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DITADURA MILITAR E O ENSINO DE HISTÓRIA:

O estudo das músicas populares ufanistas e de protestos

Autor: Antonio Dutra Deoclecio1

Orientador: Fábio André Hahn2

Resumo

O presente trabalho tem como objeto de investigação uma proposta de uso da música como fonte histórica e como ferramenta metodológica aplicada ao ensino de história. Nesse caso, o foco são as canções de protestos e ufanistas, tão presentes na vida dos brasileiros durante a ditadura militar no Brasil entre 1964 e 1985. Para o desenvolvimento desta proposta foram usados como procedimentos metodológicos a realização de leituras, entrevistas, produções e interpretações de textos, análise de imagens e de músicas. A música pode ser considerada como uma forma de expressão de uma sociedade, portanto o seu uso promove uma mediação no processo de produção do conhecimento, além de tornar o ensino de história mais prazeroso e dinâmico.

Palavras-chave: Música; Ditadura Militar; Ensino de História.

1 Introdução

Ensinar e aprender história têm sido uma tarefa complexa e desafiadora a

professores e pesquisadores. Deparamos com esse enorme desafio todos os dias

em nossa prática docente: como prender a atenção dos alunos? Como estabelecer à

relação passada e presente? Como dar significados aos conteúdos ensinados?

Como interpretar as fontes históricas? Entre tantas outras indagações. Este artigo

procura problematizar tais preocupações, e buscar uma metodologia capaz de

1 Professor da Rede Estadual de Educação Básica do Paraná, lotado no Colégio Estadual Profª Ivone Soares Castanharo com especialização em história.2 Professor Adjunto do Departamento de Ciências Sociais na Universidade Estadual do Paraná - Câmpus de Campo Mourão. Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense – UFF/RJ

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superar esses desafios, focando a importância da música para o ensino de história,

como elemento motivador da aprendizagem.

A disciplina de História para os anos finais do ensino fundamental,

expressos nos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais), propõe o

desenvolvimento de capacidades e habilidades cognitivas, tais como: estabelecer

relações históricas entre o passado e o tempo presente; situar os conhecimentos

históricos em múltiplas temporalidades; reconhecer semelhanças, diferenças,

mudanças e permanências, conflitos e contradições sociais em diversos contextos

históricos; dominar procedimentos de pesquisa, lidando com fontes textuais,

iconográficas, sonoras, materiais dentre outras (PCNs, 1988). A utilização desses

procedimentos são reiteradas pelas Diretrizes Curriculares de História para a

Educação Básica do Estado do Paraná, quando se refere ao uso das novas

metodologias de trabalho com as novas fontes (PARANÁ, 2006, p. 52). Tais

procedimentos desqualificam os propósitos da escola tradicional, voltados para a

aquisição cumulativa de informações, com suas conhecidas características no

ensino da História: ordenação mecânica de fatos em causas e consequências;

cronologia linear, eurocêntrica, privilegiando a curta duração; destaque para os feitos

de governantes, homens, brancos, numa visão heroicizada e idealizada da História;

conteúdos apresentados aos alunos como pacotes-verdades, desconsiderando e

desvalorizando suas experiências cotidianas e práticas sociais.

O uso da música em sala de aula é uma prática que traz bons resultados,

pois prende a atenção dos alunos, auxiliando os na construção de um conhecimento

histórico. Embora o seu uso ainda seja restrito por parte dos educadores de um

modo geral. Essa prática requer tempo para o preparo, sendo necessária uma boa

articulação com o contexto histórico em que ela foi produzida, de modo que possa

revelar aspectos importantes para a compreensão da época estudada. Outro

aspecto relevante é a pouca incidência nos livros didáticos de conteúdos e

metodologias que estimule o uso da música, quando aparecem são superficiais,

servindo apenas para ilustrar conteúdos, sem levar em conta as linguagens

presentes nas letras das músicas.

Para o desenvolvimento desta proposta de trabalho com letras de músicas,

a metodologia usada foi à análise das letras de músicas de “protestos” e “ufanistas”

do período da Ditadura Militar (1964 a 1985), também chamadas de MPB (Música

Popular Brasileira), que procurava destacar a história de setores da sociedade

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pouco lembrados pela historiografia oficial. A proposta foi dividida em duas etapas,

na primeira procurou-se comparar os efeitos e ideologias das músicas de

“protestos”, usadas como instrumento de crítica ao regime, e ao mesmo tempo

alertar aos mais atentos sobre as mazelas de um regime perverso, violento e

excludente. Na segunda parte do projeto, o foco foi a análise das músicas chamadas

“ufanistas”, que foram usadas pelos militares para enaltecer o regime, dar a

impressão de harmonia e prosperidade, escondendo assim a realidade de um país

autoritário. Este tipo de música, também servia para combater os efeitos de crítica

das canções de protesto.

Segundo Kátia Abud ao tratar sobre o ensino de história por meio da música

destaca que é uma forma de auxiliar os alunos na elaboração de conceitos e na

construção de significados atribuídos aos fatos históricos. Pois destaca que,

As letras de música se constituem evidências, registros de acontecimentos a serem compreendidos pelos alunos. [...] A utilização de tais registros colabora na formação dos conceitos espontâneos dos alunos e na aproximação entre eles e os conceitos científicos (ABUD, 2005, p. 316).

No entanto, Barca (2006), faz um alerta, ao trabalhar com música no ensino

de História, que é preciso que se observem os elementos constitutivos da fonte a ser

investigada. O ensino da história por meio de análise de letras de músicas pode se

tornar o caminho mais curto para se chegar a esses objetivos, e ao mesmo tempo

contribuir para uma formação de consciência crítica desses atores sociais, pois

neste caso as letras de músicas se tornarão fontes históricas a serem exploradas e

compreendidas pelos alunos, muito embora saibamos que, segundo Pallisca, “um

dos obstáculos gerais colocados às investigações no campo da música é a

dificuldade em circunscrevê-la como uma disciplina voltada claramente para a

produção do conhecimento” (PALLISCA, 1982, p. 144). A superação deste

paradigma apareceu com maior evidência no desenvolvimento da pesquisa, ficando

clara a necessidade de maior tempo para romper com ideias já pré-concebidas.

Neste sentido, esse artigo procura apresentar os resultados do projeto PDE

(Programa de Desenvolvimento Educacional), desenvolvido com alunos do 9º ano

do Colégio Estadual Professora Ivone Soares Castanharo, procurando contribuir

para a formação de cidadãos comprometidos com uma sociedade mais justa,

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democrática e menos alienada, tornando alunos agentes históricos participativos da

sociedade em constante transformação.

Ao analisar criticamente uma fonte histórica, que pode ser uma fotografia,

uma letra de música, um recorte de jornal, entre outras, o aluno se torna um

detetive, pois busca nas palavras escritas ou nas entrelinhas, indícios ou provas

para elucidar um fato, uma ideologia ou uma realidade social, econômica e política.

Com esse tipo de abordagem sofisticada e minuciosa, os agentes sociais e

históricos (alunos), estarão encontrando os elementos necessários para entender a

realidade de uma sociedade em um determinado período histórico, exercendo assim

o que Carlo Ginzburg chama de: “ciência do particular”, pois, se preocupa com os

detalhes e o contexto dos objetos em estudo (GINZBURG, 2007). Já para o

historiador Jorn Rüsen (1992), o ensino de história possibilita aos alunos a formação

da consciência histórica, que é a constituição do sentido da experiência do tempo,

por meio da narrativa histórica.

Os militares que governaram o país temiam que as músicas de protesto

agissem no inconsciente da população, gerasse indignação e colaborasse para que

a sociedade se rebelasse contra o regime. Daí a necessidade de vigiar e controlar

os espaços públicos e as produções culturais, por meio da censura e atos nada

democráticos e nem um pouco convencionais como: censura, tortura, violência e

perseguições, gerando o que Carlos Fico chama de “lógica da suspeita” ou “ethos

persecutório”, e o que complementa Napolitano afirmando que “a produção da

informação em si era a produção da suspeita” (NAPOLITANO, 2004, p. 104). No

entanto, ao mesmo tempo em que as chamadas músicas de protestos eram

combatidas por meio da censura, as ufanistas eram usadas para conquistar a

simpatia do povo, para exaltar o país e as coisas positivas que aconteciam aqui, em

especial no futebol quando a seleção brasileira de futebol foi campeã mundial em

1970, da mesma forma no automobilismo, Emerson Fittipaldi se tornou campeão

mundial nos anos de 1972 e 1974. Os usos dessas músicas serviram para amenizar

as críticas ao regime, ao mesmo tempo em que adiava o sonho de uma sociedade

mais justa e democrática. A glorificação ao regime também era feita por meio de

slogans como: “Brasil, ame-o ou deixe-o”, “Ninguém segura este país”, “Pra frente

Brasil”, “Este é um país que vai pra frente”. Esta propaganda pró-regime era feita por

simpatizantes ao regime ou pela mídia, já que os meios de comunicação eram

controlados pelo governo como apontaremos mais adiante.

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2 O GOLPE MILITAR DE 1964

No início da década de 1960, chamado de período pré-revolucionário, o

Brasil enfrentava uma série de interesses políticos, de um lado estavam os

entreguistas, “direita” ligada à burguesia nacional, ao capital internacional e os

militares, e do outro lado estavam os grupos de “esquerda”, fortemente influenciada

pelas ideologias que queriam mudanças profundas na estrutura social, política e

econômica do país.

O primeiro sinal de crise se dá com a renúncia de Jânio Quadros, em janeiro

de 1961, alegando como motivos, forças ocultas, conforme trecho de sua carta-

renúncia.

Fui vencido pela reação e assim deixo o governo. Nestes sete meses cumpri o meu dever. Tenho-o cumprido dia e noite, trabalhando infatigavelmente sem prevenções nem rancores [...] Desejei um Brasil para os brasileiros, afrontando, nesse sonho, a corrupção, a mentira e a covardia que subordinam os interesses gerais aos apetites e às ambições de grupos ou indivíduos, inclusive do exterior. Sinto-me, porém, esmagado. Forças terríveis levantam-se contra mim e me intrigam ou infamam, até com a desculpa da colaboração (CARTA RENÚNCIA DE JÂNIO QUADROS).

Com a renúncia de Jânio, o vice João Goulart deveria assumir o poder, mas

o temor de que a ascensão de Goulart ao poder pudesse significar o fortalecimento

dos comunistas, associado à frustração dos conservadores pelo possível retorno do

getulismo, levou a que se tentasse impedir a posse (MATTOS, 2008). Após uma

série de discussões o Congresso Nacional – Câmara e Senado – que após

sucessivas reuniões entre o então presidente Ranieri Mazzilli e os ministros militares

divergentes, chegaram a uma “solução”: adotar-se-ia o sistema parlamentarista.

Essa solução agradou, em especial, àqueles que tinham Jango como uma ameaça,

pois, no sistema Parlamentarista, o Executivo não teria todos os poderes, cabendo

às decisões ao Congresso Nacional e ao gabinete dos Ministros. Jango poderia,

portanto, ser vigiado na sua suposta intenção de transformar o país em uma

república socialista como o que havia acontecido em Cuba e na China.

Ao assumir o poder, Goulart propõe um amplo programa de reformas que

previam a realização de importantes mudanças: reforma agrária, tributária,

administrativa, bancária e educacional. Jango defendia também a extensão dos

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direitos trabalhistas aos trabalhadores rurais, a nacionalização de empresas

estrangeiras e a aplicação da Lei de Remessa de Lucros que deveria diminuir a

"fuga" de divisas para o exterior, sob a forma de lucros auferidos por empresas

estrangeiros no Brasil. No entanto essas medidas ao mesmo tempo em que

fortaleciam a economia brasileira, criou grande impasse político com os EUA, que

era na época os maiores prestadores de serviços nos setores de energia elétrica e

comunicações. Estas propostas de reforma eram combatidas pela oposição,

composta pelos: empresários, fazendeiros, militares e setores da classe média. No

Congresso, o presidente encontrava forte oposição da UDN e do PSD. A resistência

ao governo era apoiada pelos Estados Unidos, cujos interesses poderiam ser

prejudicados pela política reformista de Jango.

Além disso, os setores conservadores preocupavam-se também, com a

possibilidade de que Goulart efetuasse reformas na constituição e alterasse o

dispositivo legal que proibia sua reeleição. Diante disso, setores das classes

dominantes e burguesas já tomavam as ruas clamando pela deposição de Goulart.

Estas manifestações eram inspiradas em campanhas anticomunistas de outros

países, e incentivadas pelos militares brasileiros no intuito de legitimar uma

intervenção. Diante deste clima, na madrugada do dia 31 de março de 1964, o

general Mourão Filho põe as tropas a caminho do Rio de Janeiro, consumando, sem

resistência alguma, o golpe que daria plenas condições para a intensificação da

exploração capitalista no Brasil.

Com a tomada do poder pelos militares o país passou a viver por duas

décadas, os momentos mais conturbados de sua história. Nas décadas de 1960 e

1980, o país viveu sob o governo dos militares, que para se manterem no poder e

garantir a “ordem” perseguiram, torturaram, mataram, prenderam, exilaram aqueles

que ousavam desafiar o regime ou protestar contra a falta de liberdade que era

gritante. Para atingirem tais propósitos, a censura à imprensa e à produção

intelectual além da edição de Atos Institucionais, sobretudo o de nº 5, o AI-5. Com

essas medidas os governos mantinham o povo fora do poder e evitava as críticas.

Violações dos direitos humanos e da liberdade de expressão passaram a fazer parte

da rotina de nosso país, criando assim um contexto sociopolítico perverso, dando a

entender que a violação de tais direitos parecesse algo inerente ao nosso cotidiano.

Diante de tais fatos, Gabeira afirma: “o AI-5 foi um golpe dentro do golpe, um golpe

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de misericórdia na caricatura da democracia. Caímos, aí sim, na clandestinidade”

(GABEIRA, 1984, p. 119).

Mas, mesmo assim, houve aqueles que não se calaram diante de tanta

truculência por parte do governo. Podemos tomar como exemplo, os Centros

Populares de Cultura (CPCs), da União Nacional dos Estudantes (UNE), destacando

ainda a mobilização do operariado e dos agricultores, que constituíam o movimento

sindical em torno da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), além é claro

dos artistas, sobretudo musicais que por meio de passeatas e ou festivais de

canções populares, ajudavam a difundir o ideal revolucionário pelo país,

demonstrado suas insatisfações com a postura autoritária adotada pelos militares.

Segundo Bolle, “tudo isso expressava grande inquietação social, em parte explicada

pela situação crítica da economia do país, e que, na esfera política, se refletia em

episódios tensos” (BOLLE, 1980, p. 93).

3 A MÚSICA NO ENSINO DE HISTÓRIA: EXPERIÊNCIAS NO ENSINO DE

HISTÓRIA DA DITADURA MILITAR

Exposto alguns elementos constitutivos do golpe militar no Brasil em 1964,

passamos a destacar o papel das músicas naquele contexto, de censura e da perca

do direito de expressar as ideias, iniciado logo após o golpe.

Quem viveu o período da ditadura militar sabe muito bem do poder e da

importância que a música teve, servindo como instrumento de luta para os mais

atentos ou de alienação para os mais distraídos no caso das músicas ufanistas.

Dentro desse contexto, o estudo dessas canções populares de protesto ou ufanistas,

serviram como um elemento de análise e compreensão da realidade vivida. Muitas

delas vinham carregadas de críticas ao governo ou escancaravam os problemas

vividos pelo povo brasileiro naquele momento, como é o caso das músicas de

protesto: “Cálice”, “Pra não dizer que não falei das flores”, “Apesar de você”, “O

bêbado e a equilibrista” e tantas outras, ou as ufanistas como: "Eu te amo meu

Brasil", “Pra frente Brasil”, e outras. Dentro desta lógica o historiador Jacques Le

Goff, afirma: “Devemos fazer o inventário dos arquivos do silêncio, e fazer a história

a partir de documentos e das ausências de documentos” (GOFF, 1996. p. 109).

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Durante a ditadura dois tipos de músicas se destacam: as “ufanistas” usadas

a favor do regime enaltecendo o belo, o ideal o lado positivo do nosso país sem

tecer críticas negativas, e as de “protesto”, usada, ainda que por meio de metáforas,

para questionar a violência, a arbitrariedade e os abusos cometidos pelos militares,

ou seja, tendo teor de crítica ao regime. Neste período, as músicas chamadas

populares eram apreciadas por milhões de pessoas, que por meio dos festivais de

canções da MPB, ao vivo ou por meio da TV, torciam e cantavam as canções de sua

preferência e os mais atentos percebiam o que estava oculto em suas entrelinhas e

quais as mensagens subliminares que estas canções continham, sobretudo as de

protesto. Essa tomada de consciência foi fundamental para a mobilização contra o

regime e a sua queda em 1985. Dessa forma, para Miolla, “a música popular deixa

de ser meramente manifestações culturais e passa a ser uma forma de resistência

popular contra ao regime militar” (MIOLLA, 2009, p. 9). Nesta perspectiva

concordamos com Marcos Napolitano, quando este diz que “(...) no Brasil, a canção

ocupa um lugar especial na produção cultural, em seus diversos matizes, ela tem o

termômetro, caleidoscópio e espelho não só das mudanças sociais, mas, sobretudo

das nossas sensibilidades coletivas mais profundas” (NAPOLITANO, 2002, p. 77).

Dessa forma a música passa a ser pensada como uma prática social e como

elemento construtor de identidades.

Nesse sentido, antes de desenvolver a metodologia do ensino de história da

ditadura militar por meio da música como partes do projeto PDE, foram

desenvolvidas discussões da proposta no que passou a ser chamado de GTR

(Grupo de Trabalho em Rede). A discussão coletiva, as intervenções, sugestões

acerca do projeto de implementação, com professores da rede, e alunos envolvidos

no projeto, foram de grande valia, aprimorando conceitos e a metodologia de ações

a ser desenvolvidas em sala de aula.

Feito as discussões preliminares a cerca do projeto, foi aplicado um

questionário previamente elaborado com objetivo de perceber nos alunos a

receptividade de um trabalho de ensino de história por meio da música, procurando

verificar a proximidade com o conteúdo de história, com a música e se já ouviram

algo sobre Ditadura Militar, com a finalidade de identificar os conhecimentos que os

alunos já possuem sobre a ditadura militar e o grau de interesse pela história e pela

música, a fim de partir destas informações, propor um direcionamento com mais

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eficiência dos rumos da pesquisa e assim buscar alternativas para a ampliação da

pesquisa.

A pesquisa foi realizada com alunos do 9º ano do Ensino Fundamental do

Colégio Estadual Professora Ivone Soares Castanharo – EFM regular e EJA,

totalizando um número de 54 alunos, sendo 35 do sexo feminino e 19 do sexo

masculino, com idade entre 14 e 16 anos de idade. A tabela abaixo demonstra os

resultados da aplicação do primeiro questionário avaliando os conhecimentos

prévios sobre o tema que seria tratado.

Perguntas Porcentagem− Vocês gostam de estudar história? 81,3% disseram que sim− Vocês têm dificuldade em aprender os conteúdos

de história?52,0 % disseram que sim

− Vocês já perceberam que existem outros materiais

que vão além dos livros didáticos para o ensino de

História?

100 % disseram que sim

− Vocês já estudaram algum conteúdo por meio da

música?75,5 % disseram que sim

− Vocês gostam de música? 100 % afirmaram que sim− Que estilo de músicas preferido? 62,3 % preferem à sertaneja− Vocês acham que o uso da música facilita a

aprendizagem dos conteúdos de história?93,0 % disseram que sim

− Vocês já ouviram falar de ditadura militar? 65,5 % afirmam que sim

O resultado desta pesquisa nos remete a algumas reflexões. Percebe-se

que os entrevistados em sua maioria gostam de história. Este resultado reforça o

nosso compromisso de transformar esse gosto pela história em conhecimentos que

os torne cidadãos conscientes, críticos e atuantes em sociedade. Porém, quase

metade dos alunos declarou ter dificuldade em assimilar os conteúdos de história.

Esse resultado nos leva a um questionamento, essa dificuldade se deve a

complexidade dos conteúdos ou a forma como eles são ensinados? Podemos

concluir também que os alunos em sua totalidade têm percebido que o livro didático

não é a única fonte de informações histórica que eles conhecessem ou que tem

acesso. Mais de dois 2/3 dos que participaram da pesquisa afirmam já terem algum

contato com a música no ensino da história, a maioria também afirmam que a

metodologia usada, não tenha contribuído, para uma interpretação critica e

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contextualizada, servindo apenas para ilustrar conteúdos, sem levar em conta as

simbologias e linguagens presentes nelas. Neste sentido, Marcos Napolitano aponta

alguns cuidados que temos que ter ao analisar uma música, devemos evitar o uso

de conceitos (passado, herança cultural e tradição), já que estes são

frequentemente refeitos; é necessário que se atente para os aspectos descontínuos

da história. Mapear o espaço (social e cultural) de sua produção, bem como

identificar o veiculo (rádio, TV), que fez com que a cação se tornasse conhecida,

também deve ser observado (NAPOLITANO, 2002). Talvez este seja o nosso maior

desafio ao trabalhar com essa ferramenta metodológica, pois, se não observarmos

esses preceitos, corremos o risco de banalizar o seu uso. 100% disseram gostar de

música, comprovando a tese inicial e reforça o nosso compromisso de transformar o

uso desta fonte histórica em ferramenta para ensinar história e tornar o processo

ensino-aprendizagem mais dinâmico e prazeroso. A música sertaneja é a preferida

para a maioria, isso se justifica pela grande polarização e acesso que temos hoje a

este estilo musical, contudo é possível trabalhar diversos conteúdos das mais

variadas áreas do conhecimento utilizando músicas sertanejas, mesmo não sendo

essa a nossa proposta. A surpresa mais agradável e que justifica e reforça a

aplicação deste projeto, PDE, e a de que 93,0% dos entrevistados concordam que o

uso da música facilita a aprendizagem. Esse resultado reforça a ideia de que

estamos no caminho certo, e que esta é uma forma de valorizar a disciplina de

história. E, por fim, a comprovação de que o termo ditadura militar não era

desconhecido para 65,0% dos que participar da pesquisa.

Os resultados desta pesquisa foram socializadas tanto para os alunos, bem

como para professores (a) e funcionários (a) do colégio onde foi feito a

implementação do projeto.

3.1 Trabalhando com textos

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Ao trabalhar textos sobre a ditadura Militar no Brasil percebemos a

dificuldade dos alunos em entender os motivos que levaram a tomada do poder

pelos militares por meio de um golpe, já que o Governo de João Goulart, último

presidente antes do golpe que instituiu a ditadura, tinha como meta a realização de

importantes mudanças de alcance social e de combate ao imperialismo norte

americano. Entre estas reformas estão: reforma agrária, educacional, tributária,

extensão de direitos trabalhistas aos trabalhadores rurais e nacionalização de

empresas estrangeiras. No entanto, na medida em que as discussões avançavam

foram fincando mais evidente para eles, quais eram os grupos que se beneficiariam

com o fim da democracia e com a instalação de uma ditadura, e quem era contra a

mudança de regime. O uso de artigos de jornais e imagens da época associadas

aos textos serviram para elucidar a maioria das dúvidas e assimilação dos objetivos

da proposta.

Ao propor a análise do texto “Ditadura Militar na América Latina” de Cláudia

Wasserman e Cesar Barcellos Guazzelli, o objetivo era o de levar os alunos a

entenderem que o modelo de governo ditatorial que se instalou no Brasil após 1964,

fazia parte de um contexto maior, e que o Brasil não foi o único país latino

americano a ter ditadura militar como regime de governo. Além disso, as condições

socioeconômica, a ameaça comunista, o apoio dos Estados Unidos, o requinte de

crueldade e violência praticadas por esses governos, estão entre as características

ou semelhanças comuns a esses países latino americanos (Brasil, Argentina,

Paraguai, Uruguai, Chile e Bolívia).

As políticas econômicas adotadas nestes países durante a vigência destes

regimes conduziram essas nações à desigualdade social, ao atraso econômico,

dependência ao capital estrangeiro e a corrupção política. Essas características se

evidenciam quando analisamos a realidade atual desses países.

Neste contexto propomos o estudo de textos do livro “1968. O Ano que Não

Terminou” Zuenir Ventura e análise de imagens enfatizando a importância do ano de

1968, não só no Brasil, mas em diversas partes do mundo. A importância deste ano

e os fatos que aconteceram nele e suas repercussões nos anos seguintes levaram

muitos a classificá-lo como “o ano que não terminou”, como afirma o jornalista e

escritor Zuenir Ventura. Ao analisarmos as imagens de ações de estudantes e

operários no Brasil, México, EUA e França, foi possível compreender e identificar

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quem eram os sujeitos históricos presentes nelas. Esta metodologia de usar textos e

imagens para contextualizar um fato ou período histórico, foi de grande importância.

3.2 A música como forma de ensino

Nesta ação procuramos destacar a grande importância que a música teve

como instrumento de protesto contra a falta de liberdade e violência presente neste

período de repressão. Os movimentos musicais que mais se destacaram foram: A

Bossa Nova, O Tropicalismo e a MPB. A Bossa Nova, movimento musical que

antecedeu a ditadura e que era mais voltada a “classe média”, herdeiros de uma

cultura voltada para o consumo não se popularizou por não conter teor critico e ser

elitizada (RIDENTE, 2000). Já o Tropicalismo, estabelecia uma crítica inovadora

naquele momento, discutindo as contradições e contraste da sociedade brasileira,

contribuindo assim de uma forma mais contundente para o surgimento da MPB, que

passaria a ser usada para protestar ou ufanisar o regime militar. Por ter um conteúdo

crítico e inovador, a Música Popular Brasileira (MPB) começa a ganhar força e

prestigio, já que movimentos de referências e de lutas contra a ditadura, como a

UNE (União Nacional dos Estudantes) e a CGT (Central Geral dos Trabalhadores),

passaram a ser asfixiados pelas ações enérgicas do regime militar.

A música popular brasileira se popularizou por meio dos festivais, pelo seu

teor crítico e uso de uma linguagem metafórica ousavam dizer o que não era

permitido pelo rigor da censura, sobretudo após a institucionalização do Ato

Institucional nº 5, em dezembro de 1968 pelo presidente Costa e Silva. Com o rigor

da censura muitos artistas musicais e intelectuais foram obrigados a se exilarem.

Com a edição desse Ato estava consolidada a ditadura, a arbitrariedade legalizada e

o silêncio consumado (WORNS e SALLES, 2002, p. 105 e 106).

Os festivais consagraram artistas, interpretes e músicas que se tornaram

imortais tais como: “É Proibido Proibir” de Caetano Veloso, “Caminhando e

Cantando” de Geraldo Vandré, “Cálice” de Chico Buarque e de tantos outros. No

entanto o rigor da censura fez com que muitos artistas musicais abandonassem os

festivais, tornando-o sem graça e não atraente, tendo no ano de 1985 sua última

edição.

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3.2.1 Músicas de protesto

A música foi durante a ditadura militar um dos mais significativos modos de

protesto em um contexto de repressão. Sendo a música um importante meio de

difusão de ideias, pois com sua plasticidade e abrangência, atingia a diversos

seguimentos da sociedade e classes sociais, além de ser ideal para driblar a

censura.

Ao dar inicio a proposta de trabalhar com letras de músicas, observamos

que os alunos estavam curiosos e ansiosos. Estes sentimentos por parte dos alunos

foram importantes para mim, o que me fez acreditar que o que é novo sempre nos

provoca uma reação intrigante, positiva ou negativa, no caso positiva, atraindo os

alunos a se manterem concentrados na proposta e absorver as ideias contidas nas

canções.

De posse das letras das músicas e usando a TV Pendrive, passamos então

a relacioná-la com o momento histórico que o Brasil vivia. Os textos trabalhados

anteriormente contribuíram para que o aluno relacionasse as letras das canções

com o momento de censura, violência, tortura e perseguições que o país passava.

A primeira música trabalhada: “Pra não dizer que não falei das flores” de

Geraldo Vandré, foi apresentada no III Festival Internacional da Canção, organizado

pela TV Globo, 1968, ficando em segundo lugar, sendo que o primeiro lugar foi para

a música “Sabiá”, de Tom Jobim e Chico Buarque, causando grande insatisfação do

público que preferiam a música de Vandré.

Só é possível entender o significado e a importância da música de Geraldo

Vandré se compreender o contexto histórico de 1968 no Brasil, ano em que ela foi

composta. No ano de 1968, o país vivia o auge da ditadura militar com a edição do

AI-5. Por este Ato Institucional a cultura popular, em especial a música era vista

como subversiva, e por isso, sofria censura e perseguição pelos órgãos repressores.

O autor usa de metáforas ao compor esta canção, e nas entrelinhas

convidava o povo brasileiro a tomar para si as rédeas da história e assim tirar o

Brasil das trevas social e política em que o mesmo fora colocado, por um regime

excludente. No entanto, ela transformou-se no hino oficial de toda uma geração

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politicamente consciente e devidamente engajada. Essa composição fala de

desigualdade entre os homens de nosso país, da necessidade de o homem ser

construtor de sua própria história sem intermediários, ele deve ter consciência que o

fim do seu estado de opressão passa por suas ações participativas, sendo ele o

sujeito de sua história. No entanto, embora, a música fale de “soldados armados”, o

autor parece acreditar em mudanças de forma pacífica, através de um acordo entre

explorados e exploradores, “e acreditam nas flores vencendo os canhões”.

(Disponível em: <http://edubastos.blogspot.com.br/2010/06/analise-da-letra-da-

musica-caminhando-e.html>. Acesso em: 20 mar. 2012).

PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES

Caminhando e cantando

E seguindo a canção

Somos todos iguais

Braços dados ou não

Nas escolas, nas ruas

Campos, construções

Caminhando e cantando

E seguindo a canção

Vem, vamos embora

Que esperar não é saber

Quem sabe faz a hora

Não espera acontecer

Pelos campos há fome

Em grandes plantações

Pelas ruas marchando

Indecisos cordões

Ainda fazem da flor

Seu mais forte refrão

E acreditam nas flores

Vencendo o canhão

Vem, vamos embora

Que esperar não é saber

Quem sabe faz a hora

Não espera acontecer

Há soldados armados

Amados ou não

Quase todos perdidos

De armas na mão

Nos quartéis lhes ensinam

Uma antiga lição:

De morrer pela pátria

E viver sem razão

Vem, vamos embora

Que esperar não é saber

Quem sabe faz a hora

Não espera acontecer

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Nas escolas, nas ruas

Campos, construções

Somos todos soldados

Armados ou não

Caminhando e cantando

E seguindo a canção

Somos todos iguais

Braços dados ou não

Os amores na mente

As flores no chão

A certeza na frente

A história na mão

Caminhando e cantando

E seguindo a canção

Aprendendo e ensinando

Uma nova lição

Vem, vamos embora

Que esperar não é saber

Quem sabe faz a hora

Não espera acontecer

Geraldo Vandré, 1968

(Disponível em: <http://letras.terra.com.br/geraldo-vandre/46168/>. Acesso em: 15 mar. 2012).

Após a audição e observações sobre gênero musical, autor, interprete e ano

da composição, fizemos alguns questionamentos que levaram os alunos a

identificarem as metáforas existentes na letra. Dessa forma, a música destaca a

desigualdade, a má distribuição de renda, quando diz: “Pelos campos há fome em

grades plantações”, ou seja, da necessidade de o homem ser sujeito ativo no

processo histórico, tomar as rédeas da história, “Quem sabe faz à hora e não espera

acontecer”, de luta, que somos capazes de mudar. Quando destaca: “Vem vamos

embora”, chama a atenção sobre as formas de violência praticadas pelo regime e de

pessoas que não cumprem sua função na sociedade treinada apenas para enxergar

inimigos em tudo e em todos, “Há soldados armados, amados ou não, quase todos

perdidos de arma na mão”. Ao final desta análise os alunos então concluem: “Se a

letra da música fala de tudo isso, então ela representava um perigo eminente ao

regime, daí a necessidade de censurá-la”. Ao perceberem as intenções do autor ao

compor a música, os alunos então passaram a relacioná-la com a realidade vivida

no país, que era de ausência de democracia e de desigualdade social. Para que

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chegassem a estas conclusões, as informações que os alunos já possuíam a cerca

da ditadura militar foram importantes. Esses conhecimentos prévios, conforme

depoimentos dos alunos foram adquiridos por meio da TV, cinema, com a família,

por meio de textos nos livros didáticos, jornais e revistas, entre outros. Outro aspecto

relevante nesta atividade foi a relação que os alunos foram capazes de estabelecer

com o presente, destacando as mudanças e permanências. Esse tipo de atividade

contribui para que os nossos educandos sejam mais críticos e atuantes na

sociedade.

3.2.2 Músicas ufanistas

No entanto, a música não foi usada apenas para protestar. Existiam aquelas

que eram usadas pelos militares para enaltecer o regime, chamadas de “ufanistas”.

Este tipo de música que normalmente exaltava o patriotismo, o otimismo, as belezas

naturais de nosso país e o esporte foram usados pelo regime como mecanismo de

defesa contra as críticas. Com essa prática os governos do período escondiam os

problemas do país e, ao mesmo tempo, em que ganhavam a simpatia de muitos

brasileiros, tidos como alienados, induzindo-os a uma sensação de entusiasmo e

euforia.

PRA FRENTE BRASIL

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Somos milhões em açãoPra frente Brasil, no meu coraçãoTodos juntos, vamos pra frente BrasilSalve a seleção!!!De repente é aquela corrente pra frente, parece que todo o Brasil deu a mão!Todos ligados na mesma emoção, tudo é um só coração!Todos juntos vamos pra frente Brasil!Salve a seleção!Todos juntos vamos pra frente Brasil!Salve a seleção!Gol!!!Somos milhões em açãoPra frente Brasil, no meu coração

Todos juntos, vamos pra frente BrasilSalve a seleção!!!De repente é aquela corrente pra frente, parece que todo o Brasil deu a mão!Todos ligados na mesma emoção, tudo é um só coração!Todos juntos vamos pra frente Brasil!Salve a seleção!Todos juntos vamos pra frente Brasil!Salve a seleção!Salve a seleção!Salve a seleção!Salve a seleção!

Os Incríveis, 1970

Disponível em: <http://www.vagalume.com.br/os-incriveis/pra-frente-brasil.html#ixzz1Lb4 Kt-GDl>. Acesso em: 10 jan. 2012.

Após a audição da música, passamos a análise da mesma nos quesitos: ano

de composição, compositor e interprete. Logo de início já foi visível à simpatia dos

alunos pelo ritmo da música, assim ficou claro para eles que se tratava de outro

estilo musical e que esta fazia referência à seleção brasileira de futebol,

relacionando o ano de sua composição 1970 com a copa do mundo de futebol

realizado no México.

Em seguida propusemos aos alunos que respondessem algumas questões

relacionadas à letra da música, como exemplo: Aponte os trechos da música onde

ela tenta mascarar a realidade do país. As principais respostas foram: De repente é

aquela corrente pra frente / Parece que todo o Brasil deu a mão / Todos ligados na

mesma emoção / Tudo é um só coração / Todos juntos vamos pra frente Brasil /

Noventa milhões em ação. Esses versos que demonstram união entre os brasileiros,

na verdade escondia as contradições internas do país, o estado de lutas, rivalidades

e divergências que o Brasil passava. Outra pergunta que também contribuiu para

reflexão foi: Que tipo de proveito esta música poderia fornecer ao regime? Após as

discussões entre os grupos eles concluem que o momento de euforia pela conquista

do tricampeonato mundial de futebol serviu para esconder os problemas e ainda na

medida em que a música não revela aspectos negativos do país ela poderia ser

usada a favor do regime.

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Ao final das discussões a cerca da música e relacionado o ano de sua

produção, 1970, com o momento histórico vivido no Brasil, “milagre econômico” e

conquistas mundiais no esporte, os alunos concluem que, a sociedade brasileira

estava dividida, pois, se havia aqueles que produziam músicas consideradas

ufanistas, e os que curtiam essas canções é porque, havia também aqueles que

apoiavam o regime. Outro aspecto relevante a ser observado, é a compreensão dos

alunos, quanto à importância deste tipo de música para a manutenção do regime, e

como ela foi usada pelos militares. No entanto a dúvida que nesta pesquisa não foi

possível responder totalmente é que: Se os produtores ou apreciadores dessas

músicas tinham ou não consciência que tais atitudes poderiam contribuir para a

exaltação do regime? Se suas atitudes eram por outros interesses que não fossem o

político? Ou ainda, se tais atitudes estivessem relacionadas ao um processo cultural

de alienação?

4 Conclusão

O uso da música como metodologia para ensinar história leva o aluno a

compreender que a história esta presente em diversas fontes, contribuindo assim

com a formação de cidadãos críticos e atuantes na sociedade.

Em todas as etapas da pesquisa os alunos foram receptivos a proposta de

trabalho, o que foi fundamental para que houvesse uma aproximação maior na

relação professor/aluno, aluno e o objeto a ser investigado, tornando assim o

desenvolvimento desta proposta mais dinâmica e produtiva. A aplicação inicial do

questionário com questões pertinentes ao tema da pesquisa nos deu a dimensão de

quais eram as informações que os alunos tinham com relação à ditadura militar e

ensino de história por meio da música. Com essas informações foi possível conduzir

melhor o processo investigativo. Essa atividade foi seguida de outras como, leituras

e produções de textos, análise de recortes de jornais, de imagens e de letras de

músicas produzidas no período.

O uso das canções como fontes históricas e metodologia no estudo da

história, serviram para motivar os alunos a uma aprendizagem mais produtiva, e,

sobretudo prazerosa. Ao compararmos os resultados do questionário, com as

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demais atividades, podemos constatar, de forma satisfatória, que horizontes foram

ampliados em relação ao tema ditadura militar e ensino de história por meio da

música.

Os alunos foram, ao final das atividades, capazes de destacar, inclusive, que

as canções populares da MPB foram uma forma disfarçada no caso das de protesto

de combate ou de exaltação ao regime no caso das ufanistas, e de ser a voz dos

excluídos no contexto daquela sociedade. Isso nos pareceu um forte indicativo de

que houve assimilação de conceitos e por tanto aprendizagem, que foram adquiridas

por meio das: leituras, pesquisas, produções e discussões de textos, análise de

imagens e de letras de músicas. Essa aprendizagem se percebe por meio do gosto

em estudar história e pela valorização da disciplina e por fim pela capacidade de

analisar os documentos, ou seja, as fontes históricas tais como: obras fílmicas,

textos, imagens, fotografias e letras de músicas.

Ao concluir essa proposta, posso afirmar que o uso da música no ensino

pode ser aplicado em diversas áreas do conhecimento, ao mesmo tempo em que se

mantêm receptiva a novas discussões e aprimoramentos.

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