Dissertação Rafael versão final 07.06.15 revisada · 5 RESUMO Esta dissertação teve como...

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-graduação Strictu Sensu em Administração - Mestrado Rafael Santos Correa A BELEZA NA ESCURIDÃO: A EXPERIÊNCIA DE CONSUMO POR DEFICIENTES VISUAIS EM SERVIÇOS DE BELEZA E ESTÉTICA Belo Horizonte 2015

Transcript of Dissertação Rafael versão final 07.06.15 revisada · 5 RESUMO Esta dissertação teve como...

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-graduação Strictu Sensu em Administração - Mestrado

Rafael Santos Correa

A BELEZA NA ESCURIDÃO: A EXPERIÊNCIA DE CONSUMO POR

DEFICIENTES VISUAIS EM SERVIÇOS DE BELEZA E ESTÉTIC A

Belo Horizonte

2015

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Rafael Santos Correa

A BELEZA NA ESCURIDÃO: A EXPERIÊNCIA DE CONSUMO POR

DEFICIENTES VISUAIS EM SERVIÇOS DE BELEZA E ESTÉTIC A

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Administração da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais e Fundação

Dom Cabral, como requisito para obtenção do título

de Mestre em Administração.

Orientador: Prof. Dr. Marcelo de Rezende Pinto

Belo Horizonte

2015

FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Correa, Rafael Santos

C824b A beleza na escuridão: a experiência de consumo por deficientes visuais em

serviços de beleza e estética / Rafael Santos Correa. Belo Horizonte, 2015.

119 f.: il.

Orientador: Marcelo de Rezende Pinto

Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Administração.

1. Consumo (Economia). 2. Deficientes visuais. 3. Comportamento do

consumidor. 4. Beleza física (Estética). 5. Serviços ao cliente. 6. Experiência. I.

Pinto, Marcelo de Rezende. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Administração. III. Título.

CDU: 658.89

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Rafael Santos Correa

A BELEZA NA ESCURIDÃO: A EXPERIÊNCIA DE CONSUMO POR

DEFICIENTES VISUAIS EM SERVIÇOS DE BELEZA E ESTÉTIC A

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Administração da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais e Fundação

Dom Cabral, como requisito para obtenção do título

de Mestre em Administração.

________________________________________________________________ Orientador: Prof. Dr. Marcelo de Rezende Pinto

(Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais)

______________________________________________________________ Prof. Dr. Ramon Silva Leite

(Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais)

____________________________________________________________ Prof. Dr. José Humberto Viana Lima Jr. (Universidade Federal de Juiz de Fora)

Belo Horizonte, 14 de abril de 2015

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AGRADECIMENTOS

A Deus, que fez brotar em mim coragem para enfrentar os desafios dessa jornada

acadêmica.

A minha esposa Renata, que sempre apoiou minhas ideias (inclusive as mais absurdas)...

Ao meu filho Vitor, que compreenda a minha ausência durante os dias, noites e finais de

semana.

Aos meus pais, os quais sem eles nada disso seria possível; por tudo que fizeram (e

fazem) por mim até hoje.

Ao Prof. Dr. Marcelo, cúmplice e mestre nessa jornada, para o qual dedico meu sincero

e eterno agradecimento.

Aos demais professores do PPGA que também contribuíram para a realização desse

estudo.

Aos amigos e colegas, que vibraram comigo na admissão ao PPGA e que agora vibram

pela minha conquista.

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RESUMO

Esta dissertação teve como objetivo investigar o universo dos deficientes visuais,

especificamente o de mulheres portadoras de deficiência visual, enquanto consumidoras de

serviços de beleza e estética, fazendo surgir a seguinte problemática: “Como mulheres

deficientes visuais vivenciam suas experiências de consumo em uma perspectiva social e

culturalmente construída em serviços de beleza e estética?” O estudo qualitativo e de

“inspiração etnográfica” fundamentou-se teoricamente nos temas deficiência visual, consumo

e experiência em consumo de serviços visando descobrir os aspectos simbólicos retratados

nesses temas e como as mulheres deficientes visuais vivem suas experiências e constroem

seus significados. Percebe-se na discussão dos resultados que o consumo de serviços de

beleza e estética é uma espécie de credencial que habilita as mulheres com deficiência visual a

viverem normalmente suas rotinas, ao mesmo tempo em que permite a essas mulheres

externarem gostos e estilos próprios tornando essas mulheres visíveis para a sociedade. Essas

considerações reforçam a tese de que cada grupo social tem suas formas de (re)construção e

manipulação dos significados, ou seja, o mesmo produto ou serviço pode (e sempre tem)

significados construídos social e culturalmente de forma diversa.

Palavras-chave: Deficiência visual; consumo; experiência; serviços de beleza e estética.

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ABSTRACT

This thesis aims to investigate the universe of the visually impaired, specifically women who

are visually impaired, as consumers of beauty services, giving rise to the following problem:

"How visually impaired women experience their consumer experiences in a social perspective

and culturally constructed in beauty services? The qualitative study and ethnographic

inspiration theoretically ground up in visual impairment issues, consumption and experience

in consumer services in order to discover the symbolic aspects portrayed on these issues and

how the visually impaired women live experiences and build their meanings. It can be seen in

the discussion of the results that the consumption of beauty services is a kind of credential

that enables women with visual disabilities to live their normal routines, while allowing these

women showing tastes and own styles making these women visible to society. These

considerations reinforce the thesis that each social group has its forms of (re) construction and

manipulation of meanings, ie the same product or service can (and always has) meanings

socially and culturally constructed differently.

Keywords: Visual impairment; consumption; experience; beauty services.

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SUMÁRIO

1. Introdução ........................................................................................................................... 10

2. Referencial Teórico............................................................................................................. 18

2.1 O consumo ......................................................................................................................... 18

2.2 A abordagem experiencial do consumo .......................................................................... 23

2.3 A abordagem experiencial do consumo em serviços ..................................................... 27

2.4 A teoria da cultura e consumo ......................................................................................... 31

2.5 O estado da arte dos estudos sobre consumidores deficientes visuais no Brasil ......... 35

3. Metodologia ......................................................................................................................... 40

3.1 Tipo de pesquisa ............................................................................................................... 40

3.2 Estratégia de pesquisa ...................................................................................................... 41

3.3 Método de coleta de dados ............................................................................................... 43

3.4 Instrumentos de coleta de dados ..................................................................................... 45

3.5 Locus da pesquisa ............................................................................................................. 48

3.6 Corpus da pesquisa ........................................................................................................... 54

3.7 Métodos de análise de dados ............................................................................................ 55

4. Análise e Interpretação dos Resultados ............................................................................ 60

4.1 Deficiência visual .............................................................................................................. 60

4.2 Vida em sociedade ............................................................................................................ 64

4.3 O deficiente visual enquanto consumidor ...................................................................... 69

4.4 Experiência de consumo ................................................................................................... 74

4.5 Experiência em serviços de beleza e estética .................................................................. 76

4.6 Aspectos hedônicos da experiência em consumo de serviços de beleza e estética....... 80

4.7 A experiência extraordinária ........................................................................................... 83

4.8 Beleza e estética: significado ............................................................................................ 86

4.9 Deficiência visual, cultura e consumo ............................................................................. 89

5. Considerações Finais .......................................................................................................... 96

5.1 Conclusões gerais .............................................................................................................. 96

5.2 Implicações teóricas ........................................................................................................ 102

5.3 Implicações gerenciais .................................................................................................... 103

5.4 Limitações da pesquisa ................................................................................................... 105

5.5 Sugestões para estudos futuros ...................................................................................... 106

Referências ............................................................................................................................ 108

Apendice.....…………………………………………………………………………………117

8

LISTA DE FIGURAS

Figura 1....................................................................................................................................25

Figura 2....................................................................................................................................34

Figura 3....................................................................................................................................48

Figura 4....................................................................................................................................49

Figura 5....................................................................................................................................50

Figura 6....................................................................................................................................51

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1....................................................................................................................................55

Tabela 2....................................................................................................................................57

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1. Introdução

De início, vale levar em consideração que existe uma parcela significativa da população

que apresenta algum tipo de deficiência. A Organização das Nações Unidas (ONU, 2012)

estima que cerca de 10% da população mundial, ou aproximadamente 650 milhões de

pessoas, vivem com algum tipo de deficiência.

Nesse ponto, cabe comentar o que pode ser considerado como deficiência, tendo em

vista que a literatura atinente às questões envolvendo o tema é difusa. Nesse trabalho, será

utilizado o conceito adotado pela resolução aprovada pela ONU em 09 de dezembro de 1975,

a qual proclamou que:

[...] o termo "pessoa deficiente" refere-se a quaisquer pessoas incapaz de assegurar por si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou social normal, em decorrência de uma deficiência, congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais; [...] as pessoas deficientes têm o mesmo direito a medidas que visem capacitá-las a tomarem-se tão autoconfiantes quanto possível; [...] as pessoas deficientes têm o mesmo direito à segurança econômica e social de vida decente e de acordo com suas capacidades, a obter e manter um emprego ou desenvolver atividades úteis, produtivas e remuneradas e a participar de sindicatos; [...] as pessoas deficientes têm direito de ter suas necessidades especiais levadas em consideração em todos os estágios de planejamento econômico e social.

No Brasil, a base legal na questão da definição de deficiência tem amparo nos artigos

3 e 4 do capítulo 1 do Decreto Federal nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, que entende que:

Deficiência é todo e qualquer comprometimento que afeta a integridade da pessoa e traz prejuízos na sua locomoção, na coordenação de movimentos, na fala, na compreensão de informações, na orientação espacial ou na percepção e contato com as outras pessoas. A deficiência gera dificuldades ou impossibilidades de execução de atividades comuns às outras pessoas, e, inclusive, resulta na dificuldade da manutenção de emprego. [...] Deficiência Visual é a perda ou redução da capacidade visual em ambos os olhos em caráter definitivo e que não possa ser melhorada ou corrigida com uso de tratamento cirúrgico, clínico e/ou lentes. O Decreto 3298 considera deficiente visual a pessoa que tem dificuldade ou impossibilidade de enxergar a uma distância de 6 metros o que uma pessoa sem deficiência enxergaria a 60 metros, após a melhor correção, ou que tenha o campo visual (área de percepção visual) limitada a 20%, ou com ambas as situações. (Brasil, 1999).

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O que parece ser relevantes são dados que buscam mensurar a amplitude do contingente

desses indivíduos no Brasil. Segundo o Censo 2010 divulgado pelo Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE, 2012), 23,9% da população brasileira (mais de 45 milhões de

brasileiros) declarou possuir algum tipo de deficiência. Desse total, quase 36 milhões, ou mais

de 19% da população, afirmou ser portadoras de deficiência visual em algum grau de

severidade.

Nesse contexto, ganha importância a tentativa de compreensão desses indivíduos como

grupo social. Assim, segundo Souza Jr. et al., (2012), no que toca às teorias da sociedade, o

contingente populacional de deficientes visuais, investigado a partir de suas estratégias de

relacionamento, agrupamento e aliança, entre outras, pode ser pensado como novos sujeitos

coletivos, que, em suas lutas por se fazerem visíveis, inauguram “novos lugares de fala”,

“novos espaços sociais de luta”. Isso parece trazer à tona uma questão que aparenta ter sido

relegada ao segundo plano pelas ciências sociais no entendimento das sociedades modernas –

o consumo (Duarte, 2010). Ou seja, levando em conta que o consumo também cede espaço

para a reprodução social de falas e identidades, uma vez que conectam questões de nossas

vidas cotidianas com questões centrais de nossa sociedade e de nossa época (Slater, 2002), o

consumo desse grupo social começa a surgir como algo interessante para pesquisa e

entendimento para estudiosos de diversos campos do conhecimento.

Não se pode deixar de mencionar que o consumo, na vertente adotada nesse trabalho,

pode ser explicado em uma perspectiva social e culturalmente construída na qual se articula

diversas questões como a superposição de identidades entre cidadão e consumidor,

simbolismos dos produtos, sistema de classificação e elaboração de valores, tensões entre o

racional e o emocional, sem esquecer as questões de gênero, idade, diferenças no gosto,

envolvendo a cultura material. Em outras palavras, para melhor compreender o consumo em

toda a sua complexidade e riqueza de possibilidade de conversação com outros campos do

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conhecimento diante de sua multidisciplinaridade, parece ser difícil ou indesejável

desvencilhá-lo dos aspectos culturais que permeiam as relações sociais.

Sendo assim, e trazendo para discussão o foco nas pessoas com deficiência, para Hogg e

Wilson (2004), em uma sociedade permeada por práticas de consumo como projeções da

identidade, a dificuldade dos portadores de deficiência vivenciar o processo de consumo pode

acarretar problemas de formação e de expressão de suas identidades. Em pesquisa com foco

em consumidores com deficiência visual, Baker, Stephens e Hill (2002) recomendam que

sejam conduzidos estudos acadêmicos em varejo e serviços para que, a partir deles, os

praticantes possam operacionalizar a acessibilidade a bens e serviços. Para Baker (2006),

impõe-se a necessidade de investigar como os deficientes visuais constroem suas identidades

individuais e coletivas por meio do consumo. De acordo com Sassaki (2003), possibilidades

de estudo abrem-se quando são enfocados os consumidores com deficiência, historicamente

estigmatizados e relegados à condição de invisibilidade social. Essa é a constatação de

Barbosa (2006) quando aponta, com expressivo grau de perplexidade, que muitos grupos

sociais no Brasil foram considerados ao longo de várias décadas alijados como pertencentes à

sociedade de consumo.

Para Silva (2007), a pessoa que nasce e cresce naturalmente cega, não costuma

experimentar tanto sentimento de perda, mas encontra dificuldade natural para compreensão

dos conceitos visuais, ao passo que, quem adquire a cegueira após ter experimentado o

contato visual com o mundo, provavelmente contará com um nível de compreensão dos fatos

(e desse próprio mundo) um pouco diferente, fato que não distingue esse indivíduo frente aos

demais deficientes visuais perante a sociedade. Ou seja, todos estão na mesma condição de

enfrentamento e provação quando questões de acessibilidade, consumo, educação, inclusão,

preconceito e trabalho, por exemplo, vem à tona.

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De acordo com Amaro et al. (2008), a despeito de um número tão representativo de

pessoas, ainda é pequena a quantidade de acadêmicos e empresas em geral que se dedicaram a

explorar o universo desses indivíduos. Constata-se que os poucos estudos relacionados aos

portadores de deficiência no Brasil tem privilegiado basicamente as questões da gestão da

diversidade nos locais de trabalho (Freitas, 2007; Freitas & Marques, 2007; Freitas, Marques

& Nepomuceno; 2008) e da inclusão social (Acevedo, Fiammetti & Nohara, 2007;

Nascimento, Damasceno & Assis, 2008; Brumer, Mocelin & Pavei, 2004; Serrano &

Brunstein, 2007), que mais comumente ocorre por meio da educação ou do trabalho. A

produção de estudos com esse enfoque se deve, principalmente, pelas recentes conquistas

sociais e políticas resultantes da postura legalista do Estado, que de acordo com Amaro et al.

(2008, p. 1), “fazem com que os deficientes tenham seu papel como cidadão ampliado,

participando mais ativamente das esferas da vida em sociedade, inclusive enquanto

consumidores”.

Os deficientes têm a sua personalidade e o seu modo de vida transformados, retratados

na esfera do consumo em atitudes e tomadas de decisão de compra distintas do restante da

população (Faria & Motta, 2010). Não dispondo de todos os recursos sensoriais para

capturarem os estímulos externos, o deficiente visual recebe uma carga diferente de

informações para estabelecer no seu imaginário a relação entre ele próprio e o produto ou

serviço que é objeto de consumo. As pessoas com qualquer deficiência, assim como todos os

indivíduos, têm necessidades que precisam ser supridas com o consumo (Ruddell & Shinew,

2006) e vêem, de forma crescente, buscando desenvolver e fortalecer mecanismos de inclusão

e ampliar seus papéis sociais (Damascena, Melo & Batista, 2012).

A partir dessas considerações, é bastante óbvia a constatação de que, além do consumo

dos produtos tangíveis, os deficientes visuais também são usuários de serviços diversos como

os bancários, de saúde, assim como lazer, entretenimento e os relacionados à beleza e estética.

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É justamente nesse ponto que tende a emergir uma questão que parece ter, em sua essência,

oscilação um tanto curiosa e contraditória. Se esses indivíduos não possuem o sentido da

visão, como são construídas as relações deles com questões envolvendo a beleza e estética,

bem como o cuidado com o cabelo, com as unhas, com a pele, entre outras? No mesmo

sentido, como eles constroem o significado desse tipo de atividade em sua vida cotidiana e no

relacionamento com amigos, parentes, vizinhos e entre os integrantes do grupo de deficientes?

Ganha vulto, ainda, questões envolvendo os aspectos experienciais desse tipo de serviços

tendo em vista a limitação dos indivíduos no que tange a detalhes relacionados a cores,

iluminação, layout dos estabelecimentos, embalagem de produtos, atendimento por parte dos

profissionais.

Diante deste contexto, este estudo se propôs a explorar o universo dos deficientes

visuais, especificamente o de mulheres portadoras de deficiência visual, enquanto

consumidoras de serviços de beleza e estética, fazendo surgir a seguinte problemática: “Como

mulheres deficientes visuais vivenciam suas experiências de consumo em uma perspectiva

social e culturalmente construída em serviços de beleza e estética?” No sentido de buscar uma

resposta à problemática apresentada, alguns objetivos (especificados abaixo) foram

estabelecidos para serem norteadores do estudo que se seguiu.

1. Identificar qual o imaginário dos deficientes visuais no consumo de serviços de beleza e

estética;

2. Apontar as barreiras – espaciais, psicológicas e sociais – encontradas pelos deficientes

visuais, para que realizem o consumo de serviços de beleza e estética;

3. Relatar se os cenários de serviços em beleza e estética são capazes de gerar reações

emocionais capazes de tornar a experiência única e memorável sob o ponto de vista do

deficiente visual;

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4. Identificar quais são os significados existentes e/ou produzidos durante o consumo de

serviços pelos deficientes visuais e como estes significados são comunicados para o seu

universo social.

É consenso entre os estudiosos e pesquisadores brasileiros (Amaro et al., 2008; Faria

& Motta, 2010; Faria & Silva, 2011; Pinto & Freitas, 2011) que buscaram investigar as

incursões dos deficientes visuais no universo de consumo de bens e serviços, a existência de

inúmeras possibilidades de estudos e percursos metodológicos que poderiam servir a

compreensão e entendimento de como esses indivíduos vivenciam suas experiências de

consumo.

Para fundamentar este estudo a partir da perspectiva antropológica, achou-se

importante apresentar a abordagem experiencial do consumo refletida sobre o arcabouço

teórico da CCT – Consumer Culture Theory ou Teoria da Cultura e Consumo, que revela o

consumo como um constructo social que permite aos indivíduos manifestarem suas

identidades, expressarem sua cultura, seu estilo de vida e suas emoções, criando e recriando a

si próprios enquanto personagens de uma sociedade (Arnould & Thompson, 2005).

Não mais importante que seu próprio fim, o autor justificou a realização deste estudo

por questões de ordens acadêmicas e práticas gerenciais. Uma grande parte dos estudos

produzidos com as pessoas portadoras de deficiência no Brasil se deve ao fato da força

política deste público ter aumentando substancialmente, produto de políticas públicas

implementadas no passado e representadas na atualidade, por exemplo, pelo programa Viver

Sem Limite, lançado no dia 17 de novembro de 2011 (Decreto nº 7.612), pela presidenta

Dilma Rousseff, com o objetivo de implementar novas iniciativas e intensificar ações que,

atualmente, já são desenvolvidas pelo governo em benefício das pessoas com deficiência

(Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 2014).

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Outra questão de ordem acadêmica que se impôs foi a necessidade de abordagens mais

experienciais, etnográficas e/ou fenomenológicas, que conseguissem captar e retratar de

forma mais profunda o viés hedônico das experiências de consumo (Hoolbrook & Hirschman,

1982) vivenciadas pelos deficientes visuais. Por esta necessidade, o percurso metodológico

escolhido – o da etnografia – para a realização deste estudo se constituiu importante decisão

para o alcance dos objetivos propostos.

Ademais, esse estudo vem a juntar a outros com o intuito de se escrutinar questões

envolvendo o consumo de grupos sociais diversos em uma perspectiva social e culturalmente

construída no cotidiano dos atores envolvidos sem as amarras de modelos “importados” e pré-

concebidos.

Na outra ponta, as iniciativas de Marketing no ambiente de consumo brasileiro

parecem caminhar no sentido contrário ao do reconhecimento dos deficientes visuais

enquanto consumidores, pois ao privilegiar a utilização de recursos convencionais de

comunicação (cartazes, faixas, rádios, tv’s, etc) o varejo de produtos e serviços reduz a

exposição dos deficientes aos estímulos produzidos por tais recursos, implicando na limitação

do universo de consumo desta população (Amaro et al., 2008). Esta é a questão de prática

gerencial a qual este estudo prestou sua contribuição, no sentido de ajudar o empresariado a

compreender a necessidade destes “consumidores especiais”, tornando acessíveis, produtos e

serviços, e ampliando assim o universo de consumo desta parcela da sociedade.

Por fim, o processo de consumir é resultante da interação entre funções hedônicas,

simbólicas e utilitárias de um produto e as motivações de quem o irá consumir (Evrard &

Aurier, 1996) e, neste sentido, ao adotar a vista experiencial do consumo, este estudo revelou-

se instigante por investigar com foco bem direcionado a experiência humana produtora de

significado da mulher deficiente visual (McCracken, 2007; Sauerbronn et al., 2009) e

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promissora, por retratar um constructo do consumo ainda pouco explorado pelo meio

acadêmico.

18

2. Referencial Teórico

2.1. O consumo

Ao longo da nossa vida nos encontramos em muitas situações no dia a dia – como

encontros com os amigos, reuniões de família, dentre outras – dialogando a respeito de temas

sempre recorrentes como, por exemplo, experiências pessoais, família e trabalho. A vida

relacionada à esfera da produção também é sempre um assunto nas situações sociais vividas

por nós. Porém, pode-se dizer que são igualmente comuns os assuntos relacionados à outra

ponta da questão, o consumo - exatamente aquilo que trata do gasto (Rocha, 2002). O que o

autor quis mostrar é que a questão do consumo parece permear nossa vida cotidiana, afinal,

qualquer um pode passar a vida sem produzir algo, mas não conseguirá deixar de consumir.

Ainda que o tema consumo pareça ser algo central na sociedade atual, o que levou

estudiosos a nomearem e buscarem elementos para caracterizá-la como “sociedade de

consumo” (Barbosa, 2004; Baudrillard, 1981; Slater, 2002), “sociedade de hiperconsumo”

(Lipovestsky, 2007), ou ainda “sociedade líquida” (Bauman, 2008), existe um relativo

consenso entre diversos autores (Duarte, 2010; Rocha, 2002; Lima, 2010) acerca de uma

“negligência” por parte dos cientistas sociais e dos fenômenos envolvendo o consumo. Para

Duarte (2010), foi somente na década de 1970 que começou a se consolidar um campo dentro

da antropologia com foco nas questões do consumo.

Tentando fazer uma retrospectiva dos estudos “clássicos” envolvendo o consumo nas

ciências sociais, Duarte (2010) enfatiza que, antes dos anos 1970, um dos trabalhos que abriu

a discussão acerca do fenômeno foi o de Veblen, publicado em 1899 e chamado de “A Teoria

da Classe Ociosa”. Neste texto, muito criticado na época, tal autor destacou a divisão de

classes na cultura antiga pela ocupação produtiva onde o status se fazia representar pelo ócio,

19

além de conceder ao consumo um caráter menos utilitarista, chamando a atenção para os

significados culturais presentes nesta atividade. Neste sentido, Rocha (2002, p. 8) afirma que

“o consumo como representação coletiva é uma ideia central que pode ser depreendida a

partir do estudo de Veblen”. Dessa forma:

As práticas de consumo são sociais, seu uso tanto simbólico quanto concreto é sempre social e nele nada se cria ou se frui que não tenha por substrato a significação pública. Enfim, o consumo é governado por representações coletivas, emoções codificadas, sentimentos obrigatórios, sistemas de pensamento e pela ordem cultural que o inventa, permite e sustenta (Rocha, 2002, p. 8).

Outro trabalho igualmente importante sobre o consumo é o de Marcel Mauss, chamado

Ensaio Sobre a Dádiva: Forma e Razão de Troca nas Sociedades Arcaicas, publicado em

1923, onde é relacionado o consumo ao simbolismo da troca. Para Mauss nem tudo no

contexto da troca está relacionado à razão econômica, mas também a necessidades culturais e

sociais. Segundo Rocha (2002, p. 10):

Na cultura contemporânea, o consumo ocupa este espaço e se transforma na arena onde se realiza a grande circulação de elementos simbólicos, um sistema de articulação que, através de produtos e serviços, marca as diferenças, agrupa as semelhanças e realiza esta função simbólica das trocas, fazendo com que os objetos possam ser veículo privilegiado para a comunicação entre as pessoas, a manutenção ou o estabelecimento das relações sociais.

Vale considerar que as discussões envolvendo o consumo nessa perspectiva simbólica

tiveram contribuições substancias na década de 1970 com a publicação do livro “O Mundo

dos Bens” de Mary Douglas e Baron Isherwood, e com o lançamento da obra de Pierre

Bourdieu, nomeada “A Distinção”. Já a década de 1980, que marca a consolidação do campo

da antropologia do consumo, segundo Duarte (2010), as contribuições foram do livro “A Vida

Social das Coisas” de Arjun Appadurai, da obra “Material Culture and Mass Consumption”

de Daniel Miller e “Cultura e Consumo” de Grant McCracken.

20

A contribuição desse campo de estudo para o entendimento do fenômeno do consumo

tem a ver com a noção de que o consumo se realiza em meios a circuitos simbólicos de trocas

sociais. Os objetos e serviços dos mais diferentes tipos não são consumidos de forma neutra;

são antropomorfizados para levarem a seus consumidores as individualidades e universos

simbólicos que a eles foram atribuídos (Pinto, 2009).

Trazendo a discussão para o campo do comportamento do consumidor, considerada uma

das escolas mais importantes da teoria de marketing (Sheth, Gardner & Garret, 1988), foi a

partir dos meados dos anos 1950 e 1960 que, sob a luz da Economia e da Psicologia, os

primeiros estudos surgiram buscando identificar quais aspectos econômicos ou motivacionais

influenciava o consumidor e explicava o seu comportamento de compra. (Lopes & Silva,

2011). Desde então, a produção da pesquisa acadêmica, de um modo geral, foi amparada por

estudos que privilegiaram os aspectos influenciadores mais diretos do comportamento de

compra como, por exemplo, a questão do atributo ou funcionalidade do objeto, logo, os

critérios para avaliar o sucesso de uma decisão de compra eram, por conseguinte,

primariamente utilitarista de natureza (Holbrook & Hirschman, 1982).

As décadas de 1960 e 1970 marcaram o surgimento dos modelos preditivos do

comportamento de compra e já no início dos anos 1980 ganharam força os estudos que

lançaram foco sob o modelo de processamento de informações (Lopes & Silva, 2011), que diz

respeito ao consumidor como um pensador lógico, que, para resolver os problemas, toma

decisões de compra (Holbrook & Hirschman, 1982). De acordo com Sauerbronn et al. (2009),

estes modelos acabavam por retratar o consumidor como um processador de informações,

isento de emoções e imerso em um mundo particular.

Sauerbronn et al. (2009) afirma que a abordagem do comportamento do consumidor

baseada na psicologia cognitiva, consolidada na maior parte dos manuais de comportamento

21

do consumidor, não tem mostrado a preocupação de explicitar o processo de construção de

significados e valores de consumo.

Nos anos 1990, o viés racional dos estudos relacionados ao comportamento do

consumidor cedeu espaço para abordagens não cognitivas, incorporando aspectos emocionais,

culturais, simbólicos ou sociais, por exemplo, nas pesquisas sobre comportamento do

consumidor. Tal abertura levou pesquisadores a trilharem uma abordagem mais experiencial e

fenomenológica do consumo em suas pesquisas, onde a experiência é "reconhecida como uma

parte do universo psicológico e tratada como um objeto de estudo" (Koch apud Holbrook &

Hirschman, 1982).

O consumo está diretamente relacionado à experiência humana produtora de significado

e não pode ter sua importância reduzida sob pena dos estudos não retratarem a realidade

observável (Sauerbronn et al., 2009). Neste contexto, Holbrook e Hirschman (1982)

afirmaram com seu estudo que o método convencional de pesquisa do comportamento do

consumidor aborda apenas uma fração dos dados fenomenológicos que compõem toda a

experiência de consumo. Para Sauerbronn et al. (2009) o modelo proposto por Holbrook e

Hirschman (1982) envolve consciência, emoção e valor para a experiência de consumo e

espera representar de forma mais ampla a natureza do comportamento do consumidor, que é

um resultado complexo e fascinante de uma interação infinita e multifacetada entre o

indivíduo e o meio ambiente (Holbrook & Hirschman, 1982). Ao ampliar seu contexto de

estudo, o campo da pesquisa sobre o comportamento do consumidor vem se desprendendo de

uma perspectiva individualista do consumidor para considerar relações sociais e contextos

culturais envolvidos e impactados pelo ato de consumo (Campos et al., 2006).

Para Casotti (1999), parte da evolução dos estudos sobre comportamento do consumidor

deve-se a multidisciplinaridade que é marcante em tais estudos nas últimas décadas, pois a

disciplina comportamento do consumidor abarca uma enorme teia de conceitos e estruturas

22

teóricas que servem como pano de fundo para a teorização acerca deste tema. Diante desta

miríade teórica, algumas ciências como a antropologia e a sociologia, extrapolaram seu

campo de observação e passaram a investigar o consumo como tema de pesquisa (Campos et

al., 2006), ampliando de forma significativa a compreensão deste ato que é carregado de

simbolismos e significados (McCracken, 2010).

O consumo deve ser investigado como um constructo social que permite aos indivíduos

manifestarem suas identidades. Os consumidores utilizam o objeto de consumo para expressar

sua cultura, seu estilo de vida e suas emoções, criando e recriando a si próprios enquanto

personagens de uma sociedade. Neste sentido, o consumo invoca uma ordem de ações que

antecedem e sucedem o momento em que o objeto é consumido (Desjeux, 2011), devendo ser

encarado como um elemento essencial ao funcionamento da sociedade. Sem os objetos de

consumo, os indivíduos de uma sociedade teriam dificuldade de fazer circular significados e

construir a ordem de funcionamento de seu universo social (McCracken, 2010).

De acordo com Rocha (2002) o ato de consumir produtos e serviços têm significados e

importância que transcendem sua utilidade e valor comercial, carregando consigo a

capacidade de transmitir e comunicar significados culturais. A transferência desses

significados do produto até o consumidor ocorre por meio de diversos rituais típicos da

sociedade de consumo, como a posse, a troca e o descarte.

Para D’Angelo (2003) o sistema de signos vinculado aos objetos jamais foi tão forte e

tão representativo da ordem social e tão enredado na coletividade, e este fato constitui a

principal distinção entre a sociedade contemporânea e suas predecessoras.

Segundo Holbrook e Hirschman (1982) foi o questionamento da onipresença da

perspectiva do processamento de informações nas pesquisas do comportamento do

consumidor que fez emergir uma abordagem mais experiencial do consumo, fenomenológica

em espírito e principalmente com olhar voltado ao consumo como um estado subjetivo de

23

consciência, com uma variedade de significados simbólicos, hedônicos, respostas e critérios

estéticos.

Neste sentido, avançaremos na próxima seção sobre a perspectiva experiencial do

consumo que, de acordo com Holbrook e Hirschman (1982, p. 137), “afasta o foco positivista

tradicional no comportamento de compra diretamente observável e dedica maior atenção aos

eventos mentais que cercam o ato de consumo” enquanto uma experiência cognitiva e

sensorial (Hirschman, 1984).

2.2. A abordagem experiencial do consumo

O consumo começou a ser visto como um fluxo constante de fantasias, sentimentos e

diversão, cercado por aquilo que chamamos de "vista experiencial" (Holbrook & Hirschman,

1982), logo, o consumo de um produto e/ou serviço sempre envolverá além de um

componente funcional ou utilitário, um componente da experiência (Azevedo Barbosa, 2006).

No sentido genérico herdado das ciências positivas, uma experiência é similar a um

experimento baseado em fatos e dados objetivos que podem ser generalizados (Azevedo

Barbosa, 2006; Souza Jr. et al. 2012). Dentre os mais diversos significados assumidos pela

palavra experiência, os que mais interessam a este estudo dizem respeito aos que servem às

áreas da sociologia e psicologia, que entende a experiência enquanto uma atividade cognitiva

e subjetiva que permite a construção da realidade e, ainda, sua verificação (Barbosa apud

Dubet, 2006) e, da antropologia e etnologia, que compreende a experiência como a maneira

pela qual os indivíduos vivem sua própria cultura e, mais precisamente, a forma como os

eventos são recebidos pela sua consciência (Bruner & Turner, 1986). Sob esta última

perspectiva, a experiência envolve sentimentos intensos que levam o indivíduo para outra

24

dimensão da sua vida cotidiana tornando-a singular, difícil de ser conhecida ou descoberta

pelo outro a não ser pela própria narrativa de quem a vivenciou (Bruner & Turner, 1986).

A experiência é algo inerentemente emocional e pessoal (Pullman & Gross, 2003),

podendo ser definida como um episódio subjetivo de construção e/ou transformação

individual, com, no entanto, uma ênfase sobre as emoções e sentidos manifestados durante a

imersão física e mental do indivíduo no contexto daquela experiência vivida (Carù & Covas,

2003). Complementar a esta definição de experiência, outra importante definição diz respeito

ao modelo servicescape proposto por Bitner (1992, 2000) que, apesar de não ter sido

concebido dentro de uma perspectiva exclusivamente experiencial (Brasil, 2007), define a

experiência como um resultado da interdependência de fatores presentes nos ambientes físicos

(como as condições ambientais, noções de espaço/funcionalidade e, sinais, símbolos e

artefatos) e sociais (interações que ocorrem entre as pessoas que dividem o mesmo ambiente),

determinando assim as respostas ou reações dos indivíduos no ambiente ao qual está inserido.

O conceito de experiência de consumo surgiu a partir dos trabalhos pioneiros de

Holbrook e Hirschman (1982), que mencionaram aspectos hedônicos do consumo em

contraposição à visão funcionalista ou utilitária.

Ao confrontar os modelos baseados no fluxo lógico do processamento de informações,

Holbrook e Hirschman (1982) apresentaram um diagrama (Figura 1) considerando algumas

variáveis chaves presentes em tais modelos, facilitando assim a comparação entre as

abordagens pela distinção que tal diagrama faz entre os fenômenos de interesse da abordagem

do processamento de informação (lado direito) e aqueles de interesse da abordagem

experiencial do consumo (lado esquerdo). De forma resumida este diagrama é descrito abaixo:

[...] muitos inputs ambientais e do próprio consumidor (produtos, recursos) são processados pelo sistema de resposta de intervenção (cognição-afeto, comportamento) que gera outputs de consequências que, quando avaliados com base em critérios, resultam em um aprendizado pelo loop de feedbacks. As diferenças individuais, a

25

atividade de pesquisa, o envolvimento e a definição de tarefas afetam os critérios pelos quais as consequências de saída são avaliadas (Holbrook & Hirschman, 1982, p. 132).

Figura 1

Contrastes entre a abordagem do processamento de informação e a abordagem

experiencial do consumo

Fonte: Holbrook e Hirschman (1982)

Este trabalho de Hoobrook e Hirschman (1982) relacionado à abordagem experiencial

do consumo inaugurou uma nova fase de estudos sobre o comportamento do consumidor e

desde então, a despeito dos vários estudos publicados sobre o tema experiência de consumo,

não há uma definição conceitual homogênea relacionada a este tema que permita estabelecer

uma delimitação clara do construto (Brasil, 2007).

26

Fato é que o consumo produz experiências cognitivas e sensoriais (Hirschman, 1984), e

ao considerar este viés experiencial enquanto uma abordagem pode-se elencar, segundo Brasil

(2007), duas características marcantes: o caráter prático e vivencial da experiência, e, o seu

traço individual. Uma terceira característica, não menos importante, é a concessão de espaço

para emoções que são evocadas antes, durante e depois do processo de consumo, fazendo de

cada experiência algo único, inesquecível e, ao mesmo tempo, capaz de transformar o

indivíduo (Addis & Holbrook, 2001). Assim, em um nível abstrato e íntimo a experiência de

consumo implica, indissociavelmente, em pensamentos, sensações e, principalmente, em

sentimentos, como amor, ódio, medo, alegria, tédio, ansiedade, orgulho, raiva, nojo, tristeza,

simpatia, desejo, êxtase, cobiça, culpa, alegria, vergonha e temor (Hirschman, 1984; Holbrook

& Hirschman, 1982), envolvendo emocionalmente o indivíduo ao longo deste processo no

qual os aspectos multi-sensoriais, imaginários e emotivos são extremamente relevantes

(Barbosa, 2006).

Para a grande maioria dos consumidores o produto adquirido é menos importante do

que a experiência de compra em si (Benson, 2000), e, diante disto, a perspectiva experiencial

do consumo oferece um campo rico para o desenvolvimento de novos estudos acerca do

comportamento do consumidor, principalmente levando-se em consideração os aspectos

vivenciais do consumo (Holbrook & Hirschman, 1982).

Posto isto, na próxima seção destacaremos a abordagem experiencial do consumo em

serviços por três motivos. O primeiro, pelo ambiente de serviços ser o espaço das interações

simbólicas entre clientes e organizações (Ferreira et al. 2006); o segundo, pela importância

que o ambiente de serviços têm para o sistema de marketing (Carvalho & Motta, 2000; Motta,

2000; Wilkie & Moore, 1999) e terceiro, pelo destaque e importância deste recorte para o

estudo em questão.

27

2.3. A abordagem experiencial do consumo em serviços

De acordo com Barbosa e Farias (2012) uma experiência é resultado da participação

do consumidor em uma série de atividades dentro de um contexto, este último representado

pelo espaço físico, um local específico, a organização dos produtos, o conjunto de objetos, os

atores, regras e procedimentos estabelecidos para as interações sociais (Gupta & Vajic, 2000)

e, para entender o que o consumidor vivencia a partir do que lhe é ofertado, é necessário

conhecer suas expectativas nos momentos anteriores ao consumo, os significados relativos às

experiências vividas durante o consumo do serviço, e as lembranças que o consumidor guarda

das suas experiências, sejam elas vivenciadas como algo comum (com viés utilitário) ou algo

extraordinário, com um viés hedônico (Barbosa, Farias & Kovacs, 2008).

Existem duas perspectivas relacionadas à experiência de consumo do serviço (Barbosa

apud Petr, 2006). A primeira está relacionada à determinação das características físicas do

quadro da experiência, ou seja, o ambiente de serviços, que assume papel fundamental na

construção da experiência, não caracterizado somente como um ponto de passagem necessário

à aquisição de bens/serviços, mas transformado em vetor de atração, retenção, fidelização

(Barbosa, 2006) e, principalmente, realização de clientes.

Os ambientes ou cenários de serviços sonhados pelos consumidores são aqueles em

que as pessoas podem sentir-se no papel de protagonista da história, tendo à sua disposição

todos os estímulos necessários para manter-se no foco da situação de consumo (Carvalho &

Motta, 2002). Segundo Lessa e Guimarães (2008) o ambiente de serviços tem grande

influência na percepção de qualidade e satisfação dos clientes podendo ser usado como fonte

de diferenciação, algo já retratado por Kotler (1973) que reconheceu que as características

mais significantes do produto são também representadas pelo lugar onde ele é comprado ou

consumido.

28

A segunda perspectiva está relacionada à questão de determinar as características da

atmosfera da experiência, algo que é complexo de se definir e elaborar por ser fortemente

subjetivo (Holbrook & Hirschman, 1982) e por sua criação depender do apoio dos códigos

sociais e atributos simbólicos compreendidos e compartilhados pela maioria das pessoas

(Solomon, 1983).

Para Carvalho e Motta (2002), uma experiência de serviço ocorrerá quando um

consumidor tiver alguma sensação ou aquisição de conhecimento resultante de um nível de

interação com diferentes elementos de um contexto criado por um provedor de serviços,

elementos estes compreendidos por tudo aquilo relacionado a atmosfera ou as condições

ambientais, os objetos de cena, efeitos de luz e som, a organização espacial (Carvalho &

Motta, 2002) enfim, todos os aspectos que juntos reúnem as condições para que o consumidor

resolva permanecer ou sair do ambiente, explorar a loja, interagir com pessoas ou recursos do

ambiente ou modificar sua percepção de satisfação com a experiência do serviço (Brady &

Cronin, 2001; Cronin et al., 2000; Donovan & Rossiter, 1982; Farias & Santos, 2000).

No conceito do servicescape, Bitner (1992) afirma que o ambiente é percebido

holisticamente pelos clientes e funcionários como uma combinação de três dimensões: 1)

ambiental; 2) layout espacial e funcionalidade; e 3) sinais, símbolos e artefatos. As condições

ambientais são as características do ambiente como temperatura, iluminação, ruído, música e

cheiro, que, em geral, afetam os cincos sentidos; o layout espacial é a maneira como os

equipamentos e outros itens são dispostos e a funcionalidade refere-se à capacidade destes

itens de facilitar o desempenho; e os signos, símbolos e artefatos são sinais explícitos ou

implícitos que comunicam características do lugar aos clientes e/ou funcionários, podendo ser

utilizados, por exemplo, para comunicar a identidade da empresa ou regras de

comportamento. Cada dimensão pode afetar separadamente ou em conjunto o comportamento

29

do cliente e do empregado, à medida que os estímulos ambientais geram respostas internas

que influenciam o comportamento e a interação (Bitner, 1992).

Mehrabian e Russell (1974) propõem a compreensão dos processos interativos entre os

indivíduos e as variáveis ambientais por meio de um modelo baseado no paradigma Estimulo-

Organismo-Resposta (S-O-R), que propõe que um estímulo do ambiente desperta emoções

que podem consequentemente influenciar comportamentos de resposta. Ainda de acordo com

Mehrabian e Russell (1974), todas as respostas a um determinado ambiente podem ser

consideradas comportamentos de aproximação ou afastamento, sendo mediados por três

estados fundamentais de reações emocionais: 1) prazer ou desprazer – medida pela qual o

cliente se sente bem, feliz ou satisfeito em sua interação com o ambiente; 2) ativação ou

desativação – quão alerta, estimulado ou ativo o cliente se sente na experiência e; 3)

dominância ou submissão – sensação de controlar e se sentir livre em uma situação específica.

Ao explorar o modelo de Mehrabian e Russell (1974), Carvalho e Motta (2002)

constatam que nos ambientes de varejo, geralmente, a interação com os produtos oferecidos

ocorre sempre depois do estímulo visual inicial e, neste sentido, as variáveis ambientais mais

significativas para os consumidores seriam os estímulos visuais, o conforto, a recreação e a

atratividade estética dos cenários (Holbrook, 1998; McGrath, 1998; Oakes, 2000). Outra

constatação de Carvalho e Motta (2002) é que, entre as variáveis observáveis de estímulo (S)

e o comportamento de resposta final (R) presente neste modelo, insere-se um conjunto de

fatores do organismo (O) que atuam como determinantes reais do comportamento, dos quais o

mais relevante é o da percepção, definido como o processo pelo qual um indivíduo atribui um

significado aos estímulos oriundos do ambiente (Karsaklian, 2000).

Segundo Carvalho e Motta (2002) a teoria psicológica da aprendizagem, absorvida

pelo projeto da Gestalt e pela posição cognitivista (Schultz & Schultz, 1999), sugere que todo

comportamento humano é passível de ser modificado por meio da experiência, cabendo à

30

percepção o papel chave na apreensão do ambiente e na formação de uma resposta de

comportamento intencional diante desse ambiente. Assim, a partir desta perspectiva Carvalho

e Motta (2002) afirmam que:

[...] a experiência de serviços deixa de ser vista como uma simples atividade econômica e passa a incluir a observação cognitiva pelo consumidor de diversas variáveis intervenientes no ambiente, aptas a gerar interação social, pausa nas rotinas diárias, estimulação sensória, exercício físico, voyeurismo, exibicionismo, divertimento, hedonismo e fantasia, além de criatividade, desenvolvimento pessoal, sensualidade, significação cultural, atividade intelectual, fetichismo, construção de identidades ou mesmo misticismo e questionamento da vida humana.

Para uma experiência, do ponto vista do consumidor, se tornar extraordinária ou

memorável é necessário, além da criação deste sentimento durante a visita a uma determinada

loja, cultivar também uma lembrança na sua mente, viabilizando assim o conjunto de ações

que desencadearão a vontade de fazê-lo retornar e viver uma nova experiência (Dupuis &

Savreux apud Barbosa, 2006). Logo, os cenários de serviço devem ser capazes de gerar uma

reação emocional (Carvalho & Motta, 2000; Motta, 2000; Russell & Mehrabian, 1978; Sheth

et al., 2001; Turley & Fugate, 1992), capaz de tornar aquela experiência, sob o ponto de vista

do consumidor, única, memorável e sustentável ao longo do tempo, permitindo assim o

surgimento de emoções e transformações nos indivíduos, algo que, em uma experiência de

consumo em serviços, constitui importante componente da resposta de consumo (Richins,

1997). Enfim, como afirma Barbosa (2006), para o indivíduo interpretar a experiência como

extraordinária é preciso, antes de qualquer coisa, que exista uma inter-relação entre o que é

ofertado e a vivência desse indivíduo durante o processo de aquisição de um serviço.

Uma questão central neste processo de construção da experiência extraordinária é a

subjetividade com a qual o indivíduo realiza suas interpretações de todo o contexto que cerca

o ato do consumo, dado que as diferenças simbólicas e culturais entre os indivíduos

determinam (antes mesmo da decisão de compra) modos particulares de (re)produzir e

31

(re)significar este ato dentro de uma ordem cultural e social estabelecida. Neste sentido,

Rocha (2002) afirma que além de serem marcadas pelo seu caráter utilitário, as práticas de

consumo são sociais e, seu uso, tanto simbólico quanto concreto, é sempre social e nele nada

se criará ou se fruirá que não tenha por substrato a significação pública. Ou seja, o consumo

na sociedade atual se tornou o meio pelo qual os indivíduos se comunicam, se identificam, se

relacionam e se diferenciam (Baudrillard, 1981; McCracken, 2010; Slater 2002) e, por isto,

faz-se necessário discutirmos em uma seção à parte a relação existente entre sociedade,

cultura e consumo que, a partir do século XX, encontraram uma ligação sem precedentes na

História da humanidade (McCracken, 2007).

2.4. A teoria da cultura e consumo

O debate sobre sociedade, cultura e consumo é, muitas vezes, controverso devido a

própria dimensão de cada um desses temas, e revelador por desmistificar aspectos e

características marcantes da sociedade de consumo, a sociedade em que o consumo é o

elemento central da vida social, as aspirações consumistas são legítimas e em que a

insaciabilidade dos desejos de posse de objetos, mais do que uma característica, é uma

necessidade à manutenção do sistema (Fullerton & Punj, 1998).

Segundo alguns acadêmicos, estudiosos e pensadores a chamada sociedade de

consumo teve a sua origem antes mesmo da Revolução Industrial, o que confronta a literatura

tradicional e o viés produtivista que até então prevaleceu neste debate em torno da sociedade,

do consumo e da modernidade ocorrida entre os séculos XVI e XVIII. De acordo com Miller

(1995) esta narrativa que tem conferido procedência moral e ideológica a Revolução

Industrial e ao próprio trabalho (ambos referenciados como precursores das transformações

sociais dos tempos modernos) foi decorrente das visões convergentes entre economistas

32

clássicos e neomarxistas de que o consumo foi uma consequência das necessidades da

produção em massa decorrentes da Revolução Industrial.

Segundo Slater (2002) foi a Revolução Comercial – entendida como aquela que deu

vazão a gostos, modas e interesse dos indivíduos pelo consumo antes mesmo da emergência

dos meios de produção capazes de atender a essas demandas – que marcou a passagem da

sociedade tradicional para a moderna.

Neste embate entre produção e consumo sobre a origem da sociedade moderna ou

sociedade de consumo, Rocha (2002) afirma que ambas as dimensões – produção e consumo

– são indissociáveis, porém, o consumo só se reduz a um fato econômico, algo capaz de

equalizar a todos pela via da posse do dinheiro, até a fronteira do preço de entrada, pois daí

em diante são diferenças de uma ordem mais complexa que passam a governar, ordem esta

composta principalmente por aspectos simbólicos e culturais que se manifestam, tornando a

escolha de consumo completamente dependente da ordem cultural, de sistemas simbólicos e

de necessidades classificatórias.

A Consumer Culture Theory (CCT) ou Teoria da Cultura e Consumo abre um novo

plano para o entendimento desta nova ordem, se referindo a uma família de perspectivas

teóricas que abordam as relações dinâmicas entre as ações de consumo, o mercado e os

significados culturais, explorando a distribuição heterogênea destes significados e a

multiplicidade de sobreposição de grupos culturais que existem dentro dos mais amplos

quadros sócio-históricos da globalização e do capitalismo de mercado (Arnould & Thompson,

2005). Segundo D’Angelo (2003):

Nessa nova ordem, os produtos deixam de ser privilégio de alguns e passam a ser aspiração de todos. De elementos funcionais ou de mera sinalização de status, os objetos ganham, gradativamente, significados novos, reflexo da celeridade das mudanças sociais e das novas esferas de manifestação e expressão coletivas e individuais.

33

Para Arnould e Thompson (2005), a CCT denota um arranjo social em que as relações

entre a cultura vivida e os recursos sociais, e entre as formas significativas de vida e os

recursos materiais e simbólicos dos quais dependem, são mediadas através dos mercados. A

questão central da CCT é o modo pelo qual ela entrelaça as questões que envolvem o como

devemos ou queremos viver, à forma de organização da sociedade (Slater, 2002) se

configurando em uma tradição de pesquisa interdisciplinar que tem avançado o conhecimento

sobre a cultura de consumo (em todas as suas manifestações heterogêneas) e que têm gerado

resultados empiricamente fundamentados e inovações teóricas que são relevantes para um

amplo eleitorado na ciência social (Arnould & Thompson, 2005).

De acordo com Pinto e Lara (2009) pode-se afirmar que cultura e consumo encontraram

uma forte ligação, uma vez que o consumo é moldado em todos os seus sentidos por

considerações culturais e também pelo consumo ter se tornado a forma pela qual a sociedade

passou a assimilar a sua própria cultura (Slater, 2002). Neste sentido, os bens de consumo têm

uma significância que vai além de seu caráter utilitário e seu valor comercial (McCracken,

2007), medida em sua maior parte na capacidade que os bens de consumo possuem de

carregar e comunicar significado cultural (Douglas & Isherwood, 1978; Sahlins, 1976).

O consumo se tornou o meio pelo qual os indivíduos se comunicam, se manifestam e se

reconhecem, constituindo um sistema e até mesmo constituindo a “sociedade em si” (Douglas

& Isherwood, 1996, p. 49). Todo o consumo, por consequência, é cultural, pois envolve

significados compartilhados socialmente e porque tudo o que consumimos possui um

significado cultural específico, através do qual reproduzimos nosso sistema de relações

sociais (Slater, 2002). Logo, no instante em que consumo e cultura são operados

conjuntamente, o consumo se torna um sistema simbólico (D’Ângelo, 2003) por meio do qual

a cultura expressa seus princípios, categorias, ideais, valores, identidades e projetos (Rocha,

2000).

34

Segundo McCracken (2007), uma grande limitação das atuais abordagens ao estudo do

significado cultural do consumo de bens ou serviços é a não observação do fato de que este

significado está em constante trânsito, uma vez que este significado flui naturalmente entre o

mundo culturalmente constituído, o bem de consumo e o consumidor individual, movendo-se

numa trajetória com dois pontos de transferência: do mundo para o bem e do bem para o

indivíduo. Esta trajetória pode ser melhor compreendida na figura abaixo:

Figura 2

Movimentação de significado

Fonte: McCracken (2007), adaptado pelo autor.

A localização original do significado cultural que reside nos bens de consumo é o

mundo culturalmente constituído, formado pelo meio social e cultural no qual as pessoas

convivem logo, aí está a origem do significado imputado a produtos e serviços (McCracken,

2010). Ao destacar o significado deste mundo, tal significado é transferido para os bens que

são depositários de significados culturais que podem estar evidentes ou escondidos para o

35

consumidor (McCracken, 2010). Esta transferência é realizada por meio de rituais, que nada

mais são do que ações simbólicas que manipulam o significado cultural de modo a favorecer a

comunicação e a categorização entre grupos e indivíduos (McCracken, 2010).

Segundo McCracken (2007), o ritual é uma oportunidade de afirmar, evocar, atribuir

ou rever os símbolos e significados convencionais da ordem cultural, constituindo-se em uma

ferramenta poderosa e versátil de manipulação do significado cultural. Para Rocha (2002) os

rituais ganham aspecto tangível através da utilização de artefatos (objetos e produtos

utilizados/consumidos no ritual), dos scripts (guias que especificam a utilização dos artefatos

e a sequência de procedimentos e comportamentos), do exercício de papéis por parte dos

participantes e da presença de expectadores, que acompanham o ritual (Rook, 1985).

Como último locus do significado encontramos o consumidor que se auto define por

meio dos significados culturais presentes em objetos e produtos, ambos instrumentos de

formação e manutenção da identidade deste consumidor enquanto indivíduo da sociedade de

consumo (D’Ângelo, 2003).

Para McCracken (2007), entender a mobilidade do significado cultural numa

sociedade de consumo é fundamental para percebermos como este significado é

(re)transmitido entre os locus descritos, além de tal entendimento contribuir para esclarecer

dois aspectos deste fenômeno na sociedade moderna: 1) perceber os consumidores e bens de

consumo como estações na via do significado e; 2) enxergar a publicidade, o mundo da moda

e os rituais de consumo como instrumentos do movimento do significado cultural.

2.5. O estado da arte dos estudos sobre consumidores deficientes visuais no Brasil

A produção de estudos no Brasil acerca do consumo das pessoas portadoras de

deficiência, em especial os deficientes visuais, ainda é tímida frente ao corpus de estudos que

36

retratam temas como gestão da diversidade no ambiente de trabalho ou inclusão social

(Amaro et al., 2008).

Ao mesmo tempo em que são reconhecidos direitos destes cidadãos e deveres do

Estado para com esta parcela da sociedade, ainda são muitos os desafios das pessoas

portadoras de deficiência, privadas em sua grande maioria de atividades simples do dia a dia,

como o consumo, por exemplo.

Para Amaro et al. (2008, p. 10) “os portadores de deficiência visual podem realizar

uma série de atividades de maneira independente”, porém, por não terem na sua integralidade

a visão, considerada o canal mais importante de relacionamento do indivíduo com o mundo

exterior (Gil, 2000), a vivência de algumas experiências cotidianas, como a prática do

consumo, tornam-se ainda mais reveladoras sobre a percepção que estes indivíduos possuem

sobre o mundo das coisas. Esta questão despertou por si só a busca por estudos que reflitam

sobre o universo de consumo dos deficientes visuais.

Assim, foi pesquisado o conjunto de artigos científicos publicados a partir do ano de

2008 nos anais da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração

(ANPAD), que tinham como tema central a experiência de consumo de bens e/ou serviços por

deficientes visuais. Foi encontrado um total de quatro artigos, os quais descreveremos

brevemente a seguir.

Em 2008, foi publicado um estudo que explorava a adaptação do varejo às

necessidades dos deficientes visuais. Neste estudo, Amaro et al. (2008) chamaram atenção

para o papel desempenhado pelo varejo, analisando a qualidade das interações de consumo

dos deficientes visuais, mostrando os desafios gerados por uma parcela distinta da sociedade

cada vez mais inserida no universo de consumo e as oportunidades existentes para o

empresariado decorrentes do incremento de renda provocados por políticas públicas e

programas de inclusão.

37

Faria e Mota (2010) publicaram uma pesquisa que teve como objetivo identificar os

fatores que mais restringem o consumo de serviços de lazer turístico por pessoas com

deficiência visual. Os resultados da pesquisa apontaram sete fatores de restrição ao consumo

de serviços de lazer turístico para pessoas com deficiência visual: tempo, recursos financeiros,

questões pessoais, importância da companhia, barreiras atitudinais, barreiras arquitetônicas e

atendimento. Tais resultados levaram os autores a sugerirem que no setor estudado, faltam

investimentos em treinamento para que os funcionários de linha de frente estejam capacitados

a atender os deficientes visuais de forma adequada.

Em 2011, Faria e Silva realizaram uma pesquisa que optou por abordar as demandas

de pessoas com deficiência visual em restaurantes na cidade do Rio de Janeiro. O objetivo

principal do estudo era determinar a importância relativa que as pessoas com deficiência

visual davam aos atributos do serviço de restaurantes em momentos de lazer e a utilidade

associada por tais consumidores aos níveis desses atributos. Os resultados da investigação

apontaram cinco atributos como sendo os mais importantes para os sujeitos pesquisados: a

ambiência, o atendimento, o formato da mesa, o acesso ao garçom e o cardápio. Outro

resultado da pesquisa foi a constatação de que os restaurantes da cidade do Rio de Janeiro não

atendiam a demanda por serviços de qualidade dos deficientes visuais.

Ainda em 2011, Pinto e Freitas retomaram o varejo como cenário de consumo e,

dentro de uma perspectiva experiencial e referenciada pela antropologia do consumo,

investigaram como os deficientes visuais vivenciavam no varejo suas experiências de compra

de produtos, serviços, artefatos e imagens simbólicas relacionados ao vestuário. Como

resultado, os pesquisadores destacaram que os consumidores deficientes visuais pesquisados

definiram suas experiências de compra como algo mais do que situações aparentemente

comuns, ao mesmo tempo em que expressaram diversos valores por meio do consumo,

celebrando sua ligação com a sociedade como um todo.

38

É importante pontuar aqui a existência de estudos fora dos anais da ANPAD como,

por exemplo, o de Brumer, Pavei e Mocelin (2004) e Castro et al. (2008), que tiveram como

temática explorar de alguma forma o universo de consumo dos deficientes visuais.

Ainda que exista alguma redundância dos arcabouços teóricos utilizados e temáticas

que serviram de pano de fundo para a realização dos estudos aqui mencionados, não podemos

deixar de chamar a atenção para que estes mesmos estudos abriram novas perspectivas para

estudiosos e pesquisadores das ciências sociais e lançaram um primeiro olhar sobre a

importância dos deficientes visuais, e porque não de todos os demais portadores de

deficiência, no contexto do consumo. Ademais, reconhecer o pioneirismo na realização destes

estudos se torna fundamental no processo de reconsideração destes enquanto fonte de

conhecimento no meio acadêmico.

Um fato que chama atenção nestes estudos apresentados é o encorajamento que os

autores fazem para que novas pesquisas sejam realizadas. Amaro et al. (2008) sugere novos

estudos enfocando, por exemplo, lojas de roupas, de eletroeletrônicos e de cosméticos. Faria e

Mota (2010) como primeira indicação para novos esforços de pesquisa recomendam

fortemente que sejam conduzidos estudos sobre restrições ao consumo de lazer turístico com

pessoas que tenham outras deficiências que não a visual e, que se planejem projetos de

pesquisas que contemplem as necessidades das pessoas com deficiência visual como

consumidores de outros serviços e produtos que não os de lazer turístico. Faria e Silva (2011,

p. 13) chamam atenção para que “os pesquisadores estejam preparados para ter essas pessoas

como sujeitos de pesquisa e para a necessidade de serem realizados estudos de base

metodológica com o objetivo de buscar formas efetivas de lidar com esses sujeitos como

informantes ou respondentes, haja vista que muitas vezes tais indivíduos apresentam

peculiaridades que impossibilitam a utilização de métodos e técnicas da maneira como

preconizam os livros de metodologia de pesquisa”. Por último, Pinto e Freitas (2011) fazem

39

sugestões para estudos futuros em ao menos três frentes de trabalho, como: 1) a relacionada às

diversas experiências de compra de outros produtos e serviços oferecidos aos deficientes

visuais; 2) a que buscasse avaliar a importância da atmosfera de loja na experiência de compra

dos deficientes visuais; e outra linha de pesquisa que poderia focar esforços na forma pela

qual os varejistas dos vários ramos estão adaptando suas estratégias a esse público, com

ênfase nas iniciativas de sucesso.

40

3. Metodologia

3.1. Tipo de pesquisa

A pesquisa sobre o comportamento do consumidor tem se mostrado flexível para

absorver mudanças (Casotti, 2004) e, diante deste processo, no qual “novas” questões teóricas

e metodológicas têm (re)surgido, os pesquisadores se veem obrigados a (re)estabelecerem

laços com disciplinas das Ciências Humanas e Sociais, como a Filosofia, a Sociologia e a

Antropologia (Pinto e Santos, 2008). Esta última vem incorporando novos temas, deixando de

ser apenas a ciência das sociedades “primitivas” (Jaime Jr., 2003) para se tornar uma

alternativa para a compreensão de alguns fenômenos que ocorrem na sociedade atual, em

especial, o consumo.

Segundo D’Ângelo (2003, p. 11) “o abarcamento de ciências diversas aos estudos de

marketing e comportamento do consumidor acarreta a necessidade de se repensar os métodos

de pesquisa empregados por acadêmicos do mundo todo”. Pinto e Santos (2008) afirmam que,

apesar de ainda relativamente marginal, a adoção da abordagem interpretativa no campo da

pesquisa do consumidor não é recente e já estava presente nos trabalhos seminais de Levy

(1981) e de Hoolbrook e Hirschman (1982), estes últimos questionadores dos métodos

convencionais de pesquisa do comportamento do consumidor que abordavam apenas uma

fração dos dados fenomenológicos que compõem toda a experiência de consumo.

Neste contexto, o estudo do tipo exploratório, que orienta o trabalho do pesquisador em

função de um problema específico (Triviños, 1987), alinhado a uma abordagem

interpretativista, que se revela flexível e versátil por natureza, configurou-se no tipo mais

adequado de pesquisa para a compreensão e desenvolvimento de temáticas que ainda estão se

41

consolidando no meio acadêmico, como é o caso dos estudos que envolvem o consumo de

pessoas portadoras de deficiência e, em particular, este estudo aqui apresentado.

3.2. Estratégia de pesquisa

Ao lançar um olhar sobre as pesquisas de marketing percebe-se que o viés positivista

predominante destas pesquisas (Pinto & Santos, 2008) teve sua origem na tradicional escola

alemã que influenciou fortemente a grande maioria dos estudiosos e pesquisadores das escolas

americanas de Wisconsin e Harvard no início do século XX (Jones & Moneison, 1990).

Enquanto os alemães possuíam uma visão filosófica social, os americanos possuíam uma

visão mais econômica em assuntos relacionados com marketing, e estes por sua vez se

encarregaram de consolidar a lógica da corrente indutiva, estatística e positivista no cenário

das produções acadêmicas (Souza Jr. et al., 2012).

Nas ciências sociais é fundamental pensarmos em dois paradigmas: o positivismo e o

interpretativismo. Segundo Pinto e Santos (2008, p. 5) “o positivismo norteia-se pelo ideal

regulativo da física social, permitindo estudar os fenômenos sociais como fenômenos naturais,

mesmo que existam diferenças entre eles”. Já o interpretativismo defende a ideia de que “a

ação humana é radicalmente subjetiva” (Pinto & Santos, 2008, p. 5), ou seja, o fenômeno

social não pode ser explicado de forma objetiva, mas sim por meio de uma observação

cuidadosa, preocupada em descrever na sua íntegra o fenômeno social, resultando assim em

uma interpretação do próprio fenômeno observável.

Para Godoi e Balsini (2004) a discussão em torno dos métodos qualitativos e

quantitativos de pesquisa é esvaziada, não apenas pelo seu caráter simplista e ideológico, mas

fundamentalmente porque, entre métodos, não se trata de uma mera escolha voluntariosa do

pesquisador e sim daquilo que se deseja responder através da pesquisa. Souza Jr. et al., (2012)

42

corroboram tal ideia ao afirmarem que para se chegar a um posicionamento coerente e o

consequente delineamento de uma pesquisa, é necessário que se busque identificar e

compreender o paradigma que melhor se afine aos propósitos buscados pelo pesquisador em

relação ao que o mesmo deseja investigar.

De acordo com Godoi e Balsini (2004) as eleições dos procedimentos metódicos são

derivadas das posturas adotadas anteriormente nos níveis ontológicos (que significa a

compreensão que o pesquisador possui acerca da realidade investigada), epistemológicos (que

se refere a como entender a realidade e as relações estabelecidas entre o investigador e o

conhecimento), e metodológicos (Schwandt, 2006), que se relaciona à maneira por meio da

qual o conhecimento será obtido.

Neste sentido, é premente considerar abordagens qualitativas na produção da pesquisa

de marketing para romper com a aparente hegemonia das abordagens quantitativas na

academia, algo refutado por Godoi e Balsini (2006), mas de certa forma evidenciado pelo

estudo realizado por Pinto e Lara (2007) que constatou naquilo que foi publicado nos

principais veículos de divulgação da produção acadêmica brasileira entre os anos de 1997 e

2006, a predominância de trabalhos com base empírica, de abordagem positivista, e a

utilização de métodos e técnicas quantitativistas tradicionais de coleta e análise de dados.

Para Godoi e Balsini (2004, p. 5) “métodos qualitativos emergem de paradigmas

fenomenológicos e interpretativos, são frequentemente mais interativos, mais intensivos e

envolvem um compromisso de longo prazo” e diante dos desafios impostos pela problemática

desta pesquisa, o uso da abordagem qualitativa revelou-se mais adequado devido sua ênfase

nos processos e nos significados (Sale, Lohfeld, Brazil, 2002), e pelo seu próprio objetivo,

que segundo Sivesind (1999), é o de interpretar os significados e as intenções dos atores.

Outro ponto importante relacionado à escolha do método qualitativo para realização

desta pesquisa deveu-se, principalmente, pelo propósito que as pesquisas qualitativas têm de

43

procurar respostas para questões como a construção de experiências ou atribuição de

significados às mesmas, (Denzin & Lincoln 2006) o que permitiu ao pesquisador, diante do

arcabouço teórico pelo qual optou para construir seu estudo, fazer uma valiosa análise e

interpretação do comportamento, da fala e da linguagem não verbal das mulheres envolvidas

na pesquisa, algo possível segundo Laplantine, Sauerbronn e Cerchiaro (2004).

3.3. Método de coleta de dados

A área de estudos do comportamento do consumidor tem demonstrado um crescente

interesse na adoção de perspectivas que permitam compreender as dimensões culturais de

determinados grupos sociais no ato do consumo para, assim, captar o sistema de classificações

que compõem os seus universos simbólicos e definam as suas identidades particulares (Rocha,

Barros e Pereira, 2005).

Segundo Hoolbrook e Hirschman (1982, p. 9) “o comportamento das pessoas em geral e

dos consumidores em particular, é fascinante e infinitamente complexo resultado de uma

interação multifacetada entre o organismo e o meio ambiente” e neste contexto, o método

etnográfico nos direciona a penetrar em outra forma de vida, capturando a riqueza de mundos

culturais locais e, acima de tudo, obtendo o ponto de vista dos atores sociais de um

determinado grupo ou sociedade (Santos, 2008).

A etnografia é uma metodologia de pesquisa que foi desenvolvida no campo da

antropologia, para gerar conhecimento em relação a grupos de pessoas, inicialmente com foco

em grupos exóticos e primitivos (Goulding, 2002). Etno é um termo grego que significa povo.

Grafia significa a descrição, que pode ser total ou parcial da religião, da cultura ou das

relações sociais (Goulding, 2002). Assim, a palavra etnografia significa a descrição

sociocultural de um determinado grupo. Pettigrew (2000, p. 256) destaca que a etnografia tem

44

interesse especial pela cultura. Na verdade, a palavra etnografia significa a “descrição,

registro ou escrita da cultura”.

Para Lourenço, Ferreira e Rosa (2008) “o principal objetivo dessa metodologia é ver o

mundo através dos olhos dos membros da cultura que se está pesquisando, além de explicar as

atividades em que estes se engajam por períodos de tempo significativos”. Dessa forma, é o

estudo de uma sociedade através de seu universo íntimo de significações que dá sentido aos

seus comportamentos.

A sua principal característica é a busca dos “porquês” do grupo estudado (Lourenço,

Ferreira & Rosa, 2008, p. 10) e o seu grande diferencial (Barbosa, 2010, p. 101) é o fato de

este método fornecer “ao antropólogo a oportunidade única de olhar a realidade de um grupo

específico de pessoas por intermédio das próprias categorias que elas utilizam para percebê-la,

vivenciá-la e organizá-la. Segundo Lourenço, Ferreira e Rosa (2008, pp. 12-13):

Em marketing, a aplicação da etnografia visa superar limitações do estudo do comportamento do consumidor impostas por outras metodologias, que, diferentemente da etnografia, buscam explicar o comportamento do consumidor como racional, objetivo e independente do contexto sociocultural. [...] A principal vantagem da utilização da etnografia em marketing reside na possibilidade de que esse trabalho pode ser realizado em ambiente natural.

Em termos práticos, a etnografia refere-se à pesquisa social que possua características

como: ênfase na exploração da natureza de um fenômeno social particular, entrevistas em

profundidade, observação participante, análise de discursos dos informantes, investigação em

detalhe, perspectiva microscópica e interpretação de significados e práticas sociais, que

assumem a forma de descrições verbais (Haguete, 1992).

Atender aos requisitos clássicos de uma etnografia requer do pesquisador uma longa e

permanente imersão no campo de pesquisa, além de neutralidade e imparcialidade

relacionadas ao contexto da pesquisa, dado que ele (o pesquisador) é um observador

45

participante. Em consequência dessas dificuldades, essa adaptação ao modelo clássico tem

sido chamada de “inspiração etnográfica”.

É no contexto desta “licença” metodológica que esta pesquisa se desenvolveu, dada às

limitações do pesquisador relacionadas ao tempo em campo e a investigação mais profunda

sobre o dia a dia das entrevistadas em suas casas ou no trabalho. Ainda assim, buscou-se

atender fielmente os preceitos da etnografia no desenrolar das atividades requeridas pela

pesquisa, como uma imersão no dia a dia dos deficientes visuais (enquanto alunos, ex alunos e

profissionais) do Instituto São Rafael – locus da pesquisa –, registros fotográficos, realização

de entrevistas em profundidade e uma análise meticulosa dos discursos e entrevistas obtidos

através dos registros de campo (feitos em diários) ou questionário aplicado. Por fim, acredita-

se que este estudo não teve sua contribuição comprometida ou diminuída nos âmbitos

acadêmicos e gerenciais, uma vez que qualquer metodologia pode ser utilizada por qualquer

pesquisador, desde que esteja ciente das implicações práticas e teóricas da utilização do

método (Barbosa, 2003).

3.4. Instrumentos de coleta de dados

Enquanto método de pesquisa a etnografia pode utilizar-se de vários instrumentos de

coleta de dados, como entrevistas em profundidade, participação e gravação de encontros,

investigação documental e até mesmo fotografias.

Na pesquisa etnográfica a observação participante caracteriza um dos principais

instrumentos de coleta de dados. Esse tipo de observação requer que o pesquisador permaneça

em campo ao mesmo tempo em que mantém uma distância profissional do grupo pesquisado,

para que possa observar e registrar os dados adequadamente. Por isso, é importante que o

pesquisador se dedique no campo, participando de todos os eventos, dos mais comuns e

46

cotidianos até os mais excepcionais e ritualizados, para ir aos poucos compreendendo o

sentido da vida dos pesquisados e descobrindo os valores inconscientes e não revelados

durante as entrevistas (Rocha, Barros & Pereira, 2005). Segundo Lourenço, Ferreira e Rosa

(2008), a observação do contexto social estudado é de suma importância dentro da pesquisa

etnográfica, pois os informantes não têm necessariamente conhecimento pleno das razões

culturais que explicam seus comportamentos.

Quanto aos demais instrumentos de coleta de dados como a gravação de encontros,

investigação documental ou a fotografia, é sabido que tanto podem assumir um papel central

quanto secundário na pesquisa etnográfica a depender da narrativa escolhida pelo pesquisador

para capturar e, posteriormente, descrever o ponto de vista dos atores sociais de um

determinado grupo ou sociedade.

Este estudo utilizou como método de coleta de dados a entrevista em profundidade

orientada por um questionário semiestruturado que, alinhado ao processo de observação

participante, permitiu ao pesquisador construir suas percepções a respeito do arranjo social,

cultura, estilo de vida e significados que transitam em torno dos deficientes visuais.

O questionário semiestruturado foi criado a partir da revisão teórica deste estudo,

servindo assim ao propósito da pesquisa e garantindo que as informações importantes e

necessárias à pesquisa fossem levantadas. De acordo com esse método, o pesquisador utiliza o

roteiro para assegurar que os dados principais sejam levantados, porém o entrevistador pode,

no decorrer da entrevista, retirar ou acrescentar questões conforme elas se mostrem relevantes

e eficientes à exploração dos dados (Gaskell, 2002). Cabe comentar que para Amaro et al.

(2008) a direção de uma entrevista em profundidade é orientada pelas respostas do

entrevistado e à proporção que a entrevista se desenvolve, o entrevistador tem a possibilidade

de examinar todas as respostas, utilizando-as futuramente como base para novos

47

questionamentos (McDaniel & Gates, 2005). O roteiro completo de entrevista se encontra no

Apêndice.

A observação participante também se constituiu em um importante elemento de coleta

de dados, dado que, assim como a sociedade em geral, o universo dos deficientes visuais era

pouco conhecido pelo pesquisador. Logo, foi decidido no início dos trabalhos que a

aproximação com este grupo era de extrema importância para o registro de aspectos do dia a

dia da vida dessas pessoas, o que permitiu ao pesquisador compreender um pouco mais o

modo de vida e a relação deste grupo uns com os outros, com a sociedade e com a temática do

consumo.

A fotografia, que assumiu neste estudo um papel secundário, foi utilizada apenas para

registro das dependências do locus da pesquisa e de alguns momentos do dia a dia dos

deficientes visuais, estivessem em um dia letivo ou em atividades de lazer. O uso da

fotografia implica em alguns cuidados nos estudos etnográficos uma vez que, a construção

etnográfica através dos meios audiovisuais revela um ilimitado campo de criação de sentido

(Godoy, 2006; Godoi; Balsani, 2006; Rodrigues, 2006) e proporcionar uma série rica de

elementos muitas vezes inviáveis de serem captados pelas palavras (Cavedon, 2001; Loizas,

2002).

Segundo Santos (2008), para uma total compreensão dos fenômenos que se

apresentarão, cabe ao pesquisador se envolver com a tarefa de conversar de forma escrita

consigo mesmo, relatando porque acha algo interessante, porque está registrando determinado

fato, que relevância o fato tem, etc, além de obter todo tipo de dado, não fazendo juízo de

valor sobre o que é útil e o que não é. Assim, durante as visitas realizadas ao Instituto São

Rafael como voluntário no laboratório de informática, coube ao pesquisador observar e

registrar em diários de campo tudo aquilo que era visto e vivenciado durante as horas em que

48

ali se encontrava com os alunos que frequentavam as aulas, sempre as segundas, quartas ou

sextas.

Santos (2008, p. 13) afirma que “é necessário conscientizar-se da difícil tarefa de

traduzir um mundo vívido, de sons, sinais e cheiros, um mundo onde o visual é mais

importante que o oral, em um texto escrito, confinado somente ao oral”, mas, este é o desafio

que se impôs ao pesquisador e que, ao mesmo tempo, se constituiu no grande motivador para

a adoção de uma perspectiva etnográfica para a realização do estudo.

3.5. Locus da pesquisa

Devido aos objetivos estabelecidos e a própria inspiração etnográfica para a realização

deste estudo, foi selecionado um grupo de alunas do Instituto São Rafael, instituição de ensino

inaugurada nos anos 1950, ligada ao Governo do Estado de Minas Gerais e localizada na

cidade de Belo Horizonte.

Figura 3

Entrada do Instituto São Rafael

Fonte: Foto do autor

49

O Instituto São Rafael é responsável por atender as demandas de ensino especial de

pessoas portadoras de deficiência, dentre elas, portadores de deficiência visual, desde os que

possuem baixa visão (ou visão subnormal) até os que possuem cegueira total e/ou também

aqueles que possuem alguma destas deficiências associada à outra, seja ela auditiva, mental

ou motora. Além do ensino das disciplinas básicas como português, matemática, etc, outras

atividades também são realizadas, como o ensino do braile, aulas de mobilidade com a

bengala, aulas de artesanato, computação, entre outras, proporcionando ao deficiente algum

grau de inclusão e socialização na sociedade.

Figura 4

Acesso principal do Instituto São Rafael

Fonte: Foto do autor

Em meados de novembro de 2013 o autor deste estudo optou por acessar o atual

Diretor do Instituto, Sr. Juarez Gomes Martins, e assim apresentar a finalidade do próprio

estudo e o percurso metodológico que guiaria a pesquisa. Após uma breve apresentação e dito

pelo Diretor que o Instituto estava de portas abertas a receber o autor deste estudo para a

realização da sua pesquisa, o autor se colocou à disposição do Instituto para trabalhos

50

voluntários em qualquer dependência da escola por duas vezes no mês, durante o horário

vespertino, sendo definido naquele momento que os préstimos do trabalho do autor seriam

úteis ao laboratório de informática, local de ensino aos alunos deficientes da

microinformática, por meio do programa DOSVOX, que é um sistema para

microcomputadores da linha PC que se comunica com o usuário através de síntese de voz,

viabilizando, deste modo, o uso de computadores por deficientes visuais, que adquirem assim,

algum grau de independência no estudo e no trabalho.

Figura 5

Laboratório de informática do Instituto São Rafael

Fonte: Foto do autor

A decisão por prestar o trabalho voluntário foi uma forma encontrada pelo autor para se

aproximar do dia a dia do deficiente visual e assim compreender seu universo, sua relação

com o mundo, enfim, sua cultura, algo que confere identidade a uma comunidade e que cede

parâmetros que permitam a esta comunidade, construir e interpretar o mundo que a cerca

(McCracken, 1988; Slater, 2002). Outro fato determinante para esta decisão residiu: 1) na

participação experiencial do autor no contexto cultural em questão via observação

51

participante; 2) na busca por múltiplas fontes de dados, de modo a captar perspectivas

variadas acerca dos contextos de interesse; 3) na coleta sistemática de dados em ambiente

natural e; 4) na possibilidade de interpretações críveis dos mecanismos culturais em questão,

todos, pontos cruciais nos estudos etnográficos (Arnould & Wallendorf, 1994) e que os

distinguem dos demais tipos de estudos.

Ao todo foram registradas seis visitas ao laboratório de informática, entre tantas outras

realizadas que não foram documentadas, além de atividades e festividades nos finais de

semana, nas quais o autor se colocou à disposição para ajudar nos trabalhos, como por

exemplo, um dos almoços realizados aos sábados para arrecadação de fundos para o Instituto,

como registrado na foto abaixo.

Figura 6

Almoço beneficente do Instituto São Rafael

Fonte: Foto do autor

Os registros das visitas do autor ao Instituto São Rafael eram gravados em um

gravador de voz portátil e posteriormente transcritos para os diários de campo com o objetivo

52

de capturar todos os detalhes das interações entre o autor e os alunos do laboratório de

informática, além de impressões pessoais do autor acerca do universo daqueles indivíduos.

“Cheguei ao ISR por volta das 13h50 e logo na entrada encontrei uma aluna do laboratório de informática chamada Regina. Ela estava parada à frente do portão principal. Vestia uma calça jeans e blusa de cotton preta, com um cinto combinando com a cor da blusa. Estava de óculos escuros, cabelos bem penteados e presos por tique taque nas laterais e uma gominha de cabelo, fazendo um rabo de cavalo. Com bolsa a tira colo segurava sua bengala fechada com as duas mãos, como que estivesse um pouco impaciente. Fui logo pondo uma das minhas mãos sobre seu ombro, gesto que adotei para gerar aproximação (como se fosse um aperto de mão) e perguntei a ela se reconhecia minha voz. Ela disse que lembrava, mas não soube dizer meu nome. No mesmo instante, como quem faz um esforço de memória, prontamente disse que era o professor de informática”. (Trecho do Diário de Campo do dia 04.04.2014)

Obviamente nada era desprezado nos registros, pois devido à “inspiração etnográfica”

do estudo, era de suma importância narrar todos os detalhes das cenas de interação entre o

autor e os alunos, desde o local onde se encontravam, a forma como se dispunham e até

mesmo o assunto discutido nas rodas de bate papo.

“Ela, juntamente com outros alunos, estavam reunidos em um espaço de convivência (como um quiosque) logo à direita das escadas que dão acesso a entrada da escola. De todos os alunos ali presentes, somente Graça era uma pessoa que conhecia. A maioria dos alunos estavam ali reunidos em função do horário de almoço. Alguns aguardavam Cecília (filha de uma senhora deficiente), que havia ido até o supermercado BH comprar quentinhas. Logo, fui chegando perto de Márcia e Graça, entrando em uma roda de bate papo na qual as duas estavam presentes. O tema era celular. O curioso é que falavam de aparelhos já fora de linha, vendidos em lojas do hipercentro, shoppings populares etc. A conversa fluía até a hora em que Cecília chegou com as quentinhas e as distribui para aqueles que encomendaram.” (Trecho do Diário de Campo do dia 04.06.2014.

Os registros se constituíram em uma feliz tentativa de capturar detalhes do cotidiano de

cada aluno, suas ideias, pensamentos, estilos de vida e personalidades.

“Mais alguns minutos e chegaram Julio e Oswaldo. O primeiro já conhecido e o segundo não. Júlio vestia uma camisa de malha branca, jeans e sapatênis. O cabelo estava raspado, como quem passou máquina zero para mantê-lo bem baixo. Oswaldo

53

usava boné, óculos escuros tipo RayBan, camisa de malha branca com uma estampa na frente, sapatênis. Tinha uma mochila vermelha às costas. Eu viria a descobrir logo depois que Oswaldo fabricava bengalas. Júlio não tinha muito interesse em usar um computador sem acesso a web e ficou poucos minutos entretido no computador em que o direcionei, se voltando depois para Oswaldo e Damião para conversar. Ficou durante toda a aula batendo papo ali, sentado próximo aos dois. Oswaldo não estava ali para aprender. Passou o tempo todo na roda de bate papo que se formou naquele local. O papo rolava entre todos ali. Damião comprou uma bengala de Oswaldo. Não sei se era uma encomenda ou não, mas fato é que fizeram um negócio. (Trecho do Diário de Campo do dia 06.06.2014)

O produto da pesquisa etnográfica é o relato etnográfico, que é uma descrição detalhada

(ou “descrição densa”) do que acontece no dia a dia, derivado das notas de campo (Creswell,

2003). Neste sentido, o autor buscou de forma incessante atender aos requisitos do estudo

etnográfico para que conseguisse entender o significado do fluxo da ação social, “aquilo que

está sendo dito” pelos atos, pelo comportamento ou pelo discurso (Geertz, 1989).

A acolhida dos alunos e funcionários do Instituto São Rafael à chegada do autor para o

trabalho voluntário foi excepcional. Muitos perguntaram a motivação das idas do autor até o

Instituto, outros simplesmente assumiam a presença do autor no laboratório para que assim

obtivessem a ajuda nas atividades que ali realizavam, mas todos abriram, sem exceção, cada

um à sua maneira, suas histórias de vida, algo transformador da percepção do autor sobre o

indivíduo portador de deficiência visual.

Durante as visitas ao laboratório foi possível estabelecer relacionamentos com alunos e

alunas, que mais tarde seriam convidadas (algumas delas) para participarem da entrevista. O

autor deu preferência por convidar primeiramente as alunas com quem estabeleceu uma

relação de proximidade durante as aulas. Além destas alunas, outras ex-alunas que ainda

frequentavam o laboratório e que faziam dali um espaço de convívio social. Por fim, outras

mulheres, indicações de alunas (anteriormente entrevistadas) e funcionárias do Instituto. O

que essas mulheres traziam em comum era o fato de terem, no presente ou no passado, algum

tipo de vínculo com o Instituto São Rafael.

54

3.6. Corpus da pesquisa

De acordo com Gaskell (2002), a quantidade de entrevistas da pesquisa qualitativa está

relacionada à saturação do tema e, neste sentido, esta pesquisa não tem a pretensão de

selecionar um extenso número de indivíduos para formar o corpus da pesquisa, uma vez que a

quantidade de entrevistas não eleva necessariamente a qualidade do trabalho. Assim, o corpus

desta pesquisa foi formado por 12 mulheres entre a faixa dos 17 até os 61 anos de idade,

alunas ou ex-alunas do Instituto São Rafael. A escolha das entrevistadas ocorreu por

conveniência e disponibilidade das mesmas em participar da pesquisa.

As entrevistas foram todas presenciais, agendadas previamente por telefone ou

pessoalmente, em dia e horário de preferência das entrevistadas. A duração de cada entrevista

foi em média de 50 minutos e dependeu exclusivamente do ritmo da entrevistada para

responder aos questionamentos; evitando-se, assim, comprometer a qualidade da coleta dos

dados. Uma sala da instituição foi utilizada para tala realização e, em alguns casos, coube ao

pesquisador ir ao encontro das entrevistadas em suas próprias residências. Em ambos os casos

as entrevistas foram realizadas sem a presença de outras pessoas, com silêncio e privacidade.

Todas as entrevistadas possuíam uma relação respeitosa e de carinho pelo Instituto São

Rafael, pois ali encontraram certo amparo nas esferas educacional e social em momentos

importantes da sua vida, como a infância e/ou adolescência. Tanto alunas quanto ex-alunas

guardavam uma gratidão visível por aquele ser o local que as despertou para uma vida nova e

cheia de conquistas pessoais. Na Tabela 1 apresenta-se um breve resumo das entrevistadas.

Para preservar suas identidades foram tomados nomes fictícios.

55

Tabela 1

Perfil das entrevistadas

Nome Idade Filhos Instrução Deficiência visual

Regina 49 anos 02 Ensino Médio Adquirida

Suzi 54 anos 02 Ensino Fundamental Adquirida

Gabriele 26 anos - Ensino Médio Adquirida

Paula 29 anos - Ensino Médio Adquirida

Maria 26 anos - Ensino Superior Congênita

Jaqueline 31 anos 01 Ensino Superior Congênita

Cilene 26 anos - Ensino Superior Congênita

Isabel 17 anos - Ensino Médio Adquirida

Aparecida 45 anos 01 Ensino Médio Adquirida

Cristina

Laís

37 anos

61 anos

02

03

Ensino Superior

Ensino Fundamental

Congênita

Adquirida

Luzia 41 anos 01 Superior Completo Adquirida

Fonte: Dados da pesquisa

3.7. Métodos de análise de dados

Como método de análise de dados foi utilizado a análise de conteúdo que trata da

sistematização de tentar conferir maior objetividade a uma atitude ou fenômeno que conta

com exemplos dispersos, mas variados, de pesquisa com textos (Bardin, 2004).

No primeiro momento foi realizada uma pré-análise, constituída da leitura aberta dos

textos e contextos, e logo em seguida a categorização, que é o agrupamento dos temas

identificados. Tais procedimentos, normalmente, são denominados de codificação e consistem

na elaboração de categorias, na redução de dados, e na verificação da existência de

relacionamentos entre as categorias (Bardin, 2004) com objetivo de buscar sentidos e

compreensão (Gaskell, 2002).

56

Recentemente os recursos computacionais se tornaram auxiliares importantes no

manuseio e na análise de dados qualitativos, porém nenhum sistema disponível substitui o

papel interpretativo do pesquisador. Muitos desses programas auxiliam e reduzem grande

parte do trabalho inicial do pesquisador de seleção de palavras, conceitos e passagens nas

transcrições; mas a identificação de temas padrões e categorias importantes continuam sendo

definidas pelo pesquisador.

Nesta pesquisa fez-se uso do software Atlas.ti, que consiste em um programa projetado

especificamente para a análise da dados qualitativos, embora também possa ser utilizado em

outros tipos de pesquisa. O Atlas.ti consiste em um software de análise de dados qualitativos

(Computer-Assisted Qualitative Data Analysis Software – CAQDAS). Originalmente, o

Atlas.ti foi criado para atender às demandas da grounded theory, mas o software pode ser

empregado em diferentes estratégias de pesquisa (Muhr, 1991). De acordo com Muhr (1991),

o objetivo do software não é substituir o papel fundamental do pesquisador, na análise dos

dados, mas apoiá-lo, reduzindo significativamente seu trabalho.

No processo de análise de dados desta pesquisa foi utilizada a versão 7.5.3 do Atlas.ti,

que permitiu realizar a quebra das falas em trechos. Após esta quebra, deu-se a codificação

destes trechos com objetivo de buscar sentidos e compreensão (Gaskell, 2002) à fala das

entrevistas e, por fim, o agrupamento dos códigos em categorias, que emergiu do esforço

interpretativo do pesquisador, chegando-se assim ao seguinte desenho de agrupamento entre

códigos e categorias, apresentadas na Tabela 2.

Ao todo foram encontrados mais de 110 (cento e dez) códigos, que foram agrupados em

9 (nove) categorias distintas, conforme abaixo:

57

Tabela 2

Categorias e códigos associados

Categorias Códigos associados

1. Deficiência visual deficiência pelo deficiente aceitação deficiência e limitação deficiência visual adquirida deficiência visual de nascença fase adulta na deficiência crescer e adolescer na deficiência maioridade na deficiência relação com a família contato com o Inst São Rafael vínculo atual ao Inst São Rafael frequência de visita ao Inst São Rafael relação temporal com o Inst São Rafael perda da visão rotina diária fe entre outros

2. Vida em sociedade

preconceito preconceito e sentimentos preconceito familiar conscientização da sociedade entre outros

3. O deficiente visual enquanto

consumidor

comportamento de compra característica da compra planejamento da compra critério de escolha do local para consumo fatores que restringem o consumo

frequência com que vai às compras "por lazer" frequência com que vai às compras para o lar pontos de melhoria no varejo em geral entre outros

4. Experiência e consumo experiência no consumo de produtos e serviços de beleza consumo e estado emocional

5. Experiência em serviços de

beleza e estética

auxilio de terceiro na aplicação de produtos de beleza critério de escolha no ambiente de serviços critério de escolha no ambiente de serviços de beleza consumo assistido de produtos/serviços de beleza consumo de produtos e serviços de beleza frequência de visitas ao salão de beleza gostos & preferências pessoais no consumo de serviços de beleza e estética processo de decisão do consumo de serviços de beleza e estética experiência negativa setor de serviços X deficientes visuais relação temporal com o profissional de beleza

58

entre outros 6. Aspectos hedônicos da

experiência em consumo de

serviços de beleza e estética

sentimentos gerados quando não consumo serviços de beleza e estética sentimentos manifestados no consumo de serviços de beleza e estética sentimentos que antecedem a compra ou consumo de serviços

7. A experiência extraordinária experiência extraordinária sensação de bem estar

8. Beleza e estética: significado auto afirmação e beleza auto estima e beleza atribuição de significado para "beleza" cuidados pessoais com a estética vaidade importância da aparência influência do consumo de beleza no dia a dia padrões estéticos X sociedade relação entre beleza e deficiência

9. Deficiência visual, cultura e

consumo

afirmação de gênero atribuição de significado "elogio" atribuição de significado para "consumo" beleza e estilo de vida consumo e identidade identidade com o grupo "pessoas que se preocupam com beleza" imaginário de consumo movimentação de significados o que quero transmitir quando consumo serviços de beleza reconhecimento social ritual significado simbolismo do consumo de serviços de beleza e estética transferência de significados

Fonte: Dados da pesquisa

A estrutura dos itens analisados seguiram a relação de códigos e categorias

mencionados na Tabela 2, que nada mais representam a estrutura do roteiro de entrevista, cujo

objetivo único era fazer surgir respostas que atendam aos objetivos geral e específicos deste

estudo, mencionados no capítulo 1.

A análise de conteúdo deste estudo foi fundamentada a partir da apreciação dos textos

resultantes da transcrição das entrevistas. Segundo Bardin (2004), a análise de conteúdo

compreende um conjunto de técnicas de análise capaz de elucidar o teor das representações.

Para Silva, Gobbi e Simão, (2005, p. 74), “aparece como uma ferramenta para a compreensão

da construção de significado que os atores sociais exteriorizam no discurso”.

59

A próxima seção é dedicada à apresentação da análise e interpretação dos dados

levantados neste estudo.

60

4. Análise e Interpretação dos Resultados

Este capítulo apresenta e discute os resultados da pesquisa à luz do arcabouço teórico

atinente ao consumo em uma perspectiva cultura e simbólica, e principalmente, sob a égide da

Teoria da Cultura e Consumo. Para cada categoria revelada na análise das entrevistas foi

dedicada uma seção específica para a melhor compreensão dos aspectos relacionados à vida

da mulher deficiente visual enquanto consumidora de produtos e serviços de beleza e estética,

e do sistema simbólico existente por detrás deste fenômeno.

Assim, o capítulo será apresentado em seções levando em consideração as categorias

que emergiram na análise dos dados: “Deficiência Visual”, “Vida em sociedade”, “O

deficiente visual enquanto consumidor”, “Experiência e consumo”, “Experiência em serviços

de beleza e estética”, “Aspectos hedônicos da experiência em consumo de serviços de beleza

e estética”, “A experiência extraordinária”, “Beleza e estética: significado” e “Deficiência

visual, cultura e consumo”.

4.1. Deficiência visual

Esta categoria, importante para se entender o contexto relacionado ao dia a dia dos

pesquisados, faz um chamado especial ao grande público que desconhece a vida de um

deficiente visual, pois revelou questões intimamente ligadas ao nascer, crescer, adolescer e

amadurecer das pessoas entrevistas enquanto deficientes visuais. Durante as entrevistas foram

várias histórias de vida dos entrevistados relatadas desde a infância até os dias atuais,

incluindo lembranças, memórias e sentimentos que vieram à tona como alegria, medo,

orgulho, raiva, tristeza, entre outros, ao discorrer sobre os assuntos a que foram interrogados.

O fato de nascer deficiente visual ou ter adquirido a deficiência visual transformou a

vida de cada uma das entrevistadas de maneira tal que as faz reafirmar para si mesmas que são

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pessoas capazes de realizar qualquer atividade, como falaram Regina e Cilene,

respectivamente.

“Eu estou deficiente visual. [...] não é por eu ser deficiente visual que eu não sou capaz,

eu sou capaz, sim! Eu acredito que eu tenho capacidade de muitas coisas”.

Uma das entrevistadas, Maria, em tom espirituoso afirmou que enxergar não faz

diferença em sua vida, dado que apreendeu e compreendeu o mundo em que vive à sua

maneira.

“Graças a Deus já nasci cega. Mas é sério. [...] não faz diferença nenhuma para mim não enxergar. Tenho algumas dificuldades? Tenho. Mas eu sempre falo muito isso, eu não tenho vontade nenhuma de enxergar. Nenhuma. Isso não faz a menor diferença para mim”.

Pelos relatos de algumas das entrevistadas constatou-se que as famílias de cada uma

delas não as privaram de viver uma vida, na medida do possível, normal, como de qualquer

outra criança ou adolescente, como relatou Cilene, o que de certa maneira as preparou para

encarar em outras fases da vida os desafios que a deficiência visual fizesse surgir.

“Meus pais nunca me restringiram de fazer nada. Eu fui criada em chácara, eu subia em pé de árvore, andava de bicicleta em rua deserta”.

Apesar de terem sua personalidade e seu modo de vida transformados, provou-se que,

como qualquer indivíduo, o deficiente visual tem uma rotina de atividades domésticas e/ou

profissional que em nada difere daqueles que possuem todos os seus recursos sensoriais.

“Acordo cedo. Acordo 5 horas, pego o ônibus às 6, frequento a minha escola, que é de 7 às 11:30. Vou sozinha para a escola. Não vou de escolar, vou de ônibus mesmo. Depois de lá venho para o São Rafael, troco de roupa, porque eu pratico esporte às 14 horas,

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então eu tenho que sair daqui mais ou menos às 13:30. Enquanto isso, nesse intervalo eu olho se tem cópia para mim na imprensa. Depois treino das 14 até as 17. Depois, de lá eu saio e vou para casa”. (Isabel).

Eu levanto, arrumo ela (minha filha) para ir para aula. Às vezes descanso um pouco, às

vezes eu vou fazer alguma atividade da faculdade. Por volta de 8:00, 8:15 eu saio de casa e

vou trabalhar. Retorno as 14:30, 15:00 horas, almoço e faço algumas atividades da faculdade,

algumas atividades de casa, e por volta das 17:30 saio para a PUC e só retorno as 23:00,

23:15. Esse é o meu dia a dia. (Jaqueline).

Quando o assunto é lazer constatou-se que sempre está relacionado com o convívio em

grupo ou junto à família, em atividades que vão desde o simples visitar um parente ou amigo,

ir a uma festa ou ao shopping.

“Tipo, o povo que enxerga gosta muito de sair, danceteria e tal, a gente até vai, mas não é muito isso que a gente curte. A gente vai mais para barzinho, na casa um do outro. É assim”. (Maria). “Levei minha mãe para o festival. E não foi só no Rock In Rio não, foi no Rock In Rio e para o Lollapalooza também”. (Cilene).

De acordo com a definição proposta por Taschner (2000, p. 39), “o lazer é um conjunto

de ocupações às quais o indivíduo pode se dedicar prazerosamente, seja para relaxar, divertir-

se ou para alargar seu conhecimento e sua participação social espontânea”. Desconsiderando

os eventuais limites conceituais da ideia de Taschner, podemos inferir que para as mulheres

entrevistadas o lazer está ligado principalmente ao aspecto socializador, que faz diminuir a

sensação de isolamento da sociedade ao mesmo tempo em que as liberta para uma vida mais

habitual.

Cabe aqui registrar também a relação das entrevistadas com o Instituto São Rafael. Uma

boa parcela dessas mulheres possui uma relação de longa data com esta instituição, pois ao

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receberem o diagnóstico da deficiência ou em busca de uma escola voltada para a realidade

daqueles que já nasceram deficientes, descobriram no Instituto São Rafael a oportunidade de

receberem educação e cidadania de direito, revelando-se um espaço de apoio e de integração

do deficiente visual com a sociedade. Também pode ser considerado um local de convivência

de alunos, ex-alunos e familiares pela realização constante de eventos como almoços,

apresentações, oficinas, passeios, entre outras atividades destinadas às pessoas portadoras de

deficiência visual.

A superação para tantos casos e descasos se revelou na fé que boa parte das

entrevistadas afirma possuir, algo que as fortalece e que as leva a seguir em frente como

muitas falaram:

“Primeiro, fé, a fé em Deus mesmo, de verdade, certeza de um propósito maior, de que eu sou parte de um propósito maior, de que eu não estou aqui à toa da forma que eu estou, e porque eu acredito mesmo”. (Cilene) “[...] mas eu tenho fé, eu acho que tudo tem um propósito...”. (Isabel). “Em primeiro lugar, Deus. A fé é muito grande em Deus...”. (Aparecida) “[...] eu tenho fé em Deus, é com ele que eu caminho...”. (Lais).

Para Goffman (1988), o estigmatizado pode encarar as privações que sofreu como uma

bênção, especialmente graças à crença de que o sofrimento muito pode ensinar a uma pessoa

sobre a vida e sobre as outras pessoas.

Além da fé, motivações de todo o tipo também provocam essas mulheres a seguirem

seus caminhos mesmo em uma sociedade quase sempre desigual e preconceituosa.

“Acreditar que por mais que eu tenha a limitação visual, mas eu tenho a capacidade, eu consigo desenvolver atividades dentro do meu contexto, dentro da minha realidade. E um dos motivos também que eu vejo, eu penso muito no futuro”. (Jaqueline). “Então, me provar também é outra motivação”. (Cilene).

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Nesta seção o autor dedicou-se a registrar o dia a dia da mulher portadora de deficiência

visual que, assim como a grande maioria das mulheres que compõe a sociedade atual, têm

uma rotina diária de trabalhos domésticos, trabalha fora e em alguns casos, ainda possui uma

terceira jornada. Ainda, registrou o modo como enfrentam a deficiência visual, e é neste

sentido que a próxima seção ganha destaque, ao tentar descrever como é a relação dessas

mulheres com a sociedade em geral.

4.2. Vida em sociedade

Esta seção abre um parêntese especial para a questão da sociedade e sua relação com os

deficientes visuais, marcada principalmente pelo desconhecimento e preconceito. Em uma

sociedade em que boa parcela das pessoas desconhece o universo de um deficiente visual, as

entrevistadas, sem nenhuma exceção, relataram casos de preconceito. Os relatos deram conta

de casos diversos, até na própria família, que ocorreram e marcaram a vida dessas mulheres.

Junto ao preconceito, sentimentos e frustrações como os descritos abaixo:

“Sentimento de tristeza. Eu tive momentos de muita raiva também. Eu senti muita raiva, decepção. Eu me sentia muito triste por tudo isso”. (Aparecida). “De tristeza mesmo, de... Sendo realista mesmo, é de raiva, fico chateada, não tem como”. (Luzia). “A princípio bate uma tristeza, você se sente indiferente, você se sente incapaz”. (Jaqueline). “Eu fico muito frustrada”. (Cilene).

O preconceito instalado em parte da sociedade fez (e ainda faz) surgir marcas nas

histórias de vida dessas mulheres. A incompreensão das pessoas sobre a deficiência visual as

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torna igualmente cegas, ou seja, incapazes de enxergar o outro como igual. As situações mais

rotineiras, como pegar um ônibus, ir ao banco ou simplesmente comprar um item de beleza se

torna, às vezes, um “calvário”, conforme os relatos abaixo:

“Eu recebo o pagamento do meu marido. Eu sou procuradora dele. [...] ao chegar no banco eu entrei na fila, e ao chegar minha vez para ser atendida o caixa virou para mim e falou assim: —Você veio receber o pagamento do seu marido, cadê a prova? Eu falei: —Que prova? —A procuração, qualquer coisa. Mas gritando. Ele estava falando bem alto. E eu falei para ele: —Eu não preciso disso. Eu sou procuradora dele. —Sua palavra de cega não basta. Eu fiquei sem voz na hora”. (Regina).

Uma atividade comum a todos que vivem em grandes centros revela como o

preconceito se faz presente, ainda que não seja pelas palavras, mas sim pela própria falta de

interesse de muitos em ajudar o deficiente visual.

“[...] então quantas vezes passam para lá e para cá, para lá e para cá, você fica cinco minutos parada esperando uma ajuda e não tem. É igual para poder pegar um ônibus, você chega no ponto e pergunta: “Tem alguém disponível para me ajudar?”. Às vezes no ponto tem umas quinze pessoas e só uma que está disposta em te ajudar. A maioria, não sei se aceitam ou se é vergonha”. (Isabel) “O fato mais marcante foi uma vez que eu entrei numa loja, eu estava de bengala e tudo, eu estava passando a mão, porque tem aquelas bancas, eu passando a mão para ver se eu conseguia definir algumas coisas de vestido, de roupa, a moça da loja chegou perto de mim e falou assim: —Você está precisando de alguma coisa? Eu falei: —Perfeitamente. Eu estou olhando. Aí ela falou assim: —Não, você está pegando nas roupas e não pode. Eu falei: —Tudo bem, mas eu sou deficiente visual. Ela falou: —Não é, você enxerga muito bem. Eu virei para ela e falei: —Eu posso te mostrar que eu sou deficiente. Ela falou:

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—Como você está olhando para mim? Eu falei: —Mas eu tenho retinose. Meus olhos são perfeitos. E ela falou comigo assim: —Não sei não, estou achando você um caso meio duvidoso. Eu falei assim: —Você quer tomar alguma atitude, pode tomar. E ela falou: —Não, tudo bem. Eu falei com ela: —Muito obrigada. Uma boa tarde para você. Eu já perdi a vontade de comprar aqui na sua loja”. (Suzi).

O deficiente visual ainda é visto pela sociedade como um indivíduo incapaz, sem

qualquer tipo de autonomia. Pelos relatos pode-se inferir que, para a sociedade em geral, o

deficiente visual ainda é o “pobre coitado” que, desprovido de qualquer oportunidade que o

leve a outro patamar social, só lhe resta a alternativa de ser tratado como diferente e

necessitado.

Uma constatação obtida pelos relatos das entrevistadas é de que, a aparência do

deficiente visual (seja homem ou mulher), algo intrinsicamente ligado às questões de beleza e

estética – como o cuidado com o pentear dos cabelos, as unhas minimamente pintadas, a

combinação de cores, tons e vestimentas, etc, – podem ampliar ou diminuir essa imagem que

a sociedade possui do deficiente visual.

Essa constatação merece algumas considerações. De início, vale considerar que a

decisão de manter-se com boa aparência pode ter alguma aderência a uma questão que

tangencia o consumo - a do materialismo. Esse conceito, trabalhado também pelos autores da

cultura material (Miller, 2012; Appadurai, 1998), pode ser resumido na importância dada à

posse e ao uso dos bens materiais (Belk, 1984). Ou seja, os indivíduos passam a considerar o

fato de possuírem e utilizarem seus bens e se manterem “bem aparentados” como forma de se

apresentarem à sociedade e serem considerados parte dela. Além disso, vale ser citada a

importância da aparência em uma sociedade relacional como a brasileira (DaMatta, 1997), na

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qual o fato de parecer bem arrumado costuma ajudar a manter firme o conceito de amigo –

“aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei” (DaMatta, 1997).

“E quanto mais o deficiente anda mal arrumado, mais menosprezado ele vai ser, porque ele fica parecendo um mendigo mesmo, não tem jeito”. (Suzi).

Pelos relatos é possível percebermos que a questão da aparência é uma espécie de

condicionante para que o deficiente visual receba das pessoas algum tipo de auxílio, como

para atravessar uma rua ou pegar um ônibus, por exemplo.

“[...] ele vai receber ajuda da mesma forma, mas se tiver, vamos supor, dois ali com a mesma deficiência, um bem arrumado e o outro mal arrumado, eu acho que vai olhar e fazer uma análise dos dois. Então eu acho que dá uma diferença”. (Gabriele).

Na opinião das próprias entrevistadas a questão da aparência guarda importância no dia

a dia do deficiente visual na medida em que o reconhecimento social está intrinsicamente

ligado ao físico.

“[...] O deficiente já é visto como uma pessoa que não cuida da beleza, então é fundamental, é essencial que você tenha esse cuidado para que essa imagem seja desfeita”. (Jaqueline). “[...] um erro na aparência vai refletir na minha deficiência e vai refletir na forma que as pessoas enxergam a pessoa com deficiência”. (Cilene).

Muitas entrevistadas acreditam que a maior questão por detrás do estigma e preconceito

relacionados aos deficientes visuais é a falta de preparo das pessoas para lidar com o

deficiente ou com o “diferente”.

“Então, assim, quando você chega, eles não sabem nem como pegar na gente. Eles te puxam pela bengala. Não é culpa deles, lógico, eles não são treinados. Eles te puxam pela bengala, outra hora levanta seu braço numa altura que você quase não aguenta, outra hora puxa você pela roupa. Eles não têm preparo”. (Suzi).

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Pelos relatos das entrevistadas a falta de conhecimento das pessoas sobre a deficiência

visual pode ser apontada como o fator chave para uma sociedade tão indiferente e desigual.

“[...] elas não sabem lidar com o deficiente, e em função disso você percebe que o tratamento é diferente”. (Paula). “[...] a sociedade, ela não está educada para conviver com o diferente”. (Jaqueline). “As pessoas não estão preparadas para lidar com o diferente, só que eu acho que isso não justifica a indiferença das pessoas”. (Luzia).

O preconceito ainda é algo presenciado e vivido com frequência, e as pessoas, em sua

grande maioria, ainda estão alheias para as questões mais básicas de cidadania relacionadas ao

convívio com os deficientes visuais, restando a esse público nada além do que esperar por

uma sociedade mais informada e preparada para lidar com os deficientes visuais.

Segundo Vash (1988), a desvalorização da pessoa com deficiência pode ser explicada

por três tendências: 1) a que considera o preconceito biologicamente determinado,

defendendo que o ser humano rejeita instintivamente os organismos fora das condições

normais; 2) a que apoia-se no plano psicossocial, precisamente no processo de aprendizagem,

no qual diferenças marcantes são menos toleradas e; 3) a que envolve aspectos político-

econômicos, na qual a deficiência é vista como ônus para o sistema social.

A implicação desse processo de desvalorização do indivíduo com deficiência é um

conjunto de manifestações discriminatórias que geram, para a pessoa com deficiência, entre

outras consequências, condições desfavoráveis para seu ajustamento e integração na

sociedade (Silva, 2007), algo evidenciado pelos relatos das mulheres entrevistadas e que nos

leva a constatação da existência de uma parcela significativa de deficientes visuais que ainda

são alvo de atitudes discriminatórias e estereótipos por parte da sociedade.

Segundo Salzedas e Bruns (2012), “a pessoa deficiente muitas vezes é tratada como um

ser inferiorizado, incapaz de executar qualquer atividade, ou decidir por si mesma, havendo

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uma subestimação de potencialidades e capacidades, o que faz que a aquisição da identidade

social seja mais tardia do que ocorre com o indivíduo são”. E de acordo com Goffman (1988),

com base em uma ‘imperfeição original’ (a incapacidade real) há uma tendência a se inferir

uma série de outras ‘imperfeições’, sendo frequente observar, por exemplo, alguém tratando

um deficiente visual como se fosse surdo, ou, ainda, como se fosse aleijado. Essa explicativa

de Goffman nos faz entender em parte como o preconceito se firma na sociedade e como ele

permeia o dia a dia dos deficientes, inclusive em situações corriqueiras no comércio ou

prestação de serviços, algo que será mais aprofundado na próxima seção onde se discutirá o

deficiente enquanto consumidor.

4.3. O deficiente visual enquanto consumidor

O deficiente visual, assim como qualquer pessoa quando vai às compras, estrutura e

organizada, ainda que minimamente, sua ida ao mercado. Não foi possível identificar um

critério comum para a escolha do local para a realização das compras, mas quatro aspectos

foram identificados entre as entrevistadas como importantes na escolha do local, como o

atendimento, o agrupamento de tipos de comércios variados (no caso dos shoppings), a

facilidade de acesso e ainda a facilidade de locomoção (aspectos também ligados aos

shoppings). Os seguintes trechos de depoimentos comprovam isso.

“Eu sempre procuro a pessoa porque ela já sabe, ela já sabe o jeito que vai atender a gente, que vai mostrar. Eu procuro sempre, se possível, alguém que já te atende é melhor. Eu procuro sempre naquela loja porque é mais fácil”. (Maria). “O shopping, porque é uma coisa que está mais próxima aqui. Sei lá. Se você falar que é um lugar que tem muita gente, eu não gosto de lugar que tem muita gente. [...] Mas é uma coisa gostosa, você passa numa loja, olha”. (Isabel). “[...] (o shopping) eu acho que está tudo muito próximo, as lojas ficam mais próximas”. (Luzia).

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O processo de tomada de decisões - que tem como base o modelo clássico da escolha

racional - segue uma estrutura normativa (Luppe & Angelo, 2010), mas, como sabemos, este

viés racional não explica por si só as nuances do comportamento humano em uma situação de

compra, pois o consumo está relacionado à experiência humana produtora de significados

(Sauerbronn at al., 2009). Ainda assim, faz-se necessário este recorte do viés racional do

processo de tomada de decisões para evidenciar como ocorrem o despertar para o consumo e a

tomada de decisão de compra pelos deficientes visuais, especialmente pelas mulheres no

âmbito do consumo de produtos e serviços de beleza.

Foram citados como transmissores das mensagens de marketing dos anunciantes de

produtos e serviços de beleza e estética, desde a propaganda na TV até os tutoriais nas redes

sociais, mas nenhum destes veículos guardou a importância dada pelas entrevistadas à

importância da opinião de terceiros no processo de tomada de decisões de compra.

“Dependendo, eu costumo ir muito por propaganda, o que nem sempre é muito bom. Mas a propaganda ajuda bastante”. (Aparecida). “Eu costumo escutar muitos vídeos no You Tube que falam de tutoriais, falam de produtos específicos para certas áreas, aí eu tenho que experimentar e vejo se é bom. Normalmente isso é maquiagem e cabelo”. (Paula).

Vale comentar que é comum no universo dos deficientes visuais a existência de uma

pessoa (que pode ser um familiar, amigo, vizinho) que o acompanha e o auxilia em atividades

de compra.

“Às vezes uma amiga fala: “Gostei desse perfume”, ou: Gostei daquele creme. Tem uma vitamina para crescimento capilar, vamos usar? Eu usei e é bom”. Se funcionou para a outra “vou tentar”. É mais indicação e médica mesmo”. (Cilene). “Agora, alguns produtos de beleza, questão de maquiagem [...] não dá para eu saber o que que fica bom para minha pele, aí eu tenho que ter uma pessoa de confiança, o que é difícil, para falar para mim “isso aqui não combina com você, isso aqui combina”. (Cristina).

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“De verdade, se tiver umas duas ou três pessoas, eu vou nas duas, três pessoas para saber qual a opinião”. (Isabel). “[...] se eu achasse uma pessoa com o gosto parecido com o meu, que saiba achar as coisas diferentes... Eu gosto de uma opinião sim, para mim faz uma diferença”. (Luzia).

Em certa medida todas as entrevistadas afirmam ter uma rotina para ir às compras, seja

por necessidades domésticas, seja por lazer. Sempre acompanhadas utilizam a ajuda do

terceiro em circunstâncias diversas, simplesmente para facilitar o ir e vir, para operacionalizar

um pagamento ou para obterem uma segunda opinião que influenciará sua decisão de compra.

Dentre as preferências de consumo citadas pelas entrevistadas foram mencionados

artigos como cremes para o rosto, hidratantes para o corpo, maquiagens, perfumes, produtos

para o cabelo (shampoo, condicionadores, máscaras, etc) e dois itens em especial, que na

opinião das entrevistadas, estão diretamente relacionados à questão da beleza, roupas e

acessórios.

Aqui cabe um parêntese à questão da beleza e estética, pois para a maioria das mulheres

entrevistadas as roupas e acessórios assumem também uma função estética, o que para Freitas

e Pinto (2001) é na verdade uma função simbólica, associada principalmente a diferenciação

do indivíduo em meio à multidão, assim entendido como a roupa fazendo-se uma extensão da

personalidade, cultura e valores do indivíduo.

“Quando eu saio é igual uma árvore de Natal, toda brilhosa”. (Regina). “[...] eu acho que faz bem para a autoestima da mulher, ela andar bem arrumada”. (Jaqueline).

Quando questionadas sobre o preparo do comércio em geral para atender os deficientes

visuais, foi unânime a opinião de que o comércio não está preparado para situações que

envolvam o atendimento dos deficientes visuais. Desde aspectos como a disposição de

mobiliários das lojas, identificação das mercadorias e preços, passando pela questão do

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atendimento, tais fatores devem ser observadas pelo empresariado, na tentativa de

transformarem suas lojas em ambientes mais amigáveis aos deficientes visuais. A falta de

preparo da sociedade para lidar com as pessoas portadoras de deficiência evidencia-se em

situações de compra no varejo, visto que raramente há vendedores treinados para atender um

cliente com deficiência (Hogg & Wilson, 2004; Kaufman, 1995; Kaufman-Scarborough,

1998). Obviamente, essa questão do atendimento foi a mais criticada pelas entrevistadas como

se pode observar nos relatos abaixo:

“[...] ele (o comércio) não têm estrutura nenhuma para nada. Não só as lojas, é nada, é lugar nenhum. Loja, açougue, armazém, supermercado, é tudo”. (Suzi). “Porque ele (o comércio) não sabe dar a atenção devida ao ponto de chegar e explicar exatamente o que que é. Parece que eles ficam meio receosos, “como é que eu vou tratar esse cliente?””. (Paula)

Os relatos das entrevistadas dão conta que existe um longo caminho a ser percorrido

pelas empresas em geral, para adequações de todo o tipo, para assim atenderem melhor o

consumidor deficiente visual. No caso dos serviços, essa questão parece ainda ganhar um

“peso” especial.

“[...] acho que falta esse preparo. Acho que pelo deficiente ter essa limitação de não estar vendo, falta às vezes um pouco de vontade do vendedor descrever aquele produto. Você vê que às vezes você chega na loja e o vendedor demora para te atender, para te dar aquele auxilio necessário”. (Jaqueline). “Supermercados, por exemplo, eu acho que não, não sei se é por causa do tamanho, se é grande demais. [...] se a gente não tiver com alguém que enxerga, realmente é muito difícil para a gente transitar lá dentro. Agora, tem lojas que sim, tem lojas que a gente encontra uma pessoa bacana para mostrar mesmo, com interesse. E tem lojas que não, tem lojas que você entra e o pessoal pergunta o que você quer, não demonstra muito interesse, a gente não sabe se é porque pensa que a gente não vai pagar ou porque a gente é cego. A gente acaba saindo de lá constrangido”. (Aparecida).

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Em suma, muitas vezes os vendedores, acanhados e inexperientes, acabam sendo uma

extensão do braço do cego e não seus olhos (Amaro et. al., 2008), sendo essa a questão central

por detrás da insatisfação do atendimento prestado pelo comércio em geral aos deficientes

visuais.

Outra pergunta respondida pelas entrevistadas diz respeito aos pontos de melhoria do

comércio em geral, para atender as necessidades dos deficientes visuais. Conforme Carvalho e

Motta (2000), todos os aspectos ambientais detectados pelo aparelho sensorial - temperatura,

luz, odor, ruído e música – podem interferir na interação dos clientes com a organização. Se a

satisfação dos clientes passa pelos sentidos, os deficientes visuais (e todos os demais

deficientes), constituem-se um desafio ao varejo. A preocupação em se ter uma ideia clara

sobre tais aspectos atende a questão de prática gerencial a qual este estudo faz sua

contribuição.

Segundo Amarol et. al (2008), quando as empresas oferecem facilidades para o acesso

de pessoas portadoras de deficiência ao ambiente de compra, estes tornam-se extremamente

leais. Na opinião das entrevistadas alguns pontos de melhoria foram citados como sendo de

suma importância para a acessibilidade do deficiente ao ambiente de consumo, tais como:

pisos táteis, sinalizações bem demarcadas, padronização dos layouts, menos obstáculos entre

seções/corredores, caixa exclusivo e, principalmente, treinamento para os funcionários que

lidam diretamente com o público, com noções básicas de condução/mobilidade de pessoas

portadoras de deficiência visual. Aliás, este último ponto foi considerado determinante na

fidelização do deficiente visual enquanto consumidor de bens e serviços.

Ao serem indagadas sobre a compra de produtos e serviços de beleza, as entrevistadas

se mostraram envolvidas emocionalmente nas situações que vivenciam no seu dia a dia, o que

corrobora a ideia de Holbrook e Hirschman (1982), de que o consumo (em geral) é capaz de

gerar experiências que sejam cognitivas e sensoriais, fazendo despertar no indivíduo

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pensamentos, sensações e sentimentos dos mais variados, o que nos leva a acreditar que mais

importante do que o próprio produto ou serviço, é a busca pela experiência que motiva essas

mulheres a consumirem produtos e, principalmente, serviços de beleza e estética, algo que

será melhor discutido na próxima seção, na qual tentou se explicar como as experiências são

construídas durante as situações mais rotineiras de consumo.

4.4. Experiência de consumo

A experiência de consumo emergiu na fase de análise de dados como algo importante

para as pesquisadas. Vale considerar que, para os pesquisadores do comportamento do

consumidor, uma experiência é acima de tudo uma ocorrência pessoal, muitas vezes com

importante significado emocional, fundada sobre a interação com os estímulos que são os

produtos ou serviços consumidos (Holbrook & Hirschman, 1982). Schmitt (2000) define

experiências como acontecimentos individuais que ocorrem como resposta a algum estímulo,

não sendo espontâneas, mas induzidas. O autor também ressalta que as experiências são

resultados do encontro e da vivência de situações, sendo estímulos criados para os sentidos,

para os sentimentos e para a mente. Pine II e Gilmore (1999), no mesmo sentido, propõem

que uma experiência ocorre quando uma companhia intencionalmente usa produtos e serviços

para engajar consumidores em uma atividade que cria um evento memorável.

A experiência é algo inerentemente emocional e pessoal (Pullman & Gross, 2003), e por

se tratar de um episódio subjetivo de construção e/ou transformação individual, está

relacionada à forma como compreendemos os fatos e as situações vividas, como extraímos

emoções dessas circunstâncias e como as guardamos na nossa memória.

75

Por outro lado, o consumo é constituído pela geração de pensamentos internos e

sentimentos que são o teor da experiência (Hirschman, 1984). Logo, consumo e experiência

são algo inseparável e devem ser analisados sob esta perspectiva.

Trazendo o foco para a pesquisa de campo, as entrevistadas afirmaram existir uma

produção de sentimentos intrínseca ao consumo de serviços de beleza e estética, algo que vai

ao encontro ao viés hedônico da abordagem experiencial do consumo. Não existe uma hora

certa para a manifestação desses sentimentos, podendo ocorrer antes, durante e/ou depois do

ato de consumo.

A intensidade com que esses sentimentos são produzidos e vividos depende diretamente

daquilo que Holbrook e Hirschman (1982) chamam de estímulos não verbais. No caso das

mulheres entrevistadas, a simples ideia de se ver rejuvenescida de uma semana de trabalho, ou

de se sentir bela para uma festa da família ou ir ao encontro de amigos. Nota-se, assim, no

relato das entrevistadas, diversas dimensões do consumo experiencial.

“Eu fico muito ansiosa para chegar, para ir, para ficar bonita. Eu gosto de me sentir bonita, sentir bem, bem arrumada, cheirosa”. (Suzi). “Eu acho que euforia, principalmente se for uma coisa que eu estava querendo muito, que eu pensei muito”. (Cibele). “Sua autoestima já começa aumentar quando você fica sabendo que você vai. Sei lá. Você fica alegre”. (Gabriele). “A expectativa é que eu fico pensado: “hoje eu vou ficar feliz, vou ficar bem arrumada, vou sair bonita para uma festa”, ou até para o meu dia a dia mesmo estar bem. [...]. Antes de pensar no que os outros vão falar ou deixar de falar, é aquela coisa de estar bem comigo mesma, de me valorizar”. (Aparecida).

Ao pensar a experiência como algo transformador, podemos perceber em alguns relatos

de que os estados emocionais são alterados, em maior ou em menor grau, dependendo da

circunstância que envolve o consumo de serviços de beleza e estética:

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“[...] Quando eu vou ao salão, às vezes eu não estou bem, às vezes eu quero mudar um pouco, e essa ida ao salão acaba que é um momento relaxante, um momento de descontração”. (Jaqueline). “Eu acho que só o fato de você acordar e: “Não estou satisfeita com o meu cabelo. Eu tenho uma festa e eu não vou com esse cabelo nessa festa”,, aí eu vou ao salão. Se ele fica do jeito que eu quero, eu fico mais animada”. (Cibele). “Enquanto está mexendo no meu cabelo eu estou achando bom. Eu acho bom porque eu sei que vai ficar legal, uma coisa diferente. Inclusive, descanso do dia a dia. De vez em quando eu sinto aquela necessidade de modificar mesmo”. (Aparecida)

Um fato importante que merece ser registrado é que, para as mulheres entrevistadas,

alguns sentimentos ou sensações vieram à tona quando chamadas a responder se gostavam de

ir às compras, como, por exemplo, alegria, amor, felicidade, prazer, euforia e sensação de bem

estar. Neste sentido, pode-se concluir que o consumo gera experiências sensoriais, que podem

ou não ser apreendidas no nível de cognição, dependendo do objetivo da experiência.

Segundo Hirschman (1984), embora cognições possam resultar a partir de dados fornecidos

para a mente consciente através dos sentidos, não há uma condição de independência entre a

busca da experiência sensorial e cognitiva.

O fato é que, independentemente do seu objetivo, as experiências são guardadas pelos

indivíduos como retratos imaginários ou como recordações que podem ser revividas e

renovadas se assim desejarem, e nesse sentido a seção para descrever como as entrevistadas

vivenciam suas experiências de consumo de serviços de beleza e estética e, se existe algo que

as tornam diferentes daquelas vividas por mulheres com visão normal.

4.5. Experiência em serviços de beleza e estética

O consumo de qualquer produto e/ou serviço sempre envolverá um componente da

experiência e um componente funcional ou utilitário (Barbosa, 2006). O componente

funcional ou utilitário identificado neste estudo nada mais é do que o próprio resultado da

77

aplicação de produtos de beleza, como cremes para o rosto, hidratantes para o corpo,

maquiagens, perfumes, produtos para o cabelo (shampoo, condicionadores, máscaras etc) e

esmaltes, que atende a expectativa da mulher deficiente de afirmar sua feminilidade no dia a

dia para a sociedade.

O componente da experiência deve ser analisado considerando duas perspectivas, uma

relacionada à determinação do quadro da experiência e outra relacionada à questão de

determinar as características da atmosfera da experiência (Barbosa, 2006), algo subjetivo e

difícil de ser determinado.

As mulheres entrevistadas têm cada uma à sua maneira, hábitos e preferências de

consumo que fazem emergir vários quadros da experiência em consumo de serviços de beleza

e estética. Algumas não vão ao salão de beleza, preferindo o atendimento em domicílio,

prática comum no consumo de serviços de beleza e estética. Outras, por razões pessoais,

preferem elas mesmas aplicar produtos ou tomar algum cuidado em especial, como fazer as

unhas, depilação ou hidratar os cabelos, como relata Maria.

“Unha, por exemplo, eu gosto mais de fazer em casa. Eu até falo isso, eu sou meio chata mesmo, eu gosto de fazer assim para saber se elas estão todas quadradinhas, se não estão. Eu gosto mais de fazer em casa a depilação também. Cabelo também, eu cuido do cabelo, mas graças a Deus o cabelo não me dá muitos gastos. Então o salão é mais para hidratar mesmo. Às vezes uma vez a cada três meses. Procuro manter, fazer em casa mesmo. Limpeza de pele às vezes eu também faço. O que eu acho que é mais é unha e depilação, são as coisas que eu mais faço”.

Aprofundando a análise sobre os quadros da experiência (ou o ambiente de serviços)

revelados no estudo, pode-se afirmar que uma parcela reduzida das entrevistadas deu

importância sobre o que o ambiente de serviços interfere na produção da experiência em

consumo de serviços de beleza e estética. Isso porque as entrevistadas creditam a satisfação

no serviço prestado pelo profissional de beleza e não no lugar onde ele é comprado ou

78

consumido. Isso parece remeter às quatro características básicas dos serviços: intangibilidade,

perecibilidade, variabilidade e inseparabilidade (Zeithalm & Bitner, 2003). No caso das

entrevistadas, a questão da inseparabilidade (os serviços não pode ser separados de seus

fornecedores, sejam pessoas ou máquinas) e da variabilidade (os serviços dependem de

quando, onde e como são fornecidos) emergem de forma clara. Ou seja, para as entrevistadas

parece haver uma tendência de atrelar a qualidade dos serviços ao prestador, bem como ao

contexto em que foi oferecido.

O mesmo vale para a outra parcela das entrevistadas que optam por ir ao salão de beleza

e que consomem os mais variados itens do cardápio de serviços, como, por exemplo, corte,

depilação, escova, escova progressiva, hidratações, limpeza de pele, luzes, maquiagem para

festas, pé e mão, sobrancelha, etc.

Enfim, pode-se afirmar que, para a mulher deficiente visual, não é o ambiente de

serviços que torna a experiência algo único e memorável, mas sim a própria experiência em si

que se prolonga por um período de tempo e a sensação de bem estar que perdura até a

próxima data em que tudo é vivenciado novamente. Esta questão abre precedentes para uma

discussão ampla em torno do consumo de serviços por deficientes visuais, pois, ao contrário

do que afirmam alguns estudiosos, constatou-se que o cenário de serviços não é locus de

estímulo ou emoção e que nada, ou tão pouco, interfere no processo de aquisição de símbolos

e imagens percebidas em um produto ou serviço, algo inerente ao consumo sob a perspectiva

da Teoria da Cultura e Consumo (McCracken, 2010).

Para as mulheres entrevistadas, o consumo de serviços de beleza e estética ocorre

geralmente a cada 15 (quinze) dias ou semanalmente. Os critérios de escolha no ambiente de

serviços de beleza e estética obedecem basicamente a uma única razão, a relação temporal que

as entrevistadas afirmam possuir com o profissional de beleza.

79

“[...] eu gosto do trabalho das pessoas lá: da cabeleireira, manicure, porque eu gosto do tratamento delas”. (Cilene). “[...] os salões que eu costumo frequentar, o pessoal já está acostumado comigo, então é tranquilo. A cabeleireira que me ajuda é tranquila. Aqui atrás também tem um salão que o deficiente é muito bem acolhido; pessoal sabe lidar conosco”. (Aparecida).

Assim como em outras situações de consumo, no âmbito do consumo de serviços de

beleza e estética, os deficientes fazem uso da opinião de terceiros para a tomada de decisão

em relação aos serviços que serão prestados pelo profissional de beleza. Basicamente, são

opiniões que dizem respeito ao corte de cabelo, escolha de cores do esmalte ou tipo de

maquiagem a ser aplicada para uma determinada ocasião, como relata Luzia:

“Eu preciso de alguém – para me ajudar a escolher o corte, o tom do batom, a tintura”. (Lais). “Um dia que ela (profissional de beleza) foi fazer uma maquiagem e me falou das cores dos batons, inclusive eu nem sabia muito em relação às cores que eu tinha lá, ela me falou qual que eu poderia usar à noite, o que eu poderia usar durante o dia. [...] o esmalte, ela que escolheu. Porque para algumas coisas a gente fica muito dependente das pessoas”. (Luzia).

O sistema de marketing deve ser capaz de oferecer, como um benefício em si mesmos,

ambientes agradáveis e funcionais, nos quais os consumidores possam movimentar-se e

sentir-se bem (Carvalho & Motta, 2000; Motta, 2000; Wikie & Moore, 1999), mas em se

tratando do preparo do setor de serviços em geral para atender os deficientes visuais, pouca

diferença é percebida em relação ao comércio. Algumas entrevistadas afirmam que a questão

do atendimento é o maior problema do setor de serviços, devido a falta de preparo dos

profissionais. Aqui, novamente, surge a questão das características dos serviços envolvendo a

intangibilidade e a inseparabilidade, tal como já discutido anteriormente.

80

“É a mesma coisa, eu recebo no banco do bairro. Nossa! Como eles são despreparados. Até aqueles seguranças que estão lá, um dia tem uns bons, outro dia não tem. Eu vou guardar a minha bolsa no guarda-volumes, tem um segurança lá que me ajuda até ir ao guarda-volumes, outros não: “a senhora segue essa reta aqui e chega lá no guarda-volumes””. (Laís).

Enfim, ainda que existam diferentes funções e atribuições relacionadas com o

aproveitamento do cenário e de seus diversos elementos em um contexto de consumo de

serviços de beleza e estética, não se pode negar que a experiência existe e que dela surgem

emoções, definida por Lazarus (1991) como um estado mental de prontidão que surge de

apreciações cognitivas de eventos ou pensamentos, algo fundamental e componente das

respostas de consumo.

4.6. Aspectos hedônicos da experiência em consumo de serviços de beleza e estética

O consumo produz experiências cognitivas e sensoriais (Hirschman, 1984), e neste

contexto a experiência do consumo em serviços de beleza e estética pelos deficientes visuais

se tornará memorável à medida que vierem à tona sentimentos e lembranças capazes de fazê-

lo retornar e viver uma nova experiência (Dupuis & Savreux, 2004).

Para autores da teoria cognitivista, como Ortony et al. (1988), uma emoção

caracteriza-se como uma reação afetiva à percepção de situações. Para Lazarus (1991) as

emoções refletem uma mudança constante na relação pessoa-ambiente e surgem como

resultado da avaliação da pessoa quanto à significância de um evento para o seu bem-estar.

Ao serem questionadas sobre as emoções e sentimentos nas etapas de pré-consumo,

compra e lembrança da experiência de consumo (Arnould et al., 2002), as mulheres

entrevistadas descreveram com um tom eufórico os diversos estados emocionais ocorridos

antes, durante e após o consumo de serviços de beleza e estética.

81

“Eu fico muito ansiosa para chegar, para ir, para ficar bonita”. (Suzi). “Sua autoestima já começa aumentar quando você fica sabendo que você vai (ao salão). Sei lá. Você fica alegre”. (Gabriele). “A expectativa é que eu fico pensado: “hoje eu vou ficar feliz, vou ficar bem arrumada, vou sair bonita para uma festa”; ou até para o meu dia a dia mesmo estar bem”. (Aparecida).

Durante os relatos dessas mulheres ficou claro que a deficiência visual não interfere no

processo de consumo, no qual os aspectos multissensoriais, imaginários e emotivos são

procurados e apreciados (Barbosa, 2006).

A concessão de espaço para emoções torna, segundo as mulheres entrevistas, cada

experiência única, capaz de produzir no íntimo de cada uma delas uma espécie de renovação

do seu “eu”, tornando-as mais mulheres e menos deficientes.

“Ah, não! São diferentes (os sentimentos), porque eu nunca faço a mesma coisa”. (Suzi). “Eu acho que esse estado (de emoção) muda principalmente depois do resultado”. (Maria). “Eu fico me sentindo bem. Eu me sinto bem, sinto realizada, sinto feliz: “que bom, consegui fazer o que eu quero”. É uma sensação muito boa”. (Aparecida).

As entrevistadas foram chamadas a responder também como se sentiriam em caso de

serem impedidas de consumirem os serviços de beleza e estética a que estão acostumadas

realizar.

“Aí eu ficaria triste”. (Regina). “Nossa! Acabada”. (Paula). “Pelo amor de Deus! Terrível. É algo ruim.” (Mariana). “Nossa! Eu ia me sentir muito triste, porque, nossa, Deus, parece que quando eu não vou está faltando alguma coisa. Eu sinto que falta alguma coisa e eu sinto que não está completo. Dá essa sensação de vazio”. (Aparecida).

82

Percebe-se que sentimentos de tristeza e outros que se confundem com infelicidade

foram citados quando as mulheres entrevistadas se viram diante da hipótese de serem

impedidas, por qualquer motivo, de consumirem serviços de beleza ou estética. Além destes

sentimentos, a sensação de que não se está adequada ou preparada para uma ocasião qualquer,

também se faz presente no consciente dessas mulheres quando se veem diante da mesma

hipótese.

“Não tem jeito não. Não tem a mínima possibilidade. Não tem jeito”. (Cilene). “Eu acho que eu não saio”. (Isabel). “Talvez eu sentisse um pouco mais para baixo”. (Lais).

Para uma experiência ser algo memorável é necessária, além da criação de sentimentos,

também uma lembrança, que fará com que o consumidor queira viver uma nova experiência.

Essa questão, além de ter aderência à perspectiva experiencial do consumo, tal como

defendida por Holbrook e Hirshman (1982), parece estar ligada à construção de significados

dos serviços, ponto que remete aos estudos envolvendo a CCT. Ou seja, esse achado da

pesquisa pode levar à constatação de que existe uma inter-relação, ainda pouco explorada nos

estudos do consumo, entre fatores experienciais e culturais. Em outras palavras, na construção

de significados de serviços de beleza e estética, as pesquisadas tendem a incorporar os

elementos experienciais tais como lembranças, alegria, sentimento de satisfação entre outras.

Na tentativa de se descrever essa experiência, as mulheres foram convidadas a

responder o que seria um dia ideal no salão de beleza, ainda que para a maioria dessas

mulheres o cenário de serviços pouco importa na concepção da experiência. Para relatar o que

seria uma experiência extraordinária no consumo de serviços de beleza e estética, dedicou-se

o tópico seguinte.

83

4.7 A experiência extraordinária

Os relatos das mulheres entrevistadas dão conta do consumo constante de serviços de

beleza e estética, mas em nenhum momento houve citações a respeito daquilo que pode-se

chamar de experiência extraordinária. Segundo Arnould e Price (1993), a experiência

extraordinária é composta de consumos hedônicos marcados pela interação pessoal,

espontaneidade, prazer, naturalidade dos processos e intenso envolvimento emocional. A

dimensão da visão experiencial tem sido frequentemente aplicada ao estudo de experiências

de consumo hedônica, associadas a produtos ou serviços que tendem a suscitar fortes aspectos

de fantasias, sentimentos e diversão (Addis & Holbrook, 2001).

Os cenários de serviços sonhados pelos consumidores são aqueles em que as pessoas

podem se sentir no papel do personagem central da história, tendo à sua disposição todos os

estímulos necessários para se manter no foco da situação de consumo (Ferreira, et. al., 2006).

Nesta perspectiva, além das variedades utilitárias e dos benefícios advindos da interação com

os ambientes, a estética dos cenários requer uma série de estimulações táteis, visuais,

auditivas e olfativas (Sandikci & Holt, 1998).

Assim, pode-se compreender o cenário ou a atmosfera de serviço como sendo composta

por três dimensões: sociais, de design e ambientais. Durante a experiência de consumo, a

dimensão social diz respeito às pessoas, quer sejam os funcionários ou os próprios clientes

que estão no ambiente e influenciam a percepção do consumidor quanto à imagem do serviço

(Grewal & Baker,1994).

A dimensão design abrange aquelas características que são essencialmente visuais,

sejam elas funcionais ou estéticas (Grewal & Baker,1994). Entre os elementos funcionais

estão o layout da loja e o conforto oferecido, enquanto os elementos estéticos incluem a

arquitetura do local, as cores e os materiais utilizados, o estilo e a decoração (Grewal &

84

Baker,1994). A dimensão ambiente designa as condições que afetam os cinco sentidos

humanos. Estão incluídos temperatura da loja, iluminação, barulho, música e odor

(Bitner,1992).

As mulheres entrevistadas descreveram o cenário de serviços ideal como um ambiente

assistido por funcionários treinados, habilitados a conduzir e explicar detalhadamente o layout

do mobiliário, portas e demais acessos do ambiente, proporcionando assim independência do

deficiente visual para ir e vir. Ainda imaginaram um ambiente descontraído e calmo, com

bom cardápio de produtos e serviços, profissionais habilidosos e que estejam preparados para

descrever novas tendências da moda e aptos para executarem o serviço.

“Um bom serviço no salão de beleza seria bom se, a gente frequenta esse salão direto, a cabeleireira já apresentar para a gente o local e mostrar para a gente tudo: “essa porta que você entrou, a sua direita tem isso, a esquerda tem aquilo, a sua frente tem isso, tem aquilo”. Descrever o local todinho para a gente, porque aí a gente vai acostumando e já consegue locomover dentro do ambiente”. (Aparecida).

A grande maioria das entrevistadas disse sonhar com um dia em que poderiam ficar o

dia inteiro no salão, usufruindo de toda a estrutura e serviços oferecidos. Isso parece remeter

ao sentimento de que o salão de beleza é algo sagrado, ao mesmo tempo em que pode ser

considerado um templo no qual acontece uma “transformação” ou uma “passagem” para o

mundo do belo e da boa aparência. Belk (1989), em seu clássico artigo “The Sacred and the

Profane in the Consumer Behavior: Theodicy on the Odyssey” relata diversas situações de

consumo nas quais são permitidas visualizar componentes de algo sagrado e de profano. No

caso das entrevistadas deficientes visuais, ficou bastante explícita a questão do sagrado, como

apresentado anteriormente.

“Quando você vai e faz tudo: cabelo, pé, unha; tem a pedicure, a manicure, a esteticista. Que tenha tudo”. (Paula).

85

“Ficar o dia todo e fazer um monte de coisas”. (Isabel). “Fazer tudo que eu tivesse direito. Fazer a minha unha, uma depilação, se for o caso, uma limpeza de pele, uma hidratação no cabelo. Meu sonho é cachear o meu cabelo”. (Aparecida).

Segundo Casotti (2008), o belo está diretamente associado ao moralmente bom. O feio

transmite a imagem de fraqueza, de ser incapaz de assumir responsabilidade sobre seu próprio

corpo, acarretando impactos para sua vida pessoal e profissional. A mensagem da mídia em

relação a esse ponto é que o corpo pode ser modificado e ajustado a qualquer momento, por

isso a preocupação com a beleza assumiu no dia a dia das mulheres. Não indiferente a esta

questão, as mulheres entrevistadas assumiram que a questão da beleza e estética em nada é

interferida pela deficiência visual, e pelos relatos obtidos isso se provou ser uma preocupação

diária dessas mulheres que acreditam na afirmação de gênero ou da sua feminilidade pela

força da estética. Todas foram unânimes em dizer que no consumo de serviços de beleza e

estética emerge uma sensação de bem estar, capaz de revigorar e fazer se sentir mulher.

Novamente aqui percebe-se a noção de que o salão de beleza pode ser considerado como um

templo, no qual o sonho, o imaginário, até mesmo o impossível tomam lugar do real.

“De estar me cuidando. Vem um prazer que eu não sei te explicar qual é. Mas vem aquele prazer de saber que meu cabelo está balançando”. (Regina). “Eu gosto de me arrumar. Eu acho que faz bem, a gente se sente leve”. (Maria) “Bem estar, satisfação mesmo”. (Isabel). “Eu penso assim, o meu bem estar em primeiro lugar”. (Aparecida). “Eu me sinto bem mesmo. Realmente me sinto bem, muito bem. Eu sinto prazer em escolher, em estar bem, bonita”. (Luzia).

Uma questão central nesse contexto e que será destacada na próxima seção é a

subjetividade com a qual essas mulheres realizam suas interpretações de todo o contexto que

cerca o consumo de serviços de beleza e estética e os significados por detrás desse ato, que se

86

tornou na sociedade contemporânea o meio pelo qual os indivíduos se comunicam, se

manifestam e se reconhecem, fazendo expressar sua cultura, princípios, ideais e identidades

(Rocha, 2000).

4.8. Beleza e estética: significado

Na sociedade moderna, a identidade social, em outras épocas uma herança que se

mantinha estável ao longo da vida, passa a ser construída pelo próprio indivíduo, que se vale,

principalmente, de produtos e serviços para moldá-la (Casotti, 1998; Slater, 2002). É assim

que os produtos se tornam, na referência de Levy (1959), ‘símbolos’ e ‘significados’ (Levy,

1959; Slater, 2002), a ponto dos consumidores não desenvolverem lealdade às marcas, mas

sim aos símbolos e imagens que produzem no momento do consumo (Firat & Venkatesh,

1995).

Visto que o consumo tornou-se a forma pela qual a sociedade passou a assimilar sua

própria cultura (Slater, 2002), nunca se observou uma separação entre cultura e consumo,

simplesmente porque todos os fenômenos sociais são culturalmente determinados, já que

emergem do interior da sociedade (Slater, 2002). Os objetos não têm significado algum fora

daqueles atribuídos pelos homens (Appadurai, 1990), e mesmo a utilidade de um objeto é

definida culturalmente, já que ela inexiste de maneira inerente ao objeto (Slater, 2002).

Neste contexto, o consumo de serviços de beleza e estética por mulheres deficientes

visuais assume vários significados que transcendem a própria busca pela aparência como, por

exemplo, a autoestima, o confronto, a autoafirmação, a felicidade, o prazer e o

reconhecimento, como evidenciam os trechos seguintes:

“Eleva a autoestima”. (Gabriele).

87

“Eu acho que melhora a autoestima, às vezes porque sempre vai vir um: “você está legal”. Então sua autoestima vai lá em cima”. (Isabel).

O fato é que a questão do embelezamento, do cuidado pessoal e da atenção em relação à

aparência pessoal revela um sentimento de autoafirmação de sua identidade. É uma maneira

que essas mulheres encontraram para se sentirem percebidas e valorizadas.

“[...] toda mulher, ela muda o visual também um pouco para questão de autoestima, mas também muito preocupada do que a outra vai pensar”. (Jaqueline). “[...] eu acho que melhora muito a autoestima”. (Luzia).

Segundo Belk (1988; 2000), “nós consideramos nossos pertences como partes de nós e

somos o que temos”. Belk (1988) propõe que os objetos constituem uma extensão do self de

cada pessoa, que abrangeria também pessoas e lugares. Enquanto o self representa a

identidade do ser humano, o “eu”, a extensão do self representaria também aquilo que

pertence a cada um, ou seja, o “eu” e o “meu”. Para cada um dessas mulheres o “eu” é

indissociável do “meu” e isso torna cada escolha no âmbito do consumo de serviços de beleza

e estética única, particular e que projeta uma identidade própria. A escolha das cores do

esmalte, da tintura do cabelo ou do corte, por exemplo, além de dizer sobre a personalidade de

cada uma dessas mulheres, que também são meios encontrados por elas para confrontarem o

padrão estético do deficiente visual definido pela sociedade, que algumas das entrevistadas

afirmaram existir, sem, no entanto, defini-lo claramente.

Nesse ponto, cabem alguns comentários. Em primeiro lugar, não é escusado afirmar

que, embora as deficientes visuais tenham suas limitações físicas para “ver” o mundo, elas

não se deixam privar de ter acesso a todos os produtos e artefatos de beleza. Elas parecem

estar sensíveis a todas as nuances da moda, incluindo tendências, cores, produtos e artefatos.

88

Isso parece ter aderência ao que é proposto pela CCT, visto que essa corrente teórica busca

entender como as manifestações particulares de cultura do consumo são constituídas,

mantidas, transformadas e formatadas pelas forças históricas mais amplas (tais como

narrativas culturais, mitos e ideologias) quanto de específicas circunstâncias socioeconômicas

e sistemas de mercado particulares (Arnould & Thompson, 2005).

“Hoje em dia há uma preocupação muito grande com a beleza. Hoje em dia você vê homens em salão de beleza, então essa preocupação com a... A sociedade, ela, na verdade, de uma maneira direta ou indireta, ela impõe isso a você”. (Jaqueline). “[...] um erro na aparência vai refletir na minha deficiência e vai refletir na forma que as pessoas enxergam a pessoa com deficiência”. (Cibele). “Infelizmente, na sociedade em que vivemos eles cobram muito isso [...]. Infelizmente a sociedade dá muito valor a isso, a pessoa bem vestida, a pessoa que fala bem. Infelizmente mesmo, conta muito”. (Aparecida).

A beleza (e o próprio consumo de serviços de beleza e estética) para essas mulheres é

um estado mental, um veículo que cada uma tem para reafirmar sua identidade enquanto

mulher e que as habilitam a discutir e provar de modas e tendências, representando assim um

universo próprio, dando vazão a seus gostos e estilos de vida representados pelos produtos de

beleza que consomem e pela preocupação diária em se manterem belas e bem consigo

mesmas.

“O cuidado. O cuidado com a pele, cuidado com o cabelo é essencial, é primordial na vida de uma mulher. [...] quando você se cuida mais, quando você está com o cabelo arrumado, uma unha feita, isso demonstra que você está bem”. (Jaqueline). “Mas é legal a gente se arrumar para a gente mesmo”. (Maria).

Os cuidados em geral merecem atenção e investimento para garantir que tudo esteja

adequado e perfeito, pois o cuidado pessoal é a forma como comunicam seu estado mental de

aceitação e bem estar, se configurando como o principal modo de chamarem atenção da

89

sociedade para sua realidade.

“Significa para mim que eu sou uma pessoa normal, igual todas as outras que vão ao salão e que é normal, que não tem deficiência nenhuma”. (Suzi). “É você querer se sentir bela, como eu disse, para você poder aumentar a sua autoestima e mostrar para os outros também como você é: que você é vaidosa, cuida de si”. (Gabriele). “Se você estiver descuidado a pessoa pode não te levar a sério, infelizmente. Eu não acho isso uma coisa tão boa, a pessoa avaliar seu conteúdo pela sua aparência, mas isso é uma coisa que acontece”. (Cilene).

Para entender o consumo é necessário entender a cultura, e, na sociedade moderna, a

recíproca também é verdadeira (D’Angelo,2003). No momento que cultura e consumo são

operados conjuntamente, o consumo deixa de ser um mero ‘produzir, comprar e usar

produtos’ para se tornar um sistema simbólico, por meio do qual a cultura expressa seus

princípios, categoriais, ideais, valores, identidades e projetos (Rocha, 2000). Diante desta

questão, abordaremos na próxima seção a relação entre deficiência visual, cultura e consumo,

na tentativa de estabelecer na Teoria da Cultura do Consumo a relação entre experiências,

sistemas de opinião e práticas dos consumidores.

4.9 Deficiência visual, cultura e consumo

O consumo se tornou o meio pelo qual os indivíduos se comunicam, se manifestam e se

reconhecem, constituindo um sistema e até mesmo constituindo a “sociedade em si” (Douglas

& Isherwood, 1996, p. 49). Todo o consumo, por consequência, é cultural, pois envolve

significados compartilhados socialmente e porque tudo o que consumimos possui um

significado cultural específico, por meio do qual reproduzimos nosso sistema de relações

sociais (Slater, 2002). Logo, no instante em que consumo e cultura são operados

90

conjuntamente, o consumo se torna um sistema simbólico (D’Ângelo, 2003) através do qual a

cultura expressa seus princípios, categorias, ideais, valores, identidades e projetos (Rocha,

2000).

Segundo McCracken (2010), da produção até o consumidor final existiria um fluxo de

significados culturais que são transferidos de um agente a outro, através de mecanismos

diversos. Esse fluxo de significados tangeria as atividades de diversos agentes (empresas,

instituições, etc) e categorias profissionais (como publicitários, designers, etc) e culminaria

com o próprio consumidor que, em última instância, consumiria símbolos em forma de

produtos ou serviços. Para McCracken (2010), a localização original do significado cultural

que reside nos bens e serviços de consumo é o mundo culturalmente constituído, formado

pelo meio social e cultural no qual as pessoas estão inseridas. Neste sentido, podemos inferir

que é na sociedade que se origina o sentido ou significado da beleza.

A moda e a propaganda, encarregadas de transmitirem o significado da beleza aos bens

ou serviços (McCracken, 2010), socializam um estereótipo de beleza e de mulher na

sociedade contemporânea, que para as entrevistadas, é uma mulher decidida, independente,

com poder de escolha e segura de si, ao mesmo tempo vaidosa, que quer chamar atenção do

mundo e que se reafirma quando consome produtos e serviços de beleza e estética.

“Você cuidando da beleza você vai ficar mais bonita, você se sente melhor. Eles (a sociedade) tentam criar um certo padrão para incentivar a gente a consumir, tentam passar essa imagem de que a mulher vai ficar mais bonita e aí você fica mais vistosa. [...] passar o esmalte, não necessariamente você precisaria passar, mas a gente passa porque a gente quer ficar mais bonita, a gente quer chamar atenção”. (Maria). “[...] um dos pensamentos mais antigos é a questão da pessoa com deficiência não se cuidar, e tem até aquele pensamento de pessoas que não são tão esclarecidas pensarem que a pessoa com deficiência não consegue se cuidar, não consegue escolher uma roupa, não consegue combinar ou preparar o seu próprio cabelo. Eu acho que é uma questão até de reafirmação mesmo”. (Cilene). “[...] às vezes a gente tem que estar sempre mostrando que, apesar de ter uma deficiência, a gente é vivo, a gente está no mundo igual aos outros. Então, assim, a

91

gente tem... Eu acredito que mostra, sim, a personalidade da gente porque a gente está tendo força para lutar como qualquer outra pessoa, está fazendo o que qualquer outra pessoa faz, que é ir no salão, que é ir numa loja. Isso aí é uma coisa que desperta na gente aquela sensação, “eu tenho uma deficiência, mas eu estou levando a minha vida como qualquer outra pessoa leva””. (Aparecida).

Os rituais são a forma pela qual o significado é finalmente transferido do produto para o

consumidor (D’Ângelo, 2003). Já para Rook (2007, p. 83) “o termo ritual refere-se a um tipo

de atividade expressiva e simbólica construída de múltiplos comportamentos que se dão numa

sequência fixa e episódica e tendem a se repetir com o passar do tempo”. Em outras palavras,

os rituais são ações simbólicas que manipulam o significado cultural de modo a favorecer a

comunicação e a categorização entre grupos e indivíduos (McCracken, 2010). É uma forma

que a sociedade tem de falar de si própria (Rocha, 1984), tornando público seus valores e

definições sociais (Douglas & Isherwood, 1996). Sendo assim, os rituais, segundo D’Ângelo

(2003), ganham aspecto tangível por meio da utilização de artefatos (objetos e produtos

utilizados/consumidos no ritual), da existência de scripts (guias que especificam a utilização

dos artefatos e a sequencia de procedimentos e comportamentos), da performance de papéis

por parte dos participantes e da presença de expectadores, que acompanham o ritual (Rook,

1985).

Neste contexto, as mulheres entrevistadas, por acreditarem que a cada experiência de

consumo exista uma nova (re)significação dos sentimentos e emoções vividas por elas,

assumem o ritual do cuidado pessoal por necessitar, a cada experiência de consumo, extrair

constantemente o significado cultural que dele brota, para assim conseguirem transmitir à

sociedade sua identidade e assim se autodefinir socialmente.

“[...] se eu não me arrumar, se eu não fizer esse tipo de coisa eu fico triste, eu fico uma pessoa que parece que estou apagada, parece que não existo, que não é a minha personalidade”. (Suzi).

92

“Eu acho que quando você está bem aparentemente, você vai estar melhor, você vai apresentar um aspecto diferenciado. Quando você se cuida mais, quando você está com o cabelo arrumado, uma unha feita, isso demonstra que você está bem”. (Jaqueline).

O ritual que envolve cada etapa do embelezamento dessas mulheres se configura numa

espécie de aceno a sociedade de que a mulher com deficiência visual consegue dar vazão ao

seu estilo, gostos e preferências através das suas escolhas, e que a deficiência é apenas uma

circunstância e não um estado de espírito.

“[...] igual eu falei; eu gosto de estar apresentável no meu trabalho. Para mim isso faz diferença no trabalho, a minha aparência, numa festa, alguma coisa assim. Para mim isso diz muito da minha personalidade. [...] eu tenho o meu estilo, tem coisa que eu gosto, tem coisa que eu não gosto”. (Cilene). “[...] eu estou deficiente visual”. (Regina). “[...] nós apenas não enxergamos”. (Luzia).

Para McCracken (2010), “o objetivo do ritual é tomar os cuidados necessários para

garantir que as propriedades especiais e perecíveis residentes em determinadas roupas, cortes

de cabelo e aparências sejam como que “ordenhadas” dos bens em que residem e trazidas à

vida, ainda que breve e precariamente, no próprio consumidor individual”.

O entendimento de representação assumido neste contexto é o de uma prática, uma

espécie de atividade que por meio das linguagens (sons, palavras, notas, gestos, expressões,

roupas), permite a construção de conhecimentos partilhados, possibilitando que os sujeitos

interpretem o mundo e vivam de maneira semelhante uma mesma cultura. As representações

são construídas individual e/ou coletivamente e, se por um lado são significações coletivas

compartilhadas, por outro, cada um as individualiza de forma diferente.

São significações que produzem os mais diversos sentidos, traçam diretrizes de

pensamentos e conceituações que têm como objetivo diferenciar e enquadrar aqueles que são

93

diferentes da maioria. Assim, a diferença é a principal avalista dos sistemas de significados e

classificações, por constituir a ordem simbólica que denominamos como cultura (Hall, 1997).

Por último, o próprio consumidor, que por meio dos objetos, produtos e serviços

adquire percepção da sua própria vida (McCracken, 2010) e constrói sua personalidade

(Solomon, 1983; Da Matta, 1984; Wallendorf & Arnould, 1988; McCracken, 1988 e 1989;

Twitchell, 1999; Belk, 2000). As mulheres entrevistadas afirmaram que o ato de consumir

serviços de beleza e estética nada mais prova a capacidade delas de realização pessoal e de

fortalecimento para enfrentar uma sociedade ainda carregada de (pré)conceitos à respeito dos

deficientes visuais.

“A sociedade, ela, na verdade, de uma maneira direta ou indireta, ela impõe isso a você. Uma pessoa com boa aparência, você vê que as pessoas vão ter um olhar diferenciado em relação a ela. [...] o deficiente já é visto como uma pessoa que não cuida da beleza, então é fundamental, é essencial que você tenha esse cuidado para que essa concepção seja quebrada. [...] hoje, a aparência, ela é fundamental. [...] a sociedade, ela não está educada para conviver com o diferente”. (Jaqueline) “[...] como se as pessoas não conseguissem enxergar a capacidade da outra pelo fato de ter uma deficiência”. (Cilene).

“A luta nossa é muito grande nesse sentido, de ter que provar tudo o tempo todo. [...]. Infelizmente a sociedade dá muito valor a isso, a pessoa bem vestida, a pessoa que fala bem. Infelizmente mesmo, conta muito”. (Aparecida).

Em suma, todos os resultados aqui discutidos parecem levar à constatação de que os

deficientes visuais, apesar de suas limitações físicas, não deixam de criar, moldar, (re)

significar e compartilhar impressões, sensações e ações em um grande contexto vivido no

cotidiano por meio de relações entre eles e com outros indivíduos, bem como com a sociedade

como um todo. Ficou claro na análise dos discursos das entrevistadas que entender as

experiências de consumo dos serviços de beleza e estética, levando em conta as relações

sociais e culturalmente “talhadas” no dia no dia, implica atrelar aos significados dessas

experiências as mais diversas e complexas dinâmicas de sociabilidades às quais elas se

94

entrelaçam. Como enfatizado por Migueles (2007), o trabalho também mostrou que há um

contexto mais amplo na formação de significados que antecede os processos individuais de

escolha, contexto esse que vai acionar os processos cognitivos dos indivíduos, sua memória e

suas decisões de forma distinta.

É justamente nesse ponto que, frente ao que foi discutido anteriormente e caminhando

para as considerações finais do trabalho, fazem-se necessárias algumas colocações. É

relativamente comum, em fóruns de discussão sobre trabalhos que se debruçaram sobre

questões simbólicas do consumo por meio do aporte da CCT, surgirem questionamentos

acerca do por que estudar separadamente os grupos sociais, se todos os indivíduos possuem os

mesmos mecanismos de processamento de informação, são expostos aos mesmos meios de

comunicação, vivem na mesma sociedade, entre outras. No caso desse trabalho,

especificamente, seguindo esse raciocínio, uma possível indagação caminharia no sentido de

que questionar o que faria as deficientes visuais diferentes de outras mulheres, se todas elas

tendem a adotar o mesmo comportamento frente aos serviços de beleza e estética. A resposta

a isso parece encontrar respaldo em pelo menos dois pontos. Um deles tem a ver com a

postura epistemológica do próprio pesquisador, que ao considerar o interpretativismo como

sendo seu paradigma norteador, vai levar em conta que a realidade não é dada, pelo contrário,

ela é socialmente construída. Além disso, pode-se assumir múltiplas realidades, contextos

históricos e socialmente construídos, fatos e valores como interligados, verdade como

provisional e a vida social como processual (Charmaz, 2006). Complementarmente, do ponto

de vista da CCT, mais do que ver a cultura como um sistema homogêneo de significados

compartilhados coletivamente, a CCT explora a distribuição heterogênea dos significados e a

multiplicidade de grupos e manifestações culturais que existem nas diversas formações socio-

históricas atuais (Arnould & Thompson, 2005). Essa afirmação dos autores enfatiza que a

criação e manipulação dos significados não são únicas, mas sofrem influência direta do

95

contexto e principalmente da interação social (re)construída no cotidiano. Toda a discussão

empreendida nesse capítulo tentou evidenciar a forma que as deficientes visuais vivenciam

suas experiências de consumo de um modo mais indutivo, tentando buscar compreender quais

são os sentidos que as pessoas atribuem à sua ação, bem como a lógica que informa seu

raciocínio e como se estruturam suas decisões cotidianas (Migueles, 2007).

Frente a essas considerações, o próximo capítulo discutirá as considerações finais do

estudo, incluindo as conclusões gerais, as implicações teóricas e práticas, as limitações da

pesquisa e as sugestões para futuros estudos.

96

5. Considerações Finais

5.1 Conclusões gerais

O presente estudo teve como objetivo geral responder à pergunta: “Como mulheres

deficientes visuais vivenciam suas experiências de consumo de serviços de beleza e estética

em uma perspectiva social e culturalmente construída?” . Para isso, o estudo fundamentou-se

teoricamente nos temas: deficiência visual, consumo e experiência em consumo de serviços

visando descobrir os aspectos simbólicos retratados nesses temas e como as mulheres

deficientes visuais vivem suas experiências e constroem seus significados. Para tanto, foram

traçados os seguintes objetivos específicos:

1. Identificar qual o imaginário dos deficientes visuais no consumo de serviços de beleza e

estética;

2. Apontar as barreiras - espaciais, psicológicas e sociais – encontradas pelos deficientes

visuais para que realizem o consumo de serviços de beleza e estética;

3. Relatar se os cenários de serviços em beleza e estética são capazes de gerar reações

emocionais capazes de tornar a experiência única e memorável sob o ponto de vista do

deficiente visual;

4. Identificar quais são os significados existentes e/ou produzidos durante o consumo de

serviços pelos deficientes visuais e como estes significados são comunicados para o seu

universo social.

97

Para alcançar esses objetivos, inicialmente, foi construído um referencial teórico, a

partir de um levantamento bibliográfico, baseado nos três eixos norteadores deste estudo:

deficiência visual, consumo e experiência em consumo de serviços.

O fenômeno consumo foi estudado em sua perspectiva experiencial que, de acordo com

Holbrook e Hirschman (1982, p. 137), “afasta o foco positivista tradicional no comportamento

de compra diretamente observável e dedica maior atenção aos eventos mentais que cercam o

ato de consumo” enquanto uma experiência cognitiva e sensorial (Hirschman, 1984). O

estudo lançou mão de uma metodologia qualitativa, de “inspiração etnográfica”. Essa decisão

teve por base não ter seguido as características de uma etnografia tradicional, de acordo com a

Antropologia, que propõe a imersão prolongada e contínua junto ao grupo pesquisado.

Em relação ao primeiro objetivo específico, o de identificar qual o imaginário dos

deficientes visuais no consumo de serviços de beleza e estética, a conclusão a que se chegou

foi de que, para a mulher deficiente visual, o ato de se embelezar é um hábito tão normal

quanto qualquer outro do seu cotidiano, como trabalhar ou cuidar da família. Além disso,

constatou-se também que a questão da beleza e da estética transcende a esfera do bem estar e

da autoestima (algo evidenciado por elas em seus relatos). Para as mulheres entrevistadas, os

cuidados com a beleza e a boa aparência expressam sua autoafirmação enquanto pessoas com

plenas capacidades, fazendo assim diminuir a sensação de inferioridade, imperfeição ou

incapacidade perante a sociedade. Sob este ponto, o da incapacidade, Scholl (1967) afirma

que incapacidade é uma condição física ou mental que pode ser descrita segundo termos

médicos, ao passo que uma deficiência é o resultado dos obstáculos que a incapacidade

interpõe entre o indivíduo, o seu meio e o seu potencial máximo. Se a incapacidade não está

vinculada a uma deficiência, podemos inferir que para as entrevistadas o ato de se embelezar

é prova da habilidade que detêm e que as liberta para vivenciarem gostos, modas e estilos do

universo feminino.

98

Ao investigar as barreiras - espaciais, psicológicas e sociais – encontradas pelos

deficientes visuais para que realizem o consumo de serviços de beleza e estética, constatou-se

por meio dos depoimentos das mulheres entrevistadas que as adequações espaciais no

ambiente de serviços não é relevante no processo de tomada de decisão sobre o local onde se

irá consumir o serviço, apesar de terem indicado vários pontos de melhoria que poderiam ser

melhor explorados pelo empresariado na tentativa de prestar melhor atendimento a esta

parcela da população.

No que se refere à acessibilidade para pessoas com diferentes tipos de deficiência,

Sassaki (2003) classifica as principais barreiras em atitudinais, comunicacionais e

arquitetônicas, sendo as duas primeiras oriundas da falta de treinamento do pessoal de contato

e a última se fazendo presente principalmente no atendimento a cadeirantes e demais

portadores de deficiências motoras.

No que tange as barreiras atitudinais e comunicacionais, ponto alto das críticas das

entrevistadas, a falta de treinamento do pessoal de contato foi considerado o maior problema

do comércio e do setor de serviços em geral. O fato dos atendentes muitas vezes falarem com

um deficiente visual usando um tom de voz mais alto do que o normal ou o fato de ignorarem

a presença do deficiente visual na loja gera desconforto e reduz drasticamente a chance de

fidelização do deficiente consumidor. Baker, Stephens e Hill (2001) destaca a infantilização

da deficiência visual nessas situações, com o deficiente visual percebido como alguém que

possui outras deficiências e, por isso, sendo merecedor de um atendimento excessivamente

tutorial.

Na opinião das entrevistadas vários pontos de melhoria foram citados como sendo

importantes para a quebra das barreiras arquitetônicas, como a instalação de pisos táteis,

sinalizações bem demarcadas, padronização dos layouts, menos obstáculos entre

seções/corredores e caixa exclusivo. Segundo Amaro et al. (2008), a quebra das barreiras

99

arquitetônicas sugere maior fidelização do deficiente enquanto consumidor, pois uma vez

aquele local estabelecido como de sua preferência, dificilmente irá trocá-lo, para não incorrer

no custo psicológico do aprendizado mental sobre como deslocar-se, por exemplo.

Quanto ao terceiro objetivo específico, as entrevistadas afirmaram que os critérios de

escolha no ambiente de serviços de beleza e estética obedecem basicamente a uma única

razão, a relação temporal que possuem com o profissional de beleza e que a experiência

memorável ou extraordinária é a própria experiência em si que se prolonga por um período de

tempo junto com a sensação de bem estar que perdura até a próxima data em que tudo é

vivenciado novamente.

Sobre a produção de experiências memoráveis ou extraordinárias, as emoções estão

estreitamente relacionadas às experiências de consumo de serviços e afetam as percepções do

consumidor em relação aquilo que lhe está sendo ofertado e, tanto os fatores cognitivos

quanto o envolvimento afetivo podem ser vistos como elementos chave para chegar a uma

experiência extraordinária (Barbosa & Farias, 2012). O envolvimento afetivo com os

profissionais (ou provedores do serviço), mais do que os fatores cognitivos, confere sentido às

experiências de consumo vividas pelas entrevistadas. Ainda, dentre os motivos que leva a

pessoa a utilizar determinado serviço, é possível imaginarmos que a necessidade de uma

pausa relativa no dia a dia seja um motivo razoável para a busca por experiências de consumo

que produzam estados mentais de prazer e satisfação.

Neste estudo, pode-se verificar que para as mulheres entrevistadas a experiência de

consumo de serviços de beleza e estética é gerada no espaço entre o singular que transforma

(Abrahams, 1986) e o sentido que constrói ou reproduz a sua realidade (Dubet, 1994), algo

que será melhor compreendido na discussão referente ao quarto e último objetivo específico.

No que tange ao último objetivo colocado para a pesquisa que buscou entender quais

são os significados existentes e/ou produzidos durante o consumo de serviços pelos

100

deficientes visuais e como estes significados são comunicados para o seu universo social,

pôde-se chegar a algumas constatações interessantes. Os consumidores usam o significado

dos bens ou serviços consumidos para expressar categorias e princípios culturais, cultivar

ideias, criar e manter estilos de vida, (re)construir noções de si e sobreviver a mudanças

sociais (McCracken, 2010). Não obstante, as entrevistadas acreditam que a cada experiência

de consumo que vivem exista uma nova (re)significação dos seus sentimentos e emoções que

dá vazão as suas identidades, gostos e estilos que são (ou serão) vividos. Segundo Slater

(2002), isso tudo é feito no plano da vida cotidiana: a estrutura material e simbólica dos

lugares onde vivemos e nosso modo de viver nesses lugares; o que comemos; o que vestimos;

o que usamos; como usamos; as nossas diferenças; os tipos de desigualdades que sofremos e

assim por diante.

O consumo deve ser visto não como consumo de valores de uso, de utilidades materiais,

mas como o consumo de signos (Baudrillard, 1981; Featherstone, 1995). Quando consumo e

cultura são operados conjuntamente, o consumo se torna um sistema simbólico (D’Ângelo,

2003), por meio do qual a cultura expressa seus princípios, categorias, ideais, valores,

identidades e projetos (Rocha, 2000). Para as entrevistadas, a questão que envolve a beleza e

estética acaba tornando-se precursora de categorias e dos princípios culturais, que constituem

o mundo culturalmente constituído.

De acordo com McCracken (2010), “categorias culturais são as coordenadas

fundamentais do significado representando as distinções básicas que uma cultura usa para

dividir o mundo dos fenômenos, enquanto os princípios culturais são as premissas básicas que

permitem que todos os fenômenos culturais sejam distintos, classificados e inter-

relacionados.” (McCracken, 2007), ou seja, no contexto deste estudo as categorias culturais

seriam as distinções, por exemplo, entre o belo e o feio, a autoafirmação e a insegurança, o

normal e o anormal, o percebido e o invisível, a inclusão e a discriminação.

101

No caso dos princípios, o significado está nas ideias ou valores que determinam como

os fenômenos culturais são organizados, avaliados e interpretados (McCracken, 2007). Neste

sentido, cabe aqui discorrer sobre o princípio da inclusão, que desde 1960 (por meio do

movimento pela prática da integração social) tangencia as questões que envolvem os

deficientes e que nas décadas de 1980 ganhou mais corpo através do movimento desses

indivíduos exigirem que suas necessidades especiais também fossem motivos para mudanças

na sociedade (Silva, 2007).

As categorias culturais se materializam no mundo através dos bens (McCracken, 2007)

e neste contexto, pode-se afirmar que o consumo de serviços de beleza e estética pelas

entrevistadas resulta em prova de autoafirmação, capacidade e inclusão na esfera do consumo,

algo que as fortalece para enfrentarem a indiferença da sociedade à realidade do deficiente

visual.

Até aqui acompanhamos o movimento do significado cultural do mundo culturalmente

constituído para os bens de consumo. E, agora, por fim, abordarmos como o significado,

agora residente nos bens, se move em direção a vida do consumidor com deficiência visual.

McCracken (2007) afirma que o ritual de cuidados pessoais armam aqueles que vão “sair”

com as propriedades mais significativas que há em seus “melhores” bens de consumo e que

uma vez captadas e residentes numa pessoa, essas propriedades significativas lhe dão novos

poderes.

Aqui resgatamos o discurso das entrevistadas que mencionaram o seu empoderamento

como ponto alto do processo de embelezamento vivido a cada experiência de consumo em

serviços de beleza e estética. Por tratar-se de um ritual cujos efeitos são perecíveis

(McCracken, 2007), é compreendida a preocupação dessas mulheres com a questão da beleza

devido a manutenção desse empoderamento e, além disso, a utilização dessa propriedade

como um instrumento de defesa do olhar desconhecido da sociedade sobre o deficiente visual.

102

Por fim, o consumo de serviços de beleza e estética é uma espécie de credencial que

habilita as mulheres com deficiência visual a viverem normalmente suas rotinas, ao mesmo

tempo em que permite a essas mulheres externarem gostos e estilos próprios através das

escolhas que realizam no âmbito da beleza (como cortes, cores, texturas, etc) fazendo ruir o

estereótipo de “coitadas ou indefesas” e tornando essas mulheres visíveis para a sociedade.

Essas considerações reforçam a tese de que cada grupo social tem suas formas de

(re)construção e manipulação dos significados, ou seja, o mesmo produto ou serviço pode (e

sempre tem) significados construídos social e culturalmente de forma diversa. Isto é, não é

possível querer enquadrar ou forçar qualquer tipo de consumidor em um mesmo padrão ou

modelo de comportamento. Essa constatação é que dá força à aposta teórica do estudo.

Apresentadas as conclusões gerais do estudo, já é possível fazer alguns comentários

sobre as implicações teóricas do trabalho.

5.2 Implicações teóricas

O trabalho teve como sustentação teórica o campo de estudos da Consumer Culture

Theory (CCT) ou Teoria da Cultura do Consumo, em tradução livre para o português.

Conforme discutido na seção de revisão de literatura do trabalho, essa corrente teórica se

baseia na noção de que o consumo tem fortes componentes sociais e culturais. Ou seja,

conforme os diversos autores citados ao longo do capítulo da revisão teórica, o consumo pode

ser utilizado para se entender diversas questões ligadas à vida cotidiana como criação de

identidades, pertencimento a grupos sociais, construção e manipulação de significados entre

diversos outros. É justamente nesse contexto que parece haver aderência com o tema do

trabalho, pois o objetivo foi entender como um grupo social específico – no caso, os

deficientes visuais – “talham” no seu cotidiano os significados inerentes ao consumo de

103

serviços de beleza e estética.

Como a base dos estudos envolvendo a CCT considera que a construção e manipulação

de significados não é única, mas sim diretamente influenciada por questões contextuais social

e culturalmente construída no cotidiano, o trabalho parece dar sua contribuição no sentido de

trazer para investigação um grupo de indivíduos com características peculiares. Em um

mundo altamente “visual”, no qual muitas das sensações estão não somente ligadas às cores,

iluminação, efeitos visuais, mas também e principalmente ao que é belo e visivelmente

agradável, a pesquisa buscou entender como são construídas as relações das pessoas que não

possuem meios de ter “acesso” a todos esses efeitos envolvendo a beleza e estética, bem como

o cuidado com o cabelo, com as unhas, com a pele, entre outras, assim como eles constroem o

significado desse tipo de atividade em sua vida cotidiana e no relacionamento com amigos,

parentes, vizinhos e entre os integrantes do grupo de deficientes.

Em outras palavras, o trabalho parece se juntar a outras pesquisas conduzidas tanto no

Brasil quanto no exterior com a intenção de se entender grupos sociais específicos tendo por

base a construção social e culturalmente contextualizada dos significados. Conforme descrito

no capítulo introdutório do trabalho, existe um considerável “silêncio” da academia no que

tange aos deficientes e suas relações com o consumo.

Pode-se verificar ainda que os resultados obtidos com a pesquisa também pode

contribuir para gestores de organizações de produtos e serviços ligados à estética. A próxima

seção tem o intuito de apresentar algumas discussões nesse sentido.

5.3 Implicações gerenciais

Levando em consideração a exposição de todos os resultados da pesquisa, ainda que o

objetivo não tenha sido generalizar, não é difícil perceber que há implicações práticas

104

interessantes. Em primeiro lugar, os gestores devem levar em conta que na

contemporaneidade, na chamada “sociedade de consumo”, não é possível pensar em

estratégias únicas, fechadas e prontas para todos os tipos de consumidores. Conforme já dito

em outros pontos desse trabalho, a construção dos significados de qualquer produtos ou

serviço é fluida e não obedece padrões e regras gerais e formatadas em um único modelo de

negócios. Por isso, é preciso buscar entender os grupos sociais diversos que compõem seu

público-alvo a fim de ser estabelecer estratégias mercadológicas com maiores possibilidades

de sucesso.

Em segundo lugar, gestores de produtos e marcas devem incluir em seu rol de

preocupações, além das exigências legais relacionadas à embalagem, informações em braile,

por exemplo, que possam contribuir para a “inserção” dos consumidores deficientes visuais

em seu público-alvo. Além disso, tendo em vista que o deficiente visual lança mão de outros

sensos como o tato e olfato para tomarem suas decisões, não seria descabido pensar em ações

relacionadas ao produto que possam ajuda-lo a (re)conhecer o produto na loja. Em termos de

comunicação de marketing, os gestores precisariam dar maior importância aos sons ao invés

de focar apenas na questão visual para seduzir esses consumidores.

No tocante à questão dos serviços, parece ser essencial dar um peso considerável à

“tangibilização” dos resultados obtidos com a contratação dos mesmos. Isso poderia ser

obtido com a utilização de novas formas de expor esses resultados, bem como um trabalho

com os acompanhantes dos deficientes.

Porém, a grande conclusão do trabalho tem a ver com a questão social, ou seja, os

consumidores deficientes tendem a ter contato com outros indivíduos na mesma condição, o

que pode propiciar um bom “boca a boca positivo”. Sendo assim, ações que fomentem a

indicação de produtos e serviços poderia ser incentivada pelas empresas.

Cabe ressaltar que todas essas questões passam por um cuidado ético das empresas com

105

os deficientes visuais no sentido de haver uma preocupação por parte dos profissionais em

serem honestos, cuidadosos e sensíveis às condições dos deficientes.

Mesmo tendo atingido os objetivos propostos, cabe assinalar algumas questões

percebidas pelo autor da dissertação como limitações do trabalho. Sendo assim, o próximo

tópico busca apresentar algumas considerações acerca das limitações da pesquisa.

5.4 Limitações da pesquisa

Tendo em vista as características marcantes de uma pesquisa do tipo que foi

empreendida nessa dissertação, não é difícil advogar a favor de que muitas são as

“armadilhas”, as “lacunas” e os “enganos” que um pesquisador pode estar sujeito. A primeira

grande questão tem a ver com a proposta do trabalho que se baseia em uma vertente

interpretativista de pesquisa. Nesses casos, muitas vezes, o pesquisador se depara com

situações em que os dados não parecem fazer sentido ou até mesmo denunciam contradições

salientes. Por isso, é essencial manter-se fiel ao que foi coletado em campo, respeitando

sempre o ponto de vista dos entrevistados sem prejudicar a lógica que os indivíduos

pesquisados impõem aos dados. Cabe ressaltar que a etnografia tende a ajudar nesse sentido,

pois as entrevistas em profundidade aliadas à observação participante contribuem para

minimizar essa questão. Por outro lado, a pouca familiaridade do autor da dissertação na

condução de estudos etnográficos também pode ser considerada uma limitação importante.

Ainda com relação à etnografia, não se pode deixar de mencionar que o ideal em estudos

desse tipo é a permanência do pesquisador no lócus da pesquisa por um bom espaço de tempo,

o que no caso da dissertação, não foi possível.

Embora o autor tenha iniciado o trabalho de campo antes mesmo da banca de

qualificação, ao final, pôde-se perceber que, de fato, um maior tempo de interação poderia ter

106

permitido enriquecer as análises com outras situações do cotidiano vivenciadas pelo público

pesquisado. Outra limitação parece levar à constatação de que para melhorar o entendimento

do como são construídos os significados relacionados às experiências de consumo de serviços

de beleza e estética por parte dos deficientes visuais, teria sido muito útil visitar as casas das

entrevistadas, bem como ter contato com o ambiente no qual as respondentes da pesquisa

guardam seus pertences. No mesmo sentido, não foi possível operacionalizar a visita a salões

de beleza, lojas e outras situações em que as deficientes visuais vivenciavam as experiências

de consumo de beleza e estética.

5.5 Sugestões para estudos futuros

É nesse ponto em que já foram expostos os resultados gerais do trabalho e as principais

limitações percebidas na pesquisa é que parecem emergir algumas sugestões para estudos

futuros. O trabalho focou em uma categoria de experiência de consumo para deficientes

visuais. Fica óbvio perceber que diversas outras situações de consumo poderiam ser

exploradas em pesquisas futuras, seja relacionada a serviços e produtos tendo por base a

corrente teórica da Consumer Culture Theory. Não seria difícil vislumbrar a possibilidade de

fazer recortes diversos levando em conta gênero, idade, renda, religião e outras variáveis e

construtos mais complexos como, por exemplo, envolvimento, percepções e outras. A relação

entre consumo dos deficientes e (des)construção de sua identidade também poderia fornecer

subsídios para um bom trabalho acadêmico. Correntes teóricas oriundas de outros campos do

conhecimento, juntamente com a CCT, poderiam ser úteis para auxiliar os pesquisadores do

consumo a explicar o consumo dos deficientes visuais.

Conforme já comentado anteriormente, os objetivos do trabalho foram atingidos por

meio do emprego de métodos oriundos da etnografia. Porém, outros métodos utilizados

107

separadamente ou em conjunto também poderiam ser úteis no sentido de se “acessar” a

complexidade do fenômeno envolvido.

Levando em consideração que a pesquisa empreendida nessa dissertação tem um caráter

interpretativista, com base na etnografia e, portanto, com alcance restrito ao grupo

pesquisado, seria pertinente empreender surveys em uma amostra de deficientes a fim se obter

descrições mais abrangentes das características desse público. A multiplicação de estudos

desse tipo em diferentes regiões do Brasil poderia contribuir para conhecer além das

características marcantes dessa parcela da população, assim como apontar variações regionais

em termos de consumo.

Por fim, vale considerar ainda que são muitas as modalidades e as variações de

deficientes. O trabalho teve como foco os deficientes visuais. Porém, outras investigações

poderiam ser conduzidas tendo como objeto de estudo os deficientes auditivos, aqueles que

apresentam dificuldades de locomoção, bem como aqueles portadores de alguma deficiência

específica. Isso só a ratificar o que foi colocado no início do trabalho, de que ainda há muito a

se pesquisar no tocante a esse grupo. A articulação de grupos de pesquisadores e a

consolidação de linhas de pesquisas envolvendo tais temas e objetos de pesquisa podem ser

possibilidades interessantes para se preencher as lacunas percebidas no tocante ao

entendimento do fenômeno do consumo por parte desse estrato de consumidores.

108

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Apêndice A

Roteiro entrevista 1ª etapa – Aquecimento Qual o seu nome? Como prefere ser chamada (o)? Qual a sua data de nascimento? Onde você nasceu (cidade/estado)? Qual a sua escolaridade? Atualmente, qual o seu estado civil? Tem filhos? Quantos? Onde eles moram? Onde você mora atualmente? Com quem você vive atualmente? Você trabalha atualmente? Fale um pouco sobre isso. Você já trabalhou? Onde? Há quanto tempo? Quais atividades desempenhava? Por que deixou de trabalhar?

2ª etapa – Deficiência visual Conte-me sobre como adquiriu sua deficiência e como você lidou com isso. Como foi sua infância? E sua juventude/maioridade? Conte-me um pouco sobre essas fases de sua vida. Como é a convivência com seus familiares? Como é o seu dia a dia no lar e/ou trabalho? Conte-me com detalhes como é o seu dia. Como soube do Instituto São Rafael? Desde quanto frequenta o Instituto São Rafael? Com que frequência vem ao Instituto São Rafael? Qual o(s) motivo(s) da sua vinda? Você mantém as amizades conquistadas no Instituto São Rafael? Com que frequência encontra estas pessoas? Você se sente às vezes tratado como um “desigual” pela sociedade? Conte-me um pouco sobre isso. Você já foi vítima de preconceito? Qual o fato mais marcante e como lidou com isso? Qual(is) sentimento(s) despertados em você quando isso ocorreu? O que o(a) fez/faz superar o preconceito?

3ª etapa – Consumo Que tipo de compra você costuma fazer no dia a dia? Como você planeja suas compras? Com que frequência vai ao comércio fazer compras? Você tem o hábito de realizar sozinho(a) suas compras ou é auxiliado por alguém? Qual o papel desta pessoa que o auxilia durante a compra? A opinião desta pessoa tem influência sobre sua decisão de compra? Em que medida? Onde é o seu local preferido para realizar suas compras? Por quê? Você acha que o comércio de uma maneira geral (lojas e funcionários) é preparado para atender os deficientes visuais? Por quê? Como seria um ambiente de compra adequado para a realidade de um deficiente visual? Descreva-o com riqueza de detalhes. Como seria um atendimento adequado em uma situação de compra pelo deficiente visual? Descreva-o.

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Qual(is) sentimento(s) despertados em você quando está em uma situação de compra? Conte-me com detalhes. Em uma situação de prestação de serviços (como um banco, por exemplo), como você se sente? Quais são os critérios que te fazem escolher um determinado prestador de serviço? Descreva para mim, com detalhes, o que seria um bom ambiente de prestação de serviço.

4ª etapa – Consumo de serviços de beleza e estética O que vem à sua mente quando o assunto é beleza e estética? Você gosta de consumir serviços de beleza? Por quê? Você se considera uma pessoa preocupada com a sua beleza, uma pessoa vaidosa? Qual tipo de preocupação vem à sua mente quando o assunto é beleza? Você gosta de manter-se bela e bem arrumada? Por quê? Você gosta de conviver com pessoas que preocupam com beleza? Fale um pouco sobre isso. Como você se sente quando alguém faz algum comentário sobre sua aparência? Que tipo de cuidado você têm no dia a dia com a sua beleza? Qual (is) produto(s) utiliza? Com qual frequência? Alguém o(a) auxilia na aplicação desses produtos? A opinião desta pessoa tem influência sobre sua maneira de utilizar um produto? Você tem o hábito de ir ao salão de beleza? Com qual frequência vai ao salão de beleza? Frequenta este salão há muito tempo? Por quê? Que tipo de serviço(s) utiliza no salão de beleza?

Cabelo (corte, escova, luzes, hidratação, etc) Depilação; Limpeza de pele; Massagem, qual tipo? Pé e mão; Sobrancelha.

Como você toma as decisões relacionadas à beleza e estética – cores de esmalte, estilo do cabelo, formato da sobrancelha, etc? Quando vai ao salão alguma pessoa o acompanha? A opinião desta pessoa tem influência sobre seu corte de cabelo, tons de batom/tinturas para cabelo e cores de esmalte, por exemplo? Em que medida? Imagine que você, por algum motivo, não tivesse mais oportunidade de frequentar um salão de beleza. Como se sentiria? Se você tivesse mais dinheiro, você investiria em mais serviços de beleza? Se sim, o quê? Por quê? Quais marcas de produtos de beleza você utiliza? Por que gosta deles?

5ª etapa – Abordagem experiencial do consumo de serviços de beleza e estética Você considera ir ao salão de beleza uma experiência que o(a) leva a um estado emocional? Qual(is) sentimento(s) precede(m) a sua ida ao salão de beleza? Conte-me com detalhes. E após o consumo de serviços no salão, qual(is) sentimento(s) despertados? Conte-me com detalhes. Você acredita que a cada dia que vai ao salão de beleza é produzida uma nova experiência, com sentimentos despertados em você diferentes daqueles da última vez? Por que acredita nisso?

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Que tipo de lembrança(s) você têm dias depois de ir ao salão de beleza? Você acha que essa(s) lembrança(s) o(a) fazem retornar ao salão de beleza? Descreva para mim, com detalhes, o que seria uma boa experiência do consumo de serviços de beleza e estética. Você já teve alguma experiência negativa relacionada ao consumo de serviços de beleza e estética?

6ª etapa – Teoria da Cultura e Consumo Você acredita que o consumo de serviços de beleza e estética diz algo sobre sua personalidade e seu estilo de vida? Conte-me com detalhes o que seria. Existe alguma pessoa ou algum grupo com que você se identifica quando vai ao salão? Explique com riqueza de detalhes. Qual(is) significado(s) acredita existir(em) por detrás do consumo de serviços de beleza e estética? Quando vai ao salão algum(ns) sentimento(s) é (são) despertado(s), e já falamos sobre eles. Como esse(s) sentimento(s) se manifesta(m) no seu dia a dia? Vamos fazer um exercício de imaginação: se o consumo de serviços de beleza fosse uma língua universal, um meio de você “conversar e se relacionar” com o mundo, como seria esse contato com a sociedade, com seus amigos e familiares? Que tipo de coisas você gostaria de dizer? Como você faria para se expressar? Através de sinais, atitudes, etc? Há alguma questão relacionada à nossa conversa que não foi discutida que você gostaria de falar?