Ditadura, Geografia e MPB - Rui Ribeiro de Campos

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    Ditadura Militar, geografia e MPB: uma proposta voltadaao ensino

    Rui Ribeiro de Campos

    *

    ResumoEste artigo pretende ser uma proposta para o ensino, pelos

    professores de Geografia, do perodo da ditadura militar no Brasil,principalmente entre os anos 1968 e 1979. Caracteriza a poca,principalmente do chamadoMilagre Brasileiro, coloca dados sobreas conseqncias do perodo para a Geografia e inclui letras daMsica Popular Brasileira (MPB) como forma de um auxlio

    pedaggico no desenvolvimento da compreenso e da anlise

    crtica pelos alunos. Muitos dos atuais problemas espaciais esociais brasileiros tiveram origem naquele perodo e, para entend-los e propor mudanas adequadas, h necessidade de estudar fatose mudanas que ocorreram naquele tempo.Palavras-chave: Ditadura Militar brasileira, geografia, letras de

    MPB, ensino mdio, recursos didticos para oensino de Geografia

    * Graduado em Geografia, Mestre em Educao pela PUC-Campinas,Doutor em Geografia pela UNESP - Rio Claro e professor deEpistemologia da Geografia, Pensamento Geogrfico Brasileiro eGeografia Poltica, na Faculdade de Geografia da PUC-Campinas. R.Boaventura do Amaral, 204. CEP 13026-055, Campinas-SP([email protected]).

    Geosul, Florianpolis, v. 23, n. 45, p 123-168, jan./jun. 2008

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    Military Dictatorship, geography and popular brazilian music: aproposal for teaching

    Abstract

    This article intends to be a proposal for Geography teachersconcerning the military dictatorship in Brazil, mainly between1968 and 1979. It defines this age, mainly the period called

    Brazilian miracle, including informations about the consequencesof this time for Geography and contain lyrics from BrazilianPopular Music (MPB), using it as a pedagogical resource in thedevelopment of the understanding and the critical analysis from the

    pupils. Many of the current demographic and social issues in Brazilhad its origin during that period and, in order to understand themand to suggest the proper changes, it calls for learning facts andmodifications that occurred at that epoch.

    Key words: Brazilian military dictatorship, geography, MPBlyrics, high school, didactic resources for teachinggeography.

    A deposio do presidente constitucional em 1ode abril de1964 foi, entre diversas razes, para eliminar os obstculos quedificultavam uma maior insero do pas na rbita internacional.Houve uma redefinio do papel do Estado, alterou-se o padro dedependncia, o capital monopolista passou a predominar no

    processo produtivo, os padres de comportamento e de consumoforam modificados para adequ-los ao novo modelo industrial quese pretendia implantar, a populao foi alijada das esferas dedeciso, os sindicatos mais combativos foram castrados de suaslideranas e a instruo escolar sofreu uma reorientao ideolgicadevendo, principalmente, qualificar para o trabalho.

    O pas se aliou claramente potncia que liderava o blococapitalista e sua poltica externa permaneceu dependente damesma; ocorreu tambm a "homogeneizao ttica e ideolgicadas Foras Armadas" (ANDRADE, 1989, p. 47). A

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    tecnoburocracia estatal foi fortalecida e esta procurava dominar opas, tomando medidas sempre em nome de uma racionalidadeobjetiva, tcnica. A elevao desta racionalidade ao grau de

    verdade absoluta acabou por excluir o contrato social, a legtimalegalidade jurdica e, sem esses componentes, desembocou-se noautoritarismo. Nos vinte anos de governo militar, o papel doEstado foi modificado pois o sistema capitalista no se implantacom as mesmas caractersticas, mesmo em pases dependentes,

    pois carrega em seu bojo as contradies, as caractersticasdiversas, da realidade de cada pas.

    Tentou-se, em um primeiro momento, um modelo deracionalizao mais clssico e ortodoxo, com o aumento daeficincia e a reduo do peso do Estado, criao deinstituies capitalistas modernas [...], e ainternacionalizao da economia. Se estas foram as linhas

    principais dos primeiros anos de regime militar, elas foramsubstitudas depois por outras mais ajustadas a tradies doEstado brasileiro: crescimento do setor pblico, lanamentode grandes projetos e programas sociais ambiciosos, comoo da padronizao e generalizao da previdncia social e aerradicao do analfabetismo atravs do Mobral"(SCHWARTZMAN, 1987, p. 19).

    E, dada a histria brasileira como espao complementar daseconomias centrais, no possua um passado ideal que pudesseservir de guia. Talvez, por isso, a necessidade de se apelar para um

    futuro grandioso, pois ele algo a vir, aberto, otimista. Todavia,para o poder, ele s poderia ser alcanado com ordem: sem ordemno h progresso, diz o lema positivista e a bandeira nacional.Modernizado, este lema foi alterado para desenvolvimento com

    segurana.O primeiro governo militar (Castelo Branco, de 1964-1967)

    procuroumodernizaro Estado e combater a inflao, usando comoarmas, entre outras, a diminuio dos gastos pblicos e o arrochosalarial. Essa poltica provocou um aprofundamento da crise, levoumuitas pequenas e mdias empresas falncia, aumentou a

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    ociosidade das que permaneceram e oligopolizou diversos setoresprodutivos. Os reflexos negativos desta poltica antiinflacionria ede readequao da economia ao capitalismo internacional

    provocaram protestos. O segundo presidente (Costa e Silva, de1967-1969) tentou corrigir estes reflexos negativos, mas noconseguiu. E, j doente, assinou, em 13 de dezembro de 1968, oAto Institucional no5 (AI-5), que deu plenos poderes Presidnciada Repblica e suspendeu as garantias individuais de todos oscidados. Com ele, o governo, pela fora e pela censura, obteve ocontrole da situao para implantar o seu projeto.

    O perodo do terceiro presidente militar (Garrastazu Mdici,de 1969-1974) ficou conhecido como Milagre Brasileiro, porcausa das elevadas taxas de crescimento econmico, ou como anosde chumbo, devido intensa represso. principalmente do

    perodo aps 1967, at a poca da Anistia, da revogao do decreto

    477, da recriao da UNE, das greves do ABC (1979), que sepretende caracterizar neste artigo, relacionando as letras dealgumas canes da Msica Popular Brasileira (MPB),

    principalmente as que melhor caracterizam este perodo comoresistncia opresso. O que aqui se rotula de MPB a msica demassa gravada por empresas e divulgada pelos meios decomunicao, como um produto da indstria cultural. Pretende-se,tambm, caracterizar um pouco o que ocorreu com a cinciageogrfica. O contedo bsico o perodo militar em seus anosmais repressivos e as letras de msicas so colocadas como umauxlio pedaggico no desenvolvimento da compreenso e daanlise crtica. Muitos dos atuais problemas espaciais e sociais

    brasileiros tiveram origem neste perodo e, para entend-los epropor mudanas adequadas, h necessidade de estudar o perodo.

    O Movimento Tropicalista, que surgiu neste perodo, possuaem seu disco manifesto letras significativas do ponto de vista desteestudo, como o caso de Miserere Nobis, feita em 1968, a msicaque abria o disco. Esta letra fazia referncias s pessoas quemudaram sua viso, que j no estavam quietas, que desejavam

    para a maioria dias diferentes, de maior abundncia, mas isso podia

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    significar mudana de estrutura, que viria com sangue. Por isso, etambm em razo da censura, terminaram a letra com sons queassociavam Brasil, fuzil e canho.

    MISERERE NOBIS(Gilberto Gil/Capinam)

    Miserere-re nobis/Ora, ora pro nobis/ no sempre ser, , iai/ nosempre, sempre sero.J no somos como na chegada/Calados e magros, esperando o jantar/ Naborda do prato se limita a janta/ As espinhas do peixe de volta pro mar.Miserere-re nobis/Ora, ora pro nobis/ no sempre ser, , iai/ nosempre, sempre sero.Tomara que um dia de um dia seja/ Para todos e sempre a mesma cerveja/Tomara que um dia de um dia no/ Para todos e sempre metade do po.Tomara que um dia de um dia seja/ Que seja de linho a toalha da mesa/Tomara que um dia de um dia no/ Na mesa da gente tem banana e feijo.

    Miserere-re nobis/Ora, ora pro nobis/ no sempre ser, , iai/ nosempre, sempre sero.J no somos como na chegada/ O Sol j claro nas guas quietas domangue/ Derramemos vinho no linho da mesa/ Molhada de vinho emanchada de sangue.Miserere-re nobis/Ora, ora pro nobis/ no sempre ser, , iai/ nosempre, sempre sero.B, r, a Bra / Z, i, l zil/ F, u fu/ Z, i, l zil/ C, a ca/ N,ag, a, o, til oOra pro nobis.

    Ainda em 1968, ocorreu a morte pela polcia do estudanteEdson Lus Lima Souto, no Restaurante Calabouo, no Rio de

    Janeiro. A preparao de uma passeata de protesto contra asprecrias condies de higiene e o mau funcionamento dorestaurante, foi a causa da invaso do estabelecimento por tropas dechoque da Polcia Militar, e que resultou na morte do estudante, de18 anos, assassinado com um tiro de pistola pelo tenente quecomandava o Batalho Motorizado da PM. Um outro estudante, de20 anos, ficou em estado gravssimo. Um porteiro do Instituto

    Nacional de Previdncia Social (INPS), que passava perto do

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    Calabouo, tambm tombou morto. Um cidado que assistia, dajanela de seu escritrio, ao ataque policial, recebeu um tiro na boca.Os policiais ainda depredaram o restaurante aps a fuzilaria e a

    chacina.Os estudantes foram surpreendidos com a invaso policial,tendo os soldados disparado rajadas de metralhadoras. Logodepois, o tenente sacou sua arma e efetuou disparos, um dos quaisatingiu Edson Lus. Morto, o corpo foi levado por seus colegas

    para o saguo da Assemblia Legislativa, onde se formou uma filade populares para velar o corpo, em meio a violentos discursos devrios lderes polticos. Houve greve geral em diversas faculdadesdo Rio de Janeiro e em outras cidades. O Congresso Nacional e aAssemblia Legislativa da Guanabara decretaram luto. Algunsteatros suspenderam suas apresentaes em solidariedade.

    Sobre este fato, Srgio Ricardo gravou uma composio sua

    em 1973. O ano explica a linguagem de fresta da letra.

    CALABOUO(Srgio Ricardo)

    Olho aberto, ouvido atento/ E a cabea no lugar/ Do canto da bocaescorre/ Metade do meu cantar/ Eis o lixo do meu canto/ Que permitidoescutar/ Fala/ Olha o vazio nas almas/ Olha um violeiro de alma vaziaCerradas portas do mundo/ Cala boca moo/ E decepada a cano/ Calaboca moo/ Metade com sete chaves/ Cala boca moo/ Nas grades domeu poro/ Cala boca moo/ A outra se grangrenando/ Cala boca moo/Na chaga do meu refro/ Cala boca moo/ Cale o peito cala o beio/Calabouo, calabouo/Olha o vazio nas almas/ Olha um violeiro de alma vazia/ Mulata mula

    mulambo/ Milcia morte mouro/ Onde amarro a meia espera/ Cercado deassombrao/ Seu meio corpo apoiado/ Na muleta da cano/ Fala/ Olha ovazio nas almas/ Olha um violeiro de alma vaziaMeia dor meia alegria/ Cala boca moo/ Nem rosa nem flor boto/ Calaboca moo/ Meio pavor meia euforia/ Cala boca moo/ Meia cama meiocaixo/ Cala boca moo/ da cana caiana eu canto/ Cala boca moo/ S obagao da cano/ Cala boca moo/Cala o peito cala o beio/ Calabouo,calabouo/ Olha o vazio nas almas/ Olha um violeiro de alma vazia.

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    As paredes de um inseto/ Me vestem como um cabide/ E na lama de seucorpo/ Vou por onde ele decide/ Metade se esverdeando/ No limbo domeu revide/ Fala/ Olha o vazio nas almas/ Olha um violeiro de alma vaziaQuem canta traz um motivo/ Cala boca moo/ Que se explica no cantar/Cala boca moo/ Meu canto filho de Aquiles/ Cala boca moo/ Tambmtem seu calcanhar/ Cala boca moo/ Por isso o verso a blis/ Cala bocamoo/ Do que eu queria explicar/ Cala boca moo/ Cala o peito cala obeio/ Calabouo calabouo/ Olha o vazio nas almas/ Olha um violeiro dealma vazia.

    No III Festival Internacional da Cano (FIC), realizado em1968, Tom Jobim e Chico Buarque participaram e ganharam a fasenacional com a msica Sabi; a exibio no dia da final destamsica foi soterrada pelas vaias do pblico que preferia a deVandr: Caminhandoou Para no dizer que no falei das flores.Esta era de engajamento explcito e pouca gente percebeu, na

    poca, que Sabi era uma premonio do exlio, uma cano doexlio interno. Caminhando saiu em compacto simples deGeraldo Vandr, ainda em 1968; de um lado com a gravao emestdio e no outro, com a gravao ao vivo de sua exibio no IIIFIC. Acabou sendo um hino mais fcil de ser cantado e de serentendido.

    CAMINHANDO ouPARA NO DIZER QUE NO FALEI DASFLORES(Geraldo Vandr)

    Caminhando e cantando e seguindo a cano,/ Somos todos iguais, braosdados ou no,/ Nas escolas, nas ruas, campos, construes,/ Caminhando

    e cantando e seguindo a cano ...Vem, vamos embora, que esperar no saber,/ Quem sabe faz a hora, noespera acontecer ...Pelos campos, a fome, em grandes plantaes,/ Pelas ruas, marchando,indecisos cordes,/ Ainda fazem da flor seu mais forte refro;/ Eacreditam nas flores vencendo o canho ...Vem, vamos embora, que esperar no saber,/ Quem sabe faz a hora, noespera acontecer ...

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    H soldados armados, amados ou no,/ Quase todos perdidos, de armas namo,/ Nos quartis lhes ensinam uma antiga lio,/ De morrer pela ptriae viver sem razo ...Vem, vamos embora, que esperar no saber,/ Quem sabe faz a hora, noespera acontecer ...Nas escolas, nas ruas, campos, construes,/ Somos todos soldados,armados ou no,/ Caminhando e cantando e seguindo a cano,/ Somostodos iguais, braos dados ou no./ Os amores na mente, as flores nocho,/ A certeza na frente, a histria na mo,/ Caminhando e cantando eseguindo a cano,/ Aprendendo e ensinado uma nova lio!Vem, vamos embora, que esperar no saber,/ Quem sabe faz a hora, noespera acontecer ...

    Sabi foi defendida no festival por Cynara e Cybele;posteriormente teve diversas gravaes. Ao trabalhar esta letra, oprofessor deve lembrar do poema de Gonalves Dias (1823-1864):

    Cano do Exlio; lembrar que esta msica fazia referncias a umexlio interno, a de ser exilado morando no mesmo pas.

    SABI (Tom Jobim/Chico Buarque)

    Vou voltar/ Sei que ainda vou voltar/ Para o meu lugar/ Foi l e aindal/ Que eu hei de ouvir cantar/ Uma sabi.Vou voltar/ Sei que ainda vou voltar/ Vou deitar sombra/ De umapalmeira/ Que j no h/ Colher a flor/ Que j no d/ E algum amor/Talvez possa espantar/ As noites que eu no queria/ E anunciar o diaVou voltar/ Sei que ainda vou voltar/ No vai ser em vo/ Que fiz tantosplanos/ De me enganar/ Como fiz enganos/ De me encontrar/ Como fizestradas/ De me perder/ Fiz de tudo e nada/ De te esquecerVou voltar/ Sei que ainda vou voltar/ Para o meu lugar/ Foi l e aindal/ Que eu hei de ouvir cantar/ Uma sabi.

    Anterior gravao de Calabouo, j tendo algumasmsicas proibidas no Brasil, Srgio Ricardo fez uma letra em 1968,que foi premiada no Festival da Bulgria; foiAleluia, na qual faloude Ernesto Che Guevara, de sua presena nas pessoas aps suamorte, de sua ideologia que permaneceu. Esperava ver a Amrica

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    Latina ainda cantando o que ele pregava. Esta msica saiu emcompacto simples por uma pequena gravadora e, pelo jeito, foiuma forma de burlar a censura. Mas depois, este compacto foi

    apreendido e retirado das lojas.ALELUIA(Srgio Ricardo)

    Che Guevara no morreu/ No, no morreu, Aleluia! (bis)/ Aleluia,aleluia, aleluia, aleluia.Che, eu creio no teu canto/ Como um manto em minha dor/ E que tododesencanto/ Seja ressuscitador/ Vejo o mundo dividido/ Contemplando oreviver/ Da esperana que morria/ No silncio do teu serChe Guevara no morreu/ No, no morreu, Aleluia! (bis)/ Aleluia,aleluia, aleluia, aleluia.Che, eu creio seja eterna/ Esta rosa agreste e branca/ Brotada no teusorriso/ Que nem mesmo a morte arranca/ E que siga em tua estrada/

    Outro irmo com tua mo/ Com teu fuzil retomado/ Com teu risco edecisoChe Guevara no morreu/ No, no morreu, Aleluia! (bis)/ Aleluia,aleluia, aleluia, aleluia.Che, eu creio em tua volta/ Sem dar muita explicao/ Como a folha vai

    no vento/ Como a chuva no Serto/ Ouo a Amrica cantando/Novamente o canto teu/ Espalhando pelos campos/ A morte que no sedeuChe Guevara no morreu/ No, no morreu, Aleluia! (bis)/ Aleluia,aleluia, aleluia, aleluia.

    A situao estava to tensa e isto tambm provocava gestosfascistas dos que pouco se importavam com a vida das pessoas, seisso fosse importante para o fim que pretendiam. Foi, por exemplo,o caso PARASAR, planejado por militares da direita brasileira,como ficou conhecido um ataque planejado em 1968. O atentados no foi finalizado devido recusa do comandante do grupo.Com o auxlio do PARASAR (grupo de elite da Aeronutica, commilitares treinados para salvamento em locais de difcil acesso, naselva ou no mar), o brigadeiro Joo Paulo Burnier, chefe dogabinete do ministro da Aeronutica, planejou explodir o

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    gasmetro no Rio de Janeiro. A ao provocaria a morte demilhares de pessoas. Alm da exploso de gasmetros, ocorreria adestruio de instalaes de fora e luz, causando pnico na

    populao que atribuiria o atentado aos comunistas (http://www.dci.ufscar.br/recortes/cparasar.htm, 2006).Segundo o brigadeiro Burnier, "o atentado seria necessrio

    para 'salvar o Brasil do comunismo', instigando o dio dapopulao contra os 'subversivos', que levariam a culpa pelasmortes". (apud CHIAVENATO, 1994, p.124, in: Ibidem) Ou seja,seria uma justificativa para endurecer o regime. Soube-se, maistarde, que o plano inclua a morte de personalidades poltico-militares; entre elas estavam Juscelino Kubitschek, Jnio Quadros,Carlos Lacerda e Dom Hlder. A execuo aconteceria nomomento em que as agitaes estudantis estavam mais intensas e

    perturbavam a ordem pblica (Ibidem).

    O Plano no deu certo porque um capito-aviador, SrgioMiranda de Carvalho, ameaou denunci-lo, caso o brigadeiro oprosseguisse; chegou a convencer diversos membros do grupo ano participarem da ao. O capito Srgio foi afastado daAeronutica, em 1969, foi punido por traio com base no AI-5,desmentido pelos elementos que diziam ser os formuladores desta

    proposta e ainda acusado de "louco". A verdade s foi mais bemesclarecida em 1978 (quando se voltou a tocar no assunto), com odepoimento do brigadeiro Eduardo Gomes, em defesa do capitoSrgio.

    Somente bem mais tarde, aps a anistia, foi que obteve o seuretorno oficial Aeronutica. Em 1989 ocorreu uma homenagem

    em letra de cano; esta apareceu em 1994 no disco RevendoAmigos, de Joyce, no qual consta a gravao dela e de ChicoBuarque de uma composio de Joyce e de Fernando Brant:Capito.

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    http://pt.wikipedia.org/wiki/AI-5http://pt.wikipedia.org/wiki/AI-5
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    CAPITO(Joyce/Fernando Brant)

    Brasil/ Quem que seria o dono da Amaznia?/ E por aqui quem viveria/Se a Guanabara explodisse em gs e sangue/ Seria outra a nossa Histria.Inda bem,/ Quem ama a vida no vai ser agora matador/ Quem ama aselva no vai ser agora lenhador/ Quem ama o ndio no vai ser agoracaador.Brasil,/ Teu capito no aceita a ordem de matar/ Nosso capito noaceita quem quer te entregar/ O capito no aceita a ordem da matana.Inda bem,/ Quem ama a vida prefere o ofcio de salvar/ Quem ama a terraprefere o ofcio de sonhar/ Quem ama mesmo prefere o ofcio de amar.Brasil,/ Teu capito no aceita a ordem de matar/ Nosso capito noaceita quem quer te entregar/ O capito no aceita a morte da esperana.Inda bem,/ Quem ama a vida prefere o ofcio de salvar/ Quem ama a terraprefere o ofcio de sonhar/ Quem ama mesmo prefere o ofcio de amar.Brasil! Brasil! (seis vezes)

    Do ponto de vista econmico, alm das altas taxas decrescimento, caracterizaram o perodo do Milagre, a diminuiodos ndices de inflao, a maior abertura ao capital estrangeiro(apesar da propaganda nacionalista), o aumento da concentraode renda e do endividamento externo. Entre os fatores quecolaboraram para isso figuraram o comrcio externo favorvel (ocapitalismo mundial estava em expanso), a capacidade ociosa degrande parte do setor industrial em razo da recesso anterior (oque possibilitou, no incio, crescer sem importar bens de capital) ea existncia de um governo autoritrio que garantia um arrochosalarial, exceto para a classe mdia.

    O Milagre ampliou a misria no pas1

    , mas a manipulaopublicitria garantiu o otimismo. O estmulo ao consumo em uma

    1O aumento da misria em pleno milagre econmico foi atestado por umaampla pesquisa sobre a alimentao, realizada pelo IBGE, em 1974,intitulada Estudo Nacional de Despesa Familiar (ENDEF). As anlisesqualitativas tiveram sua divulgao proibida e os exemplares foramescondidos nos pores do IBGE. Constataram-se bias-frias comendofolhas do cafezal, famlias ingerindo somente casca de batata cozida,

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    sociedade com renda concentrada provocou uma diferenciao dosmodelos de bens de consumo, encurtando o perodo deobsolescncia e a expanso da margem de endividamento das

    famlias em decorrncia da ampliao do crdito ao consumidor. Oxodo rural mais intenso agravou a terciarizao urbana e, no setoreconmico secundrio, houve um elevado crescimento dasindstrias de bens de consumo durveis e um aumento lento das de

    bens de produo. O atendimento na rede de sade pblicapermaneceu precrio e a legislao trabalhista e previdenciriasofreu modificaes, visando adequ-la ao novo modelo imposto.

    Chico Buarque, sob o pseudnimo de Julinho da Adelaide,fez em 1975 a letra de Milagre Brasileiro, que reflete bem aconcentrao de renda do perodo. No foi gravada na poca porcausa da censura; anos depois, a cantora Micha a gravou.

    MILAGRE BRASILEIRO(Julinho da Adelaide)

    Cad o meu?/ Cad o meu, meu?/ Dizem que voc se defendeu/ omilagre brasileiro/ Quanto mais trabalho/ Menos vejo dinheiro/ overdadeiro boom/ Tu t no bem bom/ Mas eu vivo sem nenhumCad o meu?/ Cad o meu, meu?/ Eu no falo pro despeito/ Mas,tambm, se eu fosse eu/ Quebrava o teu/ Cobrava o meu/ Direito.

    utilizando o lixo como fonte de alimentao, comendo ratos, telhas,barro, carvo, sabo, miolo de xaxim, folhas de batata-doce, lavagem deporco, talos e folhas de abbora ou de chuchu, minhocas e, no estado doRio de Janeiro, uma pesquisadora ficou estarrecida quando viu duas

    crianas brigando pelas suas fezes (LESSA, 1985, p. 33). Durante ochamado milagre econmico, doenas como dengue, malria emeningite se tornaram epidmicas. O caso da censura meningiteficou famoso. Desde 1971, quando a doena se alastrou pela periferiadas grandes cidades, as notcias permitidas sobre ela eram as quedesmentiam sua disseminao e diziam que eram boatos espalhados poragitadores. Somente no inverno de 1974, quando houve um elevadoaumento de casos e de mortes, instalando pnico em boa parte dapopulao, admitiram a epidemia, mas nunca divulgaram com precisoo nmero de casos e de mortes.

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    No pas em 1970, Chico Buarque fez barulho para no sumire vivenciou a tortura, o desaparecimento de adversrios do regime,o ufanismo que vigorava. Adesivos em automveis eram ameaas a

    quem no estivesse afinado com o Brasil Grande: Ame-o oudeixe-o ou Ame-o ou morra, Este um pas que vai pra frenteetc. Como reao, ele fez, em 1970, a msicaApesar de voc, certode que a censura no deixaria passar; e ela passou. Comeou atocar nas rdios, fez rapidamente um grande sucesso, e ento

    perceberam quem era aquele voc. Em um interrogatrio, ele disse: uma mulher muito mandona, muito autoritria.(HOLLANDA, 1989, p. 130) Foi gravada em compacto simples(Philips, no. 365.315, 1970) e, aps um ms do lanamento emilhares de cpias vendidas (aproximadamente 100 mil), foi

    proibida, as cpias recolhidas das lojas e, junto com o estoque dagravadora, quebradas. Alm disso, o censor foi punido em razo de

    sua incompetncia. Foi regravada em 1978, no LP Chico Buarque.

    APESAR DE VOC(Chico Buarque)

    Hoje voc quem manda/ Falou, t falado/ No tem discusso/ A minhagente hoje anda/ Falando de lado/ E olhando pro cho, viu/ Voc queinventou esse estado/ E inventou de inventar/ Toda a escurido/ Voc queinventou o pecado/ Esqueceu-se de inventar/ O perdo.Apesar de voc/ Amanh h de ser/ Outro dia/ Eu pergunto a voc/ Ondevai se esconder/ Da enorme euforia/ Como vai proibir/ Quando o galoinsistir/ Em cantar/ gua nova brotando/ E a gente se amando/ Sem parar

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    CAMPOS, R.R. Ditadura Militar, geografia e MPB: uma proposta voltada ...

    Quando chegar o momento/ Esse meu sofrimento/ Vou cobrar com juros,juro/ Todo esse amor reprimido/ esse grito contido/ Este samba no escuro/Voc que inventou a tristeza/ Ora, tenha a fineza/ de desinventar/ Vocvai pagar e dobrado/ Cada lgrima rolada/ Nesse meu penar .Apesar de voc/ Amanh h de ser/ Outro dia/ Indo pago pra ver/ Ojardim florescer/ Qual voc no queria/ Voc vai se amargar/ Vendo o diaraiar/ Sem lhe pedir licena/ E eu vou morrer de rir/ Que esse dia h devir/ Antes do que voc pensaApesar de voc/ Amanh h de ser/ Outro dia/ Voc vai ter que ver/ A

    manh renascer/ E esbanjar poesia/ Como vai se explicar/ Vendo o cuclarear/ De repente, impunemente/ Como vai abafar/ Nosso coro a cantar/Na sua frenteApesar de voc/ Amanh h de ser/ Outro dia? Voc vai se dar mal/ Etc. etal

    Em 1971, uma msica feita por Chico para ser gravada por

    Mrio Reis (1907-1981) foi toda vetada; era Bolsa de Amores, queaproveitava, com bom humor, a especulao financeira colocadaem moda peloMilagre, pelo ministro Delfim Neto, sob a alegaode que era um desrespeito mulher brasileira. Permaneceu inditaat quando, bem mais tarde (1993), saiu um CD com as msicasque Mrio Reis havia gravado no LP de 1971.

    BOLSA DE AMORES (Chico Buarque)

    Comprei na bolsa de amores/ As aes melhores/ Que encontrei por l/Aes de uma morena dessas/ Que do lucro bea/ Pra quem sabe/ Epode jogar

    Mas o mercado entrou em baixa/ Estou sem nada em caixa/ J perdi meulote/ Minha morena me esquecendo/ No deu dividendo/ Nem deixoufilhoteE eu que queria/ De corao/ Ganhar um dia/ Alguma bonificao/ Bemme dizia/ Meu corretor/ A moa fria/ ordinria/ Ao portador

    No mesmo ano, em 1971, saiu o LP Construo, de ChicoBuarque. A censura tambm no percebeu a quem o compositorestava agradecendo quando viu a letra deDeus lhe pague.

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    DEUS LHE PAGUE(Chico Buarque)

    Por esse po pra comer, por esse cho pra dormir/ A certido pra nascer ea concesso pra sorrir/ Por me deixar respirar, por me deixar existir/ Deuslhe pague.Pelo prazer de chorar e pelo estamos a / Pela piada no bar e o futebolpra aplaudir/ Um crime pra comentar e um samba pra distrair/ Deus lhepaguePor essa praia, essa saia, pelas mulheres daqui/ O amor malfeito depressa,fazer a barba e partir/ Pelo domingo que lindo, novela, missa e gibi/Deus lhe pague.Pela cachaa de graa que a gente tem que engolir/ Pela fumaa, desgraa,que a gente tem que tossir/ Pelos andaimes, pingentes, que a gente temque cair/ Deus lhe pague.Por mais um dia, agonia, pra suportar e assistir/ Pelo rangido dos dentes,pela cidade a zunir/ E pelo grito demente que nos ajuda a fugir/ deus lhepague.Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir/ E pelas moscas-bicheiras anos beijar e cobrir/ E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir/ deuslhe pague.

    A letra a seguir foi feita por Chico e Gil, no clima de umaSexta-feira Santa, para o show Phono 73 (organizado pelagravadora Phonogram), em maio de 1973 na cidade de So Paulo.A censura proibiu a letra; os dois autores resolveram apenas cantara melodia, usando somente o termo clice. A Phonogram, temerosadas conseqncias, cortou o som dos microfones nos quais Chico

    podia cantar. Foi gravada somente em 1978, com MiltonNascimento e MPB4, quando j havia acabado a censura prvia.Prestar ateno nas rimas da primeira estrofe (labuta, escuta, outra,

    bruta).

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    CLICE (Gilberto Gil/Chico Buarque) 1973

    Pai, afasta de mim esse clice/ Pai, afasta de mim esse clice/ Pai, afastade mim esse clice/ De vinho tinto de sangue.Como beber dessa bebida amarga/ Tragar a dor, engolir a labuta/ mesmocalada a boca, resta o peito/ Silncio na cidade no se escuta/ De que mevale ser filho da santa/ Melhor seria ser filho da outra/ Outra realidademenos morta/ tanta mentira, tanta fora bruta.Como difcil acordar calado/ Se na calada da noite eu me dano/ Querolanar um grito desumano/ Que uma maneira de ser escutado/ Essesilncio todo me atordoa/ Atordoado eu permaneo atento/ Naarquibancada pra a qualquer momento/ Ver emergir o monstro da lagoa.De muito gorda a porca j no anda/ de muito usada a faca j no corta/Como difcil, pai, abrir a porta/ Essa palavra presa na garganta/ essepileque homrico no mundo/ De que adianta ter boa vontade/ Mesmocalado o peito, resta a cuca/ Dos bbados do centro da cidade.Talvez o mundo no seja pequeno/ Nem seja a vida um fato consumado/Quero inventar o meu prprio pecado/ Quero morrer do meu prprioveneno/ Quero perder de vez tua cabea/ Minha cabea perder teu juzo/Quero cheirar fumaa de leo diesel/ Me embriagar at que algum meesquea.

    Em 1973, Milton Nascimento gravou o LP Milagre dosPeixes (selo Odeon); das 10 msicas, metade teve suas letrasproibidas e elas foram substitudas por sons na voz do cantor.Calabar, a pea de Chico Buarque e Ruy Guerra, teve letrasmodificadas por causa da censura, e uma delas totalmente vetada(Vence na vida quem diz sim), inclusive a prpria capa do LP. A

    prpria pea acabou sendo proibida. Esta msica foi gravada maistarde, em 1980, pela cantora Nara Leo.

    VENCE NA VIDA QUEM DIZ SIM (Chico Buarque/Ruy Guerra)

    Se te di o corpo/ Diz que sim/ Torcem mais um pouco/ Diz que sim/ Sete do um soco/ Diz que sim/ Se te deixam louco/ Diz que sim/ Se tebabam no cangote/ Mordem o decote/ Se te alisam com o chicote/ Olhabem pra mim/ Vence na vida quem diz sim/ Vence na vida quem diz sim.

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    Se te jogam lama/ Diz que sim/ Pra que tanto drama/ Diz que sim/ Tedeitam na cama/ Diz que sim/ Se te criam fama/ Diz que sim/ Se techamam vagabunda/ Montam na cacunda/ Se te largam moribunda/ Olhabem pra mim/ Vence na vida quem diz sim/ Vence na vida quem diz sim.Se te cobrem de ouro/ Diz que sim/ Se te mandam embora/ Diz que sim/Se te puxam o saco/ Diz que sim/ Se te xingam a raa/ Diz que sim/ Se teincham a barriga/ De feto e lombriga/ Nem por isso compra a briga/ Olhabem pra mim/ Vence na vida quem diz sim/ Vence na vida quem diz sim.

    Aps estes fatos, Chico Buarque tentou se utilizar depseudnimos; da que surgiu Julinho da Adelaide. Dele inventouuma biografia, deu entrevista em jornal (sem se identificar, claro), no qual falou da explorao que era feita por seu irmoLeonel Paiva. Saiu at foto da me, a Adelaide, no jornal ltima

    Hora. Em 1975, esta famosa me comeou a fazer palavras

    cruzadas que foram enviadas ao Jornal do Brasil. Este mesmojornal, neste mesmo ano, desmascarou o autor. A partir da, aPolcia Federal passou a exigir a cpia dos documentos de todos oscompositores.

    Como sempre, Chico tinha que ir prestar esclarecimentos Polcia; muitos policiais que iam apanh-lo solicitavam autgrafos

    para as suas filhas. Dessa situao foi que ele fez a letra deJorgeMaravilha, tambm da safra de Julinho da Adelaide. Feita em1974, sua primeira gravao foi a vivo, por Chico, no mesmo ano.

    JORGE MARAVILHA(Julinho da Adelaide)

    H nada como um tempo/ Aps um contratempo/ Pro meu corao/ E novale a pena ficar/ Apenas ficar chorando, resmungando/ At quando, no,no, no/ E como j dizia Jorge Maravilha/ Prenhe de razo/ Mais valeuma filha na mo/ Do que dois pais voando.Voc no gosta de mim/ Mas sua filha gosta/ Voc no gosta de mim/Mas sua filha gosta/ Ela gosta do tango, do dengo/ Do mengo, Domingo ede ccega/ Ela pega e me pisca, belisca/ Petisca, me arrisca e me enrosca/Voc no gosta de mim/ Mas sua filha gosta.

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    H nada como um dia/ Aps o outro dia/ Pro meu corao/ E no vale apena ficar/ Apenas ficar chorando, resmungando/ At quando, no, no,no/ E como j dizia Jorge Maravilha/ Prenhe de razo/ Mais vale umafilha na mo/ Do que dois pais sobrevoando.Voc no gosta de mim/ Mas sua filha gosta.

    Principalmente aps o AI-5, a educao escolar, mais queoutrora, foi usada como um dos meios de controle social e dedisseminao da ideologia do poder. Emissoras de rdio e de TVforam utilizadas para a transmisso de programas educativos, comoo Projeto Joo da Silva (uma telenovela educativa), o CursoSupletivo do 2o Grau (pelo rdio), o Projeto Logos (paraqualificao e habilitao do docente leigo de 2ograu), o Projeto

    Minerva(cinco horas semanais, nas emissoras de rdio, destinadas complementao dos sistemas regulares de instruo e

    educao continuada; chegou a ser chamado de Projeto Me-enerva) e o Movimento Brasileiro de Alfabetizao (Mobral).Criado em 1967 e iniciado em 1970, o Mobral foi mais umfracasso das tentativas de reduzir as taxas de analfabetismo no pas.

    No ensino superior, o Estado vai forar a universidadepblica a produzir um saber a servio do poder e, no obscurantismoque se seguiu, fazer com que a delao fosse um instrumento eficaze que a defesa dos valores indispensveis cidadania fosseconsiderada subverso. A quantidade venceu a qualidade e adeteriorao do pensar livre e crtico desejada para certos cursos,como os de licenciatura, foi conseguida. Desejava-se do sistemaeducacional uma melhor preparao para o trabalho, formando

    uma mo-de-obra com alguma habilidade tcnica e disciplinada.Por isso, os governos militares, em seus planos dedesenvolvimento, deram destaque ao setor educacional.

    Os estrategistas da Revoluo partem no apenas dareflexo de que um trabalhador alfabetizado , em geral,mais produtivo do que um analfabeto [...] mas procuramtambm orientar a escola secundria, antes exclusivamente'intelectualista', para o mundo do trabalho [...],profissionalizar paulatinamente o magistrio [...], estimular

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    o desenvolvimento da cincia e da tecnologia [...], adaptar auniversidade s necessidades da economia, etc. (BERGER,1976, p. 214).

    Necessidades educacionais eram entendidas comonecessidades de qualificao dos recursos humanos que,superadas, nos levariam a sair do subdesenvolvimento, consideradocomo atraso, como etapa a ser ultrapassada, como um problematcnico.

    A escola tambm deveria propagandear o projeto deintegrao nacional, mostrar a necessidade de se completar aocupao do territrio nacional, sem protestar contra aconcentrao de renda e a centralizao poltica. A burocraciaestatal elaborava os projetos; o requinte tcnico foi aperfeioado eo isolamento da gesto da questo pblica foi ampliado. Asdecises educacionais eram tomadas sigilosamente pelos tcnicos

    ligados ao poder. Muitas destas medidas o movimento estudantil eos setores sociais mais democrticos conseguiram impedir.Todavia, aps a derrota dos mesmos no final de 1968 (com o AI-5), ficou mais fcil a modernizao autoritria.

    Essa modernizao foi realizada com a colaborao externa.Consumado o golpe de 1964, foram realizados acordos sigilososentre o Ministrio de Educao e Cultura (MEC) e a United States

    Agency for International Development (USAID ou AID), umaagncia vinculada ao Departamento de Estado dos E.E.U.U.,dentro do esforo de difuso e dominao ideolgicas. Os acordosMEC-USAIDdesenvolveram programas de ajuda financeira e deassessoria tcnica na formulao da poltica educacional,utilizando-se para isso de intermedirios, o que escondia a USAID,mas deixava patente que diversos setores internos aceitavam suaao de doutrinamento e de treinamento2.

    Estas colaboraes externas possuam, normalmente, entreseus objetivos, a criao de novos hbitos de consumo nas camadas

    2 Sobre os objetivos e os diversos acordos feitos, ver ROMANELLI,1991, p. 210-213.

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    sociais mdias e altas, integrando-as ao mercado de consumo depadro externo, e a melhorada mo-de-obra de baixo nvel, paraadequ-la ao estgio industrial que se pretendia implantar. Quando

    essa ajuda vinha em forma de bolsas de estudo, poderia estarimpondo uma concepo de cincia e um modelo de mtodo depesquisa, treinando conforme seus padres tecnolgicos e atfavorecendo o xodo de crebros. No Brasil, acabaram porfavorecer a importao de modelos de ensino quesupervalorizavam as reas tecnolgicas (inclusive no cursosuperior), que isolavam cada disciplina de seu contexto social eque pretendiam dar maior rentabilidade quantitativa s instituiesde ensino.

    O Estado militar queria adequar o sistema de ensino aomodelo econmico adotado, mas no tinha intenes de financiar aampliao do ensino superior, necessidade provocada pelo

    crescimento da demanda. Procurou, j em novembro de 1964,acabar com o movimento estudantil atravs da lei 4.464 (leiSuplicy de Lacerda, nome do ministro da Educao) que extinguiua Unio Nacional dos Estudantes (UNE) e as diversas UnioEstadual dos Estudantes (UEE), criando e controlando o Diretrio

    Nacional dos Estudantes e os diretrios estaduais.Mas a UNE resistiu clandestinamente, at a sua

    desarticulao no 30 Congresso, realizado em Ibina (SP) emoutubro de 1968, quando 900 delegados estudantis foram presos.Depois, ela e o movimento estudantil perderam a sua fora. Umade suas lutas era pelo aumento do nmero de vagas no ensino

    pblico superior. Muitos alunos aprovados no vestibular no

    conseguiam ingressar na universidade pois as vagas no eramsuficientes. O governo, para eliminar o problema sem resolv-lo,realizou em novembro de 1968 a Reforma Universitria (lei 5.540),criando os exames vestibulares unificados e classificatrios. Areforma, que tomou como modelo "a estrutura universitria norte-americana dos institutos centrais" (BERGER, 1976, p. 179),extinguiu a ctedra, criou os departamentos, organizou auniversidade em institutos, introduziu o sistema de crditos e o

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    ciclo bsico, deu nfase s carreiras tecnolgicas e prioridade pesquisa aplicada, castrou o papel poltico e cientfico do ensinosuperior e criou os cursos de licenciatura curta.

    Enquanto isso, na regio do Bico do Papagaio, na bacia doAraguaia, ocorriam preparaes pelo PC do B (Partido Comunistado Brasil) para uma guerra de guerrilhas. Inspirada na guerrilhavietcong, este movimento de resistncia ocorreu de 1967 a 1975.Em 1972 comearam as escaramuas com o Exrcito, queestabeleceu uma base em Xambio (PA). As Foras Armadas, queutilizaram de 3.200 a 10.000 militares, fizeram trs campanhas, de1972 a 1975. Foram pouco mais de setenta os guerrilheiros mortos;somente cinco escaparam vivos. Os corpos dos militantes, aomenos at 2006, permaneciam desaparecidos e os arquivos arespeito ainda no tinham sido abertos. A primeira referncia quesabemos deste fato em letras da MPB ocorreu somente em 1979, na

    letra deAraguaia, de Ednardo. Foi gravada no LPEdnardo(CBS,p1979, lado B, faixa 04).

    ARAGUAIA (Ednardo)

    Quando eu me banho no meu Araguaia/ E bebo da sua gua sangre fria/Bichos caados na noite e no dia/ Bebem e se banham eles so comigo/(bis)Triste guerrilha companheiro morto/ Suor e sangue, brilho do corpo/Medo s/ Mas se o corpo desse p p/ Um crio da luz dessa dor/Violento amor h de voar.

    Foi nesta poca que proliferaram os cursinhos preparatriosaos vestibulares, especializados em dar dicas aos candidatos; voimpor novos modismos na maneira de dar aulas, se beneficiar daqueda de qualidade do ensino pblico e, muitos deles, vo dar asmos ao regime. A escola de segundo grau passou a ser avaliada

    pela sua capacidade de colocar alunos na faculdade; e como nosvestibulares as questes de Geografia eram predominantementedependentes de memorizao e despolitizadas,o reflexo negativoser muito grande.

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    A passagem de uma estrutura social rural para umapredominantemente urbana e, na regio centro-sul, urbana-industrial provocou modificaes sociais significativas. A

    urbanizao brasileira foi, no perodo, um processo de aglomeraometropolitana, acompanhada de uma terciarizao da economia, deuma agudizao dos contrastes sociais e inter-regionais, dentro deum quadro de subdesenvolvimento industrializado.

    Grande parte dos migrantes era de origem nordestina, genteque deixou o campo, principalmente pelo domnio da grande

    propriedade, e se dirigiu s cidades, notadamente s do Centro Sul.Muitos, depois, voltaram a sua terra natal em razo dos problemasque tiveram. Sobre isso, em 1973, Srgio Ricardo gravou Sina de

    Lampio.

    SINA DE LAMPIO (Srgio Ricardo)

    Oi diz l o que que ele tem na mo/ Se mulher, papa-amarelo/ Ou a sinade Lampio.Da minha roa nem sequer sobrou semente/ Foi-se embora toda gente/Uns na terra outros p/ Dos que se foram uns ganharam a cidade/Outros esto na saudade/ Enraizada pelo cho.Oi diz l o que que ele tem na mo/ Se mulher, papa-amarelo/ Ou a sinade Lampio.Dos da cidade poucos foram se salvando/ Muitos se desintegrando/ Emvenrea e poluio/ Deram-se os salvos, uns pra escola, afortunados/outros tanto so soldados/ A servio da nao.Oi diz l o que que ele tem na mo/ Se mulher, papa-amarelo/ Ou a sinade Lampio.

    Dos beabados uns chegaram faculdade/ Outros a dificuldade/ Fezrend-los ao patro/ Quatro doutores, dois deles se aburguesaram/ Outrosdois se retomaram/ Na vereda dos irmos.Oi diz l o que que ele tem na mo/ Se mulher, papa-amarelo/ Ou a sinade Lampio.Dos retomados, um cantador se dizendo/ O outro silenciando/ O seusumio pelo cho/ Do que sumiu, muitas histrias so contadas/ Masmeu canto na viola/ D melhor explicao.

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    Oi diz l o que que ele tem na mo/ Se mulher, papa-amarelo/ Ou a sinade Lampio.Digo em meu canto que levou nova semente/ Deu raiz em muita gente/Uns na terra, outros a p/ Voltou pra roa, paz de planta na bagagem/ E

    quando lembra da viagem, aperta o que tem na mo.Oi diz l o que que ele tem na mo/ Se mulher, papa-amarelo/ Ou a sinade Lampio.

    O modelo de escola e a poltica educacional noconseguiram promover uma expanso do ensino profissional nosnveis necessrios, gerando uma defasagem entre a necessidade e aoferta de ensino profissional adequado aos setores mais modernos.

    Na verdade, houve um aumento de vagas, mas se conseguiu maisvagas e piores escolas, ocorrendo uma democratizao do acesso escola e no, necessariamente, ao conhecimento.

    A promessa de qualificao, alm de uma exigncia desetores empresariais, constituiria tambm uma motivao para a

    procura da escola; dela se sairia apto para o mercado de trabalho,que apresentava novas caractersticas e novas exigncias. Aretomada do crescimento econmico no perodo do Milagreapressou a necessidade de uma reformulao do ensino anterior universidade. Era necessrio alongar a escolaridade do trabalhador,mas por meio de um ensino que no o subsidiasse para possuirconscincia de classe ou criatividade e, sim, o instrumentalizasse

    para melhor manipulao do aparato tcnico.Para quem possua uma viso democrtica, para aqueles para

    os quais a liberdade era essencial, o perodo era mesmo um

    pesadelo. A perseverana foi que fez alguns lutarem e o podertinha um medo danado desta gente, o que provava a represso, atortura, a censura, o sumio de pessoas. De algum modo, isto oque demonstrava a letra a seguir, gravada pelo conjunto MPB4 em1972, em plenoMilagre.

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    PESADELO(Maurcio Tapajs/ Paulo Csar Pinheiro)

    Quando um muro separa, uma ponte une,/ Se a vingana encara, oremorso pune;/ Voc vem, me agarra, algum vem, me solta,/ Voc vai namarra e um dia volta./ E se a fora tua, ela um dia nossa./ Olha omuro, olha a ponte, olha o dia de ontem chegando .../ Que medo voc temde ns, olha a ...Voc corta um verso, eu escrevo outro;/ Voc me prende vivo, eu escapomorto/ De repente, olha eu, de novo,/ Derrubando a paz, exigindo otroco;/ Vamos por a, eu e meu cachorro./ Olha o verso, olha o outro,/Olha o velho, olha o moo chegando .../ Que medo voc tem de ns, olhaa ...O muro caiu, olha a ponte,/ Da liberdade guardi .../ O brao do Cristohorizonte,/ Abraa o dia de amanh ../ Olha a .../ Olha a .../ Olha a ...

    Aps o AI-5 (13/12/68), as novas condies estabelecidas

    permitiram a implantao das medidas propostas em 1968 pelorelatrio do Grupo do Trabalho sobre a Reforma Universitria(GTRU). O relatrio continha propostas com vistas racionalizao da universidade, ao melhor aproveitamento dascondies existentes e adequao ao modelo poltico-econmico3. Desejava implantar uma estrutura moderna, com afinalidade de fornecer mo-de-obra tcnica mais especializada queaplicasse os conhecimentos tecnolgicos, de possibilitar que oEstado gastasse menos com o ensino superior e de evitar aformao de estudantes e professores questionadores do sistema

    poltico. Da as propostas da criao de fundaes onderepresentantes de indstrias participariam da administrao , de

    adequar os currculos s necessidades do capital industrial e deinstituir o ensino superior pblico pago. De uma maneira geral, asmedidas que foram tomadas estavam presentes nos princpiosexpostos por Rudolph Atcon; tambm em alguns acordos MEC-USAID.

    Com a lei 5.540 (28/11/68 - Reforma Tarso Dutra), o decretolei no. 464 (11/02/69 que reafirmava a lei 5.540/68 e estabelecia

    3Sobre as diversas propostas do GTRU, ver Romanelli (1991).

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    normas complementares), o decreto lei no. 477 (27/02/69 o AI-5especfico dos professores e alunos) e o decreto no. 68.908(13/07/71, sobre os exames vestibulares), implantou-se a Reforma

    Universitria, com mudana na organizao e administrao,conduzindo a uma centralizao, interna e externa, da coordenaode todos os setores, destruindo a autonomia universitria. Aomesmo tempo, o MEC facilitava a abertura de novas faculdades ede novos cursos em instituies privadas, sem infra-estrutura e com

    professores horistas.Com a lei 5.692/71 (aprovada em duas horas e meia, sem

    discusso e aps quatro discursos), o currculo foi reorganizado,com um ncleo comum obrigatrio e uma parte diversificada,arroladas pelos Conselhos Estaduais de Educao, para atender as

    peculiaridades locais. Uma parte do currculo era de educao geral exclusiva nas sries iniciais e predominante nas sries finais do

    primeiro grau e outra de formao especial, predominante nosegundo grau, para "sondagem de aptides e iniciao para otrabalho". A lei propunha que a instruo se desenvolvesse,

    predominantemente, sob a forma de atividades (experinciasvividas)nas sries iniciais do primeiro grau, como reas de estudo(integrao de contedos afins) nas sries finais do primeiro grau ecomo disciplinas(conhecimentos sistemticos) no segundo grau.

    Disciplinas foram criadas com o objetivo de estimular ocivismo oficial e de propagandear o regime: Educao Moral eCvica(EMC), Organizao Social e Poltica do Brasil (OSPB) e,no ensino superior e nos cursos de ps-graduao, Estudos deProblemas Brasileiros (EPB). Os licenciados em Estudos Sociais,

    Geografia e Histria obtinham o registro no MEC das disciplinasEMC e OSPB. Para a docncia de Educao Moral e Cvica, eranecessrio exibir um Atestado de Bons Antecedentes, fornecido

    pela delegacia de polcia, apresentar capacidades moraisaveriguadas segundo as prescries e comprometer-se, porescrito, a ter por obrigao transmitir a matria segundo asinstrues dadas (BERGER, 1976, p. 292). Esta disciplinadisciplinadora foi o melhor exemplo de como se pode camuflar as

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    metas reais atravs de princpios filosficos, polticos e moraisgerais; ela ajuda a compreender por que a escolaridade formallevou massificao, apatia quanto ao saber e ausncia de um

    civismo mais profundo.A implantao da reade Estudos Sociais no segundo ciclo doprimeiro grau e a cassao ou aposentadoria compulsria deintelectuais da rea das cincias humanas, tiveram comoconseqncias a quase extino de muitos cursos de licenciatura deGeografia, o retrocesso poltico-cultural-social do contedo destadisciplina e a diminuio de sua importncia no processo educativo. Acriao da licenciatura curta de Estudos Sociais teve como justificativasuprir a falta de professores nas regies mais carentes. Em um ano emeio (ou dois), seriam formados professores polivalentes, capazes detrabalhar com os contedos de Geografia, Histria e OSPB no

    primeiro grau. Na dcada de 70, entre as licenciaturas curtas

    implantadas, a de Estudos Sociais foi a de maior resultado numrico efinanceiro; e isto no foi obtido nas regies carentes do pas, e sim nasgrandes cidades do centro-sul, possuidoras dos maiores padres deensino e sem a carncia de professores.

    O que se queria, atravs da descaracterizao de Geografia,Histria, Filosofia e Sociologia disciplinas com mtodo e objeto

    prprios e que foram aglomeradas em Estudos Sociais eraestabelecer uma finalidade essencialmente doutrinria. Desejava-seuma disciplina para disciplinar, para garantir a harmonia social,

    para formar homens e mulheres dceis e conformistas atravs dainculcao dos valores da frao hegemnica, tarefa realizadaatravs do exlio da reflexo crtica, da dvida, da contraposio.

    OSPB (felizmente) no cumpriu os objetivos explcitos, mas(infelizmente) fragmentou ainda mais o contedo de Geografia ecolaborou para a diminuio de sua carga horria nas escolas.

    Enquanto isso acontecia, nada era dito ou discutido nas salasde aula sobre o que ocorria realmente no pas. Como, por exemplo,o caso de Stuart Edgart Angel Jones, nascido na Bahia, filho deZuleika Angel Jones, conhecida como Zuzu Angel, figurinista quemorreu em 1976 em circunstncias ainda no esclarecidas

    Geosul, v.23, n.45, 2008148

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Zuzu_Angelhttp://pt.wikipedia.org/wiki/1976http://pt.wikipedia.org/wiki/1976http://pt.wikipedia.org/wiki/Zuzu_Angel
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    enquanto investigava o desaparecimento do filho. Stuart Angel eraum estudante universitrio de Economia da Universidade Federaldo Rio de Janeiro (UFRJ), de dupla nacionalidade (brasileira e

    estadunidense), militante do Movimento Revolucionrio 8 deOutubro (MR-8), extinta guerilha esquerdista brasileira,"desaparecido" durante a ditadura militar em 1971, aos 26 anos deidade. Era casado com Snia Maria Morais Angel Jones, tambmestudante de Economia na UFRJ, e morta pela represso. Ele foi

    preso no Graja, no Rio de Janeiro, em 14 de junhode 1971, poragentes do Centro de Informaes e Segurana da Aeronutica(CISA), para onde foi levado, torturado e assasinado, certamentena Base Area do Galeo. Ao cair da noite, aps inmeras

    sesses de tortura, j com o corpo esfolado, foi amarrado traseira de um jipe da Aeronutica e arrastado pelo ptio com aboca colada ao cano de descarga do veculo, o que ocasionou sua

    morte por asfixia e intoxicao por monxido de carbono (http://www.desaparecidospoliticos.org.br/, 2006).As sesses de tortura teriam sido presenciadas pelo preso

    poltico Alex Polari de Alverga que, atravs de uma carta,informou a me das circunstncias da morte. Baseada nesta carta eem outras evidncias, Zuzu denunciou o assassinato ao senadorEdward Kennedy, que levou o caso ao Congresso dos EstadosUnidos. Tambm entregou ao Secretrio de Estado dos EUA,Henry Kissinger (quando este esteve no Brasil, em 1976), umacarta pessoal, a traduo da carta de Alex e um exemplar da srieHistria da Repblica Brasileira, de Hlio Silva, onde o autorrelatava a morte do estudante. Isto em razo do prprio relato da

    me sobre sua peregrinao junto a autoridades militares para teralguma notcia sobre seu filho e os desmentidos de que eleestivesse preso feitos pessoalmente pelo general Slvio Frota(comandante do I Exrcito).

    Segundo o historiador Hlio Silva (Ibidem), o afastamentoda 3 Zona Area e posterior reforma do brigadeiro Joo PauloPenido Burnier o mesmo do caso PARASAR , principalresponsvel pelo crime, e a prpria destituio do Ministro da

    Geosul, v.23, n.45, 2008 149

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Movimento_Revolucion%C3%A1rio_8_de_Outubrohttp://pt.wikipedia.org/wiki/1971http://pt.wikipedia.org/wiki/Rio_de_Janeirohttp://pt.wikipedia.org/wiki/14_de_junhohttp://pt.wikipedia.org/wiki/1971http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Alex_Polari_de_Alverga&action=edithttp://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Edward_Kennedy&action=edithttp://pt.wikipedia.org/wiki/Congresso_dos_Estados_Unidoshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Congresso_dos_Estados_Unidoshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Henry_Kissingerhttp://pt.wikipedia.org/wiki/1976http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=H%C3%A9lio_Silva&action=edithttp://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Jo%C3%A3o_Paulo_Penido_Burnier&action=edithttp://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Jo%C3%A3o_Paulo_Penido_Burnier&action=edithttp://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Jo%C3%A3o_Paulo_Penido_Burnier&action=edithttp://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Jo%C3%A3o_Paulo_Penido_Burnier&action=edithttp://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=H%C3%A9lio_Silva&action=edithttp://pt.wikipedia.org/wiki/1976http://pt.wikipedia.org/wiki/Henry_Kissingerhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Congresso_dos_Estados_Unidoshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Congresso_dos_Estados_Unidoshttp://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Edward_Kennedy&action=edithttp://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Alex_Polari_de_Alverga&action=edithttp://pt.wikipedia.org/wiki/1971http://pt.wikipedia.org/wiki/14_de_junhohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Rio_de_Janeirohttp://pt.wikipedia.org/wiki/1971http://pt.wikipedia.org/wiki/Movimento_Revolucion%C3%A1rio_8_de_Outubro
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    Aeronutica (Mrcio Souza e Melo), estiveram relacionados comos protestos estadunidenses pela morte de Stuart Angel.

    A morte de Zuzu Angel em acidente automobilstico, em

    13/04/76, ainda considerada suspeita, uma vez que ela tinhasofrido ameaas em virtude de suas investigaes sobre a morte dofilho. No ano seguinte de sua morte, em 1977, Chico Buarquegravou a msica Anglica, sua e de Miltinho, em uma belahomenagem a esta mulher.

    ANGLICA(Miltinho/Chico Buarque)

    Quem essa mulher/ Que canta sempre esse estribilho/ S queria embalarmeu filho/ Que mora na escurido do marQuem essa mulher/ Que canta sempre esse lamento/ S queria lembrar otormento/ Que fez o meu filho suspirarQuem essa mulher/ Que canta sempre o mesmo arranjo/ S queriaagasalhar meu anjo/ E deixar seu corpo descansarQuem essa mulher/ Que canta como dobra um sino/ Queria cantar pormeu menino/ Que ele j no pode mais cantar.

    As caractersticas do perodo ficaram evidentes no trabalhode gegrafos, marcadamente empiristas, apesar do acirramento dascontradies sociais provocado pelo tipo de modernizaoempreendida. Moraes, talvez de modo por demais generalizante,escreveu:

    Nunca a produo brasileira dessa disciplina trabalhou numnvel to baixo de abstrao e teorizao. O levantamento

    emprico sedimenta-se a como destino do gegrafo, numquadro onde o comando terico da ao do Estado est nosdepartamentos de Economia, e a crtica alocada notadamentenos de Sociologia []. Assim, apesar do relativocrescimento, a produo geogrfica se alheia do debatepoltico, logo, da prtica social (MORAES, 1988, p. 136).

    Grande parte dos gegrafos se isolou dos movimentosrenovadores do conhecimento cientfico internacional, e pouco se

    preocupou com a possibilidade de utilizao poltica e social desta

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    rea. Em muitos estudos, realmente, o pas foi pensado atravs desuas caractersticas naturais, e naquilo que rotulavam de espao, as

    pessoas apareciam basicamente como atributos. Nos grandes

    planos, o sujeito da ao era o Estado, o espao fsico era o objetoe o objetivo era o engrandecimento da nao, mas nao nosignificava necessariamente o concreto viver dos brasileiros.

    A censura do regime castrense escondeu o Brasil real e osnoticirios dos meios de comunicao se transformaram emventrloquos oficiais. Antes de o milagre acabar, Raul Seixas jreclamava em 1973, com a poltica e inconformada msica Ourode Tolo, gravada no mesmo ano pela Phonogram; lanada emcompacto, depois de dezoito vezes censurada. Esta letra, alm deseu protesto, possibilita falar aos alunos sobre as diversasmudanas de nossa moeda (cruzeiro, cruzeiro novo, cruzeironovamente, cruzado, novo cruzado, real, ...) e na alterao

    provocada pela obsolescncia planejada, principalmente dos carros(Corcel), quando no ocorriam alteraes mecnicas e sim somenteno aspecto externo.

    OURO DE TOLO(Raul Seixas)

    Eu devia estar contente/ Porque tenho um emprego/ Sou o dito cidadorespeitvel/ E ganho quatro mil cruzeiros por ms/ Eu devia agradecer aoSenhor/ Por ter tido sucesso na vida como artista/ Eu devia estar felizporque/ Consegui comprar um Corcel 73.Eu devia estar alegre e satisfeito/ Por morar em Ipanema depois de Terpassado fome por dois anos/ Aqui na Cidade Maravilhosa / Eu deviaestar sorrindo e orgulhoso/ Por ter finalmente vencido na vida/ Mas euacho isso uma grande piada/ E um tanto quanto perigosa.Eu devia estar contente/ Por ter conseguido tudo que eu quis/ Masconfesso abestalhado/ Que eu estou decepcionado/ Porque foi to fcilconseguir/ E agora eu me pergunto E da?/ Eu tenho uma poro decoisas grandes para conquistar/ E eu no posso ficar a parado.Eu devia estar feliz/ Pelo Senhor ter me concedido/ Um domingo pra ircom a famlia/ No Jardim Zoolgico/ Dar pipoca aos macacos/ Ah!, masque sujeito chato sou eu/ Que no acha nada engraado/ Macaco, praia,carro, jornal, tobog/ Eu acho tudo isso um saco.

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    voc olhar no espelho/ Se sentir um grandssimo idiota/ Saber que humano, ridculo, limitado/ Que s usa dez por cento de sua cabeaanimal/ E voc ainda acredita que um doutor, padre ou policial/ Queest contribuindo com sua parte/ Para o nosso belo quadro social.Eu que no me sento no trono de um apartamento/ Com a bocaescancarada/ Cheia de dentes/ esperando a morte chegarPorque longe das cercas embandeiradas/ Que separam quintais/ No cumecalmo do meu olho que v/ Assenta a sombra sonora/ De um discovoador.

    Passava-se a desconfiar do futuro, prometido na euforia dastaxas de crescimento econmico e do tri-campeonato conquistadoem 1970 no Mxico, amplamente utilizado pelo regime militar."Ningum segura este pas", nem no futebol. Esta arte popular serutilizada para superar nosso complexo de inferioridade. Um regimeque exclua o povo, se apropriava de uma arte do mesmo; passou

    tambm a comandar os esportes. Os jogadores precisavam dedisciplina ttica para comandar a batalha; soldado que noobedecia, discutia ordens e era criativo, deveria ser excludo do

    peloto. Aqui tambm eram necessrios segurana edesenvolvimento: respeito disciplina imposta e adoo demtodos modernos como os da Europa.Como em 1974 no serepetiu nos campos o feito de 1970, o almirante Heleno Nunes,

    presidente da Confederao Brasileira de Desportos (CBD)colocou um militar, o capito Cludio Coutinho, para comandar a

    seleo canarinho. No pas que era o destaque do futebol mundialainda se dizia: os europeus so melhores. Sem perceber que aorganizao destes em campo, sua ginstica de quartel, era umamaneira de superar a falta de criatividade e no de dar condies

    para que ela tivesse seu espao.Ao mesmo tempo em que afirmava "integrar para no

    entregar" e instalava base de pesquisa na Antrtida, agindo comopotncia emergente, o Estado brasileiro "foi convocado a intervirna poltica de pases vizinhos a fim de evitar que governos

    populares e socialistas ocupassem o poder" (ANDRADE, 1989, p.49), atuando como intermedirio da potncia real. O sonho

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    geopoltico assim como a ideologia da segurana nacional ,vinha sendo gestado na Escola Superior de Guerra (ESG), que jutilizava, para ver o Brasil no mundo, um mapa-mndi cuja

    projeo era a azimutal eqidistante. Outra mostra da importnciapoltica dos mapas foi o fato de, durante o regime militar, algumascartas topogrficas do IBGE na escala 1: 50.000, como a de SoJos dos Campos e Santos, serem segredo militar. A ESG via umavocao do pas para potncia sul-americana, controladora doAtlntico Sul mas que tinha na Argentina um centro regional de

    poder e de resistncia s nossas ambies.As informaes, assim como a prpria cincia, sofriam com

    a censura. A televiso, com a seleo das imagens, criava a versodesejada sobre a realidade. Nos jornais, a seleo comeava naelaborao da pauta, no que devia ser perguntado e escrito sobre oassunto e na apresentao de uma s verso: a das fontes oficiais.

    Isso sem contar com a "autocensura, seqela quase inevitvel dacensura direta" (ROSSI, 1994, p. 48), com o jornalista dandopreferncia declarao e no informao. Apesar disso,ocorreram algumas resistncias por parte da grande imprensa, comdestaque para a prtica do jornal O Estado de So Paulo, que nolugar da matria censurada colocava trechos dosLusadas, de Lusde Cames (c. 1524-1580) e o Jornal da Tarde, que colocavareceitas no lugar das matrias censuradas.

    Em 1972, Luiz Gonzaga Jr., o Gonzaguinha, que no inciotinha preocupaes basicamente polticas em suas letras, fezComportamento Geral, na qual criticava as atitudes comuns de

    parcela significativa da populao brasileira como a subordinao,

    a aceitao passiva, em um deboche triste ao dizer Voc merece,voc merece.

    COMPORTAMENTO GERAL (Luiz Gonzaga Jr.)

    Voc deve notar que no tem mais tutu/ E dizer que no est preocupado/Voc deve lutar pela xepa da feira/ E dizer que est recompensado/ Vocdeve estampar sempre um ar de alegria/ E dizer: tudo tem melhorado/Voc deve rezar pelo bem do patro/ E esquecer que est desempregado

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    Voc merece, voc merece/ Tudo vai bem, tudo legal/ Cerveja, samba, eamanh, seu Z/ Se acabar em teu Carnaval? (Bis)Voc deve aprender a baixar a cabea/ E dizer sempre: "Muito obrigado"/So palavras que ainda te deixam dizer/ Por ser homem bem disciplinado/Deve pois s fazer pelo bem da Nao/ Tudo aquilo que for ordenado/ Praganhar um Fusco no juzo final/ E diploma de bem comportadoVoc merece, voc merece/ Tudo vai bem, tudo legal/ Cerveja, samba, eamanh, seu Z/ Se acabar em teu Carnaval? (Bis)Voc merece, voc merece/ Tudo vai bem, tudo legal/ E um Fusco nojuzo fina/ Voc merece, voc merece/ E diploma de bem comportado/Voc merece, voc merece/ Esquea que est desempregado/ Vocmerece, voc merece/ Tudo vai bem, tudo legal.

    As crises do futebol ps-70, assim como da msica popularbrasileira, da literatura, do teatro, do movimento sindical, dauniversidade e de outras reas, no podem ser desvinculadas do

    momento vivido pelo pas. Em um modelo poltico-econmico quej no dependia tanto de umapoltica de massas, a rebeldia deviaser punida e ser moderno era estar em dia com os modismosexternos. Isto tambm ocorreu nos ambientes universitrios. Haviao autor da moda e o desprezo ao ultrapassado. Em muitos campos

    a Geografia foi um deles no se conseguiu fazer o que opovo realizou com o futebol: sobre um conhecimento importadocriar algo novo, com a nossa cara, til para a transformao, doaqui subvivido, em uma sociedade menos injusta, mais humana. Alegitimidade da cincia tambm vem de seu casamento com a vida.

    Em 1975, Chico Buarque fez para o amigo Ruy Guerra aletra de Tanto Mar. Foi censurada no pas, ocorrendo somente uma

    gravao da mesma em Portugal. No show Chico e Bethnia, nomesmo ano, a msica somente foi gravada de modo instrumental(ver LP Chico Buarque & Maria Bethnia Ao Vivo, Philips, p1975,lado A, faixa 10). Somente em 1978 que foi feita uma nova letra eesta foi gravada.

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    TANTO MAR(Chico Buarque) 1 verso - 1975

    Sei que ests em festa, p/ Fico contente/ E enquanto estou ausente/Guarda um cravo para mimEu queria estar em festa, p/ Com a tua gente/ E colher pessoalmente/Uma flor do teu jardimSei que h lguas a nos separa/ Tanto mar, tanto mar/ Sei tambm quanto preciso, p/ Navegar, navegarL faz primavera, p/ C estou doente/ Manda urgentemente/ Algumcheirinho de alecrim

    TANTO MAR(Chico Buarque) 2 verso - 1978

    Foi bonita a festa, p/ Fiquei contente/ E inda guardo, renitente/ Um velhocravo para mim.J murcharam tua festa, p/ Mas certamente/ Esqueceram uma semente/Nalgum canto do jardimSei que h lguas a nos separar/ Tanto mar, tanto mar/ Sei tambm quanto preciso, p/ Navegar, navegarCanta a primavera, p/ C estou carente/ Manda novamente/ Algumcheirinho de alecrim

    Em 1977, Gilberto Gil fez uma verso para a msica Nowoman, no cry, de B. Vincent. A msica representava um pouco ocotidiano de comunidades alternativas da Jamaica, dos rastafris,que sofriam perseguio policial em razo de consumo de algumalucingeno. Transportou o ambiente para o Rio de Janeiro, em umlamento pela perda de amigos, pela represso. A existncia dotrecho amigos presos, amigos sumindo assim, para nunca maisacabou sendo uma das primeiras referncias explcitas ao fato,embora a letra fale em esquecer o que estava terminando e pensarno futuro. Uma viso equivocada, pois o futuro depende de acertarcom o passado e no de esquec-lo.

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    NO CHORE MAIS (B. Vincent; verso: Gilberto Gil)

    Bem que eu me lembro/ Da gente sentado ali/ Na grama do aterro, sob oSol/ Ob-observando hipcritas/ Disfarados, rodando ao redor.Amigos presos/ Amigos sumindo assim/ Pra nunca mais/ Taisrecordaes/ Retratos do mal em si/ Melhor deixar pra trsNo, no chore mais/ No, no chore mais.Bem que eu me lembro/ Da gente sentado ali/ Na grama do aterro, sob ocu/ Ob-observando estrelas/ Junto fogueirinha de papelQuentar o frio/ Requentar o po/ E comer com voc/ Os ps, de manh,pisar o cho/ Eu sei a barra de viver.Mas se Deus quiser/ Tudo, tudo, tudo vai dar p/ Tudo, tudo, tudo vai darp/ Tudo, tudo, tudo vai dar p/ Tudo, tudo, tudo vai dar p.No, no chore mais/ No, no chore mais.

    Em 1978, saiu um disco do sambista carioca Paulinho

    Soares, cuja msica de maior sucesso foi O patro mandou; pelojeito, no modificada pela censura ainda existente. Interessanteporque criticou a simples imitao do modelo estadunidense (echama os EUA de patro), o consumo de usque com pratosnacionais, as mudanas nas paradas musicais dado o predomnio decanes estrangeiras etc. Fez referncias ao fato de Pel ter ido

    jogar no Cosmos e na possibilidade de outros dolos do futebolseguirem o mesmo caminho: irem para o exterior.

    O PATRO MANDOU(Paulinho Soares)

    O patro mandou cantar com a lngua enrolada/ Everybody, macacada,

    everybody macacada/ E tambm mandou servir usque na feijoada/ Doyou like it, macacada, do you like it, macacada/ E ainda mandou tirarnosso samba da parada/ Very good, macacada, very good, macacada.(Refro)No sei o que / Que o patro tem debaixo da cartola/ Que a gente no sesolta/ T grudado feito cola/ No fim das contas/ O patro manda edesmanda/ Ainda faz do rei Pel/ Mais um garoto propaganda.

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    O patro fogo/ Ele quem d as cartas, banca o jogo/ T metendosempre o bico/ No fub qual tico-tico/ No troca-troca/ O patro que mais rico/ J levou o Rivelino/ E vem depois buscar o Zico.

    No final de 1978, ainda no governo Geisel , foi revogadoo AI-5. O relaxamento da censura possibilitou a divulgao delivros, nacionais e estrangeiros, antes proibidos. O debate

    poltico retomou seu espao nas reunies anuais da SociedadeBrasileira para o Progresso da Cincia (SBPC). Ressurgirammovimentos de massa, como o Movimento do Custo de Vida,de grande destaque em 1978, iniciativa ocorrida na Grande SoPaulo de clubes de mes e das comunidades eclesiais de base(CEBs), ligadas Igreja Catlica. Em 1979, foi recriada aUnio Nacional dos Estudantes (UNE). Neste mesmo ano, ElisRegina (1945-1982) cantava o hino da mobilizao pela anistia

    ampla, geral e irrestrita; foi a msica de Joo Bosco e AldirBlanc intitulada O bbado e a equilibrista.

    O BBADO E A EQUILIBRISTA(Joo Bosco/Aldir Blanc)

    Caa a tarde feito um viaduto/ E um bbado trajando luto/ Me lembrouCarlitos/ A lua tal qual a dona do bordel/ Pedia a cada estrela fria umbrilho de aluguel/

    E nuvens l no mata-borro do cu/ Chupavam manchas torturadas, quesufoco louco/ O bbado com chapu coco fazia irreverncias mil / Prnoite do Brasil, meu BrasilQue sonha com a volta do irmo do Henfil/ Com tanta gente que partiu/Num rabo de foguete Chora a nossa ptria me gentil/ Choram marias e

    clarisses no solo do Brasil/Mas sei que uma dor assim pungente/ No h de ser inutilmente/ A

    esperana/ Dana na corda bamba de sombrinha / E em cada passo dessalinha pode se machucar / Azar, a esperana equilibrista / Sabe que o showde todo artista/ tem que continuar.

    O irmo do Henfil o socilogo Herbert de Souza (1935-1997), o Betinho, bastante conhecido na dcada de 90 em razo deuma campanha cvica contra a fome e a misria chamada Ao da

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    Cidadania contra a Misria e Pela Vida. Henfil (Henrique deSouza Filho 1944-1988) foi um dos cartunistas mais atuantes naresistncia ao regime militar. Ganhou projeo nacional a partir de

    1969 como colaborador de O Pasquim, criando personagens (comoZeferino, Bode Orelana, Grana, Fradinhos) que satirizavam ecriticavam o regime militar. Hemoflico, contraiu o vrus da AIDSem transfuso de sangue e faleceu em 1988. A referncia a Mariase Clarisses era uma homenagem s mes e esposas de mortos edesaparecidos em razo do regime militar; Maria tambm era umareferncia esposa do operrio Fiel Filho, assim como Clarisse sereferia viva do jornalista Wladimir Herzog; ambos morreramem 1975, em So Paulo, vtimas de torturas.

    Em agosto de 1979 foi aprovada a Lei da Anistia, queeximia juridicamente os acusados de crimes polticos e conexos,termo que contemplou milhares de criminosos, torturadores e

    assassinos por abuso do poder. Em comemorao Lei da Anistia,Maurcio Tapajs e Paulo Csar Pinheiro fizeram T Voltando,importante por refletir o clima do perodo.

    T VOLTANDO (Maurcio Tapajs/Paulo Csar Pinheiro)

    Pode ir armando o coreto e preparando aquele feijo preto/ Eu tvoltando/ Pe meia dzia de Brahma pra gelar, muda a roupa de cama/ Eut voltando/ Leva o chinelo pra sala de jantar.../ Que l mesmo que amala eu vou largar/ Quero te abraar, pode se perfumar/ Porque eu tvoltando/ D uma geral, faz um bom defumador, enche a casa de flor/Que eu t voltando/ Pega uma praia, aproveita, t calor, vai pegando umacor/ Que eu t voltando/ Faz um cabelo bonito pra eu notar que eu squero mesmo despentear/ Quero te agarrar... pode se preparar/ Porqueeu t voltando/ Pe pra tocar na vitrola aquele som, estria umacamisola/ Eu t voltando/ D folga pra empregada, manda a crianada pracasa da av/ Que eu t voltando/ Diz que eu s volto amanh se algumchamar/ Telefone no deixa nem tocar.../ Quero l.. l.. l.. ia.....porqueeu t voltando!

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    Na segunda metade dos anos 70 ocorreram o fim dochamado Milagre Brasileiro , a revogao do AI-5, as grevesdo ABC e a aprovao do projeto do governo sobre a anistia. O

    Brasil havia adotado um modelo que propunha a criao dasmelhores condies possveis para o investimento, sobretudodo capital estrangeiro, no tendo como objetivo a melhoriaimediata das condies de vida da maioria da populao.Enfatizou o aumento da produo, voltada exportao e ampliao da concentrao de renda. Um modeloestruturalmente dependente que acabou sofrendo os efeitos dacrise iniciada no final de 1973, chamada de crise do petrleo.O pas comeou a dcada de 80 com uma grave recessoeconmica, que reforava a concentrao de renda e provocavamaior instabilidade social. O Brasil ps-milagre se descobriucom um elevadssimo desnvel social e regional e com a

    propriedade da terra mais concentrada. A populao, que sofriao agravamento da situao de pobreza e deteriorao dosservios pblicos, passou a sofrer tambm com o aumento dainflao.

    Ainda em plena ditadura, ocorreram algumas greves,sendo as mais famosas as de 1978 e 1979 ocorridas no setormetalrgico do ABC paulista na poca, a principal regioindustrial do pas , que resultaram em interveno nossindicatos pelo Ministrio do Trabalho e em prises de lderessindicais. Muitos trabalhadores redescobriram seus direitos e aimportncia do sindicato.

    A letra a seguir foi feita, em 1980, para ser cantada em

    assemblias dos metalrgicos da regio paulista do ABC.Somente existiam gravaes ao vivo feitas em uma destasassemblias, que normalmente eram realizadas em um campode futebol. Continua bonita e permite ainda analisar algunsaspectos da Segunda Revoluo Industrial.

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    LINHA DE MONTAGEM (Novelli / Chico Buarque)

    Linha linha de montagem/ A cor a coragem/ Cora corao/ Abecabecedrio/ pera operrio/ P no p no choEu no sei bem o que seja/ Mas sei que seja o que ser/ O que ser queser que se veja/ Vai passar por lPensa pensa pensamento/ Tem sustm sustento/ F caf com po/ Compo com po companheiro/ Pra paradeiro/ Mo irmo irmoNa mo, o ferro e a ferragem/ O elo, a montagem do motor/ E agentedessa engrenagente/ Dessa engrenagente/ / Dessa engrenagente// Dessaengrenagente sai maiorAs cabeas levantadas/ Mquinas paradas/ Dia de pescar/ Pois quem tocao trem pra frente/ Tambm de repente/ Pode o trem pararEu no sei bem o que seja/ Mas sei que seja o que ser/ O que ser queser que se veja/ Vai passar por lGente que conhece a prensa/ A brasa da fornalha/ O guincho do esmeril/Gente que carrega a tralha/ Ai, essa tralha imensa/ Chamada BrasilSamba samba so Bernardo/ Sanca so Caetano/ Santa santo Andr/ Dia-a-dia diadema/ Quando for, me chame/ Pra tomar um m

    Em agosto de 1979, com a aprovao do projeto de anistia era a 48a. de nossa histria , muitos brasileiros exiladoscomearam retornar nossa ptria, me gentil. Em novembro domesmo ano, o projeto do governo restabelecendo o

    pluripartidarismo foi aprovado. Em 1983, fruto do desemprego eda queda do poder aquisitivo dos salrios, ocorreram saques asupermercados, notadamente nas cidades de So Paulo e Rio deJaneiro; e, neste perodo, o Fundo Monetrio Internacional (FMI)

    j monitorava nossa economia. Em 1984, milhes de brasileirossaram s ruas em uma quantidade nunca vista, por uma causapoltica exigindo eleies diretas para presidente. Chamado deDiretas-J, tendo o amarelo como cor smbolo e o apoio da grandemaioria da populao, a emenda que restabelecia o sufrgiouniversal para presidente no obteve o nmero necessrio de votosno Congresso Nacional. Foi neste ambienteque emergiu a correnteque se autodenominou Geografia Crtica.

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    A Geografia Nova ou Crtica ou Radical ou Dialtica,afirmando possuir como base a dialtica marxista mas semadotar integralmente o marxismo , vai colocar como objeto

    da Geografia a sociedade e a transformao da mesma comoseu objetivo. No se constituiu em um movimento uniforme e,de modo geral, valorizou o conhecimento do processohistrico, o entendimento do momento presente, projetou umfuturo, o que a levou formulao de uma prxis, de propostasde atuao com vistas transformao do espao social.

    A crise no pas aumentava e parcela significativa dapopulao comeou a reclamar. Gonzaginha, em 1980, fez umaletra de msica na qual ironizava a situao anterior, afirmandoque confessava tudo, que o povo era o grande culpado, solicitava

    para ser preso pois assim poderia se alimentar. A referncia a Danade Teff foi devido a seu assassinato, no Rio de Janeiro, nunca ter

    sido esclarecido.

    A MARCHA DO POVO DOIDO(Gonzaga Jr.)

    (Falado): Esta a Marcha do Povo Doido seguindo o exemplo do sambado Crioulo Doido feito por Stanislaw Ponte Preta. L o crioulo ficoudoido por ter que fazer o seu samba enredo com todos os personagens daHistria do Brasil. Aqui quem est doido o povo, que parece ser ogrande culpado pela crise de energia, pela carestia, pela polcia e pelomistrio de uma coisa chamada anistia que, se voc no sabe, nopermitiu ao anistiado ser reintegrado ao seu trabalho, a no ser quepassasse de novo por um novo jri, uma nova censura, de modo a queno atrapalhasse uma coisa chamada abertura.

    Confesso/ Matei a Dana de Teff/ E muitos mais se voc quiser/ Eu souqualquer Jos Man/ Dos Santos, da Silva, da Vida/ Confesso/ A culpa pelacarestia/ E pela crise de energia/ Eu sou o dono da OPEP/ Ou Pepsi, ou Popou Coca/ Confesso/ (Nem precisa bater)/ E confessar me alivia/ Vem meubem, me condena/ Com aquela anistia/ Me manda logo pra cadeia/ Garantaum pouco a minha poupana/ Pois, pelo menos estando em cana,/ A minhapana/ Vai ter um pouco de aveia/ Ou feijo com areia.

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    A preocupao de parcela de alguns gegrafosacadmicos era colocar proposies que ajudassem a modificara realidade, era procurar mudar o que a ditadura tinha legado a

    parcela significativa da populao: o papel de inteis. Ilustrabem isso a letra que fez um grande sucesso e que saiu emcompacto simples em outubro de 1983, cantada pelo conjuntoUltraje ao Rigor.

    INTIL (Roger Moreira)

    A gente no sabemos escolher presidente/ A gente no sabemos tomarconta da gente/ A gente no sabemos nem escovar os dente/ Tem gringopensando que nis indigente(Refro) Intil/ A gente somos intilA gente faz carro e no sabe guiar/ A gente faz trilho e no tem trem prbotar/ A gente faz filho e no consegue criar/ A gente pede grana e no

    consegue pagar/(Refro) Intil/ A gente somos intilA gente faz msica e no consegue gravar/ A gente escreve livro e noconsegue publicar/ A gente escreve pea e no consegue encenar/ A gentejoga bola e no consegue ganhar/(Refro) Intil/ A gente somos intil

    Para que professores e alunos no se esqueam dosperseguidos e desaparecidos do regime militar, estas letras decanes de Gonzaguinha podem ser teis. A primeira umaregravao de 1974 e as outras duas foram lanadas no LPDe voltaao comeo, de 1980; as trs em uma faixa s (de n. 09).

    a) AMANH OU DEPOIS(1974) (Gonzaga Jr)

    Meu irmo amanh ou depois/ A gente se encontra no velho lugar/ Lugar/Se abraa e fala da vida que foi por a/ Por a/ E conta as estrelas naspontas/ Dos dedos/ Pra ver quantas brilham/ E qual se apagou.

    Geosul, v.23, n.45, 2008162

    http://www.ultraje.com/musicas/inutilbn.ramhttp://www.ultraje.com/musicas/inutilbn.ramhttp://www.ultraje.com/musicas/inutilbn.ramhttp://www.ultraje.com/musicas/inutilbn.ram
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    b) ACHADOS E PERDIDOS [1980] (Gonzaga Jr)

    Quem me dir onde est/ Aquele moo fulano de tal/ (filho marido irmonamorado/ Que no voltou mais) / Insiste o anncio nas folhas/ Dosnossos jornais/ Achados perdidos morridos/ Saudades demais/ Mas eupergunto e a resposta/ que ningum sabe/ Ningum nunca viu/ S seique no sei/ Quo sumido ele foi/ Sei que ele sumiu/ E quem souberalgo/ Acerca do seu paradeiro/ Beco das liberdades/ Estreita e esquecida/Uma pequena marginal/ Dessa imensa Avenida Brasil.

    c) PEQUENA MEMRIA PARA UM POVO SEM MEMRIA(ALegio dos Esquecidos) [1980] (Gonzaga Jr)

    Memria de um tempo onde lutar/ Por seu direito/ um defeito que mata/So tantas lutas inglrias/ So histrias que a Histria/ Qualquer diacontar/ De obscuros personagens/ As passagens , as coragens/ Sosementes espalhadas nesse cho/ De Juvenais e de Raimundos/ TantosJlios de Santana/ Dessa crena num enorme corao/ Dos humilhados eofendidos/ Explorados e oprimidos/ Que tentaram encontrar a soluoSo cruzes sem nomes, sem corpos/ Sem datas/ Memria de um tempoonde lutar/ Por seu direito/ um defeito que mata/ (bis)E tantos so os homens por debaixo/ Das manchetes/ So braosesquecidos que fizeram os heris/ So foras, so suores que levantam asvedetes/ Do teatro de revistas/ Que o pas de todos ns/ So vozes quenegaram liberdade concedida/ Pois ela bem mais sangue, Ela bem/Mais vida/ So vidas que alimentam nosso fogo da esperana/ O grito dabatalha quem espera/ Nunca alcana/ quando o sol nascer/ que eu quero ver/ Quem se lembrar/ quando amanhecer/ que eu quero ver quem recordar/ no queroesquecer/ Essa legio que se entregou/ Por um novo dia/ quero cantar/ Essa mo to calejada/ Que nos deu tanta alegria/ E vamos luta.(bis)

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    Geosul, v.23, n.45, 2008164

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