Dissertação_ Mestrado em Educação_ UFBA Ludicidade na Universidade_Daniela Gomes_2008
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DANIELA VASCONCELOS GOMES
LUDICIDADE NA UNIVERSIDADE - ESTA RIMA COMBINA?: UMA EXPERINCIA DE FORMAO LDICA TRANSDISCIPLINAR
NA FORMAO INICIAL DE PROFESSORES Dissertao apresentada como exigncia do Curso de Mestrado da Faculdade de Educao da Universidade Federal da Bahia para obteno do Grau de Mestre em Educao.
Orientador: Profa. Dra. Cristina Maria Dvila Teixeira Maheu Co-orientador: Prof. Dr. Cipriano Carlos Luckesi
Salvador 2008
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Biblioteca Ansio Teixeira Faculdade de Educao / UFBA G633 Gomes, Daniela Vasconcelos. Ludicidade na universidade esta rima combina? : uma experincia de formao ldica transdisciplinar na formao inicial de professores / Daniela Vasconcelos Gomes. 2008. 172 f. Orientadora: Profa. Dra. Cristina Maria D vila Teixeira Maheu. Co-orientador: Prof. Dr. Cipriano Carlos Luckesi. Dissertao (mestrado) Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Educao, 2008. 1. Formao de professores. 2. Ludicidade. 3. Transdisciplinaridade. I. Maheu, Cristina Maria D vila Teixeira. II. Luckesi, Cipriano Carlos. III. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Educao. IV. Ttulo. CDD 370.71
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DANIELA VASCONCELOS GOMES
LUDICIDADE NA UNIVERSIDADE - ESTA RIMA COMBINA?: UMA EXPERINCIA DE FORMAO LDICA TRANSDISCIPLINAR
NA FORMAO INICIAL DE PROFESSORES Dissertao apresentada como exigncia do Curso de Mestrado da Faculdade de Educao da Universidade Federal da Bahia para obteno do Grau de Mestre em Educao.
Data de aprovao: 23 de abril de 2008
BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. Cipriano Carlos Luckesi Universidade Federal da Bahia Profa. Dra. Cristina Maria Dvila Teixeira Maheu Universidade Federal da Bahia Prof. Dr. Dante Augusto Galeffi Universidade Federal da Bahia Profa. Dra. Lucia Helena Pena Pereira Universidade Federal de So Joo del-Rei
Salvador
2008
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Dedico esta dissertao a todos os educadores e
educadoras que buscam na educao uma re-conexo
com a Vida. Em especial, aos 20 participantes desta
pesquisa que permitiram a sua realizao.
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AGRADECIMENTOS
A gratido uma das formas mais nobres de reconhecer que estamos todos interligados por algo maior que nos une. Portanto, aqui expresso inicialmente a minha sincera gratido pela existncia da grande Fora Criadora que nos move sempre em busca de compreendermos nossos caminhos e nossas realizaes neste planeta. E ao longo destes caminhos, aqui olhados num espao-tempo denominado mestrado em educao, expresso minha gratido a tantas pessoas que de alguma forma, da sua forma, contriburam para que a grande dana nesta roda fosse realizada. Em primeiro lugar a minha eterna gratido aos meus pais e minha famlia, que sempre me acolhem com amor, incentivo, suporte, desafios e alegrias. Meu agradecer sincero ao meu ex-companheiro, que em muitos momentos compartilhou desta jornada com os desafios a esta inerentes e um suporte especial. Minha gratido a todas as experincias transdisciplinares e as pessoas a presentes que tm contribudo para a formao da Daniela de hoje, no contato com a arte, com a filosofia, com a espiritualidade, com a cultura. Dentre estes destaco o C.E.E.A.S Centro de Estudos Exobiolgicos Ashtar Sheran, o Instituto Rerich da Paz e Cultura do Brasil, o Instituto ntegra, o Grupo Via Palco de Teatro e o querido grupo ldico em So Paulo, importantes escolas na minha caminhada. Agradeo aos meus amigos pela presena constante e fiel, incentivo e acolhimento em todos os momentos, trazendo muito crescimento e amor minha vida. Agradeo Faculdade de Educao da UFBA e seu Programa de Ps-graduo, palco de tantas descobertas e suportes e a todos os seus professores, estudantes e funcionrios com quem vivenciei os ltimos anos, pela ateno, carinho e partilha de saberes. Minha gratido ldica minha querida orientadora, Cristina Dvila, sempre atuante em prol de uma educao de qualidade e humana e ao meu co-orientador Cipriano Luckesi, a quem agradeo a felicidade de ter me mostrado o mundo da ludicidade. Com ambos aprendi muito mais que fazer uma pesquisa e por isso agradeo singularidade de cada um no meu caminhar. Minha ldica gratido tambm ao GEPEL- Grupo de Estudos e Pesquisa em Educao e Ludicidade, com tantas pessoas to queridas e uma ldica caminhada compartilhada. Minha gratido tambm a todos aqueles que foram e so meus alunos e professores ao mesmo tempo, alm de colegas de profisso, numa constante troca de saberes no universo da educao e da ludicidade. Ressalto por fim minha sincera e amorosa gratido s 20 prolas que com sua abertura de corao, mente e esprito permitiram que a pesquisa fosse realizada: os 20 licenciandos participantes desta experincia cientfica a quem serei eternamente grata por trazer vida uma educao tal como acredito.
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Nenhuma formao docente verdadeira pode fazer-se alheada, de um lado, do exerccio da criticidade que implica a promoo da curiosidade ingnua curiosidade epistemolgica, e do outro, sem o reconhecimento do valor das emoes, da sensibilidade, da afetividade, da intuio ou adivinhao [...]. No possvel tambm formao docente indiferente boniteza e decncia que estar no mundo, com o mundo e com os outros, substantivamente, exige de ns. No h prtica docente verdadeira que no seja ela mesma um ensaio esttico e tico.
Paulo Freire
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GOMES, Daniela Vasconcelos. Ludicidade na universidade - esta rima combina?: uma experincia de formao ldica transdisciplinar na formao inicial de professores. 2008. 172 f. Dissertao (Mestrado em Educao) Faculdade de Educao da Universidade Federal da Bahia. Orientador: Profa. Dra. Cristina Maria Dvila Teixeira Maheu. Co-orientador: Prof. Dr. Cipriano Carlos Luckesi.
RESUMO
A presente pesquisa parte de uma atual realidade profissional docente em que professores se vem diante de uma nova demanda epistemolgica frente ao campo ldico na educao. Numa viso mais restritiva, a ludicidade era considerada como um aspecto dissociado do indivduo e assim levada educao de forma mecnica e instrumental. Uma viso mais ampla e atual concebe a ludicidade como uma dimenso interna ao ser humano e assim prev uma educao que considere aspectos internos e externos de uma vivncia e de uma aprendizagem ldica. Assim, no espao da formao inicial de professores, a pesquisa props investigar como 20 estudantes de diferentes licenciaturas da Universidade Federal da Bahia (UFBA) compreendem e significam uma formao ldica a integrar essa nova concepo do ldico, bem como analisar a repercusso dessa experincia formativa para os sujeitos da pesquisa e para a universidade. Com aportes tericos fundados na ludicidade, na formao inicial de professores e na transdisciplinaridade, alm de uma opo metodolgica por uma etnopesquisaformao, configurei um curso de extenso em formao ldica na Faculdade de Educao da UFBA, a fim de experimentar um caminho transdisciplinar em dilogo com essa mais ampla epistemologia ldica e seu desenvolvimento no campo educacional. A pesquisa demonstra que uma formao ldica nas perspectivas citadas capaz de potencializar uma preparao de futuros profissionais docentes para lidar com uma concepo mais ampla de ludicidade na educao e na vida. Os licenciandos a revelaram uma ampliao de saberes tanto em termos pedaggicos, como tambm em termos formativos e pessoais frente a esse campo. Tambm se constatou a inexistncia de uma formao ldica nos cursos de licenciatura pesquisados, o que demonstra uma sria lacuna na formao docente na atualidade. Palavras-chave: Ludicidade; Formao Inicial de Professores; Formao Ldica; Transdisciplinaridade.
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GOMES, Daniela Vasconcelos. Ludicity in University does this rhyme match?: an experience of a transdisciplinar ludic formation at the initial formation of teachers. 2008. 172f. Dissertation (Masters in Education) Faculdade de Educao da Universidade Federal da Bahia. Advisor: Profa. Dra. Cristina Maria Dvila Teixeira Maheu. Co-advisor: Prof. Dr. Cipriano Carlos Luckesi.
ABSTRACT
This research comes out of a current professional teaching reality in which teachers have been facing a new epistemological request concerning the ludic field in education. In a more restrictive view, ludicity used to be considered as a dissociated aspect from the individual and this way taken to education in a mechanical and instrumental way. A broaden and current view conceives it as an inner dimension of the human being and then previews an education which takes into consideration inner and outer aspects of a ludic living and learning. So, at the space of initial formation of teachers, the research set out to investigate how 20 students of different teaching formation courses at Federal University of Bahia (UFBA) would comprehend and establish a meaning to a ludic formation which would integrate this new conception of ludicity, and also to analyze the repercussion of the experience for the students and for the courses at UFBA. Under a theoretical support from the areas of ludicity, initial formation of teachers and transdisciplinarity, and a methodological option for the ethnoresearch-formation, I configured an extension course of a ludic formation at the Faculty of Education, experimenting a transdisciplinar way in a dialogue to the broaden view of ludicity and its development in the educational field. The research demonstrated at its end that a ludic formation under a transdisciplinar approach is capable of strengthening the preparation of future teachers in order for them to deal with a broaden conception of ludicity in education and in life. The students there revealed a broadening of knowledge either in terms of pedagogical issues of a ludic acting as also in formative and personal aspects considering the ludic field. Also, the research attested the absence of a ludic formation at the involved courses at UFBA, which shows to be a serious gap on the teaching formation field nowadays. Key words: Ludicity; Initial Formation of Teachers; Ludic Formation; Transdisciplinarity.
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LISTAS DE ILUSTRAES
Figura 1 - Foto: Primeiros Olhares 12
Figura 2 - Foto: Decidindo caminhos 15
Figura 3 - Quadro representativo dos participantes selecionados ao curso de
extenso
21
Figura 4 - Quadro sntese do contexto dos participantes 21
Figura 5 - Foto: Dilogos 30
Figura 6 - Foto: As primeiras rodas 68
Figura 7 - Foto: Descobrir e revelar na FACED 98
Figura 8 - Foto: Aps rodas ldicas... 130
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SUMRIO
01 OLHARES INICIAIS Da introduo 12
02 OLHAR EM DIREO AO CAMINHO Do mapa da pesquisa 15
2.1 QUEM OLHA O QU?- DA IMPLICAO DA PESQUISADORA E
DA PROBLEMTICA DE PESQUISA
15
2.2 A IMPORTNCIA DO OLHAR- DA JUSTIFICATIVA 17
2.3 QUEM OLHA JUNTO? - DOS SUJEITOS DA PESQUISA 20
2.4 E COM QUAIS OLHARES? -DO PERCURSO METODOLGICO 22
03 UM OLHAR PRVIO A COMPOR OUTROS OLHARES - Da
fundamentao terico-epistemolgica
30
3.1 LUDICIDADE: DILOGO DE VISES 31
3.2 LUDICIDADE E EDUCAO 40
3.2.1 Que perspectivas de educao? 40
3.2.2 A ludicidade na educao 42
3.3 FORMAO INICIAL DE PROFESSORES HOJE: QUE DESAFIOS?
QUAIS CAMINHOS?
47
3.4 FORMAO LDICA NA FORMAO INICIAL DE
PROFESSORES
53
3.5 TRANSDISCIPLINARIDADE 60
04 ENCONTRO DE OLHARES: CHEGANDO E SAINDO DA RODA - Do
quadro inicial e final da formao ldica
68
4.1 A PREPARAO DE UM NOVO ENCONTRO 70
4.2 ENCONTRANDO A LUDICIDADE E ESTA NA EDUCAO 72
4.2.1 Vises iniciais: ludicidade e educao 72
4.2.2 Vises finais: ludicidade e educao 77
4.3 UMA FORMAO LDICA ENCONTRA A FORMAO NICIAL
DE PROFESSORES
79
4.3.1 Percepes iniciais sobre uma formao ldica 80
4.3.1.1 As expectativas trazidas 80
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4.3.1.2 Os desafios percebidos 83
4.3.2 Percepes finais sobre uma formao ldica 87
4.3.2.1 A significao e a extenso da formao 87
4.3.2.2 O professor / formador e sua atuao
4.3.2.3 O espao de formao ldica: a UFBA?
90
93
05 OLHANDO O CAMINHO: UMA FORMAO TRANSLDICA E
TRANSLCIDA Do processo formativo
98
5.1 SUJEITO: PRESENTE! O INCIO DO PROCESSO 100
5.2 UMA RODA MULTIDIMENSIONAL: DIALOGANDO MLTIPLAS
DIMENSES NUMA FORMAO LDICA
102
5.2.1 Interagindo diferentes nveis de percepo da Realidade 103
5.2.2 Integrando uma formao tridimensional: auto, hetero e
ecoformao
105
5.2.3 Criando pontes entre Teoria e Prtica 108
5.3 UMA RODA COMPLEXA: RECONHECENDO A COMPLEXIDADE
INERENTE S RELAES NUMA FORMAO LDICA
112
5.3.1 Construindo um vnculo multireferencial 113
5.3.2 Exercitando uma autonomia 118
5.4 UMA RODA VIVA: CONECTANDO UMA FORMAO LDICA
AO HUMANO E VIDA
123
5.4.1 Mediando conflitos com abertura, rigor e tolerncia 123
5.4.2 Danando alm da formao ldica: rumo ao humano 126
06 POR NOVAS RODAS-FORMATIVAS LDICAS Da concluso 130
REFERNCIAS 141
APNDICES 146
ANEXOS 168
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12
1 OLHARES INICIAIS Da introduo
Ento vou me ater s coisas simples, mas que tiveram um grande efeito, como o olhar [...]. (Simone)
Fig.1 Extenso em Formao Ldica Primeiros olhares. 2006
O olhar, uma das vias de contato com a realidade, se d no somente com os olhos,
mas com os sentidos por inteiro: corpo-mente-corao-esprito. Acontece por meio de uma
histria trazida que tambm integra tantos outros olhares. Encontra desafios que o novo sua
frente traz, e por uma expresso de singela curiosidade, tenta compreender o mundo-vida, a
explorar o des-conhecido e assim chegar mais perto na grande roda humana que gira e aspira
constantemente a novas descobertas.
Assim tambm caminho na presente pesquisa, em meio a olhares e rodas que giram,
em busca de compreender o que me inquieta, o que me convida a des-cobrir, pelo meu olhar,
o mundo-vida. E aqui o que me inquieta me leva a olhar uma formao ldica de professores
em formao inicial numa perspectiva transdisciplinar, a partir de seus prprios olhares.
Numa meta formao, um curso de extenso para 20 licenciandos da Universidade Federal
da Bahia (UFBA) se configura como palco do des-velar desta multiplicidade de olhares, no
qual procuro compreender a experincia e sua relevncia para os sujeitos envolvidos, bem
como para a formao inicial de professores nesta Universidade.
A princpio procuro empreender e compreender esta experincia de formao ldica
com alguns suportes bsicos: a minha experincia em educao formal e no formal na
formao ldica de professores, alm da pesquisa que tenho feito sobre o tema h alguns anos.
Alio a experincia a um suporte inicial e contnuo de fundamentao terico-epistemolgica,
atravs dos pilares: ludicidade, formao inicial e ldica de professores e
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transdisciplinaridade, a compor olhares iniciais para adentrar na experincia do curso de
formao, e para tanto conto com um dilogo com autores significativos destas reas do saber,
dentre os quais se destacam: (LUCKESI, 2000, 2002, 2004); (FRIEDMANN, 2006);
(MATURANA E VERDEN-ZLLER, 2004); (SANTOS, S. 2001); (BROUGRE, 2004);
(HUIZINGA, 2005); (RIES, 1981); (KISHIMOTO, 1998).
Para discutir sobre a formao inicial de professores ressalto: (NOVOA, 2002);
(CHARLOT, 2005); (MATURANA; REZEPKA, 2003); (GUIMARES, 2005);
(IMBERNN, 2005); (DELORS, 2001); (TARDIF, 2005); (LIBNEO, 2006); (DVILA,
2007); (PIMENTA, 2002); (CANDAU, 2003); (PINEAU, 2005).
Enquanto que os principais tericos a fundamentar minhas idias sobre formao
ldica de professores so: (DUARTE Jr., 2004); (KISHIMOTO, 1996b); (PORTO, 2002);
(MEC, 1998); (SANTOS, 1997, 2000, 2001); (CHARLOT, 2005); (DVILA, 2007);
(MATURANA, 2003); (FORTUNA, 2001); (FRIEDMANN, 2006); (MOYLES, 2006).
Finalmente considerando a transdisciplinaridade, me baseio em: (NICOLESCU, 1997;
2000; 2002); (BARBOSA, 2005); (MENSAGEM VITRIA-VILA VELHA, 2005);
(MORIN, 2000); (CIRET, UNESCO, 1997); (SOMMERMAN, 1997; 2005a; 2005b).
Sigo ento por caminhos muitas vezes descobertos e criados no prprio processo de
caminhar, percursos de construo coletiva, com as subjetividades a concretizarem uma
formao significativa, em que a ludicidade e a transdisciplinaridade puderam num belo
dilogo trans-formar numa formao ldica transdisciplinar de professores em sua formao
inicial. Esse trajeto carrega a premissa da possibilidade de interagir aspectos subjetivos e
objetivos numa formao ldica de professores, e assim adentro o caminho que me levaria a
surpresas inimaginadas de danas e olhares.
Diante deste caminho, convido o leitor para com seu olhar integrar e dialogar com os
mltiplos olhares aqui existentes. A cada momento significativo esse convite renovado, para
que participe constantemente da grande dana. E para guiar esta leitura cientfico-literria,
apresento uma breve descrio de momentos-chave apresentados nos seis captulos que
compem a presente pesquisa.
No primeiro captulo, apresento o caminho da pesquisa em que se fazem presentes a
minha implicao como pesquisadora, a motivao e justificativa para esse olhar, alm dos
sujeitos que o compem. Para tanto, delineio opes metodolgicas, alm de instrumentos e
tcnicas de pesquisa capazes de me auxiliar no caminho.
No segundo captulo, o leitor pode interagir com um dilogo de vises sobre temas
afins e centrais numa investigao como esta, propiciando um olhar sistematizado de
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fundamentao terico-epistemolgica a percorrer a pesquisa e os captulos aqui organizados.
So saberes que me propiciam olhar novos horizontes sobre a ludicidade, esta na educao, o
contexto de formao inicial de professores hoje, uma formao ldica no mbito da
formao inicial, alm da transdisciplinaridade como suporte a olhares mais amplos.
J no terceiro captulo, fao um convite especial ao leitor para ento adentrar a
primeira roda danada, em que as vises iniciais e finais dos licenciandos sobre a experincia
da formao ldica configuram dois palcos preparados para receber uma compreenso de
como entram e de como saem desta roda-formao. Aqui as expresses coreogrficas dos
licenciandos nos conduzem durante a dana, ou seja, descreverei suas vises iniciais e finais
sobre a formao ldica atravs de suas prprias falas, estas expressas em termos de encontros
com a ludicidade, que encontra a educao e que gerando uma formao ldica vai ao
encontro de uma formao inicial de professores.
No quarto captulo o convite para que o leitor se aproxime mais da roda e dance
tambm mais perto para compreender o processo que moveu os licenciandos-danantes do
palco inicial ao palco final. Analisarei, ento, o processo de formao ldica de cunho
transdisciplinar desenvolvido no curso de extenso e o que este gerou em termos de
percepes para os licenciandos e de repercusso para estes e para a UFBA.
No quinto e ltimo captulo, findada a grande dana, convido o leitor a um estado de
quietude e escuta em que apresento de forma mais direcionada, ao danar junto aos
licenciandos, o meu olhar de pesquisadora compreenso desta pesquisa, ensaiando
concluses para que novas danas venham a acontecer e novas rodas ldicas de formao
possam Oxal se configurar na formao inicial de professores nesta Universidade.
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2 OLHAR EM DIREO AO CAMINHO Do mapa da pesquisa
Fig. 2 Extenso em Formao Ldica Decidindo caminhos. 2006
Que caminhos do suporte realizao desse olhar ludo-investigativo? Quem se
prope tal olhar e o que nessa realidade o provoca? Que outros olhares integram e dialogam
com o seu? E que caminhos so delineados para que os mesmos se concretizem e gerem
novas descobertas? Neste primeiro momento, olhemos ento, juntos, o que o caminho aponta,
instiga e prope.
2.1 QUEM OLHA O QU? - DA IMPLICAO DA PESQUISADORA E DA PROBLEMTICA DE PESQUISA
Minha atuao docente, h mais de dez anos, tem se pautado numa crescente
valorizao dos componentes prazer, bem-estar e alegria associados construo do
conhecimento no processo educacional, por acreditar que uma educao vivenciada com a
presena destes elementos, interna e externamente, torna-se mais saudvel e significativa.
Tal atuao docente tem se configurado por etapas de experincias como professora da
lngua inglesa, educadora e coordenadora pedaggica em projetos sociais de educao no-
formal, atriz, pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educao e Ludicidade
(GEPEL)1, espaos em que tenho ampliado vivncias, concepes e a validao sobre a
1 Grupo de pesquisa vinculado ao programa de Pesquisa e Ps-graduao em Educao-Faculdade de Educao da Universidade Federal da Bahia-FACED/UFBA.
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importncia de uma prtica educativa ldica como um caminho para um desenvolvimento
humano integral.
Nos ltimos quatro anos, ao desenvolver pesquisa sobre educao e ludicidade,
deparei-me com uma inquietao que diz respeito a essa relao na formao de professores,
o que reflito em artigos publicados em coletneas do GEPEL (GOMES, 2004, 2007) e
procuro aprofundar como tema da presente pesquisa: a formao ldica de professores.
O histrico da ludicidade na educao mostra em determinada poca uma nfase em
prticas focadas apenas na utilizao instrumental de atividades ldicas, como meios para
relaxamento, diverso ou aprendizado de contedos, o que certamente trouxe benefcios
dentro de um olhar que valorizava apenas o aspecto cognitivo da aprendizagem. Mais
recentemente, alguns autores, com destaque para (LUCKESI, 2000, 2002, 2004) e
(MATURANA; VERDEN-ZLLER, 2004), tm atestado a ludicidade como um fenmeno
tambm interno do sujeito e possvel permeador de qualquer atividade desenvolvida,
evidenciando que uma prtica educativa ldica pode estar vinculada a um ser-educador
ldico, ampliando a viso de ludicidade e sua contribuio para o desenvolvimento humano e
educacional.
Por se tratar de um olhar mais recente sobre a ludicidade, considero natural, alm de
um desafio para os professores, a dificuldade de incorporar esse segundo aspecto da
ludicidade em si e em sua prtica, devido tanto a uma formao de carter majoritariamente
instrumental, como a uma lgica educativa ainda vigente que corrobora com a antiga forma de
olhar e atuar com o ldico.
Acredito, no entanto, que tal dificuldade e desafio tenham um espao legtimo para
serem desvelados, refletidos e transformados: o espao de formao inicial de professores, o
que nos leva a caracterizar a problemtica desta pesquisa : como licenciandos da Universidade
Federal da Bahia (UFBA) co-constroem, vivenciam e compreendem um processo de
formao ldica, sob uma tica transdisciplinar.
Assim me debruo sobre o objeto de investigao desta pesquisa: um processo de
formao ldica de estudantes de licenciatura, aqui referidos como licenciandos, no seio da
Faculdade de Educao da UFBA (FACED), buscando o dilogo entre aspectos subjetivos e
objetivos de uma formao ldica.
Para que se compreenda o que prope esse dilogo, apresento uma metfora da frase
que antecede muitas brincadeiras: 1,2,3 e j, refletindo a integrao entre vivncia interna
ldica e prtica educativa ldica do professor. Relaciono o 1, 2, 3 com o predomnio de
aspectos mais internos de preparao da brincadeira, caracterizados pelo contato com os
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prprios pensamentos, sentimentos e emoes do brincante, simbolizando a vivncia interna
da ludicidade do professor; e o j como o momento de ao, interao e atuao mais
externamente verificada, caracterizando, portanto, a prtica educativa ldica, materializada a
partir do contato interno.
Considerando estes dois movimentos - experincia interna e externa - como
indissociveis e complementares, aposto numa pesquisa sobre como os licenciandos vem um
processo de formao ldica que inclua e ponha em dilogo esses dois movimentos.
Com a realizao desta pesquisa pretendo constituir e aprofundar mais um espao-
tempo de aprendizagem sobre educao e ludicidade, desta vez intervindo e contribuindo
diretamente para com a produo de conhecimento sobre uma formao ldica inicial de
professores. E o olhar sobre este espao-tempo parte de uma motivao.
2.2 A IMPORTNCIA DO OLHAR - DA JUSTIFICATIVA
A ludicidade tem se firmado cada vez mais no campo cientfico como capaz de
contribuir para uma educao saudvel, harmnica e eficaz. A neurocincia hoje sustenta o
que alguns tericos j postulavam: o importante papel das emoes para a aprendizagem, s
que agora identificando no sistema cerebral a ligao entre emoo e cognio. E a que a
ludicidade vem ganhando mrito cientfico nos estudos sobre o processo de ensino-
aprendizagem por envolver situaes que em geral estimulam as emoes como motivao,
alegria, envolvimento, fazendo com que a aprendizagem acontea de forma mais significativa.
(SANTOS, 2001)
Os cursos de formao de professores - esses atores importantes do processo
educacional - se caracterizavam, e ainda alguns se caracterizam, por desconsiderar esta
integrao, seja pela inexistncia de uma disciplina-espao-tempo especfica para a formao
ldica do educando, seja com uma abordagem do tema apenas de forma conceitual e
instrumental no fazer pedaggico, mais uma vez privilegiando somente uma apreenso
racionalista e desvinculando os aspectos subjetivos dos objetivos, ambos potencialmente
presentes numa prtica educativa ldica.
Tal contexto se explica por uma herana de fragmentao do olhar o mundo e
conseqentemente a educao, a partir da qual o professor, quando considerado um
transmissor de informaes, no precisaria vivenciar em outras dimenses, que no a
cognitiva, o que seria apenas transmitido conceitualmente aos seus alunos. Esta herana
fruto da lgica excludente j mencionada que leva em considerao apenas um nvel de
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realidade e valida apenas um nvel de apreenso e contato com a mesma: a cognitiva, no seu
sentido mais mecanizado, fruto da herana advinda de nossa tradio iluminista de ensino e
educao.
J numa concepo de professor como aquele que intermedeia processos de relaes
com saberes (CHARLOT, 2001), envolvendo a si prprio e aos educandos, ele tambm
precisa vivenciar os processos em si mesmo, e para isso precisa ter em sua formao o
experimentar das relaes com a aprendizagem nas diversas dimenses: corporal, cognitiva,
afetivo-emocional, social, poltica e transcendente, ou seja, precisa vivenciar uma formao
integral, transdisciplinar.
Acredito que, quando se fala em uma prtica educativa ldica que traga para a
educao um sentido mais conectado vida em todas as suas dimenses, essencial que
futuros professores vivenciem a ludicidade em si e entre seus pares, experimentando,
sentindo, refletindo, e a ento se tornando fortalecidos em transformar seu sentir, pensar e
agir numa prtica educativa mais ldica.
comum encontrarmos professores que desenvolvam mecanicamente atividades ditas
ldicas em suas aulas, e menos freqente encontrarmos aqueles que tenham uma prtica
educativa refletida por sua prpria vivncia ldica. Muitas vezes o professor utiliza-se de
tcnicas e mtodos rotulados de ldicos, inexistindo a uma atitude pessoal e profissional
ldica que permeie o direcionamento desses mtodos.
Em recente pesquisa de Mestrado realizada por Santos, M. (2005) abordando o papel
da afetividade e do ldico na aprendizagem, a autora constatou o reconhecimento pelos
prprios professores pesquisados da sua no preparao para atuar com o ldico em sala. Os
professores afirmaram, de acordo com os resultados da pesquisa, no se sentir capazes de dar
conta de uma aula que inclusse o ldico, o que para eles geraria desordem, desateno etc.
A partir de meu contato com aprendentes em cursos de formao de professores,
verifico, na fala de muitos, o desejo de vivenciar e propiciar uma prtica educativa ldica. No
entanto, os mesmos sustentam algumas barreiras para atuarem de tal forma: alguns se sentem
inaptos a lidar com a ludicidade no processo educativo; outros se queixam em no terem
recebido uma formao para tal prtica; outros ainda remetem s dificuldades impostas pelo
contexto cotidiano em que atuam o no suporte para o desenvolvimento da ludicidade.
Entretanto, observo como um dos maiores entraves efetivao de uma prtica ldica a
ausncia de contato de professores com sua prpria ludicidade.
Porto (2002, p.152, grifo nosso) ressalta a importncia deste contato: [...] necessrio
que, alm de conhecer o significado do brinquedo para o desenvolvimento da criana, o
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professor brinque. Que o professor brinque sugere a imerso deste em sua prpria
ludicidade, atravs do estmulo ao experimentar desde seu processo de formao inicial, em
que teoria e prtica, cognio e emoo, e outros tantos pares destitudos de sua parceria
sejam conciliados, permitindo ao professor aprender atravs do seu prprio movimento.
As condies de trabalho dentro de um contexto scio-poltico-econmico no qual o
professor hoje vive, com um quadro de crise identitria e desvalorizao profissional, aliados
a uma j estabelecida e enraizada concepo filosfica mais racionalista, demonstram o
desafio que atuar de forma ldica, contemplando a realidade objetiva. Ao mesmo tempo, as
condies dessa realidade se mostram como propulsoras do desejo de transform-la, na busca
de uma educao e uma vida mais saudvel, encontrando na ludicidade um dos caminhos para
tal empreitada.
Possivelmente, uma das causas dos desequilbrios fsicos, emocionais e psquicos
vivenciados por muitos professores ultimamente seja o distanciamento entre sua atuao
docente e o contato com sua prpria ludicidade e o que esta propicia.
Como espao formal de formao de professores, a FACED possui, em alguns nveis,
um histrico de valorizao e incluso de uma formao ldica no processo formativo de seus
estudantes. Atesta esta afirmao a existncia de um respeitado grupo de pesquisa vinculado
ao programa de ps-graduao da instituio, o Grupo de Estudo e Pesquisa em Educao e
Ludicidade- GEPEL, ativo desde o ano 2000, que tem realizado constantes pesquisas, eventos
e publicaes na rea de Ludicidade e Educao; assim como a oferta recente, em 2006.1 do
componente optativo da ps graduao: Arte, Ludicidade e Formao do Educador.
Na graduao, entretanto, ainda incipiente a preocupao com a formao ldica dos
graduandos, principalmente nos ltimos quatro anos. O curso de pedagogia oferecia em sua
matriz curricular o componente optativo Educao e Ludicidade, o qual, porm, teve sua
ltima verso ocorrida somente no primeiro semestre do ano de 2004, demonstrando uma
irregularidade no oferecimento da disciplina aos estudantes de pedagogia e principalmente aos
licenciandos dos demais cursos da UFBA. Recentemente na ltima modificao curricular na
FACED a mesma foi retirada do quadro de disciplinas optativas, e ento includa em carter
de estudos especiais em educao a disciplina Ludopedagogia I, que tambm no est sendo
ofertada.
Como licencianda em Letras, entre os anos de 1998 e 2001, cursando disciplinas na
Faculdade de Educao da UFBA, pude constatar a ausncia de uma formao ldica para
licenciandos de outras reas que no a de pedagogia em processo de formao inicial, o que
analiso em artigo publicado em coletnea do GEPEL (GOMES, 2004).
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20
Dentro desse contexto cabe uma investigao no sentido de se tentar compreender
como aprendentes oriundos de diversas licenciaturas da UFBA co-constroem, vivenciam e
compreendem uma formao ldica, em sua formao inicial, que contemple aspectos
subjetivos e objetivos, pois creio na construo desta compreenso pelos mesmos como um
importante passo formativo para uma atuao docente ldica.
Em suma, esta pesquisa justifica-se ao propor uma investigao e interveno
diretamente na raiz do problema levantado: se a formao inicial de professores um espao
legtimo para se promover uma formao ldica numa tica mais integrada, possibilitando
uma preparao dos aprendentes para lidar com a ludicidade na educao, faz-se necessrio
investigar como estes, tambm autores desta formao, ao co-construrem-na, a compreendem
e a significam.
E para tal lano sobre esse escolhido espao-tempo um olhar ampliado - objetivo geral
- a analisar para melhor compreender como licenciandos da UFBA co-constroem, vivenciam e
compreendem um processo de formao ldica numa perspectiva transdisciplinar, em sua
formao inicial. Alm deste, me pauto em olhares tambm focados objetivos especficos: a
realizar interveno atravs de curso de extenso em formao ldica para licenciandos da
UFBA, em que estes sejam sujeitos de sua prpria formao; a investigar como os sujeitos da
pesquisa compreendem essa formao ldica; a analisar a repercusso desta formao para os
sujeitos, bem como para a formao inicial de professores na UFBA. Sem perder de vista o
fato de que nunca, nunca, olhamos sozinhos.
2.3 QUEM OLHA JUNTO? - DOS SUJEITOS DA PESQUISA
Um grupo de 202 licenciandos3 de diferentes cursos de licenciatura da UFBA,
matriculados em disciplinas da FACED, foi selecionado, via processo seletivo formal, para
participar do curso de extenso: Formao Ldica- A ludicidade na formao docente, este
configurando-se como campo de pesquisa.
Segue um quadro representativo sobre os licenciandos selecionados, o que ser melhor
abordado no segundo captulo, no qual descrevo o processo seletivo do curso: 2 Dos 20 participantes, dois deles: Karina de Oliveira M.de Arajo e Marcos Affonso R.de Castro no puderam, por motivos pessoais, concluir o curso, o que nos causou um grande pesar, tanto por suas ausncias que nos marcaram com suas singularidades, como pela lacuna de dois espaos to desejados por tantos estudantes da UFBA. Ainda assim, optamos por incluir suas contribuies nessa pesquisa enquanto presentes ao longo do processo. 3Devo salientar que os participantes concordaram formalmente com a divulgao dos seus nomes nesta pesquisa (vide modelo da carta em anexo, a qual todos os participantes assinaram).
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21
Participantes Curso na UFBA Ano deIngresso
Sem.curso
Atuao noensino (in) formal
Sexo Idade
1.Amanda Baqueiro Moura Lic. Cincias Natur. 2004 5 No F 26
2Ana Caroline da Paixo Almeida Lic. Educ. Fsica 2003 7 No(fez estg1ano) M 24
3.Andria de Arajo Guimares Lic. Cincias Natur. 2004 5 No (proj. 2 meses) M 314.Cicleide Santana Limoeiro Pedagogia 2006 2 No(aux.profalfab.) M 205.Daniela Sacramento de Jesus Pedagogia 2006 2 Sim(Esc.Comunit.) M 216.Denis Souza Pinho Lic. Educ. Fsica 2003 6 Sim( 2 Tempo) H 25
7.Esmeralda M. Da S. N. Chagas Pedagogia 2004 5 Sim(estgio atual) M 228.Gssica de Oliveira Arago Pedagogia 2005 3 No atua M 199.Jacineide Aro dos Santos Pedagogia 2004 5 No atua M 2410.Joilda Albuquerque dos Santos Pedagogia 2005 3 Sim( fez magistrio) M 3011.Karina de Oliveira M.de Arajo Pedagogia 2005 3 No atua M 3212.Ktia Sarai Bastos da Silva Pedagogia 2005 3 Sim(Esc.Particular) M ----13. Marcos Affonso R.de Castro Lic. Dana 2005 4 Sim(3 idade) H 2614.Michele Nunes Costa Braga Pedagogia 2005 4 No M 2315.Priscilla C. Gordilho S.de Mattos Pedagogia 2003 7 Sim(Esc. Privada) M 2216.Rodrigo Aguiar Von Flach Lic. Matemtica 2006 2 No H 20
17.Rodrigo Almeida Garcia Lic. Letras 2003 6 Sim H 27
18.Simone Rosa Ribeiro Pedagogia 2004 5 No(Esc.Comunit.) M 22
19.Vladimir Santos Oliveira Lic. Artes Plasticas 2003 7 No(oficina ONG) H 25
20.Wilton Emanuel Santos da Cruz Lic. Histria 2006 2 No H 20Fig 3 - Quadro representativo dos participantes selecionados ao curso de extenso.
Cursos
N - %
Ano ingresso
N - %
Semestre em
curso N-%
Atuantes no ensino
N - %
Sexo
N - %
Idade
2003: 5 / 25%Pedagogia: 11 / 55%2004: 4 / 20%
At IV: 10 / 50% SIM: 08/ 40% Feminino: 14 /70%
At 25:13
2005: 7 / 35%Outras licenciaturas: 9 /45% 2006: 4 / 20%
Aps V: 10 / 50% NO: 12/ 60% Masculino: 6 /30%
Ps 26:06
Fig.4 - Quadro sntese do contexto dos participantes
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2.4 E COM QUAIS OLHARES? - DO PERCURSO METODOLGICO
Crer para ver e Ver para crer. com esta imagem inicial que gostaria de
estabelecer o percurso metodolgico a direcionar esta pesquisa. Crer - como ato
totalmente implicado: a confiana, crena e, por que no, f, na tentativa intencional de
compreender e agir no mundo-vida. F que passa por um eu existente, aquele que cr.
Assim, crer, pressupondo a existncia de um ser, fator indispensvel ao ver.
Nossa histria pessoal nos leva a selecionar e conseqentemente a ver
determinados aspectos da realidade. Assim, as observaes que desenvolvemos no dia-
a-dia so influenciadas por essa histria que pessoal e coletiva. E se eu creio,
direciono, atento e vejo, esse ver, por outro lado, me possibilita o fazer ver
(MACEDO 2006, p.82). Ao ver, de forma implicada, articulo, desconstruo, crio e, a
partir da, compreendo e descrevo o que vejo.
Crer e ver: escolha e ao. No necessariamente nesta ordem, em diversas
ordens, a ampliar as percepes - perceber de aes - presentes nessa perspectiva, uma
de tantas possveis, a nossa, na metodologia do viver. Como se articulam o crer e o
ver - nossas escolhas e aes por um caminho metodolgico? Iniciemos pelo crer, nos
implicando como seres-sendo.
O caminhar metodolgico dessa pesquisa aponta para escolhas-aes, aes-
escolhas, que dizem do meu crer, e que perpassam meu ser. Formao Ldica subjetiva
e objetiva- subjetividade e objetivao: a compreenso sobre uma experincia integrada.
O desenvolvimento do ser-ldico do professor, aliado ao atuar ldico do professor. A
proposta de compreenso e incluso da transdisciplinaridade na educao. Uma
formao inicial de professores que contemple diversos saberes: normativos,
experienciais, pessoais, profissionais, organizacionais.
Esse vis de investigao, apoiado numa viso de mundo que busca a autonomia
e criatividade do ser humano engajado em seu contexto social, compatibiliza-se e se
afina com uma perspectiva qualitativa de viso da realidade, enfatizando as pautas
humanas, inclusas a as demandas quantitativas inerentes a essas pautas. Uma
pesquisadora e professora que cr na importncia do desenvolvimento do aspecto
subjetivo da ludicidade no ser humano, denotando a uma escolha pela incluso da
subjetividade na compreenso desse ser e suas construes; esse olhar qualitativo que
sustenta as demais aes-escolhas tomadas e descritas ao longo dessa elucidao
metodolgica.
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23
Andr(1999) explicita a contribuio de Weber ao delinear o foco da
investigao numa perspectiva qualitativa de pesquisa como a compreenso dos
significados atribudos pelos sujeitos s suas aes. Cabe aqui ento a premissa
principal da etnometodologia, base fundante para um pesquisar qualitativo, a qual
considera que o ser humano, enquanto sujeito, desenvolve, a todo o momento e de
formas variadas, mtodos para compreenso e, a partir da, atuao na realidade social.
A pesquisa qualitativa, ao advir da busca das cincias sociais por uma
metodologia de pesquisa leal a suas concepes de mundo, em que o sujeito integra a
construo da realidade a partir de suas construes de sentido, deflagra a complexidade
da realidade, esta no captada por apenas uma abordagem de cunho positivista. E os
problemas sociais desta realidade pedem uma forma de lidar com o real em que o
sujeito seja visto como ator-autor, e no apenas como espectador, quando muito
passivo, desse real.
A perspectiva qualitativa de pesquisa possui razes tericas na fenomenologia,
que elege o mundo do sujeito e sua construo da realidade atravs da sua prpria
elaborao de significados sobre esta. Essa abordagem qualitativa do real, a qual
considero no apenas como uma abordagem de pesquisa, contou com a influncia de
correntes sociolgicas, antropolgicas, que a caracterizam de modo a ser mais
compatvel com uma realidade que se mostra complexa, a exemplo da fenomenologia,
do interacionismo simblico, da etnometodologia e da etnografia.
A noo de subjetividade, que a concepo positivista jamais incluiria em sua
pauta, foi ampliada na perspectiva qualitativa pela corrente do Interacionismo
Simblico, instituindo a intersubjetividade, ou seja, a construo de significados pelos
sujeitos se d na interao entre eles, e no num sentido estrito de construo apenas
pessoal e isolada desses sentidos.
O que normalmente se esconde por trs dos fenmenos foco de interesse da
etnometodologia, ao procurar desvel-los, concentrando sua ateno tambm no que os
mtodos desenvolvidos pelos sujeitos revelam, em termos de significados e aes. E tais
significados, elaborados pelos sujeitos, so tambm um foco de concentrao da
etnografia, a qual busca compreender a cultura pela expresso desses significados pelos
prprios sujeitos; da o pesquisador como principal eixo da pesquisa- aquele que gera
sentidos e os explicita ao contatar a realidade pesquisada.
A etnometodologia, teoria do social, fornece-me guarida epistemolgica para a
realizao desta pesquisa de perspectiva qualitativa, no sentido de que traz em seu bojo
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24
concepes concernentes minha viso de mundo, bem como minhas opes e escolhas
ticas, polticas, estticas. Uma idia essencial da etnometodologia, de que o ator social
no um idiota cultural (GARFINKEL apud MACEDO, 2006), conclama-me a
compreender como os atores sociais, enquanto sujeitos que significam e constroem a
realidade social, o fazem. a partir dessa compreenso que posso de fato penetrar no
dito e no no-dito da vida que se mostra como velada e revelada ao mesmo tempo. E
nos apropriando do que normalmente velado, que damos um salto quanto a nossa
capacidade de transformao pessoal e coletiva.
desta forma que concebo uma via poltica de formao de professores, em que
estes tenham vez e voz no seu prprio processo formativo. Esses sujeitos trazem
consigo experincias e saberes mltiplos de extrema importncia para sua formao
(TARDIF, 2002), sendo, portanto, capazes de dialogar com novos saberes e darem-se
conta de seus processos de gerao de significao e ao.
Acredito num processo de formao inicial que promova espao ao que esteja
velado em termos pessoais, grupais, institucionais, sociais, enfim, que potencializem e
fortaleam o ser sujeito e autor nos futuros professores. Numa perspectiva
etnometodolgica, licenciandos pedem, de forma ainda mais afirmativa, por uma
formao em que o exerccio de sua autoria formativa seja estimulada e suportada, em
que o prprio processo de formao seja, de fato, tambm formativo. A construo de
saberes formativos a se pauta tambm dentro dos contextos por onde tramitam, pois
que a incluso da intersubjetividade no processo de construo do conhecimento inspira
uma aprendizagem mais indexalizada, implicada e possivelmente mais significativa aos
aprendentes/co-construtores desses conhecimentos.
O educando, ao descrever sua realidade, suas significaes, suas aes, ao se
expressar e se expor, revela a si e ao(s) seu(s) grupo(s) aquilo que velado e que muitas
vezes cristaliza o desenvolvimento social em sua realidade. Creio que um desvelar
consciente da realidade pelos envolvidos nas mais diversas interaes pode possibilitar
novas tomadas de decises e aes pela mobilidade construtiva dessa realidade. A
etnometodologia gera um suporte nesse caminho.
Ao me identificar com uma perspectiva qualitativa de pesquisa, pelos motivos j
explicitados, elejo mais especificamente a etnopesquisa como opo de pesquisa a me
direcionar nesta caminhada, compactuando com o desafio do olhar qualitativo, o qual
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25
acolhe o conflito, a incerteza e os paradoxos da realidade humana, sendo esta complexa.
(MACEDO, 2006)
A etnopesquisa, gerada a partir de contribuies da etnografia, de cunho
antropolgico, possui caractersticas peculiares a facilitar uma compreenso de
conceitos como a implicao do ser-pesquisador, materializada atravs de uma
descrio densa que parte de um contato real e prximo com a realidade pesquisada; e a
considerao dos sujeitos de estudo como co-autores no processo de pesquisa, em que
saberes extra-normativos e as contradies que envolvem a pauta humana so includos,
passando a integrar e serem essenciais compreenso da realidade social em estudo.
Considerando o objeto de estudo desta pesquisa um processo de formao ldica
de aprendentes, sob a forma de curso de extenso, durante sua formao inicial em que
pese uma conciliao entre formao subjetiva e objetiva, as caractersticas da
etnopesquisa acima descritas s favorecem o encaminhamento metodolgico. No que
diz respeito implicao do ser-pesquisador, me posiciono duplamente implicada no
processo de pesquisa- enquanto mediadora na caracterizao tempo-espacial do curso de
extenso e como pesquisadora dessa realidade.
Assim, estou meta-encarnando o professor-pesquisador em mim, e de certa
forma nos sujeitos pesquisados, como pesquisadores implicados, da podendo
compreender a realidade pesquisada a partir dos significados e aes gerados por ns
mesmos. No h a imparcialidade - caracterstica positivista -, mas sim rigor em
descrever e expressar esses significados e aes.
A descrio densa, outra caracterstica da pesquisa etnogrfica, mostra-se
imprescindvel ao desejar compreender, com esta pesquisa, como os pesquisados
compreendem o processo de formao ldica co-construdo pelos mesmos. Essa
descrio pressupe expressar a voz dos pesquisados, da a importncia do rigor tico
nessa descrio.
A minha presena, como pesquisadora, em contato direto com os pesquisados,
dado o carter da pesquisa, mostra tambm a necessidade de estes serem co-autores
nesta, principalmente quando o mtodo de pesquisa aqui eleito a etnopesquisa-
formao, em que pesquisados so de fato co-autores do processo de pesquisa.
Ainda segundo Macedo (2006), uma das perguntas-chave da etnopesquisa :
Como os sujeitos imersos nos seus coletivos sociais significam e ressignificam suas
aes e agem?(2006, p.13 ) Pergunta esta que se afina com a pergunta orientadora
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principal desta pesquisa: Como os licenciandos compreendem seu processo de
formao ldica? Da que compreender seus significados e aes se mostra como
essencial realizao desta pesquisa.
Alicerada epistemologicamente na etnometodologia, elegendo assim uma
perspectiva qualitativa de pesquisa e tendo na etnopesquisa uma opo de pesquisa, a
partir da configurao desta, opto ento por um mtodo com caractersticas da
etnopesquisa-formao a me dar suporte e orientao. Tal escolha justifica-se pela
singularidade do objeto e contexto da pesquisa, e assim, o mtodo se constitui
duplamente como possibilidade de formao, como refora Macedo(2006 p.14) ao falar
da etnopesquisa crtica e seus desdobramentos.
Os pesquisados so aqui necessariamente co-construtores de conhecimento da
pesquisa, em que o nvel de co-construo se d em termos de criao de aes e
significados a estes implcitos ou explcitos. necessrio ressaltar que ainda que se
tratando de uma interveno, no nosso objetivo a busca da transformao dos
pesquisados - por isso se trata de uma pesquisa com caractersticas da etnopesquisa-
formao -, e sim compreender como estes compreendem seu processo de formao
ldica, atravs da interveno. Como bem diz Macedo (2006, p. 156): Nem pesquisa
desinteressada, nem modificacionismo brbaro[...].
Tambm, nesta escolha de uma pesquisa com caractersticas de etnopesquisa-
formao, faz-se necessria uma clareza de papis, em que pesquisados e pesquisadora
co-constroem conhecimentos, co-desenvolvem a pesquisa, e ao mesmo tempo cabe
pesquisadora, em determinados momentos, a assuno da conduo da formao em
diferentes nveis.
Ao refletir sobre endoetnografia escolar como a prtica etnogrfica nascida do
interior das prticas pedaggicas (MACEDO 2006, p.152), acredito que tal conceito se
aplica num processo de formao inicial de professores, em que as prticas pedaggicas
extrapolam a formao disciplinar e se expandem a um curso de extenso, tambm com
carter formativo. Se tal prtica evidencia o estmulo autonomia de educandos, esta se
mostra ainda mais necessria ao se tratar de licenciandos, em que o exerccio de
compreenso e expresso de seus significados e aes na sua formao s enriquecem
seu poder de exercer a ao e a reflexo em sua prtica, ampliando sua conscincia
formativa.
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Na etnopesquisa-formao, diferentemente de professores em formao
continuada que possuem um campo de atuao profissional prtico de reflexo e ao,
licenciandos tambm podem e devem exercer uma reflexo sobre sua prpria formao.
Seu processo de formao inicial se constitui ento em espao de reflexo e ao, capaz
de estimular a co-construo de conhecimento, de significados, de intersubjetividades.
nesse espao formativo que aposto no exerccio dos pesquisados em se
apropriar de uma formao ldica, em que co-constroem sentidos para esta, podendo
compreender seus aspectos subjetivos e objetivos e suas implicaes. Para o
desenvolvimento de professores-pesquisadores, como cunhou Stenhouse, sugiro, como
proposta desta pesquisa, que se desenvolvam professores-pesquisadores, desde sua
formao inicial, a contribuir com uma nova pesquisa-ao escolar. Alis, esse um dos
vieses da formao universitria, em que estudo, pesquisa e extenso se vinculam ou
pelo menos deveriam se vincular, formando profissionais crticos e autnomos.
Andr (1999), ao comentar uma pesquisa-ao realizada no processo de
formao de professores, refora a necessidade de que preciso dar condies aos
professores em sua formao, atravs da vivncia de situaes, para que estes
incorporem habilidades de criticidade, conscincia e competncia tcnica.
Com o suporte da perspectiva metodolgica aqui adotada e tendo em pauta o
objetivo geral dessa pesquisa em analisar para melhor compreender como licenciandos
da UFBA/FACED co-constroem, vivenciam e compreendem um processo de formao
ldica numa perspectiva transdisciplinar, essa pesquisa se props responder as seguintes
questes norteadoras:
Que vises/experincias de ludicidade e educao trazem os licenciandos? Que concepes de formao ldica so levantadas pelos sujeitos a partir de suas
inquietaes pessoais, acadmicas, profissionais, sociais?
Que desafios emergem do processo de formao ldica para os sujeitos na formao?
Como conciliar aspectos subjetivos e objetivos de uma formao ldica? Como os sujeitos da pesquisa compreendem e refletem sobre o processo
vivenciado na formao ldica e que retorno os mesmos geram para os cursos de
formao inicial de professores na UFBA?
Para tanto, segui os seguintes passos metodolgicos:
1- Reviso terico-conceitual de categorias para ida a campo.
2- Formatao de campo de pesquisa:
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a- Implantao de curso de extenso, gratuito, realizado na FACED, com
carga horria de 64h, no segundo semestre de 2006, com freqncia de
um encontro semanal de 4h de durao, totalizando 16 encontros durante
o semestre.
b- Seleo e formao de grupo de sujeitos da pesquisa a participar do
curso de extenso: 20 licenciandos da UFBA matriculados na FACED.
3- Realizao de curso de extenso:
a- Diagnstico da situao pesquisada, a definir direcionamentos do curso
de extenso.
b- Desenvolvimento co-participativo da formao ldica, com constante
avaliao, reflexo e ao sobre o processo.
c- Registro sistemtico por escrito, em udio e/ou vdeo dos encontros.
4- Triangulao e anlise de dados, com a sistematizao escrita da dissertao.
E desenvolvi os seguintes instrumentos, tcnicas e dispositivos de coleta e registro
de dados:
Entrevistas e questionrios semi-estruturados com os sujeitos da pesquisa Dirio de aprendizagem dos sujeitos: Livro mgico de memrias formativas. Dirio de bordo da pesquisadora Filmagem dos encontros Fotos dos encontros: Livro mgico imagtico de memrias formativas. Partilhas avaliativas semanais Anlise de documentos pertinentes da legislao educacional no pas, matrizes
curriculares das correspondentes licenciaturas da UFBA, dentre outros.
Compreendo que tais recursos de pesquisa adotados permitem a expresso das
subjetividades, da intercriticidade e das aes mediadas na formao ldica.
A partir da construo e registro dos dados ao longo do processo de pesquisa,
com o mergulho de escuta e de co-construo, a anlise sistemtica desses dados levou
em conta questes ticas que se acordam com os princpios metodolgicos aqui
adotados. As etapas de anlise dos dados a seguir descrevem seus focos de ateno e
foram posteriormente transportadas a esta dissertao:
Processo de organizao, divulgao e seleo do curso de formao ldica- curso de extenso.
Quadro inicial e final dos participantes tendo como referncia o curso de extenso em formao ldica, com a anlise dos seguintes registros:
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Registros Iniciais:
o Dados cadastrais dos participantes perfil do grupo o Carta de motivos o Investigaes prvias o Diagnstico Coletivo de problemas
Registros finais: o Textos dos bonecos-exposio final o Dirio de aprendizagem dos licenciandos- Livro mgico de memrias
formativas o Entrevistas individuais em udio
Quadro intermedirio dos participantes, por meio de uma anlise do processo da
formao ldica no curso de extenso, atravs dos registros acima alm dos que se seguem:
o Plano de curso o Planejamento de cada encontro e seus desdobramentos o Dirio de bordo da pesquisadora o Filmagens de encontros
Anlise geral da percepo da formao ldica e sua repercusso. O que emerge do desenvolvimento da pesquisa explicitado, no s em termos
de concordncia como tambm de contradies observadas e vivenciadas, reafirmando
os princpios metodolgicos eleitos. As categorias tericas assumidas previamente ida
a campo e as categorias oriundas deste dialogam por essa tica. Como categorias
tericas prvias, destaco trs: a ludicidade; a formao inicial e ldica de professores; e
a transdisciplinaridade. Estas deram suporte ao surgimento de categorias de anlise no
contato com o campo de pesquisa em que apresento as trs a seguir: a
multidimensionalidade; a complexidade; e a caracterstica do humano.
Assim, a assuno destas categorias proporciona uma anlise dos dados da
pesquisa em que o rigor se mostra essencial, tanto na descrio densa, como na tica de
explicitao dos dados e das compreenses elaboradas.
A partir do explicitado at ento creio que esta pesquisa e sua sistematizao se
consubstanciam numa linha de referenciais ticos, estticos, polticos, tericos,
epistemolgicos e metodolgicos, coadunando-se conseqentemente com a
problemtica, objeto de estudo e questes sensibilizadoras de pesquisa, reforando a
idia de que o mtodo deve se configurar como uma escolha intencional, consciente e
significativa.
E diante de um caminho traado e vivenciado com suas singularidades, explano
inicialmente os suportes de fundamentao terico-epistemolgica que me
acompanharam durante o processo.
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3 UM OLHAR PRVIO A COMPOR OUTROS OLHARES Da fundamentao terico-epistemolgica
Fig. 5 Extenso em Formao Ldica. Dilogos. 2006
Formao ldica de professores em sua formao inicial. Muitos
pesquisadores, como eu, tm olhado esse campo humano e profissional numa busca de
respostas e de novos questionamentos, em que o verdadeiro esprito cientfico, aquele
que impele a no nos contentarmos com o dito, nem tampouco com o j feito, nos move
a interagir com diferentes saberes e a criarmos continuamente o conhecimento, que
significativo, nos transforma enquanto seres.
Assim, proponho aqui um dilogo com alguns desses pesquisadores, seres
tambm implicados em suas itinerncias, atravs de seus saberes construdos em
diferentes nveis e a partir de diferentes realidades, a compor um olhar que certamente
me auxilia a compreender os outros 20 olhares que se somam a esta pesquisa.
Para este dilogo, opto por algumas reas de interesse- categorias tericas
prvias- que se articulam e se complementam numa formao ldica de professores em
sua formao inicial. Tal dilogo ento me conduz a um caminho de contatos: com a
ludicidade na viso de algumas reas do saber; entre a educao e a ludicidade; do
propsito de formao de professores hoje frente a uma nova proposta de
profissionalidade docente; da conciliao entre formao ldica e formao inicial de
professores; e de uma recente epistemologia, a transdisciplinaridade, a dar suporte
interao entre todos estes elementos. Imprevisibilidades.
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3.1 LUDICIDADE: DILOGO DE VISES
Dentre as mltiplas vises sobre ludicidade apresentadas por autores em
diversos mbitos do conhecimento, sejam eles antropolgicos, sociolgicos, filosficos,
educacionais, psicolgicos, tais como HUIZINGA (2005); NEGRINE (2003); SANTOS
(2001); BROUGRE (2004); KISHIMOTO (2002); WINICOTT (1975) dentre outros,
pautei-me, para esta pesquisa, numa concepo de ludicidade em conformidade com o
conceito construdo e em construo pelo GEPEL (2000, 2002, 2004, 2006) em que a
ludicidade considerada uma vivncia interna, externamente compartilhada ou no, de
uma experincia de entrega, de pleno envolvimento ao que se faz, no momento em que
se faz, com a incluso das diversas dimenses humanas. (LUCKESI, 2000, 2002, 2004)
Etimologicamente falando, jogo, ldico, brincar e brincadeira de alguma forma
se relacionam e expressam a ludicidade, seja em suas origens ou em suas derivaes
temporais. Friedmann (2006) nos traz uma sntese dessas relaes: do latim jocus, jogo
tem o significando de gracejo, graa, zombaria, e a palavra nessa lngua utilizada para
identificar as brincadeiras verbais como piadas, enigmas, charadas, etc. J o termo
ldico, originalmente identificando o brincar no verbal, ou seja, as aes, origina-se de
ludus que quer dizer divertimento, jogo, recreao.
Apesar de retratarem dimenses diferenciadas do brincar, essas duas palavras-
jocus e ludus- eram utilizadas de forma sinnima no sculo XIII, em que a autora
transcreve de Toms de Aquino: As palavras ou aes nas quais s se busca a diverso
chamam-se ldicas ou jocosas, e a distrao se faz pelas brincadeiras (ludicra) de
palavra e ao (verba et facta). (AQUINO, s/d apud FRIEDMANN, 2006, p.41)
Segundo a autora, os termos brincar e brincadeira em sua origem alem, tm na
palavra blinken- em portugus brinco- o significado de brilhar, cintilar e
posteriormente associada a agitar-se, enquanto springen significa pular, saltar;
divertimento, jogo de crianas. (FRIEDMANN, 2006, p.41)
Assim, tanto os conceitos de brinquedo, brincadeira, brincar, jogo, jogar,
mais comumente associados ludicidade tendo como um fator de associao o
histrico lingstico - como tambm uma leitura de um livro, uma dana, uma produo
textual, e qualquer atividade que traga plenitude e bem-estar a quem a vivencia e
conseqentemente aos que esto ao seu redor podem tornar-se uma experincia ldica.
uma vivncia de um momento em que pensar, sentir e agir se mostram indissociveis,
e na qual se est por inteiro.
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Tal vivncia interna manifestada e intermediada por relaes com o mundo
externo, e oferece a esse sujeito um espao de experimentao de conscincia focada e
ampliada, o que promove um estado saudvel de desenvolvimento. (LUCKESI, 2004)
Segundo Luckesi (2004, p.19): Agir ludicamente implica em operar com a
dialtica dos estados ampliado e focalizado de conscincia. Um estado ampliado
permite ver o todo, caracterizado pela incluso, e um estado focalizado propicia a
tomada de decises e aes, caracterizado pela restrio. Nossa herana epistemolgica
de mundo nos deixou de um lado do pndulo: o da restrio, o da diferena, o da
simplificao da realidade, quando o equilbrio reside em se vivenciar ambos os lados
em diferentes contextos:
No se faz criao cientfica, filosfica, artstica ou literria a partir da exatido, mas sim a partir das infinitas possibilidades. O acesso a conhecimentos novos e a novas possibilidades de criao no emergem do olhar restritivo, mas sim do olhar e da percepo ampliada. [...] por outro lado, a operacionalizao e materializao das intuies criativas no se faro sem que nos sirvamos da conscincia focada. (LUCKESI, 2004, p.16)
Ao se vivenciar uma atividade ldica no sentido aqui adotado, ocorre uma
dialtica entre o focado e a ampliado. H uma entrega de corpo e alma daquele que
brinca, que joga, que age, e h tambm uma ateno direcionada para tomadas de
decises e atitudes nessa ao em momentos especficos. A reside a vivncia da
ludicidade intimamente conectada a um conceito de desenvolvimento humano
integrado.
Esse conceito traz uma ampliao da tradicional viso da ludicidade como uma
aplicao de atividades ldicas como jogos e brincadeiras com fins utilitaristas, a
exemplo de relaxamento, diverso e at como ferramenta para o aprendizado de
contedos- vises historicamente mais antigas da ludicidade- o que tambm possvel,
e caminha no sentido de incluir a subjetividade presente nesse fenmeno, conciliada
com uma manifestao significativa do mesmo.
Em consonncia com essa concepo de ludicidade, Maturana; Verden-Zller
(2004, p.230) apresentam tambm algumas caractersticas comuns de ludicidade a partir
da relao maternal (pai, me, etc.) estendida a outras relaes, como, por exemplo, a
plenitude da experincia, quando dizem que Brinca-se quando se est atento ao que se
faz no momento em que se faz. Ainda, concebem uma no restrio da vivncia da
ludicidade aos jogos e brincadeiras convencionais, nem muito menos de um obrigatrio
atrelamento utilitrio das atividades ldicas: Chamamos de brincadeira qualquer
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atividade humana [...] realizada no presente e com a ateno voltada para ela prpria e
no para seus resultados.. (MATURANA; VERDEN-ZLER, 2004, p.231) E
finalmente, trazendo a incluso de variados aspectos do desenvolvimento:
[...] Segue-se que o brincar, como relao interpessoal, s pode acontecer no amor[...] uma relao interpessoal que ocorre no amor necessariamente vivida como brincadeira. [...] o papel fundamental que o brincar tem na criana em crescimento, tanto para o desenvolvimento de sua autoconscincia, conscincia social e de mundo, quanto para o desenvolvimento de seu auto-respeito e auto-aceitao. (MATURANA; VERDEN-ZLER, 2004, p.224)
A ludicidade vem sendo estudada mais a fundo nas ltimas dcadas e sua relao
com a aprendizagem e com um saudvel desenvolvimento humano tem sido atestada
inclusive por estudos da rea neurocientfica, que busca no estudo do funcionamento do
crebro respostas ao desenvolvimento humano. A ludicidade assim percebida como
integradora de formas de contato com a realidade at ento dissociadas, como, por
exemplo, nossas dimenses fsica, cognitiva, psicolgica, afetiva, social, espiritual, etc.,
restaurando o equilbrio no ser humano (SANTOS, 2001).
Tambm, hoje j se sabe atravs de pesquisas em neurocincias da importncia do
sistema lmbico, responsvel pelo estmulo s emoes, no desenrolar da aprendizagem.
Ver para isso os diversos estudos sobre Inteligncia Emocional em autores como
Golleman (1995), Pearce (2002), em que a ludicidade ao ativar sensaes como prazer,
alegria, bem-estar, s tem a contribuir com a aprendizagem, objetivo fundamental da
educao.
Opto aqui por apresentar, ao invs de continuar a exposio das diversas concepes
de ludicidade existentes, o dilogo entre a ludicidade e as diferentes dimenses dos
saberes e como estas se relacionam. Assim reflito a seguir algumas vises
antropolgicas, filosficas, histricas e psicolgicas que dialogam com a ludicidade em
diferentes formas de expresso na existncia humana.
Ao analisar o papel do brinquedo e do brincar na cultura, o antroplogo G. Brougre
(2004) nos remete importncia do contexto social e cultural em que a ludicidade
vivenciada, principalmente atravs do brincar, em que avalia o impacto da socializao
causada pelo brinquedo e como, de maneira complementar, a criana, ao ressignificar
esse brinquedo, dialoga com os cdigos sociais por este transmitido, tambm conferindo
novos significados aos mesmos.
Assim, ao brincar, a criana se apropria de sua cultura no contato com um
discurso simblico e cultural a ela dirigida pelo adulto, este expresso nos jogos,
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brincadeiras e brinquedos, como afirma Brougre (2004, p.63): Esse brinquedo pode
ser considerado como uma mdia que transmite criana certos contedos simblicos,
imagens e representaes produzidas pela sociedade que a cerca.
Hoje, por exemplo, vemos uma srie de brincares integrada a tecnologias que h
algumas dcadas no existiam, tais como os vdeo games e seus infindveis upgrades,
dentre outros. Da a importncia de, ao mesmo tempo em que prestima-se um contato
das crianas de hoje com brinquedos e brincares de antigamente, numa importante
preservao de um patrimnio imaterial, reconhece-se novas formas que o tempo atual
nos apresenta do brincar.4 Chamo ateno, tal qual faz Brougre (2004), para a
importncia de reconhecermos o contexto cultural em que essa cultura ldica se
expressa e se modifica.
Friedmann (2006) tambm aponta esse cuidado:
A atividade ldica muito viva e cracteriza-se sempre pelas transformaes, e no apenas pela preservao, de objetos, papis ou aes do passado das sociedades, conforme apontam diversos pesquisadores. Como uma atividade dinmica, o brincar modifica-se de um contexto para o outro, de um grupo para o outro. Por isso sua riqueza. Essa qualidade de transformao dos contextos da brincadeiras no pode ser ignorada. (Friedmann, 2006, p. 43, grifo nosso)
Por outro lado, ao fazer um questionamento sobre o que as crianas fazem das
imagens e estmulos que lhes so oferecidos com os brinquedos, e tambm aqui
acrescentamos, com os brincares, Brougre (2004) sinaliza que a criana manipula os
cdigos sociais a princpio transmitidos atravs dessa cultura ldica, ressignificando
esses cdigos. Assim, um vdeo-game pode transmitir certos cdigos culturais e serem
assimilados ou no por crianas em que o computador exera um papel mais ou menos
significativo: A manipulao de brinquedos permite, ao mesmo tempo, manipular os
cdigos culturais e sociais e projetar ou exprimir, por meio do comportamento e dos
discursos que o acompanham, uma relao individual com esse cdigo. (BROUGRE,
2004, p. 71)
O reconhecimento de uma dimenso social e cultural do brincar e da ludicidade
essencial quele que medeia processos ldicos, aqui professores, na medida em que
trar questes de anlise crtica de valores alimentados por diversas culturas numa
mesma cultura, normalmente dialogadas com o brincar. Questes como as de gnero,
por exemplo, configuram um bom campo de pesquisa para professores nos
4 No considero aqui contatos de crianas exclusivos com brinquedos e brincares tecnolgicos isolados, em que muitas pesquisas apontam como dessocializadores.
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desdobramentos de suas atitudes, direcionamentos pedaggicos, estmulo de valores, a
estarem presentes nos processos de socializao atravs da relao com o brincar pela
criana.
Brougre (2004, p.98), ao afirmar que a brincadeira no inata e sim um ato
cultural, diz: Aprende-se a brincar., e aqui enfatizamos a importncia de profissionais
que lidam num contexto educacional com crianas estarem aptos a desenvolver vises
crticas sobre as relaes entre o brincar e cultura, j que o brincar se constitui
fortemente nessa fase de desenvolvimento como campo frtil de vivncia e cultivo
ludicidade.
J o filsofo J. Huizinga (2005) expe que o jogo antecede a cultura, e portanto
numa viso diferenciada de Brougre (2004), a prpria vida em seus diversos aspectos,
caracteriza-se como jogo. O autor identifica a existncia do jogo em trs grandes
atividades arquetpicas da humanidade, a saber: a linguagem, o mito e o culto, em todas
elas existindo um carter de transposio da realidade para um lugar diferente, ainda
que se tenha conscincia num segundo plano de se estar nesse lugar. Sua exposio
clara, no sentido em que a linguagem um grande jogo de se mover entre o real e a
representao do real: [...] como se o esprito estivesse constantemente saltando entre
a matria e as coisas pensadas. [...] ao dar expresso vida, o homem cria um outro
mundo [...]. (HUIZINGA, 2005, p.7)
De forma semelhante, o mito para o autor tambm uma transformao ou uma
imaginao do mundo exterior, fruto de um processo mais elaborado que palavras
isoladas. E complementa: Em todas as caprichosas invenes da mitologia, h um
esprito fantasista que joga no extremo limite entre a brincadeira e a seriedade.
(HUIZINGA, 2005, p.7) E com o culto tambm no diferente, encerrando nas formas
de ritos um esprito de puro jogo, numa representao dramtica de uma realidade
desejada. O autor nos chama ateno que formas da civilizao: o direito e a ordem, o
comrcio e o lucro, a indstria e a arte, a poesia, a sabedoria e a cincia, tendo sua base
no culto e no mito, possuem, portanto em si a semente do jogo.
Huizinga (2005) traz o jogo como uma experincia parte da realidade, sem
contudo se perder totalmente o sentido desse real: Mais do que uma realidade falsa, sua
representao a realizao de uma aparncia: imaginao, no sentido original do
termo.( (HUIZINGA, 2005, p.17) E fala do jogo autntico como aquele em que se faz
latente a conscincia de se estar fazendo de conta. ((HUIZINGA, 2005, p.26) Assim
expe caractersticas importantes a reconhecer-se no jogo: de carter livre; a transportar
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temporariamente o brincante a um mundo diferente do real e absorv-lo inteiramente;
com nfase em nada mais que sua prpria realizao; ocorrendo num espao-tempo
definidos, ainda que material ou imaginrio; com carter esttico ao lidar com ritmo e
harmonia; a dialogar intensamente com o par tenso e soluo; e a encerrar regras
temporrias no espao-tempo em que ocorre.
Referindo-se cultura primitiva como originria do jogo, Huizinga (2005) olha
para o mundo contemporneo em busca do carter ldico e v o afastamento do ritual
como uma das causas de um afastamento do esprito ldico. A dissociao entre jogo e
seriedade- elementos que o autor julga no excludentes- que nos acompanha em formas
de dicotomias entre trabalho e lazer, aprendizagem e brincadeira, ento um ponto de
reflexo sobre sua possvel interao e complementao, no estando nem de um lado
nem do outro do pndulo, a trazer de volta, ainda que em novas roupagens, o ldico
para um lugar sagrado.
Na observao de um carter histrico da ludicidade, envolvendo brinquedos,
brincadeiras e jogos na sociedade ocidental, P. Aris (1981) remonta a um lugar
histrico -na antiguidade- em que a ludicidade era integrada vida de crianas e
adultos, numa coletividade que no distinguia fases etrias nem atribuies cotidianas,
nem tampouco aspectos morais, em que os rituais e festividades tinham um papel
importante na manuteno desse aspecto ldico nessas sociedades. Era a possivelmente
que esse ldico ocupava um lugar sagrado, integrado aos ritos.
Aris (1981) exemplifica isso atravs da boneca ou rplica humana, incitando
sobre a origem desta com um carter sagrado, ao serem enterradas com mortos, ou
utilizadas inicialmente em cultos, e s depois terem ganhado um carter de objeto ldico
para crianas e mulheres, em que essa ambigidade persistia pela idade mdia,
principalmente no campo. Recordo-me de uma reportagem em que um antroplogo
relatara sua surpresa ao dar de presente a uma criana indgena uma boneca, e a mesma
ao invs de brincar com o objeto, pronunciou palavras sagradas, colocando-a num nvel
de relao com o sagrado.
Em pensamento semelhante a Huizinga (2005), Aris (1981, p.70), comenta
sobre a dessacralizao do brinquedo levando sua extino, ou seja, com o
afastamento do brinquedo de um carter sagrado, este vai ficando relegado infncia,
com a tendncia de se extinguir por uma falta de ligao a um significado no mundo
adulto: [...] talvez a verdade seja que, para manter a ateno das crianas, o brinquedo
deva despertar alguma aproximao com o universo dos adultos.
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O autor situa por volta de 1600 o enfraquecimento dessa ambigidade-
ldico/sagrado, em que j imperava uma especializao dos brinquedos infantis, no
havendo ento separaes de gnero, mas desaparecendo a partir da primeira infncia,
por volta dos trs ou quatro anos: A partir dessa idade, a criana jogava os mesmos
jogos e participava das mesmas brincadeiras dos adultos, quer entre crianas, quer
misturada aos adultos. (ARIS, 1981, p.49)
Nessas sociedades o trabalho era visto de forma integrada ao lazer, ao
divertimento, e esse divertimento e lazer assumiam ento um importante papel coletivo
de fortalecer os laos afetivos da sociedade. Hoje, com um conceito diferenciado de
trabalho, dedicamos uma nfima parcela de tempo a esses momentos ldicos, apenas
como um alvio do trabalho no mximo uma vez ao ano, e ento assistimos a mltiplas
conseqncias da ausncia desse aspecto integrador em nossa sociedade atual.
Ento numa compreenso histrica, ainda este autor situa at por volta dos
sculos XVII e XVIII dois aspectos contraditrios e co-existentes acerca da viso sobre
os jogos nessas sociedades: uma atitude amoral de total aceitao de todos os tipos de
jogos por uma grande maioria, e uma atitude de resistncia e contrariedade frente a
todos os jogos de uma minoria elite educadora. A igreja medieval assume ento um
papel fundamental de oposio aos jogos, e demais atividades em que a ludicidade se
fazia presente nas antigas sociedades, fato que se impunha nos controles dentro das
comunidades que originaram colgios e universidades, e durante sculos com a
existncia de decretos a proibir estudantes de jogar, danar, etc., salvo em algumas
situaes controladas de descanso. (ARIS, 1981)
somente ao longo desses sculos XVII e XVIII que surge uma atitude moderna
frente infncia de preservar sua moralidade e educ-la; nesta os jogos ganham uma
nova viso e adoo. Com a influncia dos jesutas, a partir do sculo VXII, e a
visualizao de um potencial educativo no jogo, este entra na educao, agora sob seu
direcionamento, ou seja, de forma disciplinada, controlada e atrelada aos estudos. E
por volta do sculo XIX que o jogo passa a ser pesquisado por educadores, psiclogos,
engendrando um olhar cada vez mais questionador sobre a ludicidade na educao e no
desenvolvimento. (ARIS, 1981)
Mais uma vez reitero sobre a importncia do conhecimento desses aspectos
histricos que envolvem a ludicidade e de estreitarmos relaes com o que vivemos
hoje em termos de formas de incluso ou mesmo ausncia da ludicidade nas escolas,
ambientes formais de educao. Qualquer coincidncia ser mera semelhana?
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Somente recentemente a ludicidade vem levantando questionamentos sobre sua
forma de existncia nas escolas, muitas vezes relegada ao recreio, a atividades
dissociadas de momentos formais de aprendizagem, ou ainda somente como
ferramentas de transmisso de contedos de forma mais amena, ainda que tenhamos
diversos pesquisadores e tericos a darem suporte ludicidade na aprendizagem e no
desenvolvimento humano.
Ento vejamos como a prpria pesquisa na rea psicolgica uma das grandes
responsveis por guiar concepes educacionais de desenvolvimento tem referendado
a ludicidade, em sua forma de brincar e jogar na infncia. Lanamos aqui um breve
olhar integrador dos psiclogos Piaget, Vygotski e Wallon (KISHIMOTO, 1998) como
importantes representantes de complementares teorias de desenvolvimento luz do jogo
infantil.
Enquanto Piaget foca no papel ativo do indivduo em sua relao com o
desenvolvimento cognitivo, caracterizando etapas de apreenso do mundo externo a
partir de suas prprias estruturas internas, Vygotski d ateno ao papel do meio social
nesse desenvolvimento, em que este se d na ordem meio-sujeito, com o ambiente
social e as relaes neste estabelecidas influenciando as atitudes desenvolvidas pelo
indivduo. (KISHIMOTO, 1998)
Um conceito fundamental se faz nas teorias desses pesquisadores em sua
observao do brincar infantil: Piaget caracteriza a brincadeira como um processo
basicamente de assimilao, em que o indivduo assimila situaes e objetos a suas
estruturas mentais. Um jogo de faz-de-conta, por exemplo, no se submete realidade e
sim tenta lidar com experincias internas passadas da criana que brinca. No entanto, os
autores concordam pelo menos sobre a importncia dos processos imitativos para a
constituio da representao. (KISHIMOTO, 1998)
Vygotski traz o conceito de que o jogo um elemento primordial ao
desenvolvimento da zona de desenvolvimento proximal, ou seja, no jogo a criana
estimulada pela soluo de problemas a avanar rumo a seu desenvolvimento potencial,
ao que est alm de seu possvel desenvolvimento presente. O autor enfatiza a
importncia da presena das brincadeiras nos primeiros anos de vida como
oportunidades de criao de novas zonas de desenvolvimento proximal, e, portanto de
desenvolvimento que inclui a internalizao de condutas sociais pela atividade livre, em
que a experimentao de situaes imaginrias estimula o desenvolvimento do
pensamento abstrato. Tambm ressalta a existncia de regras, ainda que explcitas ou
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no, em toda brincadeira, o que gera uma negociao interna e/ou externa na realizao
do brincar, o desenvolvimento da linguagem e de interaes sociais.
Wallon considera a atividade ldica uma forma de explorao pela criana, e se
aproxima ao pensamento de Vygotski ao considerar os processos sociais como base de
anlise do desenvolvimento infantil. Alm disso, analisa tambm a importncia do
campo das emoes estimuladas nas relaes durante o brincar. (KISHIMOTO, 1998)
Os trs tericos sistematizam e configuram uma anlise do jogo infantil em
diferentes fases do desenvolvimento, basicamente caracterizadas pelo movimento,
smbolo e regra em diferentes nveis de complexidade, estas se complementando e se
assemelhando em alguns aspectos, o que muito mais que suscitar nossa cristalizao de
formas, nos d suporte a uma compreenso de sucesses existentes no desenvolvimento
infantil atravs do jogo.5
Ainda que posteriormente tenha havido crtica sobre a incompletude de cada
uma das teorias levantadas, seja por no se explorar o campo de interao social em
Piaget, seja pela ausncia de maior explorao do campo scio-cultural em Vygotski
(KISHIMOTO, 1998), esses autores pioneiros j nos do importantes pistas para a
importncia do jogo e do brincar no desenvolvimento infantil. Assim novos autores vo
ampliando o olhar sobre o que j observado e comprovado: a ludicidade caminha junto
ao desenvolvimento humano desde a infncia. E ser que esse conhecimento tem sua
presena garantida nos meios educacionais?
Vrias so as concepes, a respeito de ludicidade, presentes no imaginrio e na
prtica de educadores. Essas concepes podem ser adotadas de forma a coadunar com
seus princpios filosficos, suas percepes de ser humano e de educao, refletindo a
uma escolha crtica e reflexiva por parte dos mesmos, ou ainda pela mera repetio de
conceitos e atitudes ditos ldicos, sem que com isso haja um dar-se conta, pelo
professor, da ausncia de uma escolha consciente.
A partir de uma reflexo em diversos mbitos e a vivncia da ludicidade em seu
processo de formao, certamente haja uma maior probabilidade de promoo de uma
prtica ldica mais consciente e em consonncia com os princpios filosficos desse
professor, gerando uma integrao consistente entre vivncia pessoal e prtica
profissional. Para tanto, precisamos compreender como tem se dado a ludicidade na
educao e ento na formao desses profissionais.
5 Ver obras dos autores para detalhamento das fases sistematizadas por cada um deles.
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3.2 LUDICIDADE E EDUCAO
Para podermos dialogar com esses dois campos do saber, se faz necessrio antes
explicitar que perspectivas de educao guiam nossos olhares, e ento entremear
relaes entre os mesmos.
3.2.1 Que perspectivas de educao?
No momento pode-se dizer que a educao se encontra em fase de transio,
convivendo-se concomitantemente com vises e hbitos antigos e novos, com
construes e desconstrues tambm. Reboul (1974 apud Novoa, 2002, p.11) se refere
de forma otimista a esta transio: A nossa civilizao est em crise. E o sinal mais
evidente, , sem dvida, o colapso da nossa educao. [...] possvel que esta desordem
seja, na verdade, a transio para uma ordem superior. possvel. E assim como o
autor, acreditamos tambm numa mudana em que transformaes tm sido
experimentadas, trazendo insegurana, incertezas, e, portanto abertura para novos
caminhos mais condizentes com uma educao mais humana, capaz de atender a um
desenvolvimento mais pleno do ser humano.
Reconhecendo que a viso de educao que se tenha tambm uma dimenso a
sustentar uma formao docente e, assim, a decorrente prtica profissional, trago aqui
vises de autores sobre o que consideram ser educao.
Iniciando com o pensamento de Charlot (2005, p.85): [...] ensinar no
somente transmitir, nem fazer se aprender saberes. , por meio dos saberes, humanizar,
socializar, ajudar um sujeito singular a acontecer. Ainda:
[...] educao um triplo processo de humanizao (tornar-se um ser humano), de socializao ( tornar-se membro de tal sociedade e de tal cultura) e de singularizao ( tornar-se um sujeito original, que existe em um nico exemplar independentemente de sua conscincia como tal). [...] O professor faz parte desse triplo processo, formador de seres humanos, de membros de uma sociedade, de sujeitos singulares. (CHARLOT, 2005, p.78)
A esse respeito, Maturana (2003) reflete sobre o propsito da educao em sua
relao com a sociedade que a nutre: A educao tambm no deve ser a preparao de
crianas para serem teis comunidade, mas deve ser o resultado de seu crescer
naturalmente integrados nela. (MATURANA; REZEPKA, 2003, p.16) O autor ainda
refora:
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[...] a tarefa de formao humana o fundamento de todo o processo educativo. [...] a tarefa da educao escolar [...] permitir e facilitar o crescimento das crianas como seres humanos que respeitam a si prprios e os outros com conscincia social e ecolgica, de modo que possam atuar com responsabilidade e liberdade na comunidade a que pertencem..[...] a educao deve estar centrada na formao humana da criana, embora esta formao humana se realize atravs da aprendizagem do tcnico, na realizao do aspecto da capacitao da tarefa educacional. (MATURANA ; REZEPKA, 2003, p.11-13)
Guimares (2005, p.31) tambm expe seu conceito de educao: [...] A
educao processo imprescindvel para que o homem sobreviva e se humanize [...] e a
escola instituio ainda necessria nesse processo.
Para Novoa (2002) a educao ao mesmo tempo reflexo e construto de uma
sociedade. Olhando para nossa educao vemos o reflexo de nossa sociedade hoje, seus
valores, suas escolhas e caminhos para o desenvolvimento humano.
A educao tem servido sociedade, seja em que poca for, como uma grande
contribuidora e perpetuadora de seus ideais, e por esta influenciada e
tendenciosamente convidada a manter essa relao de servido. Imbernn (2005) nos
traz uma imagem da profisso professor que bem retrata essa forma de relao:
[...] uma profisso assalariada, mais administrativa que intelectual, e sumamente tutelada e dependente dos poderes pblicos e privados. [...] se trata de uma profisso incapaz de criar conhecimento profissional, que se limita a reproduzir a cultura e o conhecimento que outros cultivaram e desenvolveram. (IMBERNN, 2005, p.111)
Porm, por outro lado, torna-se claro que a vida em sua complexidade,
juntamente com o desenvolvimento de nossa capacidade crtica e necessidades de
evoluo de conscincia, nos convoque a transgredirmos a tendncia em manter o status
quo.
A recente concepo de educao como um processo ao longo da vida
(DELORS, 2001) conclama que os profissionais desse campo de atuao profissional
desenvolvam a capacidade de gerir a continuidade de sua prpria formao,
apropriando-se desse processo, ao invs de