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Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em História Moderna e dos Descobrimentos, realizada sob a orientação científica do Professor Doutor Pedro Cardim.

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Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do

grau de Mestre em História Moderna e dos Descobrimentos, realizada sob a

orientação científica do Professor Doutor Pedro Cardim.

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Ao Pedro,

à Teresa

e ao Francisco.

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AGRADECIMENTOS

Para a concretização deste trabalho foi fundamental todo o apoio do Professor Doutor

Pedro Cardim, a quem agradeço por me ter apresentado, ainda durante a Licenciatura,

o fascinante mundo dos Reservados da Biblioteca Nacional, bem como por ter acolhido

o projeto e conduzido a pesquisa de forma a lograr os objetivos gizados.

Agradeço também a vários Professores o interesse manifestado pela minha pesquisa e

a amabilidade com que se disponibilizaram a partilhar os seus conhecimentos:

Professor Doutor Jean-Frédéric Schaub, que me indicou as fontes essenciais para

pesquisa;

Professora Doutora Blythe Alice Raviola, que prontamente cedeu os seus trabalhos

sobre a Duquesa de Mântua;

Professor Doutor Rafael Valladares, pela indicação de fundos documentais e sugestões

de pesquisa;

Professora Doutora Laura Oliván, que me enviou uma completa e atualizada

bibliografia sobre Mulheres e Poder na Idade Moderna;

Agradeço também aos Professores Doutores Fernando Bouza Álvarez e Gaetano

Sabatini a indicação de fundos documentais.

Ao Professor Doutor Bernardo Vasconcelos e Sousa agradeço a constante

disponibilidade e simpatia com que sempre me incentivou a dedicar-me ao estudo da

História.

Agradeço ainda às minhas amigas e colegas Cátia Mourão e Sandra Neves Silva, que

me entusiasmaram para a realização do Mestrado.

Este projeto só foi possível graças à minha Família, que tem proporcionado o tempo,

espaço e silêncio que necessito para me concentrar e escrever.

Agradeço em especial à minha Mãe, pela leitura do texto e ajuda na correção do

Português e à Marta, que formatou o documento.

E, claro, ao Pedro por, uma vez mais, ter acarinhado os meus planos, possibilitando e

facilitando a sua conciliação com o nosso projeto de vida.

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MARGARIDA DE SABOIA, DUQUESA DE MÂNTUA (1589-1655)

PERCURSO BIOGRÁFICO E POLÍTICO NA MONARQUIA HISPÂNICA

JOANA ISABEL PACHECO DA COSTA BASTOS BOUZA SERRANO

PALAVRAS-CHAVE: Margarida de Saboia, Duquesa de Mântua; Portugal na Monarquia

Hispânica; Vice-reinado; Poder feminino

RESUMO

Este trabalho aborda o vice-reinado de Margarida de Mântua em Portugal, integrando-

o num percurso biográfico e político vivido sob a influência da Monarquia dos

Habsburgo. Princesa de Saboia pelo nascimento e duquesa de Mântua pelo

casamento, sempre privilegiou e cultivou a identidade com a linhagem materna,

atuando como fiel aliada política do seu primo Filipe IV.

A princesa Margarida foi nomeada para o exercício de um vice-reinado de sangue no

cenário de crise da Monarquia Hispânica em Portugal que antecederia a Restauração

de 1640.

Deparou-se com um contexto de tensão militar com outras potências coloniais,

marcado pela transformação das instituições políticas e da fiscalidade e pela agitação

popular.

Na análise das questões fundamentais que marcaram o vice-reinado, a avaliação da

intervenção governativa da princesa Margarida é frequentemente limitada pelo

preconceito de género, inerente à mentalidade da época, que percorre as fontes

literárias e documentais.

Descrita pelos seus contemporâneos como altiva e orgulhosa, Margarida de Mântua

revelou-se determinada nas suas decisões e persistente nos seus objetivos.

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MARGHERITA OF SAVOY, DUCHESS OF MANTUA (1589-1655)

BIOGRAPHICAL AND POLITICAL COURSE IN THE CONTEXT OF HISPANIC MONARCHY

JOANA ISABEL PACHECO DA COSTA BASTOS BOUZA SERRANO

KEYWORDS: Margherita of Savoy, Duchess of Mantua; Hispanic Monarchy in Portugal;

Viceroyalty; Feminine power

ABSTRACT

This paper addresses the Viceroyalty of Margherita of Mantua in Portugal, aiming to

integrate it in her biographical and political course under the influence of the Habsburg

Monarchy.

Margherita was born princess of Savoy and became duchess of Mantua by her

marriage, but always privileged and cultivated the identity with the maternal lineage,

acting as a faithful ally of her cousin Philip IV of Spain.

She was nominated Vice-Queen of Portugal during the crisis of the Hispanic Monarchy.

The kingdom of Portugal was facing a context of military tension with other colonial

powers, marked by the transformation of political institutions, heavy taxation and

popular revolt, that led to the restoration of 1640.

In the analysis of the fundamental issues that marked Margherita’s viceroyalty, the

evaluation of her government intervention is often limited by gender prejudice,

inherent of the mentality of the Age, as seen in literary and documental sources.

Described by her contemporaries as arrogant and proud, the Princess proved to be

determined and persistent in her decisions and goals.

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 1

1. DE PRINCESA DE SABOIA A DUQUESA DE MÂNTUA: CONTEXTO FAMILIAR E

INTERVENÇÃO POLÍTICA E DIPLOMÁTICA EM ITÁLIA ....................................................... 7

2. A VICE-RAINHA DE PORTUGAL ............................................................................... 14

Portugal na Monarquia Hispânica .............................................................................. 14

A instituição vice-reinal em Portugal.......................................................................... 16

A nomeação de Margarida de Sabóia: um vice-reinado de sangue ........................... 18

A viagem até Lisboa .................................................................................................... 24

O regimento e a instrução secreta ............................................................................. 29

Corte, comitiva e casa da vice-rainha ......................................................................... 33

3. O GOVERNO DA PRINCESA MARGARIDA ................................................................ 42

Principais instituições e interlocutores ...................................................................... 42

A defesa do reino e do império .................................................................................. 45

A armada do Brasil .................................................................................................. 45

A defesa do litoral ................................................................................................... 49

A reforma fiscal e as revoltas populares .................................................................... 54

A intervenção do clero e a questão do colector apostólico ................................... 57

A reação do governo............................................................................................... 61

O conflito com o marquês de la Puebla ..................................................................... 64

O pedido de resignação da Princesa no contexto da reformulação do governo de

Portugal ...................................................................................................................... 75

O Governador Geral das Armas de Portugal .............................................................. 78

4. O RETORNO À CORTE DE MADRID ......................................................................... 86

O 1º de Dezembro de 1640 ........................................................................................ 86

A conspiração contra D. João IV ................................................................................. 96

O regresso a Castela ................................................................................................... 99

Os últimos anos ........................................................................................................ 105

CONCLUSÃO .................................................................................................................. 109

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FONTES MANUSCRITAS ................................................................................................ 116

FONTES IMPRESSAS ...................................................................................................... 117

BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................... 121

ANEXO 1 ............................................................................................................................. I

ANEXO 2 ............................................................................................................................ II

ANEXO 3 ........................................................................................................................... III

ANEXO 4 ........................................................................................................................... IV

ANEXO 5 ............................................................................................................................ V

ANEXO 6 ........................................................................................................................... VI

ANEXO 7 .......................................................................................................................... VII

ANEXO 8 ......................................................................................................................... VIII

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LISTA DE ABREVIATURAS

AGS - Archivo General de Simancas

ANTT - Arquivo Nacional da Torre do Tombo

AHU - Arquivo Histórico Ultramarino

BA - Biblioteca da Ajuda

BNM - Biblioteca Nacional de Espanha

BNL - Biblioteca Nacional de Lisboa

BPE - Biblioteca Pública de Évora

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INTRODUÇÃO

Na edição de 1678 da Historia General de España, a “Sereníssima Senhora Princesa

Margarida, Duquesa de Mântua, filha da Senhora Infanta Catarina de Áustria, que o foi

de Filipe II, e de Emanuel Filiberto, Duque de Saboya”, é descrita como “Princesa em

verdade grande,” “experimentada em várias línguas,” que sempre procurou a

“exaltação do seu sangue” e que “com poucos admitiu igualdade.” Esta breve nota

biográfica que acompanha a notícia da morte de Margarida de Sabóia não poderia

deixar de mencionar a nomeação para “o Governo de Portugal, y su India”, os quais

“governou com prudência, e afabilidade.”1

Pouco unânimes são, porém, tanto o debate em torno dos motivos e objetivos desta

nomeação, como os juízos relativamente ao modo como foi exercido o cargo de vice-

rainha de Portugal por parte da princesa italiana, que seria surpreendida em Lisboa

pelos acontecimentos do 1º de dezembro de 1640.

O impacto da secessão de Portugal, agravando a crise da Monarquia Hispânica, daria

origem a diferentes leituras e interpretações dos acontecimentos, posicionando os

seus intervenientes de acordo com o intuito de cada uma das versões.

Margarida de Sabóia, duquesa viúva de Mântua, prima de Filipe IV de Espanha, surge

tradicionalmente nos relatos como agente das políticas castelhanas que conduziram à

revolta de Portugal:

«Puseram por Vice Rey a duquesa de Mantua, estrangeira, e que não era parenta do rey no grao que se requeria para tal governo; puseram-lhe collateraes e conselheiros estrangeiros, que não se doessem de nós dependentes, para que sugeitassem seus votos.»2

É recorrente a ideia de que a sua ação governativa seria orquestrada, desde Madrid,

pelo ministro Olivares e coartada, em Lisboa, pelo seu conselheiro, o marquês de la

Puebla, e pelo secretário Miguel de Vasconcelos.

O historiador oitocentista Rebelo da Silva discorre do seguinte modo sobre a

nomeação da princesa:

«Margarida provára espirito firme e constante na adversidade, e prudencia na direcção dos negocios. Era bisneta da imperatriz D. Izabel, irmã de D. João III, e

1 Historia General de España…, p. 737.

2 Arte de furtar, espelho de enganos, theatro de verdades..., p.127.

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como dama e dependente da casa de Austria esperava-se que deixasse todas as portas abertas ao arbitrio de Olivares, e á prepotencia dos validos do valido.»3

A autoridade da princesa seria, desde o início, limitada pelo marquês de la Puebla, D.

Francisco Dávila y Guzmán, o “valido” que lhe fora imposto por Madrid:4

«quando a Princesa de Mântua foi nomeada Vice-Rainha de Portugal, o Marquês de la Puebla (...) assistia a todos os conselhos, e estava presente em todos os despachos. A Princesa não podia fazer nada sem o seu conhecimento.»5

As competências do conselheiro seriam excessivamente abrangentes:

«Tenia esta señora por ayo en Lisboa al Marques de la Puebla de Loriana, (...) y sin la voluntad de él no solo no tenia arbitrio para salir de su Palacio, pero ni aún para esparcir los ojos.»6

No entanto, la Puebla viria a ser eclipsado pelo secretário de Estado:

«Miguel de Vasconcelos (...) apoderou-se do ânimo da princeza regente, convertida em instrumento das violencias inspiradas por elle, e aprovadas pela côrte.»7

A vice-rainha,“sogeitando-se totalmente ao arbitrio do Secretario Miguel de

Vasconcellos, ordenava sem contradiçaõ, e mandava executar sem dependencia.”8

Noutra versão, mais sensacionalista, encontramos uma vulnerável duquesa de Mântua

completamente manipulada pelo secretário:

«Vasconcellos Premier Secretaire, Confident & Favory de Marguerite de Savoye (...) s’étoit arrogé la Souveraine dispensation de toutes choses, ne laissant à la Douchesse de Mantouë que le vain nom de Vice-Reine (...) ; & disposoit de tout sous le nom de la Vice-Reine à sa fantaise, traitant & terminant les plus importants affaires sans lui en faire part (...) ; possedoit seul avec une audace insuportable les bonnes graces de la Vice-Reine sa maîtresse.»9

Numa perspetiva oposta, Manuel de Faria e Sousa relata as divergências entre a

princesa e o secretário:

«avia discordias en la Corte de Lisboa, que la Vireyna se quexava mucho de la insolencia y de la fiereza de Vasconcelos, que no podia sufrir que todos los

3 SILVA, 1860, t. III, p.424.

4 LUXÁN, 1988, p. 407, refere que “D. Francisco Dávila y Guzmán sería el Olivares de Lisboa.”

5 Histoire du détrônement d’Alphonse VI Roi du Portugal, p.117.

6 Caida de su privanza, y muerte del Conde-Duque de Olivares..., p. 23.

7 SILVA, 1860, t.III, p.428.

8 SOUSA, 1748, liv. VII, p.24.

9 Anedoctes du Ministere du Comte Duc d’Olivares, pp.304-305.

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despachos de Madrid viniessen encaminados à el, y no à ella, que aquello era privarla de sua autoridad.» 10

Margarida de Sabóia é aqui descrita como “Princesa de muchos méritos, y capaz para

governar el Reyno” cujo “grande entendimiento, y (...) mucha capazidad para

governarle” seriam “la causa del menos precio que hazia de ella el primero Ministro del

Rey, intimo amigo de Vasconcelos.”11

A bibliografia sobre a duquesa de Mântua inclui uma biografia publicada por Romolo

Quazza em 1930, bastante completa e detalhada no que diz respeito a todo o percurso

de Margarida de Saboia em Itália, mas parca de informações relativamente ao resto da

sua vida na península Ibérica.12

Mais recentemente, Blythe Alice Raviola13 tem dedicado vários estudos à intervenção

da princesa no contexto político local e internacional, baseando-se sobretudo em

fontes italianas, e destaca que Margarida de Sabóia se considerou sempre uma

Infanta, pelo facto de ser filha de Catarina Micaela de Habsburgo e neta de Filipe II de

Espanha, colocando-se num plano superior a outras princesas italianas.14 A sua

lealdade aos interesses da dinastia Habsburgo viria a ser recompensada com a

nomeação para o cargo de vice-rainha de Portugal, o qual lhe permitiria, aos 45 anos,

exercer o poder que sempre havia ambicionado.15 A mesma historiadora recorda os

traços salientes do carácter desta princesa, em nada inclinado a deixar-se dobrar de

maneira passiva pelos acontecimentos, sugerindo que a “têmpera de mulher de

poder” de Margarida de Sabóia teria certamente deixado a sua marca na vida política

em Portugal.16

Vários aspetos da intervenção governativa da duquesa de Mântua têm sido

mencionados pelos historiadores que se debruçam sobre a Monarquia Hispânica em

Portugal.

10

SOUSA, 1730, p.375. 11

SOUSA, 1730, p. 375. 12

QUAZZA, 1930. 13

Agradeço à Professora Blythe Alice Raviola por me ter disponibilizado os seus trabalhos, aos quais, de outro modo, dificilmente teria tido acesso, e que forneceram informações extremamente úteis. 14

RAVIOLA, 2008, p.333. 15

RAVIOLA, 2013, pp. 47- 48 e 61. 16

RAVIOLA, 2012, pp. 135 e 161.

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António de Oliveira, para além das referências nas suas obras sobre o poder, oposição

política e movimentos sociais,17 dedica várias páginas da biografia de Filipe III àquela

que governava “em vez do rei de Portugal.”18

Jean-Frédéric Schaub estuda o governo de Portugal no tempo do conde-duque de

Olivares,19 que corresponde a um momento de crise do sistema, acentuada pelo

reforço do envolvimento na guerra dos 30 anos e pelas perdas sofridas pelo império

colonial português entre 1621 e 1640,20 propondo uma análise da situação portuguesa

na confluência de duas grandes problemáticas: por um lado, a autonomia do reino de

Portugal no contexto da Monarquia Hispânica; e por outro, a modernização das

estruturas políticas.21 Refere que a princesa Margarida, nomeada vice-rainha de

Portugal, fora afastada do norte de Itália, onde as suas ambições incomodavam a

diplomacia da Monarquia Católica,22 sendo incumbida de uma missão (que deveria

estar concluída em dois anos), cujo principal objetivo era a reconquista do Brasil e

respetivo financiamento, devendo para tal, conseguir convencer as cidades e vilas

portuguesas a aceitar o aumento dos impostos.23

Schaub analisa detalhadamente o conflito de jurisdições no cenário político da corte da

duquesa de Mântua e revela que o marquês de la Puebla se referia à princesa de forma

insultuosa, descrevendo-a como simples figurante,24 e acusando Miguel de

Vasconcelos e Diogo Soares de serem os “verdadeiros reis de Portugal.”25

Ramada Curto chama a atenção para a excessiva tónica colocada, por algumas

publicações pós-Restauração, no controlo dos negócios de Portugal por Diogo Soares e

Miguel de Vasconcelos, por excluírem da esfera de influência do processo de tomada

de decisões outros nomes relevantes, nomeadamente a princesa Margarida de

Mântua.26

17

OLIVEIRA, 1991; OLIVEIRA, 2002. 18

OLIVEIRA, 2005, pp. 286-295. 19

SCHAUB, 2001. 20

SCHAUB, 2001, p.3. 21

SCHAUB, 2001, p.3. 22

SCHAUB, 2001, p.177. 23

SCHAUB, 2001, p. 179. 24

SCHAUB, 2001, p.182. 25

AGS, Estado, 2656 cit. por SCHAUB, 2001, p. 183. 26

CURTO, 2011, pp. 497-498.

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Os trabalhos de Fernando Bouza Álvarez são fundamentais para integrar o vice-reinado

da duquesa de Mântua no contexto dos três revezes políticos de Olivares no governo

de Portugal: o fracasso do socorro militar do Império; a resistência à política

conducente a uma maior participação na defesa e geradora de uma fiscalidade mais

pesada, que afetava também os grupos privilegiados; e as alterações populares de

1637 e 1638.27 Com o objetivo de que Portugal sufragasse a sua própria defesa, o

conde-duque procurou organizar a fazenda do reino, e seria a oposição dos

portugueses à execução das medidas fiscais que levaria o valido a conceber um novo

governo para Portugal, com uma maior participação de castelhanos nas estruturas

administrativas e governativas, sendo que a reação final a esta política culminaria na

secessão do 1º de dezembro.28

Rafael Valladares refere, precisamente, que os anos de governo da duquesa de

Mântua representaram o capítulo mais conflituoso do Portugal dos Áustrias e que,

embora as revoltas de 1637/1638 tivessem alertado Madrid para a necessidade de

concluir o ciclo político da princesa Margarida, dando lugar a outro, mais autoritário,

esta permaneceria em Lisboa, debilitando-se a sua gestão a olhos vistos até ao golpe

de estado do 1º de dezembro de 1640.29

O presente trabalho aborda o vice-reinado de Margarida de Mântua em Portugal,

integrando-o num percurso biográfico e político vivido sob a influência da monarquia

dos Habsburgo.

Pretendeu-se contextualizar a nomeação da princesa Margarida para o exercício de um

vice-reinado de sangue no cenário de crise da Monarquia Hispânica em Portugal, e

analisar as questões fundamentais que marcaram o seu governo, procurando inferir

qual teria sido o seu espaço de intervenção em Lisboa, perante a ideia recorrente de

um poder coartado pelo marquês de la Puebla e por Miguel de Vasconcelos.

A documentação arquivística referente ao governo da duquesa de Mântua é variada e

abundante, devido à ampla jurisdição que lhe competia enquanto vice-rainha, mas

também à complexidade da organização da Monarquia Católica. Deste modo,

27

BOUZA, 2000, p. 229. 28

BOUZA, 1987, pp. 848 e 855. 29

VALLADARES, 2013. Agradeço ao Professor Rafael Valladares o envio deste texto.

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procurou-se privilegiar as fontes que permitissem, de algum modo, perscrutar

características de personalidade da princesa, descrita pelos seus contemporâneos

como altiva e orgulhosa.

Já no caso dos amplamente estudados relatos da Restauração e da queda do conde-

duque de Olivares, o enfoque foi colocado na perspetiva da princesa, destacando-a em

relação a outros protagonistas.

A opção por uma abordagem biográfica, preferencialmente cronológica, permite que

se abra uma janela sobre o século XVII, tendo em conta que “cada biografia que se

pode compor proporciona um conhecimento mais completo da época em que o

indivíduo viveu.”30

30

COSTA, 2005, p.11.

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1. DE PRINCESA DE SABOIA A DUQUESA DE MÂNTUA: CONTEXTO FAMILIAR E

INTERVENÇÃO POLÍTICA E DIPLOMÁTICA EM ITÁLIA

A 28 de abril de 1589 nascia Margarida de Saboia, a primeira descendente do sexo

feminino de Carlos Manuel, duque de Saboia, e da infanta Catarina Micaela de

Habsburgo, filha de Filipe II de Espanha.

Em 1585, Catarina Micaela despedira-se, em lágrimas, do pai, que a casara com um

duque, e não com um soberano reinante.31 A infanta passaria a ser duquesa, e não

rainha, como possivelmente teria almejado.

Situação semelhante ocorrera, décadas antes, em Portugal, onde a proposta de

casamento do duque Carlos III com a infanta D. Beatriz tinha sido inicialmente

recusada. Porém, a importante posição estratégica do ducado de Saboia, localizado

entre a França, a Suíça e a Itália,32 garantiam à família ducal um lugar de eleição no

jogo matrimonial europeu, embora se tratasse de uma dinastia menos poderosa.33

Apesar da morte precoce de Catarina Micaela, aos trinta anos, na sequência do décimo

parto,34 os seus filhos conservariam durante toda a vida as características da educação

espanhola, que conduziria, no caso de Margarida, a uma ilimitada admiração pelos

Habsburgo de Espanha.35

Margarida, que tinha apenas oito anos quando perdeu a mãe, foi educada num

ambiente austero, marcado pelas práticas religiosas, tendo estudado latim, francês e

espanhol, para além do italiano.36

O forte carácter da princesa e a sua precocidade intelectual levariam o duque de

Saboia a nomeá-la regente, quando acompanhou a Nice os primeiros três filhos que

partiam para Espanha, onde iriam ser educados. Nesta ocasião, o duque conferiu

31

BOUZA, 2005, p. 24. 32

COSTA, 2005, p. 252. 33

POUTRIN E SCHAUB, 2007, pp. 30-31. 34

BENASSAR, 2007, p.148. 35

RAVIOLA, 2012, p. 136. 36

QUAZZA, 1930, p.4.

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plenos poderes à jovem de catorze anos, reconhecendo que reunia o sangue, a

prudência e as qualidades necessárias à governação.37

Nos retratos da sua infância e adolescência38 a princesa é representada com coroas de

flores, aludindo ao seu provável destino régio.39 Tal como a maioria das princesas

europeias, Margarida estava destinada a deixar a família para viver numa corte

estrangeira, onde a sua presença poderia contribuir para consolidar as relações entre

duas famílias dinásticas e dois Estados.40

Tratando-se da mais velha entre as irmãs, Margarida seria, do ponto de vista das

estratégias matrimoniais, um partido interessante para selar um pacto ou aliança.41

No início do século XVII a península Itálica constituía um cenário secundário do conflito

entre Espanha e França,42 pelo que o destino de Margarida de Saboia poderia ter

passado por um destes reinos, ou até mesmo pelo trono imperial.43

Por outro lado, as ligações familiares poderiam ser úteis para resolver os numerosos

conflitos territoriais entre os estados italianos. Deste modo, Carlos Manuel ponderou o

casamento da filha com o herdeiro do ducado de Mântua, com o intuito de alargar os

territórios saboianos e lançar as bases de uma estreita teia de acordos e interesses

familiares e políticos entre os príncipes italianos.44

As negociações com Mântua foram condicionadas por um hipotético casamento de

Margarida na corte imperial,45 e pelos argumentos do embaixador de Espanha, que

temia que este consórcio pudesse fazer perigar a posição espanhola na região,

alegando que poderia apresentar-se um partido mais favorável para a neta mais velha

de Filipe II.

O casamento de Margarida de Saboia46 com Francisco Gonzaga, filho de Vicente I,

duque de Mântua e Monferrato, realizar-se-ia em Turim, em fevereiro de 1608, entre

37

QUAZZA, 1930, pp.10-11. Quazza refere o duque tinha uma certa predileção pela mais velha das suas

filhas, que era parecida com ele no carácter, inteligente, desejosa de comando e resoluta nas decisões

(p.3). 38

Anexos 1-4. 39

OLIVÁN, 2006, p.40. 40

POUTRIN E SCHAUB, 2007, p. 35. 41

QUAZZA, 1930, p.12. 42

ELLIOTT, 2009, p.81. 43

QUAZZA, 1930, pp. 14-15. 44

QUAZZA, 1930, p.17. 45

QUAZZA, 1930, p.47. 46

Anexo 5.

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festejos memoráveis, que celebraram igualmente a união de sua irmã Isabel com

Afonso d’Este, duque de Módena.47

A chegada da princesa a Mântua foi também amplamente celebrada, entre um

espetáculo preparado por Monteverdi,48 originais banquetes e até a simulação de uma

batalha naval no lago, opondo as armadas turca e cristã.49

No ano seguinte nasceria a a sua primeira filha, Maria e, em 1611, o príncipe Ludovico.

A princesa teve a sua primeira experiência de governo no ducado do Monferrato, onde

passou alguns meses nos anos de 1609-1610 e novamente em 1611, aproveitando a

oportunidade para manter contactos políticos com o ducado paterno e promover as

elites de Turim, bem como para patrocinar o culto religioso da sua devoção.50

O ano de 1612 ficaria marcado pela elevação, após a morte do sogro, ao estatuto de

duquesa de Mântua, pelo qual seria conhecida até ao final da sua vida, mas de que

usufruiria apenas por breves meses uma vez que o marido viria a falecer em

dezembro, após a morte do filho, em novembro.51

A falta de um herdeiro direto masculino de Francisco Gonzaga conduziu a uma crise

política, pois a princesa Maria, embora excluída pela lei sálica da sucessão de Mântua,

tinha direito ao ducado de Monferrato. O duque de Saboia aproveitou a oportunidade

para declarar guerra aos Gonzaga, na tentativa de anexar o Monferrato, e Margarida

viu-se obrigada a deixar a filha em Mântua, onde seria educada na corte do tio, o

duque Fernando Gonzaga, e regressar ao Piemonte.52

Desta forma se verifica que a rede de parentesco, estruturada e hierarquizada, que

organizava o poder na Europa, desde as grandes potências aos pequenos principados,

nem sempre permitia resolver os conflitos, dando mesmo origem -como seria o caso- a

guerras que tinham como motivo os direitos sucessórios das princesas.53

47

RAVIOLA, 2013, p.49. 48

QUAZZA, 1930, p.89. 49

QUAZZA, 1930, pp. 91-92. Anexo 7. 50

RAVIOLA, 2013, p.50. 51

QUAZZA, 1930, pp.129-130. Nesse mesmo ano a princesa deu à luz uma filha, que morreu com poucas horas de vida. 52

RAVIOLA, 2013, p.49. 53 PERCEVAL, 2007, p. 73.

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10

Se o casamento levara Margarida a deixar a casa paterna, a viuvez forçava-a a

regressar.54 Independentemente das suas origens sociais, a partir do momento do

nascimento, qualquer mulher era definida pela sua relação com um homem – o pai, e

depois o marido, eram legalmente responsáveis por ela, e esta devia-lhes honra e

obediência. Era, também, economicamente dependente do homem que controlava a

sua vida, primeiro o pai, e depois o marido.

A dependência de uma mulher era uma questão minuciosamente negociada através da

concessão do dote. As mulheres da aristocracia eram teoricamente senhoras do

rendimento garantido pelo dote que levavam consigo para o casamento,55 mas o caso

do dote de Margarida de Saboia seria bem mais complicado e arrastar-se-ia até ao final

da sua vida: sucedia que Espanha ainda devia ao duque de Saboia uma parte do dote

de Catarina Micaela, que deveria ter sido usada para pagar o dote de Margarida que,

desta forma, não pôde dispor dos seus bens depois de viúva.56

Depois de o pai ter dispensado as suas damas de Mântua, a princesa não voltou a ter

corte própria, passando a viver com as irmãs solteiras, Maria Apolónia e Francisca

Catarina57 as quais, como acontecia frequentemente com as mais novas de uma

numerosa fratria, permaneceram solteiras e optaram por professar.58

Durante as duas décadas em que permaneceu no Piemonte, a princesa procurou

exercer a sua influência de forma indireta, através de uma rede diplomática informal

que a mantinha informada dos acontecimentos políticos e das questões familiares.59

A troca epistolar e de presentes, habitual entre as princesas,60 permitiria a Margarida

manter o contacto com a filha.

Entretanto, a situação em Mântua viria a complicar-se com a morte, sem sucessores

diretos, de ambos os irmãos de Francisco Gonzaga. Vicente II, que sucedera ao duque

Fernando, optou por casar a princesa Maria com Carlos de Gonzaga-Nevers, sem que

54

Ch. Klapish-Zuber " La «Mére Cruelle». Maternité, Veuvage et dot dans la Florence des XIVe-

XVe

siècles", Annales, E. S. C., 38e Année, nº 5, Septembre-Octobre de 1983, p. 1097 cit. por LOURENÇO,

1999, p.41. 55

HUFTON, 1994, pp.23-25 e 66. 56

RAVIOLA, 2013, p.54. 57

QUAZZA, 1930, p.150. 58

POUTRIN E SCHAUB, 2007, p. 36. 59

PÉREZ CANTÓ e MÓ ROMERO, 2012, p.83. 60

POUTRIN E SCHAUB, 2007, p. 43.

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11

fosse dado o consentimento de Margarida, de Carlos Manuel e do Imperador, e sem

que os embaixadores de Saboia e Milão presentes na cidade fossem informados.61

Carlos de Gonzaga-Nevers era o pretendente mais direto à sucessão, mas outros

pretendentes reclamavam os seus direitos, se não à totalidade, pelo menos a parte dos

territórios. Os príncipes italianos não alcançaram um compromisso que permitisse

resolver pacificamente o problema da sucessão e procuraram apoio militar no

estrangeiro.62 O interesse das potências europeias pela guerra de sucessão de Mântua

explica-se pela posição estratégica do Monferrato, que fazia fronteira com Milão,

território governado por Espanha, e com o Piemonte.63 Deste modo, a França, a

Espanha e o Imperador acabariam por envolver-se no conflito,64 que conduziria a

quatro anos de guerra e miséria no norte de Itália.65

Com o fim da guerra e a assinatura do tratado de Cherasco, em abril de 1631,66

Margarida de Saboia foi autorizada a juntar-se à filha, que entretanto enviuvara, em

Mântua.67

Enquanto viveu com a filha e os dois netos, Margarida não se limitou a questões

domésticas e tentou influenciar a política de acordo os interesses de Espanha e do

Sacro-Império,68 ao ponto de o rei de França, temendo a sua interferência

desestabilizadora, lhe ordenar, em 1633, que abandonasse Mântua.69

Forçada a sair do ducado, a princesa declararia “que si fuera hombre huviera tratado

las cosas con la espada en la mano, y no de otra manera.”70

A situação de Margarida levantaria problemas de hospitalidade aos estados vizinhos,

que não se queriam comprometer demasiado, nem com a França nem com a

Espanha.71 Entretanto, o cardeal-infante D. Fernando, irmão de Filipe IV, que se

61

QUAZZA, 1930, p.174. 62

PARROT, 2000, pp.345-346. 63

ELLIOTT, 2009, p.379. 64

PARROT, 2000, pp.345-346. 65

ELLIOTT, 2009, p.455. 66

Colleccion de los Tratados de Paz, V, p. 457. 67

QUAZZA, 1930, p.184. 68

RAVIOLA, 2013, p.57. 69

RAVIOLA, 2012, p. 139. 70

AGS, Estado, 3647, Puntos del segundo papel,en los particulares de la Princesa Margarita. 71

RAVIOLA, 2012, p. 139.

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12

encontrava em Milão enviou-lhe a Cremona carruagens e duas companhias da sua

guarda, que a escoltaram até Pavia.72

Dali, o destino mais provável seria o Piemonte, mas Margarida desmaia,

dramaticamente, perante os enviados do cardeal-infante, que tentavam persuadi-la a

regressar à terra natal (agora governada pelo irmão, o duque Vítor Amadeu),

mostrando-se “con resolucion de no yr mas alla sino fuesse muerta, y que antes se yria

mendiga por el mundo con un bordon.”73

A princesa apresentava vários argumentos, como o facto de o irmão não lhe pagar o

dote (o qual vinha a reclamar desde que enviuvara) e a fricção com a cunhada, irmã do

rei de França, que intercedera junto do monarca em favor da sua ida para Mântua,

“con promessa, de que no se seguiria disgusto al Rey su hermano.”74

De Pavia, Margarida envia como emissário a Espanha o padre D. Mansueto Merotti,

que entrega a Filipe IV as suas cartas, nas quais descreve o sofrimento por ter sido

forçada a sair de Mântua, deixando a única filha e os netos, apresentando como falsos

e sem fundamento os pretextos alegados para a sua partida, que teria sido instigada

pela fidelidade para com a coroa espanhola:

«la causa por que padecia esta persecucion y havia pasado tanto trabajo que no era sino por tenerme los franceses por parcial servidora dessa corona, y procurado mostrar a mi hija que esto era lo que le conbenia.»75

Em janeiro 1634 reitera esta ideia:

«my inclinacion (...) ha sido siempre y sera de bivir y murir española y asy me llaman y por esto me persiguen.»76

A princesa Margarida pede a proteção do rei no sentido de não ser obrigada a

regressar novamente ao Piemonte:

«aunque procuran persuadirme hazerme resolver de ir a Piemonte no pienso hazer resolucion por la qual yo haga este agravio a la bondad y grandeza de V. M.»77

72

AGS, Estado, 3647, Puntos del segundo papel,en los particulares de la Princesa Margarita. 73

AGS, Estado, 3647, Puntos del segundo papel,en los particulares de la Princesa Margarita. 74

AGS, Estado, 3647, Puntos del tercer papel en los particulares de la Princesa Margarita. 75

AGS, Estado, 3647, Carta da Princesa Margarida, 14 de outubro de 1633. 76

AGS, Estado, 3647, Carta da Princesa Margarida, 21 de janeiro de 1634. 77

AGS, Estado, 3647, Carta da Princesa Margarida, 21 de janeiro de 1634.

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O Conselho de Estado em Madrid analisa os papéis nos quais a princesa “Suplica a V

Mag.d mande no salga de sus estados, y la reziua bevajo de su Real protection y

amparo.” Os conselheiros reconhecem a “impossibilidad que tiene de poder salir aun

que el Sr Infante ha continuado las diligencias para que lo haga.” 78

O Duque de Alba, não vendo “como pueda V Md. compeler a la Princesa Margarita, a

que salga del Estado de Milan, haziendo ella la resistenzia que dize,” e alegando

também “la sangre, y parentesco que tiene con V Md el havella hechado de Mantua a

ynstancia de Rey de frança”, considera que “pareze que que es bastante caussa para

no desamparalla V Md.,” colocando “en considerazion a V Md si seria, aproposito

traerla aqui a las descalzas.” 79

Perante a situação, o rei concorda com a necessidade de amparar a prima, concluindo

que “la Princesa sin hazer falta a los intereses de su hija podria asistir en otras partes

como fuese ocupada dignamente.”80

A ocupação digna para a prima de Filipe IV, fiel defensora dos interesses dinásticos dos

Habsburgo, viria a ser o governo do reino de Portugal, integrado na Monarquia

Católica pelo avô de ambos.

78

AGS, Estado, 3647, Conselho de Estado de 18 de março de 1634. 79

AGS, Estado, 3647, Conselho de Estado de 18 de março de 1634. 80

AGS, Estado, 3647, Conselho de Estado de 18 de março de 1634.

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2. A VICE-RAINHA DE PORTUGAL

Portugal na Monarquia Hispânica

O reino de Portugal fora integrado na Monarquia Católica por Filipe II, em plena crise

sucessória provocada pela morte, sem descendência, de D. Sebastião, e após o curto

reinado do cardeal D. Henrique.81

Os compromissos assumidos por Filipe II nas cortes de Tomar relativamente à

autonomia do reino de Portugal foram sendo progressivamente desrespeitados nos

reinados de Filipe III e Filipe IV, devido ao agravamento da situação económica da

Monarquia Católica.

Durante o reinado de Filipe IV82 destaca-se politicamente a figura do seu ministro

Gaspar de Guzmán, o conde-duque de Olivares,83 que exerce o papel de valido,

colocando-se como intermediário entre o rei e os seus conselheiros, juristas, magnatas

ou prelados. A sua autoridade torna-se central no dispositivo governamental, na

medida em que apenas o valido, com o rei, pode presidir às consultas dos conselhos da

monarquia. A amizade que o liga ao monarca situa-o no topo da casa do rei

distribuindo cargos e ofícios.84

A afirmação do ministeriato ou valimento afetou o funcionamento da Monarquia

Católica, 85 composta por vários reinos e províncias que se aferravam às suas leis e

formas de governo próprios, naturalmente ofendidos pela impossibilidade de aceder a

um rei que estava ausente. Os portugueses, aragoneses ou catalães não eram

estrangeiros, mas sim vassalos do monarca. No entanto, as pressões financeiras e os

problemas de defesa levaram Madrid a reconsiderar as relações entre as diversas

partes que constituíam a Monarquia.86

Uma questão premente no reinado de Filipe IV era relativa a quem deveria encarregar-

se da defesa militar de Portugal e do seu império, e quem deveria arcar com os

pesados custos dessa defesa. De acordo com os estatutos de Tomar, seria

81

BOUZA , 1987. 82

OLIVEIRA, 2005. 83

ELLIOTT, 2009. 84

SCHAUB, 2001, p.22. 85

SCHAUB, 2001, p.22. 86

ELLIOTT, 2009, pp. 228-229.

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responsabilidade do conjunto da Monarquia Hispânica, mas Olivares considera que

“cada reino deve acudir ao sustento de seu rei e à defesa própria dos seus términos.”87

Sendo assim, a política do valido passava por introduzir progressivamente o reino de

Portugal numa União de Armas, partindo do pressuposto que o esforço de guerra da

Monarquia Católica deveria ser suportado por todos os reinos e por todos os grupos

sociais, sem que se reconhecessem privilégios particulares.88

Porém, havia que convencer os portugueses a pagar a sua parte, o que não se

esperava fácil de um dos “reinos e províncias que tem privilégios e que são por

natureza inclinados a sublevações.”89

De acordo com Bouza Álvarez, o plano primitivo do conde-duque não se revestiria,

inicialmente, de um carácter político, uma vez que o seu objetivo era unicamente o de

estabelecer uma renda fixa anual em Portugal de meio milhão de cruzados para fazer

face aos gastos da defesa. No entanto, uma vez que as autoridades locais não lograram

a recolha desta renda, ou se negaram abertamente a cobrá-la, decidiu-se recorrer a

oficiais oriundos de outras regiões da Monarquia Hispânica.90

Embora não fosse movido por uma intenção “política”, Olivares estava ciente de que

os seus planos iam contra os privilégios do reino jurados em 1581 nas Cortes de

Tomar,91 uma vez que o seu objetivo pressupunha uma reforma jurisdicional, no

sentido em que sobrepunha a autoridade do rei e do seu círculo às jurisdições e

prerrogativas particulares de cada território.92

Para controlar a implementação da sua política, Olivares escolheu homens da sua

confiança: Diogo Soares, secretário do Conselho de Portugal em Madrid, agia em

articulação com o seu sogro e cunhado, Miguel de Vasconcelos, secretário do Conselho

de Estado em Lisboa, que aplicava em Portugal a política do conde-duque.93

Para além dos seus subordinados, era necessário pensar num sistema de governo mais

eficaz, e Olivares acreditava que os portugueses se conformariam melhor com a

situação se fossem governados por um membro da família real.

87

«Memorial da União de Armas» cit. por BOUZA, 1987, p. 853. 88

HESPANHA, 1999-2000. 89

Carta de 13 de dezembro de 1637, cit. por ELLIOTT, 2009, p.576. 90

BOUZA, 1987, p. 849. 91

BOUZA, 1987, p. 849. 92

SCHAUB, 2001, p.3. 93

SCHAUB, 2001, p.23.

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16

Quem governava Portugal como vice-rei em 1633-1634 era D. Luís de Castro, conde de

Basto, cujos intentos de recolher dinheiro e homens para a União de Armas, com o

principal intuito de recuperar o Brasil, provocaram focos de desordem, levando-o a

solicitar a exoneração.94

A instituição vice-reinal em Portugal

Para além da fé, o rei constituía o único elemento unificador na monarquia católica de

âmbito mundial,95 no contexto de um estado dinástico96 orientado na direção do

monarca, que concentrava nas suas mãos diferentes formas de poder e recursos

materiais e simbólicos (dinheiro, honras, títulos, indulgências, monopólios, etc).

Através de uma distribuição seletiva de favores, o rei podia manter relações de

dependência ou de reconhecimento pessoal e assim perpetuar-se no poder, ao mesmo

tempo que mantinha os seus reinos unidos.97

Numa analogia entre poder paterno e poder do príncipe, o modelo de distribuição de

funções dependia da arbitragem do monarca, que administrava os seus reinos como

um pater familiae, estabelecendo com os seus servidores relações baseadas na

fidelidade.98

Os vice-reis exerciam um papel fundamental na gestão das várias partes da Monarquia

Hispânica, na medida em que incorporavam ao seu cargo o nível superior de todas as

funções do soberano, no território que eram responsáveis por governar em seu

nome.99

Durante a segunda metade do século XVI, o estabelecimento da residência da corte em

Madrid e a decisão de governar a partir de uma sede fixa colocou um problema na

articulação interna da Monarquia Católica relativamente ao lugar institucional dos

vice-reis. Fomentando os vínculos pessoais com os melhores dos seus súbditos,

àqueles a quem outorgava responsabilidades e postos de confiança (como eram os

vice-reinados), o rei havia estruturado a subordinação dos seus alter ego como uma

94

ELLIOTT, 2009, p.577. 95

ELLIOTT, 2009, p. 215. 96

Referência à denominação de R. J. BONNEY para as monarquias europeias nos séculos XV a XVIII em The European dynastic states, Oxford, 1991, cit. por MARTÍNEZ MILLÁN, 2009, p. 22. 97

MARTÍNEZ MILLÁN, 2009, p. 22. 98

MARTÍNEZ MILLÁN, 2009, p. 24. 99

RIVERO, 2008, p. 47, cit. por COSENTINO, 2011, p.2.

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relação puramente pessoal. Estes cessariam as suas funções no caso de não

corresponderem às expectativas neles colocados, sendo que a única limitação à sua

autoridade era a consciência de que o rei faria um balanço da sua gestão, gratificando-

os se estivesse satisfeito; caso contrário, pediria que renunciassem.100 Esta situação

seria alterada com o estabelecimento do modelo dos Conselhos na Monarquia

Católica. Do ponto de vista administrativo, as competências dos conselhos limitaram

extraordinariamente o poder dos vice-reis, passando os secretários a constituir os

intermediários privilegiados entre o soberano e os vice-reis.101

A sucessão de Portugal permitira à monarquia dos Habsburgo governar o mundo, ao

incorporar uma metrópole imperial, com extensão, grau de evolução interna e

diversificação administrativa comparáveis à própria coroa de Castela.102

Porém, logo de início, um dos maiores problemas colocados à Monarquia Católica em

Portugal foi a questão da ausência do soberano, pela difícil conjunção entre um estado

nacional, acostumado a ter o seu próprio rei, e uma estrutura monárquica plural, que

privava a maioria dos territórios componentes da presença, sempre reclamada, do

monarca.103 Portugal, obrigado a ser um reino de monarca ausente durante o governo

dos Habsburgo,104 ficara na saudade do seu rei105 desde a partida de Filipe II, em 1583.

A Monarquia dos Habsburgo abrangia um conjunto de domínios que reconheciam um

príncipe que não residia neles, mas que tinha idealizado uma série de expedientes que

permitiam resolver tal ausência.106 Assim, enquanto retratos e estátuas disseminavam

a imagem do rei e suscitavam o amor e respeito dos súbditos,107 foram criados

expedientes institucionais para a ausência continuada dos reis: o Conselho de Portugal

era a memória do Reino junto do Rei; e os vice-reis ou Governadores eram os alter nos,

mais ou menos semelhantes, do monarca no reino.108

100

MARTÍNEZ MILLÁN, 2008, pp. 46-48. 101

MARTÍNEZ MILLÁN, 2009, p. 38. 102

BOUZA, 2000, p. 113. 103

BOUZA, 1987, p.845. 104

BOUZA, 2000, p. 114. 105

BOUZA, 2000, p.91. 106

BOUZA, 2000, pp. 114-115. 107

BOUZA, 2000, p.115. 108

BOUZA, 2000, p.23.

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18

Deste modo, o objetivo da vice-realeza e do Conselho de Portugal seria matizar a

distância que separava o rei dos seus súbditos, numa época em que a presença do

monarca junto dos seus vassalos tinha grande importância.109

No entanto, já Filipe II, aquando da nomeação do seu sobrinho, o cardeal arquiduque

Alberto, ficara bem ciente que para os Portugueses a ausência de um rei e de uma

Corte constituía um vazio que nenhum vice-rei conseguia colmatar plenamente.110

De facto, as medidas tomadas para atenuar a ausência real tiveram um efeito

apaziguador bastante limitado em Portugal, que fora cabeça de um grande império

transcontinental e dificilmente se conformaria com a posição periférica a que fora

sendo remetido.111

A nomeação de Margarida de Sabóia: um vice-reinado de sangue

Os vice-reinados entregues a parentes próximos do rei são denominados governos de

sangue.112 Bouza Álvarez descreve “o vice-reinado ou governo de sangue como um

mecanismo ao qual a Monarquia Hispânica dos Habsburgo recorreu quando se

confrontou com problemas especialmente delicados, em territórios de domínio pouco

seguro, como Portugal e a Flandres, os quais contavam com uma organização própria

muito desenvolvida e com uma consciência viva da sua própria diferença,”113

destacando que nenhum vice-rei que não fosse príncipe seria bom para o reino de

Portugal.114

Por ocasião da visita de Filipe III a Portugal, em 1619, os três estados reunidos nas

Cortes solicitaram ao rei que instalasse a corte em Lisboa e residisse

permanentemente no reino, uma vez que

«de nenhuma parte tão bem como desta cidade pode vossa Magestade com beneficio mais prompto, mais geral e mais efficas acodir a todo o governo de sua monarchia e a deffensão della e offensaõ de seus inimigos, ao aumento do comercio do mar em grande beneficio de sua real fazenda.» 115

109

SCHAUB, 2001, p.18. 110

VEIGA, 2004, p. 283. 111

CARDIM, 2008, p. 946. 112

BOUZA, 2000, p.120. 113

BOUZA, 2000, p.123. 114

BOUZA, 1987, p.836. 115

«Capitolos que os tres estados propuseram a elRey dom Phelipe o 2º deste nome declarando no fim de todos que em quanto se lhes eles não consedião não houvesee sua majestade as cortes por findas», BNL Sec. Pombalina, Cap. I, fol. 422, cit. por BOUZA, 1987, p.835.

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Caso não fosse possível, pediam a mercê de “deixar o Principe nosso senhor para os

governar.”116

No «Memorial» de 1624, o conde-duque atribuía o desalento dos portugueses à “falta

de assistência real;”117 e em 1628, Duarte Gomez Solís pedia acima de tudo que não

deixasse de haver família real em Portugal, sobretudo um Infante, quando não

estivesse o Rei.118

Em 1624 o rei convocou uma junta para debater a hipótese de enviar o arquiduque

Carlos de Áustria, seu tio, como vice-rei de Portugal; embora a maioria dos

participantes na junta se tivesse mostrado favorável, o rei foi alertado para a

possibilidade de o estabelecimento de vice-reinados de sangue poder despoletar

antigas pretensões nos domínios periféricos da monarquia, nomeadamente em

Aragão.119

Apesar das hesitações, depois de quase quatro décadas de governo de Portugal, optar-

se-ia por regressar aos vice-reinados de sangue,120 com a nomeação do irmão de Filipe

IV, D. Carlos, para o cargo de vice-rei de Portugal. A morte do infante no ano seguinte

obrigaria a adiar esta solução. O outro irmão de Filipe IV, o cardeal infante D. Fernando

viria a governar os territórios da Catalunha, Lombardia e Países Baixos.121

Os vice-reinados de sangue eram os que mais se assemelhavam às regências, sendo

que na dinastia Habsburgo se encontram antecedentes nas regências que Carlos V

começou a entregar a membros da sua família, que exerciam o governo em seu nome

nos domínios onde o rei não podia residir.122 Encontram-se entre estes vários

exemplos de mulheres: em Castela, a imperatriz D. Isabel e a infanta D. Joana; nos

Países Baixos, Margarida de Áustria, Maria da Hungria, e a infanta Isabel Clara Eugénia,

116

«Capitolos que os tres estados propuseram a elRey dom Phelipe o 2º deste nome declarando no fim de todos que em quanto se lhes eles não consedião não houvesee sua majestade as cortes por findas», B.N.L. Sec. Pombalina, Cap. I, fol. 422, cit. por BOUZA, 1987, p.835. 117

BOUZA, 1987, p. 840. 118

Alegación en fauor de la Compañia de la India Oriental y comercios vltramarinos que de nueuo se

instituyó en el reyno de Portugal por Duarte Gomez Solis, s.l., s.n., 1628, cit. por CANOVAS DEL CASTILLO, 1888, p.39. 119

BOUZA, 1987, p.841. 120

BOUZA, 1987, p.857. 121

BOUZA, 1987, p.842. 122

BOUZA, 2000, p.120.

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tia da princesa Margarida, casada com o arquiduque Alberto, que fora primeiro vice-rei

do Portugal Habsburgo.123

D. Francisco Manuel de Melo, partidário declarado do rei D. João IV,124 procura, na sua

Epanáfora Política, explicar a “inesperada eleição, que se fez em Margarida, para o

gouerno de Portugal,”125 começando por recordar a ascendência portuguesa da

princesa:

«ElRey D. Felipe segundo de Castella, teue entre outros filhos a Infanta D. Catherina, que casou com Carlos Emanuel Duque de Saboya. De quem tambem entre os mais Principes, nasceo Margarida, mulher de Vicencio Gonzaga, terceiro Duque de Mantua, & Monferrato.»126

Descreve em seguida os conflitos que haviam conduzido às “memoraueis guerras, que

em nossos dias oprimiraõ Italia, assi em Mantua, como no Monferrato,” explicando

que “foraõ varios os sucessos, até que vltimamente, conuertida a fortuna contra a

viuua Duqueza Margarita tutora, conselheira da filha, & netos (que já tinha) as cousas

se dispuseraõ de tal sorte, que esta fatal Princeza houue de sahir em espaço de duas

horas, desterrada dos termos de Mantua, & Monferrato por ordem de seus opressores,

recebendo leys, donde quasi toda a vida as hauia dado.”127

Forçada a exilar-se, a Princesa “passou cercada de perigos, a Cremona; de alli a Milaõ,

& de Milaõ a Pauia”128 de onde estabeleceu correspondência regular com o rei de

Espanha.

Coincidiu então que, como relata Francisco Manuel de Melo:

«a hum mesmo tempo se recebião na Corte Castelhana as cartas de Margarida, vindas de Italia, & as queixas dos Ministros confidentes, fundadas na impossibilidade do Reyno; (...) donde os mais interessados julgavão, que se Portugal se gouernasse por pessoas de todo independente do Reyno, à vontade delRey, & Valido, seria facilmente introduzida.»129

123

BOUZA, 2000, pp.120-121. 124

Dicionário de Literatura, II, p.619. 125

MELO, 1660, p. 19. 126

MELO, 1660, pp.15-16. D. Francisco Manuel de Melo nomeia de forma incorreta o cônjuge da princesa. 127

MELO, 1660, p. 16. 128

MELO, 1660, p. 16. 129

MELO, 1660, p. 17.

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Por essa altura, D. Francisco Manuel de Melo refere que se discutia em Madrid “quaes

serião em Castella os sugeitos mais a proposito de se lhe encarregar nosso gouerno,”

apontando-se como forte candidato “D. Frãcisco de Borja, Principe de Esquilache,

Conde de Mayalde: fora jà Visorrey de todas as Indias Occidentaes, por espaço de doze

anos, que gouernàra mais apraziuel, que prudente. Achauase desocupado na Corte, &

concorrião em sua pessoas algumas calidades, que parece o farião tolerauel a

Portugal; sendo o Principe, filho, & neto de Portuguezes, herdado no Reyno, & Fidalgo

nelle.”130

Mas, como menciona a Epanáfora Política, não convinha a todas as fações que o

príncipe de Esquilache, para “alèm de ser homem sábio, & grãde” fosse “irmão do

Duque de Villa-fermosa, Presidente do Conselho de Portugal, cõ quem naõ podia deixar

de estreitarse de sorte, que a todos os outros Ministros lhes ficasse pequena, & humilde

parte das materias, que dispor.”131

Sendo assim, continua D. Francisco Manuel de Melo:

«achauase por esta causa, enfraquecido o discurso que aprouaua a eleição do Principe de Esquilache, quãdo foraõ recebidas as mais vrgentes cartas de Pauia, pellas quaes Margarida pedia o trânsito a Espanha.»132

De acordo com o mesmo texto, seria o próprio “Duque de Villa- fermosa (...) a troco de

não ver preferir para o gouerno de Portugal, outra pessoa” que “fizera inculca, ou

lembrança da Princeza Margarida.” O duque apresentou vários argumentos para a

pertinência da escolha da Princesa, “apontando com grande destreza, que el Rey assi,

sem algum dispendio da Coroa castelhana, ficaua recebendo, e sustentãdo a Prima,

para que lhe fizesse serviço”; por outro lado “acomodaua em Portugal huma tal

Princeza, donde nunca as resoluçoens reaes achassem contradição, nem fauor os

interesses particulares do Reyno, & nacionaes; e poderia ir ao encontro “da esquecida

pretenção de nossos privilegios (os quaes fóra de pessoa natural, senão estendem mais

que a filho, irmão, tio, ou sobrinho dos Reys) bem se contentarião os Portuguezes, de

que os mandasse huma neta delRey D. Felipe, que tiuerão por Senhor, bisneta de huma

tal Infanta de Portugal, como hauia sido a Emperatris Dona Isabel, mãy de Felipe.”133

130

MELO, 1660, p. 17. 131

MELO, 1660, p. 17. 132

MELO, 1660, p. 17. 133

MELO, 1660, p. 18.

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Conclui D. Francisco Manuel de Melo que, para além da oportunidade que Filipe IV

teria de agraciar e afastar do conturbado contexto italiano a sua prima, princesa de

sangue real, que poderia governar Portugal de forma neutra e em nome do rei, a

duquesa viúva de Mântua teria aptidão para exercer o cargo, pois ”tinha mostrado (...)

hauer nella hum espiritu constante, para as expedições militares, & hum juizo

prudente, para os negocios ciuis.”134

Manuel Severim de Faria,135 no manuscrito da «História Portugueza»,136 justifica a

nomeação da princesa pelo facto de “nas Cortes últimas” ter pedido “este reino com

instância se lhe desse governador da Casa Real, querendo satisfazer em parte a esta

petição, nomeou por governador e capitão general a Senhora Infante de Sabóia dona

Margarida sua prima, filha dos duques de Sabóia e duquesa que foi de Mântua.”

Blythe Alice Raviola considera que a nomeação para vice-rainha de Portugal não foi

casual, nem ditada por especulações internas da corte de Madrid, que também tinha

necessidade de um peão mais ou menos neutro para colocar num ponto crítico do seu

xadrez europeu, mas sim que terá sido a princesa a conduzir Filipe IV em direção à sua

promoção e a propor-se como válido sustentáculo da coroa.137

O vice-reinado de Margarida poderia ser uma estratégia para combater a resistência

portuguesa à política fiscal de Olivares e para acabar com a incerteza do domínio da

Monarquia Hispânica.138

A expetativa era de que uma pessoa de sangue real, com ascendência portuguesa nas

veias, poderia dar a imagem de respeito às leis do Reino e permitiria sair do impasse à

política que se procurava aplicar desde 1628.139

Com o envio da princesa Margarida a Lisboa, o rei recorria à solução dos vice-reinados

de sangue que o seu avô tinha utilizado na década crucial de 1583 a 1593,140 na

esperança de que os portugueses vissem satisfeita a sua saudade com uma figura tão

134

MELO, 1660, p. 19. 135

Notável erudito seiscentista, cónego e chantre na Sé de Évora http://www.fcsh.unl.pt/cham/eve/content.php?idConceito=1045&type=concept. 136

BNP, Cod. 241, fls. 295v-296, cit. por RAVIOLA, 2012, p. 140. 137

RAVIOLA, 2012, p. 140. 138

BOUZA, 2000, p.125. 139

LUXÁN, 1988, p.405. 140

BOUZA, 2000, p.125.

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semelhante ao rei como podia ser uma neta de Filipe II.141 De facto, os vice-reis

considerados inferiores nunca tinham sido aceites e só a semelhança do rei, encarnada

na pessoa de uma princesa do seu sangue, parecia capaz de poder consolar os súbditos

de um monarca ausente.142

O argumento da proximidade de sangue é invocado na carta régia de 12 de novembro

de 1634, dirigida à Câmara de Lisboa:143

«Havendo dezejado que pessoa de meu sangue va a governar Portugal, por ser a de mayor satisfação para esse Reyno, hey nomeado para que seja viso rey e capitão general nelle a a prinçesa Margarita, minha prima, por concorrerem em sua pessoa todas as partes, que se requerem, para esperar muito acerto em seu governo.»

A nomeação da princesa com base na proximidade de parentesco com o rei seria

bastante debatida depois do 1º Dezembro de 1640. Este período revelar-se-ia fecundo

do ponto de vista da produção literária de teor político, uma vez que era necessário

justificar a insurreição, com o objetivo de convencer os hesitantes, conseguir o apoio

das grandes potências e incentivar o país para os sacrifícios inerentes à guerra.144

João Salgado de Araújo, que defendeu a causa portuguesa145 na sua obra Marte

portugues contra emullaciones castellanas, recorda que, entre as “propuestas inuiadas

al Serenissimo Rey Don Phelippe prudente, quando tratô de señorear a Portugal”146 era

referido “que vuestra magestad haga Gouernador del Reyno vn pariente suyo, para

que los mal afectos se concilien, y los que con afficion se os sugetaren se animen con la

presencia, y authoridad de persona Real,”147 sendo que “no auria Virey, que no fuesse

Portugues excepto persona Real ermano, tio, o sobrino delRey.” Considera que esta

condição não fora cumprida aquando da nomeação da “Duquesa Margarita que salía

de priuilegio por el sexo, y exceder el grado de la sangre Real reseruada en el

capítulo”,148 ou seja, “no era parienta del Rey dentro del grado, que pedian los

priuilegios.”149

141

BOUZA, 2000, p.125. 142

BOUZA, 2000, pp. 125-126. 143

Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, pp. 88-91. 144

TORGAL, 1978, I, p. 139. 145

TORGAL, 1978, II, pp.819-820 146

ARAÚJO, 1642, p.159. 147

ARAÚJO, 1642, p.161. 148

ARAÚJO, 1642, p.182. 149

ARAÚJO, 1642, p.223.

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O Ecco polytico. Responde en Portugal a la voz de Castilla, outro texto que pretendia

combater a polémica movida por parte de Espanha contra Portugal,150 refere:

«estavan destinados al govierno Portugues Filiberto de Saboya, Leopoldo de Austria, ultimamente el Infante Don Carlos; todo les era màs agradable a los ministros del Rey Catholico que dexar a los Portugueses governarse por si mesmo, y el año que llegò a España Margarita de Saboya dicen estuvo nombrado por Virrey Don Francisco de Borja, principe de Esquilache con el mesmo pretexto que los passados. Pues en ninguno de los referidos (menos en Alberto) se cumplió el juramento del Rey Catholico.»151

Ou seja, argumentava-se que a vice-realeza de sangue na pessoa da princesa

Margarida não cumpria com o definido nos estatutos de Tomar.

Os versos satíricos a propósito da nomeação da princesa deixam transparecer que esta

solução ficava aquém das aspirações dos portugueses:

«Portugal Italiana Rainha sem o ser tens, já não vales dous vinténs.»152

A viagem até Lisboa

“La duquesa de Mántua está en España: dicen la enviarán a gobernar á Portugal”.153 A

chegada da prima de Filipe IV é assim noticiada numa carta do padre Francisco de

Vilches, escrita em Madrid a 26 de setembro de 1634.

Para além das missivas dos sacerdotes jesuítas reunidas no Memorial Histórico

español,154 outras fontes permitem seguir o percurso da princesa Margarida na

Península Ibérica.

A carta escrita por D. Fernando de Borja relatando a passagem da princesa por

Saragoça, entre 18 e 21 de Outubro de 1634, refere que “la visitaron todos los

tribunales y consistorios en la conformidad que V Mg.d mando siguiendo el exemplar de

lo que se hiço con sus hermanos” e destaca elogiosamente que “en el amor que

muestra al serviçio de V Mg.d se conoçe ser hija de su Madre.”155

150

TORGAL, 1978, I, p. 139. 151

Ecco polytico..., p.9. 152

BNL, PBA 475 f.361, cit. por CURTO, 2011, p. 282, n. 18. 153

Memorial Historico Español, t. XIII, p.100. 154

Memorial histórico español: colección de documentos, opúsculos y antigüedades que publica la Real

Academia de la Historia, Madrid, Real Academia de la Historia, 1863. 155

AGS, Estado, 2653, Conselho de Estado de 14 de novembro de 1634.

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A princesa foi recebida em Madrid com todo o aparato: “salió al campo á recebirla el

Conde-Duque com muchos señores &c. a caballo.”156 Olivares “esteve sempre junto à

liteira, conversando com a Sereníssima Infanta com o chapéu na mão, e como a

Sereníssima Infanta lhe pedia repetidamente que se cobrisse, assim Sua Excelência

encontrava sempre ocasião para estar descoberto, e de tal forma a acompanhou até

ao Retiro, onde o rei a esperava”.157

O rei “en una de las hermidas que salen al camino de Alcala espero a la Señora

Princesa, que en llegando se le hecho a los pies. Su Mag.d la lebanto y dio el bien venido

llamandola Alteça al principio, y despues de Bos.”158

Seguiram ambos no coche real e, das primeiras conversas que teve com a prima, o rei

terá concluído “que era matrona dotada de grande juízo e entendimento.”159

No palácio foi recebida com grandes cortesias pela rainha Isabel de Bourbon, que não

fora ao seu encontro por se encontrar em avançado estado de gestação. “Despues la

condesa de Olivares la llevó al cuarto que llaman el Tesoro, donde tenian aderezado

aposento.”160

A princesa Margarida ficaria assim instalada nos mesmos aposentos onde tinham

residido os seus irmãos, mobilados com uma cama decorada de damasco e veludo

negro que havia sido do rei seu avô:

«A Infanta (...) foi tratada como a própria pessoa da rainha, a qual, tendo percebido que o robe de quarto da infanta não tinha chegado, enviou-lhe um, recamado a âmbar, entre outras gentilezas»161.

Em seguida, como sintetiza o sacerdote jesuíta, “haránla fiestas y despacharánla á

Portugal.”162

Nos dias em que esteve em Madrid a princesa foi cumprimentar os conselhos e visitou

igrejas e conventos, acompanhada de guarda espanhola e tudesca, e com as damas e

meninas do seu séquito vestidas à espanhola.163

156

Memorial Historico Español, t. XIII, p.107, carta do padre Francisco de Vilches, Madrid, 7 de novembro de 1634. 157

ASTo, Corte, Casa Reale, Cerimoniale, Spagna, m. 1, fasc. 3, cit. por RAVIOLA, 2012, pp. 146-147. 158

BNE, Mss. 2365, Sucesos del Año 1634, f. 139. 159

Matias de Novoa, Historia de Felipe IV, Rey de España, cit. por OLIVEIRA, 2005, p.287. 160

Memorial Historico Español, t. XIII, p.107, carta do padre Francisco de Vilches, Madrid, 7 de novembro de 1634. 161

ASTo, Corte, Casa Reale, Cerimoniale, Spagna, m. 1, fasc. 3, cit. por RAVIOLA, 2012, p. 146. 162

Memorial Historico Español, t. XIII, p.107, carta do padre Francisco de Vilches, Madrid, 7 de novembro de 1634.

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As visitas que o núncio e os embaixadores do Império, de França e de Veneza, para

além de alguns dignitários espanhóis, como o cardeal Zapata, lhe fizeram no dia

seguinte, reforçavam a sua posição de primeiro plano.164

Na visita que recebeu do embaixador francês, a princesa deixou bem patente a sua

animosidade:

«El embajador de Francia fué á besar la mano á la duquesa de Mántua, y ella se

espantó mucho, y le dijo que cómo tenia cara para parecer delante del Rey, su

señor, sabiendo las cavilaciones y mal término que el rey de Francia hacía: esto

contó quien lo oyó.»165

Prepararam-se festejos “en alegria dela venida de la Princesa Margarita, y de los años

del Principe,”166 entre os quais se destacou uma magnífica receção no Palácio do Bom

Retiro, manifestando “quanta satisfação a Espanha sentia em receber uma tão boa e

grande princesa, descendente da falecida e prudentíssima Infanta Catarina, filha do

augustíssimo Filipe II.”167

“A la duquesa de Mántua, gobernadora de Portugal, hacen los Reyes exquisitos

agasajos,”168 enquanto o Conselho de Estado, procurando agilizar a sua saída até ao

reino vizinho, tentava resolver os problemas financeiros da sua viagem.169 Foram

destinados “4.000 escudos de ouro para D. Margarida e 2000 para as suas damas.

Plata y demaás enseres. Así como tapíceria, silleria, doseles y camas que se tomarían

de Portugal.”170

São enviadas ao Conde de Basto instruções com os preparativos que deveria realizar

no palácio para que a governadora fosse acomodada em Lisboa, bem como as

prevenções para o caminho na ida da princesa:

«a Princesa margarida minha muito prezada e amada senhora prima ha de estar em Elvas ate 14 de dezembro que vem, & assi ordenareis (...) as Camaras e Justiças das cidades, villas, e lugares por onde ha de passar, que a venhão a

163

OLIVEIRA, 2005, p.287. 164

RAVIOLA, 2012, p. 146. 165

Memorial Historico Español, t. XIII, pp. 108-109, carta do padre Francisco de Vilches, Madrid, 7 de novembro de 1634. 166

BNE, Mss. 2365, Sucesos del Año 1634, f. 139v. 167

ASTo, Corte, Casa Reale, Cerimoniale, Spagna, m. 1, fasc. 3, cit. por RAVIOLA, 2012, p. 146. 168

Memorial Historico Español, t. XIII, p.111, carta do padre Francisco de Vilches, Madrid, 7 de novembro de 1634. 169

LUXÁN, 1988, p.405. 170

AGS, Estado, Portugal leg 4045, d. 15 cit. por LUXÁN, 1988, p.433, n.185.

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esperar no principio do lugar a cavallo, e que antes de chegarem à liteira em que vay se apeem e despois de haver feito sua cortezia se tornem a pôr a cavalo, e a vão acompanhando até a casa em que ouver de se aposentar e despois ate o sahir do lugar.»171

A estada em Madrid não seria prolongada: “La de Mantua partió le jueves último de

Noviembre; iba por el Escorial; despidióse del Rey com grandes muestras alternas de

amor e cariño.”172

Em Portugal, onde chegou no dia 14 de dezembro de 1634, o olissipógrafo oitocentista

Eduardo Freire de Oliveira refere que:

«a princeza foi acolhida sem enthusiasmo, antes com bastante frieza e desconfiança, não excedendo as demonstrações de regozijo das manifestações officiaes e obrigatorias. No caminho d’Elvas para a capital, nas cidades e villas por onde passou, receberam-n’a as camaras municipaes e justiças d’esses logares, indo a cavallo esperal-a á chegada, apeando-se e fazendo-lhe a competente venia, tornando a montar a cavallo, acompanhando-a até ás casas em que pernoitou, e depois até á partida.»173

A cidade de Lisboa pediu ao rei instruções sobre o modo como deveria ser recebida a

princesa:

«Soubemos a grande mercê que V. Mag.de, que Deus guarde, era servido fazer a este seu reino, provendo no governo d’elle a princeza Margarida. (...) a tão acertada eleição, será impossivel que se deixem de seguir os bons efeitos que desejamos, e que este reino há mister, conforme ao estado em que se acha; como justamente nos devemos prometer de pessoa, com quem a V. Mag.de lhe correm tão apertadas razões de parentesco, e por sua grande prudencia e raras virtudes. E assim esperamos sua vinda com grande alvoroço, para lhe mostrarmos o contentamento e satisfação geral que temos de nos vir governar. E porque não quizeramos faltar ou exceder nas demonstrações de alegria e obsequio em seu recebimento, pedimos a V. Mag.de seja servido mandar-nos advertir, com particularidade, como n’isto devemos proceder, para nos ajustar em tudo com a ordem de V. Mag.de»174

A resposta do rei seguiu na Carta regia de 14 de dezembro de 1634:

«E no que toca as demostrações, que se devem fazer, como a entrada da prinçesa há de ser pelo Forte [Forte da Victoria, no Terreiro do Paço], ali a

171

BNM, Mss. 2365, Para o Conde Viso Rey sobre as prevenções para o caminho na ida da Princesa, novembro de 1634. 172

Carta do padre Francisco de Vilches, Madrid, 11 de dezembro de 1634 in Memorial Historico Español, t. XIII, p.113. 173

OLIVEIRA, 1888, p. 90. 174

Carta da câmara de Lisboa a el-rei em 23 de novembro de 1634 in Elementos para a História do

Município de Lisboa, IV, p.92.

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deveis ir a esperar com os mais tribunais, como se costuma; e a noite que entrar se porão luminarias pola cidade; e por ella, e polo Terreiro do Paço, se farão as festas e danças ordinarias, e todas as mais demostrações que parecer que não forem custosas.» 175

No dia 23 de dezembro de 1634 a princesa “de Almada se embarcou para Lisboa em

um real bergantim que se fez para servir a pessoa de S. A. em semelhantes ocasiões. O

tempo era mui chuvoso e ainda assim vieram buscar a S. A. muitos ministros e

fidalgos,”176 tendo sido recebida na capital do reino “com todas as formalidades do

estylo, e conduzida debaixo do pallio pelos vereadores, desde o desembarque até ao

paço.”177

Para além da receção protocolar, a chegada de Margarida de Saboia a Lisboa apenas

foi festejada pela sua comitiva de italianos, que mandaram construir uma pirâmide

pirotécnica, sobre a qual se abateu uma tromba de água antes da detonação.178

Os versos laudatórios compostos por ocasião da sua chegada revelavam algumas

expetativas perante a mudança de governo:

«Tambem dizem tras poderes

para grandes e pequenos

de tal sorte que disen

Bento he o fruito

todos lhe quererão muito

visto ser grã señora

E dirão benta a hora

que nasceo.»179

175

Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.93. 176

BNP, Cod. 241, fl. 296v. in RAVIOLA, 2012, p. 147. 177

OLIVEIRA, 1888, p. 90. 178

SCHAUB, 2001, p.178. 179

British Library, Add. 20958, fl.94 v., cit. por OLIVEIRA, 1991, pp. 146-147.

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O regimento e a instrução secreta

Margarida de Saboia recebera dois documentos fundamentais para o exercício das

funções, ambos redigidos em Madrid, em novembro de 1634: o regimento e a

instrução secreta.

O regimento,180 datado de 20 de novembro 1634, era o documento oficial que seria

tornado público perante o Conselho de Estado de Lisboa. Descreve a missão da vice-

rainha no quadro legítimo da união dinástica luso-castelhana atualizando, no essencial,

as disposições de Tomar181 e não apresenta inovações relativamente ao documento

redigido, 50 anos antes, para ordenar o modo de governo que deveria ser seguido pelo

arquiduque Alberto.182

Os regimentos dos governadores e vice-reis eram documentos estereotipados,

destinados a divulgação pública, focando sobretudo a conservação da religião e da

justiça num sentido mais amplo.183 A preocupação fundamental subjacente à sua

redação consiste na organização, ao ritmo do exercício quotidiano do poder, dos

espaços políticos de representação.184

Já a instrução reservada ao uso particular da vice-rainha, muito provavelmente

redigida por Diogo Soares após reuniões com o conde-duque,185 trata-se de um

documento “secreto” ou “oficioso” que revela as verdadeiras intenções de Olivares,

descrevendo o funcionamento dos ofícios e abrangendo a caracterização das principais

personalidades portuguesas contendo, inclusivamente, comentários e conselhos sobre

a atitude que a duquesa deveria assumir junto de cada um.186

Seria na lacuna entre os dois documentos e na constante clandestinidade da instrução

secreta que se definiria o campo político no qual Margarida iria exercer a realeza por

procuração de Filipe IV em Portugal.187

180

BA 50-V-28/15, Regimento de Margarida de Mântua. 181

SCHAUB, 2001, pp. 178-179. 182

BOUZA, 1987, p.859. 183

OLIVAL, 2012, p. 301. 184

CURTO, 2011, p.276. 185

SCHAUB, 2001, pp. 178-179. 186

SCHAUB, 2001, pp. 178-179. 187

SCHAUB, 2001, pp. 178-179.

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A Instrução Secreta188 foi redigida em Madrid nas vésperas da partida da princesa,

estando datada de 28 novembro de 1634.

O documento, de carácter assumidamente privado, contém as informações essenciais

para o exercício do cargo, fundamentando a missão da princesa numa relação de

confiança com o monarca:

«lo que por aora se offrece de que aduertiros privadamente es esto, en que espero correspondereis enteramente a la confiança que he hecho de vuestra persona, lo demas que se offreciere, se os ira advertiendo como las cosas y el tiempo lo pidieren.»189

O rei destaca a relevância do cargo atribuído à princesa Margarida equiparando-a, em

estatuto e valor, a prestigiados membros da família e limitando o exercício das funções

a um período de dois anos, após os quais poderia regressar a Itália:

«muestro al mundo lo que estimo vuestra persona en haveros encomendado uno de los governos de españa de personas reales, y en esta ocasion el mas importante de todos, y en que estuvo empleado el Arquiduque Alberto mi Tio y para que estava nombrado el Infante Don Carlos mi hermano, para que mientras las cosas estan turbadas en Italia tengais ocupacion fuera della por estos dos años por no apartaros mas tiempo de vuestra hija.»190

A princesa ficava incumbida de “disponer las cosas de mi servicio que penden en aquel

Reino” nomeadamente “la recuperacion del Brasil, que esta casi ocupado de

olandeses,”191 e cuja perda traria danos irreparáveis não apenas a Portugal, que

perderia o comércio, mas também a toda a monarquia, pelo facto de reforçar o poder

dos inimigos.

Era fundamental o estabelecimento de uma renda fixa para a recuperação e

conservação do Brasil, tarefa que obrigaria a princesa a estar atenta às manobras dos

magistrados portugueses, aqui acusados de se preocuparem mais com o “aplauso que

piensan que consiguen de mostrarse muy patricios y zelosos de escusar nuevas cargas

al Pueblo,” do que com o dano superior que causaria a perda do Brasil.192

188

AGS, Estado, 4045; AGS, Estado, 2656, Minuta da instrução secreta para a princesa Margarida. 189

AGS, Estado, 4045; AGS, Estado, 2656, Minuta da instrução secreta para a princesa Margarida. 190

AGS, Estado, 4045; AGS, Estado, 2656, Minuta da instrução secreta para a princesa Margarida. 191

AGS, Estado, 4045; AGS, Estado, 2656, Minuta da instrução secreta para a princesa Margarida. 192

AGS, Estado, 4045; AGS, Estado, 2656, Minuta da instrução secreta para a princesa Margarida.

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Era urgente acudir à defesa do Brasil, pelo que Margarida deveria assegurar “la

brevidad en todos los aprestos de armadas (...) que por omission de los ministros corren

con grande dilacion.”193

A vice-rainha tinha também a missão de verificar a conservação dos castelos sem, no

entanto, dar a entender aos portugueses que o rei desconfiaria “de la fidelidade de

aquellos vasallos (...) sino solo por la conservacion propria del Reyno.”194

Poderia ser necessário manter determinadas matérias, mais delicadas ou polémicas,

fora do alcance do Conselho de Portugal em Madrid; a princesa era, assim, advertida

que, no caso de ser “conveniente reservar la noticia de los ministros portugueses que

me assisten en los consejos de aquel Reino embiareis a mi mano el despacho con esta

advertencia.”195

Do ponto de vista político, porém, o aspeto fundamental da instrução secreta é a

regulamentação das funções de Francisco Dávila Guzmán, marquês de la Puebla, primo

do conde-duque e presidente do Conselho da Fazenda de Castela, que acompanhava a

princesa a Portugal “para que os ayude al descanso de tantos negocios.”196

Esta nomeação ficava fora dos habituais quadros institucionais e destinava-se, mais do

que a aconselhar, a superintender a ação governativa da vice-rainha:

«os he nombrado al Marques de la Puebla, ministro independiente (...) sera bien que estes muy atenta a lo que os aconsejara para acomodaros a seguirlo en los casos considerables y dudosos, y en que no hubiere tiempo de comunicar conmigo y esta comunicacion y asistencia a los negocios ha de ser en todos los del govierno del mismo Reino, sin excepcion de ninguno.»197

O processo deveria decorrer com a devida subtileza, para tentar não enfrentar

abertamente as suscetibilidades dos magistrados locais:

«si bien en lo publico han de negociar los ministros Portugueses, como y en la forma que se contiene en la Instruccion que he mandado (...) y no haveis de firmar despacho, ni deis orden sin noticia del Marques.»198

Para assessorar a Princesa nas suas funções de Capitão General tinha sido nomeado o

“secretario Gaspar Ruiz Ezcaray que lo es de mi consejo de guerra, a quien asi mismo

193

AGS, Estado, 4045; AGS, Estado, 2656, Minuta da instrução secreta para a princesa Margarida. 194

AGS, Estado, 4045; AGS, Estado, 2656, Minuta da instrução secreta para a princesa Margarida. 195

AGS, Estado, 4045; AGS, Estado, 2656, Minuta da instrução secreta para a princesa Margarida. 196

AGS, Estado, 4045; AGS, Estado, 2656, Minuta da instrução secreta para a princesa Margarida. 197

AGS, Estado, 4045; AGS, Estado, 2656, Minuta da instrução secreta para a princesa Margarida. 198

AGS, Estado, 4045; AGS, Estado, 2656, Minuta da instrução secreta para a princesa Margarida.

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he elegido para que os asista, y por cuya mano se ha de tomar la final determinacion, y

todos los negocios tocantes a la Capitania general haveis de tratar con sola la

intervencion de los dichos dos ministros de Castilla.”199

Pelo papel fundamental que teriam na execução das políticas de Madrid, o rei advertia

a prima:

«sera bien que destos ministros mostreis particular satisfaccion, honrrandolos y estimandolos como inmediatos a vuestra persona por la confiança que yo he hecho dellos.»200

A princesa recebe também detalhes específicos sobre os procedimentos a ter durante

horas de trabalho em conjunto:

«Y porque con mas comodidad os puedan assistir al despacho el Marques de la Puebla y el Secretario Gaspar Ruiz quando con ellos negociardes pribadamente dareis al Marques silla rasa en que se asiente, y al secretario un banquillo.»201

O monarca acrescenta que “el dicho Marques, demas de la comunicacion universal en

la materia de negocios ha de tener tambien la superintendencia en las cosas de vuestra

casa.”202

A instrução adverte a vice-rainha do procedimento a adotar durante as consultas:

Perante situações que exigissem

«maior atencion o deliberacion, podreis responder que haveis olgado mucho de oir a los ministros, y que esta bien avertido lo que ellos dicen, y con esto pasareis a otra materia, ordenando que se ponga por escrito el parezer de los que han de asistir a este despacho, y lo mismo hareis en todos los nobramientos de personas para prelacias, officio, y qualquier otro genero de ocupaciones, y de todo lo demas que acordardes en el govierno hara el secretario que alli asiste menbretes para embiarlos con las consultas que se huvieren despachado para que ala margen dellas se ponga vuestro parecer en las que huvieren de venir aca, y las resoluciones en las que se huvieren de bolver a los tribunales.»203

Saliente-se ainda a advertência feita a propósito das “audiencias particulares de

vuestro aposento” que deveriam decorrer por intermédio do Marques de la Puebla:

199

AGS, Estado, 4045; AGS, Estado, 2656, Minuta da instrução secreta para a princesa Margarida. 200

AGS, Estado, 4045; AGS, Estado, 2656, Minuta da instrução secreta para a princesa Margarida. 201

AGS, Estado, 4045; AGS, Estado, 2656, Minuta da instrução secreta para a princesa Margarida. 202

AGS, Estado, 4045; AGS, Estado, 2656, Minuta da instrução secreta para a princesa Margarida. 203

AGS, Estado, 4045; AGS, Estado, 2656, Minuta da instrução secreta para a princesa Margarida.

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«excusando las delas mugeres lo mas que se pudiere por ser embaraçosas, y amigas de meterse en lo que no les toca, y asi convendra con destreça ir apartando esto, sino es en las ocasiones mas forçosas.»204

A ”observancia de mis reales ordenes” seria para Margarida “guardar a la letra, sin

dispensar nin alterar en ellas” à semelhança do “Infante Cardenal mi hermano,

inviolablemente sin permitirle la relaxacion dellas en ningun caso.”205

António de Oliveira conclui que a princesa “havia sido colocada em Portugal para vice-

reinar, mas não para governar,” sendo que “o objetivo do conde-duque era cerceá-la

de modo a não poder replicar às ordens de Madrid, limitando-se a executá-las, depois

de aconselhada por personalidades que lhe foram nomeadas.”206

O mesmo terá concluído logo a 19 de abril de 1635 a Junta composta pelo Conde

Duque de Sanlucar, Conde de Castrillo, Duque de Villahermosa, Regidor vasconcelos e

Cid de Almeyda, que aconselha o rei a clarificar a instrução secreta através de um

ofício para a princesa e ministros, considerando que a Princesa deveria ter maior

capacidade de intervenção “pues de otra manera quedaria desautorizada, y frustrado

el fin con que se le embio a governar aquel Reyno.”207

No entanto, por essa altura estava já aceso o conflito, que se revelaria insanável, entre

a princesa e o marquês de la Puebla.

Corte, comitiva e casa da vice-rainha

O elemento político que organizou as Monarquias europeias desde a baixa Idade

Média até ao século XVII foi a corte, instância de poder de onde se articulou o governo

dos reinos.208

As cortes eram os núcleos ou instâncias de poder em que residia o monarca com a sua

casa, os seus conselhos e tribunais, a partir de onde se administrava o reino e se

difundia um modelo de comportamento social, cultural e artístico. Este modelo de

articulação política foi adotado pela Monarquia Hispânica com o aumento dos reinos

204

AGS, Estado, 4045; AGS, Estado, 2656, Minuta da instrução secreta para a princesa Margarida. 205

AGS, Estado, 4045; AGS, Estado, 2656, Minuta da instrução secreta para a princesa Margarida. 206

OLIVEIRA, 1991, p.147. 207

AGS, Estado, 4045, Parecer da Junta sobre a Instrução sobre o Capitulo de la Instruccion secreta que se dio a la señora Princessa Margarita. 208

MARTÍNEZ MILLÁN, 2009, p. 23.

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por herança, agregação ou conquista, permitindo a integração das elites oriundas dos

vários territórios. No caso de Lisboa, reforçaram-se os espaços cortesãos pré-

existentes.209

Em 1643 o autor anónimo de El Nicandro o defensa del Conde-Duque de Olivares

criticaria Filipe II por não ter abandonado “a sombra de casa Real que deixou em

Lisboa, porque não vendo eles este aparato, não procurariam alma para aquele

corpo."210

À data da nomeação da princesa Margarida, eram evidentes as divergências entre as

elites sociais portuguesas e o governo central da Monarquia. A tentativa de manter a

coesão do reino a partir da casa real com a ausência do rei, e a nomeação de nobres de

segunda fila ou considerados estrangeiros para o cargo de governador ou vice-rei,

tinham deteriorado a organização política da monarquia portuguesa.211

O monarca desejava com esta nomeação regressar à situação vivida com o arquiduque

Alberto, em que a vice-rainha seria servida no âmbito mais privado pela sua própria

casa (adequando-a, na medida do possível, à forma portuguesa) enquanto se

reforçaria a presença da casa portuguesa e se recuperaria a incorporação das elites no

serviço doméstico-palatino.212

O conde-duque solicitou ao Conselho de Portugal informação sobre os ofícios vacantes

na casa portuguesa, para proceder rapidamente à sua nomeação. Recomendava a

manutenção da organização palatina prévia e, para evitar problemas e interferências

entre os oficiais da própria casa da princesa e os da casa portuguesa, procurou-se

proceder a uma escolha cuidadosa dos servidores. O Conselho de Estado, logo desde a

chegada de Margarida a Castela, solicitou ao conde de Santa Coloma uma relação dos

criados que acompanhavam a princesa (indagando sobre os humores dos mesmos), e

deliberou sobre as pessoas eclesiásticas e seculares que a serviriam, sobre as rendas

209

MARTÍNEZ MILLÁN, 2008, p. 45. 210

Nicandro o antidoto contra las calumnias que la ignorancia, y embidia ha esparcido, por desluzir, y

manchar las heroycas e inmortales acciones del Conde Duque de Oliuares despues de su retiro, Madrid, s.n., 1643, cit. por CANOVAS DEL CASTILLO, 1888, p.38. 211

LABRADOR, 2012, pp.113-114. 212

LABRADOR, 2012, p.116.

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para a manutenção da casa vice-reinal (para que não se tocassem nas rendas

portuguesas), sobre o aposento da casa e sobre la composição das cavalariças.213

Na «Relacion de los sujetos que ay en elReyno de Portugal (...) con notiçia de calidade,

partes, y suficiência,»214 documento redigido aquando da nomeação da princesa,

Diogo Soares discorre de forma bastante direta e crítica sobre as personalidades que a

vice-rainha ali iria encontrar, referindo as suas aptidões e defeitos.

Entre os oficiais da casa Real encontravam-se o conde de Castelo Novo “que es Veedor

de la casa buena persona, de buen sujetto y aunque moço lo tengo por capaz”; o conde

de Penaguião, “es Camarero mayor cosa poca y se tiene por buen caballero”; Luís de

Miranda Henriques “es estribero mayor buena persona”; Bernardim de Távora

reposteiro-mor seria “buen hombre”; Luís de Melo “portero mayor un poco sobervio y

llevantado”; o aposentador-mor, Aleixo de Sousa e o armador-mor, Francisco da Costa,

considerados de “poca cosa y de poca edad”; Álvaro de Sousa, capitão da guarda, seria

também “buena persona”; Francisco de Melo, “montero mayor (...) aun aguarda por el

R.D.S.” [rei D. Sebastião]; o conde de Redondo, “cazador mayor quasi mente capto”;

Pedro da Cunha “trinchante mayor muy intermetido”.215

A supervisão da casa da vice-rainha fora confiada ao marquês de la Puebla, que não

conhecia a situação da casa portuguesa216 e que se iria incompatibilizar com a princesa

e com o secretário Miguel de Vasconcelos, o que deitaria por terra as esperanças de

um funcionamento harmonioso da corte da princesa, que ficaria marcada pelas

disputas entre os oficiais da casa da princesa e os de Portugal.217

Blythe Alice Raviola estudou os inventários do pessoal, dos géneros alimentícios e dos

utensílios de uso quotidiano que a princesa levaria consigo para Lisboa.218

Entre os trinta e oito servidores da vice-rainha encontravam-se o confessor, o

tesoureiro, o guarda-roupa, alguns cozinheiros e camareiros, o leiteiro, o cabeleireiro e

o reposteiro, todos assalariados com rações de carne e vinho, parte do qual trazido

213

LABRADOR, 2012, pp.116-117. 214

BPE, cod. CV 2-19; outras cópias do documento em BA, 51-VI-1; BA 51-VI-39; AGS, Estado, 4045. 215

BPE, cod. CV 2-19. 216

LABRADOR, 2012, p.116. 217

LABRADOR, 2012, pp.117-118. 218

RAVIOLA, 2012, pp. 140-141.

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expressamente de Turim.219 Faziam também parte do seu séquito alguns nobres

saboianos e outros provenientes de diferentes partes de Itália. 220

A comitiva da princesa transportava algumas peças de tapeçaria, uma escrivaninha de

ébano, um pouco de prataria, vários instrumentos de cozinha (facas, uma balança de

madeira, uma centena de pratos e bandejas de madeira), numerosas provisões de

alimentos, entre as quais porções de carne, fruta, enchidos, pão e um provimento de

velas.221

A princesa Margarida instalou-se no Paço da Ribeira,222 que fora construído no início

do século XVI por iniciativa do rei D. Manuel, tornando-se a principal residência régia

portuguesa.223 Apesar de ter desaparecido, como consequência do terramoto de 1755,

vários estudos têm logrado reconstruir a sua história e arquitetura com base em

testemunhos documentais e registos iconográficos.224

A duquesa, conhecedora da arquitetura do norte de Itália, onde habitara vários

palácios, nomeadamente o emblemático Palácio do Té, em Mântua, não terá deixado

de reparar que o Paço da Ribeira não possuía, no século XVII, uma entrada

monumental destacada de uma das suas múltiplas fachadas, característica que o

distinguia da maioria dos congéneres europeus, e que era habitualmente registada

pelos viajantes estrangeiros.225

O Paço da Ribeira tinha beneficiado de contínuas transformações,226 em particular

durante o reinado de Filipe II, destacando-se a construção do Torreão, cuja autoria

Rafael Moreira atribui ao arquiteto castelhano Francisco de Mora.227

O último piso do Torreão era ocupado pela sala do trono, com a sua imponente cúpula,

iluminada ao alto pelo lanternim e quatro claraboias. Esta sala estava revestida de

pinturas heráldicas, executadas durante o governo do arquiduque Alberto de Áustria,

formando um conjunto decorativo de modelo italiano, inspirado na cultura alegórica

219

AGP, Histórica, caja 117, Recepciones y hospedajes de soberanos y principes extrangeros, Princesa Margarita de Saboya en 1634, cit. por RAVIOLA, 2012, pp. 140-141. 220

ASTo, Corte, MPRE, Lettere ministri, Spagna, m.25, fasc. 5, c.1/6, Memorial do marquês de Forni de 18 de abril de 1635, cit.por RAVIOLA, 2012, p. 142. 221

AGP, Histórica, caja 117, cit., fls. 72-74, RAVIOLA, 2012, p. 141. 222

Anexo 8. 223

SENOS, 2002, p.17. 224

SENOS, 2002; MARTINHO, 2009. 225

MARTINHO, 2009, p.51. 226

MARTINHO, 2009, p.51. 227

MOREIRA, 1983, p.43.

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do tempo, integrando diversas empresas usadas ou atribuídas à Casa de Áustria,228 que

seriam, seguramente, familiares à princesa.

No palácio real, os oficiais da Casa Real, responsáveis pelo governo “doméstico,”

coexistiam com os ministros da corte, que tinham como atribuições o governo do

reino, uma vez que os conselhos e tribunais despachavam em salas do Paço da

Ribeira.229

Durante o período filipino, apesar do compromisso assumido por Filipe II de manter a

Casa Real Portuguesa, a personagem crucial do monarca primara pela ausência,230

inviabilizando o conceito de corte enquanto “lugar onde reside o Rey, assistido dos

Officiaes, & Ministros da Casa Real.”231

A presença da princesa Margarida poderá ter preenchido, em parte, esta lacuna, com o

regresso da vida de corte ao Paço da Ribeira, protagonizada por uma figura que

detinha símbolos régios como o “citial e cortina com cadeira (como o mesmo Rey)”232

quando ouvia missa em público.

Conforme refere Maria Paula Lourenço, a crescente presença feminina nas Casas Reais

europeias dos séculos XV a XVIII marcou a fisionomia da corte, transformada em

espaço de civilidade, de etiqueta, de educação e de cultura.233

No caso da corte lisboeta de Margarida de Mântua, seria evidente a profunda vivência

religiosa da princesa, destacada por Manuel Severim de Faria logo desde a chegada

desta a Portugal quando, em Évora, “mostrou grande piedade e religiosidade,”234

venerando as relíquias do Santo Lenho de Vera Cruz do Alentejo e assistindo à missa

no colégio local da Companhia de Jesus.235

228

MOREIRA, 1983, p.45. 229 CARDIM, 2002, p.27; O Desembargo do Paço e o Tribunal da Mesa da Consciência e Ordens

localizavam-se no Paço (SENOS, 2002, pp.153-154). 230

CARDIM, 2002, p.19. 231 BLUTEAU, Rafael, Vocabulario portuguez e latino…, vol. II, Coimbra, no Collegio das Artes da

Companhia de Jesus, 1712, p.576, cit. por CARDIM, 2002, p.14. 232

British Library, Add. 20958, fl.93 v.,cit. por OLIVEIRA, 1991, p.12, n.17. 233

LOURENÇO, 1999, p.123. 234

BNP, Cod. 241, fl. 296 cit por Raviola, 2012, p. 147. 235

RAVIOLA, 2012, p. 147.

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O chantre de Évora menciona também que a princesa era “mui contínua nos ofícios

divinos (…). Antes de partirem as armadas, mandou encomendar às Igrejas catedrais

do reino orações pelo bom sucesso de mar e pelas vitórias.”236

A vice-rainha visitava com frequência igrejas e conventos em Lisboa, revelando

particular preferência pelo mosteiro de Santo António, onde gostava de se recolher em

oração e de estar longamente em silêncio, segundo a rígida regra das irmãs.237

A influente posição de confessor da vice-rainha foi ocupada por Frei Domingos do

Rosário, frade dominicano de origem irlandesa, que estivera na corte madrilena e que

permaneceria ao seu serviço até 1640.238

Encontram-se indícios da ação mecenática da vice-rainha no âmbito da produção

literária de índole religiosa, aos quais será feita uma breve referência, apesar de não

ter sido possível averiguá-los com o devido detalhe no contexto deste trabalho.

Em 1635, o capelão Juan Baptista Garcia de Alexandre, “Bacharel pela Universidade de

Salamanca, Licenciado pela de Siguença, Abogado en los Reales Consejos de Castilla,

Juez Protonotario Apostolico en los Reynos de Hespaña, Fiscal de el Real comercio, y

contrabando en estos de Portugal, y de la Junta de el embargo de bienes de

Franceses,”239 dedica a Cancion real al altissimo misterio de el Ave Maria en la

Sacratissima Encarnacion de el Verbo Eterno “a la Serenissima Señora Princesa

Margarita de Saboya, Duquesa de Mantua, y Monferrato; Virrey, Y Capitan General de

los Reynos de la Corona de Portugal, Gouernadora de las armadas que entran, y se

aprestan en este Puerto Real de Lisboa.”240

A dedicatória à princesa, redigida em tom laudatório, começa com “Ave Margarita,” e

salienta as suas “raras virtudes, y perfecciones”, bem como a sua devoção:

«tãbien le concibe, y encarna la Deuocion, y defensa de Misterio tan altissimo para que el gozoso timbre de nuestra preparada Redempcion haga salutaciõ Angelica del AVE MARIA, tan gloriosa.» 241

236

BNP, Cod. 241, fl. 301v cit por Raviola, 2012, p.150. 237

RAVIOLA, 2012, p. 148. 238

LOURENÇO, 1999, p.212; Frei Domingos, depois da revolução de 1640, continuou a receber dos novos soberanos favor igual ao que merecera da duquesa de Mântua, tendo-se tornado confessor da rainha D. Luísa de Gusmão. (PRESTAGE, 1926, p.3). 239 GARCIA DE ALEXANDRE, 1635. 240

GARCIA DE ALEXANDRE, 1635. 241

GARCIA DE ALEXANDRE, 1635.

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A devoção da vice-rainha enquadrava-se no fervor católico dos Habsburgo:

«la inestimable MARGARITA, oy Princesa de todas las que han renombrado la Excelentissima, y siempre Imperiosa, y Augusta Casa de Austria, como ramo mas proprio, y pululante de la tronca original de Dauid, fuerte asilo, y sagrado constantissimo de nuestra Sancta Fee Catholica.»242

De acordo com o capelão, teria sido a princesa a incentivar a produção da obra:

«Esta pues Serenissima Señora me alentò los principios animosos para aspirar a Tanto Sacramento en el metodo heroico de esta Canciõ Real, que consago a V. A.»243

É de salientar que, juntamente com a Cancion real al altissimo misterio de el Ave

Maria, são publicadas as Décimas ao anjo Gabriel, de D. Bernarda Ferreira de

Lacerda,244 bem como décimas dedicadas a Garcia de Alexandre por vários autores:

Esteban Nieto, “Gvarda de Damas de la Reina nuestra Señora, y de el aposento de el

Principe nuestro Señor, y contralor de la Serenissima Princesa Margarita”; D. Vicência

Baptista, Religiosa Franciscana no Convento de Santa Clara de Lisboa; e D. Serafina de

los Angeles, Religiosa Bernarda do Real Convento de Odivelas.

O licenciado Francisco de Soria, presbítero, natural de Córdova, menciona a princesa

Margarida nas décimas que dedica a Garcia de Alexandre:

«Y oi en vos tan celestial

Se halla, tan infinita,

Que junta a tal Margarita

la eterniçais immortal.»245

Também Soror Violante do Céu,246 religiosa dominicana no Convento da Rosa, dedica

liras ao autor e à obra.

Na mesma edição são ainda publicados sonetos da autoria de D. Francisco de Torres,

“Maestro por la insigne Uniuersidad de Alcala, y de los pajes de Su Alteza Serenissima

Señora Princesa de Saboya Doña Margarita de Austria, y su Capellan;” D. Nicolas de

Crixalba, “Contador de Su Magestad, y Secretario de Don Francisco Dabila Marques de

242

GARCIA DE ALEXANDRE, 1635. 243

GARCIA DE ALEXANDRE, 1635. 244

Bernarda Ferreira de Lacerda (1595-1644), “erudita poetisa do século XVII (…) com poemas em latim, português, espanhol e italiano” in Dicionário de Literatura, II, p.518. 245

GARCIA DE ALEXANDRE, 1635. 246

Soror Violante do Céu (1602-1693) “foi dos poetas mais considerados do seu tempo” in Dicionário de

Literatura, I, p.176.

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la Puebla;” D. Martin Ortiz de Orve y Ibarguen, “criado de Su Magestad, y su Official en

la Secretaria de la Guerra;” e D. Francisco de Ezcharai y Guebarra, “criado de Su

Magestad, y Official en la Secretaria de la Guerra.”247

Em 1637, o Sermão que pregov o Reverendo Padre Frey Manoel das Chagas, Religioso

da Sagrada Ordem de Nossa Senhora do Carmo, no seu Convento de Lisboa, Sabbado

29 de Nouembro, na solemnidade que Sua Magestade mandou fazer ao Sanctissimo

Sacramento, que no mesmo dia esteue exposto, foi “offerecido a Serenissima Princesa.

pello Padre Eusebio Nunes Tynoco, sobrinho do Autor,”248 que refere, na dedicatória,

que “este Sermaõ, Serenisima Senhora (…), me pareceo digno que V. A. visse, lese, &

considerasse.”

O padre Nunes Tinoco ressalta a devoção da princesa ao Santíssima Sacramento:

«Motiuo me dà de offerecer estas flores, & estes fruitos de devação do Sanctisimo Sacramento a esse Real peito, o qual arde em seu amor, com tantas chamas, quãtas enxergamos, no publico pellas muitas vezes que este Senhor, por mandado de V. A. hexposto, & solemnizado; & no particular, pellas muitas horas que diante delle, assiste de dia, & de noite na tribuna de Sua Real Capella.»249

A vice-rainha seguia, assim, o exemplo da Casa de Áustria:

«Vera tambem V. A. como este amor he herdado cõ o sangue de Seus Reaes progenitores, pois das Imperiaes casas de Portugal, & Austria acharà exemplos, de como os Senhores Reys, & Emperadores (…) na devação do Sanctissimo Sacramento, forão taõ bem afortunados, que conquistarão Reynos, & alcançarão Imperios.»250

O sermão refletia a conjuntura política e militar, ao apelar:

«Desbaratai, Senhor, a contumacia de nossos inimigos, principalmente àquelles que o saõ tambem vossos.»251

Claramente politizado foi o Sermão que fez o Padre Francisco de Macedo da

Companhia de IESVS na festa de S. Thome padroeiro da India, proferido “na capella

247

GARCIA DE ALEXANDRE, 1635. 248

CHAGAS, 1637. 249

CHAGAS, 1637. 250

CHAGAS, 1637. 251

CHAGAS, 1637, f.8.

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real desta cidade de Lisboa,”252 que servia também a Casa da Índia e evocava,

precisamente, S. Tomé.253

A dedicatória à “serenissima senhora Princesa Margarita” refere:

«Foy taõ bem recebido o Sermaõ que prégou o Padre Frãcisco de Macedo na Capella Real dia de S. Thome, a que V. A. assistio (...). E como V. A. tenha tanto zelo de resucitar a gloria dos passados, & melhorar as cousas daquella Conquista [Índia] me pareceo acertado offerecello a V. A. que polla materia, & modo de tratar das cousas o deue aceitar beneuola, & aprouar escrito, o que V. A. festejou ouuido.»254

João Francisco Marques esclarece que a dedicatória à vice-rainha teria o intuito de

assegurar livre expansão a este sermão de carácter patriótico, apelando ao brio

português.255 As frequentes e audaciosas referências políticas no púlpito da capela

real levaram a princesa a intervir: “chamando os prègadores da Cappella auisouos que

prègassem o Euangelho e naõ mays.”256

252

MACEDO, 1637. 253

SENOS, 2003, p.107. 254

MACEDO, 1637. 255

MARQUES, 1986, p. 129. 256

BNL, PBA 475, f.362v, cit. por MARQUES, 1986, p. 129.

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3. O GOVERNO DA PRINCESA MARGARIDA

Principais instituições e interlocutores

A articulação do governo de Portugal e do seu império, entre Lisboa e Madrid, era uma

tarefa complexa: o rei governava a coroa a partir de Madrid no Conselho de Portugal,

órgão consultivo criado por Filipe II quando partiu de Lisboa em 1583; em Lisboa, o

órgão consultivo da vice-rainha era o Conselho de Estado.257

O processo de ordenação dos despachos entre o reino e o centro da monarquia258

tinha início na vice-rainha, que os encaminhava ao órgão apropriado, conforme a

matéria e as partes envolvidas, sendo depois remetidos ao Conselho de Estado, daí

para o Conselho de Portugal e, por fim, ao valido ou rei.259

O papel e a tinta eram fundamentais para manter a unidade político-administrativa

deste vasto conjunto imperial de territórios europeus e ultramarinos, permitindo a

circulação de ordens e informações essenciais para a efetivação da governação,

oriunda do centro político madrileno.260

Em Madrid, Diogo Soares, na secretaria do Conselho de Portugal, controlava os

assuntos mais decisivos e tornara-se o braço direito de Olivares nos assuntos

portugueses.261

Em Lisboa, a função de secretário de Estado, ou seja, de secretário do Conselho de

Estado, era um posto chave na transmissão das decisões de âmbito geral e das

informações enviadas à corte.262 Este cargo era exercido por Miguel de Vasconcelos,

que estabelecia com o cunhado (e genro) Diogo Soares um sistema de comunicação

entre as secretarias.263

257

SCHAUB, 2001, pp. 18-20. 258

Embora complexo, o processo não teria de ser sempre demorado. A título de exemplo, a 6 de junho de 1636 a princesa escreve ao rei (sobre a nomeação provisória do conde de Castelo Novo para o cargo de Mestre de Campo General) referindo uma carta recebida dois dias antes, datada de 30 de maio: “carta de trinta de Mayo pasado que Receui en quatro deste firmada de la Real mano de V Mag.d (…)

sobre las preuençiones que se han de haçer para la defensa de este Reyno en casso que la Armada

enemiga llegase a el.” A resposta de Madrid (recordando que a nomeação feita pela vice-rainha seria provisória, vigorando apenas até à chegada do oficial escolhido pelo rei) seguiria para Lisboa a 22 de junho. (AGS, G.A. 1325). 259

COSENTINO, 2011, p.10. 260

COSENTINO, 2011, p.10. 261

SCHAUB, 2001b, p.81. 262

SCHAUB, 2001, p.178. 263

SCHAUB, 2001b, p.81.

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43

A princesa tinha sido informada por Diogo Soares de que havia “en Portugal una

parcialidad que entre ellos tienen repartido el govierno daquel Reyno en tal forma que

en muchos tiempos siempre ando en los suyos, e con esta mano estan llenos de

grandes mercedes y bienes de la corona y a este respeto tratan de impedir que

ningunos otros entren en aquel govierno de aquel Reino (...) buscando modos y traças

para que nadie que no sea de su parcialidad llegue a tener lugar.”264

Esta advertência confirma a dificuldade sentida pela tendência centralizadora (a

política do conde-duque) na sua tentativa de submissão de outras forças coexistentes,

igualmente fortes, que apontavam no sentido da descentralização política e da

manutenção da pluralidade de polos de poder.265

Há também que ter em conta que o poder central seiscentista estava repartido por

uma multiplicidade de órgãos com atributos políticos quase soberanos, que

expropriavam o centro de uma decisiva capacidade de intervenção.266

Procurando um controlo político mais eficaz do reino e uma maior operacionalidade de

comunicação com os poderes periféricos lançara-se (com a negociação, em 1631, da

renda fixa267) um novo modelo de representação e trato com o reino, no qual a câmara

de Lisboa intervinha como interlocutora privilegiada do rei e intermediária nas

negociações.268

O Conde de Prado, D. Luís de Sousa, presidente da Câmara de Lisboa desde 1633, é

referido como “muy ambicioso de puestos, y muy mañoso, y tratta de contemporizar

com el Pueblo y dar a entender por outra parte que sirve a Su Magestad, y es el que dio

el papel a la señora Princesa en orden a que haya mas separacion entre Portugal, y

Castilla, de lo que hoy hay.”269

O Presidente do Conselho da Fazenda era o conde de Miranda, que colhia a confiança

de Diogo Soares:

«el Conde de Miranda demas de ser del consejo de estado es presidente de la Hazienda de V Mg.de intelligente en ella bien entendido y muy limpio de manos

264

BPE, cod. CV 2-19 «Relacion de los sujetos que ay en elReyno de Portugal (...) con notiçia de calidade, partes, y suficiencia.» 265

CARDIM, 1998, p. 132. 266

HESPANHA, 1993, p. 10. 267

HESPANHA, 1989, p. 55. 268

HESPANHA, 1989, p. 53. 269

AGS, Estado, m. 2660, 12 de Junho de 1638, cit. por OLIVEIRA, 2002, p. 395.

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y no tiene ninguna parcialidad y sugeto de que se puede fiar todo y es muy inclinado al serviçio de V Mg.de.»270

Um dos agentes mais determinantes para a aplicação das decisões de Olivares seria o

doutor Francisco Leitão, alto magistrado e membro do Conselho da Fazenda,271

elogiado por Diogo Soares como “persona muy ben entendida y gran letrado y mui

limpio de manos y inclinado a las cozas de la corona.“272

De entre os clérigos, D. Rodrigo da Cunha, arcebispo de Braga e posteriormente de

Lisboa, “esta tenido en buena reputacion y es letrado.”273 Ganharia a confiança da

princesa, como viria a mencionar mais tarde Diogo Soares:

«comvem conservar [no governo] ao Arcebispo dessa cidade, que tem delle sua Altesa grande conceito.»274

D. Sebastião Matos de Noronha, bispo de Elvas e, mais tarde, arcebispo de Braga é

recomendado como sendo “buen ombre y entendido enclinado al servicio de S

Mg.d,”275 e viria a tornar-se num dos mais fiéis servidores da duquesa.

Entre os conselheiros castelhanos da vice-rainha, para além de la Puebla, encontrava-

se Francisco de Valcárcel, conselheiro das Finanças e fiel colaborador do marquês.276

Tomás de Ibio Calderón já exercia as funções de vedor da armada do mar oceano e

membro do Conselho da Fazenda277 antes da chegada da princesa e era tido como

“persona tan limpia de manos y zelosa del servicio de S. Mgd como se sabe pero su

bondad lo hace engañar muchas vezes en algunas cosas.”278

Fernando de Toledo Henríquez, Mestre de Campo General, era a figura que estava

imediatamente abaixo de Margarida na hierarquia militar, e seria substituído por

Diego de Cárdenas em 1636.

270

BPE, cod. CV 2-19 «Relacion de los sujetos que ay en elReyno de Portugal (...) con notiçia de calidade, partes, y suficiencia». 271

SCHAUB, 2001, p.12. 272

BPE, cod. CV 2-19 «Relacion de los sujetos que ay en elReyno de Portugal (...) con notiçia de calidade, partes, y suficiencia». 273

BPE,cod. CV 2-19 «Relacion de los sujetos que ay en elReyno de Portugal (...) con notiçia de calidade, partes, y suficiencia». 274

BPE, cod. CV/2-19, f. 105, Carta de Diogo Soares a Miguel de Vasconcelos. 275

BPE,cod. CV 2-19 «Relacion de los sujetos que ay en elReyno de Portugal (...) con notiçia de calidade, partes, y suficiencia». 276

SCHAUB, 2001, pp.84 e 188. 277

SCHAUB, 2001, p.252. 278

BPE, cod. CV 2-19 «Relacion de los sujetos que ay en elReyno de Portugal (...) con notiçia de calidade, partes, y suficiencia».

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A defesa do reino e do império

A armada do Brasil

Uma das principais incumbências da princesa Margarida em Lisboa era a organização

de uma armada destinada à recuperação do Pernambuco, ocupado pelos holandeses

desde 1630.

Neste contexto, é solicitado à câmara de Lisboa que providencie a tripulação que

haveria de embarcar na armada:

«V. Mag.de nos manda que, atento ao estado da guerra do Brazil, para a qual se apresta hum socorro em Cadix, leuantemos aqui quatrocentos ou quinhentos homens, pagos e vestidos por conta dos sobejos das rendas da cidade.»279

Este pedido é contestado pela câmara, elegando que “nos falta fazenda com que

acudir ao gasto ordinario de cada anno, pola grande baixa de todas as rendas (...) E

assim nos pareceo dizer a V. Mag.de, postrados a seus reaes pees, se sirua de mandar

proceder a outros meos, que não sejão em dãno dos pobres.”280

O decreto da princesa, exarado à margem, é peremptório:

«As ordens de S Mde, dadas sobre esta materia, não dão lugar a replicas (...); este meyo de leua he o mais abreuiado e effectiuo (...). Pello que a camara, atendendo a materia, como pede a calidade della, desponha a enzecussão do que S Mde tem rezoluto em toda a forma deuida.»281

Porém “apesar das ordens não darem lugar a réplicas, a câmara foi continuando a

replicar e a demonstrar a impossibilidade em que estava de as cumprir.”282

Em vários decretos a princesa pede contas à câmara de Lisboa sobre o processo de

recrutamento:

«A camara desta cidade me dé logo conta do que se tem feito, em execução do que S. M.de mandou acerca dos quatrocentos ou quinhentos homens, que a cidade ha de leuantar para soccorro de Pernambuco.»283

279

Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, pp. 180-181, 15 de abril de 1636. 280

Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, pp. 180-181, 15 de abril de 1636. 281

Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.183. 282

OLIVEIRA, 1889, IV. p.183, n.2. 283 Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p. 208, decreto de 1 de setembro de 1636; e outros semelhantes em 23 e 27 de outubro 1636 (pp.218-219); 3 de fevereiro de 1637 (p. 236); 15 de março de 1637 (pp. 247-250).

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Em 23 de outubro de 1636 a vice-rainha insiste que “a camara, considerando o mto que

importa em se acudir ao Brazil (...) trate logo de dar cumprimto ao que S. Mg.de manda

nos quatroçentos ou quinhentos soldados.”284

Poucos dias depois volta ao mesmo assunto:

«A camara desta cidade me de conta do que por ella esta disposto em ordem aos quatrocentos ou quinhentos soldados, com que ha de contribuir pa o socorro de Pernambuco, porque, hauendose com o seu exemplo de escreuer ao Rno, conuem não se perder hora de tempo; e com este presuposto torno a encarregar a matria a camra.»285

A 7 de novembro a princesa manda a câmara de Lisboa reunir para decidir como iria

pôr em prática o recrutamento:

«uista a forma de resolução que S Mgde tomou nesta matria, se não deue nem pode parar nella. E asy trate a camra de a yr executando, ajustando os meyos por donde, com mais suauidade, se possa effeituar este seruiço (...) E pa isto se ajuntara a camra esta tarde.»286

No dia seguinte, solicita uma resposta ao presidente da Câmara:

«o conde, prezidente da camara desta cidade, me de conta do que se fez em cumprimto do que ultimamte lhe ordeney, em resposta do que representou sobre os quinhentos soldados, que S Magde manda que de pa o socorro do Brazil, porque conuem que o tenha entendido.»287

Apesar do empenho da princesa, a câmara continuou a protelar a execução das

ordens. Em dezembro chegam novas instruções de Madrid, que são comunicadas ao

presidente da câmara:

«O conde de Prado, presidente da camara desta cidade, e os ministros della trattem logo de executar, sem mais replica nem dilação, o que S. Mg.de manda por esta carta; e me dem conta, cada quatro dias, do que se fôr obrando, para o auisar a S. Mg.de.»288

A câmara responde com uma consulta ao rei, na qual novamente se lamenta do

excesso de tributos e despesa. Na resposta a esta consulta, a princesa acusa a câmara

de não se empenhar na recuperação do Brasil:

284

Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.218. 285

Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, pp.218-219. 286

Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, pp.223-224. 287

Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.224. 288

Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.228.

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«Si la camara, con el zello que tiene del seruicio de Su M.d, como lo ha mostrado en las occasiones de hasta aqui, considerara atentamente en esta lo mucho que va a todo este Rn.o en la restauracion del Brazil, de otra manera viniera esta consulta, y tambien repararara en que el juizio de las cosas, que contiene el papel incluso en ella, nõ tocaua a los que lo hizieron, y que muchas nõ vienen ajustadas ny bien entendidas.» 289 Concluindo a vice-rainha:

«e assi execute la camara luego, sin que se interponga punto de dilaçion, lo que S. M.d tiene rezuelto, y bueluame hoy esta consulta para passar a sus reales manos.»290

Margarida de Mântua mostra-se saturada quando, a 3 de janeiro de 1637, é

confrontada com mais uma consulta da câmara, na qual os magistrados da capital

insistem nos mesmos argumentos para justificar o atraso no cumprimento das ordens

régias. A ordem da princesa exarada à margem é bastante direta:

«la camara execute luego lo que S. M.d tiene resuelto, escusando mas consultas, y tratando de que se leuante e este promta esta gente, auisando del cumplimiento.»291

Sobre esta questão, a vice-rainha ainda concederia uma audiência ao juiz do povo,

conforme menciona o decreto de 29 de janeiro de 1637:

«O juiz do pouo me falou ontem, reprezentandome as rezões que se lhe offereçerão, para se não hauer de passar adiante na execução das ordens de S Mde, sobre os quinhentos soldados com que tem mandado que sirua a camra desta cidade para o socorro do Brazil.» 292

A princesa salienta a urgência em socorrer o Brasil, concluindo:

«he preçizamente neçessrio porse em execução o que S Mde tem mandado, sem embargo do que sobre isso ouuy ao juiz do pouo. (...) E o conde me dará conta, por escripto, do que se fizer, para eu a poder dar a S Mde.»293

Apesar da urgência, no ano seguinte ainda se ultimavam os preparativos. Em fevereiro,

a princesa avisava a câmara que “a armada se não poderá dilatar mais que ate

marso.”294

Já em março, novo decreto da vice-rainha ordenava:

289

Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.232. 290

Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.232. 291

Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.233. 292

Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.235. 293

Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.235. 294

Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.321.

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«A camara trate de levantar os quinhentos soldados, por sua uia, como lhe esta ordenado, uzando pera este efeito dos meios que mais comuenientes se oferecerem, pera que se comsiga estarem prontos e prevenidos pera se embarcarem na armada, que esta de partida.»295

No entanto, em abril, o prazo era de novo dilatado, e a princesa responsabilizava o

presidente da câmara pelo recrutamento:

«tenho ordenado que se trate de concluir com tudo o que toca a armada, pondose a ponto para, com o fauor de Deus, poder sayr a nauegar no fim deste mez; (...) conuem que, sem perder hora de tempo (...) o conde prezidente da camara disponha o que toca a leua dos quinhentos homens, (...) aduertindo que, com esta ordem, e com as maes que tem de S Mg.de e minhas sobre esta materia, me ey por descarregada de fazer maes lembranças nella.»296

O processo de recrutamento não seria fácil, uma vez que os pescadores tentavam por

todos os meios escapar ao recrutamento para as armadas, dando origem ao emprego

da força e a tumultos.297

Esta vez não seria exeção e, com autorização do rei, foram aprisionados os marinheiros

que navegavam no Tejo:

«Em razão da grande falta que ha de marinheiros, para se poder aviar esta armada, com a brevidade que requer o soccorro da Bahia, houve V. Mag.de por conveniente que se mandassem commissarios a todos os portos do Ribatejo, para que se prendessem os que se achasse, dos que navegam nos barcos d’este rio.»298

O aprisionamento dos marinheiros acabaria por ter como consequência o corte nos

abastecimentos à cidade de Lisboa, uma vez que, “ feita a execução, resultou que

todos os que escaparam (...) se ausentaram com temor de serem presos.” Deste modo,

“faltando os barcos que navegam este rio, faltarão quasi todos os mantimentos d’esta

cidade, pois só por elles lhe vem o peixe, trigo, azeite, vinho, lenha, carvão, palha, e

ainda a carne.” 299

Em julho a princesa criticava a falta de colaboração da câmara de Lisboa, que tinha

atrasado o processo de recrutamento:

295

Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.321. 296

Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.336. 297

SCHAUB, 2001, p.280. 298

Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.337, Consulta da camara a el-rei em 3 de julho de 1638. 299

Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.337.

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«O cuidado com que a camra tratou sempre do seruiço de S Mgde he mto visto, porem deue aduirtir, no partir desta leua, que a pra ordem que sobre ella lhe mandou S Mgde dar, foi em feuro do anno de 636, que hauendosse continuado a lembrança della por muitas outras, assy de S Mgde como deste gouerno, sempre a camara foi dilatando a sua execução com replicas e outras resões.»300

Como consequência, esgotando-se o prazo, a câmara teria agora que recorrer à prisão

de mendigos para os integrar na armada, o que poderia comprometer o sucesso da

armada:

«e que menos incoueniente era sustentarse esta gte alojada, que poder faltar na occasião, ou ser forsado, plo precizo della, lançar mão da vagamunda, sem fiança, como se faz, que he sempre a de pior qualidade, como a experiençia tem mostrado. E porque o que agra importa he suprirse o que em tanto tpo se dexou de fazer, por todas as vias e na forma que for posiuel, a camra o deue procurar assy, executandosse intramte o que S Mgde tem mandado, tendo entendido que a partida da armada se não podera dilatar.»301

A armada luso-espanhola de socorro ao Brasil (1639-1640) comandada por D.

Fernando Mascarenhas, conde da Torre, não seria bem sucedidada na sua missão de

expulsar definitivamente os Holandeses de terras brasileiras.302

A defesa do litoral

A preocupação com a defesa foi uma constante na atividade governativa da vice-

rainha que, na qualidade de Capitã General, era responsável pelas “preuençiones que

se han de haçer para la defensa de este Reyno en casso que la Armada enemiga llegase

a el.”303

O empenho da princesa nas questões militares é visível na correspondência com

Madrid:

«en diversas cartas tengo representado a V.Mg.d los incobenientes que resultan de faltar el socorro a la gente de guerra deste Reyno.»304

A sua competência é inclusivamente destacada pelo Mestre de Campo General, D.

Fernando de Toledo, como excedendo os limites da sua condição feminina:

300

Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, pp. 338-339. 301

Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, pp. 338-339. 302

MELLO, 1987. 303

AGS, G.A., 1325, Carta da Princesa Margarida, 6 de junho de 1636. 304

AGS, G.A., 1180, Carta da Princesa Margarida, 1 de junho de 1636.

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«Puedo asigurar a Vmgd que si el çelo y cuidado de la Señora Prinçessa fuera axudado de los que la asistimos y por cuia mano preçisamente a de obrar que el serviçio de Vmgd se hiçiera con mas puntualidad y luçimiento pues su cuidado y inteligensia ecede de los limites de suxesso.»305

Em 1636 a princesa manda realizar a inspeção das instalações militares portuguesas306

“porque se tem de nouo entendido que as armadas dos enemigos estauão já prestes

para poder sair a nauegar.”307

No caso da capital do reino, a câmara é incumbida de providenciar a defesa da cidade

“reconheçendosse os muros e reformandosse onde for neçess.rio (...) E da mesma

maneira se reconheçerão as trincheiras, que no anno de 1625 se hauião feito com

occasião da armada ingreza.” A vice-rainha pretende ser informada das diligências,

que deveriam decorrer com celeridade:

«E do que se fizer e se lhe offereçer que representarme, me dará conta, ajuntadosse, para entender no que a isto toca, todas as tardes.»308

Se as obras iriam decorrer por conta da câmara, já os restantes preparativos eram da

incubência do governo:

«E reformadas as plataformas se prouerá pla capitania general de artelharia e o mais».309

Na primavera de 1640, na perspetiva de um ataque a Lisboa, a princesa encarrega a

câmara de acautelar o abastecimento dos castelos:

«S. Mg.de (...) manda que, para o que neste verão pode sucçeder, respeito dos auizos que ha dos mouimentos dos enemigos, (...) conuirá prouerse o castelo desta çidade, e assy o de São Gião [S. Julião da Barra], de bastimentos; e que isto se deuia procurar com os pouos vezinhos a estes castellos, metendo nelles esta primauera o vinho e pão que pareçesse necessario, (...). A camara desta cidade veja como isto de poderá dispor, assy pelo que toca a este castello, como ao de São Gião.»310

305

AGS, G.A., 1180, Carta de D. Fernando Enriquez y Toledo, 6 de outubro de 1636. 306

SCHAUB, 2001, p.268. 307

Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p. 184, decreto da princesa, 16 de abril de 1636. 308

Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p. 184, decreto da princesa, 16 de abril de 1636. 309

Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p. 184, decreto da princesa, 16 de abril de 1636. 310

Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.393, decreto da princesa, 2 de abril de 1640.

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A vice-rainha pede insistentemente a Madrid o envio de dinheiro para acudir à defesa:

"remita uma gruessa partida de dinero para que com ella se escussen estos

inconvenientes, y yo de cansar tan de ordinario a V Mgd con estas instancias, que son

forcossas” argumentando que "si llegasse el caso de entrar aqui el enimigo no ay con

que poderse defender.”311

A capitania geral tinha a incumbência de organizar o alojamento em presídios das

tropas recrutadas, que constituiam uma garantia face aos ataques das frotas inimigas e

dos corsários holandeses, ingleses, franceses e mouros que infestavam as águas

portuguesas.312

A princesa refere a dificuldade em prover ao sustento das guarnições militares, que

passavam fome e não tinham que vestir, e os inconvenientes que daí advinham, do

ponto de vista da operacionalidadedas tropas:

«pues faltando, como faltan, todas estas cosas se ve de los inconvenientes que seria”(...) si llegasse la ocasion de salir a campear.»313

A hipótese de libertar os homens, recrutados pela força, para que procurassem o seu

sustento, poderia dar origem a desacatos:

«no ay un real en las arcas con que acudirles ni veo forma de onde poderlo remediar en los pocos dias que tardara de llegar este correo y si les faltasse el sustento seria fuerça abrirles las puertas para que se lo busquen cossa de los incovenientes que se vee en gente forçada y ençerrada.»314

Por outro lado, comprometeria o esforço feito na recruta "avra sido ynfructuoso el

gasto que con ella se ha tenido en conduzirla."315

É com estes argumentos que a princesa justifica o recurso a um empréstimo realizado

junto do assentista Pedro de Baeza:

«siendo fuerça abrir las puertas a tal gente para que vusque el sustento. Y que por evitar esto y esperarse que cada hora llegase dinero pedi a Pedro de Baeza Mercader Vezino desta çiudad prestase alguno con que socorrer la gente.»316

311

AGS, G.A., 1180, Carta da Princesa Margarida, 6 de junho de 1636. 312

SCHAUB, 2001, pp.257 e 265. 313

AGS, G.A., 1180, Carta da Princesa Margarida, 6 de junho de 1636; AGS, G.A., 1325, Carta da Princesa Margarida, 20 de junho de 1636. 314

AGS, G.A., 1180, Carta da Princesa Margarida, 8 de outubro de 1636. 315

AGS, G.A., 1180, Carta da Princesa Margarida, 25 de outubro de 1636. 316

AGS, G.A., 1180, Cartas da Princesa Margarida, 16 e 25 de outubro de 1636.

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Por esses dias, o duque de Medina Sidónia, Capitão General do Mar Oceano e Costas

de Andaluzia, enviara para Portugal pólvora e corda que foram desembarcados em

Mértola, para evitar ataque de piratas, e deveriam seguir para Lisboa por terra.

Sabendo que que as munições estavam em Mértola, mas "por no aver un grano de

polvora ni un palmo de cuerda con que diparar un arcabuz" e encontrando-se “a vista

deste porto la armada enemiga,” a princesa foi obrigada a valer-se de 4 mil reais da

consignação do presídio, justificando ao rei a sua atuação por se tratar de uma

situação de emergência:

«considerando que en ocasiones tales hera de menos inconveniente tomar el dinero de la consignaçion de la gente de guerra que no que llegase (como pudiera llegar) el enemigo hallandose todala confussion y riesgo que se puede considerar.»317

O governo da princesa Margarida ficaria marcado pela ameaça de invasão do território

pela França, que preparou uma força naval com o objetivo de atacar a Monarquia

Hispânica em Portugal. Entre finais de 1638 e julho de 1640, quando a ideia foi

abandonada, o reino viveu um clima intenso de preparação bélica, em simultâneo com

a defesa e recuperação do ultramar.318

Em junho de 1639 a princesa foi informada dos “avisos que se han tenido de la Armada

de francia y promptitud com que esta para salir a navegar”.319

Deveriam ser tomadas várias providências:

«manda V Magd se pongan en defensa los castillos, haciendo se reconoscan las personas que los tienen a cargo.»320

Era necessário assegurar armas e munições para defesa dos castelos, bem como ter a

postos os mecanismos de comunicação “teniendo promptos correos (...) y prebenidas

Mulas, Machueles y Rocines.”321

Havia a suspeição de que o inimigo poderia atacar pelas fronteiras de Espanha e que

eventualmente teria informadores:

317

AGS, G.A., 1180, Carta da Princesa Margarida, 25 de outubro de 1636. 318

OLIVEIRA, 1991, p.247. 319

AGS, G.A., 1325, Carta da Princesa Margarida, 2 de junho de 1639. 320

AGS, G.A., 1325, Carta da Princesa Margarida, 2 de junho de 1639. 321

AGS, G.A., 1325, Carta da Princesa Margarida, 2 de junho de 1639.

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«se ha entendido esta el enemigo com intento de acometer por las fronteras de España” mostrando “tener inteligencias para conseguir por medio de ellas alguna empressa.»322

A princesa deveria estar atenta, e não dar a entender esta desconfiança, averiguando,

por meios seguros e discretos, se haveria pessoas suspeitas, particularmente

estrangeiros.

Uma vez mais a vice-rainha salienta as limitações da sua acção, quer do ponto de vista

político -“no ha estado en mi mano mas de las instancias y recuerdos que he hecho (...)

sin haverse executado ni conseguido”,- quer da perspetiva financeira -“no se pudiendo

obrar nada sin dinero.”323

Em carta de 17 de julho de 1639, a princesa dá notícia da petição feita pelas mulheres

dos marinheiros para que sejam sustentadas na ausência dos maridos:

«las mugeres de alguna gente de Mar que se halla sirviendo en navios de la Armada que estan en cadiz y otras partes an dado memorial representando que hasta fin del mes de Março passado se les avia socorrido porquenta del sueldo de sus maridos y que acudiendo acobrar lo que montava el mes de Abril no se les dava, por decir el veedor general que no les tocava el socorro sino a las mugeres cuyos maridos se embarcaron para el Brassil pidiendo que no obstante se les continue por la mucha neçessidad que padeçen.»324

O vedor geral, Fernando Albia de Castro, alegava que esta ajuda só era devida às

mulheres dos que tinham embarcado para o Brasil; ”y que sin nueba orden de V. Mag.d

no le parecia se les socorriese.”325

Em seguida o assunto foi remetido para Tomás de Ibio Calderón:

«y aviendo visto de orden mia Thomas de Ibio Calderon del Consejo de guerra de V. Mag.d los informes referidos dijo que tenia por muy justo y del serviçio de V. Mag.d que se socorra a estas mugeres como a las demas.»326

Governadora de um reino que pugnava por defender o litoral e manter o império

marítimo, e profundamente envolvida nos preparativos das armadas, a princesa

considera que, apesar do parecer do vedor geral e da falta de verbas, seria mais

322

AGS, G.A., 1325, Carta da Princesa Margarida, 2 de junho de 1639. 323

AGS, G.A , 1325, Carta da Princesa Margarida, 2 de junho de 1639. 324

AGS, G.A. 1261, Carta da Princesa Margarida, 17 de julho de 1639. 325

AGS, G.A. 1261, Carta da Princesa Margarida, 17 de julho de 1639. 326

Os pareceres contraditórios poderão relacionar-se com o facto de Fernando de Albia e Tomás de Ibio se terem incompatibilizado em 1636 (cf. SCHAUB, 2001, p.277).

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vantajoso aos interesses da coroa que se acudisse às mulheres de todos os

marinheiros:

«sin embargo de lo que diçe el vedor general y aun que por falta de dinero no se han socorrido las unas ni las otras desde ultimo del mes de Março, de que se sigue conocido daño al Real servicio pues no se hallara ningun Marinero quando sean menester, viendo que estando aussentes no se acude a sus mugeres com la racion y por cuenta de su sueldo.»327

Deste modo, deu ordem “para que haviendo dinero se hiciese en la conformd que

parece a Thomas de Ibio Calderon en tanto que V. Mag.d no manda otra cossa”. Alerta,

porém, o rei, de que “en las Arcas de la Armada no ay un real con que poder acudir a

esto y a otras muchas cossas que cada dia se ofreçen.”328

A reforma fiscal e as revoltas populares

Datava de 1631 o “aspero decreto que elRey D. Felipe, dos seus chamado o Quarto, fez

publicar aos Portuguezes: em que lhes mandaua o seruissem com quinhentos mil

cruzados fixos cada hum anno.”329

Desta forma, o governo de Madrid pretendia estabelecer uma renda fixa anual para a

contituição de uma armada pemanente de 30 velas para o socorro do Brasil e para o

apresto de outros meios militares para a conservação das conquistas portuguesas da

Ásia e da África.330

Esta renda fixa obter-se-ia com recurso ao tributo dao real de água (contribuição sobre

a carne e o vinho vendidos a retalho) e ao aumento do cabeção das sisas (aumento de

25% sobre o valor das sisas), entre outros expedientes, como por exemplo donativos

voluntários por parte dos nobres.331

Procurando dar cumprimento ao principal objetivo político da sua nomeação, poucos

meses depois da sua chegada a Portugal a princesa Margarida recorda à câmara de

Lisboa “as urgentes e preçizas necessidades publicas, e o grande aperto em que os

inimigos desta monarquia tem posto e vão pondo cada dias as conquistas e comerçios

327

AGS, G.A. 1261, Carta da Princesa Margarida, 17 de julho de 1639. 328

AGS, G.A. 1261, Carta da Princesa Margarida, 17 de julho de 1639. 329

MELO, 1660, p.10 330

HESPANHA, 1989, p. 56. 331

BOUZA, 1987, p. 856.

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deste Reyno” que justificavam “a execução do real de água e do cabeção das sisas (...)

nesta çidade e termo para que, com este exemplo, se faça o mesmo em todo o Reyno.”

No mesmo documento são referidos os procedimentos para a cobrança eficaz dos

tributos “porque se tem entendido que se fazem muitos fraudes, e que pagão os pobres

e não os ricos.” 332

O decreto de 6 dezembro 1635 elucida-nos sobre os passos tomados pela vice-rainha

para a cobrança dos impostos. “Havendo mandado executar os dous meyos [o real de

água e a quarta parte do cabeção das siza]” procurou-se a fundamentação legal dos

mesmos: “mandando eu ver em junta de letrados, doctos e scientes dos estillos e leis

neste Rn.o (...); e junctandosse por meu mandado menistros das callidades refferidas”;

devidamente aconselhada “e tendo eu prezente o que se me hauia proposto e escrito

em ordem a se usar dos dittos meyos (...) resolvui que (...) se executasse logo.” 333

Foram tomadas providências para avançar com este processo em todo o país:

«e não so pello que toca a esta çidade [Lisboa] se derão as ordens necessarias aos ministros ordinarios, que no termo della cosumão lançar as sizas, para que imponhão mais o que importa a quarta parte do rendimento dellas (...); mas tambem as mais çidades, villas e lugares do Reino se tem inuiado as mesmas ordens.»334

A princesa apela à colaboração e ao exemplo dos magistrados da principal cidade do

reino:

«me pareçeo lembrar-lhe [à câmara de Lisboa] (...) que se deue considerar nella o zello e cuidado, com que costuma acudir nas occasiões do ser.ço de S. M.de e das neçessidades publicas do Reino, quando as prezentes são mayores que todas as que nunca ouue.»335

O atraso nos preparativos poderia mesmo por em causa a perda definitiva do Brasil:

«dillatandosse, acabarão os enemigos da sancta fé e igreija catholica de ganhar o Brazil, perdendosse aly a relligião christã e a gloria e substançia desta coroa, que sem aquelle estado ficará tão empobreçida.»

332

Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, pp. 106-107, decreto da duquesa de Mântua de 6 de março de 1635. 333

Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.115, decreto da duquesa de Mântua de 6 de dezembro de 1635. 334

Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.115 Decreto da duquesa de Mântua de 6 de dezembro de 1635. 335

Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.115 Decreto da duquesa de Mântua de 6 de dezembro de 1635.

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A governante pretendia que o processo decorresse com celeridade, “pelo que resoluo

e mando que o prezidente e offiçiaes da camara, sem mais dillação nem replica,

ponhão em execução os dittos dous meios, concorrendo para isso de sua parte com

todo o calor e pronptidão neçessaria, como delles espero.”336

Em fevereiro de 1636 a princesa, quando a Câmara de Alverca pretende,

argumentando determinados privilégios, “isentar-se da contribuição do Real d’Agoa, e

accrescentamento do Cabeção, que Sua Magestade manda impôr geralmente no

Reino, e que está já imposto na maior parte delle,” a vice-rainha responde que

“poderia isto ser de prejudicial exemplo, por haver outras Camaras que tem a mesma

pertenção, fundada em semelhantes privilegios, a que se não tem deferido”. Assim,

determina que “se ordena pelo Governo, que, sem embargo de tudo, se executem os

dous meios referidos.”337

O governo ordenava, e “obrauão todos os Corregedores do Reyno, segundo as suas

ordens”. Porém, como refere D. Francisco Manuel de Melo, “a nenhum eraõ já ocultas

as grandes dificuldades, que o Pouo oferecia a seu comprimento.”338

Ao tão premente argumento da fome, em anos marcados pela carestia agrícola em

toda a Europa, junta o autor das Epanáforas o argumento de que “segundo os antigos

foros, não pòdem os Principes impor nouo tributo, antes que em Cortes seja

comunicado, pedido, & concedido.”339

De facto, as populações esperavam que o monarca mantivesse a ordem do corpo

social e respeitasse os ancestrais direitos de cada uma das suas partes. A mudança e as

novidades constituíam algo de repugnante para a sensibilidade coetânea, e o

governante que não cumprisse essas expectativas e procurasse inovar, concentrando

em si todos os poderes, tinha boas probabilidades de ser classificado de tirano.340

É nesta conjuntura que despoletam revoltas populares por todo o país, com maior

incidência no Alentejo e Algarve.

As alterações tiveram início em Évora onde, de acordo com o relato de D. Francisco

Manuel de Melo, “foraõ trazidos ao fogo todos os liuros reaes, que seruião de registro

336

Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.115 Decreto da duquesa de Mântua de 6 de dezembro de 1635. 337

Collecção chronologica…, p. 73, 7 de fevereiro de 1636. 338

MELO, 1660, p.28. 339

MELO, 1660, p.10. 340

CARDIM, 1998, p. 145.

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aos dereitos publicos; romperão as balanças dõde se cobraua o nouo imposto da carne;

deuassarão a cadea, dando liberdade aos prezos de quem esperauão ser ajudados,

saqueàrão os Cartorios, desbaratando papeis, & liuros judiciais.”341

O mesmo texto refere que, a ausência de uma pronta reação por parte das

autoridades, “os de Euora (...) começaraõ a gloriarse de suas acçoens, em vez de

temellas, & o que parecia, & foi mais perigoso contra a paz publica, era a comunicaçaõ,

que por cartas introduziaõ com os Pouos vezinhos, & distantes.”342

Deste modo, “chegou, não se sabe qual primeiro, se a fama, ou aplauso, do sucedido

em Euora, aos Pouos circunvezinhos, & pouco despois aos mais apartados da Prouincia

de Alentejo, dõde tão depressa foi tudo ouuido, como imitado; porque como em todos

era comum a queixa, estaua igual a disposição.”343

A intervenção do clero e a questão do colector apostólico

Numa carta ao cabido de Miranda do Douro, datada de dezembro 1637 a vice-rainha

refere que “as alterações que ha havido em Alguns lugares deste Reyno obrigão as

preuençois que ey mandado fazer”, acusando o clero de incentivar a sedição: “tenho

noticias que o principal fundamento de tudo são religiosos e ecclesiásticos sendo como

são interessados que os pouos não contribuam no Real dagoa.”344

Para além de alimentar os desacatos populares, os clérigos não cooperavam com as

autoridades:

«e inda que ey dado diuersas ordens aos Prelados para que castiguem os sediciosos de sua jurisdição não se ha uisto castigo nem emenda e a sedição continua, e aumenta com que eu não poso deixar de acudir a apaziguar esse Reyno, e isto se não pode fazer sem castigo ygual a rebeldia o coal não se chegara a executar nunca como conuem se for necessario ocorrer aos juizes ecclesiasticos, que não hão podido, ou não hão querido castigar esta sedição.»345

O governo estava ciente da influência dos clérigos na agitação que percorria o reino.

341

MELO, 1660, pp. 31-32. 342

MELO, 1660, p.39. 343

MELO, 1660, p.41. 344

Carta ao cabido de Miranda do Douro, dezembro de 1637 in CAVALHEIRO, 1940, pp. 24-25. 345

Carta ao cabido de Miranda do Douro, dezembro de 1637 in CAVALHEIRO, 1940, pp. 24-25.

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A. M. Hespanha refere-se à Igreja como um pólo político decisivo, salientando que o

poder eclesiástico tinha, nesta sociedade, um impacto local incomparável, e que

constituía, na prática, o único poder que conformava e disciplinava os grandes espaços

territoriais e, nomeadamente, o português, não apenas no plano espiritual mas ainda

no plano temporal.346

Para tentar limitar a interferência do clero, decidiu-se que o jesuíta Dr. Sebastião do

Couto, considerado o principal responsável pelos levantamentos do Alentejo e Algarve,

deveria ser retido num convento castelhano. Para evitar a prisão, que faria recrudescer

o levantamento popular ordenou-se, através da princesa Margarida,347 aos provinciais

de Santo Agostinho, S. Domingos e da Companhia de Jesus que fizessem comparecer

na corte de Madrid quatro religiosos de cada uma destas ordens, “los mas doctos para

comunicar com ellos las cosas convenientes de aquel reyno.”348

Disso mesmo dá conta uma carta incluída no Memorial Historico Español, escrita em

Madrid a 20 de janeiro 1638:

«Vinieron de Portugal el dia de la Pascua quatro religiosos agustinos de los mas graves y calificados de su religion, y unos padres dominicos de la misma calidad, y vienen de la Compañia tambien algunos, y enviados todos por la señora princesa Margarita á informar á S. M. del estado de las cosas de aquel reino.»349

A manifesta animosidade do clero para com as autoridades civis não tivera origem

apenas na fiscalidade. No final de 1635, a vice-rainha fora incumbida de elaborar um

inventário dos bens de raíz que estivessem nas mãos da Igreja portuguesa,

procurando-se dar início à desamortização de uma série de propriedades, em especial

as que serviam para financiar capelas e estavam em situação irregular.350

O colector apostólico Castracani, bispo de Nicastro, que chegara a Lisboa em 1635,

publica no domingo de Ramos (16 de março de 1636) uma carta pastoral

excomungando todos os fiéis que denunciassem aos magistrados a existência de

capelas injustamente na posse de religiosos.351

346

HESPANHA, 1993, p. 11. 347

OLIVEIRA, 2002, p.697. 348

AHN, Estado, liv. 699,” Lebantamiento de Portugal”, cit. por OLIVEIRA, 2002, p.697. 349 Memorial Historico Español, t. XIV, p. 296, carta de 20 de janeiro de 1638. 350

VALLADARES, 2006, pp. 38-39. 351

SCHAUB, 2001, p. 227.

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A princesa opõe-se ao colector na defesa da jurisdição da coroa face à da Igreja,352

num processo que se prolongaria por mais de três anos, sendo atribuídas a Castracani

responsabilidades nos levantamentos populares, devido ao interdito lançado sobre os

fiéis.353

Em carta de 3 de fevereiro de 1637, o rei refere as diligências levadas a cabo pela vice-

rainha:

«as consultas que me enviastes, do Conselho de Estado, e da Junta que ordenastes em vossa presença, sobre o Edital que o Colleitor mandou publicar em Domingo de Ramos do anno passado de 1636, contra as pessoas que denunciavam Capellas, que possuem alguns Mosteiros e pessoas ecclesiasticas.» 354

A situação foi cuidadosamente analisada em Madrid:

«mandei vêr, com todos os mais papeis que com ellas vieram, pelos Ministros do Conselho desse Reino, que residem junto a mim, e pelos do Conselho de Castella, e outros muitos Juristas e Theologos.»355

Seguem-se as instruções para a Princesa:

«e havendo concordado todos em que o Colleitor tem procedido com grande excesso (...) resolvi, que ao Colleitor se ordene, que reponha logo o Edital, e tudo o mais que neste negocio tiver feito.»356

Ou seja, o colector deveria ser levado a retirar o interdito, delicada negociação que

ficaria nas mãos da vice-rainha:

«lh’o direis, pela via que vos parecer melhor; estranhando-lhe muito o haver publicado o Edital em Dia de Ramos quando toda a gente está nas Igrejas, occasionando perturba-la na paz temporal e espiritual, e usar nelle de palavras indecentes e escandalosas; (...) e dizendo-lhe tudo o mais, que a este intento se vos offerecer.»357

Previa-se, porém, desde logo, que haveria resistência em ceder às ordens do rei:

«não querendo o Colleitor cumprir e fazer o que fica referido».358

352

SCHAUB, 2001, p. 227. 353

SCHAUB, 2001, p. 227. 354

Collecção chronologica…, p.119. 355

Collecção chronologica…, p.119. 356

Collecção chronologica…, p.119. 357

Collecção chronologica…, p.119. 358

Collecção chronologica…, p.119.

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Nessa situação, esclarece o monarca, “ordenareis que se use com elle do que o Direito,

Costume e Leis desse Reino permittem.”359

Em última instância, o colector poderia chegar a ser expulso do reino:

«e se não bastar tudo, se usará da mão, que o Direito e o Costume me hão concedido, como Rei e Principe Soberano, para deitar de meus Reinos aos Ecclesiasticos, nos casos, que, tendo elles obrigação de obedecer e cumprir o que se lhes manda, como neste, o não fazem.»360

O rei confiava que seria possível resolver a contenda “caminhando pelos meios

juridicos como espero do vosso zêlo e da inteireza dos Ministros desse Reino, que o

saberão obrar.”361

No entanto, critica o modo como a questão tinha sido conduzida pelo governo:

«Se bem que não posso deixar de vos dizer, para que lh’o advirtaes, que em negocio de tanta importancia se ha procedido ahi com alguma frouxidão, e ainda mais espaço, do que materia tão grave requeria.» 362

Teriam sido o Desembargo do Paço e a Casa da Suplicação a referear a acção da

princesa, considerada demasiado vigorosa.363

O marquês de la Puebla propõe-se mediar a questão entre o colector e a vice-rainha,

mas apenas conseguiria que este suspendesse por seis meses os interditos e

censuras.364

Dete modo, e depois de ter convocado Castracani por três vezes, sem sucesso, a

princesa decide, dando cumprimento às ordens de Madrid, proceder à expulsão do

colector no final de Agosto de 1639, medida que suscita fortes reações, chegando ao

ponto de ter de colocar os magistrados sob proteção da sua guarda alemã e proibir os

monges de sair dos mosteiros, para evitar que estes agitassem a população.365

359

Collecção chronologica…, p.119. 360

Collecção chronologica…, p.119. 361

Collecção chronologica…, p.119. 362

Collecção chronológica…, p.119. 363

SCHAUB, 2001, p. 227. 364

AGS, Estado, 4047, Junta do despacho ordinário de Portugal, 20 de setembro de 1639. 365

SCHAUB, 2001, p. 228.

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A reação do governo

D. Francisco Manuel de Melo afirma que a vice-rainha não se terá apercebido, logo de

início, do alcance da revolta popular:

«Recebida em Lisboa a nova do sucesso de Evora pella Princeza margarida, governadora do reyno, não se fez della o verdadeiro juizo; (...) só se julgou por particular dissolução de algumas pessoas inquietas, cometendose a informação do sucedido aos tribunaes de justiça, pera que fizessem castigar os culpados, como em crime ordinario.»366

De acordo com o autor das Epanáforas, seria a disseminação da ação dos revoltosos a

colocar a princesa em alerta:

«A Princeza Margarida, bem que ao principio (...) havia desentendido a calidade do negocio, jà com grande afecto não cessava de o representar urgentíssimo a elRey D. felipe, em repetidos avisos.»367

O mesmo texto refere que estes avisos eram “numerosos” mas “incertos”, uma vez

que a princesa estaria “temerosa de que se lhe imputasse alguma culpa no excesso da

execução, ou na dilação do remédio”. Deste modo, e “por conselho e industria do

Secretario Miguel de Vasconcelos, seu favorecido, referia a elRey ou mais, ou menos,

ou diferentes cousas de aquellas que verdadeiramente se passavão.”368

A sátira intitulada «A inundação que fes a privada do Castello de Lisboa quando

arrebentou»369, dirigida à vice-rainha, dá a entender o impacto que a insurreição de

Évora teve em Lisboa:

«Senhora, aquelle despeio

que o castelo fes de sy

dizem todos por aquy

foi com medo do Alemtejo»

Caberia à princesa a responsabilidade de lidar com os revoltosos, aqui personificados

na figura inimputável do pobre demente Manuelinho:

«Se V.A. quizer

mostrarse mais amoroza

Manoelinho ha de render

366

MELO, 1660, p.29. 367

MELO, 1660, p.32. 368

MELO, 1660, p.32. 369

in BOUZA, 2000, pp.35-36.

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que nunqua se vio molher

a menino rigorosa

e se não fiqua o stado

com vergonha e grande pejo

pois se tem averiguado

que o Castelo estar borrado

foi com medo do Alentejo.»370

Em Janeiro de 1637 a vice-rainha recebeu de Madrid a ordem de recolher em segredo,

mantendo o anonimato dos informadores, os nomes dos principais responsáveis pelos

levantamentos.371

D. Francisco Manuel de Melo relata que, entretanto, “procurava a Princeza nestes dias

todo o possível achar meyos com que atalhar a sedição.” Nomeou novo corregedor

para Évora, Jerónimo Ribeiro, que “não cessava de avisar à Princeza, pedindolhe

acodisse com remedios de mayor força; de que assobrada e confusa Margarida,

procedendo com feminil resolução, ora abraçava os violentos, ora deixava estes por

seguir os moderados.”372

Outras tentativas de abrandar a sedição, referidas na Epanáfora Política, foram a

decisão de enviar a Évora Frei Manuel de Macedo, da ordem de S. Domingos, “para

que pregando naquele povo (...) os pudesse reduzir à quietação”373; também Fernão

Martins Freire, “senhor da casa de Bobadella”, natural de Évora “bem quisto” aos

fidalgos e “poderoso entre o povo foi da Princeza escolhido e mandado” como

intermediário “para que ajudasse por todos os meyos a dispor a concordia.”374

De acordo com o mesmo texto, estas medidas não se revelaram eficazes pois “o mal

não parava á vista dos discursos, ou prevenções, e jà alguns povos destroutra banda do

Tejo se hião declarando pella opinião dos de Alentejo.”375

D. Francisco Manuel de Melo transmite a imagem de uma governadora desconcertada,

perante uma situação que parecia incontrolável:

370

BOUZA, 2000, pp.35-36. 371

OLIVEIRA, 2002, p. 587. 372

MELO, 1660, p.33. 373

MELO, 1660, p.34. 374

MELO, 1660, p.35. 375

MELO, 1660, p.36.

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«Desesperada a Priceza, e temerosa de tomar sobre si o peso da revolução de Portugal, não quis dissimular por mais tempo de representar a el Rey o desengano com que se achava, de que não era o poder que no reyno tinha bastante a castigar, ou reter a furia que levavão os inquietos; finalmente consultando à corte sua desconfiança (...) punha em mãos delRey o perigo e o remedio.»376

Em resposta à princesa, em dezembro de 1637 Filipe IV recorda os motivos que haviam

estado na origem da nomeação da vice-rainha, de forma a corresponder aos desígnios

do reino:

«Ainda que, depois que succedi n’esses reinos, hei procurado, como cousa mais própria de minha obrigação, a satisfação de todos os meus subditos. E não foi pequena demonstração pô-lo em pessoa tal e independente (...) que os inferiores conseguirão justiça com igualdade e sem contemporisações dos poderosos (...) e tão conveniente, para os livrar de opressão, estar seu recurso em mãos de quem, tão livremente como vós, fareis administrar justiça: com que não pude obrar mais n’esta parte, depois de morto o infante D. Carlos, meu muito amado e prezado irmão, que dar-lhes tal governadora.» 377

O rei lamenta a ingratidão dos portugueses:

«E quanto mais me oferece a consideração dos beneficios que de minha mão hão recebido, tanto maior dôr me causa vêr desencaminhados os povos.»378

O monarca informa que tinha sido decidida em Madrid a necessidade de uma

intervenção militar para reprimir os tumultos:

«Estando prevenido isto, resolvi informar-me de vós, do governo, do conselho de estado, do duque de Bragança, dos fidalgos d’Evora e mais pessoas bem afectas.»379

As tropas congregadas na Extremadura e Andaluzia entraram em Portugal, derrubaram

a oposição e a 5 março de 1638 proclamou-se o perdão geral, com exceção dos

cabecilhas, pondo assim fim aos motins.380

376

MELO, 1660, p.37. 377

Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, pp.302- 310, capítulo da carta régia de 3 de dezembro de 1637 . 378

Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, pp.302- 310, capítulo da carta régia de 3 de dezembro de 1637. 379

Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, pp.302- 310, capítulo da carta régia de 3 de dezembro de 1637. 380

ELLIOTT, 2009, pp. 582-583.

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O conflito com o marquês de la Puebla

O fracasso na obtenção do relacionamento institucional e pessoal entre a princesa e o

marquês de la Puebla, nos moldes estabelecidos pela instrução secreta, acabaria por

agravar a instabilidade governativa no reino de Portugal.

Se, por um lado, a presença do marquês constituía uma novidade que foi muito mal

recebida pela nobreza portuguesa, sobre a qual até então tinha recaído o principal

peso do governo do reino,381 faltou também ao primo do conde-duque conquistar a

confiança pessoal da princesa, o que comprometia o exercício do seu cargo, numa

época em que a amizade era fundamental para as relações políticas.382

O marquês começa por revelar prepotência e falta de tacto quando, chegado a Lisboa,

convoca para os seus aposentos particulares o conde de Miranda, presidente do

Conselho da Fazenda e principal responsável pelo financiamento das armadas. Este

mostra-se indignado com a convocação, feita fora do quadro institucional, e com a

rudeza com se lhe dirige la Puebla, que pretendia comandar os oficiais do porto de

Lisboa.383 Desde logo a princesa, informada pelo memorial de Diogo Soares da

relevância política do conde, compreende que correria o risco de o afastar se se

submetesse à vontade do marquês de la Puebla, o que iria comprometer o

equipamento da armada, processo cujos detalhes o conde conhecia

detalhadamente.384

Outro elemento de discórdia seria, desde o início, a corte de italianos da princesa

Margarida,385 tal como transparece na correspondência com Madrid.

Numa carta para o rei, datada de 1 de fevereiro de 1636, o marquês de la Puebla

refere a falta de confiança que a princesa tinha nos servidores espanhóis que lhe

tinham sido designados, por acreditar que estes teriam roubado o seu irmão, o

príncipe Filiberto, explicando que “deve de haver sido causa esta desconfiança de que

algunos criados que aqui se han reçivido se an buscado Piamonteses.”386

381

BOUZA, 2000, p. 228. 382

SCHAUB, 2001, p.183 383

SCHAUB, 2001, p.183. 384

SCHAUB, 2001, p.182. 385

LUXÁN, 1988, p.416. 386

AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 1 de fevereiro de 1636.

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Ao mesmo tempo que afastava os castelhanos, substituindo-os por criados

piemonteses da sua confiança, a princesa autorizava o conde Bainetti e o padre D.

Mansueto a entrar no despacho.

O marquês vê-se preterido no seu papel de superintentende da casa da princesa:

«He tenido por muy conviniente al seriçio de V Md y para que se lograsse lo Prinçipal dexar que los Criados y Hacienda de su A. se governase a su voluntad por el pareçer del Conde Baynete y del Pe don Mansueto.» 387

O marquês fica, assim, afastado da gestão da casa da princesa até ter sido chamado a

resolver um problema de falta de dinheiro:

«Y a mi cassi nunca se me a dado quenta de nada (ni de los criados que se an despedido y reçivido) sino es en los meses passados faltando dinero para la cassa que su A. me ynbió a mandar que procurase que se supliese como se hiço.»388

Procurando averiguar o motivo dos gastos excessivos, o marquês pediu as contas da

cavalariça, vindo a descobrir que tinha sido desviado dinheiro da cevada para o conde

Bainetti e D. Juan de Castillo.

La Puebla mostra-se indignado, garantido que sob sua gestão tal situação não teria

ocorrido “su A. savia que el govierno de la cassa no havia corrido por mi ni se me havia

dado cuenta de nada que si huviera corrido huviera procurado disponer las cosas de

manera que no huviera faltas en la cassa de su A.” 389

Para obviar a situação, sugere então que se pedisse um adiantamento ao tesoureiro da

alfândega “por quenta de primer quartel de este año.” 390

A princesa teria ficado insatisfeita com esta proposta, por considerar que o marquês

poderia agilizar de outra forma a situação, recorrendo ao seu estatuto de presidente

do Conselho da Fazenda de Castela:

«He entendido que su A. a estado desabrida por esto, no se serviendo de que se executase este medio diçiendo que bien podia yo como Pressidente el consejo de haçienda de Castilla llamar un asentista y dalle consignaçion para que pagase este dinero.» 391

387

AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 1 de fevereiro de 1636. 388

AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 1 de fevereiro de 1636. 389

AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 1 de fevereiro de 1636. 390

AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 1 de fevereiro de 1636. 391

AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 1 de fevereiro de 1636.

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Meses mais tarde, o marquês acusava os criados italianos de terem intrigado contra a

sua pessoa junto da princesa, conduzindo ao seu afastamento:

«Las conbenencias de sus criados me hiçieron mal visto de Su A. no se enbaraçava conmigo aunque estuviese mucho rato en su apossento antes me dava particular notiçia de sus cossas de su hija y de su dote.»392

O marquês queixava-se sobretudo do ascendente que a camareira-mor, a marquesa

Tassoni, teria sobre a princesa:

«Desde Évora se descubrió la camarera mayor su actividad y codiçia y brevemente se reconoçio quan poderosos eran sus criados com su A. La camarera mayor porque deve de ser la perssona demas sangre que su A. tray consigo y de ordinario la amenaça con que se yra.»393

Muito influentes eram também o mordomo-mor “el Conde baynete porque su A. le

haçe mucha md” e o padre “Mansueto por esta raçon y porque deve juzgar que

neçesita de su ynteligençia para sus negoçios.”394

A princesa procurava recompensar os seus fiéis servidores:395

«Siendo cossa que su A. diçe algunas veçes que les tiene obligaçion porque la han servido y por que la han de bolver a servir.»396

Até mesmo o pedido de envio de mais dinheiro era justificado pela princesa devido à

necessidade de sustentar o seu séquito:

«Deste año no ay consignacion y sin ella no se podra pasar adelante no ay cosa que haga ma de mala gana que pedir para my si bien esto mas es para otros porque los que me sirven como los mas no son de aqui y este año todo esta tan caro la pasan mal.»397

Embora agindo no cumprimento de um dos capítulos das instruções, a tentativa por

parte do marquês de coartar o poder paralelo e profundo dos criados da princesa

392

AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 13 de agosto de 1636 393

AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 13 de agosto de 1636 394

AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 13 de agosto de 1636 395

Na correspondência para Madrid encontram-se vários exemplos que ilustram esta situação, como a intercessão junto do conde duque no pedido de patente de coronel para o genro da marquesa Tassoni, ou a referência a mercês solicitadas pela princesa para o conde Bainetti e o padre Mansueto: “tambien

ha un año que estoy aqui y delas mercedes que se me prometieron para el Conde Ludovico y el padre Don

Mansueto no he visto ningun effecto.” (AGS, Estado, 4047, Carta da princesa Margarida ao conde-duque, 1636). 396

AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 13 de agosto de 1636. 397

AGS, Estado, 4047, Carta da princesa Margarida ao conde-duque, 1636.

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acabaria por agudizar o conflito,398 que se revelava também na gestão do governo.

Volvidos seis meses sobre o início do governo, já o conselho de Estado reconhecia que

“la carta de la S.ra Princesa muestra poca satisfacion de como corren los negocios en

aquel Reyno y paresce que comprehende misterios en el modo con que quiere discurrir

en los ministros que la assisten.”399

A governadora queixava-se da prepotência que queriam adquirir no governo os seus

protectores, dando ordens sem o seu conhecimento:400

«La S.ra Princesa se quexa de que el Marques de la Puebla tiene gran superioridad.»401

Miguel de Vasconcelos relataria mais tarde que a princesa se recusara assinar as

consultas quando lhe eram apresentadas com o despacho do marquês, comentando

ironicamente que lhe traziam as lições já feitas:

«[El Marq.s] quizo introduzir que luego se puziesse en las consultas el despacho de lo que en sua caza resolvia, como se puzo en muchas, y acordado deve estar Gaspar Ruiz de haverme dicho que reparando V. A. en esto no quiziera señalarlas diziendo: bueno está traerdesme tan echas las liciones.»402

Por outro lado, em carta de 4 de fevereiro de 1636, o marquês lamenta-se ao conde-

duque de não conseguir cumprir as funções para as quais foi enviado a Portugal:

«En el correo passado escrivi que no solo estava Portugal çien leguas de madrid, sino mas lejos que la yndia, aora digo s.or que esta en la china.»403

Para la Puebla o principal defeito da princesa era “desear que corran los negoçios por

su mano”, situação que considerava incompreensível, justificando que"nunca las

mugeres governaron sin Asistençia de ministros.”404

Todas as iniciativas levadas a cabo pelo marquês para se inteirar dos negócios saíam

goradas, e as suas ordens não eram cumpridas:

«Si digo que se enbie alguna orden no se haçe, si trato de que se junten conmigo algunos ministros tanpoco se da lugar a ello.» 405

O principal interlocutor da princesa era o secretário Miguel de Vasconcelos:

398

OLIVEIRA, 1991, p.150. 399

AGS, Estado, 2656, Conselho de Estado de 24 de julho de 1635. 400

LUXÁN, 1988, p.412. 401

AGS, Estado, 2656, Conselho de Estado de 24 de julho de 1635. 402

AGS, Estado, 4047, relato de Miguel de Vasconcelos, 21 de abril de 1637 403

AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 4 de fevereiro de 1636. 404

AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 4 de fevereiro de 1636. 405

AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 4 de fevereiro de 1636.

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«[As consultas] de mano de Su A. ban a la de vasconçelos sin que yo sepa quando an benido y se despachan quando quiren y con los ministros que quieren.» 406

La Puebla garantia, porém, ter sempre tido uma atitude de reverência para com a

Princesa: “enquanto a la beneraçion de Su A. yo he tenido tanta en palabras y en

demonstraçiones e echo quanto me se a sido posible;”407 pelo que não compreendia o

afastamento e isolamento a que tinha sido votado: “yo me allo aqui haçiendome su A.

muy poco favor y no rreconoçiendo ninguno los que entran en mi apossento y me

asisten.”408

O marquês suspeitava de que teriam sido levantados falsos testemunhos para

predispor a duquesa contra si:

«El daño es que se podia creer lo mucho que abran dicho a su A. y testimonios que me habran lebantado (...) para procurar que apartandose de mi pudieses obrar a su voluntad.» 409

Estava, porém, ciente de que a princesa enviaria para Madrid uma versão diferente dos

acontecimentos:

«En la consulta que havia rremetido su A. en el correo anteçedente yo lo dificultava o cassi ynposiblitava todo.» 410

A perspectiva da vice-rainha era, naturalmente, oposta à do marquês de la Puebla. Em

carta ao rei, e assumindo a sua habitual postura dramática, Margarida começava por

afirmar que “querria ser un Angel para no poder errar y tener la inteligencia que seria

menester para mejor servir a V. M. y obviar inconvenientes.”411

Admitindo o conflito com aquele que deveria ser o seu braço direito, a princesa

aproveitara o período do Natal para refletir sobre a questão, concluindo que seria difícil

concretizar determinados pontos das instruções que recebera do monarca:

«Estos dias de fiestas con particular cuydado he procurado poner en la memoria mys instruciones y assy en lo cerimonial como en lo esencial ay algunas cosas que no se como se podran bien ajustar.»412

406

AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 4 de fevereiro de 1636. 407

AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 4 de fevereiro de 1636. 408

AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 4 de fevereiro de 1636. 409

AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 4 de fevereiro de 1636. 410

AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 4 de fevereiro de 1636. 411

AGS, Estado, 4047, Carta da princesa Margarida, 1 de janeiro de 1636. 412

AGS, Estado, 4047, Carta da princesa Margarida, 1 de janeiro de 1636.

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A princesa mostra intenção de resolver o problema:

«El otro dia llame a los dos secretarios Don Francisco Valcarcel y Francisco leyton y Tomas d’Ibio Calderon y les dije como deseava que estas cosas se ajustasen y assy iremos tratando dello.»413

No entanto, revela-se descontente com a falta de autoridade que lhe tinha sido

atribuída, uma vez que se considerava tão competente e experiente quanto o marquês:

«Las noticias de aca sino soy muy lerda podria haverlas aprendido tan bien como el Marques de la Puebla pues ni la edad ny las del Mundo me faltan.»414

Na correspondência com o conde-duque a princesa mostra-se ciente da dificuldade

que haveria em discernir a questão a partir de Madrid:

«Con mucho gusto escrivo a V. E y por otra parte escrivo muy de mala gana y mas quando no siento poder dezir todo lo que seria menester para que V. E. tenga entendido las cosas como son el tiempo lo dira.»415

Margarida afirma que não pretendia contrapor os argumentos dos seus opositores,

nem alimentar as intrigas:

«Si de cada cosa yo quisiese hazer una istoria no tendria poco en que occuparme no me sobra tiempo para esso mys acciones seran las que hablaran por my qui yo no naci para relatora ni para hazer mal a nadie harto me pesa quando ellos mismos se lo hazen.»416 Reitera que “en nada perdi diligencia y vigilancia” e mostra-se empenhada em tomar

as rédeas da situação:

«Es menester que entiendan que yo soy la que obra y ha de obrar.»417

O conselho de Estado de 25 janeiro 1636 analisa as cartas da princesa e do marquês de

la Puebla acima referidas:

«Se va descubriendo la llaga con que unos escriven de los otros.» 418

Conclui que a tentativa de pacificar o governo de Portugal por intermédio da vice-

rainha estava a ser um fracasso:

«Las materias no pueden estar en peor estado hallandose los ministros tan

413

AGS, Estado, 4047, Carta da princesa Margarida, 1 de janeiro de 1636. 414

AGS, Estado, 4047, Carta da princesa Margarida, 1 de janeiro de 1636. 415

AGS, Estado, 4047, Carta da princesa Margarida ao conde-duque, 1636. 416

AGS, Estado, 4047, Carta da princesa Margarida ao conde-duque, 1636. 417

AGS, Estado, 4047, Carta da princesa Margarida ao conde-duque, 1636. 418

AGS, Estado, 4047, Conselho de Estado de 25 de janeiro de 1636.

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discordes unos de otros syn haverse conseguido el fin que tanto se desseo y impostava de unir unos con otros por mano de la sa Princessa.»419

A princesa estava do lado dos portugueses e não envolvia os ministros da confiança de

Madrid na governação; por seu turno, os ministros portugueses, aproveitando-se do

carácter voluntarioso da princesa, manipulavam-na contra la Puebla:

«Los Portuguesses se han juntado y tienen de su parte a la sa Princessa que separadam.te pueden obrar sin intervençion ni comunicaçion de los otros [los ministros de Castilla] siendo que combenia que la sa Princessa se valiera de los de aca.»420

Os conselheiros sugerem que o marquês de la Puebla deveria continuar a tentar

implementar as políticas de Madrid, mas recomendava-se-lhe que fosse mais subtil na

sua actuação, por modo a não melindrar a vice-rainha:

«Se podria advertir tambien al Marques que no combiene se entienda que el es el que govierna en aquel Reyno sino antes bien deve mostrar que todo lo haçe la sa Princessa y devaxo de sus ordenes procurar el disponer y encaminar quanto se offreciere del serviçio de V. Mg.d pues de otra manera no seria raçon siendo la Prinçesa la persona que es y de la actividad y entendimiento que reconoçe en todas sus acçiones.»421

Quanto à princesa, deveria ficar reconhecida pela honra que lhe fora feita: “tambien

conbendra que con esta ocassion entienda la sa Princesa quanto mayor favor se lo hiço

V. Mg.d en la forma que le encomendo aquellos cargos” atribuindo-lhe “el titulo de

Cappitan General (...) haviendose seguido con esto el estilo que se observa con el Sor

Infante Don Fernando y se observo con la Infanta en Flandres.”422

Em Agosto de 1636, o marquês de la Puebla, em resposta a uma carta do rei pedindo

uma relação do estado dos negócios do reino, analisa detalhadamente as instruções

dadas à princesa sobre o governo, indicando os pontos que não estavam a ser

respeitados.423

O marquês acusa a princesa de não cumprir as instruções por ter deixado de consultá-

lo, e ao secretário Escaray:

«La sra Prinçessa fue servida de que las consultas de los tribunales biniesen a las

419

AGS, Estado, 4047, Conselho de Estado de 25 de janeiro de 1636. 420

AGS, Estado, 4047, Conselho de Estado de 25 de janeiro de 1636. 421

AGS, Estado, 4047, Conselho de Estado de 25 de janeiro de 1636. 422

AGS, Estado, 4047, Conselho de Estado de 25 de janeiro de 1636. 423

AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 13 de agosto de 1636.

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manos del secretario Gaspar Ruiz escaray y las mias (...) esto fue çesando desde el mes de Abril de seisçientos y treynta y çinco y particularmente desde que poco tiempo despues bolvio el P.de Don Mansueto de Madrid (...) y siempre a ydo en diminuçion de manera que a mucho tiempo que el s.rio Gaspar Ruiz y yo no savemos lo que se consulta por los tribunales.»424

Excluídos os conselheiros castelhanos, os assuntos do governo eram tratados entre a

princesa em colaboração com os servidores italianos da sua confiança e os secretários

portugueses:

«Las consultas de los tribunales se an entregado en manos de su A. y de los suyos a los secretarios Portugueses.»425

A princesa estaria certamente ciente destas acusações quando escreve novamente ao

conde duque, tentando justificar a sua atitude com base no comportamento incorreto

do marquês.

Uma vez mais, inicia a missiva de forma dramática, com uma referência ao seu sangue,

que a animaria a lutar pela verdade e justiça:

«Tendo sangre en las venas que sabra no sufrir lo que no se deve, y querra que se cumpla con lo que es devido.»426

Numa alusão ao passado atribulado, recorda que “no soy persona que no sepa que sea

de tolerar algo, y que no aya sobrellevado mucho.”427

A querela chega a um ponto em que os argumentos, de ambos os lados, passam pela

descrição de pequenas intrigas e desencontros do quotidiano, como o facto de o

marquês não respeitar os horários e compromissos da princesa:

«Diversas vezes el Marques de la Puebla y esto desde el principio no venia cada dia sin estar malo y quando yo queria salir a algun convento si hazia malo y buscava achaques yo lo disimulava y con salir de tarde en tarde lo iva remediando.»428

Esta atitude teria sido corrente, e fizera a princesa desconfiar dos achaques do

marquês:

«Otro dia despues se me offrecio salir a las carmelitas y le embie avisar desde la noche porque no hiziese como otras veces que quando se imagina que podria ser que saliese se iva la mañana muy temprano, pero ya que no se pudo escusar

424

AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 13 de agosto de 1636. 425

AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 13 de agosto de 1636. 426

AGS, Estado, 4047, Carta da Princesa Margarida ao Conde-Duque, 4 de novembro de 1636. 427

AGS, Estado, 4047, Carta da Princesa Margarida ao Conde-Duque, 4 de novembro de 1636. 428

AGS, Estado, 4047, Carta da Princesa Margarida ao Conde-Duque, 4 de novembro de 1636.

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con otra cosa dijo que no estava bueno a otro dia le embie a visitar y ver como estava y despues pienso otra vez que me digeron que no estava bueno.»429

O que é um facto é que o marquês deixou de apresentar-se regularmente no despacho

com a princesa, que começou a insistir na comunicação por escrito:

«Procure que lo mas que se pudiese passase por escrito.» 430

A situação extremou-se quando o marquês se recusou ostensivamente a comparecer

perante a vice-rainha que, despeitada, tenta impedir os restantes colaboradores de

visitar o marquês:

«Pregunte a Ezcaray: porque dize el Marques que no sube? Dijome por que no quire competencias. No ay esta occasion, le dixe, pues el no haze lo que deve y recibire disgusto si meteis pie en su aposento; y quando yo sali no le embie a avisar y fui sola con el Conde Bainete y Don Juan a quien tambien ordene que no fuese a verle y tambien lo dixe a Francisco de Valcarcel y Francisco Leiton que quien fuesse alla me daria disgusto que seria por poco tiempo y que los negocios se podian comunicar por escrito entretanto.»431

Encontramos o mesmo episódio relatado por Gaspar Ruiz Escaray a pedido do

marquês de la Puebla:

«Dixe a S.A. que avia unos despachos, que si era servida de señalarlos, dixo que sí (...) y ley seis, o ocho ordenes para differentes tribunales, y S.A. los señalo, y estando señalando el ultimo, me volvio a decir: y qual es la causa porque el Marques no sube aca? yo respondi, dice que ha dado quenta della a S. Md y que lo haçe por evitar inconvenientes. S. A. entonces se levanto, diçiendo: Pues quien fuere a ver al Marques, no me venga a ver a mi.»432

Em abril de 1637 a princesa tenta explicar ao rei a sua versão sobre a ruptura:

«Lo que el marques de la Puebla va divulgando que no sabe nada de los negocios mas que si estuviera en Madrid me ha obligado a dar dello cuenta a V. M. y procurar sacar a luz la verdad.»433

A vice-rainha reconhecia que o conflito prejudicava o funcionamento do governo:

«A V. M. di cuenta el año pasado el desconcierto que passava entre ministros castellanos y portugueses y el embaraço de la forma del despacho.»434

429

AGS, Estado, 4047, Carta da Princesa Margarida ao Conde-Duque, 4 de novembro de 1636. 430

AGS, Estado, 4047, Carta da Princesa Margarida ao Conde-Duque, 4 de novembro de 1636. 431

AGS, Estado, 4047, Carta da Princesa Margarida ao Conde-Duque, 4 de novembro de 1636. 432

AGS, Estado, 4047, relato de Gaspar Ruiz Ezcaray, 15 de novembro de 1636. 433

AGS, Estado, 4047, carta da Princesa Margarida, 22 de abril de 1637. 434

AGS, Estado, 4047, carta da Princesa Margarida, 22 de abril de 1637.

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Margarida defende que tentara cumprir as instruções do rei, contando com a

colaboração dos secretários:

«Es cierto y verdad que yo me havia declarado y ordenado a los secretarios que cumpliesen con su obligacion conforme a las Reales ordenes de V. M. y que comunicasen a el Marques todo y llevassen los despachos por no andar yo con aquel cuydado sino en las cosas que pedian mas consideracion.»435

Refere ocasiões em que tinha trabalhado diretamente com o marquês:

«Y estoy muy bien acordada que en los aposentos donde estoy el verano (...) y muchas personas lo an podido ver que estava despachando con el Marques de la Puebla y Ezcaray.»436

Porém, vice-rainha acusa novamente o marquês de não respeitar os horários: “de

ordinario a la ora que venia el Marques las mas veces quando ya era ora de comer.”

Por vezes, ”enfadada de que me havian hecho aguardar toda la mañana o que havia

embiado a llamar el Marques y no le havian hallado (...) quando venia y traian

consultas mandavalas poner sobre el bufete cerradas y dezia serán para despues que

ya es ora de comer.”437

Quebradas igualmente as hipóteses de entendimento entre o marquês e o secretário

Miguel de Vasconcelos, a princesa tenta, ainda assim, limitar as perturbações que as

intrigas na corte teriam sobre os assuntos do governo. Dando conta a Madrid desta

preocupação, a vice-rainha recebe intruções para que os pareceres sejam todos feitos

por escrito:

«Quando [o marquês] se desconcertou con Basconcelos y despues corri yo con los negocios en la forma que me dezian si bien despues que tuve mas noticias y vi que se me hazian creer algunas cosas que no eran assy y otras mudavan y dezia el Marques de no haver dicho sino assy de que di quenta a V. M. y entonces ordeno V. M. que tomasse el parecer por escrito.» 438

Também o conde-duque, “en diversas cartas suyas me dize que passe por escrito que

es lo mas seguro.”439

Estas indicações seriam seguidas, com“mucho cuydado y diligencia,” por Francisco de

Valcárcel e Tomás de Ibio Calderón “en todo lo que es del servicio de V. M.”440

435

AGS, Estado, 4047, carta da Princesa Margarida, 22 de abril de 1637. 436

AGS, Estado, 4047, carta da Princesa Margarida, 22 de abril de 1637. 437

AGS, Estado, 4047, carta da Princesa Margarida, 22 de abril de 1637. 438

AGS, Estado, 4047, carta da Princesa Margarida, 22 de abril de 1637. 439

AGS, Estado, 4047, carta da Princesa Margarida, 22 de abril de 1637.

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Porém, o marquês recusava-se a cumprir as novas ordens:

«Solo el Marques de la Puebla no quieres recibir papeles de Basconcellos ny trata con el.»441

Uma carta do secretário Miguel de Vasconcelos ao seu compadre Diogo Soares sobre

os motins de Évora, relatando várias reações e opiniões, mostra bem o ambiente de

tensão e conflito que se vivia no seio do governo, no Outono de 1637. Francisco de

Valcárcel, colaborador do marquês de la Puebla, insinua que um eventual movimento

independentista teria de ter um líder, e que este não poderia ser outro que não o

duque de Bragança ou a própria vice-rainha:

«Descorrendo (...) Dom Francisco de valcassere com S. A. lhe disse que se este Reino se leuantasse de verdade, que não podia ser sem cabeça, e que esta ou auia de ser ella ou o Duque de Bargança.» 442

A princesa mostra-se “muito alterada que se pudesse duuidar de sua fidilidade” e

revela o seu lado mais dramático “dizendo que antes perderia mil vidas que encontrar

o servi.co de S Magde nem dar favor a quem o encontrasse.”443

Valcácer insiste no seu ponto de vista, dizendo, de forma quase premonitória:

«Isso entendemos todos porem nestes casos poderão serrar a V. A. em hum aposento e obrigalla por força a que firme papeis e de ordens ainda que não queira.» 444

A princesa “lhe tornou a responder que nada a poderia obrigar ao que ella não

quisesse”. Margarida “ficou alterada” perante a hipótese de se ver involuntariamente

envolvida numa ação contra o rei, apercebendo-se também de que “os pensamentos

que via em Dom Francisco que erão os mesmos do Marquez e Escaray todos pella

disacreditar.” De acordo com Vasconcelos, estes procuravam “por todos os meios de

fazer suspeitosa S. A. ao serviço de S Mag.de”, sendo mesmo o marquês o provável

autor de um pasquim que por então circulava “semelhandose e a letra” à de um oficial

de Escaray.445

440

AGS, Estado, 4047, carta da Princesa Margarida, 22 de abril de 1637. 441

AGS, Estado, 4047, carta da Princesa Margarida, 22 de abril de 1637. 442

BA, 51-V-80, f.44, Carta de Miguel de Vasconcelos a Diogo Soares (Outono de 1637 cf. SCHAUB, 2001, p.200, n.133). 443

BA, 51-V-80, f.44. 444

BA, 51-V-80, f.44. 445

BA, 51-V-80, f.44.

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75

O pedido de resignação da Princesa no contexto da reformulação do governo de Portugal

O mau funcionamento interno do governo da princesa Margarida e a instabilidade

provocada pelas revoltas populares levaram o conde-duque a convocar para Madrid os

principais representantes da nobreza, do clero e da administração, com o objetivo de

encontrar uma solução para a substituição da princesa e reorganização do governo de

Portugal. 446

Diogo Soares refere, em carta a Miguel de Vasconcelos, que “o Conde Duque anda

dando com a cabeça pellas paredes de como se ha de formar o governo desse

Reyno.”447

Olivares apercebera-se de que a tentativa de reorientação da política através da

princesa Margarida não tinha sido bem sucedida, sendo discutida a substituição da

princesa por um vice-rei não natural, sem necessidade de possuir sangue real, que

exerceria simultaneamente o poder político e militar.448 Para que a mudança não fosse

tão radical, o governo deveria inicialmente ser exercido por tres governadores, dois

deles “muy biejos y el capitan general por tercero de buena hedad y circunstancias,

para que quedase por virrey muertos los dos.”449

Antes de proceder às alterações no governo, a junta constituída para o efeito

pretendeu que fosse aprovada por dirigentes e governantes portugueses: determinou-

se que em Portugal seriam ouvidos, entre outros, a vice-rainha, o marquês de la

Puebla, o doutor Francisco de Valcárcel, Gaspar Ruyz Escaray e o duque de

Bragança.450

Em março de 1639 o rei decretaria a dissolução do Conselho de Portugal e sua

substituição por duas juntas, uma em Madrid e outra em Lisboa, sob a chefia de Diogo

Soares e Miguel de Vasconcelos, respetivamente.451

446

SCHAUB, 2001, pp.230-231. 447

BPE, cod. CV/2-19, f. 105, Carta de Diogo Soares a Miguel de Vasconcelos. 448

OLIVEIRA, 2002, p.696. 449

AHN, Estado, liv. 699,” Lebantamiento de Portugal”, cit. por OLIVEIRA, 2002, p.696. 450

OLIVEIRA, 2002, p.699. 451

VALLADARES, 2006, pp. 40-41.

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Enquanto se discutia um novo modelo governativo para Portugal, a princesa via

sucessivamente adiados os seus pedidos para retornar a Itália.

O Conselho de Estado analisa, em setembro de 1638, os documentos levados a Madrid

pelo conde Bainetti, em que a princesa solicitava licença para regressar a Itália

“alegando la falta de salud,” agravada pela sobrecarga de trabalho que tinha em

Lisboa:

«No sabe como se le pueda obligar a que continue con el trabajo tan grande como el a que obliga un govieno tan molesto y de tanto cuydado como el de Portugal.»452

O rei considera que a questão da saude era melindrosa e concorda com a proposta de

que se respondesse à princesa que seria mais conveniente adiar a viagem para depois

do inverno, já que “este tempo em nenhuma parte mexor que en lisboa se puede

passar.”453 Era necessário protelar a partida da vice-rainha até que se decidisse quem a

substituiria no governo em Lisboa.454

Para além da crise e reformas no governo de Portugal, também a situação dos estados

italianos era tida em conta, procurando-se prever o impacto do regresso da princesa a

Itália.

Nesse sentido, a correspondência de Margarida com a filha era assunto de estado,

escrutinada em Madrid e analisada em conselho de Estado, cirunstância que apenas

podia ser contornada através do envio de emissários de confiança.

A duquesa Maria de Mântua tinha confidências que gostaria de partilhar com a mãe,

mas estava consciente “che tutto non si puo metere in carta”, referindo que, caso a

princesa Margarida enviasse o padre Mansueto ou outro confidente, teria “molte cose

da dire; che non posso meter in iscrito.”455

Na sua correspondência com Mântua, para além do interesse pela saúde da filha e dos

netos, a princesa procura informar-se sobre a situação em Itália, mostrando-se atenta

à evolução política e procurando aconselhar a filha, regente do ducado durante a

menoridade do duque Carlos III.

452

AGS, Estado, 3647, Conselho de Estado de 2 de setembro 1638. 453

AGS, Estado, 3647, Conselho de Estado de 11 de setembro 1638. 454

AGS, Estado, 3647, Conselho de Estado de 11 de setembro 1638. 455

AGS, Estado, 2664, cópia de carta da duquesa Maria de Mântua à Infanta Margarida de Sabóia, 4 de fevereiro de 1640.

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Em carta ao conde-duque de abril de 1640 Margarida confessa que “las cosas de Italia

me tocan tanto que me tienen el animo muy perturbado” e que tudo quanto almejava

era “dar la bendicion a my hija, y nietos y procurar un rincon donde con quietud pueda

prepararme para la jornada inevitable,” o que também poderia ser vantajoso para

Espanha: “lo que me queda de vida emplearlo en el servicio de V. M. y no pienso ser de

poco my ida a Italia” onde melhor poderia encaminhar a filha e os netos para “la

devocion antigua a esta corona.”456

No Verão de 1640, para além do regresso a Itália, a princesa pedia autorização para

usar o “titulo de Infante representando largamte las causas y raçones que ay para

ello.”457 O Conselho de Estado refere que "esta misma pretension ha tenido la Sra

Princesa otras veçes," mas considera que a satisfação deste pedido poderia trazer

inconvenientes no relacionamento com outros principes da familia, propondo “que se

le podria mantener en el mismo estado que hasta aqui favoreçiendola y honrrandola V

M.d como lo esta haciendo.”458

Não obstante os insistentes pedidos para regressar a Itália, a vice-rainha continuava a

manifestar-se empenhada no cumprimento da sua missão e envolvida nas questões

governativas mais prementes.459

456

AGS, Estado, 2664, carta da Princesa Margarida ao rei, 17 de abril de 1640. 457

AGS, Estado, 2664, Conselho de Estado de 14 de agosto de 1640. 458

AGS, Estado, 2664, Conselho de Estado de 14 de agosto de 1640. 459 No mês de julho de 1640 a princesa recebeu instruções de Filipe IV para que lhe enviasse um rol de

todos os conventos de religiosos que havia no reino de Portugal (e conquistas) e que tinham esmola e ordinária de especiaria, com a indicação rigorosa de quanto se dava a cada um e que quantidade de drogas ( AHU, cod. 30 - Registo de Consultas do Serviço Real. Diferentes possessões, 1640-1643, f. 29v, 25 de julho de 1640). Este documento insere-se no âmbito da política fiscal que agravava o descontentamento da Igreja, que vinha sendo ameaçada de medidas desamortizadoras e sujeita a contínuos pedidos de dinheiro (HESPANHA, 1999-2000). Durante o mês de Agosto são dirigidas ordens régias ao Conselho da Fazenda para que dê o seu parecer sobre o apresto da armada para a Índia e como proceder quanto à sua administração, como atesta a carta régia «Sobre o socorro que S. Magestade manda que inuie a yndia na Monção de Septembro que uem deste ano de 1640», que instava a a vice-rainha a obter o dinheiro tão rapidamente quanto possível (AHU, cod. 30 Registo de Consultas do Serviço Real. Diferentes possessões, 1640 -1643, f. 21v. segs., 7 de agosto de 1640 e 18 de agoto de 1640).

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O Governador Geral das Armas de Portugal

Seguindo a política de reformas que se sucedeu ao fim do motim de Évora, e na

iminência de um ataque francês, o conde-duque decidiu criar a figura de um

Governador General das Armas de Portugal, cargo atribuído por sua insistência ao

duque de Bragança.460

João Salgado de Araújo refere-se a esta nomeação no Marte Portuguez:

«Pareció al [Rey] de Castilla en el año de 1639 que conuenia preuenir la defensa de Portugal, de manera, que una armada de que tenia noticia que se ordenaua en Francia no intentasse en alguna hostilidad, y no le pareciendo, que bastaua la assistencia de la Princesa Margarita Virey y Capitan General del Reyno, nombro al Duque, para gouernador general delas armas. No faltaron muchos (segun se diz) del consejo de Castilla, que contradixeron la elecion entendiendo que no conuenia poner las armas del Reyno en la mano donde deuia estar el sceptro.»461

De facto, D. João, 8º duque de Bragança era, simultaneamente, o maior fidalgo do

reino e herdeiro direto de uma antiga candidata ao trono, D. Catarina, o que lhe

conferia uma certa legitimidade dinástica.462

D. Catarina, a prima de Filipe II preterida na sucessão ao trono, ainda chegara a propor

que que o seu filho D. Teodósio sucedesse ao arquiduque Alberto no cargo de vice-rei;

mais tarde, D. Duarte, o irmão mais novo de D. Teodósio também pretendera ocupar o

cargo.463

Dinastia rival da de Avis, a vastidão do seu património, disperso por todo o reino,

faziam da casa de Bragança, só por si, um principado.464

Desde finais do século XV a residência permanente dos duques era em Vila Viçosa,

tendo realizado avultados investimentos na construção e engrandecimento do palácio.

Os duques apenas se deslocavam à corte em momentos significativos – casamentos,

batizados, funerais ou reunião de cortes.465

460

SALAS, 2011, p.112; OLIVEIRA, 1991, p.249. 461

ARAÚJO, 1642, p.225. 462

BOUZA, 1987, p. 851. 463

SCHAUB, 2001b, p.65. 464

SCHAUB, 2001b, p.63. 465

CUNHA, 2000, p.35.

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79

Mesmo afastados, a partir da sua corte de Vila Viçosa, os duques de Bragança

exerciam a sua influência nos conselhos, sem nunca um membro da família ter

chegado a exercer o cargo de vice-rei ou ter participado no Conselho de Estado.466

O duque D. João evitava qualquer comunicação com os secretários Diogo Soares e

Miguel de Vasconcelos e impunha um protocolo complexo, com o objetivo de

defender a dignidade da casa de Bragança. Apesar das tentativas de Olivares, este

nunca conseguiu garantir a influência sobre a mais importante família portuguesa.467

Quando o conde-duque convocou, em 1638, os representantes mais destacados do

clero e da nobreza de Portugal com o objetivo de se aconselhar sobre como melhorar a

administração e como empreender a recuperação dos territórios ultramarinos

portugueses, o duque de Bragança conseguiu um pretexto para não comparecer na

corte.468

A princesa Margarida fora informada por Diogo Soares em 1634 de que o duque de

Bragança não era considerado perigoso e tinha boa reputação, e era aconselhada a

conservar o tratamento grandiloquente reservado à casa de Bragança.469

Porém, a questão das cortesias seria sempre um ponto sensível, que causaria, desde o

início, fricções entre a princesa e os nobres do reino:

«De Lisboa escribe un padre de la Compañia, que los caballeros y títulos de Portugal están muy sentidos de que la señora duquesa de Mantua no los trate las cortesías que ellos quisieran; y así la asisten poco, y por haber tratado de señoria al Excmo. Señor duque de Berganza un criado que le mandó la Gobernadora, no quiso ir á Palacio.»470

Com a nomeação do duque em 1639 a princesa mostra-se apreensiva relativamente ao

protocolo e pede instruções ao rei no sentido de “evitar embaraços que se podrian

ofreçer cerca del tratamento y forma en que me tengo de aver com el Duque.”471

A vice-rainha seria informada de que “resolvío su Md se inviase orden a la Senora

Princessa para que le llamase Ex.a y le dise silla igual quando concurriese en su

pressencia adviertiendo que las ordenes que le enviase y quando le escreviese (…) le

466

SCHAUB, 2001b, pp. 64-65. 467

SCHAUB, 2001b, pp.66-67. 468

ELLIOTT, 2009, p. 584. 469

BOUZA, 2000, p. 217. 470

Memorial Historico Español, t. XIII, p.155, carta do padre Sebastian Gonzalez, Madrid, 1 de abril de 1635. 471

AGS, G.A. 1325, Carta da Princesa Margarida, 7 de fevereiro de 1639.

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80

trate de Ex.a y le llame governador general de las Armas.”472

A eleição do duque de Bragança para o cargo de Governador General das Armas de

Portugal colocava a vice-rainha numa posição complexa.473 A princesa, incapaz de

manejar as armas em virtude da sua condição feminina, não deveria ser porém ser

desautorizada. Deste modo, optou-se por distinguir o poder militar do poder

administrativo, ficando assim o duque de Bragança diretamente dependente do

Conselho de Guerra.474

Procurando reforçar o prestígio da instituição vice-reinal, o governo de Lisboa, ou seja,

Vasconcelos, aconselha a princesa a organizar uma revista militar em Lisboa, ocasião

que virá a revelar três autoridades incapazes de se coordenarem: a Capitã General, o

Governador Geral das Armas e o Mestre de Campo General.475

O Mestre de Campo General era a mais alta autoridade militar em Portugal depois da

princesa, a Capitã General.476 O cargo era exercido à data por D. Diego de Cárdenas.

No dia 11 de abril de 1639 a princesa escreve ao rei, justificando a decisão de organizar

a revista militar, que fora agendada para o aniversário do monarca:

«Ha muchos dias que diferentes ministros y otras personas celosas del serviço de V M.d me dijeron importaría tomar una muestra general dela gente de los quatro terçios delas coronelias desta ciudad y companias de previlegiados y tambien de la caualleria que en ella ay y teniendolo yo por conveniente me pareçio señalar para esto el dia ocho del presente por ser el en que V M.d Díos guarde cumplio años.»477

A princesa assume que a situação era de guerra viva: “no se podia dubdar estase en la

occasion de guerra viva quando los avisos dela Armada enemiga heran muy frequentes

(…) demas de hauer mandado que para los quinçe de Março pasado estuviese cada uno

en sus puestos;” pelo que “la muestra general me tocaua como a Virrey y como tal

hauía de dar en ella las ordenes neçessarias.”478

Quanto ao papel de D. Diego de Cárdenas, a princesa esclarece:

472

AGS, G.A. 1325, Sobre el tratamiento del Duque de Berganca. 473

ALMELAS, 2011, p.112. 474

OLIVEIRA, 1991, p.249. 475

SCHAUB, 2001, pp. 236-237. 476

SCHAUB, 2001, p.184. 477

AGS, G.A. 1325, Carta da Princesa Margarida, 11 de abril de 1639. 478

AGS, G.A. 1325, Carta da Princesa Margarida, 11 de abril de 1639.

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81

«Me pareçio que haviendo de etar junto a mí sín apartarese el maestro de Campo general haviendo acordado conmigo las ordenes que se huviesen de dar en la muestra las diese el absolutamente sin decir que yo lo mandava.» 479

No entanto, D. Diego de Cárdenas discordou da decisão da princesa e recusou-se a

participar na parada militar nas condições impostas pela vice-rainha, por considerar

que contrariavam a hierarquia estabelecida para estas ocasiões. Deste modo, “no

haviendo de executar interamente su oficio como lo tocava entanto que V Md no

mandase lo que se havía de hacer se escuso de la asistençia.”480

A princesa insistiu na comparência do Mestre de Campo General:

«Y aunque el mismo Viernes por la mañana antes de salir de palaçio le embie a llamar para (…) que en la forma que se há dicho fuese conmigo para que le hize embiar un coche respondio que se allava com calentura que era la caussa deno venir.»481

O Discurso ajustado con la muestra que hizo de la gente de guerra de la ciudad de

Lisboa S. A. la Serenísima infanta Margarita de Saboya, duquesa de Mantua y

Monferrato, virreina de las coronas conquista de Portugal, imprenso em 1639

simultaneamente em Lisboa e em Madrid,482 deixa transparecer as divergências

relativas ao modo como deveria decorrer a parada militar:

«Auiendo remitido (...) la señora Infanta Margarita las ordenes necessarias para el acierto de todo, y ofrecidose no pequeñas dificultades en su cumplimiento sobre su inteligencia, y competencias entre los ministros de las dos Coronas; y vencidose con las prudentes razones de S. Alteza, cuerdos, y esperimentados votos de los Consejeros de Estado, y govierno que la assisten.»483

A longa jornada teve início logo de manhã:

«Auiendo venido todos los contenidos a Palacio aquella mañana com sumo aliño de galas, y estimacion de joyas a las siete horas de ella baxò S. A. por la escalera grande de la casa en filla al terrero de Opaço à tomar su coche.» 484

A comitiva da princesa iniciou o seu percurso até Alcântara:

«Elegida la marina de San Amaro por sitio de formar los esquadrones, parecio a S. A. mayor comodidad yrse a comer a la Quinta del Rey.»485

479

AGS, G.A. 1325, Carta da Princesa Margarida, 11 de abril de 1639. 480

AGS, G.A. 1325, Carta da Princesa Margarida, 11 de abril de 1639. 481

AGS, G.A. 1325, Carta da Princesa Margarida, 11 de abril de 1639. 482

Em Madrid, por Diego Diaz de la Carrera e em Lisboa por Lourenço Craesbeeck. 483

Discvrso aivstado con la mvestra qve hizo de la gente de guerra... 484

Discvrso aivstado con la mvestra qve hizo de la gente de guerra...

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Pelo caminho, a vice-rainha foi aclamada com “general aplauso, y bendiciones de todo

el pueblo, estando las ventanas de las calles, y huertas coronadas de Damas, que este

dia con particular aliño dessearon ver a S.A.”

Chegada a Alcântara, a princesa instalou-se “a vna ventana de la galeria que sale a la

calle”486 para assistir ao desfile das tropas de infantaria e da cavalaria comandadas por

oficiais espanhóis e portugueses em grande uniforme.487

Também a refeição foi tomada à janela:

«Sendo preciso comer S.A. mãdò poner el cubierto en otra ventana de dõde a vn tiempo se le pudiesse seruir la viãda, y ver marchar la gente.» 488

A princesa pretendeu mostrar que estava à altura do seu cargo de Capitã General,

fazendo menções de ser ela própria a passar revista às tropas, como é elogiado em

tom laudatório pelo autor do relato:

«Este dia obrò mas en S.A. la sangre de hija del mayor soldado de todas las naciones que el retiro del estado de su viudez, y fortuna; pretendia a cavalo, de bastão na mão, examinar as tropas.» 489

A esta encenação da princesa correspondeu o seu séquito:

«Opusieronsele muchas suplicas de todas las señoras, y caualleros que la siruen, y algunos graues Consejeros, y Titulos, representando el vigor con que el Sol assistia tambien a ver su lucimiento, que bañando su cabeça (en que tiene hartos dolores).» 490

A princesa acabaria por desistir do seu intuito, mas deixando claro que estaria pronta

para cumprir a sua missão em caso de guerra, “declarando en aquel punto que el

palafren no le auia hecho traer para ponerse en el, que esta accion la guardaua para

quando el enemigo estuuiesse en las riberas, sino por alentar con ella la gente, y

componerla si huuiesse algun alboroto subiendo en el cauallo.” 491

485

O Palácio ou Quinta real de Alcântara “nos inícios do século XVII não deveria passar de uma modesta

casa de campo na qual Filipe II mandou fazer algumas obras sob a direcção do arquitecto Teodósio de

Frias”, sendo uma “habitação opulenta mas de cunho campestre e extremamente simples (...) onde os

nossos monarcas iam repousar e gozar o bom ar do campo, tonificando-se da atmosfera do Paço da

Ribeira” (CASTELO-BRANCO, 1990, pp. 74-75). 486

Discvrso aivstado con la mvestra qve hizo de la gente de guerra... 487

RAVIOLA, 2012, p. 155. 488

Discvrso aivstado con la mvestra qve hizo de la gente de guerra... 489

Discvrso aivstado con la mvestra qve hizo de la gente de guerra... 490

Discvrso aivstado con la mvestra qve hizo de la gente de guerra... 491

Discvrso aivstado con la mvestra qve hizo de la gente de guerra...

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Instala-se então numa “litera, que era de terciopelo, y damasco noguerado y negro sin

vaquetas, ni tejadillo mas del necessario para el reparo de los rayos del Sol,”492

acompanhada pelas suas damas, oriundas de famílias nobres espanholas, portuguesas

e italianas, conduzidas pela camareira-mor.493

Dois detalhes deste relato permitem vislumbrar o ambiente austero da corte da vice-

rainha:494 o traje das suas damas - “vestidos negros, que S. A. no les permite traer otra

color, aunque este dia dispenso (por los años de Su Magestad) en mangas y petos

bordados de plata y oro, y joyas de diamantes y perlas”- e os preceitos morais

impostos pela princesa - “acompañauanlas à decente distancia muchos fidalgos, con

este presepuesto, no con el de Galantêo: porque S.A. (aunque es tan licito en Palacio)

no à permitido que en el suyo se tenga.”495

Nesta ocasião é elogiado o papel desempenhado por Gaspar Ruyz de Escaray “bien

conocido, y estimado de nuestro grã Monarca, y por tal de su orden assite a S.A. que le

ama, y fauorece: siendo en los negocios mas graues su mayor aliuio.”496

De acordo com este texto, a parada fora um sucesso e alcançara os seus objetivos, pois

“los estrãgeros que estauan a la mira en los nauios, quedaron suspensos, y atonitos de

la accion.”497

No entanto, a reação do rei chega em tom de repreensão.

A carta da princesa referindo as divergências com o Mestre de Campo General tinha

sido analisada em Madrid:

«En el mi consejo de estado y guerra pleno y en junta particular en que concurrieron los del y diferentes ministros de esse Reyno se ha visto vuestra carta de once de Abril en que daís quenta de auerse hecho la muestra general en Lisboa y lo que referis passo con Don Diego de Cardenas de mi consejo de guerra y Maestre de campo general de la de esse Reyno que se escusso de assistir como tal a la distribucion de las ordenes.»498

A razão estaria, pois, do lado de D. Diego de Cárdenas, mas a crítica não vai dirigida

expressamente à vice-rainha, e sim aos seus conselheiros:

492

Discvrso aivstado con la mvestra qve hizo de la gente de guerra... 493

RAVIOLA, 2012, p. 155. 494

Anexo 6. 495

Discvrso aivstado con la mvestra qve hizo de la gente de guerra... 496

Discvrso aivstado con la mvestra qve hizo de la gente de guerra... 497

Discvrso aivstado con la mvestra qve hizo de la gente de guerra... 498

BL, Add. mss. 28705, f. 98-99, in REVAH, 1950, pp. 73-76.

Page 92: Dissertação apresentada para cumprimento dos …...Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em História Moderna e dos

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«No fuiste bien aconsejada porque a los governadores de esse Reyno de ninguna suerte toca la disposicion de la muestra general tanto mas concurriendo en vos ambos cargos y siendo la voz de Cappitan general a quien esto perteneçe, Don Diego de Cardenas el qual no excedio en averse retirado pues tuuo obligacio de volver por le auer hordenado y que he m.as de su cargo.»499

Reconhece-se, porém, que D. Diego de Cárdenas não tivera a atitude correta com a

princesa:

«Aun que pudo tomar mejor temperamento de modo que sin faltar a la obligacion de su officio cumpliera con los terminos que debia proceder con vos.”500

O argumento de guerra viva não convencera o governo de Madrid, que considera que

a princesa deveria ter seguido o exemplo de outros governadores de Portugal:

«Y assi ha parecido advertiros que deuiaredes averos governado en la muestra como lo hiçieron el conde de Fuentes serviendo de Cappitan general deuajo de las ordenes del S.r Archiduque Alberto mi tio y despues el Conde de Portalegre uno de los governadores y tambien Cappitan general que usando deste cargo dieron las ordenes conuenientes sin dependencia de los governadores, con que se conoçe que se ha altado a lo que se devio executar.»501

A questão das hierarquias e precedências viria a inviabilizar o Conselho de Guerra

extraordinário, que o duque de Bragança deveria ter presidido juntamente com a vice-

rainha. As negociações sobre o protocolo a respeitar prolongar-se-iam por dois meses,

conforme refere o padre Seyner, capelão do marquês de la Puebla:502

«Muchos dias estuuo el Duque en Almada sin besar la mano de su Alteza, por no ajustarse el modo, hizo la detencion prolongada.»503

De acordo com o mesmo texto, o duque foi recebido em Lisboa no dia 2 de julho de

1639 entre forte aclamação popular:

«Los barcos hazian calles en la ria para ver al Duque quando passasse (...); fue tanta la multiud, que ni en aquella tan grande espaciosa Plaça de Palacio auia por donde romper, ni las calles de barcos dexauan descubierto el Mar.»504

499

BL, Add. mss. 28705, f. 98-99, in REVAH, 1950, pp. 73-76. 500

BL, Add. mss. 28705, f. 98-99, in REVAH, 1950, pp. 73-76. 501

BL, Add. mss. 28705, f. 98-99, in REVAH, 1950, pp. 73-76. 502

COSTA e CUNHA, 2006, p.14. 503

SEYNER, 1644, p.12. 504

SEYNER, 1644, p.12.

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O entusiasmo com que D. João foi recebido teria levado o marquês de la Puebla a

comentar com vice-rainha, conforme menciona a obra Histoire du détrônement

d’Alphonse VI Roi du Portugal, “que o duque tinha vindo menos para lhe prestar os seus

respeitos, que para lhe exibir a sua magnificência, e lhe mostrar quanto era amado

pelo povo.”505

O encontro com a vice-rainha ficaria marcado pela questão protocolar, situação que é

mencionada em vários textos, como o do padre Seyner:

«Llegò, con no poco aprieto, a la sala donde esperaua su Alteza, cuyas cortesias fueron salir dos passos de la tarima donde estaua su silla, y hazer el Duque la suya, para que boluiesse a ocuparla. Estauan debaxo del dosel dos sillas igualmente seguidas; y en tomando su Alteza la suya, ladeò un poco la suya el Duque, sin salir del dosel, y haziendo su cortezia se sentò.»506

A posição relativa das cadeiras assumia um papel fundamental, sendo que nenhum dos

dois queria ficar atrás do outro e, conforme relata o historiador oitocentista Rebelo da

Silva, a princesa teria tentado assumir o lugar mais destacado:

«Tendo D. Lourenço de Sousa, capitão da guarda real, atrazado um passo a cadeira posta para D. João, Thomé de Sousa, filho do védor da casa de Bragança, adiantando-se, igualou-a com a da princeza, para que nem mesmo n’uma sala, e diante de uma dama seu amo parecesse ceder do que lhe pertencia.»507

O capelão do marquês de la Puebla destaca ainda a brevidade do encontro,

mencionando que o duque de Bragança, após “poco mas de un quarto de hora:

despidiòse con las mismas cortesias, y sin entrar en la Ciudad se embarcò, y boluiò a

Almada.”508

505

Histoire du détrônement d’Alphonse VI Roi du Portugal, pp.156-157. 506

SEYNER, 1644, p.13. 507

SILVA, 1860, t.IV, pp. 44-45. 508

SEYNER, 1644, p.13.

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4. O RETORNO À CORTE DE MADRID

O 1º de Dezembro de 1640

Na Catalunha, onde a Monarquia Hispânica se enfrentava militarmente com a França,

a tentativa dos agentes reais de recrutar tropas e recolher dinheiro também dera

origem a uma onda de protestos.

A 7 de junho de 1640 Barcelona foi invadida por uma multidão de camponeses

revoltosos que se dirigiram ao palácio do vice-rei, o conde de Santa Coloma, a quem

consideravam um traidor. Este, sem homens que o defendessem, fugiu para o porto

com intenção de se refugiar numa das galeras, mas acabaria por ser morto a

punhaladas na praia. A notícia do assassinato da pessoa que representava a autoridade

real no principado causou grande consternação em Madrid,509 e teria eco em Lisboa.

Um mês depois do sucedido, a câmara de Lisboa escreve ao rei criticando a

desobediência e excessos dos vassalos de Catalunha, ao que o rei responde:

«Pareceu-me dar-vos, em primeiro logar, muitas graças pelo affecto com que este reino se mostra n’esta occasião a meu serviço.» 510

A restauração do domínio de Filipe IV na Catalunha obrigaria a uma intervenção

militar,511 na qual o reino de Portugal seria chamado a participar:

«Eu el-rei faço saber aos que este alvará virem, que, por quanto estou resoluto a, com o favor de Deus, ír celebrar côrtes ao reino de Aragão, e de caminho apaziguar e aquietar os movimentos que se têem offerecido em catalunha, e para este efeito ordenei aos meus vassalos da corôa d’este reino me acompanhassem n’esta jornada. (...) E este [alvará] (...) vai assignado pela senhora princeza Margarida, minha muito amada e prezada senhora prima.»512

No Outono de 1640 temia-se que a situação verificada na Catalunha se repetisse em

Portugal: o governo da duquesa de Mântua era impopular, a coroa não tinha

conseguido ganhar a lealdade da nobreza, que se tinha mostrado passiva perante os

motins de Évora, e o duque de Bragança apresentava sempre pretextos para não

aceitar os cargos que lhe eram oferecidos ao serviço do rei fora de Portugal.513

509

CALVO POYATO, 1995, pp.109-113. 510

Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.409. 511

ELLIOTT, 1963. 512

Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.405, 11 de outubro de 1640. 513

ELLIOTT, 2009, p. 652.

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Os problemas do reino estavam a assumir proporções incontroláveis514 e, de acordo

com Manuel Severim de Faria, não obstante o habitual “grande cuidado e zelo de S.

A.”, cresceram em número os “inimigos de Espanha”, por causa das “esterilidades” e

dos “infortúnios neste reino que está reduzido a miserável estado.”515

D. Francisco Manuel de Melo refere que “os Conselheiros de Estado do reyno (...)

deixauão que a Princeza, & os Ministros que nelle interuieraõ, lidassem só, por só, com

os inconuenintes; entendendo que a Princesa como estrangeira, & seus fauorecidos

como interessados, hauião derigido esta màquina, atè ao estado perigoso em que se

achaua.”516

A necessidade de ordenar o reino depois da sedição de Portugal de 1637 fora

aproveitada pelo conde-duque para tentar mudar o governo português, de forma a

que pudesse estabelecer-se efectivamente a cobrança da renda fixa, através da

introdução de dignitários estrangeiros na administração portuguesa, originando o fim

do tempo histórico do Portugal Católico saído das Cortes de Tomar.517

A possibilidade de o governo português ser entregue a não-naturais, seja como vice-

reis ou como governadores capitães generais, contrariava o particularismo português

precisamente na maior dignidade do governo territorial do reino, a quem estava

encomendada a representação do monarca ausente.518

A saída da coroa portuguesa da união dinástica traduz, assim, uma rejeição radical da

reforma das instituições pretendida pelo conde-duque.519

Uma carta escrita em Madrid dez dias depois da Restauração dava notícia do sucedido

em Lisboa:

«Tres dias há llegó aviso de Portugal de cómo habian muerto al secretario Vasconcelos, cortádole las narices, orejas, manos y piés, y echádole por las ventanas de Palacio abajo; que habian alzado por rey al duque de Berganza y tomado todos los castillos del reino y puertos el mismo dia; que á la señora Infanta la retiraron á un convento acompañandola mucha parte de la nobleza.

514

RAVIOLA, 2012, p. 150. 515

BNP, Cod. 241, fl. 319, cit.por RAVIOLA, 2012, p. 150. 516

MELO, 1660, p. 44. 517

BOUZA, 1987, p.863. 518

BOUZA, 1987, pp. 866-867. 519

SCHAUB, 2001, p.3.

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Esta nueva se ha sabido por Badajoz, y por otras dos partes. Han faltado los correos ordinarios del regalo que á S. M. se traía.»520

Muitos outros relatos se sucederam, sendo que cada uma das numerosas narrativas

que surgiram posteriormente pretendia fixar uma determinada memória dos

acontecimentos, que se ajustava aos interesses dos autores ou protagonistas, facto

que explica as divergências na descrição de alguns episódios.521

A Relaçaõ de tudo o que passou na felice aclamaçaõ do mui alto, & mui poderoso Rey

Dom Joaõ o IV constitui uma das fontes mais credíveis, tratando-se da primeira

publicação impressa, datada logo do início do ano de 1641.522

A obra Uzurpaçaõ, Retençaõ, Restauraçaõ de Portugal é da autoria de João Pinto

Ribeiro, que participou ativamente na conspiração e era um dos letrados mais

próximos do duque de Bragança.523

Naturalmente, o manuscrito castelhano «Relacion de lo succedido en el llevantamiento

del Reyno de Portugal» apresenta uma perspetiva diferente, tal como a Historia del

Levantamiento de Portugal, da autoria do padre Seyner, capelão do marquês de la

Puebla e testemunha dos acontecimentos, redigida com o objetivo de convencer a

corte da culpabilidade exclusiva de Soares e Vasconcelos nos acontecimentos que

conduziram ao 1º de dezembro 1640.524

O sacerdote italiano Vittorio Siri, contemporâneo dos acontecimentos, situava-se do

lado oposto à princesa relativamente ao conflito entre Espanha e França e apresenta

uma versão quase sensasionalista dos acontecimentos nas suas Anedoctes du

Ministere du Comte Duc d’Olivares.525 Também o historiador francês Vertot, um dos

mais famosos historiadores do século XVIII, autor da Histoire des révolutions de

Portugal, foi frequentemente criticado por preferir uma narrativa cativante em

detrimento do rigor dos factos.526

520

Memorial Historico Español, t. XVI, p.91, carta do P.e Sebastián González ao P.

e Rafael Pereyra, 11 de

dezembro de 1640. 521

COSTA e CUNHA, 2006, p.22. 522

COSTA e CUNHA, 2006, pp. 15 e 21. 523

SCHAUB, 2001, p.80. 524

SCHAUB, 2001, pp. 116-119. 525

http://www.treccani.it/enciclopedia/vittorio-siri/ (consultado a 31/3/2014). 526

C. Volpilhac-Auger, «Mon Siège est fait ou la méthode historique de l'Abbé de Vertot», Cromohs, 2 (1997): 1-14, <URL: http://www.unifi.it/riviste/cromohs/2_97/volpil.html>, consultado em 31/3/2014.

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Independentemente das versões, os relatos estão de acordo no que se refere à

atuação da princesa Margarida, no 1º de dezembro de 1640, em vários aspetos: a

tentativa de se dirigir à população para debelar a revolta; a insistência junto dos

conjurados para que retrocedessem nos seus propósitos, garantindo o perdão de Filipe

IV; e a resistência em assinar a ordem para rendição do castelo de Lisboa.

Na manhã do 1º de dezembro de 1640, a vice-rainha, ao aperceber-se do “ruydo y

tumulto salio (...) a la bentana y dixo al pueblo a boçes que se aquietase que viendo

que no podia ser mando abrir las puertas de su quarto y salio para yr aquietarlo en

persona”527

Porém, “encontro con los fidalgos que se lo estrovaron poniendo las pistolas delante

que apartandolas con mucho balor les dixo, que haceis que teneis, respondieron que

tenian Rey si por cierto que teneis el Rey mi señor y vuestro, no decimos eso sino que

tenemos al Duque de Bergança por nuestro Rey.”528

João Pinto Ribeiro também destaca a atitude corajosa da princesa e acrescenta o

detalhe de que os conjurados já tinham previsto a possibilidade do fiel conde Bainetti

tentar socorrê-la:

«Vivia o Conde Bayneto no coarto superior do forte, & pera atalhar a passagem, que naquella ocazião havia de fazer, pera a parte em que assistia a Duqueza de Mantua, ocupou Dom Antão de Almada a sala de cima, & varanda, em coanto seus companheyros ocupavaõ a primeira sala. A Duqueza com animo varonil, & mayor do que prometia cazo taõ repentino, acudiu a huma janella, & em vozes altas disse. Que es esto, Portuguezes, ado [sic] està vuetra fidelidad.»529

A Relaçaõ de tudo o que passou na felice aclamaçaõ contrapõe a atitude

descontrolada da princesa à atitude respeitosa dos fidalgos:

«Descomposta, colerica, assombrada, & meia fora de huma das janellas do paço, que cae sobre as portas da capella, gritaua a Infelisissima Infanta de Saboia, pedindo socorro, & procurando em vaõ com lagrimas mouer os animos, & por obstaculo à Lusitana ira (...).530 Subirão logo Dom Antaõ de Almada, Dõ Luis de Almada seu Filho, Antonio de Saldanha Gouernador da torre de Belem, cõ outros muitos, à aquella mesma sala de dõde a afligida senhora sair queria, com animo de ver se a Magestade de seu aspeito, era bastante a suspender o

527

BNM, Mss. 2373, «Relacion de lo succedido en el llevantamiento del Reyno de Portugal», f.363. 528

BNM, Mss. 2373, Relacion de lo succedido en el llevantamiento del Reyno de Portugal, f.363. 529

Uzurpaçaõ, Retençaõ, Restauraçaõ de Portugal, f. 52v. 530

Relaçaõ de tudo o que passou na felice aclamaçaõ...

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horrisono tumulto, & como com spreça, que pedia hum tão riguroso a perto, se arremeçaua já à porta, para decer abaxo, & ver logrado seu desejo; impedirãolhe o passo todos estes senhores, não colericos, mas acautelados, & com o respeito, que a huma Infanta descendente delRey Dom Manoel era bem se guardasse.»531

O capelão do marquês de la Puebla salienta a atitude corajosa da princesa:

«Viendose (...) sitiada de la multitud de los Caualleros armados, acudiò a las ventanas, y sin perder aquel aliento grande (que sin duda es mucho) diò vozes, diziendo: Que es esto Portugueses? Donde està vuestra fidelidad devuida a vuestro Rei? Parad, y oidme: y procuraua templar con razones, lo que no podia impedir con las armas.»532

Ameaçada pela força, a princesa deu ordens para que se abrissem as portas da “sala

grande, donde su Alteza daua las audiencias (...) esperando en medio de vna sala, con

solas tres, ò quatro señoras de honor, todo aquel tropel de hombres armados.”533

Quando a vice-rainha faz menção de descer, João Pinto Ribeiro relata que “lhe fez Dom

Carlos de Noronha huma breve falla, mas com tanta efficacia que ella ficou de todo

assombrada; disselhe por remate, que naõ quizese dar ocazião a que se lhe perdesse o

respeyto. Alterouse, ouvindoo, & tornandolhe: ami, como? replicou elle: lançando a V.

A. por huma janella dessas. Ficou fria, & comessou a obedecer ao que o tempo, & a

razão lhe ensinavaõ.”534

Ao ouvir Noronha, o arcebispo de Braga, que também estava presente, não pôde

conter a sua cólera, e arrebatando a espada de um soldado que se encontrava perto,

em plena fúria pretende lançar-se aos conjurados para vingar a vice-rainha, sendo

impedido por D. Miguel de Almeida, que o obriga a retirar-se.535

O autor da Relaçaõ de tudo o que passou na felice aclamaçaõ abrevia este episódio,

mencionando apenas que “estes Fidalgos primeiro cortezes, despois seueros fizeraõ

que se recolhesse.”536

O padre Seyner mostra-se chocado com tamanha falta de respeito, considerando que

“quien nace sin obligaciones, no puede saber la veneracion grande, con que de tan

531

Relaçaõ de tudo o que passou na felice aclamaçaõ... 532

SEYNER, 1644, p. 64. 533

SEYNER, 1644, p. 64. 534

Uzurpaçaõ, Retençaõ, Restauraçaõ de Portugal, f. 53. 535

VERTOT, 1734, pp. 95-97. 536 Relaçaõ de tudo o que passou na felice aclamaçaõ...

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grandes Princesas se deue hablar;537 e atribui à vice-rainha a iniciativa de se retirar de

cena, com toda a dignidade:

«Oyò, pues, aquella Princesa vn desacato de aquella especie (que es indecible) y estaua tã en si, que con el valor mismo que mandò abrir las puertas (haziendo rostro a todo aquel tumulto de armados, sin mudar el semblante) cõ el mismo les boluiò las espaldas, sin hablarles palabra alguna, y se entrò en su Oratorio. Y entonces se quedaron muchos haziendo guarda.»538

A versão portuguesa acrescenta que “Dom Antaõ de Almada não quis deixar aquella

estancia, por que esta senhora não saisse, & fosse causa de alguma perturbacaõ.”539

Francisco Sanchez Marquez, que estava em Lisboa por ocasião da revolta de 1640,

exercendo o ofício de Pagador geral da Gente de Guerra, refere que o Coronel António

de Saldanha ficou incumbido de guardar a princesa até que a levaram para o convento

de São Francisco de Xabregas. 540

O capelão de la Puebla destaca que, apesar de doente, a princesa não baixou a guarda:

«Su Alteza se allava enferma pero con grande animo, y sin acostarse asistiendola desde aquel punto el Marques de la Puebla sin apartarse de su lado (...) y lo mismo an hecho el secretario Sarasa y el bispo Don Mansueto e don Pedro la Mota.»541

Mal sucedida no seu intuito de acalmar os ânimos populares, a princesa não desistia

de tentar convencer os fidalgos portugueses a desistir da conjura:

«Tratou de persuadir aos fidalgos, que com ella se acharão, que naõ passasse o negocio a vante, offereceulhes o haver perdaõ geral de ElRey de Castella.»542

A Relaçaõ de tudo o que passou na felice aclamaçaõ atribui-lhe as seguintes palavras:

«O que està feito, senhores, atè qui (...) se não foi acertado, contudo se disculpa com as insolencias desse injusto ministro, que oje pagou seus erros cõ a vida. Não passe o furor adiante, elRey de Espanha tem grande coração, eu me ofereço a acabar com elle, naõ somente que perdoe esta desordem: mas que a repute por merecimento, se não se leuar ao cabo.»543

537

SEYNER, 1644, p. 65. 538

SEYNER, 1644, p. 66. 539 Relaçaõ de tudo o que passou na felice aclamaçaõ... 540 ANTT, Nossa Senhora da Graça, M. 5 T. 5 f. 237-252 «Memórias dadas a El Rei D. Filipe 4º por

Francisco Sanches Marques sobre o sucesso da rebelião em Portugal em 1640», 1 de janeiro de 1641. 541

BNM, M. 2373, «Relacion de lo succedido en el llevantamiento del Reyno de Portugal», f.365. 542

Uzurpaçaõ, Retençaõ, Restauraçaõ de Portugal, f. 52v. 543

Relaçaõ de tudo o que passou na felice aclamaçaõ...

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O padre Seyner refere que a princesa mandaria reunir o Conselho de Estado, junto de

quem lamentara o insucesso da sua missão:

«Hizo llamar Su Alteza el Consejo de estado y de govierno a quien hizo un raçonamiento a este modo que sentia mucho que teniendo tanta sangre Portuguesa no hubiese acertado a governar aquel Reyno, pero que siempre havia procurado cumplir con su obligacion y conciencia y que el principal intento por que se havia echo era matar a Basconcellos.»544

A princesa disponibilizava-se, inclusivamente, para ir a Madrid negociar o perdão e

mercês régias:

«Que se obligava no tan solamente a sacar el perdon de su Mag.d pero a que les hiciese muchas mercedes y que asi escriviesen una carta que seria su Alteza la portadora partiendose luego.»545

Procurando alcançar um acordo, teria mesmo proposto que o duque de Bragança

aceitasse o cargo de vice-rei:

“Y que enquanto a haver nombrado caveça no haviendo acertado a governar la suya ninguna podia ser mejor que la del Duque de Bergança.”546

Tentando apelar à honra e lealdade dos seus interlocutores, o discurso de Margarida

apenas terá conseguido atingir os sentimentos dos castelhanos:

«Y que asi considerasen lo que dirian todas las naciones estrangeras de la mas Ilustre y leal gente del mundo y otras muchas razones (...) a que no respondieron palabra saliendo fuera desaziendose en lagrimas algunos castellanos que se allaron presentes.»547

O texto de Vittorio Siri também refere um longo discurso da princesa, insistindo no

tom dramático e destacando as qualidades inerentes à sua categoria e mérito, bem

como a intrepidez própria da casa de Saboia.548

Os argumentos da princesa não foram suficientemente fortes para reverter o

processo, no qual seria, inclusivamente, obrigada a participar:

«Los fidalgos pidieron a su Alteza aquel mismo dia savado que del castillo de Lisboa no se tirasse ni saliese gente.»549

544

BNM, Mss. 2373, «Relacion de lo succedido en el llevantamiento del Reyno de Portugal», f.366. 545

BNM, Mss. 2373, «Relacion de lo succedido en el llevantamiento del Reyno de Portugal», f.366. 546

BNM, Mss. 2373, «Relacion de lo succedido en el llevantamiento del Reyno de Portugal», f.366. 547

BNM, Mss. 2373, «Relacion de lo succedido en el llevantamiento del Reyno de Portugal», f.366. 548

Anedoctes du Ministere du Comte Duc d’Olivares, p.349. 549

BNM, Mss. 2373, «Relacion de lo succedido en el llevantamiento del Reyno de Portugal», f.364.

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A duquesa teria chegado a ser ameaçada de morte:

«Lo que deseava su Alteza hera que aunque embiava las dichas ordenes (...) que no se guardasen porque estava tan apretada que era fuerça darlas diciendo los fidalgos a voces que la havian de entrar a matar con todos sus criados.»550

Mostrou grande resistência em assinar a ordem de rendição do castelo, sendo que um

dos relatos garante que teriam sido o marquês de la Puebla e o secretário Sarassa551 a

convencê-la, com medo de sofrer represálias:

«El dia siguiente que fue domingo pidieron orden a su Alteza la diese de que se entregase el Castillo de Lisboa cosa que lo sintio muchissimo y respondio que antes moriria que darla recibiendo grande enojo los fidalgos con el Marques de la Puebla y Secretario Sarasa por que dician que se lo aconsejavan y que los hecharian por la ventana.»552

O padre Seyner descreve que “su Alteza (...) recelando mas el riesgo de toda su gente,

que temiendo el de su vida, cediò al furor de tantos, y firmò lo que le obligò la

violencia”,553 ainda na esperança que os militares não cumprissem uma ordem

arrancada à força:

«Firmò su Alteza el escrito, persuadida, a que Soldado que lo fuera, no auia de entregar la Plaça por firma suya.»554

O arcebispo de Lisboa, que assumiria o governo até à chegada do duque de Bragança,

“luego embiò recado a su Alteza, diziendo era forçoso que el Palacio se

desembaraçasse para limpiarle, y prepararle, porque su Magestad (que es el Duque)

vendria mui presto.” 555

A proposta feita pela princesa de regressar de imediato a Castela não é aceite, uma vez

que se pretendia negociar a liberdade dos nobres portugueses que estavam na corte:

«Su Alteza respõdio, que dandole carruage para venir a Castilla se partiria luego; esto se cõtradixo por los rebeldes, assegurando que hasta que V. M. pusiesse en libertad la mayor parte de la nobleza de aquel Reyno, que estaua detenida en Madrid, no auia modo para que la Señora Princesa saliesse del de Portugal.»556

550

BNM, Mss. 2373, «Relacion de lo succedido en el llevantamiento del Reyno de Portugal», f.364. 551

Oficial da equipa de Gaspar Ruiz de Escaray (SCHAUB, 2001, p.184). 552

BNM, Mss. 2373, Relacion de lo succedido en el llevantamiento del Reyno de Portugal, f.365. 553

SEYNER, 1644, p. 67. 554

SEYNER, 1644, p. 68. 555

SEYNER, 1644, p. 82. 556

BNM, Porcones, 303, Processo de D. Pedro de la Mota Sarmiento.

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Sendo assim, “Lunes tres del dicho mes la llevaron por mar a los Palacios de xabregas

fuera de Lisboa con todos sus criados sin que fidalgo algun la acompañasse.”557

O arcebispo de Braga manter-se-ia fiel à governante deposta:

«Sirviò, pues, en esta ocasion acompañando a su Alteza el Arçobispo de Braga, que ya por su mucha fidelidad, ya por coraçon que lleua desahogos de tanto aprecio, acompañò a su Alteza desde Palacio a la casa que la dieron, que era vna mui larga distancia.»558

O padre Seyner critica as condições em que a princesa foi instalada:

«Hallose su Alteza mui desacomodada de viuienda, por ser tan poca, y tan desacomodada la que la dieron, y su gente mucha. Y de tal suerte la desacomodaron, que estuuo en la cama muchos dias, era lastima ver da descomodidad de las señoras, que seria la de sus criadas?»559

A princesa preocupou-se com o destino dos seus conselheiros castelhanos:

«Quisieron llevar pressos al castillo de Lisvoa todos los ministros y oficiales de Su Mag.d por quienes intercedio Su Alteza les diesen sus casas por carzel.”560 Deste modo, “o Marquez de la Puebla, o Mestre de Campo General D. Diego de Cardenas, Thomas de Ybio Calderon Conselheiro da Fazenda foraõ presos con guardas.»561

Impedida de sair de Portugal, a duquesa procura negociar com o novo governo:

«Invio su Alteza a llamar al Arcobispo de Lisvoa y le propuso tres cosas la primera que se le diese lizencia para despachar correo a Castilla; la segunda que se le diesse vagaje para si y sus criados para partirse; la tercera se le diesse pasaportes a todos los ministros y oficiales de su Mag.d »562

A maioria dos servidores da princesa seria enviada para Espanha, e a princesa mudada

para o convento de Santos-o-Novo:

«Reformaronle (...) a su Alteza la Casa, dando passaportes a todos los criados de mayores, ò menores puestos: dexando a la Alteza con tan pocos, como auia menester para seruirse en la prision de vn Conuento. Repararon con mucha priessa vnos aposentos en el Conuento de los Santos, que es del Orden de Santiago; y alli encerraron a su Alteza, y todas las Damas, y sus criadas: donde passaron con mucha descomodidad todo el riguroso del Verano, hasta el fin de Setiembre.»563

557

BNM, Mss. 2373, «Relacion de lo succedido en el llevantamiento del Reyno de Portugal», f.366. 558

SEYNER, 1644, pp. 82-83. 559

SEYNER, 1644, p. 83. 560

BNM, Mss. 2373, «Relacion de lo succedido en el llevantamiento del Reyno de Portugal», f.366. 561

Copia de huma carta em que se da breve notícia do succedido desde o dia da felice acclamaçaõ

delRey nosso Senhor ate o prezente, data de Lisboa, ultimo de outubro de 1641, f.259. 562

BNM, Mss. 2373, «Relacion de lo succedido en el llevantamiento del Reyno de Portugal», f.367 563

SEYNER, 1644, p. 103.

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95

Quando recebeu autorização para estabelecer comunicação com Madrid, a princesa

propôs enviar o “Padre don Mansueto, y a don Bernardino Foglea su Secretario de

Camara, y al Conde Baynete, Cauallerizo mayor. No se cõformaron cõ estos los

ministros de aquel Duque, por ser Italianos, y no teniendo la señora Princesa otro

criado Castellano de calidad que a dõ Pedro de la Mota sarmiento, le eligieron para

esta jornada.”564

Chamando o seu mordomo-mor, a duquesa explicou-lhe “que tenia mucho gusto

viniesse a madrid, y que no auer hecho eleccion de su persona era por la falta que

causaria en su seruicio; pero que primero era el de V. M., y que don Pedro haria esto

muy bien, por auer sido testigo de vista de todo. (...) Mandole luego escriuisse vnos

capitulos (...) y don Pedro hincado de rodillas al lado de vn bufete” tomou nota das

propostas referentes ao regresso a Castela da sua comitiva, entre outros assuntos.

Mais tarde, “mandò (...) a don Pedro fuesse a la prision del Marques de la Puebla, y le

dixesse de su parte diesse por instruccion todas las noticias que sabia del seruicio de V.

M. “565

D. Pedro de la Mota levaria cartas para o rei, o conde-duque, “ y vna instruccion escrita

de letra de don Bernardino, y firmada de su Alteza de lo que auia de obrar en Madrid

en su seruicio.”

Para além do que ia por escrito, mais importantes seriam certamente as instruções

transmitidas oralmente pela princesa:

«Y los papeles, y cartas en vna cartera de ambar la entregò a don pedro, y dandola la mano, le dixo: Mirad don Pedro no se os oluide nada de lo que aueis de dezir a su Mag. que lleuais muy ocupada la memoria.»566

Passadas “pocas semanas se supo le tenian preso en Madrid, por muchas calumnias

falsamente imputadas.”567 D. Pedro de la Mota Sarmiento difundira em Madrid que a

rebelião de Portugal tinha sido provocada pela política de Olivares e pela indiferença

revelada por este face aos avisos da princesa Margarida sobre a iminência de uma

revolta.568

564

BNM, Porcones, 303, Processo de D. Pedro de la Mota Sarmiento. 565

BNM, Porcones, 303, Processo de D. Pedro de la Mota Sarmiento. 566

BNM, Porcones, 303, Processo de D. Pedro de la Mota Sarmiento. 567

SEYNER, 1644, p.109. 568

VALLADARES, 2006, pp.64-65.

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Porém, as instruções da princesa para os seus negócios particulares desapareceram

depois de terem sido entregues ao protonotario Villanueva; e a sua credencial para a

Missão a Madrid fora-lhe retirada em Badajoz pelo conde de Frigiliana, por ordem de

Olivares. Não tendo na sua posse estes documentos, D. Pedro de la Mota foi acusado

de crime de lesa-magestade, por alegadamente ter ocultado à vice-rainha as notícias

acerca da iminente sublevação de Portugal e por ter atuado a favor dos rebeldes desde

a chegada a Madrid.569

A conspiração contra D. João IV

A princesa fora afastada para os arredores de Lisboa e colocada sob vigilância:

«Poniendola una compañia de guardia en que esta muy apretada sin consentir que nadie la entre a visitar ni a ninguo de sus criados ni que tanpoco salgan permitiendo que solamente dos salgan a comprar la comida con quatro soldados de guarida.»570

No entanto, os cuidados não foram suficientes para evitar a comunicação da vice-

rainha deposta com outras personalidades descontentes com a subida ao trono do

duque de Bragança:

«A Duqueza de Mantua, que vivia no Mosteiro de Santos, para donde a passaraõ do paço de Xabregas, porque se entendeo ficava mais retirada para communicar os animos duvidosos, e fomentar os que seguiaõ a facçaõ de Castella, o que em breve se veyo a conhecer; pois sem embargo de toda a cautella, ella havia sido a authora das conspirações contra ElRey.»571

A conspiração de 1641, que tinha como objetivo o assassinato de D. João IV, a

reposição de Filipe IV no trono e o regresso da Duquesa de Mântua ao governo do

reino,572 envolveu três grupos: a alta nobreza assimilada a Madrid, a Inquisição e

membros de topo da hierarquia eclesiástica, favorecidos pelos Habsburgo; e os

cristãos-novos assentistas cujos negócios estavam ligados à coroa espanhola.573

O arcebispo de Braga liderou a conspiração, alegadamente movido pela estreita

amizade que tinha com a Duquesa de Mântua:

569

VALLADARES, 2006, pp.66-67. 570

BNM, Mss. 2373, «Relacion de lo succedido en el llevantamiento del Reyno de Portugal», f.366. 571

SOUSA, 1748, liv. VII, p.80. 572

WAGNER, 2007, p.171. 573

VALLADARES, 2006, p.57.

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«Parecia ao arcebispo que a duqueza lhe pedia a sua liberdade, como prémio de todos os favores que lhe tinha feito, o que aumentava a su cólera, fazendo com que se resolvesse a revolver céu e terra para vingar-se dos seus inimigos, resolveu valer-se da força para matar o rei e dar liberdade à Duquesa, para que recuperasse a sua autoridade.»574

Para além do arcebispo estiveram envolvidas outras personalidades, como o marquês

de Vila Real, o duque de Caminha, o inquisidor-geral D. Francisco de Castro e Pedro de

Baeça, banqueiro de origem cristã nova.575

Mafalda de Noronha Wagner, que estudou detalhadamente este episódio,576 conclui

que não há uniformidade nas fontes quanto ao plano que se deveria executar, uma vez

que conluios políticos desta natureza, além de serem de difícil e morosa preparação,

geram pouca documentação, sendo esta, também, muitas vezes destruída, para evitar

a apreensão de pistas comprometedoras.577

Os conspiradores planeariam "ganhar o paço, elogo hir buscar a Duqueza de Mantua, e

entregarlhe o governo do Reino"578 acreditando que "p.lo modo que se tirou a Princeza

se poderia restituir."579

No «Treslado dos auttos que se processaraõ sumariamente contra Dom Miguel de

Menezes Duque de Caminha, filho do Marques de Villa Real» várias testemunhas

confirmam o envolvimento da princesa na conjura.

Os criados de D. João Soares de Alarcão, alcaide-mor de Torres Vedras, António Araujo

de Carvalho, e sua mulher Maria Ferreira, regressados de Madrid, confirmam “que

tambem lhe disse a dita Sua (...) ama D. M.a que o dito Arcebispo [de Braga] hia de

noite vezitar a Duquesa de Mantua.”580

D. João Soares de Alarcão encontrava-se entre os fidaldos que visitaram “su Alteza a

deshoras, dando satisfacion de su fidelidad, y reconocimiento. A los quales respondiò

su Alteza, se guardassem para mejor ocasion, y no se arriesgassen por entonces.”581

574

SOUSA, 1730, p. 387. 575

VALLADARES, 2006, p.57. 576

WAGNER, 2007. 577

WAGNER, 2007, pp. 171 e 174 (n. 392). 578

BNL, PBA 476, f. 377, «Treslado dos auttos que se processaraõ sumariam.e

contra Dom Miguel de Menezes Duque de Caminha. filho do Marques de Villa Real, e Sentença porque foi comdemnado a morte». 579

BNL, PBA 476, f. 375. 580

BNL, PBA 476, f.394. 581

SEYNER, 1644, pp. 82-83.

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Na carta que D. João Soares de Alarcão Alcaide Mor de Torres Vedras, e Mestre Salla

de El Rey escreveo a seu Irmão ao tempo que fugio para Castella, o fidalgo afirma que

“fui à Senhora Princeza Margarita, e lhe Ofereci a vida por meu Rey [Fellippe] na forma

e Posto que ella em seu nome me Ordensse, e a Senhora Princeza me Ordenou da parte

d'ElRey dissimulasse por entaõ ate me poder por em Liberdade e em tempo que minha

morte fosse util, e de proveito."582

A acima referida Maria Ferreira relatou que, acompanhando os seus senhores a

Tânger, fazendo escala em Gibraltar, D. Maria abriu em frente das criadas uma caixa

de onde tirou muitas cartas para Filipe IV, Olivares e Diogo Soares, que estavam

ocultas debaixo de "huma camada de bocados de marmelada dourada"583 e "na di.ta

cayxa hiaõ tambem dous massos de cartas p.a El Rey de Castela da Duqueza de

Mantua."

A mesma testemunha refere "que o autor de tudo era o Arcebyspo de Braga que

mandou a dita cayxa e corria com a Duqueza de Mantua e a vizitava de noute (...) E

que tambem o Inquizidor Geral a vizitava, e todos lhe faziam offerecimento de

dinheiro, e fazendas.”584

Outra testemunha, Manuel Valente Vilas Boas refere que foi enviado pelos

conspiradores "falar ao arcebispo de Braga para que este lhes mandasse dizer que

sinal levaria [a Castela] (...) para la lhe darem credito o Conde Duque Diogo Soares e o

Confessor (...) e o dito Arcebispo respondeo, que dicessem a quem fosse [a Castela] que

dicesse a Diogo Soares que por sinal escrevera a elle Arcebispo em cifra, e a Duqueza

de Mantua, e ao Conde Duque lhe escrevera por D. João Soares quando se foi desta

cidade.”585

A conspiração viria a ser denunciada pelo conde de Vimioso, D. Afonso de Portugal.586

Os conspiradores foram presos e serveramente condenados e os castelhanos

separados por diferentes prisões fora de Lisboa, tendo sido decidido “a vna sola que

582

Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, cod. 537 in Correspondência da restauração (publ. e anot. António Gomes da Rocha Madahil) Coimbra, Imprensa da Universidade, 1929, separata de O

Instituto, vol 78, nº 2. 583

BNL, PBA 476, f.395. 584

BNL, PBA 476, f.395. 585

BNL, PBA 476, fs. 413-413v. 586

VALLADARES, 2006, p.57.

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quedaua, y tan grande como su Alteza, echarla del Reino: que aun teniendola en vn

Conuento presa, no se asegurauan de lo que podria obrar, en su daño.”587

A autorização para a princesa sair de Lisboa datava de junho de 1641, logo depois de

se ter sabido que D. Duarte de Bragança, o irmão de D. João IV, tinha sido feito

prisioneiro na Alemanha, pelo que a libertação de Margarida de Mântua visava evitar a

execução do infante português, ou até mesmo propiciar a sua libertação. No entanto, a

expulsão da princesa só viria a ocorrer no final de Agosto, coincidindo com a

descoberta da conjura contra D. João IV.588

A princesa queria de facto deixar Portugal, mas ainda tentou que a ordem viesse de

Filipe IV, para não ter de se rebaixar perante o duque de Bragança:

«Assim se resolveo o mandarse dizer à Duqueza, se preparasse para passar a Madrid, a que ella respondeo, que o faria depois, que tivesse resposta da carta que havia escrito a ElRey Catholico, e naõ se lhe admittindo a replica, se lhe ordenou, se preparasse para partir, o que com effeito fez.»589

Este episódio é confirmado pela versão do padre Seyner:

«Resoluieron, pues, que su Alteza salisse del Reino, y viniesse a Castilla. Embiaronla a dezir, que quando fuesse seruida podria hazer su jornada. Y la respuesta fue, que su Magestad tenia cuidado de embiar por ella, que quando embiasse saldria. Refiriòme esta respuesta, vn Religioso que podia saberla con certeza. Embiaron segundo recado, diziendo, que para tal dia estaria apercebido todo carruage, que aduertisse su Alteza a estar preuenida, porque era fuerça salir quando se le señalaua. Viendo la violencia de esta resolucion, se huuo de disponer toda aquella Casa, y saliò de Lisboa a mediado Setiembre con todos aquellos calores.»590

O regresso a Castela

No satírico Testamento de Miguel de Vasconcelos a vice-rainha não fora esquecida:

«A Senhora Infanta Margarida deixo minha muleta por ser pessoa a quem em meos dourados tempos se guardou mais respeito que a hum cetro de que a dita senhora esta tam falta e tambem por me parecer justo que va em muletas pera Castela quem nelas hja pondo a Portugal.»591

587

SEYNER, 1644, p.204. 588

VALLADARES, 2006, p.68. 589

SOUSA, 1748, liv. VII, pp. 80-81. 590

SEYNER, 1644, p. 205. 591

«Testamento de Miguel de Vasconcelos», Biblioteca do Palácio Fronteira, Papéis velhos e curiosos, t. 8, fol. 8 v, in MATOS, 1946, p.40.

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Deposta do cargo de vice-rainha e expulsa de Portugal, o regresso a Castela seria, de

facto, bastante difícil para a orgulhosa princesa, obrigada a permanecer afastada da

corte, primeiro por motivos de saúde, e depois por questões políticas, naquela que se

revelaria uma longa travessia da desértica Meseta Ibérica.

A princesa regressava a Castela em plena crise do ministeriato do conde-duque, para a

qual contribuíra grandemente a revolta em Portugal.592 Por essa altura, decorria o

julgamento de Pedro de la Mota Sarmiento, pelo que convinha a Olivares manter a

princesa afastada de Madrid. Com esse mesmo intuito, sugeriu a nomeação de

Margarida como generalesa das forças que iriam combater D. João IV, proposta

recusada pela princesa.593

Por outro lado, nos momentos que se seguiram ao 1º de dezembro, a destituição do

conde-duque teria equivalido, por parte do rei, ao reconhecimento da sua

cumplicidade com o valido; Filipe IV, que estava perfeitamente a par da estratégia de

Olivares, Soares e Vasconcelos, via-se obrigado a resguardar a sua autoridade, tirando

partido das rivalidades entre os responsáveis da administração da monarquia católica

em Portugal. A chegada de Margarida a Madrid poderia ter deitado esta estratégia por

terra, daí ter sido retida em Ocaña sem uma explicação plausível, até ao final de 1642,

altura em que a destituição de Olivares era já inevitável, provocada pelo agravamento

da conjuntura.594

Sendo assim, encontramos uma profusão de textos associando a duquesa de Mântua à

queda do conde-duque, com relatos nem sempre coincidentes. A análise da

correspondência coeva permite esclarecer algumas contradições e imprecisões.

As dificuldades passadas à chegada a Castela são descritas pela própria duquesa em

carta ao rei:

«En Portugal adonde fue servido embiarme procure siempre en todo y por todo de complir con mis obligaciones, y no dexe de ofrecer la vida, que de buena gana sacrificaria para evitar el mal suerte de aquel Reyno, despues del qual sabemos lo que padeci en nueve meses de prision, y en la salida que me obligaron con tanto peligro y descomodidad que me causo la enfermedad que tube en Badajoz (...) Fue detenida en Merida siete meses con non menores

592

ELLIOTT, 2009, pp. 652-657. 593

VALLADARES, 2006, p.69. 594

VALLADARES, 2006, pp.68-70.

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encomodidades en una casa yerma sin poder nunca salir a tomar un poco de aire por no tener en que.»595

Durante este período a duquesa manteve sempre o contacto com Madrid, insistindo

na autorização para regressar à corte:

«Suplicó muchas veces á S. M. que la librasse del destempladísimo ayre de Estremadura; y finalmente, por gracia muy singular obtuvo licencia para venir á vivir á Ocaña.»596

A princesa, que estava manifestamente bem informada dos passos do rei, aproveitou

esta hipótese de se aproximar do monarca, que ultimava os preparativos para viajar

para Aragão.

Uma carta de D. Bernardino, secretário da princesa, escrita em Mérida, a 19 abril 1642

relata que “S. A. con deseo de llegar a Ocaña antes de la jornada de S. M.d, ahier por la

mañana se resolvio de partir de esta ciudad, y a la tarde lo executo, dexando aqui por

falta de carruaje las personas contenidas en la lista inclusa.”597

Determinada em conseguir um encontro com o monarca, a princesa saiu de Mérida

com toda a pressa, deixando para trás um grande número de criados.

Em anexo a esta carta surge uma interessante “lista de las personas de la casa de S.A.

que han quedado en Merida”, num total de 50 pessoas, elaborado pelo secretário, que

“he quedado para assistir a estas señoras” e pede “lo necessario para el sustento desta

familia”.598

Filipe IV pretendia juntar-se às suas tropas, que combatiam contra a França e contra os

rebeldes catalães, mas interromperia a jornada logo em Aranjuez, para se dedicar à

caça. A duquesa de Mântua teria aproveitado a ausência de Olivares, para se encontrar

com o rei que também recebeu o duque de Alba, responsável pelas operações

militares na fronteira portuguesa, e outro dos inimigos do valido.599

595

AGS, Estado, 4045, carta da Princesa Margarida ao rei. 596

Caida de su privanza, y muerte del Conde-Duque de Olivares..., p. 31. 597

AGS, Estado, 4045, Carta de D. Bernardino, 19 de abril 1642. 598

“La marquesa de Villa Nueba guarda Mayor con quatro criadas y un criado; Mª Casilda Manrique

contres criadas y un criado; quatro Damas con quatro criadas; tres Moças de la Camera con dos criadas;

La guarda Menor, emfermera y Barandera; dos lavanderas; D. Bernardino Secretario de la Camera con

dos criados; el despençero Mayor con un Moço; un guardadams un repostero y un portero; un

comprador y dos mestres de Estado con tres moços; dos cosineros y dos moços; mas dos meninos y un

criado.” AGS, Estado, 4045, Carta de D. Bernardino, 19 de abril de 1642. 599

CALVO POYATO, 1995, p.125.

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102

De acordo com uma das cartas do Memorial Historico Español, o encontro com a vice-

rainha deposta já estaria previsto:

«Sábado 26 de este salió S. M. para Cataluña (…). Pasará el jueves á Aranjuez y Ocaña á verse com la señora princesa Margarita, su prima.»600

Não seria esta primeira entrevista com o monarca a garantir o regresso da princesa a

Madrid. Filipe IV seguiria para Aragão, numa jornada real cujo fracasso ditaria a

destituição de Olivares.601 Os inimigos do valido aproveitam, então, a circunstância de

a princesa pretender eximir-se de responsabilidades do sucedido em Portugal602 para a

envolver nas intrigas.

Margarida de Mântua apareceria em Madrid de forma inesperada, sem ter sido

convocada pelo monarca, tendo apresentado como explicação as dificuldades

económicas e a falta de condições com que fora instalada em Ocaña:

«Llegando por esto su necesidad á tal extremo, que su Mayordomo andaba mendigando el sustento de su Alteza en las casas y Conventos de Ocaña, y quando vió estar las puertas cerradas, movida de la miseria y extrema necesidad que padecia, determinó venirse á Madrid improvisadamente.»603

No entanto, há indicações de que tenha sido a rainha, também envolvida nas intrigas

políticas, a conseguir que a princesa, com quem mantinha uma discreta

correspondência, viesse até à capital.604

Vittorio Siri descreve de forma dramática a chegada da princesa, que pareceria

verdadeiramente reduzida à mendicidade com o seu hábito da Ordem Terceira de S.

Francisco,605 a não ser pelo “porte magestoso, o ar orgulhoso e desdenhoso, e o modo

imperioso com que se dirigia aos Grandes de Espanha.”606

600

Memorial Historico Español, t. XVI, p. 342, Madrid, 29 abril 1642, carta de D. Juana Idiaquez Isassi. 601

SIMON, 2010, 265-266. 602

VALLADARES, 2006, pp.68-70. 603

Caida de su privanza, y muerte del Conde-Duque de Olivares..., p. 31. 604

SICARD, 2009; Vittorio Siri relata que “la veritable cause du prompt depart de la Duchesse de

Mantouë d’Occagne sans en avoir reçu la permission fut un ordre secret de se rendre à Madrid, qu’elle

avoit receü de la reine, laquelle la prioit de venir à son secours, & souhaittoit de l’avoir pour compagne

dans l’enterprise qu’elle avoit formée de perdre ce premier Ministre“ in Anedoctes du Ministere du

Comte Duc d’Olivares, p.388. 605

Esta informação é verosímil, tendo em conta que no seu testamento Margarida pede para ser sepultada com o hábito das clarissas: “sono sorella, ancorchè indegna, del venerabile ordine terzo…di

San Francesco” (ASTO, Corte, Materie politiche per rapporto all’Interno, Cerimoniale, Testamenti, m. 4, fasc. 16, 1 September 1652, Testamento della principessa donna Margarita di Savoia, duchessa di

Mantova, cit. por RAVIOLA, 2013, p.64 n.65). 606

Anedoctes du Ministere du Comte Duc d’Olivares, p. 390.

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A chegada da princesa à corte é confirmada por uma carta datada do dia de Reis de

1643:

«La duquesa de Mántua sin pensar, se vino de Ocaña á Madrid. Está aposentada en un cuarto de la Encarnacion, con guarda á la puerta, como persona real. La causa há sido porque realmente padecia, segun se dice, grande necesidad, y no se la proveia, ni à S. A. ni familia de dinero para el sustento, com que esta alcanzadísima; y viendo su aprieto y que otros medios no habian tenido el efecto que deseaba, tomó este por mas conveniente, que estando mas cerca de SS. MM. Será fuerza se le acuda com mas puntualidad y brevedad.»607

No dia 11 de janeiro o marquês de Castañeda relata ao rei o encontro que teve com a

duquesa, que lhe descrevera “las estremidades a que la havia llegado la necesidad en

Ocaña, refiriendome algunas de ellas.” 608

Quase sem dar hipótese de resposta ao seu interlocutor, Margarida procurara justificar

o sucedido em Portugal:

«Y sin dexarme passar de alli entro en la relacion del sucesso de Portugal, pero quando lo hizo pausa dixe à S. A. lo mucho que V Md sentia la descomodidad de su aposento y la imposibilidad de podersele mejorar.» 609

O marquês, que vinha incumbido de tentar convencer a duquesa a regressar a Ocaña,

obtém como resposta um discurso dramático:

«Con un semblante caido me hizo relacion de lo que esta Corona y su Real sangre la havian devido en Italia y en España de fidelidad, de amor, de travaxo.» 610

A princesa sentia-se, sobretudo, humilhada:

«Estimava mas que su comodidad su honrra sobre que se hablava mucho en Italia con ofensa de la casa de su hija y de su nieto mirandola (...) desterrada en Ocaña; que menos podia dejar de estrañar que para una muger de su sangre venida al servicio de V Md, faltase un rincon donde recoxerla, escusandola ocasionar (...) su mayor desconsuelo, lo que se discuriria en Italia, y que era bien que V Md supiese que no era Ocaña residençia para su perssona.» 611

607

Memorial Historico Español, t. XVI, p.490, Madrid, carta de Sebastian Gonzalez, 6 de janeiro de 1643. 608

AGS, Estado, 4045, carta do marquês de Castañeda, 11 de janeiro 1643. 609

AGS, Estado, 4045, carta do marquês de Castañeda, 11 de janeiro 1643. 610

AGS, Estado, 4045, carta do marquês de Castañeda, 11 de janeiro 1643. 611

AGS, Estado, 4045, carta do marquês de Castañeda, 11 de janeiro 1643.

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104

Margarida de Mântua mostra-se inflexível, pelo que o marquês acabaria por desistir:

“perdi la esperanza de reducirla.”612

A própria duquesa escreve ao rei justificando a sua chegada imprevista a Madrid:

«El haver sido tan de repente ha procedido de la estrema necessidad, que no me dio lugar a dilatarlo.»613

Começa por argumentar que só reconhecia motivo para se afastar da corte se fosse

para regressar a Itália:

«Que yo vine a españa para obedecer a V M.d que se sirvio de mostrar que le seria de gusto verme para ampararme; (...) jamas pense de haverme de apartar de los ojos de V M.d sino para servirle o bolver a Italia supuesto esto no me puedo persuadir que V M.d me aya de obligar a vivir en Ocaña.» 614

Em seguida, lamenta o exílio forçado que viveu em Ocaña, argumentando que estaria a

ser penalizada injustamente:

«Cierto es que el mundo jusgará que el estar una persona como yo en Ocaña es un genero de pena. Esta supone culpa, y pues no la tengo, antes me asseguro que no ay exemplar de mayor fuerza, observancia, y affecto al servicio de V M.d.» 615

Por outro lado, acrescenta que “en muchas partes de europa sè que se ha estrañado mi

residencia en Ocaña.”

Seguem-se os argumentos relativos ao estado de saúde:

«Mis años, mi poca salud, y mis achaques son tales que no pueden sufrir aires tan secos (...) como los de Ocaña, lo que requieren es descanso y consuelo.» 616

Para além das necessidades por que passara, refere também a difícil situação dos seus

servidores, os quis não remunerava havia mais de dois anos, para além “de haver cada

uno dado lo que tenia para ayuda de pagar mis deudas, y de salir de Portugal.” A

situação dos criados era dramática: “Los criados que aqui estan no tienen raçion, y los

que han quedado en Ocaña padecen de ambre.”617

A entrevista direta com o monarca, que Olivares terá tentado impedir, realizar-se-ia

por intermédio da rainha:

612

AGS, Estado, 4045, carta do marquês de Castañeda, 11 de janeiro 1643. 613

AGS, Estado, 4045, carta da Princesa Margarida ao rei. 614

AGS, Estado, 4045, carta da Princesa Margarida ao rei. 615

AGS, Estado, 4045, carta da Princesa Margarida ao rei. 616

AGS, Estado, 4045, carta da Princesa Margarida ao rei. 617

AGS, Estado, 4045, carta da Princesa Margarida ao rei.

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105

«A la Reyna le fue muy agradable la venida de su Alteza: y si bien el Conde-Duque impidió la Audiencia, que debia darla el Rey, y la desacreditaba en el Consejo de Estado, sin ir á visitarla, con maravillosa admiracion de toda la Corte; con todo eso la Reyna la convidó á su quarto, y dispuso que hablase por espacio de dos horas en su presencia con el Rey.»618

Margarida terá então tido finalmente a oportunidade de se ilibar de responsabilidades

relativamente à secessão do reino de Portugal, atribuindo–as a Olivares, a quem

acusou de ter ignorado os avisos que repetidamente enviara para Madrid:

«Mostró todas las copias de sus cartas, llenas de importantes advertencias, y las pocas respuestas que habia tenido, y se disculpó de tal manera, que la pérdida de Portugal cargó toda sobre la inadvertencia, y capricho del Conde-Duque.»619

Esta questão seria devidamente aproveitada e amplamente divulgada pelos opositores

de Olivares, que se retirou da cena política a 17 de janeiro de 1643.620

Com esta oportuna versão dos acontecimentos, a princesa recuperava uma posição

prestigiada na corte de Madrid.

Os últimos anos

Poucos dias após a queda de Olivares, Margarida de Saboia é integrada no círculo mais

restrito do monarca:

«Salieron el Rey, la Reyna, el Principe, la Infanta, y la Duquesa de Mantua en público, dirigiéndose al Convento de las Descalzas Reales. Fueron seguidos del numeroso pueblo, que á gritos decian: vivan los Reyes, y el Principe nuestros Señores, y muera el mal gobierno.»621

No mês seguinte, o padre Francisco Negrete relata a visita régia à casa dos Jesuítas,

por ocasião de uma festividade religiosa:

«Venia tambien la duquesa de Mantua en el coche com el Rey y Reina, sus primos (…). Estuvieron los Reyes y Principes en su sitial todos cuatro, y un poquito mas atrás la de Mantua, todos de rodillas, haciendo oracion al Santissimo.»622

618

Caida de su privanza, y muerte del Conde-Duque de Olivares..., p. 31. 619

Caida de su privanza, y muerte del Conde-Duque de Olivares..., p. 32. 620

SIMON, 2010, 266. 621

Caida de su privanza, y muerte del Conde-Duque de Olivares..., p. 52. 622

Memorial Historico Español, t. XVII, p.17, 17 de fevereiro de 1643.

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Ainda no rescaldo da queda do conde-duque, é descrita a atitude altiva da princesa

Margarida para com a condessa de Olivares, que permanecera ao serviço da rainha:

«El dia de la procesion fué la Reina nuestra señora á las Descalzas com la infanta y la duquesa de Mantua e condesa de Olivares. Al entrar en coche se sentó la Reina en la popa y á la infanta sentó á su lado. Entró luego la de Mantua, y sentóse muy ancha al lado de enfrente donde tiran los caballos. Al entrar la de Olivares le dijo la Reina «sentaos allí» y venia á ser al lado de la de Mantua. Esta replicó: “suplico á V. M. considere soy nieta del Rey D. Felipe II, mi señor, y hija de la infanta Doña Catalina y duquesa de Mantua, y que nos es decente vaya á mi lado la condesa de Olivares”. Por fin habló com tal resolucion que la Reina hubo de mandar á la condesa se sentase en el estribo. Obedeció y fué bien mortificada.»623

Em 11 agosto 1643, uma carta do padre Sebastian Gonzalez dava conta de que “la

duquesa de Mantua está ya en las Descalzas, en el cuarto en que vivió la señora

Emperatriz; tiene buena casa y bastante número de criados y criadas; dánle cada año

para su sustento 24. 00 ducados.”624

“Servida, y estimada,”625 a princesa Margarida estaria doravante presente em

momentos significativas da vida da corte, como as cerimónias fúnebres da rainha

Isabel de Bourbon, em 1646 e os festejos realizados, dois anos mais tarde, por ocasião

do casamento de Filipe IV com Mariana de Áustria.626

É possível que a sua intervenção diplomática em Madrid,627 conjugada com a

constante correspondência com Mântua, tenham influenciado os casamentos de

ambos os netos: o duque Carlos Gonzaga casou no ano de 1649 com a arquiduquesa

Isabel Clara de Áustria, tendo nascido a 31 de Agosto de 1652 o bisneto de Margarida,

Fernando Carlos; e a princesa Leonor tornar-se-ia imperatriz pelo seu casamento, em

1651, com Fernando III.628

623

Memorial Historico Español, t. XVII, p.37, carta de 2 abril de 1643. 624

Memorial Historico Español, t. XVII, p.183 carta de 11 de agosto 1643. 625

Historia General de España ..., t.II, p. 737. 626

OLIVEIRA, 2005, pp.180,184-185. 627

O professor Rafael Valladares alertou-me para as fontes austríacas, que poderão desvelar o papel diplomático da princesa em Madrid. 628

SOUSA, 1748, liv. III, p.243. Num memorial datado do ano de 1640, a princesa Margarida mostrava-se empenhada em que o casamento da neta, a princesa Leonor, fosse concertado de acordo com os interesses da coroa de Espanha (AGS, Estado, 2664).

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Nos seus últimos anos de vida, a duquesa de Mântua dedicar-se-ia com bastante

insistência à questão da recuperação do seu dote e do de sua mãe, a infanta Catarina

Micaela, 629 e nunca desistiria do intuito de regressar a Itália.

A notícia da partida da duquesa já corria no ano de 1646:

«A la princesa de Mantua se dice la da S. M. dos pueblos de Nápoles para que de la renta de ellos se sustente, y así se entiende se partirá para allá com toda brevedad.»630

A Historia General de España relata que a princesa “pedio intempestivamente licencia

de irse a Italia, creyose fue por puntos de lugar, y preeminencias, com quien le era

inferior, y aunque com pesar, y resistencia de su Magestad la consiguò, dandola cinco

mil ducados de ayuda de costa para el camino, y las alhajas Reales de que se servia. Su

habitacion auia de ser en Bejeuen [Vigevano], Ciudad del Estado de Milan, sus

alimentos quatro mil ducados de plata al mês.”631

Em junho de 1653, na sequência da autorização concedida pelo rei, Margarida de

Mântua escreve a Don Luis de Haro pedindo que libertasse a verba prevista, de modo a

que a ida para Itália se concretizasse, o mais tardar, em meados de Agosto, para evitar

as chuvas e frio na Lombardia, que seriam perigosos para a sua saúde.632 No ano

seguinte, escreve-lhe novamente, queixando-se da, desconsideração e das promessas

não cumpridas, acusando-o de “ entreterme con vanas esperanças.”633

Em 20 de julho de 1654, tendo tido notícia da chegada dos galeões, a princesa espera

receber finalmente o dinheiro para regressar a Itália, e pede que “se me de lo

prometido para poder executar mi jornada para Italia, que despues del servicio de V.

Mag.d es lo que mas deseo y me importa en esta Vida,” insistindo, dramaticamente,

que iria “a pie con un bordon a la mano (...) si no supiera que Su Mag.d no lo tendria

por bien.”634

A viagem só teria lugar no ano seguinte:

«Llena de sentimientos partiò su Alteza, dandola para la preuencion del camino hasta Francia, fuera del saluoconduto de aquella Reina su sobrina, un Alcalde

629

RAVIOLA, 2012, p. 161. 630

Memorial Historico Español, t. XVIII, p.399, carta de 11 de setembro de 1646 631

Historia General de España ..., t.II, p. 737. 632

BNM, Mss. 18176, Cartas originales de la princesa Margarita a Don Luis de Haro. 633

BNM, Mss. 18176, Cartas originales de la princesa Margarita a Don Luis de Haro. 634

BNM, Mss. 18176, Cartas originales de la princesa Margarita a Don Luis de Haro.

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de Corte, com quatro Alguaziles para preuenir los camino, y posadas, y que no se alterassen los precios de lo necessario. Llevó tambien un Medico de Camara.»635

Porém, a tão desejada jornada terminaria abruptamente em “Miranda de Ebro, donde

enfermò de una calentura pestilente, a que sucediò una disenteria, que Viernes a veinte

y cinco de Mayo le conduxo a la muerte, y al cielo, tal fue su vida.”636 Ficaria por

cumprir o tão almejado objetivo de regressar a Itália e de rever a filha.

A notícia foi recebida com pesar em Madrid: “sabido su fallecimiento, fue grande el

sentimiento de los Reyes, y de la Corte.” 637

No seu testamento, embora ciente de que poderia vir a falecer noutro local, a princesa

pedira para ser sepultada em Mântua, com o hábito franciscano.638 As circunstâncias,

porém, levaram a que fosse sepultada em Burgos:

«Depositaran su cuerpo, de orden de su Magestad, en el Real Convento de las Huelgas de Burgos. Sus funerales se celebraran magestuosamente en el Real Convento de las Descalças.»639

635

Historia General de España ..., t.II, p. 737. 636

Historia General de España ..., t.II, p. 737. 637

Historia General de España ..., t.II, p. 737. 638

RAVIOLA, 2013, pp. 63-64. 639

Historia General de España ..., t.II, p. 737.

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CONCLUSÃO

Com a nomeação para o cargo de vice-rainha de Portugal, Margarida de Saboia

alcançara a satisfação de ver reconhecido o seu estatuto superior no contexto na

Monarquia Católica.

Embora nascida em Itália, a princesa sempre privilegiara e cultivara a identidade com a

linhagem materna. Se a infanta Catarina Micaela se tornara duquesa pelo casamento,

a sua filha, princesa de nascimento e duquesa pelo matrimónio, sempre pretendeu o

uso legítimo do título de Infanta, pelo qual era muitas vezes nomeada.

Para além do sentido do dever e da fidelidade para com o rei de Espanha que lhe

haviam sido incutidos, o cargo de vice-rainha implicava o exercício de um poder

efetivo, que Margarida teria ambicionado desde a nomeação para a regência do

ducado de Saboia,640 e que experimentara brevemente no Monferrato, enquanto

consorte de Francisco Gonzaga.

A viuvez poderia ter-lhe trazido a oportunidade de exercer a regência do ducado, não

fosse o facto de a única filha sobrevivente ter sido envolvida numa crise sucessória,

que obrigaria, inclusivamente, a princesa Margarida a regressar ao Piemonte.

Estas circunstâncias remeteram a princesa à habitual posição feminina, exercendo a

sua influência na esfera do indireto e do oficioso.641 As cortes europeias, na época

moderna, permitiam à mulheres uma intervenção no poder por meio de uma

influência informal, inerente ao prestígio da linhagem e da honra alcançada pelo

casamento, que lhes permitiam angariar favores e distribuir mercês, bem como

participar das relações de aliança e de fação no seio da corte.642

A princesa Margarida, ao atuar como fiel aliada política de Filipe IV, associando a sua

condição e talento à persistência, lograria aceder a uma forma de poder

tradicionalmente associada aos homens.643

Na Idade Moderna as mulheres só em raras exceções exerciam papéis políticos ou

cargos oficiais de relevo,644 sendo mesmo considerado que a chegada de uma mulher

640

QUAZZA, 1930, pp.10-11. O autor refere o duque de Saboia tinha uma certa predileção pela mais velha das suas filhas, que era parecida com ele no carácter, inteligente, desejosa de comando e resoluta nas decisões

(p.3).

641 SICARD, 2009.

642 LOURENÇO, 1999, p.123.

643 OLIVÁN, 2006, p.28.

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ao trono correspondia a um momento de crise como sucedia, por exemplo, na

ausência de herdeiros varões ou do monarca em funções, ou em caso de menoridade

do rei.645

No caso particular da monarquia espanhola dos Habsburgo, porém, devido à dispersão

das suas possessões territoriais, a delegação do poder às mulheres da dinastia tinha

sido estabelecida como sistema de governo, uma vez que se preferia, sempre que

possível, entregar o governo a membros da família reinante.646 Margarida de Saboia

tinha, aliás, o exemplo bastante próximo da sua tia Isabel Clara Eugénia, governadora

dos Países Baixos.

A duquesa viúva de Mântua foi nomeada para um cargo exigente num momento de

crise.

Grande parte da documentação analisada é testemunho da realidade complexa do

Portugal de Seiscentos, nas suas múltiplas cambiantes de reino integrado numa

monarquia dual e cabeça de um império ultramarino.

Perante um quadro institucional em evolução, a gestão das tarefas governativas

passava por delegar e supervisionar, consultar e decidir, pelo que a princesa Margarida

lidava diariamente com uma vasta estrutura que abrangia, inclusivamente, outros vice-

reis ou governadores (do Brasil e da Índia).

Verificamos que a avaliação da intervenção governativa da princesa Margarida é

frequentemente toldada pelo preconceito de género (inerente à mentalidade da

época647), que percorre as fontes literárias e documentais, começando pela própria

Instrução, ao mencionar que as mulheres são “embaraçosas, y amigas de meterse en lo

que no les toca.”648

O próprio Olivares consideraria o género como uma limitação para o exercício do

cargo:

«Le premier Ministre qui la regardoit comme une femme plus propre à l’administration economique d’une famille qu’au Gouvernement politique d’un Royaume.»649

644

SICARD, 2009. 645

OLIVÁN, 2006, p.28. 646

POUTRIN e SCHAUB, 2007, p. 44. 647

Laura OLIVÁN afirma que “antes de que la reina comenzara su reinado, los juicios contra el mismo

estarían ya condicionados por su sexo femenino.” (OLIVÁN, 2006, p.28). 648

AGS, Estado, 4045; AGS, Estado, 2656, Minuta da instrução secreta para a princesa Margarida. 649

Anedoctes du Ministere du Comte Duc d’Olivares, p.326.

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Rebelo da Silva, na sua perspetiva oitocentista, considera a nomeação de Margarida de

Mântua como uma ofensa para os portugueses:

«Portugal, descontente e aggravado, viu na escolha da duqueza uma nova offensa a seus privilegios, tanto por a princeza ser mulher, como por não se achar no grau de parentesco com el-rei, que dispunham as capitulações de Thomar.»650

De acordo com a Ivstificaçam dos Portvgueses sobre a acçam de libertarem seu Reyno

da obediencia de Castella, texto que se insere no âmbito da bibliografia histórico-

jurídico-política da Restauração,651 a escolha seria duplamente ofensiva por ser

estrangeira e mulher:

«O segundo capricho do valido, foi entregar o gouerno, não sò a hum homem estrangeiro, mas a huma molher estrangeira, se foy intento, caro lhe custou, se foy acaso mouido de outras conueniencias, pudera aduertir que era erro sogeitar hum Reyno tam bellicoso, & vencedor de tantos homens a huma molher.»652

A estratégia de Olivares para garantir a submissão do reino aos seus desígnios

políticos teria passado pela nomeação da princesa, antevendo que esta poderia

“conformarse com os dous secretarios, a cuja conta estaua a execuçam do dinheiro,

parecendolhe, que mais facilmente se sogeitaria a elles huma molher, que hum

homem, por menos brioso que fosse.”653

Esta decisão estaria, à partida, condenada:

«Em outro lugar apontei hum oraculo da Sybilla, que diz se acabará o mundo, quando o gouerno delle estiuer à conta de huma molher. Viram os Castelhanos neste Reyno huma semelhança do comprimento deste oraculo, acabandose pera elles pello entregarem a huma molher.»654

A condição feminina da princesa Margarida torná-la-ia vulnerável à influência pro-

Monarquia Hispânica de D. Sebastião Matos de Noronha: “a Duquesa de Mantua, (...)

650

SILVA, 1860, t.III, pp. 425-426. 651

TORGAL, 1978, II, p.822. 652

Ivstificaçam dos Portvgueses sobre a acçam de libertarem seu Reyno da obediencia de Castella, Offerecida ao Serenissimo Principe Dom Theodosio Nosso Senhor Pello Doutor Antonio Carualho de Parada (...) Em Lisboa por Paulo Craesbeeck Anno 1643 in CRUZ, 1967, p. 194. 653

Ivstificaçam dos Portvgueses, p. 194. 654

Ivstificaçam dos Portvgueses, p. 194.

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gouernaua com assistencia do Arcebispo de Braga,” uma vez “que como molher se

conformaua com o parecer de hum Prelado.”655

O principal responsável pelo governo seria, assim, Miguel de Vasconcelos, a quem a

princesa teria sido obrigada a submeter-se:

«A Duquesa de Mantua que gouernaua, naõ tinha mais que as aparencias de Gouernador (...), & se tal, vez a piedade de molher a obrigaua a zelar alguma desordem era aduertida se conformasse com o Secretario, porque conuinha assi ao seruiço delRey.» 656

Se há autores que destacam pela negativa o facto de se tratar de uma mulher, no

entender de outros prevalece, porém, o facto de se tratar de um membro da dinastia

reinante, reconhecendo que é possível o governo feminino quando se trata de um

membro da família real. Tal é o caso de Francisco Velasco de Gouveia, autor da Justa

acclamação do Serenissimo Rey de Portvgal Dom Ioão o IV, que é considerada a mais

importante obra de legitimação do movimento restaurador:657

«Ouue sempre, & ha hoje em dia muitas femeas, em que se achão em summa perfeiçaõ as virtudes da prudencia, fortaleza, & constancia, & liberalidade, & todas as partes necessarias para reynarem; como em nossos tempos se vio neste Reyno na Raynha D. Catherina molher delRey D. Ioaõ o III. & se vè hoje na Raynha D. Luiza N. S. & no de Castella na Rainha Catholica D. Isabel, & na Infante D. Isabel gouernando os Estados de Flandres. E chegarão muitas Princesas, em todos os Estados, a taõ alto grao de perfeição, que merecerão ser canonizadas pella Igreja Catholica (...). Sendo que as dittas virtudes saõ muito mais certas nas femeas, que descendem da casa Real, assi pello sangue de que procedem, como pella criaçaõ, & doctrina que tem, & pello exemplo domestico, que pella maior parte seguem.»658

Também o erudito oitocentista Canovas del Castillo, que se interessou particularmente

pela história política dos Áustrias,659 conclui que “houve que recorrer a uma mulher,

ainda que celebrada pela sua discrição em Itália; e por mais que esta não mostrasse,

como era de temer, à hora do perigo suficiente energia, é justo recordar que os

governos das Princesas estavam muito em favor desde o tempo de Carlos V na Casa de

Áustria.”660

655

Ivstificaçam dos Portvgueses, p. 191. 656

Ivstificaçam dos Portvgueses..., p. 180. 657

TORGAL, 1978, II, p. 858. 658

GOUVEA, 1641, p.114. 659

PASAMAR e PEIRÓ, 2002, p.158. 660

CANOVAS DEL CASTILLO, 1888, p.40.

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O poder das mulheres originava uma situação contraditória: por um lado, numa

sociedade definida pela diferença jurídica, o governo feminino era aceite, sem limites,

quando baseado na prioridade outorgada pelo estado e pelo sangue; por outro lado,

havia uma clara perceção da debilidade deste governo, só por si propenso a rebeliões

e vulnerável a ataques internos e externos.661

A nomeação da duquesa de Mântua era um exemplo desta indefinição:

«Se bem que os dotes, e a nobreza daquela Senhora a faziam digna do cargo, os portugueses abominavam o seu governo por ser mulher, parecendo-lhes mal que uma representante do sexo cobarde tivesse o título de Capitão Geral das Armas.»662

A instabilidade interna e externa era um elemento comum aos governos femininos na

Idade Moderna, que as suas protagonistas tentavam combater recorrendo a

estratégias de conservação e legitimação do poder.663

O episódio da revista militar em Lisboa surge como uma estratégia de manipulação da

propaganda política, amplificada pelo recurso à divulgação do texto impresso

simultaneamente em Lisboa e em Madrid, que descreve o acontecimento como

grandioso e bem sucedido. Todo o cerimonial foi organizado com plena perceção de

que a imagem régia (neste caso, da representante de Filipe IV) era uma construção

cultural feita de gestos e cenários, e dela dependia a perceção e o reconhecimento por

parte dos súbditos.664

A princesa aproveitou a ocasião para potenciar as virtudes masculinas associadas à

vertente militar inerente ao seu cargo, fazendo menções de ser ela própria a passar

revista às tropas, deixando claro que estaria pronta para cumprir a sua missão em caso

de guerra:

«Este dia obrò mas en S.A. la sangre de hija del mayor soldado de todas las naciones que el retiro del estado de su viudez, y fortuna; pretendia a cavalo, de bastão na mão, examinar as tropas.»665

661

OLIVÁN, 2006, p.28. 662

BIRAGO,1646, p.109. 663 Laura Oliván refere, entre outras, a manipulação da propaganda política, a utilização da imagem

própria (potenciando virtudes masculinas ou recorrendo à ambiguidade dos sexos) e o cerimonial cortesão (OLIVÁN, 2006, pp.28-30). 664

PÉREZ CANTÓ e MÓ ROMERO, 2012, p.52. 665

Discvrso aivstado con la mvestra qve hizo de la gente de guerra...

Page 122: Dissertação apresentada para cumprimento dos …...Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em História Moderna e dos

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O empenho da princesa nas suas funções de Capitã General fora, aliás, elogiado por D.

Fernando de Toledo, que destacara o “çelo y cuidado de la Señora Prinçessa”

considerando que “su cuidado y inteligensia ecede de los limites de suxesso.”666

Os relatos do 1º de dezembro contradizem a ideia de que se teria arrancado “à feminil

fraqueza da duquesa de Mantua a ordem de render as fortalezas."667

É mais verosímil a afirmação, atribuída à princesa, de “que antes moriria que darla.”668

A mesma intenção já fora proferida, anteriormente, quando “ficou alterada” perante a

hipótese de que poderiam “serrar a V. A. em hum aposento e obrigalla por força a que

firme papeis e de ordens ainda que não queira,” mostrando-se “muito alterada que se

pudesse duuidar se sua fidilidade (...) dizendo que antes perderia mil vidas que

encontrar o servicio de S Magde nem dar favor a quem o encontrasse” e afirmando

perentoriamente “que nada a poderia obrigar ao que ella não quisesse.”669

As demonstrações de fidelidade, obediência e gratidão para com Filipe IV são também

recorrentes na correspondência, afirmando certa vez que “querria ser un Angel para

no poder errar y tener la inteligencia que seria menester para mejor servir a V. M. y

obviar inconvenientes.”670

Surgem várias vezes documentadas as reações dramáticas, reveladoras da

impetuosidade e génio da princesa que, perante a saída forçada de Mântua, declarara

que “que si fuera hombre huviera tratado las cosas con la espada en la mano, y no de

otra manera.”671

A sua relutância em regressar o Piemonte levara o duque de Alba a reconhecer que

não havia como “compeler a la Princesa Margarita, a que salga del Estado de Milan,

haziendo ella la resistenzia que dize.”672

A princesa afirmara a “resolucion de no yr mas alla sino fuesse muerta, y que antes se

yria mendiga por el mundo con un bordon,”673 imagem que voltaria a usar vinte anos

mais tarde para tentar agilizar o seu regresso a Itália.

666

AGS, G.A., 1180, Carta de D. Fernando Enriquez y Toledo, 6 de outubro de 1636. 667

CANOVAS DEL CASTILLO, 1888, p. 143. 668

BNM, M. 2373, Relacion de lo succedido en el llevantamiento del Reyno de Portugal, f.365. 669

BA, 51-V-80, f.44, Carta de Miguel de Vasconcelos a Diogo Soares. 670

AGS, Estado, 4047, Carta da princesa Margarida, 1 de janeiro de 1636. 671

AGS, Estado, 3647, Puntos del segundo papel,en los particulares de la Princesa Margarita. 672

AGS, Estado, 3647, Conselho de Estado 18 de março de 1634. 673

AGS, Estado, 3647, Puntos del segundo papel,en los particulares de la Princesa Margarita.

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Margarida de Mântua também se mostrara inflexível quando o marquês de Castañeda

a tentara convencer a regressar a Ocaña, acabando este por admitir ao rei que perdera

“la esperanza de reducirla.”674

O carácter determinado que a princesa revela em várias circunstâncias, e a altivez

descrita pelos seus contemporâneos parecem, pois, não se coadunar com a atitude

passiva de quem se deixaria dominar pelos ministros e conselheiros.

Isto não significa, naturalmente, que a princesa Margarida tivesse governado de forma

imparcial ou que fosse imune à influência das facções que a tentariam captar, uma vez

se mostrava amplamente envolvida nas intrigas da corte.

Dotada de uma força de espírito fora do comum, e sempre plenamente consciente da

sua posição,675 a vice-rainha mostrou-se empenhada no cumprimento das suas

funções.

Na perspetiva do marquês de la Puebla o principal defeito da princesa era,

precisamente, “desear que corran los negoçios por su mano,” situação que considerava

incompreensível, justificando que"nunca las mugeres governaron sin Asistençia de

ministros.”676

674

AGS, Estado, 4045, carta do marquês de Castañeda 11 de janeiro 1643. 675

RAVIOLA, 2012, p. 137. 676

AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 4 de fevereiro de 1636.

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FONTES MANUSCRITAS

Archivo General de Simancas

Estado, 2653

Estado, 2656

Estado, 2660

Estado, 2664

Estado, 3647

Estado, 4045

Estado, 4047

Guerra Antigua, 1180

Guerra Antigua, 1261

Guerra Antigua, 1325

Guerra Antigua,. 3176

Arquivo Nacional da Torre do Tombo

Nossa Senhora da Graça M. 5 T. 5

Arquivo Histórico Ultramarino

Cod. 30 Registo de Consultas do Serviço Real. Diferentes possessões, 1640 1643

Biblioteca da Ajuda

50-V-28

51-V-80

Biblioteca Nacional de Espanha

Mss. 2365

Mss. 2373

Mss. 18176

Porcones, 303

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117

Biblioteca Nacional de Lisboa

PBA 476

Biblioteca Pública de Évora

Cod. CV 2-19

FONTES IMPRESSAS

Anedoctes du Ministere du Comte Duc d’Olivares. Tirées & traduites de l’Italien du

Mercurio Siry, par Monsieur de Valdory, Paris, Jean Musier e François Barois, 1722.

Araújo, João Salgado de, Marte portugues contra emulaciones castellanas; o

justificaciones de las armas del Rey de Portugal contra Castilla : en quatro

certamenes..., Lisboa, Lourenço de Anvers, 1642.

Arte de furtar, espelho de enganos, theatro de verdades, mostrador de horas

minguadas, gazua geral dos Reynos de Portugal. Offerecida a elRey Nosso Senhor D.

Joaõ IV para que a emende, Amsterdão, Martinho Schagen, 1744.

Birago, Giovanni Battista, Historia delle riuolutioni del regno di Portogallo, per le quali

la corona è stata trasferita dal rè di Castiglia al duca di Braganza, Giouanni 4, Génova,

Stef. Gamoneto, 1646.

Caida de su privanza, y muerte del Conde-Duque de Olivares, gran privado del señor

Rey Don Felipe IV, el grande, con los motivos, y no imaginada disposicion de dicha

caida, sucedida á 17 de Enero de 1643, para exemplo de muchos, y admiracion de

todos (http://bibliotecadigital.jcyl.es/i18n/consulta/registro.cmd?id=9388).

Page 126: Dissertação apresentada para cumprimento dos …...Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em História Moderna e dos

118

Chagas, Manoel das, Sermão que pregov o Reverendo Padre Frey Manoel das Chagas,

Religioso da Sagrada Ordem de Nossa Senhora do Carmo, no seu Convento de Lisboa,

Sabbado 29 de Nouembro, na solemnidade que Sua Magestade mandou fazer ao

Sanctissimo Sacramento, que no mesmo dia esteue exposto. Offerecido a Serenissima

Princesa. pello Padre Eusebio Nunes Tynoco, sobrinho do Autor, Lisboa, Lourenço

Craesbeeck, 1637.

Colleccion de los Tratados de Paz (...) hechos por los Pueblos, Reyes, y Principes de

España, V, Madrid, Antonio Marin, Juan de Zuñiga y la Viuda de Peralta, 1750.

Copia de huma carta em que se da breve notícia do succedido desde o dia da felice

acclamaçaõ delRey nosso Senhor ate o prezente, data de Lisboa, ultimo de outubro de

1641, Lisboa, Paulo Craesbeeck, 1642.

Discvrso aivstado con la mvestra qve hizo de la gente de guerra de la Ciudad de Lisboa

S. A. la Serenissima Infanta Margarita de Saboya, Duquesa de Mantua, y Monferrato

Virrey de las Coronas, y Conquistas de Portugal en las quatro partes del mundo,

Capitan General de sus armas, y de las de Castilla en aquellos Reynos en 8 deste mes de

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Ecco polytico. Responde en Portugal a la voz de Castilla, Lisboa, Paulo Craesbeck, 1645.

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130

ANEXOS

ANEXO 1 - Giovanni Carracci, Margarida de Saboia com seis anos.

ANEXO 2- Sofonisba Anguissola, Margarida de Saboia com um anão.

ANEXO 3- Sofonisba Anguissola (atrib.), Retrato de Margarida de Saboia.

ANEXO 4- Federico Zuccaro (atrib.), Retrato de Margarida de Saboia.

ANEXO 5- Frans Pourbus II, Retrato de Margarida de Saboia.

ANEXO 6- Domingos Vieira (atrib.), Retrato de D. Margarida de Saboia, Duquesa de

Mântua.

ANEXO 7- Os grandiosos festejos no Lago.

ANEXO 8- Dirk Stoop, Terreiro do Paço no século XVII.

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I

ANEXO 1

Giovanni Carracci, Margarida de Saboia com seis anos

Coleção Gabriela de Saboia

Fonte: KUSCHE, 2009, p.290.

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II

ANEXO 2

Sofonisba Anguissola , Margarida de Saboia com um anão, 1595

Óleo sobre tela, 149x125 cm

Coleção Privada

Fonte: The Bridgeman Art Library http://www.bridgemanart.com/en-GB/asset/71626/

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III

ANEXO 3

Sofonisba Anguissola (atrib.), Retrato de Margarida de Saboia, 1604

Óleo sobre tela, 199 × 108

Turim, Galleria Sabauda

A princesa é retratada com as joias que herdou da infanta Catarina Micaela, que por

sua vez herdara da mãe, Isabel de Valois. A cabeça está adornada com a meia-lua,

símbolo de pureza, e a mão repousa sobre o leão genealógico dos Saboia.

Fonte: KUSCHE, 2009, pp.290-292.

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IV

ANEXO 4

Federico Zuccaro (atrib.), Retrato de Margarida de Saboia, c.1605

Óleo sobre tela, 120 x 99.1 cm

Atribuído por Francesco Petrucci ao pintor Federico Zuccaro, cuja estadia em Turim,

com o objetivo de retratar as princesas, está documentada. Margarida é retratada com

uma cadela spaniel, símbolo de fidelidade e fertilidade.

Fonte: Historical Portraits Picture Archive

http://www.historicalportraits.com/Gallery.asp?Page=Item&ItemID=1227&Desc=Marg

herita-of-Savoy-by-Federico-Zuccaro

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V

ANEXO 5

Frans Pourbus II, Retrato de Margarida de Saboia, 1608

Óleo sobre tela, 206.5x116.3 cm

S. Petersburgo, Hermitage

A princesa veste o traje nupcial ricamente bordado com as iniciais do noivo e a coroa

ducal.

“A noiva não está mal, mas também não é uma grande beleza; tem duas coisas boas –

porte majestático de princesa e muita prudência”- escreveu o sogro, Vicente Gonzaga,

a 11 de Março de 1608” (QUAZZA, 1930, p. 63).

Fonte: http://www.arthermitage.org/II-Frans-Pourbus/Portrait-of-Margaret-of-Savoy-

Duchess-of-Mantua.html

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VI

ANEXO 6

Domingos Vieira (atrib.), Retrato de D. Margarida de Saboia, Duquesa de Mântua

Século XVII

Óleo sobre tela, 191x111 cm

Museu de Évora

“D. Margarida aparece-nos num retrato de corpo inteiro, ligeiramente voltada à

esquerda, com uma das mãos pousada sobre as costas de uma cadeira que se encontra

à sua esquerda. A outra mão está pousada à altura da cintura. Está retratada como

uma mulher de meia-idade, de rosto pálido e austero, sem grande beleza. Veste um

vestido em tons de cinzento, de corpete ajustado ao corpo, que termina em forma de

bico, com um pequeno decote enfeitado por uma faixa com uma flor negra. A saia, que

cai em pregas verticais, abre ao meio. Sobre os ombros uma capa negra, comprida. Na

cabeça, um toucado de renda transparente. O fundo é escuro e toda a pintura está em

tons de branco, cinzento e preto o que confere um ar de grande austeridade.”

Fotografia: Teresa Crespo

Fonte:http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdR

eg=13748

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VII

ANEXO 7

Os grandiosos festejos no Lago (1608)

Compendio del Follino, Biblioteca Comunale, Mântua

Fonte: QUAZZA, 1930.

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VIII

ANEXO 8

Dirk Stoop, Terreiro do Paço no século XVII, 1662

Lisboa, Museu da Cidade

1230 mm X 1725 mm

“Importante obra de referência no panorama artístico de seiscentos, a pintura de Dirk

Stoop constitui uma das mais relevantes vistas do Terreiro do Paço nos meados do séc.

XVII e um importante testemunho para o conhecimento da sociedade da época.

Marcando cenograficamente toda a composição, o Paço da Ribeira destaca-se com o

torreão de Filippo Terzi, ou de Juan Herrera, a Casa da Rainha e a Galeria das Damas.

Ao fundo, no alto da colina, sobressai o Convento de S. Francisco da Cidade. Na praça,

o pulsar da cidade evidencia-se pelo deambular de crianças, cavaleiros, fidalgos, alguns

acompanhados de criados ou moços militares, homens do clero e diversos tipos

populares: negros, criadas e vendedoras. Junto do chafariz de Apolo, no centro do

quadro, alguns aguadeiros enchem as bilhas enquanto outros se envolvem numa rixa.”

Fonte: http://www.museudacidade.pt/Coleccoes/Pintura/Paginas/Terreiro-do-Paco-

no-seculo-XVII.aspx