Dívida Pode Ultrapassar 80% Do PIB Até 2018

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Imprimir () 10/12/2015 05:00 Dívida pode ultrapassar 80% do PIB até 2018 Por Tainara Machado A dívida bruta, principal indicador fiscal monitorado pelas agências de classificação de risco de crédito, pode encerrar 2018 acima de 80% do Produto Interno Bruto (PIB), um salto de quase 30 pontos percentuais em relação a 2011, primeiro ano do mandato da presidente Dilma Rousseff, segundo cálculos de economistas do setor privado. Nas contas estão estimativas de déficit primário recorrentes até 2018, em alguns casos, e crescimento anêmico do PIB apenas em 2017. É um cenário distante do que a Moody's classifica como compatível para manutenção do grau de investimento do país, de saldo primário e crescimento em torno de 2%. Ontem a agência de classificação de risco colocou a nota de dívida soberana do Brasil em revisão para possível rebaixamento, citando também a piora da governabilidade. Mesmo antes do anúncio, que pode levar à perda do selo de bom pagador nos próximos 90 dias, economistas já davam como certa a perda do grau de investimento por uma segunda agência. Em setembro, a S&P rebaixou o país. Para eles, é possível que a dívida só se estabilize depois de 2020 e em nível bastante alto, de cerca de 90% do PIB. Se essa trajetória não necessariamente ameça a solvência do país, já que o Brasil tem pouca dívida denominada em moeda estrangeira, ela certamente limita as chances de recuperação da atividade econômica, dizem. Para Rafael Ihara, economista do Banco Brasil Plural, a dívida bruta do governo deve aumentar quase 10 pontos em 2015, de 58,9% do PIB para 68,7% do PIB, em uma conta que não considera as despesas para quitar as "pedaladas" de anos anteriores, que poderiam elevar esse número em até 1 ponto percentual. Considerando as projeções do banco para juros, resultado primário e atividade econômica, a dívida continuará em forte trajetória ascendente, ao passar para 76,2% em 2016 e alcançar 81,7% do PIB em 2018. "Estabilizar o endividamento requer um superávit primário de 2% do PIB, considerando um cenário de crescimento de longo prazo de 2% e juros nominais de 10% ao ano, o que só vemos acontecer em 2024", diz ele. Vilma Pinto, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (IbreFGV), avalia que, nas condições atuais, o superávit primário teria que ser próximo a 4% do PIB para estabilizar o endividamento. O problema, diz, é que o cenário do Ibre aponta déficit primário até 2017, pelo menos, o que deve levar a dívida bruta a 82,4% do PIB em 2017. O cenário pode ser um pouco pior, caso o deflator do PIB cresça menos que o IPCA, o que é considerado provável, diz. Fabio Klein, economista da Tendências, também avalia que a dívida pode superar 80% do PIB até 2018. "Nada contribui para estabilizar o endividamento. O custo médio da dívida mobiliária, por exemplo, está em 16% ao ano, acima da Selic [em 14,25% ao ano], o que faz com que as despesas com juros aumentem".

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artigo sobre a atual economia do Brasil

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10/12/2015 ­ 05:00

Dívida pode ultrapassar 80% do PIB até 2018

Por Tainara Machado

A dívida bruta, principal indicador fiscal monitorado pelas agências de classificação de risco de crédito, podeencerrar 2018 acima de 80% do Produto Interno Bruto (PIB), um salto de quase 30 pontos percentuais em relaçãoa 2011, primeiro ano do mandato da presidente Dilma Rousseff, segundo cálculos de economistas do setorprivado. Nas contas estão estimativas de déficit primário recorrentes até 2018, em alguns casos, e crescimentoanêmico do PIB apenas em 2017.

É um cenário distante do que a Moody's classifica como compatível para manutenção do grau de investimento dopaís, de saldo primário e crescimento em torno de 2%. Ontem a agência de classificação de risco colocou a nota dedívida soberana do Brasil em revisão para possível rebaixamento, citando também a piora da governabilidade.

Mesmo antes do anúncio, que pode levar à perda do selo de bompagador nos próximos 90 dias, economistas já davam como certa aperda do grau de investimento por uma segunda agência. Emsetembro, a S&P rebaixou o país. Para eles, é possível que a dívida sóse estabilize depois de 2020 e em nível bastante alto, de cerca de 90%do PIB. Se essa trajetória não necessariamente ameça a solvência dopaís, já que o Brasil tem pouca dívida denominada em moedaestrangeira, ela certamente limita as chances de recuperação da

atividade econômica, dizem.

Para Rafael Ihara, economista do Banco Brasil Plural, a dívida bruta do governo deve aumentar quase 10 pontosem 2015, de 58,9% do PIB para 68,7% do PIB, em uma conta que não considera as despesas para quitar as"pedaladas" de anos anteriores, que poderiam elevar esse número em até 1 ponto percentual. Considerando asprojeções do banco para juros, resultado primário e atividade econômica, a dívida continuará em forte trajetóriaascendente, ao passar para 76,2% em 2016 e alcançar 81,7% do PIB em 2018.

"Estabilizar o endividamento requer um superávit primário de 2% do PIB, considerando um cenário decrescimento de longo prazo de 2% e juros nominais de 10% ao ano, o que só vemos acontecer em 2024", diz ele.

Vilma Pinto, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre­FGV), avaliaque, nas condições atuais, o superávit primário teria que ser próximo a 4% do PIB para estabilizar oendividamento. O problema, diz, é que o cenário do Ibre aponta déficit primário até 2017, pelo menos, o que develevar a dívida bruta a 82,4% do PIB em 2017. O cenário pode ser um pouco pior, caso o deflator do PIB cresçamenos que o IPCA, o que é considerado provável, diz.

Fabio Klein, economista da Tendências, também avalia que a dívida pode superar 80% do PIB até 2018. "Nadacontribui para estabilizar o endividamento. O custo médio da dívida mobiliária, por exemplo, está em 16% ao ano,acima da Selic [em 14,25% ao ano], o que faz com que as despesas com juros aumentem".

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Apesar da rapidez da alta esperada para os próximos anos, a dívida bruta apresenta trajetória ascendente desde2011. Bruno Lavieri, economista da 4E Consultoria, avalia que os aportes aos bancos públicos, dos quais a maiorparte foi destinada ao BNDES, ajudam a explicar essa alta. "O governo não se preocupou com isso porque a dívidalíquida foi na contramão", afirma ele, embora o critério que costuma ser mais acompanhado fora do Brasil seja aevolução da dívida bruta. Entre 2010 e 2014, o endividamento bruto subiu 7,1 pontos percentuais, enquanto adívida líquida caiu 4 pontos.

Vilma, do Ibre, observa que esse indicador, que está em 34% do PIB, tem uma dinâmica diferente por causa dadesvalorização do câmbio, que aumenta o valor em reais das reservas internacionais. Já a dívida bruta respondeuà deterioração dos resultados primários, diante de desonerações tributárias e criação de despesas no primeirogoverno Dilma.

"Depois de 2011, o saldo das contas públicas foi sustentado por receitas extraordinárias, e isso se esgotou nesteano", afirma Vilma. Pesa contra ainda, segundo ela, o aumento do gasto com despesas sociais, por causa doscritérios pouco rígidos de concessão.

Ihara, do Brasil Plural, avalia que há dois problemas no lado fiscal que agravam a deterioração das contaspúblicas. O primeiro é a dificuldade de conseguir aprovar medidas relevantes para reverter a trajetória no médioprazo. A outra é o cenário que o banco traça para o crescimento do país, com queda de 3,8% em 2015 e de 2,5% em2016. "Ao mesmo tempo, a fraca variação do PIB está ligada à dificuldade de implementar o ajuste fiscal, porquecausa uma crise de confiança. Então são dois problemas bem relacionados", afirma (ver Tendência de alta é quegera efeito negativo sobre expansão, diz FMI ).

Rafael Bistafa, economista da Rosenberg & Associados, dá como certa a perda do grau de investimento pelaMoody's, já que estabilizar a dívida exigiria um ajuste de mais de R$ 200 bilhões em dois ou três anos. Ele lembraque o seguro contra calote do país ­ (CDS, na sigla em inglês), ­ já embute corte da nota de crédito soberano emmais dois degraus. A solvência, opina, não está ameaçada por causa da composição da dívida. Boa parte dostítulos está na mão de investidores domésticos e grande parte da dívida é denominada em reais. "Em um cenárioextremo, o governo emitiria mais dinheiro para honrar esses compromissos", o que elevaria a inflação.

"Agora, essa trajetória está muito ligada ao cenário de incerteza atual. Os empresários sabem que em algummomento o governo vai precisar ter mais inflação, ou cortar gastos ou aumentar impostos para equacionar oproblema", diz Bistafa.

Klein, da Tendências, critica o fato de que não há plano claro para enfrentar esse cenário. "Estamos restritos àagenda de curto prazo, sem olhar para os problemas estruturais, como vinculação de despesas, regra de reajustedo salário mínimo, déficit crescente na Previdência." Para ele, as mudanças estruturais requeridas para que ascontas públicas voltem a ter dinâmica sustentável no longo prazo dependem de liderança e apoio político hojeinexistentes. "Não tem ambiente para implementar essas mudanças, que não são fáceis, porque mexem comgrupos de interesse. No curto prazo, o governo não consegue fazer muito mais do que cortar investimentos e elevarreceitas extraordinárias."

Um eventual governo de transição, caso o processo de impeachment aceito pelo presidente da Câmara, EduardoCunha (PMDB­RJ), resulte em queda da presidente Dilma Rousseff, poderia melhorar a capacidade de articulaçãopolítica do governo, afirma Klein, ainda que esse seja um processo "traumático", o que torna difícil desenharqualquer cenário.

Ihara, do Brasil Plural, avalia que é difícil imaginar um governo de transição forte o suficiente para ter facilidadede aprovar as "maldades" necessárias para seguir em frente com o ajuste fiscal. "É difícil fazer esse tipo deespeculação."