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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018 1 Diversidade de experiências e desafios na gestão de rádios universitárias 1 Izani MUSTAFÁ 2 Universidade Federal do Maranhão, Imperatriz, MA Marcelo KISCHINHEVSKY 3 Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ RESUMO O presente artigo busca identificar as diferentes formas de administração de emissoras universitárias brasileiras e os principais desafios que enfrentam, em termos de infraestrutura, dotação orçamentária e recursos humanos. O trabalho faz parte de uma cartografia em andamento do campo da radiodifusão universitária no país, no âmbito da construção da Rede de Rádios Universitárias do Brasil (RUBRA). PALAVRAS-CHAVE: comunicação; rádio; rádios universitárias; gestão. INTRODUÇÃO A radiodifusão universitária vive forte expansão no Brasil na última década, mas enfrenta, paradoxalmente, desafios extraordinários para atingir a sustentabilidade. Cartografia em andamento (cujos resultados preliminares foram sistematizados em KISCHINHEVSKY, MUSTAFÁ, HANG e MATOS, 2017, MUSTAFÁ, KISCHINHEVSKY e MATOS, 2017) detectou a existência de 104 emissoras no país, entre AM/FM e web rádios, vinculadas a 91 instituições de ensino superior. Do total, 68 são estações FMs, seis emissoras na faixa AMs e 30 estações com distribuição de conteúdo exclusivamente via internet. A mais nova a entrar no ar, em 12 de dezembro de 2017, é a UniFM (107,9), que pertence à Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). 1 Trabalho apresentado no GP Rádio e Mídia Sonora, XVIII Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação, evento componente do 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Agradecemos às bolsistas de Iniciação Científica Scarlat Suelen Guimarães do Vale e Lorena Hang, da UERJ, pelo apoio na elaboração do questionário aplicado e na consolidação das respostas válidas. Agradecemos também à Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) pelo apoio à presente pesquisa. 2 Professora do Departamento de Comunicação Social/Jornalismo da Universidade Federal do Maranhão (UFMA- Imperatriz), doutora em Comunicação Social (PUCRS), mestre em História do Tempo Presente (Udesc) e integrante do Grupo de Pesquisa Rádio e Mídia Sonora da Intercom. E-mail: [email protected]. 3 Professor do Departamento de Jornalismo e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM) da Faculdade de Comunicação Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCS/UERJ), doutor e mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Email: [email protected].

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Diversidade de experiências e desafios na gestão de rádios universitárias1

Izani MUSTAFÁ2

Universidade Federal do Maranhão, Imperatriz, MA

Marcelo KISCHINHEVSKY3

Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ

RESUMO

O presente artigo busca identificar as diferentes formas de administração de emissoras

universitárias brasileiras e os principais desafios que enfrentam, em termos de

infraestrutura, dotação orçamentária e recursos humanos. O trabalho faz parte de uma

cartografia em andamento do campo da radiodifusão universitária no país, no âmbito da

construção da Rede de Rádios Universitárias do Brasil (RUBRA).

PALAVRAS-CHAVE: comunicação; rádio; rádios universitárias; gestão.

INTRODUÇÃO

A radiodifusão universitária vive forte expansão no Brasil na última década, mas

enfrenta, paradoxalmente, desafios extraordinários para atingir a sustentabilidade.

Cartografia em andamento (cujos resultados preliminares foram sistematizados em

KISCHINHEVSKY, MUSTAFÁ, HANG e MATOS, 2017, MUSTAFÁ,

KISCHINHEVSKY e MATOS, 2017) detectou a existência de 104 emissoras no país,

entre AM/FM e web rádios, vinculadas a 91 instituições de ensino superior. Do total, 68

são estações FMs, seis emissoras na faixa AMs e 30 estações com distribuição de

conteúdo exclusivamente via internet. A mais nova a entrar no ar, em 12 de dezembro de

2017, é a UniFM (107,9), que pertence à Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

1 Trabalho apresentado no GP Rádio e Mídia Sonora, XVIII Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação,

evento componente do 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Agradecemos às bolsistas de Iniciação

Científica Scarlat Suelen Guimarães do Vale e Lorena Hang, da UERJ, pelo apoio na elaboração do questionário

aplicado e na consolidação das respostas válidas. Agradecemos também à Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à

Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) pelo apoio à presente pesquisa.

2 Professora do Departamento de Comunicação Social/Jornalismo da Universidade Federal do Maranhão (UFMA-

Imperatriz), doutora em Comunicação Social (PUCRS), mestre em História do Tempo Presente (Udesc) e integrante

do Grupo de Pesquisa Rádio e Mídia Sonora da Intercom. E-mail: [email protected].

3 Professor do Departamento de Jornalismo e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM)

da Faculdade de Comunicação Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCS/UERJ), doutor e

mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Email:

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A maior parcela, 40 emissoras – 25 FMs, 11 web rádios e quatro AMs –, é

administrada por instituições de ensino superior (IES) públicas federais. Em segundo

lugar, vêm as emissoras geridas por IES privadas (25, das quais 19 FMs, cinco web rádios

e uma AM). Em terceiro, empatadas (13 cada), vêm as IES públicas estaduais (12 FMs e

uma web) e as universidades confessionais (seis FMs, seis emissoras via internet e uma

AM). Completam a lista as IES comunitárias (oito FMs e uma web rádio) e as IES

públicas municipais (seis emissoras – quatro FMs e duas web rádios).

Mais da metade das emissoras identificadas (55 das 104) foi inaugurada nos anos

2000 (33, das quais 22 FMs e 11 web rádios) e 2010 (22, das quais 14 web rádios e oito

FMs). Dados do Ministério das Comunicações revelam, contudo, que o número de

emissoras vinculadas a instituições de ensino superior crescerá ainda mais nos próximos

anos, na esteira de processos seletivos realizados durante o governo Dilma Rousseff,

quando mudanças regulatórias favoreceram a alocação de canais a atores do setor público

(PIERANTI, 2016, 2017).

Entre 2011 e 2015, foram 24 outorgas para a criação de novas emissoras

administradas por 18 universidades ou fundações a estas vinculadas. Além disso, no

mesmo período, 27 institutos federais de educação, ciência e tecnologia (IFETs), que

oferecem do ensino médio profissionalizante à graduação e à pós-graduação, também

venceram concorrências para instalação de estações de rádio educativas em todas as

regiões do país.

Estes números podem ser ainda maiores, já que muitas universidades recorreram

a parcerias com entidades públicas como a Empresa Brasil de Comunicação (EBC,

holding pública de radiodifusão) para agilizar o processo de outorga e, portanto, seus

nomes não aparecem como vencedoras nas concorrências. É o caso, por exemplo, da

emissora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em fase de implantação,

cuja consignação ficou em nome da EBC.

Nesse contexto, cresce a importância de entendermos como estas emissoras estão

estruturadas e como se inserem no mercado de radiodifusão sonora no Brasil, sejam elas

públicas, privadas, comunitárias ou confessionais. Este movimento dos pesquisadores se

articula com tendência internacional, especialmente no âmbito ibero-americano, que

busca mapear as diferentes realidades da radiodifusão universitária nos países e o papel

que esta desempenha em termos de promoção da cultura, democratização da comunicação

e divulgação científica e tecnológica (cf., entre outros, MARTÍN-PENA, PAREJO

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CUÉLLAR e VIVAS MORENO, 2016, MARTÍN-PENA, MARTA-LAZO e ORTIZ

SOBRINO, 2016, CASAJÚS e GIORGI, 2017).

Com este objetivo, paralelamente ao levantamento de informações no âmbito da

mencionada cartografia, os autores aplicaram um questionário on-line junto aos gestores

das emissoras identificadas, bem como núcleos de produção laboratorial de rádio

instalados em universidades e que distribuem conteúdo via internet, em streaming ou sob

demanda. Ao fim de junho de 2018, as respostas válidas chegavam a 44, das quais 27

referiam-se a FMs educativas, 12 web rádios e/ou núcleos de produção laboratorial e

distribuição de conteúdo via internet, três rádios AMs e duas rádios comunitárias

vinculadas a instituições de ensino superior.

O questionário se divide entre informações gerais, dados sobre a programação das

emissoras, atuação acadêmica e gestão. Neste artigo, devido ao espaço limitado, vamos

nos ater aos resultados referentes à administração.

Entendemos que as questões relacionadas à gestão de emissoras, raras vezes

objeto de reflexão acadêmica (cf. BUFARAH JR., 2016 e 2014), representam um eixo

relevante de discussões que possibilitarão caminhar em direção à sustentabilidade e a uma

institucionalização dos projetos, muitas vezes vítimas de disputas políticas no âmbito das

universidades ou mesmo incompreendidos em toda sua potencialidade de comunicação

com públicos internos e externos.

DISTINTAS REALIDADES

As rádios universitárias brasileiras estão inseridas nas instituições de ensino

superior de formas diversas e apresentam variadas experiências de gestão.

Metade das emissoras informou contar com uma gestão institucional, ou seja, uma

administração profissionalizada, com equipe própria. Já 18,2% se apoiam em uma

administração voluntarista, apresentando uma estrutura horizontal, em que os estudantes

desempenham papel-chave. As demais 31,8% adotam modelos mistos, com estruturas

que combinam administração profissional e estruturas autogestionárias, em que

estudantes das IES a que estão vinculadas respondem por programas ou horários

específicos.

A vinculação às IES se dá de múltiplas formas. A maioria se subordina

diretamente à Reitoria, às estruturas de Assessoria de Comunicação Social das

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universidades ou a fundações mantenedoras. Raras são as emissoras que se inserem em

núcleos com posição de destaque nos organogramas das IES. É o caso, por exemplo, da

mais antiga rádio universitária em operação, a Rádio da Universidade4, da Universidade

Federal do Rio Grande do Sul, subordinada ao Centro de Teledifusão Educativa da

UFRGS, e também da Rádio Universitária FM, da Universidade Federal de Pernambuco,

que integra o Núcleo de Televisão e Rádios Universitárias da UFPE.

Apenas nove estão vinculadas diretamente a unidades acadêmicas, como

faculdades de Comunicação, ou a departamentos, especificamente de Comunicação,

Jornalismo ou Produção Multimídia. Destas, a maioria é de web rádios. Só duas – Rádio

FURB, da Universidade de Blumenau, de Blumenau (SC), e Rádio FAG FM, da

Faculdade Sul Brasil, de Toledo (PR) – operam em FM.

Ainda que não estejam vinculadas a unidades acadêmicas, as emissoras que

responderam ao questionário informaram contar com a supervisão de professores nas

atividades desenvolvidas – a maioria da área de Comunicação (em geral, Jornalismo, e

ocasionalmente Publicidade e Propaganda, Rádio, TV e Internet e Produção Multimídia),

mas também foram relatadas interfaces com docentes de cursos de Letras, História,

Pedagogia, Música, Direito, Administração, Engenharia Eletrônica, Ciências da

Computação e Química. Em muitos casos, no entanto, trata-se de um único professor com

dedicação integral às atividades, geralmente o coordenador da emissora. Raras são as que

envolvem diversos professores supervisionando profissionais e estagiários, com ou sem

bolsa.

Uma exceção é a Rádio UFMG Educativa, de Belo Horizonte (MG), onde há 30

programetes produzidos sob responsabilidade de professores de diferentes áreas de

conhecimento, além da participação de professores do Departamento de Comunicação

Social (cursos de Jornalismo, Publicidade e Relações Públicas) na orientação de

atividades desenvolvidas pelos estudantes bolsistas.

A maioria apresenta equipe insuficiente para dar conta de um mínimo de produção

própria de conteúdo. Poucas têm quadro de funcionários estáveis para desempenhar as

diversas funções características de uma emissora. Entre elas, destacam-se:

4 A Rádio da Universidade AM informa ter iniciado suas operações oficialmente em 1957, mas já

transmitia, em ondas curtas, desde 1951, sem autorização governamental, tendo passado um período de

mais de três anos fora do ar. A Rádio Gazeta, vinculada hoje à Fundação Cásper Líbero, é mais antiga, mas

operava como emissora comercial até os anos 2000, quando passou a ser subordinada à pioneira escola

paulistana de Jornalismo.

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A Rádio Universidade FM, vinculada à Fundação Sousândrade, da UFMA,

que emprega 30 pessoas;

A Rádio Unesp FM, que conta com 23 servidores concursados (incluindo

cinco operadores de áudio, cinco jornalistas, quatro locutores, três

produtores, dois discotecários-programadores e dois técnicos em

manutenção eletrônica, além de dois funcionários administrativos);

A UEL FM, com 20 servidores concursados;

A UFMG Educativa, com 18 funcionários, dos quais nove estatutários e

nove terceirizados (incluindo oito jornalistas, três locutores, três técnicos

de áudio e dois programadores musicais);

A Rádio Universidade AM, vinculada à Coordenadoria de Comunicação

Social da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), com 17

estatutários (quatro jornalistas, um diretor de programa, um diretor de som,

três programadores, seis sonoplastas, um técnico em audiovisual e um

locutor – equipe compartilhada com a recém-instalada UniFM);

A UCS FM, da Fundação Universidade Caxias do Sul, com 16

funcionários (respondendo, contudo, por três frequências em diferentes

cidades gaúchas);

E a Rádio Educativa UFMS, com 15 funcionários (terceirizados, exceto

um locutor e um técnico cedidos pelo Governo do Mato Grosso do Sul).

Chama a atenção o grande número de emissoras que têm apenas um ou dois

funcionários, geralmente técnicos de áudio e, às vezes, programadores musicais. Na

maioria das web rádios, de gestão voluntarista, não há um único funcionário ou a equipe

se limita aos técnicos de áudio dos laboratórios que já auxiliam as atividades didáticas

relacionadas às disciplinas de rádio dos cursos de Comunicação. Estas emissoras só se

mantêm graças a softwares de automação, que permitem a veiculação de programação

pré-gravada e/ou formada por playlists editadas em computador, com pequenas janelas

para entradas ao vivo.

A remuneração média das equipes fica entre quatro e cinco salários mínimos em

39,5% das emissoras que responderam ao questionário e entre dois e três salários em

36,8%. Em apenas 13,2% - curiosamente, todas vinculadas a universidades públicas

estaduais –, a média salarial fica acima de seis salários mínimos. Na outra ponta, em

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10,5% (quatro emissoras, de controle privado ou confessional), a média é de até dois

salários mínimos.

Na maioria das emissoras, não há um processo de escolha dos gestores, e sim uma

indicação pelas Reitorias ou pela direção das unidades a que estão vinculadas. Em muitas,

há mandatos de três ou quatro anos para o gestor, coincidindo com os dos reitores, o que

explicita que o comando de rádios universitárias tem um caráter de cargo de estrita

confiança. Em web rádios vinculadas a cursos ou departamentos, em geral a escolha é

feita pela diretoria da unidade ou consiste em sistema de rodízio, envolvendo os docentes

diretamente vinculados às disciplinas de rádio. Apenas duas emissoras, a UCS FM e a

Rádio UPF – da Universidade de Passo Fundo, instituição comunitária gaúcha –,

relataram que a escolha dos gestores ocorre por meio de processos seletivos comandados

pelo setor de Recursos Humanos, com análise de currículos e projetos dos candidatos.

Não há clareza, também, em relação à dotação orçamentária das emissoras, já que

os repasses são, em geral, feitos através de fundações ou núcleos que respondem por

outras atividades (TV universitária, assessoria de imprensa, jornal, comunicação interna).

Além disso, na maioria dos casos, os respondentes desconsideraram folha de pagamento

como um dos itens orçamentários, limitando-se a informar as verbas para custeio,

recolhimento de direitos autorais ao Escritório Central de Arrecadação de Direitos (Ecad)

ou aquisição de equipamentos. Ainda que os dados sejam pouco transparentes, cabe

assinalar que os maiores orçamentos anuais foram reportados pela Rádio UPF (entre R$

500 mil e R$ 550 mil – valores referentes às cinco emissoras mantidas pela Universidade

de Passo Fundo em diferentes cidades gaúchas), pela Rádio Unesp (R$ 168 mil), pela

Rádio Unidavi FM, da Universidade do Alto do Vale do Itajaí (R$ 160 mil) e pela Rádio

Universitária FM, da UFPE (R$ 100 mil). A maioria das web rádios instaladas em

unidades acadêmicas não tem qualquer orçamento, dependendo às vezes de recursos

próprios de professores para custeio, desde itens básicos de papelaria até provedor de

acesso à internet.

Quase todas as emissoras AM/FM são outorgas de rádio educativo e, portanto,

não têm autorização legal para captar publicidade. A única forma alternativa de

financiamento é o chamado apoio cultural. Ainda assim, a maioria absoluta dos

respondentes disse não arrecadar recursos desta maneira. Uma notável exceção é a Rádio

Educadora UESC FM, da Universidade Estadual de Santa Cruz, em Ilhéus (BA), que

reportou uma arrecadação de aproximadamente R$ 150 mil em apoios culturais ao longo

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do ano de 2016. Apenas outras quatro emissoras relataram ter percentuais expressivos –

de 60% (Rádio UPF) e 70% (Rádio FAG FM) até 100% (Rádio UCS FM e Rádio

Universidade FM, da UFMA) – de seus orçamentos custeados por publicidade (caso das

emissoras que não têm outorga educativa, e sim comercial) ou apoio cultural.

Considerando as dificuldades em termos de infraestrutura, detectadas durante a

análise das respostas ao questionário, não surpreende que poucas emissoras tenham

relatado a existência de planejamento estratégico. Apenas a Rádio da Universidade, da

UFRGS, a Rádio USP, a Rádio UEL, a Rádio Unisinos, a Rádio UESC, a UCS FM e a

Frispitrádio, web rádio do curso de Comunicação Social da UCS, informaram contar com

planejamentos estratégicos, formulados anualmente – ou a cada seis meses, no caso da

Frispitrádio.

Na Rádio da Universidade, os principais pontos do planejamento vigente

envolvem a migração para FM, a acessibilidade do prédio dos estúdios e a reforma da

casa que abriga os transmissores. Na Rádio UEL, o Plano de Ações anuais e plurianuais,

elaborado pelo diretor geral e pelo diretor de programação, e aprovado pelo Conselho

Diretor e Editorial, abrange a modernização da estrutura e equipamentos, aumento do

número de colaboradores e participação da comunidade na programação, bem como o

aperfeiçoamento da qualidade dos programas e dos serviços prestados aos ouvintes. Na

Rádio Unisinos, o planejamento se divide em três eixos: conteúdo, tecnologia e

relacionamento com o mercado. O foco é aumentar a presença digital, com novos

produtos – recentemente, a emissora lançou um aplicativo nas lojas Apple Store e Google

Play –, e a promoção de eventos, próprios ou de parceiros. Na Rádio UESC, as metas

envolvem:

Atualizar a grade de programação criando novos produtos; vincular-se

mais estreitamente aos movimentos sociais e grupos culturais e artistas

da região; promover oficinas de formação de público e de produção

alternativa em rádio para comunidades e grupos e movimentos intra e

extra-universidade; promover e realizar oficinas para instalação de

emissoras comunitárias em comunidades e de rádio-corredor nas

escolas de segundo grau da região; realizar o Programa Rádio UESC

nas Quebradas mensalmente e em comunidades regionais; realizar o 2º

Festival Universitário de Música da Rádio UESC, em dezembro.

A UFMG Educativa e a Rádio Mackenzie informaram estar preparando seus

documentos. Num movimento para discutir o planejamento estratégico da UFMG

Educativa, o Centro de Comunicação (Cedecom, ao qual a emissora está vinculada)

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promoveu, em dezembro de 2017, o I Colóquio Universidade e Comunicação Pública:

Mídias Sonoras, com a participação de representantes de diversas rádios universitárias. O

evento possibilitou o debate de temas como os critérios de formulação de programação,

a importância de chamadas públicas periódicas para proposição de programas, a

interlocução entre universidade e sociedade, a participação da audiência e o papel da

radiodifusão universitária – entendida como integrante do campo público – na oferta de

alternativas de comunicação e na divulgação científica e tecnológica.

Na Rádio Educativa UFMS, a discussão sobre planejamento estratégico,

infelizmente, foi paralisada após mudança na administração da universidade.

Os principais desafios apontados pelos respondentes do questionário podem ser

resumidos à demanda por mais recursos humanos e investimentos e à busca por

sustentabilidade. Com as políticas de restrição orçamentária enfrentadas pela maioria das

universidades, sobretudo nas públicas estaduais, há dificuldades para modernizar

equipamentos de estúdios e transmissores e até para repor funcionários aposentados,

falecidos ou transferidos. Outros pontos citados incluem:

A necessidade de maior aproximação com as comunidades com as quais

as emissoras se relacionam e com a própria universidade,

A atração de mais estudantes colaboradores,

A constituição de um espaço de incentivo ao aprendizado, para a

divulgação científica e para promoção de eventos nas áreas de cultura e

cidadania,

O aumento da presença em plataformas digitais e

A ampliação da audiência, para que as rádios universitárias se tornem

atores relevantes em nível local e regional.

As rádios universitárias lutam também por maior institucionalização. Poucas são

as que contam com conselho curador, deliberativo ou consultivo e, quando eles existem,

suas estruturas são as mais diversas, mas nem sempre funcionais. Na Rádio Unoesc, há

apenas um conselho de programação, composto pelo reitor, pelo diretor executivo da

emissora, pelo vice-diretor, pelo coordenador de programação e por um técnico. Na Rádio

Unesp, o conselho é composto por 19 membros, mas não há periodicidade estabelecida

para os encontros. Na Rádio Unisinos, há um conselho curador e um conselho de

programação, formados por integrantes da reitoria, professores e membros externos, que

se reúnem duas vezes por ano, além de um conselho fiscal, que se reúne trimestralmente.

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Na Rádio Universitária FM, da Universidade Federal de Viçosa, existem um Conselho

Fiscal e um Conselho Deliberativo, ambos com reuniões semestrais. Na Rádio UFSCar,

da Universidade Federal de São Carlos (SP), o Conselho Consultivo é composto por

membros da fundação mantenedora da emissora e da UFSCar, reunindo-se pelo menos

duas vezes a cada semestre.

Já na Rádio UEL, o Conselho Diretor e Editorial tem caráter deliberativo e é

formado por 17 integrantes: reitora (eleita pela comunidade universitária); diretor geral

da emissora (nomeado pela reitora); diretora (eleita pela comunidade) do Centro de

Estudos de Educação, Comunicação e Artes (CECA, ao qual a emissora é ligada); seis

professores representantes dos seis Departamentos de todos os cursos de graduação do

CECA; dois representantes (um estudante e um professor) do Conselho de Ensino,

Pesquisa e Extensão (CEPE); um estudante representante dos discentes do CECA; um

representante da Coordenadoria de Comunicação Social da Universidade; um

representante dos funcionários da rádio; e três representantes da comunidade londrinense

– um da Secretaria Municipal de Cultura; um do Núcleo Regional de Educação; e um do

Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. A reunião ordinária (para

discussão e aprovação do Relatório de Atividades e Plano de Ações) é anual; mas outras

extraordinárias podem ocorrer.

Em algumas instituições, a formação de conselhos está em andamento. A

Universitária FM, da UFPE, aguarda a aprovação de proposta de criação de um Conselho

Curador entregue à Reitoria e formulada por um comitê com maioria da sociedade civil,

que atuou entre 2014 e 2015.

Houve, contudo, retrocessos em alguns casos. Na Rádio Educativa UFMS, o

grupo de trabalho constituído para se converter em Conselho Consultivo foi desarticulado

seis meses após a implantação da emissora, quando um novo reitor assumiu e mudou

todos os cargos administrativos. A última reunião do GT ocorreu em novembro de 2016.

CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

A análise dos dados ainda está em andamento e esperamos ampliar ainda mais o

universo de respondentes. Mesmo assim, já é possível identificar alguns traços

característicos da radiodifusão universitária em termos de gestão.

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As rádios vinculadas a instituições de ensino superior carecem de infraestrutura

em todos os níveis – estúdios, equipamentos de gravação, salas de redação e produção,

transmissores – e de mão de obra qualificada. A interface com unidades acadêmicas,

sobretudo da área de Comunicação, é fundamental para a dinâmica produtiva destas

emissoras, mas não elimina ou minimiza a necessidade de profissionais de locução,

programação, técnicos de áudio, de manutenção eletrônica, web designers, etc. O

processo de ensino-aprendizagem envolve a prática e, quando esta ocorre em estúdios de

emissoras universitárias, os estudantes se capacitam mais, responsabilizando-se pelo

resultado do trabalho desenvolvido, que repercute não só no ambiente acadêmico, mas

também extramuros. Há, no entanto, uma forte sazonalidade na produção discente,

geralmente atrelada ao calendário acadêmico, o que coloca um desafio para a manutenção

das emissoras durante as férias e o início dos períodos letivos, quando os estudantes ainda

estão em processo de capacitação.

Além disso, muitas emissoras, paradoxalmente, apresentam interlocução limitada

com unidades acadêmicas, mesmo na área de Comunicação. A interface entre rádio

universitária e produção laboratorial realizada no âmbito de disciplinas das grades

curriculares depende, em larga medida, das relações interpessoais e das estruturas

administrativas.

Causa preocupação a existência de emissoras em instituições públicas ou em

fundações a elas vinculadas que dependem fortemente de funcionários terceirizados.

Situações de restrição orçamentária podem, com isso, levar à descontinuidade de projetos,

com prejuízos à comunicação entre as universidades e seus públicos de interesse, além de

afetar toda a comunidade em que estão inseridas, na medida em que as rádios

universitárias, potencialmente, oferecem alternativas de informação e promovem as

culturas e as cenas artísticas locais e regionais.

Emissoras com equipes reduzidas ou geridas de forma voluntarista podem ter

apelo junto ao corpo discente, convocado a ocupar espaços, mas correm o risco de não

atingir seus propósitos educativos e de comunicação institucional das universidades. Com

pouca programação ao vivo e altos índices de automação, as rádios universitárias

concorrem não apenas com as demais emissoras, mas também com as playlists

disponíveis nos muitos serviços de streaming. É preciso explorar as possibilidades da

radiodifusão universitária como espaço híbrido, que atende tanto ao processo de ensino-

aprendizagem na área de Comunicação quanto à divulgação científica e tecnológica, à

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interlocução entre as instituições de ensino superior e a sociedade e à democratização da

comunicação.

Os dados levantados através deste questionário online reforçam a importância de

uma articulação para o reconhecimento legal do campo da radiodifusão universitária,

contemplando sua diversidade e fomentando o intercâmbio de experiências e o

compartilhamento de conteúdos de caráter educativo e informativo, potencializando sua

circulação.

Durante o 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, promovido pela

Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom), em

Curitiba (PR), em setembro de 2017, foi realizado o Fórum de Rádios e TVs

Universitárias, ao fim do qual foi lançado um manifesto para criação da Rede de Rádios

Universitárias do Brasil. A iniciativa contou com a adesão imediata de 35 emissoras AMs

e FMs, web rádios e núcleos universitários de produção radiofônica, além de 23

pesquisadores de rádio e mídia sonora. Uma das frentes de organização da RUBRA é

justamente o levantamento de informações sobre o campo do rádio universitário no país,

o que possibilitará balizar futuras políticas públicas, como políticas de incentivo fiscal e

de fomento à produção radiofônica informativa de caráter qualificado.

Novos trabalhos serão realizados para aprofundar os resultados desta cartografia

do campo da radiodifusão universitária e dinamizar a produção de conhecimento sobre

estas rádios tão importantes para a vida cotidiana de centenas de cidades brasileiras, mas

sobre as quais tão pouco se pesquisou.

REFERÊNCIAS

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de rádio brasileiras. In: ZUCULOTO, Valci; LOPEZ, Debora Cristina; KISCHINHEVSKY,

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Page 12: Diversidade de experiências e desafios na gestão de rádios ... · 2017, é a UniFM (107,9), que pertence à Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). 1 Trabalho apresentado no

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