dissertação Isabel Amui
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COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR DE COSMÉTICOS DE
LUXO: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO
ISABELLA COELHO AMUI
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto COPPEAD de Administração
Mestrado em Administração
ORIENTADORA: LETICIA CASOTTI
Rio de Janeiro
2006
ii
COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR DE COSMÉTICOS DE
LUXO: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO
ISABELLA COELHO AMUI
Dissertação submetida ao corpo docente do Instituto COPPEAD de Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Ciências (M.Sc.). Aprovada por:
___________________________________________________
Profª. Letícia Moreira Casotti, D. Sc. COPPEAD/UFRJ – Orientadora
___________________________________________________ Profª. Ursula Wetzel, D. Sc. COPPEAD/UFRJ
___________________________________________________ Profª. Ana Carolina Pimentel Duarte da Fonseca, D. Sc. FACC/UFRJ
RIO DE JANEIRO
2006
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Amui, Isabella Coelho
Comportamento do Consumidor de Cosméticos de Luxo: Um estudo exploratório / Isabella Coelho Amui. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2006.
ix; 103f: il. Orientador: Letícia Moreira Casotti Dissertação (mestrado) – UFRJ/ COPPEAD/ Programa de
Pós-graduação em Administração, 2006. Referências Bibliográficas: f. 89-96 Anexos: f. 97-103 1. Comportamento do Consumidor; 2) Consumo de luxo; 3)
Cosméticos. I. Casotti, Letícia M. (Orientadora). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto COPPEAD de Administração. III. Comportamento do Consumidor de Cosméticos de Luxo: um estudo exploratório.
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AGRADECIMENTOS
A conclusão deste trabalho só foi possível graças ao apoio e compreensão de algumas
pessoas. Em especial, agradeço:
A Deus, primeira e principalmente, pelas constantes oportunidades de crescimento moral e
intelectual;
Aos meus pais, Isa e Ronaldo, por terem empregado todos os esforços para que eu tivesse a
melhor formação possível, por apoiarem todos os meus projetos e por me fazerem sentir a
filha mais amada desse mundo;
Ao meu irmão, Guilherme, pela amizade, carinho e pela compreensão nos dias de luz acesa
até tarde e nas disputas pelo computador;
Ao meu sobrinho e afilhado Davi, pelos sorrisos e abraços renovadores e revigorantes;
À Tita, que me ensinou que o verdadeiro luxo, tema deste trabalho, reside na simplicidade e
na ternura;
À toda minha família, consangüínea e espiritual, por estarem sempre por perto, seja
fisicamente ou em forma de pensamento;
À turma 2004, exemplo de sucesso, dedicação e amizade para a vida toda; e em especial, ao
grupo 6, responsáveis pela melhor das primeiras impressões que o Coppead poderia me trazer;
v
À Letícia Casotti, pela orientação paciente e amiga, e às professoras Úrsula Wetzel e Ana
Carolina Pimentel, pelas contribuições através da banca;
Às entrevistadas, que gentilmente concederam seu tempo e suas histórias para contribuir com
esta pesquisa;
À Cátedra L’Oréal de Comportamento do Consumidor, pelo incentivo à pesquisa, e à
pesquisadora Maribel Suarez, pelas críticas e sugestões;
Ao CNPq, pela minha bolsa de estudos;
Ao Carlos Kloske e ao Victor Sahate, pela compreensão, amizade e trocas construtivas nos
tempos de Red Alien;
A todos os meus amigos, que, mesmo sem saber, me deram força para seguir em frente,
sabendo compreender meus momentos de ausência;
Ao Felipe, companheiro de mestrado e de vida, pelo amor, carinho e atenção imensuráveis,
pela força e palavras de incentivo até o momento de entrega da tese;
A todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para que eu concluísse com sucesso
mais essa etapa importante na minha carreira e na minha vida.
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RESUMO
AMUI, Isabella. Comportamento do Consumidor de Cosméticos de Luxo: um Estudo
Exploratório. Orientadora: Letícia Casotti. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2006.
Dissertação (Mestrado em Administração).
O objetivo deste estudo foi explorar dimensões e valores presentes no comportamento de
consumo de luxo na indústria de cosméticos, sob o enfoque das teorias propostas na literatura.
Optou-se por realizar uma pesquisa qualitativa, utilizando o método da entrevista em
profundidade, associada à técnica projetiva, realizada com 10 mulheres da classe A11
moradoras do Rio de Janeiro.
A análise do discurso das entrevistadas à luz da teoria estudada encontra como principais
caracterizações do luxo a qualidade, a exclusividade e o preço alto. Tendências como o luxo
acessível, a valorização da estética e da inovação trazidas pelo “novo luxo” foram
identificadas, assim como outras dimensões como o hedonismo, a extensão da identidade e a
conspicuidade. É abordada também a questão da diferenciação entre o consumo público e
privado, e como ela se manifesta no consumo de cremes de luxo. Destaca-se ainda a crescente
importância adquirida pelos dermatologistas e pelos produtos de farmácias de manipulação,
assim como outras particularidades do comportamento do consumo de cosméticos de luxo.
1 Baseado no Critério de Classificação Econômica Brasil. Ver Anexo 3.
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ABSTRACT
AMUI, Isabella Coelho. Comportamento do Consumidor de Cosméticos de Luxo: um
Estudo Exploratório. Orientadora: Letícia Moreira Casotti. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD,
2006. Dissertação (Mestrado em Administração).
This study aims to explore dimensions and values found in consumer behavior in the luxury
cosmetics industry, based on the theories introduced in the subject-related literature. A
qualitative method of research was chosen, making use of in-depth interviews, associated with
projective techniques, carried out with 10 women from the upper social class1, living in the
city of Rio de Janeiro.
The analysis of the respondents’ discourse in the light of the studied theory finds the
following aspects as the main characterizations of luxury: high quality, exclusivity and high
prices. Tendencies such as accessible luxury, aesthetics valorization and innovation brought
on by the new luxury concept were identified, as well as other dimensions such as hedonism,
extended self and conspicuous consumption. The distinction between the public and private
consumption, along with the way it influences the luxury cosmetics consumption is also
analyzed. It is still highlighted the growing importance of dermatologists and manipulation
pharmacies, as well as other peculiarities of consumer behavior in luxury cosmetics market.
1 Based on the Critério de Classificação Econômica Brasil. See Appendix 3.
viii
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO 01
1.1. Organização do Estudo 01
1.2. Importância do Tema 05
1.3. Organização do estudo 05
2. REVISÃO DE LITERATURA 07
2.1. O Consumo Diferenciador 07
2.2. Simbolismo e Significados do Consumo 11
2.3. Publicidade, marcas e Comportamento do Consumidor 15
2.4. O Conceito de Luxo 18
2.5. O luxo através das Marcas 20
2.6. Dimensões e Valores do Consumo de Luxo 24
2.7. O Conceito de Novo Luxo 33
3. METODOLOGIA 38
3.1. Delineamento de Pesquisa 38
3.2. Método de Coleta de Dados 40
3.3. Construção da Entrevista e Seleção das Entrevistadas 42
3.4. Análise e Interpretação dos dados 48
4. RESULTADOS 50
4.1. Luxo = qualidade, exclusividade e preço alto 50
4.2. O Novo Luxo 54
4.3. Marca e propaganda: o papel do marketing na construção do luxo 59
4.4. Consumo de luxo público e privado 62
4.5. O consumo de Luxo nos Cosméticos 66
ix
4.6. O Novo Luxo nos Cosméticos 69
4.7. Outros Valores do Consumo de Cremes de Luxo 78
4.7.1. A Conspicuidade 79
4.7.2. A Extensão do Eu 80
4.7.3. O Hedonismo 80
5. CONCLUSÕES 82
5.1. Interesses do Conhecimento e Aplicações Gerenciais 86
5.2. Sugestões de Novas Pesquisas 87
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 89
ANEXOS 97
1
1. INTRODUÇÃO
1.1. Objetivos do Estudo
Este estudo exploratório tem como objetivo investigar valores e significados existentes no
consumo de luxo na indústria de cosméticos, mais especificamente, no segmento de cremes
para tratamento da estética. Para isso utilizou-se de metodologia qualitativa com entrevistas
em profundidade realizadas com 10 mulheres da classe A1 1, moradoras do Rio de Janeiro.
O mercado de luxo, suas marcas e produtos são amplamente difundidos pela forte cobertura
de mídia. Os processos pelos quais os consumidores adquirem e consomem itens de luxo,
porém, permanecem enigmáticos (Dubois e Paternault, 1995). Esta dissertação é uma
tentativa de contribuir para um maior entendimento sobre o tema.
O sólido crescimento do mercado de luxo nos últimos 20 anos (Vigneron e Johnson, 2004) foi
influenciado por diversos fatores: o aumento de renda das famílias, um mercado de capitais
mais robusto, o aumento da participação da mulher no mercado de trabalho, o maior fluxo de
caixa liberado pela compra de commodities em cadeias mais baratas e as pressões emocionais
de uma vida moderna, com luxuosos produtos e experiências. (Seckler, 2005)
Esses fatores marcaram uma mudança na forma de se pensar o conceito de luxo e especialistas
como a francesa Danielle Allères (1999) falam do surgimento de um segmento de “novo
luxo”, onde mais pessoas têm acesso a bens de alto valor financeiro, que antes estavam
1 Baseado no Critério de Classificação Econômica Brasil. Ver Anexo 3.
2
restritos a indivíduos com alto poder aquisitivo. Allères (1999) observa também a existência
de diferentes níveis de luxo, o que contribui para manter a diferença entre as classes.
O total gasto em produtos de novo luxo em 2004 foi estimado em 525 bilhões de dólares. Essa
quantia representa um crescimento de 19% com relação aos 440 bilhões de 2003, aumento
maior que os 15% que vinham ocorrendo nos últimos anos (Seckler, 2005) 1.
"São 2,3 bilhões de dólares por ano no Brasil, sendo que São Paulo abocanha 72% dessa fatia.
O crescimento anual do mercado de luxo no país tem sido de 35% nos últimos seis anos... O
luxo é uma atividade de negócios paralela, emocional, que não segue os caminhos da
racionalidade. A tomada de decisão de consumo é movida pelo desejo, pelo sonho de
posicionamento social."
(Carlos Ferreirinha, em entrevista para a Revista Veja On-line, 2005)
A grande contribuição para o crescimento dos produtos premium nos últimos anos ainda é em
grande parte das mulheres que, mesmo com a crescente participação masculina, ainda são
responsáveis por 85% das compras de produtos de luxo (Seckler, 2005). Uma grande fatia
deste bolo vem do mercado de cosméticos de luxo que, somente em 2004, movimentou R$13
milhões no Brasil, ocupando o sétimo lugar mundial, segundo a ABIHPEC, Associação
Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos. Ainda de acordo com a
ABIHPEC, o setor teve um crescimento médio de 10,7%2 de 2001 a 2005, contra 2,2% do
PIB e 2,1% da indústria em geral no mesmo período.
1 Os números publicados por Seckler (2005) são dados do The Boston Consulting Group, conforme citação em seu artigo. 2 Considerada a média composta deflacionada.
3
O consumo voltado para a estética vem sendo impactado por uma mudança no padrão de
beleza. O avanço da tecnologia vem proporcionando novos métodos de cuidados pessoais às
mulheres, que estão cada vez mais equipadas com produtos e serviços voltados à construção
da sua beleza (Kury, Hargreaves e Valença, 2000). Com a pós-modernidade, vemos surgir um
novo conceito de beleza, onde a forma física não é mais considerada um atributo da natureza,
mas sim um atributo construído. Esta tendência aumenta a responsabilidade que um indivíduo
tem sobre si mesmo, e tomar conta do seu corpo se torna uma obrigação, com direito a
punições de marginalização pela sociedade (Goldenberg e Ramos, 2002).
Esse conceito de consumo pós-moderno, que confere ao indivíduo a capacidade, e também o
dever, de escolher a sua identidade a partir de um catálogo de imagens que podem ser
trocadas por seu livre arbítrio (Thompson e Hirschman, 1995), torna o corpo um atributo
central na vida das pessoas (Goldenberg e Ramos, 2002).
Mesmo não estando mais associados a religiões ou rituais sagrados, o ato de enfeitar-se ainda
é carregado de símbolos. Cada um procura, mesmo que inconscientemente, através dos
símbolos presentes nos produtos que usa, colocar sua personalidade em evidência e buscar a
identificação com um grupo específico (Allérès, 1999).
Os processos que dão significado aos símbolos podem ser interpessoais (públicos) ou
intrapessoais (privados). Mas nos dois casos, o simbolismo é o componente mais importante
que vai impactar na escolha e usos dos produtos. O consumidor se vale do significado social
dos produtos para moldar sua própria imagem e a impressão que os outros têm dele (Solomon,
1983).
4
A relevância da indústria, reforçada pelas estatísticas e aparentemente impactada pelo novo
conceito de beleza e estética da pós-modernidade, torna o consumo de cosméticos de luxo um
mercado atrativo para a análise pretendida por este estudo.
Considerando-se que diferentes categorias de produto têm impactos diferentes nas decisões de
compra e nos significados do consumo (Dubois, Paternault, 1995), esta pesquisa irá focar uma
categoria específica: a de cremes cosméticos voltados ao tratamento estético.
Embora algumas compras e usos resultem direta e abertamente de uma pressão externa, muito
do processo simbólico de consumo pode acontecer durante a experiência privada do indivíduo
(Solomon, 1983).
O fato do consumo de produtos dermatológicos ser feito de forma predominantemente
privada, ou seja, dentro de casa, configura mais um ponto que faz desse um mercado
interessante para análise. Pelo fato de os cosméticos serem consumidos de forma diferente de
automóveis, gastronomia, vestuário ou jóias, cujo uso é feito de forma predominantemente
pública, o entendimento de valores e significados deste tipo de consumo privado pode
apresentar novas nuances relevantes para o estudo do comportamento do consumidor. Essa
diferença foi explorada nas entrevistas, buscando encontrar particularidades do setor de
cosméticos de luxo.
5
1.2. Importância do Tema
Considerando as informações levantadas no item 1.1., destaca-se a importância de contribuir
para um maior conhecimento do comportamento de consumo de luxo, cuja indústria tem
demonstrado um crescimento representativo e contínuo. Também por ser, o mercado de luxo,
pouco afetado por crises econômicas, torna-se atraente, tanto para o meio acadêmico quanto
para o meio corporativo, entender com mais profundidade o comportamento de consumo
deste segmento, que se manteve em crescimento, mesmo em épocas de recessão.
Estando o segmento do Consumo de Luxo tradicionalmente relacionado a status, é possível
que o estudo de categorias do luxo onde a conspicuidade esteja menos aparente, como é o
caso dos cosméticos, traga novas e importantes contribuições para o entendimento do
comportamento do Consumidor de Luxo. O fato de ser consumido de forma privada, ou seja,
menos sujeita ao julgamento de terceiros, pode trazer diferentes motivações de consumo.
Com as estatísticas de crescimento apontadas, somadas aos pontos levantados acima, acredita-
se que a pesquisa do comportamento de consumo dos cosméticos de luxo seja uma relevante
contribuição para os estudos do Comportamento do Consumidor.
1.3. Organização do estudo
Este trabalho consiste em cinco capítulos. No Capítulo 2, é descrita a Revisão de Literatura,
que será dividida em três partes. A primeira trata do surgimento e evolução do Consumo e das
principais teorias de Comportamento do Consumidor. A seguir, o comportamento do
6
consumidor é tratado mais especificamente, considerando o universo de luxo e as marcas que
nele transitam. É também abordada a mudança no conceito de luxo trazida pela pós-
modernidade, assim como as novas motivações para o consumo de luxo.
Junto com o novo conceito de luxo, a pós-modernidade traz também um novo conceito de
beleza, relevante para analisar o consumo na indústria de cosméticos. A mulher passou a ter
autonomia sobre a sua beleza e os cuidados pessoais se tornam uma obrigação. Autores como
Wolf(1992), Holbrook et al.(1996), Lipovetsky(2000), Baudrillard(1995), Hirschman(2004) e
outros que estão presentes na revisão de literatura desta dissertação, dão contribuições
importantes para essa discussão.
Explorando o consumo de cosméticos, é destacada a diferença existente entre o consumo de
cremes, que ocorre de forma privada e o de outros setores como vestuário, que é feito
publicamente.
O Capítulo 3 é destinado à metodologia. Foram feitas 10 entrevistas em profundidade para
que, junto com a teoria estudada, pudessem dar suporte ao entendimento das dimensões e
valores presentes no consumo de luxo. As entrevistas permitiram analisar o discurso das
consumidoras, à luz da literatura pesquisada.
O Grupo escolhido para análise são mulheres de 45 a 60 anos, consumidoras de produtos de
luxo, moradoras do Rio de Janeiro.
O Capítulo 4 traz a análise das entrevistas e a descrição dos resultados. Junto às conclusões -
Capítulo 5 - encontram-se as aplicações gerenciais e as limitações do presente estudo.
7
2. REVISÃO DE LITERATURA
Este capítulo se destina a reunir estudos encontrados na literatura de forma a dar um suporte
teórico para a pesquisa desenvolvida nesta dissertação. Inicialmente, é tratado o consumo de
forma geral, como surgiu e sua evolução até o presente. Em seguida, aborda-se o simbolismo
e os significados do consumo. Falando mais especificamente sobre o mercado de luxo, é feita
uma breve exposição sobre a influência das marcas e posteriormente sobre os valores do
consumo de luxo na visão de diferentes autores. Por fim, explora-se o conceito do novo luxo,
que hoje já se encontra amplamente difundido na mídia.
2.1. O Consumo Diferenciador
O consumo é um processo contínuo. Vai muito além da troca de uma quantia financeira por
uma mercadoria ou serviço. Envolve questões que influenciam o consumidor antes, durante e
depois da compra, e também todo o processo de busca, escolha e tomada de decisão de
compra de um produto, a experiência durante o consumo, o desempenho do produto após a
compra e as conseqüências que essa compra traz. Quando se fala de consumo, se fala não só
de objetos tangíveis, mas de experiências, idéias e características intangíveis (Solomon,
2002). Muitas experiências de consumo como fantasias, sentimentos e divertimento estão por
trás das decisões de compra e são importantes considerações para o fenômeno do consumo
(Holbrook, Hirschman, 1982).
O consumo, que Baudrillard (1973) conceituou de forma resumida como "um processo de
satisfação das necessidades", nem sempre existiu da forma como nós conhecemos hoje.
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Baudrillard (1973) explica que, na Idade Média, apesar dos indivíduos comprarem, gastarem,
usufruírem, não existia consumo. A relação entre os objetos e a coletividade era muito voltada
para o valor de uso dos objetos, sem existir valor simbólico. A partir da Revolução Industrial,
no entanto, as necessidades e desejos do consumidor foram gerando um ciclo de oferta e
demanda que foi se acelerando pela história.
Com o surgimento da sociedade de consumo, oferta e demanda crescem assustadoramente,
consolidando um desejo que já habitava há muito tempo as mentes dos indivíduos: o de
consumir (Twitchell, 2000). Esse desejo encontrou oportunidade de manifestar-se com o
surgimento da Revolução Industrial, e com passar do tempo, desencadeou um consumismo
acelerado. Antes da Revolução Industrial, só não se consumia tanto porque as pessoas não
tinham tanta escolha e tampouco essa diversidade de objetos para desejar. (Twitchell, 2000)
Lipovetsky (1989) fala de dois fatores que tiveram o papel de impulsionadores no processo de
consumo: o fortalecimento da burguesia, junto com o seu desejo de reconhecimento social, e
ao mesmo tempo as crescentes tendências de imitação da nobreza. Fazendo jus ao
crescimento de seu poder econômico, a burguesia passou a ter condições financeiras de
adquirir os mesmos produtos usados pela nobreza, numa tentativa de imitá- la e ganhar
prestígio. Por sua vez, a aristocracia começa a buscar novidades que mantivessem diferenças
entre eles e os novos ricos.
Esse movimento de imitação e distinção passa a conferir um valor simbólico aos objetos.
Adquirir um bem já não obedecia somente aos desígnios de uso que este pode oferecer. Esta
aquisição toma forma de distinção, status e reconhecimento. Essa dinâmica ganha força
quando nobreza e burguesia começam a consumir em pé de igualdade. Já não há uma divisão
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muito clara entre as classes e fica difícil classificar os poderosos de berço e os poderosos de
fortuna na hierarquia, que já se encontra totalmente misturada. (Lipovetsky, 1989)
O consumo como distinção, com o objetivo de obter prestígio e reconhecimento do poder, faz
com que as classes superiores gastem de forma esbanjadora e ostensiva, exibindo suas
riquezas e luxos. Essa idéia foi exposta por Veblen (1899) através de sua teoria do consumo
conspícuo, que é o consumo como forma de demonstrar aos outros a capacidade de comprar
determinados bens. Essa demonstração tem, ao mesmo tempo, um objetivo de imitação das
classes superiores e de distinção das classes inferiores.
A partir dessa disputa entre setores da classe dominante, se dá o que Lipovetsky (1989)
chamou de Revolução do Consumo. A lógica por trás da Revolução do Consumo reside na
combinação perfeita entre a concorrência inerente aos meios de produção para atender aos
desejos dos consumidores e a luta pela distinção por meio da busca por novidades que
confiram um distintivo diferenciado para quem o consome (Bourdieu, 1981).
Veblen (1899) sugere que essa mobilidade encontrada na raiz do consumo vem desde as
sociedades ditas predatórias, e está na rivalidade entre os homens, no desejo de posicionar-se
vantajosamente em relação aos outros e prevalecer sobre eles.
Desde então, a relação abstrata entre os objetos, a coletividade e o mundo passou a ditar as
leis do consumo. O que é consumido nunca é o objeto, mas sim essa relação com os objetos.
Os produtos materiais não são objetos de consumo, são apenas objetos da necessidade e da
satisfação (Baudrillard, 1973). O consumo, antes um ato simbólico que econômico (Rocha,
1995), "é a totalidade virtual de todos os objetos e mensagens constituídos em um discurso
10
cada vez mais coerente. É uma atividade de manipulação sistemática de signos".
(Baudrillard, 1973)
Junto com a consolidação do consumo começa o poder social dos signos. O simples porte de
uma novidade conferia ao indivíduo um caráter de distinção social. As pequenas e sucessivas
modificações de detalhes caracterizam a moda, que traduz uma descontinuidade histórica,
uma quebra na lógica imutável da tradição, própria das sociedades primitivas. (Lipovetsky,
1989)
É o código presente em cada objeto e em cada relação de consumo que vai classificar o
indivíduo que o consome. A concorrência entre as classes e a luta pela distinção sustentam a
efemeridade do consumo, fazendo com que os consumidores estejam sempre procurando
inovações e deixando para trás o que não é mais novidade. (Baudrillard, 1981) (Bourdieu,
1981)
Lipovetsky (1989) não só sugere que as classes dominantes ditaram o início do consumo,
como defende que esse processo de imitação e distinção continua a existir até hoje, e é o
responsável por ditar os modelos de comportamento que vão passando de uma classe a outra.
Aos poucos, os produtos deixaram de se diferenciar por suas características intrínsecas para
apresentarem uma diferenciação pelo simbólico atribuído a ele e à sua marca (Rocha, 1995).
A partir do momento em que o objeto começa a significar algo a mais que a sua
materialidade, ele ganha o caráter de signo, que adquire coerência e sentido em uma relação
abstrata com outros objetos-signos (Baudrillard, 1973).
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Os objetos adquiridos passam a ter um valor de diferenciação entre os homens. É o próprio
significado dos objetos que promove a diferenciação entre eles mesmos e os indivíduos que os
consomem. O domínio do consumo é onde homens e objetos são postos em contato,
adquirindo sentido, produzindo significações e distinções sociais. (Rocha, 1984). E essa
sociologia da diferença, que traduz uma procura social objetiva de sinais e diferenças, funda o
consumo, não como função de uma satisfação individual, mas como uma atividade social.
(Baudrillard, 1981)
2.2. Simbolismos e Significados do Consumo
"Se estamos gastando dinheiro, é preciso que valha a pena" (Mihalyi
Csikszentmihalyi, 2000).
Os produtos são excelentes fontes de informação sobre as pessoas que os consomem (Belk,
1988). As escolhas do consumidor são feitas por uma enorme variedade de razões não tão
fáceis de prever e de compreender (Csikszentmihalyi, 2000), mas freqüentemente, o
consumidor se vale do significado social dos produtos para moldar sua própria imagem
(Solomon, 1983) e fala sobre si mesmo por meio dos bens personalizados que consome
(McCracken, 1986).
Com o surgimento da sociedade de consumo, os bens passam a depender mais do seu
significado social do que de sua utilidade funcional. O simbolismo contido nos produtos
tornou-se o principal combustível para sua compra e uso (Solomon, 1983). Assim como a
escolha por produtos ou marcas, o consumo é regido por códigos que enfatizam a análise e a
relação entre os objetos (Solomon, 2002). Da Matta (1984) completa: “o valor simbólico se
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adiciona ao valor de uso e ao valor de troca, para permitir, tal como ocorre também nos
sistemas tribais e tradicionais, a sua associação sensível, imagística, concreta, com
qualidade e relações humanas que a sociedade define como preciosas e importantes”.
O significado dos bens de consumo está na sua habilidade de carregar e comunicar um valor
cultural (McCracken, 1986). A cultura permite que o consumidor se coloque no lugar do outro
e enxergue a si mesmo da mesma forma que os outros. Isso acontece porque todos passaram
pelo mesmo processo de civilização, com os mesmos símbolos e códigos. (Solomon, 1983)
A definição do significado do objeto pode assumir três características essenciais: a polissemia,
ou seja, a existência de vários significados; a contextualização, que sugere a mudança de
significado de acordo com o contexto; e o consenso, que se refere ao fato de certos
entendimentos sobre o objeto serem compartilhados por toda a sociedade (Kleine e Kernan,
1988). Mc Cracken (1986) desenvolveu um modelo que procura demonstrar o caráter de
mobilidade do significado. Ele se inicia em um mundo contextualizado e culturalmente
construído. O significado é transferido então para o objeto de consumo, com a ajuda da
propaganda e da moda, e depois para o consumidor, com a ajuda dos rituais de consumo.
Cada traço de maquiagem, corte de cabelo, jóias, arrumações estéticas em geral ou atitudes de
cuidados pessoais com a beleza refletem um pouco do que somos e um pouco do que
queremos ser. Pela sua aparência, uma pessoa diz a que grupo ela pertence ou até aos quais
ela não pertence. Ou seja, o indivíduo gerencia o seu corpo de acordo com a forma como ele
deseja ser visto e enquadrado na sociedade. O corpo humano é cons iderado um depositário da
cultura do indivíduo, “um prolongamento de nós mesmos” (Kury, Hargreaves e Valença,
2000).
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A cultura é a ponte que estabelece a diferenciação entre os indivíduos. (Mc Cracken, 1986). E
os objetos de consumo são formas de materialização da cultura, ou seja, a marca que torna
tangível essa distinção. Isto é, os indivíduos são avaliados e encaixados em determinado
contexto social em função dos produtos ao seu redor (Solomon, 1983).
É no consumo que homens e objetos se olham de frente, se nomeiam e se definem, de maneira
recíproca (Rocha, 1984). Os objetos consumidos permitem que a pessoa desenvolva
habilidades importantes na construção de sua identidade (Csikszentmihalyi, 2000). A
identidade não é mais um atributo dado no momento, mas sim um processo de construção que
cada indivíduo deve procurar em convivência com a sociedade. A escolha, que é a chave do
mundo pós-moderno, permite que as pessoas passem a ter mais controle sobre a sua vida
(Askergaard, 2001).
Solomon (1983) explica que os símbolos adquirem significado por meio de um processo de
socialização que começa na infância. O autor defende a teoria do Interacionismo Simbólico,
que acredita que os produtos são símbolos culturais extremamente importantes para a
interpretação da realidade social. Por meio deles, os indivíduos, em seus diversos papéis,
guiam seu comportamento e conferem significado ao mundo.
Os bens de consumo são muito mais que uma resposta ao consumidor. Servem, antes de tudo,
como um estímulo ao comportamento do indivíduo, principalmente, quando ele precisa
reforçar suas habilidades para exercer um determinado papel, da forma como foi estabelecido
pela sociedade. O comportamento do consumidor não é estático. Um indivíduo pode ter
diferentes visões de si mesmo, que vão resultar em diferentes papéis assumidos por ele. O
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consumo de determinado produto ou marca pode se encaixar em uma situação, mas não na
outra. Os símbolos são gerados e aprendidos em um nível relativamente macro, sendo a
sociedade e a cultura os influenciadores dos papéis exercidos pelo indivíduo (Solomon, 1983).
Solomon (1983) desenvolveu um modelo que mostra o uso dos produtos na definição do
papel do consumidor. Um objeto pode ser usado para comunicar uma posição social, atuando
somente como resposta a uma necessidade do consumidor, ou para estabelecer uma posição
social, atuando como um estímulo para o consumidor. Quanto menos a pessoa tem segurança
para desempenhar determinado papel social, mais ela vai consumir produtos que guiem o seu
comportamento.
O ser humano tem uma necessidade de se sentir parte de um grupo e de ser aceito pelos seus
membros (Csikszentmihalyi, 2000), mas, muitas vezes, pode não estar preparado para
interpretar o papel que gostaria. Em situações onde o papel social é uma experiência nova
para o indivíduo, a escolha dos produtos se dará a partir de uma impressão estereotipada do
papel. Um exemplo são os “novos ricos”, que querem demonstrar seu status por meio do
esbanjamento e ostentação do consumo, enquanto os "velhos ricos" precisam menos do
auxílio de bens para desempenhar esse papel (Solomon, 1983).
Uma porção significativa do comportamento do consumidor é na verdade comportamento
social. Ou seja, é possível entender muito sobre o consumo se considerarmos este processo
dentro de um contexto maior de realidade social. O mundo de consumidores pode ser dividido
em fatias menores, agrupando-se em um mesmo conjunto indivíduos com características
semelhantes. A divisão mais comum é a demografia, que mede aspectos observáveis de uma
população como idade, gênero ou renda (Solomon, 2002). Dessa forma, analisar o
15
comportamento dos grupos sociais representa uma boa forma de explorar o comportamento
simbólico do consumidor (Hirschman, 1986).
A publicidade traz uma temática de proteção e gratificação aos produtos e os indivíduos se
mostram sensíveis a ela. A publicidade é cada vez mais exigida (Baudrillard, 1973), ficando
difícil falar em consumo sem discorrer algumas linhas sobre ela.
2.3. Publicidade, marcas e comportamento do consumidor
A abordagem tradicional de marketing trata as motivações para o consumo de forma
deliberada e com o propósito central de atender às necessidades dos consumidores (Solomon,
1983). Produtos exercem um importante papel de satisfação das necessidades, mas o
comportamento do consumidor é muito mais complexo sensorialmente, imaginativo e afetado
por emoções do que se pensava (Hirschman e Holbrook, 1982).
O comportamento do consumidor é conduzido pelo desejo de satisfazer necessidades
programadas geneticamente em nossas mentes ou desejos despertados pela sociedade onde
vivemos (Csikszentmihalyi, 2000). Uma necessidade é um motivo biológico básico. Já um
desejo representa um modo que a sociedade nos ensinou para satisfazer uma necessidade.
Quem tem sede pode ter o desejo de matar a sede com Coca-Cola, mas não necessidade
(Solomon, 2002).
Pode parecer que os indivíduos são capazes de tomar decisões racionais o tempo todo,
fazendo o melhor possível para obter produtos e serviços que maximizarão sua saúde e bem
16
estar, mas nem sempre é assim. As pessoas são muito levadas pelo irracional, pelo lado
simbólico do consumo, que por sua vez, é muito influenciado pela propaganda (Solomon,
2002).
Como disse McCracken(1986), a publicidade contribui para transferir significado do mundo
para os objetos. É tanto o discurso sobre o objeto como o próprio objeto e é, por isso,
consumida como um objeto cultural. (Baudrillard, 1973)
A publicidade recria a imagem de cada produto. Pela atribuição de identidade, ela os
particulariza e prepara para uma existência não mais marcada pelas relações de produção.
Agora, pelas marcas do mundo dentro do anúncio, o produto vive em meio a relações
humanas, simbólicas e sociais que caracterizam o consumo. (Rocha, 1984)
Os compradores são levados a acreditar que não só os objetos são devotados, submissos a eles
– feitos especialmente e complementares a essa pessoa – mas também seu fabricante e os
serviços que ele presta (Baudrillard, 1973).
Utilizando-se das marcas, da identidade, da imagem do produto, a publicidade estabelece
diferenças que influenciam os diversos grupos sociais. "Ela é o passaporte, visto de saída da
produção e de entrada no consumo. É o elo de ligação entre a produção e o consumo"
(Rocha, 1984).
Estamos rodeados de estímulos, na forma de comerciais, lojas e produtos, competindo pela
nossa atenção e nosso dinheiro. Esse impacto cultural é difícil de ser ignorado, embora muitas
17
vezes a influência que a publicidade exerce sobre nós se dê sem que percebamos (Solomon,
2002).
A propaganda atua como um transmissor de significado, unindo uma representação do mundo
culturalmente construído a um determinado objeto. Quando o consumidor, por meio da
propaganda, consegue entender o objeto de acordo com o mundo construído, enxergando a
semelhança entre eles, o significado cultural é transmitido para o objeto em questão
(McCracken, 1986).
A moda contribui para a transferência de significado do mundo para o objeto de duas formas:
associando estilos de produtos às categorias e princípios culturais e também criando novos
significados aos produtos através de uma reformulação de categorias e princípios
(McCracken, 1986).
A propaganda esquece o produto e foca nos consumidores (Baudrillard, 1973), e estes são
levados a acreditar que os produtos têm propriedades mágicas que irão transformar a vida
deles (Solomon, 2002). É necessário então que esse sentido seja conhecido em torno de si,
senão a mensagem não poderá ser decodificada. Reside aí a importância dessa ferramenta de
difusão do sentido coletivo que é a publicidade: ela é uma alavanca insubstituível de
aceleração de notoriedade e de criação de imaginários coletivos (Kapferer, 2004).
Quando um objeto consegue se tornar um símbolo de reconhecimento ou código social, atinge
um poder maior e um destaque entre os concorrentes. No mercado de luxo, esses símbolos
ganham forma de marcas, grifes ou estilos (Allérès, 1999). O comportamento do consumidor
18
de luxo é influenciado por diversas dimensões que afetam de formas diferentes cada
indivíduo.
2.4 O Conceito de Luxo
"Luxo é o tempo que eu guardo para ficar em casa com pessoas queridas." -
Marc Jacobs, diretor artístico da Louis Vuitton
"O luxo é a sensação de exclusividade, de ter algo que ninguém tem." - Philip
Derderian, gerente-geral de vendas da Daimler-Chrysler
"Algo a mais que muitas vezes não se vê. É o superlativo, o prazer secreto de
cada um de nós." - Catherine Deneuve
Como sugerem os depoimentos acima, o conceito de luxo tem fronteiras muito flexíveis
(Dubois, Dusquesne, 1992) e por isso é muito complexo de se definir (Vigneron e Johnson,
2004).
Sua origem do latim luxus quer dizer indulgência dos sensos, independente de custos. (Nueno,
Quelch, 1998). No dicionário Aurélio, encontram-se as seguintes definições:
"1. Modo de vida caracterizado por grandes despesas supérfluas e pelo gosto da
ostentação e do prazer; fausto, ostentação, magnificência...
2. Caráter do que é custoso e suntuoso...
3. Bem ou prazer custoso e supérfluo... 4. Viço, vigor, esplendor...
19
Para Lombard (1989), produtos de luxo são aqueles de qualidade superior, caros, raros,
esteticamente bem elaborados, dotados de uma marca famosa e adquiridos por uma clientela
especial.
Vigneron e Johnson (2004) definem produtos de luxo como aqueles que, ao serem utilizados,
aumentam a auto-estima do consumidor, independente da sua utilidade funcional. Esses
produtos permitem ao consumidor satisfazer ao mesmo tempo necessidades psicológicas e
funcionais, mas são os benefícios psicológicos que representam o principal fator de
diferenciação entre um produto de luxo e os outros (Vigneron e Johnson, 2004).
Aprofundando o conceito, o luxo ainda pode ser classificado em vários níveis, cuja percepção
influencia diretamente na escolha de um bem de consumo (Bearden, Etzel, 1982). Um
produto pode ser mais ou menos luxuoso dependendo do contexto onde está inserido, e
adquire conceitos muito particulares: o que para uma pessoa é considerado luxo, para outra
pode ser considerado uma necessidade (Vigneron, Johnson, 2004). A percepção do nível de
luxo pode sofrer variações até para uma mesma pessoa, em função dos objetos de comparação
ou da situação no momento da compra. (Bearden, Etzel, 1982).
O conceito de luxo se confunde bastante com o conceito de marcas de luxo. Vigneron e
Johnson (2004) justificam essa mistura declarando que o luxo é um dos principais fatores que
diferencia uma marca das outras em determinada categoria de produto. As classificações por
renda e classe social implicam em julgamentos em termos de acesso aos bens de luxo,
indicando uma facilidade maior de acesso pelos segmentos das classes mais altas (Solomon,
2002). E a julgar pelos preços altos dos produtos, é natural esperar que a renda seja um dos
critérios mais importantes de classificação do luxo. (Dubois, Duquesne, 1992)
20
Porém, isso não significa que o consumo de luxo seja influenciado somente pela classe social
e pelo poder aquisitivo do comprador. Dubois e Duquesne (1992) explicam que fatores
psicológicos como estilo de vida e cultura influenciam cada vez mais a segmentação de
mercado e a escolha por produtos de luxo. Mesmo sabendo que são os consumidores mais
ricos que têm os recursos para comprar os produtos mais caros, não quer dizer que todos os
ricos façam parte do mesmo segmento de consumo. O conceito de luxo parece estar além do
acesso privilegiado das classes mais abastadas (Solomon, 2002).
As marcas dos produtos são, portanto, um dos mais fortes indicadores de luxo em um produto
(Vigneron e Johnson, 2004). Desta forma, se faz necessário uma breve exposição sobre
marcas e sobre o que é considerado marca de luxo. Essa discussão será importante para dar
suporte à análise das marcas citadas no discurso das entrevistadas.
Em sintonia com o pensamento de Rocha (1984), que declara que “o que consumimos são as
marcas”, os estudos sobre “luxo” e sobre “marcas de luxo” nos levam por um caminho que
permite entender e tratar os dois conceitos de forma semelhante, quase indistinta.
2.5. O Luxo através das marcas
“Consumir uma marca é emitir sentido”
(Kapferer, 2004)
21
Na sociedade pós-moderna, todos estão procurando sentidos. E o ato de consumir está
carregado de sentidos. Livre da necessidade de se submeter a quaisquer normas, a opção de
um consumidor por uma marca corresponde a seus valores e suas escolhas pessoais.
Toda marca surge de uma inovação e uma relação bem-sucedida com o consumidor. No
começo, lembra somente as vantagens materiais que seu nome garante. Com o tempo, ela
acaba por evocar valores imateriais: a classe social de consumidores à qual pertence, o estilo
de vida, o universo imaginário, e os valores aos quais está associada. O intangível e o
imaterial evocados pela marca são valores agregados pelos quais o consumidor está disposto a
pagar. Nesse caso, o primeiro produto de uma marca representa um papel muito importante,
pois é ele que vai basear a representação das pessoas sobre a marca (Kapferer, 2004).
As marcas quase sempre têm imagem ou personalidades claramente definidas, criadas por
comerciais do produto, embalagens, caracterização visual e outras estratégias. A
personalidade que a marca confere ao produto exerce uma influência enorme no consumo.
As marcas que usamos ajudam a definir o nosso lugar na sociedade. Por meio delas,
formamos elos com consumidores de preferências semelhantes, e também nos diferenciamos
de outros consumidores (Solomon, 2002). A marca traz, ao mesmo tempo, um sentido de
diferenciação e de pertencimento. A palavra chave da gestão de marcas hoje em dia não é
mais imagem, mas identidade, o sistema de valores próprios a cada marca. (Kapferer, 2004)
Não tem nada escrito em contrato, mas os dois lados se comprometem: o consumidor a pagar
mais e a permanecer fiel; a empresa, a respeitar a todo o momento e em todos os lugares os
seus compromissos de qualidade; e a marca, a proteger a reputação de seus signos. O valor a
22
longo prazo das marcas reside inteiramente nesse contrato implícito. Quando uma importante
parcela do público associa uma determinada marca a satisfações garantidas, ela começa a
ganhar força. As pessoas não suportam a incerteza e é justamente essa aversão dos clientes ao
incerto que reforça o poder das marcas (Kapferer, 2004). A garantia de que seus desejos serão
atendidos, sejam eles quais forem, faz com que um sem-número de pessoas corra para as
marcas de luxo. Dessa forma elas se desenvolveram e se tornaram as responsáveis por
suportar o território simbólico dos produtos de luxo (Allérès, 1999).
Para Nueno e Quelch(1998), marcas de luxo não são aquelas que apresentam uma relação
funcionalidade-preço baixa, mas uma relação intangibilidade-preço alta. Kapferer (2004)
explica: “Reconhece-se uma marca de luxo quando o consumidor está disposto a pagar uma
diferença grande de preço para adquirir um produto de uma marca e não um produto
idêntico, de uma marca desconhecida”.
O acesso ao mundo do luxo é feito pela aquisição de um conjunto de objetos que se vinculam
a marcas que atingiram um alto grau de notoriedade (Allérès, 2000). É a marca do produto
que classifica os compradores na categoria de luxo. Há uma espécie de interação entre o
indivíduo e o produto. Nessa interação acontece uma identificação entre a personalidade do
consumidor e a personalidade do objeto (Rocha, 1984).
O ato de comprar, de possuir e de exibir produtos de luxo não é uma escolha trivial, mas um
encadeamento de significados, que leva o consumidor a uma série de motivações (Allérès,
2000), onde a marca exerce um importante papel, construindo uma identidade simbólica e um
conjunto de valores que expressam a sua essência por meio de seus produtos (Dubois e
Paternault, 1995).
23
Produtos de marcas de luxo são extraordinariamente ricos em significados. (Kleine e Kernan,
1988). Ter posse dessas marcas é um forte indício de status social, principalmente em
sociedades onde as distinções de classes são mais nebulosas (Nueno, Quelch, 1998).
Com a globalização, houve uma crescente valorização das marcas globais, que podem ser
reconhecidas em diversos lugares do mundo. Ter uma marca de luxo global, nesse caso, faz
com que a aceitação e o status aconteçam a nível universal (Nueno, Quelch, 1998). A
notoriedade mundial é um fator que desperta sonho e desejo em consumir marcas globais.
Além disso, a distribuição restrita desses objetos confere ainda um fator de raridade e,
portanto, de aumento do desejo (Kapferer, 2004).
É basicamente um nome forte e os símbolos associados à marca que influenciam a compra de
bens de luxo. Uma grande marca é um nome que está associado a uma emoção, junto a um
número enorme de compradores potenciais. Essa relação emocional produz o desejo de
manter o relacionamento e assim se desenvolve o que se traduz por fidelidade à marca
(Kapferer, 2004).
Para que uma marca de luxo se mantenha firme no mercado, não basta ser cara e trazer um
valor simbólico passageiro. Nueno e Quelch(1998) explicam que as tradicionais marcas de
luxo carregam diversas características: tradição de seus antecedentes históricos, qualidade
superior, herança de fabricação manual, estilo próprio e marcante, reputação global,
associação com o país de origem, habilidade de acompanhar a dinamicidade da moda, a
personalidade do seu criador, e uma produção e distribuição limitada. São elementos que lhe
conferem caráter de marca única e exclusiva e que, junto com um preço premium, combinam
24
apelo emocional com excelência de produto. Apesar da importância do seu valor simbólico, as
marcas de luxo também são, com freqüência, as top de linha dos mercados em termos de
funcionalidade: design diferenciado, serviço especializado e qualidade funcional superior. A
diferenciação de marcas não pode ser um jogo de aparências ou de diferenças apenas visuais
(Kapferer, 2004).
Uma marca de luxo vai sendo construída por meio da soma de todos os seus pontos de contato
com o cliente (Kapferer, 2004). É muito mais que um produto caro ou um símbolo efêmero de
status (Nueno, Quelch, 1998). Do ponto de vista do consumidor, a marca é a soma das
experiências vividas.
2.6. Dimensões e Valores do consumo de luxo
As expectativas dos consumidores no mercado de luxo estão se tornando cada dia mais
complexas. Esses produtos, além da qualidade objetiva e subjetiva, representadas
respectivamente pela funcionalidade e estética, contêm uma dimensão simbólica que precisa
ser considerada (Allérès, 1999). Mais do que qualquer outro produto, os itens de luxo são
comprados, não por aquilo que são, mas pelo que significam (Dubois, Paternault, 1995).
A literatura oferece diferentes propostas de segmentação dos valores dos produtos de luxo.
Dubois e Duquesne(1992) acreditam que a motivação para consumir produtos de luxo pode
acontecer de duas formas: uma mais influenciada pela renda e outra mais influenciada pela
cultura. São elas:
25
- motivação pela funcionalidade, ou seja, as características intrínsecas de qualidade, de
estética e de serviço. Nesse caso, os produtos com funcionalidades melhores estariam
limitados aos consumidores com maior poder de compra. Alguns indivíduos são movidos a
pagar mais por um produto somente para mostrarem ao mundo o seu poder de compra. Essa
ostentação exagerada foi batizada por Veblen (1899) de consumo conspícuo.
- motivação pelo valor simbólico, ou seja, o consumo é feito como forma de expressar valores
através dos objetos.
Já Allérès (1999) enxerga quatro papéis distintos que um produto de luxo pode exercer: o
funcional, que representa a qualidade intrínseca do produto; o cultural, que representa a
história do produto ou do criador; o simbólico, que mostra valores individuais como o
narcisismo e o hedonismo e por fim o papel social, associado aos valores de distinção e
imitação.
Vigneron e Johnson (2004), inspirados por estudo anteriores como os de Kapferer (1998) e
Dubois, Czellar e Laurent (2005), sugerem uma divisão de valores presentes no consumo de
luxo. Os autores reúnem os significados presentes no consumo de luxo em cinco dimensões
usadas para explicar este conceito. São elas: a conspicuidade, a exclusividade, a qualidade, o
hedonismo e a extensão do "eu". Cada uma delas será tratada individualmente a seguir,
aproveitando-se da contribuição de outros autores que também escreveram sobre esses
assuntos.
26
Vigneron e Johnson (2004) observam que estas dimensões estão fortemente relacionadas e
são de fundamental importância para o entendimento do consumo de luxo. Porém, é
necessário compreender que elas impactam em grau e de forma diferentes os consumidores e
os produtos.
a) Conspicuidade
O consumo conspícuo reflete uma busca por representação ou posição social através da
exposição e ostentação no consumo (Vigneron e Johnson, 2004).
Muitos consumidores gostam de se sentir especiais, ricos, realizados e até famosos. E têm
uma necessidade constante de se comparar com os outros. Com isso, às vezes, as pessoas
compram produtos não só para serem apreciadas (Solomon, 2002), mas para poderem mostrar
aos outros evidências de sua capacidade para adquiri- los. A procura por status é uma forte
motivação para o consumo de luxo. Os produtos consumidos exercem um importante papel de
distinção, visto que são usados para inspirar inveja nos outros por meio da exibição de riqueza
ou poder. (Veblen, 1965)
O fato de um produto ser caro pode transmitir um valor conspícuo para o indivíduo. Ao
perceber o preço como indicador de qualidade, quanto mais alto é o preço, maior o nível de
luxo a ele associado (Lichtenstein, Ridgway e Netemeyer, 1993).
Outra forma de valor conspícuo pode ser encontrada em produtos que representam o lazer ao
invés do trabalho. Veblen (1965) explica que esse fenômeno está muito ligado ao modo de
vida da classe ociosa. Os indivíduos pertencentes a esse grupo, por serem ricos, usam seu
27
tempo livre para consumir. Portanto, qualquer objeto que evidencie o privilégio de não
precisar trabalhar pode sugerir uma imagem de riqueza.
b) Exclusividade
A escassez ou a produção limitada de um produto refletem a exclusividade procurada pelos
consumidores de luxo e por isso interferem na escolha das marcas (Vigneron e Johnson,
2004).
Quando as pessoas compram um produto de luxo, este precisa ser exclusivo de alguma forma
(Bearden e Etzel, 1982) para que somente o fato de possuir aquele produto torne o indivíduo
diferente dos demais. Quanto mais caro é o produto, maior o desejo pela exclusividade
(Vigneron e Johnson, 2004). Quanto mais elitista for a marca ou o produto, mais sua imagem
deve se aproximar da perfeição e da distinção. E os preços, por sua vez, acompanham o nível
de acessibilidade dos produtos (Allérès, 2000).
O consumo distintivo vai desde objetos até o desenvolvimento de atividades sociais e
culturais. Bourdieu (1981), valendo-se do conceito de capital cultural, explica que há
algumas práticas adquiridas pelos indivíduos que são exclusivas e socialmente raras, e por
isso, consideradas fator de diferenciação entre os indivíduos.
Entretanto, o nível de difusão do produto afeta diretamente o seu apelo com o consumidor de
luxo (Dubois, Paternault, 1995). No momento em que o objeto em questão, que antes era raro,
aumenta suas vendas e passa a ser de acesso mais amplo, tornando-se acessível a outras
pessoas de diferentes classes sociais, vai perdendo a sua exclusividade (Vigneron e Johnson,
28
2004). Não importa o quanto ele é bom. Se muitas pessoas possuem este mesmo produto, ele
gradualmente perde o seu caráter de produto de luxo (Dubois, Paternault, 1995), que é
limitado a um pequeno grupo, e ganha um caráter de necessidade, que é aquilo que todo
mundo tem (Bearden e Etzel, 1982).
Se o nível de reconhecimento de uma marca alimenta o sonho de consumo, e a compra faz o
sonho tornar-se realidade, a compra em excesso por diferentes classes sociais destrói o sonho
(Dubois, Paternault, 1995). Esse processo é a essência do paradoxo das marcas de luxo
(Dubois, Paternault, 1995; Allérès, 1999).
c) Extensão do Eu
O consumo como construção da identidade do indivíduo também é muito importante no
universo do luxo. Normalmente, ele assume comportamentos de compra que estão de acordo
com o estilo de vida das classes mais altas e rejeita o que se assemelha às classes mais baixas
(Vigneron e Johnson, 2004).
O conceito de materialismo se torna muito importante para a construção da identidade do
indivíduo na medida em que, sendo abstrata, a identidade precisa se evidenciar mediante
aspectos concretos que são, principalmente, aquilo que você faz e aquilo que você tem (Belk,
1985).
Vale explicar que o conceito de materialismo retratado aqui é o defendido por Richins(1994),
que representa a percepção do indivíduo sobre o papel que os bens materiais devem ter em
sua vida. "Consumidores materialistas podem enxergar o consumo de luxo como uma forma
29
de alcançar a felicidade e podem usar esse mesmo critério para avaliar o seu sucesso e o dos
outros". (Richins, 1994)
Para Belk(1988), pessoas muito materialistas tendem a apreciar o consumo das marcas de
luxo. Pelo uso dessas marcas e das experiências relacionadas a ela, o indivíduo manda uma
mensagem de que faz parte do universo do luxo (Richins, 1994; Belk, 1988; Vigneron e
Johnson, 2004).
Apesar de não haver relação positiva entre materialismo e felicidade, é muito importante que
os produtos de luxo sejam representados de forma que pareçam "a razão de existir do
indivíduo" (Belk, 1985).
Características como a possessividade, a falta de generosidade e a inveja fazem com que o
materialismo adquira uma conotação muito negativa (Belk, 1985). Já Twitchell (2002)
apresenta uma visão mais otimista do materialismo ao dizer que "comprar coisas não é só a
cultura popular da atualidade. É como nós entendemos o mundo". Csikszentmihalyi(2000)
considera que, até certo ponto, recursos materiais contribuem consideravelmente para a
qualidade de vida. Além disso, possuir as mesmas marcas, estilos e objetivos de consumo
provê à sociedade contemporânea um senso de comunidade que não existiria sem o consumo
(Belk, 1985).
d) Hedonismo
O consumo de luxo transmite sua dimensão hedônica quando os consumidores estão buscando
prazer, recompensa e realização pessoal através da compra de determinado produto. Essa
30
sensação de satisfação é despertada pelos benefícios emocionais subjetivos mais que pelos
benefícios funcionais do objeto (Vigneron e Johnson, 2004).
O conceito de consumo hedônico surgiu na década de 80 e mostra as facetas do
comportamento do consumidor relacionadas com aspectos multisensoriais, fantasiosos e
emocionais da experiência de uso do produto (Hirschman e Holbrook, 1982).
Os consumidores hedonistas, ao fazerem suas escolhas, estão à procura de prazer no consumo
e não de uma forma de destaque e distinção social, e tão pouco de atributos funcionais dos
objetos. Por isso, são menos suscetíveis às influências de fora, baseando-se muito na sua
vontade própria (Vigneron e Johnson, 2004).
O consumo hedônico está intimamente ligado ao universo simbólico. Os produtos não são
vistos como entidades objetivas, mas como símbolos subjetivos. Mais do que só a realidade, a
imagem que o consumidor tem do objeto ou aquilo que ele gostaria que fosse a realidade é
muito importante. O hedonismo está nas motivações emocionais do consumidor (Hirschman e
Holbrook, 1982).
Uma das manifestações do hedonismo está no consumo como forma de auto-presente. Dar um
presente para si mesmo é uma forma simbólica de comunicação consigo mesmo por meio de
indulgências especiais, premeditadas e altamente contextualizadas. A idéia de presentear-se é
encontrada principalmente dentro de quatro contextos: para recompensar o atingimento de
uma meta, animar-se em momentos de tristeza ou desânimo, em alguma data comemorativa
ou quando sobrou algum dinheiro extra para gastar (Mick e De Moss, 1990).
31
As sensações de realização, segurança, entusiasmo, juventude e beleza, além de outras
reações emocionais comuns no consumo de auto-presentes (Mick e De Moss, 1990) são uma
forte manifestação do hedonismo, ou seja, da busca pelo prazer (Hirschman e Holbrook,
1982).
O auto-presente desperta um diálogo simbólico consigo mesmo e mostra o grau da auto-
estima do indivíduo. O consumidor age ao mesmo tempo como emissor e receptor de
mensagens simbólicas com significados afetivos e cognitivos relacionados com a própria
identidade. Cada um emite uma mensagem particular, com a vantagem de usar um código
privado, ou seja, como é uma aquisição de si para si mesmo, não há como ocorrer qualquer
problema na interpretação da mensagem (Mick e De Moss, 1990). Essa troca de mensagens
pode ocorrer entre diferentes "eus" do indivíduo. Por exemplo, o "eu disciplinado" pode
querer recompensar o "eu preguiçoso" pelo cumprimento de um determinado objetivo (Belk,
1988).
Um presente pode agir como um incentivo próprio ou guia comportamental para atingir
eficácia e satisfação pessoal. É um investimento psíquico de energia para dar um significado
de merecimento a aquisições pessoais (Mick e De Moss, 1990). Diferentemente de uma
compra normal, um auto-presente pode ter um significado tão especial que atinge uma
dimensão sagrada (Belk, 1989). É como se fosse um presente perfeito, alguma coisa que o
indivíduo sempre sonhou, pensado nos mínimos detalhes (Mick e De Moss, 1990).
O caráter de merecimento, de objeto de sagrado, personalização e exclusividade do presente
comprado para si mesmo garantem uma forte justificativa para a compra de produtos de luxo.
A decisão de se recompensar, se agradar, se paparicar normalmente é feita antes da compra e
32
não é repensada depois, o que faz com que o nível de arrependimento seja muito baixo. O
consumo como presente pressupõe um objeto especial, raro e comprado de forma
premeditada. Se essa compra começa a ser feita repetidas vezes, perde o sentido de objeto
especial. Por isso, situações de consumo compulsivo ou de compra por impulso não se
encaixam na categoria de consumo como forma de auto-presente (Mick e De Moss, 1990).
e) Qualidade
Além de todas essas dimensões que atendem os desejos de exclusividade, posição social,
prazer e representação da identidade, para ser considerado de luxo, um objeto precisa ter uma
qualidade superior aos demais, ou pelo menos parecer que tem (Vigneron e Johnson, 2004).
A qualidade pode ser percebida a partir de características como um design diferenciado e
superioridade funcional, tecnologia avançada ou uma engenharia sofisticada. Está relacionada
também a objetos artesanais, contrário aos produtos em série feitos para a massa (Vigneron e
Johnson, 2004).
Para Dubois e Paternault(1995), uma marca de luxo de sucesso se posiciona na junção de dois
segmentos: um de autenticidade e de absoluta qualidade e outro dos papéis simbólicos e
códigos sociais.
33
2.7. O Conceito de Novo Luxo
A queda dos custos, o avanço da tecnologia e a melhoria de desempenho dos produtos
geraram uma proliferação de ofertas de consumo (Smith, 2003). O acesso generalizado ao
crédito e a multiplicação dos meios de comunicação contribuíram para uma mudança radical
nos hábitos de consumo, gerando um encantamento geral e atração pelos bens superiores,
principalmente os bens de luxo. Perdido e com dificuldades de fazer escolhas dentro de um
leque cada vez maior de opções (Twitchell, 2002), o indivíduo encontra no luxo o caminho
para reorientá- lo e ajudá- lo a se expressar.
O aumento rápido dos níveis de vida e a libertação progressiva de sentimentos de culpa
quanto a valores lúdicos modificaram os modos de vida (Allérès, 1999) e permitiram que
produtos considerados de luxo estivessem ao alcance de uma camada maior da população. O
que antes era restrito apenas às classes superiores, agora faz parte da realidade de uma grande
massa (Lipovetsky, 1989).
A diversificação e a democratização abriram espaço para que um consumidor que não tem
condições financeiras de comprar o principal produto de uma grife de luxo, compre outros
itens da mesma grife, mais baratos que o principal, mas que também são caros se comparados
a similares de marcas inferiores (Twitchell, 2002). Não são somente os muito ricos que estão
gastando tanto. Mesmo as pessoas de classe média estão encontrando formas de se presentear
com produtos de luxo. Para os que não podem comprar iates, aviões e roupas da alta costura,
vem surgindo um novo movimento de consumo, onde empresas estão criando produtos de
luxo, com maior apelo para as classes médias, que aceitam pagar mais, mas não conseguem
pagar os preços do "antigo" luxo (Betts, Novack e Toyama, 2004).
34
Allérès (1999) sugere que estamos presenciando uma mudança no cenário de consumo, com
produtos que apresentam um alto preço relativo, o suficiente para serem considerados de luxo,
mas um baixo preço absoluto, de forma que fiquem mais acessíveis. Essa tendência resultou
em um fenômeno batizado por Allérès (1999) de “novo luxo”, onde vemos o surgimento de
novas categorias de consumo de luxo.
Usando as classes mais abastadas como espelho, as classes intermediárias consomem
produtos com características de luxo, ainda que não tão caros, e com isso conseguem uma
distinção relativa. Esse tipo de consumo é caracterizado como “luxo intermediário”, ou “luxo
acessível”.
Conforme a classe média vai consumindo produtos que antes eram exclusividade das classes
mais altas, estas últimas reforçam suas compras por marcas e produtos tradicionais, ainda
mais caros, procurando manter o caráter distintivo do seu consumo e ocupar uma posição
ainda mais alta. Se o mercado de massa se apropria do luxo, a elite reage criando seus novos
luxos. Os consumidores tradicionais do luxo buscam produtos caros, raros e originais, aos
quais somente têm acesso os muito ricos, traduzindo um “luxo inacessível” (Allérès, 1999).
A contraposição do “luxo inacessível” com o “luxo intermediário” de Allérès (1999) parece
estar de acordo com o que observou Baudrillard (1973) no surgimento da sociedade de
consumo. A burguesia, conspicuamente, buscava imitar a nobreza para conquistar uma
posição social desejada. A nobreza, não querendo ser imitada, buscava consumir produtos
diferentes que os mantivessem em situação distinta.
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A quantidade de ofertas de produtos que atendem ao chamado novo luxo abre um novo leque
de escolhas para a classe média. Antes, o consumo de luxo era um assunto só para os ricos,
mas agora todos precisam lidar com o consumo em excesso de bens (Twitchell, 2000). A
abundância de marcas e produtos de luxo destinadas a diferentes categorias simplifica o
processo de tomada de decisão de consumidor ao mesmo tempo em que torna o luxo mais
acessível. Isso faz com que o consumo de luxo se estenda a um universo maior, assumindo
diferentes motivações e significados, dependendo da classe econômica e social (Allérès,
1999).
No universo contemporâneo do luxo - o novo luxo - convivem duas categorias de objetos. De
um lado estão os produtos tradicionais, cujas marcas já estão consagradas no mercado. Seus
códigos de reconhecimento já estão bem claros, fortes e demarcados. Do outro lado estão os
produtos mais recentes, que seguem novas tendências da moda e têm os códigos mais frágeis
e menos reconhecíveis. E quanto mais os indivíduos ganham autonomia sobre suas escolhas,
mais há abertura às novidades (Allérès, 1999). Enquanto o “luxo inacessível” permanece
ligado às marcas tradicionais da elite, com o “luxo acessível” cresce a valorização de marcas
mais recentes e inovadoras. O culto ao Novo favorece o sentimento de independência do ser
humano, que não toma mais suas decisões baseado em normas e prescrições, mas a partir de
sua própria vontade. A novidade é sentida como um objeto de liberação pessoal. A dinâmica
da busca pelo novo, pelo exclusivo, pelo diferente guiou as leis de oferta e demanda nas
inovações do mercado produtivo (Lipovetsky, 1989).
Mas o prazer pelo novo dura pouco. Depois que o consumidor se acostuma, o prazer
ocasionado pelo objeto começa a desaparecer (Borgmann, 2000), gerando uma necessidade
constante de manifestações da moda na criação de novas tendências de consumo. Os produtos
36
vão se aperfeiçoando de forma a melhorar, mesmo que aos poucos, o bem-estar das pessoas,
gerando maior satisfação pessoal, economizando tempo ou diminuindo o esforço do
consumidor. É esse pensamento que gera a dinâmica interminável de renovação e
diversificação e impulsiona o gosto pelo diferente (Lipovetsky, 1989).
Mas em um mercado massificado no qual muitos produtos e serviços se parecem (Lipovetsky,
1995), como oferecer a exclusividade e a diferenciação que o consumidor de luxo persegue?
Como oferecer algo que o faça sentir-se especial?
O consumidor está mais exigente e espera mais da sua compra. Todos os produtos devem
aparentar uma imagem de produto de luxo, exclusivo, para serem aceitos. O luxo material está
se tornando o custo de entrada no jogo e não mais um ideal aspirado, à medida que produtos e
serviços de prestígio são desenhados para uma classe média hedonista, calcados no princípio
de que o supérfluo de ontem se torna a necessidade de hoje. O que antes era premium, agora
serve somente de fonte de comparação (Smith, 2003).
Apesar da sua importância, não é só o simbólico que justifica a busca desenfreada pelo
consumo e pela inovação. Os produtos de luxo precisam carregar também alguma
superioridade em seu valor de uso ou finalidades culturais maiores como o conforto, a
qualidade estética, a escolha individual, a novidade (Lipovetsky, 1989).
Hoje vemos pessoas mais interessadas em comprar experiências do que propriamente o
produto. Buscam experiências de vida mais enriquecedoras que vão além da posse de objetos.
(Twitchell, 2002). Consumidores desse grupo seguem comprando marcas de luxo, mas
exigem qualidade e bom atendimento. No novo conceito de luxo, o simbolismo do consumo
37
ganha um papel secundário, atrás da autonomia e liberdade de escolha entre uma
multiplicidade de opções que se abrem diariamente para o indivíduo (Lipovestsky, 1989).
A multiplicação de gamas de produtos, por meio de extensões de linha e outras
diversificações, contribuem para banalizar o simbólico contido em cada um deles. São tantas
marcas e produtos diferentes que os códigos distintivos têm cada vez mais dificuldades de se
impor (Allérès, 1999). Quanto menos raro é o produto, mais difícil se torna manter uma
atmosfera de luxo.
Por isso, existe uma grande tentação em expandir a produção para atender a essa demanda
que não pára de crescer. Entretanto, é preciso saber até quando é possível aumentar a
distribuição, para que o produto não perca seu caráter de exclusividade, exatamente o que
possibilitou, primeiramente, ser categorizado como bem de luxo (Nueno, Quelch, 1998).
38
3. METODOLOGIA
Este capítulo apresenta a metodologia usada neste estudo exploratório.
Na pesquisa social, estamos interessados na maneira como as pessoas espontaneamente se
expressam, falam sobre o que é importante para si e como pensam sobre suas ações e as dos
outros. (Bauer; Gaskell; Allum, 2004).
Para descrever o processo de pesquisa realizado neste trabalho, será seguida a combinação de
elementos de quatro dimensões sugerida por Bauer, Gaskell e Allum(2004) :
- o delineamento da pesquisa de acordo com os seus princípios estratégicos
- método de coleta de dados
- tratamento analítico dos dados
- Interesses do conhecimento: como as informações extraídas da pesquisa serão usadas.
(Bauer; Gaskell; Allum, 2004).
3.1. Delineamento de Pesquisa
Em geral, a pesquisa social pode ser delineada a partir de dois paradigmas: o positivista e o
interpretativista. A visão positivista acredita em uma visão única da realidade, formada na
medida em que os fatos se repetem e constroem tendências racionais, regulares e, portanto,
previsíveis.
39
Já a pesquisa interpretativista, também conhecida como naturalista, se baseia em uma visão
mais complexa e diversificada dos fenômenos sociais derivados da interação entre os
indivíduos. Devido à multiplicidade, singularidade e complexidade de fenômenos, não há
como formular regras ou tendências. Por isso, no interpretativismo, o conhecimento é gerado
a partir de diferentes perspectivas e nuances apresentadas sobre um mesmo tema. Os
fenômenos não são previstos, mas sim descritos, explorados e interpretados, em suas mais
diversas versões (Burrell, Morgan, 1982).
Apesar de o pensamento de Marketing já ter evoluído de forma a reconhecer a “importância
do conceito situacional, da subjetividade da percepção e da natureza construída da realidade
humana”, a maioria das pesquisas de Marketing até hoje foram guiadas pelo paradigma
positivista (Hirschman, 1986).
Entretanto, de acordo com o objetivo traçado para a presente pesquisa, que é o de explorar
dimensões e valores presentes no consumo de cosméticos, torna-se necessário trabalhar com
uma diversidade de análises e entendimentos sobre o fenômeno, buscando diferentes
explicações e interpretações dos consumidores. Diante disto, esta investigação será guiada
dentro das sugestões interpretativistas (Hirschman, 1986).
Considerando que o foco da pesquisa está em um determinado problema e o que se espera
como resultado é uma resolução ou mesmo um aprofundamento no conhecimento, tanto o
paradigma convencional quanto o naturalista oferecem uma boa alternativa para alcançar este
objetivo (Lincoln, Guba, 1986).
40
Esta pesquisa procura responder à seguinte pergunta principal de pesquisa: Quais são os
principais valores, significados e percepções presentes no consumo de cosméticos de luxo?
Além disso, o estudo se propõe também a explorar os seguintes aspectos do consumo:
- semelhanças e diferenças existentes entre o consumo de cosméticos e de outros segmentos
do consumo de luxo;
- a percepção acerca da marca de um produto de luxo;
- influências no processo de tomada de decisão sobre a compra de cosméticos de luxo.
3.2. Método de Coleta de Dados
Este estudo usou metodologia qualitativa de forma a obter maior facilidade em captar as
nuances do comportamento do consumidor. A metodologia qualitativa tem tido crescente
utilização em investigações de diversas disciplinas sociais (Bauer; Gaskell; Allum, 2004)
(Gaskell, 2004). Para a coleta de dados, foi utilizado o método da entrevista em profundidade
e a técnica projetiva.
A entrevista qualitativa parte do princípio que existem perspectivas ou pontos de vistas além
daqueles da pessoa que conduz a entrevista. Busca mapear e explorar o mundo da vida dos
respondentes com o objetivo de compreender melhor crenças, atitudes, valores e motivações
em relação ao comportamento humano dent ro de contextos sociais específicos (Gaskell,
2004).
41
O objetivo da técnica projetiva é obter revelações associadas às necessidades, desejos, medos,
motivações, dentre outros sentimentos ou pensamentos que não seriam, em geral, revelados
em uma entrevista ou em um diálogo, ou seja, encontram-se em um nível mais profundo do
consciente ou no inconsciente. (Schiffman e Kanuk, 1997). Em sua essência, uma técnica
projetiva é um método de estudo da personalidade que confronta o sujeito com uma situação à
qual responderá segundo o sentido que esta situação tenha para ele e segundo o que ele sentia
no decorrer da resposta. A personalidade não é um fenômeno estático, e sim um processo
dinâmico, do qual se deriva a necessidade de se utilizar instrumentos capazes de refletir este
aspecto para sua exploração. (Bell, 1948)
Neste estudo foram entrevistadas individualmente 10 mulheres, com roteiro do tipo semi-
estruturado. Ao estimular o discurso, as entrevistas em profundidade conseguem captar
nuances e sentimentos ocultos no mundo informal da vida cotidiana.
Especificamente no caso do consumo de luxo, ainda pouco estudado, é sugerido que sejam
mais explorados o comportamento e a forma de pensar dos consumidores antes de formular
hipóteses ou quantificar informações. Desta forma, este estudo segue a observação de Bauer,
Gaskell e Allum(2004), segundo a qual as atividades sociais devem ser distinguidas e
exploradas antes que qualquer freqüência ou percentual possam a elas ser atribuídos.
Ainda falando sobre a importância de estudos qualitativos, Bauer, Gaskell e Allum(2004)
acrescentam que é necessário compreender as interpretações que os atores sociais possuem do
mundo, pois são esses que motivam o comportamento que cria o próprio mundo social.
42
O método da comunicação informal por meio de texto se mostrou o mais adequado para esse
caso. Esta escolha se baseia na visão de Bauer, Gaskell e Allum(2004) que explica que os
dados vindos da comunicação informal são gerados menos conforme as regras e mais de
acordo com o impulso do momento.
3.3. Construção das Entrevistas e Seleção das Entrevistadas
Para uma entrevista qualitativa, duas questões centrais devem ser consideradas: o que
perguntar e a quem perguntar (Gaskell, 2004).
A primeira questão - o que perguntar - se desenvolveu em forma de um roteiro semi-
estruturado, que serviu de guia para as entrevistas (Anexo 02). A construção desse roteiro se
deu a partir de conhecimentos adquiridos pela leitura crítica de uma extensa literatura e
reconhecimento de campo (depoimentos de profissionais do meio e observação de
consumidoras).
A segunda questão - para quem perguntar - se refere à seleção das entrevistadas. Vale alertar
que foi usado o termo seleção e não amostragem. Isso se deve ao fato de que este último
pressupõe uma amostra estatística sistemática da população, o que não é o caso da pesquisa
feita nesta dissertação.
A finalidade dessa pesquisa foi explorar o espectro de opiniões, as diferentes representações
sobre o assunto em questão e as opiniões divergentes de pessoa para pessoa. É necessário ter
em mente que, embora as experiências possam parecer únicas ao indivíduo, as representações
43
de tais experiências não surgem das mentes individuais, mas a partir de resultados de
processos sociais (Gaskell, 2004).
Com a expectativa de confirmar o que foi encontrado na literatura, as primeiras entrevistas
trouxeram relatos diferenciados. Aos poucos, temas comuns começaram a aparecer, o que
parece indicar que já se tinha obtido um bom material para análise. Julgou-se que as 10
entrevistas em profundidade realizadas constituíram material suficiente para o objetivo
exploratório desta pesquisa.
A seleção usada nesta pesquisa foi feita também considerando a conveniência, ou seja,
pessoas de um círculo de convivência próximo ao grupo de pesquisa. Somado a isso, houve
um processo de indicações a partir das próprias entrevistadas.
Para buscar resultados mais criteriosos, se fez necessária uma definição dos ambientes mais
relevantes para a seleção. Neste caso, como de praxe, foram usados critérios de gênero, idade,
categoria social e alguma segmentação demográfica. A partir desse critério, foram
selecionadas mulheres, na faixa etária entre 45 e 60 anos, classe A1 1, moradoras de áreas
consideradas nobres do Rio de Janeiro.
A delimitação da amostra em mulheres de 45 a 60 anos foi gerada pelo interesse em analisar o
comportamento de consumo de cosméticos de luxo em uma fase da vida da mulher onde a
ausência de juventude pudesse gerar um desejo maior de cuidar da beleza. Também o fato de
a maioria já ter filhos crescidos, que não demandam mais tanto da atenção diária da mãe, pode
1 Baseado no Critério de Classificação Econômica Brasil. Ver Anexo 3.
44
significar que esse momento de vida permite uma maior atenção para si e para cuidados
pessoais.
A escolha pelo mercado do Rio de Janeiro, além de representar um dos grandes pólos de
consumo depois de São Paulo, obedeceu a questões de localização da pesquisadora.
Na seleção das entrevistadas, procurou-se concentrar em consumidoras freqüentes de produtos
e marcas de luxo. A identificação desse público foi feita em função do perfil de consumo
dessas mulheres que, em geral, não associa a compra a ocasiões especiais e adquirem os itens
representativos e de alto valor agregado dentro do universo dos cosméticos.
Devido ao caráter multidimensional do conceito de luxo e à maior facilidade de explicar o
luxo através das marcas (Vigneron e Johnson, 2004), a seleção das consumidoras
entrevistadas foi feita também com base nas marcas de luxo de cosméticos que elas usam.
Essa informação foi passada mediante a indicação por pessoas próximas, que conhecem os
hábitos de consumo das entrevistadas.
As marcas que guiaram a busca das consumidoras de cosméticos de luxo foram retiradas de
reportagens recentes sobre consumo de luxo 1 ou identificadas a partir de sua alta relação
tangibilidade-preço, ou seja, aquelas que possuem o preço bem mais alto que outras com
características tangíveis similares (Vigneron e Johnson, 2004).
Acredita-se que a partir dessas marcas já é possível identificar consumidoras de cosméticos de
luxo. Novos nomes foram acrescentados à lista a partir de conversas com especialistas,
1 Revista Veja de maio de 2004. Edição Especial sobre Consumo de Luxo (Caderno sobre Beleza).
45
profissionais do setor e também no decorrer das entrevistas e pesquisas de campo. A lista final
se encontra no Anexo 01.
Um breve perfil das entrevistadas poderá ser observado na tabela a seguir. Com o intuito de
preservar a identidade das entrevistadas, foram usados nome fictícios.
Nome Idade Estado Civil Local de Moradia Ocupação
Adriana 60 Casada Tijuca Funcionária pública aposentada
Bruna 52 Casada Leblon Agente de Viagens
Carolina 45 Casada Barra da Tijuca Advogada
Diana 57 Divorciada Tijuca Professora
Eliana 49 Casada Barra da Tijuca Economista
Fernanda 53 Casada Leblon Vendedora de jóias
Gabriela 56 Casada Leblon Professora
Hilda 42 Casada São Conrado Dona de Casa
Inês 55 Casada Barra da Tijuca Dona de boutique de roupas
Julia 49 Casada Barra da Tijuca Dona de Casa e Estudante
O processo de preparação das entrevistas foi dividido em cinco fases:
Fase 1) Inspiração:
Para que a pesquisadora pudesse se familiarizar com os conceitos, termos usados e com o
tema a ser estudado, foram realizadas cinco entrevistas em profundidade, seguindo o método
do itinerário (Campos et al, 2005), com consumidoras de 17 a 55 anos, moradoras da Zona
46
Sul. As entrevistas buscavam incentivar o discurso das entrevistadas sobre suas práticas
cotidianas de cuidados com saúde, higiene e beleza. Essas entrevistas fizeram parte de uma
ampla pesquisa realizada pela Cátedra L’Oréal de Comportamento do Consumidor do
Instituto Coppead de Administração/UFRJ.
A partir da interação com essas primeiras entrevistadas e leitura das transcrições das
entrevistas, foi possível estabelecer um primeiro contato com o universo dos cuidados com a
beleza e identificar comportamentos, o que foi essencial para a construção do roteiro para as
entrevistas realizadas nas fases 2 e 3 para estudo da presente dissertação. A partir dessas
entrevistas, identificou-se a existência e a relevância do consumo dos produtos de luxo na
indústria de cosméticos. Percebeu-se haver um segmento que, enxergando uma autonomia na
construção de sua identidade e sua beleza, apresenta um consumo focado em marcas de luxo.
Foi esse segmento o escolhido para ser analisado no presente estudo.
Fase 2) Observação Participante:
O método de observação participante foi usado para enriquecer as entrevistas, de forma a
oferecer uma amplitude maior de informações para análise do discurso das consumidoras.
Com o objetivo de entender melhor sobre consumidoras de cosméticos de luxo, surgiu a
iniciativa de assistir uma palestra sobre o assunto. A palestra aconteceu em um evento dentro
de um pequeno shopping da Zona Sul do Rio de Janeiro, para o qual foram convidados a falar
alguns especialistas no setor de cosméticos de luxo. O público dessas palestras era
essencialmente feminino e a grande maioria das mulheres que lá estavam pertencia a uma
faixa etária superior a 40 anos. Essa observação também foi considerada no momento de
estabelecer critérios para a seleção das entrevistadas para essa pesquisa.
47
Fase 3) Pré-teste do Roteiro:
A definição do Roteiro para as entrevistas é um processo que precisa ser estruturado com
cuidado. Para auxiliar esse processo, foi feita uma primeira versão do Roteiro e esta foi
testada com duas consumidoras. O objetivo deste pré-teste é identificar melhorias e
adaptações necessárias para um melhor entendimento das questões por parte das entrevistadas
e também um melhor aproveitamento da entrevista por parte da entrevistadora. Após esta fase,
foram suprimidas algumas questões, outras foram acrescentadas e algumas tiveram a ordem
alterada.
Fase 4) Contato com o consumidor:
O roteiro (Anexo 02) foi concebido de forma bastante flexível para que pudesse ser adaptado
na medida em que as entrevistas anteriores fossem contribuindo com novas reflexões
consideradas importantes para a pesquisa em questão. Entretanto, não sofreu alterações em
sua forma, guardando somente as particularidades do discurso de cada entrevistada.
A seleção das propagandas foi feita a partir de revistas direcionadas ao público classe A,
sendo uma delas importada e direcionada especificamente ao público feminino. As
propagandas foram escolhidas de forma a despertar o discurso sobre o luxo a partir de marcas
reconhecidas no mercado de cosmético e de outros segmentos.
48
Fase 5) Consolidação:
Todas as entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas para facilitar o acesso ao
discurso das consumidoras no momento da análise. Foram realizadas leituras repetidas, com o
objetivo de captar mesmo algumas nuances que podem passar despercebidas. A primeira
leitura foi feita de forma mais superficial, com o objetivo de entender o contexto. Esta se
seguiu de uma segunda leitura mais cuidadosa, selecionando partes importantes e
acrescentando comentários, como alguma sensação ou observação que ocorreu no momento
da entrevista, e que não puderam ser captadas pelo gravador. As leituras seguintes foram
feitas de acordo com assuntos específicos e o número de vezes que uma entrevista foi lida
variou conforme a identificação de falas relevantes e o entendimento do discurso.
3.4. Análise e Interpretação dos Dados
"Uma análise de discurso é uma leitura cuidadosa, próxima, que caminha entre o
texto e o contexto, para examinar o conteúdo, organização e funções do discurso...
Em uma análise final, a análise de discurso é uma interpretação, fundamentada em
uma argumentação detalhada e uma atenção cuidadosa ao material que está sendo
estudado."(Gill, 2004)
Primeiramente, as entrevistas foram analisadas de forma individual. Posteriormente, foram
resumidas e agrupadas de acordo com os assuntos, de forma que as visões das diferentes
entrevistadas sobre um determinado tema pudessem ser comparadas e descritas em forma de
texto.
49
A separação dos discursos das entrevistadas em temas visa fazer uma comparação entre eles,
procurar padrões, contradições ou qualquer outra conexão interessante. Cada tema, então, foi
novamente resumido de forma a identificar os valores e significados presentes, ressaltando os
de maior incidência e relevância.
A análise foi feita tanto com relação ao conteúdo, ou seja, aquilo que foi dito pelas
entrevistadas, quanto com relação ao discurso, que analisa a forma como foi dita. Como
explica Gill(2004), a análise de discurso não está interessada na realidade descoberta a partir
do texto, mas no texto em si. Neste momento, foi direcionada a atenção para a maneira de se
expressar das entrevistadas, para os recursos de linguagem utilizados, para a retórica usada
para persuasão da entrevistada – de acordo com Gill(2004), “todo o discurso é organizado a
fim de se tornar persuasivo”- e outros detalhes mais sutis.
Durante a análise, as transcrições e até mesmo as gravações ("audit trail") estiveram
disponíveis para serem acessadas novamente, de forma a relembrar determinadas situações
e/ou falas, e reforçar a análise.
50
4. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS
Neste capítulo são descritos os principais achados da pesquisa exploratória, obtidos através da
análise das informações geradas pelas 10 entrevistas em profundidade realizadas.
A análise é dividida em tópicos relacionados aos objetivos de pesquisa, levantando os
principais pontos identificados no discurso das entrevistadas.
4.1. Luxo = qualidade, exclusividade e preço alto.
Antes de abordar o consumo de cosméticos mais especificamente, as entrevistadas foram
estimuladas a falar sobre o consumo de luxo de uma forma geral. Através da técnica projetiva,
foi também estimulado o discurso a respeito do consumo de luxo nos setores de vestuário,
jóias e carros.
A partir dos depoimentos estudados, foi possível identificar três dimensões que mais se
destacaram no discurso das consumidoras a respeito do consumo de luxo: a qualidade, a
exclusividade e o preço alto. Essas dimensões aparecem bastante interligadas nos
depoimentos, quase indissociáveis. Para as consumidoras, parece ser aceitável que um
produto de qualidade venha acompanhado de um preço alto e por ser caro, se torna
automaticamente exclusivo.
As 10 entrevistadas, em algum momento da entrevista, fizeram associações de produtos de
luxos com o fato de serem caros. O preço alto, por sua vez, é apontado como uma
51
característica que torna o produto restrito e exclusivo a um determinado segmento de
consumidores. (Nueno e Quelch, 1998; Lichtenstein, Ridgway e Netemeyer, 1993; Veblen,
1965; Dubois e Duquesne, 1992; Allérès, 2000; Vigneron e Johnson, 2004)
“Eu considero de luxo porque é uma coisa cara. E aí não é qualquer pessoa que
compra. Não é uma coisa assim baratinha, descartável”. (Carolina)
“É luxo porque é caro... É um produto dirigido ao consumidor mais rico. Não é um
produto popular”. (Bruna)
“São consideradas de luxo porque o preço está bem acima da indústria brasileira”.
(Adriana)
“Ah, é preço alto. Uma imagem de exclusividade pra distinguir as pessoas que têm a
renda mais alta.” (Eliana)
Os discursos sugerem que as consumidoras aceitam pagar um preço acima da média do
mercado e se consideram parte de uma camada restrita que tem acesso a esse tipo de
consumo. Mas parecem concordar com Vigneron e Johnson (2004), Lipovestky (1989) e
(Lichtenstein, Ridgway e Netemeyer, 1993) sobre a importância da qualidade no consumo de
luxo. Os relatos sugerem a percepção de que se o preço é alto, o produto é de luxo e a
qualidade também deve ser alta (Lombard, 1989; Kapferer, 2004; Nueno e Quelch, 1998;
Vigneron e Johnson, 2004; Dubois e Paternault, 1995).
“Evidentemente tem que ter qualidade. Porque as pessoas que têm a renda mais alta,
elas até podem comprar eu acho, impulsivamente um produto que seja muito caro,
mas se esse produto não mantiver qualidade, aí não se sustenta.” (Eliana)
52
A qualidade, um conceito caracterizado pela subjetividade (Rocha e Christensen, 1999),
parece ser a justificativa mais próxima do racional para pagar o preço alto de um produto de
luxo e foi muitas vezes lembrada também como um aspecto de diferenciação. A idéia mais
comum entre as entrevistadas parece ser: produto de luxo é caro, exclusivo, tem qualidade e
tem marca forte como aval ou assinatura. Chanel, Cartier, Louis Vuitton, Gucci, Andréa
Saleto foram marcas de luxo lembradas.
“Eu nunca consegui comprar qualidade com preço baixo. É difícil. É muito difícil. Às
vezes tu achas uma barganha, mas é difícil. Eu acho que realmente a qualidade,
infelizmente, ela vem com preço alto”. (Carolina)
“Primeiro vem a qualidade. E não adianta. Tem determinadas coisas que não adianta
você comprar por comprar. Esses produtos mais caros, então, você tem que comprar
bom”. (Adriana)
“Eles têm um produto que além de ter a marca, eles têm qualidade. Isso é importante
na hora de você escolher um produto caro. Principalmente esses. É a qualidade”.
(Bruna)
“Eu não sei. Eu gosto muito da Chanel. Eu gosto muito da Christian Dior. Você já
tem na cabeça que a grande marca é uma coisa muito boa. Porque você acha que
como ela tem aquela marca ela vai ter qualidade, nunca vai ser uma coisinha.” (Inês)
“Pra mim a marca, quer dizer assim, significa qualidade. Geralmente eu associo a boa
marca à qualidade. E aí eu prefiro pagar mais. A ter uma coisa melhor, do que ter
várias coisas em que eu acho que a qualidade não é tão boa.” (Carolina)
A qualidade foi, por exemplo, associada às seguintes características: durabilidade,
53
investimentos em tecnologia, aparência diferenciada, superioridade no desempenho. E a
marca é o elemento que tangibiliza essas associações.
“A marca de um produto pra mim só tem importância se ela tiver solidamente
ancorada em qualidade. Então eu acho justificável comprar uma bolsa Louis Vuitton,
por exemplo, porque ela dura muito tempo. São modelos sóbrios que duram muito
tempo, são muito bem desenhadas. (...) Eu acho que essas coisas são importantes. Um
terno da Andréa Saleto, por exemplo, dura cinco anos, seis anos, sete anos, oito anos.
Esses produtos eu acho que vale a pena”. (Eliana)
“Qualidade no sentido de durabilidade. Vo cê compra um óculos, por exemplo, da
Chanel, pode até acontecer um sinistro, mas é uma coisa de qualidade. Não é uma
coisa que qualquer coisa vá quebrar. Eu tô te dizendo isso porque eu tenho um Gucci,
tem cinco anos. Ele anda jogado na minha bolsa. Eu ando direto com ele e é um
óculos que não é descartável entendeu? É nesse sentido.”(Julia)
“Então eu tenho, por exemplo, esse relógio aqui. Eu tenho esse Cartier já há mais de,
não vou dizer dez anos, mas há muitos anos. Nunca estragou uma vez. Nunca parou.
A única vez foi que eu mandei dar um polimento nele. Nada internamente na
máquina. Então é uma coisa que você compra, apesar de ser cara, que dura a vida
inteira. Porque não adianta você oferecer uma coisa e essa coisa não ter uma boa
qualidade. E eles têm um nome internacional, um nome firme no mercado mundial,
em função, acredito eu, da qualidade do produto”. (Bruna)
“Então o que eu estou te dizendo é que eu acho que são coisas que perduram muito
mais. Elas resistem ao tempo, ao uso. Agora são coisas caras. Mas também não se
desfazem rapidamente”. (Carolina)
54
Os depoimentos sugerem uma identificação das marcas importadas como marcas de luxo, o
que parece ser fruto da associação com as três dimensões citadas. A qualidade parece ser vista
como alta, o preço como superior e o acesso está restrito não somente a quem possui
condições financeiras, mas também a quem pode viajar e consumir produtos importados. É
interessante lembrar que a associação do importado com a exclusividade pode também ser
fruto de um his tórico de restrição das importações no Brasil.
“Luxo é um nome já conhecido, importado. Eu acho que é mais um nome assim
consagrado e importado também. Geralmente a pessoa associa assim.” (Adriana)
Entrevistadora: Então você acha que luxo é internacional?
“Na maior parte das vezes. Porque o preço é mais caro. Então é. Você leva o luxo pelo
lado do custo. Não custo benefício. Mas se você for ver o preço, porque tudo é
importado, então é mais caro do que provavelmente os daqui”. (Bruna)
4.2. O Novo Luxo
Vários autores (Lipovetsky, 1989; Allérès, 1999; Twitchell, 2000; Smith, 2003; Betts, Novack
e Toyama, 2004) indicam que um número cada vez maior de pessoas parece estar ganhando
acesso ao consumo de luxo. Esse luxo acessível foi chamado por Allérès (1999) de “o novo
luxo”.
Algumas tendências como o ingresso da mulher no mercado de trabalho e o desenvolvimento
da tecnologia (Allérès, 1999; Twitchell, 2002) estão contribuindo para o surgimento de novas
formas de acesso aos bens de luxo. Novas camadas da população conseguem adquirir o que
55
antes era restrito aos muito ricos. Essa questão pôde ser identificada nas entrevistas. Apesar
de todas as consumidoras selecionadas pertencerem a uma classe econômica alta – todas se
enquadram na classe A1 1 - os discursos demonstram que reconhecem patamares de consumo
que consideram bem acima dos seus. Conseguem fazer um distanciamento entre classes mais
ricas, e pessoas com hábitos de consumo mais caros que os seus. Elas enxergam a existência
do que Allérès (1999) chamou de luxo inacessível:
“Meu sonho de consumo... eu nem conheço o meu sonho de consumo. Porque, por
exemplo, eu passo assim na loja Chanel, olho a vitrine, (ooh!! ooh!) fica tudo lá.
Então se eu for sonhar eu vou sonhar com isso. Segundo o sonho”. (Adriana)
“Jóias de luxo, luxo, eu não tenho porque são muito caras. Eu tenho jóia mais pro dia-
a-dia e tenho algumas jóias separadas para momentos especiais. Mas nada de luxo
porque também nem eu tenho, não freqüento nada de alto luxo. Eu sou classe média
alta. Não sou classe rica. Então não dá”. (Bruna)
As entrevistadas, de uma forma geral, demonstram consumir artigos de alto valor financeiro e
de marcas reconhecidamente de luxo. Mesmo que não sejam as mais caras, ainda assim
apresentam uma relação preço-funcionalidade baixa, ou seja, existem muitos outros produtos
com funcionalidades similares e preços bem mais baixos. Elas reconhecem isso, mas gostam
de mostrar uma preocupação com a forma de gastar o dinheiro, enfatizando a questão da
qualidade. Nem todas declararam que a marca do produto faz diferença nas suas escolhas,
mas quando perguntadas sobre as marcas que consomem, já tinham na cabeça uma lista das
preferidas.
1 Baseado no Critério de Classificação Econômica Brasil. Ver Anexo 3.
56
O Novo Luxo mistura as características levantadas acima e cria uma nova “camada”, que são
os que valorizam o luxo e têm acesso a ele, mesmo não sendo muito ricos. Essa camada
consome o luxo acessível de Allérès (1999). É um conjunto de pessoas de alto poder
aquisitivo, que valorizam e consomem produtos com todas as características de luxo – caros,
de acesso restrito e com uma percepção de qualidade, mas que precisam fazer – e fazem –
uma ponderação em suas escolhas. Parecem enxergar diferenças entre o luxo “extravagante”,
“fora dos padrões”, e o consumo ponderado do luxo. Alguns depoimentos sugerem que as
consumidoras não são influenciadas somente pelo lado simbólico do consumo. Os produtos
de luxo precisam carregar também alguma superioridade em seu valor de uso ou em
finalidades culturais maiores como o conforto, a qualidade estética, a escolha ind ividual, a
novidade (Lipovetsky, 1989).
“Uma coisa que é extravagante. Que está fora dos padrões. (...) Acho que as pessoas
que gastam, que dão valor excessivo a isso, que dão prioridades acima de outras
coisas, as pessoas... Eu não conseguiria imaginar uma pessoa deixando de se
alimentar bem ou se divertir”. (Diana)
“A gente vai amadurecendo e aí quando eu penso nas cifras, eu penso que faria algo
muito mais substancial, muito mais duradouro entendeu, com muito mais sentido.
Quer ver uma coisa que eu faço na relação? Eu costumo fazer muita relação com
alguns eletrodomésticos grandes e coisas de vestuário, entendeu? Então eu fico
pensando o seguinte: uma geladeira dura anos. Uma televisão dura anos. E às vezes
você compra três calças, aí se você somar... Entendeu? E que daqui a pouco a cor sai
de moda, não sei quê, e você começa a aposentar. Eu hoje em dia, eu fico pensando
assim: gente isso é um absurdo. Porque na verdade você não está investindo em nada
também. Eu não deixo de comprar não, porque eu gosto. Mas eu cuido”. (Fernanda)
57
“Eu acho que é um apelo pras pessoas que tem a situação econômica compatível com
elas. Com essas lojas. Com essas marcas. (...) Eu aprecio, acho que elas são ótimas
designers, mas não é uma coisa que... Aí nesse ponto que eu sou um pouco pão dura
entendeu? Entre comprar uma blusa que eu vi da Cláudia Simões, que é um preço
acessível, vamos ver que eu vi por R$ 120,00, e uma blusa mesmo estilo, blusa, bata,
sei lá o quê, na Krishna por R$ 380,00, vou comprar a cento e vinte”. (Gabriela)
Dentro desse contexto aparece também a relação do luxo com menos quantidade e variedade,
ou seja, consumir o luxo, que tem marca, qualidade, exclusividade e preço alto, é algo que se
aprende, e o fato de comprar em quantidade pode ser um indicador de que procura comprar
mais barato pra poder comprar mais, e acaba escolhendo o que é de má qualidade, ou seja, um
indicador de que a consumidora não sabe comprar.
“Eu gosto de variar muito. Eu até tô melhorando nesse esquema, mas às vezes eu vou
mais por quantidade do que qualidade. E todo mundo, uma amiga minha só vive me
criticando. É melhor pegar o seu dinheiro, comprar um relógio bom, uma marca boa,
do que você comprar um monte de relógios que vão durar um ano, depois você vai
jogar tudo no lixo. Ou você compra uma bolsa de festa pra toda vida, do que você
comprar várias bolsinhas de festa que vão despencando ao decorrer dos anos. Eu tô
melhorando. Eu já fui pior. Eu já fui de comprar um monte de coisa. Aí enjoar. Dar
tudo. Hoje em dia eu já tô um pouco mais seletiva.” (Gabriela)
“Eu acho que esses critérios vão mudando com a idade. Eu acho que eu já fui mais
impulsiva, mais indecisa, mas à medida que eu fui ficando mais amadurecida, fui
ficando mais decidida. Esse amadurecimento se reflete na minha, no meu
comportamento como consumidora. E eu nunca fui, na verdade, muito indecisa não,
mas fiquei mais decidida depois. Hoje quando eu vou ao Shopping, eu tento comprar
menos produtos, porém de qualidade superior. E que são produtos mais caros
também. Porque são produtos mais caros é preciso se fazer uma avaliação mais
58
criteriosa. E aí o meu critério principal é o seguinte: se eu estiver na dúvida é melhor
não comprar. Se eu gostar muito de uma coisa. Essa camisa aqui, eu bati o olho nela,
eu falei: eu quero essa camisa”. (Eliana)
“Eu busco a qualidade, que como eu te disse, eu não gosto de nada descartável. E não
gosto de ter variedade. De ter um monte. Eu gosto de ter um bom óculos, eu gosto de
ter uma boa bolsa. Eu não sou de ter, de todo dia, toda hora estar saindo com uma
coisa”. (Julia)
“Não faço muita questão de quantidade, mais de qualidade. Tanto é que comprar
assim, por exemplo, compra uma roupa boa ou na Krishna ou na Mariazinha, aí pego
blusa da C & A, blusa da Lojas Americanas, embroma, bota um lenço. Bota um colar.
Então eu prefiro isso a comprar um monte de bagulho”. (Adriana)
“Hoje em dia eu estou muito mais seletiva, muito mais qualitativa do que quantitativa.
Então às vezes eu até escorrego por momentos de ansiedade, qualquer coisa, e dou
aquela limpada de trilho, mas aí chego em casa e digo: pra quê que eu comprei isso?
Vou lá e troco entendeu? Mas a quantidade de vezes que já aconteceu de eu olhar
certas roupas e dizer: mas meu Deus ainda está com etiqueta. Não usei essa porcaria.
Não vou usar nunca entendeu? Porque aí já passou um tempão, eu já nem troquei, aí
ficou. Hoje em dia eu estou mais contida”. (Hilda)
O consumo em excesso de bens e a abundância de marcas (Twitchell, 2002; Allérès, 1999)
parece fazer com que as consumidoras busquem um caminho mais simples. Esse caminho,
muitas vezes, parece ser a marca de luxo. A escolha de determinadas marcas parece ser uma
forma de diminuir as incertezas com aquilo que está comprando. As entrevistadas declararam
buscar a segurança de comprar em um lugar onde o produto dure e seja realmente bom, e
tenha uma determinada imagem escolhida para a construção de sua necessidade (Solomon,
1983).
59
“Agora eu acho que a coisa da marca, quando a pessoa tem dúvida e usa, é umas vezes
uma pessoa um pouco insegura que aí vai jogando certo. Eu acho que tem esse
aspecto. Ela projeta uma imagem de uma pessoa que, se não tem clareza de que
imagem que você quer fixar de si própria. Se você tem condições para bancar os
preços dessa marca é bom.” (Eliana)
“ah, é porque ela acha que se eu for comprar na krishna ou se eu for comprar na Maria
Bonita, na Mara Mac, eu não vou errar na minha escolha porque a qualidade é
superior. Os preços são caros e a qualidade superior, então se eu comprar lá uma
jaqueta eu não vou errar, eu não vou me arrepender.” (Gabriela)
As descobertas exploradas e relatadas acima sugerem que o conceito de “novo luxo” está
bastante presente no comportamento de consumo das entrevistadas. Ainda assim, a tríade
qualidade, exclusividade e preço alto, que parece ser uma espécie de pré-requisito para
caracterizar o consumo de luxo, não deixa de ser percebida nos depoimentos.
4.3. Marca e propaganda: o papel do marketing na construção do luxo
Os produtos apresentam uma diferenciação pelo simbólico atribuído a ele e à sua marca
(Rocha, 1995). Este valor simbólico das marcas de luxo pôde ser notado no discurso das
entrevistadas. Apenas vendo as propagandas selecionadas para o uso da técnica projetiva, as
marcas já remetiam a uma série de simbolismos e se diferenciavam de outras através desses
simbolismos.
As consumidoras parecem reconhecer o marketing como o responsável por atribuir as
60
dimensões de luxo e criar as motivações para o consumo.
Como explicado pelo modelo de Mc Cracken (1986), a publicidade e a moda são usadas para
transferir significado do mundo culturalmente construído para os objetos. Como a cultura está
impregnada nos indivíduos, a publicidade e a moda são entendidas e decodificadas de forma
semelhante pelos indivíduos. O significado é tangibilizado através da marca e das
propagandas em torno do produto.
Quando um objeto consegue se tornar um símbolo de reconhecimento ou código social, atinge
um poder maior e destaque entre os concorrentes. No mercado de luxo, esses símbolos
ganham forma de marcas, grifes ou estilos (Allérès, 1999). As marcas apresentadas na técnica
projetiva, já reconhecidas no mercado como marcas de luxo, mostram, pelo discurso as
entrevistadas, que já se tornaram um símbolo de reconhecimento social.
“Eu gosto muito da Chanel. Você já tem na cabeça que a grande marca é uma coisa
muito boa. Porque você acha que como ela tem aquela marca ela nunca vai ser uma
coisinha”. (Inês)
“Chanel é uma marca super chique. Eu gosto. Eu tenho uma bolsa, aliás, já tive muita
por sinal”. (Hilda)
“Bom essas marcas todas: Chanel, Fendi, Giorgio Armani, são marcas obviamente de
primeiríssima qualidade, isso não há em dúvida” (Gabriela)
“A Cartier, por exemplo, é uma marca internacional e que é conhecida e famosa no
mundo.” (Bruna)
61
“São todas marcas que só podem ser consumidas por pessoas de poder aquisitivo alto.
Cartier, Rolex, Audi e Chanel, não são marcas populares, né?” (Fernanda)
“O Audi é um carro que geralmente dizem que não estraga quase, que é um carro
super forte. É uma marca mu ito boa.” (Carolina)
As entrevistadas parecem associar bastante o reconhecimento das marcas a investimentos em
marketing e propaganda. Reconhecem o poder que o marketing pode exercer sobre o
consumo, mas parecem não acreditar que sejam influenciadas por ele.
“Isso é muito do nome que o marketing tiver feito em cima daquele produto, dos
produtos que você vende, aí você conquista uma clientela mais... Mas é caro. Você
compra uma blusinha de alcinha numa loja dessa, por sessenta reais. Você vai numa
outra, você pode comprar a mesma blusa, a mesma coisa de malhinha, a vinte e nove,
a trinta reais”.(Bruna)
“Acho que o apelo do marketing mesmo, porque às vezes as mulheres são
maravilhosas e a pessoa talvez imagine, não é o meu caso, que colocando aqueles
óculos ou saindo com aquela bolsa vai ter o mesmo visual que essas manequins que
são maravilhosas, que aparecem na propaganda. Eu não sei. Eu acredito que seja isso.
Entendeu? Ou por estar na moda, ou por ser uma coisa de apelo visual. Estar na moda.
Eu acho que é mais ou menos por aí. (...) Ah, eu acho que a propaganda com certeza é
que incentiva o consumo”. (Carolina)
“Depende muito do marketing que é feito. Eu acho que muito dessas marcas é muito
marketing. Às vezes há um marketing bem feito, a marca pode até não ser assim uma
coisa tão maravilhosa. Tendo o marketing bem feito, a pessoa é induzida a achar que
aquele negócio é maravilhoso. (...) Isso aguça o interesse do consumidor de comprar”.
(Bruna)
62
“Olha, pra falar a verdade eu acho que tudo é uma questão de marketing sabe. Eu acho
que ficou naquela que Krishna, Maria Bonita, Mara Mac, são lojas como Andréa
Saleto, como tinha Alice Tapajós1. São lojas de grife”. (Gabriela)
Os depoimentos sugerem que o marketing tem um papel importante nas motivações de
consumo. Não basta um produto de luxo ter qualidade, exclusividade e preço alto. É preciso
que o consumidor perceba isso.
4.4. Consumo de luxo público e privado
Na análise das entrevistas, foi possível identificar diferenças entre o consumo de cosméticos,
que poderia ser caracterizado como privado, e o consumo nos setores de automóveis, joalheria
ou vestuário.
O consumo de cosméticos de luxo parece se encaixar na definição de luxos particulares de
Bearden e Etzel (1982), já que são em sua grande maioria consumidos na privacidade do lar,
onde somente a própria consumidora tem conhecimento. Os discursos sugerem que o
consumo de vestuário ou automóveis de luxo, por exemplo, parecem estar muito mais
relacionados ao conceito de consumo conspícuo de Veblen (1965). Por estarem mais expostos
ao julgamento de outras pessoas, o consumo público está mais sujeito ao uso por distinção ou
status. O desejo de obter um posicionamento vantajoso em relação aos outros se reflete na
forma de consumo (Veblen, 1965) e pode ser ilustrado por expressões como “que imponha”,
“chama atenção”, “estar nas alturas”, “estou in”, “eu posso” ou “status”, que constam nos
depoimentos abaixo:
1 As marcas citadas neste depoimento são grifes cariocas.
63
“Eu gosto de carro camionete. Não gosto de carro pequeno. Eu gosto de carro tipo
Cherokee. Hoje eu tenho uma X5, eu acho que é uma X5, porque eu não sou muito
ligada em carro. (...) tem que andar o carro e não me estragar. A única coisa que eu...
E um carro assim que imponha. É um certo tamanho. Que eu acho que é uma coisa
mais segura pra nós mulheres. Mas é um carro bonito. Ele é elegante. Um carro que
chama atenção. O Audi é um carro que geralmente dizem que não estraga quase, que é
um carro super forte. É uma marca muito boa. Eu acho esse X5 um carro forte. Acho
que me sinto protegida dentro dele. Eu estou numa altura que eu me sinto, sabe? Eu
quando eu ando nos outros carros mais baixos, eu me sinto muito mal. Não consigo
mais. Quer dizer, até dirijo, tenho um motorista que dirige, mas eu não. É.
Desacostumei. Eu gosto de estar assim nas alturas. Como eu brinco. Porque é um
carro que eu me sinto segura”. (Carolina)
“Hoje em dia eu cheguei à conclusão que eu gosto de carro alto. Aí eu fico brincado
que esses carros são lambe chão. Porque eles são muito baixos entendeu? Você entra
no carro e se enterra lá embaixo...” (Hilda)
É, eu acho que é imagem de status, de poder, dinheiro. De que eu estou “in”, eu posso,
eu tenho dinheiro. Geralmente é: eu estou inserido naquele... estou por dentro naquele
contexto. Eu tenho grana. Eu posso. Então foi uma fase assim que eu convivi muito
com isso. (Hilda)
“Ah, o que leva as pessoas a consumirem essas marcas? Ah, status... não dá para não
falar isso”. (Fernanda)
Por serem consumidos, em sua maioria, de forma privada, os cremes cosméticos sugerem
motivações diferentes do consumo que é feito de forma pública. Essa diferenciação foi feita
por algumas entrevistadas:
64
“O consumo de cosméticos é diferente. Não dá para pendurar uma etiqueta na orelha
dizendo qual creme você acabou de passar”. (Eliana)
“Ah, existe muita diferença. Porque uma coisa é você estar tratando da sua pele. Você
está tratando da pele, você está investindo na saúde da sua pele. E outra é
simplesmente se é uma roupa, é um acessório. Que nem sempre te faz mais bonita”.
(Diana)
“Com um cosmético que não aparece, as pessoas são mais comedidas. Eu não acredito
que elas comprem pelos mesmos motivos que consomem o carro, ou tem uma
aparência assim e assado”. (Eliana)
Outra diferença identificada entre os produtos de luxo de consumo público e privado foi a
relação de satisfação e fidelidade no consumo. Foi perguntado às entrevistadas se mudariam
suas escolhas caso não precisassem levar em consideração questões de preço ou
acessibilidade. No caso dos bens de luxo de consumo público, as entrevistadas declararam que
mudariam e poderiam usar produtos diferentes ou determinadas marcas com mais intensidade,
como demonstra o depoimento abaixo:
“Sonho de Consumo? Chanel talvez. Um terninho Chanel. Porque eu nunca me dei
conta, nunca tive coragem de pagar o que eles pedem, de investir em um Chanel
porque eu acho que não vale. Entendeu. Porque eu acho que roupa sai de moda.
Chanel é clássica, mas ela sai. É aquela coisinha com aquele frisinho. No outro ano já
não usa mais isso.” (Carolina)
“Obviamente, se eu tivesse dinheiro, se eu fosse uma mulher do Ronaldinho,
obviamente eu iria numa loja dessa. Ah, eu quero um óculos da Chanel, como esse
óculos, um óculos bonito. Se eu tivesse dinheiro eu compraria, entendeu?” (Gabriela)
65
Já quando perguntadas sobre o consumo de cremes de luxo, elas sugerem estar satisfeitas com
os produtos e marcas que usam e mantêm suas escolhas de produtos, mesmo se o cenário
permitisse consumir quaisquer outros produtos. Ao serem perguntadas sobre a intenção de
mudança de produtos ou marcas caso fosse possível o acesso a qualquer uma, independente
dos preços, as mulheres entrevistadas não manifestaram, em geral, desejos de mudança e não
só mostraram-se satisfeitas, mas demonstraram que acreditam estar consumindo “o melhor”.
“Eu sigo sempre o conselho. Nesse caso o meu sonho de consumo é uma boa
dermatologista. Que é o que eu acho que eu tenho”. (Adriana)
“Estou satisfeita. Talvez até por não conhecer outras coisas melhores. Mas dentro do
que eu sei assim eu tô satisfeita. É lógico que eu sei que existem cremes aí que custam
dois mil reais. Mas (...) eu não vou gastar dois mil reais de cremes. Porque eu acho
que tem outros com preços muito bons também e que de repente faz um efeito igual.”
(Julia)
“Não mudaria nada. Já tenho tudo. Vou continuar...” (Julia)
O consumo de cremes, também pelo fato de serem usados em privacidade, diferem, de acordo
com Bearden e Etzel(1982), no grau de influência que recebem de grupos de referência. Desta
forma, enquanto o consumo público parece receber influência de amigos e da propaganda, o
consumo privado parece chegar menos ao conhecimento de terceiros, e por isso receber
menos influências.
66
4.5. O consumo de Luxo nos Cosméticos
O consumo de luxo nos cosméticos apresentou algumas particularidades, muitas delas já
levantadas quando da comparação entre consumo de luxo público e privado, mas ainda assim
não deixa de estar associado às mesmas dimensões de qualidade, exclusividade e preço alto
citadas anteriormente.
O ritual de consumo usado para identificar e indicar as consumidoras de cosméticos de luxo
apareceu consistentemente em seus discursos, como um procedimento quase que religioso. O
perfil de consumidoras de luxo, que usam os produtos com freqüência e não somente em
ocasiões especiais, foi confirmado nas ent revistas.
“É um hábito. É igual a escovar dentes. É um hábito. (...) Faço todo dia. Se eu
tomar três banhos por dia, eu faço três vezes.” (Fernanda)
“Eu sou uma pessoa assim que eu ponho tudo. Outro dia mesmo tô conversando
com uma amiga, ela: ah eu tô fazendo um tratamento, ah, mas você sabe que às
vezes eu vou dormir e não ponho creme nenhum? Eu falei: isso em hipótese
alguma acontece comigo. Eu posso estar bêbada. Chegar bêbada. Eu até falei pra
dermatologista. Ela até riu. Eu falei: ó eu posso chegar de porre, de Prosecco até
o último fio do cabelo, eu tiro as lentes de contato, primeira coisa que eu faço,
limpo o rosto todinho, posso estar até cambaleando, limpo tudo. Ponho o tônico,
e ponho o meu creme e vou dormir. Mas isso sempre.” (Gabriela)
“Durmo com creme. Acordo. Lavo meu rosto, passo creme. Nunca usei sabonete
na pele, só sabonetes mesmo dermatológicos, não uso sabonetes das mãos, tudo é
mesmo assim específico. (...) Aí, tem um pra em volta dos olhos. Hidratante pra
67
pele. Filtro solar. E a noite: nova higiene com creme de limpeza, geralmente
também tem uma loção adstringente. Outro creme de olhos mais forte e um
creme de noite. De dia um hidratante e o creme de noite geralmente é, sei lá, um
creme com mais vitaminas. (…) Uso 365 dias por ano.”(Adriana)
De acordo com o que disseram as consumidoras entrevistadas, os cremes que usam podem ser
considerados de luxo quando se considera o preço. Porém, entendem que o cuidado pessoal,
principalmente com a pele, é uma questão de necessidade. E como elas se encontram em uma
condição financeira que permite o acesso aos cremes de luxo, acreditam que devem consumi-
los.
“Esses cremes que eu uso são produtos mais de nosso poder aquisitivo. Não é uma
coisa, por exemplo, muito popular. Tem outras mais populares, mas essas são boas e
num preço acessível. Você pode se dar ao luxo de comprar de dois em dois meses”.
(Bruna)
“Não é luxo, é necessidade”. (Fernanda, falando sobre o consumo de cremes)
“ah a gente tem que dar um jeito, né? Senão vou ter que entrar na faca. A gente
tenta.” (Fernanda)
A presença da exclusividade no consumo de luxo de cosméticos pôde ser evidenciada nos
seguintes depoimentos:
“Eu acho que são de luxo. Não é um creme acessível a todo mundo. Porque você paga
caro por um creme desses , não é todo mundo que paga”. (Carolina)
68
“Se você for considerar a população brasileira é um conceito de luxo sim. Porque qual
é o percentual das pessoas que têm acesso a esses produtos? É um percentual muito
pequeno. Então é luxo sim”. (Diana)
“Eu só vou lá porque a minha médica indicou (...) e mais por isso porque é uma coisa
feita pra mim.” (Hilda)
A importância da exclusividade pôde ser identificada na questão do “não-consumo”. Quando
perguntadas sobre marcas que não consumiriam de jeito nenhum, fo ram citadas somente
marcas que não estão na categoria “luxo”, com distribuição em grandes cadeias e cujo preço é
mais acessível às classes mais baixas.
“Tem um rímel que me dá alergia, mas eu não me lembro agora... Eu acho que é um
que imita... Que imita... Sempre quando vendem dizem que é Chanel. Uma linha mais
barata da Chanel. É Bourjois. Uma vez eu botei, fiquei com o olho assim desse
tamanho, tive que passar no oculista. Foi a única coisa que... Aquela coisa baratinha.
Foi na Galeria Lafayete, dar uma aproveitada numa promoção, foi esse. É o único.
Porque eu nunca... Eu acho que eu não me lembro de nenhum assim que eu não use.
Que tenho horror. Esse porque me deu essa alergia no olho”. (Carolina)
“Não sei se é preconceito, mas eu tenho assim um... tipo: produtos da Avon. Avon
assim como creme. Posso até ter um batom. Alguma coisa assim, mas creme da Avon
eu acho que eu não usaria”. (Diana)
Apesar de ser possível identificar que a qualidade e funcionalidade dos produtos são
consideradas importantes pelas consumidoras, a dimensão da qualidade e, principalmente, a
“qualidade” como justificativa racional para o consumo não apareceram quando as
69
consumidoras falavam sobre o consumo de cosméticos.
4.6. O Novo Luxo nos Cosméticos
Da mesma forma que nos consumos públicos, o consumo de cosméticos também apresenta
características do “novo luxo”.
A quantidade de produtos disponíveis e a quantidade de escolhas de consumo de um
indivíduo parecem ter crescido tanto que se torna um luxo quando se consegue alguém ou
alguma coisa para facilitar a tomada de decisão. No caso dos cosméticos, esse papel é do
médico dermatologista. Essa figura foi bastante citada entre as entrevistadas e parece ser o
caminho mais usado para obter mais segurança ou informações das aplicações, usos e
possibilidades dos produtos cosméticos.
Devido à tamanha confiança entregue aos dermatologistas, a questão da marca parece perder
um pouco a força. Não é preciso depositar buscar a confiança na marca, visto que uma
opinião de especialista parece ser mais considerada que uma marca específica.
As pessoas têm dificuldades de conviver com incerteza, o que torna a marca mais forte e
poderosa (Kapferer, 2004). Nesse caso, o dermatologista supre a segurança que seria
procurada em uma marca reconhecida no mercado e a consumidora não sente mais
necessidade de procurar.
No caso dos cosméticos de luxo, as marcas parecem concorrer com a chancela dos
70
dermatologistas. Muitas vezes, ao invés de consumirem as marcas, consomem “os
dermatologistas”. O luxo pode estar em consumir um produto personalizado, criado pelo
dermatologista, que parece representar uma garantia extra.
A marca do produto que classifica os compradores na categoria dos cosméticos de luxo é o
dermatologista. O dermatologista parece ter virado a marca, é como se ele assinasse a obra da
construção da beleza da pele da mulher.
A questão da qualidade parece ter sido menos frisada no discurso sobre o consumo de
produtos cosméticos exatamente por estar mais associada à marca do dermatologista e não à
marca do produto em si. Foi comum encontrar depoimentos que mostram preocupações na
escolha do dermatologista, mas nem tantas com relação a escolha do produto.
O dermatologista aparece como a possibilidade de tangibilizar o invisível, que é o cuidado
com a pele. Ele aparece como uma figura importante nas entrevistas. As mulheres declararam
consumir não apenas cremes, mas também seus conselhos e orientações.
“Agora eu tenho uma dermatologista esteticista. E ela indica tudo, toda a fase. O que
passa de manhã, o que passa a noite. Como você tem que sempre limpar o rosto, você
deve limpar, não deve deixar resíduos. Porque tem muita poluição. E isso, o colo
precisa respirar. Então você tem que saber direitinho o que fazer e como fazer”.
(Bruna)
“Em geral é a dermatologista que me conta de novidades. Não sou muito assim de
ficar conversando com as amigas sobre que tipos de produtos. Tendo a preferir coisas
que sejam indicadas por gente que entende.” (Eliana)
71
“... eu achava que tinha que ter uma pessoa que me orientasse, que realmente dissesse
assim: ó a sua pele é assim, ela é assada, vamos fazer um tratamento assim, assado,
entendeu? Fizesse um acompanhamento... (Hilda)
A disponibilidade financeira e a prioridade que os cosméticos assumem fazem com que as
consumidoras já escolham aquilo que consideram o melhor. Fazem um esforço para comprar
o que diz a dermatologista. É a posição do dermatologista que determina não só os produtos
principais, como também os substitutos.
“Eu só compro o que ele me manda... o que o dermatologista me manda. Se eu não
encontrar o que ele me manda, eu vou ter que recorrer a ele e perguntar por um
outro”. (Diana)
“Se a médica dermatologista me passa, eu digo: bom, vou fazer um esforço e vou
comprar”. (Adriana)
Os depoimentos sugerem um padrão encontrado na forma de acesso aos dermatologistas. A
grande maioria foi indicada por “amigas”. Uma pele bonita e bem conservada pode ser uma
forma de tornar tangível a qualidade de um dermatologista.
“Foi uma amiga minha, mais velha do que eu e que um dia encontrei. Ela tava muito
bem, eu digo: nossa Alice, tua pele está linda. Ah você precisa ir na minha
dermatologista. Ela é maravilhosa. É isso e aquilo. Falou, aí eu fui. Uma amiga”.
(Adriana)
A mídia também foi citada como fonte de informação ao procurar um dermatologista.
“É a Dra. Marina Paulina Keder, ela é da UFRJ, do Hospital da URFJ, ela faz
72
Congressos, ela é uma pessoa assim de uma capacidade enorme, que eu já conhecia
ela há alguns anos atrás. Que ela era da Amil, muitos anos atrás, uma vez eu fui
consultada com ela. E como eu sempre tô lendo jornal sobre ela: “Dra. Marina Paulina
Keder, agora tá com ácidos assim, assim, assim, novidade, não sei o que lá”...”
(Gabriela)
Sendo através de uma amiga ou de um jornal, as consumidoras parecem enxergar valor na
indicação, na referência. Parece ser uma boa forma de diminuir os riscos e evitar incertezas.
Mas porque a figura do dermatologista parece estar ganhando tanta importância?
A distância entre saúde e estética parece estar cada vez menor (Casotti, 2004), não só os
cremes são um luxo, mas ter um médico dermatologista também. Ele pode representar até, de
certa forma, um atalho para a tomada de decisão. Em um ambiente aonde as informações
chegam aos turbilhões e pessoas declaram ter carência de tempo – o tempo também pode ser
um luxo - , ter um especialista que possa fazer as escolhas pode ser visto também como um
luxo de economia de tempo. (Suarez et al, 2006)
“Para esse tipo de produto eu sigo conselho, vamos dizer assim, praticamente médico.
Como eu te disse é tudo da minha dermatologista. Eu não escolho creme. Ela me diz e
eu faço”. (Adriana)
“Com relação a cosmético, hoje eu compro com indicação de dermatologista. Porque
cresceu muito esse mercado. E a gente que é leiga, não entende, então fica difícil você
analisar produto por produto. Antes não, tinha Nívea. Antes que eu digo é um tempo
atrás que não tinha essa variedade. Vamos por Nívea, Lancôme, acabou. Não tinha
muito assim de top. Mas hoje tem muitos ótimos entendeu? Então fica difícil você
escolher o próprio pra você. Então pra não cair no erro de comprar caro ou comprar
demais e depois não usar ou não fazer o efeito que deveria, que já aconteceu de eu
73
comprar um produto de nome, um produto bom entendeu, mas que tem vitamina C e
eu sou alérgica. E eu não sabia. Então hoje eu faço isso, eu vou à dermatologista e aí
ela me indica: Olha eu tenho um produto bom, um produto de qualidade, que
realmente vai surgir efeito, então hoje eu sigo, na parte de cosméticos, eu sigo uma
orientação pela variedade que a gente sabe que tem aí.” (Julia)
As características de dificuldades históricas no acesso a produtos importados e as incertezas
da política de câmbio parecem levar a associações de marcas importadas como Roc, Helena
Rubinstein, La Roche-Posé, Lancôme, Clinique, Sisley e Christian Dior, com características
de “qualidade”, “exclusividade” e “preço alto” conforme já fora mencionado. Mas, não são
apenas as grandes marcas importadas que concedem aos cremes de luxo a associação com
“exclusividade”. As fórmulas prescritas por dermatologistas para serem elaboradas pelas
farmácias de manipulação são associadas em vários relatos como “algo feito especialmente
para mim”. Vale observar que os produtos manipulados são caros. E o fato de serem caros faz
com que ganhem uma atmosfera maior de exclusividade.
Quando levadas a falar sobre os produtos cosméticos que usam, foi recorrente o uso de
produtos manipulados. O motivo principal parece ser a indicação dos dermatologistas. Além
disso, a sensação de personificação, ou seja, o fato de serem feitos sob medida para cada
consumidora confere uma idéia de exclusividade, dimensão característica do consumo de
luxo. (Bourdieu, 1981; Bearden e Etzel, 1982; Dubois e Paternault, 1995; Kapferer, 1998;
Nuno, Quelch, 1998; Allérès, 2000; Dubois, Czellar e Laurent, 2005; Vigneron e Johnson,
2004). O fato de ter sido feito “sob encomenda” sugere um produto único e exclusivo. O
preço premium dos produtos manipulados traz mais uma associação à dimensão do luxo como
produto de alto preço. E a “marca” do dermatologista parece juntar-se à marca das farmácias
74
de manipulação.
“Eu uso a manipulação feitas por dermatologistas. Tudo de farmácias nacionais”.
(Carolina)
“Esse de usar de manhã é manipulado. E a noite eu uso um outro que é um
manipulado também, que tem ácido glicórico, hidroesqueronina, ácido glicórico e gel
creme. Que é um que faz um clareamento”. (Bruna)
“A Dermage, Dermatus, também não é uma coisa barata. Entendeu? Acho que não é
uma marca barata. Um creme de corpo custa oitenta, noventa. Já foi mais barato. Hoje
em dia já está mais caro”. (Carolina)
Apesar do preço alto dos produtos manipulados que consomem, as consumidoras ainda
parecem enxergar a existência de outros cremes bem mais caros, o que suge re que os
manipulados podem se encaixar no conceito de luxo acessível de Allérès (1999), característica
marcante do “novo luxo”. As consumidoras parecem trocar a incerteza que acompanha os
caríssimos cremes importados pela segurança de um produto feito exc lusivamente para si,
garantido por um especialista, e ainda com um preço mais acessível. Os cremes manipulados
parecem se encaixar no conceito de luxo acessível, ou “novo luxo”, difundido por Allérès
(1999), enquanto que os importados parecem estar mais associados ao luxo tradicional.
A concorrência dos produtos manipulados frente aos importados também apareceu nas
entrevistas. Os depoimentos sugerem que cosméticos importados parecem ser menos
adequados que os manipulados para o tipo de pele das brasileiras, que vivem em um clima
diferente do que as européias ou americanas.
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“Eu prefiro usar esses produtos manipulados. Até esses produtos de cosméticos
estrangeiros eu raramente eu uso. Porque como na Europa ou nos Estados Unidos o
clima é totalmente diferente do nosso, os produtos aqui não funcionam como
funcionam lá. Então se tu tiveres morando lá, eu acho até que tu podes usar uma coisa
assim. Agora se tu tiveres aqui, não adianta usar. Tua pele fica oleosa, cheia de
espinha. Um monte de coisa. Eu não usaria. Eu prefiro usar as coisas locais nossas.
Enchi a cara de coisas e deu alergia. Então realmente eu acho que não. Não dá pra
adaptar esse produto que é pra um clima frio pra um clima nosso tropical. Totalmente
diferente”. (Carolina)
“Eu tinha por hábito usar os produtos Lancôme e tal. Depois eu passei a freqüentar
uma dermatologista que me colocou o seguinte: nem sempre os produtos importados
se adaptam ao nosso clima. Então você está fazendo um trabalho inverso. Ele é ótimo,
mas ele não está fazendo bem à sua pele, pelo clima que você vive.” (Fernanda)
“Não posso usar aquelas coisas muito gordurosas. Nosso clima inclusive não permite.
A não ser que você tenha uma pele muito seca.” (Hilda)
“É o manipulado. Que é exatamente pra ressecamento. Pro nosso clima.” (Bruna)
A convicção com que essa comparação entre importados e manipulados foi feita pelas
entrevistadas deixa um caminho aberto para alguns questionamentos: teriam os
dermatologistas algum tipo de parceria com as farmácias de manipulação? Uma das
entrevistadas assinala essa questão:
“É porque a minha dermatologista acredita na Dermatus (farmácia de manipulação). A
outra dermatologista que eu fazia antes já acredita na Galênica (farmácia de
76
manipulação). Eu não sei se na realidade elas têm um convênio com os farmacêuticos
entendeu, ou se acreditam mais...” (Gabriela)
Mito ou realidade? Moda ou tendência? Manipulados parecem ganhar força e estão presentes
no luxo do consumo de cosméticos, o que deve ser analisado cuidadosamente pelas indústrias
e varejistas concorrentes. Uma das entrevistadas, que declarou usar somente cremes
importados e não usar manipulados parece dar uma pista que reforça a influência do médico
dermatologista.
“Eu uso um produto francês. Como eu tenho uma dermatologista, ela me aconselha.
Ela nunca me aconselhou nenhum creme brasileiro. A verdade pra te dizer é essa. Ou
são cremes americanos ou cremes franceses principalmente”. (Adriana)
Porém, em uma declaração posterior, Adriana diz que a última consulta que fez à
dermatologista foi há mais de três anos, diferente das demais, que declaram visitar os
especialistas com maior freqüência, o que poderia ser interpretado como mais um sinal de que
os dermatologistas com as receitas “personalizadas” podem estar construindo um
relacionamento mais estreito e freqüente com suas clientes.
A única marca brasileira de cosméticos citada mais de uma vez foi a Natura. Foi citada de
certa forma como um produto mais barato e menos exclusivo, mas, sendo uma marca
brasileira, apresenta características mais relacionadas ao tipo de pele das brasileiras. Os
produtos citados da Natura, porém, são produtos como hidratantes ou produtos de limpeza,
mais “commoditizados” no caso dos cosméticos. Os produtos que contém alguma propriedade
terapêutica ou componente para tratamento especial citados foram sempre associados a
marcas importadas ou aos manipulados.
77
O novo luxo parece trazer uma característica que não se encontrava no conceito de luxo
tradicional, que é a inovação. Enquanto o tradicional valoriza seus antecedentes históricos,
herança de fabricação e associação com o país de origem (Nueno e Quelch, 1998), o
sentimento de independência do ser humano cada vez mais forte gerou uma busca dinâmica
pela novidade, característica já abordada por Lipovetsky em 1989 e que parece se encaixar no
conceito do novo luxo. A questão da valorização do “novo” não foi levantada nos discursos
sobre o luxo em geral, mas apareceu repetidas vezes associada ao consumo de cosméticos,
apesar de não sugerir nenhuma relação exclusiva com o consumo privado. As entrevistadas
demonstraram ter uma reação positiva a marcas que trazem inovações, a produtos que são
novidade no mercado e parecem encontrar nos dermatologistas uma forma de estar em contato
com as novidades:
“A Anna Pegova é uma marca assim que me atrai demais. Eu acho que eles estão
sempre inovando. Eu acho que é uma marca que me passa muita seriedade e acho que
eles investem muito em pesquisas. Estão sempre com coisas novas”. (Diana)
“Em geral é a dermatologista que me conta as novidades. Não sou muito assim de
ficar conversando com as amigas” (Eliana)
“Então ela me indicou um creme com vários ácidos juntos. Depois uma novidade que
saiu também na Dermatus, que é um ácido poraláxico...” (Gabriela)
Analisando produtos citados na entrevista, parece possível uma reflexão sobre a moda no
consumo dos cosméticos de luxo, pois o mesmo tipo de produto foi lembrado várias vezes. As
78
pequenas e sucessivas modificações de detalhes (Lipovetsky, 1989) que caracterizam a moda
são encontradas também no consumo de cosméticos.
“O tensor (Skin Plus) é um produto que ele segura a pele. Depois do tensor você passa
um outro creme que é uma vitamina E.” (Bruna)
“É um hidratante tensor, e o de rugas pros olhos.” (Fernanda)
“É um tensor. Que é novidade agora no mercado. Chama-se Complex Plus.”
(Gabriela)
“De manhã depois de eu tomar banho eu passo um produto que hidrata e mantém a
pele, como se diz, tensionada para o dia.” (Eliana)
“Depois eu uso um que ele é um firmador, que é dessa marca que depois eu vou te
mostrar, que eu comprei agora, é importado também, não é caríssimo, mas... É esse
que eu tô usando... é um tensor esse.” (Julia)
No caso dos cosméticos de luxo, os depoimentos sugerem a moda associada não apenas a
“produtos”, ou “componentes dos produtos”, mas também a serviços complementares: “o
dermatologista da moda” ou a “moda da manipulação”, assim como mostram alguns relatos já
analisados neste estudo.
4.7. Outros Valores do Consumo de Cremes de Luxo
As motivações para o consumo de “luxo” – funcionais e culturais - destacadas por Dubois e
Duquesne (1992) foram observadas em vários relatos das 10 mulheres entrevistadas, tais
79
como o alto poder aquisitivo em geral e outras características culturais. Optou-se, no entanto,
por analisar não apenas as motivações, mas também alguns “valores” associados a esse tipo
de consumo, baseado em alguns autores da literatura. (Dubois e Duquesne, 1992) (Allèrés,
1999) (Vigneron e Johnson, 2004).
4.7.1. Conspicuidade
A conspicuidade que está associada ao consumo público de luxos tais como vestuário, carros
e jóias, não aparece diretamente nos relatos sobre o consumo de cremes de luxo, que este
estudo caracteriza como o “consumo privado” do luxo. No entanto, vários depoimentos
sugerem a busca por diferenciação ou status quando assumem comparações com outras
mulheres “mais bonitas”, “com peles mais cuidadas” e “que parecem mais jovens”. Além
disso, foram observadas associações do “não envelhecimento” com o luxo de uma “imagem
estética melhor”.
Essas observações podem ser consideradas indicações de um consumo conspícuo (Veblen,
1965) ou de uma constante busca de diferenciação da sociedade de consumo. (Casotti, 2004)
“Foi uma amiga minha, mais velha do que eu, que um dia encontrei. Ela tava muito
bem, e eu disse: nossa Alice, tua pele tá linda. E ela: Ah, você precisa ir na minha
dermatologista...” (Adriana, falando sobre a indicação de sua dermatologista)
“Você não tá vendo que nós somos assim lindas, maravilhosas aqui? É tanto
produto...” (Fernanda)
80
4.7.2. Extensão do eu
Através dos produtos e marcas que usa, o indivíduo fala um pouco sobre si. Normalmente,
assume comportamentos de compra que estão de acordo com o estilo de vida das classes mais
altas e rejeita o que se assemelha às classes mais baixas. (Vigneron e Johnson, 2004)
Apesar do consumo de cremes não ser evidenciado publicamente, as consumidoras
entrevistadas parecem ter um consumo coerente com a classe social em que se encontram.
Mesmo sendo os cosméticos consumidos de forma privada, alguns depoimentos sugerem uma
preocupação com a estética e com a construção da própria beleza e por conseqüência, da
própria identidade.
“Eu não sei ficar sabe, desarrumada, nem que seja pra eu descer e comprar um
negócio ali embaixo da minha casa. Então pra mim é um hábito. Eu não consigo
considerar isso luxo. Eu sou perua, charmosa, assumida entendeu? (...) Você não tá
vendo que nós somos assim lindas, maravilhosas aqui? Porque é tanto produto minha
filha...” (Fernanda)
“Eu nunca fui de fazer loucura e não seria agora que sou uma pessoa mais madura, e
também não sou, não trabalho com imagem, não tenho necessidade de ter uma
imagem. Eu sou apenas vaidosa pela minha condição de mulher. O que eu gosto de
ser, de estar com boa aparência e tal.” (Eliana)
4.7.3. Hedonismo
O hedonismo foi uma dimensão também encontrada no discurso das entrevistadas. A busca
pelo prazer, recompensa e realização pessoal aparecem também no consumo privado de
81
cremes cosméticos. Algumas declararam “merecer” determinado produto de luxo, devido ao
fato de trabalharem, de economizarem com outros produtos ou simplesmente pelo fato de
terem a possibilidade de comprá- lo. A idéia de auto-presente, a sensação de bem estar, prazer
e realização, que aparecem nos depoimentos, estão relacionadas com o consumo hedônico.
“Eu vou dizer uma coisa pra você, eu dou muito duro então pra mim eu tenho que ter
o melhor. Tá?” (Fernanda)
“Eu não faço questão de carro muito bom, de roupa cara. Mas o meu creme, eu não
deixo de comprar. Eu gasto mesmo. Não abro mão de cuidar de mim.” (Adriana)
Mas do que só a realidade, a imagem que o consumidor tem do objeto, ou aquilo que ele
gostaria que fosse a realidade, é muito importante. O hedonismo está nas motivações
emocionais do consumidor (Hirschman e Holbrook, 1982). Ao consumir cremes, as
consumidoras têm a expectativa de que aquele produto contribua o máximo possível para sua
estética. As motivações para consumir produtos que vão combater os danos do
envelhecimento, diminuir rugas, marcas de expressão, celulites, estrias, manchas,
ressecamentos, são muito emocionais, inspiradas por aquilo que elas gostariam que fosse
realidade: não ter rugas, marcas, celulites, estrias ou manchas.
“Acho que coisas que te dão bem estar, entendeu? Acho que faz parte do dia-a-dia.”
(Fernanda)
“Essas mulheres maravilhosas da propaganda, que a gente acha que vai ficar igual a
essas caras maravilhosas, sem ruga nenhuma...” (Gabriela)
82
5. DISCUSSÃO FINAL
Este capítulo apresenta algumas discussões a partir dos achados obtidos nesta pesquisa
exploratória, que permitiram fornecer contribuições para os estudos de comportamento do
consumidor de luxo, mais especificamente, do luxo privado representado pelos cremes
cosméticos.
O primeiro ponto a ser destacado é a diferença entre o consumo público e privado.
Principalmente no mercado de luxo, onde se identifica a presença da conspicuidade
(Lichtenstein, Ridgway e Netemeyer, 1993; Vigneron e Johnson, 2004) do consumo com o
objetivo de distinção e status como fortes motivações para consumir o luxo, é interessante
conhecer a existência de um tipo de consumo de luxo onde essa característica parece não estar
em evidência, a não ser que fosse possível partir da premissa de que o consumo de cremes
cosméticos de luxo tem como motivações principais manter uma boa aparência, evitar os
sinais da idade ou ficar mais bonita, o que poderia ser caracterizado como a busca de
diferenciação entre as pessoas. Outras dimensões do consumo de luxo, porém, como o
hedonismo e o consumo como extensão da identidade também foram identificadas a partir dos
relatos das entrevistadas sobre o consumo de luxo de cosméticos.
Seria o consumo de cremes cosméticos de luxo característico de um comportamento mais
estável em suas escolhas e usos que o consumo de outros produtos de luxo, considerados
“públicos”? Algumas informações obtidas através das entrevistas sugerem ser essa resposta
positiva: não são consumidos de forma diferente em ocasiões especiais, são compras mais
planejadas, são mais difíceis de serem substituídos, e a tomada de decisão de consumo parece
ser menos influenciada por promoções, lançamentos ou propagandas. Uma das entrevistadas
83
chega a declarar que até abre mão de melhorias em itens de luxo públicos como “carros ou
roupas caras”, mas não abre mão de seu luxo privado: seus cremes cosméticos.
É possível encontrar características do “novo luxo” (Allérès, 1999) quando se busca conhecer
o comportamento de consumo de cosméticos? A importância do especialista, ou seja, do
dermatologista, no processo de tomada de decisão, o consumo de produtos manipulados em
farmácias especiais e o surgimento de marcas nacionais como a Natura podem ser
compreendidos como sinais de mudança de um tipo de luxo que se caracterizava
principalmente pelo alto preço das grandes marcas internaciona is que eram principalmente
importadas.
Alguns depoimentos obtidos nas entrevistas em profundidade parecem demonstrar que o
dermatologista ocupa uma posição de grande prestígio e influência. Ele aparece como muito
mais que um formador de opinião; quase como uma “assinatura” ou “marca” no consumo de
cremes cosméticos de luxo das entrevistadas. Os dermatologistas parecem ter se tornado um
dos principais públicos-alvos no mercado de cremes de luxo no Brasil e merecem uma
atenção especial nas campanhas de lançamento ou promocionais da indústria de varejo dos
cosméticos de luxo.
O dermatologista pode ser visto também como uma forma de avalizar o efeito esperado nos
tratamentos com uso de cremes. Como não é possível prever os efeitos do uso e, tão pouco, do
“não-uso”, os cosméticos parecem atuar sobre o imaginário de quem os consome. A confiança
no especialista parece diminuir o risco percebido e aumentar as crenças em relação aos
resultados positivos esperados.
84
Quanto aos cremes manipulados, a percepção de que são quase “personalizados” quando
prescritos pelos dermatologistas parece originar uma sensação de satisfação nas consumidoras
que buscam a exclusividade do consumo de luxo.
Será a união do papel influenciador de dermatologistas com a sensação de exclusividade dos
manipulados um casamento promissor? Algumas entrevistadas declararam ter começado a
usar esse tipo de produto manipulado e a freqüentar dermatologistas mais recentemente (nos
últimos três anos) o que pode sugerir um mercado em crescimento tanto para produtos
manipulados quanto para o varejo a eles relacionados. No entanto, produtos de luxo podem
possuir uma característica efêmera, ou seja, o que é hoje é considerado luxo, amanhã pode
não carregar mais esta percepção. Com consumidores, em geral, ávidos por novidades, é
possível questionar esse “casamento”, pois podem surgir novas formas de perceber qualidade
e exclusividade no consumo de luxo de cremes cosméticos.
A substituição de importados por produtos manipulados apareceu em alguns depoimentos
com a justificativa de que os manipulados são mais adequados às peles brasileiras. Ainda
assim, o discurso das entrevistadas sugere a presença de cremes de marcas importadas como
Roc e La Roche Posé mesmo nos produtos recomendados pelo dermatologista. Em um
cenário onde vemos cada vez mais players globais ajustando as fórmulas de seus produtos
para mercado locais, não poderia a questão da adaptação às peles brasileiras estar sendo usada
mais como uma justificativa racional para seguir as indicações do dermatologista, ou até
mesmo ser um tipo de discurso incentivado pelo próprio especialista para ganhar mais
importância no mercado?
85
A questão da presença cada vez maior de um especialista médico na seara da estética - e aqui
podemos estender também para o campo das cirurgias plásticas e outros tratamentos estéticos
como depilação a laser, drenagem linfática ou preenchimentos com botox - pede uma reflexão
a respeito de limites entre saúde e estética.
O campo de ação dos dermatologistas parece estar voltado para demandas cada vez mais
relacionadas à estética, o que sugere que cuidar da pele pode estar se tornando um hábito
quase que tão valorizado quanto cuidar da saúde.
Os conceitos de “beleza” e “luxo” parecem ser circundados por “mitos”: “a roupa bonita”, “o
carro bonito” “a jóia cara e bonita” O luxo privado dos cremes cosméticos, no entanto, parece
ter acrescentado aos mitos da beleza, os ritos da beleza, pois “rituais” de uso de cremes
cosméticos foram descritos por entrevistadas no seu dia a dia, de uma forma quase que
sagrada.
Inúmeras fontes de tratamentos estéticos, produtos e serviços relacionados à beleza fazem
com que as mulheres tenham ao seu alcance possibilidades de alcançar a beleza. Wolf (1999),
ao falar do mito da beleza, sugere que a mulher está buscando padrões de beleza
inalcançáveis, tornando-se escrava da busca por se tornar bela. Padrões estéticos difundidos
parecem levar a cuidados quase “sagrados” com a pele para mantê- los ou alcançá-los, além de
uma possível diminuição do sentimento de culpa ao gastar altas quantias dentro deste setor
específico. O consumo de cosméticos parece ser um dos canais usados para a busca da beleza.
Com a difusão do “novo luxo” (Allérès, 1999), vimos que o consumo de luxo parece ter
ultrapassado os limites das classes altas, tornando-se acessível também às classes médias. Mas
86
será que a fronteira para o consumo de luxo termina nas classes médias? As dimensões de
qualidade, exclusividade e preço alto, identificadas neste estudo como as principais
caracterizações do produto de luxo, podem apresentar interpretações relativas: um mesmo
produto pode trazer a percepção de preço alto ou de preço baixo dependendo de quem o
avalia, e da base de comparação utilizada. Da mesma forma, o que para uma pessoa de classe
alta, ou mesmo de classe média, pode ser um objeto banal, para o indivíduo da classe baixa
pode ser um objeto de luxo. Sendo assim, aproveitando os conceitos de “luxo acessível” e
“luxo inacessível” de Allérès (1999), seria possível considerar que, para cada classe social ou
econômica, existe uma gama de produtos considerados luxos acessíveis e outra de produtos
considerados luxos inacessíveis? Não seria possível encontrar o “luxo” existente em cada
camada da população, com diferentes níveis de qualidade, exclusividade e preço alto? Essa
diferenciação de níveis já parece ser feita pelas empresas ao posicionar produtos e marcas
para determinados públicos. A marca anunciada pode até não ser valorizada por algumas
pessoas, mas se conseguir passar a percepção de luxo ao seu público-alvo, já atingiu seu
objetivo.
5.1. Interesses do Conhecimento e Aplicações Gerenciais
Os resultados de uma pesquisa social podem ser usados de diversas formas. No caso do
presente estudo, essa pesquisa pode gerar informações importantes para empresas do setor de
cosméticos, que possuem produtos posicionados para o segmento de luxo. A partir dos
resultados levantados e que foram descritos no capítulo anterior, é possível entender um
pouco mais a respeito do perfil das consumidoras de luxo e a maneira como pensam o
consumo. A faixa etária estudada parece ser o segmento mais afetado pela necessidade de
87
preservar a estética e com isso talvez a faixa mais interessante para o mercado de cosméticos
de luxo. É importante para uma empresa desse setor reconhecer o mercado de manipulados
como uma forte ameaça e entender quais são as características que fazem dele uma alternativa
cada vez mais procurada pelas consumidoras. A importância destinada ao dermatologista
também parece crucial para este setor. Uma vez que os dermatologistas são um segmento que
está se tornando cada vez mais relevante, influenciando o consumo da grande parte das
consumidoras, as empresas de cosméticos devem considerar propagandas focadas para esse
público.
Além disso, a entrevista qualitativa pode ser usada como base para novas pesquisas, já que
pode oferecer informações valiosas a partir da compreensão mais detalhada de um
determinado contexto social (Gaskell, 2004). Neste caso, esta pesquisa pode servir para ajudar
a levantar hipóteses para novas pesquisas, qualitativas ou quantitativas, sobre o consumo de
cosméticos de luxo.
5.2. Sugestões de Novas Pesquisas
O presente estudo sugere ser o dermatologista a maior fonte de influência no processo de
escolha das consumidoras de cosméticos de luxo. Com isso, conhecer melhor o
comportamento de consumo dos dermatologistas, seus anseios e suas crenças pode trazer
contribuições relevantes, uma vez que esses profissionais aparentam ser um forte público-alvo
para as indústrias e varejos de cosméticos. Através da presente pesquisa, pudemos explorar as
influências que o consumidor recebe ao tomar a decisão de comprar um creme. Estudando o
comportamento dos dermatologistas, é possível explorar ainda mais o seguinte tema: se o
88
dermatologista influencia o consumidor final, quem influencia o dermatologista?
A importância crescente dos cosméticos, aliada à influência do médico dermatologista no
consumo, sugere uma aproximação entre os conceitos de estética e saúde, que parece uma
fonte de estudo relevante para entender como a estética pode influenciar o comportamento de
consumo em outros setores.
O mercado de luxo, apesar de ser foco de muitas pesquisas da atualidade, ainda pode
apresentar oportunidades para novas descobertas. Muito pelo fato de ser de uso privado, o
comportamento de consumo de cosméticos apresentou nuances próprias deste tipo de
consumo, que foram levantadas nesta dissertação. Acredita-se haver espaço para explorar as
particularidades de outros setores que também estejam ganhando importância dentro do
mercado de luxo.
Sugere-se, ainda, que esta pesquisa, que foi focada em consumidoras de 45 a 60 anos, de
classe sócio-econômica alta, moradoras do Rio de Janeiro, seja feita com consumidoras de
outras faixas etárias, outras classes e de outras localidades, a fim de investigar padrões
nacionais e as diferenças entre os diferentes públicos. Considerando a existência de diferentes
níveis de luxo, acredita-se que, mesmo consumidoras de classe B, ou até de mais baixas,
podem apresentar traços de consumo de luxo. Explorar as formas com que o “luxo” se
manifesta e os valores presentes no consumo das diferentes classes sócio-econômicas poderia
trazer uma grande contribuição para o lançamento e posicionamento de produtos e marcas
voltadas para os diferentes públicos.
89
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Anexo 01: Marcas usadas como referência para classificar consumidoras de cosméticos de
luxo.
− Shiseido − Guerlain − Sisley − Lancôme − Vichy − La Roche Posé − Clarins − Dior − La Prairie − Chanel − Roc
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Anexo 02: Roteiro para Pesquisa Qualitativa
Introdução: Bom Dia. Estamos fazendo uma pesquisa sobre o consumo feminino. Parte I - Sobre marcas de luxo 1. O que a marca de um produto representa para você? 2. Dê uma olhada nessa propaganda (não vamos avaliar a propaganda)
2.1. O que você acha dessa marca/produto? Por quê? 2.2. O que você acha que motiva as pessoas a consumirem essa marca? (repetir para todos os anúncios) Anúncios: - Rolex - Tiffany&Co./ Cartier - Chanel - Audi - Anna Pegova Depois de mostrar todos os anúncios: 2.3. O que você vê em comum entre essas marcas? Se não for citado anteriormente, perguntar sobre preço e qualidade: 2.4. O que você acha sobre a qualidade dessas marcas? 2.5. O que você acha sobre o preço dessas marcas?
3. Se o assunto luxo já tiver surgido: Agora vamos falar um pouco mais sobre marcas de
luxo. O que é uma marca de luxo na sua opinião?
Se o assunto luxo ainda não tiver surgido: Agora eu vou te fazer uma outra pergunta. O que é uma marca de luxo na sua opinião?
4. Você falou que a Chanel é uma marca de luxo. Que outras marcas de luxo você poderia citar no segmento de vestuário? Por que você acha que essas marcas são de luxo?
5. E de jóia? Que outras marcas além de Cartier/Tiffany? Por quê? 6. E de carro? Por quê? 7. E de creme? Por quê? 8. Que marcas de roupa você usa? Você acha que são marcas de luxo? Quais são de luxo e
quais não são? Por quê? Se você pudesse escolher qualquer marca de roupa, qual seria? (o sonho de consumo)
9. Que marcas de jóia você tem? Você acha que são marcas de luxo? Quais são de luxo e quais não são? Por quê? Se você pudesse escolher qualquer marca de jóia, qual seria? (o sonho de consumo)
10. Qual a marca do carro que você tem? Você acha que é uma marca de luxo? Por quê? Se você pudesse escolher qualquer marca de carro, qual seria? (o sonho de consumo)
11. Que marcas de cremes você usa? Você acha que são marcas de luxo? Quais são de luxo e quais não são? Por quê? Se você pudesse escolher qualquer marca de creme, qual seria? (o sonho de consumo)
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Parte II – Sobre consumo de cosméticos Vamos agora explorar um pouco mais o consumo de cremes.
1. O que você acha que uma mulher deve fazer para cuidar da sua pele? 2. Descreva os tipos de cremes que você usa: - finalidade - freqüência - marca preferida
o alguma outra q costuma usar? - Substitutos (e quando não encontra essa marca? E se for muito caro?) - Quem te indicou? - ritual de uso - onde compra - há quanto tempo você consome - vai repetir a compra? Por quê? O que você gostou/não gostou?
3. Algum creme que é usado somente em ocasiões especiais?
4. Vou listar para você alguns tipos de cremes só para você lembrar se não ficou faltando
nenhum. - Rosto:
- hidratante - esfoliante - para limpeza - filtro solar - anti-rugas
- Corpo:
- hidratante - para celulite - para manchas
- Pés - Mãos
5. Em geral, você acha as marcas de cremes que consome são marcas de luxo? (explorar se faz algum tipo de diferenciação/classificação)
6. Se pudesse escolher qualquer uma, independente dos preços, mudaria suas escolhas?
Por quê? 7. Existe alguma marca de creme que você não compra/usa de jeito nenhum? Qual? Por
quê? Agora só para terminar:
8. Quem é seu dermatologista? - Com que freqüência vc vai? - Desde quando?
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- Quem te indicou? - Já mudou muitas vezes? Por quê?
Parte III - Sobre a entrevistada:
Ø idade: Ø estado civil: Ø ocupação: Ø Mora: Ø ( ) com cônjuge/filhos Ø ( ) sozinha Ø o que você gosta de fazer como lazer
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Anexo 03: Critério de Classificação Econômica Brasil (conteúdo extraído do site da
Associação Brasileira de Empresas de Pesquisas – ABEP – www.abep.org.br)
Critério de Classificação Econômica Brasil O Critério de Classificação Econômica Brasil, enfatiza sua função de estimar o poder de compra das pessoas e famílias urbanas, abandonando a pretensão de classificar a população em termos de “classes sociais”. A divisão de mercado definida abaixo é, exclusivamente de classes econômicas. SISTEMA DE PONTOS Quantidade de Itens Posse de Itens 0 1 2 3 4 ou mais Televisão em Cores 0 2 3 4 5 Rádio 0 1 2 3 4 Banheiro 0 2 3 4 4 Automóvel 0 2 4 5 5 Empregada Mensalista 0 2 4 4 4 Aspirador de pó 0 1 1 1 1 Máquina de lavar 0 1 1 1 1 Videocassete e/ou DVD 0 2 2 2 2 Geladeira 0 2 2 2 2 Freezer (aparelho independente ou parte da geladeira duplex)
0 1 1 1 1
Grau de Instrução do chefe de família Pontos Analfabeto / Primário incompleto 0 Primário completo / Ginasial incomplete 1 Ginasial completo / Colegial incomplete 2 Colegial completo / Superior incomplete 3 Superior complete 5 CORTES DO CRITÉRIO BRASIL Classe PONTOS TOTAL BRASIL (%) A1 30-34 1 A2 25-29 5 B1 21-24 9 B2 17-20 14 C 11-16 36 D 6-10 31 E 0-5 4
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PROCEDIMENTO NA COLETA DOS ITENS É importante e necessário que o critério seja aplicado de forma uniforme e precisa. Para tanto, é fundamental atender integralmente as definições e procedimentos citados a seguir. Para aparelhos domésticos em geral devemos: Considerar os seguintes casos • Bem alugado em caráter permanente • Bem emprestado de outro domicílio há mais de 6 meses • Bem quebrado há menos de 6 meses Não considerar os seguintes casos • Bem emprestado para outro domicílio há mais de 6 meses • Bem quebrado há mais de 6 meses • Bem alugado em caráter eventual • Bem de propriedade de empregados ou pensionistas Televisores Considerar apenas os televisores em cores. Televisores de uso de empregados domésticos (declaração espontânea) só devem ser considerados caso tenha(m) sido adquirido(s) pela família empregadora. Rádio Considerar qualquer tipo de rádio no domicílio, mesmo que esteja incorporado a outro equipamento de som ou televisor. Rádios tipo walkman, conjunto 3 em 1 ou Microsystems devem ser considerados, desde que possam sintonizar as emissoras de rádio convencionais. Não pode ser considerado o rádio de automóvel. Banheiro O que define o banheiro é a existência de vaso sanitário. Considerar todos os banheiros e lavabos com vaso sanitário, incluindo os de empregada, os localizados fora de casa e os da(s) suite(s). Para ser considerado, o banheiro tem que ser privativo do domicílio. Banheiros coletivos (que servem a mais de uma habitação) não devem ser considerados. Automóvel Não considerar táxis, vans ou pick-ups usados para fretes, ou qualquer veículo usado para atividades profissionais. Veículos de uso misto (lazer e profissional) não devem ser considerados. Empregada doméstica Considerar apenas os empregados mensalistas, isto é, aqueles que trabalham pelo menos 5 dias por semana, durmam ou não no emprego. Não esquecer de incluir babás, motoristas, cozinheiras, copeiras, arrumadeiras, considerando sempre os mensalistas. Aspirador de Pó Considerar mesmo que seja portátil e também máquina de limpar a vapor (Vaporetto). Máquina de Lavar Perguntar sobre máquina de lavar roupa, mas quando mencionado espontaneamente o tanquinho deve ser considerado.
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Videocassete e/ou DVD Verificar presença de qualquer tipo de video cassete ou aparelho de DVD. Geladeira e Freezer No quadro de pontuação há duas linhas independentes para assinalar a posse de geladeira e freezer respectivamente. A pontuação entretanto, não é totalmente independente, pois uma geladeira duplex (de duas portas), vale tantos pontos quanto uma geladeira simples (uma porta) mais um freezer. As possibilidades são: Não possui geladeira nem freezer 0 pt Possui geladeira simples (não duplex) e não possui freezer 2 pts Possui geladeira de duas portas e não possui freezer 3 pts Possui geladeira de duas portas e freezer 3 pts Possui freezer mas não geladeira (caso raro mas aceitável) 1 pt
OBSERVAÇÕES IMPORTANTES Este critério foi construído para definir grandes classes que atendam às necessidades de segmentação (por poder aquisitivo) da grande maioria das empresas. Não pode, entretanto, como qualquer outro critério, satisfazer todos os usuários em todas as circunstâncias. Certamente há muitos casos em que o universo a ser pesquisado é de pessoas, digamos, com renda pessoal mensal acima de US$ 30.000. Em casos como esse, o pesquisador deve procurar outros critérios de seleção que não o CCEB. A outra observação é que o CCEB, como os seus antecessores, foi construído com a utilização de técnicas estatísticas que, como se sabe, sempre se baseiam em coletivos. Em uma determinada amostra, de determinado tamanho, temos uma determinada probabilidade de classificação correta, (que, esperamos, seja alta) e uma probabilidade de erro de classificação (que, esperamos, seja baixa). O que esperamos é que os casos incorretamente classificados sejam pouco numerosos, de modo a não distorcer significativamente os resultados de nossa investigação. Nenhum critério, entretanto, tem validade sob uma análise individual. Afirmações freqüentes do tipo “... conheço um sujeito que é obviamente classe D, mas pelo critério é classe B...” não invalidam o critério que é feito para funcionar estatisticamente. Servem porém, para nos alertar, quando trabalhamos na análise indivi dual, ou quase individual, de comportamentos e attitudes (entrevistas em profundidade e discussões em grupo respectivamente). Numa discussão em grupo um único caso de má classificação pode pôr a perder todo o grupo. No caso de entrevista em profundidade os prejuízos são ainda mais óbvios. Além disso, numa pesquisa qualitativa, raramente uma definição de classe exclusivamente econômica será satisfatória. Portanto, é de fundamental importância que todo o mercado tenha ciência de que o CCEB, ou qualquer outro critério econômico, não é suficiente para uma boa classificação em pesquisas qualitativas. Nesses casos deve -se obter além do CCEB, o máximo de informações (possível, viável, razoável) sobre os respondentes, incluindo então seus comportamentos de compra, preferências e interesses, lazer e hobbies e até características de personalidade. Uma comprovação adicional da conveniência do Critério de Classificação Econômica Brasil é sua discriminação efetiva do poder de compra entre as diversas regiões brasileiras, revelando importantes diferenças entre elas.