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Leitura importantíssima para que estuda a mediunidade.

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| HERMINIO C. MIRANDA

DIVERSIDADE dos

CARISMAS TEORIA e PRÁTICA da MEDIUNIDADE

INTRODUÇÃO

Três opções básicas se colocam diante daquele que se propõe a escrever um estudo como este acerca da mediunidade:

1) a abordagem predominantemente teórica, como a adotada por Allan Kardec em O livro dos médiuns; 2) o enfoque experimental caracterizado como depoimento pessoal, do qual dispomos de bons exemplos em Recordações da mediunidade e Devassando o invisível, de Ivonne A. Pereira; e 3) o tratamento integrado de ambos os aspectos, acoplando teoria e prática, segundo podemos observar em "Recherches sur Ia mediumnité e Les apparitions materialisées des vivants et des morts", de Gabriel Delanne, ou, mais recentemente, nas obras da série André Luiz que tratam especificamente do problema, como Mecanismos da mediunidade e Nos domínios da mediunidade. Cada uma dessas opções tem seus méritos e objetivos próprios. Para este livro adotamos a terceira delas: um tipo de modelo que se revelara satisfatório em Diálogo com as sombras e em A memória e o tempo, onde aspectos teóricos ficaram embutidos em narrativas com características de depoimento pessoal. Com esse plano em mente, procuramos montar este trabalho a partir de três módulos distintos, ainda que inseparáveis em suas implicações e na interação de suas motivações.

1 ­ O primeiro deles, destinado a documentar problemas básicos que o médium em potencial, ou já em plena atividade, costuma enfrentar; 2 ­ o segundo, para estudar mais atentamente aspectos particulares do animismo; e, finalmente, 3 ­ o terceiro, no qual tomamos para análise a mediunidade em si mesma. A distribuição dos fenômenos psíquicos em duas categorias ­ animismo e mediunidade ­ é de mera conveniência da metodologia expositiva, que não lhe tira a condição de classificação arbitrária. Isso porque não há entre as duas categorias absoluta nitidez de fronteiras. Ainda que seja, teoricamente, mais freqüente o fenômeno anímico puro, isto é, sem interferências de entidades desencarnadas, suspeitamos, inferimos ou sabemos que, em larga faixa percentual de eventos, ocorre ou pode ocorrer participação de seres desencarnados. Já o fenômeno mediúnico não acontece sem o componente anímico, que é da essência do processo. Para suas manifestações, os espíritos precisam de certa espécie e quantidade de energia de que somente o ser encarnado dispõe. A comunicação entre as duas faces da vida, ou seja, entre espíritos (desencarnados) e seres humanos (encarnados), transita por uma ponte psíquica que tem de apoiar uma cabeceira na margem de lá do abismo e a outra no lado de cá, onde vivemos nós. Insistimos, pois, em declarar que a classificação é simples conveniência metodológica e não deve ser tomada com rigidez exclusivista. Quanto ao mais, o enfoque fundamental do livro consiste em estudar as faculdades do espírito humano em ação, tanto quanto possível, da ótica do próprio sensitivo, de vez que ele é o laboratório vivo no qual se processam

os fenômenos sob exame. Estaria equivocada, não obstante, a conclusão de que o livro se destina somente aos médiuns em geral, aos dirigentes e aos que militam em centros e grupos espíritas

como participantes de trabalhos mediúnicos. Ao contrário, o tema é de vital importância para um espectro de pessoas muito mais amplo do que poderíamos suspeitar à primeira vista. É que os fenômenos da natureza anímica e mediúnica não ocorrem apenas a horas certas, com determinadas pessoas, nos círculos fechados do espiritismo prático, mas a todo momento, por toda parte, com todo mundo. Não estarei exagerando ao dizer que acontecem com maior freqüência na rua, no lar, na escola, no local de trabalho, do que propriamente na intimidade dos núcleos espíritas. A mediunidade não é propriedade do espiritismo e, sim, como fenômeno natural, um dos múltiplos aspectos da própria Vida. Poucos estudos, em verdade, oferecem tão denso conteúdo humano como o da mediunidade. Quer estejamos de um lado ou de outro da vida, como encarnados ou desencarnados, ela é sempre o instrumento de intercâmbio instalado estrategicamente entre os dois planos da existência. Alto preço em angústias, decepções e desequilíbrios emocionais e mentais, perfeitamente evitáveis, é pago a cada instante em conseqüência da desoladora ignorância em torno da problemática da mediunidade fora do contexto doutrinário do espiritismo. E não poucos desajustes sérios ocorrem no próprio meio espírita, no qual o conhecimento inadequado, insuficiente ou distorcido acaba resultando em problema mais grave do que a ignorância que busca informar­se de maneira correta. Seja como for, porém, não há como negar que o maior interessado no estudo da mediunidade é o próprio médium. Daí o esforço em colocar­me, tanto quanto possível, junto dele. Pretendi ver com os olhos dele, sentir com sua sensibilidade, aprender com os fenômenos que lhe ocorrem, descobrir com ele os caminhos percorridos e a percorrer. .. É a única maneira válida, no meu entender, de preparar­se alguém para ajudar, com observações práticas e teóricas, Outros médiuns em potencial na difícil escalada, visando ao exercício adequado de suas faculdades. A mediunidade não é doença, nem indício de desajuste mental ou emocional ­ é uma afinação especial de sensibilidade. Como na música, somente funciona de maneira satisfatória o instrumento que não apresenta rachaduras, cordas arrebentadas, desafinadas ou qualidade duvidosa. Não é nada fácil à pessoa que descobre em si os primeiros sinais de mediunidade encontrar acesso ao território onde suas faculdades possam ser entendidas, identificadas, treinadas e, finalmente, praticadas com proveito para todos. O médium precisa de recolhimento para o exercício de suas atividades, mas não deve ser um trabalhador solitário. Ele necessita de todo um sistema de apoio logístico, de uma estrutura que lhe proporcione as condições mínimas que seu trabalho exige. Peça decisiva nesse contexto é o grupo incumbido de trabalhar mais diretamente junto dele. Exige­se dessas pessoas não apenas um bom preparo doutrinário e experiência, como outros atributos, de maturidade e sensibilidade, que lhes permitam posicionar­se como amigos e companheiros de trabalho e não como chefes, mestres, gurus ou proprietários do

médium. E que não se deixem fascinar pela eventual espetaculosidade dos fenômenos ou pelo teor de 'revelações' de autenticidade duvidosa, ao gosto de alguns companheiros desencarnados. Isto quer dizer que não apenas o instrumento tem de estar afinado e em bom estado, mas harmonicamente integrado na orquestra em que atua. Sou grato à médium cujo nome escondi sob o pseudônimo de Regina, pelo rico material que generosamente colocou à minha disposição, e pela sua insistência comigo em escrever mais este trabalho que, pensava eu, não estaria na minha programação

(Estava!). Sem o toque pessoal que suas vivências emprestaram ao nosso estudo, o livro teria recaído facilmente na aridez da teorização especulativa. Tal gratidão estende­se aos inúmeros autores consultados no processo de concepção e elaboração deste trabalho, a partir de O livro dos médiuns, de Allan Kardec, generosa e fecunda matriz de tudo quanto se tem feito no estudo criterioso das complexidades do tema. Constam da bibliografia aqueles que mais contribuíram para reduzir espaços na minha ignorância, iluminando e ampliando faixas no território explorado. Devo agradecer também aos autores dos quais me senti impelido a discordar, nesse ou naquele aspecto. Eles costumam ter importante contribuição a oferecer, de vez que até mesmo a divergência pode ser criativa, no sentido de que tem algo a ensinar­nos quanto à melhor definição de conceitos que, de outra forma, talvez permanecessem vagos ou ignorados por nós. Cabe, finalmente, uma palavra de gratidão aos amigos espirituais que, no seu modo discreto, silencioso, amoroso e competente, sempre acompanham todo o difícil processo de elaboração dos meus (meus?) escritos, desde a germinação da idéia original até o aparecimento do livro nos catálogos, vitrines, estantes e, finalmente, em suas mãos, leitor, pois este é o destino deles. Em Diálogo com as sombras, examinamos o problema da doutrinação; em A memória e o tempo, abordamos o da regressão de memória; em Diversidade dos carismas, o tema é a mediunidade. Não estarei recorrendo à falsa modéstia se confessar, humildemente, que somente percebi que havia escrito uma trilogia após contemplá­la pronta, na perspectiva que a objetividade então me concedeu. Se as observações e experiências contidas nestas páginas forem de utilidade a alguém, sentir­me­ei encorajado a me apresentar, um dia, aos meus queridos mentores como aquele obreiro ­ de que falou Paulo a Timóteo (II Timóteo 2,15) ­ que não "tem de que se envergonhar" do trabalho realizado. O leitor prestou atenção? O severo apóstolo dos gentios entende que já estaremos bem se nossa modesta obra, seja ela qual for, não nos causar vexames. Quanto ao orgulho, nem pensar... Afinal de contas, orgulhar­se de quê?

Hermínio C. Miranda

CAPÍTULO I O MÉDIUM

CAPÍTULO I ­ O MÉDIUM: ECLOSÃO, DESENVOLVIMENTO E EXERCÍCIO DE SUAS FACULDADES

1. LONGA E OBSTINADA VIGÍLIA Não dava mais para esperar. Sucediam­se as perplexidades e a moça estava ficando confusa no meio de todos aqueles estranhos fenômenos que ocorriam com ela e à sua volta. Sabia, agora, que o espiritismo tinha um nome adequado para isso: mediunidade. Ela era, portanto, uma pessoa dotada de faculdades mediúnicas. Vira isso em um livro básico e elementar que lera de um só fôlego. E daí? Que caminho escolher entre as diversas alternativas? A quem recorrer? Com quem se esclarecer e se orientar? Como aprender a se utilizar corretamente daquele potencial que não conseguia entender ou controlar? Uma crônica de jornal, que lera ainda há pouco, dizia maravilhas de um grupo­padrão mediúnico que funcionava sob responsabilidade de respeitável instituição. Estava ali a sua oportunidade, pensou. Recortou a crônica, disposta a falar pessoalmente com o seu autor. A providência inicial, portanto, consistia em localizá­lo, ligou para a instituição, tão animada pela esperança quanto ingênua e inexperiente. A pergunta foi direta e objetiva: o que era necessário fazer para qualificar­se como freqüentadora do grupo? A resposta foi educada, mas firme: o grupo era fechado e seleto. Não admitia ninguém, a não ser por escolha e convite, mediante critérios inquestionáveis. Além disso, informou a voz ao telefone, o grupo era interditado às mulheres. Só homens poderiam freqüentá­lo. No pouco que lera sobre a doutrina espírita, nada encontrara que distinguisse o trabalho dos que se encarnam como homens daqueles que optam pela encarnação feminina. Aliás, o termo espírita, escolhido para identificar o adepto do espiritismo, a partir de termo semelhante na língua francesa (spirite), é o que se chama um adjetivo de duplo gênero, ou seja, tanto serve para emprego feminino quanto masculino. Diz­se que uma senhora é espírita da mesma forma que um homem é espírita. O substantivo espírito, por sua vez, não tem feminino. Seja homem ou mulher, o termo que identifica o ser é o mesmo ­ espírito. Não existe espírito para seres masculinos e espírita para seres femininos, mesmo porque, segundo consta nas obras básicas, o espírito não tem sexo. Entendiam os dirigentes do grupo, ou a tradição ali adotada, não se sabe por que razões, que a bisonha postulante era uma espírita (feminino) e não devia freqüentar reuniões abertas apenas aos espíritas masculinos. Enfim, não lhe cabia discutir o critério. E nem adiantaria fazê­lo. Deviam ter suas razões para assim proceder. O outro obstáculo que interditava sua admissão no grupo era compreensível, embora, em sua inexperiência, ela não o tenha considerado impeditivo. O trabalho mediúnico sério exige, de fato, ambientes reservados, severos padrões de disciplina, afinidades entre seus diversos membros, assiduidade e

inúmeros outros componentes, como tivemos oportunidade de estudar em Diálogo com as sombras, no qual o assunto é tratado de maneira específica.

Em suma: a moça não podia ser admitida no grupo­padrão por duas indiscutíveis razões. Restava­lhe apelar para a última alternativa: como falar com o autor da crônica que tantas esperanças suscitara em seu espírito? Isto era mais fácil. ( Ou não era? ) Ele costumava freqüentar as reuniões de caráter administrativo, aos sábados. A que horas? Tinha por hábito chegar mais cedo, bem antes da hora marcada para a reunião, programada para o início da tarde. Eis porque naquele sábado, pela manhã, a moça partiu do bairro distante rumo à instituição. Tinha de falar pessoalmente com aquela pessoa que encarnava, agora, suas esperanças de encontrar um rumo que lhe permitisse ordenar o verdadeiro emaranhado de dificuldades em que se metera em conseqüência de toda a fenomenologia que a inquietava e começava a assustá­la. Chegou às dez horas da manhã, subiu as escadas, apresentou­se, fez perguntas, expôs suas intenções e pretensões. E ficou ali, sentada, aguardando o cronista salvador que, infelizmente, não compareceu à reunião do dia. Voltou a fazer perguntas. Queria saber, agora, a quem deveria dirigir­se para obter as informações de que tanto necessitava para dar um rumo certo à sua vida. Sugeriram­ lhe que falasse com o dirigente da instituição. Nova espera. A essa altura eram duas horas da tarde. Finalmente chegou o dirigente, acompanhado de um grupo. Ela se levantou e pediu ao informante de sempre para indicar a pessoa, e abordou­a. Nova decepção. Lamentavelmente, disse ele, não poderia atendê­la no momento, pois já estava atrasado para a reunião. Concordaria em falar com ela depois de terminada a reunião? Isto sim, era possível, arrematou ele, subindo as escadas que levavam, provavelmente, à sala de reuniões. Havia agora duas necessidades pessoais a atender: a fome espiritual e a material. Uma podia esperar um pouco mais; a outra, não. A moça desceu, foi à rua, fez um lanche e voltou à sua vigília, disposta a não arredar pé dali sem ter falado com alguém acerca de seus anseios espirituais. A reunião só terminou às seis horas. O dirigente não escondeu sua surpresa ao encontrar a moça ainda ali, esperando pacientemente. Imaginara, portanto, que sua atitude inicial a levaria ao desencorajamento. Levou ­a para uma sala, onde sentaram ­ se, e ela expôs suas aspirações. Ele escreveu uma pequena apresentação dirigida ao presidente de um centro espírita de sua confiança. A essa altura, já anoitecia e a moça precisava voltar para casa.

2. PRIMEIROS PASSOS Não alcançara, é certo, nenhum dos seus propósitos iniciais, mas, ao cabo de um dia inteiro de expectativa e obstinação, conseguira, pelo menos, sair dali com um tímido raio de esperança materializado na carta que, como chave mágica, deveria abrir uma porta e pela qual ela esperava penetrar naquele universo diferente e um tanto secreto, onde suas faculdades seriam, afinal, cultivadas e postas a serviço de uma causa nobre. Na segunda­feira seguinte, à noitinha, partiu em busca do

endereço indicado. Entregou a carta ao seu destinatário, que a leu e mandou­a sentar­se e assistir aos trabalhos da noite, que aliás não eram de natureza mediúnica, mas uma palestra a ser proferida por um homem que ela conhecia apenas de nome. Muitos problemas teria ali, na difícil fase de adaptação que se seguiria, mas isto ainda era futuro, impenetrável até mesmo às suas faculdades premonitórias.

Aquela noite, contudo, ficou marca da para sempre em sua memória por um verdadeiro sismo emocional, que a colocaria em estado de intensa agitação íntima e lhe deixaria uma seqüela de muitos conflitos. É que, no orador da noite, ela identificou a figura central de suas vidências e sonhos, durante os quais cenas emocionantes eram revividas com toda a intensa carga emocional que nelas se depositara. Era ele o homem amado do passado, companheiro de muitas vidas, de felicidade, algumas, de frustrações e de tormentos, outras. Naquela altura, porém, estava de partida para os Estados Unidos, para onde seguiu, pouco depois, em viagem de estudos. Somente ao retornar, meses depois, voltou a procurar o centro que lhe fora indicado sob circunstâncias tão complexas para ser orientada no trabalho que esperava realizar. Longe de ter chegado ao termo das suas dificuldades ­ disto ela saberia mais tarde ­, elas apenas começavam. Se lhe fora exigida uma cota tão elevada de tenacidade e decisão apenas para que lhe indicassem um caminho, seria agora necessário acrescentar paciência e até humilde resignação à sua obstinação em servir da maneira adequada à causa que desejava adotar. É certo que o centro, ao qual fora encaminhada, dispunha de boa estrutura administrativa, desempenhava importantes tarefas de natureza social, doutrinária e mediúnica. E como era de se esperar, desenvolvera severos padrões de disciplina e de metodologia para cada setor de atividade, o que é perfeitamente compreensível e até desejável. Como realizar um trabalho sério numa comunidade movimentada e bem freqüentada sem regimentos adequados e normas apropriadas de procedimento? Cada um tem de saber o que deve fazer e precisa dar conta da parte que lhe toca no conjunto. O problema é que a tarefa mediúnica tem peculiaridades que não se deixam enquadrar na rigidez de certos esquemas inibidores. Claro que seu exercício precisa obedecer a uma disciplina operacional suficientemente severa para coibir desvios e ficar ao abrigo de influências negativas próprias do médium ou provocadas por terceiros. Mesmo nos limites de tal rigidez, é necessário deixar algum espaço para que cada médium possa movimentar seus recursos e faculdades pessoais, bem como expressar, de maneira adequada, a personalidade do eventual comunicante desencarnado. Sob esse aspecto, quase se poderia dizer que não há mediunidade e sim médiuns. A mediunidade é a expressão da sensibilidade do médium, seu instrumento de trabalho, e, como faculdade humana, guarda características pessoais, como o modo de caminhar, o tom da voz, a impressão digital, o feitio e ordenação da letra, o temperamento de cada um. Precisa ser disciplinada sem ser deformada, respeitando­ se o contexto da personalidade humana no qual ela ocorre. É desastroso tentar impor condições inaceitáveis às suas manifestações. Esse equívoco de abordagem ocorre com grande parte dos cientistas que em suas pesquisas procuram impor à fenomenologia psíquica em geral, e à mediunidade em particular, padrões e metodologia de trabalho totalmente

inadequados, que na maioria das vezes frustram o processo de observação e produzem resultados insatisfatórios. Quem se dispõe a trabalhar com fenômenos produzidos pelo psiquismo humano deve se preparar para respeitar as regras do jogo, decidindo, antes, que tipo de metodologia é aplicável ao estudo que pretende realizar. Se não existe, precisará criá­la; e antes de experimentar os fenômenos em si, testar a própria metodologia desenvolvida para a pesquisa. Isso porque se torna imperioso deixar espaço e condições para que o fenômeno se produza tão espontaneamente quanto possível, ainda que sob condições de controle observacional. O cientista, tanto quanto o dirigente de trabalhos

mediúnicos, deve ser um bom observador, dotado de espírito crítico alertado, e ter o bom senso de interferir o mínimo possível ­ apenas o suficiente para ordenar a seqüência de tarefas e coordenar as atividades que se desenrolam sob suas vistas. Deve, portanto, ser um observador participante, certo, mas nunca inibidor, pois ele está ali precisamente para fazer com que as coisas aconteçam e não para impedi­las ou forçá­las a ocorrerem da maneira exata pela qual ele entende que devam ocorrer. Não é muito diferente desta a maneira de pensar de André Luiz, expressa em Evolução em dois Mundos, (Xavier, Francisco C./Luiz, André 1973) onde se lê: Eminentes fisiologistas e pesquisadores de laboratório procuraram fixar mediunidades e médiuns a nomenclaturas e conceitos de ciência metapsíquica; entretanto o problema, como todos os problemas humanos, é mais profundo, porque a mediunidade jaz adstrita à própria vida, não existindo, por isso mesmo, dois médiuns iguais, não obstante a semelhança no campo das impressões ..., logo a seguir, adverte André Luiz que até mesmo 'espiritualistas distintos', que se julgam autorizados a apelar para os riscos da mediunidade ­ a fim de impedir­lhe a eclosão e, por conseguinte, os serviços que pode prestar ­ estão sendo influenciados por via mediúnica, traduzindo "interpretações particulares de inteligências desencarnadas que os assistem". Ou seja, estão atuando como inconscientes joguetes de vontades estranhas à sua. Os médiuns são sensíveis não apenas aos seres desencarnados, mas também às pressões e sentimentos, mesmo não expressos, das pessoas encarnadas que os cercam durante o trabalho. Harry Boddington (The University of spiritualism), ao qual estaremos recorrendo com alguma freqüência neste estudo, acha até que os médiuns são mais sensíveis às pressões dos encarnados do que às dos desencarnados. "Extrema elasticidade" ­ escreve o competente autor inglês ­ "deve ser adotada na aplicação de todas as teorias relativas aos fenômenos psíquicos." Isto não quer dizer, obviamente, que o médium possa e deva fazer ou permitir que se faça com ele tudo o que vier à sua cabeça ou à do manifestante, mas é preciso garantir condição suficiente para que o fenômeno ocorra dentro da dinâmica que lhe é própria. Esse princípio é válido para qualquer grupamento de pessoas, até mesmo quando reunidas para finalidades meramente sociais ou de trabalho material, estudo, debates, ou o que seja. Pessoas agressivas, amarguradas, mal­humoradas, pouco educadas causam transtornos em qualquer reunião, o que não ocorre quando os componentes de um grupo se harmonizam, respeitam­se mutuamente e debatem os problemas com serenidade e bom senso, ainda que divergindo neste ou naquele aspecto.

3 . PASSIVIDADE No caso do centro, no qual a moça tentava integrar­se para participar das tarefas coletivas ali desenvolvidas, havia um rígido padrão de comportamento mediúnico. Nada da elasticidade recomendada por Boddington e que

constitui um dos próprios ingredientes do fenômeno mediúnico em si, de vez que cada médium tem suas peculiaridades, precisamente por ser uma personalidade autônoma. Sem nenhuma experiência de trabalho em conjunto, a nossa jovem entrou assim para um grupo no qual predominavam muitas 'regras' inibidoras. Nas sessões ditas de desobsessão, exigia o padrão ali adotado que ela 'desse passividade' exatamente como os demais médiuns treinados pela casa: imóvel, olhos fechados, mãos juntas e abandonadas tranqüilamente sobre a mesa. Nenhum gesto era permitido durante a manifestação, nenhuma palavra em tom mais alto, nenhuma forma de movimentação do corpo, dos membros ou da cabeça.

Acontece que a mediunidade da nossa jovem tinha seus métodos operacionais próprios, o que vale dizer: eram diferentes dos que ali se praticavam. Embora disciplinada, sem manifestações ruidosas ou palavras descontroladas, ela gesticulava moderadamente e mantinha os olhos abertos, dando enfim expressão e naturalidade às suas manifestações. Agia acertadamente a meu ver, permitindo que o espírito manifestante pudesse expressar­se convenientemente, dizer enfim ao que veio e expor sua situação a fim de que pudesse ser atendido ou, pelo menos, compreendido nos seus propósitos. Se ele vinha indignado por alguma razão ­ e isto é quase que a norma em trabalhos dessa natureza ­, como obrigá­lo a falar serenamente, com a voz educada, em tom frio e controlado? Somos nós, encarnados, capazes de tal proeza? Não elevamos a voz e mudamos de tom nos momentos de irritação e impaciência? Como exigir procedimento diferente do manifestante e do médium? Afinal de contas, se a manifestação ficar contida na rigidez de tais parâmetros, acaba inibida e se torna inexpressiva, quando não inautêntica, de tão deformada. Em tais situações, é como se o médium ficasse na posição de mero assistente de uma cena de exaltação e a descrevesse friamente, em voz monótona e emocionalmente distante dos problemas que lhe são trazidos. É preciso considerar, no entanto, que ali está uma pessoa angustiada por pressões íntimas das mais graves e aflitivas, muitas vezes em real estado de desespero, que vem em busca de socorro para seus problemas, ainda que não o admita conscientemente. Não é uma vaga e despersonalizada entidade, uma simples abstração, mas um espírito que se manifesta. É um ser humano, vivo, sofrido, desarvorado, que está precisando falar com alguém que o ouça, que sinta seu problema pessoal, que o ajude a sair da crise em que mergulhou, que partilhe com ele suas dores, que lhe proporcione, por alguns momentos, o abrigo de um coração fraterno. O médium frio e com todos os seus freios aplicados à manifestação não consegue transmitir a angústia que vai naquela alma. É um bloco de gelo através do qual não circulam as emoções do manifestante, a pungência de seu apelo, a ânsia que ele experimenta em busca de amor e compreensão. Nenhum problema é maior, naquele instante, para o manifestante do que o seu, nenhuma dor mais aguda do que a sua. Dizíamos há pouco que a médium permitia que o manifestante se expressasse a seu modo, mas, a rigor, ela simplesmente não sabia trabalhar de outra maneira. A entidade parecia assumir seus comandos mentais e utilizar­se, com naturalidade, de seu corpo físico. Se havia alguma ação inibidora ou controladora da parte da médium, era em nível de consciência extra física. E, certamente, era isso que se dava, pois nunca houve qualquer distúrbio ou excesso nas manifestações que ocorriam por sua intermediação. No entanto, o dirigente exigia que o médium transmitisse tudo na rígida postura de um robô, que leva a palavra de um lado para outro, mas não admite que se filtrem, também, as emoções que elas contêm e que as impulsionam. Quando isso

ocorre, o que chega ao dirigente ou doutrinador não é aquilo que partiu do manifestante e, sim, a versão pasteurizada e impessoal que o médium lhe transmitiu, como se fosse um mero (e infiel) telefone. O espírito nem consegue sentir, no ser que utiliza como instrumento, um pouco de empatia, de solidariedade, de fraternidade, de emoção participante, de calor humano. É nisso que resulta a excessiva e tão decantada passividade ... E para esse tipo de passividade nossa jovem não estava preparada. Daí os problemas com os métodos da casa e, obviamente, com os dirigentes do trabalho.

4. IDENTIFICAÇÕES INDESEJÁVEIS Mas havia outros aspectos, como o da psicografia, por exemplo. Não somente ali, mas em outros grupos que ela iria freqüentar mais tarde. Logo nos primeiros tempos de trabalho no centro, ela começou a receber textos psicografados. Sem imaginar que aquilo pudesse criar­lhe alguma dificuldade ­ a regra não era precisamente a de 'dar passividade'? ­, o espírito encerrava as mensagens com sua assinatura, procedimento naturalíssimo e rotineiro. O problema é que surgiam nomes considerados como verdadeiros Tabus, tidos como privativos, exclusivos de determinados médiuns, como se fossem propriedades de tais médiuns. Só através de determinados medianeiros, mensagens de certos espíritos eram confiáveis e aceitáveis. Tal procedimento choca­se, aliás, com a prática adotada e preconizada pelo codificador, que exatamente nos pontos mais delicados e controversos gostava de testar a informação dos espíritos com diferentes médiuns. Vemos em O evangelho segundo o espiritismo e em Obras póstumas mensagens do próprio mentor do espiritismo, o Espírito de Verdade, produzidas por diferentes médiuns, em locais também diversos. Ali naquele centro, contudo, era um deus­nos­acuda quando o manifestante encerrava sua página com certos nomes­tabus, com os quais nem a jovem médium estava familiarizada, como Bezerra de Menezes, Auta de Souza e outros. Novata no movimento espírita, ela não tinha a menor idéia do que representavam tais nomes. Bastava­lhe saber que as mensagens estavam corretamente formuladas, do ponto de vista doutrinário, e eram acatadas com agrado pelos seus ouvintes e leitores, depois de recebidas nas reuniões públicas. Passavam até pela crítica atenta dos dirigentes do grupo, que nada tinham a objetar nelas quanto ao conteúdo ou à forma. O único problema era mesmo o de que ela "não podia, como médium iniciante", receber mensagens assinadas por entidades que lhe eram desconhecidas, mas consideradas importantes demais para a insignificância da jovem médium. E isso em nada contribuía para torná­la mais confiante. Pelo contrário, ia ficando cada vez mais confusa e insegura, cultivando inibições de difícil erradicação que, por pouco, não paralisam sua florescente mediunidade. Ante esses inesperados problemas, ela ficava sem saber como proceder nas situações mediúnicas de que participava. Como fazer, por exemplo, para que o espírito não assinasse a comunicação?

5. COMPORTAMENTO PADRONIZADO Enquanto isso, agravava­se também, a pressão do grupo sobre suas manifestações psicofônicas, chamadas de incorporação. Sua mediunidade operava por desdobramento ­ ela se via fora do corpo físico; o manifestante aproximava­se e assumia seus controles mentais, sem tumultos ou excessos. Eram normais as manifestações, sem gritos, sem palavras inconvenientes, sem atitudes de agressividade ou descontrole. A entidade conseguia, contudo,

expressar adequadamente sua personalidade e seus conflitos, modulando a voz segundo suas emoções, e gesticulando moderadamente e com naturalidade. O problema, porém, é que elas não 'aceitavam' prontamente a 'doutrinação' dos dirigentes incumbidos de lhes falarem. Não se sujeitavam passivamente à esperada obediência e concordância. Elas discordavam, contestavam, expressavam suas próprias idéias e pontos de vista, bem como a intensidade de suas emoções e convicções. Isso era desastroso para a pobre e aturdida médium. Terminadas as reuniões, ela era chamada à parte para nova sessão de 'doutrinação', dessa vez dirigida