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Thales de Melo e Lemos

12/0022991

Relatório: O arcabouço jurídico da ditadura: tensões entre legalidade e

autoritarismo.

No livro “História Constitucional Brasileira”, Barbosa busca demonstrar o

desenvolvimento da ditadura brasileira como uma construção histórico-social, com foco

na relação do regime com os problemas constitucionais. Estes problemas se estabelecem

imediatamente a partir do golpe, norteando diversas ações do grupo militar.

O movimento que tomou o poder se intitulava revolucionário. Além disso, se

investia no “poder constituinte”. Contudo, inicialmente foram adotadas medidas muito

mais reformistas do que revolucionárias. Optou-se por manter em vigor a constituição

de 1946, mesmo que esta já estivesse sendo abertamente desrespeitada. Diversas foram

as contradições e duplicidades presentes no primeiro Ato Institucional: “normalidade e

exceção”, “ruptura e conservação”, “plenos poderes e poderes limitados”.

Inicialmente, o governo revolucionário se preocupou com a alteração das regras

de reforma constitucional. Foi atribuída ao presidente da República a prerrogativa de

propor emendas à constituição e facilitada a aprovação destas mesmas emendas. Robert

Barros, em seu texto “Constitucionalism and Dictatorship” deixa claro que não é

estranho que regimes ditatoriais tentem impor a dominação através da lei, apesar de

reservarem para si a interpretação e a execução destas leis. Além disso, uma

característica marcante destes regimes é que a lei tende a ser imposta “de cima”, ao

contrário de emergir dos próprios cidadãos que a ela se submetem, mesmo que por

eleições e representação.

Isto fica claro durante a evolução da ditadura brasileira. No período

compreendido entre o AI de 64 e o Ato Institucional nº 2, o maior foco do governo foi

permitir sua governabilidade. Mesmo que tentando atuar sob uma imagem legalista e

legitimada, diversas foram as regras do jogo modificadas para que o poder pudesse ser

exercido sem restrições: foi reduzido o quórum necessário no Congresso para aprovar as

medidas propostas pelo presidente e foi reformado o sistema eleitoral visando impedir a

vitória de candidatos não ligados ao regime. É importante ressaltar que nenhuma das

medidas centrais de reforma teriam sido aprovadas pelo Congresso sem a redução do

quórum. Assim, o governo criava inicialmente bases legais para que a adoção de suas

medidas fosse mais fácil e mais rápida.

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O projeto do governo, contudo, ainda enfrentou dificuldades. No Congresso,

cada dispositivo enfrentava uma batalha. No judiciário, havia confronto com o

Presidente do STF. A vitória da oposição nas eleições em Minas e na Guanabara, aliada

a diversos problemas na política econômica, fortaleceu a chamada “linha dura”. Estava

encaminhada a instauração do Ato Institucional nº 2. Este foi inicialmente proposto a

forma de uma Emenda Constitucional e um Projeto de Lei, ao Congresso, mas o

governo deixava claro que seria aplicado de qualquer forma. Anthony Pereira, no texto

“Ditadura e Repressão”, ressaltaria que sempre existe um conflito entre legitimação e

controle. Com as derrotas iniciais, o governo brasileiro abria mão da primeira em busca

do segundo.

O preâmbulo deste novo Ato Institucional inaugurou a doutrina do poder

constituinte permanente, da revolução viva, dinâmica. Desta forma o governo poderia

permanentemente se sobrepor às regras, se colocando acima de qualquer limitação. O

novo diploma estabelecia eleições indiretas para a presidência, autorizava a imposição

unilateral de estado de sítio pelo presidente, possibilitava novos expurgos nos órgãos

políticos, judiciários e administrativos.

Barros destaca que a grande maioria dos filósofos, como aqueles ligados à teoria

da soberania, toma o poder absoluto como algo que não pode se limitar. De fato, os

autocratas nunca estariam livres da discricionariedade de superar qualquer limitação.

Enquanto inicialmente o governo militar tentou assumir compromissos com a

constituição vigente, buscando ser “não radical”, a partir da conveniência foram

superadas as restrições pelo exercício do poder. Desta forma, os regimes ditatoriais não

seriam capazes de se ater a seus compromissos.

O autor mencionado, contudo, defende que em situações muito específicas,

relacionadas à composição do bloco autoritário, é possível que os regimes autocráticos

limitem seus poderes. Tais condições estão relacionadas a arranjos institucionais que

diluem a autoridade entre mais de um indivíduo, de forma que um regule o outro.

Assim, é necessário que exista mais de um indivíduo no controle, além de interesses

heterogêneos. Seria o caso de uma ditadura como a brasileira, com um grupo militar no

poder. Contudo, como é possível verificar, tais limitações estão relacionadas mais ao

campo de decisões, de discricionariedade, quanto do controle sobre o exercício do

poder.

Por fim, é importante tecer algumas considerações sobre o texto de Anthony

Pereira. O autor defende uma teoria baseada no nível de institucionalização das

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ditaduras. Neste sentido, aponta que na ditadura brasileira, ao contrário da chilena, por

exemplo, verificou-se um nível relativamente alto de manutenção da ordem normativa,

com a continuidade dos três poderes, ainda que limitada, e da judicialização do

processo. Já no Chile, era comum que indivíduos fossem julgados sem devido processo

legal, por cortes marciais, e executados em poucos dias.

Contudo, é necessário realizar uma crítica: enquanto a teoria do autor pode

realmente fornecer argumentos de que a ditadura brasileira teria sido “branda”, não se

pode esquecer o alto nível de ações clandestinas executadas pelo governo. Nesta

“dualidade” do Estado, que atuava tanto por meios legais quanto ilegais, não é tarefa

simples considerar o número de desaparecidos, executados e torturados.

Por fim, ressalta-se que no caso brasileiro houve grande continuidade jurídica

entre o período de democracia, a ditadura e a redemocratização. Assim, da mesma

forma que durante a ditadura foram mantidas diversas instituições, na atualidade ainda

estão presentes diversos instrumentos estabelecidos durante o regime militar.