Diversidade e Diálogo- Reflexões Sobre Alguns Métodos de Pesquisa Em Psicologia

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    Interaes

    ISSN: 1413-2907

    [email protected]

    Universidade So Marcos

    Brasil

    Vieira Zanella, Andrea; Penna Soares, Dulce Helena; Aguilar, Fernando; Maheirie, Ktia; Prado Filho,

    Kleber; Coelho de Souza Lago, Mara; Chalfin Coutinho, Maria; Juracy Toneli, Maria; Scotti, Srgio

    Diversidade e dilogo: reflexes sobre alguns mtodos de pesquisa em psicologia

    Interaes, vol. Xll, nm. 22, julho-dezembro, 2006, pp. 11-38

    Universidade So Marcos

    So Paulo, Brasil

    Disponvel em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=35402202

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    DIVERSIDADE E DILOGO: REFLEXESSOBRE ALGUNS MTODOS DE PESQUISAEM PSICOLOGIA

    ANDRAVIEIRAZANELLADoutora em Psicologia da Educao (PUC-SP).

    DULCEHELENAPENNASOARESDoutora em Psicologia Clnica (Universit Louis Pasteur, Frana).

    FERNANDOAGUIAR

    Doutor em Filosofia (Universit Catholique de Louvain).

    KTIAMAHEIRIEDoutora em Psicologia Social (PUC-SP).

    KLEBERPRADOFILHODoutor em Sociologia (USP)

    MARACOELHODESOUZALAGODoutora em Psicologia Educacional (UNICAMP)

    MARIACHALFINCOUTINHODoutora em Cincias Sociais rea de Concentrao: Trabalho e Sindicalismo (UNICAMP)

    MARIAJURACYTONELIDoutora em Psicologia Escolar e Desenvolvimento Humano (USP)

    SRGIOSCOTTIDoutor em Psicologia Clnica (USP)

    Todos os autores so professores da rea Prticas Sociais e Constituio do Sujeito

    do Programa de Ps-Graduao em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina

    (PRPG-UFSC).

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    Resumo: Este artigo discute diferentes orientaes terico-metodolgicas de umgrupo de pesquisadores sobre prticas sociais e constituio do sujeito. So

    apresentadas as estratgias de investigao utilizadas pelos autores, que se ancoramnas seguintes abordagens: psicanlise, estudos etnogrficos, existencialismo deSartre, psicologia histrico cultural de Vigotski e arqueologia e genealogia deFoucault. O principal ponto de convergncia entre as diferentes orientaes terico-metodolgicas aqui apresentadas a nfase no processo de constituio do sujeitoem sua relao com um outro e, enfim, com a cultura. Este sujeito constitudohistoricamente e produtor de sentidos, a partir de sua insero em contextos polticose culturais. Ainda que cada pesquisador olhe a realidade a partir de diferentes lentestericas, no sendo, portanto, um observador ingnuo, so valorizadas a aberturapara o inusitado, para as descobertas e surpresas da subjetividade cotidiana.

    Palavras chaves:mtodo, pesquisa, subjetividade, psicologia histrico-cultural.

    DIVERSITY AND DIALOGUE: REFLECTIONS ON SOME RESEARCH

    METHODS IN PSYCHOLOGY

    Abstract: This article discuss the converging of diverse methodological andtheoretical orientations which are applied by this group of researchers on socialpractices and subject constitution. The investigation strategies employed by theauthors are thus presented and they are based on the following approaches:Psychoanalysis, Ethnographic Studies, Sartres Existentialism, Vygotskis Historical-Cultural Psychology and Foucaults Archeology and Genealogy. The main focus ofconvergence among the diverse methodological and theoretical approaches herepresented is the emphasis on the process of subject constitution in relation to theOther; in other words, in relation to culture. Subject as such is here understood ashistorically constituted and as capable of producing meaning, from her/his insertioninto political and cultural contexts. Even though each researcher perceives realityfrom different theoretical lenses, what it means they are not nave observers,they all value the openness to the unexpected, to the discoveries and surprisescoming from day-to-day subjectivity.

    Keywords:method, research, subjectivity, Historical-Cultural Psychology.

    IntroduoSo apresentadas neste artigo algumas reflexes resultantes de

    nossa experincia conjunta de trabalho como professores e orientadoresde um Programa de Ps-Graduao em Psicologia. Integramos umgrupo que pesquisa prticas sociais e constituio do sujeito e se organizaem quatro ncleos: modos de vida, gnero, geraes e subjetividades;psicanlise e suas incidncias no sujeito e na cultura; constituio do

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    ANDRAVIEIRAZANELLA; DULCEHELENAPENNASOARES; FERNANDOAGUIAR; KTIAMAHEIRIE; K LEBERPRADOFILHO; MARACOELHODESOUZALAGO; MARIACHALFINCOUTINHO; MARIAJURACYTONELI; S RGIOSCOTTI

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    sujeito e relaes de poder em diferentes contextos scio-profissionais;

    relaes estticas, constituio do sujeito e atividade criadora.Adotamos assim diferentes orientaes tericas. Mas, alm de o

    nosso foco de interesse centrar-se na subjetividade, aproxima-nosenquanto pesquisadoras/es o fato de trabalharmos com as chamadasnovas alternativas metodolgicas, apontadas por Menandro (1998).Entendemos que essas alternativas no so mais assim to novas, bemcomo no constituem bloco unssono marcado apenas por consonncias.Ao contrrio, as chamadas novas tendncias caracterizam-se por umadiversidade marcante, que, uma vez reconhecida e acolhida, permite oestabelecimento de relaes dialgicas.

    A possibilidade desse dilogo sustenta-se ao mesmo tempo noreconhecimento das diferenas e na identificao de aspectos que as

    aproximam. Dentre esses aspectos, destaca-se o reconhecimento daausncia de statusprprio no que diz respeito metodologia, que sse define em um dado contexto terico-metodolgico. Dito de outramaneira, abandonou-se (ou vem-se abandonando) a idia de quefaa qualquer sentido discutir a metodologia fora de um quadro dereferncia terico que, por sua vez, condicionado por pressupostosepistemolgicos (Luna, 1988, p. 71).

    Independente da pergunta que se busca responder, reconhecera vinculao entre referencial terico-metodolgico e desenho dapesquisa conduz necessria discusso, junto aos ps-graduandos,da diversidade epistemolgica que caracteriza o universo da produode conhecimentos em psicologia. Dar conta dessa diversidade umatarefa difcil, em razo dos prazos a que estamos submetidos pelasagncias de fomento. Porm neg-la, privilegiando uma ou outraperspectiva, a nosso ver pouco contribui para uma formao consistentee crtica de pesquisadoras/es e docentes de ensino superior. Nesse sentido, possvel refletir, como faz Bianchetti (2002), sobre o desafio de escreverum maior nmero de teses e dissertaes mantendo sua qualidade,quando, alm disso, somos pressionados pela diminuio de recursose de tempo.

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    ... a constatada compresso da categoria tempo abandona o campo da

    anlise e imiscui-se na vida-trabalho das pessoas, potencializando a

    produtividade como se pode observar nas estatst icas festivamente

    apresentadas pelas autoridades governamentais ; porm, com

    repercusses ainda no avaliadas em termos de qualidade dessas

    produes (Bianchetti, 2002, p. 177).

    Como alternativa ao impasse qualidade versus quantidade , querepercute tambm em nossa rea de pesquisa, optamos pela discussode mtodos e procedimentos de pesquisa em Psicologia, no mbito dadisciplina de mesmo nome, mais especificamente os mtodos comos quais trabalhamos e que nos caracterizam enquanto grupo depesquisadoras/es.Tal estratgia visa facilitar o processo de elaboraodos projetos de pesquisa dos alunos, sem abandonar uma discussometodolgica mais substantiva.

    A experincia de discusso aprofundada dos mtodos que noscaracterizam tem se revelado promissora, sendo este artigo um resultadomomentneo deste processo.

    Nesse sentido, apresentam-se aquidiferentes orientaes terico-metodolgicas a psicanlise, os estudosetnogrficos, o existencialismo de Sartre, a psicologia histrico-culturalde Vigotski e a arqueologia e genealogia de Foucault , buscandoidentificar os fios que nos permitem tecer uma trama dialgica e refletirsobre questes de mtodo na pesquisa em psicologia.

    PsicanliseNa universidade, o pesquisador em psicanlise convocado a

    afirmar, cotidianamente, a irredutibilidade da experincia analtica esua constituio como campo epistemolgico especfico e autnomo,com suas problemticas prprias e seu mtodo (Berlink & Magalhes,1997). A pesquisa em psicanlise, que coincide com o prprio tratamento(Freud, 1998), parte integrante da formao e da atividade clnica dopsicanalista. Mas o pesquisador da disciplina fundada por Freud noexterior da academia no pode se furtar exigncia de formalizar ecomunicar sua atividade de pesquisa, acrescentando-lhe especificidadee clareza segundo a tradio universitria. Nesse sentido, o texto freudianopermanece emblemtico.

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    Antes de tudo nome de um mtodo, a psicanlise (parcialmente)

    definida como um mtodo de investigao que busca evidenciar osignificado inconsciente de toda e qualquer produo imaginria, sejaela individual ou coletiva (Laplanche & Pontalis, 1973). Ora, comoescreve Freud (1996) em seu artigo sobre a psicanlise na universidade,no estudo dos processos psquicos e das operaes do esprito, o mtodoprprio da psicanlise originalmente (em ambos os sentidos) clnico no somente ... aplicado ao funcionamento psquico patolgico,mas tambm soluo de problemas artsticos, filosficos e religiosos(p. 113). Foi o que ele prprio fez: a particularidade que suas incursesconstituram-se muitas vezes em obras capitais para o desenvolvimentoda prpria teoria psicanaltica: tal o caso, para nos ater apenas a umexemplo, do estudo sobre Leonardo no terreno da sexualidade. Mascomo no lembrar (por razes que se conhecem certamente mais) deTotem e Tabu, do trabalho sobre os chistes (Witz) e, de alguma maneira,do prprio livro fundador da psicanlise?

    O mtodo da psicanlise interpretativo. Decifrar, traduzir,interpretar algo que sempre foi feito, mas Freud inventou um mtodode interpretao muito preciso, assentado, como se sabe, na livreassociao do analisando e na escuta (livremente) flutuante do analista.A aposta estaria na possibilidade de servir-se desse mtodo tambmnas pesquisas em psicanlise na universidade; por exemplo, na leiturade textos escritos, ferramenta onipresente na pesquisa acadmica.Em que consiste fazer uma pesquisa em cima de textos? O que esperodele? Que tipo de pergunta est presente ali? (cf. Garcia-Roza, 1994).

    De fato, Laplanche (1978 e 1998) prope transportar para a leiturados textos algo do mtodo psicanaltico. Ele parte do pressuposto deque o essencial da interpretao analtica, maneira de Freud, o seumtodo, e este consiste num aplatissement, num achatamento de todosos elementos do texto, conferindo nfase e valor idnticos a qualqueruma das partes e ao conjunto delas: no h relaes de subordinaoda parte ao todo, um detalhe recebe a mesma ateno (eqiflutuante)que o todo da narrativa (cf. ainda Mezan, 1993 e 1994). Em uma palavra,uma atitude de abandono de todo a priori e de suspenso de todo

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    julgamento e de todo saber ainda que paradoxalmente jamais seja

    possvel desembaraar-se por inteiro dospartis pris, opinies, preconceitos,limites. O conhecimento [...] nem sempre tem um efeito de abertura ele tambm refora a resistncia... (Beauchamp, 1991, p. 97).

    No se trata obviamente, a neutralidade analtica, de uma atitudenatural, posto que nossa escuta seletiva: privilegia-se o que j seconhece, a representao familiar, a idia do momento. Proteger-seda evidncia, no temer a contradio, o estranho ou o desconcertanteno uma coisa natural, clama Beauchamp (1991, p. 70). Dela no sepode apropriar, parece-me evidente, sem um duro e constante trabalhosobre as resistncias. Venc-las a cada vez, no enquadramento deexperincias transferenciais muito particulares com o texto, podeconstituir-se na mola-mestra da pesquisa psicanaltica universitria.

    No fim das contas, como lembra ainda Beauchamp (1991), o psicanalistano tem seno um instrumento de trabalho: seu prprio inconsciente.

    Considera-se que toda e qualquer pesquisa em psicanlise sebeneficia a rigor, talvez seja mesmo sua condio da experinciaanaltica, e esta ocorre de maneira privilegiada e antes de tudo notratamento. Mas no de modo exclusivo, afirma Laplanche (1998),listando, alm da clnica, a psicanlise exportada (psicanlise aplicada),a teoria e a histria como lugares e objetos dessa experincia (Erfahrung).

    Mais particularmente falamos em mtodo, com os nossos ps-graduandos, como arquitetura da tese conforme Mezan (1998), aforma de organizar os dados e pensar os problemas. Ao organizar osdados e pensar os problemas, com certeza estamos impregnados doaparelho conceitual da psicanlise, que tem uma dimenso cumulativa.Contudo, a teoria psicanaltica ao mesmo tempo saber constitudo esaber sempre sujeito a remanejamentos; e, sendo a psicanlise um nomede um mtodo, este saber ser sempre, no limite, menos importanteque a via utilizada para se chegar at ele (Beauchamp, 1991). Tambmna psicanlise extramuros, universitria no caso, ... as condies dedomnio e de mtodo tm de ser definidas a cada vez (Laplanche,1987, p. 15). Dito de outra maneira, cada tipo de questo pede um

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    mtodo prprio (Mezan, 1998), e compatvel com a pesquisa em curso

    (v. Aguiar, 2006).Muito diverso da leitura eqiflutuante sugerida por Laplanche,

    o modelo de investigao clssica pode ser avaliado a partir de umametfora. Especialmente no caso das pesquisas em que se defendeuma tese, a metfora do microscpio serve-nos para pensar o mtodocientfico como uma tentativa de focalizar um determinado fenmenoou, o que mais freqente, certo aspecto de um determinado fenmenoque interessa ao investigador.

    O mtodo cientfico recomenda focalizar, isolar se possvel, oobjeto de pesquisa de suas variveis intervenientes. A se v que o olho o do investigador, idealmente apartado do fenmeno que investiga.Mas, de qualquer forma, no a olho nu que se v. atravs de um

    jogo de lentes, de seus conceitos tericos, que se v algo. Por outrolado, continuando nossa metfora, ao buscar enxergar o objeto de estudoem seus detalhes, o investigador no pode coloc-lo na lmina a seco. preciso um meio prprio, um reagente, no qual o fenmeno possamostrar-se na sua complexidade. Testam-se, consideram-se diferentesreagentes, variveis e/ou meios com os quais o objeto de estudo emquesto interage. Ao fim, o que interessa uma viso atenta e emprofundidade dos detalhes e reviramentos dos elementos que fazemparte direta ou indiretamente do fenmeno investigado.

    Talvez se possa protestar que tal modelo no se aplica, por exemplo,aos mtodos de estudo dos fenmenos sociais que levam em contadiferentes nuances desses fenmenos e, em especial, a participao doprprio investigador. Com o que estamos de acordo, na medida emque consideramos tratar-se a, na verdade, de mais uma lente que seadiciona ao aparelho de investigao.

    O que estamos interessados em destacar com tal metfora queem todo mtodo de investigao cientfica, desde o mais ortodoxoat o mais flexvel, est subjacente a suposio da existncia de umalgica; para ser mais preciso, uma racionalidade subjacente ao prpriofenmeno estudado, que se revelar ento a partir de sua atenta

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    observao. Felizmente, vez ou outra, revela-se de fato mais do que o

    esperado. Da o progresso da cincia. Interessante, para no dizersurpreendente constatao: o que se revela mais profcuo na cincia justamente aquilo no controlado por ela: o impondervel.

    Aqui nos encontramos com o prprio objeto da psicanlise: oimpondervel do desejo inconsciente. O que Freud descobriu e Lacanveio arrematar foi a existncia de uma outra cena na qual a lgica dosaber consciente no impera. Embora urdida pela linguagem, que atravsde suas transformaes metafrico-metonmicas constri o prpriodesejo inconsciente, ela ao mesmo tempo subvertida permanentementeem sua ordem por este mesmo desejo no qual se tenta situar um sujeito,sempre mvel, incerto, inacabado.

    Portanto, a investigao analtica, seja ela a do tratamento ou de

    qualquer outra rea, no mais do que a adequao a um objeto que sefurta a qualquer abordagem que privilegie o saber consciente da teoria,at mesmo a psicanaltica. O mtodo analtico uma escuta, ou umaleitura como queiram, que sob o adjetivo de flutuante busca umaabertura para o impondervel das produes do desejo inconsciente,reveladas nas mais diversas atividades do homem.

    Estudos etnogrficosO mtodo etnogrfico, sistematizado por Malinowski (1976) em

    suas pesquisas nas ilhas Trobriand, tem como caracterstica destacadaa considerao das subjetividades em interao na situao depesquisa. Justamente as subjetividades que, em condies objetivas

    de investigao, deveriam ser controladas, neutralizadas e, por queno dizer, desconsideradas.

    A pesquisa etnogrfica, o chamado trabalho de campo daantropologia, fundamentalmente uma pesquisa qualitativa, emborano exclua inteiramente a utilizao de dados quantitativos. Aantropologia, disciplina diferenciada da sociologia, a cincia socialque elegeu como objeto de estudo sociedades de menores portes,procurando apreend-las em suas expresses culturais, atenta a valores

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    coletivos, a grupos, a interaes, a pessoas, considerando contextos

    scio-culturais abrangentes. Desenvolvendo tcnicas de pesquisa quebuscam dar conta da complexidade, o mtodo etnogrfico fundamenta-se no que os antroplogos definem como o olhar antropolgico,treinado no paradigma do relativismo cultural, que veio por sua vez secontrapor, ainda nos tempos iniciais da formao da disciplina, aoevolucionismo social, com as cargas de etnocentrismo que sustentava.

    As tcnicas ensinadas por Malinowski e pelos outros antroplogosque iniciaram o trabalho de campo etnogrfico fundam-se nesse olharatento e interativo que compe o que ficou nomeado como observaoparticipante, a observao que pressupe o ouvir e o dialogar, a relaode alteridade, a interao de subjetividades, a aceitao do diferente.Como pontua Da Matta (1978, p. 28), em texto j clssico na antropologia

    brasileira, o estudo etnogrfico pressupe um exerccio de mo dupla:tornar extico o que familiar e transformar em familiar o que o pesquisadorpercebe como extico, estranho. O exerccio de estranhamento se faz aindamais presente quando o campo etnogrfico em investigaes de grupos,comunidades, associaes, pessoas, no estudo das diferenas culturais,da alteridade se desloca das sociedades grafas indgenas distantespara a prpria sociedade do pesquisador (Velho, 1978).

    As entrevistas etnogrficas, em sociedades prximas ou distantes,buscam idealmente obter histrias de vida nos encontros intersubjetivos,embora s vezes precisem contentar-se apenas com depoimentos dosinformantes (Queiroz, 1998). Oliveira (2000), referindo-se s etapasque compem o trabalho etnogrfico, e inspirado em Geertz (1996),

    discorre sobre o olhar e o ouvir, faculdades do entendimento exercitadasno trabalho de campo estando l, e sobre o escrever estando aqui.Nesta etapa, os relatos contidos nas entrevistas so analisados/interpretados e o recurso s anotaes nos dirios de campo e a leitura,discusses acadmicas, estudos tericos e outros, resultam na elaboraode uma etnografia.

    A etnografia, conforme definida por Geertz (1978) uma descriodensa que se fundamenta numa concepo simblica de cultura.

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    A descrio densa seria, para o autor, o esforo intelectual de que o

    pesquisador lana mo para apreender, entre as estruturas significantesinterpostas e entrelaadas, a rede de significados, a hierarquia designificaes mais apropriadas para a sua interpretao no a verdadeiraou a nica dos fatos culturais pesquisados. Embora se detendo no estudode realidades sociais mais circunscritas que as visadas pela sociologia oupelas cincias polticas, a antropologia persegue a universalizao doconhecimento, via comparaes etnogrficas (Peirano, 1995).

    Por seus pressupostos, suas implicaes e o fazer que o caracteriza,o mtodo etnogrfico tem sido apropriado por outras disciplinas darea das cincias humanas/sociais. Assim, um instrumento bastanteutilizado em pesquisas realizadas no campo da educao; na psicologia,especialmente a psicologia social; na rea de letras e comunicao,

    com nfase especial na crtica literria, entre outros campos de estudoscentrados nos seres humanos, suas alteridades e nas questes subjetivasenvolvidas nas interaes sociais.

    Fonseca (1999) alerta sobre desvios que costumam ocorrer naapropriao do mtodo etnogrfico por outras reas disciplinares,quando desconsideram (ou desconhecem) os pressupostos tericos queo sustentam, especialmente seus fundamentos nas concepes dorelativismo cultural. Segundo estas concepes cada povo (ou diferentessegmentos de uma sociedade complexa) produz seus prprios valoresculturais, os ritmos e direes de suas transformaes e desenvolvimentosocial, no podendo ter suas caractersticas, valores ou prticas analisadaspela tica de outras culturas, com outros valores, crenas e prticas

    sociais. No texto, a autora explicita o mtodo em seus diferentesmomentos, partindo da observao participante, que busca a interpretaoda realidade observada com um olhar comparativo alimentado pelaleitura de outras pesquisas. Ou seja, um percurso que caminha nadireo do particular ao geral.

    As etapas identificadas por Fonseca (1999) so: 1) o estranhamentode algum acontecimento no campo que se constitui no objeto de estudo;2) a esquematizao dos dados empricos obtidos atravs da observao

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    participante e registrados no dirio de campo, de forma a mapear a

    realidade investigada; 3) a desconstruo dos esteretipos preconcebidose das estruturas conceituais que podem enviesar desde a percepodo fato a ser observado at sua interpretao; 4) a comparaosistemtica com outras pesquisas sobre o mesmo tema, via reviso daliteratura e procura por dinmicas anlogas observada; 5) a constituiode modelos alternativos quando o pesquisador busca a sistematizaodo material com o intuito de entender a lgica que subjaz e ordena asvrias partes do sistema (p. 73). Neste esforo pode mesmo elaborarnovos modelos para a interpretao de comportamentos e atitudes sem,contudo, isolar os sujeitos de seu contexto. Os modelos, neste caso,so criaes abstratas para ajudar-nos (...) A fazer sentido daquelesoutros (p. 76).

    Nesta perspectiva metodolgica, importante considerar que aquantidade de informantes em si mesma no relevante, assim comoa representatividade a priorido grupo ou sujeito investigado. O dadoparticular o ponto de partida para interpretaes mais abrangentes, medida que o sujeito/grupo situado em seu contexto histricoe social. Neste caso, a contextualizao do comportamento dosinvestigados e do prprio pesquisador torna-se fundamental paraevitar o subjetivismo estril.

    Conforme ressalta Fonseca (1999), o mtodo etnogrfico no seconfunde com o estudo do indivduo. Trata-se de abordar os fenmenoscomo fatos sociais e compreender como, em cada grupo humano,determinados comportamentos e significados so construdos, delineando

    suas prticas. Neste caso, a observao participante ocupa o lugar dedestaque, uma vez que no possvel descobrir a relao entre osdiferentes elementos da vida social atravs apenas dos relatos verbaisinsuficientes para permitir a contextualizao das informaes obtidasnas entrevistas realizadas em campo.

    Trata-se de um mtodo que tem se mostrado extremamente tilpara as pesquisas que pretendem abordar universos simblicos distintos,considerando-se seus contextos de produo histrica e social. ,

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    portanto, referncia em inmeros estudos de Psicologia Social, sobre

    temas como: subjetividades, gnero, gerao, sade reprodutiva,masculinidade e juventude. Como exemplos de trabalhos etnogrficosrealizados na rea da psicologia social, podemos citar Mello (1985),Lago (1996) e Siqueira (1997), alm de trabalhos mais recentes realizadosno Ncleo de Pesquisa Modos de Vida, Famlia e Relaes de Gnero Margens, do departamento de Psicologia da UFSC. O clssico estudode Ecla Bosi (1979), Memria e Sociedade: lembranas de velhos, quetrabalhou com histrias de vida, pode servir de exemplo para arealizao de entrevistas etnogrficas e para a explicitao das trocasintersubjetivas na situao de pesquisa, com o profundo respeito pelosujeito pesquisado, seus valores, individualidades e a valorizao deseus relatos, no trabalho de rememorao que empreenderam paracontar sobre a cidade de seus tempos de infncia e juventude.

    Existencialismo em SartreAo buscar as contribuies da fenomenologia, do existencialismo

    e do marxismo, Jean-Paul Sartre escreveu Questo de Mtodo (1957),publicado em Les temps modernesn 139 e 140, depois, em 1960,como prefcio Critique de la raison dialectique. Nesta obra, ele discuteas questes do marxismo e de como a fenomenologia e o existencialismopoderiam contribuir com a filosofia de Marx, considerada por ele, umsistema filosfico ainda insupervel. Evidenciando o carter histrico-dialtico do sujeito, Sartre prope o mtodo progressivo-regressivopara a compreenso da realidade humana, entendendo que o sujeitose constri em seu contexto histrico, a partir das condies objetivas

    de sua situao e que, subjetivamente, mantm e supera esta suacondio. Para o autor, o mtodo precisa reconstruir o trajeto davida do(s) sujeito(s) que se pretende conhecer, num movimentoanaltico-sinttico, exigindo dedicao, pacincia e profundidade, porparte do pesquisador.

    Ontologicamente, Sartre (2000) compreende o homem1 comosendo uma sntese aberta e inacabada entre objetividade e subjetividade.A objetividade se faz afirmao e presena de ser. A subjetividade se

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    faz negao e ausncia de ser. Na relao dialtica entre objetividade e

    subjetividade, o homem se faz um sujeito especfico (Maheirie, 2002).A partir da viso de homem como histrico-dialtico, ele prope ummtodo necessariamente dialtico, partindo das contradies, negaese superaes que surgem na reconstituio da histria do sujeito, paraque no percamos a complexidade do real na busca por apreend-loem suas mltiplas perspectivas.

    De uma forma geral, quando se trabalha nesta perspectiva, osprocedimentos mais comuns na coleta das informaes so as entrevistasabertas, mas com roteiro norteador, que podem acontecer de formaindividual ou grupal, conforme o tema que interessa na investigao.As questes versam em torno de dados da histria passada e impulsosfuturos que o(s) sujeito(s) experenciam na relao com os outros, com

    as coisas, com a natureza e com seu prprio corpo. Assim, o movimentometodolgico precisa ser progressivo-regressivo, de forma que opesquisador o focalize em dois movimentos simultneos, um de maneirahorizontal e outro de maneira vertical.

    Focado na maneira horizontal, o movimento de investigao abordao objeto de estudo numa perspectiva histrica, tendo o momentopresente como ponto de partida, para em seguida contextualiz-loem relao a seu passado e, ao mesmo tempo, em relao as suasperspectivas ou movimentos que levam ao futuro, buscando estesmovimentos em cada momento de seu passado. Assim, todas asdimenses temporais so contempladas no modo como ele apreende arealidade, de forma que a temporalidade deixa de ser linear para se

    fazer dialtica, j que se estrutura na unificao daquilo que j ocorreucom aquilo que ainda no foi vivido.

    Focado na maneira vertical, o objeto deve ser compreendidoenquanto unicidade em relao multiplicidade, ou seja, uma singularidadeem relao ao coletivo mais amplo. Isto significa que o sujeito precisaser analisado como produto do coletivo, como singularizao dauniversalidade, mas ao mesmo tempo como produtor singular dacoletividade. importante que o sujeito seja visto, analisado e

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    compreendido como produtor das foras sociais, econmicas, polticas

    e tambm afetivas, ideolgicas, de distintas racionalidades, objetivas esubjetivas ao mesmo tempo. Questes acerca de seu contexto histrico-cultural precisam estar presentes nas entrevistas, acrescidas de pesquisasbibliogrficas que tornem tal contexto passvel de compreenso. Nestemomento do processo de investigao, necessrio que se descubra aresposta para aquela j conhecida pergunta, inicialmente formulada porSartre: o que o sujeito fez com aquilo que fizeram dele?

    O processo de anlise implica que se aponte, necessariamente, adimenso mediata do objeto de nossa anlise. Ou seja, precisoestabelecer as mediaes, descobrindo, construindo e reconstruindoas informaes, por meio de snteses e anlises, que se objetivaroem totalizaes provisrias e inacabadas a respeito de nosso objeto.

    A interpretao das informaes deve acontecer de maneira analtica esinttica ao mesmo tempo, pois buscar decompor e recompor omovimento do objeto, buscando respeitar, ao mximo, o modo comose deu. Assim, sendo possvel falar em produo de verdades, estas spodem ser estabelecidas e compreendidas de forma relativa, j que,por serem dialticas, elas se fazem devindas, num processo detotalizao, destotalizao e retotalizao. Enfim, o saber se faz prxis,desvelando a perspectiva poltica da produo do conhecimento.

    O objeto de estudo composto por sujeitos que se objetivam pormeio de determinadas prticas sociais: trabalhadores, desempregados,integrantes de movimentos sociais, mulheres, jovens, professores deescolas pblicas e outros. Para a investigao destes sujeitos, dentro de

    uma concepo terico-metodolgica filiada dialtica materialista,no possvel delimitar procedimentos fechados de coleta e anlise deinformaes. Porm, podemos ter como objetivo central investigaro(s) sujeito(s), buscando o movimento de totalizao histrica dasingularidade na interseco da totalizao histrica mais geral (histriae contextualizao da sociedade) e buscar na histria do(s) sujeito(s),as suas objetivaes, alienadas e crticas, os sentidos que construiu apartir das significaes coletivas e, como produto fundamental, seudesejo de ser. Assim, devem ser elaboradas tantas questes quantas se

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    fizerem necessrias para produzir a recomposio deste processo,

    dependendo sempre da temtica que nos interessa em cada pesquisa.Saber o que o(s) sujeito(s) fez (fizeram) do que fizeram dele pode sera pergunta norteadora da investigao, criando novas perguntas a cadarecorte que se pretende fazer. Por fim, uma vez que o sujeito compreendido como uma subjetividade objetivada que se subjetivaconstantemente por meio de suas mediaes, produzindo sentidos quebrotam de cada relao vivida, nossa questo fundamental versar, emsntese, em torno desses sentidos e de que forma eles se articulam naconstruo dos desejos de ser.

    Psicologia histrico-culturalAs reflexes sobre mtodo esto presentes em todos os escritos

    de Lev Semionovitch Vigotski, pois constituem o alicerce atravs do

    qual constri seu arcabouo terico e funda o enfoque histrico-culturalem psicologia. A identificao dessas reflexes, no entanto, complexana medida em que estas se imbricam com a preocupao que o moveem suas investigaes: a constituio social e histrica do psiquismohumano e, por conseguinte, do prprio sujeito. A filiao perspectivamarxista clara nesse sentido e objetiva-se na mxima a pessoa umagregado de relaes sociais encarnadas num indivduo (Vigotski, 2000,p. 33), assertiva esta que vincula inexoravelmente sujeito e sociedade(Pino, 2000; Zanella, 2004).

    Entender o posicionamento de Vigotski sobre questes de mtodosignifica, portanto, considerar o seu prprio objeto de estudo bem comoo lugar epistemolgico de onde fala, o que em razo da brevidade destetexto uma tarefa inglria. Ainda assim, possvel apresentar algumasconsideraes gerais sobre o pesquisar na perspectiva deste autor,contribuies essas que permitem entender o modo como desenvolvesuas investigaes e as preocupaes metodolgicas que perpassamseu arcabouo terico. Para este autor, o estudo de todo e qualquerfenmeno s possvel em uma perspectiva histrica:

    O estudo histrico significa simplesmente a utilizao da categoria

    de desenvolvimento na investigao dos fenmenos. Estudar algo

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    1) Anlise do processo ao invs do objeto/produto. Ao contrrio da

    tendncia atomista que pairava sobre a psicologia de sua poca,atravs da qual se elegia um objeto de estudo e o dividia em pequenaspartes, Vigotski props o estudo dos processos psicolgicosvia relao entre os momentos que os constituem, a fim decompreender o seu movimento, a sua transformao ... anlisedo objeto deve contrapor-se a anlise do processo o qual, defato, se reduz ao desdobramento dinmico dos momentosimportantes que constituem a tendncia histrica do processodado (Vigotski,1995, p. 101).

    2) Acontraposio das tarefas descritivas e explicativas de anlise. Vigotskientendia que a descrio era um momento necessrio na pesquisa,porm esta deveria ser superada na medida em que investigaescientficas buscam explicar o que estudam, as relaes de mtuadeterminao entre os fenmenos. Esclarece, no entanto, que... explicar significa estabelecer uma relao entre vrios fatosou vrios grupos de fatos, explicar referir uma srie defenmenos a outra... (Vigotski, 1996, p. 216).

    3) Anlise genotpi ca ao invs de fenotp ica. Pautando-se em seuentendimento histrico do processo de constituio do sujeito,Vigotski ressalta que, para compreender os processos psicolgicosque o caracterizam, mister voltar a ateno para seudesenvolvimento histrico, tentando refazer o processo queculminou no produto a ns apresentado, pois o presente visto luz da histria (Vigotski, 1996, p. 74). Procura, assim,evitar o estudo de processos psicolgicos fossilizados, ou seja,processos psicolgicos automatizados ou mecanizados, o querequer ... converter o objeto em movimento e o fossilizadoem processo (Vigotski, 1995, p. 105).

    Alm desses trs momentos, as investigaes de Vigotski pautam-sepela busca da relao entre particular e genrico, entre coletivo e singular,pois objetivam ... mostrar na esfera do problema que nos interessacomo se manifesta o grande no pequeno (Vigotski, 1995, p. 64).Nessa direo, destaca o autor que o caminho da pesquisa requer a

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    busca de unidades de anlise, de unidades que contenham as propriedades

    do todo que motivam a anlise, ao invs de pequenas partes isoladas(Vigotski, 1991, p. 288).

    Partindo desses pressupostos, em suas investigaes Vigotskifez uso de procedimentos variados e necessrios para a coleta deinformaes, permitindo a produo de respostas s perguntas que sefazia, por sua vez coerentes com a orientao epistemolgica norteadorade todo o seu projeto de pesquisas. Para o autor, o mtodo tem queser adequado ao objeto que se estuda (Vigotski, 1995, p. 47). Talafirmao denota a atualidade de suas contribuies metodolgicas.

    Seguir suas orientaes, nesse sentido, no pode significar algumaimpossibilidade em termos de caminhos metodolgicos, ao contrrio,h uma clara abertura a novos possveis no que se refere aos procedimentos

    de coleta de dados. O fundamental a leitura desses materiais de modo aconsiderar a complexidade e o carter inexoravelmente relacional desujeitos e realidade. Entrevistas, observaes, documentos, fotografias,imagens em curso... Essa diversidade reconhecida por pesquisadorescontemporneos que desenvolvem e orientam pesquisas com base noenfoque histrico-cultural em psicologia, como Da Ros (2006), Pino(2005), Zanella (2004), Ges (2000), Smolka (1995), entre outros.

    Processualidade e dinmica como caractersticas fundamentais desujeitos e realidade e a inter-relao dos diferentes processos psicolgicosdemonstram a impossibilidade de dissociar, nos estudos sobre oprocesso de constituio de sujeitos, afeto de cognio, sensibilidadee motivaes de possibilidades de reflexo e anlise. precisamenteesta viso totalizadora e dialtica que permeia a obra vigotskiana e semostra essencial para investigaes que consideram o humano comoinexoravelmente semitico, histrico e cultural.

    Arqueologia e genealogia de FoucaultOs mtodos de pesquisa utilizados a partir do referencial terico

    metodolgico proposto por Michel Foucault (1984, 1987) so semprehistricos, medida que seus estudos traam histrias e colocam

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    questes metodolgicas fundamentais para os historiadores. So

    histricos, no entanto, no na tradio do materialismo histrico-dialtico, mas do pensamento nietzschiano, e neste sentido voltam-separa problemas centralmente inscritos em seu universo de preocupaes:o conhecimento, os saberes; a poltica, os poderes; e o sujeito cognoscente,livre autnomo e racional. Porm, mais que mera afinidade de objetos,o que liga fundamentalmente os pensamentos de Nietzsche2e Foucault a perspectiva crtica a partir da qual os dois abordam estesproblemas to centrais modernidade, desconstruindo verdades evalores instalados em nosso mundo em termos da produo doconhecimento, das relaes de poder, e da constituio dos sujeitosou da subjetividade.

    Assim, pode-se afirmar que, coerentemente com a tradio do

    pensamento nietzschiano, h um eixo metodolgico central nostrabalhos de Foucault, colocando em jogo de forma indissocivel saberx poder x subjetividade, onde saber e poder so da ordem da produo,dos dispositivos, das prticas sociais disciplinadoras e normalizantes, ea subjetividade, da ordem dos efeitos. Trata-se, portanto, em suasanlises, de fazer foco sobre relaes de saber-poder, no sentido decompreender que efeitos de subjetividade so produzidos em umasociedade, num certo tempo, ou, melhor dizendo, que formas de vidacoletiva, que modos de ser esto sendo historicamente produzidos numacerta sociedade, que formas de sujeio e assujeitamento esto em jogonesta cultura.

    As histrias arqueolgicas de Michel Foucault (1972, 1974), sem

    deixar de levar em conta aspectos de poder, tm como foco centralas relaes de saber, de produo de conhecimento, as prticas deenunciao que dizem, constituem os sujeitos. A arqueologia do saberocupa-se dos regimes de produo dos discursos, dos jogos de produode verdades e das prticas discursivas de uma sociedade. Ela toma osdiscursos como seu objeto: mtodo de anlise de discurso. No entanto,no se ocupa da sua forma ou contedo, seus aspectos lingsticos e/ou significados, mas da sua exterioridade, perguntando-se sobre suascondies de possibilidade num certo momento histrico. Quando

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    emerge um discurso, a que regras de produo est sujeito, qual seu

    regime enunciativo, quais so seus modos de enunciao, que suportesencontra, que antagonismos enfrenta num campo discursivo, soquestes metodolgicas fundamentais para a anlise arqueolgica dosdiscursos. metodologia crtica medida que liga saber e poder, recusaa universalidade das verdades cientficas e nega o primado do sujeitocognoscente na relao de conhecimento, submetendo-o s condiesde produo dos discursos. Na tradio nietzschiana o discurso no sedesliga da questo do poder: prtica poltica, campo de luta, objetode disputa social, instrumento de sujeio, no de libertao.

    Porm, onde a presena metodolgica de Nietzsche faz-se maismarcante nos estudos genealgicos de Foucault (1978, 1988), nosquais o foco so as relaes de poder, no desvinculadas de seus

    suportes em termos de saber e de seus efeitos de subjetividade: osdispositivos3. Trata-se de deslocar a anlise poltica dos domnios doEstado para a sociedade, de instncias institucionais, organizacionais,para a multiplicidade de relaes que formam uma microfsica. O Estadoe sua poltica so apenas resultado final, a cristalizao de minsculasrelaes cotidianas de poder, pequenas coeres, formas diversas desujeio, que so o prprio objeto de uma histria genealgica. Trata-se,tambm, de no tomar o poder em suas formas negativas, comoopresso e dominao, mas em suas manifestaes positivas, em suaprodutividade, como poder que se exerce sobre a vida, em prticasdisciplinares, em bio-polticas que controlam populaes, produzindocorpos/subjetividades individuais e coletivos teis ao capital.

    Ao se deslocar do estudo das grandes unidades histricas estruturas, processos, aparelhos, perodos, dataes, marcos, origensgrandiosas e sujeitos geniais a anlise genealgica nega as continuidades,periodizaes e teleologias habituais ao pensamento moderno, dirigindoseu olhar para a provenincia e emergncia de acontecimentos sociaisnem sempre notveis, ou muitas vezes irrelevantes aos olhos de umhistoriador tradicional. Assim, algumas prticas sociais to cotidianas ehabituais ganham visibilidade: a disciplinarizao dos corpos e espaos,prticas de vigilncia, prticas de individualizao, identificao e

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    normalizao dos sujeitos, jogos de incluso x excluso, que produzem

    realidades sociais e instncias subjetivas. Ainda na tradionietzschiana, bom lembrar que sociedade luta e afrontamentoconstantes, onde no h racionalidade social ou poltica a nos governar,assim como no h paz social ou liberdade possvel para os sujeitos.Dessa perspectiva, importa compreender como, em certo momentohistrico, o sujeito colocado como objeto para os saberes e paraprticas sociais, relaes de poder diversas ou, em outras palavras, comoo sujeito objetivado nas prticas de saber-poder.

    Marcando sua singularidade, as anlises foucaultianas, alm de seocuparem dos modos de objetivao dos sujeitos pelos discursos enas prticas de normalizao social, voltam-se para os modos desubjetivao, ou seja, relaes que o sujeito estabelece consigo

    mesmo e com a normatitividade social, no sentido do reconhecimentode si mesmo como sujeito moral, como indivduo submetido aosjogos de identificao, s armadilhas da identidade moderna. nestesentido que as genealogias de Foucault (1978) traam aquilo que elemesmo denomina histrias do presente, ou, ainda nas suaspalavras, ontologias histricas de ns mesmos enquanto sujeitos(Foucault, 1995).

    Finalmente, considerando a solidariedade entre saber e poder, quese sustentam e se alimentam reciprocamente, pode-se afirmar que todahistria arqueolgica contm elementos genealgicos, assim como todagenealogia contempla elementos arqueolgicos em suas anlises.Tambm, tendo em conta os desenvolvimentos dos estudos de Foucault

    ao longo dos anos 70 at a sua morte, em meados dos anos 80 do sculopassado, observa-se uma predominncia da perspectiva genealgica,no excluindo, mas incorporando anlises arqueolgicas.

    Portanto, sem limites estabelecidos a priori, pode-se afirmar que omtodo arqueolgico presta-se a uma anlise histrico-poltica dosdiscursos, problematizando a enunciao de formas de subjetividade,enquanto o mtodo genealgico presta-se a uma anlise tambmhistrica de prticas sociais, problematizando a produo poltica de

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    corpos individuais e coletivos, postos em correlao. O objetivo de tais

    anlises uma crtica do nosso mundo, do nosso tempo presente: umacrtica daquilo que somos hoje.

    Tecendo consideraes: especificidades e convergnciasAo longo deste texto buscamos apresentar as diferentes posturas

    terico-metodolgicas adotadas nas investigaes que realizamos ouorientamos em nossa rea de concentrao no Programa de Ps-Graduao em Psicologia. Alm da concepo de realidade, cincia econhecimento, h concepes de sujeitos diferentes entre as orientaesterico-metodolgicas, revelando as caractersticas que conferemdiversidade unidade representada por esta rea de concentrao.

    Para a psicanlise a singularidade pesquisada pela escuta e

    leitura das produes do inconsciente, atravs do mtodo clnico, noqual a transferncia e a interpretao exercem papel fundamental.

    Os estudos etnogrficos investigam a subjetividade atravs dossignificados construdos em uma rede de significaes, com umahierarquia prpria. Utilizando a observao participante, abordamos fenmenos como fatos sociais e buscam compreender como,nas prticas cotidianas, determinados comportamentos e significadosso construdos.

    Na perspectiva sartreana de investigao, a nfase est no carterhistrico-dialtico do sujeito e na relao entre objetividade esubjetividade. O sujeito produto do coletivo e produtor singular decoletividades. A partir da anlise e sntese, passado, presente e futuroso investigados, possibilitando assim a reconstruo da histria dosujeito, produzindo sentidos que emergem de cada relao vivida.

    A psicologia histrico-cultural tem como preocupao central aconstituio social e histrica do psiquismo humano, enfatizando omovimento, as relaes dialticas entre sujeito e realidade. Dessa formaidentifica trs momentos determinantes no andamento da pesquisa:anlise do processo, descrio e explicao dos fenmenos e anlisegenotpica do psiquismo, isto , ancorada sua condio histrica.

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    Foucault apresenta uma metodologia histrico-crtica, desconstruindo

    verdades e valores estabelecidos. Enfatiza a indissociabilidade entre saber,poder e subjetividade, a fim de compreender que efeitos de subjetividadee assujeitamento so produzidos numa dada sociedade, num certomomento histrico. Para isto, prope a utilizao do mtodo arqueolgicode anlise dos discursos, articulado aplicao de um mtodo genealgicode anlise de prticas sociais.

    O principal ponto de convergncia entre as diferentes orientaesterico-metodolgicas aqui apresentadas a nfase no processo deconstituio do sujeito em relao com um outro e, enfim, com a cultura.Constitudo historicamente, este sujeito produtor de sentidos, a partirde sua insero em contextos polticos e culturais.

    Ao investigarmos os contextos de discurso e prticas em variadas

    dimenses da vida social, tendo como eixo de reflexo a constituiodo sujeito e a questo das diferenas, apresentamos as especificidadesnas relaes entre pesquisador e sujeitos de pesquisa. Apesar dessasespecificidades, compreendemos que ambos se transformam no processode pesquisar.

    Utilizamos, predominantemente, perspectivas metodolgicas nasquais a relao entre o pesquisador e seu objeto de estudo consideradacomo parte do processo de investigao. Ainda que cada pesquisadorolhe a realidade a partir de diferentes lentes tericas, no sendo,portanto, um observador ingnuo, valoriza-se a abertura para oinusitado. Desta forma, ao entrar em contato com seu sujeito depesquisa, no deve buscar impor a ele sua teoria, mas ser capaz deaceitar as descobertas e surpresas da subjetividade cotidiana.

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    Notas1

    O termo homem entendido aqui em seu sentido filosfico, isto , em seu sentidogenrico.

    2 Esclarecemos que neste segmento do texto, quando for feita referncia a alguma

    questo especfica localizada em algum texto de um autor, ser citado seu nome

    seguido da data da obra onde se encontra a referncia, tal como procedido no primeiro

    pargrafo em relao a Foucault. No entanto, quando for feita uma referncia genrica

    ao autor, ou quando se tratar de questo amplamente difundida em seus escritos

    o que muito comum nos casos de Nietzsche e Foucault utilizamos apenas o

    nome do mesmo, sem especificar obra.

    3 O conceito de dispositivo desenvolvido por Foucault (1978) e por Deleuze (1988)

    refere-se a uma art iculao, um agenciamento de poder-saber que produz efeitos de

    subjetividade. Um dispositivo implica uma prtica de poder apoiada em instrumentos

    de saber, produzindo efeitos de subjetivao ou sujeio.

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    DULCEHELENAPENNASOARES

    Coordenadoria de Ps-Graduao em Psicologia Centro de Filosofia e Cincias HumanasCampus Universitrio Trindade 88040-970 Florianpolis-SC

    tel 48 3319984

    [email protected]

    MARIACHALFINCOUTINHO

    [email protected]

    recebido em 29/12/2004verso revisada recebida em 15/03/2007aprovado em 04/04/2007