Dissertacao Luiz Sergio de Souza Goncalves

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Luiz Sergio de Souza Gonçalves ATITUDES EMPÁTICAS E APRENDIZAGEM: Um estudo sobre a relação professor / aluno, através do olhar da Abordagem Centrada na Pessoa. Rio de Janeiro AGOSTO 2008

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

    Luiz Sergio de Souza Gonalves

    ATITUDES EMPTICAS E APRENDIZAGEM: Um estudo sobre a relao professor / aluno, atravs do olhar da Abordagem Centrada na Pessoa.

    Rio de Janeiro AGOSTO 2008

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    Luiz Sergio de Souza Gonalves

    ATITUDES EMPTICAS E APRENDIZAGEM: Um estudo sobre a relao professor / aluno, atravs do olhar da Abordagem Centrada na Pessoa.

    DISSERTAO DE MESTRADO BASEADA EM PESQUISA ACADMICA APRESENTADA NO PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO, UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO, COMO

    PARTE DOS REQUISITOS NECESSRIOS PARA A OBTENO DO TTULO DE MESTRE EM EDUCAO.

    ORIENTAO: PROF. DRA. NYRMA SOUZA NUNES DE AZEVEDO

    Rio de Janeiro AGOSTO 2008

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    Gonalves, Luiz Sergio de Souza. Atitudes Empticas e Aprendizagem um estudo sobre a relao professor aluno, atravs do olhar da Abordagem Centrada na Pessoa./ Luiz Sergio de Souza Gonalves Rio de Janeiro: UFRJ/ FE/ 2008. Orientadora: Prof. Dra. Nyrma Souza Nunes de Azevedo Dissertao (Mestrado) UFRJ/ FE/ Programa de Ps-Graduao em Educao, 2008. Referncias Bibliogrficas: f. 218-222 1. Atitudes Empticas. 2. Aprendizagem Significativa. 3.

    Relao Professor / Aluno. 4. Abordagem Centrada na Pessoa.

    I. Azevedo, Nyrma Souza Nunes (Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Ps-Graduao em Educao. III. Ttulo.

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    RESUMO

    Este trabalho visa estudar a influncia de atitudes empticas de professores na facilitao da aprendizagem de seus alunos. A fundamentao terica principal parte das concepes da Abordagem Centrada na Pessoa, desenvolvida por Carl Rogers, gerada dentro da psicologia clnica, mas ampliada tambm para o mbito educacional. Procuro articular essas idias com as de outros autores da educao e da filosofia, como Freire, Schn, Tardif, Buber e outros citados em artigos publicados. Essa articulao demonstra uma tendncia marcada pelo movimento da Escola Nova que tem como ponto comum a valorizao da relao entre o professor e o aluno, enquanto um instrumento de facilitao da aprendizagem, pois favorece a vinculao afetiva, aumentando a sensao de segurana e a motivao para o conhecimento. Questes referentes aos currculos tambm so discutidas. A amostra utilizada foi uma turma de 5 srie de uma escola pblica da Baixada Fluminense no Estado do Rio de Janeiro. A pesquisa caracteriza-se como um estudo de caso, utilizando-se de uma metodologia fenomenolgica, com observao no-participante, questionrio, entrevistas e escala de atitudes, que facilitaram a percepo de indicadores no previstos que complementaram a hiptese implcita, inicialmente proposta para ser estudada. No foi possvel constatar a influncia direta das atitudes empticas na aprendizagem, mas sim o anseio dos alunos por um comportamento mais interessado dos professores, no sentido de facilitar a aprendizagem.

    Palavras chave: Abordagem Centrada na Pessoa, atitudes empticas, aprendizagem significativa, tendncia atualizante / formativa.

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    ABSTRACT

    This work aims to study the influence of teacherss empathic attitudes to facilitate de learning of theirs pupils. The principal theoretical base starts from the conceptions of Person Centred Approach, developed by Carl Rogers, created inside the clinical psychology, but amplified also for an educational ambit. I just try to articulate these conceptions with those of other authors from educacional and philosophy areas, as Freire, Schn, Tardif, Buber and others refered in published articles. This articulation shows a tendency marked by the New School movement that has, as a common point, the valorization of the relation between the teacher and the pupil, whereas an instrument for the learning facilitation, that aids the affective link, increasing the assurence sensation and the motivation for the knowledge. Questions regarding the curriculum will also going to be discussed. The pattern used was a class of 5th row from a public school of the Baixada Fluminense in the Rio de Janeiro State. The search is characterized as a case study, using a phenomenological methodology, with a non-participant observation, questionary, interview and an attitudes scale, that have facilitated a perception of a not foreseen indicators that have completed the implicit hipothesys, firstly proposed to be studied. It was not possible to verify the direct inflluence of empathic attitudes in learning, but the pupils craving for a more interested behavior of the teachers in order to facilitate the learning.

    Key words: Person Centered Approach, empathic attitudes, significative learning, actualizing / formative tendency

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    SUMRIO

    Captulo I 1.1 Introduo.........................................................................................................8 1.2 - Bases tericas..................................................................................................12

    1.3 - Relevncia ......................................................................................................16 1.4 Metodologia.....................................................................................................21

    Captulo II 2.1 Referencial terico (noes gerais)..................................................................27 2.2 - A formao da personalidade............................................................................28 2.3 - As atitudes promotoras de desenvolvimento da personalidade.........................41 2.4 - Descrio e evoluo do conceito central..........................................................62 - A tendncia atualizante....................................................................................62 - A tendncia formativa......................................................................................68 2.5 - A aplicao na rea educacional........................................................................77 2.6 Reflexes sobre teoria e prtica pedaggica: currculo e processo de ensino / aprendizagem..............................................................................................................96

    Captulo III Dados levantados e comentrios...............................................................................115 3.1 -Sobre os professores - As aulas observadas.........................................................................................115 - Respostas ao questionrio e escala de atitudes.............................................166 3.2 -Sobre os alunos - As entrevistas...................................................................................................188 - Resultados dos tipos de respostas.....................................................................201

    Captulo IV Anlise dos dados e consideraes finais..................................................................207

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    Referncias................................................................................................................218

    Anexo I Escala de atitudes para os professores......................................................223

    Anexo II Roteiro da entrevista com os alunos........................................................225

    Anexo III Questionrio para os professores...........................................................227

    Anexo IV Desempenho dos alunos estudados (mdia obtida nos 4 bimestres.......230

    Anexo V Dados Estatsticos de 2004 e 2005.........................................................239

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    CAPTULO I

    Achamo-nos, em minha opinio, defrontados com uma situao inteiramente nova na educao, na qual o objetivo dessa, se que desejamos sobreviver, deve ser a facilitao da mudana e da aprendizagem. O nico homem instrudo aquele que aprendeu como aprender, o que aprendeu a adaptar-se e a mudar, o que se deu conta de que nenhum conhecimento garantido, mas que apenas o processo de procurar o conhecimento fornece base para a segurana. A qualidade de ser mutvel, um suporte no processo, mais do que o conhecimento esttico constitui a nica coisa que faz qualquer sentido como objetivo para a educao no mundo moderno. (Rogers 1985 grifos do autor).

    1.1 - Introduo

    Percebo meu objeto de interesse na rea educacional com uma amplitude demasiada para ser contemplada em apenas uma dissertao de mestrado. Trata-se do fracasso escolar, causado pela dificuldade de aprendizagem. No presente trabalho me proponho a estudar o

    fenmeno do fracasso escolar relacionado com a baixa motivao e desempenho insuficiente no mbito da relao ensino / aprendizagem. Procuro considerar as interfaces entre as atitudes empticas do professor na interao com os alunos, os efeitos decorrentes

    das relaes desses mesmos alunos entre si e tambm em relao aos contedos transmitidos.

    Tambm analiso as representaes de professores, produzindo a realidade, mas tambm distores dela. Alguns artigos originados de pesquisas (Cruz, 1997 e Mattos, 2005) descrevem o comportamento de professores baseado em representaes de que boa parte de seus alunos tem grandes dificuldades para aprender. Essas representaes geram a idia de que esses alunos so, na realidade, incapazes de aprender.

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    Os altos ndices de fracasso escolar nas estatsticas brasileiras, principalmente no que se refere ao ensino pblico fundamental, parecem reforar a representao de que a maioria desses alunos no consegue aprender, e que isso acontece por causa de uma espcie de indolncia, no sentido de negligncia, desses alunos e de suas famlias. Esse cenrio provoca um comportamento defensivo nos professores envolvidos, com o objetivo de se eximirem de qualquer responsabilidade. Ao contrrio, os ataques diretos aos alunos e suas famlias apontam para eles como os nicos responsveis pelo fracasso escolar, como se isso

    fosse uma verdade estabelecida, deixando velada a inteno de intimidar, causando medo e vergonha, conforme assinalam Campos e Goldenstein, apud, Cruz (1997), demonstrando a importncia de uma anlise mais aprofundada desse fenmeno que tem como pano de fundo a inteno de conservar as relaes de dominao.

    (...) seria preciso que a anlise desvendasse o carter da intimidao e do medo durante a avaliao dos filhos. Ela conseguida a partir da explorao da responsabilidade dos pais, atravs de um tratamento individual e no coletivo, para que no se configure o problema das crianas de tal professora, a serem discutidos conjuntamente. Ao contrrio, h uma relao autoritria em que a professora, investida de poderes que parecem muito grandes, repreende, humilha e recrimina a me atravs dos filhos. Esse mtodo tem uma dupla finalidade: impedir que a professora seja vista como parte igualmente responsvel e impedir que se alterem as relaes de dominao. (pg. 117). (pg. 11 grifo meu)

    A questo pesquisada : se existe uma relao entre as atitudes empticas dos professores

    e a facilitao da aprendizagem de seus alunos. O ambiente da sala de aula foi observado diretamente a fim de identificarem-se essas atitudes e seus efeitos. O objetivo dessa dissertao pesquisar possveis relaes entre a presena de atitudes empticas dos professores e a facilidade de aprendizagem dos alunos. Entretanto, Rogers (1978 e 1985) no somente afirma os efeitos diretos e positivos que as atitudes empticas, aliadas a outras atitudes facilitadoras, tm sobre a aprendizagem significativa, a partir de sua prpria experincia como professor, como tambm oferece alguns depoimentos de

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    pessoas que vivenciaram esses efeitos nas aulas com professores que desenvolveram essas atitudes.

    Meu referencial terico / prtico me inclina fortemente a concordar com essas afirmaes. Por outro lado, em funo das grandes diferenas culturais e fenmenos sociais especficos

    que envolvem as pessoas com quem ele trabalhou e as que eu escolhi para trabalhar, resolvi adotar uma atitude mais cautelosa, no sentido de me certificar se esses efeitos tambm

    ocorreriam entre os alunos que selecionei para estudar.

    Essa atitude emptica, isto , que busca a compreenso do que acontece dentro do aluno, ou melhor, que procura sintonizar o significado que ele est dando quilo que o professor est tentando transmitir, pode permitir que o aluno verbalize o que est assimilando. Essa ao do aluno auxilia ao professor em sua compreenso desse mesmo aluno, de modo que ele (professor) possa usar recursos apropriados, a partir do referencial do prprio aluno, para ajud-lo a entender. Isso facilitao de uma aprendizagem significativa.

    Por aprendizagem significativa, Rogers (1978, p. 259) entende aquela que realmente provoque alteraes na personalidade, ou seja, o conhecimento que pode ser aplicado na realidade e com o qual se possam fazer relaes que antes no aconteciam.

    O termo atitude emptica uma derivao do conceito de compreenso emptica, definido por Rogers (1985), e que ser apresentado mais adiante, quando forem discutidas as bases tericas. Por enquanto, podemos compreender a atitude emptica do professor, como um movimento, um esforo no sentido de buscar compreender como o aluno est sentindo e compreendendo o contedo que est sendo transmitido.

    Considero importante apontar uma sutil diferena entre o conceito de compreenso

    emptica, que formaliza teoricamente um momento de empatia que ocorre na prtica, e a busca dessa compreenso que revela a atitude de procurar compreender o outro, do exato jeito como ele se apresenta.

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    O momento de empatia, que tambm poderamos definir como sintonia de sentimentos, um fenmeno raro de acontecer. Seria o que Buber concebe como a verdadeira relao Eu e Tu (Buber, 1974) e precisaria de condies muito especiais para ocorrer, ou seja, de uma completa entrega relao.

    J a atitude de busca da compreenso emptica, mesmo que no culmine na perfeita sintonia de sentimentos, mais fcil de acontecer, pois s depende da disponibilidade

    interna e demonstra que essa ao motivada por um sentimento verdadeiro de interesse pelo outro, ou melhor, por aquilo que esse outro est sentindo.

    O carter afetivo de aproximao dessa relao fica evidenciado e ajuda a encorajar a outra pessoa a ser autntica na comunicao do que est sentindo, tornando esses contedos mais claros para ambos.

    (...) o professor que capaz de uma aceitao calorosa, que pode ter uma considerao positiva incondicional e entrar numa relao de empatia com as reaes de medo, de expectativa e de desnimo que esto presentes quando se enfrenta uma nova matria, ter feito muitssimo para estabelecer as condies de aprendizagem. (Rogers, 1978, p. 266).

    Alm da compreenso emptica, Rogers (1978) menciona outras duas atitudes igualmente importantes na facilitao da aprendizagem (considerao positiva incondicional e congruncia do facilitador) que tambm sero descritas nas bases tericas. Provisoriamente, a fim de que o leitor possa se situar adianto que a considerao positiva

    incondicional consiste em perceber o aluno como pessoa capaz de fazer o melhor possvel para aprender, e a congruncia do facilitador a auto-percepo do professor / facilitador, de como se sente naquele momento da aula.

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    O referido psiclogo norte-americano ilustra sua conceituao das atitudes facilitadoras com o depoimento de um aluno da Dra. Patrcia Bull, de uma faculdade cujo nome no foi mencionado na obra citada.

    (...) Muito poucos professores tentariam este mtodo, porque achariam que poderiam perder o respeito dos estudantes. O contrrio aconteceu. A senhora ganhou o nosso respeito, por sua capacidade em falar conosco em nosso nvel, ao invs de dez milhas acima. Com a completa falta de comunicao que vemos nesta escola, foi uma experincia maravilhosa verem-se pessoas escutando umas s outras, e realmente se comunicando, num nvel adulto e inteligente. Mais aulas deveriam permitir-nos esta experincia (7). (Rogers, 1985, p.131)

    1.2 - Bases tericas

    A fundamentao terica deste trabalho segue uma filosofia humanista existencial,

    procurando utilizar uma metodologia fenomenolgica, que norteia a teoria da psicoterapia e a do funcionamento da personalidade, desenvolvidas pelo psiclogo norte americano Carl

    R. Rogers, que aps alguns anos trabalhando e pesquisando em psicologia clnica, fundou a Abordagem Centrada na Pessoa (ACP), assumindo essa denominao quando transcendeu a aplicao psicoteraputica e passou a nortear trabalhos com pequenos e grandes grupos, em vrias partes do mundo, e em diversas reas do conhecimento.

    Seus pressupostos bsicos sobre a concepo de homem, o desenvolvimento da personalidade e as atitudes teraputicas, aqui entendidas como facilitadoras desse desenvolvimento, sero apresentados, bem como sua aplicao na rea educacional,

    buscando o dilogo com outros autores, afinados com essa perspectiva.

    Os principais conceitos que serviro de alicerce para o estudo foram apresentados na teoria da terapia e na teoria do funcionamento da personalidade, propostos por Rogers e Kinget

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    (1977)2. E foram adaptados por Rogers (1985) para a rea educacional.

    O conceito mais importante, e que se apresenta como o eixo principal do corpo terico da ACP, o de tendncia atualizante, que consiste em uma concepo de homem enquanto detentor de uma capacidade de crescimento ou desenvolvimento adaptativo e

    construtivo, e de uma tendncia a exerc-la. Essa capacidade est presente em todos os organismos vivos, no somente na estrutura orgnica, mas tambm no funcionamento da

    personalidade. (Rogers e Kinget, 1977, p. 159)

    Rogers tambm conceituou trs atitudes teraputicas, ou melhor, promotoras de desenvolvimento da personalidade, que devem ser internalizadas pelo facilitador / terapeuta / professor.

    A primeira chamada Considerao positiva e incondicional, que se desenvolve a partir da crena na ao da tendncia atualizante. definida como o posicionamento de se levar em conta que a pessoa pela qual experimento esse sentimento, essa confiana, est fazendo o melhor que pode para desenvolver-se e adaptar-se, de acordo com as condies

    que esto sendo oferecidas para ela, naquele determinado momento.

    Penso nela como apreciar o estudante, apreciar seus sentimentos, as suas opinies, a sua pessoa. um carinho pelo estudante, mas um carinho que no possessivo. uma aceitao deste outro indivduo como sendo uma pessoa separada que tem valor por si mesma. uma confiana bsica a crena de que essa outra pessoa , de algum modo, fundamentalmente, digna de confiana.(Rogers, 1985, pg. 130).

    A segunda a Compreenso emptica, que consiste na compreenso do outro, a partir daquilo que ele est experienciando, buscando compreend-lo, a partir do seu prprio referencial.

    2 A proposio original foi apresentada na edio norte-americana de 1957.

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    Quando o professor tem a capacidade de compreender internamente as reaes do estudante, tem uma conscincia sensvel da maneira pela qual o processo de educao e aprendizagem se apresenta ao estudante, ento, mais uma vez, aumentam as possibilidades de uma aprendizagem significativa. (Idem, pg. 131).

    E, finalmente, a terceira a Congruncia do facilitador, que pode ser conceituada como a representao correta na conscincia, daquilo que se est sentindo no momento em que a

    relao acontece.

    Quando o facilitador uma pessoa real, sendo o que , ingressando num relacionamento com o estudante sem apresentar-lhe uma mscara ou fachada, ela tem muito mais probabilidades de ser eficiente. Isto significa que os sentimentos que est experimentando esto disponveis para ela, disponveis sua conscincia, que ela capaz de viver esses sentimentos, s-los, e capaz de comunic-los, se for apropriado. Significa que ela se encontra direta e pessoalmente com o estudante, encontrando-o numa base de pessoa para pessoa. Significa que est sendo ela prpria, no negando a si. (Rogers, 1985, pg. 128)

    Para dialogar com Rogers, trago os autores Donald A. Schn (1995) e Maurice Tardif (2005) que defendem os conceitos, respectivamente, de professores reflexivos e de saberes docentes. Segundo Schn (1975,) suas idias no so novas, pois foram defendidas por outros autores, como Vigotsky e Dewey, sendo esse ltimo tambm citado por Rogers (1985 p.110 e 112) como alinhado com suas idias. Alm desses, as idias de Paulo Freire e de Bernard Weiner tambm so trazidas para conversar com as de Rogers.

    Na mesma linha de valorizao da relao professor / aluno, para que esse ltimo possa tambm valorizar seus conhecimentos, a partir de sua prpria experincia, o que representa,

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    em ltima anlise, valorizar-se como pessoa, trabalho algumas idias de Paulo Freire, articulando-as com as de Rogers, apenas na dimenso psicolgica e educacional, sem aprofundar o vis poltico-revolucionrio de Freire.

    Por outro lado, enfatizando os saberes prprios dos professores como: os da formao

    profissional, os disciplinares, os curriculares e os experienciais (Tardif 2005), considero que as pesquisas desse autor sobre os diversos saberes docentes podem contribuir na

    compreenso da dinmica das relaes que se estabelecem na sala de aula.

    Outra vertente que guarda possibilidade de dilogo com Rogers a Teoria da Atribuio que trata da compreenso dos processos motivacionais que interferem na aprendizagem (Andrade, 2004). Esse autor trabalha algumas idias de B. Weiner, que prope trs fontes de afeto que interferem no sucesso ou no fracasso.

    Primeiro est o bom ou o mau sentimento bsico que depende se o resultado foi favorvel ou desfavorvel. Weiner diz, alm disso, que estas emoes bsicas so as mais fortes e se relacionam diretamente com o resultado obtido; no esto mediatizadas pela atribuio causal que se fez. Segundo, esto as reaes especficas (...) geradas pela sorte e a confiana de atribuies de habilidade associadas com a atribuio causal. Por fim, temos a mediao da dimenso de internalidade sobre sentimentos associados com a auto-estima. (Andrade, 2004, p. 2)

    Essas idias apresentam outros aspectos importantes no processo de aprendizagem e que

    parecem variar, no que concerne aos alunos, em correlao direta com as atitudes empticas dos professores e, por isso, merecem ser objeto de anlise.

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    1.3 - Relevncia

    Na reviso bibliogrfica sobre o assunto, envolvendo a capacidade de compreenso emptica do professor durante a aula, a dificuldade de aprendizagem, traduzida como dificuldade de apreenso do conhecimento dos contedos, pouca motivao dos alunos e

    fracasso escolar, relacionado pela literatura como uma das razes da evaso escolar, encontrei grande produo sobre o fracasso escolar, abordando alguns dos aspectos

    envolvidos citados.

    Angelucci, Kalmus, Paparelli e Patto (2004), categorizaram 71 obras, realizadas entre 1991 e 2002, na Faculdade de Educao e no Instituto de Psicologia da USP, tendo analisado 13 com mais profundidade a partir de algumas questes:

    (...) como o tema abordado? Qual a questo terica e metodolgica subjacente? H coerncia entre teoria e mtodo? Quais as concepes de escola e de fracasso escolar que fundamentam o trabalho? Quais as relaes com o conhecimento j produzido? Que novos aspectos so anunciados? (p. 2)

    As autoras agruparam os trabalhos conforme a compreenso de fracasso escolar. (...) como problema essencialmente psquico; como problema meramente tcnico; como questo institucional; como questo fundamentalmente poltica(p. 2).

    Ao separarem os trabalhos em categorias, encontraram grande quantidade de pesquisas

    considerando o fracasso escolar como um problema individual. Esses estudos foram includos em: Distrbios de desenvolvimento e problemas de aprendizagem,

    Remediao do fracasso escolar e Papel do professor na eliminao do fracasso escolar(pg. 11).

    Analisando essas 3 proposies, consideraram a primeira (12 produes), localizando no aluno a causa do fracasso, em funo de distrbios cognitivos, psicomotores ou

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    neurolgicos, e as posteriores (11 e 10 produes, respectivamente), como categorias que alternam essa responsabilidade entre o professor e o aluno, apontando solues tcnicas, (...) de base terica comportamental ou cognitivista (...). (pg. 11).

    Embora minha proposta de pesquisa possa ser inserida nessas ltimas categorias

    formuladas pelas autoras, a base terico / filosfica que respalda este trabalho difere da que foi encontrada por elas, uma vez que esta produo orienta-se por uma base humanista-

    existencial-fenomenolgica.

    Esta uma pesquisa do tipo descritiva em que os dados levantados vieram dos momentos de atitudes empticas anotados por mim, atravs do registro de freqncia (Alves-Mazzotti e Gewandsznajder, 1998) dessas atitudes consideradas na observao das aulas, com a inteno de compar-los com o resultado verificado nas avaliaes (testes, provas, trabalhos e exerccios em aula) regulares dos professores, mas a dinmica do ano letivo, com todas as dificuldades que lhe so caractersticas, no permitiram que eu tivesse acesso

    a todos esses dados, mas somente s notas finais de cada bimestre e ao resultado final, informando se o aluno foi ou no promovido.

    importante destacar que as avaliaes no so aferies exatas do conhecimento do aluno, obtido pela aprendizagem do contedo transmitido pelo professor. Mas sim, reflexo das expectativas do professor em relao ao que ele considera importante de ser avaliado, com um instrumento que ele considera eficiente para avaliar a aprendizagem.

    Por outro lado, seria impraticvel, neste nvel de pesquisa, algum outro tipo de aferio de resultados que espelhasse, pelo menos em parte, o nvel de aprendizagem alcanada aps os

    momentos de transmisso de conhecimento durante as aulas, ou seja, seria necessria uma aferio absolutamente isenta de expectativas do professor (talvez uma comunicao direta do aluno) imediatamente posterior transmisso.

    Optei por uma abordagem qualitativa de pesquisa, cujo instrumento central de coleta de dados foi a observao dos fenmenos envolvidos, a fim de levantar os dados que

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    pudessem apontar caminhos a seguir, alm de questionrios destinados tanto aos professores quanto aos alunos, para verificar a percepo que essas pessoas tm sobre a vivncia dos fenmenos pesquisados. O estudo se processou durante o ano letivo de 2007, em uma escola pblica municipal da comarca de Queimados, RJ.

    Considero esse estudo relevante porque vrios levantamentos tm apontado para os altos ndices de evaso escolar em nosso pas, relacionados com gravidez precoce, trabalho

    infanto-juvenil pela necessidade de complementao de renda, violncia domstica e a baixa motivao escolar, a incluindo o fracasso escolar e a distoro idade / srie.

    Muito se tem pesquisado sobre o tema fracasso escolar, enfocando os diversos aspectos que permeiam o fenmeno, mas, conforme pode ser percebido no levantamento de Angelucci, Kalmus, Paparelli e Patto (2004), apresentado linhas atrs, pouco se estudou sobre as relaes intra e intersubjetivas que acontecem na sala de aula, e suas influncias no processo ensino-aprendizagem, principalmente dentro de uma perspectiva da abordagem

    centrada na pessoa.

    Quando me refiro intrasubjetividade, no fico restrito aos fatores cognitivos e afetivos que, por causa de algum tipo de transtorno passvel de ser diagnosticado, ocasionaria a dificuldade de aprendizagem, mas sim a um entendimento especfico de funcionamento da personalidade, que ser descrito mais adiante.

    Em minha experincia profissional como psiclogo jurdico na comarca de Queimados, RJ, atendendo crianas e adolescentes, em grande maioria, oriundas de uma situao social de extrema carncia, freqentemente me deparo com o desinteresse pela escola, com a

    vergonha de no conseguir aprender e com o conseqente abandono dos estudos.

    Apesar desse cenrio, essas pessoas em desenvolvimento reconhecem a importncia de estudar para que tenham mais chances de alcanar postos de trabalho mais valorizados e uma vida melhor. Por outro lado, na maioria das vezes, no conseguem ter clareza de como

    superar suas dificuldades de aprendizagem.

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    Acredito que esse estudo poder contribuir, no mbito da psicologia da educao, para chamar a ateno sobre a importncia de se prepararem os professores, no somente do ponto de vista intelectual, de domnio de contedos e prtica em sala de aula, mas tambm, instrumentaliz-los com atitudes de sensibilidade em relao ao outro, em um movimento no sentido do respeito e compreenso da diversidade.

    No mbito da educao acredito que a contribuio ser de ajudar a se repensarem formas de reduzir os ndices de fracasso escolar causados pela dificuldade de aprendizagem, e que se configura como um dos causadores da evaso escolar, principalmente no ensino pblico fundamental.

    Muito se tem falado sobre investimentos em educao fundamental, no s em termos de quantidade de alunos nas escolas, mas tambm em melhoria da qualidade do ensino pblico oferecido. Sabemos que essas questes passam por definies de polticas pblicas que proporcionem salrios e condies de trabalho, dignos, mas tambm passam por uma

    formao, tanto prvia quanto continuada, mais atenta qualidade dos professores, no somente no domnio dos contedos e na prtica em sala de aula, mas, principalmente, que

    sejam preparados para respeitarem ou, mais do que isso, se fascinarem pela diversidade de seus alunos.

    Rogers (1985) procurou dar a dimenso desse sentimento especial que se transmuta em atitude de compreenso emptica, citando o depoimento de um aluno universitrio do Dr. Morey Appell (a universidade no foi revelada).

    A sua maneira de ser conosco foi uma revelao para mim. Em sua aula, sinto-me importante, maduro, capaz de fazer coisas, sozinho. Quero pensar por mim prprio e esta necessidade no pode ser realizada somente atravs de livros didticos e palestras, mas vivendo. Acho que o senhor me v como uma pessoa com sentimentos e necessidades reais, um indivduo. O que digo e fao so expresses significantes minhas, e o senhor reconhece isso. (p. 131)

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    Em termos prticos, almejo poder colaborar para que uma nova postura comece a se instalar entre os professores que se dispuserem a participar e discutir os resultados encontrados. Dessa forma, novas atitudes incorporadas, que possam oferecer aos alunos a experincia de um ambiente seguro e facilitador de aprendizagem, sendo respeitados em sua condio de pessoas singulares, sendo percebidos e percebendo-se como realmente

    includos, na dimenso mais profunda que esse conceito pode alcanar, na intersubjetividade. preciso aprofundar a incluso para que seja ultrapassada a simples disponibilizao de vagas, e cada vez mais possamos experimentar as situaes de verdadeiro acolhimento.

    Acredito que esse movimento pode ser revolucionrio, bem no sentido que Rogers (1985) props, de uma revoluo real em nossa abordagem de educao (p. 127), melhorando as possibilidades de aprendizagem e sucesso escolar, capaz de atingir um dos maiores problemas enfrentados pela educao brasileira, a evaso escolar.

    No curso dessas possveis mudanas, considero que o imaginrio social, a respeito desses alunos, freqentemente considerados incapazes de aprender no nvel do saber escolar, alm

    de sua prpria auto-estima, tambm se alterem.

    O rtulo e o estigma atingiram ngela muito cedo em sua vida escolar. Aps cursar o pr-primrio no prprio bairro, foi matriculada na primeira srie na escola do Jardim em 1982, aos sete anos de idade. Avaliada quanto s possibilidades de aprendizagem, foi considerada no-pronta e colocada numa classe da qual no se esperava muito em termos de rendimento; previsivelmente foi reprovada. Se a essa avaliao, sempre passvel de suspeio, acrescentarmos a expectativa que ela gerou nas educadoras, reforada pelo preconceito que alimentam em relao aos moradores do bairro (...) ( Patto, 1996, p. 293).

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    1.4 - Metodologia

    uma pesquisa com objetivo descritivo, mais especificamente, um estudo de caso, procurando-se utilizar o mtodo fenomenolgico em sua conduo. Esse mtodo consiste em observar o que acontece com o mnimo de interferncia possvel, o mais naturalmente

    que se puder ser, a fim de compreender a essncia da existncia da dinmica das relaes que se estabelecem, no com uma conotao essencialista, idealista, mas sim buscando o

    significado da experincia dos protagonistas.

    Tradicionalmente a pesquisa fenomenolgica, ou melhor dizendo, os vrios modelos de pesquisas fenomenolgicas, ainda que divergentes em tantos outros aspectos, so unnimes em alguns, o que alis diz de seu carter fenomenolgico, apesar de suas diferenas. Entre estes, a busca do significado da experincia ser sempre o fim ltimo da pesquisa fenomenolgica. O que ser diferente ser o modo de compreenso deste significado. Ele poder ser uma compreenso idealista, e a a descrio buscaria alcanar a essncia, dentro de um modelo husserliano mais tradicional, idealista. Ou poder ser uma compreenso mundana, dentro da viso merleau-pontyana, eminentemente crtica. Por exemplo, na pesquisa da psicopatologia da depresso, o pesquisador poder estar buscando a essncia desta doena (dentro da tradio fenomenolgica idealista), que consistir na descrio e compreenso do que invariante, ou universal nesta patologia, o que estaria mais prximo da abordagem fenomenolgica de Jaspers (1996). (...) Ou poder estar buscando compreender a experincia da depresso com seus significados de mltiplos contornos, isto , determinados por aspectos endgenos, culturais e situacionais (Moreira, 2002) que consiste em compreender o significado da experincia depressiva enquanto uma experincia mundana. (Moreira, V., 2004, p.450)

    A amostra escolhida foi constituda por 8 professores e 27 alunos da 5 srie do ensino fundamental da rede pblica do municpio de Queimados, RJ.

  • 22

    O n de professores o padro pela quantidade de disciplinas regulares ministradas no Ensino Fundamental. J a quantidade de alunos foi em funo dos que freqentaram regularmente as aulas. A turma observada tinha 36 alunos listados, mas a freqncia nunca ultrapassou 27.

    O municpio foi escolhido por causa da facilidade de deslocamento, j que l desempenho outras atividades, e tambm pela vontade de compreender melhor a realidade educacional

    de Queimados que muito tem a ver com essas atividades.

    A escolha da turma observada foi feita de acordo com a anlise de fatores como: Quantidade de alunos por turma e distoro idade / srie. A quantidade de alunos foi uma preocupao inicial para facilitar as observaes e registros, pois uma quantidade muito grande de alunos por turma poderia se tornar uma importante varivel interveniente nos resultados. J a presena da distoro idade / srie entrou como fator de seleo da amostragem por significar histrico de fracasso escolar e provvel dificuldade de

    aprendizagem.

    A 5 srie do Ensino Fundamental aparece em alguns resultados estatsticos consultados, como aquela que concentra os maiores ndices de fracasso escolar. Analisando os resultados apresentados pela Secretaria Municipal de Educao do referido municpio, nas trs escolas que mantiveram a 5 srie do Ensino Fundamental, nos anos de 2004 e 2005, h registro de uma mdia de reprovao de 41,94% e 32,49%, respectivamente. (Anexo V)

    Os instrumentos para coleta de dados que me pareceram mais adequados so:

    1 - A observao no participante, isto , com o mnimo de interferncia possvel, de algumas aulas, mais especificamente dos momentos em que estivesse acontecendo a

    transmisso de contedo, procurando detectar a presena de atitudes empticas dos professores em relao aos alunos.

  • 23

    O fenmeno observado especfico, mas sua deteco para registro necessita uma anlise com mais ateno. Por esse motivo os registros foram feitos de forma descritiva, com o mximo de detalhes possveis e posteriormente foram avaliados para se identificar a presena de atitudes empticas. Alm disso, tambm aconteceram momentos de observaes mais livres (quando no estivessem ocorrendo transmisses de contedo), que foram considerados significativos para uma compreenso mais abrangente.

    2 - Uma escala de atitudes (Anexo I) a ser respondida pelos professores, enfocando suas percepes sobre os momentos de empatia nas interaes durante as aulas, incluindo seu posicionamento em relao s dificuldades de compreenso dos contedos pelos alunos. A escala um tipo de questionrio estruturado a ser completado pela pessoa pesquisada, geralmente com opes de respostas que, na verdade so confirmaes ou negaes de afirmaes apresentadas no enunciado de cada item. No caso deste projeto, que tem por objetivo aferir atitudes empticas, chamamos escala de atitudes. Cada item faz uma afirmao a respeito de sentimentos e comportamentos da pessoa que responde, e que se

    referem a atitudes com presena ou ausncia de empatia ou ainda com facilitao para a ocorrncia ou no de empatia. O professor dever assinalar seu grau de concordncia com a

    afirmao.

    Obs: s questes que afirmam a aproximao ou a presena da atitude emptica (I, II, IV, VI, VII), so atribudos valores regressivos (3 2 1) no sentido da concordncia at a discordncia. O oposto (1 2 3) acontece no restante das questes (III, V e VIII), que afirmam atitudes de afastamento da tentativa de compreenso emptica. Tais cuidados so importantes para se evitar o vcio somente em uma das opes como, por exemplo, concordo em todos os itens.

    Dessa forma, numa escala que varia de 8 a 24 pontos, com ponto mdio 16, os que estiverem mais prximos dos extremos sero considerados com uma auto-percepo de menor ou maior, respectivamente, grau de disponibilidade para atitudes de empatia.

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    3 - Uma entrevista (Anexo II) que busque apreender a percepo que os alunos tm dos professores, em relao s suas dificuldades de aprendizagem, com o objetivo de observar o impacto que a presena ou a ausncia de atitudes empticas tm sobre sua auto-estima, auto-conceito e auto-confiana para insistir na tentativa de aprendizagem.

    Inicialmente pensei em um questionrio para os alunos, mas minha experincia com as crianas e adolescentes no municpio de Queimados, que so atendidas a partir dos processos judiciais, me fez optar pela entrevista, uma vez que o nmero de analfabetos funcionais (lem razoavelmente, mas com pouca capacidade de interpretao), mesmo entre alunos de 5 srie da rede pblica muito elevado. Essa realidade traria dificuldades incontornveis se usasse o questionrio. Alm disso, o contato direto na dinmica da entrevista trouxe importantes subsdios para os registros.

    4 - Um questionrio sobre a formao dos professores, sua trajetria profissional e seus sentimentos em relao quela escola onde trabalham, objetivando observar a existncia de outras variveis que poderiam estar influenciando a maior ou menor incidncia de atitudes empticas (Anexo III).

    As questes so fechadas para favorecer o retorno das respostas, mas, em algumas questes, houve a preocupao de se pedir uma justificativa, a fim de possibilitar contribuies daqueles que quisessem acrescentar mais informaes ou opinies.

    A escala, o questionrio e a entrevista foram desenvolvidos por mim, em conjunto com a orientadora deste projeto, especificamente para esta pesquisa, e foram validados atravs de aplicaes experimentais (pilotos) que corrigiram as inadequaes que surgiram.

    Os resultados obtidos na escala de atitudes serviram de base comparativa entre a auto-

    percepo dos professores em relao ao maior ou menor grau de empatia e a deteco de atitudes empticas observadas no comportamento durante as aulas. As convergncias e as divergncias indicaram a presena maior ou menor de incongruncia entre a auto-imagem

  • 25

    do professor e suas atitudes em sala de aula, passveis de correlao com os resultados obtidos pela turma.

    O questionrio para os professores ajuda com dados sobre o histrico e sua percepo crtica, da realidade que vivem no exerccio da profisso, facilitando a compreenso das

    possveis convergncias e divergncias entre a auto-percepo e as atitudes em sala de aula.

    A entrevista com os alunos ajuda na compreenso do outro lado, ou seja, como os beneficirios da aprendizagem percebem seus agentes de transmisso de conhecimento. Que tipo de atitudes eles recebem como facilitadoras ou no dessa aprendizagem.

    No prximo captulo, pretendo me aprofundar na apresentao e anlise das bases tericas da Abordagem Centrada na Pessoa. Como a experincia em psicologia clnica foi a fonte inicial de Rogers para formalizar sua teoria, optei por usar uma linha de raciocnio dentro dessa atividade, para depois realizar as articulaes com a educao.

    Inicio debruando-me sobre desenvolvimento da personalidade, considerando as distores

    que o sistema social impe, afetando a percepo e a valorizao do organismo em termos de sentidos, sentimentos e razo.

    Esses aspectos se relacionam diretamente com a dimenso educacional, pois a relao ensino / aprendizagem reproduz o modo de avaliao condicional que ser esmiuado mais adiante.

    Em outro item desenvolvo os procedimentos do que seria a psicoterapia, ou seja, uma forma de interveno potencialmente capaz de promover mudanas em direo ao desenvolvimento da personalidade. Dentro do mesmo raciocnio, destaco que a atuao do

    professor pode seguir neste sentido.

    Depois disso, realizo um aprofundamento no postulado central da teoria, a tendncia atualizante; aproveito para pincelar alguns aspectos do desenvolvimento da personalidade,

  • 26

    procurando registrar a ampliao que Rogers deu ao conceito central, evoluindo para o conceito de tendncia formativa, ao analisar alguns artigos sobre a formao do universo, relacionando-a com outras reas do conhecimento, mas tambm ofereo meu prprio entendimento dessa questo e aproximaes das idias defendidas por Fritjof Capra, Ilya Prigogine e Isabelle Stengers, no mbito da Filosofia da Fsica Moderna.

  • 27

    CAPTULO II

    2.1 - Referencial Terico (noes gerais)

    Rogers formulou sua teoria da terapia envolvendo uma srie de conceitos e noes conexas

    ao desenvolvimento da personalidade, ao seu funcionamento timo e sistematizao do processo teraputico propriamente dito. (Rogers e Kinget 1977).

    Vrios profissionais ligados Abordagem Centrada na Pessoa exploram competente e exaustivamente diversos aspectos daquela formulao. As convergncias e divergncias de perspectivas vo contribuindo, democraticamente, para o melhor entendimento do referencial terico que respalda o experienciar, o vivido, constituindo-se em uma atualssima forma de perceber o relacionamento humano, pois, nos remete, invariavelmente, realidade do organismo em relao atravs da busca da autenticidade desse movimento.

    A teoria da personalidade captulo obrigatrio na exposio das diversas correntes de

    psicologia, e est sempre ligada tica filosfica que a fundamenta.

    Por um lado, enfocando especificamente a ACP, um fator que contribui para fortalecer seu entendimento, tantas vezes experimentado no senso comum, mas pouco formalizado.

    Por outro, depara-se com certas dificuldades que nos remetem quelas descritas por Capra, referindo-se tica da filosofia oriental, no que concerne tentativa de verbalizao racional daquilo que existe de forma absolutamente irracional, do qual os conceitos s

    conseguem meras aproximaes.

    Para a maioria dos seres humanos, muito difcil permanecer constantemente consciente acerca das limitaes e da relatividade do conhecimento conceitual. Na medida em que nossa representao da realidade muito mais fcil de se apreender que a realidade propriamente dita, tendemos a confundi-las e a fazer

  • 28

    com que nossos conceitos e smbolos se tornem equivalentes realidade. Um dos objetivos principais do misticismo oriental consiste na busca da superao dessa confuso. Os zen-budistas afirmam que necessitamos de um dedo para apontar para a lua, mas que no devemos nos preocupar com o dedo uma vez reconhecida a lua. (...) (Capra, 2000 - p. 30)

    Podemos assim, entender a importncia de trilhar os dois caminhos

    (conceitual e pr-conceitual) para completar a compreenso e a transmisso dos conhecimentos da ACP, em sua concepo do funcionamento da personalidade. Portanto,

    tenho plena conscincia de que os smbolos verbais aqui expostos, sem o experienciar, esto longe de definir a realidade particularmente vivida, mas talvez possam fazer sentido e ajudar no entendimento das idias aqui apresentadas.

    Alguns aspectos dessa dinmica foram colocados no item anterior, pela necessidade de contextualizao da tendncia atualizante na percepo e vivncia das pessoas. Assim sendo, optei por repetir as idias j expostas, ampliando um pouco mais a perspectiva do funcionamento da personalidade, seguindo um estilo de aproximaes para tentar

    maximizar a possibilidade de entendimento, considerando que muitos dos que tiverem acesso a esta dissertao no tm conhecimento profundo dos fundamentos da ACP.

    2.2 - A formao da personalidade

    A formalizao da teoria da personalidade, mais conhecida no desenvolvimento da histria

    da ACP, foi a proposta em 1959 (texto original) (Rogers e Kinget , 1977), fruto da combinao da experincia clnica, com as concluses obtidas aps vrias pesquisas que relacionaram as condies e atitudes teraputicas, com os efeitos no cliente.

    As concluses forneceram a base para a concepo da dinmica do desenvolvimento da personalidade, com uma segurana crescente em relao aos conceitos, na medida em que

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    se aproximaram da experincia direta de Rogers, valendo o mesmo raciocnio quando transportados para a rea educacional.

    O modelo adotado nessa formulao foi o se-ento, caracterstico do modelo experimental que tentou, em vo, adaptar o rigor cientfico da fsica clssica psicologia, e

    paradoxal em relao aos conceitos de ndole fenomenolgico-existencial utilizados por Rogers.

    Como ser mais bem observado no item sobre a tendncia formativa, a prpria fsica moderna vem considerando o antigo mtodo experimental cada vez mais ultrapassado, pois se descobriram muito mais aproximaes da realidade, utilizando uma metodologia fenomenolgica para a compreenso de seu objeto. Na esteira desse desenvolvimento, as bases para se compreender o funcionamento da personalidade dentro da tica da ACP, podem sofrer uma investigao mais complexa, envolvendo, bem mais, os aspectos psicossociais de seu desenvolvimento.

    O ponto de partida a criana, que chega ao mundo para iniciar sua experienciao, agindo

    no sentido de atualizar-se, com finalidade adaptativa, na construo de seus significados, a partir de seu referencial interno (sentidos e instintos) de forma radicalmente particular. Toda valorizao nesse estgio orienta-se pelo organismo, seu todo organizado no sentido de aproximar-se do que percebe como positivo para si mesma, e afastar-se do que lhe parece negativo, ameaador, que gere desconforto.

    A concluso de Rogers infere a existncia de um sistema motivacional inato, como veremos mais adiante, inerente a todo o Universo. E de um sistema regulador chamado

    avaliao organsmica, que segue os princpios da tendncia atualizante, particularmente manifestada, no sentido de satisfazer o prprio organismo.

    evidenciado o carter subjetivo, fenomenolgico, da percepo da realidade, e a permanente atualizao em funo da dinmica das relaes com o mundo, em um

    constante experienciar.

  • 30

    Aos poucos se diferencia a noo de Eu, em funo de aspectos do experienciar que vo se incorporando ao organismo, ao que se pode definir como personalidade, o si mesmo, a conscincia de existir em interao com o meio.

    Passando para um nvel mais complexo, que envolve as relaes interpessoais, Rogers,

    auxiliado por vrios colaboradores, com pesquisas que geraram teses de doutorado e artigos (Rogers e Kinget 1977), introduz o conceito de necessidade de considerao positiva e alguns desdobramentos (necessidade de considerao positiva de si e complexo de considerao), que objetivam, principalmente, atender ao que percebido como condies impostas por pessoas significativas, e que acarretam uma forma de funcionamento da personalidade (modo de avaliao condicional) que em muitas situaes ope-se avaliao organsmica, pois origina-se da internalizao de valores dessas pessoas, diminuindo, virtualmente, sua autonomia e a valorizao do prprio organismo.

    Em relao dinmica de funcionamento, prope que a necessidade de considerao positiva universal nos seres humanos, embora no questione se inata ou adquirida,

    podendo ser satisfeita por uma auto-considerao positiva e / ou pela considerao positiva por parte do outro, o que leva o indivduo a procurar fazer inferncias a respeito do experienciar do outro, a fim de atender-lhe s expectativas, com o objetivo de satisfazer essa necessidade em si mesmo. Isso lhe confere um aspecto ambguo, uma vez que logo se percebe que para obter sua satisfao preciso satisfazer essa necessidade no outro.

    Deduz-se da que a considerao positiva por si mesmo torna-se insuficiente em funo da condicionalidade percebida. Ela precisa ser confirmada pela considerao positiva por parte

    do outro, aumentando essa necessidade, e evidenciando que os dois movimentos buscam obter a satisfao de considerar-se e de ser considerado positivamente.

    generalizao dos efeitos da considerao, Roger chamou complexo de considerao, que ocorre quando a pessoa amplia, para a totalidade de si mesma, experincias isoladas, tanto positivas quanto negativas.

  • 31

    Desenvolve-se assim, um sistema de relaes interpessoais naturalmente falso, pois criada uma discrepncia entre a atualizao do organismo (realidade sentida) e a percepo dos valores culturais (muitas vezes enganosa), gerando uma situao de vulnerabilidade em funo da proteo (defensividade) que se impe para a manuteno dessa estrutura, percebida como a imagem de si, construda, permanentemente, por essas duas fontes, isto ,

    avaliao do organismo e condicionalidade de valores culturais.

    As experincias valorizadas pelo organismo, e que no contrariam a imagem de si, so incorporadas e a reforam; as que contrariam so negadas ou distorcidas pelo sistema defensivo, a fim de adequarem-se auto-imagem.

    O funcionamento da personalidade constitui-se em uma interao constante entre o organismo e o meio. Esse ltimo percebido subjetivamente, pois seus efeitos so sentidos no organismo; e aquele, tenta produzir comportamentos que proporcionem auto-satisfao, adaptabilidade, e que, ao mesmo tempo, sejam bem aceitos pelos grupos nos quais se insere. Essa interao nos estimula a imagem de inseparabilidade entre os dois plos (organismo e meio), principalmente pela vocao fenomenolgica da percepo, artfice do campo experiencial e operadora do campo fenomenolgico.

    Em outras palavras, gosto de pensar em um universo organsmico afetado, permanentemente, atravs de seus sentidos, atribuindo significados particulares a tudo que experiencia, formando seu campo experiencial com aspectos implcitos e explcitos, sentidos organismicamente e, portanto, conscientes, no sentido mais amplo desse conceito.

    O sentido amplo de conscincia, alm dos aspectos implcitos e explcitos a que me refiro

    foram descritos por Eugene Gendlin, um psiclogo norte-americano que trabalhou com Rogers e em muito contribuiu e ainda contribui, para a compreenso de alguns pontos da

    ACP, principalmente no que se refere ao que acontece com a pessoa em processo teraputico para a mudana na personalidade.

  • 32

    Gendlin conceitua o experienciar como um acontecimento psicolgico, um processo sentido tambm fisicamente, ou seja, ligado a significados sentidos no organismo (Gendlin 1964 traduo - p.15). Esses significados podem ser experienciados pelo que o autor chamou de referncia direta. Em qualquer momento que deseje, algum pode se referir diretamente a um dado sentido interiormente. A esta forma de experienciar denomino

    referente direto.(Idem)

    Como o autor trata de um acesso direto a algo sentido, no h necessidade de que seja dado um nome que materialize uma representao na conscincia, mas isso no quer dizer que estejamos em um nvel inconsciente, no sentido psicanaltico, ou no consciente no sentido que Rogers d. Estamos conscientes e sentimos com ou sem esta ateno direta.(p. 16)

    Esses significados sentidos podem ser explicitados, por exemplo, em uma comunicao interpessoal, mas sua maior poro implcita, ou seja, existe na personalidade, em seu campo experiencial, sentido, mas no nomeado, e sobrevive de maneira incompleta,

    embora esteja na conscincia porque sentido.

    Quando os significados sentidos ocorrem em interao com smbolos verbais e sentimos o que os smbolos significam, denominamos tais significados explcitos ou explicitamente conhecidos. Por outro lado, com muita freqncia, temos exatamente tais significados sentidos sem simbolizao verbal. Ao invs disso, temos um acontecimento, uma percepo, ou alguma tal palavra como isto (que nada representa, mas somente indica). Quando este o caso, podemos denominar de significado implcito ou implicitamente sentido, mas no explicitamente conhecido. Note que os significados explcito e implcito esto ambos na conscincia. Aquilo que concretamente sentimos e que podemos referir interiormente est, certamente, na conscincia (p. 17)

    Embora Rogers no distinga os conceitos de campo experiencial e campo fenomenolgico,

    prefiro conceb-los com funes diferentes.

  • 33

    Uma parte desse campo reconhecida mais intimamente, formando a imagem de si, enquanto outra poro rechaada por distoro ou negao, e no aceita como componente da pessoa, embora permanea marcado no campo. Esses dois segmentos formam o campo fenomenolgico.

    Assim, podemos tentar imaginar um clssico esquema de trs crculos concntricos, que

    ilustrarei mais adiante, onde o mais central (imagem de si) juntamente com o intermedirio (aspectos distorcidos ou negados conscincia), formam o campo fenomenolgico, enquanto o ltimo crculo formado por contedos de experincias com significados pouco valorizados, tendendo neutralidade por serem percebidos como sem importncia, esquecidos ou desatualizados no campo scio-cultural, mas constituindo, junto com os outros crculos, o campo experiencial. Obviamente, o campo fenomenolgico est contido no campo experiencial.

    O funcionamento timo da personalidade seria a expanso do crculo mais central at coincidir com o mais externo, o que acarretaria uma atualizao perfeita do organismo, pois

    trabalharia com toda a sua histria de marcas afetivas, sem necessidade de defensividade, ou seja, sem sofrimento psquico originado por incongruncias.

    A distino entre os dois campos relevante, na minha maneira de compreender, em funo das diferenas entre os nveis de conscincia. O campo fenomenolgico caracteriza-se pela freqncia constante da intencionalidade, ou seja, da ateno consciente que doa o sentido ao objeto e o funde com o sujeito, dando a dimenso do Eu, mas tambm a do no-Eu (como um produto da defensividade), possibilitando as percepes dos prprios sentimentos, distores, negaes, comparaes e outras formas de experienciar. Poderamos consider-lo como correspondente ao campo perceptual, onde ocorrem,

    permanentemente, as operaes de intuio do real.

    O campo experiencial mais abrangente, pois envolve a totalidade da histria do ser e de

    sua herana gentica que marca o organismo como pertencente famlia e a outros grupos

  • 34

    significativos, cultura, espcie, ao universo. o continente da memria passada e futura (informaes atualizadas no DNA), porm, com plenas possibilidades de, a cada instante, estar presente em seu devir.

    O que a ACP considera como personalidade algo que s se pode apreender a partir do

    sujeito, pelo prprio sujeito, pois significa tudo o que diz respeito pessoa em sua intrasubjetividade (auto-percepo) e intersubjetividade (percepo do outro). De acordo com o que prope a filosofia da ACP, seu funcionamento ideal implica na primazia do organismo, no privilgio de tudo que dele brota.

    Durante os primeiros anos de vida, a fora instintiva da tendncia atualizante evidencia a auto-direo egocntrica, no bom sentido, isto , da autonomia do homem. Entretanto, o processo de aprendizagem social comea a impor a necessidade da convivncia em grupo, trazendo regras e valores em dinmica complexidade que devem fundamentar as trocas de comunicao. A pessoa aprende a noo do Ns que agora convive com o anteriormente

    solitrio Eu inicial, em um amadurecimento saudvel.

    A adaptao a esse modelo no teria, necessariamente, que reduzir a importncia do organismo, porm, no o que podemos observar na maioria das pessoas, pois aparece a interferncia da percepo da condicionalidade como o preo para a obteno da considerao positiva por parte do outro, e que pode ter como conseqncia, a desvalorizao do que emana do organismo em seu experienciar, pois a manifestao de seus sentimentos sinceros nem sempre apreciada.

    Portanto, em muitas ocasies, conveniente esconder esses sentimentos, colocando outras

    expresses mais adequadas segundo o padro scio-cultural vigente, acarretando a diminuio da responsabilizao de seus sentimentos e atos.

    O outro extremo dessa relao a organizao scio-cultural, produtora de toda sorte de valores ticos / morais / religiosos, formando a ordem social baseada nos costumes dos

    grupos de uma mesma cultura e nos importados de outras, originando as instituies,

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    organizaes, constituies, cdigos, leis, etc., permeando as relaes intra / interpessoais, grupais e intergrupais.

    A grande maioria dos sistemas scio-culturais, cada vez mais parecidos entre si, empobrecidos pelo fenmeno da globalizao e massificao manipulatria da informao,

    condiciona a considerao positiva para com seus membros, a padres rgidos de expectativas em variadas reas (sexualidade, etnia, cor da pele, sucesso profissional/financeiro, indumentria, linguajar, escolaridade, naturalidade, nacionalidade, etc.).

    A descaracterizao dos grupos imediatos, originalmente produtores de cultura atravs dos costumes que so mais facilmente assimilados pelo Eu, pois brotam de um experienciar direto, intensifica os efeitos da condicionalidade, porque a quantidade de valores padronizados que se internalizam, sem o desejvel experienciar direto, aumenta a possibilidade de funcionamentos incongruentes, estreitando a imagem de si, aumentando a

    necessidade de considerao positiva por parte do outro, ampliando a rea das experincias consideradas como do no-Eu, ocasionando, freqentemente, a angstia, a ansiedade

    negativa, a insegurana, o afastamento de si mesmo, enquanto totalidade organsmica.

    Essa proposio sugere que sua nfase est na vontade consciente e na capacidade de escolha criativa, voltada para a obteno do bem-estar social, pela possibilidade de realizao das expectativas factveis e para a integrao aos grupos escolhidos, dentro de uma perspectiva de valorizao organsmica, como indicativos de sade.

    Entretanto, identifica a imposio de valores, como uma condio para o indivduo ser

    considerado positivamente, muitas vezes contraditrios e originalmente desvinculados da experienciao do organismo, produzindo a iluso de que o modelo do certo est fora e,

    se segui-lo: serei aceito, terei sucesso, serei feliz.

    Internalizados esses aspectos, a vontade passa a orientar-se por eles, colocando os instintos,

    tambm produtores de vontade, em segundo plano. Isso tem como conseqncia a

  • 36

    atribuio ao outro, da responsabilidade por nosso sofrimento (se me passaram que esse era o modelo correto, mas no deu certo, ento a culpa de quem me passou), criando desvios daquilo que seria um funcionamento saudvel, autntico, a partir de dentro.

    Quando esses desvios relacionam-se com reas importantes do campo fenomenolgico, ocorre o mal-estar originado da angstia e / ou da ansiedade negativa, pois a defensividade entra em ao com um dispndio muito maior de energia, gerando tenso, desconforto,

    sofrimento psquico.

    Paradoxalmente, a pessoa est preparada para funcionar adequadamente, isto , sendo ela mesma e, de um certo ponto de vista, isso nunca deixa de acontecer, em funo da percepo seletiva, no sentido de escolher sempre o melhor possvel para si mesma. Essa concepo evidencia que o centro de aferio sobre o que certo ou errado, bom ou mau, jamais deixa de estar na prpria pessoa.

    O que provoca o equvoco que ilude, a transmisso dos valores do sistema social, e sua internalizao, que varia entre os plenamente integrados ao organismo, fruto da produo

    da vivncia em seus grupos de identificao, e os valores internalizados exclusivamente pela presso condicionante, que destoam de suas vivncias organsmicas, pois, no se originam do experienciar por referncia direta ao que est sendo vivido. Apesar dessa presso externa, no h implicao em ausncia de responsabilidade de quem os internaliza.

    Em funo desse duplo movimento, podemos inferir que todos os acontecimentos psicolgicos so sentidos no organismo, correspondendo a um estado emocional, varivel

    em sua intensidade, e sempre ligado a uma capacidade de entendimento, raciocnio e percepo de relaes, tambm com intensidade varivel, compondo esses acontecimentos

    em todas as situaes, no campo fenomenolgico.

    Dessa maneira, no existiria um comportamento puramente emocional ou estritamente

    lgico-racional, enquanto fenmenos vividos pela pessoa, o que ratifica nossa herana

  • 37

    existencialista de responsabilidade por todas as escolhas e nos afasta totalmente da necessidade de trabalhar com o conceito de inconsciente dinmico, prprio da psicanlise.

    Um funcionamento ideal consistiria na busca do equilbrio entre esses componentes, ou seja, estabelecer um dilogo interno que permita soltar, adequar, segurar, filtrar, etc., a comunicao das emoes atravs de comportamentos, de acordo com as situaes, mas sempre acompanhadas da ateno consciente em busca de simbolizaes corretas dos

    significados que so experimentados. Dessa maneira, torna-se importante a compreenso da pessoa sob a luz das duas qualidades de efeitos da estimulao das interaes sociais, ou seja, congruente ou incongruente com o fluxo organsmico, que a compem e a originam em um aspecto particular e outro geral.

    Fonseca, tem produzido algumas idias importantes que podem ilustrar melhor esse esforo de compreenso do funcionamento da personalidade, sob o prisma das relaes organismo / meio. Em seu artigo Transindividualidade, individualidade, pessoa e psicologia (no publicado), aprofunda o conceito de transindividualidade, considerando-o fundamental para a compreenso do psiquismo. O termo foi proposto por Lucien Goldmann, um socilogo

    francs, e Fonseca procura situ-lo no contexto da psicologia, enquanto um dos componentes da pessoa.

    Se queremos pensar o indivduo humano, necessitamos transcender a aparncia que se nos apresenta de uma forma mais imediata. Para tal, necessitamos da abstrao no arbitrria e fundamentada em princpios ideais determinados aprioristicamente. Uma abstrao racional que se define como tal enquanto momento de uma praxis efetiva. Reflexo filosfica que entende a necessidade de conhecer o prprio conhecedor como momento fundamental do conhecimento do objeto. (Fonseca, 1997, p. 13)

  • 38

    Sua tica ope-se s tentativas de compreender a pessoa apenas em sua dimenso individual, indivduo aparente apartado do esprito do tempo e do lugar, reduzindo o humano a algo muito distante da realidade. Toma por base o conceito de transindividualidade que , essencialmente, a expresso na pessoa de um sujeito coletivo produzido pela cultura e reproduzindo cultura, desde um nvel micro at um macro-social.

    E o concebe em articulao com a individualidade, originada de uma interao biolgico-social, enfatizando a maior importncia do componente social na busca do entendimento do

    funcionamento psquico.

    Antes de configurar-se como eu, o indivduo j desenvolve um processo essencial de interao com um grupo social que se constitui como uma diferenciao particular dos agrupamentos humanos, uma diferenciao particular de uma determinada cultura humana, num determinado momento histrico. Isto implica que a pessoa, antes de constituir-se como um eu, organiza o seu comportamento, a sua percepo de si e do mundo, em funo dos padres organizativos do seu agrupamento na concretude de seu momento histrico e das determinaes oriundas de sua insero na organizao social do trabalho. (p. 15)

    Desta forma, numa certa dimenso muito real, podemos entender que a pessoa desenvolve sua subjetividade, no simplesmente como uma subjetividade individual, correspondente a sua personalidade isolada, mas, intrinsecamente, como a subjetividade de sua coletividade. Assim sendo, ela no , neste nvel, meramente, a portadora de uma subjetividade individual que se relaciona com outros de uma forma intersubjetiva; mas a portadora, igualmente, de uma subjetividade transindividual que relaciona-se com seus semelhantes no interior de uma subjetividade coletiva, ou seja: intrasubjetivamente. (p. 16, grifo do autor)

    H uma interao constante entre essas dimenses, isto , a particular e a coletiva, onde a subjetividade individual remete-se transindividual, mas decodifica-a em significados

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    particulares, o que nos d a idia de uma elaborao fenomenolgica, dos acontecimentos psicolgicos com valor significativo, na trplice relao entre

    indivduo / grupo microsocial / sistema macrosocial.

    A mtua afetao entre o organismo e o meio compe a pessoa em seu aspecto individual e

    transindividual, originando um sujeito individual interligado a um sujeito coletivo, funcionando melhor ou pior em relao diretamente proporcional orientao da vontade

    que emana do experienciar organsmico, e inversamente quela oriunda de valores internalizados pela fora da condicionalidade, distantes daquele referencial, que o confunde em sua necessidade de trocas nas sociedades organizadas.

    Em outro livro do mesmo autor, (Fonseca, 2007. 2), ficam mais claras as afetaes sofridas pela pessoa no contexto de suas relaes scio-culturais. Sua abordagem insiste, decididamente, na caracterizao de um produtor cultural em crise.

    Quando falamos de Produo cultural, remetemo-nos, normalmente ao nvel dos objetos, ou ao nvel da arte, ou ao nvel dos grandes sistemas de objetivao da cultura. Ns psicoterapeutas, entretanto, e em particular, no podemos negligenciar, ou deixar de valorizar, o fato de um dos nveis mais fundamentais da produo cultural , especificamente, o nvel da produo das pessoas, ou seja, exatamente o nvel da produo das pessoas como produtos e produtores culturais (...)(p.16, grifos do autor).

    Predomina a perspectiva de que a crise existencial , em grande parte, originada dessa

    perda da capacidade de reconhecer-se como produto de seu meio cultural, bem como de ajudar a produzir esse e nesse meio, justamente pela perda de referenciais bsicos mais imediatos, conflitantes com sistemas mais abrangentes, fazendo parecer impossvel que a pessoa se mostre de maneira autntica, por no haver confiana suficiente para isso.

  • 40

    De modo que as pessoas tm que se socializar a partir de necessidades e demandas constitudas por ncleos scio-culturais distintos e em conflito, eventualmente grave, desde a mais tenra infncia. Aspirando, por outro lado, constituir-se, igualmente, como ser genrico da cultura de interface que medeia as relaes do conjunto da comunidade de sistemas culturais de que participa. O que significa, freqentemente, distanciar-se de suas determinaes culturais mais ancestrais. Processo que, por si s, j gera inmeras tenses, acidentes e conflitos significativos. (Idem, p.17)

    No processo de seu desenvolvimento, o indivduo desloca-se, freqentemente, da cultura comunitria particular do seu sistema scio-cultural de origem, na direo da cultura individualista do mundo burgus (...) (Idem, Idem).

    Temos ento, a pessoa equipada com uma aparelhagem bio-psquica que a torna capaz de processar, as estimulaes sociais pr-existentes que se apresentam permanentemente.

    Interagem de tal modo que se torna impossvel a apreenso isolada de cada um desses aspectos.

    Em sua dinmica, observamos um rpido aumento da importncia do psiquismo, em funo da crescente sofisticao dos graus de percepo, fruto da diferenciao do Eu e do no-Eu, transformando o campo fenomenolgico em uma espcie de teatro de operaes do real, ou seja, o prprio real intudo e relacionado com outros dados significativos do campo experiencial, de carter individual, mas tambm correspondendo s alteraes organsmicas, perceptveis ou subceptveis, isto , sem ateno consciente, e interao scio-cultural que produz e produzida por sua transindividualidade.

    A pessoa funciona de forma adequada, enquanto permite-se simbolizar corretamente seus

    significados, o que a constitui em criativa e singular produtora cultural, capaz de ter clareza de sua vontade organsmica e censo crtico para exerc-la com confiana e responsabilidade, reconhecendo-se, ao mesmo tempo, como produtora coletiva, integrada a

    seus grupos de identificao, e como um produto desses grupos. Por outro lado, seu

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    funcionamento mais freqente aparece como produto da desconfiana de sua capacidade criativa, representada por sua vontade organsmica, descredenciada pela transmisso massificada de valores prontos que a afastam de si mesma, de sua realidade.

    2.3 As atitudes promotoras de desenvolvimento da personalidade.

    Quero iniciar questionando o termo psicoterapia, o qual me parece pouco adequado para definir a prtica que originou essa forma de abordar o homem concebido pela ACP. A situao agrava-se ainda mais porque, geralmente, esse termo associado expresso psicologia clnica. Essa ltima palavra, significando cama, ou seja, parece a proposta de curar o psiquismo de algum acamado.

    A idia de cura pressupe a de doena, que lembra diagnstico e generalizao de

    sintomas, conceitos nada simpticos aos adeptos da ACP por serem caractersticas marcantes de um modelo determinista / mecanicista e, portanto, desmembradores e

    exteriores totalidade da pessoa. E, como ser demonstrado no aprofundamento da discusso sobre a tendncia atualizante / formativa, trata-se de uma tica ultrapassada, diante dos novos paradigmas da cincia. Conseqentemente, aceitar essa denominao para o que fazemos com as pessoas nos consultrios, d a sensao de estar de terno e gravata na praia, em pleno vero, ou seja, completamente desconfortvel. Entretanto, para no alongar muito, tenho clareza de que ainda no encontramos um termo mais adequado para definir essa prtica.

    O mesmo raciocnio serve para a atuao na rea educacional, como ser apresentado um pouco mais adiante, na discusso da tenso entre universalismo e relativismo, mas com a

    vantagem de que o termo facilitador de aprendizagem muito mais afinado com os princpios da ACP.

    Considerando a perspectiva de Rogers, citada anteriormente, de que a aprendizagem significativa promotora de desenvolvimento da personalidade, o presente item objetiva apresentar as atitudes suficientes de um facilitador para que se promova o desenvolvimento

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    da personalidade. Entretanto, para situar o leitor, apresentarei esse caminho trilhado pelo psiclogo norte-americano desde sua origem no consultrio.

    Rogers apresenta sua teoria da psicoterapia de forma sistemtica, tentando seguir o modelo experimental: Se, determinadas condies forem criadas. Ento, significativas mudanas da personalidade ocorrero.

    Elaborando seis condies que considerou necessrias e suficientes, para que ocorram tais mudanas, delimitou o que seria a essncia dessa terapia, caracterizada, principalmente, em trs delas, consideradas atitudes obrigatrias do psicoterapeuta.

    1- Que duas pessoas estejam em contato psicolgico; 2- Que a primeira (o cliente) esteja em estado de incongruncia, vulnervel ou

    ansiosa;

    3- Que a segunda (o terapeuta) esteja em estado de congruncia, pelo menos durante o tempo de durao da seo.

    4- Que o terapeuta experimente uma considerao positiva e incondicional pela pessoa do cliente.

    5- Que o terapeuta experimente uma compreenso emptica, do ponto de vista do referencial interno do cliente.

    6- Que o terapeuta consiga comunicar ao cliente, pelo menos em um grau mnimo, os itens 3, 4 e 5 . (Rogers e Kinget 1977)

    Sua proposio coerente com o postulado central da teoria, que pressupe uma no-

    diretividade, ou atitudes minimamente interventivas, significando ausncia de julgamentos e de antecipaes de sentimentos por parte do terapeuta, para que o cliente possa, ao

    experimentar tais sentimentos, atualiz-los plenamente, conforme o fluxo de sua tendncia atualizante, correspondendo aos efeitos que sente quando percebe que o terapeuta experimenta por ele, uma considerao positiva incondicional.

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    Na evoluo das trs fases da teoria da terapia, Rogers foi descobrindo a eficcia das outras duas atitudes, no sentido de acelerar a credibilidade do cliente na relao com o terapeuta, atravs da congruncia desse ltimo. E na facilitao de aprofundamentos verticais no campo fenomenolgico do primeiro, a fim de buscar simbolizaes corretas de seus significados atravs da compreenso emptica que, ao mesmo tempo, a melhor maneira de comunicar ao cliente a autenticidade da considerao positiva incondicional que o terapeuta experimenta por ele.

    Funcionalmente, essas atitudes esto interligadas, e somente assim podem ser entendidas, enquanto facilitadoras de mudanas teraputicas da personalidade. Entretanto, muitas crticas tm sido feitas, principalmente quanto possibilidade do terapeuta experimentar uma considerao positiva incondicional pelo cliente. Em particular, quanto ao aspecto da incondicionalidade, que, se no acontecesse, e isso no fosse percebido pelo terapeuta, revelaria um estado de incongruncia. Rogers admite essa hiptese e assinala que, diante do conflito entre essas duas atitudes, a congruncia deve prevalecer, o que a faz aparecer como

    a mais bsica das trs.

    Em meu entendimento, fundamentado em uma prtica que confirma essa percepo, observo diferenas significativas entre os conceitos de aceitar e considerar (Gonalves, 1990), usados, indistintamente, em muitas tradues, mas que, coincidentemente, me levaram a perceber dois movimentos diferentes, a eles correspondentes, durante a relao teraputica.

    Aceitar implica em aprovao ou concordncia com o contedo e / ou a forma da expresso do campo fenomnico do cliente. Enquanto que considerar significa levar em conta, em

    considerao, admitir a possibilidade, porm, no implicando em aceitao. mais abrangente, pois envolve semelhanas e diferenas entre cliente e terapeuta. E, como j foi proposto linhas atrs, o que consideramos positiva e incondicionalmente a pessoa em sua totalidade. Ela est sempre escolhendo o que parece ser a melhor alternativa para si, diante das condies percebidas pela ao da tendncia atualizante do eu, sendo seu movimento

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    positivo nesse sentido e, por isso, ela merecedora dessa atitude do terapeuta, mesmo que esse perceba de maneira diferente.

    Em sua dinmica, a relao teraputica formada pelos encontros teraputicos que, em sucesso, formam o processo teraputico. Esses encontros so povoados com momentos de

    aceitao e de no-aceitao das expresses do cliente, como conseqncia das semelhanas e diferenas entre as valorizaes dos dois campos experienciais em contato,

    mas o processo mantm-se ancorado na considerao positiva incondicional do terapeuta pela totalidade da pessoa do cliente.

    A considerao positiva incondicional a grande promotora de mudanas teraputicas, quando , adequadamente, comunicada ao cliente. Ao ser percebida por esse ltimo, ela facilita a expresso de significados importantes, antes negados ou distorcidos, mas que agora podem ser corretamente percebidos, pois so, incondicionalmente, considerados positivamente, enquanto sentimentos, pelo terapeuta.

    Acontece a mudana na receptividade da pessoa que, assim, pode ser ela mesma, com todas

    as possibilidades de sentir tudo aquilo que o ser humano capaz, sem julgamentos, mas como algo inerente, do qual no podemos fugir ou varrer para baixo do tapete.

    A congruncia ou autenticidade definida, em termos gerais, como a correta simbolizao do que experienciado. No entanto, compreendo sua expresso em dois nveis distintos, coerentes com os aspectos mltiplos que compem a pessoa em sua funcionalidade quotidiana. Em um nvel mais bsico, considero como a fundamental congruncia, o conhecimento do

    significado sentido, simbolizado corretamente na conscincia, a partir de uma estimulao interna e / ou externa. Esse evento provoca um segundo nvel, constituindo-se em um

    motivador de comportamento que, porm, sofre aes racionais e irracionais, como vimos acima, a fim de adequar-se situao externa vivida em interao com o ambiente scio-cultural.

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    Ocorre a influncia determinante na escolha do comportamento adequado, isto , correspondente quele que melhor se encaixe ao que se experimenta naquele momento, mais apropriado situao, constituindo-se em uma exteriorizao relativa da congruncia, que procura orientar-se pelos importantes valores que emergem da prudncia, elegncia, respeito, etc., ou mesmo ao oposto desses, desde que sejam convenientes para o organismo.

    Em uma insistncia enftica, quero assinalar que no devemos confundir atitudes

    impulsivas, agressivas, grosseiras, etc. como necessrias evidncias ou justificativas de estados de congruncia, e nem julgarmos como, em estado de incongruncia, uma pessoa que escolhe um comportamento que no corresponde, exatamente, ao que est sentindo de maneira explcita no organismo.

    Funcionalmente, a congruncia do terapeuta a exata percepo de como est sendo afetado pelo cliente nos diversos momentos da relao, simbolizando, claramente, os significados decorrentes, e escolhendo a oportunidade adequada para essa comunicao ou

    no, em funo das sutilezas da relao que somente ele pode perceber. Entretanto, em algumas situaes, a afetao to grande que fica evidente na expresso do terapeuta,

    tornando imprprio qualquer movimento diferente da comunicao da realidade do que est acontecendo, sob pena da perda da confiana do cliente.

    A compreenso emptica definida como a atitude pela qual o terapeuta se esfora no sentido de entender o quadro de referncia interno do cliente, como se fosse o prprio cliente, olhando com os olhos do cliente, como define muito bem o Prof. Dr. Rogrio Buys (Instituto de Psicologia, UFRJ). Constituindo-se em um movimento de estar com aquela pessoa, mas sem confundir suas percepes e valorizaes particulares com as do

    cliente, a fim de garantir a ausncia de julgamentos comparativos ou a antecipao de sentimentos do outro que, como j vimos, constitui-se em tentativa de saber sobre a pessoa do cliente, comprometendo a essncia da no-diretividade.

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    Essa atitude caracteriza a especialidade da relao teraputica, diferenciando-a das relaes do senso comum que, via-de-regra, funcionam com interlocutores centrados em suas prprias percepes e opinies sobre o outro e sobre o contedo do seu discurso.

    A atitude de busca da compreenso emptica revela-se como a principal fonte de conexo

    entre terapeuta e cliente ou entre facilitador e aluno. o momento em que se processa a verdadeira interveno teraputica. Constitui-se em uma espcie de instrumento super

    sensvel que, ao mesmo tempo, interage com o campo fenomenolgico do cliente, no sentido de facilitar explicitaes autnticas, e tambm demonstra a autenticidade do prprio terapeuta, comunicando a profunda considerao positiva incondicional que esse ltimo experimenta por aquele.

    Esse movimento de conexo interativa apresenta-se de duas formas distintas, porm complementares, que podemos identificar pela ilustrao de alguns autores importantes.

    Como primeiro exemplo, trago a viso de Karl Jaspers atravs de Isaias Pain, em sua experincia clnica que norteou seu estudo da Psicopatologia.

    Para Jaspers, por exemplo, as vias de acesso ao fato psicopatolgico so a compreenso e a explicitao: a primeira um mtodo subjetivo; a segunda, um procedimento objetivo. A compreenso consiste num esforo de penetrao e de intuio do fenmeno mrbido com seu significado, tal como o considera o enfermo. A explicao uma ao intelectual que completa a compreenso, por sua interpretao e ao estabelecer laos de causalidade entre os diferentes dados proporcionados pela observao. Jaspers centraliza a sua ateno no estudo do fenmeno psquico fundamental: a vivncia. Para alcanar a vivncia necessrio fazer uma descrio minuciosa das experincias subjetivas do enfermo e classific-las, depois de o examinador ter interpretado os fenmenos observados. Como as vivncias do paciente so subjetivas e inacessveis observao direta, o observador procura estudar diretamente as suas prprias vivncias. atravs da comparao entre as prprias vivncias e aquelas

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    captadas no indivduo examinado que se pode chegar a uma verdadeira investigao fenomenolgica. A essa metodologia, Jaspers chamou penetrao emptica. (Paim, I. - 1993- p. 3, aspas do autor)

    Embora a proposta de Jaspers seja baseada em uma classificao diagnstica que no tem utilidade prtica na relao de ajuda que aqui apresento, interessante notar a semelhana de sua abordagem pela utilizao de uma metodologia fenomenolgica, enfatizando o

    duplo movimento do terapeuta (compreenso e explicitao).

    Tambm interessante a utilizao da expresso penetrao emptica (talvez pudssemos chamar de interpenetrao), que nos sugere o movimento da intencionalidade, para a apreenso do fenmeno (compreenso), fundindo-se com ele na percepo. E a afetao que o terapeuta sofre, por parte do cliente, e que o leva a formular uma explicitao.

    Outro autor que escolhi recorrer John Shlien, colaborador de Rogers na Universidade de Chicago, que apresentou um interessante trabalho na IV Conferncia Internacional de

    Psicoterapia Centrada no Cliente/Experiencial Lisboa, 1995 (Shlien 1998).

    Shlien questiona a importncia que os terapeutas emprestam palavra empatia, por conta de erros na traduo do original alemo Einfuhlung (sintonia de sentimentos).

    Empatia uma das vrias formas essenciais de inteligncia, uma forma experimental de tal importncia para a adaptao que a sobrevivncia social e fsica depende dela. uma capacidade normal, material, comum, quase constante, quase inevitvel. A sua natureza no determina o seu uso. No em si mesma uma condio da terapia, mas provavelmente uma pr-condio. (p. 40, grifo do autor)

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    Shlien observa que essa supervalorizao negligencia outros conceitos mais importantes, em sua concepo, para a psicoterapia.

    A empatia tem sido considerada simultaneamente um meio e um fim; tem sido um substituto fcil do verdadeiro motivo e do verdadeiro trabalho teraputico - simpatia e compreenso. (...) Simpatia um tipo de compromisso. A empatia no . Ser talvez tempo de chamar a simpatia uma maneira de ser, mal apreciada? (p. 43, aspas do autor)

    (...) A compreenso um esforo de vontade e um servio que a empatia no ; se existe compreenso emptica ento a compreenso que promove a cura a partir de dentro. A tarefa difcil a compreenso. A em- patia sozinha, sem simpatia e, mais ainda, sem compreenso, pode ser prejudicial. (p. 44 grifo do autor)

    Embora com alguns pontos discutveis, o autor nos d a dimenso do duplo movimento do

    terapeuta interagindo com o cliente na inteno de ajud-lo (simpatia), atravs de um esforo que busca apreender seus significados (compreenso), associada capacidade de entendimento do que est se passando em seu quadro de referncia (empatia).

    Por esse ngulo, a simpatia (co-sentir, ou seja, sentir junto) um movimento de aproximao, com caractersticas mais acentuadas na sensibilidade com carga mais emocional, que favorece tentativa de compreenso e que naturalmente liga-se capacidade de empatizar. Essa ltima, com caractersticas mais racionais e estruturantes, a

    fim de facilitar o objetivo a ser compreendido na intencionalidade, ou seja, dentro dessa tica, a compreenso emptica poderia ser considerada como a prpria intencionalidade.

    O trabalho de Shlien mostra uma nova dimenso do conceito de empatia, diferenciando a concepo de Rogers daquela de Martin Buber. E o principal ponto de divergncia

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    encontra-se na expresso como se que para Buber, entendido por Shlien, no tem nada a ver com a Einfuhlung.

    Falando da sua idia de inclusividade, que a relao entre os seres humanos e entre este e Deus (cf. recente livro de Karen Armstrong, A Histria de Deus, 1994), Buber escreve: Seria errado identificar o que isto quer dizer com a palavra familiar, mas verdadeiramente insignificante, empatia. Empatia significa, se que isto significa algo, deslizar com os sentimentos prprios no interior da dinmica de um objeto; um pilar, um cristal, ou um ramo de rvore, ou mesmo um animal ou um homem e tal como ele reconhecendo-o por dentro (Buber, 1933, pg. 97). Mas eu no li esta pgina seno alguns anos depois e Rogers tambm no. Buber estava muito a nossa frente, mais prximo do uso original do vocbulo empatia e, ao contrrio dos psiclogos, sem necessidade dum ponto de vista clnico deste termo. (p. 45 e 46, aspas do autor)

    A concepo de Buber mais se aproxima da idia de fuso, de interao onde surge algo novo com a mudana dos dois originais que se tornam momentaneamente uno.

    Para Buber no existe como se. Ele no quer isso, pois pressupe a possibilidade de dentro de. Pois Buber est desejoso de ser transformado pelo outro. esta a opo da inclusividade. (...) Portanto, para Rogers, essencial preservar os clientes, enquanto que para Buber essencial dissolv-los. (Pg. 49 - grifos meus)

    A diferena entre os dois autores, apontada por Shlien refora minha concepo de dois

    aspectos no movimento do terapeuta, em interao com o cliente e em progressiva aproximao. Buber no teve preocupaes psicoteraputicas, pois concebeu sua filosofia para as relaes quotidianas, assistematicamente, sem o olhar clnico da psicologia,

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    embora a transparncia decorrente de sua concepo do encontro EU-TU (Buber 1974), tenha inegveis aspectos psicoprofilticos.

    Rogers construiu sua teoria em bases clnicas, com a preocupao de resultados dentro dessa instituio social que a psicoterapia, mas com suficiente sensibilidade para

    pressentir convergncias com filosofias, da existncia humana, preocupadas com aspectos mais amplos das relaes.

    O terapeuta necessita, em um dado momento, de um instrumento que o conecte sistematicamente ao cliente, e em outro, de uma soltura espontnea que o permita expressar-se diante da maneira como o cliente o afeta e o modifica. Essa alternncia pode ser mais bem identificada a partir da terceira fase de desenvolvimento da ACP 3.

    O como se criticado por Buber, segundo Shlien, no uma afirmao imperativa. Mas sim a verbalizao do movimento de afetao e aproximao respeitosa do terapeuta. Nesse

    sentido, mais correta, em um primeiro momento, a expresso: como se? Uma pergunta com a fora de hiptese a ser confirmada ou no pelo cliente que, dessa forma,

    tambm afeta o terapeuta em sua busca do momento mais profundo do encontro, onde ambos podero experimentar maior clareza na compreenso dos significados.

    Mais uma vez, recorro a Fonseca para aprofundar