Dissertação Klebinho

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1 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Instituto de Geociências e Ciências Exatas Campus de Rio Claro KLEBER CARVALHO LIMA RELAÇÕES ENTRE A REDE DE DRENAGEM E AS SUPERFÍCIES DE  APLAINAMENTO NO SEMIÁRIDO: A BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO BOM SUCESSO (BAHIA) Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas do Campus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Geografia. Orientador: Prof. Dr. Archimedes Perez Filho. Rio Claro - SP 2012

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    UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

    Instituto de Geocincias e Cincias Exatas

    Campus de Rio Claro

    KLEBER CARVALHO LIMA

    RELAES ENTRE A REDE DE DRENAGEM E AS SUPERFCIES DE

    APLAINAMENTO NO SEMIRIDO: A BACIA HIDROGRFICA DO RIO BOM

    SUCESSO (BAHIA)

    Dissertao de Mestrado apresentada ao Instituto deGeocincias e Cincias Exatas do Campus de RioClaro, da Universidade Estadual Paulista Jlio deMesquita Filho, como parte dos requisitos paraobteno do ttulo de Mestre em Geografia.

    Orientador: Prof. Dr. Archimedes Perez Filho.

    Rio Claro - SP2012

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    KLEBER CARVALHO LIMA

    RELAES ENTRE A REDE DE DRENAGEM E AS SUPERFCIES DE

    APLAINAMENTO NO SEMIRIDO: A BACIA HIDROGRFICA DO RIO BOM

    SUCESSO (BAHIA)

    Dissertao de Mestrado apresentada ao Instituto deGeocincias e Cincias Exatas do Campus de RioClaro, da Universidade Estadual Paulista Jlio deMesquita Filho, como parte dos requisitos paraobteno do ttulo de Mestre em Geografia.

    Comisso examinadora

    Prof. Dr. Archimedes Perez Filho

    (IGE/UNICAMP/Campinas)Orientador

    Prof. Dr. Iandara Alves Mendes

    (IGCE/UNESP/Rio Claro)

    Prof. Dr. Cristina Helena Ribeiro Rocha Augustin

    (IGC/UFMG/Belo Horizonte)

    Rio Claro, SP, 18 de outubro de 2012.

    Resultado: APROVADO

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    Ao serto e aos sertanejos

    DEDICO

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    AGRADECIMENTOS

    Em primeiro lugar agradeo a Deus por me ter revelado a grandiosidade das suas

    obras, das suas criaes. No cai uma folha da rvore que no seja permisso do

    Senhor.

    Agradeo ao meu querido pai Antonio Lima, minha querida irm Rake Lima e

    minha prima Virgnia Lima que acreditaram em mim e me deram a fora necessria

    para que eu chegasse nesse momento. Mesmo distantes vocs esto comigo em

    todo o tempo.

    querida Cinthia Brum, pois, no momento final, surgiu como um presente de Deus

    para alegrar os meus dias.

    Ao professor Jmisson Mattos dos Santos (DCHF/UEFS) por despertar em mim o

    interesse e o esprito investigativo na Geomorfologia. Agradeo ainda pelo incentivo

    e apoio para fazer o mestrado em outra instituio.

    Ao professor e orientador Dr. Archimedes Perez Filho pelo convite inicial de cursar o

    mestrado em Rio Claro e por ter possibilitado a realizao dessa dissertao.

    professora Dra. Cenira Maria Lupinacci da Cunha (UNESP Rio Claro), agradeo

    por ter me recebido e acreditado no meu trabalho. Os nossos dilogos sobre o

    desconhecido semirido foram enriquecedores. Seu compromisso e rigor com a

    pesquisa geomorfolgica me servem de exemplo.

    professora Dra. Iandara Alves Mendes (UNESP Rio Claro) pelas importantes

    consideraes e troca de conhecimento durante o exame de qualificao.

    Ao Programa de Ps-Graduao em Geografia da Universidade Estadual Paulista

    Jlio de Mesquita filho, Campus de Rio Claro, pela oportunidade concedida e pela

    estrutura fsica disponibilizada.

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    Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES), pela

    concesso da bolsa de mestrado.

    Ao Laboratrio de Geomorfologia (DEPLAN/IGCE/UNESP Rio Claro) por

    disponibilizar sua estrutura fsica, bem como material e equipamento necessrios

    realizao da pesquisa.

    professora Dra. Maria Jos Marinho do Rgo (UFBa) pela troca de conhecimento

    acerca dos processos pedogenticos na regio de Santaluz.

    Aos professores Dr. Carlos Csar Uchoa, Dra. Liana Maria Barbosa e Dra. Marilda

    Miedema (DEXA/UEFS) por viabilizarem o emprstimo de equipamentos para os

    trabalhos de campo.

    Ao amigo e irmo Silas Melo, agradeo pelo companheirismo, pelas diversas

    conversas no prdio da ps-graduao e na pista de corrida do campus, alm da

    troca de conhecimentos sobre o ArcGIS.

    Agradeo Dbora Baratto que, por meio da amizade e dos sbios conselhos, se

    tornou a minha segunda irm. Agradeo tambm pelos seus questionamentos e

    crticas, dilogos sempre produtivos que ajudaram a organizar as ideias.

    Aos amigos Pedro Ivo, Ana Carolina, Guilherme, Neto (o japons), Leandro (Bidu),

    Cibele Marto e Cristiane Dambrs, agradeo pelo companheirismo e por me

    ajudarem quando a saudade de casa e da Bahia me apertaram o peito. Agradeotambm s famlias De Lucca, Gouveia e Lana por me acolherem como um filho.

    Aliana Bblica Universitria (ABU) por me proporcionar momentos to singulares

    na UNESP atravs das oraes, dos estudos bblicos e dos momentos de diverso.

    Aos meus ex-alunos do ensino mdio Renan Santos, Renan Arajo, Marlia Arajo,

    Lion Almeida e Aurlio Carneiro, alm do amigo Tiago Thuera e do primo Ramon

    Silva pelo auxlio prestado durante os trabalhos de campo.

    Por fim, agradeo a todos que contriburam para a realizao desta pesquisa.

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    (...) Mas quele riachinhoQue a paisagem enfeitavaS s vezes ficava cheio.

    Vez em quando transbordava (...).

    Lembranas de um riacho sertanejo (Manoel

    Messias Belizrio Neto)

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    RESUMO

    Esta pesquisa tem por objetivo analisar, de forma quali-quantitativa, a rede de

    drenagem da bacia hidrogrfica do Rio Bom Sucesso (Bahia), partindo do pr-suposto de que as drenagens de ambientes semiridos so pouco eficientes noprocesso de evoluo das superfcies de aplainamento. Busca tambm estabeleceras relaes entre a rede de drenagem e a elaborao de compartimentosgeomorfolgicos por meio dos diferentes padres de drenagem. Para tanto, aabordagem sistmica foi adotada como mtodo de anlise por se entender que oscomponentes do sistema interagem entre si, favorecendo a elaborao de formas derelevo que evoluem no decorrer do tempo. A unidade de anlise espacial escolhidaest inserida em uma rea de atuao do clima semirido, onde poucas pesquisasde cunho geomorfolgico foram desenvolvidas. Os resultados demonstraram que aatuao do clima quente e seco favoreceu a elaborao de uma vasta superfcie de

    aplainamento que se encontra organizada em trs nveis topogrficos distintos,sendo que os nveis superior e intermedirio esto conservados e o nvel inferior,dissecado. As caractersticas morfolgicas e morfomtricas da rede de drenagemindicam que se trata de uma bacia hidrogrfica cuja atuao dos canais fluviais, emgeral, pouco eficaz na dissecao do relevo, porm, a interao desta com ageologia local favoreceram graus de dissecao diferenciados, o que resultou naformao de seis compartimentos geomorfolgicos. Por meio das caractersticas doscompartimentos, afirma-se que estes exibem formas que comumente soencontradas no quente e seco. No entanto, formas de relevo como topossuavemente convexos e vertentes convexas foram identificadas e que,provavelmente, esto relacionados a processos azonais. Os procedimentos tcnicose metodolgicos empregados contriburam para que esses resultados fossemalcanados e, sugere-se que, novos mtodos sejam aplicados no intuito de melhorcompreender a influncia da rede de drenagem na evoluo do modelado de regiessemiridas.

    Palavras-chave: Rede de drenagem; Superfcie de aplainamento; Semirido; RioBom Sucesso; Bahia.

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    ABSTRACT

    This research aims to analyze, in quali-quantitative form, the drainage network of the

    river basin Bom Successo (Bahia), starting from the presupposition that the drainageof semi arid environments are less efficient in evolution process of planning surfaces.It also points to establish the relationship between the drainage network and theelaboration of geomorphological compartments through the different drainagepatterns. For this, the system approach was adopted as a method of analysis tounderstand that system components interact with each other, favoring the elaborationof landforms that evolute in the course of time. The unit of spatial analysis chosen isinserted in a field of semiarid climate, where few geomorphological surveys weredeveloped. The results showed that the performance of the hot and dry climatefavors the elaboration of an extensive planning surface that is organized into threedistinct topographic levels, whereas the upper and intermediate levels are preserved

    and the lower level, dissected. The morphological and morphometric characteristicsof the drainage network indicate that this is a watershed whose performance, ingeneral, is not very effectual in dissecting the relief, nevertheless, the interaction ofthat with the local geology favored different degrees of dissection, which resulted inthe formation of six geomorphological compartments. Through the compartmentsfeatures, it is said that they exhibit shapes which are commonly encountered in hotand dry. However, landforms as tops gently convex and convex hillsides have beenidentified and are probably related to non zonal processes. The technical andmethodological procedures employed contributed to these results were achieved andit is suggested that new methods are applied in order to better understand theinfluence of the drainage network in the evolution of the modeled of semi aridregions.

    Keywords: Network drainage; Planning surface; Semi arid; Rio Bom Successo;Bahia.

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    SUMRIO

    1 INTRODUO ...................................................................................................... 11

    1.1 Hiptese e Objetivos ......................................................................................... 12

    1.2 Contexto da Pesquisa e Justificativas ........................................................... 13

    2 REFERENCIAL TERICO E CONCEITUAL ........................................................ 15

    2.1 A Anlise Sistmica Enquanto Mtodo de Pesquisa e sua Abordagem na

    Geomorfologia ........................................................................................................ 15

    2.2 O Pensamento Geomorfolgico e as Teorias de Aplainamento da Superfcie

    .................................................................................................................................. 21

    2.2.1 A Teoria da Pediplanao de Charles Lester King .......................................... 24

    2.2.2 Novas Interpretaes para as Superfcies de Aplainamento: algumas

    consideraes .......................................................................................................... 28

    2.3 Dinmicas Geomorfolgicas no Quente e Seco ............................................. 29

    2.3.1 Sistema Morfogentico das Regies Quentes e Secas .................................. 34

    3 CARACTERSTICAS AMBIENTAIS DA BACIA HIDROGRFICA DO RIO BOM

    SUCESSO ................................................................................................................ 40

    4 PROCEDIMENTOS TCNICOS E OPERACIONAIS ........................................... 53

    4.1 Reviso Bibliogrfica ....................................................................................... 53

    4.2 Trabalhos de Campo ........................................................................................ 534.3 Produtos Cartogrficos ................................................................................... 54

    4.3.1 A Base Topogrfica ......................................................................................... 55

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    4.3.2 O Esboo Geolgico......................................................................................... 594.3.3 O Esboo Pedolgico ....................................................................................... 59

    4.3.4 O Mapa Hipsomtrico ....................................................................................... 60

    4.3.5 O Mapa de Declividade .................................................................................... 60

    4.3.6 O Mapa de Relevo Sombreado ........................................................................ 61

    4.3.7 O Mapa Geomorfolgico .................................................................................. 61

    4.4 A Definio dos Nveis de Pedimentos ........................................................... 68

    4.5 Compartimentao Geomorfolgica do Relevo ............................................ 68

    4.6 Morfometria da Rede de Drenagem ................................................................. 69

    5 RESULTADOS E DISCUSSES .......................................................................... 725.1 A Rede de Drenagem ....................................................................................... 72

    5.1.1 Anlise Morfomtrica da Rede de Drenagem .................................................. 79

    5.2 Os Compartimentos Geomorfolgicos ........................................................... 86

    5.2.1 Compartimento Geomorfolgico Superfcie Elevada da Serra da Matina ....... 86

    5.2.2 Compartimento Geomorfolgico Superfcie Elevada da Serra Branca ............ 88

    5.2.3 Compartimento Geomorfolgico Topos de Valente ......................................... 90

    5.2.4 Compartimento Geomorfolgico Superfcie de Eroso do Riacho das Onas..925.2.5 Compartimento Geomorfolgico Pediplano de Santaluz ................................. 94

    5.2.6 Compartimento Geomorfolgico Pediplano de Araci ....................................... 98

    5.3 Espacializao e Caractersticas Morfolgicas dos Solos ......................... 101

    5.4 A Organizao do Modelado ......................................................................... 108

    5.5 Relaes entre a Rede de Drenagem e a Superfcie de Aplainamento Local

    ............................................................................................................................... 121

    6 CONCLUSES ................................................................................................... 123

    REFERNCIAS ...................................................................................................... 126

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    1 INTRODUO

    Analisar a superfcie terrestre e os fatores que favorecem a formao do

    relevo constitui o principal objetivo da geomorfologia. Na concepo da

    geomorfologia climtica, conceito introduzido por J. Bdel em 1963

    (CHRISTOFOLETTI, 1980), a interao entre os diferentes tipos de clima e os

    agentes internos de formao do relevo o fator condicional para a existncia dos

    processos morfogenticos que daro origem s feies geomorfolgicas. A

    interao dos grandes tipos de clima com os diversos tipos de estruturas geolgicas

    forma os sistemas morfoclimticos que, por conseguinte, possuem dinmicas

    prprias e os agentes climticos atuam de forma direta e indireta na elaborao do

    modelado. Segundo Derraux(1965), soreconhecidos os sistemas morfoclimticos

    do quente e mido (Equatorial, Tropical e Subtropical), do quente e seco (os

    desertos, as regies semiridas e as savanas), o sistema periglacial e o glacial.

    Sobre os sistemas morfoclimticos quentes e secos, algumas teorias sobre a

    gnese e evoluo do relevo nessas regies foram desenvolvidas, a exemplo da

    Teoria da Pediplanao de Charles Lester King (1953), que tambm contribuiu para

    a consolidao da abordagem climtica na geomorfologia. A partir de ento,trabalhos com este vis foram realizados por autores como Tricart (1969), Twidale

    (1978), dentre outros. Na literatura internacional, os trabalhos desenvolvidos nas

    ultimas duas dcadas sobre as paisagens ridas e semiridas tratam de temas

    especficos para esse tipo de ambiente, a exemplo dos processos gerados por ao

    dos eventos climticos de grande magnitude e das caractersticas e comportamento

    dos canais de drenagem intermitentes. Estes fazem uso de ferramentas modernas

    como o sensoriamento remoto e os sistemas de informaes geogrficas, alm deaplicarem diversas tcnicas de datao.

    Vrios trabalhos vm sendo produzidos por pesquisadores em diversos

    pases, a exemplo da Austrlia, Espanha, Estados Unidos e Israel, permitindo o

    conhecimento cada vez mais aprofundado dos processos que atuam na elaborao

    do modelado no quente e seco. Destacam-se aqui os trabalhos de Kenny (1990),

    Thomas (1997), Martn-Vide (1999), Tooth (2000), Blumberg et al (2004), Bracken e

    Kirkby (2005), Mign et al (2005), Billi (2007), Bowman et al (2007), Robinson et al

    (2007), Wittenberg et al (2007), Billi (2008), Bowman et al (2010), El-Magd et al

    (2010), Kozlowski et al (2010) e Daz-Ortega et al (2011).

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    No contexto brasileiro, o semirido enquanto sistema morfoclimtico, ocorre

    em uma rea aproximada de 982.563,3 km (11% do territrio nacional) e a regio

    semirida mais populosa do mundo, com cerca de 36 milhes de pessoas (ARAJO

    FILHO, 2006). Grande parte do relevo desse domnio formada por extensas reas

    aplainadas, cuja gnese est associada a eventos tectnicos, s oscilaes

    climticas pretritas e s condies climticas quentes e secas atuais. A baixa e

    irregular pluviosidade, somada s condies de resistncia litolgica de grande parte

    do domnio, favorece a formao de solos pouco desenvolvidos, a formao de

    cobertura vegetal arbustiva com grande ocorrncia de espcies cactceas e o

    estabelecimento de uma rede de drenagem composta sumariamente, por canais

    fluviais intermitentes e efmeros.

    1.1 Hiptese e Objetivos

    Levando-se em considerao que as caractersticas de semiaridez climtica

    da rea em estudo refletem sobre o regime fluvial da rede de drenagem, os cursos

    intermitentes e efmeros so pouco eficientes no processo de denudao da

    superfcie e contribuem de forma pouco significativa na evoluo das superfcies deaplainamento qual essa rede de drenagem est instalada.

    Tendo em vista a hiptese levantada, o objetivo dessa pesquisa realizar a

    anlise quali-quantitativa da rede de drenagem da bacia do Rio Bom Sucesso,

    Estado da Bahia, e como esta contribui para a evoluo do relevo. Para tanto, foram

    delineados os seguintes objetivos especficos:

    Analisar a espacializao da rede de drenagem, as caractersticas dos canaisfluviais e suas relaes com a superfcie de aplainamento;

    Identificar os compartimentos geomorfolgicos e as superfcies de aplainamento

    formadas em condies de clima quente e seco;

    Analisar as feies geomorfolgicas da bacia do Rio Bom Sucesso, por meio das

    interaes clima x geologia.

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    1.2 Contexto da Pesquisa e Justificativas

    Dada a representatividade da extenso territorial do semirido no contexto

    brasileiro, a quantidade de pesquisas desenvolvidas sobre as dinmicas

    geomorfolgicas em ambientes semiridos ainda so incipientes, uma vez que se

    trata de uma tipologia climtica dominante em quase todo o interior da Regio

    Nordeste e do norte de Minas Gerais. No Brasil, o conhecimento acerca da

    geomorfologia do semirido nordestino teve grandes contribuies a partir dcada

    de 1950, embora a maior parte destes possua um carter generalista do ponto de

    vista da escala de anlise. Destacam-se autores como King (1956), Ab Saber

    (1956), Tricart (1958), Ruellan (1959), Demangeot (1960), Dresh (1967), AbSaber(1969 a, b), Matsumoto (1974), Mabessone e Castro (1975), Mabessone (1978),

    Motti et al (1980), dentre outros.

    Sobre os aspectos geomorfolgicos do Estado da Bahia, os primeiros

    estudos foram desenvolvidos a partir da segunda metade da dcada de 1950,

    conforme observao de Mendes (1978). Segundo o autor, o Laboratrio de

    Geomorfologia da Universidade Federal da Bahia em Salvador, colaborou com o

    desenvolvimento de vrias pesquisas, alm de contribuir com a formao e oaperfeioamento de diversos pesquisadores, atravs dos aportes da professora

    Teresa Cardoso da Silva. Segundo Lima et al (2006), outros pesquisadores

    brasileiros, alm de estrangeiros, realizaram estudos no laboratrio, a exemplo de

    Milton Santos, Jean Tricart, Pascal Motti, Maria do Carmo Barbosa, Clia Peixoto,

    Creuza Lage e Henrique Falk.

    Embora a produo cientfica dos trabalhos desenvolvidos na Bahia tenha

    contribudo para os primeiros entendimentos acerca da gnese e evoluo domodelado em condies quentes e secas atuais e pretritas no Estado, observa-se

    que a maior parte dos trabalhos produzidos no final da dcada de 1950 abrange

    aspectos gerais (o trabalho de Tricart e Silva, 1969, por exemplo) e que os trabalhos

    em escala de detalhe desenvolvidos entre a segunda metade da dcada de 1970 e

    inicio da dcada de 1990 so incipientes diante da extenso do semirido baiano

    cerca de 320, 211 km (MELO FILHO E SOUZA, 2006, p. 50). Estes, por sua vez,

    trazem uma anlise do modelado e das formaes superficiais, alm de aplicarem

    tcnicas de mapeamento geomorfolgico em nvel de detalhe nas respectivas reas

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    de estudo. Destacam-se os trabalhos de Bamberg (1978), Mendes (1978), Jesus

    (1981), Silva (1986), Lage (1986) e Brito (1991).

    Da segunda metade da dcada de 1990 at as primeiras dcadas do Sculo

    XXI, poucas pesquisas foram realizadas no contexto da geomorfologia semirida da

    Bahia, porm, so majoritariamente estudos de caso, de carter aplicado como os

    trabalhos de Hagge (2000), Arglo et al (2002), Lima et al (2006), Lima et al (2008),

    Oliveira (2008), Santos e Lima (2009), Santos e Salgado (2010). Observa-se ainda

    que, boa parte das pesquisas recentes est sendo desenvolvida em laboratrios de

    outras universidades baianas, a exemplo da Universidade Estadual de Feira de

    Santana, porm, carecem de maiores avanos com relao s tcnicas de

    investigao e anlise. No contexto da Bacia do Rio Bom Sucesso, os trabalhos de

    cunho geomorfolgico so escassos, existindo apenas o trabalho de Lage e Arglo

    (2002) que trata de aspectos gerais da geomorfologia da regio sisaleira da Bahia e

    acaba por abranger a bacia em estudo. Alm desse, encontra-se o trabalho

    desenvolvido por Lima et al (2010) sobre a anlise morfomtrica da rede de

    drenagem da bacia.

    A escolha da rea em estudo se deu, dentre diversos aspectos abordados

    anteriormente, baseada no fato de se tratar de uma bacia semirida, situada emuma poro da Bahia onde poucos trabalhos de carter geomorfolgico foram

    realizados. Alm disso, a bacia est inserida em uma rea onde as caractersticas

    geolgicas influenciam a intensa explorao de recursos minerais como o cromo e o

    granito, sendo que, o conhecimento mais aprofundado das caractersticas

    ambientais da rea, especialmente as caractersticas geomorfolgicas, contribui no

    sentido de melhor fundamentar as aes de planejamento econmico e ambiental.

    Ademais, alguns dados sobre a bacia j haviam sido levantados por Lima et al(2010). Observa-se ainda que, o conhecimento prvio da rea tambm favoreceu a

    escolha por esta.

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    2 REFERENCIAL TERICO E CONCEITUAL

    2.1 A Anlise Sistmica Enquanto Mtodo de Pesquisa e sua Abordagem na

    Geomorfologia

    A abordagem sistmica surgiu na dcada de 1930, sendo inicialmente

    aplicada em estudos da biologia pelo austraco Ludwig Von Bertalanffy, favorecendo

    a consolidao da Teoria Geral dos Sistemas no ano de 1937. Na sua teoria,

    Bertalanffy observa que um sistema maior que a soma de suas partes onde, a

    investigao apurada de qualquer dessas partes deve ser feita relacionada ao todo

    (BERTALANFFY, 1973).

    Apesar de um determinado sistema ser composto por partes ou

    subsistemas, o todo ou sistema maior no deve ser considerado como uma soma

    das partes, pois, conforme Marques Neto (2008, p. 70) [...] a fragmentao do

    objeto implica num obscurecimento das relaes de interdependncia entre as

    partes de um todo, e que constituem a realidade principal.

    Embora o pensamento sistmico tenha sido reconhecido na cincia e

    aplicado por diversos cientistas a partir das concepes de Bertalanffy, Capra (1996)afirma que o pesquisador russo Alexander Bogdanov desenvolveu uma teoria

    semelhante na Rssia denominada de Tectologia e publicada entre 1912 e 1917.

    Porm, por questes polticas, suas obras foram proibidas de serem circuladas.

    A Tectologia [...] antecipou o arcabouo conceitual da Teoria Geraldos Sistemas de Ludwig Von Bertalanffy, e tambm incluiu vriasidias importantes que foram formuladas quatro dcadas mais tarde,numa linguagem diferente, como princpios fundamentais da

    ciberntica, por Norbert Wiener e Ross Ashby. (CAPRA, 1996, p. 51).

    Bertalanffy (1973) relaciona alguns motivos que o levaram a formular a

    Teoria Geral dos Sistemas, que seriam: a) necessidade de generalizao dos

    conceitos cientficos e modelos; b) introduo de novas categorias no pensamento e

    na pesquisa cientficas; c) os problemas da complexidade organizada, que so

    agora notados na cincia, exigem novos instrumentos conceituais; d) pelo fato de

    no existirem instrumentos conceituais apropriados que sirvam para a explicao e a

    previso na biologia; e) introduo de novos modelos conceituais na cincia; f)

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    interdisciplinaridade: da resulta o isomorfismo dos modelos, dos princpios gerais e

    mesmo das leis especiais que aparecem em vrios campos.

    Com base nisso, Bertalanffy (1973) define sistemas como um conjunto de

    elementos em interao. O que se percebe que Bertalanffy buscava uma

    linguagem cientfica nica, capaz de abarcar diversas reas do conhecimento

    (VICENTE E PEREZ FILHO, 2003). Limberger (2006) afirma que a abordagem

    sistmica surge como uma alternativa ou complemento ao cartesianismo

    Diz-se que alternativa ou complemento porque esta novaabordagem no veio com o intuito de destituir tudo o que existia arespeito de mtodos de investigao da cincia, mas para agrup-los

    e deles buscar uma compreenso maior da realidade (LIMBERGER,2006, p. 97).

    Apesar das definies variadas, em geral encontram-se presentes as

    caractersticas principais de um sistema, como o carter global, o aspecto relacional,

    a organizao e a hierarquizao. Ainda segundo o autor, No possvel identificar

    uma definio que unifique o que seja sistema. Vrios autores o definiram, mas se

    encontram intrnsecos em cada conceito os paradigmas ou objetivos dos autores.

    (LIMBERGER, 2006, p.98).A partir das ideias e concepes de Bertalanffy, vrias crticas foram

    realizadas, o que permitiu o aperfeioamento e diversidade de pensamentos nos

    estudos sistmicos que foram sendo desenvolvidos. Uma das contribuies que

    podem ser citadas a de Edgar Morin (1977) que aborda os sistemas como um

    mtodo de interpretao conjunta da realidade, trazendo consigo a ideia de estrutura

    e complexidade embutidas em um determinado sistema.

    Na viso de Morin, a teoria dos sistemas formulada por Bertalanffy insuficiente, faltando nesta, uma reflexo a respeito do prprio conceito de sistemas.

    Nesse sentido, Morin (1977) desenvolve algumas reflexes que se constituram

    como grandes avanos de carter epistemolgicos para a Teoria dos Sistemas.

    O sistema aparece como um conceito apoio e, como tal, de Galileuat meados do nosso sculo, no foi estudado nem reflectido.Podemos compreender por que motivo: ora a dupla e exclusivaateno dada aos elementos constitutivos dos objetos e s leis

    gerais que os regem impedem toda a emergncia da ideia desistema; ora a ideia emerge fracamente, subordinada ao carter suigeneris dos objetos encarados disciplinarmente. Assim, no seu

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    sentido geral, o termo sistema uma palavra-envelope; no seusentido particular, adere totalmente matria que o constitui,portanto, impossvel conceber qualquer relao entre os diversosempregos da palavra sistema: sistema solar, sistema atmico,

    sistema social; a heterogeneidade os constituintes e dos princpiosde organizao entre sistemas estelares e sociais de tal modoevidente e impressionante que aniquila qualquer possibilidade de uniras duas acepes do termo sistema (MORIN, 1977, p. 98).

    A crtica que Morin realiza demonstra a sua preocupao com relao s

    bases tericas da Teoria dos Sistemas, fazendo-o definir sistemas como as relaes

    existentes entre os seus componentes, constituindo uma unidade plena [...] um

    sistema uma unidade global, no elementar, visto que constitudo por partes

    diversas e inter-relacionadas (MORIN, 1977, p. 102). O autor observa que o simplesfato de estabelecermos inter-relaes dos componentes de um sistema com a sua

    totalidade no o suficiente para a compreenso de um sistema. necessrio, alm

    disso, unir os elementos por meio do que ele denomina de organizao. Desta

    forma, a organizao do sistema a chave para a compreenso da concepo de

    Morin a respeito da teoria, sendo que, na sua concepo, um sistema especfico

    possui uma dinmica fundamentada em relaes de ordem e desordem que buscam

    a organizao do prprio sistema.O elemento principal que favorece o funcionamento organizado do sistema

    a interao existente entre os seus componentes. Na concepo de Morin, ordem e

    desordem, interaes e organizao so acontecimentos que estruturam a dinmica,

    sendo que, cada acontecimento desses no ocorre de forma fechada uns dos

    outros, dando um carter de complexidade aos sistemas.

    Considera-se que as contribuies de Morin foram fundamentais para que a

    Teoria dos Sistemas avanasse em suas bases epistemolgicas, incorporandoformas de anlises complexas em busca da melhor compreenso a respeito do

    funcionamento dinmico dos sistemas. Apesar disso, as concepes acerca da

    Teoria dos Sistemas so diversas e cada ramo do conhecimento cientfico se apoia

    no conceito de sistema mais adequado ao seu objeto de estudo. A fim de

    exemplificar pode-se dizer que na Geografia tem-se o Geossistema, nas cincias da

    sade tem-se o sistema ou corpo humano, na Biologia encontra-se o ecossistema,

    dentre outros.

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    A Geomorfologia, assim como diversos campos do conhecimento cientfico,

    incorporou o pensamento sistmico e tambm desenvolveu reflexes e concepes,

    fazendo as devidas adequaes para o seu objeto de estudo, o relevo.

    O primeiro a introduzir o pensamento sistmico na Geomorfologia foi

    Chorley, em 1962, sendo que, vrios aspectos foram considerados por outros

    autores, a exemplo de Christofoletti (1979), Hugget (1985) e Scheidegger (1991).

    Apesar disso, estudos na geomorfologia que abordaram os conceitos de no

    linearidade dos sistemas e estruturao fractal s cresceram na segunda metade da

    dcada de 1980. Christofoletti (1979) faz algumas consideraes acerca da

    introduo do mtodo sistmico de anlise do relevo na geomorfologia.

    A abordagem sistmica surge como plenamente adequada anlisegeomorfolgica, pois considera que um sistema constitudo por umconjunto de elementos interconectados que funcionam compondouma complexa entidade integrada. Nos sistemas geomorfolgicos, aspartes constitudas so representadas pelas formas topogrficas,integrada pela ao dos processos morfolgicos, enquanto oscondicionamentos ambientais so representados pela dinmicaatmosfrica e fatores da geodinmica terrestre. A interconexoenvolve fluxos, ciclos, transferncias e armazenagens de matria eenergia. A focalizao analtica considera as caractersticas

    morfomtricas da composio e arranjo espacial das formastopogrficas, o comportamento dinmico do sistema como um todo eo estudo dos ajustamentos mtuos entre as formas topogrficas emfuno dos inputs gerados pelos fatores ambientais condicionantesdo sistema (CHRISTOFOLETTI, 1987, p. 121).

    Ainda na segunda metade da dcada de 1980, surgiram as reflexes sobre a

    anlise dos sistemas complexos, o que fez surgir a concepo de auto-organizao

    e de criticidade auto-organizada, o que serviu de base para diversas pesquisas

    desenvolvidas na dcada de 1990 (LIMBERGER, 2007). Alm disso, essasconcepes serviram de base para o desenvolvimento de hipteses a respeito da

    gnese e evoluo das paisagens morfolgicas fluviais. A insero de uma teoria

    geomorfolgica sobre a evoluo e organizao das redes de drenagem e das

    paisagens associadas surge como uma proposta que visa integrar os componentes

    integrantes do sistema complexos das bacias hidrogrficas, concatenando o

    desenvolvimento dos processos independentes que ocorrem nas vertentes e os

    processos erosivos dependentes que operam nos canais de drenagem.

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    Faz-se necessrio compreender que qualquer modificao no eventual do

    sistema no tempo ou no espao deve ser relacionada s influencias de uma varivel

    externa ao sistema.

    Os fatores que no se encontram dentro do sistema definido, masque controlam o fluxo de massa e energia atravs do sistema so asvariveis externas. Os sistemas geomorfolgicos so essencialmentepassivos, isto , alteram-se somente atravs de modificaesocorrentes no ambiente. Isto pode ser verdadeiro se todas as fontesde massa e energia, em ultima anlise, forem provenientes doambiente, assim como se perderam para ele (FOSTER; RAPOPORT;TRUCO, 1957 apud HOWARD, 1973).

    Sobre esse conceito de passividade dos sistemas geomorfolgicos, observa-se que se trata de uma viso equivocada, uma vez que, em determinadas situaes,

    o sistema controla o seu ambiente de forma parcial, a exemplo do controle

    microclimtico por meio da forma topogrfica e, inversamente os efeitos das

    diferenas microclimticas sobre as vertentes, sobre a densidade hidrogrfica,

    dentre outros (HACK and GOODLETT, 1960). Na mesma perspectiva esto as inter-

    relaes entre as formas de relevo e a vegetao tambm abordada por Hack and

    Goodlett (1960).

    Em geral, todavia, essas influncias podem ser consideradas comoefeitos de uma segunda ordem na geomorfologia, selecionandoparmetros internos que mascarem as interaes de pequena escala(por exemplo, os valores mdios das vertentes em todas as suasorientaes) ou negligenciando a retroalimentao (feedback),quando se desejam parmetros para a quantificao das formas derelevo, em vez de explicaes causais (por exemplo, considerando acarga e a descarga de sedimentos como fatores independentes noestudo dos regimes fluviais, como realizado por Leopold & Maddock(1953) (HOWARD, 1973).

    A alterao de uma das variveis externas frequentemente provoca

    reajustamentos de todos os componentes integrantes do sistema (HALL and

    FAGEN, 1956 apud HOWARD, 1973). A partir disso, Hall e Fagen (1956) apud

    Chorley (1971), afirmam que um sistema [...] um conjunto de objetos com relaes

    estreitas entre si e entre seus atributos. (CHORLEY, 1971, p. 4). Por sua vez,

    Thornes e Brunsden (1977) apud Christofoletti (1979, p.1), definem um sistema

    como conjunto de objetos ou atributos das suas relaes, que se encontram

    organizados para executar uma funo particular. Sendo assim, afirma-se que o

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    sistema composto de elementos ou objetos, seu estado e inter-relaes, estando

    sujeito a modificaes atravs do tempo. De modo geral, qualquer objeto de

    investigao que mostre unidade e forte interdependncia entre os seus

    componentes pode ser analisado por meio da abordagem sistmica.

    Christofoletti (1979) afirma que os sistemas podem ser classificados

    segundo o critrio funcional e o critrio da complexidade estrutural, se constituindo

    os critrios mais importantes. No critrio funcional, o autor discorre sobre os

    sistemas isolados e os sistemas no isolados, com base nas consideraes de

    Forster, Rapoport e Trucko (1957). Os Sistemas isolados so aqueles que no

    sofrem nenhuma perda nem recebem energia ou matria do ambiente que os

    circundam. Os sistemas no isolados, por sua vez, mantm relaes com os

    sistemas externos ao qual este est inserido. Os sistemas no isolados podem ser

    subdivididos em sistemas fechados (quando h recebimento ou perda de energia,

    mas no h troca de matria) e sistemas abertos (quando ocorrem constantes trocas

    de energia e matria, tanto recebendo quanto perdendo).

    Na geomorfologia, sistemas utilmente definidos incluem uma bacia de

    drenagem, um segmento ou perfil longitudinal de um rio, uma vertente e outros. Os

    sistemas geomorfolgicos, por trocarem tanto energia como matria com seuambiente, so exemplos de sistemas abertos. Chorley e Kennedy (1971 apud

    CHRISTOFOLETTI, 1979), classificam os sistemas de acordo com a sua

    complexidade estrutural, sendo que, Christofoletti (1999) afirma que apenas quatro

    dos onze tipos de sistemas so os mais relevantes nos estudos ambientais.

    Os sistemas morfolgicos, compostos apenas pela associao dos componentes

    fsicos e constituindo os sistemas menos complexos das estruturas naturais; Os sistemas em sequncia ou encadeantes, compostos por subsistemas em

    cadeia e possuem grandeza e localizao espacial. Existe aqui uma importante

    caracterizao dos fluxos de matria e energia e nas transformaes ocorridas

    em cada subsistema;

    Os sistemas de processos-resposta, formados pela juno dos sistemas

    morfolgicos e dos sistemas em sequncia. Os sistemas em sequncia esto

    relacionados aos processos, enquanto que os morfolgicos esto associados forma, a resposta a determinado funcionamento (Christofoletti, 1999, p. 6);

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    Os sistemas controlados, que apresentam a atuao humana sobre os sistemas

    de processos-resposta. medida que a interveno humana aumenta em um

    determinado sistema, aumenta tambm a sua complexidade. Dessa forma, a

    ao antrpica pode intervir para produzir modificaes na distribuio de

    matria e energia dentro dos sistemas em sequncia, influenciando nas formas

    com ele relacionadas.

    Para fins de anlise da Bacia Hidrogrfica do Rio Bom Sucesso, foi adotado

    o modelo de sistema no isolado aberto, a partir de um critrio funcional. Segundo a

    sua complexidade estrutural, o sistema adotado foi o de processos-resposta por

    considerar que a relao existente entre os agentes climticos e as caractersticas

    litoestruturais da bacia geram os processos geomorfolgicos que resultam nas

    formas de relevo.

    2.2 O Pensamento Geomorfolgico e as Teorias de Aplainamento da

    Superfcie

    As primeiras interpretaes com bases sistmicas dentro da geomorfologiaj eram verificadas na Teoria do Ciclo Geogrfico de Willian Morris Davis, mesmo

    que sob a ptica de um sistema fechado (VICENTE E PEREZ FILHO, 2003). Este

    modelo foi elaborado em 1899 e constituiu-se na primeira grande escola de

    pensamento geomorfolgico. Segundo esta, a paisagem o resultante da inter-

    relao entre a varivel estrutura, que a soma das variveis endgenas; a varivel

    dos processos, que a soma das variveis exgenas; e a varivel do tempo

    cronolgico (DAVIS, 1899).A proposta do ciclo de evoluo do relevo da escola davisiana assume que

    todo o processo de formao do relevo inicia com um rpido e generalizado

    soerguimento da crosta continental com relao ao nvel de base geral, ou seja, aos

    oceanos. A partir de ento, um longo perodo sem grandes atividades tectnicas

    iniciado. O rpido soerguimento crustal, segundo Davis (1899) cria condies para

    que o relevo seja modelado atravs dos processos erosivos desenvolvidos em

    condies climticas midas. Desta forma, a maior presena de gua favorece omaior desgaste das rochas constituintes do relevo. Aps o soerguimento crustal e a

    relativa quietude tectnica em climas midos, iniciado o processo de desgaste

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    erosivo lento e progressivo do relevo. Esse processo caracteriza-se pelo

    rebaixamento vertical das vertentes (downwearing) e requer milhes de anos para

    ocorrer. Pode ser dividido em trs fases: juventude, maturidade e senilidade (DAVIS,

    1899).

    A fase da juventude corresponde fase inicial de denudao da superfcie

    logo aps o soerguimento crustal. Nesta fase os cursos de gua so caracterizados

    por possurem alta energia em decorrncia do elevado gradiente existente entre os

    continentes e o nvel de base geral, os oceanos. Isso favorece o rpido desgaste da

    superfcie, aumento a diferena altimtrica entre os interflvios e os fundos de vale.

    A fase da maturidade caracterizada pela progressiva e lenta perda de

    energia do sistema. Alm disso, caracterizada pelo arredondamento das formas de

    relevo, bem como pela diminuio das vertentes entre os interflvios e os fundos de

    vale, que se apresentam cada vez mais rebaixados.

    A fase senil, por sua vez, corresponde fase em que o relevo se encontra

    quase que completamente rebaixado pelos processos de denudao. A diferena

    altimtrica entre os fundos de vale e os interflvios muito pequena, e a declividade

    das vertentes est suavizada. Os canais fluviais j se encontram rebaixados em

    relao ao nvel do mar e a energia do sistema fluvial se torna cada vez menor. Osrios se tornam lentos e com baixa competncia para transportar sedimentos. Os

    processos erosivos tornam-se pouco eficientes (DAVIS, 1899). Segundo Davis,

    amplas superfcies aplainadas se formam no entorno dos fundos de vale e so

    denominadas de peneplanos. Alguns relevos podem sobreviver ao processo de

    regularizao topogrfica constituindo os monadnocks. Esta fase ir perdurar at o

    momento em que um novo soerguimento ocorra e se inicie um novo ciclo de eroso,

    embora Davis considere que a qualquer momento do ciclo, um novo soerguimentopossa ocorrer.

    Considera-se que alm de ter trazido consigo interpretaes de cunho

    sistmico (VICENTE E PEREZ FILHO, 2003), o modelo proposto por Davis

    contribuiu para a sistematizao da Geomorfologia, constituindo a primeira

    interpretao acerca da evoluo geral do relevo (Ciclo geogrfico ideal) e

    representou a escola de pensamento norte-americana. Porm, tanto a escola

    americana quanto a escola inglesa ps-davisiana foram marcadas por uma

    tendncia fundamentada na Teoria Geral dos Sistemas e no processo de

    quantificao. A partir do modelo de Davis, outros foram surgindo atravs da sua

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    contestao, a exemplo da Teoria do Primrrumpf desenvolvida por Walther Penk, a

    Teoria da Pediplanao desenvolvida por Lester Charles King e a Teoria da

    Etchplanao desenvolvida por Julius Bdel.

    As superfcies de aplainamento, por sua vez, foram e so amplamente

    estudadas na Geomorfologia, tanto quanto sua origem de formao, quanto s

    suas caractersticas. Dessa maneira, e com base na teoria do Ciclo Geogrfico

    Ideal, surgem as teorias de Penk e de King.

    Considerada como a segunda grande teoria do pensamento geomorfolgico,

    a Teoria do Primrrumpf foi desenvolvida em 1924 pelo alemo Walther Penk. Em

    seu modelo, Penk afirma que o relevo formado a partir da relao existente entre

    as foras endgenas e as foras exgenas (PENK, 1924). De acordo com o autor,

    os perodos com o predomnio de foras internas produzem elevaes no terreno e,

    quando essas foras atuam com menor intensidade, prevalecem as foras

    exgenas. Quando isso ocorre, as elevaes so rebaixadas at haver o

    aplainamento do relevo. Correlacionando a sua teoria com a desenvolvida por Davis,

    Penk leva em considerao a existncia de nveis de base locais, j que no

    considera apenas os oceanos como nveis de base para os processos de eroso da

    superfcie.Para Penk (1924) a evoluo do relevo iniciada com o soerguimento

    tectnico de uma superfcie com carter aplainado Primrrumpf. Na medida em

    que a rea central do relevo soerguido adquire altitude, esta se estende em direo

    s reas mais perifricas, favorecendo a formao de relevo em domo. A partir do

    momento em que o processo de soerguimento da superfcie perde fora, passam a

    predominar a eroso mecnica e/ou a denudao geoqumica, favorecendo assim o

    aplainamento das pores perifricas do domo, at ocorrer um novo soerguimento.Quando esse processo tectnico perde fora, os processos erosivos criam

    uma superfcie mais elevada e mais prxima ao domo (piedmontfrippen) e uma

    superfcie menos elevada na poro perifrica. Entre esses nveis ocorre a formao

    de uma escarpa (piedmont) que se constitui como testemunha de dois

    soerguimentos ocorridos em perodos diferentes. A escarpa denominada por Penk

    de piedmont. A sucesso de perodos de soerguimento tectnico e maior atuao

    dos agentes exgenos produz um piedmontflachen (relevo em forma de escadaria),

    sendo que, os pontos mais rebaixados dos rios e das concavidades das vertentes

    constituem os nveis de base locais do relevo.

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    Em seu modelo, Penk aborda a questo relacionada aos processos

    ocorrentes nas vertentes. Para ele, as vertentes evoluem inicialmente por processos

    de retrao lateral (backwearing), ocorrendo em seguida o rebaixamento vertical

    (downwearing). Por fim, o modelo em questo considera que a variao nos tipos de

    rocha e de clima deve ser levada em conta, porm, estas variveis no alteram de

    forma significativa a evoluo do relevo. Estas podem sim, retardar ou facilitar a

    ao dos processos denudativos onde, as rochas mais resistentes constituem a

    base dos relevos residuais (PENK, 1924).

    2.2.1 A Teoria da Pediplanao de Charles Lester King

    A Teoria da Pediplanao considerada como a terceira grande teoria sobre

    a evoluo do relevo terrestre e foi criada pelo sul-africano Lester Charles King em

    1953. Sua teoria possui um plano de fundo climtico onde considera que as aes

    climticas so as principais responsveis pela formao das superfcies aplainadas.

    Segundo este modelo, duas condies se destacam no processo de elaborao de

    tais superfcies: a calmaria tectnica ou ausncia relativa de eventos intracrustais e,

    principalmente, a atuao de um clima com tendncias aridez. Tais condiesclimticas so as responsveis pelo regime torrencial das chuvas que favorecem o

    transporte dos detritos gerados pela desagregao mecnica das rochas nas

    vertentes (KING, 1953).

    O trabalho erosivo realizado pelo fluxo fluvial causa a inciso fluvial em

    decorrncia de soerguimentos tectnicos ou do rompimento de um nvel de base,

    em reas de clima rido ou semirido. Os canais fluviais rebaixam o seu leito at

    entrarem em equilbrio com o novo nvel de base, fazendo com que se inicie otrabalho de alargamento do vale por meio da eroso lateral.

    Apesar do trabalho realizado pela ao fluvial, so os processos ocorrentes

    nas vertentes os principais responsveis pela formao de amplas superfcies de

    aplainamento o backwearing ou a retrao lateral das vertentes. O fluxo gerado

    pelo escoamento nas vertentes concentrado, favorecendo o recuo das mesmas e

    a formao de uma rea no sop das elevaes constituda por material detrtico

    oriundo tambm da ao gravitacional (op. cit.). A partir de ento, o material detrtico

    se estende at os canais fluviais formando rampas com declividades suaves

    denominadas de pedimentos. Numa ao seletiva dos detritos, o material mais

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    grosseiro tende a se concentrar mais prximo s vertentes enquanto que o material

    mais fino encontrado nos vales fluviais. A juno de diversos pedimentos atravs

    das condies de aridez/semiaridez originam amplas superfcies aplainadas

    denominadas de pediplano.

    Ainda em seu modelo, King (1953) afirma que relevos residuais se formam

    em meio s planuras, resultantes de uma maior resistncia litolgica desses

    residuais frente aos processos erosivos. Para tal feio de relevo King empregou o

    termo inselbergs. Os inselbergs preservam no seu topo a antiga cota altimtrica da

    superfcie de eroso e na sua base possuem blocos acumulados por ao

    gravitacional. Aps a rea com acmulo de blocos, ocorrem os pedimentos

    compostos com materiais menos grosseiros e que se estendem at os leitos fluviais.

    Nisso so formadas duas superfcies aplainadas com idades diferenciadas. A mais

    nova situada nas menores altitudes e a mais antiga situada nos topos dos

    inselbergues e que resistiu aos processos erosivos. Uma nova inciso pode ocorrer,

    reiniciando o processo de aplainamento e favorecendo a elaborao de trs nveis.

    King (1953) destaca o papel do clima no desenvolvimento dos processos

    denudacionais da superfcie terrestre, em especial atuao dos processos

    morfogenticos tpicos de regies ridas e semiridas, contrapondo em algumasquestes e aperfeioando em outras, as duas teorias anteriores acerca da evoluo

    do modelado continental.

    Em 1956, King realizou uma pesquisa sobre a evoluo da paisagem na

    poro oriental do Brasil, com o intuito de comparar, posteriormente, as fases de

    desenvolvimento do relevo brasileiro e africano. A poro oriental considerada por

    ele corresponde a grande parte dos Estados de Sergipe, Bahia, Minas Gerais,

    Esprito Santo, Rio de Janeiro e So Paulo.Segundo King (1956), a geomorfologia brasileira compreendida por meio

    da identificao de ciclos sucessivos de eroso ou desnudao da superfcie ao

    longo do tempo geolgico, sendo que, esses ciclos foram ativos de maneira tal que

    esculpiram formas de relevo que se preservaram posteriormente, mesmo com a

    atuao de outro ciclo de eroso, estando elas inumadas ou exumadas. Segundo o

    autor, o desenvolvimento de cada ciclo se deu a partir do litoral com direo ao

    interior Nesta concepo de um desenvolvimento ordenado por ciclos de erososubsequentes que reside o segredo da compreenso da geomorfologia brasileira

    (KING, 1956, p. 5).

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    Naturalmente, as formas pertinentes a um determinado ciclo podemassemelhar-se, at certo ponto, s de ciclos anteriores ouposteriores, j que todas essas feies morfolgicas foram

    esculpidas sob a ao de agentes desnudantes similares; todavia,nem todos os ciclos atuaram durante o mesmo perodo, antes quefossem substitudos e, portanto, alguns deles atingiram, mais do queoutros, um estado de aplainamento (peneplanao) mais avanado.Alm disso, as superfcies cclicas mais antigas existem h tantotempo que foram destrudas na maior parte do pas, permanecendoatualmente como altos planaltos ou truncamento de cristas; assuperfcies cclicas mais recentes, ao contrrio, no existem abastante tempo para que pudessem aplainar grandemente a regio eso, assim, representadas por vales, jovens ou maduros. Assuperfcies intermedirias, de idade terciria inferior [...] so as queexibem as maiores extenses e a maior perfeio de aplainamento(KING, 1956, p.5).

    Por efeito da atuao dos ciclos de eroso na elaborao do relevo oriental

    do Brasil, so encontradas formas de agradao e as formas de degradao sendo

    que, as formas de degradao so as que ocorrem com maior frequncia. Nesse

    sentido, King (1956) afirma que a superfcie atual resultado da desnudao que

    recobre uma fase anterior de agradao que, por sua vez, recobre outra superfcie,

    mais antiga, originria de um processo de desnudao.Com relao aos grandes aplainamentos presentes na paisagem nacional,

    King (1956) observa que os mesmo ocorrem em diversas altitudes, ora no mesmo

    nvel ou acima do nvel do mar, ou ainda, abaixo deste. Isso se relaciona com o que

    o autor denomina de justaposio dos nveis de aplainamentos, onde a separao

    entre esses nveis se d por meio de uma escarpa relativamente abrupta.

    Estas escarpas mostram todas as caractersticas das escarpas deeroso. Seus contornos, suas relaes com os aplainamentossuperiores e inferiores e suas relaes com a rocha matriz afastamqualquer interpretao que as considere de origem tectnica eeliminam, portanto, qualquer possibilidade de que os aplainamentossuperiores e inferiores constituam partes de uma nica superfcie quetivesse sido deslocado por movimentos da crosta. No se trata deuma nica forma de eroso, mas sim de dois aplainamentosdistintos, sendo cada um, bem como a escarpa que os separa,produto de eroso (KING, 1956, p. 11).

    As caractersticas das escarpas do as condies necessrias para a

    compreenso do escalonamento do relevo do Brasil, sendo que, cada superfcie

    aplainada mantm as suas caractersticas at que a escarpa do ciclo de eroso

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    subsequente (em nvel topogrfico inferior) a alcance, e faa com que ocorra a sua

    destruio (KING, 1956). A respeito dos ciclos de eroso que aturam no

    desenvolvimento do relevo brasileiro, o autor faz referncia a cinco ciclos de

    desnudao que so o ciclo Gondwana, ciclo Ps-Gondwana, ciclo Sul-americano,

    ciclo Velhas e ciclo Polifsico Paraguau.

    A superfcie Gondwana se estendeu pelo perodo jurssico e considerada

    como a mais antiga do Brasil, ocorrendo, atualmente, nos divisores topogrficos

    mais importantes, alm de ocuparem a posio mais elevada. A maior parte dessa

    superfcie se encontra em estado fssil sob-recobrimento cretceo em algumas

    regies. Em outras regies, essa superfcie se encontra exposta, sem ter tido

    recobrimento por algum tipo de cobertura sedimentar (KING, 1956).

    A superfcie Ps-Gondwana foi elaborada durante o mesozoico superior e

    muito antiga, assim como a superfcie Gondwana, porm, o seu aplainamento

    irregular e est preservada em poucos locais. Ela constitui bancos de deposio e

    terraos que esto situados nas encostas das elevaes cortadas pela Superfcie

    Gondwana e formam, em alguns casos, alguns planaltos isolados (KING, 1956).

    Sobre a superfcie Sul-Americana, o autor afirma que esta foi elaborada em

    um longo perodo no tercirio inferior, sendo que o aplainamento atingiu uma grandeuniformidade. O ciclo Sul-Americano produziu uma superfcie que aparece em forma

    de chapadas que esto sobre vales ou plancies onduladas, resultantes da atuao

    de ciclos de eroso posteriores.

    A respeito do ciclo de eroso Velhas (tercirio superior), King (1956) afirma

    que a superfcie elaborada dificilmente atinge a fase de aplainamento generalizado,

    porm, no Estado da Bahia, a superfcie foi amplamente atacada pelo ciclo Velhas, o

    que produziu uma vasta rea aplainada onde so comuns a presena deremanescentes isolados ou agrupados, elaborados nos ciclos anteriores. O aspecto

    dessa superfcie de uma extensa rea pedimentada e dissecada por vales

    profundos do ciclo Paraguau, sendo que, algumas reas o ciclo Velhas apresenta

    duas fases.

    No interior, onde o ciclo penetrou at centenas de quilmetros dacosta, ao longo dos rios principais, no chega a atingir um

    aplainamento extenso, mas acha-se representado por uma incisode cerca de 100 metros que disseca a chapada mais antigaproduzida pelo Ciclo Sul-Americano [...]. Mesmo assim, como osvales se ramificam em todas as direes e se apresentam bem

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    alargados, a distribuio do ciclo Velhas bastante extensa [...](KING, 1956, p. 27).

    O ciclo de eroso Paraguau, por conseguinte, caracterizado pela

    formao de vales que esto presentes nos menores sistemas fluviais que drenam

    suas guas diretamente para o mar. Segundo King (1956), este ciclo marcado pela

    atuao de duas fases, sendo que, na primeira, foram elaborados terraos fluviais

    elevados sobre os fundos de vale atuais. Cachoeiras e rpidos nos rios principais se

    constituem tambm em indcios que demonstram as fases intermedirias.

    O autor aborda ainda a importncia do clima sobre as rochas, salientando

    que o elemento controlador do relevo do Brasil so os ciclos de eroso que atuaram

    sequencialmente durante o mesozoico superior e o tercirio. Desta forma, se agirem

    durante tempo suficiente, os ciclos atuam de tal maneira a truncarem as diferentes

    litologias, resistentes e menos resistentes, desenvolvendo uma ampla superfcie

    aplainada.

    Observa-se que outras teorias surgiram aps a Teoria da Pediplanao na

    tentativa de explicar a gnese das superfcies aplainadas, a exemplo da Teoria da

    Etchplanao elaborada pelo alemo Julius Bdel em 1957 - teoria de base

    climtica, esta considera que a relativa quietude tectnica e a existncia de

    condies climticas tropicais semimidas so as responsveis pelo aplainamento

    das superfcies.

    2.2.2 Novas Interpretaes para as Superfcies de Aplainamento: algumas

    consideraes

    At a primeira dcada do sculo XXI, nenhuma nova teoria refutou osmodelos elaborados pelos autores anteriormente. Entretanto, novas interpretaes e

    novos mtodos de investigao vm surgindo no intuito de questionarem as teorias

    j existentes. Nesse sentido, Peulvast e Claudino Sales (2002) refletem sobre a

    associao entre mudanas tectnicas e variaes climticas. Os autores afirmam

    que essa relao pode ser a responsvel pela elaborao das superfcies de

    aplainamento de extenses generalizadas. Os autores salientam sobre a

    necessidade da justaposio das teorias acerca do aplainamento das superfcies eapontam-na como o caminho mais adequado na tentativa de compreenso dos

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    processos associados sua formao. A conjugao das teorias, segundo os

    autores, uma maneira de associar as contribuies do clima e da estrutura na

    elaborao desse tipo de modelado, uma vez que apenas uma teoria no oferece

    subsdios suficientes para se entender os aplainamentos.

    Salgado (2007) e Maia et al (2010) tambm sugerem a justaposio dessas

    teorias como forma de explicar a origem e a evoluo das superfcies de

    aplainamento, levando-se em considerao que cada uma dessas teorias traz os

    paradigmas da poca em que foram criadas. Santos e Salgado (2010), por sua vez,

    observam que as teorias clssicas devem ser contestadas e sugerem que novos

    mtodos e tcnicas de anlise devem ser aplicados com esse objetivo, face aos

    avanos obtidos pela geomorfologia nos ltimos 50 anos. Os trabalhos mais antigos

    estabeleceram uma cronologia para as superfcies aplainadas por meio da

    associao dos nveis altimtricos. Os nveis mais altos corresponderiam aos de

    maior idade geolgica e os mais baixos aos de menor idade na escala geolgica.

    Nisso se percebe a grande influncia dos trabalhos realizados por King.

    No entanto, Small (1986) afirma que as superfcies aplainadas esto longe

    de serem consideradas meras feies de relevo, assim como a datao atravs do

    referencial altimtrico, sendo, portanto, o seu reconhecimento e sua interpretaoevolutiva de complexa compreenso. Nessa perspectiva, autores como Corra

    (2001), sugerem que mtodos de datao absoluta sejam aplicados na busca do

    melhor entendimento dos processos relacionados formao do relevo, o que pode

    perfeitamente ser aplicado s superfcies aplainadas que constituem grande parte do

    relevo nordestino, especialmente o relevo do Estado da Bahia.

    2.3 Dinmicas Geomorfolgicas no Quente e Seco

    Considera-se que as regies secas se caracterizam por apresentarem

    reduzida precipitao anual, amplitude trmica diria elevada, taxas de

    evapotranspirao elevadas e, por consequncia, elevado dficit hdrico do solo. A

    distribuio geogrfica dessas reas ampla, sendo que ocorrem nos cinco

    continentes, tanto nas altas quanto nas baixas latitudes, em reas litorneas e no

    interior dos continentes, alm de serem quentes e/ou frios (ELORZA, 1998).

    Tricart e Cailleux (1969) delimitaram as terras secas do globo afirmando que

    os sistemas morfogenticos das regies ridas esto estreitamente relacionados

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    cobertura vegetal. Portanto, seria uma soluo aparente delimitar as regies secas

    atravs de cartas e mapas de vegetao. No entanto, os autores afirmam que a

    delimitao dessas regies por cobertura vegetal apresentavam dois grandes

    problemas que estavam associados inexistncia de cartas que diferenciassem

    com exatido os tipos de vegetao mundiais, particularmente as que ocorrem nas

    regies secas. Alm disso, os mapeamentos de detalhes de parte das regies secas

    apresentavam uma gama de informaes importantes que no eram vlidas para

    essa finalidade, pois no faziam distino entre fatores naturais e fatores humanos

    nas caractersticas da vegetao (TRICART e CAILLEUX, 1969, p. 46). Com base

    nisso, os autores apontaram a necessidade de se delimitar as regies secas atravs

    da relao existente entre os dados climticos de precipitao, temperatura e

    evaporao.

    A UNEP (United Nations Envionment Programme) em 1992 elaborou o Atlas

    Mundial da Desertificao, dentro do seu programa de combate a desertificao, e

    classificou as terras ridas em quatro reas, incluindo tambm as reas submidas

    a secas (figura 1). Estas foram definidas a partir do mtodo de Thornthwaite que

    estabelece o ndice de aridez (IA) atravs da relao IA=P/PET, onde P a

    pluviosidade anual e ETP a evapotranspirao potencial. De acordo com estaclassificao, 47% da superfcie terrestre apresenta condio de aridez climtica.

    A classificao da UNEP (1992) mais significativa do ponto de vista da

    rea considerada, uma vez que ela acrescenta as regies submidas a secas.

    Elorza (1998, sem pgina) salienta que a superfcie ocupada pelas terras ridas

    varia em funo da classificao climtica adotada. Em cosonncia, Thomas (1997)

    compara a extenso das terras secas de acordo com algumas classificaes

    existentes (tabela 1).

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    Figura 1 - Distribuio mundial das terras ridas apresentada no Atlas Mundial daDesertificao.

    Fonte: UNEP (1992 apud Thomas, 1997, p. 6).

    Tabela 1Extenso global das terras ridas na superfcie terrestre, de acordo comalgumas classificaes.

    ClassificaoSubmido a

    seco (%)

    Semirido

    (%)rido (%)

    Hiperrido

    (%)Total (%)

    Kppen (1931) - 14.3 12.0 - 26.3

    Thornthwaite

    (1948)- 15.3 15.3 - 30.6

    Meigs (1953) - 15.8 16.2 4.3 36.3

    Shantz (1956) - 5.2 24.8 4.7 34.7

    UN (1977) - 13.3 13.7 5.8 32.8

    UNEP (1992) 9.9 17.7 12.1 7.5 47.2

    Fonte: Adaptado de Thomas (1997, p. 6).

    Com relao aos fatores que contribuem para a formao das zonas ridas,

    a estabilidade atmosfrica, a continentalidade, a topografia e as correntes martimas

    so os principais responsveis pela deficincia hdrica de determinadas pores da

    superfcie. De acordo com Thomas (1997), a estabilidade atmosfrica causada pelas

    clulas de alta presso favorece a diminuio do volume de chuvas onde estas

    atuam. A distncia dos oceanos dificulta a penetrao de chuvas e ventos para o

    interior, favorecendo o baixo ndice pluviomtrico e as elevadas amplitudes trmicas

    dirias e sazonais.

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    As grandes elevaes topogrficas, a exemplo das cadeias montanhosas

    funcionam como barreiras que impedem o avano de massas midas para

    determinadas reas, o que favorece a formao de reas secas aps essas

    elevaes. As correntes martimas frias, por sua vez, reforam as condies de

    aridez, pois favorecem a baixa evaporao que consequentemente influencia a

    baixa precipitao. Muitas vezes a precipitao ocorre em forma de orvalho e sobre

    o prprio oceano (THOMAS, 1997).

    No Brasil, o clima semirido ocorre no interior da regio Nordeste, alm do

    norte de Minas Gerais e ocorre, predominantemente, na depresso sertaneja e no

    vale do Rio So Francisco. Por se tratar de uma regio intensamente habitada, se

    comparada a outras regies semiridas do mundo, as definies elaboradas para o

    que vem a ser o semirido brasileiro foram criadas por rgos governamentais de

    planejamento territorial e constitudas por meio de legislaes nacionais.

    A Lei Federal de n 7.827 de 27 de setembro de 1989, artigo 5, pargrafo

    4, afirmava que o semirido brasileiro era a regio inserida na rea de atuao da

    SUDENE1, com precipitao pluviomtrica mdia anual de 800 mm. No ano de

    2005, uma portaria interministerial2 entrou em vigor e atualizou os critrios

    empregados na redelimitao do semirido nacional, como forma de estabelecercritrios tcnicos complementares ao das precipitaes mdias anuais inferiores a

    800 mm, aperfeioando o conceito de regio Semirida.

    Art. 1 - Aprovar a redelimitao da Regio Semi-rida do Nordeste,constante no Relatrio Final, que tem por base os resultados doGrupo Interministerial institudo pela Portaria n 6, de 29 de maro de2004, que atualiza a relao dos Municpios compreendidos nareferida regio, observando, alem do critrio estabelecido na Lei n

    7.827, de 27 de setembro de 1989, os demais:

    1Isoieta de 800 mm. 2ndice de aridez. 3Dficit hdrico.

    1A SUDENE Superintendncia de Desenvolvimento do Nordeste - foi criada por decreto do entopresidente da repblica Juscelino Kubitscheck atravs da lei de n 3.692, de 15 de dezembro de1959, tendo como um dos seus objetivos promover o desenvolvimento dos municpios do Nordeste,incluindo queles inseridos no polgono das secassemirido (BRASIL, 1959);2 Portaria Interministerial n 1, de 09 de maro de 2005, criada entre o Ministrio da IntegraoNacional, Ministrio do Meio Ambiente e Ministrio da Cincia e Tecnologia.

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    Desta maneira, essa nova delimitao levou em considerao a mdia de

    precipitao pluviomtrica anual de 800 mm, o ndice de aridez de Thornthwaite de

    1941 (considerando-se como semirido as reas/municpios com IA 50) e o dficit

    hdrico igual ou acima dos 60% ao ano. O relatrio final do grupo de trabalho

    interministerial apresenta o mapa com os novos limites das reas semiridas e

    submidas secas, juntamente com as delimitaes anteriores (figura 2). Com base

    nisso, a lei complementar n 125 de 03 de janeiro de 2007 redefine o semirido

    como [...] a regio natural inserida na rea de atuao da Superintendncia de

    Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE, definida em portaria daquela Autarquia.

    Apesar de essa nova delimitao levar em considerao a isoieta, o ndice

    de aridez e o dficit hdrico, observa-se que o limite do semirido pode ser at

    menor, uma vez que se trata de uma delimitao com fins polticos, onde os

    municpios inseridos recebem recursos financeiros por parte do governo federal, por

    meio de polticas pblicas especficas para a regio.

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    Figura 2Regio Nordeste com a sobreposio do Polgono das secas e a antiga eatual delimitao do semirido do Fundo Constitucional de Financiamento doNordeste (FNE).

    Fonte: Ministrio da Integrao Nacional (2005).

    2.3.1 Sistema Morfogentico das Regies Quentes e Secas

    Entende-se por sistema morfogentico [...] o conjunto das combinaes de

    processos elementares responsveis pela modelagem do relevo de uma poro do

    espao submetida aos mesmos agentes de eroso, atuando com modalidades

    idnticas (COQUE, 1977, p. 19). Neste, esto inseridos os processos de

    meteorizaco das rochas, o transporte e acumulao dos detritos que se combinam

    para modelarem o relevo. Desta forma, de fundamental importncia a atuao do

    clima.

    Christofoletti (1980) afirma que os processos morfogenticos possuem

    dinmica prpria e que esses so elementos que fazem parte de um conjunto ou

    sistema maior de elementos que, por sua vez, refletem a atuao do clima regional

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    sobre o relevo. Segundo o autor, [...] processos morfogenticos diferentes

    produzem formas de relevo diferentes; [...] as caractersticas do modelado devem

    refletir at certo ponto as condies climticas sob as quais se desenvolveu a

    topografia (CHRISTOFOLETTI, 1980, p.31). Nisso, percebe-se uma relao

    sistmica entre os componentes do ambiente, onde a atuao do clima sobre a

    superfcie produz formas que esto intimamente associadas a essa interao. No

    entanto, considera-se que os processos azonais e mesmo os processos intrazonais

    so responsveis pela ocorrncia de formas de relevo que no refletem as

    caractersticas atuais do clima.

    Ao contrrio dos ambientes quentes e midos, onde as chuvas so

    constantes e atuam com frequncia na formao do relevo, nos ambientes quentes

    e secos os processos geomorfolgicos so rpidos, porm concentrados, sendo que

    a desagregao mecnica ou intemperismo fsico das rochas predomina sobre o

    intemperismo qumico (TRICART e CAILLEUX, 1969).

    Goudie (1997) afirma que nos ambientes ridos e semiridos, a amplitude

    trmica diria favorece o enfraquecimento dos minerais que compem os corpos

    rochosos que, em grande quantidade, esto expostos na superfcie. Nos perodos

    de temperatura elevada, os minerais se expandem ao passo que nos perodos demenor temperatura, ocorre a contrao destes (GOUDIE, 1997). medida que a

    temperatura da rocha muda, o seu volume tambm alterado, gerando esforos

    mecnicos que, associados a processos de origem tectnica (falhamentos e

    fraturamentos, p. ex.), contribuem para o enfraquecimento das rochas e posterior

    alterao fsica das rochas, embora Penteado (1979) considere que a termoclastia

    um processo que atinge apenas a camada mais superficial da rocha.

    A desagregao mecnica das rochas tem incio com a intensidadeda insolao e as consequentes variaes diurnas e noturnas detemperatura sobre os afloramentos rochosos. Dependendo danatureza das rochas e de suas estruturas e texturas, os afloramentosrochosos meteorizados fornecem propores variadas de detritos(RIBEIRO; MARAL; CORREA, 2010, p. 129).

    Sobre os processos qumicos atuantes nas rochas, Brito (1972) e Penteado

    (1979) consideram que a ao da umidade relevante, principalmente quela

    oriunda dos orvalhos que se formam em perodos curtos e eventuais. Mesmo

    durante as estiagens, ocorre a formao do orvalho que, na rocha provoca a

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    alterao qumica e bioqumica lenta e embrionria na poro mais superficial

    (BRITO, 1972, p. 65). Como exemplo, destaca-se o intemperismo qumico por

    oxidao que, por se tratar de uma decomposio que ocorre na poro superficial

    da rocha, est associada s gotculas de gua do orvalho, embora autores como

    Bigarella; Becker; Santos (2007) afirmem que a oxidao pode ocorrer na ausncia

    de gua, mesmo sendo pouco eficiente nessa situao.

    Os processos fsicos e qumicos, segundo Silva (1986), disponibilizam

    material alterado que ser transportado pelo escoamento superficial e fluvial. Estes

    se tornam mais eficientes na mobilizao dos detritos quando associados aos

    eventos pluviomtricos de grande magnitude, que por sua vez so espordicos e

    concentrados em curtos perodos de tempo (GREENBAUM et al, 1998). O carterdas chuvas se reflete no escoamento superficial rpido e violento das enxurradas

    que constitui o agente de ablao (desnudao da superfcie dos solos) mais

    eficiente neste sistema morfogentico (SILVA, 1986, p. 55). A cobertura vegetal, por

    sua vez, protege o solo de forma deficiente, o que contribui para o maior impacto do

    efeito splash sobre os solos, alm de potencializar o escoamento superficial.

    As modalidades do escoamento que atuam no quente e seco so o

    escoamento em lenol (sheet wash) e o escoamento difuso (rill wash) (PENTEADO,1979). O escoamento em lenol possui competncia suficiente para transportar

    detritos de maior calibre em um curto perodo de tempo e exercer ao abrasiva.

    Segundo a autora, este considerado como um tipo de eroso areolar que produz o

    rebaixamento da superfcie em um plano inclinado. O escoamento difuso, por sua

    vez, atua transportando os sedimentos mais finos a curta distncia e deposita-os

    rapidamente devido sua baixa competncia.

    Nas vertentes, o escoamento provoca a eroso regressiva (back weathering)ao remover o material intemperizado na free-face das escarpas, fazendo-as

    regredirem paralelamente. Oberlander (1997) traz um conhecimento importante ao

    observar que as encostas rochosas, comuns nas paisagens ridas e semiridas

    esto sujeitas a eventos to espordicos no espao, tempo e intensidade que o

    escoamento raramente testemunhado ou medido. Campbel (1997) observa que o

    escoamento em ravina ou gullyng exerce papel importante para a remoo dos

    detritos nas reas de maior declive onde a cobertura vegetal rarefeita. Em

    concordncia, Goudie (2004) apresenta, alm da vegetao como varivel para a

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    ocorrncia desta modalidade de escoamento, as caractersticas do substrato e do

    clima.

    A eroso lateral, por conseguinte, atua quando ocorrem os fluxos torrenciais

    que favorecem o alargamento do canal fluvial em contraponto inciso vertical. Ao

    mesmo tempo em que o fluxo remove, incide tambm a deposio dos sedimentos

    (PENTEADO, 1979).

    A abraso ocorre a partir da reduo do tamanho das rochas provocado pela

    movimentao dos fragmentos no processo de transporte, o que por sua vez, pode

    ocorrer por ao da gua ou por ao elica. No transporte realizado pela gua, a

    tendncia que a angularidade dos detritos seja cada vez maior como

    consequncia da baixa competncia do escoamento em transport-los a longas

    distncias.

    O escoamento superficial concentrado no ambiente quente e seco ocorre

    imediatamente aps as chuvas, favorecendo a formao de canais de drenagem

    intermitentes e efmeros. Por canal de drenagem intermitente, entende-se que

    quele cujo fluxo de gua permanece contnuo no canal de drenagem durante a

    estao chuvosa e, durante a estao seca, esse fluxo cessa (LEOPOLD e MILLER,

    1956). Em consonncia, Christofoletti (1980) define os canais intermitentes comosendo aqueles que drenam gua durante uma parte do ano e tornam-se secos em

    outro perodo. Os canais efmeros, por sua vez, so definidos pelo autor como

    queles que permanecem secos durante a maior parte do ano e comportam gua

    apenas no momento das chuvas e imediatamente aps as precipitaes.

    Cooke et al (1993) apresentam os processos dominantes nesses canais e as

    formas resultantes do seu fluxo que, por sua vez, refletem a atuao do sistema

    climtico sobre os demais componentes da bacia hidrogrfica. Segundo os autores,os componentes mais importantes so a natureza e a distribuio das precipitaes,

    a capacidade de infiltrao da superfcie (que podem variar de forma sazonal), as

    condies de umidade antecedentes (que tambm variam sazonalmente), a

    topografia e a ao antrpica. Reid e Frostick (1997) estabelecem relao entre a

    forma dos canais e do fluxo de sedimentos transportados. Os autores estabelecem a

    relao existente entre as precipitaes e a vazo dos rios (condicionada pelas

    caractersticas das tempestades, das inundaes, da rea da bacia e da descarga

    de gua), a geometria dos canais efmeros (largura e morfologia do leito) e o

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    transporte fluvial dos sedimentos (remoo e deposio, transporte por suspenso e

    o transporte ao longo do leito).

    Cabe ressaltar que as reas de deposio situadas ao longo dos canais, no

    contexto do semirido, no esto associadas apenas s plancies aluviais ou aos

    terraos fluviais, mas tambm aos plainos aluviais que, segundo Corra (2011), so

    depsitos onde as margens do canal so indefinidas e se confundem com a prpria

    plancie de inundao. Os plainos aluviais esto associados, em geral, a canais de

    pequena ordem (SOUZA E CORRA, 2012) sendo que os eventos deposicionais

    ocorrem quando das cheias episdicas relacionadas aos eventos pluviomtricos de

    grande magnitude.

    Com efeito, os processos morfogenticos resultantes da ao do clima sobre

    o substrato favorecem a elaborao de formas de relevo que, necessariamente, no

    esto associadas apenas ao quente e seco, porm, so formas bastante comuns

    neste tipo de ambiente. Twidale (1978) afirma que as paisagens ridas e semiridas

    variam muito de um lugar para outro, porm, inselbergues e pedimentos constituem

    feies morfolgicas significativas neste tipo de paisagem. Segundo o autor, muitos

    pesquisadores tm desenvolvido estudos na tentativa de explicar tais formas de

    relevo, especialmente os pedimentos. Os pedimentos so superfcies com inclinaosuave, situados entre as vertentes das elevaes, resultantes da regresso lateral

    destas (TWIDALE, 1978, p. 1139). Ainda segundo o autor, as diferentes estruturas

    litolgicas influenciam nas caractersticas e dimenses dos pedimentos.

    Em concordncia com Twidale (1978), o Instituto Brasileiro de Geografia e

    Estatstica (IBGE, 2009) traz a definio de pedimento como sendo uma superfcie

    de aplainamento, de inclinao suave, capeada por material detrtico descontnuo

    sobre a rocha sem apresentar, no entanto, dissecao marcada ou deposio emexcesso. Os pedimentos geralmente apresentam forte ruptura de declive no seu

    contato com as vertentes ngremes, suavizando-se medida que se direcionam a

    jusante onde ocorre a deposio detrtica nos vales ou nas depresses (IBGE,

    2009). As vertentes ngremes, habitualmente, compem o relevo residual que

    testemunha os antigos nveis da superfcie de aplainamento e so denominados de

    inselbergues.

    Na definio apresentada pelo IBGE (2009), os inselbergues so formaes

    residuais que apresentam feies variadas, com encostas com declives em torno de

    50 a 60, dominando uma superfcie de aplanamento herdada ou funcional, com a

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    qual forma no sop uma ruptura de onde divergem as rampas de eroso. Segundo

    Bigarella; Becker; Santos (2007) os inselbergues podem ser de dois tipos: em forma

    dmica e em forma de grandes mataces ou tors.

    Inselbergues dmicos, segundo os autores, so monolitos esculpidos com

    as diclases estruturais, onde predominam os processos de esfoliao esferoidal da

    rocha (descamao das partes exteriores de uma rocha semelhante s cascas de

    cebola) e as vertentes exibem um perfil retilneo. Os inselbergues em tors, por sua

    vez, esto associados s rochas regularmente fraturadas, formados por mataces

    submetidos aos processos de esfoliao esferoidal nos planos de fraqueza,

    resultando em formas arredondadas.

    Alm dos pedimentos e inselbergues, outras formas de relevo so

    encontradas no ambiente semirido, conforme aponta Silva (1986). Segundo a

    autora, as formas tpicas encontradas so os planos que convergem para o eixo da

    drenagem e contrastam com as vertentes ngremes das elevaes residuais e

    inselbergues. Alm destes so encontrados os depsitos de tlus, interflvios planos

    (resultantes da regularizao topogrfica), as reas de acumulao (situadas nas

    reas baixas), os lajedos (afloramentos rochosos) e as reas com caos de bloco

    (SILVA, 1986) (figura 3).

    Figura 3Formas tpicas de relevo da regio semirida.

    1. Tlus; 2. Inselbergue e elevaes residuais; 3. Interflvios planos; 4. reas deacumulao; 5. Planos com espraiamento de detritos; 6. Lajedos e acmulos de blocos; 7.

    Escoamento difuso; 8. Escoamento concentrado; 9. Diferenas litolgicas.Fonte: Silva (1986, p. 60).

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    3 CARACTERSTICAS AMBIENTAIS DA BACIA HIDROGRFICA DO RIO BOM

    SUCESSO

    A Bacia Hidrogrfica do Rio Bom Sucesso um subsistema inserido na

    mdia bacia do Rio Itapicuru, poro nordeste do Estado da Bahia, e est localizada

    entre as coordenadas geogrficas 110930e 112300 S e 390530 e 392830

    O. Possui rea aproximada de 468 km e sua rede hidrogrfica drena pores dos

    municpios de Santaluz, Valente, Conceio do Coit e Araci (figura 4).

    Inserida em uma regio de agricultura e pecuria tradicionais e intensa

    explorao mineral, os aspectos climticos e as formas de relevo da Bacia do Rio

    Bom Sucesso, so considerados como os subsistemas ambientais fsicos

    dominantes na elaborao da paisagem.

    O relevo local foi elaborado a partir de rochas que compem terrenos muito

    antigos, datados entre o arqueano e o proterozico, constituintes do Bloco Serrinha,

    individualizado no Crton do So Francisco. O Crton do So Francisco ou

    Provncia Estrutural So Francisco uma extensa rea de terreno pr-cambriano

    situado na poro centro-leste da Plataforma Sul-Americana, ao lado das provncias

    da Borborema, Tocantins e Mantiqueira, e ocupa pores do centro, norte enoroeste de Minas Gerais, nordeste de Gois, e a quase totalidade do Estado da

    Bahia e Sergipe.

    Acredita-se que as rochas mais antigas que compem a superfcie brasileira

    so encontradas nas provncias So Francisco e Borborema (DELGADO, 2003). O

    Crton do So Francisco foi formado a partir de terrenos que foram sendo soldados

    e transformado durante os eventos paleo e neoproterozicos. Este se caracteriza

    pela ocorrncia de domnios tectnicos e estruturas diversificadas (figura 5).

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    Figura4

    MapadeLocalizaodaB

    aciaHidrogrficadoRioBo

    mS

    ucesso(Bahia).

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    Figura 5Mapa simplificado dos domnios tectnicos e das feies estruturais doCrton do So Francisco. Em destaque, a localizao aproximada da rea emestudo.

    Fonte: Adaptado de Alkmim e Marshak (1998, p. 51).

    So encontrados remanescentes paleoarqueanos em forma de domos,

    macios e pltons; blocos mesoarqueanos constitudos pela associao de

    complexo granito-gnissicos e greenstone belts que constituem a crosta consolidada

    no mesoarqueano. So exemplos os blocos Quadriltero Ferrfero e Guanhes em

    Minas Gerais e os blocos Gavio, Paramirim e Serrinha na Bahia (DELGADO, 2003);

    terrenos neoarqueanos representados pelo orgeno Itabuna-Salvador-Cura;

    batlitos granticos como resultado do plutonismo intraplaca ocorrentes no

    paleoproterozico; bacia intracratnica do mesoproterozico situada na Chapada

    Diamantina; bacias intracratnicas do neoproterozico como a bacia de Trs Marias-

    Bambu (MG) e Salitre (BA); bacias de margem passiva neoproterozicas e bacias

    rea em estudo

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    intracratnicas e bacias rifte do fanerozico; e as coberturas sedimentares do

    cenozico (DELGADO, 2003).

    Importantes lineamentos se destacam na Provncia So Francisco, fruto da

    intensa atividade tectnica a qual esta foi submetida. So exemplos o lineamento

    Jacobina-Contendas (JC) e o lineamento Espinhao (ES). A colagem dos blocos

    atravs dos eventos ocorridos entre o paleoproterozico e o neoproterozico foi de

    extrema importncia para a formao desta superfcie, tendo rebatimento tambm

    nas caractersticas litoestruturais da bacia em estudo (SILVA FILHO, 2010).

    Na Bacia Hidrogrfica do Rio Bom Sucesso, o Bloco Serrinha est

    subdividido em dois domnios estruturais (figura 6): as rochas do Complexo Santaluz

    e as rochas que compem o Greenstone Belt do Itapicuru, alm das intruses

    litolgicas associadas ao Complexo Santaluz, segundo o Servio Geolgico do

    Brasil (CPRM, 1989).

    Aspectos litoestruturais do Complexo Santaluz

    Segundo o esboo geolgico elaborado com base em CPRM (1989), o

    Complexo Santaluz se formou no arqueano mdio inferior (> 3,0 Ga) e abrange maisda metade da rea da bacia (figura 6). Este composto por gnaisses bandados,

    granada e silimanita e rochas calcissilicticas, ortognaisses granodiorticos de

    textura augen, gnaisses e migmatitos a anfibolitos associados. Alm destas, esto

    associadas ao Complexo Santaluz rochas bsico/ultrabsicas do tipo gabros,

    peridotitos e dunitos.

    Do ponto de vista estrutural, este complexo caracterizado pela grande

    ocorrncia de falhas e fraturas. Na poro ocidental do complexo, os eventostectnicos favoreceram a orientao preferencial das fraturas em sentido SW-NE. As

    falhas, por sua vez, esto dispostas no sentido SE-NO, W-E e W-NE.

    Atravs da anlise do esboo geolgico, nota-se o rompimento na

    continuidade dos gnaisses por consequncia de eventos tectnicos que favoreceram

    o surgimento das falhas que, provavelmente, contriburam para o soerguimento

    desse grupo de rochas na extremidade oeste da bacia, alm dos sienitos e intruses

    granticas associadas a essa poro (figura 6).

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    Figura6

    EsbooGeolgicodaBac

    iaHidrogrficadoRioBomS

    ucesso(Bahia).

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    A poro oriental do complexo Santaluz caracterizada pela ocorrncia de

    um grande sinclinal que se estende desde a regio de Conceio do Coit at a

    altura de Santaluz (CPRM, 1989). Como consequncia os lineamentos estruturais

    seguem orientao preferencial SE-NO (figura 6). As intruses granticas so

    pontuais, se levada em considerao a escala de anlise adotada, porm, algumas

    delas possuem maior extenso, a exemplo dos afloramentos granticos do Morro dos

    Lopes (MATOS e CONCEIO, 1993).

    A explorao econmica dos recursos minerais se concentra nesta poro

    do complexo onde, aos afloramentos granticos, esto associadas s pedreiras e

    pequenas reas de extrao mineral; na rea de ocorrncia dos gabros e peridotitos

    est localizada a extrao de cromo nas proximidades da cidade de Santaluz

    (ARGOLO e DEBAUT, 2002). Associadas s intruses granticas, esto localizadas

    as superfcies elevadas que constituem a Serra do Pintado, o Morro dos Lopes e a

    Serra Branca. Nesta ultima, existe a extrao ilegal de ouro. Percebe-se que o

    sistema de falhas do Complexo Santaluz (figura 6) favoreceu a diferena de nvel

    altimtrico entre os setores oriental e ocidental, ainda que, atualmente, esse

    desnvel seja sutil no contexto regional.

    Caractersticas litolgicas e estruturais do Greenstonebelt do Itapicuru

    O Greenstone Belt do Rio Itapicuru foi formado no proterozico inferior, entre

    1,8 a 2,6 Ga e ocorre na parte leste da bacia do Bom Sucesso (figura 6). Este

    domnio est agrupado em trs subunidades conforme CPRM (1989).

    A unidade sedimentar composta por metapelitos, metagrauvacas e

    formaes ferrferas, metarcseos, metagrauvacas e metassiltitos. Esta unidade estsituada entre o domo do Ambrsio e os metabasaltos que limitam o greenstone com

    o Complexo Santaluz. Os lineamentos estruturais seguem a orientao preferencial

    NO-SE, seguindo, posteriormente, a orientao S-NE, acompanhando o contorno do

    domo (Figura 6).

    A unidade vulcnica flsica composta por metandesitos e metadacitos de

    idade aproximada de 2,1 Ga. Ocorre na p