Dissertação - O Criminoso Como Vítima da Subjetividade do … · 2019-08-28 · Culpabilidade,...

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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ Programa de Pós-graduação em Direito Mestrado em Direito Público e Evolução Social DANIELA BASTOS SOARES VIEIRA O CRIMINOSO COMO VÍTIMA DA SUBJETIVIDADE DO MAGISTRADO RIO DE JANEIRO 2019

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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ

Programa de Pós-graduação em Direito Mestrado em Direito Público e Evolução Social

DANIELA BASTOS SOARES VIEIRA

O CRIMINOSO COMO VÍTIMA DA SUBJETIVIDADE DO MAGISTRADO

RIO DE JANEIRO 2019

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DANIELA BASTOS SOARES VIEIRA

O CRIMINOSO COMO VÍTIMA DA SUBJETIVIDADE DO MAGISTRADO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Estácio de Sá como requisito para obtenção do título de Mestre em Direito. Área de Concentração: Direito Público e Evo-lução Social. Linha de Pesquisa: Direitos Fundamentais e Novos Direitos Orientador: Prof. Dr. Marcelo Pereira de Al-meida

RIO DE JANEIRO 2019

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   V657c Vieira, Daniela Bastos Soares O criminoso como vítima da subjetividade do ma- gistrado. / Daniela Bastos Soares Vieira. – Rio de Janeiro, 2019. 121 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Estácio de Sá, 2019. 1. Individualização ou dosimetria da pena. 2. Artigo 59 do Código Penal. 3. Circunstâncias judiciais subjetivas. 4. Culpabilidade, antecedentes, personalidade e conduta so-cial. 5. Direito penal do fato ou do autor. 6. Princípios e garanti-as constitucionais. I. Título. CDD 340.1

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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ Programa de Pós-graduação em Direito

Mestrado em Direito Público e Evolução Social

A dissertação

O CRIMINOSO COMO VÍTIMA DA SUBJETIVIDADE DO MAGISTRADO

elaborada por

DANIELA BASTOS SOARES VIEIRA

e aprovada por todos os membros da Banca Examinadora foi aceita pelo Programa de Pós-

Graduação em Direito como requisito parcial à obtenção do título de

MESTRE EM DIREITO

Rio de Janeiro, 13 de março de 2019.

BANCA EXAMINADORA:

______________________________________ Prof. Dr. Marcelo Pereira de Almeida

Presidente Universidade Estácio de Sá (UNESA)

______________________________________ Prof. Dr. Adriano Moura da Fonseca Pinto

Universidade Estácio de Sá (UNESA)

_______________________________________ Prof. Dr. Antônio Eduardo Ramires Santoro Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

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DEDICATÓRIA

Dedico o presente trabalho aos meus pais (in memorian), com todo o meu amor e gratidão. À

minha família, pela qual tenho amor incondicional. Ao meu irmão Bruno, por todo carinho e

auxílio prestado. Dedico também ao meu orientador Prof. Dr. Marcelo Pereira de Almeida,

pela confiança, incentivo e paciência. Sem o apoio de todos, este trabalho não teria sido reali-

zado.

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AGRADECIMENTOS

Não se alcança qualquer objetivo sem renúncias. À minha família, agradeço por ter compre-endido minhas ausências e por proporcionar-me momentos de descanso, quando precisei. A Deus, quem permite a conclusão de todos os nossos projetos de vida, colocando-nos diante das pessoas, nas horas e nos lugares certos. Ao meu marido, Mauro Monteiro Vieira, fundamental em todo esse processo. Agradeço pelo apoio incondicional e pelas revisões incansáveis ao longo da elaboração deste trabalho. Ao meu orientador, Professor Doutor Marcelo Pereira de Almeida, expresso meu agradeci-mento por ter me permitido desenvolver este trabalho sob sua orientação. Presto-lhe eterna gratidão por sua dedicação, competência e profissionalismo. Aos membros da banca examinadora, Professor Doutor Adriano Moura da Fonseca Pinto e Professor Doutor Antônio Eduardo Ramires Santoro, ofereço-lhes minha sincera gratidão por terem-me alavancado rumo à conclusão desta pesquisa. Ao amigo Robson Braga, pelos trabalhos e disciplinas realizadas em conjunto e, principal-mente, pela preocupação e apoio constantes. Agradeço a Universidade Estácio de Sá (UNESA), pela oportunidade de usufruir de um ensi-no de qualidade. Uma marca que tanto tenho orgulho de ter vivenciado. Por fim, a todos aqueles que contribuíram, direta ou indiretamente, para a realização deste trabalho, o meu sincero agradecimento.

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“A persistência é o caminho do êxito.”

Charles Chaplin

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RESUMO

O presente trabalho tem o intuito de contribuir à discussão acerca das transgressões aos direi-

tos fundamentais e garantias do indivíduo tutelados pela Constituição Federal no momento da

fixação da pena-base do criminoso. O estudo se volta especificamente quanto às circunstân-

cias judiciais subjetivas, que são aquelas relacionadas à pessoa do infrator (culpabilidade, an-

tecedentes, personalidade e conduta social), previstas no artigo 59 do Código Penal. A ausên-

cia de critérios legais no que tange à identificação de tais circunstâncias (hipóteses de inci-

dência), e ainda, em relação à mensuração de reprimenda, ou seja, o quanto de pena deve ser

imposto, confere ao magistrado discricionariedade tamanha a ponto de trazer instabilidade à

segurança jurídica. Afinal, a depender da pessoa do juiz, a pena fixada poderá ser maior ou

menor. Neste eito, partindo do entendimento doutrinário no sentido de que no direito penal

brasileiro vige a culpabilidade do fato ou do ato (ou direito penal do fato), onde o agente é

julgado por aquilo que ele fez e não pelo o que ele é, a majoração da pena calcada, por exem-

plo, na personalidade negativa ou na má conduta social do delinquente subverteria os princí-

pios da legalidade, da individualização da pena, da proporcionalidade, do devido processo

legal, e ainda, as garantias da inviolabilidade do direito à liberdade, à igualdade, à segurança,

à intimidade e à vida privada. Por esta razão, como solução às diversas questões que surgem

entorno do tema, propõe-se a aplicação de técnicas interpretativas específicas ao artigo 59 do

Estatuto Repressivo, como a interpretação da aludida norma penal conforme à Constituição

Federal e a declaração parcial de sua inconstitucionalidade sem redução de texto. Ao fim, so-

bre o assunto em debate, a título exemplificativo, traz-se excertos de julgados proferidos por

juízo monocrático, por órgãos jurisdicionais colegiados e pelos nossos Tribunais Superiores.

PALAVRAS-CHAVE: Individualização ou dosimetria da pena. Artigo 59 do Código Penal.

Circunstâncias judiciais subjetivas. Culpabilidade, antecedentes, personalidade e conduta so-

cial. Direito penal do fato ou do autor. Princípios e garantias constitucionais.

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ABSTRACT

This paper aims to contribute to the discussion about the transgressions to the fundamental rights and guarantees of the individual protected by the Federal Constitution at the moment of establishing the criminal penalty. The study focuses specifically on subjective judicial cir-cumstances, which are those related to the person of the offender (guilt, ancestry, personality and social conduct) provided for in article 59 of the Criminal Code. The absence of legal cri-teria regarding the identification of such circumstances (hypotheses of inci- dence), and also, in relation to the measurement of reprimand, that is, how much of a penalty should be im-posed, gives the magistrate such discretion instability to legal certainty. After all, depending on the person of the judge, the penalty may be higher or lower. In this etiology, starting from the doctrinal understanding in the sense that in Brazilian criminal law the culpability of the fact or act (or penal law of fact) is observed, where the agent is judged by what he did and not by what he is, punishment, for example in the negative personality or in the social mis-conduct of the offender, would subvert the principles of legality, individualization of punish-ment, proportionality, due process of law, as well as guarantees of the inviolability of the right to liberty, equality, security, privacy and privacy. For this reason, as a solution to the various issues that arise around the theme, it is proposed to apply specific interpretative techniques to Article 59 of the Repressive Statute, such as the interpretation of the aforemen-tioned criminal law according to the Federal Constitution and the partial declaration of its unconstitutionality without reduction of text. Finally, on the subject under discussion, by way of example, are excerpts of judgments given by monocratic court, collegiate courts and our High Courts. KEYWORDS: Individualization or dosimetry of the penalty. Article 59 of the Penal Code. Subjective judicial circumstances. Guilty, antecedents, personality and social conduct. Crimi-nal law of fact or author. Principles and constitutional guarantees.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................................12

CAPÍTULO I – PRESSUPOSTOS TEÓRICOS .....................................................................18

1.1. Teorias sobre as finalidades da pena ............................................................................19

1.1.1. Teorias Absolutas (finalidade retributiva da pena) ............................................20

1.1.2. Teorias Relativas (finalidade preventiva da pena) .............................................22

1.1.2.1. Prevenção Geral .....................................................................................23

1.1.2.2. Prevenção Especial ................................................................................24

1.1.2.3. Teorias Mistas (Ecléticas ou Unificadoras) ...........................................26

1.2. A Finalidade da Pena Sob a Ótica de Luigi Ferrajoli ...................................................29

1.3. Finalidades da Pena no Ordenamento Jurídico Brasileiro ...........................................34

CAPÍTULO II – AS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS SUBJETIVAS NO SISTEMA TRI-

FÁSICO DE APLICAÇÃO DE PENA ...................................................................................45

2.1. Cálculo da Pena Privativa de Liberdade no Ordenamento Jurídico Brasileiro

...................................................................................................................................................46

2.2. Direito penal do autor e direito penal do fato na dosimetria da pena ...........................48

2.3. Circunstâncias Judiciais Subjetivas Previstas no Artigo 59 do Código Penal Brasileiro

..............................................................................................................................................50

2.3.1. Culpabilidade .....................................................................................................52

2.3.2. Antecedentes ......................................................................................................54

2.3.3. Conduta Social ...................................................................................................57

2.3.4. Personalidade .....................................................................................................60

2.4. Critérios para aferição das circunstâncias judiciais subjetivas .....................................64

2.4.1. Ausência de Critérios Legais .............................................................................65

2.4.2. Critérios Jurídicos ..............................................................................................66

2.4.3. Critérios Extra-jurídicos .....................................................................................68

2.5. A (in)capacidade técnica/científica do magistrado para a aferição da conduta social e

da personalidade do autor do delito .........................................................................................68

2.6. A Autonomia Moral da Pessoa .....................................................................................69

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2.7. O Princípio da Correlação ............................................................................................72

CAPÍTULO III – APLICAÇÃO DA PENA À LUZ DO DIREITO PENAL CONSTITUCI-

ONAL – O NECESSÁRIO RESGUARDO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDI-

VÍDUO ....................................................................................................................................76

3.1. Direito penal interpretado conforme a Constituição ............................................77

3.2. A declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto ..................80

3.3. Princípios e garantias constitucionais relacionados ao cálculo da pena ...............83

3.3.1. Principio da individualização da pena ......................................................84

3.3.2. Princípio da proporcionalidade da pena ...................................................86

3.3.3. Princípio do devido processo legal ...........................................................88

3.3.4. Princípio da estrita legalidade ...................................................................90

3.3.5. Princípio insculpido no artigo 5o, II, da CRFB/88 ....................................92

3.3.6. As garantias da inviolabilidade do direito à liberdade, à igualdade, à segu-

rança, à intimidade e à vida privada ...................................................................94

3.4. A validade do artigo 59 do Código Penal e a Constituição Federal ......................97

CAPÍTULO IV – ANÁLISE DA INCIDÊNCIA DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS

SUBJETIVAS NA JUSTIÇA BRASILEIRA ..........................................................................98

4.1. Sentenças Condenatórias na Primeira Instância ...........................................................98

4.2. Acórdãos Condenatórios na Segunda Instância .........................................................101

4.3. Decisões dos Tribunais Superiores.............................................................................105

CONCLUSÃO .......................................................................................................................114

REFERÊNCIAS .....................................................................................................................118

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INTRODUÇÃO Destina-se o presente estudo a abordar as hipóteses nas quais o criminoso, no mo-

mento da aplicação da pena, passa a ser vítima da subjetividade do magistrado. A ausência de

critérios legais para a avaliação da incidência e o quanto de pena deve ser utilizado para a ma-

joração da pena-base faz com que o juiz, de forma discricionária, imponha sanção maior ou

menor ao acusado ao reconhecer desfavorável uma ou mais das circunstâncias judiciais sub-

jetivas previstas no artigo 59 do Código Penal.

Como sabido, o principal vetor da aplicação do Direito Penal em nosso ordenamento

jurídico é o Código Penal, que data de 07 de dezembro de 1940. Não obstante o Estatuto Re-

pressivo tenha sofrido reformas e alterações com o passar do tempo, fato é que a codificação

se deu em época bem anterior à Constituição da República Federativa Brasileira de 1988.

Por esta razão, para que haja perfeito alinhamento entre as normas penais com a atual

Constituição Federal, necessário se faz interpretá-las de forma compatível com o texto consti-

tucional, principalmente no que tange aos direitos fundamentais e às garantias do indivíduo.

Neste contexto do Direito Penal Constitucional, pretende-se, através do presente tra-

balho, demonstrar que somente o direito penal do fato (ou culpabilidade do ato ou do fato)

deve ser aplicável em nosso país, especialmente no que se refere à dosimetria da pena, posto

que é amplamente tutelado por normas e princípios entabulados na nossa Constituição Federal

e, além disso, caminha ao lado da linha de pesquisa dos direitos fundamentais e dos novos

direitos.

É o que se infere do estudo das doutrinas de sustentação dos direitos fundamentais,

da análise da problemática da sua compreensão e conflitos, bem como das teorias contempo-

râneas de novos direitos.

Quer-se dizer que o criminoso se condenado, por conseguinte, deverá receber a san-

ção penal em razão do fato delituoso por ele praticado (culpabilidade do ato ou do fato), não

podendo o Estado-juiz aumentar a pena fundado na culpabilidade do autor (ou no direito pe-

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nal do autor), ou seja, o magistrado não deveria levar em conta quem é a pessoa do infrator

para, então, majorar a pena.

Sucede que o direito penal do autor, calcado no julgamento da pessoa do delinquen-

te, ainda é largamente difundido e aplicado pelo Poder Judiciário brasileiro, parâmetro avesso

ao direito penal do fato.

Assim, para a melhor compreensão do tema, inicia-se o presente estudo trazendo no

capítulo primeiro os pressuposto teóricos acerca das teorias sobre a finalidade da pena, o cará-

ter retributivo e preventivo da sanção penal inseridos num contexto histórico. Na sequência,

alguns passos foram dados dentro da moderna ótica de Luigi Ferrajoli acerca da finalidade da

pena, cujas proposições se harmonizam com as ideais desenvolvidas neste trabalho. Ao final,

algumas linhas foram escritas sobre a função do direito penal no ordenamento jurídico brasi-

leiro.

O segundo capítulo versa sobre as circunstâncias judiciais subjetivas no sistema tri-

fásico de aplicação de pena. Para contextualização da questão principal em debate foi realiza-

do um estudo de como se dá a aplicação ou o cálculo da pena no sistema penal brasileiro com

ênfase no artigo 59 do Código Penal.

A norma penal em foco vem a ser a tônica do presente estudo, mais especificamente

sua primeira parte, que prevê as circunstâncias judiciais subjetivas. O citado dispositivo legal

estabelece que o juiz deverá aumentar a pena quando entender que o criminoso apresenta cul-

pabilidade, antecedentes, conduta social ou personalidade negativas. São essas as denomina-

das circunstâncias judiciais subjetivas, as quais quis o legislador conferir à discricionariedade

do magistrado o poder de aumentar a pena quando considerar desfavoráveis ao réu as referi-

das circunstâncias que dizem respeito à pessoa do criminoso (direito penal do autor).

Neste ponto, além da incidência do direito penal do autor no momento da individua-

lização da pena, o magistrado atua sem qualquer parâmetro legal pré-estabelecido para o au-

mento da pena, seja do ponto de vista da incidência quanto da mensuração. Noutros termos, a

lei não previu qualquer critério para orientar o juiz acerca de quando devem ser tidas como

negativas as circunstâncias judiciais subjetivas (incidência) e o quanto deve ser a sanção re-

crudescida (mensuração).

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O capítulo em questão desenvolve, pormenorizadamente, cada uma das circunstân-

cias judiciais subjetivas, analisando os tipos de critérios – e a falta deles –, para a aferição

acerca da incidência de tais circunstâncias no caso concreto. Comenta-se sobre critérios jurí-

dicos e extra-jurídicos, como, por exemplo, os de natureza psicológica, psiquiátrica e antropo-

lógica, e também sobre a falta de capacidade técnica do juiz para avaliar ou negativar a perso-

nalidade ou a conduta social do criminoso.

A supramencionada ausência de balizas legais para que o magistrado proceda ao au-

mento da pena base, enseja, por vezes, penas mais ou menos elevadas, a depender da pessoa

do julgador, contrariando, assim, princípios e garantias constitucionais tais como os da indivi-

dualização da pena, da legalidade, do devido processo legal e da segurança jurídica, além de

outros que serão mais esmiuçados ao longo do trabalho.

O exame da problemática abrange não apenas normas penais e constitucionais, mas

também direitos estabelecidos no Código Civil e no Direito Processual Penal. A visão siste-

mática de dispositivos legais específicos de outros ramos do direito confluem na mesma dire-

ção para uma única solução da questão. Por isso, ao final do segundo capítulo, foram aborda-

dos os princípios da automonia moral da pessoa e o da correlação (ou da congruência) entre a

sentença e a denúncia.

A autonomia moral diz respeito ao direito de a pessoa natural ser como quiser, de se

formar moral e intelectualmente da maneira que lhe aprouver, não podendo, por isso, sofrer

qualquer limitação ou sanção imposta pelo Estado.

A se permitir o agravamento da pena por considerar negativas a personalidade ou a

conduta social do criminoso – aspectos de sua vida particular –, estar-se-ia violando as garan-

tias constitucionais da livre manifestação do pensamento, da inviolabilidade vida privada etc.

No aspecto processual, o tema em estudo foi analisado sob a visão do princípio da

correlação entre a sentença e a denúncia, de modo a demonstrar que as circunstâncias judici-

ais subjetivas acaso não tenham sido descritas na peça exordial acusatória, não poderiam ser

utilizadas pelo magistrado, sob pena de quebrar o princípio em questão, além de outros como,

por exemplo, o do contraditório e da ampla defesa, vez que sofreria o criminoso aumento em

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sua pena sem ter tido a oportunidade de se defender e de contraditar aquela ou aquelas deter-

minadas circunstâncias consideradas exclusivamente pelo juiz, apenas no momento da aplica-

ção da pena (quando da elaboração da sentença), para incrementar a sanção.

Diante das dissonâncias verificadas, caminha-se em busca de uma solução às pro-

blemáticas identificadas em relação à aplicação das circunstâncias judiciais subjetivas. As-

sim, o capítulo terceiro traz a aplicação da pena à luz do Direito Penal Constitucional, com o

intuito de resguardar os direitos fundamentais e garantias do indivíduo.

Nesta perspectiva, o artigo 59 do Código Penal deveria ser interpretado conforme a

Constituição Federal, devendo ser declarada a inconstitucionalidade parcial da aludida norma

penal sem redução de texto para retirar de nosso ordenamento a previsão de aumento de pena

a partir do reconhecimento discricionário, feito pelo juiz, das circunstâncias judiciais subjeti-

vas, isto é, aquelas que dizem respeito à pessoa do criminoso e não possuem relação com o

fato delituoso por ele praticado.

Inicia-se, então, o aludido capítulo tratando-se dessas duas técnicas interpretativas da

Constituição Federal, ou seja, a interpretação conforme a Constituição e a declaração de in-

constitucionalidade da norma sem redução de texto, métodos cunhados do direito alemão que,

reiteradas vezes, foi utilizados pelo Supremo Tribunal Federal.

Em seguida, fez-se uma análise sobre os princípios e garantias constitucionais relaci-

onados ao cálculo da pena, dentre os quais: o da individualização da pena; o da proporcionali-

dade; o do devido processo legal; o da estrita legalidade; o previsto no artigo 5o, II, da

CRFB/88; as da liberdade, igualdade, segurança, intimidade e da vida privada.

Na conceituação de cada princípio e garantia acima referidos, criou-se um paralelo

entre eles e a norma do artigo 59 do Código Penal, procurando fazer o contraponto no afã de

demonstrar que a parte inicial do referido dispositivo, que trata das circunstâncias judiciais

subjetivas, não guardam compatibilidade vertical com a Constituição Federal.

Faz-se, portanto, no presente estudo uma reflexão sobre as tormentosas questões re-

lacionadas ao critério ou à falta de parâmetros na avaliação judicial das circunstâncias judici-

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ais subjetivas previstas no artigo 59 do Código Penal, calcado no direito penal do autor (ou

culpabilidade do autor).

O reconhecimento da incidência ou não dessas circunstâncias pessoais depende da

análise pessoal (subjetiva) do magistrado, a quem caberá aferir a incidência e mensurar o

quantum de incremento que se efetivará na pena, assim o fazendo por considerar negativas as

circunstâncias subjetivas (pessoais) do criminoso. Pessoa, discricionariamente, julgando pes-

soa, e não fato.

O inexorável subjetivismo nesta fase da aplicação da pena poderia, por exemplo, re-

sultar em decisões díspares se o mesmo caso concreto fosse submetido a julgamento por juí-

zes diversos. Muitas vezes, em sede recursal, o Colegiado de magistrados adota critérios para

o reconhecimento e para o aumento da pena base diferentes daqueles utilizados pelo juízo

monocrático.

Tal situação é bastante recorrente em nosso Poder Judiciário, conforme será demons-

trado no capítulo quarto, a partir de pesquisa documental acerca de decisões de juízes de pri-

meira instância, de Tribunal de Justiça Estaduais, e ainda, do Superior Tribunal de Justiça e

do Supremo Tribunal Federal sobre o tema em evidência.

Pelas linhas traçadas até aqui, já é possível entrever a necessidade de haver um em-

basamento garantista quando da análise, pelo julgador, das circunstâncias judiciais de caráter

subjetivo previstas na norma aberta do artigo 59 do Código Penal.

Desta forma, ainda que o supramencionado dispositivo legal possua vigência em

nosso ordenamento jurídico, não deveria considerada válida se não estiver de acordo com os

conteúdos normativos axiológicos constitucionalizados.

Pelo presente trabalho, pois, busca-se fazer uma investigação e análise acerca das

consequências da incidência desfavorável das circunstâncias judicias subjetivas ao infrator,

procurando confrontar a aplicação do direito penal do autor, como forma de contribuir para a

discussão acerca das transgressões de garantias do indivíduo tuteladas pela Constituição Fe-

deral.

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A metodologia utilizada foi a revisão bibliográfica constituída de livros e artigos ci-

entíficos que versam sobre os institutos conexos ao tema, todos desenvolvidos pelos mais

renomados autores da doutrina penal e constitucional brasileira. Fez-se, ademais, consulta de

teóricos da área da criminologia, da psiquiatria, da psicologia e da filosofia, transcrevendo-se

e comentando-se, ao final, julgados oriundos do Poder Judiciário brasileiro através dos quais

é possível observar as dissonâncias e instabilidades acerca de questões afetas à incidência e à

quantificação da pena-base pelo reconhecimento, como negativas, das circunstâncias judici-

ais subjetivas nos casos concretos.

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CAPÍTULO I – PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

O presente trabalho cuida das consequências da subjetividade do magistrado na fixa-

ção da pena imposta ao criminoso na sentença condenatória. E para que se compreenda bem

as nuances do tema, indispensável o entendimento de alguns pressupostos teóricos relativos à

finalidade da sanção penal.

Numa ótica mais abrangente do Direito Penal, o estudo da Parte Geral geralmente é

divido, pelos doutrinadores tradicionais1, em Teoria da Norma, Teoria do Crime e Teoria da

Pena, nesta ordem. Sendo somente esta última objeto de análise do presente estudo.

Uma vez praticado o delito, ao final da investigação penal, o criminoso sofre a impu-

tação formal, vindo a ser processado e, ao final, julgado pelo Poder Judiciário. Via de regra, a

competência para o processo e julgamento é do magistrado, a quem caberá decidir pela absol-

vição ou condenação do indivíduo. Neste último caso, sendo o fato típico, ilícito e culpável,

caberá ao juiz de direito fixar a pena, assim o fazendo através do sistema trifásico previsto no

artigo 68 do Código Penal.

Dentro das três fases existentes para a imposição da sanção, o presente estudo dará

enfoque na primeira fase ou etapa da aplicação da pena, que envolve a imposição da pena-

base a partir do regramento trazido pelo artigo 592 do Código Penal.

                                                                                                               1 Tal afirmação pode ser extraída da estrutura organizada nos sumários dos seguintes livros: CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, Vol. 1: Parte Geral. 11ª edição. São Paulo: Saraiva, 2007; MIRA-BETE, Julio Fabbrini; Fabbrini, Renato N.. Manual de Direito Penal, Vol 1. 32ª edição. São Paulo: Atlas, 2016; BITENCOURT, Cezar Roberto. O Tratado de Direito Penal - Parte Geral - Vol. 1 - 23ª edição. São Paulo. Saraiva, 2017; PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Parte Geral- Vol. 1 - 9ª edição. São Paulo: RT, 2010. 2 Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da ví-tima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I - as penas aplicáveis dentre as cominadas; II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.

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Uma vez trilhada as três fases do sistema de aplicação de pena, sobrevêm a repri-

menda final, a qual, após o trânsito em julgado da decisão condenatória, deverá ser cumprida

pelo infrator (execução da pena). Neste ponto surge a primeira indagação: qual a finalidade da

pena? Ou então: quais as funções do Direito Penal?

1.1. Teorias sobre a Finalidade da Pena

O intervencionismo estatal na seara penal tem como consequência primordial a im-

posição de sanção penal àquele que praticou um delito. Tal medida é corolário natural do di-

reito de punir (ius puniendi) do Estado.

Discorrendo sobre o poder punitivo, preciosa a lição do mestre argentino Zaffaroni:

O poder de que os juízes dispõem é de contenção e, às vezes, de redu-

ção. A mais óbvia função dos juízes penais e do direito penal como

planejamento das decisões judiciais é a contenção do poder punitivo.

Sem a contenção jurídica (judicial) o poder punitivo ficaria liberado

ao puro impulso das agências executivas e políticas e, por conseguin-

te, desapareceriam o estado de direito e a própria república3.

Mas o poder de punir do Estado tem por finalidade retribuir? Reprovar? Prevenir?

Reeducar? Socializar?

Numa síntese bem apertada, de acordo com as teorias absolutas, a pena teria finali-

dade de compensar a culpabilidade ou o mal praticado. Para os adeptos das teorias relativas, a

pena teria a função de prevenir. Finalmente, as teorias mistas ou ecléticas, conforme indicam

os nomes, congregam as duas anteriores.

A fim de melhor compreender as teorias que versam sobre a finalidade da pena, dis-

correr-se-á, a seguir, sobre as teorias absolutas, relativas e mistas, fazendo-se uma abordagem

histórica e filosófica no que tange ao real objetivo da imposição da sanção penal àquele indi-

víduo que praticou um fato criminoso.

                                                                                                               3 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, c2010. (v. 1)., pg.54.

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  20

1.1.1. Teorias Absolutas (finalidade retributiva da pena)

Para as teorias absolutas, a pena tem a finalidade de retribuir ao infrator o mal por

ele praticado, na medida de sua culpabilidade. Paulo Queiroz4 esclarece que se fundam numa

concepção mais antiga da função da pena como meio de compensação ou de reequilíbrio dos

desajustes causados pelo cometimento da infração penal.

Segundo Claus Roxin, nas teorias absolutas o fim da pena é independente, desvincu-

lado de seu efeito social, ou seja, a pena não é vinculada a um fim socialmente útil5. Como

bem dito por Junqueira: voltam-se preponderantemente ao passado, sem qualquer finalidade

dirigida ao futuro, já que não buscam modificar a realidade do porvir.6

Jorge Dias7 complementa afirmando que a sociedade, de um modo geral, contenta-se

com esta finalidade, que funciona como uma espécie de compensação feita pelo criminoso. O

homem, ainda muito arraigado no sentimento de vingança, compreende melhor a função da

pena privativa de liberdade, malgrado as penas públicas, ao longo dos anos, tenham se aper-

feiçoado, trazendo alternativas como as restritivas de direitos, por exemplo.

Neste espectro, ressalta Camargo8 que a pena é um castigo, sendo utilizada pelo in-

frator para que ele expie o mal cometido. A expiação é de grande relevo para o direito canôni-

co, que a previa como penitência pelo “pecado” praticado. Seus reflexos ainda sobrevivem já

que a pena privativa de liberdade foi criada com a função de viabilizar o arrependimento. O

criminoso, na clausura, teria tempo de refletir e, então, arrepender-se de seu ato.

                                                                                                               4 QUEIROZ, Paulo. Funções do direito penal. 2ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.p. 17. 5 ROXIN, Claus. Tratado del Derecho Penal – Parte General. Madrid: ed. Civitas, 1997, pg.82.(tradução livre do espanhol) 6 JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Finalidades da Pena. 1ª edição. São Paulo: Editora Manole, 2004, p. 28. 7 DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões fundamentais do direito penal revisitadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 94 8 CAMARGO, Antônio Luis Chaves. Sistema de Penas, Dogmatica Juridica Penal e Política Criminal. São Paulo: Cultural Paulista. 2002, pag. 40.

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Interessante saber que, por força do direito canônico, os presídios brasileiros possu-

em o nome de penitenciárias, sendo certo que nelas as celas reproduzem – ou ao menos deve-

riam reproduzir –, aquelas monásticas que os mosteiros destinavam às penitências9.

Luiz Regis Prado10 esclarece que o filósofo Emmanuel Kant, que definia a justiça

como a lei inviolável, formulou a Teoria da retribuição ética, segundo a qual, a pena é um

fim em si mesma, e, para nada servindo, tem o mero propósito de fazer imperar a justiça. As-

sim, a pena, fundada na ordem ética ou moral, deve incidir somente porque houve infringên-

cia à lei.

Segundo Paulo Queiroz:

ainda que nenhuma vantagem possa resultar da cominação ou da apli-

cação da pena, quer em favor da comunidade ou da vítima, quer em

favor do condenado, cumpriria sempre se a impor a quem incorresse

na prática do crime, porque é preferível, disse Kant, que morra um

homem a perder todo um povo, pois, a se desprezar a justiça, já não

terá sentido a vida dos homens sobre a terra11.

Ainda no âmbito das teorias absolutas, Bitencourt12 assevera que Georg Wilhelm

Hegel comungava da teoria retributiva da pena, cuja tese se resumia na frase: a pena é a ne-

gação da negação do Direito. Neste sentido, a principal finalidade da pena era a compensação

jurídica.

A ideia de Hegel se fundava no método dialético, segundo o qual a tese era a vontade

geral (ordem jurídica); a antítese seria o delito como negação da ordem jurídica; e a síntese, a

negação da negação, isto é, a pena como castigo do delito13.

                                                                                                               9 Para o estudo aprofundado do tema, veja-se o livro citado de Gustavo Octaviano Diniz Junqueira, páginas 40-45. 10 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. Volume 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pg. 504. 11 QUEIROZ, Paulo. Funções do direito penal. 2ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.p. 20. 12 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão- Causas e Alternativas. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 112 13 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão- Causas e Alternativas. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 112

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Portanto, conclui Paulo Queiroz que a pena é a restauração positiva da validade do

direito14. Desse modo, a pena teria a função de anular o crime, e, sendo este a negação do di-

reito, a imposição da sanção restabeleceria o ordem jurídica, tendo-se, assim, uma visão de

consequência causal e quase matemática.

No sentido de retribuição jurídica, a pena, para Hegel, é a restauração positiva da va-

lidade do direito. A pena, em HEGEL, é uma necessidade lógica15.

Do ponto de vista histórico, as teorias relativas sucederam as teorias absolutas, pas-

sando-se a enxergar o viés preventivo da pena.

1.1.2. Teorias Relativas (finalidade preventiva da pena)

De acordo com Mir Puig, na transição do Estado absolutista para o Estado liberal,

surgem as teorias relativas, segundo as quais a finalidade da pena é a prevenção ou a profila-

xia criminal, destinada a diminuir e prevenir a violência. Significa dizer que a pena tem a fun-

ção de prevenir crimes como forma de proteger ou manter determinados interesses ou bens

sociais. Enquanto a retribuição visa ao passado, a prevenção visa o futuro16.

Corroborando a importância do tema, Camargo17 aduz que os adeptos das teorias

relativas não enxergam a pena como um fim em si mesma, mas como um meio a serviço de

determinados fins. Assim, a finalidade da pena, nas variadas vertentes relativistas, é a preven-

ção da prática de novos delitos, seja dirigida genericamente aos seus destinatários (prevenção

geral), seja voltada especificamente para aqueles que tenham cometidos delitos (prevenção

especial).

                                                                                                               14 QUEIROZ, Paulo. Funções do direito penal. 2ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.p. 21. 15 QUEIROZ, Paulo. Funções do direito penal. 2ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.p. 21. 16 PUIG, Santiago Mir. Direito penal: fundamentos e teoria do delito. 1ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 63. 17 CAMARGO, Antônio Luis Chaves. Sistema de Penas, Dogmatica Juridica Penal e Política Crimi-nal. São Paulo: Cultural Paulista. 2002, pag. 45.

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As teorias relativas, portanto, se apoiam no critério da prevenção, que se divide em

prevenção geral – que pode ser negativa ou positiva –, e prevenção especial, que pode ser ne-

gativa ou positiva.

Nesse enfoque, o que legitima o poder punitivo é a defesa social, ou seja, quer-se de-

fender (proteger, tutelar ou conservar) a sociedade ou a segurança jurídica, não havendo qual-

quer correspondência com os direitos da vítima.

1.1.2.1. Prevenção Geral

Como dito, a prevenção geral pode ser negativa ou positiva, sendo a primeira delas a

formulação mais conhecida, cujo principal defensor era Paul Johann Anselm Ritter Von

Feuerbach18.

Para Zaffaroni, a prevenção geral negativa funda-se na teoria da “coação psicológi-

ca” de Feuerbach, para quem não importa a pena tão somente, mas a ameaça que ela é capaz

de impor, um contra-estímulo criminoso. Dessa maneira, a função da pena seria coagir psico-

logicamente a comunidade jurídica, intimidando e atemorizando a generalidade de pessoas a

quem a norma se dirige19.

A cominação penal, ou seja, a previsão da pena em abstrato que deverá incidir para

aquele que cometer o delito, apoia-se na referida teoria, que funciona como uma ameaça de

pena aos indivíduos de um sociedade, servindo como forma de dissuadi-los acerca das conse-

quências que advirão acaso haja a infringência da norma.

Por tais motivos, a teoria também é denominada prevenção por intimidação, pois

visa prevenir o delito mediante normas penais. A ameaça de pena imposta para ser eficaz deve

                                                                                                               18 Foi um jurista alemão, fundador da moderna doutrina do direito penal da Alemanha, com a teoria da dissuasão psicológica. Para o estudo aprofundado do tema, veja-se: FEUERBACH, Paul Johann A. R. von. Tratado de Derecho Penal común vigente en Alemania. Trad. Eugenio Raúl Zafaroni e irma Ha-gemeier. Buenos Aires: Hammurabi, 1989. 19 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, c2010. (v. 1). pg.127.

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ser executada. Noutros termos, a finalidade da pena seria dissuadir aqueles que não delinqui-

ram, mas que poderiam se sentir tentados a cometer o delito.

Noutra vertente, conforme nos ensina Alessandro Baratta20, existem os defensores da

prevenção geral positiva, entendendo que a pena visa infundir, na consciência coletiva, a ne-

cessidade de que determinados valores sejam respeitados, exercitando a fidelidade ao direito.

Buscando uma relação entre ambas as linhas de pensamento, Zaffaroni esclarece que

as duas versões da prevenção geral não se encontram tão distantes: enquanto a negativa con-

sidera que o medo provoca a dissuasão, a positiva chega a uma dissuasão provocada pela sa-

tisfação de quem acha que, na realidade, são castigados aqueles que não controlam seus im-

pulsos e, por conseguinte, acha também que convém continuar controlando-os.21.

A imposição da pena, como bem dito por Paulo Queiroz (2005, pag. 40), seria uma

forma de o Estado manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força vigen-

te das suas normas que tutelam bens jurídicos. Em última análise, um meio de promover a in-

tegração social22.

1.1.2.2. Prevenção Especial

Diferentemente da prevenção geral, que é voltada à sociedade, na prevenção especi-

al busca-se prevenir os delitos que possam ser cometidos por uma determinada pessoa. Salo

de Carvalho23 destaca outra importante diferença: a prevenção especial não incide no momen-

to da cominação da pena – o que ocorre na prevenção geral –, mas na imposição e execução

da pena.

                                                                                                               20 BARATTA, Alessandro. Integración-prevención: una “nueva” fundamentación de la pena dentro de la teoria sistêmica. Doctrina penal. Teoría y práctica en las ciencias penales, ano 8, n. 29-32, p. 3-26. Buenos Aires: Ediciones Depalma, 1985. p. 15. 21 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, c2010. (v. 1)., pg.132 22 QUEIROZ, Paulo. Funções do direito penal. 2ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.p. 40. 23 CARVALHO, Salo de. Penas e Medidas de Segurança no Direito Penal Brasileiro. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 78.

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Tal como a prevenção geral, como dito, a prevenção especial pode ser negativa ou

positiva. De acordo com Zaffaroni24, na prevenção especial negativa, há uma neutralização

do criminoso, que se dá com a segregação deste no cárcere. Ao se retirar o infrator do conví-

vio social, impede-se que ele pratique novas infrações penais, ao menos enquanto ele se en-

contra preso, e pelo menos no âmbito da sociedade da qual ele foi retirado. Afastando-se o

criminoso da sociedade, esta acaba sendo defendida. A ideia, portanto, somente é compatível

com a pena privativa de liberdade.

Neste viés, Souto25 afirma que a custódia do infrator teria a função de condicioná-lo

a não mais praticar delitos, a partir da experiência vivida no cárcere, que lhe teria trazido do-

res maiores se comparadas aos benefícios decorrentes de um delito bem-sucedido para o cri-

minoso. A pena, pois, serve como uma medida intimidatória que deve ser capaz de desencora-

jar o delinquente a praticar novos delitos.

Da prevenção especial positiva ressai o caráter ressocializador da pena, fazendo com

que o infrator reflita sobre o crime praticado, avaliando suas consequências, a fim de que isto

iniba-o de cometer outros. A pena teria finalidade de corrigir e emendar moralmente o infra-

tor. Segundo Zaffaroni26, no plano teórico este discurso parte do pressuposto de que a pena é

um bem para quem a sofre, de caráter moral ou psicofísico.

Busca-se, com esta teoria, uma transformação real do indivíduo-infrator, através da

inflição de uma pena que possa influenciar sua personalidade, de modo a atingir sua ressocia-

lização. Para Roxin, apud Greco, 2017, a missão da pena consiste unicamente em fazer com

que o autor desista de cometer futuros delitos27.

                                                                                                               24 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, c2010. (v. 1)., pg.137 25 SOUTO, Miguel Abel. Teorias de la pena y limites al jus puniendi desde el Estado Democrático. Madrid: Dilex, 2006, pag 33. 26 ob. Cit. p. 136 27 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. Vol I. 19ª edição, Niterói, RJ: Impetus, 2017, p. 588.

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1.1.2.3. Teorias Mistas (Ecléticas ou Unificadoras)

Partindo de críticas às soluções monistas então vigentes acerca da finalidade da pena,

as teorias mistas, ecléticas ou unificadoras procuram agregar os diversos pontos de vistas co-

lhidas das teorias absolutas e relativas.

Japiassu e Gueiros28 afirmam que há, ainda, as teorias mistas ou unitárias, que com-

binam as teorias absolutas e as relativas, que não seriam excludentes entre si. Parte-se, por-

tanto, do entendimento segundo o qual a pena é retribuição, mas deve, por igual, perseguir os

fins de prevenção geral e especial.

Mirabete bem explicando a teoria, diz que se passou a entender que a pena, por sua

natureza, é retributiva, tem seu aspecto moral, mas sua finalidade é não só a prevenção, mas

também um misto de educação e correção29. Em resumo, a pena possui dupla finalidade: re-

tribuição e prevenção.

De acordo com essas teorias, Paulo Queiroz afirma que:

A justificação da pena depende da justiça de seus preceitos e da sua

necessidade para a preservação das condições essenciais da vida em

sociedade (proteção de bens jurídicos). Busca-se, assim, unir justiça e

utilidade, razão pela qual a pena somente será legítima na medida em

que for justa e útil. Por conseguinte, a pena, ainda que justa, não será

legítima, se for desnecessária (inútil), tanto quanto se, embora neces-

sárias (útil), não for justa30.

Santiago Mir Puig entende que a retribuição, a prevenção geral e a especial são dis-

tintos aspectos de um fenômeno complexo da pena31.

                                                                                                               28 GUEIROS, Artur e JAPIASSÚ, Carlos Eduardo. Direito Penal: Volume Único. 1 edição. Rio de janeiro: Atlas, 2018. P.6. 29 MIRABETE, Julio Fabbrini; Fabbrini, Renato N.. Manual de Direito Penal, Vol 1. 32ª edição. São Paulo: Atlas, 2016; pág. 321 30 QUEIROZ, Paulo. Funções do direito penal. 2ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.p. 62. 31 PUIG, Santiago Mir. Direito penal: fundamentos e teoria do delito. 1ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 56.

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Para Merkel, apud TELES, a pena é justa retribuição que não exclui a ideia de seu

fim, que é manter no Estado as condições de vida social, destinando-se, pois, a proteger os

interesses dos indivíduos.

Roberto Lyra escreveu que todas as teorias sobre o fundamento e o fim do direito de

punir podem ser concentradas em três ideias: justiça, ou expiação; defesa social, ou intimida-

ção; e contrato social32.

Mais recentemente, com o surgimento da Escola de Defesa Social e a Nova Defesa

Social, de Adolfo Prins e Filippo Grammatica, e Marc Ancel33, respectivamente, busca-se a

instauração de um movimento de política criminal humanista baseado na ideia segundo a qual

somente se considera que a sociedade é defendida quando se concretiza a adaptação do con-

denado ao meio social. É a denominada teoria ressocializadora, que exclui o caráter retributi-

vo da pena.

No entanto, desde os primórdios até hoje, a pena sempre teve uma carga predomi-

nantemente de retribuição, de castigo, tendo sido somada a esta característica as finalidades

de prevenção e ressocialização do criminoso.

Dentre as mais variadas concepções utilitaristas da pena, merecem ser destacas as

teorias de Claus Roxin e Luigi Ferrajoli.

De acordo com a teoria dialética unificadora de Claus Roxin34, privilegia-se a pre-

venção geral, embora haja nela fusão de diversas outras tendências das mais variadas no que

tange à finalidade da pena. Haveria, portanto, três fases ou momentos distintos que devem se

integrar e se completar, que são: a ameaça (cominação), a imposição (aplicação) e a execução

da pena.

                                                                                                               32 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral. Vol. I. 1 edição. São Paulo: Atlas, 2004, p. 324. 33 Para o estudo aprofundado do tema, veja-se o livro de Marc Ancel. A Nova Defesa Social. Rio de Janeiro: Forense, 1987. 34 ROXIN, Claus. Problemas Fundamentais de Direito Penal. Lisboa: Vega, 1986 (Coleção Veja Uni-versidade.) p.33/45

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Na primeira fase (cominação), o Direito Penal deve ser de natureza subsidiária, o que

significa dizer que somente devem ser punida as lesões a bens jurídicos relevantes quando não

houver no ordenamento jurídico outra forma para a solução do problema (princípio da subsi-

diariedade). Além disso, entende-se que o Direito Penal não deve ser utilizado para as condu-

tas meramente imorais ou não lesivas de bem jurídico (princípio da lesividade).

Pertinentemente observa Paulo Queiroz que, neste primeiro momento, portanto, a

finalidade das normas penais é a proteção subsidiária de bens jurídicos, normas que somente

se justificam quando e enquanto a isso se prestem. Ou seja, a função das disposições penais é

a prevenção geral subsidiária35.

Na segunda fase, isto é, na individualização da reprimenda, a função da pena perma-

nece sendo essencialmente a prevenção geral, pela confirmação da ameaça da pena. Para Ro-

xin, a prevenção geral não se limita à intimidação ou atemorização das pessoas (prevenção

negativa), pois o Direito Penal deve também fortalecer a consciência jurídica da generalidade

dos seus destinatários36.

Neste vetor, Roxin explicita que a maioria dos casos de aplicação de pena incide um

elemento da prevenção especial, que seria a reincidência como forma de intimidar o infrator e

a segurança da sociedade enquanto o delinquente estiver cumprindo a pena.

Ainda nesta fase, por fim, Claus Roxin entende que a culpabilidade deve servir para

limitar o jus puniendi ou a prevenção geral, ou seja, para evitar possíveis excessos que pode-

riam resultar da prevenção geral. Não poderia, pois, ser ultrapassado o limite da culpa.

Dissertando sobre o tema, Paulo Queiroz, citando a obra de Roxin, resume a segunda

fase dizendo que a aplicação da pena serve para a proteção subsidiária e preventiva, tanto ge-

ral como individual, de bens jurídicos e de prestações estatais, por meio de um processo que

                                                                                                               35 QUEIROZ, Paulo. Funções do direito penal. 2ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p.65. 36 ROXIN, Claus. Problemas Fundamentais de Direito Penal. Lisboa: Vega, 1986 (Coleção Veja Uni-versidade.) p.38.

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salvaguarde a autonomia da personalidade e que, ao impor a pena, esteja limitado pelo medida

da culpa37.

Finalmente, na terceira etapa, que se refere à execução da pena, propõe Roxin que a

função da pena é permitir a reintegração do infrator na comunidade (ressocialização).

O autor alemão entende, ainda, que o Direito Penal também se destina a limitar o po-

der de intervenção estatal. Sendo assim, deve-se proteger o indivíduo de uma repressão des-

medida do Estado, ou seja, busca-se protegê-lo simultaneamente através do Direito Penal e

ante o Direito Penal38.

Por seu turno, a teoria apresentada por Luigi Ferrajoli será abordada, a seguir, em

capítulo próprio, com maior profundidade, pois possui especial significado para o desenvol-

vimento do tema e às conclusões do presente estudo.

1.2. A Finalidade da Pena Sob a Ótica de Luigi Ferrajoli

A moderna teoria do garantismo penal do jurista italiano Luigi Ferrajoli atualmente

é bastante difundida em vários países do mundo e, no Brasil, teve extraordinária repercussão

tanto no âmbito acadêmico quanto na prática forense.

A referida teoria possui diversos vieses, estruturada sob um conjunto de teorias de

ordem penal e processual penal, mas, num plano superficial e bem sintético, pode-se dizer que

o Garantismo Penal – ou como o próprio autor Ferrajolli se refere, o SG39 (Sistema Garantis-

ta) –, tem o papel de contrapor o atual sistema juspositivista, adequando-o para submetê-lo

aos valores constitucionais, respeitando-se, assim, as garantias fundamentais do indivíduo.

                                                                                                               37 QUEIROZ, Paulo. Funções do direito penal. 2ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.p 67. 38 ROXIN, Claus. Problemas Fundamentais de Direito Penal. Lisboa: Vega, 1986 (Coleção Veja Uni-versidade.), pg.76. 39 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. 2ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p 91.

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  30

O Sistema Garantista (SG) é formado por axiomas que se dividem em garantias pe-

nais e processuais penais, tendo por objetivo limitar o arbítrio punitivo estatal, tanto na comi-

nação das penas, quanto na aplicação delas. Desse modo, o denominado Garantismo de Ferra-

joli é voltado não apenas ao julgador, mas também para o legislador.

A aplicação da teoria em questão resulta no denominado direito penal mínimo40, que

é baseado no entendimento, segundo o qual, o Direito Penal somente deve ser utilizado quan-

do nenhum outro ramo do direito seja capaz de solucionar a questão. Assim, o Direito Penal é

tido como ultima ratio, isto é, como razão última da intervenção estatal para solução de con-

flitos, o que significa dizer que tal ramo do direito somente deve incidir para tutelar os bens

juridicamente mais relevantes e necessários à vida em sociedade.

Cunhado por alguns autores como princípio da intervenção mínima41, a este caberia

dizer quais seriam os bens de maior importância, que merecem a proteção conferida pelo Di-

reito Penal, mas também dar causa à descriminalização. Isto não quer dizer que se estaria

aplicando teorias abolicionistas ou deslegitimadoras, aquelas que não reconhecem qualquer

legitimidade nas sanções penais, sejam elas de natureza privativa de liberdade ou não.

Os abolicionistas42, por variadas motivações – seja moral, religiosa, política, filosófi-

ca etc. –, não estão de acordo com a potestade punitiva, razão pela qual entendem que o Esta-

do não possui legitimidade para exercer o poder de punir.

Nesse contexto, surgem duas linhas principais das teorias deslegitimadoras ou aboli-

cionistas. A primeira visa a abolição imediata de todo o sistema penal. A segunda, cogita a

adoção imediata de um direito penal mínimo, como meio para a abolição gradual do sistema

penal.

Diferentemente, o garantismo de Ferrajoli não visa o abolicionismo, mas a interven-

ção mínima do direito penal, devendo a resposta penal ser proporcional ao delito praticado,                                                                                                                40 Ob. Cit. p. 101. 41 Neste sentido: GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral, vol I, 19 ed., Niterói, RJ: Im-petus, 2017, p. 97; MIRABETE, Julio Fabbrini; Fabbrini, Renato N.. Manual de Direito Penal, Vol 1. 32ª edição. São Paulo: Atlas, 2016. Pg. 106; BITENCOURT, Cezar Roberto. O Tratado de Direito Penal - Parte Geral - Vol. 1 - 23ª edição. São Paulo. Saraiva, 2017, p. 84; PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Parte Geral- Vol. 1 - 9ª edição. São Paulo: RT, 2010, pg. 104. 42 Para o estudo aprofundado do tema, veja-se o livro citado de Luigi Ferrajoli, páginas 230-235.

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seja na fase da predeterminação da pena quanto nas fases da determinação e pós-determinação

da sanção penal.

Segundo Ferrajoli a fase da predeterminação43 é dirigida ao legislador, que deve ado-

tar critério objetivos para a cominação da pena, como, por exemplo, a culpabilidade e a lesi-

vidade da conduta praticada. Na etapa de determinação, o julgador deve apreciar o caso con-

creto levando em conta as peculiaridades do ato praticado, como, por exemplo, o dolo e a ex-

tensão do dano. Ferrajoli ressalta que, nesta fase, o objeto da conotação judicial deve limitar-

se ao fato que está sendo julgado e não se estender em considerações estranhas a ele44. A fase

da pós-determinação ocorre na execução da pena, quando, por exemplo, são concedidos bene-

fícios ou impostos gravames ao preso.

O princípio da proporcionalidade como resultante da união dos axiomas da legali-

dade e da retributividade, também possui íntima ligação com o princípio da necessidade ou

da economia do Direito Penal45. Neste feixe, tem-se o princípio da lesividade, que deve reger

e limitar o legislador, o qual deverá dizer as condutas que serão incriminadas pela lei penal.

Afasta-se a incidência normativa e repressiva sobre a conduta do agente, determinando que

apenas as lesões ou ameaças aos bens jurídicos fundamentais devem ser previstas no texto

penal.

Enquanto a intervenção mínima somente permite a interferência do Direito Penal

quanto estivermos diante de ataques a bens jurídicos importantes, o princípio da lesividade

nos esclarecerá, limitando ainda mais o poder do legislador, quais são as condutas que pode-

rão ser incriminadas pela lei penal46.

Mas não basta a exteriorização da ação lesiva para a incidência da pena, pois, como é

sabido, deve-se, antes, perquirir sobre a comprovação da responsabilidade subjetiva do agente

imputável. Aqui, surge o princípio da culpabilidade, que diz respeito ao juízo de censura ou

de reprovação que é feito sobre a conduta típica e ilícita perpetrada pelo infrator.

                                                                                                               43 Obra cit. p. 366. 44 Obra cit. p. 373 45 Obra cit. p. 426. 46 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral, vol I, 19 ed., Niterói, RJ: Impetus, 2017, p.53.

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Ferrajoli, em sua obra, critica a impossibilidade de mensuração da culpabilidade,

propondo seja ela aferida pelo ato criminoso praticado. Além disso, o autor lamenta que as

codificações penais ainda prevejam o instituto da reincidência. Senão vejamos:

A condição do reincidente, (ou pré-julgado), culpabilizada desde a

Antiguidade, foi duramente criticada por muitos escritores iluministas

que com razão rechaçaram, por respeito ao princípio de retribuição, a

hipótese de que fosse considerada como motivo para o agravamento

da pena. A pena cancela e extingue integralmente o delito, restauran-

do, ao condenado que a sofreu, a condição de inocente. Portanto, não

se pode importunar o cidadão por aquele delito cuja pena já tenha sido

cumprida.47

Portanto, para fins de aplicação do Direito Penal, no aspecto da culpabilidade, deve-

se levar em consideração o fato praticado (direito penal do fato ou culpabilidade do fato) e

não quem o praticou (direito penal do autor ou culpabilidade do autor). O autor esclarece:

O poder de julgar, enquanto não se limita à função cognitiva que,

além de provas e contraprovas, inclui um poder direto e autônomo de

qualificação e etiquetamento, dá origem a uma relação inevitavelmen-

te desigual, de domínio, que anula a dignidade da pessoa processada.

Infelizmente, o caráter constitutivo do sistema penal- tal como se ex-

pressa na produção legal ou judicial do status jurídico-social (desocu-

pado, vagabundo, perigoso, subversivo, com antecedentes, etc) e dos

correspondentes certificados penais – dispõe, nos ordenamentos con-

temporâneos, de um espaço crescente e progressivamente inquietante,

em sintonia com sua tendencial transformação em um sistema de mera

prevenção, a partir de um sistema retributivo.48

Aprofundaremos, mais a frente, o tema relativo ao direito penal do fato (ou culpabi-

lidade do fato ou do ato) e o direito penal do autor (ou culpabilidade do autor). Por ora, si-

                                                                                                               47 Op. cit. p. 466. 48 Op. cit. p. 467.

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gamos no estudo do sistema garantista (SG), agora mais especificamente no que tange à re-

percussão desta doutrina na finalidade da pena ou os objetivos ou funções do Direito Penal.

Sobre o tema, Luigi Ferrajoli assevera que dentro do parâmetro utilitário da preven-

ção dos delitos, além do máximo bem estar possível dos não desviantes também o mínimo

mal-estar necessário dos desviantes49. Quer-se dizer que a pena não serve apenas para preve-

nir os delitos injustos, mas, igualmente, as injustas punições50.

Prossegue o autor italiano ensinando que:

O direito penal tem como finalidade uma dupla função preventiva,

tanto uma como a outra negativas, quais sejam a prevenção geral dos

delitos e a prevenção geral das penas arbitrárias ou desmedidas. A

primeira função indica o limite mínimo, a segunda o limite máximo

das penas. Aquela reflete o interesse da maioria não desviante. Esta, o

interesse do réu ou de quem é suspeito ou acusado de sê-lo. Os dois

objetivos e os dois interesses são conflitantes entre si, e são trazidos

pelas duas partes do contraditório ao processo penal, ou seja, a acusa-

ção, interessada na defesa social e, portanto, em exponenciar a pre-

venção e a punição dos delitos, e a defesa, interessada na defesa indi-

vidual e, via de consequência, a exponenciar a prevenção das penas

arbitrárias51.

Percebe-se, portanto, que no entender de Ferrajoli o Direito Penal surge no exato ins-

tante em que a relação bilateral entre ofendido e ofensor é substituída por uma relação trilate-

ral ou triangular, da qual passa a fazer parte uma autoridade judiciária movida pela imparcia-

lidade.

Nesta posição imparcial, não pode o juiz ser movido por sentimentos de vingança ou

de defesa social, sob o risco de o Direito Penal regredir a um estado selvagem, anterior à for-

                                                                                                               49 Op. cit. p. 308. 50 Op. cit. p. 309. 51 Obra cit. p. 310.

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mação da civilização, pois, como se sabe, a história da pena e do Direito Penal corresponde a

uma longa luta contra a vingança (vendetta).

O consagrado jurista Paulo Queiroz, comentando a doutrina de Luigi Ferrajoli escre-

ve que:

Em conclusão: a lei penal representa, no seu sentir, a ‘lei do mais dé-

bil (ou mais fraco)’ – débil, quando ofendido ou ameaçado pelo delito,

assim como débil, quando ofendido ou ameaçado pela vingança – lei

do mais débil que se dirige, assim, à proteção dos direitos fundamen-

tais destes contra a violência arbitrária do mais forte, sendo que no

momento do crime, o mais fraco é a vítima; no momento do processo,

o réu, em face do Estado, o mais forte. Portanto, fim feral do direito

penal é, segundo FERRAJOLI, impedir que os indivíduos façam justi-

ça por suas próprias mãos, ou, ainda, minimizar ou controlar a violên-

cia52.

Do exposto, tem-se que a axiologia de Luigi Ferrajoli abrange a responsabilidade do

legislador e do julgador. Ao primeiro não é permitida a redação de normas maniqueístas e ar-

bitrárias por propiciarem juízo de valor. Ao segundo, veda-se a consideração de normas ali-

cerçadas em critérios subjetivos (de ordem pessoal) por impedirem o contraditório (a defesa

ou a falseabilidade).

1.3. A Finalidade da Pena no Ordenamento Jurídico Brasileiro

O Código Penal ainda vigente em nosso país data de 1940, malgrado tenha sofrido

inúmeras alterações ao longo dos anos. As normas foram produzidas em época muito distante

da atual, sob outra realidade social e econômica, e ainda regem o comportamento humano no

aspecto do Direito Penal. Mais que isto, o padrão normativo foi elaborado à égide da Consti-

tuição brasileira de 1937, que ficou conhecida como Polaca, por ter sido inspirada no modelo

polonês semifascista.

                                                                                                               52 QUEIROZ, Paulo. Funções do direito penal. 2ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.p 71.

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  35

O texto original do Código Penal de 1940 concedia ao juiz grande poder de discrici-

onariedade quando da aplicação da pena, que ficava limitado apenas às penas mínimas e má-

ximas cominadas às infrações penais.

O artigo 42 do Código Penal de 1940 dispunha que: Compete ao juiz, atendendo aos

antecedentes e à personalidade do agente, à intensidade do dolo ou gráu da culpa, aos moti-

vos, às circunstâncias e consequências do crime: I – determinar a pena aplicável, dentre as

cominadas alternativamente; II – fixar, dentro dos limites legais, a quantidade da pena aplicá-

vel.

Segundo Francisco de Assis Toledo53, até a reforma trazida pela Lei no 7.209 de 13

de julho de 1984 ao Código Penal – conhecida como Reforma de 1984 ou Reforma Penal de

1984 –, por ausência de previsão legal, havia grande celeuma doutrinária quanto ao critério de

aplicação de pena. Para alguns autores, liderado por Roberto Lyra, deveria ser adotado o sis-

tema bifásico, mas, para outros, em grupo capitaneado por Nelson Hungria, o atual e vigente

critério trifásico.

Os defensores do critério bifásico, entendiam que o juiz deveria valorar, de forma

global, as circunstâncias judiciais (aquelas hoje previstas no artigo 59 do Código Penal) e as

circunstâncias legais agravantes e atenuantes (atualmente previstas nos artigos 61 e 67 do Có-

digo Penal).

Afirmava Roberto Lyra:

Em regra, o juiz, operando entre o mínimo e o máximo da cominação

(...), faz a opção em caso de penas alternativas (p.ex.: artigo 130 - de-

tenção ou multa), e fixa a quantidade da pena por que optou ou da que

foi estabelecida, isolada (...) ou cumulativamente (...). Para êste fim,

atenderá, de modo geral, aos antecedentes e à personalidade do agen-

te, à intensidade do dolo ou grau da culpa, aos motivos, às circunstân-

cias e consequências do crime (artigo 42) e, de modo especial, às cir-

cunstâncias agravantes e atenuantes previstas nos arts. 44 a 48. For-

                                                                                                               53 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal.5a ed. Ed. Saraiva, 2001. Pag. 66

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mada a sua convicção pela livre apreciação da prova (...) o juiz, domi-

nando o conjunto da realidade, sem cisões nem etapas, fixará a pena

(...). Feita, assim, a fixação, verificará o juiz, tanto na Parte Geral,

como na Especial, se ocorrem causas de aumento ou diminuição da

pena, as quais não se confundem com as circunstâncias agravantes ou

atenuantes. Se não ocorrem tais causas, está concluída a sentença. Se

ocorrem, o aumento ou a diminuição se faz sôbre a pena já fixada.54

De modo diverso, para Nelson Hungria55, tal como ocorre hodiernamente, no critério

trifásico, analisa-se, separadamente, as circunstâncias do agente e do fato (circunstâncias ju-

diciais), e, depois, as atenuantes e agravantes. Somente, ao final, as causas de aumento e de

diminuição.

Com a Reforma de 1984, a redação do caput do artigo 59 do Código Penal passou a

estabelecer que: o juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à per-

sonalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao

comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprova-

ção e prevenção do crime. Grifos nossos.

Vê-se, portanto, que o legislador pátrio adotou a teoria mista ou unificadora da pena,

vez que os critérios retributivo e preventivo da pena que pautam, respectivamente, as teorias

absolutas e relativas, foram unificados no texto legal.

Rodrigo Roig56 ressalta que os atuais critérios da aplicação da pena privativa de li-

berdade no Brasil são delineados pela Reforma Penal de 1984, promovida em meio a uma sé-

rie de mudanças sociopolíticas sofridas ao longo do período de exceção democrática, iniciado

a partir do golpe de 1964, circunstância esta que ensejou profundas críticas à Reforma.

O autor chama atenção para a tendência subjetivista na aplicação da pena privativa

                                                                                                               54 LYRA, Roberto. Comentários ao Código Penal. Vol. II, 3. ed. Rio de Janeiro: Companhia Editora Forense, 1958, p. 413. 55 PIERANGELLI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2004, pg.126. 56 ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Dinâmica Histórica da aplicação da pena privative de liberdade no Brasil: análise crítica. Revista Brasileira de Ciências Criminais, 2015, RBCCRIM, Vol. 117, in: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/RBCCrim_n.117.14.PDF acesso em 29/06/18.

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de liberdade promovida pelo Código Penal de 1940 e ratificada pela Reforma de 1984. Salien-

ta que, das oito circunstâncias judiciais elencadas no texto legal, cinco delas (motivos do cri-

me e culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do agente) conduzem a uma

anamnese judicial sobre a pessoa do acusado, uma sobre o comportamento da vítima (também

apresentando matizes de subjetividade) e somente duas de caráter eminentemente objetivo

(circunstâncias e consequências do crime).

Por fim, Roig ainda critica a sistemática utilizada em caso de concurso de agravantes

e atenuantes: as circunstâncias preponderantes continuam a ser aquelas resultantes dos moti-

vos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência (artigo 67), todas

apontadas, de algum modo, para a pessoa do acusado. Surgem daí, segundo o autor, as primei-

ras indagações quanto à legitimidade do emprego de dados pertencentes à esfera íntima do

sentenciado, frente a um Direito Penal que se apresenta como regulador de fatos delitivos, e

não de pessoas. Este assunto será abordado com maior profundida nos capítulos subsequentes

do presente trabalho.

Importante gizar, desde logo, que o Código Penal afasta totalmente a ideia de adoção

da teoria penal absoluta, porquanto, além do disposto no seu artigo 59, outras normas como,

por exemplo, aquela que prevê a inimputabilidade do menor de 18 (dezoito) anos (artigo 27) e

a que trata da desistência voluntária e o do arrependimento eficaz (artigo 15), são plenamente

incompatíveis com a teoria absolutista (finalidade retributiva da pena).

No mesmo dia 13 de julho de 1984, além da Lei no 7.209, que modificou o Código

Penal, também foi publicada a Lei no 7.210, que instituiu a Lei de Execuções Penais, que,

igualmente, trouxe inovações.

Embora previsto o caráter retributivo e preventivo da pena no Código Penal pós-

reforma, de acordo com Lei de Execuções Penais, a pena assumiu, ainda, um atributo voltado

ao correcionalismo e à reintegração do apenado. A intenção foi de preparar o indivíduo puni-

do para o retorno ao convívio social. Esta posição se encontra em sintonia com o pensamento

preconizado pela Escola da Nova Defesa Social, a qual, conforme ensinava o professor Mira-

bete:

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Tem-se buscado instituir um movimento de política criminal humanis-

ta fundado na ideia de que a sociedade apenas é defendida à medida

que se proporciona a adaptação do condenado ao meio social (teoria

ressocializadora). Adotou-se, como assinala Miguel Reale Júnior, ou-

tra perspectiva sobre a finalidade da pena, não mais entendida como

expiação ou retribuição de culpa, mas como instrumento de ressociali-

zação do condenado, cumprindo que o mesmo seja submetido a trata-

mento após o estudo de sua personalidade. Esse posicionamento espe-

cialmente moderno procura excluir definitivamente a retributividade

da sanção penal57.

O artigo 59 do Código Penal inovou ao trazer a “culpabilidade” e o “comportamento

da vítima” como critérios a serem considerados pelo julgador para fim de fixação da pena-

base. Além disso, deixou também expresso os critérios da necessidade e suficiência da pena

como parâmetros para a aplicação da sanção penal a serem seguidas pelo magistrado.

Sendo assim, conclui-se que, de acordo com o ordenamento jurídico pátrio vigente, a

pena deverá ser necessária e suficiente para que se concretize suas finalidades de prevenção

geral e especial, medida que deverá ser realizada pelo juiz com base nas diversas circunstân-

cias previstas em lei.

Na individualização da pena do infrator, o juiz deverá trilhar o critério trifásico de

aplicação de pena assim estabelecido no artigo 68 do Código Penal58, que preconiza exata-

mente a doutrina de Nelson Hungria acima mencionada.

Portanto, na primeira etapa ou fase da aplicação da sanção há a definição da pena-

base, que resultará da implementação da regra contida no artigo 59 do Código Penal. O aludi-

do dispositivo, além de trazer balizas legais acerca da finalidade da pena, estabelece as deno-

                                                                                                               57 MIRABETE, Julio Fabbrini; Fabbrini, Renato N.. Manual de Direito Penal, Vol 1. 32ª edição. São Paulo: Atlas, 2016, p.245. 58 Artigo 68. A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do artigo 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984). Parágrafo único - No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).

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minadas circunstâncias judiciais subjetivas e objetivas, que são aquelas ali previstas que, aca-

so sejam negativamente consideradas no caso concreto pelo juiz, influirá na pena mínima co-

minada, majorando-a.

Sobre o dispositivo em estudo, de grande relevo o apoio nas precisas lições de Mira-

bete:

O juiz deve levar em conta, de um lado, a culpabilidade, os anteceden-

tes, a conduta social e a personalidade do agente, e, de outro, as cir-

cunstâncias referentes ao contexto do próprio fato criminoso, como os

motivos, as circunstâncias e consequências do crime, bem como o

comportamento da vítima. Diante desses elementos, que reproduzem

a biografia moral do condenado de um lado, e as particularidades

que envolvem o fato criminoso de outro, o juiz deve escolher a mo-

dalidade e a quantidade da sanção cabível, segundo o que lhe parecer

necessário e suficiente para atender aos fins da pena.”59 (grifos nos-

sos)

O presente trabalho se aprofundará no estudo das circunstâncias judiciais que repro-

duzem a “biografia moral do condenado”, as quais são denominadas de circunstâncias judici-

ais subjetivas, que serão reinterpretadas à luz das novas diretrizes do Direito Penal Constitu-

cional.

No capítulo subsequente serão estudadas cada uma dessas circunstâncias, oportuni-

dade na qual será possível concluir pela ocorrente instabilidade das relações jurídicas ante às

diferentes avaliações e critérios judiciais acerca da conceituação e, por conseguinte, da inci-

dência, nos casos concretos, da culpabilidade negativa, dos maus antecedentes, da má condu-

ta social e da personalidade negativa do infrator.

As circunstâncias judiciais subjetivas previstas no artigo 59 do Código Penal, pelo

fato de conferir ampla discricionariedade ao magistrado quando da fixação da pena, atentam

                                                                                                               59 MIRABETE, Julio Fabbrini; Fabbrini, Renato N.. Manual de Direito Penal, Vol 1. 32ª edição. São Paulo: Atlas, 2016, p.299.

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contra o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, sendo, assim, incompatível

com o Estado Democrático de Direito.

É que a avaliação do juiz, no caso concreto, sobre a incidência das circunstâncias

judiciais subjetivas (pessoais) negativas não pode ser dissociada de um entendimento calcado

em vetores sociais e de experiência pessoal do próprio magistrado (subjetividade do juiz).

Assim, em termos quantitativos da sanção, a pena-base pode ser majorada mais ou

menos – ou nada! –, a depender do julgador que está diante do caso concreto posto à julga-

mento. Na hipótese, por exemplo, do recrudescimento exacerbado da pena-base ante o reco-

nhecido da personalidade negativa do infrator, tal aumento terá repercussão nas subsequentes

fases do critério trifásico da aplicação da pena.

Sob às leis atualmente vigentes no ordenamento jurídico brasileiro, a discricionarie-

dade – e para alguns, a arbitrariedade –, do magistrado, resultante da norma do artigo 59 do

Código Penal, deva ser controlada pela doutrina garantista proposta por Luigi Ferrajoli.

Vale registrar, ademais, que a regra contida no artigo 59 do Codex não é apenas utili-

zada para a fixação da pena-base. Em nosso ordenamento jurídico, existem alguns outros dis-

positivos legais que fazem referência à citada norma, ampliando, assim, seu âmbito de inci-

dência, sempre em desfavor do infrator.

Veja-se, por exemplo, que a norma do artigo 33 do Código Penal60, que versa sobre a

imposição do regime de cumprimento da pena privativa de liberdade, determina seja observa-

do o artigo59 do Código Penal.

O Estatuto Penal quando trata do sursis da pena (suspensão da pena), no artigo 7861,

igualmente, estipula que a substituição da prestação de serviços à comunidade e da limitação

                                                                                                               60 Art.33 - A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de de-tenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado. (...) § 3º. A determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos crité-rios previstos no artigo59 deste Código.”. Fizemos os destaques. 61 Art.78 - Durante o prazo da suspensão, o condenado ficará sujeito à observação e ao cumprimento das condições estabelecidas pelo juiz.

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de fim de semana por condições mais benéficas ao apenado se a este forem favoráveis as cir-

cunstâncias do artigo 59 do Código Penal.

Aliás, no que tange aos requisitos da suspensão da pena, o legislador, embora não

tenha feito referência expressa ao artigo 59, previu expressamente todas as circunstâncias ju-

diciais subjetivas, que são: a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personali-

dade do agente, como se pode observar do texto do artigo 7762 do Codex.

Além das previsões contidas no próprio Código Penal, o legislador, em lei especiais

ou extravagantes, do mesmo modo, escorou-se na norma do artigo 59 do Código Penal.

O primeiro exemplo é o artigo 42 da Lei no 11.34363, de 23 de agosto de 2006 (Lei

Antidrogas), no qual contém determinação ao juiz no sentido de que, no momento da fixação

da pena, a natureza e a quantidade da substância ou produto, a personalidade e a conduta so-

cial do infrator sejam consideradas como circunstâncias preponderantes sobre aquelas do

artigo 59 do Código Penal.

Perceba que o legislador destacou duas circunstâncias judiciais subjetivas previstas

no próprio artigo 59 do Código Penal, que são a personalidade e a conduta social do agente,

para que, acaso desfavoráveis ao infrator no caso concreto, sejam utilizadas com preponde-

rância em relação às demais circunstâncias judiciais.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         § 1º - No primeiro ano do prazo, deverá o condenado prestar serviços à comunidade (artigo 46) ou submeter-se à limitação de fim de semana (artigo 48). § 2° Se o condenado houver reparado o dano, salvo impossibilidade de fazê-lo, e se as circunstâncias do artigo 59 deste Código lhe forem inteiramente favoráveis, o juiz poderá substituir a exigência do parágrafo anterior pelas seguintes condições, aplicadas cumulativamente: a) proibição de freqüentar determinados lugares; b) proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do juiz; c) comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas ativida-des. Grifamos. 62 Art.77 - A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser suspen-sa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que: I - o condenado não seja reincidente em crime doloso; II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício; III - Não seja indicada ou cabível a substituição prevista no artigo 44 deste Código. Destacamos. 63 Art.42. O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no artigo59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente.

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Outro exemplo bastante interessante, que, aliás, transcende à discricionariedade do

juiz pela aplicação da norma do artigo 59 do Código Penal, encontra-se no artigo 89 da Lei no

9.099/9564, que trouxe ao ordenamento jurídico brasileiro a suspensão condicional do proces-

so ou sursis processual.

A transcendência supramenciona diz respeito ao fato de a avaliação de tais circuns-

tâncias não serem utilizadas pelo juiz nos casos em que se mostra cabível o instituto da sus-

pensão condicional do processo, mas pelo membro do Ministério Público, o dominus litis.

Então, uma vez presentes as condições legais – dentre elas o exame acerca da culpabilidade,

antecedentes, conduta social e personalidade do agente –, decidirá o Promotor de Justiça ou o

Procurador da República se oferece ao denunciado proposta de sursis processual.

Neste caso, o juiz apenas participaria do exame dessas condições de maneira secun-

dária, na medida em que exerce o controle judicial da regularidade ou não da proposta de sus-

pensão condicional do processo.

Assim, se, por hipótese, o promotor de justiça entender que a personalidade do de-

nunciado é negativa por determinada razão e, por isso, deixar de ofertar o sursis processual,

poderá o magistrado, se entender seja caso de cabimento do instituto, recorrer-se à norma do

artigo 28 do Código de Processo Penal.65

Pelo exposto até aqui, vê-se claramente que a norma do artigo 59 do Código Penal,

mais especificamente as circunstâncias judiciais de caráter subjetivo, isto é, a culpabilidade,                                                                                                                64 Art.89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (artigo77 do Código Penal). Art.77 - A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que: I - o condenado não seja reincidente em crime doloso; II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício; III - Não seja indicada ou cabível a substituição prevista no artigo 44 deste Código. 65 Art.28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquiva-mento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar impro-cedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.

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os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente estão presentes em nosso orde-

namento jurídico em diferentes fases da persecução penal.

Ora servindo para definir a pena-base, ora sendo utilizadas para se estabelecer o re-

gime de cumprimento de pena, ora para fazer ou não incidir a suspensão ou substituição da

pena, ou mesmo a suspensão condicional do processo.

Neste panorama, conclui-se que, atualmente, o sistema penal brasileiro estabelece

critérios legais para a fixação de pena, mas também prevê circunstâncias judiciais que serão

necessariamente examinadas pelo juiz, no caso concreto, podendo ou não majorar a pena-base

do infrator.

E justamente na possibilidade da incidência ou não do aumento ante o reconhecimen-

to de alguma circunstância judicial subjetiva negativa (culpabilidade, antecedentes, conduta

social e personalidade do agente) é que reside o fundamento garantista do Direito Penal como

móvel para afastar a incidência da norma do artigo 59 do Código Penal.

Neste panorama, de relevo informar que o Anteprojeto do Novo Código Penal não

mais contempla os antecedentes, a conduta social e a personalidade do infrator como circuns-

tâncias judiciais subjetivas, mantendo-se apenas a culpabilidade, conforme estabelecido no

artigo 7566, que trata das circunstâncias judiciais.

Espera-se, portanto, que, pro futuro, a subjetividade e a discricionariedade do juiz no

momento da fixação da pena-base não mais tenham a abrangência hoje vigente, pois, do con-

trário, estaria comprometida a validade da norma ante a inconstitucionalidade verificável por

                                                                                                               66 Art.75. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos motivos e fins, aos meios e modo de execução, às cir-cunstâncias e consequências do crime, bem como a contribuição da vítima para o fato, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I – as penas aplicáveis dentre as cominadas; II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; III – o regime inicial de cumprimento da pena de prisão; IV – a substituição da pena de prisão aplicada por outra espécie de pena, se cabível. §1o. Na análise das consequências do crime, o juiz observará especialmente os danos suportados pela vítima e seus familiares, se previsíveis. § 2o. Não serão consideradas circunstâncias judiciais as elementares do crime ou as circunstâncias que devam incidir nas demais etapas da dosimetria da pena.

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afronta a dispositivos da Constituição Federal, garantidores dos direitos fundamentais do in-

divíduo, os quais serão melhor delineados adiante.

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CAPÍTULO II – AS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS SUBJETIVAS NO SISTEMA

TRIFÁSICO DE APLICAÇÃO DE PENA

Conforme já observamos, o texto original do Código Penal de 1940 não trouxe previ-

são legal acerca de qual método deveria ser utilizado para a aplicação da pena. Somente após

a Reforma Penal de 1984, adotou-se, expressa e legalmente, o denominado método trifásico

de aplicação de pena traçado por Nelson Hungria, que restou consolidado no artigo 68 do Es-

tatuto.67 A prefalada norma legal, portanto, trouxe balizamentos para a fixação da pena, ser-

vindo, até certo ponto, como forma de controle da atividade judicial.

O modelo trifásico, como se infere do texto legal, compõe-se das seguintes etapas:

1o) definição da pena-base através da valoração das circunstâncias ju-

diciais previstas do artigo 59;

2o) análise acerca da incidência ou não das agravantes e atenuantes

previstas nos artigos 61 a 66, para a consequente aplicação sobre a pe-

na-base, obtendo-se, assim, a chamada pena provisória; e

3o) imposição das majorantes e minorantes, caso aplicáveis no caso

concreto, para determinação da pena definitiva.

Na sequência, cabe ao magistrado decidir sobre o regime inicial para o cumprimento

da sanção imposta, e ainda, avaliar se é viável a substituição da penal privativa de liberta em

penas restritivas de direitos ou multa, em obediência ao artigo 44 do Código Penal.

Bem compreendido o método legal de aplicação da sanção penal, passemos ao ponto

nodal do presente trabalho, que versa sobre as consequências práticas da incidência das cir-

cunstâncias judiciais de caráter subjetivo no método trifásico de aplicação de pena.

                                                                                                               67 Art.68. A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do artigo 59 deste Código; em seguida se-rão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento.

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Nota-se, portanto, que a primeira fase da aplicação da reprimenda será mais desen-

volvida e explorada neste trabalho, vez que é nesta etapa inicial que o magistrado, avaliando

as circunstâncias judiciais – de ordem objetiva e subjetiva –, determinará a pena-base, sobre a

qual, dependente do caso concreto, incidirão outros aumentos e/ou diminuições.

2.1. Cálculo da Pena Privativa de Liberdade no Ordenamento Jurídico Brasileiro

Como visto, o ordenamento jurídico brasileiro adota o critério trifásico para a aplica-

ção da pena. Para tanto, o primeiro passo, repise-se, será a definição da pena-base, sendo esta

o ponto de partida para a segunda e a terceira etapas da imposição da sanção penal ao delin-

quente.

Para Boshi68 é preciso compreender que, uma vez fixada a pena-base, o quantum de

pena nela estabelecido irá repercutir nas fases posteriores. É que, sobre a pena-base, incidirão

eventuais frações de agravamento (agravantes) ou de atenuação (atenuantes) e, ainda, de ma-

joração (majorantes) e de diminuição (minorantes).

Sendo assim, fácil concluir que um erro cometido no momento da inflição da pena-

base produzirá eco na pena definitiva, isto é, naquela que, ao final, será imposta ao criminoso

pelo fato delituoso por ele praticado.

Como é sabido, o magistrado, para fixar a pena-base, deve avaliar as circunstâncias

judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal. Assim, partindo da pena mínima cominada à

infração, o julgador, para definir a pena-base, poderá majorá-la se considerar desfavorável ao

acusado uma ou mais circunstâncias judiciais, sem nunca, porém, ultrapassar o máximo de

pena previsto abstratamente.

                                                                                                               68 BOSCHI, José Antonio Paganella. Das penas e seus critérios de aplicação. 4. ed., rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006

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Importante asseverar que a majoração da pena-base ante o reconhecimento de cir-

cunstâncias judiciais desfavoráveis depende da presença de elementos probatórios constantes

nos autos do processo. Shecaira69 afirma que:

Muitas das questões que, posteriormente, servirão para fundar o

“quantum” da pena fixada dependem de um eficiente interrogatório

(artigo 188 do CPP), o que nem sempre é feito. Como saber, por

exemplo, sobre a conduta social prévia do agente do crime se o pró-

prio agente e as testemunhas arroladas não o disserem?

Se, ao revés, todas essas circunstâncias forem favoráveis ao infrator, a pena mínima

cominada não sofre qualquer alteração, uma vez que não pode haver diminuição da pena

aquém do mínimo.

Neste ponto, Paulo José da Costa Jr., assevera que o artigo 59 reconheceu ao juiz lar-

ga margem de discricionariedade na aplicação da pena. Para não atentar contra o princípio da

legalidade, a discricionariedade não pode ser livre, explicando que a discricionariedade não é

sinônimo de arbítrio70.

Mas quais seriam os critérios para balizar tal discricionariedade?

De relevo anotar que, além do aspecto inerente à identificação das circunstâncias,

sob o ponto de vista quantitativo, o magistrado também não possui qualquer parâmetro legal

previamente estabelecido para proceder ao aumento ou à diminuição da pena-base71. A modu-

lação de dias, meses ou até anos pode ser decidida sem apoio em qualquer norma ou critério

legal, fator que já demonstra o risco existente à diversos postulados constitucionais nesta pri-

meira fase de aplicação da reprimenda.

Diante desse vácuo legislativo, a jurisprudência de nossos tribunais definiu o que se

denominou “termo médio”, que seria o resultado da soma entre os dois parâmetros do tipo

                                                                                                               69 SHECAIRA, Sérgio Salomão; CORRÊA JUNIOR, Alceu. Teoria da Pena: finalidades, direito posi-tive, jurisprudência e outros estudos de ciência criminal, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. 70 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Curso de Direito Penal. 9a ed. Ed. Saraiva. 2008.Pg.193. 71 BOSCHI, José Antonio Paganella. Das penas e seus critérios de aplicação. 4. ed., rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 218.

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penal e a posterior divisão do resultado obtido por dois. Com efeito, após a primeira fase de

aplicação de pena, a sanção deve ficar entre o mínimo legal e o “termo médio”. Este posicio-

namento pretoriano, sem dúvida, permite o controle das partes do processo sobre a atividade

de fixação da pena-base desempenhada pelo magistrado.

Na doutrina pátria o tema é controvertido. Para Mário Helton Jorge72 e Fabrício An-

tônio Soares73, por exemplo, o juiz deveria utilizar o critério de 1/8 para elevar a pena ante a

verificação de cada uma das circunstâncias judiciais. Neste caso, a pena-base poderia atingir

o patamar máximo.

2.2. Direito penal do autor e direito penal do fato na dosimetria da pena

Segundo a parte da doutrina, escorada no direito penal do autor (culpabilidade do

autor), na fase de aplicação da sanção penal, por exemplo, deve-se levar em consideração a

pessoa do criminoso, independentemente do fato delituoso a ser julgado. Deve-se apurar

quem ele é, qual o seu modo ou meio de vida, como se porta ou comporta perante à comuni-

dade onde vive, quais lugares frequenta, com quem se relaciona etc. Uma avaliação de cunho

subjetivo (pessoal), realizada discricionariamente pelo magistrado é feita exclusivamente

com base no tipo de pessoa do criminoso.

Neste sentido, os adeptos deste posicionamento entendem que na fase da aplicação

de pena, vige o direito penal do autor (culpabilidade do autor), pois, o julgador, segundo a

norma do artigo 59 do Código Penal, deverá levar em conta – para fins de majoração ou não

da reprimenda –, circunstâncias de caráter pessoal (subjetivas) do criminoso, isto é, a culpa-

bilidade (reprovabilidade), os antecedentes, a personalidade e a conduta social.

Diferentemente, no direito penal do fato (culpabilidade do ato ou do fato), o crimi-

noso deve ser julgado em razão do fato por ele praticado, não devendo ser levado em conta o

seu caráter ou demais considerações de cunho estritamente pessoal do indivíduo, sob pena de

a decisão arranhar determinadas garantias individuais ou direitos fundamentais de guarida

constitucional, tais como a liberdade, igualdade e intimidade, por exemplo.                                                                                                                72 JORGE, Mário Helton. Direito Penal: A Quantificação da Pena em Face das Circunstâncias, Revista dos Tribunais, São Paulo. 2004. 73 SOARES, Fabrício Antônio. Critérios para a Fixação da Pena-base e da Pena Provisória, Revista da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, RJ, 2006.

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Na lição de Francisco de Assis Toledo, ao comentar sobre o direito penal de autor e

culpabilidade de autor, ensina que o Direito Penal moderno é, basicamente, um Direito Penal

do fato. Está construído sobre o fato-do-agente e não sobre o agente-do-fato74.

Zaffaroni e Pierangeli discorrendo sobre o tema advertem:

Já nos referimos à existência de um direito penal de ato e de um direi-

to penal de autor (ver n. 33), e afirmamos que o nosso direito penal é

de ato. (...). Resta-nos, agora, reafirmar que nosso direito penal, com

direito penal de ato que é, é direito penal com culpabilidade de ato e

não direito penal com culpabilidade de autor75.

A ideia central é a de que o indivíduo deve ser julgado por aquilo que ele fez, e não

por quem ele é. Apoiada neste ideia é que devemos interpretar o artigo 59 do Código Penal à

luz das garantias individuais previstas na Constituição Federal.

Qual seria, então, o Direito Penal a ser aplicado no momento da fixação da pena-

base? O direito penal do autor ou o direito penal do fato?

No estudo das circunstâncias judiciais, como se sabe, existem as circunstâncias ob-

jetivas e as subjetivas, sendo estas últimas o foco do presente trabalho, versando elas sobre o

agente (o infrator) e não sobre o fato criminoso.

Por esta razão, indaga-se se seria constitucional uma norma penal que determina o

aumento da pena-base a partir do reconhecimento, pelo magistrado, de circunstâncias judici-

ais subjetivas negativas (do autor do crime)? E mais: majoração de pena implementada a par-

tir da subjetividade do juiz sem apoio em quaisquer critérios legais pré-estabelecidos.

Imprescindível à resposta, adentrar no estudo pormenorizado das circunstâncias ju-

diciais subjetivas previstas no artigo 59 do Código Penal brasileiro.

                                                                                                               74 TOLEDO. Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal.5a ed. Ed. Saraiva. 2001. Pg.235. 75 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, c2010. (v. 1).. Pgs.542/543.

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2.3. Circunstâncias Judiciais Subjetivas Previstas no Artigo 59 do Código Penal

Brasileiro

Da leitura da norma76, pode-se extrair as 8 (oito) circunstâncias judiciais. São elas:

culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos do crime, cir-

cunstâncias do delito, consequências da infração penal e comportamento da vítima.

Entende-se como circunstâncias judiciais subjetivas aquelas que dizem respeito à

pessoa do infrator, nada tendo a ver com o fato praticado. Por exemplo, os antecedentes do

criminoso. De acordo com a norma em comento, se o infrator possuir maus antecedentes, a

pena-base a ser fixada poderá sofrer incremento, independentemente de qual tenha sido o deli-

to cometido, o que não ocorreria se ele tivesse bons antecedentes.

Partindo desse entendimento, tem-se como circunstâncias judiciais subjetivas (pes-

soais) a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, que são

as quatro primeiras trazidas pelo dispositivo legal supramencionado.

De outro lado, há circunstâncias judiciais que se referem ao contexto do próprio fato

criminoso, que são: os motivos, as circunstâncias e as consequências do crime, e o comporta-

mento da vítima.

Considerando que o presente trabalho visa aprofundar o estudo sobre as circunstân-

cias judiciais subjetivas apenas relacionadas ao autor do delito, é preciso aclarar que o concei-

to de cada uma dessas circunstâncias advém da doutrina brasileira, porquanto sua conceitua-

ção não se encontra entabulada em qualquer norma de nosso ordenamento jurídico, fator que,

sem dúvida, traz considerável abalo ao princípio da segurança das relações jurídicas.

Neste sentido, Zaffaroni e Pierangeli trazem um panorama de grande valia ao presen-

te estudo quando lecionam:

                                                                                                               76 Art.59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da ví-tima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.

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Um importantíssimo capítulo do direito penal é o da quantificação ou

individualização da pena, que se encontra bastante descuidado pela

doutrina, pelo menos nestes últimos anos, resultado que é do exagera-

do desenvolvimento que envolveu a teoria do delito, em detrimento

deste capítulo, e que, lamentavelmente, compromete tanto as garantias

individuais como a segurança jurídica. Um deficiente desenvolvimen-

to da teoria do delito, sem princípios claros, leva invariavelmente ao

campo da arbitrariedade, quando as ‘margens penais’ apresentam exa-

gerada amplitude e convertem o arbítrio judicial em verdadeira arbi-

trariedade. Na proporção em que o legislador se omite de sua função

específica de determinar, de forma adequada, um mínimo e um máxi-

mo de pena, e, por comodismo ou por não querer assumir responsabi-

lidades, estabelece margens extremamente largas, em meio às quais

atua o juiz, estará em jogo a segurança dos cidadãos77.

A determinação da medida que, dentro do máximo permitido pelo

grau de culpabilidade, requer a prevenção de acordo com os antece-

dentes, a conduta social e a personalidade do agente (na sua segunda

função individualizadora). Cabe advertir que, neste aspecto, é de se

insistir na necessidade de um estudo ou informe criminológico. Não

obstante, o princípio constitucional de inocência impede – na nossa

maneira de ver – a realização do informa criminológico de um proces-

sado. Cremos que, se efetivamente se quisesse implantar esse informe,

se faria mister dividir o processo, ou juízo, em duas partes – como su-

cede, algumas vezes, nos Estados Unidos: na primeira se estabelecen-

do a autoria e a classificação legal do fato, e, numa segunda etapa,

procede-se à individualização da pena. De outra maneira, pretender

realizar um informe criminológico de um processado é penetrar no

âmbito de privacidade e intimidade de uma pessoa, que a lei presume

                                                                                                               77 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, c2010. (v. 1). Pág. 722.

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inocente, e que de modo algum autorizam os mais elementares princí-

pios do Estado de Direito78.

Vejamos, a seguir, o significado das circunstâncias judiciais subjetivas de acordo

com a doutrina nacional.

2.3.1. Culpabilidade

A reforma do Código Penal, trazida pela Lei Federal no 7.209/84, substituiu as ex-

pressões “intensidade do dolo” e “grau de culpa”, utilizadas no texto original, pela culpabili-

dade, sob o fundamento de que “graduável é a censura cujo índice, maior ou menor, incide a

quantidade da pena”79.

Não se deve confundir a culpabilidade como circunstância judicial com a culpabili-

dade como elemento do crime. Nesta, a culpabilidade integra o conceito analítico de crime,

sendo este entendido como a conduta típica, ilícita e culpável (culpabilidade). Naquela, após o

reconhecimento da existência do delito, ingressa o magistrado na seara da aplicação da pena,

cabendo-lhe avaliar a culpabilidade (reprovabilidade) como circunstância judicial para fins de

incrementar a pena-base.

A culpabilidade utilizada como critério de cálculo da pena-base não é tema pacífico

na doutrina. Segundo Dotti80, necessário se faz distinguir a culpabilidade do ato e a culpabili-

dade do autor, sendo que, é a primeira que deve ser avaliada no cálculo da pena-base, pois

versa sobre o juízo de reprovabilidade da conduta criminosa praticada. Assim, se a reprova-

bilidade da ação ou omissão criminosa extravasar a culpabilidade normal ou esperada do tipo

penal, deverá ser a pena aumentada.

Diferentemente, na culpabilidade do autor, julga-se o réu pela sua conduta pessoal

de vida, desvinculada da gravidade do ato criminoso. Sérgio Salomão Shecaira e Alceu Cor-

                                                                                                               78 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, c2010. (v. 1). 724. 79 Exposição de motivos da Lei no 7.209/84, item 50. 80 DOTTI. René Ariel. Curso de Direito Penal: parte geral. Rio de Janeiro : Forense, 2002

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rêia Junior81 nos ensinam que a adoção da culpabilidade do autor – se levada às últimas con-

sequências – pode fazer aflorar elementos autoritários, incompatíveis com o Estado Democrá-

tico de Direito.

Em sentido contrário, Alice Bianchini82 e outros autores entendem que a culpabilida-

de estaria relacionada com o nível de menosprezo do autor de delito diante do bem jurídico

atingido. Assim:

(...) no momento da sua aplicação deve levar em conta a posição do

agente frente ao bem jurídico violado: a) de menosprezo total (que se

dá no dolo direto); b) de indiferença (que ocorre no dolo eventual) e

de c) descuido (que está presente nos crimes culposos). (…) a culpabi-

lidade do artigo 59 do CP não é a mesma coisa que juízo de reprova-

ção ou de censura nem tampouco significa a soma de todas as demais

circunstâncias do referido artigo.

Outro, ainda, é o entendimento de Guilherme de Souza Nucci83 . Para este autor, a

culpabilidade estaria relacionada aos antigos institutos da “intensidade do dolo” e dos “graus

da culpa”, presentes na antiga redação do artigo 42 do Código Penal, anteriormente à Reforma

de 1984.

No mais, quando se encontra no momento de fixar a pena, o julgador

leva em conta a culpabilidade em sentido lato, ou seja, a reprovação

social que o crime e o autor do fato merecem.(…)

A culpabilidade, em nosso entender acertadamente, veio a substituir as

antigas expressões “intensidade do dolo” e “graus da culpa”, previstas

dentre as circunstâncias judiciais.

                                                                                                               81 SHECAIRA, Sérgio Salomão; CORRÊIA JÚNIOR, Alceu. Teoria da Pena: finalidades, direitos positivo, jurisprudência e outros estudos de ciência criminal, São Paulo, Revistas dos Tribunais, 2002. 82 BIANCHINI, Alice; GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio; GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: introdução e princípios fundamentais . 2. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribu-nais, 2009. p. 727(Coleção ciências criminais ; v. 1.) 83 NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. 5a ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. P.183.

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Há, ainda, autores renomados como Zaffaroni84 e Cleber Masson85, que sustentam

que a culpabilidade é gênero do qual são espécies todos os outros elementos presentes no arti-

go 59 do Código Penal:

(...) entendemos que a medida da pena-base indica o grau de

culpabilidade, e que as considerações preventivas permitem fixá-las

abaixo desse máximo (…) A culpabilidade abarcará tanto os motivos

(é inquestionável que a motivação é problema da culpabilidade), como

as circunstâncias e consequências do delito (que podem compor tam-

bém o grau do injusto que, necessariamente, reflete-se no grau de cul-

pabilidade).

(...) entende-se que a culpabilidade é o conjunto de todas as de-

mais circunstâncias judiciais unidas. Assim, antecedentes + conduta

social + personalidade do agente + motivos do crime + circunstâncias

do delito + consequências do crime + comportamento da vítima = cul-

pabilidade maior ou menor.

Pelo exposto, é possível notar que os autores divergem bastante quanto à conceitua-

ção da culpabilidade como circunstância judicial, o que gera insegurança jurídica resultante

da falta de técnica legislativa.

2.3.2. Antecedentes

Não menos polêmica é a conceituação da segunda circunstância judicial descrita no

artigo 59 do Código Penal: antecedentes.

No que tange à avaliação dos antecedentes, por exemplo, pode se escorar em pelo

menos 3 (três) posições divergentes. A primeira seria baseada na teoria segundo a qual os juí-

zes devem realizar uma interpretação literal da referida expressão. Assim, as circunstâncias do

crime e a personalidade do agente, quando negativas, poderiam ser considerados fatores indi-

                                                                                                               84 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, c2010. (v. 1). P. 719-720. 85 MASSON, Cleber. Direito penal: esquematizado . São Paulo: Método, 2009. P.593

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cativos dos antecedentes. Parece ser este o entendimento do Supremo Tribunal Federal no tre-

cho do aresto abaixo transcrito:

(…) II - O juiz, na avaliação dos antecedentes do réu, não fica sujeito

às informações sobre a sua vida pregressa, vale dizer, se já foi preso

ou respondeu a inquéritos policiais ou processos judiciais anterior-

mente, podendo, à vista das circunstâncias do crime e de sua persona-

lidade, medir seu grau de periculosidade e concluir não ter ele bons

antecedentes, assim sem o direito de apelar em liberdade. Precedentes

do STF.86

A segunda teoria utilizada para se inferir a incidência dos antecedentes, adotada por

renomados doutrinadores, dentre eles Fernando Capez, aduz que apenas a folha de anteceden-

tes criminais do réu deve ser apreciada.

A última tese, da qual faz parte Guilherme de Souza Nucci, considera que, para fins

de fixação da pena-base, antecedentes são apenas as condenações com trânsito em julgado

que não são aptas a gerar reincidência. Todo o mais, em face do princípio da presunção de

inocência não deve ser considerado.

Por todo o acima exposto, é possível concluir que as divergências doutrinarias e ju-

risprudênciais são reflexos da ampla discricionariedade conferida aos magistrados, que pode

resultar numa interpretação desfavorável ao réu. Neste sentido, como bem narrado por Yvana

Savedra de Andrade Barreiros87: o melhor entendimento é aquele adotado por Salo de Carva-

lho, que propõe a não-consideração da circunstância, por entender que a mesma atua como

instrumento a serviço da moral e da restrição da autonomia individual.

Tal entendimento encontra respaldo nos ensinamentos de Zaffaroni88:

                                                                                                               86 BRASIL. Minas Gerais. Supremo Tribunal Federal. HC 81183 - Relator: Min. Carlos Velloso - Pub-licação: DJ 12-04-2002, p. 00054 Ement. Vol. 02064-03, p. 00569 87 https://jus.com.br/artigos/9044/comentarios-ao-artigo-59-do-codigo-penal/1.Acesso em 12/06/2017. 88 ZAFFARONI, Rául Eugênio. "Reincidência; um conceito do direito penal autoritário", in Livro de Estudos Jurídicos n.º 3RJ, IEJ, 1991. Pág. 60.  

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(...) a vantagem de eliminar os antecedentes penais (que se tornaria

desnecessário), com o que desapareceria a consagração legal da es-

tigmatização. A recuperação de um direito penal de garantias pleno

daria um passo extremamente significativo com a abolição da reinci-

dência e dos conceitos que lhe são próximos, conceitos estes sempre

evocativos dos desvios autoritários dos princípios fundamentais do di-

reito penal liberal, e especialmente, do estrito direito penal do ato.

A doutrina pátria procura buscar o significado do que seja maus antecedentes tendo

como limitador o princípio constitucional da presunção de inocência. Assim, considera-se

maus antecedentes somente as condenações anteriores com trânsito em julgado que não sir-

vam para constituir a reincidência.

Seria o caso de o infrator ter praticado o fato criminoso pelo qual será julgado antes

do trânsito em julgado de condenação anterior. Nesta hipótese, não poderia ser ele considera-

do reincidente porque, segundo o artigo 63 do Código Penal, a reincidência se dá quando o

agente comete novo crime, depois de transitada em julgado a sentença que o tenha condenado

por crime anterior.

De acordo com este entendimento, portanto, as anotações na FAC (folha de antece-

dentes criminais) do agente, onde ele figure como investigado em inquérito policial ou réu em

processo penal ainda em curso, não servem para afirmar seus maus antecedentes. Assim como

também é imprestável para negativar os antecedentes a condenação por crime ainda pendente

de recurso.

Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça editou o verbete sumular no 444, que

estabelece: É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agra-

var a pena-base.

Na mesma linha, em julgamento recente, o Supremo Tribunal Federal modificou seu

anterior posicionamento acerca do tema, passando a entender que: A existência de inquéritos

policiais ou de ações penais sem trânsito em julgado não pode ser considerada como maus

antecedentes para fins de dosimetria da pena. (STF, HC 104.266/RJ, Relator Ministro Teori

Zavascki, 2a Turma, DJe 26/05/2015).

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Também não devem ser considerados antecedentes, por razões lógica e semântica, os

fatos praticados posteriormente ao crime que se está julgando, ainda que tenha havido trânsito

em julgado da decisão condenatória. Nesta hipótese, porém, não se exclui que tal incidente

seja considerado como má conduta social ou personalidade negativa dentro da ótica da dou-

trina tradicional acerca do tema.

Aqui, curioso trazer o entendimento de Inácio de Carvalho Neto, o qual, em contra-

ponto ao posicionamento de nossos Tribunais Superiores, afirma que, por exemplo, os proces-

sos penais em andamento – ainda não transitados em julgado –, poderiam ser considerados

como maus antecedentes sem, com isso, haver ofensa ao princípio da não culpabilidade.

Afirma o citado autor que não se trata de considerar o réu culpado por aquele fato

cujo processo ainda não tem sentença penal condenatória transitada em julgado. Mas, tão-

somente, de levar em consideração o envolvimento dele em outro processo judicial ou inqué-

rito policial, sem valorar tal fato como imputação de culpa.89.

Na mesma obra, Inacio Neto cita a doutrina de Gilberto Ferreira, quando este afirma

que o legislador parece ter desejado, no artigo 58, é que o juiz considere tão só o comporta-

mento do agente para apurar a sua propensão ao crime, a sua probabilidade de delinquir, in-

dependentemente de ser ele culpado ou não90.

2.3.3. Conduta Social

A avaliação da conduta social visa identificar a forma como o indivíduo se relaciona

com aqueles que o cercam, ou seja, apurar o comportamento do infrator perante a sociedade.

Constitui um verdadeiro resquício do direito penal do autor em nosso ordenamento jurídica,

para aqueles que assim o enxergam.

Paulo José da Costa Junior, citado na obra de Inacio Carvalho Neto traz a seguinte

definição de conduta social:

                                                                                                               89 CARVALHO NETO, Inácio. Aplicação da Pena. Ed. Forense. 2003. Pgs.44/45 90 Op.cit. Pg.44.

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Por conduta social deverá entender-se o papel que o acusado teve, em

sua via pregressa, na comunidade em que se houver integrado. Se foi

um homem voltado ao trabalho, probo, caridoso, ou se ao revés trans-

correu os seus dias ociosamente, ou exercendo atividades parasitárias

ou anti-sociais. Será igualmente considerado o comportamento do

agente no seio da família, o modo pelo qual desempenhou-se como

pai e como marido ou companheiro. Será igualmente considerada sua

conduta no ambiente de trabalho, de lazer ou escolar. Se se mostrava o

agente sociável, cordial, educado, prestativo, ou introvertido, ríspido,

egocêntrico, egoísta, agressivo para com seus colegas de trabalho, ou

de escola, ou para com seus companheiros de clube91.

Pelos conceitos já traçados até aqui, note-se que a conduta social não possui o mes-

mo significado nem está abrangida pelo que se entende por antecedentes, e vice-versa. O in-

divíduo pode ter má conduta social e bons antecedentes, assim como também poderá o agente

ter maus antecedentes e boa conduta social.

Para Paganella Boschi92 e Túlio Vianna93, a análise da conduta social, na dosimetria

da pena, afronta diretamente o princípio da legalidade, senão vejamos:

A consideração da conduta social na dosimetria da pena representa,

como também afirmamos linhas acima, alinhamento do nosso direito

com a concepção da culpabilidade pelos fatos da vida, tão contestada,

ainda hoje, como lembra Enrique Bacigalupo, ao comentar o Código

Penal argentino. (BOSCHI)

A majoração da pena em virtude da conduta social do agente pressu-

põe a análise de condutas não tipificadas pelo legislador e qualquer

aumento de pena em virtude desta circunstância equivale à imposição

de pena sem prévia cominação legal, em nítida ofensa ao princípio

                                                                                                               91 Op. cit 44 92 BOSCHI, José Antonio Paganella. Das penas e seus critérios de aplicação. 4. ed., rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 206 93 VIANNA, Túlio Lima. Pena – Fixação. Roteiro Didático. Revista Síntese de direito penal e proces-sual penal , Porto Alegre, a.4, v.19, , abril/maio de 2003. p. 54-61

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  59

constitucional da legalidade. Não bastasse, a análise destas condutas

incidentalmente durante a fixação da pena, sem garantia ao réu dos di-

reitos ao contraditório e ao devido processo legal, equivale ainda a

uma condenação sumária e inquisitorial por fatos – é bom que se repi-

ta – atípicos.

A apreciação da história de vida do condenado que, não guarda qualquer relação com

o crime praticado, reforça ainda mais o direito penal do autor que, como já visto, contraria o

ordenamento jurídico penal com pretensões verdadeiramente democráticas.

Sobre este tema, Maria Lúcia Karam94 assevera:

Uma nova atuação da Justiça Criminal, que rompa com a prática pau-

tada pela razão e pela lógica do poder de classe do Estado, há que

romper com a tendência dominante que se manifesta na análise destas

circunstâncias. Ao contrário do que se costuma considerar, circuns-

tâncias como a não integração ao mercado de trabalho, o baixo nível

de escolaridade, a deficiente socialização familiar, ou o anterior conta-

to com o sistema penal, visto como evidenciadores de má conduta so-

cial ou de maus antecedentes, a exigir pena maior, constituem-se, na

realidade, em circunstâncias que, tornando mais escassos o espaço so-

cial e as oportunidades de viver dignamente, fazem menos exigível o

comportamento conforme a norma, consequentemente impondo uma

menor medida da pena, correspondente à menor culpabilidade pelo ato

realizado.

Neste mesmo sentido, vale citar as ementas abaixo do nossos Superior Tribunal de

Justiça:

                                                                                                               94 KARAM, Maria Lúcia. Aplicação da pena: por uma nova atuação da justiça criminal. Revista Brasi-leira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 2, n. 6, pp. 117-132, abril-junho, 1994.

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“CONDUTA SOCIAL. DESFAVORÁVEL. COMETIMENTO DO

PRÓPRIO DELITO. IMPOSSIBILIDADE. AVALIAÇÃO ÉTICA

DA CONDUTA DO PACIENTE. IMPOSSIBILIDADE. [...] A con-

duta social do agente não pode ser considerada desfavorável apenas

por conta do cometimento do próprio delito, assim como considera-

ções de cunho ético e moral devem ser excluídas da avaliação” (STJ,

6a Turma, HC 67.710/PE, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS

MOURA, j. 27.03.2008, DJe 22.04.2008).

“[...] a conduta social negativa em razão de desemprego e a personali-

dade voltada para o ilícito, não autoriza a exasperação da reprimenda

penal” (STJ, 6a Turma, HC 74.034/RJ, Rel. Min. MARIA THEREZA

DE ASSIS MOURA, j. 16.03.2010, DJe 05.04.2010); “O fato de o

paciente contar com vinte e oito anos de idade e encontrar-se desem-

pregado à época do crime não são fundamentos válidos capazes de va-

lorar negativamente sua conduta social [...]”. (STJ, 5a Turma, HC

47.006/PE, Rel. Min. GILSON DIPP, j. 11.04.2006, DJ 08.05.2006).

A circunstância judicial em comento não admite seja compreendida sob à ótica do

direito penal do fato (ou culpabilidade do fato), pois circunscreve-se à conduta de vida do

indivíduo, sua inserção do seio familiar, social etc, cabendo ao julgador, na instrução proces-

sual, buscar informações e provas sobre tal particularidade no afã de aumentar a pena. Eis a

premissa que vem sendo adotada no presente estudo.

2.3.4. Personalidade do Agente

Trata-se da circunstância judicial mais controversa na doutrina, pois, em verdade,

permite ao magistrado proferir um exame psicológico do infrator para, ao final, concluir se ele

possui ou não a personalidade negativa ou voltada à prática de delitos.

Segundo Damásio Evangelista de Jesus, a personalidade seria o conjunto de qualida-

des morais do agente. É o retrato psíquico do delinquente, incluindo a periculosidade.95

                                                                                                               95 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal – Parte Geral, 1o Volume. Ed. Saraiva. 19a ed. 1995. Pg.484.

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Para Alice Bianchine96, a personalidade é o caráter, a índole do sujeito, que é extraí-

da da sua maneira habitual de ser; pode ser voltada ou não à deliquência. Há pessoas de bom

caráter; há pessoas de mau caráter.

Sucede que a avaliação da personalidade não pode decorrer de um conceito jurídico,

vez que se encontra no âmbito de outras ciências, como a psicologia, psiquiatria ou antropo-

logia, conforme anotado por Ney Moura Teles97.

Neste sentido, veja-se a lição de Rogério Greco:

Acreditamos que o julgador não possui capacidade técnica necessária

para a aferição de personalidade do agente, incapaz de ser por ele ava-

liada sem uma análise detida e apropriada de toda a sua vida, a come-

çar pela infância. Somente os profissionais de saúde (psicólogos, psi-

quiatras, terapeutas, etc.), é que, talvez, tenham condições de avaliar

essa circunstância judicial. Dessa forma, entendemos que o juiz não

deverá lavá-la em consideração no momento da fixação da pena-

base98.

Com base nesses fundamentos há quem entenda que tal circunstância judicial não

deva ser utilizada pelo juiz no momento da fixação da pena. Há, ainda, aqueles que rechaçam

a incidência desta circunstância judicial, tal como aquela sobre a conduta social, por enxergar

vigente em nosso ordenamento jurídico apenas a culpabilidade do fato (ou direito penal do

fato), no qual se julga alguém pelo fato praticado e não pelos atributos da personalidade do

indivíduo.

Na tese sustentada pelo professor Túlio Vianna99, a valoração da personalidade do

agente na fixação da pena fere os princípios constitucionais da laicidade, da amoralidade e da

                                                                                                               96 BIANCHINI, Alice; GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio; GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: introdução e princípios fundamentais . 2. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribu-nais, 2009. 411 p. (Coleção ciências criminais ; v. 1) 97 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral. Vol. I. 1 edição. São Paulo: Atlas, 2004. 98 GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. Ed. Impetus. 10a ed. 2016. Pág. 194 99 VIANNA, Túlio Lima. Pena – Fixação. Roteiro Didático. Revista Síntese de direito penal e proces-sual penal , Porto Alegre, a.4, v.19, 2003. Pg 54.

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lesividade, pois consagram um inadmissível direito penal de autor em nosso ordenamento

jurídico.

Corroborando este entendimento, Salo de Carvalho100 atesta a ilegitimidade da apre-

ciação judicial da personalidade, por estar assentada em valoração estritamente moral sobre o

“ser” do condenado (interioridade da pessoa), afrontando, desta forma, o princípio da secula-

rização.

Neste flanco, cabe trazer à baila decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do

Sul:

“PENA. DOSIMETRIA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DA PER-

SONALIDADE E CONDUTA SOCIAL. IMPOSSIBILIDADE DE

AGRAVAR A PUNIÇÃO. As circunstâncias judiciais da conduta so-

cial e personalidade, previstas no artigo 59 do CP, só devem ser con-

sideradas para beneficiar o acusado e não para lhe agravar mais a pe-

na. A punição deve levar em conta somente as circunstâncias e conse-

qüências do crime. E excepcionalmente minorando-a face a boa con-

duta e/ou a boa personalidade do agente. Tal posição decorre da ga-

rantia constitucional da liberdade, prevista no artigo 5o da Constitui-

ção Federal. Se é assegurado ao cidadão apresentar qualquer compor-

tamento (liberdade individual), só responderá por ele, se a sua conduta

(‘lato senso’) for ilícita. Ou seja, ainda que sua personalidade ou con-

duta social não se enquadre no pensamento médio da sociedade em

que vive (mas os atos são legais), elas não podem ser utilizadas para o

efeito de aumentar sua pena, prejudicando-o”.

(TJRS, 6a Câm. Crim., Apelação n. 70001014810, Rel. Des. Sylvio

Baptista Neto, j. 08.06.2000).

Nos dias de hoje é bastante comum ver sentença penal condenatória que majorou a

pena-base do criminoso em alguns meses simplesmente por entender que, de acordo com a

prova produzida nos autos, verificou-se que o réu possui “personalidade voltada à prática de

                                                                                                               100 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.

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crimes”. Mas como isto poderia ser aferível? Com base em quais critérios o magistrado che-

cou a esta conclusão? Seria isto suficiente para fundamentar o decisum?

A questão outra que ecoa é: pode o magistrado avaliar a personalidade do indivíduo

sem qualquer estudo técnico psicossocial? Pode o julgador, ao aplicar pena para um crime

praticado, considerar atos da vida pregressa do indivíduo para concluir pela sua personalidade

negativa?

Não menos interessante é a análise deste tema realizada pelo professor José Antônio

Paganella Boschi101, que propõe a adoção de um critério com vistas a beneficiar o condenado

quando identificado com transtorno de personalidade. Neste caso, aplicar-se-ia a causa de di-

minuição de pena, da semi-imputabilidade, prevista no parágrafo único do artigo 26, do Códi-

go Penal.

Mesmo que, por hipótese, fosse possível um diagnóstico firme e con-

cludente sobre a personalidade do acusado e que os peritos, por exem-

plo, apontassem determinado transtorno (suponhamos, o de personali-

dade anti-social, que afeta 75% da população carcerária norte-

americana, segundo pesquisas realizadas por Kaplan e Sadock), ainda

remanesceria outra pergunta: Seria legítima a valoração negativa da

personalidade do acusado vítima de transtorno, para o efeito de exa-

cerbamento da sanção-básica, sem que isso deixasse de representar

punição pelo modo de ser do indivíduo? Seria legítima a intervenção

punitiva do Estado para esse fim de alterar o perfil da personalidade

do criminoso?(...)

A constatação pelo Estado-Juiz de que o acusado é portador de trans-

torno de personalidade (…) deveria determinar, por outro lado, não a

exasperação da pena-base pelo fato cometido, e sim, o exercício de di-

reito subjetivo de reclamar o indispensável apoio técnico, para liber-

tar-se do problema e alcançar a elevação social e humana.

                                                                                                               101 BOSCHI, José Antonio Paganella. Das penas e seus critérios de aplicação. 4. ed., rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. 440 p.

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Noutro flanco, segundo alguns autores, o princípio da identidade física do juiz, atu-

almente adotado pelo §2o do artigo 399 do Código de Processo Penal, estabelecendo que “o

juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença”, passou a melhor contribuir para a

avaliação das circunstâncias judiciais, em especial a personalidade do agente.

Isto porque o magistrado, durante a colheita das declarações do réu e das testemu-

nhas, teve melhor oportunidade, através de sua impressão pessoal, de avaliar as circunstân-

cias judiciais subjetivas – aquelas que dizem respeito à pessoa do criminoso, não possuindo,

pois, relação com o fato praticado –, com a possibilidade de fazer indagações neste sentido

inclusive.

Cabe ressaltar que, não sendo possível inferir elementos suficientes para a apreciação

da personalidade, sua valoração deve ser neutra, conforme determina o princípio da presun-

ção de inocência (artigo 5o, LVII, da CF; artigo 8o, n. 2, da CADH; e artigo 156, caput, do

CPP).

2.4. Critérios para aferição das circunstâncias judiciais subjetivas

Existe critério para a aferição das circunstâncias judiciais subjetivas? Há um critério

legal, jurídico ou extra-jurídico?

Conforme já dito anteriormente, o aumento de pena aplicado na primeira fase da in-

dividualização da sanção, isto é, no momento da definição da pena-base irá repercutir nas fa-

ses secundária e terciária de aplicação da pena.

Portanto, a definição da pena-base pode contribuir, por exemplo, para inviabilizar a

substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, ou ainda, para per-

mitir o cumprimento da reprimenda em regime menos ou mais severo.

Desse modo, conclui-se que uma análise equivocada das circunstâncias judicias –

sejam elas de ordem subjetiva ou objetiva –, feita pelo magistrado, poderá resultar em penas

bem mais severas.

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Ocorre que, na prática forense, é extremamente comum os erros de julgamento, o que

pode ser atribuído a ausência de critérios legais para a aferição das circunstâncias judiciais

subjetivas em nosso ordenamento jurídico.

Ante à lacuna da lei acerca do critério a ser utilizado pelo julgador, para fazer valer a

norma do artigo 59 do Código Penal – que determina o aumento de pena uma vez verificadas

negativas as circunstâncias judiciais –, construiu-se critérios outros para se dirimir a omissão

do legislador neste ponto.

2.4.1. Ausência de Critérios Legais

O legislador não previu critérios legais para a aferição das circunstâncias judicias,

limitando-se a estabelecê-las no artigo 59 do Código Penal como forma de limitar o poder

discricionário do magistrado.

Cezar Roberto Bitencourt escreve que:

Os elementos constantes do artigo59 são denominados circunstâncias

judiciais, porque a lei não os define e deixa a cargo do julgador a

função de identificá-los no bojo dos autos e mensurá-los concreta-

mente. Não são efetivas ‘circunstâncias do crime’, mas critérios limi-

tadores da discricionariedade judicial, que indicam o procedimento a

ser adotado na tarefa individualizadora da pena-base102. (Fizemos os

destaques).

Diante da ausência de critério legal para o reconhecimento da incidência das circuns-

tâncias judiciais subjetivas, entende a doutrina tradicional que o magistrado deverá se ater ao

mínimo e máxima de pena cominada, devendo fundamentar a decisão que majorou a pena-

base por considerar negativa qualquer que seja a circunstância judicial subjetiva identificada

no caso concreto.

                                                                                                               102 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal - Parte Geral - Vol. 1 - 23ª edição. São Paulo. Saraiva, 2017. Pg.589.

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Quanto à necessidade de fundamentação do decisum é bastante comum vermos nas

sentenças e nos acórdãos condenatórios expressões ou fórmulas genéricas utilizadas para

agravar a pena, mas que, em verdade, não traduzem qualquer motivação decisória pelo fato de

não trazer justificativas de cunho pessoal (subjetivo) do criminoso.

Neste sentido, preleciona Paulo José da Costa Jr :

Não basta enumerar os critérios que levaram o magistrado a fixar o

quantum sancionatório. Nem serão suficientes aquelas fórmulas rituais

e preguiçosas: ‘entende-se equânime a pena’, ‘adequada ao fato e à

personalidade do réu’, ‘levando-se em conta os elementos do arti-

go59’ etc. A adoção de tais fórmulas significa o arbítrio, jamais a dis-

cricionariedade.103

Não é demais lembrar que a Constituição Federal, no artigo 93, inciso IX, exige que

todas as decisões provindas do Poder Judiciária deverão ser fundamentadas, sob pena de nuli-

dade. Daí a importância de haver rigorosa fiscalização, realizada primordialmente pelas partes

do processo penal, para evitar a imposição de majoração da sanção penal sem que haja moti-

vação adequada.

2.4.2. Critérios Jurídicos

Dada a inexistência de critérios legais previamente estipulados para que o magistrado

se apoie com a finalidade de identificar as circunstâncias judiciais negativas e mensurar o

quantum deverá recrudescer na pena-base, o critério jurídico tem orientado os julgadores.

O critério jurídico deve ser entendido como aquele oriundo da construção doutrinária

e jurisprudencial. São duas vertentes: critério jurídico para identificar as circunstâncias e para

mensurar o aumento.

Quanto à identificação ou ao reconhecimento da circunstância judicial negativa, re-

metemos o leitor ao item 2.3 do presente trabalho, que trata das circunstâncias judiciais sub-

                                                                                                               103 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Curso de Direito Penal. 9a ed. Ed. Saraiva. 2008. Pgs.193/194

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jetivas previstas no artigo 59 do Código Penal Brasileiro, título onde fizemos a análise por-

menorizada de cada uma delas.

No que diz respeito ao critério para a mensuração da pena, no viés mais pragmático,

há entendimento no sentido de que o aumento da pena-base deve ser proporcional. Assim,

sendo 8 (oito) as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal (culpabilida-

de, antecedentes, conduta social, personalidade, motivos, circunstâncias do crime, conse-

quências do delito e o comportamento da vítima), cada uma delas terá o valor de 1/8, o que

significa dizer que esta fração de aumento incidirá sobre a pena mínima (pena de partida).

Portanto, se, por hipótese, na fixação da pena-base do crime de roubo simples, cuja

sanção mínima cominada é de 4 (quatro) anos de reclusão, além da multa, o juiz entender ne-

gativas quatro circunstâncias judiciais, teria que incidir o aumento da pena mínima na fração

de 4/8 (quatro oitavos), que corresponde à metade. Então, a pena-base chegaria ao patamar de

6 (seis) anos de reclusão.

No entanto, em posicionamento contrário, existem aqueles que criticam a solução

antes apontada, argumentando que o direito não é uma ciência exata, matemática e, por isso,

não poderiam todas as circunstâncias ter o mesmo peso, pois, diante do caso concreto, muita

das vezes determinada circunstância judicial deveria impor aumento superior a 1/8, já que,

comparativamente, poderia ser mais grave que outras duas circunstâncias negativas.

Os adeptos deste entendimento alegam, ainda, que o valor matemático dado às cir-

cunstâncias judiciais poderia colocar em xeque o princípio constitucional da individualização

da pena, pois estar-se-ia atribuindo peso idêntico a todas as circunstâncias judiciais, abstrain-

do-se as peculiaridades e especificidades de cada uma delas diante do caso concreto.

Por isso, parte da doutrina defende que o magistrado deve ter liberdade para modular

a pena-base, desde que o recrudescimento seja devidamente fundamentado e amparado na

proporcionalidade.

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2.4.3. Critérios Extra-jurídicos

Magalhães de Noronha, em sua obra, afirmou que:

O julgador não se pode limitar à apreciação exclusiva do caso, mas

tem de considerar também a pessoa do criminoso, para individualizar

a pena. Como escreve Soler, é uma tarefa delicada, para a qual o juiz,

além da competência jurídica teórica, deve possuir conhecimento psi-

cológicos, antropológicos e sociais, aliados a uma fina intuição da rea-

lidade histórica e uma sensibilidade apurada104.

Deve, então, o magistrado se apoiar em critérios jurídicos e extra-jurídicos (por

exemplo: psicológico, antropológico e social) para delimitar a pena-base?

Entende-se que não se deve admitir um julgamento fundado no conhecimento ou

desconhecimento do juiz acerca dos critérios psicológico, antropológico e/ou social. Isto por-

que não se pode presumir que o juiz possui conhecimento científico suficiente para, amparado

em algum desses critérios extra-jurídicos, incrementar a pena do criminoso.

Ao revés, a presunção é que tal conhecimento inexiste porquanto os profissionais do

direito não têm formação em psicologia, antropologia e sociologia. Seria como admitir que o

magistrado pudesse dispensar uma prova pericial sob o fundamento de que ele (o juiz) possui

amplo conhecimento – e até formação –, em ciências contábeis, por exemplo.

2.5. A (in)capacidade técnica/científica do magistrado para a aferição da conduta so-

cial e da personalidade do autor de delito

Conforme registrado anteriormente, de acordo com a doutrina tradicional, a avalia-

ção da conduta social depende do conhecimento prévio sobre a vida do criminoso, a fim de

saber como ele se encontra inserido no contexto social, familiar, no trabalho etc.

                                                                                                               104 NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal – Vol.1. 37a ed.. Ed. Saraiva. 2004. Pg.250

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Quanto à personalidade, esta deve ser buscada através do encontro de elementos po-

sitivos (exemplo: bondade, calma, tolerância etc) ou negativos (exemplo: desequilíbrio, co-

vardia, inveja, perversidade etc), sendo certo que apenas os aspectos negativos influirão do

aumento da pena-base.

Mas, como se vê, embora sejam esses os conceitos sobre a conduta social e a perso-

nalidade, pode-se inferir que a identificação dessas duas circunstâncias judiciais depende de

conhecimento humano que refoge à formação do profissional do direito (do juiz).

Essencialmente, portanto, a investigação sobre a conduta social e a personalidade do

criminoso é papel para profissionais como psicólogos, psiquiatras, antropólogos ou assistentes

social. Não possuindo o magistrado qualquer formação acadêmica nas aludidas ciências, esta-

ria o juiz impedido de avaliar tais condições.

Não se quer dizer, com isto, que tais circunstâncias deveriam ser avaliadas e identifi-

cadas pelos sobreditos profissionais para fins de, posteriormente, viabilizar o aumento de pena

feito pelo juiz escorado em laudo técnico ou em estudo multidisciplinar. Para tanto, haveria

necessidade de previsão legal, especialmente no âmbito do Direito Penal, onde vige o princí-

pio da legalidade, garantido constitucionalmente.

2.6. A autonomia moral da pessoa

A autonomia moral da pessoa, dentro do estudo ora desenvolvido, tem especial rela-

ção com as circunstâncias judiciais subjetivas da conduta social e personalidade.

Como visto, para a aferição da conduta social, pela doutrina clássica, o magistrado

deverá buscar o papel do réu na comunidade onde vive, sua inserção do seio familiar, do tra-

balho etc.

Quanto à personalidade, tradicionalmente, entende-se que se deve levar em conta

aspectos positivos e negativos da pessoa do autor da infração penal. Neste espectro, vale tra-

zer os exemplos propostos por Guilherme de Souza Nucci:

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São exemplos de elementos da personalidade, que se pode buscar na

análise do modo de ser do autor da infração penal: a) aspectos positi-

vos: bondade, alegria, persistência, responsabilidade nos afazeres,

franqueza, honestidade, coragem, calma, paciência, amabilidade, ma-

turidade, sensibilidade, bom-humor, compreensão, simpatia; tolerân-

cia, especialmente à liberdade de ação, expressão e opinião alheias; b)

aspectos negativos: agressividade, preguiça, frieza emocional, insen-

sibilidade acentuada, emotividade desequilibrada, passionalidade exa-

cerbada, maldade, irresponsabilidade no cumprimento das obrigações,

distração, inquietude, esnobismo, ambição desenfreada, insinceridade,

covardia, desonestidade, imaturidade, impaciência, individualismo

exagerado, hostilidade no trato, soberba, inveja, intolerância, xenofo-

bia, racismo, homofobia, perversidade105.

Determinados aspectos negativos elencados pelo autor, como, por exemplo, pregui-

ça, inveja ou insinceridade, dão-nos a ideia de que qualquer infrator receberia incremento em

sua pena-base, pois, essas são características que estão presentes na personalidade de qualquer

pessoa, seja ela criminosa ou não.

Nucci, no entanto, entende que a pena não será aumentada se não houver nexo de

causalidade entre o delito e o elemento negativo da personalidade do agente106. Assim é que,

por hipótese, no julgamento de um crime de homicídio culposo na direção de veículo automo-

tor, previsto no artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei no 9.503/97), não poderia o

juiz majorar a pena-base por ter identificado que o réu é pessoa extremamente ciumenta e de-

sonesta, vez que não haveria o exigível nexo causal entre tais aspectos negativos da persona-

lidade e o delito praticado.

Porém, há que se entender que, ainda que houvesse nexo de causalidade entre algum

dos aspectos negativos da personalidade e o crime perpetrado, mesmo assim, não deveria in-

cidir o recrudescimento da sanção penal. Do contrário, estar-se-ia desrespeitando a autonomia

moral da pessoa, ferindo-se, pois, o direito individual de a pessoa natural ser como quiser, de

                                                                                                               105 NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. 5a ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. Pg.171 106 Ob citada.

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se formar moral e intelectualmente da maneira que lhe aprouver, não podendo, por isso, sofrer

qualquer limitação imposta pelo Estado.

A Constituição Federal, no artigo 5o, assegura a liberdade de manifestação do pen-

samento (inciso IV), a inviolabilidade de consciência e crença (inciso VI), a liberdade da ex-

pressão de atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de

censura ou licença (inciso IX).

No âmbito infraconstitucional, o Código Civil, no capítulo que trata dos direitos da

personalidade, dispondo nos seus artigos 11 e 21107 que a vida privada da pessoa natural é in-

violável, não podendo seu exercício sofrer limitação.

Portanto, ao se adentrar na avaliação acerca da personalidade e conduta social do

infrator, o julgador, ao aferir negativamente tais circunstâncias com o propósito de, com isto,

aumentar a sanção penal, estaria ele interferindo na vida privada da pessoa, violando sua inti-

midade.

Neste viés, Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli lecionam que:

Um direito que reconheça, mas que também respeite a autonomia mo-

ral da pessoa, jamais pode penalizar o “ser” de uma pessoa, mas so-

mente o seu agir, já que o direito é uma ordem reguladora de conduta

humana. Não se pode penalizar um homem por ser como escolheu ser,

sem que isso violente a sua esfera de autodeterminação108.

Uma vez mais, norteia este entendimento a culpabilidade do fato e não a culpabili-

dade do autor, de modo que o magistrado deve se ater ao julgamento dos fatos criminosos

praticados pelo infrator, deixando de lado a perquirição acerca da pessoa do criminoso, sobre

quem é aquele indivíduo que se encontra sob julgamento.

                                                                                                               107 Artigo 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissí-veis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.(g.n.); e Artigo 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.(g.n.) 108 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, c2010. (v. 1). Pág. 120).

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Fazendo coro às lições de Zaffaroni e Pierangeli, digno de nota o ensinamento de

Enrique Bacigalupo:

A extensão que se tem dado [...] à fórmula da personalidade, a conver-

te num instrumento que excede o âmbito de um Direito Penal da cul-

pabilidade. Um direito em que só exclui a responsabilidade pelo resul-

tado (chamada responsabilidade objetiva), mas no qual é preciso res-

ponder pelo que se é, e não somente pelo que se fez, não é um Direito

Penal da Culpabilidade.109

José Antonio Paganella Boschi110, de igual modo, faz críticas à consideração da per-

sonalidade como forma da aumentar a pena. De acordo com o autor, a personalidade é dinâ-

mica, ou seja, não é estática, pois se encontra em constante alteração durante a vida. Além

disso, pondera que sua aferição é por demais complexa, até porque, o magistrado ao avaliá-la

tende a usar como paradigma os seus próprios comportamentos. Seria, pois, inviável a adoção

de um padrão de personalidade para servir como parâmetro a fim de, assim, viabilizar que o

juiz examine as características da personalidade do réu com um modelo pré-definido.

Ferrajoli, nesta senda, ensina que a aplicação da pena não pode servir para sancionar

nem para individualizar a imoralidade. O Estado não deve obrigar os cidadãos a não serem

ruins. A intervenção estatal deve existir apenas para impedir que os indivíduos se destruam

entre si. O cidadão, por sua vez, tem o dever de não cometer crimes e o direito de ser e de

continuar sendo internamente ruim.

2.7. Princípio da Correlação

Dentro do estudo das circunstâncias judiciais, torna-se relevante analisar a aplicação

da pena-base e sua conexão ou repercussão para o direito instrumental, isto é, ao direito pro-

cessual penal.

                                                                                                               109 Enrique Bacigalupo in A Personalidade e a Culpabilidade na Medida da Pena. Revista de Direito Penal, Rio de Janeiro, v. 15/16, 1974, p. 41, apud BOSCHI, José Antonio Paganella. Op. cit., 2006, p. 213. 110 BOSCHI, José Antonio Paganella. Das penas e seus critérios de aplicação. 4. ed., rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.

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Sabe-se que no nosso sistema acusatório vige o princípio da correlação entre a sen-

tença e a imputação, também conhecido como princípio da congruência. De acordo com tal

princípio, o juiz, no momento da sentença, deve se ater aos fatos descritos da denúncia que

foram imputados ao réu.

Marcellus Polastri Lima conclui que o juiz não pode agir de ofício, condenando o réu

por outros delitos ou contravenções não narrados na inicial, seja reconhecendo fato totalmente

fora desta peça (julgamento extra petita) ou além daquele imputado (ultra petita), ou mesmo

agravando a imputação contida na exordial (in pejus)111.

Neste contexto, entende-se que o magistrado não poderia, por exemplo, perquirir ou

buscar provas acerca da conduta social ou da personalidade negativas do réu se o Ministério

Público não descreveu tais circunstâncias na imputação formal, isto é, na denúncia.

Do contrário, estaria o magistrado julgando fora daquilo que foi pedido pelo Ministé-

rio Público e, por conseguinte, violando o princípio da correlação. Além disso, o juiz estaria

se imiscuindo na função inquisitória de há muito relegada ao passado, em descompasso com o

Estado Democrático que assegura a imparcialidade do julgador.

Neste sentido, Malan112 observa que:

Reconhecemos, entretanto, que uma sentença incongruente, embora

não obrigatoriamente, via de regra violará tanto o principio da ação

como quanto as garantias do contraditório e da ampla defesa. Isso

porque quando o magistrado julga além ou fora do objeto processual,

normalmente não comunica as partes processuais dessa inovação de

ofício, nem dá chance à Defesa para refutar a nova imputação. Logo,

concomitantemente o julgador desrespeita o principio da ação, o

contraditório e a ampla defesa.

                                                                                                               111 LIMA, Marcellus Polastri. Manual de Processo Penal. 5a ed. Ed. Lumen Juris. 2016. Pg.893. 112 MALAN, Diogo Rudge. A sentença Incongruente no Processo Penal., Coordenador: Geraldo Prado, Coleção Pensamento Crítico, Editora Lumen Júris, Rio de Janeiro, 2003, Pg. 132.  

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Na hipótese em que o Parquet oferece denúncia contra determinado indivíduo impu-

tando-o a prática do crime de estupro, sem fazer qualquer menção, na exodial acusatória, so-

bre fatos relativos à inserção social do criminoso ou acerca de sua personalidade. O órgão mi-

nisterial, via de regara, narra o fato (que é a causa de pedir) e, ao final, pede (pedido) a con-

denação.

Sob a ótica do princípio da correlação, seria permitido ao julgador aumentar a pena

do réu, por exemplo, por entender negativa a personalidade do indivíduo ao reconhecer “frie-

za emocional” do réu se tal circunstância sequer foi mencionada ou descrita na denúncia?

Noutra hipótese, estaria o magistrado autorizado a majorar a pena-base por entender

negativa a conduta social do réu, assim concluindo por valorar a prova produzida nos autos

no sentido de que o acusado era pessoa conhecida no bairro por frequentar prostíbulos e levar

uma vida desregrada? Mas se na denúncia que imputa o crime de estupro a este indivíduo o

Ministério Público não fez qualquer menção ao fato considerado circunstância negativa pelo

juiz? E se o Parquet não descreveu ou mencionou o modo de vida ou a inserção social do

acusado? Ainda assim, poderia o magistrado considerar tais circunstâncias negativas e majo-

rar a pena?

Vislumbra-se que as normas dos artigos 383 a 385 do Código de Processo Penal, que

tratam da correlação entre a denúncia e a sentença, impediriam tal proceder do magistrado, até

porque o que se encontra para julgamento é o fato e não o autor do fato. Veja-se que o artigo

383 do citado Diploma Processual113 estabelece que o juiz, sem modificar a descrição do

fato contida na denúncia, poderá dar a este definição jurídica diversa, ainda que, em conse-

qüência, tenha de aplicar pena mais grave.

                                                                                                               113 Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atri-buir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave. (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).”. (Fizemos os destaques).

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Numa interpretação sistemática das normas processuais e penais, para se encontrar a

solução da questão, relembre-se, ainda, da norma do artigo 41 do Código de Processo Pe-

nal114, que exige que na peça vestibular acusatória contenha a descrição do fato criminoso

com todas as suas circunstâncias.

Se a lei exige que a denúncia contenha a descrição de todas as circunstâncias do fato

criminoso, de modo a viabilizar o exercício legítimo da ampla defesa e do contraditório, não

parece aceitável admitir que o juiz, apenas no momento da sentença, surpreenda a defesa ma-

jorando a pena a partir de elementos colhidos durante a instrução processual para, então, iden-

tificar e mensurar uma fração de aumento de pena em desfavor do réu.

Noutro ângulo, percebe-se que o citado artigo 41 do Código de Processo Penal não

exige a descrição sobre a pessoa que está sendo acusada, como, por exemplo, os aspectos po-

sitivos ou negativos de sua personalidade. Por isso, uma vez mais, denota-se que o legislador

reforça a culpabilidade do fato e não a culpabilidade do autor.

A “qualificação do acusado”, prevista na norma em questão, diz respeito apenas aos

atributos pessoais aptos a identificar a pessoa denunciada, como o nome completo, filiação,

nacionalidade, endereço, número de CPF, registro de identificação etc. Nada tem a ver, por-

tanto, com a avaliação acerca da inserção social deste indivíduo ou de seus atributos de perso-

nalidade.

Portanto, de acordo com os citados dispositivos da lei processual penal de regência,

tem-se que o reconhecimento ou identificação das circunstâncias judiciais subjetivas negati-

vas pelo magistrado depende de prévia descrição delas no corpo da denúncia, sob pena de in-

correr o juiz no julgamento extra petita.

Ante às tormentosas questões aventadas neste capítulo acerca da incidência ou não

das circunstâncias judiciais subjetivas, mister se faz ingressar na vereda das possíveis solu-

ções abarcadas pelo nosso sistema jurídico. Assim, veremos no próximo capítulo a fixação da

pena-base à luz do Direito Penal Constitucional, no afã de demonstrar a necessidade de res-

                                                                                                               114 Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circuns-tâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classifica-ção do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas. (Grifamos).  

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guardar os princípios e garantias individuais tutelados pela Constituição Federal quando da

aplicação pena.

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CAPÍTULO III – APLICAÇÃO DA PENA À LUZ DO DIREITO PENAL CONSTI-

TUCIONAL – O NECESSÁRIO RESGUARDO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

DO INDIVÍDUO

Já foi dito que o Código Penal brasileiro data de 1940, sendo certo que a Lei 7.209,

de 11 de julho de 1984, trouxe a denominada reforma do aludido Estatuto Repressivo, intro-

duzindo significativas mudanças nas normas incriminados e não incriminadoras ali estabele-

cidas.

Quase quatro anos após a Reforma Penal de 1984, foi promulgada, em 05 de outubro

de 1988, a Constituição da República Federativa do Brasil, que estabeleceu como cláusulas

pétreas diversos direitos e garantias ao indivíduo, várias delas com carga essencialmente de

Direito Penal.

As cláusula pétreas são assim denominadas pelo fato de não poderem ser modifica-

das por emenda constitucional. O inciso IV do §4o do artigo 60 da Constituição Federal prevê

que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garan-

tias individuais. A alteração, portanto, somente seria viável com o surgimento de uma nova

Constituição Federal.

Diante da força normativa da Constituição Federal, a doutrina penal brasileira e a

jurisprudência pátria, pouco a pouco, começaram a reavaliar conceitos de institutos e reinter-

pretar normas penais com a finalidade de alinhar o entendimento à proteção dos direitos fun-

damentais do indivíduo.

No caso em estudo, o artigo 59 do Código Penal sofreu alteração em momento ante-

rior ao advento da nova Constituição Federal, sendo necessário, também aqui, compatibilizar

a interpretação da norma à luz dos direitos e garantias do indivíduo previstas como cláusulas

pétreas em sede constitucional.

Neste panorama, a leitura da aludida norma penal precisa ser inexoravelmente ampa-

rada pelos direitos e garantias do indivíduo, vertidos nos seguintes princípios: o princípio da

individualização da pena, previsto no artigo 5o, inciso XLVI, da CRFB/88; o princípio da

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proporcionalidade da pena; o princípio do devido processo legal, trazido no artigo 5o, inciso

LIV, da CRFB/88; o princípio da estrita legalidade, contemplado no artigo 5o, inciso

XXXIX, da CRFB/88; o princípio trazido no inciso II do artigo 5o da CRFB/88, dentre outros

que serão minuciosamente tratados nos itens subsequentes.

Nesse viés, alguns autores se referem ao denominado Direito Penal Constitucional ou

aos princípios constitucionais do direito penal, valendo lembrar que os referidos princípios

possuem força normativa, não servindo, pois, apenas como vias informativas para guiar a in-

terpretação das normas penais.

Diante da necessidade de alinhamento vertical das normas penais à compatibilidade

com a Constituição Federal, fundado no princípio da supremacia da Constituição, busca-se no

presente trabalho demonstrar as dissonâncias verificadas em algumas expressões contidas no

texto do artigo 59 do Código Penal.

A partir de uma análise crítica no que tange ao uso das circunstâncias judiciais de

ordem subjetiva para aumentar a sanção penal, alvitra-se a manutenção da validade de apenas

parte da norma, excluindo-se a eficácia de outra parte, assim o fazendo através de sua inter-

pretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade da norma

sem redução de texto, métodos interpretativos reiteradas vezes utilizados pelo Supremo Tri-

bunal Federal.

3.1. Direito penal interpretado conforme a Constituição

Dentro do estudo da hermenêutica jurídica é consenso afirmar que cada um dos ra-

mos do direito (penal, civil, tributário, trabalhista, constitucional etc) não deve ser interpreta-

do dissociado de todo o ordenamento jurídico. Não se deve, por exemplo, interpretar um nor-

ma penal simplesmente apoiado em princípios do Direito Penal, mas também, e principalmen-

te, nos direitos e garantias fundamentais previstos em nossa Constituição Federal.

Conforme leciona Paulo de Souza Queiroz:

Se, como afirmamos, todo direito nasce e morre na Constituição, se-

gue-se que os princípios e valores constitucionais fundamentais de-

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vem ser, em consequência, o ponto de partida e o ponto de chegada de

toda e qualquer interpretação, (...)115.

Sobre o tema, Canotilho explica que:

No caso de polissemia de sentidos de um acto normativo, a norma não

deve considerar-se inconstitucional enquanto puder ser interpretada de

acordo com a constituição (cfr. supra, Parte II, Cap. 3/E/I). A interpre-

tação das leis em conformidade com a Constituição é um meio de o

TC (e os outros tribunais) neutralizarem violações constitucionais, es-

colhendo a alternativa interpretativa conducente a um juízo de compa-

tibilidade do acto normativo com a Constituição.116.

Na esfera do Direito Penal, onde a intervenção do Estado na liberdade do cidadão é

mais presente, a Constituição Federal assegura diversas garantias com o intuito de tutelar este

que é um dos direitos mais importantes: a liberdade. Por isso é que a Constituição Federal

contém normas que resguardam os princípios da legalidade, da proporcionalidade da pena, da

não culpabilidade, da individualização da pena, do contraditório, da ampla defesa, do devido

processo legal, da dignidade da pessoa humana, dentre outros.

Neste segmento, tem-se que o direito punitivo estatal deverá ser judicialmente obser-

vado a partir do respeito às garantias constitucionais do indivíduo. O juiz, portanto, quando da

aplicação das normas penais, deverá garantir sejam elas aplicadas em conformidade com a

Constituição Federal. Para tanto, observar-se-á a compatibilidade formal e substancial da

norma penal com a Constituição.

Verificar a compatibilidade da norma penal com a Carta Magna significar dizer que

o aplicador do direito deve interpretá-la conforme a Constituição, ou seja, em alinhamento às

garantias e aos direitos fundamentais do indivíduos contemplados no texto constitucional.

                                                                                                               115 QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito Penal – Introdução Crítica. Ed. Saraiva. 2001. Pg.38. 116 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7a ed. Ed. Almedina. 2003, pág. 1013

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Sobre a interpretação conforme a Constituição, convém consignar a didática lição do

eminente autor Luís Roberto Barroso:

1) Trata-se de escolha de uma interpretação da norma legal que a

mantenha em harmonia com a Constituição, em meio a outro ou

outras possibilidades interpretativas que o preceito admita.

2) Tal interpretação busca encontrar um sentido possível para a nor-

ma, que não é o que mais evidentemente resulta da leitura de seu

texto.

3) Além da eleição de uma linha de interpretação, procede-se à ex-

clusão expressa de outra ou outras interpretações possíveis, que

conduziriam a resultado contrastante com a Constituição.

4) Por via de consequência, a interpretação conforme a Constituição

não é mero preceito hermenêutico, mas, também, um mecanismo

de controle de constitucionalidade pelo qual se declara ilegítima

uma determinada leitura da norma legal.”117

Em complemento, importante citar a observação feita pelo renomado constituciona-

lista Alexandre de Moraes:

Extremamente importante ressaltar que a interpretação conforme a

constituição somente será possível quando a norma apresentar vários

significados, uns compatíveis com as normas constitucionais e outros

não, ou, no dizer de Canotilho, ‘a interpretação conforme a constitui-

ção só é legítima quando existe um espaço de decisão (= espaço de in-

terpretação) aberto a várias propostas interpretativas, umas em con-

formidade com a constituição e que devem ser preferidas, e outras em

desconformidade com ela’.118

                                                                                                               117 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 3a ed. Ed. Saraiva. 1999. Pgs.181/182 118 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23a ed. Ed. Atlas. 2008. Pg.132

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Da lição doutrinária acima mencionada, infere-se que a interpretação conforme a

Constituição funciona, em verdade, como um mecanismo de controle de constitucionalidade,

que pode ser positivo ou negativo.

A primeira hipótese (controle positivo) seria o caso do aproveitamento da lei fundado

no princípio da conservação das normas, tendo como consequência a aplicação de interpreta-

ção compatível com a Constituição, reconhecendo-se, por conseguinte, a constitucionalidade

da norma.

A outra hipótese (controle negativo) seria o reverso, ou seja, diante da constatação da

incompatibilidade da lei com a Constituição, o magistrado deverá declarar a inconstituciona-

lidade da norma legal, negando-se, assim, a aplicação da lei.

3.2. A declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto

Além da interpretação conforme a Constituição, outra técnica utilizada para preser-

vação da norma legal aparentemente inconstitucional no sistema jurídico é a declaração parci-

al de constitucionalidade sem redução de texto, a qual, em algumas ocasiões complementa

aquela outra.

A Lei no 9.868/99, que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de in-

constitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal

Federal, estabelece no parágrafo único do artigo 28 que a ambas as técnicas interpretativas (a

interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem

redução de texto) possuem eficácia erga omnes e efeito vinculante aos demais órgãos do Po-

der Judiciário e à Administração Pública em geral119.

                                                                                                               119 Art. 28. Dentro do prazo de dez dias após o trânsito em julgado da decisão, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União a parte dis-positiva do acórdão. Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a inter-pretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de tex-to, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Admi-nistração Pública federal, estadual e municipal.  

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A declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto tem sido utiliza-

da para afastar determinadas “hipóteses de aplicação ou incidência” da norma, as quais pode-

riam ser aplicáveis, mas resultaria na inconstitucionalidade da decisão. Desse modo, com a

utilização desta técnica decisória de controle de constitucionalidade, sem qualquer alteração

do texto legal, exclui-se da norma determinada situação que, a priori – não fosse a inconstitu-

cionalidade –, poderia ser ela aplicada.

Aqui, não se afasta sentidos interpretativos da norma, mas sim retira-se da norma

uma situação específica, esvaziando-se a validade de parte do conteúdo normativo, aprovei-

tando-se, por outro lado, o sentido residual do texto legal objeto do controle judicial de consti-

tucionalidade.

O Supremo Tribunal Federal, em diversas ocasiões, julgou parcialmente procedente

ação direta de inconstitucionalidade de norma, declarando constitucional parte do dispositivo

objeto da demanda sem, no entanto, proceder à redução de texto.

Veja-se, por exemplo, excertos dos seguintes arestos do Pretório Excelso:

“DIREITO CONSTITUCIONAL E ELEITORAL. MODELO NOR-

MATIVO VIGENTE DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHAS

ELEITORAIS. LEI DAS ELEIÇÕES, ARTS. 23, §1º, INCISOS I e II,

24 e 81, CAPUT e § 1º. LEI ORGÂNICA DOS PARTIDOS POLÍTI-

COS, ARTS. 31, 38, INCISO III, e 39, CAPUT e §5º. CRITÉRIOS

DE DOAÇÕES PARA PESSOAS JURÍDICAS E NATURAIS E

PARA O USO DE RECURSOS PRÓPRIOS PELOS CANDIDATOS.

PRELIMINARES. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO.

REJEIÇÃO. PEDIDOS DE DECLARAÇÃO PARCIAL DE IN-

CONSTITUCIONALIDADE SEM REDUÇÃO DE TEX-

TO (ITENS E.1.e E.2). SENTENÇA DE PERFIL ADIIVO (ITEM

E.5). TÉCNICA DE DECISÃO AMPLAMENTE UTILIZADA

POR CORTES CONSTITUCIONAIS. (...). 19. Ação direta

de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente para

assentar apenas e tão somente a inconstitucionalidade parcial sem

redução de texto do artigo 31 da Lei nº 9.096/95, na parte em que

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autoriza, a contrario sensu, a realização de doações por pessoas

jurídicas a partidos políticos, e pela declaração

de inconstitucionalidade das expressões ‘ou pessoa jurídica’, cons-

tante no artigo 38, inciso III, e ‘e jurídicas’, inserta no artigo 39,

caput e § 5º, todos os preceitos da Lei nº 9.096/95.”. Fizemos os

destaques.

(STF. Tribunal Pleno. Ministro-relator: Luiz Fux. ADI 4650/DF. Jul-

gamento: 17/09/2015. Publicação: 24/02/2016).

“(...). 6. A quantificação dos juros moratórios relativos a débitos fa-

zendários inscritos em precatórios segundo o índice de remuneração

da caderneta de poupança vulnera o princípio constitucional da iso-

nomia (CF, artigo 5º, caput) ao incidir sobre débitos estatais de natu-

reza tributária, pela discriminação em detrimento da parte processual

privada que, salvo expressa determinação em contrário, responde pe-

los juros da mora tributária à taxa de 1% ao mês em favor do Estado

(ex vi do artigo 161, §1º, CTN). Declaração de inconstitucionalidade

parcial sem redução da expressão ‘independentemente de sua na-

tureza’, contida no artigo 100, §12, da CF, incluído pela EC nº

62/09, para determinar que, quanto aos precatórios de natureza

tributária, sejam aplicados os mesmos juros de mora incidentes

sobre todo e qualquer crédito tributário. (...)”. Destacamos.

(STF. Tribunal Pleno. Ministro-relator: Ayres Britto. Relator para

acórdão: Ministro Luiz Fux. Julgamento: 14/03/2013. Publicação:

19/12/2013). São esses, portanto, precedentes importantes que demonstram o posicionamento de

nossa Suprema Corte no que se refere à declaração de inconstitucionalidade da norma sem

redução de texto, viabilizando que determinadas expressões sejam declaradas inconstitucio-

nais, o que significa dizer que elas continuam vigendo, mas destituídas de validade, deixando

de produzir efeitos jurídicos válidos.

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3.3. Princípios e garantias constitucionais relacionados ao cálculo da pena

O cálculo da pena deve ser realizado em observância aos princípios e garantias cons-

titucionais em respeito ao indivíduo. A individualização e proporcionalidade da pena, o devi-

do processo legal e a estrita legalidade, por exemplo, são vetores inarredáveis à correta fixa-

ção da sanção penal, mas, como se verá a seguir, existem outros que, igualmente, protegem o

indivíduo contra excessos e erros.

A imposição da pena não poderia decorrer da discricionariedade do julgador, con-

forme ocorria sob a égide do Código Penal de 1940. Por tal razão, a Reforma Penal de 1984 e

a Constituição Federal de 1988 trouxeram modificações significativas para conferir maior

transparência ao método que deve ser utilizado pelo magistrado no momento do cálculo da

sanção penal.

O método trifásico de aplicação da pena, introduzido pela mencionada reforma atra-

vés da norma do artigo 68 do Código Penal, e as circunstâncias judiciais igualmente trazidas,

previstas no artigo 59 do mesmo Código, são parâmetros que devem ser utilizados pelo juiz,

mas que devem ser aplicados à luz dos direitos e das garantias do indivíduo tutelados por

normas constitucionais.

Ocorre que, nesses casos, o legislador não estabeleceu critérios puramente objetivos

a serem observados pelo julgador. Ao prever as circunstâncias judiciais subjetivas (culpabili-

dade, antecedentes, conduta social e personalidade), de modo contrário, conferiu ao juiz a

possibilidade de definir quando e quanto irá recrudescer a sanção penal. Por isso é que a dou-

trina denomina essas causas de majoração de circunstâncias judiciais, ou seja, aquelas que

são do juiz.

O julgamento baseado no sentimento pessoal ou na percepção subjetiva do magistra-

do acerca do que sejam tais circunstâncias pessoais (a culpabilidade, os antecedentes, a con-

duta social, e a personalidade) – e como elas influem na pena –, não pode trazer, via de regra,

a esperada segurança das relações jurídicas, nem sequer o respeito às garantias fundamentais

do indivíduo, tais como a liberdade, a igualdade, a intimidade, a segurança, o devido processo

legal, e a individualização da pena, além de outros, conforme se verá a seguir.

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3.3.1. Princípio da Individualização da Pena

A individualização da pena cunhada como princípio ou garantia individual, encontra-

se expressa no artigo 5o, inciso XLVI, da CRFB/88, que reza:

A lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as

seguintes: a) privação ou restrição de liberdade; b) perda de bens; c)

multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de

direitos.

A individualização da pena, de acordo com a doutrina, desenvolve-se em três fases.

São elas: a) individualização legislativa; b) individualização judiciária; e c) individualização

executória.

O primeiro passo à individualização da pena é dado pelo legislador na cominação da

sanção (individualização no plano abstrato ou individualização legislativa). No preceito se-

cundário do tipo penal há a previsão, em abstrato, da pena mínima e máxima para cada infra-

ção. A sanção maior ou menor dependerá da necessidade de mais ou menos proteção à cada

espécie de bem jurídico tutelado pela norma penal. Assim, a reprimenda cominada àquele que

pratica um homicídio deve ser maior do que aquela prevista para o indivíduo que comete o

delito de furto.

Dentro dos limites mínimo e máximo de pena estabelecidos pelo legislador, deverá o

magistrado, no momento do cálculo da pena, percorrer os caminhos necessários para a correta

individualização da pena (individualização no plano concreto ou individualização judiciária),

adotando-se o critério trifásico previsto no artigo 68 do Código Penal. Eis aqui a regulamen-

tação feita por lei para garantir a individualização da pena, conforme disposto na primeira

parte do inciso XLVI do artigo 5o, da CRFB/88: “a lei regulará a individualização da pena”.

Portanto, inevitável o respeito ao método trifásico de aplicação de pena, sendo certo

que a primeira fase diz respeito à fixação da pena-base, nos termos do artigo 59 do Código

Penal.

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Mas a questão que se coloca é saber se a norma do artigo 59 do Estatuto Repressivo

regula a individualização da pena (sanção individualizada para o infrator) ou se estabelece

condições para a personalização da reprimenda, isto é, se faz previsão de circunstâncias de

caráter pessoal do infrator à guisa de individualizar a pena.

Cremos que a culpabilidade do fato (ou do ato) vigente em nosso Direito Penal im-

pediria a incidência de circunstâncias judiciais subjetivas – que se referem à pessoa do infra-

tor –, para majorar a pena a partir da discricionariedade do juiz, que atua dissociado de qual-

quer critério legal para aferição de tais circunstâncias e também para a definição acerca da

mensuração da pena a ser imposta.

Noutro campo, a terceira etapa da individualização da pena seria a denominada indi-

vidualização executória, cabendo ao magistrado competente para atuar na execução da pena

determinar o cumprimento individualizado da sanção aplicada. Neste ponto, Guilherme de

Souza Nucci (2012, pág. 40) explica que:

Ainda que dois ou mais réus, coautores de um infração penal, recebam

a mesma pena, o progresso na execução pode ocorrer de maneira dife-

renciada. Enquanto um deles pode obter a progressão do regime fe-

chado ao semiaberto em menor tempo, outro pode ser levado a aguar-

dar maior período para obter o mesmo benefício. Assim também ocor-

re com a aplicação de outros instrumentos, como, exemplificando, o

livramento condicional ou o indulto coletivo ou individual. É a indivi-

dualização executória.120.

É bom lembrar que, até mesmo na fase executória, a Lei de Execução Penal define

expressamente que os condenados deverão ser classificados de acordo com seus antecedentes

e personalidade para orientar a individualização da execução da pena.

                                                                                                               120 NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. 5a ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. Pág. 40.

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3.3.2. Princípio da Proporcionalidade da Pena

A proporcionalidade como princípio encontra-se presente em diversos ramos do di-

reito. Discorrendo sobre o tema, Carvalho Filho (2011, pág. 112) ensina que:

O grande fundamento do princípio da proporcionalidade é o excesso

de poder, e o fim a que se destina é exatamente o de conter atos, deci-

sões e condutas de agentes públicos que ultrapassem os limites ade-

quados, com vistas ao objetivo colimado pela Administração, ou até

mesmo pelos Poderes representativos do Estado. Significa que o Po-

der Público, quando intervém nas atividades sob seu controle, deve

atuar porque a situação reclama realmente a intervenção, e esta deve

processar-se com equilíbrio, sem excessos e proporcionalmente ao fim

a ser atingido.121.

De acordo com a doutrina alemã, são três os fundamentos do princípio da proporci-

onalidade: a adequação (o meio empregado deve ser compatível com o fim colimado), a exi-

gibilidade (o meio escolhido é o que causa o menor prejuízo possível aos indivíduos) e a pro-

porcionalidade em sentido estrito (as vantagens superam as desvantagens).

No âmbito penal, uma vez compreendida a individualização da pena, deve-se enten-

der que a sanção, além de dever ser individualizada, também necessita ser proporcional. O

princípio da proporcionalidade da pena, embora não tenha previsão expressa no texto consti-

tucional, deflui como consectário lógico dos demais princípios, dentre os quais podemos citar

o da individualização da pena.

Alberto Silva Franco, citado na obra de Rogério Greco, lecionando sobre o tema,

afirmou que:

O princípio da proporcionalidade exige que se faça um juízo de pon-

deração sobre a relação existente entre o bem que é lesionado ou posto

em perigo (gravidade do fato) e o bem de que pode alguém ser priva-                                                                                                                121 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24a Ed. Ed. Lumen Ju-ris. 2011.

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do (gravidade da pena). Toda vez que, nessa relação, houver um dese-

quilíbrio acentuado, estabelece-se, em consequência, inaceitável des-

proporção.122

A proporcionalidade, portanto, deve resultar da harmonia entre os princípios consti-

tucionais e as normas infraconstitucionais. Desse modo, escorado na subsidiariedade e na in-

tervenção mínima do Direito Penal, não se pode admitir a previsão de penas exageradas para,

por exemplo, delitos de menor potencial ofensivo. De igual forma, viola a razoabilidade a

cominação de sanção ínfima para os criminosos que ofenderam normas incriminadoras que

tutelam os bens jurídicos mais importantes para o ser humano, como a vida, a liberdade etc.

Sobre a medida da pena e o princípio em estudo, Luigi Ferrajoli, em sua obra, expli-

cita que:

O fato de que entre a pena e delito não exista nenhuma relação natural

não exime a primeira de ser adequada ao segundo em alguma medida.

Ao contrário, precisamente o caráter convencional e legal do nexo re-

tributivo que liga a sanção ao ilícito penal exige que a eleição da qua-

lidade e da quantidade de uma seja realizada pelo legislador e pelo ju-

iz em relação à natureza e à gravidade do outro. O princípio da pro-

porcionalidade expressado na antiga máxima poena debet commensu-

rari delicto é, em suma, um corolário dos princípios de legalidade e de

retributividade, que tem nestes seu fundamento lógico e axiológico123.

Assim como na individualização da pena, a doutrina de Paulo Queiroz divide a pro-

porcionalidade em três etapas: 1o) a proporcionalidade abstrata ou legislativa, onde o legisla-

dor elege a qualidade e a quantidade das sanções; 2o) a proporcionalidade concreta ou judici-

al, que deve orientar o magistrado quando da imposição da pena; e 3o) a proporcionalidade

executória, que diz respeito à individualização da pena durante a execução penal, aferindo-se

                                                                                                               122 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. Vol I. 19ª edição, Niterói, RJ: Impetus, 2017, pág. 77 123 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. Revista dos Tribunais. SP. 2002. Pág. 366

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se o apenado, por exemplo, tem mérito e direito à progressão de regime, livramento condicio-

nal etc.

3.3.3. Princípio do Devido Processo Legal

O princípio do devido processo legal está sediado no inciso LIV do artigo 5o da

Constituição Federal, onde se preceitua que ninguém será privado da liberdade ou de seus

bens sem o devido processo legal.

Portanto, de acordo com o princípio em comento, o indivíduo somente poderá ser

preso – ou sofrer sanção penal de outra espécie –, se tiver se submetido ao devido processo da

lei.

Paulo Rangel, ao discorrer sobre o devido processo legal, ressalta que:

A Constituição, ao estatuir da liberdade, não especificou o tipo de li-

berdade. Assim, o intérprete não está autorizado a restringir o alcance

do dispositivo legal constitucional. Ubi lex non distinguit nec nos dis-

tinguere debemus (onde a lei não distingue, não pode o intérprete dis-

tinguir).124

O processualista Tourinho Filho, em sua clássica obra, comentando o devido proces-

so legal, conclui que:

A imposição de pena ao pretenso culpado é precedida de um regular proces-

so presidido pelo seu Juiz natural, ficando as partes, acusadora e acusada, si-

tuadas em um mesmo plano processual de direitos e deveres, a fim de que

ajustiça não fique menoscabada em benefício da parte mais bem situada pro-

cessualmente.125

Acredita-se que o princípio do devido processo legal além da sua já conhecida

acepção processual, para melhor harmonização com o princípio da individualização da pena,

                                                                                                               124 RANGEL. Paulo. Direito Processual Penal. 18a Ed. Ed. Lumen Juris. 2011, pág. 41/42 125 TOURINHO FILHO. Fernando da Costa. Prática de Processo Penal – Volume 1. 33a ed. Ed. Sarai-va. 2011. Pgs.15/16.

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também deveria abranger carga de direito material, in casu, de Direito Penal, a fim de con-

templar a previsibilidade da sanção imposta no tipo penal e a forma, o critério, o proce-

dimento (ou o processo, entendido como meio) a ser utilizado para sua aplicação.

A afirmação supra parte da premissa de que o artigo 59 do Código Penal, objeto do

presente estudo, não estabelece critérios ou mecanismos para que o magistrado possa se guiar

para impor aumento à pena-base a partir do reconhecimento de circunstâncias judiciais subje-

tivas. Aquelas que partem do subjetivismo (do juiz) e atingem a subjetividade (do infrator).

Nesta perspectiva é interessante notar que no caput do artigo 5o, da Constituição Fe-

deral, há previsão de alguns direitos fundamentais, dentre os quais se encontra o direito à se-

gurança, que deve abranger a proteção à estabilidade das relações jurídicas (princípio da se-

gurança jurídica).

Sendo assim, já vimos que a norma constitucional ao tratar da individualização da

pena, dispõe que esta deve ser regulada por lei, a qual deve ser proporcional. Neste ponto,

vale trazer a doutrina de Gilmar Ferreira Mendes e de Paulo Gustavo Gonet Branco, quando

afirmam:

O constituinte fala em devido processo legal, no artigo 5º, LIV, ex-

pressão que dá ensejo a várias pretensões de sentido, inclusive permi-

tindo que se fale em devido processo legal material, como sinônimo

de exigência de razoabilidade/proporcionalidade nas ações dos po-

deres públicos.126. (Destacamos).

No tema de nosso estudo, focamos o momento do cálculo da pena pela juiz, feito

com base no critério trifásico do artigo 68 do Código Penal, mais especificamente na primeira

etapa, que diz respeito à imposição da pena-base.

E para a definição da pena-base, o legislador se utilizou das circunstâncias judiciais

previstas no artigo 59 do Código Penal. Mas a questão que surge é: teria o legislador da re-

forma de 1984 do Código Penal regulado, antecipadamente, a garantia da individualização da                                                                                                                126 MENDES, Gilmar Ferreira e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet . Curso de Direito Constitucional. 7a ed.. Ed. Saraiva. 2012, págs. 184/185.

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  91

pena? Antecipação porque a Constituição Federal vigente surgiu somente quatro anos depois,

em 1988.

Considera-se negativa a resposta, pois, do contrário, algumas das circunstâncias ju-

diciais subjetivas não teriam cabimento. O que se quer dizer é que determinadas circunstân-

cias judiciais, ainda hoje previstas no artigo 59 do Código Penal, não se coadunam com as

garantias individuais previstas na Constituição Federal.

A insegurança jurídica existente por força da ausência de lei estabelecendo a forma

ou o critério objetivo para a majoração da pena-base em razão do reconhecimento, por exem-

plo, da personalidade negativa, violaria o princípio da individualização da pena, além de ou-

tros.

A discricionariedade do juiz em reconhecer desfavorável a personalidade do agente,

por hipótese, não se coaduna também com o princípio do devido processo legal, pois não se

pode conceber este tipo de abertura normativa em sede de definição de sanção penal. A subje-

tividade do magistrado, portanto, não pode fazer parte do processo da lei que é devido ao

agente (due processo of law). Nesta concepção mais ampla do princípio do devido processo

legal, acredita-se que seria possível afirmar que tal garantia deve se harmonizar com aquelas

outras que protegem os direitos do infrator de norma penal, tais como a individualização da

pena e o princípio da legalidade.

3.3.4. Princípio da Estrita Legalidade

O princípio da estrita legalidade vem expresso no inciso XXXIX do citado artigo 5o

da CRFB/88, que diz não haver crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia co-

minação legal. A norma em estudo é repetida ipsis litteris no artigo 1o do Código Penal.

Assim, somente haverá crime quando o fato praticado tiver sido anteriormente pre-

visto como delito pela lei. Além disso, para que a individualização da pena seja legítima, a

sanção penal a ser aplicada deve ter sido prevista em lei anteriormente ao fato tido como deli-

tuoso.

Guilherme de Souza Nucci comentando o princípio em estudo conclui que:

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  92

Dessa forma, para a individualização da pena dar-se de maneira legí-

tima, é indispensável haver pena cominada em lei de antemão, bem

como sejam previstos, expressamente, todos os critérios orientado-

res para a sua quantificação e execução127. Grifamos

Focados nas circunstâncias judiciais subjetivas, como, por exemplo, a personalidade

do agente, indaga-se se o magistrado, ao majorar a pena-base por entendê-la negativa, estaria

ele infringindo a segunda parte do princípio da estrita legalidade, que estabelece não haver

pena sem prévia cominação legal?

Devido à falta de critério legal objetivo, vige grande instabilidade jurídica nos casos

de reconhecimento ou não da personalidade negativa do agente, o que poderá repercutir de

forma positiva ou negativa na fixação da pena-base. Isto pode significar um incremento de,

por exemplo, 6 (seis) meses na pena-base se um juiz entender pela “personalidade voltada à

prática de delitos”, e, ao mesmo tempo, pelo fato de outro magistrado entender de forma di-

versa, deixar de aplicar tal majoração. Eis o subjetivismo do magistrado.

E o que é um dia na prisão...? E o que são 6 (seis) meses custodiado nos presídios

superlotados e caóticos existentes no Brasil em virtude de um gap legislativo que conferiu

aos magistrados o poder de aferir, sem critérios pré-estabelecidos, quando e quanto a pena-

base deve ser aumentada?

Nesta fenda, o princípio da estrita legalidade também deve servir de instrumento

para proteção da garantia da segurança do indivíduo, compreendida esta como segurança das

relações jurídicas.

Afinal, será que o supramencionado acréscimo de 6 (seis) meses na pena corporal é

uma sanção previamente cominada pela lei? A cominação seria a simples previsão em abstra-

to do mínimo e máximo de pena aplicável? Ou também deve ser entendida como a previsão

de critérios pré-determinados que devem ser adotados para a modulação da pena?

                                                                                                               127 NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. 5a ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, pág. 45.

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3.3.5. Princípio insculpido no artigo 5o, II, da CRFB/88

O artigo 5o, inciso II, da Constituição Federal preceitua que ninguém será obrigado a

fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Este princípio constitucional,

conforme ensina Zaffaroni e Pierangeli:

(...) não tem vigência no campo da moral, mas é o fundamento de to-

do o direito penal, de modo que, se o abandonamos, o direito penal

deixa de cumprir sua função de segurança jurídica e passa a pretender

cumprir qualquer outra (...)128.

Da leitura da norma constitucional supramencionada conclui-se que, no direito – es-

pecialmente no Direito Penal –, se não houver lei obrigando ou impedindo a realização de

determinada conduta, é porque esta ação ou omissão é permitida ao indivíduo.

Trazendo este fundamento ao presente estudo, e correlacionando o princípio em es-

tudo ao que já foi dito anteriormente em relação à culpabilidade do fato ou do ato (ou direito

penal do fato), tem-se que as circunstâncias judiciais de ordem subjetiva não deveriam servir

para majorar a pena.

Se, por exemplo, o magistrado considera negativa a personalidade ou a conduta so-

cial do infrator por entender que ele tem maus hábitos, ser violento e imoderado no seio fa-

miliar, estar-se-ia julgando o comportamento social do indivíduo para o aumento da pena,

além do fato criminoso por ele praticado.

Desse modo, o magistrado, como já foi dito, estaria se utilizando do direito penal do

fato (culpabilidade do fato ou do ato) para julgar os fatos imputados ao criminoso na ação

penal e, além disso, julgaria o modo de vida daquele réu para majorar a pena, aplicando-se o

direito penal do autor (culpabilidade do autor).

                                                                                                               128 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, c2010. (v. 1). Pág. 534.

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Com razão aqueles que compreendem que o nosso ordenamento jurídico é pautado

pela culpabilidade do fato, onde o criminoso é julgado por aquilo que ele fez, e não pelo o

que ele é.

Um dos fundamentos que fortalece a tese da incidência em nosso Direito Penal da

culpabilidade do fato é o princípio constitucional ora em debate, trazido no inciso II do artigo

5o da Constitucional Federal.

É que, se o constituinte garante ao indivíduo o direito de fazer tudo aquilo que a lei

não proíbe, aquele que vem a cometer um delito, não deveria ser julgado pelas ações realiza-

das antes da prática delituosa.

Se, antes da consumação do crime, tal indivíduo escolheu, como modo de vida, ser,

por exemplo, um sujeito pervertido, alcoólatra e frequentador de casas de prostituição etc,

tais hábitos não poderiam ser utilizados para majorar a pena, pois, a lei, por omissão, permite

ao cidadão que ele adote este estilo de vida.

Ou seja: se ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em

virtude de lei, incabível o recrudescimento da pena-base por considerar negativas a conduta

social ou a personalidade de determinado delinquente.

Zaffaroni e Pierangeli sustentando o Direito Penal com culpabilidade do fato (ou do

ato), excluindo a ideia da culpabilidade do autor, ainda que concomitante à primeira, escre-

vem que:

Alguns autores, mais modernos, sustentam que há uma combinação

de reprovação pelo ato e pela conduta de vida, mas não vemos como

é possível fazer esta combinação, porque ou a ação é a ele reprovada

na circunstância concreta em que atuou, ou o sujeito é por ela repro-

vado como resultado de sua conduta de vida; mas qualquer pretensão

de combinar ambas as reprovações não pode conduzir a outro resulta-

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do senão o de cair na segunda, isto é, em uma culpabilidade de autor,

chamada em nossos dias ‘culpabilidade pela conduta de vida’.129.

3.3.6. As Garantias da Inviolabilidade do Direito à Liberdade, à Igualdade, à

Segurança, à Intimidade e à Vida Privada

A norma constitucional prevista no artigo 5o, caput, da Constituição Federal130, ga-

rante a inviolabilidade do direito à liberdade, à igualdade, à segurança, à intimidade e à vida

privada.

Na hipótese formulada no item anterior, onde o magistrado, por entender, de forma

discricionária, negativa a personalidade do agente, aumenta a pena-base em 6 (seis) meses,

vislumbra-se afronta à legalidade e à estrita legalidade, conforme ficou anteriormente anota-

do.

Do mesmo modo, o direito à liberdade cessa pelo fato de o juiz, no momento da de-

finição da pena-base, ter incrementado a sanção em 6 (seis) meses de reclusão. Independen-

temente se se cuida de pena privativa de liberdade ou restritiva de direito, pois o que está em

risco é o direito ambular do infrator a partir de um aumento em sua pena provocado pela sub-

jetividade do magistrado, dissociada de critérios legais para tanto.

Mas também enxergamos afetação à igualdade (ou isonomia), posto que cada indiví-

duo deve sofrer igual reprimenda do Estado quando, do mesmo modo, viola idêntica norma

penal e se encontra em situações fáticas equivalentes. Não pode, portanto, o agente sofrer com

essa vulnerabilidade, aguardando com surpresa a sua pena-base, que poderá ser recrudescida

ou não a depender do critério pessoal e discricionário a ser adotado pelo julgador.

A garantia da segurança deve ser interpretada de forma sistemática e ampla o sufici-

ente para abarcar a necessidade de o Estado proporcionar aos cidadãos a segurança das rela-

ções jurídicas, até porque o próprio caput do artigo 5o, da Constituição Federal, menciona que

                                                                                                               129 Zaffaroni e Pierangeli, mesma ob. cit. Pg.533. 130 Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.  

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as garantias ali previstas são invioláveis “nos termos seguintes”, passando a relacionar diver-

sos princípios nos incisos subsequentes, dentre os quais estão os princípios da individualiza-

ção da pena, do devido processo legal, da estrita legalidade etc.

Sobre o tema ora tratado, vale trazer à colação excertos de lúcido acórdão131 oriundo

da Tribunal de Justiça do Paraná que revolve a polêmica:

“(...). 3. A personalidade como circunstância judicial do artigo 59, do

CP, somente poderia ser aferida por psiquiatra, ao contrário, padece

de profunda anemia significativa. (...). 6. Da dosimetria da pena. 6.1 - 1ª

fase. (....). Com relação à personalidade e à conduta social do acusado o ju-

iz entendeu estas circunstâncias desfavoráveis, decidindo nos seguintes

termos (fl.266): ‘De acordo com os relatos das testemunhas da acusação o

réu possui comportamentos perversos, visto que costumava pegar ônibus

lotado e se esfregar em mulheres, fazia brincadeiras quando via mulheres

na TV, dizia que comprava revistas de mulheres nuas e que utilizava Vi-

agra etc.’ Difícil até identificar se o Ilustre Magistrado quis se referir a per-

sonalidade ou a conduta social ou a ambas. De qualquer maneira deve ser

excluído este aumento.

Da conduta social: Comungo do pensamento do Professor Catedrático

da Universidade de Munique, Claus ROXIN, quando pondera que, as

circunstâncias da personalidade (periculosidade), conduta social e an-

tecedentes, somente devem ser utilizadas para reduzir a pena, pois se

está diante do Direito Penal do Autor. Além do que, nem ficaram devi-

damente comprovadas.

Da personalidade: (...) A condição que colocamos é que inexistem condi-

ções mínimas de o julgador, no processo, estabelecer este juízo. A pro-

pósito, tradicional compêndio de psiquiatria demonstra que, para avaliação

de personalidade, o técnico (psiquiatra) deve, no mínimo, realizar algumas

etapas. (...)” (Grifos nossos)

                                                                                                               131 (TJ/PR. 5a Câmara Criminal. Relator: Rogério Etzel. ACR 5675501 PR. Julgamento: 15/10/2009. DJ: 263). (Grifos nossos)

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No julgado acima transcrito, foi visto que na decisão monocrática, o juízo monocrá-

tico aumentou a pena-base porque o réu possuía comportamentos perversos, como se esfregar

em mulheres, comprar revistas de mulheres nuas e usar viagra, considerando tais comporta-

mentos como personalidade e condutas sociais negativas.

Exsurge-se, então, a indagação: perquirir o comportamento, o meio de vida e as

ações da vida pregressa do réu, que possuem ou não qualquer nexo de causalidade com o fato

criminoso por ele praticado, não seria afrontar a intimidade deste indivíduo, garantia assegu-

rada no inciso X do artigo 5o, da CRFB/88, onde há a previsão de que são invioláveis a inti-

midade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização

pelo dano material ou moral decorrente de sua violação?

Trilhando o mesmo caminho, Zaffaroni e Pierangeli, após se posicionarem acerca da

existência da culpabilidade do fato ou do fato (direito penal do fato) em nosso Direito Penal,

criticam a culpabilidade do autor (ou direito penal do autor) comumente utilizada no dia-a-

dia forense a partir de um exemplo:

Assim, diz-se que quando um homem comete um homicídio, por

exemplo, e trata-se de um sujeito que tem maus hábitos e reações vio-

lentas e imoderadas, é mais culpável que quando o mesmo homicídio

é cometido por alguém que não tem esse tipo de reações, mas que, ao

contrário, é mais calmo e pacífico. Sustenta-se que, no primeiro caso,

é mais reprovável porque sua reação é mais própria de sua personali-

dade do que no segundo, em que constitui um episódio isolado dentro

de sua personalidade. Desta maneira, no primeiro caso é mais repro-

vável a personalidade – e, portanto, o delito – do que no segundo132.

Nesse contexto, em complementação a ideia aqui ventilada, veja-se, ainda, o que

consta sobre a autonomia moral da pessoa no item 2.6 acima.

                                                                                                               132 Zaffaroni e Pierangeli, mesma ob. cit.

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  98

3.4. A validade do artigo 59 do Código Penal e a Constituição Federal

Escrevemos acima sobre a interpretação da norma conforme a Constituição e sobre a

declaração de inconstitucional parcial da norma sem redução de texto.

Como é sabido, o controle de constitucionalidade das leis exercido pelo Poder Judi-

ciário atinge a validade da norma dentro do ordenamento jurídico. Assim, na declaração de

inconstitucionalidade, retira-se a validade da norma, ou seja, deixando ela de ter eficácia, de

produzir efeitos jurídicos válidos.

As técnicas interpretativas supra comentadas poderiam ser utilizadas Poder Judiciá-

rio com o intuito de equalizar o conteúdo normativo do artigo 59 do Código Penal à Consti-

tuição Federal.

Numa exegese do citado artigo de lei conforme a Constituição, a norma do artigo 59

do Estatuto Penal seria interpretada à luz dos princípios e garantias constitucionais da indivi-

dualização da pena, proporcionalidade, devido processo legal, estrita legalidade, liberdade,

igualdade, segurança, intimidade e vida privada.

Os argumentos para o equacionamento da norma seriam aqueles desenvolvidos nos

itens anteriores deste trabalho. Aliado à interpretação conforme a Constituição, viria a decla-

ração parcial de inconstitucionalidade, sem redução de texto, das expressões “culpabilidade”,

“antecedentes”, “conduta social” e “personalidade” da norma do artigo 59 do Código Penal.

Desse modo, ficariam preservadas as circunstâncias judiciais de caráter objetivo,

aquelas que dizem respeito ao fato praticado (culpabilidade do fato), afastando-se do ordena-

mento jurídico tão somente as circunstâncias judiciais subjetivas, que se referem ao autor do

fato (culpabilidade do autor).

A solução aqui apresentada traria enorme contribuição à aplicação prática do Direito

Penal no nosso país, como forme de preservação dos direitos e garantias individuais tutelados

pela Constituição Federal.

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CAPÍTULO IV – ANÁLISE DA INCIDÊNCIA DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS

SUBJETIVAS NA JUSTIÇA BRASILEIRA

Conforme já afirmado anteriormente, a falta de critérios legais para nortear os órgãos

jurisdicionais no momento da aplicação da pena-base, especialmente no que tange ao reco-

nhecimento (identificação ou incidência) das circunstâncias judiciais subjetivas, bem como

em relação à sua quantificação (mensuração) para fins de aumento da pena-base, ao longo das

últimas décadas, trouxe – e ainda traz –, uma gama enorme de entendimentos, resultando em

decisões dos mais variados matizes.

No presente capítulo algumas decisões do Poder Judiciário brasileiro serão parcial-

mente transcritas e comentadas, permitindo, assim, a constatação do fenômeno acima explici-

tado. Os posicionamentos dissonantes são evidentes entre os mais diversos órgãos do Poder

Judiciário. O próprio Supremo Tribunal Federal, aliás, conforme já comentado anteriormente,

ao longo dos anos, veio modificando seu entendimento.

O embasamento teórico, os conceitos e as ideias tratados nos capítulos anteriores,

servirá para que leitor avalie o amplitude da discricionariedade do magistrado no momento da

fixação da pena-base, refletindo cuidadosamente acerca de cada julgado e, se assim entender,

concordar com as proposições e soluções trazidas no presente estudo.

4.1. Sentenças Condenatórias na Primeira Instância

A fim de evitar que a dissertação se estabeleça apenas no âmbito teórico, acreditamos

que a transcrição de apenas excertos de sentenças condenatórias, especialmente da parte que

trata das circunstâncias judiciais, seria bastante proveitoso para o exame de cada caso concre-

to a partir do substrato doutrinário coletado nos capítulos anteriores. Vejamos:

“(...) Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva es-

tatal em relação ao delito de tráfico de entorpecentes e, em conse-

qüência, CONDENO o réu MARTIONE DOS SANTOS RODRIGUES,

por transgressão ao preceito primário contido no tipo do artigo 33 da

Lei 11.343/06, pelo que passo a aplicar-lhe a pena. O réu é primário

e ostenta bons antecedentes, conforme se verifica em sua FAC de f.

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86/88 e na certidão de f. 89. No entanto, restou demonstrado pelos

depoimentos esclarecedores dos milicianos que o réu tinha envolvi-

mento com atividade criminosa, inclusive praticando a mercancia de

drogas para a conhecida facção criminosa TCP (Terceiro Comando

Puro), que impera na favela Tira Gosto, conhecida pelo seu alto ín-

dice de narcotraficância. Quanto à culpabilidade do réu, entendo de

classificá-la como maior o índice de reprovação, eis que o tráfico de

drogas é hoje um poderoso meio de degradação da sociedade e desa-

gregação da família. Sua personalidade e conduta social são desfa-

voráveis, posto que trata-se de traficante de entorpecentes, cuja ati-

vidade instaura na localidade um verdadeiro estado de pânico e in-

segurança, causando desgraça de famílias que assistem seus entes

queridos no abismo do vício e dependência, quase sempre sem re-

torno a normalidade. Os motivos e circunstâncias do crime também

não lhe favorece, pois a finalidade do traficante é, ao lado de exercer

um poder contraposto ao Estado, auferir indevido lucro financeiro ao

preço da desgraça daqueles que se viciam no uso das drogas. Aliada

a essas circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Pe-

nal, e a quantidade da substancia entorpecente apreendida, bem como

sua natureza consistente em CRACK, sendo este entorpecente dotado

de alto poder alucinógeno, viciativo e destrutivo do organismo, que

conforme estudos médicos, escravizam os consumidores (artigo 42 da

Lei n°11.343/06), aplico ao réu a pena de 07 anos de reclusão cumu-

lada com 700 dias-multa, sendo certo que conforme Jurisprudência

recente a apreensão de elevada quantidade de drogas já é suficiente

para a fixação da pena base acima do mínimo legal. (...)”

(TJ/RJ. Apelação no 0009043-60.2013.8.19.0014).

Note-se que o magistrado de piso considerou negativas as quatro circunstâncias ju-

diciais subjetivas (antecedentes, culpabilidade, personalidade e conduta social. Inicialmente,

embora afirme o juiz que o réu é primário e de bons antecedentes, em seguida, de forma con-

traditória, entende que os depoimentos dos policiais demonstram que o acusado tinha envol-

vimento na atividade criminosa do tráfico de drogas, fazendo-nos crer no desvalor da referida

circunstância.

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Quanto à culpabilidade negativa, assim o juiz a considerou porque o “tráfico de

drogas é hoje um poderoso meio de degradação da sociedade e desagregação da família”.

Cuida-se, no entanto, de cláusula genérica e abstrata desprovida de qualquer consideração in-

dividual do infrator, imprestável, portanto, data venia, para fundamentar a decisão judicial

que impôs aumento na pena-base.

Ainda sobre as circunstâncias judiciais subjetivas, o magistrado identificou como

negativas a personalidade do réu e sua conduta social, utilizando uma fundamentação única

para tanto, ao dizer que: “trata-se de traficante de entorpecentes, cuja atividade instaura na

localidade um verdadeiro estado de pânico e insegurança, causando desgraça de famílias

que assistem seus entes queridos no abismo do vício e dependência, quase sempre sem retor-

no a normalidade”.

Uma vez mais, o juiz se utilizou de cláusula genérica e abstrata dissociada do exame

individual do infrator. Além disso, não individualizou as razões que motivaram a considera-

ção negativa de cada uma dessas circunstâncias (personalidade e conduta social). A justifica-

tiva, aliás, mais se adequa às consequências do delito, não guardando coerência com os con-

ceitos sobre a personalidade ou a conduta social.

O juiz monocrático, como se vê, considerou desfavoráveis, ainda, circunstâncias ju-

diciais objetivas (motivos e circunstâncias), utilizando-se, igualmente, de fórmulas genéricas

e abstratas. Além disso, aplicando a norma do artigo 42 da Lei 11.343/06, entendeu a quanti-

dade do entorpecente (que foi de 3,5 gramas) e a espécie da droga (crack – cloridrato de coca-

ína em pedra) como causas a justificar a majoração da pena-base, somada às demais. Por tudo

isso, incrementou a pena-base em 2 (dois) anos de reclusão, o que nos parece um equívoco

pelas razões acima comentadas.

Perceba-se, ainda, que o recrudescimento da pena-base em 2 (dois) anos não teve

qualquer fundamentação de modo a entender como o magistrado mensurou cada uma das cir-

cunstâncias judiciais por ele consideradas negativas. Não se sabe qual o critério por ele im-

plementado para tanto, tratando-se, pois, de decisão nula por falta de fundamentação adequa-

da, nos termos do artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal.

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  102

4.2. Acórdãos Condenatórios na Segunda Instância

Um julgado que se alinha às proposições por nós comentadas no presente trabalho

provém do Tribunal de Justiça do Paraná, sendo de capital importância trazer à baila tre-

chos que se referem às circunstâncias judiciais:

“(...)

6. Da dosimetria da pena.

6.1 - 1ª fase

Alega o apelante que a pena-base deverá ser reduzida, desconside-

rando a personalidade e a conduta social do réu como circunstâncias

desfavoráveis consideradas pelo juiz.

Assiste razão ao apelante.

Com relação à personalidade e à conduta social do acusado o

juiz entendeu estas circunstâncias desfavoráveis, decidindo nos se-

guintes termos (fl. 266): ‘De acordo com os relatos das testemunhas

da acusação o réu possui comportamentos perversos, visto que cos-

tumava pegar ônibus lotado e se esfregar em mulheres, fazia brinca-

deiras quando via mulheres na TV, dizia que comprava revistas de

mulheres nuas e que utilizava Viagra etc.’

Difícil até identificar se o Ilustre Magistrado quis se referir a per-

sonalidade ou a conduta social ou a ambas.

De qualquer maneira deve ser excluído este aumento.

Da conduta social: Comungo do pensamento do Professor Cate-

drático da Universidade de Munique, Claus ROXIN, quando ponde-

ra que, as circunstâncias da personalidade (periculosidade), con-

duta social e antecedentes, somente devem ser utilizadas para re-

duzir a pena, pois se está diante do Direito Penal do Autor. Além

do que, nem ficaram devidamente comprovadas.

Da personalidade: Em um exame exaustivo da literatura, Allport

extraiu quase cinquenta definições diferentes que classificou em cate-

gorias amplas... Antes de qualquer coisa, então, para proceder levan-

tamento apurado e, principalmente, para poder fundamentar o juí-

zo sobre a personalidade do réu, deveria o juiz indicar qual o con-

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  103

ceito de personalidade em que se baseou para a tarefa, qual a me-

todologia utilizada, quais foram os critérios e os passos seguidos e,

em conseqüência, em qual momento processual foi-lhe possibilita-

da a averiguação.

A condição que colocamos é que inexistem condições mínimas

de o julgador, no processo, estabelecer este juízo. A propósito, tra-

dicional compêndio de psiquiatria demonstra que, para avaliação

de personalidade, o técnico (psiquiatra) deve, no mínimo, realizar

algumas etapas. A primeira, referente à fase da Testagem Psicoló-

gica de Inteligência e Personalidade, compreende dois testes: (1º)

teste objetivo, baseado em itens e questões específicas para forne-

cimento de escores e perfis sujeitos à análise (p. ex., Inventário Mul-

tifásico da Personalidade Minesota - MMPI, Inventário Multifacial de

Milton - MCMI, Inventário de Estado-Traço de Ansiedade - STAL,

Inventário ou Questionário de Personalidade Eysenck - EPQ etc.); (2º)

teste projetivo, que apresenta estímulo cujo significado não é ime-

diatamente óbvio, pois, o grau de ambigüidade força o sujeito a

projetar suas próprias necessidades na situação de testagem (p. ex.

Teste de Apercepção Temática - TAT, Teste de Rorschach, Teste de

Associação de Palavras etc.).

Contudo, o psiquiatra ainda não está habilitado a produzir o

diagnóstico acerca da personalidade do indivíduo, requerendo, ain-

da, realizar a Entrevista Psiquiátrica, onde, entre outros dados, será

acolhida a História Psiquiátrica do paciente e será feito o Exame do

Estado Mental (EEM).

Não obstante o percurso já traçado, outros testes ainda podem ser

necessários para definir os traços da personalidade do agente, que são

os Estudos Diagnosticais. Tais testes compreendem exame neurológi-

co, tomografia computadorizada, entrevistas diagnósticas psiquiátricas

adicionais, entrevistas com familiares, etc...

Nota-se, desta forma, que a noção de personalidade do acusado

normalmente auferida pelos magistrados padece de profunda

anemia significativa...

Portanto, esta circunstância também não pode ser considera-

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da em desfavor do réu.

O magistrado considerou quatro (4) circunstâncias como desfavo-

ráveis, quais sejam, culpabilidade, circunstâncias, consequências e a

conduta social e a personalidade de forma englobada. Assim, procedeu

a um aumento de doze (12) meses à pena base.

Como está se excluindo uma das circunstâncias (conduta social e

personalidade que foram analisadas conjuntamente), e para se respeitar

o patamar utilizado pelo Magistrado, reduzo a pena em três (3) meses.

Portanto, a pena base resta fixada em seis (6) anos e nove (9) meses de

reclusão.

(...)”.

(TJ/PR. 5a Câmara Criminal. Processo ACR 5675501-PR. Relator:

Rogério Etzel. Julgamento: 15/10/2009. Publicação: DJ: 263).

O julgamento das circunstâncias judiciais, como se pode perceber, é demasiado va-

cilante, tendo em vista as discrepâncias de critérios e de interpretações das normas pelos ope-

radores do direito. Note-se que a mesma Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná,

em grau de apelação, manteve outra sentença condenatória que majorou a pena-base com a

seguinte fundamentação:

“Da pena-base: Em suas razões de apelação, busca a defesa a reforma

da sentença para o fim de fixar a reprimenda corporal no mínimo le-

gal. Porém, razão não lhe assiste. Extrai-se da sentença que a Juíza a

quo ao analisar as circunstâncias judiciais assim consignou: "A culpa-

bilidade, como juízo de reprovação, foi de grau elevado, uma vez que

tinha potencial consciência da ilicitude de seus atos, contudo, ínsita ao

tipo penal. O réu registra antecedentes criminais, conquanto, deixo de

considerá-los nesta fase para não incorrer em bis in idem (informações

processuais, fls. 77/80). Diante da ausência de análise técnica, não há

elementos suficientes para aquilatar sua personalidade. Sua conduta

social é desfavorável, pois não possui vínculos familiares, além de

que apesar de estar desempregado, não demonstrou interesse em

obter trabalho lícito, preferindo aferir lucro oriundo da crimina-

lidade. O motivo da prática delituosa circunscreve a ganância cruel de

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obter lucro fácil à custa de vícios alheios. Como conseqüência, a inse-

gurança familiar e social gerada pela sua conduta a colaborar na des-

truição de vidas e destinos daqueles que se envolvem com tóxicos.

Quanto às circunstâncias, são as decorrentes do envolvimento no trá-

fico de drogas. Não há que se falar em comportamento da vítima, eis

que o delito atinge a saúde pública" (fls. 188/189). Da análise do tre-

cho supramencionado, observa-se que a Magistrada de primeiro grau

considerou como circunstância judicial desfavorável ao réu a conduta

social e a quantidade e natureza da droga. TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ESTADO DO PARANÁ Apelação Criminal nº 1391375-0 fls. 5 Note-

se que com relação a conduta social, tal circunstância encontra-se

acertadamente fundamentada, de modo que mantenho tal aumento.”,

(Grifos nossos).

(TJ/PR. 5a Câmara Criminal. Relator: Maria José de Toledo Marcon-

des Teixeira. APL 13913750-PR. Julgamento: 20/08/2015. Publica-

ção: 11/09/2015).

Como se vê, o Poder Judiciário exasperou a pena do indivíduo aduzindo como fun-

damento o fato dele não possuir vínculo familiar e estar desempregado, sem ter demonstrado

interesse em obter trabalho lícito. Por tais motivos, entendeu-se desfavorável a conduta social

do increpado.

Com respeito devido, a solução não nos parece correta. Sabe-se que o desemprego

em nosso país atinge milhões de brasileiros, cuja ampla maioria é constituída de pessoas ho-

nestas e avessas às condutas violadoras da lei penal.

Por outro lado, a ausência de vínculo familiar do infrator avaliada de modo genérico

pode até mesmo colocá-lo em posição contrária, de vulnerabilidade, mas não de risco à segu-

rança coletiva. Ademais, inexiste qualquer nexo de causalidade entre o delito de tráfico de

drogas e a circunstância judicial considerada negativa (conduta social).

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  106

4.3. Decisões dos Tribunais Superiores

Vejamos, primeiramente, decisões provindas do Superior Tribunal de Justiça sobre a

matéria em estudo:

“PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO

PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. ROUBOS TENTADOS. DOSIME-

TRIA. PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. PERSONALI-

DADE. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA REGIME PRISIONAL

FECHADO. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS.

REINCIDÊNCIA. PENA INFERIOR A 4 ANOS DE RECLUSÃO.

INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 33, § 3o, DO CÓDIGO PENAL. SÚ-

MULA 269/STJ. REGIME PRISIONAL SEMIABERTO. WRIT NÃO

CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.

1. (...).

2. A individualização da pena é submetida aos elementos de convic-

ção judiciais acerca das circunstâncias do crime, cabendo às Cortes

Superiores apenas o controle da legalidade e da constitucionalidade

dos critérios empregados, a fim de evitar eventuais arbitrariedades.

Destarte, salvo flagrante ilegalidade, o reexame das circunstâncias ju-

diciais e os critérios concretos de individualização da pena mostram-

se inadequados à estreita via do habeas corpus, pois exigiriam revol-

vimento probatório.

3. A Quinta Turma deste Superior Tribunal de Justiça, em recente de-

cisão, alterando seu posicionamento sobre o tema, decidiu que as

condenações transitadas em julgado não são fundamentos idôneos

para se inferir a personalidade do agente voltada a prática crimi-

nosa ou até mesmo para certificar sua conduta social inadequada.

Nesse passo, há que ser reconhecida a fragilidade das razões declina-

das pelo Magistrado processante para o incremento da básica, deven-

do, portanto, ser decotado o aumento pela valoração negativa da per-

sonalidade do agente.

4. A personalidade do agente resulta da análise do seu per-

fil subjetivo, no que se refere a aspectos morais e psicológicos, sendo

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certo que o fato dele ter cometido novo crime enquanto descontava

pena por delito anterior em meio prisional aberto não consti-

tui motivação idônea para a exasperação da pena-base, máxime por ter

sido tal condenação igualmente valorada a título de reincidência, de-

vendo, portanto, ser reduzida a pena-base ao piso legal.

5. (...).

8. Writ não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para estabelecer o

regime prisional semiaberto para o desconto da reprimenda, salvo se,

por outro motivo, o paciente estiver cumprindo pena em meio diver-

so.”. Fizemos os destaques.

(STJ. 5a Turma. Ministro-relator: Ribeiro Dantas. HC 460701/SP. Jul-

gamento: 04/10/2018. Publicação: 11/10/2018).

Infere-se que o colendo Superior Tribunal de Justiça, em recente decisão, passou a

entender que as condenações anteriores, ainda que transitadas em julgado, não podem ser

consideradas para fins de majoração da pena-base. Neste caso, não há se falar em personali-

dade negativa ou em má conduta social do infrator.

Noutro decisum do mesmo Tribunal Superior, publicado no mesmo mês e ano do

acórdão cuja ementa foi acima transcrita, considerou-se correta a decisão que majorou a pena

por entender negativa a conduta social do criminoso vez que, de acordo com a prova testemu-

nhal produzida nos autos, comprovou-se que infrator tinha atitude carboteira no município

onde o delito de receptação foi praticado, ou seja, identificou-se que o criminoso era pessoa

não confiável, mentirosa.

“PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ES-

PECIAL. NÃO CABIMENTO. RECEPTAÇÃO. DOSIMETRIA.

CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DA CULPABILIDADE E DAS

CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. AFASTAMENTO. POSSIBILI-

DADE. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. CONDUTA SOCIAL.

MANUTENÇÃO. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE.

PENA REDIMENSIONADA. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM

CONCEDIDA DE OFÍCIO.

I – (...). II - A operação de dosimetria da pena está vinculada ao con-

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  108

junto fático-probatório dos autos. Desse modo, a revisão do cálculo

pelas instâncias superiores depende da constatação de ocorrência de

ilegalidade flagrante, que justifique a revisão da pena imposta a partir

da adequada valoração dos fatos e provas que delineiam as circuns-

tâncias peculiares de cada caso concreto.

III - O Supremo Tribunal Federal tem entendido que ‘a dosimetria da

pena é questão de mérito da ação penal, estando necessariamente vin-

culada ao conjunto fático probatório, não sendo possível às instâncias

extraordinárias a análise de dados fáticos da causa para redimensionar

a pena finalmente aplicada’ (HC n. 137.769/SP, Primeira Turma, Rel.

Min. Roberto Barroso, DJe de 26/10/2016).

IV - Esta Corte tem assentado o entendimento de que a dosimetria da

pena é atividade inserida no âmbito da atividade discricionária do jul-

gador, atrelada às particularidades de cada caso concreto. Desse modo,

cabe às instâncias ordinárias, a partir da apreciação das circunstâncias

objetivas e subjetivas de cada crime, estabelecer a reprimenda que me-

lhor se amolda à situação, admitindo-se revisão nesta instância apenas

quando for constatada evidente desproporcionalidade entre o delito e a

pena imposta, hipótese em que deverá haver reapreciação para a cor-

reção de eventual desacerto quanto ao cálculo das frações de aumento

e de diminuição e a reavaliação das circunstâncias judiciais listadas no

artigo 59 do Código Penal.

V - A culpabilidade do agente só pode ser considerada circunstância

judicial desfavorável quando houver algum elemento concreto que

evidencie um grau de reprovabilidade que extrapole o da pró-

pria conduta tipificada. A simples gravidade do delito, por si só,

não tem o condão de acentuar a culpabilidade do agente.

VI - A conduta social, subentendida como o comportamento do

condenado no meio familiar, na vizinhança ou no ambiente

de trabalho, in casu, entendo que houve fundamentação idônea, já

que, ‘o réu é conhecido por sua conduta caborteira nesta urbe,

conforme se evidencia pelos depoimentos prestados pelas teste-

munhas’. Tal atitude denota a prática social inadequada, ensejan-

do repressão penal.

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  109

VII – (...). Ordem concedida de ofício para manter a análise negativa

apenas a circunstância judicial da conduta social e redimensionar a

pena do paciente para 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão, mais

pagamento de 15 (quinze) dias-multa, mantido os demais termos da

condenação.” (Destacamos). Destacamos.

(STJ. 5a Turma. Ministro-relator: Felix Fischer. HC 463760/MS. Jul-

gamento: 25/09/2018. Publicação: 02/10/2018).

Diante dos dois julgados do Superior Tribunal de Justiça ora colacionados, parece-

nos paradoxal os entendimentos adotados. Ao mesmo tempo em que se decidiu no sentido de

que a condenação anterior transitada em julgado não pode servir para majorar a pena-base em

razão da personalidade negativa ou má conduta social, mera prova testemunhal imputando ao

criminoso condutas anteriores carboteiras na vizinhança bastou para a exasperação da pena-

base ante o reconhecimento da conduta social negativa.

No que se refere ao reconhecimento da má conduta social ocorrente no aludido ares-

to, pode-se aqui, com absoluto respeito ao entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Jus-

tiça, avaliar o julgamento com base nas teorias, proposições e ideias desenvolvidas na presen-

te dissertação.

Exsurgem, pois, diversas questões, como a impossibilidade de o Poder Judiciário

aplicar o direito penal do autor (culpabilidade do autor) em detrimento daquele implementa-

do com exclusividade no Direito Penal brasileiro, que é a culpabilidade do ato ou do fato (di-

reito penal do fato).

Nesta perspectiva, relembre-se o que dissemos sobre a autonomia moral da pessoa e

o resguardo do direito à inviolabilidade da vida privada, dentre outras garantias constitucio-

nais. Afinal, aumentar a pena por considerar que o infrator é um indivíduo trapaceiro ou men-

tiroso dentro do contexto social onde vive, na verdade, é julgar a pessoa do criminoso, e não

o fato por ele praticado.

Além da inviolabilidade da vida privada, a Constituição Federal garante que ninguém

será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei (artigo 5o, inciso

II, da CRFB/88). Neste ponto, a conclusão é de que toda a pessoa tem direito de ser como

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quiser, de fazer o que quiser, desde que não viole direito alheio. E o fato de se considerar al-

guém trapaceiro não significa que a ação praticada pelo réu no passado, que deu azo a tal ró-

tulo, tenha necessariamente infringido direito de terceiro.

Não se deve partir, portanto, de uma presunção absoluta que contraria os interesses

do réu, sob pena de violar o princípio da não culpabilidade ou da presunção de inocência

previsto no inciso LVII do artigo 5o da CRFB/88, segundo o qual ninguém será considerado

culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Numa análise mais aprofundada do processo que deu origem à decisão ora comenta-

da, seria interesse perquirir se a denúncia descreveu a conduta social tida pelo magistrado

como inadequada socialmente. Caso omissa a peça acusatória neste ponto, conforme argu-

mentos já expostos anteriormente neste trabalho, acredita-se que haveria afronta ao princípio

da correlação entre a sentença e a denúncia, caso em que deveria ser anulada a majoração da

pena-base ante o reconhecimento de julgamento extra petita.

As alegações até aqui expostas, somadas às demais versadas no presente estudo, po-

deriam ensejar na interpretação do artigo 59 do Código Penal conforme a Constituição Fede-

ral, declarando-se a inconstitucionalidade parcial da norma sem redução de texto para, in

casu, retirar a eficácia da expressão “conduta social” do aludido dispositivo penal e, por con-

seguinte, do nosso ordenamento jurídico.

Noutro giro, acerca do tema em debate, imperioso transcrever ementas de arestos

também bastante recentes do Supremo Tribunal Federal.

De primeiro, veja-se o posicionamento do Pretório Excelso acerca do controle de-

sempenhado por este colegiado acerca da aplicação do artigo 59 do Código Penal:

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO

REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. INDIVIDUALIZAÇÃO E

DOSIMETRIA DA PENA. ADEQUAÇÃO DE REGIME DE CUM-

PRIMENTO DA PENA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NE-

GA PROVIMENTO.

1. A dosimetria da pena está ligada ao mérito da ação penal, ao juízo

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  111

que é realizado pelo magistrado sentenciante após a análise do acervo

probatório amealhado ao longo da instrução criminal. Daí ser inviável,

na seara do Habeas Corpus, reavaliar os elementos de convicção, a

fim de se redimensionar a sanção. O que está autorizado, segundo

reiterada jurisprudência desta CORTE, é apenas o controle da le-

galidade dos critérios invocados, com a correção de eventuais ar-

bitrariedades. Precedentes.

2. As particularidades do caso concreto, invocadas para qualificar as

circunstâncias judiciais, constituem fundamentação idônea para a

exasperação da pena, notadamente no que diz respeito à culpabilida-

de do agente, pois ‘a quebra do dever legal de representar fielmente

os anseios da população e de quem se esperaria uma conduta compatí-

vel com as funções por ele exercidas, ligadas, entre outros aspectos,

ao controle e à repressão de atos contrários à administração e ao pa-

trimônio públicos, distancia-se, em termos de culpabilidade, da regra

geral de moralidade e probidade administrativa imposta a todos os

funcionários públicos, cujo conceito está inserido no artigo 327 do

Código Penal, não se confunde com a qualidade funcional ativa exigi-

da pelo tipo penal previsto no artigo 312 do Código Penal’ (RHC

125.478-AgR, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, DJe

de 27/2/2015).

3. A fixação do regime inicial de cumprimento da pena não está atre-

lada, de modo absoluto, ao quantum da sanção corporal aplicada, de-

vendo-se considerar as especiais circunstâncias do caso concreto. As-

sim, desde que o faça em decisão motivada, o magistrado sentenciante

está autorizado a impor ao condenado regime mais gravoso do que o

recomendado nas alíneas do § 2º do artigo 33 do Código Penal.

4. Para divergir do aresto impugnado, notadamente acerca da dosime-

tria da pena e da adequação do regime fixado para cumprimento da

reprimenda, seria indispensável o reexame dos fatos e provas carrea-

dos aos autos, providência incompatível com esta via processual.

5. Embargos de Declaração recebidos como Agravo Regimental, ao

qual se nega provimento.”. (Destacamos).

(STF. 1a Turma. Ministro-relator: Alexandre de Moraes. HC

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149439ED/DF. Julgamento: 19/11/2018. Publicação: 28/11/2018).

Vejamos, agora, alguns julgados acerca dos antecedentes:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.

CONDENAÇÃO ALCANÇADA PELO PERÍODO DEPURADOR

DE 5 ANOS AFASTA OS EFEITOS DA REINCIDÊNCIA, MAS

NÃO IMPEDE A CONFIGURAÇÃO DE MAUS ANTECEDENTES.

INSTITUTOS DIVERSOS. POSSIBILIDADE. AGRAVO A QUE

SE NEGA PROVIMENTO. 1. A legislação penal é muito clara em di-

ferenciar os maus antecedentes da reincidência. O artigo 64, do CP, ao

afastar os efeitos da reincidência, o faz para fins da circunstância

agravante do artigo 61, I; não para a fixação da pena-base do artigo

59, que trata dos antecedentes. 2. Não se pretende induzir ao racio-

cínio de que a pessoa que já sofreu condenação penal terá regis-

tros criminais valorados pelo resto da vida, mas que, havendo rei-

teração delitiva, a depender do caso concreto, o juiz poderá avali-

ar essa sentença condenatória anterior. 3. Agravo regimental a que

se nega provimento.”. (Grifos nossos).

(STF. 1a Turma. Ministro-relator: Alexandre de Moraes. RE 901145

AgR/SP. Julgamento: 26/10/2018. Publicação: 08/11/2018).

“CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS – PRÁTICA DELITUOSA – DU-

PLICIDADE – PENA-BASE – FIXAÇÃO – DIVERSIDADE. Possí-

vel é, ante as peculiaridades das práticas delituosas, chegar-se à majo-

ração do mínimo previsto para cada um dos tipos consideradas per-

centagens diversas. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL VERSUS REIN-

CIDÊNCIA. A diversidade dos institutos, presentes sob o ângulo da

circunstância judicial maus antecedentes, afasta a possibilidade de

acolher-se defesa no sentido da sobreposição – considerações. ROU-

BO – ARMA DE FOGO – APREENSÃO E PERÍCIA. A caracteriza-

ção do crime de roubo prescinde da apreensão e perícia da arma de

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  113

fogo utilizada e, portanto, da definição da potencialidade lesiva desta

última.”.

(STF. 1a Turma. Ministro-relator: Marco Aurélio. HC 112654/SP. Jul-

gamento: 03/04/2018. Publicação: 17/04/2018).

“HABEAS CORPUS. MAUS ANTECEDENTES E REINCIDÊNCIA.

INSTITUTOS DIFERENCIADOS. CONDENAÇÃO POR FATO

ANTERIOR AO NOVO CRIME, QUE NÃO CONFIGURE REIN-

CIDÊNCIA. TRÂNSITO EM JULGADO NO CURSO DE NOVA

AÇÃO PENAL. CONSIDERAÇÃO PARA FINS DE MAUS ANTE-

CEDENTES. POSSIBILIDADE. 1. (...). 3. É viável, para fins de maus

antecedentes, a consideração de condenação por fato anterior quando

o seu trânsito em julgado tiver ocorrido no curso da ação penal em

exame, diferentemente do que se exige para a configuração da reinci-

dência. Precedentes. 4. Habeas corpus denegado.”

(STF. 1a Turma. Ministro-relator: Marco Aurélio. Ministro-relator pa-

ra o acórdão: Alexandre de Moraes. HC 135400/SP. Julgamento:

06/06/2017. Publicação: 05/09/2017).

Conforme afirmado anteriormente, a jurisprudência de nossos Tribunais Superiores

sobre o tema enfocado, malgrado vacilante, vem se modificando lentamente ao longo dos

anos, sendo certo que as posições adotadas atualmente protegem o réu com espeque no prin-

cípio da presunção da inocência, como mecanismo hábil a afastar o juízo de desvalor em re-

lação às condutas criminosas praticadas anteriormente pelo indivíduo.

Muito embora o entendimento de nossas Cortes Superiores esteja cada vez mais res-

trito às hipótese de incidência de algumas circunstâncias judiciais subjetivas, como, por

exemplo, os antecedentes, a personalidade e a conduta social, espera-se que, pro futuro, o Pre-

tório Excelso, partindo de uma visão sistematizada das problemáticas aqui tratadas, adote a

solução aventada no presente trabalho, visando, com isto, interpretar o artigo 59 do Código

Penal conforme a Constituição, decotando, sem redução de texto, as expressões que tratam

das circunstâncias judiciais subjetivas, por via da declaração de inconstitucionalidade das ex-

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pressões “culpabilidade”, “antecedentes”, “conduta social” e “personalidade”, reafirmado,

assim, sua precípua função de Tribunal guardião da Constituição Federal.

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  115

CONCLUSÃO

Partindo do estudo sobre a função do direito penal e a finalidade da pena demons-

tramos as diferenças principais entre as teorias absolutas, relativas e mistas, abordando o cará-

ter retributivo e preventivo da sanção penal. Passando pela ótica moderna de Luigi Ferrajoli

sobre o tema em estudo, abordamos a finalidade da pena no ordenamento jurídico brasileiro.

A partir de então, concentramos esforços para explorar o método de aplicação de pe-

na no sistema penal pátrio, fixando como ponto nodal da presente dissertação a primeira fase

da individualização da pena, aquela na qual caberá ao magistrado fixar a pena-base, repri-

menda de partida que sofrerá ajustes nas etapas seguintes.

Apoiados na doutrina de Luigi Ferrajoli e Eugenio Raúl Zaffaroni133, além de outros

ilustres autores, sedimentamos entendimento no sentido de que no direito penal brasileiro de-

ve viger apenas a culpabilidade do fato (ou direito penal do ato ou do fato), e alijando de

aplicação qualquer resquício do direito penal do autor (ou culpabilidade do autor).

Para tanto, vimos que as circunstâncias judiciais subjetivas – aquelas que dizem res-

peito à pessoa do criminoso –, que são a culpabilidade, os antecedentes, a personalidade e a

conduta social, não mais poderiam ser utilizadas pelo juiz para majorar a pena-base.

É que, por se tratar de julgamento do criminoso tendo por base o direito penal do au-

tor – julga-se o agente do fato –, a norma do artigo 59 do Código Penal não seria compatível,

neste ponto, com a Constituição Federal, nem sequer com outras normas jurídicas que per-

meiam outros ramos do direito, como o direito civil e o processual penal.

Numa interpretação sistemática da norma em comento, viu-se que sua incidência, tal

como prevista no dispositivo legal supramencionado, afronta a autonomia moral da pessoa e o

princípio da correlação entre a sentença e a denúncia.

O juiz ao entender, por exemplo, pela personalidade negativa ou pela má conduta

social do criminoso, estaria violando a autonomia moral do indivíduo, pois, inexoravelmente                                                                                                                133 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, c2010. (v. 1).

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teve de perquirir a vida pessoal do infrator para, então, concluir que deveria aumentar a pena

por enxergar que algum aspecto da personalidade do réu deve lhe ser desfavorável. Neste sen-

tido, o julgador estaria, através de seu subjetivismo, afrontando severamente a autonomia mo-

ral da pessoa, que é tutelada por normas do direito civil e também com proteção constitucio-

nal sobre a inviolabilidade da vida privada, além de outras garantias.

Ainda numa visão sistematizada da norma em estudo (aquela do artigo 59 do Código

Penal), inferiu-se que, na maioria das vezes, o magistrado ao aumentar a pena-base por ter

considerado, por exemplo, negativa a personalidade do infrator, assim o fez por entender que,

na instrução processual, havia prova de que o criminoso era uma pessoa perversa ou “tinha a

personalidade voltada à prática de delitos”.

Em casos tais, porém, cremos que o princípio da correlação entre a sentença e a de-

núncia, previsto em alguns artigos do Código de Processo Penal e com absoluta compatibili-

dade com a Constituição Federal, inviabilizaria o aumento de pena por parte do juiz. É que,

quase sempre, não consta na denúncia narrativa acerca das circunstâncias subjetivas do indi-

víduo.

Desse modo, o julgador, ao majorar a pena por considerar desfavorável uma circuns-

tâncias não narrada ou atribuída ao criminoso na denúncia, estaria se imiscuindo na função

inquisitória e imparcial, ideias contraditórias ao Estado Democrático de Direito. Ademais, an-

te à surpresa causada ao indivíduo, que sequer teve a oportunidade de saber que contra ele

poderia ser considerada negativa determinada circunstância judicial, surgiria inegável viola-

ção às garantias do contraditório e da ampla defesa.

Neste panorama, progredimos o estudo voltado ao direito penal constitucional, tra-

tando de princípios e garantias constitucionais outros que seriam afetados acaso mantida a

primeira parte norma do artigo 59 Código Penal.

Portanto, essa e outras questões como, por exemplo, a ausência de critério legal para

que o magistrado possa aferir (identificar) a incidência das circunstâncias judiciais subjetivas

e mensurar (quantificar) o quantum de aumento de pena, igualmente, mereceram verificações

sobre a compatibilidade ou não da norma penal em estudo com a Constituição Federal.

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A individualização e a proporcionalidade da pena, o devido processo legal, a estrita

legalidade e o princípio trazido pelo inciso II do artigo 5o da CRFB/88 servem de parâmetros

para o exame da incompatibilidade da primeira parte do artigo 59 do Código Penal com o tex-

to constitucional.

O princípio da estrita legalidade, com sede constitucional e legal, define que não

existe crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. Se não há

critério legal definindo quando (identificação) e quanto (mensuração) a pena-base deve ser

aumentada por força do reconhecimento da circunstância judicial negativa, não conseguimos

enxergar previsão legal em abstrato da pena, conforme exige o princípio da legalidade.

No que tange à individualização e a proporcionalidade da pena, trouxemos a reflexão

sobre se a norma do artigo 59 do Estatuto Repressivo regula a sanção a ser individualizada ao

infrator quando deixa à discricionariedade do juiz o entendimento sobre a incidência ou não

de uma circunstância, bem como quanto à sua quantificação. A ausência de critério previa-

mente estabelecidos causa risco também à proporcionalidade da pena.

Adentrando ao princípio do devido processo legal além da sua já conhecida acepção

processual, visando melhor harmonização com o princípio da individualização da pena, es-

crevemos que também o due processo of law deveria abranger carga de direito material (subs-

tancial), in casu, de direito penal, a fim de contemplar a previsibilidade da sanção imposta no

tipo penal e a forma, o critério, o procedimento (ou o processo, entendido como meio) para

sua aplicação.

O princípio segundo o qual ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma

coisa senão em virtude da lei, previsto no inciso II do artigo 5o da CRFB/88, irmanando a

ideia da autonomia moral da pessoa, igualmente, serviu como pilar para confrontar a norma

do artigo 59 do Codex. Se a Constituição Federal permite a cada indivíduo ser como deseja

ser, por que razão o legislador penal poderia estabelecer aumento de pena para o criminoso

que optou por levar uma vida com adoção de condutas sociais inadequadas?

Evocando a inviolabilidade das garantias do direito à liberdade, à igualdade, à segu-

rança, à intimidade e à vida privada, procuramos demonstrar que a aplicação das circunstân-

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cias judiciais subjetivas para fins de recrudescer a pena-base fere de morte esses preceitos

constitucionais.

Em consequências, por meio da utilização de técnicas interpretativas, alvitramos que

a interpretação conforme a Constituição Federal e a declaração de inconstitucionalidade da

norma do artigo 59 do Código Penal sem redução de texto seria a solução para tornar ineficaz

as expressões “culpabilidade”, “antecedentes”, “personalidade” e “conduta social” previstos

no texto legal.

Desse modo, em respeito aos princípios e garantias constitucionais já mencionados,

retirar-se-ia de nosso ordenamento jurídico resquício inaceitável da culpabilidade do autor

(direito penal do autor), avesso, em nosso sentir, ao Estado Democrático de Direito.

Ao final, como forma de tornar mais táctil toda a teoria estudada, trazemos excertos

de decisões proferidas por diversos órgãos do Poder Judiciário Brasileiro com o intuito de

demonstrar ao leitor as discrepâncias ocorridas no dia-a-dia forense.

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