Dissertacao Lisa Souza Peter Brook Marat-sade
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM TEATRO
MESTRADO EM TEATRO
LISA SOUZA BRITO
O TEATRO DE PETER BROOK NO CINEMA DE MARAT/SADE:
UM ESTUDO DE ASPECTOS DA VISO TEATRAL DE BROOK EM SUAOBRA CINEMATOGRFICA MARAT/SADE
FLORIANPOLIS
2012
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LISA SOUZA BRITO
O TEATRO DE PETER BROOK NO CINEMA DE MARAT/SADE:
UM ESTUDO DE ASPECTOS DA VISO TEATRAL DE BROOK EM SUA
OBRA CINEMATOGRFICA MARAT/SADE
Dissertao apresentado como requisito para obteno do grau de Mestrado em Teatro, Cursode Mestrado em Teatro, Linha de Pesquisa:Linguagens cnicas, corpo e subjetividade.
Orientador: Prof. Jos Ronaldo Faleiro
FLORIANPOLIS
2012
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Ficha catalogrfica elaborada pela biblioteca Central da UDESC
B862 t Brito Lisa SouzaO teatro de Peter Brook no cinema de Marat/Sade : um estudo de aspectos da viso
teatral de Brook em sua obra cinematogrfica MARAT/SADE / Lisa Souza Brito. 2012.
111 p. : il. 30 cm
Bibliografia: p. 103 - 108
Orientador: Jos Ronaldo Faleiro
Dissertao (mestrado)Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Artes,
Mestrado em Teatro, Florianpolis, 2012.
1. Teatro 2. Cinema. 3. Brook, Peter. 4. Marat, Jean-Paul. 5. Marques de Sade.
6.Espao vazio. 7. Teatralidade no cinema. I.Faleiro, Jos Ronaldo (orientador). II.
Universidade do Estado de Santa Catarina. Mestrado em Teatro. IV.Ttulo.
CDD: 792.015
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LISA SOUZA BRITO
O TEATRO DE PETER BROOK NO CINEMA DE MARAT/SADE:
UM ESTUDO DE ASPECTOS DA VISO TEATRAL DE BROOK EM SUAOBRA CINEMATOGRFICA MARAT/SADE
Esta dissertao foi julgada aprovada para a obteno do ttulo de mestre, na
linha de pesquisa: Linguagens Cnicas, Corpo e Subjetividade, pelo curso de
mestrado em teatro, da Universidade do Estado de Santa Catarina em 30 de
Maio de 2012.
Prof. Stenphan Arnulf Baumgrtel, Dr.
Coordenador do Mestrado
Apresentada Comisso Examinadora, integrada pelos professores:
Prof. Jos Ronaldo Faleiro, Dr.Orientador
Prof. Luciano Pires Maia, Dr.Membro
Profa Vera Regina Martins Collao, Dra.Membro
Profa. Sandra Meyer Nunes Dra.
Suplente
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AGRADECIMENTO
Agradeo primeiramente ao meu orientador, Professor Doutor Jos
Ronaldo Faleiro, por ter aceitado embarcar nesta pesquisa comigo.Agradeo aos membros da banca: Professor Doutor Luciano Maia, que
h muito tempo acompanha minha carreira e, mais uma vez, para minha
imensa felicidade, est ao meu lado; Professora Vera Collao por quem tenho
profunda admirao e carinho; Professora Doutora Sandra Meyer, por ter
aceitado analisar o meu trabalho.
Agradeo a Morgana Martins por todo carinho, considerao e por estar
sempre ao meu lado, me apoiando e incentivando.Agradeo aos meus pais, Maria Cristina Brito e Iremar Brito, que sempre
me apoiaram e me auxiliaram em todos os momentos da minha vida.
Agradeo Capes, que apoiou a pesquisa e a tornou vivel.
Agradeo a todos os amigos queridos que torceram por mim nesta etapa
da minha vida, em especial a Cludia Mussi, que me ajudou na retirada das
imagens do filme de Peter Brook.
Agradeo a Sandra Maria de Lima Siggelkow e Emlia Leite pela
orientao e apoio durante o processo de construo desta pesquisa.
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RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo analisar aspectos da busca de PeterBrook no campo teatral. O espetculo estudado para a compreenso do tema
A perseguio e o assassinato de Jean-Paul Marat, representados pelo GrupoTeatral do Hospcio de Charenton, sob a direo do Senhor de Sade, cujoroteiro se inspira no texto dramatrgico de autoria de Peter Weiss. Estapesquisa busca ainda discutir o conceito de teatralidade presente no filme deBrook, tendo como ponto inicial a questo do olhar, a partir de autores comoJosette Fral, Patrice Pavis, Matteo Bonfitto, e procurando estabelecer umdilogo com facetas das ideias teatrais do prprio Brook. O estudo dalinguagem cinematogrfica do diretor ingls procura assim considerar ateatralidade do filme fazendo uma analogia com questes do pensamento deAntonin Artaud, que dizem respeito ao teatro como um duplo da vida, em seuTeatro da Crueldade, e com as ideias de Bertolt Brecht em seu Teatro pico,que considera o mundo passvel de transformao.
Palavras-Chave: Peter Brook, Marat/Sade, espao vazio, teatralidade no
cinema.
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ABSTRACT
This present work has the goal of studying Peter Brook's search in the theaterfield. The play analised for a better understanding of this subject is ThePersecution and Assassination of Jean-Paul Marat as performed by the Inmatesof the Asylum of Charenton under the direction of the Marquis de Sade, whichscript is based on Peter Weiss dramaturgy. This work also seeks to discuss theconcept of the theatricality presented in Brook's film and has, as a starting point,the matter of viewing, from authors such as Josette Fral, Patrice Pavis, MatteoBonfitto, meaning to stabilish a dialogue with the aspects of Brook's owntheatrical ideas. The study of the english director's cinematic language tries toconsider the theatricality of the film, creating an analogy with the matters ofAntonin Artaud's thoughts on theater being a double of life, in Theater ofCruelty, along with Bertolt Brecht's ideas in Epic Theater, which considers the
world as liable of transformations.
Keywords: Peter Brook, Marat/Sade, empty space, theatricality in cinema.
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RSUM
Ce travail a pour but danalyser certains aspects de la qute de Peter Brookdans le domaine de lart thtral. Le spectacle choisi pour essayer de
comprendre le thme est La Perscution et lassassinat de Jean-Paul Marat,presents par la troupe de lhospice de Charenton, sous la mise en scne duSieur de Sade, dont le canevas sinspire du texte dramaturgique de PeterWeiss. Cette recherche a aussi lintention de discuter la notion de thtralitprsente dans le film de Brook, tenant compte de la question du regard, partirdauteurs tels que Josette Fral, Patrice Pavis, Matteo Bonfitto, tout enessayant dtablir un dialogue avec quelques facettes de la pense thtrale deBrook lui-mme. Ltude du langage cinmatographique du metteur en scneBritanique veut encore saisir la thtralit du film par le biais dune analogieavec quelques questions poses par la pense dAntonin Artaud dans sonThtre de la cruaut, en ce qui concerne le thtre comme un double de lavie, et avec les ides de Bertolt Brecht dans son Thtre pique, lesquellesconsidrent le monde passible dune transformation.
Mots-clefs: Peter Brook, Marat/Sade, espace vide, thtralit au cinma.
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TABELA DE IMAGENS
N ndice das legendas e suas fontes PginaImagem 1 Ator Adrian Lester como Hamlet 18
Imagem 2 Antonin Artaud de Monge Massieuno filme de Carl Dreyer
30
Imagem 3 Uma Flauta mgica I 46
Imagem 4 Uma Flauta mgica II 47
Imagem 5 Marat/Sade: comeo da pea 52
Imagem 6 Marat/Sade: pblico 53
Imagem 7 Marat/Sade: espao da encenao 65
Imagem 8 Marat/Sade: coro de bufes 70
Imagem 9 Marat/Sade: destruio do cenrio 71
Imagem 10 Marat/Sade: coro de bufes e cartaz 85
Imagem 11 Marat/Sade: assassinato de Marat 95
Imagem 12 Marat/Sade: Charlotte Corday 96
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SUMRIO
INTRODUO ________________________________________________ 12
1 CAPTULO I - PETER BROOK EM CENA: ASPECTOS DO TEATRO PARA
PETER BROOK _______________________________________________ 17
1.1 APRESENTAO: UM APERTO DE MOEM PETER BROOK ____ 17
1.2 PRODUO DE IMAGENS E OCUPAO DO ESPAO _________ 23
1.2.1 Criao de formas na encenao ___________________________ 25
1.3 JOGO E ESPAO VAZIO __________________________________ 26
1.4 O RELACIONAMENTO ENTRE OS ATORES __________________ 31
1.5 MISTRIO E MOMENTO PRESENTE: O INVISVEL _____________ 33
1.6 O ATOR PARA BROOK: A IMAGINAO E A BUSCA ___________ 37
1.7 ASPECTOS DOS CENRIOS NAS MONTAGENS DIRIGIDAS POR
PETER BROOK _______________________________________________ 40
1.8 A MSICA NOS ESPETCULOS DE PETER BROOK ____________ 43
2 CAPTULO II MARAT/SADE DE PETER BROOK UMA LEITURA DA
TEATRALIDADE NO CINEMA COM INFLUNCIA(S) DE BRECHT E
ARTAUD ____________________________________________________ 49
2.1 A TEATRALIDADE CINEMATOGRFICA EM MARAT/SADE DE PETER
BROOK ______________________________________________________ 49
2.2 PETER WEISS E O TEXTO DE MARAT/SADE: A TENSO
FICO/REALIDADE ___________________________________________ 60
2.2.1 Jean-Paul Marat e o Marqus de Sade: contexto histrico _______ 73
2.2.2 Jogo de Duplo no Texto de Peter Weiss ______________________ 78
2.3 PETER BROOK NO FILME MARAT/SADE: UM DILOGO COM ARTAUD
E BRECHT ___________________________________________________ 79
2.3.1 Aspectos do Teatro da Crueldade de Antonin Artaud __________ 80
2.3.2 Aspectos do Teatro pico de Brecht ________________________ 81
2.3.3 Peter Brook: Marat/Sade, o pico e a Crueldade ______________ 86
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CONSIDERAES FINAIS______________________________________ 98
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS_______________________________ 103
BIBLIOGRAFIAS CONSULTADAS _______________________________ 105
MATERIAL AUDIO-VISUAL ____________________________________ 107
ANEXO: FICHA TCNICA DO ESPETCULO MARAT/SADE E O DVD DOESPETCULO
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INTRODUO
A motivao para desenvolver este trabalho nasceu da minha prtica nouniverso do teatro. Nasci em contato com o mundo da arte: meus pais
trabalhavam com teatro e nossa casa era local constante de ensaios.
Morvamos em uma casa com quintal grande, e era ali que meu pai pregava
um grande tecido preto, criando um fundo em que a encenao, ou ensaio
desta, aconteceria. Tnhamos um quarto que era considerado o quarto de
brincar, mas quando meus pais estavam em processo de ensaio, este era
reservado para a confeco do cenrio e adereos e era comum acordar com
eles nessa ao. Eu e meu irmo, Andr, adorvamos estar com eles nesse
momento e tnhamos prazer em aprender a fazer objetos de cena. Acredito que
ao vermos nossos pais construindo cenrios encarvamos tudo como uma
grande brincadeira, pois antes de qualquer coisa era divertido.
Desde cedo fiz cursos e realizei estudo sobre as artes cnicas. Com o
passar do tempo comecei a buscar maior formalizao dos meus estudos
relativos ao teatro. Entrei para o curso de teatro da UNIRIO, onde o contato
com tericos e com a prtica me fez conhecer distintas concepes sobre a
arte dramtica, entre as quais a de Peter Brook o que me levou a ficar
profundamente instigada por seu universo.
Alm de suas peas teatrais, observava em suas obras tericas, como
tambm em suas ideias e filmes, a forte presena da teatralidade. A
teatralidade que era concebida como um duplo da vida. Assim, diante desse
universo magicamente atraente, resolvi enveredar meus estudos pela
teatralidade de Peter Brook presente em seus filmes. Dada a complexidade
desse objetivo inicial, pois sua produo cinematogrfica significativa,
dediquei-me com maior rigor ao estudo da sua produo em Marat/Sade, a
meu ver, plena de teatralidade.
O poder das imagens do diretor ingls em Marat/Sade faz com que
sua obra cinematogrfica tenha sido revista e analisada por diversos
estudiosos do teatro da contemporaneidade. Patrice Pavis, Matteo Bonfitto,
Olivier-Ren Veillon e demais pesquisadores reconhecem a existncia de uma
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linguagem em Marat/Sade que destaca sua relao profunda com a arte
teatral, isto , a sua teatralidade.
Nesse sentido, este trabalho pretende observar aspectos da natureza
desse teatro instaurado pelo cinema, investigando caractersticas da linguagem
do filme que podem ser identificadas como instauradoras da teatralidade. O
pensamento de Brook extremamente abrangente e revela uma prtica. Alm
disso, por no ser exatamente um terico, um cientista da arte do teatro, mas
um artista que pensa o teatro, Brook expe ideias que apresentam dificuldade
para serem objetivadas, compreendidas ou at mesmo definidas
conceitualmente, como solicita o discurso acadmico.
Assim, este trabalho no pretende esgotar essa temtica, tendo em vista
que a teatralidade contm uma temtica complexa e identific-la na obra de
Brook acompanha a natureza da sua complexidade. Alm disso, a teatralidade
se modifica como afirma Josette Fral, com a histria do sujeito observador,
que limitado ao seu tempo. Diante do exposto, esta pesquisa pretende
apontar questes relacionadas a presena da teatralidade no filme Marat/Sade
tendo, porm, conscincia dos limites da sua abrangncia, no apenas pela
complexidade do conceito, como tambm pela prpria complexidade da
linguagem do espetculo/filme de Peter Brook.
A abrangncia do que Brook afirma e a prpria complexidade da arte
teatral remete o trabalho ao reconhecimento dos seus limites. Dessa forma,
foram eleitos alguns pontos de vista do pensamento teatral de Brook que so
ressaltados e analisados com maior ateno, ainda que com suas limitaes,
para avaliar o teatro e seu dilogo com o cinema na linguagem hbrida de
Marat/Sade.
No sentido da decodificao do universo do pensamento teatral deBrook, o trabalho pretende investigar no primeiro captulo algumas noes que
se constituem como uma presena relevante no seu teatro, como, por exemplo,
a sua concepo de espao vazio, de imaginao, de dilogo entre ator e
espectador. Com isso desejo fazer uma anlise a respeito da relao desses
signos na linguagem do filme Marat/Sade, realizado pelo diretor na dcada de
60 do sculo XX, e buscar inicialmente uma possvel leitura, ainda que limitada,
do teatro para Brook, tendo como apoio a noo de teatralidade formalizadapelos tericos estudados.
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Em seguida, a pesquisa analisa o texto de Marat/Sade, de Peter Weiss,
detendo-se com mais rigor na presena daqueles fatores que, na perspectiva
de Brook, traam a contemporaneidade da obra. Em continuao o trabalho
analisa a presena de Brecht e Artaud no filme de Brook, os quais, segundo
Odette Aslan, em seu livro O ator no sculo XX (1994), constituem as duas
grandes tendncias do teatro no sculo XX. Busca-se ento evidenciar o
carter pico ou de crueldade identificados no filme de Brook, no mbito
desses dois artistas do teatro, cujo pensamento torna possvel a leitura da
presena da teatralidade no cinema de Brook.
Nesse sentido, ao buscar qual seria o evento comum teatralidade e ao
cinema, observa-se a importncia do olhar do espectador seja no teatro, seja
no cinema. No filme de Brook, a cmera busca assumir as possibilidades de
olhar que o espectador possui no teatro, observando o filme do ponto de vista
racional ou crtico como prescreve o Teatro pico de Brecht , enquanto
simultaneamente levado a se inserir totalmente na perspectiva de Artaud ,
em um universo em que a peste lentamente se estrutura e toma conta de tudo
como uma epidemia. Esse mundo que se descortina nos olhos do espectador
por meio da lente da cmera expe contradies existentes, mergulhando-o
completamente no universo criado ou propondo uma reflexo sobre ele. O
carter pico ou da crueldade do filme de Brook ser assim analisado,
evidenciando a natureza desse carter na sua teatralidade.
O trabalho pretende, assim, sugerir um olhar que se replica sobre o olhar
da cmera e que pode observar um pouco da origem do invisvel proposto por
Brook no seu teatro. Por esse ngulo encontra a sua relevncia em descobrir
ou identificar aspectos do mistrio da presena do teatro na arte
cinematogrfica de Marat/Sade, estruturada por Peter Brook em umalinguagem hbrida que se origina na integrao entre o teatro e o cinema.
Com a proposta de esclarecer o pensamento de Brook na imagem e no
som, e utilizando o universo conceitual discutido no primeiro captulo, no
segundo capitulo o trabalho envereda dessa maneira por aspectos da pea
Marat/Sade (1966)1, em sua verso cinematogrfica. Trata-se ento de
1Direo de Peter Brook, roteiro de Mitchell, baseado em pea teatral de Peter Weiss, origem
Inglaterra, tempo de durao de 119 minutos, msica de Richard Peaslee, fotografia de David
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identificar na montagem relaes entre o filme e as propostas teatrais de Brook
relacionadas viso do espectador num universo mediado pela cmera. Os
estudos se voltam, pois, particularmente para sua concepo de vazio, de
imaginao e de dilogo verdadeiro.
Tal estudo tambm diz respeito ao texto dramtico de Peter Weiss, a
partir do qual Brook faz com que os atores desempenhem seu trabalho na
construo do espao da cena. Uma vez concebido como um espao vazio, ele
est pronto para revelar as frices entre a linguagem teatral e a
cinematogrfica. Seguindo este pensamento, o segundo captulo pretende
ainda analisar o conceito de teatralidade presente no filme, inspirado em
tericos e estudiosos do teatro, envereda igualmente pela teatralidade pica ou
da crueldade concebida no pensamento de Bertolt Brecht e Antonin Artaud.
Partindo do pensamento de que o olhar da cmera determina o espao
em que a encenao realizada, o segundo captulo busca tambm
estabelecer um paralelo entre esse olhar da cmera, o olhar do espectador e o
espao vazio cunhado por Brook. Esse espao concebido, na perspectiva de
Brecht, como um mundo pleno de contradies e passvel de modificao. E,
simultaneamente, apresentado como um mundo devorado por uma epidemia,
cujas contradies o conduzem a um processo de destruio ou escatologia,
que, pela destruio, prenuncia, segundo Mircea Eliade, o surgimento de uma
nova era.
Assim, no espao ficcional do manicmio, onde se desenvolve a fbula
de Peter Weiss que representa aspectos do contexto revolucionrio francs,
observamos o teatro sobre o teatro, ou o teatro dentro do teatro. Peter Brook
expe e enfatiza essa realidade construindo um espetculo cinematogrfico
que se funda na fuso do olhar da cmera com o do espectador, despertandonele a imaginao.
Nesse universo em que a realidade se constri a partir da proposta de
criao de um espao vazio, que cede lugar imaginao e ao dilogo
verdadeiro entre ator e espectador, este trabalho busca discriminar aspectos da
Watkin, direo de arte de Ted Marshall, edio de Tom Priestley, produo de Michael Birkette distribuidora United Artists.
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teatralidade concebida por Peter Brook na construo da linguagem hbrida do
filme Marat/Sade.
O tema profundo e complexo e esta pesquisa tem conscincia de que
o assunto no se esgota, mas sua inteno no essa. Este trabalho pretende
apenas levantar algumas questes que podem ser pertinentes e relevantes aos
estudos do teatro questes que partem da presena e discriminao da
teatralidade, com seus segredos e mistrios em suas possveis manifestaes
na contemporaneidade, como a que ocorre no filme Marat/Sade, de Peter
Brook.
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CAPTULO I: PETER BROOK EM CENA: ASPECTOS DO TEATRO PARA
PETER BROOK
1.1 APRESENTAO: UM APERTO DE MO EM PETER BROOK
Peter Brook nasceu no dia 21 de maro de 1925 em Londres e iniciou
seus estudos em cinema na Oxford Universityem 1942. Desde a universidade,
quando fez o curso de cinema, despertou seu interesse pelo teatro, tendo
investigado posteriormente o pensamento de artistas e tericos dessa arte
como Bertolt Brecht e Antonin Artaud. A presena da influncia desses
encenadores est refletida em diferentes trabalhos de Brook, como na
montagem cinematogrfica de A perseguio e o assassinato de Jean-Paul
Marat representados pelo Grupo Teatral do Hospcio de Charenton, sob a
direo do Senhor de Sade (The persecution and assassination of Jean-Paul
Marat as performed by the inmates of the asylum at Charenton under the
direction of the Marquis of Sade),com texto dramatrgico de Peter Weiss2,que
ser estudadano prximo captulo.
Brook viveu muito tempo em Londres, onde nasceu, comeou sua
carreira, e se afirmou como diretor de teatro e pera. Montou diferentes
obras de William Shakespeare (como Trabalhos de amor perdidosem 1946,
Romeu e Julieta em 1947, Hamlet em 1955), La Bohme de Giacomo
Puccini em 1948, criaes coletivas como Teatro da crueldade, e
Marat/Sade3, de Peter Weiss, em 1964. Alm dessas, tambm realizou
muitas outras obras que se destacam nas artes cnicas da
contemporaneidade. Em 1966, aps dois anos em cartaz, Peter Brooktransps para o cinema a pea Marat/Sade.
Brook realizou diferentes tipos de pesquisas e exploraes prticas no
campo teatral, entre as quais se destaca a busca de eliminar ao mximo a
2 Peter Weiss. Die Verfolgung und Ermordung Jean Paul Marats dargestellt durch dieSchauspielgruppe des Hospizes zu Charenton unter Anleitung des Herrn de Sade . Frankfurt amMain: Suhrkamp, 1964. Edio brasileira: Perseguio e Assassinato de Jean Paul Marat;Representados pelo Grupo Teatral do Hospcio de Charenton, sob a direo do Senhor deSade. Drama em dois atos. Traduo de Joo Marschner. So Paulo: Grijalbo, 1968. 3
A partir deste momento nesta dissertao a obra intituladaA perseguio e o assassinato deJean Paul Marat representados pelo Grupo Teatral do Hospcio de Charenton, sob a direo doSenhor de Sade ser referenciada como Marat/Sade.
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distncia entre oator e o pblico, tendo em vista a existncia de um verdadeiro
dilogo entre ambos. Em suas peas, de modo geral, os atores em algum
momento interagem mais claramente com a plateia, ao se dirigirem a ela e
falam abertamente. Por exemplo, na pea The Tragedy of Hamlet, que veio ao
Brasil em 2008,o personagem Hamlet, representado pelo ator Adrian Lester,
em momento de grande angstia expressa suas dvidas existncias, olha nos
olhos do pblico, busca efetivamente um interlocutor silencioso, porm ativo
com quem compartilhar sua apreenso. Esse contato pode ser visto na foto
abaixo:
Imagem 1: O ator, Adrian Lester como Hamlet 4
Larissa Elias, Doutora em teatro pela Universidade Federal do Estado do
Rio de Janeiro (UNIRIO) e professora adjunta do curso de Artes Cnicas da
Escola de Belas-Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em
sua dissertao de Mestrado O Vazio de Peter Brook: ausncia e plenitude,
defendida em 2004, ressalta a busca do artista por uma maior aproximao do
espetculo por meio do dilogo com o pblico. Tal pensamento se desenvolve
a partir das montagens shakesperianas realizadas ao longo de sua carreira.
Refletindo sobre o trabalho de Brook desde o tempo em que estava na Royal
Shakespeare Companyat os dias de hoje, Elias afirma:
4Foto retirada do sitewww.1morefilmblog.comacesso 18 mar. de 2012.
http://www.1morefilmblog.com/http://www.1morefilmblog.com/ -
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So suas reflexes sobre a necessidade de um espaoaberto, desobstrudo, prtico, portanto, mais livre para acriao, que proporcionasse uma relao mais direta doator com a plateia, cuja origem parece estar em suasmontagens dos textos de Shakespeare (Elias, 2004: 22).
A relao com a plateia , pois, fundamental ao teatro para Brook, j que
por seu intermdio que o pblico pode viver em conjunto uma experincia
comum, a partir do surgimento de uma reao a um aspecto da realidade,
evocada pelo ator. Ele mesmo esclareceu a experincia chamando-a de
impresso coletiva: O aspecto da realidade que o ator est evocando deve
despertar uma reao na mesma rea em cada espectador, fazendo com que,
por um momento, o pblico viva uma impresso coletiva (Brook, 1999: 70).Ao se mudar para Paris em 1970, Brook comeou uma nova fase em
sua carreira. Seus experimentos o levaram naquele momento aos carpet
shows. O processo teve a origem no espao cedido pelo governo parisiense
para os ensaios do CICTCentre International de Crations Thtrales5, que
era um grupo de investigao teatral criado por Brook com o intuito de
pesquisar teatro com atores de diferentes culturas. O lugar cedido, em que
Brook trabalhou, foi uma das grandes salas de tapearia da Manufatura dos
Gobelinos, muito antiga, impregnada de histria e energia, impulsionando
Brook a novas experimentaes6. Ele j havia ensaiado naquele local antes,
como Elias relembra:
1968 o ano em que se inicia claramente sua [de Brook]formulao cnica. Neste ano, Jean-Louis Barrault, quecoordenava o festival Thtre des Nations, convidou PeterBrook para dirigir A tempestade de Shakespeare. [...]
depois das pesquisas iniciadas com o Teatro dacrueldade, em 1964, sugeriu a formao de um grupoexperimental de atores internacionais, para trabalhardurante dois meses. O lugar encontrado para os ensaios
5Centro Internacional de Criaes Teatrais.6 O lugar pertenceu a uma famlia de tintureiros (Les Gobelin). Era conhecido tambm como
Manufacture des Gobelins, ou somente por fbrica real, pois serviu corte de Louis XIV. Nosculo XV o primeiro dono havia descoberto uma espcie de corante carmesim e, por isso,fundou a fbrica. Atualmente tem o nome de Mobilier National. uma espcie de depsito damoblia da Coroa e tambm da moblia do funcionalismo pblico parisiense. Um curso de
formao ministrado na instituio. Depois de formados, muitos estudantes continuamtrabalhando no local, onde aprendem a conservar e a consertar peas raras. Nos dias quecorrem, o prdio pertence ao Ministrio da Cultura francs.
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era uma sala destinada exposio de tapearias noMobilier National [...] (Elias, 2008: 01)
No entanto, foi apenas em 1970 que Brook permaneceu no local por
mais tempo. Teve a ideia de delimitar o espao para trabalhar e resolveu usarum tapete para isso. Assim, a encenao ocorria em cima do tapete. Mas foi na
sua viagem frica que o processo se deu com maior clareza.
Em sua dissertao intitulada A perspectiva orgnica da ao vocal no
trabalho de Stanislavski, Grotowski e Brook, defendida na Escola de Belas
Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 2011, referindo-se
aos carpet shows, Cristiano Gonalves comenta a sua importncia para o
desenvolvimento e envolvimento do trabalho dos atores com textos deShakespeare. Na viso de Brook, esses trabalhos apresentam uma grande
compresso de tempo e espao, responsvel por uma intensificao de
energia, que estabeleceria um estreito vnculo com o espectador:
Carpet Show: um tapete colocado sobre o cho quelimitava e definia a relao: dentro do tapete teatro efora do tapete pblico. Foi atravs desse tipo deexperimento que Brook testou as bases tcnicas do teatro
shakespeariano e do trabalho do ator: quando o ator pisano tapete o simples olhar do pblico exige que ele tenhauma outra relao com sua presena, e que estabelea,de imediato, uma inteno clara e direcionada. Brookdescobriu tambm que para estudar Shakespeare amelhor forma era improvis-lo sobre o tapete. No teatrodo dramaturgo ingls, existe uma compresso do tempo edo espaona fbula, os eventos que ocorreram em umintervalo de anos e em pases diferentes podem ocorrerem minutos dentro do mesmo tapete. Essa compressogera uma intensificao da energia que estabelece umvnculo com o espectador (Gonalves, 2011: 101/102).
Aps esse perodo, em 1974, j morando em Paris, ocupou oThtre
des Bouffes du Nord, situado no 37 bis, boulevard de La Chapelle, 75010.
Acompanhou a reforma do teatro e quis que ele mantivesse a aparncia de
inacabado, como se estivesse em runas, pois acreditava que isso, de certa
forma, ajudava o trabalho que seria realizado. O espetculo que marca a
inaugurao Timo de Atenas, de Shakespeare. A estreia aconteceu no
mesmo ano da ocupao, em 1974. Brook nunca escondeu sua profunda
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admirao por Shakespeare. Em sua carreira como diretor de teatro, no
incio dos anos 60 do sculo XX, se tornou um dos diretores da Royal
Shakespeare Company, e com isso foi responsvel por algumas montagens
que, de certa maneira, quebravam padres j preestabelecidos dos
espetculos mais tradicionais da companhia. Ao longo de sua vida no teatro
montou cerca de 15 espetculos de Shakespeare, incluindo montagens e
remontagens.
Para a montagem da pea Timo de Atenas, o fato de delimitar o espao
destinado encenao que ocorreu nas experincias vividas no processo
com o carpet show e o fato de realizar naquele perodo uma profunda
investigao sobre a improvisao. De fato, a pea no foi explorada de uma
forma tradicional, e sim por meio de improvisaes que tinham uma relao
direta com a busca, a ocupao e a manipulao do espao. Essa montagem,
que teve estreia no teatro de Paris, tambm no se enquadrou nos padres
clssicos de concepo do texto, mas em uma perspectiva de teatro
experimental realizado por Peter Brook.
Matteo Bonfitto, professor Doutor pela Universidade Estadual de
Campinas UNICAMP , em seu livro A cintica do invisvel,expe sobre a
tcnica de carpet showde Brook, chamando-a de no-interpretao,devido
ao cancelamento entre as fronteiras que separariam o ator e o personagem:
Em direta conexo com as prticas experimentadasdurante as viagens do CIRT, os atores de Brookexploraram uma qualidade de no - interpretao. [...] Omodo como exploraram as palavras e o universo deShakespeare, o modo como as suas aes erammaterializadas, transmitiram qualidades de incorporao
(embodiment) atravs das quais fronteiras entre o ator e opersonagem parecem ter sido canceladas. [...] Aqualidade de presena e de relao experenciada (sic)nos carpet shows parece ter funcionado como umacomponente significativa do trabalho do ator em Timo deAtenas(Bonfitto, 2009: 96-97)7.
7Com a ida de Peter Brook e sua trupe Paris em 1968, comeou uma primeira variante doCIRT Centre International de Recherches Thtrales (Centro Internacional de PesquisasTeatrais). Brook fundou o CICT (Centre International de Crations Thtrales) em 1973 e seinstalou com esse grupo no Thtre des Bouffes du Nord, em 1974. A partir da essa
denominao est presente, por exemplo, no anncio dos espetculos e nos livros-programapublicados pela companhia.
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Brook usa o recurso de improvisao no seu processo de concepo de
um espetculo. A sua concepo de improvisao na cena teatral implica na
aquisio pelo ator de uma tcnica precisa e difcil para a construo de um
dilogo ntimo com o receptor. Esse dilogo assim instaurado a partir de uma
perspectiva de preparao do ator para que possa estar disponvel a
desenvolver um verdadeiro encontro com a plateia. Sobre esse assunto este
assunto Brook afirma que:
Aprendemos que a improvisao uma tcnicaexcepcionalmente difcil e precisa, muito diversa da ideia
generalizada de um happening espontneo. Improvisarrequer dos atores amplo domnio de todos os aspectos doteatro. Requer treinamento especfico, grandegenerosidade e tambm senso de humor. A improvisaogenuna, que leva ao verdadeiro encontro com a plateia,ocorre apenas quando os espectadores sentem que soamados e respeitados pelos atores (Brook, 1995: 156).
Estabeleceuma relao profunda com a prtica da improvisao feita
em diferentes contextos de pesquisa, sempre valorizando o trabalho na
relao dos atores com o todo presente no momento do espetculo. Dessa
forma a interpretao se constitui em um meio de estruturar um
relacionamento diferente na prpria vida do artista, que no conta com nada
preestabelecido, nada preparado de antemo, como reconhece em seu livro
O ponto de mudana:
O meio de aprender um relacionamento diferente fazer
uma longa srie de improvisaes longe de plateiashabituadas ao teatro, no meio da vida, sem nadapreparado de antemo, como um dilogo real que podecomear em qualquer lugar e partir em qualquer direo.Neste sentido, improvisao significa que os atoreschegam diante de uma plateia preparados paraestabelecer um dilogo, no para dar uma demonstrao.Tecnicamente, estabelecer um dilogo teatral significainventar temas e situaes para aquela plateia especfica,de modo a permitir que ela influencie o desenvolvimentoda histria durante o espetculo (Brook, 1995: 153).
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A partir dessa afirmao possvel perceber que o ator de Brook
desenvolve um estreito vnculo com o espectador, sendo este consequncia da
clareza dos papis no espao (dentro do tapete teatro, fora pblico) e da
intensificao da energia advinda da compresso do tempo e do espao.
1.2 PRODUO DE IMAGENS E OCUPAO DO ESPAO
Como j foi observado anteriormente, Peter Brook diretor de teatro e
de cinema. Concebe uma estreita relao entre as duas artes pela importncia
que atribui imagem, por possibilitar o nascimento de um mundo paralelo e
sedutor. Esclarece tal relao em um trecho de seu livro Fios do tempo:
Quando comeava uma produo, eu no tinha qualquerideia intelectual; apenas seguia um desejo instintivo deproduzir imagens que se moviam. A moldura do proscnioera como uma tela de cinema estereoscpica na qualluzes, msica e efeitos eram todos to importantes quantoa interpretao, pois meu nico desejo era, como em umamgica, fazer aparecer um mundo paralelo e mais sedutor
(Brook, 2000: 61).
Esse mundo paralelo e sedutor almejado por Brook composto por
imagens, cuja fora tem o poder de devorar, engolir e preencher o indivduo,
impedindo-o de pensar, sentir ou imaginar qualquer outra coisa, alm daquilo
com que elas o sensibilizam visualmente. Isso acontece no momento em que a
impresso da imagem causada, como afirma em seu livro O ponto de
mudana:
No cinema como no teatro o espectador costuma ser maisou menos passivo, estando situado numa posioreceptora de impulsos e sugestes. No cinema, esse fato fundamental, j que o poder da imagem to grandeque engolfa o indivduo. preciso refletir sobre aquilo quese v apenas antes ou depois da impresso ter sidocausada, mas jamais simultaneamente. Enquanto aimagem a permanece com toda a sua fora, no instantepreciso em que est sendo percebida, impossvelpensar, sentir ou imaginar qualquer outra coisa (Brook,1995: 250-251).
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Esse poder sensorial da imagem estabelecido por Brook tambm
extremamente valorizado por Artaud ao comentar o que seria para ele a
verdadeira linguagem do teatro. Silvia Fernandes e Jacob Guinsburg no
prefcio do livro Linguagem e vida (Artaud, 1995: 15) reconhecem que dirigir
teatro, segundo Artaud, significa extrair de um texto as imagens que ele
sugere, e citampara justificar-lhe o pensamento o seu escrito A evoluo do
cenrio, publicado em Linguagem e vida:
O que perdemos do lado estritamente mstico, podemosreconquist-lo do lado intelectual. Mas cumpre, para isso,
reaprender a ser mstico, ao menos de uma certamaneira; e dedicando-nos a um texto, esquecendo a nsmesmos, esquecendo o teatro, esperar e fixar as imagensque nascero em ns nuas, naturais, excessivas e ir at oextremo destas imagens (Artaud, 1995: 27).
Valorizando o poder da imagem de agir sobre o espectador, Brook
estaria tambm realando aquilo que constitui para Artaud a encenao:
Teatro encenao, muito mais do que a pea escrita e falada (Artaud, 1993:
31) ou a prpria linguagem do teatro, que segundo Artaud se diferencia dalinguagem verbal:
Mais urgente me parece determinar em que consiste essalinguagem fsica, essa linguagem material e slida atravsda qual o teatro pode se distinguir da palavra. Ela consisteem tudo o que ocupa a cena, em tudo aquilo que pode semanifestar e exprimir materialmente numa cena (Artaud,1993: 31).
Mais adiante, em sua potica da crueldade, O teatro e seu duplo, Artaud
esclarece a natureza dessa linguagem no espao: No se trata de suprimir o
discurso articulado, mas de dar s palavras mais ou menos a importncia que
elas tm nos sonhos (Artaud, 1993: 90). Essa linguagem qual Artaud se
refere se caracteriza no apenas pela presena do discurso articulado, mas
pelas suas inmeras possibilidades de utilizao de outros meios e objetivao
no espao:
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Alm disso, os gestos simblicos, as mscaras, asatitudes, os movimentos particulares ou de conjunto, cujasinmeras significaes constituem uma parte importanteda linguagem concreta do teatro, gestos evocadores,atitudes emotivas ou arbitrrias, marcao desvairada de
ritmos e sons se duplicaro, sero multiplicados por umaespcie de gestos e atitudes reflexos, constitudos peloacmulo de todos os gestos impulsivos, de todas asatitudes falhas, de todos os lapsos do esprito e da lnguaatravs dos quais se manifesta aquilo que se poderiachamar de impotncias da palavra, e existe nisso umaprodigiosa riqueza de expresso, qual no deixaremosde recorrer ocasionalmente (Artaud, 1993: 91).
Dessa maneira, valorizando a imagem, Brook encontrar nos meios de
ocupao do espao proposto por Artaud os meios de construo de imagens.Tais fatores estruturam uma linguagem comum ao cinema pela busca das
imagens, e ao teatro, na perspectiva de Artaud, a estrutura de uma linguagem
de signos no espao.
1.2.1 Criao de formas e imagens na encenao
A encenao preconizada por Artaud estruturada como umalinguagem em signos, como observa em seu primeiro manifesto do Teatro da
Crueldade ao descrever a linguagem em cena:
No que diz respeito aos objetos comuns ou mesmo aocorpo humano, elevados dignidade de signos, evidente que se pode buscar inspirao nos caractereshieroglficos, no apenas para anotar esses signos deuma maneira legvel e que permita sua reproduo
conforme a vontade, mas tambm para compor em cenasmbolos precisos e legveis diretamente (Artaud, 1993:90).
Tais signos estruturadores da encenao so construtores de imagens e
parecem ser uma presena fundamental concepo do teatro ou do cinema
de Brook. Inspirado na potncia da imagem, busca a sua construo atravs da
articulao de signos originados na pesquisa atravs de formas. Brook
investiga essa linguagem, como afirma em seu livro A porta aberta: Oprocesso de dar forma sempre um compromisso que temos que aceitar,
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dizendo ao mesmo tempo: provisria, tem que ser renovadatrata-se de uma
dinmica que nunca ter fim (Brook, 1999: 45). A imagem em Brook se
estrutura como pesquisa de formas que se relacionam no espao. As formas
atuam como um conjunto de signos que ganham sentidos e unidade na sua
encenao.
1.3 JOGO E ESPAO VAZIO
Nos diversos livros que publicou, Brook expe ideias que so
fundamentais para a compreenso e para a construo da arte teatral na sua
prtica e na sua vida. Em O teatro e seu espao, o encenador sugere que,
embora representar exija muito trabalho, quando se experimenta o trabalho
como uma brincadeira ele deixa de ter a conotao de trabalho. Brook conclui
seu pensamento afirmandoque A play is play (Brook, 1970: 151), e com isso,
faz um jogo de palavras,relacionando o teatro ao jogo, a uma brincadeira.
Para Brook, na perspectiva do jogo, o teatro tem suas regras,
possibilidade de improvisao dentro de parmetros estabelecidos; ocorre no
presente; imprevisvel e jamais ser repetido:
[...] acho que o esporte fornece as imagens mais precisase as melhores metforas para a performance teatral. Sobcerto aspecto, numa corrida ou num jogo de futebol, noh liberdade alguma. Existem regras, o jogo calculadosegundo rgidos parmetros, como no teatro, onde cadaator aprende seu papel e respeita-o at a ltima palavra.Mas este contexto determinante no o impede deimprovisar quando chega a hora. Dada a largada, ocorredor vale-se de todos os meios ao seu dispor. Iniciadoo espetculo, o ator entra na estrutura da mise-en-scne:fica tambm completamente envolvido, improvisa dentrodos parmetros estabelecidos e, como o corredor, cai noimprevisvel. Assim, tudo permanece em aberto e para opblico o evento ocorre naquele preciso instante: nemantes nem depois. Vistas das nuvens todas as partidas defutebol parecem iguais, mas nenhuma delas poderjamais ser repetida em todos os seus detalhes (Brook,1995: 25).
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Brook finaliza afirmando o pensamento, de que a preparao rigorosa
para o jogo no impede o inesperado que o caracteriza. Nesse sentido,
possvel relacionar o jogo citado por Brook com a dinmica de construo de
formas. Esta adquire sentidos na medida em que se estrutura como signos na
linguagem da cena e possui um ciclo vital, isto , um movimento constante,
algo que traz em si uma pulsao de vida. A questo do ciclo vital das formas
ser investigada posteriormente neste trabalho.
As formas criadas acontecem no espao. Na perspectiva de Brook, a
regra fundamental para que se estruture o jogo do teatro a presena daquilo
que ele denomina como espao vazio:
Para que alguma coisa relevante ocorra, preciso criarum espao vazio. O espao vazio permite que surja umfenmeno novo, porque tudo que diz respeito aocontedo, significado, expresso, linguagem e msica spode existir se a experincia for nova e original. Masnenhuma experincia nova e original possvel se nohouver um espao puro, virgem, pronto para receb-la(Brook, 1999: 04).
O espao vazio pode ser visto na objetividade da cena ou na
subjetividade do ator ou do espectador. Um dos aspectos inerentes ao deste
termo a ausncia de cenrio e a forte presena do imaginrio, o que
possibilita ao espectador a liberdade de ateno e criao de processos
mentais, como comenta Larissa Elias:
[...] o espao vazio o preenchimento pelo livre jogo daimaginao, pois ao se deparar com um palco vazio, oespectador tomado por um impulso que cria umaimagem. Se houver, porm, um nico elemento que ilustrea realidade, como um barco de verdade; ou a tentativa dereproduzir uma ilha com rvores etc., o jogo quebrado, eo que se v algo colado realidade, e no alguma coisaque se confronte com ela (Elias, 2004: 105).
A ausncia de cenrio , na concepo de Brook, um comeopara a
atividade da imaginao. Esse espao deve ser preenchido com muita
conscincia e cuidado pois Brook considera o vazio como um signo
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O artista ressalta a necessidade do espao vazio para que seja
reavivado o seu valor a cada momento. A presena deste enfatiza que se
nos limitarmos a colocar duas pessoas lado a lado num espao vazio, a
ateno dos espectadores se estender aos menores detalhes (Brook,
1999: 22), estabelecendo um dilogo ntimo com o espectador.
A figura do contador de histria se torna ento, para Brook, uma
maneira de alcanar o pblico, levando o ator a estar em constante exerccio
da presena do outro. O corpo do ator se torna um meio, um instrumento. Essa
estreita relao um dos objetivos de Brook, que deseja o estabelecimento de
um dilogo profundo e verdadeiro com o pblico. No entanto, manter o contato
com o seu interior e com a plateia no seria um paradoxo para o ator, porque
ao atuar como contador de histrias, o ator aumenta a potencialidade de sua
ateno.Isso faz com que sepossa dividi-la consigo mesmo e com o pblico
aumentando o seu contato, seu dilogo com a plateia. Gonalves comenta a
relao entre a ateno e o ato de contar histrias, referindo-se ao momento
em que Brook iniciou sua investigao sobre este tema:
Esse paradoxo foi a chave que conduziu Brook a enxergar
na figura do contador de histrias, referencial para otrabalho de seus atores. Na viso Brook, o jogo dosatores na cena deve incluir o pblico de forma que osouvidos, a voz e o gesto do ator estejam abertos sensao da presena do pblico. Na perspectiva dotrabalho do ator, os contadores de histrias ampliam aatuao do ator de forma a incluir o pblico comoelemento imprescindvel para a eficcia da cena(Gonalves, 2011: 102).
Dessa maneira, Brook valoriza o ato de contar histrias pela noo dapresena como um dado fundamental ao trabalho do ator no seu
relacionamento com o outro e com o pblico, superando o paradoxo.
Ao relacionar o espao vazio com a arte cinematogrfica, que tem como
foco fundamental a imagem contextualizada, Brook percebe a dificuldade da
aplicao deste termo. Devido natureza realista da fotografia, o ator est
sempre num contexto e nunca fora dele, isto , nunca com uma cenografia
abstrata, num espao vazio. Brook reconhece apenas A paixo de Joana dArc
de Carl Dreyer, filme que conta no elenco com a participao de Antonin
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Artaud, como um exemplo certeiro da utilizao do espao vazio (Brook, 1999:
22).
A obra A paixo de Joana dArc (1927 - 1928) foi o primeiro filme
realizado na Frana por Carl Dreyer antes de Vampiro em 1932. O roteiro
escrito em conjunto com Dreyer e Joseph Delteil, se fundamenta no epsdio
do proecesso de Joana dArc e na viso de personagem em grandes planos
e em close up. Isso acontece no apenas com o personagem de Joana mas
tambm com os papis secundrios como do Monge Massieu representado
por Artaud, que revela suas lembranas da filmagem com Dreyer:
Sei que eu guardei do meu trabalho com Dreyer
lembranas inesquecveis. Encontrei um homem que mefez crer na justia, na beleza e no interesse humano dasua concepo. E fossem quais fossem as minhas ideiassobre o cinema, sobre a poesia, sobre a vida, por umavez percebi que j no me prendia a uma esttica, a umaopinio preconcebida, mas a uma obra (Fau, 2006: 148 -Traduo minha)8.
Imagem 2: Antonin Artaud de Monge Massieu no filme de Carl Dreyer9.
8Je sais que jai gard de mon travail avec Dreyer des souvenirs inoubliables. Jai eu affaire
un homme qui est parvenu me faire croire la justesse, la beaut et lintrt humain desa conception. Et quelles quaient pu tre ms ides sur le cinma, sur la posie, sur la vie,pour une fois je me suis rendu compte que je navais plus affaire une esthtique, un parti
pris, mais une uvre(Fau, 2006: 148).9(Fau, 2006:148).
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A abstrao do cenrio com influncia expressionista funcionava no
filme como um espao vazio pelo seu poder sugestivo de fazer agir a
imaginao do espectador. A propsito desse assunto, Brook afirma que no
teatro pode-se imaginar um ator com roupas normais e com gorro branco de
esquiador representando o papa (Brook, 1999: 23). Em seguida, Brook
conclui a impossibilidade dessa ao no cinema:
No cinema isso seria impossivel. Precisaramos de umaexplicao plausvel, como por exemplo, de que ahistria se passa num manicmio, onde o paciente degorro branco tem alucinaes sobre a igreja, pois docontrrio a imagem no teria sentido (Brook, 1999: 23).
O filme dirigido por Brook, Marat/Sade, cuja a ao ocorre em um
manicmio, os personagens se caracterizam metonimicamente, seus figurinos
funcionam como o tal gorro branco. Sendo assim Brook em Marat/Sade,
aproxima o filme do teatro, buscando a teatralidade que produzida pelo
cinema, o qual sua maneira, leva o espectador a preencher com a
imaginao o espao vazio. Tal espao se refere no apenas ao cenrio, mas
ao enredo, ao ambiente, s personagens enfim, a tudo que constri a
encenao do fragmentado texto de Peter Weiss e que chega ao espectador
pelo olhar da cmera.
Embora Brook utilize a palavra vazio, e possa se considerar que
nenhum espao ao ser observado por uma pessoa seja plenamente vazio de
significado, Brook se refere a um espao vazio que seria um lugar com infinitas
possibilidades de significao: um espao virtual, pronto para ganhar outro
nivel de significado que no est no concreto mas no imaginrio do sujeito que
o observa. Novamente possivel perceber que grande parte da pesquisa que
Brook expe sobre o teatro marcada pela relao entre o ator e o espectador.
1.4 O RELACIONAMENTO ENTRE OS ATORES
A busca pelo dilogo com o pblico por meio do imaginrio se
estabelece como um jogo entre os atores que possibilita o exerccio da
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imaginao. As improvisaes so um meio de exercitar o jogo. A constante
necessidade de exercitar essa tcnica se relaciona como uma espcie de
musculatura que precisa ser trabalhada cotidianamente para no ser perdida.
Nesse sentido Brook tem um pensamento semelhante ao de Artaud, que
reconhece o ator como um atleta do corao, cuja musculatura afetiva
precisa ser exercitada:
preciso admitir no ator uma espcie de musculaturaafetiva que corresponde a localizaes fsicas dossentimentos. O ator como um verdadeiro atleta fsico,mas com a ressalva surpreendente de que ao organismodo atleta corresponde um organismo afetivo anlogo, eque paralelo ao outro, que como o duplo do outroembora no aja no mesmo plano. O ator como um atletado corao (Artaud,1993: 129).
Dessa forma, a imaginao, para Brook, como o afeto para Artaud,
seriam muscularmente exercitveis pelo ator. Brook reconhece a importncia
da imaginao no vazio do teatro e, paradoxalmente, observa que quanto
menos se oferece imaginao, mais feliz ela fica, porque como um msculo
que gosta de se exercitar em jogos (Brook, 1999: 23). Assim, o maior jogo da
imaginao obter do pblico a cumplicidade da ao teatral, para que ele
aceite que uma garrafa se torne a torre de pisa ou um foguete a caminho da
lua. A imaginao, feliz, jogar esta espcie de jogo, desde que o ator no
esteja em parte alguma (Brook, 1999: 23). Nesse jogo estabelecido pela
imaginao no espao vazio tudo pode mudar rapidamente a partir da
instaurao do verdadeiro relacionamento entre os atores e a plateia. O jogo se
estabelece pelo preenchimento das lacunas oferecidas pelos signos enquanto
objeto ou espao vazio que se estruturam como uma linguagem no espao.
A possibilidade de atribuir aos signos outros significados s possvel
com a existncia do vazio, que deve estar presente nos atores. Brook afirma
que os atores devem descobrir relaes autnticas, nicas, relaes
independentes e singulares entre si. Nesse sentido o encenador ressalta que
interessante comear o ensaio no clima mais ntimo possvel para no dissipar
a energia(Brook, 1999: 28). Refere-se, ento, necessidade de concentrao
para se descobrir, criar e recriar essas relaes, sem dissip-las. Brook
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acredita que desta maneira, o ensaio ser mais proveitoso para a realizao do
trabalho.
Segundo Artaud, os signos devem ser construdos no espao, como
uma espcie de poesia. Estes tm algo de singular e dialogam entre si. No
entanto, Artaud sugere que estes signos tenham uma dupla natureza (Artaud,
1999: 39). O jogo de signos que estruturam a cena, como sugere Artaud, pode
ser relacionado ao que Brook discute sobre o nascer como assumir uma forma,
e toda a forma supe nascimento e morte. O trabalho no teatro, segundo
Brook, a busca da forma adequada. Essa busca consiste no investimento
ldico de energia em busca da forma que preencher o espao vazio. Desse
modo a materializao de energia constante de nascimento, morte e
renascimento de forma o processo de enformar um compromisso que implica
em aceitar o carter provisrio da forma que precisa ser renovada. O
nascimento que assumir uma forma, na ndia tem o nome de sphota, e,
segundo Brook, sphota expressa o que est manifesto e o que no est.
Existem energias informes e em determinado momento h uma exploso que
corresponde sphota. a forma que corresponde encarnao dessa
energia.
1.5 MISTRIO E MOMENTO PRESENTE: O INVISVEL
O trabalho com a arte teatral, que ao mesmo tempo subjetiva e complexa,
existe alguma caracterstica que o profissional usa como certa premissa, e que
deve ser considerado fundamental ao desenvolvimento do trabalho. No caso de
Brook, que um encenador com um trabalho slido, ao conceber uma obra,existe algo que considera essencial para que seja possivel a realizao desta.
Para ele, a essncia do teatro reside num mistrio chamado momento
presente (Brook, 1999: 68). um momento surpreendente, que traz em um
tomo de tempo(Brook, 1999: 69)um universo inteiro contido em sua infinita
pequenez e que, ao seu ver, libera no presente o potencial coletivo de
pensamentos, imagens, sentimentos, mitos, enfim todo um potencial oculto e
denso. Tal liberao proporcionada pelo teatro faz dele prprio uma atividadepotencialmente perigosa (Brook, 1999: 69).
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Importa o momento que o teatro capaz de proporcionar: O aspecto da
realidade que o ator est evocando deve despertar uma reao na mesma rea
em cada espectador, fazer com que, por um momento, o pblico viva uma
impresso coletiva (Brook, 1999: 70).
Com o foco na realidade do momento presente, Brook observa, por um
lado, que nele se abstrairia a noo de tempo. Por outro lado, considera que
cada momento estaria relacionado ao anterior e ao seguinte numa corrente
incessante e infinita: Assim, em todo espetculo teatral, deparamo -nos com
uma lei inevitvel: o espetculo um fluxo que tem uma curva ascendente e
descendente (Brook, 1999: 70).
Para o encenador, a aceitao do mistrio fundamental. Por isso o
homem deve manter o sentimento de assombro sem o qual a vida perde o
sentido. Afirma, porm, que o ofcio do teatro no pode ser misterioso, h
sempre um degrau a mais para ser escalado, alando um passo na direo de
seu objetivo. Os degraus da escada encontram-se, segundo ele, nos detalhes
que so percebidos com maior intensidade no espao vazio (Brook, 1999: 64).
Brook expe o pensamento de que o mistrio que cerca o teatro a
busca de uma significao para torn-lo significativo para os outros (1999: 49).
Ento, essa busca teria como objetivo criar uma identificao, ou envolvimento,
para quem o faz e para quem o assiste, fazendo com que o mistrio no seja
uma questo a ser desvendada e sim algo com um movimento constante de
significao e significados. O intuito gerar formas e signific-las. Segundo o
encenador, tal proceder traria o invisvel tona. E, como a criao do mistrio
tem relao estreita com o invisvel, afirma que o invisvel no precisa ser
manifestado:
O problema que o invisvel no precisa se tornar visvel.Embora no tenha que se manifestar, o invisvel podesurgir em qualquer lugar, em qualquer tempo, por meio dequalquer um, desde que as condies sejam propcias(Brook, 1999: 50).
Quando Brook afirma que fundamental haver condies propcias
para que o invisvel se manifeste, refere-se a todos os aspectos que
menciona anteriormente para que o teatro acontea como, por exemplo, a
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instaurao do espao vazio junto relao de cumplicidade estabelecida
entre o espectador e os atores. No entanto, destaca que o estado do ator
deve ser de receptividade, e que este teria relao direta com o sagrado e
com a sphota. Ao afirmar que seriam essas as condies propcias que
possibilitariam a presena do invisvel, e ao relacion-las com o ator,
percebe-se a necessidade de ter esse elenco preparado na perspectiva de
Brook, e em perfeita sintonia, sendo fundamental que todos possuam a
conscincia do momento presente (Brook, 1999: 50). Esse momento est
relacionado ao fato do ator atingir um estado de conscincia presente, sem
divagar, e, assim, alcanar um estado de ateno, prestes a ser preenchido
pela criao. Como o prprio Sotigui Kouyat, ator africano que trabalhou
durante anos com Brook, comenta em entrevista a Larissa Elias: [...] estar
presente no que acontece e isso muito importante para as pessoas, estar
presente na cena, no espao, no com um conceito, com a presena (Elias,
2004: 164), considerada como o ato de conseguir vivenciar o que est
acontecendo no momento. No entanto, para os ocidentais, pelo movimento
dispersivo geral e natural da nossa cultura, deve-se exercitar esse estado,
pois por vezes estamos distantes de alcanar tal objetivo: a permanncia no
momento presente, o exerccio da presena.
Ao levar em considerao as condies para que o invisvel acontea
estas que no seriam iguais sempre se tornam uma varivel que deve
ser de certa forma controlada pelos atores. Eles devem procurar estar em
contato com o seu estado interior, o qual segundo Brook, deve ser de
receptividade. Identificar a diferena entre o que propcio e o que no o ,
se torna uma tarefa complexa e delicada. Por isso, a intuio se mostra na
arte um fator fundamental para o desenvolvimento de qualquer trabalhoartstico, o diretor procura deixar claro em sua prtica o significado e a fora
do invisvel almejado pela encenao, o qual pode aparecer at nos objetos
mais simples:
E atravs de formas totalmente inesperadas, o invisvelpode se manifestar. O invisvel pode aparecer nos objetosmais simples como numa garrafa de plstico que pode ser
impregnada dele e se transformar magicamente em
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qualquer outra referncia de vida, como um beb ou umgnio da lmpada (Brook, 1999: 38).
O comeo do trabalho seria o momento de se libertar de tudo que seja
resposta imediata, pois tudo que aparece neste momento no deve sercolocado no trabalho, as criaes que surgem de imediato so as mais
superficiais e bvias. A respeito dessa afirmao o terico alemo e crtico de
teatro e cinema C. Bernd Sucher observa: Para nos libertarmos delas [as
criaes imediatas] temos de nos esvaziar. Temos de nos libertar de tudo o
que arrastamos conosco. Temos de nos despejar como se desfaz uma mala
(Sucher, 1999: 326). Por isso referindo-se ao espetculo LHomme qui10
(1993), reflete sobre a intuio, que vive no espao vazio, como um fatordecisivo para o teatro e para a criao:
Mas no poderia dizer que o nosso ponto de partida oteatro Bouffes du Nord, embora tenha feito muitosdesenhos e esboos muito diferentes, consciente de queteria que desfazer a mala. Trabalharamos durante trsanos neste projecto e interrompmo-lo por duas vezes.Trabalhamos com muitos, muitos atores e com o Dr.Sacks. A intuio conduz-nos, vive no espao vazio. Aintuio disse-nos: no pode ser assim (Sucher, 1999:326/327).
Ainda expe o significado lingustico da palavra intuioem ingls e
em francs e a explicita como algo desprovido de forma: formless. Refora
com veemncia a importncia da intuio mesmo antes de comear o
trabalho, sendo radical no sentido de abandono do trabalho caso esta no
exista:
Quando falo de intuio, refiro-me quilo que, em ingls,se chama the formless haunch. Haunch significa intuio.Em francs diz-se que se trata de um prsentiment, umpressentimento. Ainda no uma ideia, algo desprovidode forma, formless. Esteprsentiment fundamental para
10Traduo: O homem que. O trabalho foi realizado em 1993 e escrito por Peter Brook,Carrire e Oliver Sacks. O ltimo um neuropsiclogo que tem diversos livros publicados
sobre seus casos clnicos em uma linguagem simples, que mesmo o leitor no sendo darea de neurologia ou psicologia, se torna possvel de realizar a leitura (Sucher, 1999: 316).
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mim. Quando ele no surge, est-se perdido. Quando setem que dirigir uma companhia, precisa-se destepressentimento. Quando se comea um trabalho teatral,tem que se ter este prsentiment, seno no vale a penacomear, pois este sentimento indica o sentido do
trabalho, o caminho (Sucher, 1999: 329).
A intuio no teatro constitui para Brook algo to importante que
participa de escolha ou seleo do texto. A intuio uma percepo e
nunca uma ideia. uma matria viva, sem forma, uma pr-imagem, como
afirma Georges Banu, terico francs de origem romena, professor da
Universidade da Sorbonne Nouvelle Paris 3 , em seu artigo Peter Brook
et la coexistence des contraires:
Assim que decide trabalhar com uma obra, Brook parte deuma percepo e jamais de uma ideia, de uma matriaviva sem forma cujo contornos no se podem designar.O seu texto no mais do que uma pr-imagem.Portanto, o caminho a seguir ir da intuio sem forma procura de uma forma. Adotando esse trajeto, Brookpretende seguir o mesmo itinerrio do autor, que parte deuma pr-imagem, mas inspiradono real, para chegar expresso concentrada que o texto (Banu, 1985: 49 -traduo minha)11.
O resultado final do processo contm essa intuio transfigurada em
uma forma concreta, sendo o ator o responsvel por excuta-la. No entanto,
essa pr-imagem est contida no espetculo, como um embrio que cresce e
se transforma na imagem final.
1.6 O ATOR PARA BROOK: A IMAGINAO E A BUSCA
Segundo Peter Brook o ator dispe de dois mtodos para tocar o
espectador em seu prprio mundo. O primeiro deles consiste na busca da
11Lorsqul opte pour une ouvre, Brook part part dune perception et jamais dune ide, dunematire vivante sans forme dont on ne peut dsigner les contours. Il na du texte quune pr -image. Le chemin suivre sera donc de lintuition sans forme la recherche dune forme. En
adoptant ce trajet, Brook veut pouser le mme itinraire que lauteur, lui aussi parti dune pr-image, mais inspir par le rel, pour arriver cette expression concentre qui est le texte(Banu, 1985: 49).
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beleza: a seu ver, grande parte do teatro oriental baseia-se nesse princpio e
mantm uma forte relao com o sagrado. Para fascinar a imaginao
procura-se extrair o mximo de beleza de cada elemento. como se por
meio da pureza de detalhes se tentasse atingir o sagrado (Brook, 1999: 28).
O segundo mtodo para o ator tocar o mundo interno do espectador a
sua capacidade de criar vnculos entre a imaginao e o pblico, a sua
capacidade de transformar um objeto banal num objeto mgico. No apenas o
espao vazio se transforma com a imaginao, mas tambm o objeto pode ser
transformado pelo poder da imaginao do ator de criar um vnculo entre ele e
o pblico. Brook chama esse objeto de objeto vazio, do qual se torna pleno de
sentido e significados:
Uma grande atriz pode fazer-nos acreditar que umahorrenda garrafa de plstico, que ela carrega nos braosde um jeito especial, uma linda criana. [...] Estaalquimia s possvel se o objeto for to neutro e comumque possa refletir a imagem que o ator lhe atribui.Poderamos cham-lo de objeto vazio(Brook, 1999: 38).
O ator, para Brook, deve se manter em uma relao constante com o
todo. Para isso necessrio que tambm esteja vazio. E, para exemplificar o
significado de um ator vazio, Elias afirma:
Um ator verdadeiramente criativo sempre um espaovazio. um ator que se arrisca a abandonar as formasencontradas e fixadas, do primeiro ao ltimo ensaio, oudurante a temporada: que capaz de abrir mo de umgesto, de uma marca, de uma fala, de uma conquista erecomear. O ator vazio um ator aberto s novas
descobertas, s novas formas, um ator capaz de ser notempo, um ator que entende que uma repetio pode sersempre diferente, se ele estiver disposto a se recolocar(Elias, 2004: 145).
Um dos poucos atores que acompanharam Brook em diversos
momentos de sua carreira, participando de suas montagens, foi Sotigui. Na
entrevista a Elias, o ator comenta essa necessidade do ator estar vazio no
teatro de Peter Brook:
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Mas um ator, no vazio, o ator que entra no espao vazio,o ator no t vazio, no o vento, o ator, que no estvazio, o ator em si, no com pensamentos, um ator quechega com a cabea cheia de coisas, um peso, pra mim um peso que entra em cena, no um ator que chega
vazio, esse o meu entendimento desse pensamento, oator deve entrar vazio no espao vazio para preench-lo,mas voc no vem j pesado com vrios pensamentos,com seus maneirismos... eu posso te dar uma resposta,quando eu dizia que um vazio no jamais vazio.Naquele momento, ele quis que o ator sedesembaraasse de tudo, de todos os parasitas, servazio, sem pensamentos psicolgicos, ter um corpo leve,vazio pra ele isso, ele pede sempre aos atores fazervazio. o ator vazio, desembaraado de tudo, numespao vazio, sem estar decorado, isso a grosso modo
(sic) (Elias, 2004: 163).
Brook acredita que o ator consegue fazer com que uma expresso
ntima cresa e preencha o espao amplo sem perder a relao de
intimidade com o espectador. O ator deve ser ao mesmo tempo personagem
e contador de histrias. Enquanto os atores interpretam uma relao ntima
entre si, esto falando diretamente aos espectadores. O encenador estudado
parece se deter com ateno na busca do relacionamento entre os atores.
Sugere que os atores devem descobrir relaes diferentes e nicas com o
todo. Assim, o ator obrigado a lutar para manter uma trplice relao:
consigo prprio, com outros atores e com a plateia. Esta a dificuldade da
arte do teatro: exigir ao mesmo tempo um vnculo do ator com o seu interior,
com os parceiros de cena e com o pblico. A diferena entre a vida diria e o
teatro se d por meio da intensificao de energia que ocorre em cena pela
compresso do tempo e do espao. O que prende a ateno so as tenses
subjacentes causadas pela interao entre um ator e o todo que est em
volta dele. Exercitar essa capacidade de interao corresponde ao exerccio
de instaurao do vazio e do aprofundamento do dilogo do ator consigo
mesmo e com o outro, que pode ser o ator com quem ele se relaciona em
cena ou o pblico do espetculo.
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1.7 ASPECTOS DOS CENRIOS NAS MONTAGENS DIRIGIDAS
POR PETER BROOK
Larissa Elias, em seu artigo Otapete na potica de Peter Brook: suporte
material do conceito de espao vazio, afirma quea ideia de espao vazio surge
em Brook a partir de 1962 e vai repercutir diretamente na sua concepo
cenogrfica at chegar funcionalidade do tapete em 1972:
A partir da montagem de Rei Lear, em 1962, osespetculos de Peter Brook passam a ser atravessadospela noo de espao vazio, e, desde 1972, quandoBrook faz sua primeira turn frica, com seu grupo
internacional, o tapete passa a ser a forma material maisevidente do conceito de espao vazioempty space, quese torna um conceito fundante do teatro brookiano. 1968 o ano em que se inicia claramente sua formulao cnica(Elias, 2008: 01).
Os cenrios dos espetculos ento dirigidos por Brook eram
desenvolvidos paulatinamente. Ele buscava um cenrio totalmente livre, sem
muitos objetos, que possibilitasse grande interao e movimentao dos
atores. Os cenrios deviam ajudar na construo do trabalho, evitando entrar
em discordncia no somente com a montagem em si, mas tambm com
aquilo em que acreditava no tocante questo do espao e sobre a qual
discutia. Ao observar seus trabalhos de 1962 a 1972, nos quais j constava a
noo de espao vazio perodo que antecede sua viagem frica e ainda
no ocupava o Thtre Bouffes du Nord, em Paris seus cenrios tinham
perspectivas distintas das montagens realizadas aps as experincias com os
carpet shows. Contudo, havia ainda grande semelhana de pensamentorelativamente aos dois momentos.
No primeiro, mesmo j com incio na pesquisa sobre o espao vazio, os
espetculos eram preenchidos com mais cenrios, adereos e detalhes. No
entanto, no segundo, investigando a fundo a questo do espao vazio,
exacerbou seus limites, e seus cenrios passaram a ter menos objetos e
adereos do que os anteriores. Ento, a partir de 1972, quando fez sua
primeira turn na frica, objetivamente na Arglia, realizou trabalhos cujo ofoco era a explorao do espao e improvisaes realizadas em cima de
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tapetes. Esse espao delimitava a rea da encenao. Comentando a fora do
tapete para as improvisaes, Elias observa que O tapete no cenrio, mas
o prprio espao teatral, vazio, pois sobre o tapete no h nada. Esse o
ponto de partida das improvisaes (2004: 127). importante lembrar que a
improvisao sempre esteve presente na pesquisa de Brook com o CICT. Sua
investigao sobre o espao vazio constitua a base de seus trabalhos, como
Elias complementa:
Brook estava convencido de que uma pea de carterimprovisacional devia ser levada aonde as pessoasvivem, pois apresent-la em qualquer lugar era submet-la ao vazio deste lugar, isto , ao fator inesperado que
este novo lugar poderia proporcionar (2004: 35).
Em ambos os momentos de 1962 a 1972 e a partir de 1972 Brook
buscou uma proximidade maior com o pblico para que este se concentrasse
ao mximo, pudesse perceber os detalhes e, com a imaginao, preenchesse
todos os espaos vazios. Sobre a importncia do tapete do empty spaceElias
assim discorre em seu artigo:
O tapete, na potica de Brook, formaliza um conceito deruptura, empty space, que quebra com uma conceituaodo teatro como arte definida pela cenografia. [...] umelemento estrutural, de repetio j definido no teatro dePeter Brook, onde a imagem teatral se faz nodesaparecimento do prprio teatro ou na sobrevivnciados seus vestgios (Elias, 2008: 03).
Brook tambm estudado no mbito da cenografia, pois seu trabalho
sobre o espao tem ligao direta com a construo da cenografia ou com amaneira de pens-la. O fato de ocupar um teatro que, por opo, quis que
detivesse a aparncia de uma constante reforma, ou melhor, de runa, fez com
que suas possibilidades de manipulao e adaptao ao espao se
ampliassem e mantivessem para cada espetculo uma forma de
aproveitamento diferente. Sobre o tema, Nelson Jos Urssi, mestre pela USP
(Universidade de So Paulo), afirma em sua dissertao A linguagem
cenogrficaque o cenrio deixa de ser visto como construo fsica, passandoa ser concebido como um espao do ator:
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Como em seu Thtre Bouffes du Nord, o espaoarquitetnico deixa de ser construo fsica tornando-se oespao do ator, da ao. Peter Brook afirma que ocengrafo tem papel fundamental em criar o teatrocontemporneo e define a cenografia como um dilogocompleto de um espetculo ao vivo teatro ouperformance ou mediado com a tecnologia pelcula,vdeo ou o computador (Urssi, 2006: 67).
Reivindicando sua concepo de espao vazio, Brook passa a no se
utilizar de grandes cenrios. No entanto, possvel perceber a utilizao de
vrios objetos para a composio do espao em suas peas. Todos os
objetos em cena so manipulados pelos atores, nada se encontra em cenaapenas por uma opo esttica. Elias comenta o fato se referindo
montagem do espetculo Marat/Sade, chamando a ateno para o aspecto
de conveno que se estabelece a partir do jogo com o imaginrio criado
pelo objeto:
J nesta montagem est colocada a questo daeficincia do espao vazio. Se ele no for suficiente,
pode-se lanar mo de objetos, que sejamindispensveis. Tratam-se (sic) de objetos vazios termo que aparecer mais tarde , ou seja, objetos comos quais se estabelece o jogo da conveno. Esse jogose estabelece no somente por meio desses objetosvazios, mas tambm atravs de sons, e do corpo dosatores (Elias, 2004: 102).
O estabelecimento desse jogo de convenes ser fundamental para
o preenchimento do vazio pela imaginao. de ressaltar no apenas a
disposio do cenrio, ou do prprio objeto a ser utilizado, como tambm
fundamental a maneira de os atores se relacionarem com essas convenes.
Assim, o ator de Brook assume a responsabilidade pelo que ser feito, e
poder ampliar ou reduzir o vnculo com o espectador, dependendo de sua
possibilidade de concentrao.
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1.8 A MSICA NOS ESPETCULOS DE PETER BROOK
A msica um elemento capital na construo de um espetculo, em
sua opinio. O profissional que produz a msica para a montagem deve estar
integrado ao grupo e compor o repertrio do espetculo medida que o
trabalho se desenvolve. No deve existir distncia entre o trabalho sonoro e
o de cena, pois um est dentro do outro: so uma coisa s. Brook dedica
grande ateno ao som e msica e afirma que a energia da msica tem
que ser a mesma do espetculo (Brook, 1999: 26).
Em artigo publicado pela Associao Brasileira de Artes Cnicas
(ABRACE), intitulado Peter Brook e o CIRT: os anos de ruptura, Matteo Bonfitto
comenta a montagem de Orghast, realizada em 1971 pelo grupo dirigido por
Brook. Trata-se de um trabalho experimental inspiradono mito de Prometeu, o
semideus que roubou o fogo pertencente to s aos deuses e o trouxe do
Olimpo para os homens e por isso foi punido. Escrito por Peter Brook e Ted
Hughes, o texto contm partes em uma lngua inventada, que revelava o
interesse por experimentar diferentes possibilidades de som para a cena e no
somente uma busca pela msica em si, mas por distintos recursos sonoros,
como aqueles advindos de uma possvel lngua inexistente. Bonfitto relaciona a
busca pela explorao da msica e do mito de Prometeu, comparando algo
que teriam em comum, isto , o fato de que o mito e a msica teriam a
possibilidade de comunicar, antes de haver o entendimento intelectual:
Tal correlao entre msica e mito funcionou durante oprocesso criativo de Orghast como uma metforapragmtica; ela se tornou um objetivo que os atores
deveriam buscar praticamente atravs de diferentesatividades. Esse objetivo foi enfatizado, por sua vez, poroutra caracterstica comum entre msica e mito,percebida por ambos, Levi-Strauss e Brook: mito e msicaso linguagens que podem comunicar antes doentendimento intelectual. (Bonfitto, 2008: 03; 04).
A msica predominante em diferentes contextos sociais, tanto no
Oriente quanto no Ocidente, e apresenta fundamental importncia nos rituais. A
respeito do valor da msica relacionada aos rituais, assim se manifesta
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Morgana Martins, Mestre e compositora de repertrio sonoro para teatro, em
sua dissertao intitulada O som ouvido, visto e sentido:
A msica est presente em representaes sagradas, emrituais; a msica adorada, vivida, sentida. A msicase permite transitar por entre espaos, frestas, tomarconta de todo um ambiente e, ainda assim, atravessa aquem se coloca diante dela. o membro virtuoso doquarteto que compe o elemento sonoro som, silncio,msica e rudoque permeiam e predominam no mundosonoro baseado entre barulho e silncio. (Martins, 2011:29)
Sendo estas as quatro formas de se classificar o elemento sonoro (som,
silncio, msica e rudo), a montagem Orghast de Brook oferece ateno a
todas. Construda a partir de improvisaes, a pea foi desenvolvida por
completo em cima do espao da encenao, o tapete. Os atores foram
instigados a explorar o som no espao de um modo que no remetesse fala
propriamente dita; os sons surgiram de acordo com o avano do trabalho. No
entanto, existiu uma espcie de direo para onde deveriam convergir a
explorao sonora. Sobre a forma como se utilizava a voz dos atores e sobre o
tipo de sons que pretendia Brook com esse recurso, expe Gonalves:
A utilizao por Brook da lngua inventada Orghast, exigiaque o espectador escutasse a obra com o mesmo tipo deateno com que se escuta msica. No Ir, os exerccioscriados para se aproximar desse novo universo textualseguiam a mesma linha de trabalho desenvolvida emParis, baseados no estudo de elementos como: o silncio,o som, a slaba e a palavra.Os sons do idioma Orghast - sua cadncia, tom e textura -emitidos ao ar livre nas montanhas iranianas, tinha umcarter viril e austero. O grupo de atores produzia umapolifonia de sons e palavras que sublinhava suascaractersticas internacionais. As palavras de Orghastpossuam sons duros como o or, gr, e tr, e o suave sh etambm as cinco vogais que se misturavam e fundiamnuma mesma frase para transportar o ouvinte para osmundos oriental, africano, semtico, grego e persa(Gonalves, 2011: 97).
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Pelo seu poder de comunicao, que antecede a compreenso fornecida
pela razo, os experimentos com msica sempre estiveram presentes no
trabalho de Brook, que tambm realizou montagens de peras, como Carmen,
que aconteceu em 1981. Durante o processo foram utilizados trs elencos
distintos para a realizao do trabalho, e a base para preparar o elenco foi
composta por improvisaes e jogos de ao e reao, realizados sempre em
crculo. O diretor acreditava na importncia de o grupo estar integrado. Por
isso, os msicos e o elenco de atores e cantores vivenciaram o mesmo
aquecimento e a mesma preparao durante todo o processo. No artigo
Journal de rptitions de la Tragedie de Carmen, encontrado em Les voies de
la cration thtrale (Os caminhos da criao teatral),Michel Rostain, um dos
atores que participou da montagem da pera Carmen dirigida por Brook,
descreveu alguns ensaios. Suas anotaes ajudam a entender um pouco da
dinmica realizada com o grupo para a montagem. Observou ele que o
processo se iniciava com uma necessidade de Brook romper com a maneira
como os integrantes imaginavam a atuao numa pera. Para ele, era
fundamental uma nova perspectiva, uma nova forma de olhar para aquela obra,
sem que fosse cristalizada em um formato antigo, em uma ideia de pera que a
seu ver j estava ultrapassada.
O relato de Rostain ajuda a compreender, e de certa forma, a vivenciar
aquele momento por meio do dirio do ator que faz tambm o leitor entender
questes fundamentais para o processo. Seu relato parte do primeiro ensaio do
grupo, no dia primeiro de setembro de 1981. J nesse dia Brook reuniu todos
membros da equipe que participariam da dinmica desenvolvida. Presentes no
processo desde o primeiro encontro da montagem, os msicos tambm
participaram de forma prtica dessa parte do processo. O trabalho deaquecimento foi conduzido por Maurice (outro ator do grupo) e foi
implementada feita uma dinmica de ritmo, corpo e voz. O trabalho sempre
se iniciava com um crculo, o que de maneira geral parece permanecer em
todos os trabalhos de Brook. No interior dessa disposio circular, eram feitos
alguns jogos com o objetivo de desenvolver o grupo para o trabalho que seria
realizado no segunda parte do ensaio. Brook enfatizou no primeiro ensaio a
necessidade de se alcanar a essncia do personagem, e, sempre conformeRostain, Brook disse que alguns diretores se pautaram na tradio, e que
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Carmen um smbolo de algum que quebra com essa tradio, ao levar seu
amante para dentro do grupo cigano. O diretor reforou a preciso de romper
com estticas e pensamentos j enraizados sobre a pera ao pedir que os
atores modificassem o que estava cristalizado na pera para eles, e para
entrarem em contato com o eu rural de cada um (Rostain, 1985: 191).
A direo de peras na vida de Brook parece permanecer at os
tempos atuais como, por exemplo, quando montouUma flauta mgica (Une
flte enchante, 2010), adaptado da pera de Mozart por ele, Franck
Krawczyk e Marie-Hlne Estienne. A pera veio para o Brasil em 2011 e se
apresentou em algumas capitais: So Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte
e Porto Alegre. Tive a oportunidade de v-la duas vezes em Porto Alegre.
O cenrio da montagem era basicamente composto por varas de bambu
com a altura em torno de quatro metros aproximadamente. Essas varas
repousavam em uma base de ferro, em torno de 10cm, e isso ampliava as
possibilidades do objeto, pois tal base permitia que as varas ficassem em p,
como podemos ver na foto abaixo que mostra um momento em que os bambus
construam ou representavam uma floresta inteira:
Imagem 3: Uma Flauta Mgica12
12Foto retirada do sitewww.satisfeitayolanda.com.bracesso 18 mar. 2012.
http://www.satisfeitayolanda.com.br/http://www.satisfeitayolanda.com.br/ -
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Era possvel ento perceber nos atores uma habilidade para a
manipulao do objeto que, aliada imaginao do pblico, fazia com que os
espectadores pudessem ver e entender o que lhes era proposto. Os
movimentos eram claros, limpos e precisos, e assim o espectador era
facilmente conduzido pelos atores. Os bambus manipulados podiam mudar de
significado de uma cena para outra. Em uma cena, por exemplo,
representavam um buraco na terra, em outra uma grande floresta, ou em outra
eram a ira da Rainha da noite. Na foto abaixo se pode ver com maior clareza
os atores manipulando os bambus e criando formas com eles, a Princesa e
Papagueno cavando um buraco e passando debaixo da terra. Os bambus
representam a terra sobre eles e em frente a eles:
Imagem 4: Uma Flauta Mgica II13.
Nessa montagem, Brook optou por apenas um msico, ao invs de
uma orquestra. Ele se localizava na lateral direita do palco e era responsvel
por todas as msicas do espetculo. No entanto, o elenco inteiro se
alternava de uma apresentao para outra e o msico tambm alternava
com outro msico. Pude ver o espetculo com dois elencos diferentes, que
se relacionavam com o pblico de uma forma intensa. Brook montou um
13Foto retirada do sitewww.jb.com.bracesso 18 mar. 2012.
http://www.jb.com.br/http://www.jb.com.br/http://www.jb.com.br/ -
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espetculo com a durao de quatro horas, mas trouxe para o Brasil uma
verso reduzida de apenas uma hora e meia. Contudo, teve que adaptar a
sua prpria montagem, no entanto, era possvel acompanhar toda a histria,
sem que isto atrapalhasse a compreenso do enredo. Mesmo em uma
montagem de uma pera ele rompe padres e mantm sua coerncia de
pensamento, entre o que pe em prtica e o que acredita ser o teatro. Nessa
obra, pertinente a proposta de transformar espaos e objetos vazios em
espaos e objetos repletos de significados. Por meio dessa prtica se
estabelece a cumplicidade entre espao e objeto vazio junto imaginao
criada na relao entre os atores e o pblico, existente no teatro de Brook.
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CAPTULO II: MARAT/SADE DE PETER BROOK UMA LEITURA DA
TEATRALIDADE NO CINEMA COM INFLUNCIA(S) DE BRECHT E
ARTAUD
necessrio que tudo acontea numa grande claridade[...] que tudo seja contrrio imagem de uma noite. Estapea uma celebrao criao no teatro.14
2.1 A TEATRALIDADE CINEMATOGRFICA EM MARAT/SADE DE
PETER BROOK
Anatol Rosenfeld, terico de teatro, observa no seu livro Teatro moderno
(1985), quanto teatral o texto Marat/Sade de Peter Weiss. A montagem j
traria em si uma consistente proposta de encenao, to minuciosamente
elaborada que ele a associa a uma atitude barroca:
A msica, a cenografia e a pantomima fazem parteintegral da obra. Trata-se de teatro teatral, teatrodesenfreado no sentido mais genuno. Ocorre a
lembrana do teatro barroco. Mas precisamente por isso apea se filia a vigorosas tendncias contemporneas dacena brechtiana e claudeliana, principalmente aoantiilusionismo de um teatro que, na sua acentuao doelemento teatral, no visa verossimilhana realista(Rosenfeld, 1985: 235).
Portanto, como afirma o terico, a teatralidade est presente de maneira
vigorosa no texto de Weiss. Assim, essa caracterstica ajuda a reforar a
presena do elemento teatral na encenao de Marat/Sadede Peter Brook. Aesse propsito, o terico francs Patrice Pavis ressalta em sua obra AAnlise
dos espetculos que os recursos flmicos fortalecem a sua presena:
Todos esses procedimentos flmicos escala dos planos,cortes, defasagens inscrevem o proflmico teatral (ou oque resta dele) em um discurso de forte identidadeflmica, que no d nunca a impresso de teatro filmado.
14Peter Brook em entrevista com Denis Bablet, junho de 1972 (Rostain, 1985).
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[...] Nesse Marat-Sade, todos os procedimentos flmicosesto a servio da teatralidade (2003: 104).
perceptvel a preocupao de Brook na transposio da pea para a
linguagem do cinema. No entanto, sabemos que se trata de teatro, inclusivequando nos deixamos conduzir pelos acontecimentos, pois eles so sempre
interrompidos, fragmentados e logo um instrumento toca, ou um grito ecoa, ou
at mesmo o pblico