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III

1988. Mais de 15 anos depois, 2003. [...] Hoje a gente conseguiu vencer os preconceitos. O hip hop ganha prêmio, vende disco, lota show. Conquistou na raça o respeito de quem desacreditava da nossa cultura. Isso aqui é uma homenagem aos guerreiros que começaram com o movimento aqui no Brasil. Isso aqui é dedicado aos guerreiros que ainda vão surgir. Fiquem firmes! Vamô que vamô que isso aqui não vai parar, certo?

Luo

Do rap Hip hop de verdade – “Rap da abolição”

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V

AGRADECIMENTO

Gostaria de registrar meus singelos agradecimentos aos que contribuíram direta ou

indiretamente para a construção desta dissertação.

Aos meus pais, Rubens Lelis Ximenes e Vicentina Maria José Ximenes (in

memorian), por me permitirem vencer as etapas da vida acadêmica. Ao meu esposo, Tuta,

que movido por paixões é o legítimo “solidário na crise” e sujeito participante desta

pesquisa. Às minhas filhas, Tamires (que desde o ventre acompanhou o desenvolvimento

deste trabalho) e Tuani, pela compreensão infantil nos momentos em que não pudemos

estar juntas.

Às irmãs Ximenes, que me socorreram, de uma forma ou de outra, na elaboração

deste trabalho: Camila (por ser meio mãe da Tuani), Patricia (meio mãe da Tamires – “eu e

você sempre juntas, sempre juntas”), Tarciana e Sandra (típicas tias!) Telma (minha

orientadora, desde sempre, “mestra e discípula!?”), Aracy (conselheira-mor), Vanja

(conselheira espiritual) e seu filho Henrique (pela colaboração na realização das

entrevistas), Kátia e sua filha Emília (por serem minhas interlocutoras no hip hop de

Caruaru – PE). E ao Sérgio que, como músico que é, percebeu logo a musicalidade do rap.

Agradeço aos principais personagens deste trabalho: os rappers Blue, Marcelo, Ciro

e a rapper Fabiana, aos graffiteiros Almir e Insônia e à graffiteira Cibele, aos b.boys Herval

e Ari. Aos pioneiros do hip hop campineiro: WPPL, Jarrinha, Spike, Carlão, Kid Nice. Em

especial, ao Malachias, pela presteza e atenção, nos depoimentos informais, pela confiança

em disponibilizar seu tesouro (gravação em super 8, fotos, recortes de jornais), precioso

para o hip hop, sem o qual este trabalho não teria o mesmo brilho.

Às mulheres do hip hop, Fernanda e Lajara (5º elemento?), demonstro minha

gratidão pelas reflexões e pelas brigas “compradas”, bem como ao DJ Neger e aos amigos

do DLN, DJ Rjay (“olha a postura”), Andresa e Reginaldo Carriola, por acreditarem no

potencial desta pesquisa. Em se tratando de 5º elemento, agradeço ao “antropólogo” King

Nino Brown.

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VI

Agradeço ao Cássio e ao Jorg’s por aceitarem os convites de trabalho e aos hip

hoppers do Jardim São José que continuam a história do movimento neste bairro.

Sou grata ao Carlos Filipe que não fora apenas um técnico em filmagem, mas sim

um bom observador que, com suas dicas, ajudou-me a pensar sobre o rumo da pesquisa e

também por apresentar-me à Nara Hailer que, com sensibilidade e seriedade viabilizou a

edição final do vídeo produzido neste trabalho (parabéns, menina!).

Meu muito obrigada aos colegas do VIOLAR, por contribuições valiosas para

minha formação: Tânia Rechia, Agenor, Devanir e Albor (“iii, você precisa fazer terapia”),

Odilon, Veralúcia, Sônia e Beatriz Gianei. À querida Cássia Elisa que, não “puríssima”, se

fez irmã, presente em todos os momentos, difíceis e alegres, amizade iniciada nesta etapa

da pós-graduação, mas seguramente duradoura.

A toda a equipe do CIMEI 22 (Centro Municipal de Educação Infantil)

especialmente às amigas da EMEI (Escola Municipal de Educação Infantil) “Estrelinha”:

Giselle (pelo incansável incentivo), Sônia, Maria Lúcia, Carmem Lúcia, Adriana Macedo,

Adriana Moreira, Simone, Lourdes, D. Áurea, e ao Deoclides. E às professoras que

compuseram este grupo: Tânia Alves (pelas preciosas quartas-feiras em que me substituiu)

e Mara Ramos (isso é que é professora!). Agradeço às colegas da FUMEC (Fundação

Municipal de Educação Comunitária) e, com carinho, às diretoras Jacira Marão e Leila

Bellinati, bem como às professoras e aos alunos do CEMEFEJA (Centro Municipal de

Ensino Fundamental para a Educação de Jovens e Adultos) Cambará.

Obrigada, ao Prof. Dr. Carlos Miranda e à Profª Dra. Norma de Almeida Ferreira,

por aceitarem prontamente compor a banca examinadora da qualificação desta dissertação

que, certamente, contribuíram para seu aprimoramento e da mesma forma à Profª Dra.

Wivian Weller, pelas observações pertinenetes de quem experienciou a relação hip hop e

academia. Meu agradecimento à Profª Dra. Maria Carolina Bovério Galzerani, que

acompanhou a construção deste trabalho, em sua disciplina no programa do curso, no

exame de qualificação e na defesa, que com seu olhar atento, fez considerações que me

permitiram ampliar o trabalho.

Manifesto minha gratidão à Profª Dra. Áurea Maria Guimarães, orientadora deste

trabalho que, sem pestanejar, aceitou os desafios e os embaraços que implicam o tema do

hip hop. Com sua sapiência, soube (des) construir sentidos!

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VII

E, finalmente, a todos (b.boy, b. girl, graffiteiros e graffiteiras, MC’s, DJ’s e

rappers) que dão vida, cada um à sua maneira, ao hip hop campineiro. Salve!

Rap Nacional, foi um prazer te conhecer.

Filosofia de rua

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IX

RESUMO

A presente dissertação foi desenvolvida na área “Ensino, Avaliação e Formação de

Professores”, com a contribuição de estudos realizados junto ao grupo de pesquisa

VIOLAR – Laboratório de Estudos sobre Violência, Imaginário, Práticas Sócio-Culturais e

Formação de Professores – da Faculdade de Educação da UNICAMP.

A pesquisa teve como interesse o estudo do hip hop que se constitui como um

movimento sócio-cultural e reúne três manifestações artísticas: o rap, o break e o graffiti.

Foram abordados os conflitos e as ambigüidades que permeiam o hip hop em sua

trajetória, entrecruzando o ontem e o hoje, a partir do seu surgimento em Campinas (SP),

há, aproximadamente, vinte anos.

As relações tecidas entre o hip hop e a educação no processo de sua construção no

município de Campinas foram igualmente consideradas.

ABSTRACT

The present work was developed in the area “Teaching, Evaluation and Formation of

Professors”, with the contribution of studies performed with the research group VIOLAR –

Laboratory of Studies on Violence, Imaginary, Socio-Cultural Practices and Formation of

Professors – Education School – UNICAMP.

The objective of this research was the study of the Hip Hop, which is considered as

a socio-cultural movement that gathers three artistic manifestations: rap, break and graffiti.

The conflicts and ambiguities that involve the Hip Hop in its trajectory were

approached, including yesterday and today since its emergence in the city of Campinas

(SP), about 20 year ago.

The relationships verified between Hip Hop and education in the process of its

construction in the city of Campinas were equally considered.

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XI

SUMÁRIO

Introdução ............................................................................................................................1 Capítulo I – Hip hop: A história a “contrapelo” 1.1 Sr. Tempo Bom: breve histórico do hip hop ..................................................................5 1.2 Sobre um dos elementos: a dança...................................................................................10 1.3 Campinas no ar: o hip hop no interior de SP..................................................................13 1.4 A Cultura é nossa: conformismo e resistência................................................................34 Capítulo II – Múltiplas falas: babélicos e rizomórficos 2.1 É a Torre de Babel.?! Opção metodológica....................................................................37 2.2 Algumas impressões: pesquisadora – militante............................................................. 43 2.3 Torre de Babel ou Rizoma?Conflitos e ambigüidades....................................................45 2.4 Palcos, Ruas, Praças: o hip hop em espaços públicos.....................................................49 2.5 De política em política: a participação política dos jovens.............................................53 2.6 Cultura, educação, livros, escola: aspectos educativos...................................................56 Capítulo III – Juventude hip hopper 3.1 Cotidiano violento, veneno 100%: hip hop, violência e poder público..........................63 3.2 Juventude: aceitação e resistência.................................................................................. 71 3.3 Faça por onde se divertir: o lazer e a indústria cultural................................................. 76 Para espalhar no tempo e no espaço..................................................................................87 Então vem, me filma............................................................................................................ 88 Referência Bibliográfica.....................................................................................................91 Anexo Roteiro de entrevista.............................................................................................................99 Discografia..........................................................................................................................101

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INTRODUÇÃO

Por isso, me entendo quando,

perplexo, estupefato, quase me surpreendo a me perguntar

se minha briga, na forma como a levo, em nome das razões que me movem

a intensamente vivê-la é pura teimosia de nordestino.

Paulo Freire

Ao desenvolver este trabalho, algumas certezas foram questionadas, realidades

desveladas e convicções confirmadas. Vamos a elas!

Há uma multiplicidade de posicionamentos e propostas dentre os hip hoppers, mas o

ideário que os norteiam é o mesmo. Embora façam parte da mesma manifestação cultural,

há peculiaridades. Denominam-se hip hop, mas expressam “múltiplas falas”. Há aparente

homogeneidade no hip hop: movimento de contestação social, denúncia e protesto, por

meio de suas expressões artísticas. No entanto, há hip hoppers que afirmam “não fazer

protesto” ou que não consideram todas as expressões do hip hop; outros que estão ligados a

diferentes militâncias e outros ainda, que têm interesses exclusivamente financeiros. Enfim,

pertencem a um grupo de jovens que compartilha de uma mesma definição de realidade:

“uma mesma linguagem pode expressar múltiplas falas.” (DAYRELL, 2001a, p.142).

Hip hop significa sacudir o quadril (hip – saltar, hop – quadril). Para Nilma Lino

Gomes (1996, p.1), sacudir o quadril deve ser entendido no sentido de ter “jogo de cintura”,

saber agir e reagir diante de uma sociedade excludente e discriminatória.

O “jogo de cintura” sugerido por esta autora, está a meu ver, na linguagem: sonora,

corporal, do desenho, letrada. Sonora, reage quando rompe com a melodia da música

legitimada pela sociedade, introduzindo elementos eletrônicos e ruídos com o arranhar do

disco, repetida e alongada. Corporal, reage quando cria (jeitos de mexer, torcer, pular,

girar) e recria (passos de dançarinos e ginastas profissionais). No desenho, a reação está em

fazê-lo colorido com spray nos muros e prédios públicos. Em retratar cenas urbanas, sem

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domínio de técnicas de pintura, sem moldura. Nas letras, o jeito de falar, rimar, com gírias

sem seguir as mesmas regras das poesias.

Esta linguagem, o hip hop, que expressa “múltiplas falas”, apresenta modalidades

de “jogo de cintura”, reage às injustiças econômicas, políticas e sociais, não apenas pelas

letras de rap e nos discursos que tecem ou nas temáticas que abordam, mas também com o

corpo, com o desenho, com a melodia.

Sendo assim, este é um aspecto importante que deve ser cuidadosamente pensado e

pesquisado e, por isso, não foi tratado neste trabalho em que propus outro foco.

Nesta pesquisa busquei compreender as ambigüidades, conflitos e a crise presente

no hip hop, a partir do estudo do movimento em Campinas, abordando a trajetória de sua

construção na cidade. Ambigüidade, na definição sugerida por Marilena Chauí (1993):

... não é falha, defeito, carência de um sentido que seria rigoroso se fosse unívoco. Ambigüidade é forma de existência dos objetos da percepção e da cultura, percepção e cultura sendo, elas também, ambíguas, constituídas não de elementos ou de partes separáveis, mas de dimensões simultâneas. (CHAUÍ, 1993, p.123).

Deste modo, as ambigüidades e conflitos foram abordados em sua riqueza, nas

possibilidades múltiplas de construção do hip hop. A crise, da mesma forma, não foi

encarada como caos, mas sim uma oportunidade de, ao rever pontos de desacordo, enxergar

novas possibilidades: “as flores que se despetalam esgotadas em sua perfeição, são a

promessa de belos frutos.” (MAFFESOLI, 2000, p.159).

A partir deste foco, a metáfora da Torre de Babel permitiu um início de conversa

com os entrevistados ao relacionar o hip hop à interpretação da Torre em que seus

construtores não puderam concluí-la por ter suas línguas misturadas e não conseguirem se

entender (LARROSA; SKLIAR, 2001). Estaria o hip hop campineiro em um momento de

não-entendimento como na construção da Torre de Babel? É, a partir deste questionamento,

que o momento vivenciado hoje pelo hip hop foi pensado coletivamente nos encontros

realizados durante esta pesquisa.

A educação é tema pertinente ao hip hop, seja em espaços de educação não-formal,

como oficinas em escolas ou em Casas de Cultura do Hip Hop, nos seminários, debates,

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fóruns, seja nas letras de rap ou no graffiti. O hip hop se aproxima da proposta de educação

multicultural que não prioriza a apropriação dos conteúdos de saber universal em si mesmo,

mas o processo do conhecimento e suas finalidades (GADOTTI, 1997, p.312). Daí, a

relação hip hop e educação. A educação no hip hop é expressa em “múltiplas falas”.

Em seus aproximados vinte anos de existência em Campinas, o hip hop precisa hoje,

de um registro de seu processo de construção. Um apanhado de propostas, objetivos,

características neste período e, principalmente, a identificação de quem foram seus atores,

qual a contribuição para o hip hop atual, quais as dificuldades e conquistas dos primeiros

breakers no Largo do Rosário (praça central da cidade). O compromisso dos pioneiros ao

iniciar a trilha que seria percorrida até agora. Nova e Velha Escola do hip hop. O ontem e o

hoje entrecruzados.

Esta dissertação foi elaborada a partir de dados levantados em entrevista coletiva

semi-estruturada (THIOLLENT, 2000) e técnica de vídeo (DUVIGNAUD, 1986). O grupo

de entrevistados foi escolhido de forma intencional por se tratar de uma pesquisa

qualitativa: “trata-se de um pequeno número de pessoas que são escolhidas

intencionalmente em função da relevância que elas apresentam em relação a um

determinado assunto” (THIOLLENT, 2000, p.63), seguindo um roteiro de entrevista

coletiva e semi-estruturada, ou seja, o entrevistador faz as adaptações necessárias e embora

siga um roteiro não o aplica rigidamente; é uma entrevista mais longa, mais cuidada, com

grande flexibilidade (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p.34-35).

Um diferencial significativo nesta pesquisa se deve à minha militância no hip hop,

estando sempre presente a dinâmica entre pesquisadora e militante. Os entrevistados

ficaram muito à vontade para conversar, já que sou uma pessoa comum a eles. Esta

pesquisa significou para nós uma contribuição para o hip hop. Em muitos momentos, o

encantamento pelos depoimentos, o desejo de lutar e transformar. Harmonia. Em outros o

desencantamento, as disputas, os interesses pessoais à frente dos coletivos. Conflito. Lidar

com esta “harmonia conflitual” (MAFFESOLI, 1987), sem comprometer o legítimo

andamento da pesquisa fora um constante desafio. Portanto, faço das palavras de Paulo

Freire (2000, p.30), as minhas:

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É assumindo o risco, sua inevitabilidade, que me preparo ou me torno apto a assumir este risco que me desafia agora e a que devo responder. É fundamental que eu saiba não haver existência humana sem risco, de maior ou de menor perigo. (FREIRE, 2000, p.30).

Assumindo tais riscos na dinâmica pesquisadora – militante tentei, no primeiro

capítulo deste trabalho, fazer uma abordagem do histórico do hip hop no mundo, no Brasil

e em Campinas, indicando propostas e características deste movimento, refletindo sobre

seus aspectos culturais. No capítulo dois, tratei mais de perto o hip hop campineiro, seus

conflitos e ambigüidades, utilizando para isso, a imagem da Torre de Babel. No contexto de

suas ambigüidades, o hip hop campineiro me permitiu pensar seus temas de interesse: a rua,

a política, a identidade, a educação. Outros temas continuam a ser abordados no último

capítulo: a violência, a juventude, o lazer. O passado e o presente aparecem no conjunto do

trabalho, bem como os procedimentos metodológicos adotados.

Espero que a leitura desta dissertação, assim como a visualização do vídeo que a

acompanha, sejam feitas à luz do pensamento de Walter Benjamin, citado por Buck-Morss

(2002, p.83), “uma apresentação da confusão não precisa significar o mesmo que uma

apresentação confusa”.

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CAPÍTULO I

Hip hop: a história a “contrapelo”

A carne mais barata do mercado é a carne negra. [...] E esse país vai deixando todo mundo preto

e o cabelo esticado. Mas mesmo assim, ainda guarda o direito,

de algum antepassado da cor, Brigar sutilmente por respeito,

Brigar bravamente por respeito, Brigar por justiça e por respeito!

De algum antepassado da cor,

Brigar! Brigar!

Brigar! Brigar!

Brigar!

A Carne (Seu Jorge, Marcelo Yuka e Wilson Cappellette)

Intérprete: Elza Soares

1.1 Sr. TEMPO BOM1: BREVE HISTÓRICO DO HIP HOP

O hip hop engloba três segmentos: o break (dança), o rap (música) e o graffiti

(desenho) e quatro elementos (MC, DJ, B.boy, Graffiteiro). No rap, existe o MC (mestre de

cerimônia), que faz o canto falado e o DJ (disc-jockey) que controla o vinil nos toca-discos

e domina a técnica do scratch (arranhar o disco para produzir um efeito sonoro). Os que

dançam são denominados B. boys (break boy ou b.girl). Os graffiteiros são os responsáveis

pela técnica da pintura, especialmente com spray, em muros da cidade2. Existe o quinto

elemento – Conhecimento e Sabedoria – que consiste na atividade educativa das posses.

1“Sr. Tempo Bom” é título de uma faixa do álbum “Preste Atenção” (1996) de Thaíde e DJ Hum. As informações contidas nos itens “Sr. Tempo Bom” e “Campinas no ar: o hip hop no interior de SP” foram obtidas, além da pesquisa, em minha militância. Para demais esclarecimentos sobre o histórico do hip hop no Brasil e no mundo podem ser consultadas, dentre outras publicações: Andrade (1996), Dayrell (2001c), Silva.J. (1998), Tella (2000). 2 O graffiti se difere da pichação (embora seja assinatura feita com spray em diferentes espaços urbanos, esta não usa variação de cores e desenhos). Na pichação há finalidade de competição entre os pichadores: a altura e importância do local para a cidade. Para alguns grupos, a pichação é arte e o que está em jogo é a adrenalina: “Com o objetivo de ganhar outros escritores e, de uma certa forma, protestar contra uma sociedade hipócrita e egoísta. O que para uns é feio, para outros é arte”. (RIBEIRO, 2004, p.17).

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Com o desenvolvimento e o crescimento do hip hop, fez-se necessária, a

organização em Posses e associações. Posse – no sentido de “tomar posse, apoderar-se”3 – é

uma organização de ação coletiva que difere de organizações não-governamentais, pois não

está centrada em uma pessoa ou instituição (além de não receber verbas não-

governamentais ou governamentais para se manter), tem como proposta discutir temas

pertinentes ao hip hop, além de promover eventos, seminários, palestras, oficinas,

atividades diversas para formação da comunidade hip hopper (rappers, b.boys, graffiteiros e

simpatizantes que se interessam por seus ideais ).

Em meados de 1970, no bairro do Bronx, em Nova York, as gangues trocaram

confrontos fisicamente violentos por disputas através da dança, ou seja, competições de

break. Através da dança, mostravam também sua contrariedade à guerra do Vietnã (1961-

1975). As performances imitavam os helicópteros ou os mutilados de guerra. Aí, nota-se o

início da proposta do hip hop: ampliar a visão do plano econômico, político e social para

compreender as causas e conseqüências dos confrontos territoriais locais e não apenas

reduzi-las ao morador do bairro vizinho. As gangues de briga passam a ser gangues de

dança.

Assim como o break, o graffiti4 surgiu com jovens descendentes hispânicos dos

guetos de Nova York. A princípio, escreviam nomes/assinaturas (tags) com spray nos

bairros para demarcar território. Em meados de 1970, começaram a fazer suas tags em

prédios públicos centrais, a fim de registrar o protesto contra a discriminação e a pobreza.

Os trens também eram marcados com pintura em spray, pois conforme iam atravessando os

vários bairros da cidade, levavam as assinaturas. Porém, as tags não foram suficientes para

estes jovens que passaram a desenhar com cores vivas nos muros, criando uma nova forma

de expressão artística de protesto.

3 Segundo definição de King Nino Brown (conhecido como o antropólogo do hip hop por possuir o maior acervo sobre o mesmo no Brasil; representante da Posse Zulu Nation no país, acompanha o movimento desde seu surgimento), apresentada no VI Seminário Hip Hop em Trânsito, realizado nos dias 14, 15 de setembro de 2002 em Campinas (SP). O conceito posse é originário do movimento hip hop norte-americano (SILVA, J. 1998). 4E pelos mesmos motivos descritos por Celso Gitahy (1999, p. 13): “A palavra aqui usada e a grafia adotada – graffito – vêm do italiano, inscrição ou desenhos de épocas antigas, toscamente riscados a ponta ou a carvão, em rochas, paredes etc. Graffiti é o plural de graffito. No singular, é usada para significar a técnica (pedaço de pintura no muro em claro e escuro). No plural, refere-se aos desenhos (os graffiti do palácio de Pisa). A grafia de origem italiana foi mantida porque há palavras que devem permanecer em sua grafia original pela intensidade significativa com a qual se textualizam dentro de um contexto.” O mesmo faço valer para as demais palavras de uso corrente no hip hop como rap, break , crew, tag, scratch etc.

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O rap surgiu na Jamaica, por volta da década de 50, onde os jovens faziam canto

falado com influências do reggae, relatando questões sociais. O costume de colocar rádios

nas ruas para promover festas abertas também se origina neste país. Nos EUA se difundiu e

se fortaleceu: o primeiro disco long play (LP), com gravação de rap, foi feito em um

estúdio de Nova Jersey, em 1979. São atores importantes neste processo de

desenvolvimento do hip hop: DJ Kool Herc (nativo da Jamaica) e Grandmaster Flasch

(introduz técnica do scratch), o grupo Sugar Hill Gang (primeiro rap gravado) e Áfrika

Bambaataa (DJ e fundador da Posse Zulu Nation). Vale citar que o canto falado era hábito

dos negros africanos ocidentais, pois por meio dele, os escravos buscavam a rememoração,

repetir a história extra-oficial de seus antepassados (GUIMARÃES, A., 1999). O fato é que

a junção destas manifestações culturais dos jovens nova-iorquinos possibilitou tréguas entre

as gangues.

No Brasil, o movimento hip hop se instalou a partir do break no Estado de São

Paulo, consolidado na Estação São Bento do metrô na capital, em meados de 1980. Alguns

breakers (dançarinos de break), que já eram dançarinos de funk como Nelson Triunfo, se

organizaram em equipes de dança e propagaram a cultura no país. Das equipes de break

saíram os rappers (MCs e DJs) para compor os diferentes grupos de rap, desvinculando-se

da dança. O graffiti também surge no Brasil nesta época – década de 80 – inicialmente com

tags e mais tarde com desenhos. Porém, o rap nacional muito se assemelha ao estilo

musical repente da região nordeste do país, por basear-se na palavra e na exacerbação

sonora. Elaine Andrade (1997) aponta as características do rap nacional, na revista Agito

Geral:

O rap é música de origem negra [...] no Brasil havia os ganhadores de pau, que na Bahia por volta do século XVIII / XIX, trabalhavam nas ruas de Salvador e cantarolavam reclamando da atitude opressiva da política escravista, havia o puxador (comparado ao MC) e os outros repetiam o canto em refrão. Daí decorre o estilo repentista da cultura nordestina. (ANDRADE, 1997, p.18).

A exemplo desta proximidade do rap com o repente, está o rap do Pepeu, Nome de

meninas, gravado em 19895 em São Paulo e um verso de embolada nordestina:

5 Pepeu – Kaskatas Records, 1989 (SILVA, J.,1998, p. 82).

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O rap: A embolada:

Ruth, Carolina Odete, Marinete

Beth, Josefina Rosinete, Orelina

Acabei de lhe dar Quero que você me diga

Quatro nomes de meninas O nome de quatro meninas

E assim segue o desafio com múltiplos de quatro.

Ainda sobre a aproximação do jeito de cantar do rap e do repente, atualmente, o

canto de improviso com jogo de rima é comum entre o rappers. Os MCs fazem o desafio de

rimar no ritmo de uma música tocada pelo DJ, utilizando elementos à sua volta, os grupos,

a platéia, o encontro, os participantes. Fazem o que chamam de Free Style.

Esta aproximação acontece pelo que Carlo Ginzburg (1998) denominou

“circularidade cultural”. Há uma relação entre as manifestações culturais, “influências

recíprocas”. No caso de rap e do repente, por exemplo, o que se deu foi um fortalecimento

das mesmas expressões e já com o new wave, uma afirmação, não de protesto, mas dos

valores dominantes.

O rap no Brasil representou uma ruptura com os padrões musicais, não apenas pelas

letras de crítica social, mas também pela sonoridade por se tratar de uma música eletrônica

conciliada ao canto falado. O primeiro rap gravado em São Paulo foi o Sebastian Boys Rap,

dos DJs Pepeu e Mike, em fita de rolo, divulgada na programação da Rádio Bandeirantes,

em 1986. Em 1987, a música sofreu modificações por sugestão da gravadora para se

integrar ao modismo da época, o New Wave, o que a descaracterizou. A música integrou a

coletânea Remixou? Dançou! pela gravadora CBS e não alcançou, em vinil, o sucesso

esperado (SILVA, J., 1998, p. 77-78).

Em nível mundial, foi criada a Posse Zulu Nation em 1973, cujo principal

representante é Áfrika Bambaataa e conta com correspondentes em vários países. No

Brasil, o principal membro é King Nino Brown que é, também, membro da Posse Hausa,

de São Bernardo do Campo, fundada em 1993 (ANDRADE, 1996, p.190). Em 2004,

formou-se um grupo afiliado à Zulu Nation (Zulu Nation Campinas), na representação do

dançarino Herval. Em São Paulo, existem, dentre outras: a Posse Força Ativa, Conceito de

Rua e Posse Mente Zulu. Em Campinas e região existe desde, aproximadamente, 1997, a

Posse Rima & Cia.

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Andrade (1996, p.7) considera o caráter educativo e de formação política das

posses: “O processo educativo da ‘posse’ envolve o fator identidade, por isso a existência

do processo intencional de educação incluso na prática social do grupo. Ao participar da

ação social da ‘posse’, os jovens educam-se e este processo ocorre em virtude da

identificação”.

O processo educativo ocorre em espaços democráticos de convivência com as

diferenças entre as idades, entre os ciclos de vida e as gerações. Este encontro desenha

projetos comuns capazes de oferecer novos e múltiplos caminhos para a prática educativa

(SPOSITO, 2001).

É importante ressaltar que há diferentes pontos de vista no movimento hip hop em

diversos aspectos e, em relação a questões étnicas, algumas posses entendem o movimento,

mais especificamente o rap, como movimento negro juvenil e assumem um ideário racial,

sendo a identidade fator indispensável (ANDRADE, 1996). Em contrapartida, outras posses

e hip hoppers entendem o movimento como expressão cultural de jovens moradores de

periferia, pobres e excluídos e não apenas dos negros. Neste trabalho, a origem negra do rap

(assim como outras manifestações artísticas populares brasileiras) não o torna instrumento

de contestação exclusivo dos negros, uma vez que a multiplicidade cultural está presente no

cotidiano popular e, sem negar a maioria desfavorecida de afro-descendentes, a proposta de

luta é para todos os que se sentem indignados com as péssimas condições de vida nas

periferias dos grandes centros urbanos. 6

O movimento hip hop é uma organização de protesto, diferente de muitos ocorridos

no Brasil, 7 pois surge da periferia dos grandes centros urbanos, sem apoio ou incentivo dos

meios de comunicação – como é o caso de diversos estilos musicais – da escola ou de

intelectuais, como aconteceu em outros momentos da história, como relata Marina Amaral

(1998):

6 Periferia entendida neste trabalho como conjunto de bairros localizados nos arredores da cidade, carentes de infra-estrutura básica como saneamento, pavimentação, iluminação pública, moradia, além de prestação de serviços públicos, como educação, saúde, coleta de lixo, transporte. Vale citar que carências podem aparecer não apenas nos bairros afastados da região central – centro entendido como espaço servido por diversos equipamentos e serviços que se contrapõe às áreas predominantemente residenciais – mas também por moradias localizadas geograficamente mais próximas ao centro que são constituídas por cortiços e pensões com elevados índices de ocupação (MAGNANI, 1992). 7 Como por exemplo, lideranças sindicais do movimento docente, movimento negro, movimento feminista, movimento estudantil: movimentos organizados nos rumos das lutas sociais contra a ditadura militar (SPOSITO, 2000).

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Os movimentos juvenis dos anos 80, 90 marcaram uma diferença bastante grande do que a gente chamava de movimentos juvenis até o final da década de 70, os protagonistas são jovens dos setores populares que não se definem pela condição estudantil. Outra coisa nova é que os movimentos passam a ser mais ligados ao lazer, cultura, comportamento, atitude. (AMARAL, 1998, p.8).

A proposta de apontar problemas sofridos pelos excluídos acompanhou o rap, agora

não apenas de negros, descendentes dos escravos, mas também dos europeus, orientais,

árabes e latinos.

1.2 SOBRE UM DOS ELEMENTOS: A DANÇA

Para compor esta pesquisa, recorri a publicações acadêmicas e a autores que

tratavam da temática do hip hop, além de minha própria rememoração no que conheci pelas

conversas, pelas histórias contadas sobre o movimento, bem como por meio de leituras de

textos variados que circulavam entre nós, adeptos do hip hop. Daí, as características que

adotei neste trabalho.

Porém, no decorrer da pesquisa, em entrevista com os participantes e em conversas

com alguns interlocutores, outros fatos sobre o surgimento do hip hop foram sendo

contados. Destaco aqui, a contribuição de um dançarino, o Herval que me atentou para a

nomenclatura de um dos elementos do hip hop: a dança. Herval conta, a partir de visitas a

sites de dançarinos8 e de conversas na Zulu Nation que o termo mais indicado para referir-

se à dança seria breaking ou b.boying e não break dance. Este último fora divulgado pela

mídia norte-americana para referir-se aos vários estilos de dança de rua, rotulando-os como

uma coisa única. Ele explica que além do Breaking, há, por exemplo, os estilos Locking e

Popping, que apesar de serem dança de rua, se diferenciam nos passos, performances e

vestimenta. O b.boy (dançarino de breaking) dança ao som de Funk (original dos anos 70).

Segundo ele, os rachas (disputas por meio da dança) podiam causar tumulto e acabar em

briga.

8 Os sites que podem ser visitados são www.zulunation.com , www.rocksteadycrew.com , www.pcg.com.br .

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Para Herval, os nomes dos passos de dança também devem ter seu idioma

preservado. O que, por exemplo, era conhecido no Brasil como “Giro de Costas” é

denominado “Back Spin” e assim deve ser chamado. O mesmo deverá acontecer com

golpes da capoeira que foram introduzidos no breaking e são executados no exterior. Para

ele, é importante também conhecer o dançarino que inventou o passo, seu significado e

nomenclatura.

É comum no hip hop brasileiro, uma mistura do português com o inglês. Hoje, os

jovens pensam ser mais coerente preservar o idioma de origem, uma vez que têm mais

possibilidades de fazê-lo por conta dos recursos tecnológicos. No início, o inglês circulava

e também se misturava, mas não havia uma preocupação com o significado das palavras. O

que existia era uma reapropriação e ressignificação dos termos, muitas vezes conhecidos

em revistas publicadas em inglês, específicas da dança, vinda dos Estados Unidos.

Sobre a origem do breaking, há um fato relatado pelo DJ TR, na coluna sobre hip

hop, em um site:

ele fora desenvolvido pelos adolescentes da época, que por não conseguirem imitar corretamente seus irmãos mais velhos e seus pais, que dançavam embalados pelo soul, acidentalmente acabaram criando um estilo mais radical, incorporando inclusive na sua coreografia movimentos que eram desde mímicas e acrobacias olímpicas até a estilização de capoeira e catares de lutas marciais (TR, 2005).

King Nino Brown afirmou, em entrevista para esta pesquisa, que o Breaking veio do

Funk de James Brown. Quando ele cantava uma música chamada The Good Foot, os jovens

do Bronx ficavam atentos ao seu jeito de dançar e dali foram criando novos passos, na

década de 70. Aqui no Brasil, o que se chamava de soul era na verdade o funk.

Com os recursos tecnológicos como a internet e os canais de tv por assinatura,

muitas opiniões, propostas e idéias circulam no mundo todo com mais agilidade. Termos

para denominar passos de dança e elementos do hip hop tendem a ser padronizados. Em

uma reportagem sobre a equipe de dança Back Spin, que atua em São Paulo desde a década

de 80, Marcelinho, que é dançarino nesta equipe desde sua criação, afirma:

Hoje, dentro do universo da dança no hip hop, foi legal acabar com o equívoco de chamar a dança de break. Na dança de rua tem o popping, locking e breaking. As pessoas precisam respeitar o universo da dança, porque cada dança tem uma história, uma origem e nós precisamos respeitar quem criou, por mais que tenha influência de várias artes,

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até mesmo da Capoeira Angola na dança breaking, o pessoal do hip hop precisa parar de chamar essa dança de break. Hoje, quando a pessoa começa a dançar, só não pega informação se não quiser. A informação está aí. A Back Spin existe há 19 anos, mas ainda estamos estudando a dança. (RIBEIRO; PENHA, 2004, p.14).

O que Marcelinho expõe nesta reportagem foi o mesmo que aconteceu quando a

dança chegou ao Brasil e inicialmente foi batizada de Robô, mais tarde denominando seus

dançarinos de breakers, até chegar ao uso do termo B.boy.

No VI Seminário Hip Hop em Trânsito realizado em Campinas em 2001 e, depois,

em uma entrevista para esta pesquisa, King Nino Brown, afirmou que no início do hip hop

em Nova York, os jovens dançando nas ruas não estavam protestando contra a guerra do

Vietnã, imitando hélice de helicóptero, mutilado de guerra ou robôs, contestando o

desenvolvimento tecnológico. Eles dançavam e pessoas da imprensa local deram um

sentido, fizeram uma leitura pertinente para aquele momento histórico, uma vez que vários

movimentos sociais estavam protestando contra a guerra. De qualquer forma, foi esta

versão dos fatos que se propagou no mundo, por meio da mídia americana. Segundo King

Nino Brown:

A contestação começou quando Áfrika Bambaataa fundou a Universal Zulu Nation, uniu os elementos e batizou de hip hop. Se não acho que nem existiria o que hoje se chama o breaking, pois não fosse o Baambaataa pensar a forma da juventude se unir e começar a se organizar, nenhum deles estaria vivo, e não sobraria ninguém pra contar história, e a conclusão é que, não existiria hip hop no mundo (KING NINO BROWN).

Entretanto, reafirmo a utilização do termo break porque foi o termo que fez sentido

e foi reapropriado pelos jovens brasileiros, mas apresento outras visões e entendimentos

sobre a origem da dança que vêm se fazendo conhecer nos últimos anos entre os hip

hoppers. Esta apresentação é feita motivada por leituras benjaminianas que sugerem o

questionamento de visões oficiais, “um pentear a história a contrapelo”, escrever a “história

dos vencidos”, uma vez que a versão que ficou conhecida e vem sendo recontada foi a

divulgada pelo mundo por meio de setores da sociedade norte-americana, com intenções e

objetivos próprios. Ainda que de acesso a alguns, a produção de sites independentes

possibilitou trocar idéias e opiniões mundialmente, simultaneamente. Permitiu aos atores

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do início do hip hop contar suas “experiências vividas”, fazendo uso da aparelhagem

tecnológica oferecida pelo capitalismo. Permitiu-lhes escrever sua própria vertente da

história, a dos vencidos.

Pretendo apresentar outra vertente no sentido descrito por Gagnebin, “de não deixar

essa memória escapar, mas de zelar pela sua conservação, de contribuir na reapropriação

desse fragmento de história esquecido pela historiografia dominante”.(GAGNEBIN, 1982,

p.72).

1.3 CAMPINAS NO AR: O HIP HOP NO INTERIOR DE SP9

Campinas, cidade com cerca de 1(um) milhão de habitantes, a 100 Km da capital

São Paulo, é centro de uma região metropolitana com desenvolvimento sócio-político e

econômico significativo para o país. Completando 230 anos em 2004, iniciou sua expansão

com a agricultura cafeeira.

Em 1870, a população de Campinas era de 33 mil habitantes, distribuídos em 10 mil

na cidade e o restante nas fazendas, sendo 13 mil livres e 20 mil escravos (GALZERANI,

1998, p.163). Os escravizados superavam, em número, a população livre e Campinas estava

em poder dos Barões do café. Porém, estratégias de organização e resistência se

apresentavam entre os negros escravizados. Nesta mesma década, segundo Galzerani (ibid.,

p.146), há em um jornal da época, “Gazeta de Campinas”, o registro da solicitação de

alguns fazendeiros à polícia para proibir as apresentações culturais dos negros na cidade,

alegando desordens entre eles em decorrência de bebedeiras que ocasionavam prejuízos aos

senhores. Em resposta à solicitação, os negros fizeram outro pedido ao delegado de polícia,

que permitisse a “função” em um horário determinado e em algumas praças. Neste

momento, os negros se submeteram as normas policiais, não por concordarem com ela, mas

para manter suas atividades naqueles locais. Há, também, outros registros de repressão às

congadas, batuques, sambas e moçambiques junto às igrejas de São Bento e do Rosário.

9 A expressão “Campinas no ar” foi utilizada em raps, pelos grupos DLN e Sistema Negro.

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No final do século XIX, há em Campinas um florescimento da vida urbana. Os

grandes proprietários e a classe média – profissionais como advogados, médicos,

professores, comerciantes e pequenos industriais, participavam da vida sócio-político-

cultural no espaço urbano. O café possibilitava enriquecimento e poder e era sinônimo de

modernidade para os grandes proprietários e suas famílias. Porém, no agito da vida urbana

também se instalava uma população pobre que fazia deste espaço seu local de moradia e

sobrevivência. Tal modernização se apresentava contraditória. Ao mesmo tempo, gerava

riqueza e produzia misérias: moradias improvisadas, escravidão, revoltas e fugas de

escravos, injustiças sociais, medo da violência cotidiana. Neste cenário de realizações,

desigualdades e contradições, grupos distintos se cruzavam: classe média, escravos,

imigrantes, libertos, trabalhadores nacionais e grandes proprietários (ANANIAS, 2000).

Em 1950, Campinas sofreu reformas na região central e a igreja do Rosário,

construída no final do século XIX foi demolida para o alargamento da rua Francisco

Glicério. O Largo do Rosário, o qual abrigou a igreja, abrigou também conversas políticas,

sendo apelidado de “Caldeirão do diabo”10 e foi, ao longo dos anos, local de vários

encontros populares: manifestações, atos políticos, feiras, shows, comícios, atividades

promovidas tanto por órgãos públicos, como por entidades dos movimentos populares. Dos

vários momentos de reunião da população campineira, vale citar a da campanha “Diretas

Já” em 1984 e a do Impeachment do Presidente Fernando Collor de Mello em 1991.

Atualmente, aconteceram manifestações do Movimento GLBT (Parada do Orgulho de

Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros), dos negros (Dia da Consciência Negra), das

mulheres (Dia Internacional da Mulher), dos portadores de HIV e seus familiares (Dia

Mundial de Luta contra AIDS).

Enfim, não por acaso, no início dos anos 80, jovens negros e pobres levaram para o

Largo do Rosário, um novo estilo de lazer e entretenimento – a dança de rua – que mais

tarde unir-se-ia à música e ao desenho, formando o hip hop campineiro.

Para conhecer o processo de surgimento e desenvolvimento do hip hop em

Campinas, foram convidados a contribuir nesta pesquisa, pessoas da Velha e da Nova

escola do hip hop. Este movimento foi dividido em Nova e Velha escola, em São Paulo,

10 Jornal de Bauru, 20 de outubro de 2004.

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ano de 1989, por Milton Salles (ANDRADE, 1996, p. 133), o que já havia acontecido

anteriormente nos Estados Unidos.

Os membros do hip hop que participaram desta pesquisa não foram selecionados

por critérios estatísticos, mas de forma intencional (THIOLLENT, 2000, p. 62) por se tratar

de uma pesquisa qualitativa (LÜDKE; ANDRÉ, 1986), levando-se em conta os interesses

dos entrevistados diante da problemática aqui delimitada.

Sendo assim, foram selecionados membros da nova e da velha escola do hip hop em

Campinas.

Os membros da velha escola selecionados foram11:

• Malachias: Dançava funk. Foi membro da equipe Malachias Funk Show. Esta era

considerada entre os jovens breakers a melhor equipe da época. Atualmente

promove festas em Campinas. Tem 41 anos de idade. É funcionário público do

departamento de defesa civil, no qual ocupou cargo de chefia. Ingressou no serviço

municipal como coletor de lixo. Reside no bairro DIC V (região sudoeste). É

casado, tem filhos;

• Tuta: Foi dançarino de break. Participou da equipe Break Gang Street. Foi o

primeiro na cidade a gravar uma faixa em um LP. É MC do grupo DLN

(Defensores da Liberdade Negra) e militante do movimento hip hop. Desenvolveu

e idealizou eventos e oficinas com hip hop. É profissional autônomo na área de

informática. Tem 37 anos, é casado, tem filhos. Foi morador do DIC IV (região

sudoeste) por cinco anos, mas retornou ao Jardim São José, onde morou durante a

infância e a adolescência;

• Jarrinha: Foi breaker da Break Gang Street. Participou como DJ no grupo de rap

Kings MC’s. Foi o primeiro a fazer o passo de dança, moinho de vento, em

Campinas. Tem 37 anos de idade. É casado, tem filhos. Fez curso na ETECAP

(Escola Técnica Estadual Conselheiro Antônio Prado). Atualmente trabalha na

BOSCH. Reside com a família no Jardim São José;

11 A descrição das atividades dos entrevistados foi feita a partir de informações por eles prestadas, bem como por meu conhecimento a respeito como militante. Uma vez que fui moradora da região do bairro Jardim São José, pude acompanhar de perto o desenvolvimento do hip hop neste local.

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• WPPL: Foi um dos primeiros graffiteiros de Campinas. Seu graffiti se destacava

pela qualidade dos desenhos.Também breaker da Break Gang Street. Tem 37 anos, é

casado, tem filhos. Reside atualmente na Vila Mimosa, próximo ao Jardim São José;

• Carlão: Foi breaker da equipe Break Gang Street. Tem 36 anos, é solteiro. Reside

na mesma casa onde foi local de treino. Trabalha como auxiliar de produção em

uma fábrica de suco;

• Valdilson (Spike): Dançou break, participou de grupos de rap. Hoje é MC do DLN.

Tem 37 anos, é casado, sem filhos. Trabalha com venda e instalação de calhas.

Reside em Hortolândia;

• Kid Nice: É MC do grupo Sistema Negro, um grupo com cinco álbuns gravados,

com visibilidade nacional. Acompanhou as rodas de break no Largo do Rosário, e

foi um dos primeiros rappers da cidade. Tem 37 anos de idade. É casado, com

filhos.

• King Nino Brown: É um dos membros da Velha Escola do hip hop de São Paulo.

Desenvolve atividade na Casa do hip hop de Diadema. Possui um dos maiores

acervos sobre o hip hop no Brasil. É membro da Zulu Nation e adicionou o termo

King no nome por conta de receber uma diferenciação entre os demais Zulus da

organização.

Os participantes da nova escola foram:

• Blue: Rapper do grupo Naipe. Desenvolve oficinas de hip hop.

• Marcelo: É DJ. No momento das entrevistas era proprietário de uma loja de CDs e

artigos para hip hop, mas que foi fechada logo depois. Também participou do grupo

de rap, Rap Company e gravou CD. Desenvolve workshop de DJ e ministra aulas

deste elemento. É DJ em casas noturnas. É casado, com filho. Tem 30 anos de

idade. Reside no DIC IV.

• Herval: B. Boy da Radicais Suburbanos, também participou do grupo de dança

MOS (Mantendo a Origem Sempre). Desenvolve oficinas e foi oficineiro da Casa

do Hip Hop de Campinas. Também faz graffiti. Desenvolve projeto de dança no

bairro Vila Padre Anchieta. Desde 2004 é membro da Zulu Nation (Zulu Herval).

Tem 29 anos de idade;

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• Almir (Mirs): É graffiteiro. Desenvolveu oficinas de graffiti e ministrou palestras

sobre hip hop. É solteiro, sem filhos. Está cursando faculdade em Mato Grosso do

Sul. Tem 27 anos de idade;

• Insônia: É graffiteiro. Desenvolveu oficinas de graffiti. É solteiro, com filho. Reside

no Jardim São José. Tem 21 anos;

• Fabiana: É MC em grupo de rap. Desenvolve oficinas e ministra palestras sobre hip

hop;

• Ari: É dançarino de dança de rua. É um dos organizadores do grupo MOS. Trabalha

como professor de dança na FEBEM. Ministra e coordena oficinas. É o principal

divulgador em Campinas, de propostas para o hip hop, diferente das divulgadas pela

Zulu Nation12. Tem 37 anos de idade;

• Ciro: É MC do grupo Júri Criminal. Foi coordenador da Casa do hip hop de

Campinas;

• Cibele: É graffiteira. Desenvolve oficinas de hip hop. Foi oficineira da Casa do Hip

Hop de Campinas. Tem filhos.

O levantamento histórico destes anos foi feito a partir da rememoração de seus

atores, construtores. Rememorar não é lembrar dos acontecimentos e sim, estabelecer as

possíveis relações entre passado e presente por meio da narrativa. E, citando Walter

Benjamin (1985):

O narrador é um homem que sabe dar conselhos. Mas se ‘dar conselhos’ parece hoje algo de antiquado, é porque as experiências estão deixando de ser comunicáveis [...] Aconselhar é menos responder a uma pergunta que fazer uma sugestão sobre a continuação de uma história que está sendo narrada. (BENJAMIN, 1985, p. 200).

Quando, em uma das entrevistas, os pioneiros do hip hop campineiro dizem aos

novos que eles não podem deixar de estar nas ruas, de ocupar espaços públicos, sugerem

que a história vivida por eles, os mais velhos, tenha continuidade, com os jovens

12 A posse internacional Zulu Nation, fundada por Áfrika Bambaataa, propõe para o hip hop o protesto e a luta social. Enquanto que outros grupos propõem o caráter de festividade e diversão. Para maiores informações sobre a Zulu Nation consultar o site www.zulunation.com .

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manifestando sua cultura de modo a não depender de instituições financeiras ou

governamentais:

Hoje eles têm um espaço que nem a prefeitura, aquele espaço pra ensaiar, tem tudo, os requisitos necessários pro cara dançar bem o break, de rolar, espaço pra se montar uma coreografia. Mas às vezes eu acho que existe o lance de você tá na rua, eu acho que tem que persistir ainda em se fazer um break no Largo do Rosário. Tem que insistir em fazer um break na 13 de maio (TUTA).

Perdeu a essência porque hoje você não vê mais um cara dançando break na rua, no Bosque, você não vê mais no Largo do Rosário (MALACHIAS).

O espaço utilizado para o break, de 1997 à 2004, fora a Prefeitura Municipal, a

princípio em frente ao Macc (Museu de Arte Contemporânea de Campinas) e em seguida, o

Paço Municipal, conforme esclarece Herval:

Ali na Prefeitura tem um espaço da hora. Liso, tem toda infra-estrutura pra um B.boy tá ali [...] Tem um lugar que dá pra se ver no espelho, pra pegar uma coreografia, dá pra ligar a força, 110-220, dá pra escolher!

Segundo Galzerani (1998, p.267), no mundo capitalista moderno, o processo

acelerado das invenções tecnológicas transforma as relações e as sensibilidades sociais:“A

diluição da ‘experiência’ no mundo moderno ocorre quando se esgarça a rede da vida

coletiva, do respeito aos mais velhos, da cadeia temporal”.

Para Walter Benjamin (KOTHE, 1991, p.68-75) a concorrência cada vez mais

aguda no mundo moderno, faz com que cada um afirme mais imperiosamente os seus

interesses. Na modernidade capitalista há uma ampla rede de controle, amarrando a vida

civil para obter a normatização, porém movimentos de resistência nas pequenas brechas

cotidianas são possíveis; “como extinção e morte de um lado, e como potencial criativo e a

possibilidade para mudança de outro.” (BUCK-MORSS, 2002, p. 96).

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Mas, é importante pontuar que as lembranças de tempos passados não voltam em

sua inteireza, tal qual ocorreu e que, pontos supostamente incomodativos, podem não ter

sido recordados para os jovens. E, recorrendo novamente a Benjamin (1987, p.105): “O

choque do passado seria tão destrutivo que, no exato momento, forçosamente deixaríamos

de compreender nossa saudade.”

Malachias recorda, em um dos encontros da pesquisa, que a equipe Malachias Funk

Show, formada por dezenas de jovens que dançavam funk, eram adeptos da black music e

por meio da televisão e do cinema entraram em contato com o break. Por volta de 1983,

surgiram os dançarinos de break, hoje chamados b.boys e de acordo com depoimento de

Malachias:

Nem se falava break na época, era os Robô de Malachias, porque a gente não sabia o nome que se dava [...] aquela coisa de dançar quebrado [...] O pessoal falava: - É um robô, tá imitando um robô.

O principal incentivador deste envolvimento dos breakers foi o filme Beat Street13.

Apesar destes jovens já conhecerem um pouco desta dança, por conta de clipes dos cantores

Lionel Richie e Michael Jackson, foi o filme que deu uma dimensão maior para ela. Nele, a

dança está unida ao rap e ao graffiti e estas manifestações estão permeadas pela crítica

econômica, política e social, apresentando o conjunto denominado hip hop. Em Beat Street

os quatro elementos do hip hop (MC, DJ, B.boy, Graffiteiro) desenvolvem seus trabalhos.

O break com giros que exigiam muita habilidade física, o rap com crítica social, o graffiti

em trens da cidade e o DJ comandando festas nos guetos de Nova York, com pouca infra-

estrutura. Os pichadores já são aí diferenciados dos graffiteiros (ainda que a tradução para o

português não mostre isso). É evidenciado o confronto nas rodas de break com disputa

entre gangues. O filme expõe o cotidiano de jovens hispânicos e afro-descendentes com

dificuldades econômicas próprias dos guetos nova-iorquinos. No desenrolar do filme é clara

a diferença entre o graffiti e a pichação. Há um pichador que sempre escreve sua assinatura

em cima dos desenhos do jovem gaffiteiro. Porém, a tradução na legenda, trata ambas as

expressões como pichação. Ao relembrarmos Benjamin (1985, p.172), vemos esta confusão

13 Beat Street é um filme de Harry Belafonte e David V. Picker. Direcão: Stan Lathan (1984).

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de legenda causada pela criação do cinema falado, trazendo a restrição delimitada pelas

fronteiras lingüísticas.

O filme Beat Street foi motivo de uma significativa repercussão entre os jovens, isso

por conta da possibilidade de uma manifestação cultural que fosse ao encontro dos anseios

dos pobres, negros, moradores de periferia que enfrentavam, no Brasil, dificuldades

semelhantes. Isso era mais importante do que saber por quem o filme fora produzido,

financiado e distribuído. O que fez sentido para os jovens brasileiros foi o contexto

apresentado ali. Uma nova forma de lazer que não exigia muitos recursos econômicos.

Estes jovens brasileiros identificaram-se com as histórias contadas no filme. O orgulho

negro, propagado no mundo, por meio de bailes blacks com o soul e o funk, na década de

70 (iniciado em 60 com James Brown, dentre outros artistas negros) 14, contagia outros

jovens. Agora os que não dispõem de recursos para as casas noturnas encontram na rua seu

palco para brilhar, como considera Maria Eduarda Guimarães (1998):

Nos anos 60/70, a luta dos negros norte-americanos produziu, dessa forma, um som que pudesse ser também um instrumento de luta contra a discriminação e o preconceito. O funk passou a simbolizar o orgulho negro e, dentro de uma estratégia de reafirmar a auto-estima desse grupo, tornou-se um sucesso musical e também comercial. (GUIMARÃES, M.,1998, p. 144).

Neste sentido, o rap de Thaíde e DJ Hum, Sr. Tempo Bom, é exemplar:

Observando a evolução radical de meus irmãos, percebi o direito que temos como cidadãos, de dar importância à situação,

protestando para que achemos uma solução. Por isso o Black Power permanece vivo, só que de um jeito bem mais ofensivo.

Seja dançando break, ou DJ no scratch, mesmo fazendo um graffiti ou cantando um rap. [...] No centro da cidade as grandes galerias,

seus cabeleireiros e lojas de disco mantêm nossa tradição sempre viva. Mudaram as músicas, mudaram as roupas, mas a juventude afro continua muito louca.

Falei do passado e é como se não fosse, porque eu vejo a mesma determinação no hip hop Black Power de hoje.

Entre os freqüentadores dos bailes black permeava o sentimento de que os negros

têm sua riqueza cultural e podem ocupar os espaços da cidade; agora, este sentimento se

estende aos breakers. Sentir-se importante, autovalorizar-se.

14 Sobre este assunto consultar Tella (2000).

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No filme, o cenário é o gueto de Nova York e ao chegar à cidade de Campinas,

despertou nos jovens moradores da periferia, o interesse e entusiasmo pela música e dança

divulgados ali. Nas obras cinematográficas, a reprodutibilidade técnica do produto, não é,

como no caso da literatura ou da pintura, uma condição externa para sua difusão maciça.

“A reprodutibilidade técnica do filme tem seu fundamento imediato na técnica de sua

produção”(BENJAMIN, 1985, p. 172). Esta permite, da forma mais imediata, a difusão em

massa da obra cinematográfica. No cinema, os filmes da atualidade provam com clareza

que todos têm a oportunidade de aparecer na tela (ibid., p. 183).

No lançamento de Beat Street em Campinas, houve a apresentação da equipe

Malachias Funk Show para anteceder a projeção do filme, pois esta contava com

dançarinos que se destacavam entre os demais.

A partir do filme Beat Street principalmente, os grupos de jovens começam a se

fazer conhecer nos bairros, onde treinavam passos de dança e performances do break,

inicialmente com o estilo robô e, gradativamente, com as acrobacias e giros no chão. Além

da Malachias Funk Show, que já se reunia em torno da dança, moradores da periferia no

limite entre a região sul e sudoeste do município de Campinas, no bairro Jardim São José,

intensificam seus encontros para dançar, criando a equipe Break Gang Street.

Em relação ao Jardim São José consultei os estudos de Telma Ximenes (1999), nos

quais encontrei os elementos que desenvolvo a seguir. O Jardim São José iniciou sua

formação nos anos 50. Grande parte de seus moradores é de famílias migrantes de Minas

Gerais e Paraná, em função do fracasso da lavoura nestes estados. Os terrenos de chácaras e

fazendas começaram a ser vendidos e posteriormente loteados, sendo que os primeiros

moradores ocuparam áreas pertencentes à Prefeitura.

As ocupações gradativas de áreas públicas por famílias vindas de outros estados,

deram origem à favela do bairro, que também era formada por famílias expulsas de outras

áreas ocupadas na cidade (ibid.).

Segundo Telma Ximenes (ibid., p.46), “no final da década de 50, várias empresas

multinacionais já estavam estabelecidas no município. Este processo acelerado de

industrialização no período de 50 a 60 levou ao aumento cada vez maior e desordenado da

população urbana”. Campinas elevou o grau de urbanização do município entre os anos de

70 e 80. Em meados de 80, a Prefeitura na gestão do Prefeito Magalhães Teixeira,

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transferiu famílias que estavam em outras regiões para a do Jardim São José, em áreas do

Poder Público. Para tal, áreas ocupadas pelos primeiros moradores tiveram de ser

desapropriadas para instalar novas famílias. O fato é que o crescimento populacional

desordenado em ritmo acelerado em Campinas, deu origem às favelas das periferias da

cidade, atendendo ao modelo econômico-politico-social do país.

Desta forma, a região do Jardim São José cresceu sem qualquer planejamento ou

condições de infra-estrutura por parte dos serviços públicos. Atualmente, o bairro conta

com um Centro de Saúde (que atende vários bairros vizinhos) e um Pronto Socorro (que

atende as outras regiões da cidade). Nesta região, há uma escola estadual de ensino

fundamental e supletivo, duas escolas municipais de ensino fundamental e supletivo, três

escolas municipais de educação infantil com atendimento às crianças de 0 a 6 anos de

idade. O bairro conta com uma precária quadra de esportes, um brinquedo de parque e não

possui praças. Atualmente está sendo construída uma “casa intersetorial” pela Prefeitura (ao

lado da quadra), para usufruto das Secretarias de Educação, Cultura, Assistência Social e

Saúde. Porém, o espaço é bastante exíguo para as demandas da região.

Neste processo de crescimento e formação do bairro, o atendimento dos serviços

essenciais, não ocorreu sem participação popular. A atuação dos movimentos sociais

populares apresentou importância crucial. Embora a Associação de Moradores tenha sido

fundada em 1981, várias melhorias para o bairro foram pleiteadas junto à Prefeitura pelos

moradores, como iluminação pública, saneamento, asfalto, transporte coletivo, escolas,

creches. Na área da saúde pública, o bairro conta com um Conselho Local, em que

participam usuários e profissionais. Outras tentativas fora da Associação de Moradores vêm

acontecendo para criar novas formas de organização social popular.

A maior parte das melhorias conquistadas ocorreu entre o final dos anos 70, início

dos anos 80, período em que há o crescimento populacional acelerado e, ao mesmo tempo,

é o período mais atuante dos movimentos sociais populares, bem como o início da violência

criminal nesta região (XIMENES, 1999).

O Jardim São José sofreu um processo de intensificação da violência no início da

década de 80, inicialmente com roubos e pequenos furtos que vão se ampliando para

problemas com o tráfico de drogas (ibid.).

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Este bairro foi selecionado para esta pesquisa pela contribuição de seus jovens para

a construção do hip hop campineiro. Do Jardim São José e bairros circunvizinhos, como

Jardim das Bandeiras, saíram: o graffiteiro WPPL, um dos poucos na velha escola; o

breaker Jarrinha, o primeiro a fazer moinho de vento; o primeiro rap gravado, de MC Tuta

& DMJ. Da nova escola os graffiteiros V.Brilho, Binho e Insônia, dentre outros. No rap, os

grupos 3+P na Trilha e Extermínio de Erro, por exemplo. Nesta região, há uma rádio

comunitária, a Bandeira FM15, que dispõe de horários para programas de rap. Nas escolas

de ensino fundamental aconteceram atividades voltadas para o hip hop. Nos anos 90,

permitindo que os jovens do bairro mostrassem sua dança para os alunos, em 2001, houve

parceria de oficineiros na escola estadual com o projeto Parceiros do Futuro. Em 2002, a

escola municipal abriu nos finais de semana para os alunos terem aulas de dança. Esta é,

portanto, uma região que se envolveu com o hip hop desde o início e nela há uma expressão

cultural significativa do mesmo.

Em 1983, alguns jovens, estudantes, sem trabalho fixo, com dificuldades financeiras

para suprir necessidades básicas com vestuário e transporte, por exemplo, se encontravam

diariamente na casa de um deles para dançar (mais tarde estes jovens compuseram a equipe

Break Gang Street). Este espaço era privilegiado, apesar das condições precárias:

A mãe dele [Carlão] alugava vários quartos ali, então a gente ficava torcendo pra não alugar um, enquanto aquele não era alugado era nosso [risos]. Então, muitas vezes a gente tinha que trocar. A pessoa chegava e queria mudar pra aquele quarto que era melhorzinho [com piso de vermelhão] então, vai a gente lá pro que tinha buraco de novo (TUTA).

Com a seqüência de treinos realizados na rua, a princípio forrando o chão com

papelão para permitir performances que não eram possíveis no asfalto e depois com

madeirite, alguns apoios dos moradores foram surgindo:

Esse vizinho foi lá com uma furadeira, furou o asfalto e arrumou uns parafusos, um adaptador e falou: - ‘Esse aqui é pra vocês, toda vez que vocês vierem vocês põe!’ [risos] E cedeu a energia, não gastava os

15 Em referência ao bairro da região denominado Jardim das Bandeiras, hoje dividido em “Bandeiras I” e “Bandeiras II”.

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quinze minutinhos [referindo-se ao uso de pilhas para fazer o rádio funcionar]. A gente chamava ele de Alemão, foi o cara que deu chance de a gente evoluir bastante (TUTA).

O sábado era o dia da semana em que as equipes de break se dirigiam para uma

praça central da cidade – Largo do Rosário – para as disputas entre elas, mas as

dificuldades não eram menores:

Com um rádio que a gente comprou com uma vaquinha que a gente fez, o show nosso no Largo do Rosário era de quinze minutinhos porque a pilha acabava [risos]. Não tinha alcalina, você tinha que erguer o volume, era no sol e a pilha não agüentava, então era quinze, vinte minutinhos. Nem sempre a gente tinha grana pra tá repondo (MALACHIAS).

A Malachias Funk Show, segundo avaliação dos entrevistados, era a melhor equipe.

Porém, foi um dos integrantes da Break Gang Street, o Jarrinha, quem primeiro realizou o

Moinho de Vento – hoje referido como Contínuos. Tal realização é comentada pelos

participantes da entrevista com entusiasmo, pois este passo só era realizado por dançarinos

de São Paulo, pelo grau de dificuldade que ele apresentava:

Acho que eu fui o primeiro a aprender esse passo de dança, o moinho de vento. Treinei umas três, quatro semanas direto. Teve um dia que nós falamos: ‘- Vamos desafiar o Malachias, ele tá lá arrebentando, a gente tem que fazer também’. Sempre tinha a rivalidade na dança, produtiva. Aquele dia, pra mim, foi o ápice da nossa equipe de dança de break. Parou, juntou muita gente no Largo do Rosário. Ali, foi a apresentação do passo que eu tinha aprendido. Eu lembro que vocês [jovens da equipe do Malachias] aplaudiram. Foi o ponto mais alto de apresentação (JARRINHA).

Entre as equipes de break Malachias Funk Show e Break Gang Street, houve

diferenças no que se refere a dificuldades e conquistas:

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A gente conseguia pelo menos pra cobrir os gastos, por causa das roupas, tênis, condução. Então eu digo que também fomos privilegiados entre outros grupos que vieram depois [...] Nós éramos tratados como estrelas. A gente saiu do Largo do Rosário e foi dar aula na academia da Odete Motta Raya, que antes era a academia point da cidade [...] Tem lá registrado também na TV Campinas, eu como professor dando aula de break na academia (MALACHIAS).

Por outro lado:

Bom, o dinheiro pra nós do nosso grupo era sempre escasso [...] Ensaiava mesmo por paixão. O nosso pessoal não era muito bem visto, tinha sempre aquele preconceito com relação aos integrantes desse movimento naquela época. Nós não tivemos retorno com o break não [...] Nós não tínhamos essa abertura que o Malachias teve na época (JARRINHA).

Malachias conta que Odete Motta Raya, mãe da atriz Claudia Raya, era dona de

uma academia respeitada na cidade. Para ele, ir para esta academia impulsionou alguns

trabalhos e permitiu, com a ajuda de custo que ganhava lá, desenvolver outras atividades.

Na sua opinião, deu visibilidade ao grupo e a dança em si, mas tinha clareza de que o que

faziam nas praças não era o mesmo que faziam nas aulas de dança. Se, por um lado, a ajuda

de custo e o destaque na imprensa, foram um facilitador, por outro, a forma como a

academia estava organizada obrigava Malachias, um professor de dança, atender a outros

objetivos. Porém, segundo ele, a dança não deixaria de ser “do povo” somente porque se

abria este espaço das academias e clubes aos dançarinos de break.

E se o break virar dança de elite? Na opinião do grupo isto não vai acontecer. Embora os garotos concordem que o break entrará (ou melhor, já está entrando) em casas noturnas freqüentadas por gente financeiramente privilegiada; acham, no entanto, que a dança de rua continuará tendo espaço, uma vez que sua origem é a praça, é a calçada, o povo. (Jornal de domingo, 24 de junho de 1984, p.10).

O graffiteiro Washington, também era do bairro Jardim São José e pertencia a Break

Gang Street. Adotou WPPL como sua assinatura e fez pouco graffiti em muros. Temia a

repressão policial, pois assim como a pichação, é até hoje considerada atividade ilegal.

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WPPL realizou muitos trabalhos em camisetas e assim se fez conhecido entre os breakers.

Lamenta não ter conseguido deixar registrados trabalhos criativos. Diz que os graffiteiros

de hoje são bons e que têm muito mais liberdade para trabalhar. Houve lembrança de

apenas um outro graffiteiro da mesma época, mas que perderam há muito, o contato. O

graffiteiro recorda momentos de seu trabalho: “eu fiz era meia noite. Fiquei fazendo e

minha irmã só de campana, se rodasse era eu e ela” [risos].

O receio de ser pego pela polícia descrito por WPPL está diretamente ligado ao

momento sócio-político-econômico que o Brasil atravessava. A repressão policial existia,

mas era possível a tentativa de transgredir as regras. Em 1984, em que WPPL fez aquele

graffiti, o Brasil estava vivendo a Transição Democrática (CHAUÍ, 1993, p.51). Momento

esse em que algumas medidas de “re-democratização” vinham acontecendo. Desde o golpe

militar em 64, os movimentos de resistência ao regime possibilitaram: a suspensão, em

1975, do Ato Institucional nº 516; a aprovação em 1979 da anistia a presos políticos e

exilados; o retorno ao pluripartidarismo; eleições diretas em 1982, para Governadores dos

Estados; e eleição de um civil, em 1985, para a Presidência da República: “Ainda que a

eleição tenha sido indireta, contrariando o movimento social pelas eleições diretas, e tendo

sido realizada por uma coalizão entre oposições e forças governamentais.” (ibid.).

Apresentar no Brasil o break como manifestação cultural, era um desafio para os

jovens que a cada semana enfrentavam dificuldades com o comércio, a polícia e demais

setores da sociedade. Daí, a necessidade de denunciar injustiças e fazer contestações

sociais. Um dos meios para isso foi o rap. Os breakers, então, começavam a compor seus

próprios raps e a se organizarem em grupos. Em Campinas, um deles foi o MC Tuta &

DMJ (DJ – Jarrinha), o primeiro a ter um rap gravado na cidade, em 1991:

A gente é o primeiro a gravar em Campinas uma faixa em vinil. O primeiro a colocar uma música em vinil. Isso é fato histórico, registrado lá no Brazilian Rap da Black Mad, uma equipe lá de São Paulo (TUTA).

Esta é a letra do rap:

16 Segundo Romanelli (1991, p.226) : “O Ato Institucional nº5, de 13/12/1968, tira ao cidadão brasileiro todas as garantias individuais, quer públicas, quer privadas, assim como concede ao Presidente da República, plenos poderes para atuar como executivo e legislativo.”

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RAP PORTUGUÊS

Estou aqui agora e vou cantar para vocês

O rap da verdade O Rap Português

Português muito claro, para todos entenderem O que eu vou dizer

Este é o rap

O rap da tristeza Pois o que vi, não é fácil, não é moleza Vi as favelas aumentando a cada dia

Ninguém se interessa Nem transmite harmonia

Mas os favelados são seres humanos Nessa vida de miséria eles vêm agüentando

Vivem como podem Trabalham como podem Como diz velho ditado

Quem não pode se sacode Porque são pisados

Humilhados, massacrados Como se tivessem culpa do seu modo de vida

Só porque moram em barracos, caindo aos pedaços Devem ser considerados como animais

E o governo o que é que diz?

- Não é comigo não! Mas para o povo das favelas

Os seus olhos se fecham

Vi nas favelas dessa nossa nação Vi crianças chorando, sem o prato na mão

Pois a vida nas favelas Não é fácil de agüentar

Sei que muitos deles, necessidades vão passar

A única alegria dessa moçada É o samba, o futebol e muita mulherada

Na cidade rouba um banco Lá vem o camburão

Eles vêm com ignorância E com arma na mão

Meu Deus como pode isso ser assim

Os enganos são enormes Que nunca têm fim

Na noite tudo se esconde Não dá pra saber da miséria, podridão

Só indo lá pra ver

São discriminados, colocados de lado Pela sociedade, quase sempre esquecidos

É mendigo na rua Criança abandonada É a fome chegando

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E ninguém não faz nada

E o governo o que é que diz? - Não é comigo não!

Mas para o povo das favelas Os seus olhos se fecham

MC Tuta & DMJ

Brazilian Rap (1991)

Este rap foi parte de um LP coletânea, lançado pela equipe de som de baile, a Black

Mad, que promoveu um concurso para selecionar os grupos. Prática comum entre os

baileiros17 quando perceberam o surgimento dos rappers.

Em 1991, Malachias fundou a Banda Contagius Rap Band e permaneceu pouco

tempo nela. Sua principal característica é que faz rap com instrumentos e não com

samplers18, como era (e ainda é) mais comum entre os grupos. Tratava, em suas letras, de

assuntos como o racismo e a violência: “no início a gente só queria se divertir. Depois é

que, com a banda, começamos a falar de racismo e violência” (MALACHIAS).

Outros grupos foram surgindo e o primeiro a gravar um LP – Ponto de Vista – foi

o grupo Sistema Negro em 1993. Com grupos de Campinas, foi lançada a coletânea Rap is

Rap em 1995, resultado de um concurso promovido pela equipe de som Discool Box, no

Nifama. Esta casa de baile tocava exclusivamente rap. Em 1996, o Visão de Rua gravou seu

primeiro CD (Sigle – Periferia é o alvo) que, mais tarde, se tornaria um dos grupos

femininos de destaque no rap nacional, hoje com quatro CDs gravados. Os grupos da Posse

Rima & Cia, gravaram um CD, coletânea independente: Rima & Cia – a posse. Grupos

como Rap Company (Homens x Homens – 1999) e Execução Sumária (Duro aprendizado

– 2000) também gravaram CD com produção independente. Desta forma, desde seu início,

por volta de 1983, o hip hop vem se constituindo e ganhando cada vez mais adeptos, o que

fez da cidade um centro de referência no estado de São Paulo.

Reconstruir parte do histórico do hip hop só foi possível a partir da narrativa de

alguns de seus construtores que, gentilmente, aceitaram reunir-se para as entrevistas e

participar dos vídeos elaborados nesta pesquisa. Alguns atores foram indispensáveis,

principalmente aqueles que tinham visibilidade por sua atuação na dança. Em alguns

17 Pessoa que promove bailes para a juventude, utilizando rap e/ou pagode. 18 Sampler é a técnica de editar pedaços de músicas que já existem e criar outras, acrescentando outros elementos.

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momentos, eles ficaram na posição de narradores, uma vez que tratavam do cotidiano, da

arte, do sensível e ao relatarem sua história, a entrecruzavam com a história coletiva,

incorporando as coisas narradas à experiência de seus ouvintes, à medida que o fato narrado

produzia sentido nestes.(BENJAMIN, 1985).

Ao fazer o registro da memória do hip hop campineiro não pretendi atender a

linearidade, contar fatos cronologicamente e logo, não busquei com a narração de seus

participantes, apenas uma coleta de informações ou relatórios e sim, “mergulhar” a dança, o

break “na vida do narrador para em seguida, retirá-la dele”. Os participantes da velha escola

do hip hop em Campinas recorrem, como narradores que foram nesta pesquisa, “ao acervo

de toda uma vida”, que inclui também, “em grande parte a experiência alheia”, inclusive no

que ouviram dizer. (ibid., p.205-221).

Em alguns destes momentos de narrativa, Malachias conta como aprendeu a fazer

um passo de dança, recém-chegado ao Brasil – “andar pra trás”.

Foi nesse programa [Raul Gil] a gente esperando, era aquela fila enorme em São Paulo, era na Record, foi aí que eu fui descobrir o lance de andar pra trás. Foi um cara que começou a fazer e ele me ensinou. E foi muito engraçado porque, por incrível que pareça, pra mim não esquecer o barato, eu vim no ônibus, no “cometão” de São Paulo, eu vim de lá aqui assim [fazendo o passo] pra não esquecer [risos]. (MALACHIAS).

A narrativa deste episódio produziu sentidos nos seus ouvintes, um passo de dança

importante para o break, como parte das “experiências vividas” por Malachias, como

“sensibilidades que permitem a expressão de todo o grupo, na tessitura das histórias”.

(GALZERANI, 1998, p.205).

“Experiências vividas” narradas também pelos participantes da Nova Escola do hip

hop:

Até tinha um bomber na antiga Cometa, não sei se era seu [WPPL]. Eu imaginava o que era hip hop. Todo mundo colava lambe-lambe em cima, aí vinha alguém de repente e limpava tudo, aí lá tava o bomber de novo!19 (ALMIR).

19 Bomber é um tipo de letra utilizada para fazer assinaturas nos muros. Lambe-lambe são cartazes de propagandas e anúncios de festas colados nos muros. Cometa é uma viação de ônibus de viagem, sua garagem ficava na avenida João Jorge, onde hoje é uma igreja Universal do Reino de Deus.

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Neste sentido, a assinatura de WPPL no muro, resistindo aos cartazes colados por

cima, insistindo em aparecer, dá pistas das brechas que ocupou para que o graffiti viesse a

ter seu lugar hoje na cidade. Almir esteve no lugar de narrador e segundo Galzerani (1998):

Pela oralidade, o narrador retoma no presente elementos da tradição passada e os preserva do esquecimento. A narrativa não pressupõe um fim, antes estimula a continuidade da história que está sendo narrada, a partir da comunicabilidade das “experiências” às quais se refere de maneira imaginária ou factual. (GALZERANI, 1998, p.267).

Na opinião do rapper, ex-breaker, Tuta, a partir de 1990, o movimento hip hop

poderia ter tomado outro rumo, se o incentivo e o trabalho dos baileiros com b.boys e

rappers da cidade fossem diferentes. Denuncia na entrevista o descaso dos baileiros com os

grupos que eram convidados a se apresentarem, sem remuneração, ao contrário dos grupos

de São Paulo que, por serem considerados “mais famosos”, recebiam por suas

apresentações. Como os bailes atendiam a um grande público de jovens moradores de

periferia, estes eram lotados, mas os ganhos não eram repassados aos grupos de Campinas.

E, no momento em que os baileiros decidiram trabalhar com outros gêneros musicais como,

por exemplo, o pagode, os rappers e os b.boys deixaram de se encontrar, pois

gradativamente, foram deixando as ruas e a organização de suas próprias festas.

As coisas poderiam ter caminhado melhor de 90 pra cá, se não fosse a pessoa ver sempre o bolso dela.Tem alguns baileiros que se beneficiaram muito com isso e quando achou que deveria parar, parou e ficou todo mundo a ver navios. Os grupos fizeram lotar o baile do cara e não viram nada em troca, não foi feito nada por estes grupos (TUTA).

Vários grupos de rap foram surgindo, outros graffiteiros, novas crews (equipes) e

posses. Cabe citar a equipe de break Radicais Suburbanos, a União dos graffiteiros/as de

Campinas e a Posse Rima & Cia.

No momento em que a primeira geração de breakers começou a criar grupos de rap,

surge a equipe de break Radicais Suburbanos. Esta enfrentou dificuldades para ter um local

fixo para treinar, utilizando-se de vários locais nos bairros. Nos espaços públicos centrais,

nos finais de semana, era convidada a se retirar. Entretanto, em 1997, conseguiu

autorização para utilizar, aos sábados, o espaço em frente ao MACC (Museu de Arte

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Contemporânea de Campinas) e a energia elétrica – por intermédio do vereador Sebastião

Arcanjo, do Partido dos Trabalhadores. Mais tarde, o local autorizado foi o Paço Municipal,

que se tornou ponto de encontro para os b.boys20. Outros dançarinos foram se aproximando

para treinar, e ao mesmo tempo, a Radicais Suburbanos, dispersou seus componentes por

motivos diversos, como por exemplo, problemas relativos à sobrevivência, obrigando-os a

procurar emprego em outras áreas.

Foi em meados de 1997 também, que surgiu a Posse Rima & Cia, a partir da

iniciativa de alguns jovens que sentiam a necessidade de se organizarem para possibilitar

momentos de troca de experiências vividas no hip hop; ter um espaço de informação,

formação e politização e para promover seus eventos. Para estes jovens rappers, essa

organização seria também uma forma de não depender dos baileiros para apresentar seus

trabalhos. A partir da atividade de alguns poucos grupos a posse foi crescendo em número

de adeptos, chegando a receber grupos da região, promover encontros – dentre eles, o

seminário “Rap em Trânsito” (que mais tarde ampliou seu título para “Hip hop em

Trânsito”, já que abarcava não somente rappers, mas graffiteiros e dançarinos), lotar

eventos como o Hot Sunday, por exemplo, gravar um CD, desenvolver oficinas, conquistar

verba no Orçamento Participativo21 para Casa do Hip Hop, dentre outras realizações. Foram

estabelecidas parcerias com associações de moradores, sindicatos, mandatos políticos,

administração municipal e lojas especializadas em artigos de hip hop para viabilizar a

realização dos encontros.

Em 2002, contando com um grande número de participantes, com projetos

encaminhados e em andamento, divergências entre os jovens da posse resultou no

desligamento de alguns coordenadores e na dispersão do grupo. A posse Rima & Cia foi

para a história do hip hop em Campinas, um exemplo de organização juvenil, com todas as

contradições que nela possam existir: ao mesmo tempo em que buscava ser alternativa,

20 Esta autorização era renovada todos os anos, o que não aconteceu em 2005, na administração do prefeito Hélio de Oliveira Santos (PDT), o que obrigou os dançarinos a procurarem outro local para se reunirem. 21 A prática do OP foi implantada em Campinas, assim como em Porto Alegre: “Nada melhor do que as pessoas terem a possibilidade de decidir sobre a renda da cidade, tendo o controle do orçamento do município: um elemento chave para organizar a cidadania [...] é um processo organizado, a cidade está dividida em regiões, existem as plenárias temáticas que abordam aspectos específicos. Essas plenárias elegem delegados e conselheiros vão construir toda a programação das despesas, estabelecer as prioridades tiradas em cada regional.” (PONT, 2000, p.80-81).

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idéia que incentivou sua criação, se desmantelou diante dos conflitos que a aproximação

com as instituições (partidária e governamental) podem oferecer.

Em 2001, surge o MOS (Mantendo a Origem Sempre, antes Man Of Style) grupo de

dança de rua que se apresenta em diferentes locais em Campinas e região e, nesse mesmo

momento, muitas oficinas, palestras, debates, fóruns, seminários passam a fazer parte do

cotidiano do hip hop campineiro.

O envolvimento político-partidário de alguns hip hoppers tem sido marcante e a

administração municipal petista a partir de 2001, viabilizou alguns projetos. Instituiu-se o

Conselho Municipal do Hip Hop, a Casa do Hip Hop, oficinas em parceria com secretarias,

shows e debates. O então prefeito Antônio da Costa Santos (que veio a ser assassinado no

dia 10 de setembro de 2001)22, em campanha eleitoral, incluiu o hip hop em seu programa

de governo. No início da gestão, alguns projetos foram elaborados, encaminhados e

realizados em parceria com as Secretarias Municipais de Cultura – Hot Sunday e Casa do

Hip Hop (POSSE RIMA & CIA, 2001) – e de Educação – Das ruas para a escola. O projeto

Hot Sunday foi realizado, inicialmente, no Teatro de Arena do Centro de Convivência

Cultural, conforme elaborado pela Posse Rima & Cia e tinha a intenção de reavivar um

evento que já ocorrera naquele espaço nos anos 90. Porém, após o assassinato do Prefeito

Toninho, outras edições aconteceram na Concha Acústica do Parque Taquaral. O projeto

Das ruas para a escola aconteceu em 2001 em duas escolas municipais, com oficinas de hip

hop ministradas aos alunos, em horário inverso ao de aula. Em 2002, oficinas continuaram

a acontecer, porém com outros oficineiros e proposta diferenciada. A Casa de Cultura do

Hip Hop teve aprovado seu projeto junto a Secretaria Municipal de Cultura em 2001 e

conquistou verba para sua viabilização no mesmo ano nas plenárias do Orçamento

Participativo. Porém, sua concretização ocorreu em 2003, mas fundamentado em propostas

diferenciadas.

É comum entre os grupos de rap, atualmente, a produção caseira de suas músicas.

Com computadores e programas de edição, elaboram seu trabalho de modo alternativo,

contando com estúdios apenas para finalizá-lo, diminuindo o vínculo com as gravadoras

independentes. Contudo, ainda são poucos os grupos que disponibilizam destes recursos.

22Para maiores informações sobre o assassinato do prefeito Toninho, consultar o site www.quemmatoutoninho.org .

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No rap Falido, do álbum Financeiramente Pobre (2004), Slim Rimografia descreve de

forma satirizada, as dificuldades enfrentadas pelos rappers:

Falido Eu tô falido, tô fudido e mal pago,

Eu faço rap e não ganho nenhum tostão furado REFRÃO Porque não vivo de hip hop, mas pelo hip hop é que vivo.

E vou rimando sem fins lucrativos.

Mas eu sou o cara que faz free style no baile, não tem CD gravado e que só rima de improviso porque não tem caneta pra escrever o rimado.

[...] Não é por estética que deixo o meu cabelo crescer, é pra economizar pra no final do ano gravar o meu CD

[...] Eu faço rima no final de semana, mas de 2ª à 6ª eu trabalho, das 8 às 5 da manhã num posto de agente comunitário [...] a crise tá feia, mas mesmo assim a gente resiste.

Pra ensaiar, tem microfone que eu roubei do karaokê, MD e Microsystem, onde eu faço as minhas fitas demo de baixa categoria.

Meu computador é tão atrasado que o teclado parece uma máquina de datilografia,

pra conectar a internet ele leva quase um dia Quando enche a barrinha azul, nossa! Que alegria!

Mas a euforia acaba rápido e vem a decepção. Quando eu tô baixando alguma coisa, porra! Caiu a conexão!

[...] Ser MC é isso, você é lembrado, falado mas é fudido, falido,

mas tem entrevista em revista [...] Mas mesmo assim aqui estou,

sou artista que pede carona pra ir no próprio show. E se você entrou no hip hop por grana, não se iluda, escute, volte pra casa.

Escolha outra profissão e vá a luta. Fazer música não é fácil, o que eu passo, outro já passou

e passaria tudo de novo se preciso for, porque eu faço por amor a minha rima e o meu som

e não por grana, nem por fama, nem por remuneração [...] e tá dado o conselho, não vá pelo dinheiro.

Serve para b.boy, DJ, MC e graffiteiro.

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1.4 A CULTURA É NOSSA23 : CULTURA POPULAR E HIP HOP

A expressão cultura hip hop é corrente entre os hip hoppers. Nesta pesquisa, cultura

é entendida como conjunto de modos de fazer, ser, interagir e representar que produzidos

socialmente, envolvem simbolização e, por sua vez, definem o modo pelo qual a vida social

se desenvolve (MACEDO, 1982, p.35). Em uma das entrevistas, Malachias alerta aos

demais participantes para a importância do hip hop como manifestação da cultura popular:

“Então, nós temos que lutar hoje não só por um espaço para o hip hop, nós temos que lutar

hoje por um espaço cultural. Cultura popular [...] Precisamos é valorizar a cultura”.

A cultura popular é marcada por seu caráter heterogêneo e plural. O povo, as

camadas e/ou classes populares são focalizados, sob o ângulo da diversidade regional,

étnica, ocupacional, religiosa etc. nos seus diferentes modos de ser e de se expressar

(VELHO, 1999, p.65). Neste sentido, Malachias chama a atenção dos jovens para a união

entre o hip hop e as escolas de samba de Campinas que também são oriundas das periferias:

“Nós temos uma cultura muito forte nas nossas raízes [...] O pessoal do samba também está

na maior dificuldade, como vocês”.

Sendo assim, a cultura popular pode ser entendida, segundo Marilena Chauí (1993,

p.24) como as formas pelas quais a cultura dominante é aceita, interiorizada, reproduzida e

transformada, tanto quanto as formas pelas quais é recusada, negada e afastada. Como

manifestação diferenciada que se realiza no interior de uma sociedade que é a mesma para

todos, mas dotada de sentidos e finalidades diferentes para cada uma das classes sociais.

“Cultura popular como prática local e temporalmente determinada, como atividade dispersa

no interior da cultura dominante, como mescla de conformismo e resistência.”(ibid.,

p.43)24.

O hip hop pode, em alguns momentos, caracterizar-se como manifestação da

cultura popular como resistência. “Resistência que tanto pode ser difusa – como na

23 A expressão “A cultura é nossa” é trecho do refrão da música “A cultura”, do rapper Sabotage: “A cultura é nossa. Estrutura reforça. Rap é compromisso, como um míssil destroça”, do álbum “Rap é Compromisso” (2001), produzido pelo selo Cosa Nostra, fabricado e distribuído pela Sony Music Brasil. 24 Ao utilizar o termo dominante Marilena Chauí (1981, p. 44) faz referência a Marx, “acerca das idéias dominantes, dando ênfase ao termo ‘dominantes’, isto é, ao fato de que se as idéias dominantes são as da classe que exerce a dominação, então seu contrário certamente deve existir, ou seja, as idéias dos dominados enquanto constituem determinações de uma cultura dominada. As idéias não são dominantes porque abarcam toda a sociedade, nem porque a sociedade toda nela se reconheça, mas porque são idéias dos que exercem a dominação.”

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irreverência do humor anônimo que percorre as ruas, nos ditos populares, nos grafitis

espalhados pelos muros das cidades – quanto localizados em ações coletivas ou grupais.”

(CAHUÍ, 1993, p.63). Resistência à sociedade autoritária brasileira. Autoritária, segundo

Marilena Chauí, porque:

... conserva a cidadania como privilégio de classe, fazendo-a ser uma concessão regulada e periódica da classe dominante às demais classes sociais, podendo ser-lhes retida quando os dominantes, assim o decidem (como durante as ditaduras). [...] Porque as leis sempre foram armas para preservar privilégios e o melhor instrumento para a repressão e a opressão, jamais definindo direitos e deveres [...]. É uma sociedade conseqüentemente, na qual a esfera pública nunca chega a constituir-se como pública, definida sempre e imediatamente pelas exigências do espaço privado de sorte que a vontade e o arbítrio são as marcas do governo e das instituições públicas (CHAUÍ, 1993, p. 53-55).

Portanto, o que reúne um grupo de jovens ao hip hop, em sua maioria, é a

insatisfação com a ordem econômica, social e política estabelecida. A organização do hip

hop se deu de modo gradativo. Seus membros se encontravam na rua para

treinar/ensaiar/desenhar e enfrentavam as dificuldades que isso provocava na relação com a

sociedade, muitas vezes, conflituosa. Dessa forma, vale recorrer, ao que Marília Sposito

(2000) observa sobre movimento social que atualmente difere das organizações da década

de 70, nas quais era presente a atuação dos grupos organizados para formular, implantar e

acompanhar as políticas públicas nas áreas sociais. As novas modalidades de ação e atores,

embora apresentem um caráter esparso nas lutas sociais, não deixaram de contemplar a

estrutura de conjunto. A participação em organizações juvenis nos anos 90 distancia-se das

instituições partidárias e liga-se à identidade local ou étnica: “Essas ações já acenam com

vigor para uma inquestionável motivação dos jovens em relação aos temas culturais em

oposição ao seu afastamento das formas tradicionais de participação política.” (ibid., 2000,

p.80).

Os novos movimentos sociais estão permeados pela fluidez e dispersão e não estão

unificados em torno de um ator social específico, ao contrário, se caracterizam pela

multiplicidade de formas dos grupos que, quando preservados em sua autonomia, permitem

a constituição da identidade coletiva. A organização de grupos de rap, graffiteiros e b.boys

apresentam estas características, criando redes articuladas que possibilitam a ação coletiva.

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Para Melucci (1997, p.12-13), movimentos são meios que se expressam através de

ações e sua mensagem principal está no fato de existirem e agirem. Os movimentos juvenis

tomam a forma de uma rede de diferentes grupos dispersos, fragmentados, imersos na vida

diária. Objetivos com certeza existem, mas eles são esporádicos e até certo ponto

substituíveis.

Diante destes aspectos, cabe afirmar que o hip hop caracteriza-se, não apenas por

suas características de entretenimento, mas, fundamentalmente pelo seu caráter de crítica

social e que, à sua maneira, vem no decorrer de sua construção histórica, sendo tradutor dos

anseios de uma determinada camada da juventude popular brasileira.

No capítulo seguinte, as “múltiplas falas” do hip hop, em especial, campineiro,

serão apresentadas: suas ambigüidades, a crise atual e os conflitos entre os hip hoppers, as

propostas político-culturais que buscam levar o hip hop para as ruas e para os espaços de

educação não-formal.

CV

MST

CUT UNE CUFA PCC

O Mundo se organiza cada um a sua maneira. Continuam ironizando e vendo como

brincadeira besteira

coisa de moleque revoltado

Ninguém mais quer ser boneco, ninguém quer ser Controlado Vigiado Programado Calado Ameaçado

Se for filho de bacana, o caso é abafado, a gente é que é caçado, tratado como réu.

As armas que eu uso é microfone, caneta e papel.

Só Deus pode me julgar

MV BILL – Rapper do Rio de Janeiro

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37

CAPÍTULO II

Múltiplas falas: Babélicos e Rizomórficos

Forrest Gump é mato, eu prefiro contar uma história real.

Vou contar a minha: Daí um filme, uma negra e uma criança nos braços,

solitária na floresta de concreto e aço. Veja, olhe outra vez um rosto na multidão.

A multidão é um monstro sem rosto e coração. Ei São Paulo, terra de arranha céu,

a garoa rasga a carne é a Torre de Babel. Família brasileira, dois contra o mundo,

mãe solteira de um promissor vagabundo.

Negro Drama Racionais MC’s

2.1 É A TORRE DE BABEL.?! OPÇÃO METODOLÓGICA

Para desenvolver o presente estudo, as técnicas de pesquisa adotadas foram

entrevistas semi-estruturadas (THIOLLENT, 1980, p.35) e a técnica de vídeo

(DUVIGNAUD, 1986). Três encontros aconteceram e foram filmados. O primeiro com os

mais velhos, integrantes da velha escola do hip hop, com um roteiro de entrevista semi-

estruturada; o segundo com jovens que, a partir de uma imagem apresentada no

retroprojetor, a Torre de Babel25, colocaram suas opiniões e, um terceiro com os dois

primeiros grupos que, a partir de uma edição de trechos mais relevantes, expuseram

comentários e impressões do próprio grupo e do outro. No terceiro encontro, participaram

pessoas da velha e da nova escola do hip hop que não estavam presentes nos encontros

anteriores (Kid Nice, Ari, Fabiana e Insônia). Foram feitas filmagens externas de alguns

locais mencionados pelos participantes:

25 Obra pintada por Bruegel (1563).

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• uma antiga lanchonete em Campinas, Forno Quente, localizada em frente à praça

Carlos Gomes onde, em 1983, funcionava uma feira de artesanato - a Feira Hippie26.

Ali aconteceram as primeiras rodas de break;

• o Largo do Rosário, praça onde aconteciam as rodas de break;

• o Paço Municipal, local de treino dos B.boys, atualmente;

• a Casa do Hip Hop, em três momentos (vazia durante a semana; em um evento – 1º

Encontro de hip hop do interior - e em uma entrevista com os coordenadores);

• um encontro de hip hop no Jardim São José – Hip hop pela paz – no dia 20 de

novembro de 2004 (Dia da Consciência Negra).

Para Duvignaud (1986, p.344) “o simples fato de ser aquele que olha o olhado”

pode suscitar nas pessoas o reencontro com “as formas de sua vida social esquecida e o

dinamismo simbólico” capaz de provocar diferentes formas de se olhar para si mesmo, para

o outro e para o espaço onde se vive.

A técnica de vídeo foi utilizada nesta pesquisa porque permitia aos participantes

rever-se e ver o outro, criando um novo sentido para o que tinha sido dito, num primeiro

momento, em separado. No encontro com os jovens, a imagem da Torre de Babel foi

escolhida na tentativa de não ir diretamente ao que se esperava e, sim, ir em busca do que

as pessoas diziam sem saber que o diziam, apresentando à elas um tema, uma direção, mas

dando uma longa palavra (ibid., p.351). E então, no terceiro encontro, com a nova e a velha

escola do hip hop juntas, foi possível, ao assistir a edição dos momentos anteriores,

observar o que Duvignaud descreveu sobre sua experiência nas pesquisas com técnica de

vídeo: As pessoas viam, elas se viam nas suas indagações e nas suas respostas, protestaram contra as próprias respostas, discutiram com as próprias imagens, recolocaram-se a questão a si mesmo, modificaram a idéia que se faziam do problema do imigrado. Tudo isso foi de novo registrado e filmado. (DUVIGNAUD, 1986, p.347).

26 Esta feira existe até hoje, mas mudou de local, funcionando na praça que compõe o entorno do Teatro Centro de Convivência Cultural.

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No caso de Duvignaud a questão se referia ao imigrado da Suíça vivendo na França.

Nesta pesquisa, o foco era a relação ontem / hoje no hip hop, suas ambigüidades e conflitos,

como as falas dos entrevistados confirmam:

O que eu acho interessante, a gente que começou agora, que está há pouco tempo aí, falar que antes tinha uma união e vocês falarem ao contrário, que antes era cada um no seu espaço, achei interessante essa discordância (ALMIR).

Não era como você falou, assim, não era separado, não tinha uma coletividade, depois é que começou a se envolver, trocar várias idéias pra ter um relacionamento, aí o barato começou a ficar forte [...] Mas estamos unidos, estamos juntos, não tem negócio de cada um pro seu lado não (KID NICE).

Quando no começo eu falei sobre aquela coisa de está separado é que eu não tinha entendido como vocês tinham colocado (ALMIR).

Deixa eu perguntar pro pessoal da velha escola: É difícil, porque pra mim foi, aceitar que [...] tudo tem nome, que existia um criador, que antigamente era paz, união, amor e diversão. E era assim antes não era? E hoje a partir do momento que se criou, por exemplo, movimento rap, movimento hip hop, aí você já cria outros títulos, por exemplo, eu faço parte de um dos elementos da cultura hip hop, chama-se b.boy, garoto que dança no breque da música, porque até então o meu, que eu dançava não tinha nome, era break pra tudo (ARI).

Não posso criticar o WPPL lá atrás porque a mesma dificuldade que eu tenho hoje ele passou e passou muito mais, o triplo [...] Na época ele estava sozinho, que não tinha mais ninguém que fazia graffiti naquela época (ALMIR).

Os participantes puderam recolocar-se, fazer questionamentos uns aos outros, pedir

esclarecimentos, acrescentar comentários. Este momento foi novamente filmado. Do

apanhado de todas as filmagens foi feita uma edição que acompanha o texto final deste

trabalho. Ambos serão retornados aos participantes da pesquisa porque, novamente,

segundo Duvignaud (1986, p.353) “os que contribuíram precisam reconhecer suas falas. É

preciso restituir-lhes o que ofereceram”.

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Após as filmagens, todas as falas foram transcritas e submetidas a um demorado

processo de leitura, reflexão e análise. E aí estava o trabalho. Um material rico em

experiências vividas, memórias e sugestões para um porvir27 e a partir daí, as amarras, o ir e

vir entre as falas, os gestos, as imagens, a seleção em temas: conflito, crise, ambigüidade;

decadência, ontem, hoje. “Espalhar no espaço aquilo que foi formulado no tempo. É um

trabalho manual, artesanal, até chegar ao produto final.” (DUVIGNAUD, 1986, p.351).

A Torre de Babel apresentada no retroprojetor referiu-se à obra de Bruegel (1563).

Pieter Bruegel (o Velho) nasceu em Antuérpia. Esta cidade teve grande desenvolvimento

econômico no século XVI, sendo, em função de seu porto, a primeira metrópole da Europa.

Por ali, os comerciantes encontraram o caminho marítimo para a Ásia, contornando a

África e para a América, atravessando o Atlântico. O desenvolvimento da cidade provocou

a circulação de estrangeiros que, evidentemente, falavam outras línguas e tinham outros

costumes. A população de Antuérpia se desagradou com tamanho crescimento. Além disso,

a presença de calvinistas, luteranos e anabaptistas, quebrava a unidade católica, tendo uma

sociedade multicultural. Dessa forma, Bruegel encontrou na passagem bíblica Gênesis, 11:

a construção da Torre de Babel, uma explicação para a situação de Antuérpia do século

XVI (ROSE-MARIE; HAGEN RAINER, 1995).

No trecho bíblico Gênesis, 11 é descrita a construção da Torre e a confusão da

língua: E era toda a terra de uma mesma língua e de uma mesma fala. E aconteceu que, partindo eles do Oriente, acharam um vale na terra de Sinar e habitaram ali. E disseram uns aos outros: Eia, façamos tijolos e queimemo-los bem. E foi-lhes o tijolo por pedra, e o betume, por cal. E disseram: Eia, edifiquemos nós, uma cidade e uma torre cujo cume toque nos céus e façamos um nome, para que não sejamos espalhados sobre a face de toda a terra. Então, desceu o SENHOR para ver a cidade e a torre que os filhos dos homens edificavam;

27 Segundo Jorge Larrosa (2001, p.286): “Com a palavra Futuro nomearei nossa relação com aquilo que se pode antecipar, que se pode projetar, predizer ou prescrever; com aquilo sobre o qual se pode ter expectativas razoáveis; com aquilo que se pode fabricar. Com a palavra porvir nomearei nossa relação com aquilo que não se pode antecipar, nem projetar, nem prever, nem predizer, nem prescrever; com aquilo sobre o que não se pode ter expectativas; com aquilo que não se fabrica, mas que nasce”.

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41

E o SENHOR disse: Eis que o povo é um, e todos têm uma mesma língua, e isto é o que começam a fazer; e agora, não haverá restrição para tudo o que eles intentarem fazer. Eia descemos e confundamos ali a sua língua, para que não entenda um a língua do outro. Assim, o SENHOR os espalhou dali sobre a face de toda a terra, e cessaram de edificar a cidade. Por isso, se chamou o seu nome Babel, porquanto ali confundiu o SENHOR a língua de toda a terra e dali os espalhou o SENHOR sobre a face de toda a terra. (GÊNESIS, 11:1-9).

A passagem da construção da Torre é tratada como um castigo divino aos

descendentes de Noé quando estes tentaram construir uma Torre que chegasse ao céu e a

dispersão das línguas encarada de forma punitiva. Porém, a imagem de Babel não

necessariamente deve ter um caráter de catástrofe, mas de inerência a ser aceita. As

diferenças e as pontes construídas entre elas são importantes para a inter-relação entre

grupos, pessoas, comunidades, para as situações de diversidades coletivas (WUNDER,

2002, p.94). Neste sentido, Magaldy Téllez (2001, p.74) indica “a possibilidade de outro

modo de convivência [...] que reúna sem pretensão de unificar, articule as diferenças sem

apagar os conflitos, dê espaço ao outro sem a pretensão de assimilá-lo e de dissolver sua

outridade”.

Portanto, a imagem de Babel nos remete a ambigüidade presente no hip hop. E,

citando Larrosa e Skliar (2001):

Em torno de Babel situam-se as questões da unidade e da pluralidade, da dispersão e da mesclagem, da ruína e da destruição, das fronteiras e da ausência de fronteiras e das transposições de fronteiras, da territorialização e da desterritorialização, do nômade e do sedentarismo, do exílio e do desenraizamento. E se Babel é o nome de alguns de nossos temas, é também e, sobretudo, o nome de muitas de nossas inquietudes. (LARROSA; SKLIAR, 2001, p.9).

Ao pensar em Babel como unidade e pluralidade é que a imagem da Torre foi

apresentada para os jovens hip hoppers uma vez que, no desenvolvimento desta pesquisa,

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42

se evidenciaram as diferenças no universo hip hop que, aparentemente, dificultavam o

entendimento entre eles.

• Alguns b.boys que não consideram o rap como expressão do hip hop e que

não fazem protesto já que consideram apenas o caráter de festividade;

• Rappers que vêem a proximidade entre os partidos políticos e o hip hop

como uma militância única;

• Hip hoppers que têm objetivos exclusivamente financeiros;

• Graffiteiros que não gostam de rap;

• Militantes do movimento negro que definem o hip hop como ideário apenas

de luta racial.

Ficou evidenciado nesta pesquisa que é do resultado da tensão entre estes grupos

que o hip hop se mantém. Apresentou-se, dessa forma, um elemento novo ao que se

discutia até então, sobre as características e propostas do hip hop como sendo um

movimento social que tem um caráter exclusivamente contestador. Como militante, iniciei

a pesquisa, acreditando que esta abordagem contestatória deveria conduzir todo o meu

trabalho, na forma de uma proposta de ação que contribuísse para a superação da crise que

hoje atinge o movimento. Porém, quando coloquei os “dissidentes na roda”, percebi que

poderia estar “silenciando falas”, ao atentar somente para um momento específico da

história do hip hop, deixando de considerar que os momentos se transformam e

incorporam outros modos de luta e de participação.

No primeiro encontro, com os pioneiros do hip hop campineiro, a entrevista seguiu

um roteiro que propiciou aos entrevistados expressar diferentes posicionamentos ante o

rico universo hip hop, bem como a entrevista realizada com os oficineiros e o coordenador

da Casa do Hip Hop. Os questionamentos foram contemplados nestes encontros, de forma

a não obedecer a uma ordem rígida, conforme a descrita por Lüdke e André (1986, p.33-

34): “Na medida em que houver um clima de estímulo e de aceitação mútua, as

informações fluirão de maneira notável e autêntica”. E a partir daí, o histórico do hip hop

campineiro foi sendo reconstruído.

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2.2 ALGUMAS IMPRESSÕES: PESQUISADORA – MILITANTE

Depois de delimitado o problema da pesquisa, parti para campo. Selecionar os

entrevistados não foi tarefa fácil, os da nova e da velha escola. Em seguida, conseguir os

contatos, obter o aceite para a participação, conciliar dia e horário possível para todos.

Atores da velha escola, importantes para a reconstrução da trajetória do hip hop em

Campinas, como MC Travolta, por exemplo, não consegui contactar e MC Betão, não pôde

comparecer, por motivos pessoais, mas ficou agradecido e lamentou sua ausência.

No primeiro encontro, em 10 de maio de 2003, no Sindicato dos Eletricitários (local

cedido para reuniões do hip hop em outros momentos), que durou cerca de quatro horas, o

clima era de reencontro, de recordações, lembranças agradáveis em sua maioria, narrativas

descontraídas, engraçadas, embora tivessem recebido um roteiro de perguntas (em anexo).

Neste dia, eu e o Tuta28 levamos fotos (principalmente dos anos 90), LP (que eles ouviam

em 80 e 90), CDs de rap nacional e o filme Beat Street. Mas, foi o Malachias quem levou o

acervo que, para nós, naquele momento, era mais importante – muitas fotos, recorte de

jornal e panfletos de festas dos anos 80, além de uma gravação em super 8; este material já

ativa a memória dos entrevistados, o que permite, segundo Duvignaud… “Reencontrar as

formas de sua vida social esquecida e o dinamismo simbólico novamente vivo”

(DUVIGNAUD, 1986, p. 345). Os questionamentos que eu previamente tinha proposto,

foram sendo contemplados.

No segundo encontro, com a nova escola, em 24 de maio de 2003, também um

sábado pela manhã, o clima era menos festivo. Dos treze jovens que convidei, apenas cinco

compareceram. A ausência destas pessoas levou-me a questionar o motivo. Seria por

esquecimento, por não dar importância ao convite ou por não quererem o encontro com os

outros segmentos ou com a pesquisadora – militante? A Torre de Babel fez muito sentido

para os participantes. Concordaram e concluíram que havia uma multiplicidade no

movimento que, de certa forma, o faria crescer.

Após os dois primeiros encontros, fiz uma edição de vinte minutos, das falas que

avaliei como importantes tanto para a nova como para a velha escola. Neste dia, 31 de maio

28 O Tuta foi um interlocutor imprescindível no desenvolvimento desta pesquisa, a acompanhou em cada etapa. Por ser um colaborador na construção do hip hop em Campinas e no Jardim São José, suas contribuições foram determinantes.

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de 2003, apenas o Jarrinha não pôde comparecer ao encontro e Fabiana, Ari e Insônia que

tinham sido convidados para o encontro anterior e não tinham comparecido, agora se

juntaram ao grupo. Kid Nice também aceitou participar e deu contribuições valiosas. Este

encontro foi o mais longo (das 9h às 14h), muito dinâmico, o debate foi caloroso! Este dia

foi crucial para confirmar a hipótese de ambigüidade, conflito e crise no hip hop. Abordar

estes aspectos só foi possível porque as partes envolvidas se declararam, assumiram

posicionamentos, discordaram, concordaram, tiraram conclusões, sugeriram pistas e

propuseram saídas. Agora, depois dos três encontros, era selecionar os temas e continuar a

pesquisa.

Nos momentos posteriores às entrevistas, Malachias foi um interlocutor

indispensável. Recebeu a mim e ao Tuta em sua casa para prolongar a conversa. Confiou a

mim seu “tesouro”, fotos, vídeo, recortes de jornal; nos acompanhou nas filmagens externas

em 27 de março de 2004, no Largo do Rosário, na antiga Lanchonete Forno Quente e no

Paço Municipal. Contribuiu também para selecionar e criar a edição final das filmagens. A

edição, por sinal, não fora uma etapa menos trabalhosa. Quatro versões foram feitas até

chegar ao vídeo final.

Além destes três encontros, entrevistei também os oficineiros da Casa do hip hop,

em 08 de abril de 2004, local que já tinhamos visitado com a câmera (eu e Carlos Filipe -

técnico em filmagem, que fez comigo reflexões significativas nesta etapa da pesquisa) em

24 de março, vazia durante a semana e em 27 de março de 2004, durante um evento “ I

Encontro do hip hop do Interior”. Nesta entrevista (em anexo), um oficineiro não estava, o

Dr. Sinistro. A conversa com Ciro (coordenador da Casa), Herval e Cibele foi breve, mas

apontou para um aspecto que deveria também ser considerado, que era a relação entre o hip

hop e as instituições, uma vez que a Casa estava sendo mantida pela administração

municipal.

Outro interlocutor importante para esta pesquisa fora King Nino Brown que muito

me ajudou a pensar o rumo da pesquisa e principalmente a refletir sobre o hip hop,

conversas pessoais e virtuais; por e-mail respondeu uma entrevista (em anexo) que

colaborou para reconstruir os acontecimentos no início do hip hop em Nova York. O Paço

Municipal foi um local citado nas entrevistas e era, naquele momento, o lugar em que se

reuniam os b.boys e b.girls da cidade. Fomos até lá (eu, o Carlos e o Tuta) em 17 de abril

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de 2004 e a receptividade foi muito boa. As imagens vistas por eles, deles, seja na gravação

ou nas fotografias, os entusiasmou. Mais do que considerar a finalidade da filmagem,

queriam “ver e se rever” e eu não pude deixar de lembrar do Duvignaud! Reação que se

repetiu na última filmagem externa no dia 20 de novembro de 2004, no Jardim São José,

durante o encontro “Hip hop pela paz”. Alguns querendo aparecer, ser filmado, outros,

desviando, se escondendo da câmera.

Enfim, finalizei as filmagens em 2004, de onde parti, em 1984: o Jardim São José,

pois foi neste bairro que conheci o movimento hip hop, de onde saíram atores importantes

para o hip hop campineiro e que contribuíram para a reconstrução da trajetória do hip hop

nesta pesquisa.

2.3 TORRE DE BABEL OU RIZOMA? CONFLITOS E AMBIGÜIDADES

A apresentação da Torre de Babel foi feita junto à interpretação bíblica que a define

como a confusão de línguas e o não-entendimento entre elas. Porém, ao comentá-la, um dos

entrevistados, o Almir, traz uma outra leitura: “O que eu acho interessante é que lá a

ideologia deles era fazer na vertical, era chegar ao céu e a gente não, a gente parte do

princípio do horizontal, de está como se fosse um rio que alaga. Ele tomando tudo e está

molhando tudo esse rio”.

Sendo assim, seria pertinente a este encontro com os jovens, ao tratar das

ambigüidades e conflitos no hip hop, apresentar outra imagem, a dos Rizomas. Rizomas

definidos da seguinte maneira na enciclopédia “Tudo” (1977, p.1902): “Tipo de caule

subterrâneo (em alguns poucos casos, aéreo), quase sempre horizontal e intumescido por

armazenar reservas de alimento. Possui diversas gemas laterais, são responsáveis pelo

aparecimento de novos brotos e também, pela reprodução vegetativa, quando o rizoma é

partido”.

Segundo Deleuze e Guattari (1995)

... qualquer ponto de um rizoma pode ser conectado a qualquer outro e deve sê-lo. É muito diferente da árvore ou da raiz que fixam um ponto, uma ordem [...] Não existem pontos ou posições num rizoma como se

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encontra numa estrutura, numa árvore, numa raiz. Existem somente linhas [...] Um rizoma pode ser rompido, quebrado em um lugar qualquer e também retoma segundo uma ou outra de suas linhas e segundo outras linhas [...]. Há ruptura no rizoma cada vez que linhas segmentares explodem numa linha de fuga, mas a linha de fuga faz parte do rizoma. Estas linhas não param de se remeter umas às outras. (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p.15-18).

A imagem do rizoma ajuda a pensar o hip hop como sendo fluido, dinâmico, uma

vez que não há um centro fixo. Encontramos diversas gemas, são os b.boys, os graffiteiros,

os rappers que trilham seu caminho no hip hop com a multiplicidade. Há ruptura cada vez

que discordam em relação as suas posses e crews, mas há sempre linhas que os remetem

uns aos outros.

Em Torre de Babel ou Rizoma, o fato é que há no hip hop, multiplicidades.

Conflitos e ambigüidades. E é do resultado desta tensão que este movimento da cultura

juvenil se mantém. “Babélicos” e “Rizomórficos”, os hip hoppers lidam com a diferença,

cada vez que encontram graffiteiros roqueiros, b.boys que não fazem protesto, rappers

militantes partidários ou do movimento negro, oficineiros com apenas meses de experiência

vivida no hip hop, b.boys que não consideram o rap como expressão do hip hop e militantes

do hip hop.

Torre de Babel, Rizoma ou Rio que se alaga. Não se trata de eleger uma das

imagens, são imagens invertidas e por isso é possível pensar o hip hop a partir delas.

Para refletir sobre estas diferenças, recorremos à noção de multiplicidade cultural

apresentada por Tomaz Tadeu da Silva (2000, p.100). Ao contrário da diversidade que

abarca a tolerância e respeito à diferença, a multiplicidade quer questioná-la, problematizá-

la. A multiplicidade é ativa, é produtiva. É um movimento. Estimula a diferença. Permite

que o outro seja como eu não sou e que não pode ser eu. Dessa forma, essa definição se

aproxima do que foi dito durante as entrevistas no que se referia às diferenças, como por

exemplo:

Uma das coisas que faz o movimento continuar é justamente isso, é a diferença de idéias, essa discussão, porque se todo mundo pensar igual, continuar pensando igual o negócio vira mesmice, aquela mesmice e acaba mesmo (TUTA).

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Segundo Tomaz Tadeu da Silva (2000, p.75-85) “as afirmações sobre diferença só

fazem sentido se compreendidas em sua relação com as afirmações sobre a identidade [...]

A diferença é parte ativa da formação da identidade”. Como disseram alguns participantes:

Já me chamaram de artista plástico, de não sei o que, não importa. Isso pra mim não importa. Se falar: - ‘Olha você não é mais do movimento hip hop’. Firmeza, não sou mais do movimento hip hop, só que a minha ideologia, isso daí, eu não vou tirar. Não importa se eu estou fazendo teatro, se eu estou fazendo canto lírico, minha ideologia ninguém vai tirar. Por isso que eu acredito [...] Tem muitas pessoas que vêem o movimento fechado [...] O importante é a gente falar:- ‘Isso tem uma origem’, porque se a gente fizer um enlatado: ‘Ó, o hip hop é assim’ e se fechar naquilo, é muito mais fácil pra quem quer dominar [...] Esse movimento recebe crítica hoje se o cara é hard-core29 e faz graffiti ou se o b.boy ouve rock. Isso pode preocupar? Pode [...] São formas diferentes, pessoas diferentes, podem até ter ideologias diferentes, mas está todo mundo no mesmo funil (ALMIR).

Tem pessoas que falam, te criticam ‘Pô, você não ouve rap?’ Te obrigando a ouvir (MARCELO).

Também no graffiti tem o roqueiro [...] não devemos ficar preocupados porque o cara faz parte do rock (HERVAL).

O graffiti sofre mais com essa pressão do restante do movimento porque ele tem uma, o graffiti hoje, são várias pessoas que vem, entram no graffiti de várias formas, um que é tatuador outro que é skatista, ou era, outro que era pixador. Pô! Outro que já começou diretamente no hip hop. Acho que a gente não tem que ficar levando em consideração isso (ALMIR).

A opinião de alguns hip hoppers descrita pelos participantes na entrevista aparece,

talvez, porque estejam buscando normalizar uma identidade no movimento, ou seja,

compreendê-lo com características únicas que sirvam de parâmetro para avaliar as demais,

quase sempre como negativas e assim hierarquizar, decidir quem pertence e quem não

pertence ao hip hop. Pertencer a um grupo implica em perceber-se como semelhante aos

outros – reconhecer e ser reconhecido – e, ao mesmo tempo, afirmar a diferença enquanto

indivíduo (SPOSITO, 2001, p.99).

29 O hard-core é um ritmo punk que se mede pelo mínimo de tempo possível em que se pode produzir uma música. Ele figura numa escala de aceleração segundo o tempo das músicas em contagem regressiva por subtração (hard-core: até 30 segundos). Está em evidência o grito, a exasperação, o barulho. Sua violência é o que o torna inassimilável e portanto o salva e ao mesmo tempo o aproxima da absoluta autodestruição. Na extrema violência do visual e do som, os hard-core estão pedindo paz (CAIAFA, 1985, p. 124-125).

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Neste sentido, é possível compreender a identidade e a diferença como uma relação

social, estando em uma estreita conexão com as relações de poder. Incluir/ excluir (estes

pertencem, aqueles não pertencem) demarcar fronteiras (“nós” / “eles”), são marcas da

relação de poder na produção da identidade e da diferença (SILVA, T., 2000, p. 81).

No decorrer das entrevistas, foram evidenciadas as diferenças e as ambigüidades no

hip hop campineiro. Quando, por exemplo, em uma das nossas conversas surgiu o termo

decadência, o colaborador, Carlos Filipe, que fazia as filmagens, alertou que a palavra mais

indicada seria crise, que no vocábulo chinês quer dizer risco e oportunidade30. Naquela

ocasião, o grupo concordou com esta colocação, pois concluiu que estava atravessando um

momento difícil, mas que caminhos e propostas de transformação eram possíveis. Uma

rapper entrevistada, a Fabiana, disse que num primeiro momento não estava de acordo com

o termo decadência, mas que, diante dos depoimentos que ouviu na entrevista concluiu que

“existe uma certa decadência realmente [...] Dá pra notar nitidamente que as pessoas não se

entendem” (FABIANA).

Sendo assim, o que a Fabiana diz, permite recorrer, para pensar a decadência, a

Michel Maffesoli (2000, p.159), que se aproxima do que os entrevistados identificaram

como crise: “Decadência, dirão alguns. Por que não, se considerarmos decadência o fato

daquilo que está morrendo, conter, ao mesmo tempo, tudo que vai nascer. As flores que se

despetalam esgotadas em sua perfeição são a promessa de belos frutos”.

O momento de decadência (no sentido maffesoliano) percebido hoje pelos

participantes desta pesquisa se dá também pelos conflitos e discordância entre alguns

jovens no que diz respeito às incorporações das relações de dominação da sociedade, na

medida em que ao ocuparem um lugar na mídia, na imprensa local, nas academias de

dança, são aceitos e reconhecidos pela indústria cultural e acabam por reproduzir a ordem

vigente. Neste contexto de ambigüidades – recorrendo novamente a Marilena Chauí – este é

um momento no qual a cultura dominante é “aceita, interiorizada, reproduzida e

transformada”.

30 Ou ainda como sugere Melucci (1994 apud DAYRELL, 1997, p. 124) “A noção de crise é utilizada não no sentido de ruptura, de caos, mas de mutações e recomposições profundas nas relações sociais, nas quais se esgotam modelos anteriores e ainda não estão delineadas as novas relações.”

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2.4 PALCOS, RUAS, PRAÇAS 31: O HIP HOP EM ESPAÇOS PÚBLICOS

Muitas dificuldades foram apontadas, muitas delas dentro do próprio movimento.

Portanto, sugestões foram levantadas para que os “belos frutos” floresçam.

Muitas propostas surgiram com a intenção de levar o hip hop de volta para a rua,

para as praças centrais de Campinas, pois o que antes era apresentação para um público,

agora se restringe a treinos apenas com os b.boys. Entre os demais segmentos, não há um

local fixo de encontro.

Roberto DaMatta (2001, p.23-25) possibilita uma reflexão sobre a rua. Este autor

faz uma diferenciação entre dois espaços sociais fundamentais: a casa e a rua. A casa é o

espaço de proteção, não somente física, mas totalizado por uma forte moral. Uma dimensão

da vida social permeada de valores. As pessoas são membros de um grupo fechado com

fronteiras e limites bem definidos. Já o espaço da rua, é o espaço típico do lazer, do

movimento.

A rua é o espaço do fluxo da vida com suas contradições, durezas e surpresas. A

história se faz, acrescentando evento a evento, numa cadeia complexa e infinita. A rua

forma uma perspectiva pela qual o mundo pode ser lido e interpretado. Espaço de luta e de

batalha:

Então eu acho que um dos maiores orgulhos que eu tenho, foi de ter sido pioneiro pra vir pra rua, foi o primeiro grupo a ir pra rua da cidade, a quebrar o preconceito, a gente vinha daquele movimento, do movimento negro, a gente vinha do funk, do soul, mas era restrito a nós, era restrito à nossa comunidade (MALACHIAS).

Hoje, muita coisa é do jeito que é, porque dependeu da gente, de botar o peito, botar a cara e não ter vergonha e enfrentar o mundão e mostrar que a gente era aquilo, era rap, era break, era tudo, sem vergonha, sem nada [...] e hoje a gente tá aí (KID NICE).

31 Trecho do rap “E se esse som estourar?” do rapper GOG, do álbum “Prepare-se”.

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50

É na rua, segundo DaMatta (2001, p.31), que os enfrentamentos com as autoridades

policiais que destratam os cidadãos acontecem, não havendo na relação entre cidadão e

autoridade, respeito ou consideração. Conforme relatam os entrevistados:

No nosso tempo tinha até preconceito com o que a gente fazia. Ninguém aceitava [...] a polícia não gostava, a própria comunidade negra, o pessoal da periferia não gostava de rap (KID NICE).

Na época do break, começou assim, foi pra rua, encontrava dificuldade, tinha a questão da pilha, a questão da polícia, porque não era qualquer lugar que você abria um espaço e estava tudo certo (TUTA).

Em Campinas, há o desejo de estar nas ruas novamente porque por volta de 1990, os

breakers passaram a formar grupos de rap, atuando como MC ou DJ, deixando de dançar e

outros jovens não continuaram com o break. A próxima equipe a surgir foi a Radicais

Suburbanos, em 1989, e dançava nos bairros. Apenas em 1997 é que começaram a treinar

no Paço Municipal, ainda assim, sem apresentar-se ao público. Formou-se dessa forma,

uma lacuna entre a Malachias Funk Show e a Break Gang Street, por exemplo, e a Radicais

Suburbanos. Assim o break se afastou das ruas. Outro fator a contribuir para isso foi que as

festas em casas noturnas se tornaram novo ponto de encontro dos rappers, b.boys e

graffiteiros e não mais o Largo do Rosário. Vale salientar também, que a novidade que

surgiu com os filmes apresentando o rap e o break, a música e dança de Michael Jackson e

o investimento da mídia nestas manifestações já estavam perdendo o fervor inicial.

A rua é o terreno do econômico e do político, do sistema legal, da política e do

governo (DaMATTA, 1982, p.32). Porém, segundo Marilena Chauí (1993), comentando as

definições de DaMatta:

... é justamente porque o ‘mundo da rua’ não é senão o mundo da casa da classe dominante que a ‘rua’ é arbitrária e violenta [...] porque nela o espaço público é tratado como espaço privado dos dominantes, que não há cidadania no país, [...] embora haja momentos sociais e populares para alcançá-la. (CHAUÍ, 1993, p.136).

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Neste sentido, a fala de um dos entrevistados, o Tuta, confirma esta reflexão: “Você

está no Paço hoje que é um espaço que é de quem? Público, mas que nunca foi nosso. A

partir do momento que você ocupou você já protestou”, em resposta à afirmação de Ari:

“Eu não danço em forma de protesto”.

Como pontua Marilena Chauí (1993, p.136) “esse privilégio do privado sobre o

público ou essa apropriação privada do público é a marca da violência dos dominantes que

impõe a ‘sua casa’ à nossa rua. Ela se efetua como revolta contra a rua deles, em nome de

uma rua ideal que poderia ser a nossa rua”.

Herval também comenta o uso de um espaço público, mas que não é de todos:

Porque tiraram a gente lá de trás, não foi à toa, porque o playboy que vai no museu, no MACC que vai ver as obras primas dos grandes mestres, não gosta da nossa presença aos sábados ali, fazendo acrobacia ali [...] Então a gente saiu da prefeitura por causa da elite do Cambuí.32

Ainda sobre este aspecto, Kid Nice lembra: “A gente queria o espaço porque é

nosso direito” e comenta que os eventos como o Hot Sunday, realizados aos domingos, no

Teatro de Arena do Centro de Convivência Cultural, foram transferidos para a Concha

Acústica do Parque Taquaral por conta das reclamações dos moradores do bairro Cambuí33.

Dessa forma, “cremos que é porque o direito aos direitos é recusado pela rua deles,

isto é, pela sociedade global, que a ‘periferia’ organiza o pedaço no qual não prevalecem

apenas as relações do ‘mundo da casa’, mas estas se combinam para criar uma outra rua.

Resistência.” (ibid., p.137). Para criar este novo pedaço é que os integrantes do hip hop

querem voltar a reunir-se nas praças centrais da cidade sem apoio do poder público:

32 Herval se refere ao momento em que a autorização para treino foi transferida da parte de trás da prefeitura, em frente ao MACC, para o Paço Municipal. 33 Conforme foi publicado no caderno Cidades do jornal Correio Popular: “As reclamações contra ‘shows’ no teatro de arena do Centro de Convivência aos domingos, estão aumentando. Agora, além do som exageradamente alto e da duração do, digamos, espetáculo, (alguns chegam a ter 9 horas seguidas, transformando o domingo de quem mora por ali numa aventura ensurdecedora),os vizinhos do teatro estão sendo incomodados com discursos que os, digamos, artistas, consideram políticos. São na base de xingamentos aos moradores (‘esses burgueses’!) do Cambuí, e recheados de ameaças e palavrões. E tudo patrocinado pela Secretaria de Cultura, Esportes e Turismo que vive às custas dos impostos que, principalmente, os ‘burgueses’ pagam.” (SIQUEIRA, Correio Popular, 19 junho 2001, p. 6).

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Eu quero que o Ari pegue o rádio dele, leve aqui pro Largo do Rosário, volte de novo a tudo isso, dance pra todo mundo (BLUE).

Qual a diferença de antes e hoje, acho que é o lance da rua [...] Tem que tá na rua. Tem que fazer um break no Largo do Rosário [...] É um movimento de rua, não pode perder esse caráter, é um movimento de rua (TUTA).

Eu acho que o b.boy tem que ir lá no Largo do Rosário [...] Fazer um visual street que é o visual verdadeiro do b.boy, é a dança de rua [...] Porque o b.boy não dança na rua, porque ficou cômodo na prefeitura pra todo mundo (HERVAL).

Tem que tá no centro da cidade, mas discordo do lance de pedir autorização para o poder público (MALACHIAS).

Falam que o hip hop é de rua, mas eu não vejo o hip hop na rua (ALMIR).

Pro hip hop voltar a ser forte em Campinas ou em qualquer lugar, tem que tá na rua. Assim que eu acredito (MARCELO).

Para os entrevistados, as possibilidades de realizar as reuniões entre os quatro

elementos também foram citadas como uma oportunidade de diálogo entre os hip hoppers,

promovidas por eles, com o intuito de abarcar o maior número possível de jovens. Assim

como outros eventos, como shows, oficinas, debates e até mesmo a entrevista coletiva

realizada para esta pesquisa:

Hoje a gente viu as dificuldades que nós mesmos sofremos no hip hop e a gente pode acompanhar passo a passo os problemas que os quatro elementos têm e dar as mãos, e vamos pra frente (HERVAL).

Acho que tem que sentar igual a gente tá aqui hoje e expor as coisas e ver que todo mundo tá em prol de uma coisa só que é o movimento (KID NICE).

Então se nós estamos aqui com rap, b.boy – break, graffiti é pra que haja essa união outra vez (ARI).

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Dessa forma, os hip hoppers presentes na entrevista, concluíram que há conflitos e

ambigüidades no hip hop campineiro, mas que com diálogos, encontros e reflexões, novos

rumos poderão ser apontados e assim, possibilidades outras surgirão.

2.5 DE POLÍTICA EM POLÍTICA34: A PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS JOVENS

A participação de jovens nos partidos políticos é vista por alguns entrevistados

como prejudicial, já que os partidos têm outros interesses, como ganhar eleições, fazer e

cumprir promessas, enfrentar disputas internas ou, ainda, conforme esclarece Müxel (1997,

p.162): “Esse tipo de adesão não poderia escapar de luta pelo poder, das brigas internas e

externas do jogo partidário.” Segundo estes entrevistados o movimento deve ser apartidário

e não é o que tem acontecido.

Fabiana, em uma das entrevistas, afirmou que alguns setores da sociedade

manipulam o hip hop: “Usam o movimento hip hop. A mídia ‘cai matando em cima’ [...]

outros setores, têxtil, fonográfico, a mídia em si, a propaganda”. E Kid completa, dizendo

que “não se pode esquecer do setor político”.

Herval cita especificamente os partidos dentro do hip hop: “Mas, a primeira reflexão

ainda é política. PT, PSDB, PC do B, PMDB, logo o Enéas vai estar fazendo parte do hip

hop. O hip hop é um movimento político dos guetos, da periferia”. Esta afirmação de

Herval permite recorrer ao conceito de Teresa Caldeira (1984, p.8) sobre periferia, não

apenas como referência geográfica com carência de infra-estrutura básica, mas também

que define o padrão político de seus moradores: as formas de organização popular, uma

nova forma de fazer política saudada como genuinamente popular e democrática.

Almir indica o caráter de independência que deve nortear o trabalho no hip hop: “O

movimento tem que ser suprapartidário, tem que ser alternativo”.

34 Trecho do refrão da música “Política” do grupo de rap Athalyba e a Firma, regravada no CD de mesmo nome (1994).

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O distanciamento de alguns hip hoppers dos partidos políticos, assim como entre

outros cidadãos, sejam eles estudantes, assalariados, jovens diplomados ou não, ocorre por

conta de um desencanto ocasionado por “brigas politiqueiras que despojam a política de

seus conteúdos e de seus projetos. Por isso mesmo, esta se encontra reduzida ao jogo das

divisões internas, das alianças e dos oportunismos, cada vez mais complicados para se

compreender e decodificar.” (MÜXEL, 1997, p.53).

Este descontentamento foi citado na pesquisa:

Tem política no meio [do hip hop]. Porque o partido ajuda com verba, com show, com um monte de ‘blá, blá, blá’ [...] Então, a gente tem que pensar que muitos de nós se infiltrou no meio da política, está infiltrado até hoje, está ganhando dinheiro, está fazendo isso. A gente tem que desviar desses caras, melhor coisa é desviar da política (HERVAL).

Eu acredito que foi onde começou a desmanchar a originalidade, entendeu? Política. Política, governo, sempre sai da política, entendeu? Querendo comprar voto (MARCELO).

Porém, em relação à política, outros apontamentos foram feitos. Fabiana afirma:

“Eu acho que política, a gente tem que fazer mesmo porque você está debatendo com seu

camarada, você está fazendo política [...] Você faz política, você vive disso, porque a gente

precisa trocar idéia”.

Ao encontro do que Fabiana relata, Dalmo Dallari (1984, p.8) permite pensar um

conceito de política: “Os gregos davam nome de polis à cidade, isto é, ao lugar onde as

pessoas viviam juntas [...] Política se refere à vida na polis, ou seja, à vida em comum, aos

objetivos da comunidade e às decisões sobre todos esses pontos.”

Outro entrevistado, Almir, faz uma reflexão, indicando para o caráter alternativo

que deve ter o hip hop, ou seja, sem vinculação com partidos políticos, suprapartidário, mas

não deixa de alertar para o papel político que os hip hoppers exercem ou deveriam exercer.

Segundo seu ponto de vista: “Acho que o movimento tem que ser pedrinha no sapato. A

gente não tem que estar distante da política; a gente tem que estar muito mais próximo da

política pra entender, pra não se deixar manipular”.

Segundo Dallari (1984), ao povo interessa a participação para tomar decisões, seja

com as regras já estabelecidas, seja para estabelecer novas regras:

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O exercício da crítica é também uma forma importante de participação política, pois fornece elementos para que cada indivíduo proceda conscientemente ao tomar suas próprias decisões e ajude os demais a formarem suas respectivas opiniões. O esclarecimento, a denúncia, a discussão ajudam a participação consciente. (DALLARI, 1984, p.80).

O hip hop parte deste princípio, conforme relatam os entrevistados:

Hoje o rap tem esse aspecto social, o graffiti ele tem o aspecto de tá dizendo o que está acontecendo na nossa favela, o que está acontecendo na nossa comunidade [...] Em 91, nessa época, a gente já estava falando da violência, foi a época que tinha uma música que falava exatamente do Muro de Berlim (MALACHIAS).

De qualquer maneira, nós estamos se expressando e estamos lutando contra o racismo, preconceito, drogas e pela evolução da própria periferia (HERVAL).

Sendo assim, as reflexões de Anne Müxel (1997) traduzem os sentimentos destes

jovens hip hoppers em relação à política:

Eles não acreditam na possibilidade de grandes mudanças e medem os limites de eficácia das ações que eles poderiam realizar a sua altura. Eles desenvolvem uma outra visão da mudança social, ao mesmo tempo mais modesta e mais realista, e imaginam a generalização e a multiplicação de pequenas ações, uma ampliação de um engajamento ‘artesanal’, segundo os meios e as vontades de cada um, um avanço em ‘passinhos’. Não se trata de ‘mudar o mundo’, mas de tão somente ‘melhorar as coisas’. Nem pensar ser ‘revoltados’, ‘anarquistas’ ou ‘utopistas’, mas também, muito menos de desengajar, se ‘desligar’ de uma obrigação de consciência, e talvez de um dever de solidariedade. (MÜXEL, 1997, p.162).

Portanto, o jovem hoje pode escolher a sua participação política, seja na militância

partidária, no movimento hip hop ou anti-discriminatório, em ONG’s e associações. Estas

são formas complexas de participação social e política e suas redes são densas e

entrelaçadas (MISCHE,1997, p.144).

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2.6 CULTURA, EDUCAÇÃO, LIVROS, ESCOLAS35 : ASPECTOS EDUCATIVOS O movimento hip hop, desde seu surgimento até os dias de hoje, apresenta

características que permitem considerar seu caráter educativo, quando propõe a trégua entre

as gangues ou quando se organiza em posses.

Os participantes do movimento hip hop buscam informações, formam opiniões,

estabelecem regras e valores. Em relação à educação, alguns hip hoppers vêm

demonstrando preocupação com esta temática, vezes através do graffiti e do break, vezes

em letras de músicas. O grupo de rap de Campinas, o DLN – Defensores da Liberdade

Negra – gravou em 1999 um CD independente, com recursos próprios, sem apoio de

gravadoras. Uma das faixas é a música Quadro Educacional que retrata a situação

econômica, política e social do país e da educação. Nesta letra, o grupo questiona as

desigualdades sociais e a falta de oportunidade de estudo para os trabalhadores e seus

filhos. A educação é abordada como sendo um importante instrumento de organização e

luta, um dos caminhos para a conscientização política e o acesso à cidadania:

O sistema não quer ver crianças da periferia. Pobre, carente, ‘um delinqüente’, dentro de uma sala de aula, uma faculdade estadual, particular,

Não, não, não, não! Ele não quer ver a parte ‘podre’ do país,

estudar, se formar, ter idéias ativas, criticar a mídia, impor seu ponto de vista. Não querem, não querem, não querem e nunca vão deixar,

Porque o ensino e a informação são as armas mortais para o povo pobre. Desmentir as falcatruas mostradas pela televisão.

[...] Somos todos cidadãos de papel, com direitos na teoria, mas na prática não! Pense no futuro, pense na educação!

DLN

Neste sentido, Maria de Lourdes Manzine-Covre (1995, p.64), sugere que ao

homem contemporâneo está a possibilidade de romper cotidianamente com as trevas da

alienação (como o consumo, por exemplo), nas relações diárias, considerando que a

democracia se constrói a todo instante, nas relações sociais de que fazemos parte.

Assim como o grupo de rap DLN, esta autora afirma que é preciso haver uma

educação para a cidadania que ofereça condições para a construção de uma revolução

interna que é traço essencial para a existência da mesma. É preciso que as pessoas tomem

35 O trecho “Cultura e Educação, Livros, Escola” é parte do rap “Negro Limitado”, do álbum dos Racionais MC’s “Escolha seu caminho” (1992).

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consciência de seus direitos como cidadão e se organizem para lutar por eles. E é a partir

dessas lutas, que acontecem na fábrica, na rua, na escola, na família, na empresa, no

partido, no bairro etc, que se amplia a cidadania para a população carente.

Cidadania apresentada em sua dubiedade por Manzine-Covre, como a do

consumismo e a cidadania plena. De um lado, a cidadania esvaziada, consumista; de outro a

cidadania plena, dos que atuam nos vários níveis sociais para atingir o nível mais

abrangente do mundo, para obter os bens e direitos a que fazem jus, para a construção da

justiça, liberdade e igualdade.

A cidadania do consumismo advém da proposta de transformar o trabalhador em

consumidor, em não-sujeito. Ela não se baseia na ação de sujeitos que contribuem para a

questão da coisa pública. A cidadania plena, por outro lado, considera o homem como

capaz de fazer os vínculos de dentro e de fora, do mundo externo e interno, infinitamente, e

que se preocupa com o Universo como um todo e, portanto, com seu destino (ibid., p.64-

74).

Outros grupos também falam sobre educação36:

Infelizmente no Brasil, os políticos são mal intencionados, haja vendo a seca no nordeste, onde muita gente padece na miséria.

Mas temos que mudar esse quadro a começar pela educação, que no Brasil, está na contramão. Mostrar que somos capazes de lutar contra o desemprego, a desigualdade social e o racismo.

ZNC Toda criança tem direito à educação e respeito.

Mas a realidade dói no peito. Pelas esquinas e praças estão desleixadas e mal trapilhas

São rebentos, mas não são filhos. Kpone

Escolha o seu caminho

Ser um preto, culto, informado. Ou ser apenas mais um negro limitado.

Racionais MC’s

36 Os grupos ZNC e Kpone compõem a coletânea “Rima & Cia – a posse”. O trecho citado do grupo Racionais MC’s é do rap “Negro Limitado” e do DMN é do rap “Tenho uma meta a seguir”, do álbum “Saída de Emergência”.

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Daqui pra frente algo vai mudar. Freqüente escola, não pare de estudar, cursar uma faculdade, conhecer a verdade. Se acredita realmente nessa tal liberdade, bata no peito,

exija o que é nosso, pois nos é de direito, pois nunca foi feito. Considere-se assim um verdadeiro preto.

DMN

De acordo com as atividades educativas propostas pelos hip hoppers pode-se notar

com qual idéia de educação estão lidando: a que pode contribuir para a transformação dos

modos de pensar e agir dos jovens de sua comunidade. Sendo assim, é possível a

proximidade da proposta do movimento hip hop com a da educação comprometida com o

projeto político pedagógico de transformação ou, como pontua Moacir Gadotti (1997):

... uma educação multicultural, que respeite a diversidade, as minorias étnicas, a pluralidade de doutrinas, os direitos humanos, eliminando os estereótipos, ampliando o horizonte de conhecimento e de visões de mundo [...] que não nega os conteúdos, pelo contrário, trabalha para uma profunda mudança deles na educação, para torná-los essencialmente significativos para o estudante (GADOTTI, 1997, p.311-312).

Em diversas situações nas escolas públicas, o rap em especial, se faz tradutor da

agressividade, sendo cantado pelos alunos para os funcionários ou professores. Em

contrapartida, os alunos demonstram o que consideram certo/errado, a partir de letras de

rap. É comum também, encontrar professores que vêem nesta manifestação cultural um

caminho para aproximar-se dos alunos, chegando a utilizá-lo como recurso pedagógico,

como relata a professora Ione Jovino (1999, p.161): “Partindo do exame de algumas letras

de rap e da observação empírica da identificação de muitos jovens e adolescentes, com os

quais trabalhamos, acreditamos que o rap como um universo musical possa ser pensado

como um espaço político-pedagógico.”

Outros trabalhos estão sendo desenvolvidos nas escolas em Campinas, conforme

esclarece Fabiana:

Eu estou fazendo alguma coisa, a gente aqui, eu, o Herval, o Ari, o Mirs, ainda dava tempo que eu não trabalhava, fazia oficina, ajudava. Você

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está vendo que você está construindo a mente de uma criança, de uma escola de periferia.

No entanto, os hip hoppers estão trabalhando com educação não-formal com

propostas de transformação, mas têm internalizadas visões de que a escola é o lugar onde se

aprende “a verdade”, onde é possível “construir a mente de uma criança”. Verdade

entendida neste momento, como conhecimento científico.

Fabiana, assim como outros entrevistados, está fazendo oficina, contribuindo para o

trabalho educativo nas instituições escolares. Dessa forma, Paulo Freire (2000) é aqui

pertinente no que se refere à importância de sua atividade, incluindo risco e oportunidade:

Não haveria cultura nem história sem risco, assumindo ou não, quer dizer, risco de que o sujeito que corre se acha mais ou menos consciente [...] É que o risco é um ingrediente necessário à mobilidade sem a qual não há cultura nem história. Daí a importância de uma educação que, em lugar de procurar negar o risco, estimule mulheres e homens a assumi-lo. (FREIRE, 2000, p. 30).

Assim como o de Fabiana, outros depoimentos citaram a educação, a importância

do trabalho que desenvolvem com oficinas, tanto para instituições, quanto para o hip hop,

comprometidos com projeto de transformação:

As oportunidades que têm hoje para o próprio movimento, de aproveitar todo esse lance de se abrir as portas e trabalhar pra levar a dança pras escolas, pras entidades [...] A escola ainda resiste a muitas coisas, existe muitas pessoas tradicionais dentro da escola, pessoas tradicionais dentro da própria comunidade, pessoas que não atuam, não passam a conhecer a realidade do mundo de hoje, o que é bom pra comunidade, o que não é bom pra comunidade (TUTA).

Comecei a fazer parte de um projeto que se chama ‘Dança com integração social’ [...] Eu sou arte-educador, eu trabalho na FEBEM (ARI).

Fazer oficina em escola pra tá passando a cultura para outras pessoas [...] o moleque tem oficina lá, ele pode ser aprendiz de DJ, ele pode ser aprendiz de graffiteiro, de break, seja o que for, ele não vai fumar pedra, fazer porcaria e ao mesmo tempo, você tá criando um cidadão [...] Na favela você pode ir lá e destruir educação, que nem eles fazem, ninguém

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repete mais de ano, todo mundo se forma, tá criando gado. Só que eles vão ver que a favela não é gado (FABIANA).37

E, ao encontro desses depoimentos, novamente far-se-á referência a Paulo Freire

(2000, p.67): “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a

sociedade muda”. Entretanto, este autor indica que é preciso que a escola assuma este papel

transformador uma vez que em sua construção histórica atendeu aos interesses dos

“opressores”, não reconhecendo o diálogo, os saberes de seus educandos, procurando

adequá-los, incorporá-los à estrutura que os oprime (FREIRE, 1987).

A educação não é um bem em si mesmo. Há ambigüidades. Ela pode estar tanto a

serviço da transformação em um momento histórico, como da manutenção da ordem

vigente em outro. Pode ser instrumento de fazer prevalecer um ideário, valores e modos de

agir que atendam a interesses dos “opressores” de uma sociedade. Podem, ainda, coexistir,

num mesmo momento histórico, movimentos direcionados à manutenção como para a

superação da opressão. Aliás, é isto o que impera: a educação como um movimento de

conflitos e ambigüidades, como parte que é da dinâmica social.

Otaíza Romanelli (1991) apresenta diferentes momentos na história da educação

brasileira em que os interesses do poder público e dos “dominantes” foram prevalecentes.

Na fase colonial, por exemplo, a educação serviu de instrumento para “impor e preservar a

cultura transplantada” e mais tarde para manter os desníveis sociais: “Nesse sentido, a

função da escola foi a de ajudar a manter privilégios de classe”. Com a industrialização, a

exigência passa a ser de mão-de-obra qualificada e, para isso, é preciso haver um certo

dinamismo do sistema educacional para atendê-la, mas o que se tem é uma inadequação do

sistema educacional ao sistema econômico (ROMANELLI, 1991, p.24).

O hip hop se relaciona à educação de adolescentes e jovens em espaços não–escolares.

Considerando, dessa forma, as definições de Almerindo Janela Afonso (2001, p.29-31), a

educação informal abrange todas as possibilidades educativas no decurso da vida do

indivíduo, constituindo um processo permanente e não-organizado. A educação não–

formal, embora obedeça a uma estrutura e a uma organização, respeita a não-fixação de

tempos e locais e a flexibilidade na adaptação dos conteúdos de aprendizagem a cada grupo

37 Fabiana utiliza a expressão “fumar pedra” para referir-se ao uso da droga crack. E faz críticas ao programa de Progressão Continuada, implantado em 1996 nas escolas públicas estaduais de São Paulo.

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concreto. Enquanto a educação formal caracteriza-se por ser um tipo de educação com

determinada seqüência e proporcionada pela escola, a educação não–escolar engloba a não–

formal e informal. Vale salientar que a educação não–escolar, não pode ser construída

contra a escola, nem servir a quaisquer estratégias de destruição dos sistemas públicos de

ensino.

Segundo Gadotti (1992, p.313): “A escola por si só, não dá conta da tarefa de dialogar

com todas as culturas e concepções de mundo”. Neste sentido, é pertinente a fala de Herval

em uma das entrevistas sobre o trabalho desenvolvido na Casa do Hip Hop:

Fazer com que o moleque deixe de ficar andando na rua, que ele pule o muro da escola. Vá pule o muro e fique fazendo qualquer coisa de errado. Não gosta de ficar na sala de aula, mas ele fica na rua aprendendo coisas erradas, então é diferente. Ele vem aqui que é a casa do hip hop que também é praticamente uma escola. Não é uma escola acadêmica, assim, que ensina as ciências, ensina outro tipo de matéria, de educação. Educação não-formal que é o hip hop.

Sendo assim, convém afirmar que o hip hop assume um caráter educativo, seja entre

os que o definem como movimento, seja entre os que o valorizam apenas por suas

características de entretenimento.

possível. é mas difícil é Mudar (Paulo Freire)

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A seguir, farei uma reflexão sobre a juventude brasileira em momentos diferentes na

história e como o hip hop oportunizou aos seus jovens relacionarem-se no contexto das

várias modulações de violência em que estão envoltos nas periferias urbanas. Indicarei o

hip hop como instrumento de denúncia e, ao mesmo tempo, como modalidade de lazer.

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CAPÍTULO III Juventude hip hopper

Eu faço apologia não do crime e sim da paz.

Mas roupa branca sem pensar na maioria, Pedir paz sem justiça é utopia. A guerra me parece inevitável

Pra quem vive na posição desfavorável. Sufocada, amontoada aqui no morro.

Se a população se revoltar não grite por socorro. É o armamento o povo que vai se informar.

MV Bill

(Só + um maluco)

3.1 COTIDIANO VIOLENTO, VENENO 100% 38: HIP HOP E VIOLÊNCIA

A violência é uma das temáticas abordadas no hip hop; na dança, no desenho e

principalmente nas letras de rap. Os raps relatam o cotidiano violento nos bairros

periféricos, em suas diversas manifestações: policial, doméstica, carcerária; física e

simbólica, ao mesmo tempo, que alertam os jovens para o não-envolvimento com a

criminalidade. Dessa forma procuram compreender as modalidades de violência para

escapar das suas conseqüências destruidoras. A música, de modo agressivo, denuncia a

discriminação, a perseguição policial, os confrontos pelo controle do tráfico de drogas, as

desavenças entre os moradores por conta da drogadição, alcoolismo e infração. Porém, as

conseqüências mortíferas também são elucidadas.

Segundo Glória Diógenes (1998, p.133-134) com o rap, a violência passa do plano

físico, para a dimensão da consciência. Por meio da cultura e da arte, outras estratégias e

outras dinâmicas de ação são utilizadas. A violência assume um caráter instrumental e

político, para denunciar as desigualdades e discriminação. O hip hop permite deslocar o

uso da força física para o impacto conscientizador da palavra. Este é um modo de

recomposição da dinâmica da violência, em contraposição ao uso da força física.

Minha Palavra Vale Um Tiro Eu Tenho Muita Munição (Mano Brown).

38 Trecho do rap “Uh Barato é loco!” do grupo 509-E, do álbum “Provérbios 13” (2000).

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Para Michel Maffesoli (1987, p.57-58), a violência social inscreve-se num duplo

movimento de destruição e construção e utiliza-se de alguns meios para se expressar. A

fala, junto ao riso e a festa é um deles. A palavra, portanto, é essa irrupção perigosa que

rompe a segurança do instituído. Seja nas reuniões públicas ou no falatório cotidiano, ela

permite o acordo ou o confronto. A fala é perigosa para o instituído à medida que repetindo,

exprimindo o que é instituído, ela o coloca em perigo, no caso do hip hop, denunciando as

injustiças socioeconômicas e a violência do Estado, dos órgãos burocráticos, do serviço

público. Na fala, a importância está na circulação das idéias e das informações, como ponto

de partida para vários pensamentos. E assim pode-se compreendê-la como instrumento da

violência, pelo expediente da revolta, pois abre caminho para outras discussões. É neste

sentido que o hip hop constitui-se, por meio da palavra, uma expressão da violência social.

Ao lado do rap, a palavra também deve ser pensada por meio do graffiti. Maffesoli

refere-se a ele como uma “fala para nada”, que surge e perde-se no anonimato, não sendo

passível de interpretação. Por outro lado, essa “fala para nada”, preenche a dupla missão de

congregar os homens e destruir os laços que os unem. A fala vazia permite inteiramente a

cada indivíduo assumir seus sonhos e seus desejos e enfrentar a angústia do destino. O

graffiti permite ir além da individualidade privada, do nome próprio, propiciando uma troca

coletiva intensa (ibid., p.60-61).

Uma das modalidades de violência descrita por Michel Maffesoli é a violência dos

poderes instituídos ou o que ele denomina como sendo a violência dos órgãos burocráticos,

do Estado, do serviço público. Em uma das entrevistas para esta pesquisa, o coordenador da

Casa do Hip Hop, o Ciro, faz uma reflexão sobre a relação do hip hop com o poder

instituído:

É difícil separar. É um fio de cabelo que separa as duas coisas. Quando você começa a ter, você faz parte do movimento e você começa a ter um diálogo, você busca uma abertura dentro de um espaço de governo, institucional, é um fio de cabelo que te separa. Se você não ficar esperto você está do outro lado.

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Este depoimento do coordenador da Casa do Hip Hop (um espaço que foi idealizado

pelo movimento, mas criado e mantido a partir de um convênio com a administração

municipal) caracteriza a violência do poder instituído, a qual “não deixa emergir nada de

que ela não tente se apropriar.” (MAFFESOLI, 1987, p.16). E, Ciro continua: “Então, a

todo o momento, eles tentam corromper a gente quando eles vêem que a gente tem um

potencial, principalmente nós, da Casa do Hip Hop. Mas a gente sempre enfrenta”.39

Uma das dificuldades no desenvolvimento do trabalho da Casa do Hip Hop,

segundo Ciro, são as exigências burocráticas com ofícios e similares para obter os serviços

mais simples: “Do jeito que está, o governo, a prefeitura, estadual, federal, é feito pra não

funcionar. A burocracia é feita pra não funcionar. É uma ‘burrocracia’”.

Com a burocratização, a exploração foi qualitativamente reforçada, pois que o lazer,

a sexualidade, a linguagem, o consumo etc., são enquadrados no estreito canal da norma e

os indivíduos integrados na rede de controle social. O explorador é uma entidade anônima

que está sempre presente: no trabalho, na vida cultural, nos meios de comunicação de

massa, no teatro, na vida da família e nos seus lazeres (MAFFESOLI, 1981, p.227-243).

Neste caso, os funcionários públicos, representantes do governo municipal, muitas

vezes impedem o andamento de pedidos de serviços, materiais e pagamentos ou por não

concordarem com a administração atual, ou por não aceitarem e respeitarem os hip hoppers

contratados, conforme Ciro esclarece: “Tem gente que até hoje dentro da prefeitura odeia a

gente, odeia. Se a gente mandar um ofício, o ofício vai ficar três meses na mesa daquela

pessoa e ela vai fingir que não viu”.

Porém, outros mecanismos são utilizados para resistir a estas normas burocráticas:

“Tem gente, não precisa mandar ofício, a gente construiu uma relação de respeito que a

gente pega no telefone [...] e numa conversa a pessoa entende que é importante, vai e faz”.

De acordo com Áurea Guimarães (1996b) – ao fazer indicações sobre a obra de

Maffesoli (1987):

... essa atitude astuciosa, de modo passivo, duplo, move o social que resiste aos massacres dos valores oficiais, e os indivíduos, aparentemente integrados a esses valores, preservam um tanto para si,

39 O coordenador se refere aos funcionários, representantes do Serviço Público, por meio do qual a violência do poder instituído se expressa.

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sobrevivendo às imposições das normas. Não se luta contra os valores estabelecidos, mas se procura ganhar distância, formando uma dissidência interior, através de uma arte de fachada, da ironia, do cômico. (GUIMARÃES, A., 1996b, p.76).

Outra forma de resistência neste sentido foi a não participação de alguns hip

hoppers no processo de criação do Conselho Municipal de hip hop ou ainda o não-

envolvimento com as atividades da Casa do Hip Hop. Este grupo de jovens não concordou

com o regimento para a criação do Conselho, pois acreditava que ele deveria ser

amplamente discutido para contemplar a maioria de b.boys, rappers, graffiteiros. O

Conselho foi criado na I Conferência Municipal de hip hop em 2002, com este regimento.

Portanto, no momento de votação na Câmara Municipal, em 2004, um grupo se opôs ao

documento que teve que ser revisto antes de ser aprovado. Não se estava lutando contra o

Conselho, mas tentando fazer com que outros grupos também participassem, já que este

Conselho irá fiscalizar e gerir as atividades que envolvam espaço e verba pública.

Para Maffesoli (1987, p.126), frente a um complexo institucional, que tende a

igualar, a imobilizar as diferenças, a achatar, planificar a vida social e a sua riqueza

concreta, existe uma série de atitudes que tendem a, senão quebrar, pelo menos se desviar

das diversas imposições.

Na opinião do coordenador da Casa do Hip Hop que também é membro do

Conselho Municipal de hip hop, o mesmo representa um avanço para o movimento, uma

vez que é o primeiro a ser instituído no Brasil e que é muito importante para a cidade, pois

media o diálogo entre hip hop e governo:

O movimento hip hop nunca teve preparo enquanto movimento mesmo, pelo menos no Brasil pra lidar com o institucional. E a gente aqui em Campinas deu um passo pra isso. Não existe nenhum Conselho Municipal de hip hop em nenhuma cidade do Brasil; aqui existe. E o Conselho tem o papel de fazer a ponte do movimento com o institucional [...] O Conselho de hip hop tem um papel como qualquer outro Conselho [...] O de hip hop tem o mesmo papel: de levar a demanda do hip hop pra dentro da prefeitura e cobrar do poder público o que é dele de direito (CIRO).

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O que alguns grupos questionam é como estas reivindicações e prioridades para o

movimento estão sendo levantadas: se elas estão partindo da maioria de hip hoppers

interessados nas atividades promovidas pela administração municipal. Para Tuta “é

destinado a um grupo. Outras pessoas não querem participar” e na opinião de Kid Nice “é

um pessoal só. Não é aberto, é muito fechado”.

O hip hop campineiro apresenta ambigüidades no que se refere às atividades como

conferências, fóruns, seminários, debates, Casa do Hip Hop, Conselho Municipal de hip

hop. Na opinião de Almir, estas atividades deveriam ser repensadas:

Uma coisa que me preocupa hoje na cidade de Campinas, não só aqui na cidade, mas em todo Brasil, é a institucionalização do movimento que é se esse movimento é alternativo, ou se ele vai virar uma institucionalização, um enlatado que a gente compra ou se a gente vai deixar ele ser alternativo [...] Esses Fóruns que estão tendo é uma forma de está controlando o hip hop, tá institucionalizando; daqui a pouco vira ong.

Já na opinião de Fabiana:

Uma coisa importante também [...] as pessoas já estão começando a se tocar, já estão começando a se unir e já estão começando a se organizar de uma forma um pouco melhor. Por isso que é interessante as pessoas estarem se reunindo como aqui40, como na Conferência, como no Fórum.

Na opinião de Ciro “o Fórum de Hip Hop do Interior junta pessoas para fazer

debates, atualizar as pessoas com temas atuais como cotas, redução da maioridade penal, a

verdadeira história do hip hop. Debate mesmo”.

Diante destes depoimentos, vale salientar que o “jogo de cintura” próprio do hip hop

deve permear estes encontros da nova escola. Momentos de reflexão fazem parte dos

40 Fabiana refere-se à entrevista coletiva para esta pesquisa.

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aspectos educativos do movimento, contudo, encontros para pequenos grupos promovidos

pelo poder público, devem ser encarados com cautela para que o hip hop não perca seu

caráter alternativo. E conforme pontua Michel Maffesoli (1981):

Convém restituir ao campo político a sua dimensão múltipla, e não acreditar havê-lo esgotado após delimitá-lo na luta pelo poder. Há um sem-número de acontecimentos, fatos, rupturas, façanhas criativas, que escapa ao sentido do poder, à síntese e à unificação que ele pretende realizar. (MAFFESOLI, 1981. p. 37).

Sobre a relação com o poder instituído e o “jogo de cintura” para lidar com ele, Ciro

comenta:

Então, eu acho que lidar com o institucional é muito difícil. Além da vontade que ele tem com você, você tem que saber o jogo, você tem que saber jogar com ele. Ele põe uma música, você tem que se adequar naquela música. Tem que aprender a dançar a música que ele coloca ali pra você dançar. Se você dançar bonitinho, lógico, sem perder o ideal, mas se você dançar bonitinho ele vai achar legal e vai conversar com você. Agora se você dançar fora do ritmo, ele vai desqualificar você na hora. Então, a gente tem que saber até onde a gente vai e até onde ele pode vir.41 Pesquisadora: Você dança no ritmo ou não? Ciro: Não, a gente põe a nossa música. Essa é a diferença [risos].

Neste sentido, vale citar novamente, Michel Maffesoli:

Há sempre meios de encontrar a prática ilegal, a brecha, pouco perigosa que permitem viver não contra, mas ao lado da imposição. Por outro lado, quando é o minúsculo que interessa ao poder, então a imposição se torna bem mais pesada, ela se ramifica bem mais por todas as tramas do corpo social, e se torna mais dificilmente contornável (MAFFESOLI, 1981, p.209).

Portanto, ao pensar estes posicionamentos diferenciados entre os jovens hip hoppers

e toda ambigüidade mencionada até aqui neste trabalho, vale salientar que não se busca no

41 Ao utilizar o termo Ele, Ciro está se referindo ao poder instituído. “O explorador é uma entidade anônima” (MAFFESOLI,1981, p. 243).

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hip hop uma ausência de conflitos, uma unidade42, mas o diálogo, a negociação. Segundo

Telma Ximenes (1999, p.164) “deixar que o diálogo se estabeleça é fundamental para que

os conflitos se evidenciem, se expressem e restabeleçam a harmonia conflitual perdida nos

momentos de ruptura, de imposição, de ausência de diálogo”.

O conceito utilizado por Ximenes43, harmonia conflitual, é desenvolvido por

Maffesoli (2000, p.174), para quem, toda harmonia contém uma dose de conflito. A

harmonia existe, há um ajustamento dos diversos grupos entre si, porém, o confronto com

a heterogeneidade, em suas diversas formas, necessita negociar, e, mal ou bem, entrar em

acordo. É nesta harmonia conflitual que o hip hop campineiro precisa continuar a

desenvolver-se, não anulando as diferenças, mas dialogando entre elas.

Este diálogo permite os vínculos sociais que se fundam a partir do cotidiano em si

mesmo. Nele são possíveis as minúsculas criações e a manutenção da identidade que

permite a resistência, por meio das piadas, sentenças, provérbios, gírias. Essa resistência às

imposições do poder instituído, pode funcionar porque suas práticas são fatores de

socialidade (MAFFESOLI, 2001a, p.18-19). Por este caminho, o hip hop pode ser

considerado como expressão de resistência, assim como o lirismo barato dos cantos, dos

romances da literatura popular: “Pouco importa o conteúdo desse lirismo, é o significado

que deve ser considerado, o que é dito tem pouca importância. É bastante que seja dito

algo que estruture a comunidade, e essa estruturação é favorecida pela discrição, pelo

nicho matricial do bairro ou do vilarejo.” (ibid., p. 20). O rap, por exemplo, utiliza-se das

gírias comuns entre jovens moradores de periferia para, ao desenvolver seu conteúdo, criar

uma rede que os una em torno da insatisfação com a ordem estabelecida.

Existe uma resistência nas minúsculas situações do viver cotidiano que constituem

uma parte essencial da trama social. O termo social diz respeito a uma representação

homogênea, que culmina na racionalização da existência cuja expressão mais perfeita é a

tecnoestrutura contemporânea. Em contrapartida, o termo socialidade refere-se a um

sistema rico de multiplicidades possíveis e que exprime o irreprimível querer-viver de toda

existência individual e coletiva (MAFFESOLI, 2001a, p.30). Para este autor, a “lógica do

42 Maffesoli (2000, p.144) distingue a unidade que leva à homogeneização, ao igualitarismo, de unicidade, isto é, “o ajustamento de elementos diversos”. 43 Telma Ximenes utiliza o termo “Harmonia Conflitual” para tratar dos conflitos em uma escola pública de uma micro-região de Campinas.

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querer-viver” é expressão da ética que organiza as minúsculas atitudes cotidianas de

pequenos grupos e remete à relativização dos diferentes valores que integram um grupo,

uma comunidade, uma nação, um povo etc, enquanto que a “lógica do dever-ser” atende a

moral, determinando os caminhos de um indivíduo, ou de uma sociedade, e explicando sua

existência por um conjunto de leis. O social atende a lógica do dever-ser, e a socialidade a

do querer-viver (GUIMARÃES, A., 1996b, p. 74). O movimento hip hop tende a expressar

a lógica do querer-viver nas minúsculas situações do viver cotidiano no campo da

socialidade.

Segundo Maffesoli (1987):

A socialidade é composta não por uma pura transparência, uma comunicação sem falha e sem mistura, um coletivo unânime e sem conflito, mas, ao contrário um misto de obscuridades vividas e de luminosidades intuitivas, um misto feito de ‘quases’ grosseiros e de sofisticações elaboradas. Um sistema de idéias e de atitudes de concomitâncias diversas, que num vai-e-vem incessante, se perturbam e se sustentam mutuamente. (MAFFESOLI, 1987, p.84).

Para Maffesoli (2000) é a metáfora da “tribo” que explica o vai-e-vem constante

que se estabelece entre a massificação crescente e o desenvolvimento dos microgrupos. As

“tribos” permitem dar conta do processo de desindividualização com as organizações

grupais. De fato, contrariamente à estabilidade induzida pelo tribalismo clássico, o

neotribalismo é caracterizado pela fluidez, as reuniões pontuais e a dispersão.

Diferentemente do que prevaleceu nos anos 70, trata-se menos de se agregar a um grupo, a

uma família ou a uma comunidade do que ir e vir de um grupo a outro.

A reunião de atores sociais em microgrupos, os diferentes modos de vida, a

confiança e o partilhar de códigos secretos possibilitam a resistência contra os poderes

instituídos. Os membros destes grupos estão unidos pelo estar-junto, ou seja, por uma

espontaneidade vital que assegura a uma cultura sua força e sua solidez, determinada pela

partilha de um hábito, de uma ideologia. O estar-junto permite ao grupo compartilhar um

ideal e com ele proteger-se das imposições exteriores (MAFFESOLI, 2000, p.115 e 131).

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O ir e vir de um grupo a outro caracteriza o que Michel Maffesoli (2001b, p.70)

denominou nomadismo. Um jovem pode participar de grupos concomitantes de hip

hoppers, de punks, roqueiros, militantes partidários ou do movimento negro etc. O

dinamismo e a espontaneidade do nomadismo estão justamente em desprezar fronteiras

(nacionais, civilizacionais, ideológicas, religiosas) e viver concretamente alguma coisa de

universal.

3.2 JUVENTUDE: ACEITAÇÃO E RESISTÊNCIA44

No decorrer deste trabalho, o hip hop foi caracterizado como um movimento da

cultura juvenil. É pertinente, então, fazer algumas considerações sobre esta temática. O

elementar é que o termo juventude refere-se aqui ao período na vida que procede a infância

e antecede a idade adulta e que sua marcação é não apenas biológica, mas social e

histórica.

No capítulo anterior, algumas considerações foram feitas sobre o distanciamento

dos hip hoppers da política. Porém, este distanciamento não é presente apenas no hip hop.

O debate envolvendo juventude tem sido relacionado à cidadania, mas na maioria das

vezes para denunciar direitos negados aos jovens ou para tratar de sua ausência nas

questões políticas. O que pouco ocorre são debates com questões elencadas pelos jovens,

pois estes não são encarados como sujeitos capazes de participar dos processos de

definição, invenção e negociação de direitos (ABRAMO, 1997, p. 28). O hip hop, por sua

vez, aparece com a tentativa de participar, à sua maneira, da conscientização de seus

jovens, no exercício de direitos e deveres na sociedade.

44 Sobre o tema da juventude, consultar Caiafa (1985), Abramo (1994), Diógenes (1998), Sposito (2000) e Juventude e Contemporaneidade.Revista Brasileira de Educação, nº 5 e 6 (1997). Para Maffesoli (1987, p.127) a socialidade se organiza entre dois pólos: aceitação e resistência. Para Maffesoli, a socialidade não significa unanimidade porque ela se organiza na tensão entre aceitação e a resistência, a subjetividade e o coletivo. Enquanto o termo social indica a forma analítica de ver o mundo, pensando-o por meio das determinações econômica e política, a socialidade é um modo analógico de ver o mundo e o seu domínio se exerce em tudo o que escapa à finalidade macroscópica. (MAFFESOLI, 2001a, p.30).

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Contudo, este movimento da cultura juvenil não esteve atuante na sociedade desde

sua criação. No processo de seu surgimento, os jovens estavam interessados no

divertimento, no lazer, no entretenimento por meio da dança. É apenas mais tarde, com o

rap, que este movimento adquire uma conotação político-cultural:

A gente não tinha nem, exatamente, a dimensão do hip hop. A dimensão que ia dá hoje [...] a gente ia muito pras festas exatamente pra dançar, pra curtir (MALACHIAS).

O processo de modificação de características do hip hop está diretamente ligado ao

comportamento juvenil dos anos 80 e 90. Segundo Helena Abramo (1997, p.30-32), a

juventude dos anos 60 e 70 caracterizou-se como portadora de possibilidades de

transformação, uma vez que estava em oposição aos regimes autoritários e a toda forma de

dominação, por intermédio dos movimentos pacifistas e do movimento hippie. Em

contrapartida, a juventude dos anos 80, aparece como oposta à dos anos 60/70, ou seja,

incapaz de resistir ou oferecer alternativas às tendências inscritas no sistema social: o

individualismo, o conservadorismo moral, a apatia, a indiferença aos assuntos públicos.

Nos anos 90 a juventude já não se caracteriza mais pela desmobilização, pelo contrário,

encontramos inúmeras figuras juvenis nas ruas, envolvidas em diversos tipos de ações

individuais e coletivas.

Vale salientar que o hip hop surge no Brasil em um momento de transição. O

regime militar 1964 – 1985 finda-se, retornando ao governo civil. Os jovens que iniciaram

o hip hop em Campinas em 1983, compunham a então chamada geração AI-5 nascida e

criada numa sociedade marcada pela importância da mídia, do consumo, indiferente às

questões coletivas (ABRAMO, 1984, p.xii). Ao encontro desta importância da mídia,

Malachias conta que adquiriram visibilidade na imprensa:

O que eu digo sempre é que não tinha o aspecto social que tem hoje o movimento hip hop. Antes a gente estava quebrando barreiras, apenas mostrando a nossa cara. Acho que ir pro jornal foi legal, de repente a imprensa estar registrando Feira Hippie, Largo do Rosário. Na época tinha o jornal de domingo que entregava gratuito, praticamente quase todos os domingos eu estava naquele jornal, no Correio, fiz várias matérias no Correio, no Diário do Povo, tive algumas matérias na TV Campinas, era início de TV Campinas. Nas rádios da cidade, tinha semana que tinha três, quatro rádios anunciando festas diferentes e

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todas anunciando que a atração na época era o Break, era Malachias Funk Show.

Em 1984, o país se mobiliza para exigir eleições diretas (“Diretas Já”),45 o que

culminou em eleições indiretas em 1985, sendo eleito Tancredo Neves – que falece no

mesmo ano, sendo substituído por José Sarney. Em 1988, é promulgada a nova

Constituição do país e em 1989 acontecem eleições presidenciais, sendo eleito Fernando

Collor de Melo. Este governo foi marcado por várias denúncias de corrupção, o que levou

a campanha nacional pelo Impeachment, envolvendo vários setores da sociedade, em 1992.

A juventude que na década anterior era caracterizada pelo distanciamento político, neste

momento, está ativamente envolvida com as mobilizações “Fora Collor”46. No entanto,

jovens hip hoppers participaram desta mobilização por meio de outros grupos – família,

associações, partidos etc. O hip hop campineiro não se organizou para contribuir

ativamente nesta campanha.

Diante destes aspectos, esta expressão da cultura juvenil, além de ser pensada como

parte integrante da juventude brasileira, deve atender a uma perspectiva macro-sociológica

e ao mesmo tempo, considerar as experiências individuais da vida diária (MELLUCCI,

1997, p. 5).

Com o regime democrático, a sociedade brasileira por meio de diversas

organizações, luta por direitos sociais e políticos, constituindo, segundo Sérgio Adorno

(2002, p.98), um avanço democrático. Mas, concomitante a isto, há uma explosão, nos

anos 90, de violência. Para este autor, pensava-se que a violência era fruto da repressão do

regime militar e que com a retomada do regime democrático, esta ocuparia lugar de menor

importância na sociedade brasileira. Mas, ao contrário do que se imaginava, esta década é

marcada por um aumento nas múltiplas formas de violência, muitas das quais violam os

direitos humanos: práticas violentas no sistema penitenciário, homicídios deliberados de

crianças e adolescentes, extermínio de minorias étnicas, assassinatos a trabalhadores rurais

e às suas lideranças.

45 Em 1983 iniciou-se no país um movimento por eleições diretas para Presidente da República e em 1984, foram organizadas manifestações públicas por meio de comícios e passeatas nas principais cidades brasileiras, envolvendo setores organizados da sociedade civil, partidos políticos e artistas, por exemplo, concentrando multidões na então campanha “Diretas Já”. 46 Sobre a participação juvenil no processo de Impeachment consultar Mische (1997).

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Os jovens no final dos anos 80, início dos anos 90, aparecem tanto como vítimas

quanto como autores de violência em casos de furto, assalto, estupro, de ameaça à vida.

Em pesquisas apresentadas por Sérgio Adorno (2002, p.97-110), evidenciou-se que neste

período de tempo, houve um aumento de assassinatos à criança e adolescentes no Brasil

inteiro e em São Paulo um dos alvos preferenciais foram jovens pertencentes à etnia negra.

São os jovens negros, moradores de áreas periféricas da grande São Paulo os mais

vitimizados por grupos de extermínio ou de policiais. As taxas de mortalidade variam

segundo a qualidade do bairro onde se mora. Isso significa que a proteção ao direito à vida

não está garantida para todos cidadãos, alguns estão mais expostos à violência do que

outros. As pesquisas apontam que há jovens que cometem crimes, mas numa proporção

menor do que a população em geral. O que Sérgio Adorno conclui é que diante de dados

estatísticos, o jovem que é vítima revela uma situação muito mais grave de que aquele que

está cometendo um ato infracional.

Este cenário de violência é denunciado pelos hip hoppers que o fazem, não baseados

em dados estatísticos, mas em experiências vividas, muito mais como vítimas do que como

atores de crimes violentos47. O objetivo do hip hop tem sido o de alertar seus jovens para

não se envolverem com o mundo do crime, pois suas conseqüências destruidoras são as

comprovadas pelas pesquisas.

Permaneço vivo,

prossigo a mística.

27 anos contrariando

as estatísticas

(Racionais MC’s)

Nas entrevistas realizadas no presente estudo, as modificações em relação à

violência no cotidiano dos jovens moradores de periferia foram citadas:

47 Segundo Sérgio Adorno, crime violento é aquele cometido com grave ameaça à sobrevivência física das pessoas e crime não-violento é aquele que não implica em uma ameaça, como por exemplo, o furto (ADORNO, 2002, p.107).

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Quando tinha uma briga, era no tapa, o cara esperava você arrancar o relógio, dar pra garotinha [risos] você arrancar a jaqueta, de repente aquela camisa que você não queria estragar, você tirava a camisa! - ‘Ô então agora vamos’. Aí você saía na mão. E tinha aquela coisa de respeito, tinha aquela coisa: Ah! É eu e o Washington? É eu e o Washington, entendeu? Então a gente brigava, acabou, acabou. No outro dia já era, entendeu? Ô, o Washington perdeu, eu perdi. Acabou. Amanhã nós estávamos na mesma festa, estava curtindo, estava dando em cima da mesma mulher e tudo em ordem. Mas havia esse respeito. Quando era de turma também, tinha ocasião, teve briga generalizada, mas mesmo assim, era naquele esquema, a gente saía no tapa, quem ganhou, ganhou. Você nunca viu o cara sacar de uma arma, ou seja, faca ou sacar um revólver (MALACHIAS).

Neste contexto de violência, os indivíduos estão envoltos por um sentimento

hoje, de medo e insegurança. Um sentimento de que as instituições não funcionam, de que

os que deveriam proteger a população – a polícia – não o fazem, os que deveriam reeducar

cidadãos condenados pela justiça – as prisões – não o fazem, os que deveriam exercer

papel de proteção ligados aos direitos sociais – educação, saúde, habitação – não o fazem.

Surge assim, um sentimento de profunda desproteção que pode levar as pessoas a ter

reações violentas e agressivas diante de algumas situações de possível perigo (ADORNO,

2002, p.99).

Como pode ser tragédia a morte de um artista e

a morte de milhões, apenas uma estatística

(MV Bill)

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3.3 FAÇA POR ONDE SE DIVERTIR 48

O hip hop caracteriza-se pela contestação social, bem como pelo lazer e diversão,

por meio da música, da dança e do desenho.

O lazer é, segundo Magnani (1998, p.30), atividade marginal, instante de

esquecimento das dificuldades cotidianas, lugar de algum prazer – mas talvez por isso

mesmo possa oferecer um ângulo inesperado para a compreensão de sua visão de mundo: é

lá que as pessoas podem falar e ouvir a sua própria língua.

De acordo com este autor, as principais modalidades de lazer dos jovens moradores

dos bairros periféricos no final dos anos 70, eram cinema, passeios, bailes, tv, circo,

futebol, parque, lanchonete. Atualmente, alguns raps descrevem em suas letras momentos

de lazer comuns nas periferias, mas sem deixar de fazer crítica às desigualdades sociais, de

alertar os jovens para se distanciarem das drogas, do álcool, do crime, do tráfico: o lazer

permite aos jovens “falar e ouvir sua própria língua”. Neste sentido a música do grupo

Z’africa Brasil é exemplar:

Mano Chega Ai (Z’africa Brasil)

E aí Malandragem! Dando um rolê pela quebrada só de passagem

Curtindo um som! O som é pesado, chapado, então vai que vai meu irmão.

Essa é a fita aqui, tâmo no rolê

Tâmo na paz, tudo legal, pode crê. É só curtir mais uma festa

Trombá umas minas, tomá umas brejas a idéia é essa.

Sem papo furado, longe de manos atravessados. Sem treta, sem buchicho, estou apaziguado.

Só quero tirar uma onda com meu povo Ouvir um som do gueto, um rap bem louco.

Cola na banca firmeza é dar risada de monte

Tipo aquelas fitas que rola com a maloca do Bronxs Tipo aquelas viagens, prosa, verso, festa.

O vermelho dos meus olhos vem do verde das ervas

48 Trecho do rap “Mano Chega aí” do grupo Z’Africa Brasil do álbum “Ontem Quilombo, hoje periferia” (2002).

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Não tem maldade, sem treta, sem sangue. Descanse seu gatilho, aqui não é filme de Bang - Bang.

Fite a fita mano, fique na paz de espírito. Faço uma prece, pros mano que estão no céu, condeno os tiros.

Esse som não é pra fugir da realidade

Porque aqui não é só sofrimento se souber dá pra curtir a vontade E o som invade o seu pensamento

Periferia, Zona Sul, quebrada 100%...

[...] A vida é difícil aqui, mas dá pra ser feliz quem diria. Tenho orgulho e bato no peito, sou da periferia.

Quem disse que na periferia não dá pra curtir

Mano Chega aí! Mano Chega aí! REFRÃO Fique na Paz, procure festa e faça por onde de divertir.

Aí mano, vâmo que vamô diz!

Você com revolver na mão é um bicho feroz [Bezerra da Silva] Colagem49 E aí malandragem qual que é!.

Às vezes fico só de mané, pois muito esperto aqui não dá pé [RZO] Colagem.

[...] Esqueça a maldade que te assombra a toda hora Dispense o B.O., olhe quem passa é a D. Rota.

Segue a idéia, descontraia e ria. Aproveite que ainda tem paz, na periferia.

REFRÃO

Você vê como é, a idéia vai, a idéia volta.

Mas o rap é isso, aos poucos já tem uma par de sangue bom na bota. As coisas ruins tão aí, se quer curtir pode ir

Espero que não desperdice um pouco de sua liberdade com qualquer infeliz Segue o abate, tô vendo uma par de pilantragem.

Mas tô a pampa, de mente aberta, e assim prossegue a viagem. No momento as minhas frases são positivas

Misture Gog e Thaide, e se alimente de ritmo e poesia.

Saudação aos morros e as favelas Saudação a todos os rappers que fazem parte dela

Agradeço a Deus por termos rap aqui Aí, quem disse que na periferia não dá pra curtir.

Prossegue o som, prossegue o sonho.

Prossegue a sede por justiça de ano em ano Fazer com que em um minuto não houvesse guerra e poder acreditar

Que ainda há tempo pra tudo, pra curtir e pra sonhar.

Esta música do Z’africa Brasil mostra claramente que o rap permite “falar e ouvir a

própria língua”. Aos jovens da periferia, causa nenhuma estranheza, uma vez que as gírias

49 Colagem é o efeito produzido pelo DJ ao sobrepor um trecho de outra música que está utilizando.

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utilizadas fazem parte de seu universo. Nela são relatados momentos de diversão possíveis

apesar das condições precárias de infra-estrutura. É crucial ouvi-la, pois é o som que dá

todo sentido à letra.

Termos que aparecem nesta letra são utilizados por outros jovens das periferias,

gírias comuns entre trabalhadores, estudantes ou envolvidos com atividades ilícitas, como

tráfico, por exemplo. O jeito de falar dos moradores de uma comunidade, muitas vezes, não

está separado por grupos. Portanto, jovens que fazem e ouvem rap podem lançar mão de

falas de traficantes e certamente o contrário pode acontecer. O rap é música de jovem, seja

ele trabalhador, estudante ou traficante.

Ginga e Fala

Gíria,

Gíria Não.

Dialeto. (Racionais MC’s)

O grupo Racionais MC’s ao comparar o fim de semana entre bairros periféricos e

bairros mais centralizados, faz uma distinção além de geográfica, socioeconômica. Nesta

letra, as formas de lazer da periferia são assim relatadas:

Fim de semana no parque

(Racionais MC’s)

Chegou fim de semana todos querem diversão

Só alegria nós estamos no verão Mês de janeiro, São Paulo Zona Sul

Todo mundo à vontade, calor, céu azul Eu quero aproveitar o sol

E encontrar os camaradas pro basquetebol , não pega nada Estou à uma hora da minha quebrada

Logo mais quero ver todos em paz [...] Eu imagino, a molecada lá da área como é que tá

Provavelmente correndo pra lá e pra cá Jogando bola, descalços na rua de terra

Brincam do jeito que dá Gritando palavrão é o jeito deles

Eles não têm vídeo game, às vezes, nem televisão. Mas todos eles têm um São Cosme e um São Damião

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A única proteção [...] Eles também gostariam de ter bicicletas,

De ver seu pai fazendo cooper tipo atleta Gostam de ir ao parque e se divertir E que alguém os ensinasse a dirigir

Mas eles só querem paz e mesmo assim é um sonho Fim de semana no parque Santo Antônio

Olha só aquele clube que da hora

Olha aquela quadra, olha aquele campo. Olha! Olha quanta gente. Tem sorveteria, cinema, piscina quente.

Olha quanto boy, olha quanta mina. Afoga essa vaca dentro da piscina. Tem corrida de kart dá pra ver. É igualzinho ao que eu vi ontem na tv

Olha só aquele clube que da hora Olha o pretinho vendo tudo do lado de fora [...]

Na periferia alegria é igual

É quase meio-dia, euforia é geral É lá que moram meus irmãos e meus amigos

E a maioria por aqui se parece comigo Eu também sou bam bam bam, e o que manda

O pessoal desde as 10 da manhã está no samba Preste atenção no repique e atenção no acorde [...]

Vamos passear no parque

Deixa o menino brincar REFRÃO50 Vamos passear no parque

Vou rezar pra este domingo não chover

Na opinião de Malachias, o hip hop que se originou em Campinas para ser uma

modalidade de lazer, transformou-se em um instrumento de crítica, de denúncia social:

Então, hoje eu digo assim, que mudou muito. Eu acho até legal. Eu fico triste por um fato, de repente o que é uma cultura, o que é um lazer, hoje em dia tem uma preocupação com aspecto social porque o nível de desemprego hoje em nossa comunidade é muito grande [...] não tinha essa violência, não tinha exatamente esse aspecto social que hoje o rap tem, que o hip hop tem.

No entanto, na opinião de Tuta, o hip hop, desde o início, já se apresentava como

um instrumento de contestação. As desigualdades econômicas, políticas e sociais existiam

50 O refrão é uma colagem de trechos das músicas “Dumingaz” (Vamos passear no parque/ Eu vou rezar pra esse domingo não chover) e “Frases” (Deixa o menino brincar) de Jorge Ben Jor.

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e, ao mesmo tempo em que se divertiam dançando nas praças centrais, estavam protestando

porque eram pobres, negros, realizando uma dança em que seus passos e sua música

rompiam com os padrões prevalecentes na sociedade campineira:

O hip hop, ele não foi feito apenas pra festa. Não foi feito apenas para isso porque desde o início de tudo ele já veio como protesto, de umas pessoas que não tinham condições de estar se manifestando enquanto lazer, enquanto um espaço alternativo para divulgar [...] Quando surgiu em Nova York, já veio um movimento contra a violência [...] De que maneira? Expondo a dança (TUTA).

A música e a dança estão presentes nas atividades de lazer entre os jovens da

periferia, desde momentos em que estão sozinhos em casa até os bailes. As casas noturnas

multiplicaram-se nos anos 70 e 80. As festas nestes locais eram acontecimentos de muita

importância para os jovens. Eles se preparavam, ensaiavam passos de dança, produziam

roupa, penteado, adereço. As coreografias faziam do baile um multiespetáculo que davam a

si mesmos: ora como protagonistas no salão, ora como espectadores (MAGNANI, 1998, p.

34).

Em Campinas, com o break nos anos 80, os jovens treinavam passos de dança para

apresentar no Largo do Rosário e nas casas noturnas:

O engraçado é que a gente treinava a semana inteira e chegava no Concórdia eles [Malachias Funk Show] faziam um passo a gente já desanimava de dançar [risos] E o Concórdia era até interessante que tinha dois andar: um em cima e um embaixo. Eles ficavam mais em cima. A gente ficava olhando: - ‘Bom eles estão lá em cima, vamos dançar lá embaixo, então’. Lá a gente arrepiava legal! (SPIKE).

Eu sempre gostei da música e a dança era uma coisa que me chamava atenção [...] começamos a treinar e a gente terminou até montando a Break Gang Street [...] E com isso a gente começou a ir pro centro [...] conheci a equipe do Malachias no Largo do Rosário que se encontrava na sabadão lá [...] Na verdade você passava a semana torcendo pra chegar o sabadão logo pra ir lá de novo! (TUTA).

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Entretanto, a casa noturna, Concórdia, à qual Spike se refere começou a atender os

jovens moradores de periferia, adeptos da black music, apenas no final da década de 80,

pois anteriormente seu público eram os jovens de classe média, que ouviam e dançavam o

new wave. No momento em que a black music se espandia no Brasil, nos anos 70, eram

outras casas que atendiam ainda nos anos 80, os jovens, na sua maioria negros, moradores

de periferia:

A época da febre no Concórdia, vocês estavam dizendo [Spike e WPPL] , acho que já foi em 86, 87 [...] porque na realidade era mais Bancários, Sesc, Casa de Portugal [...] O Concórdia já era mais elite [...] que abriu para o movimento negro, o break, para o hip hop já foi tipo 84,8551 . O Concórdia tinha as festas, mas era as boatinha que tinha lá. Mas tocava mais aquela, nem lembro, new wave na época, né? Era mais new wave que rolava (MALACHIAS).

O tipo de música, que implica também modos de dança e vestimenta peculiares que

cada salão programava, estava indicando uma definição de todo um conjunto de referências

culturais, como demarcador de identidades no interior do universo juvenil (ABRAMO,

1994, p.69), assim como relata Malachias:

Tem uma coisa que eu não esqueço do Concórdia, que uma ocasião, no tempo daquela sandália Melissa, me barraram de entrar. Porque eu estava de Melissa, não me deixaram entrar. Aquilo lá foi muito frustrante, me marcou, a primeira vez que eu tentei ir, não me deixaram entrar. Eu falei: - Um dia eu vou voltar aqui, vai chegar uma época que vocês vão me tratar de outra forma [...] Em 86, 87, nessa época que nós começamos, quando eu fui uma segunda vez, que aí dançando que era a maneira de eu conquistar, né? Depois de 2,3 semanas que eu comecei a ir lá, eu não pagava mais pra entrar [risos].[...] Se o Malachias Funk Show não tivesse na festa, não era festa.Tinha aquele momento mesmo da galera parar, fazer aquela roda né? Pra gente se apresentar [...]. Hoje eu faço festa [2003], eu faço festa de samba, eu vejo a dificuldade, sou um dos poucos que ainda faz samba e coloca rap [...] que dá espaço pros b.boys. Hoje eu estou no Concórdia, faço festa lá todas as segundas-feiras (MALACHIAS).

51 Estas informações também podem ser confirmadas no Jornal de Domingo, 24 de junho de 1984, p.10.

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Com a elaboração mais melódica que o punk, o new wave possibilitou a vendagem

de produtos – discos, vestimentas, acessórios – aos jovens que se identificavam com

aquele som. Estes jovens eram oriundos de classe média e possíveis consumidores dos

produtos, podiam montar suas bandas com poucos instrumentos e isso os aproximava dos

punks: poder produzir música com poucos recursos. No entanto, os punks eram jovens

vindos dos subúrbios e traziam propostas políticas de denúncia social. O punk provocou

uma reviravolta musical nos anos 80 (ABRAMO, 1994, p. 120-125). Daí, a confusão de

um jornal de Campinas, o Jornal de Domingo, em anunciar a equipe como Malachias Punk

Show e não Malachias Funk Show: “O grupo Malachias Punk Show dá aulas numa

academia e apresenta-se em shows. Mas os garotos gostam mesmo é da praça onde fazem

de tudo”.

Os jovens punks mostravam preferência por roupas pretas, calça justa e curta, tênis

cano alto; alfinetes ou parafusos no lugar de brincos. Na estética new wave, peças de roupa

com tons luminosos, estampas geométricas, brincos com cores berrantes e enormes (ibid.,

p.131). Já os jovens dançarinos de break, preferiam bonés, roupas coloridas, luva em uma

das mãos aproximando-se do estilo do cantor Michael Jackson:

A mão que tem a luva é ponto de apoio. Se para Michael Jackson a luva é charme, para os meninos do break ela funciona mais como uma proteção, uma vez que as calçadas das praças não são lisas como os pisos dos palcos (Jornal de Domingo, 24 de junho de 1984, p.10).

Segundo Malachias, eles criaram seus próprios artefatos:

Depois de Beat Street que nós começamos a ver aquelas blusas, aquelas roupas tudo louca! [...] Vamos começar a fazer alguma coisa diferente, aí começamos: calça xadrez, misturar aquelas cores, boné, aqueles óculos [...] Em 84 a gente já começou a colocar roupas coloridas [...] colocava um pouco de lantejoula [no tênis] para dar um efeito, pra mudar. O cadarço punha pro lado de baixo.

Segundo Abramo (1994, p. 71), as roupas e a imagem corporal assumem uma

importância particular para os jovens. A busca de exibir sinais regidos e visíveis de

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pertencimento a um determinado grupo faz parte do processo de definição de identidade,

característicos dessa fase. Neste sentido Kid Nice relata:

Visual era só quem era que usava mesmo porque ninguém gostava, todo mundo dava risada da gente, do jeito que a gente andava, correntão, das linguona pra fora [do tênis]. [...] Então, o que eu acho legal é que rompeu as fronteiras. A gente bateu tanto que todo mundo começou a se interessar, a querer ver, acompanhar. Porque ninguém gostava. Hoje em dia todo mundo, é fácil, todo mundo anda com um tênis, no visual, tudo. Antigamente pra ter um tênis da adidas, filho! Nossa senhora! Era coisa de americano! Tinha que pintar o tênis, fazer três faixas, pra parecer que era da adidas [risos]. [...] Tinha que ter muito peito pra fazer essas coisas aí, ir pro mundão e não ter vergonha das coisas entendeu?

A tentativa de fazer os desenhos de determinadas grifes nos bonés e tênis relatados

por Kid Nice, se dá por conta da imitação das camadas populares aos produtos lançados

como padrão por grupos mais ricos, expostos pelos meios de comunicação e publicidade.

A roupa apresenta sinais mais visíveis nos espaços de circulação de uma grande cidade, do

lugar que se ocupa na estrutura social. A moda tem como uma de suas funções na

sociedade industrial e burguesa a demarcação das diferenças sociais que deixaram de ter

elementos institucionais e rígidos de identificação (MELLO e SOUZA, 1987 apud

ABRAMO, 1994, p.70).

Os jovens breakers com roupas coloridas, bonés, luva em uma das mãos, correntes

no pescoço, quase sempre acompanhados de rádios portáteis e papelão para as rodas de

break, estavam criando um estilo próprio, ou seja, buscando um modo peculiar de

expressão e atuação por meio de um conjunto de artefatos distintos de um padrão. O estilo

permite a identificação do grupo e suas questões. A moda por sua vez, copia o conjunto de

traços estilísticos de um grupo, não envolvendo na maioria das vezes, questões e atuações

sociais dos mesmos. Há uma tensão entre a criação estilística e sua transformação em

moda. A indústria e o mercado apropriam-se dessas inovações com a finalidade de

alimentar a ininterrupta produção de novidades, mantendo a reposição das necessidades de

consumo. O mercado mantém-se atento as novas criações de grupos de jovens para

oferecê-las como símbolos de identidade juvenil. As empresas tentam localizar e enquadrar

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os diferentes grupos, a fim de passar a produzir e oferecer uma enxurrada de novas modas

e novos produtos. O uso da roupa sem o sentimento ou a idéia a que ela está vinculada vira

apenas uma moda e deixa de fazer sentido (ABRAMO, 1994).

Nesta relação entre jovens pobres que desejam produtos lançados no mercado e de

jovens de outras classes que consomem “estilos”, transformados em moda, há uma

aproximação com o que Carlo Ginzburg (1998) chamou de uma influência recíproca entre

cultura das classes subalternas e a cultura dominante. Entre elas, há uma circularidade de

influências que ora se move de baixo para cima, ora de cima para baixo. Sendo assim,

comportamentos, músicas, roupas e acessórios do hip hop serão apropriados e

ressignificados também por jovens das classes mais ricas e não apenas “uma passiva

adequação” dos valores destes jovens pelos mais pobres.

Em relação a estas questões, convém citar o comentário de Fabiana:

A mídia [...] vai cair matando em cima. Por quê? Favela, cara. A massa é a maioria do planeta, do planeta! Quem que consome? A massa. É um pouquinho de cada um, mas é muita gente entendeu? Eles vão se preocupar com o quê: - ‘Ah, o movimento hip hop está crescendo’.Vai lá o chinês, vai lá o americano: - ‘ Ah, eles curte o quê? Curte muito vermelho, muito amarelo, bonezinho, oclinhos’. Racha de vender. A massa vai lá e compra, não tem noção disso. As pessoas estão esquecendo dessas coisas, parar pra raciocinar, pra abrir o olho das pessoas. Assim, no caso do rap que tem que estar integrado com o graffiti que é forma de protesto, que tem que estar integrado com o break que é forma de protesto [...] tudo tem uma história, todo movimento tem um porquê daquilo. Então, as pessoas estão esquecendo disso pra cultivar sua própria imagem.

Conforme esclarece Helena Abramo (1994, p.90), há uma luta constante na relação

destes grupos juvenis com a mídia e a indústria cultural. Utilizam seus produtos para

realizar sua própria e distintiva cultura, mas ao mesmo tempo, desejam formas de

exposição e comunicação e, para isso, necessitam da circulação nos meios de

comunicação. Imersos nesse meio, estes grupos estão permanentemente sob perigo de se

verem novamente apropriados pela indústria cultural e padronizados, devolvidos à

normalidade como produtos da moda, tendo assim, seus significados originais diluídos e

esvaziados.

Sobre estes aspectos, os entrevistados afirmam:

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E esse papo de capitalismo. Eu acho que a gente tem que ficar muito esperto com isso mesmo, muito esperto, porque a gente está achando que a gente é legal! Eu não uso grife de hip hop. Não tenho (FABIANA).

Campinas era uma cidade que era pra estourar em tudo. Mas tem um pessoal que acabou com o negócio [...] eles acabaram com o negócio. Entrou dinheiro na jogada, entrou dinheiro e não podia entrar dinheiro porque antigamente tocava na rádio. O Tutão tocava pra caramba na 105. Lembra quando saiu a do governo? E não pagava nada. Mas tocava pra caramba a sua [Tuta] e a do RZO ‘Pobre no Brasil só leva chute’. Eu lembro isso daí! E não pagava não, os cara pedia autorização pra tocar a música. Os cara precisava da música. Hoje em dia não, se você não pagar 8 mil, 10 mil reais, os cara não toca. Quem da periferia tem 8 mil, 10 mil reais pra tocar música na rádio rapaz! ‘é nóis’, ‘é nóis’ nada, é eles! [...] a 105 sem a música, sem nós, não é 105. Mas ninguém tem essa noção. Quer ser dominado, prefere ser dominado e o som deles tocar na rádio (KID NICE).

Pra muitos grupos, se não tocar na 105 não é grupo. Pra muitos grupos (BLUE). Eu acho que é o que destrói. Muitos grupos têm essa visão aí, se não tocar na 105... (TUTA).

A 105 FM é uma rádio que toca rap, tem alto índice de audiência e grande

abrangência. Os grupos criticam ter que pagar para tocar a música porque a maioria deles

gravou com produção independente e não tem o apoio de gravadoras para arcar com esta

despesa, mas principalmente, porque esta emissora diz fazer parte da periferia e usa

linguagem comum à mesma, como por exemplo, a expressão é nóis na fita! Por outro lado,

os grupos querem tocar sua música na 105 para divulgá-la, uma vez que as rádios

comunitárias têm baixo alcance e as demais emissoras não tocam rap.

Na primeira entrevista, Malachias conta que entre os anos 89 e 90, não mais com a

Malachias Funk Show, convidou outros jovens para montar uma banda de rap:

A gente montou a Banda Contagius na garagem da minha casa e era banda mesmo porque a gente vem do funk, vem do soul. Então, a gente não tinha, diferente do outro pessoal que fazia scratch, aquela montagem toda, a gente montou mesmo baixo, bateria, guitarra, teclado e fazia rap (MALACHIAS).

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Em 91, Malachias procurou a equipe de baile que também mantinha um selo

independente de gravação, a Chic Show, para gravar um LP. O responsável pela equipe

sugeriu que a banda modificasse suas letras porque faziam críticas ao sistema econômico e

político e aderisse ao estilo mais “dançante”: “Nessa época a gente já estava falando de

violência, foi a época que tinha uma música que falava exatamente do Muro de Berlim [...]

Nós falamos não, a nossa linha é essa, a gente gosta de falar isso”. Malachias saiu da banda

que gravou com outra equipe, a Black Mad.

Entretanto, o grupo Racionais MC’s com o CD Sobrevivendo no Inferno (1998), por

exemplo, com o selo próprio – Cosa Nostra – vendeu um milhão de cópias (CRUZ, 2002).

Dessa forma, com propostas de contestação social, sem o apoio ou incentivo das rádios,

revistas e emissoras de televisão, os principais grupos de rap têm conseguido vender um

grande número de cópias de CDs, elaborados e distribuídos de maneira independente.

Portanto, é nesta dinâmica entre ser arredio à mídia e fazer-se conhecer entre seus pares que

o rap nacional têm se desenvolvido.

EU SOU

APENAS

UM RAPAZ

LATINO AMERICANO

APOIADO

POR MAIS

DE 50 MIL

MANOS

(Mano Brown).

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PARA ESPALHAR NO TEMPO E NO ESPAÇO...

A partir do desenvolvimento desta pesquisa e da experiência vivida no hip hop em

Campinas, encontrei características outras, que ultrapassam as definições, até então,

elencadas para o mesmo: movimento cultural juvenil que tem por princípio a crítica e a

contestação social por meio de suas expressões artísticas de protesto: o rap, o break e o

graffiti. Por meio da arte, os jovens fazem do hip hop um instrumento de informação,

formação e politização.

A construção do hip hop, por seu caráter de fluidez e dinâmica, constituiu-se de

avanços e recuos. O acesso aos meios de comunicação permitiu que informações e

diferentes pontos de vista circulassem entre os hip hoppers. Todavia, o que sabemos a

respeito das propostas do movimento hoje, talvez não valha para amanhã.

Sendo assim, leituras de Walter Benjamin, auxiliaram-me na compreensão do

contexto ambíguo em que o hip hop está imerso. Leandro Konder (1999, p.14) nos recorda

que para Benjamin, a história, tal como os homens a fazem, não é um movimento contínuo,

linear: ela é marcada por rupturas; seu sentido vem da ação dos homens e, portanto, o que

tem acontecido até hoje, não predetermina o que vai acontecer amanhã.

Segundo Benjamin (1985, p.171), “no momento em que o critério da autenticidade

deixa de aplicar-se à produção artística, toda a função social da arte se transforma. Em vez

de fundar-se no ritual, ela passa a fundar-se em outra práxis: a política”. Alguns conceitos

novos nesse momento de reprodutibilidade técnica da arte podem ser utilizados para a

formulação de exigências revolucionárias na política artística. A politização da arte aparece

como resposta do comunismo à estetização da política, promovida pelo fascismo.

Com a reprodutibilidade técnica, as obras de arte puderam ter difusão em massa. A

massa é a matriz da qual emana uma atitude nova com relação à arte. Para ela, a obra de

arte seria objeto de diversão e para o conhecedor, objeto de devoção. A distração e o

recolhimento representam um contraste: quem se recolhe diante de uma obra de arte

mergulha dentro dela e nela de dissolve. A massa distraída, por outro lado, faz a obra de

arte mergulhar em si, envolve-a e absorve-a em seu fluxo (ibid., p.193). “É somente com a

reprodutibilidade técnica que a obra de arte se emancipa, pela primeira vez na história, de

sua existência parasitária, destacando-se do ritual” (ibid., p.171).

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Segundo Benjamin (BENJAMIN, 1985, p.180), “a arte contemporânea será tanto

mais eficaz quanto mais se orientar em função da reprodutibilidade e, portanto, quanto

menos colocar em seu centro a obra original”. Assim, a fotografia e o cinema culminaram

na refuncionalização da arte, alterando sua própria natureza. As fotografias orientam a

recepção do observador num sentido predeterminado; elas o inquietam e ele pressente o

caminho definido para se aproximar delas.

Para este autor, entre o cinegrafista e o pintor, há uma produção de imagem

essencialmente diferente: “O pintor observa em seu trabalho uma distância natural entre a

realidade dada e ele próprio, ao passo que o cinegrafista penetra profundamente as víceras

dessa realidade”. A descrição cinematográfica da realidade, ao penetrar com os aparelhos

no âmago da realidade, é para o homem moderno mais significativa que a pictória (ibid.,

p.187).

Desta forma, reporto-me a idéia de política artística desenvolvida por Benjamin para

pensar o hip hop. Seja na dança, na música ou no desenho, a arte não está desvinculada de

propósitos políticos e de sua função social. Os hip hoppers, podem como sujeitos da

história que são, se contraporem ao poder instituído, questioná-lo, com sinais de humor,

astúcia e coragem, e, assim “pentear a história a contrapelo”.

ENTÃO VEM, ME FILMA 52

Esta dissertação é acompanhada de um vídeo (intitulado: É a torre de Babel.?!)

fruto da técnica de pesquisa adotada. Não pretendo explicá-lo, mas contar, finalizando, os

sentidos que tiveram pra mim essa etapa do trabalho.

Nos primeiros segundos do vídeo, a seqüência de imagens atende ao ritmo da

música selecionada para compor a edição final. Os entrevistados, o antes e o agora, dança,

música, graffiti, pintura, fotografia. Arte. Artistas. Mais alguns minutos da filmagem em

super oito, oferecida por Malachias, gravada em 1984. A música de Áfrika Bambaataa

52 Trecho do rap “A fuga” de Escadinha, do álbum “Brazil 1 – fazendo justiça com as prórpias mãos” (1999), da gravadora Zambia, cantado por Xis.

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ressoa nos hip hoppers, tanto da velha, quanto da nova escola do hip hop. É um clássico no

universo da música eletrônica mundial: Planet Rock. Um giro no tempo e no espaço.

Malachias nos oferece também fotos que permitem visualizar o que ele narrou sobre

o começo de tudo para o hip hop campineiro. As fotos em preto e branco nos remetem

àqueles anos. Ao mesmo tempo, o graffiti de WPPL feito especialmente para abrilhantar o

nosso encontro, carrega em si, a mesma qualidade do jovem graffiteiro (e talvez único)

daquela época.

O grito e a imagem da Torre de Babel. Uma pintura de Bruegel reproduzida em

revista, re-reproduzida em transparência, apresentada no retroprojetor e filmada. Gravada e

com recursos técnicos, ganha movimento, novamente a pedido dos scratchs do rap cantado

por Elza Soares. A metáfora da Torre de Babel, em que as pessoas não se entendem, é

retomada quando esta imagem é sobreposta ao local onde funcionou a Casa do Hip Hop de

Campinas. O lugar seria propício para o movimento, pois tem em seu arredor vários trens

que são, se posso assim denominar, símbolos do hip hop, já que as primeiras tags dos

graffiteiros em Nova York eram feitas nos trens da cidade. Entretanto, muitos dançarinos

de break não queriam deixar de treinar no Paço Municipal para dançar em um local que

oferecia pouca infra-estrutura e era aberto também aos rappers, dos quais estes desejavam

manter distanciamento. A Torre de Babel nos pareceu adequada a este contexto.

Jardim São José, o lugar onde tudo começou pra mim. O lugar onde minhas

posições se confirmam. O Hip hop pela paz. Graffitis coloridos e mensagens políticas num

20 de novembro, Dia da Consciência Negra. Os grupos de rap, no seu jeito mais peculiar,

que só conhece “quem é”. Não há CD, a música é de todos. Crianças, jovens, cachorros.

Carros, motos, bicicletas. Rua. Amigos, momento de reencontro, alguns retornando de

outros bairros (como eu), outros de penitenciárias, muitos pra nunca mais... Esse é o hip

hop do São José.

A música mais uma vez, dita a seqüência de imagens: Sugar Hill Gang – Rapper’s

Delight – o primeiro rap gravado em vinil. As fotos são de momentos de educação não-

formal em oficinas, Casa do Hip Hop de Diadema, apresentação em praças. Ontem e hoje.

Um coração pulsando, uma criança dançando break e, por isso, a esperança na continuidade

da história narrada e rememorada aqui. Caminho que sabemos agora como pode ter-se

construído, mas não aonde irá nos levar:

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Interior, Campinas, quebrada.

1999. Uma cartada certeira no ar. Cenário musical, estilo original.

A firma se concretiza irmão. Periferia, união.

Já fomos tirados, mantidos na escuridão da noite. Mas tudo tem a volta, o amanhecer é hoje.

Um novo dia, novas idéias. Uma luz que brilha.

DLN

É isso que, não por acaso, o rap Campinas no ar, tem a nos dizer ao encerrar os 12

minutos de vídeo.

As “múltiplas falas” dos entrevistados: como elas falam por mim! Posiciono-me em

relação a cada uma delas, como militante. E como pesquisadora? Espalhá-las no tempo e no

espaço para selecioná-las e identificar, depois de horas de entrevistas e releituras, o que iria

para a edição final. Trabalho artesanal, como faz o escultor que, ao esculpir a madeira

velha, a transforma em arte. Aos olhos dos observadores, o belo. Ou quase.

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ANEXO Roteiros de entrevista:

Entrevista com os membros da velha escola do hip hop em Campinas:

1.Como vocês conheceram e se envolveram com o hip hop?

2.Que tipo de relação vocês tinham com as instituições locais?

Escola (como vocês viam a relação escola/ hip hop?);

Igreja (católica, evangélica, centros espíritas);

Bairro (os políticos e os partidos, associação de moradores);

Cidade de Campinas (eventos, casas noturnas);

Polícia;

3.E hoje, como vocês explicam as relações do movimento com estas instituições?

4.Na época de vocês, qual era a proposta do hip hop?

5.Como o hip hop se expressava na cidade por meio dos quatro elementos (MC, DJ,

Breaker, Graffiteiro), em apresentações, rodas de break, graffitagem? Como as pessoas

reagiam?

6.Que rumos tomaram as pessoas daquela época que eram envolvidas com o hip hop?

7.Qual a relação que vocês fazem entre o hip hop e a criminalidade?

8.Qual a visão que vocês têm em geral do hip hop hoje?

Entrevista com oficineiros da Casa do Hip Hop de Campinas:

1.Qual a atuação de vocês no hip hop?

2.Como a Casa do Hip Hop de Campinas foi criada?

3.Qual é a rotina da Casa?

4.Façam considerações que considerem importantes sobre a Casa do Hip Hop.

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Entrevista com King Nino Brown:

1.Em 2001, no VI Seminário Hip hop em Trânsito, aqui em Campinas, você falou que na

década de 70 em Nova York, quando jovens dançavam na rua, fazendo o que conhecemos

como moinho de vento não estavam imitando hélice de helicóptero em protesto a guerra do

Vietnã. Como esta versão se propagou pelo mundo? O que estava acontecendo então?

2.Havia a proposta de contestação e protesto contra as condições econômicas, políticas e

sociais nos encontros de dança de rua?

3.Qual o termo que você considera mais adequado para se referir a um dos elementos do

hip hop que é a dança?

4.Como você tomou conhecimento dessas informações?

5.No site www.pcg.com.br, o DJ TR em uma coluna sobre hip hop conta que o Breaking

“fora desenvolvido pelos adolescentes da época, que por não conseguirem imitar

corretamente seus irmãos mais velhos e seus pais, que dançavam embalados pelo soul,

acidentalmente acabaram criando um estilo mais radical, incorporando inclusive na sua

coreografia, movimentos que iam desde mímicas e acrobacias olímpicas, até a estilização

de capoeira e catares de lutas marciais”. Você confirma este fato sobre o nascimento deste

estilo?

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Discografia:

ARTISTA/GRUPO ÁLBUM ANO LOCALIDADE DO ARTISTA/GRUPO

Athalyba e a firma Política (CD) 1994 São Paulo Coletânea Rap is Rap 1995 Campinas Coletânea Rima & Cia- a posse 2002 Campinas DLN Chave para liberdade 1999 Campinas DMN Saída de emergência 2002 São Paulo Escadinha Brazil 1 1999 São Paulo Execução Sumária Duro aprendizado 2000 Campinas Filosofia de rua Da rua 1996 São Paulo GOG Prepare-se 1996 Brasília Identidade Negra A volta terrorista 2002 Hortolândia Jorge Ben Jor Solta o pavão 1975 Rio de Janeiro Jorge Ben Jor O bidu 1967 Rio de Janeiro Kpone (coletânea) Rima & Cia- a posse 2002 Campinas Luo Revoluoção 2003 São Paulo MC Tuta (coletânea) Brazilian Rap 1991 Campinas MV Bill Declaração de guerra 2002 Rio de Janeiro MV Bill Traficando informação 1999 Rio de Janeiro MV Bill Mandando fechado 1998 Rio de Janeiro Pepeu The culture of rap 1989 São Paulo Racionais MC’s Nada como um dia após o

outro dia 2002 São Paulo

Racionais MC’s Sobrevivendo no inferno 1998 São Paulo Racionais MC’s Raio X do Brasil 1993 São Paulo Racionais MC’s Escolha seu caminho 1992 São Paulo Racionais Mc’s Holocausto Urbano 1990 São Paulo Rap Company Homens x Homens 1999 Campinas Sabotage Rap é compromisso 2001 São Paulo Sistema Negro Renascido das cinzas 2005 Campinas Sistema Negro Jogada Final 1998 Campinas Sistema Negro Bem vindos ao inferno 1994 Campinas Sistema Negro Ponto de Vista 1993 Campinas Slim Rimografia Financeiramente pobre 2004 São Paulo Thaíde e DJ Hum Assim caminha a

humanidade 2000 São Paulo

Thaíde e DJ Hum Preste Atenção 1996 São Paulo Thaíde e DJ Hum Pergunte a quem

conhece 1989 São Paulo

Visão de Rua A noiva do Thock 2004 Campinas/São Paulo Visão de Rua Ruas de sangue 2003 Campinas Visão de Rua Periferia é o alvo 1996 Campinas Z’Africa Brasil Ontem quilombo, hoje

periferia 2002 São Paulo

ZNC (coletânea) Rima & Cia- a posse 2002 Campinas