Dissertação Maria Irismar Uchoa

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Mestrado em gestão ambiental

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  • MARIA IRISMAR UCHOA

    PATGENOS HUMANOS COMO INDICADORES DE SADE AMBIENTAL DE DOIS

    ECOSSISTEMAS LACUSTRES URBANOS DO MUNICPIO DE FORTALEZA-CE

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

    graduao em Tecnologia e Gesto Ambiental

    do Instituto Federal de Educao, Cincia e

    Tecnologia do Cear, como parte dos

    requisitos para obteno do ttulo de Mestre

    em Tecnologia e Gesto Ambiental. rea de

    concentrao: Gesto e Saneamento Ambiental.

    Orientador: Prof. Dr. Hugo Leonardo Brito Buarque.

    Coorientadora: Prof. Dr Mabel Calina de Frana Paz.

    FORTALEZA

    2014

  • Catalogao na Fonte : Islnia Fernandes Arajo (CRB 3 n 917)

    U17p Uchoa, Maria Irismar.

    Patgenos humanos como indicadores de sade ambiental de dois ecossistemas lacustres urbanos do municpio de Fortaleza CE / Maria Irismar Uchoa. - Fortaleza: IFCE, 2014. 113f. : il. Dissertao (Mestrado em Tecnologia e Gesto Ambiental) rea de concentrao: Gesto e Saneamento Ambiental. Orientador: Prof. Dr. Hugo Leonardo Brito Buarque.

    1. ECOSSITEMAS AQUTICOS. 2. SADE PBLICA. 3. ENTEROBACTRIAS. I. Ttulo.

    CDD 363.73

  • DEDICATRIA

    minha me, Dorismar (in memorium), que mesmo no estando mais entre ns,

    constante em meus pensamentos e meu incentivo na busca pelos acertos como me e como ser

    humano; aos meus filhos, Priscilla, Thays e Weller e ao meu esposo, Nailton, pelo amor,

    incentivo, carinho; por se fazerem presentes em minha vida, por dividirem comigo momentos

    de alegria, tornando-os mais intensos e, momentos de angstia, tornando-os mais amenos.

  • AGRADECIMENTOS

    Primeiramente a Deus, Quem superior a qualquer ser humano, pelo Seu infinito

    amor por mim, Sua constante presena na minha vida, pelas vitrias alcanadas e por todas as

    bnos que recebo dia a dia.

    minha me (in memoriam), que foi muito grande na sua simplicidade e, maior

    ainda, na sua sabedoria nata. O meu amor por voc foi sempre grande, mas hoje a saudade

    infinita.

    Aos meus filhos Priscilla, Thays e Weller, meu orgulho e fonte de inspirao,

    extenso de minha vida porque me ensinam, a cada dia, a mais nobre de todas as tarefas: a

    verdadeira amplitude da dimenso humana.

    Ao meu marido, Nailton, grande companheiro, desde que te conheci sou mais feliz.

    Ao professor Hugo Leonardo, pela orientao, pelo apoio, por confiar no meu

    trabalho e pela compreenso e ateno dadas a mim no somente relacionadas ao ambiente

    acadmico.

    professora Mabel Calina de Frana Paz, pela orientao, confiana, motivao,

    competncia, simplicidade e alegria acima de qualquer obstculo.

    Ao professor Bemvindo por quem tenho grande admirao e amizade e cuja

    dedicao a este trabalho foi fundamental para o seu desenvolvimento, ensinando-me tpicos

    difceis, auxiliou, tambm, nas coletas e, na confeco e anlise das tabelas. Sou-lhe

    eternamente grata, especialmente pela amizade.

    Aos integrantes das bancas de defesa, pelas contribuies para o aperfeioamento

    deste trabalho.

    Aos professores Rinaldo Santos e Glria Maria Marinho pelo apoio nos momentos

    de decises e aconselhamentos.

    Os Professores do Programa de Ps Graduao em Tecnologia e Gesto Ambiental

    da Pr-Reitoria de Pesquisa, Ps-Graduao e Inovao do Instituto Federal do Cear.

    Aos colegas de ps-graduao, pela troca de experincias e amizade, especialmente

    ao Professor Carlos Lima, Mara Zelndia e ao Wesllen.

  • minha grande amiga Helda Queiroz, pela presena constante na minha vida

    pessoal e por me aceitar, entender, incentivar, confiar e acreditar na minha capacidade (agora

    sua vez).

    Ao Marcelo, grande amigo, pelo apoio, esclarecimentos, sugestes e disponibilidade

    em realizar comigo grande parte da reviso e, com certeza tem muito dele neste trabalho.

    queles que entraram na minha vida e se tornaram amigos, inspirando-me,

    motivando-me, ajudando-me, no meu trabalho e com as suas presenas e fazendo-me

    acreditar que este objetivo poderia ser alcanado, vocs foram especiais: Andr, Diego,

    Fabola, Jaqueline, Herivanda (Vandinha), Ndia, Rodrigo, Valquria (Kia).

    Aos bolsistas e voluntrios do Laboratrio Integrado de guas de Mananciais e

    Residurias, que trabalharam nas coletas e anlises microbiolgicas: Carlos, Hlio, Inai,

    talo, Ivletnia, Jssica, Peterson, Ronaldo, Umaro e Wesley.

    Ione Almeida, autora das fotos.

    Dra. Liduna, farmacutica, pela disponibilidade no esclarecimento de dvidas na

    identificao e no processo de automatizao dos antibiogramas.

    Ao Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia do Cear, em especial ao

    Laboratrio de guas e Mananciais e Residurias, por ter me dado a oportunidade de realizar

    as anlises biolgicas necessrias para a execuo deste trabalho.

    A todos, enfim, que de alguma forma, direta ou indireta, colaboraram para o

    desenvolvimento e xito deste estudo.

  • O sujeito pensante no pode pensar sozinho; no pode pensar sem a

    coparticipao de outros sujeitos no ato de pensar sobre o objeto. No

    h um penso, mas um pensamos. o pensamos que estabelece o

    penso e no o contrrio. Esta coparticipao dos sujeitos no ato de

    pensar se d na comunicao. O objeto, por isso mesmo, no a

    incidncia terminativa do pensamento de um sujeito, mas o mediador

    da comunicao.

    Paulo Freire (1921-1997)

  • RESUMO

    Os ecossistemas aquticos urbanos do municpio de Fortaleza-CE vm sendo

    significativamente impactados pelas atividades antrpicas no seu entorno e pela forma

    desordenada com que se deu a expanso do municpio ao longo das ltimas dcadas. Tais

    impactos so agravados pela precariedade do saneamento bsico na cidade e pela negligncia

    com a proteo dos recursos naturais. Esses fatores geram riscos sade pblica por

    intermdio da veiculao de doenas, causadas principalmente por bactrias da famlia

    Enterobacteriaceae, alm de comprometerem e reduzirem os usos desses recursos. Este

    trabalho teve por objetivo isolar e identificar bactrias, potencialmente patognicas presentes

    nas guas de dois corpos aquticos lacustres urbanos do municpio de Fortaleza-CE (Lagoa de

    Porangabuu e Lagoa do Opaia), no perodo de janeiro a julho de 2012, como tambm realizar

    auditorias ambientais nestes ecossistemas e, assim, dar subsdios para um uso futuro de

    bioindicadores na avaliao da qualidade ambiental destes corpos aquticos. Inicialmente, os

    quantitativos de bactrias heterotrficas mesfilas, de coliformes termotolerantes e de

    Escherichia coli foram determinadas em amostras dessas guas usando as tcnicas de

    contagem em placa por pour-plate em PCA, fermentao em tubos mltiplos com meio A1, e

    tubos mltiplos com substrato enzimtico ONPG-MUG, respectivamente. Posteriormente,

    quarenta culturas bacterianas oriundas da contagem de bactrias heterotrficas foram isoladas

    por esgotamento do inculo em placas de Petri com gar nutriente e submetidas

    identificao em nvel de espcie e a testes de susceptibilidade a antimicrobianos pelo mtodo

    automtico SiemensTM MicroScanTM. As auditorias ambientais realizadas confirmaram estudos

    anteriores mostrando a existncia de atividades antrpicas significativamente impactantes ao

    ecossistema avaliado. Os elevados teores de bactrias heterotrficas, coliformes

    termotolerantes e Escherichia coli obtidos tambm confirmaram a precariedade sanitria e

    ambiental dos ecossistemas. Ainda, foram identificadas diversas cepas de espcies bacterianas

    potencialmente patognicas (A. baumanii, A. lwoffii, E. cloacae, E. coli, K. pneumoniae,

    S. haemolyticus e S. maltophilia), algumas resistentes e multirresistentes a antibiticos tpicos.

    A partir dos resultados obtidos, conclui-se que ambos os ecossistemas estudados encontram-

    se contaminados, com a qualidade de suas guas comprometidas pela elevada interferncia

    antrpica, oferecendo um risco potencial para a sade pblica, devido utilizao das guas

    destes ecossistemas pelas comunidades dos entornos.

    Palavras-chave: Ecossistemas aquticos urbanos; Enterobactrias; Sade pblica.

  • ABSTRACT

    The urban aquatic ecosystems in city of Fortaleza, Brazil, have been significantly impacted by

    anthropic activities developed in their surroundings and by disordered growth of this state

    capital over the past decades. Such impacts are aggravated by precarious sanitation and by

    disregard with the protection of natural resources in the city. These factors promote risks to

    the public health through the transmission of diseases which are caused mainly by bacteria of

    the Enterobacteriaceae, besides impairing and reducing uses of these resources. This work

    aimed to isolate and identify potentially pathogenic bacteria present in the waters of two

    urban lacustrine bodies (Lagoa do Porangabuu and Lagoa do Opaia) in Fortaleza, Brazil,

    during the period January to July 2012, as well as carrying out environmental audits in these

    ecosystems and thus give subsidies for future use of bioindicators in assessing the

    environmental quality of these aquatic bodies. Thus, the quantities of heterotrophic

    mesophilic bacteria, thermotolerant coliforms and Escherichia coli were initially determined

    in samples of those waters by PCA pour plate technique, multiple-tube fermentation using

    A1 broth and ONPG-MUG test, respectively. Also, forty bacterial strains isolated by streak

    plate technique from the heterotrophic counting were selected for species-level identification

    and antimicrobial susceptibility testing by SiemensTM

    MicroScanTM

    system. The

    environmental audits carried out have confirmed previous studies and reveal the existence of

    anthropogenic activities significantly impacting the assessed ecosystem. The high levels of

    heterotrophic bacteria, coliforms and Escherichia coli obtained also confirmed the

    precariousness of the health and environmental conditions of ecosystems. Various strains of

    potentially pathogenic bacterial species (Acinetobacter baumanii, Acinetobacter lwoffii,

    Enterobacter cloacae, Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae, Staphylococcus

    haemolyticus, and Stenotrophomonas maltophilia), some resistant or multidrug-resistant to

    typical antibiotics, were identified. These results show that both studied ecosystems are

    contaminated, with the microbiological quality of its waters impaired by high anthropogenic

    interference, resulting in a potential risk to public health due to the use of these waters by

    surrounding communities.

    Keywords: Urban aquatic ecosystems; Enterobacteria; Public health.

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Imagem de satlite da lagoa do Opaia, Fortaleza-CE. ............................................ 27

    Figura 2 Banhistas na lagoa do Opaia Fortaleza-CE. ......................................................... 28

    Figura 3 Imagem de satlite da lagoa de Porangabuu, Fortaleza-CE. ................................. 29

    Figura 4 Mortandade de peixes na lagoa de Porangabuu. ................................................... 30

    Figura 5 Rotas de exposio de frmacos no ambiente. ........................................................ 45

    Figura 6 Localizao da Sub-bacia B-1 do rio Coc, Fortaleza- CE. ................................... 54

    Figura 7 Fotografias dos pontos de amostragem na lagoa de Porangabuu. ......................... 55

    Figura 8 Fotografias dos pontos de amostragem na lagoa do Opaia. .................................... 56

    Figura 9 Localizao e descrio dos pontos de amostragem na lagoa de Porangabuu. ..... 57

    Figura 10 Localizao e descrio dos pontos de amostragem na lagoa do Opaia. .............. 58

    Figura 11 Fluxogramas do processo de purificao das colnias. ........................................ 62

    Figura 12 Fluxograma da triagem de colnias purificadas. ................................................... 63

    Figura 13 Sistema automatizado MicroScan AutoSCAN-4. ............................................. 64

    Figura 14 Valores de contagem de BHM nos pontos de aporte das lagoas. .......................... 74

    Figura 15 Valores de NMP de CTT nos pontos de aporte das lagoas. .................................. 75

    Figura 16 Valores de NMP de Ec nos pontos de aporte das lagoas. ..................................... 75

    Figura 17 Valores de quantificao de BHM, CTT e Ec nos pontos de coleta de amostras em

    ambas as lagoas investigadas, para as campanhas de coleta realizadas. .................................. 76

    Figura 18 Comparao de dados pluviomtricos mensais do Posto Pici (Fortaleza/CE),

    janeiro a julho, no perodo de 1992 a 2011 e no ano de 2012. ................................................. 76

    Figura 19 Distribuio de bactrias isoladas em relao aos pontos e aos meses de coleta

    nos ecossistemas monitorados. ................................................................................................. 79

    Figura 20 Aparncia tpica observada em cepas bacterianas isoladas das lagoas aps

    colorao de Gram. ................................................................................................................... 80

    Figura 21 Aparncia tpica do crescimento em EMB e MAC das bactrias FIL, FLL e NFL

    isoladas das lagoas. ................................................................................................................... 81

    Figura 22 Quantitativos das colnias selecionadas para triagem e correspondentes

    agrupamentos posteriores de cepas, nas lagoas e perodo monitorados. .................................. 82

    Figura 23 Perfil das cepas selecionadas para identificao em nvel de espcie. ................. 84

    Figura 24 Espcies bacterianas identificadas. ....................................................................... 85

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 Classificao e balneabilidade dos corpos d'gua doce segundo Brasil (2005). ... 24

    Quadro 2 Algumas patologias decorrentes da precariedade de saneamento bsico. ............. 38

    Quadro 3 Coordenadas geogrficas dos pontos de amostragem nas lagoas avaliadas. ......... 59

    Quadro 4 Mtodos usados para quantificao de BHM, CTT e Ec. ..................................... 61

    Quadro 5 Antibiticos utilizados nos TSA. ........................................................................... 66

    Quadro 6 Valores de SBP utilizados na avaliao da susceptibilidade das cepas identificadas

    neste estudo............................................................................................................................... 68

    Quadro A.1 Lista de verificao da auditoria ambiental aplicada na APC das lagoas de

    Porangabuu* e do Opaia

    **. .................................................................................................... 112

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Resultados da aplicao da lista de verificao quesitos auditados. ................... 72

    Tabela 2 Resultados dos antibiogramas para cepas identificadas como Escherichia coli. ... 86

    Tabela 3 Resultados dos antibiogramas para cepas identificadas como Klebsiella

    pneumoniae e Enterobacter cloacae. ....................................................................................... 87

    Tabela 4 Resultados dos antibiogramas para as cepas identificadas como Acinetobacter spp.

    e Stenotrophomonas maltophilia. ............................................................................................. 88

    Tabela 5 Resultado do antibiograma para a cepa de Staphylococcus haemolyticus. ............ 88

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    ABNT Associao Brasileira de Normas Tcnicas

    AMC Antibitico Amoxicilina/cido Clavulnico

    AMK Antibitico Amicacina

    AMP Antibitico Ampicilina

    AN gar nutriente (nutritivo)

    APC rea de Primeira Categoria

    APP rea de Preservao Permanente

    ATM Antibitico Aztreonam

    BHM Bactrias heterotrficas mesfilas

    CAZ Antibitico Ceftazidima

    CEP Antibitico Cefalotina

    CIM Concentrao inibitria mnima do antibitico

    CIP Antibitico Ciprofloxacina

    CLI Antibitico Clindamicina

    CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente

    CRO Antibitico Ceftriaxona

    CTN Antibitico Cefotetana

    CTT Coliformes termotolerantes

    CTX Antibitico Cefotaxima

    CXM Antibitico Cefuroxima

    DAP Antibitico Daptomicina

    DNA cido desoxirribonucleico

    Ec Escherichia coli

    EMB gar eosina azul de metileno Levine

    ERI Antibitico Eritromicina

  • ETE Estaes de tratamento de efluente

    ETP Antibitico Ertapenm

    EUA Estados Unidos da Amrica

    FEP Antibitico Cefepima

    FIL Cepa isolada fermentadora intensas de lactose

    FLL Cepa isolada fermentadora lenta de lactose

    GEN Antibitico Gentamicina

    I Pouco sensvel (intermedirio) ao antibitico considerado

    IFCE Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia do Cear

    IPM Antibitico Imipenm

    ISO Organizao Internacional para Padronizao

    LNZ Antibitico Linezolida

    LVX Antibitico Levofloxacina

    MAC gar MacConkey

    MEM Antibitico Meropenm

    MUG 4-metil-umbeliferil--D-glicurondeo (substrato enzimtico fluorognico)

    MXF Antibitico Moxifloxacina

    N/A Teste no aplicvel

    NAL Antibitico cido Nalidxico

    NBR Norma Brasileira

    NC Cepa isolada no classificada

    NFL Cepa isolada no fermentadoras de lactose

    NMP Nmero mais provvel

    NP Colnia selecionada no purificada

    O1 Ponto na sada da drenagem pluvial a sudeste da margem da lagoa do Opaia

    O2 Ponto na sada da drenagem pluvial a sul da margem da lagoa do Opaia

    O3 Ponto na sada da drenagem pluvial a sudoeste da margem da lagoa do Opaia

  • O4 Ponto na lagoa do Opaia prximo ao tributrio principal

    O5 Ponto prximo ao centro do corpo aqutico da lagoa do Opaia

    O6 Ponto no corpo aqutico da lagoa do Opaia prximo ao sangradouro

    OMS Organizao Mundial da Sade

    ONPG orto-nitrofenil-galactopiranosdeo (substrato enzimtico cromognico)

    OXA Antibitico Oxacilina

    P1 Ponto na sada da drenagem pluvial ao norte da lagoa de Porangabuu

    P2 Ponto na sada da drenagem pluvial a oeste da lagoa de Porangabuu

    P3 Ponto na sada da drenagem pluvial ao sul da lagoa de Porangabuu

    P4 Ponto na lagoa de Porangabuu prximo ao tributrio principal

    P5 Ponto prximo ao centro do corpo aqutico da lagoa de Porangabuu

    P6 Ponto no corpo aqutico da lagoa de Porangabuu prximo ao sangradouro

    PCA Plate Count gar

    PEN Antibitico Penicilina G

    PIP Antibitico Piperacilina

    PMF Prefeitura Municipal de Fortaleza

    PO Ponto de coleta de amostras de gua

    QDA Antibitico Quinupristina/Dalfopristina

    R Resistente ao antibitico considerado

    RIF Antibitico Rifampicina

    S Muito sensvel ao antibitico considerado

    SAM Antibitico Ampicilina/Subactam

    SU Susceptibilidade da bactria

    SXT Antibitico Trimetropima/sulfametoxazol

    TCY Antibitico Tetraciclina

    TGC Antibitico Tigeciclina

    TOB Antibitico Tobramicina

  • TSA Teste de susceptibilidade a antimicrobianos

    TZP Antibitico Piperacilina/Tazobactam

    UFC Unidades formadoras de colnias

    VAN Antibitico Vamcomicina

    x Antibitico no testado

  • SUMRIO

    1 INTRODUO ..................................................................................................................... 18

    2 OBJETIVOS .......................................................................................................................... 20

    2.1 Geral ............................................................................................................................... 20

    2.2 Especficos ...................................................................................................................... 20

    3 REVISO BIBLIOGRFICA .............................................................................................. 21

    3.1 Ecossistemas lmnicos urbanos no Brasil atividades antrpicas e poluio ................ 21

    3.2 Ecossistemas lacustres de FortalezaCE ........................................................................ 25

    3.2.1 Lagoa do Opaia ........................................................................................................ 26

    3.2.2 Lagoa de Porangabuu............................................................................................. 28

    3.3 Meio ambiente e sade ambiental .................................................................................. 31

    3.3.1 Conceitos Bsicos .................................................................................................... 31

    3.3.2 Saneamento ambiental e sua relao com a sade pblica ...................................... 32

    3.3.3 Indicadores de risco e sua relao com a sade ambiental ...................................... 34

    3.4 Qualidade microbiolgica da gua ................................................................................. 36

    3.4.1 Patgenos de veiculao hdrica .............................................................................. 39

    3.4.2 Microrganismos indicadores de qualidade sanitria da gua .................................. 43

    3.4.3 Frmacos no meio ambiente e o aumento da resistncia bacteriana a

    antimicrobianos ................................................................................................................ 44

    3.5 Auditoria ambiental ........................................................................................................ 49

    3.5.1 Diretrizes para auditoria ambiental.......................................................................... 50

    3.5.2 Protocolo de auditoria ambiental lista de verificao ........................................... 51

    3.5.3 Auditoria ambiental em corpos lacustres de Fortaleza/CE ...................................... 52

    4 MATERIAL E MTODOS ................................................................................................... 53

    4.1 Localizao da rea de estudo ........................................................................................ 53

    4.2 Levantamento das condies ambientais no entorno das lagoas .................................... 59

  • 4.3 Coleta e frequncia de amostragem das guas ............................................................... 60

    4.4 Quantificao da populao bacteriana e dos indicadores da qualidade sanitria ......... 60

    4.5 Identificao de cepas bacterianas patognicas nas lagoas ............................................ 61

    4.5.1 Purificao e triagem preliminar de cepas bacterianas para identificao .............. 61

    4.5.2 Identificao e suscetibilidade a antibiticos dos isolados bacterianos .................. 64

    4.6 Levantamento de dados pluviomtricos ......................................................................... 70

    4.7 Tratamento estatstico descritivo .................................................................................... 70

    5 RESULTADOS E DISCUSSO........................................................................................... 71

    5.1 Auditorias ambientais nos ecossistemas avaliados ......................................................... 71

    5.2 Populao bacteriana indicadora da qualidade sanitria das lagoas avaliadas ............... 74

    5.3 Diversidade bacteriana nas lagoas purificao e triagem preliminar .......................... 79

    5.4 Identificao e suscetibilidade a antibiticos dos isolados bacterianos ......................... 83

    6 CONCLUSES ..................................................................................................................... 93

    7 RECOMENDAES FINAIS .............................................................................................. 95

    8 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .................................................................................. 96

    APNDICE A - CHECK LIST DE AUDITORIA APLICADO ........................................... 112

  • 18

    1 INTRODUO

    A formao dos grandes ncleos urbanos e industriais, com a crescente necessidade

    de gua para a manuteno das atividades humanas, desde os usos mais nobres, como

    abastecimento domstico e industrial, e a dessedentao de animais, at os usos menos

    restritivos (irrigao e lazer), faz com que, hoje, tais atividades sejam cada vez mais

    dependentes da disponibilidade e qualidade das guas continentais (ESTEVES, 2011).

    Durante sculos, considerou-se que a gua era um recurso inesgotvel, porm, o

    acelerado crescimento populacional, industrial e tecnolgico, a urbanizao e a expanso

    agrcola vm comprometendo a disponibilidade e a manuteno da qualidade das guas. As

    principais fontes de contaminao dos corpos d'gua se do por meio dos lanamentos de

    efluentes domsticos e industriais sem tratamento ou tratados ineficientemente nos corpos

    receptores, dos aterros sanitrios que afetam os lenis freticos, da disposio inadequada de

    resduos slidos e de defensivos agrcolas, que escoam com a chuva sendo arrastados para os

    rios e lagos, aliado supresso da vegetao ciliar, entre outras atividades antrpicas no

    entorno destes ecossistemas aquticos (BOMFIM et al., 2007; GLEESON, GRAY, 1997).

    Apesar de a maior parte das guas urbanas no ser mais destinada ao abastecimento

    humano, compreende-se que h necessidade de um melhor manejo e conservao, pois estas

    ainda desempenham inmeros usos socioeconmicos e ambientais, influenciando diretamente

    nos microclimas, na drenagem pluvial, nas atividades pesqueiras de subsistncia e de lazer,

    entre outros (MEDEIROS-LEITO, 2002; SOUSA, PONTE, GOMES, 2007).

    O fato mais alarmante que as reservas urbanas de gua disponveis esto com suas

    capacidades de autodepurao mais impactadas dia a dia. Se o nvel de poluio mais

    intenso, d-se a eutrofizao do corpo aqutico com a consequente reduo do teor de

    oxignio dissolvido, o que pode acarretar na mortandade acentuada de peixes e de outros

    organismos, favorecendo a proliferao de bactrias, inclusive as patognicas, tornando o

    ambiente uma ameaa sade da populao.

    Ademais, no processo de gesto dos recursos hdricos, os gestores necessitam apoiar

    suas aes e avaliar a mdio e em longo termo os impactos naqueles ambientes aquticos.

    Neste contexto, os indicadores so importantes instrumentos de informaes para subsidiar e

    promover polticas especficas e aes pblicas.

  • 19

    Desta forma, a avaliao da qualidade microbiolgica das guas uma ao

    indispensvel na gesto dos recursos hdricos urbanos, haja vista que agentes patognicos de

    veiculao hdrica, encontrados comumente em esgoto domstico e industrial so lanados

    indiscriminadamente em ecossistemas hdricos urbanos, comprometendo os usos de tais

    ambientes, muitas vezes de maneira irreversvel. importante observar que esta situao, de

    forma geral, resultado da falta de compromisso por parte dos rgos pblicos e da

    populao quanto preservao dos corpos hdricos, especialmente no caso das lagoas.

    Nesse contexto, considerando a importncia histrica e socioambiental para o

    Municpio de Fortaleza, Cear, das lagoas do Porangabuu e do Opaia, cada uma com suas

    particularidades, e baseado na variedade e intensidade dos impactos a que esto submetidos

    estes corpos aquticos, torna-se, imprescindvel a avaliao da microbiota patognica nestes

    corpos aquticos, visto que a presena destes microrganismos indica potencial risco ecolgico

    a tais ecossistemas lacustres, bem como sade pblica das comunidades circunvizinhas ou

    mesmo para toda a populao da cidade.

  • 20

    2 OBJETIVOS

    2.1 Geral

    Identificar os patgenos humanos existentes nas guas das lagoas de Porangabuu e do Opaia,

    Fortaleza-CE, avaliando sua susceptibilidade a antimicrobianos, bem como auditar estes

    ecossistemas aquticos do ponto de vista ambiental, no perodo de janeiro a julho de 2012,

    relacionando os potenciais riscos sade humana determinados com a conservao do meio

    ambiente.

    2.2 Especficos

    Realizar auditoria ambiental nos dois ecossistemas monitorados para identificao dos

    principais impactos ambientais a que esto submetidos;

    Isolar, identificar em nvel de espcie e quantificar as bactrias patognicas viveis das

    guas dos ecossistemas estudados, por intermdio de crescimento seletivo e diferencial,

    bem como por provas bioqumicas e testes especficos;

    Realizar testes de susceptibilidade a antimicrobianos (TSA) para avaliar a resistncia

    das espcies bacterianas identificadas a antibiticos tpicos;

    Relacionar a qualidade microbiolgica das guas avaliadas com o regime climtico, no

    perodo de estudo, como tambm aos principais impactos a que, porventura, estiverem

    submetidos.

  • 21

    3 REVISO BIBLIOGRFICA

    3.1 Ecossistemas lmnicos urbanos no Brasil atividades antrpicas e poluio

    O Brasil um pas privilegiado porque possui 12% das reservas mundiais de gua

    doce e 53% das reservas da Amrica do Sul, apresentando uma disponibilidade hdrica de

    40.732 m/hab/ano, sendo que aproximadamente 80% das guas brasileiras esto na Bacia

    Amaznica. Entretanto, apesar da grande quantidade de gua existente no pas, a distribuio

    dos recursos hdricos lmnicos1 totalmente desigual.

    Segundo dados da Secretaria de Recursos Hdricos do Ministrio do Meio Ambiente,

    ao se comparar, em termos percentuais, a quantidade de gua com a superfcie das diversas

    regies do Pas e sua populao, teremos os seguintes nmeros: a distribuio regional dos

    recursos hdricos de 68,5% para a regio Norte, 15,7% para a Centro-Oeste, 12,5% para as

    regies Sul e Sudeste, que apresentam o maior consumo de gua, e 3% para a Nordeste. Essa

    regio, alm da carncia de recursos hdricos, tem sua situao agravada por um regime

    pluviomtrico irregular e pela baixa permeabilidade do terreno cristalino (BRASIL, 2002).

    Destaque-se que a maioria das cidades em nosso pas surgiu prxima a ecossistemas

    aquticos, onde ocorreu um processo intenso de crescimento devido a um sistema de relaes

    que envolveram fluxos de pessoas, de mercadorias, servios e informaes proporcionados

    por uma boa rede de transportes. Estes fatores aliados grande influncia que algumas

    cidades exerceram, provocaram a migrao das pessoas para os centros urbanos, vindas

    principalmente do meio rural (TUNDISI, TUNDISI, 2008).

    Assim, a escassez de gua no Brasil est associada s baixas disponibilidades

    especficas no Nordeste e as altas densidades demogrficas nas regies Sudeste e Sul. Alm

    disso, o crescimento urbano intensificado e desordenado, sem planejamento ambiental,

    resultou em prejuzos significativos sociedade, provocando impactos considerveis aos

    ecossistemas aquticos no pas (TUCCI, 2002). Alguns destes impactos so relacionados por

    Mota (2003):

    a) aumento de elementos antrpicos nas bacias hidrogrficas;

    b) aumento da temperatura, ocasionado pela impermeabilizao do solo por meio de

    concretos e asfaltos, os quais absorvem energia solar, elevando a temperatura;

    1 O termo lmnico se refere aos ambientes de guas doces continentais (dulciaqucolas).

  • 22

    c) aumento de sedimentos e materiais slidos provocados pela limpeza de terrenos para

    novos loteamentos, construo de ruas, avenidas, rodovias, pontes, taludes, causando a

    obstruo do escoamento das guas, provocam o assoreamento com a reduo da

    capacidade de escoamento de rios e lagos urbanos;

    d) enchentes em reas ribeirinhas, devido ocupao irregular dos leitos dos rios, e

    margens de lagoas, contribuindo para a degradao da qualidade do ambiente

    aqutico, alm de gerar importantes consequncias sociais negativas;

    e) perdas e desperdcio da gua devido a vazamentos nos sistemas pblicos de

    abastecimento nas residncias; a utilizao inadequada da gua de boa qualidade nas

    regas de jardins; s descargas de sanitrios; lavagem de automveis e caladas.

    A despeito da escassez, as guas esto sendo incorretamente utilizadas, resultando na

    poluio2 dos corpos hdricos, principalmente pelo gerenciamento indiferente quanto aos

    cuidados essenciais que deveriam ser observados (ZAMPIERON, VIEIRA, 2007).

    Esse gerenciamento muito complexo, dependendo de uma forte base de dados e de

    desenvolvimento de mecanismos de transferncia do conhecimento cientfico bsico

    para a aplicao. Como h grandes diferenas geomorfolgicas, ecolgicas e

    antropolgicas nas vrias latitudes no Brasil, esta ao torna-se evidentemente mais

    complexa, pois depende de uma base local ou regional de dados e informaes

    cientficas compatveis, com os sistemas regionais (TUNDISI et al., 2002, p. 216).

    Ressalte-se que, conforme coloca Azevedo (1999), das diferentes formas de poluio

    dos recursos naturais, a poluio das guas certamente a mais preocupante, uma vez que

    esse recurso essencial aos seres vivos e, ainda, pelo motivo de que a gua doce disponvel na

    Terra ser escassa.

    A poluio das guas pode se dar por distintas fontes de contaminaes,

    predominantemente oriundas de atividades antrpicas: lanamento de esgotos domsticos,

    industriais e da agropecuria; desmatamento; atividades de minerao; disposio inadequada

    de resduos slidos; poluio difusa em reas urbanas; salinizao; desastres ambientais;

    construo de barragens (BRASIL, 2002), alm de algas e macrfitas que proliferam em

    corpos lnticos, resultado do excesso de nitrognio e fsforo, oriundos de excretas, de restos

    de alimentos, detergentes, entre outros, e que podem criar um ambiente favorvel ao

    desenvolvimento de vetores de veiculao hdrica (SPERLING, 1999; TUNDISI, TUNDISI,

    2008).

    2 O termo poluio pode ser definido como a degradao da qualidade ambiental oriunda de atividades que

    prejudiquem a sade, a segurana e o bem-estar da populao; criem condies adversas s atividades sociais e

    econmicas; afetem desfavoravelmente a biota; afetem as condies estticas ou sanitrias do meio ambiente; e

    lancem matrias ou energia em desacordo com os padres ambientais estabelecidos (BRASIL, 1981).

  • 23

    Ademais, nas grandes cidades, o processo de urbanizao notoriamente o fator

    dominante nos impactos sofridos pelos ecossistemas aquticos em relao a sua qualidade

    sanitria, j que nesse processo corpos aquticos lmnicos tm sido assoreados, aterrados,

    abusivamente desviados, ou mesmo canalizados, com suas margens indevidamente ocupadas

    e desmatadas, tornando-as sujeitas eroso (COSTA, 2007; LIMA, 2004; MACHADO,

    2003). Alm disso, imensas quantidades de lixo se acumulam no interior e nas encostas

    desmatadas desses corpos hdricos. Regies no passado alagadias, como pntanos, mangues,

    brejos ou vrzeas foram aterradas, impermeabilizadas e edificadas (MACHADO, 2003).

    Notadamente, os corpos lnticos presentes em reas urbanas encontram-se, em sua

    maioria, poludos. Isso vem a comprometer a qualidade sanitria das guas e,

    consequentemente, a sade da populao que se utiliza dessas reas para a obteno de sua

    fonte de alimento e renda (CORRA et al., 1993), assim como para atividades de lazer.

    O comprometimento da qualidade sanitria obviamente limita e at interrompe os

    diversos usos de um corpo aqutico (LIMA, 2004), tais como abastecimento de gua, gerao

    de energia, irrigao, navegao, aquicultura, recreao e harmonia paisagstica (LEBARON

    et al., 2005; LOPEZ-PILLA, SZEWZYK, 2000; MORAES; JORDO, 2002).

    Sabidamente, desejvel que as guas devem estar livres de contaminao fecal, de

    patgenos e outras caractersticas inadequadas para serem utilizadas para fins recreacionais.

    Assim, recomendvel conhecer o estado sanitrio das guas quanto balneabilidade e aos

    possveis riscos sade para tais usos (MEDEIROS et al., 2011; COMPANHIA DE

    TECNOLOGIA DE SANEAMENTO AMBIENTAL, 2005).

    No Brasil, a Resoluo N357/2005 do Conselho Nacional do Meio Ambiente

    (CONAMA) (BRASIL, 2005), alm de categorizar as guas doces em diferentes classes e as

    respectivas recomendaes de uso, tambm determina que conjunto de parmetros de

    qualidade de gua deve-se monitorar periodicamente para subsidiar a avaliao de um corpo

    hdrico em respeito quelas classes. As classes distintas de guas doces, seus usos e

    caractersticas sanitrias, em termos de coliformes termotolerantes3 (CTT) esto apresentadas

    no Quadro 1.

    3 Coliformes termotolerantes ou fecais so definidos como bactrias gram-negativas oxidase-negativas, em

    forma de bacilos, capazes de fermentar a lactose entre 44C e 45C pela atividade da enzima -galactosidase com produo de cido, gs e aldedo, sendo representados principalmente pela Escherichia coli e, tambm, por

    algumas bactrias dos gneros Klebsiella, Enterobacter e Citrobacter. So comumente usados como indicadores

    de contaminao fecal na avaliao da qualidade de guas. Na legislao brasileira, Brasil (2001, 2005), os

    coliformes fecais so utilizados como padro para qualidade microbiolgica de guas superficiais destinadas a

    abastecimento, recreao, irrigao e piscicultura.

  • 24

    Quadro 1 Classificao e balneabilidade dos corpos d'gua doce segundo Brasil (2005).

    CLASSE

    QUANTO AOS USOS

    PREPONDERANTES

    (Base Legal)

    CONDIES DE QUALIDADE

    SANITRIA

    (Base Legal)

    Classe

    especial

    Cap II; Seo I; Art. 4;

    Inciso I;

    Alneas a, b e c

    Destinada ao abastecimento humano aps desinfeco;

    preservao do equilbrio natural

    das comunidades aquticas em

    unidades de proteo integral.

    Captulo III;

    Seo I;

    Art. 13

    Nas guas de classe especial

    devero ser mantidas as condies

    naturais do corpo de gua.

    Classe 1

    Cap II; Seo

    I; Art. 4;

    Inciso II; Alnea: g

    Destinada ao abastecimento

    humano aps tratamento simplificado; proteo das

    comunidades aquticas; recreao

    de contato primrio, conforme

    Brasil (2001); irrigao de frutas

    e hortalias consumidas cruas;

    proteo das comunidades

    aquticas em Terras Indgenas.

    Captulo III;

    Seo I;

    Art. 14;

    Inciso I;

    Alnea g

    A balneabilidade segue Brasil

    (2001). Demais usos no dever exceder o limite de 200

    CTT/100 mL em 80% ou mais de

    pelo menos 6 (seis) amostras

    coletadas durante o perodo de um ano, com frequncia bimestral. O

    parmetro pode ser substitudo por

    E coli, conforme orientao do

    rgo ambiental competente.

    Classe 2

    Cap II; Seo

    I; Art. 4;

    Inciso III; Alneas: a, b,

    c, d, e e.

    Destinada ao abastecimento

    humano aps tratamento convencional; proteo das

    comunidades aquticas; recreao

    de contato primrio, conforme

    Brasil (2001); irrigao de hortalias, plantas frutferas e de

    parques, jardins, campos de

    esporte e lazer, com os quais o

    pblico possa ter contato direto; aquicultura e atividades de pesca.

    Captulo III

    Seo I - Art. 15, Inciso II

    CTT para contato primrio segue

    Brasil (2001). Demais usos no dever exceder o limite de

    1000 CTT/100 mL em 80% ou

    mais de pelo menos 6 (seis)

    amostras coletadas bimestralmente durante um ano. O parmetro pode

    ser substitudo por E. coli,

    conforme orientao do rgo ambiental competente.

    Classe 3

    Cap II; Seo

    I; Art. 4; Inciso IV;

    Alneas: a, b,

    c, d e e.

    Destinada ao abastecimento

    humano aps tratamento

    convencional ou avanado;

    irrigao de culturas arbreas, cerealferas e forrageiras; pesca

    amadora; recreao de contato

    secundrio e dessendentao de

    animais.

    Captulo III;

    Seo I; Art. 16;

    Inciso I;

    Alnea g.

    CTT para contato primrio segue Brasil (2001). Para demais usos

    no dever exceder o limite de

    2500 CTT/100 mL em 80% ou

    mais de pelo menos 6 (seis) amostras coletadas bimestralmente

    durante um ano. O parmetro pode

    ser substitudo por E coli, conforme

    orientao do rgo ambiental competente.

    Classe 4

    Cap II; Seo I; Art. 4;

    Inciso V;

    Alneas: a e b.

    Estas guas no so destinadas ao consumo humano, somente para

    navegao e harmonia

    paisagstica.

    Fontes: Brasil (2001, 2005).

    Adicionalmente, o conhecimento da microbiota aqutica desejvel para o

    gerenciamento dos ambientes lmnicos, j que reflete diretamente as condies terrestres

    circundantes e as atividades ali exercidas, contribuindo no diagnstico da sade ambiental do

    ecossistema aqutico.

  • 25

    3.2 Ecossistemas lacustres de FortalezaCE

    A cidade de Fortaleza (34302 Sul; 383235 Oeste), capital do estado do Cear,

    tem uma rea de aproximadamente de 313 km e possui apenas trs bacias hidrogrficas

    representativas, que abrigam em suas reas de drenagem pelo menos dezenove lagoas de

    pequeno e mdio porte (reas entre 6 e 70 hectares). Existem, ainda, pelo menos quatro

    reservatrios (audes) que assumem as mesmas funes das formaes lacustres naturais

    (INSTITUTO DE PESQUISA E ESTRATGIA ECONMICA DO CEAR, 2010).

    Os ecossistemas lnticos4 no so elementos permanentes das paisagens da terra,

    pois eles so fenmenos de curta durabilidade na escala geolgica. Portanto, surgem e

    desaparecem no decorrer do tempo de forma natural (fenmenos glaciais, vulcnicos ou

    tectnicos) ou artificial (construo de barragens) (ESTEVES, 2011; SPERLING, 2005).

    Os lagos e as lagoas, particularmente, so fundamentais para o equilbrio ecolgico

    da regio que os circunda. A influncia desses ecossistemas se d diretamente quando

    percebemos a termorregulao das suas reas de entorno (ESTEVES, 2011). Negligencia-se,

    tambm, o fato de que tais ecossistemas lacustres interferem no equilbrio hdrico, na

    valorizao da paisagem urbana, alm do grande potencial para desenvolvimento de

    atividades de pesca e de lazer (VASCONCELOS, CORIOLANO, SOUZA, 1996).

    importante destacar que todas as interferncias nos usos desejveis aparecem nas

    lagoas de Fortaleza, que, como as outras metrpoles do pas, sofreu, nos ltimos anos, grande

    expanso de sua rea urbana e consequente mudana no uso e ocupao do solo, que se reflete

    num quadro de degradao ambiental de suas guas (MENESCAL et al., 2001).

    Antes da implantao dos servios de abastecimento de gua, os recursos hdricos

    lacustres de Fortaleza eram utilizados pela populao para o consumo domstico, a lavagem

    de roupas, a pesca e o lazer. A construo de barragens e audes na regio metropolitana e em

    municpios do interior garantiu o provimento de guas para Fortaleza, reduzindo a

    importncia das lagoas como fontes hdricas. O crescimento demogrfico e o parcelamento do

    solo urbano tambm prejudicaram os corpos lacustres, que passaram de provedores de gua

    para receptores de efluentes domsticos e industriais (BENTO, 2011).

    Alm disso, o processo de urbanizao de Fortaleza tem gerado srios problemas

    ambientais, como o aterramento e a poluio de vrias estruturas lacustres (SENA NETA,

    4 O termo lntico define um ambiente aqutico no qual a massa de gua se apresenta parada, sem correnteza

    aparente, tais como lagos, lagoas, pntanos, audes etc.

  • 26

    2012). O desaparecimento dos recursos hdricos lacustres pelo aterramento promove danos na

    drenagem urbana, interferindo no escoamento das guas pluviais. A ocupao indevida das

    margens de lagoas agrava as condies sanitrias na cidade. Nos domiclios,

    predominantemente improvisados, h o lanamento de resduos domsticos que nos perodos

    chuvosos, retorna em forma de doenas de veiculao hdrica (BENTO, 2011). Infelizmente,

    os estudos sobre tais estruturas tm se restringido, meramente, a diagnsticos hidroambientais

    e socioeconmicos (VASCONCELOS, CORIOLANO E SOUZA, 1996).

    Atualmente, as lagoas urbanas de Fortaleza contribuem significativamente na regio

    do seu entorno para irrigao, fonte de alimento, abastecimento humano, lazer e tambm,

    depsito de lixo e esgoto (FORTALEZA, 2007). Contudo, fato que a maioria das lagoas na

    capital cearense tem estado poluda (AMBIENTE BRASIL, 2008; FORTALEZA, 2013;

    G1 CEAR, 2011, 2013; LIMA, BUARQUE, GOMES, 2010; LIMA, GOMES, BUARQUE,

    2012; MENESES, 2012), prejudicando o aproveitamento de suas diversas funes de forma

    plena e adequada pela populao fortalezense e pelas comunidades prximas desses corpos

    aquticos, em particular.

    As lagoas do Opaia e de Porangabuu so exemplos de meios aquticos poludos,

    apesar de sua importncia para a comunidade, da sua beleza cnica e do seu potencial para

    rea de visitao pblica e de lazer (SOUSA, MENELEU NETO, SANTOS, 2009).

    3.2.1 Lagoa do Opaia

    A lagoa do Opaia est localizada no bairro Vila Unio, apresenta espelho d'gua de

    aproximadamente 11 ha e profundidade mdia de 1,9 m e tambm faz parte da Sub-bacia B-1

    do Rio Coc. Sua rea de primeira categoria (APC) compreende uma rea limitada pelas Ruas

    Moacir Machado, Rua Almirante Rufino, Rua do Avio, Rua Livreiro Gualter, Rua Lineu

    Juc, Rua Helvcio Monte e pela Avenida Lauro Vieira Chaves (FORTALEZA, 2008). A

    Figura 1 apresenta uma imagem de satlite da lagoa do Opaia.

    Esta lagoa apresenta elevado ndice de urbanizao. Por intermdio de projeto de

    reurbanizao foram construdas: 504 unidades habitacionais, uma rea de passeio no entorno

    da lagoa, quatro quadras para futebol de areia, espao para a juventude, uma creche

    escolarizada, a regularizao fundiria de 144 famlias que residem nas circunvizinhanas da

    lagoa e todo o projeto paisagstico da rea. Os habitantes do entorno da lagoa tm renda entre

    baixa e mdia alta (FORTALEZA, 2010; VIANA, 2000). Apesar disso, a rea de Preservao

    Permanente (APP) apresenta ocupao irregular.

  • 27

    Entre as principais atividades desenvolvidas no entorno, predominam as atividades

    comerciais (mercadinhos, panificadoras, bares etc.), alm de um posto de sade e uma estao

    elevatria da Companhia de gua e Esgoto do Cear. O destino final dos efluentes gerados

    nestes estabelecimentos so as fossas-sumidouros ou a rede pblica de esgoto (LIMA, 2012).

    Figura 1 Imagem de satlite da lagoa do Opaia, Fortaleza-CE.

    Fonte: GOOGLE (2014a).

    A rea parcialmente dotada de rede pblica de esgoto. No trecho no urbanizado h

    lanamento irregular de esgoto, na via pblica e na rede de drenagem (subdimensionada e mal

    conservada), proveniente das residncias localizadas nas ruas Lauro Vieira Chaves e

    Deocleciano Cavalcante.

    Mesmo ocorrendo coleta sistemtica de resduos slidos na rea, frequentemente se

    verificaa disposio irregular de lixo no entorno do ecossistema, sendo comum o

    transbordamento de lixo dos contineres localizados na APP, o que causa assoreamento e

    aumento do risco de contaminao.

    A lagoa usada para recreao de contato primrio, conforme pode ser observado na

    fotografia da Figura 2, pesca de subsistncia, irrigao de pequenas hortas e retirada de gua

    em carros pipa para irrigao da arborizao urbana. No apresenta vegetao ciliar original,

  • 28

    entretanto ela esteve completamente tomada por macrfitas fixas e flutuantes, o que exigiu

    interveno da Prefeitura Municipal de Fortaleza (PMF) no sentido da retirada desta

    vegetao para melhoria das condies ambientais gerais da lagoa.

    Figura 2 Banhistas na lagoa do Opaia Fortaleza-CE.

    Fonte: GOOGLE (2013) [foto editada].

    Os dados de qualidade de gua existentes para este corpo hdrico, antes eram

    descontnuos, mas passaram a ser sistemticos desde o segundo semestre de 2006, como parte

    das atividades realizadas a partir de convnio celebrado entre o Instituto Federal de Educao,

    Cincia e Tecnologia do Cear (IFCE), o Centro de Pesquisa e Qualificao Tecnolgica, e a

    PMF, que teve vigncia at junho de 2010. De acordo com esses dados, a lagoa tem se

    apresentado sistematicamente imprpria para a balneabilidade (atividades de contato

    primrio), estando submetida a impactos diversos, tornando-a eutrofizada (LIMA, 2012) em

    toda extenso e inapropriada para os usos mais exigentes.

    3.2.2 Lagoa de Porangabuu

    A lagoa de Porangabuu, localizada no bairro Rodolfo Tefilo, apresenta espelho

    dgua de aproximadamente 9,8 ha e profundidade mdia de 1,8 m e faz parte da bacia do rio

    Coc (Sub-bacia B-1). Sua faixa de primeira categoria foi delimitada pelo Decreto Municipal

    n 12.450/2008 (FORTALEZA, 2008), compreendendo uma rea limitada pelas Ruas Porfrio

  • 29

    Sampaio e seu prolongamento, Frei Marcelino, prolongamento da Rua Ana Nri e

    prolongamento das ruas Coronel Nunes de Melo e Monsenhor Furtado. A Figura 3 apresenta

    uma imagem de satlite da lagoa de Porangabuu.

    Figura 3 Imagem de satlite da lagoa de Porangabuu, Fortaleza-CE.

    Fonte: GOOGLE (2014b).

    A PMF reurbanizou a lagoa em 2009 e tem realizado tratamento primrio no espelho

    dgua desse ecossistema, com retirada de macrfitas flutuantes e fixas, desde ento. Entre as

    aes de reurbanizao destacam-se a construo de limites fsicos (caladas e gradis),

    respeitando o fluxo e refluxo da lagoa, sem obstruir a viso da paisagem; estacionamentos

    com arborizao para limitar o acesso de veculos motorizados; construo de plats e

    quadras para atividades esportivas e de um largo para exerccios fsicos (VIANA, 2000).

    Entretanto, tais aes no tm evitado a poluio da lagoa e os danos ambientais decorrentes

    (G1 CEAR, 2011; TRIBUNA DO CEAR, 2011). A Figura 4 reproduz uma fotografia

    obtida durante um evento de mortandade de peixes nesse corpo aqutico.

    Adicionalmente, destaca-se que entre as atividades desenvolvidas na rea de entorno,

    semelhantes quelas constatadas na lagoa do Opaia, predominam os estabelecimentos

    comerciais, dos quais alguns so potencialmente poluidores (e.g., lava-rpidos) e funcionam

    sem licenciamento ambiental e sem nenhuma forma de controle de seus efluentes. Verificam-

    se algumas construes irregulares na APP da lagoa e acmulo de lixo nas bocas de lobo.

  • 30

    Figura 4 Mortandade de peixes na lagoa de Porangabuu.

    Fonte: INSTITUTO FEDERAL DO CEAR (2012).

    A rea dotada de rede pblica de esgoto. Entretanto, falta complementao da rede

    nos trechos das ruas Frei Marcelino, Major Pedro Sampaio, Papi Jnior, Ana Neri e Coronel

    Nunes de Melo. Nestes trechos ocorrem ligaes clandestinas de esgoto nas galerias pluviais,

    tendo como receptor final a lagoa, acarretando, portanto, a deteriorao das guas deste

    ecossistema (LIMA, 2012). A cobertura vegetal compe-se, basicamente, de gramneas que

    do certa estabilidade ao solo e o protegem da eroso. O espelho dgua da lagoa apresenta

    pequena presena de macrfitas aquticas, notadamente, o aguap (Eichhornia crassipes),

    vegetao que predomina em ambientes aquticos eutrofizados.

    Esta lagoa tambm tem se apresentado sistematicamente imprpria para a recreao

    de contato primrio (FORTALEZA, 2013), com colimetria acima dos valores mximos

    estabelecidos pela Resoluo 274/2000 do CONAMA (BRASIL, 2001) e com elevados nveis

    de eutrofizao (LIMA, 2012).

  • 31

    3.3 Meio ambiente e sade ambiental

    3.3.1 Conceitos Bsicos

    O meio ambiente compreende um conceito global, percebido nas relaes de

    equilbrio entre os diversos elementos da natureza como a macrobiota (fauna, flora), a

    microbiota (organismos microscpicos), o ar, a gua e os seres humanos. Ressalte-se que essa

    homeostase tem sido alterada pelo ser humano no decorrer da histria, gerando modificaes

    profundas, por vezes irreversveis, no equilbrio ambiental (ROSEN, 1994).

    A existncia de relaes entre a sade das populaes humanas e o meio ambiente j

    estava presente nos primrdios da civilizao, por meio dos escritos hipocrticos. Mais

    recentemente, pesquisadores de todo o mundo, baseados em indicadores globais, alertam para

    a correlao entre ambiente e sade do ser humano (CMARA, TAMBELLINI, 2003;

    ROSEN, 1994). Nesse contexto, a Organizacin Panamericana de la Salud (1994) conceitua

    sade ambiental como todos os aspectos da sade humana, incluindo a qualidade de vida, que

    so determinados por fatores fsicos, qumicos, biolgicos, sociais e psicolgicos no meio

    ambiente. Neste sentido, ela tambm se refere teoria e prtica de valorar, corrigir, controlar

    e evitar os fatores que possam prejudicar a sade de geraes atuais e futuras.

    Esse conceito ganha importncia quando se percebe que o desenvolvimento

    sustentvel, com a conservao de um meio ambiente saudvel para a existncia humana,

    nada mais do que um fator de proteo e de promoo sade. Assim, para a existncia

    desse ambiente, faz-se necessrio o reconhecimento dos fatores de risco que possam interferir

    na complexidade dos sistemas ambientais e humanos. Mais importante ainda compreender

    que h uma relao intrnseca e recproca entre os fatores determinantes da sade ambiental e

    o processo de construo da sade humana (ASSUNO FILHO et al., 2010).

    Assim, a sade humana deixou de ser a vida no silncio dos rgos desde que se

    percebeu a necessidade de dar-lhe uma conotao holstica (ORTEGA, 2004).

    Consequentemente, sob a perspectiva do paradigma transdisciplinar holstico, pode-se

    conceber o ambiente no apenas enquanto natureza, mas sob os aspectos fsico, qumico,

    biolgico, social e subjetivo ou psicolgico, como tambm uma sade, que se amplia em

    fsica, psicolgica, social, ambiental e espiritual (MILIOLI, BLLA, 2010). Ademais,

    segundo Freitas (2003), os problemas ambientais so, simultaneamente, problemas de sade,

    uma vez que os seres humanos e as sociedades so afetados por aqueles em vrias dimenses.

  • 32

    3.3.2 Saneamento ambiental e sua relao com a sade pblica

    Ao despontar do sculo XIX, o paradigma cientfico predominante era o de que as

    doenas provinham das emanaes resultantes dos acmulos de dejetos (miasmas). Ento,

    pode-se dizer que o conhecimento acerca da relao existente entre saneamento ambiental5 e o

    processo sade-doena, embora impreciso, j se encontrava estabelecido h mais de um

    sculo (ROSEN, 1994).

    A teoria miasmtica propiciou, no sculo XIX, a melhoria do ambiente urbano no

    mundo desenvolvido (ROSEN, 1994). As melhorias sanitrias introduzidas, entre 1860 e

    1920, na Europa e na Amrica do Norte, ao lado da elevao do nvel de vida da populao,

    desempenharam papel fundamental na reduo das taxas das doenas diarreicas e controle da

    ocorrncia de epidemias de tifo e de clera (SNOW, 1999; ESREY, FEACHEM, HUGHES,

    1985). De fato, o amplo acesso, nos pases desenvolvidos, aos dispositivos para eliminao

    das excretas e a disponibilidade de gua de boa qualidade e em quantidade suficiente

    determinaram uma drstica reduo da incidncia das doenas relacionadas a estes meios de

    transmisso, que tm se mantido, de maneira geral, at os dias de hoje.

    Diferentemente, as doenas relacionadas ausncia de saneamento bsico6 ainda se

    mantm como problemas relevantes de sade pblica nos pases em desenvolvimento,

    apresentando-se como importantes causas de morbimortalidade, especialmente entre crianas,

    em razo de um determinante comum, a inexistncia ou precariedade do esgotamento

    sanitrio, e a no disponibilidade de gua em quantidade suficiente e qualidade adequada para

    o consumo humano (HUTTLY, 1990; ESREY; HABICHT, 1986).

    Historicamente, como explicam Rezende e Heller (2002 apud BRASIL, 2004a,

    p. 15):

    A sade pblica e o saneamento sofreram influncias do desenvolvimento poltico e

    econmico da constituio do Estado brasileiro. No perodo colonial, a maior parte

    das aes de saneamento era realizada em nvel individual, situao possvel pela

    ausncia de grandes aglomeraes humanas, abundncia de recursos hdricos, baixo

    potencial poluidor da produo de esgotos e boas condies de autodepurao dos

    cursos dgua.

    5 Saneamento ambiental o conjunto de aes socioeconmicas que tm por objetivo alcanar um estado de

    higidez, da qual se destaca a capacidade de inibir endemias e epidemias causadas pelo meio ambiente e de

    promover o aperfeioamento de condies mesolgicas favorveis ao pleno gozo de sade e bem-estar, por meio

    de abastecimento sanitr, controle de doenas transmissveis, etc., com a finalidade de proteger e melhorar as

    condies de vida urbana e rural (BRASIL, 2006). 6 Saneamento bsico o conjunto de servios, infraestruturas e instalaes de abastecimento de gua,

    esgotamento sanitrio, limpeza urbana e manejo de resduos slidos, e drenagem de guas pluviais urbanas

    (BRASIL, 2007a).

  • 33

    As obras, entretanto, atendiam apenas a uma parte da populao, caracterizando um

    quadro precrio das condies sanitrias da poca e determinando vrias epidemias

    (Brasil, 2004a, p. 15).

    Destaque-se que, no ltimo sculo, o Brasil passou por um acelerado processo de

    urbanizao.

    Nas primeiras dcadas do sculo XX, a maioria da populao brasileira vivia na

    zona rural e, em poucas dcadas, com o processo de industrializao e a migrao

    para os centros urbanos, o Brasil chegou ao final do sculo XX como um pas

    predominantemente urbano. Em 2000, a populao urbana chegou a 81,3% da

    populao total. Essa rpida inverso provocou um enorme dficit no setor de

    saneamento, tornando-se um dos principais problemas ambientais brasileiros

    (BRASIL, 2009b, p. 7).

    E nas grandes cidades que os problemas decorrentes de um saneamento inadequado

    se evidenciam, mais claramente, no bem-estar da populao. Atualmente, mesmo com as

    melhorias sanitrias introduzidas no Brasil a partir do incio do sculo passado, as quais

    contriburam efetivamente para a reduo e mesmo erradicao de vrias doenas endmicas

    e epidmicas, e com 90% da populao urbana brasileira atendida com gua potvel e 60%

    com redes coletoras de esgotos, as doenas resultantes da falta ou inadequao de

    saneamento, especialmente em reas pobres (favelas, periferias das cidades, zona rural) do

    pas, tm somente agravado o quadro epidemiolgico de doenas, tais como clera, dengue,

    esquistossomose e leptospirose, as quais, em sua maioria, so evitveis ou mesmo

    erradicveis (BRASIL, 2006; BRASIL, 2010b; COSTA, 2007).

    Ressalte-se, ainda, que condies inadequadas de saneamento esto entre as

    principais causas da diarreia, uma das doenas que mais afligem a humanidade, com mais de

    quatro bilhes de casos anualmente (BRASIL, 2006). Ento, fcil perceber que a

    precariedade do saneamento ambiental representa um grande impacto na utilizao da rede

    assistencial, implicando em gastos hospitalares e no desenvolvimento de programas de

    controle das doenas endmicas (BRASIL, 2010b), constituindo um fator decisivo nas

    questes relacionadas sade pblica.

    Sobre isso, Fonseca (2012, p. 142) afirma que:

    impossvel considerar qualquer aspecto da sade humana separadamente do

    cenrio ambiental. Por maior que seja o impacto causado pela vida social sobre a

    sade humana, o ambiente ecologicamente equilibrado um fator de extrema

    relevncia.

    Por este motivo, conforme observam Soares et al. (2002, p. 1714):

    Nos ltimos anos, tem-se observado que a finalidade dos projetos de saneamento

    tem sado de sua concepo sanitria clssica, recaindo em uma abordagem

    ambiental, que visa no s [sic] promover a sade do homem, mas, tambm, a

    conservao do meio fsico e bitipo.

  • 34

    Ressalte-se que a preocupao com sade e higiene est presente nas polticas

    pblicas em toda a Amrica Latina desde meados do sculo XIX. Porm, somente nos ltimos

    anos os sistemas de saneamento e esgotamento sanitrio tm sido tratados como temas

    ambientais no Brasil. Esta importante mudana de abordagem percebida por meio de uma

    ampla reforma da legislao brasileira (BRASIL, 2005, 2007a, 2008, 2009a, 2010a, 2011a,

    2011b) na ltima dcada, juntamente com a legislao anterior (BRASIL, 1981, 1997, 2012a)

    pertinente.

    Alm disso, apesar das aes de saneamento serem fundamentalmente aes de

    sade pblica e de proteo ambiental, tambm devem ser: um bem de consumo coletivo, um

    servio essencial, um direito do cidado e um dever do Estado; estendendo seus benefcios

    aos residentes de reas rurais, municpios e localidades de pequeno porte, igualmente queles

    observados na maioria das grandes cidades (BRASIL, 2004a, 2006).

    Desta forma, conforme enfatiza Fonseca (2012, p. 145-146):

    Todos os setores da sociedade deveriam elaborar suas polticas e aes no contexto

    da conservao ambiental, no por uma exigncia prtica ou cientfica, mas por uma

    questo de garantia da sobrevivncia da espcie humana e das demais formas de

    vida no planeta. Entretanto, especificamente a rea da sade pblica, como

    responsvel pelo cuidado e manuteno da qualidade de sade e vida humana, tem

    grandes possibilidades de atuar de uma maneira condizente com as grandes questes

    de conscincia ecolgica e conservao ambiental. O alcance da sade humana e

    ecossistmica depende intimamente do cuidado com o ambiente.

    3.3.3 Indicadores de risco e sua relao com a sade ambiental

    As metodologias para estudos e aes que dizem respeito relao da sade com o

    ambiente, tomado em sua globalidade ou restrito a um dado ambiente em particular,

    so necessariamente mais diversas e complexas do que nas outras reas da Sade

    Coletiva. A diversidade do conceito de ambiente amplia o nmero de

    questes/objetos de interesse, que exigem diferentes formas de abordagem

    metodolgica (CMARA, TAMBELLINI, 2003, p. 96).

    Os conceitos de risco tm sido utilizados em diversas cincias e ramos do

    conhecimento e adaptados segundo os casos em questo. [...] a utilizao dos riscos

    como sinalizador de problemas ambientais a convico de que, ao falarmos em

    risco, estamos direta ou indiretamente falando do ser humano individualmente ou

    em sociedade (DAGNINO, CARPI JNIOR, 2007).

    Nesse contexto, a agncia de proteo ambiental estadunidense (UNITED STATES

    OF AMERICA, 2007, traduo nossa) define risco ambiental como a possibilidade de que a

    sade humana ou o ambiente sofram danos em resultado da presena de perigos ambientais.

    Adicionalmente, seguindo Abkowitz (2002, p. 1, traduo nossa), pode-se dizer que esses

    riscos ambientais podem ser produzidos pelo homem ou derivados de causas naturais.

  • 35

    No mbito da vigilncia em sade, o risco pode ser considerado um conceito

    fundamental, porque a possibilidade de que algo acontea interferindo negativamente

    no processo sade-doena, gerando agravos ou danos sade, que devem ser minimizados. A

    operacionalizao do risco que faz da vigilncia em sade um importante componente da

    sade coletiva (DE SETA, REIS, 2009). Complementarmente, a Organizao Mundial da

    Sade (OMS), tambm destaca que a vigilncia ambiental em sade tem como atribuies,

    entre outras, utilizar indicadores que relacionem sade e condies de vida, produzindo

    estimativas da contribuio de diferentes fatores ambientais e socioeconmicos para

    problemas de sade (ORGANIZAO MUNDIAL DA SADE, 1998)

    Assim, a avaliao de riscos pode contribuir para uma melhor compreenso dos

    problemas ambientais que ocasionam efeitos indesejveis sobre a sade, a qual se inicia

    quando dados ambientais e de sade (sade ambiental) indicar haver a presena de agentes

    perigosos (qumicos, fsicos ou biolgicos) no ambiente, cujos efeitos sobre a sade devem

    ser avaliados quantitativa e qualitativamente, possibilitando uma tomada de deciso eficaz e

    efetiva (CMARA, TAMBELLINI, 2003; CORVALN, 2004; FREITAS, 2002).

    Adicionalmente, conforme explica Oliveira (2007), os indicadores de risco so instrumentos

    importantes, no s para a tomada de deciso no mbito do setor sade, como tambm nos

    demais setores, para garantir um desenvolvimento sustentvel.

    No sistema de sade brasileiro, o setor de Sade Ambiental procura identificar e

    intervir nos processos diretamente ligados ao meio ambiente e que determinam e

    condicionam a sade e qualidade de vida humana, por exemplo ao monitorar a

    qualidade da gua, solo e do ar (LAWINSKY et al., 2009).

    Obviamente, alm dos riscos de exposio a doenas, originrios da poluio

    qumica na gua, no solo ou no ar, ou de riscos sanitrios, tambm esto envolvidos na

    relao ambiente e sade questes como pobreza, condies psicossociais, entre outros

    (CMARA, TAMBELLINI, 2003; PHILIPPI JNIOR, MALHEIROS, 2005), que devem ser

    qualificados e quantificados, por meio de indicadores adequados, permitindo a implantao de

    um modelo de desenvolvimento sustentvel que garanta a qualidade de vida das pessoas,

    como tambm um meio ambiente equilibrado.

  • 36

    3.4 Qualidade microbiolgica da gua

    A gua tem influncia direta sobre a sade, a qualidade de vida e o desenvolvimento

    do ser humano. Para a Organizao Mundial da Sade (2000 apud ARAJO, 2010, p. 18) e

    seus pases membros, todas as pessoas, em quaisquer estgios de desenvolvimento e

    condies socioeconmicas tm o direito de ter acesso a suprimento adequado de gua

    potvel segura7.

    Estima-se que a gua contaminada seja um dos principais responsveis por bitos e

    pela perda de tempo produtivo das pessoas nos pases em desenvolvimento, sendo os esgotos

    e excrementos humanos as principais fontes dessa deteriorao e contaminao da qualidade

    da gua, resultando na veiculao das doenas relacionadas a um saneamento ambiental

    inadequado (BARBIERE, 2009; MALHEIROS, PHILIPPI JNIOR, COUTINHO, 2008).

    Ento, nos pases em desenvolvimento, onde comum encontrar reas urbanas

    densamente povoadas com precrias condies de saneamento bsico, a gua se torna um

    meio importante de propagao de doenas. Se estiver contaminada pode ocasionar surtos de

    doenas e causar srias epidemias.

    Os riscos sade, associados gua, podem ser de curto prazo, quando resultam da

    poluio de gua causada por elementos microbiolgicos ou qumicos, ou de mdio e de

    longo prazo, advindos do consumo regular e contnuo, durante meses ou anos, de gua

    contaminada com produtos qumicos, como certos metais ou pesticidas (BRANCO, 2002).

    Entre os contaminantes da gua mais estudados encontram-se os organismos patognicos,

    especialmente as bactrias, os protozorios e os vrus, os quais se constituem em uma das

    maiores ameaas sade humana (CARR, NEARY, 2008).

    Destaquem-se, aqui, os patgenos de origem entrica (animal ou humana),

    normalmente transmitidos por rota fecal-oral8, principalmente onde as condies de

    saneamento bsico so precrias (COSTA et al., 2003; FRIEDMAN, ISSELBACHER, 1998),

    que so responsveis por algumas epidemias de doenas gastrointestinais e que tm como

    fonte de infeco a gua contaminada. Essas infeces representam causas de elevada taxa de

    mortalidade em indivduos com baixa resistncia e, atingem especialmente idosos e crianas

    menores de cinco anos (ORGANIZACIN PANAMERICANA DE LA SALUD, 2000).

    7 gua segura: gua cujas caractersticas fsicas, qumicas e microbiolgicas sigam as diretrizes da OMS ou

    padres nacionais de qualidade de gua para consumo humano. 8 Rota fecal-oral: rota de transmisso de doenas, na qual estas so passadas quando patgenos em partculas

    fecais de um hospedeiro so introduzidos na cavidade oral de outro hospedeiro potencial, ou seja, os patgenos

    so excretados nas fezes e infectam outra pessoa por ingesto.

  • 37

    Alm disso, o uso prolongado de uma gua contaminada por microrganismos de

    origem fecal pode resultar em consequncias drsticas como: envelhecimento precoce,

    reduo do perodo de vida, perda da perfeita sade, m qualidade de vida (indisposies,

    irritabilidade) e, em crianas, um subdesenvolvimento fsico e mental (BIASOLI, 1998).

    O Programa de Monitorizao Conjunta para o Abastecimento de gua e

    Saneamento da OMS e do Fundo das Naes Unidas para a Infncia (WORLD HEALTH

    ORGANIZATION, UNITED NATIONS CHILDREN'S FUND, 2000) mostra, ainda, que

    cerca de 80% de todas as doenas que afetam os pases em desenvolvimento provm de gua

    de m qualidade. Desta forma, o simples procedimento de tratamento da gua fundamental

    na preveno de doenas.

    Segundo a Organizacin Panamericana de la Salud (2000), as duas grandes

    categorias de doenas microbianas so: a intoxicao, sendo a toxina a responsvel pelos

    sintomas clnicos; e as infeces, causadas pela multiplicao de patgenos no hospedeiro. Os

    efeitos das infeces microbianas, particularmente, vo desde infeces subclnicas at

    agudas; de doenas respiratrias, dermatolgicas, infeces oftlmicas e ticas at

    gastroenterites agudas, e outras desordens orgnicas que podem levar morte. Ressalte-se que

    as patogenias atacam de forma indiscriminada larga faixa etria da populao, mostrando

    como as baixas condies de saneamento agravam a sade pblica, como corroborado pelas

    informaes do Quadro 2.

  • 38

    Quadro 2 Algumas patologias decorrentes da precariedade de saneamento bsico.

    TRANSMISSO DOENA (AGENTE PATOGNICO) MEDIDA PREVENTIVA

    Pela gua.

    Clera (Vibrio cholerae). Implantar sistema de abastecimento e tratamento da gua, com fornecimento em quantidade e qualidade para

    consumo, uso domstico e coletivo;

    Proteo de contaminao dos mananciais e fontes de gua.

    Febre tifoide (Salmonella typhi).

    Leptospirose (Leptospira interrogans).

    Giardase (Giardia lamblia).

    Amebase (Entamoeba histolytica).

    Hepatite infecciosa (Hepatite virus A).

    Diarreia aguda (Balantidium coli, Cryptosporidium, Baccilus cereus,

    S. aureus, Campylobacter, E. coli enterotoxognica e

    enteropatognica, Shigella, Yersinia nterocolitica,

    Astrovirus, Calicivirus, Norwalk, Rotavirus A e B).

    Pela falta de limpeza e

    higienizao com a gua.

    Escabiose (Sarcoptes scabiei). Implantar sistema adequado de esgotamento Implantar sistema adequado de esgotamento sanitrio;

    Instalar abastecimento de gua preferencialmente com encanamento no domicilio;

    Instalar melhorias sanitrias domiciliares e coletivas;

    Instalar reservatrio de gua adequado com limpeza sistemtica.

    Pediculose (piolho) (Pediculus humanus).

    Tracoma (Clamydia trachoma).

    Conjuntivite aguda (Haemophilus aegyptius).

    Salmonelose (Salmonella typhimurium).

    Tricurase (Trichuris trichiura).

    Enterobase (Enterobius vermiculares).

    Ancilostomase (Ancylostoma duodenale).

    Ascaridase (Ascaris lumbricoides).

    Atravs de vetores que se

    relacionam com a gua.

    Malria (Plasmodium vivax, P. malarie e P. falciparum). Eliminar o aparecimento de criadouros com inspeo sistemtica e medidas de controle (drenagem, aterro, etc.);

    Dar destinao final adequada aos resduos slidos.

    Dengue (Grupo B dos arbovrus).

    Febre amarela (RNA vrus).

    Filariose (Wuchereria bancrofti).

    Associada gua. Esquistossomose (Schistosoma mansoni). Controle de vetores e hospedeiros intermedirios.

    Nota: infeces do trato gastrointestinal vm frequentemente acompanhadas de diarreias. A diarreia, em si, no uma doena, porm uma manifestao comum a vrias

    condies clnicas, relacionadas com a falta de saneamento, por isso usada como indicador de contaminao de microrganismos patognicos que invadem a

    mucosa intestinal, juntamente com outros indicadores de contaminao microbiolgica das guas.

    Fonte: adaptado de SAUNDERS (1976 apud BRASIL, 2006).

  • 39

    3.4.1 Patgenos de veiculao hdrica

    So conhecidos mais de 250 agentes patognicos ou contaminantes que veiculados

    direta ou indiretamente por meio da gua podem causar doenas (EDUARDO et al., 2005).

    Entre estes, destacam-se como bactrias emergentes patognicas ou oportunistas aquelas

    pertencentes famlia Enterobacteriaceae, que a maior e mais heterognea coleo de

    bacilos Gram negativos (G-) importantes em sade pblica. Tais bactrias so

    microrganismos ubiquitrios, isto , so encontrados em todo o mundo, no solo, na gua, na

    vegetao, alm de fazerem parte da flora intestinal normal de muitos animais, incluindo o

    homem.

    Todos os membros desta famlia podem crescer rapidamente, aerbia e

    anaerobiamente (anaerbios facultativos), em uma variedade de meios seletivos e no

    seletivos, pois tm necessidades nutricionais simples. Fermentam glicose, reduzem nitrato,

    so catalase positiva e oxidase negativa (exceto o gnero Plesiomonas). Uma caracterstica de

    diferenciao importante a ausncia da atividade citocromo oxidase que pode ser medida,

    rapidamente, num teste simples e, que as distingue de outros bacilos G- fermentadores9 e no

    fermentadores (MURRAY, ROSENTHAL, PFALLER, 2010).

    Algumas espcies so consideradas agentes enteropatognicos10

    , normalmente

    transmitidas por gua ou alimentos contaminados. Porm h aquelas que podem causar

    infeces extraintestinais. Os principais gneros desta famlia so: Escherichia, Shigella,

    Salmonella, Citrobacter, Klebsiella, Enterobacter, Serratia, Hafnia, Proteus, Edwardsiella,

    Morganella, Providencia, Yersinia e Erwinia (TRABULSI, ALTERTHUM, 2008).

    Alguns membros destes gneros (Shigella e Salmonella) esto sempre associados a

    doenas quando isolados do homem, enquanto outros (Escherichia coli, Klebsiella

    pneumoniae, Proteus mirabilis) constituem a microbiota comensal normal, podendo,

    entretanto, causar infeces oportunistas. As infeces causadas pelas Enterobacteriaceae,

    que podem envolver praticamente todos os pontos corporais, originam-se de um reservatrio

    animal (a maioria das infeces por Salmonella), de um portador humano (e.g., Salmonella

    typhi) ou por intermdio de disseminao endgena11

    dos organismos (Escherichia spp.) em

    um paciente suscetvel (MURRAY, ROSENTHAL, PFALLER 2010).

    9 Bacilos fermentadores: so os que utilizam carboidratos como fonte de energia. Nas culturas desses

    microrganismos, observa-se a formao de produtos cidos (WINN et al., 2008). 10

    Agentes enteropatognicos: organismos capazes de provocar distrbios no trato intestinal. 11

    Infeco endgena: infeco provocada por organismos j existentes no interior do corpo.

  • 40

    Neste momento, importante destacar a importncia epidemiolgica de algumas

    espcies de enterobactrias12

    e de outros patgenos emergentes e oportunistas, de veiculao

    hdrica, relevantes para este trabalho:

    a) Acinetobacter spp.: so bactrias patognicas oportunistas, da famlia

    Moraxellaceae, que podem causar uma grande variedade de doenas, tais como

    pneumonia, septicemia13

    , infeces de pele e do trato urinrio e feridas infectadas.

    Destaque-se que a espcie A. baumanii tem sido reportada nas ltimas dcadas como

    um dos principais agentes de infeces em humanos, especialmente em unidades

    hospitalares, fato agravado pela resistncia da espcie a diversos antimicrobianos

    (HENES et al., 2013; JAIN et al., 2004; MICHALOPOULOS, FALAGAS, 2010).

    b) Enterobacter spp.: so enterobactrias amplamente distribudas na natureza (guas,

    solo, vegetais e animais). Contudo, so escassos nas fezes e na ausncia de

    Escherichia coli (Ec) apresenta-se como um importante indicador de contaminao

    ambiental (WINN et al., 2008). Entre as espcies clinicamente significativas

    encontram-se: a Enterobacter cloacae, Enterobacter sakazakii, Enterobacter

    aerogenes, Enterobacter agglomerans e Enterobacter gergoviae, todas patognicas

    oportunistas de queimaduras e feridas; podendo causar tambm infeces do trato

    urinrio e, ocasionalmente, septicemias e meningite14

    (HOLT et al., 1994). Duas

    espcies (E. cloacae e E. aerogenes) predominam sobre todas as demais como causa

    de infeces humanas em vrios rgos (TRABULSI, ALTERTHUM, 2008).

    c) Escherichia coli: uma enterobactria bacilar com mltiplos flagelos dispostos em

    volta da clula. A Figura 5 ilustra uma clula de E. coli. O seu habitat natural o

    lmen intestinal dos seres humanos e de outros animais homeotermos de sangue

    quente e aves (CARDOSO et al., 2002; MURRAY, ROSENTHAL, PFALLER,

    2010). A maioria das linhagens comensal. Porm, algumas linhagens so

    enterotoxignicas15

    , podendo causar doenas e outros distrbios gastrointestinais.

    Tambm, so causadoras de infeces urinrias, septicemia etc. A Ec est

    frequentemente associada a diarreias infantis e vmitos (MURRAY; ROSENTHAL;

    PFALLER, 2010; TRABULSI, ALTERTHUM, 2008; WINN et al., 2008).

    12 Enterobactrias: bactrias pertencentes famlia Enterobacteriaceae.

    13 Septicemia: infeco generalizada por todo o corpo, causada por bactrias que infectam o sangue. uma

    condio potencialmente fatal que afeta diretamente os pulmes, os rins e o corao. 14

    Meningite: inflamao das membranas que revestem o encfalo e a medula espinhal, conhecidas coletivamente

    como meninges. 15

    Linhagens enterotoxignicas: microrganismos que liberam toxinas no intestino.

  • 41

    d) Klebsiella spp.: constituem importantes patgenos para o homem, causando

    enterites16

    e infeces do trato urinrio, tanto em crianas como em adultos, e

    tambm fazem parte do grupo coliforme17

    . As cepas K. pneumoniae e K. oxytoca

    causam feridas, infeces dos tecidos moles e do trato urinrio, e tambm podem

    causar pneumonia lobar18

    (MURRAY; ROSENTHAL; PFALLER, 2010).

    e) Staphylococcus spp.: so cocos Gram positivos (G+) que se apresentam em forma de

    cachos irregulares, aos pares, isolados, ttrade ou em cadeia; pertencentes famlia

    Micrococcaceae, Esto vastamente distribudas na natureza e fazem parte da

    microbiota normal da pele e mucosas de mamferos e aves. Compem-se de dezenas

    de espcies, que se dividem em dois grupos: os coagulase positiva (e.g., S. aureus); e

    os coagulase negativa (e.g., S. epidermidis, S. haemolyticus, S. lugdunensis,

    S. saprophyticus, S. warneri). Os coagulase negativa esto mais frequentemente

    associados a infeces humanas (MACHADO, 2007). O S. haemolyticus,

    particularmente, um conhecido patgeno oportunista multirresistente associado a

    pneumonias e bacteremias (BARROS et al., 2012; FROGGATT et al., 1989);

    f) Stenotrophomonas maltophilia: uma bactria G-, aerbia e no fermentativa,

    pertencente famlia Xanthomonadaceae. Tambm, um conhecido patgeno

    oportunista multirresistente associado a diversos tipos de infeces (BROOKE,

    2012; TURRIENTES et al., 2010; YEMISEN et al., 2008). Recentemente, tem se

    estabelecido como importante patgeno, capaz de provocar diversas infeces (e.g.,

    pneumonias, bacteremia, endocardite19

    , colangite20

    , infeces urinrias, meningite,

    infeces em feridas) em pacientes debilitados e imunodeprimidos (POMPLIO et

    al., 2010).

    16 Enterite: inflamao na mucosa dos intestinos.

    17 Grupo coliforme: bactrias aerbias ou anaerbias facultativas gram-negativas, no esporuladas e na forma de

    bastonetes, pertencentes aos gneros Escherichia, Enterobacter, Citrobacter e Klebsiella, que fermentam a

    lactose a 35C, num perodo de 48 horas, produzindo gs e cido. Podem ser encontradas no solo e em vegetais,

    ou em fezes de humanos ou animais de sangue quente (EATON et al., 2005; FRANCO, LANDGRAF, 2008). 18

    Pneumonia lobar: inflamao de do tecido de um nico lobo pulmonar. 19

    Endocardite: inflamao do endocrdio (camada interna do corao). 20

    Colangite: inflamao das vias biliares.

  • 42

    Diante do exposto, nota-se que o consumo de gua contaminada por agentes

    biolgicos patognicos, qumicos, ou mesmo o contato direto, est obviamente associado a

    diversos problemas de sade. Algumas epidemias de doenas gastrintestinais, por exemplo,

    tm como fonte de infeco a gua contaminada. De acordo com a OMS, a maioria das

    doenas que ocorrem so causadas por contaminao da gua, e as infeces decorrentes

    representam causas de elevada taxa de mortalidade em indivduos com baixa resistncia

    (ORGANIZACIN PANAMERICANA DE LA SALUD, 2000; VALENTE et al., 1999).

    Uma grande variedade de microrganismos patognicos pode ser encontrada em

    excrementos de seres humanos e de outros animais homeotrmicos. Por isso, a contaminao

    de guas por fezes uma das formas mais importantes de introduo de microrganismos

    patognicos nas guas (DUARTE, 2011; ORGANIZACIN PANAMERICANA DE LA

    SALUD, 2000). Assim, a exposio humana gua contaminada por material fecal, seja por

    ingesto ou por atividades recreacionais, torna-se um importante mecanismo de transmisso

    de patgenos gastrintestinais. fato que as patogenias atacam de forma indiscriminada larga

    faixa etria da populao. Ademais, o Quadro 2 nos mostra como medidas preventivas

    relacionadas s condies de saneamento poderiam colaborar nas aes de sade pblica.

    Assim, tendo em vista que vrios estudos tm demonstrado que infeces humanas,

    tanto intestinais como extraintestinais, podem ser causadas por microrganismos veiculados

    por guas contaminadas por fezes e urina, de considervel importncia, do ponto de vista

    epidemiolgico, a possibilidade de os ambientes aquticos permitirem a sobrevivncia de tais

    microrganismos servindo, ento, como reservatrio de patogenias (MARTINS et al., 1988;

    VALENTINI, GOMES, FALCO, 1992).

    Os estudos que determinam a qualidade da gua geralmente associam anlises de

    parmetros fsico-qumicos a anlises biolgicas e microbiolgicas. Parmetros como pH,

    temperatura, turbidez, oxignio dissolvido, nitrognio e fsforo, em conjunto com as

    comunidades aquticas fornecem importantes informaes sobre a integridade dos cursos de

    gua, uma vez que so alterados em casos de poluio orgnica ou industrial, alm de

    inmeras informaes cientficas e de gerenciamento teis (SILVEIRA, 2004). Contudo, na

    avaliao da qualidade microbiolgica da gua, buscando verificar se o corpo aqutico uma

    potencial fonte de patogenias, procurar-se- determinar a presena de microrganismos

    especficos, no necessariamente patognicos, que, quando presentes na gua, podem indicar

    a ocorrncia de contaminao fecal e, assim, risco da presena de patgenos.

  • 43

    3.4.2 Microrganismos indicadores de qualidade sanitria da gua

    Na proteo de ecossistemas aquticos, h dcadas que se utiliza a concentrao de

    microrganismos como indicadores de contaminao no monitoramento e controle da

    qualidade da gua (MEDEIROS et al., 2011).

    O uso de parmetros biolgicos para medir a qualidade da gua se baseia nas

    respostas dos organismos em relao s alteraes ocorridas no meio onde vivem,

    sejam estas de origens antrpicas ou naturais. Os distintos nveis de organizao

    biolgica possibilita o conhecimento sobre o poluente que interage com o

    organismo, e ao nvel este mais suscetvel ao. A habilidade de proteger os

    ecossistemas depende da capacidade de distinguir os efeitos das aes humanas das

    variaes naturais, utilizando indicadores que melhor traduzem a contaminao dos

    meios hdricos (DUARTE, 2011).

    Entretanto, difcil a deteco de agentes patognicos, especialmente bactrias,

    protozorios e vrus por causa das baixas concentraes destes em amostras de gua.

    Metodologias diferentes so requeridas na avaliao de cada tipo de microrganismo e,

    tambm a ausncia ou presena de um patgeno no exclui a presena de outros. Por este

    motivo, indicadores sanitrios so comumente usados visando deteco de contaminao

    por fezes, pelo fato dos microrganismos patognicos veiculados pela gua e alimentos serem

    predominantemente de origem fecal (FRANCO, LANDGRAF, 2008; JAY, 2005).

    Assim, um microrganismo ou grupo de microrganismos pode ser considerado um

    bom indicador sanitrio de guas caso: esteja presente em guas poludas, e ausente nas no

    poludas; esteja presente quando os microrganismos patognicos estiverem presentes; ter

    sobrevida igual ou maior que a dos patgenos; seja inofensivo ao homem e facilmente

    detectado por testes laboratoriais rpidos, simples e precisos; tenha como habitat exclusivo o

    trato intestinal do homem e de animais; ocorram em nmero bem elevado nas fezes e, quando

    presentes em ambiente extraenteral sejam bem resistentes (FRANCO, LANDGRAF, 2008).

    Apesar dos microrganismos indicadores no preencherem a todos esses requisitos,

    aqueles que so carreados para o ambiente, juntamente com os dejetos humanos so

    eficientemente usados como indicadores de contaminao fecal, tais como: Streptococcus

    faecalis, Clostridium perfringens, vrus entricos, bactrias coliformes e Escherichia coli

    (BURBARELLI, 2004).

    Os indicadores mais usados so bactrias do grupo coliforme que apresentam como

    vantagens o fato de estarem, em sua maioria, presentes no intestino de animais de sangue

    quente, inclusive o homem e serem eliminados em grandes quantidades nas fezes destes.

    Embora algumas representantes deste grupo no serem de origem fecal, quanto maior sua

    presena em gua, maior a probabilidade de se encontrar microrganismos patognicos

  • 44

    (MARQUEZI, 2010). Alm disso, sua quantificao simples e sua presena na gua indica,

    tambm, que a contaminao com material fecal recente (EATON et al., 2005; SILVA,

    CAVALLI, OLIVEIRA, 2006).

    Dentre as bactrias coliformes, o subgrupo dos coliformes fecais ou termotolerantes

    mais representativo para a determinao da contaminao fecal que os coliformes totais,

    conquanto ainda inclua cepas bacterianas de origem no fecal. Contudo, a contagem da

    espcie coliforme termotolerante Escherichia coli a mais representativa na determinao da

    contaminao fecal, haja vista que de origem especificamente fecal e raramente encontrada

    em gua ou solo no contaminado com material fecal (MARQUEZI, 2006).

    Ressalte-se que uma grande variedade de indicadores biolgicos alternativos tem

    sido investigada quanto ao