Dissertação Mestrado Jean Final

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTAJLIO DE MESQUITA FILHO Faculdade de Cincias e Letras Campus de Araraquara - SP

JEAN DOUGLAS ZEFERINO RODRIGUES

IMPLICAES DO PROJETO SO PAULO FAZ ESCOLA NO TRABALHO DE PROFESSORES DO CICLO I DO ENSINO FUNDAMENTAL

ARARAQUARA S.P. 2010

JEAN DOUGLAS ZEFERINO RODRIGUES

IMPLICAES DO PROJETO SO PAULO FAZ IMPLICAES DO PROJETO SO PAULO FAZ ESCOLA NO TRABALHO DE PROFESSORES DO ESCOLA NO TRABALHO DE PROFESSORES DO CICLO I DO ENSINO FUNDAMENTAL CICLO I DO ENSINO FUNDAMENTAL

Dissertao de Mestrado apresentado ao Programa de Ps Graduao em Educao Escolar da Faculdade de Cincias e Letras Unesp/Araraquara, como requisito para obteno do ttulo Mestre em Educao Escolar. Linha de pesquisa: Formao do Professor, Trabalho Docente e Prticas Pedaggicas Orientador(a): Prof Dr Maria Regina Guarnieri

ARARAQUARA S.P. 2010

Rodrigues, Jean Douglas Zeferino Implicaes do projeto "So Paulo faz escola" no trabalho de professores do ciclo I do ensino fundamental / Jean Douglas Zeferino Rodrigues 2010 258 f. ; 30 cmDissertao (Mestrado em Educao Escolar) Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Cincias e Letras, Campus de Araraquara

Orientador: Maria Regina Guarnieril. Reforma educacional. 2.Performatividade. 3. Gerencialismo. 4. Ensino fundamental. 5. Trabalho docente. I. Ttulo.

JEAN DOUGLAS ZEFERINO RODRIGUES

IMPLICACES DO PROJETO SO PAULO FAZ IMPLICACES DO PROJETO SO PAULO FAZ ESCOLA PARA O TRABALHO DE PROFESSORES ESCOLA PARA O TRABALHO DE PROFESSORES DO CICLO I DO ENSINO FUNDAMENTAL DO CICLO I DO ENSINO FUNDAMENTALDissertao de Mestrado apresentado ao Programa de Ps Graduao em Educao Escolar da Faculdade de Cincias e Letras Unesp/Araraquara, como requisito para obteno do ttulo Mestre em Educao Escolar. Linha de pesquisa: Formao do Professor, Trabalho Docente e Prticas Pedaggicas Orientador (a): Profa. Dra. Maria Regina Guarnieri

Data da qualificao: 05/05/2010 MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA:

Presidente e Orientador: Profa. Dra. Maria Regina Guarnieri Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho Faculdade de Cincias e Letras de Araraquara.

Membro Titular: Prof. Dr. Joo Agusto Gentilini Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho Faculdade de Cincias e Letras de Araraquara.

Membro Titular: Profa. Dra. Cludia Cristina Fiorio Guilherme Centro Universitrio Hermnio Ometto de Araras.

Local: Universidade Estadual Paulista Faculdade de Cincias e Letras UNESP Campus de Araraquara

As simples reflexes das pginas seguintes se voltam a todos os Professores e Professoras que cotidianamente desenvolvem suas atividades com orgulho, coragem, profissionalismo e criticidade. Para todos aqueles e aquelas que no se curvaram s imposies das reformas e ao mesmo tempo, intencionalmente, desenvolvem o ato educativo com a responsabilidade de estar sempre na escola e na luta.

AGRADECIMENTOS

A concluso de uma pesquisa para aqueles que optaram pelo magistrio s pode ser atingida mediante os esforos anteriores de outros professores e professoras que dedicaram esforos imensurveis para que o conhecimento seja um patrimnio de toda a humanidade. A eles, minha sincera gratido. Em especial as pessoas que me acompanharam ao longo dessa caminhada:

Professora Maria Regina Guarnieri; pela seriedade na conduo de suas orientaes; Aos meus professores da graduao da 1 Turma da Pedagogia da Unesp de Bauru, em especial Professora Adriana Josefa Chaves (in memorian); s seis professoras entrevistadas que muito contribuiram com suas experincias; Aos meus companheiros do Coletivo na Escola e na Luta e do Partido Socialismo e Liberdade; Ao professor e amigo Edson Fernandes; professora Maria Jos, pelo estmulo e apoio ao longo da pesquisa; Aos meus irmos e familiares; minha me querida que na simplicidade possvel soube amar, orientar e formar para modificar os futuros caminhos da vida; minha querida companheira Priscila Saunite, ao lado em todos os momentos. Aos lutadores que buscam construir um lugar melhor para se viver.

RODRIGUES, J.D.Z. Implicaes do Projeto So Paulo faz escola no trabalho de professores do ciclo I do ensino fundamental. Araraquara, 2010. 264 p. Dissertao (Mestrado em Educao Escolar) Faculdade de Cincias e Letras, UNESP Campus Araraquara.

RESUMO

A dcada de 1990 e os anos iniciais do sculo XXI foram profundamente marcados por reformas educacionais promovidas, em grande parte, sob a influncia de agncias internacionais de financiamento que defendem a reformulao da funo do Estado em diversos setores, inclusive na educao. Baseando-se principalmente na perspectiva dos estudos de Stephen J. Ball sobre a insero de princpios gerenciais e performativos no meio educacional e pesquisas que analisam reformas educacionais e suas repercusses tanto na organizao das escolas quanto para os professores, o objetivo geral desta pesquisa foi o de analisar o projeto So Paulo faz Escola e as polticas de desempenho paralelamente implementadas buscando revelar quais so as implicaes para o trabalho de professores do ensino fundamental ciclo I da rede estadual de So Paulo. Para isso foi realizado um estudo documental e emprico envolvendo seis professoras que atuavam nos anos iniciais do Ciclo I em trs escolas pblicas estaduais do interior paulista com diferentes ndices de classificao obtidos no ano de 2009 pela avaliao do IDESP. Trabalhou-se com a hiptese de que as aes atuais da Secretaria de Educao do Estado de So Paulo repercutiram no trabalho dos professores de modo intenso, principalmente a partir da insero dos mecanismos de controle como, por exemplo, a responsabilizao docente, a avaliao de desempenho, o monitoramento feito pelo professor coordenador e o atrelamento do desempenho do professor (rendimentos dos alunos no SARESP) bonificao por resultados. Da mesma forma a prtica docente influenciada por um ambiente educacional, em grande parte, orientado pela competitividade, acirramento da individualidade e a sedimentao de um clima organizacional permeado pela incerteza em relao ao cumprimento das metas estabelecidas. Para tanto, foram levantados e analisados documentos legais pertinentes s mudanas inseridas na rede estadual e realizadas entrevistas com as docentes para saber quais foram os mecanismos centrais das polticas educacionais recentes que mais repercutiram em seu trabalho. Os resultados organizados em trs eixos de anlise confirmaram a hiptese e revelaram que, a introduo de medidas orientadas pelo gerencialismo e pela performatividade, associadas introduo de um currculo padronizado influiram em diversos aspectos da prtica docente: direcionamento das atividades de classe para os contedos exigidos no SARESP; maior responsabilizao e visibilidade das professoras das 4 sries no que tange ao cumprimento das metas anuais das escolas visando o recebimento de bnus, relaes interpessoais e o prprio clima organizacional da unidade escolar permeados por competitividade, insegurana, reconhecimento individual, frustrao, constrangimento, desestmulo, em funo dos diferentes desempenhos alcanados. Palavras chaves: reforma educacional performatividade gerencialismo ensino fundamental ciclo I Projeto So Paulo faz escola trabalho docente.

RODRIGUES, J. D. Z. Implications of the project So Paulo faz escola on the work of teachers of elementary school. Araraquara, 2010. 64 p. Dissertation (Master in School Education) Faculdade de Cincias e Letras, UNESP Campus Araraquara. ABSTRACT 1990 decade and the XXI century early years were deeply marked by educational reforms mostly promoted under the influence of international funding agencies which defend the States role reformulation in different sectors, including in education. Based mainly on the perspective of Stephen J. Balls studies about the insertion of management and performative principles in the educational environment and on research analyzing educational reforms and their repercussions not only on schools organizations but also for teachers, the purpose of this study was to analyze So Paulo faz Escola project and performance policies implemented at the same time seeking to reveal what implications there are for teachers jobs of So Paulo State elementary schools. A documental and empiric study was carried out involving six teachers who worked with the early years of elementary school in three state public schools of the country side of So Paulo State which had different performance classification indexes obtained in 2009 by IDESP assessment. The hypothesis that current actions by Secretaria de Educao do Estado de So Paulo (States secretary of education) had important repercussions on teachers jobs was considered, mainly after de insertion of control mechanisms like, as instance, teachers accountability, performance evaluation, monitoring by a coordinator and the link between teachers performance (students performances by SARESP) and bonuses for results. In the same way, the teachers practice is influenced by an educational environment largely oriented by competitiveness, intensification of individuality and sedimentation of an organizational atmosphere permeated by the uncertainty of meeting established goals. For that, legal documents, which were pertinent to changes made in the state public schools system, were gathered and analyzed and the teachers were interviewed to point which central mechanisms of recent educational policies had the most repercussion on their jobs. The results, organized in three axes of analyzes, confirmed the hypothesis and revealed that the introduction of a standardized curriculum influenced on several aspects of the teachers practice: driving classroom activities to contents demanded by SARESP; greater accountability and visibility of fourth year teachers related to meeting schools annual goals aiming to earn bonuses, interpersonal relations and the organizational atmosphere of the school unit permeated by competitiveness, insecurity, individual recognition, frustration, embarrassment, disincentive, due to different performances achieved. Key-words: educational reform performativity management elementary school So Paulo faz escola Project teachers job.

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Quadro 2 Quadro 3 Quadro 4 Quadro 5 Quadro 6 Quadro 7 Quadro 8 Quadro 9 Quadro 10 Quadro 11 Quadro 12 Quadro 13

Combinao entre as estruturas e as mudanas na forma de gesto na Reforma do Estado de 1995. Indicaes sobre os tipos de intervenes discursivas empenhadas Modalidades de responsabilizao docente. Sistematizao dos mecanismos gerenciais e performativos. Introduo de mecanismos gerenciais e performativos na rede de ensino da SEE de So Paulo - Legislao relacionada. Valores de referncia na escala do SARESP para a distribuio dos alunos nos nveis de desempenho. Distribuio por nvel de desempenho dos alunos de uma das escolas selecionadas. Metas de longo prazo. Evoluo e cumprimento das metas de 2008 da escola. Perfil das escolas. Perfil das professoras entrevistadas. Percepo das professoras sobre a Bonificao por Resultados (BR) Efeitos do projeto So Paulo faz escola e da poltica de gesto dos professores

p.39 p.56 p.61 p.75 p.111 p.114 p.115 p.117 p.119 p.127 p.129 p.168 p.172

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS APEOESP BID BM BR CB CC CENP CENPEC CEPALC ENEM FDE GQT HTPC IDESP INEP MARE MEC NEBA OCDE OREALC PQE PMDB PNUD PREAL PROFA PSDB SARESP SEE SPAECE SPfe UNESCO UNICEF USP Associao dos Professores do Ensino Oficial do Estado de So Paulo Banco Interamericano de Desenvolvimento Banco Mundial Bonificao por Resultados Ciclo Bsico Casa Civil Coordenadoria de Estudos e Normas Pedaggicas Centro de Estudos e Pesquisas em Educao Comisso Econmica para Amrica Latina e Caribe Exame Nacional do Ensino Mdio Fundao para o Desenvolvimento da Educao Gerncia da Qualidade Total Horas de Trabalho Pedaggico Coletivo ndice de Desenvolvimento da Educao do Estado de So Paulo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ministrio da Administrao Federal e Reforma do Estado Ministrio da Educao Necessidades Bsicas de Aprendizagem Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico Oficina Regional de Educao para a Amrica Latina e Caribe Programa de Qualidade da Escola Partido do Movimento Democrtico Brasileiro Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento Programa de Promoo da Reforma Educativa na Amrica Latina e Caribe Projeto de Formao de Professores Alfabetizadores Partido da Social Democracia Brasileira Sistema de Avaliao de Rendimento da Educao do Estado de So Paulo Secretaria de Estado da Educao Sistema Permanente da Avaliao da Educao Bsica do Cear So Paulo faz escola Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura Fundo das Naes Unidas para a Infncia Universidade de So Paulo

SUMRIO INTRODUO...................................................................................................................... 12

CAPTULO I A TRANSFORMAO DO ESTADO E A NOVA LGICA DE GESTO: O ADVENTO DE MECANISMOS GERENCIAIS E PERFORMATIVOS NO CONTROLE DO TRABALHO DOCENTE................................................................ 21 1.1 Um panorama geral: crise, globalizao e neoliberalismo................................................ 21 1.2 As principais recomendaes das agncias multilaterais no campo educacional: um breve resumo...................................................................................................................... 26 1.2.1 A centralidade do currculo, a formao do indivduo e os cdigos da modernidade........................................................................................................31 1.3 A reforma do Aparelho do Estado de 1995 e a introduo de novas bases de gesto....... 35 1.4 A nova lgica de gesto e os sistemas de controle sobre o trabalho docente.................... 41 1.5 A avaliao docente como mecanismo de busca da qualidade da educao..................... 43 1.5.1 A gesto gerencial na educao...................................................................................... 50 1.5.2 A cultura da performatividade como mecanismo reformador........................................ 52 1.6 Mecanismos de controle especficos: responsabilizao, avaliao por desempenho e pagamento por performance/desempenho........................................................ 58 1.6.1 A responsabilizao docente (accountability)............................................................... 59 1.6.2 Avaliao de desempenho docente................................................................................. 66 1.6.3 Pagamento por performance/desempenho: etapa quase final da competio.............................................................................................................................. 70

CAPTULO II CONCEITUANDO E SISTEMATIZANDO O ATUAL PROJETO EDUCACIONAL DO ESTADO DE SO PAULO............................................................ 78

2.1 A poltica educacional do Estado de So Paulo: uma breve contextualizao.................. 79 2.2 A sedimentao de uma perspectiva: novos parmetros na educao paulista.................. 84

2.2.1 Conceituando e sistematizando o projeto So Paulo faz escola.................................. 89 2.2.1.1 As Orientaes Curriculares do Estado de So Paulo para o Ciclo I em Lngua Portuguesa e Matemtica: um currculo segundo as necessidades bsicas de aprendizagem.......................................................................................................... 95 2.2.1.2 Monitoramento do trabalho docente: o acompanhamento e a observao em sala de aula pelo Professor Coordenador......................................................................... 104 2.2.1.3 A Responsabilizao docente via Questionrio dos Pais e dos Alunos..................... 107 2.2.2 Sistematizando os elementos gerenciais e performativos na educao paulista: o professor como alvo............................................................................................. 110

CAPTULO III AS IMPLICAES DA POLTICA EDUCACIONAL DO ESTADO DE SO PAULO PARA O TRABALHO DE PROFESSORES..................................... 125

3.1 Fragmentao e impositividade: a relao das professoras com os eixos do projeto So Paulo faz escola.................................................................................................. 131 3.2 Conformao da prtica docente s exigncias da avaliao de desempenho................. 137

3.3 As polticas de desempenho da SEE e o clima organizacional da escola........................ 144

CONSIDERAES FINAIS.............................................................................................. 175 REFERNCIAS................................................................................................................... 183 APNDICES......................................................................................................................... 194 ANEXOS............................................................................................................................... 217

12 INTRODUO

A dcada de 1990 e os anos inicias do sculo XXI foram profundamente marcados por reformas nos mais diversos segmentos que estruturam o Estado ocasionando,

estrategicamente, intervenes no campo da poltica educacional. Em grande parte, as reformas foram promovidas por governos (nas diversas esferas) mediante apoio tcnico de agncias internacionais de financiamento1 cujos interesses transitavam, entre outros, na reorientao do papel do Estado acerca de suas funes. Tais medidas podem ser

consideradas reflexos das aes discutidas em um frum que ficou amplamente conhecido como o Consenso de Washington. As medidas implementadas segundo as orientaes neoliberais se estabeleceram na maioria dos pases da Amrica Latina e se adaptaram realidade de cada regio. No Brasil, podemos citar a reforma do Estado iniciada em 1995 como um dos principais marcos histricos para o advento de um novo fio condutor das relaes sociais, econmicas e culturais. A esse respeito, Conceio e Jnior (2007) afirmam que a reforma do Estado Brasileiro foi precursora no sentido em que definiu parmetros e orientaes gerais para a nova forma de gerenciamento do setor pblico e para as reformas setoriais, entre eles, o setor educacional. De maneira geral, as mudanas ocorridas no Brasil e em outros pases da Amrica Latina so caracterizadas, sob o ponto de vista neoliberal, como a materializao das reformas necessrias que modificaram a natureza do Estado, ou seja, de um Estado provedor, que detm o planejamento e a execuo sob a mesma plataforma, a um Estado regulador, avaliador e auditor de seus resultados (BALL, 2004). As justificativas utilizadas pelos especialistas governamentais que formulam e implementam as novas medidas esto assentadas em um discurso de combate ineficincia, burocracia e condio atual do Estado, fortemente centralizado, no permitindo desse modo oferecer servios comunidade com celeridade e eficincia. Por outro lado, as medidas adotadas com relao a reforma do Estado no tm conseguido resolver os problemas estruturais da educao brasileira e, como afirmou Gentili (1996), utilizam um discurso convincente de que as nicas alternativas coerentes e salutares para o pas se baseiam nas propostas de vis neoliberal. Desse modo, asComo por exemplo, o Banco Mundial, a Comisso Econmica para Amrica Latina e Caribe CEPAL, a Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura UNESCO, Fundo das Naes Unidas para a Infncia UNICEF.1

13 respostas oferecidas pelas polticas de ajuste neoliberal s demandas sociais apontam para aes como a desobstruo da economia, fragilizao da organizao sindical e a minimizao de tudo que possa indicar impedimentos que desestimulam as aes tcnicas e reguladoras do mercado. No de se estranhar que nos anos finais do sculo XX e incio do sculo XXI as polticas educacionais desenvolvidas por vrios governos2, influenciados pelas orientaes predominantes, tenham implementado projetos alinhados nova concepo de Estado. Sob essa perspectiva pode ser observado um movimento de reconceitualizao da educao a partir da economia, transportando princpios da esfera produtiva para a educao, notadamente, modelos de gesto por resultados (SHIROMA e CAMPOS, 2006). Essas proposies mais gerais sofrem um processo de especificao e acabam tomando corpo atravs de iniciativas e reformulaes que elegem como alvo a escola e seus sujeitos intensificando e precarizando o trabalho docente (MELO e AUGUSTO, 2006; OLIVEIRA, 2004; SAMPAIO e MARIN, 2004) ao passo que a prpria formao educacional do indivduo, at ento vista como meio seguro para a mobilidade social do ponto de vista da sociedade capitalista, hoje compreendida como requisito fundamental para a condio de empregabilidade (OLIVEIRA, 2004), transferindo para o sujeito as condies de sucesso e fracasso. Com base nos diversos estudos e pesquisas que foram realizadas sobre caractersticas e conseqncias das reformas neoliberais na educao (AUGUSTO, 2005; BALL, 2002, 2004 e 2005; GENTILI, 1996 e 1998; OLIVEIRA, 2004; SAMPAIO e MARIN, 2004; SANTOS, 2004; TORRES, 2002; ZANARDINI, 2006) pode-se afirmar que as aes efetuadas atualmente pela Secretaria de Estado da Educao do Estado de So Paulo, SEE-SP so coerentes em muitos aspectos com as anlises dos pesquisadores acima citados. Aps uma leitura mais atenta de alguns documentos emitidos pela SEE3 referentes diversas iniciativas percebi que as medidas apontam para um movimento de sistematizao de polticas que apesar de organizadas em frentes distintas articulam a gesto dos professores aosDestaco aqui as reformas ocorridas nos Estado de Minas Gerais e So Paulo. Em MG foram implementadas as medidas que foram denominadas de Choque de Gesto e que, segundo Augusto (2005), alm de estar previsto corte de despesas, reduo de custos, exigncias de desempenho, o programa busca (...) retomar a interlocuo internacional com os agentes internacionais de financiamento, (Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento). (AUGUSTO, 2005, p.3). Em So Paulo tais medidas foram gradativamente implementadas desde meados da dcada de 90. 3 Exemplos: Proposta Curricular do Estado de So Paulo, Bonificao por Resultados; Avaliao por Desempenho, Acompanhamento da aula pelo professor coordenador, Programa de Qualidade da Escola IDESP.2

14 processos pedaggicos, sendo ambos permeados por inmeros mecanismos de controle cujo grande objetivo a busca da to afamada qualidade educacional. Qualidade esta associada muito mais a pressupostos econmicos (racionalidade, eficincia, eficcia e resultados, etc.) que a aspectos pedaggicos. Para tanto, as aes que incidem atualmente sobre a escola e os professores esto calcadas tanto no gerencialismo como na performatividade atravs de instrumentos como a avaliao do desempenho, a responsabilizao docente, a bonificao por resultados e, recentemente, em um plano de carreira cuja centralidade se estabelece na meritocracia. Somase a isso a nova Proposta Curricular do Estado de So Paulo que no recorte dessa pesquisa, ou seja, o ciclo I do ensino fundamental, impe um currculo extremamente articulado aos pressupostos de organismos internacionais4 voltados para a aquisio de competncias e habilidades mais imediatas associadas s novas exigncias do mundo produtivo (MIRANDA, 1997). As duas frentes so portadoras de funes especficas, entretanto, apresentam objetivos complementares ao se imbricarem sutilmente no dia-a-dia das escolas. Essas frentes condicionam intervenes no plano tanto pedaggico como de gesto dos professores. As aes que se condensam no foco supostamente pedaggico esto alocadas, principalmente, sob a tarimba do projeto So Paulo faz escola, como por exemplo, a nova Proposta Curricular do Estado de So Paulo, que ao ensino fundamental ciclo I representado atravs das Orientaes Curriculares Expectativas de aprendizagem em Lngua Portuguesa e Matemtica; o acompanhamento da aula do professor da sala pelo professor coordenador que, atualmente, responsvel apenas por um ciclo do ensino; e pelo Sistema de Avaliao do Rendimento Escolar do Estado de So Paulo - SARESP5, onde destaca-se o questionrio direcionado aos pais e aos alunos avaliando a escola e o professor. A outra frente sintetiza um conjunto de intervenes especficas relacionadas gesto dos professores e de seus resultados mediante instrumentos avaliativos. Sob essa perspectiva introduziu-se uma srie de mecanismos oriundos da administrao gerencial criando um ambiente da qual as aes dos professores so amarradas segundo objetivos previamente definidos pela SEE, num claro desfecho cerceador da autonomia do professor e da escola. Sem falar que os resultadosPrincipalmente a Declarao Mundial de Educao para todos: satisfao das necessidades bsicas de aprendizagem, da UNESCO, e o documento Educao e conhecimento: eixo da transformao produtivo com eqidade, documento em conjunto da CEPAL e UNESCO. 5 O referido questionrio parte integrante do Sistema de Avaliao e Rendimento Escolar do Estado de So Paulo.4

15 obtidos pelos professores atravs de avaliaes externas6 so atrelados diretamente ao recebimento de bnus financeiros, tomados como poltica salarial em detrimento de reajustes isonmicos a toda categoria. As tecnologias polticas, termo utilizado por Ball (2005) para designar as diversas ferramentas que tm como objetivo reformar no s a instituio, mas os profissionais que nela atuam inserindo novos significados do que ser professor, buscam sedimentar um ambiente escolar onde predominam valores atrelados competitividade interna e externa em detrimento a um regime de colaborao e solidariedade tpicos da tradio pedaggica e humanista. Da mesma forma, o professor acaba incorporando tanto o lxico da reforma como tambm modifica, por no ter opo, o desenvolvimento de sua conduta enquanto profissional se remodelando segundo os parmetros do que cobrado, mensurado, divulgado e avaliado (BALL, 2002 e 2005; SANTOS, 2004; SHIROMA et al., 2007). A partir desse cenrio profundamente marcado por inmeras mudanas alguns questionamentos iniciais emergiram: como ser afetado o trabalho do professor que atua no Ciclo I da escola fundamental? Como o professor conduzir sua prtica docente considerando metas prvias externamente estipuladas e condicionadas remunerao financeira? Como se manifesta para o professor do ciclo I as polticas implementadas pela SEE no que tange avaliao do trabalho de sala de aula tanto pela instituio escolar como pelos pais de alunos? As informaes, os argumentos e os questionamentos apresentados at agora so frutos de pesquisa tanto bibliogrfica como documental. Entretanto, o fato do estudo ser direcionado especificamente para a compreenso dos fatores que, em grande parte, determinam as condies de trabalho dos professores recebeu a influncia, como haveria de ser, da participao deste pesquisador e professor7 da rede estadual nas atividades do sindicato da categoria, a APEOESP8. Organizado no sindicato e participando de suas atividades, pude perceber as repercusses das medidas governamentais direcionadas aos professores e como esses as recebiam. Presenciei, entre as diversas medidas colocadas em prtica pela SEE, o rechaamento e a resistncia oferecida pelos professores imposio das polticas,As avaliaes podem ser: as de rendimento, aplicadas aos alunos de responsabilidade do professor (SARESP) que por sua vez produzir um ndice que mediante o atingimento da meta anual permitir, ou no, o recebimento do bnus pelo professor; ou a que verifica a competncia dos prprios docentes como condio de elevao salarial via o novo sistema de promoo por mrito. Nesse caso o docente deve considerar os seguintes elementos: realizar uma prova da qual deve ficar entre os 20% melhores classificados, estar pelo menos 80% do perodo de 1460 dias em uma mesma unidade escolar e atingir 80% dos pontos de uma tabela de assiduidade. 7 Professor efetivo do ensino fundamental ciclo I (PEB I - Professor de Educao Bsica I) da rede estadual de ensino do Estado de So Paulo, desde 2006. 8 Associao dos Professores do Ensino Oficial do Estado de So Paulo.6

16 manifestadas ora atravs de mobilizaes orientadas pelo sindicato, como paralisaes e greves, ora por processos internos sala de aula como a no-aceitao de iniciativas estranhas ao conjunto de conhecimentos legitimados tanto pelo saber do professor como pelos espaos colegiados locais. A perspectiva de ser professor da rede, poder sentir e ter contato com a introduo das novidades gerenciais e pedaggicas no ambiente escolar e ao mesmo tempo ser pesquisador de tal processo permitiu, por um lado, apreender elementos e experincias permitindo adquirir uma viso ampla e articulada das aes que chegam escola e ao professor e que desconsideram o acmulo destes no trato dos processos pedaggicos, e por outro, como pesquisador, valeu a experincia docente da rede estadual, pois pude visualizar, com certa clareza, o distanciamento, a falta de tato e o desconhecimento, por parte da SEE, das especificidades locais implcitas ao desenvolverem diversos projetos educacionais. De posse de um panorama influenciado por essas duas perspectivas da poltica educacional somados s diversas pesquisas afins posso afirmar que nos ltimos dezesseis anos, sobretudo no governo atual, no somente foi dada continuidade s polticas gerencias e performativas como estas foram sistematizadas e aprofundadas. A educao compreendida a partir da lgica da economia e o professor passa de formador a recurso para a consecuo de objetivos globais que muito raramente se associam educao. Os diversos elementos extrados da pesquisa bibliogrfica, documental e tambm a partir da experincia enquanto professor permitiram formular a hiptese de que as aes mais recentes do governo estadual repercutem no trabalho dos professores de maneira intensificada, principalmente pela utilizao dos mecanismos de controle, sobretudo, a avaliao do desempenho docente atrelada Bonificao por Resultados. Do mesmo modo, a prtica docente influenciada tanto pelos processos de monitoramento efetuado pelos professores coordenadores quanto pelos mecanismos que atrelam o desempenho dos alunos nas avaliaes do SARESP Bonificao por Resultados, instaurando um ambiente educacional perpassado pela competitividade, acirramento do individualismo e por um clima de constante incerteza com relao ao cumprimento anual das metas aplicadas. A pesquisa se orienta principalmente na busca pela resposta a questo central desse estudo: a partir da implementao das polticas de avaliao do trabalho docente implementadas pela SEE quais foram as principais repercusses para os professores do ciclo I

17 do ensino fundamental da rede pblica do Estado de So Paulo? Complementando a questo central de modo a especificar o foco da pesquisa outros questionamentos emergiram: Quais foram especificamente as alteraes promovidas e percebidas pelos professores? Quais foram os mecanismos centrais das polticas educacionais recentes que mais repercutiram no trabalho do professor? Com qual intensidade e repercusso as medidas se manifestaram no dia-a-dia a ponto de alterarem os comportamentos, as relaes entre os pares, a autonomia e at a subjetividade dos professores? Como se manifestam para os professores as medidas polticas no que tange avaliao do trabalho de sala de aula tanto pela escola como pelos familiares de alunos e pelos prprios alunos? Como o professor conduzir a sua prtica docente considerando metas prvias externamente estipuladas e condicionadas Bonificao por Resultados? A partir das questes permite-se traar os respectivos objetivos: Caracterizar e analisar as repercusses que tais mudanas imprimem ao trabalho docente de professores do ciclo I do ensino fundamental da rede estadual da cidade de Bauru, principalmente a partir das medidas que se voltam, atravs de diferentes mecanismos, para a avaliao do trabalho docente; Analisar no projeto So Paulo faz escola, as Orientaes Curriculares para o ciclo I e as aes provenientes tais como o acompanhamento da aula pelo professor coordenador e a avaliao do trabalho docente pelo Questionrio direcionado aos pais de alunos e alunos da rede estadual pblica do Estado de So Paulo.

Procedimentos Metodolgicos O caminho utilizado para extrair elementos vlidos para responder aos questionamentos da pesquisa, dar consecuo aos objetivos propostos e comprovar ou refutar a hiptese alm de efetuar uma anlise que permita tanto a visualizao do fenmeno quanto sua fundamentao no passou somente pela busca bibliogrfico-documental, mas contou com os subsdios oferecidos a partir da pesquisa emprica para se verificar a profundidade com que as aes do governo estadual foram se incorporando dinmica das atividades docentes ao longo de sua implementao.

18 A pesquisa bibliogrfico-documental foi realizada inicialmente nos principais stios que congregam pesquisas na rea da educao. Por se tratar de um estudo que se inclina para a sub-rea da poltica educacional, mais especificamente, reforma educacional, pude estreitar meu campo de procura. Muitos estudos apareceram, contudo, poucos associados insero de mecanismos gerenciais e performativos na educao. Parti para centros de produo de pesquisas obtendo resultados positivos atravs, principalmente, da Faculdade de Educao da Universidade Estadual de Campinas e da revista Estudos em Avaliao Educacional, publicao da Fundao Carlos Chagas. O acesso s diversas produes possibilitou ampliar a viso ao tomar contato com conhecimentos produzidos por outros pesquisadores mediante as diversas referncias bibliogrficas contidas em cada artigo, dissertao ou tese encontrada. Como se tratava de intervenes da SEE que afetavam o cho da escola e, consequentemente, a vida do professor em sua condio de trabalho, recorri busca de resolues, decretos e leis referentes ao projeto educacional do atual governo. Muitas leis e resolues destinadas rede escolar eram provenientes de rgos como a Casa Civil, Secretaria da Fazenda, Secretaria de Economia e Planejamento e Secretaria de Gesto Pblica, exemplificando a perspectiva de que os princpios associados economia so predominantes em detrimento da educao. A consulta produo cientfica proporcionou as condies necessrias para a anlise da prpria legislao cujos princpios do sustentao legal ao projeto poltico em andamento. Todavia, ciente de que muitas vezes h um distanciamento entre a implementao de polticas e as mudanas que ocorrem de fato no cho da escola considerou-se oportuno realizar pesquisa emprica com professores do ciclo I da rede estadual para saber o que pensavam sobre as medidas implementadas. Para tanto se fez entrevista semi-estruturada com 6 professoras de 3 diferentes escolas da cidade de Bauru com objetivo de obter informaes das mudanas que ora chegavam aos professores permitindo extrair as implicaes reais para o trabalho docente a partir das medidas implantadas pela SEE. Uma vez que a entrevista

(...) possibilita um contato mais ntimo entre o entrevistador e o entrevistado, favorecendo assim a explorao em profundidade de seus saberes, bem como de suas representaes, de suas crenas e valores... em suma, tudo o que reconhecemos, desde incio, como o objeto das investigaes baseadas no testemunho. No h, pois, traio ao objeto de pesquisa, mas apenas evoluo da inteno do pesquisador na perseguio deste objeto. (LAVILLE e DIONE, 1999, p.189)

19 Aps a opo pela utilizao de tal ferramenta parti para um dos primeiros passos elaborando o roteiro da entrevista semi-estruturada. Paralelamente elaborao do roteiro providenciei duas aplicaes testes entre professores prximos que disponibilizaram seu tempo em benefcio da pesquisa. A aplicao teste serviu para vislumbrar e antecipar uma situao na qual erros de conduo poderiam trazer eventuais prejuzos pesquisa. Concomitantemente elaborao e melhoria do roteiro, os critrios para a escolha das escolas foram elaborados no sentido de que cada unidade escolar representasse um dos nveis de desenvolvimento empregado pela SEE, ou seja, escolas que apresentassem nveis de desempenho entre as faixas: abaixo do bsico, bsico, adequado e avanado. No intuito de melhor captar as implicaes diretas das medidas da SEE optou-se pela entrevista com professores que estivessem ministrando aula na 4 srie do ciclo I, atual 5 ano. Tal opo deve-se pelo fato de que mesmo considerando que os alunos da 2 srie tambm so avaliados pelo SARESP, com base apenas nos resultados da 4 srie que so retirados as informaes tanto para a elaborao do IDESP9 como para o pagamento da Bonificao por Resultados10. A opo por essa srie permitiu conhecer e analisar as relaes intrnsecas a tal realidade uma vez que os demais professores do ciclo I (1, 2 e 3 sries) dependiam do bom rendimento das colegas da srie avaliada para que pudessem receber, no ano seguinte, o bnus em dinheiro. No captulo III da pesquisa apresenta-se com maiores detalhes as caractersticas scioeconmicas e geogrficas de cada escola assim como a trajetria do processo de aplicao das entrevistas com as 6 professoras.

Procedimentos de anlise A partir da leitura das entrevistas e com base no referencial adotado no estudo os eixos de anlise foram aglutinados nos seguintes itens contidos no Captulo III desta dissertao: Fragmentao e impositividade: a relao das professoras com os eixos do projeto So Paulo faz escola; Conformao da prtica docente s exigncias da avaliao de desempenho; As polticas de desempenho da SEE e o clima organizacional da escola o A avaliao do trabalho docente pelos alunos e pais de alunos;

ndice de Desenvolvimento da Educao do Estado de So Paulo. Lembramos que os indicadores apresentam os resultados por ciclos, ou seja, IDESP ciclo I, ciclo II e Ensino Mdio. Porm, em escolas que perduram os dois ou os trs ciclos o IDESP referenciado pela mdia dos ciclos.10

9

20 o A avaliao interna do trabalho docente: a relao professor e professor coordenador; o As repercusses da poltica de desempenho no trabalho das professoras da 4 srie do ensino fundamental

A fundamentao utilizada na pesquisa acompanhada dos respectivos questionamentos norteou a presente dissertao cujo objetivo foi investigar os desdobramentos do conjunto de iniciativas da SEE no trabalho dos professores do ciclo I do ensino fundamental, notadamente as aes polticas voltadas para avaliao do trabalho docente. Para tanto, os resultados e as anlises da investigao foram organizados nesta dissertao em trs captulos acrescidos das consideraes finais. O primeiro captulo A transformao do Estado e a nova lgica de gesto: o advento de mecanismos gerenciais e performativos no controle do trabalho docente se volta anlise das mudanas ocorridas na concepo do Estado e sua relao com as novas diretrizes de gesto, destacando as principais orientaes dos organismos multilaterais para a educao e a consequente introduo de mecanismos de origem gerencial e performativa para o trabalho docente, entre eles, enfatiza os instrumentos de controle especfico tais como a responsabilizao docente, a avaliao de desempenho e o pagamento por desempenho. O segundo captulo Conceituando e sistematizando o atual projeto Educacional do estado de So Paulo em dilogo com o anterior ao relevar que a atual poltica educacional do Estado de So Paulo advm das mudanas situadas a partir de um campo de ao mais amplo, vem pontuar as principais iniciativas promovidas tanto pela SEE como por outros setores do governo estadual. Neste captulo cruzei as intervenes efetuadas tanto no campo pedaggico como na esfera da gesto dos professores explicitando a preocupao da SEE em garantir, atravs dos inmeros mecanismos de controle, a consecuo de seus objetivos. No terceiro captulo, procuro explicitar como a poltica educacional empenhada pelo governo estadual repercute entre os professores do ciclo I das escolas pblicas estaduais pesquisadas contanto, para isso, com o subsdio das informaes recolhidas atravs de entrevistas realizadas com seis professoras de trs escolas diferentes. Finalizando, as Consideraes Finais apresentam, no limite desse trabalho, as interpretaes que emergiram durante o percurso da pesquisa buscando sintetizar os resultados obtidos pelo conjunto de aes que permearam o decorrer desse estudo.

21 CAPTULO I A TRANSFORMAO DO ESTADO E A NOVA LGICA DE GESTO: O ADVENTO DE MECANISMOS GERENCIAIS E PERFORMATIVOS NO CONTROLE DO TRABALHO DOCENTE

1.1 Um panorama geral: crise, globalizao e neoliberalismo.

Discutir as inmeras reformas educacionais e suas repercusses para o trabalho docente significa mergulhar em um conjunto de medidas e aes que se apresentam, em um primeiro momento, de forma relativamente simples. Muitas vezes tais medidas so compreendidas, a grosso modo, como iniciativa gestada exclusivamente por determinado governo dissociado de influncias ou orientaes externas. Soaria ingnuo avanar em uma argumentao desconsiderando a objetividade de cada medida poltica e sua intencionalidade geralmente implcita e atrelada a interesses muito mais amplos que a esfera educacional tange. Outro aspecto imprescindvel que se deve considerar ao discutir as reformas educacionais a conformao scio-econmica em que a mesma se insere, ou seja, uma sociedade capitalista. Destaca-se essa questo pelo fato de que, geralmente, muitas aes governamentais, no somente na rea educacional, tm sua origem a partir das necessidades pautadas pelo capital mundial na busca pela manuteno de sua predominncia. Dessa maneira, em muitas ocasies o Estado corresponde a um instrumento utilizado no desenvolvimento de polticas que de fundo se articulam mediante a influncia do capital econmico mundial. Nesse sentido, apresenta-se um breve histrico no intuito de levantar elementos que demonstrem as mudanas ocorridas no sistema capitalista mundial nas ltimas dcadas para, posteriormente, tecer as relaes provenientes dessas alteraes para a educao. Em um amplo universo de mudanas destacam-se a redefinio da concepo de Estado e consequentemente a retomada do (neo) liberalismo econmico como fio condutor frente crise do modelo fordista-keynesiano ressaltando-se a movimentao do capital e suas articulaes como um dos primeiros passos para se compreender as atuais polticas educacionais. Em meados da dcada de 1960 e incio dos anos de 1970 presenciou-se uma forte crise estrutural que abalou toda a economia mundial devido ao vertiginoso aumento do preo do petrleo e a consequente perda da lucratividade pelos grandes grupos econmicos

22 ligados a essa atividade. Tal fenmeno gerou uma srie de implicaes para a economia de um perodo que foi por muitos autores considerado o ciclo de ouro do capitalismo moderno (SOUZA, 1999). As consequncias foram muitas, entre elas destacam-se a drstica retrao do consumo, baixa taxa de crescimento com elevadas taxas de juros, um movimento inicial de desemprego estrutural que o regime de regulao fordista-keynesiano no foi capaz de solucionar (SOUZA, 1999; CARCANHOLO, 1998, RIBEIRO, 2008). O regime em questo, tambm conhecido como Estado de bem-estar ou Estado Previdencirio, desenvolveu forte centralidade no planejamento econmico e passou a controlar setores estratgicos na economia ao mesmo tempo em que tenta atender demanda social expressa pela forte presso dos trabalhadores organizados atravs de seus sindicatos reivindicando melhores salrios e aumento gradativo dos gastos sociais. Segundo Anderson (1995) esse conjunto de fatores foi determinante para a quebra dos nveis de lucratividade das empresas ocasionando processos inflacionrios que acabaram culminando em uma crise generalizada na economia mundial. Impulsionada a partir do aumento do petrleo a crise econmica repercutiu a ponto de abalar as estruturas capitalistas e suas regulaes no sistema produtivo exigindo, por sua vez, medidas de conteno e a construo de novas articulaes que alm da recomposio das taxas de lucros possibilitassem retomar a hegemonia do capital. Nesse momento ganha flego a perspectiva daqueles que defendiam que a origem da crise estava localizada no poder dos sindicatos, no movimento reivindicatrio dos operrios por mais gastos sociais, no alto grau de interveno do modelo de Estado do bem-estar e na ineficcia deste em controlar a crise que, segundo os liberais, ele mesmo ajudou a criar. Nesse perodo foi a partir da eleio de governos conservadores como o de Margareth Thatcher na Inglaterra e Ronald Reagan nos Estados Unidos que a tendncia liberal no s tomou corpo11 como tambm influenciou (atravs de diversos mecanismos, entre eles organismos multilaterais de financiamento) uma srie de reformas nas diversas regies do globo. Carcanholo (1998) afirma que a ascenso das polticas neoliberais foi uma resposta poltico-ideolgica crise dos anos de 1970. No mesmo sentido, Souza (1999) coloca que tais mudanas trouxeram consigo alteraes que podem ser observadas no mbito tanto do EstadoSegundo Anderson (1995) a primeira experincia de um governo neoliberal se deu no Chile do ditador Pinochet quase com uma dcada de antecedncia com relao eleio de Thatcher e Reagan.11

23 quanto na cultura, na tecnologia, na organizao do trabalho e em diversos outros segmentos. Nesse sentido, as diversas demandas do mercado so levadas em considerao cabendo ressaltar que(...) o reaparecimento da ideologia liberal implica tanto a fragilizao dos organismos e instrumentos keynesianos de deciso coletiva, quanto uma idolatria inconsequente dos mecanismos impessoais do mercado. Agora o Estado pouco deve intervir. Agora, a livre concorrncia mercantil deve resolver, espontnea e eficazmente, os problemas econmicos e sociais relevantes: alocao eficiente dos recursos, distribuio de rendimentos, condies de trabalho, currculo das escolas e universidades, taxa de natalidade, qualidade do meio ambiente etc. Logo resta apenas ao Estado (ou aos organismos de deciso coletiva) zelar pelas boas condies de funcionamento do mercado: manuteno da ordem, elaborao de leis de proteo propriedade privada, proteo s liberdades de expresso e de pensamento, carceragem, defesa das fronteiras contra inimigos externos etc. (MALAGUTI, 1998, p.60)

Em linhas gerais o Estado deve se ausentar e abdicar de seu papel executor minimizando seus gastos com investimentos sociais. O novo perodo marcado pelo advento neoliberal promove uma srie de redefinies do papel do Estado desconstituindo-o de sua centralidade e limitando sua capacidade de ao atravs de inmeras privatizaes. A Inglaterra do perodo de Margareth Thatcher pode ser considerada pioneira na aplicao das medidas neoliberais impondo ao Estado um delineamento coerente s novas necessidades do capitalismo. Segundo Ribeiro (2008) as aes promovidas pelo governo Thatcher na Inglaterra tinham como objetivo implementar as polticas neoliberais adaptando-se nova configurao do capitalismo, alterando, dessa maneira, as condies econmicas, sociais, assim como sua estrutura jurdico-institucional. As polticas adotadas na Inglaterra de Thatcher e em menor grau nos Estados Unidos de Reagan atenderam s novas condies almejadas para a recomposio do capital possibilitando a proliferao de diversos conceitos e prticas a qual Antunes (apud RIBEIRO 2008, p.14) denominou como parte de uma nova cultura empresarial cujos valores do individualismo na busca pela sua insero no mercado de trabalho mediante a aquisio de competncias e habilidades tornaram-se predominantes. Destacam-se alm de novos conceitos gerencialistas, o avano dos trabalhadores terceirizados, ampliao do setor de servios, elevao do trabalho autnomo, enxugamento das empresas, aumento das pequenas unidades produtivas, diminuio da estrutura burocrtica gerencial, proporcionando relativo aumento do ndice de desemprego (RIBEIRO, 2008).

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Nas dcadas de 1980 e principalmente nos anos de 1990, paulatinamente, tais iniciativas ganham musculatura e j se permitido observar um amplo processo de internacionalizao do capital. Segundo Frigotto (1996, p.83) a busca de recomposio do lucro pelo capital, que j era internacionalizado, d-se fundamentalmente mediante a globalizao do mercado. O capital rompe as fronteiras nacionais e constitui-se num poder global. A chamada globalizao da economia cria um cenrio marcado pelo

(...) crescimento das atividades internacionais das firmas e dos fluxos comerciais; ampla mudana da base tecnolgica (...); reordenao dos mercados, com uma maior importncia da sia; intensificao da circulao financeira, caracterizada pela expanso na mobilidade e na intermediao do capital internacional; predominncia das trocas ditas intra-setoriais; reorganizao dos grupos industriais em redes de firmas. (CARCANHOLO, 1998, p.16)

A desregulamentao dos mercados e a abertura para o comrcio exterior so caracterizadas como uma porta de entrada ao modelo econmico globalizado para as naes do mundo. Paralelo a esse movimento de abertura econmica e poltica a globalizao apresentada como um caminho natural e irreversvel a toda nao que almeja gozar dos benefcios do mercado mundial e, do mesmo modo, as polticas neoliberais so as nicas capazes de oferecer tais possibilidades. Verifica-se que as polticas neoliberais e o processo de internacionalizao do capital caminham juntos amparados por uma base ideolgica significativa que almeja transmitir a ideia de que as nicas formas de superar a crise e o atraso econmico passam pelas esteiras da globalizao e da aplicao do pensamento neoliberal. De acordo com a autora

(...) estamos vivendo uma situao completamente nova: a globalizao da economia, promovida pelas foras do mercado, que finalmente podem agir em liberdade depois de abolir as restries que o Estado lhes havia imposto. Nesse sentido ela se funda sobre a ideologia do pensamento nico, a qual decretou que somente uma poltica econmica possvel de agora em diante e que somente os critrios do neoliberalismo e do mercado (competitividade, produtividade, livre-troca, rentabilidade, etc.) permitem a uma sociedade sobreviver num planeta que se tornou uma selva concorrencial. (LIMOEIRO-CARDOSO, 2000, p.97)

A globalizao uma ideologia, pois expressa posies e interesses de foras econmicas extremamente poderosas e vem comandando intensa luta ideolgica luta essa que passa pela mdia e pela universidade para tornar-se dominante mundo afora (IBIDEM,

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p.98). Colaborando com mais um elemento de anlise Gentili (1996, p.9) conceitua as polticas neoliberais como

(...) um complexo processo de construo hegemnica. Isto , como uma estratgia de poder que se implementa em dois sentidos articulados: por um lado, atravs de um conjunto razoavelmente regular de reformas concretas no plano econmico, poltico, jurdico, educacional, etc. e, por outro, atravs de uma srie de estratgias culturais orientadas a impor novos diagnsticos acerca da crise e construir novos significados sociais a partir dos quais legitimar as reformas neoliberais como sendo as nicas que podem (e devem) ser aplicadas no atual contexto histrico de nossas sociedades. (GENTILI, 1996, p.9)

Partindo do pressuposto de que o neoliberalismo uma construo hegemnica pode-se afirmar que tais princpios foram forjados contando com uma ampla rede sistematizada de divulgao e criao de consensos entre os mais diversos segmentos sociais incluindo os Estados nacionais. A essa articulao do capital merecem destaque a movimentao das agncias internacionais de financiamento e as suas recomendaes aos governos, atravs da publicao de diversos documentos, propondo mudanas em diversos segmentos. Tais agncias traduzem, atravs de seus documentos, necessidades do sistema produtivo emanadas aps a crise fordista dos anos de 1970 advogando atualmente, em grande parte delas, orientaes que partem do pressuposto de que a educao deve ocupar espao privilegiado como medida extremamente eficaz de combate ao atraso econmico e a pobreza dos pases denominados em desenvolvimento. Nota-se uma importncia fundamental no papel desempenhado por estas instituies na disseminao das concepes que se adequam s necessidades do capital e na persuaso que estabelecem junto a pases e governos. Segundo Fiori (apud SOUZA, 1999, p.59)

Deve-se a eles (agncias multilaterais) um papel decisivo na construo do senso comum contemporneo que condiciona a governabilidade dos pases, indistintamente, implementao das reformas estruturais e construo de instituies poltico-econmicas transparentes e confiveis do ponto de vista de estabilidade das leis e da manuteno dos equilbrios macroeconmicos.

Apoiando-se principalmente na concesso de financiamentos e no fornecimento de orientaes tcnicas destinadas a pases perifricos estas agncias, notadamente, o Banco Mundial (BM), congregam um conjunto de entidades que influenciaram, quando no, ditaram,

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as aes polticas de inmeros pases. Pode-se exemplificar atravs da centralidade que recebeu o BM na conduo da reestruturao econmica dos pases em desenvolvimento nos anos posteriores a dcada de 1970 atravs da implementao dos conhecidos programas de ajuste estrutural. Apoiando-se em Soares

(...) o Banco Mundial tornou-se o guardio dos interesses dos grandes credores internacionais, responsvel por assegurar o pagamento da dvida externa e por empreender a reestruturao e abertura dessas economias, adequando-as aos novos requisitos do capital globalizado. (2003, p.21)

Desse modo, o alastramento da crise de endividamento que marcou os anos de 1980 gerou um ambiente muito propcio para o BM dada fragilidade dos pases endividados e a escassez de emprstimos oriundos dos bancos privados aps a moratria mexicana. Uma das nicas formas dos pases adquirirem recursos externos acabou sendo por via das agncias multilaterais de financiamento, que por sua vez, impuseram rgidas condicionalidades para a aquisio de novos emprstimos. Essas condicionalidades transitaram na esfera dos princpios neoliberais e constituram reformas que reestruturaram amplos aspectos dos pases tomadores de emprstimos. Esse conjunto de polticas que atendiam as demandas do capital globalizado foram denominadas de Consenso de Washington12 e suas principais orientaes, segundo esse grande acordo global, seriam as nicas possibilidades que os pases teriam para enfrentar e superar a crise e permitir o retorno da estabilidade econmica, dos investimentos externos e do prprio crescimento, mesmo que numa primeira fase implicassem recesso e aumento da pobreza (trickle down effect). (IBIDEM, p.23, grifos do autor). elucidativo constar que no incio da dcada de 1990 o BM props um pacote para a Amrica Latina denominado reformas de segunda gerao (SOARES, 2003) dando prosseguimento s medidas da dcada de 1980. Destaca-se nesse novo pacote de reformas os seguintes pontos:

aprofundamento dos processos de abertura comercial, desregulamentao e privatizao; aumento da poupana interna por meio de reforma fiscal (reduo do gasto pblico, reforma tributria) e estmulo poupana privada; reforma (privatizao) do sistema de previdncia; estmulo ao investimento privado em infra-estrutura; flexibilizao do mercado de trabalho (reduo dos encargos previdencirios e alterao da legislao trabalhista);Segundo Gentili (1998, p.14) Esse ncleo de doutrinas, assim como a retrica que pretende dar-lhes sustentao e legitimio discursive, fundou-se num aparente acordo global que foi penetrando capilarmente nos enso comum das administraes governamentais latino-americanas. Os meios acadmicos e jornalsticos popularizaram esse conjunto de propostas e discursos como o Consenso de Washington ().12

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reforma do sistema educacional; implementao de programas sociais focalizados na oferta de servios pblicos para os grupos mais pobres; reforma institucional e reestruturao do Estado.13 (IDEM, 2003, p.28-29)

Observando a dimenso e as repercusses promovidas pelas agncias no rumo das polticas dos pases em desenvolvimento no se pode secundarizar sua influncia na anlise dos desdobramentos das reformas educacionais. Com esse intuito apresenta-se inicialmente algumas consideraes acerca das principais orientaes desferidas pelos organismos multilaterais para a rea da educao e a seguir uma caracterizao das modificaes sofridas pelo Estado na promoo da Reforma do Aparelho do Estado ocorrida em 1995 imprimindo grandes modificaes no cenrio brasileiro.

1.2 As principais recomendaes das agncias multilaterais no campo educacional: um breve resumo

Os diversos documentos publicados pelas agncias propem iniciativas que, segundo as instituies, ao serem assumidas e desenvolvidas pelos governos federais, estaduais e pela sociedade de modo geral, em um plano mais amplo, promoveria condies favorveis para o desenvolvimento do capital resultando em um consequente desenvolvimento econmico do pas receptor. Dentre as muitas iniciativas, algumas delas esclarecidas no item anterior, as que se relacionam educao ganharam centralidade. Num forte movimento, principalmente atravs da literatura internacional, disseminou-se a ideia de que as mudanas ocorridas no mundo produtivo demandaria uma formao educacional e profissional especfica. Alm do mais, os pases ainda tinham que considerar uma conjuntura mundial inserida em um cenrio globalizado extremamente competitivo o que levava ao fortalecimento de que a educao para a modernidade e a apreenso das novas tecnologias constituiriam o diferencial dos pases que buscam sua insero no concorrido mercado mundial e, posteriormente, usufruiram de um pretenso desenvolvimento (SHIROMA, 2002). No foi sem objetivo que as agncias multilaterais dispensaram razoveis esforos para tratar especificamente da educao mundial. Um grande nmero de reunies, conferncias e publicaes, influenciaram reformas e medidas governamentais,

principalmente os localizados na periferia do globo. Diversas recomendaes tornaram-se

13

Cf. nota original p.29.

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verdadeiros marcos referenciais na conduo das polticas educacionais de governos afinados quelas orientaes.

As propostas educacionais contidas nos documentos devem ser vistas no contexto mais geral da reforma do Estado brasileiro, das suas polticas de ampliao da participao da iniciativa privada e do modelo de desenvolvimento que vem sendo implantado. Ou seja, como em qualquer administrao, os programas setoriais devem estar ajustados aos seus objetivos gerais. (HADDAD, 1998, p 44)

Os diversos documentos publicados pelos organismos multilaterais representando cada qual sua instituio guardam certas variaes em termos de princpios e concepes. Entretanto, fixam orientaes que vo se convertendo em temas recorrentes na justificao e formulao das polticas educacionais na Amrica Latina (MIRANDA, 1997, p.40). O cenrio em que essas formulaes esto inscritas caracteriza-se por um processo global de reforma do Estado pautado nos marcos do neoliberalismo ao mesmo tempo em que se verifica a emergncia efetiva de um mercado globalizado, competitivo e excludente. Diante disso, a preocupao dos rgos internacionais que se colocam na tarefa de pensar a ordem e a democracia no mundo evitar que o processo de globalizao gere mais pobreza e excluso, comprometendo a estabilidade social e a paz mundial (IBIDEM, p.38). Embora o propsito no seja analisar em profundidade os princpios inerentes aos documentos destacam-se alguns que de certo modo traduzem de maneira geral os principais elementos que sustentam e perpassam atualmente a lgica propalada mundialmente e que alimentam as concepes e os fios condutores de um grande nmero de reformas na educao (SHIROMA, 2002). So eles:

A Conferncia Mundial de Educao para Todos, realizada em Jomtiem

(Tailndia) no ano de 1990 e financiada pela UNESCO (Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura), UNICEF (Fundo das Naes Unidas para a Infncia), PNUD (Programa das Naes Unidas para o desenvolvimento) e o Banco Mundial; Prioridades y Estrategias para la Educacin, publicado em 1995 pelo

Banco Mundial. Caribe) Os documentos da CEPAL (Comisso Econmica para Amrica Latina e Transformacin Productiva com Equidad, 1990; Educacin y

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Conocimiento:Eje

de

la

transformacin

Productiva

com

equidad

1992

(CEPAL/OREALC Oficina Regional de Educao para a Amrica Latina e Caribe); Delors. Relatrio Delors, produzido entre 1993 e 1996 por uma Comisso

Internacional sobre Educao para o sculo XXI e coordenada pelo francs Jacques

Cabe ressaltar que cada documento/instituio por mais que seus objetivos mais amplos apresentem semelhanas oportuno destacar que h divergncias entre as agncias multilaterais acerca da concepo de educao, prioridades de financiamentos, metodologias a serem empregadas, etc. A partir dos documentos pode-se extrair um conjunto razovel de princpios dos diversos documentos citados que preservam semelhanas profundas com as medidas empreendidas atravs do projeto So Paulo faz Escola, objeto dessa pesquisa. Destacam-se algumas orientaes pautadas, principalmente, nas manifestaes do projeto So Paulo faz Escola implantado em meados de 2007 e que de certo modo demonstram terem sido influenciadas pelas orientaes. Retomando alguns trabalhos de pesquisadores que se dedicam anlise da poltica e da influncia das agncias de financiamento na educao (TOMMASI, WARDE, HADDAD 1998, 2003; MIRANDA 1997; SHIROMA 2002; SOUZA 1999; TORRES 1995; CORAGGIO, 2003) e com aporte nos documentos j citados pode-se afirmar que os principais eixos norteadores subjacentes congregam efeitos que se direcionam s demandas do mercado trabalho. No entanto, recomendaes especficas ganham convergncia entre as instituies quando pontuam a importncia da educao na relao entre trabalho e desenvolvimento econmico. Nesse sentido, um conjunto razovel de medidas extremamente articuladas engendram polticas objetivando a incorporao pelo campo educacional de uma srie de conceitualizaes e reconceitualizaes. Notadamente as agncias se utilizam de um modelo econmico para compreender as implicaes da educao. No caso, pode-se citar o BM pois

Para enquadrar a realidade educativa em seu modelo econmico e poder aplicar-lhe seus teoremas gerais, o Banco estabeleceu uma correlao (mais que uma analogia) entre sistema educativo e sistema de mercado, entre escola e empresa, entre pais e consumidores de servios, entre relaes pedaggicas e relaes de insumo-produto, entre aprendizagem e produto, esquecendo aspectos essenciais prprios da realidade educativa (CORAGGIO, 2003, p. 102).

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Consequentemente no raro observar hoje nas escolas denominaes que tradicionalmente sempre orbitaram o mundo empresarial e que hodiernamente contaminaram o ambiente escolar mediante um movimento de reestruturao educacional proposto pelas reformas neoliberalizantes (GENTILI, 1996). Na rede estadual paulista verifica-se com certa clareza mecanismos que avaliam o rendimento dos alunos (SARESP)14, produzem ndices e metas por unidades escolares (IDESP)15 e avaliam o desempenho dos professores (SARESP + FLUXO ESCOLAR = IDESP)16 para uma futura bonificao em dinheiro. Tais constataes so condizentes recomendaes do BM pois

Em todos os estgios deve haver especificao mais clara de objetivos e maior monitoramento de insumos e resultados. H nfase no estabelecimento de padres de rendimento e na necessidade de se dar mais ateno aos resultados da educao. Deve haver menos gerenciamento por meio de estruturas burocrticas centralistas e mais gerenciamento por objetivos e indicadores de performance uma orientao por resultados. (LAUGLO, 1997, p.12)

H nitidamente um forte apelo aos aspectos oriundos da administrao gerencialista justificado, segundo a perspectiva neoliberal, pela crise porque passa a educao e sua ineficincia em oferecer um servio de qualidade. Dessa forma, uma das nicas maneiras de se possibilitar escola o oferecimento de um servio qualificado promover uma profunda reforma administrativa do sistema escolar orientada pela necessidade de introduzir mecanismos que regulem a eficincia, a produtividade, a eficcia, em suma: a qualidade dos servios educacionais (GENTILI, 1996, p.18, grifos do autor). Se por um lado facultada reforma administrativa a responsabilidade pelos aspectos gerenciais que instilam uma regulao especfica sobre a escola e seus professores no oferecimento dos servios cabe a uma outra frente, nem por isso desarticulada desta, re-conceitualizar os eixos que norteiam os currculos escolares de modo que se alinhem ao novos cdigos da modernidade.17 sobre essa orientao que o prximo item tratar at porque, dentre as aes que compem o conjunto de reformas do governo do Estado de So Paulo h uma nova proposta curricular.Sistema de Avaliao de Rendimento da Educao do Estado de So Paulo. ndice de Desenvolvimento da Educao do Estado de So Paulo. 16 Utilizando-se o rendimento dos alunos (prova do Saresp) articulado ao fluxo escolar da unidade se produz um ndice (Idesp). Este comparado ao ndice (meta) anterior observando qual foi o percentual alcanado. mediante o percentual alcanado pelo conjunto da escola que se dimensiona o valor do bnus a ser recebido pelos professores, direo e coordenao. 17 Segundo o documeto da CEPAL cdigos da modernidade so representados pelo conjunto de conhecimentos, habilidades e aptides imprescindveis para que o indivduo participe da vida pblica e colabore no desenvolvimento produtivo na sociedade moderna. (BIELSCHOWSKY, 2000)15 14

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1.2.1 A centralidade do currculo, a formao do indivduo e os cdigos da modernidade A preocupao em estar alinhando o que se aprende na escola segundo as necessidades das novas orientaes do mundo do trabalho justifica-se pela retomada e proliferao da educao compreendida como capital humano nos documentos das instituies (FRIGOTTO, 1995; SHIROMA 2002). muito sugestiva a definio de educao como(...) um investimento que d retornos econmicos e sociais favorveis para o pas como um todo, assim como para os seus membros individualmente. Um estudo dos pases mais industrializados concluiu que nenhum teria alcanado crescimento econmico significativo sem ter primeiro conseguido a universalizao do ensino fundamental. (BM, Educao de qualidade para todos, ano p.1)

No mesmo sentido

Nos pases desenvolvidos e nas experincias bem sucedidas da chamada industrializao tardia em outras regies, existe um claro reconhecimento do carter central que tm a educao e a produo de conhecimento no processo de desenvolvimento, e, nos pases da regio latino-americana, essa atitude vem-se alastrando progressivamente. A disseminao dos valores, da dimenso tica e dos comportamentos prprios da moderna cidadania, bem como a gerao das aptides e qualificaes indispensveis para a competitividade internacional (cada vez mais baseada no progresso tcnico) recebem uma contribuio decisiva da educao e da produo e difuso do conhecimento, por conseguinte, um instrumento crucial para enfrentar o desafio tanto no plano interno, que a cidadania, quanto no plano externo, que a competitividade. Compreende-se, portanto, que essa dimenso seja central para a proposta da CEPAL a respeito da transformao produtiva com eqidade. (BIELSCHOWSKY, 2000 p.913)

Como se pode notar a educao tanto na proposio do BM como na proposta cepalina concebida como um marco fundamental para o desenvolvimento econmico sendo que (...) o investimento em educao uma via para o desenvolvimento, porque segundo os documentos o gasto em educao equivale a investir no capital humano, gerando assim um aumento na renda (CORAGGIO, 2003 p.99). No entanto, a tradio da instituio cepalina atravs da enftica defesa da equidade social tenta impingir em suas propostas um rosto humano s relaes inscritas sob o modelo scio-econmico atual (ZIBAS, 1997, p.60).

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Cabe ressaltar que dentro da esfera de investimentos em educao o ensino fundamental privilegiado sob o argumento de que a taxa de retorno do investimento feito nos anos iniciais superior ao nvel do ensino mdio e superior. Ou seja

Para apoiar esta teoria, utilizavam-se estimativas por meio de regresses estatsticas histricas relativas ao aumento de renda de uma pessoa analfabeta (em cuja educao se investe determinada quantia), que seria proporcionalmente maior que o aumento de salrio de um profissional com ps-graduao em cuja educao adicional fosse investido o mesmo montante. Por esta razo, o investimento na educao primria traria mais vantagens sociais do que na secundria e na superior, uma vez que, somando os maiores aumentos de rendas pessoais se conseguiria um incremento maior na renda nacional por unidade de valor adicional investida. (CORAGGIO, 2003, p.106)

Analisando os diversos documentos das agncias internacionais Miranda (1997) elabora uma importante sntese apontando a proposio de um novo paradigma de conhecimento. O conhecimento nesse caso estaria atrelado transformao produtiva e ao desenvolvimento de determinadas habilidades consideradas relevantes que possibilitassem ao indivduo o manejo das diversas inovaes tecnolgicas propaladas pela globalizao e pelo acirramento da competitividade entre os mercados no atual estgio do capitalismo. A partir de consideraes crticas a autora caracteriza esse novo paradigma:

A centralidade do conhecimento (da informao, da produo do conhecimento e de sua difuso) e a implcita mudana da concepo de conhecimento parecem ser uma idia para qual convergem todos os discursos, todas as propostas, todos os chamados atores sociais. Afinal, no pode negar que o impacto da globalizao, associado revoluo tecnolgica, impe um novo padro de conhecimento: menos discursivo, mais operativo; menos particularizado, mais interativo, comunicativo; menos intelectivo, mais pragmtico; menos setorizado, mais global; no apenas fortemente cognitivo, mas tambm valorativo. Nessa proposio, no s a concepo de conhecimento parece ter sido alterada, mas tambm se alteraram a relao deste com as pessoas, a sua maneira de utiliz-lo, o lugar que ele ocupa em suas vidas, o modo pelo qual ele passa a incorporar o seu cotidiano em casa, no trabalho, na rua, nos servios, na igreja. (MIRANDA, 1997, p.41)

De modo complementar, a Conferncia Mundial sobre Educao para Todos, ocorrida em Jomtiem no ano de 1990, sugere claramente que o eixo norteador do encontro deveria ser a satisfao das necessidades bsicas de aprendizagem (NEBA) de crianas, jovens e adultos. A declarao influenciou os rumos da educao brasileira a ponto de em 1993 ser publicado no Brasil o Plano Decenal de Educao para Todos traando metas regionais em

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harmonia com as posies definidas pelos organismos internacionais (SHIROMA, 2002, p.62). Segundo o artigo 1 da declarao as necessidades bsicas de aprendizagem constituem

(...) tanto os instrumentos essenciais para a aprendizagem (como a leitura e a escrita, a expresso oral, o clculo, a soluo de problemas), quanto os contedos bsicos da aprendizagem (como conhecimentos, habilidades, valores e atitudes), necessrios para que os seres humanos possam sobreviver, desenvolver plenamente suas potencialidades, viver e trabalhar com dignidade, participar plenamente do desenvolvimento, melhorar a qualidade de vida, tomar decises fundamentadas e continuar aprendendo. (DECLARAO MUNDIAL SOBRE EDUCAO PARA TODOS, 1998, p.3)

Esse conjunto razoavelmente articulado de implicaes norteadoras que tangenciam o que se deve ou no aprender caminha no sentido de se lapidar, principalmente atravs da formao escolar, o novo trabalhador para a nova sociedade da informao (HADDAD, 1998). possvel extrair das argumentaes de Miranda (1997) alguns apontamentos sugerindo as habilidades, as competncias e os comportamentos que os indivduos devem adquirir segundo os princpios defendidos pelas instituies multilaterais. Conforme a autora:

O saber fazer significa o conhecimento orientado por sua operacionalidade. Essa concepo guarda semelhanas e distines com o que a conhecida Escola Nova vem chamando, por todo este sculo, de aprender a aprender. (...) O saber usar requer modalidades de aprendizagem que se efetivem mediante o uso de sistemas complexos. A medida do conhecimento a possibilidade de vinculao com os sistemas propostos pelo progresso tcnico. A funcionalidade do conhecimento evidente: saber para qu? Espera-se que o processo de ensinar-aprender seja transformado por essa necessidade de aplicao imediata: aprender fazendo, aprender em servio, aprender praticando. O saber comunicar sugere que o conhecimento tem sua validade e significao dimensionados pelas possibilidades incessantemente recriadas pelas novas tecnologias de comunicao. O conhecimento dever circular pelo mundo por meio da informtica e das telecomunicaes e essa capacidade de distribuir e acessar os conhecimentos uma exigncia da produo e da vida social. O conhecimento se confunde com informao e o ato de conhecer vai ficando cada vez mais identificado com os procedimentos de documentao e acesso s informaes. (MIRANDA, 1997, p.42 e 43)

Observa-se uma similitude considervel entre os princpios difundidos pelo documento e as bases da nova proposta curricular para o ensino fundamental da SEE do estado de So Paulo. Em ambos h uma forte tendncia em valorizar aspectos relacionados aos preceitos bsicos da leitura, escrita, rudimentos da matemtica e a soluo de problemas.

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Em um movimento mais amplo Torres (2003) aponta que uma reforma educativa passa de forma imprescindvel por uma reforma curricular de modo que se atinja especificamente as relaes prticas que ocorrem dentro da sala de aula. Por um lado constata-se a iniciativa preferencial de se optar pelo currculo efetivo em detrimento do currculo proposto, ou seja, o oficial formatado por especialistas em programas especficos. O argumento, no caso do BM, para no se empreitar em uma reforma que tome como plataforma a modificao do currculo oficial se estabelece nos resultados, isto : a interveno no modifica e no cria melhorias em sala de aula (TORRES, 2003). J o currculo efetivo18 implica em trabalhar com todos os elementos que intervm no processo de ensino-aprendizagem: os docentes, os textos e materiais educativos, o espao escolar, o tempo de estudo, os modos de gesto escolar etc. O professor ocupa lugar de destaque dentro desses elementos (IBIDEM, p.160). Paralelamente s aes no campo do currculo muitas orientaes recomendam o desenvolvimento de mecanismos que estabeleam certo controle sobre o trabalho docente. Esses mecanismos se traduzem atravs da instaurao de sistemas de avaliao do desempenho do professor. Tornou-se lugar comum nas orientaes das instituies o foco nos resultados da aprendizagem (BM, 1995; DMET19, 1990) e no desenvolvimento de instrumentos de avaliao e aferio do desempenho do sistema escolar. A responsabilizao pelos resultados outra forma disseminada pelas instituies no conjunto de aes articuladas pela construo de uma tradio escolar distinta daquelas que os professores com mais experincia esto acostumados. Princpios pautados pela competitividade, desempenho, equidade, eficincia e individualismo esto forjando o novo discurso das reformas educacionais. Contudo, tais valores devem ser analisados sob uma perspectiva sistmica, o que significa que as aes voltadas para a rea educacional esto articuladas a amplos segmentos da sociedade, que num processo anterior s investidas especficas ao sistema escolar, impingiram uma reformatao conceitual no prprio aparelho que articula sua sustentao, ou seja, o Estado. Desse modo, a partir e concomitantemente reforma do Estado, os objetivos inscritos sob a gide das proposies dos organismos multilaterais imprimiram substancialmente, mas no sem

Segundo Torres (2003) o currculo efetivo aquele que se desenvolve essencialmente na sala de aula utilizando ou no textos escolares e que passa pelas decises tomadas pelo professor. Nos parece que esse tipo de interveno carrega consigo o objetivo de modificar a prtica cotidiana da dinmica da sala de aula pela sua raiz. 19 Declarao Mundial de Educao para Todos.

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resistncias, seu modus operandis e sua concepo de Estado e educao sistematizando o advento de uma srie de outras reformas nos Estados que compe o Brasil. Pela importncia que o movimento de reforma do Estado de 1995 significou para amplos setores da sociedade, relevante caracterizar as alteraes ocorridas e as implicaes para a educao para se ter elementos tericos que subsidiem as anlises que se pretende fazer sobre a repercusso para o trabalho docente, da atual poltica educacional do Estado de So Paulo, representados, entre outros, pelo projeto So Paulo faz escola.

1.3 A reforma do Aparelho do Estado de 1995 e a introduo de novas bases de gesto

A reforma de 1995 significou a construo de uma lgica que deu segmentao s adaptaes necessrias exigidas pela recomposio do capital em nvel mundial frente crise dos anos de 1970 e 1980. A reconstruo do aparelho do Estado foi fortemente marcada pelos ajustes de carter neoliberais centrados na desregulamentao,

descentralizao/autonomia, privatizao (FRIGOTTO, 1996) e na insero predominante da gesto gerencial. Um conjunto de princpios, valores e conceitos esto sendo redefinidos e/ou substitudos por uma lgica que opera segundo preceitos tpicos das organizaes empresariais. Entretanto, essas mudanas no se devem apenas s repercusses emanadas pela reforma do Estado, pelo contrrio, a prpria reforma resultante das recomendaes e condicionalidades das agncias multilaterais de crdito somadas afinidade poltica e econmica da gesto de Fernando Henrique Cardoso. No Brasil as medidas empreendidas pelo presidente Fernando Collor de Mello a partir de sua posse em 1990 deram incio as alteraes que inseriram o pas na dinmica da economia mundial resultando em amargas conseqncias para os brasileiros. No perodo de seu governo, antes de seu impedimento pelo Congresso Nacional em 1992, (...) deflagrou-se o processo de ajuste da economia brasileira s exigncias da reestruturao global da economia (SHIROMA, 2002, p.55). Todavia, foi a partir do governo de Fernando Henrique Cardoso que efetivamente se inicia o desenvolvimento de um projeto buscando viabilizar, de fato, a adaptao do pas ao novo modelo de desenvolvimento econmico, ou em outras palavras, dar continuidade ao processo de reestruturao econmica. Em meio a tantas reformas considera-se relevante destacar a reforma do Aparelho do Estado de 1995 por sua amplitude e pelos desdobramentos que gerou, impulsionando significativas mudanas posteriores. Destacar as principais

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caractersticas da reforma do Aparelho do Estado em uma pesquisa cuja proposta se insere nas implicaes de determinado projeto para o trabalho docente justifica-se mediante a importncia, a magnitude e as consequncias desta reforma para os mais variados setores da sociedade, principalmente o educacional. No intuito de agilizar as modificaes necessrias ao novo paradigma produtivo e a nova ordem mundial criado em 1995 um ministrio exclusivo para a Reforma do Estado: o Ministrio da Administrao Federal e Reforma do Estado (MARE20) tendo a sua frente o Professor Luiz Carlos Bresser Pereira. As modificaes ocorridas em 1995 lanaram as bases para um conjunto de mudanas e re-conceitualizaes que abarcaram as trs esferas de poder. Os objetivos da reforma do aparelho do Estado eram amplos. Entre eles se inscrevia a preocupao em inserir o pas no cenrio mundialmente competitivo e globalizado. Para tanto, reformas precisavam ser feitas de modo a delinear um Estado segundo as necessidades postas pelas novas exigncias emanadas pelo capital no ps-crise. Um dos fundamentos utilizados como base para a reforma o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (1995) cujos principais tpicos versam sobre a reconstruo do Estado. Conforme o documento

A reforma do Estado deve ser entendida dentro do contexto da redefinio do papel do Estado, que deixa de ser o responsvel direto pelo desenvolvimento econmico e social pela via da produo de bens e servios, para fortalecer-se na funo de promotor e regulador desse desenvolvimento. (BRASIL, 1995, p.12)

Nesse sentido, compreende como eixos norteadores centrais da reforma do aparelho do Estado: Aumentar a governana do Estado, ou seja, sua capacidade administrativa de governar com efetividade e eficincia, voltando a ao dos servios do Estado para o atendimento dos cidados. Limitar a ao do Estado quelas funes que lhe so prprias, reservando, em princpio, os servios no-exclusivos para a propriedade pblica noestatal, e a produo de bens e servios para o mercado para a iniciativa privada. Transferir da Unio para os estados e municpios as aes de carter local: s em casos de emergncia cabe a ao direta da Unio. Transferir parcialmente da Unio para os estados as aes de carter regional, de forma a permitir uma maior parceria entre os estados e a Unio. (IBIDEM, p.45)

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Passaremos a utilizar a sigla MARE nos referindo ao Ministrio da Administrao Federal e Reforma do Estado.

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Consequentemente, duas mudanas foram propostas produzindo grande repercusso e alterando substantivamente a estrutura do Estado. Publicizao e privatizao por um lado e incorporao dos princpios da administrao gerencial por outro (RIBEIRO, 2008). Publicizao21, segundo o documento, configura-se como (...) a descentralizao para o setor pblico no-estatal da execuo de servios que no envolvem o exerccio do poder de Estado, mas devem ser subsidiados pelo Estado, como o caso dos servios de educao, sade, cultura e pesquisa cientfica (BRASIL, 1995, p.12-13, grifos meus). J a privatizao um processo de transformar uma empresa estatal em privada (BRASIL, 1997, p.19). A outra mudana circunscreve-se no desenvolvimento de uma gesto pautada pela administrao pblica gerencial. Considera-se a instaurao do modelo gerencial uma das medidas que mais geraram implicaes do ponto de vista de controle direto e indireto, objetivo e subjetivo, por parte das instituies sobre seus servidores e funcionrios. Segundo Shiroma (2006, p.5)

O gerencialismo hoje apresentado como estratgia racional para fazer o melhor uso dos recursos pblicos podendo ser aplicado em qualquer organizao transcendendo s diferenas de servios e setores. Busca aumentar a produtividade e a eficincia e toma como indicador de desempenho, os resultados. voltado inovao, requer dinamismo, centrado no cliente.

H um conjunto de definies contidas no documento (BRASIL, 1995, p.14-18), apresentadas a seguir, que sintetizam os principais aspectos da reforma gerencial. Paralelamente, se organizou tais elementos em tpicos no intuito de facilitar seu reconhecimento e localizao.

Reforma pautada pelos valores da eficincia e da qualidade paralelamente

ao desenvolvimento de uma cultura gerencial; Definio precisa dos objetivos e controle a posteriori dos resultados; Estabelecimento de competio administrada no interior do prprio Estado

e competio por resultados;A palavra publicizao foi criada pelo governo para distinguir a propriedade pblica no estatal da propriedade publica e da privada. A publicizao pressupe a extino de rgos ou entidades estatais subseqente absoro de suas atividades por Organizaes Sociais. O processo de publicizao visa assegura o carter pblico e o direito privado da nova entidade, assegurando-lhes, assim, uma maior autonomia administrativa e financeira. As Organizaes Sociais por sua vez, so organizaes pblicas no-estatais, mais especificamente fundaes de direito privado que celebram contratos de gesto com o Poder Executivo com aprovao do Poder Legislativo, ganhando o direito de fazer parte do oramento pblico federal, estadual ou municipal. (PETRUCCI, V; SCHWARTZ, L. apud RIBEIRO, 2008, p.18)21

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servios;

Cidado compreendido como contribuinte de impostos e cliente de seus

Fundamenta-se nos princpios da confiana, descentralizao da deciso,

flexibilidade de gesto, horizontalidade de estruturas, incentivos criatividade; Avaliao sistemtica, recompensa por desempenho, capacitao

permanente.

Percebe-se que uma srie de novos conceitos foram implementados aps o advento da administrao pblica gerencial. Ao mesmo tempo as responsabilidades e a organizao do Estado foram redefinidas. Destaca-se no quadro 1 a combinao entre as estruturas e as mudanas na forma de gesto:

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FORMAS DE PROPRIEDADE ESTATAL NCLEO ESTRATGICO Legislativo, Judicirio, Presidncia, Cpula dos Ministrios ATIVIDADES EXCLUSIVAS Polcia, Regulamentao, Fiscalizao, Fomento, Seguridade Social Bsica SERVIOS NOEXCLUSIVOS Universidades, Hospitais, Centros de Pesquisa, Museus PRODUO PARA O MERCADO Empresa Estatais PBLICA NO ESTATAL PRIVADA

FORMA DE ADMINISTRAO BUROCRTICA GERENCIAL

INSTITUIES

Secretarias Formuladoras de Polticas Pblicas

Agncias Executivas e Reguladoras

Publiciza

Organizaes Sociais Privatizao

Privatizao

Empresas Privadas

Quadro 1. Fonte: Ministrio da Administrao Federal e Reforma do Estado. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. (BRASIL, 1995, p.48)

Observa-se com clareza no quadro acima a dimenso da reforma federal. Seus objetivos reestruturam substantivamente a organizao do Estado especificando a forma de propriedade (estatal, pblica no-estatal e privada), de administrao (burocrtica ou gerencial) e quais instituies devem dar consecuo s diversas responsabilidades colocadas. Evidencia-se no quadro acima que embora no conste explicitamente, possvel supor que a educao se localize na esfera dos servios no-exclusivos e, ao mesmo tempo, sugere que sua administrao tenha um carter gerencial. Isso equivale a dizer que (...) o Estado atua simultaneamente com outras organizaes pblicas no-estatais e privadas. (BRASIL, 1995, p.41). Mais a frente o documento especifica os objetivos desse setor:

Transferir para o setor pblico no-estatal estes servios, atravs de um programa de publicizao, transformando as atuais fundaes pblicas em organizaes sociais, ou seja, em entidades de direito privado, sem fins lucrativos, que tenham autorizao especfica do poder legislativo para

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celebrar contratos de gesto com o poder executivo e assim ter direito a dotao oramentria (IBIDEM, p.46-47).

Ainda segundo o documento:No setor de atividades exclusivas e de servios competitivos ou no exclusivos, o importante a qualidade e o custo dos servios prestados aos cidados. O princpio correspondente o da eficincia, ou seja, a busca de uma relao tima entre qualidade e custo dos servios colocados disposio do pblico. Logo a administrao deve ser necessariamente gerencial. O mesmo se diga, obviamente, do setor das empresas, que, enquanto estiverem com o Estado, devero obedecer aos princpios gerenciais da administrao. (BRASIL, 1995, p.43)

Nota-se um movimento de re-significao de conceitos relacionados educao quando este deslocado para o mbito dos servios no exclusivos do Estado. Este movimento acaba por nivelar as atividades ligadas educao a servios de outra natureza, promovendo, dessa forma, a possibilidade de terceirizao e privatizao (SOUZA, 1999). Evidencia-se que a educao passa da esfera do direito para tornar-se uma mercadoria suscetvel a negociaes regidas pela lgica do custo-benefcio. Do mesmo modo os resultados da ao do Estado so considerados bons no porque os processos administrativos esto sob controle e so seguros, como quer a administrao pblica burocrtica, mas porque as necessidades do cidado-cliente esto sendo atendidas. (IBIDEM, p.17). J o cidado deixa de ser aquele dotado de direitos e deveres para ser um cliente dotado de poder de consumo e escolha do melhor servio e/ou produto, pois a administrao pblica gerencial v o cidado como contribuinte de impostos e como cliente dos seus servios. (IBIDEM, p.17) . A reforma do Estado de 1995 carrega consigo a concepo de que polticas pblicas e sociais no so sinnimos de polticas estatais. Da mesma forma

Essa concepo de reforma tem como pressuposto, que o mercado portador de uma racionalidade econmica e o principal agente do bem-estar social. O projeto de reforma no pressupe apenas a sada do Estado do setor de produo de bens e servios para o mercado, mas tambm dos servios pblicos. (SOUZA, 1999, p.98)

Segundo Chau (apud SOUZA, 1999) observa-se uma confuso conceitual entre direitos e servios sociais, pois sade, cultura e educao so direitos sociais do cidado e no apenas meramente servios a serem oferecidos. A reconceitualizao colocada em prtica a

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partir da reforma do aparelho do Estado a nvel federal serviu de base para inmeras reformas nos estados brasileiros. O novo modelo de Estado mais preocupado em regular as aes da sociedade, deu sustentao poltica e ideolgica para que os princpios da concepo gerencial de administrao pblica fossem proliferados para outros nveis de governo impactando as administraes com bases na racionalidade, na competitividade interna, no controle e avaliao pelos resultados e uma srie de outros mecanismos que gradativamente foram sendo implementados no intuito de que os servios que ainda so oferecidos pela mquina pblica fossem permeados pela mesma eficincia e eficcia que pretensamente detm a iniciativa privada. Como era previsto, as reformas desencadeadas pelos governos no consideraram a especificidade de cada setor impondo um conjunto de modificaes orientado pela gesto gerencial. Por sua vez, na rea da educao, se permitiu a gradativa consolidao de processos de intensificao do trabalho, implementao de mecanismos de controle articulados a um sem nmero de avaliaes, tanto de rendimento discente quanto do trabalho do professor. nesse panorama que as reformas advindas sob o manto do projeto So Paulo faz escola deram continuidade, intensificando e aprofundando, as polticas passadas que alocavam no professor o grande responsvel pela qualidade da educao. Foi a partir dessa conjuntura extremamente imbricada entre esfera de remodelamento do Estado e incorporao de