Dissertação Sobre Triagem Psicolg

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    INSTITUTO DE PSICOLOGIA

    DBORA CHAMMAS

    TRIAGEM ESTENDIDA: UM MODO DE RECEPO DE CLIENTES EM UMA

    CLNICA-ESCOLA DE PSICOLOGIA

    So Paulo

    2009

  • DBORA CHAMMAS

    Triagem Estendida: um modo de recepo de clientes em uma clnica-escola de

    psicologia

    Dissertao apresentada ao Instituto de

    Psicologia da Universidade de So Paulo, como

    parte dos requisitos para obteno do grau de

    Mestre em Psicologia.

    rea de concentrao: Psicologia Clnica

    Orientadora: Profa. Associada Eliana Herzberg

    So Paulo

    2009

  • AUTORIZO A REPRODUO E DIVULGAO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

    Catalogao na publicao Biblioteca Dante Moreira Leite

    Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo

    Chammas, Dbora. Triagem estendida: um modo de recepo de clientes em uma

    clnica-escola de psicologia / Dbora Chammas; orientadora Eliana Herzberg. -- So Paulo, 2009.

    139 p. Dissertao (Mestrado Programa de Ps-Graduao em

    Psicologia. rea de Concentrao: Psicologia Clnica) Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo.

    1. Clnicas-escola 2. Aconselhamento 3. Triagem 4. Avaliao de

    processos (cuidados de sade) 5. Avaliao psicolgica 6. Psicoterapia breve I. Ttulo.

    RA966

  • Nome: Chammas, Dbora

    Ttulo: Triagem Estendida: um modo de recepo de clientes em uma clnica-escola de

    psicologia

    Dissertao apresentada ao Instituto de

    Psicologia da Universidade de So Paulo

    para obteno do ttulo de Mestre em

    Psicologia

    Aprovado em: __________________________

    Banca Examinadora

    Prof. Dr. ___________________________________________________________________

    Instituio: _____________________________ Assinatura: __________________________

    Prof. Dr. ___________________________________________________________________

    Instituio: _____________________________ Assinatura: __________________________

    Prof. Dr. ___________________________________________________________________

    Instituio: _____________________________ Assinatura: __________________________

  • Aos meus pais, com gratido pelo apoio ao longo do perodo de elaborao deste trabalho.

  • AGRADECIMENTOS

    Profa. Dr

    a. Eliana Herzberg, pela orientao atenciosa e por contribuir para meu

    crescimento intelectual e profissional.

    Aos professores e supervisores do curso de Psicologia do Instituto de Psicologia da

    Universidade de So Paulo que, ao longo dos anos, orientaram minha formao.

    s Profas

    . Dras

    . Edwiges Ferreira de Mattos Silvares, Elisa Mdici Pizo Yoshida e Maria

    Lcia Tiellet Nunes pelas contribuies especficas nesta dissertao.

    Aos profissionais tcnicos e funcionrios da Clnica Psicolgica Dr. Durval Marcondes, que

    auxiliaram para que este trabalho pudesse ocorrer.

    Aos participantes da pesquisa que muito gentilmente consentiram o atendimento em cunho de

    pesquisa, com eventual publicao dos dados.

    Ao meu pai, Felippe Chammas, pelo apoio no perodo da realizao deste trabalho, minha

    me, Nancy Segalla Rosa Chammas, pela fora e incentivo constantes e ao meu irmo Lus

    Felippe Chammas, pelo exemplo de dedicao aos estudos.

    famlia, primos e tios, pelo companheirismo e amizade.

    Aos queridos amigos Cristina Maranho, Eliana Manso, Fbio de Oliveira, Mara Saru,

    Daniel Bianchi e Suzana Maria pela presena, dilogos e carinho de sempre.

    s colegas de mestrado Ana Paula Campos Lima e Fernanda Romano Soares, por termos

    podido compartilhar e dividir questes pertinentes pesquisa e ao curso de ps-graduao.

    Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo (FAPESP), pela concesso da

    bolsa de mestrado para a realizao desta pesquisa.

  • RESUMO

    Chammas, D. (2009). Triagem Estendida: um modo de Recepo de Clientes em uma clnica-

    escola de psicologia. Dissertao de Mestrado, Instituto de Psicologia, Universidade de So

    Paulo, So Paulo.

    A triagem psicolgica uma prtica geralmente utilizada em instituies pblicas de sade

    psicolgica, a fim de selecionar a parcela da populao interessada que pode ser abarcada

    pelos servios oferecidos e encaminhar o interessado para um atendimento adequado sua

    demanda. Por se tratar de uma avaliao psicolgica, embora de carter inicial e breve,

    abrange funes e caractersticas complexas, que devem ser constantemente estudadas, e no

    isenta de referenciais terico-clnicos. , entretanto, realizada geralmente de modo breve e

    apenas como uma coleta de dados pessoais dos clientes, o que pode agravar problemas

    freqentes em clnicas, tais como o desperdcio do momento precioso para um atendimento

    imediato (o momento em que o cliente procura ajuda), bem como o abandono precoce de

    terapia, quando decorrente de encaminhamento pouco adequado demanda. Modelos de

    triagens interventivas, cada qual com especificidades tericas e tcnicas, so propostos como

    uma alternativa para lidar com alguns destes problemas. Realizam avaliao e assistncia. O

    objetivo da presente pesquisa foi o de analisar alguns alcances da experincia da realizao de

    atendimentos em uma modalidade de triagem interventiva. Esta pesquisa deu continuidade a

    um projeto anterior, 2004, inicialmente denominado Consultas Psicolgicas, que estudou um

    atendimento de recepo com retornos, oferecido a pessoas que no haviam conseguido uma

    das seis vagas semanais para a triagem de uma clnica-escola universitria paulistana. Em

    2006, passou a ser denominado Triagem Estendida. A proposta do atendimento consistia em

    realizar triagem com at seis encontros, uso entrevistas-clnicas semi-abertas e sob referencial

    psicanaltico. O atendimento tinha dois objetivos centrais: por um lado realizar de modo mais

    detalhado a tradicional coleta dos dados do cliente, com elaboraes sobre a queixa,

    necessidade e interesses dos clientes, visando ofertar encaminhamento adequado; por outro,

    oferecer acolhimento psicolgico no momento da procura, promovendo alvio teraputico se

    possvel, a fim de lidar com algumas das demandas pontuais dos clientes. Tratou-se de uma

    pesquisa clnico-qualitativa, com o estudo de 10 casos, com a finalidade de avaliar os alcances

    da modalidade aplicada. Discutiu-se se os objetivos planejados puderam ser atingidos e os

    benefcios da modalidade para o cliente e para a organizao do fluxo institucional da

    clientela. Em consonncia com outros estudos, verificou-se o potencial atingido da triagem

    como espao teraputico significativo ao oferecer acolhimento e aprofundamento da

    compreenso do conflito. Verificou-se que os encaminhamentos ocorreram aps o cliente ter

    obtido informaes sobre psicoterapia e havendo maior participao do mesmo nesta escolha.

    A opinio dos participantes em relao ao atendimento recebido (obtida atravs de um follow

    up) foi positiva para a maioria. Aps um ano do trmino da triagem, alguns haviam seguido o

    encaminhamento proposto, outros haviam achado o atendimento em Triagem Estendida

    suficiente. Esta diviso sugeriu existirem os dois tipos de demandas, por atendimento focal e

    prolongado, cada qual diferentemente contemplado e elaborado em uma recepo estendida.

    Embora existam dificuldades para a implementao deste tipo de atendimento em funo da

    necessidade da articulao com os outros servios, uma escuta inicial prolongada mostrou-se

    efetiva como recurso para lidar com problemas institucionais.

    Palavras-chave: Clinicas-escola, Atendimento Psicolgico, Triagem, Avaliao de Processos

    (Cuidados de Sade), Avaliao Psicolgica, Psicoterapia Breve.

  • ABSTRACT

    Chammas, D. (2009). Extended Screening of patients: a way of taking in clients in a

    psychology school-clinic. Masters degree thesis, Institute of Psychology, University of So Paulo, So Paulo.

    The psychological screening is a practice commonly used in public mental health institutions

    in order to select the portion of the population interested in psychotherapy that can be

    encompassed by the services offered and to refer the user (patient) to an appropriate service to

    their demand. Because it is a psychological evaluation, although initial and brief, comprises

    functions and complex technical features, which must be studied, and also is not exempt from

    theoretical-clinical references. It is, however, generally carried out in a brief way (simplistic

    way), and just as the collection of personal data of the patient, what can aggravate frequent

    problems in clinics such as the wastefulness of the precious moment for an immediate

    psychological assistance (the one in which the client seeks help), as well as the premature

    discontinuation of therapy (dropout), when it is a result from an inadequate referral, with

    regard to the clients request and necessity. Models of psychological interventional trials, each one with its specific technical and theory, are proposed as an alternative to deal with some of

    these problems. They perform both, evaluation and assistance. The objective of this research

    was to analyze some of the reaches of an accomplishment experience of consultations in an

    interventional screening modality. This study gave continuity to a previous project, 2004,

    initially called the Psychological Consultations, that studied a reception with the returns,

    offered to those who had not had one of six vacant per week for the psychological screening

    in a school-clinic of So Paulo. In 2006, came to be called Screening Extended. The proposed

    service was to perform screening of up to six meetings, with semi-structured clinical

    interviews and under psychoanalytic point of view. The service had two main objectives:

    firstly perform on detail the traditional gathering of user data, with specific details of

    customer's needs, requests and interests, in order to offer appropriate referral; secondly, offers

    care at the moment in which there was a request for help promoting therapeutic relief if

    possible, in order to deal with specific demands. This was a clinical-qualitative research, with

    the study of 10 cases, with the aim of assessing the scope of the modality when it is applied. It

    was discussed if the planned objectives were achieved and what were the benefits of the

    modality for the patient and for the way of organizing the flow routine of institutional users.

    In line with other studies, there was a screening as a significant therapeutic space as it hosted

    the patient and provided a better understanding of the conflict. It was observed that the

    referral for an therapy occurred after the client have obtained information about

    psychotherapy and that there was a greater involvement of it at that choice. The participants'

    opinions regarding the care received (obtained through a follow up) were positive for most.

    One year after the completion of the assistance, some had followed the referral to therapy;

    others thought that the received care was already enough. This bifurcation has suggested that

    there are two types of demands, for focal and prolonged care, each one differently embraced

    and elaborated in an extended reception. Although there are difficulties in implementing this

    type of service due to the need for coordination with other services, an initial prolonged

    listening proved to be effective as a resource for dealing with some institutional problems.

    Keywords: School-clinic, Psychological Counseling, Assessment, Processes Evaluation

    (Health Care), Psychological Evaluation, Brief Psychotherapy.

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 Problemas e Pressupostos que levaram proposio da TE ....................... 44

    Quadro 2 Desfechos possveis TE ............................................................................. 62

    Quadro 3 Roteiro para Avaliao da aplicao prtica da TE ...................................... 65

    Quadro 4 Roteiro para Avaliao dos benefcios da TE .............................................. 66

    Quadro 5 Roteiro para discusso sobre insero institucional da TE........................... 68

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Expectativas ................................................................................................... 73

    Tabela 2 Participante 1 ................................................................................................. 76

    Tabela 3 Participante 2 ................................................................................................. 77

    Tabela 4 Participante 3 ................................................................................................. 78

    Tabela 5 Participante 4 ................................................................................................ 79

    Tabela 6 Participante 5 ................................................................................................ 80

    Tabela 7 Participante 6 ................................................................................................ 81

    Tabela 8 Participante 7 ................................................................................................ 82

    Tabela 9 Participante 8 ................................................................................................ 83

    Tabela 10 Participante 9 .............................................................................................. 84

    Tabela 11 Participante 10 ............................................................................................ 85

    Tabela 12 Resumo da caracterizao dos Participantes ............................................... 86

    Tabela 13 Resumo da caracterizao dos Atendimentos.............................................. 87

    Tabela 14 Encaminhamentos e Situao aps a TE ..................................................... 93

    Tabela 15 ndices do ps-TE ........................................................................................ 96

    Tabela 16 Tempo de espera para atendimento depois de finalizada a TE .................... 97

    Tabela 17 Adeso ao encaminhamento proposto ........................................................ 97

    Tabela 18 Tempo total de atendimento psicolgico recebido ...................................... 97

    Tabela 19 Opinio ...................................................................................................... 102

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    CAP Centro de Atendimento Psicolgico

    CAPS Centro de Atendimento Psicolgico e Social

    IPUSP Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo

    PB Psicoterapia Breve

    PSC Departamento de Psicologia Clnica

    TE Triagem Estendida

    TI Triagem Interventiva

    TT Triagem Tradicional

    USP Universidade de So Paulo

  • SUMRIO

    APRESENTAO ........................................................................................................................................ 11

    1. TRIAGEM PSICOLGICA: DEFINIO E REVISO DA LITERATURA ..................................... 16 1.1. Triagem Tradicional ................................................................................................................................. 17

    1.1.1 Elementos de uma TT ............................................................................................................... 19

    1.1.2 Questionamentos/Consideraes sobre as TTs........................................................................... 22

    1.2. Triagem Interventiva (TI) ......................................................................................................................... 23

    1.2.1 Questionamentos/Consideraes sobre as Triagens Interventivas .............................................. 27

    1.3. Delimitaes conceituais entre triagem e outras modalidades de atendimentos psicolgicos...................... 28

    1.4. A triagem e o fluxo da clientela: como lidar com problemas freqentes em clnicas-escolas? .................... 30

    2. A CLNICA PSICOLGICA DR. DURVAL MARCONDES ................................................................ 36

    2.1. Rotina da Clnica e a triagem (at 2008) ................................................................................................... 37

    2.2. Problemas apresentados neste contexto de funcionamento ........................................................................ 38

    3. TRIAGEM ESTENDIDA .......................................................................................................................... 40

    3.1. Projeto de Pesquisa ................................................................................................................................... 40

    3.2. Aspectos considerados para a proposio da modalidade em pesquisa ...................................................... 42

    3.3. A modalidade TE ...................................................................................................................................... 46

    3.3.1. Caractersticas Tcnicas do atendimento .................................................................................. 46

    3.3.2. Objetivos do atendimento ......................................................................................................... 47

    3.3.3. Referenciais terico-clnicos da TE .......................................................................................... 48

    4. OBJETIVO ................................................................................................................................................ 53

    4.1 Objetivo geral ............................................................................................................................................ 53

    4.2 Objetivos especficos ................................................................................................................................. 53

    5. MTODO .................................................................................................................................................. 54

    5.1. Etapas ....................................................................................................................................................... 54

    5.2. Consideraes sobre o mtodo .................................................................................................................. 54

    5.3. Local ........................................................................................................................................................ 57

    5.4. Participantes ............................................................................................................................................. 58

    5.5. Procedimentos e Instrumentos................................................................................................................... 59

    5.5.1. Observao da Triagem Tradicional (TT) ................................................................................. 59

    5.5.2. Levantamento das expectativas ................................................................................................ 59

    5.5.3. Atendimento em TE ................................................................................................................. 60

    5.5.4. Follow up: Opinio dos participantes ....................................................................................... 63

    5.5.5. Follow up: Situao do cliente aps 1 ano do trmino da TE .................................................... 64

    5.6. Anlise e avaliao (critrios de anlise dos dados) ................................................................................... 64

    5.7. Aspectos ticos ........................................................................................................................................ 68

    6. RESULTADOS .......................................................................................................................................... 70

    6.1. Relato da observao da Triagem Tradicional ........................................................................................... 70

    6.2. Percurso em Triagem Estendida (estudo de 10 processos) ......................................................................... 72

    6.2.1 Expectativas .............................................................................................................................. 73

    6.2.2. Caracterizao Atendimentos e Participantes............................................................................ 74

    6.2.3. Encaminhamentos e Situao aps 1 ano .................................................................................. 92

    6.2.4. Opinio dos Clientes ...............................................................................................................102

    6.3. Relato na ntegra de dois processos de TE ................................................................................................105

    6.3.1. Consideraes sobre a dinmica da TE com base no relato......................................................115

    7. DISCUSSO ............................................................................................................................................ 116

    8. CONSIDERAES FINAIS ...................................................................................................................121

    REFERNCIAS ...........................................................................................................................................122

    ANEXOS .......................................................................................................................................................131

  • 11

    A rede de atendimento em sade pblica em psicologia, composta por postos de sade,

    ambulatrios hospitalares, centros de ateno psicossocial (CAPS) e os servios de

    atendimento ligados s faculdades de psicologia, embora em expanso e reviso, ainda

    insuficiente para abarcar a demanda brasileira.

    A partir do Decreto n53.464, de janeiro de 1964, que regulamenta a Lei Ordinria n

    4119, de agosto de 1962, que dispe sobre a Profisso do Psiclogo, despontaram no Brasil os

    centros de atendimento filiados aos cursos de psicologia. No artigo 7 do Decreto, est

    previsto que as as Faculdades, ao requererem autorizao para o funcionamento de Curso de

    Psiclogo, devero possuir servios clnicos e servios de aplicao Educao e ao

    Trabalho, abertos ao pblico, gratuitos ou remunerados, de acordo com o tipo de formao

    que pretendam oferecer nesse nvel de Curso (Decreto, n53.464). Com base na lei e em

    consonncia com o Projeto de Resoluo que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais

    para os cursos de graduao em Psicologia, artigo 25, o projeto de curso deve prever a

    instalao de um Servio de Psicologia com funes de responder s exigncias para a

    formao do psiclogo... (citado por Melo-Silva, Santos & Simon, 2005), as faculdades

    passaram a desenvolver centros de atendimento psicolgico.

    Os servios de psicologia filiados s universidades so rgos ou programas

    denominados Servios de Psicologia Aplicada (SEP), Centro de Psicologia Aplicada (CPA) e

    mais recentemente com o uso da palavra pesquisa (CPPAs) (Melo-Silva et al. 2005). Melo-

    Silva et al. (2005), observam que os atendimentos podem ocorrer na comunidade, com

    atuao em programas cuja administrao independe da universidade (modalidade indireta),

    e/ou podem ocorrer no prprio cenrio universitrio, administrados pela universidade

    (modalidade direta), em instalaes especficas denominadas clnicas-psicolgicas e ou

    clnicas-escola. Mencionam, ainda, que os estgios podem ocorrer nas diferentes reas de

    concentrao da psicologia, clnica/sade, escolar/educacional, organizao/trabalho e

    social/comunitria (p. 21), podendo ser gratuitos ou funcionarem com taxa simblica1.

    Os servios assumem trs objetivos especficos por estarem ligados universidade

    (Perfeito & Melo, 2004; Silvares, 19982). Constituem-se em espao para a formao do aluno

    no exercer prtico da psicologia aplicada; espao para realizao de pesquisas (com focos

    diversos quer sejam sobre modalidades de atendimento clnico, sobre funcionamentos

    1 A denominao servios-escola tem sido preferida clnicas-escola quando para designar um conjunto mais

    amplo de atividades universitrias de estgio em psicologia. Houve a substituio do termo clnicas-escola no

    ttulo dos encontros estaduais paulista sobre o tema, a partir do 12 encontro (Melo-Silva, Santos & Simon, p.

    25, 2005). Utilizaremos neste trabalho a denominao clnica-escola psicolgica quando estivermos nos

    referindo aos servios diretos, com instalaes da universidade, na rea de concentrao de atendimento clnico. 2 O trip universitrio referido freqentemente nos trabalhos sobre clnicas-escola.

  • 12

    psicolgicos de pessoas ou populaes em contextos especficos, sobre teorias psicolgicas

    propriamente ditas, ou outros) e, por fim, espao no qual a universidade oferece atendimento

    comunidade, como atividade de extenso do conhecimento nela gerado, buscando atender s

    demandas da clientela com qualidade, e fazendo uso de cuidadosos parmetros.

    Ao longo dos anos, os servios-escola passaram a ter papel significativo na realizao

    de atendimento psicolgico populao, com importante papel social por oferecerem

    atendimento qualificado a uma grande parcela que no contaria com outros recursos para o

    atendimento psicolgico (Yoshida, 2005) e por promoverem projetos diretamente realizados

    junto comunidade e voltados para demandas especficas (Yehia, 2005; Romaro et al., 2005).

    A relevncia do estgio para a formao prtica do aluno em atendimento psicolgico tambm

    ressaltada com freqncia. Para Perfeito e Melo (2004),

    A Psicologia Clnica um campo de aplicao da Psicologia que impe desafios aos

    educadores. Somente estudar Psicologia Clnica no ensina a ser clnico: ser clnico se aprende

    sendo, ou seja, a nfase do estudo terico nesta rea no refuta a idia de que a clnica se

    aprende no contato com o paciente. Esta a importncia crucial das clnicas-escola que, por

    lei, devem fazer parte dos servios de Psicologia aplicada ligados aos cursos. (p. 34)

    A articulao entre os trs objetivos ocorre em uma realidade no isenta de problemas.

    freqente haver grande procura, elevados ndices de evaso (abandono) aps iniciado o

    atendimento, ocorrncia de fila de espera, recursos insuficientes, necessidade de cuidado

    especfico para com um atendimento que se faz em modalidade de formao do aluno, alm

    da necessidade da coordenao da coexistncia dos diversos tipos abordagens e atividades

    oferecidas. Neste contexto gestores de clnicas-escola (pesquisadores, tcnicos, supervisores e

    professores) passaram a realizar reflexes e pesquisas sobre o funcionamento das clnicas-

    escola a fim contribuir para a melhoria das mesmas e efetivao de um servio de sade de

    qualidade. As clnicas-escola constituem-se, desde 1996, em alvo de debates em Grupo de

    Trabalho especfico, nos simpsios de pesquisa e intercmbio cientfico da Associao

    Nacional de Pesquisa e Ps-Graduao em Psicologia (ANPEPP)3.

    Diversos so os objetos das pesquisas ou artigos reflexivos que contribuem com

    elementos especficos e que, combinados, compem um amplo quadro sobre as Clnicas-

    escolas (Herzberg, 2007). Podemos mencionar pelo menos cinco grandes eixos de pesquisas

    relacionadas diretamente s clnicas-escolas, cada qual com investigaes especficas. Em

    primeiro, pesquisas que fazem caracterizaes gerais das clnicas-escolas ou dos servios

    nelas oferecidos, tais como os levantamentos realizados por Ancona-Lopez, M (1981, 1983),

    3 As discusses realizadas nos encontros do GT O atendimento psicolgico nas clnicas-escola: convergncias

    atuais, foram organizadas em um livro publicado em 2006 (Silvares org., 2006).

  • 13

    Barbosa (1992), Barbosa e Silvares (1994), Campezzato e Nunes (2007a), Ramos e Souza

    (2006) e, ainda, a pesquisa de caracterizao dos servios atuais em esfera nacional em

    andamento pelo Grupo de Trabalho da ANPEPP4. Em segundo, levantamentos que fazem

    caracterizaes da clientela (perfil, demanda e expectativas) das clnicas-escola, a fim de que

    o conhecimento das mesmas contribua no planejamento dos servios, tais como trabalhos de

    M. Ancona-Lopez (1984), Arcaro (1989, 1991), Barbosa e Silvares (1994), Campezatto e

    Nunes (2007b), Carvalho e Terzis (1988), Carvalho e Telles (2001), Graminha e Martins

    (1993), Louzada (2003), Melo e Perfeito (2006), Peres, Santos e Coelho (2004), Romaro e

    Capito (2003), Santos, Moura, Pasian e Ribeiro (1993), Silvares (1991), Silveira (1990),

    Terzis e Carvalho (1986, 1988). Tm foco nas caractersticas sociodemogrficas dos clientes

    (idade, sexo, estado civil, profisso, tempo de estudo, entre outros dados de identificao)

    e/ou caractersticas clnicas, tais quais diagnsticos ou queixas iniciais (Campezatto & Nunes,

    2007b). Outras especificaes e trabalhos de caracterizao encontram-se mencionados em

    Herzberg (2007). Em terceiro, pesquisas com foco em alguma modalidade de atendimento ou

    outro aspecto especfico que ocorre em clnicas-escola, tal como a incidncia do uso de testes

    psicolgicos (Herzberg, Erdman & Becker, 1995). Abordam modalidades de atividades

    clnicas com anlise de melhoras clnicas dos clientes. So exemplos as pesquisas sobre

    psicoterapia breve (Bellak & Small, 1980; Ferreira & Yoshida, 2004; Fiorini, 1978;

    Hegenberg, 2004; Kahtuni, 1996; Lowenkron, 1993; Simon, 1989, 2005; Wolberg, 1979;

    Yoshida, 2008), grupo de espera recreativo (Guerrelhas & Silvares, 2000), oficinas de contos

    de fadas (Soares & Herzberg, 2009), ou outras formas de atendimentos, quer sejam em grupo,

    individual, familiar, orientao a pais, que visam melhores maneiras de lidar com as

    demandas (Macedo, 1984; Silvares, 1998). Quarto foco, pesquisas sobre estratgias de

    organizao do fluxo do cliente nas clnicas-escola, desde a triagem ao trmino do

    atendimento (Aguirre, 1987; Herzberg, 1996; Salinas & Santos, 2002), da chegada at a alta,

    passando tambm pelo estudo dos abandonos de psicoterapia (Gomide, 2000; Lhullier, 2002;

    Vargas, 2004). Por fim, pesquisas que se preocupam com as gestes administrativas das

    clnicas, incluindo o trabalho interno das equipes tcnicas e o gerenciamento dos dados,

    dentre as quais, o trabalho realizado por Herzberg (2007).

    Tendo como campo amplo de estudo o gerenciamento do fluxo da clientela em clnica-

    escola e, de modo mais especfico, as estratgias de atendimento, o presente trabalho visou

    apresentar e debater (avaliar) os benefcios de uma modalidade de atendimento de triagem

    4 Levantamento Nacional sobre Servios-escola sendo desenvolvido pelo GT O atendimento psicolgico nas

    clnicas-escola: convergncias atuais, referido acima.

  • 14

    psicolgica interventiva, realizada com retornos. Gira em torno da reflexo acerca de como

    so realizados os primeiros contatos do cliente com uma clnica-escola, visando contribuir

    com o debate que busca estratgias para funcionamentos satisfatrios das mesmas, a fim de

    abarcar a demanda por atendimentos de modos adequados. Insere-se em uma linha de

    pesquisa que visa produzir com perspectiva crtica uma reviso das modalidades clnicas de

    interveno psicolgicas no mbito das clnicas-escolas de psicologia, com foco no fluxo da

    clientela e no atendimento de triagem.

    freqente que o contato inicial com o cliente (triagem) seja realizado de modo breve

    e pouco abrangente, o que pode agravar problemas existentes em clnicas-escola, tais quais o

    desperdcio do momento precioso para um pronto atendimento (o momento em que um cliente

    tem o movimento de procurar auxlio) e o abandono de psicoterapia posterior triagem

    quando o abandono decorrente de um encaminhamento pouco indicado demanda do

    cliente. A extenso do processo bem como o uso de um padro interventivo de escuta em

    triagem so especulados, neste trabalho, como recursos institucionais para promover um

    atendimento imediato demanda, exercer um filtro mais adequado em relao aos

    encaminhamentos e, realizar atendimento nico quando no h demanda por continuidade ou

    atendimento prolongado. Tentar-se-, de alguma maneira, verificar a viabilidade prtica deste

    tipo de recurso e seus benefcios.

    Modelos de triagens interventivas so descritos em diferentes contextos e

    experincias, cada qual guardando especificidades no modo como foi planejado e nos

    instrumentos e referencias clnicos utilizados. A proposta de atendimento de Triagem

    Estendida (TE) aqui descrita teve razes em um projeto de atendimentos em consultas

    psicolgicas, com nmero delimitado de encontros e luz de referencial psicanaltico, que

    foram oferecidos a excedentes de triagem (pessoas que no haviam conseguido vaga para a

    triagem convencional) e realizados por uma estagiria sob superviso, em 2004, em uma

    clnica-escola paulistana (Tognotti & Herzberg, 2004). Na mesma clnica o projeto de

    atendimento a excedentes teve continuidade em 2006. Houve reviso e ampliao da proposta

    originando o material analisado nesta dissertao. A fim de verificar a viabilidade da

    modalidade e responder a alguns questionamentos, foram realizados 10 atendimentos em

    2006 que sero aqui analisados. A metodologia da pesquisa foi clnico-qualitativa com

    estudos de casos (Turato, 2008), com foco no estudo da modalidade e o estudo do possvel e

    do inesperado para este espao clnico que foi oferecido a excedentes de triagem. Alm dos

    atendimentos foram coletados trs dados complementares aos mesmos: as expectativas dos

  • 15

    clientes participantes ao procurarem a Clnica; a situao do cliente aps um ano do trmino

    do atendimento em TE e a opinio dos participantes sobre o atendimento recebido.

    Esta dissertao est dividida em oito captulos. O primeiro contm uma reviso da

    literatura sobre triagem psicolgica, uma reviso da literatura sobre triagem interventiva, uma

    breve explanao sobre algumas das diferenas conceituais entre modalidades de atendimento

    breve e uma apresentao de alguns dos problemas que ocorrem com freqncia em clnicas-

    escola, que justificam pesquisas sobre propostas alternativas de atendimentos. No segundo

    captulo ser apresentada a clnica-escola na qual se realizou esta pesquisa. No terceiro, ser

    apresentada a modalidade Triagem Estendida, com especificao do histrico de sua

    elaborao e pesquisa anterior, fundamentos tericos e tcnicos previstos modalidade e

    finalidades. No quarto captulo, esto apresentados os objetivos gerais e especficos da

    pesquisa. No quinto, ser apresentado o mtodo, incluindo os itens: etapas da pesquisa;

    consideraes sobre o mtodo; local de realizao; participantes; procedimentos e

    instrumentos de cada etapa; forma de anlise dos dados e aspectos ticos. Os Resultados

    sero apresentados no sexto captulo, divididos por temticas e com uma anlise especfica

    para cada temtica. No stimo captulo ser feita uma discusso geral qualitativa em torno da

    experincia, com a anlise de alguns benefcios e dificuldades que uma recepo em TE pode

    trazer para o cliente e para o fluxo de funcionamento de uma clnica-escola. Por fim,

    teceremos algumas consideraes finais.

  • 16

    1. TRIAGEM PSICOLGICA: DEFINIO E REVISO DA LITERATURA

    A triagem psicolgica tem sido com freqncia a porta de entrada dos clientes em

    clnica-escola (S. Ancona-Lopez, 1996, 2005). O termo triagem (substantivo feminino)

    definido como ato ou efeito de triar, de separar, de selecionar; separao, seleo, escolha

    (Houaiss & Villar, 2001). Etimologicamente a palavra recebeu alguns diferentes significados,

    do francs, triage (1763) escolha, seleo; conjunto de pessoas cuidadosamente escolhidas

    por pertencerem alta sociedade ou aristocracia', derivada de trier (1160) escolher entre

    certo nmero de pessoas ou de coisas as que correspondem a um dado critrio (de qualidade

    ou outro) e separ-las das demais; do latim, moer, esmagar, trilhar, pisar, debulhar

    (Houaiss & Villar, 2001). Oriunda deste conjunto de significaes, em especial da derivao

    francesa, a palavra triagem foi assimilada em instituies de sade (pblicas), em especial de

    sade psicolgica, para designar a prtica de atendimento que se destina a selecionar a parte

    da populao que pode ser atendida no servio, considerando a especificidade da demanda do

    cliente e atendimentos disponveis5. No se trata da inscrio (embora a inscrio possa fazer

    parte da triagem), mas de um servio de atendimento psicolgico com caractersticas

    especficas.

    Qualquer processo de recepo de clientela ter particularidades em decorrncia de

    mais de um fator: 1) referenciais tericos psicolgicos com que os pesquisadores e clnicos

    pensam fenmeno psicolgico e existencial humano, que balizam as concepes de inmeras

    ferramentas utilizadas em atendimentos, tais como noes sobre a queixa, sade psquica,

    diagnsticos e categorizao do quadro clnico e ao teraputica, mais ou menos diretiva; 2)

    especificidades do contexto social, cultural e da instituio (filosofia e alvo do servio) e 3)

    especificidades do psiclogo (diferenas pessoais e maneira de trabalhar). As clnicas-escola

    abarcam, geralmente, a coexistncia de referenciais, que podem compor diferentes condutas

    desde o momento da triagem, o que sugere a necessidade da explicitao dos pressupostos

    clnicos e padres compreensivos, atravs de debates acadmicos contnuos.

    Dado que um centro de atendimento psicolgico universitrio pode oferecer atividades

    nas diferentes reas de concentrao da psicologia (Melo-Silva et al., 2005), com assistncia a

    5 Os termos porta de entrada ou recepo, so utilizados metaforicamente para designar o primeiro

    atendimento de um interessado. Referem-se a uma atividade clnica propriamente dita, com escuta da queixa e

    avaliao e no, em seu sentido corriqueiro de recepo (realizada por guichs de informaes ou secretarias). A

    metfora recepo pode abranger, tambm, uma conotao de hospitalidade e por isto freqentemente

    utilizada.

  • 17

    focos populacionais especficos, freqente coexistirem, tambm, triagens e inscries

    prprias para cada seguimento, cada qual com critrios especficos. Quando se trata de

    triagem para atendimento clnico, a distribuio do cliente deve considerar o tipo de

    psicoterapia e o referencial usado pelo supervisor ou grupo de pesquisa. Referir-nos-emos,

    neste trabalho, a triagens do seguimento da psicologia clnica, para atendimentos

    psicoterpicos.

    1.1. Triagem Tradicional (TT)

    Conforme literatura especfica (Agostinho, 2003; Aguirre, 1987; S. Ancona-Lopez,

    1996; Herzberg, 1996; Salinas & Santos, 2002) uma triagem psicolgica tem, em seu carter

    tradicional, a funo de executar uma identificao dos dados pessoais do cliente e dos dados

    de sua queixa (incluindo seu histrico), realizao de breve diagnstico (primeira avaliao

    psicolgica), com a finalidade de propor um encaminhamento apropriado. Nas palavras de

    Herzberg (1996), a funo bsica da triagem, que pode ser feita em um ou mais entrevistas,

    se chegar a alguma concluso, na medida do possvel, quanto ao melhor encaminhamento(s)

    do(s) cliente(s) (p.148). Deve avaliar se a demanda do cliente pode ser abarcada (se h

    adequao da instituio necessidade apresentada) articulando, deste modo, a demanda com

    a capacidade do servio, inscrever o cliente em um atendimento apropriado ou encaminh-lo

    para outra agencia de atendimento (Herzberg, 1996, S. Ancona-Lopez, 1996). Uma

    delimitao clara dos tipos de atendimentos oferecidos e capacidade de vagas fundamental

    para a realizao da tarefa (Agostinho, 2003). So estimados, desta maneira, dois momentos

    centrais, o encontro com o cliente, no qual so coletados dados e a partir dos quais se realiza a

    primeira avaliao e o momento do encaminhamento, seja interno ou externo instituio.

    Desta conceituao depreende-se que, uma triagem bem sucedida quando, considerando a

    funo para a qual se destina, exerce boa compreenso do cliente e resulta em um

    encaminhamento adequado.

    Apesar de ser uma atividade aparentemente simples em funo de sua finalidade

    (recepcionar e distribuir a clientela), deve realizar, necessariamente, como etapa para cumprir

    sua meta, uma avaliao em um campo bastante complexo que o psicolgico humano.

    Trata-se de um primeiro diagnstico6 ou de uma entrevista inicial institucional, que abrange

    caractersticas tcnicas e tericas complexas. Embora com enquadre especfico e sob a

    6 Avaliao prvia, e menos ampla do que um psicodiagstico.

  • 18

    caracterstica de haver outras entrevistas iniciais quando do momento da psicoterapia (aps o

    encaminhamento), a triagem, em sua teoria e prtica, freqentemente incorpora (recebe)

    saberes concernentes aos mbitos das discusses sobre psicodiagnstico e entrevistas iniciais

    (e ainda mais especificamente, entrevistas preliminares em psicanlise), amplamente

    debatidos na psicologia.

    Diferentes procedimentos e instrumentos podem ser utilizados (Moura 1995), sendo

    freqente o da entrevista clnica semi-aberta7. Dentre os procedimentos, h os que so

    aplicados pelo psiclogo ou os auto-aplicveis, alm da variao entre triagem individual ou

    em grupo. Dentre os instrumentos, existem os estruturados (inventrios, formulrios,

    questionrios, anamnese ou escalas) e os mais abertos (entrevistas psicolgicas, por exemplo),

    cada qual disponibilizando um tipo diferente de informao, o que definir os limites e

    possibilidades de seu uso (Moura 1995). Em alguns contextos ou pesquisas so realizadas

    tentativas de sistematizao dos instrumentos de triagem, seja com roteiros mais fechados de

    entrevistas, seja com o uso de questionrios padronizados de avaliao psicolgica para

    especificao e classificao das queixas. Em uma pesquisa realizada no Centro de Psicologia

    Aplicada da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras de Ribeiro Preto da USP, Moura e

    Loureiro (1993) e Moura (1995), comparam os resultados de triagem oriundos de dois

    diferentes instrumentos, aplicados ambos nos mesmos participantes da pesquisa, usurios do

    servio (15 sujeitos adolescentes e 15 sujeitos adultos, no ano de 1992). Os instrumentos

    comparados foram o Questionrio de Morbidade Psiquitrica de adultos (QMPA) e um

    modelo estruturado, previamente sistematizado, de entrevista, que denominaram Entrevista de

    Triagem (ET)8. A anlise realizada pelos autores apontou que embora o QMPA tenha se

    mostrado um instrumento interessante para identificar manifestaes de ansiedade e depresso

    (mais eficaz nos adultos, 80% de identificao, do que em adolescentes, 33%), o instrumento

    considera minimamente as dificuldades de adaptao e de relacionamentos, elementos tidos

    7 As denominaes aberta/fechada, estruturada/no estruturada e dirigida/no dirigida, usadas para

    qualificar os tipos de entrevistas, so discutidas por Turato (2008), que prefere o uso do qualificativo

    dirigida/no dirigida em relao ao estruturada/no-estruturada, por entender que ambas tm alguma estrutura. Bleger (1974), por sua vez, utiliza os adjetivos aberta/fechada para qualificar as diferenas nas

    entrevistas. 8 A ET j era um instrumento de triagem utilizado no referido centro. Inclua dados de identificao pessoal,

    dados da procura pelo servio, motivo da procura pelo atendimento psicolgico, histrico da queixa, situaes

    em que a problemtica do cliente ocorria, mudanas percebidas pelo cliente de seus estados subjetivo atual em

    relao a estados subjetivos pregressos, possveis eliciadores do problema, rol de atividades, relaes ou

    situaes a que o cliente refere estar sendo afetado, reao dos familiares, tipo de ajuda procurada, tratamentos

    recebidos anteriormente, alm da investigao da relao do cliente com alcoolismo ou drogas.

  • 19

    como relevantes em avaliaes clnicas e que puderam ser, por sua vez, identificados por

    meio da ET.

    1.1.1 Elementos de uma TT

    Aguirre (1987) aponta que cabe ao psiclogo ajudar o cliente a delimitar o que est

    precisando, informar sobre as possibilidades de atendimentos psicolgicos existentes e ao

    mesmo tempo lidar com as fantasias e ansiedades do cliente. Herzberg (1996) destaca dentre

    os elementos essenciais triagem, a escuta da demanda e expectativas dos clientes, a

    verificao da urgncia para atendimento9, a necessidade da realizao de uma mini-

    anamnese (direcionamento para a coleta de dados relevantes no referidos espontaneamente)

    e, no caso de procura por atendimento para crianas, a relevncia de haver um contato direto

    com a criana, alm do contato com os pais10

    .

    Seguindo as contribuies dos autores que debatem especificamente o ato da triagem

    nas clnicas-escolas brasileiras (Agostinho, 2003; Aguirre, 1987; S. Ancona-Lopez, 1996;

    Herzberg, 1996; Salinas & Santos, 2002), embasados em textos mais tradicionais sobre

    primeiras entrevistas e psicodiagnstico (Aberastury, 1982; M. Ancona-Lopez, 1995; Arzeno,

    1995; Ocampo & Arzeno, 1981a; Ocampo & Arzeno, 1981b; Trinca, 1984), podemos, de

    modo esquemtico, listar alguns dos elementos centrais que devem compor a triagem e que

    demonstram a complexidade desta atividade11

    . A coleta de dados pessoais ou dados de

    identificao para o cadastro institucional uma etapa necessria e preliminar escuta da

    queixa (inclui, geralmente, idade, sexo, escolaridade, religio, profisso, local de moradia,

    nvel scio-econmico ou renda familiar e, contextos de vida do cliente). Os dados de

    identificao oferecem informaes relevantes sobre o cliente, favorece o contato com o

    mesmo durante a entrevista e permite posteriores pesquisas documentais sobre as

    caractersticas da clientela.

    9 Em casos de urgncia ou situaes emocionais agudas, medida do possvel importante que o cliente possa

    receber trabalhos de apoio psicolgico, algumas vezes at alheios ao que uma clnica psicolgica escola pode

    oferecer, o que revela a importncia de haver uma rede de atendimento em sade. 10

    Sobre da entrevista inicial com os pais em atendimentos psicanalticos, Aberastury (1982) apresenta aspectos

    relevantes a serem investigados, discute os limites e possibilidades do acesso dinmica familiar por meio da

    entrevista inicial medida que os pais podem distorcer fatos quando h processos subjetivos de culpa ou

    incmodo coma situao e menciona que a postura do psicanalista deve ser de compreenso. Os conhecimentos

    da psicologia sobre entrevistas iniciais freqentemente dialogam com as atitudes clnicas em triagem. 11

    Trata-se de um exerccio terico e esquemtico. Na prtica tais elementos so percebidos implicitamente pelo

    psiclogo. Por vezes so negligenciados e, neste caso, pode ter conseqncia prejudicial em relao ao

    desempenho de seu papel na instituio.

  • 20

    Elemento central da triagem, j mencionado, est na escuta e definio do problema e

    do quadro clnico, imprescindvel para a continuidade do trabalho. abrangente o leque de

    queixas ou de problemas que um cliente pode ter: questes emocionais, morais, existenciais,

    relacionais, dificuldades laborais (trabalho ou desemprego), familiares, problemas de

    comportamento ou aprendizagem, quadros subjetivos de estresse, depresso, ou outros

    (descritos, muitas vezes, como angstias), traumas, perdas, dificuldade financeira e assim por

    diante em um leque to vasto que o desenvolvimento ou o sofrimento humano. A

    investigao do problema engloba a escuta da queixa (motivo que levou consulta) e

    levantamento dos dados da histria da situao apresentada (em que momentos ocorre,

    quando comeou, se situao aguda ou crnica, em quais esferas da vida o cliente se sente

    prejudicado, dentre outros). Comportamentos no verbais (movimentos, inquietaes) e o

    modo do cliente ser no mundo (posicionamento subjetivo) tambm so fatores que

    contribuem na compreenso do cliente (Bleger, 1974; Ocampo & Arzeno, 1981a).

    importante o psiclogo reconhecer traos no expressos no discurso. O psiclogo pode estar

    atento maneira como o cliente pode ou consegue se posicionar perante as questes de sua

    vida, experincias, sofrimento, dificuldades, perante o outro em suas relaes e na relao

    com o psiclogo e a como o cliente aborda ou apresenta seu problema (considerando que cada

    vez que uma pessoa expressa alguma dificuldade pode narrar ou sentir com intensidade ou

    conotaes diferentes). A escuta do que no dito com eventual explicitao, pode

    redirecionar o curso de uma triagem e por conseqncia, a conduta do encaminhamento.

    Os modos compreensivos sobre a queixa e os mtodos para sua identificao, tal como

    mencionado, podem variar consideravelmente conforme abordagem terica em relao ao

    homem e psicopatologia adotada pelo psiclogo ou instituio. Sob um referencial

    psicanaltico e do ponto de vista psicodinmico, definir uma queixa significa um trabalho

    mais amplo do que a enumerao de sintomas ou comportamentos, abrangendo uma

    compreenso ampla da dificuldade. Autores discutem, com enfoque psicanaltico, a relevncia

    de se reconhecer contedos ou motivos latentes para alm do manifesto ou o conflito

    subjetivo para alm do sintoma12

    (Arzeno, 1995; Ocampo & Arzeno, 1981a; Simon, 2005). A

    primeira queixa abordada pode ser aquela mais aceita socialmente ou de mais fcil expresso,

    no atingindo o conflito ou situao por que passa o cliente, queixa latente, pode ser um

    desencadeador que levou o cliente a procurar o servio, servindo como uma ponte que conduz

    a outras queixas tambm relevantes. Pode, ainda, ser o modo momentneo como o cliente

    12

    O sintoma compreendido como expresso do conflito, em uma leitura psicanaltica.

  • 21

    percebe uma questo, passvel de receber outras significaes conforme o cliente amplie o

    panorama da elaborao e expresso. O foco inicial pode, deste modo, se diluir caso seja

    oferecido oportunidade de escuta, o que, novamente, pode alterar o destino de um

    encaminhamento. Considerar a possibilidade de haver queixas latentes no significa

    desconsiderar o fato de que a primeira queixa pode ser central e mesmo nica do cliente, um

    ponto nodal de sofrimento e paralisa com o qual no consegue lidar, como por exemplo, um

    luto por perda. Este tipo de situao destaca a relevncia de o psiclogo, em triagem, dever

    estar preparado para acolher o cliente, havendo situaes para as quais o reconhecimento de

    um sofrimento a nica ao admissvel (plausvel). A escuta na triagem pode, nestes casos,

    contribuir com a ampliao da expresso dos fatos, fatores, e sentimentos relacionados

    queixa central, permitindo associaes e construo de uma verbalizao que possa expressar

    a angstia.

    O engajamento subjetivo de um cliente em relao a um futuro atendimento

    (responsabilizao e interesse), pode variar e cabe triagem uma verificao, direta ou

    indireta, do mesmo (Herzberg, 1996, Salinas & Santos, 2002). interessante distinguir a

    repercusso subjetiva no cliente da origem de seu encaminhamento, esclarecer se a procura

    foi espontnea e se o cliente entende o movimento de buscar orientao psicolgica (h

    situaes em que o engajamento subjetivo do cliente evidente, expresso pela inclinao ao

    atendimento ou pedido de ajuda e situaes em que o cliente procurou atendimento por

    indicao de profissionais de outras reas, sem ter clara sua prpria demanda por atendimento,

    dificultando o engajamento em um atendimento futuro).

    Alm do engajamento, ou responsabilizao, relevante que haja espao para a

    elaborao da demanda (necessidade mesma de atendimento) e acerca dos encaminhamentos

    possveis. Um pedido de ajuda pode aparecer direcionado a um membro especfico da famlia,

    quando outros, ao terem oportunidade de se expressar, demonstram necessitar e at mesmo

    desejar, atendimento. A demanda pode ser familiar ou mesmo de um membro outro, que no

    o que inicialmente foi alvo do pedido. A demanda pode no ser por psicoterapia, mas por

    outras espcies de atividades que a prtica da psicologia aplicada pode exercer junto ao

    contexto social e relacional do cliente, tais como inseres no ambiente escolar, familiar ou de

    trabalho. O psiclogo pode investigar os recursos que o cliente j usou para tentar lidar com

    sua problemtica (tratamentos, rede social, reflexes individuais), o histrico de atendimentos

    pregressos e a opinio sobre os mesmos, alm das expectativas sobre o atendimento futuro.

    O cliente pode ter pouco conhecimento sobre a psicologia e apresentar expectativa de ajuda

  • 22

    instantnea ou mgica13

    , ou expectativas muito negativas em relao a receber

    psicodiagnsticos classificatrios, por vezes com base em experincias pregressas. Pode

    apresentar inclinaes por ajuda breve, atendimento prolongado, orientao especfica

    referente a algum aspecto de sua trajetria, ou outro. Mesmo ser ter idias claras sobre como

    ocorrem os atendimentos ou sobre as abordagens tericas em psicologia, pode apresentar

    direcionamentos quanto quilo que deseja e inclinaes para um ou outro tipo de trabalho

    (podendo mostrar-se mais interessado na realizao de um trabalho psicanaltico, cognitivo-

    comportamental, grupo, individual, orientao, ou outro e, eventualmente, perceber que deve

    buscar servios de outras naturezas no psicolgicos). Pode interessar-se em obter

    informaes sobre os estilos de atendimentos psicoterpicos oferecidos e cabe ao psiclogo

    em uma recepo institucional ter abertura para dialogar sobre aquilo que a instituio pode

    oferecer. Herzberg (1996) observa a relevncia deste ajuste de informaes:

    Neste momento, estamos diante de uma das funes mais fundamentais do processo de

    triagem, que a de trabalhar as expectativas, idias e fantasias do cliente quanto ao

    atendimento que est sendo buscado. Aps ouvir o cliente, pode o psiclogo que faz a triagem

    informar sobre o funcionamento da Clnica, confirmando suas idias ou corrigindo eventuais

    distores detectadas j nesse contato inicial, cliente/clnica. (p. 150)

    E salienta de uma triagem bem sucedida, se que se pode utilizar esta expresso,

    deveria advir uma sensao de trabalho conjunto, triador/cliente, e de que as decises tomadas

    foram bilaterias e no imposies de qualquer uma das partes sobre a outra (p. 154). De

    modo geral, a atora apresenta a relevncia da interao entre indicao, interesse dos clientes,

    alm da viabilidade material, que devem estar em jogo quando se trata de encaminhamento

    psicolgico.

    1.1.2 Questionamentos/Consideraes sobre as TTs

    Questionamento relevante refere-se acuidade com que deve ser realizada a triagem

    para que, por um lado, no seja uma atividade superficial incapaz de verificar aspectos

    pertinentes e efetivar sua meta e, por outro, no avance em processos subjetivos concernentes

    ao campo da psicoterapia propriamente dita. Alm deste, ampla discusso se abre quando

    colocada em pauta uma discusso sobre quais fatores devem levar indicao de terapia, e

    para qual terapia. De modo mais direto, as questes que se nos apresentam so:

    13

    O psiclogo tambm no deve ter a expectativa mgica de ajudar (de que sua presena ou suas observaes

    ajudaro um cliente em um ou poucos encontros), que pode ser uma atitude que subestima a compreenso do

    cliente ou situao.

  • 23

    1. Deve a triagem estar direcionada a uma coleta menos abrangente, deixando o

    atendimento posterior investigar de modo mais consistente a queixa, ou deve, ela

    mesma, executar pormenorizao de aspectos e encaminhar o cliente apenas quando

    houver uma definio mais clara da demanda e do interesse?

    2. Em que medida a elaborao da queixa deve caber especificamente triagem, ao

    processo do atendimento psicoterpico posterior ou, ainda, a um processo de triagem

    que possa ter continuidade clnica?

    3. Existem desvantagens reais quando realizada de modo pouco abrangente, tal qual

    problemas subseqentes a ela, como por exemplo, abandonos de tratamentos

    resultantes de indicaes pouco adequadas?

    4. Existiriam desvantagens reais se realizada de modo mais abrangente, tal qual

    dificuldade posterior de nova vinculao do cliente a outro psiclogo?

    5. Com quais parmetros deve ser feita a descrio da problemtica do cliente

    (referencial terico usado para a compreenso do quadro clnico)?

    6. Relevncia de se estabelecer o tipo de necessidade do cliente e coordenar com um

    encaminhamento adequado: reflexo sobre como deve ser estabelecida uma correlao

    adequada entre os tipos de demandas e estilo de terapia indicadas.

    A escolha da acuidade da triagem (e conseqentemente dos instrumentos tcnicos a

    serem utilizados neste atendimento) depender, a nosso ver, de planejamentos institucionais

    amplos e integrados, havendo a necessidade de uma slida imbricao com o tipo de

    organizao de fluxo que se pretende na instituio e pesquisas que possam amparar as

    escolhas da prtica.

    1.2. Triagem Interventiva (TI)

    Para alm dos objetivos tradicionais, uma triagem pode configurar-se como consulta

    ou encontro significativo, de carter clnico-interventivo (Agostinho, 2003; Aguirre, 1987; S.

    Ancona-Lopez, 1996, 2005; Isaco, Gil & Tardivo, 2004; Herzberg, 1996, Salinas & Santos,

    2002). Da percepo da capacidade clnica do encontro da triagem como espao de

    interveno (significativo) e sua relevncia institucional, despontou o debate sobre triagens

    interventivas, alternativas s triagens tradicionais e cujo foco abrange ateno aos processos

    de acolhimento ou elaboraes, considerando o momento por que passa o cliente quando da

    procura por um atendimento. De modo geral, esto embasadas na percepo do fato de o ato

    do esclarecimento da queixa pode assumir cunhos teraputicos e que o momento da procura

  • 24

    por auxlio relevante clinicamente. Colocam em pauta os limites destas consideraes.

    Bonomo, Dominguez e Tortorella (2002), trabalhando dentro da realidade uruguaia, ao

    referirem-se s entrevistas de triagem, enfatizam a importncia das mesmas abarcarem duas

    modalidades de interveno: a recepo, que caracterizam como escuta que habilite o

    consultante a expressar seu saber acerca de si mesmo ou do assunto que o faz procurar ajuda

    (p.45) e a consulta, como o parecer ou recomendao que se pede ou se fornece acerca de

    algo (p.45). Salientam que o fato da triagem se dar em uma nica oportunidade, no deve

    constituir um impedimento para que o profissional emita um parecer a partir de seu lugar de

    psiclogo. Entendem que a entrevista de recepo deve possibilitar uma aproximao

    diagnstica, atravs de uma clarificao da problemtica apresentada e ainda uma elaborao

    conjunta e hierarquizada do saber do consultante, resultando em um encaminhamento e uma

    orientao, no sentido abrangente do termo.

    Pesquisas, relatos de experincias ou notas reflexivas, freqentemente eliciadas por

    questionamentos advindos da experincia prtica do exerccio da triagem, apresentam

    resultados favorveis do uso de triagens interventivas na realidade das clnicas-escolas

    brasileiras, como atividade de acolhimento inicial e recurso para atender a parte da demanda

    (Agostinho, 2003; Aguirre, 1987; Ancona-Lopez, 1996; Calderoni, 1998; Herzberg, 1996;

    Salinas & Santos, 2002; Isaco, Gil & Tardivo, 2004). Guardam especificidades tericas e

    tcnicas em seus planejamentos, ocorrendo em um ou mais encontros. Como um panorama

    geral destes relatos, podemos pontuar algumas das idias apresentadas em sete trabalhos.

    Agostinho (2003) com referencial de atendimento winnicottiano em relao posio

    do analista e ao olhar famlia, e referencial metodolgico de pesquisa psicanaltico,

    investigou uma prtica clnica de triagem oferecida com escuta familiar. Apresenta e analisa

    cinco estudos de casos, de entrevistas iniciais, realizadas com as famlias que buscavam

    atendimento para um dos filhos, entre o perodo de julho de 1997 a junho de 2001 (casos

    atendidos tanto em uma clnica-escola de So Paulo, quanto em consultrio particular). Tece

    uma crtica a alguns modelos de triagem existentes e conclui apontando a relevncia do haver

    o acolhimento famlia nos processos de triagem.

    Graminha e Martins (1991), em um artigo reflexivo, apresentam e discutem a

    experincia do servio de inscrio para atendimento psicolgico infantil do Centro de

    Psicologia Aplicada, do Departamento de Psicologia e Educao da Faculdade de Filosofia,

    Cincias e Letras de Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo. Descrevem um modelo de

    inscrio interventiva implantado no final do ano de 1987, que visava favorecer tanto

    organizao do servio de atendimento, o contato da comunidade com a Instituio e a

  • 25

    formao dos alunos do Curso de Psicologia. Constataram que a recepo interventiva

    propiciava uma situao mais adequada em relao ao primeiro contato de interessados da

    comunidade com a Instituio o que ajudava a diminuir algumas das dificuldades de

    organizao do servio.

    Isaco, Gil e Tardivo (2004) tecem consideraes sobre triagem interventiva com base

    na experincia de um servio de triagem oferecido com nfase na possibilidade de ser um

    ambiente acolhedor e continente com referencial winnicottiano, realizada no Laboratrio de

    Sade Mental e Psicologia Clnica Social do Instituto de Psicologia da Universidade de So

    Paulo. Discorrem sobre a importncia de tornar as entrevistas iniciais de triagem em

    encontros vivos, com interao entre entrevistado e entrevistador, ambiente facilitador e com

    interveno que permita algumas mudanas no cliente. Relatam terem abrangido os requisitos

    necessrios e caractersticos de uma entrevista inicial, tais como conhecer o motivo da

    consulta e apreender os aspectos latentes alm dos manifestos. Abordam a importncia de o

    psiclogo estar atento primeira impresso que o paciente causa, considerando linguagem

    corporal, gestual, verbal, ritmo, tom de voz, contedos e temas que geram ao cliente maior

    ansiedade ou bloqueios. Abordam a importncia de o psiclogo observar os aspectos

    transferenciais e contratransferenciais com a inteno de perceber o tipo de vnculo que o

    paciente procura estabelecer e de criar um espao potencial para exercer uma verdadeira

    compreenso e acolhimento. Concluem que a experincia de um servio de recepo clnica

    com proposta de acolhimento aponta para o fato de que no possvel separar estritamente as

    fases de diagnstico e de interveno em clnica, que ocorrem simultaneamente.

    Pereira (2002) discorre sobre aspectos que julga relevantes para a efetivao de uma

    triagem e destaca a relevncia de haver uma resposta s necessidades do cliente no momento

    em que procura ajuda, triagem interventiva. Atravs do estudo de um caso atendido em

    triagem em uma clnica-escola de So Paulo, com uso de pressupostos clnicos winnicottianos

    na conduta do atendimento, aponta a relevncia de se apresentar ao cliente o atendimento

    psicolgico, prtica a que, no geral, desconhece, destaca a importncia da solicitao da

    presena da criana na entrevista e a insero de material grfico como forma de garantir-lhe

    uma participao efetiva14

    e aponta conseqncia positiva de um maior engajamento do

    cliente na definio dos encaminhamentos propostos.

    Perfeito e Melo (2004) relataram a experincia da organizao e rotina dos

    atendimentos em triagem, um servio implementado na clnica-escola da Faculdade de

    14

    Autora tem artigo especfico sobre o uso do material grfico com crianas em triagem, Pereira (1998).

  • 26

    Psicologia da Universidade Federal de Uberlndia (constituda como Ncleo Integrado de

    Psicologia, NIPSI). Discorreram sobre a tentativa de implementao de um processo de

    recepo no como processo de seleo de demanda ou coleta de dados da histria do cliente,

    mas como parte da interveno psicoteraputica propriamente dita. Para tal os estagirios

    realizariam as triagens, com supervises, com uma mdia de 4 a 5 encontros com o cliente, de

    modo a que pudessem, desde a recepo, laborar um raciocnio clnico. Observaram que se o

    cliente no se sentir mobilizado num primeiro momento (triagem) pode no prosseguir em sua

    busca por ajuda. Sobre a experincia, relatam:

    As entrevistas tomam a forma de uma interveno breve, j que ao dar aos clientes uma

    oportunidade de se engajarem em seu prprio atendimento, torna-os responsveis por seus

    problemas (Ancona-Lopez, 1995). O simples acolhimento j tem significado importante para

    muitos clientes. Por acolhimento entende-se uma disposio afetiva do psiclogo, uma atitude

    de escuta que visa receber, aceitar, em que a expresso do sofrimento j proporciona alvio ou

    mesmo certa clareza em relao situao vivida, criando condies para modific-la. (...)

    Nessa fase h uma clarificao da situao psicodinmica individual ou grupal, para alm do

    simples levantamento de dados e isso tem efeito psicoteraputico. Essa discusso est de

    acordo com as idias de Ancona-Lopez (1995), quando discorre sobre o psicodiagnstico

    tambm como processo de interveno. As altas durante o processo de triagem so um

    indicativo relevante que corrobora com tal idia.

    Apontam que, embora com benefcios, o servio no pde ter continuidade em funo

    de questes institucionais, com dificuldades de articulao entre os diferentes segmentos

    envolvidos, gerando a necessidade de se repensar e construir uma nova prtica.

    Salinas e Santos (2002), na mesma instituio em que foi realizada a descrita por

    Graminha e Martins (1991), propuseram-se a investigar em que medida uma orientao

    psicanaltica poderia auxiliar na conduo do servio de inscrio e triagem contribuindo para

    o acolhimento da clientela. Com base em uma experincia de implementao de um Servio a

    que denominaram Atendimento Imediato de Triagem (AIT), implantado na instituio no ano

    de 1998, fizeram o relato de trs casos de pacientes, mulheres, que haviam sido atendidos no

    Servio. Os atendimentos tiveram foco na observao e elaborao da apropriao da

    demanda pelo prprio cliente (e sua implicao com ela), alm de ter sido realizada entrevista

    detalhada que pudesse oferecer elementos para o estabelecimento de um diagnstico

    provisrio sobre o cliente, importante para pensar o encaminhamento. Concluram que a

    experincia seria insuficiente para medir a efetividade do trabalho pautado na lgica do

    acolhimento e da demanda (implicao subjetiva), mas que esta organizao teria permitido,

    em certa medida, otimizar os recursos da instituio, j que funcionaria como facilitadora na

    implicao do paciente em relao ao seu atendimento, poderia melhor atender aos objetivos

    de encaminhar aos estagirios clientes com indicao para psicoterapia, alm de oferecer uma

  • 27

    prtica que priorizaria cada sujeito em detrimento de outra massificadora. A proposta no foi

    levada a diante na instituio, em virtude do tempo despendido em cada triagem e como

    alternativa AIT, os pesquisadores passaram a realizar uma recepo em grupo, tambm com

    escuta psicanaltica.

    S. Ancona-Lopez (1996), com referencial terico clnico fenomenolgico

    heideggeriano, prope dar um sentido de consultas psicolgicas s entrevistas de triagem, de

    modo que se configurem em um atendimento interventivo, independente dos procedimentos

    que possam se seguir. Em pesquisa qualitativa com estudo de caso, buscou identificar qual(is)

    seria(m) o(s) acontecimento transformador e significativo possvel ao encontro de triagem.

    Apontou que uma escuta atenta na triagem, sem que o psiclogo esteja mais preocupado em

    pensar o encaminhamento do que escutar o cliente, poderia propiciar ressignificaes e

    reposicionamentos existenciais.

    1.2.1 Questionamentos/ consideraes sobre as Triagens Interventivas

    As consideraes apresentadas na literatura revelam que ao longo dos processos de

    adequao do funcionamento dos servios s demandas da clientela e institucionais, os

    agentes dos atendimentos vivenciaram e propuseram ampliaes da finalidade dos

    atendimentos de triagem. Com tais consideraes, a triagem, de modo geral, no pode ser

    tomada apenas em sua acepo tradicional, com a finalidade de carter nico (e estanque) de

    ser um atendimento exclusivamente voltado distribuio de clientes, embora possa tambm

    exercer exclusivamente esta tarefa. O tema sobre finalidades e limites da triagem merece a

    continuidade dos debates, com as trocas dos saberes obtidos das experincias, para que os

    benefcios de cada modo de triagem possam ser mais bem delimitados. Revises so

    necessrias medida que as instituies-escola como centros de atendimentos visam, guiados

    pela tica, modelos mais adequados para exercer os atendimentos e otimizao dos recursos

    disponveis.

    pertinente, de modo mais especfico, estudar quais atos e intervenes podem

    qualificar uma triagem como interventiva (S. Ancona Lopez, 1996), ou seja, quais atos podem

    ser, em trabalhos pontuais de recepo, de fato interventivos ou teraputicos (considerando

    por teraputico algum alvio clnico ou conquista subjetiva do cliente, refletidos em suas

    aes no mundo, modo de ser ou reato de sentimentos).

  • 28

    1.3. Delimitaes conceituais entre triagem e outras modalidades de atendimentos

    psicolgicos

    Por ser a triagem psicolgica, mesmo em sua acepo tradicional, um momento de

    recepo de clientes e por j se configurar como servio psicolgico, tem fronteiras tnues, do

    ponto de vista conceitual, com outras modalidades de atendimentos clnicos. Por um lado,

    conforme mencionado, a literatura que aborda entrevistas iniciais em processos psicoterpicos

    contribui com os estudos sobre triagem na compreenso dos elementos utilizados para

    alcanar os esclarecimentos psicolgicos necessrios e por debaterem conceitos tais como

    demanda, queixa, motivao, diagnsticos clnicos, entrada em terapia ou anlise, dentre

    outros tpicos em interseco. Referem-se, entretanto, ao incio de um atendimento, no

    necessariamente o momento da recepo institucional.

    Alm desta interface, as triagens interventivas tm proximidades conceituais com duas

    modalidades de atendimentos difundidas nas clnicas de nosso meio, a saber, Planto

    Psicolgico e Psicoterapia Breve. Cada qual guarda especificidades em relao s origens,

    finalidades, procedimentos tcnicos e amplitudes tericas, embora tenham o sentido comum

    de proporcionar acolhimento em um perodo de tempo delimitado.

    A idia do encontro transformador referida na literatura sobre Planto Psicolgico,

    prtica de carter breve, que visa oferecer suporte clnico no momento em que o cliente

    necessita e auxiliar em questes emergenciais, considerando que nem sempre as pessoas

    querem ou precisam de acompanhamento prolongado, embora possa gerar um

    encaminhamento (Bartz, 1997; Furigo, 2006; Kovcs, 2001; Mahfoud, 1987; Morato, 1999;

    Rabelo & Santos 2006; Yehia, 2004). Diferentemente da triagem, no se originou com o

    propsito de receber e distribuir a clientela, mas de ser em si espao de acolhimento. Pelo

    modo como se iniciou, a prtica do Planto est, na literatura brasileira, freqentemente

    associada s noes de Aconselhamento Psicolgico e, em especial, filiadas s idias de

    Rogers (Morato, 2006). Morato (2006) define o Planto como uma prtica de fronteira, no

    podendo ser considerada nem triagem nem atendimento:

    Contudo, importa dizer que, alm das interferncias deste funcionamento institucional, a

    prpria proposta clnica do Planto gerava dificuldades de compreenso. Isto porque o Planto

    Psicolgico uma modalidade de prtica psicolgica que se inaugura num terreno fronteirio,

    no podendo se apresentar ao lado de outras prticas usualmente tidas como porta de entrada ao atendimento psicolgico, como triagem, nem tampouco pertencente quelas dedicadas a

    processos de psicoterapia. (p. 42).

    A autora critica a ocorrncia de um automatismo da ao possvel no exerccio da

    atividade do Planto, alertando o fato de que uma conduta automtica pode levar a que o

  • 29

    mesmo se torne uma triagem. A comparao estabelecida pela autora aponta as diferenas

    mais tradicionais das concepes destes dois tipos de servios, um como atendimento e, o

    outro, como coleta de dados e inscrio.

    Em relao a processos de triagem que ocorrem com retornos, guardadas as

    diferenas, a triagem tambm tem uma linha fronteiria com os atendimentos em Psicoterapia

    Breve (PB), prtica estudada por autores, alguns j mencionados na apresentao - Bellak e

    Small (1980), Ferreira e Yoshida (2004), Fiorini (1978), Hegenberg (2004), Kahtuni (1996),

    Lowenkron (1993), Simon (1989, 2005); Wolberg (1979), Yoshida (2008). Uma PB lida com

    um tempo definido e delineamento de trabalho com comeo, meio e fim (um primeiro

    momento para a definio da queixa e dos focos ou metas a serem trabalhadas e um segundo

    momento para que as metas sejam trabalhadas). Ocorre uma assistncia pontual e com

    participao ativa do psiclogo. Deve ocorrer apenas quando h indicao para um

    atendimento breve, sendo que casos mais graves (com maiores prejuzos subjetivos), no geral,

    requerem acompanhamentos mais delongados (Simon, 2005; Kahtuni, 1996). Podem ocorrer

    com mais de um referencial clnico, sendo denominada Psicoterapia Breve Psicodinmica as

    filiadas psicanlise (Cordioli, 2008; Yoshida, Santeiro, Santeiro & Rocha, 2005).

    O debate sobre Triagem Interventiva, fez explicitar em um terreno clinicamente mais

    rido e costumeiramente depositrio da concepo de ser uma atividade meramente tcnica,

    algo que prprio de uma atividade clnica significativa. Quando restrita inscrio, est

    longe da fronteira conceitual com as propostas do Planto Psicolgico e de Psicoterapia breve.

    Quando tomada, entretanto, em sua acepo de escuta, ato interventivo ou de encontro que

    pode se concluir clinicamente (uma escuta e uma finalizao que podem construir alguma

    nova configurao subjetiva), passa a existir a aproximao entre as propostas. Tais prticas

    encontram-se no campo da assistncia em sade, visando atender uma pessoa que recorre a

    uma instituio com a inteno de lidar com alguma situao subjetiva (sofrimento, angstia,

    desenvolvimento, crise, etc.) que escapa ou escapou da sua possibilidade de lidar. Existem

    diferenas entre objetivos, finalidades, fundamentos e indicaes para cada uma destas

    prticas, o que no exclui interseces, dilogos e, em especial o estudo daquilo que tm em

    comum, por serem atos clnicos. S. Ancona-Lopez (2009) utiliza a expresso Interveno

    Breve para designar ao clnica que no se categoriza, necessariamente, no enquadre de um

    atendimento especfico:

    A expresso Intervenes Breves (IB) designa diferentes modalidades de atendimento breve,

    incluindo as psicoterapias. (...) utilizo esta expresso para discutir uma forma de atuar na

    clnica psicolgica que no se caracteriza como psicoterapia, embora apresente momentos

    teraputicos. Dispor-se a um atendimento em IB colocar-se como psiclogo clnico geral

  • 30

    permanecendo disponvel s diferentes demandas que se apresentarem, sem enquadr-las em

    procedimentos tradicionalmente consagrados e sem a obrigatoriedade de percorrer

    determinados passos para prosseguir no atendimento. A atuao caracteriza-se mais por ser

    uma disposio mais do que uma tcnica ou, melhor ainda, uma pr-disposio para a abertura

    e recepo do que se apresentar. Em termos prticos, quando o cliente vem procura de

    amparo psicolgico ele quer ser atendido em suas necessidades, pouco importando sob que

    nome este atendimento se realize15

    .

    1.4. A triagem e o fluxo da clientela: como lidar com problemas freqentes?

    Abandono de terapia, diferenas entre expectativas dos clientes e atendimentos

    oferecidos e excesso de demanda, associados ao desperdcio de recursos (gerando

    interessados excedentes) so problemas freqentes e preocupantes em clnicas-escola.

    Conforme mencionado por Gastaud e Nunes (2009), os estudos apontam para uma

    taxa relativamente alta de abandonos de tratamentos, entre 25 e 60% dos casos pesquisados.

    Os ndices de abandono nas clnicas brasileiras so altos, confirmados nos levantamentos

    locais. Cunha (2008) fez um levantamento documental sobre todas as crianas 'abandonantes'

    em uma clnica-escola entre o perodo de 1999 a 2006, considerando abandono quando houve

    pelo menos um atendimento seguido do seu cessamento (concepo inspirada na utilizada por

    Lhullier e Nunes, 2004) e alta quando houve acordo para cessar o atendimento. De 899

    clientes inscritos, 499 eram crianas, 212 receberam atendimento e destas 136, equivalente a

    64,2%, abandonaram o atendimento. Com base em anlise de 429 pronturios de clientes

    admitidos em psicoterapia em uma clnica-escola e que haviam comparecido a, pelo menos,

    uma sesso Lhullier (2002) constatou que metade das terapias realizadas na instituio havia

    se encerrado com abandono, correspondendo ao ndice encontrado na literatura sobre o tema.

    Enfatizou a dimenso institucional e social do fenmeno do abandono com a necessidade de

    planejamentos mais adequados dos atendimentos.

    Benetti e Cunha (2008) apontam que embora o termo refira-se, basicamente s

    situaes de interrupo do tratamento sem ter havido indicao para tal desfecho por parte do

    terapeuta (Lhullier & Nunes, 2004, citado por Benetti & Cunha, 2008), so encontradas

    inconsistncias em relao definio conceitual de abandono (critrios usados para

    classificar abandono ou outros desfechos de terapias) o que dificulta comparaes entre

    estudos. Em uma reviso de 144 trabalhos sobre o termo abandono psicoterpico realizada por

    Bueno e colaboradores 2001 na base de dados Medline considerando o perodo de 1992-1997,

    foram identificados diversos termos associados ao tpico abandono, diferentes mtodos para a

    15

    Anais do IX Congresso de Psicoterapia Existencial (extrado de http://www.psicoexistencial.com.br/web/detalhes.asp?cod_menu=120&cod_tbl_texto=2022)

  • 31

    avaliao da evoluo psicoterpica e poucos estudos sobre os fatores determinantes da

    aderncia (Bueno & cols., 2001, citado por Benetti & Cunha, 2008). Gastaud e Nunes (2009)

    utilizam as seguintes definies para os trminos de tratamento, apresentados em uma

    pesquisa sobre preditores do abandono na clientela infantil: No-aderncia: O atendimento

    interrompido na fase de avaliao da psicoterapia, ou seja, antes que os objetivos

    estabelecidos para o tratamento estejam claros para ambos os participantes ou em situaes

    em que no h indicao de tratamento. Entende-se que a avaliao tenha durao de 1 ms

    (p.16); Abandono: A psicoterapia encerrada antes que os objetivos estabelecidos no

    contrato tenham sido atingidos, independentemente dos motivos que levaram o paciente ou o

    terapeuta a interromp-la e independentemente do fato de a deciso ter sido uni ou bilateral. O

    atendimento deve ter tido durao mnima de 1 ms para o paciente ser considerado

    abandonante (p.16); Alta: A psicoterapia encerrada quando os objetivos estabelecidos no

    contrato foram atingidos (p.16). Em linhas gerais, podemos traar que a sada precoce de um

    cliente em clnicas-escola pode se dar em momentos distintos do seu percurso em um servio:

    aps o contato inicial com a mesma (entre o perodo da inscrio e triagem; o cliente se

    inscreve no servio, mas no comparece triagem16

    ); entre a triagem e o incio do

    atendimento em perodo de espera (ocorre sem ter havido o incio do atendimento, porm,

    tendo havido a triagem e o encaminhamento); no perodo de avaliao clnica, considerado na

    pesquisa de Gastaud e Nunes (2009) como tendo durao de um ms, podendo variar

    conforme o atendimento e, por fim, aps o incio do tratamento. Seguindo os critrios de

    Gastaud e Nunes (2009), a sada precoce nos trs primeiros momentos do percurso de um

    cliente em uma clnica, ainda seriam situaes de no-aderncia e, no quarto momento,

    abandono de tratamento. Outros critrios de classificao destes desfechos podem ser

    descritos para fins de pesquisa, importando a relevncia de se compreender seus motivos e

    mesmo de se levar em considerao tal ocorrncia nos momentos de planejamentos do uso

    dos recursos institucionais em sade.

    Pesquisas vm sendo realizadas na tentativa caracterizar o fenmeno, bem como

    projetos de atendimentos a clientes em fila de espera (Guerrelhas, 1999) vm sendo realizados

    a fim de se tentar lidar com tal problemtica. continuamente identificado como aspecto que

    necessita de maiores estudos (Arnow et al., 2007; Melo & Guimares, 2005; Bueno et al.,

    2001, citados por Benetti & Cunha, 2008). Segundo Gastaud e Nunes (2009), embora haja

    16

    A inscrio e a triagem podem ser feitas no mesmo momento ou separadamente, de acordo com o esquema de

    fluxo montado por cada Clnica. H clnicas que aceitam agendamento prvio para a triagem, outras que abrem

    vagas de triagem com inscrio exclusivamente presencial.

  • 32

    espao no meio cientfico para pesquisas sobre o tema, ainda existem lacunas na pesquisas

    sobre preditores, em especial em relao a populaes especificas, tal como entre a populao

    infantil. A maior preocupao dos estudos gira em torno da tentativa de compreender as

    razes dos abandonos (eliciadores ou preditores), j que pode oferecer referncias sobre

    fatores de eficcia dos tratamentos e contribuir na reflexo sobre qualidade dos servios de

    sade. No simples, entretanto, o desafio de se tentar delimitar seus motivos, em um leque

    vasto de fatores que pode abranger aspectos tais como a remisso da queixa, a remisso do

    interesse (com ocorrncia de outras solues encontradas ou escolha por recursos no

    psicoterpicos), tempo de espera, insatisfao com alguma etapa no servio, discrepncia

    entre expectativa e realidade do atendimento, insatisfao com o atendimento recebido,

    dificuldade financeira quando h pagamentos ou outras dificuldades de acesso, caractersticas

    do cliente e do quadro clnico, dentre outros. Embora menos mencionado, o fator satisfao

    tambm pode eliciar abandono, decorrente, neste caso, da remisso da queixa por ter havido

    auxlio, quando poucos encontros suprem a necessidade do cliente (nem todos os clientes

    comunicam a sada, mesmo quando se sentiram ajudados).

    Vargas (2004) realizou estudo que se props a investigar as caractersticas de

    pacientes abandonantes em uma Instituio de formao de psicoterapeutas (adotou a

    definio de abandono quando o paciente realiza pelo menos uma sesso de terapia e resolve,

    unilateralmente, interromper o tratamento, no comparecendo a nenhum outro horrio

    combinado com o terapeuta). Analisou os dados de pronturios (fichas de triagem) de 223

    pacientes que haviam abandonado o tratamento. Considerou os dados demogrficos (sexo e

    idade), hipteses diagnsticas, frequncia da ocorrncia de tratamentos combinados, queixas

    (motivos expressos que levaram procura do atendimento) e etapa do tratamento em o

    abandono ocorreu. A caracterizao destes aspetos na amostra apresentou que a maioria foi do

    sexo feminino, hiptese diagnstica mais freqente de transtorno de humor (a maioria com

    depresso), menos da metade com tratamentos combinados e as principais queixas ligadas a

    problemas interpessoais. A maioria abandonou sem justificar os motivos, tendo a incidncia

    concentrado-se em torno da terceira sesso. Gomide (2000) sustentou a hiptese de que esse

    fenmeno ocorreria como uma forma de resistncia s psicoterapias de carter conformista,

    como uma recusa do cliente em participar de atendimento de cunho adaptativo (abandono

    por insatisfao), tomando como referencial terico para a acepo de adaptao

    apresentada a Teoria Crtica da Sociedade. Realizou, com metodologia qualitativa, uma

    interpretao das narrativas de 09 desistentes de uma clnica escola, com entrevistas gravadas.

    Destacou as crticas feitas aos tratamentos oferecidos, identificadas como sinalizao da

  • 33

    resistncia. Analisou os relatrios de 05 psiclogos que atenderam os casos, dos objetivos da

    psicoterapia s caractersticas atribudas aos pacientes. Apontou que tais narrativas

    apresentaram posicionamentos ideolgicos sobre os indivduos atendidos, havendo descrio

    de prticas clnicas que a pesquisadora avaliou, sob a perspectiva crtica, carregar concepes

    reducionistas do homem. Esta pesquisa levantou uma problemtica qualitativa sobre as

    compreenses da psicologia clnica em relao aos problemas vivenciados pelas pessoas,

    discusso tal que atinge o cerne de muitas das reflexes da p