art. 6º da LC 105/2001). Além do processo administrativo

instaurado ou  procedimento fiscal em curso, o exame desses documentos deve ser 

considerado indispensável pela autoridade administrativa competente. 293 

Buscou a lei conter, assim, o eventual abuso do poder de polícia fiscal, vinculando-o,

nesta hipótese, à existência de um processo administrativo.294

 Tal requisição será formalizada mediante documento denominado Requisição de

Informações sobre Movimentação Financeira (RMF) e só poderá ser expedida por agentes

fiscais que possuem competência para a expedição de Mandados de Procedimento Fiscal (os

denominados “MPF”) 295.

Assim, a requisição não será expedida por qualquer Fiscal federal, mas apenas pelo

Coordenador-Geral de Fiscalização, Coordenador-Geral de Administração Aduaneira e

Coordenador Especial de Vigilância e Repressão; Superintendentes da Receita Federal do

293 O art. 3º do Decreto 3724/2001 arrola diversas hipóteses na qual o exame dos documentos bancários seráconsiderado indispensável.294 Decreto 3724/2001, art. 2º, § 5º. “A Secretaria da Receita Federal do Brasil, por intermédio de servidor ocupante do cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil, somente poderá examinar informaçõesrelativas a terceiros, constantes de documentos, livros e registros de instituições financeiras e de entidades a elasequiparadas, inclusive os referentes a contas de depósitos e de aplicações financeiras, quando houver  procedimento de fiscalização em curso e tais exames forem considerados indispensáveis. (Redação dada peloDecreto nº 6.104, de 2007).” (BRASIL, Decreto 3724, 2001).295 Conferir art. 4º, caput e § 1º do Decreto 3724/2001, decreto que regulamenta o art. 6º da LC 105/2001 ereafirma a necessidade de processo administrativo para tal fim.

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Brasil; Delegados de Delegacia da Receita Federal do Brasil, de Delegacia da Receita Federal

de Fiscalização, de Delegacia Especial de Instituições Financeiras e de Delegacia Especial de

Assuntos Internacionais e Inspetores-Chefes das Unidades. 296 

Essa requisição será expedida com base em relatório circunstanciado, elaborado pelo

Auditor-Fiscal da Receita Federal encarregado da execução da fiscalização ou por seu chefe

imediato e neste relatório deverá constar a motivação necessária à expedição da RMF, no qual

se demonstre, com precisão e clareza, tratar-se de situação enquadrada em hipótese de

indispensabilidade prevista no artigo anterior, observado o princípio da razoabilidade (§ 5º e6º

do art. 4º do Decreto 3.724/2001).

Antes de ser expedida a RMF, será  precedida de intimação ao sujeito passivo para

apresentação de informações sobre movimentação financeira, necessárias à execução do MPF

(§ 2º do art. 4º do Decreto 3724/2001).Por fim, o resultado dos exames, as informações e os documentos cobertos com o

sigilo bancário serão conservados em sigilo fiscal (§ único do art. 6º, LC 105/2001).

Este é o panorama geral da legislação editada em 2001 e que continua em vigor que

trata do tema em análise. Entretanto, grande parte da doutrina entende que o texto

constitucional não permite o acesso direto do Fisco às informações, acesso que seria possível

apenas por ordem judicial.

Assim, essa corrente doutrinária salienta que os fundamentos desenvolvidos antes de

2001 ainda são válidos para afastar a aplicação integral da mencionada lei, em razão de suainconstitucionalidade.

É certo que o debate já poderia ter sido resolvido se o STF já tivesse julgado as

Ações Diretas de Inconstitucionalidade que foram ajuizadas em 2001 contra a mencionada lei

complementar e o decreto que a regulou. 297 

Todavia, como tal julgamento ainda não ocorreu, permanece aceso o problema que

envolve essa parcela da privacidade das pessoas físicas e jurídicas frente à pretensão do

Estado de aferir se realmente os contribuintes estão cumprindo as leis tributárias.

Vejamos, primeiro, os argumentos doutrinários contrários à tese do acesso direto,

 pelo Fisco, aos dados bancários, com o fim de subsidiar o controle da evasão fiscal e a

apuração do crédito tributário.

296 Vide art. 6º da Portaria RFB 11.371, de 12/12/2007.297 As ADI´s 2386, 2390 e 2397 (ajuizadas em 2001) e as ADI´s 4006 e 4010 (ajuizadas em 2008) ainda nãoforam julgadas pelo STF.

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5.2. A posição da doutrina pátria tradicional

O entendimento de que o sigilo bancário reflete parte da intimidade e privacidade e

é, portanto, um direito da personalidade, não podendo esses dados ser compartilhados nem

solicitados por terceiros (inclusive o Estado), foi acolhido por grande parte da doutrina

 brasileira. 298 

Para esta parcela da doutrina, a consequência imediata dessa posição é de que, como

os incisos X e XII do art. 5º da CF/88 resguardam a intimidade e a vida privada, o sigilo

 bancário passa a ter  status constitucional, sendo considerado um direito fundamental. Mesmo

configurado como direito fundamental, a doutrina entende que o mesmo não é absoluto, mas

relativo, podendo ser afastado em situações excepcionais.

299

É nesse ponto, justamente, que paira a grande controvérsia sobre o tema.

Alguns trabalhos doutrinários chegam a enfrentar o artigo 145, § 1°, da Constituição

da República, que dispõe que é facultado à Administração Tributária, para assegurar a

observância da tributação conforme a capacidade contributiva do contribuinte, identificar o

 patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do sujeito passivo, desde que tal

atividade fiscalizatória respeite os direitos individuais e seja feita dentro da legalidade. 300 

Contudo, para esta parcela da doutrina, como o sigilo está inserido na cláusula

genérica de proteção à intimidade e privacidade, sendo, assim, um direito fundamental e comassento constitucional, o mencionado § 1° do artigo 145 também não daria permissão para

que o Fisco obtivesse diretamente os dados bancários. O dever de segredo somente poderia

ser afastado por ato do Poder Judiciário e pelas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI),

estas últimas em razão da permissão expressa descrita no art. 58, § 3°, da Constituição.

Apesar de essa opinião ter sido dada em textos escritos antes da LC 105/2001, ela

ainda é reafirmada pela doutrina pátria majoritária. O que se observa em relação à grande

 parte da doutrina majoritária é uma preocupação em assegurar de forma mais efetiva possível

298 Entre eles Ives Gandra, Celso Bastos, Arnoldo Wald, Sacha Calmon e Misabel Derzi, cujos textos foramindicados em dois trabalhos por mim desenvolvidos há mais tempo. Conferir Giannetti (1998, p. 95-113) eGiannetti (2002, p. 113-135). Para se ter uma síntese do pensamento nacional, conferir os diversos artigos publicados na coletânea coordenada por Ives Gandra da Silva Martins, fruto de seminário sobre o assunto,realizado em 17 de agosto de 2001 no Centro de Extensão Universitário (CEU), em São Paulo:  III Colóquio Internacional de Direito Tributário. São Paulo/Buenos Aires/Bogotá: La Ley/IOB, 2001.299 Conferir Tavares (2006, p. 71-84).300 Conferir Tavares (2006, p. 84).

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os direitos individuais contra as “investidas” do Estado, 301 pois, para essa corrente, caso o

Estado passe a ter acesso direto aos dados bancários, ele poderá fazer o que bem entender.302 

Ilustra tal proposição a opinião dada por José Delgado para justificar a atribuição de

quebra do sigilo apenas ao Poder Judiciário:

A administração tributária, por melhor que seja a sua estrutura e os seus propósitos,não está emocionalmente preparada para conhecer e aplicar os princípios quesustentam a cidadania fiscal. Isso ocorre, primeiramente, por o fisco ter comomissão exclusiva exercer a função de arrecadar tributos. É a sua meta essencial, por ser atribuição que na organização administrativa estatal está obrigado adesempenhar. Não lha cabe administrar o tributo arrecadado, limitando-se,unicamente, a envidar esforços para o cumprimento das metas impostas paraimprimir aumento na arrecadação tributária. O sucesso da administração tributária émedido pelo maior volume de recursos fiscais atraídos para os cofres do Governo,nunca pelo respeito que exerça para com os direitos fundamentais do contribuinte. Éuma questão de cultura administrativa, de distribuição de funções no sistema estatal,

difícil de ser mudado só por sugestões doutrinárias. Necessita vontade política.(DELGADO, 2001, p. 67).

O que está por trás dessas ideias é justamente uma concepção de tributo como

agressão ao patrimônio, e não como um dever fundamental. Logicamente, tal visão trará

consequências tanto na interpretação do direito como no  papel  que a atividade tributária

 possui dentro do Estado. 303 Como corolário, a Constituição sempre é vista e interpretada

como a única “salvação” do cidadão contra a “fúria arrecadatória” estatal. E a fiscalização

nunca poderia possuir um  status constitucional ou mesmo pôr em “perigo” um direito

individual.

 Nessa ordem de ideias, realmente, a tributação e a figura do Estado estariam

inseridos em uma concepção ideológica que torna o sigilo bancário oponível ao Fisco. É

compreensível a preocupação da doutrina, pois, apesar da Constituição ter entrado em vigor 

há 20 anos, a figura do Estado burocrático que perdurou no regime militar e a figura

autoritária do agente fiscal ainda estão presentes.

301 Diva Malerbi (2001, p. 84), por exemplo, escreve que “em nome de um combate eficaz à ocultação oudissimulação de bens, não cabe ao Estado Democrático de Direito promover medidas ou decisões fiscalizadorasque possam ruir ou abalar os mais elementares princípios da segurança do cidadão e do respeito aos direitoshumanos.”302 Segundo Carlos Henrique Abrão (2001, p. 144), “preconizar uma margem maior de liberdade àAdministração Pública sob o pálio do interesse coletivo pode representar uma via inesgotável de abuso e desviosde finalidade, sem uma conotação precisa da intervenção, diante dos limites a serem respeitados.”303 Como já dito, para Ives Gandra, por ser o tributo uma norma de rejeição social, deverão ser invocados princípios hermenêuticos próprios daqueles ramos que implicam restrição de direitos (como o Direito Penal),como o da tipicidade fechada e legalidade estrita, da retroatividade benigna, da não-adoção da interpretaçãoanalógica apenadora e das interpretações extensivas ‘in pejus’, “técnicas exegéticas próprias da defesa docidadão contra a idolatria do Estado.” (MARTINS, 1997, p. 17).

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Do mesmo modo, existe, ainda, o “estigma” cultural inserido na sociedade de que o

Estado gasta os recursos em benefício da própria máquina estatal e que o tributo é

analogicamente tratado como uma “pena”, uma sanção.

Tal concepção é reafirmada cotidianamente quando vemos notícias de corrupção em

todos os poderes que compõem a República e exemplos absurdos de ilegalidade e

imoralidade. Entretanto, apesar de existir uma realidade de corrupção e desperdício de

recursos e que coloca o próprio ordenamento jurídico e suas instituições em crise, reafirma-se

novamente que tais fatos não são suficientes para que a tributação seja concebida realmente

como norma de rejeição social.

Em suma, a questão em foco, antes de ser apenas um debate sobre se o sigilo

 bancário é protegido ou não por um direito fundamental, passa pela análise de qual é o papel

da tributação dentro de um Estado Democrático de Direito e qual é a função deste Estado e dasociedade neste ambiente. Esse tema foi tratado anteriormente e irá refletir no resultado. Mas,

antes, é importante resumir a posição do Supremo Tribunal Federal sobre o tema.

5.3. A posição do Supremo Tribunal Federal

Em síntese, o STF sempre acompanhou a doutrina majoritária brasileira e entendeque o sigilo bancário possui amparo constitucional e está inserido no direito à intimidade e à

vida privada. 304 Ele não é um direito absoluto, mas relativo, cedendo “diante do interesse

 público, do interesse da justiça, do interesse social.” 305 Entretanto, a discussão de quem teria

 poderes para afastar o dever de sigilo ainda não teve solução final.

 No MS 21.729, Relator o Ministro Marco Aurélio, e Relator para o acórdão o

Ministro Néri da Silveira, julgado pelo Pleno do STF em 05.10.1995, a questão da

 possibilidade de quebra do sigilo bancário sem a intervenção do Poder Judiciário voltou à

cena. O voto vencedor não adentrou a questão da efetiva necessidade da autorização judicial

 para a quebra do sigilo bancário, pois esse não era, propriamente, o cerne da questão.

Todavia, alguns votos se manifestaram sobre esse tema, mostrando um primeiro

 posicionamento do Tribunal a respeito da matéria.

304 Conferir Giannetti (2002, p. 113-135).305 Vide PET 577, rel. Min. Carlos Velloso, DJ 23.04.1993; no mesmo sentido: MS 23.452, rel. Min. Celso deMello, j. 16.09.1999.

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Entendeu a Corte, por escassa maioria (6 votos contra 5) que o Banco do Brasil não

 podia negar informações ao Ministério Público quando estas dissessem respeito a

empréstimos concedidos pela instituição, com recursos subsidiados pelo erário federal. Nesse

caso, aplicaram o princípio da publicidade, previsto no art. 37 da Constituição da República.

O voto vencedor, subscrito pelo Ministro Néri da Silveira, não entrou no problema

do sigilo bancário e de sua proteção. Entretanto, cinco Ministros manifestaram

 posicionamento exigindo, em qualquer caso, a intervenção do Poder Judiciário para deferir o

afastamento da intimidade e privacidade do cidadão. O Ministro Ilmar Galvão expressamente

ressaltou o seguinte:

Veja-se que nem sequer ao Fisco, a quem incumbe prevenir a sonegação de impostos,notadamente os que recaem sobre rendimentos auferidos pelos contribuintes, outorgou

a Constituição o poder de devassa das contas bancárias, havendo, ao revés, no art.145, § 1º, da CF, ao facultar-lhe o poder de identificar o patrimônio, os rendimentos eatividades econômicas do contribuinte, consignado a ressalva – ‘respeitados osdireitos fundamentais’ -, cláusula que vale pela indicação de que o poder investigatório, próprio do Fisco, encontra limite na intimidade, na vida privada, nacasa, na correspondência e nas comunicações em geral, mesmo de dados, valores quese encontram ao abrigo da garantia constitucional da inviolabilidade.Trata-se de limite somente afastável pela via judicial, em devido processo legal, ediante de razões bastantes para justificarem a decisão do Juiz. (BRASIL, 2001). 

Além dos Ministros Marco Aurélio, Maurício Corrêa, Celso de Mello e Ilmar 

Galvão, o Ministro Carlos Velloso também defendeu essa posição, manifestando que como o

direito protegido possui status constitucional, sua violação não poderá ser efetuada por quemnão tenha o dever de imparcialidade. A questão da imparcialidade voltou a ser analisada no

RE 215.301, relator o próprio Ministro Carlos Velloso, DJ 28.5.99, quando restou negado ao

Ministério Público o direito de obter diretamente (sem intervenção do Poder Judiciário) os

dados bancários sigilosos.

Toda a jurisprudência do STF foi construída antes  da entrada em vigor da LC

105/2001, sendo certo que as ADI´s 2386, 2390 e 2397, apesar de ajuizadas em 2001, ainda

não foram julgadas pelo STF.

 Nessas ações, busca-se, em geral, o reconhecimento da inconstitucionalidade dos

artigos 5º e 6º da LC 105/2001 que, como dito no item 5.1, conferem dois tipos de acesso

direto à administração tributária a alguns dados bancários. Nas ADI´s 2390 e 2397 há também

o questionamento do Decreto 3.724/2001. Apenas para ilustrar o contexto da discussão, a

 petição inicial da ADI 2386 se inicia da seguinte maneira:

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Com o “popular” argumento de combater a sonegação fiscal, a fim de possibilitar otambém “popular”  –  e inquestionavelmente necessário - , aumento do saláriomínimo, o Poder Executivo da União impôs ao Congresso Nacional e conseguiu queeste aprovasse, um conjunto de normas jurídicas, que sobre o pretexto de fazer  justiça social, acarretam na verdade, uma das piores violações a direitosfundamentais constitucionalmente assegurados da história nacional, algo que nem

durante os sombrios anos de autoritarismo que vivemos, os detentores do poder ousaram fazer. (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO COMÉRCIO, 2001).

Os argumentos desenvolvidos nessas ações, em geral, são pautados na jurisprudência

tradicional do STF, enfatizando que a restrição ao direito fundamental em apreço só pode ser 

feita por intermédio de decisão judicial devidamente fundamentada (princípio da reserva de

 jurisdição).

Há ainda outras duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI´s 4006 e 4010),

ajuizadas em janeiro de 2008 e que discutem a obrigatoriedade do fornecimento periódico das

movimentação financeira global, prevista no art. 5º da LC 105/2001 e cujos limites estão

estabelecidos na IN 802/2007.

 Na primeira ação (ADI 4006), proposta pela Confederação Nacional das Profissões

Liberais, a discussão está centrada apenas na IN 802/2007. Nela não se busca o

reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 5º da LC 105/2001 ou do Decreto

4.489/2002, o que não se compreende, pois tal pleito limita, e muito, os efeitos práticos de

uma eventual decisão favorável. Afinal, mesmo que a ação seja julgada procedente pelo STF,

o pedido não alcançará o reconhecimento de inconstitucionalidade do art. 5º da LC 105/2001

nem do Decreto que o regulamenta. Será afastada, tão somente, a IN 802/2007 – que trata

apenas dos limites de valores das movimentações financeiras - permanecendo válida a

obrigação das instituições financeiras de informar periodicamente a Receita Federal.

 Na ADI 4006, além dos argumentos tradicionais de violação ao direito fundamental à

intimidade e privacidade e do primado da jurisdição, foi aduzido que os limites fixados na

mencionada Instrução Normativa seriam destituídos de razoabilidade ou desproporcionais,

 pois são muito baixos 306. Segundo consta na ação, da forma como foi previsto na Instrução

 Normativa, todos os brasileiros seriam “suspeitos” de sonegação, violando, assim, o princípio

da presunção da inocência:

O ato fiscalizatório empenhado pela Receita nada mais é do que o pré-julgamento deque toda movimentação superior a R$ 5.000,00 (cinco mil reais) se pessoa física ede R$ 10.000,00 (dez mil reais) de pessoa jurídica, esconde um seu íntimo a possibilidade de sonegação fiscal. (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DASPROFISSÕES LIBERAIS, 2008).

306 Pessoa física: R$ 5.000,00 / Pessoa jurídica R$ 10.000,00, nor semestre.

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A ADI 4010 307, por sua vez, foi proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos

Advogados do Brasil (OAB) e busca o reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 5º da

LC 105/2001. No corpo da peça, há também o ataque ao Decreto 4.489/2002 e à IN 802/2007.

Todavia, o pedido final só alcança o dispositivo da Lei Complementar, o que, certamente, é o

suficiente para invalidar os atos infraconstitucionais baixados pelo Poder Executivo. Além da

 já mencionada jurisprudência tradicional do STF, a argumentação desenvolvida também se

volta à falta de imparcialidade do Fisco, bem como à violação ao devido processo legal , pois

um direito do contribuinte estará sendo violado sem que haja prévio processo legal. 308 

Esse é o panorama existente sobre a matéria e que ainda não foi solucionado.

Após a entrada em vigor da LC 105/2001, por duas vezes, o STF concedeu liminar 

em ação cautelar para conferir efeito suspensivo a recurso extraordinário interposto pelo

contribuinte e suspender qualquer medida tomada pelo Fisco, bem como impedir que aFazenda Pública, com base na mencionada lei complementar, requisitasse diretamente aos

 bancos as movimentações financeiras do correntista. 309 

Cumpre dizer que a liminar concedida pelo Ministro Marco Aurélio na AC nº 33 não

 foi referendada  pela maioria dos Ministros do STF. O julgamento terminou com 6 votos

contrários à liminar e 4 votos a favor da sua confirmação. A divergência foi iniciada com o

voto do Ministro Joaquim Barbosa.

Tal julgamento foi finalizado no final de novembro de 2010 e o acórdão ainda não

foi publicado. Contudo, a notícia veiculada no Informativo do STF nos dá uma ideia de que afundamentação dada pelo STF não entrou no mérito da questão constitucional:

Em conclusão, o Plenário negou referendo a medida cautelar em ação cautelar, emque pretendida a concessão de efeito suspensivo a recurso extraordinário, jáadmitido para esta Corte, no qual sustentada a inconstitucionalidade das disposiçõeslegais que autorizam a requisição e a utilização de informações bancárias pelaReceita Federal, diretamente às instituições financeiras, para instauração e instruçãode processo administrativo fiscal (Lei Complementar 105/2001, regulamentada peloDecreto 3.724/2001) — v. Informativos 322, 332, 335 e 572. Prevaleceu o voto doMin. Joaquim Barbosa que se reportou a precedentes no sentido de que, nashipóteses em que as decisões proferidas nas instâncias inferiores fossem

desfavoráveis ao requerente, como no caso, o pedido de cautelar identificar-se-ia

307 A liminar não foi apreciada. A Ministra Ellen Gracie, no plantão, solicitou informações ao Presidente daRepública e ao Congresso Nacional. O relator originário da ADI 4010 era o falecido Min. Menezes Direito,substituído pelo Min. Dias Toffoli, que se declarou impedido. Após nova redistribuição, a relatoria ficou a cargoda Ministra Ellen Gracie que, diga-se de passagem, acompanhou o voto do Ministro Joaquim Barbosa para nãoreferendar a liminar proferida na AC 33 (vide o Informativo n.º 610 do STF citado neste trabalho).308 A argumentação desenvolvida pela OAB na ADI 4010 deixa subentendido que o processo necessário paralegitimar o afastamento do sigilo bancário é o processo judicial, não bastando o processo administrativo.309 Conferir AC 33, rel. Min. Marco Aurélio, j. 05/07/2003 e AC 415, rel. Min. Cézar Peluso, j. 09/09/2004. NaAC 33, o Pleno, em recente julgamento, não referendou a liminar. Quanto à segunda cautelar (AC 415), esta foi julgada prejudicada, pois o RE não foi conhecido.

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como de concessão de tutela antecipada, para a qual o deferimento exigiria, além daexistência de prova inequívoca, o convencimento do juiz acerca da verossimilhançada alegação. Considerou que, em razão da ausência de decisão do STF nos autos dasações diretas em que se questiona a constitucionalidade das leis que autorizam arequisição de informações bancárias pela Receita Federal (ADI 2386/DF, ADI2390/DF e ADI 2397/DF), não haveria a caracterização da verossimilhança da

alegação. Ressaltou, também, o princípio da presunção da constitucionalidade dasleis. Reputou afastado, ademais, o periculum in mora, haja vista que o requerenteajuizara a medida cautelar após quase dois anos da data em que a Receita Federaltivera acesso as suas informações bancárias. Vencidos os Ministros Marco Aurélio,relator, Cezar Peluso, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello, que referendavam aliminar.AC 33 MC/PR, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. JoaquimBarbosa, 24.11.2010. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, Informartivo, 2010). 310 

Merece ser dito também que, em razão da relevância e da atualidade do tema, a 2ª

Turma, ao julgar, em 01/04/2008 (DJ 01/08/2008), o Agravo Regimental no RE 261.278,

resolveu prover o recurso da União para anular  decisão monocrática proferida pelo Ministro

Carlos Velloso e afetar ao Pleno o julgamento do recurso extraordinário. A decisão anulada

havia acolhido o recurso do contribuinte para reformar acórdão que entendera ser legítima a

quebra do sigilo bancário feita diretamente pelo Fisco. Contudo, após o julgamento, a

empresa requereu a desistência do recurso extraordinário, pleito este homologado pelo

Ministro Ricardo Lewandowski.

5.3.1. A recente manifestação do Supremo Tribunal Federal: RE 389.808 (caso GVA), julgado em dezembro de 2010 

O tema, assim, é atual e ainda está  sem definição. Apesar do mencionado julgamento

da AC 33, em que a liminar não restou referendada, sinalizando, portanto, uma tendência que

 pode predominar quando as Ações Diretas de Inconstitucionalidade que tratam da matéria

forem julgadas, ainda é cedo para se dizer que os precedentes proferidos antes de 2001

 perderam sua força na jurisprudência do STF.Isso porque, menos de um mês depois do julgamento que negou referendo à liminar 

deferida monocraticamente pelo Ministro Marco Aurélio na AC 33, o Plenário, por maioria (5

x 4), deu provimento a recurso extraordinário interposto pelo mesmo contribuinte e autor da

mencionada ação cautelar, asseverando que não é lícito o acesso a esses dados sem ordem do

310 Vide o Informativo do STF nº 610, Brasília, 22 a 26 de novembro de 2010. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo610.htm#Quebra%20de%20sigilo%20bancário%20pela%20Receita%20Federal%20-%204> Acesso em 14/12/2010.

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 Poder Judiciário. Merece ser dito, contudo, que o Ministro Joaquim Barbosa não estava

 presente na sessão. Tal decisão foi proferida no julgamento do RE 389.808, em 15/12/2010.

Assim consta na notícia do julgamento, extraída do site do STF 311, cujo teor é bem similar ao

que restou noticiado posteriormente pelo próprio Supremo Tribunal, no Informativo n° 613 do

STF:

Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) deu provimento a um Recurso Extraordinário (RE 389808) em que a empresa GVAIndústria e Comércio S/A questionava o acesso da Receita Federal a informaçõesfiscais da empresa, sem fundamentação e sem autorização judicial. Por cinco votos aquatro, os ministros entenderam que não pode haver acesso a esses dados semordem do Poder Judiciário.

O caso 

A matéria tem origem em comunicado feito pelo Banco Santander à empresa GVAIndústria e Comércio S/A, informando que a Delegacia da Receita Federal do Brasil – com amparo na Lei Complementar nº 105/01 – havia determinado àquelainstituição financeira, em mandado de procedimento fiscal, a entrega de extratos edemais documentos pertinentes à movimentação bancária da empresa relativamenteao período de 1998 a julho de 2001. O Banco Santander cientificou a empresa que,em virtude de tal mandado, iria fornecer os dados bancários em questão.

A empresa ajuizou o RE no Supremo contra acórdão proferido pelo TribunalRegional Federal da 4ª Região, que permitiu “o acesso da autoridade fiscal a dadosrelativos à movimentação financeira dos contribuintes, no bojo do procedimentofiscal regularmente instaurado”. Para a GVA, “o poder de devassa nos registrosnaturalmente sigilosos, sem a mínima fundamentação, e ainda sem a necessáriaintervenção judicial, não encontram qualquer fundamento de validade naConstituição Federal”. Afirma que foi obrigada por meio de Mandado deProcedimento Fiscal a apresentar seus extratos bancários referentes ao ano de 1998,sem qualquer autorização judicial, com fundamento apenas nas disposições da Leinº 10.174/2001, da Lei Complementar 105/2001 e do Decreto 3.724/2001, semqualquer respaldo constitucional.

Dignidade 

O ministro Marco Aurélio (relator) votou pelo provimento do recurso, sendoacompanhado pelos ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso deMello e Cezar Peluso. O princípio da dignidade da pessoa humana foi o fundamentodo relator para votar a favor da empresa. De acordo com ele, a vida em sociedade pressupõe segurança e estabilidade, e não a surpresa. E, para garantir isso, énecessário o respeito à inviolabilidade das informações do cidadão.

Ainda de acordo com o ministro, é necessário assegurar a privacidade. A exceção para mitigar esta regra só pode vir por ordem judicial, e para instrução penal, não para outras finalidades. “É preciso resguardar o cidadão de atos extravagantes que possam, de alguma forma, alcançá-lo na dignidade”, salientou o ministro.

Por fim, o ministro disse entender que a quebra do sigilo sem autorização judicial banaliza o que a Constituição Federal tenta proteger, a privacidade do cidadão. Comesses argumentos o relator votou no sentido de considerar que só é possível o

311 Vide as notícias do STF do dia 15/12/2010. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=168193> Acesso em 16/12/2010.

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afastamento do sigilo bancário de pessoas naturais e jurídicas a partir de ordememanada do Poder Judiciário.Já o ministro Gilmar Mendes disse em seu voto que não se trata de se negar acessoàs informações, mas de restringir, exigir que haja observância da reserva de jurisdição. Para ele, faz-se presente, no caso, a necessidade de reserva de jurisdição.

Para o ministro Celso de Mello, decano da Corte, o Estado tem poder para investigar e fiscalizar, mas a decretação da quebra de sigilo bancário só pode ser feita medianteordem emanada do Poder Judiciário.

Em nada compromete a competência para investigar atribuída ao poder público, quesempre que achar necessário, poderá pedir ao Judiciário a quebra do sigilo.

Divergência 

Os ministros Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ayres Britto e Ellen Gracie votaram pelodesprovimento do RE. De acordo com o ministro Dias Toffoli, a lei queregulamentou a transferência dos dados sigilosos das instituições financeiras para aReceita Federal respeita as garantias fundamentais presentes na ConstituiçãoFederal. Para a ministra Cármen Lúcia, não existe quebra de privacidade do cidadão,

mas apenas a transferência para outro órgão dos dados protegidos.

 Na semana passada, o Plenário havia negado referendo a uma liminar (AçãoCautelar 33) concedida pelo ministro Marco Aurélio em favor da GVA.(SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, Notícia, 2010).

O julgamento ocorreu no dia 15 de dezembro de 2010 312, tendo o Plenário do

Supremo Tribunal Federal (STF) provido o Recuso Extraordinário (RE) 389808 interposto

 pela empresa GVA Indústria e Comércio S/A contra acórdão proferido pelo Tribunal

Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que permitiu o acesso da Receita Federal a

informações bancárias da empresa, sem prévia autorização judicial.É importante salientar que a questão em debate no mencionado recurso

extraordinário envolvia apenas a obtenção de dados bancários prevista no art. 6º da LC

105/2001 (o procedimento ou processo administrativo instaurado ou em curso). Não se

discutiu nesse precedente a regra prevista no art. 5º da LC 105/2001 (remessa dos dados de

forma contínua e periódica, sem qualquer procedimento administrativo prévio).

Apesar de o acórdão ainda não ter sido publicado quando da realização do presente

trabalho, foi possível acompanhar o julgamento do citado recurso extraordinário pela internet,

 já que o STF disponibiliza alguns de seus julgamentos no sítio do Youtube. 313 Dessa forma,em razão de termos assistido ao julgamento pela internet, algumas considerações merecem ser 

destacadas.

312 O último dia de expediente forense do STF foi no dia 17 de dezembro de 2010, só retornando as atividadesnormais no dia 1° de fevereiro de 2011.313 A sessão de julgamento do RE 389.808 está disponívelem:<http://www.youtube.com/stf#p/search/1/ABUZePPFrxQ>e<http://www.youtube.com/stf#p/search/11/AOHQfx_Tsgg>Último acesso em 20/01/2011.

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5.3.1.1. Ministro Marco Aurélio

Em primeiro lugar, merece ser destacado que o relator, Ministro Marco Aurélio,

seguiu o entendimento já exposto pelo mesmo em outros casos (vide, por exemplo, MS

21.749), de que o sigilo bancário está resguardado pelo direito à intimidade e privacidade,

conforme previsto nos incisos X e XII do art. 5° da CF/88. O citado magistrado deixa clara

sua posição: partindo de uma leitura do inciso XII do art. 5° da CF/88, o acesso aos dados só

 pode ser feito mediante intervenção do Poder Judicial e para os fins de investigação criminal.

Inicialmente, é importante dizer que a leitura que o Ministro Marco Aurélio faz do

mencionado inciso XII do artigo 5° não é a posição adotada pelo restante do colegiado. 314 A

maioria reconhece a proteção do sigilo bancário está no inciso X do art. 5° (inviolabilidade daintimidade e vida privada) e não no inciso XII . Além disso, a maioria entende que o sigilo de

dados  pode ser afastado em outros procedimentos (inclusive para fins fiscais) e não somente

nos casos de investigação criminal.

Mesmo assim, vingou o entendimento dado pelo relator de que o sigilo bancário está

submetido à reserva de jurisdição, pois, por se tratar de direito fundamental e de garantir a

dignidade da pessoa humana, sua relativização passa, obrigatoriamente, pelo crivo prévio do

Poder Judiciário.

O Ministro Marco Aurélio ressalta também que a vida em sociedade pressupõesegurança e estabilidade, e não a surpresa, sendo necessário, então, para se garantir tudo isso,

o respeito à inviolabilidade das informações do cidadão.

Por fim, alega que a restrição ou o afastamento de um direito fundamental é tarefa

que deve ser feita por um órgão equidistante (terceiro imparcial), não podendo o Fisco – que é

uma das partes “interessadas” da relação jurídico-tributária, em razão do seu “interesse

arrecadador” – ter acesso a esses dados que estão inseridos na intimidade e privacidade do

cidadão.

Alegando, ainda, a necessidade de coibir abusos e a devassa indiscriminada na vida

 privada do cidadão, o Ministro Marco Aurélio invocou em suas razões o decidido no MS

314 Vide RE 418.416, julgado pelo Plenário do STF no dia 10.05.2006, sendo relator o Ministro SepúlvedaPertence.

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23.851, relator Ministro Celso de Mello, julgado por unanimidade pelo Plenário do STF em

26/09/2001 (DJU 21.06.2002) 315, cujo trecho da ementa assim afirmava:

A quebra de sigilo, para legitimar-se em face do sistema jurídico-constitucional

 brasileiro, necessita apoiar-se em decisão revestida de fundamentação adequada, queencontre apoio concreto em suporte fático idôneo, sob pena de invalidade do atoestatal que a decreta. A ruptura da esfera de intimidade de qualquer pessoa -quando ausente a hipótese configuradora de causa provável - revela-seincompatível com o modelo consagrado na Constituição da República, pois aquebra de sigilo não pode ser manipulada, de modo arbitrário, pelo PoderPúblico ou por seus agentes.  Não fosse assim, a quebra de sigilo converter-se-ia,ilegitimamente, em instrumento de busca generalizada, que daria, ao Estado - nãoobstante a ausência de quaisquer indícios concretos - o poder de vasculharregistros sigilosos alheios, em ordem a viabilizar, mediante a ilícita utilização do procedimento de devassa indiscriminada (que nem mesmo o Judiciário podeordenar), o acesso a dado supostamente impregnado de relevo jurídico-probatório,em função dos elementos informativos que viessem a ser eventualmentedescobertos. (BRASIL, 2002, destaque no original)

Assim, por mais de uma vez, o Ministro Marco Aurélio consignou, com amparo no

inciso XII do art. 5° da CF/88, a necessidade de se assegurar o que ele denominou de

“primado do Judiciário”. Para ele, não se pode transferir a atuação do Poder Judiciário a

outros órgãos. Para o Ministro Marco Aurélio, permitir-se o acesso diretamente pela Receita

Federal seria um meio de coagir o contribuinte. Nesse ponto, a leitura do voto do Ministro

relator passa a ideia de que tal medida poderia configurar uma sanção política, pois o mesmo

invoca as Súmulas 70, 323 e 547, lendo, inclusive, o teor de cada uma.

Diante disso, o Ministro Marco Aurélio deu provimento ao recurso da empresa e

conferiu à legislação de regência (entre elas a LC 105/2001) interpretação conforme à

Constituição Federal, tendo como conflitante com essa a interpretação que implique o

afastamento do sigilo bancário do cidadão (pessoa física e jurídica)  sem ordem emanada do

 Poder Judiciário.

Temos sérias dúvidas se seria cabível tal tipo de solução neste caso, pois o texto da

LC 105/2001 é bem claro no sentido de que o acesso aos dados bancários ocorre de forma

direta, sem a interferência do Poder Judiciário. Assim, entendemos que, diante da

fundamentação dada pelo relator, a única solução que o Ministro Marco Aurélio poderia

tomar seria o reconhecimento incidental da inconstitucionalidade nas citadas normas.

315 Inteiro teor disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=86034>Acesso em 20/01/2011. O Ministro Marco Aurélio ainda invocou outros precedentes (MS 21.749, MS 25.668,Inq. 2424 e PET 3898), que, entretanto, não entendemos que são tão relevantes para o deslinde do caso.

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5.3.1.2. Ministro Dias Toffoli

O Ministro Dias Toffoli, o segundo a votar, abre a divergência, pautando-se no § 1°

do art. 145 da CF/88. O referido Ministro entende que a Constituição Federal confere à

administração tributária poderes para ter acesso aos dados bancários para identificar o

 patrimônio, rendimentos e as atividades econômicas, como forma de conferir efetividade ao

 princípio da capacidade contributiva.

O citado Ministro afirmou também que o contribuinte, por obrigação legal – e que

não é alvo de qualquer discussão – tem o dever de declarar anualmente seus rendimentos e

seu patrimônio, indicando as alterações positivas e negativas.

Se ele possui essa obrigação e se a Receita Federal possui esses dados (conjuntomaior de dados sigilosos), nada impede que a mesma tenha acesso direto a certos dados

 bancários (conjunto menor de dados privados) para conferir a atividade do contribuinte.

Ressalta o Ministro Dias Toffoli também que não há quebra de sigilo, mas mera

transferência do dever de sigilo. Ou seja, o sigilo bancário transmuta-se em sigilo fiscal,

sendo vedada qualquer divulgação. Enfatiza o citado magistrado que o descumprimento de

dever de sigilo fiscal caracteriza crime (art. 10 da LC 105/2001), sendo certo que o servidor 

 público pode também perder o cargo.

5.3.1.3. Ministra Cármen Lúcia

A Ministra Cármen Lúcia, em voto sucinto, acompanha a divergência iniciada pelo

Ministro Dias Toffoli e entende também que não há qualquer violação à intimidade ou

 privacidade, pois não há publicação ou divulgação dos dados bancários, mas simples

transferência do dever de sigilo. 316 

Importante consideração foi feita pela Ministra Cármen Lúcia – que prestigia, nesse

caso, o princípio da eficiência  – no sentido de que não é possível a concretização das

316 A posição da Ministra Cármen Lúcia já tinha sido externada em artigo de doutrina escrito em 2003, bemcomo no RE 461.366, julgado em 03/08/2007. Para a citada Ministra, “o direito à privacidade éconstitucionalmente concebido no Brasil com o elemento que se contém na competência administrativa. […] Oconhecimento de informações sobre o patrimônio, rendimentos e atividades econômicas da pessoa […] não podeser considerado a publicização destes elementos ou afronta ao princípio da publicidade.” (ROCHA, 2003, p. 366-367).

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finalidades do Estado e o exercício da atividade fazendária se não houver acesso aos dados

 bancários.

5.3.1.4. Ministro Ricardo Lewandowski

O Ministro Ricardo Lewandowski, por sua vez, apenas adere à manifestação do

Ministro Marco Aurélio. Apenas no meio do julgamento, ele acentua rapidamente que, em

razão do § 1° do art. 145 da CF/88 dizer que a administração tributária deverá, no exercício da

atividade de fiscalização, observar os direitos individuais, ele entende que deverá haver a

 provocação prévia do Poder Judiciário, que é o guardião dos Direitos Fundamentais.

5.3.1.5. Ministro Carlos Ayres Britto

O Ministro Carlos Ayres Britto acompanhou a divergência, assinalando alguns

 pontos interessantes.

Inicialmente, aduz que o inciso XII do art. 5° da CF/88 busca a proteção dacomunicação de dados, ou seja, busca impedir a interceptação da comunicação intersubjetiva

(a bisbilhotice, segundo o Ministro) de dados informáticos, telegráficos e telefônicos. 317 Não

se proíbe o acesso, mas, sim, a divulgação, o vazamento.

Por sua vez, o direito de intimidade, para o Ministro, configura o direito de estar só:

seria a pessoa, com sua consciência. Exemplifica com o diário escrito por uma pessoa, que se

circunscreveria dentro da esfera da intimidade. Tanto a interpretação do inciso XII como da

 proteção conferida pela Constituição à intimidade são posições que o Ministro Carlos Britto já

havia antecipado quando do julgamento do RE 418.416.

Ademais, duas importantes ressalvas foram levantadas pelo Ministro Carlos Britto.

Primeiramente, ele afirmou que a Constituição Federal prestigia o Fisco, exemplificando com

o inciso XXII do art. 37 da CF/88, que dispõe que “as administrações tributárias da União,

dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao funcionamento

317 Entendemos que o Ministro Carlos Ayres Britto, apesar de não dizer expressamente no seu voto nem citar odoutrinador, adere à tese de Tércio Sampaio Ferraz Júnior que será explicada logo a seguir.

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do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários

para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o

compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio.”

(BRASIL, 1988, destaque nosso). 

Em segundo lugar, o Ministro Carlos Britto deixa claro que a cláusula do segredo

alcança o  ser e não o ter. Para ele, o Direito Constitucional preserva os típicos direitos da

 personalidade. Os dados do ter (patrimônio), estes são obtidos na sociedade, sendo que esta

mesma sociedade precisa saber o modo pelo qual esses bens foram obtidos, em que eles

consistem. Para ele, os dados do ter são vocacionados para uma maior abertura, especialmente

frente a uma sociedade em que a transparência e a visibilidade são pilares da democracia.

Até esse momento, não havia muitas surpresas, pois os Ministros estavam seguindo

as posições já manifestadas em novembro de 2010, quando do julgamento da AC 33, queenvolvia a empresa recorrente.

5.3.1.6. Ministro Gilmar Mendes

A surpresa ocorreu com a mudança de entendimento do Ministro Gilmar Mendes,

ex-Advogado-Geral da União na época em que foi editada a LC 105/2001.Seu voto, infelizmente, foi curto e sem muitas explicações. Inicia acentuando que

anteriormente compreendia que havia respaldo constitucional para a Receita Federal adotar a

medida fiscalizadora. Contudo, depois dos votos proferidos pelo Ministro Marco Aurélio,

 bem como pelo Ministro Celso de Mello (neste caso, quando do julgamento da cautelar), o

Ministro afirmou que tinha dúvida se a medida fiscalizatória realmente  perderia eficácia se

ela passasse a exigir a prévia manifestação do Poder Judiciário. Assim, ele indaga por qual

motivo seria tão difícil de obter uma declaração prévia do próprio Judiciário.

 Nessa linha, o Ministro Gilmar Mendes asseverou que em matéria relevante e

suscetível de abusos, e tendo em vista a relevância dos direitos fundamentais, dever-se-ia

 buscar o Poder Judiciário primeiramente.

Aduziu o Ministro, ainda, que não se tratava de negar acesso, mas apenas exigir a

intervenção prévia do Poder Judiciário, tendo em vista o valor de que se cuida (direitos

fundamentais).

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Em face disso, ele acompanhou o voto do Ministro Marco Aurélio, deixando claro,

contudo, que não o sigilo bancário poderia ser afastado pelo Poder Judiciário em qualquer 

caso, não se limitando à investigação penal.

Algumas considerações são necessárias, antes de se prosseguir com a explicação do

restante do julgamento. Realmente, soa estranha a posição do Ministro Gilmar Mendes, pois

este, anos atrás, em palestra proferida em 2002, reconheceu a importância da tributação como

um dos instrumentos necessários para a garantia dos direitos fundamentais, bem como a

importância do combate à sonegação. Sobre a conturbada relação travada entre o Fisco e o

cidadão, reconhece o Ministro Gilmar Mendes que essas distorções levam a uma relação de

constante litígio e desconfiança. Assim ponderou o Ministro:

Com efeito, na medida em que se constrói a descrição de que a fiscalizaçãotributária e o combate à sonegação consubstanciam manifestações opressivasdo Estado rival, confina-se, na esquemática oposição conceitual entre Estado eindivíduo, todo o horizonte hermenêutico em que se aferiria a legitimidade daatuação dos órgãos administrativos. Adensada essa distorção pela invocação dehipotéticas invasões a esferas da intimidade pelo emprego de instrumentos maiseficientes de fiscalização tributária (registre-se, entre nós, a controvérsia acercada eventual reserva de jurisdição para o acesso a dados de registro bancário),busca-se tornar ainda mais plausível a dicotomia Estado-indivíduo. A distorçãoconsolida-se no imaginário com a especialização dos agentes do Estado: o político eo burocrata, entendidos como a materialização última da alienação do cidadãocomum em relação às esferas deliberativa e executiva da vida pública e, assim, comoos ícones da deslegitimação estatal. (MENDES, 2002, destaque nosso).

E ao tratar do enfoque dado ao Direito Tributário atual pela vertente acima criticada

 pelo Ministro, acentua Gilmar Mendes que:

Sob tais condições discursivas, a disciplina jurídico-tributária constituiria, emresumo, uma descrição excepcionalista e minimizadora da intervenção estatal,sob o mote da oposição estritamente binária entre Estado e indivíduo e da defesaintransigente de limitações constitucionais ao poder de tributar entendidas comoesforços para a concretização de liberdades fundamentais. (MENDES, 2002,destaque nosso).

E não é só: Gilmar Mendes reconhece expressamente a existência, no texto

constitucional, do dever fundamental de pagar impostos, citando, inclusive, a obra de Casalta

 Nabais. 318 

318 Assim consta no texto da palestra: “De início, considere-se a manifesta (mas nem sempre ressaltada)existência de um dever fundamental de pagar impostos - tal como ressalta o prof. português José CasaltaNabais. Um texto constitucional como o nosso, pródigo na concessão de direitos sociais e na promessa de prestações estatais aos cidadãos na mesma medida em que comprometido com imperativos de responsabilidadefiscal, certamente exige o reconhecimento de um tal dever fundamental de pagar impostos .” (MENDES,2002, destaque nosso). 

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E em continuação ao seu raciocínio, Gilmar Mendes faz uma leitura do § 1º do art.

145 da CF/88 e acentua a importância da fiscalização como forma de conferir igualdade na

repartição dos encargos públicos, na medida em que busca a isonômica aplicação da lei:

Ao disciplinar equanimemente (ou, nos termos da Constituição, segundo acapacidade econômica do contribuinte) a distribuição dos ônus tributários eoperar por meio da fiscalização tributária para conferir efetividade a esseobjetivo, o Estado está verdadeiramente a prestar aos cidadãos a função de árbitrode um conflito ineliminável entre agentes privados. Assim como um concurso público ou uma licitação constituem procedimentos para assegurar-se acessoisonômico de agentes privados a prestações positivas estatais, o combate àsonegação representa um imperativo de realização in concreto da igualdade naaplicação da lei destinado a promover a equânime distribuição de ônusinerentes à operação de um Estado fiscalmente responsável . (MENDES, 2002,destaque nosso).

E após citar lições dos já mencionados Saldanha Sanches e Casalta Nabais, Gilmar Mendes afirma que um dos meios eficientes para combater a sonegação fiscal é justamente

 permitir que a administração tributária tenha acesso direto aos dados bancários, tal qual

 previsto na Lei Complementar 105/2001:

Com o aparecimento da L.C. 105, de 10/1/01, que permite a transferência do sigilo bancário para a Administração tributária e a conseqüente melhora na fiscalização ena arrecadação dos impostos, surge o incremento das possibilidades de hámédio prazo ocorrer a redução da carga tributária de quem paga os tributoscorretamente,e até mesmo de se viabilizar a tão esperada reforma tributária, por 

meio do combate à sonegação  implementado  por instrumentos de elevadaeficiência. (MENDES, 2002, destaque nosso).

Deve-se dizer que, pelo que se depreendeu do julgamento, o Ministro Gilmar 

Mendes, ao proferir seu voto, não fez qualquer consideração sobre os temas que o mesmo

tratou na palestra dada anos atrás. Apenas efetuou algumas conjecturas antes de acompanhar 

o voto do relator. Diante do exposto, não se compreende o porquê da mudança de

entendimento que levou o Ministro a acompanhar o voto do Ministro Marco Aurélio.

5.3.1.7. Ministra Ellen Gracie

Continuando a narrativa do julgamento, a Ministra Ellen Gracie requereu vista dos

autos, medida esta que buscava, entre outras coisas, evitar que o julgamento fosse encerrado

 sem a participação do Ministro Joaquim Barbosa (que era o relator da AC 33, mas que estava

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licenciado e não participava daquela sessão) e que o Tribunal adotasse um entendimento

 passível de alteração no futuro, em razão da mudança de composição.

Após alguns debates – inclusive com a sugestão do Ministro Marco Aurélio de se

conferir liminar para suspender o ato da Receita Federal, com o intuito de conferir resultado

útil ao processo – a Ministra Ellen Gracie desistiu do pedido de vista e votou seguindo a

divergência, adotando os fundamentos do voto por ela proferido na AC 33.

Sobre esse ponto, é importante mencionar, em síntese, o voto da Ministra Ellen

Gracie na mencionada ação cautelar.

Aqui também não foi possível obter o teor do acórdão, pois este ainda não tinha sido

 publicado quando finalizamos o presente trabalho. De qualquer forma, foi possível assistir à

leitura do voto da Ministra Ellen Gracie no site do Youtube. 319 

Ao julgar a cautelar, a Ministra Ellen Gracie acompanhou a posição do MinistroJoaquim Barbosa e, portanto, negou referendo à liminar dada pelo Ministro Marco Aurélio.

Seu voto foi mais longo e fundamentado (sua leitura demorou mais de vinte

minutos), tendo ela aduzido algumas questões muito importantes.

Inicialmente, Sua Excelência consignou que a Constituição Federal não afirma

expressamente a garantia do sigilo bancário, sendo que, para a Magistrada, a ideia de vida

 privada se contrapõe à publicidade, à divulgação. Nesse ponto, a Ministra Ellen Gracie adere

expressamente à posição da Ministra Cármen Lúcia, citando, inclusive, seu estudo publicado

em 2003 e mencionado no item 5.3.1.3 deste trabalho.Aduz a Ministra, assim, que a proteção conferida ao sigilo impede a divulgação, o

vazamento de informações, não a mera transferência de dados que ficarão submetidos ao

sigilo fiscal (ideia de transferência, e não de quebra, tal qual defendida pelo Ministro Dias

Toffoli).

De outro lado, a Magistrada enfatiza que em uma sociedade complexa como a atual,

existem outras obrigações legais e medidas mais restritivas e limitativas à privacidade do que

o acesso direto aos dados bancários. Assim, ela exemplifica com o direito da fiscalização

federal abrir a mala de qualquer pessoa que desembarcar em território nacional. Ainda, nessa

linha, a Ministra cita as hipóteses de batidas policiais (“blitz”), as revistas às pessoas, bem

como as incômodas portas giratórias das instituições bancárias, em que a pessoa, para ter 

319 Disponível em:<http://www.youtube.com/stf#p/search/4/orJd25-3PMc> Acesso em 20/01/2011. Infelizmente,nesse vídeo só é possível assistir os votos proferidos pela Ministra Ellen Gracie e pelo Ministro Celso de Mello.Os outros votos, inclusive do Ministro Joaquim Barbosa (relator designado para redigir o acórdão da AC 33),não estavam no mencionado vídeo, pois foram proferidos anos atrás (2004 e 2009).

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acesso ao banco, em nome da segurança de todos, é obrigada a abrir a bolsa e mostrar ao

 policial o que há lá dentro.

 Nessas hipóteses, haveria um interesse coletivo que prevaleceria sobre as

comodidades individuais.

 Nessa linha, e citando a doutrina de Américo Bedê Freire Júnior, a Ministra

reconhece que o acesso direto pela administração tributária seria um meio de viabilizar a

 justiça fiscal. Nesse ponto, a Ministra Ellen Gracie afirma que a inviolabilidade da vida

 privada e o sigilo de dados devem ser preservados, mas não como empecilho a uma

tributação capaz de concretizar os princípios da pessoalidade e capacidade contributiva e

tampouco como um escudo para possibilitar o descumprimento do dever também

 fundamental e constitucional de pagar tributos.

Continuando  seu raciocínio, a Ministra invoca o § 1° do art. 145 da CF/88, bemcomo cita trechos da obra de Casalta Nabais e da obra conjunta de Klaus Tipke e Douglas

Yamashita, ambas já mencionadas nesta dissertação.

A Ministra ainda reconhece que o dever fundamental de pagar tributos é um

fundamento implícito para que se dote a Administração de meios eficientes de fiscalização

tributária. Ela também afirma a grande necessidade de haver a colaboração de terceiros,

através do cumprimento de obrigações acessórias, de forma a tornar a fiscalização eficaz e

efetiva, devendo-se buscar a transparência nas relações.

 Não bastasse tudo isso, a Ministra afirma que eventual proteção à intimidade e vida privada cederia frente à necessidade de se conferir a autenticidade dos lançamentos nos livros

fiscais (livros obrigatórios) e que tal medida busca possibilitar, ao final, uma melhor 

distribuição da carga tributária e a efetiva concretização dos princípios da capacidade

contributiva, isonomia e livre concorrência.

Por fim, a Ministra Ellen Gracie aduz que não há motivos para se falar em

 parcialidade, pois o Fisco não tem interesse próprio. Ele age dentro da lei, pois o tributo é

cobrado mediante atividade plenamente vinculada, sendo que qualquer ilegalidade ou abuso

cometido poderá ser reparado pelo Poder Judiciário.

Todas essas considerações feitas pela citada Magistrada são de grande importância

 para a correta solução da questão em causa, mostrando, inclusive, a influência das teses de

Casalta Nabais.

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5.3.1.8. Ministro Celso de Mello

Como se era de esperar, a posição do Ministro Celso de Mello foi a mesma adotada

 pelo relator, enfatizando o citado Magistrado posições suas já adotadas sobre a matéria (como,

 por exemplo, o MS 23.452), que ressalta que o sigilo bancário está dentro do âmbito

normativo do direito fundamental da intimidade e privacidade (art. 5°, X, CF/88) e, por isso,

só pode ceder por ato do Poder Judiciário ou de CPI, mediante decisão plenamente

fundamentada, acentuando a adequação e necessidade da medida, dentro da linha tradicional

 já adotada pelo STF. 320 

5.3.1.9. Ministro Cézar Peluso

O Ministro Cezar Peluso apenas acompanhou o voto do relator, Ministro Marco

Aurélio, na linha do já decidido quando apreciou a cautelar.

Deve-se salientar que o Ministro Joaquim Barbosa não participou do referido

 julgamento, sendo provável que o mesmo decidiria em sentido contrário à pretensão do

contribuinte, pois esta foi sua posição no julgamento do referendo à liminar, ao iniciar adivergência, o que levaria o julgamento ao empate. Assim, tal tema ainda está indefinido e é

 possível que seja decidido pelo Ministro Luiz Fux, recentemente indicado para o cargo de

Ministro do STF para ocupar a vaga do Ministro Eros Grau (aposentado em agosto de 2010).

Isso sem esquecer que no caso ora analisado a discussão se restringia apenas à regra

do art. 6º da LC 105/2001, persistindo ainda sem enfrentamento expresso a outra regra

descrita no art. 5º da mencionada lei complementar, bem como o que restou regulamentado no

Decreto 4489/2002 e na IN 802/2007.

De toda forma, pelo que pudemos verificar, nota-se que a maioria do STF ainda não

enfrentou a questão do sigilo tomando como base o papel da tributação dentro de um Estado

Democrático de Direito. A interpretação dada ao art. 5º, X e XII, bem como ao art. 145, § 1º,

da CR, é apenas parcial, havendo uma lacuna quanto a outro aspecto já bastante discutido na

320 Sobre e a posição tradicional do STF, vide o estudo que fizemos anos atrás (Giannetti, 2002).

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doutrina estrangeira, qual seja, o papel atual da tributação e a realidade de que não existe

Estado de Direito sem tributos.

5.4. Intimidade e privacidade: proteção constitucional relativa e que não só admite

como impõe diferentes graus de intervenção estatal

Como dito, a doutrina majoritária e a jurisprudência tradicional do STF entendem

que os dados sigilosos acobertados com o segredo bancário estão inseridos na esfera de

 proteção do direito de intimidade e privacidade.

Contudo, muito se discute se o direito de intimidade, além das questões atinentes àesfera moral da pessoa, alcança também as questões patrimoniais. Outro ponto de discussão é

saber se todos os dados inseridos no âmbito da intimidade e privacidade  possuem o mesmo

 grau de proteção.

Quanto à primeira questão, é importante aduzir o entendimento externado por Tércio

Sampaio Ferraz Júnior (2007), entendimento este que se divide em dois pontos: (1) primeiro,

saber qual o conteúdo protegido pelo inciso XII do art. 5° da CF/88; (2) segundo, saber se os

dados bancários estão protegidos pelo direito de intimidade e privacidade.

Para Tércio Sampaio, a expressão sigilo de dados, constante no inciso XII do art. 5° daCF/88 321,  é expressão nova no texto constitucional. Para esse autor, com amparo em Ives

Gandra e Celso Bastos, os dados não são o objeto da comunicação, mas uma modalidade

tecnológica de comunicação. Dados, aqui, são os dados informáticos. Segundo o autor, o

sigilo previsto no mencionado inciso XII está relacionado à comunicação, no interesse da

defesa da privacidade. Apega-se, aqui, a uma interpretação mais gramatical, lingüística, como

se verifica do trecho abaixo:

Isso é feito, no texto, em dois blocos: a Constituição fala em sigilo ‘dacorrespondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicaçõestelefônicas’. Nota-se, para a caracterização dos blocos, que a conjunção ‘e’ unecorrespondência com telegrafia, segue-se uma vírgula e, depois, a conjunção dedados com comunicação telefônica. Há uma simetria nos dois blocos. Obviamente oque se regula é comunicação por correspondência e telegrafia, ‘comunicação’ dedados e telefonia. (FERRAZ JÚNIOR, 2007, p. 168).

321 Art. 5°, XII: “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e dascomunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a leiestabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.” (BRASIL, 1988).

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Esse é a primeira conclusão que chega o autor. Para ele, o inciso XII do art. 5° da

CF/88 enfoca a comunicação e não o objeto da comunicação. Busca-se evitar que terceiros

entrem na comunicação alheia, “fazendo o que devia ficar entre sujeitos que se comunicam

 privadamente passar ilegitimamente ao domínio de um terceiro.” (FERRAZ JÚNIOR, 2007,

 p. 168). 322 

Para o autor, o dispositivo mencionado garante os cidadãos contra a intromissão

clandestina ou não-autorizada por eles na comunicação em si. Exemplifica com a figura do

hacker , que manipula clandestinamente os arquivos de computador de outra pessoa.

Porém, para o autor, se alguém elabora um cadastro com informações negativas

sobre certas pessoas e o torna público, não estará cometendo quebra de sigilo, mas,

eventualmente, difamação. Mesmo que transmita privativamente esses dados a um terceiro,

ainda assim não haverá quebra de sigilo. Essa somente ocorrerá se alguém entrar nessatransmissão, como um terceiro que nada tem a ver com a relação comunicativa.

Assim, se alguém intercepta uma mensagem ou abre uma carta que não lhe foi

endereçada, ocorre violação de sigilo, sendo sem importância o conteúdo da mensagem, pois

a proteção não é para o que consta na mensagem, mas para a ação de enviá-la e recebê-la.

Continuando, para o autor há pertinência na ressalva existente no final do inciso XII

do art. 5° - quando ali se admite, apenas para a comunicação telefônica e, assim mesmo, só

 para fins de investigação criminal, a quebra de sigilo por ordem judicial – pois, dentre os

quatro meios de comunicação mencionados no dispositivo, somente a comunicação telefônicase caracteriza pela instantaneidade. (FERRAZ JÚNIOR, 2007, p. 170).

Para o citado professor paulista, apenas no caso de comunicação telefônica é possível

a intromissão (grampeamento) de terceiro, desde que por autorização judicial. Assim, para o

autor, não é possível ordem judicial para a interceptação de correspondência.

Contudo, tal entendimento não impede que haja o acesso, a posteriori, do conteúdo

das mensagens. Assim, apesar de não ser possível a interceptação da correspondência, Tércio

Sampaio admite ser possível o ajuizamento de ação de busca e apreensão. Segundo o autor:

Essa observação nos coloca, pois, claramente, que a questão de saber quaiselementos de uma mensagem podem ser fiscalizados e requisitados não se confundecom a questão de saber se e quando uma autoridade pode entrar no processocomunicativo entre dois sujeitos. São coisas distintas que devem ser examinadasdistintamente. (FERRAZ JÚNIOR, 2007, p. 170).

322 José Adércio Leite Sampaio (1998, p. 549) não concorda com a posição de Tércio Sampaio Ferraz Júnior.

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Dessa forma, conclui o autor que solicitar ao juiz que permita à autoridade acesso à

movimentação bancária de alguém não significa pedir para interceptar suas ordens ao banco

(sigilo de comunicação), mas, sim, acesso a dados armazenados.

Esse entendimento foi compartilhado pelo Ministro Francisco Resek, ao julgar o MS

21.279 e pelo Ministro Sepúlveda Pertence, no RE 418.416, sendo que ambos mencionam o

estudo feito por Tércio Sampaio Ferraz Júnior.

Dessa forma, e ao contrário do assinalado pelo Ministro Marco Aurélio, o sigilo

 bancário não possui amparo no inciso XII do art. 5° da CF/88.

O outro tema em discussão é saber se o sigilo bancário é alcançado pelo inciso X do

art. 5° da CF/88 323, base constitucional do direito fundamental da intimidade e privacidade.

Para Tércio Sampaio (FERRAZ JÚNIOR, 2007, p. 171), a cláusula constitucional da

intimidade e privacidade busca preservar os direitos de liberdade  do cidadão, e não a propriedade. Assim, estão alcançadas pelo sigilo aquelas informações transmitidas que, em

termos de privacidade, são constitutivas da integridade moral da pessoa. 324 

Para o autor, o direito fundamental à privacidade diz respeito ao direito da pessoa

excluir do conhecimento de terceiros aquilo que a ele só é pertinente e que diz respeito ao seu

modo de ser exclusivo no âmbito de sua vida privada. Assim, a privacidade alcança o  ser e

não o ter , protegendo, assim, a liberdade de crença, sexual, gostos e escolhas pessoais, e não

de dados que, não obstante necessitarem de proteção legal, veiculam informações relativas

apenas à vida econômica da pessoa. Frisa o autor que nem tudo o que compõe o âmbito privado pertence ao âmbito da privacidade. Como exemplo, ele diz que a aquisição de um

imóvel é realizada por escritura pública, ocorre no âmbito privado, mas não pertence ao

âmbito da privacidade. Todavia, os motivos para a aquisição, esses dizem respeito à esfera da

intimidade e, assim, não podem ser devassados. Portanto, para o autor, o art. 5º, X, da CF/88

 busca preservar a liberdade (relações de confiança, lealdade, estratégicas, de proteção ao foro

íntimo contra curiosos), não a propriedade.

Assim, para Tércio Sampaio, o sigilo bancário não possui estatura constitucional. 325 

323 Art. 5°, X: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direitoa indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.” (BRASIL, 1988).324 Conferir também Saraiva Filho (2001, p. 455-456); Roque (2001). Vide posição contrária de Covello (2001, p. 150 e seguintes) e Sampaio (1998, p. 554), sendo que este último rechaça expressamente a posição assumida por Tércio Ferraz. Entendemos que essa posição é a adotada pelo Ministro Carlos Britto e Ellen Gracie.325 Todavia, entende Tércio Sampaio que o sigilo das informações bancárias pode ter uma repercussão no planoda privacidade, como, por exemplo, a conta bancária que alguém possui em nome de um filho não-reconhecido,e que a pessoa deseja que ninguém saiba. Ou o empréstimo obtido por questões estratégicas, como deinvestimento em um negócio e se quer segredo para que o mercado não saiba. Por isso, justifica-se que olegislador preserve genericamente essas informações. Mas, para o citado autor, elas não estão contidas no âmbitodo direito descrito no art. 5º, X, da CF.

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Esse entendimento também foi acolhido pelo Ministro Francisco Resek, no

mencionado MS 21.729, e alguma dessas idéias constam expressamente no voto da Ministra

Carmén Lúcia, proferido no RE 461.366 (rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 03/08/2007).

Cumpre salientar também a posição defendida pelo Ministro Sepúlveda Pertence, no MS

21.729, no sentido de que o sigilo bancário não possui proteção constitucional e só existe no

Brasil em razão de previsão na lei ordinária, o que torna possível, na visão daquele Ministro,

que a lei admita que autoridades administrativas com função investigativa obtenham as

informações sobre dados bancários. Todavia, cumpre ressaltar que a posição externada pelos

Ministros indicados não é a adotada pela jurisprudência tradicional do STF.

A tese defendida por Tércio Sampaio Ferraz Júnior sobre quais dados estariam

acobertados com a cláusula constitucional que assegura o direito de intimidade e privacidade

é rebatida por José Adércio Sampaio Leite, que entende que a distinção feita pelo professor  paulista não foi adotada pelo texto constitucional brasileiro. Para José Adércio:

“Dados” não se limita a relações de clientela ou à condição de solvência ousolvabilidade de alguém, mas inclusive, com apoio no farto material fornecido peloDireito Comparado, seus signos distintivos, seu endereço, filiação ou número deinscrição no Cadastro Geral de Pessoas Físicas ou de Contribuintes, nominativos,enfim, constantes de um arquivo automatizado ou não. A distinção pretendida [por Tércio Sampaio Ferraz Júnior] é arbitrária e perigosa. (SAMPAIO, 1998, p. 554).

 Não há dúvida que o conceito de intimidade e vida privada não é fácil de ser 

desenvolvido, especialmente em razão do seu conteúdo acentuadamente dinâmico. Não

obstante as diversas discussões travadas sobre tal matéria (que incluem a diferença entre

intimidade e privacidade 326), para fins do presente trabalho, acompanhamos o entendimento

externado por Noel Gomes (2006, p. 103-108) de que a situação econômica da pessoa,

espelhada na sua conta bancária, incluindo as operações (passivas e ativas) nela registradas

faz parte do âmbito de proteção do direito à intimidade e privacidade. 327 

A importância e a generalização das relações travadas entre as pessoas com as

instituições bancárias no atual cenário mundial não pode ser desconsiderada. Realmente, os

elementos em poder dos estabelecimentos bancários, incluindo as movimentações financeiras

e as operações financeiras realizadas, equivalem, hoje, a elementos particulares e pessoais de

qualquer indivíduo, constituindo, assim, uma dimensão do direito à intimidade e privacidade.

326 Vide Fernandes (2010), Sampaio (1998) e Costa Júnior (1997).327 Este entendimento, segundo Noel Gomes (2006, p. 89-97) também é seguido pelos Tribunais Constitucionaisde Portugal e da Espanha. Contudo, segundo o autor, o Tribunal Constitucional Italiano entende que a intimidadealcança apenas os dados de índole  pessoal , deixando de fora do âmbito de proteção os dados patrimoniais, posição esta semelhante à adotada pela Corte Suprema Americana. (GOMES, 2006, p. 188).

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Todavia, o conteúdo amplo do direito de intimidade não importa em proteger, com

igual força, todos os dados acobertados pelo mencionado direito. Como bem diferencia Noel

Gomes:

A adopção de uma concepção ampla do direito à intimidade implica, porém, que se proceda a uma distinção entre duas esferas, correspondendo a cada uma delasdiferentes níveis de protecção. Em primeiro lugar, uma esfera pessoal, de protecçãomais intensa, onde se incluem os aspectos mais íntimos, relativos sobretudo à vida pessoal dos indivíduos. Em segundo lugar, uma esfera que apelidamos deeconómica, delimitada pela negativa, de protecção menos intensa, que abrangesobretudo as manifestações relacionadas com aspectos da vida patrimonial e, porventura, profissional dos indivíduos. (GOMES, 2006, p. 104) 328 

Entende o mencionado autor português que não é possível definir, a priori, que os

dados bancários estão incluídos em uma esfera de proteção mais ou menos intensa. É possível

que determinada informação acobertada pelo sigilo bancário possa estar inserida na “esfera”

de proteção mais intensa (tipo e locais onde ocorreram alguns gastos, contratos bancários

formalizados, por exemplo), ao passo que outras informações bancárias podem estar 

submetidas a uma proteção menos intensa.

Cumpre dizer que Noel Gomes (2006, p. 105-106 e nota 173) inclui expressamente o

saldo de determinada conta bancária e os movimentos (valores de débitos e créditos)

efetuados em conta-corrente (em que não se sabe a origem ou destino do dinheiro) como tipos

de informações de conteúdo econômico que não são alcançados pela proteção mais intensa 

que é conferida à esfera pessoal .

 Noel Gomes (2006, p. 118) reconhece que o sigilo bancário, como expressão do

direito de intimidade, também alcança os dados de titularidade das pessoas jurídicas. Todavia,

este autor (GOMES, 2006, p. 106) afirma que o âmbito de proteção da pessoa jurídica será

menos intenso que o existente em prol das pessoas físicas. Mesmo que se reconheça às

 pessoas jurídicas a titularidade de direitos fundamentais, é certo que suas informações terão

conteúdo patrimonial e econômico. Sobre o tema, Noel Gomes afirma o seguinte:

Todavia, dada a estreita ligação entre o direito à intimidade e a liberdade individual,a protecção constitucional concedida às pessoas colectivas não pode coincidir, demodo algum, com a dimensão, tanto no aspecto qualitativo como quantitativo, da protecção da reserva da intimidade privada que é usualmente reconhecida às pessoassingulares. Às pessoas colectivas apenas deve ser reconhecido algumasmanifestações da dita intimidade da reserva da vida privada e não, como se verifica

328 Sobre a teoria das esferas, vide Sampaio (1998) e Costa Júnior (1997). Trata-se de teoria germânica, queentende que há uma esfera pessoal (esfera da intimidade), da qual fazem parte os aspectos pessoalíssimos doindivíduo (aspectos como escolhas, preferências) e uma esfera do segredo, que engloba as informações denatureza patrimonial.

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com as pessoas singulares, um reconhecimento de pleno do direito. Concretizando, a protecção que, ao nível do direito à intimidade, é conferida às pessoas colectivasesgota-se naquelas informações que digam respeito a aspectos da vida patrimonial,certamente de extrema importância para seu funcionamento, mas queinelutavelmente beneficiam de uma protecção mais ténue do que aquela que éconferida à esfera pessoa, exclusiva dos indivíduos e manifestamente incompatível

com a natureza das pessoas colectivas (GOMES, 2006, p. 119)

Realmente, a esfera de intimidade das pessoas jurídicas não é protegida de forma tão

ampla e intensa como ocorre no âmbito das pessoas físicas (a esfera familiar, da liberdade de

consciência, entre outras manifestações típicas da pessoa singular). 329 Em razão disso,

acentua Noel Gomes (2006, p. 119, nota 204) que, se a tutela que é reservada ao direito de

intimidade das pessoas jurídicas é de amplitude bem mais restrita que aquela que é conferida

às pessoas físicas, “no caso de conflito com outro direito ou bem constitucionalmente

 protegido, o direito à reserva da intimidade da vida privada cederá com maior facilidade.”

 Nesse mesmo sentido, Vieira de Andrade (2009, p. 116-122) acentua que as pessoas

 jurídicas gozam dos direitos previstos no texto constitucional na medida em que sejam

compatíveis com a sua natureza. 330 Para o citado professor português, deve-se levar em conta

o princípio da especialidade, “segundo o qual estas pessoas [jurídica] só têm capacidade de

gozo dos direitos necessários ou convenientes à realização dos seus fins.” (VIEIRA DE

ANDRADE, 2009, p. 118-119).

 Nessa hipótese, os direitos fundamentais não são aplicáveis na sua totalidade. É

necessário diferenciar a qualidade dos sujeitos de direito envolvidos: o fim último da personalidade jurídica do homem e o caráter instrumental da personalidade jurídica coletiva.

E arremata Vieira de Andrade (2009, p. 121-122) que o critério atípico dos direitos

fundamentais de titularidade das pessoas jurídicas não só permite como também impõe a

aplicação dos direitos, garantias e liberdades com adaptações, que irão atingir o âmbito do

conteúdo essencial dos direitos fundamentais de titularidade das pessoas jurídicas, que será

“naturalmente mais restrito, tornando admissíveis restrições legislativas mais profundas (cfr.

n° 3 do art. 18°).”

 Noel Gomes (2006, p. 106) acertadamente afirma que o reconhecimento do sigilo bancário como incluído no âmbito de proteção do direito à intimidade e privacidade “não

significa a prevalência deste direito perante outros bens ou interesses que com ele estejam em

329 Segundo Noel Gomes (2006, p. 116), o Tribunal Constitucional Português entendeu que “são incompatíveiscom a natureza das pessoas colectivas aqueles direitos que não são concebíveis a não ser em conexão com as pessoas físicas, com os indivíduos.”330 Assim, fica excluída a maioria dos direitos fundamentais individuais (como o direito à vida e liberdade deexpressão), os direitos políticos e os direitos sociais. Todavia, como a intimidade e privacidade estão pautadas naliberdade, com reflexos também na propriedade, é possível estender sua proteção às pessoas jurídicas.

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conflito, seja ele o interesse da administração da justiça ou o interesse numa justa e efectiva

arrecadação de tributos.” Dessa forma, conclui Noel Gomes que:

Em termos práticos, a principal diferença entre as teorias que se debruçam sobre a

relação entre o segredo bancário e o direito à intimidade está no grau deintensidade de protecção que àquele é conferido e, consequentemente, na maior ou menor facilidade de aquele ceder face a outras exigências. (GOMES, 2006, p.106, destaque nosso).

 Nota-se, dessa forma, que não é cabível argumentar, em prol da defesa de uma

 pessoa jurídica, que o sigilo bancário resguarda e garante a dignidade da pessoa humana. Isso

sem contar que nem todos os dados resguardados pelo sigilo bancário assumem a condição de

se preservar a dignidade da pessoa humana. Afinal, o conteúdo mínimo (o núcleo essencial)

do direito à intimidade não foi atingido, como bem elucida Noel Gomes:

Se é certo que estamos na presença à intimidade constitucionalmente protegida, nãonos podemos esquecer que a mesma, sendo justificada por razões de interesse público, se reduz à intimidade bancária, que constitui apenas uma parcela daqueledireito fundamental – não abrangendo todas aquelas informações de carácter pessoalque se realizam fora do circuito bancário, bem como as que realizando-se dentrodaquele circuito não sejam perceptíveis. E dentro desde segmento da intimidadeabrangido pela disciplina legal em análise, cumpre sublinhar que o acesso estádelimitado tanto objectivamente (pressupostos e âmbito de acesso) comosubjectivamente (entidade a quem são conferidas as prerrogativas).Trata-se, bem vistas as coisas, de um restrição ao direito à intimidade que,distante de o eliminar, também não o afecta de tal modo que se possa dizer ser

beliscada a dignidade da pessoa humana. Prova disso é que, não obstante arestrição sofrida, a intimidade subsiste na ordem jurídica, podendo a mesma ser oponível a terceiros, designadamente à própria administração tributária, à qualcontinua a ser vedado o acesso a determinados factos da vida íntima dos cidadãos,ainda que integrantes da intimidade bancária (v. o artigo 63.°, n° 4, alínea c)conjugado com o artigo 63°-B, n° 3, ambos da LGT). (GOMES, 2006, p. 356,destaque nosso).

Entendemos, portanto, pertinente a conclusão de José Adércio Leite Sampaio (1998,

 p. 259), quando assevera que “o correto é dizer, nesse sentido, que a proteção deve ser tanto

mais forte quanto maior peso tiverem os princípios que se vinculam ao direito à “liberdade da

vida privada”, sobretudo conjugada com o respeito da dignidade da pessoa humana.” Por isso,a proteção de dados patrimoniais tende a ser menos intensa do que a proteção conferida aos

dados atinentes à pessoa titular do direito fundamental.

Diante disso, Noel Gomes (2006, p. 127-128) afirma que o tema do sigilo bancário

não pode ser analisado apenas na ótica dos interesses privados e públicos tutelados por aquele

instituto, mas fundamentalmente frente a outros bens, valores e interesses, sejam que lhe

dêem suporte, sejam que lhe imponham derrogações.

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Seguindo essa linha, José Adércio Leite Sampaio (1998, p. 379-382) acentua que os

direitos fundamentais podem sofrer limitações ou restrições, seja em razão da existência de

“limites imanentes”, ou mesmo em razão de intervenção legislativa. No primeiro caso, seriam

excluídos, a priori, “certos modos de exercício do âmbito de proteção normativa”. No

segundo caso, a restrição imposta por lei formal e material se dará “a partir da conformação

ou concretização de outro direito, de uma competência ou bem constitucional.” (SAMPAIO,

1998, p. 383).

Ressalta José Adércio (SAMPAIO, 1998, p. 382) que, no juízo de ponderação para a

solução do caso concreto, deve-se considerar, entre outros elementos, a “ideia de que os

direitos fundamentais não servem para eximir o cumprimento de um dever ou obrigação

nascidos em decorrência de normas constitucionalmente inseridas no sistema jurídico.”

 No caso do sigilo bancário, enfatiza Noel Gomes que as razões tributárias -“associadas ao interesse fiscal na simples, justa e atempada arrecadação das receitas fiscais,

vital para a colectividade, uma vez que a sua satisfação torna possível o regular 

funcionamento dos serviços públicos” - representam um interesse digno de tutela,

“materializado no dever fundamental de os contribuintes pagarem impostos, no princípio

da igualdade fiscal e da tributação das empresas pelo lucro real.” (GOMES, 2006, p. 128,

destaque nosso).

Assim, cumpre reconhecer que a importância dos dados bancários no atual momento

não gera apenas uma maior necessidade de sua proteção de resguardo – reconhecendo-lhes proteção constitucional - mas, também impõe a adoção, pelo legislador , de criar  novas

hipóteses que excepcionam a reserva do segredo, tudo com o intuito de realizar a devida

compatibilização dos diversos interesses em jogo.

Realmente, para o caso em debate, a utilização generalizada das instituições

financeiras, a necessidade de se assegurar maior transparência 331 nas relações travadas entre

os particulares e o Estado e a necessidade efetiva de se averiguar se os sujeitos passivos estão

cumprindo adequadamente seu dever fundamental de pagar tributos impõem a flexibilização

do sigilo bancário frente à administração tributária.

Ademais, o direito de intimidade e privacidade previsto no texto constitucional

 brasileiro não impõe que o acesso a dados de índole  patrimonial  (como extratos e

movimentações bancárias), que são protegidos de forma menos intensa, esteja submetido a

uma cláusula de reserva jurisdicional.

331 Sobre o princípio da transparência e sua relação no Direito Tributário, vide Torres (2001, p. 07-18).

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Vejamos com mais detalhes essa questão que, para parte da doutrina nacional,

representa um conflito de difícil solução.

5.5. O dever fundamental de pagar tributos como referencial constitucional

necessário de ser considerado no âmbito normativo do direito à intimidade e

privacidade

A doutrina nacional, apesar de entender que o sigilo é um direito relativo, restringe a

 possibilidade de quebra apenas ao Poder Judiciário. 332 A resistência por parte da doutrina,

centrada na interpretação isolada do art. 5º, X e XII, CF e no unilateralismo dos direitosfundamentais, imputa à LC 105/2001 e ao Decreto 3724/2001 os vícios de

inconstitucionalidade.

A citação abaixo, de autoria de Melissa Folmann ilustra bem o repúdio à lei em

debate e a visão radical e unilateral dos direitos individuais:

E qual não foi a surpresa na seara jurídica brasileira, logo no início do III Milênio,com a edição da Lei Complementar 105/2001 e o Decreto 3724/2001 que trouxeramao ente que já não consegue guardar seus dados, fornecidos via judiciário comsegurança, poderes de ditador.

A Lei complementar 105 fornece à Receita Federal o poder de quebra automática dosigilo bancário, partindo da premissa de que todos são sonegadores.Abandonaram-se princípios constitucionais – sigilo, privacidade, devidoprocesso legal, presunção de inocência, tripartição dos poderes – em nome deuma bandeira estendida pelo Partido da Moralidade: “quem não deve, não teme.Sem quebra de sigilo, sem reajuste do salário mínimo.”Editou-se então a heresia, desconsiderando-se toda construção jurídica traçadasobre o direito ao sigilo até então.O Judiciário passou a ser mero coadjuvante, sua função de guardião dos direitos docidadão passou a ser dividida com a Receita Federal; o Grande Irmão agoracuida de todos. Não demorará para agradecermos por termos as teletelas de Orwelnos guardando dos perigos, graças ao Príncipe.Aplausos partiram dos menos desavisados, afinal a campanha feita foimerecidamente vitoriosa. Projetou-se a imagem às pessoas de que o direito ao sigilo

 bancário não passa de um direito burguês, que deveria ser suprimido em prol do bem público, da moralidade, da ética.Os menos cautos acabaram por entender que o sigilo bancário era absoluto, era umaarma dos delinqüentes. Desconsiderou-se que a Lei 4.595/64, em seu art. 38, permitia a quebra do sigilo, só que de forma legalmente e moralmente aceita,atendendo aos princípios constitucionais e ao bem comum.

332 A doutrina e a jurisprudência do STF, em razão do art. 58, § 3º, da CF/88, também admitem a requisição dedados diretamente (sem ordem judicial) pelas Comissões Parlamentares de Inquérito (as CPI´s). A questãoenvolvendo as CPI´s, contudo, não é interesse do presente trabalho.

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Compete agora ao Judiciário sanar o jogo político em que envolveram o direito aosigilo. Uma viga do Estado de Direito Brasileiro cedeu, um direito fundamentalfoi renegado – chegaram a dizer que ele nem estava na Constituição – umacláusula pétrea foi atingida.O Judiciário deve agir não só em reconhecimento da inconstitucionalidade da Leimas também em promover o alerta ao perigo de uma aberração dessas. Deve-se

ter em mente que, assim, como hoje os que partilham da oposição da lei sãoconsiderados da Confederação dos Sonegadores, brevemente quem partilha daoposição à violação à privacidade, domicílio, vida, será considerado inimigo capitalde algum novo partido que se crie, talvez o dos senhores da vingança pelas própriasmãos.O primeiro passo já foi dado, agora o contribuinte já é sonegador por vocação eseu julgamento – da acusação à sentença – está sendo feito pelo mesmo órgão:Receita Federal.Ressuscitar o texto constitucional se faz não mais uma mera necessidade (sic) masuma medida de máxima urgência. Os juristas brasileiros precisam atentar aoslegisladores que uma Constituição Democrática como se diz ser a Brasileira deveestar voltada para o cidadão, a razão de ser e de existir o Estado. Leis como a105/2001 só vêm tornar ilusórios os princípios e garantias constitucionaishistoricamente construídos e erigidos à Carta Magna de 1988. (FOLMANN, 2001,

 p. 143-144, destaque nosso).

Indaga-se, assim, se essa interpretação, certamente imbuída de uma concepção bem

liberal, prestigia a concepção de que o tributo constitui um dever fundamental.

A concepção de que o tributo é um dever fundamental pautado na solidariedade

fiscal é um referencial teórico que não pode mais ser desconsiderado no debate constitucional.

Da mesma forma, considerar a tributação como um poderoso instrumento para a realização

dos direitos fundamentais também não pode ser considerado mera recomendação. Há

consequências jurídicas ao adotar tais posturas. 333 Uma delas será o empenho no combate à

evasão fiscal, pois a busca por uma eficácia positiva dos princípios da isonomia e da

capacidade contributiva passa pela existência de meios eficientes no combate à sonegação.

Afinal, é direito do contribuinte de que todos os demais sujeitos passivos também

recolham o tributo devido, buscando-se, assim, a real distribuição dos encargos financeiros

que suportam o Estado e, por consequência, a sociedade. Mas, como bem advertiu Klaus

Tipke (2002, p. 25), “não é suficiente que as leis tributárias cuidem de uma repartição

isonômica da carga tributária”.

Ao se afirmar que “todos são iguais perante a lei”, busca-se também a aplicação isonômica da lei. Para tanto, é necessários instrumentos hábeis que possibilitem tal desiderato.

Por isso, aduz Tipke:

333 Klaus Tipke (2002, p. 15) afirma que “o dever de pagar impostos é um dever fundamental. O imposto não émeramente um sacrifício, mas, sim, uma contribuição necessária para que o Estado possa cumprir suas tarefas nointeresse do proveitoso convívio de todos os cidadãos. O Direito Tributário de um Estado de Direito não éDireito técnico de conteúdo qualquer, mas ramo jurídico orientado por valores. O Direito Tributário afeta não sóa relação cidadão/Estado, mas também a relação dos cidadãos uns com os outros. É Direito da coletividade.” 

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É necessário que os dispositivos procedimentais possibilitem uma aplicaçãoisonômica, especialmente uma verificação isonômica dos fatos, e que os fiscais daAdministração Fazendária sejam suficientes para assegurar essa aplicaçãoisonômica. Portanto, deve-se ver o direito material e o direito procedimental comouma unidade. O cumprimento do princípio da igualdade depende não apenas da leimaterial, mas, no fim das contas, dos créditos tributários, que as autoridades da

Administração Fazendária realmente constituem por meio do lançamento. OTribunal Federal Alemão decidiu, em 1991, que não basta que o cidadão declare osfatos relevantes para o lançamento. Também deve ser apurado pelas autoridades daAdministração Fazendária se as informações são corretas. A realidade alemã emmatéria tributária está, infelizmente, muito distante dessa exigência do TribunalConstitucional. Por um lado, nem sempre a lei cria dispositivos procedimentaiseficientes para a averiguação dos fatos. Por outro, o número de fiscais daAdministração Fazendária não é suficiente para assegurar uma tributação isonômicamediante uma eficiente fiscalização isonômica.O legislador, que promulga dispositivos fiscais materiais, deve, por conseguinte,sempre ter o cuidado de instituir dispositivos procedimentais que possibilitem aimposição do direito material. (TIPKE, 2002, p. 25).

Marciano Buffon (2009, p. 104-108), por sua vez, reforça que o combate à evasãofiscal – termo entendido como o não pagamento do tributo, mesmo tendo ocorrido o fato

gerador - é condição de exigibilidade dos deveres de cidadania. O baixo comprometimento

com a solidariedade reforça o fenômeno da evasão fiscal. E esse sentimento de aceitação, pela

comunidade, da sonegação, decorre, muitas vezes, da inexistência de uma resposta estatal às

demandas sociais, bem como os escândalos nacionais e regionais envolvendo manobras de

corrupção. Tudo isso enfraquece o Direito.

Além desses efeitos que atingem a ética nas relações jurídicas, há também os

nefastos danos à livre concorrência, afetando a competitividade entre os agentes econômicos,com prejuízos a um número indeterminado de pessoas.

Mesmo que não se consiga acabar com a fraude tributária, devem ser adotadas

medidas capazes de reduzi-la a níveis toleráveis. E um dos meios para isso será justamente

“reforçar a capacidade coativa da administração tributária, como recurso para melhorar os

níveis de cumprimento das obrigações pelos contribuintes.” (BUFFON, 2009, p. 106). 334 

Assim, concordamos com a afirmativa de Marciano Buffon no sentido de que:

Deve-se, pois, insistir na busca de mecanismos eficazes para combater a evasãofiscal, como, por exemplo, a ampliação de investimentos em pessoal altamentequalificado, a informatização das informações, objetivando a existência de umrigoroso cruzamento de dados, bem como a implementação de mecanismos decontrole à corrupção. (BUFFON, 2009, p. 107).

334 Logicamente, como reconhece Buffon (2009, p. 106), deve-se também favorecer a aceitação do impostocomo parte de um dever ínsito à cidadania, incentivando-se o cumprimento voluntário das obrigações tributárias.

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Essas considerações são totalmente pertinentes ao tema em debate. Ao contrário do

que alega a doutrina, a questão envolvendo o sigilo bancário não é tão simples assim,

resumindo-se à aplicação liberal e isolada do art. 5º, incisos X e XII da CF. Não há como

analisar os incisos X e XII do art. 5º ou o § 1º do art. 145, ambos da Constituição Federal, de

forma isolada, sem o devido contexto.

Realmente, o alcance normativo esses dispositivos não pode ser compreendido sem

considerar a existência do dever fundamental de pagar tributos que, como limite imanente 

que é, irá conformar o âmbito normativo do direito à intimidade e à privacidade, bem como

legitimar a edição de medidas legais que imponham uma restrição a um direito individual. 

Assim, a questão envolvendo a tributação e o sigilo bancário, no Brasil, passa pela

correta interpretação do art. 145, § 1°, da CR/88, que especifica que “sempre que possível, os

impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica docontribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a

esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o

 patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”

 Não se está, aqui, transplantando-se diretamente, sem qualquer reflexão, doutrinas

estrangeiras ou sugestões dadas por órgãos internacionais. Mas, por outro lado, não

conseguimos vislumbrar diferenças significativas no ordenamento jurídico brasileiro que

impeçam a adoção da solução adotada na maioria dos países desenvolvidos. 335 

O que se propõe é uma interpretação adequada ao texto constitucional como umtodo, que garante, sim, o direito de intimidade e privacidade, mas também impõe um dever 

fundamental que irá se relacionar diretamente com esse direito individual.

Afinal, uma Constituição denominada de “cidadã” não assegura apenas direitos aos

indivíduos, mas também impõe deveres, pois uma das facetas da cidadania é justamente

335 Sobre a experiência estrangeira, ressalta Noel Gomes (2006, p. 194) que “a evolução normativa permiteasseverar que se está a assistir, a nível do direito comunitário (e, por arrastamento, com evidentes repercussõesno direito interno de cada Estado-membro, obrigado a transpor as directrizes comunitárias), a uma crescentedegradação do segredo bancário (e, num sentido mais amplo, da quase generalidade dos segredos, porventuracom exclusão do segredo médico), instrumentalizados pelo legislador, tanto para a prossecução de finalidadescriminais (relacionadas fundamentalmente com o branqueamento de capitais) como, mais recentemente, comfinalidades de raiz tributária.” José Adércio Leite Sampaio (1998, p. 554-555) aduz que “no mundo inteiro, nota-se uma firme tendência no sentido de ser deferido a órgãos administrativos e quase-jurisdicionais, o poder dequebra do sigilo bancário sempre que necessário às investigações criminais, financeiras ou fiscais e inexistiremoutros meios menos gravosos.”

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contribuir e participar para, juntamente com o Estado, buscar a realização dos objetivos postos

na Constituição, entre eles a realização da pessoa humana. 336 

 Não há dúvida, assim, de que no atual Estado Democrático de Direito houve um

alargamento das funções a serem desempenhadas pelo Estado de Direito, motivo pela qual se

exige, em contrapartida, a ampliação dos mecanismos de realização dos fins e dos

instrumentos jurídicos de controle.

 Nesse contexto, desponta o importante papel da tributação no atual momento

constitucional, em que está inserido o princípio da solidariedade.

 Não basta a imposição, pelo Poder Legislativo, de leis criando os tributos e

estabelecendo as obrigações dos contribuintes. A eficácia social de uma lei está condicionada

à sua regular observância pelos membros da sociedade. 337 

Dentre os instrumentos que o Estado possui para realizar seus fins está o exercício do poder de polícia, no qual se inclui a fiscalização, que se traduz no controle das atividades do

contribuinte, verificando se o mesmo está a exercendo dentro da legalidade.

Como anota Onofre Alves Batista Júnior (2001, p.225), em algum momento, a

Administração deve certificar-se se o contribuinte está ou não cumprindo com as suas

obrigações tributárias. No exercício da fiscalização, além das funções de comprovação,

inspeção e de liquidação – que ocorre com o lançamento tributário ou com a simples

cobrança, no caso de tributo declarado e não pago – há, antes disso, uma outra importante

função, que é a de obter as informações.338

 Por meio das informações obtidas, a fiscalização irá conferir se o contribuinte vem

cumprindo ou não suas obrigações. As informações relativas à realidade econômica do sujeito

 passivo devem ser entregues ao fisco (declarações), devidas em razão do dever de

colaboração do contribuinte. (FAVEIRO, 2002, p. 860-862; GOMES, 2006, p. 128-131).

Todavia, como a fiscalização obterá tais informações se o contribuinte não as

fornecer? Tal questionamento fica difícil de solucionar quando vemos que hoje prevalece a

autoliquidação do tributo, ou seja, o próprio contribuinte, sem qualquer ato prévio da

administração tributária, verifica se ocorreu o fato gerador, calcula o tributo e o recolhe,

informando, posteriormente, ao Fisco, a atividade realizada. (NABAIS, 2005, p. 68-70).

336 Nesse sentido, vide Roberto Chinen (2006, p. 183-187), autor que defende a constitucionalidade da LC105/2001 e reconhece a necessidade de se assegurar eficácia aos princípios da capacidade contributiva eisonomia.337 Nesse sentido, além de Tipke, conforme citação feita, conferir Saraiva Filho (2001, p. 450-453).338 Nesse sentido, vide Batista Júnior (2001, p. 226); Faveiro (2002, p. 655).

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Portanto, as informações das realidades econômicas do contribuinte estão apenas

consigo mesmo ou com os bancos, verdadeiras entidades que se fazem presentes na vida de

todos – sejam pessoas físicas ou jurídicas. A vida econômica de uma pessoa sempre passa por 

uma ou mais instituições financeiras, fato que torna a tarefa a cargo da Administração

Tributária nada fácil.

A administração, por isso, é cada vez mais vigilante. Ela deixou de ser a aplicadora

das normas de imposição e tributação e passou a ser fundamentalmente a fiscalizadora do

cumprimento dessas normas por parte dos particulares.

Isso faz com que se questionem os atuais poderes de fiscalização, especialmente para

conter a fraude e a evasão fiscal e se constate que ela necessidade de meios adequados para

saber se realmente o sujeito passivo está cumprindo sua obrigação.

Faz-se presente a necessidade de obtenção direta dos dados bancários, pois como se fiscalizará o contribuinte se os documentos ou informações com que se poderia

eventualmente provar a falta de correspondência entre a realidade declarada ao fisco e a

realidade vivida pelas empresas ou pelos profissionais estão basicamente  fora do alcance da

administração tributária ?

Essa realidade é vivenciada por quase todos os países que são suportados pelas

receitas tributárias e não pode ser desconsiderada na análise da questão no Brasil.

Como elucida Noel Gomes (2006, p. 148-149), há um novo paradigma da

administração tributária. Se ela, hoje, está praticamente confinada aos poderes e funções decontrole e fiscalização dos tributos, para compensar essa perda ou diminuição funcional ela

será reforçada nesses campos, permitindo que a administração tributária exerça com eficiência

suas funções e combata fenômenos ofensivos ao Estado Democrático de Direito e geradores

de desigualdades e desequilíbrios na repartição dos encargos públicos, como ocorre nas

fraudes e evasão fiscal.

Da mesma forma, em face da generalização das relações bancárias, as instituições

 bancárias passam a ser entidades depositárias de informações de grande relevância tributária,

o que justifica a criação de medidas legais que imponham às mesmas obrigação de

cooperação, que se traduzem em deveres de informação.

Logicamente, as informações serão restritas a valores envolvidos nas operações

 bancárias (crédito e débito; empréstimos; aplicações), não alcançando os motivos, destinos e

origem dos gastos, pois estes estão acobertados com a reserva da privacidade. Isso sem

esquecer que esses dados ficarão sob o resguardo do  sigilo fiscal , não havendo, portanto,

qualquer publicidade.

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Merece ser relembrada que a posição de Casalta Nabais sobre o sigilo bancário

caminha nesse sentido, pois este autor afirma que, em razão do dever fundamental de pagar 

impostos, o sigilo bancário não pode ser oponível ao Fisco. Sua posição já foi descrita no

capítulo 3 (item 3.5.12.1), motivo pela qual nos limitamos apenas a indicá-la, ao invés de

repeti-la neste capítulo.

Em razão disso, e tendo como ponto de partida a idéia de que há um dever 

fundamental de pagar tributo, fundamentado na solidariedade e na capacidade contributiva, e

de que não há Estado sem direitos, nem direitos sem impostos, Saldanha Sanches e João

Taborda da Gama (2005, p. 89-103) afirmam que a vaca sagrada do segredo tributário deve

ceder em face da administração tributária.

Realmente, como a renda ou os rendimentos, bem como as receitas ou o faturamento,

devem ser conhecidos pelo Fisco bem como comparados com as declarações recebidas, aefetividade da fiscalização fica comprometida se a derrogação do sigilo bancário tiver como

 pressuposto um procedimento judicial.

O procedimento pode e deve ser administrativo, pois o Estado possui prerrogativas,

entre as quais o poder de fiscalizar, tarefa esta que deve ser realizada com as devidas cautelas

que envolvem outros atos administrativos denotadores do exercício do poder de policia.

Afirmam os autores portugueses (SANCHES; GAMA, 2005, p. 98) que, na

Alemanha, em 1988, a questão da existência de uma norma que limitava o acesso da

administração à informação bancária foi colocada à apreciação do Tribunal Constitucional,que a considerou um obstáculo estrutural ao cumprimento da lei fiscal . Entendeu-se que a

tributação de acordo com a declaração deveria ser acompanhada da ‘verificação’ dessa

mesma declaração.

Exigir que o Fisco sempre submeta a sua pretensão ao Poder Judiciário irá não só

aumentar o número de demandas desnecessariamente como impedir  o eficaz combate à

sonegação e uma aplicação da lei tributária de forma mais isonômica.

Reconheceu-se, assim, a necessária conexão entre a declaração e o controle das

informações bancárias, pois, se há para o sujeito passivo a obrigação de declarar a totalidade

dos rendimentos auferidos, a comparação da declaração com os dados bancários e condição

indispensável para verificar a veracidade dessa declaração, na medida em que “os dados

contidos na conta bancária só poderão acrescentar alguma coisa aos elementos já

comunicados à Administração quando se tiverem verificado violações do dever de declarar.”

(SANCHES; GAMA, 2005, p. 98).

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 No Brasil, esse entendimento é acolhido por Aurélio Pitanga Seixas Filho (2001, p.

156), que, apesar de não dizer nada sobre o dever fundamental de pagar tributo, afirma que

ninguém tem o direito subjetivo de não ser fiscalizado por uma autoridade tributária, mesmo

que não exista indício de erro ou falha no recolhimento dos tributos.  

 Nota-se, assim, que os limites do sigilo bancário, portanto, em razão do momento

constitucional vivido, merecem ser revistos, especialmente porque as instituições jurídicas

não podem permanecer rígidas, inflexíveis, mas sim amoldar-se às circunstâncias e

 peculiaridades de cada época, de forma a se harmonizarem com os valores de cada período

histórico.

A efetividade dos princípios da capacidade contributiva, da igualdade e da

solidariedade passa pela ampliação do poder de fiscalizar com o intuito de identificar o

 patrimônio, os rendimentos e a atividade econômica do contribuinte.

339

  Nesse contexto surge na discussão outro importante princípio que deve ser observado

 pela administração pública, qual seja, o da eficiência. Como explicam Saldanha Sanches e

João Gama (2005, p. 93-94), a derrogação do sigilo pela própria Administração é realizada em

nome dos próprios contribuintes que vão suportar as despesas do Estado, pois estes têm o

direito de exigir uma Administração eficiente e isso implica o legislador, sem restrição

inaceitável dos direitos fundamentais de qualquer cidadão, “[…] encontrar as formas mais

eficientes e baratas de controlar a aplicação da lei, o que, numa sociedade moderna, implica o

controle administrativo da informação financeira.”O princípio da eficiência descrito no art. 37 da CF/88 repercute em várias áreas da

administração pública, inclusive no âmbito fiscal. Trata-se de mais uma exigência a ser 

considerada pela administração quando ela age para a realização do bem comum, que implica,

logicamente, na realização dos fins propostos na Constituição. 340 

Parte da doutrina entende que a eficiência está voltada para os meios a serem

utilizados, enquanto eficácia é termo ligado aos resultados. 341 Apesar da distinção, a

eficiência, como princípio, não está dissociada dos resultados, sendo um dever jurídico de

atuação otimizada, em que considera tanto os objetivos, como a adequada relação entre os

meios e os fins a que se propõe alcançar. Por isso, “o princípio exige tanto o aproveitamento

máximo das potencialidades existentes, isto é, dos recursos escassos que a coletividade

339 Conferir Sanches; Gama (2005, p. 100); Batista Júnior (2001, p. 230-240); Chinen (2006).340 Conferir Greco (2005, p. 173-174).341 Vide Raquel Carvalho (2008, p. 187-188); Batista Júnior (2004, p. 112-113).

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 possui, como o resultado quantitativa e qualitativamente otimizado, no que concerne ao

atendimento das necessidades básicas.” (BATISTA JÚNIOR, 2004, p. 120).

 Nota-se, assim, que obrigar a administração pública a requerer judicialmente o

afastamento do sigilo bancário é medida contraproducente, que redunda na ineficiência do

Estado. Ora, se este é obrigado a adotar os melhores meios e instrumentos para realizar suas

tarefas e prerrogativas, logicamente as atividades vinculadas à tributação – entre elas a de

controle das atividades econômicas - estão inseridas neste dever. E a importância da ação do

Estado no controle da tributação é indiscutível, pois, além de ser um dever, este mesmo

Estado depende dos tributos –  contributo dos membros da sociedade - para realizar as

diversas tarefas descritas na Constituição, entre as quais a realização dos direitos

fundamentais. 342 

Reforçam esse raciocínio três dispositivos constitucionais que tratam do tema. O primeiro é o inciso XXII do art. 37, que foi veiculado com a EC 42/2003, e ressalta o

importante papel das administrações tributárias dos entes da Federação ao qualificá-las como

atividades essenciais ao funcionamento do Estado, que terão recursos  prioritários  para a

realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento

de informações fiscais e de dados cadastrais.

Corolário desse dispositivo, o art. 167, IV, CF, excepcionando a regra geral, prevê a

 possibilidade de vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa para realização

de atividades da administração tributária. Além disso, o inciso XVIII dispõe que a administração fazendária e seus servidores

fiscais terão, dentro de suas áreas de competência e jurisdição, precedência sobre os demais

setores administrativos.

Essas diretrizes constitucionais induzem que a estrutura administrativa que cuida da

tributação possui grande importância, não podendo ser relegada a um segundo plano. Ao lado

disso, os valores constitucionais demonstram que deve haver uma mudança de concepção do

fenômeno tributário, que não deve mais ser visto como mera agressão ao patrimônio, mas

como um instrumento vinculado à solidariedade social.

Logo, entendemos que a Lei Complementar 105/2001 (em especial os artigos 5º e 6º

aqui enfocados) é constitucional, bem como são válidos os Decretos 3.724/2001 e 4.489/2002

342 Nesse sentido, enfatizando o princípio da eficiência neste debate, conferir trabalho da Professora e MinistraCármen Lúcia Antunes Rocha (2003, p. 357-358).

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e a IN 802/2007, que regulamentaram a forma como o Fisco terá acesso direto a alguns dados

 bancários. 343 

Mesmo que se entenda que os limites de movimentação global que são previstos na

IN 802/2007 não sejam razoáveis ou proporcionais, tal ilegalidade, por si só, não retira a

validade dos demais dispositivos normativos em discussão, pois persistirá a obrigação das

instituições financeiras de encaminharem periodicamente e de forma contínua os dados

relativos às movimentações financeiras de cada correntista (art. 5º, LC 105/2001 e Decreto

4.489/2002).

5.6. A experiência espanhola e a importância do Direito Comparado

O tema ora em análise já foi debatido pelo Tribunal Constitucional Espanhol que, ao

 proferir a Sentença 110/1984, considerou a existência do dever da sociedade de sustentar o

 Estado uma limitação ao segredo bancário, decisão esta reafirmada posteriormente pelo

Tribunal Espanhol, em 1986, 1990 e em 2005, (sentenças 642/1986, 76/1990 e 233/2005). 344 

 No primeiro caso, restou assentado o seguinte:

O direito de intimidade está limitado, ao lado de outros direitos fundamentais, pelanecessidade de se preservar outros bens constitucionalmente protegidos. Oconhecimento das contas bancárias pode ser necessário para proteger o bemconstitucionalmente protegido que é a distribuição eqüitativa do sustento dos gastos públicos. Mas esta atividade pública deve realizar-se com certas garantias, entre asquais merece especial menção o dever de sigilo que recai sobre aqueles que têmconhecimento em razão de seu cargo dos dados descobertos com a investigação.(ESPANHA, 1984, tradução nossa). 345 

343 Conferir também nesse sentido Chinen (2006), cuja obra reconhece a importância da tributação e daadequação e necessidade da obtenção pelo Fisco, diretamente, dos dados bancários para conferência dasinformações declaradas pelo contribuinte ou consideradas suspeitas pelo Fisco. Assim ele assevera: “acomprovação e investigação tributária efetivamente realizada é o único meio que permite garantir a práticaaplicação da justiça tributária, evitando que essa última fique reduzida a uma mera proclama teórica. O acessoaos dados bancários de contribuintes é uma das condições para a concretização do princípio da capacidadecontributiva. No caso do imposto de renda de pessoa física, são muito freqüentes os casos concretos em que oreal rendimento somente pode ser desvendado através do exame da movimentação financeira da pessoa.”(CHINEN, 2006, p. 185). Em sentido diametralmente contrário, conferir Folmann (2001).344 Vide Chinen (2006, p. 52-56).345 Trecho da “ementa” da Sentença n° 110/1984: 3. “El derecho a la intimidad está limitado, aparte de por otrosderechos fundamentales, por la necesidad de preservar otros bienes constitucionalmente protegidos. Elconocimiento de las cuentas bancarias puede ser necesario para proteger el bien constitucionalmente protegidoque es la distribución equitativa del sostenimiento de los gastos públicos. Pero esta actividad pública deberealizarse con ciertas garantías, entre las que merece especial mención el deber de sigilo que pesa sobre quienestengan conocimiento por razón de su cargo de los datos descubiertos en la investigación.”

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Restou confirmado no caso espanhol que o direito de a administração tributária obter 

diretamente os dados relativos à situação econômica de um contribuinte tem forte apoio

constitucional no art. 31.1 da Constituição Espanhola, segundo o qual todos contribuirão para

o sustento dos gastos públicos de acordo com sua capacidade contributiva, mediante um

sistema tributário justo e baseado nos princípios da igualdade e progressividade e que, em

nenhum caso, terá caráter confiscatório.

Além disso, reconheceu-se que a amplitude e complexidade das funções que o

Estado assumiu fizeram com que os gastos públicos fossem tantos que o dever de

contribuição restasse valorizado. De outro lado, a vedação ao acesso direto aos dados

 bancários poderia produzir uma distribuição injusta da carga fiscal, já que uns não pagariam

suas obrigações, enquanto outros, com mais espírito cívico ou menos possibilidades de

fraudar, iriam cumpri-las pontualmente. Disso tudo, resulta a necessidade de uma atividade defiscalização vigilante e eficaz. 346 

A relação entre o dever fundamental de pagar tributos como limite imanente ao

direito fundamental da intimidade e privacidade, legitimando, assim, a adoção de medidas

legais restritivas do mencionado direito foram reafirmadas pelo Tribunal Constitucional

Espanhol na Sentença n° 76/1990, cujo trecho abaixo bem sintetiza a matéria ora debatida:

3. A recepção constitucional do dever de contribuir para o sustento dos gastospúblicos segundo a capacidade econômica de cada contribuinte configura um

mandato que vincula tanto os poderes públicos como os cidadãos e decorre da própria natureza da relação tributária. Para os cidadãos este dever constitucionalimplica uma situação de sujeição e de colaboração com a AdministraçãoTributária em ordem ao sustento dos gastos públicos cujo indiscutível e essencialinteresse público justifica a imposição de limitações legais ao exercício dosdireitos individuais. Para os poderes públicos, este dever constitucional comportatambém exigências e potestades específicas em ordem à efetividade de seucumprimento pelos contribuintes.4. A ordenação e o desdobramento de uma eficaz atividade de fiscalização ecomprovação do cumprimento das obrigações tributárias não é uma opção que ficaà livre disponibilidade do legislador e da Administração, senão, ao contrário, éuma exigência inerente ao “sistema tributário justo” como o que a Constituição

346 Vide Sentença n° 110/1984: “¿en qué medida la Administración puede exigir los datos relativos a la situacióneconómica de un contribuyente? No hay duda de que en principio puede hacerlo. La simple existencia delsistema tributario y de la actividad inspectora y comprobatoria que requiere su efectividad lo demuestra. Es clarotambién que este derecho tiene un firme apoyo constitucional en el art. 31.1 de la Norma fundamental, según elcual «todos contribuirán al sostenimiento de los gastos públicos de acuerdo con su capacidad económicamediante un sistema tributario justo inspirado en los principios de igualdad y progresividad que en ningún casotendrá carácter confiscatorio». Y parece inútil recordar que en el mundo actual la amplitud y la complejidad delas funciones que asume el Estado hace que los gastos públicos sean tan cuantiosos que el deber de unaaportación equitativa para su sostenimiento resulta especialmente apremiante. De otra forma se produciría unadistribución injusta en la carga fiscal, ya que lo que unos no paguen debiendo pagar, lo tendrán que pagar otroscon más espíritu cívico o con menos posibilidades de defraudar. De ahí la necesidad de una actividad inspectoraespecialmente vigilante y eficaz aunque pueda resultar a veces incómoda y molesta.” (ESPANHA, 1984,destaque nosso).

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 propõe no art. 31.1: em uma palavra, a luta contra a fraude fiscal é umafinalidade e um mandato que a Constituição impõe a todos os poderes públicos,especificamente ao legislador e aos órgãos da Administração tributária.(ESPANHA, 1990, destaque nosso). 347 

Por fim, merece ser dito que a luta contra a evasão foi um argumento reafirmado peloTribunal Constitucional Espanhol para legitimar a restrição ao direito de intimidade e

 privacidade. Assim, o legislador deve habilitar as administrações tributárias de instrumentos

eficazes e adequados para tal finalidade, entre os quais se inclui a possibilidade de a

administração tributária obter diretamente os dados bancários pertinentes à situação

econômica do sujeito passivo. 348 

Reafirmamos que os argumentos desenvolvidos nas mencionadas decisões são

 plenamente passíveis de utilização no cenário constitucional brasileiro e conferem ao tema em

debate a solução que melhor se ajusta ao texto constitucional brasileiro.

347  Sentença 76/1990: “3. La recepción constitucional del deber de contribuir al sostenimiento de los gastos públicos según la capacidad económica de cada contribuyente configura un mandato que vincula tanto a los poderes públicos como a los ciudadanos e incide en la naturaleza misma de la relación tributaria. Para losciudadanos este deber constitucional implica una situación de sujeción y de colaboración con la Administración tributaria en orden alsostenimiento de los gastos públicos cuyo indiscutible y esencial interés público justifica la imposición delimitaciones legales al ejercicio de los derechos individuales. Para los poderes públicos este deber constitucionalcomporta también exigencias y potestades específicas en orden a la efectividad de su cumplimiento por loscontribuyentes.4. La ordenación y despliegue de una eficaz actividad de inspección y comprobación del cumplimiento de lasobligaciones tributarias no es una opción que quede a la libre disponibilidad del legislador y de laAdministración, sino que, por el contrario, es una exigencia inherente a «un sistema tributario justo» como el quela Constitución propugna en el art. 31.1: en una palabra, la lucha contra el fraude fiscal es un fin y un mandatoque la Constitución impone a todos los poderes públicos, singularmente al legislador y a los órganos de laAdministración tributaria.” (ESPANHA, 1990). 348 Vide Sentença n°233/2005: “las exigencias que necesariamente habrán de observarse para que unaintromisión en la intimidad protegida sea susceptible de reputarse como legítima es que persiga un finconstitucionalmente legítimo, o, lo que es igual, que tenga justificación en otro derecho o bien igualmentereconocido en nuestro texto constitucional [SSTC 37/1989, de 15 de febrero, FFJJ 7 y 8; 142/1993, de 22 deabril, FJ 9; 7/1994, de 17 de enero, FJ 3 B); 57/1994, de 28 de febrero, FJ 6; 207/1996, de 16 diciembre, FJ 4 a);234/1997, de 18 de diciembre, FJ 9 b); 70/2002, de 3 de abril, FJ 10 a)]. A este respecto es indiscutible que lalucha contra el fraude fiscal es un fin y un mandato que la Constitución impone a todos los poderes públicos,singularmente al legislador y a los órganos de la Administración tributaria (SSTC 79/1990, de 26 de abril, FJ 3;46/2000, de 17 de febrero, FJ 6; 194/2000, de 19 de julio, FJ 5; y 255/2004, de 22 de diciembre, FJ 5), razón por la cual este Tribunal Constitucional ha tenido ya ocasión de declarar que para el efectivo cumplimiento del deber que impone el art. 31.1 CE es imprescindible la actividad inspectora y comprobatoria de la Administracióntributaria, ya que de otro modo se produciría una distribución injusta en la carga fiscal (SSTC 110/1984, de 26 denoviembre, FJ 3; y 76/1990, de 26 de abril, FJ 3). De lo anterior se sigue que el legislador ha de habilitar las potestades o los instrumentos jurídicos que sean necesarios y adecuados para que, dentro del respeto debido a los principios y derechos constitucionales, la Administración esté en condiciones de hacer efectivo el cobro de lasdeudas tributarias (STC 76/1990, de 26 de abril, FJ 3). Y no cabe duda de que "el deber de comunicación dedatos con relevancia tributaria se convierte, entonces, en un instrumento necesario, no sólo para una contribución justa a los gastos generales (art. 31.1 CE), sino también para una gestión tributaria eficaz, modulando elcontenido del derecho fundamental a la intimidad personal y familiar del art. 18.1 CE" (AATC 197/2003, de 16de junio, FJ 2; y 212/2003, de 30 de junio, FJ 2; y en sentido similar SSTC 110/1984, de 26 de noviembre, FJ 5;143/1994, de 9 de mayo, FJ 6; y 292/2000, de 30 de diciembre, FJ 9).” (ESPANHA, 2005, destaque nosso).

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 Não que isso implique em simples importação do Direito Estrangeiro, sem qualquer 

consideração crítica. Entendemos que, no caso em debate, não há diferenças significativas

entre as Constituições a justificar entendimento diverso.

Afinal, como já acentuado no início do capítulo 4 do presente trabalho,

resumidamente, ambos os Estados (Brasil e Espanha) são Democráticos e de Direito; eles

configuram Estados Fiscais, sendo que o texto constitucional prevê e impõe aos mesmos

Estados um enorme número de tarefas e objetivos com o intuito de transformar a sociedade;

as Constituições de ambos os Estados garantem a propriedade privada e a livre iniciativa,

mas, em contrapartida, impõem a todos o cumprimento do dever fundamental de pagar 

tributos.

A advertência de Ingo Wolfgang Sarlet aplica-se integralmente ao presente trabalho:

 No que diz com o método utilizado, perceberá o leitor explícita predileção pelorecurso ao direito (constitucional) comparado, cuja importância chega a ser talnos dias atuais que há quem considere até mesmo autêntico método deinterpretação (Peter Häberle). Se isto já se justifica relativamente a qualquerramo da ciência jurídica, assume caráter virtualmente cogente na esfera dodireito constitucional, no qual cada vez mais trabalhamos com categoriauniversal (Constituição, Estado, poder, governo, constitucionalidade einconstitucionalidade, direitos fundamentais, etc.), sustentando-se até mesmo aexistência de um direito constitucional internacional. Particularmente, é no campodos direitos fundamentais (ou humanos) que esta universalização se manifesta aindacom maior intensidade, seja em virtude da relevância que a matéria alcançou noâmbito do direito internacional, de modo especial, de cunho convencional (e, por suavez, dos reflexos na ordem interna), seja em virtude da forte influência do direito

constitucional positivo, da doutrina e jurisprudência de uns Estados sobreoutros. Cuidando-se, consoante já salientado, de obra centrada na perspectivaconstitucional (estatal), buscamos priorizar as fontes de direito comparado que maisdiretamente influenciaram, não apenas o nosso constituinte, mas principalmente anossa ciência jurídica. Neste contexto, de modo especial no que diz com os direitos fundamentais,inquestionável a nossa parcial aproximação aos modelos lusitano e espanhol ,ambos, por sua vez, marcados pelos influxos da doutrina e da jurisprudênciaconstitucionais de matriz germânica. […] Para além disso, a priorização das fontescitadas, notadamente portuguesa e espanhola, encontra respaldo na própriasimilitude entre estas ordens constitucionais e a nossa, particularmente nocampo dos direitos fundamentais, ainda que registrem distinções dignas de nota,as quais serão oportunamente analisadas. […]O que se pretende com o recurso do direito comparado – e isto convém seja aqui

ressaltado –  não é em hipótese alguma a importação direta de dispositivosconstitucionais ou mesmo de concepções jurisprudenciais e doutrináriasalienígenas, mas sim, a reavaliação de algumas posições pátrias habituais e, porvezes, deslocadas ou desatualizadas, bem como a análise da viabilidade darecepção (obviamente filtrada pelo nosso direito constitucional positivo e a eleadaptada) de categorias dogmático-jurídicas já tradicionalmente aceitas namaior parte dos países desenvolvidos (notadamente europeus) e que, a despeito desua inequívoca relevância e do interesse que deveriam suscitar também entre nós,continuam desconhecidas ou, no mínimo, subestimadas na esfera do Direito pátrio.(SARLET, 2008, p. 27-28, destaque nosso).

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Essa citação reafirma o escopo principal pretendido pelo presente trabalho, que é

 justamente verificar o que se compreende pelo denominado dever fundamental de pagar 

tributos; se o mesmo possui aplicação no Direito Constitucional Brasileiro; e quais seriam as

consequências práticas na sua adoção, de molde a alterar a concepção de algum instituto

correlacionado com o Direito Tributário.

 Não temos dúvida de que o Direito Constitucional português e o ordenamento

 jurídico espanhol influenciam, sim, esta matéria e devem ser estudados para sabermos se os

referenciais utilizados pela doutrina pátria na compreensão do fenômeno tributário precisam

ou não ser alterados ou readaptados.

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6. CONCLUSÃO 

 Não temos dúvida de que a obra de Casalta Nabais é de grande valia para o Direito

Tributário Constitucional brasileiro, sendo certo que várias de suas teses podem ser adotadas

no Brasil.

Além disso, não se pode esquecer a influência que os textos constitucionais de

Portugal e Espanha exerceram na Constituição Brasileira, sendo, ambos, referenciais

importantes para a compreensão do nosso Direito Tributário Constitucional.

O tema dos deveres fundamentais, apesar de ser debatido no estrangeiro, é bastante

esquecido no Brasil, mas que merece estudo e destaque, principalmente pelo fato de o nosso

 país constituir um Estado Democrático de Direito. Esses deveres jurídicos configuram não só pressuposto básico da existência e funcionamento do Estado como também a garantia de

eficácia dos direitos fundamentais, entre eles a proteção à vida, à liberdade e à propriedade.

De outro lado, como restou dito anteriormente, partindo-se de um referencial restrito

de suporte fático dos direitos fundamentais (a ideia de limites imanentes), os deveres

 fundamentais não restringem (no sentido de contrariar, confrontar) os direitos fundamentais. 

Mas os deveres fundamentais podem legitimar a edição de medidas legislativas que busquem

restringir o âmbito normativo de algum direito fundamental.

Dentro desse contexto, temos o dever fundamental de pagar tributos, dever decorrente da existência de um Estado Fiscal, entendido este como o Estado que garante a

 propriedade privada e o exercício da livre iniciativa, mas que, em razão disso, é suportado

financeiramente pelas pessoas que demonstram possuir capacidade econômica.

 No caso brasileiro, o dever fundamental não alcança apenas os impostos, mas

também as contribuições sociais, tributos cuja autonomia foi reconhecida pela maioria da

doutrina e pelo STF. Assim, o mencionado dever fundamental, no caso brasileiro, alcança o

 pagamento de tributos não-vinculados.

Esse dever fundamental de pagar tributos já existia mesmo na época do Estado

Liberal. Todavia, sua conformação era muito mais simples, tendo em vista o reduzido papel

do Estado. É certo que a cláusula do Estado Social elevou a importância do dever 

fundamental de pagar tributos, diante das inúmeras tarefas constitucionalmente previstas a

cargo do Estado - economicamente interventor e socialmente conformador.

E os Estados Democráticos, entre eles o Brasil, possuem um programa

constitucionalmente previsto que denotam o caráter eminentemente transformador .

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Portanto, o Estado Democrático de Direito possui uma face fiscal, sendo equivocado

qualquer raciocínio que induza a diminuição do Estado ou no retorno de uma concepção de

Estado neutro. Estado Democrático de Direito não prestigia apenas os direitos individuais,

mas também incorpora outros valores, decorrentes da solidariedade.

Merece ser destacado que, a partir da Constituição de 1988, a cidadania passou a ser 

interpretada como um conjunto de direitos e deveres políticos e sociais. Uma cidadania fiscal

eticamente responsável é fundamental para que possamos combater o desvio de recursos

 públicos e reduzir as desigualdades sociais e regionais.

Apesar de o Estado ainda ser o principal garantidor da concretização dos direitos

fundamentais, os Estados Democráticos buscam a participação da sociedade na

implementação dessas tarefas. O projeto constitucional de um Estado Democrático de Direito

é um projeto que exige a participação de todos. As Constituições atuais são pluralistas, polissêmicas, cujos compromissos não são definidos a priori. Ao contrário, o texto (enunciado

normativo) é aberto. A Constituição será o ponto de partida, pois, se ela possui alguma missão

a cumprir, ela não está comprometida com um projeto de vida definido antecipadamente.

Dentro desse contexto, surge o tributo como um instrumento que, se bem usado,

servirá para implementar os objetivos da República brasileira que estão previsto no art. 3º da

CF/88. Isso sem lembrar que o tributo é visto como o  preço da liberdade, pois todos os

direitos, inclusive os individuais e os classificados doutrinariamente como “de defesa” ou

“direitos negativos”,  possuem custos e exigem uma atuação estatal  (são “positivos”, portanto). Sem a estrutura do Estado – suportada pelos tributos, notadamente os impostos – os

direitos individuais (seja de que dimensão for) não poderão ser assegurados e efetivados.

Para nós, fica claro que o paradigma do Estado Democrático de Direito exige

compreender o fenômeno tributário de outra forma: ao invés de encarar o tributo como uma

norma de rejeição social, devemos, segundo a ótica desenvolvida neste trabalho, entender o

tributo como um dever fundamental, inerente à cidadania e decorrente da solidariedade e que

 busca servir como um instrumento adequado e necessário para possibilitar a transformação

social que tanto desejamos.

Também não procede a visão de parte da doutrina nacional que compreende o

Direito Tributário como apenas a disciplina jurídica de contenção do Poder Tributário e que

tal ramo jurídico, no texto constitucional, se resume ao Título VI.

Cada vez mais se entende que o Direito Tributário deve se livrar dos preconceitos e

dos modelos tradicionais que induzem ou a uma interpretação restritiva – quando se trata de

medida a favor do Fisco – ou a uma interpretação mais ampla - quando se visa beneficiar o

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contribuinte - variando, assim, conforme o referencial e equivalendo tais operações às

fórmulas interpretativas do Direito Penal.

O dever fundamental de pagar tributos não impõe uma tributação que desrespeite os

direitos fundamentais e nem ampara qualquer pretensão fazendária. A existência do dever 

fundamental não faz com que se desapareça a preservação do mínimo vital nem legitima uma

tributação separada da capacidade contributiva. O tributo, compreendido como um dever 

fundamental, não se esgota em uma simples relação de poder ou sujeição, devendo ser visto

como um meio para se atingir  fins previstos no texto constitucional.

 Nessa linha de raciocínio, no paradigma do Estado Democrático de Direito, a

capacidade contributiva e a isonomia não são apenas  formas de limitar o poder tributário.

Além dessa função, é notória sua preocupação com a  justiça social  e com a repartição

equânime dos gastos públicos.Dessa forma, o dever fundamental buscará prestigiar tanto a liberdade como a

isonomia e a capacidade contributiva. Isso trará algumas consequências na forma de

compreender o fenômeno tributário.

Uma dessas consequências será permitir uma maior interferência no Fisco na esfera

da liberdade do indivíduo, com a adoção de medidas – amparadas na lei, logicamente - que

 podem vir a restringir um direito fundamental, medidas estas sempre passíveis de discussão

no caso concreto.

Mas, por outro lado, tal dever também legitimará um maior  controle social dos gastos públicos (inclusive nas desonerações e concessão de benefícios). Também a sociedade

 poderá exigir maior participação direta na discussão e aprovação das leis tributárias e na

definição de parcela dos gastos públicos (vide os orçamentos participativos). O regime

Democrático deliberativo não só permite como exige essa participação.

 Nota-se, portanto, que o dever fundamental de pagar tributos, na medida em que

 busca garantir direitos fundamentais, aproxima o Direito Tributário do Direito Financeiro. Por 

isso, a ideia de unidade da Constituição e interpretação sistêmica é uma tendência no Direito

Tributário atual, evitando práticas isoladas e tendenciosas.

 No tocante à questão do aumento do poder de fiscalização como forma de verificar 

se o sujeito passivo está cumprindo com o seu dever fundamental, é tendência mundial que

seja franqueado o acesso direto à administração tributária dos dados bancários resguardados

 pelo sigilo.

Entendemos que não mais vinga a posição tradicional da doutrina majoritária e da

 jurisprudência do STF no sentido de que os dados protegidos pelo sigilo bancário estão

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acobertados pelo direito de intimidade e privacidade e, por isso, só podem ser acessados por 

meio de decisão judicial.

As razões são várias. Inicialmente, são dados de conteúdo  patrimonial , cujo âmbito

de proteção pelo direito de intimidade e privacidade é menos intenso.

Em segundo lugar, não há quebra do dever de sigilo, mas mera transferência do

dever de segredo e proibição de divulgação (núcleo da privacidade), transmudando-se o sigilo

 bancário em sigilo fiscal.

Em terceiro lugar, em razão da existência de um dever fundamental de pagar tributos

 – que irá conformar o conteúdo normativo de um direito fundamental, servindo como “limite

imanente”, bem como autorizar a edição de leis que restrinjam tal direito fundamental – e em

face da liquidação dos tributos atualmente ser de inteira responsabilidade do sujeito passivo

(autoliquidação), não há dúvida que impedir o acesso aos dados bancários que indicam osvalores envolvidos nas movimentações financeiras impedirá que a administração pública atue

de forma eficiente e eficaz no combate da sonegação e na necessária busca pela garantia da

isonomia na tributação.

 Não se pode esquecer que, segundo o art. 145, § 1º, CF/88, é facultado à

administração tributária –  atividade essencial , segundo o texto constitucional, identificar,

respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as

atividades econômicas do contribuinte, especialmente para conferir efetividade ao princípio

da capacidade contributiva e à isonomia.Entender que os direitos fundamentais impedem o acesso direto aos dados de cunho

 patrimonial, exigindo,  sempre, a intervenção prévia do Poder Judiciário, é exacerbar o âmbito

de proteção desses direitos e esquecer que há um dever fundamental de pagar tributos que não

só serve como limite imanente como autoriza a edição de regra restritiva a algum direito.

Cremos, portanto, que no caso do sigilo bancário, este, a princípio, não é oponível ao

Fisco, que poderá ter acesso direto aos dados bancários para conferir as declarações enviadas

 pelos contribuintes e responsáveis e utilizá-los para efetuar o lançamento do crédito tributário

acaso não declarado ou calculado erroneamente.

Esperamos que o STF, com sua composição completa, julgue novamente a questão e

adote o entendimento ora defendido 349 e que, segundo nossa concepção, é o que melhor 

 prestigia o texto constitucional na sua integralidade e, por consequência, os direitos

fundamentais.

349 Visão esta adotada pela Ministra Ellen Gracie, ao julgar a AC 33 e o RE 389.808 (caso GVA). Conferir item5.3.1.7.

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BERCOVICI, Gilberto. Constituição Econômica e Desenvolvimento. Uma leitura a partir

da Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2005.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm> Último acesso em 15de janeiro de 2011.

BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Código Tributário Nacional. Dispõesobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributárioaplicáveis à União, Estados e Municípios.Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5172.htm>.  

Último acesso em 17 de dezembro de 2010.

BRASIL, Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001. Dispõe sobre o sigilo dasoperações de instituições financeiras e dá outras providências. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp105.htm> Último acesso em 15 de janeirode 2011.

BRASIL, Decreto nº 3.724, de 10 de janeiro de 2001. Regulamenta o art. 6o da LeiComplementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, relativamente à requisição, acesso e uso, pelaSecretaria da Receita Federal, de informações referentes a operações e serviços dasinstituições financeiras e das entidades a elas equiparadas. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2001/D3724.htm> Último acesso em 10 de

 janeiro de 2011.

BRASIL, Decreto nº 4.489, de 28 de novembro de 2002. Regulamenta o art. 5º da LeiComplementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, no que concerne à prestação de informaçõesà Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda, pelas instituições financeiras e asentidades a elas equiparadas, relativas às operações financeiras efetuadas pelos usuários deseus serviços. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4489.htm> Último acesso em 10 de

 janeiro de 2011.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.º 242.237/CE. Diário da Justiçaeletrônico, Brasília, 11 de março de 2002, p. 222. Compensação de prejuízos. Limitação daLei 8.981/95. Política fiscal. Relator Ministra Eliana Calmon, 2ª Turma, julgado em04.09.2001. Disponívelem:<https://ww2.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/IMGD?seq=97011&nreg=199901146844&dt=20020311&formato=PDF> Acesso em 09 de novembro de 2010.

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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial n.º644.527/CE. Diário da Justiça da União, Brasília, 14 de março de 2005, p. 219.Compensação de prejuízos. Imposto sobre a renda e contribuição social sobre o lucro.Limitação imposta com o advento da Lei nº 8.981/95. Legalidade. Relator Ministro FranciscoFalcão, 1ª Turma, julgado em 07/12/2004. Disponível em:

<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=519414&sReg=200400272865&sData=20050314&formato=PDF> Acesso em 09 de novembro de 2010.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Ordinário emMandado de Segurança n.º 26.512/RJ. Diário da Justiça eletrônico, Brasília, 27 de abril de2010. Conselho de Contribuintes. Decisão contrária à Fazenda Estadual. Recurso Hierárquico.Secretário Estadual de Fazenda. Reforma de mérito. Possibilidade. Relator Ministro MauroCampbell Marques, 2ª Turma, julgado em 15/09/2009. Disponível em:<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=13592&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=4#>Acesso em 09 de novembro de 2010.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 112.947/SP, Diário da Justiçada União, Brasília, 07 de agosto de 1987, p. 15439. ISS na locação de bens móveis. O que sedestaca, 'utilitatis causa’, na locação de bens móveis, não e apenas o uso e gozo da coisa, massua utilização na prestação de um serviço. Leva-se em conta a realidade econômica, que e aatividade que se presta com o bem móvel, e não a mera obrigação de dar, que caracteriza ocontrato de locação, segundo o artigo 1188 do Código Civil. Na locação de guindastes, o quetem relevo é a atividade com eles desenvolvida, que adquire consistência econômica, de modoa tornar-se um índice de capacidade contributiva do imposto sobre serviços. Relator MinistroCarlos Madeira, julgado em 19/06/1987. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=locacao+e+bens+moveis+e+carlos+madeira&base=baseAcordaos> Acesso em 09 de outubro de 2010.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 138.284/CE. Diário daJustiça da União, Brasília, 28 de agosto de 1992, p. 13.456. Constitucional. Tributário.Contribuições sociais. Contribuições incidentes sobre o lucro das pessoas jurídicas. Lei n.7.689, de 15.12.88. Relator Ministro Carlos Velloso, julgado em 01/07/1992. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28138284%2ENUME%2E+OU+138284%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos> Acesso em 27 denovembro de 2010.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 146.733/SP. Diário daJustiça da União, Brasília, 06 de novembro de 1992, p. 20.110. Contribuição social sobre olucro das pessoas jurídicas. Lei 7689/88. Não é inconstitucional a instituição da contribuiçãosocial sobre o lucro das pessoas jurídicas, cuja natureza é tributária. Constitucionalidade dosartigos 1º, 2º e 3º da Lei 7689/88. Relator Ministro Moreira Alves, julgado em 29/06/1992.Disponível em:<<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28146733%2ENUME%2E+OU+146733%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos> > Acesso em 27 denovembro de 2010.

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Petição 577/DF, Diário da Justiça da União, Brasília,23 de abril de 1993, p. 6918. Constitucional. Penal. Processual penal. Sigilo bancário: quebra.Lei n. 4.595, de 1964, art. 38. Inexistentes os elementos de prova mínimos de autoria dedelito, em inquérito regularmente instaurado, indefere-se o pedido de requisição deinformações que implica quebra do sigilo bancário. Lei 4.595, de 1967, art. 38. II (Caso

Magri). Relator Ministro Carlos Velloso, julgado em 25/03/1992. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=86437> Acesso em 09 denovembro de 2010.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade de n° 319/DF.Diário da Justiça da União, Brasília, 30 de abril de 1993, p. 7563. Lei 8.039, de 30 de maiode 1990, que dispõe sobre critérios de reajuste das mensalidades escolares e da outras

 providencias. Em face da atual Constituição, para conciliar o fundamento da livre iniciativa edo princípio da livre concorrência com os da defesa do consumidor e da redução dasdesigualdades sociais, em conformidade com os ditames da justiça social, pode o Estado, por via legislativa, regular a política de preços de bens e de serviços, abusivo que e o poder 

econômico que visa ao aumento arbitrário dos lucros. Relator Ministro Moreira Alves, julgado em 03/03/1993. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28319%2ENUME%2E+OU+319%2EACMS%2E%29+%28%28MOREIRA+ALVES%29%2ENORL%2E+OU+%28MOREIRA+ALVES%29%2ENORV%2E+OU+%28MOREIRA+ALVES%29%2ENORA%2E+OU+%28MOREIRA+ALVES%29%2EACMS%2E%29%28PLENO%2ESESS%2E%29&base=baseAcordaos > Acesso em 28 de novembro de 2010.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 166.772/RS, Diário daJustiça da União, Brasília, 16 de dezembro de 1994, p. 34.896. Contribuição social. Tomador de serviços. Pagamentos a administradores e autônomos. Regência. A relação jurídicamantida com administradores e autônomos não resulta de contrato de trabalho e, portanto, deajuste formalizado a luz da Consolidação das Leis do Trabalho. Dai a impossibilidade de sedizer que o tomador dos serviços qualifica-se como empregador e que a satisfação do quedevido ocorra via folha de salários. Inconstitucionalidade do inciso I do artigo 3º da Lei n.7.787/89, no que abrangido o que pago a administradores e autônomos. Relator MinistroMarco Aurélio, julgado em 12/05/1994. Disponível em:<http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=216095> Acesso em 10de janeiro de 2011.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 215.301/CE, Diário da Justiça

da União, Brasília, 28 de maio de 1999, p. 24. A norma inscrita no inc. VIII, do art. 129, daC.F., não autoriza ao Ministério Público, sem a interferência da autoridade judiciária, quebrar o sigilo bancário de alguém. Se se tem presente que o sigilo bancário é espécie de direito à

 privacidade, que a C.F. consagra, art. 5º, X, somente autorização expressa da Constituiçãolegitimaria o Ministério Público a promover, diretamente e sem a intervenção da autoridade

 judiciária, a quebra do sigilo bancário de qualquer pessoa. Relator Ministro Carlos Velloso, julgado em 13/04/1999. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=245957> Acesso em 09 denovembro de 2010.

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar em Ação Direta deInconstitucionalidade de n° 1.003/DF. Diário da Justiça da União, Brasília, 10 de setembrode 1999, p. 02. Lei nº 6.194/74 (art. 7º), com a redação dada pela Lei nº 8.441/92 (art. 1º).Ampliação das hipóteses de responsabilidade civil objetiva das entidades seguradoras.Alegação de ofensa à Constituição. Aparente inocorrência. Medida cautelar indeferida. A

Constituição da República, ao fixar as diretrizes que regem a atividade econômica e quetutelam o direito de propriedade, proclama, como valores fundamentais a serem respeitados, asupremacia do interesse público, os ditames da justiça social, a redução das desigualdadessociais, dando especial ênfase, dentro dessa perspectiva, ao princípio da solidariedade, cujarealização parece haver sido implementada pelo Congresso Nacional ao editar o art. 1º da Leinº 8.441/92. Relator Ministro Celso de Mello, julgado em 01/08/1994. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%281003%2ENUME%2E+OU+1003%2EACMS%2E%29%28PLENO%2ESESS%2E%29&base=baseAcordaos >Acesso em 28 de novembro de 2010.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 23.452/RJ, Diário da Justiça

da União, Brasília, 12 de maio de 2000, p. 20. Comissão Parlamentar de Inquérito. Poderesde investigação (CF, art. 58, §3º). Limitações constitucionais. Legitimidade do controle

 jurisdicional. Possibilidade de a CPI ordenar, por autoridade própria, a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico. Necessidade de fundamentação do ato deliberativo. Deliberaçãoda CPI que, sem fundamentação, ordenou medidas de restrição a direitos. Mandado desegurança deferido. Relator Ministro Celso de Mello, julgado em 16/09/1999. Disponível em:< http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=85966> Acesso em 09 denovembro de 2010.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental em Recurso Extraordinário nº263.975, Diário da Justiça da União, Brasília, 02 de fevereiro de 2001, p. 113. Razões deEstado - que muitas vezes configuram fundamentos políticos destinados a justificar,

 pragmaticamente, “ex parte principis”, a inaceitável adoção de medidas que frustram a plenaeficácia da ordem constitucional, comprometendo-a em sua integridade e desrespeitando-a emsua autoridade - não se legitimam como argumento idôneo de sustentação da pretensão

 jurídica do Poder Público. Relator Ministro Celso de Mello, julgado em 26/09/2000.Disponível em:http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%22razoes+de+estado%22+e+celso&base=baseAcordaos> Acesso em 09 de dezembro de 2010.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 116.121/SP, Diário da Justiça

da União, Brasília, 25 de maio de 2001, p. 17. A terminologia constitucional do Impostosobre Serviços revela o objeto da tributação. Conflita com a Lei Maior dispositivo queimponha o tributo considerado contrato de locação de bem móvel. Em Direito, os institutos,as expressões e os vocábulos têm sentido próprio, descabendo confundir a locação de serviçoscom a de móveis, práticas diversas regidas pelo Código Civil, cujas definições são deobservância inafastável - artigo 110 do Código Tributário Nacional. Relator (para acórdão)Ministro Marco Aurélio, julgado em 11/10/2000. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28116121%2ENUME%2E+OU+116121%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos> Acesso em 09 de outubro de2010.

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 21.729/DF, Diário daJustiça da União, Brasília, 19 de outubro de 2001, p. 33. Mandado de Segurança. Sigilo

 bancário. Instituição financeira executora de política creditícia e financeira do GovernoFederal. Legitimidade do Ministério Público para requisitar informações e documentosdestinados a instruir procedimentos administrativos de sua competência. Não cabe ao Banco

do Brasil negar, ao Ministério Público, informações sobre nomes de beneficiários deempréstimos concedidos pela instituição, com recursos subsidiados pelo erário federal, sobinvocação do sigilo bancário, em se tratando de requisição de informações e documentos parainstruir procedimento administrativo instaurado em defesa do patrimônio público. Princípioda publicidade, ut art. 37 da Constituição. Relator (para acórdão) Ministro Néri da Silveira,

 julgado em 05/10/1995. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=85599> Acesso em 09 deoutubro de 2010.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 23.851/DF, Diário daJustiça da União, Brasília, 21 de junho de 2002, p. 98. A quebra de sigilo, para legitimar-se

em face do sistema jurídico-constitucional brasileiro, necessita apoiar-se em decisão revestidade fundamentação adequada, que encontre apoio concreto em suporte fático idôneo, sob penade invalidade do ato estatal que a decreta. A ruptura da esfera de intimidade de qualquer 

 pessoa - quando ausente a hipótese configuradora de causa provável - revela-se incompatívelcom o modelo consagrado na Constituição da República, pois a quebra de sigilo não pode ser manipulada, de modo arbitrário, pelo Poder Público ou por seus agentes. Relator MinistroCelso de Mello, julgado em 26/09/2001. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=86034> Acesso em 20 de

 janeiro de 2011.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 227.832/PR, Diário daJustiça da União, Brasília, 28 de junho de 2002, p. 93. Constitucional. Tributário. Cofins.Distribuidoras de derivados de petróleo, mineradoras, distribuidoras de energia elétrica eexecutoras de serviços de telecomunicações. C.F., art. 155, § 3º. Lei Complementar nº 70, de1991. Legítima a incidência da COFINS sobre o faturamento da empresa. Inteligência dodisposto no § 3º do art. 155, C.F., em harmonia com a disposição do art. 195, caput, damesma Carta. Relator Ministro Carlos Velloso, julgado em 01/07/1999. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=252322> Acesso em 09 deoutubro de 2010.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade de n° 1.851/AL.

Diário da Justiça da União, Brasília, 22 de novembro de 2002, p. 55. Tributário. ICMS.Substituição tributária. Cláusula segunda do Convênio 13/97 e §§ 6.º e 7.º do art. 498 do Dec.n.º 35.245/91 (redação do art. 1.º do Dec. n.º 37.406/98), do Estado de Alagoas. Alegadaofensa ao § 7.º do art. 150 da CF (redação da EC 3/93) e ao direito de petição e de acesso aoJudiciário. Relator Ministro Ilmar Galvão, julgado em 08/05/2002. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%281851%2ENUME%2E+OU+1851%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos> Acesso em 01 de outubro de2010.

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade de n° 2.076/AC.Diário da Justiça da União, Brasília, 08 de agosto de 2003, p. 86. Tributário. Preâmbulo daConstituição: não constitui norma central. Invocação da proteção de Deus: não se trata denorma de reprodução obrigatória na Constituição Estadual, não tendo força normativa. Relator Ministro Carlos Velloso, julgado em 15/08/2002. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=ADI+2076&base=baseAcordaos> Acesso em 28 de novembro de 2010.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade de n° 3.105/DF.Diário da Justiça da União, Brasília, 18 de fevereiro de 2005, p. 04. Inconstitucionalidade.Seguridade social. Servidor público. Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões.Sujeição à incidência de contribuição previdenciária. Ofensa a direito adquirido no ato deaposentadoria. Não ocorrência. Contribuição social. Exigência patrimonial de naturezatributária. Inexistência de norma de imunidade tributária absoluta. Emenda Constitucional nº41/2003 (art. 4º, caput). Regra não retroativa. Incidência sobre fatos geradores ocorridosdepois do início de sua vigência. Precedentes da Corte. Inteligência dos arts. 5º, XXXVI, 146,

III, 149, 150, I e III, 194, 195, caput, II e § 6º, da CF, e art. 4º, caput, da EC nº 41/2003.Relator (para acórdão) Ministro Cezar Peluso, julgado em 18/08/2004. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%283105%2ENUME%2E+OU+3105%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos> Acesso em 28 de novembro de2010.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade de n° 2.925/DF.Diário da Justiça da União, Brasília, 04 de março de 2005, p. 1005. Lei orçamentária.Contribuição de intervenção no domínio econômico. Importação e comercialização de

 petróleo e derivados, gás natural e derivados e álcool combustível. CIDE. Destinação. Artigo177, § 4º, da Constituição Federal. Relator (para o acórdão) Ministro Marco Aurélio, julgadoem 19/12/2003. Disponível em:<http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=266953> Acesso em 01de setembro de 2010.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental em Recurso Extraordinário nº450.855/DF, Diário da Justiça da União, Brasília, 24 de junho de 2005, p. 39. O sistema

 público de previdência social é baseado no princípio da solidariedade [artigo 3º, inciso I, daCB/88], contribuindo os ativos para financiar os benefícios pagos aos inativos. Se todos,inclusive inativos e pensionistas, estão sujeitos ao pagamento das contribuições, bem comoaos aumentos de suas alíquotas, seria flagrante a afronta ao princípio da isonomia se o

legislador distinguisse, entre os beneficiários, alguns mais e outros menos privilegiados, eisque todos contribuem, conforme as mesmas regras, para financiar o sistema. Relator MinistroEros Grau, julgado em 31/05/2005. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28450855%2ENUME%2E+OU+450855%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos> Acesso em 15 de dezembrode 2010.

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar em Ação Direta deInconstitucionalidade de n° 3.540/DF. Diário da Justiça da União, Brasília, 03 de fevereirode 2006, p. 14. Meio ambiente. Direito à preservação de sua integridade (CF, art. 225).Prerrogativa qualificada por seu caráter de metaindividualidade. Direito de terceira geração(ou de novíssima dimensão) que consagra o postulado da solidariedade. Necessidade de

impedir que a transgressão a esse direito faça irromper, no seio da coletividade, conflitosintergeneracionais. Espaços territoriais especialmente protegidos (CF, art. 225, § 1º, III). Aquestão da precedência do direito à preservação do meio ambiente: uma limitaçãoconstitucional explícita à atividade econômica (CF, art. 170, VI). Relator Ministro Celso deMello, julgado em 01/09/2005. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%22ADI+3540%22&base=baseAcordaos> Acesso em 28 de novembro de 2010.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental em Recurso Extraordinário249.841/PR, Diário da Justiça da União, Brasília, 05 de maio de 2006, p. 34. O enunciadodo art. 195, caput, da CF/88 "a seguridade social será financiada por toda a sociedade" revela

a intenção do legislador constituinte de não excluir de ninguém a responsabilidade de custeá-la. O vocábulo "empregador" constante do inciso I desse artigo abrange a pessoa jurídicaempregadora em potencial.. Relator Ministra Ellen Gracie, julgado em 28/03/2006.Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=334113>Acesso em 11 de novembro de 2010.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade de n° 1.950/DF.Diário da Justiça da União, Brasília, 02 de junho de 2006, p. 04. Lei n. 7.844/92, do Estadode São Paulo. Meia entrada assegurada aos estudantes regularmente matriculados emestabelecimentos de ensino. Ingresso em casas de diversão, esporte, cultura e lazer.Competência concorrente entre a União, Estados-membros e o Distrito Federal para legislar sobre direito econômico. Constitucionalidade. Livre iniciativa e ordem econômica. Mercado.Intervenção do estado na economia.. Relator Ministro Eros Grau, julgado em 03/11/2005.Disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%22ADI+1950%22&base=baseAcordaos > Acesso em 28 de novembro de 2010.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 418.416/SC, Diário da Justiçada União, Brasília, 19 de dezembro de 2006, p. 37. Não há violação do art. 5º. XII, daConstituição que, conforme se acentuou na sentença, não se aplica ao caso, pois não houve"quebra de sigilo das comunicações de dados (interceptação das comunicações), mas sim

apreensão de base física na qual se encontravam os dados, mediante prévia e fundamentadadecisão judicial". A proteção a que se refere o art.5º, XII, da Constituição, é da comunicação'de dados' e não dos 'dados em si mesmos', ainda quando armazenados em computador.Relator Ministro Sepúlveda Pertence, julgado em 10/05/2006. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=395790> Acesso em 09 dedezembro de 2010.

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 461.366/DF, Diário daJustiça Eletrônico nº 117, Brasília, divulgação em 04 de outubro de 2007, publicado em 05de outubro de 2007. A atuação fiscalizadora do Banco Central do Brasil não encerra a

 possibilidade de, no campo administrativo, alcançar dados bancários de correntistas, afastandoo sigilo previsto no inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal. Relator Ministro Marco

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Ministro Carlos Britto, julgado em 13/11/2007. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=RMS+26071&base=

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 para anular a decisão monocrática e remeter o recurso extraordinário para julgamento doPlenário. Relator (para acórdão) Ministro Gilmar Mendes, julgado em 01/04/2008. Disponívelem: < http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=539215> Acesso em11 de dezembro de 2010.

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 publicado no dia 17 de outubro de 2008. Constitucionalidade da Lei n. 8.899, de 29 de junhode 1994, que concede passe livre às pessoas portadoras de deficiência. Alegação de afrontaaos princípios da ordem econômica, da isonomia, da livre iniciativa e do direito de

 propriedade, além de ausência de indicação de fonte de custeio (arts. 1º, inc. IV, 5º, inc. XXII,

e 170 da Constituição da República): improcedência. Lei n. 8.899/94 é parte das políticas públicas para inserir os portadores de necessidades especiais na sociedade e objetiva aigualdade de oportunidades e a humanização das relações sociais, em cumprimento aosfundamentos da República de cidadania e dignidade da pessoa humana, o que se concretiza

 pela definição de meios para que eles sejam alcançados.Relator Ministra Cármen Lúcia, julgado em 08/05/2008. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%282649%2ENUME%2E+OU+2649%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos> Acesso em 28 de novembro de2010>Acesso em 28 de novembro de 2010.

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empresas exportadoras a contribuição social sobre o lucro líquido. Relator Ministro SepúlvedaPertence, julgado em 12/08/2010. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=617645> Acesso em 10 de

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