Distúrbios do equilíbrio ácido-básico

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301 EQUILÍBRIO ÁCIDO-BASE ACID-BASE BALANCE Paulo Roberto Barbosa Évora 1 , Luis Vicente Garcia 2 1 Docente da Divisão de Cirurgia Torácica e Cardiovascular do Departamento de Cirurgia e Anatomia; 2 Docente do Departamento de Ortopedia e Biomecânica. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP CORRESPONDÊNCIA: Paulo Roberto Barbosa Évora. Divisão de Cirurgia Torácica e Cardiovascular do Departamento de Cirurgia e Anato- mia. Av. Bandeirantes, 3900. 14048-900. Ribeirão Preto / SP. email: [email protected] Évora PRB, Garcia LV. Equilíbrio ácido-base. Medicina (Ribeirão Preto) 2008; 41 (3): 301-11. RESUMO: É imprescindível o conhecimento do diagnóstico e do tratamento das alterações do equilíbrio ácido-base. Nessa apresentação são abordados a causa, os efeitos e o tratamento da alcalose e da acidose, respiratória e metabólica. Descritores: Equilíbrio Ácido-base. Alcalose. Acidose. 1- CONCEITOS FISIOLÓGICOS FUNDA- MENTAIS A avaliação do estado ácido-básico do sangue é feita na grande maioria dos doentes que são atendidos em Unidades de Terapia Intensiva, qualquer que seja a doença de base; essa avaliação é fundamental, pois, além dos desvios do equilíbrio ácido-base (EAB) pro- priamente dito, pode fornecer dados sobre a função respiratória e sobre as condições de perfusão tecidual. Os sistemas orgânicos enfrentam dois desafios básicos para a manutenção do EAB. O primeiro é a disposição da cota fixa de ácidos ingerida na dieta di- ária; o segundo é o destino dado ao CO 2 gerado como produto final do metabolismo. Para manter o pH em limites compatíveis com os processos vitais o organis- mo lança mão de uma série de mecanismos bioquími- cos, com destaque para o papel desempenhado pelo chamado sistema-tampão. O sistema tampão do orga- nismo apresenta quatro grandes componentes: bicar- bonato/ácido carbônico, proteínatos/proteínas, fosfa- tos monoácidos/fosfatos biácidos e hemoglobinato/he- moglobina. As substâncias-tampões são responsáveis minimizar as alterações do pH decorrentes da adição ou subtração de íons H + . Com a queda do pH da solu- ção, estas substâncias aceitam os íons H + para entregá los novamente quando aumenta o pH; desta maneira agem contra as modificações abruptas da reação. Entre os tampões do espaço extracelular o bicarbona- to e as proteínas plasmáticas desempenham papel re- levante, enquanto a hemoglobina e os fosfatos estão em primeiro plano no compartimento intracelular. Graças a estes sistemas de tamponamento, pe- quenas alterações do EAB manifestam se por um deslocamento do equilíbrio da reação dos tampões com atenuação de modificações significativas da concen- tração dos íons H + livres ou do pH. O tampão bicar- bonato é o mais importante. 1,2 CO 2 + H 2 O - > H 2 CO - > H + + HCO - 3 3 A partir desta reação química é possível dedu- zir a equação de Henderson Hasselbach, fundamen- tal para o entendimento do equilíbrio ácido base: Medicina, Ribeirão Preto, Simpósio: FUNDAMENTOS EM CLÍNICA CIRÚRGICA - 1ª Parte 2008; 41 (3): 301-11 Capítulo VI

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Distúrbios do equilíbrio ácido-básico Fonte: http://revista.fmrp.usp.br/2008/VOL41N3/SIMP_6Equilibrio_acido_base.pdf

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EQUILÍBRIO ÁCIDO-BASE

ACID-BASE BALANCE

Paulo Roberto Barbosa Évora1, Luis Vicente Garcia2

1Docente da Divisão de Cirurgia Torácica e Cardiovascular do Departamento de Cirurgia e Anatomia; 2Docente do Departamento deOrtopedia e Biomecânica. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USPCORRESPONDÊNCIA: Paulo Roberto Barbosa Évora. Divisão de Cirurgia Torácica e Cardiovascular do Departamento de Cirurgia e Anato-mia. Av. Bandeirantes, 3900. 14048-900. Ribeirão Preto / SP. email: [email protected]

Évora PRB, Garcia LV. Equilíbrio ácido-base. Medicina (Ribeirão Preto) 2008; 41 (3): 301-11.

RESUMO: É imprescindível o conhecimento do diagnóstico e do tratamento das alterações doequilíbrio ácido-base. Nessa apresentação são abordados a causa, os efeitos e o tratamento daalcalose e da acidose, respiratória e metabólica.

Descritores: Equilíbrio Ácido-base. Alcalose. Acidose.

1- CONCEITOS FISIOLÓGICOS FUNDA-MENTAIS

A avaliação do estado ácido-básico do sangue éfeita na grande maioria dos doentes que são atendidosem Unidades de Terapia Intensiva, qualquer que sejaa doença de base; essa avaliação é fundamental, pois,além dos desvios do equilíbrio ácido-base (EAB) pro-priamente dito, pode fornecer dados sobre a funçãorespiratória e sobre as condições de perfusão tecidual.

Os sistemas orgânicos enfrentam dois desafiosbásicos para a manutenção do EAB. O primeiro é adisposição da cota fixa de ácidos ingerida na dieta di-ária; o segundo é o destino dado ao CO2 gerado comoproduto final do metabolismo. Para manter o pH emlimites compatíveis com os processos vitais o organis-mo lança mão de uma série de mecanismos bioquími-cos, com destaque para o papel desempenhado pelochamado sistema-tampão. O sistema tampão do orga-nismo apresenta quatro grandes componentes: bicar-bonato/ácido carbônico, proteínatos/proteínas, fosfa-tos monoácidos/fosfatos biácidos e hemoglobinato/he-

moglobina. As substâncias-tampões são responsáveisminimizar as alterações do pH decorrentes da adiçãoou subtração de íons H+. Com a queda do pH da solu-ção, estas substâncias aceitam os íons H+ para entregálos novamente quando aumenta o pH; desta maneiraagem contra as modificações abruptas da reação.Entre os tampões do espaço extracelular o bicarbona-to e as proteínas plasmáticas desempenham papel re-levante, enquanto a hemoglobina e os fosfatos estãoem primeiro plano no compartimento intracelular.

Graças a estes sistemas de tamponamento, pe-quenas alterações do EAB manifestam se por umdeslocamento do equilíbrio da reação dos tampões comatenuação de modificações significativas da concen-tração dos íons H+ livres ou do pH. O tampão bicar-bonato é o mais importante.1,2

CO2 + H2O- > H2CO- > H+ + HCO-

3 3

A partir desta reação química é possível dedu-zir a equação de Henderson Hasselbach, fundamen-tal para o entendimento do equilíbrio ácido base:

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O termo "metabólico" é um erro consagradopelo uso, uma vez que ambos os componentes da equa-ção de Henderson Hasselbach envolvem um proces-so metabólico.

Considerando se estes conceitos, os mecanis-mos de excreção do H+ podem assim ser resumidos:2

• A excreção pulmonar do íon H+ é indireta. O pul-mão excreta somente substâncias voláteis, isto é,substância que podem ser convertidas em gases.

• A excreção renal não apresenta esta limitação, sendocoadjuvada pelas bases tampões.

• A média de excreção de CO2 pelos pulmões podeser mudada rapidamente em qualquer direção poralterações apropriadas da ventilação alveolar, po-rém a hipoventilação para poupar H+ não é um me-canismo tão eficiente quanto a hiperventilação queelimina este mesmo íon de maneira eficiente no iní-cio de um

acidótico.

• A função renal pela excreção de H+ e eletrólitosinfluencia no estado ácido base do líquido extrace-lular (LEC), porém um período de horas é necessá-rio para que esta influência seja significante.

Um outro detalhe interessante da fisiologia doEAB são as evidências de que o organismo animal, nasua evolução, adquiriu mecanismos naturais de defe-sa contra a acidose mais eficientes do que os meca-nismos contra a alcalose:

• Características próprias da função renal que elimi-na o H+ e reabsorve o .

• Curva da dissociação da hemoglobina (Hb): na aci-dose a curva desvia se para a direita diminuindo aafinidade da Hb pelo oxigênio e na alcalose desviase para a esquerda, aumentando a afinidade.

• A hiperventilação com alcalose respiratória, desvi-ando a reação do CO2 com a água para a esquerda,é um mecanismo natural de compensação da aci-dose metabólica, que pode ocorrer normalmente, porexemplo, no exercício físico. A ocorrência do fenô-meno inverso é possível na teoria, mas a depressãorespiratória produzindo uma acidose respiratória paracompensar uma alcalose metabólica só ocorreriacom uma diferença de base > +40, uma situaçãopraticamente impossível; isto reflete uma maior di-ficuldade do tratamento da alcalose metabólica,como se observa na prática diária da terapia inten-siva.

É importante conceituar reserva alcalina e "baseexcess" (BE). A reserva alcalina (capacidade de ligaçãode CO2) é a quantidade total de CO2 de uma amostra deplasma separada anaerobicamente após equilibrá-lacom 40mmHg de pCO2 à temperatura ambiente (usase de preferência o bicarbonato padrão em mMol/ l(escola americana capitaneada por DAVENPORT).

O excesso de bases, ou diferença de bases, éigual à concentração de bases do sangue em mEq/l,tituladas por um ácido forte a um pH de 7,40, comuma pCO2 de 40mmHg e à temperatura de 37ºC (es-cola dinamarquesa capitaneada por SIGGAARDANDERSEN).

Com a crescente simplificação da análise doEAB por aparelhos de alto rendimento, a determina-ção de parâmetros isolados, como a reserva alcalina,em comparação com um levantamento completo doEAB, passou para um segundo plano.

Existe importante inter relação entre o EAB eo equilíbrio hidroeletrolítico (EHE).2

1.1- Lei da Eletroneutralidade

Estabelece que a soma das cargas negativasdos ânions deve ser igual à soma das cargas positivasdos cátions. No plasma há 154mEq/l de cátions e, con-seqüentemente, 154mEq/l de ânions. Em todas as cir-cunstâncias o sódio responsabiliza se pela maior partedos equivalentes catiônicos; portanto, o bicarbonatoconstitui o elo entre o EAB e o EHE, já que faz partede ambos. Assim, para que se mantenha a eletroneu-

O ácido carbônico pode ser representado peloproduto da constante 0,03 pela pressão parcial de CO2do sangue arterial.

Surge no denominador da equação um gás queexpressa a ventilação. Assim é possível concluir quea manutenção do pH depende fundamentalmente dafunção renal (numerador da equação) e da funçãorespiratória (denominador da equação).

Função renal

pH = (componente não respiratório ou metabólico)

Função respiratória (componente respiratório)

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tralidade, na vigência de queda do bicarbonato, ocorreum aumento do cloreto e vice versa. O entrejogo dosprótons e ânions em acumulação com os componen-tes normais do soro resulta em padrões de eletrólitosque possibilitam a classificação dos tipos de acidosemetabólica. Os prótons consomem as reservas de ál-calis, manifestando sua presença sob a forma dehipobicarbonatemia. Como o álcali perdido é substitu-ído por anions ácidos (fosfato, acetoacetato, cloreto,etc.), segue se que qualquer ácido, exceto o HCL,substitui o ânion , facilmente medido, por ânionsque não são medidos rotineiramente. A "diferença deânions" ("anion gap" = DA) reflete o balanço entre ocátion rotineiramente medido (Na+) e os ânions roti-neiramente medidos (CL- + ).

Como a acidose por HCL efetua uma troca igualde perdido por CI- retido, sem alterar neces-sariamente o Na+ sérico, a DA permanece na faixanormal (12 ± 2mEq/l ), dessa maneira definindo umaacidose hiperclorêmica com DA normal. Todas asoutras formas de acidose aumentam o "anion gap" aosubstituir o por ânions diversos do CL-. Umaanálise crítica da utilidade prática do conceito de "aniongap" demonstra a sua pequena utilização na práticadiária. Qual seria a sua real utilidade? Diagnóstico di-ferencial entre tipos de acidose permitindo pensar emdiagnósticos menos comuns? Como índice prognósti-co? Uma utilidade real seria o controle de qualidadede dosagens laboratoriais, já que não existe a situaçãode "anion gap" aumentado, que ocorre só na condiçãode erros de dosagem. Merecem menção os nomogra-mas de Gamble para a ilustração e integração entre oEAB e o EHE.

1.2- Lei da Isosmolaridade

Determina que a osmolaridade é a mesma noscompartimentos líqüidos do organismo, entre os quaisa água passa livremente. Seu valor normal é em tornode 285mOsm/l , e, se o número de partículas dissolvi-das aumenta em um compartimento, a água se mobi-lizará em direção a ele até que um novo equilíbrio daosmolaridade seja estabelecido.

1.3- Lei Fisiológica do Equilíbrio Ácido base

Estabelece que o organismo tende a manter opH do sangue em torno de um valor normal. Quanto aesta lei, um fato importante é a interação entre o K+ e

o H+ em relação ao intra e extracelular. No caso deacidose, na tentativa de manter o pH do sangue, opotássio sai da célula com a entrada do H+, ocorrendoo contrário na alcalose, ou seja, saída do H+ e entradado potássio para o compartimento intracelular.

2- DIAGNÓSTICO DOS DISTÚRBIOS DOEAB PELA ANÁLISE GASOMÉTRICA

Por tratar se de um texto apenas com preten-sões didáticas, antes da apresentação das causas dosdistúrbios do EAB, que seria a seqüência lógica, aseguir serão apresentados os princípios diagnósticos.Esta inversão tem-se mostrado útil, pois torna fácil adedução posterior das variadas causas de desequilíbrioácido base.2

O diagnóstico das alterações do EAB é feitopela análise dos valores obtidos pela gasometria san-güínea. Como todo exame laboratorial, existem fa-tores que podem influenciar seus resultados:

• Em pacientes conscientes, a punção arterial poderesultar em hiperventilação induzida pelo temor aopróprio procedimento.

• A heparina é ácida e ao menos teoricamente podeinfluenciar os valores do pH, pCO2 e pO2 em amos-tras pequenas.

• A presença de leucocitose e grande número deplaquetas reduzirá o valor do pO2, dando a falsaimpressão de hipoxemia. Esta queda na pO2 énegligenciável se a amostra é armazenada em geloe analisada dentro de 1hora; presumivelmente o me-tabolismo em andamento dos elementos celularesdo sangue pode consumir O2 e reduzir a pO2.

• O resfriamento aumenta o pH e a saturação de oxi-gênio, e diminui a pO2.

• O halotano aumenta falsamente os valores da pO2,porque o eletrodo para a pO2 no aparelho de gaso-metria também responde ao halotano.

Ainda sob o ponto de vista da análise gasomé-trica, alguns pormenores merecem destaque:• A adoção da escola dinamarquesa (SIGGAARD

ANDERSEN) é praticamente uma unanimidadeinternacional.

• Quando se solicita a gasometria sangüínea, o pH, apO2 e a pCO2 são obtidos por medida eletrônica dire-ta. Os valores do CO2, , BE, saturacão deoxigênio (SatO2) são obtidos por medida indireta me-diante leitura no nomograma de Siggaard Andersen.

_3HCO

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• Como os distúrbios envolvem me-canismos renais e respiratórios, odiagnóstico deve ser baseado nagasometria do sangue arterial.

• A amostra venosa não permite aanálise da função respiratória esua colheita está sujeita a erros.Para fins científicos deve, inclu-sive, ser colhida na artéria pul-monar onde o sangue venoso émisto. Duas informações práticas,porém, podem ser obtidas pelaanálise da gasometria venosa:1. A pO2 venosa quando com-

parada com a pO2 arterial dáuma idéia do débito cardíaco(diferença arteriovenosa gran-de com a pO2 venosa baixasignifica baixo débito, com ostecidos extraindo muito o oxi-gênio da hemoglobina pelo flu-xo lento, sendo esta uma situ-ação ainda favorável para setentar a reversão de um esta-do de choque).

2. A diferença arteriovenosa pe-quena com progressivo au-mento da pO2 venosa indicaum "shunt" sistêmico, isto é,um agravamento das trocasteciduais. Portanto, o princi-pal dado fornecido pela gaso-metria venosa é a pO2.

O diagnóstico dos distúrbios do EAB deve, as-sim, embasar-se nos valores da gasometria arterial. Éimportante conhecer os valores normais dos parâme-tros da gasometria arterial (Quadro 1).

Pela gasometria arterial é possível o diagnósti-co dos desvios do componente respiratório (O2/oxige-nação e pCO2/ventilação) e do componente metabóli-co (BE e ) (Figura 1).

Figura 1: Interpretação da gasometria arterial.

Quadro 1: Valores normais da gasometria arterial

pH = 7,35- 7,45 CO2 = 23 - 27mmol/l

pO2 = 70 - 90mmHg = 22 - 26mEq/l

pCO2 = 35 - 45mmHg BE = -3,5 a + 3,5mEq/l

Um nomograma clássico útil é o apresentadopor WEST, que permite o diagnóstico diferencial depraticamente todos os tipos de insuficiência respirató-ria (Figura 2).3 Trata-se de um nomograma de venti-lação (pCO2)/oxigenação (pO2). Como todas as insu-ficiências respiratórias caracterizam se pela hipoxia,o diagnóstico diferencial é dado pelo padrão ventilató-rio, ou seja pela variação da pCO2.

O nomograma destaca as variações da pCO2 eda pO2 nas diversas modalidades de insuficiência res-piratória.• Na hipoventilação pura, o aumento da pCO2 arterial

é extremamente rápido, atingindo valores superio-res a 80mmHg com vasodilatação cerebral e falên-cia cardiorrespiratória.

• Nos casos de descompensação da doença pulmo-nar obstrutiva crônica (DPOC), o aumento da pCO2

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3- CAUSAS MAIS COMUNS DOS DISTÚRBI-OS DO EAB

De modo simplificado as causas mais comunsdos distúrbios do EAB podem, assim, ser agrupadasde acordo com os tópicos a seguir.2,4

3.1- Acidose Respiratória• Aguda: por comprometimento do sistema nervoso

central (poliomielite anterior aguda, intoxicaçõesexógenas, comas, traumas); por comprometimentoanatômico ou funcional da caixa torácica (ossos emúsculos).

• Crônica: por lesões pulmonares (insuficiência res-piratória crônica).

3.2- Alcalose Respiratória• Aguda: estimulação do centro respiratório bulbar

(encefalites, emoção, febre e infecções sistêmicas,intoxicação por salicilato, hipoxemia); reflexos (cho-que); por estimulação de receptores torácicos (ate-lectasia, pneumopatias agudas).

arterial é mais lento, dificilmente atingindo valoressuperiores a 75 a 77mmHg.

• Nas pneumopatias restritivas, a pCO2 permanecenormal, porque existe uma compensação pela ca-racterística de hiperventilação nessas doenças.

• Na síndrome da angústia respiratória do adulto(SARA) ocorre uma queda da pCO2 arterial comouma conseqüência do efeito "shunt" (áreas bemperfundidas e mal ventiladas com alta difusibilidadedo CO2).

• Com o tratamento adequado da SARA a oxigena-ção pode melhorar, porém a não normalização dapCO2 pode significar que ainda persistem áreas bemperfundidas e malventiladas, mantendo ainda o efeito"shunt".

• O excesso de oxigênio oferecido a pacientes porta-dores de DPOC pode levar à elevação da pCO2,inclusive atingindo valores superiores a 80mmHg, oque se deve ao fato de a ventilação destes pacien-tes ser controlada por quimiorreceptores aórticos ecarotídeos, que respondem à hipoxia e à acidose.

Figura 2: Nomograma pCO2/pO2 (West). Diagnóstico diferencial das diversas modalidades de insuficiência respiratória.

A = Hipoventilação pura; B = DPOC; C = Pneumopatia restritiva; D = SARA; E = SARA + O2; F = DPOC + O2.

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• Crônica: vários mecanismos (assistência ventila-tória, insuficiência hepática/amônia, lesões do SNC,infecções, hipoxemia, hipertireoidismo).

3.3- Acidose Metabólica

• Por adição de ácido forte:

- aguda exógena (infusão de NH4CI, ingestão exa-gerada de ácido acetilsalicílico);

- aguda endógena (acidose láctica/ácido láctíco,acidose diabética/corpos cetônicos, cetose de je-jum, azotemia por insuficiência renal aguda, áci-do sulfúrico, ácido fósfórico);

- crônica: azotemia/insuficiência renal crônica.

• Por perda de bicarbonato:

- aguda (diarréia);- crônica (fístula pancreática, acidose tubular re-

nal).

3.4- Alcalose Metabólica

• Pór perda de ácido forte:

- aguda (vômitos);- crônica/perda de potássio (diarréia crônica, corti-

costeróides, diuréticos).

• Por ganho de bicarbonato:

- aguda exógena (infusão de bicarbonato);- aguda endógena (estresse);- crônica (ingestão de antiácidos de ação sistêmi-

ca/bicarbonato).

Existem situações clínicas importantes queapresentam padrões de alterações do EAB que me-recem atenção pela freqüência e gravidade, entre asquais se incluem:

• Estado de choque: A regra é a ocorrência de aci-dose metabólica devida à má perfusão tecidual comconseqüente metabolismo celular anaeróbio. Emuma fase inicial existe a tentativa de compensaçãorespiratória, e, em fase final, a regra é uma acidosemista.

• Parada cardíaca: Ocorre acidose metabólica e res-piratória, respectivamente pela parada brusca de oxi-genação tecidual e da ventilação pulmonar. Nestescasos os pacientes devem ser hiperventilados, poiso tratamento da acidose é feito com o bicarbonatode sódio que é doador de CO2.

• Circulação extracorpórea: (CEC) Por melhor queseja a sua técnica, vários são os mecanismos quelevam a uma inadequada perfusão tecidual (hipo-fluxo, hipotermia, hiperatividade simpática e ausên-cia de fluxo pulsátil) com conseqüente acidose me-tabólica. Por outro lado o uso de oxigênio puro nooxigenador leva, muitas vezes, a uma acentuadadiminuição do CO2. A alcalose metabólica podeocorrer pelo excesso de bicarbonato administradodurante a CEC ou, no pós operatório, pela perdaexcessiva de potássio muito comum durante a deri-vação cardiopulmonar. Um outro problema dignode menção é a ocorrência de alcalose metabólicatardia (48 a 72 horas) no pós operatório. Pode ocor-rer pelo metabolismo do citrato ou do lactato da so-lução de Ringer lactato no perfusado. Existem evi-dências de que esta alcalose seja mais devida aocitrato do anticoagulante do sangue politransfundidodo que decorrente do uso de Ringer lactato.2

• Politransfusão sangüínea: O sangue estocadopossui uma considerável carga de radicais ácidos,resultante em grande parte do acúmulo de ácidosorgânicos (ácido cítrico do anticoagulante e do áci-do láctico gerado pela hipotermia da estocagern epela hipoxia). Se ocorrer acidose metabólica devese proceder à alcalinização, antes feita rotineira-mente, e hoje conforme as necessidades mostradaspor gasometria seriada. Além disso, o sangue esto-cado tem níveis de 2,3 difosfoglicerato (2,3 DPG)diminuídos, o que leva ao deslocamento da curvade dissociação da hemoglobina para a esquerda comaumento da sua afinidade pelo oxigênio, piorando aoxigenação periférica, e, conseqüentemente, agra-vando a acidose metabólica. Pode ocorrer, mais tar-diamente, uma alcalose metabólica como resultadoda metabolização do citrato pelo fígado.

• Alimentação parenteral: No início desta técnicade suporte nutricional, a acidose metabólica era umagrave e freqüente complicação. Isto ocorria porquealguns aminoácidos essenciais (histidina, lisina, or-nitina e arginina), encontravam se nas soluções soba forma de cloridrato. Esta complicação tornou semais rara com as soluções de aminoácidos mais re-centes que substituem o cloridrato por aspartato.

• Insuficiência renal crônica: A regra é a existên-cia de acidose metabólica por adição de ácidos for-tes (sulfúrico e fosfórico) decorrente da azotemia.Pode ocorrer ainda acidose metabólica pela subtra-ção do bicarbonato devida à chamada acidose tubular

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renal. Este distúrbio é raro, freqüentemente asso-ciado a síndromes genéticas, e apresenta dois tipos:distal, devido à incapacidade do túbulo distal demanter gradiente máximo de H+ entre a luz tubulare o sangue, e proximal, devido à deficiência de re-absorção do bicarbonato no início do néfron. Ospacientes portadores de insuficiência renal crônica,em geral, adaptam se à acidose metabólica.

• Diabetes melito: Ocorre acidose metabólica poradição de ácidos resultante de corpos cetônicos (áci-dos acetoacético e hidroxibutírico). Muitas vezes osimples emprego da insulina é suficiente para o seutratamento pela diminuição da produção de corposcetônicos, sem a necessidade do emprego de bicar-bonato.

• Afecções gastrointestinais: Nestas, as principaisalterações podem ser divididas em três grupos: aci-dose metabólica, alcalose metabólica e perda depotássio. A acidose metabólica pode ocorrer por per-da de bicarbonato nas diarréias graves e nas fístu-las pancreáticas. A acidose pode ainda ocorrer emfunção do estado de choque, secundário, por exem-plo, à trombose mesentérica, pancreatite aguda oufistula pancreática. A alcalose metabólica pode ocor-rer por perda de suco gástrico ou perda de potássio(diarréia, tumores vilosos do reto, tumores do pân-creas, fístulas biliares, uso excessivo de laxativos).

4- TRATAMENTO DOS DESTÚRBIOS DOEQUILÍBRIO ÁCIDO BASE

4.1- Princípios Gerais

Alguns preceitos devem ser seguidos para oadequado tratamento dos desvios do EAB, lembrandose que a gasometria é um exame subsidiário que deveser analisado em conjunto com os dados clínicos.2,5

• Deve se sempre fazer o tratamento causal que, porsi só, é suficiente em grande parte das alteraçõesdo EAB.

• O tratamento deve fundamentar se em dosagensfreqüentes e seriadas dos gases e do pH sangüíneo.

• Não confiar de forma absoluta em qualquer resul-tado de laboratório.

• Não corrigir as alterações muito rapidamente.• Normalizar inicialmente o volume sangüíneo e a

perfusão tecidual.• Não corrigir o pH, o cálcio e o potássio isolada-

mente.

4.2- Tratamento da Acidose Respiratória

Oxigenação e ventilação adequadas: manuten-ção das vias aéreas livres, correção da hipoxia e/ouhipercapnia, remoção de secreções e tratamento dasinfecções respiratórias quando presentes. Um errofreqüente é a administração de bicarbonato de sódiocom base apenas no valor do pH.

4.3- Tratamento da Alcalose Respiratória

O objetivo é combater a hiperventilação comsedação de pacientes ansiosos e histéricos. É um dis-túrbio freqüente em pacientes submetidos à assistên-cia respiratória, principalmente se curarizados. A di-minuição da ventilação pode ser tentada pelo aumen-to do espaço morto, diminuição do volume corrente epela utilização da ventilação mecânica intermitente(IMV), que tem por característica a normalização dapCO2, uma vez que permite a respiração espontâneaintercalada pelo auxílio do respirador.

4.4- Tratamento da Síndrome da Angústia Res-piratória do Adulto (SARA)

A SARA é um problema de "barreira alveolo-capilar" causado pela presença de edema pulmonarintersticial. Caracteriza se por diminuição da capaci-dade residual funcional, alteração da relação ventila-ção/perfusão (V/Q) e aumento do "shunt" pulmonar(Qs/Qt).

Seu tratamento consiste basicamente na insta-lação de assistência respiratória (IMV + PEEP), res-trição hídrica, diuréticos, processos dialíticos, metil-prednisolona (?), albumina humana, antibióticos; aalbumina deve ser usada na fase inicial para au-mentar a pressão coloidosmótica e ajudar a dimi-nuir o edema pulmonar intersticial, mas na fase avan-çada pode extravasar para o alvéolo, contribuindopara a formação de membrana hialina. A utilização donitroprussiato de sódio, na tentativa de reduzir a hi-pertensão pulmonar, pode aumentar o desvio arterio-venoso se diminuir muito a pressão arterial sistêmica.A recente utilização de óxido nítrico inalado para re-duzir a hipertensão pulmonar de modo seletivo é pro-missora, mas ainda controversa, havendo mais evi-dências de que não muda a evolução da SARA. Osvalores da pO2 e da pCO2 somente voltarão à norma-lidade com a regressão da situação do "shunt" pulmo-nar aumentado.

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4.5- Tratamento da Acidose Metabólica

Utiliza se o bicarbonato de sódio de acordo coma fórmula de Astrup Siggaard Andersen:

0,03 x kg x BE

2 ou 3O tratamento da acidose metabólica pode ser

feito por estimativa, caso não se disponha dos dadosgasométricos, utilizando se, em média, 2mEq/kg debicarbonato de sódio como dosagem inicial, seguidapor doses adicionais criteriosas. Erro comum é o em-prego dessa solução alcalina em excesso, que podeaumentar muito a osmolaridade do sangue, dificultan-do as trocas celulares, ou, ainda, induzir arritmias car-díacas pela alcalose metabólica. O bicarbonato desódio é, universalmente, o elemento utilizado para tra-tar a acidose metabólica na parada cardíaca. Tem sidoestudada a utilização do tampão TRIS (THAM), queteria a vantagem de não ser doador de gás carbônicoe não necessitar de hiperventilação, além de sua pro-vável ação superior nas correções da acidose intrace-lular. Como não se observa a utilização rotineira dotampão TRIS, pode se inferir que, em termos de custobeneficio, este tampão pode não ter grandes vanta-gens sobre o uso do bicarbonato de sódio.

4.6- Tratamento da Alcalose Metabólica

O tratamento pode envolver reposição de clo-retos, acetazolamida, cloridrato de arginina, HLCI(0,1N), NH4CI (?). A utilização de cloridrato de argi-nina é empírica (7,5g/12h), uma vez que só a sua fra-ção catabolizada é acidificante. Conseguem se rever-sões parciais da alcalose metabólica, que se recuperaalgumas horas depois. Utiliza se mais a reposição decloreto de potássio em associação com a acetazola-mida, a qual, inibindo a anidrase carbônica, aumenta aexcreção urinária de bicarbonato. A experiência comHCL é pequena e o NH4CL é neurotóxico.2,6,7

5- EFEITOS DELETÉRIOS DOS DISTÚRBI-OS DO EQUILÍBRIO ÁCIDO BASE

Tanto a acidose como a alcalose apresentamuma série de efeitos indesejáveis.2,8 Os efeitos inde-sejáveis da acidose aguda estão apresentados no Qua-dro 2. Os efeitos deletérios da alcalose aguda estãorepresentados no Quadro 3.

A alcalose metabólica, cuja importância clínicacostuma ser relegada a um plano secundário, mereceum lugar de destaque entre os possíveis distúrbios dahomeostase do paciente gravemente enfermo e dossubmetidos a grandes cirurgias. Além de aumentar aafinidade da Hb pelo O2, tem se dado importância àalcalose metabólica como causa de arritmias cardía-cas, principalmente supraventriculares que não apre-sentam boa resposta aos antiarrítmicos convencionais,admitindo se, inclusive, a ocorrência de morte súbita esua correlação com aumento da mortalidade em paci-entes graves.

A Figura 3 apresenta um resumo das possibili-dades diagnósticas e terapêuticas dos distúrbios doEAB. Este quadro, associado ao nomograma de West(pCO2/pO2), resume grande parte dos conhecimentosutilizados na prática clínica diária.

Quadro 2: Efeitos deletérios da acidose aguda.

- Sobrecarga respiratória

- Anorexia, náuseas, vômitos e alterações neuroló-gicas

- Hiperpotassemia

- Diminuição da responsividade às catecolaminas edepressão da contratilidade miocárdica

- Vasoconstrição renal e oligúria

- Resistência à ação da insulina

Quadro 3: Efeitos deletérios da alcalose aguda.

- Hipocalcemia por diminuição do cálcio ionizável

- Hipopotassemia com aumento da perda urináriade K+

- Efeito da alteração da relação K+ íntracelular/K+

extracelular no míocárdio com suscetibilidade aarritmias

- Aumento da afinidade da Hb pelo O2 (desvio dacurva de dissociação para a esquerda), com hipoxíatecidual

- Acidose paradoxal do líquor com piora das condi-ções neurológicas

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Figura 3: Resumo das possibilidades diagnósticas e terapêuticas dos distúrbios do equilíbrio ácido base.

Quadro 4: Exercício de interpretação de resultados da gasometria.

CASO 1: pH = 7,30; pO2 = 86; pCO2 = 39; = 18,12; BE = -7,5Diagnóstico: ausência de alterações respiratórias e acidose metabólica leve.Conduta: acidose com BE até 8 sem sobrecarga respiratória não necessita de tratamento, ocorrendo compensaçãopelo próprio organismo. Observar que o valor do pH está abaixo do normal, o que é freqüente na acidose do jejumpré-operatório.

CASO 2: pH = 7,42; pO2 = 99; pCO2 = 21,39; = 18,12; BE = 8,0Diagnóstico: acidose metabólica compensada também por mecanismo respiratório.Conduta: esta é uma resposta natural do organismo, ou seja, a hiperventilação para eliminação indireta do H+.Apesar de o BE ser semelhante ao do Caso 1, neste caso recomenda se tratar a acidose com , pois esta deve

6- EXERCÍCIOS GASOMÉTRICOS

A gasometria é um exame complementar quedeve ser analisado em associação com o quadro clí-

nico apresentado pelo paciente.Os diagnósticos dos casos apresentados

no Quadro 4 são orientados pelos dados da Figu-ra 3.

_3HCO

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ser importante a ponto de desencadear os mecanismos respiratórios de compensação. A oferta de nessa situaçãovisa evitar a sobrecarga respiratória, indesejável no paciente criticamente doente. Esta conduta não é unânime; háquem se limita ao tratamento causal quando o pH está normal.

CASO 3: pH = 7,61; pO2 = 91; pCO2 = 41; = 39,81; BE = + 18Diagnóstico: ausência de alterações respiratórias e alcalose metabólica.Conduta: uma boa parte das alcaloses metabólicas está associada à hipopotassernia e/ ou hipocloremia, portanto,estes íons devem ser dosados no plasma. Caso estejam normais, optar por outro agente acidificante: HCL 0,1 a 0,2N, cloridrato de arginina. Lembrar que a acetazolamida é de grande utilidade no tratamento das alcaloses de adiçãoe que o cloreto de amônio tem seu uso limitado pela neurotoxidade.

CASO 4: pH = 7,29; pO2 = 60; pCO2 = 57; = 26,5; BE = 1Diagnóstico: acidose respiratória sem alterações metabólicas.Conduta: esta gasometria pode ser perfeitamente aceitável para um paciente portador de doença pulmonar obstrutivacrônica. Caso não se trate de um paciente enfisematoso, deve se buscar a causa da hipoventilação e tratá la por meiode ventilação adequada.

Caso 5: pH = 7,45; pO2 = 55; pCO2 = 61; = 26,5; BE = + 19Diagnóstico: acidose respiratória e alcalose metabólica.Conduta: em pacientes não portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica, devem se tratar ambos os desviosdo equilíbrio ácido base. Comumente interpreta se o presente quadro gasométrico como acidose respiratória com-pensada por alcalose metabólica, o que leva à conduta inadequada. Costumam se tratar os dois distúrbios, poissabe se que os mecanismos naturais de defesa contra a acidose são muito mais eficientes do que os mecanismos dedefesa contra a alcalose. Por outro lado, se o paciente for um enfisematoso pode se interpretar a alcalose metabólicacomo uma conseqüência da hipercapnia crônica, devendo se tratá la com o emprego de acetazolamida.

CASO 6: pH = 7,63; pO2 = 100; pCO2 = 22; = 22,36; BE + 4,5Diagnóstico: alcalose respiratória e alcalose metabólica leve.Conduta: tratar a alcalose respiratória. Este é um distúrbio comum que ocorre com o uso de respiradores mecânicose, no caso, poder-se-á diminuir a freqüência respiratória ou aumentar o espaço morto. Uma vez que a pO2 seapresenta em níveis normais, pode não ser conveniente diminuir o volume corrente. Na hiperventilação psicogênicadeve se promover a sedação do paciente ou, se possível, fazê lo respirar em saco fechado.

CASO 7: pH = 7,30; pO2 = 55; pCO2 = 18; = 20,2; BE = 4,0.Diagnóstico: sempre que houver hipoxia com hipocapnia deve se pensar em alterações pulmonares funcionais(alteração da relação ventilação perfusão, da difusão alveolocapilar, "shunts" arteriovenosos intrapulmonares). Naprática médica, até prova em contrário, trata se de insuficiência respiratória aguda do adulto conseqüente a edemapulmonar intersticial.Conduta: procurar tratar a doença de base, assistência respiraatória com respirador volumétrico e IMV + PEEP,metilprednisolona, furosemida, diálise e albumina humana quando houver hipoproteinemia nas primeiras fases daSARA.

Évora PRB, Garcia LV. Acid-base balance. Medicina (Ribeirão Preto) 2008; 41 (3): 301-11.

ABSTRACT: A profound knowledge about variations in the acid-base balance is of utmostimportance for both the correct diagnosis and the treatment of possible abnormalities. Here, thecauses and consequences, as well as potential treatments of both respiratory and metabolicalkalosis and acidosis are discussed.

keywords: Acid-Base Equilibrium. Alkalosis. Acidosis.

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BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA

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Recebido para publicação em 20/08/2008

Aprovado para publicação em 30/09/2008