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Divulgando conhecimento

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Divulgando conhecimento

Ohana, também muito obrigado pela tua participação, bem-vinda.

Ohana: Obrigada pelo convite, é um prazer estar aqui estar fazendo parte desta discussão.

Fabrício: Eu queria que, na verdade, vocês primeiramente se apresentassem um pouco pra gente conhecer um pouco da trajetória e do interesse de vocês por essa área tão cara e tão desafiadora. A gente viu aí por esse pequeno histórico o quanto ela foi negligenciada, a educação de surdos, a educação inclusiva. O que que motivou vocês a trabalhar com essa área que ainda é um desafio na ed-ucação brasileira? Professora Ohana.

Ohana: Ohana: Bom, a minha história em si é bem diferente dos outros. Os meus colegas que eu estudei no curso de letras libras em 2012, a maioria veio da área da interpre-tação da igreja, ou tinha um parente surdo e no meu caso em si é por conta da minha mãe ser pedagoga. Então, como ela fazia na época o curso de libras, ela me incentivou para escolher esse curso. Na verdade, eu con-heci esse mundo novo quando eu passei no vestibular. Então assim, a partir do momento que eu comecei a estudar e começar a entender a história da educação do surdo, foi só um momento assim pra eu procurar saber mais sinais. Então, foi uma grande oportunidade e hoje em dia eu estou atuando, também faço parte da as-sociação dos surdos de Belém. Então eu estou sempre

nessa constante luta em prol da educação dos surdos, na luta por eles.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: Bom, a minha trajetória ela começa quando em 2009 eu resolvi fazer um curso de Língua Brasileira de Sinais no CAES. Eu tive um aluno surdo na época no Augusto Meira. Não sabia como lidar com os alunos surdos. E a minha comunicação com eles era basicamente por meio da mímica, por meio da escrita nos braços. Os surdos eles têm o costume de escrever no braço quando não têm papel, apagava, enfim. E assim eu fui apren-dendo os sinais iniciais e eu percebi que eu deveria ir mais adi-ante. Eu já tinha experiência com educação de alunos cegos e baixa visão, porém a minha experiência com os surdos me fez refletir sobre essas carências que a formação inicial de profes-sores possui. Aí eu fui fazer um curso de libras, tive o professor Arlindo, o professor Tiago Costa como meus professores. E foram pessoas que contribuíram muito para a minha formação inicial na área da língua de sinais. Em 2010, então eu resolvi en-veredar pela especialização nessa área, fiz especialização em Libras. E comecei também em 2010 a interpretar dentro da Igreja Assembleia de Deus. Foi quando eu realmente resolvi me focar nessa questão da interpretação que eu já estava na docência. Posteriormente a isso, eu resolvi criar o grupo de estudos surdos e interfaces, onde a gente tem discussões diversificadas, mas especifica-mente hoje nós estamos discutindo as questões relacionadas a

gênero e sexualidade dentro do grupo, haja vista que a comu-nidade surda belemense, ela apresenta uma pluralidade nesse sentido e é necessário que familiares e escolas possam com-preender essa questão da sexualidade do surdo que manifesta certas diferenças em relação à sexualidade dos indivíduos ouvin-tes. E também com foco na questão da religião pois eu tenho ob-servado que hoje os surdos eles têm buscado enveredar por outros ramos religiosos além do cristianismo. E a minha trajetória hoje tem sido basicamente focar na compreensão de como é que tem se desenvolvido essas territorialidades e os territórios dentro dos espaços sagrados. Hoje minhas pesquisas estão focadas nisso.

Fabrício: Professor Padovani.

Ernesto: Ok. Bem, eu sou professor da rede estadual de ensino há dez anos. Então quando eu comecei eu tra-balhei uns três anos no interior do estado. Tive um públi-co também de trabalhar em comunidades, quando vim, voltei a Belém, voltei pra trabalhar no sistema penal. O que ocorreu? Na verdade, lá no Astério de Campos não tinha professor de história. Aí me fizeram a proposta. Então, na verdade não foi muito uma escolha minha. Che-gando lá, eu criei de fato uma grande identificação com o trabalho. Fiz uma especialização em educação inclusiva e comecei a observar as dificuldades deles em relação à Língua Portuguesa, dificuldades com textos muito grandes, necessidade da utilização de imagens, então eu fui montando uma metodologia a partir de referenciais teóricos como a pedagogia visual e criando meu próprio material didático, criando formas de trabalhar com eles.

Quando surgiu a seleção pro Mestrado Profissional em Ensino de História, o PROFHISTÓRIA, eu fiz a seleção, fui aprovado e fui com isso na cabeça, que eu ia fazer um projeto sobre educação de surdos, unindo essas duas áreas. A questão da história e a questão da metodologia de ensino. E aí perpassam vários elementos, não é só a história em si. O meu trabalho é um trabalho sócio-histórico que vou justamente remontar o período do oralismo, passando pela co-municação total, são metodologias que são utilizadas até hoje como proposta teórica do bilinguismo prevalecendo na edu-cação dos surdos, pelo menos uma tentativa pra que prevaleça. E aí na verdade o canal “História em Libras”, ele surge como um produto desse mestrado. O mestrado profissional em ensino de história, ele exige uma dissertação escrita e um pro-duto pedagógico aplicável. Então existem várias possibilidades de produtos. A minha intenção inicial era fazer um material didático mesmo pra distribuir nas escolas, mas eu fiquei pen-sando na logística disso e no alcance que isso teria. Então, con-versando com amigos porque tem essa questão da interdisci-plinaridade, eu precisei de um amigo meu que trabalha com cinema, precisei da Ohana pra construir a proposta do canal. Então, desenvolvemos a ideia de um canal na internet seria muito melhor porque eu não teria o problema da divul-gação. Colocou na internet as pessoas podem acessar. E nós estamos nesse momento. Graças a Deus o vídeo está sendo muito acessado, teve uma repercussão muito boa. A Mídia Ninja compartilhou nos espaços que eles têm nas mídias digi-tais. Estamos agora aqui nesse debate

Fabrício: Dá pra esse primeiro relato de vocês, em relação à experiência, o contato que vocês tiveram com a Libras, com a

de família, de frutas, aí esse professor vai se formar, vai chegar numa sala de aula e vai só manter esse diálogo só de frutas, alfabeto? Não. Ele tem que saber o sinal de células, de mem-brana, disso, daquilo, tem que saber como é usar um classifica-dor. Infelizmente, é quebrada essa grade curricular das pessoas que estão na licenciatura.

Eu vivenciei isso muito quando eu fui intérprete de uma escola que tinha uma demanda muito grande, tinha 18 surdos na escola. Eu atendia oito surdos no ensino médio. Então, assim, eu observava a dificuldade dos professores. Eles chega-vam pra mim “eu nem tive essa disciplina de libras”, “eu nem sei o que é isso”, “é surdo mudo?” “ah, os teus alunos”. Eles não eram os meus alunos, eles eram alunos deles tanto quanto os ouvintes. Então, no caso, eu falava assim, “professor você tem que direcionar a eles”, “ah, mas só que ele vai pensar que é tu que tá chamando a atenção ou tá explicando”. Eu digo “não, ele sabe diferenciar, o meu papel aqui é de intérprete”. Eu sempre lutava a questão da metodologia, não pensavam no surdo.

Uma vez aconteceu uma situação que foi ao contrário, estava com legenda e sem som. Os ouvintes reclamaram. Aí eu falei para eles, “agora, vocês entenderam o que é estar na pele de uma pessoa surda:” Não é fácil. A informação não chega tão fácil pro surdo.O professor fez esse canal História. Esse canal é uma forma de democratizar tanto para surdo como para ouvin-te porque ele está usando diretamente a língua de sinais e tem ali a legenda.

Fabrício: Professor Padovani

Ernesto: Eu queria retomar mais uma questão pra embasar essa questão da metodologia, porque por exemplo a gente percebe muito há um censo comum de querer resumir a questão à língua. Então, se você tem um intérprete na escola, que não tem, em geral, não tem. Quando tem, então resolveu o proble-ma, agora tem intérprete. Então, eu faço sempre a discussão, o seguinte, se o problema fosse a língua, os nossos alunos ouvin-tes todos não teriam problema nenhum de educação no Brasil. Professor fala português, os alunos todos falam português, en-tendem, então por que os alunos não alcançam a média? Por que nós não estamos nos melhores patamares de educação mundial? Então nós não podemos também resumir o debate à língua. Então, como é que o aluno entende? É a partir da imagem? É a partir da construção de maquete? Qual é a possi-bilidade que se tem de vídeos com legenda?

O primeiro dia que o vídeo foi postado no Youtube, ele ficou sem legenda. Foi uma estratégia mesmo. Eu fui colhendo e estou colhendo os depoimentos pra finalizar a dissertação. “Poxa, não consegui, olha, eu paro, pela metade, eu parei. Não consegui acabar de ver, não tava entendendo nada”.Olha que nós colocamos os recursos imagéticos entrando no vídeo e em alguns momentos chaves aparecia escrito também o que estava sendo falado. Mas mesmo assim as pessoas reclamaram ou muitas fizeram essa reflexão: “poxa, agora eu me senti como os surdos se sentem”. São pequenas situações do dia a dia que no universo da escola se traduz em outras formas, mas são hierarquias de saberes. Um professor está ministrando aula, o outro professor vem dar um recado na turma, bota o rosto dentro da sala, “gente, gente, licença aqui, rapidinho, amanhã tem prova, dois reais a prova e tal”. Recado dado.

O surdo não entendeu. Vamos passar o vídeo pra turma, vamos levar para o auditório, muito legal, todo mundo vai, chega na hora de passar o vídeo me chamam pra interpretar, já aconteceu isso, eu não sou intérprete mas você está na escola, você sabe Língua de Sinais, você é intérprete, você é professor do AE, você é itinerante, você é tudo. Então fui lá interpretar, tudo certo, vamos lá, solta o play, apagam a luz. Como é que o surdo vai ter acesso à minha interpretação, então são questões que... é maldade? Não. Não é. Mas isso estrutura uma hierarquia de saberes. Entendeu. São hábitos que a escola internaliza porque ela é uma escola voltada e pensada para o público ou-vinte. O que me chama atenção é que isso acontece em escolas em que os surdos estudam há 10, 15 anos. Então, quando a escola vai internalizar presença do surdo? Então, acho que essas são questões aí que abrem um bom leque pra gente dis-cutir e pensar.

Fabrício: Só pra voltar, eu achei interessante o depoimento da Ohana, essa relação, dela como intérprete né. O Padovani ele tem o conhecimento, de repente ele pode usar desse conheci-mento pra se comunicar com esse aluno surdo, mas nem todas as escolas têm um profissional como a Ohana. E como é que fica a relação entre o professor e esse intérprete? Onde é que começa o papel de um e o papel de outro? Como é que se con-strói esse relacionamento pra que se possa comunicar e repas-sar esse conteúdo pra esses alunos? Como é essa dinâmica?

Ohana: Bom, a priori, o que deveria ocorrer era ter essa parceria com o professor e o interprete. Por que? porque o papel do intérprete é mediar. Ele não vai ensinar nada. Até porque a minha formação é Letras com habilitação em Libras, não é for-

mação em Letras, Português, Biologia, Matemática, não é.

A minha formação é Letras, então qual é o meu papel ali? É de chegar e interpretar tudo o que o professor falar. E quando eu digo tudo, eu interpretava até palavrões, enfim, tudo o que o professor abrisse a boca eu interpretava porque eu estou ali. Só que infelizmente essa experiência que eu tive o professor confundia, ele pensava que eu era a professora deles, e eu dizia “Olha, eu tenho respaldo, tem a lei, tem o código de ética, tenho tudo o que o senhor quiser eu mostro, mas esse daí não é meu papel, essa competência não é minha, é a sua”. Então, tem que ter essa parceria. O que o intérprete pode ajudar? Ajudar a dar umas dicas, como é que faz o material, coloca a legenda na próxima aula, é assim, é essa parceria. Essa relação de professor, intérprete e aluno.

Sílvio: Relacionando a fala da professora Ohana também pensan-do no atendimento educacional especializado. Então, ela ainda pouco colocou que o professor sempre atribui a responsabili-dade para o intérprete de Libras, mas ele também faz isso para o atendimento especializado. Por quê?

Historicamente a educação do surdo, ela foi atribuída à ed-ucação especial. Então, com o processo de inclusão que se dá a partir de 1996, com a lei de diretrizes e bases 93/94 de 96, é que a gente vem perceber que esses indivíduos com deficiên-cia, pessoas com deficiência, passam a ingressar dentro das escolas regulares. Só que nós passamos a ter dois personagens que antes nós não tínhamos dentro desses espaços, os intér-pretes de libras e os cuidadores também, e também a gente passa a ter o atendimento educacional especializado que as pessoas acham que é antiga educação especial, mas na ver-

dade há controvérsias, porque educação especial funcionava numa sala de aula onde se ensinavam essas pessoas. E o AE não, ele funciona como educação suplementar complementar, porém para o professor da rede regular, ele entende que é responsabilidade do AE ensinar os aluno surdos, que é responsabilidade do intérprete ensinar os alunos surdos, ou seja, esses personagens acabaram tendo responsabilidades além de suas responsabilidades e o professor se exime.

O Vigotski diz que “quando a gente enxerga deficiência primeiro ao invés de enxergar o ser humano, a gente destrói qualquer possibilidade de desenvolvimento desse indivíduo”. Então, a gente pode pegar a fala do professor Netto Padovani, por exemplo, em relação a questão das metodologias e obser-var que a maioria dos professores estão destruindo possibili-dades de desenvolvimento desses alunos na sala de aula exata-mente por causa das metodologias. Eu também não quero cul-pabilizar somente esses professores porque também a gente tem que pensar na formação desses indivíduos e nós também precisamos pensar que a Universidade também deve oferecer cursos de formação continuada, porque esse papel é da Uni-versidade. A gente costuma atribuir essa responsabilidade, “Ah, o governo não faz”, mas a Universidade é quem forma, é ela que deve trazer os professores pra dentro. Ela que precisa buscar parcerias com as escolas, parcerias com as unidades pra que isso possa acontecer.

Hoje, nós ainda observamos uma grande polêmica dentro das escolas. Intérprete de Libras que acabam tendo discussões com professores porque as vezes são atribuídas responsabili-dades. Durante o meu período na rede regular de ensino, eu tive dois alunos surdos, depois eu já estava fluente em Libras, e eu também tive problemas. E é legal colocar isso, porque os

meus alunos ouvintes não gostavam de eu passava a sinalizar na sala de aula. Então, o que que eu fazia, passava todo o con-teúdo de matemática, explicava primeiro em Língua Portugue-sa, passava uma bateria de exercícios pra eles fazerem, e era o momento em que eu ia sinalizar, porque não tinha intérprete de Libras, para os dois alunos surdos.

Só que isso gerava discussões na sala, “Ah, o professor não está dando atenção pra gente”, “o professor agora só olha pra esses surdos, lá vem ele com essa língua de sinais pra dentro da sala de aula”. Então, a gente observa que essas relações de poder que incidem dentro do espaço da sala de aula ainda fazem com que os ouvintes entendam que deve ser dada atenção a eles e que aos indivíduos surdos não deve ser dada atenção. Tem uma charge no livro do Moacir Carneiro muito interessante, inclusive nas formações continuadas eu sempre falo isso pros professores, os professores estão aqui em cima conversando “nós não conhecemos nada sobre esses indivíduos, nunca ouvimos falar nada sobre educação espe-cial”. Aí os alunos todos embaixo olhando.

Na verdade, essas pessoas vão reproduzir lá embaixo esse mesmo pensamento, é por isso que esses alunos pensam hoje que o professor deve dar atenção a eles e não devem dar atenção aos alunos surdos dentro da sala. Já eles também não aprenderam nada sobre educação especial, não aprenderam nada sobre pluralidade, diversidade, e acima de tudo sobre dif-erença.

Ohana: Eu vivenciei nessa escola, eu trabalhei nessa escola, se eu não me engano, dois anos e meio. Então assim, para aquela turma, eu acompanhei os surdos, primeiro, segundo e terceiro

ano. Até metade do convênio. Então, quando foi no primeiro ano, os ouvintes assim sofreram um impacto. “Intérprete?”, “surdos?”, “mãos mexendo?”, “Meu Deus!”, porque foram logo oito na minha turma. Então, assim, no início, eles deixavam de prestar atenção no professor e ficavam assim olhando pra mim, com os olhos vidrados, eu ficava intimidada inclusive, com o tempo eles foram habituando e foi passando ano, dois anos, mas o que me veio à cabeça, assim eu sempre fui tímida, então eu sempre chegava, dava bom dia pra quem estava na frente, mas eu não era de ficar batendo papo com os ouvintes.

Então, eu ficava conversando com os surdos, enquanto o professor não chegava. Então, assim os ouvintes assim, meio que segregavam a gente. Então, o que eu acho engraçado, é quando eles foram ter contato comigo? um dia após a prova do Enem. Tinha gente da escola do primeiro ano que eu nunca tinha visto na vida. Eles chegaram “Ei, tia, a minha proposta está boa”, “será que pode falar deficiente auditivo”, “eles são surdo-mudos”, “é isso, é aquilo”. Foi a primeira vez que eles viram a necessidade. A escola em si diz “Ah, a gente está inte-grando”, mas na verdade segregava. Então foi uma experiência dessa forma, foi ruim pra mim inclusive. Na verdade se não fosse eu ali com os surdos, eles não iam ter visibilidade naquela escola.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: É bem legal a gente observar que as falas estão contemp-lando o que a gente chama de currículo oculto dentro das insti-tuições, e é isso que a gente tem pra parar pra pensar hoje. As metodologias de ensino, elas podem contemplar as necessi-dades do professor na sala de aula, ok. Mas a escola precisa tra-

balhar o currículo oculto que é exatamente o que o professor Netto e a professora Ohana colocaram, que é essa questão da alteridade, de fazer com que o professor e o aluno possam se colocar no lugar do outro, porque inclusão ela precisa ser para todos. Ela tem que começar lá do porteiro até a merendeira. Então não é só o professor que deve passar por esse processo, e quando a escola inteira passar a se modificar, então, a gente vai começar a observar que os alunos ouvintes vão com-preender as particularidades étnico-linguísticos desses indivíduos surdos. Hoje a gente vem percebendo pelas experiências de rela-tos, até mesmo as experiências que a gente já viveu, que esses alunos eles ainda não compreendem. Eu lembro, por exemplo, uma vez que eu fui interpretar para um amigo meu, o Ademil-ton. Eu acho que a professora Ohana até conhece. Ele é surdo. Na época ele fazia ensino médio. E foi uma experiência muito triste porque o professor não sabia sequer da existência de um profissional interprete de Libras, então eu pedi pra diretora da escola, uma escola pública de Belém pra entrar pra interpretar na aula de química, e o professor me viu virado o tempo todo de costa pra ele. E ele achou que eu era um surdo que estava simplesmente conversando na sala de aula.

Só pra você ter uma noção do que que que é essa falta de compreensão desse outro indivíduo que está ali. E os alunos ouvintes na hora da frequência, começaram a chamar nome a nome, e eu disse “olha, o professor chamou o teu nome”. Ai ele foi lá na frente, e disse pro professor apontar. O professor fez um gesto obsceno pra ele e todo mundo começou a rir. De repente uma aluna chega e pergunta “professor, porque que ele tá aqui na sala de aula”. Ele disse assim: “Eu não sei, eu tô levando até onde eu posso”. Na verdade, esse professor não estava levando nada. Porque aquele momento ali mostrava que

ele não compreendia. Foi quando eu chamei o professor. “Pro-fessor, ele está com dúvidas nisso”. Aí ele disse “Ah, você fala?”. “Sim, eu sou ouvinte, eu sou intérprete”. E aí foi muito legal porque o professor sabia ensinar o surdo, só que ele tem medo de ensinar, porque tem uma barreira imaginária entre o profes-sor e o aluno surdo. Eu não lembro direito o conteúdo, eu acho que era sobre átomos que ele estava ensinando. Ele pegou um pedaço de papel, fez um monte de bolinhas, e ensinou pro Ademilton o conteúdo. Então, ele sabia ensinar, a questão é que ele não sabia como chegar pra ensinar, então, isso é uma questão de currículo oculto.

Os professores, a escola, a direção, a coordenação ped-agógica, todos eles precisam se voltar pra compreender esse espaço plural que existe dentro da escola. A gente fala muito de diferença, mas a escola na verdade, a exclusão ainda impera dentro desse processo. E não é só para os indivíduos surdos, é para todos os alunos que sofrem qualquer tipo de exclusão dentro desse espaço.

Fabrício: Rádio Web UFPA apresentando o programa UFPA Ensino. Hoje o tema é Metodologias de Ensino para Surdos. Os nossos convidados são, o professor Sílvio Santiago Vieira, o professor Ernesto Padovani Netto e a professora Ohana Matias. A gente vai para um rápido intervalo e volta já já. Rádio Web UFPA divulgando conhecimento.

Vinheta: Você está ouvindo UFPA Ensino. Você está ouvindo UFPA Ensino.

Fabrício: Estamos de volta com o programa UFPA Ensino. O nosso tema de hoje é Metodologia de Ensino para Surdos e os nossos convidados de hoje são o professor da Universidade do Estado do Pará Sílvio Santiago Vieira. Também recebo o professor Ernesto Padovani Netto, ele é professor da Seduc e faz o me-strado profissional em Ensino de História e também estou rece-bendo a professora Ohana Matias, que é professora substituta também da UEPA e tradutora/intérprete de Libras e também colabora com o canal História em Libras, pensado aí pelo pro-fessor Padovani.

Estamos de volta aqui pra nossa conversa, vamos começar com o professor Padovani e com a professora Ohana pra eles comentarem um pouco mais sobre esta experiência do canal História em Libras, justamente como é que vocês propõem o ensino da história a partir do canal no Youtube, qual é o diferencial que vocês têm aplicado, lógico além das legend-as e tudo mais, em termos da perspectiva que vocês estão apli-cando a esse ensino de História pra realmente incluir essas pes-soas sendo surdos pra ele ter acesso a esse conteúdo. Profes-sor Padovani.

Ernesto: Na verdade, nós fizemos uma disciplina no mestrado min-istrada pela professora Edilza Fontes que chama-se “História Pública”. Então no Brasil é uma discussão um tanto quanto recente, a discussão sobre História Pública. História Pública perpassa pela questão de que você tem o historiador que produz o conhecimento histórico. Em outros momentos da história, o conhecimento histórico era fundamentalmente pro-duzido pelo historiador e hoje em dia o que nós temos? Nós temos canais no Youtube, nós temos programas de TV, nós

temos jornalistas. Na verdade, todo mundo fala de história o tempo todo. Então, a história ganhou esse viés de história pública. Então, são narrativas que estão aí se degladeando. A gente vê isso no Brasil, esquerda e direita construindo narrativas históricas em torno de situações que ocorreram. Então, esse foi um debate fundamental pra eu pensar o canal. Por que? Em 2013 nós tive-mos as manifestações, o início daquelas manifestações que acabaram culminando com o impeachment. Então, o que acon-teceu? Os surdos chegavam na escola “por que que está acon-tecendo isso?”. Aparecia os blacks bloks quebrando as coisas, colocando fogo, quebrando os bancos e tudo mais e os alunos chegavam “eu não estou entendendo, por que profes-sor na rua esse problema toda a hora na televisão? E eles não entendiam o que estava acontecendo. Então o problema era o acesso à informação. Então, que história está sendo construída para esse aluno? O que que ele está aprendendo no processo escolar, o que que ele está viven-ciando, está vivendo, podendo relacionar, inclusive. Então, eu fui trabalhar nessa perspectiva de explicar. Eu lembro, inclusive, no primeiro vestibular de Libras da UEPA que houve as vagas para os surdos, eu fiz uma discussão com seles sobre essa questão de 2013 dos blacks blocks relacionando com ludismo, quando os operários ingleses quebravam as fábricas e tudo mais. Acabou que foi uma questão que veio na prova, então eles acertaram em massa a questão. Então relacionar os tempos históricos a partir de situações vivenciadas por eles. E o canal História em Libras veio muito nessa perspectiva de pensar a História Pública, a História digital. Nós não temos mais como ser, no meu caso, eu trabalho com história, sermos histo-riadores que ficamos presos somente ao papel, não é verdade?

Somente a entregar textos escritos que uma banca vai ler e muitas das vezes não é lido maciçamente. Então o canal foi uma forma de além de contemplar a exigência do programa que é ter um produto pedagógico, é um exercício de história pública, porque o tema Movimentos Sociais que é o tema da primeira aula, ele surgiu porque eu fui perguntar para os alunos o que eles gostariam de estudar. Isso também é uma perspecti-va muito interessante da gente refletir, porque eu digo “qual é o tema que eu vou colocar? eu não vou elencar um tema de cima pra baixo. Fazer uma aula sobre tal tema e ao perguntar para os alunos, eles tinham muita dificuldade de me responder o que eles gostariam em história. Primeiro, por quê? Existem uma perspectiva de que a história é uma história política. Então, estudar História é estudar Getúlio Vargas, é estudar a Ditadura Militar, é estudar os governos, os grandes heróis na-cionais, entre aspas. E eu queria que eles compreendessem que os surdos tem história.

No YouTube você tem muitas aulas no estilo caseiro, diga-mos assim. Você filma ali o quadro, para um professor que só precisa do recurso da fala é tranquilo. O professor fala, o ouvin-te escutou a informação. Mas para o surdo não, eu preciso de edição, eu preciso que as imagens entrem, eu preciso dialogar com as imagens, eu preciso de uma certa produção. Então, eu encontrei parcerias para produzir esse primeiro vídeo. Houve um custo. Hoje é um momento em que a secretaria de edu-cação replicou essa questão do canal. A Seduc colocou no site, colocou na agência Pará, colocou matérias no YouTube, no Facebook, sobre o projeto. Mas agora a gente precisa de suporte para dar continuidade.

Fabrício: Professor Silvio, eu queria que você falasse um pouco da sua experiência porque o senhor atua em outra área de conhe-cimento que é o ensino religioso. É uma metodologia meio parecida? como é que é são as estratégias que o senhor usa para atuar nessa área específica?

Sílvio: Eu não trabalho com canal especificamente.

Fabrício: Sim, sim.

Sílvio: Hoje eu tenho focado no grupo GESI. As nossas reuniões são todas as sextas-feiras. A gente tem desenvolvido foco na questão da criação de sinais termos que contemplem as questões das religiões. Mas é muito importante ressaltar que nós não estamos focando no cristianismo porque o cristianis-

safio. A sala em si é bilíngue, mas a questão da metodologia dos professores que é o mais difícil, até às vezes o posiciona-mento, eles estão aqui, o intérprete está bem aqui, e eles passam na frente. O surdo reclama “a gente não está conse-guindo visualizar o intérprete”. Então, a gente fica meio assim andando para cá e para cá. Então, assim experiência é muito boa para mim lá na graduação, é outro nível com surdos e assim eu fico muito feliz porque eles estão amadurecendo bas-tante.

Quando eles entraram sentiram muita dificuldade assim como os ouvintes, então assim foi um papel tanto dos intérpre-tes quanto dos professores, enviando materiais para a gente, para a gente procurar como o professor Sílvio falou sobre os sinais termos, se existem, porque são disciplinas muito espe-cíficas. Então, já lá no curso de pedagogia bilíngue que já tem um material pronto, na verdade. Então, assim tem as videoau-las, então geralmente os surdos que vão para lá geralmente são 10 ou 12, porque na verdade nós tutores fazemos uma escala, por exemplo eu vou dois dias, o outro vai mais dois dias. Então assim, a experiência lá é a questão visual que é muito impor-tante.

E o interessante é que os sinais são bem diferentes. Então assim, eles mostram lá na videoaula que é no INES que fica no Rio de Janeiro, e então são bem diferente dos sinais que nós tutores usamos. Então, é uma metodologia muito boa lá assim na questão visual. Então, te dá esse auxílio, interpreta, por exemplo, os textos da Língua Portuguesa. E é esse o trabalho que a gente faz lá.

Fabrício: Na experiência de todos vocês, vocês todos falaram bas-

tante de utilizar estratégias que apelam para esse aspecto visual. A Libras é visual, mas vocês também falaram muito de utilizar estratégias que possam utilizar vídeos, por exemplo, maquetes, enfim, coisas que vão apelar para o sentido visual e vai facilitar esse ensino para esse aluno surdo.

Alguma outra experiência que vocês tiveram, outra poten-cialidade, alguma outra coisa nesse sentido que possa acres-centar para, de repente, um outro professor, para uma pessoa que, de repente, não tenho tido essa experiência, ou de repente possa pensar em alguma outra coisa que vocês possam apre-sentar em algum exemplo?

Ohana: Eu tive uma experiência. Eu ainda era estagiária lá no Astério de Campos. Então, estava eu mais a minha colega Silvana. Então, lembro que na época, eu acho que foi em 2013, eu não sabia o sinal de corrupção. Então, assim, como explicar um conceito, explicar o que é, dar um sinal? Então assim, eu e a Silvana mostramos assim, dramatizamos na verdade.

Nós mostramos um contexto do dia a dia, por exemplo, a gente colocou... eu era a personagem cobrador e ela era um passageiro que ela passava o troco para mim, ou para ela me dava passagem né e eu passava um troco a mais. Então mas ela não me falava nada, ela ficava com dinheiro. Então, explicava para os alunos, “entenderam como é que ocorre a corrupção no dia-a-dia e no contexto político?” Então, foi uma experiência muito boa para mim porque assim quando se está com um surdo, se você não sabe o sinal, o conceito, você tem que apelar até para o teatro, tem que mostrar em algum momento um recurso visual para eles, porque, às vezes, só imagens não dá um sentido para ele. Você tem que dar uma explicação,

mo ele já tem todo um arcabouço de sinais termos.

Nós estamos pegando mensalmente as religiões que já são consideradas religiões mortas. Então, a gente veio desde a Grécia trazendo toda essa questão para trabalhar a questão da sinalização, para ajudar professores tanto de história como também professores de ciências da religião para ensinar os alunos surdos dentro desses contextos. Então, a gente tem toda uma pesquisa com base na lexicografia, na terminologia, buscando compreender se já existem esses sinais, se esses sinais já são utilizados em outros estados, para evitar criar sinais e depois dizer que são variações linguísticas que também não vou entrar muito no mérito porque é uma dis-cussão muito ampla.

Então, após esse primeiro momento que foi a questão da criação esses sinais de Termos, nós desenvolvemos um ciclo de oficinas que nós aplicamos na escola Vilhena Alves no ano pas-sado durante três semanas, onde nós trabalhamos com as met-odologias visuais também com o auxílio do profissional intér-prete de libras, além de que os alunos da UEPA que participam do grupo também sabem sinalizar, mas como a gente percebeu que era um conteúdo muito específico a gente preferiu solicitar a presença do intérprete de libras. Então, nós sentamos com intérpretes, trabalhamos sinais termos que tinham sido cata-logados e os que foram criados. E foi muito interessante como esses alunos surdos ele já compreendem muito essa ideia do visual, assistem muitos filmes, desenhos e trouxeram muitas experiências legais.

Após isso, a gente aplicou em torno de umas 8 a 9 oficinas e nós resolvemos escrever alguns artigos porque a gente per-cebeu, a partir dessa experiência, que os professores que

talvez não saibam lidar com o aluno surdo porque eles não conhecem as metodologias que devem ser trabalhadas. A gente está escrevendo agora um livro que vai ser publicado agora esse ano pela Editora CRV que se chama a “Religião e Educação de surdos: desafios e métodos”, onde a gente tem foco na questão das religiões indígenas, nas religiões afro de matriz africana, especificamente o Candomblé, já que tem um vídeo no YouTube publicado pelo professor Emerson Silva onde ele trabalhou a questão de sinais específicos do Can-domblé.

A gente pegou esse sinais, e fomos trabalhar dentro da sala de aula contextos, por exemplo, sobre os líderes religiosos entre muitos outros contextos. A gente observou que os pro-fessores e os alunos se forem dados para eles as metodologias, se forem oferecidos a eles esse conhecimento, eles conseguem desenvolver o trabalho e o aluno consegue aprender. Então, por isso que o livro é uma alternativa, a gente vai distribuir gra-tuitamente o livro depois como alternativa de ensino para os professores.

Fabrício: Ohana, eu queria saber um pouco mais da tua experiência, porque agora tu estás atuando numa Universidade. O público, com certeza, é diferente. E deve misturar tanto ouvintes quan-tos surdos. Você também está atuando nessa tutoria do curso de pedagogia bilíngue, então, com certeza é uma proposta totalmente diferente que você também deve lidar com metod-ologias diferenciadas para lidar com esse público né?

Ohana: Sim, com certeza, eu atuo tanto no curso letras-libras, que tem metade da turma são surdos e ouvintes. Então ali é um de-

mostrar um classificador para ele, dramatizar para ele entender melhor.

Fabrício: A dramatização é então potencial né. Professor Sílvio, pro-fessor Padovani, querem acrescentar algo mais.

Padovani: Porque a questão é que você tem que construir o con-ceito. Eu vou dar um exemplo aqui, muitas questões de história ou até mesmo no momento de explicar aparece o termo conse-quência. Quais as consequências de determinada situação histórica? Então, para nós ouvintes, vamos pensar assim o con-ceito de consequência. Consequência é uma coisa que acon-tece depois que uma coisa aconteceu e como você vai explicar isso para o surdo? Então, o que a Ohana colocou aqui é funda-mental. Quando eu quero dizer para o aluno o que é conse-quência, eu digo para ele “olha, por exemplo, a pessoa está tomando uma cerveja, whisky, ela pegou um carro, qual pode ser a consequência? Bater o carro. Isso tudo não falado, é dramatizado como ela disse. Então, eu preciso construir esse recurso. Quando ela fala em classifi-cador, de construir cenários narrativo com as mãos para ele. Você está dirigindo mas você bebeu. O que pode acontecer? Você teve uma relação sexual sem preservativo, você pode ficar doente, é uma consequência. Você pode ficar grávida, é uma outra consequência. Então, você tem que construir essas questões. Eu tive três anos como professor Itinerante na escola Luiz Nunes Direito na Cidade Nova. Eu ligado ainda ao Astério, mas desempenham parte da minha carga horária lá. Fizemos várias parcerias com os professores. Então, na apresentação de seminários, nós construímos com os alunos os slides, as apre-

sentações. Eu fazia a interpretação da apresentação dele para os professores. Os professores faziam perguntas. Eu fazia esse papel de intérprete nesse momento. Tem um professor, por exemplo, que fez em alguns momentos a prova de surdos, aquela ideia que a gente tem da prova oral, para o surdo ele fazia a prova sinalizada. Então, ele construía ali 6 questões, reunia comigo e com os surdos, aí ele escolhia “olha, faz essa questão aqui para ele”, aí eu perguntava para o surdo aquela questão, aí o surdo respondia, e eu ia interpretar e fazia esse papel de intérprete nesse momento. Aí o professor avaliava a resposta.

É interessante que é um ser humano. Então, quando ele não sabia, a feição dele mostrava logo que ele não sabia. Ele ficava nervoso, ficava tentando enrolar. O professor já percebia que ele estava com dificuldade para dar resposta. Então, são situações aí, nós fizemos, por exemplo, trabalhos com maquet-es. Esse foi muito interessante, o professor estava trabalhando “A Belle Époque”. E aí ele pediu para os surdos falarem sobre cinema Olympia. Essa foi uma ideia que partiu deles, por exem-plo, eu queria fazer uma maquete do cinema Olímpia, eles dis-seram “não, vamos fazer uma da fundação do cinema, outra dos anos 70/80 e outros agora”. Então, nós acabamos discutin-do a temporalidade, as mudanças arquitetônicas do prédio pú-blico, enfim, ficou bem legal. A apresentação de documentári-os, eu achei um documentário sobre o cinema Olympia, apre-sentamos para eles a interpretação. Então, há uma gama de possibilidades aí realmente. Na questão de química, a professo-ra também pegou umas bolinhas de isopor e aí o que aconte-cia? Aquelas bolinhas de isopor eram as moléculas, aí quando ela queria uma molécula diferente daquela da bolinha, ela já pintava a bolinha de vermelho para representar que era o hidrogênio, que era um carbono.

Então, todas essas possibilidades elas são possíveis de ser utilizada e o interessante é que fica muito bacana para o ouvin-te e para o surdo porque acaba trabalhando um pouco do lúdico. Não é só aquela coisa do professor que fala, fala, fala, e o aluno acaba construindo também ali as coisas, o conheci-mento.

Fabrício: Professor Silvio.

Sílvio: Eu queria complementar fazendo uma boa abordagem voltando lá para a questão do intérprete de libras, porque a gente sabe que o recurso visual, a dramatização tudo isso real-mente eles são de extrema importância. Mas olhando intér-prete em conta uma tecnologia assistiva dentro desse espaço, a gente precisa pensar que o professor deve ter ele também como recurso metodológico. Então, eu quero aproveitar o espaço para conversar também com os professores que possam estar ouvindo os alunos, que é direito do professor ter um intérprete de libras ao seu lado enquanto recurso met-odológico, por que o professor possivelmente não conseguirá sinalizar de forma fluente na sala de aula.

Então atenção para quem tá ouvindo uso decreto 5626/2005 para cobrar dos pais os direitos dos alunos surdos. Você pode levar isso ao Ministério Público para que possa ser trazido o intérprete de Libras. Eu acho que esse recurso met-odológico, o intérprete enquanto recurso metodológico, é im-portantíssimo dentro da sala porque o professor mas na maio-ria das vezes ele não terá tantas vezes para organizar todas as suas aulas de forma visual. Então, esse intérprete de Libras, ali, ele é essencial nos momentos em que o professor não tivesse oportunidade.

Fabrício: Está chegando já ao final do programa, vou abrir o espaço para as considerações finais dos nossos convidados, men-sagem de finais, o que vocês consideram como desafio, algo que vocês queiram reforçar em relação ao que a gente debateu ao longo dessa entrevista. Professor Padovani, pode começar? Ernesto: Na verdade, eu gostaria de agradecer, muito importante esse espaço. A gente percebe que a cada dia a questão da Ed-ucação de surdos está ganhando uma projeção. Eu acho que a questão da redação no Enem foi um antes e depois. O espaço, eu mesmo posso testemunhar, eu já estava ali no mestrado, fazendo projeto, mas depois que veio a redação do Enem, os convites para estar nos espaços, no IFPA, na UEPA na própria UFPA, convites para palestra, enfim. Está discutindo essa questão aumentou muito. Então isso é fundamental, não só para o nosso trabalho né mas para esse público que em algum momento nos falamos aqui da invisibilidade do Surdo, e era um público invisível e é um público que cada vez mais não quer ser invisível, quer ser representado.

Então, nós percebemos que as janelinhas da língua de sinais na TV já é uma coisa que está ganhando muita força, nas campanhas eleitorais, aí foi uma grande novidade. Mas o corre-to é que isto esteja em todos os momentos, em todos os dis-cursos. A gente ainda não vê isso no Brasil, os políticos fazem seus discursos mesmos nos cargos de governadores, presi-dentes, não tem um intérprete.

Quando nós vemos imagens no exterior, o presidente americano falando, a intérprete está do lado. Então, nós temos

um caminho grande aí de conquistas para trilhar, que a comuni-dade surda tem naturalmente também que trilhar.

Fabrício: Ohana. Ohana: Eu quero agradecer também pelo convite. Eu quero agra-decer novamente ao professor Neto por ter me convidado a fazer parte desse canal. Eu não tenho parentes surdos, na ver-dade eu tenho namorado surdo. Então assim, onde estiver um surdo, eu sempre estou lutando com eles. Inclusive, eu faço parte da diretoria da Jubel. É uma honra ser a única ouvinte, então é muita confiança perante os surdos né.

Então assim, na associação a gente luta pela presença do intérprete em sala de aula, nos hospitais, em qualquer espaço. Então assim, essa visibilidade está ocorrendo assim, mas tem que melhorar enfim, tem que avançar mais. Então, para os pro-fessores que estão escutando, eu sei que não tem muito tempo assim para organizar o material, mas fazer um esforcinho. Pro-fessores que estão ouvindo, por exemplo, você tem um aluno surdo ou com outra deficiência procure ter contato com seu aluno, procure saber o que ele pensa, se ele está entendendo. É importante isso.

Fabrício: Professor Sílvio

Sílvio: Bom, primeiramente, eu queria agradecer o convite. Foi uma honra estar debatendo junto com professor Netto Pado-vani e a professor Ohana. E o recado que eu deixo aos profes-sores é sempre buscar pensar, que a partir do momento em que você tem um aluno surdo na sala de aula pensar nessas

metodologias visuais, pensar nessas estratégias que você con-segue desenvolver um trabalho, se as dificuldades elas exist-irem, e caso haja o atendimento educacional especializado na sua escola, procurar o AE de forma a buscar esse suporte que você precisa.

É importante ressaltar que a gente iniciou lá falando sobre a Libras enquanto disciplina, nenhum professor, nenhum aluno vai sair fluente na língua de sinais, porém eu acredito que o ponto mais importante da disciplina é disseminar essa questão da diferença. Então o professor que está hoje trabalhando com surdos ele precisa entender que esse indivíduo tem particulari-dades, ele tem diferenças em relação aos alunos ouvintes e se ele buscar respeitar essas particularidades o desenvolvimento desses alunos será bem maior.

Em suma fica a dica, aproveitando a sala da professora Ohana, quebre essa barreira que existe entre você e o aluno, uma barreira imaginária que já se passaram anos e é necessário você quebrar. Como você faz para quebrar isso é chegando próximo desse aluno perguntando se ele está entendendo, per-guntando de que forma ele que aprender com a professora sugeriu ainda pouco e dessa forma ele vai conseguir fazer com que esse aluno possa expressar as formas que ele pode com-preender melhor, porque a gente deu algumas dicas mas não são receitas.

Cada um, cada professor vai observar dentro dos seus espaços escolares de salas de aula alunos com suas particulari-dades, então, o grande ponto é chegar próximo do aluno que foi que a professora a Ohana citou, quebrar a barreira imag-inária.

Fabrício: Está certo. Muito obrigado professor Silvio, professora Ohana, professor Padovani. Muito obrigado pela participação de vocês, pelos esclarecimentos e por compartilhar conheci-mento com a gente obrigado.

Sílvio: obrigado.

Fabrício: Agradeço mais uma vez a participação do professor Silvio Santiago Vieira, professor Padovani Neto e a professora Ohana Matias. Agradeço também a você ouvinte que acompanha o programa de hoje. Se você quiser enviar críticas comentários ou sugestões é só mandar um e-mail para rá[email protected].

educação de surdos, são experiências muito diversas, lógico, né. Por exemplo, em relação a esse contato que vocês tiveram com a Libras que inclusive, é exigido como eu falei, nos própri-os cursos de licenciatura, esse primeiro contato que muitos professores, licenciandos, hoje alunos de graduação têm, será que ele evoluiu muito dos que vocês tiveram por exemplo, no contato de vocês com a licenciatura? Será que hoje avançamos mais neste contato da Libras, nessa inserção da Libras no ensino superior pra formar esses profissionais, esses profes-sores que vão poder incluir esse aluno no sistema de ensino? ou vocês veem muita similaridade com o que vocês tiveram como experiência enquanto universitários. Como é que vocês veem essa evolução? Teve avanço ou não? Sílvio: A minha primeira formação é em Matemática. Na época em que eu me formei em matemática não existia no currículo a disciplina Língua Brasileira de Sinais, então eu só fui ter contato com a libras enquanto disciplina na especialização, mas hoje eu sou formador de alunos de cursos de licenciatura. Então, mesmo assim eu ainda observo que existem algumas coisas que nós precisamos avançar, por exemplo, a carga horária dessas disciplinas é muito reduzida na maioria dos cursos de graduação. Há curso em que a carga horária varia de 40 horas, 50 horas, 60 horas. A gente há de considerar, o professor Padovani, por exem-plo está desenvolvendo uma dissertação de mestrado onde ele tem um olhar sobre a história desse indivíduo dentro de um processo educacional. Imagina, você precisa apresentar essa história que não é pequena para o aluno graduando. Você pre-cisa trabalhar as metodologias de ensino, você precisa tra-balhar com experiências, você precisa levar esses alunos pra escola de educação de surdos pra que eles possam conhecer

Como professor da escola Astério de Campos que é uma escola de referência em Belém, todo o início de ano nós recebemos muitos convites para formação. E aí eu sou um dos professores que costuma ir dar essa formação. E a preocu-pação é essa. “Professor, sou professor de física, e aí o que que eu vou fazer com o aluno surdo que está na minha sala?”.

Então, quer dizer, mesmo sendo professor de história, eu procurei desenvolver, construir alguns materiais pra esses mo-mentos de formação onde eu explico pra eles, por exemplo, que pro surdo se você vai trabalhar matemática, você vai tra-balhar aquela abstração, aquelas frações, então é muito com-plicado. Agora se você traz para aquelas questões que é algo que está afinado com o aquilo que o MEC pensa em relação ao enem, se você traz que os prédios projeta uma sombra de tantos graus, formando um ângulo, você abre a mente ali pra trabalhar com o surdo porque ele está visualizando o prédio, a sombra, o grau está relacionado com a vida, então não é algo tão distante pro mundo ouvinte.

Em geral, quando estou em momentos de formação, ou em espaços educacionais, eles pensam que o surdo ele não ouve, mas ele sabe ler, então é muito complicado, porque ao não ouvir, o surdo não criou o conceito daquela palavra, nós sabe-mos que mesa é mesa, nós ouvimos a palavra mesa e atribuí-mos à mesa.

O surdo não ouviu essa palavra, então o conceito para ele, a palavra pra ele é um emaranhado de signos pra ele. Ele preci-sa estar gravando aqueles signos. A disciplina libras ela não está dando conta disso, ao meu ver. Os alunos vão pra essa dis-ciplina, eles não vão aprender a língua de sinais. Eu tenho con-tato com professores do ensino regular que têm alunos surdos há oito anos, há sete anos. Na minha pesquisa eu entrevistei

professores que têm alunos surdos há 10, 8 anos e ainda não sabe dá bom dia. Então, na disciplina também esse aluno não vai aprender. Está servindo pra ele entrar em contato e saber que isso existe. Hoje a minha luta, eu estou tentando criar um conceito que é o ensino de história em contextos inclusivos, que esse debate vá de fato pro campo das disciplinas, das áreas de conhecimento e não fique pairando acima de todas disciplinas que não dá conta. As disciplinas têm metodologias diferenciadas de ensino.

Fabrício: Como é que essa realidade no curso de letras, Ohana?

Ohana: Sim, sim, como o professor Neto falou, eu vim do curso Letras Libras, então tinha agrade curricular toda voltada pra Libras, pra educação dos surdos, então assim, em si, eu não tive essa dificuldade, mas se eu dependesse só do curso, hoje em dia talvez, eu estaria sinalizando só o básico, assim infelizmente como muitos colegas meus terminaram o curso e não tinham domínio da Língua de Sinais. Então, eu precisei correr exata-mente para manter contato com o usuário da língua pra poder aprender. Hoje em dia tudo o que eu sei foi porque eu estou sempre tendo contato com o surdo, então assim, quando eu conversa-va nos corredores com meus outros colegas de graduações, seja de letras português, biologia, eles me falavam assim “Ohana, você pode me ensinar qual é o sinal isso, isso, o sinal específico da graduação deles, porque o meu professor falta, porque o meu professor não está presente”, ou como o profes-sor Sílvio falou “a carga horária é muito pouca”, então assim, “não faz a adaptação voltada para o meu curso”. Então, como eu posso chegar numa graduação, por exemplo de licenciatura em biologia e ensinar por exemplo, só o alfabeto, só os sinais

esses espaços que é a partir dessa experiências empírica que ele pode se identificar muito mais com esses processo. Então eu observo que 60 horas, 80 horas é uma carga horária insufici-ente. Na minha opinião, nós deveríamos ter hoje um estágio curricular voltado pra educação especial. Os alunos saem da graduação sem saber como lidar com os alunos com deficiên-cia.

Falando do aluno surdo, ele sai ainda mais perdido haja vista que a Língua de sinais é uma língua diferente da Língua Portuguesa, com uma estrutura gramatical que carrega uma especificidade muito diferente da Língua Portuguesa. Então penso que a gente deve continuar discutindo essas questões da inclusão a fim de que exista um estágio supervisionado especifico. É lógico que as pessoas não vão sair de lá expertise em trabalhar com surdos, mas ela pelo menos terá condições de compreender essa realidade da inclusão escolar visitando esses espaços, essas escolas que têm educação especial que ainda existem aqui dentro de Belém.

Fabrício: Padovani.

Ernesto: Na minha graduação também ainda não havia essa questão da disciplina Libras. Pra dizer a verdade, durante a minha graduação nunca nem passou pela minha cabeça essa realidade. Não era algo discutido, debatido, presente dentro da Universidade, nem na sociedade. O que acontece assim, eu go-staria de concordar com o professor e também aprofundar no sentido de não é só uma questão de apresentar a disciplina com o nome Libras. Então, eu preciso trabalhar com o meu aluno de história metodologias de ensino de história pra surdos, metodologias de ensino de matemática para surdos.

Fabrício: Olá, ouvintes da Rádio Web UFPA. Eu sou Fabrício Que-iroz e a partir de agora você acompanha comigo mais uma edição do UFPA Ensino que hoje vai falar sobre Metodologias de Ensino para surdos.

Segundo o censo do IBGE de 2010, 9 milhões e 700 mil pessoas têm deficiência auditiva. Cerca de um milhão são jovens até 19 anos. No Brasil, os surdos só passaram a ter acesso à educação durante o império.

Em 26 de setembro de 1857, foi criada a primeira escola de educação de meninos surdos, no Rio de Janeiro. Apesar do avanço, somente em 2002, a Lei nº10.436 reconheceu oficial-mente a Língua Brasileira de Sinais, a LIBRAS.

A Libras é fundamental para garantir o aprendizado de alunos surdos. Em 2005, com o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro, a Libras foi determinada como disciplina curricular obrigatória para todos os cursos de licenciatura e também fonoaudiologia, e ela é optativa para os demais cursos do ensino superior e da educação profissional.

Outra grande conquista aconteceu em 2010, quando a profissão de tradutor–intérprete de Libras foi regulamentada em de 1º de setembro.

Além disso, professores têm buscado trazer a Libras para fora da sala de aula. Na internet, por exemplo, existem video-aulas em libras, democratizando o acesso à educação.

Hoje, vamos conhecer o trabalho de professores e intérpretes de Libras que desenvolvem estratégias para melhorar o ensino para surdos. Recebemos aqui no es-túdio da Rádio Web o professor da UEPA Sílvio Santia-go Vieira, ele é mestrando em Ciências da Religião, es-pecialista em Atendimento Educacional Especializado e também coordena o Grupo de Estudos Surdos & Inter-faces do IEPA, que é o Instituto de Educação e Cultura do Pará. Professor Silvio, muito obrigado por sua partic-ipação, bem-vindo.

Sívio Viera: Muito obrigado pelo convite.

Fabrício: Obrigado, professor Silvio. Também estou rece-bendo o Ernesto Padovani Netto, mais conhecido como Padovani. Ele é aluno do Mestrado Profissional em Ensino de História e é responsável pelo canal do Youtube “História em Libras”, e também é professor da SEDUC. Professor Padovani, muito obrigado.

Ernesto Padovani: Obrigado pelo convite, a gente espera contribuir aqui um pouco com o debate.

Fabrício: Obrigado, professor. E também recebemos a Ohana Matias. Ela é tradutora / intérprete de libras, é professora substituta da UEPA. Também atua como tutora na UEPA no curso de Pedagogia Bilíngue, além de ser especialista em Educação Especial e Inclusiva, e também colaboradora do canal “História em Libras”.

Page 2: Divulgando conhecimentoradio.ufpa.br/wp-content/uploads/2018/03/Roteiro... · Eu digo “não, ele sabe diferenciar, o meu papel aqui é de intérprete”. Eu sempre lutava a questão

Roteiro Adaptado doUFPA Ensino:Metodologias de Ensino para Alunos Surdos

Programa Exibido em 16/05/2018.Áudio disponível no site: radio.ufpa.br

Produção e RoteiroErlane Santos

Gravação e Montagem de ÁudioJoão Nilo e Genard Silva

FotosCarlos Sodré/ Agênica Pará

Genard SilvaReprodução Youtube

DiagramaçãoDaniel Souza

Supervisão e EdiçãoElissandra Bastista e Fabrício Queiroz

Coordenacão GeralAlda Costa

Ohana, também muito obrigado pela tua participação, bem-vinda.

Ohana: Obrigada pelo convite, é um prazer estar aqui estar fazendo parte desta discussão.

Fabrício: Eu queria que, na verdade, vocês primeiramente se apresentassem um pouco pra gente conhecer um pouco da trajetória e do interesse de vocês por essa área tão cara e tão desafiadora. A gente viu aí por esse pequeno histórico o quanto ela foi negligenciada, a educação de surdos, a educação inclusiva. O que que motivou vocês a trabalhar com essa área que ainda é um desafio na ed-ucação brasileira? Professora Ohana.

Ohana: Ohana: Bom, a minha história em si é bem diferente dos outros. Os meus colegas que eu estudei no curso de letras libras em 2012, a maioria veio da área da interpre-tação da igreja, ou tinha um parente surdo e no meu caso em si é por conta da minha mãe ser pedagoga. Então, como ela fazia na época o curso de libras, ela me incentivou para escolher esse curso. Na verdade, eu con-heci esse mundo novo quando eu passei no vestibular. Então assim, a partir do momento que eu comecei a estudar e começar a entender a história da educação do surdo, foi só um momento assim pra eu procurar saber mais sinais. Então, foi uma grande oportunidade e hoje em dia eu estou atuando, também faço parte da as-sociação dos surdos de Belém. Então eu estou sempre

nessa constante luta em prol da educação dos surdos, na luta por eles.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: Bom, a minha trajetória ela começa quando em 2009 eu resolvi fazer um curso de Língua Brasileira de Sinais no CAES. Eu tive um aluno surdo na época no Augusto Meira. Não sabia como lidar com os alunos surdos. E a minha comunicação com eles era basicamente por meio da mímica, por meio da escrita nos braços. Os surdos eles têm o costume de escrever no braço quando não têm papel, apagava, enfim. E assim eu fui apren-dendo os sinais iniciais e eu percebi que eu deveria ir mais adi-ante. Eu já tinha experiência com educação de alunos cegos e baixa visão, porém a minha experiência com os surdos me fez refletir sobre essas carências que a formação inicial de profes-sores possui. Aí eu fui fazer um curso de libras, tive o professor Arlindo, o professor Tiago Costa como meus professores. E foram pessoas que contribuíram muito para a minha formação inicial na área da língua de sinais. Em 2010, então eu resolvi en-veredar pela especialização nessa área, fiz especialização em Libras. E comecei também em 2010 a interpretar dentro da Igreja Assembleia de Deus. Foi quando eu realmente resolvi me focar nessa questão da interpretação que eu já estava na docência. Posteriormente a isso, eu resolvi criar o grupo de estudos surdos e interfaces, onde a gente tem discussões diversificadas, mas especifica-mente hoje nós estamos discutindo as questões relacionadas a

gênero e sexualidade dentro do grupo, haja vista que a comu-nidade surda belemense, ela apresenta uma pluralidade nesse sentido e é necessário que familiares e escolas possam com-preender essa questão da sexualidade do surdo que manifesta certas diferenças em relação à sexualidade dos indivíduos ouvin-tes. E também com foco na questão da religião pois eu tenho ob-servado que hoje os surdos eles têm buscado enveredar por outros ramos religiosos além do cristianismo. E a minha trajetória hoje tem sido basicamente focar na compreensão de como é que tem se desenvolvido essas territorialidades e os territórios dentro dos espaços sagrados. Hoje minhas pesquisas estão focadas nisso.

Fabrício: Professor Padovani.

Ernesto: Ok. Bem, eu sou professor da rede estadual de ensino há dez anos. Então quando eu comecei eu tra-balhei uns três anos no interior do estado. Tive um públi-co também de trabalhar em comunidades, quando vim, voltei a Belém, voltei pra trabalhar no sistema penal. O que ocorreu? Na verdade, lá no Astério de Campos não tinha professor de história. Aí me fizeram a proposta. Então, na verdade não foi muito uma escolha minha. Che-gando lá, eu criei de fato uma grande identificação com o trabalho. Fiz uma especialização em educação inclusiva e comecei a observar as dificuldades deles em relação à Língua Portuguesa, dificuldades com textos muito grandes, necessidade da utilização de imagens, então eu fui montando uma metodologia a partir de referenciais teóricos como a pedagogia visual e criando meu próprio material didático, criando formas de trabalhar com eles.

Quando surgiu a seleção pro Mestrado Profissional em Ensino de História, o PROFHISTÓRIA, eu fiz a seleção, fui aprovado e fui com isso na cabeça, que eu ia fazer um projeto sobre educação de surdos, unindo essas duas áreas. A questão da história e a questão da metodologia de ensino. E aí perpassam vários elementos, não é só a história em si. O meu trabalho é um trabalho sócio-histórico que vou justamente remontar o período do oralismo, passando pela co-municação total, são metodologias que são utilizadas até hoje como proposta teórica do bilinguismo prevalecendo na edu-cação dos surdos, pelo menos uma tentativa pra que prevaleça. E aí na verdade o canal “História em Libras”, ele surge como um produto desse mestrado. O mestrado profissional em ensino de história, ele exige uma dissertação escrita e um pro-duto pedagógico aplicável. Então existem várias possibilidades de produtos. A minha intenção inicial era fazer um material didático mesmo pra distribuir nas escolas, mas eu fiquei pen-sando na logística disso e no alcance que isso teria. Então, con-versando com amigos porque tem essa questão da interdisci-plinaridade, eu precisei de um amigo meu que trabalha com cinema, precisei da Ohana pra construir a proposta do canal. Então, desenvolvemos a ideia de um canal na internet seria muito melhor porque eu não teria o problema da divul-gação. Colocou na internet as pessoas podem acessar. E nós estamos nesse momento. Graças a Deus o vídeo está sendo muito acessado, teve uma repercussão muito boa. A Mídia Ninja compartilhou nos espaços que eles têm nas mídias digi-tais. Estamos agora aqui nesse debate

Fabrício: Dá pra esse primeiro relato de vocês, em relação à experiência, o contato que vocês tiveram com a Libras, com a

de família, de frutas, aí esse professor vai se formar, vai chegar numa sala de aula e vai só manter esse diálogo só de frutas, alfabeto? Não. Ele tem que saber o sinal de células, de mem-brana, disso, daquilo, tem que saber como é usar um classifica-dor. Infelizmente, é quebrada essa grade curricular das pessoas que estão na licenciatura.

Eu vivenciei isso muito quando eu fui intérprete de uma escola que tinha uma demanda muito grande, tinha 18 surdos na escola. Eu atendia oito surdos no ensino médio. Então, assim, eu observava a dificuldade dos professores. Eles chega-vam pra mim “eu nem tive essa disciplina de libras”, “eu nem sei o que é isso”, “é surdo mudo?” “ah, os teus alunos”. Eles não eram os meus alunos, eles eram alunos deles tanto quanto os ouvintes. Então, no caso, eu falava assim, “professor você tem que direcionar a eles”, “ah, mas só que ele vai pensar que é tu que tá chamando a atenção ou tá explicando”. Eu digo “não, ele sabe diferenciar, o meu papel aqui é de intérprete”. Eu sempre lutava a questão da metodologia, não pensavam no surdo.

Uma vez aconteceu uma situação que foi ao contrário, estava com legenda e sem som. Os ouvintes reclamaram. Aí eu falei para eles, “agora, vocês entenderam o que é estar na pele de uma pessoa surda:” Não é fácil. A informação não chega tão fácil pro surdo.O professor fez esse canal História. Esse canal é uma forma de democratizar tanto para surdo como para ouvin-te porque ele está usando diretamente a língua de sinais e tem ali a legenda.

Fabrício: Professor Padovani

Ernesto: Eu queria retomar mais uma questão pra embasar essa questão da metodologia, porque por exemplo a gente percebe muito há um censo comum de querer resumir a questão à língua. Então, se você tem um intérprete na escola, que não tem, em geral, não tem. Quando tem, então resolveu o proble-ma, agora tem intérprete. Então, eu faço sempre a discussão, o seguinte, se o problema fosse a língua, os nossos alunos ouvin-tes todos não teriam problema nenhum de educação no Brasil. Professor fala português, os alunos todos falam português, en-tendem, então por que os alunos não alcançam a média? Por que nós não estamos nos melhores patamares de educação mundial? Então nós não podemos também resumir o debate à língua. Então, como é que o aluno entende? É a partir da imagem? É a partir da construção de maquete? Qual é a possi-bilidade que se tem de vídeos com legenda?

O primeiro dia que o vídeo foi postado no Youtube, ele ficou sem legenda. Foi uma estratégia mesmo. Eu fui colhendo e estou colhendo os depoimentos pra finalizar a dissertação. “Poxa, não consegui, olha, eu paro, pela metade, eu parei. Não consegui acabar de ver, não tava entendendo nada”.Olha que nós colocamos os recursos imagéticos entrando no vídeo e em alguns momentos chaves aparecia escrito também o que estava sendo falado. Mas mesmo assim as pessoas reclamaram ou muitas fizeram essa reflexão: “poxa, agora eu me senti como os surdos se sentem”. São pequenas situações do dia a dia que no universo da escola se traduz em outras formas, mas são hierarquias de saberes. Um professor está ministrando aula, o outro professor vem dar um recado na turma, bota o rosto dentro da sala, “gente, gente, licença aqui, rapidinho, amanhã tem prova, dois reais a prova e tal”. Recado dado.

O surdo não entendeu. Vamos passar o vídeo pra turma, vamos levar para o auditório, muito legal, todo mundo vai, chega na hora de passar o vídeo me chamam pra interpretar, já aconteceu isso, eu não sou intérprete mas você está na escola, você sabe Língua de Sinais, você é intérprete, você é professor do AE, você é itinerante, você é tudo. Então fui lá interpretar, tudo certo, vamos lá, solta o play, apagam a luz. Como é que o surdo vai ter acesso à minha interpretação, então são questões que... é maldade? Não. Não é. Mas isso estrutura uma hierarquia de saberes. Entendeu. São hábitos que a escola internaliza porque ela é uma escola voltada e pensada para o público ou-vinte. O que me chama atenção é que isso acontece em escolas em que os surdos estudam há 10, 15 anos. Então, quando a escola vai internalizar presença do surdo? Então, acho que essas são questões aí que abrem um bom leque pra gente dis-cutir e pensar.

Fabrício: Só pra voltar, eu achei interessante o depoimento da Ohana, essa relação, dela como intérprete né. O Padovani ele tem o conhecimento, de repente ele pode usar desse conheci-mento pra se comunicar com esse aluno surdo, mas nem todas as escolas têm um profissional como a Ohana. E como é que fica a relação entre o professor e esse intérprete? Onde é que começa o papel de um e o papel de outro? Como é que se con-strói esse relacionamento pra que se possa comunicar e repas-sar esse conteúdo pra esses alunos? Como é essa dinâmica?

Ohana: Bom, a priori, o que deveria ocorrer era ter essa parceria com o professor e o interprete. Por que? porque o papel do intérprete é mediar. Ele não vai ensinar nada. Até porque a minha formação é Letras com habilitação em Libras, não é for-

mação em Letras, Português, Biologia, Matemática, não é.

A minha formação é Letras, então qual é o meu papel ali? É de chegar e interpretar tudo o que o professor falar. E quando eu digo tudo, eu interpretava até palavrões, enfim, tudo o que o professor abrisse a boca eu interpretava porque eu estou ali. Só que infelizmente essa experiência que eu tive o professor confundia, ele pensava que eu era a professora deles, e eu dizia “Olha, eu tenho respaldo, tem a lei, tem o código de ética, tenho tudo o que o senhor quiser eu mostro, mas esse daí não é meu papel, essa competência não é minha, é a sua”. Então, tem que ter essa parceria. O que o intérprete pode ajudar? Ajudar a dar umas dicas, como é que faz o material, coloca a legenda na próxima aula, é assim, é essa parceria. Essa relação de professor, intérprete e aluno.

Sílvio: Relacionando a fala da professora Ohana também pensan-do no atendimento educacional especializado. Então, ela ainda pouco colocou que o professor sempre atribui a responsabili-dade para o intérprete de Libras, mas ele também faz isso para o atendimento especializado. Por quê?

Historicamente a educação do surdo, ela foi atribuída à ed-ucação especial. Então, com o processo de inclusão que se dá a partir de 1996, com a lei de diretrizes e bases 93/94 de 96, é que a gente vem perceber que esses indivíduos com deficiên-cia, pessoas com deficiência, passam a ingressar dentro das escolas regulares. Só que nós passamos a ter dois personagens que antes nós não tínhamos dentro desses espaços, os intér-pretes de libras e os cuidadores também, e também a gente passa a ter o atendimento educacional especializado que as pessoas acham que é antiga educação especial, mas na ver-

dade há controvérsias, porque educação especial funcionava numa sala de aula onde se ensinavam essas pessoas. E o AE não, ele funciona como educação suplementar complementar, porém para o professor da rede regular, ele entende que é responsabilidade do AE ensinar os aluno surdos, que é responsabilidade do intérprete ensinar os alunos surdos, ou seja, esses personagens acabaram tendo responsabilidades além de suas responsabilidades e o professor se exime.

O Vigotski diz que “quando a gente enxerga deficiência primeiro ao invés de enxergar o ser humano, a gente destrói qualquer possibilidade de desenvolvimento desse indivíduo”. Então, a gente pode pegar a fala do professor Netto Padovani, por exemplo, em relação a questão das metodologias e obser-var que a maioria dos professores estão destruindo possibili-dades de desenvolvimento desses alunos na sala de aula exata-mente por causa das metodologias. Eu também não quero cul-pabilizar somente esses professores porque também a gente tem que pensar na formação desses indivíduos e nós também precisamos pensar que a Universidade também deve oferecer cursos de formação continuada, porque esse papel é da Uni-versidade. A gente costuma atribuir essa responsabilidade, “Ah, o governo não faz”, mas a Universidade é quem forma, é ela que deve trazer os professores pra dentro. Ela que precisa buscar parcerias com as escolas, parcerias com as unidades pra que isso possa acontecer.

Hoje, nós ainda observamos uma grande polêmica dentro das escolas. Intérprete de Libras que acabam tendo discussões com professores porque as vezes são atribuídas responsabili-dades. Durante o meu período na rede regular de ensino, eu tive dois alunos surdos, depois eu já estava fluente em Libras, e eu também tive problemas. E é legal colocar isso, porque os

meus alunos ouvintes não gostavam de eu passava a sinalizar na sala de aula. Então, o que que eu fazia, passava todo o con-teúdo de matemática, explicava primeiro em Língua Portugue-sa, passava uma bateria de exercícios pra eles fazerem, e era o momento em que eu ia sinalizar, porque não tinha intérprete de Libras, para os dois alunos surdos.

Só que isso gerava discussões na sala, “Ah, o professor não está dando atenção pra gente”, “o professor agora só olha pra esses surdos, lá vem ele com essa língua de sinais pra dentro da sala de aula”. Então, a gente observa que essas relações de poder que incidem dentro do espaço da sala de aula ainda fazem com que os ouvintes entendam que deve ser dada atenção a eles e que aos indivíduos surdos não deve ser dada atenção. Tem uma charge no livro do Moacir Carneiro muito interessante, inclusive nas formações continuadas eu sempre falo isso pros professores, os professores estão aqui em cima conversando “nós não conhecemos nada sobre esses indivíduos, nunca ouvimos falar nada sobre educação espe-cial”. Aí os alunos todos embaixo olhando.

Na verdade, essas pessoas vão reproduzir lá embaixo esse mesmo pensamento, é por isso que esses alunos pensam hoje que o professor deve dar atenção a eles e não devem dar atenção aos alunos surdos dentro da sala. Já eles também não aprenderam nada sobre educação especial, não aprenderam nada sobre pluralidade, diversidade, e acima de tudo sobre dif-erença.

Ohana: Eu vivenciei nessa escola, eu trabalhei nessa escola, se eu não me engano, dois anos e meio. Então assim, para aquela turma, eu acompanhei os surdos, primeiro, segundo e terceiro

ano. Até metade do convênio. Então, quando foi no primeiro ano, os ouvintes assim sofreram um impacto. “Intérprete?”, “surdos?”, “mãos mexendo?”, “Meu Deus!”, porque foram logo oito na minha turma. Então, assim, no início, eles deixavam de prestar atenção no professor e ficavam assim olhando pra mim, com os olhos vidrados, eu ficava intimidada inclusive, com o tempo eles foram habituando e foi passando ano, dois anos, mas o que me veio à cabeça, assim eu sempre fui tímida, então eu sempre chegava, dava bom dia pra quem estava na frente, mas eu não era de ficar batendo papo com os ouvintes.

Então, eu ficava conversando com os surdos, enquanto o professor não chegava. Então, assim os ouvintes assim, meio que segregavam a gente. Então, o que eu acho engraçado, é quando eles foram ter contato comigo? um dia após a prova do Enem. Tinha gente da escola do primeiro ano que eu nunca tinha visto na vida. Eles chegaram “Ei, tia, a minha proposta está boa”, “será que pode falar deficiente auditivo”, “eles são surdo-mudos”, “é isso, é aquilo”. Foi a primeira vez que eles viram a necessidade. A escola em si diz “Ah, a gente está inte-grando”, mas na verdade segregava. Então foi uma experiência dessa forma, foi ruim pra mim inclusive. Na verdade se não fosse eu ali com os surdos, eles não iam ter visibilidade naquela escola.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: É bem legal a gente observar que as falas estão contemp-lando o que a gente chama de currículo oculto dentro das insti-tuições, e é isso que a gente tem pra parar pra pensar hoje. As metodologias de ensino, elas podem contemplar as necessi-dades do professor na sala de aula, ok. Mas a escola precisa tra-

balhar o currículo oculto que é exatamente o que o professor Netto e a professora Ohana colocaram, que é essa questão da alteridade, de fazer com que o professor e o aluno possam se colocar no lugar do outro, porque inclusão ela precisa ser para todos. Ela tem que começar lá do porteiro até a merendeira. Então não é só o professor que deve passar por esse processo, e quando a escola inteira passar a se modificar, então, a gente vai começar a observar que os alunos ouvintes vão com-preender as particularidades étnico-linguísticos desses indivíduos surdos. Hoje a gente vem percebendo pelas experiências de rela-tos, até mesmo as experiências que a gente já viveu, que esses alunos eles ainda não compreendem. Eu lembro, por exemplo, uma vez que eu fui interpretar para um amigo meu, o Ademil-ton. Eu acho que a professora Ohana até conhece. Ele é surdo. Na época ele fazia ensino médio. E foi uma experiência muito triste porque o professor não sabia sequer da existência de um profissional interprete de Libras, então eu pedi pra diretora da escola, uma escola pública de Belém pra entrar pra interpretar na aula de química, e o professor me viu virado o tempo todo de costa pra ele. E ele achou que eu era um surdo que estava simplesmente conversando na sala de aula.

Só pra você ter uma noção do que que que é essa falta de compreensão desse outro indivíduo que está ali. E os alunos ouvintes na hora da frequência, começaram a chamar nome a nome, e eu disse “olha, o professor chamou o teu nome”. Ai ele foi lá na frente, e disse pro professor apontar. O professor fez um gesto obsceno pra ele e todo mundo começou a rir. De repente uma aluna chega e pergunta “professor, porque que ele tá aqui na sala de aula”. Ele disse assim: “Eu não sei, eu tô levando até onde eu posso”. Na verdade, esse professor não estava levando nada. Porque aquele momento ali mostrava que

ele não compreendia. Foi quando eu chamei o professor. “Pro-fessor, ele está com dúvidas nisso”. Aí ele disse “Ah, você fala?”. “Sim, eu sou ouvinte, eu sou intérprete”. E aí foi muito legal porque o professor sabia ensinar o surdo, só que ele tem medo de ensinar, porque tem uma barreira imaginária entre o profes-sor e o aluno surdo. Eu não lembro direito o conteúdo, eu acho que era sobre átomos que ele estava ensinando. Ele pegou um pedaço de papel, fez um monte de bolinhas, e ensinou pro Ademilton o conteúdo. Então, ele sabia ensinar, a questão é que ele não sabia como chegar pra ensinar, então, isso é uma questão de currículo oculto.

Os professores, a escola, a direção, a coordenação ped-agógica, todos eles precisam se voltar pra compreender esse espaço plural que existe dentro da escola. A gente fala muito de diferença, mas a escola na verdade, a exclusão ainda impera dentro desse processo. E não é só para os indivíduos surdos, é para todos os alunos que sofrem qualquer tipo de exclusão dentro desse espaço.

Fabrício: Rádio Web UFPA apresentando o programa UFPA Ensino. Hoje o tema é Metodologias de Ensino para Surdos. Os nossos convidados são, o professor Sílvio Santiago Vieira, o professor Ernesto Padovani Netto e a professora Ohana Matias. A gente vai para um rápido intervalo e volta já já. Rádio Web UFPA divulgando conhecimento.

Vinheta: Você está ouvindo UFPA Ensino. Você está ouvindo UFPA Ensino.

Fabrício: Estamos de volta com o programa UFPA Ensino. O nosso tema de hoje é Metodologia de Ensino para Surdos e os nossos convidados de hoje são o professor da Universidade do Estado do Pará Sílvio Santiago Vieira. Também recebo o professor Ernesto Padovani Netto, ele é professor da Seduc e faz o me-strado profissional em Ensino de História e também estou rece-bendo a professora Ohana Matias, que é professora substituta também da UEPA e tradutora/intérprete de Libras e também colabora com o canal História em Libras, pensado aí pelo pro-fessor Padovani.

Estamos de volta aqui pra nossa conversa, vamos começar com o professor Padovani e com a professora Ohana pra eles comentarem um pouco mais sobre esta experiência do canal História em Libras, justamente como é que vocês propõem o ensino da história a partir do canal no Youtube, qual é o diferencial que vocês têm aplicado, lógico além das legend-as e tudo mais, em termos da perspectiva que vocês estão apli-cando a esse ensino de História pra realmente incluir essas pes-soas sendo surdos pra ele ter acesso a esse conteúdo. Profes-sor Padovani.

Ernesto: Na verdade, nós fizemos uma disciplina no mestrado min-istrada pela professora Edilza Fontes que chama-se “História Pública”. Então no Brasil é uma discussão um tanto quanto recente, a discussão sobre História Pública. História Pública perpassa pela questão de que você tem o historiador que produz o conhecimento histórico. Em outros momentos da história, o conhecimento histórico era fundamentalmente pro-duzido pelo historiador e hoje em dia o que nós temos? Nós temos canais no Youtube, nós temos programas de TV, nós

temos jornalistas. Na verdade, todo mundo fala de história o tempo todo. Então, a história ganhou esse viés de história pública. Então, são narrativas que estão aí se degladeando. A gente vê isso no Brasil, esquerda e direita construindo narrativas históricas em torno de situações que ocorreram. Então, esse foi um debate fundamental pra eu pensar o canal. Por que? Em 2013 nós tive-mos as manifestações, o início daquelas manifestações que acabaram culminando com o impeachment. Então, o que acon-teceu? Os surdos chegavam na escola “por que que está acon-tecendo isso?”. Aparecia os blacks bloks quebrando as coisas, colocando fogo, quebrando os bancos e tudo mais e os alunos chegavam “eu não estou entendendo, por que profes-sor na rua esse problema toda a hora na televisão? E eles não entendiam o que estava acontecendo. Então o problema era o acesso à informação. Então, que história está sendo construída para esse aluno? O que que ele está aprendendo no processo escolar, o que que ele está viven-ciando, está vivendo, podendo relacionar, inclusive. Então, eu fui trabalhar nessa perspectiva de explicar. Eu lembro, inclusive, no primeiro vestibular de Libras da UEPA que houve as vagas para os surdos, eu fiz uma discussão com seles sobre essa questão de 2013 dos blacks blocks relacionando com ludismo, quando os operários ingleses quebravam as fábricas e tudo mais. Acabou que foi uma questão que veio na prova, então eles acertaram em massa a questão. Então relacionar os tempos históricos a partir de situações vivenciadas por eles. E o canal História em Libras veio muito nessa perspectiva de pensar a História Pública, a História digital. Nós não temos mais como ser, no meu caso, eu trabalho com história, sermos histo-riadores que ficamos presos somente ao papel, não é verdade?

Somente a entregar textos escritos que uma banca vai ler e muitas das vezes não é lido maciçamente. Então o canal foi uma forma de além de contemplar a exigência do programa que é ter um produto pedagógico, é um exercício de história pública, porque o tema Movimentos Sociais que é o tema da primeira aula, ele surgiu porque eu fui perguntar para os alunos o que eles gostariam de estudar. Isso também é uma perspecti-va muito interessante da gente refletir, porque eu digo “qual é o tema que eu vou colocar? eu não vou elencar um tema de cima pra baixo. Fazer uma aula sobre tal tema e ao perguntar para os alunos, eles tinham muita dificuldade de me responder o que eles gostariam em história. Primeiro, por quê? Existem uma perspectiva de que a história é uma história política. Então, estudar História é estudar Getúlio Vargas, é estudar a Ditadura Militar, é estudar os governos, os grandes heróis na-cionais, entre aspas. E eu queria que eles compreendessem que os surdos tem história.

No YouTube você tem muitas aulas no estilo caseiro, diga-mos assim. Você filma ali o quadro, para um professor que só precisa do recurso da fala é tranquilo. O professor fala, o ouvin-te escutou a informação. Mas para o surdo não, eu preciso de edição, eu preciso que as imagens entrem, eu preciso dialogar com as imagens, eu preciso de uma certa produção. Então, eu encontrei parcerias para produzir esse primeiro vídeo. Houve um custo. Hoje é um momento em que a secretaria de edu-cação replicou essa questão do canal. A Seduc colocou no site, colocou na agência Pará, colocou matérias no YouTube, no Facebook, sobre o projeto. Mas agora a gente precisa de suporte para dar continuidade.

Fabrício: Professor Silvio, eu queria que você falasse um pouco da sua experiência porque o senhor atua em outra área de conhe-cimento que é o ensino religioso. É uma metodologia meio parecida? como é que é são as estratégias que o senhor usa para atuar nessa área específica?

Sílvio: Eu não trabalho com canal especificamente.

Fabrício: Sim, sim.

Sílvio: Hoje eu tenho focado no grupo GESI. As nossas reuniões são todas as sextas-feiras. A gente tem desenvolvido foco na questão da criação de sinais termos que contemplem as questões das religiões. Mas é muito importante ressaltar que nós não estamos focando no cristianismo porque o cristianis-

safio. A sala em si é bilíngue, mas a questão da metodologia dos professores que é o mais difícil, até às vezes o posiciona-mento, eles estão aqui, o intérprete está bem aqui, e eles passam na frente. O surdo reclama “a gente não está conse-guindo visualizar o intérprete”. Então, a gente fica meio assim andando para cá e para cá. Então, assim experiência é muito boa para mim lá na graduação, é outro nível com surdos e assim eu fico muito feliz porque eles estão amadurecendo bas-tante.

Quando eles entraram sentiram muita dificuldade assim como os ouvintes, então assim foi um papel tanto dos intérpre-tes quanto dos professores, enviando materiais para a gente, para a gente procurar como o professor Sílvio falou sobre os sinais termos, se existem, porque são disciplinas muito espe-cíficas. Então, já lá no curso de pedagogia bilíngue que já tem um material pronto, na verdade. Então, assim tem as videoau-las, então geralmente os surdos que vão para lá geralmente são 10 ou 12, porque na verdade nós tutores fazemos uma escala, por exemplo eu vou dois dias, o outro vai mais dois dias. Então assim, a experiência lá é a questão visual que é muito impor-tante.

E o interessante é que os sinais são bem diferentes. Então assim, eles mostram lá na videoaula que é no INES que fica no Rio de Janeiro, e então são bem diferente dos sinais que nós tutores usamos. Então, é uma metodologia muito boa lá assim na questão visual. Então, te dá esse auxílio, interpreta, por exemplo, os textos da Língua Portuguesa. E é esse o trabalho que a gente faz lá.

Fabrício: Na experiência de todos vocês, vocês todos falaram bas-

tante de utilizar estratégias que apelam para esse aspecto visual. A Libras é visual, mas vocês também falaram muito de utilizar estratégias que possam utilizar vídeos, por exemplo, maquetes, enfim, coisas que vão apelar para o sentido visual e vai facilitar esse ensino para esse aluno surdo.

Alguma outra experiência que vocês tiveram, outra poten-cialidade, alguma outra coisa nesse sentido que possa acres-centar para, de repente, um outro professor, para uma pessoa que, de repente, não tenho tido essa experiência, ou de repente possa pensar em alguma outra coisa que vocês possam apre-sentar em algum exemplo?

Ohana: Eu tive uma experiência. Eu ainda era estagiária lá no Astério de Campos. Então, estava eu mais a minha colega Silvana. Então, lembro que na época, eu acho que foi em 2013, eu não sabia o sinal de corrupção. Então, assim, como explicar um conceito, explicar o que é, dar um sinal? Então assim, eu e a Silvana mostramos assim, dramatizamos na verdade.

Nós mostramos um contexto do dia a dia, por exemplo, a gente colocou... eu era a personagem cobrador e ela era um passageiro que ela passava o troco para mim, ou para ela me dava passagem né e eu passava um troco a mais. Então mas ela não me falava nada, ela ficava com dinheiro. Então, explicava para os alunos, “entenderam como é que ocorre a corrupção no dia-a-dia e no contexto político?” Então, foi uma experiência muito boa para mim porque assim quando se está com um surdo, se você não sabe o sinal, o conceito, você tem que apelar até para o teatro, tem que mostrar em algum momento um recurso visual para eles, porque, às vezes, só imagens não dá um sentido para ele. Você tem que dar uma explicação,

mo ele já tem todo um arcabouço de sinais termos.

Nós estamos pegando mensalmente as religiões que já são consideradas religiões mortas. Então, a gente veio desde a Grécia trazendo toda essa questão para trabalhar a questão da sinalização, para ajudar professores tanto de história como também professores de ciências da religião para ensinar os alunos surdos dentro desses contextos. Então, a gente tem toda uma pesquisa com base na lexicografia, na terminologia, buscando compreender se já existem esses sinais, se esses sinais já são utilizados em outros estados, para evitar criar sinais e depois dizer que são variações linguísticas que também não vou entrar muito no mérito porque é uma dis-cussão muito ampla.

Então, após esse primeiro momento que foi a questão da criação esses sinais de Termos, nós desenvolvemos um ciclo de oficinas que nós aplicamos na escola Vilhena Alves no ano pas-sado durante três semanas, onde nós trabalhamos com as met-odologias visuais também com o auxílio do profissional intér-prete de libras, além de que os alunos da UEPA que participam do grupo também sabem sinalizar, mas como a gente percebeu que era um conteúdo muito específico a gente preferiu solicitar a presença do intérprete de libras. Então, nós sentamos com intérpretes, trabalhamos sinais termos que tinham sido cata-logados e os que foram criados. E foi muito interessante como esses alunos surdos ele já compreendem muito essa ideia do visual, assistem muitos filmes, desenhos e trouxeram muitas experiências legais.

Após isso, a gente aplicou em torno de umas 8 a 9 oficinas e nós resolvemos escrever alguns artigos porque a gente per-cebeu, a partir dessa experiência, que os professores que

talvez não saibam lidar com o aluno surdo porque eles não conhecem as metodologias que devem ser trabalhadas. A gente está escrevendo agora um livro que vai ser publicado agora esse ano pela Editora CRV que se chama a “Religião e Educação de surdos: desafios e métodos”, onde a gente tem foco na questão das religiões indígenas, nas religiões afro de matriz africana, especificamente o Candomblé, já que tem um vídeo no YouTube publicado pelo professor Emerson Silva onde ele trabalhou a questão de sinais específicos do Can-domblé.

A gente pegou esse sinais, e fomos trabalhar dentro da sala de aula contextos, por exemplo, sobre os líderes religiosos entre muitos outros contextos. A gente observou que os pro-fessores e os alunos se forem dados para eles as metodologias, se forem oferecidos a eles esse conhecimento, eles conseguem desenvolver o trabalho e o aluno consegue aprender. Então, por isso que o livro é uma alternativa, a gente vai distribuir gra-tuitamente o livro depois como alternativa de ensino para os professores.

Fabrício: Ohana, eu queria saber um pouco mais da tua experiência, porque agora tu estás atuando numa Universidade. O público, com certeza, é diferente. E deve misturar tanto ouvintes quan-tos surdos. Você também está atuando nessa tutoria do curso de pedagogia bilíngue, então, com certeza é uma proposta totalmente diferente que você também deve lidar com metod-ologias diferenciadas para lidar com esse público né?

Ohana: Sim, com certeza, eu atuo tanto no curso letras-libras, que tem metade da turma são surdos e ouvintes. Então ali é um de-

mostrar um classificador para ele, dramatizar para ele entender melhor.

Fabrício: A dramatização é então potencial né. Professor Sílvio, pro-fessor Padovani, querem acrescentar algo mais.

Padovani: Porque a questão é que você tem que construir o con-ceito. Eu vou dar um exemplo aqui, muitas questões de história ou até mesmo no momento de explicar aparece o termo conse-quência. Quais as consequências de determinada situação histórica? Então, para nós ouvintes, vamos pensar assim o con-ceito de consequência. Consequência é uma coisa que acon-tece depois que uma coisa aconteceu e como você vai explicar isso para o surdo? Então, o que a Ohana colocou aqui é funda-mental. Quando eu quero dizer para o aluno o que é conse-quência, eu digo para ele “olha, por exemplo, a pessoa está tomando uma cerveja, whisky, ela pegou um carro, qual pode ser a consequência? Bater o carro. Isso tudo não falado, é dramatizado como ela disse. Então, eu preciso construir esse recurso. Quando ela fala em classifi-cador, de construir cenários narrativo com as mãos para ele. Você está dirigindo mas você bebeu. O que pode acontecer? Você teve uma relação sexual sem preservativo, você pode ficar doente, é uma consequência. Você pode ficar grávida, é uma outra consequência. Então, você tem que construir essas questões. Eu tive três anos como professor Itinerante na escola Luiz Nunes Direito na Cidade Nova. Eu ligado ainda ao Astério, mas desempenham parte da minha carga horária lá. Fizemos várias parcerias com os professores. Então, na apresentação de seminários, nós construímos com os alunos os slides, as apre-

sentações. Eu fazia a interpretação da apresentação dele para os professores. Os professores faziam perguntas. Eu fazia esse papel de intérprete nesse momento. Tem um professor, por exemplo, que fez em alguns momentos a prova de surdos, aquela ideia que a gente tem da prova oral, para o surdo ele fazia a prova sinalizada. Então, ele construía ali 6 questões, reunia comigo e com os surdos, aí ele escolhia “olha, faz essa questão aqui para ele”, aí eu perguntava para o surdo aquela questão, aí o surdo respondia, e eu ia interpretar e fazia esse papel de intérprete nesse momento. Aí o professor avaliava a resposta.

É interessante que é um ser humano. Então, quando ele não sabia, a feição dele mostrava logo que ele não sabia. Ele ficava nervoso, ficava tentando enrolar. O professor já percebia que ele estava com dificuldade para dar resposta. Então, são situações aí, nós fizemos, por exemplo, trabalhos com maquet-es. Esse foi muito interessante, o professor estava trabalhando “A Belle Époque”. E aí ele pediu para os surdos falarem sobre cinema Olympia. Essa foi uma ideia que partiu deles, por exem-plo, eu queria fazer uma maquete do cinema Olímpia, eles dis-seram “não, vamos fazer uma da fundação do cinema, outra dos anos 70/80 e outros agora”. Então, nós acabamos discutin-do a temporalidade, as mudanças arquitetônicas do prédio pú-blico, enfim, ficou bem legal. A apresentação de documentári-os, eu achei um documentário sobre o cinema Olympia, apre-sentamos para eles a interpretação. Então, há uma gama de possibilidades aí realmente. Na questão de química, a professo-ra também pegou umas bolinhas de isopor e aí o que aconte-cia? Aquelas bolinhas de isopor eram as moléculas, aí quando ela queria uma molécula diferente daquela da bolinha, ela já pintava a bolinha de vermelho para representar que era o hidrogênio, que era um carbono.

Então, todas essas possibilidades elas são possíveis de ser utilizada e o interessante é que fica muito bacana para o ouvin-te e para o surdo porque acaba trabalhando um pouco do lúdico. Não é só aquela coisa do professor que fala, fala, fala, e o aluno acaba construindo também ali as coisas, o conheci-mento.

Fabrício: Professor Silvio.

Sílvio: Eu queria complementar fazendo uma boa abordagem voltando lá para a questão do intérprete de libras, porque a gente sabe que o recurso visual, a dramatização tudo isso real-mente eles são de extrema importância. Mas olhando intér-prete em conta uma tecnologia assistiva dentro desse espaço, a gente precisa pensar que o professor deve ter ele também como recurso metodológico. Então, eu quero aproveitar o espaço para conversar também com os professores que possam estar ouvindo os alunos, que é direito do professor ter um intérprete de libras ao seu lado enquanto recurso met-odológico, por que o professor possivelmente não conseguirá sinalizar de forma fluente na sala de aula.

Então atenção para quem tá ouvindo uso decreto 5626/2005 para cobrar dos pais os direitos dos alunos surdos. Você pode levar isso ao Ministério Público para que possa ser trazido o intérprete de Libras. Eu acho que esse recurso met-odológico, o intérprete enquanto recurso metodológico, é im-portantíssimo dentro da sala porque o professor mas na maio-ria das vezes ele não terá tantas vezes para organizar todas as suas aulas de forma visual. Então, esse intérprete de Libras, ali, ele é essencial nos momentos em que o professor não tivesse oportunidade.

Fabrício: Está chegando já ao final do programa, vou abrir o espaço para as considerações finais dos nossos convidados, men-sagem de finais, o que vocês consideram como desafio, algo que vocês queiram reforçar em relação ao que a gente debateu ao longo dessa entrevista. Professor Padovani, pode começar? Ernesto: Na verdade, eu gostaria de agradecer, muito importante esse espaço. A gente percebe que a cada dia a questão da Ed-ucação de surdos está ganhando uma projeção. Eu acho que a questão da redação no Enem foi um antes e depois. O espaço, eu mesmo posso testemunhar, eu já estava ali no mestrado, fazendo projeto, mas depois que veio a redação do Enem, os convites para estar nos espaços, no IFPA, na UEPA na própria UFPA, convites para palestra, enfim. Está discutindo essa questão aumentou muito. Então isso é fundamental, não só para o nosso trabalho né mas para esse público que em algum momento nos falamos aqui da invisibilidade do Surdo, e era um público invisível e é um público que cada vez mais não quer ser invisível, quer ser representado.

Então, nós percebemos que as janelinhas da língua de sinais na TV já é uma coisa que está ganhando muita força, nas campanhas eleitorais, aí foi uma grande novidade. Mas o corre-to é que isto esteja em todos os momentos, em todos os dis-cursos. A gente ainda não vê isso no Brasil, os políticos fazem seus discursos mesmos nos cargos de governadores, presi-dentes, não tem um intérprete.

Quando nós vemos imagens no exterior, o presidente americano falando, a intérprete está do lado. Então, nós temos

um caminho grande aí de conquistas para trilhar, que a comuni-dade surda tem naturalmente também que trilhar.

Fabrício: Ohana. Ohana: Eu quero agradecer também pelo convite. Eu quero agra-decer novamente ao professor Neto por ter me convidado a fazer parte desse canal. Eu não tenho parentes surdos, na ver-dade eu tenho namorado surdo. Então assim, onde estiver um surdo, eu sempre estou lutando com eles. Inclusive, eu faço parte da diretoria da Jubel. É uma honra ser a única ouvinte, então é muita confiança perante os surdos né.

Então assim, na associação a gente luta pela presença do intérprete em sala de aula, nos hospitais, em qualquer espaço. Então assim, essa visibilidade está ocorrendo assim, mas tem que melhorar enfim, tem que avançar mais. Então, para os pro-fessores que estão escutando, eu sei que não tem muito tempo assim para organizar o material, mas fazer um esforcinho. Pro-fessores que estão ouvindo, por exemplo, você tem um aluno surdo ou com outra deficiência procure ter contato com seu aluno, procure saber o que ele pensa, se ele está entendendo. É importante isso.

Fabrício: Professor Sílvio

Sílvio: Bom, primeiramente, eu queria agradecer o convite. Foi uma honra estar debatendo junto com professor Netto Pado-vani e a professor Ohana. E o recado que eu deixo aos profes-sores é sempre buscar pensar, que a partir do momento em que você tem um aluno surdo na sala de aula pensar nessas

metodologias visuais, pensar nessas estratégias que você con-segue desenvolver um trabalho, se as dificuldades elas exist-irem, e caso haja o atendimento educacional especializado na sua escola, procurar o AE de forma a buscar esse suporte que você precisa.

É importante ressaltar que a gente iniciou lá falando sobre a Libras enquanto disciplina, nenhum professor, nenhum aluno vai sair fluente na língua de sinais, porém eu acredito que o ponto mais importante da disciplina é disseminar essa questão da diferença. Então o professor que está hoje trabalhando com surdos ele precisa entender que esse indivíduo tem particulari-dades, ele tem diferenças em relação aos alunos ouvintes e se ele buscar respeitar essas particularidades o desenvolvimento desses alunos será bem maior.

Em suma fica a dica, aproveitando a sala da professora Ohana, quebre essa barreira que existe entre você e o aluno, uma barreira imaginária que já se passaram anos e é necessário você quebrar. Como você faz para quebrar isso é chegando próximo desse aluno perguntando se ele está entendendo, per-guntando de que forma ele que aprender com a professora sugeriu ainda pouco e dessa forma ele vai conseguir fazer com que esse aluno possa expressar as formas que ele pode com-preender melhor, porque a gente deu algumas dicas mas não são receitas.

Cada um, cada professor vai observar dentro dos seus espaços escolares de salas de aula alunos com suas particulari-dades, então, o grande ponto é chegar próximo do aluno que foi que a professora a Ohana citou, quebrar a barreira imag-inária.

Fabrício: Está certo. Muito obrigado professor Silvio, professora Ohana, professor Padovani. Muito obrigado pela participação de vocês, pelos esclarecimentos e por compartilhar conheci-mento com a gente obrigado.

Sílvio: obrigado.

Fabrício: Agradeço mais uma vez a participação do professor Silvio Santiago Vieira, professor Padovani Neto e a professora Ohana Matias. Agradeço também a você ouvinte que acompanha o programa de hoje. Se você quiser enviar críticas comentários ou sugestões é só mandar um e-mail para rá[email protected].

educação de surdos, são experiências muito diversas, lógico, né. Por exemplo, em relação a esse contato que vocês tiveram com a Libras que inclusive, é exigido como eu falei, nos própri-os cursos de licenciatura, esse primeiro contato que muitos professores, licenciandos, hoje alunos de graduação têm, será que ele evoluiu muito dos que vocês tiveram por exemplo, no contato de vocês com a licenciatura? Será que hoje avançamos mais neste contato da Libras, nessa inserção da Libras no ensino superior pra formar esses profissionais, esses profes-sores que vão poder incluir esse aluno no sistema de ensino? ou vocês veem muita similaridade com o que vocês tiveram como experiência enquanto universitários. Como é que vocês veem essa evolução? Teve avanço ou não? Sílvio: A minha primeira formação é em Matemática. Na época em que eu me formei em matemática não existia no currículo a disciplina Língua Brasileira de Sinais, então eu só fui ter contato com a libras enquanto disciplina na especialização, mas hoje eu sou formador de alunos de cursos de licenciatura. Então, mesmo assim eu ainda observo que existem algumas coisas que nós precisamos avançar, por exemplo, a carga horária dessas disciplinas é muito reduzida na maioria dos cursos de graduação. Há curso em que a carga horária varia de 40 horas, 50 horas, 60 horas. A gente há de considerar, o professor Padovani, por exem-plo está desenvolvendo uma dissertação de mestrado onde ele tem um olhar sobre a história desse indivíduo dentro de um processo educacional. Imagina, você precisa apresentar essa história que não é pequena para o aluno graduando. Você pre-cisa trabalhar as metodologias de ensino, você precisa tra-balhar com experiências, você precisa levar esses alunos pra escola de educação de surdos pra que eles possam conhecer

Como professor da escola Astério de Campos que é uma escola de referência em Belém, todo o início de ano nós recebemos muitos convites para formação. E aí eu sou um dos professores que costuma ir dar essa formação. E a preocu-pação é essa. “Professor, sou professor de física, e aí o que que eu vou fazer com o aluno surdo que está na minha sala?”.

Então, quer dizer, mesmo sendo professor de história, eu procurei desenvolver, construir alguns materiais pra esses mo-mentos de formação onde eu explico pra eles, por exemplo, que pro surdo se você vai trabalhar matemática, você vai tra-balhar aquela abstração, aquelas frações, então é muito com-plicado. Agora se você traz para aquelas questões que é algo que está afinado com o aquilo que o MEC pensa em relação ao enem, se você traz que os prédios projeta uma sombra de tantos graus, formando um ângulo, você abre a mente ali pra trabalhar com o surdo porque ele está visualizando o prédio, a sombra, o grau está relacionado com a vida, então não é algo tão distante pro mundo ouvinte.

Em geral, quando estou em momentos de formação, ou em espaços educacionais, eles pensam que o surdo ele não ouve, mas ele sabe ler, então é muito complicado, porque ao não ouvir, o surdo não criou o conceito daquela palavra, nós sabe-mos que mesa é mesa, nós ouvimos a palavra mesa e atribuí-mos à mesa.

O surdo não ouviu essa palavra, então o conceito para ele, a palavra pra ele é um emaranhado de signos pra ele. Ele preci-sa estar gravando aqueles signos. A disciplina libras ela não está dando conta disso, ao meu ver. Os alunos vão pra essa dis-ciplina, eles não vão aprender a língua de sinais. Eu tenho con-tato com professores do ensino regular que têm alunos surdos há oito anos, há sete anos. Na minha pesquisa eu entrevistei

professores que têm alunos surdos há 10, 8 anos e ainda não sabe dá bom dia. Então, na disciplina também esse aluno não vai aprender. Está servindo pra ele entrar em contato e saber que isso existe. Hoje a minha luta, eu estou tentando criar um conceito que é o ensino de história em contextos inclusivos, que esse debate vá de fato pro campo das disciplinas, das áreas de conhecimento e não fique pairando acima de todas disciplinas que não dá conta. As disciplinas têm metodologias diferenciadas de ensino.

Fabrício: Como é que essa realidade no curso de letras, Ohana?

Ohana: Sim, sim, como o professor Neto falou, eu vim do curso Letras Libras, então tinha agrade curricular toda voltada pra Libras, pra educação dos surdos, então assim, em si, eu não tive essa dificuldade, mas se eu dependesse só do curso, hoje em dia talvez, eu estaria sinalizando só o básico, assim infelizmente como muitos colegas meus terminaram o curso e não tinham domínio da Língua de Sinais. Então, eu precisei correr exata-mente para manter contato com o usuário da língua pra poder aprender. Hoje em dia tudo o que eu sei foi porque eu estou sempre tendo contato com o surdo, então assim, quando eu conversa-va nos corredores com meus outros colegas de graduações, seja de letras português, biologia, eles me falavam assim “Ohana, você pode me ensinar qual é o sinal isso, isso, o sinal específico da graduação deles, porque o meu professor falta, porque o meu professor não está presente”, ou como o profes-sor Sílvio falou “a carga horária é muito pouca”, então assim, “não faz a adaptação voltada para o meu curso”. Então, como eu posso chegar numa graduação, por exemplo de licenciatura em biologia e ensinar por exemplo, só o alfabeto, só os sinais

esses espaços que é a partir dessa experiências empírica que ele pode se identificar muito mais com esses processo. Então eu observo que 60 horas, 80 horas é uma carga horária insufici-ente. Na minha opinião, nós deveríamos ter hoje um estágio curricular voltado pra educação especial. Os alunos saem da graduação sem saber como lidar com os alunos com deficiên-cia.

Falando do aluno surdo, ele sai ainda mais perdido haja vista que a Língua de sinais é uma língua diferente da Língua Portuguesa, com uma estrutura gramatical que carrega uma especificidade muito diferente da Língua Portuguesa. Então penso que a gente deve continuar discutindo essas questões da inclusão a fim de que exista um estágio supervisionado especifico. É lógico que as pessoas não vão sair de lá expertise em trabalhar com surdos, mas ela pelo menos terá condições de compreender essa realidade da inclusão escolar visitando esses espaços, essas escolas que têm educação especial que ainda existem aqui dentro de Belém.

Fabrício: Padovani.

Ernesto: Na minha graduação também ainda não havia essa questão da disciplina Libras. Pra dizer a verdade, durante a minha graduação nunca nem passou pela minha cabeça essa realidade. Não era algo discutido, debatido, presente dentro da Universidade, nem na sociedade. O que acontece assim, eu go-staria de concordar com o professor e também aprofundar no sentido de não é só uma questão de apresentar a disciplina com o nome Libras. Então, eu preciso trabalhar com o meu aluno de história metodologias de ensino de história pra surdos, metodologias de ensino de matemática para surdos.

Fabrício: Olá, ouvintes da Rádio Web UFPA. Eu sou Fabrício Que-iroz e a partir de agora você acompanha comigo mais uma edição do UFPA Ensino que hoje vai falar sobre Metodologias de Ensino para surdos.

Segundo o censo do IBGE de 2010, 9 milhões e 700 mil pessoas têm deficiência auditiva. Cerca de um milhão são jovens até 19 anos. No Brasil, os surdos só passaram a ter acesso à educação durante o império.

Em 26 de setembro de 1857, foi criada a primeira escola de educação de meninos surdos, no Rio de Janeiro. Apesar do avanço, somente em 2002, a Lei nº10.436 reconheceu oficial-mente a Língua Brasileira de Sinais, a LIBRAS.

A Libras é fundamental para garantir o aprendizado de alunos surdos. Em 2005, com o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro, a Libras foi determinada como disciplina curricular obrigatória para todos os cursos de licenciatura e também fonoaudiologia, e ela é optativa para os demais cursos do ensino superior e da educação profissional.

Outra grande conquista aconteceu em 2010, quando a profissão de tradutor–intérprete de Libras foi regulamentada em de 1º de setembro.

Além disso, professores têm buscado trazer a Libras para fora da sala de aula. Na internet, por exemplo, existem video-aulas em libras, democratizando o acesso à educação.

Hoje, vamos conhecer o trabalho de professores e intérpretes de Libras que desenvolvem estratégias para melhorar o ensino para surdos. Recebemos aqui no es-túdio da Rádio Web o professor da UEPA Sílvio Santia-go Vieira, ele é mestrando em Ciências da Religião, es-pecialista em Atendimento Educacional Especializado e também coordena o Grupo de Estudos Surdos & Inter-faces do IEPA, que é o Instituto de Educação e Cultura do Pará. Professor Silvio, muito obrigado por sua partic-ipação, bem-vindo.

Sívio Viera: Muito obrigado pelo convite.

Fabrício: Obrigado, professor Silvio. Também estou rece-bendo o Ernesto Padovani Netto, mais conhecido como Padovani. Ele é aluno do Mestrado Profissional em Ensino de História e é responsável pelo canal do Youtube “História em Libras”, e também é professor da SEDUC. Professor Padovani, muito obrigado.

Ernesto Padovani: Obrigado pelo convite, a gente espera contribuir aqui um pouco com o debate.

Fabrício: Obrigado, professor. E também recebemos a Ohana Matias. Ela é tradutora / intérprete de libras, é professora substituta da UEPA. Também atua como tutora na UEPA no curso de Pedagogia Bilíngue, além de ser especialista em Educação Especial e Inclusiva, e também colaboradora do canal “História em Libras”.

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Apresentação

Entrevistados

RÁDIO WEB UFPA: Divulgando conhecimento

Professor da Universidade do Estado do Pará (UEPA)

Jornalista

Sílvio Santiago

Professor de História da SEDUC e estudante do Mestrado Profissional em História

Ernesto Padovani Netto

Professora substituta da UEPA e tradutora e intérprete de libras

Ohana Matias

Fabrício Queiroz

Ohana, também muito obrigado pela tua participação, bem-vinda.

Ohana: Obrigada pelo convite, é um prazer estar aqui estar fazendo parte desta discussão.

Fabrício: Eu queria que, na verdade, vocês primeiramente se apresentassem um pouco pra gente conhecer um pouco da trajetória e do interesse de vocês por essa área tão cara e tão desafiadora. A gente viu aí por esse pequeno histórico o quanto ela foi negligenciada, a educação de surdos, a educação inclusiva. O que que motivou vocês a trabalhar com essa área que ainda é um desafio na ed-ucação brasileira? Professora Ohana.

Ohana: Ohana: Bom, a minha história em si é bem diferente dos outros. Os meus colegas que eu estudei no curso de letras libras em 2012, a maioria veio da área da interpre-tação da igreja, ou tinha um parente surdo e no meu caso em si é por conta da minha mãe ser pedagoga. Então, como ela fazia na época o curso de libras, ela me incentivou para escolher esse curso. Na verdade, eu con-heci esse mundo novo quando eu passei no vestibular. Então assim, a partir do momento que eu comecei a estudar e começar a entender a história da educação do surdo, foi só um momento assim pra eu procurar saber mais sinais. Então, foi uma grande oportunidade e hoje em dia eu estou atuando, também faço parte da as-sociação dos surdos de Belém. Então eu estou sempre

nessa constante luta em prol da educação dos surdos, na luta por eles.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: Bom, a minha trajetória ela começa quando em 2009 eu resolvi fazer um curso de Língua Brasileira de Sinais no CAES. Eu tive um aluno surdo na época no Augusto Meira. Não sabia como lidar com os alunos surdos. E a minha comunicação com eles era basicamente por meio da mímica, por meio da escrita nos braços. Os surdos eles têm o costume de escrever no braço quando não têm papel, apagava, enfim. E assim eu fui apren-dendo os sinais iniciais e eu percebi que eu deveria ir mais adi-ante. Eu já tinha experiência com educação de alunos cegos e baixa visão, porém a minha experiência com os surdos me fez refletir sobre essas carências que a formação inicial de profes-sores possui. Aí eu fui fazer um curso de libras, tive o professor Arlindo, o professor Tiago Costa como meus professores. E foram pessoas que contribuíram muito para a minha formação inicial na área da língua de sinais. Em 2010, então eu resolvi en-veredar pela especialização nessa área, fiz especialização em Libras. E comecei também em 2010 a interpretar dentro da Igreja Assembleia de Deus. Foi quando eu realmente resolvi me focar nessa questão da interpretação que eu já estava na docência. Posteriormente a isso, eu resolvi criar o grupo de estudos surdos e interfaces, onde a gente tem discussões diversificadas, mas especifica-mente hoje nós estamos discutindo as questões relacionadas a

gênero e sexualidade dentro do grupo, haja vista que a comu-nidade surda belemense, ela apresenta uma pluralidade nesse sentido e é necessário que familiares e escolas possam com-preender essa questão da sexualidade do surdo que manifesta certas diferenças em relação à sexualidade dos indivíduos ouvin-tes. E também com foco na questão da religião pois eu tenho ob-servado que hoje os surdos eles têm buscado enveredar por outros ramos religiosos além do cristianismo. E a minha trajetória hoje tem sido basicamente focar na compreensão de como é que tem se desenvolvido essas territorialidades e os territórios dentro dos espaços sagrados. Hoje minhas pesquisas estão focadas nisso.

Fabrício: Professor Padovani.

Ernesto: Ok. Bem, eu sou professor da rede estadual de ensino há dez anos. Então quando eu comecei eu tra-balhei uns três anos no interior do estado. Tive um públi-co também de trabalhar em comunidades, quando vim, voltei a Belém, voltei pra trabalhar no sistema penal. O que ocorreu? Na verdade, lá no Astério de Campos não tinha professor de história. Aí me fizeram a proposta. Então, na verdade não foi muito uma escolha minha. Che-gando lá, eu criei de fato uma grande identificação com o trabalho. Fiz uma especialização em educação inclusiva e comecei a observar as dificuldades deles em relação à Língua Portuguesa, dificuldades com textos muito grandes, necessidade da utilização de imagens, então eu fui montando uma metodologia a partir de referenciais teóricos como a pedagogia visual e criando meu próprio material didático, criando formas de trabalhar com eles.

Quando surgiu a seleção pro Mestrado Profissional em Ensino de História, o PROFHISTÓRIA, eu fiz a seleção, fui aprovado e fui com isso na cabeça, que eu ia fazer um projeto sobre educação de surdos, unindo essas duas áreas. A questão da história e a questão da metodologia de ensino. E aí perpassam vários elementos, não é só a história em si. O meu trabalho é um trabalho sócio-histórico que vou justamente remontar o período do oralismo, passando pela co-municação total, são metodologias que são utilizadas até hoje como proposta teórica do bilinguismo prevalecendo na edu-cação dos surdos, pelo menos uma tentativa pra que prevaleça. E aí na verdade o canal “História em Libras”, ele surge como um produto desse mestrado. O mestrado profissional em ensino de história, ele exige uma dissertação escrita e um pro-duto pedagógico aplicável. Então existem várias possibilidades de produtos. A minha intenção inicial era fazer um material didático mesmo pra distribuir nas escolas, mas eu fiquei pen-sando na logística disso e no alcance que isso teria. Então, con-versando com amigos porque tem essa questão da interdisci-plinaridade, eu precisei de um amigo meu que trabalha com cinema, precisei da Ohana pra construir a proposta do canal. Então, desenvolvemos a ideia de um canal na internet seria muito melhor porque eu não teria o problema da divul-gação. Colocou na internet as pessoas podem acessar. E nós estamos nesse momento. Graças a Deus o vídeo está sendo muito acessado, teve uma repercussão muito boa. A Mídia Ninja compartilhou nos espaços que eles têm nas mídias digi-tais. Estamos agora aqui nesse debate

Fabrício: Dá pra esse primeiro relato de vocês, em relação à experiência, o contato que vocês tiveram com a Libras, com a

de família, de frutas, aí esse professor vai se formar, vai chegar numa sala de aula e vai só manter esse diálogo só de frutas, alfabeto? Não. Ele tem que saber o sinal de células, de mem-brana, disso, daquilo, tem que saber como é usar um classifica-dor. Infelizmente, é quebrada essa grade curricular das pessoas que estão na licenciatura.

Eu vivenciei isso muito quando eu fui intérprete de uma escola que tinha uma demanda muito grande, tinha 18 surdos na escola. Eu atendia oito surdos no ensino médio. Então, assim, eu observava a dificuldade dos professores. Eles chega-vam pra mim “eu nem tive essa disciplina de libras”, “eu nem sei o que é isso”, “é surdo mudo?” “ah, os teus alunos”. Eles não eram os meus alunos, eles eram alunos deles tanto quanto os ouvintes. Então, no caso, eu falava assim, “professor você tem que direcionar a eles”, “ah, mas só que ele vai pensar que é tu que tá chamando a atenção ou tá explicando”. Eu digo “não, ele sabe diferenciar, o meu papel aqui é de intérprete”. Eu sempre lutava a questão da metodologia, não pensavam no surdo.

Uma vez aconteceu uma situação que foi ao contrário, estava com legenda e sem som. Os ouvintes reclamaram. Aí eu falei para eles, “agora, vocês entenderam o que é estar na pele de uma pessoa surda:” Não é fácil. A informação não chega tão fácil pro surdo.O professor fez esse canal História. Esse canal é uma forma de democratizar tanto para surdo como para ouvin-te porque ele está usando diretamente a língua de sinais e tem ali a legenda.

Fabrício: Professor Padovani

Ernesto: Eu queria retomar mais uma questão pra embasar essa questão da metodologia, porque por exemplo a gente percebe muito há um censo comum de querer resumir a questão à língua. Então, se você tem um intérprete na escola, que não tem, em geral, não tem. Quando tem, então resolveu o proble-ma, agora tem intérprete. Então, eu faço sempre a discussão, o seguinte, se o problema fosse a língua, os nossos alunos ouvin-tes todos não teriam problema nenhum de educação no Brasil. Professor fala português, os alunos todos falam português, en-tendem, então por que os alunos não alcançam a média? Por que nós não estamos nos melhores patamares de educação mundial? Então nós não podemos também resumir o debate à língua. Então, como é que o aluno entende? É a partir da imagem? É a partir da construção de maquete? Qual é a possi-bilidade que se tem de vídeos com legenda?

O primeiro dia que o vídeo foi postado no Youtube, ele ficou sem legenda. Foi uma estratégia mesmo. Eu fui colhendo e estou colhendo os depoimentos pra finalizar a dissertação. “Poxa, não consegui, olha, eu paro, pela metade, eu parei. Não consegui acabar de ver, não tava entendendo nada”.Olha que nós colocamos os recursos imagéticos entrando no vídeo e em alguns momentos chaves aparecia escrito também o que estava sendo falado. Mas mesmo assim as pessoas reclamaram ou muitas fizeram essa reflexão: “poxa, agora eu me senti como os surdos se sentem”. São pequenas situações do dia a dia que no universo da escola se traduz em outras formas, mas são hierarquias de saberes. Um professor está ministrando aula, o outro professor vem dar um recado na turma, bota o rosto dentro da sala, “gente, gente, licença aqui, rapidinho, amanhã tem prova, dois reais a prova e tal”. Recado dado.

O surdo não entendeu. Vamos passar o vídeo pra turma, vamos levar para o auditório, muito legal, todo mundo vai, chega na hora de passar o vídeo me chamam pra interpretar, já aconteceu isso, eu não sou intérprete mas você está na escola, você sabe Língua de Sinais, você é intérprete, você é professor do AE, você é itinerante, você é tudo. Então fui lá interpretar, tudo certo, vamos lá, solta o play, apagam a luz. Como é que o surdo vai ter acesso à minha interpretação, então são questões que... é maldade? Não. Não é. Mas isso estrutura uma hierarquia de saberes. Entendeu. São hábitos que a escola internaliza porque ela é uma escola voltada e pensada para o público ou-vinte. O que me chama atenção é que isso acontece em escolas em que os surdos estudam há 10, 15 anos. Então, quando a escola vai internalizar presença do surdo? Então, acho que essas são questões aí que abrem um bom leque pra gente dis-cutir e pensar.

Fabrício: Só pra voltar, eu achei interessante o depoimento da Ohana, essa relação, dela como intérprete né. O Padovani ele tem o conhecimento, de repente ele pode usar desse conheci-mento pra se comunicar com esse aluno surdo, mas nem todas as escolas têm um profissional como a Ohana. E como é que fica a relação entre o professor e esse intérprete? Onde é que começa o papel de um e o papel de outro? Como é que se con-strói esse relacionamento pra que se possa comunicar e repas-sar esse conteúdo pra esses alunos? Como é essa dinâmica?

Ohana: Bom, a priori, o que deveria ocorrer era ter essa parceria com o professor e o interprete. Por que? porque o papel do intérprete é mediar. Ele não vai ensinar nada. Até porque a minha formação é Letras com habilitação em Libras, não é for-

mação em Letras, Português, Biologia, Matemática, não é.

A minha formação é Letras, então qual é o meu papel ali? É de chegar e interpretar tudo o que o professor falar. E quando eu digo tudo, eu interpretava até palavrões, enfim, tudo o que o professor abrisse a boca eu interpretava porque eu estou ali. Só que infelizmente essa experiência que eu tive o professor confundia, ele pensava que eu era a professora deles, e eu dizia “Olha, eu tenho respaldo, tem a lei, tem o código de ética, tenho tudo o que o senhor quiser eu mostro, mas esse daí não é meu papel, essa competência não é minha, é a sua”. Então, tem que ter essa parceria. O que o intérprete pode ajudar? Ajudar a dar umas dicas, como é que faz o material, coloca a legenda na próxima aula, é assim, é essa parceria. Essa relação de professor, intérprete e aluno.

Sílvio: Relacionando a fala da professora Ohana também pensan-do no atendimento educacional especializado. Então, ela ainda pouco colocou que o professor sempre atribui a responsabili-dade para o intérprete de Libras, mas ele também faz isso para o atendimento especializado. Por quê?

Historicamente a educação do surdo, ela foi atribuída à ed-ucação especial. Então, com o processo de inclusão que se dá a partir de 1996, com a lei de diretrizes e bases 93/94 de 96, é que a gente vem perceber que esses indivíduos com deficiên-cia, pessoas com deficiência, passam a ingressar dentro das escolas regulares. Só que nós passamos a ter dois personagens que antes nós não tínhamos dentro desses espaços, os intér-pretes de libras e os cuidadores também, e também a gente passa a ter o atendimento educacional especializado que as pessoas acham que é antiga educação especial, mas na ver-

dade há controvérsias, porque educação especial funcionava numa sala de aula onde se ensinavam essas pessoas. E o AE não, ele funciona como educação suplementar complementar, porém para o professor da rede regular, ele entende que é responsabilidade do AE ensinar os aluno surdos, que é responsabilidade do intérprete ensinar os alunos surdos, ou seja, esses personagens acabaram tendo responsabilidades além de suas responsabilidades e o professor se exime.

O Vigotski diz que “quando a gente enxerga deficiência primeiro ao invés de enxergar o ser humano, a gente destrói qualquer possibilidade de desenvolvimento desse indivíduo”. Então, a gente pode pegar a fala do professor Netto Padovani, por exemplo, em relação a questão das metodologias e obser-var que a maioria dos professores estão destruindo possibili-dades de desenvolvimento desses alunos na sala de aula exata-mente por causa das metodologias. Eu também não quero cul-pabilizar somente esses professores porque também a gente tem que pensar na formação desses indivíduos e nós também precisamos pensar que a Universidade também deve oferecer cursos de formação continuada, porque esse papel é da Uni-versidade. A gente costuma atribuir essa responsabilidade, “Ah, o governo não faz”, mas a Universidade é quem forma, é ela que deve trazer os professores pra dentro. Ela que precisa buscar parcerias com as escolas, parcerias com as unidades pra que isso possa acontecer.

Hoje, nós ainda observamos uma grande polêmica dentro das escolas. Intérprete de Libras que acabam tendo discussões com professores porque as vezes são atribuídas responsabili-dades. Durante o meu período na rede regular de ensino, eu tive dois alunos surdos, depois eu já estava fluente em Libras, e eu também tive problemas. E é legal colocar isso, porque os

meus alunos ouvintes não gostavam de eu passava a sinalizar na sala de aula. Então, o que que eu fazia, passava todo o con-teúdo de matemática, explicava primeiro em Língua Portugue-sa, passava uma bateria de exercícios pra eles fazerem, e era o momento em que eu ia sinalizar, porque não tinha intérprete de Libras, para os dois alunos surdos.

Só que isso gerava discussões na sala, “Ah, o professor não está dando atenção pra gente”, “o professor agora só olha pra esses surdos, lá vem ele com essa língua de sinais pra dentro da sala de aula”. Então, a gente observa que essas relações de poder que incidem dentro do espaço da sala de aula ainda fazem com que os ouvintes entendam que deve ser dada atenção a eles e que aos indivíduos surdos não deve ser dada atenção. Tem uma charge no livro do Moacir Carneiro muito interessante, inclusive nas formações continuadas eu sempre falo isso pros professores, os professores estão aqui em cima conversando “nós não conhecemos nada sobre esses indivíduos, nunca ouvimos falar nada sobre educação espe-cial”. Aí os alunos todos embaixo olhando.

Na verdade, essas pessoas vão reproduzir lá embaixo esse mesmo pensamento, é por isso que esses alunos pensam hoje que o professor deve dar atenção a eles e não devem dar atenção aos alunos surdos dentro da sala. Já eles também não aprenderam nada sobre educação especial, não aprenderam nada sobre pluralidade, diversidade, e acima de tudo sobre dif-erença.

Ohana: Eu vivenciei nessa escola, eu trabalhei nessa escola, se eu não me engano, dois anos e meio. Então assim, para aquela turma, eu acompanhei os surdos, primeiro, segundo e terceiro

ano. Até metade do convênio. Então, quando foi no primeiro ano, os ouvintes assim sofreram um impacto. “Intérprete?”, “surdos?”, “mãos mexendo?”, “Meu Deus!”, porque foram logo oito na minha turma. Então, assim, no início, eles deixavam de prestar atenção no professor e ficavam assim olhando pra mim, com os olhos vidrados, eu ficava intimidada inclusive, com o tempo eles foram habituando e foi passando ano, dois anos, mas o que me veio à cabeça, assim eu sempre fui tímida, então eu sempre chegava, dava bom dia pra quem estava na frente, mas eu não era de ficar batendo papo com os ouvintes.

Então, eu ficava conversando com os surdos, enquanto o professor não chegava. Então, assim os ouvintes assim, meio que segregavam a gente. Então, o que eu acho engraçado, é quando eles foram ter contato comigo? um dia após a prova do Enem. Tinha gente da escola do primeiro ano que eu nunca tinha visto na vida. Eles chegaram “Ei, tia, a minha proposta está boa”, “será que pode falar deficiente auditivo”, “eles são surdo-mudos”, “é isso, é aquilo”. Foi a primeira vez que eles viram a necessidade. A escola em si diz “Ah, a gente está inte-grando”, mas na verdade segregava. Então foi uma experiência dessa forma, foi ruim pra mim inclusive. Na verdade se não fosse eu ali com os surdos, eles não iam ter visibilidade naquela escola.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: É bem legal a gente observar que as falas estão contemp-lando o que a gente chama de currículo oculto dentro das insti-tuições, e é isso que a gente tem pra parar pra pensar hoje. As metodologias de ensino, elas podem contemplar as necessi-dades do professor na sala de aula, ok. Mas a escola precisa tra-

balhar o currículo oculto que é exatamente o que o professor Netto e a professora Ohana colocaram, que é essa questão da alteridade, de fazer com que o professor e o aluno possam se colocar no lugar do outro, porque inclusão ela precisa ser para todos. Ela tem que começar lá do porteiro até a merendeira. Então não é só o professor que deve passar por esse processo, e quando a escola inteira passar a se modificar, então, a gente vai começar a observar que os alunos ouvintes vão com-preender as particularidades étnico-linguísticos desses indivíduos surdos. Hoje a gente vem percebendo pelas experiências de rela-tos, até mesmo as experiências que a gente já viveu, que esses alunos eles ainda não compreendem. Eu lembro, por exemplo, uma vez que eu fui interpretar para um amigo meu, o Ademil-ton. Eu acho que a professora Ohana até conhece. Ele é surdo. Na época ele fazia ensino médio. E foi uma experiência muito triste porque o professor não sabia sequer da existência de um profissional interprete de Libras, então eu pedi pra diretora da escola, uma escola pública de Belém pra entrar pra interpretar na aula de química, e o professor me viu virado o tempo todo de costa pra ele. E ele achou que eu era um surdo que estava simplesmente conversando na sala de aula.

Só pra você ter uma noção do que que que é essa falta de compreensão desse outro indivíduo que está ali. E os alunos ouvintes na hora da frequência, começaram a chamar nome a nome, e eu disse “olha, o professor chamou o teu nome”. Ai ele foi lá na frente, e disse pro professor apontar. O professor fez um gesto obsceno pra ele e todo mundo começou a rir. De repente uma aluna chega e pergunta “professor, porque que ele tá aqui na sala de aula”. Ele disse assim: “Eu não sei, eu tô levando até onde eu posso”. Na verdade, esse professor não estava levando nada. Porque aquele momento ali mostrava que

ele não compreendia. Foi quando eu chamei o professor. “Pro-fessor, ele está com dúvidas nisso”. Aí ele disse “Ah, você fala?”. “Sim, eu sou ouvinte, eu sou intérprete”. E aí foi muito legal porque o professor sabia ensinar o surdo, só que ele tem medo de ensinar, porque tem uma barreira imaginária entre o profes-sor e o aluno surdo. Eu não lembro direito o conteúdo, eu acho que era sobre átomos que ele estava ensinando. Ele pegou um pedaço de papel, fez um monte de bolinhas, e ensinou pro Ademilton o conteúdo. Então, ele sabia ensinar, a questão é que ele não sabia como chegar pra ensinar, então, isso é uma questão de currículo oculto.

Os professores, a escola, a direção, a coordenação ped-agógica, todos eles precisam se voltar pra compreender esse espaço plural que existe dentro da escola. A gente fala muito de diferença, mas a escola na verdade, a exclusão ainda impera dentro desse processo. E não é só para os indivíduos surdos, é para todos os alunos que sofrem qualquer tipo de exclusão dentro desse espaço.

Fabrício: Rádio Web UFPA apresentando o programa UFPA Ensino. Hoje o tema é Metodologias de Ensino para Surdos. Os nossos convidados são, o professor Sílvio Santiago Vieira, o professor Ernesto Padovani Netto e a professora Ohana Matias. A gente vai para um rápido intervalo e volta já já. Rádio Web UFPA divulgando conhecimento.

Vinheta: Você está ouvindo UFPA Ensino. Você está ouvindo UFPA Ensino.

Fabrício: Estamos de volta com o programa UFPA Ensino. O nosso tema de hoje é Metodologia de Ensino para Surdos e os nossos convidados de hoje são o professor da Universidade do Estado do Pará Sílvio Santiago Vieira. Também recebo o professor Ernesto Padovani Netto, ele é professor da Seduc e faz o me-strado profissional em Ensino de História e também estou rece-bendo a professora Ohana Matias, que é professora substituta também da UEPA e tradutora/intérprete de Libras e também colabora com o canal História em Libras, pensado aí pelo pro-fessor Padovani.

Estamos de volta aqui pra nossa conversa, vamos começar com o professor Padovani e com a professora Ohana pra eles comentarem um pouco mais sobre esta experiência do canal História em Libras, justamente como é que vocês propõem o ensino da história a partir do canal no Youtube, qual é o diferencial que vocês têm aplicado, lógico além das legend-as e tudo mais, em termos da perspectiva que vocês estão apli-cando a esse ensino de História pra realmente incluir essas pes-soas sendo surdos pra ele ter acesso a esse conteúdo. Profes-sor Padovani.

Ernesto: Na verdade, nós fizemos uma disciplina no mestrado min-istrada pela professora Edilza Fontes que chama-se “História Pública”. Então no Brasil é uma discussão um tanto quanto recente, a discussão sobre História Pública. História Pública perpassa pela questão de que você tem o historiador que produz o conhecimento histórico. Em outros momentos da história, o conhecimento histórico era fundamentalmente pro-duzido pelo historiador e hoje em dia o que nós temos? Nós temos canais no Youtube, nós temos programas de TV, nós

temos jornalistas. Na verdade, todo mundo fala de história o tempo todo. Então, a história ganhou esse viés de história pública. Então, são narrativas que estão aí se degladeando. A gente vê isso no Brasil, esquerda e direita construindo narrativas históricas em torno de situações que ocorreram. Então, esse foi um debate fundamental pra eu pensar o canal. Por que? Em 2013 nós tive-mos as manifestações, o início daquelas manifestações que acabaram culminando com o impeachment. Então, o que acon-teceu? Os surdos chegavam na escola “por que que está acon-tecendo isso?”. Aparecia os blacks bloks quebrando as coisas, colocando fogo, quebrando os bancos e tudo mais e os alunos chegavam “eu não estou entendendo, por que profes-sor na rua esse problema toda a hora na televisão? E eles não entendiam o que estava acontecendo. Então o problema era o acesso à informação. Então, que história está sendo construída para esse aluno? O que que ele está aprendendo no processo escolar, o que que ele está viven-ciando, está vivendo, podendo relacionar, inclusive. Então, eu fui trabalhar nessa perspectiva de explicar. Eu lembro, inclusive, no primeiro vestibular de Libras da UEPA que houve as vagas para os surdos, eu fiz uma discussão com seles sobre essa questão de 2013 dos blacks blocks relacionando com ludismo, quando os operários ingleses quebravam as fábricas e tudo mais. Acabou que foi uma questão que veio na prova, então eles acertaram em massa a questão. Então relacionar os tempos históricos a partir de situações vivenciadas por eles. E o canal História em Libras veio muito nessa perspectiva de pensar a História Pública, a História digital. Nós não temos mais como ser, no meu caso, eu trabalho com história, sermos histo-riadores que ficamos presos somente ao papel, não é verdade?

Somente a entregar textos escritos que uma banca vai ler e muitas das vezes não é lido maciçamente. Então o canal foi uma forma de além de contemplar a exigência do programa que é ter um produto pedagógico, é um exercício de história pública, porque o tema Movimentos Sociais que é o tema da primeira aula, ele surgiu porque eu fui perguntar para os alunos o que eles gostariam de estudar. Isso também é uma perspecti-va muito interessante da gente refletir, porque eu digo “qual é o tema que eu vou colocar? eu não vou elencar um tema de cima pra baixo. Fazer uma aula sobre tal tema e ao perguntar para os alunos, eles tinham muita dificuldade de me responder o que eles gostariam em história. Primeiro, por quê? Existem uma perspectiva de que a história é uma história política. Então, estudar História é estudar Getúlio Vargas, é estudar a Ditadura Militar, é estudar os governos, os grandes heróis na-cionais, entre aspas. E eu queria que eles compreendessem que os surdos tem história.

No YouTube você tem muitas aulas no estilo caseiro, diga-mos assim. Você filma ali o quadro, para um professor que só precisa do recurso da fala é tranquilo. O professor fala, o ouvin-te escutou a informação. Mas para o surdo não, eu preciso de edição, eu preciso que as imagens entrem, eu preciso dialogar com as imagens, eu preciso de uma certa produção. Então, eu encontrei parcerias para produzir esse primeiro vídeo. Houve um custo. Hoje é um momento em que a secretaria de edu-cação replicou essa questão do canal. A Seduc colocou no site, colocou na agência Pará, colocou matérias no YouTube, no Facebook, sobre o projeto. Mas agora a gente precisa de suporte para dar continuidade.

Fabrício: Professor Silvio, eu queria que você falasse um pouco da sua experiência porque o senhor atua em outra área de conhe-cimento que é o ensino religioso. É uma metodologia meio parecida? como é que é são as estratégias que o senhor usa para atuar nessa área específica?

Sílvio: Eu não trabalho com canal especificamente.

Fabrício: Sim, sim.

Sílvio: Hoje eu tenho focado no grupo GESI. As nossas reuniões são todas as sextas-feiras. A gente tem desenvolvido foco na questão da criação de sinais termos que contemplem as questões das religiões. Mas é muito importante ressaltar que nós não estamos focando no cristianismo porque o cristianis-

safio. A sala em si é bilíngue, mas a questão da metodologia dos professores que é o mais difícil, até às vezes o posiciona-mento, eles estão aqui, o intérprete está bem aqui, e eles passam na frente. O surdo reclama “a gente não está conse-guindo visualizar o intérprete”. Então, a gente fica meio assim andando para cá e para cá. Então, assim experiência é muito boa para mim lá na graduação, é outro nível com surdos e assim eu fico muito feliz porque eles estão amadurecendo bas-tante.

Quando eles entraram sentiram muita dificuldade assim como os ouvintes, então assim foi um papel tanto dos intérpre-tes quanto dos professores, enviando materiais para a gente, para a gente procurar como o professor Sílvio falou sobre os sinais termos, se existem, porque são disciplinas muito espe-cíficas. Então, já lá no curso de pedagogia bilíngue que já tem um material pronto, na verdade. Então, assim tem as videoau-las, então geralmente os surdos que vão para lá geralmente são 10 ou 12, porque na verdade nós tutores fazemos uma escala, por exemplo eu vou dois dias, o outro vai mais dois dias. Então assim, a experiência lá é a questão visual que é muito impor-tante.

E o interessante é que os sinais são bem diferentes. Então assim, eles mostram lá na videoaula que é no INES que fica no Rio de Janeiro, e então são bem diferente dos sinais que nós tutores usamos. Então, é uma metodologia muito boa lá assim na questão visual. Então, te dá esse auxílio, interpreta, por exemplo, os textos da Língua Portuguesa. E é esse o trabalho que a gente faz lá.

Fabrício: Na experiência de todos vocês, vocês todos falaram bas-

tante de utilizar estratégias que apelam para esse aspecto visual. A Libras é visual, mas vocês também falaram muito de utilizar estratégias que possam utilizar vídeos, por exemplo, maquetes, enfim, coisas que vão apelar para o sentido visual e vai facilitar esse ensino para esse aluno surdo.

Alguma outra experiência que vocês tiveram, outra poten-cialidade, alguma outra coisa nesse sentido que possa acres-centar para, de repente, um outro professor, para uma pessoa que, de repente, não tenho tido essa experiência, ou de repente possa pensar em alguma outra coisa que vocês possam apre-sentar em algum exemplo?

Ohana: Eu tive uma experiência. Eu ainda era estagiária lá no Astério de Campos. Então, estava eu mais a minha colega Silvana. Então, lembro que na época, eu acho que foi em 2013, eu não sabia o sinal de corrupção. Então, assim, como explicar um conceito, explicar o que é, dar um sinal? Então assim, eu e a Silvana mostramos assim, dramatizamos na verdade.

Nós mostramos um contexto do dia a dia, por exemplo, a gente colocou... eu era a personagem cobrador e ela era um passageiro que ela passava o troco para mim, ou para ela me dava passagem né e eu passava um troco a mais. Então mas ela não me falava nada, ela ficava com dinheiro. Então, explicava para os alunos, “entenderam como é que ocorre a corrupção no dia-a-dia e no contexto político?” Então, foi uma experiência muito boa para mim porque assim quando se está com um surdo, se você não sabe o sinal, o conceito, você tem que apelar até para o teatro, tem que mostrar em algum momento um recurso visual para eles, porque, às vezes, só imagens não dá um sentido para ele. Você tem que dar uma explicação,

mo ele já tem todo um arcabouço de sinais termos.

Nós estamos pegando mensalmente as religiões que já são consideradas religiões mortas. Então, a gente veio desde a Grécia trazendo toda essa questão para trabalhar a questão da sinalização, para ajudar professores tanto de história como também professores de ciências da religião para ensinar os alunos surdos dentro desses contextos. Então, a gente tem toda uma pesquisa com base na lexicografia, na terminologia, buscando compreender se já existem esses sinais, se esses sinais já são utilizados em outros estados, para evitar criar sinais e depois dizer que são variações linguísticas que também não vou entrar muito no mérito porque é uma dis-cussão muito ampla.

Então, após esse primeiro momento que foi a questão da criação esses sinais de Termos, nós desenvolvemos um ciclo de oficinas que nós aplicamos na escola Vilhena Alves no ano pas-sado durante três semanas, onde nós trabalhamos com as met-odologias visuais também com o auxílio do profissional intér-prete de libras, além de que os alunos da UEPA que participam do grupo também sabem sinalizar, mas como a gente percebeu que era um conteúdo muito específico a gente preferiu solicitar a presença do intérprete de libras. Então, nós sentamos com intérpretes, trabalhamos sinais termos que tinham sido cata-logados e os que foram criados. E foi muito interessante como esses alunos surdos ele já compreendem muito essa ideia do visual, assistem muitos filmes, desenhos e trouxeram muitas experiências legais.

Após isso, a gente aplicou em torno de umas 8 a 9 oficinas e nós resolvemos escrever alguns artigos porque a gente per-cebeu, a partir dessa experiência, que os professores que

talvez não saibam lidar com o aluno surdo porque eles não conhecem as metodologias que devem ser trabalhadas. A gente está escrevendo agora um livro que vai ser publicado agora esse ano pela Editora CRV que se chama a “Religião e Educação de surdos: desafios e métodos”, onde a gente tem foco na questão das religiões indígenas, nas religiões afro de matriz africana, especificamente o Candomblé, já que tem um vídeo no YouTube publicado pelo professor Emerson Silva onde ele trabalhou a questão de sinais específicos do Can-domblé.

A gente pegou esse sinais, e fomos trabalhar dentro da sala de aula contextos, por exemplo, sobre os líderes religiosos entre muitos outros contextos. A gente observou que os pro-fessores e os alunos se forem dados para eles as metodologias, se forem oferecidos a eles esse conhecimento, eles conseguem desenvolver o trabalho e o aluno consegue aprender. Então, por isso que o livro é uma alternativa, a gente vai distribuir gra-tuitamente o livro depois como alternativa de ensino para os professores.

Fabrício: Ohana, eu queria saber um pouco mais da tua experiência, porque agora tu estás atuando numa Universidade. O público, com certeza, é diferente. E deve misturar tanto ouvintes quan-tos surdos. Você também está atuando nessa tutoria do curso de pedagogia bilíngue, então, com certeza é uma proposta totalmente diferente que você também deve lidar com metod-ologias diferenciadas para lidar com esse público né?

Ohana: Sim, com certeza, eu atuo tanto no curso letras-libras, que tem metade da turma são surdos e ouvintes. Então ali é um de-

mostrar um classificador para ele, dramatizar para ele entender melhor.

Fabrício: A dramatização é então potencial né. Professor Sílvio, pro-fessor Padovani, querem acrescentar algo mais.

Padovani: Porque a questão é que você tem que construir o con-ceito. Eu vou dar um exemplo aqui, muitas questões de história ou até mesmo no momento de explicar aparece o termo conse-quência. Quais as consequências de determinada situação histórica? Então, para nós ouvintes, vamos pensar assim o con-ceito de consequência. Consequência é uma coisa que acon-tece depois que uma coisa aconteceu e como você vai explicar isso para o surdo? Então, o que a Ohana colocou aqui é funda-mental. Quando eu quero dizer para o aluno o que é conse-quência, eu digo para ele “olha, por exemplo, a pessoa está tomando uma cerveja, whisky, ela pegou um carro, qual pode ser a consequência? Bater o carro. Isso tudo não falado, é dramatizado como ela disse. Então, eu preciso construir esse recurso. Quando ela fala em classifi-cador, de construir cenários narrativo com as mãos para ele. Você está dirigindo mas você bebeu. O que pode acontecer? Você teve uma relação sexual sem preservativo, você pode ficar doente, é uma consequência. Você pode ficar grávida, é uma outra consequência. Então, você tem que construir essas questões. Eu tive três anos como professor Itinerante na escola Luiz Nunes Direito na Cidade Nova. Eu ligado ainda ao Astério, mas desempenham parte da minha carga horária lá. Fizemos várias parcerias com os professores. Então, na apresentação de seminários, nós construímos com os alunos os slides, as apre-

sentações. Eu fazia a interpretação da apresentação dele para os professores. Os professores faziam perguntas. Eu fazia esse papel de intérprete nesse momento. Tem um professor, por exemplo, que fez em alguns momentos a prova de surdos, aquela ideia que a gente tem da prova oral, para o surdo ele fazia a prova sinalizada. Então, ele construía ali 6 questões, reunia comigo e com os surdos, aí ele escolhia “olha, faz essa questão aqui para ele”, aí eu perguntava para o surdo aquela questão, aí o surdo respondia, e eu ia interpretar e fazia esse papel de intérprete nesse momento. Aí o professor avaliava a resposta.

É interessante que é um ser humano. Então, quando ele não sabia, a feição dele mostrava logo que ele não sabia. Ele ficava nervoso, ficava tentando enrolar. O professor já percebia que ele estava com dificuldade para dar resposta. Então, são situações aí, nós fizemos, por exemplo, trabalhos com maquet-es. Esse foi muito interessante, o professor estava trabalhando “A Belle Époque”. E aí ele pediu para os surdos falarem sobre cinema Olympia. Essa foi uma ideia que partiu deles, por exem-plo, eu queria fazer uma maquete do cinema Olímpia, eles dis-seram “não, vamos fazer uma da fundação do cinema, outra dos anos 70/80 e outros agora”. Então, nós acabamos discutin-do a temporalidade, as mudanças arquitetônicas do prédio pú-blico, enfim, ficou bem legal. A apresentação de documentári-os, eu achei um documentário sobre o cinema Olympia, apre-sentamos para eles a interpretação. Então, há uma gama de possibilidades aí realmente. Na questão de química, a professo-ra também pegou umas bolinhas de isopor e aí o que aconte-cia? Aquelas bolinhas de isopor eram as moléculas, aí quando ela queria uma molécula diferente daquela da bolinha, ela já pintava a bolinha de vermelho para representar que era o hidrogênio, que era um carbono.

Então, todas essas possibilidades elas são possíveis de ser utilizada e o interessante é que fica muito bacana para o ouvin-te e para o surdo porque acaba trabalhando um pouco do lúdico. Não é só aquela coisa do professor que fala, fala, fala, e o aluno acaba construindo também ali as coisas, o conheci-mento.

Fabrício: Professor Silvio.

Sílvio: Eu queria complementar fazendo uma boa abordagem voltando lá para a questão do intérprete de libras, porque a gente sabe que o recurso visual, a dramatização tudo isso real-mente eles são de extrema importância. Mas olhando intér-prete em conta uma tecnologia assistiva dentro desse espaço, a gente precisa pensar que o professor deve ter ele também como recurso metodológico. Então, eu quero aproveitar o espaço para conversar também com os professores que possam estar ouvindo os alunos, que é direito do professor ter um intérprete de libras ao seu lado enquanto recurso met-odológico, por que o professor possivelmente não conseguirá sinalizar de forma fluente na sala de aula.

Então atenção para quem tá ouvindo uso decreto 5626/2005 para cobrar dos pais os direitos dos alunos surdos. Você pode levar isso ao Ministério Público para que possa ser trazido o intérprete de Libras. Eu acho que esse recurso met-odológico, o intérprete enquanto recurso metodológico, é im-portantíssimo dentro da sala porque o professor mas na maio-ria das vezes ele não terá tantas vezes para organizar todas as suas aulas de forma visual. Então, esse intérprete de Libras, ali, ele é essencial nos momentos em que o professor não tivesse oportunidade.

Fabrício: Está chegando já ao final do programa, vou abrir o espaço para as considerações finais dos nossos convidados, men-sagem de finais, o que vocês consideram como desafio, algo que vocês queiram reforçar em relação ao que a gente debateu ao longo dessa entrevista. Professor Padovani, pode começar? Ernesto: Na verdade, eu gostaria de agradecer, muito importante esse espaço. A gente percebe que a cada dia a questão da Ed-ucação de surdos está ganhando uma projeção. Eu acho que a questão da redação no Enem foi um antes e depois. O espaço, eu mesmo posso testemunhar, eu já estava ali no mestrado, fazendo projeto, mas depois que veio a redação do Enem, os convites para estar nos espaços, no IFPA, na UEPA na própria UFPA, convites para palestra, enfim. Está discutindo essa questão aumentou muito. Então isso é fundamental, não só para o nosso trabalho né mas para esse público que em algum momento nos falamos aqui da invisibilidade do Surdo, e era um público invisível e é um público que cada vez mais não quer ser invisível, quer ser representado.

Então, nós percebemos que as janelinhas da língua de sinais na TV já é uma coisa que está ganhando muita força, nas campanhas eleitorais, aí foi uma grande novidade. Mas o corre-to é que isto esteja em todos os momentos, em todos os dis-cursos. A gente ainda não vê isso no Brasil, os políticos fazem seus discursos mesmos nos cargos de governadores, presi-dentes, não tem um intérprete.

Quando nós vemos imagens no exterior, o presidente americano falando, a intérprete está do lado. Então, nós temos

um caminho grande aí de conquistas para trilhar, que a comuni-dade surda tem naturalmente também que trilhar.

Fabrício: Ohana. Ohana: Eu quero agradecer também pelo convite. Eu quero agra-decer novamente ao professor Neto por ter me convidado a fazer parte desse canal. Eu não tenho parentes surdos, na ver-dade eu tenho namorado surdo. Então assim, onde estiver um surdo, eu sempre estou lutando com eles. Inclusive, eu faço parte da diretoria da Jubel. É uma honra ser a única ouvinte, então é muita confiança perante os surdos né.

Então assim, na associação a gente luta pela presença do intérprete em sala de aula, nos hospitais, em qualquer espaço. Então assim, essa visibilidade está ocorrendo assim, mas tem que melhorar enfim, tem que avançar mais. Então, para os pro-fessores que estão escutando, eu sei que não tem muito tempo assim para organizar o material, mas fazer um esforcinho. Pro-fessores que estão ouvindo, por exemplo, você tem um aluno surdo ou com outra deficiência procure ter contato com seu aluno, procure saber o que ele pensa, se ele está entendendo. É importante isso.

Fabrício: Professor Sílvio

Sílvio: Bom, primeiramente, eu queria agradecer o convite. Foi uma honra estar debatendo junto com professor Netto Pado-vani e a professor Ohana. E o recado que eu deixo aos profes-sores é sempre buscar pensar, que a partir do momento em que você tem um aluno surdo na sala de aula pensar nessas

metodologias visuais, pensar nessas estratégias que você con-segue desenvolver um trabalho, se as dificuldades elas exist-irem, e caso haja o atendimento educacional especializado na sua escola, procurar o AE de forma a buscar esse suporte que você precisa.

É importante ressaltar que a gente iniciou lá falando sobre a Libras enquanto disciplina, nenhum professor, nenhum aluno vai sair fluente na língua de sinais, porém eu acredito que o ponto mais importante da disciplina é disseminar essa questão da diferença. Então o professor que está hoje trabalhando com surdos ele precisa entender que esse indivíduo tem particulari-dades, ele tem diferenças em relação aos alunos ouvintes e se ele buscar respeitar essas particularidades o desenvolvimento desses alunos será bem maior.

Em suma fica a dica, aproveitando a sala da professora Ohana, quebre essa barreira que existe entre você e o aluno, uma barreira imaginária que já se passaram anos e é necessário você quebrar. Como você faz para quebrar isso é chegando próximo desse aluno perguntando se ele está entendendo, per-guntando de que forma ele que aprender com a professora sugeriu ainda pouco e dessa forma ele vai conseguir fazer com que esse aluno possa expressar as formas que ele pode com-preender melhor, porque a gente deu algumas dicas mas não são receitas.

Cada um, cada professor vai observar dentro dos seus espaços escolares de salas de aula alunos com suas particulari-dades, então, o grande ponto é chegar próximo do aluno que foi que a professora a Ohana citou, quebrar a barreira imag-inária.

Fabrício: Está certo. Muito obrigado professor Silvio, professora Ohana, professor Padovani. Muito obrigado pela participação de vocês, pelos esclarecimentos e por compartilhar conheci-mento com a gente obrigado.

Sílvio: obrigado.

Fabrício: Agradeço mais uma vez a participação do professor Silvio Santiago Vieira, professor Padovani Neto e a professora Ohana Matias. Agradeço também a você ouvinte que acompanha o programa de hoje. Se você quiser enviar críticas comentários ou sugestões é só mandar um e-mail para rá[email protected].

educação de surdos, são experiências muito diversas, lógico, né. Por exemplo, em relação a esse contato que vocês tiveram com a Libras que inclusive, é exigido como eu falei, nos própri-os cursos de licenciatura, esse primeiro contato que muitos professores, licenciandos, hoje alunos de graduação têm, será que ele evoluiu muito dos que vocês tiveram por exemplo, no contato de vocês com a licenciatura? Será que hoje avançamos mais neste contato da Libras, nessa inserção da Libras no ensino superior pra formar esses profissionais, esses profes-sores que vão poder incluir esse aluno no sistema de ensino? ou vocês veem muita similaridade com o que vocês tiveram como experiência enquanto universitários. Como é que vocês veem essa evolução? Teve avanço ou não? Sílvio: A minha primeira formação é em Matemática. Na época em que eu me formei em matemática não existia no currículo a disciplina Língua Brasileira de Sinais, então eu só fui ter contato com a libras enquanto disciplina na especialização, mas hoje eu sou formador de alunos de cursos de licenciatura. Então, mesmo assim eu ainda observo que existem algumas coisas que nós precisamos avançar, por exemplo, a carga horária dessas disciplinas é muito reduzida na maioria dos cursos de graduação. Há curso em que a carga horária varia de 40 horas, 50 horas, 60 horas. A gente há de considerar, o professor Padovani, por exem-plo está desenvolvendo uma dissertação de mestrado onde ele tem um olhar sobre a história desse indivíduo dentro de um processo educacional. Imagina, você precisa apresentar essa história que não é pequena para o aluno graduando. Você pre-cisa trabalhar as metodologias de ensino, você precisa tra-balhar com experiências, você precisa levar esses alunos pra escola de educação de surdos pra que eles possam conhecer

Como professor da escola Astério de Campos que é uma escola de referência em Belém, todo o início de ano nós recebemos muitos convites para formação. E aí eu sou um dos professores que costuma ir dar essa formação. E a preocu-pação é essa. “Professor, sou professor de física, e aí o que que eu vou fazer com o aluno surdo que está na minha sala?”.

Então, quer dizer, mesmo sendo professor de história, eu procurei desenvolver, construir alguns materiais pra esses mo-mentos de formação onde eu explico pra eles, por exemplo, que pro surdo se você vai trabalhar matemática, você vai tra-balhar aquela abstração, aquelas frações, então é muito com-plicado. Agora se você traz para aquelas questões que é algo que está afinado com o aquilo que o MEC pensa em relação ao enem, se você traz que os prédios projeta uma sombra de tantos graus, formando um ângulo, você abre a mente ali pra trabalhar com o surdo porque ele está visualizando o prédio, a sombra, o grau está relacionado com a vida, então não é algo tão distante pro mundo ouvinte.

Em geral, quando estou em momentos de formação, ou em espaços educacionais, eles pensam que o surdo ele não ouve, mas ele sabe ler, então é muito complicado, porque ao não ouvir, o surdo não criou o conceito daquela palavra, nós sabe-mos que mesa é mesa, nós ouvimos a palavra mesa e atribuí-mos à mesa.

O surdo não ouviu essa palavra, então o conceito para ele, a palavra pra ele é um emaranhado de signos pra ele. Ele preci-sa estar gravando aqueles signos. A disciplina libras ela não está dando conta disso, ao meu ver. Os alunos vão pra essa dis-ciplina, eles não vão aprender a língua de sinais. Eu tenho con-tato com professores do ensino regular que têm alunos surdos há oito anos, há sete anos. Na minha pesquisa eu entrevistei

professores que têm alunos surdos há 10, 8 anos e ainda não sabe dá bom dia. Então, na disciplina também esse aluno não vai aprender. Está servindo pra ele entrar em contato e saber que isso existe. Hoje a minha luta, eu estou tentando criar um conceito que é o ensino de história em contextos inclusivos, que esse debate vá de fato pro campo das disciplinas, das áreas de conhecimento e não fique pairando acima de todas disciplinas que não dá conta. As disciplinas têm metodologias diferenciadas de ensino.

Fabrício: Como é que essa realidade no curso de letras, Ohana?

Ohana: Sim, sim, como o professor Neto falou, eu vim do curso Letras Libras, então tinha agrade curricular toda voltada pra Libras, pra educação dos surdos, então assim, em si, eu não tive essa dificuldade, mas se eu dependesse só do curso, hoje em dia talvez, eu estaria sinalizando só o básico, assim infelizmente como muitos colegas meus terminaram o curso e não tinham domínio da Língua de Sinais. Então, eu precisei correr exata-mente para manter contato com o usuário da língua pra poder aprender. Hoje em dia tudo o que eu sei foi porque eu estou sempre tendo contato com o surdo, então assim, quando eu conversa-va nos corredores com meus outros colegas de graduações, seja de letras português, biologia, eles me falavam assim “Ohana, você pode me ensinar qual é o sinal isso, isso, o sinal específico da graduação deles, porque o meu professor falta, porque o meu professor não está presente”, ou como o profes-sor Sílvio falou “a carga horária é muito pouca”, então assim, “não faz a adaptação voltada para o meu curso”. Então, como eu posso chegar numa graduação, por exemplo de licenciatura em biologia e ensinar por exemplo, só o alfabeto, só os sinais

esses espaços que é a partir dessa experiências empírica que ele pode se identificar muito mais com esses processo. Então eu observo que 60 horas, 80 horas é uma carga horária insufici-ente. Na minha opinião, nós deveríamos ter hoje um estágio curricular voltado pra educação especial. Os alunos saem da graduação sem saber como lidar com os alunos com deficiên-cia.

Falando do aluno surdo, ele sai ainda mais perdido haja vista que a Língua de sinais é uma língua diferente da Língua Portuguesa, com uma estrutura gramatical que carrega uma especificidade muito diferente da Língua Portuguesa. Então penso que a gente deve continuar discutindo essas questões da inclusão a fim de que exista um estágio supervisionado especifico. É lógico que as pessoas não vão sair de lá expertise em trabalhar com surdos, mas ela pelo menos terá condições de compreender essa realidade da inclusão escolar visitando esses espaços, essas escolas que têm educação especial que ainda existem aqui dentro de Belém.

Fabrício: Padovani.

Ernesto: Na minha graduação também ainda não havia essa questão da disciplina Libras. Pra dizer a verdade, durante a minha graduação nunca nem passou pela minha cabeça essa realidade. Não era algo discutido, debatido, presente dentro da Universidade, nem na sociedade. O que acontece assim, eu go-staria de concordar com o professor e também aprofundar no sentido de não é só uma questão de apresentar a disciplina com o nome Libras. Então, eu preciso trabalhar com o meu aluno de história metodologias de ensino de história pra surdos, metodologias de ensino de matemática para surdos.

Fabrício: Olá, ouvintes da Rádio Web UFPA. Eu sou Fabrício Que-iroz e a partir de agora você acompanha comigo mais uma edição do UFPA Ensino que hoje vai falar sobre Metodologias de Ensino para surdos.

Segundo o censo do IBGE de 2010, 9 milhões e 700 mil pessoas têm deficiência auditiva. Cerca de um milhão são jovens até 19 anos. No Brasil, os surdos só passaram a ter acesso à educação durante o império.

Em 26 de setembro de 1857, foi criada a primeira escola de educação de meninos surdos, no Rio de Janeiro. Apesar do avanço, somente em 2002, a Lei nº10.436 reconheceu oficial-mente a Língua Brasileira de Sinais, a LIBRAS.

A Libras é fundamental para garantir o aprendizado de alunos surdos. Em 2005, com o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro, a Libras foi determinada como disciplina curricular obrigatória para todos os cursos de licenciatura e também fonoaudiologia, e ela é optativa para os demais cursos do ensino superior e da educação profissional.

Outra grande conquista aconteceu em 2010, quando a profissão de tradutor–intérprete de Libras foi regulamentada em de 1º de setembro.

Além disso, professores têm buscado trazer a Libras para fora da sala de aula. Na internet, por exemplo, existem video-aulas em libras, democratizando o acesso à educação.

Hoje, vamos conhecer o trabalho de professores e intérpretes de Libras que desenvolvem estratégias para melhorar o ensino para surdos. Recebemos aqui no es-túdio da Rádio Web o professor da UEPA Sílvio Santia-go Vieira, ele é mestrando em Ciências da Religião, es-pecialista em Atendimento Educacional Especializado e também coordena o Grupo de Estudos Surdos & Inter-faces do IEPA, que é o Instituto de Educação e Cultura do Pará. Professor Silvio, muito obrigado por sua partic-ipação, bem-vindo.

Sívio Viera: Muito obrigado pelo convite.

Fabrício: Obrigado, professor Silvio. Também estou rece-bendo o Ernesto Padovani Netto, mais conhecido como Padovani. Ele é aluno do Mestrado Profissional em Ensino de História e é responsável pelo canal do Youtube “História em Libras”, e também é professor da SEDUC. Professor Padovani, muito obrigado.

Ernesto Padovani: Obrigado pelo convite, a gente espera contribuir aqui um pouco com o debate.

Fabrício: Obrigado, professor. E também recebemos a Ohana Matias. Ela é tradutora / intérprete de libras, é professora substituta da UEPA. Também atua como tutora na UEPA no curso de Pedagogia Bilíngue, além de ser especialista em Educação Especial e Inclusiva, e também colaboradora do canal “História em Libras”.

Page 4: Divulgando conhecimentoradio.ufpa.br/wp-content/uploads/2018/03/Roteiro... · Eu digo “não, ele sabe diferenciar, o meu papel aqui é de intérprete”. Eu sempre lutava a questão

RÁDIO WEB UFPA: Divulgando conhecimento 1

Vinheta: A partir de agora Rádio Web UFPA apresenta UFPA Ensino, a educação em Pauta

Ohana, também muito obrigado pela tua participação, bem-vinda.

Ohana: Obrigada pelo convite, é um prazer estar aqui estar fazendo parte desta discussão.

Fabrício: Eu queria que, na verdade, vocês primeiramente se apresentassem um pouco pra gente conhecer um pouco da trajetória e do interesse de vocês por essa área tão cara e tão desafiadora. A gente viu aí por esse pequeno histórico o quanto ela foi negligenciada, a educação de surdos, a educação inclusiva. O que que motivou vocês a trabalhar com essa área que ainda é um desafio na ed-ucação brasileira? Professora Ohana.

Ohana: Ohana: Bom, a minha história em si é bem diferente dos outros. Os meus colegas que eu estudei no curso de letras libras em 2012, a maioria veio da área da interpre-tação da igreja, ou tinha um parente surdo e no meu caso em si é por conta da minha mãe ser pedagoga. Então, como ela fazia na época o curso de libras, ela me incentivou para escolher esse curso. Na verdade, eu con-heci esse mundo novo quando eu passei no vestibular. Então assim, a partir do momento que eu comecei a estudar e começar a entender a história da educação do surdo, foi só um momento assim pra eu procurar saber mais sinais. Então, foi uma grande oportunidade e hoje em dia eu estou atuando, também faço parte da as-sociação dos surdos de Belém. Então eu estou sempre

nessa constante luta em prol da educação dos surdos, na luta por eles.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: Bom, a minha trajetória ela começa quando em 2009 eu resolvi fazer um curso de Língua Brasileira de Sinais no CAES. Eu tive um aluno surdo na época no Augusto Meira. Não sabia como lidar com os alunos surdos. E a minha comunicação com eles era basicamente por meio da mímica, por meio da escrita nos braços. Os surdos eles têm o costume de escrever no braço quando não têm papel, apagava, enfim. E assim eu fui apren-dendo os sinais iniciais e eu percebi que eu deveria ir mais adi-ante. Eu já tinha experiência com educação de alunos cegos e baixa visão, porém a minha experiência com os surdos me fez refletir sobre essas carências que a formação inicial de profes-sores possui. Aí eu fui fazer um curso de libras, tive o professor Arlindo, o professor Tiago Costa como meus professores. E foram pessoas que contribuíram muito para a minha formação inicial na área da língua de sinais. Em 2010, então eu resolvi en-veredar pela especialização nessa área, fiz especialização em Libras. E comecei também em 2010 a interpretar dentro da Igreja Assembleia de Deus. Foi quando eu realmente resolvi me focar nessa questão da interpretação que eu já estava na docência. Posteriormente a isso, eu resolvi criar o grupo de estudos surdos e interfaces, onde a gente tem discussões diversificadas, mas especifica-mente hoje nós estamos discutindo as questões relacionadas a

gênero e sexualidade dentro do grupo, haja vista que a comu-nidade surda belemense, ela apresenta uma pluralidade nesse sentido e é necessário que familiares e escolas possam com-preender essa questão da sexualidade do surdo que manifesta certas diferenças em relação à sexualidade dos indivíduos ouvin-tes. E também com foco na questão da religião pois eu tenho ob-servado que hoje os surdos eles têm buscado enveredar por outros ramos religiosos além do cristianismo. E a minha trajetória hoje tem sido basicamente focar na compreensão de como é que tem se desenvolvido essas territorialidades e os territórios dentro dos espaços sagrados. Hoje minhas pesquisas estão focadas nisso.

Fabrício: Professor Padovani.

Ernesto: Ok. Bem, eu sou professor da rede estadual de ensino há dez anos. Então quando eu comecei eu tra-balhei uns três anos no interior do estado. Tive um públi-co também de trabalhar em comunidades, quando vim, voltei a Belém, voltei pra trabalhar no sistema penal. O que ocorreu? Na verdade, lá no Astério de Campos não tinha professor de história. Aí me fizeram a proposta. Então, na verdade não foi muito uma escolha minha. Che-gando lá, eu criei de fato uma grande identificação com o trabalho. Fiz uma especialização em educação inclusiva e comecei a observar as dificuldades deles em relação à Língua Portuguesa, dificuldades com textos muito grandes, necessidade da utilização de imagens, então eu fui montando uma metodologia a partir de referenciais teóricos como a pedagogia visual e criando meu próprio material didático, criando formas de trabalhar com eles.

Quando surgiu a seleção pro Mestrado Profissional em Ensino de História, o PROFHISTÓRIA, eu fiz a seleção, fui aprovado e fui com isso na cabeça, que eu ia fazer um projeto sobre educação de surdos, unindo essas duas áreas. A questão da história e a questão da metodologia de ensino. E aí perpassam vários elementos, não é só a história em si. O meu trabalho é um trabalho sócio-histórico que vou justamente remontar o período do oralismo, passando pela co-municação total, são metodologias que são utilizadas até hoje como proposta teórica do bilinguismo prevalecendo na edu-cação dos surdos, pelo menos uma tentativa pra que prevaleça. E aí na verdade o canal “História em Libras”, ele surge como um produto desse mestrado. O mestrado profissional em ensino de história, ele exige uma dissertação escrita e um pro-duto pedagógico aplicável. Então existem várias possibilidades de produtos. A minha intenção inicial era fazer um material didático mesmo pra distribuir nas escolas, mas eu fiquei pen-sando na logística disso e no alcance que isso teria. Então, con-versando com amigos porque tem essa questão da interdisci-plinaridade, eu precisei de um amigo meu que trabalha com cinema, precisei da Ohana pra construir a proposta do canal. Então, desenvolvemos a ideia de um canal na internet seria muito melhor porque eu não teria o problema da divul-gação. Colocou na internet as pessoas podem acessar. E nós estamos nesse momento. Graças a Deus o vídeo está sendo muito acessado, teve uma repercussão muito boa. A Mídia Ninja compartilhou nos espaços que eles têm nas mídias digi-tais. Estamos agora aqui nesse debate

Fabrício: Dá pra esse primeiro relato de vocês, em relação à experiência, o contato que vocês tiveram com a Libras, com a

de família, de frutas, aí esse professor vai se formar, vai chegar numa sala de aula e vai só manter esse diálogo só de frutas, alfabeto? Não. Ele tem que saber o sinal de células, de mem-brana, disso, daquilo, tem que saber como é usar um classifica-dor. Infelizmente, é quebrada essa grade curricular das pessoas que estão na licenciatura.

Eu vivenciei isso muito quando eu fui intérprete de uma escola que tinha uma demanda muito grande, tinha 18 surdos na escola. Eu atendia oito surdos no ensino médio. Então, assim, eu observava a dificuldade dos professores. Eles chega-vam pra mim “eu nem tive essa disciplina de libras”, “eu nem sei o que é isso”, “é surdo mudo?” “ah, os teus alunos”. Eles não eram os meus alunos, eles eram alunos deles tanto quanto os ouvintes. Então, no caso, eu falava assim, “professor você tem que direcionar a eles”, “ah, mas só que ele vai pensar que é tu que tá chamando a atenção ou tá explicando”. Eu digo “não, ele sabe diferenciar, o meu papel aqui é de intérprete”. Eu sempre lutava a questão da metodologia, não pensavam no surdo.

Uma vez aconteceu uma situação que foi ao contrário, estava com legenda e sem som. Os ouvintes reclamaram. Aí eu falei para eles, “agora, vocês entenderam o que é estar na pele de uma pessoa surda:” Não é fácil. A informação não chega tão fácil pro surdo.O professor fez esse canal História. Esse canal é uma forma de democratizar tanto para surdo como para ouvin-te porque ele está usando diretamente a língua de sinais e tem ali a legenda.

Fabrício: Professor Padovani

Ernesto: Eu queria retomar mais uma questão pra embasar essa questão da metodologia, porque por exemplo a gente percebe muito há um censo comum de querer resumir a questão à língua. Então, se você tem um intérprete na escola, que não tem, em geral, não tem. Quando tem, então resolveu o proble-ma, agora tem intérprete. Então, eu faço sempre a discussão, o seguinte, se o problema fosse a língua, os nossos alunos ouvin-tes todos não teriam problema nenhum de educação no Brasil. Professor fala português, os alunos todos falam português, en-tendem, então por que os alunos não alcançam a média? Por que nós não estamos nos melhores patamares de educação mundial? Então nós não podemos também resumir o debate à língua. Então, como é que o aluno entende? É a partir da imagem? É a partir da construção de maquete? Qual é a possi-bilidade que se tem de vídeos com legenda?

O primeiro dia que o vídeo foi postado no Youtube, ele ficou sem legenda. Foi uma estratégia mesmo. Eu fui colhendo e estou colhendo os depoimentos pra finalizar a dissertação. “Poxa, não consegui, olha, eu paro, pela metade, eu parei. Não consegui acabar de ver, não tava entendendo nada”.Olha que nós colocamos os recursos imagéticos entrando no vídeo e em alguns momentos chaves aparecia escrito também o que estava sendo falado. Mas mesmo assim as pessoas reclamaram ou muitas fizeram essa reflexão: “poxa, agora eu me senti como os surdos se sentem”. São pequenas situações do dia a dia que no universo da escola se traduz em outras formas, mas são hierarquias de saberes. Um professor está ministrando aula, o outro professor vem dar um recado na turma, bota o rosto dentro da sala, “gente, gente, licença aqui, rapidinho, amanhã tem prova, dois reais a prova e tal”. Recado dado.

O surdo não entendeu. Vamos passar o vídeo pra turma, vamos levar para o auditório, muito legal, todo mundo vai, chega na hora de passar o vídeo me chamam pra interpretar, já aconteceu isso, eu não sou intérprete mas você está na escola, você sabe Língua de Sinais, você é intérprete, você é professor do AE, você é itinerante, você é tudo. Então fui lá interpretar, tudo certo, vamos lá, solta o play, apagam a luz. Como é que o surdo vai ter acesso à minha interpretação, então são questões que... é maldade? Não. Não é. Mas isso estrutura uma hierarquia de saberes. Entendeu. São hábitos que a escola internaliza porque ela é uma escola voltada e pensada para o público ou-vinte. O que me chama atenção é que isso acontece em escolas em que os surdos estudam há 10, 15 anos. Então, quando a escola vai internalizar presença do surdo? Então, acho que essas são questões aí que abrem um bom leque pra gente dis-cutir e pensar.

Fabrício: Só pra voltar, eu achei interessante o depoimento da Ohana, essa relação, dela como intérprete né. O Padovani ele tem o conhecimento, de repente ele pode usar desse conheci-mento pra se comunicar com esse aluno surdo, mas nem todas as escolas têm um profissional como a Ohana. E como é que fica a relação entre o professor e esse intérprete? Onde é que começa o papel de um e o papel de outro? Como é que se con-strói esse relacionamento pra que se possa comunicar e repas-sar esse conteúdo pra esses alunos? Como é essa dinâmica?

Ohana: Bom, a priori, o que deveria ocorrer era ter essa parceria com o professor e o interprete. Por que? porque o papel do intérprete é mediar. Ele não vai ensinar nada. Até porque a minha formação é Letras com habilitação em Libras, não é for-

mação em Letras, Português, Biologia, Matemática, não é.

A minha formação é Letras, então qual é o meu papel ali? É de chegar e interpretar tudo o que o professor falar. E quando eu digo tudo, eu interpretava até palavrões, enfim, tudo o que o professor abrisse a boca eu interpretava porque eu estou ali. Só que infelizmente essa experiência que eu tive o professor confundia, ele pensava que eu era a professora deles, e eu dizia “Olha, eu tenho respaldo, tem a lei, tem o código de ética, tenho tudo o que o senhor quiser eu mostro, mas esse daí não é meu papel, essa competência não é minha, é a sua”. Então, tem que ter essa parceria. O que o intérprete pode ajudar? Ajudar a dar umas dicas, como é que faz o material, coloca a legenda na próxima aula, é assim, é essa parceria. Essa relação de professor, intérprete e aluno.

Sílvio: Relacionando a fala da professora Ohana também pensan-do no atendimento educacional especializado. Então, ela ainda pouco colocou que o professor sempre atribui a responsabili-dade para o intérprete de Libras, mas ele também faz isso para o atendimento especializado. Por quê?

Historicamente a educação do surdo, ela foi atribuída à ed-ucação especial. Então, com o processo de inclusão que se dá a partir de 1996, com a lei de diretrizes e bases 93/94 de 96, é que a gente vem perceber que esses indivíduos com deficiên-cia, pessoas com deficiência, passam a ingressar dentro das escolas regulares. Só que nós passamos a ter dois personagens que antes nós não tínhamos dentro desses espaços, os intér-pretes de libras e os cuidadores também, e também a gente passa a ter o atendimento educacional especializado que as pessoas acham que é antiga educação especial, mas na ver-

dade há controvérsias, porque educação especial funcionava numa sala de aula onde se ensinavam essas pessoas. E o AE não, ele funciona como educação suplementar complementar, porém para o professor da rede regular, ele entende que é responsabilidade do AE ensinar os aluno surdos, que é responsabilidade do intérprete ensinar os alunos surdos, ou seja, esses personagens acabaram tendo responsabilidades além de suas responsabilidades e o professor se exime.

O Vigotski diz que “quando a gente enxerga deficiência primeiro ao invés de enxergar o ser humano, a gente destrói qualquer possibilidade de desenvolvimento desse indivíduo”. Então, a gente pode pegar a fala do professor Netto Padovani, por exemplo, em relação a questão das metodologias e obser-var que a maioria dos professores estão destruindo possibili-dades de desenvolvimento desses alunos na sala de aula exata-mente por causa das metodologias. Eu também não quero cul-pabilizar somente esses professores porque também a gente tem que pensar na formação desses indivíduos e nós também precisamos pensar que a Universidade também deve oferecer cursos de formação continuada, porque esse papel é da Uni-versidade. A gente costuma atribuir essa responsabilidade, “Ah, o governo não faz”, mas a Universidade é quem forma, é ela que deve trazer os professores pra dentro. Ela que precisa buscar parcerias com as escolas, parcerias com as unidades pra que isso possa acontecer.

Hoje, nós ainda observamos uma grande polêmica dentro das escolas. Intérprete de Libras que acabam tendo discussões com professores porque as vezes são atribuídas responsabili-dades. Durante o meu período na rede regular de ensino, eu tive dois alunos surdos, depois eu já estava fluente em Libras, e eu também tive problemas. E é legal colocar isso, porque os

meus alunos ouvintes não gostavam de eu passava a sinalizar na sala de aula. Então, o que que eu fazia, passava todo o con-teúdo de matemática, explicava primeiro em Língua Portugue-sa, passava uma bateria de exercícios pra eles fazerem, e era o momento em que eu ia sinalizar, porque não tinha intérprete de Libras, para os dois alunos surdos.

Só que isso gerava discussões na sala, “Ah, o professor não está dando atenção pra gente”, “o professor agora só olha pra esses surdos, lá vem ele com essa língua de sinais pra dentro da sala de aula”. Então, a gente observa que essas relações de poder que incidem dentro do espaço da sala de aula ainda fazem com que os ouvintes entendam que deve ser dada atenção a eles e que aos indivíduos surdos não deve ser dada atenção. Tem uma charge no livro do Moacir Carneiro muito interessante, inclusive nas formações continuadas eu sempre falo isso pros professores, os professores estão aqui em cima conversando “nós não conhecemos nada sobre esses indivíduos, nunca ouvimos falar nada sobre educação espe-cial”. Aí os alunos todos embaixo olhando.

Na verdade, essas pessoas vão reproduzir lá embaixo esse mesmo pensamento, é por isso que esses alunos pensam hoje que o professor deve dar atenção a eles e não devem dar atenção aos alunos surdos dentro da sala. Já eles também não aprenderam nada sobre educação especial, não aprenderam nada sobre pluralidade, diversidade, e acima de tudo sobre dif-erença.

Ohana: Eu vivenciei nessa escola, eu trabalhei nessa escola, se eu não me engano, dois anos e meio. Então assim, para aquela turma, eu acompanhei os surdos, primeiro, segundo e terceiro

ano. Até metade do convênio. Então, quando foi no primeiro ano, os ouvintes assim sofreram um impacto. “Intérprete?”, “surdos?”, “mãos mexendo?”, “Meu Deus!”, porque foram logo oito na minha turma. Então, assim, no início, eles deixavam de prestar atenção no professor e ficavam assim olhando pra mim, com os olhos vidrados, eu ficava intimidada inclusive, com o tempo eles foram habituando e foi passando ano, dois anos, mas o que me veio à cabeça, assim eu sempre fui tímida, então eu sempre chegava, dava bom dia pra quem estava na frente, mas eu não era de ficar batendo papo com os ouvintes.

Então, eu ficava conversando com os surdos, enquanto o professor não chegava. Então, assim os ouvintes assim, meio que segregavam a gente. Então, o que eu acho engraçado, é quando eles foram ter contato comigo? um dia após a prova do Enem. Tinha gente da escola do primeiro ano que eu nunca tinha visto na vida. Eles chegaram “Ei, tia, a minha proposta está boa”, “será que pode falar deficiente auditivo”, “eles são surdo-mudos”, “é isso, é aquilo”. Foi a primeira vez que eles viram a necessidade. A escola em si diz “Ah, a gente está inte-grando”, mas na verdade segregava. Então foi uma experiência dessa forma, foi ruim pra mim inclusive. Na verdade se não fosse eu ali com os surdos, eles não iam ter visibilidade naquela escola.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: É bem legal a gente observar que as falas estão contemp-lando o que a gente chama de currículo oculto dentro das insti-tuições, e é isso que a gente tem pra parar pra pensar hoje. As metodologias de ensino, elas podem contemplar as necessi-dades do professor na sala de aula, ok. Mas a escola precisa tra-

balhar o currículo oculto que é exatamente o que o professor Netto e a professora Ohana colocaram, que é essa questão da alteridade, de fazer com que o professor e o aluno possam se colocar no lugar do outro, porque inclusão ela precisa ser para todos. Ela tem que começar lá do porteiro até a merendeira. Então não é só o professor que deve passar por esse processo, e quando a escola inteira passar a se modificar, então, a gente vai começar a observar que os alunos ouvintes vão com-preender as particularidades étnico-linguísticos desses indivíduos surdos. Hoje a gente vem percebendo pelas experiências de rela-tos, até mesmo as experiências que a gente já viveu, que esses alunos eles ainda não compreendem. Eu lembro, por exemplo, uma vez que eu fui interpretar para um amigo meu, o Ademil-ton. Eu acho que a professora Ohana até conhece. Ele é surdo. Na época ele fazia ensino médio. E foi uma experiência muito triste porque o professor não sabia sequer da existência de um profissional interprete de Libras, então eu pedi pra diretora da escola, uma escola pública de Belém pra entrar pra interpretar na aula de química, e o professor me viu virado o tempo todo de costa pra ele. E ele achou que eu era um surdo que estava simplesmente conversando na sala de aula.

Só pra você ter uma noção do que que que é essa falta de compreensão desse outro indivíduo que está ali. E os alunos ouvintes na hora da frequência, começaram a chamar nome a nome, e eu disse “olha, o professor chamou o teu nome”. Ai ele foi lá na frente, e disse pro professor apontar. O professor fez um gesto obsceno pra ele e todo mundo começou a rir. De repente uma aluna chega e pergunta “professor, porque que ele tá aqui na sala de aula”. Ele disse assim: “Eu não sei, eu tô levando até onde eu posso”. Na verdade, esse professor não estava levando nada. Porque aquele momento ali mostrava que

ele não compreendia. Foi quando eu chamei o professor. “Pro-fessor, ele está com dúvidas nisso”. Aí ele disse “Ah, você fala?”. “Sim, eu sou ouvinte, eu sou intérprete”. E aí foi muito legal porque o professor sabia ensinar o surdo, só que ele tem medo de ensinar, porque tem uma barreira imaginária entre o profes-sor e o aluno surdo. Eu não lembro direito o conteúdo, eu acho que era sobre átomos que ele estava ensinando. Ele pegou um pedaço de papel, fez um monte de bolinhas, e ensinou pro Ademilton o conteúdo. Então, ele sabia ensinar, a questão é que ele não sabia como chegar pra ensinar, então, isso é uma questão de currículo oculto.

Os professores, a escola, a direção, a coordenação ped-agógica, todos eles precisam se voltar pra compreender esse espaço plural que existe dentro da escola. A gente fala muito de diferença, mas a escola na verdade, a exclusão ainda impera dentro desse processo. E não é só para os indivíduos surdos, é para todos os alunos que sofrem qualquer tipo de exclusão dentro desse espaço.

Fabrício: Rádio Web UFPA apresentando o programa UFPA Ensino. Hoje o tema é Metodologias de Ensino para Surdos. Os nossos convidados são, o professor Sílvio Santiago Vieira, o professor Ernesto Padovani Netto e a professora Ohana Matias. A gente vai para um rápido intervalo e volta já já. Rádio Web UFPA divulgando conhecimento.

Vinheta: Você está ouvindo UFPA Ensino. Você está ouvindo UFPA Ensino.

Fabrício: Estamos de volta com o programa UFPA Ensino. O nosso tema de hoje é Metodologia de Ensino para Surdos e os nossos convidados de hoje são o professor da Universidade do Estado do Pará Sílvio Santiago Vieira. Também recebo o professor Ernesto Padovani Netto, ele é professor da Seduc e faz o me-strado profissional em Ensino de História e também estou rece-bendo a professora Ohana Matias, que é professora substituta também da UEPA e tradutora/intérprete de Libras e também colabora com o canal História em Libras, pensado aí pelo pro-fessor Padovani.

Estamos de volta aqui pra nossa conversa, vamos começar com o professor Padovani e com a professora Ohana pra eles comentarem um pouco mais sobre esta experiência do canal História em Libras, justamente como é que vocês propõem o ensino da história a partir do canal no Youtube, qual é o diferencial que vocês têm aplicado, lógico além das legend-as e tudo mais, em termos da perspectiva que vocês estão apli-cando a esse ensino de História pra realmente incluir essas pes-soas sendo surdos pra ele ter acesso a esse conteúdo. Profes-sor Padovani.

Ernesto: Na verdade, nós fizemos uma disciplina no mestrado min-istrada pela professora Edilza Fontes que chama-se “História Pública”. Então no Brasil é uma discussão um tanto quanto recente, a discussão sobre História Pública. História Pública perpassa pela questão de que você tem o historiador que produz o conhecimento histórico. Em outros momentos da história, o conhecimento histórico era fundamentalmente pro-duzido pelo historiador e hoje em dia o que nós temos? Nós temos canais no Youtube, nós temos programas de TV, nós

temos jornalistas. Na verdade, todo mundo fala de história o tempo todo. Então, a história ganhou esse viés de história pública. Então, são narrativas que estão aí se degladeando. A gente vê isso no Brasil, esquerda e direita construindo narrativas históricas em torno de situações que ocorreram. Então, esse foi um debate fundamental pra eu pensar o canal. Por que? Em 2013 nós tive-mos as manifestações, o início daquelas manifestações que acabaram culminando com o impeachment. Então, o que acon-teceu? Os surdos chegavam na escola “por que que está acon-tecendo isso?”. Aparecia os blacks bloks quebrando as coisas, colocando fogo, quebrando os bancos e tudo mais e os alunos chegavam “eu não estou entendendo, por que profes-sor na rua esse problema toda a hora na televisão? E eles não entendiam o que estava acontecendo. Então o problema era o acesso à informação. Então, que história está sendo construída para esse aluno? O que que ele está aprendendo no processo escolar, o que que ele está viven-ciando, está vivendo, podendo relacionar, inclusive. Então, eu fui trabalhar nessa perspectiva de explicar. Eu lembro, inclusive, no primeiro vestibular de Libras da UEPA que houve as vagas para os surdos, eu fiz uma discussão com seles sobre essa questão de 2013 dos blacks blocks relacionando com ludismo, quando os operários ingleses quebravam as fábricas e tudo mais. Acabou que foi uma questão que veio na prova, então eles acertaram em massa a questão. Então relacionar os tempos históricos a partir de situações vivenciadas por eles. E o canal História em Libras veio muito nessa perspectiva de pensar a História Pública, a História digital. Nós não temos mais como ser, no meu caso, eu trabalho com história, sermos histo-riadores que ficamos presos somente ao papel, não é verdade?

Somente a entregar textos escritos que uma banca vai ler e muitas das vezes não é lido maciçamente. Então o canal foi uma forma de além de contemplar a exigência do programa que é ter um produto pedagógico, é um exercício de história pública, porque o tema Movimentos Sociais que é o tema da primeira aula, ele surgiu porque eu fui perguntar para os alunos o que eles gostariam de estudar. Isso também é uma perspecti-va muito interessante da gente refletir, porque eu digo “qual é o tema que eu vou colocar? eu não vou elencar um tema de cima pra baixo. Fazer uma aula sobre tal tema e ao perguntar para os alunos, eles tinham muita dificuldade de me responder o que eles gostariam em história. Primeiro, por quê? Existem uma perspectiva de que a história é uma história política. Então, estudar História é estudar Getúlio Vargas, é estudar a Ditadura Militar, é estudar os governos, os grandes heróis na-cionais, entre aspas. E eu queria que eles compreendessem que os surdos tem história.

No YouTube você tem muitas aulas no estilo caseiro, diga-mos assim. Você filma ali o quadro, para um professor que só precisa do recurso da fala é tranquilo. O professor fala, o ouvin-te escutou a informação. Mas para o surdo não, eu preciso de edição, eu preciso que as imagens entrem, eu preciso dialogar com as imagens, eu preciso de uma certa produção. Então, eu encontrei parcerias para produzir esse primeiro vídeo. Houve um custo. Hoje é um momento em que a secretaria de edu-cação replicou essa questão do canal. A Seduc colocou no site, colocou na agência Pará, colocou matérias no YouTube, no Facebook, sobre o projeto. Mas agora a gente precisa de suporte para dar continuidade.

Fabrício: Professor Silvio, eu queria que você falasse um pouco da sua experiência porque o senhor atua em outra área de conhe-cimento que é o ensino religioso. É uma metodologia meio parecida? como é que é são as estratégias que o senhor usa para atuar nessa área específica?

Sílvio: Eu não trabalho com canal especificamente.

Fabrício: Sim, sim.

Sílvio: Hoje eu tenho focado no grupo GESI. As nossas reuniões são todas as sextas-feiras. A gente tem desenvolvido foco na questão da criação de sinais termos que contemplem as questões das religiões. Mas é muito importante ressaltar que nós não estamos focando no cristianismo porque o cristianis-

safio. A sala em si é bilíngue, mas a questão da metodologia dos professores que é o mais difícil, até às vezes o posiciona-mento, eles estão aqui, o intérprete está bem aqui, e eles passam na frente. O surdo reclama “a gente não está conse-guindo visualizar o intérprete”. Então, a gente fica meio assim andando para cá e para cá. Então, assim experiência é muito boa para mim lá na graduação, é outro nível com surdos e assim eu fico muito feliz porque eles estão amadurecendo bas-tante.

Quando eles entraram sentiram muita dificuldade assim como os ouvintes, então assim foi um papel tanto dos intérpre-tes quanto dos professores, enviando materiais para a gente, para a gente procurar como o professor Sílvio falou sobre os sinais termos, se existem, porque são disciplinas muito espe-cíficas. Então, já lá no curso de pedagogia bilíngue que já tem um material pronto, na verdade. Então, assim tem as videoau-las, então geralmente os surdos que vão para lá geralmente são 10 ou 12, porque na verdade nós tutores fazemos uma escala, por exemplo eu vou dois dias, o outro vai mais dois dias. Então assim, a experiência lá é a questão visual que é muito impor-tante.

E o interessante é que os sinais são bem diferentes. Então assim, eles mostram lá na videoaula que é no INES que fica no Rio de Janeiro, e então são bem diferente dos sinais que nós tutores usamos. Então, é uma metodologia muito boa lá assim na questão visual. Então, te dá esse auxílio, interpreta, por exemplo, os textos da Língua Portuguesa. E é esse o trabalho que a gente faz lá.

Fabrício: Na experiência de todos vocês, vocês todos falaram bas-

tante de utilizar estratégias que apelam para esse aspecto visual. A Libras é visual, mas vocês também falaram muito de utilizar estratégias que possam utilizar vídeos, por exemplo, maquetes, enfim, coisas que vão apelar para o sentido visual e vai facilitar esse ensino para esse aluno surdo.

Alguma outra experiência que vocês tiveram, outra poten-cialidade, alguma outra coisa nesse sentido que possa acres-centar para, de repente, um outro professor, para uma pessoa que, de repente, não tenho tido essa experiência, ou de repente possa pensar em alguma outra coisa que vocês possam apre-sentar em algum exemplo?

Ohana: Eu tive uma experiência. Eu ainda era estagiária lá no Astério de Campos. Então, estava eu mais a minha colega Silvana. Então, lembro que na época, eu acho que foi em 2013, eu não sabia o sinal de corrupção. Então, assim, como explicar um conceito, explicar o que é, dar um sinal? Então assim, eu e a Silvana mostramos assim, dramatizamos na verdade.

Nós mostramos um contexto do dia a dia, por exemplo, a gente colocou... eu era a personagem cobrador e ela era um passageiro que ela passava o troco para mim, ou para ela me dava passagem né e eu passava um troco a mais. Então mas ela não me falava nada, ela ficava com dinheiro. Então, explicava para os alunos, “entenderam como é que ocorre a corrupção no dia-a-dia e no contexto político?” Então, foi uma experiência muito boa para mim porque assim quando se está com um surdo, se você não sabe o sinal, o conceito, você tem que apelar até para o teatro, tem que mostrar em algum momento um recurso visual para eles, porque, às vezes, só imagens não dá um sentido para ele. Você tem que dar uma explicação,

mo ele já tem todo um arcabouço de sinais termos.

Nós estamos pegando mensalmente as religiões que já são consideradas religiões mortas. Então, a gente veio desde a Grécia trazendo toda essa questão para trabalhar a questão da sinalização, para ajudar professores tanto de história como também professores de ciências da religião para ensinar os alunos surdos dentro desses contextos. Então, a gente tem toda uma pesquisa com base na lexicografia, na terminologia, buscando compreender se já existem esses sinais, se esses sinais já são utilizados em outros estados, para evitar criar sinais e depois dizer que são variações linguísticas que também não vou entrar muito no mérito porque é uma dis-cussão muito ampla.

Então, após esse primeiro momento que foi a questão da criação esses sinais de Termos, nós desenvolvemos um ciclo de oficinas que nós aplicamos na escola Vilhena Alves no ano pas-sado durante três semanas, onde nós trabalhamos com as met-odologias visuais também com o auxílio do profissional intér-prete de libras, além de que os alunos da UEPA que participam do grupo também sabem sinalizar, mas como a gente percebeu que era um conteúdo muito específico a gente preferiu solicitar a presença do intérprete de libras. Então, nós sentamos com intérpretes, trabalhamos sinais termos que tinham sido cata-logados e os que foram criados. E foi muito interessante como esses alunos surdos ele já compreendem muito essa ideia do visual, assistem muitos filmes, desenhos e trouxeram muitas experiências legais.

Após isso, a gente aplicou em torno de umas 8 a 9 oficinas e nós resolvemos escrever alguns artigos porque a gente per-cebeu, a partir dessa experiência, que os professores que

talvez não saibam lidar com o aluno surdo porque eles não conhecem as metodologias que devem ser trabalhadas. A gente está escrevendo agora um livro que vai ser publicado agora esse ano pela Editora CRV que se chama a “Religião e Educação de surdos: desafios e métodos”, onde a gente tem foco na questão das religiões indígenas, nas religiões afro de matriz africana, especificamente o Candomblé, já que tem um vídeo no YouTube publicado pelo professor Emerson Silva onde ele trabalhou a questão de sinais específicos do Can-domblé.

A gente pegou esse sinais, e fomos trabalhar dentro da sala de aula contextos, por exemplo, sobre os líderes religiosos entre muitos outros contextos. A gente observou que os pro-fessores e os alunos se forem dados para eles as metodologias, se forem oferecidos a eles esse conhecimento, eles conseguem desenvolver o trabalho e o aluno consegue aprender. Então, por isso que o livro é uma alternativa, a gente vai distribuir gra-tuitamente o livro depois como alternativa de ensino para os professores.

Fabrício: Ohana, eu queria saber um pouco mais da tua experiência, porque agora tu estás atuando numa Universidade. O público, com certeza, é diferente. E deve misturar tanto ouvintes quan-tos surdos. Você também está atuando nessa tutoria do curso de pedagogia bilíngue, então, com certeza é uma proposta totalmente diferente que você também deve lidar com metod-ologias diferenciadas para lidar com esse público né?

Ohana: Sim, com certeza, eu atuo tanto no curso letras-libras, que tem metade da turma são surdos e ouvintes. Então ali é um de-

mostrar um classificador para ele, dramatizar para ele entender melhor.

Fabrício: A dramatização é então potencial né. Professor Sílvio, pro-fessor Padovani, querem acrescentar algo mais.

Padovani: Porque a questão é que você tem que construir o con-ceito. Eu vou dar um exemplo aqui, muitas questões de história ou até mesmo no momento de explicar aparece o termo conse-quência. Quais as consequências de determinada situação histórica? Então, para nós ouvintes, vamos pensar assim o con-ceito de consequência. Consequência é uma coisa que acon-tece depois que uma coisa aconteceu e como você vai explicar isso para o surdo? Então, o que a Ohana colocou aqui é funda-mental. Quando eu quero dizer para o aluno o que é conse-quência, eu digo para ele “olha, por exemplo, a pessoa está tomando uma cerveja, whisky, ela pegou um carro, qual pode ser a consequência? Bater o carro. Isso tudo não falado, é dramatizado como ela disse. Então, eu preciso construir esse recurso. Quando ela fala em classifi-cador, de construir cenários narrativo com as mãos para ele. Você está dirigindo mas você bebeu. O que pode acontecer? Você teve uma relação sexual sem preservativo, você pode ficar doente, é uma consequência. Você pode ficar grávida, é uma outra consequência. Então, você tem que construir essas questões. Eu tive três anos como professor Itinerante na escola Luiz Nunes Direito na Cidade Nova. Eu ligado ainda ao Astério, mas desempenham parte da minha carga horária lá. Fizemos várias parcerias com os professores. Então, na apresentação de seminários, nós construímos com os alunos os slides, as apre-

sentações. Eu fazia a interpretação da apresentação dele para os professores. Os professores faziam perguntas. Eu fazia esse papel de intérprete nesse momento. Tem um professor, por exemplo, que fez em alguns momentos a prova de surdos, aquela ideia que a gente tem da prova oral, para o surdo ele fazia a prova sinalizada. Então, ele construía ali 6 questões, reunia comigo e com os surdos, aí ele escolhia “olha, faz essa questão aqui para ele”, aí eu perguntava para o surdo aquela questão, aí o surdo respondia, e eu ia interpretar e fazia esse papel de intérprete nesse momento. Aí o professor avaliava a resposta.

É interessante que é um ser humano. Então, quando ele não sabia, a feição dele mostrava logo que ele não sabia. Ele ficava nervoso, ficava tentando enrolar. O professor já percebia que ele estava com dificuldade para dar resposta. Então, são situações aí, nós fizemos, por exemplo, trabalhos com maquet-es. Esse foi muito interessante, o professor estava trabalhando “A Belle Époque”. E aí ele pediu para os surdos falarem sobre cinema Olympia. Essa foi uma ideia que partiu deles, por exem-plo, eu queria fazer uma maquete do cinema Olímpia, eles dis-seram “não, vamos fazer uma da fundação do cinema, outra dos anos 70/80 e outros agora”. Então, nós acabamos discutin-do a temporalidade, as mudanças arquitetônicas do prédio pú-blico, enfim, ficou bem legal. A apresentação de documentári-os, eu achei um documentário sobre o cinema Olympia, apre-sentamos para eles a interpretação. Então, há uma gama de possibilidades aí realmente. Na questão de química, a professo-ra também pegou umas bolinhas de isopor e aí o que aconte-cia? Aquelas bolinhas de isopor eram as moléculas, aí quando ela queria uma molécula diferente daquela da bolinha, ela já pintava a bolinha de vermelho para representar que era o hidrogênio, que era um carbono.

Então, todas essas possibilidades elas são possíveis de ser utilizada e o interessante é que fica muito bacana para o ouvin-te e para o surdo porque acaba trabalhando um pouco do lúdico. Não é só aquela coisa do professor que fala, fala, fala, e o aluno acaba construindo também ali as coisas, o conheci-mento.

Fabrício: Professor Silvio.

Sílvio: Eu queria complementar fazendo uma boa abordagem voltando lá para a questão do intérprete de libras, porque a gente sabe que o recurso visual, a dramatização tudo isso real-mente eles são de extrema importância. Mas olhando intér-prete em conta uma tecnologia assistiva dentro desse espaço, a gente precisa pensar que o professor deve ter ele também como recurso metodológico. Então, eu quero aproveitar o espaço para conversar também com os professores que possam estar ouvindo os alunos, que é direito do professor ter um intérprete de libras ao seu lado enquanto recurso met-odológico, por que o professor possivelmente não conseguirá sinalizar de forma fluente na sala de aula.

Então atenção para quem tá ouvindo uso decreto 5626/2005 para cobrar dos pais os direitos dos alunos surdos. Você pode levar isso ao Ministério Público para que possa ser trazido o intérprete de Libras. Eu acho que esse recurso met-odológico, o intérprete enquanto recurso metodológico, é im-portantíssimo dentro da sala porque o professor mas na maio-ria das vezes ele não terá tantas vezes para organizar todas as suas aulas de forma visual. Então, esse intérprete de Libras, ali, ele é essencial nos momentos em que o professor não tivesse oportunidade.

Fabrício: Está chegando já ao final do programa, vou abrir o espaço para as considerações finais dos nossos convidados, men-sagem de finais, o que vocês consideram como desafio, algo que vocês queiram reforçar em relação ao que a gente debateu ao longo dessa entrevista. Professor Padovani, pode começar? Ernesto: Na verdade, eu gostaria de agradecer, muito importante esse espaço. A gente percebe que a cada dia a questão da Ed-ucação de surdos está ganhando uma projeção. Eu acho que a questão da redação no Enem foi um antes e depois. O espaço, eu mesmo posso testemunhar, eu já estava ali no mestrado, fazendo projeto, mas depois que veio a redação do Enem, os convites para estar nos espaços, no IFPA, na UEPA na própria UFPA, convites para palestra, enfim. Está discutindo essa questão aumentou muito. Então isso é fundamental, não só para o nosso trabalho né mas para esse público que em algum momento nos falamos aqui da invisibilidade do Surdo, e era um público invisível e é um público que cada vez mais não quer ser invisível, quer ser representado.

Então, nós percebemos que as janelinhas da língua de sinais na TV já é uma coisa que está ganhando muita força, nas campanhas eleitorais, aí foi uma grande novidade. Mas o corre-to é que isto esteja em todos os momentos, em todos os dis-cursos. A gente ainda não vê isso no Brasil, os políticos fazem seus discursos mesmos nos cargos de governadores, presi-dentes, não tem um intérprete.

Quando nós vemos imagens no exterior, o presidente americano falando, a intérprete está do lado. Então, nós temos

um caminho grande aí de conquistas para trilhar, que a comuni-dade surda tem naturalmente também que trilhar.

Fabrício: Ohana. Ohana: Eu quero agradecer também pelo convite. Eu quero agra-decer novamente ao professor Neto por ter me convidado a fazer parte desse canal. Eu não tenho parentes surdos, na ver-dade eu tenho namorado surdo. Então assim, onde estiver um surdo, eu sempre estou lutando com eles. Inclusive, eu faço parte da diretoria da Jubel. É uma honra ser a única ouvinte, então é muita confiança perante os surdos né.

Então assim, na associação a gente luta pela presença do intérprete em sala de aula, nos hospitais, em qualquer espaço. Então assim, essa visibilidade está ocorrendo assim, mas tem que melhorar enfim, tem que avançar mais. Então, para os pro-fessores que estão escutando, eu sei que não tem muito tempo assim para organizar o material, mas fazer um esforcinho. Pro-fessores que estão ouvindo, por exemplo, você tem um aluno surdo ou com outra deficiência procure ter contato com seu aluno, procure saber o que ele pensa, se ele está entendendo. É importante isso.

Fabrício: Professor Sílvio

Sílvio: Bom, primeiramente, eu queria agradecer o convite. Foi uma honra estar debatendo junto com professor Netto Pado-vani e a professor Ohana. E o recado que eu deixo aos profes-sores é sempre buscar pensar, que a partir do momento em que você tem um aluno surdo na sala de aula pensar nessas

metodologias visuais, pensar nessas estratégias que você con-segue desenvolver um trabalho, se as dificuldades elas exist-irem, e caso haja o atendimento educacional especializado na sua escola, procurar o AE de forma a buscar esse suporte que você precisa.

É importante ressaltar que a gente iniciou lá falando sobre a Libras enquanto disciplina, nenhum professor, nenhum aluno vai sair fluente na língua de sinais, porém eu acredito que o ponto mais importante da disciplina é disseminar essa questão da diferença. Então o professor que está hoje trabalhando com surdos ele precisa entender que esse indivíduo tem particulari-dades, ele tem diferenças em relação aos alunos ouvintes e se ele buscar respeitar essas particularidades o desenvolvimento desses alunos será bem maior.

Em suma fica a dica, aproveitando a sala da professora Ohana, quebre essa barreira que existe entre você e o aluno, uma barreira imaginária que já se passaram anos e é necessário você quebrar. Como você faz para quebrar isso é chegando próximo desse aluno perguntando se ele está entendendo, per-guntando de que forma ele que aprender com a professora sugeriu ainda pouco e dessa forma ele vai conseguir fazer com que esse aluno possa expressar as formas que ele pode com-preender melhor, porque a gente deu algumas dicas mas não são receitas.

Cada um, cada professor vai observar dentro dos seus espaços escolares de salas de aula alunos com suas particulari-dades, então, o grande ponto é chegar próximo do aluno que foi que a professora a Ohana citou, quebrar a barreira imag-inária.

Fabrício: Está certo. Muito obrigado professor Silvio, professora Ohana, professor Padovani. Muito obrigado pela participação de vocês, pelos esclarecimentos e por compartilhar conheci-mento com a gente obrigado.

Sílvio: obrigado.

Fabrício: Agradeço mais uma vez a participação do professor Silvio Santiago Vieira, professor Padovani Neto e a professora Ohana Matias. Agradeço também a você ouvinte que acompanha o programa de hoje. Se você quiser enviar críticas comentários ou sugestões é só mandar um e-mail para rá[email protected].

educação de surdos, são experiências muito diversas, lógico, né. Por exemplo, em relação a esse contato que vocês tiveram com a Libras que inclusive, é exigido como eu falei, nos própri-os cursos de licenciatura, esse primeiro contato que muitos professores, licenciandos, hoje alunos de graduação têm, será que ele evoluiu muito dos que vocês tiveram por exemplo, no contato de vocês com a licenciatura? Será que hoje avançamos mais neste contato da Libras, nessa inserção da Libras no ensino superior pra formar esses profissionais, esses profes-sores que vão poder incluir esse aluno no sistema de ensino? ou vocês veem muita similaridade com o que vocês tiveram como experiência enquanto universitários. Como é que vocês veem essa evolução? Teve avanço ou não? Sílvio: A minha primeira formação é em Matemática. Na época em que eu me formei em matemática não existia no currículo a disciplina Língua Brasileira de Sinais, então eu só fui ter contato com a libras enquanto disciplina na especialização, mas hoje eu sou formador de alunos de cursos de licenciatura. Então, mesmo assim eu ainda observo que existem algumas coisas que nós precisamos avançar, por exemplo, a carga horária dessas disciplinas é muito reduzida na maioria dos cursos de graduação. Há curso em que a carga horária varia de 40 horas, 50 horas, 60 horas. A gente há de considerar, o professor Padovani, por exem-plo está desenvolvendo uma dissertação de mestrado onde ele tem um olhar sobre a história desse indivíduo dentro de um processo educacional. Imagina, você precisa apresentar essa história que não é pequena para o aluno graduando. Você pre-cisa trabalhar as metodologias de ensino, você precisa tra-balhar com experiências, você precisa levar esses alunos pra escola de educação de surdos pra que eles possam conhecer

Como professor da escola Astério de Campos que é uma escola de referência em Belém, todo o início de ano nós recebemos muitos convites para formação. E aí eu sou um dos professores que costuma ir dar essa formação. E a preocu-pação é essa. “Professor, sou professor de física, e aí o que que eu vou fazer com o aluno surdo que está na minha sala?”.

Então, quer dizer, mesmo sendo professor de história, eu procurei desenvolver, construir alguns materiais pra esses mo-mentos de formação onde eu explico pra eles, por exemplo, que pro surdo se você vai trabalhar matemática, você vai tra-balhar aquela abstração, aquelas frações, então é muito com-plicado. Agora se você traz para aquelas questões que é algo que está afinado com o aquilo que o MEC pensa em relação ao enem, se você traz que os prédios projeta uma sombra de tantos graus, formando um ângulo, você abre a mente ali pra trabalhar com o surdo porque ele está visualizando o prédio, a sombra, o grau está relacionado com a vida, então não é algo tão distante pro mundo ouvinte.

Em geral, quando estou em momentos de formação, ou em espaços educacionais, eles pensam que o surdo ele não ouve, mas ele sabe ler, então é muito complicado, porque ao não ouvir, o surdo não criou o conceito daquela palavra, nós sabe-mos que mesa é mesa, nós ouvimos a palavra mesa e atribuí-mos à mesa.

O surdo não ouviu essa palavra, então o conceito para ele, a palavra pra ele é um emaranhado de signos pra ele. Ele preci-sa estar gravando aqueles signos. A disciplina libras ela não está dando conta disso, ao meu ver. Os alunos vão pra essa dis-ciplina, eles não vão aprender a língua de sinais. Eu tenho con-tato com professores do ensino regular que têm alunos surdos há oito anos, há sete anos. Na minha pesquisa eu entrevistei

professores que têm alunos surdos há 10, 8 anos e ainda não sabe dá bom dia. Então, na disciplina também esse aluno não vai aprender. Está servindo pra ele entrar em contato e saber que isso existe. Hoje a minha luta, eu estou tentando criar um conceito que é o ensino de história em contextos inclusivos, que esse debate vá de fato pro campo das disciplinas, das áreas de conhecimento e não fique pairando acima de todas disciplinas que não dá conta. As disciplinas têm metodologias diferenciadas de ensino.

Fabrício: Como é que essa realidade no curso de letras, Ohana?

Ohana: Sim, sim, como o professor Neto falou, eu vim do curso Letras Libras, então tinha agrade curricular toda voltada pra Libras, pra educação dos surdos, então assim, em si, eu não tive essa dificuldade, mas se eu dependesse só do curso, hoje em dia talvez, eu estaria sinalizando só o básico, assim infelizmente como muitos colegas meus terminaram o curso e não tinham domínio da Língua de Sinais. Então, eu precisei correr exata-mente para manter contato com o usuário da língua pra poder aprender. Hoje em dia tudo o que eu sei foi porque eu estou sempre tendo contato com o surdo, então assim, quando eu conversa-va nos corredores com meus outros colegas de graduações, seja de letras português, biologia, eles me falavam assim “Ohana, você pode me ensinar qual é o sinal isso, isso, o sinal específico da graduação deles, porque o meu professor falta, porque o meu professor não está presente”, ou como o profes-sor Sílvio falou “a carga horária é muito pouca”, então assim, “não faz a adaptação voltada para o meu curso”. Então, como eu posso chegar numa graduação, por exemplo de licenciatura em biologia e ensinar por exemplo, só o alfabeto, só os sinais

esses espaços que é a partir dessa experiências empírica que ele pode se identificar muito mais com esses processo. Então eu observo que 60 horas, 80 horas é uma carga horária insufici-ente. Na minha opinião, nós deveríamos ter hoje um estágio curricular voltado pra educação especial. Os alunos saem da graduação sem saber como lidar com os alunos com deficiên-cia.

Falando do aluno surdo, ele sai ainda mais perdido haja vista que a Língua de sinais é uma língua diferente da Língua Portuguesa, com uma estrutura gramatical que carrega uma especificidade muito diferente da Língua Portuguesa. Então penso que a gente deve continuar discutindo essas questões da inclusão a fim de que exista um estágio supervisionado especifico. É lógico que as pessoas não vão sair de lá expertise em trabalhar com surdos, mas ela pelo menos terá condições de compreender essa realidade da inclusão escolar visitando esses espaços, essas escolas que têm educação especial que ainda existem aqui dentro de Belém.

Fabrício: Padovani.

Ernesto: Na minha graduação também ainda não havia essa questão da disciplina Libras. Pra dizer a verdade, durante a minha graduação nunca nem passou pela minha cabeça essa realidade. Não era algo discutido, debatido, presente dentro da Universidade, nem na sociedade. O que acontece assim, eu go-staria de concordar com o professor e também aprofundar no sentido de não é só uma questão de apresentar a disciplina com o nome Libras. Então, eu preciso trabalhar com o meu aluno de história metodologias de ensino de história pra surdos, metodologias de ensino de matemática para surdos.

Fabrício: Olá, ouvintes da Rádio Web UFPA. Eu sou Fabrício Que-iroz e a partir de agora você acompanha comigo mais uma edição do UFPA Ensino que hoje vai falar sobre Metodologias de Ensino para surdos.

Segundo o censo do IBGE de 2010, 9 milhões e 700 mil pessoas têm deficiência auditiva. Cerca de um milhão são jovens até 19 anos. No Brasil, os surdos só passaram a ter acesso à educação durante o império.

Em 26 de setembro de 1857, foi criada a primeira escola de educação de meninos surdos, no Rio de Janeiro. Apesar do avanço, somente em 2002, a Lei nº10.436 reconheceu oficial-mente a Língua Brasileira de Sinais, a LIBRAS.

A Libras é fundamental para garantir o aprendizado de alunos surdos. Em 2005, com o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro, a Libras foi determinada como disciplina curricular obrigatória para todos os cursos de licenciatura e também fonoaudiologia, e ela é optativa para os demais cursos do ensino superior e da educação profissional.

Outra grande conquista aconteceu em 2010, quando a profissão de tradutor–intérprete de Libras foi regulamentada em de 1º de setembro.

Além disso, professores têm buscado trazer a Libras para fora da sala de aula. Na internet, por exemplo, existem video-aulas em libras, democratizando o acesso à educação.

Hoje, vamos conhecer o trabalho de professores e intérpretes de Libras que desenvolvem estratégias para melhorar o ensino para surdos. Recebemos aqui no es-túdio da Rádio Web o professor da UEPA Sílvio Santia-go Vieira, ele é mestrando em Ciências da Religião, es-pecialista em Atendimento Educacional Especializado e também coordena o Grupo de Estudos Surdos & Inter-faces do IEPA, que é o Instituto de Educação e Cultura do Pará. Professor Silvio, muito obrigado por sua partic-ipação, bem-vindo.

Sívio Viera: Muito obrigado pelo convite.

Fabrício: Obrigado, professor Silvio. Também estou rece-bendo o Ernesto Padovani Netto, mais conhecido como Padovani. Ele é aluno do Mestrado Profissional em Ensino de História e é responsável pelo canal do Youtube “História em Libras”, e também é professor da SEDUC. Professor Padovani, muito obrigado.

Ernesto Padovani: Obrigado pelo convite, a gente espera contribuir aqui um pouco com o debate.

Fabrício: Obrigado, professor. E também recebemos a Ohana Matias. Ela é tradutora / intérprete de libras, é professora substituta da UEPA. Também atua como tutora na UEPA no curso de Pedagogia Bilíngue, além de ser especialista em Educação Especial e Inclusiva, e também colaboradora do canal “História em Libras”.

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RÁDIO WEB UFPA: Divulgando conhecimento 2

Ohana, também muito obrigado pela tua participação, bem-vinda.

Ohana: Obrigada pelo convite, é um prazer estar aqui estar fazendo parte desta discussão.

Fabrício: Eu queria que, na verdade, vocês primeiramente se apresentassem um pouco pra gente conhecer um pouco da trajetória e do interesse de vocês por essa área tão cara e tão desafiadora. A gente viu aí por esse pequeno histórico o quanto ela foi negligenciada, a educação de surdos, a educação inclusiva. O que que motivou vocês a trabalhar com essa área que ainda é um desafio na ed-ucação brasileira? Professora Ohana.

Ohana: Ohana: Bom, a minha história em si é bem diferente dos outros. Os meus colegas que eu estudei no curso de letras libras em 2012, a maioria veio da área da interpre-tação da igreja, ou tinha um parente surdo e no meu caso em si é por conta da minha mãe ser pedagoga. Então, como ela fazia na época o curso de libras, ela me incentivou para escolher esse curso. Na verdade, eu con-heci esse mundo novo quando eu passei no vestibular. Então assim, a partir do momento que eu comecei a estudar e começar a entender a história da educação do surdo, foi só um momento assim pra eu procurar saber mais sinais. Então, foi uma grande oportunidade e hoje em dia eu estou atuando, também faço parte da as-sociação dos surdos de Belém. Então eu estou sempre

nessa constante luta em prol da educação dos surdos, na luta por eles.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: Bom, a minha trajetória ela começa quando em 2009 eu resolvi fazer um curso de Língua Brasileira de Sinais no CAES. Eu tive um aluno surdo na época no Augusto Meira. Não sabia como lidar com os alunos surdos. E a minha comunicação com eles era basicamente por meio da mímica, por meio da escrita nos braços. Os surdos eles têm o costume de escrever no braço quando não têm papel, apagava, enfim. E assim eu fui apren-dendo os sinais iniciais e eu percebi que eu deveria ir mais adi-ante. Eu já tinha experiência com educação de alunos cegos e baixa visão, porém a minha experiência com os surdos me fez refletir sobre essas carências que a formação inicial de profes-sores possui. Aí eu fui fazer um curso de libras, tive o professor Arlindo, o professor Tiago Costa como meus professores. E foram pessoas que contribuíram muito para a minha formação inicial na área da língua de sinais. Em 2010, então eu resolvi en-veredar pela especialização nessa área, fiz especialização em Libras. E comecei também em 2010 a interpretar dentro da Igreja Assembleia de Deus. Foi quando eu realmente resolvi me focar nessa questão da interpretação que eu já estava na docência. Posteriormente a isso, eu resolvi criar o grupo de estudos surdos e interfaces, onde a gente tem discussões diversificadas, mas especifica-mente hoje nós estamos discutindo as questões relacionadas a

gênero e sexualidade dentro do grupo, haja vista que a comu-nidade surda belemense, ela apresenta uma pluralidade nesse sentido e é necessário que familiares e escolas possam com-preender essa questão da sexualidade do surdo que manifesta certas diferenças em relação à sexualidade dos indivíduos ouvin-tes. E também com foco na questão da religião pois eu tenho ob-servado que hoje os surdos eles têm buscado enveredar por outros ramos religiosos além do cristianismo. E a minha trajetória hoje tem sido basicamente focar na compreensão de como é que tem se desenvolvido essas territorialidades e os territórios dentro dos espaços sagrados. Hoje minhas pesquisas estão focadas nisso.

Fabrício: Professor Padovani.

Ernesto: Ok. Bem, eu sou professor da rede estadual de ensino há dez anos. Então quando eu comecei eu tra-balhei uns três anos no interior do estado. Tive um públi-co também de trabalhar em comunidades, quando vim, voltei a Belém, voltei pra trabalhar no sistema penal. O que ocorreu? Na verdade, lá no Astério de Campos não tinha professor de história. Aí me fizeram a proposta. Então, na verdade não foi muito uma escolha minha. Che-gando lá, eu criei de fato uma grande identificação com o trabalho. Fiz uma especialização em educação inclusiva e comecei a observar as dificuldades deles em relação à Língua Portuguesa, dificuldades com textos muito grandes, necessidade da utilização de imagens, então eu fui montando uma metodologia a partir de referenciais teóricos como a pedagogia visual e criando meu próprio material didático, criando formas de trabalhar com eles.

Quando surgiu a seleção pro Mestrado Profissional em Ensino de História, o PROFHISTÓRIA, eu fiz a seleção, fui aprovado e fui com isso na cabeça, que eu ia fazer um projeto sobre educação de surdos, unindo essas duas áreas. A questão da história e a questão da metodologia de ensino. E aí perpassam vários elementos, não é só a história em si. O meu trabalho é um trabalho sócio-histórico que vou justamente remontar o período do oralismo, passando pela co-municação total, são metodologias que são utilizadas até hoje como proposta teórica do bilinguismo prevalecendo na edu-cação dos surdos, pelo menos uma tentativa pra que prevaleça. E aí na verdade o canal “História em Libras”, ele surge como um produto desse mestrado. O mestrado profissional em ensino de história, ele exige uma dissertação escrita e um pro-duto pedagógico aplicável. Então existem várias possibilidades de produtos. A minha intenção inicial era fazer um material didático mesmo pra distribuir nas escolas, mas eu fiquei pen-sando na logística disso e no alcance que isso teria. Então, con-versando com amigos porque tem essa questão da interdisci-plinaridade, eu precisei de um amigo meu que trabalha com cinema, precisei da Ohana pra construir a proposta do canal. Então, desenvolvemos a ideia de um canal na internet seria muito melhor porque eu não teria o problema da divul-gação. Colocou na internet as pessoas podem acessar. E nós estamos nesse momento. Graças a Deus o vídeo está sendo muito acessado, teve uma repercussão muito boa. A Mídia Ninja compartilhou nos espaços que eles têm nas mídias digi-tais. Estamos agora aqui nesse debate

Fabrício: Dá pra esse primeiro relato de vocês, em relação à experiência, o contato que vocês tiveram com a Libras, com a

de família, de frutas, aí esse professor vai se formar, vai chegar numa sala de aula e vai só manter esse diálogo só de frutas, alfabeto? Não. Ele tem que saber o sinal de células, de mem-brana, disso, daquilo, tem que saber como é usar um classifica-dor. Infelizmente, é quebrada essa grade curricular das pessoas que estão na licenciatura.

Eu vivenciei isso muito quando eu fui intérprete de uma escola que tinha uma demanda muito grande, tinha 18 surdos na escola. Eu atendia oito surdos no ensino médio. Então, assim, eu observava a dificuldade dos professores. Eles chega-vam pra mim “eu nem tive essa disciplina de libras”, “eu nem sei o que é isso”, “é surdo mudo?” “ah, os teus alunos”. Eles não eram os meus alunos, eles eram alunos deles tanto quanto os ouvintes. Então, no caso, eu falava assim, “professor você tem que direcionar a eles”, “ah, mas só que ele vai pensar que é tu que tá chamando a atenção ou tá explicando”. Eu digo “não, ele sabe diferenciar, o meu papel aqui é de intérprete”. Eu sempre lutava a questão da metodologia, não pensavam no surdo.

Uma vez aconteceu uma situação que foi ao contrário, estava com legenda e sem som. Os ouvintes reclamaram. Aí eu falei para eles, “agora, vocês entenderam o que é estar na pele de uma pessoa surda:” Não é fácil. A informação não chega tão fácil pro surdo.O professor fez esse canal História. Esse canal é uma forma de democratizar tanto para surdo como para ouvin-te porque ele está usando diretamente a língua de sinais e tem ali a legenda.

Fabrício: Professor Padovani

Ernesto: Eu queria retomar mais uma questão pra embasar essa questão da metodologia, porque por exemplo a gente percebe muito há um censo comum de querer resumir a questão à língua. Então, se você tem um intérprete na escola, que não tem, em geral, não tem. Quando tem, então resolveu o proble-ma, agora tem intérprete. Então, eu faço sempre a discussão, o seguinte, se o problema fosse a língua, os nossos alunos ouvin-tes todos não teriam problema nenhum de educação no Brasil. Professor fala português, os alunos todos falam português, en-tendem, então por que os alunos não alcançam a média? Por que nós não estamos nos melhores patamares de educação mundial? Então nós não podemos também resumir o debate à língua. Então, como é que o aluno entende? É a partir da imagem? É a partir da construção de maquete? Qual é a possi-bilidade que se tem de vídeos com legenda?

O primeiro dia que o vídeo foi postado no Youtube, ele ficou sem legenda. Foi uma estratégia mesmo. Eu fui colhendo e estou colhendo os depoimentos pra finalizar a dissertação. “Poxa, não consegui, olha, eu paro, pela metade, eu parei. Não consegui acabar de ver, não tava entendendo nada”.Olha que nós colocamos os recursos imagéticos entrando no vídeo e em alguns momentos chaves aparecia escrito também o que estava sendo falado. Mas mesmo assim as pessoas reclamaram ou muitas fizeram essa reflexão: “poxa, agora eu me senti como os surdos se sentem”. São pequenas situações do dia a dia que no universo da escola se traduz em outras formas, mas são hierarquias de saberes. Um professor está ministrando aula, o outro professor vem dar um recado na turma, bota o rosto dentro da sala, “gente, gente, licença aqui, rapidinho, amanhã tem prova, dois reais a prova e tal”. Recado dado.

O surdo não entendeu. Vamos passar o vídeo pra turma, vamos levar para o auditório, muito legal, todo mundo vai, chega na hora de passar o vídeo me chamam pra interpretar, já aconteceu isso, eu não sou intérprete mas você está na escola, você sabe Língua de Sinais, você é intérprete, você é professor do AE, você é itinerante, você é tudo. Então fui lá interpretar, tudo certo, vamos lá, solta o play, apagam a luz. Como é que o surdo vai ter acesso à minha interpretação, então são questões que... é maldade? Não. Não é. Mas isso estrutura uma hierarquia de saberes. Entendeu. São hábitos que a escola internaliza porque ela é uma escola voltada e pensada para o público ou-vinte. O que me chama atenção é que isso acontece em escolas em que os surdos estudam há 10, 15 anos. Então, quando a escola vai internalizar presença do surdo? Então, acho que essas são questões aí que abrem um bom leque pra gente dis-cutir e pensar.

Fabrício: Só pra voltar, eu achei interessante o depoimento da Ohana, essa relação, dela como intérprete né. O Padovani ele tem o conhecimento, de repente ele pode usar desse conheci-mento pra se comunicar com esse aluno surdo, mas nem todas as escolas têm um profissional como a Ohana. E como é que fica a relação entre o professor e esse intérprete? Onde é que começa o papel de um e o papel de outro? Como é que se con-strói esse relacionamento pra que se possa comunicar e repas-sar esse conteúdo pra esses alunos? Como é essa dinâmica?

Ohana: Bom, a priori, o que deveria ocorrer era ter essa parceria com o professor e o interprete. Por que? porque o papel do intérprete é mediar. Ele não vai ensinar nada. Até porque a minha formação é Letras com habilitação em Libras, não é for-

mação em Letras, Português, Biologia, Matemática, não é.

A minha formação é Letras, então qual é o meu papel ali? É de chegar e interpretar tudo o que o professor falar. E quando eu digo tudo, eu interpretava até palavrões, enfim, tudo o que o professor abrisse a boca eu interpretava porque eu estou ali. Só que infelizmente essa experiência que eu tive o professor confundia, ele pensava que eu era a professora deles, e eu dizia “Olha, eu tenho respaldo, tem a lei, tem o código de ética, tenho tudo o que o senhor quiser eu mostro, mas esse daí não é meu papel, essa competência não é minha, é a sua”. Então, tem que ter essa parceria. O que o intérprete pode ajudar? Ajudar a dar umas dicas, como é que faz o material, coloca a legenda na próxima aula, é assim, é essa parceria. Essa relação de professor, intérprete e aluno.

Sílvio: Relacionando a fala da professora Ohana também pensan-do no atendimento educacional especializado. Então, ela ainda pouco colocou que o professor sempre atribui a responsabili-dade para o intérprete de Libras, mas ele também faz isso para o atendimento especializado. Por quê?

Historicamente a educação do surdo, ela foi atribuída à ed-ucação especial. Então, com o processo de inclusão que se dá a partir de 1996, com a lei de diretrizes e bases 93/94 de 96, é que a gente vem perceber que esses indivíduos com deficiên-cia, pessoas com deficiência, passam a ingressar dentro das escolas regulares. Só que nós passamos a ter dois personagens que antes nós não tínhamos dentro desses espaços, os intér-pretes de libras e os cuidadores também, e também a gente passa a ter o atendimento educacional especializado que as pessoas acham que é antiga educação especial, mas na ver-

dade há controvérsias, porque educação especial funcionava numa sala de aula onde se ensinavam essas pessoas. E o AE não, ele funciona como educação suplementar complementar, porém para o professor da rede regular, ele entende que é responsabilidade do AE ensinar os aluno surdos, que é responsabilidade do intérprete ensinar os alunos surdos, ou seja, esses personagens acabaram tendo responsabilidades além de suas responsabilidades e o professor se exime.

O Vigotski diz que “quando a gente enxerga deficiência primeiro ao invés de enxergar o ser humano, a gente destrói qualquer possibilidade de desenvolvimento desse indivíduo”. Então, a gente pode pegar a fala do professor Netto Padovani, por exemplo, em relação a questão das metodologias e obser-var que a maioria dos professores estão destruindo possibili-dades de desenvolvimento desses alunos na sala de aula exata-mente por causa das metodologias. Eu também não quero cul-pabilizar somente esses professores porque também a gente tem que pensar na formação desses indivíduos e nós também precisamos pensar que a Universidade também deve oferecer cursos de formação continuada, porque esse papel é da Uni-versidade. A gente costuma atribuir essa responsabilidade, “Ah, o governo não faz”, mas a Universidade é quem forma, é ela que deve trazer os professores pra dentro. Ela que precisa buscar parcerias com as escolas, parcerias com as unidades pra que isso possa acontecer.

Hoje, nós ainda observamos uma grande polêmica dentro das escolas. Intérprete de Libras que acabam tendo discussões com professores porque as vezes são atribuídas responsabili-dades. Durante o meu período na rede regular de ensino, eu tive dois alunos surdos, depois eu já estava fluente em Libras, e eu também tive problemas. E é legal colocar isso, porque os

meus alunos ouvintes não gostavam de eu passava a sinalizar na sala de aula. Então, o que que eu fazia, passava todo o con-teúdo de matemática, explicava primeiro em Língua Portugue-sa, passava uma bateria de exercícios pra eles fazerem, e era o momento em que eu ia sinalizar, porque não tinha intérprete de Libras, para os dois alunos surdos.

Só que isso gerava discussões na sala, “Ah, o professor não está dando atenção pra gente”, “o professor agora só olha pra esses surdos, lá vem ele com essa língua de sinais pra dentro da sala de aula”. Então, a gente observa que essas relações de poder que incidem dentro do espaço da sala de aula ainda fazem com que os ouvintes entendam que deve ser dada atenção a eles e que aos indivíduos surdos não deve ser dada atenção. Tem uma charge no livro do Moacir Carneiro muito interessante, inclusive nas formações continuadas eu sempre falo isso pros professores, os professores estão aqui em cima conversando “nós não conhecemos nada sobre esses indivíduos, nunca ouvimos falar nada sobre educação espe-cial”. Aí os alunos todos embaixo olhando.

Na verdade, essas pessoas vão reproduzir lá embaixo esse mesmo pensamento, é por isso que esses alunos pensam hoje que o professor deve dar atenção a eles e não devem dar atenção aos alunos surdos dentro da sala. Já eles também não aprenderam nada sobre educação especial, não aprenderam nada sobre pluralidade, diversidade, e acima de tudo sobre dif-erença.

Ohana: Eu vivenciei nessa escola, eu trabalhei nessa escola, se eu não me engano, dois anos e meio. Então assim, para aquela turma, eu acompanhei os surdos, primeiro, segundo e terceiro

ano. Até metade do convênio. Então, quando foi no primeiro ano, os ouvintes assim sofreram um impacto. “Intérprete?”, “surdos?”, “mãos mexendo?”, “Meu Deus!”, porque foram logo oito na minha turma. Então, assim, no início, eles deixavam de prestar atenção no professor e ficavam assim olhando pra mim, com os olhos vidrados, eu ficava intimidada inclusive, com o tempo eles foram habituando e foi passando ano, dois anos, mas o que me veio à cabeça, assim eu sempre fui tímida, então eu sempre chegava, dava bom dia pra quem estava na frente, mas eu não era de ficar batendo papo com os ouvintes.

Então, eu ficava conversando com os surdos, enquanto o professor não chegava. Então, assim os ouvintes assim, meio que segregavam a gente. Então, o que eu acho engraçado, é quando eles foram ter contato comigo? um dia após a prova do Enem. Tinha gente da escola do primeiro ano que eu nunca tinha visto na vida. Eles chegaram “Ei, tia, a minha proposta está boa”, “será que pode falar deficiente auditivo”, “eles são surdo-mudos”, “é isso, é aquilo”. Foi a primeira vez que eles viram a necessidade. A escola em si diz “Ah, a gente está inte-grando”, mas na verdade segregava. Então foi uma experiência dessa forma, foi ruim pra mim inclusive. Na verdade se não fosse eu ali com os surdos, eles não iam ter visibilidade naquela escola.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: É bem legal a gente observar que as falas estão contemp-lando o que a gente chama de currículo oculto dentro das insti-tuições, e é isso que a gente tem pra parar pra pensar hoje. As metodologias de ensino, elas podem contemplar as necessi-dades do professor na sala de aula, ok. Mas a escola precisa tra-

balhar o currículo oculto que é exatamente o que o professor Netto e a professora Ohana colocaram, que é essa questão da alteridade, de fazer com que o professor e o aluno possam se colocar no lugar do outro, porque inclusão ela precisa ser para todos. Ela tem que começar lá do porteiro até a merendeira. Então não é só o professor que deve passar por esse processo, e quando a escola inteira passar a se modificar, então, a gente vai começar a observar que os alunos ouvintes vão com-preender as particularidades étnico-linguísticos desses indivíduos surdos. Hoje a gente vem percebendo pelas experiências de rela-tos, até mesmo as experiências que a gente já viveu, que esses alunos eles ainda não compreendem. Eu lembro, por exemplo, uma vez que eu fui interpretar para um amigo meu, o Ademil-ton. Eu acho que a professora Ohana até conhece. Ele é surdo. Na época ele fazia ensino médio. E foi uma experiência muito triste porque o professor não sabia sequer da existência de um profissional interprete de Libras, então eu pedi pra diretora da escola, uma escola pública de Belém pra entrar pra interpretar na aula de química, e o professor me viu virado o tempo todo de costa pra ele. E ele achou que eu era um surdo que estava simplesmente conversando na sala de aula.

Só pra você ter uma noção do que que que é essa falta de compreensão desse outro indivíduo que está ali. E os alunos ouvintes na hora da frequência, começaram a chamar nome a nome, e eu disse “olha, o professor chamou o teu nome”. Ai ele foi lá na frente, e disse pro professor apontar. O professor fez um gesto obsceno pra ele e todo mundo começou a rir. De repente uma aluna chega e pergunta “professor, porque que ele tá aqui na sala de aula”. Ele disse assim: “Eu não sei, eu tô levando até onde eu posso”. Na verdade, esse professor não estava levando nada. Porque aquele momento ali mostrava que

ele não compreendia. Foi quando eu chamei o professor. “Pro-fessor, ele está com dúvidas nisso”. Aí ele disse “Ah, você fala?”. “Sim, eu sou ouvinte, eu sou intérprete”. E aí foi muito legal porque o professor sabia ensinar o surdo, só que ele tem medo de ensinar, porque tem uma barreira imaginária entre o profes-sor e o aluno surdo. Eu não lembro direito o conteúdo, eu acho que era sobre átomos que ele estava ensinando. Ele pegou um pedaço de papel, fez um monte de bolinhas, e ensinou pro Ademilton o conteúdo. Então, ele sabia ensinar, a questão é que ele não sabia como chegar pra ensinar, então, isso é uma questão de currículo oculto.

Os professores, a escola, a direção, a coordenação ped-agógica, todos eles precisam se voltar pra compreender esse espaço plural que existe dentro da escola. A gente fala muito de diferença, mas a escola na verdade, a exclusão ainda impera dentro desse processo. E não é só para os indivíduos surdos, é para todos os alunos que sofrem qualquer tipo de exclusão dentro desse espaço.

Fabrício: Rádio Web UFPA apresentando o programa UFPA Ensino. Hoje o tema é Metodologias de Ensino para Surdos. Os nossos convidados são, o professor Sílvio Santiago Vieira, o professor Ernesto Padovani Netto e a professora Ohana Matias. A gente vai para um rápido intervalo e volta já já. Rádio Web UFPA divulgando conhecimento.

Vinheta: Você está ouvindo UFPA Ensino. Você está ouvindo UFPA Ensino.

Fabrício: Estamos de volta com o programa UFPA Ensino. O nosso tema de hoje é Metodologia de Ensino para Surdos e os nossos convidados de hoje são o professor da Universidade do Estado do Pará Sílvio Santiago Vieira. Também recebo o professor Ernesto Padovani Netto, ele é professor da Seduc e faz o me-strado profissional em Ensino de História e também estou rece-bendo a professora Ohana Matias, que é professora substituta também da UEPA e tradutora/intérprete de Libras e também colabora com o canal História em Libras, pensado aí pelo pro-fessor Padovani.

Estamos de volta aqui pra nossa conversa, vamos começar com o professor Padovani e com a professora Ohana pra eles comentarem um pouco mais sobre esta experiência do canal História em Libras, justamente como é que vocês propõem o ensino da história a partir do canal no Youtube, qual é o diferencial que vocês têm aplicado, lógico além das legend-as e tudo mais, em termos da perspectiva que vocês estão apli-cando a esse ensino de História pra realmente incluir essas pes-soas sendo surdos pra ele ter acesso a esse conteúdo. Profes-sor Padovani.

Ernesto: Na verdade, nós fizemos uma disciplina no mestrado min-istrada pela professora Edilza Fontes que chama-se “História Pública”. Então no Brasil é uma discussão um tanto quanto recente, a discussão sobre História Pública. História Pública perpassa pela questão de que você tem o historiador que produz o conhecimento histórico. Em outros momentos da história, o conhecimento histórico era fundamentalmente pro-duzido pelo historiador e hoje em dia o que nós temos? Nós temos canais no Youtube, nós temos programas de TV, nós

temos jornalistas. Na verdade, todo mundo fala de história o tempo todo. Então, a história ganhou esse viés de história pública. Então, são narrativas que estão aí se degladeando. A gente vê isso no Brasil, esquerda e direita construindo narrativas históricas em torno de situações que ocorreram. Então, esse foi um debate fundamental pra eu pensar o canal. Por que? Em 2013 nós tive-mos as manifestações, o início daquelas manifestações que acabaram culminando com o impeachment. Então, o que acon-teceu? Os surdos chegavam na escola “por que que está acon-tecendo isso?”. Aparecia os blacks bloks quebrando as coisas, colocando fogo, quebrando os bancos e tudo mais e os alunos chegavam “eu não estou entendendo, por que profes-sor na rua esse problema toda a hora na televisão? E eles não entendiam o que estava acontecendo. Então o problema era o acesso à informação. Então, que história está sendo construída para esse aluno? O que que ele está aprendendo no processo escolar, o que que ele está viven-ciando, está vivendo, podendo relacionar, inclusive. Então, eu fui trabalhar nessa perspectiva de explicar. Eu lembro, inclusive, no primeiro vestibular de Libras da UEPA que houve as vagas para os surdos, eu fiz uma discussão com seles sobre essa questão de 2013 dos blacks blocks relacionando com ludismo, quando os operários ingleses quebravam as fábricas e tudo mais. Acabou que foi uma questão que veio na prova, então eles acertaram em massa a questão. Então relacionar os tempos históricos a partir de situações vivenciadas por eles. E o canal História em Libras veio muito nessa perspectiva de pensar a História Pública, a História digital. Nós não temos mais como ser, no meu caso, eu trabalho com história, sermos histo-riadores que ficamos presos somente ao papel, não é verdade?

Somente a entregar textos escritos que uma banca vai ler e muitas das vezes não é lido maciçamente. Então o canal foi uma forma de além de contemplar a exigência do programa que é ter um produto pedagógico, é um exercício de história pública, porque o tema Movimentos Sociais que é o tema da primeira aula, ele surgiu porque eu fui perguntar para os alunos o que eles gostariam de estudar. Isso também é uma perspecti-va muito interessante da gente refletir, porque eu digo “qual é o tema que eu vou colocar? eu não vou elencar um tema de cima pra baixo. Fazer uma aula sobre tal tema e ao perguntar para os alunos, eles tinham muita dificuldade de me responder o que eles gostariam em história. Primeiro, por quê? Existem uma perspectiva de que a história é uma história política. Então, estudar História é estudar Getúlio Vargas, é estudar a Ditadura Militar, é estudar os governos, os grandes heróis na-cionais, entre aspas. E eu queria que eles compreendessem que os surdos tem história.

No YouTube você tem muitas aulas no estilo caseiro, diga-mos assim. Você filma ali o quadro, para um professor que só precisa do recurso da fala é tranquilo. O professor fala, o ouvin-te escutou a informação. Mas para o surdo não, eu preciso de edição, eu preciso que as imagens entrem, eu preciso dialogar com as imagens, eu preciso de uma certa produção. Então, eu encontrei parcerias para produzir esse primeiro vídeo. Houve um custo. Hoje é um momento em que a secretaria de edu-cação replicou essa questão do canal. A Seduc colocou no site, colocou na agência Pará, colocou matérias no YouTube, no Facebook, sobre o projeto. Mas agora a gente precisa de suporte para dar continuidade.

Fabrício: Professor Silvio, eu queria que você falasse um pouco da sua experiência porque o senhor atua em outra área de conhe-cimento que é o ensino religioso. É uma metodologia meio parecida? como é que é são as estratégias que o senhor usa para atuar nessa área específica?

Sílvio: Eu não trabalho com canal especificamente.

Fabrício: Sim, sim.

Sílvio: Hoje eu tenho focado no grupo GESI. As nossas reuniões são todas as sextas-feiras. A gente tem desenvolvido foco na questão da criação de sinais termos que contemplem as questões das religiões. Mas é muito importante ressaltar que nós não estamos focando no cristianismo porque o cristianis-

safio. A sala em si é bilíngue, mas a questão da metodologia dos professores que é o mais difícil, até às vezes o posiciona-mento, eles estão aqui, o intérprete está bem aqui, e eles passam na frente. O surdo reclama “a gente não está conse-guindo visualizar o intérprete”. Então, a gente fica meio assim andando para cá e para cá. Então, assim experiência é muito boa para mim lá na graduação, é outro nível com surdos e assim eu fico muito feliz porque eles estão amadurecendo bas-tante.

Quando eles entraram sentiram muita dificuldade assim como os ouvintes, então assim foi um papel tanto dos intérpre-tes quanto dos professores, enviando materiais para a gente, para a gente procurar como o professor Sílvio falou sobre os sinais termos, se existem, porque são disciplinas muito espe-cíficas. Então, já lá no curso de pedagogia bilíngue que já tem um material pronto, na verdade. Então, assim tem as videoau-las, então geralmente os surdos que vão para lá geralmente são 10 ou 12, porque na verdade nós tutores fazemos uma escala, por exemplo eu vou dois dias, o outro vai mais dois dias. Então assim, a experiência lá é a questão visual que é muito impor-tante.

E o interessante é que os sinais são bem diferentes. Então assim, eles mostram lá na videoaula que é no INES que fica no Rio de Janeiro, e então são bem diferente dos sinais que nós tutores usamos. Então, é uma metodologia muito boa lá assim na questão visual. Então, te dá esse auxílio, interpreta, por exemplo, os textos da Língua Portuguesa. E é esse o trabalho que a gente faz lá.

Fabrício: Na experiência de todos vocês, vocês todos falaram bas-

tante de utilizar estratégias que apelam para esse aspecto visual. A Libras é visual, mas vocês também falaram muito de utilizar estratégias que possam utilizar vídeos, por exemplo, maquetes, enfim, coisas que vão apelar para o sentido visual e vai facilitar esse ensino para esse aluno surdo.

Alguma outra experiência que vocês tiveram, outra poten-cialidade, alguma outra coisa nesse sentido que possa acres-centar para, de repente, um outro professor, para uma pessoa que, de repente, não tenho tido essa experiência, ou de repente possa pensar em alguma outra coisa que vocês possam apre-sentar em algum exemplo?

Ohana: Eu tive uma experiência. Eu ainda era estagiária lá no Astério de Campos. Então, estava eu mais a minha colega Silvana. Então, lembro que na época, eu acho que foi em 2013, eu não sabia o sinal de corrupção. Então, assim, como explicar um conceito, explicar o que é, dar um sinal? Então assim, eu e a Silvana mostramos assim, dramatizamos na verdade.

Nós mostramos um contexto do dia a dia, por exemplo, a gente colocou... eu era a personagem cobrador e ela era um passageiro que ela passava o troco para mim, ou para ela me dava passagem né e eu passava um troco a mais. Então mas ela não me falava nada, ela ficava com dinheiro. Então, explicava para os alunos, “entenderam como é que ocorre a corrupção no dia-a-dia e no contexto político?” Então, foi uma experiência muito boa para mim porque assim quando se está com um surdo, se você não sabe o sinal, o conceito, você tem que apelar até para o teatro, tem que mostrar em algum momento um recurso visual para eles, porque, às vezes, só imagens não dá um sentido para ele. Você tem que dar uma explicação,

mo ele já tem todo um arcabouço de sinais termos.

Nós estamos pegando mensalmente as religiões que já são consideradas religiões mortas. Então, a gente veio desde a Grécia trazendo toda essa questão para trabalhar a questão da sinalização, para ajudar professores tanto de história como também professores de ciências da religião para ensinar os alunos surdos dentro desses contextos. Então, a gente tem toda uma pesquisa com base na lexicografia, na terminologia, buscando compreender se já existem esses sinais, se esses sinais já são utilizados em outros estados, para evitar criar sinais e depois dizer que são variações linguísticas que também não vou entrar muito no mérito porque é uma dis-cussão muito ampla.

Então, após esse primeiro momento que foi a questão da criação esses sinais de Termos, nós desenvolvemos um ciclo de oficinas que nós aplicamos na escola Vilhena Alves no ano pas-sado durante três semanas, onde nós trabalhamos com as met-odologias visuais também com o auxílio do profissional intér-prete de libras, além de que os alunos da UEPA que participam do grupo também sabem sinalizar, mas como a gente percebeu que era um conteúdo muito específico a gente preferiu solicitar a presença do intérprete de libras. Então, nós sentamos com intérpretes, trabalhamos sinais termos que tinham sido cata-logados e os que foram criados. E foi muito interessante como esses alunos surdos ele já compreendem muito essa ideia do visual, assistem muitos filmes, desenhos e trouxeram muitas experiências legais.

Após isso, a gente aplicou em torno de umas 8 a 9 oficinas e nós resolvemos escrever alguns artigos porque a gente per-cebeu, a partir dessa experiência, que os professores que

talvez não saibam lidar com o aluno surdo porque eles não conhecem as metodologias que devem ser trabalhadas. A gente está escrevendo agora um livro que vai ser publicado agora esse ano pela Editora CRV que se chama a “Religião e Educação de surdos: desafios e métodos”, onde a gente tem foco na questão das religiões indígenas, nas religiões afro de matriz africana, especificamente o Candomblé, já que tem um vídeo no YouTube publicado pelo professor Emerson Silva onde ele trabalhou a questão de sinais específicos do Can-domblé.

A gente pegou esse sinais, e fomos trabalhar dentro da sala de aula contextos, por exemplo, sobre os líderes religiosos entre muitos outros contextos. A gente observou que os pro-fessores e os alunos se forem dados para eles as metodologias, se forem oferecidos a eles esse conhecimento, eles conseguem desenvolver o trabalho e o aluno consegue aprender. Então, por isso que o livro é uma alternativa, a gente vai distribuir gra-tuitamente o livro depois como alternativa de ensino para os professores.

Fabrício: Ohana, eu queria saber um pouco mais da tua experiência, porque agora tu estás atuando numa Universidade. O público, com certeza, é diferente. E deve misturar tanto ouvintes quan-tos surdos. Você também está atuando nessa tutoria do curso de pedagogia bilíngue, então, com certeza é uma proposta totalmente diferente que você também deve lidar com metod-ologias diferenciadas para lidar com esse público né?

Ohana: Sim, com certeza, eu atuo tanto no curso letras-libras, que tem metade da turma são surdos e ouvintes. Então ali é um de-

mostrar um classificador para ele, dramatizar para ele entender melhor.

Fabrício: A dramatização é então potencial né. Professor Sílvio, pro-fessor Padovani, querem acrescentar algo mais.

Padovani: Porque a questão é que você tem que construir o con-ceito. Eu vou dar um exemplo aqui, muitas questões de história ou até mesmo no momento de explicar aparece o termo conse-quência. Quais as consequências de determinada situação histórica? Então, para nós ouvintes, vamos pensar assim o con-ceito de consequência. Consequência é uma coisa que acon-tece depois que uma coisa aconteceu e como você vai explicar isso para o surdo? Então, o que a Ohana colocou aqui é funda-mental. Quando eu quero dizer para o aluno o que é conse-quência, eu digo para ele “olha, por exemplo, a pessoa está tomando uma cerveja, whisky, ela pegou um carro, qual pode ser a consequência? Bater o carro. Isso tudo não falado, é dramatizado como ela disse. Então, eu preciso construir esse recurso. Quando ela fala em classifi-cador, de construir cenários narrativo com as mãos para ele. Você está dirigindo mas você bebeu. O que pode acontecer? Você teve uma relação sexual sem preservativo, você pode ficar doente, é uma consequência. Você pode ficar grávida, é uma outra consequência. Então, você tem que construir essas questões. Eu tive três anos como professor Itinerante na escola Luiz Nunes Direito na Cidade Nova. Eu ligado ainda ao Astério, mas desempenham parte da minha carga horária lá. Fizemos várias parcerias com os professores. Então, na apresentação de seminários, nós construímos com os alunos os slides, as apre-

sentações. Eu fazia a interpretação da apresentação dele para os professores. Os professores faziam perguntas. Eu fazia esse papel de intérprete nesse momento. Tem um professor, por exemplo, que fez em alguns momentos a prova de surdos, aquela ideia que a gente tem da prova oral, para o surdo ele fazia a prova sinalizada. Então, ele construía ali 6 questões, reunia comigo e com os surdos, aí ele escolhia “olha, faz essa questão aqui para ele”, aí eu perguntava para o surdo aquela questão, aí o surdo respondia, e eu ia interpretar e fazia esse papel de intérprete nesse momento. Aí o professor avaliava a resposta.

É interessante que é um ser humano. Então, quando ele não sabia, a feição dele mostrava logo que ele não sabia. Ele ficava nervoso, ficava tentando enrolar. O professor já percebia que ele estava com dificuldade para dar resposta. Então, são situações aí, nós fizemos, por exemplo, trabalhos com maquet-es. Esse foi muito interessante, o professor estava trabalhando “A Belle Époque”. E aí ele pediu para os surdos falarem sobre cinema Olympia. Essa foi uma ideia que partiu deles, por exem-plo, eu queria fazer uma maquete do cinema Olímpia, eles dis-seram “não, vamos fazer uma da fundação do cinema, outra dos anos 70/80 e outros agora”. Então, nós acabamos discutin-do a temporalidade, as mudanças arquitetônicas do prédio pú-blico, enfim, ficou bem legal. A apresentação de documentári-os, eu achei um documentário sobre o cinema Olympia, apre-sentamos para eles a interpretação. Então, há uma gama de possibilidades aí realmente. Na questão de química, a professo-ra também pegou umas bolinhas de isopor e aí o que aconte-cia? Aquelas bolinhas de isopor eram as moléculas, aí quando ela queria uma molécula diferente daquela da bolinha, ela já pintava a bolinha de vermelho para representar que era o hidrogênio, que era um carbono.

Então, todas essas possibilidades elas são possíveis de ser utilizada e o interessante é que fica muito bacana para o ouvin-te e para o surdo porque acaba trabalhando um pouco do lúdico. Não é só aquela coisa do professor que fala, fala, fala, e o aluno acaba construindo também ali as coisas, o conheci-mento.

Fabrício: Professor Silvio.

Sílvio: Eu queria complementar fazendo uma boa abordagem voltando lá para a questão do intérprete de libras, porque a gente sabe que o recurso visual, a dramatização tudo isso real-mente eles são de extrema importância. Mas olhando intér-prete em conta uma tecnologia assistiva dentro desse espaço, a gente precisa pensar que o professor deve ter ele também como recurso metodológico. Então, eu quero aproveitar o espaço para conversar também com os professores que possam estar ouvindo os alunos, que é direito do professor ter um intérprete de libras ao seu lado enquanto recurso met-odológico, por que o professor possivelmente não conseguirá sinalizar de forma fluente na sala de aula.

Então atenção para quem tá ouvindo uso decreto 5626/2005 para cobrar dos pais os direitos dos alunos surdos. Você pode levar isso ao Ministério Público para que possa ser trazido o intérprete de Libras. Eu acho que esse recurso met-odológico, o intérprete enquanto recurso metodológico, é im-portantíssimo dentro da sala porque o professor mas na maio-ria das vezes ele não terá tantas vezes para organizar todas as suas aulas de forma visual. Então, esse intérprete de Libras, ali, ele é essencial nos momentos em que o professor não tivesse oportunidade.

Fabrício: Está chegando já ao final do programa, vou abrir o espaço para as considerações finais dos nossos convidados, men-sagem de finais, o que vocês consideram como desafio, algo que vocês queiram reforçar em relação ao que a gente debateu ao longo dessa entrevista. Professor Padovani, pode começar? Ernesto: Na verdade, eu gostaria de agradecer, muito importante esse espaço. A gente percebe que a cada dia a questão da Ed-ucação de surdos está ganhando uma projeção. Eu acho que a questão da redação no Enem foi um antes e depois. O espaço, eu mesmo posso testemunhar, eu já estava ali no mestrado, fazendo projeto, mas depois que veio a redação do Enem, os convites para estar nos espaços, no IFPA, na UEPA na própria UFPA, convites para palestra, enfim. Está discutindo essa questão aumentou muito. Então isso é fundamental, não só para o nosso trabalho né mas para esse público que em algum momento nos falamos aqui da invisibilidade do Surdo, e era um público invisível e é um público que cada vez mais não quer ser invisível, quer ser representado.

Então, nós percebemos que as janelinhas da língua de sinais na TV já é uma coisa que está ganhando muita força, nas campanhas eleitorais, aí foi uma grande novidade. Mas o corre-to é que isto esteja em todos os momentos, em todos os dis-cursos. A gente ainda não vê isso no Brasil, os políticos fazem seus discursos mesmos nos cargos de governadores, presi-dentes, não tem um intérprete.

Quando nós vemos imagens no exterior, o presidente americano falando, a intérprete está do lado. Então, nós temos

um caminho grande aí de conquistas para trilhar, que a comuni-dade surda tem naturalmente também que trilhar.

Fabrício: Ohana. Ohana: Eu quero agradecer também pelo convite. Eu quero agra-decer novamente ao professor Neto por ter me convidado a fazer parte desse canal. Eu não tenho parentes surdos, na ver-dade eu tenho namorado surdo. Então assim, onde estiver um surdo, eu sempre estou lutando com eles. Inclusive, eu faço parte da diretoria da Jubel. É uma honra ser a única ouvinte, então é muita confiança perante os surdos né.

Então assim, na associação a gente luta pela presença do intérprete em sala de aula, nos hospitais, em qualquer espaço. Então assim, essa visibilidade está ocorrendo assim, mas tem que melhorar enfim, tem que avançar mais. Então, para os pro-fessores que estão escutando, eu sei que não tem muito tempo assim para organizar o material, mas fazer um esforcinho. Pro-fessores que estão ouvindo, por exemplo, você tem um aluno surdo ou com outra deficiência procure ter contato com seu aluno, procure saber o que ele pensa, se ele está entendendo. É importante isso.

Fabrício: Professor Sílvio

Sílvio: Bom, primeiramente, eu queria agradecer o convite. Foi uma honra estar debatendo junto com professor Netto Pado-vani e a professor Ohana. E o recado que eu deixo aos profes-sores é sempre buscar pensar, que a partir do momento em que você tem um aluno surdo na sala de aula pensar nessas

metodologias visuais, pensar nessas estratégias que você con-segue desenvolver um trabalho, se as dificuldades elas exist-irem, e caso haja o atendimento educacional especializado na sua escola, procurar o AE de forma a buscar esse suporte que você precisa.

É importante ressaltar que a gente iniciou lá falando sobre a Libras enquanto disciplina, nenhum professor, nenhum aluno vai sair fluente na língua de sinais, porém eu acredito que o ponto mais importante da disciplina é disseminar essa questão da diferença. Então o professor que está hoje trabalhando com surdos ele precisa entender que esse indivíduo tem particulari-dades, ele tem diferenças em relação aos alunos ouvintes e se ele buscar respeitar essas particularidades o desenvolvimento desses alunos será bem maior.

Em suma fica a dica, aproveitando a sala da professora Ohana, quebre essa barreira que existe entre você e o aluno, uma barreira imaginária que já se passaram anos e é necessário você quebrar. Como você faz para quebrar isso é chegando próximo desse aluno perguntando se ele está entendendo, per-guntando de que forma ele que aprender com a professora sugeriu ainda pouco e dessa forma ele vai conseguir fazer com que esse aluno possa expressar as formas que ele pode com-preender melhor, porque a gente deu algumas dicas mas não são receitas.

Cada um, cada professor vai observar dentro dos seus espaços escolares de salas de aula alunos com suas particulari-dades, então, o grande ponto é chegar próximo do aluno que foi que a professora a Ohana citou, quebrar a barreira imag-inária.

Fabrício: Está certo. Muito obrigado professor Silvio, professora Ohana, professor Padovani. Muito obrigado pela participação de vocês, pelos esclarecimentos e por compartilhar conheci-mento com a gente obrigado.

Sílvio: obrigado.

Fabrício: Agradeço mais uma vez a participação do professor Silvio Santiago Vieira, professor Padovani Neto e a professora Ohana Matias. Agradeço também a você ouvinte que acompanha o programa de hoje. Se você quiser enviar críticas comentários ou sugestões é só mandar um e-mail para rá[email protected].

educação de surdos, são experiências muito diversas, lógico, né. Por exemplo, em relação a esse contato que vocês tiveram com a Libras que inclusive, é exigido como eu falei, nos própri-os cursos de licenciatura, esse primeiro contato que muitos professores, licenciandos, hoje alunos de graduação têm, será que ele evoluiu muito dos que vocês tiveram por exemplo, no contato de vocês com a licenciatura? Será que hoje avançamos mais neste contato da Libras, nessa inserção da Libras no ensino superior pra formar esses profissionais, esses profes-sores que vão poder incluir esse aluno no sistema de ensino? ou vocês veem muita similaridade com o que vocês tiveram como experiência enquanto universitários. Como é que vocês veem essa evolução? Teve avanço ou não? Sílvio: A minha primeira formação é em Matemática. Na época em que eu me formei em matemática não existia no currículo a disciplina Língua Brasileira de Sinais, então eu só fui ter contato com a libras enquanto disciplina na especialização, mas hoje eu sou formador de alunos de cursos de licenciatura. Então, mesmo assim eu ainda observo que existem algumas coisas que nós precisamos avançar, por exemplo, a carga horária dessas disciplinas é muito reduzida na maioria dos cursos de graduação. Há curso em que a carga horária varia de 40 horas, 50 horas, 60 horas. A gente há de considerar, o professor Padovani, por exem-plo está desenvolvendo uma dissertação de mestrado onde ele tem um olhar sobre a história desse indivíduo dentro de um processo educacional. Imagina, você precisa apresentar essa história que não é pequena para o aluno graduando. Você pre-cisa trabalhar as metodologias de ensino, você precisa tra-balhar com experiências, você precisa levar esses alunos pra escola de educação de surdos pra que eles possam conhecer

Como professor da escola Astério de Campos que é uma escola de referência em Belém, todo o início de ano nós recebemos muitos convites para formação. E aí eu sou um dos professores que costuma ir dar essa formação. E a preocu-pação é essa. “Professor, sou professor de física, e aí o que que eu vou fazer com o aluno surdo que está na minha sala?”.

Então, quer dizer, mesmo sendo professor de história, eu procurei desenvolver, construir alguns materiais pra esses mo-mentos de formação onde eu explico pra eles, por exemplo, que pro surdo se você vai trabalhar matemática, você vai tra-balhar aquela abstração, aquelas frações, então é muito com-plicado. Agora se você traz para aquelas questões que é algo que está afinado com o aquilo que o MEC pensa em relação ao enem, se você traz que os prédios projeta uma sombra de tantos graus, formando um ângulo, você abre a mente ali pra trabalhar com o surdo porque ele está visualizando o prédio, a sombra, o grau está relacionado com a vida, então não é algo tão distante pro mundo ouvinte.

Em geral, quando estou em momentos de formação, ou em espaços educacionais, eles pensam que o surdo ele não ouve, mas ele sabe ler, então é muito complicado, porque ao não ouvir, o surdo não criou o conceito daquela palavra, nós sabe-mos que mesa é mesa, nós ouvimos a palavra mesa e atribuí-mos à mesa.

O surdo não ouviu essa palavra, então o conceito para ele, a palavra pra ele é um emaranhado de signos pra ele. Ele preci-sa estar gravando aqueles signos. A disciplina libras ela não está dando conta disso, ao meu ver. Os alunos vão pra essa dis-ciplina, eles não vão aprender a língua de sinais. Eu tenho con-tato com professores do ensino regular que têm alunos surdos há oito anos, há sete anos. Na minha pesquisa eu entrevistei

professores que têm alunos surdos há 10, 8 anos e ainda não sabe dá bom dia. Então, na disciplina também esse aluno não vai aprender. Está servindo pra ele entrar em contato e saber que isso existe. Hoje a minha luta, eu estou tentando criar um conceito que é o ensino de história em contextos inclusivos, que esse debate vá de fato pro campo das disciplinas, das áreas de conhecimento e não fique pairando acima de todas disciplinas que não dá conta. As disciplinas têm metodologias diferenciadas de ensino.

Fabrício: Como é que essa realidade no curso de letras, Ohana?

Ohana: Sim, sim, como o professor Neto falou, eu vim do curso Letras Libras, então tinha agrade curricular toda voltada pra Libras, pra educação dos surdos, então assim, em si, eu não tive essa dificuldade, mas se eu dependesse só do curso, hoje em dia talvez, eu estaria sinalizando só o básico, assim infelizmente como muitos colegas meus terminaram o curso e não tinham domínio da Língua de Sinais. Então, eu precisei correr exata-mente para manter contato com o usuário da língua pra poder aprender. Hoje em dia tudo o que eu sei foi porque eu estou sempre tendo contato com o surdo, então assim, quando eu conversa-va nos corredores com meus outros colegas de graduações, seja de letras português, biologia, eles me falavam assim “Ohana, você pode me ensinar qual é o sinal isso, isso, o sinal específico da graduação deles, porque o meu professor falta, porque o meu professor não está presente”, ou como o profes-sor Sílvio falou “a carga horária é muito pouca”, então assim, “não faz a adaptação voltada para o meu curso”. Então, como eu posso chegar numa graduação, por exemplo de licenciatura em biologia e ensinar por exemplo, só o alfabeto, só os sinais

esses espaços que é a partir dessa experiências empírica que ele pode se identificar muito mais com esses processo. Então eu observo que 60 horas, 80 horas é uma carga horária insufici-ente. Na minha opinião, nós deveríamos ter hoje um estágio curricular voltado pra educação especial. Os alunos saem da graduação sem saber como lidar com os alunos com deficiên-cia.

Falando do aluno surdo, ele sai ainda mais perdido haja vista que a Língua de sinais é uma língua diferente da Língua Portuguesa, com uma estrutura gramatical que carrega uma especificidade muito diferente da Língua Portuguesa. Então penso que a gente deve continuar discutindo essas questões da inclusão a fim de que exista um estágio supervisionado especifico. É lógico que as pessoas não vão sair de lá expertise em trabalhar com surdos, mas ela pelo menos terá condições de compreender essa realidade da inclusão escolar visitando esses espaços, essas escolas que têm educação especial que ainda existem aqui dentro de Belém.

Fabrício: Padovani.

Ernesto: Na minha graduação também ainda não havia essa questão da disciplina Libras. Pra dizer a verdade, durante a minha graduação nunca nem passou pela minha cabeça essa realidade. Não era algo discutido, debatido, presente dentro da Universidade, nem na sociedade. O que acontece assim, eu go-staria de concordar com o professor e também aprofundar no sentido de não é só uma questão de apresentar a disciplina com o nome Libras. Então, eu preciso trabalhar com o meu aluno de história metodologias de ensino de história pra surdos, metodologias de ensino de matemática para surdos.

Fabrício: Olá, ouvintes da Rádio Web UFPA. Eu sou Fabrício Que-iroz e a partir de agora você acompanha comigo mais uma edição do UFPA Ensino que hoje vai falar sobre Metodologias de Ensino para surdos.

Segundo o censo do IBGE de 2010, 9 milhões e 700 mil pessoas têm deficiência auditiva. Cerca de um milhão são jovens até 19 anos. No Brasil, os surdos só passaram a ter acesso à educação durante o império.

Em 26 de setembro de 1857, foi criada a primeira escola de educação de meninos surdos, no Rio de Janeiro. Apesar do avanço, somente em 2002, a Lei nº10.436 reconheceu oficial-mente a Língua Brasileira de Sinais, a LIBRAS.

A Libras é fundamental para garantir o aprendizado de alunos surdos. Em 2005, com o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro, a Libras foi determinada como disciplina curricular obrigatória para todos os cursos de licenciatura e também fonoaudiologia, e ela é optativa para os demais cursos do ensino superior e da educação profissional.

Outra grande conquista aconteceu em 2010, quando a profissão de tradutor–intérprete de Libras foi regulamentada em de 1º de setembro.

Além disso, professores têm buscado trazer a Libras para fora da sala de aula. Na internet, por exemplo, existem video-aulas em libras, democratizando o acesso à educação.

Hoje, vamos conhecer o trabalho de professores e intérpretes de Libras que desenvolvem estratégias para melhorar o ensino para surdos. Recebemos aqui no es-túdio da Rádio Web o professor da UEPA Sílvio Santia-go Vieira, ele é mestrando em Ciências da Religião, es-pecialista em Atendimento Educacional Especializado e também coordena o Grupo de Estudos Surdos & Inter-faces do IEPA, que é o Instituto de Educação e Cultura do Pará. Professor Silvio, muito obrigado por sua partic-ipação, bem-vindo.

Sívio Viera: Muito obrigado pelo convite.

Fabrício: Obrigado, professor Silvio. Também estou rece-bendo o Ernesto Padovani Netto, mais conhecido como Padovani. Ele é aluno do Mestrado Profissional em Ensino de História e é responsável pelo canal do Youtube “História em Libras”, e também é professor da SEDUC. Professor Padovani, muito obrigado.

Ernesto Padovani: Obrigado pelo convite, a gente espera contribuir aqui um pouco com o debate.

Fabrício: Obrigado, professor. E também recebemos a Ohana Matias. Ela é tradutora / intérprete de libras, é professora substituta da UEPA. Também atua como tutora na UEPA no curso de Pedagogia Bilíngue, além de ser especialista em Educação Especial e Inclusiva, e também colaboradora do canal “História em Libras”.

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RÁDIO WEB UFPA: Divulgando conhecimento 3

Ohana, também muito obrigado pela tua participação, bem-vinda.

Ohana: Obrigada pelo convite, é um prazer estar aqui estar fazendo parte desta discussão.

Fabrício: Eu queria que, na verdade, vocês primeiramente se apresentassem um pouco pra gente conhecer um pouco da trajetória e do interesse de vocês por essa área tão cara e tão desafiadora. A gente viu aí por esse pequeno histórico o quanto ela foi negligenciada, a educação de surdos, a educação inclusiva. O que que motivou vocês a trabalhar com essa área que ainda é um desafio na ed-ucação brasileira? Professora Ohana.

Ohana: Ohana: Bom, a minha história em si é bem diferente dos outros. Os meus colegas que eu estudei no curso de letras libras em 2012, a maioria veio da área da interpre-tação da igreja, ou tinha um parente surdo e no meu caso em si é por conta da minha mãe ser pedagoga. Então, como ela fazia na época o curso de libras, ela me incentivou para escolher esse curso. Na verdade, eu con-heci esse mundo novo quando eu passei no vestibular. Então assim, a partir do momento que eu comecei a estudar e começar a entender a história da educação do surdo, foi só um momento assim pra eu procurar saber mais sinais. Então, foi uma grande oportunidade e hoje em dia eu estou atuando, também faço parte da as-sociação dos surdos de Belém. Então eu estou sempre

nessa constante luta em prol da educação dos surdos, na luta por eles.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: Bom, a minha trajetória ela começa quando em 2009 eu resolvi fazer um curso de Língua Brasileira de Sinais no CAES. Eu tive um aluno surdo na época no Augusto Meira. Não sabia como lidar com os alunos surdos. E a minha comunicação com eles era basicamente por meio da mímica, por meio da escrita nos braços. Os surdos eles têm o costume de escrever no braço quando não têm papel, apagava, enfim. E assim eu fui apren-dendo os sinais iniciais e eu percebi que eu deveria ir mais adi-ante. Eu já tinha experiência com educação de alunos cegos e baixa visão, porém a minha experiência com os surdos me fez refletir sobre essas carências que a formação inicial de profes-sores possui. Aí eu fui fazer um curso de libras, tive o professor Arlindo, o professor Tiago Costa como meus professores. E foram pessoas que contribuíram muito para a minha formação inicial na área da língua de sinais. Em 2010, então eu resolvi en-veredar pela especialização nessa área, fiz especialização em Libras. E comecei também em 2010 a interpretar dentro da Igreja Assembleia de Deus. Foi quando eu realmente resolvi me focar nessa questão da interpretação que eu já estava na docência. Posteriormente a isso, eu resolvi criar o grupo de estudos surdos e interfaces, onde a gente tem discussões diversificadas, mas especifica-mente hoje nós estamos discutindo as questões relacionadas a

gênero e sexualidade dentro do grupo, haja vista que a comu-nidade surda belemense, ela apresenta uma pluralidade nesse sentido e é necessário que familiares e escolas possam com-preender essa questão da sexualidade do surdo que manifesta certas diferenças em relação à sexualidade dos indivíduos ouvin-tes. E também com foco na questão da religião pois eu tenho ob-servado que hoje os surdos eles têm buscado enveredar por outros ramos religiosos além do cristianismo. E a minha trajetória hoje tem sido basicamente focar na compreensão de como é que tem se desenvolvido essas territorialidades e os territórios dentro dos espaços sagrados. Hoje minhas pesquisas estão focadas nisso.

Fabrício: Professor Padovani.

Ernesto: Ok. Bem, eu sou professor da rede estadual de ensino há dez anos. Então quando eu comecei eu tra-balhei uns três anos no interior do estado. Tive um públi-co também de trabalhar em comunidades, quando vim, voltei a Belém, voltei pra trabalhar no sistema penal. O que ocorreu? Na verdade, lá no Astério de Campos não tinha professor de história. Aí me fizeram a proposta. Então, na verdade não foi muito uma escolha minha. Che-gando lá, eu criei de fato uma grande identificação com o trabalho. Fiz uma especialização em educação inclusiva e comecei a observar as dificuldades deles em relação à Língua Portuguesa, dificuldades com textos muito grandes, necessidade da utilização de imagens, então eu fui montando uma metodologia a partir de referenciais teóricos como a pedagogia visual e criando meu próprio material didático, criando formas de trabalhar com eles.

Quando surgiu a seleção pro Mestrado Profissional em Ensino de História, o PROFHISTÓRIA, eu fiz a seleção, fui aprovado e fui com isso na cabeça, que eu ia fazer um projeto sobre educação de surdos, unindo essas duas áreas. A questão da história e a questão da metodologia de ensino. E aí perpassam vários elementos, não é só a história em si. O meu trabalho é um trabalho sócio-histórico que vou justamente remontar o período do oralismo, passando pela co-municação total, são metodologias que são utilizadas até hoje como proposta teórica do bilinguismo prevalecendo na edu-cação dos surdos, pelo menos uma tentativa pra que prevaleça. E aí na verdade o canal “História em Libras”, ele surge como um produto desse mestrado. O mestrado profissional em ensino de história, ele exige uma dissertação escrita e um pro-duto pedagógico aplicável. Então existem várias possibilidades de produtos. A minha intenção inicial era fazer um material didático mesmo pra distribuir nas escolas, mas eu fiquei pen-sando na logística disso e no alcance que isso teria. Então, con-versando com amigos porque tem essa questão da interdisci-plinaridade, eu precisei de um amigo meu que trabalha com cinema, precisei da Ohana pra construir a proposta do canal. Então, desenvolvemos a ideia de um canal na internet seria muito melhor porque eu não teria o problema da divul-gação. Colocou na internet as pessoas podem acessar. E nós estamos nesse momento. Graças a Deus o vídeo está sendo muito acessado, teve uma repercussão muito boa. A Mídia Ninja compartilhou nos espaços que eles têm nas mídias digi-tais. Estamos agora aqui nesse debate

Fabrício: Dá pra esse primeiro relato de vocês, em relação à experiência, o contato que vocês tiveram com a Libras, com a

de família, de frutas, aí esse professor vai se formar, vai chegar numa sala de aula e vai só manter esse diálogo só de frutas, alfabeto? Não. Ele tem que saber o sinal de células, de mem-brana, disso, daquilo, tem que saber como é usar um classifica-dor. Infelizmente, é quebrada essa grade curricular das pessoas que estão na licenciatura.

Eu vivenciei isso muito quando eu fui intérprete de uma escola que tinha uma demanda muito grande, tinha 18 surdos na escola. Eu atendia oito surdos no ensino médio. Então, assim, eu observava a dificuldade dos professores. Eles chega-vam pra mim “eu nem tive essa disciplina de libras”, “eu nem sei o que é isso”, “é surdo mudo?” “ah, os teus alunos”. Eles não eram os meus alunos, eles eram alunos deles tanto quanto os ouvintes. Então, no caso, eu falava assim, “professor você tem que direcionar a eles”, “ah, mas só que ele vai pensar que é tu que tá chamando a atenção ou tá explicando”. Eu digo “não, ele sabe diferenciar, o meu papel aqui é de intérprete”. Eu sempre lutava a questão da metodologia, não pensavam no surdo.

Uma vez aconteceu uma situação que foi ao contrário, estava com legenda e sem som. Os ouvintes reclamaram. Aí eu falei para eles, “agora, vocês entenderam o que é estar na pele de uma pessoa surda:” Não é fácil. A informação não chega tão fácil pro surdo.O professor fez esse canal História. Esse canal é uma forma de democratizar tanto para surdo como para ouvin-te porque ele está usando diretamente a língua de sinais e tem ali a legenda.

Fabrício: Professor Padovani

Ernesto: Eu queria retomar mais uma questão pra embasar essa questão da metodologia, porque por exemplo a gente percebe muito há um censo comum de querer resumir a questão à língua. Então, se você tem um intérprete na escola, que não tem, em geral, não tem. Quando tem, então resolveu o proble-ma, agora tem intérprete. Então, eu faço sempre a discussão, o seguinte, se o problema fosse a língua, os nossos alunos ouvin-tes todos não teriam problema nenhum de educação no Brasil. Professor fala português, os alunos todos falam português, en-tendem, então por que os alunos não alcançam a média? Por que nós não estamos nos melhores patamares de educação mundial? Então nós não podemos também resumir o debate à língua. Então, como é que o aluno entende? É a partir da imagem? É a partir da construção de maquete? Qual é a possi-bilidade que se tem de vídeos com legenda?

O primeiro dia que o vídeo foi postado no Youtube, ele ficou sem legenda. Foi uma estratégia mesmo. Eu fui colhendo e estou colhendo os depoimentos pra finalizar a dissertação. “Poxa, não consegui, olha, eu paro, pela metade, eu parei. Não consegui acabar de ver, não tava entendendo nada”.Olha que nós colocamos os recursos imagéticos entrando no vídeo e em alguns momentos chaves aparecia escrito também o que estava sendo falado. Mas mesmo assim as pessoas reclamaram ou muitas fizeram essa reflexão: “poxa, agora eu me senti como os surdos se sentem”. São pequenas situações do dia a dia que no universo da escola se traduz em outras formas, mas são hierarquias de saberes. Um professor está ministrando aula, o outro professor vem dar um recado na turma, bota o rosto dentro da sala, “gente, gente, licença aqui, rapidinho, amanhã tem prova, dois reais a prova e tal”. Recado dado.

O surdo não entendeu. Vamos passar o vídeo pra turma, vamos levar para o auditório, muito legal, todo mundo vai, chega na hora de passar o vídeo me chamam pra interpretar, já aconteceu isso, eu não sou intérprete mas você está na escola, você sabe Língua de Sinais, você é intérprete, você é professor do AE, você é itinerante, você é tudo. Então fui lá interpretar, tudo certo, vamos lá, solta o play, apagam a luz. Como é que o surdo vai ter acesso à minha interpretação, então são questões que... é maldade? Não. Não é. Mas isso estrutura uma hierarquia de saberes. Entendeu. São hábitos que a escola internaliza porque ela é uma escola voltada e pensada para o público ou-vinte. O que me chama atenção é que isso acontece em escolas em que os surdos estudam há 10, 15 anos. Então, quando a escola vai internalizar presença do surdo? Então, acho que essas são questões aí que abrem um bom leque pra gente dis-cutir e pensar.

Fabrício: Só pra voltar, eu achei interessante o depoimento da Ohana, essa relação, dela como intérprete né. O Padovani ele tem o conhecimento, de repente ele pode usar desse conheci-mento pra se comunicar com esse aluno surdo, mas nem todas as escolas têm um profissional como a Ohana. E como é que fica a relação entre o professor e esse intérprete? Onde é que começa o papel de um e o papel de outro? Como é que se con-strói esse relacionamento pra que se possa comunicar e repas-sar esse conteúdo pra esses alunos? Como é essa dinâmica?

Ohana: Bom, a priori, o que deveria ocorrer era ter essa parceria com o professor e o interprete. Por que? porque o papel do intérprete é mediar. Ele não vai ensinar nada. Até porque a minha formação é Letras com habilitação em Libras, não é for-

mação em Letras, Português, Biologia, Matemática, não é.

A minha formação é Letras, então qual é o meu papel ali? É de chegar e interpretar tudo o que o professor falar. E quando eu digo tudo, eu interpretava até palavrões, enfim, tudo o que o professor abrisse a boca eu interpretava porque eu estou ali. Só que infelizmente essa experiência que eu tive o professor confundia, ele pensava que eu era a professora deles, e eu dizia “Olha, eu tenho respaldo, tem a lei, tem o código de ética, tenho tudo o que o senhor quiser eu mostro, mas esse daí não é meu papel, essa competência não é minha, é a sua”. Então, tem que ter essa parceria. O que o intérprete pode ajudar? Ajudar a dar umas dicas, como é que faz o material, coloca a legenda na próxima aula, é assim, é essa parceria. Essa relação de professor, intérprete e aluno.

Sílvio: Relacionando a fala da professora Ohana também pensan-do no atendimento educacional especializado. Então, ela ainda pouco colocou que o professor sempre atribui a responsabili-dade para o intérprete de Libras, mas ele também faz isso para o atendimento especializado. Por quê?

Historicamente a educação do surdo, ela foi atribuída à ed-ucação especial. Então, com o processo de inclusão que se dá a partir de 1996, com a lei de diretrizes e bases 93/94 de 96, é que a gente vem perceber que esses indivíduos com deficiên-cia, pessoas com deficiência, passam a ingressar dentro das escolas regulares. Só que nós passamos a ter dois personagens que antes nós não tínhamos dentro desses espaços, os intér-pretes de libras e os cuidadores também, e também a gente passa a ter o atendimento educacional especializado que as pessoas acham que é antiga educação especial, mas na ver-

dade há controvérsias, porque educação especial funcionava numa sala de aula onde se ensinavam essas pessoas. E o AE não, ele funciona como educação suplementar complementar, porém para o professor da rede regular, ele entende que é responsabilidade do AE ensinar os aluno surdos, que é responsabilidade do intérprete ensinar os alunos surdos, ou seja, esses personagens acabaram tendo responsabilidades além de suas responsabilidades e o professor se exime.

O Vigotski diz que “quando a gente enxerga deficiência primeiro ao invés de enxergar o ser humano, a gente destrói qualquer possibilidade de desenvolvimento desse indivíduo”. Então, a gente pode pegar a fala do professor Netto Padovani, por exemplo, em relação a questão das metodologias e obser-var que a maioria dos professores estão destruindo possibili-dades de desenvolvimento desses alunos na sala de aula exata-mente por causa das metodologias. Eu também não quero cul-pabilizar somente esses professores porque também a gente tem que pensar na formação desses indivíduos e nós também precisamos pensar que a Universidade também deve oferecer cursos de formação continuada, porque esse papel é da Uni-versidade. A gente costuma atribuir essa responsabilidade, “Ah, o governo não faz”, mas a Universidade é quem forma, é ela que deve trazer os professores pra dentro. Ela que precisa buscar parcerias com as escolas, parcerias com as unidades pra que isso possa acontecer.

Hoje, nós ainda observamos uma grande polêmica dentro das escolas. Intérprete de Libras que acabam tendo discussões com professores porque as vezes são atribuídas responsabili-dades. Durante o meu período na rede regular de ensino, eu tive dois alunos surdos, depois eu já estava fluente em Libras, e eu também tive problemas. E é legal colocar isso, porque os

meus alunos ouvintes não gostavam de eu passava a sinalizar na sala de aula. Então, o que que eu fazia, passava todo o con-teúdo de matemática, explicava primeiro em Língua Portugue-sa, passava uma bateria de exercícios pra eles fazerem, e era o momento em que eu ia sinalizar, porque não tinha intérprete de Libras, para os dois alunos surdos.

Só que isso gerava discussões na sala, “Ah, o professor não está dando atenção pra gente”, “o professor agora só olha pra esses surdos, lá vem ele com essa língua de sinais pra dentro da sala de aula”. Então, a gente observa que essas relações de poder que incidem dentro do espaço da sala de aula ainda fazem com que os ouvintes entendam que deve ser dada atenção a eles e que aos indivíduos surdos não deve ser dada atenção. Tem uma charge no livro do Moacir Carneiro muito interessante, inclusive nas formações continuadas eu sempre falo isso pros professores, os professores estão aqui em cima conversando “nós não conhecemos nada sobre esses indivíduos, nunca ouvimos falar nada sobre educação espe-cial”. Aí os alunos todos embaixo olhando.

Na verdade, essas pessoas vão reproduzir lá embaixo esse mesmo pensamento, é por isso que esses alunos pensam hoje que o professor deve dar atenção a eles e não devem dar atenção aos alunos surdos dentro da sala. Já eles também não aprenderam nada sobre educação especial, não aprenderam nada sobre pluralidade, diversidade, e acima de tudo sobre dif-erença.

Ohana: Eu vivenciei nessa escola, eu trabalhei nessa escola, se eu não me engano, dois anos e meio. Então assim, para aquela turma, eu acompanhei os surdos, primeiro, segundo e terceiro

ano. Até metade do convênio. Então, quando foi no primeiro ano, os ouvintes assim sofreram um impacto. “Intérprete?”, “surdos?”, “mãos mexendo?”, “Meu Deus!”, porque foram logo oito na minha turma. Então, assim, no início, eles deixavam de prestar atenção no professor e ficavam assim olhando pra mim, com os olhos vidrados, eu ficava intimidada inclusive, com o tempo eles foram habituando e foi passando ano, dois anos, mas o que me veio à cabeça, assim eu sempre fui tímida, então eu sempre chegava, dava bom dia pra quem estava na frente, mas eu não era de ficar batendo papo com os ouvintes.

Então, eu ficava conversando com os surdos, enquanto o professor não chegava. Então, assim os ouvintes assim, meio que segregavam a gente. Então, o que eu acho engraçado, é quando eles foram ter contato comigo? um dia após a prova do Enem. Tinha gente da escola do primeiro ano que eu nunca tinha visto na vida. Eles chegaram “Ei, tia, a minha proposta está boa”, “será que pode falar deficiente auditivo”, “eles são surdo-mudos”, “é isso, é aquilo”. Foi a primeira vez que eles viram a necessidade. A escola em si diz “Ah, a gente está inte-grando”, mas na verdade segregava. Então foi uma experiência dessa forma, foi ruim pra mim inclusive. Na verdade se não fosse eu ali com os surdos, eles não iam ter visibilidade naquela escola.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: É bem legal a gente observar que as falas estão contemp-lando o que a gente chama de currículo oculto dentro das insti-tuições, e é isso que a gente tem pra parar pra pensar hoje. As metodologias de ensino, elas podem contemplar as necessi-dades do professor na sala de aula, ok. Mas a escola precisa tra-

balhar o currículo oculto que é exatamente o que o professor Netto e a professora Ohana colocaram, que é essa questão da alteridade, de fazer com que o professor e o aluno possam se colocar no lugar do outro, porque inclusão ela precisa ser para todos. Ela tem que começar lá do porteiro até a merendeira. Então não é só o professor que deve passar por esse processo, e quando a escola inteira passar a se modificar, então, a gente vai começar a observar que os alunos ouvintes vão com-preender as particularidades étnico-linguísticos desses indivíduos surdos. Hoje a gente vem percebendo pelas experiências de rela-tos, até mesmo as experiências que a gente já viveu, que esses alunos eles ainda não compreendem. Eu lembro, por exemplo, uma vez que eu fui interpretar para um amigo meu, o Ademil-ton. Eu acho que a professora Ohana até conhece. Ele é surdo. Na época ele fazia ensino médio. E foi uma experiência muito triste porque o professor não sabia sequer da existência de um profissional interprete de Libras, então eu pedi pra diretora da escola, uma escola pública de Belém pra entrar pra interpretar na aula de química, e o professor me viu virado o tempo todo de costa pra ele. E ele achou que eu era um surdo que estava simplesmente conversando na sala de aula.

Só pra você ter uma noção do que que que é essa falta de compreensão desse outro indivíduo que está ali. E os alunos ouvintes na hora da frequência, começaram a chamar nome a nome, e eu disse “olha, o professor chamou o teu nome”. Ai ele foi lá na frente, e disse pro professor apontar. O professor fez um gesto obsceno pra ele e todo mundo começou a rir. De repente uma aluna chega e pergunta “professor, porque que ele tá aqui na sala de aula”. Ele disse assim: “Eu não sei, eu tô levando até onde eu posso”. Na verdade, esse professor não estava levando nada. Porque aquele momento ali mostrava que

ele não compreendia. Foi quando eu chamei o professor. “Pro-fessor, ele está com dúvidas nisso”. Aí ele disse “Ah, você fala?”. “Sim, eu sou ouvinte, eu sou intérprete”. E aí foi muito legal porque o professor sabia ensinar o surdo, só que ele tem medo de ensinar, porque tem uma barreira imaginária entre o profes-sor e o aluno surdo. Eu não lembro direito o conteúdo, eu acho que era sobre átomos que ele estava ensinando. Ele pegou um pedaço de papel, fez um monte de bolinhas, e ensinou pro Ademilton o conteúdo. Então, ele sabia ensinar, a questão é que ele não sabia como chegar pra ensinar, então, isso é uma questão de currículo oculto.

Os professores, a escola, a direção, a coordenação ped-agógica, todos eles precisam se voltar pra compreender esse espaço plural que existe dentro da escola. A gente fala muito de diferença, mas a escola na verdade, a exclusão ainda impera dentro desse processo. E não é só para os indivíduos surdos, é para todos os alunos que sofrem qualquer tipo de exclusão dentro desse espaço.

Fabrício: Rádio Web UFPA apresentando o programa UFPA Ensino. Hoje o tema é Metodologias de Ensino para Surdos. Os nossos convidados são, o professor Sílvio Santiago Vieira, o professor Ernesto Padovani Netto e a professora Ohana Matias. A gente vai para um rápido intervalo e volta já já. Rádio Web UFPA divulgando conhecimento.

Vinheta: Você está ouvindo UFPA Ensino. Você está ouvindo UFPA Ensino.

Fabrício: Estamos de volta com o programa UFPA Ensino. O nosso tema de hoje é Metodologia de Ensino para Surdos e os nossos convidados de hoje são o professor da Universidade do Estado do Pará Sílvio Santiago Vieira. Também recebo o professor Ernesto Padovani Netto, ele é professor da Seduc e faz o me-strado profissional em Ensino de História e também estou rece-bendo a professora Ohana Matias, que é professora substituta também da UEPA e tradutora/intérprete de Libras e também colabora com o canal História em Libras, pensado aí pelo pro-fessor Padovani.

Estamos de volta aqui pra nossa conversa, vamos começar com o professor Padovani e com a professora Ohana pra eles comentarem um pouco mais sobre esta experiência do canal História em Libras, justamente como é que vocês propõem o ensino da história a partir do canal no Youtube, qual é o diferencial que vocês têm aplicado, lógico além das legend-as e tudo mais, em termos da perspectiva que vocês estão apli-cando a esse ensino de História pra realmente incluir essas pes-soas sendo surdos pra ele ter acesso a esse conteúdo. Profes-sor Padovani.

Ernesto: Na verdade, nós fizemos uma disciplina no mestrado min-istrada pela professora Edilza Fontes que chama-se “História Pública”. Então no Brasil é uma discussão um tanto quanto recente, a discussão sobre História Pública. História Pública perpassa pela questão de que você tem o historiador que produz o conhecimento histórico. Em outros momentos da história, o conhecimento histórico era fundamentalmente pro-duzido pelo historiador e hoje em dia o que nós temos? Nós temos canais no Youtube, nós temos programas de TV, nós

temos jornalistas. Na verdade, todo mundo fala de história o tempo todo. Então, a história ganhou esse viés de história pública. Então, são narrativas que estão aí se degladeando. A gente vê isso no Brasil, esquerda e direita construindo narrativas históricas em torno de situações que ocorreram. Então, esse foi um debate fundamental pra eu pensar o canal. Por que? Em 2013 nós tive-mos as manifestações, o início daquelas manifestações que acabaram culminando com o impeachment. Então, o que acon-teceu? Os surdos chegavam na escola “por que que está acon-tecendo isso?”. Aparecia os blacks bloks quebrando as coisas, colocando fogo, quebrando os bancos e tudo mais e os alunos chegavam “eu não estou entendendo, por que profes-sor na rua esse problema toda a hora na televisão? E eles não entendiam o que estava acontecendo. Então o problema era o acesso à informação. Então, que história está sendo construída para esse aluno? O que que ele está aprendendo no processo escolar, o que que ele está viven-ciando, está vivendo, podendo relacionar, inclusive. Então, eu fui trabalhar nessa perspectiva de explicar. Eu lembro, inclusive, no primeiro vestibular de Libras da UEPA que houve as vagas para os surdos, eu fiz uma discussão com seles sobre essa questão de 2013 dos blacks blocks relacionando com ludismo, quando os operários ingleses quebravam as fábricas e tudo mais. Acabou que foi uma questão que veio na prova, então eles acertaram em massa a questão. Então relacionar os tempos históricos a partir de situações vivenciadas por eles. E o canal História em Libras veio muito nessa perspectiva de pensar a História Pública, a História digital. Nós não temos mais como ser, no meu caso, eu trabalho com história, sermos histo-riadores que ficamos presos somente ao papel, não é verdade?

Somente a entregar textos escritos que uma banca vai ler e muitas das vezes não é lido maciçamente. Então o canal foi uma forma de além de contemplar a exigência do programa que é ter um produto pedagógico, é um exercício de história pública, porque o tema Movimentos Sociais que é o tema da primeira aula, ele surgiu porque eu fui perguntar para os alunos o que eles gostariam de estudar. Isso também é uma perspecti-va muito interessante da gente refletir, porque eu digo “qual é o tema que eu vou colocar? eu não vou elencar um tema de cima pra baixo. Fazer uma aula sobre tal tema e ao perguntar para os alunos, eles tinham muita dificuldade de me responder o que eles gostariam em história. Primeiro, por quê? Existem uma perspectiva de que a história é uma história política. Então, estudar História é estudar Getúlio Vargas, é estudar a Ditadura Militar, é estudar os governos, os grandes heróis na-cionais, entre aspas. E eu queria que eles compreendessem que os surdos tem história.

No YouTube você tem muitas aulas no estilo caseiro, diga-mos assim. Você filma ali o quadro, para um professor que só precisa do recurso da fala é tranquilo. O professor fala, o ouvin-te escutou a informação. Mas para o surdo não, eu preciso de edição, eu preciso que as imagens entrem, eu preciso dialogar com as imagens, eu preciso de uma certa produção. Então, eu encontrei parcerias para produzir esse primeiro vídeo. Houve um custo. Hoje é um momento em que a secretaria de edu-cação replicou essa questão do canal. A Seduc colocou no site, colocou na agência Pará, colocou matérias no YouTube, no Facebook, sobre o projeto. Mas agora a gente precisa de suporte para dar continuidade.

Fabrício: Professor Silvio, eu queria que você falasse um pouco da sua experiência porque o senhor atua em outra área de conhe-cimento que é o ensino religioso. É uma metodologia meio parecida? como é que é são as estratégias que o senhor usa para atuar nessa área específica?

Sílvio: Eu não trabalho com canal especificamente.

Fabrício: Sim, sim.

Sílvio: Hoje eu tenho focado no grupo GESI. As nossas reuniões são todas as sextas-feiras. A gente tem desenvolvido foco na questão da criação de sinais termos que contemplem as questões das religiões. Mas é muito importante ressaltar que nós não estamos focando no cristianismo porque o cristianis-

safio. A sala em si é bilíngue, mas a questão da metodologia dos professores que é o mais difícil, até às vezes o posiciona-mento, eles estão aqui, o intérprete está bem aqui, e eles passam na frente. O surdo reclama “a gente não está conse-guindo visualizar o intérprete”. Então, a gente fica meio assim andando para cá e para cá. Então, assim experiência é muito boa para mim lá na graduação, é outro nível com surdos e assim eu fico muito feliz porque eles estão amadurecendo bas-tante.

Quando eles entraram sentiram muita dificuldade assim como os ouvintes, então assim foi um papel tanto dos intérpre-tes quanto dos professores, enviando materiais para a gente, para a gente procurar como o professor Sílvio falou sobre os sinais termos, se existem, porque são disciplinas muito espe-cíficas. Então, já lá no curso de pedagogia bilíngue que já tem um material pronto, na verdade. Então, assim tem as videoau-las, então geralmente os surdos que vão para lá geralmente são 10 ou 12, porque na verdade nós tutores fazemos uma escala, por exemplo eu vou dois dias, o outro vai mais dois dias. Então assim, a experiência lá é a questão visual que é muito impor-tante.

E o interessante é que os sinais são bem diferentes. Então assim, eles mostram lá na videoaula que é no INES que fica no Rio de Janeiro, e então são bem diferente dos sinais que nós tutores usamos. Então, é uma metodologia muito boa lá assim na questão visual. Então, te dá esse auxílio, interpreta, por exemplo, os textos da Língua Portuguesa. E é esse o trabalho que a gente faz lá.

Fabrício: Na experiência de todos vocês, vocês todos falaram bas-

tante de utilizar estratégias que apelam para esse aspecto visual. A Libras é visual, mas vocês também falaram muito de utilizar estratégias que possam utilizar vídeos, por exemplo, maquetes, enfim, coisas que vão apelar para o sentido visual e vai facilitar esse ensino para esse aluno surdo.

Alguma outra experiência que vocês tiveram, outra poten-cialidade, alguma outra coisa nesse sentido que possa acres-centar para, de repente, um outro professor, para uma pessoa que, de repente, não tenho tido essa experiência, ou de repente possa pensar em alguma outra coisa que vocês possam apre-sentar em algum exemplo?

Ohana: Eu tive uma experiência. Eu ainda era estagiária lá no Astério de Campos. Então, estava eu mais a minha colega Silvana. Então, lembro que na época, eu acho que foi em 2013, eu não sabia o sinal de corrupção. Então, assim, como explicar um conceito, explicar o que é, dar um sinal? Então assim, eu e a Silvana mostramos assim, dramatizamos na verdade.

Nós mostramos um contexto do dia a dia, por exemplo, a gente colocou... eu era a personagem cobrador e ela era um passageiro que ela passava o troco para mim, ou para ela me dava passagem né e eu passava um troco a mais. Então mas ela não me falava nada, ela ficava com dinheiro. Então, explicava para os alunos, “entenderam como é que ocorre a corrupção no dia-a-dia e no contexto político?” Então, foi uma experiência muito boa para mim porque assim quando se está com um surdo, se você não sabe o sinal, o conceito, você tem que apelar até para o teatro, tem que mostrar em algum momento um recurso visual para eles, porque, às vezes, só imagens não dá um sentido para ele. Você tem que dar uma explicação,

mo ele já tem todo um arcabouço de sinais termos.

Nós estamos pegando mensalmente as religiões que já são consideradas religiões mortas. Então, a gente veio desde a Grécia trazendo toda essa questão para trabalhar a questão da sinalização, para ajudar professores tanto de história como também professores de ciências da religião para ensinar os alunos surdos dentro desses contextos. Então, a gente tem toda uma pesquisa com base na lexicografia, na terminologia, buscando compreender se já existem esses sinais, se esses sinais já são utilizados em outros estados, para evitar criar sinais e depois dizer que são variações linguísticas que também não vou entrar muito no mérito porque é uma dis-cussão muito ampla.

Então, após esse primeiro momento que foi a questão da criação esses sinais de Termos, nós desenvolvemos um ciclo de oficinas que nós aplicamos na escola Vilhena Alves no ano pas-sado durante três semanas, onde nós trabalhamos com as met-odologias visuais também com o auxílio do profissional intér-prete de libras, além de que os alunos da UEPA que participam do grupo também sabem sinalizar, mas como a gente percebeu que era um conteúdo muito específico a gente preferiu solicitar a presença do intérprete de libras. Então, nós sentamos com intérpretes, trabalhamos sinais termos que tinham sido cata-logados e os que foram criados. E foi muito interessante como esses alunos surdos ele já compreendem muito essa ideia do visual, assistem muitos filmes, desenhos e trouxeram muitas experiências legais.

Após isso, a gente aplicou em torno de umas 8 a 9 oficinas e nós resolvemos escrever alguns artigos porque a gente per-cebeu, a partir dessa experiência, que os professores que

talvez não saibam lidar com o aluno surdo porque eles não conhecem as metodologias que devem ser trabalhadas. A gente está escrevendo agora um livro que vai ser publicado agora esse ano pela Editora CRV que se chama a “Religião e Educação de surdos: desafios e métodos”, onde a gente tem foco na questão das religiões indígenas, nas religiões afro de matriz africana, especificamente o Candomblé, já que tem um vídeo no YouTube publicado pelo professor Emerson Silva onde ele trabalhou a questão de sinais específicos do Can-domblé.

A gente pegou esse sinais, e fomos trabalhar dentro da sala de aula contextos, por exemplo, sobre os líderes religiosos entre muitos outros contextos. A gente observou que os pro-fessores e os alunos se forem dados para eles as metodologias, se forem oferecidos a eles esse conhecimento, eles conseguem desenvolver o trabalho e o aluno consegue aprender. Então, por isso que o livro é uma alternativa, a gente vai distribuir gra-tuitamente o livro depois como alternativa de ensino para os professores.

Fabrício: Ohana, eu queria saber um pouco mais da tua experiência, porque agora tu estás atuando numa Universidade. O público, com certeza, é diferente. E deve misturar tanto ouvintes quan-tos surdos. Você também está atuando nessa tutoria do curso de pedagogia bilíngue, então, com certeza é uma proposta totalmente diferente que você também deve lidar com metod-ologias diferenciadas para lidar com esse público né?

Ohana: Sim, com certeza, eu atuo tanto no curso letras-libras, que tem metade da turma são surdos e ouvintes. Então ali é um de-

mostrar um classificador para ele, dramatizar para ele entender melhor.

Fabrício: A dramatização é então potencial né. Professor Sílvio, pro-fessor Padovani, querem acrescentar algo mais.

Padovani: Porque a questão é que você tem que construir o con-ceito. Eu vou dar um exemplo aqui, muitas questões de história ou até mesmo no momento de explicar aparece o termo conse-quência. Quais as consequências de determinada situação histórica? Então, para nós ouvintes, vamos pensar assim o con-ceito de consequência. Consequência é uma coisa que acon-tece depois que uma coisa aconteceu e como você vai explicar isso para o surdo? Então, o que a Ohana colocou aqui é funda-mental. Quando eu quero dizer para o aluno o que é conse-quência, eu digo para ele “olha, por exemplo, a pessoa está tomando uma cerveja, whisky, ela pegou um carro, qual pode ser a consequência? Bater o carro. Isso tudo não falado, é dramatizado como ela disse. Então, eu preciso construir esse recurso. Quando ela fala em classifi-cador, de construir cenários narrativo com as mãos para ele. Você está dirigindo mas você bebeu. O que pode acontecer? Você teve uma relação sexual sem preservativo, você pode ficar doente, é uma consequência. Você pode ficar grávida, é uma outra consequência. Então, você tem que construir essas questões. Eu tive três anos como professor Itinerante na escola Luiz Nunes Direito na Cidade Nova. Eu ligado ainda ao Astério, mas desempenham parte da minha carga horária lá. Fizemos várias parcerias com os professores. Então, na apresentação de seminários, nós construímos com os alunos os slides, as apre-

sentações. Eu fazia a interpretação da apresentação dele para os professores. Os professores faziam perguntas. Eu fazia esse papel de intérprete nesse momento. Tem um professor, por exemplo, que fez em alguns momentos a prova de surdos, aquela ideia que a gente tem da prova oral, para o surdo ele fazia a prova sinalizada. Então, ele construía ali 6 questões, reunia comigo e com os surdos, aí ele escolhia “olha, faz essa questão aqui para ele”, aí eu perguntava para o surdo aquela questão, aí o surdo respondia, e eu ia interpretar e fazia esse papel de intérprete nesse momento. Aí o professor avaliava a resposta.

É interessante que é um ser humano. Então, quando ele não sabia, a feição dele mostrava logo que ele não sabia. Ele ficava nervoso, ficava tentando enrolar. O professor já percebia que ele estava com dificuldade para dar resposta. Então, são situações aí, nós fizemos, por exemplo, trabalhos com maquet-es. Esse foi muito interessante, o professor estava trabalhando “A Belle Époque”. E aí ele pediu para os surdos falarem sobre cinema Olympia. Essa foi uma ideia que partiu deles, por exem-plo, eu queria fazer uma maquete do cinema Olímpia, eles dis-seram “não, vamos fazer uma da fundação do cinema, outra dos anos 70/80 e outros agora”. Então, nós acabamos discutin-do a temporalidade, as mudanças arquitetônicas do prédio pú-blico, enfim, ficou bem legal. A apresentação de documentári-os, eu achei um documentário sobre o cinema Olympia, apre-sentamos para eles a interpretação. Então, há uma gama de possibilidades aí realmente. Na questão de química, a professo-ra também pegou umas bolinhas de isopor e aí o que aconte-cia? Aquelas bolinhas de isopor eram as moléculas, aí quando ela queria uma molécula diferente daquela da bolinha, ela já pintava a bolinha de vermelho para representar que era o hidrogênio, que era um carbono.

Então, todas essas possibilidades elas são possíveis de ser utilizada e o interessante é que fica muito bacana para o ouvin-te e para o surdo porque acaba trabalhando um pouco do lúdico. Não é só aquela coisa do professor que fala, fala, fala, e o aluno acaba construindo também ali as coisas, o conheci-mento.

Fabrício: Professor Silvio.

Sílvio: Eu queria complementar fazendo uma boa abordagem voltando lá para a questão do intérprete de libras, porque a gente sabe que o recurso visual, a dramatização tudo isso real-mente eles são de extrema importância. Mas olhando intér-prete em conta uma tecnologia assistiva dentro desse espaço, a gente precisa pensar que o professor deve ter ele também como recurso metodológico. Então, eu quero aproveitar o espaço para conversar também com os professores que possam estar ouvindo os alunos, que é direito do professor ter um intérprete de libras ao seu lado enquanto recurso met-odológico, por que o professor possivelmente não conseguirá sinalizar de forma fluente na sala de aula.

Então atenção para quem tá ouvindo uso decreto 5626/2005 para cobrar dos pais os direitos dos alunos surdos. Você pode levar isso ao Ministério Público para que possa ser trazido o intérprete de Libras. Eu acho que esse recurso met-odológico, o intérprete enquanto recurso metodológico, é im-portantíssimo dentro da sala porque o professor mas na maio-ria das vezes ele não terá tantas vezes para organizar todas as suas aulas de forma visual. Então, esse intérprete de Libras, ali, ele é essencial nos momentos em que o professor não tivesse oportunidade.

Fabrício: Está chegando já ao final do programa, vou abrir o espaço para as considerações finais dos nossos convidados, men-sagem de finais, o que vocês consideram como desafio, algo que vocês queiram reforçar em relação ao que a gente debateu ao longo dessa entrevista. Professor Padovani, pode começar? Ernesto: Na verdade, eu gostaria de agradecer, muito importante esse espaço. A gente percebe que a cada dia a questão da Ed-ucação de surdos está ganhando uma projeção. Eu acho que a questão da redação no Enem foi um antes e depois. O espaço, eu mesmo posso testemunhar, eu já estava ali no mestrado, fazendo projeto, mas depois que veio a redação do Enem, os convites para estar nos espaços, no IFPA, na UEPA na própria UFPA, convites para palestra, enfim. Está discutindo essa questão aumentou muito. Então isso é fundamental, não só para o nosso trabalho né mas para esse público que em algum momento nos falamos aqui da invisibilidade do Surdo, e era um público invisível e é um público que cada vez mais não quer ser invisível, quer ser representado.

Então, nós percebemos que as janelinhas da língua de sinais na TV já é uma coisa que está ganhando muita força, nas campanhas eleitorais, aí foi uma grande novidade. Mas o corre-to é que isto esteja em todos os momentos, em todos os dis-cursos. A gente ainda não vê isso no Brasil, os políticos fazem seus discursos mesmos nos cargos de governadores, presi-dentes, não tem um intérprete.

Quando nós vemos imagens no exterior, o presidente americano falando, a intérprete está do lado. Então, nós temos

um caminho grande aí de conquistas para trilhar, que a comuni-dade surda tem naturalmente também que trilhar.

Fabrício: Ohana. Ohana: Eu quero agradecer também pelo convite. Eu quero agra-decer novamente ao professor Neto por ter me convidado a fazer parte desse canal. Eu não tenho parentes surdos, na ver-dade eu tenho namorado surdo. Então assim, onde estiver um surdo, eu sempre estou lutando com eles. Inclusive, eu faço parte da diretoria da Jubel. É uma honra ser a única ouvinte, então é muita confiança perante os surdos né.

Então assim, na associação a gente luta pela presença do intérprete em sala de aula, nos hospitais, em qualquer espaço. Então assim, essa visibilidade está ocorrendo assim, mas tem que melhorar enfim, tem que avançar mais. Então, para os pro-fessores que estão escutando, eu sei que não tem muito tempo assim para organizar o material, mas fazer um esforcinho. Pro-fessores que estão ouvindo, por exemplo, você tem um aluno surdo ou com outra deficiência procure ter contato com seu aluno, procure saber o que ele pensa, se ele está entendendo. É importante isso.

Fabrício: Professor Sílvio

Sílvio: Bom, primeiramente, eu queria agradecer o convite. Foi uma honra estar debatendo junto com professor Netto Pado-vani e a professor Ohana. E o recado que eu deixo aos profes-sores é sempre buscar pensar, que a partir do momento em que você tem um aluno surdo na sala de aula pensar nessas

metodologias visuais, pensar nessas estratégias que você con-segue desenvolver um trabalho, se as dificuldades elas exist-irem, e caso haja o atendimento educacional especializado na sua escola, procurar o AE de forma a buscar esse suporte que você precisa.

É importante ressaltar que a gente iniciou lá falando sobre a Libras enquanto disciplina, nenhum professor, nenhum aluno vai sair fluente na língua de sinais, porém eu acredito que o ponto mais importante da disciplina é disseminar essa questão da diferença. Então o professor que está hoje trabalhando com surdos ele precisa entender que esse indivíduo tem particulari-dades, ele tem diferenças em relação aos alunos ouvintes e se ele buscar respeitar essas particularidades o desenvolvimento desses alunos será bem maior.

Em suma fica a dica, aproveitando a sala da professora Ohana, quebre essa barreira que existe entre você e o aluno, uma barreira imaginária que já se passaram anos e é necessário você quebrar. Como você faz para quebrar isso é chegando próximo desse aluno perguntando se ele está entendendo, per-guntando de que forma ele que aprender com a professora sugeriu ainda pouco e dessa forma ele vai conseguir fazer com que esse aluno possa expressar as formas que ele pode com-preender melhor, porque a gente deu algumas dicas mas não são receitas.

Cada um, cada professor vai observar dentro dos seus espaços escolares de salas de aula alunos com suas particulari-dades, então, o grande ponto é chegar próximo do aluno que foi que a professora a Ohana citou, quebrar a barreira imag-inária.

Fabrício: Está certo. Muito obrigado professor Silvio, professora Ohana, professor Padovani. Muito obrigado pela participação de vocês, pelos esclarecimentos e por compartilhar conheci-mento com a gente obrigado.

Sílvio: obrigado.

Fabrício: Agradeço mais uma vez a participação do professor Silvio Santiago Vieira, professor Padovani Neto e a professora Ohana Matias. Agradeço também a você ouvinte que acompanha o programa de hoje. Se você quiser enviar críticas comentários ou sugestões é só mandar um e-mail para rá[email protected].

educação de surdos, são experiências muito diversas, lógico, né. Por exemplo, em relação a esse contato que vocês tiveram com a Libras que inclusive, é exigido como eu falei, nos própri-os cursos de licenciatura, esse primeiro contato que muitos professores, licenciandos, hoje alunos de graduação têm, será que ele evoluiu muito dos que vocês tiveram por exemplo, no contato de vocês com a licenciatura? Será que hoje avançamos mais neste contato da Libras, nessa inserção da Libras no ensino superior pra formar esses profissionais, esses profes-sores que vão poder incluir esse aluno no sistema de ensino? ou vocês veem muita similaridade com o que vocês tiveram como experiência enquanto universitários. Como é que vocês veem essa evolução? Teve avanço ou não? Sílvio: A minha primeira formação é em Matemática. Na época em que eu me formei em matemática não existia no currículo a disciplina Língua Brasileira de Sinais, então eu só fui ter contato com a libras enquanto disciplina na especialização, mas hoje eu sou formador de alunos de cursos de licenciatura. Então, mesmo assim eu ainda observo que existem algumas coisas que nós precisamos avançar, por exemplo, a carga horária dessas disciplinas é muito reduzida na maioria dos cursos de graduação. Há curso em que a carga horária varia de 40 horas, 50 horas, 60 horas. A gente há de considerar, o professor Padovani, por exem-plo está desenvolvendo uma dissertação de mestrado onde ele tem um olhar sobre a história desse indivíduo dentro de um processo educacional. Imagina, você precisa apresentar essa história que não é pequena para o aluno graduando. Você pre-cisa trabalhar as metodologias de ensino, você precisa tra-balhar com experiências, você precisa levar esses alunos pra escola de educação de surdos pra que eles possam conhecer

Como professor da escola Astério de Campos que é uma escola de referência em Belém, todo o início de ano nós recebemos muitos convites para formação. E aí eu sou um dos professores que costuma ir dar essa formação. E a preocu-pação é essa. “Professor, sou professor de física, e aí o que que eu vou fazer com o aluno surdo que está na minha sala?”.

Então, quer dizer, mesmo sendo professor de história, eu procurei desenvolver, construir alguns materiais pra esses mo-mentos de formação onde eu explico pra eles, por exemplo, que pro surdo se você vai trabalhar matemática, você vai tra-balhar aquela abstração, aquelas frações, então é muito com-plicado. Agora se você traz para aquelas questões que é algo que está afinado com o aquilo que o MEC pensa em relação ao enem, se você traz que os prédios projeta uma sombra de tantos graus, formando um ângulo, você abre a mente ali pra trabalhar com o surdo porque ele está visualizando o prédio, a sombra, o grau está relacionado com a vida, então não é algo tão distante pro mundo ouvinte.

Em geral, quando estou em momentos de formação, ou em espaços educacionais, eles pensam que o surdo ele não ouve, mas ele sabe ler, então é muito complicado, porque ao não ouvir, o surdo não criou o conceito daquela palavra, nós sabe-mos que mesa é mesa, nós ouvimos a palavra mesa e atribuí-mos à mesa.

O surdo não ouviu essa palavra, então o conceito para ele, a palavra pra ele é um emaranhado de signos pra ele. Ele preci-sa estar gravando aqueles signos. A disciplina libras ela não está dando conta disso, ao meu ver. Os alunos vão pra essa dis-ciplina, eles não vão aprender a língua de sinais. Eu tenho con-tato com professores do ensino regular que têm alunos surdos há oito anos, há sete anos. Na minha pesquisa eu entrevistei

professores que têm alunos surdos há 10, 8 anos e ainda não sabe dá bom dia. Então, na disciplina também esse aluno não vai aprender. Está servindo pra ele entrar em contato e saber que isso existe. Hoje a minha luta, eu estou tentando criar um conceito que é o ensino de história em contextos inclusivos, que esse debate vá de fato pro campo das disciplinas, das áreas de conhecimento e não fique pairando acima de todas disciplinas que não dá conta. As disciplinas têm metodologias diferenciadas de ensino.

Fabrício: Como é que essa realidade no curso de letras, Ohana?

Ohana: Sim, sim, como o professor Neto falou, eu vim do curso Letras Libras, então tinha agrade curricular toda voltada pra Libras, pra educação dos surdos, então assim, em si, eu não tive essa dificuldade, mas se eu dependesse só do curso, hoje em dia talvez, eu estaria sinalizando só o básico, assim infelizmente como muitos colegas meus terminaram o curso e não tinham domínio da Língua de Sinais. Então, eu precisei correr exata-mente para manter contato com o usuário da língua pra poder aprender. Hoje em dia tudo o que eu sei foi porque eu estou sempre tendo contato com o surdo, então assim, quando eu conversa-va nos corredores com meus outros colegas de graduações, seja de letras português, biologia, eles me falavam assim “Ohana, você pode me ensinar qual é o sinal isso, isso, o sinal específico da graduação deles, porque o meu professor falta, porque o meu professor não está presente”, ou como o profes-sor Sílvio falou “a carga horária é muito pouca”, então assim, “não faz a adaptação voltada para o meu curso”. Então, como eu posso chegar numa graduação, por exemplo de licenciatura em biologia e ensinar por exemplo, só o alfabeto, só os sinais

esses espaços que é a partir dessa experiências empírica que ele pode se identificar muito mais com esses processo. Então eu observo que 60 horas, 80 horas é uma carga horária insufici-ente. Na minha opinião, nós deveríamos ter hoje um estágio curricular voltado pra educação especial. Os alunos saem da graduação sem saber como lidar com os alunos com deficiên-cia.

Falando do aluno surdo, ele sai ainda mais perdido haja vista que a Língua de sinais é uma língua diferente da Língua Portuguesa, com uma estrutura gramatical que carrega uma especificidade muito diferente da Língua Portuguesa. Então penso que a gente deve continuar discutindo essas questões da inclusão a fim de que exista um estágio supervisionado especifico. É lógico que as pessoas não vão sair de lá expertise em trabalhar com surdos, mas ela pelo menos terá condições de compreender essa realidade da inclusão escolar visitando esses espaços, essas escolas que têm educação especial que ainda existem aqui dentro de Belém.

Fabrício: Padovani.

Ernesto: Na minha graduação também ainda não havia essa questão da disciplina Libras. Pra dizer a verdade, durante a minha graduação nunca nem passou pela minha cabeça essa realidade. Não era algo discutido, debatido, presente dentro da Universidade, nem na sociedade. O que acontece assim, eu go-staria de concordar com o professor e também aprofundar no sentido de não é só uma questão de apresentar a disciplina com o nome Libras. Então, eu preciso trabalhar com o meu aluno de história metodologias de ensino de história pra surdos, metodologias de ensino de matemática para surdos.

Fabrício: Olá, ouvintes da Rádio Web UFPA. Eu sou Fabrício Que-iroz e a partir de agora você acompanha comigo mais uma edição do UFPA Ensino que hoje vai falar sobre Metodologias de Ensino para surdos.

Segundo o censo do IBGE de 2010, 9 milhões e 700 mil pessoas têm deficiência auditiva. Cerca de um milhão são jovens até 19 anos. No Brasil, os surdos só passaram a ter acesso à educação durante o império.

Em 26 de setembro de 1857, foi criada a primeira escola de educação de meninos surdos, no Rio de Janeiro. Apesar do avanço, somente em 2002, a Lei nº10.436 reconheceu oficial-mente a Língua Brasileira de Sinais, a LIBRAS.

A Libras é fundamental para garantir o aprendizado de alunos surdos. Em 2005, com o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro, a Libras foi determinada como disciplina curricular obrigatória para todos os cursos de licenciatura e também fonoaudiologia, e ela é optativa para os demais cursos do ensino superior e da educação profissional.

Outra grande conquista aconteceu em 2010, quando a profissão de tradutor–intérprete de Libras foi regulamentada em de 1º de setembro.

Além disso, professores têm buscado trazer a Libras para fora da sala de aula. Na internet, por exemplo, existem video-aulas em libras, democratizando o acesso à educação.

Hoje, vamos conhecer o trabalho de professores e intérpretes de Libras que desenvolvem estratégias para melhorar o ensino para surdos. Recebemos aqui no es-túdio da Rádio Web o professor da UEPA Sílvio Santia-go Vieira, ele é mestrando em Ciências da Religião, es-pecialista em Atendimento Educacional Especializado e também coordena o Grupo de Estudos Surdos & Inter-faces do IEPA, que é o Instituto de Educação e Cultura do Pará. Professor Silvio, muito obrigado por sua partic-ipação, bem-vindo.

Sívio Viera: Muito obrigado pelo convite.

Fabrício: Obrigado, professor Silvio. Também estou rece-bendo o Ernesto Padovani Netto, mais conhecido como Padovani. Ele é aluno do Mestrado Profissional em Ensino de História e é responsável pelo canal do Youtube “História em Libras”, e também é professor da SEDUC. Professor Padovani, muito obrigado.

Ernesto Padovani: Obrigado pelo convite, a gente espera contribuir aqui um pouco com o debate.

Fabrício: Obrigado, professor. E também recebemos a Ohana Matias. Ela é tradutora / intérprete de libras, é professora substituta da UEPA. Também atua como tutora na UEPA no curso de Pedagogia Bilíngue, além de ser especialista em Educação Especial e Inclusiva, e também colaboradora do canal “História em Libras”.

Page 7: Divulgando conhecimentoradio.ufpa.br/wp-content/uploads/2018/03/Roteiro... · Eu digo “não, ele sabe diferenciar, o meu papel aqui é de intérprete”. Eu sempre lutava a questão

Ohana, também muito obrigado pela tua participação, bem-vinda.

Ohana: Obrigada pelo convite, é um prazer estar aqui estar fazendo parte desta discussão.

Fabrício: Eu queria que, na verdade, vocês primeiramente se apresentassem um pouco pra gente conhecer um pouco da trajetória e do interesse de vocês por essa área tão cara e tão desafiadora. A gente viu aí por esse pequeno histórico o quanto ela foi negligenciada, a educação de surdos, a educação inclusiva. O que que motivou vocês a trabalhar com essa área que ainda é um desafio na ed-ucação brasileira? Professora Ohana.

Ohana: Ohana: Bom, a minha história em si é bem diferente dos outros. Os meus colegas que eu estudei no curso de letras libras em 2012, a maioria veio da área da interpre-tação da igreja, ou tinha um parente surdo e no meu caso em si é por conta da minha mãe ser pedagoga. Então, como ela fazia na época o curso de libras, ela me incentivou para escolher esse curso. Na verdade, eu con-heci esse mundo novo quando eu passei no vestibular. Então assim, a partir do momento que eu comecei a estudar e começar a entender a história da educação do surdo, foi só um momento assim pra eu procurar saber mais sinais. Então, foi uma grande oportunidade e hoje em dia eu estou atuando, também faço parte da as-sociação dos surdos de Belém. Então eu estou sempre

nessa constante luta em prol da educação dos surdos, na luta por eles.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: Bom, a minha trajetória ela começa quando em 2009 eu resolvi fazer um curso de Língua Brasileira de Sinais no CAES. Eu tive um aluno surdo na época no Augusto Meira. Não sabia como lidar com os alunos surdos. E a minha comunicação com eles era basicamente por meio da mímica, por meio da escrita nos braços. Os surdos eles têm o costume de escrever no braço quando não têm papel, apagava, enfim. E assim eu fui apren-dendo os sinais iniciais e eu percebi que eu deveria ir mais adi-ante. Eu já tinha experiência com educação de alunos cegos e baixa visão, porém a minha experiência com os surdos me fez refletir sobre essas carências que a formação inicial de profes-sores possui. Aí eu fui fazer um curso de libras, tive o professor Arlindo, o professor Tiago Costa como meus professores. E foram pessoas que contribuíram muito para a minha formação inicial na área da língua de sinais. Em 2010, então eu resolvi en-veredar pela especialização nessa área, fiz especialização em Libras. E comecei também em 2010 a interpretar dentro da Igreja Assembleia de Deus. Foi quando eu realmente resolvi me focar nessa questão da interpretação que eu já estava na docência. Posteriormente a isso, eu resolvi criar o grupo de estudos surdos e interfaces, onde a gente tem discussões diversificadas, mas especifica-mente hoje nós estamos discutindo as questões relacionadas a

gênero e sexualidade dentro do grupo, haja vista que a comu-nidade surda belemense, ela apresenta uma pluralidade nesse sentido e é necessário que familiares e escolas possam com-preender essa questão da sexualidade do surdo que manifesta certas diferenças em relação à sexualidade dos indivíduos ouvin-tes. E também com foco na questão da religião pois eu tenho ob-servado que hoje os surdos eles têm buscado enveredar por outros ramos religiosos além do cristianismo. E a minha trajetória hoje tem sido basicamente focar na compreensão de como é que tem se desenvolvido essas territorialidades e os territórios dentro dos espaços sagrados. Hoje minhas pesquisas estão focadas nisso.

Fabrício: Professor Padovani.

Ernesto: Ok. Bem, eu sou professor da rede estadual de ensino há dez anos. Então quando eu comecei eu tra-balhei uns três anos no interior do estado. Tive um públi-co também de trabalhar em comunidades, quando vim, voltei a Belém, voltei pra trabalhar no sistema penal. O que ocorreu? Na verdade, lá no Astério de Campos não tinha professor de história. Aí me fizeram a proposta. Então, na verdade não foi muito uma escolha minha. Che-gando lá, eu criei de fato uma grande identificação com o trabalho. Fiz uma especialização em educação inclusiva e comecei a observar as dificuldades deles em relação à Língua Portuguesa, dificuldades com textos muito grandes, necessidade da utilização de imagens, então eu fui montando uma metodologia a partir de referenciais teóricos como a pedagogia visual e criando meu próprio material didático, criando formas de trabalhar com eles.

Quando surgiu a seleção pro Mestrado Profissional em Ensino de História, o PROFHISTÓRIA, eu fiz a seleção, fui aprovado e fui com isso na cabeça, que eu ia fazer um projeto sobre educação de surdos, unindo essas duas áreas. A questão da história e a questão da metodologia de ensino. E aí perpassam vários elementos, não é só a história em si. O meu trabalho é um trabalho sócio-histórico que vou justamente remontar o período do oralismo, passando pela co-municação total, são metodologias que são utilizadas até hoje como proposta teórica do bilinguismo prevalecendo na edu-cação dos surdos, pelo menos uma tentativa pra que prevaleça. E aí na verdade o canal “História em Libras”, ele surge como um produto desse mestrado. O mestrado profissional em ensino de história, ele exige uma dissertação escrita e um pro-duto pedagógico aplicável. Então existem várias possibilidades de produtos. A minha intenção inicial era fazer um material didático mesmo pra distribuir nas escolas, mas eu fiquei pen-sando na logística disso e no alcance que isso teria. Então, con-versando com amigos porque tem essa questão da interdisci-plinaridade, eu precisei de um amigo meu que trabalha com cinema, precisei da Ohana pra construir a proposta do canal. Então, desenvolvemos a ideia de um canal na internet seria muito melhor porque eu não teria o problema da divul-gação. Colocou na internet as pessoas podem acessar. E nós estamos nesse momento. Graças a Deus o vídeo está sendo muito acessado, teve uma repercussão muito boa. A Mídia Ninja compartilhou nos espaços que eles têm nas mídias digi-tais. Estamos agora aqui nesse debate

Fabrício: Dá pra esse primeiro relato de vocês, em relação à experiência, o contato que vocês tiveram com a Libras, com a

de família, de frutas, aí esse professor vai se formar, vai chegar numa sala de aula e vai só manter esse diálogo só de frutas, alfabeto? Não. Ele tem que saber o sinal de células, de mem-brana, disso, daquilo, tem que saber como é usar um classifica-dor. Infelizmente, é quebrada essa grade curricular das pessoas que estão na licenciatura.

Eu vivenciei isso muito quando eu fui intérprete de uma escola que tinha uma demanda muito grande, tinha 18 surdos na escola. Eu atendia oito surdos no ensino médio. Então, assim, eu observava a dificuldade dos professores. Eles chega-vam pra mim “eu nem tive essa disciplina de libras”, “eu nem sei o que é isso”, “é surdo mudo?” “ah, os teus alunos”. Eles não eram os meus alunos, eles eram alunos deles tanto quanto os ouvintes. Então, no caso, eu falava assim, “professor você tem que direcionar a eles”, “ah, mas só que ele vai pensar que é tu que tá chamando a atenção ou tá explicando”. Eu digo “não, ele sabe diferenciar, o meu papel aqui é de intérprete”. Eu sempre lutava a questão da metodologia, não pensavam no surdo.

Uma vez aconteceu uma situação que foi ao contrário, estava com legenda e sem som. Os ouvintes reclamaram. Aí eu falei para eles, “agora, vocês entenderam o que é estar na pele de uma pessoa surda:” Não é fácil. A informação não chega tão fácil pro surdo.O professor fez esse canal História. Esse canal é uma forma de democratizar tanto para surdo como para ouvin-te porque ele está usando diretamente a língua de sinais e tem ali a legenda.

Fabrício: Professor Padovani

Ernesto: Eu queria retomar mais uma questão pra embasar essa questão da metodologia, porque por exemplo a gente percebe muito há um censo comum de querer resumir a questão à língua. Então, se você tem um intérprete na escola, que não tem, em geral, não tem. Quando tem, então resolveu o proble-ma, agora tem intérprete. Então, eu faço sempre a discussão, o seguinte, se o problema fosse a língua, os nossos alunos ouvin-tes todos não teriam problema nenhum de educação no Brasil. Professor fala português, os alunos todos falam português, en-tendem, então por que os alunos não alcançam a média? Por que nós não estamos nos melhores patamares de educação mundial? Então nós não podemos também resumir o debate à língua. Então, como é que o aluno entende? É a partir da imagem? É a partir da construção de maquete? Qual é a possi-bilidade que se tem de vídeos com legenda?

O primeiro dia que o vídeo foi postado no Youtube, ele ficou sem legenda. Foi uma estratégia mesmo. Eu fui colhendo e estou colhendo os depoimentos pra finalizar a dissertação. “Poxa, não consegui, olha, eu paro, pela metade, eu parei. Não consegui acabar de ver, não tava entendendo nada”.Olha que nós colocamos os recursos imagéticos entrando no vídeo e em alguns momentos chaves aparecia escrito também o que estava sendo falado. Mas mesmo assim as pessoas reclamaram ou muitas fizeram essa reflexão: “poxa, agora eu me senti como os surdos se sentem”. São pequenas situações do dia a dia que no universo da escola se traduz em outras formas, mas são hierarquias de saberes. Um professor está ministrando aula, o outro professor vem dar um recado na turma, bota o rosto dentro da sala, “gente, gente, licença aqui, rapidinho, amanhã tem prova, dois reais a prova e tal”. Recado dado.

O surdo não entendeu. Vamos passar o vídeo pra turma, vamos levar para o auditório, muito legal, todo mundo vai, chega na hora de passar o vídeo me chamam pra interpretar, já aconteceu isso, eu não sou intérprete mas você está na escola, você sabe Língua de Sinais, você é intérprete, você é professor do AE, você é itinerante, você é tudo. Então fui lá interpretar, tudo certo, vamos lá, solta o play, apagam a luz. Como é que o surdo vai ter acesso à minha interpretação, então são questões que... é maldade? Não. Não é. Mas isso estrutura uma hierarquia de saberes. Entendeu. São hábitos que a escola internaliza porque ela é uma escola voltada e pensada para o público ou-vinte. O que me chama atenção é que isso acontece em escolas em que os surdos estudam há 10, 15 anos. Então, quando a escola vai internalizar presença do surdo? Então, acho que essas são questões aí que abrem um bom leque pra gente dis-cutir e pensar.

Fabrício: Só pra voltar, eu achei interessante o depoimento da Ohana, essa relação, dela como intérprete né. O Padovani ele tem o conhecimento, de repente ele pode usar desse conheci-mento pra se comunicar com esse aluno surdo, mas nem todas as escolas têm um profissional como a Ohana. E como é que fica a relação entre o professor e esse intérprete? Onde é que começa o papel de um e o papel de outro? Como é que se con-strói esse relacionamento pra que se possa comunicar e repas-sar esse conteúdo pra esses alunos? Como é essa dinâmica?

Ohana: Bom, a priori, o que deveria ocorrer era ter essa parceria com o professor e o interprete. Por que? porque o papel do intérprete é mediar. Ele não vai ensinar nada. Até porque a minha formação é Letras com habilitação em Libras, não é for-

mação em Letras, Português, Biologia, Matemática, não é.

A minha formação é Letras, então qual é o meu papel ali? É de chegar e interpretar tudo o que o professor falar. E quando eu digo tudo, eu interpretava até palavrões, enfim, tudo o que o professor abrisse a boca eu interpretava porque eu estou ali. Só que infelizmente essa experiência que eu tive o professor confundia, ele pensava que eu era a professora deles, e eu dizia “Olha, eu tenho respaldo, tem a lei, tem o código de ética, tenho tudo o que o senhor quiser eu mostro, mas esse daí não é meu papel, essa competência não é minha, é a sua”. Então, tem que ter essa parceria. O que o intérprete pode ajudar? Ajudar a dar umas dicas, como é que faz o material, coloca a legenda na próxima aula, é assim, é essa parceria. Essa relação de professor, intérprete e aluno.

Sílvio: Relacionando a fala da professora Ohana também pensan-do no atendimento educacional especializado. Então, ela ainda pouco colocou que o professor sempre atribui a responsabili-dade para o intérprete de Libras, mas ele também faz isso para o atendimento especializado. Por quê?

Historicamente a educação do surdo, ela foi atribuída à ed-ucação especial. Então, com o processo de inclusão que se dá a partir de 1996, com a lei de diretrizes e bases 93/94 de 96, é que a gente vem perceber que esses indivíduos com deficiên-cia, pessoas com deficiência, passam a ingressar dentro das escolas regulares. Só que nós passamos a ter dois personagens que antes nós não tínhamos dentro desses espaços, os intér-pretes de libras e os cuidadores também, e também a gente passa a ter o atendimento educacional especializado que as pessoas acham que é antiga educação especial, mas na ver-

dade há controvérsias, porque educação especial funcionava numa sala de aula onde se ensinavam essas pessoas. E o AE não, ele funciona como educação suplementar complementar, porém para o professor da rede regular, ele entende que é responsabilidade do AE ensinar os aluno surdos, que é responsabilidade do intérprete ensinar os alunos surdos, ou seja, esses personagens acabaram tendo responsabilidades além de suas responsabilidades e o professor se exime.

O Vigotski diz que “quando a gente enxerga deficiência primeiro ao invés de enxergar o ser humano, a gente destrói qualquer possibilidade de desenvolvimento desse indivíduo”. Então, a gente pode pegar a fala do professor Netto Padovani, por exemplo, em relação a questão das metodologias e obser-var que a maioria dos professores estão destruindo possibili-dades de desenvolvimento desses alunos na sala de aula exata-mente por causa das metodologias. Eu também não quero cul-pabilizar somente esses professores porque também a gente tem que pensar na formação desses indivíduos e nós também precisamos pensar que a Universidade também deve oferecer cursos de formação continuada, porque esse papel é da Uni-versidade. A gente costuma atribuir essa responsabilidade, “Ah, o governo não faz”, mas a Universidade é quem forma, é ela que deve trazer os professores pra dentro. Ela que precisa buscar parcerias com as escolas, parcerias com as unidades pra que isso possa acontecer.

Hoje, nós ainda observamos uma grande polêmica dentro das escolas. Intérprete de Libras que acabam tendo discussões com professores porque as vezes são atribuídas responsabili-dades. Durante o meu período na rede regular de ensino, eu tive dois alunos surdos, depois eu já estava fluente em Libras, e eu também tive problemas. E é legal colocar isso, porque os

meus alunos ouvintes não gostavam de eu passava a sinalizar na sala de aula. Então, o que que eu fazia, passava todo o con-teúdo de matemática, explicava primeiro em Língua Portugue-sa, passava uma bateria de exercícios pra eles fazerem, e era o momento em que eu ia sinalizar, porque não tinha intérprete de Libras, para os dois alunos surdos.

Só que isso gerava discussões na sala, “Ah, o professor não está dando atenção pra gente”, “o professor agora só olha pra esses surdos, lá vem ele com essa língua de sinais pra dentro da sala de aula”. Então, a gente observa que essas relações de poder que incidem dentro do espaço da sala de aula ainda fazem com que os ouvintes entendam que deve ser dada atenção a eles e que aos indivíduos surdos não deve ser dada atenção. Tem uma charge no livro do Moacir Carneiro muito interessante, inclusive nas formações continuadas eu sempre falo isso pros professores, os professores estão aqui em cima conversando “nós não conhecemos nada sobre esses indivíduos, nunca ouvimos falar nada sobre educação espe-cial”. Aí os alunos todos embaixo olhando.

Na verdade, essas pessoas vão reproduzir lá embaixo esse mesmo pensamento, é por isso que esses alunos pensam hoje que o professor deve dar atenção a eles e não devem dar atenção aos alunos surdos dentro da sala. Já eles também não aprenderam nada sobre educação especial, não aprenderam nada sobre pluralidade, diversidade, e acima de tudo sobre dif-erença.

Ohana: Eu vivenciei nessa escola, eu trabalhei nessa escola, se eu não me engano, dois anos e meio. Então assim, para aquela turma, eu acompanhei os surdos, primeiro, segundo e terceiro

ano. Até metade do convênio. Então, quando foi no primeiro ano, os ouvintes assim sofreram um impacto. “Intérprete?”, “surdos?”, “mãos mexendo?”, “Meu Deus!”, porque foram logo oito na minha turma. Então, assim, no início, eles deixavam de prestar atenção no professor e ficavam assim olhando pra mim, com os olhos vidrados, eu ficava intimidada inclusive, com o tempo eles foram habituando e foi passando ano, dois anos, mas o que me veio à cabeça, assim eu sempre fui tímida, então eu sempre chegava, dava bom dia pra quem estava na frente, mas eu não era de ficar batendo papo com os ouvintes.

Então, eu ficava conversando com os surdos, enquanto o professor não chegava. Então, assim os ouvintes assim, meio que segregavam a gente. Então, o que eu acho engraçado, é quando eles foram ter contato comigo? um dia após a prova do Enem. Tinha gente da escola do primeiro ano que eu nunca tinha visto na vida. Eles chegaram “Ei, tia, a minha proposta está boa”, “será que pode falar deficiente auditivo”, “eles são surdo-mudos”, “é isso, é aquilo”. Foi a primeira vez que eles viram a necessidade. A escola em si diz “Ah, a gente está inte-grando”, mas na verdade segregava. Então foi uma experiência dessa forma, foi ruim pra mim inclusive. Na verdade se não fosse eu ali com os surdos, eles não iam ter visibilidade naquela escola.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: É bem legal a gente observar que as falas estão contemp-lando o que a gente chama de currículo oculto dentro das insti-tuições, e é isso que a gente tem pra parar pra pensar hoje. As metodologias de ensino, elas podem contemplar as necessi-dades do professor na sala de aula, ok. Mas a escola precisa tra-

balhar o currículo oculto que é exatamente o que o professor Netto e a professora Ohana colocaram, que é essa questão da alteridade, de fazer com que o professor e o aluno possam se colocar no lugar do outro, porque inclusão ela precisa ser para todos. Ela tem que começar lá do porteiro até a merendeira. Então não é só o professor que deve passar por esse processo, e quando a escola inteira passar a se modificar, então, a gente vai começar a observar que os alunos ouvintes vão com-preender as particularidades étnico-linguísticos desses indivíduos surdos. Hoje a gente vem percebendo pelas experiências de rela-tos, até mesmo as experiências que a gente já viveu, que esses alunos eles ainda não compreendem. Eu lembro, por exemplo, uma vez que eu fui interpretar para um amigo meu, o Ademil-ton. Eu acho que a professora Ohana até conhece. Ele é surdo. Na época ele fazia ensino médio. E foi uma experiência muito triste porque o professor não sabia sequer da existência de um profissional interprete de Libras, então eu pedi pra diretora da escola, uma escola pública de Belém pra entrar pra interpretar na aula de química, e o professor me viu virado o tempo todo de costa pra ele. E ele achou que eu era um surdo que estava simplesmente conversando na sala de aula.

Só pra você ter uma noção do que que que é essa falta de compreensão desse outro indivíduo que está ali. E os alunos ouvintes na hora da frequência, começaram a chamar nome a nome, e eu disse “olha, o professor chamou o teu nome”. Ai ele foi lá na frente, e disse pro professor apontar. O professor fez um gesto obsceno pra ele e todo mundo começou a rir. De repente uma aluna chega e pergunta “professor, porque que ele tá aqui na sala de aula”. Ele disse assim: “Eu não sei, eu tô levando até onde eu posso”. Na verdade, esse professor não estava levando nada. Porque aquele momento ali mostrava que

ele não compreendia. Foi quando eu chamei o professor. “Pro-fessor, ele está com dúvidas nisso”. Aí ele disse “Ah, você fala?”. “Sim, eu sou ouvinte, eu sou intérprete”. E aí foi muito legal porque o professor sabia ensinar o surdo, só que ele tem medo de ensinar, porque tem uma barreira imaginária entre o profes-sor e o aluno surdo. Eu não lembro direito o conteúdo, eu acho que era sobre átomos que ele estava ensinando. Ele pegou um pedaço de papel, fez um monte de bolinhas, e ensinou pro Ademilton o conteúdo. Então, ele sabia ensinar, a questão é que ele não sabia como chegar pra ensinar, então, isso é uma questão de currículo oculto.

Os professores, a escola, a direção, a coordenação ped-agógica, todos eles precisam se voltar pra compreender esse espaço plural que existe dentro da escola. A gente fala muito de diferença, mas a escola na verdade, a exclusão ainda impera dentro desse processo. E não é só para os indivíduos surdos, é para todos os alunos que sofrem qualquer tipo de exclusão dentro desse espaço.

Fabrício: Rádio Web UFPA apresentando o programa UFPA Ensino. Hoje o tema é Metodologias de Ensino para Surdos. Os nossos convidados são, o professor Sílvio Santiago Vieira, o professor Ernesto Padovani Netto e a professora Ohana Matias. A gente vai para um rápido intervalo e volta já já. Rádio Web UFPA divulgando conhecimento.

Vinheta: Você está ouvindo UFPA Ensino. Você está ouvindo UFPA Ensino.

Fabrício: Estamos de volta com o programa UFPA Ensino. O nosso tema de hoje é Metodologia de Ensino para Surdos e os nossos convidados de hoje são o professor da Universidade do Estado do Pará Sílvio Santiago Vieira. Também recebo o professor Ernesto Padovani Netto, ele é professor da Seduc e faz o me-strado profissional em Ensino de História e também estou rece-bendo a professora Ohana Matias, que é professora substituta também da UEPA e tradutora/intérprete de Libras e também colabora com o canal História em Libras, pensado aí pelo pro-fessor Padovani.

Estamos de volta aqui pra nossa conversa, vamos começar com o professor Padovani e com a professora Ohana pra eles comentarem um pouco mais sobre esta experiência do canal História em Libras, justamente como é que vocês propõem o ensino da história a partir do canal no Youtube, qual é o diferencial que vocês têm aplicado, lógico além das legend-as e tudo mais, em termos da perspectiva que vocês estão apli-cando a esse ensino de História pra realmente incluir essas pes-soas sendo surdos pra ele ter acesso a esse conteúdo. Profes-sor Padovani.

Ernesto: Na verdade, nós fizemos uma disciplina no mestrado min-istrada pela professora Edilza Fontes que chama-se “História Pública”. Então no Brasil é uma discussão um tanto quanto recente, a discussão sobre História Pública. História Pública perpassa pela questão de que você tem o historiador que produz o conhecimento histórico. Em outros momentos da história, o conhecimento histórico era fundamentalmente pro-duzido pelo historiador e hoje em dia o que nós temos? Nós temos canais no Youtube, nós temos programas de TV, nós

temos jornalistas. Na verdade, todo mundo fala de história o tempo todo. Então, a história ganhou esse viés de história pública. Então, são narrativas que estão aí se degladeando. A gente vê isso no Brasil, esquerda e direita construindo narrativas históricas em torno de situações que ocorreram. Então, esse foi um debate fundamental pra eu pensar o canal. Por que? Em 2013 nós tive-mos as manifestações, o início daquelas manifestações que acabaram culminando com o impeachment. Então, o que acon-teceu? Os surdos chegavam na escola “por que que está acon-tecendo isso?”. Aparecia os blacks bloks quebrando as coisas, colocando fogo, quebrando os bancos e tudo mais e os alunos chegavam “eu não estou entendendo, por que profes-sor na rua esse problema toda a hora na televisão? E eles não entendiam o que estava acontecendo. Então o problema era o acesso à informação. Então, que história está sendo construída para esse aluno? O que que ele está aprendendo no processo escolar, o que que ele está viven-ciando, está vivendo, podendo relacionar, inclusive. Então, eu fui trabalhar nessa perspectiva de explicar. Eu lembro, inclusive, no primeiro vestibular de Libras da UEPA que houve as vagas para os surdos, eu fiz uma discussão com seles sobre essa questão de 2013 dos blacks blocks relacionando com ludismo, quando os operários ingleses quebravam as fábricas e tudo mais. Acabou que foi uma questão que veio na prova, então eles acertaram em massa a questão. Então relacionar os tempos históricos a partir de situações vivenciadas por eles. E o canal História em Libras veio muito nessa perspectiva de pensar a História Pública, a História digital. Nós não temos mais como ser, no meu caso, eu trabalho com história, sermos histo-riadores que ficamos presos somente ao papel, não é verdade?

Somente a entregar textos escritos que uma banca vai ler e muitas das vezes não é lido maciçamente. Então o canal foi uma forma de além de contemplar a exigência do programa que é ter um produto pedagógico, é um exercício de história pública, porque o tema Movimentos Sociais que é o tema da primeira aula, ele surgiu porque eu fui perguntar para os alunos o que eles gostariam de estudar. Isso também é uma perspecti-va muito interessante da gente refletir, porque eu digo “qual é o tema que eu vou colocar? eu não vou elencar um tema de cima pra baixo. Fazer uma aula sobre tal tema e ao perguntar para os alunos, eles tinham muita dificuldade de me responder o que eles gostariam em história. Primeiro, por quê? Existem uma perspectiva de que a história é uma história política. Então, estudar História é estudar Getúlio Vargas, é estudar a Ditadura Militar, é estudar os governos, os grandes heróis na-cionais, entre aspas. E eu queria que eles compreendessem que os surdos tem história.

No YouTube você tem muitas aulas no estilo caseiro, diga-mos assim. Você filma ali o quadro, para um professor que só precisa do recurso da fala é tranquilo. O professor fala, o ouvin-te escutou a informação. Mas para o surdo não, eu preciso de edição, eu preciso que as imagens entrem, eu preciso dialogar com as imagens, eu preciso de uma certa produção. Então, eu encontrei parcerias para produzir esse primeiro vídeo. Houve um custo. Hoje é um momento em que a secretaria de edu-cação replicou essa questão do canal. A Seduc colocou no site, colocou na agência Pará, colocou matérias no YouTube, no Facebook, sobre o projeto. Mas agora a gente precisa de suporte para dar continuidade.

Fabrício: Professor Silvio, eu queria que você falasse um pouco da sua experiência porque o senhor atua em outra área de conhe-cimento que é o ensino religioso. É uma metodologia meio parecida? como é que é são as estratégias que o senhor usa para atuar nessa área específica?

Sílvio: Eu não trabalho com canal especificamente.

Fabrício: Sim, sim.

Sílvio: Hoje eu tenho focado no grupo GESI. As nossas reuniões são todas as sextas-feiras. A gente tem desenvolvido foco na questão da criação de sinais termos que contemplem as questões das religiões. Mas é muito importante ressaltar que nós não estamos focando no cristianismo porque o cristianis-

safio. A sala em si é bilíngue, mas a questão da metodologia dos professores que é o mais difícil, até às vezes o posiciona-mento, eles estão aqui, o intérprete está bem aqui, e eles passam na frente. O surdo reclama “a gente não está conse-guindo visualizar o intérprete”. Então, a gente fica meio assim andando para cá e para cá. Então, assim experiência é muito boa para mim lá na graduação, é outro nível com surdos e assim eu fico muito feliz porque eles estão amadurecendo bas-tante.

Quando eles entraram sentiram muita dificuldade assim como os ouvintes, então assim foi um papel tanto dos intérpre-tes quanto dos professores, enviando materiais para a gente, para a gente procurar como o professor Sílvio falou sobre os sinais termos, se existem, porque são disciplinas muito espe-cíficas. Então, já lá no curso de pedagogia bilíngue que já tem um material pronto, na verdade. Então, assim tem as videoau-las, então geralmente os surdos que vão para lá geralmente são 10 ou 12, porque na verdade nós tutores fazemos uma escala, por exemplo eu vou dois dias, o outro vai mais dois dias. Então assim, a experiência lá é a questão visual que é muito impor-tante.

E o interessante é que os sinais são bem diferentes. Então assim, eles mostram lá na videoaula que é no INES que fica no Rio de Janeiro, e então são bem diferente dos sinais que nós tutores usamos. Então, é uma metodologia muito boa lá assim na questão visual. Então, te dá esse auxílio, interpreta, por exemplo, os textos da Língua Portuguesa. E é esse o trabalho que a gente faz lá.

Fabrício: Na experiência de todos vocês, vocês todos falaram bas-

tante de utilizar estratégias que apelam para esse aspecto visual. A Libras é visual, mas vocês também falaram muito de utilizar estratégias que possam utilizar vídeos, por exemplo, maquetes, enfim, coisas que vão apelar para o sentido visual e vai facilitar esse ensino para esse aluno surdo.

Alguma outra experiência que vocês tiveram, outra poten-cialidade, alguma outra coisa nesse sentido que possa acres-centar para, de repente, um outro professor, para uma pessoa que, de repente, não tenho tido essa experiência, ou de repente possa pensar em alguma outra coisa que vocês possam apre-sentar em algum exemplo?

Ohana: Eu tive uma experiência. Eu ainda era estagiária lá no Astério de Campos. Então, estava eu mais a minha colega Silvana. Então, lembro que na época, eu acho que foi em 2013, eu não sabia o sinal de corrupção. Então, assim, como explicar um conceito, explicar o que é, dar um sinal? Então assim, eu e a Silvana mostramos assim, dramatizamos na verdade.

Nós mostramos um contexto do dia a dia, por exemplo, a gente colocou... eu era a personagem cobrador e ela era um passageiro que ela passava o troco para mim, ou para ela me dava passagem né e eu passava um troco a mais. Então mas ela não me falava nada, ela ficava com dinheiro. Então, explicava para os alunos, “entenderam como é que ocorre a corrupção no dia-a-dia e no contexto político?” Então, foi uma experiência muito boa para mim porque assim quando se está com um surdo, se você não sabe o sinal, o conceito, você tem que apelar até para o teatro, tem que mostrar em algum momento um recurso visual para eles, porque, às vezes, só imagens não dá um sentido para ele. Você tem que dar uma explicação,

mo ele já tem todo um arcabouço de sinais termos.

Nós estamos pegando mensalmente as religiões que já são consideradas religiões mortas. Então, a gente veio desde a Grécia trazendo toda essa questão para trabalhar a questão da sinalização, para ajudar professores tanto de história como também professores de ciências da religião para ensinar os alunos surdos dentro desses contextos. Então, a gente tem toda uma pesquisa com base na lexicografia, na terminologia, buscando compreender se já existem esses sinais, se esses sinais já são utilizados em outros estados, para evitar criar sinais e depois dizer que são variações linguísticas que também não vou entrar muito no mérito porque é uma dis-cussão muito ampla.

Então, após esse primeiro momento que foi a questão da criação esses sinais de Termos, nós desenvolvemos um ciclo de oficinas que nós aplicamos na escola Vilhena Alves no ano pas-sado durante três semanas, onde nós trabalhamos com as met-odologias visuais também com o auxílio do profissional intér-prete de libras, além de que os alunos da UEPA que participam do grupo também sabem sinalizar, mas como a gente percebeu que era um conteúdo muito específico a gente preferiu solicitar a presença do intérprete de libras. Então, nós sentamos com intérpretes, trabalhamos sinais termos que tinham sido cata-logados e os que foram criados. E foi muito interessante como esses alunos surdos ele já compreendem muito essa ideia do visual, assistem muitos filmes, desenhos e trouxeram muitas experiências legais.

Após isso, a gente aplicou em torno de umas 8 a 9 oficinas e nós resolvemos escrever alguns artigos porque a gente per-cebeu, a partir dessa experiência, que os professores que

talvez não saibam lidar com o aluno surdo porque eles não conhecem as metodologias que devem ser trabalhadas. A gente está escrevendo agora um livro que vai ser publicado agora esse ano pela Editora CRV que se chama a “Religião e Educação de surdos: desafios e métodos”, onde a gente tem foco na questão das religiões indígenas, nas religiões afro de matriz africana, especificamente o Candomblé, já que tem um vídeo no YouTube publicado pelo professor Emerson Silva onde ele trabalhou a questão de sinais específicos do Can-domblé.

A gente pegou esse sinais, e fomos trabalhar dentro da sala de aula contextos, por exemplo, sobre os líderes religiosos entre muitos outros contextos. A gente observou que os pro-fessores e os alunos se forem dados para eles as metodologias, se forem oferecidos a eles esse conhecimento, eles conseguem desenvolver o trabalho e o aluno consegue aprender. Então, por isso que o livro é uma alternativa, a gente vai distribuir gra-tuitamente o livro depois como alternativa de ensino para os professores.

Fabrício: Ohana, eu queria saber um pouco mais da tua experiência, porque agora tu estás atuando numa Universidade. O público, com certeza, é diferente. E deve misturar tanto ouvintes quan-tos surdos. Você também está atuando nessa tutoria do curso de pedagogia bilíngue, então, com certeza é uma proposta totalmente diferente que você também deve lidar com metod-ologias diferenciadas para lidar com esse público né?

Ohana: Sim, com certeza, eu atuo tanto no curso letras-libras, que tem metade da turma são surdos e ouvintes. Então ali é um de-

mostrar um classificador para ele, dramatizar para ele entender melhor.

Fabrício: A dramatização é então potencial né. Professor Sílvio, pro-fessor Padovani, querem acrescentar algo mais.

Padovani: Porque a questão é que você tem que construir o con-ceito. Eu vou dar um exemplo aqui, muitas questões de história ou até mesmo no momento de explicar aparece o termo conse-quência. Quais as consequências de determinada situação histórica? Então, para nós ouvintes, vamos pensar assim o con-ceito de consequência. Consequência é uma coisa que acon-tece depois que uma coisa aconteceu e como você vai explicar isso para o surdo? Então, o que a Ohana colocou aqui é funda-mental. Quando eu quero dizer para o aluno o que é conse-quência, eu digo para ele “olha, por exemplo, a pessoa está tomando uma cerveja, whisky, ela pegou um carro, qual pode ser a consequência? Bater o carro. Isso tudo não falado, é dramatizado como ela disse. Então, eu preciso construir esse recurso. Quando ela fala em classifi-cador, de construir cenários narrativo com as mãos para ele. Você está dirigindo mas você bebeu. O que pode acontecer? Você teve uma relação sexual sem preservativo, você pode ficar doente, é uma consequência. Você pode ficar grávida, é uma outra consequência. Então, você tem que construir essas questões. Eu tive três anos como professor Itinerante na escola Luiz Nunes Direito na Cidade Nova. Eu ligado ainda ao Astério, mas desempenham parte da minha carga horária lá. Fizemos várias parcerias com os professores. Então, na apresentação de seminários, nós construímos com os alunos os slides, as apre-

sentações. Eu fazia a interpretação da apresentação dele para os professores. Os professores faziam perguntas. Eu fazia esse papel de intérprete nesse momento. Tem um professor, por exemplo, que fez em alguns momentos a prova de surdos, aquela ideia que a gente tem da prova oral, para o surdo ele fazia a prova sinalizada. Então, ele construía ali 6 questões, reunia comigo e com os surdos, aí ele escolhia “olha, faz essa questão aqui para ele”, aí eu perguntava para o surdo aquela questão, aí o surdo respondia, e eu ia interpretar e fazia esse papel de intérprete nesse momento. Aí o professor avaliava a resposta.

É interessante que é um ser humano. Então, quando ele não sabia, a feição dele mostrava logo que ele não sabia. Ele ficava nervoso, ficava tentando enrolar. O professor já percebia que ele estava com dificuldade para dar resposta. Então, são situações aí, nós fizemos, por exemplo, trabalhos com maquet-es. Esse foi muito interessante, o professor estava trabalhando “A Belle Époque”. E aí ele pediu para os surdos falarem sobre cinema Olympia. Essa foi uma ideia que partiu deles, por exem-plo, eu queria fazer uma maquete do cinema Olímpia, eles dis-seram “não, vamos fazer uma da fundação do cinema, outra dos anos 70/80 e outros agora”. Então, nós acabamos discutin-do a temporalidade, as mudanças arquitetônicas do prédio pú-blico, enfim, ficou bem legal. A apresentação de documentári-os, eu achei um documentário sobre o cinema Olympia, apre-sentamos para eles a interpretação. Então, há uma gama de possibilidades aí realmente. Na questão de química, a professo-ra também pegou umas bolinhas de isopor e aí o que aconte-cia? Aquelas bolinhas de isopor eram as moléculas, aí quando ela queria uma molécula diferente daquela da bolinha, ela já pintava a bolinha de vermelho para representar que era o hidrogênio, que era um carbono.

Então, todas essas possibilidades elas são possíveis de ser utilizada e o interessante é que fica muito bacana para o ouvin-te e para o surdo porque acaba trabalhando um pouco do lúdico. Não é só aquela coisa do professor que fala, fala, fala, e o aluno acaba construindo também ali as coisas, o conheci-mento.

Fabrício: Professor Silvio.

Sílvio: Eu queria complementar fazendo uma boa abordagem voltando lá para a questão do intérprete de libras, porque a gente sabe que o recurso visual, a dramatização tudo isso real-mente eles são de extrema importância. Mas olhando intér-prete em conta uma tecnologia assistiva dentro desse espaço, a gente precisa pensar que o professor deve ter ele também como recurso metodológico. Então, eu quero aproveitar o espaço para conversar também com os professores que possam estar ouvindo os alunos, que é direito do professor ter um intérprete de libras ao seu lado enquanto recurso met-odológico, por que o professor possivelmente não conseguirá sinalizar de forma fluente na sala de aula.

Então atenção para quem tá ouvindo uso decreto 5626/2005 para cobrar dos pais os direitos dos alunos surdos. Você pode levar isso ao Ministério Público para que possa ser trazido o intérprete de Libras. Eu acho que esse recurso met-odológico, o intérprete enquanto recurso metodológico, é im-portantíssimo dentro da sala porque o professor mas na maio-ria das vezes ele não terá tantas vezes para organizar todas as suas aulas de forma visual. Então, esse intérprete de Libras, ali, ele é essencial nos momentos em que o professor não tivesse oportunidade.

Fabrício: Está chegando já ao final do programa, vou abrir o espaço para as considerações finais dos nossos convidados, men-sagem de finais, o que vocês consideram como desafio, algo que vocês queiram reforçar em relação ao que a gente debateu ao longo dessa entrevista. Professor Padovani, pode começar? Ernesto: Na verdade, eu gostaria de agradecer, muito importante esse espaço. A gente percebe que a cada dia a questão da Ed-ucação de surdos está ganhando uma projeção. Eu acho que a questão da redação no Enem foi um antes e depois. O espaço, eu mesmo posso testemunhar, eu já estava ali no mestrado, fazendo projeto, mas depois que veio a redação do Enem, os convites para estar nos espaços, no IFPA, na UEPA na própria UFPA, convites para palestra, enfim. Está discutindo essa questão aumentou muito. Então isso é fundamental, não só para o nosso trabalho né mas para esse público que em algum momento nos falamos aqui da invisibilidade do Surdo, e era um público invisível e é um público que cada vez mais não quer ser invisível, quer ser representado.

Então, nós percebemos que as janelinhas da língua de sinais na TV já é uma coisa que está ganhando muita força, nas campanhas eleitorais, aí foi uma grande novidade. Mas o corre-to é que isto esteja em todos os momentos, em todos os dis-cursos. A gente ainda não vê isso no Brasil, os políticos fazem seus discursos mesmos nos cargos de governadores, presi-dentes, não tem um intérprete.

Quando nós vemos imagens no exterior, o presidente americano falando, a intérprete está do lado. Então, nós temos

um caminho grande aí de conquistas para trilhar, que a comuni-dade surda tem naturalmente também que trilhar.

Fabrício: Ohana. Ohana: Eu quero agradecer também pelo convite. Eu quero agra-decer novamente ao professor Neto por ter me convidado a fazer parte desse canal. Eu não tenho parentes surdos, na ver-dade eu tenho namorado surdo. Então assim, onde estiver um surdo, eu sempre estou lutando com eles. Inclusive, eu faço parte da diretoria da Jubel. É uma honra ser a única ouvinte, então é muita confiança perante os surdos né.

Então assim, na associação a gente luta pela presença do intérprete em sala de aula, nos hospitais, em qualquer espaço. Então assim, essa visibilidade está ocorrendo assim, mas tem que melhorar enfim, tem que avançar mais. Então, para os pro-fessores que estão escutando, eu sei que não tem muito tempo assim para organizar o material, mas fazer um esforcinho. Pro-fessores que estão ouvindo, por exemplo, você tem um aluno surdo ou com outra deficiência procure ter contato com seu aluno, procure saber o que ele pensa, se ele está entendendo. É importante isso.

Fabrício: Professor Sílvio

Sílvio: Bom, primeiramente, eu queria agradecer o convite. Foi uma honra estar debatendo junto com professor Netto Pado-vani e a professor Ohana. E o recado que eu deixo aos profes-sores é sempre buscar pensar, que a partir do momento em que você tem um aluno surdo na sala de aula pensar nessas

metodologias visuais, pensar nessas estratégias que você con-segue desenvolver um trabalho, se as dificuldades elas exist-irem, e caso haja o atendimento educacional especializado na sua escola, procurar o AE de forma a buscar esse suporte que você precisa.

É importante ressaltar que a gente iniciou lá falando sobre a Libras enquanto disciplina, nenhum professor, nenhum aluno vai sair fluente na língua de sinais, porém eu acredito que o ponto mais importante da disciplina é disseminar essa questão da diferença. Então o professor que está hoje trabalhando com surdos ele precisa entender que esse indivíduo tem particulari-dades, ele tem diferenças em relação aos alunos ouvintes e se ele buscar respeitar essas particularidades o desenvolvimento desses alunos será bem maior.

Em suma fica a dica, aproveitando a sala da professora Ohana, quebre essa barreira que existe entre você e o aluno, uma barreira imaginária que já se passaram anos e é necessário você quebrar. Como você faz para quebrar isso é chegando próximo desse aluno perguntando se ele está entendendo, per-guntando de que forma ele que aprender com a professora sugeriu ainda pouco e dessa forma ele vai conseguir fazer com que esse aluno possa expressar as formas que ele pode com-preender melhor, porque a gente deu algumas dicas mas não são receitas.

Cada um, cada professor vai observar dentro dos seus espaços escolares de salas de aula alunos com suas particulari-dades, então, o grande ponto é chegar próximo do aluno que foi que a professora a Ohana citou, quebrar a barreira imag-inária.

Fabrício: Está certo. Muito obrigado professor Silvio, professora Ohana, professor Padovani. Muito obrigado pela participação de vocês, pelos esclarecimentos e por compartilhar conheci-mento com a gente obrigado.

Sílvio: obrigado.

Fabrício: Agradeço mais uma vez a participação do professor Silvio Santiago Vieira, professor Padovani Neto e a professora Ohana Matias. Agradeço também a você ouvinte que acompanha o programa de hoje. Se você quiser enviar críticas comentários ou sugestões é só mandar um e-mail para rá[email protected].

RÁDIO WEB UFPA: Divulgando o conhecimento 4

educação de surdos, são experiências muito diversas, lógico, né. Por exemplo, em relação a esse contato que vocês tiveram com a Libras que inclusive, é exigido como eu falei, nos própri-os cursos de licenciatura, esse primeiro contato que muitos professores, licenciandos, hoje alunos de graduação têm, será que ele evoluiu muito dos que vocês tiveram por exemplo, no contato de vocês com a licenciatura? Será que hoje avançamos mais neste contato da Libras, nessa inserção da Libras no ensino superior pra formar esses profissionais, esses profes-sores que vão poder incluir esse aluno no sistema de ensino? ou vocês veem muita similaridade com o que vocês tiveram como experiência enquanto universitários. Como é que vocês veem essa evolução? Teve avanço ou não? Sílvio: A minha primeira formação é em Matemática. Na época em que eu me formei em matemática não existia no currículo a disciplina Língua Brasileira de Sinais, então eu só fui ter contato com a libras enquanto disciplina na especialização, mas hoje eu sou formador de alunos de cursos de licenciatura. Então, mesmo assim eu ainda observo que existem algumas coisas que nós precisamos avançar, por exemplo, a carga horária dessas disciplinas é muito reduzida na maioria dos cursos de graduação. Há curso em que a carga horária varia de 40 horas, 50 horas, 60 horas. A gente há de considerar, o professor Padovani, por exem-plo está desenvolvendo uma dissertação de mestrado onde ele tem um olhar sobre a história desse indivíduo dentro de um processo educacional. Imagina, você precisa apresentar essa história que não é pequena para o aluno graduando. Você pre-cisa trabalhar as metodologias de ensino, você precisa tra-balhar com experiências, você precisa levar esses alunos pra escola de educação de surdos pra que eles possam conhecer

Como professor da escola Astério de Campos que é uma escola de referência em Belém, todo o início de ano nós recebemos muitos convites para formação. E aí eu sou um dos professores que costuma ir dar essa formação. E a preocu-pação é essa. “Professor, sou professor de física, e aí o que que eu vou fazer com o aluno surdo que está na minha sala?”.

Então, quer dizer, mesmo sendo professor de história, eu procurei desenvolver, construir alguns materiais pra esses mo-mentos de formação onde eu explico pra eles, por exemplo, que pro surdo se você vai trabalhar matemática, você vai tra-balhar aquela abstração, aquelas frações, então é muito com-plicado. Agora se você traz para aquelas questões que é algo que está afinado com o aquilo que o MEC pensa em relação ao enem, se você traz que os prédios projeta uma sombra de tantos graus, formando um ângulo, você abre a mente ali pra trabalhar com o surdo porque ele está visualizando o prédio, a sombra, o grau está relacionado com a vida, então não é algo tão distante pro mundo ouvinte.

Em geral, quando estou em momentos de formação, ou em espaços educacionais, eles pensam que o surdo ele não ouve, mas ele sabe ler, então é muito complicado, porque ao não ouvir, o surdo não criou o conceito daquela palavra, nós sabe-mos que mesa é mesa, nós ouvimos a palavra mesa e atribuí-mos à mesa.

O surdo não ouviu essa palavra, então o conceito para ele, a palavra pra ele é um emaranhado de signos pra ele. Ele preci-sa estar gravando aqueles signos. A disciplina libras ela não está dando conta disso, ao meu ver. Os alunos vão pra essa dis-ciplina, eles não vão aprender a língua de sinais. Eu tenho con-tato com professores do ensino regular que têm alunos surdos há oito anos, há sete anos. Na minha pesquisa eu entrevistei

professores que têm alunos surdos há 10, 8 anos e ainda não sabe dá bom dia. Então, na disciplina também esse aluno não vai aprender. Está servindo pra ele entrar em contato e saber que isso existe. Hoje a minha luta, eu estou tentando criar um conceito que é o ensino de história em contextos inclusivos, que esse debate vá de fato pro campo das disciplinas, das áreas de conhecimento e não fique pairando acima de todas disciplinas que não dá conta. As disciplinas têm metodologias diferenciadas de ensino.

Fabrício: Como é que essa realidade no curso de letras, Ohana?

Ohana: Sim, sim, como o professor Neto falou, eu vim do curso Letras Libras, então tinha agrade curricular toda voltada pra Libras, pra educação dos surdos, então assim, em si, eu não tive essa dificuldade, mas se eu dependesse só do curso, hoje em dia talvez, eu estaria sinalizando só o básico, assim infelizmente como muitos colegas meus terminaram o curso e não tinham domínio da Língua de Sinais. Então, eu precisei correr exata-mente para manter contato com o usuário da língua pra poder aprender. Hoje em dia tudo o que eu sei foi porque eu estou sempre tendo contato com o surdo, então assim, quando eu conversa-va nos corredores com meus outros colegas de graduações, seja de letras português, biologia, eles me falavam assim “Ohana, você pode me ensinar qual é o sinal isso, isso, o sinal específico da graduação deles, porque o meu professor falta, porque o meu professor não está presente”, ou como o profes-sor Sílvio falou “a carga horária é muito pouca”, então assim, “não faz a adaptação voltada para o meu curso”. Então, como eu posso chegar numa graduação, por exemplo de licenciatura em biologia e ensinar por exemplo, só o alfabeto, só os sinais

esses espaços que é a partir dessa experiências empírica que ele pode se identificar muito mais com esses processo. Então eu observo que 60 horas, 80 horas é uma carga horária insufici-ente. Na minha opinião, nós deveríamos ter hoje um estágio curricular voltado pra educação especial. Os alunos saem da graduação sem saber como lidar com os alunos com deficiên-cia.

Falando do aluno surdo, ele sai ainda mais perdido haja vista que a Língua de sinais é uma língua diferente da Língua Portuguesa, com uma estrutura gramatical que carrega uma especificidade muito diferente da Língua Portuguesa. Então penso que a gente deve continuar discutindo essas questões da inclusão a fim de que exista um estágio supervisionado especifico. É lógico que as pessoas não vão sair de lá expertise em trabalhar com surdos, mas ela pelo menos terá condições de compreender essa realidade da inclusão escolar visitando esses espaços, essas escolas que têm educação especial que ainda existem aqui dentro de Belém.

Fabrício: Padovani.

Ernesto: Na minha graduação também ainda não havia essa questão da disciplina Libras. Pra dizer a verdade, durante a minha graduação nunca nem passou pela minha cabeça essa realidade. Não era algo discutido, debatido, presente dentro da Universidade, nem na sociedade. O que acontece assim, eu go-staria de concordar com o professor e também aprofundar no sentido de não é só uma questão de apresentar a disciplina com o nome Libras. Então, eu preciso trabalhar com o meu aluno de história metodologias de ensino de história pra surdos, metodologias de ensino de matemática para surdos.

Fabrício: Olá, ouvintes da Rádio Web UFPA. Eu sou Fabrício Que-iroz e a partir de agora você acompanha comigo mais uma edição do UFPA Ensino que hoje vai falar sobre Metodologias de Ensino para surdos.

Segundo o censo do IBGE de 2010, 9 milhões e 700 mil pessoas têm deficiência auditiva. Cerca de um milhão são jovens até 19 anos. No Brasil, os surdos só passaram a ter acesso à educação durante o império.

Em 26 de setembro de 1857, foi criada a primeira escola de educação de meninos surdos, no Rio de Janeiro. Apesar do avanço, somente em 2002, a Lei nº10.436 reconheceu oficial-mente a Língua Brasileira de Sinais, a LIBRAS.

A Libras é fundamental para garantir o aprendizado de alunos surdos. Em 2005, com o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro, a Libras foi determinada como disciplina curricular obrigatória para todos os cursos de licenciatura e também fonoaudiologia, e ela é optativa para os demais cursos do ensino superior e da educação profissional.

Outra grande conquista aconteceu em 2010, quando a profissão de tradutor–intérprete de Libras foi regulamentada em de 1º de setembro.

Além disso, professores têm buscado trazer a Libras para fora da sala de aula. Na internet, por exemplo, existem video-aulas em libras, democratizando o acesso à educação.

Hoje, vamos conhecer o trabalho de professores e intérpretes de Libras que desenvolvem estratégias para melhorar o ensino para surdos. Recebemos aqui no es-túdio da Rádio Web o professor da UEPA Sílvio Santia-go Vieira, ele é mestrando em Ciências da Religião, es-pecialista em Atendimento Educacional Especializado e também coordena o Grupo de Estudos Surdos & Inter-faces do IEPA, que é o Instituto de Educação e Cultura do Pará. Professor Silvio, muito obrigado por sua partic-ipação, bem-vindo.

Sívio Viera: Muito obrigado pelo convite.

Fabrício: Obrigado, professor Silvio. Também estou rece-bendo o Ernesto Padovani Netto, mais conhecido como Padovani. Ele é aluno do Mestrado Profissional em Ensino de História e é responsável pelo canal do Youtube “História em Libras”, e também é professor da SEDUC. Professor Padovani, muito obrigado.

Ernesto Padovani: Obrigado pelo convite, a gente espera contribuir aqui um pouco com o debate.

Fabrício: Obrigado, professor. E também recebemos a Ohana Matias. Ela é tradutora / intérprete de libras, é professora substituta da UEPA. Também atua como tutora na UEPA no curso de Pedagogia Bilíngue, além de ser especialista em Educação Especial e Inclusiva, e também colaboradora do canal “História em Libras”.

Page 8: Divulgando conhecimentoradio.ufpa.br/wp-content/uploads/2018/03/Roteiro... · Eu digo “não, ele sabe diferenciar, o meu papel aqui é de intérprete”. Eu sempre lutava a questão

Ohana, também muito obrigado pela tua participação, bem-vinda.

Ohana: Obrigada pelo convite, é um prazer estar aqui estar fazendo parte desta discussão.

Fabrício: Eu queria que, na verdade, vocês primeiramente se apresentassem um pouco pra gente conhecer um pouco da trajetória e do interesse de vocês por essa área tão cara e tão desafiadora. A gente viu aí por esse pequeno histórico o quanto ela foi negligenciada, a educação de surdos, a educação inclusiva. O que que motivou vocês a trabalhar com essa área que ainda é um desafio na ed-ucação brasileira? Professora Ohana.

Ohana: Ohana: Bom, a minha história em si é bem diferente dos outros. Os meus colegas que eu estudei no curso de letras libras em 2012, a maioria veio da área da interpre-tação da igreja, ou tinha um parente surdo e no meu caso em si é por conta da minha mãe ser pedagoga. Então, como ela fazia na época o curso de libras, ela me incentivou para escolher esse curso. Na verdade, eu con-heci esse mundo novo quando eu passei no vestibular. Então assim, a partir do momento que eu comecei a estudar e começar a entender a história da educação do surdo, foi só um momento assim pra eu procurar saber mais sinais. Então, foi uma grande oportunidade e hoje em dia eu estou atuando, também faço parte da as-sociação dos surdos de Belém. Então eu estou sempre

nessa constante luta em prol da educação dos surdos, na luta por eles.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: Bom, a minha trajetória ela começa quando em 2009 eu resolvi fazer um curso de Língua Brasileira de Sinais no CAES. Eu tive um aluno surdo na época no Augusto Meira. Não sabia como lidar com os alunos surdos. E a minha comunicação com eles era basicamente por meio da mímica, por meio da escrita nos braços. Os surdos eles têm o costume de escrever no braço quando não têm papel, apagava, enfim. E assim eu fui apren-dendo os sinais iniciais e eu percebi que eu deveria ir mais adi-ante. Eu já tinha experiência com educação de alunos cegos e baixa visão, porém a minha experiência com os surdos me fez refletir sobre essas carências que a formação inicial de profes-sores possui. Aí eu fui fazer um curso de libras, tive o professor Arlindo, o professor Tiago Costa como meus professores. E foram pessoas que contribuíram muito para a minha formação inicial na área da língua de sinais. Em 2010, então eu resolvi en-veredar pela especialização nessa área, fiz especialização em Libras. E comecei também em 2010 a interpretar dentro da Igreja Assembleia de Deus. Foi quando eu realmente resolvi me focar nessa questão da interpretação que eu já estava na docência. Posteriormente a isso, eu resolvi criar o grupo de estudos surdos e interfaces, onde a gente tem discussões diversificadas, mas especifica-mente hoje nós estamos discutindo as questões relacionadas a

gênero e sexualidade dentro do grupo, haja vista que a comu-nidade surda belemense, ela apresenta uma pluralidade nesse sentido e é necessário que familiares e escolas possam com-preender essa questão da sexualidade do surdo que manifesta certas diferenças em relação à sexualidade dos indivíduos ouvin-tes. E também com foco na questão da religião pois eu tenho ob-servado que hoje os surdos eles têm buscado enveredar por outros ramos religiosos além do cristianismo. E a minha trajetória hoje tem sido basicamente focar na compreensão de como é que tem se desenvolvido essas territorialidades e os territórios dentro dos espaços sagrados. Hoje minhas pesquisas estão focadas nisso.

Fabrício: Professor Padovani.

Ernesto: Ok. Bem, eu sou professor da rede estadual de ensino há dez anos. Então quando eu comecei eu tra-balhei uns três anos no interior do estado. Tive um públi-co também de trabalhar em comunidades, quando vim, voltei a Belém, voltei pra trabalhar no sistema penal. O que ocorreu? Na verdade, lá no Astério de Campos não tinha professor de história. Aí me fizeram a proposta. Então, na verdade não foi muito uma escolha minha. Che-gando lá, eu criei de fato uma grande identificação com o trabalho. Fiz uma especialização em educação inclusiva e comecei a observar as dificuldades deles em relação à Língua Portuguesa, dificuldades com textos muito grandes, necessidade da utilização de imagens, então eu fui montando uma metodologia a partir de referenciais teóricos como a pedagogia visual e criando meu próprio material didático, criando formas de trabalhar com eles.

Quando surgiu a seleção pro Mestrado Profissional em Ensino de História, o PROFHISTÓRIA, eu fiz a seleção, fui aprovado e fui com isso na cabeça, que eu ia fazer um projeto sobre educação de surdos, unindo essas duas áreas. A questão da história e a questão da metodologia de ensino. E aí perpassam vários elementos, não é só a história em si. O meu trabalho é um trabalho sócio-histórico que vou justamente remontar o período do oralismo, passando pela co-municação total, são metodologias que são utilizadas até hoje como proposta teórica do bilinguismo prevalecendo na edu-cação dos surdos, pelo menos uma tentativa pra que prevaleça. E aí na verdade o canal “História em Libras”, ele surge como um produto desse mestrado. O mestrado profissional em ensino de história, ele exige uma dissertação escrita e um pro-duto pedagógico aplicável. Então existem várias possibilidades de produtos. A minha intenção inicial era fazer um material didático mesmo pra distribuir nas escolas, mas eu fiquei pen-sando na logística disso e no alcance que isso teria. Então, con-versando com amigos porque tem essa questão da interdisci-plinaridade, eu precisei de um amigo meu que trabalha com cinema, precisei da Ohana pra construir a proposta do canal. Então, desenvolvemos a ideia de um canal na internet seria muito melhor porque eu não teria o problema da divul-gação. Colocou na internet as pessoas podem acessar. E nós estamos nesse momento. Graças a Deus o vídeo está sendo muito acessado, teve uma repercussão muito boa. A Mídia Ninja compartilhou nos espaços que eles têm nas mídias digi-tais. Estamos agora aqui nesse debate

Fabrício: Dá pra esse primeiro relato de vocês, em relação à experiência, o contato que vocês tiveram com a Libras, com a

de família, de frutas, aí esse professor vai se formar, vai chegar numa sala de aula e vai só manter esse diálogo só de frutas, alfabeto? Não. Ele tem que saber o sinal de células, de mem-brana, disso, daquilo, tem que saber como é usar um classifica-dor. Infelizmente, é quebrada essa grade curricular das pessoas que estão na licenciatura.

Eu vivenciei isso muito quando eu fui intérprete de uma escola que tinha uma demanda muito grande, tinha 18 surdos na escola. Eu atendia oito surdos no ensino médio. Então, assim, eu observava a dificuldade dos professores. Eles chega-vam pra mim “eu nem tive essa disciplina de libras”, “eu nem sei o que é isso”, “é surdo mudo?” “ah, os teus alunos”. Eles não eram os meus alunos, eles eram alunos deles tanto quanto os ouvintes. Então, no caso, eu falava assim, “professor você tem que direcionar a eles”, “ah, mas só que ele vai pensar que é tu que tá chamando a atenção ou tá explicando”. Eu digo “não, ele sabe diferenciar, o meu papel aqui é de intérprete”. Eu sempre lutava a questão da metodologia, não pensavam no surdo.

Uma vez aconteceu uma situação que foi ao contrário, estava com legenda e sem som. Os ouvintes reclamaram. Aí eu falei para eles, “agora, vocês entenderam o que é estar na pele de uma pessoa surda:” Não é fácil. A informação não chega tão fácil pro surdo.O professor fez esse canal História. Esse canal é uma forma de democratizar tanto para surdo como para ouvin-te porque ele está usando diretamente a língua de sinais e tem ali a legenda.

Fabrício: Professor Padovani

Ernesto: Eu queria retomar mais uma questão pra embasar essa questão da metodologia, porque por exemplo a gente percebe muito há um censo comum de querer resumir a questão à língua. Então, se você tem um intérprete na escola, que não tem, em geral, não tem. Quando tem, então resolveu o proble-ma, agora tem intérprete. Então, eu faço sempre a discussão, o seguinte, se o problema fosse a língua, os nossos alunos ouvin-tes todos não teriam problema nenhum de educação no Brasil. Professor fala português, os alunos todos falam português, en-tendem, então por que os alunos não alcançam a média? Por que nós não estamos nos melhores patamares de educação mundial? Então nós não podemos também resumir o debate à língua. Então, como é que o aluno entende? É a partir da imagem? É a partir da construção de maquete? Qual é a possi-bilidade que se tem de vídeos com legenda?

O primeiro dia que o vídeo foi postado no Youtube, ele ficou sem legenda. Foi uma estratégia mesmo. Eu fui colhendo e estou colhendo os depoimentos pra finalizar a dissertação. “Poxa, não consegui, olha, eu paro, pela metade, eu parei. Não consegui acabar de ver, não tava entendendo nada”.Olha que nós colocamos os recursos imagéticos entrando no vídeo e em alguns momentos chaves aparecia escrito também o que estava sendo falado. Mas mesmo assim as pessoas reclamaram ou muitas fizeram essa reflexão: “poxa, agora eu me senti como os surdos se sentem”. São pequenas situações do dia a dia que no universo da escola se traduz em outras formas, mas são hierarquias de saberes. Um professor está ministrando aula, o outro professor vem dar um recado na turma, bota o rosto dentro da sala, “gente, gente, licença aqui, rapidinho, amanhã tem prova, dois reais a prova e tal”. Recado dado.

O surdo não entendeu. Vamos passar o vídeo pra turma, vamos levar para o auditório, muito legal, todo mundo vai, chega na hora de passar o vídeo me chamam pra interpretar, já aconteceu isso, eu não sou intérprete mas você está na escola, você sabe Língua de Sinais, você é intérprete, você é professor do AE, você é itinerante, você é tudo. Então fui lá interpretar, tudo certo, vamos lá, solta o play, apagam a luz. Como é que o surdo vai ter acesso à minha interpretação, então são questões que... é maldade? Não. Não é. Mas isso estrutura uma hierarquia de saberes. Entendeu. São hábitos que a escola internaliza porque ela é uma escola voltada e pensada para o público ou-vinte. O que me chama atenção é que isso acontece em escolas em que os surdos estudam há 10, 15 anos. Então, quando a escola vai internalizar presença do surdo? Então, acho que essas são questões aí que abrem um bom leque pra gente dis-cutir e pensar.

Fabrício: Só pra voltar, eu achei interessante o depoimento da Ohana, essa relação, dela como intérprete né. O Padovani ele tem o conhecimento, de repente ele pode usar desse conheci-mento pra se comunicar com esse aluno surdo, mas nem todas as escolas têm um profissional como a Ohana. E como é que fica a relação entre o professor e esse intérprete? Onde é que começa o papel de um e o papel de outro? Como é que se con-strói esse relacionamento pra que se possa comunicar e repas-sar esse conteúdo pra esses alunos? Como é essa dinâmica?

Ohana: Bom, a priori, o que deveria ocorrer era ter essa parceria com o professor e o interprete. Por que? porque o papel do intérprete é mediar. Ele não vai ensinar nada. Até porque a minha formação é Letras com habilitação em Libras, não é for-

mação em Letras, Português, Biologia, Matemática, não é.

A minha formação é Letras, então qual é o meu papel ali? É de chegar e interpretar tudo o que o professor falar. E quando eu digo tudo, eu interpretava até palavrões, enfim, tudo o que o professor abrisse a boca eu interpretava porque eu estou ali. Só que infelizmente essa experiência que eu tive o professor confundia, ele pensava que eu era a professora deles, e eu dizia “Olha, eu tenho respaldo, tem a lei, tem o código de ética, tenho tudo o que o senhor quiser eu mostro, mas esse daí não é meu papel, essa competência não é minha, é a sua”. Então, tem que ter essa parceria. O que o intérprete pode ajudar? Ajudar a dar umas dicas, como é que faz o material, coloca a legenda na próxima aula, é assim, é essa parceria. Essa relação de professor, intérprete e aluno.

Sílvio: Relacionando a fala da professora Ohana também pensan-do no atendimento educacional especializado. Então, ela ainda pouco colocou que o professor sempre atribui a responsabili-dade para o intérprete de Libras, mas ele também faz isso para o atendimento especializado. Por quê?

Historicamente a educação do surdo, ela foi atribuída à ed-ucação especial. Então, com o processo de inclusão que se dá a partir de 1996, com a lei de diretrizes e bases 93/94 de 96, é que a gente vem perceber que esses indivíduos com deficiên-cia, pessoas com deficiência, passam a ingressar dentro das escolas regulares. Só que nós passamos a ter dois personagens que antes nós não tínhamos dentro desses espaços, os intér-pretes de libras e os cuidadores também, e também a gente passa a ter o atendimento educacional especializado que as pessoas acham que é antiga educação especial, mas na ver-

dade há controvérsias, porque educação especial funcionava numa sala de aula onde se ensinavam essas pessoas. E o AE não, ele funciona como educação suplementar complementar, porém para o professor da rede regular, ele entende que é responsabilidade do AE ensinar os aluno surdos, que é responsabilidade do intérprete ensinar os alunos surdos, ou seja, esses personagens acabaram tendo responsabilidades além de suas responsabilidades e o professor se exime.

O Vigotski diz que “quando a gente enxerga deficiência primeiro ao invés de enxergar o ser humano, a gente destrói qualquer possibilidade de desenvolvimento desse indivíduo”. Então, a gente pode pegar a fala do professor Netto Padovani, por exemplo, em relação a questão das metodologias e obser-var que a maioria dos professores estão destruindo possibili-dades de desenvolvimento desses alunos na sala de aula exata-mente por causa das metodologias. Eu também não quero cul-pabilizar somente esses professores porque também a gente tem que pensar na formação desses indivíduos e nós também precisamos pensar que a Universidade também deve oferecer cursos de formação continuada, porque esse papel é da Uni-versidade. A gente costuma atribuir essa responsabilidade, “Ah, o governo não faz”, mas a Universidade é quem forma, é ela que deve trazer os professores pra dentro. Ela que precisa buscar parcerias com as escolas, parcerias com as unidades pra que isso possa acontecer.

Hoje, nós ainda observamos uma grande polêmica dentro das escolas. Intérprete de Libras que acabam tendo discussões com professores porque as vezes são atribuídas responsabili-dades. Durante o meu período na rede regular de ensino, eu tive dois alunos surdos, depois eu já estava fluente em Libras, e eu também tive problemas. E é legal colocar isso, porque os

meus alunos ouvintes não gostavam de eu passava a sinalizar na sala de aula. Então, o que que eu fazia, passava todo o con-teúdo de matemática, explicava primeiro em Língua Portugue-sa, passava uma bateria de exercícios pra eles fazerem, e era o momento em que eu ia sinalizar, porque não tinha intérprete de Libras, para os dois alunos surdos.

Só que isso gerava discussões na sala, “Ah, o professor não está dando atenção pra gente”, “o professor agora só olha pra esses surdos, lá vem ele com essa língua de sinais pra dentro da sala de aula”. Então, a gente observa que essas relações de poder que incidem dentro do espaço da sala de aula ainda fazem com que os ouvintes entendam que deve ser dada atenção a eles e que aos indivíduos surdos não deve ser dada atenção. Tem uma charge no livro do Moacir Carneiro muito interessante, inclusive nas formações continuadas eu sempre falo isso pros professores, os professores estão aqui em cima conversando “nós não conhecemos nada sobre esses indivíduos, nunca ouvimos falar nada sobre educação espe-cial”. Aí os alunos todos embaixo olhando.

Na verdade, essas pessoas vão reproduzir lá embaixo esse mesmo pensamento, é por isso que esses alunos pensam hoje que o professor deve dar atenção a eles e não devem dar atenção aos alunos surdos dentro da sala. Já eles também não aprenderam nada sobre educação especial, não aprenderam nada sobre pluralidade, diversidade, e acima de tudo sobre dif-erença.

Ohana: Eu vivenciei nessa escola, eu trabalhei nessa escola, se eu não me engano, dois anos e meio. Então assim, para aquela turma, eu acompanhei os surdos, primeiro, segundo e terceiro

ano. Até metade do convênio. Então, quando foi no primeiro ano, os ouvintes assim sofreram um impacto. “Intérprete?”, “surdos?”, “mãos mexendo?”, “Meu Deus!”, porque foram logo oito na minha turma. Então, assim, no início, eles deixavam de prestar atenção no professor e ficavam assim olhando pra mim, com os olhos vidrados, eu ficava intimidada inclusive, com o tempo eles foram habituando e foi passando ano, dois anos, mas o que me veio à cabeça, assim eu sempre fui tímida, então eu sempre chegava, dava bom dia pra quem estava na frente, mas eu não era de ficar batendo papo com os ouvintes.

Então, eu ficava conversando com os surdos, enquanto o professor não chegava. Então, assim os ouvintes assim, meio que segregavam a gente. Então, o que eu acho engraçado, é quando eles foram ter contato comigo? um dia após a prova do Enem. Tinha gente da escola do primeiro ano que eu nunca tinha visto na vida. Eles chegaram “Ei, tia, a minha proposta está boa”, “será que pode falar deficiente auditivo”, “eles são surdo-mudos”, “é isso, é aquilo”. Foi a primeira vez que eles viram a necessidade. A escola em si diz “Ah, a gente está inte-grando”, mas na verdade segregava. Então foi uma experiência dessa forma, foi ruim pra mim inclusive. Na verdade se não fosse eu ali com os surdos, eles não iam ter visibilidade naquela escola.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: É bem legal a gente observar que as falas estão contemp-lando o que a gente chama de currículo oculto dentro das insti-tuições, e é isso que a gente tem pra parar pra pensar hoje. As metodologias de ensino, elas podem contemplar as necessi-dades do professor na sala de aula, ok. Mas a escola precisa tra-

balhar o currículo oculto que é exatamente o que o professor Netto e a professora Ohana colocaram, que é essa questão da alteridade, de fazer com que o professor e o aluno possam se colocar no lugar do outro, porque inclusão ela precisa ser para todos. Ela tem que começar lá do porteiro até a merendeira. Então não é só o professor que deve passar por esse processo, e quando a escola inteira passar a se modificar, então, a gente vai começar a observar que os alunos ouvintes vão com-preender as particularidades étnico-linguísticos desses indivíduos surdos. Hoje a gente vem percebendo pelas experiências de rela-tos, até mesmo as experiências que a gente já viveu, que esses alunos eles ainda não compreendem. Eu lembro, por exemplo, uma vez que eu fui interpretar para um amigo meu, o Ademil-ton. Eu acho que a professora Ohana até conhece. Ele é surdo. Na época ele fazia ensino médio. E foi uma experiência muito triste porque o professor não sabia sequer da existência de um profissional interprete de Libras, então eu pedi pra diretora da escola, uma escola pública de Belém pra entrar pra interpretar na aula de química, e o professor me viu virado o tempo todo de costa pra ele. E ele achou que eu era um surdo que estava simplesmente conversando na sala de aula.

Só pra você ter uma noção do que que que é essa falta de compreensão desse outro indivíduo que está ali. E os alunos ouvintes na hora da frequência, começaram a chamar nome a nome, e eu disse “olha, o professor chamou o teu nome”. Ai ele foi lá na frente, e disse pro professor apontar. O professor fez um gesto obsceno pra ele e todo mundo começou a rir. De repente uma aluna chega e pergunta “professor, porque que ele tá aqui na sala de aula”. Ele disse assim: “Eu não sei, eu tô levando até onde eu posso”. Na verdade, esse professor não estava levando nada. Porque aquele momento ali mostrava que

ele não compreendia. Foi quando eu chamei o professor. “Pro-fessor, ele está com dúvidas nisso”. Aí ele disse “Ah, você fala?”. “Sim, eu sou ouvinte, eu sou intérprete”. E aí foi muito legal porque o professor sabia ensinar o surdo, só que ele tem medo de ensinar, porque tem uma barreira imaginária entre o profes-sor e o aluno surdo. Eu não lembro direito o conteúdo, eu acho que era sobre átomos que ele estava ensinando. Ele pegou um pedaço de papel, fez um monte de bolinhas, e ensinou pro Ademilton o conteúdo. Então, ele sabia ensinar, a questão é que ele não sabia como chegar pra ensinar, então, isso é uma questão de currículo oculto.

Os professores, a escola, a direção, a coordenação ped-agógica, todos eles precisam se voltar pra compreender esse espaço plural que existe dentro da escola. A gente fala muito de diferença, mas a escola na verdade, a exclusão ainda impera dentro desse processo. E não é só para os indivíduos surdos, é para todos os alunos que sofrem qualquer tipo de exclusão dentro desse espaço.

Fabrício: Rádio Web UFPA apresentando o programa UFPA Ensino. Hoje o tema é Metodologias de Ensino para Surdos. Os nossos convidados são, o professor Sílvio Santiago Vieira, o professor Ernesto Padovani Netto e a professora Ohana Matias. A gente vai para um rápido intervalo e volta já já. Rádio Web UFPA divulgando conhecimento.

Vinheta: Você está ouvindo UFPA Ensino. Você está ouvindo UFPA Ensino.

Fabrício: Estamos de volta com o programa UFPA Ensino. O nosso tema de hoje é Metodologia de Ensino para Surdos e os nossos convidados de hoje são o professor da Universidade do Estado do Pará Sílvio Santiago Vieira. Também recebo o professor Ernesto Padovani Netto, ele é professor da Seduc e faz o me-strado profissional em Ensino de História e também estou rece-bendo a professora Ohana Matias, que é professora substituta também da UEPA e tradutora/intérprete de Libras e também colabora com o canal História em Libras, pensado aí pelo pro-fessor Padovani.

Estamos de volta aqui pra nossa conversa, vamos começar com o professor Padovani e com a professora Ohana pra eles comentarem um pouco mais sobre esta experiência do canal História em Libras, justamente como é que vocês propõem o ensino da história a partir do canal no Youtube, qual é o diferencial que vocês têm aplicado, lógico além das legend-as e tudo mais, em termos da perspectiva que vocês estão apli-cando a esse ensino de História pra realmente incluir essas pes-soas sendo surdos pra ele ter acesso a esse conteúdo. Profes-sor Padovani.

Ernesto: Na verdade, nós fizemos uma disciplina no mestrado min-istrada pela professora Edilza Fontes que chama-se “História Pública”. Então no Brasil é uma discussão um tanto quanto recente, a discussão sobre História Pública. História Pública perpassa pela questão de que você tem o historiador que produz o conhecimento histórico. Em outros momentos da história, o conhecimento histórico era fundamentalmente pro-duzido pelo historiador e hoje em dia o que nós temos? Nós temos canais no Youtube, nós temos programas de TV, nós

temos jornalistas. Na verdade, todo mundo fala de história o tempo todo. Então, a história ganhou esse viés de história pública. Então, são narrativas que estão aí se degladeando. A gente vê isso no Brasil, esquerda e direita construindo narrativas históricas em torno de situações que ocorreram. Então, esse foi um debate fundamental pra eu pensar o canal. Por que? Em 2013 nós tive-mos as manifestações, o início daquelas manifestações que acabaram culminando com o impeachment. Então, o que acon-teceu? Os surdos chegavam na escola “por que que está acon-tecendo isso?”. Aparecia os blacks bloks quebrando as coisas, colocando fogo, quebrando os bancos e tudo mais e os alunos chegavam “eu não estou entendendo, por que profes-sor na rua esse problema toda a hora na televisão? E eles não entendiam o que estava acontecendo. Então o problema era o acesso à informação. Então, que história está sendo construída para esse aluno? O que que ele está aprendendo no processo escolar, o que que ele está viven-ciando, está vivendo, podendo relacionar, inclusive. Então, eu fui trabalhar nessa perspectiva de explicar. Eu lembro, inclusive, no primeiro vestibular de Libras da UEPA que houve as vagas para os surdos, eu fiz uma discussão com seles sobre essa questão de 2013 dos blacks blocks relacionando com ludismo, quando os operários ingleses quebravam as fábricas e tudo mais. Acabou que foi uma questão que veio na prova, então eles acertaram em massa a questão. Então relacionar os tempos históricos a partir de situações vivenciadas por eles. E o canal História em Libras veio muito nessa perspectiva de pensar a História Pública, a História digital. Nós não temos mais como ser, no meu caso, eu trabalho com história, sermos histo-riadores que ficamos presos somente ao papel, não é verdade?

Somente a entregar textos escritos que uma banca vai ler e muitas das vezes não é lido maciçamente. Então o canal foi uma forma de além de contemplar a exigência do programa que é ter um produto pedagógico, é um exercício de história pública, porque o tema Movimentos Sociais que é o tema da primeira aula, ele surgiu porque eu fui perguntar para os alunos o que eles gostariam de estudar. Isso também é uma perspecti-va muito interessante da gente refletir, porque eu digo “qual é o tema que eu vou colocar? eu não vou elencar um tema de cima pra baixo. Fazer uma aula sobre tal tema e ao perguntar para os alunos, eles tinham muita dificuldade de me responder o que eles gostariam em história. Primeiro, por quê? Existem uma perspectiva de que a história é uma história política. Então, estudar História é estudar Getúlio Vargas, é estudar a Ditadura Militar, é estudar os governos, os grandes heróis na-cionais, entre aspas. E eu queria que eles compreendessem que os surdos tem história.

No YouTube você tem muitas aulas no estilo caseiro, diga-mos assim. Você filma ali o quadro, para um professor que só precisa do recurso da fala é tranquilo. O professor fala, o ouvin-te escutou a informação. Mas para o surdo não, eu preciso de edição, eu preciso que as imagens entrem, eu preciso dialogar com as imagens, eu preciso de uma certa produção. Então, eu encontrei parcerias para produzir esse primeiro vídeo. Houve um custo. Hoje é um momento em que a secretaria de edu-cação replicou essa questão do canal. A Seduc colocou no site, colocou na agência Pará, colocou matérias no YouTube, no Facebook, sobre o projeto. Mas agora a gente precisa de suporte para dar continuidade.

Fabrício: Professor Silvio, eu queria que você falasse um pouco da sua experiência porque o senhor atua em outra área de conhe-cimento que é o ensino religioso. É uma metodologia meio parecida? como é que é são as estratégias que o senhor usa para atuar nessa área específica?

Sílvio: Eu não trabalho com canal especificamente.

Fabrício: Sim, sim.

Sílvio: Hoje eu tenho focado no grupo GESI. As nossas reuniões são todas as sextas-feiras. A gente tem desenvolvido foco na questão da criação de sinais termos que contemplem as questões das religiões. Mas é muito importante ressaltar que nós não estamos focando no cristianismo porque o cristianis-

safio. A sala em si é bilíngue, mas a questão da metodologia dos professores que é o mais difícil, até às vezes o posiciona-mento, eles estão aqui, o intérprete está bem aqui, e eles passam na frente. O surdo reclama “a gente não está conse-guindo visualizar o intérprete”. Então, a gente fica meio assim andando para cá e para cá. Então, assim experiência é muito boa para mim lá na graduação, é outro nível com surdos e assim eu fico muito feliz porque eles estão amadurecendo bas-tante.

Quando eles entraram sentiram muita dificuldade assim como os ouvintes, então assim foi um papel tanto dos intérpre-tes quanto dos professores, enviando materiais para a gente, para a gente procurar como o professor Sílvio falou sobre os sinais termos, se existem, porque são disciplinas muito espe-cíficas. Então, já lá no curso de pedagogia bilíngue que já tem um material pronto, na verdade. Então, assim tem as videoau-las, então geralmente os surdos que vão para lá geralmente são 10 ou 12, porque na verdade nós tutores fazemos uma escala, por exemplo eu vou dois dias, o outro vai mais dois dias. Então assim, a experiência lá é a questão visual que é muito impor-tante.

E o interessante é que os sinais são bem diferentes. Então assim, eles mostram lá na videoaula que é no INES que fica no Rio de Janeiro, e então são bem diferente dos sinais que nós tutores usamos. Então, é uma metodologia muito boa lá assim na questão visual. Então, te dá esse auxílio, interpreta, por exemplo, os textos da Língua Portuguesa. E é esse o trabalho que a gente faz lá.

Fabrício: Na experiência de todos vocês, vocês todos falaram bas-

tante de utilizar estratégias que apelam para esse aspecto visual. A Libras é visual, mas vocês também falaram muito de utilizar estratégias que possam utilizar vídeos, por exemplo, maquetes, enfim, coisas que vão apelar para o sentido visual e vai facilitar esse ensino para esse aluno surdo.

Alguma outra experiência que vocês tiveram, outra poten-cialidade, alguma outra coisa nesse sentido que possa acres-centar para, de repente, um outro professor, para uma pessoa que, de repente, não tenho tido essa experiência, ou de repente possa pensar em alguma outra coisa que vocês possam apre-sentar em algum exemplo?

Ohana: Eu tive uma experiência. Eu ainda era estagiária lá no Astério de Campos. Então, estava eu mais a minha colega Silvana. Então, lembro que na época, eu acho que foi em 2013, eu não sabia o sinal de corrupção. Então, assim, como explicar um conceito, explicar o que é, dar um sinal? Então assim, eu e a Silvana mostramos assim, dramatizamos na verdade.

Nós mostramos um contexto do dia a dia, por exemplo, a gente colocou... eu era a personagem cobrador e ela era um passageiro que ela passava o troco para mim, ou para ela me dava passagem né e eu passava um troco a mais. Então mas ela não me falava nada, ela ficava com dinheiro. Então, explicava para os alunos, “entenderam como é que ocorre a corrupção no dia-a-dia e no contexto político?” Então, foi uma experiência muito boa para mim porque assim quando se está com um surdo, se você não sabe o sinal, o conceito, você tem que apelar até para o teatro, tem que mostrar em algum momento um recurso visual para eles, porque, às vezes, só imagens não dá um sentido para ele. Você tem que dar uma explicação,

mo ele já tem todo um arcabouço de sinais termos.

Nós estamos pegando mensalmente as religiões que já são consideradas religiões mortas. Então, a gente veio desde a Grécia trazendo toda essa questão para trabalhar a questão da sinalização, para ajudar professores tanto de história como também professores de ciências da religião para ensinar os alunos surdos dentro desses contextos. Então, a gente tem toda uma pesquisa com base na lexicografia, na terminologia, buscando compreender se já existem esses sinais, se esses sinais já são utilizados em outros estados, para evitar criar sinais e depois dizer que são variações linguísticas que também não vou entrar muito no mérito porque é uma dis-cussão muito ampla.

Então, após esse primeiro momento que foi a questão da criação esses sinais de Termos, nós desenvolvemos um ciclo de oficinas que nós aplicamos na escola Vilhena Alves no ano pas-sado durante três semanas, onde nós trabalhamos com as met-odologias visuais também com o auxílio do profissional intér-prete de libras, além de que os alunos da UEPA que participam do grupo também sabem sinalizar, mas como a gente percebeu que era um conteúdo muito específico a gente preferiu solicitar a presença do intérprete de libras. Então, nós sentamos com intérpretes, trabalhamos sinais termos que tinham sido cata-logados e os que foram criados. E foi muito interessante como esses alunos surdos ele já compreendem muito essa ideia do visual, assistem muitos filmes, desenhos e trouxeram muitas experiências legais.

Após isso, a gente aplicou em torno de umas 8 a 9 oficinas e nós resolvemos escrever alguns artigos porque a gente per-cebeu, a partir dessa experiência, que os professores que

talvez não saibam lidar com o aluno surdo porque eles não conhecem as metodologias que devem ser trabalhadas. A gente está escrevendo agora um livro que vai ser publicado agora esse ano pela Editora CRV que se chama a “Religião e Educação de surdos: desafios e métodos”, onde a gente tem foco na questão das religiões indígenas, nas religiões afro de matriz africana, especificamente o Candomblé, já que tem um vídeo no YouTube publicado pelo professor Emerson Silva onde ele trabalhou a questão de sinais específicos do Can-domblé.

A gente pegou esse sinais, e fomos trabalhar dentro da sala de aula contextos, por exemplo, sobre os líderes religiosos entre muitos outros contextos. A gente observou que os pro-fessores e os alunos se forem dados para eles as metodologias, se forem oferecidos a eles esse conhecimento, eles conseguem desenvolver o trabalho e o aluno consegue aprender. Então, por isso que o livro é uma alternativa, a gente vai distribuir gra-tuitamente o livro depois como alternativa de ensino para os professores.

Fabrício: Ohana, eu queria saber um pouco mais da tua experiência, porque agora tu estás atuando numa Universidade. O público, com certeza, é diferente. E deve misturar tanto ouvintes quan-tos surdos. Você também está atuando nessa tutoria do curso de pedagogia bilíngue, então, com certeza é uma proposta totalmente diferente que você também deve lidar com metod-ologias diferenciadas para lidar com esse público né?

Ohana: Sim, com certeza, eu atuo tanto no curso letras-libras, que tem metade da turma são surdos e ouvintes. Então ali é um de-

mostrar um classificador para ele, dramatizar para ele entender melhor.

Fabrício: A dramatização é então potencial né. Professor Sílvio, pro-fessor Padovani, querem acrescentar algo mais.

Padovani: Porque a questão é que você tem que construir o con-ceito. Eu vou dar um exemplo aqui, muitas questões de história ou até mesmo no momento de explicar aparece o termo conse-quência. Quais as consequências de determinada situação histórica? Então, para nós ouvintes, vamos pensar assim o con-ceito de consequência. Consequência é uma coisa que acon-tece depois que uma coisa aconteceu e como você vai explicar isso para o surdo? Então, o que a Ohana colocou aqui é funda-mental. Quando eu quero dizer para o aluno o que é conse-quência, eu digo para ele “olha, por exemplo, a pessoa está tomando uma cerveja, whisky, ela pegou um carro, qual pode ser a consequência? Bater o carro. Isso tudo não falado, é dramatizado como ela disse. Então, eu preciso construir esse recurso. Quando ela fala em classifi-cador, de construir cenários narrativo com as mãos para ele. Você está dirigindo mas você bebeu. O que pode acontecer? Você teve uma relação sexual sem preservativo, você pode ficar doente, é uma consequência. Você pode ficar grávida, é uma outra consequência. Então, você tem que construir essas questões. Eu tive três anos como professor Itinerante na escola Luiz Nunes Direito na Cidade Nova. Eu ligado ainda ao Astério, mas desempenham parte da minha carga horária lá. Fizemos várias parcerias com os professores. Então, na apresentação de seminários, nós construímos com os alunos os slides, as apre-

sentações. Eu fazia a interpretação da apresentação dele para os professores. Os professores faziam perguntas. Eu fazia esse papel de intérprete nesse momento. Tem um professor, por exemplo, que fez em alguns momentos a prova de surdos, aquela ideia que a gente tem da prova oral, para o surdo ele fazia a prova sinalizada. Então, ele construía ali 6 questões, reunia comigo e com os surdos, aí ele escolhia “olha, faz essa questão aqui para ele”, aí eu perguntava para o surdo aquela questão, aí o surdo respondia, e eu ia interpretar e fazia esse papel de intérprete nesse momento. Aí o professor avaliava a resposta.

É interessante que é um ser humano. Então, quando ele não sabia, a feição dele mostrava logo que ele não sabia. Ele ficava nervoso, ficava tentando enrolar. O professor já percebia que ele estava com dificuldade para dar resposta. Então, são situações aí, nós fizemos, por exemplo, trabalhos com maquet-es. Esse foi muito interessante, o professor estava trabalhando “A Belle Époque”. E aí ele pediu para os surdos falarem sobre cinema Olympia. Essa foi uma ideia que partiu deles, por exem-plo, eu queria fazer uma maquete do cinema Olímpia, eles dis-seram “não, vamos fazer uma da fundação do cinema, outra dos anos 70/80 e outros agora”. Então, nós acabamos discutin-do a temporalidade, as mudanças arquitetônicas do prédio pú-blico, enfim, ficou bem legal. A apresentação de documentári-os, eu achei um documentário sobre o cinema Olympia, apre-sentamos para eles a interpretação. Então, há uma gama de possibilidades aí realmente. Na questão de química, a professo-ra também pegou umas bolinhas de isopor e aí o que aconte-cia? Aquelas bolinhas de isopor eram as moléculas, aí quando ela queria uma molécula diferente daquela da bolinha, ela já pintava a bolinha de vermelho para representar que era o hidrogênio, que era um carbono.

Então, todas essas possibilidades elas são possíveis de ser utilizada e o interessante é que fica muito bacana para o ouvin-te e para o surdo porque acaba trabalhando um pouco do lúdico. Não é só aquela coisa do professor que fala, fala, fala, e o aluno acaba construindo também ali as coisas, o conheci-mento.

Fabrício: Professor Silvio.

Sílvio: Eu queria complementar fazendo uma boa abordagem voltando lá para a questão do intérprete de libras, porque a gente sabe que o recurso visual, a dramatização tudo isso real-mente eles são de extrema importância. Mas olhando intér-prete em conta uma tecnologia assistiva dentro desse espaço, a gente precisa pensar que o professor deve ter ele também como recurso metodológico. Então, eu quero aproveitar o espaço para conversar também com os professores que possam estar ouvindo os alunos, que é direito do professor ter um intérprete de libras ao seu lado enquanto recurso met-odológico, por que o professor possivelmente não conseguirá sinalizar de forma fluente na sala de aula.

Então atenção para quem tá ouvindo uso decreto 5626/2005 para cobrar dos pais os direitos dos alunos surdos. Você pode levar isso ao Ministério Público para que possa ser trazido o intérprete de Libras. Eu acho que esse recurso met-odológico, o intérprete enquanto recurso metodológico, é im-portantíssimo dentro da sala porque o professor mas na maio-ria das vezes ele não terá tantas vezes para organizar todas as suas aulas de forma visual. Então, esse intérprete de Libras, ali, ele é essencial nos momentos em que o professor não tivesse oportunidade.

Fabrício: Está chegando já ao final do programa, vou abrir o espaço para as considerações finais dos nossos convidados, men-sagem de finais, o que vocês consideram como desafio, algo que vocês queiram reforçar em relação ao que a gente debateu ao longo dessa entrevista. Professor Padovani, pode começar? Ernesto: Na verdade, eu gostaria de agradecer, muito importante esse espaço. A gente percebe que a cada dia a questão da Ed-ucação de surdos está ganhando uma projeção. Eu acho que a questão da redação no Enem foi um antes e depois. O espaço, eu mesmo posso testemunhar, eu já estava ali no mestrado, fazendo projeto, mas depois que veio a redação do Enem, os convites para estar nos espaços, no IFPA, na UEPA na própria UFPA, convites para palestra, enfim. Está discutindo essa questão aumentou muito. Então isso é fundamental, não só para o nosso trabalho né mas para esse público que em algum momento nos falamos aqui da invisibilidade do Surdo, e era um público invisível e é um público que cada vez mais não quer ser invisível, quer ser representado.

Então, nós percebemos que as janelinhas da língua de sinais na TV já é uma coisa que está ganhando muita força, nas campanhas eleitorais, aí foi uma grande novidade. Mas o corre-to é que isto esteja em todos os momentos, em todos os dis-cursos. A gente ainda não vê isso no Brasil, os políticos fazem seus discursos mesmos nos cargos de governadores, presi-dentes, não tem um intérprete.

Quando nós vemos imagens no exterior, o presidente americano falando, a intérprete está do lado. Então, nós temos

um caminho grande aí de conquistas para trilhar, que a comuni-dade surda tem naturalmente também que trilhar.

Fabrício: Ohana. Ohana: Eu quero agradecer também pelo convite. Eu quero agra-decer novamente ao professor Neto por ter me convidado a fazer parte desse canal. Eu não tenho parentes surdos, na ver-dade eu tenho namorado surdo. Então assim, onde estiver um surdo, eu sempre estou lutando com eles. Inclusive, eu faço parte da diretoria da Jubel. É uma honra ser a única ouvinte, então é muita confiança perante os surdos né.

Então assim, na associação a gente luta pela presença do intérprete em sala de aula, nos hospitais, em qualquer espaço. Então assim, essa visibilidade está ocorrendo assim, mas tem que melhorar enfim, tem que avançar mais. Então, para os pro-fessores que estão escutando, eu sei que não tem muito tempo assim para organizar o material, mas fazer um esforcinho. Pro-fessores que estão ouvindo, por exemplo, você tem um aluno surdo ou com outra deficiência procure ter contato com seu aluno, procure saber o que ele pensa, se ele está entendendo. É importante isso.

Fabrício: Professor Sílvio

Sílvio: Bom, primeiramente, eu queria agradecer o convite. Foi uma honra estar debatendo junto com professor Netto Pado-vani e a professor Ohana. E o recado que eu deixo aos profes-sores é sempre buscar pensar, que a partir do momento em que você tem um aluno surdo na sala de aula pensar nessas

metodologias visuais, pensar nessas estratégias que você con-segue desenvolver um trabalho, se as dificuldades elas exist-irem, e caso haja o atendimento educacional especializado na sua escola, procurar o AE de forma a buscar esse suporte que você precisa.

É importante ressaltar que a gente iniciou lá falando sobre a Libras enquanto disciplina, nenhum professor, nenhum aluno vai sair fluente na língua de sinais, porém eu acredito que o ponto mais importante da disciplina é disseminar essa questão da diferença. Então o professor que está hoje trabalhando com surdos ele precisa entender que esse indivíduo tem particulari-dades, ele tem diferenças em relação aos alunos ouvintes e se ele buscar respeitar essas particularidades o desenvolvimento desses alunos será bem maior.

Em suma fica a dica, aproveitando a sala da professora Ohana, quebre essa barreira que existe entre você e o aluno, uma barreira imaginária que já se passaram anos e é necessário você quebrar. Como você faz para quebrar isso é chegando próximo desse aluno perguntando se ele está entendendo, per-guntando de que forma ele que aprender com a professora sugeriu ainda pouco e dessa forma ele vai conseguir fazer com que esse aluno possa expressar as formas que ele pode com-preender melhor, porque a gente deu algumas dicas mas não são receitas.

Cada um, cada professor vai observar dentro dos seus espaços escolares de salas de aula alunos com suas particulari-dades, então, o grande ponto é chegar próximo do aluno que foi que a professora a Ohana citou, quebrar a barreira imag-inária.

Fabrício: Está certo. Muito obrigado professor Silvio, professora Ohana, professor Padovani. Muito obrigado pela participação de vocês, pelos esclarecimentos e por compartilhar conheci-mento com a gente obrigado.

Sílvio: obrigado.

Fabrício: Agradeço mais uma vez a participação do professor Silvio Santiago Vieira, professor Padovani Neto e a professora Ohana Matias. Agradeço também a você ouvinte que acompanha o programa de hoje. Se você quiser enviar críticas comentários ou sugestões é só mandar um e-mail para rá[email protected].

RÁDIO WEB UFPA: Divulgando o conhecimento 5

educação de surdos, são experiências muito diversas, lógico, né. Por exemplo, em relação a esse contato que vocês tiveram com a Libras que inclusive, é exigido como eu falei, nos própri-os cursos de licenciatura, esse primeiro contato que muitos professores, licenciandos, hoje alunos de graduação têm, será que ele evoluiu muito dos que vocês tiveram por exemplo, no contato de vocês com a licenciatura? Será que hoje avançamos mais neste contato da Libras, nessa inserção da Libras no ensino superior pra formar esses profissionais, esses profes-sores que vão poder incluir esse aluno no sistema de ensino? ou vocês veem muita similaridade com o que vocês tiveram como experiência enquanto universitários. Como é que vocês veem essa evolução? Teve avanço ou não? Sílvio: A minha primeira formação é em Matemática. Na época em que eu me formei em matemática não existia no currículo a disciplina Língua Brasileira de Sinais, então eu só fui ter contato com a libras enquanto disciplina na especialização, mas hoje eu sou formador de alunos de cursos de licenciatura. Então, mesmo assim eu ainda observo que existem algumas coisas que nós precisamos avançar, por exemplo, a carga horária dessas disciplinas é muito reduzida na maioria dos cursos de graduação. Há curso em que a carga horária varia de 40 horas, 50 horas, 60 horas. A gente há de considerar, o professor Padovani, por exem-plo está desenvolvendo uma dissertação de mestrado onde ele tem um olhar sobre a história desse indivíduo dentro de um processo educacional. Imagina, você precisa apresentar essa história que não é pequena para o aluno graduando. Você pre-cisa trabalhar as metodologias de ensino, você precisa tra-balhar com experiências, você precisa levar esses alunos pra escola de educação de surdos pra que eles possam conhecer

Como professor da escola Astério de Campos que é uma escola de referência em Belém, todo o início de ano nós recebemos muitos convites para formação. E aí eu sou um dos professores que costuma ir dar essa formação. E a preocu-pação é essa. “Professor, sou professor de física, e aí o que que eu vou fazer com o aluno surdo que está na minha sala?”.

Então, quer dizer, mesmo sendo professor de história, eu procurei desenvolver, construir alguns materiais pra esses mo-mentos de formação onde eu explico pra eles, por exemplo, que pro surdo se você vai trabalhar matemática, você vai tra-balhar aquela abstração, aquelas frações, então é muito com-plicado. Agora se você traz para aquelas questões que é algo que está afinado com o aquilo que o MEC pensa em relação ao enem, se você traz que os prédios projeta uma sombra de tantos graus, formando um ângulo, você abre a mente ali pra trabalhar com o surdo porque ele está visualizando o prédio, a sombra, o grau está relacionado com a vida, então não é algo tão distante pro mundo ouvinte.

Em geral, quando estou em momentos de formação, ou em espaços educacionais, eles pensam que o surdo ele não ouve, mas ele sabe ler, então é muito complicado, porque ao não ouvir, o surdo não criou o conceito daquela palavra, nós sabe-mos que mesa é mesa, nós ouvimos a palavra mesa e atribuí-mos à mesa.

O surdo não ouviu essa palavra, então o conceito para ele, a palavra pra ele é um emaranhado de signos pra ele. Ele preci-sa estar gravando aqueles signos. A disciplina libras ela não está dando conta disso, ao meu ver. Os alunos vão pra essa dis-ciplina, eles não vão aprender a língua de sinais. Eu tenho con-tato com professores do ensino regular que têm alunos surdos há oito anos, há sete anos. Na minha pesquisa eu entrevistei

professores que têm alunos surdos há 10, 8 anos e ainda não sabe dá bom dia. Então, na disciplina também esse aluno não vai aprender. Está servindo pra ele entrar em contato e saber que isso existe. Hoje a minha luta, eu estou tentando criar um conceito que é o ensino de história em contextos inclusivos, que esse debate vá de fato pro campo das disciplinas, das áreas de conhecimento e não fique pairando acima de todas disciplinas que não dá conta. As disciplinas têm metodologias diferenciadas de ensino.

Fabrício: Como é que essa realidade no curso de letras, Ohana?

Ohana: Sim, sim, como o professor Neto falou, eu vim do curso Letras Libras, então tinha agrade curricular toda voltada pra Libras, pra educação dos surdos, então assim, em si, eu não tive essa dificuldade, mas se eu dependesse só do curso, hoje em dia talvez, eu estaria sinalizando só o básico, assim infelizmente como muitos colegas meus terminaram o curso e não tinham domínio da Língua de Sinais. Então, eu precisei correr exata-mente para manter contato com o usuário da língua pra poder aprender. Hoje em dia tudo o que eu sei foi porque eu estou sempre tendo contato com o surdo, então assim, quando eu conversa-va nos corredores com meus outros colegas de graduações, seja de letras português, biologia, eles me falavam assim “Ohana, você pode me ensinar qual é o sinal isso, isso, o sinal específico da graduação deles, porque o meu professor falta, porque o meu professor não está presente”, ou como o profes-sor Sílvio falou “a carga horária é muito pouca”, então assim, “não faz a adaptação voltada para o meu curso”. Então, como eu posso chegar numa graduação, por exemplo de licenciatura em biologia e ensinar por exemplo, só o alfabeto, só os sinais

esses espaços que é a partir dessa experiências empírica que ele pode se identificar muito mais com esses processo. Então eu observo que 60 horas, 80 horas é uma carga horária insufici-ente. Na minha opinião, nós deveríamos ter hoje um estágio curricular voltado pra educação especial. Os alunos saem da graduação sem saber como lidar com os alunos com deficiên-cia.

Falando do aluno surdo, ele sai ainda mais perdido haja vista que a Língua de sinais é uma língua diferente da Língua Portuguesa, com uma estrutura gramatical que carrega uma especificidade muito diferente da Língua Portuguesa. Então penso que a gente deve continuar discutindo essas questões da inclusão a fim de que exista um estágio supervisionado especifico. É lógico que as pessoas não vão sair de lá expertise em trabalhar com surdos, mas ela pelo menos terá condições de compreender essa realidade da inclusão escolar visitando esses espaços, essas escolas que têm educação especial que ainda existem aqui dentro de Belém.

Fabrício: Padovani.

Ernesto: Na minha graduação também ainda não havia essa questão da disciplina Libras. Pra dizer a verdade, durante a minha graduação nunca nem passou pela minha cabeça essa realidade. Não era algo discutido, debatido, presente dentro da Universidade, nem na sociedade. O que acontece assim, eu go-staria de concordar com o professor e também aprofundar no sentido de não é só uma questão de apresentar a disciplina com o nome Libras. Então, eu preciso trabalhar com o meu aluno de história metodologias de ensino de história pra surdos, metodologias de ensino de matemática para surdos.

Fabrício: Olá, ouvintes da Rádio Web UFPA. Eu sou Fabrício Que-iroz e a partir de agora você acompanha comigo mais uma edição do UFPA Ensino que hoje vai falar sobre Metodologias de Ensino para surdos.

Segundo o censo do IBGE de 2010, 9 milhões e 700 mil pessoas têm deficiência auditiva. Cerca de um milhão são jovens até 19 anos. No Brasil, os surdos só passaram a ter acesso à educação durante o império.

Em 26 de setembro de 1857, foi criada a primeira escola de educação de meninos surdos, no Rio de Janeiro. Apesar do avanço, somente em 2002, a Lei nº10.436 reconheceu oficial-mente a Língua Brasileira de Sinais, a LIBRAS.

A Libras é fundamental para garantir o aprendizado de alunos surdos. Em 2005, com o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro, a Libras foi determinada como disciplina curricular obrigatória para todos os cursos de licenciatura e também fonoaudiologia, e ela é optativa para os demais cursos do ensino superior e da educação profissional.

Outra grande conquista aconteceu em 2010, quando a profissão de tradutor–intérprete de Libras foi regulamentada em de 1º de setembro.

Além disso, professores têm buscado trazer a Libras para fora da sala de aula. Na internet, por exemplo, existem video-aulas em libras, democratizando o acesso à educação.

Hoje, vamos conhecer o trabalho de professores e intérpretes de Libras que desenvolvem estratégias para melhorar o ensino para surdos. Recebemos aqui no es-túdio da Rádio Web o professor da UEPA Sílvio Santia-go Vieira, ele é mestrando em Ciências da Religião, es-pecialista em Atendimento Educacional Especializado e também coordena o Grupo de Estudos Surdos & Inter-faces do IEPA, que é o Instituto de Educação e Cultura do Pará. Professor Silvio, muito obrigado por sua partic-ipação, bem-vindo.

Sívio Viera: Muito obrigado pelo convite.

Fabrício: Obrigado, professor Silvio. Também estou rece-bendo o Ernesto Padovani Netto, mais conhecido como Padovani. Ele é aluno do Mestrado Profissional em Ensino de História e é responsável pelo canal do Youtube “História em Libras”, e também é professor da SEDUC. Professor Padovani, muito obrigado.

Ernesto Padovani: Obrigado pelo convite, a gente espera contribuir aqui um pouco com o debate.

Fabrício: Obrigado, professor. E também recebemos a Ohana Matias. Ela é tradutora / intérprete de libras, é professora substituta da UEPA. Também atua como tutora na UEPA no curso de Pedagogia Bilíngue, além de ser especialista em Educação Especial e Inclusiva, e também colaboradora do canal “História em Libras”.

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Ohana, também muito obrigado pela tua participação, bem-vinda.

Ohana: Obrigada pelo convite, é um prazer estar aqui estar fazendo parte desta discussão.

Fabrício: Eu queria que, na verdade, vocês primeiramente se apresentassem um pouco pra gente conhecer um pouco da trajetória e do interesse de vocês por essa área tão cara e tão desafiadora. A gente viu aí por esse pequeno histórico o quanto ela foi negligenciada, a educação de surdos, a educação inclusiva. O que que motivou vocês a trabalhar com essa área que ainda é um desafio na ed-ucação brasileira? Professora Ohana.

Ohana: Ohana: Bom, a minha história em si é bem diferente dos outros. Os meus colegas que eu estudei no curso de letras libras em 2012, a maioria veio da área da interpre-tação da igreja, ou tinha um parente surdo e no meu caso em si é por conta da minha mãe ser pedagoga. Então, como ela fazia na época o curso de libras, ela me incentivou para escolher esse curso. Na verdade, eu con-heci esse mundo novo quando eu passei no vestibular. Então assim, a partir do momento que eu comecei a estudar e começar a entender a história da educação do surdo, foi só um momento assim pra eu procurar saber mais sinais. Então, foi uma grande oportunidade e hoje em dia eu estou atuando, também faço parte da as-sociação dos surdos de Belém. Então eu estou sempre

nessa constante luta em prol da educação dos surdos, na luta por eles.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: Bom, a minha trajetória ela começa quando em 2009 eu resolvi fazer um curso de Língua Brasileira de Sinais no CAES. Eu tive um aluno surdo na época no Augusto Meira. Não sabia como lidar com os alunos surdos. E a minha comunicação com eles era basicamente por meio da mímica, por meio da escrita nos braços. Os surdos eles têm o costume de escrever no braço quando não têm papel, apagava, enfim. E assim eu fui apren-dendo os sinais iniciais e eu percebi que eu deveria ir mais adi-ante. Eu já tinha experiência com educação de alunos cegos e baixa visão, porém a minha experiência com os surdos me fez refletir sobre essas carências que a formação inicial de profes-sores possui. Aí eu fui fazer um curso de libras, tive o professor Arlindo, o professor Tiago Costa como meus professores. E foram pessoas que contribuíram muito para a minha formação inicial na área da língua de sinais. Em 2010, então eu resolvi en-veredar pela especialização nessa área, fiz especialização em Libras. E comecei também em 2010 a interpretar dentro da Igreja Assembleia de Deus. Foi quando eu realmente resolvi me focar nessa questão da interpretação que eu já estava na docência. Posteriormente a isso, eu resolvi criar o grupo de estudos surdos e interfaces, onde a gente tem discussões diversificadas, mas especifica-mente hoje nós estamos discutindo as questões relacionadas a

gênero e sexualidade dentro do grupo, haja vista que a comu-nidade surda belemense, ela apresenta uma pluralidade nesse sentido e é necessário que familiares e escolas possam com-preender essa questão da sexualidade do surdo que manifesta certas diferenças em relação à sexualidade dos indivíduos ouvin-tes. E também com foco na questão da religião pois eu tenho ob-servado que hoje os surdos eles têm buscado enveredar por outros ramos religiosos além do cristianismo. E a minha trajetória hoje tem sido basicamente focar na compreensão de como é que tem se desenvolvido essas territorialidades e os territórios dentro dos espaços sagrados. Hoje minhas pesquisas estão focadas nisso.

Fabrício: Professor Padovani.

Ernesto: Ok. Bem, eu sou professor da rede estadual de ensino há dez anos. Então quando eu comecei eu tra-balhei uns três anos no interior do estado. Tive um públi-co também de trabalhar em comunidades, quando vim, voltei a Belém, voltei pra trabalhar no sistema penal. O que ocorreu? Na verdade, lá no Astério de Campos não tinha professor de história. Aí me fizeram a proposta. Então, na verdade não foi muito uma escolha minha. Che-gando lá, eu criei de fato uma grande identificação com o trabalho. Fiz uma especialização em educação inclusiva e comecei a observar as dificuldades deles em relação à Língua Portuguesa, dificuldades com textos muito grandes, necessidade da utilização de imagens, então eu fui montando uma metodologia a partir de referenciais teóricos como a pedagogia visual e criando meu próprio material didático, criando formas de trabalhar com eles.

Quando surgiu a seleção pro Mestrado Profissional em Ensino de História, o PROFHISTÓRIA, eu fiz a seleção, fui aprovado e fui com isso na cabeça, que eu ia fazer um projeto sobre educação de surdos, unindo essas duas áreas. A questão da história e a questão da metodologia de ensino. E aí perpassam vários elementos, não é só a história em si. O meu trabalho é um trabalho sócio-histórico que vou justamente remontar o período do oralismo, passando pela co-municação total, são metodologias que são utilizadas até hoje como proposta teórica do bilinguismo prevalecendo na edu-cação dos surdos, pelo menos uma tentativa pra que prevaleça. E aí na verdade o canal “História em Libras”, ele surge como um produto desse mestrado. O mestrado profissional em ensino de história, ele exige uma dissertação escrita e um pro-duto pedagógico aplicável. Então existem várias possibilidades de produtos. A minha intenção inicial era fazer um material didático mesmo pra distribuir nas escolas, mas eu fiquei pen-sando na logística disso e no alcance que isso teria. Então, con-versando com amigos porque tem essa questão da interdisci-plinaridade, eu precisei de um amigo meu que trabalha com cinema, precisei da Ohana pra construir a proposta do canal. Então, desenvolvemos a ideia de um canal na internet seria muito melhor porque eu não teria o problema da divul-gação. Colocou na internet as pessoas podem acessar. E nós estamos nesse momento. Graças a Deus o vídeo está sendo muito acessado, teve uma repercussão muito boa. A Mídia Ninja compartilhou nos espaços que eles têm nas mídias digi-tais. Estamos agora aqui nesse debate

Fabrício: Dá pra esse primeiro relato de vocês, em relação à experiência, o contato que vocês tiveram com a Libras, com a

de família, de frutas, aí esse professor vai se formar, vai chegar numa sala de aula e vai só manter esse diálogo só de frutas, alfabeto? Não. Ele tem que saber o sinal de células, de mem-brana, disso, daquilo, tem que saber como é usar um classifica-dor. Infelizmente, é quebrada essa grade curricular das pessoas que estão na licenciatura.

Eu vivenciei isso muito quando eu fui intérprete de uma escola que tinha uma demanda muito grande, tinha 18 surdos na escola. Eu atendia oito surdos no ensino médio. Então, assim, eu observava a dificuldade dos professores. Eles chega-vam pra mim “eu nem tive essa disciplina de libras”, “eu nem sei o que é isso”, “é surdo mudo?” “ah, os teus alunos”. Eles não eram os meus alunos, eles eram alunos deles tanto quanto os ouvintes. Então, no caso, eu falava assim, “professor você tem que direcionar a eles”, “ah, mas só que ele vai pensar que é tu que tá chamando a atenção ou tá explicando”. Eu digo “não, ele sabe diferenciar, o meu papel aqui é de intérprete”. Eu sempre lutava a questão da metodologia, não pensavam no surdo.

Uma vez aconteceu uma situação que foi ao contrário, estava com legenda e sem som. Os ouvintes reclamaram. Aí eu falei para eles, “agora, vocês entenderam o que é estar na pele de uma pessoa surda:” Não é fácil. A informação não chega tão fácil pro surdo.O professor fez esse canal História. Esse canal é uma forma de democratizar tanto para surdo como para ouvin-te porque ele está usando diretamente a língua de sinais e tem ali a legenda.

Fabrício: Professor Padovani

Ernesto: Eu queria retomar mais uma questão pra embasar essa questão da metodologia, porque por exemplo a gente percebe muito há um censo comum de querer resumir a questão à língua. Então, se você tem um intérprete na escola, que não tem, em geral, não tem. Quando tem, então resolveu o proble-ma, agora tem intérprete. Então, eu faço sempre a discussão, o seguinte, se o problema fosse a língua, os nossos alunos ouvin-tes todos não teriam problema nenhum de educação no Brasil. Professor fala português, os alunos todos falam português, en-tendem, então por que os alunos não alcançam a média? Por que nós não estamos nos melhores patamares de educação mundial? Então nós não podemos também resumir o debate à língua. Então, como é que o aluno entende? É a partir da imagem? É a partir da construção de maquete? Qual é a possi-bilidade que se tem de vídeos com legenda?

O primeiro dia que o vídeo foi postado no Youtube, ele ficou sem legenda. Foi uma estratégia mesmo. Eu fui colhendo e estou colhendo os depoimentos pra finalizar a dissertação. “Poxa, não consegui, olha, eu paro, pela metade, eu parei. Não consegui acabar de ver, não tava entendendo nada”.Olha que nós colocamos os recursos imagéticos entrando no vídeo e em alguns momentos chaves aparecia escrito também o que estava sendo falado. Mas mesmo assim as pessoas reclamaram ou muitas fizeram essa reflexão: “poxa, agora eu me senti como os surdos se sentem”. São pequenas situações do dia a dia que no universo da escola se traduz em outras formas, mas são hierarquias de saberes. Um professor está ministrando aula, o outro professor vem dar um recado na turma, bota o rosto dentro da sala, “gente, gente, licença aqui, rapidinho, amanhã tem prova, dois reais a prova e tal”. Recado dado.

O surdo não entendeu. Vamos passar o vídeo pra turma, vamos levar para o auditório, muito legal, todo mundo vai, chega na hora de passar o vídeo me chamam pra interpretar, já aconteceu isso, eu não sou intérprete mas você está na escola, você sabe Língua de Sinais, você é intérprete, você é professor do AE, você é itinerante, você é tudo. Então fui lá interpretar, tudo certo, vamos lá, solta o play, apagam a luz. Como é que o surdo vai ter acesso à minha interpretação, então são questões que... é maldade? Não. Não é. Mas isso estrutura uma hierarquia de saberes. Entendeu. São hábitos que a escola internaliza porque ela é uma escola voltada e pensada para o público ou-vinte. O que me chama atenção é que isso acontece em escolas em que os surdos estudam há 10, 15 anos. Então, quando a escola vai internalizar presença do surdo? Então, acho que essas são questões aí que abrem um bom leque pra gente dis-cutir e pensar.

Fabrício: Só pra voltar, eu achei interessante o depoimento da Ohana, essa relação, dela como intérprete né. O Padovani ele tem o conhecimento, de repente ele pode usar desse conheci-mento pra se comunicar com esse aluno surdo, mas nem todas as escolas têm um profissional como a Ohana. E como é que fica a relação entre o professor e esse intérprete? Onde é que começa o papel de um e o papel de outro? Como é que se con-strói esse relacionamento pra que se possa comunicar e repas-sar esse conteúdo pra esses alunos? Como é essa dinâmica?

Ohana: Bom, a priori, o que deveria ocorrer era ter essa parceria com o professor e o interprete. Por que? porque o papel do intérprete é mediar. Ele não vai ensinar nada. Até porque a minha formação é Letras com habilitação em Libras, não é for-

mação em Letras, Português, Biologia, Matemática, não é.

A minha formação é Letras, então qual é o meu papel ali? É de chegar e interpretar tudo o que o professor falar. E quando eu digo tudo, eu interpretava até palavrões, enfim, tudo o que o professor abrisse a boca eu interpretava porque eu estou ali. Só que infelizmente essa experiência que eu tive o professor confundia, ele pensava que eu era a professora deles, e eu dizia “Olha, eu tenho respaldo, tem a lei, tem o código de ética, tenho tudo o que o senhor quiser eu mostro, mas esse daí não é meu papel, essa competência não é minha, é a sua”. Então, tem que ter essa parceria. O que o intérprete pode ajudar? Ajudar a dar umas dicas, como é que faz o material, coloca a legenda na próxima aula, é assim, é essa parceria. Essa relação de professor, intérprete e aluno.

Sílvio: Relacionando a fala da professora Ohana também pensan-do no atendimento educacional especializado. Então, ela ainda pouco colocou que o professor sempre atribui a responsabili-dade para o intérprete de Libras, mas ele também faz isso para o atendimento especializado. Por quê?

Historicamente a educação do surdo, ela foi atribuída à ed-ucação especial. Então, com o processo de inclusão que se dá a partir de 1996, com a lei de diretrizes e bases 93/94 de 96, é que a gente vem perceber que esses indivíduos com deficiên-cia, pessoas com deficiência, passam a ingressar dentro das escolas regulares. Só que nós passamos a ter dois personagens que antes nós não tínhamos dentro desses espaços, os intér-pretes de libras e os cuidadores também, e também a gente passa a ter o atendimento educacional especializado que as pessoas acham que é antiga educação especial, mas na ver-

dade há controvérsias, porque educação especial funcionava numa sala de aula onde se ensinavam essas pessoas. E o AE não, ele funciona como educação suplementar complementar, porém para o professor da rede regular, ele entende que é responsabilidade do AE ensinar os aluno surdos, que é responsabilidade do intérprete ensinar os alunos surdos, ou seja, esses personagens acabaram tendo responsabilidades além de suas responsabilidades e o professor se exime.

O Vigotski diz que “quando a gente enxerga deficiência primeiro ao invés de enxergar o ser humano, a gente destrói qualquer possibilidade de desenvolvimento desse indivíduo”. Então, a gente pode pegar a fala do professor Netto Padovani, por exemplo, em relação a questão das metodologias e obser-var que a maioria dos professores estão destruindo possibili-dades de desenvolvimento desses alunos na sala de aula exata-mente por causa das metodologias. Eu também não quero cul-pabilizar somente esses professores porque também a gente tem que pensar na formação desses indivíduos e nós também precisamos pensar que a Universidade também deve oferecer cursos de formação continuada, porque esse papel é da Uni-versidade. A gente costuma atribuir essa responsabilidade, “Ah, o governo não faz”, mas a Universidade é quem forma, é ela que deve trazer os professores pra dentro. Ela que precisa buscar parcerias com as escolas, parcerias com as unidades pra que isso possa acontecer.

Hoje, nós ainda observamos uma grande polêmica dentro das escolas. Intérprete de Libras que acabam tendo discussões com professores porque as vezes são atribuídas responsabili-dades. Durante o meu período na rede regular de ensino, eu tive dois alunos surdos, depois eu já estava fluente em Libras, e eu também tive problemas. E é legal colocar isso, porque os

meus alunos ouvintes não gostavam de eu passava a sinalizar na sala de aula. Então, o que que eu fazia, passava todo o con-teúdo de matemática, explicava primeiro em Língua Portugue-sa, passava uma bateria de exercícios pra eles fazerem, e era o momento em que eu ia sinalizar, porque não tinha intérprete de Libras, para os dois alunos surdos.

Só que isso gerava discussões na sala, “Ah, o professor não está dando atenção pra gente”, “o professor agora só olha pra esses surdos, lá vem ele com essa língua de sinais pra dentro da sala de aula”. Então, a gente observa que essas relações de poder que incidem dentro do espaço da sala de aula ainda fazem com que os ouvintes entendam que deve ser dada atenção a eles e que aos indivíduos surdos não deve ser dada atenção. Tem uma charge no livro do Moacir Carneiro muito interessante, inclusive nas formações continuadas eu sempre falo isso pros professores, os professores estão aqui em cima conversando “nós não conhecemos nada sobre esses indivíduos, nunca ouvimos falar nada sobre educação espe-cial”. Aí os alunos todos embaixo olhando.

Na verdade, essas pessoas vão reproduzir lá embaixo esse mesmo pensamento, é por isso que esses alunos pensam hoje que o professor deve dar atenção a eles e não devem dar atenção aos alunos surdos dentro da sala. Já eles também não aprenderam nada sobre educação especial, não aprenderam nada sobre pluralidade, diversidade, e acima de tudo sobre dif-erença.

Ohana: Eu vivenciei nessa escola, eu trabalhei nessa escola, se eu não me engano, dois anos e meio. Então assim, para aquela turma, eu acompanhei os surdos, primeiro, segundo e terceiro

ano. Até metade do convênio. Então, quando foi no primeiro ano, os ouvintes assim sofreram um impacto. “Intérprete?”, “surdos?”, “mãos mexendo?”, “Meu Deus!”, porque foram logo oito na minha turma. Então, assim, no início, eles deixavam de prestar atenção no professor e ficavam assim olhando pra mim, com os olhos vidrados, eu ficava intimidada inclusive, com o tempo eles foram habituando e foi passando ano, dois anos, mas o que me veio à cabeça, assim eu sempre fui tímida, então eu sempre chegava, dava bom dia pra quem estava na frente, mas eu não era de ficar batendo papo com os ouvintes.

Então, eu ficava conversando com os surdos, enquanto o professor não chegava. Então, assim os ouvintes assim, meio que segregavam a gente. Então, o que eu acho engraçado, é quando eles foram ter contato comigo? um dia após a prova do Enem. Tinha gente da escola do primeiro ano que eu nunca tinha visto na vida. Eles chegaram “Ei, tia, a minha proposta está boa”, “será que pode falar deficiente auditivo”, “eles são surdo-mudos”, “é isso, é aquilo”. Foi a primeira vez que eles viram a necessidade. A escola em si diz “Ah, a gente está inte-grando”, mas na verdade segregava. Então foi uma experiência dessa forma, foi ruim pra mim inclusive. Na verdade se não fosse eu ali com os surdos, eles não iam ter visibilidade naquela escola.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: É bem legal a gente observar que as falas estão contemp-lando o que a gente chama de currículo oculto dentro das insti-tuições, e é isso que a gente tem pra parar pra pensar hoje. As metodologias de ensino, elas podem contemplar as necessi-dades do professor na sala de aula, ok. Mas a escola precisa tra-

balhar o currículo oculto que é exatamente o que o professor Netto e a professora Ohana colocaram, que é essa questão da alteridade, de fazer com que o professor e o aluno possam se colocar no lugar do outro, porque inclusão ela precisa ser para todos. Ela tem que começar lá do porteiro até a merendeira. Então não é só o professor que deve passar por esse processo, e quando a escola inteira passar a se modificar, então, a gente vai começar a observar que os alunos ouvintes vão com-preender as particularidades étnico-linguísticos desses indivíduos surdos. Hoje a gente vem percebendo pelas experiências de rela-tos, até mesmo as experiências que a gente já viveu, que esses alunos eles ainda não compreendem. Eu lembro, por exemplo, uma vez que eu fui interpretar para um amigo meu, o Ademil-ton. Eu acho que a professora Ohana até conhece. Ele é surdo. Na época ele fazia ensino médio. E foi uma experiência muito triste porque o professor não sabia sequer da existência de um profissional interprete de Libras, então eu pedi pra diretora da escola, uma escola pública de Belém pra entrar pra interpretar na aula de química, e o professor me viu virado o tempo todo de costa pra ele. E ele achou que eu era um surdo que estava simplesmente conversando na sala de aula.

Só pra você ter uma noção do que que que é essa falta de compreensão desse outro indivíduo que está ali. E os alunos ouvintes na hora da frequência, começaram a chamar nome a nome, e eu disse “olha, o professor chamou o teu nome”. Ai ele foi lá na frente, e disse pro professor apontar. O professor fez um gesto obsceno pra ele e todo mundo começou a rir. De repente uma aluna chega e pergunta “professor, porque que ele tá aqui na sala de aula”. Ele disse assim: “Eu não sei, eu tô levando até onde eu posso”. Na verdade, esse professor não estava levando nada. Porque aquele momento ali mostrava que

ele não compreendia. Foi quando eu chamei o professor. “Pro-fessor, ele está com dúvidas nisso”. Aí ele disse “Ah, você fala?”. “Sim, eu sou ouvinte, eu sou intérprete”. E aí foi muito legal porque o professor sabia ensinar o surdo, só que ele tem medo de ensinar, porque tem uma barreira imaginária entre o profes-sor e o aluno surdo. Eu não lembro direito o conteúdo, eu acho que era sobre átomos que ele estava ensinando. Ele pegou um pedaço de papel, fez um monte de bolinhas, e ensinou pro Ademilton o conteúdo. Então, ele sabia ensinar, a questão é que ele não sabia como chegar pra ensinar, então, isso é uma questão de currículo oculto.

Os professores, a escola, a direção, a coordenação ped-agógica, todos eles precisam se voltar pra compreender esse espaço plural que existe dentro da escola. A gente fala muito de diferença, mas a escola na verdade, a exclusão ainda impera dentro desse processo. E não é só para os indivíduos surdos, é para todos os alunos que sofrem qualquer tipo de exclusão dentro desse espaço.

Fabrício: Rádio Web UFPA apresentando o programa UFPA Ensino. Hoje o tema é Metodologias de Ensino para Surdos. Os nossos convidados são, o professor Sílvio Santiago Vieira, o professor Ernesto Padovani Netto e a professora Ohana Matias. A gente vai para um rápido intervalo e volta já já. Rádio Web UFPA divulgando conhecimento.

Vinheta: Você está ouvindo UFPA Ensino. Você está ouvindo UFPA Ensino.

Fabrício: Estamos de volta com o programa UFPA Ensino. O nosso tema de hoje é Metodologia de Ensino para Surdos e os nossos convidados de hoje são o professor da Universidade do Estado do Pará Sílvio Santiago Vieira. Também recebo o professor Ernesto Padovani Netto, ele é professor da Seduc e faz o me-strado profissional em Ensino de História e também estou rece-bendo a professora Ohana Matias, que é professora substituta também da UEPA e tradutora/intérprete de Libras e também colabora com o canal História em Libras, pensado aí pelo pro-fessor Padovani.

Estamos de volta aqui pra nossa conversa, vamos começar com o professor Padovani e com a professora Ohana pra eles comentarem um pouco mais sobre esta experiência do canal História em Libras, justamente como é que vocês propõem o ensino da história a partir do canal no Youtube, qual é o diferencial que vocês têm aplicado, lógico além das legend-as e tudo mais, em termos da perspectiva que vocês estão apli-cando a esse ensino de História pra realmente incluir essas pes-soas sendo surdos pra ele ter acesso a esse conteúdo. Profes-sor Padovani.

Ernesto: Na verdade, nós fizemos uma disciplina no mestrado min-istrada pela professora Edilza Fontes que chama-se “História Pública”. Então no Brasil é uma discussão um tanto quanto recente, a discussão sobre História Pública. História Pública perpassa pela questão de que você tem o historiador que produz o conhecimento histórico. Em outros momentos da história, o conhecimento histórico era fundamentalmente pro-duzido pelo historiador e hoje em dia o que nós temos? Nós temos canais no Youtube, nós temos programas de TV, nós

temos jornalistas. Na verdade, todo mundo fala de história o tempo todo. Então, a história ganhou esse viés de história pública. Então, são narrativas que estão aí se degladeando. A gente vê isso no Brasil, esquerda e direita construindo narrativas históricas em torno de situações que ocorreram. Então, esse foi um debate fundamental pra eu pensar o canal. Por que? Em 2013 nós tive-mos as manifestações, o início daquelas manifestações que acabaram culminando com o impeachment. Então, o que acon-teceu? Os surdos chegavam na escola “por que que está acon-tecendo isso?”. Aparecia os blacks bloks quebrando as coisas, colocando fogo, quebrando os bancos e tudo mais e os alunos chegavam “eu não estou entendendo, por que profes-sor na rua esse problema toda a hora na televisão? E eles não entendiam o que estava acontecendo. Então o problema era o acesso à informação. Então, que história está sendo construída para esse aluno? O que que ele está aprendendo no processo escolar, o que que ele está viven-ciando, está vivendo, podendo relacionar, inclusive. Então, eu fui trabalhar nessa perspectiva de explicar. Eu lembro, inclusive, no primeiro vestibular de Libras da UEPA que houve as vagas para os surdos, eu fiz uma discussão com seles sobre essa questão de 2013 dos blacks blocks relacionando com ludismo, quando os operários ingleses quebravam as fábricas e tudo mais. Acabou que foi uma questão que veio na prova, então eles acertaram em massa a questão. Então relacionar os tempos históricos a partir de situações vivenciadas por eles. E o canal História em Libras veio muito nessa perspectiva de pensar a História Pública, a História digital. Nós não temos mais como ser, no meu caso, eu trabalho com história, sermos histo-riadores que ficamos presos somente ao papel, não é verdade?

Somente a entregar textos escritos que uma banca vai ler e muitas das vezes não é lido maciçamente. Então o canal foi uma forma de além de contemplar a exigência do programa que é ter um produto pedagógico, é um exercício de história pública, porque o tema Movimentos Sociais que é o tema da primeira aula, ele surgiu porque eu fui perguntar para os alunos o que eles gostariam de estudar. Isso também é uma perspecti-va muito interessante da gente refletir, porque eu digo “qual é o tema que eu vou colocar? eu não vou elencar um tema de cima pra baixo. Fazer uma aula sobre tal tema e ao perguntar para os alunos, eles tinham muita dificuldade de me responder o que eles gostariam em história. Primeiro, por quê? Existem uma perspectiva de que a história é uma história política. Então, estudar História é estudar Getúlio Vargas, é estudar a Ditadura Militar, é estudar os governos, os grandes heróis na-cionais, entre aspas. E eu queria que eles compreendessem que os surdos tem história.

No YouTube você tem muitas aulas no estilo caseiro, diga-mos assim. Você filma ali o quadro, para um professor que só precisa do recurso da fala é tranquilo. O professor fala, o ouvin-te escutou a informação. Mas para o surdo não, eu preciso de edição, eu preciso que as imagens entrem, eu preciso dialogar com as imagens, eu preciso de uma certa produção. Então, eu encontrei parcerias para produzir esse primeiro vídeo. Houve um custo. Hoje é um momento em que a secretaria de edu-cação replicou essa questão do canal. A Seduc colocou no site, colocou na agência Pará, colocou matérias no YouTube, no Facebook, sobre o projeto. Mas agora a gente precisa de suporte para dar continuidade.

Fabrício: Professor Silvio, eu queria que você falasse um pouco da sua experiência porque o senhor atua em outra área de conhe-cimento que é o ensino religioso. É uma metodologia meio parecida? como é que é são as estratégias que o senhor usa para atuar nessa área específica?

Sílvio: Eu não trabalho com canal especificamente.

Fabrício: Sim, sim.

Sílvio: Hoje eu tenho focado no grupo GESI. As nossas reuniões são todas as sextas-feiras. A gente tem desenvolvido foco na questão da criação de sinais termos que contemplem as questões das religiões. Mas é muito importante ressaltar que nós não estamos focando no cristianismo porque o cristianis-

safio. A sala em si é bilíngue, mas a questão da metodologia dos professores que é o mais difícil, até às vezes o posiciona-mento, eles estão aqui, o intérprete está bem aqui, e eles passam na frente. O surdo reclama “a gente não está conse-guindo visualizar o intérprete”. Então, a gente fica meio assim andando para cá e para cá. Então, assim experiência é muito boa para mim lá na graduação, é outro nível com surdos e assim eu fico muito feliz porque eles estão amadurecendo bas-tante.

Quando eles entraram sentiram muita dificuldade assim como os ouvintes, então assim foi um papel tanto dos intérpre-tes quanto dos professores, enviando materiais para a gente, para a gente procurar como o professor Sílvio falou sobre os sinais termos, se existem, porque são disciplinas muito espe-cíficas. Então, já lá no curso de pedagogia bilíngue que já tem um material pronto, na verdade. Então, assim tem as videoau-las, então geralmente os surdos que vão para lá geralmente são 10 ou 12, porque na verdade nós tutores fazemos uma escala, por exemplo eu vou dois dias, o outro vai mais dois dias. Então assim, a experiência lá é a questão visual que é muito impor-tante.

E o interessante é que os sinais são bem diferentes. Então assim, eles mostram lá na videoaula que é no INES que fica no Rio de Janeiro, e então são bem diferente dos sinais que nós tutores usamos. Então, é uma metodologia muito boa lá assim na questão visual. Então, te dá esse auxílio, interpreta, por exemplo, os textos da Língua Portuguesa. E é esse o trabalho que a gente faz lá.

Fabrício: Na experiência de todos vocês, vocês todos falaram bas-

tante de utilizar estratégias que apelam para esse aspecto visual. A Libras é visual, mas vocês também falaram muito de utilizar estratégias que possam utilizar vídeos, por exemplo, maquetes, enfim, coisas que vão apelar para o sentido visual e vai facilitar esse ensino para esse aluno surdo.

Alguma outra experiência que vocês tiveram, outra poten-cialidade, alguma outra coisa nesse sentido que possa acres-centar para, de repente, um outro professor, para uma pessoa que, de repente, não tenho tido essa experiência, ou de repente possa pensar em alguma outra coisa que vocês possam apre-sentar em algum exemplo?

Ohana: Eu tive uma experiência. Eu ainda era estagiária lá no Astério de Campos. Então, estava eu mais a minha colega Silvana. Então, lembro que na época, eu acho que foi em 2013, eu não sabia o sinal de corrupção. Então, assim, como explicar um conceito, explicar o que é, dar um sinal? Então assim, eu e a Silvana mostramos assim, dramatizamos na verdade.

Nós mostramos um contexto do dia a dia, por exemplo, a gente colocou... eu era a personagem cobrador e ela era um passageiro que ela passava o troco para mim, ou para ela me dava passagem né e eu passava um troco a mais. Então mas ela não me falava nada, ela ficava com dinheiro. Então, explicava para os alunos, “entenderam como é que ocorre a corrupção no dia-a-dia e no contexto político?” Então, foi uma experiência muito boa para mim porque assim quando se está com um surdo, se você não sabe o sinal, o conceito, você tem que apelar até para o teatro, tem que mostrar em algum momento um recurso visual para eles, porque, às vezes, só imagens não dá um sentido para ele. Você tem que dar uma explicação,

mo ele já tem todo um arcabouço de sinais termos.

Nós estamos pegando mensalmente as religiões que já são consideradas religiões mortas. Então, a gente veio desde a Grécia trazendo toda essa questão para trabalhar a questão da sinalização, para ajudar professores tanto de história como também professores de ciências da religião para ensinar os alunos surdos dentro desses contextos. Então, a gente tem toda uma pesquisa com base na lexicografia, na terminologia, buscando compreender se já existem esses sinais, se esses sinais já são utilizados em outros estados, para evitar criar sinais e depois dizer que são variações linguísticas que também não vou entrar muito no mérito porque é uma dis-cussão muito ampla.

Então, após esse primeiro momento que foi a questão da criação esses sinais de Termos, nós desenvolvemos um ciclo de oficinas que nós aplicamos na escola Vilhena Alves no ano pas-sado durante três semanas, onde nós trabalhamos com as met-odologias visuais também com o auxílio do profissional intér-prete de libras, além de que os alunos da UEPA que participam do grupo também sabem sinalizar, mas como a gente percebeu que era um conteúdo muito específico a gente preferiu solicitar a presença do intérprete de libras. Então, nós sentamos com intérpretes, trabalhamos sinais termos que tinham sido cata-logados e os que foram criados. E foi muito interessante como esses alunos surdos ele já compreendem muito essa ideia do visual, assistem muitos filmes, desenhos e trouxeram muitas experiências legais.

Após isso, a gente aplicou em torno de umas 8 a 9 oficinas e nós resolvemos escrever alguns artigos porque a gente per-cebeu, a partir dessa experiência, que os professores que

talvez não saibam lidar com o aluno surdo porque eles não conhecem as metodologias que devem ser trabalhadas. A gente está escrevendo agora um livro que vai ser publicado agora esse ano pela Editora CRV que se chama a “Religião e Educação de surdos: desafios e métodos”, onde a gente tem foco na questão das religiões indígenas, nas religiões afro de matriz africana, especificamente o Candomblé, já que tem um vídeo no YouTube publicado pelo professor Emerson Silva onde ele trabalhou a questão de sinais específicos do Can-domblé.

A gente pegou esse sinais, e fomos trabalhar dentro da sala de aula contextos, por exemplo, sobre os líderes religiosos entre muitos outros contextos. A gente observou que os pro-fessores e os alunos se forem dados para eles as metodologias, se forem oferecidos a eles esse conhecimento, eles conseguem desenvolver o trabalho e o aluno consegue aprender. Então, por isso que o livro é uma alternativa, a gente vai distribuir gra-tuitamente o livro depois como alternativa de ensino para os professores.

Fabrício: Ohana, eu queria saber um pouco mais da tua experiência, porque agora tu estás atuando numa Universidade. O público, com certeza, é diferente. E deve misturar tanto ouvintes quan-tos surdos. Você também está atuando nessa tutoria do curso de pedagogia bilíngue, então, com certeza é uma proposta totalmente diferente que você também deve lidar com metod-ologias diferenciadas para lidar com esse público né?

Ohana: Sim, com certeza, eu atuo tanto no curso letras-libras, que tem metade da turma são surdos e ouvintes. Então ali é um de-

mostrar um classificador para ele, dramatizar para ele entender melhor.

Fabrício: A dramatização é então potencial né. Professor Sílvio, pro-fessor Padovani, querem acrescentar algo mais.

Padovani: Porque a questão é que você tem que construir o con-ceito. Eu vou dar um exemplo aqui, muitas questões de história ou até mesmo no momento de explicar aparece o termo conse-quência. Quais as consequências de determinada situação histórica? Então, para nós ouvintes, vamos pensar assim o con-ceito de consequência. Consequência é uma coisa que acon-tece depois que uma coisa aconteceu e como você vai explicar isso para o surdo? Então, o que a Ohana colocou aqui é funda-mental. Quando eu quero dizer para o aluno o que é conse-quência, eu digo para ele “olha, por exemplo, a pessoa está tomando uma cerveja, whisky, ela pegou um carro, qual pode ser a consequência? Bater o carro. Isso tudo não falado, é dramatizado como ela disse. Então, eu preciso construir esse recurso. Quando ela fala em classifi-cador, de construir cenários narrativo com as mãos para ele. Você está dirigindo mas você bebeu. O que pode acontecer? Você teve uma relação sexual sem preservativo, você pode ficar doente, é uma consequência. Você pode ficar grávida, é uma outra consequência. Então, você tem que construir essas questões. Eu tive três anos como professor Itinerante na escola Luiz Nunes Direito na Cidade Nova. Eu ligado ainda ao Astério, mas desempenham parte da minha carga horária lá. Fizemos várias parcerias com os professores. Então, na apresentação de seminários, nós construímos com os alunos os slides, as apre-

sentações. Eu fazia a interpretação da apresentação dele para os professores. Os professores faziam perguntas. Eu fazia esse papel de intérprete nesse momento. Tem um professor, por exemplo, que fez em alguns momentos a prova de surdos, aquela ideia que a gente tem da prova oral, para o surdo ele fazia a prova sinalizada. Então, ele construía ali 6 questões, reunia comigo e com os surdos, aí ele escolhia “olha, faz essa questão aqui para ele”, aí eu perguntava para o surdo aquela questão, aí o surdo respondia, e eu ia interpretar e fazia esse papel de intérprete nesse momento. Aí o professor avaliava a resposta.

É interessante que é um ser humano. Então, quando ele não sabia, a feição dele mostrava logo que ele não sabia. Ele ficava nervoso, ficava tentando enrolar. O professor já percebia que ele estava com dificuldade para dar resposta. Então, são situações aí, nós fizemos, por exemplo, trabalhos com maquet-es. Esse foi muito interessante, o professor estava trabalhando “A Belle Époque”. E aí ele pediu para os surdos falarem sobre cinema Olympia. Essa foi uma ideia que partiu deles, por exem-plo, eu queria fazer uma maquete do cinema Olímpia, eles dis-seram “não, vamos fazer uma da fundação do cinema, outra dos anos 70/80 e outros agora”. Então, nós acabamos discutin-do a temporalidade, as mudanças arquitetônicas do prédio pú-blico, enfim, ficou bem legal. A apresentação de documentári-os, eu achei um documentário sobre o cinema Olympia, apre-sentamos para eles a interpretação. Então, há uma gama de possibilidades aí realmente. Na questão de química, a professo-ra também pegou umas bolinhas de isopor e aí o que aconte-cia? Aquelas bolinhas de isopor eram as moléculas, aí quando ela queria uma molécula diferente daquela da bolinha, ela já pintava a bolinha de vermelho para representar que era o hidrogênio, que era um carbono.

Então, todas essas possibilidades elas são possíveis de ser utilizada e o interessante é que fica muito bacana para o ouvin-te e para o surdo porque acaba trabalhando um pouco do lúdico. Não é só aquela coisa do professor que fala, fala, fala, e o aluno acaba construindo também ali as coisas, o conheci-mento.

Fabrício: Professor Silvio.

Sílvio: Eu queria complementar fazendo uma boa abordagem voltando lá para a questão do intérprete de libras, porque a gente sabe que o recurso visual, a dramatização tudo isso real-mente eles são de extrema importância. Mas olhando intér-prete em conta uma tecnologia assistiva dentro desse espaço, a gente precisa pensar que o professor deve ter ele também como recurso metodológico. Então, eu quero aproveitar o espaço para conversar também com os professores que possam estar ouvindo os alunos, que é direito do professor ter um intérprete de libras ao seu lado enquanto recurso met-odológico, por que o professor possivelmente não conseguirá sinalizar de forma fluente na sala de aula.

Então atenção para quem tá ouvindo uso decreto 5626/2005 para cobrar dos pais os direitos dos alunos surdos. Você pode levar isso ao Ministério Público para que possa ser trazido o intérprete de Libras. Eu acho que esse recurso met-odológico, o intérprete enquanto recurso metodológico, é im-portantíssimo dentro da sala porque o professor mas na maio-ria das vezes ele não terá tantas vezes para organizar todas as suas aulas de forma visual. Então, esse intérprete de Libras, ali, ele é essencial nos momentos em que o professor não tivesse oportunidade.

Fabrício: Está chegando já ao final do programa, vou abrir o espaço para as considerações finais dos nossos convidados, men-sagem de finais, o que vocês consideram como desafio, algo que vocês queiram reforçar em relação ao que a gente debateu ao longo dessa entrevista. Professor Padovani, pode começar? Ernesto: Na verdade, eu gostaria de agradecer, muito importante esse espaço. A gente percebe que a cada dia a questão da Ed-ucação de surdos está ganhando uma projeção. Eu acho que a questão da redação no Enem foi um antes e depois. O espaço, eu mesmo posso testemunhar, eu já estava ali no mestrado, fazendo projeto, mas depois que veio a redação do Enem, os convites para estar nos espaços, no IFPA, na UEPA na própria UFPA, convites para palestra, enfim. Está discutindo essa questão aumentou muito. Então isso é fundamental, não só para o nosso trabalho né mas para esse público que em algum momento nos falamos aqui da invisibilidade do Surdo, e era um público invisível e é um público que cada vez mais não quer ser invisível, quer ser representado.

Então, nós percebemos que as janelinhas da língua de sinais na TV já é uma coisa que está ganhando muita força, nas campanhas eleitorais, aí foi uma grande novidade. Mas o corre-to é que isto esteja em todos os momentos, em todos os dis-cursos. A gente ainda não vê isso no Brasil, os políticos fazem seus discursos mesmos nos cargos de governadores, presi-dentes, não tem um intérprete.

Quando nós vemos imagens no exterior, o presidente americano falando, a intérprete está do lado. Então, nós temos

um caminho grande aí de conquistas para trilhar, que a comuni-dade surda tem naturalmente também que trilhar.

Fabrício: Ohana. Ohana: Eu quero agradecer também pelo convite. Eu quero agra-decer novamente ao professor Neto por ter me convidado a fazer parte desse canal. Eu não tenho parentes surdos, na ver-dade eu tenho namorado surdo. Então assim, onde estiver um surdo, eu sempre estou lutando com eles. Inclusive, eu faço parte da diretoria da Jubel. É uma honra ser a única ouvinte, então é muita confiança perante os surdos né.

Então assim, na associação a gente luta pela presença do intérprete em sala de aula, nos hospitais, em qualquer espaço. Então assim, essa visibilidade está ocorrendo assim, mas tem que melhorar enfim, tem que avançar mais. Então, para os pro-fessores que estão escutando, eu sei que não tem muito tempo assim para organizar o material, mas fazer um esforcinho. Pro-fessores que estão ouvindo, por exemplo, você tem um aluno surdo ou com outra deficiência procure ter contato com seu aluno, procure saber o que ele pensa, se ele está entendendo. É importante isso.

Fabrício: Professor Sílvio

Sílvio: Bom, primeiramente, eu queria agradecer o convite. Foi uma honra estar debatendo junto com professor Netto Pado-vani e a professor Ohana. E o recado que eu deixo aos profes-sores é sempre buscar pensar, que a partir do momento em que você tem um aluno surdo na sala de aula pensar nessas

metodologias visuais, pensar nessas estratégias que você con-segue desenvolver um trabalho, se as dificuldades elas exist-irem, e caso haja o atendimento educacional especializado na sua escola, procurar o AE de forma a buscar esse suporte que você precisa.

É importante ressaltar que a gente iniciou lá falando sobre a Libras enquanto disciplina, nenhum professor, nenhum aluno vai sair fluente na língua de sinais, porém eu acredito que o ponto mais importante da disciplina é disseminar essa questão da diferença. Então o professor que está hoje trabalhando com surdos ele precisa entender que esse indivíduo tem particulari-dades, ele tem diferenças em relação aos alunos ouvintes e se ele buscar respeitar essas particularidades o desenvolvimento desses alunos será bem maior.

Em suma fica a dica, aproveitando a sala da professora Ohana, quebre essa barreira que existe entre você e o aluno, uma barreira imaginária que já se passaram anos e é necessário você quebrar. Como você faz para quebrar isso é chegando próximo desse aluno perguntando se ele está entendendo, per-guntando de que forma ele que aprender com a professora sugeriu ainda pouco e dessa forma ele vai conseguir fazer com que esse aluno possa expressar as formas que ele pode com-preender melhor, porque a gente deu algumas dicas mas não são receitas.

Cada um, cada professor vai observar dentro dos seus espaços escolares de salas de aula alunos com suas particulari-dades, então, o grande ponto é chegar próximo do aluno que foi que a professora a Ohana citou, quebrar a barreira imag-inária.

Fabrício: Está certo. Muito obrigado professor Silvio, professora Ohana, professor Padovani. Muito obrigado pela participação de vocês, pelos esclarecimentos e por compartilhar conheci-mento com a gente obrigado.

Sílvio: obrigado.

Fabrício: Agradeço mais uma vez a participação do professor Silvio Santiago Vieira, professor Padovani Neto e a professora Ohana Matias. Agradeço também a você ouvinte que acompanha o programa de hoje. Se você quiser enviar críticas comentários ou sugestões é só mandar um e-mail para rá[email protected].

educação de surdos, são experiências muito diversas, lógico, né. Por exemplo, em relação a esse contato que vocês tiveram com a Libras que inclusive, é exigido como eu falei, nos própri-os cursos de licenciatura, esse primeiro contato que muitos professores, licenciandos, hoje alunos de graduação têm, será que ele evoluiu muito dos que vocês tiveram por exemplo, no contato de vocês com a licenciatura? Será que hoje avançamos mais neste contato da Libras, nessa inserção da Libras no ensino superior pra formar esses profissionais, esses profes-sores que vão poder incluir esse aluno no sistema de ensino? ou vocês veem muita similaridade com o que vocês tiveram como experiência enquanto universitários. Como é que vocês veem essa evolução? Teve avanço ou não? Sílvio: A minha primeira formação é em Matemática. Na época em que eu me formei em matemática não existia no currículo a disciplina Língua Brasileira de Sinais, então eu só fui ter contato com a libras enquanto disciplina na especialização, mas hoje eu sou formador de alunos de cursos de licenciatura. Então, mesmo assim eu ainda observo que existem algumas coisas que nós precisamos avançar, por exemplo, a carga horária dessas disciplinas é muito reduzida na maioria dos cursos de graduação. Há curso em que a carga horária varia de 40 horas, 50 horas, 60 horas. A gente há de considerar, o professor Padovani, por exem-plo está desenvolvendo uma dissertação de mestrado onde ele tem um olhar sobre a história desse indivíduo dentro de um processo educacional. Imagina, você precisa apresentar essa história que não é pequena para o aluno graduando. Você pre-cisa trabalhar as metodologias de ensino, você precisa tra-balhar com experiências, você precisa levar esses alunos pra escola de educação de surdos pra que eles possam conhecer

Como professor da escola Astério de Campos que é uma escola de referência em Belém, todo o início de ano nós recebemos muitos convites para formação. E aí eu sou um dos professores que costuma ir dar essa formação. E a preocu-pação é essa. “Professor, sou professor de física, e aí o que que eu vou fazer com o aluno surdo que está na minha sala?”.

Então, quer dizer, mesmo sendo professor de história, eu procurei desenvolver, construir alguns materiais pra esses mo-mentos de formação onde eu explico pra eles, por exemplo, que pro surdo se você vai trabalhar matemática, você vai tra-balhar aquela abstração, aquelas frações, então é muito com-plicado. Agora se você traz para aquelas questões que é algo que está afinado com o aquilo que o MEC pensa em relação ao enem, se você traz que os prédios projeta uma sombra de tantos graus, formando um ângulo, você abre a mente ali pra trabalhar com o surdo porque ele está visualizando o prédio, a sombra, o grau está relacionado com a vida, então não é algo tão distante pro mundo ouvinte.

Em geral, quando estou em momentos de formação, ou em espaços educacionais, eles pensam que o surdo ele não ouve, mas ele sabe ler, então é muito complicado, porque ao não ouvir, o surdo não criou o conceito daquela palavra, nós sabe-mos que mesa é mesa, nós ouvimos a palavra mesa e atribuí-mos à mesa.

O surdo não ouviu essa palavra, então o conceito para ele, a palavra pra ele é um emaranhado de signos pra ele. Ele preci-sa estar gravando aqueles signos. A disciplina libras ela não está dando conta disso, ao meu ver. Os alunos vão pra essa dis-ciplina, eles não vão aprender a língua de sinais. Eu tenho con-tato com professores do ensino regular que têm alunos surdos há oito anos, há sete anos. Na minha pesquisa eu entrevistei

professores que têm alunos surdos há 10, 8 anos e ainda não sabe dá bom dia. Então, na disciplina também esse aluno não vai aprender. Está servindo pra ele entrar em contato e saber que isso existe. Hoje a minha luta, eu estou tentando criar um conceito que é o ensino de história em contextos inclusivos, que esse debate vá de fato pro campo das disciplinas, das áreas de conhecimento e não fique pairando acima de todas disciplinas que não dá conta. As disciplinas têm metodologias diferenciadas de ensino.

Fabrício: Como é que essa realidade no curso de letras, Ohana?

Ohana: Sim, sim, como o professor Neto falou, eu vim do curso Letras Libras, então tinha agrade curricular toda voltada pra Libras, pra educação dos surdos, então assim, em si, eu não tive essa dificuldade, mas se eu dependesse só do curso, hoje em dia talvez, eu estaria sinalizando só o básico, assim infelizmente como muitos colegas meus terminaram o curso e não tinham domínio da Língua de Sinais. Então, eu precisei correr exata-mente para manter contato com o usuário da língua pra poder aprender. Hoje em dia tudo o que eu sei foi porque eu estou sempre tendo contato com o surdo, então assim, quando eu conversa-va nos corredores com meus outros colegas de graduações, seja de letras português, biologia, eles me falavam assim “Ohana, você pode me ensinar qual é o sinal isso, isso, o sinal específico da graduação deles, porque o meu professor falta, porque o meu professor não está presente”, ou como o profes-sor Sílvio falou “a carga horária é muito pouca”, então assim, “não faz a adaptação voltada para o meu curso”. Então, como eu posso chegar numa graduação, por exemplo de licenciatura em biologia e ensinar por exemplo, só o alfabeto, só os sinais

esses espaços que é a partir dessa experiências empírica que ele pode se identificar muito mais com esses processo. Então eu observo que 60 horas, 80 horas é uma carga horária insufici-ente. Na minha opinião, nós deveríamos ter hoje um estágio curricular voltado pra educação especial. Os alunos saem da graduação sem saber como lidar com os alunos com deficiên-cia.

Falando do aluno surdo, ele sai ainda mais perdido haja vista que a Língua de sinais é uma língua diferente da Língua Portuguesa, com uma estrutura gramatical que carrega uma especificidade muito diferente da Língua Portuguesa. Então penso que a gente deve continuar discutindo essas questões da inclusão a fim de que exista um estágio supervisionado especifico. É lógico que as pessoas não vão sair de lá expertise em trabalhar com surdos, mas ela pelo menos terá condições de compreender essa realidade da inclusão escolar visitando esses espaços, essas escolas que têm educação especial que ainda existem aqui dentro de Belém.

Fabrício: Padovani.

Ernesto: Na minha graduação também ainda não havia essa questão da disciplina Libras. Pra dizer a verdade, durante a minha graduação nunca nem passou pela minha cabeça essa realidade. Não era algo discutido, debatido, presente dentro da Universidade, nem na sociedade. O que acontece assim, eu go-staria de concordar com o professor e também aprofundar no sentido de não é só uma questão de apresentar a disciplina com o nome Libras. Então, eu preciso trabalhar com o meu aluno de história metodologias de ensino de história pra surdos, metodologias de ensino de matemática para surdos.

Fabrício: Olá, ouvintes da Rádio Web UFPA. Eu sou Fabrício Que-iroz e a partir de agora você acompanha comigo mais uma edição do UFPA Ensino que hoje vai falar sobre Metodologias de Ensino para surdos.

Segundo o censo do IBGE de 2010, 9 milhões e 700 mil pessoas têm deficiência auditiva. Cerca de um milhão são jovens até 19 anos. No Brasil, os surdos só passaram a ter acesso à educação durante o império.

Em 26 de setembro de 1857, foi criada a primeira escola de educação de meninos surdos, no Rio de Janeiro. Apesar do avanço, somente em 2002, a Lei nº10.436 reconheceu oficial-mente a Língua Brasileira de Sinais, a LIBRAS.

A Libras é fundamental para garantir o aprendizado de alunos surdos. Em 2005, com o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro, a Libras foi determinada como disciplina curricular obrigatória para todos os cursos de licenciatura e também fonoaudiologia, e ela é optativa para os demais cursos do ensino superior e da educação profissional.

Outra grande conquista aconteceu em 2010, quando a profissão de tradutor–intérprete de Libras foi regulamentada em de 1º de setembro.

Além disso, professores têm buscado trazer a Libras para fora da sala de aula. Na internet, por exemplo, existem video-aulas em libras, democratizando o acesso à educação.

Hoje, vamos conhecer o trabalho de professores e intérpretes de Libras que desenvolvem estratégias para melhorar o ensino para surdos. Recebemos aqui no es-túdio da Rádio Web o professor da UEPA Sílvio Santia-go Vieira, ele é mestrando em Ciências da Religião, es-pecialista em Atendimento Educacional Especializado e também coordena o Grupo de Estudos Surdos & Inter-faces do IEPA, que é o Instituto de Educação e Cultura do Pará. Professor Silvio, muito obrigado por sua partic-ipação, bem-vindo.

Sívio Viera: Muito obrigado pelo convite.

Fabrício: Obrigado, professor Silvio. Também estou rece-bendo o Ernesto Padovani Netto, mais conhecido como Padovani. Ele é aluno do Mestrado Profissional em Ensino de História e é responsável pelo canal do Youtube “História em Libras”, e também é professor da SEDUC. Professor Padovani, muito obrigado.

Ernesto Padovani: Obrigado pelo convite, a gente espera contribuir aqui um pouco com o debate.

Fabrício: Obrigado, professor. E também recebemos a Ohana Matias. Ela é tradutora / intérprete de libras, é professora substituta da UEPA. Também atua como tutora na UEPA no curso de Pedagogia Bilíngue, além de ser especialista em Educação Especial e Inclusiva, e também colaboradora do canal “História em Libras”.

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RÁDIO WEB UFPA: Divulgando conhecimento 7

Ohana, também muito obrigado pela tua participação, bem-vinda.

Ohana: Obrigada pelo convite, é um prazer estar aqui estar fazendo parte desta discussão.

Fabrício: Eu queria que, na verdade, vocês primeiramente se apresentassem um pouco pra gente conhecer um pouco da trajetória e do interesse de vocês por essa área tão cara e tão desafiadora. A gente viu aí por esse pequeno histórico o quanto ela foi negligenciada, a educação de surdos, a educação inclusiva. O que que motivou vocês a trabalhar com essa área que ainda é um desafio na ed-ucação brasileira? Professora Ohana.

Ohana: Ohana: Bom, a minha história em si é bem diferente dos outros. Os meus colegas que eu estudei no curso de letras libras em 2012, a maioria veio da área da interpre-tação da igreja, ou tinha um parente surdo e no meu caso em si é por conta da minha mãe ser pedagoga. Então, como ela fazia na época o curso de libras, ela me incentivou para escolher esse curso. Na verdade, eu con-heci esse mundo novo quando eu passei no vestibular. Então assim, a partir do momento que eu comecei a estudar e começar a entender a história da educação do surdo, foi só um momento assim pra eu procurar saber mais sinais. Então, foi uma grande oportunidade e hoje em dia eu estou atuando, também faço parte da as-sociação dos surdos de Belém. Então eu estou sempre

nessa constante luta em prol da educação dos surdos, na luta por eles.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: Bom, a minha trajetória ela começa quando em 2009 eu resolvi fazer um curso de Língua Brasileira de Sinais no CAES. Eu tive um aluno surdo na época no Augusto Meira. Não sabia como lidar com os alunos surdos. E a minha comunicação com eles era basicamente por meio da mímica, por meio da escrita nos braços. Os surdos eles têm o costume de escrever no braço quando não têm papel, apagava, enfim. E assim eu fui apren-dendo os sinais iniciais e eu percebi que eu deveria ir mais adi-ante. Eu já tinha experiência com educação de alunos cegos e baixa visão, porém a minha experiência com os surdos me fez refletir sobre essas carências que a formação inicial de profes-sores possui. Aí eu fui fazer um curso de libras, tive o professor Arlindo, o professor Tiago Costa como meus professores. E foram pessoas que contribuíram muito para a minha formação inicial na área da língua de sinais. Em 2010, então eu resolvi en-veredar pela especialização nessa área, fiz especialização em Libras. E comecei também em 2010 a interpretar dentro da Igreja Assembleia de Deus. Foi quando eu realmente resolvi me focar nessa questão da interpretação que eu já estava na docência. Posteriormente a isso, eu resolvi criar o grupo de estudos surdos e interfaces, onde a gente tem discussões diversificadas, mas especifica-mente hoje nós estamos discutindo as questões relacionadas a

gênero e sexualidade dentro do grupo, haja vista que a comu-nidade surda belemense, ela apresenta uma pluralidade nesse sentido e é necessário que familiares e escolas possam com-preender essa questão da sexualidade do surdo que manifesta certas diferenças em relação à sexualidade dos indivíduos ouvin-tes. E também com foco na questão da religião pois eu tenho ob-servado que hoje os surdos eles têm buscado enveredar por outros ramos religiosos além do cristianismo. E a minha trajetória hoje tem sido basicamente focar na compreensão de como é que tem se desenvolvido essas territorialidades e os territórios dentro dos espaços sagrados. Hoje minhas pesquisas estão focadas nisso.

Fabrício: Professor Padovani.

Ernesto: Ok. Bem, eu sou professor da rede estadual de ensino há dez anos. Então quando eu comecei eu tra-balhei uns três anos no interior do estado. Tive um públi-co também de trabalhar em comunidades, quando vim, voltei a Belém, voltei pra trabalhar no sistema penal. O que ocorreu? Na verdade, lá no Astério de Campos não tinha professor de história. Aí me fizeram a proposta. Então, na verdade não foi muito uma escolha minha. Che-gando lá, eu criei de fato uma grande identificação com o trabalho. Fiz uma especialização em educação inclusiva e comecei a observar as dificuldades deles em relação à Língua Portuguesa, dificuldades com textos muito grandes, necessidade da utilização de imagens, então eu fui montando uma metodologia a partir de referenciais teóricos como a pedagogia visual e criando meu próprio material didático, criando formas de trabalhar com eles.

Quando surgiu a seleção pro Mestrado Profissional em Ensino de História, o PROFHISTÓRIA, eu fiz a seleção, fui aprovado e fui com isso na cabeça, que eu ia fazer um projeto sobre educação de surdos, unindo essas duas áreas. A questão da história e a questão da metodologia de ensino. E aí perpassam vários elementos, não é só a história em si. O meu trabalho é um trabalho sócio-histórico que vou justamente remontar o período do oralismo, passando pela co-municação total, são metodologias que são utilizadas até hoje como proposta teórica do bilinguismo prevalecendo na edu-cação dos surdos, pelo menos uma tentativa pra que prevaleça. E aí na verdade o canal “História em Libras”, ele surge como um produto desse mestrado. O mestrado profissional em ensino de história, ele exige uma dissertação escrita e um pro-duto pedagógico aplicável. Então existem várias possibilidades de produtos. A minha intenção inicial era fazer um material didático mesmo pra distribuir nas escolas, mas eu fiquei pen-sando na logística disso e no alcance que isso teria. Então, con-versando com amigos porque tem essa questão da interdisci-plinaridade, eu precisei de um amigo meu que trabalha com cinema, precisei da Ohana pra construir a proposta do canal. Então, desenvolvemos a ideia de um canal na internet seria muito melhor porque eu não teria o problema da divul-gação. Colocou na internet as pessoas podem acessar. E nós estamos nesse momento. Graças a Deus o vídeo está sendo muito acessado, teve uma repercussão muito boa. A Mídia Ninja compartilhou nos espaços que eles têm nas mídias digi-tais. Estamos agora aqui nesse debate

Fabrício: Dá pra esse primeiro relato de vocês, em relação à experiência, o contato que vocês tiveram com a Libras, com a

de família, de frutas, aí esse professor vai se formar, vai chegar numa sala de aula e vai só manter esse diálogo só de frutas, alfabeto? Não. Ele tem que saber o sinal de células, de mem-brana, disso, daquilo, tem que saber como é usar um classifica-dor. Infelizmente, é quebrada essa grade curricular das pessoas que estão na licenciatura.

Eu vivenciei isso muito quando eu fui intérprete de uma escola que tinha uma demanda muito grande, tinha 18 surdos na escola. Eu atendia oito surdos no ensino médio. Então, assim, eu observava a dificuldade dos professores. Eles chega-vam pra mim “eu nem tive essa disciplina de libras”, “eu nem sei o que é isso”, “é surdo mudo?” “ah, os teus alunos”. Eles não eram os meus alunos, eles eram alunos deles tanto quanto os ouvintes. Então, no caso, eu falava assim, “professor você tem que direcionar a eles”, “ah, mas só que ele vai pensar que é tu que tá chamando a atenção ou tá explicando”. Eu digo “não, ele sabe diferenciar, o meu papel aqui é de intérprete”. Eu sempre lutava a questão da metodologia, não pensavam no surdo.

Uma vez aconteceu uma situação que foi ao contrário, estava com legenda e sem som. Os ouvintes reclamaram. Aí eu falei para eles, “agora, vocês entenderam o que é estar na pele de uma pessoa surda:” Não é fácil. A informação não chega tão fácil pro surdo.O professor fez esse canal História. Esse canal é uma forma de democratizar tanto para surdo como para ouvin-te porque ele está usando diretamente a língua de sinais e tem ali a legenda.

Fabrício: Professor Padovani

Ernesto: Eu queria retomar mais uma questão pra embasar essa questão da metodologia, porque por exemplo a gente percebe muito há um censo comum de querer resumir a questão à língua. Então, se você tem um intérprete na escola, que não tem, em geral, não tem. Quando tem, então resolveu o proble-ma, agora tem intérprete. Então, eu faço sempre a discussão, o seguinte, se o problema fosse a língua, os nossos alunos ouvin-tes todos não teriam problema nenhum de educação no Brasil. Professor fala português, os alunos todos falam português, en-tendem, então por que os alunos não alcançam a média? Por que nós não estamos nos melhores patamares de educação mundial? Então nós não podemos também resumir o debate à língua. Então, como é que o aluno entende? É a partir da imagem? É a partir da construção de maquete? Qual é a possi-bilidade que se tem de vídeos com legenda?

O primeiro dia que o vídeo foi postado no Youtube, ele ficou sem legenda. Foi uma estratégia mesmo. Eu fui colhendo e estou colhendo os depoimentos pra finalizar a dissertação. “Poxa, não consegui, olha, eu paro, pela metade, eu parei. Não consegui acabar de ver, não tava entendendo nada”.Olha que nós colocamos os recursos imagéticos entrando no vídeo e em alguns momentos chaves aparecia escrito também o que estava sendo falado. Mas mesmo assim as pessoas reclamaram ou muitas fizeram essa reflexão: “poxa, agora eu me senti como os surdos se sentem”. São pequenas situações do dia a dia que no universo da escola se traduz em outras formas, mas são hierarquias de saberes. Um professor está ministrando aula, o outro professor vem dar um recado na turma, bota o rosto dentro da sala, “gente, gente, licença aqui, rapidinho, amanhã tem prova, dois reais a prova e tal”. Recado dado.

O surdo não entendeu. Vamos passar o vídeo pra turma, vamos levar para o auditório, muito legal, todo mundo vai, chega na hora de passar o vídeo me chamam pra interpretar, já aconteceu isso, eu não sou intérprete mas você está na escola, você sabe Língua de Sinais, você é intérprete, você é professor do AE, você é itinerante, você é tudo. Então fui lá interpretar, tudo certo, vamos lá, solta o play, apagam a luz. Como é que o surdo vai ter acesso à minha interpretação, então são questões que... é maldade? Não. Não é. Mas isso estrutura uma hierarquia de saberes. Entendeu. São hábitos que a escola internaliza porque ela é uma escola voltada e pensada para o público ou-vinte. O que me chama atenção é que isso acontece em escolas em que os surdos estudam há 10, 15 anos. Então, quando a escola vai internalizar presença do surdo? Então, acho que essas são questões aí que abrem um bom leque pra gente dis-cutir e pensar.

Fabrício: Só pra voltar, eu achei interessante o depoimento da Ohana, essa relação, dela como intérprete né. O Padovani ele tem o conhecimento, de repente ele pode usar desse conheci-mento pra se comunicar com esse aluno surdo, mas nem todas as escolas têm um profissional como a Ohana. E como é que fica a relação entre o professor e esse intérprete? Onde é que começa o papel de um e o papel de outro? Como é que se con-strói esse relacionamento pra que se possa comunicar e repas-sar esse conteúdo pra esses alunos? Como é essa dinâmica?

Ohana: Bom, a priori, o que deveria ocorrer era ter essa parceria com o professor e o interprete. Por que? porque o papel do intérprete é mediar. Ele não vai ensinar nada. Até porque a minha formação é Letras com habilitação em Libras, não é for-

mação em Letras, Português, Biologia, Matemática, não é.

A minha formação é Letras, então qual é o meu papel ali? É de chegar e interpretar tudo o que o professor falar. E quando eu digo tudo, eu interpretava até palavrões, enfim, tudo o que o professor abrisse a boca eu interpretava porque eu estou ali. Só que infelizmente essa experiência que eu tive o professor confundia, ele pensava que eu era a professora deles, e eu dizia “Olha, eu tenho respaldo, tem a lei, tem o código de ética, tenho tudo o que o senhor quiser eu mostro, mas esse daí não é meu papel, essa competência não é minha, é a sua”. Então, tem que ter essa parceria. O que o intérprete pode ajudar? Ajudar a dar umas dicas, como é que faz o material, coloca a legenda na próxima aula, é assim, é essa parceria. Essa relação de professor, intérprete e aluno.

Sílvio: Relacionando a fala da professora Ohana também pensan-do no atendimento educacional especializado. Então, ela ainda pouco colocou que o professor sempre atribui a responsabili-dade para o intérprete de Libras, mas ele também faz isso para o atendimento especializado. Por quê?

Historicamente a educação do surdo, ela foi atribuída à ed-ucação especial. Então, com o processo de inclusão que se dá a partir de 1996, com a lei de diretrizes e bases 93/94 de 96, é que a gente vem perceber que esses indivíduos com deficiên-cia, pessoas com deficiência, passam a ingressar dentro das escolas regulares. Só que nós passamos a ter dois personagens que antes nós não tínhamos dentro desses espaços, os intér-pretes de libras e os cuidadores também, e também a gente passa a ter o atendimento educacional especializado que as pessoas acham que é antiga educação especial, mas na ver-

dade há controvérsias, porque educação especial funcionava numa sala de aula onde se ensinavam essas pessoas. E o AE não, ele funciona como educação suplementar complementar, porém para o professor da rede regular, ele entende que é responsabilidade do AE ensinar os aluno surdos, que é responsabilidade do intérprete ensinar os alunos surdos, ou seja, esses personagens acabaram tendo responsabilidades além de suas responsabilidades e o professor se exime.

O Vigotski diz que “quando a gente enxerga deficiência primeiro ao invés de enxergar o ser humano, a gente destrói qualquer possibilidade de desenvolvimento desse indivíduo”. Então, a gente pode pegar a fala do professor Netto Padovani, por exemplo, em relação a questão das metodologias e obser-var que a maioria dos professores estão destruindo possibili-dades de desenvolvimento desses alunos na sala de aula exata-mente por causa das metodologias. Eu também não quero cul-pabilizar somente esses professores porque também a gente tem que pensar na formação desses indivíduos e nós também precisamos pensar que a Universidade também deve oferecer cursos de formação continuada, porque esse papel é da Uni-versidade. A gente costuma atribuir essa responsabilidade, “Ah, o governo não faz”, mas a Universidade é quem forma, é ela que deve trazer os professores pra dentro. Ela que precisa buscar parcerias com as escolas, parcerias com as unidades pra que isso possa acontecer.

Hoje, nós ainda observamos uma grande polêmica dentro das escolas. Intérprete de Libras que acabam tendo discussões com professores porque as vezes são atribuídas responsabili-dades. Durante o meu período na rede regular de ensino, eu tive dois alunos surdos, depois eu já estava fluente em Libras, e eu também tive problemas. E é legal colocar isso, porque os

meus alunos ouvintes não gostavam de eu passava a sinalizar na sala de aula. Então, o que que eu fazia, passava todo o con-teúdo de matemática, explicava primeiro em Língua Portugue-sa, passava uma bateria de exercícios pra eles fazerem, e era o momento em que eu ia sinalizar, porque não tinha intérprete de Libras, para os dois alunos surdos.

Só que isso gerava discussões na sala, “Ah, o professor não está dando atenção pra gente”, “o professor agora só olha pra esses surdos, lá vem ele com essa língua de sinais pra dentro da sala de aula”. Então, a gente observa que essas relações de poder que incidem dentro do espaço da sala de aula ainda fazem com que os ouvintes entendam que deve ser dada atenção a eles e que aos indivíduos surdos não deve ser dada atenção. Tem uma charge no livro do Moacir Carneiro muito interessante, inclusive nas formações continuadas eu sempre falo isso pros professores, os professores estão aqui em cima conversando “nós não conhecemos nada sobre esses indivíduos, nunca ouvimos falar nada sobre educação espe-cial”. Aí os alunos todos embaixo olhando.

Na verdade, essas pessoas vão reproduzir lá embaixo esse mesmo pensamento, é por isso que esses alunos pensam hoje que o professor deve dar atenção a eles e não devem dar atenção aos alunos surdos dentro da sala. Já eles também não aprenderam nada sobre educação especial, não aprenderam nada sobre pluralidade, diversidade, e acima de tudo sobre dif-erença.

Ohana: Eu vivenciei nessa escola, eu trabalhei nessa escola, se eu não me engano, dois anos e meio. Então assim, para aquela turma, eu acompanhei os surdos, primeiro, segundo e terceiro

ano. Até metade do convênio. Então, quando foi no primeiro ano, os ouvintes assim sofreram um impacto. “Intérprete?”, “surdos?”, “mãos mexendo?”, “Meu Deus!”, porque foram logo oito na minha turma. Então, assim, no início, eles deixavam de prestar atenção no professor e ficavam assim olhando pra mim, com os olhos vidrados, eu ficava intimidada inclusive, com o tempo eles foram habituando e foi passando ano, dois anos, mas o que me veio à cabeça, assim eu sempre fui tímida, então eu sempre chegava, dava bom dia pra quem estava na frente, mas eu não era de ficar batendo papo com os ouvintes.

Então, eu ficava conversando com os surdos, enquanto o professor não chegava. Então, assim os ouvintes assim, meio que segregavam a gente. Então, o que eu acho engraçado, é quando eles foram ter contato comigo? um dia após a prova do Enem. Tinha gente da escola do primeiro ano que eu nunca tinha visto na vida. Eles chegaram “Ei, tia, a minha proposta está boa”, “será que pode falar deficiente auditivo”, “eles são surdo-mudos”, “é isso, é aquilo”. Foi a primeira vez que eles viram a necessidade. A escola em si diz “Ah, a gente está inte-grando”, mas na verdade segregava. Então foi uma experiência dessa forma, foi ruim pra mim inclusive. Na verdade se não fosse eu ali com os surdos, eles não iam ter visibilidade naquela escola.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: É bem legal a gente observar que as falas estão contemp-lando o que a gente chama de currículo oculto dentro das insti-tuições, e é isso que a gente tem pra parar pra pensar hoje. As metodologias de ensino, elas podem contemplar as necessi-dades do professor na sala de aula, ok. Mas a escola precisa tra-

balhar o currículo oculto que é exatamente o que o professor Netto e a professora Ohana colocaram, que é essa questão da alteridade, de fazer com que o professor e o aluno possam se colocar no lugar do outro, porque inclusão ela precisa ser para todos. Ela tem que começar lá do porteiro até a merendeira. Então não é só o professor que deve passar por esse processo, e quando a escola inteira passar a se modificar, então, a gente vai começar a observar que os alunos ouvintes vão com-preender as particularidades étnico-linguísticos desses indivíduos surdos. Hoje a gente vem percebendo pelas experiências de rela-tos, até mesmo as experiências que a gente já viveu, que esses alunos eles ainda não compreendem. Eu lembro, por exemplo, uma vez que eu fui interpretar para um amigo meu, o Ademil-ton. Eu acho que a professora Ohana até conhece. Ele é surdo. Na época ele fazia ensino médio. E foi uma experiência muito triste porque o professor não sabia sequer da existência de um profissional interprete de Libras, então eu pedi pra diretora da escola, uma escola pública de Belém pra entrar pra interpretar na aula de química, e o professor me viu virado o tempo todo de costa pra ele. E ele achou que eu era um surdo que estava simplesmente conversando na sala de aula.

Só pra você ter uma noção do que que que é essa falta de compreensão desse outro indivíduo que está ali. E os alunos ouvintes na hora da frequência, começaram a chamar nome a nome, e eu disse “olha, o professor chamou o teu nome”. Ai ele foi lá na frente, e disse pro professor apontar. O professor fez um gesto obsceno pra ele e todo mundo começou a rir. De repente uma aluna chega e pergunta “professor, porque que ele tá aqui na sala de aula”. Ele disse assim: “Eu não sei, eu tô levando até onde eu posso”. Na verdade, esse professor não estava levando nada. Porque aquele momento ali mostrava que

ele não compreendia. Foi quando eu chamei o professor. “Pro-fessor, ele está com dúvidas nisso”. Aí ele disse “Ah, você fala?”. “Sim, eu sou ouvinte, eu sou intérprete”. E aí foi muito legal porque o professor sabia ensinar o surdo, só que ele tem medo de ensinar, porque tem uma barreira imaginária entre o profes-sor e o aluno surdo. Eu não lembro direito o conteúdo, eu acho que era sobre átomos que ele estava ensinando. Ele pegou um pedaço de papel, fez um monte de bolinhas, e ensinou pro Ademilton o conteúdo. Então, ele sabia ensinar, a questão é que ele não sabia como chegar pra ensinar, então, isso é uma questão de currículo oculto.

Os professores, a escola, a direção, a coordenação ped-agógica, todos eles precisam se voltar pra compreender esse espaço plural que existe dentro da escola. A gente fala muito de diferença, mas a escola na verdade, a exclusão ainda impera dentro desse processo. E não é só para os indivíduos surdos, é para todos os alunos que sofrem qualquer tipo de exclusão dentro desse espaço.

Fabrício: Rádio Web UFPA apresentando o programa UFPA Ensino. Hoje o tema é Metodologias de Ensino para Surdos. Os nossos convidados são, o professor Sílvio Santiago Vieira, o professor Ernesto Padovani Netto e a professora Ohana Matias. A gente vai para um rápido intervalo e volta já já. Rádio Web UFPA divulgando conhecimento.

Vinheta: Você está ouvindo UFPA Ensino. Você está ouvindo UFPA Ensino.

Fabrício: Estamos de volta com o programa UFPA Ensino. O nosso tema de hoje é Metodologia de Ensino para Surdos e os nossos convidados de hoje são o professor da Universidade do Estado do Pará Sílvio Santiago Vieira. Também recebo o professor Ernesto Padovani Netto, ele é professor da Seduc e faz o me-strado profissional em Ensino de História e também estou rece-bendo a professora Ohana Matias, que é professora substituta também da UEPA e tradutora/intérprete de Libras e também colabora com o canal História em Libras, pensado aí pelo pro-fessor Padovani.

Estamos de volta aqui pra nossa conversa, vamos começar com o professor Padovani e com a professora Ohana pra eles comentarem um pouco mais sobre esta experiência do canal História em Libras, justamente como é que vocês propõem o ensino da história a partir do canal no Youtube, qual é o diferencial que vocês têm aplicado, lógico além das legend-as e tudo mais, em termos da perspectiva que vocês estão apli-cando a esse ensino de História pra realmente incluir essas pes-soas sendo surdos pra ele ter acesso a esse conteúdo. Profes-sor Padovani.

Ernesto: Na verdade, nós fizemos uma disciplina no mestrado min-istrada pela professora Edilza Fontes que chama-se “História Pública”. Então no Brasil é uma discussão um tanto quanto recente, a discussão sobre História Pública. História Pública perpassa pela questão de que você tem o historiador que produz o conhecimento histórico. Em outros momentos da história, o conhecimento histórico era fundamentalmente pro-duzido pelo historiador e hoje em dia o que nós temos? Nós temos canais no Youtube, nós temos programas de TV, nós

temos jornalistas. Na verdade, todo mundo fala de história o tempo todo. Então, a história ganhou esse viés de história pública. Então, são narrativas que estão aí se degladeando. A gente vê isso no Brasil, esquerda e direita construindo narrativas históricas em torno de situações que ocorreram. Então, esse foi um debate fundamental pra eu pensar o canal. Por que? Em 2013 nós tive-mos as manifestações, o início daquelas manifestações que acabaram culminando com o impeachment. Então, o que acon-teceu? Os surdos chegavam na escola “por que que está acon-tecendo isso?”. Aparecia os blacks bloks quebrando as coisas, colocando fogo, quebrando os bancos e tudo mais e os alunos chegavam “eu não estou entendendo, por que profes-sor na rua esse problema toda a hora na televisão? E eles não entendiam o que estava acontecendo. Então o problema era o acesso à informação. Então, que história está sendo construída para esse aluno? O que que ele está aprendendo no processo escolar, o que que ele está viven-ciando, está vivendo, podendo relacionar, inclusive. Então, eu fui trabalhar nessa perspectiva de explicar. Eu lembro, inclusive, no primeiro vestibular de Libras da UEPA que houve as vagas para os surdos, eu fiz uma discussão com seles sobre essa questão de 2013 dos blacks blocks relacionando com ludismo, quando os operários ingleses quebravam as fábricas e tudo mais. Acabou que foi uma questão que veio na prova, então eles acertaram em massa a questão. Então relacionar os tempos históricos a partir de situações vivenciadas por eles. E o canal História em Libras veio muito nessa perspectiva de pensar a História Pública, a História digital. Nós não temos mais como ser, no meu caso, eu trabalho com história, sermos histo-riadores que ficamos presos somente ao papel, não é verdade?

Somente a entregar textos escritos que uma banca vai ler e muitas das vezes não é lido maciçamente. Então o canal foi uma forma de além de contemplar a exigência do programa que é ter um produto pedagógico, é um exercício de história pública, porque o tema Movimentos Sociais que é o tema da primeira aula, ele surgiu porque eu fui perguntar para os alunos o que eles gostariam de estudar. Isso também é uma perspecti-va muito interessante da gente refletir, porque eu digo “qual é o tema que eu vou colocar? eu não vou elencar um tema de cima pra baixo. Fazer uma aula sobre tal tema e ao perguntar para os alunos, eles tinham muita dificuldade de me responder o que eles gostariam em história. Primeiro, por quê? Existem uma perspectiva de que a história é uma história política. Então, estudar História é estudar Getúlio Vargas, é estudar a Ditadura Militar, é estudar os governos, os grandes heróis na-cionais, entre aspas. E eu queria que eles compreendessem que os surdos tem história.

No YouTube você tem muitas aulas no estilo caseiro, diga-mos assim. Você filma ali o quadro, para um professor que só precisa do recurso da fala é tranquilo. O professor fala, o ouvin-te escutou a informação. Mas para o surdo não, eu preciso de edição, eu preciso que as imagens entrem, eu preciso dialogar com as imagens, eu preciso de uma certa produção. Então, eu encontrei parcerias para produzir esse primeiro vídeo. Houve um custo. Hoje é um momento em que a secretaria de edu-cação replicou essa questão do canal. A Seduc colocou no site, colocou na agência Pará, colocou matérias no YouTube, no Facebook, sobre o projeto. Mas agora a gente precisa de suporte para dar continuidade.

Fabrício: Professor Silvio, eu queria que você falasse um pouco da sua experiência porque o senhor atua em outra área de conhe-cimento que é o ensino religioso. É uma metodologia meio parecida? como é que é são as estratégias que o senhor usa para atuar nessa área específica?

Sílvio: Eu não trabalho com canal especificamente.

Fabrício: Sim, sim.

Sílvio: Hoje eu tenho focado no grupo GESI. As nossas reuniões são todas as sextas-feiras. A gente tem desenvolvido foco na questão da criação de sinais termos que contemplem as questões das religiões. Mas é muito importante ressaltar que nós não estamos focando no cristianismo porque o cristianis-

safio. A sala em si é bilíngue, mas a questão da metodologia dos professores que é o mais difícil, até às vezes o posiciona-mento, eles estão aqui, o intérprete está bem aqui, e eles passam na frente. O surdo reclama “a gente não está conse-guindo visualizar o intérprete”. Então, a gente fica meio assim andando para cá e para cá. Então, assim experiência é muito boa para mim lá na graduação, é outro nível com surdos e assim eu fico muito feliz porque eles estão amadurecendo bas-tante.

Quando eles entraram sentiram muita dificuldade assim como os ouvintes, então assim foi um papel tanto dos intérpre-tes quanto dos professores, enviando materiais para a gente, para a gente procurar como o professor Sílvio falou sobre os sinais termos, se existem, porque são disciplinas muito espe-cíficas. Então, já lá no curso de pedagogia bilíngue que já tem um material pronto, na verdade. Então, assim tem as videoau-las, então geralmente os surdos que vão para lá geralmente são 10 ou 12, porque na verdade nós tutores fazemos uma escala, por exemplo eu vou dois dias, o outro vai mais dois dias. Então assim, a experiência lá é a questão visual que é muito impor-tante.

E o interessante é que os sinais são bem diferentes. Então assim, eles mostram lá na videoaula que é no INES que fica no Rio de Janeiro, e então são bem diferente dos sinais que nós tutores usamos. Então, é uma metodologia muito boa lá assim na questão visual. Então, te dá esse auxílio, interpreta, por exemplo, os textos da Língua Portuguesa. E é esse o trabalho que a gente faz lá.

Fabrício: Na experiência de todos vocês, vocês todos falaram bas-

tante de utilizar estratégias que apelam para esse aspecto visual. A Libras é visual, mas vocês também falaram muito de utilizar estratégias que possam utilizar vídeos, por exemplo, maquetes, enfim, coisas que vão apelar para o sentido visual e vai facilitar esse ensino para esse aluno surdo.

Alguma outra experiência que vocês tiveram, outra poten-cialidade, alguma outra coisa nesse sentido que possa acres-centar para, de repente, um outro professor, para uma pessoa que, de repente, não tenho tido essa experiência, ou de repente possa pensar em alguma outra coisa que vocês possam apre-sentar em algum exemplo?

Ohana: Eu tive uma experiência. Eu ainda era estagiária lá no Astério de Campos. Então, estava eu mais a minha colega Silvana. Então, lembro que na época, eu acho que foi em 2013, eu não sabia o sinal de corrupção. Então, assim, como explicar um conceito, explicar o que é, dar um sinal? Então assim, eu e a Silvana mostramos assim, dramatizamos na verdade.

Nós mostramos um contexto do dia a dia, por exemplo, a gente colocou... eu era a personagem cobrador e ela era um passageiro que ela passava o troco para mim, ou para ela me dava passagem né e eu passava um troco a mais. Então mas ela não me falava nada, ela ficava com dinheiro. Então, explicava para os alunos, “entenderam como é que ocorre a corrupção no dia-a-dia e no contexto político?” Então, foi uma experiência muito boa para mim porque assim quando se está com um surdo, se você não sabe o sinal, o conceito, você tem que apelar até para o teatro, tem que mostrar em algum momento um recurso visual para eles, porque, às vezes, só imagens não dá um sentido para ele. Você tem que dar uma explicação,

mo ele já tem todo um arcabouço de sinais termos.

Nós estamos pegando mensalmente as religiões que já são consideradas religiões mortas. Então, a gente veio desde a Grécia trazendo toda essa questão para trabalhar a questão da sinalização, para ajudar professores tanto de história como também professores de ciências da religião para ensinar os alunos surdos dentro desses contextos. Então, a gente tem toda uma pesquisa com base na lexicografia, na terminologia, buscando compreender se já existem esses sinais, se esses sinais já são utilizados em outros estados, para evitar criar sinais e depois dizer que são variações linguísticas que também não vou entrar muito no mérito porque é uma dis-cussão muito ampla.

Então, após esse primeiro momento que foi a questão da criação esses sinais de Termos, nós desenvolvemos um ciclo de oficinas que nós aplicamos na escola Vilhena Alves no ano pas-sado durante três semanas, onde nós trabalhamos com as met-odologias visuais também com o auxílio do profissional intér-prete de libras, além de que os alunos da UEPA que participam do grupo também sabem sinalizar, mas como a gente percebeu que era um conteúdo muito específico a gente preferiu solicitar a presença do intérprete de libras. Então, nós sentamos com intérpretes, trabalhamos sinais termos que tinham sido cata-logados e os que foram criados. E foi muito interessante como esses alunos surdos ele já compreendem muito essa ideia do visual, assistem muitos filmes, desenhos e trouxeram muitas experiências legais.

Após isso, a gente aplicou em torno de umas 8 a 9 oficinas e nós resolvemos escrever alguns artigos porque a gente per-cebeu, a partir dessa experiência, que os professores que

talvez não saibam lidar com o aluno surdo porque eles não conhecem as metodologias que devem ser trabalhadas. A gente está escrevendo agora um livro que vai ser publicado agora esse ano pela Editora CRV que se chama a “Religião e Educação de surdos: desafios e métodos”, onde a gente tem foco na questão das religiões indígenas, nas religiões afro de matriz africana, especificamente o Candomblé, já que tem um vídeo no YouTube publicado pelo professor Emerson Silva onde ele trabalhou a questão de sinais específicos do Can-domblé.

A gente pegou esse sinais, e fomos trabalhar dentro da sala de aula contextos, por exemplo, sobre os líderes religiosos entre muitos outros contextos. A gente observou que os pro-fessores e os alunos se forem dados para eles as metodologias, se forem oferecidos a eles esse conhecimento, eles conseguem desenvolver o trabalho e o aluno consegue aprender. Então, por isso que o livro é uma alternativa, a gente vai distribuir gra-tuitamente o livro depois como alternativa de ensino para os professores.

Fabrício: Ohana, eu queria saber um pouco mais da tua experiência, porque agora tu estás atuando numa Universidade. O público, com certeza, é diferente. E deve misturar tanto ouvintes quan-tos surdos. Você também está atuando nessa tutoria do curso de pedagogia bilíngue, então, com certeza é uma proposta totalmente diferente que você também deve lidar com metod-ologias diferenciadas para lidar com esse público né?

Ohana: Sim, com certeza, eu atuo tanto no curso letras-libras, que tem metade da turma são surdos e ouvintes. Então ali é um de-

mostrar um classificador para ele, dramatizar para ele entender melhor.

Fabrício: A dramatização é então potencial né. Professor Sílvio, pro-fessor Padovani, querem acrescentar algo mais.

Padovani: Porque a questão é que você tem que construir o con-ceito. Eu vou dar um exemplo aqui, muitas questões de história ou até mesmo no momento de explicar aparece o termo conse-quência. Quais as consequências de determinada situação histórica? Então, para nós ouvintes, vamos pensar assim o con-ceito de consequência. Consequência é uma coisa que acon-tece depois que uma coisa aconteceu e como você vai explicar isso para o surdo? Então, o que a Ohana colocou aqui é funda-mental. Quando eu quero dizer para o aluno o que é conse-quência, eu digo para ele “olha, por exemplo, a pessoa está tomando uma cerveja, whisky, ela pegou um carro, qual pode ser a consequência? Bater o carro. Isso tudo não falado, é dramatizado como ela disse. Então, eu preciso construir esse recurso. Quando ela fala em classifi-cador, de construir cenários narrativo com as mãos para ele. Você está dirigindo mas você bebeu. O que pode acontecer? Você teve uma relação sexual sem preservativo, você pode ficar doente, é uma consequência. Você pode ficar grávida, é uma outra consequência. Então, você tem que construir essas questões. Eu tive três anos como professor Itinerante na escola Luiz Nunes Direito na Cidade Nova. Eu ligado ainda ao Astério, mas desempenham parte da minha carga horária lá. Fizemos várias parcerias com os professores. Então, na apresentação de seminários, nós construímos com os alunos os slides, as apre-

sentações. Eu fazia a interpretação da apresentação dele para os professores. Os professores faziam perguntas. Eu fazia esse papel de intérprete nesse momento. Tem um professor, por exemplo, que fez em alguns momentos a prova de surdos, aquela ideia que a gente tem da prova oral, para o surdo ele fazia a prova sinalizada. Então, ele construía ali 6 questões, reunia comigo e com os surdos, aí ele escolhia “olha, faz essa questão aqui para ele”, aí eu perguntava para o surdo aquela questão, aí o surdo respondia, e eu ia interpretar e fazia esse papel de intérprete nesse momento. Aí o professor avaliava a resposta.

É interessante que é um ser humano. Então, quando ele não sabia, a feição dele mostrava logo que ele não sabia. Ele ficava nervoso, ficava tentando enrolar. O professor já percebia que ele estava com dificuldade para dar resposta. Então, são situações aí, nós fizemos, por exemplo, trabalhos com maquet-es. Esse foi muito interessante, o professor estava trabalhando “A Belle Époque”. E aí ele pediu para os surdos falarem sobre cinema Olympia. Essa foi uma ideia que partiu deles, por exem-plo, eu queria fazer uma maquete do cinema Olímpia, eles dis-seram “não, vamos fazer uma da fundação do cinema, outra dos anos 70/80 e outros agora”. Então, nós acabamos discutin-do a temporalidade, as mudanças arquitetônicas do prédio pú-blico, enfim, ficou bem legal. A apresentação de documentári-os, eu achei um documentário sobre o cinema Olympia, apre-sentamos para eles a interpretação. Então, há uma gama de possibilidades aí realmente. Na questão de química, a professo-ra também pegou umas bolinhas de isopor e aí o que aconte-cia? Aquelas bolinhas de isopor eram as moléculas, aí quando ela queria uma molécula diferente daquela da bolinha, ela já pintava a bolinha de vermelho para representar que era o hidrogênio, que era um carbono.

Então, todas essas possibilidades elas são possíveis de ser utilizada e o interessante é que fica muito bacana para o ouvin-te e para o surdo porque acaba trabalhando um pouco do lúdico. Não é só aquela coisa do professor que fala, fala, fala, e o aluno acaba construindo também ali as coisas, o conheci-mento.

Fabrício: Professor Silvio.

Sílvio: Eu queria complementar fazendo uma boa abordagem voltando lá para a questão do intérprete de libras, porque a gente sabe que o recurso visual, a dramatização tudo isso real-mente eles são de extrema importância. Mas olhando intér-prete em conta uma tecnologia assistiva dentro desse espaço, a gente precisa pensar que o professor deve ter ele também como recurso metodológico. Então, eu quero aproveitar o espaço para conversar também com os professores que possam estar ouvindo os alunos, que é direito do professor ter um intérprete de libras ao seu lado enquanto recurso met-odológico, por que o professor possivelmente não conseguirá sinalizar de forma fluente na sala de aula.

Então atenção para quem tá ouvindo uso decreto 5626/2005 para cobrar dos pais os direitos dos alunos surdos. Você pode levar isso ao Ministério Público para que possa ser trazido o intérprete de Libras. Eu acho que esse recurso met-odológico, o intérprete enquanto recurso metodológico, é im-portantíssimo dentro da sala porque o professor mas na maio-ria das vezes ele não terá tantas vezes para organizar todas as suas aulas de forma visual. Então, esse intérprete de Libras, ali, ele é essencial nos momentos em que o professor não tivesse oportunidade.

Fabrício: Está chegando já ao final do programa, vou abrir o espaço para as considerações finais dos nossos convidados, men-sagem de finais, o que vocês consideram como desafio, algo que vocês queiram reforçar em relação ao que a gente debateu ao longo dessa entrevista. Professor Padovani, pode começar? Ernesto: Na verdade, eu gostaria de agradecer, muito importante esse espaço. A gente percebe que a cada dia a questão da Ed-ucação de surdos está ganhando uma projeção. Eu acho que a questão da redação no Enem foi um antes e depois. O espaço, eu mesmo posso testemunhar, eu já estava ali no mestrado, fazendo projeto, mas depois que veio a redação do Enem, os convites para estar nos espaços, no IFPA, na UEPA na própria UFPA, convites para palestra, enfim. Está discutindo essa questão aumentou muito. Então isso é fundamental, não só para o nosso trabalho né mas para esse público que em algum momento nos falamos aqui da invisibilidade do Surdo, e era um público invisível e é um público que cada vez mais não quer ser invisível, quer ser representado.

Então, nós percebemos que as janelinhas da língua de sinais na TV já é uma coisa que está ganhando muita força, nas campanhas eleitorais, aí foi uma grande novidade. Mas o corre-to é que isto esteja em todos os momentos, em todos os dis-cursos. A gente ainda não vê isso no Brasil, os políticos fazem seus discursos mesmos nos cargos de governadores, presi-dentes, não tem um intérprete.

Quando nós vemos imagens no exterior, o presidente americano falando, a intérprete está do lado. Então, nós temos

um caminho grande aí de conquistas para trilhar, que a comuni-dade surda tem naturalmente também que trilhar.

Fabrício: Ohana. Ohana: Eu quero agradecer também pelo convite. Eu quero agra-decer novamente ao professor Neto por ter me convidado a fazer parte desse canal. Eu não tenho parentes surdos, na ver-dade eu tenho namorado surdo. Então assim, onde estiver um surdo, eu sempre estou lutando com eles. Inclusive, eu faço parte da diretoria da Jubel. É uma honra ser a única ouvinte, então é muita confiança perante os surdos né.

Então assim, na associação a gente luta pela presença do intérprete em sala de aula, nos hospitais, em qualquer espaço. Então assim, essa visibilidade está ocorrendo assim, mas tem que melhorar enfim, tem que avançar mais. Então, para os pro-fessores que estão escutando, eu sei que não tem muito tempo assim para organizar o material, mas fazer um esforcinho. Pro-fessores que estão ouvindo, por exemplo, você tem um aluno surdo ou com outra deficiência procure ter contato com seu aluno, procure saber o que ele pensa, se ele está entendendo. É importante isso.

Fabrício: Professor Sílvio

Sílvio: Bom, primeiramente, eu queria agradecer o convite. Foi uma honra estar debatendo junto com professor Netto Pado-vani e a professor Ohana. E o recado que eu deixo aos profes-sores é sempre buscar pensar, que a partir do momento em que você tem um aluno surdo na sala de aula pensar nessas

metodologias visuais, pensar nessas estratégias que você con-segue desenvolver um trabalho, se as dificuldades elas exist-irem, e caso haja o atendimento educacional especializado na sua escola, procurar o AE de forma a buscar esse suporte que você precisa.

É importante ressaltar que a gente iniciou lá falando sobre a Libras enquanto disciplina, nenhum professor, nenhum aluno vai sair fluente na língua de sinais, porém eu acredito que o ponto mais importante da disciplina é disseminar essa questão da diferença. Então o professor que está hoje trabalhando com surdos ele precisa entender que esse indivíduo tem particulari-dades, ele tem diferenças em relação aos alunos ouvintes e se ele buscar respeitar essas particularidades o desenvolvimento desses alunos será bem maior.

Em suma fica a dica, aproveitando a sala da professora Ohana, quebre essa barreira que existe entre você e o aluno, uma barreira imaginária que já se passaram anos e é necessário você quebrar. Como você faz para quebrar isso é chegando próximo desse aluno perguntando se ele está entendendo, per-guntando de que forma ele que aprender com a professora sugeriu ainda pouco e dessa forma ele vai conseguir fazer com que esse aluno possa expressar as formas que ele pode com-preender melhor, porque a gente deu algumas dicas mas não são receitas.

Cada um, cada professor vai observar dentro dos seus espaços escolares de salas de aula alunos com suas particulari-dades, então, o grande ponto é chegar próximo do aluno que foi que a professora a Ohana citou, quebrar a barreira imag-inária.

Fabrício: Está certo. Muito obrigado professor Silvio, professora Ohana, professor Padovani. Muito obrigado pela participação de vocês, pelos esclarecimentos e por compartilhar conheci-mento com a gente obrigado.

Sílvio: obrigado.

Fabrício: Agradeço mais uma vez a participação do professor Silvio Santiago Vieira, professor Padovani Neto e a professora Ohana Matias. Agradeço também a você ouvinte que acompanha o programa de hoje. Se você quiser enviar críticas comentários ou sugestões é só mandar um e-mail para rá[email protected].

educação de surdos, são experiências muito diversas, lógico, né. Por exemplo, em relação a esse contato que vocês tiveram com a Libras que inclusive, é exigido como eu falei, nos própri-os cursos de licenciatura, esse primeiro contato que muitos professores, licenciandos, hoje alunos de graduação têm, será que ele evoluiu muito dos que vocês tiveram por exemplo, no contato de vocês com a licenciatura? Será que hoje avançamos mais neste contato da Libras, nessa inserção da Libras no ensino superior pra formar esses profissionais, esses profes-sores que vão poder incluir esse aluno no sistema de ensino? ou vocês veem muita similaridade com o que vocês tiveram como experiência enquanto universitários. Como é que vocês veem essa evolução? Teve avanço ou não? Sílvio: A minha primeira formação é em Matemática. Na época em que eu me formei em matemática não existia no currículo a disciplina Língua Brasileira de Sinais, então eu só fui ter contato com a libras enquanto disciplina na especialização, mas hoje eu sou formador de alunos de cursos de licenciatura. Então, mesmo assim eu ainda observo que existem algumas coisas que nós precisamos avançar, por exemplo, a carga horária dessas disciplinas é muito reduzida na maioria dos cursos de graduação. Há curso em que a carga horária varia de 40 horas, 50 horas, 60 horas. A gente há de considerar, o professor Padovani, por exem-plo está desenvolvendo uma dissertação de mestrado onde ele tem um olhar sobre a história desse indivíduo dentro de um processo educacional. Imagina, você precisa apresentar essa história que não é pequena para o aluno graduando. Você pre-cisa trabalhar as metodologias de ensino, você precisa tra-balhar com experiências, você precisa levar esses alunos pra escola de educação de surdos pra que eles possam conhecer

Como professor da escola Astério de Campos que é uma escola de referência em Belém, todo o início de ano nós recebemos muitos convites para formação. E aí eu sou um dos professores que costuma ir dar essa formação. E a preocu-pação é essa. “Professor, sou professor de física, e aí o que que eu vou fazer com o aluno surdo que está na minha sala?”.

Então, quer dizer, mesmo sendo professor de história, eu procurei desenvolver, construir alguns materiais pra esses mo-mentos de formação onde eu explico pra eles, por exemplo, que pro surdo se você vai trabalhar matemática, você vai tra-balhar aquela abstração, aquelas frações, então é muito com-plicado. Agora se você traz para aquelas questões que é algo que está afinado com o aquilo que o MEC pensa em relação ao enem, se você traz que os prédios projeta uma sombra de tantos graus, formando um ângulo, você abre a mente ali pra trabalhar com o surdo porque ele está visualizando o prédio, a sombra, o grau está relacionado com a vida, então não é algo tão distante pro mundo ouvinte.

Em geral, quando estou em momentos de formação, ou em espaços educacionais, eles pensam que o surdo ele não ouve, mas ele sabe ler, então é muito complicado, porque ao não ouvir, o surdo não criou o conceito daquela palavra, nós sabe-mos que mesa é mesa, nós ouvimos a palavra mesa e atribuí-mos à mesa.

O surdo não ouviu essa palavra, então o conceito para ele, a palavra pra ele é um emaranhado de signos pra ele. Ele preci-sa estar gravando aqueles signos. A disciplina libras ela não está dando conta disso, ao meu ver. Os alunos vão pra essa dis-ciplina, eles não vão aprender a língua de sinais. Eu tenho con-tato com professores do ensino regular que têm alunos surdos há oito anos, há sete anos. Na minha pesquisa eu entrevistei

professores que têm alunos surdos há 10, 8 anos e ainda não sabe dá bom dia. Então, na disciplina também esse aluno não vai aprender. Está servindo pra ele entrar em contato e saber que isso existe. Hoje a minha luta, eu estou tentando criar um conceito que é o ensino de história em contextos inclusivos, que esse debate vá de fato pro campo das disciplinas, das áreas de conhecimento e não fique pairando acima de todas disciplinas que não dá conta. As disciplinas têm metodologias diferenciadas de ensino.

Fabrício: Como é que essa realidade no curso de letras, Ohana?

Ohana: Sim, sim, como o professor Neto falou, eu vim do curso Letras Libras, então tinha agrade curricular toda voltada pra Libras, pra educação dos surdos, então assim, em si, eu não tive essa dificuldade, mas se eu dependesse só do curso, hoje em dia talvez, eu estaria sinalizando só o básico, assim infelizmente como muitos colegas meus terminaram o curso e não tinham domínio da Língua de Sinais. Então, eu precisei correr exata-mente para manter contato com o usuário da língua pra poder aprender. Hoje em dia tudo o que eu sei foi porque eu estou sempre tendo contato com o surdo, então assim, quando eu conversa-va nos corredores com meus outros colegas de graduações, seja de letras português, biologia, eles me falavam assim “Ohana, você pode me ensinar qual é o sinal isso, isso, o sinal específico da graduação deles, porque o meu professor falta, porque o meu professor não está presente”, ou como o profes-sor Sílvio falou “a carga horária é muito pouca”, então assim, “não faz a adaptação voltada para o meu curso”. Então, como eu posso chegar numa graduação, por exemplo de licenciatura em biologia e ensinar por exemplo, só o alfabeto, só os sinais

esses espaços que é a partir dessa experiências empírica que ele pode se identificar muito mais com esses processo. Então eu observo que 60 horas, 80 horas é uma carga horária insufici-ente. Na minha opinião, nós deveríamos ter hoje um estágio curricular voltado pra educação especial. Os alunos saem da graduação sem saber como lidar com os alunos com deficiên-cia.

Falando do aluno surdo, ele sai ainda mais perdido haja vista que a Língua de sinais é uma língua diferente da Língua Portuguesa, com uma estrutura gramatical que carrega uma especificidade muito diferente da Língua Portuguesa. Então penso que a gente deve continuar discutindo essas questões da inclusão a fim de que exista um estágio supervisionado especifico. É lógico que as pessoas não vão sair de lá expertise em trabalhar com surdos, mas ela pelo menos terá condições de compreender essa realidade da inclusão escolar visitando esses espaços, essas escolas que têm educação especial que ainda existem aqui dentro de Belém.

Fabrício: Padovani.

Ernesto: Na minha graduação também ainda não havia essa questão da disciplina Libras. Pra dizer a verdade, durante a minha graduação nunca nem passou pela minha cabeça essa realidade. Não era algo discutido, debatido, presente dentro da Universidade, nem na sociedade. O que acontece assim, eu go-staria de concordar com o professor e também aprofundar no sentido de não é só uma questão de apresentar a disciplina com o nome Libras. Então, eu preciso trabalhar com o meu aluno de história metodologias de ensino de história pra surdos, metodologias de ensino de matemática para surdos.

Fabrício: Olá, ouvintes da Rádio Web UFPA. Eu sou Fabrício Que-iroz e a partir de agora você acompanha comigo mais uma edição do UFPA Ensino que hoje vai falar sobre Metodologias de Ensino para surdos.

Segundo o censo do IBGE de 2010, 9 milhões e 700 mil pessoas têm deficiência auditiva. Cerca de um milhão são jovens até 19 anos. No Brasil, os surdos só passaram a ter acesso à educação durante o império.

Em 26 de setembro de 1857, foi criada a primeira escola de educação de meninos surdos, no Rio de Janeiro. Apesar do avanço, somente em 2002, a Lei nº10.436 reconheceu oficial-mente a Língua Brasileira de Sinais, a LIBRAS.

A Libras é fundamental para garantir o aprendizado de alunos surdos. Em 2005, com o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro, a Libras foi determinada como disciplina curricular obrigatória para todos os cursos de licenciatura e também fonoaudiologia, e ela é optativa para os demais cursos do ensino superior e da educação profissional.

Outra grande conquista aconteceu em 2010, quando a profissão de tradutor–intérprete de Libras foi regulamentada em de 1º de setembro.

Além disso, professores têm buscado trazer a Libras para fora da sala de aula. Na internet, por exemplo, existem video-aulas em libras, democratizando o acesso à educação.

Hoje, vamos conhecer o trabalho de professores e intérpretes de Libras que desenvolvem estratégias para melhorar o ensino para surdos. Recebemos aqui no es-túdio da Rádio Web o professor da UEPA Sílvio Santia-go Vieira, ele é mestrando em Ciências da Religião, es-pecialista em Atendimento Educacional Especializado e também coordena o Grupo de Estudos Surdos & Inter-faces do IEPA, que é o Instituto de Educação e Cultura do Pará. Professor Silvio, muito obrigado por sua partic-ipação, bem-vindo.

Sívio Viera: Muito obrigado pelo convite.

Fabrício: Obrigado, professor Silvio. Também estou rece-bendo o Ernesto Padovani Netto, mais conhecido como Padovani. Ele é aluno do Mestrado Profissional em Ensino de História e é responsável pelo canal do Youtube “História em Libras”, e também é professor da SEDUC. Professor Padovani, muito obrigado.

Ernesto Padovani: Obrigado pelo convite, a gente espera contribuir aqui um pouco com o debate.

Fabrício: Obrigado, professor. E também recebemos a Ohana Matias. Ela é tradutora / intérprete de libras, é professora substituta da UEPA. Também atua como tutora na UEPA no curso de Pedagogia Bilíngue, além de ser especialista em Educação Especial e Inclusiva, e também colaboradora do canal “História em Libras”.

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RÁDIO WEB UFPA: Divulgando conhecimento 8

Ohana, também muito obrigado pela tua participação, bem-vinda.

Ohana: Obrigada pelo convite, é um prazer estar aqui estar fazendo parte desta discussão.

Fabrício: Eu queria que, na verdade, vocês primeiramente se apresentassem um pouco pra gente conhecer um pouco da trajetória e do interesse de vocês por essa área tão cara e tão desafiadora. A gente viu aí por esse pequeno histórico o quanto ela foi negligenciada, a educação de surdos, a educação inclusiva. O que que motivou vocês a trabalhar com essa área que ainda é um desafio na ed-ucação brasileira? Professora Ohana.

Ohana: Ohana: Bom, a minha história em si é bem diferente dos outros. Os meus colegas que eu estudei no curso de letras libras em 2012, a maioria veio da área da interpre-tação da igreja, ou tinha um parente surdo e no meu caso em si é por conta da minha mãe ser pedagoga. Então, como ela fazia na época o curso de libras, ela me incentivou para escolher esse curso. Na verdade, eu con-heci esse mundo novo quando eu passei no vestibular. Então assim, a partir do momento que eu comecei a estudar e começar a entender a história da educação do surdo, foi só um momento assim pra eu procurar saber mais sinais. Então, foi uma grande oportunidade e hoje em dia eu estou atuando, também faço parte da as-sociação dos surdos de Belém. Então eu estou sempre

nessa constante luta em prol da educação dos surdos, na luta por eles.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: Bom, a minha trajetória ela começa quando em 2009 eu resolvi fazer um curso de Língua Brasileira de Sinais no CAES. Eu tive um aluno surdo na época no Augusto Meira. Não sabia como lidar com os alunos surdos. E a minha comunicação com eles era basicamente por meio da mímica, por meio da escrita nos braços. Os surdos eles têm o costume de escrever no braço quando não têm papel, apagava, enfim. E assim eu fui apren-dendo os sinais iniciais e eu percebi que eu deveria ir mais adi-ante. Eu já tinha experiência com educação de alunos cegos e baixa visão, porém a minha experiência com os surdos me fez refletir sobre essas carências que a formação inicial de profes-sores possui. Aí eu fui fazer um curso de libras, tive o professor Arlindo, o professor Tiago Costa como meus professores. E foram pessoas que contribuíram muito para a minha formação inicial na área da língua de sinais. Em 2010, então eu resolvi en-veredar pela especialização nessa área, fiz especialização em Libras. E comecei também em 2010 a interpretar dentro da Igreja Assembleia de Deus. Foi quando eu realmente resolvi me focar nessa questão da interpretação que eu já estava na docência. Posteriormente a isso, eu resolvi criar o grupo de estudos surdos e interfaces, onde a gente tem discussões diversificadas, mas especifica-mente hoje nós estamos discutindo as questões relacionadas a

gênero e sexualidade dentro do grupo, haja vista que a comu-nidade surda belemense, ela apresenta uma pluralidade nesse sentido e é necessário que familiares e escolas possam com-preender essa questão da sexualidade do surdo que manifesta certas diferenças em relação à sexualidade dos indivíduos ouvin-tes. E também com foco na questão da religião pois eu tenho ob-servado que hoje os surdos eles têm buscado enveredar por outros ramos religiosos além do cristianismo. E a minha trajetória hoje tem sido basicamente focar na compreensão de como é que tem se desenvolvido essas territorialidades e os territórios dentro dos espaços sagrados. Hoje minhas pesquisas estão focadas nisso.

Fabrício: Professor Padovani.

Ernesto: Ok. Bem, eu sou professor da rede estadual de ensino há dez anos. Então quando eu comecei eu tra-balhei uns três anos no interior do estado. Tive um públi-co também de trabalhar em comunidades, quando vim, voltei a Belém, voltei pra trabalhar no sistema penal. O que ocorreu? Na verdade, lá no Astério de Campos não tinha professor de história. Aí me fizeram a proposta. Então, na verdade não foi muito uma escolha minha. Che-gando lá, eu criei de fato uma grande identificação com o trabalho. Fiz uma especialização em educação inclusiva e comecei a observar as dificuldades deles em relação à Língua Portuguesa, dificuldades com textos muito grandes, necessidade da utilização de imagens, então eu fui montando uma metodologia a partir de referenciais teóricos como a pedagogia visual e criando meu próprio material didático, criando formas de trabalhar com eles.

Quando surgiu a seleção pro Mestrado Profissional em Ensino de História, o PROFHISTÓRIA, eu fiz a seleção, fui aprovado e fui com isso na cabeça, que eu ia fazer um projeto sobre educação de surdos, unindo essas duas áreas. A questão da história e a questão da metodologia de ensino. E aí perpassam vários elementos, não é só a história em si. O meu trabalho é um trabalho sócio-histórico que vou justamente remontar o período do oralismo, passando pela co-municação total, são metodologias que são utilizadas até hoje como proposta teórica do bilinguismo prevalecendo na edu-cação dos surdos, pelo menos uma tentativa pra que prevaleça. E aí na verdade o canal “História em Libras”, ele surge como um produto desse mestrado. O mestrado profissional em ensino de história, ele exige uma dissertação escrita e um pro-duto pedagógico aplicável. Então existem várias possibilidades de produtos. A minha intenção inicial era fazer um material didático mesmo pra distribuir nas escolas, mas eu fiquei pen-sando na logística disso e no alcance que isso teria. Então, con-versando com amigos porque tem essa questão da interdisci-plinaridade, eu precisei de um amigo meu que trabalha com cinema, precisei da Ohana pra construir a proposta do canal. Então, desenvolvemos a ideia de um canal na internet seria muito melhor porque eu não teria o problema da divul-gação. Colocou na internet as pessoas podem acessar. E nós estamos nesse momento. Graças a Deus o vídeo está sendo muito acessado, teve uma repercussão muito boa. A Mídia Ninja compartilhou nos espaços que eles têm nas mídias digi-tais. Estamos agora aqui nesse debate

Fabrício: Dá pra esse primeiro relato de vocês, em relação à experiência, o contato que vocês tiveram com a Libras, com a

de família, de frutas, aí esse professor vai se formar, vai chegar numa sala de aula e vai só manter esse diálogo só de frutas, alfabeto? Não. Ele tem que saber o sinal de células, de mem-brana, disso, daquilo, tem que saber como é usar um classifica-dor. Infelizmente, é quebrada essa grade curricular das pessoas que estão na licenciatura.

Eu vivenciei isso muito quando eu fui intérprete de uma escola que tinha uma demanda muito grande, tinha 18 surdos na escola. Eu atendia oito surdos no ensino médio. Então, assim, eu observava a dificuldade dos professores. Eles chega-vam pra mim “eu nem tive essa disciplina de libras”, “eu nem sei o que é isso”, “é surdo mudo?” “ah, os teus alunos”. Eles não eram os meus alunos, eles eram alunos deles tanto quanto os ouvintes. Então, no caso, eu falava assim, “professor você tem que direcionar a eles”, “ah, mas só que ele vai pensar que é tu que tá chamando a atenção ou tá explicando”. Eu digo “não, ele sabe diferenciar, o meu papel aqui é de intérprete”. Eu sempre lutava a questão da metodologia, não pensavam no surdo.

Uma vez aconteceu uma situação que foi ao contrário, estava com legenda e sem som. Os ouvintes reclamaram. Aí eu falei para eles, “agora, vocês entenderam o que é estar na pele de uma pessoa surda:” Não é fácil. A informação não chega tão fácil pro surdo.O professor fez esse canal História. Esse canal é uma forma de democratizar tanto para surdo como para ouvin-te porque ele está usando diretamente a língua de sinais e tem ali a legenda.

Fabrício: Professor Padovani

Ernesto: Eu queria retomar mais uma questão pra embasar essa questão da metodologia, porque por exemplo a gente percebe muito há um censo comum de querer resumir a questão à língua. Então, se você tem um intérprete na escola, que não tem, em geral, não tem. Quando tem, então resolveu o proble-ma, agora tem intérprete. Então, eu faço sempre a discussão, o seguinte, se o problema fosse a língua, os nossos alunos ouvin-tes todos não teriam problema nenhum de educação no Brasil. Professor fala português, os alunos todos falam português, en-tendem, então por que os alunos não alcançam a média? Por que nós não estamos nos melhores patamares de educação mundial? Então nós não podemos também resumir o debate à língua. Então, como é que o aluno entende? É a partir da imagem? É a partir da construção de maquete? Qual é a possi-bilidade que se tem de vídeos com legenda?

O primeiro dia que o vídeo foi postado no Youtube, ele ficou sem legenda. Foi uma estratégia mesmo. Eu fui colhendo e estou colhendo os depoimentos pra finalizar a dissertação. “Poxa, não consegui, olha, eu paro, pela metade, eu parei. Não consegui acabar de ver, não tava entendendo nada”.Olha que nós colocamos os recursos imagéticos entrando no vídeo e em alguns momentos chaves aparecia escrito também o que estava sendo falado. Mas mesmo assim as pessoas reclamaram ou muitas fizeram essa reflexão: “poxa, agora eu me senti como os surdos se sentem”. São pequenas situações do dia a dia que no universo da escola se traduz em outras formas, mas são hierarquias de saberes. Um professor está ministrando aula, o outro professor vem dar um recado na turma, bota o rosto dentro da sala, “gente, gente, licença aqui, rapidinho, amanhã tem prova, dois reais a prova e tal”. Recado dado.

O surdo não entendeu. Vamos passar o vídeo pra turma, vamos levar para o auditório, muito legal, todo mundo vai, chega na hora de passar o vídeo me chamam pra interpretar, já aconteceu isso, eu não sou intérprete mas você está na escola, você sabe Língua de Sinais, você é intérprete, você é professor do AE, você é itinerante, você é tudo. Então fui lá interpretar, tudo certo, vamos lá, solta o play, apagam a luz. Como é que o surdo vai ter acesso à minha interpretação, então são questões que... é maldade? Não. Não é. Mas isso estrutura uma hierarquia de saberes. Entendeu. São hábitos que a escola internaliza porque ela é uma escola voltada e pensada para o público ou-vinte. O que me chama atenção é que isso acontece em escolas em que os surdos estudam há 10, 15 anos. Então, quando a escola vai internalizar presença do surdo? Então, acho que essas são questões aí que abrem um bom leque pra gente dis-cutir e pensar.

Fabrício: Só pra voltar, eu achei interessante o depoimento da Ohana, essa relação, dela como intérprete né. O Padovani ele tem o conhecimento, de repente ele pode usar desse conheci-mento pra se comunicar com esse aluno surdo, mas nem todas as escolas têm um profissional como a Ohana. E como é que fica a relação entre o professor e esse intérprete? Onde é que começa o papel de um e o papel de outro? Como é que se con-strói esse relacionamento pra que se possa comunicar e repas-sar esse conteúdo pra esses alunos? Como é essa dinâmica?

Ohana: Bom, a priori, o que deveria ocorrer era ter essa parceria com o professor e o interprete. Por que? porque o papel do intérprete é mediar. Ele não vai ensinar nada. Até porque a minha formação é Letras com habilitação em Libras, não é for-

mação em Letras, Português, Biologia, Matemática, não é.

A minha formação é Letras, então qual é o meu papel ali? É de chegar e interpretar tudo o que o professor falar. E quando eu digo tudo, eu interpretava até palavrões, enfim, tudo o que o professor abrisse a boca eu interpretava porque eu estou ali. Só que infelizmente essa experiência que eu tive o professor confundia, ele pensava que eu era a professora deles, e eu dizia “Olha, eu tenho respaldo, tem a lei, tem o código de ética, tenho tudo o que o senhor quiser eu mostro, mas esse daí não é meu papel, essa competência não é minha, é a sua”. Então, tem que ter essa parceria. O que o intérprete pode ajudar? Ajudar a dar umas dicas, como é que faz o material, coloca a legenda na próxima aula, é assim, é essa parceria. Essa relação de professor, intérprete e aluno.

Sílvio: Relacionando a fala da professora Ohana também pensan-do no atendimento educacional especializado. Então, ela ainda pouco colocou que o professor sempre atribui a responsabili-dade para o intérprete de Libras, mas ele também faz isso para o atendimento especializado. Por quê?

Historicamente a educação do surdo, ela foi atribuída à ed-ucação especial. Então, com o processo de inclusão que se dá a partir de 1996, com a lei de diretrizes e bases 93/94 de 96, é que a gente vem perceber que esses indivíduos com deficiên-cia, pessoas com deficiência, passam a ingressar dentro das escolas regulares. Só que nós passamos a ter dois personagens que antes nós não tínhamos dentro desses espaços, os intér-pretes de libras e os cuidadores também, e também a gente passa a ter o atendimento educacional especializado que as pessoas acham que é antiga educação especial, mas na ver-

dade há controvérsias, porque educação especial funcionava numa sala de aula onde se ensinavam essas pessoas. E o AE não, ele funciona como educação suplementar complementar, porém para o professor da rede regular, ele entende que é responsabilidade do AE ensinar os aluno surdos, que é responsabilidade do intérprete ensinar os alunos surdos, ou seja, esses personagens acabaram tendo responsabilidades além de suas responsabilidades e o professor se exime.

O Vigotski diz que “quando a gente enxerga deficiência primeiro ao invés de enxergar o ser humano, a gente destrói qualquer possibilidade de desenvolvimento desse indivíduo”. Então, a gente pode pegar a fala do professor Netto Padovani, por exemplo, em relação a questão das metodologias e obser-var que a maioria dos professores estão destruindo possibili-dades de desenvolvimento desses alunos na sala de aula exata-mente por causa das metodologias. Eu também não quero cul-pabilizar somente esses professores porque também a gente tem que pensar na formação desses indivíduos e nós também precisamos pensar que a Universidade também deve oferecer cursos de formação continuada, porque esse papel é da Uni-versidade. A gente costuma atribuir essa responsabilidade, “Ah, o governo não faz”, mas a Universidade é quem forma, é ela que deve trazer os professores pra dentro. Ela que precisa buscar parcerias com as escolas, parcerias com as unidades pra que isso possa acontecer.

Hoje, nós ainda observamos uma grande polêmica dentro das escolas. Intérprete de Libras que acabam tendo discussões com professores porque as vezes são atribuídas responsabili-dades. Durante o meu período na rede regular de ensino, eu tive dois alunos surdos, depois eu já estava fluente em Libras, e eu também tive problemas. E é legal colocar isso, porque os

meus alunos ouvintes não gostavam de eu passava a sinalizar na sala de aula. Então, o que que eu fazia, passava todo o con-teúdo de matemática, explicava primeiro em Língua Portugue-sa, passava uma bateria de exercícios pra eles fazerem, e era o momento em que eu ia sinalizar, porque não tinha intérprete de Libras, para os dois alunos surdos.

Só que isso gerava discussões na sala, “Ah, o professor não está dando atenção pra gente”, “o professor agora só olha pra esses surdos, lá vem ele com essa língua de sinais pra dentro da sala de aula”. Então, a gente observa que essas relações de poder que incidem dentro do espaço da sala de aula ainda fazem com que os ouvintes entendam que deve ser dada atenção a eles e que aos indivíduos surdos não deve ser dada atenção. Tem uma charge no livro do Moacir Carneiro muito interessante, inclusive nas formações continuadas eu sempre falo isso pros professores, os professores estão aqui em cima conversando “nós não conhecemos nada sobre esses indivíduos, nunca ouvimos falar nada sobre educação espe-cial”. Aí os alunos todos embaixo olhando.

Na verdade, essas pessoas vão reproduzir lá embaixo esse mesmo pensamento, é por isso que esses alunos pensam hoje que o professor deve dar atenção a eles e não devem dar atenção aos alunos surdos dentro da sala. Já eles também não aprenderam nada sobre educação especial, não aprenderam nada sobre pluralidade, diversidade, e acima de tudo sobre dif-erença.

Ohana: Eu vivenciei nessa escola, eu trabalhei nessa escola, se eu não me engano, dois anos e meio. Então assim, para aquela turma, eu acompanhei os surdos, primeiro, segundo e terceiro

ano. Até metade do convênio. Então, quando foi no primeiro ano, os ouvintes assim sofreram um impacto. “Intérprete?”, “surdos?”, “mãos mexendo?”, “Meu Deus!”, porque foram logo oito na minha turma. Então, assim, no início, eles deixavam de prestar atenção no professor e ficavam assim olhando pra mim, com os olhos vidrados, eu ficava intimidada inclusive, com o tempo eles foram habituando e foi passando ano, dois anos, mas o que me veio à cabeça, assim eu sempre fui tímida, então eu sempre chegava, dava bom dia pra quem estava na frente, mas eu não era de ficar batendo papo com os ouvintes.

Então, eu ficava conversando com os surdos, enquanto o professor não chegava. Então, assim os ouvintes assim, meio que segregavam a gente. Então, o que eu acho engraçado, é quando eles foram ter contato comigo? um dia após a prova do Enem. Tinha gente da escola do primeiro ano que eu nunca tinha visto na vida. Eles chegaram “Ei, tia, a minha proposta está boa”, “será que pode falar deficiente auditivo”, “eles são surdo-mudos”, “é isso, é aquilo”. Foi a primeira vez que eles viram a necessidade. A escola em si diz “Ah, a gente está inte-grando”, mas na verdade segregava. Então foi uma experiência dessa forma, foi ruim pra mim inclusive. Na verdade se não fosse eu ali com os surdos, eles não iam ter visibilidade naquela escola.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: É bem legal a gente observar que as falas estão contemp-lando o que a gente chama de currículo oculto dentro das insti-tuições, e é isso que a gente tem pra parar pra pensar hoje. As metodologias de ensino, elas podem contemplar as necessi-dades do professor na sala de aula, ok. Mas a escola precisa tra-

balhar o currículo oculto que é exatamente o que o professor Netto e a professora Ohana colocaram, que é essa questão da alteridade, de fazer com que o professor e o aluno possam se colocar no lugar do outro, porque inclusão ela precisa ser para todos. Ela tem que começar lá do porteiro até a merendeira. Então não é só o professor que deve passar por esse processo, e quando a escola inteira passar a se modificar, então, a gente vai começar a observar que os alunos ouvintes vão com-preender as particularidades étnico-linguísticos desses indivíduos surdos. Hoje a gente vem percebendo pelas experiências de rela-tos, até mesmo as experiências que a gente já viveu, que esses alunos eles ainda não compreendem. Eu lembro, por exemplo, uma vez que eu fui interpretar para um amigo meu, o Ademil-ton. Eu acho que a professora Ohana até conhece. Ele é surdo. Na época ele fazia ensino médio. E foi uma experiência muito triste porque o professor não sabia sequer da existência de um profissional interprete de Libras, então eu pedi pra diretora da escola, uma escola pública de Belém pra entrar pra interpretar na aula de química, e o professor me viu virado o tempo todo de costa pra ele. E ele achou que eu era um surdo que estava simplesmente conversando na sala de aula.

Só pra você ter uma noção do que que que é essa falta de compreensão desse outro indivíduo que está ali. E os alunos ouvintes na hora da frequência, começaram a chamar nome a nome, e eu disse “olha, o professor chamou o teu nome”. Ai ele foi lá na frente, e disse pro professor apontar. O professor fez um gesto obsceno pra ele e todo mundo começou a rir. De repente uma aluna chega e pergunta “professor, porque que ele tá aqui na sala de aula”. Ele disse assim: “Eu não sei, eu tô levando até onde eu posso”. Na verdade, esse professor não estava levando nada. Porque aquele momento ali mostrava que

ele não compreendia. Foi quando eu chamei o professor. “Pro-fessor, ele está com dúvidas nisso”. Aí ele disse “Ah, você fala?”. “Sim, eu sou ouvinte, eu sou intérprete”. E aí foi muito legal porque o professor sabia ensinar o surdo, só que ele tem medo de ensinar, porque tem uma barreira imaginária entre o profes-sor e o aluno surdo. Eu não lembro direito o conteúdo, eu acho que era sobre átomos que ele estava ensinando. Ele pegou um pedaço de papel, fez um monte de bolinhas, e ensinou pro Ademilton o conteúdo. Então, ele sabia ensinar, a questão é que ele não sabia como chegar pra ensinar, então, isso é uma questão de currículo oculto.

Os professores, a escola, a direção, a coordenação ped-agógica, todos eles precisam se voltar pra compreender esse espaço plural que existe dentro da escola. A gente fala muito de diferença, mas a escola na verdade, a exclusão ainda impera dentro desse processo. E não é só para os indivíduos surdos, é para todos os alunos que sofrem qualquer tipo de exclusão dentro desse espaço.

Fabrício: Rádio Web UFPA apresentando o programa UFPA Ensino. Hoje o tema é Metodologias de Ensino para Surdos. Os nossos convidados são, o professor Sílvio Santiago Vieira, o professor Ernesto Padovani Netto e a professora Ohana Matias. A gente vai para um rápido intervalo e volta já já. Rádio Web UFPA divulgando conhecimento.

Vinheta: Você está ouvindo UFPA Ensino. Você está ouvindo UFPA Ensino.

Fabrício: Estamos de volta com o programa UFPA Ensino. O nosso tema de hoje é Metodologia de Ensino para Surdos e os nossos convidados de hoje são o professor da Universidade do Estado do Pará Sílvio Santiago Vieira. Também recebo o professor Ernesto Padovani Netto, ele é professor da Seduc e faz o me-strado profissional em Ensino de História e também estou rece-bendo a professora Ohana Matias, que é professora substituta também da UEPA e tradutora/intérprete de Libras e também colabora com o canal História em Libras, pensado aí pelo pro-fessor Padovani.

Estamos de volta aqui pra nossa conversa, vamos começar com o professor Padovani e com a professora Ohana pra eles comentarem um pouco mais sobre esta experiência do canal História em Libras, justamente como é que vocês propõem o ensino da história a partir do canal no Youtube, qual é o diferencial que vocês têm aplicado, lógico além das legend-as e tudo mais, em termos da perspectiva que vocês estão apli-cando a esse ensino de História pra realmente incluir essas pes-soas sendo surdos pra ele ter acesso a esse conteúdo. Profes-sor Padovani.

Ernesto: Na verdade, nós fizemos uma disciplina no mestrado min-istrada pela professora Edilza Fontes que chama-se “História Pública”. Então no Brasil é uma discussão um tanto quanto recente, a discussão sobre História Pública. História Pública perpassa pela questão de que você tem o historiador que produz o conhecimento histórico. Em outros momentos da história, o conhecimento histórico era fundamentalmente pro-duzido pelo historiador e hoje em dia o que nós temos? Nós temos canais no Youtube, nós temos programas de TV, nós

temos jornalistas. Na verdade, todo mundo fala de história o tempo todo. Então, a história ganhou esse viés de história pública. Então, são narrativas que estão aí se degladeando. A gente vê isso no Brasil, esquerda e direita construindo narrativas históricas em torno de situações que ocorreram. Então, esse foi um debate fundamental pra eu pensar o canal. Por que? Em 2013 nós tive-mos as manifestações, o início daquelas manifestações que acabaram culminando com o impeachment. Então, o que acon-teceu? Os surdos chegavam na escola “por que que está acon-tecendo isso?”. Aparecia os blacks bloks quebrando as coisas, colocando fogo, quebrando os bancos e tudo mais e os alunos chegavam “eu não estou entendendo, por que profes-sor na rua esse problema toda a hora na televisão? E eles não entendiam o que estava acontecendo. Então o problema era o acesso à informação. Então, que história está sendo construída para esse aluno? O que que ele está aprendendo no processo escolar, o que que ele está viven-ciando, está vivendo, podendo relacionar, inclusive. Então, eu fui trabalhar nessa perspectiva de explicar. Eu lembro, inclusive, no primeiro vestibular de Libras da UEPA que houve as vagas para os surdos, eu fiz uma discussão com seles sobre essa questão de 2013 dos blacks blocks relacionando com ludismo, quando os operários ingleses quebravam as fábricas e tudo mais. Acabou que foi uma questão que veio na prova, então eles acertaram em massa a questão. Então relacionar os tempos históricos a partir de situações vivenciadas por eles. E o canal História em Libras veio muito nessa perspectiva de pensar a História Pública, a História digital. Nós não temos mais como ser, no meu caso, eu trabalho com história, sermos histo-riadores que ficamos presos somente ao papel, não é verdade?

Somente a entregar textos escritos que uma banca vai ler e muitas das vezes não é lido maciçamente. Então o canal foi uma forma de além de contemplar a exigência do programa que é ter um produto pedagógico, é um exercício de história pública, porque o tema Movimentos Sociais que é o tema da primeira aula, ele surgiu porque eu fui perguntar para os alunos o que eles gostariam de estudar. Isso também é uma perspecti-va muito interessante da gente refletir, porque eu digo “qual é o tema que eu vou colocar? eu não vou elencar um tema de cima pra baixo. Fazer uma aula sobre tal tema e ao perguntar para os alunos, eles tinham muita dificuldade de me responder o que eles gostariam em história. Primeiro, por quê? Existem uma perspectiva de que a história é uma história política. Então, estudar História é estudar Getúlio Vargas, é estudar a Ditadura Militar, é estudar os governos, os grandes heróis na-cionais, entre aspas. E eu queria que eles compreendessem que os surdos tem história.

No YouTube você tem muitas aulas no estilo caseiro, diga-mos assim. Você filma ali o quadro, para um professor que só precisa do recurso da fala é tranquilo. O professor fala, o ouvin-te escutou a informação. Mas para o surdo não, eu preciso de edição, eu preciso que as imagens entrem, eu preciso dialogar com as imagens, eu preciso de uma certa produção. Então, eu encontrei parcerias para produzir esse primeiro vídeo. Houve um custo. Hoje é um momento em que a secretaria de edu-cação replicou essa questão do canal. A Seduc colocou no site, colocou na agência Pará, colocou matérias no YouTube, no Facebook, sobre o projeto. Mas agora a gente precisa de suporte para dar continuidade.

Fabrício: Professor Silvio, eu queria que você falasse um pouco da sua experiência porque o senhor atua em outra área de conhe-cimento que é o ensino religioso. É uma metodologia meio parecida? como é que é são as estratégias que o senhor usa para atuar nessa área específica?

Sílvio: Eu não trabalho com canal especificamente.

Fabrício: Sim, sim.

Sílvio: Hoje eu tenho focado no grupo GESI. As nossas reuniões são todas as sextas-feiras. A gente tem desenvolvido foco na questão da criação de sinais termos que contemplem as questões das religiões. Mas é muito importante ressaltar que nós não estamos focando no cristianismo porque o cristianis-

safio. A sala em si é bilíngue, mas a questão da metodologia dos professores que é o mais difícil, até às vezes o posiciona-mento, eles estão aqui, o intérprete está bem aqui, e eles passam na frente. O surdo reclama “a gente não está conse-guindo visualizar o intérprete”. Então, a gente fica meio assim andando para cá e para cá. Então, assim experiência é muito boa para mim lá na graduação, é outro nível com surdos e assim eu fico muito feliz porque eles estão amadurecendo bas-tante.

Quando eles entraram sentiram muita dificuldade assim como os ouvintes, então assim foi um papel tanto dos intérpre-tes quanto dos professores, enviando materiais para a gente, para a gente procurar como o professor Sílvio falou sobre os sinais termos, se existem, porque são disciplinas muito espe-cíficas. Então, já lá no curso de pedagogia bilíngue que já tem um material pronto, na verdade. Então, assim tem as videoau-las, então geralmente os surdos que vão para lá geralmente são 10 ou 12, porque na verdade nós tutores fazemos uma escala, por exemplo eu vou dois dias, o outro vai mais dois dias. Então assim, a experiência lá é a questão visual que é muito impor-tante.

E o interessante é que os sinais são bem diferentes. Então assim, eles mostram lá na videoaula que é no INES que fica no Rio de Janeiro, e então são bem diferente dos sinais que nós tutores usamos. Então, é uma metodologia muito boa lá assim na questão visual. Então, te dá esse auxílio, interpreta, por exemplo, os textos da Língua Portuguesa. E é esse o trabalho que a gente faz lá.

Fabrício: Na experiência de todos vocês, vocês todos falaram bas-

tante de utilizar estratégias que apelam para esse aspecto visual. A Libras é visual, mas vocês também falaram muito de utilizar estratégias que possam utilizar vídeos, por exemplo, maquetes, enfim, coisas que vão apelar para o sentido visual e vai facilitar esse ensino para esse aluno surdo.

Alguma outra experiência que vocês tiveram, outra poten-cialidade, alguma outra coisa nesse sentido que possa acres-centar para, de repente, um outro professor, para uma pessoa que, de repente, não tenho tido essa experiência, ou de repente possa pensar em alguma outra coisa que vocês possam apre-sentar em algum exemplo?

Ohana: Eu tive uma experiência. Eu ainda era estagiária lá no Astério de Campos. Então, estava eu mais a minha colega Silvana. Então, lembro que na época, eu acho que foi em 2013, eu não sabia o sinal de corrupção. Então, assim, como explicar um conceito, explicar o que é, dar um sinal? Então assim, eu e a Silvana mostramos assim, dramatizamos na verdade.

Nós mostramos um contexto do dia a dia, por exemplo, a gente colocou... eu era a personagem cobrador e ela era um passageiro que ela passava o troco para mim, ou para ela me dava passagem né e eu passava um troco a mais. Então mas ela não me falava nada, ela ficava com dinheiro. Então, explicava para os alunos, “entenderam como é que ocorre a corrupção no dia-a-dia e no contexto político?” Então, foi uma experiência muito boa para mim porque assim quando se está com um surdo, se você não sabe o sinal, o conceito, você tem que apelar até para o teatro, tem que mostrar em algum momento um recurso visual para eles, porque, às vezes, só imagens não dá um sentido para ele. Você tem que dar uma explicação,

mo ele já tem todo um arcabouço de sinais termos.

Nós estamos pegando mensalmente as religiões que já são consideradas religiões mortas. Então, a gente veio desde a Grécia trazendo toda essa questão para trabalhar a questão da sinalização, para ajudar professores tanto de história como também professores de ciências da religião para ensinar os alunos surdos dentro desses contextos. Então, a gente tem toda uma pesquisa com base na lexicografia, na terminologia, buscando compreender se já existem esses sinais, se esses sinais já são utilizados em outros estados, para evitar criar sinais e depois dizer que são variações linguísticas que também não vou entrar muito no mérito porque é uma dis-cussão muito ampla.

Então, após esse primeiro momento que foi a questão da criação esses sinais de Termos, nós desenvolvemos um ciclo de oficinas que nós aplicamos na escola Vilhena Alves no ano pas-sado durante três semanas, onde nós trabalhamos com as met-odologias visuais também com o auxílio do profissional intér-prete de libras, além de que os alunos da UEPA que participam do grupo também sabem sinalizar, mas como a gente percebeu que era um conteúdo muito específico a gente preferiu solicitar a presença do intérprete de libras. Então, nós sentamos com intérpretes, trabalhamos sinais termos que tinham sido cata-logados e os que foram criados. E foi muito interessante como esses alunos surdos ele já compreendem muito essa ideia do visual, assistem muitos filmes, desenhos e trouxeram muitas experiências legais.

Após isso, a gente aplicou em torno de umas 8 a 9 oficinas e nós resolvemos escrever alguns artigos porque a gente per-cebeu, a partir dessa experiência, que os professores que

talvez não saibam lidar com o aluno surdo porque eles não conhecem as metodologias que devem ser trabalhadas. A gente está escrevendo agora um livro que vai ser publicado agora esse ano pela Editora CRV que se chama a “Religião e Educação de surdos: desafios e métodos”, onde a gente tem foco na questão das religiões indígenas, nas religiões afro de matriz africana, especificamente o Candomblé, já que tem um vídeo no YouTube publicado pelo professor Emerson Silva onde ele trabalhou a questão de sinais específicos do Can-domblé.

A gente pegou esse sinais, e fomos trabalhar dentro da sala de aula contextos, por exemplo, sobre os líderes religiosos entre muitos outros contextos. A gente observou que os pro-fessores e os alunos se forem dados para eles as metodologias, se forem oferecidos a eles esse conhecimento, eles conseguem desenvolver o trabalho e o aluno consegue aprender. Então, por isso que o livro é uma alternativa, a gente vai distribuir gra-tuitamente o livro depois como alternativa de ensino para os professores.

Fabrício: Ohana, eu queria saber um pouco mais da tua experiência, porque agora tu estás atuando numa Universidade. O público, com certeza, é diferente. E deve misturar tanto ouvintes quan-tos surdos. Você também está atuando nessa tutoria do curso de pedagogia bilíngue, então, com certeza é uma proposta totalmente diferente que você também deve lidar com metod-ologias diferenciadas para lidar com esse público né?

Ohana: Sim, com certeza, eu atuo tanto no curso letras-libras, que tem metade da turma são surdos e ouvintes. Então ali é um de-

mostrar um classificador para ele, dramatizar para ele entender melhor.

Fabrício: A dramatização é então potencial né. Professor Sílvio, pro-fessor Padovani, querem acrescentar algo mais.

Padovani: Porque a questão é que você tem que construir o con-ceito. Eu vou dar um exemplo aqui, muitas questões de história ou até mesmo no momento de explicar aparece o termo conse-quência. Quais as consequências de determinada situação histórica? Então, para nós ouvintes, vamos pensar assim o con-ceito de consequência. Consequência é uma coisa que acon-tece depois que uma coisa aconteceu e como você vai explicar isso para o surdo? Então, o que a Ohana colocou aqui é funda-mental. Quando eu quero dizer para o aluno o que é conse-quência, eu digo para ele “olha, por exemplo, a pessoa está tomando uma cerveja, whisky, ela pegou um carro, qual pode ser a consequência? Bater o carro. Isso tudo não falado, é dramatizado como ela disse. Então, eu preciso construir esse recurso. Quando ela fala em classifi-cador, de construir cenários narrativo com as mãos para ele. Você está dirigindo mas você bebeu. O que pode acontecer? Você teve uma relação sexual sem preservativo, você pode ficar doente, é uma consequência. Você pode ficar grávida, é uma outra consequência. Então, você tem que construir essas questões. Eu tive três anos como professor Itinerante na escola Luiz Nunes Direito na Cidade Nova. Eu ligado ainda ao Astério, mas desempenham parte da minha carga horária lá. Fizemos várias parcerias com os professores. Então, na apresentação de seminários, nós construímos com os alunos os slides, as apre-

sentações. Eu fazia a interpretação da apresentação dele para os professores. Os professores faziam perguntas. Eu fazia esse papel de intérprete nesse momento. Tem um professor, por exemplo, que fez em alguns momentos a prova de surdos, aquela ideia que a gente tem da prova oral, para o surdo ele fazia a prova sinalizada. Então, ele construía ali 6 questões, reunia comigo e com os surdos, aí ele escolhia “olha, faz essa questão aqui para ele”, aí eu perguntava para o surdo aquela questão, aí o surdo respondia, e eu ia interpretar e fazia esse papel de intérprete nesse momento. Aí o professor avaliava a resposta.

É interessante que é um ser humano. Então, quando ele não sabia, a feição dele mostrava logo que ele não sabia. Ele ficava nervoso, ficava tentando enrolar. O professor já percebia que ele estava com dificuldade para dar resposta. Então, são situações aí, nós fizemos, por exemplo, trabalhos com maquet-es. Esse foi muito interessante, o professor estava trabalhando “A Belle Époque”. E aí ele pediu para os surdos falarem sobre cinema Olympia. Essa foi uma ideia que partiu deles, por exem-plo, eu queria fazer uma maquete do cinema Olímpia, eles dis-seram “não, vamos fazer uma da fundação do cinema, outra dos anos 70/80 e outros agora”. Então, nós acabamos discutin-do a temporalidade, as mudanças arquitetônicas do prédio pú-blico, enfim, ficou bem legal. A apresentação de documentári-os, eu achei um documentário sobre o cinema Olympia, apre-sentamos para eles a interpretação. Então, há uma gama de possibilidades aí realmente. Na questão de química, a professo-ra também pegou umas bolinhas de isopor e aí o que aconte-cia? Aquelas bolinhas de isopor eram as moléculas, aí quando ela queria uma molécula diferente daquela da bolinha, ela já pintava a bolinha de vermelho para representar que era o hidrogênio, que era um carbono.

Então, todas essas possibilidades elas são possíveis de ser utilizada e o interessante é que fica muito bacana para o ouvin-te e para o surdo porque acaba trabalhando um pouco do lúdico. Não é só aquela coisa do professor que fala, fala, fala, e o aluno acaba construindo também ali as coisas, o conheci-mento.

Fabrício: Professor Silvio.

Sílvio: Eu queria complementar fazendo uma boa abordagem voltando lá para a questão do intérprete de libras, porque a gente sabe que o recurso visual, a dramatização tudo isso real-mente eles são de extrema importância. Mas olhando intér-prete em conta uma tecnologia assistiva dentro desse espaço, a gente precisa pensar que o professor deve ter ele também como recurso metodológico. Então, eu quero aproveitar o espaço para conversar também com os professores que possam estar ouvindo os alunos, que é direito do professor ter um intérprete de libras ao seu lado enquanto recurso met-odológico, por que o professor possivelmente não conseguirá sinalizar de forma fluente na sala de aula.

Então atenção para quem tá ouvindo uso decreto 5626/2005 para cobrar dos pais os direitos dos alunos surdos. Você pode levar isso ao Ministério Público para que possa ser trazido o intérprete de Libras. Eu acho que esse recurso met-odológico, o intérprete enquanto recurso metodológico, é im-portantíssimo dentro da sala porque o professor mas na maio-ria das vezes ele não terá tantas vezes para organizar todas as suas aulas de forma visual. Então, esse intérprete de Libras, ali, ele é essencial nos momentos em que o professor não tivesse oportunidade.

Fabrício: Está chegando já ao final do programa, vou abrir o espaço para as considerações finais dos nossos convidados, men-sagem de finais, o que vocês consideram como desafio, algo que vocês queiram reforçar em relação ao que a gente debateu ao longo dessa entrevista. Professor Padovani, pode começar? Ernesto: Na verdade, eu gostaria de agradecer, muito importante esse espaço. A gente percebe que a cada dia a questão da Ed-ucação de surdos está ganhando uma projeção. Eu acho que a questão da redação no Enem foi um antes e depois. O espaço, eu mesmo posso testemunhar, eu já estava ali no mestrado, fazendo projeto, mas depois que veio a redação do Enem, os convites para estar nos espaços, no IFPA, na UEPA na própria UFPA, convites para palestra, enfim. Está discutindo essa questão aumentou muito. Então isso é fundamental, não só para o nosso trabalho né mas para esse público que em algum momento nos falamos aqui da invisibilidade do Surdo, e era um público invisível e é um público que cada vez mais não quer ser invisível, quer ser representado.

Então, nós percebemos que as janelinhas da língua de sinais na TV já é uma coisa que está ganhando muita força, nas campanhas eleitorais, aí foi uma grande novidade. Mas o corre-to é que isto esteja em todos os momentos, em todos os dis-cursos. A gente ainda não vê isso no Brasil, os políticos fazem seus discursos mesmos nos cargos de governadores, presi-dentes, não tem um intérprete.

Quando nós vemos imagens no exterior, o presidente americano falando, a intérprete está do lado. Então, nós temos

um caminho grande aí de conquistas para trilhar, que a comuni-dade surda tem naturalmente também que trilhar.

Fabrício: Ohana. Ohana: Eu quero agradecer também pelo convite. Eu quero agra-decer novamente ao professor Neto por ter me convidado a fazer parte desse canal. Eu não tenho parentes surdos, na ver-dade eu tenho namorado surdo. Então assim, onde estiver um surdo, eu sempre estou lutando com eles. Inclusive, eu faço parte da diretoria da Jubel. É uma honra ser a única ouvinte, então é muita confiança perante os surdos né.

Então assim, na associação a gente luta pela presença do intérprete em sala de aula, nos hospitais, em qualquer espaço. Então assim, essa visibilidade está ocorrendo assim, mas tem que melhorar enfim, tem que avançar mais. Então, para os pro-fessores que estão escutando, eu sei que não tem muito tempo assim para organizar o material, mas fazer um esforcinho. Pro-fessores que estão ouvindo, por exemplo, você tem um aluno surdo ou com outra deficiência procure ter contato com seu aluno, procure saber o que ele pensa, se ele está entendendo. É importante isso.

Fabrício: Professor Sílvio

Sílvio: Bom, primeiramente, eu queria agradecer o convite. Foi uma honra estar debatendo junto com professor Netto Pado-vani e a professor Ohana. E o recado que eu deixo aos profes-sores é sempre buscar pensar, que a partir do momento em que você tem um aluno surdo na sala de aula pensar nessas

metodologias visuais, pensar nessas estratégias que você con-segue desenvolver um trabalho, se as dificuldades elas exist-irem, e caso haja o atendimento educacional especializado na sua escola, procurar o AE de forma a buscar esse suporte que você precisa.

É importante ressaltar que a gente iniciou lá falando sobre a Libras enquanto disciplina, nenhum professor, nenhum aluno vai sair fluente na língua de sinais, porém eu acredito que o ponto mais importante da disciplina é disseminar essa questão da diferença. Então o professor que está hoje trabalhando com surdos ele precisa entender que esse indivíduo tem particulari-dades, ele tem diferenças em relação aos alunos ouvintes e se ele buscar respeitar essas particularidades o desenvolvimento desses alunos será bem maior.

Em suma fica a dica, aproveitando a sala da professora Ohana, quebre essa barreira que existe entre você e o aluno, uma barreira imaginária que já se passaram anos e é necessário você quebrar. Como você faz para quebrar isso é chegando próximo desse aluno perguntando se ele está entendendo, per-guntando de que forma ele que aprender com a professora sugeriu ainda pouco e dessa forma ele vai conseguir fazer com que esse aluno possa expressar as formas que ele pode com-preender melhor, porque a gente deu algumas dicas mas não são receitas.

Cada um, cada professor vai observar dentro dos seus espaços escolares de salas de aula alunos com suas particulari-dades, então, o grande ponto é chegar próximo do aluno que foi que a professora a Ohana citou, quebrar a barreira imag-inária.

Fabrício: Está certo. Muito obrigado professor Silvio, professora Ohana, professor Padovani. Muito obrigado pela participação de vocês, pelos esclarecimentos e por compartilhar conheci-mento com a gente obrigado.

Sílvio: obrigado.

Fabrício: Agradeço mais uma vez a participação do professor Silvio Santiago Vieira, professor Padovani Neto e a professora Ohana Matias. Agradeço também a você ouvinte que acompanha o programa de hoje. Se você quiser enviar críticas comentários ou sugestões é só mandar um e-mail para rá[email protected].

educação de surdos, são experiências muito diversas, lógico, né. Por exemplo, em relação a esse contato que vocês tiveram com a Libras que inclusive, é exigido como eu falei, nos própri-os cursos de licenciatura, esse primeiro contato que muitos professores, licenciandos, hoje alunos de graduação têm, será que ele evoluiu muito dos que vocês tiveram por exemplo, no contato de vocês com a licenciatura? Será que hoje avançamos mais neste contato da Libras, nessa inserção da Libras no ensino superior pra formar esses profissionais, esses profes-sores que vão poder incluir esse aluno no sistema de ensino? ou vocês veem muita similaridade com o que vocês tiveram como experiência enquanto universitários. Como é que vocês veem essa evolução? Teve avanço ou não? Sílvio: A minha primeira formação é em Matemática. Na época em que eu me formei em matemática não existia no currículo a disciplina Língua Brasileira de Sinais, então eu só fui ter contato com a libras enquanto disciplina na especialização, mas hoje eu sou formador de alunos de cursos de licenciatura. Então, mesmo assim eu ainda observo que existem algumas coisas que nós precisamos avançar, por exemplo, a carga horária dessas disciplinas é muito reduzida na maioria dos cursos de graduação. Há curso em que a carga horária varia de 40 horas, 50 horas, 60 horas. A gente há de considerar, o professor Padovani, por exem-plo está desenvolvendo uma dissertação de mestrado onde ele tem um olhar sobre a história desse indivíduo dentro de um processo educacional. Imagina, você precisa apresentar essa história que não é pequena para o aluno graduando. Você pre-cisa trabalhar as metodologias de ensino, você precisa tra-balhar com experiências, você precisa levar esses alunos pra escola de educação de surdos pra que eles possam conhecer

Como professor da escola Astério de Campos que é uma escola de referência em Belém, todo o início de ano nós recebemos muitos convites para formação. E aí eu sou um dos professores que costuma ir dar essa formação. E a preocu-pação é essa. “Professor, sou professor de física, e aí o que que eu vou fazer com o aluno surdo que está na minha sala?”.

Então, quer dizer, mesmo sendo professor de história, eu procurei desenvolver, construir alguns materiais pra esses mo-mentos de formação onde eu explico pra eles, por exemplo, que pro surdo se você vai trabalhar matemática, você vai tra-balhar aquela abstração, aquelas frações, então é muito com-plicado. Agora se você traz para aquelas questões que é algo que está afinado com o aquilo que o MEC pensa em relação ao enem, se você traz que os prédios projeta uma sombra de tantos graus, formando um ângulo, você abre a mente ali pra trabalhar com o surdo porque ele está visualizando o prédio, a sombra, o grau está relacionado com a vida, então não é algo tão distante pro mundo ouvinte.

Em geral, quando estou em momentos de formação, ou em espaços educacionais, eles pensam que o surdo ele não ouve, mas ele sabe ler, então é muito complicado, porque ao não ouvir, o surdo não criou o conceito daquela palavra, nós sabe-mos que mesa é mesa, nós ouvimos a palavra mesa e atribuí-mos à mesa.

O surdo não ouviu essa palavra, então o conceito para ele, a palavra pra ele é um emaranhado de signos pra ele. Ele preci-sa estar gravando aqueles signos. A disciplina libras ela não está dando conta disso, ao meu ver. Os alunos vão pra essa dis-ciplina, eles não vão aprender a língua de sinais. Eu tenho con-tato com professores do ensino regular que têm alunos surdos há oito anos, há sete anos. Na minha pesquisa eu entrevistei

professores que têm alunos surdos há 10, 8 anos e ainda não sabe dá bom dia. Então, na disciplina também esse aluno não vai aprender. Está servindo pra ele entrar em contato e saber que isso existe. Hoje a minha luta, eu estou tentando criar um conceito que é o ensino de história em contextos inclusivos, que esse debate vá de fato pro campo das disciplinas, das áreas de conhecimento e não fique pairando acima de todas disciplinas que não dá conta. As disciplinas têm metodologias diferenciadas de ensino.

Fabrício: Como é que essa realidade no curso de letras, Ohana?

Ohana: Sim, sim, como o professor Neto falou, eu vim do curso Letras Libras, então tinha agrade curricular toda voltada pra Libras, pra educação dos surdos, então assim, em si, eu não tive essa dificuldade, mas se eu dependesse só do curso, hoje em dia talvez, eu estaria sinalizando só o básico, assim infelizmente como muitos colegas meus terminaram o curso e não tinham domínio da Língua de Sinais. Então, eu precisei correr exata-mente para manter contato com o usuário da língua pra poder aprender. Hoje em dia tudo o que eu sei foi porque eu estou sempre tendo contato com o surdo, então assim, quando eu conversa-va nos corredores com meus outros colegas de graduações, seja de letras português, biologia, eles me falavam assim “Ohana, você pode me ensinar qual é o sinal isso, isso, o sinal específico da graduação deles, porque o meu professor falta, porque o meu professor não está presente”, ou como o profes-sor Sílvio falou “a carga horária é muito pouca”, então assim, “não faz a adaptação voltada para o meu curso”. Então, como eu posso chegar numa graduação, por exemplo de licenciatura em biologia e ensinar por exemplo, só o alfabeto, só os sinais

esses espaços que é a partir dessa experiências empírica que ele pode se identificar muito mais com esses processo. Então eu observo que 60 horas, 80 horas é uma carga horária insufici-ente. Na minha opinião, nós deveríamos ter hoje um estágio curricular voltado pra educação especial. Os alunos saem da graduação sem saber como lidar com os alunos com deficiên-cia.

Falando do aluno surdo, ele sai ainda mais perdido haja vista que a Língua de sinais é uma língua diferente da Língua Portuguesa, com uma estrutura gramatical que carrega uma especificidade muito diferente da Língua Portuguesa. Então penso que a gente deve continuar discutindo essas questões da inclusão a fim de que exista um estágio supervisionado especifico. É lógico que as pessoas não vão sair de lá expertise em trabalhar com surdos, mas ela pelo menos terá condições de compreender essa realidade da inclusão escolar visitando esses espaços, essas escolas que têm educação especial que ainda existem aqui dentro de Belém.

Fabrício: Padovani.

Ernesto: Na minha graduação também ainda não havia essa questão da disciplina Libras. Pra dizer a verdade, durante a minha graduação nunca nem passou pela minha cabeça essa realidade. Não era algo discutido, debatido, presente dentro da Universidade, nem na sociedade. O que acontece assim, eu go-staria de concordar com o professor e também aprofundar no sentido de não é só uma questão de apresentar a disciplina com o nome Libras. Então, eu preciso trabalhar com o meu aluno de história metodologias de ensino de história pra surdos, metodologias de ensino de matemática para surdos.

Fabrício: Olá, ouvintes da Rádio Web UFPA. Eu sou Fabrício Que-iroz e a partir de agora você acompanha comigo mais uma edição do UFPA Ensino que hoje vai falar sobre Metodologias de Ensino para surdos.

Segundo o censo do IBGE de 2010, 9 milhões e 700 mil pessoas têm deficiência auditiva. Cerca de um milhão são jovens até 19 anos. No Brasil, os surdos só passaram a ter acesso à educação durante o império.

Em 26 de setembro de 1857, foi criada a primeira escola de educação de meninos surdos, no Rio de Janeiro. Apesar do avanço, somente em 2002, a Lei nº10.436 reconheceu oficial-mente a Língua Brasileira de Sinais, a LIBRAS.

A Libras é fundamental para garantir o aprendizado de alunos surdos. Em 2005, com o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro, a Libras foi determinada como disciplina curricular obrigatória para todos os cursos de licenciatura e também fonoaudiologia, e ela é optativa para os demais cursos do ensino superior e da educação profissional.

Outra grande conquista aconteceu em 2010, quando a profissão de tradutor–intérprete de Libras foi regulamentada em de 1º de setembro.

Além disso, professores têm buscado trazer a Libras para fora da sala de aula. Na internet, por exemplo, existem video-aulas em libras, democratizando o acesso à educação.

Hoje, vamos conhecer o trabalho de professores e intérpretes de Libras que desenvolvem estratégias para melhorar o ensino para surdos. Recebemos aqui no es-túdio da Rádio Web o professor da UEPA Sílvio Santia-go Vieira, ele é mestrando em Ciências da Religião, es-pecialista em Atendimento Educacional Especializado e também coordena o Grupo de Estudos Surdos & Inter-faces do IEPA, que é o Instituto de Educação e Cultura do Pará. Professor Silvio, muito obrigado por sua partic-ipação, bem-vindo.

Sívio Viera: Muito obrigado pelo convite.

Fabrício: Obrigado, professor Silvio. Também estou rece-bendo o Ernesto Padovani Netto, mais conhecido como Padovani. Ele é aluno do Mestrado Profissional em Ensino de História e é responsável pelo canal do Youtube “História em Libras”, e também é professor da SEDUC. Professor Padovani, muito obrigado.

Ernesto Padovani: Obrigado pelo convite, a gente espera contribuir aqui um pouco com o debate.

Fabrício: Obrigado, professor. E também recebemos a Ohana Matias. Ela é tradutora / intérprete de libras, é professora substituta da UEPA. Também atua como tutora na UEPA no curso de Pedagogia Bilíngue, além de ser especialista em Educação Especial e Inclusiva, e também colaboradora do canal “História em Libras”.

Page 12: Divulgando conhecimentoradio.ufpa.br/wp-content/uploads/2018/03/Roteiro... · Eu digo “não, ele sabe diferenciar, o meu papel aqui é de intérprete”. Eu sempre lutava a questão

RÁDIO WEB UFPA: Divulgando conhecimento 9

Ohana, também muito obrigado pela tua participação, bem-vinda.

Ohana: Obrigada pelo convite, é um prazer estar aqui estar fazendo parte desta discussão.

Fabrício: Eu queria que, na verdade, vocês primeiramente se apresentassem um pouco pra gente conhecer um pouco da trajetória e do interesse de vocês por essa área tão cara e tão desafiadora. A gente viu aí por esse pequeno histórico o quanto ela foi negligenciada, a educação de surdos, a educação inclusiva. O que que motivou vocês a trabalhar com essa área que ainda é um desafio na ed-ucação brasileira? Professora Ohana.

Ohana: Ohana: Bom, a minha história em si é bem diferente dos outros. Os meus colegas que eu estudei no curso de letras libras em 2012, a maioria veio da área da interpre-tação da igreja, ou tinha um parente surdo e no meu caso em si é por conta da minha mãe ser pedagoga. Então, como ela fazia na época o curso de libras, ela me incentivou para escolher esse curso. Na verdade, eu con-heci esse mundo novo quando eu passei no vestibular. Então assim, a partir do momento que eu comecei a estudar e começar a entender a história da educação do surdo, foi só um momento assim pra eu procurar saber mais sinais. Então, foi uma grande oportunidade e hoje em dia eu estou atuando, também faço parte da as-sociação dos surdos de Belém. Então eu estou sempre

nessa constante luta em prol da educação dos surdos, na luta por eles.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: Bom, a minha trajetória ela começa quando em 2009 eu resolvi fazer um curso de Língua Brasileira de Sinais no CAES. Eu tive um aluno surdo na época no Augusto Meira. Não sabia como lidar com os alunos surdos. E a minha comunicação com eles era basicamente por meio da mímica, por meio da escrita nos braços. Os surdos eles têm o costume de escrever no braço quando não têm papel, apagava, enfim. E assim eu fui apren-dendo os sinais iniciais e eu percebi que eu deveria ir mais adi-ante. Eu já tinha experiência com educação de alunos cegos e baixa visão, porém a minha experiência com os surdos me fez refletir sobre essas carências que a formação inicial de profes-sores possui. Aí eu fui fazer um curso de libras, tive o professor Arlindo, o professor Tiago Costa como meus professores. E foram pessoas que contribuíram muito para a minha formação inicial na área da língua de sinais. Em 2010, então eu resolvi en-veredar pela especialização nessa área, fiz especialização em Libras. E comecei também em 2010 a interpretar dentro da Igreja Assembleia de Deus. Foi quando eu realmente resolvi me focar nessa questão da interpretação que eu já estava na docência. Posteriormente a isso, eu resolvi criar o grupo de estudos surdos e interfaces, onde a gente tem discussões diversificadas, mas especifica-mente hoje nós estamos discutindo as questões relacionadas a

gênero e sexualidade dentro do grupo, haja vista que a comu-nidade surda belemense, ela apresenta uma pluralidade nesse sentido e é necessário que familiares e escolas possam com-preender essa questão da sexualidade do surdo que manifesta certas diferenças em relação à sexualidade dos indivíduos ouvin-tes. E também com foco na questão da religião pois eu tenho ob-servado que hoje os surdos eles têm buscado enveredar por outros ramos religiosos além do cristianismo. E a minha trajetória hoje tem sido basicamente focar na compreensão de como é que tem se desenvolvido essas territorialidades e os territórios dentro dos espaços sagrados. Hoje minhas pesquisas estão focadas nisso.

Fabrício: Professor Padovani.

Ernesto: Ok. Bem, eu sou professor da rede estadual de ensino há dez anos. Então quando eu comecei eu tra-balhei uns três anos no interior do estado. Tive um públi-co também de trabalhar em comunidades, quando vim, voltei a Belém, voltei pra trabalhar no sistema penal. O que ocorreu? Na verdade, lá no Astério de Campos não tinha professor de história. Aí me fizeram a proposta. Então, na verdade não foi muito uma escolha minha. Che-gando lá, eu criei de fato uma grande identificação com o trabalho. Fiz uma especialização em educação inclusiva e comecei a observar as dificuldades deles em relação à Língua Portuguesa, dificuldades com textos muito grandes, necessidade da utilização de imagens, então eu fui montando uma metodologia a partir de referenciais teóricos como a pedagogia visual e criando meu próprio material didático, criando formas de trabalhar com eles.

Quando surgiu a seleção pro Mestrado Profissional em Ensino de História, o PROFHISTÓRIA, eu fiz a seleção, fui aprovado e fui com isso na cabeça, que eu ia fazer um projeto sobre educação de surdos, unindo essas duas áreas. A questão da história e a questão da metodologia de ensino. E aí perpassam vários elementos, não é só a história em si. O meu trabalho é um trabalho sócio-histórico que vou justamente remontar o período do oralismo, passando pela co-municação total, são metodologias que são utilizadas até hoje como proposta teórica do bilinguismo prevalecendo na edu-cação dos surdos, pelo menos uma tentativa pra que prevaleça. E aí na verdade o canal “História em Libras”, ele surge como um produto desse mestrado. O mestrado profissional em ensino de história, ele exige uma dissertação escrita e um pro-duto pedagógico aplicável. Então existem várias possibilidades de produtos. A minha intenção inicial era fazer um material didático mesmo pra distribuir nas escolas, mas eu fiquei pen-sando na logística disso e no alcance que isso teria. Então, con-versando com amigos porque tem essa questão da interdisci-plinaridade, eu precisei de um amigo meu que trabalha com cinema, precisei da Ohana pra construir a proposta do canal. Então, desenvolvemos a ideia de um canal na internet seria muito melhor porque eu não teria o problema da divul-gação. Colocou na internet as pessoas podem acessar. E nós estamos nesse momento. Graças a Deus o vídeo está sendo muito acessado, teve uma repercussão muito boa. A Mídia Ninja compartilhou nos espaços que eles têm nas mídias digi-tais. Estamos agora aqui nesse debate

Fabrício: Dá pra esse primeiro relato de vocês, em relação à experiência, o contato que vocês tiveram com a Libras, com a

de família, de frutas, aí esse professor vai se formar, vai chegar numa sala de aula e vai só manter esse diálogo só de frutas, alfabeto? Não. Ele tem que saber o sinal de células, de mem-brana, disso, daquilo, tem que saber como é usar um classifica-dor. Infelizmente, é quebrada essa grade curricular das pessoas que estão na licenciatura.

Eu vivenciei isso muito quando eu fui intérprete de uma escola que tinha uma demanda muito grande, tinha 18 surdos na escola. Eu atendia oito surdos no ensino médio. Então, assim, eu observava a dificuldade dos professores. Eles chega-vam pra mim “eu nem tive essa disciplina de libras”, “eu nem sei o que é isso”, “é surdo mudo?” “ah, os teus alunos”. Eles não eram os meus alunos, eles eram alunos deles tanto quanto os ouvintes. Então, no caso, eu falava assim, “professor você tem que direcionar a eles”, “ah, mas só que ele vai pensar que é tu que tá chamando a atenção ou tá explicando”. Eu digo “não, ele sabe diferenciar, o meu papel aqui é de intérprete”. Eu sempre lutava a questão da metodologia, não pensavam no surdo.

Uma vez aconteceu uma situação que foi ao contrário, estava com legenda e sem som. Os ouvintes reclamaram. Aí eu falei para eles, “agora, vocês entenderam o que é estar na pele de uma pessoa surda:” Não é fácil. A informação não chega tão fácil pro surdo.O professor fez esse canal História. Esse canal é uma forma de democratizar tanto para surdo como para ouvin-te porque ele está usando diretamente a língua de sinais e tem ali a legenda.

Fabrício: Professor Padovani

Ernesto: Eu queria retomar mais uma questão pra embasar essa questão da metodologia, porque por exemplo a gente percebe muito há um censo comum de querer resumir a questão à língua. Então, se você tem um intérprete na escola, que não tem, em geral, não tem. Quando tem, então resolveu o proble-ma, agora tem intérprete. Então, eu faço sempre a discussão, o seguinte, se o problema fosse a língua, os nossos alunos ouvin-tes todos não teriam problema nenhum de educação no Brasil. Professor fala português, os alunos todos falam português, en-tendem, então por que os alunos não alcançam a média? Por que nós não estamos nos melhores patamares de educação mundial? Então nós não podemos também resumir o debate à língua. Então, como é que o aluno entende? É a partir da imagem? É a partir da construção de maquete? Qual é a possi-bilidade que se tem de vídeos com legenda?

O primeiro dia que o vídeo foi postado no Youtube, ele ficou sem legenda. Foi uma estratégia mesmo. Eu fui colhendo e estou colhendo os depoimentos pra finalizar a dissertação. “Poxa, não consegui, olha, eu paro, pela metade, eu parei. Não consegui acabar de ver, não tava entendendo nada”.Olha que nós colocamos os recursos imagéticos entrando no vídeo e em alguns momentos chaves aparecia escrito também o que estava sendo falado. Mas mesmo assim as pessoas reclamaram ou muitas fizeram essa reflexão: “poxa, agora eu me senti como os surdos se sentem”. São pequenas situações do dia a dia que no universo da escola se traduz em outras formas, mas são hierarquias de saberes. Um professor está ministrando aula, o outro professor vem dar um recado na turma, bota o rosto dentro da sala, “gente, gente, licença aqui, rapidinho, amanhã tem prova, dois reais a prova e tal”. Recado dado.

O surdo não entendeu. Vamos passar o vídeo pra turma, vamos levar para o auditório, muito legal, todo mundo vai, chega na hora de passar o vídeo me chamam pra interpretar, já aconteceu isso, eu não sou intérprete mas você está na escola, você sabe Língua de Sinais, você é intérprete, você é professor do AE, você é itinerante, você é tudo. Então fui lá interpretar, tudo certo, vamos lá, solta o play, apagam a luz. Como é que o surdo vai ter acesso à minha interpretação, então são questões que... é maldade? Não. Não é. Mas isso estrutura uma hierarquia de saberes. Entendeu. São hábitos que a escola internaliza porque ela é uma escola voltada e pensada para o público ou-vinte. O que me chama atenção é que isso acontece em escolas em que os surdos estudam há 10, 15 anos. Então, quando a escola vai internalizar presença do surdo? Então, acho que essas são questões aí que abrem um bom leque pra gente dis-cutir e pensar.

Fabrício: Só pra voltar, eu achei interessante o depoimento da Ohana, essa relação, dela como intérprete né. O Padovani ele tem o conhecimento, de repente ele pode usar desse conheci-mento pra se comunicar com esse aluno surdo, mas nem todas as escolas têm um profissional como a Ohana. E como é que fica a relação entre o professor e esse intérprete? Onde é que começa o papel de um e o papel de outro? Como é que se con-strói esse relacionamento pra que se possa comunicar e repas-sar esse conteúdo pra esses alunos? Como é essa dinâmica?

Ohana: Bom, a priori, o que deveria ocorrer era ter essa parceria com o professor e o interprete. Por que? porque o papel do intérprete é mediar. Ele não vai ensinar nada. Até porque a minha formação é Letras com habilitação em Libras, não é for-

mação em Letras, Português, Biologia, Matemática, não é.

A minha formação é Letras, então qual é o meu papel ali? É de chegar e interpretar tudo o que o professor falar. E quando eu digo tudo, eu interpretava até palavrões, enfim, tudo o que o professor abrisse a boca eu interpretava porque eu estou ali. Só que infelizmente essa experiência que eu tive o professor confundia, ele pensava que eu era a professora deles, e eu dizia “Olha, eu tenho respaldo, tem a lei, tem o código de ética, tenho tudo o que o senhor quiser eu mostro, mas esse daí não é meu papel, essa competência não é minha, é a sua”. Então, tem que ter essa parceria. O que o intérprete pode ajudar? Ajudar a dar umas dicas, como é que faz o material, coloca a legenda na próxima aula, é assim, é essa parceria. Essa relação de professor, intérprete e aluno.

Sílvio: Relacionando a fala da professora Ohana também pensan-do no atendimento educacional especializado. Então, ela ainda pouco colocou que o professor sempre atribui a responsabili-dade para o intérprete de Libras, mas ele também faz isso para o atendimento especializado. Por quê?

Historicamente a educação do surdo, ela foi atribuída à ed-ucação especial. Então, com o processo de inclusão que se dá a partir de 1996, com a lei de diretrizes e bases 93/94 de 96, é que a gente vem perceber que esses indivíduos com deficiên-cia, pessoas com deficiência, passam a ingressar dentro das escolas regulares. Só que nós passamos a ter dois personagens que antes nós não tínhamos dentro desses espaços, os intér-pretes de libras e os cuidadores também, e também a gente passa a ter o atendimento educacional especializado que as pessoas acham que é antiga educação especial, mas na ver-

dade há controvérsias, porque educação especial funcionava numa sala de aula onde se ensinavam essas pessoas. E o AE não, ele funciona como educação suplementar complementar, porém para o professor da rede regular, ele entende que é responsabilidade do AE ensinar os aluno surdos, que é responsabilidade do intérprete ensinar os alunos surdos, ou seja, esses personagens acabaram tendo responsabilidades além de suas responsabilidades e o professor se exime.

O Vigotski diz que “quando a gente enxerga deficiência primeiro ao invés de enxergar o ser humano, a gente destrói qualquer possibilidade de desenvolvimento desse indivíduo”. Então, a gente pode pegar a fala do professor Netto Padovani, por exemplo, em relação a questão das metodologias e obser-var que a maioria dos professores estão destruindo possibili-dades de desenvolvimento desses alunos na sala de aula exata-mente por causa das metodologias. Eu também não quero cul-pabilizar somente esses professores porque também a gente tem que pensar na formação desses indivíduos e nós também precisamos pensar que a Universidade também deve oferecer cursos de formação continuada, porque esse papel é da Uni-versidade. A gente costuma atribuir essa responsabilidade, “Ah, o governo não faz”, mas a Universidade é quem forma, é ela que deve trazer os professores pra dentro. Ela que precisa buscar parcerias com as escolas, parcerias com as unidades pra que isso possa acontecer.

Hoje, nós ainda observamos uma grande polêmica dentro das escolas. Intérprete de Libras que acabam tendo discussões com professores porque as vezes são atribuídas responsabili-dades. Durante o meu período na rede regular de ensino, eu tive dois alunos surdos, depois eu já estava fluente em Libras, e eu também tive problemas. E é legal colocar isso, porque os

meus alunos ouvintes não gostavam de eu passava a sinalizar na sala de aula. Então, o que que eu fazia, passava todo o con-teúdo de matemática, explicava primeiro em Língua Portugue-sa, passava uma bateria de exercícios pra eles fazerem, e era o momento em que eu ia sinalizar, porque não tinha intérprete de Libras, para os dois alunos surdos.

Só que isso gerava discussões na sala, “Ah, o professor não está dando atenção pra gente”, “o professor agora só olha pra esses surdos, lá vem ele com essa língua de sinais pra dentro da sala de aula”. Então, a gente observa que essas relações de poder que incidem dentro do espaço da sala de aula ainda fazem com que os ouvintes entendam que deve ser dada atenção a eles e que aos indivíduos surdos não deve ser dada atenção. Tem uma charge no livro do Moacir Carneiro muito interessante, inclusive nas formações continuadas eu sempre falo isso pros professores, os professores estão aqui em cima conversando “nós não conhecemos nada sobre esses indivíduos, nunca ouvimos falar nada sobre educação espe-cial”. Aí os alunos todos embaixo olhando.

Na verdade, essas pessoas vão reproduzir lá embaixo esse mesmo pensamento, é por isso que esses alunos pensam hoje que o professor deve dar atenção a eles e não devem dar atenção aos alunos surdos dentro da sala. Já eles também não aprenderam nada sobre educação especial, não aprenderam nada sobre pluralidade, diversidade, e acima de tudo sobre dif-erença.

Ohana: Eu vivenciei nessa escola, eu trabalhei nessa escola, se eu não me engano, dois anos e meio. Então assim, para aquela turma, eu acompanhei os surdos, primeiro, segundo e terceiro

ano. Até metade do convênio. Então, quando foi no primeiro ano, os ouvintes assim sofreram um impacto. “Intérprete?”, “surdos?”, “mãos mexendo?”, “Meu Deus!”, porque foram logo oito na minha turma. Então, assim, no início, eles deixavam de prestar atenção no professor e ficavam assim olhando pra mim, com os olhos vidrados, eu ficava intimidada inclusive, com o tempo eles foram habituando e foi passando ano, dois anos, mas o que me veio à cabeça, assim eu sempre fui tímida, então eu sempre chegava, dava bom dia pra quem estava na frente, mas eu não era de ficar batendo papo com os ouvintes.

Então, eu ficava conversando com os surdos, enquanto o professor não chegava. Então, assim os ouvintes assim, meio que segregavam a gente. Então, o que eu acho engraçado, é quando eles foram ter contato comigo? um dia após a prova do Enem. Tinha gente da escola do primeiro ano que eu nunca tinha visto na vida. Eles chegaram “Ei, tia, a minha proposta está boa”, “será que pode falar deficiente auditivo”, “eles são surdo-mudos”, “é isso, é aquilo”. Foi a primeira vez que eles viram a necessidade. A escola em si diz “Ah, a gente está inte-grando”, mas na verdade segregava. Então foi uma experiência dessa forma, foi ruim pra mim inclusive. Na verdade se não fosse eu ali com os surdos, eles não iam ter visibilidade naquela escola.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: É bem legal a gente observar que as falas estão contemp-lando o que a gente chama de currículo oculto dentro das insti-tuições, e é isso que a gente tem pra parar pra pensar hoje. As metodologias de ensino, elas podem contemplar as necessi-dades do professor na sala de aula, ok. Mas a escola precisa tra-

balhar o currículo oculto que é exatamente o que o professor Netto e a professora Ohana colocaram, que é essa questão da alteridade, de fazer com que o professor e o aluno possam se colocar no lugar do outro, porque inclusão ela precisa ser para todos. Ela tem que começar lá do porteiro até a merendeira. Então não é só o professor que deve passar por esse processo, e quando a escola inteira passar a se modificar, então, a gente vai começar a observar que os alunos ouvintes vão com-preender as particularidades étnico-linguísticos desses indivíduos surdos. Hoje a gente vem percebendo pelas experiências de rela-tos, até mesmo as experiências que a gente já viveu, que esses alunos eles ainda não compreendem. Eu lembro, por exemplo, uma vez que eu fui interpretar para um amigo meu, o Ademil-ton. Eu acho que a professora Ohana até conhece. Ele é surdo. Na época ele fazia ensino médio. E foi uma experiência muito triste porque o professor não sabia sequer da existência de um profissional interprete de Libras, então eu pedi pra diretora da escola, uma escola pública de Belém pra entrar pra interpretar na aula de química, e o professor me viu virado o tempo todo de costa pra ele. E ele achou que eu era um surdo que estava simplesmente conversando na sala de aula.

Só pra você ter uma noção do que que que é essa falta de compreensão desse outro indivíduo que está ali. E os alunos ouvintes na hora da frequência, começaram a chamar nome a nome, e eu disse “olha, o professor chamou o teu nome”. Ai ele foi lá na frente, e disse pro professor apontar. O professor fez um gesto obsceno pra ele e todo mundo começou a rir. De repente uma aluna chega e pergunta “professor, porque que ele tá aqui na sala de aula”. Ele disse assim: “Eu não sei, eu tô levando até onde eu posso”. Na verdade, esse professor não estava levando nada. Porque aquele momento ali mostrava que

ele não compreendia. Foi quando eu chamei o professor. “Pro-fessor, ele está com dúvidas nisso”. Aí ele disse “Ah, você fala?”. “Sim, eu sou ouvinte, eu sou intérprete”. E aí foi muito legal porque o professor sabia ensinar o surdo, só que ele tem medo de ensinar, porque tem uma barreira imaginária entre o profes-sor e o aluno surdo. Eu não lembro direito o conteúdo, eu acho que era sobre átomos que ele estava ensinando. Ele pegou um pedaço de papel, fez um monte de bolinhas, e ensinou pro Ademilton o conteúdo. Então, ele sabia ensinar, a questão é que ele não sabia como chegar pra ensinar, então, isso é uma questão de currículo oculto.

Os professores, a escola, a direção, a coordenação ped-agógica, todos eles precisam se voltar pra compreender esse espaço plural que existe dentro da escola. A gente fala muito de diferença, mas a escola na verdade, a exclusão ainda impera dentro desse processo. E não é só para os indivíduos surdos, é para todos os alunos que sofrem qualquer tipo de exclusão dentro desse espaço.

Fabrício: Rádio Web UFPA apresentando o programa UFPA Ensino. Hoje o tema é Metodologias de Ensino para Surdos. Os nossos convidados são, o professor Sílvio Santiago Vieira, o professor Ernesto Padovani Netto e a professora Ohana Matias. A gente vai para um rápido intervalo e volta já já. Rádio Web UFPA divulgando conhecimento.

Vinheta: Você está ouvindo UFPA Ensino. Você está ouvindo UFPA Ensino.

Fabrício: Estamos de volta com o programa UFPA Ensino. O nosso tema de hoje é Metodologia de Ensino para Surdos e os nossos convidados de hoje são o professor da Universidade do Estado do Pará Sílvio Santiago Vieira. Também recebo o professor Ernesto Padovani Netto, ele é professor da Seduc e faz o me-strado profissional em Ensino de História e também estou rece-bendo a professora Ohana Matias, que é professora substituta também da UEPA e tradutora/intérprete de Libras e também colabora com o canal História em Libras, pensado aí pelo pro-fessor Padovani.

Estamos de volta aqui pra nossa conversa, vamos começar com o professor Padovani e com a professora Ohana pra eles comentarem um pouco mais sobre esta experiência do canal História em Libras, justamente como é que vocês propõem o ensino da história a partir do canal no Youtube, qual é o diferencial que vocês têm aplicado, lógico além das legend-as e tudo mais, em termos da perspectiva que vocês estão apli-cando a esse ensino de História pra realmente incluir essas pes-soas sendo surdos pra ele ter acesso a esse conteúdo. Profes-sor Padovani.

Ernesto: Na verdade, nós fizemos uma disciplina no mestrado min-istrada pela professora Edilza Fontes que chama-se “História Pública”. Então no Brasil é uma discussão um tanto quanto recente, a discussão sobre História Pública. História Pública perpassa pela questão de que você tem o historiador que produz o conhecimento histórico. Em outros momentos da história, o conhecimento histórico era fundamentalmente pro-duzido pelo historiador e hoje em dia o que nós temos? Nós temos canais no Youtube, nós temos programas de TV, nós

temos jornalistas. Na verdade, todo mundo fala de história o tempo todo. Então, a história ganhou esse viés de história pública. Então, são narrativas que estão aí se degladeando. A gente vê isso no Brasil, esquerda e direita construindo narrativas históricas em torno de situações que ocorreram. Então, esse foi um debate fundamental pra eu pensar o canal. Por que? Em 2013 nós tive-mos as manifestações, o início daquelas manifestações que acabaram culminando com o impeachment. Então, o que acon-teceu? Os surdos chegavam na escola “por que que está acon-tecendo isso?”. Aparecia os blacks bloks quebrando as coisas, colocando fogo, quebrando os bancos e tudo mais e os alunos chegavam “eu não estou entendendo, por que profes-sor na rua esse problema toda a hora na televisão? E eles não entendiam o que estava acontecendo. Então o problema era o acesso à informação. Então, que história está sendo construída para esse aluno? O que que ele está aprendendo no processo escolar, o que que ele está viven-ciando, está vivendo, podendo relacionar, inclusive. Então, eu fui trabalhar nessa perspectiva de explicar. Eu lembro, inclusive, no primeiro vestibular de Libras da UEPA que houve as vagas para os surdos, eu fiz uma discussão com seles sobre essa questão de 2013 dos blacks blocks relacionando com ludismo, quando os operários ingleses quebravam as fábricas e tudo mais. Acabou que foi uma questão que veio na prova, então eles acertaram em massa a questão. Então relacionar os tempos históricos a partir de situações vivenciadas por eles. E o canal História em Libras veio muito nessa perspectiva de pensar a História Pública, a História digital. Nós não temos mais como ser, no meu caso, eu trabalho com história, sermos histo-riadores que ficamos presos somente ao papel, não é verdade?

Somente a entregar textos escritos que uma banca vai ler e muitas das vezes não é lido maciçamente. Então o canal foi uma forma de além de contemplar a exigência do programa que é ter um produto pedagógico, é um exercício de história pública, porque o tema Movimentos Sociais que é o tema da primeira aula, ele surgiu porque eu fui perguntar para os alunos o que eles gostariam de estudar. Isso também é uma perspecti-va muito interessante da gente refletir, porque eu digo “qual é o tema que eu vou colocar? eu não vou elencar um tema de cima pra baixo. Fazer uma aula sobre tal tema e ao perguntar para os alunos, eles tinham muita dificuldade de me responder o que eles gostariam em história. Primeiro, por quê? Existem uma perspectiva de que a história é uma história política. Então, estudar História é estudar Getúlio Vargas, é estudar a Ditadura Militar, é estudar os governos, os grandes heróis na-cionais, entre aspas. E eu queria que eles compreendessem que os surdos tem história.

No YouTube você tem muitas aulas no estilo caseiro, diga-mos assim. Você filma ali o quadro, para um professor que só precisa do recurso da fala é tranquilo. O professor fala, o ouvin-te escutou a informação. Mas para o surdo não, eu preciso de edição, eu preciso que as imagens entrem, eu preciso dialogar com as imagens, eu preciso de uma certa produção. Então, eu encontrei parcerias para produzir esse primeiro vídeo. Houve um custo. Hoje é um momento em que a secretaria de edu-cação replicou essa questão do canal. A Seduc colocou no site, colocou na agência Pará, colocou matérias no YouTube, no Facebook, sobre o projeto. Mas agora a gente precisa de suporte para dar continuidade.

Fabrício: Professor Silvio, eu queria que você falasse um pouco da sua experiência porque o senhor atua em outra área de conhe-cimento que é o ensino religioso. É uma metodologia meio parecida? como é que é são as estratégias que o senhor usa para atuar nessa área específica?

Sílvio: Eu não trabalho com canal especificamente.

Fabrício: Sim, sim.

Sílvio: Hoje eu tenho focado no grupo GESI. As nossas reuniões são todas as sextas-feiras. A gente tem desenvolvido foco na questão da criação de sinais termos que contemplem as questões das religiões. Mas é muito importante ressaltar que nós não estamos focando no cristianismo porque o cristianis-

safio. A sala em si é bilíngue, mas a questão da metodologia dos professores que é o mais difícil, até às vezes o posiciona-mento, eles estão aqui, o intérprete está bem aqui, e eles passam na frente. O surdo reclama “a gente não está conse-guindo visualizar o intérprete”. Então, a gente fica meio assim andando para cá e para cá. Então, assim experiência é muito boa para mim lá na graduação, é outro nível com surdos e assim eu fico muito feliz porque eles estão amadurecendo bas-tante.

Quando eles entraram sentiram muita dificuldade assim como os ouvintes, então assim foi um papel tanto dos intérpre-tes quanto dos professores, enviando materiais para a gente, para a gente procurar como o professor Sílvio falou sobre os sinais termos, se existem, porque são disciplinas muito espe-cíficas. Então, já lá no curso de pedagogia bilíngue que já tem um material pronto, na verdade. Então, assim tem as videoau-las, então geralmente os surdos que vão para lá geralmente são 10 ou 12, porque na verdade nós tutores fazemos uma escala, por exemplo eu vou dois dias, o outro vai mais dois dias. Então assim, a experiência lá é a questão visual que é muito impor-tante.

E o interessante é que os sinais são bem diferentes. Então assim, eles mostram lá na videoaula que é no INES que fica no Rio de Janeiro, e então são bem diferente dos sinais que nós tutores usamos. Então, é uma metodologia muito boa lá assim na questão visual. Então, te dá esse auxílio, interpreta, por exemplo, os textos da Língua Portuguesa. E é esse o trabalho que a gente faz lá.

Fabrício: Na experiência de todos vocês, vocês todos falaram bas-

tante de utilizar estratégias que apelam para esse aspecto visual. A Libras é visual, mas vocês também falaram muito de utilizar estratégias que possam utilizar vídeos, por exemplo, maquetes, enfim, coisas que vão apelar para o sentido visual e vai facilitar esse ensino para esse aluno surdo.

Alguma outra experiência que vocês tiveram, outra poten-cialidade, alguma outra coisa nesse sentido que possa acres-centar para, de repente, um outro professor, para uma pessoa que, de repente, não tenho tido essa experiência, ou de repente possa pensar em alguma outra coisa que vocês possam apre-sentar em algum exemplo?

Ohana: Eu tive uma experiência. Eu ainda era estagiária lá no Astério de Campos. Então, estava eu mais a minha colega Silvana. Então, lembro que na época, eu acho que foi em 2013, eu não sabia o sinal de corrupção. Então, assim, como explicar um conceito, explicar o que é, dar um sinal? Então assim, eu e a Silvana mostramos assim, dramatizamos na verdade.

Nós mostramos um contexto do dia a dia, por exemplo, a gente colocou... eu era a personagem cobrador e ela era um passageiro que ela passava o troco para mim, ou para ela me dava passagem né e eu passava um troco a mais. Então mas ela não me falava nada, ela ficava com dinheiro. Então, explicava para os alunos, “entenderam como é que ocorre a corrupção no dia-a-dia e no contexto político?” Então, foi uma experiência muito boa para mim porque assim quando se está com um surdo, se você não sabe o sinal, o conceito, você tem que apelar até para o teatro, tem que mostrar em algum momento um recurso visual para eles, porque, às vezes, só imagens não dá um sentido para ele. Você tem que dar uma explicação,

mo ele já tem todo um arcabouço de sinais termos.

Nós estamos pegando mensalmente as religiões que já são consideradas religiões mortas. Então, a gente veio desde a Grécia trazendo toda essa questão para trabalhar a questão da sinalização, para ajudar professores tanto de história como também professores de ciências da religião para ensinar os alunos surdos dentro desses contextos. Então, a gente tem toda uma pesquisa com base na lexicografia, na terminologia, buscando compreender se já existem esses sinais, se esses sinais já são utilizados em outros estados, para evitar criar sinais e depois dizer que são variações linguísticas que também não vou entrar muito no mérito porque é uma dis-cussão muito ampla.

Então, após esse primeiro momento que foi a questão da criação esses sinais de Termos, nós desenvolvemos um ciclo de oficinas que nós aplicamos na escola Vilhena Alves no ano pas-sado durante três semanas, onde nós trabalhamos com as met-odologias visuais também com o auxílio do profissional intér-prete de libras, além de que os alunos da UEPA que participam do grupo também sabem sinalizar, mas como a gente percebeu que era um conteúdo muito específico a gente preferiu solicitar a presença do intérprete de libras. Então, nós sentamos com intérpretes, trabalhamos sinais termos que tinham sido cata-logados e os que foram criados. E foi muito interessante como esses alunos surdos ele já compreendem muito essa ideia do visual, assistem muitos filmes, desenhos e trouxeram muitas experiências legais.

Após isso, a gente aplicou em torno de umas 8 a 9 oficinas e nós resolvemos escrever alguns artigos porque a gente per-cebeu, a partir dessa experiência, que os professores que

talvez não saibam lidar com o aluno surdo porque eles não conhecem as metodologias que devem ser trabalhadas. A gente está escrevendo agora um livro que vai ser publicado agora esse ano pela Editora CRV que se chama a “Religião e Educação de surdos: desafios e métodos”, onde a gente tem foco na questão das religiões indígenas, nas religiões afro de matriz africana, especificamente o Candomblé, já que tem um vídeo no YouTube publicado pelo professor Emerson Silva onde ele trabalhou a questão de sinais específicos do Can-domblé.

A gente pegou esse sinais, e fomos trabalhar dentro da sala de aula contextos, por exemplo, sobre os líderes religiosos entre muitos outros contextos. A gente observou que os pro-fessores e os alunos se forem dados para eles as metodologias, se forem oferecidos a eles esse conhecimento, eles conseguem desenvolver o trabalho e o aluno consegue aprender. Então, por isso que o livro é uma alternativa, a gente vai distribuir gra-tuitamente o livro depois como alternativa de ensino para os professores.

Fabrício: Ohana, eu queria saber um pouco mais da tua experiência, porque agora tu estás atuando numa Universidade. O público, com certeza, é diferente. E deve misturar tanto ouvintes quan-tos surdos. Você também está atuando nessa tutoria do curso de pedagogia bilíngue, então, com certeza é uma proposta totalmente diferente que você também deve lidar com metod-ologias diferenciadas para lidar com esse público né?

Ohana: Sim, com certeza, eu atuo tanto no curso letras-libras, que tem metade da turma são surdos e ouvintes. Então ali é um de-

mostrar um classificador para ele, dramatizar para ele entender melhor.

Fabrício: A dramatização é então potencial né. Professor Sílvio, pro-fessor Padovani, querem acrescentar algo mais.

Padovani: Porque a questão é que você tem que construir o con-ceito. Eu vou dar um exemplo aqui, muitas questões de história ou até mesmo no momento de explicar aparece o termo conse-quência. Quais as consequências de determinada situação histórica? Então, para nós ouvintes, vamos pensar assim o con-ceito de consequência. Consequência é uma coisa que acon-tece depois que uma coisa aconteceu e como você vai explicar isso para o surdo? Então, o que a Ohana colocou aqui é funda-mental. Quando eu quero dizer para o aluno o que é conse-quência, eu digo para ele “olha, por exemplo, a pessoa está tomando uma cerveja, whisky, ela pegou um carro, qual pode ser a consequência? Bater o carro. Isso tudo não falado, é dramatizado como ela disse. Então, eu preciso construir esse recurso. Quando ela fala em classifi-cador, de construir cenários narrativo com as mãos para ele. Você está dirigindo mas você bebeu. O que pode acontecer? Você teve uma relação sexual sem preservativo, você pode ficar doente, é uma consequência. Você pode ficar grávida, é uma outra consequência. Então, você tem que construir essas questões. Eu tive três anos como professor Itinerante na escola Luiz Nunes Direito na Cidade Nova. Eu ligado ainda ao Astério, mas desempenham parte da minha carga horária lá. Fizemos várias parcerias com os professores. Então, na apresentação de seminários, nós construímos com os alunos os slides, as apre-

sentações. Eu fazia a interpretação da apresentação dele para os professores. Os professores faziam perguntas. Eu fazia esse papel de intérprete nesse momento. Tem um professor, por exemplo, que fez em alguns momentos a prova de surdos, aquela ideia que a gente tem da prova oral, para o surdo ele fazia a prova sinalizada. Então, ele construía ali 6 questões, reunia comigo e com os surdos, aí ele escolhia “olha, faz essa questão aqui para ele”, aí eu perguntava para o surdo aquela questão, aí o surdo respondia, e eu ia interpretar e fazia esse papel de intérprete nesse momento. Aí o professor avaliava a resposta.

É interessante que é um ser humano. Então, quando ele não sabia, a feição dele mostrava logo que ele não sabia. Ele ficava nervoso, ficava tentando enrolar. O professor já percebia que ele estava com dificuldade para dar resposta. Então, são situações aí, nós fizemos, por exemplo, trabalhos com maquet-es. Esse foi muito interessante, o professor estava trabalhando “A Belle Époque”. E aí ele pediu para os surdos falarem sobre cinema Olympia. Essa foi uma ideia que partiu deles, por exem-plo, eu queria fazer uma maquete do cinema Olímpia, eles dis-seram “não, vamos fazer uma da fundação do cinema, outra dos anos 70/80 e outros agora”. Então, nós acabamos discutin-do a temporalidade, as mudanças arquitetônicas do prédio pú-blico, enfim, ficou bem legal. A apresentação de documentári-os, eu achei um documentário sobre o cinema Olympia, apre-sentamos para eles a interpretação. Então, há uma gama de possibilidades aí realmente. Na questão de química, a professo-ra também pegou umas bolinhas de isopor e aí o que aconte-cia? Aquelas bolinhas de isopor eram as moléculas, aí quando ela queria uma molécula diferente daquela da bolinha, ela já pintava a bolinha de vermelho para representar que era o hidrogênio, que era um carbono.

Então, todas essas possibilidades elas são possíveis de ser utilizada e o interessante é que fica muito bacana para o ouvin-te e para o surdo porque acaba trabalhando um pouco do lúdico. Não é só aquela coisa do professor que fala, fala, fala, e o aluno acaba construindo também ali as coisas, o conheci-mento.

Fabrício: Professor Silvio.

Sílvio: Eu queria complementar fazendo uma boa abordagem voltando lá para a questão do intérprete de libras, porque a gente sabe que o recurso visual, a dramatização tudo isso real-mente eles são de extrema importância. Mas olhando intér-prete em conta uma tecnologia assistiva dentro desse espaço, a gente precisa pensar que o professor deve ter ele também como recurso metodológico. Então, eu quero aproveitar o espaço para conversar também com os professores que possam estar ouvindo os alunos, que é direito do professor ter um intérprete de libras ao seu lado enquanto recurso met-odológico, por que o professor possivelmente não conseguirá sinalizar de forma fluente na sala de aula.

Então atenção para quem tá ouvindo uso decreto 5626/2005 para cobrar dos pais os direitos dos alunos surdos. Você pode levar isso ao Ministério Público para que possa ser trazido o intérprete de Libras. Eu acho que esse recurso met-odológico, o intérprete enquanto recurso metodológico, é im-portantíssimo dentro da sala porque o professor mas na maio-ria das vezes ele não terá tantas vezes para organizar todas as suas aulas de forma visual. Então, esse intérprete de Libras, ali, ele é essencial nos momentos em que o professor não tivesse oportunidade.

Fabrício: Está chegando já ao final do programa, vou abrir o espaço para as considerações finais dos nossos convidados, men-sagem de finais, o que vocês consideram como desafio, algo que vocês queiram reforçar em relação ao que a gente debateu ao longo dessa entrevista. Professor Padovani, pode começar? Ernesto: Na verdade, eu gostaria de agradecer, muito importante esse espaço. A gente percebe que a cada dia a questão da Ed-ucação de surdos está ganhando uma projeção. Eu acho que a questão da redação no Enem foi um antes e depois. O espaço, eu mesmo posso testemunhar, eu já estava ali no mestrado, fazendo projeto, mas depois que veio a redação do Enem, os convites para estar nos espaços, no IFPA, na UEPA na própria UFPA, convites para palestra, enfim. Está discutindo essa questão aumentou muito. Então isso é fundamental, não só para o nosso trabalho né mas para esse público que em algum momento nos falamos aqui da invisibilidade do Surdo, e era um público invisível e é um público que cada vez mais não quer ser invisível, quer ser representado.

Então, nós percebemos que as janelinhas da língua de sinais na TV já é uma coisa que está ganhando muita força, nas campanhas eleitorais, aí foi uma grande novidade. Mas o corre-to é que isto esteja em todos os momentos, em todos os dis-cursos. A gente ainda não vê isso no Brasil, os políticos fazem seus discursos mesmos nos cargos de governadores, presi-dentes, não tem um intérprete.

Quando nós vemos imagens no exterior, o presidente americano falando, a intérprete está do lado. Então, nós temos

um caminho grande aí de conquistas para trilhar, que a comuni-dade surda tem naturalmente também que trilhar.

Fabrício: Ohana. Ohana: Eu quero agradecer também pelo convite. Eu quero agra-decer novamente ao professor Neto por ter me convidado a fazer parte desse canal. Eu não tenho parentes surdos, na ver-dade eu tenho namorado surdo. Então assim, onde estiver um surdo, eu sempre estou lutando com eles. Inclusive, eu faço parte da diretoria da Jubel. É uma honra ser a única ouvinte, então é muita confiança perante os surdos né.

Então assim, na associação a gente luta pela presença do intérprete em sala de aula, nos hospitais, em qualquer espaço. Então assim, essa visibilidade está ocorrendo assim, mas tem que melhorar enfim, tem que avançar mais. Então, para os pro-fessores que estão escutando, eu sei que não tem muito tempo assim para organizar o material, mas fazer um esforcinho. Pro-fessores que estão ouvindo, por exemplo, você tem um aluno surdo ou com outra deficiência procure ter contato com seu aluno, procure saber o que ele pensa, se ele está entendendo. É importante isso.

Fabrício: Professor Sílvio

Sílvio: Bom, primeiramente, eu queria agradecer o convite. Foi uma honra estar debatendo junto com professor Netto Pado-vani e a professor Ohana. E o recado que eu deixo aos profes-sores é sempre buscar pensar, que a partir do momento em que você tem um aluno surdo na sala de aula pensar nessas

metodologias visuais, pensar nessas estratégias que você con-segue desenvolver um trabalho, se as dificuldades elas exist-irem, e caso haja o atendimento educacional especializado na sua escola, procurar o AE de forma a buscar esse suporte que você precisa.

É importante ressaltar que a gente iniciou lá falando sobre a Libras enquanto disciplina, nenhum professor, nenhum aluno vai sair fluente na língua de sinais, porém eu acredito que o ponto mais importante da disciplina é disseminar essa questão da diferença. Então o professor que está hoje trabalhando com surdos ele precisa entender que esse indivíduo tem particulari-dades, ele tem diferenças em relação aos alunos ouvintes e se ele buscar respeitar essas particularidades o desenvolvimento desses alunos será bem maior.

Em suma fica a dica, aproveitando a sala da professora Ohana, quebre essa barreira que existe entre você e o aluno, uma barreira imaginária que já se passaram anos e é necessário você quebrar. Como você faz para quebrar isso é chegando próximo desse aluno perguntando se ele está entendendo, per-guntando de que forma ele que aprender com a professora sugeriu ainda pouco e dessa forma ele vai conseguir fazer com que esse aluno possa expressar as formas que ele pode com-preender melhor, porque a gente deu algumas dicas mas não são receitas.

Cada um, cada professor vai observar dentro dos seus espaços escolares de salas de aula alunos com suas particulari-dades, então, o grande ponto é chegar próximo do aluno que foi que a professora a Ohana citou, quebrar a barreira imag-inária.

Fabrício: Está certo. Muito obrigado professor Silvio, professora Ohana, professor Padovani. Muito obrigado pela participação de vocês, pelos esclarecimentos e por compartilhar conheci-mento com a gente obrigado.

Sílvio: obrigado.

Fabrício: Agradeço mais uma vez a participação do professor Silvio Santiago Vieira, professor Padovani Neto e a professora Ohana Matias. Agradeço também a você ouvinte que acompanha o programa de hoje. Se você quiser enviar críticas comentários ou sugestões é só mandar um e-mail para rá[email protected].

educação de surdos, são experiências muito diversas, lógico, né. Por exemplo, em relação a esse contato que vocês tiveram com a Libras que inclusive, é exigido como eu falei, nos própri-os cursos de licenciatura, esse primeiro contato que muitos professores, licenciandos, hoje alunos de graduação têm, será que ele evoluiu muito dos que vocês tiveram por exemplo, no contato de vocês com a licenciatura? Será que hoje avançamos mais neste contato da Libras, nessa inserção da Libras no ensino superior pra formar esses profissionais, esses profes-sores que vão poder incluir esse aluno no sistema de ensino? ou vocês veem muita similaridade com o que vocês tiveram como experiência enquanto universitários. Como é que vocês veem essa evolução? Teve avanço ou não? Sílvio: A minha primeira formação é em Matemática. Na época em que eu me formei em matemática não existia no currículo a disciplina Língua Brasileira de Sinais, então eu só fui ter contato com a libras enquanto disciplina na especialização, mas hoje eu sou formador de alunos de cursos de licenciatura. Então, mesmo assim eu ainda observo que existem algumas coisas que nós precisamos avançar, por exemplo, a carga horária dessas disciplinas é muito reduzida na maioria dos cursos de graduação. Há curso em que a carga horária varia de 40 horas, 50 horas, 60 horas. A gente há de considerar, o professor Padovani, por exem-plo está desenvolvendo uma dissertação de mestrado onde ele tem um olhar sobre a história desse indivíduo dentro de um processo educacional. Imagina, você precisa apresentar essa história que não é pequena para o aluno graduando. Você pre-cisa trabalhar as metodologias de ensino, você precisa tra-balhar com experiências, você precisa levar esses alunos pra escola de educação de surdos pra que eles possam conhecer

Como professor da escola Astério de Campos que é uma escola de referência em Belém, todo o início de ano nós recebemos muitos convites para formação. E aí eu sou um dos professores que costuma ir dar essa formação. E a preocu-pação é essa. “Professor, sou professor de física, e aí o que que eu vou fazer com o aluno surdo que está na minha sala?”.

Então, quer dizer, mesmo sendo professor de história, eu procurei desenvolver, construir alguns materiais pra esses mo-mentos de formação onde eu explico pra eles, por exemplo, que pro surdo se você vai trabalhar matemática, você vai tra-balhar aquela abstração, aquelas frações, então é muito com-plicado. Agora se você traz para aquelas questões que é algo que está afinado com o aquilo que o MEC pensa em relação ao enem, se você traz que os prédios projeta uma sombra de tantos graus, formando um ângulo, você abre a mente ali pra trabalhar com o surdo porque ele está visualizando o prédio, a sombra, o grau está relacionado com a vida, então não é algo tão distante pro mundo ouvinte.

Em geral, quando estou em momentos de formação, ou em espaços educacionais, eles pensam que o surdo ele não ouve, mas ele sabe ler, então é muito complicado, porque ao não ouvir, o surdo não criou o conceito daquela palavra, nós sabe-mos que mesa é mesa, nós ouvimos a palavra mesa e atribuí-mos à mesa.

O surdo não ouviu essa palavra, então o conceito para ele, a palavra pra ele é um emaranhado de signos pra ele. Ele preci-sa estar gravando aqueles signos. A disciplina libras ela não está dando conta disso, ao meu ver. Os alunos vão pra essa dis-ciplina, eles não vão aprender a língua de sinais. Eu tenho con-tato com professores do ensino regular que têm alunos surdos há oito anos, há sete anos. Na minha pesquisa eu entrevistei

professores que têm alunos surdos há 10, 8 anos e ainda não sabe dá bom dia. Então, na disciplina também esse aluno não vai aprender. Está servindo pra ele entrar em contato e saber que isso existe. Hoje a minha luta, eu estou tentando criar um conceito que é o ensino de história em contextos inclusivos, que esse debate vá de fato pro campo das disciplinas, das áreas de conhecimento e não fique pairando acima de todas disciplinas que não dá conta. As disciplinas têm metodologias diferenciadas de ensino.

Fabrício: Como é que essa realidade no curso de letras, Ohana?

Ohana: Sim, sim, como o professor Neto falou, eu vim do curso Letras Libras, então tinha agrade curricular toda voltada pra Libras, pra educação dos surdos, então assim, em si, eu não tive essa dificuldade, mas se eu dependesse só do curso, hoje em dia talvez, eu estaria sinalizando só o básico, assim infelizmente como muitos colegas meus terminaram o curso e não tinham domínio da Língua de Sinais. Então, eu precisei correr exata-mente para manter contato com o usuário da língua pra poder aprender. Hoje em dia tudo o que eu sei foi porque eu estou sempre tendo contato com o surdo, então assim, quando eu conversa-va nos corredores com meus outros colegas de graduações, seja de letras português, biologia, eles me falavam assim “Ohana, você pode me ensinar qual é o sinal isso, isso, o sinal específico da graduação deles, porque o meu professor falta, porque o meu professor não está presente”, ou como o profes-sor Sílvio falou “a carga horária é muito pouca”, então assim, “não faz a adaptação voltada para o meu curso”. Então, como eu posso chegar numa graduação, por exemplo de licenciatura em biologia e ensinar por exemplo, só o alfabeto, só os sinais

esses espaços que é a partir dessa experiências empírica que ele pode se identificar muito mais com esses processo. Então eu observo que 60 horas, 80 horas é uma carga horária insufici-ente. Na minha opinião, nós deveríamos ter hoje um estágio curricular voltado pra educação especial. Os alunos saem da graduação sem saber como lidar com os alunos com deficiên-cia.

Falando do aluno surdo, ele sai ainda mais perdido haja vista que a Língua de sinais é uma língua diferente da Língua Portuguesa, com uma estrutura gramatical que carrega uma especificidade muito diferente da Língua Portuguesa. Então penso que a gente deve continuar discutindo essas questões da inclusão a fim de que exista um estágio supervisionado especifico. É lógico que as pessoas não vão sair de lá expertise em trabalhar com surdos, mas ela pelo menos terá condições de compreender essa realidade da inclusão escolar visitando esses espaços, essas escolas que têm educação especial que ainda existem aqui dentro de Belém.

Fabrício: Padovani.

Ernesto: Na minha graduação também ainda não havia essa questão da disciplina Libras. Pra dizer a verdade, durante a minha graduação nunca nem passou pela minha cabeça essa realidade. Não era algo discutido, debatido, presente dentro da Universidade, nem na sociedade. O que acontece assim, eu go-staria de concordar com o professor e também aprofundar no sentido de não é só uma questão de apresentar a disciplina com o nome Libras. Então, eu preciso trabalhar com o meu aluno de história metodologias de ensino de história pra surdos, metodologias de ensino de matemática para surdos.

Fabrício: Olá, ouvintes da Rádio Web UFPA. Eu sou Fabrício Que-iroz e a partir de agora você acompanha comigo mais uma edição do UFPA Ensino que hoje vai falar sobre Metodologias de Ensino para surdos.

Segundo o censo do IBGE de 2010, 9 milhões e 700 mil pessoas têm deficiência auditiva. Cerca de um milhão são jovens até 19 anos. No Brasil, os surdos só passaram a ter acesso à educação durante o império.

Em 26 de setembro de 1857, foi criada a primeira escola de educação de meninos surdos, no Rio de Janeiro. Apesar do avanço, somente em 2002, a Lei nº10.436 reconheceu oficial-mente a Língua Brasileira de Sinais, a LIBRAS.

A Libras é fundamental para garantir o aprendizado de alunos surdos. Em 2005, com o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro, a Libras foi determinada como disciplina curricular obrigatória para todos os cursos de licenciatura e também fonoaudiologia, e ela é optativa para os demais cursos do ensino superior e da educação profissional.

Outra grande conquista aconteceu em 2010, quando a profissão de tradutor–intérprete de Libras foi regulamentada em de 1º de setembro.

Além disso, professores têm buscado trazer a Libras para fora da sala de aula. Na internet, por exemplo, existem video-aulas em libras, democratizando o acesso à educação.

Hoje, vamos conhecer o trabalho de professores e intérpretes de Libras que desenvolvem estratégias para melhorar o ensino para surdos. Recebemos aqui no es-túdio da Rádio Web o professor da UEPA Sílvio Santia-go Vieira, ele é mestrando em Ciências da Religião, es-pecialista em Atendimento Educacional Especializado e também coordena o Grupo de Estudos Surdos & Inter-faces do IEPA, que é o Instituto de Educação e Cultura do Pará. Professor Silvio, muito obrigado por sua partic-ipação, bem-vindo.

Sívio Viera: Muito obrigado pelo convite.

Fabrício: Obrigado, professor Silvio. Também estou rece-bendo o Ernesto Padovani Netto, mais conhecido como Padovani. Ele é aluno do Mestrado Profissional em Ensino de História e é responsável pelo canal do Youtube “História em Libras”, e também é professor da SEDUC. Professor Padovani, muito obrigado.

Ernesto Padovani: Obrigado pelo convite, a gente espera contribuir aqui um pouco com o debate.

Fabrício: Obrigado, professor. E também recebemos a Ohana Matias. Ela é tradutora / intérprete de libras, é professora substituta da UEPA. Também atua como tutora na UEPA no curso de Pedagogia Bilíngue, além de ser especialista em Educação Especial e Inclusiva, e também colaboradora do canal “História em Libras”.

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RÁDIO WEB UFPA: Divulgando conhecimento 10

Ohana, também muito obrigado pela tua participação, bem-vinda.

Ohana: Obrigada pelo convite, é um prazer estar aqui estar fazendo parte desta discussão.

Fabrício: Eu queria que, na verdade, vocês primeiramente se apresentassem um pouco pra gente conhecer um pouco da trajetória e do interesse de vocês por essa área tão cara e tão desafiadora. A gente viu aí por esse pequeno histórico o quanto ela foi negligenciada, a educação de surdos, a educação inclusiva. O que que motivou vocês a trabalhar com essa área que ainda é um desafio na ed-ucação brasileira? Professora Ohana.

Ohana: Ohana: Bom, a minha história em si é bem diferente dos outros. Os meus colegas que eu estudei no curso de letras libras em 2012, a maioria veio da área da interpre-tação da igreja, ou tinha um parente surdo e no meu caso em si é por conta da minha mãe ser pedagoga. Então, como ela fazia na época o curso de libras, ela me incentivou para escolher esse curso. Na verdade, eu con-heci esse mundo novo quando eu passei no vestibular. Então assim, a partir do momento que eu comecei a estudar e começar a entender a história da educação do surdo, foi só um momento assim pra eu procurar saber mais sinais. Então, foi uma grande oportunidade e hoje em dia eu estou atuando, também faço parte da as-sociação dos surdos de Belém. Então eu estou sempre

nessa constante luta em prol da educação dos surdos, na luta por eles.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: Bom, a minha trajetória ela começa quando em 2009 eu resolvi fazer um curso de Língua Brasileira de Sinais no CAES. Eu tive um aluno surdo na época no Augusto Meira. Não sabia como lidar com os alunos surdos. E a minha comunicação com eles era basicamente por meio da mímica, por meio da escrita nos braços. Os surdos eles têm o costume de escrever no braço quando não têm papel, apagava, enfim. E assim eu fui apren-dendo os sinais iniciais e eu percebi que eu deveria ir mais adi-ante. Eu já tinha experiência com educação de alunos cegos e baixa visão, porém a minha experiência com os surdos me fez refletir sobre essas carências que a formação inicial de profes-sores possui. Aí eu fui fazer um curso de libras, tive o professor Arlindo, o professor Tiago Costa como meus professores. E foram pessoas que contribuíram muito para a minha formação inicial na área da língua de sinais. Em 2010, então eu resolvi en-veredar pela especialização nessa área, fiz especialização em Libras. E comecei também em 2010 a interpretar dentro da Igreja Assembleia de Deus. Foi quando eu realmente resolvi me focar nessa questão da interpretação que eu já estava na docência. Posteriormente a isso, eu resolvi criar o grupo de estudos surdos e interfaces, onde a gente tem discussões diversificadas, mas especifica-mente hoje nós estamos discutindo as questões relacionadas a

gênero e sexualidade dentro do grupo, haja vista que a comu-nidade surda belemense, ela apresenta uma pluralidade nesse sentido e é necessário que familiares e escolas possam com-preender essa questão da sexualidade do surdo que manifesta certas diferenças em relação à sexualidade dos indivíduos ouvin-tes. E também com foco na questão da religião pois eu tenho ob-servado que hoje os surdos eles têm buscado enveredar por outros ramos religiosos além do cristianismo. E a minha trajetória hoje tem sido basicamente focar na compreensão de como é que tem se desenvolvido essas territorialidades e os territórios dentro dos espaços sagrados. Hoje minhas pesquisas estão focadas nisso.

Fabrício: Professor Padovani.

Ernesto: Ok. Bem, eu sou professor da rede estadual de ensino há dez anos. Então quando eu comecei eu tra-balhei uns três anos no interior do estado. Tive um públi-co também de trabalhar em comunidades, quando vim, voltei a Belém, voltei pra trabalhar no sistema penal. O que ocorreu? Na verdade, lá no Astério de Campos não tinha professor de história. Aí me fizeram a proposta. Então, na verdade não foi muito uma escolha minha. Che-gando lá, eu criei de fato uma grande identificação com o trabalho. Fiz uma especialização em educação inclusiva e comecei a observar as dificuldades deles em relação à Língua Portuguesa, dificuldades com textos muito grandes, necessidade da utilização de imagens, então eu fui montando uma metodologia a partir de referenciais teóricos como a pedagogia visual e criando meu próprio material didático, criando formas de trabalhar com eles.

Quando surgiu a seleção pro Mestrado Profissional em Ensino de História, o PROFHISTÓRIA, eu fiz a seleção, fui aprovado e fui com isso na cabeça, que eu ia fazer um projeto sobre educação de surdos, unindo essas duas áreas. A questão da história e a questão da metodologia de ensino. E aí perpassam vários elementos, não é só a história em si. O meu trabalho é um trabalho sócio-histórico que vou justamente remontar o período do oralismo, passando pela co-municação total, são metodologias que são utilizadas até hoje como proposta teórica do bilinguismo prevalecendo na edu-cação dos surdos, pelo menos uma tentativa pra que prevaleça. E aí na verdade o canal “História em Libras”, ele surge como um produto desse mestrado. O mestrado profissional em ensino de história, ele exige uma dissertação escrita e um pro-duto pedagógico aplicável. Então existem várias possibilidades de produtos. A minha intenção inicial era fazer um material didático mesmo pra distribuir nas escolas, mas eu fiquei pen-sando na logística disso e no alcance que isso teria. Então, con-versando com amigos porque tem essa questão da interdisci-plinaridade, eu precisei de um amigo meu que trabalha com cinema, precisei da Ohana pra construir a proposta do canal. Então, desenvolvemos a ideia de um canal na internet seria muito melhor porque eu não teria o problema da divul-gação. Colocou na internet as pessoas podem acessar. E nós estamos nesse momento. Graças a Deus o vídeo está sendo muito acessado, teve uma repercussão muito boa. A Mídia Ninja compartilhou nos espaços que eles têm nas mídias digi-tais. Estamos agora aqui nesse debate

Fabrício: Dá pra esse primeiro relato de vocês, em relação à experiência, o contato que vocês tiveram com a Libras, com a

de família, de frutas, aí esse professor vai se formar, vai chegar numa sala de aula e vai só manter esse diálogo só de frutas, alfabeto? Não. Ele tem que saber o sinal de células, de mem-brana, disso, daquilo, tem que saber como é usar um classifica-dor. Infelizmente, é quebrada essa grade curricular das pessoas que estão na licenciatura.

Eu vivenciei isso muito quando eu fui intérprete de uma escola que tinha uma demanda muito grande, tinha 18 surdos na escola. Eu atendia oito surdos no ensino médio. Então, assim, eu observava a dificuldade dos professores. Eles chega-vam pra mim “eu nem tive essa disciplina de libras”, “eu nem sei o que é isso”, “é surdo mudo?” “ah, os teus alunos”. Eles não eram os meus alunos, eles eram alunos deles tanto quanto os ouvintes. Então, no caso, eu falava assim, “professor você tem que direcionar a eles”, “ah, mas só que ele vai pensar que é tu que tá chamando a atenção ou tá explicando”. Eu digo “não, ele sabe diferenciar, o meu papel aqui é de intérprete”. Eu sempre lutava a questão da metodologia, não pensavam no surdo.

Uma vez aconteceu uma situação que foi ao contrário, estava com legenda e sem som. Os ouvintes reclamaram. Aí eu falei para eles, “agora, vocês entenderam o que é estar na pele de uma pessoa surda:” Não é fácil. A informação não chega tão fácil pro surdo.O professor fez esse canal História. Esse canal é uma forma de democratizar tanto para surdo como para ouvin-te porque ele está usando diretamente a língua de sinais e tem ali a legenda.

Fabrício: Professor Padovani

Ernesto: Eu queria retomar mais uma questão pra embasar essa questão da metodologia, porque por exemplo a gente percebe muito há um censo comum de querer resumir a questão à língua. Então, se você tem um intérprete na escola, que não tem, em geral, não tem. Quando tem, então resolveu o proble-ma, agora tem intérprete. Então, eu faço sempre a discussão, o seguinte, se o problema fosse a língua, os nossos alunos ouvin-tes todos não teriam problema nenhum de educação no Brasil. Professor fala português, os alunos todos falam português, en-tendem, então por que os alunos não alcançam a média? Por que nós não estamos nos melhores patamares de educação mundial? Então nós não podemos também resumir o debate à língua. Então, como é que o aluno entende? É a partir da imagem? É a partir da construção de maquete? Qual é a possi-bilidade que se tem de vídeos com legenda?

O primeiro dia que o vídeo foi postado no Youtube, ele ficou sem legenda. Foi uma estratégia mesmo. Eu fui colhendo e estou colhendo os depoimentos pra finalizar a dissertação. “Poxa, não consegui, olha, eu paro, pela metade, eu parei. Não consegui acabar de ver, não tava entendendo nada”.Olha que nós colocamos os recursos imagéticos entrando no vídeo e em alguns momentos chaves aparecia escrito também o que estava sendo falado. Mas mesmo assim as pessoas reclamaram ou muitas fizeram essa reflexão: “poxa, agora eu me senti como os surdos se sentem”. São pequenas situações do dia a dia que no universo da escola se traduz em outras formas, mas são hierarquias de saberes. Um professor está ministrando aula, o outro professor vem dar um recado na turma, bota o rosto dentro da sala, “gente, gente, licença aqui, rapidinho, amanhã tem prova, dois reais a prova e tal”. Recado dado.

O surdo não entendeu. Vamos passar o vídeo pra turma, vamos levar para o auditório, muito legal, todo mundo vai, chega na hora de passar o vídeo me chamam pra interpretar, já aconteceu isso, eu não sou intérprete mas você está na escola, você sabe Língua de Sinais, você é intérprete, você é professor do AE, você é itinerante, você é tudo. Então fui lá interpretar, tudo certo, vamos lá, solta o play, apagam a luz. Como é que o surdo vai ter acesso à minha interpretação, então são questões que... é maldade? Não. Não é. Mas isso estrutura uma hierarquia de saberes. Entendeu. São hábitos que a escola internaliza porque ela é uma escola voltada e pensada para o público ou-vinte. O que me chama atenção é que isso acontece em escolas em que os surdos estudam há 10, 15 anos. Então, quando a escola vai internalizar presença do surdo? Então, acho que essas são questões aí que abrem um bom leque pra gente dis-cutir e pensar.

Fabrício: Só pra voltar, eu achei interessante o depoimento da Ohana, essa relação, dela como intérprete né. O Padovani ele tem o conhecimento, de repente ele pode usar desse conheci-mento pra se comunicar com esse aluno surdo, mas nem todas as escolas têm um profissional como a Ohana. E como é que fica a relação entre o professor e esse intérprete? Onde é que começa o papel de um e o papel de outro? Como é que se con-strói esse relacionamento pra que se possa comunicar e repas-sar esse conteúdo pra esses alunos? Como é essa dinâmica?

Ohana: Bom, a priori, o que deveria ocorrer era ter essa parceria com o professor e o interprete. Por que? porque o papel do intérprete é mediar. Ele não vai ensinar nada. Até porque a minha formação é Letras com habilitação em Libras, não é for-

mação em Letras, Português, Biologia, Matemática, não é.

A minha formação é Letras, então qual é o meu papel ali? É de chegar e interpretar tudo o que o professor falar. E quando eu digo tudo, eu interpretava até palavrões, enfim, tudo o que o professor abrisse a boca eu interpretava porque eu estou ali. Só que infelizmente essa experiência que eu tive o professor confundia, ele pensava que eu era a professora deles, e eu dizia “Olha, eu tenho respaldo, tem a lei, tem o código de ética, tenho tudo o que o senhor quiser eu mostro, mas esse daí não é meu papel, essa competência não é minha, é a sua”. Então, tem que ter essa parceria. O que o intérprete pode ajudar? Ajudar a dar umas dicas, como é que faz o material, coloca a legenda na próxima aula, é assim, é essa parceria. Essa relação de professor, intérprete e aluno.

Sílvio: Relacionando a fala da professora Ohana também pensan-do no atendimento educacional especializado. Então, ela ainda pouco colocou que o professor sempre atribui a responsabili-dade para o intérprete de Libras, mas ele também faz isso para o atendimento especializado. Por quê?

Historicamente a educação do surdo, ela foi atribuída à ed-ucação especial. Então, com o processo de inclusão que se dá a partir de 1996, com a lei de diretrizes e bases 93/94 de 96, é que a gente vem perceber que esses indivíduos com deficiên-cia, pessoas com deficiência, passam a ingressar dentro das escolas regulares. Só que nós passamos a ter dois personagens que antes nós não tínhamos dentro desses espaços, os intér-pretes de libras e os cuidadores também, e também a gente passa a ter o atendimento educacional especializado que as pessoas acham que é antiga educação especial, mas na ver-

dade há controvérsias, porque educação especial funcionava numa sala de aula onde se ensinavam essas pessoas. E o AE não, ele funciona como educação suplementar complementar, porém para o professor da rede regular, ele entende que é responsabilidade do AE ensinar os aluno surdos, que é responsabilidade do intérprete ensinar os alunos surdos, ou seja, esses personagens acabaram tendo responsabilidades além de suas responsabilidades e o professor se exime.

O Vigotski diz que “quando a gente enxerga deficiência primeiro ao invés de enxergar o ser humano, a gente destrói qualquer possibilidade de desenvolvimento desse indivíduo”. Então, a gente pode pegar a fala do professor Netto Padovani, por exemplo, em relação a questão das metodologias e obser-var que a maioria dos professores estão destruindo possibili-dades de desenvolvimento desses alunos na sala de aula exata-mente por causa das metodologias. Eu também não quero cul-pabilizar somente esses professores porque também a gente tem que pensar na formação desses indivíduos e nós também precisamos pensar que a Universidade também deve oferecer cursos de formação continuada, porque esse papel é da Uni-versidade. A gente costuma atribuir essa responsabilidade, “Ah, o governo não faz”, mas a Universidade é quem forma, é ela que deve trazer os professores pra dentro. Ela que precisa buscar parcerias com as escolas, parcerias com as unidades pra que isso possa acontecer.

Hoje, nós ainda observamos uma grande polêmica dentro das escolas. Intérprete de Libras que acabam tendo discussões com professores porque as vezes são atribuídas responsabili-dades. Durante o meu período na rede regular de ensino, eu tive dois alunos surdos, depois eu já estava fluente em Libras, e eu também tive problemas. E é legal colocar isso, porque os

meus alunos ouvintes não gostavam de eu passava a sinalizar na sala de aula. Então, o que que eu fazia, passava todo o con-teúdo de matemática, explicava primeiro em Língua Portugue-sa, passava uma bateria de exercícios pra eles fazerem, e era o momento em que eu ia sinalizar, porque não tinha intérprete de Libras, para os dois alunos surdos.

Só que isso gerava discussões na sala, “Ah, o professor não está dando atenção pra gente”, “o professor agora só olha pra esses surdos, lá vem ele com essa língua de sinais pra dentro da sala de aula”. Então, a gente observa que essas relações de poder que incidem dentro do espaço da sala de aula ainda fazem com que os ouvintes entendam que deve ser dada atenção a eles e que aos indivíduos surdos não deve ser dada atenção. Tem uma charge no livro do Moacir Carneiro muito interessante, inclusive nas formações continuadas eu sempre falo isso pros professores, os professores estão aqui em cima conversando “nós não conhecemos nada sobre esses indivíduos, nunca ouvimos falar nada sobre educação espe-cial”. Aí os alunos todos embaixo olhando.

Na verdade, essas pessoas vão reproduzir lá embaixo esse mesmo pensamento, é por isso que esses alunos pensam hoje que o professor deve dar atenção a eles e não devem dar atenção aos alunos surdos dentro da sala. Já eles também não aprenderam nada sobre educação especial, não aprenderam nada sobre pluralidade, diversidade, e acima de tudo sobre dif-erença.

Ohana: Eu vivenciei nessa escola, eu trabalhei nessa escola, se eu não me engano, dois anos e meio. Então assim, para aquela turma, eu acompanhei os surdos, primeiro, segundo e terceiro

ano. Até metade do convênio. Então, quando foi no primeiro ano, os ouvintes assim sofreram um impacto. “Intérprete?”, “surdos?”, “mãos mexendo?”, “Meu Deus!”, porque foram logo oito na minha turma. Então, assim, no início, eles deixavam de prestar atenção no professor e ficavam assim olhando pra mim, com os olhos vidrados, eu ficava intimidada inclusive, com o tempo eles foram habituando e foi passando ano, dois anos, mas o que me veio à cabeça, assim eu sempre fui tímida, então eu sempre chegava, dava bom dia pra quem estava na frente, mas eu não era de ficar batendo papo com os ouvintes.

Então, eu ficava conversando com os surdos, enquanto o professor não chegava. Então, assim os ouvintes assim, meio que segregavam a gente. Então, o que eu acho engraçado, é quando eles foram ter contato comigo? um dia após a prova do Enem. Tinha gente da escola do primeiro ano que eu nunca tinha visto na vida. Eles chegaram “Ei, tia, a minha proposta está boa”, “será que pode falar deficiente auditivo”, “eles são surdo-mudos”, “é isso, é aquilo”. Foi a primeira vez que eles viram a necessidade. A escola em si diz “Ah, a gente está inte-grando”, mas na verdade segregava. Então foi uma experiência dessa forma, foi ruim pra mim inclusive. Na verdade se não fosse eu ali com os surdos, eles não iam ter visibilidade naquela escola.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: É bem legal a gente observar que as falas estão contemp-lando o que a gente chama de currículo oculto dentro das insti-tuições, e é isso que a gente tem pra parar pra pensar hoje. As metodologias de ensino, elas podem contemplar as necessi-dades do professor na sala de aula, ok. Mas a escola precisa tra-

balhar o currículo oculto que é exatamente o que o professor Netto e a professora Ohana colocaram, que é essa questão da alteridade, de fazer com que o professor e o aluno possam se colocar no lugar do outro, porque inclusão ela precisa ser para todos. Ela tem que começar lá do porteiro até a merendeira. Então não é só o professor que deve passar por esse processo, e quando a escola inteira passar a se modificar, então, a gente vai começar a observar que os alunos ouvintes vão com-preender as particularidades étnico-linguísticos desses indivíduos surdos. Hoje a gente vem percebendo pelas experiências de rela-tos, até mesmo as experiências que a gente já viveu, que esses alunos eles ainda não compreendem. Eu lembro, por exemplo, uma vez que eu fui interpretar para um amigo meu, o Ademil-ton. Eu acho que a professora Ohana até conhece. Ele é surdo. Na época ele fazia ensino médio. E foi uma experiência muito triste porque o professor não sabia sequer da existência de um profissional interprete de Libras, então eu pedi pra diretora da escola, uma escola pública de Belém pra entrar pra interpretar na aula de química, e o professor me viu virado o tempo todo de costa pra ele. E ele achou que eu era um surdo que estava simplesmente conversando na sala de aula.

Só pra você ter uma noção do que que que é essa falta de compreensão desse outro indivíduo que está ali. E os alunos ouvintes na hora da frequência, começaram a chamar nome a nome, e eu disse “olha, o professor chamou o teu nome”. Ai ele foi lá na frente, e disse pro professor apontar. O professor fez um gesto obsceno pra ele e todo mundo começou a rir. De repente uma aluna chega e pergunta “professor, porque que ele tá aqui na sala de aula”. Ele disse assim: “Eu não sei, eu tô levando até onde eu posso”. Na verdade, esse professor não estava levando nada. Porque aquele momento ali mostrava que

ele não compreendia. Foi quando eu chamei o professor. “Pro-fessor, ele está com dúvidas nisso”. Aí ele disse “Ah, você fala?”. “Sim, eu sou ouvinte, eu sou intérprete”. E aí foi muito legal porque o professor sabia ensinar o surdo, só que ele tem medo de ensinar, porque tem uma barreira imaginária entre o profes-sor e o aluno surdo. Eu não lembro direito o conteúdo, eu acho que era sobre átomos que ele estava ensinando. Ele pegou um pedaço de papel, fez um monte de bolinhas, e ensinou pro Ademilton o conteúdo. Então, ele sabia ensinar, a questão é que ele não sabia como chegar pra ensinar, então, isso é uma questão de currículo oculto.

Os professores, a escola, a direção, a coordenação ped-agógica, todos eles precisam se voltar pra compreender esse espaço plural que existe dentro da escola. A gente fala muito de diferença, mas a escola na verdade, a exclusão ainda impera dentro desse processo. E não é só para os indivíduos surdos, é para todos os alunos que sofrem qualquer tipo de exclusão dentro desse espaço.

Fabrício: Rádio Web UFPA apresentando o programa UFPA Ensino. Hoje o tema é Metodologias de Ensino para Surdos. Os nossos convidados são, o professor Sílvio Santiago Vieira, o professor Ernesto Padovani Netto e a professora Ohana Matias. A gente vai para um rápido intervalo e volta já já. Rádio Web UFPA divulgando conhecimento.

Vinheta: Você está ouvindo UFPA Ensino. Você está ouvindo UFPA Ensino.

Fabrício: Estamos de volta com o programa UFPA Ensino. O nosso tema de hoje é Metodologia de Ensino para Surdos e os nossos convidados de hoje são o professor da Universidade do Estado do Pará Sílvio Santiago Vieira. Também recebo o professor Ernesto Padovani Netto, ele é professor da Seduc e faz o me-strado profissional em Ensino de História e também estou rece-bendo a professora Ohana Matias, que é professora substituta também da UEPA e tradutora/intérprete de Libras e também colabora com o canal História em Libras, pensado aí pelo pro-fessor Padovani.

Estamos de volta aqui pra nossa conversa, vamos começar com o professor Padovani e com a professora Ohana pra eles comentarem um pouco mais sobre esta experiência do canal História em Libras, justamente como é que vocês propõem o ensino da história a partir do canal no Youtube, qual é o diferencial que vocês têm aplicado, lógico além das legend-as e tudo mais, em termos da perspectiva que vocês estão apli-cando a esse ensino de História pra realmente incluir essas pes-soas sendo surdos pra ele ter acesso a esse conteúdo. Profes-sor Padovani.

Ernesto: Na verdade, nós fizemos uma disciplina no mestrado min-istrada pela professora Edilza Fontes que chama-se “História Pública”. Então no Brasil é uma discussão um tanto quanto recente, a discussão sobre História Pública. História Pública perpassa pela questão de que você tem o historiador que produz o conhecimento histórico. Em outros momentos da história, o conhecimento histórico era fundamentalmente pro-duzido pelo historiador e hoje em dia o que nós temos? Nós temos canais no Youtube, nós temos programas de TV, nós

temos jornalistas. Na verdade, todo mundo fala de história o tempo todo. Então, a história ganhou esse viés de história pública. Então, são narrativas que estão aí se degladeando. A gente vê isso no Brasil, esquerda e direita construindo narrativas históricas em torno de situações que ocorreram. Então, esse foi um debate fundamental pra eu pensar o canal. Por que? Em 2013 nós tive-mos as manifestações, o início daquelas manifestações que acabaram culminando com o impeachment. Então, o que acon-teceu? Os surdos chegavam na escola “por que que está acon-tecendo isso?”. Aparecia os blacks bloks quebrando as coisas, colocando fogo, quebrando os bancos e tudo mais e os alunos chegavam “eu não estou entendendo, por que profes-sor na rua esse problema toda a hora na televisão? E eles não entendiam o que estava acontecendo. Então o problema era o acesso à informação. Então, que história está sendo construída para esse aluno? O que que ele está aprendendo no processo escolar, o que que ele está viven-ciando, está vivendo, podendo relacionar, inclusive. Então, eu fui trabalhar nessa perspectiva de explicar. Eu lembro, inclusive, no primeiro vestibular de Libras da UEPA que houve as vagas para os surdos, eu fiz uma discussão com seles sobre essa questão de 2013 dos blacks blocks relacionando com ludismo, quando os operários ingleses quebravam as fábricas e tudo mais. Acabou que foi uma questão que veio na prova, então eles acertaram em massa a questão. Então relacionar os tempos históricos a partir de situações vivenciadas por eles. E o canal História em Libras veio muito nessa perspectiva de pensar a História Pública, a História digital. Nós não temos mais como ser, no meu caso, eu trabalho com história, sermos histo-riadores que ficamos presos somente ao papel, não é verdade?

Somente a entregar textos escritos que uma banca vai ler e muitas das vezes não é lido maciçamente. Então o canal foi uma forma de além de contemplar a exigência do programa que é ter um produto pedagógico, é um exercício de história pública, porque o tema Movimentos Sociais que é o tema da primeira aula, ele surgiu porque eu fui perguntar para os alunos o que eles gostariam de estudar. Isso também é uma perspecti-va muito interessante da gente refletir, porque eu digo “qual é o tema que eu vou colocar? eu não vou elencar um tema de cima pra baixo. Fazer uma aula sobre tal tema e ao perguntar para os alunos, eles tinham muita dificuldade de me responder o que eles gostariam em história. Primeiro, por quê? Existem uma perspectiva de que a história é uma história política. Então, estudar História é estudar Getúlio Vargas, é estudar a Ditadura Militar, é estudar os governos, os grandes heróis na-cionais, entre aspas. E eu queria que eles compreendessem que os surdos tem história.

No YouTube você tem muitas aulas no estilo caseiro, diga-mos assim. Você filma ali o quadro, para um professor que só precisa do recurso da fala é tranquilo. O professor fala, o ouvin-te escutou a informação. Mas para o surdo não, eu preciso de edição, eu preciso que as imagens entrem, eu preciso dialogar com as imagens, eu preciso de uma certa produção. Então, eu encontrei parcerias para produzir esse primeiro vídeo. Houve um custo. Hoje é um momento em que a secretaria de edu-cação replicou essa questão do canal. A Seduc colocou no site, colocou na agência Pará, colocou matérias no YouTube, no Facebook, sobre o projeto. Mas agora a gente precisa de suporte para dar continuidade.

Fabrício: Professor Silvio, eu queria que você falasse um pouco da sua experiência porque o senhor atua em outra área de conhe-cimento que é o ensino religioso. É uma metodologia meio parecida? como é que é são as estratégias que o senhor usa para atuar nessa área específica?

Sílvio: Eu não trabalho com canal especificamente.

Fabrício: Sim, sim.

Sílvio: Hoje eu tenho focado no grupo GESI. As nossas reuniões são todas as sextas-feiras. A gente tem desenvolvido foco na questão da criação de sinais termos que contemplem as questões das religiões. Mas é muito importante ressaltar que nós não estamos focando no cristianismo porque o cristianis-

safio. A sala em si é bilíngue, mas a questão da metodologia dos professores que é o mais difícil, até às vezes o posiciona-mento, eles estão aqui, o intérprete está bem aqui, e eles passam na frente. O surdo reclama “a gente não está conse-guindo visualizar o intérprete”. Então, a gente fica meio assim andando para cá e para cá. Então, assim experiência é muito boa para mim lá na graduação, é outro nível com surdos e assim eu fico muito feliz porque eles estão amadurecendo bas-tante.

Quando eles entraram sentiram muita dificuldade assim como os ouvintes, então assim foi um papel tanto dos intérpre-tes quanto dos professores, enviando materiais para a gente, para a gente procurar como o professor Sílvio falou sobre os sinais termos, se existem, porque são disciplinas muito espe-cíficas. Então, já lá no curso de pedagogia bilíngue que já tem um material pronto, na verdade. Então, assim tem as videoau-las, então geralmente os surdos que vão para lá geralmente são 10 ou 12, porque na verdade nós tutores fazemos uma escala, por exemplo eu vou dois dias, o outro vai mais dois dias. Então assim, a experiência lá é a questão visual que é muito impor-tante.

E o interessante é que os sinais são bem diferentes. Então assim, eles mostram lá na videoaula que é no INES que fica no Rio de Janeiro, e então são bem diferente dos sinais que nós tutores usamos. Então, é uma metodologia muito boa lá assim na questão visual. Então, te dá esse auxílio, interpreta, por exemplo, os textos da Língua Portuguesa. E é esse o trabalho que a gente faz lá.

Fabrício: Na experiência de todos vocês, vocês todos falaram bas-

tante de utilizar estratégias que apelam para esse aspecto visual. A Libras é visual, mas vocês também falaram muito de utilizar estratégias que possam utilizar vídeos, por exemplo, maquetes, enfim, coisas que vão apelar para o sentido visual e vai facilitar esse ensino para esse aluno surdo.

Alguma outra experiência que vocês tiveram, outra poten-cialidade, alguma outra coisa nesse sentido que possa acres-centar para, de repente, um outro professor, para uma pessoa que, de repente, não tenho tido essa experiência, ou de repente possa pensar em alguma outra coisa que vocês possam apre-sentar em algum exemplo?

Ohana: Eu tive uma experiência. Eu ainda era estagiária lá no Astério de Campos. Então, estava eu mais a minha colega Silvana. Então, lembro que na época, eu acho que foi em 2013, eu não sabia o sinal de corrupção. Então, assim, como explicar um conceito, explicar o que é, dar um sinal? Então assim, eu e a Silvana mostramos assim, dramatizamos na verdade.

Nós mostramos um contexto do dia a dia, por exemplo, a gente colocou... eu era a personagem cobrador e ela era um passageiro que ela passava o troco para mim, ou para ela me dava passagem né e eu passava um troco a mais. Então mas ela não me falava nada, ela ficava com dinheiro. Então, explicava para os alunos, “entenderam como é que ocorre a corrupção no dia-a-dia e no contexto político?” Então, foi uma experiência muito boa para mim porque assim quando se está com um surdo, se você não sabe o sinal, o conceito, você tem que apelar até para o teatro, tem que mostrar em algum momento um recurso visual para eles, porque, às vezes, só imagens não dá um sentido para ele. Você tem que dar uma explicação,

mo ele já tem todo um arcabouço de sinais termos.

Nós estamos pegando mensalmente as religiões que já são consideradas religiões mortas. Então, a gente veio desde a Grécia trazendo toda essa questão para trabalhar a questão da sinalização, para ajudar professores tanto de história como também professores de ciências da religião para ensinar os alunos surdos dentro desses contextos. Então, a gente tem toda uma pesquisa com base na lexicografia, na terminologia, buscando compreender se já existem esses sinais, se esses sinais já são utilizados em outros estados, para evitar criar sinais e depois dizer que são variações linguísticas que também não vou entrar muito no mérito porque é uma dis-cussão muito ampla.

Então, após esse primeiro momento que foi a questão da criação esses sinais de Termos, nós desenvolvemos um ciclo de oficinas que nós aplicamos na escola Vilhena Alves no ano pas-sado durante três semanas, onde nós trabalhamos com as met-odologias visuais também com o auxílio do profissional intér-prete de libras, além de que os alunos da UEPA que participam do grupo também sabem sinalizar, mas como a gente percebeu que era um conteúdo muito específico a gente preferiu solicitar a presença do intérprete de libras. Então, nós sentamos com intérpretes, trabalhamos sinais termos que tinham sido cata-logados e os que foram criados. E foi muito interessante como esses alunos surdos ele já compreendem muito essa ideia do visual, assistem muitos filmes, desenhos e trouxeram muitas experiências legais.

Após isso, a gente aplicou em torno de umas 8 a 9 oficinas e nós resolvemos escrever alguns artigos porque a gente per-cebeu, a partir dessa experiência, que os professores que

talvez não saibam lidar com o aluno surdo porque eles não conhecem as metodologias que devem ser trabalhadas. A gente está escrevendo agora um livro que vai ser publicado agora esse ano pela Editora CRV que se chama a “Religião e Educação de surdos: desafios e métodos”, onde a gente tem foco na questão das religiões indígenas, nas religiões afro de matriz africana, especificamente o Candomblé, já que tem um vídeo no YouTube publicado pelo professor Emerson Silva onde ele trabalhou a questão de sinais específicos do Can-domblé.

A gente pegou esse sinais, e fomos trabalhar dentro da sala de aula contextos, por exemplo, sobre os líderes religiosos entre muitos outros contextos. A gente observou que os pro-fessores e os alunos se forem dados para eles as metodologias, se forem oferecidos a eles esse conhecimento, eles conseguem desenvolver o trabalho e o aluno consegue aprender. Então, por isso que o livro é uma alternativa, a gente vai distribuir gra-tuitamente o livro depois como alternativa de ensino para os professores.

Fabrício: Ohana, eu queria saber um pouco mais da tua experiência, porque agora tu estás atuando numa Universidade. O público, com certeza, é diferente. E deve misturar tanto ouvintes quan-tos surdos. Você também está atuando nessa tutoria do curso de pedagogia bilíngue, então, com certeza é uma proposta totalmente diferente que você também deve lidar com metod-ologias diferenciadas para lidar com esse público né?

Ohana: Sim, com certeza, eu atuo tanto no curso letras-libras, que tem metade da turma são surdos e ouvintes. Então ali é um de-

mostrar um classificador para ele, dramatizar para ele entender melhor.

Fabrício: A dramatização é então potencial né. Professor Sílvio, pro-fessor Padovani, querem acrescentar algo mais.

Padovani: Porque a questão é que você tem que construir o con-ceito. Eu vou dar um exemplo aqui, muitas questões de história ou até mesmo no momento de explicar aparece o termo conse-quência. Quais as consequências de determinada situação histórica? Então, para nós ouvintes, vamos pensar assim o con-ceito de consequência. Consequência é uma coisa que acon-tece depois que uma coisa aconteceu e como você vai explicar isso para o surdo? Então, o que a Ohana colocou aqui é funda-mental. Quando eu quero dizer para o aluno o que é conse-quência, eu digo para ele “olha, por exemplo, a pessoa está tomando uma cerveja, whisky, ela pegou um carro, qual pode ser a consequência? Bater o carro. Isso tudo não falado, é dramatizado como ela disse. Então, eu preciso construir esse recurso. Quando ela fala em classifi-cador, de construir cenários narrativo com as mãos para ele. Você está dirigindo mas você bebeu. O que pode acontecer? Você teve uma relação sexual sem preservativo, você pode ficar doente, é uma consequência. Você pode ficar grávida, é uma outra consequência. Então, você tem que construir essas questões. Eu tive três anos como professor Itinerante na escola Luiz Nunes Direito na Cidade Nova. Eu ligado ainda ao Astério, mas desempenham parte da minha carga horária lá. Fizemos várias parcerias com os professores. Então, na apresentação de seminários, nós construímos com os alunos os slides, as apre-

sentações. Eu fazia a interpretação da apresentação dele para os professores. Os professores faziam perguntas. Eu fazia esse papel de intérprete nesse momento. Tem um professor, por exemplo, que fez em alguns momentos a prova de surdos, aquela ideia que a gente tem da prova oral, para o surdo ele fazia a prova sinalizada. Então, ele construía ali 6 questões, reunia comigo e com os surdos, aí ele escolhia “olha, faz essa questão aqui para ele”, aí eu perguntava para o surdo aquela questão, aí o surdo respondia, e eu ia interpretar e fazia esse papel de intérprete nesse momento. Aí o professor avaliava a resposta.

É interessante que é um ser humano. Então, quando ele não sabia, a feição dele mostrava logo que ele não sabia. Ele ficava nervoso, ficava tentando enrolar. O professor já percebia que ele estava com dificuldade para dar resposta. Então, são situações aí, nós fizemos, por exemplo, trabalhos com maquet-es. Esse foi muito interessante, o professor estava trabalhando “A Belle Époque”. E aí ele pediu para os surdos falarem sobre cinema Olympia. Essa foi uma ideia que partiu deles, por exem-plo, eu queria fazer uma maquete do cinema Olímpia, eles dis-seram “não, vamos fazer uma da fundação do cinema, outra dos anos 70/80 e outros agora”. Então, nós acabamos discutin-do a temporalidade, as mudanças arquitetônicas do prédio pú-blico, enfim, ficou bem legal. A apresentação de documentári-os, eu achei um documentário sobre o cinema Olympia, apre-sentamos para eles a interpretação. Então, há uma gama de possibilidades aí realmente. Na questão de química, a professo-ra também pegou umas bolinhas de isopor e aí o que aconte-cia? Aquelas bolinhas de isopor eram as moléculas, aí quando ela queria uma molécula diferente daquela da bolinha, ela já pintava a bolinha de vermelho para representar que era o hidrogênio, que era um carbono.

Então, todas essas possibilidades elas são possíveis de ser utilizada e o interessante é que fica muito bacana para o ouvin-te e para o surdo porque acaba trabalhando um pouco do lúdico. Não é só aquela coisa do professor que fala, fala, fala, e o aluno acaba construindo também ali as coisas, o conheci-mento.

Fabrício: Professor Silvio.

Sílvio: Eu queria complementar fazendo uma boa abordagem voltando lá para a questão do intérprete de libras, porque a gente sabe que o recurso visual, a dramatização tudo isso real-mente eles são de extrema importância. Mas olhando intér-prete em conta uma tecnologia assistiva dentro desse espaço, a gente precisa pensar que o professor deve ter ele também como recurso metodológico. Então, eu quero aproveitar o espaço para conversar também com os professores que possam estar ouvindo os alunos, que é direito do professor ter um intérprete de libras ao seu lado enquanto recurso met-odológico, por que o professor possivelmente não conseguirá sinalizar de forma fluente na sala de aula.

Então atenção para quem tá ouvindo uso decreto 5626/2005 para cobrar dos pais os direitos dos alunos surdos. Você pode levar isso ao Ministério Público para que possa ser trazido o intérprete de Libras. Eu acho que esse recurso met-odológico, o intérprete enquanto recurso metodológico, é im-portantíssimo dentro da sala porque o professor mas na maio-ria das vezes ele não terá tantas vezes para organizar todas as suas aulas de forma visual. Então, esse intérprete de Libras, ali, ele é essencial nos momentos em que o professor não tivesse oportunidade.

Fabrício: Está chegando já ao final do programa, vou abrir o espaço para as considerações finais dos nossos convidados, men-sagem de finais, o que vocês consideram como desafio, algo que vocês queiram reforçar em relação ao que a gente debateu ao longo dessa entrevista. Professor Padovani, pode começar? Ernesto: Na verdade, eu gostaria de agradecer, muito importante esse espaço. A gente percebe que a cada dia a questão da Ed-ucação de surdos está ganhando uma projeção. Eu acho que a questão da redação no Enem foi um antes e depois. O espaço, eu mesmo posso testemunhar, eu já estava ali no mestrado, fazendo projeto, mas depois que veio a redação do Enem, os convites para estar nos espaços, no IFPA, na UEPA na própria UFPA, convites para palestra, enfim. Está discutindo essa questão aumentou muito. Então isso é fundamental, não só para o nosso trabalho né mas para esse público que em algum momento nos falamos aqui da invisibilidade do Surdo, e era um público invisível e é um público que cada vez mais não quer ser invisível, quer ser representado.

Então, nós percebemos que as janelinhas da língua de sinais na TV já é uma coisa que está ganhando muita força, nas campanhas eleitorais, aí foi uma grande novidade. Mas o corre-to é que isto esteja em todos os momentos, em todos os dis-cursos. A gente ainda não vê isso no Brasil, os políticos fazem seus discursos mesmos nos cargos de governadores, presi-dentes, não tem um intérprete.

Quando nós vemos imagens no exterior, o presidente americano falando, a intérprete está do lado. Então, nós temos

um caminho grande aí de conquistas para trilhar, que a comuni-dade surda tem naturalmente também que trilhar.

Fabrício: Ohana. Ohana: Eu quero agradecer também pelo convite. Eu quero agra-decer novamente ao professor Neto por ter me convidado a fazer parte desse canal. Eu não tenho parentes surdos, na ver-dade eu tenho namorado surdo. Então assim, onde estiver um surdo, eu sempre estou lutando com eles. Inclusive, eu faço parte da diretoria da Jubel. É uma honra ser a única ouvinte, então é muita confiança perante os surdos né.

Então assim, na associação a gente luta pela presença do intérprete em sala de aula, nos hospitais, em qualquer espaço. Então assim, essa visibilidade está ocorrendo assim, mas tem que melhorar enfim, tem que avançar mais. Então, para os pro-fessores que estão escutando, eu sei que não tem muito tempo assim para organizar o material, mas fazer um esforcinho. Pro-fessores que estão ouvindo, por exemplo, você tem um aluno surdo ou com outra deficiência procure ter contato com seu aluno, procure saber o que ele pensa, se ele está entendendo. É importante isso.

Fabrício: Professor Sílvio

Sílvio: Bom, primeiramente, eu queria agradecer o convite. Foi uma honra estar debatendo junto com professor Netto Pado-vani e a professor Ohana. E o recado que eu deixo aos profes-sores é sempre buscar pensar, que a partir do momento em que você tem um aluno surdo na sala de aula pensar nessas

metodologias visuais, pensar nessas estratégias que você con-segue desenvolver um trabalho, se as dificuldades elas exist-irem, e caso haja o atendimento educacional especializado na sua escola, procurar o AE de forma a buscar esse suporte que você precisa.

É importante ressaltar que a gente iniciou lá falando sobre a Libras enquanto disciplina, nenhum professor, nenhum aluno vai sair fluente na língua de sinais, porém eu acredito que o ponto mais importante da disciplina é disseminar essa questão da diferença. Então o professor que está hoje trabalhando com surdos ele precisa entender que esse indivíduo tem particulari-dades, ele tem diferenças em relação aos alunos ouvintes e se ele buscar respeitar essas particularidades o desenvolvimento desses alunos será bem maior.

Em suma fica a dica, aproveitando a sala da professora Ohana, quebre essa barreira que existe entre você e o aluno, uma barreira imaginária que já se passaram anos e é necessário você quebrar. Como você faz para quebrar isso é chegando próximo desse aluno perguntando se ele está entendendo, per-guntando de que forma ele que aprender com a professora sugeriu ainda pouco e dessa forma ele vai conseguir fazer com que esse aluno possa expressar as formas que ele pode com-preender melhor, porque a gente deu algumas dicas mas não são receitas.

Cada um, cada professor vai observar dentro dos seus espaços escolares de salas de aula alunos com suas particulari-dades, então, o grande ponto é chegar próximo do aluno que foi que a professora a Ohana citou, quebrar a barreira imag-inária.

Fabrício: Está certo. Muito obrigado professor Silvio, professora Ohana, professor Padovani. Muito obrigado pela participação de vocês, pelos esclarecimentos e por compartilhar conheci-mento com a gente obrigado.

Sílvio: obrigado.

Fabrício: Agradeço mais uma vez a participação do professor Silvio Santiago Vieira, professor Padovani Neto e a professora Ohana Matias. Agradeço também a você ouvinte que acompanha o programa de hoje. Se você quiser enviar críticas comentários ou sugestões é só mandar um e-mail para rá[email protected].

educação de surdos, são experiências muito diversas, lógico, né. Por exemplo, em relação a esse contato que vocês tiveram com a Libras que inclusive, é exigido como eu falei, nos própri-os cursos de licenciatura, esse primeiro contato que muitos professores, licenciandos, hoje alunos de graduação têm, será que ele evoluiu muito dos que vocês tiveram por exemplo, no contato de vocês com a licenciatura? Será que hoje avançamos mais neste contato da Libras, nessa inserção da Libras no ensino superior pra formar esses profissionais, esses profes-sores que vão poder incluir esse aluno no sistema de ensino? ou vocês veem muita similaridade com o que vocês tiveram como experiência enquanto universitários. Como é que vocês veem essa evolução? Teve avanço ou não? Sílvio: A minha primeira formação é em Matemática. Na época em que eu me formei em matemática não existia no currículo a disciplina Língua Brasileira de Sinais, então eu só fui ter contato com a libras enquanto disciplina na especialização, mas hoje eu sou formador de alunos de cursos de licenciatura. Então, mesmo assim eu ainda observo que existem algumas coisas que nós precisamos avançar, por exemplo, a carga horária dessas disciplinas é muito reduzida na maioria dos cursos de graduação. Há curso em que a carga horária varia de 40 horas, 50 horas, 60 horas. A gente há de considerar, o professor Padovani, por exem-plo está desenvolvendo uma dissertação de mestrado onde ele tem um olhar sobre a história desse indivíduo dentro de um processo educacional. Imagina, você precisa apresentar essa história que não é pequena para o aluno graduando. Você pre-cisa trabalhar as metodologias de ensino, você precisa tra-balhar com experiências, você precisa levar esses alunos pra escola de educação de surdos pra que eles possam conhecer

Como professor da escola Astério de Campos que é uma escola de referência em Belém, todo o início de ano nós recebemos muitos convites para formação. E aí eu sou um dos professores que costuma ir dar essa formação. E a preocu-pação é essa. “Professor, sou professor de física, e aí o que que eu vou fazer com o aluno surdo que está na minha sala?”.

Então, quer dizer, mesmo sendo professor de história, eu procurei desenvolver, construir alguns materiais pra esses mo-mentos de formação onde eu explico pra eles, por exemplo, que pro surdo se você vai trabalhar matemática, você vai tra-balhar aquela abstração, aquelas frações, então é muito com-plicado. Agora se você traz para aquelas questões que é algo que está afinado com o aquilo que o MEC pensa em relação ao enem, se você traz que os prédios projeta uma sombra de tantos graus, formando um ângulo, você abre a mente ali pra trabalhar com o surdo porque ele está visualizando o prédio, a sombra, o grau está relacionado com a vida, então não é algo tão distante pro mundo ouvinte.

Em geral, quando estou em momentos de formação, ou em espaços educacionais, eles pensam que o surdo ele não ouve, mas ele sabe ler, então é muito complicado, porque ao não ouvir, o surdo não criou o conceito daquela palavra, nós sabe-mos que mesa é mesa, nós ouvimos a palavra mesa e atribuí-mos à mesa.

O surdo não ouviu essa palavra, então o conceito para ele, a palavra pra ele é um emaranhado de signos pra ele. Ele preci-sa estar gravando aqueles signos. A disciplina libras ela não está dando conta disso, ao meu ver. Os alunos vão pra essa dis-ciplina, eles não vão aprender a língua de sinais. Eu tenho con-tato com professores do ensino regular que têm alunos surdos há oito anos, há sete anos. Na minha pesquisa eu entrevistei

professores que têm alunos surdos há 10, 8 anos e ainda não sabe dá bom dia. Então, na disciplina também esse aluno não vai aprender. Está servindo pra ele entrar em contato e saber que isso existe. Hoje a minha luta, eu estou tentando criar um conceito que é o ensino de história em contextos inclusivos, que esse debate vá de fato pro campo das disciplinas, das áreas de conhecimento e não fique pairando acima de todas disciplinas que não dá conta. As disciplinas têm metodologias diferenciadas de ensino.

Fabrício: Como é que essa realidade no curso de letras, Ohana?

Ohana: Sim, sim, como o professor Neto falou, eu vim do curso Letras Libras, então tinha agrade curricular toda voltada pra Libras, pra educação dos surdos, então assim, em si, eu não tive essa dificuldade, mas se eu dependesse só do curso, hoje em dia talvez, eu estaria sinalizando só o básico, assim infelizmente como muitos colegas meus terminaram o curso e não tinham domínio da Língua de Sinais. Então, eu precisei correr exata-mente para manter contato com o usuário da língua pra poder aprender. Hoje em dia tudo o que eu sei foi porque eu estou sempre tendo contato com o surdo, então assim, quando eu conversa-va nos corredores com meus outros colegas de graduações, seja de letras português, biologia, eles me falavam assim “Ohana, você pode me ensinar qual é o sinal isso, isso, o sinal específico da graduação deles, porque o meu professor falta, porque o meu professor não está presente”, ou como o profes-sor Sílvio falou “a carga horária é muito pouca”, então assim, “não faz a adaptação voltada para o meu curso”. Então, como eu posso chegar numa graduação, por exemplo de licenciatura em biologia e ensinar por exemplo, só o alfabeto, só os sinais

esses espaços que é a partir dessa experiências empírica que ele pode se identificar muito mais com esses processo. Então eu observo que 60 horas, 80 horas é uma carga horária insufici-ente. Na minha opinião, nós deveríamos ter hoje um estágio curricular voltado pra educação especial. Os alunos saem da graduação sem saber como lidar com os alunos com deficiên-cia.

Falando do aluno surdo, ele sai ainda mais perdido haja vista que a Língua de sinais é uma língua diferente da Língua Portuguesa, com uma estrutura gramatical que carrega uma especificidade muito diferente da Língua Portuguesa. Então penso que a gente deve continuar discutindo essas questões da inclusão a fim de que exista um estágio supervisionado especifico. É lógico que as pessoas não vão sair de lá expertise em trabalhar com surdos, mas ela pelo menos terá condições de compreender essa realidade da inclusão escolar visitando esses espaços, essas escolas que têm educação especial que ainda existem aqui dentro de Belém.

Fabrício: Padovani.

Ernesto: Na minha graduação também ainda não havia essa questão da disciplina Libras. Pra dizer a verdade, durante a minha graduação nunca nem passou pela minha cabeça essa realidade. Não era algo discutido, debatido, presente dentro da Universidade, nem na sociedade. O que acontece assim, eu go-staria de concordar com o professor e também aprofundar no sentido de não é só uma questão de apresentar a disciplina com o nome Libras. Então, eu preciso trabalhar com o meu aluno de história metodologias de ensino de história pra surdos, metodologias de ensino de matemática para surdos.

Fabrício: Olá, ouvintes da Rádio Web UFPA. Eu sou Fabrício Que-iroz e a partir de agora você acompanha comigo mais uma edição do UFPA Ensino que hoje vai falar sobre Metodologias de Ensino para surdos.

Segundo o censo do IBGE de 2010, 9 milhões e 700 mil pessoas têm deficiência auditiva. Cerca de um milhão são jovens até 19 anos. No Brasil, os surdos só passaram a ter acesso à educação durante o império.

Em 26 de setembro de 1857, foi criada a primeira escola de educação de meninos surdos, no Rio de Janeiro. Apesar do avanço, somente em 2002, a Lei nº10.436 reconheceu oficial-mente a Língua Brasileira de Sinais, a LIBRAS.

A Libras é fundamental para garantir o aprendizado de alunos surdos. Em 2005, com o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro, a Libras foi determinada como disciplina curricular obrigatória para todos os cursos de licenciatura e também fonoaudiologia, e ela é optativa para os demais cursos do ensino superior e da educação profissional.

Outra grande conquista aconteceu em 2010, quando a profissão de tradutor–intérprete de Libras foi regulamentada em de 1º de setembro.

Além disso, professores têm buscado trazer a Libras para fora da sala de aula. Na internet, por exemplo, existem video-aulas em libras, democratizando o acesso à educação.

Hoje, vamos conhecer o trabalho de professores e intérpretes de Libras que desenvolvem estratégias para melhorar o ensino para surdos. Recebemos aqui no es-túdio da Rádio Web o professor da UEPA Sílvio Santia-go Vieira, ele é mestrando em Ciências da Religião, es-pecialista em Atendimento Educacional Especializado e também coordena o Grupo de Estudos Surdos & Inter-faces do IEPA, que é o Instituto de Educação e Cultura do Pará. Professor Silvio, muito obrigado por sua partic-ipação, bem-vindo.

Sívio Viera: Muito obrigado pelo convite.

Fabrício: Obrigado, professor Silvio. Também estou rece-bendo o Ernesto Padovani Netto, mais conhecido como Padovani. Ele é aluno do Mestrado Profissional em Ensino de História e é responsável pelo canal do Youtube “História em Libras”, e também é professor da SEDUC. Professor Padovani, muito obrigado.

Ernesto Padovani: Obrigado pelo convite, a gente espera contribuir aqui um pouco com o debate.

Fabrício: Obrigado, professor. E também recebemos a Ohana Matias. Ela é tradutora / intérprete de libras, é professora substituta da UEPA. Também atua como tutora na UEPA no curso de Pedagogia Bilíngue, além de ser especialista em Educação Especial e Inclusiva, e também colaboradora do canal “História em Libras”.

Estudantes da Estadual Escola Astério de Campos, referência no ensino de alunos surdos em Belém.

Page 14: Divulgando conhecimentoradio.ufpa.br/wp-content/uploads/2018/03/Roteiro... · Eu digo “não, ele sabe diferenciar, o meu papel aqui é de intérprete”. Eu sempre lutava a questão

Ohana, também muito obrigado pela tua participação, bem-vinda.

Ohana: Obrigada pelo convite, é um prazer estar aqui estar fazendo parte desta discussão.

Fabrício: Eu queria que, na verdade, vocês primeiramente se apresentassem um pouco pra gente conhecer um pouco da trajetória e do interesse de vocês por essa área tão cara e tão desafiadora. A gente viu aí por esse pequeno histórico o quanto ela foi negligenciada, a educação de surdos, a educação inclusiva. O que que motivou vocês a trabalhar com essa área que ainda é um desafio na ed-ucação brasileira? Professora Ohana.

Ohana: Ohana: Bom, a minha história em si é bem diferente dos outros. Os meus colegas que eu estudei no curso de letras libras em 2012, a maioria veio da área da interpre-tação da igreja, ou tinha um parente surdo e no meu caso em si é por conta da minha mãe ser pedagoga. Então, como ela fazia na época o curso de libras, ela me incentivou para escolher esse curso. Na verdade, eu con-heci esse mundo novo quando eu passei no vestibular. Então assim, a partir do momento que eu comecei a estudar e começar a entender a história da educação do surdo, foi só um momento assim pra eu procurar saber mais sinais. Então, foi uma grande oportunidade e hoje em dia eu estou atuando, também faço parte da as-sociação dos surdos de Belém. Então eu estou sempre

nessa constante luta em prol da educação dos surdos, na luta por eles.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: Bom, a minha trajetória ela começa quando em 2009 eu resolvi fazer um curso de Língua Brasileira de Sinais no CAES. Eu tive um aluno surdo na época no Augusto Meira. Não sabia como lidar com os alunos surdos. E a minha comunicação com eles era basicamente por meio da mímica, por meio da escrita nos braços. Os surdos eles têm o costume de escrever no braço quando não têm papel, apagava, enfim. E assim eu fui apren-dendo os sinais iniciais e eu percebi que eu deveria ir mais adi-ante. Eu já tinha experiência com educação de alunos cegos e baixa visão, porém a minha experiência com os surdos me fez refletir sobre essas carências que a formação inicial de profes-sores possui. Aí eu fui fazer um curso de libras, tive o professor Arlindo, o professor Tiago Costa como meus professores. E foram pessoas que contribuíram muito para a minha formação inicial na área da língua de sinais. Em 2010, então eu resolvi en-veredar pela especialização nessa área, fiz especialização em Libras. E comecei também em 2010 a interpretar dentro da Igreja Assembleia de Deus. Foi quando eu realmente resolvi me focar nessa questão da interpretação que eu já estava na docência. Posteriormente a isso, eu resolvi criar o grupo de estudos surdos e interfaces, onde a gente tem discussões diversificadas, mas especifica-mente hoje nós estamos discutindo as questões relacionadas a

gênero e sexualidade dentro do grupo, haja vista que a comu-nidade surda belemense, ela apresenta uma pluralidade nesse sentido e é necessário que familiares e escolas possam com-preender essa questão da sexualidade do surdo que manifesta certas diferenças em relação à sexualidade dos indivíduos ouvin-tes. E também com foco na questão da religião pois eu tenho ob-servado que hoje os surdos eles têm buscado enveredar por outros ramos religiosos além do cristianismo. E a minha trajetória hoje tem sido basicamente focar na compreensão de como é que tem se desenvolvido essas territorialidades e os territórios dentro dos espaços sagrados. Hoje minhas pesquisas estão focadas nisso.

Fabrício: Professor Padovani.

Ernesto: Ok. Bem, eu sou professor da rede estadual de ensino há dez anos. Então quando eu comecei eu tra-balhei uns três anos no interior do estado. Tive um públi-co também de trabalhar em comunidades, quando vim, voltei a Belém, voltei pra trabalhar no sistema penal. O que ocorreu? Na verdade, lá no Astério de Campos não tinha professor de história. Aí me fizeram a proposta. Então, na verdade não foi muito uma escolha minha. Che-gando lá, eu criei de fato uma grande identificação com o trabalho. Fiz uma especialização em educação inclusiva e comecei a observar as dificuldades deles em relação à Língua Portuguesa, dificuldades com textos muito grandes, necessidade da utilização de imagens, então eu fui montando uma metodologia a partir de referenciais teóricos como a pedagogia visual e criando meu próprio material didático, criando formas de trabalhar com eles.

Quando surgiu a seleção pro Mestrado Profissional em Ensino de História, o PROFHISTÓRIA, eu fiz a seleção, fui aprovado e fui com isso na cabeça, que eu ia fazer um projeto sobre educação de surdos, unindo essas duas áreas. A questão da história e a questão da metodologia de ensino. E aí perpassam vários elementos, não é só a história em si. O meu trabalho é um trabalho sócio-histórico que vou justamente remontar o período do oralismo, passando pela co-municação total, são metodologias que são utilizadas até hoje como proposta teórica do bilinguismo prevalecendo na edu-cação dos surdos, pelo menos uma tentativa pra que prevaleça. E aí na verdade o canal “História em Libras”, ele surge como um produto desse mestrado. O mestrado profissional em ensino de história, ele exige uma dissertação escrita e um pro-duto pedagógico aplicável. Então existem várias possibilidades de produtos. A minha intenção inicial era fazer um material didático mesmo pra distribuir nas escolas, mas eu fiquei pen-sando na logística disso e no alcance que isso teria. Então, con-versando com amigos porque tem essa questão da interdisci-plinaridade, eu precisei de um amigo meu que trabalha com cinema, precisei da Ohana pra construir a proposta do canal. Então, desenvolvemos a ideia de um canal na internet seria muito melhor porque eu não teria o problema da divul-gação. Colocou na internet as pessoas podem acessar. E nós estamos nesse momento. Graças a Deus o vídeo está sendo muito acessado, teve uma repercussão muito boa. A Mídia Ninja compartilhou nos espaços que eles têm nas mídias digi-tais. Estamos agora aqui nesse debate

Fabrício: Dá pra esse primeiro relato de vocês, em relação à experiência, o contato que vocês tiveram com a Libras, com a

de família, de frutas, aí esse professor vai se formar, vai chegar numa sala de aula e vai só manter esse diálogo só de frutas, alfabeto? Não. Ele tem que saber o sinal de células, de mem-brana, disso, daquilo, tem que saber como é usar um classifica-dor. Infelizmente, é quebrada essa grade curricular das pessoas que estão na licenciatura.

Eu vivenciei isso muito quando eu fui intérprete de uma escola que tinha uma demanda muito grande, tinha 18 surdos na escola. Eu atendia oito surdos no ensino médio. Então, assim, eu observava a dificuldade dos professores. Eles chega-vam pra mim “eu nem tive essa disciplina de libras”, “eu nem sei o que é isso”, “é surdo mudo?” “ah, os teus alunos”. Eles não eram os meus alunos, eles eram alunos deles tanto quanto os ouvintes. Então, no caso, eu falava assim, “professor você tem que direcionar a eles”, “ah, mas só que ele vai pensar que é tu que tá chamando a atenção ou tá explicando”. Eu digo “não, ele sabe diferenciar, o meu papel aqui é de intérprete”. Eu sempre lutava a questão da metodologia, não pensavam no surdo.

Uma vez aconteceu uma situação que foi ao contrário, estava com legenda e sem som. Os ouvintes reclamaram. Aí eu falei para eles, “agora, vocês entenderam o que é estar na pele de uma pessoa surda:” Não é fácil. A informação não chega tão fácil pro surdo.O professor fez esse canal História. Esse canal é uma forma de democratizar tanto para surdo como para ouvin-te porque ele está usando diretamente a língua de sinais e tem ali a legenda.

Fabrício: Professor Padovani

Ernesto: Eu queria retomar mais uma questão pra embasar essa questão da metodologia, porque por exemplo a gente percebe muito há um censo comum de querer resumir a questão à língua. Então, se você tem um intérprete na escola, que não tem, em geral, não tem. Quando tem, então resolveu o proble-ma, agora tem intérprete. Então, eu faço sempre a discussão, o seguinte, se o problema fosse a língua, os nossos alunos ouvin-tes todos não teriam problema nenhum de educação no Brasil. Professor fala português, os alunos todos falam português, en-tendem, então por que os alunos não alcançam a média? Por que nós não estamos nos melhores patamares de educação mundial? Então nós não podemos também resumir o debate à língua. Então, como é que o aluno entende? É a partir da imagem? É a partir da construção de maquete? Qual é a possi-bilidade que se tem de vídeos com legenda?

O primeiro dia que o vídeo foi postado no Youtube, ele ficou sem legenda. Foi uma estratégia mesmo. Eu fui colhendo e estou colhendo os depoimentos pra finalizar a dissertação. “Poxa, não consegui, olha, eu paro, pela metade, eu parei. Não consegui acabar de ver, não tava entendendo nada”.Olha que nós colocamos os recursos imagéticos entrando no vídeo e em alguns momentos chaves aparecia escrito também o que estava sendo falado. Mas mesmo assim as pessoas reclamaram ou muitas fizeram essa reflexão: “poxa, agora eu me senti como os surdos se sentem”. São pequenas situações do dia a dia que no universo da escola se traduz em outras formas, mas são hierarquias de saberes. Um professor está ministrando aula, o outro professor vem dar um recado na turma, bota o rosto dentro da sala, “gente, gente, licença aqui, rapidinho, amanhã tem prova, dois reais a prova e tal”. Recado dado.

O surdo não entendeu. Vamos passar o vídeo pra turma, vamos levar para o auditório, muito legal, todo mundo vai, chega na hora de passar o vídeo me chamam pra interpretar, já aconteceu isso, eu não sou intérprete mas você está na escola, você sabe Língua de Sinais, você é intérprete, você é professor do AE, você é itinerante, você é tudo. Então fui lá interpretar, tudo certo, vamos lá, solta o play, apagam a luz. Como é que o surdo vai ter acesso à minha interpretação, então são questões que... é maldade? Não. Não é. Mas isso estrutura uma hierarquia de saberes. Entendeu. São hábitos que a escola internaliza porque ela é uma escola voltada e pensada para o público ou-vinte. O que me chama atenção é que isso acontece em escolas em que os surdos estudam há 10, 15 anos. Então, quando a escola vai internalizar presença do surdo? Então, acho que essas são questões aí que abrem um bom leque pra gente dis-cutir e pensar.

Fabrício: Só pra voltar, eu achei interessante o depoimento da Ohana, essa relação, dela como intérprete né. O Padovani ele tem o conhecimento, de repente ele pode usar desse conheci-mento pra se comunicar com esse aluno surdo, mas nem todas as escolas têm um profissional como a Ohana. E como é que fica a relação entre o professor e esse intérprete? Onde é que começa o papel de um e o papel de outro? Como é que se con-strói esse relacionamento pra que se possa comunicar e repas-sar esse conteúdo pra esses alunos? Como é essa dinâmica?

Ohana: Bom, a priori, o que deveria ocorrer era ter essa parceria com o professor e o interprete. Por que? porque o papel do intérprete é mediar. Ele não vai ensinar nada. Até porque a minha formação é Letras com habilitação em Libras, não é for-

mação em Letras, Português, Biologia, Matemática, não é.

A minha formação é Letras, então qual é o meu papel ali? É de chegar e interpretar tudo o que o professor falar. E quando eu digo tudo, eu interpretava até palavrões, enfim, tudo o que o professor abrisse a boca eu interpretava porque eu estou ali. Só que infelizmente essa experiência que eu tive o professor confundia, ele pensava que eu era a professora deles, e eu dizia “Olha, eu tenho respaldo, tem a lei, tem o código de ética, tenho tudo o que o senhor quiser eu mostro, mas esse daí não é meu papel, essa competência não é minha, é a sua”. Então, tem que ter essa parceria. O que o intérprete pode ajudar? Ajudar a dar umas dicas, como é que faz o material, coloca a legenda na próxima aula, é assim, é essa parceria. Essa relação de professor, intérprete e aluno.

Sílvio: Relacionando a fala da professora Ohana também pensan-do no atendimento educacional especializado. Então, ela ainda pouco colocou que o professor sempre atribui a responsabili-dade para o intérprete de Libras, mas ele também faz isso para o atendimento especializado. Por quê?

Historicamente a educação do surdo, ela foi atribuída à ed-ucação especial. Então, com o processo de inclusão que se dá a partir de 1996, com a lei de diretrizes e bases 93/94 de 96, é que a gente vem perceber que esses indivíduos com deficiên-cia, pessoas com deficiência, passam a ingressar dentro das escolas regulares. Só que nós passamos a ter dois personagens que antes nós não tínhamos dentro desses espaços, os intér-pretes de libras e os cuidadores também, e também a gente passa a ter o atendimento educacional especializado que as pessoas acham que é antiga educação especial, mas na ver-

dade há controvérsias, porque educação especial funcionava numa sala de aula onde se ensinavam essas pessoas. E o AE não, ele funciona como educação suplementar complementar, porém para o professor da rede regular, ele entende que é responsabilidade do AE ensinar os aluno surdos, que é responsabilidade do intérprete ensinar os alunos surdos, ou seja, esses personagens acabaram tendo responsabilidades além de suas responsabilidades e o professor se exime.

O Vigotski diz que “quando a gente enxerga deficiência primeiro ao invés de enxergar o ser humano, a gente destrói qualquer possibilidade de desenvolvimento desse indivíduo”. Então, a gente pode pegar a fala do professor Netto Padovani, por exemplo, em relação a questão das metodologias e obser-var que a maioria dos professores estão destruindo possibili-dades de desenvolvimento desses alunos na sala de aula exata-mente por causa das metodologias. Eu também não quero cul-pabilizar somente esses professores porque também a gente tem que pensar na formação desses indivíduos e nós também precisamos pensar que a Universidade também deve oferecer cursos de formação continuada, porque esse papel é da Uni-versidade. A gente costuma atribuir essa responsabilidade, “Ah, o governo não faz”, mas a Universidade é quem forma, é ela que deve trazer os professores pra dentro. Ela que precisa buscar parcerias com as escolas, parcerias com as unidades pra que isso possa acontecer.

Hoje, nós ainda observamos uma grande polêmica dentro das escolas. Intérprete de Libras que acabam tendo discussões com professores porque as vezes são atribuídas responsabili-dades. Durante o meu período na rede regular de ensino, eu tive dois alunos surdos, depois eu já estava fluente em Libras, e eu também tive problemas. E é legal colocar isso, porque os

meus alunos ouvintes não gostavam de eu passava a sinalizar na sala de aula. Então, o que que eu fazia, passava todo o con-teúdo de matemática, explicava primeiro em Língua Portugue-sa, passava uma bateria de exercícios pra eles fazerem, e era o momento em que eu ia sinalizar, porque não tinha intérprete de Libras, para os dois alunos surdos.

Só que isso gerava discussões na sala, “Ah, o professor não está dando atenção pra gente”, “o professor agora só olha pra esses surdos, lá vem ele com essa língua de sinais pra dentro da sala de aula”. Então, a gente observa que essas relações de poder que incidem dentro do espaço da sala de aula ainda fazem com que os ouvintes entendam que deve ser dada atenção a eles e que aos indivíduos surdos não deve ser dada atenção. Tem uma charge no livro do Moacir Carneiro muito interessante, inclusive nas formações continuadas eu sempre falo isso pros professores, os professores estão aqui em cima conversando “nós não conhecemos nada sobre esses indivíduos, nunca ouvimos falar nada sobre educação espe-cial”. Aí os alunos todos embaixo olhando.

Na verdade, essas pessoas vão reproduzir lá embaixo esse mesmo pensamento, é por isso que esses alunos pensam hoje que o professor deve dar atenção a eles e não devem dar atenção aos alunos surdos dentro da sala. Já eles também não aprenderam nada sobre educação especial, não aprenderam nada sobre pluralidade, diversidade, e acima de tudo sobre dif-erença.

Ohana: Eu vivenciei nessa escola, eu trabalhei nessa escola, se eu não me engano, dois anos e meio. Então assim, para aquela turma, eu acompanhei os surdos, primeiro, segundo e terceiro

ano. Até metade do convênio. Então, quando foi no primeiro ano, os ouvintes assim sofreram um impacto. “Intérprete?”, “surdos?”, “mãos mexendo?”, “Meu Deus!”, porque foram logo oito na minha turma. Então, assim, no início, eles deixavam de prestar atenção no professor e ficavam assim olhando pra mim, com os olhos vidrados, eu ficava intimidada inclusive, com o tempo eles foram habituando e foi passando ano, dois anos, mas o que me veio à cabeça, assim eu sempre fui tímida, então eu sempre chegava, dava bom dia pra quem estava na frente, mas eu não era de ficar batendo papo com os ouvintes.

Então, eu ficava conversando com os surdos, enquanto o professor não chegava. Então, assim os ouvintes assim, meio que segregavam a gente. Então, o que eu acho engraçado, é quando eles foram ter contato comigo? um dia após a prova do Enem. Tinha gente da escola do primeiro ano que eu nunca tinha visto na vida. Eles chegaram “Ei, tia, a minha proposta está boa”, “será que pode falar deficiente auditivo”, “eles são surdo-mudos”, “é isso, é aquilo”. Foi a primeira vez que eles viram a necessidade. A escola em si diz “Ah, a gente está inte-grando”, mas na verdade segregava. Então foi uma experiência dessa forma, foi ruim pra mim inclusive. Na verdade se não fosse eu ali com os surdos, eles não iam ter visibilidade naquela escola.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: É bem legal a gente observar que as falas estão contemp-lando o que a gente chama de currículo oculto dentro das insti-tuições, e é isso que a gente tem pra parar pra pensar hoje. As metodologias de ensino, elas podem contemplar as necessi-dades do professor na sala de aula, ok. Mas a escola precisa tra-

balhar o currículo oculto que é exatamente o que o professor Netto e a professora Ohana colocaram, que é essa questão da alteridade, de fazer com que o professor e o aluno possam se colocar no lugar do outro, porque inclusão ela precisa ser para todos. Ela tem que começar lá do porteiro até a merendeira. Então não é só o professor que deve passar por esse processo, e quando a escola inteira passar a se modificar, então, a gente vai começar a observar que os alunos ouvintes vão com-preender as particularidades étnico-linguísticos desses indivíduos surdos. Hoje a gente vem percebendo pelas experiências de rela-tos, até mesmo as experiências que a gente já viveu, que esses alunos eles ainda não compreendem. Eu lembro, por exemplo, uma vez que eu fui interpretar para um amigo meu, o Ademil-ton. Eu acho que a professora Ohana até conhece. Ele é surdo. Na época ele fazia ensino médio. E foi uma experiência muito triste porque o professor não sabia sequer da existência de um profissional interprete de Libras, então eu pedi pra diretora da escola, uma escola pública de Belém pra entrar pra interpretar na aula de química, e o professor me viu virado o tempo todo de costa pra ele. E ele achou que eu era um surdo que estava simplesmente conversando na sala de aula.

Só pra você ter uma noção do que que que é essa falta de compreensão desse outro indivíduo que está ali. E os alunos ouvintes na hora da frequência, começaram a chamar nome a nome, e eu disse “olha, o professor chamou o teu nome”. Ai ele foi lá na frente, e disse pro professor apontar. O professor fez um gesto obsceno pra ele e todo mundo começou a rir. De repente uma aluna chega e pergunta “professor, porque que ele tá aqui na sala de aula”. Ele disse assim: “Eu não sei, eu tô levando até onde eu posso”. Na verdade, esse professor não estava levando nada. Porque aquele momento ali mostrava que

ele não compreendia. Foi quando eu chamei o professor. “Pro-fessor, ele está com dúvidas nisso”. Aí ele disse “Ah, você fala?”. “Sim, eu sou ouvinte, eu sou intérprete”. E aí foi muito legal porque o professor sabia ensinar o surdo, só que ele tem medo de ensinar, porque tem uma barreira imaginária entre o profes-sor e o aluno surdo. Eu não lembro direito o conteúdo, eu acho que era sobre átomos que ele estava ensinando. Ele pegou um pedaço de papel, fez um monte de bolinhas, e ensinou pro Ademilton o conteúdo. Então, ele sabia ensinar, a questão é que ele não sabia como chegar pra ensinar, então, isso é uma questão de currículo oculto.

Os professores, a escola, a direção, a coordenação ped-agógica, todos eles precisam se voltar pra compreender esse espaço plural que existe dentro da escola. A gente fala muito de diferença, mas a escola na verdade, a exclusão ainda impera dentro desse processo. E não é só para os indivíduos surdos, é para todos os alunos que sofrem qualquer tipo de exclusão dentro desse espaço.

Fabrício: Rádio Web UFPA apresentando o programa UFPA Ensino. Hoje o tema é Metodologias de Ensino para Surdos. Os nossos convidados são, o professor Sílvio Santiago Vieira, o professor Ernesto Padovani Netto e a professora Ohana Matias. A gente vai para um rápido intervalo e volta já já. Rádio Web UFPA divulgando conhecimento.

Vinheta: Você está ouvindo UFPA Ensino. Você está ouvindo UFPA Ensino.

Fabrício: Estamos de volta com o programa UFPA Ensino. O nosso tema de hoje é Metodologia de Ensino para Surdos e os nossos convidados de hoje são o professor da Universidade do Estado do Pará Sílvio Santiago Vieira. Também recebo o professor Ernesto Padovani Netto, ele é professor da Seduc e faz o me-strado profissional em Ensino de História e também estou rece-bendo a professora Ohana Matias, que é professora substituta também da UEPA e tradutora/intérprete de Libras e também colabora com o canal História em Libras, pensado aí pelo pro-fessor Padovani.

Estamos de volta aqui pra nossa conversa, vamos começar com o professor Padovani e com a professora Ohana pra eles comentarem um pouco mais sobre esta experiência do canal História em Libras, justamente como é que vocês propõem o ensino da história a partir do canal no Youtube, qual é o diferencial que vocês têm aplicado, lógico além das legend-as e tudo mais, em termos da perspectiva que vocês estão apli-cando a esse ensino de História pra realmente incluir essas pes-soas sendo surdos pra ele ter acesso a esse conteúdo. Profes-sor Padovani.

Ernesto: Na verdade, nós fizemos uma disciplina no mestrado min-istrada pela professora Edilza Fontes que chama-se “História Pública”. Então no Brasil é uma discussão um tanto quanto recente, a discussão sobre História Pública. História Pública perpassa pela questão de que você tem o historiador que produz o conhecimento histórico. Em outros momentos da história, o conhecimento histórico era fundamentalmente pro-duzido pelo historiador e hoje em dia o que nós temos? Nós temos canais no Youtube, nós temos programas de TV, nós

temos jornalistas. Na verdade, todo mundo fala de história o tempo todo. Então, a história ganhou esse viés de história pública. Então, são narrativas que estão aí se degladeando. A gente vê isso no Brasil, esquerda e direita construindo narrativas históricas em torno de situações que ocorreram. Então, esse foi um debate fundamental pra eu pensar o canal. Por que? Em 2013 nós tive-mos as manifestações, o início daquelas manifestações que acabaram culminando com o impeachment. Então, o que acon-teceu? Os surdos chegavam na escola “por que que está acon-tecendo isso?”. Aparecia os blacks bloks quebrando as coisas, colocando fogo, quebrando os bancos e tudo mais e os alunos chegavam “eu não estou entendendo, por que profes-sor na rua esse problema toda a hora na televisão? E eles não entendiam o que estava acontecendo. Então o problema era o acesso à informação. Então, que história está sendo construída para esse aluno? O que que ele está aprendendo no processo escolar, o que que ele está viven-ciando, está vivendo, podendo relacionar, inclusive. Então, eu fui trabalhar nessa perspectiva de explicar. Eu lembro, inclusive, no primeiro vestibular de Libras da UEPA que houve as vagas para os surdos, eu fiz uma discussão com seles sobre essa questão de 2013 dos blacks blocks relacionando com ludismo, quando os operários ingleses quebravam as fábricas e tudo mais. Acabou que foi uma questão que veio na prova, então eles acertaram em massa a questão. Então relacionar os tempos históricos a partir de situações vivenciadas por eles. E o canal História em Libras veio muito nessa perspectiva de pensar a História Pública, a História digital. Nós não temos mais como ser, no meu caso, eu trabalho com história, sermos histo-riadores que ficamos presos somente ao papel, não é verdade?

Somente a entregar textos escritos que uma banca vai ler e muitas das vezes não é lido maciçamente. Então o canal foi uma forma de além de contemplar a exigência do programa que é ter um produto pedagógico, é um exercício de história pública, porque o tema Movimentos Sociais que é o tema da primeira aula, ele surgiu porque eu fui perguntar para os alunos o que eles gostariam de estudar. Isso também é uma perspecti-va muito interessante da gente refletir, porque eu digo “qual é o tema que eu vou colocar? eu não vou elencar um tema de cima pra baixo. Fazer uma aula sobre tal tema e ao perguntar para os alunos, eles tinham muita dificuldade de me responder o que eles gostariam em história. Primeiro, por quê? Existem uma perspectiva de que a história é uma história política. Então, estudar História é estudar Getúlio Vargas, é estudar a Ditadura Militar, é estudar os governos, os grandes heróis na-cionais, entre aspas. E eu queria que eles compreendessem que os surdos tem história.

No YouTube você tem muitas aulas no estilo caseiro, diga-mos assim. Você filma ali o quadro, para um professor que só precisa do recurso da fala é tranquilo. O professor fala, o ouvin-te escutou a informação. Mas para o surdo não, eu preciso de edição, eu preciso que as imagens entrem, eu preciso dialogar com as imagens, eu preciso de uma certa produção. Então, eu encontrei parcerias para produzir esse primeiro vídeo. Houve um custo. Hoje é um momento em que a secretaria de edu-cação replicou essa questão do canal. A Seduc colocou no site, colocou na agência Pará, colocou matérias no YouTube, no Facebook, sobre o projeto. Mas agora a gente precisa de suporte para dar continuidade.

Fabrício: Professor Silvio, eu queria que você falasse um pouco da sua experiência porque o senhor atua em outra área de conhe-cimento que é o ensino religioso. É uma metodologia meio parecida? como é que é são as estratégias que o senhor usa para atuar nessa área específica?

Sílvio: Eu não trabalho com canal especificamente.

Fabrício: Sim, sim.

Sílvio: Hoje eu tenho focado no grupo GESI. As nossas reuniões são todas as sextas-feiras. A gente tem desenvolvido foco na questão da criação de sinais termos que contemplem as questões das religiões. Mas é muito importante ressaltar que nós não estamos focando no cristianismo porque o cristianis-

safio. A sala em si é bilíngue, mas a questão da metodologia dos professores que é o mais difícil, até às vezes o posiciona-mento, eles estão aqui, o intérprete está bem aqui, e eles passam na frente. O surdo reclama “a gente não está conse-guindo visualizar o intérprete”. Então, a gente fica meio assim andando para cá e para cá. Então, assim experiência é muito boa para mim lá na graduação, é outro nível com surdos e assim eu fico muito feliz porque eles estão amadurecendo bas-tante.

Quando eles entraram sentiram muita dificuldade assim como os ouvintes, então assim foi um papel tanto dos intérpre-tes quanto dos professores, enviando materiais para a gente, para a gente procurar como o professor Sílvio falou sobre os sinais termos, se existem, porque são disciplinas muito espe-cíficas. Então, já lá no curso de pedagogia bilíngue que já tem um material pronto, na verdade. Então, assim tem as videoau-las, então geralmente os surdos que vão para lá geralmente são 10 ou 12, porque na verdade nós tutores fazemos uma escala, por exemplo eu vou dois dias, o outro vai mais dois dias. Então assim, a experiência lá é a questão visual que é muito impor-tante.

E o interessante é que os sinais são bem diferentes. Então assim, eles mostram lá na videoaula que é no INES que fica no Rio de Janeiro, e então são bem diferente dos sinais que nós tutores usamos. Então, é uma metodologia muito boa lá assim na questão visual. Então, te dá esse auxílio, interpreta, por exemplo, os textos da Língua Portuguesa. E é esse o trabalho que a gente faz lá.

Fabrício: Na experiência de todos vocês, vocês todos falaram bas-

tante de utilizar estratégias que apelam para esse aspecto visual. A Libras é visual, mas vocês também falaram muito de utilizar estratégias que possam utilizar vídeos, por exemplo, maquetes, enfim, coisas que vão apelar para o sentido visual e vai facilitar esse ensino para esse aluno surdo.

Alguma outra experiência que vocês tiveram, outra poten-cialidade, alguma outra coisa nesse sentido que possa acres-centar para, de repente, um outro professor, para uma pessoa que, de repente, não tenho tido essa experiência, ou de repente possa pensar em alguma outra coisa que vocês possam apre-sentar em algum exemplo?

Ohana: Eu tive uma experiência. Eu ainda era estagiária lá no Astério de Campos. Então, estava eu mais a minha colega Silvana. Então, lembro que na época, eu acho que foi em 2013, eu não sabia o sinal de corrupção. Então, assim, como explicar um conceito, explicar o que é, dar um sinal? Então assim, eu e a Silvana mostramos assim, dramatizamos na verdade.

Nós mostramos um contexto do dia a dia, por exemplo, a gente colocou... eu era a personagem cobrador e ela era um passageiro que ela passava o troco para mim, ou para ela me dava passagem né e eu passava um troco a mais. Então mas ela não me falava nada, ela ficava com dinheiro. Então, explicava para os alunos, “entenderam como é que ocorre a corrupção no dia-a-dia e no contexto político?” Então, foi uma experiência muito boa para mim porque assim quando se está com um surdo, se você não sabe o sinal, o conceito, você tem que apelar até para o teatro, tem que mostrar em algum momento um recurso visual para eles, porque, às vezes, só imagens não dá um sentido para ele. Você tem que dar uma explicação,

mo ele já tem todo um arcabouço de sinais termos.

Nós estamos pegando mensalmente as religiões que já são consideradas religiões mortas. Então, a gente veio desde a Grécia trazendo toda essa questão para trabalhar a questão da sinalização, para ajudar professores tanto de história como também professores de ciências da religião para ensinar os alunos surdos dentro desses contextos. Então, a gente tem toda uma pesquisa com base na lexicografia, na terminologia, buscando compreender se já existem esses sinais, se esses sinais já são utilizados em outros estados, para evitar criar sinais e depois dizer que são variações linguísticas que também não vou entrar muito no mérito porque é uma dis-cussão muito ampla.

Então, após esse primeiro momento que foi a questão da criação esses sinais de Termos, nós desenvolvemos um ciclo de oficinas que nós aplicamos na escola Vilhena Alves no ano pas-sado durante três semanas, onde nós trabalhamos com as met-odologias visuais também com o auxílio do profissional intér-prete de libras, além de que os alunos da UEPA que participam do grupo também sabem sinalizar, mas como a gente percebeu que era um conteúdo muito específico a gente preferiu solicitar a presença do intérprete de libras. Então, nós sentamos com intérpretes, trabalhamos sinais termos que tinham sido cata-logados e os que foram criados. E foi muito interessante como esses alunos surdos ele já compreendem muito essa ideia do visual, assistem muitos filmes, desenhos e trouxeram muitas experiências legais.

Após isso, a gente aplicou em torno de umas 8 a 9 oficinas e nós resolvemos escrever alguns artigos porque a gente per-cebeu, a partir dessa experiência, que os professores que

talvez não saibam lidar com o aluno surdo porque eles não conhecem as metodologias que devem ser trabalhadas. A gente está escrevendo agora um livro que vai ser publicado agora esse ano pela Editora CRV que se chama a “Religião e Educação de surdos: desafios e métodos”, onde a gente tem foco na questão das religiões indígenas, nas religiões afro de matriz africana, especificamente o Candomblé, já que tem um vídeo no YouTube publicado pelo professor Emerson Silva onde ele trabalhou a questão de sinais específicos do Can-domblé.

A gente pegou esse sinais, e fomos trabalhar dentro da sala de aula contextos, por exemplo, sobre os líderes religiosos entre muitos outros contextos. A gente observou que os pro-fessores e os alunos se forem dados para eles as metodologias, se forem oferecidos a eles esse conhecimento, eles conseguem desenvolver o trabalho e o aluno consegue aprender. Então, por isso que o livro é uma alternativa, a gente vai distribuir gra-tuitamente o livro depois como alternativa de ensino para os professores.

Fabrício: Ohana, eu queria saber um pouco mais da tua experiência, porque agora tu estás atuando numa Universidade. O público, com certeza, é diferente. E deve misturar tanto ouvintes quan-tos surdos. Você também está atuando nessa tutoria do curso de pedagogia bilíngue, então, com certeza é uma proposta totalmente diferente que você também deve lidar com metod-ologias diferenciadas para lidar com esse público né?

Ohana: Sim, com certeza, eu atuo tanto no curso letras-libras, que tem metade da turma são surdos e ouvintes. Então ali é um de-

mostrar um classificador para ele, dramatizar para ele entender melhor.

Fabrício: A dramatização é então potencial né. Professor Sílvio, pro-fessor Padovani, querem acrescentar algo mais.

Padovani: Porque a questão é que você tem que construir o con-ceito. Eu vou dar um exemplo aqui, muitas questões de história ou até mesmo no momento de explicar aparece o termo conse-quência. Quais as consequências de determinada situação histórica? Então, para nós ouvintes, vamos pensar assim o con-ceito de consequência. Consequência é uma coisa que acon-tece depois que uma coisa aconteceu e como você vai explicar isso para o surdo? Então, o que a Ohana colocou aqui é funda-mental. Quando eu quero dizer para o aluno o que é conse-quência, eu digo para ele “olha, por exemplo, a pessoa está tomando uma cerveja, whisky, ela pegou um carro, qual pode ser a consequência? Bater o carro. Isso tudo não falado, é dramatizado como ela disse. Então, eu preciso construir esse recurso. Quando ela fala em classifi-cador, de construir cenários narrativo com as mãos para ele. Você está dirigindo mas você bebeu. O que pode acontecer? Você teve uma relação sexual sem preservativo, você pode ficar doente, é uma consequência. Você pode ficar grávida, é uma outra consequência. Então, você tem que construir essas questões. Eu tive três anos como professor Itinerante na escola Luiz Nunes Direito na Cidade Nova. Eu ligado ainda ao Astério, mas desempenham parte da minha carga horária lá. Fizemos várias parcerias com os professores. Então, na apresentação de seminários, nós construímos com os alunos os slides, as apre-

sentações. Eu fazia a interpretação da apresentação dele para os professores. Os professores faziam perguntas. Eu fazia esse papel de intérprete nesse momento. Tem um professor, por exemplo, que fez em alguns momentos a prova de surdos, aquela ideia que a gente tem da prova oral, para o surdo ele fazia a prova sinalizada. Então, ele construía ali 6 questões, reunia comigo e com os surdos, aí ele escolhia “olha, faz essa questão aqui para ele”, aí eu perguntava para o surdo aquela questão, aí o surdo respondia, e eu ia interpretar e fazia esse papel de intérprete nesse momento. Aí o professor avaliava a resposta.

É interessante que é um ser humano. Então, quando ele não sabia, a feição dele mostrava logo que ele não sabia. Ele ficava nervoso, ficava tentando enrolar. O professor já percebia que ele estava com dificuldade para dar resposta. Então, são situações aí, nós fizemos, por exemplo, trabalhos com maquet-es. Esse foi muito interessante, o professor estava trabalhando “A Belle Époque”. E aí ele pediu para os surdos falarem sobre cinema Olympia. Essa foi uma ideia que partiu deles, por exem-plo, eu queria fazer uma maquete do cinema Olímpia, eles dis-seram “não, vamos fazer uma da fundação do cinema, outra dos anos 70/80 e outros agora”. Então, nós acabamos discutin-do a temporalidade, as mudanças arquitetônicas do prédio pú-blico, enfim, ficou bem legal. A apresentação de documentári-os, eu achei um documentário sobre o cinema Olympia, apre-sentamos para eles a interpretação. Então, há uma gama de possibilidades aí realmente. Na questão de química, a professo-ra também pegou umas bolinhas de isopor e aí o que aconte-cia? Aquelas bolinhas de isopor eram as moléculas, aí quando ela queria uma molécula diferente daquela da bolinha, ela já pintava a bolinha de vermelho para representar que era o hidrogênio, que era um carbono.

Então, todas essas possibilidades elas são possíveis de ser utilizada e o interessante é que fica muito bacana para o ouvin-te e para o surdo porque acaba trabalhando um pouco do lúdico. Não é só aquela coisa do professor que fala, fala, fala, e o aluno acaba construindo também ali as coisas, o conheci-mento.

Fabrício: Professor Silvio.

Sílvio: Eu queria complementar fazendo uma boa abordagem voltando lá para a questão do intérprete de libras, porque a gente sabe que o recurso visual, a dramatização tudo isso real-mente eles são de extrema importância. Mas olhando intér-prete em conta uma tecnologia assistiva dentro desse espaço, a gente precisa pensar que o professor deve ter ele também como recurso metodológico. Então, eu quero aproveitar o espaço para conversar também com os professores que possam estar ouvindo os alunos, que é direito do professor ter um intérprete de libras ao seu lado enquanto recurso met-odológico, por que o professor possivelmente não conseguirá sinalizar de forma fluente na sala de aula.

Então atenção para quem tá ouvindo uso decreto 5626/2005 para cobrar dos pais os direitos dos alunos surdos. Você pode levar isso ao Ministério Público para que possa ser trazido o intérprete de Libras. Eu acho que esse recurso met-odológico, o intérprete enquanto recurso metodológico, é im-portantíssimo dentro da sala porque o professor mas na maio-ria das vezes ele não terá tantas vezes para organizar todas as suas aulas de forma visual. Então, esse intérprete de Libras, ali, ele é essencial nos momentos em que o professor não tivesse oportunidade.

Fabrício: Está chegando já ao final do programa, vou abrir o espaço para as considerações finais dos nossos convidados, men-sagem de finais, o que vocês consideram como desafio, algo que vocês queiram reforçar em relação ao que a gente debateu ao longo dessa entrevista. Professor Padovani, pode começar? Ernesto: Na verdade, eu gostaria de agradecer, muito importante esse espaço. A gente percebe que a cada dia a questão da Ed-ucação de surdos está ganhando uma projeção. Eu acho que a questão da redação no Enem foi um antes e depois. O espaço, eu mesmo posso testemunhar, eu já estava ali no mestrado, fazendo projeto, mas depois que veio a redação do Enem, os convites para estar nos espaços, no IFPA, na UEPA na própria UFPA, convites para palestra, enfim. Está discutindo essa questão aumentou muito. Então isso é fundamental, não só para o nosso trabalho né mas para esse público que em algum momento nos falamos aqui da invisibilidade do Surdo, e era um público invisível e é um público que cada vez mais não quer ser invisível, quer ser representado.

Então, nós percebemos que as janelinhas da língua de sinais na TV já é uma coisa que está ganhando muita força, nas campanhas eleitorais, aí foi uma grande novidade. Mas o corre-to é que isto esteja em todos os momentos, em todos os dis-cursos. A gente ainda não vê isso no Brasil, os políticos fazem seus discursos mesmos nos cargos de governadores, presi-dentes, não tem um intérprete.

Quando nós vemos imagens no exterior, o presidente americano falando, a intérprete está do lado. Então, nós temos

um caminho grande aí de conquistas para trilhar, que a comuni-dade surda tem naturalmente também que trilhar.

Fabrício: Ohana. Ohana: Eu quero agradecer também pelo convite. Eu quero agra-decer novamente ao professor Neto por ter me convidado a fazer parte desse canal. Eu não tenho parentes surdos, na ver-dade eu tenho namorado surdo. Então assim, onde estiver um surdo, eu sempre estou lutando com eles. Inclusive, eu faço parte da diretoria da Jubel. É uma honra ser a única ouvinte, então é muita confiança perante os surdos né.

Então assim, na associação a gente luta pela presença do intérprete em sala de aula, nos hospitais, em qualquer espaço. Então assim, essa visibilidade está ocorrendo assim, mas tem que melhorar enfim, tem que avançar mais. Então, para os pro-fessores que estão escutando, eu sei que não tem muito tempo assim para organizar o material, mas fazer um esforcinho. Pro-fessores que estão ouvindo, por exemplo, você tem um aluno surdo ou com outra deficiência procure ter contato com seu aluno, procure saber o que ele pensa, se ele está entendendo. É importante isso.

Fabrício: Professor Sílvio

Sílvio: Bom, primeiramente, eu queria agradecer o convite. Foi uma honra estar debatendo junto com professor Netto Pado-vani e a professor Ohana. E o recado que eu deixo aos profes-sores é sempre buscar pensar, que a partir do momento em que você tem um aluno surdo na sala de aula pensar nessas

metodologias visuais, pensar nessas estratégias que você con-segue desenvolver um trabalho, se as dificuldades elas exist-irem, e caso haja o atendimento educacional especializado na sua escola, procurar o AE de forma a buscar esse suporte que você precisa.

É importante ressaltar que a gente iniciou lá falando sobre a Libras enquanto disciplina, nenhum professor, nenhum aluno vai sair fluente na língua de sinais, porém eu acredito que o ponto mais importante da disciplina é disseminar essa questão da diferença. Então o professor que está hoje trabalhando com surdos ele precisa entender que esse indivíduo tem particulari-dades, ele tem diferenças em relação aos alunos ouvintes e se ele buscar respeitar essas particularidades o desenvolvimento desses alunos será bem maior.

Em suma fica a dica, aproveitando a sala da professora Ohana, quebre essa barreira que existe entre você e o aluno, uma barreira imaginária que já se passaram anos e é necessário você quebrar. Como você faz para quebrar isso é chegando próximo desse aluno perguntando se ele está entendendo, per-guntando de que forma ele que aprender com a professora sugeriu ainda pouco e dessa forma ele vai conseguir fazer com que esse aluno possa expressar as formas que ele pode com-preender melhor, porque a gente deu algumas dicas mas não são receitas.

Cada um, cada professor vai observar dentro dos seus espaços escolares de salas de aula alunos com suas particulari-dades, então, o grande ponto é chegar próximo do aluno que foi que a professora a Ohana citou, quebrar a barreira imag-inária.

Fabrício: Está certo. Muito obrigado professor Silvio, professora Ohana, professor Padovani. Muito obrigado pela participação de vocês, pelos esclarecimentos e por compartilhar conheci-mento com a gente obrigado.

Sílvio: obrigado.

Fabrício: Agradeço mais uma vez a participação do professor Silvio Santiago Vieira, professor Padovani Neto e a professora Ohana Matias. Agradeço também a você ouvinte que acompanha o programa de hoje. Se você quiser enviar críticas comentários ou sugestões é só mandar um e-mail para rá[email protected].

educação de surdos, são experiências muito diversas, lógico, né. Por exemplo, em relação a esse contato que vocês tiveram com a Libras que inclusive, é exigido como eu falei, nos própri-os cursos de licenciatura, esse primeiro contato que muitos professores, licenciandos, hoje alunos de graduação têm, será que ele evoluiu muito dos que vocês tiveram por exemplo, no contato de vocês com a licenciatura? Será que hoje avançamos mais neste contato da Libras, nessa inserção da Libras no ensino superior pra formar esses profissionais, esses profes-sores que vão poder incluir esse aluno no sistema de ensino? ou vocês veem muita similaridade com o que vocês tiveram como experiência enquanto universitários. Como é que vocês veem essa evolução? Teve avanço ou não? Sílvio: A minha primeira formação é em Matemática. Na época em que eu me formei em matemática não existia no currículo a disciplina Língua Brasileira de Sinais, então eu só fui ter contato com a libras enquanto disciplina na especialização, mas hoje eu sou formador de alunos de cursos de licenciatura. Então, mesmo assim eu ainda observo que existem algumas coisas que nós precisamos avançar, por exemplo, a carga horária dessas disciplinas é muito reduzida na maioria dos cursos de graduação. Há curso em que a carga horária varia de 40 horas, 50 horas, 60 horas. A gente há de considerar, o professor Padovani, por exem-plo está desenvolvendo uma dissertação de mestrado onde ele tem um olhar sobre a história desse indivíduo dentro de um processo educacional. Imagina, você precisa apresentar essa história que não é pequena para o aluno graduando. Você pre-cisa trabalhar as metodologias de ensino, você precisa tra-balhar com experiências, você precisa levar esses alunos pra escola de educação de surdos pra que eles possam conhecer

Como professor da escola Astério de Campos que é uma escola de referência em Belém, todo o início de ano nós recebemos muitos convites para formação. E aí eu sou um dos professores que costuma ir dar essa formação. E a preocu-pação é essa. “Professor, sou professor de física, e aí o que que eu vou fazer com o aluno surdo que está na minha sala?”.

Então, quer dizer, mesmo sendo professor de história, eu procurei desenvolver, construir alguns materiais pra esses mo-mentos de formação onde eu explico pra eles, por exemplo, que pro surdo se você vai trabalhar matemática, você vai tra-balhar aquela abstração, aquelas frações, então é muito com-plicado. Agora se você traz para aquelas questões que é algo que está afinado com o aquilo que o MEC pensa em relação ao enem, se você traz que os prédios projeta uma sombra de tantos graus, formando um ângulo, você abre a mente ali pra trabalhar com o surdo porque ele está visualizando o prédio, a sombra, o grau está relacionado com a vida, então não é algo tão distante pro mundo ouvinte.

Em geral, quando estou em momentos de formação, ou em espaços educacionais, eles pensam que o surdo ele não ouve, mas ele sabe ler, então é muito complicado, porque ao não ouvir, o surdo não criou o conceito daquela palavra, nós sabe-mos que mesa é mesa, nós ouvimos a palavra mesa e atribuí-mos à mesa.

O surdo não ouviu essa palavra, então o conceito para ele, a palavra pra ele é um emaranhado de signos pra ele. Ele preci-sa estar gravando aqueles signos. A disciplina libras ela não está dando conta disso, ao meu ver. Os alunos vão pra essa dis-ciplina, eles não vão aprender a língua de sinais. Eu tenho con-tato com professores do ensino regular que têm alunos surdos há oito anos, há sete anos. Na minha pesquisa eu entrevistei

professores que têm alunos surdos há 10, 8 anos e ainda não sabe dá bom dia. Então, na disciplina também esse aluno não vai aprender. Está servindo pra ele entrar em contato e saber que isso existe. Hoje a minha luta, eu estou tentando criar um conceito que é o ensino de história em contextos inclusivos, que esse debate vá de fato pro campo das disciplinas, das áreas de conhecimento e não fique pairando acima de todas disciplinas que não dá conta. As disciplinas têm metodologias diferenciadas de ensino.

Fabrício: Como é que essa realidade no curso de letras, Ohana?

Ohana: Sim, sim, como o professor Neto falou, eu vim do curso Letras Libras, então tinha agrade curricular toda voltada pra Libras, pra educação dos surdos, então assim, em si, eu não tive essa dificuldade, mas se eu dependesse só do curso, hoje em dia talvez, eu estaria sinalizando só o básico, assim infelizmente como muitos colegas meus terminaram o curso e não tinham domínio da Língua de Sinais. Então, eu precisei correr exata-mente para manter contato com o usuário da língua pra poder aprender. Hoje em dia tudo o que eu sei foi porque eu estou sempre tendo contato com o surdo, então assim, quando eu conversa-va nos corredores com meus outros colegas de graduações, seja de letras português, biologia, eles me falavam assim “Ohana, você pode me ensinar qual é o sinal isso, isso, o sinal específico da graduação deles, porque o meu professor falta, porque o meu professor não está presente”, ou como o profes-sor Sílvio falou “a carga horária é muito pouca”, então assim, “não faz a adaptação voltada para o meu curso”. Então, como eu posso chegar numa graduação, por exemplo de licenciatura em biologia e ensinar por exemplo, só o alfabeto, só os sinais

esses espaços que é a partir dessa experiências empírica que ele pode se identificar muito mais com esses processo. Então eu observo que 60 horas, 80 horas é uma carga horária insufici-ente. Na minha opinião, nós deveríamos ter hoje um estágio curricular voltado pra educação especial. Os alunos saem da graduação sem saber como lidar com os alunos com deficiên-cia.

Falando do aluno surdo, ele sai ainda mais perdido haja vista que a Língua de sinais é uma língua diferente da Língua Portuguesa, com uma estrutura gramatical que carrega uma especificidade muito diferente da Língua Portuguesa. Então penso que a gente deve continuar discutindo essas questões da inclusão a fim de que exista um estágio supervisionado especifico. É lógico que as pessoas não vão sair de lá expertise em trabalhar com surdos, mas ela pelo menos terá condições de compreender essa realidade da inclusão escolar visitando esses espaços, essas escolas que têm educação especial que ainda existem aqui dentro de Belém.

Fabrício: Padovani.

Ernesto: Na minha graduação também ainda não havia essa questão da disciplina Libras. Pra dizer a verdade, durante a minha graduação nunca nem passou pela minha cabeça essa realidade. Não era algo discutido, debatido, presente dentro da Universidade, nem na sociedade. O que acontece assim, eu go-staria de concordar com o professor e também aprofundar no sentido de não é só uma questão de apresentar a disciplina com o nome Libras. Então, eu preciso trabalhar com o meu aluno de história metodologias de ensino de história pra surdos, metodologias de ensino de matemática para surdos.

Fabrício: Olá, ouvintes da Rádio Web UFPA. Eu sou Fabrício Que-iroz e a partir de agora você acompanha comigo mais uma edição do UFPA Ensino que hoje vai falar sobre Metodologias de Ensino para surdos.

Segundo o censo do IBGE de 2010, 9 milhões e 700 mil pessoas têm deficiência auditiva. Cerca de um milhão são jovens até 19 anos. No Brasil, os surdos só passaram a ter acesso à educação durante o império.

Em 26 de setembro de 1857, foi criada a primeira escola de educação de meninos surdos, no Rio de Janeiro. Apesar do avanço, somente em 2002, a Lei nº10.436 reconheceu oficial-mente a Língua Brasileira de Sinais, a LIBRAS.

A Libras é fundamental para garantir o aprendizado de alunos surdos. Em 2005, com o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro, a Libras foi determinada como disciplina curricular obrigatória para todos os cursos de licenciatura e também fonoaudiologia, e ela é optativa para os demais cursos do ensino superior e da educação profissional.

Outra grande conquista aconteceu em 2010, quando a profissão de tradutor–intérprete de Libras foi regulamentada em de 1º de setembro.

Além disso, professores têm buscado trazer a Libras para fora da sala de aula. Na internet, por exemplo, existem video-aulas em libras, democratizando o acesso à educação.

Hoje, vamos conhecer o trabalho de professores e intérpretes de Libras que desenvolvem estratégias para melhorar o ensino para surdos. Recebemos aqui no es-túdio da Rádio Web o professor da UEPA Sílvio Santia-go Vieira, ele é mestrando em Ciências da Religião, es-pecialista em Atendimento Educacional Especializado e também coordena o Grupo de Estudos Surdos & Inter-faces do IEPA, que é o Instituto de Educação e Cultura do Pará. Professor Silvio, muito obrigado por sua partic-ipação, bem-vindo.

Sívio Viera: Muito obrigado pelo convite.

Fabrício: Obrigado, professor Silvio. Também estou rece-bendo o Ernesto Padovani Netto, mais conhecido como Padovani. Ele é aluno do Mestrado Profissional em Ensino de História e é responsável pelo canal do Youtube “História em Libras”, e também é professor da SEDUC. Professor Padovani, muito obrigado.

Ernesto Padovani: Obrigado pelo convite, a gente espera contribuir aqui um pouco com o debate.

Fabrício: Obrigado, professor. E também recebemos a Ohana Matias. Ela é tradutora / intérprete de libras, é professora substituta da UEPA. Também atua como tutora na UEPA no curso de Pedagogia Bilíngue, além de ser especialista em Educação Especial e Inclusiva, e também colaboradora do canal “História em Libras”.

RÁDIO WEB UFPA: Divulgando conhecimento 11

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Ohana, também muito obrigado pela tua participação, bem-vinda.

Ohana: Obrigada pelo convite, é um prazer estar aqui estar fazendo parte desta discussão.

Fabrício: Eu queria que, na verdade, vocês primeiramente se apresentassem um pouco pra gente conhecer um pouco da trajetória e do interesse de vocês por essa área tão cara e tão desafiadora. A gente viu aí por esse pequeno histórico o quanto ela foi negligenciada, a educação de surdos, a educação inclusiva. O que que motivou vocês a trabalhar com essa área que ainda é um desafio na ed-ucação brasileira? Professora Ohana.

Ohana: Ohana: Bom, a minha história em si é bem diferente dos outros. Os meus colegas que eu estudei no curso de letras libras em 2012, a maioria veio da área da interpre-tação da igreja, ou tinha um parente surdo e no meu caso em si é por conta da minha mãe ser pedagoga. Então, como ela fazia na época o curso de libras, ela me incentivou para escolher esse curso. Na verdade, eu con-heci esse mundo novo quando eu passei no vestibular. Então assim, a partir do momento que eu comecei a estudar e começar a entender a história da educação do surdo, foi só um momento assim pra eu procurar saber mais sinais. Então, foi uma grande oportunidade e hoje em dia eu estou atuando, também faço parte da as-sociação dos surdos de Belém. Então eu estou sempre

nessa constante luta em prol da educação dos surdos, na luta por eles.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: Bom, a minha trajetória ela começa quando em 2009 eu resolvi fazer um curso de Língua Brasileira de Sinais no CAES. Eu tive um aluno surdo na época no Augusto Meira. Não sabia como lidar com os alunos surdos. E a minha comunicação com eles era basicamente por meio da mímica, por meio da escrita nos braços. Os surdos eles têm o costume de escrever no braço quando não têm papel, apagava, enfim. E assim eu fui apren-dendo os sinais iniciais e eu percebi que eu deveria ir mais adi-ante. Eu já tinha experiência com educação de alunos cegos e baixa visão, porém a minha experiência com os surdos me fez refletir sobre essas carências que a formação inicial de profes-sores possui. Aí eu fui fazer um curso de libras, tive o professor Arlindo, o professor Tiago Costa como meus professores. E foram pessoas que contribuíram muito para a minha formação inicial na área da língua de sinais. Em 2010, então eu resolvi en-veredar pela especialização nessa área, fiz especialização em Libras. E comecei também em 2010 a interpretar dentro da Igreja Assembleia de Deus. Foi quando eu realmente resolvi me focar nessa questão da interpretação que eu já estava na docência. Posteriormente a isso, eu resolvi criar o grupo de estudos surdos e interfaces, onde a gente tem discussões diversificadas, mas especifica-mente hoje nós estamos discutindo as questões relacionadas a

gênero e sexualidade dentro do grupo, haja vista que a comu-nidade surda belemense, ela apresenta uma pluralidade nesse sentido e é necessário que familiares e escolas possam com-preender essa questão da sexualidade do surdo que manifesta certas diferenças em relação à sexualidade dos indivíduos ouvin-tes. E também com foco na questão da religião pois eu tenho ob-servado que hoje os surdos eles têm buscado enveredar por outros ramos religiosos além do cristianismo. E a minha trajetória hoje tem sido basicamente focar na compreensão de como é que tem se desenvolvido essas territorialidades e os territórios dentro dos espaços sagrados. Hoje minhas pesquisas estão focadas nisso.

Fabrício: Professor Padovani.

Ernesto: Ok. Bem, eu sou professor da rede estadual de ensino há dez anos. Então quando eu comecei eu tra-balhei uns três anos no interior do estado. Tive um públi-co também de trabalhar em comunidades, quando vim, voltei a Belém, voltei pra trabalhar no sistema penal. O que ocorreu? Na verdade, lá no Astério de Campos não tinha professor de história. Aí me fizeram a proposta. Então, na verdade não foi muito uma escolha minha. Che-gando lá, eu criei de fato uma grande identificação com o trabalho. Fiz uma especialização em educação inclusiva e comecei a observar as dificuldades deles em relação à Língua Portuguesa, dificuldades com textos muito grandes, necessidade da utilização de imagens, então eu fui montando uma metodologia a partir de referenciais teóricos como a pedagogia visual e criando meu próprio material didático, criando formas de trabalhar com eles.

Quando surgiu a seleção pro Mestrado Profissional em Ensino de História, o PROFHISTÓRIA, eu fiz a seleção, fui aprovado e fui com isso na cabeça, que eu ia fazer um projeto sobre educação de surdos, unindo essas duas áreas. A questão da história e a questão da metodologia de ensino. E aí perpassam vários elementos, não é só a história em si. O meu trabalho é um trabalho sócio-histórico que vou justamente remontar o período do oralismo, passando pela co-municação total, são metodologias que são utilizadas até hoje como proposta teórica do bilinguismo prevalecendo na edu-cação dos surdos, pelo menos uma tentativa pra que prevaleça. E aí na verdade o canal “História em Libras”, ele surge como um produto desse mestrado. O mestrado profissional em ensino de história, ele exige uma dissertação escrita e um pro-duto pedagógico aplicável. Então existem várias possibilidades de produtos. A minha intenção inicial era fazer um material didático mesmo pra distribuir nas escolas, mas eu fiquei pen-sando na logística disso e no alcance que isso teria. Então, con-versando com amigos porque tem essa questão da interdisci-plinaridade, eu precisei de um amigo meu que trabalha com cinema, precisei da Ohana pra construir a proposta do canal. Então, desenvolvemos a ideia de um canal na internet seria muito melhor porque eu não teria o problema da divul-gação. Colocou na internet as pessoas podem acessar. E nós estamos nesse momento. Graças a Deus o vídeo está sendo muito acessado, teve uma repercussão muito boa. A Mídia Ninja compartilhou nos espaços que eles têm nas mídias digi-tais. Estamos agora aqui nesse debate

Fabrício: Dá pra esse primeiro relato de vocês, em relação à experiência, o contato que vocês tiveram com a Libras, com a

de família, de frutas, aí esse professor vai se formar, vai chegar numa sala de aula e vai só manter esse diálogo só de frutas, alfabeto? Não. Ele tem que saber o sinal de células, de mem-brana, disso, daquilo, tem que saber como é usar um classifica-dor. Infelizmente, é quebrada essa grade curricular das pessoas que estão na licenciatura.

Eu vivenciei isso muito quando eu fui intérprete de uma escola que tinha uma demanda muito grande, tinha 18 surdos na escola. Eu atendia oito surdos no ensino médio. Então, assim, eu observava a dificuldade dos professores. Eles chega-vam pra mim “eu nem tive essa disciplina de libras”, “eu nem sei o que é isso”, “é surdo mudo?” “ah, os teus alunos”. Eles não eram os meus alunos, eles eram alunos deles tanto quanto os ouvintes. Então, no caso, eu falava assim, “professor você tem que direcionar a eles”, “ah, mas só que ele vai pensar que é tu que tá chamando a atenção ou tá explicando”. Eu digo “não, ele sabe diferenciar, o meu papel aqui é de intérprete”. Eu sempre lutava a questão da metodologia, não pensavam no surdo.

Uma vez aconteceu uma situação que foi ao contrário, estava com legenda e sem som. Os ouvintes reclamaram. Aí eu falei para eles, “agora, vocês entenderam o que é estar na pele de uma pessoa surda:” Não é fácil. A informação não chega tão fácil pro surdo.O professor fez esse canal História. Esse canal é uma forma de democratizar tanto para surdo como para ouvin-te porque ele está usando diretamente a língua de sinais e tem ali a legenda.

Fabrício: Professor Padovani

Ernesto: Eu queria retomar mais uma questão pra embasar essa questão da metodologia, porque por exemplo a gente percebe muito há um censo comum de querer resumir a questão à língua. Então, se você tem um intérprete na escola, que não tem, em geral, não tem. Quando tem, então resolveu o proble-ma, agora tem intérprete. Então, eu faço sempre a discussão, o seguinte, se o problema fosse a língua, os nossos alunos ouvin-tes todos não teriam problema nenhum de educação no Brasil. Professor fala português, os alunos todos falam português, en-tendem, então por que os alunos não alcançam a média? Por que nós não estamos nos melhores patamares de educação mundial? Então nós não podemos também resumir o debate à língua. Então, como é que o aluno entende? É a partir da imagem? É a partir da construção de maquete? Qual é a possi-bilidade que se tem de vídeos com legenda?

O primeiro dia que o vídeo foi postado no Youtube, ele ficou sem legenda. Foi uma estratégia mesmo. Eu fui colhendo e estou colhendo os depoimentos pra finalizar a dissertação. “Poxa, não consegui, olha, eu paro, pela metade, eu parei. Não consegui acabar de ver, não tava entendendo nada”.Olha que nós colocamos os recursos imagéticos entrando no vídeo e em alguns momentos chaves aparecia escrito também o que estava sendo falado. Mas mesmo assim as pessoas reclamaram ou muitas fizeram essa reflexão: “poxa, agora eu me senti como os surdos se sentem”. São pequenas situações do dia a dia que no universo da escola se traduz em outras formas, mas são hierarquias de saberes. Um professor está ministrando aula, o outro professor vem dar um recado na turma, bota o rosto dentro da sala, “gente, gente, licença aqui, rapidinho, amanhã tem prova, dois reais a prova e tal”. Recado dado.

O surdo não entendeu. Vamos passar o vídeo pra turma, vamos levar para o auditório, muito legal, todo mundo vai, chega na hora de passar o vídeo me chamam pra interpretar, já aconteceu isso, eu não sou intérprete mas você está na escola, você sabe Língua de Sinais, você é intérprete, você é professor do AE, você é itinerante, você é tudo. Então fui lá interpretar, tudo certo, vamos lá, solta o play, apagam a luz. Como é que o surdo vai ter acesso à minha interpretação, então são questões que... é maldade? Não. Não é. Mas isso estrutura uma hierarquia de saberes. Entendeu. São hábitos que a escola internaliza porque ela é uma escola voltada e pensada para o público ou-vinte. O que me chama atenção é que isso acontece em escolas em que os surdos estudam há 10, 15 anos. Então, quando a escola vai internalizar presença do surdo? Então, acho que essas são questões aí que abrem um bom leque pra gente dis-cutir e pensar.

Fabrício: Só pra voltar, eu achei interessante o depoimento da Ohana, essa relação, dela como intérprete né. O Padovani ele tem o conhecimento, de repente ele pode usar desse conheci-mento pra se comunicar com esse aluno surdo, mas nem todas as escolas têm um profissional como a Ohana. E como é que fica a relação entre o professor e esse intérprete? Onde é que começa o papel de um e o papel de outro? Como é que se con-strói esse relacionamento pra que se possa comunicar e repas-sar esse conteúdo pra esses alunos? Como é essa dinâmica?

Ohana: Bom, a priori, o que deveria ocorrer era ter essa parceria com o professor e o interprete. Por que? porque o papel do intérprete é mediar. Ele não vai ensinar nada. Até porque a minha formação é Letras com habilitação em Libras, não é for-

mação em Letras, Português, Biologia, Matemática, não é.

A minha formação é Letras, então qual é o meu papel ali? É de chegar e interpretar tudo o que o professor falar. E quando eu digo tudo, eu interpretava até palavrões, enfim, tudo o que o professor abrisse a boca eu interpretava porque eu estou ali. Só que infelizmente essa experiência que eu tive o professor confundia, ele pensava que eu era a professora deles, e eu dizia “Olha, eu tenho respaldo, tem a lei, tem o código de ética, tenho tudo o que o senhor quiser eu mostro, mas esse daí não é meu papel, essa competência não é minha, é a sua”. Então, tem que ter essa parceria. O que o intérprete pode ajudar? Ajudar a dar umas dicas, como é que faz o material, coloca a legenda na próxima aula, é assim, é essa parceria. Essa relação de professor, intérprete e aluno.

Sílvio: Relacionando a fala da professora Ohana também pensan-do no atendimento educacional especializado. Então, ela ainda pouco colocou que o professor sempre atribui a responsabili-dade para o intérprete de Libras, mas ele também faz isso para o atendimento especializado. Por quê?

Historicamente a educação do surdo, ela foi atribuída à ed-ucação especial. Então, com o processo de inclusão que se dá a partir de 1996, com a lei de diretrizes e bases 93/94 de 96, é que a gente vem perceber que esses indivíduos com deficiên-cia, pessoas com deficiência, passam a ingressar dentro das escolas regulares. Só que nós passamos a ter dois personagens que antes nós não tínhamos dentro desses espaços, os intér-pretes de libras e os cuidadores também, e também a gente passa a ter o atendimento educacional especializado que as pessoas acham que é antiga educação especial, mas na ver-

dade há controvérsias, porque educação especial funcionava numa sala de aula onde se ensinavam essas pessoas. E o AE não, ele funciona como educação suplementar complementar, porém para o professor da rede regular, ele entende que é responsabilidade do AE ensinar os aluno surdos, que é responsabilidade do intérprete ensinar os alunos surdos, ou seja, esses personagens acabaram tendo responsabilidades além de suas responsabilidades e o professor se exime.

O Vigotski diz que “quando a gente enxerga deficiência primeiro ao invés de enxergar o ser humano, a gente destrói qualquer possibilidade de desenvolvimento desse indivíduo”. Então, a gente pode pegar a fala do professor Netto Padovani, por exemplo, em relação a questão das metodologias e obser-var que a maioria dos professores estão destruindo possibili-dades de desenvolvimento desses alunos na sala de aula exata-mente por causa das metodologias. Eu também não quero cul-pabilizar somente esses professores porque também a gente tem que pensar na formação desses indivíduos e nós também precisamos pensar que a Universidade também deve oferecer cursos de formação continuada, porque esse papel é da Uni-versidade. A gente costuma atribuir essa responsabilidade, “Ah, o governo não faz”, mas a Universidade é quem forma, é ela que deve trazer os professores pra dentro. Ela que precisa buscar parcerias com as escolas, parcerias com as unidades pra que isso possa acontecer.

Hoje, nós ainda observamos uma grande polêmica dentro das escolas. Intérprete de Libras que acabam tendo discussões com professores porque as vezes são atribuídas responsabili-dades. Durante o meu período na rede regular de ensino, eu tive dois alunos surdos, depois eu já estava fluente em Libras, e eu também tive problemas. E é legal colocar isso, porque os

meus alunos ouvintes não gostavam de eu passava a sinalizar na sala de aula. Então, o que que eu fazia, passava todo o con-teúdo de matemática, explicava primeiro em Língua Portugue-sa, passava uma bateria de exercícios pra eles fazerem, e era o momento em que eu ia sinalizar, porque não tinha intérprete de Libras, para os dois alunos surdos.

Só que isso gerava discussões na sala, “Ah, o professor não está dando atenção pra gente”, “o professor agora só olha pra esses surdos, lá vem ele com essa língua de sinais pra dentro da sala de aula”. Então, a gente observa que essas relações de poder que incidem dentro do espaço da sala de aula ainda fazem com que os ouvintes entendam que deve ser dada atenção a eles e que aos indivíduos surdos não deve ser dada atenção. Tem uma charge no livro do Moacir Carneiro muito interessante, inclusive nas formações continuadas eu sempre falo isso pros professores, os professores estão aqui em cima conversando “nós não conhecemos nada sobre esses indivíduos, nunca ouvimos falar nada sobre educação espe-cial”. Aí os alunos todos embaixo olhando.

Na verdade, essas pessoas vão reproduzir lá embaixo esse mesmo pensamento, é por isso que esses alunos pensam hoje que o professor deve dar atenção a eles e não devem dar atenção aos alunos surdos dentro da sala. Já eles também não aprenderam nada sobre educação especial, não aprenderam nada sobre pluralidade, diversidade, e acima de tudo sobre dif-erença.

Ohana: Eu vivenciei nessa escola, eu trabalhei nessa escola, se eu não me engano, dois anos e meio. Então assim, para aquela turma, eu acompanhei os surdos, primeiro, segundo e terceiro

ano. Até metade do convênio. Então, quando foi no primeiro ano, os ouvintes assim sofreram um impacto. “Intérprete?”, “surdos?”, “mãos mexendo?”, “Meu Deus!”, porque foram logo oito na minha turma. Então, assim, no início, eles deixavam de prestar atenção no professor e ficavam assim olhando pra mim, com os olhos vidrados, eu ficava intimidada inclusive, com o tempo eles foram habituando e foi passando ano, dois anos, mas o que me veio à cabeça, assim eu sempre fui tímida, então eu sempre chegava, dava bom dia pra quem estava na frente, mas eu não era de ficar batendo papo com os ouvintes.

Então, eu ficava conversando com os surdos, enquanto o professor não chegava. Então, assim os ouvintes assim, meio que segregavam a gente. Então, o que eu acho engraçado, é quando eles foram ter contato comigo? um dia após a prova do Enem. Tinha gente da escola do primeiro ano que eu nunca tinha visto na vida. Eles chegaram “Ei, tia, a minha proposta está boa”, “será que pode falar deficiente auditivo”, “eles são surdo-mudos”, “é isso, é aquilo”. Foi a primeira vez que eles viram a necessidade. A escola em si diz “Ah, a gente está inte-grando”, mas na verdade segregava. Então foi uma experiência dessa forma, foi ruim pra mim inclusive. Na verdade se não fosse eu ali com os surdos, eles não iam ter visibilidade naquela escola.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: É bem legal a gente observar que as falas estão contemp-lando o que a gente chama de currículo oculto dentro das insti-tuições, e é isso que a gente tem pra parar pra pensar hoje. As metodologias de ensino, elas podem contemplar as necessi-dades do professor na sala de aula, ok. Mas a escola precisa tra-

balhar o currículo oculto que é exatamente o que o professor Netto e a professora Ohana colocaram, que é essa questão da alteridade, de fazer com que o professor e o aluno possam se colocar no lugar do outro, porque inclusão ela precisa ser para todos. Ela tem que começar lá do porteiro até a merendeira. Então não é só o professor que deve passar por esse processo, e quando a escola inteira passar a se modificar, então, a gente vai começar a observar que os alunos ouvintes vão com-preender as particularidades étnico-linguísticos desses indivíduos surdos. Hoje a gente vem percebendo pelas experiências de rela-tos, até mesmo as experiências que a gente já viveu, que esses alunos eles ainda não compreendem. Eu lembro, por exemplo, uma vez que eu fui interpretar para um amigo meu, o Ademil-ton. Eu acho que a professora Ohana até conhece. Ele é surdo. Na época ele fazia ensino médio. E foi uma experiência muito triste porque o professor não sabia sequer da existência de um profissional interprete de Libras, então eu pedi pra diretora da escola, uma escola pública de Belém pra entrar pra interpretar na aula de química, e o professor me viu virado o tempo todo de costa pra ele. E ele achou que eu era um surdo que estava simplesmente conversando na sala de aula.

Só pra você ter uma noção do que que que é essa falta de compreensão desse outro indivíduo que está ali. E os alunos ouvintes na hora da frequência, começaram a chamar nome a nome, e eu disse “olha, o professor chamou o teu nome”. Ai ele foi lá na frente, e disse pro professor apontar. O professor fez um gesto obsceno pra ele e todo mundo começou a rir. De repente uma aluna chega e pergunta “professor, porque que ele tá aqui na sala de aula”. Ele disse assim: “Eu não sei, eu tô levando até onde eu posso”. Na verdade, esse professor não estava levando nada. Porque aquele momento ali mostrava que

ele não compreendia. Foi quando eu chamei o professor. “Pro-fessor, ele está com dúvidas nisso”. Aí ele disse “Ah, você fala?”. “Sim, eu sou ouvinte, eu sou intérprete”. E aí foi muito legal porque o professor sabia ensinar o surdo, só que ele tem medo de ensinar, porque tem uma barreira imaginária entre o profes-sor e o aluno surdo. Eu não lembro direito o conteúdo, eu acho que era sobre átomos que ele estava ensinando. Ele pegou um pedaço de papel, fez um monte de bolinhas, e ensinou pro Ademilton o conteúdo. Então, ele sabia ensinar, a questão é que ele não sabia como chegar pra ensinar, então, isso é uma questão de currículo oculto.

Os professores, a escola, a direção, a coordenação ped-agógica, todos eles precisam se voltar pra compreender esse espaço plural que existe dentro da escola. A gente fala muito de diferença, mas a escola na verdade, a exclusão ainda impera dentro desse processo. E não é só para os indivíduos surdos, é para todos os alunos que sofrem qualquer tipo de exclusão dentro desse espaço.

Fabrício: Rádio Web UFPA apresentando o programa UFPA Ensino. Hoje o tema é Metodologias de Ensino para Surdos. Os nossos convidados são, o professor Sílvio Santiago Vieira, o professor Ernesto Padovani Netto e a professora Ohana Matias. A gente vai para um rápido intervalo e volta já já. Rádio Web UFPA divulgando conhecimento.

Vinheta: Você está ouvindo UFPA Ensino. Você está ouvindo UFPA Ensino.

Fabrício: Estamos de volta com o programa UFPA Ensino. O nosso tema de hoje é Metodologia de Ensino para Surdos e os nossos convidados de hoje são o professor da Universidade do Estado do Pará Sílvio Santiago Vieira. Também recebo o professor Ernesto Padovani Netto, ele é professor da Seduc e faz o me-strado profissional em Ensino de História e também estou rece-bendo a professora Ohana Matias, que é professora substituta também da UEPA e tradutora/intérprete de Libras e também colabora com o canal História em Libras, pensado aí pelo pro-fessor Padovani.

Estamos de volta aqui pra nossa conversa, vamos começar com o professor Padovani e com a professora Ohana pra eles comentarem um pouco mais sobre esta experiência do canal História em Libras, justamente como é que vocês propõem o ensino da história a partir do canal no Youtube, qual é o diferencial que vocês têm aplicado, lógico além das legend-as e tudo mais, em termos da perspectiva que vocês estão apli-cando a esse ensino de História pra realmente incluir essas pes-soas sendo surdos pra ele ter acesso a esse conteúdo. Profes-sor Padovani.

Ernesto: Na verdade, nós fizemos uma disciplina no mestrado min-istrada pela professora Edilza Fontes que chama-se “História Pública”. Então no Brasil é uma discussão um tanto quanto recente, a discussão sobre História Pública. História Pública perpassa pela questão de que você tem o historiador que produz o conhecimento histórico. Em outros momentos da história, o conhecimento histórico era fundamentalmente pro-duzido pelo historiador e hoje em dia o que nós temos? Nós temos canais no Youtube, nós temos programas de TV, nós

temos jornalistas. Na verdade, todo mundo fala de história o tempo todo. Então, a história ganhou esse viés de história pública. Então, são narrativas que estão aí se degladeando. A gente vê isso no Brasil, esquerda e direita construindo narrativas históricas em torno de situações que ocorreram. Então, esse foi um debate fundamental pra eu pensar o canal. Por que? Em 2013 nós tive-mos as manifestações, o início daquelas manifestações que acabaram culminando com o impeachment. Então, o que acon-teceu? Os surdos chegavam na escola “por que que está acon-tecendo isso?”. Aparecia os blacks bloks quebrando as coisas, colocando fogo, quebrando os bancos e tudo mais e os alunos chegavam “eu não estou entendendo, por que profes-sor na rua esse problema toda a hora na televisão? E eles não entendiam o que estava acontecendo. Então o problema era o acesso à informação. Então, que história está sendo construída para esse aluno? O que que ele está aprendendo no processo escolar, o que que ele está viven-ciando, está vivendo, podendo relacionar, inclusive. Então, eu fui trabalhar nessa perspectiva de explicar. Eu lembro, inclusive, no primeiro vestibular de Libras da UEPA que houve as vagas para os surdos, eu fiz uma discussão com seles sobre essa questão de 2013 dos blacks blocks relacionando com ludismo, quando os operários ingleses quebravam as fábricas e tudo mais. Acabou que foi uma questão que veio na prova, então eles acertaram em massa a questão. Então relacionar os tempos históricos a partir de situações vivenciadas por eles. E o canal História em Libras veio muito nessa perspectiva de pensar a História Pública, a História digital. Nós não temos mais como ser, no meu caso, eu trabalho com história, sermos histo-riadores que ficamos presos somente ao papel, não é verdade?

Somente a entregar textos escritos que uma banca vai ler e muitas das vezes não é lido maciçamente. Então o canal foi uma forma de além de contemplar a exigência do programa que é ter um produto pedagógico, é um exercício de história pública, porque o tema Movimentos Sociais que é o tema da primeira aula, ele surgiu porque eu fui perguntar para os alunos o que eles gostariam de estudar. Isso também é uma perspecti-va muito interessante da gente refletir, porque eu digo “qual é o tema que eu vou colocar? eu não vou elencar um tema de cima pra baixo. Fazer uma aula sobre tal tema e ao perguntar para os alunos, eles tinham muita dificuldade de me responder o que eles gostariam em história. Primeiro, por quê? Existem uma perspectiva de que a história é uma história política. Então, estudar História é estudar Getúlio Vargas, é estudar a Ditadura Militar, é estudar os governos, os grandes heróis na-cionais, entre aspas. E eu queria que eles compreendessem que os surdos tem história.

No YouTube você tem muitas aulas no estilo caseiro, diga-mos assim. Você filma ali o quadro, para um professor que só precisa do recurso da fala é tranquilo. O professor fala, o ouvin-te escutou a informação. Mas para o surdo não, eu preciso de edição, eu preciso que as imagens entrem, eu preciso dialogar com as imagens, eu preciso de uma certa produção. Então, eu encontrei parcerias para produzir esse primeiro vídeo. Houve um custo. Hoje é um momento em que a secretaria de edu-cação replicou essa questão do canal. A Seduc colocou no site, colocou na agência Pará, colocou matérias no YouTube, no Facebook, sobre o projeto. Mas agora a gente precisa de suporte para dar continuidade.

Fabrício: Professor Silvio, eu queria que você falasse um pouco da sua experiência porque o senhor atua em outra área de conhe-cimento que é o ensino religioso. É uma metodologia meio parecida? como é que é são as estratégias que o senhor usa para atuar nessa área específica?

Sílvio: Eu não trabalho com canal especificamente.

Fabrício: Sim, sim.

Sílvio: Hoje eu tenho focado no grupo GESI. As nossas reuniões são todas as sextas-feiras. A gente tem desenvolvido foco na questão da criação de sinais termos que contemplem as questões das religiões. Mas é muito importante ressaltar que nós não estamos focando no cristianismo porque o cristianis-

safio. A sala em si é bilíngue, mas a questão da metodologia dos professores que é o mais difícil, até às vezes o posiciona-mento, eles estão aqui, o intérprete está bem aqui, e eles passam na frente. O surdo reclama “a gente não está conse-guindo visualizar o intérprete”. Então, a gente fica meio assim andando para cá e para cá. Então, assim experiência é muito boa para mim lá na graduação, é outro nível com surdos e assim eu fico muito feliz porque eles estão amadurecendo bas-tante.

Quando eles entraram sentiram muita dificuldade assim como os ouvintes, então assim foi um papel tanto dos intérpre-tes quanto dos professores, enviando materiais para a gente, para a gente procurar como o professor Sílvio falou sobre os sinais termos, se existem, porque são disciplinas muito espe-cíficas. Então, já lá no curso de pedagogia bilíngue que já tem um material pronto, na verdade. Então, assim tem as videoau-las, então geralmente os surdos que vão para lá geralmente são 10 ou 12, porque na verdade nós tutores fazemos uma escala, por exemplo eu vou dois dias, o outro vai mais dois dias. Então assim, a experiência lá é a questão visual que é muito impor-tante.

E o interessante é que os sinais são bem diferentes. Então assim, eles mostram lá na videoaula que é no INES que fica no Rio de Janeiro, e então são bem diferente dos sinais que nós tutores usamos. Então, é uma metodologia muito boa lá assim na questão visual. Então, te dá esse auxílio, interpreta, por exemplo, os textos da Língua Portuguesa. E é esse o trabalho que a gente faz lá.

Fabrício: Na experiência de todos vocês, vocês todos falaram bas-

tante de utilizar estratégias que apelam para esse aspecto visual. A Libras é visual, mas vocês também falaram muito de utilizar estratégias que possam utilizar vídeos, por exemplo, maquetes, enfim, coisas que vão apelar para o sentido visual e vai facilitar esse ensino para esse aluno surdo.

Alguma outra experiência que vocês tiveram, outra poten-cialidade, alguma outra coisa nesse sentido que possa acres-centar para, de repente, um outro professor, para uma pessoa que, de repente, não tenho tido essa experiência, ou de repente possa pensar em alguma outra coisa que vocês possam apre-sentar em algum exemplo?

Ohana: Eu tive uma experiência. Eu ainda era estagiária lá no Astério de Campos. Então, estava eu mais a minha colega Silvana. Então, lembro que na época, eu acho que foi em 2013, eu não sabia o sinal de corrupção. Então, assim, como explicar um conceito, explicar o que é, dar um sinal? Então assim, eu e a Silvana mostramos assim, dramatizamos na verdade.

Nós mostramos um contexto do dia a dia, por exemplo, a gente colocou... eu era a personagem cobrador e ela era um passageiro que ela passava o troco para mim, ou para ela me dava passagem né e eu passava um troco a mais. Então mas ela não me falava nada, ela ficava com dinheiro. Então, explicava para os alunos, “entenderam como é que ocorre a corrupção no dia-a-dia e no contexto político?” Então, foi uma experiência muito boa para mim porque assim quando se está com um surdo, se você não sabe o sinal, o conceito, você tem que apelar até para o teatro, tem que mostrar em algum momento um recurso visual para eles, porque, às vezes, só imagens não dá um sentido para ele. Você tem que dar uma explicação,

mo ele já tem todo um arcabouço de sinais termos.

Nós estamos pegando mensalmente as religiões que já são consideradas religiões mortas. Então, a gente veio desde a Grécia trazendo toda essa questão para trabalhar a questão da sinalização, para ajudar professores tanto de história como também professores de ciências da religião para ensinar os alunos surdos dentro desses contextos. Então, a gente tem toda uma pesquisa com base na lexicografia, na terminologia, buscando compreender se já existem esses sinais, se esses sinais já são utilizados em outros estados, para evitar criar sinais e depois dizer que são variações linguísticas que também não vou entrar muito no mérito porque é uma dis-cussão muito ampla.

Então, após esse primeiro momento que foi a questão da criação esses sinais de Termos, nós desenvolvemos um ciclo de oficinas que nós aplicamos na escola Vilhena Alves no ano pas-sado durante três semanas, onde nós trabalhamos com as met-odologias visuais também com o auxílio do profissional intér-prete de libras, além de que os alunos da UEPA que participam do grupo também sabem sinalizar, mas como a gente percebeu que era um conteúdo muito específico a gente preferiu solicitar a presença do intérprete de libras. Então, nós sentamos com intérpretes, trabalhamos sinais termos que tinham sido cata-logados e os que foram criados. E foi muito interessante como esses alunos surdos ele já compreendem muito essa ideia do visual, assistem muitos filmes, desenhos e trouxeram muitas experiências legais.

Após isso, a gente aplicou em torno de umas 8 a 9 oficinas e nós resolvemos escrever alguns artigos porque a gente per-cebeu, a partir dessa experiência, que os professores que

talvez não saibam lidar com o aluno surdo porque eles não conhecem as metodologias que devem ser trabalhadas. A gente está escrevendo agora um livro que vai ser publicado agora esse ano pela Editora CRV que se chama a “Religião e Educação de surdos: desafios e métodos”, onde a gente tem foco na questão das religiões indígenas, nas religiões afro de matriz africana, especificamente o Candomblé, já que tem um vídeo no YouTube publicado pelo professor Emerson Silva onde ele trabalhou a questão de sinais específicos do Can-domblé.

A gente pegou esse sinais, e fomos trabalhar dentro da sala de aula contextos, por exemplo, sobre os líderes religiosos entre muitos outros contextos. A gente observou que os pro-fessores e os alunos se forem dados para eles as metodologias, se forem oferecidos a eles esse conhecimento, eles conseguem desenvolver o trabalho e o aluno consegue aprender. Então, por isso que o livro é uma alternativa, a gente vai distribuir gra-tuitamente o livro depois como alternativa de ensino para os professores.

Fabrício: Ohana, eu queria saber um pouco mais da tua experiência, porque agora tu estás atuando numa Universidade. O público, com certeza, é diferente. E deve misturar tanto ouvintes quan-tos surdos. Você também está atuando nessa tutoria do curso de pedagogia bilíngue, então, com certeza é uma proposta totalmente diferente que você também deve lidar com metod-ologias diferenciadas para lidar com esse público né?

Ohana: Sim, com certeza, eu atuo tanto no curso letras-libras, que tem metade da turma são surdos e ouvintes. Então ali é um de-

mostrar um classificador para ele, dramatizar para ele entender melhor.

Fabrício: A dramatização é então potencial né. Professor Sílvio, pro-fessor Padovani, querem acrescentar algo mais.

Padovani: Porque a questão é que você tem que construir o con-ceito. Eu vou dar um exemplo aqui, muitas questões de história ou até mesmo no momento de explicar aparece o termo conse-quência. Quais as consequências de determinada situação histórica? Então, para nós ouvintes, vamos pensar assim o con-ceito de consequência. Consequência é uma coisa que acon-tece depois que uma coisa aconteceu e como você vai explicar isso para o surdo? Então, o que a Ohana colocou aqui é funda-mental. Quando eu quero dizer para o aluno o que é conse-quência, eu digo para ele “olha, por exemplo, a pessoa está tomando uma cerveja, whisky, ela pegou um carro, qual pode ser a consequência? Bater o carro. Isso tudo não falado, é dramatizado como ela disse. Então, eu preciso construir esse recurso. Quando ela fala em classifi-cador, de construir cenários narrativo com as mãos para ele. Você está dirigindo mas você bebeu. O que pode acontecer? Você teve uma relação sexual sem preservativo, você pode ficar doente, é uma consequência. Você pode ficar grávida, é uma outra consequência. Então, você tem que construir essas questões. Eu tive três anos como professor Itinerante na escola Luiz Nunes Direito na Cidade Nova. Eu ligado ainda ao Astério, mas desempenham parte da minha carga horária lá. Fizemos várias parcerias com os professores. Então, na apresentação de seminários, nós construímos com os alunos os slides, as apre-

sentações. Eu fazia a interpretação da apresentação dele para os professores. Os professores faziam perguntas. Eu fazia esse papel de intérprete nesse momento. Tem um professor, por exemplo, que fez em alguns momentos a prova de surdos, aquela ideia que a gente tem da prova oral, para o surdo ele fazia a prova sinalizada. Então, ele construía ali 6 questões, reunia comigo e com os surdos, aí ele escolhia “olha, faz essa questão aqui para ele”, aí eu perguntava para o surdo aquela questão, aí o surdo respondia, e eu ia interpretar e fazia esse papel de intérprete nesse momento. Aí o professor avaliava a resposta.

É interessante que é um ser humano. Então, quando ele não sabia, a feição dele mostrava logo que ele não sabia. Ele ficava nervoso, ficava tentando enrolar. O professor já percebia que ele estava com dificuldade para dar resposta. Então, são situações aí, nós fizemos, por exemplo, trabalhos com maquet-es. Esse foi muito interessante, o professor estava trabalhando “A Belle Époque”. E aí ele pediu para os surdos falarem sobre cinema Olympia. Essa foi uma ideia que partiu deles, por exem-plo, eu queria fazer uma maquete do cinema Olímpia, eles dis-seram “não, vamos fazer uma da fundação do cinema, outra dos anos 70/80 e outros agora”. Então, nós acabamos discutin-do a temporalidade, as mudanças arquitetônicas do prédio pú-blico, enfim, ficou bem legal. A apresentação de documentári-os, eu achei um documentário sobre o cinema Olympia, apre-sentamos para eles a interpretação. Então, há uma gama de possibilidades aí realmente. Na questão de química, a professo-ra também pegou umas bolinhas de isopor e aí o que aconte-cia? Aquelas bolinhas de isopor eram as moléculas, aí quando ela queria uma molécula diferente daquela da bolinha, ela já pintava a bolinha de vermelho para representar que era o hidrogênio, que era um carbono.

Então, todas essas possibilidades elas são possíveis de ser utilizada e o interessante é que fica muito bacana para o ouvin-te e para o surdo porque acaba trabalhando um pouco do lúdico. Não é só aquela coisa do professor que fala, fala, fala, e o aluno acaba construindo também ali as coisas, o conheci-mento.

Fabrício: Professor Silvio.

Sílvio: Eu queria complementar fazendo uma boa abordagem voltando lá para a questão do intérprete de libras, porque a gente sabe que o recurso visual, a dramatização tudo isso real-mente eles são de extrema importância. Mas olhando intér-prete em conta uma tecnologia assistiva dentro desse espaço, a gente precisa pensar que o professor deve ter ele também como recurso metodológico. Então, eu quero aproveitar o espaço para conversar também com os professores que possam estar ouvindo os alunos, que é direito do professor ter um intérprete de libras ao seu lado enquanto recurso met-odológico, por que o professor possivelmente não conseguirá sinalizar de forma fluente na sala de aula.

Então atenção para quem tá ouvindo uso decreto 5626/2005 para cobrar dos pais os direitos dos alunos surdos. Você pode levar isso ao Ministério Público para que possa ser trazido o intérprete de Libras. Eu acho que esse recurso met-odológico, o intérprete enquanto recurso metodológico, é im-portantíssimo dentro da sala porque o professor mas na maio-ria das vezes ele não terá tantas vezes para organizar todas as suas aulas de forma visual. Então, esse intérprete de Libras, ali, ele é essencial nos momentos em que o professor não tivesse oportunidade.

Fabrício: Está chegando já ao final do programa, vou abrir o espaço para as considerações finais dos nossos convidados, men-sagem de finais, o que vocês consideram como desafio, algo que vocês queiram reforçar em relação ao que a gente debateu ao longo dessa entrevista. Professor Padovani, pode começar? Ernesto: Na verdade, eu gostaria de agradecer, muito importante esse espaço. A gente percebe que a cada dia a questão da Ed-ucação de surdos está ganhando uma projeção. Eu acho que a questão da redação no Enem foi um antes e depois. O espaço, eu mesmo posso testemunhar, eu já estava ali no mestrado, fazendo projeto, mas depois que veio a redação do Enem, os convites para estar nos espaços, no IFPA, na UEPA na própria UFPA, convites para palestra, enfim. Está discutindo essa questão aumentou muito. Então isso é fundamental, não só para o nosso trabalho né mas para esse público que em algum momento nos falamos aqui da invisibilidade do Surdo, e era um público invisível e é um público que cada vez mais não quer ser invisível, quer ser representado.

Então, nós percebemos que as janelinhas da língua de sinais na TV já é uma coisa que está ganhando muita força, nas campanhas eleitorais, aí foi uma grande novidade. Mas o corre-to é que isto esteja em todos os momentos, em todos os dis-cursos. A gente ainda não vê isso no Brasil, os políticos fazem seus discursos mesmos nos cargos de governadores, presi-dentes, não tem um intérprete.

Quando nós vemos imagens no exterior, o presidente americano falando, a intérprete está do lado. Então, nós temos

um caminho grande aí de conquistas para trilhar, que a comuni-dade surda tem naturalmente também que trilhar.

Fabrício: Ohana. Ohana: Eu quero agradecer também pelo convite. Eu quero agra-decer novamente ao professor Neto por ter me convidado a fazer parte desse canal. Eu não tenho parentes surdos, na ver-dade eu tenho namorado surdo. Então assim, onde estiver um surdo, eu sempre estou lutando com eles. Inclusive, eu faço parte da diretoria da Jubel. É uma honra ser a única ouvinte, então é muita confiança perante os surdos né.

Então assim, na associação a gente luta pela presença do intérprete em sala de aula, nos hospitais, em qualquer espaço. Então assim, essa visibilidade está ocorrendo assim, mas tem que melhorar enfim, tem que avançar mais. Então, para os pro-fessores que estão escutando, eu sei que não tem muito tempo assim para organizar o material, mas fazer um esforcinho. Pro-fessores que estão ouvindo, por exemplo, você tem um aluno surdo ou com outra deficiência procure ter contato com seu aluno, procure saber o que ele pensa, se ele está entendendo. É importante isso.

Fabrício: Professor Sílvio

Sílvio: Bom, primeiramente, eu queria agradecer o convite. Foi uma honra estar debatendo junto com professor Netto Pado-vani e a professor Ohana. E o recado que eu deixo aos profes-sores é sempre buscar pensar, que a partir do momento em que você tem um aluno surdo na sala de aula pensar nessas

metodologias visuais, pensar nessas estratégias que você con-segue desenvolver um trabalho, se as dificuldades elas exist-irem, e caso haja o atendimento educacional especializado na sua escola, procurar o AE de forma a buscar esse suporte que você precisa.

É importante ressaltar que a gente iniciou lá falando sobre a Libras enquanto disciplina, nenhum professor, nenhum aluno vai sair fluente na língua de sinais, porém eu acredito que o ponto mais importante da disciplina é disseminar essa questão da diferença. Então o professor que está hoje trabalhando com surdos ele precisa entender que esse indivíduo tem particulari-dades, ele tem diferenças em relação aos alunos ouvintes e se ele buscar respeitar essas particularidades o desenvolvimento desses alunos será bem maior.

Em suma fica a dica, aproveitando a sala da professora Ohana, quebre essa barreira que existe entre você e o aluno, uma barreira imaginária que já se passaram anos e é necessário você quebrar. Como você faz para quebrar isso é chegando próximo desse aluno perguntando se ele está entendendo, per-guntando de que forma ele que aprender com a professora sugeriu ainda pouco e dessa forma ele vai conseguir fazer com que esse aluno possa expressar as formas que ele pode com-preender melhor, porque a gente deu algumas dicas mas não são receitas.

Cada um, cada professor vai observar dentro dos seus espaços escolares de salas de aula alunos com suas particulari-dades, então, o grande ponto é chegar próximo do aluno que foi que a professora a Ohana citou, quebrar a barreira imag-inária.

Fabrício: Está certo. Muito obrigado professor Silvio, professora Ohana, professor Padovani. Muito obrigado pela participação de vocês, pelos esclarecimentos e por compartilhar conheci-mento com a gente obrigado.

Sílvio: obrigado.

Fabrício: Agradeço mais uma vez a participação do professor Silvio Santiago Vieira, professor Padovani Neto e a professora Ohana Matias. Agradeço também a você ouvinte que acompanha o programa de hoje. Se você quiser enviar críticas comentários ou sugestões é só mandar um e-mail para rá[email protected].

educação de surdos, são experiências muito diversas, lógico, né. Por exemplo, em relação a esse contato que vocês tiveram com a Libras que inclusive, é exigido como eu falei, nos própri-os cursos de licenciatura, esse primeiro contato que muitos professores, licenciandos, hoje alunos de graduação têm, será que ele evoluiu muito dos que vocês tiveram por exemplo, no contato de vocês com a licenciatura? Será que hoje avançamos mais neste contato da Libras, nessa inserção da Libras no ensino superior pra formar esses profissionais, esses profes-sores que vão poder incluir esse aluno no sistema de ensino? ou vocês veem muita similaridade com o que vocês tiveram como experiência enquanto universitários. Como é que vocês veem essa evolução? Teve avanço ou não? Sílvio: A minha primeira formação é em Matemática. Na época em que eu me formei em matemática não existia no currículo a disciplina Língua Brasileira de Sinais, então eu só fui ter contato com a libras enquanto disciplina na especialização, mas hoje eu sou formador de alunos de cursos de licenciatura. Então, mesmo assim eu ainda observo que existem algumas coisas que nós precisamos avançar, por exemplo, a carga horária dessas disciplinas é muito reduzida na maioria dos cursos de graduação. Há curso em que a carga horária varia de 40 horas, 50 horas, 60 horas. A gente há de considerar, o professor Padovani, por exem-plo está desenvolvendo uma dissertação de mestrado onde ele tem um olhar sobre a história desse indivíduo dentro de um processo educacional. Imagina, você precisa apresentar essa história que não é pequena para o aluno graduando. Você pre-cisa trabalhar as metodologias de ensino, você precisa tra-balhar com experiências, você precisa levar esses alunos pra escola de educação de surdos pra que eles possam conhecer

Como professor da escola Astério de Campos que é uma escola de referência em Belém, todo o início de ano nós recebemos muitos convites para formação. E aí eu sou um dos professores que costuma ir dar essa formação. E a preocu-pação é essa. “Professor, sou professor de física, e aí o que que eu vou fazer com o aluno surdo que está na minha sala?”.

Então, quer dizer, mesmo sendo professor de história, eu procurei desenvolver, construir alguns materiais pra esses mo-mentos de formação onde eu explico pra eles, por exemplo, que pro surdo se você vai trabalhar matemática, você vai tra-balhar aquela abstração, aquelas frações, então é muito com-plicado. Agora se você traz para aquelas questões que é algo que está afinado com o aquilo que o MEC pensa em relação ao enem, se você traz que os prédios projeta uma sombra de tantos graus, formando um ângulo, você abre a mente ali pra trabalhar com o surdo porque ele está visualizando o prédio, a sombra, o grau está relacionado com a vida, então não é algo tão distante pro mundo ouvinte.

Em geral, quando estou em momentos de formação, ou em espaços educacionais, eles pensam que o surdo ele não ouve, mas ele sabe ler, então é muito complicado, porque ao não ouvir, o surdo não criou o conceito daquela palavra, nós sabe-mos que mesa é mesa, nós ouvimos a palavra mesa e atribuí-mos à mesa.

O surdo não ouviu essa palavra, então o conceito para ele, a palavra pra ele é um emaranhado de signos pra ele. Ele preci-sa estar gravando aqueles signos. A disciplina libras ela não está dando conta disso, ao meu ver. Os alunos vão pra essa dis-ciplina, eles não vão aprender a língua de sinais. Eu tenho con-tato com professores do ensino regular que têm alunos surdos há oito anos, há sete anos. Na minha pesquisa eu entrevistei

professores que têm alunos surdos há 10, 8 anos e ainda não sabe dá bom dia. Então, na disciplina também esse aluno não vai aprender. Está servindo pra ele entrar em contato e saber que isso existe. Hoje a minha luta, eu estou tentando criar um conceito que é o ensino de história em contextos inclusivos, que esse debate vá de fato pro campo das disciplinas, das áreas de conhecimento e não fique pairando acima de todas disciplinas que não dá conta. As disciplinas têm metodologias diferenciadas de ensino.

Fabrício: Como é que essa realidade no curso de letras, Ohana?

Ohana: Sim, sim, como o professor Neto falou, eu vim do curso Letras Libras, então tinha agrade curricular toda voltada pra Libras, pra educação dos surdos, então assim, em si, eu não tive essa dificuldade, mas se eu dependesse só do curso, hoje em dia talvez, eu estaria sinalizando só o básico, assim infelizmente como muitos colegas meus terminaram o curso e não tinham domínio da Língua de Sinais. Então, eu precisei correr exata-mente para manter contato com o usuário da língua pra poder aprender. Hoje em dia tudo o que eu sei foi porque eu estou sempre tendo contato com o surdo, então assim, quando eu conversa-va nos corredores com meus outros colegas de graduações, seja de letras português, biologia, eles me falavam assim “Ohana, você pode me ensinar qual é o sinal isso, isso, o sinal específico da graduação deles, porque o meu professor falta, porque o meu professor não está presente”, ou como o profes-sor Sílvio falou “a carga horária é muito pouca”, então assim, “não faz a adaptação voltada para o meu curso”. Então, como eu posso chegar numa graduação, por exemplo de licenciatura em biologia e ensinar por exemplo, só o alfabeto, só os sinais

esses espaços que é a partir dessa experiências empírica que ele pode se identificar muito mais com esses processo. Então eu observo que 60 horas, 80 horas é uma carga horária insufici-ente. Na minha opinião, nós deveríamos ter hoje um estágio curricular voltado pra educação especial. Os alunos saem da graduação sem saber como lidar com os alunos com deficiên-cia.

Falando do aluno surdo, ele sai ainda mais perdido haja vista que a Língua de sinais é uma língua diferente da Língua Portuguesa, com uma estrutura gramatical que carrega uma especificidade muito diferente da Língua Portuguesa. Então penso que a gente deve continuar discutindo essas questões da inclusão a fim de que exista um estágio supervisionado especifico. É lógico que as pessoas não vão sair de lá expertise em trabalhar com surdos, mas ela pelo menos terá condições de compreender essa realidade da inclusão escolar visitando esses espaços, essas escolas que têm educação especial que ainda existem aqui dentro de Belém.

Fabrício: Padovani.

Ernesto: Na minha graduação também ainda não havia essa questão da disciplina Libras. Pra dizer a verdade, durante a minha graduação nunca nem passou pela minha cabeça essa realidade. Não era algo discutido, debatido, presente dentro da Universidade, nem na sociedade. O que acontece assim, eu go-staria de concordar com o professor e também aprofundar no sentido de não é só uma questão de apresentar a disciplina com o nome Libras. Então, eu preciso trabalhar com o meu aluno de história metodologias de ensino de história pra surdos, metodologias de ensino de matemática para surdos.

Fabrício: Olá, ouvintes da Rádio Web UFPA. Eu sou Fabrício Que-iroz e a partir de agora você acompanha comigo mais uma edição do UFPA Ensino que hoje vai falar sobre Metodologias de Ensino para surdos.

Segundo o censo do IBGE de 2010, 9 milhões e 700 mil pessoas têm deficiência auditiva. Cerca de um milhão são jovens até 19 anos. No Brasil, os surdos só passaram a ter acesso à educação durante o império.

Em 26 de setembro de 1857, foi criada a primeira escola de educação de meninos surdos, no Rio de Janeiro. Apesar do avanço, somente em 2002, a Lei nº10.436 reconheceu oficial-mente a Língua Brasileira de Sinais, a LIBRAS.

A Libras é fundamental para garantir o aprendizado de alunos surdos. Em 2005, com o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro, a Libras foi determinada como disciplina curricular obrigatória para todos os cursos de licenciatura e também fonoaudiologia, e ela é optativa para os demais cursos do ensino superior e da educação profissional.

Outra grande conquista aconteceu em 2010, quando a profissão de tradutor–intérprete de Libras foi regulamentada em de 1º de setembro.

Além disso, professores têm buscado trazer a Libras para fora da sala de aula. Na internet, por exemplo, existem video-aulas em libras, democratizando o acesso à educação.

Hoje, vamos conhecer o trabalho de professores e intérpretes de Libras que desenvolvem estratégias para melhorar o ensino para surdos. Recebemos aqui no es-túdio da Rádio Web o professor da UEPA Sílvio Santia-go Vieira, ele é mestrando em Ciências da Religião, es-pecialista em Atendimento Educacional Especializado e também coordena o Grupo de Estudos Surdos & Inter-faces do IEPA, que é o Instituto de Educação e Cultura do Pará. Professor Silvio, muito obrigado por sua partic-ipação, bem-vindo.

Sívio Viera: Muito obrigado pelo convite.

Fabrício: Obrigado, professor Silvio. Também estou rece-bendo o Ernesto Padovani Netto, mais conhecido como Padovani. Ele é aluno do Mestrado Profissional em Ensino de História e é responsável pelo canal do Youtube “História em Libras”, e também é professor da SEDUC. Professor Padovani, muito obrigado.

Ernesto Padovani: Obrigado pelo convite, a gente espera contribuir aqui um pouco com o debate.

Fabrício: Obrigado, professor. E também recebemos a Ohana Matias. Ela é tradutora / intérprete de libras, é professora substituta da UEPA. Também atua como tutora na UEPA no curso de Pedagogia Bilíngue, além de ser especialista em Educação Especial e Inclusiva, e também colaboradora do canal “História em Libras”.

Canal História em Libras, professor Padovani.

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RÁDIO WEB UFPA: Divulgando conhecimento 13

Ohana, também muito obrigado pela tua participação, bem-vinda.

Ohana: Obrigada pelo convite, é um prazer estar aqui estar fazendo parte desta discussão.

Fabrício: Eu queria que, na verdade, vocês primeiramente se apresentassem um pouco pra gente conhecer um pouco da trajetória e do interesse de vocês por essa área tão cara e tão desafiadora. A gente viu aí por esse pequeno histórico o quanto ela foi negligenciada, a educação de surdos, a educação inclusiva. O que que motivou vocês a trabalhar com essa área que ainda é um desafio na ed-ucação brasileira? Professora Ohana.

Ohana: Ohana: Bom, a minha história em si é bem diferente dos outros. Os meus colegas que eu estudei no curso de letras libras em 2012, a maioria veio da área da interpre-tação da igreja, ou tinha um parente surdo e no meu caso em si é por conta da minha mãe ser pedagoga. Então, como ela fazia na época o curso de libras, ela me incentivou para escolher esse curso. Na verdade, eu con-heci esse mundo novo quando eu passei no vestibular. Então assim, a partir do momento que eu comecei a estudar e começar a entender a história da educação do surdo, foi só um momento assim pra eu procurar saber mais sinais. Então, foi uma grande oportunidade e hoje em dia eu estou atuando, também faço parte da as-sociação dos surdos de Belém. Então eu estou sempre

nessa constante luta em prol da educação dos surdos, na luta por eles.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: Bom, a minha trajetória ela começa quando em 2009 eu resolvi fazer um curso de Língua Brasileira de Sinais no CAES. Eu tive um aluno surdo na época no Augusto Meira. Não sabia como lidar com os alunos surdos. E a minha comunicação com eles era basicamente por meio da mímica, por meio da escrita nos braços. Os surdos eles têm o costume de escrever no braço quando não têm papel, apagava, enfim. E assim eu fui apren-dendo os sinais iniciais e eu percebi que eu deveria ir mais adi-ante. Eu já tinha experiência com educação de alunos cegos e baixa visão, porém a minha experiência com os surdos me fez refletir sobre essas carências que a formação inicial de profes-sores possui. Aí eu fui fazer um curso de libras, tive o professor Arlindo, o professor Tiago Costa como meus professores. E foram pessoas que contribuíram muito para a minha formação inicial na área da língua de sinais. Em 2010, então eu resolvi en-veredar pela especialização nessa área, fiz especialização em Libras. E comecei também em 2010 a interpretar dentro da Igreja Assembleia de Deus. Foi quando eu realmente resolvi me focar nessa questão da interpretação que eu já estava na docência. Posteriormente a isso, eu resolvi criar o grupo de estudos surdos e interfaces, onde a gente tem discussões diversificadas, mas especifica-mente hoje nós estamos discutindo as questões relacionadas a

gênero e sexualidade dentro do grupo, haja vista que a comu-nidade surda belemense, ela apresenta uma pluralidade nesse sentido e é necessário que familiares e escolas possam com-preender essa questão da sexualidade do surdo que manifesta certas diferenças em relação à sexualidade dos indivíduos ouvin-tes. E também com foco na questão da religião pois eu tenho ob-servado que hoje os surdos eles têm buscado enveredar por outros ramos religiosos além do cristianismo. E a minha trajetória hoje tem sido basicamente focar na compreensão de como é que tem se desenvolvido essas territorialidades e os territórios dentro dos espaços sagrados. Hoje minhas pesquisas estão focadas nisso.

Fabrício: Professor Padovani.

Ernesto: Ok. Bem, eu sou professor da rede estadual de ensino há dez anos. Então quando eu comecei eu tra-balhei uns três anos no interior do estado. Tive um públi-co também de trabalhar em comunidades, quando vim, voltei a Belém, voltei pra trabalhar no sistema penal. O que ocorreu? Na verdade, lá no Astério de Campos não tinha professor de história. Aí me fizeram a proposta. Então, na verdade não foi muito uma escolha minha. Che-gando lá, eu criei de fato uma grande identificação com o trabalho. Fiz uma especialização em educação inclusiva e comecei a observar as dificuldades deles em relação à Língua Portuguesa, dificuldades com textos muito grandes, necessidade da utilização de imagens, então eu fui montando uma metodologia a partir de referenciais teóricos como a pedagogia visual e criando meu próprio material didático, criando formas de trabalhar com eles.

Quando surgiu a seleção pro Mestrado Profissional em Ensino de História, o PROFHISTÓRIA, eu fiz a seleção, fui aprovado e fui com isso na cabeça, que eu ia fazer um projeto sobre educação de surdos, unindo essas duas áreas. A questão da história e a questão da metodologia de ensino. E aí perpassam vários elementos, não é só a história em si. O meu trabalho é um trabalho sócio-histórico que vou justamente remontar o período do oralismo, passando pela co-municação total, são metodologias que são utilizadas até hoje como proposta teórica do bilinguismo prevalecendo na edu-cação dos surdos, pelo menos uma tentativa pra que prevaleça. E aí na verdade o canal “História em Libras”, ele surge como um produto desse mestrado. O mestrado profissional em ensino de história, ele exige uma dissertação escrita e um pro-duto pedagógico aplicável. Então existem várias possibilidades de produtos. A minha intenção inicial era fazer um material didático mesmo pra distribuir nas escolas, mas eu fiquei pen-sando na logística disso e no alcance que isso teria. Então, con-versando com amigos porque tem essa questão da interdisci-plinaridade, eu precisei de um amigo meu que trabalha com cinema, precisei da Ohana pra construir a proposta do canal. Então, desenvolvemos a ideia de um canal na internet seria muito melhor porque eu não teria o problema da divul-gação. Colocou na internet as pessoas podem acessar. E nós estamos nesse momento. Graças a Deus o vídeo está sendo muito acessado, teve uma repercussão muito boa. A Mídia Ninja compartilhou nos espaços que eles têm nas mídias digi-tais. Estamos agora aqui nesse debate

Fabrício: Dá pra esse primeiro relato de vocês, em relação à experiência, o contato que vocês tiveram com a Libras, com a

de família, de frutas, aí esse professor vai se formar, vai chegar numa sala de aula e vai só manter esse diálogo só de frutas, alfabeto? Não. Ele tem que saber o sinal de células, de mem-brana, disso, daquilo, tem que saber como é usar um classifica-dor. Infelizmente, é quebrada essa grade curricular das pessoas que estão na licenciatura.

Eu vivenciei isso muito quando eu fui intérprete de uma escola que tinha uma demanda muito grande, tinha 18 surdos na escola. Eu atendia oito surdos no ensino médio. Então, assim, eu observava a dificuldade dos professores. Eles chega-vam pra mim “eu nem tive essa disciplina de libras”, “eu nem sei o que é isso”, “é surdo mudo?” “ah, os teus alunos”. Eles não eram os meus alunos, eles eram alunos deles tanto quanto os ouvintes. Então, no caso, eu falava assim, “professor você tem que direcionar a eles”, “ah, mas só que ele vai pensar que é tu que tá chamando a atenção ou tá explicando”. Eu digo “não, ele sabe diferenciar, o meu papel aqui é de intérprete”. Eu sempre lutava a questão da metodologia, não pensavam no surdo.

Uma vez aconteceu uma situação que foi ao contrário, estava com legenda e sem som. Os ouvintes reclamaram. Aí eu falei para eles, “agora, vocês entenderam o que é estar na pele de uma pessoa surda:” Não é fácil. A informação não chega tão fácil pro surdo.O professor fez esse canal História. Esse canal é uma forma de democratizar tanto para surdo como para ouvin-te porque ele está usando diretamente a língua de sinais e tem ali a legenda.

Fabrício: Professor Padovani

Ernesto: Eu queria retomar mais uma questão pra embasar essa questão da metodologia, porque por exemplo a gente percebe muito há um censo comum de querer resumir a questão à língua. Então, se você tem um intérprete na escola, que não tem, em geral, não tem. Quando tem, então resolveu o proble-ma, agora tem intérprete. Então, eu faço sempre a discussão, o seguinte, se o problema fosse a língua, os nossos alunos ouvin-tes todos não teriam problema nenhum de educação no Brasil. Professor fala português, os alunos todos falam português, en-tendem, então por que os alunos não alcançam a média? Por que nós não estamos nos melhores patamares de educação mundial? Então nós não podemos também resumir o debate à língua. Então, como é que o aluno entende? É a partir da imagem? É a partir da construção de maquete? Qual é a possi-bilidade que se tem de vídeos com legenda?

O primeiro dia que o vídeo foi postado no Youtube, ele ficou sem legenda. Foi uma estratégia mesmo. Eu fui colhendo e estou colhendo os depoimentos pra finalizar a dissertação. “Poxa, não consegui, olha, eu paro, pela metade, eu parei. Não consegui acabar de ver, não tava entendendo nada”.Olha que nós colocamos os recursos imagéticos entrando no vídeo e em alguns momentos chaves aparecia escrito também o que estava sendo falado. Mas mesmo assim as pessoas reclamaram ou muitas fizeram essa reflexão: “poxa, agora eu me senti como os surdos se sentem”. São pequenas situações do dia a dia que no universo da escola se traduz em outras formas, mas são hierarquias de saberes. Um professor está ministrando aula, o outro professor vem dar um recado na turma, bota o rosto dentro da sala, “gente, gente, licença aqui, rapidinho, amanhã tem prova, dois reais a prova e tal”. Recado dado.

O surdo não entendeu. Vamos passar o vídeo pra turma, vamos levar para o auditório, muito legal, todo mundo vai, chega na hora de passar o vídeo me chamam pra interpretar, já aconteceu isso, eu não sou intérprete mas você está na escola, você sabe Língua de Sinais, você é intérprete, você é professor do AE, você é itinerante, você é tudo. Então fui lá interpretar, tudo certo, vamos lá, solta o play, apagam a luz. Como é que o surdo vai ter acesso à minha interpretação, então são questões que... é maldade? Não. Não é. Mas isso estrutura uma hierarquia de saberes. Entendeu. São hábitos que a escola internaliza porque ela é uma escola voltada e pensada para o público ou-vinte. O que me chama atenção é que isso acontece em escolas em que os surdos estudam há 10, 15 anos. Então, quando a escola vai internalizar presença do surdo? Então, acho que essas são questões aí que abrem um bom leque pra gente dis-cutir e pensar.

Fabrício: Só pra voltar, eu achei interessante o depoimento da Ohana, essa relação, dela como intérprete né. O Padovani ele tem o conhecimento, de repente ele pode usar desse conheci-mento pra se comunicar com esse aluno surdo, mas nem todas as escolas têm um profissional como a Ohana. E como é que fica a relação entre o professor e esse intérprete? Onde é que começa o papel de um e o papel de outro? Como é que se con-strói esse relacionamento pra que se possa comunicar e repas-sar esse conteúdo pra esses alunos? Como é essa dinâmica?

Ohana: Bom, a priori, o que deveria ocorrer era ter essa parceria com o professor e o interprete. Por que? porque o papel do intérprete é mediar. Ele não vai ensinar nada. Até porque a minha formação é Letras com habilitação em Libras, não é for-

mação em Letras, Português, Biologia, Matemática, não é.

A minha formação é Letras, então qual é o meu papel ali? É de chegar e interpretar tudo o que o professor falar. E quando eu digo tudo, eu interpretava até palavrões, enfim, tudo o que o professor abrisse a boca eu interpretava porque eu estou ali. Só que infelizmente essa experiência que eu tive o professor confundia, ele pensava que eu era a professora deles, e eu dizia “Olha, eu tenho respaldo, tem a lei, tem o código de ética, tenho tudo o que o senhor quiser eu mostro, mas esse daí não é meu papel, essa competência não é minha, é a sua”. Então, tem que ter essa parceria. O que o intérprete pode ajudar? Ajudar a dar umas dicas, como é que faz o material, coloca a legenda na próxima aula, é assim, é essa parceria. Essa relação de professor, intérprete e aluno.

Sílvio: Relacionando a fala da professora Ohana também pensan-do no atendimento educacional especializado. Então, ela ainda pouco colocou que o professor sempre atribui a responsabili-dade para o intérprete de Libras, mas ele também faz isso para o atendimento especializado. Por quê?

Historicamente a educação do surdo, ela foi atribuída à ed-ucação especial. Então, com o processo de inclusão que se dá a partir de 1996, com a lei de diretrizes e bases 93/94 de 96, é que a gente vem perceber que esses indivíduos com deficiên-cia, pessoas com deficiência, passam a ingressar dentro das escolas regulares. Só que nós passamos a ter dois personagens que antes nós não tínhamos dentro desses espaços, os intér-pretes de libras e os cuidadores também, e também a gente passa a ter o atendimento educacional especializado que as pessoas acham que é antiga educação especial, mas na ver-

dade há controvérsias, porque educação especial funcionava numa sala de aula onde se ensinavam essas pessoas. E o AE não, ele funciona como educação suplementar complementar, porém para o professor da rede regular, ele entende que é responsabilidade do AE ensinar os aluno surdos, que é responsabilidade do intérprete ensinar os alunos surdos, ou seja, esses personagens acabaram tendo responsabilidades além de suas responsabilidades e o professor se exime.

O Vigotski diz que “quando a gente enxerga deficiência primeiro ao invés de enxergar o ser humano, a gente destrói qualquer possibilidade de desenvolvimento desse indivíduo”. Então, a gente pode pegar a fala do professor Netto Padovani, por exemplo, em relação a questão das metodologias e obser-var que a maioria dos professores estão destruindo possibili-dades de desenvolvimento desses alunos na sala de aula exata-mente por causa das metodologias. Eu também não quero cul-pabilizar somente esses professores porque também a gente tem que pensar na formação desses indivíduos e nós também precisamos pensar que a Universidade também deve oferecer cursos de formação continuada, porque esse papel é da Uni-versidade. A gente costuma atribuir essa responsabilidade, “Ah, o governo não faz”, mas a Universidade é quem forma, é ela que deve trazer os professores pra dentro. Ela que precisa buscar parcerias com as escolas, parcerias com as unidades pra que isso possa acontecer.

Hoje, nós ainda observamos uma grande polêmica dentro das escolas. Intérprete de Libras que acabam tendo discussões com professores porque as vezes são atribuídas responsabili-dades. Durante o meu período na rede regular de ensino, eu tive dois alunos surdos, depois eu já estava fluente em Libras, e eu também tive problemas. E é legal colocar isso, porque os

meus alunos ouvintes não gostavam de eu passava a sinalizar na sala de aula. Então, o que que eu fazia, passava todo o con-teúdo de matemática, explicava primeiro em Língua Portugue-sa, passava uma bateria de exercícios pra eles fazerem, e era o momento em que eu ia sinalizar, porque não tinha intérprete de Libras, para os dois alunos surdos.

Só que isso gerava discussões na sala, “Ah, o professor não está dando atenção pra gente”, “o professor agora só olha pra esses surdos, lá vem ele com essa língua de sinais pra dentro da sala de aula”. Então, a gente observa que essas relações de poder que incidem dentro do espaço da sala de aula ainda fazem com que os ouvintes entendam que deve ser dada atenção a eles e que aos indivíduos surdos não deve ser dada atenção. Tem uma charge no livro do Moacir Carneiro muito interessante, inclusive nas formações continuadas eu sempre falo isso pros professores, os professores estão aqui em cima conversando “nós não conhecemos nada sobre esses indivíduos, nunca ouvimos falar nada sobre educação espe-cial”. Aí os alunos todos embaixo olhando.

Na verdade, essas pessoas vão reproduzir lá embaixo esse mesmo pensamento, é por isso que esses alunos pensam hoje que o professor deve dar atenção a eles e não devem dar atenção aos alunos surdos dentro da sala. Já eles também não aprenderam nada sobre educação especial, não aprenderam nada sobre pluralidade, diversidade, e acima de tudo sobre dif-erença.

Ohana: Eu vivenciei nessa escola, eu trabalhei nessa escola, se eu não me engano, dois anos e meio. Então assim, para aquela turma, eu acompanhei os surdos, primeiro, segundo e terceiro

ano. Até metade do convênio. Então, quando foi no primeiro ano, os ouvintes assim sofreram um impacto. “Intérprete?”, “surdos?”, “mãos mexendo?”, “Meu Deus!”, porque foram logo oito na minha turma. Então, assim, no início, eles deixavam de prestar atenção no professor e ficavam assim olhando pra mim, com os olhos vidrados, eu ficava intimidada inclusive, com o tempo eles foram habituando e foi passando ano, dois anos, mas o que me veio à cabeça, assim eu sempre fui tímida, então eu sempre chegava, dava bom dia pra quem estava na frente, mas eu não era de ficar batendo papo com os ouvintes.

Então, eu ficava conversando com os surdos, enquanto o professor não chegava. Então, assim os ouvintes assim, meio que segregavam a gente. Então, o que eu acho engraçado, é quando eles foram ter contato comigo? um dia após a prova do Enem. Tinha gente da escola do primeiro ano que eu nunca tinha visto na vida. Eles chegaram “Ei, tia, a minha proposta está boa”, “será que pode falar deficiente auditivo”, “eles são surdo-mudos”, “é isso, é aquilo”. Foi a primeira vez que eles viram a necessidade. A escola em si diz “Ah, a gente está inte-grando”, mas na verdade segregava. Então foi uma experiência dessa forma, foi ruim pra mim inclusive. Na verdade se não fosse eu ali com os surdos, eles não iam ter visibilidade naquela escola.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: É bem legal a gente observar que as falas estão contemp-lando o que a gente chama de currículo oculto dentro das insti-tuições, e é isso que a gente tem pra parar pra pensar hoje. As metodologias de ensino, elas podem contemplar as necessi-dades do professor na sala de aula, ok. Mas a escola precisa tra-

balhar o currículo oculto que é exatamente o que o professor Netto e a professora Ohana colocaram, que é essa questão da alteridade, de fazer com que o professor e o aluno possam se colocar no lugar do outro, porque inclusão ela precisa ser para todos. Ela tem que começar lá do porteiro até a merendeira. Então não é só o professor que deve passar por esse processo, e quando a escola inteira passar a se modificar, então, a gente vai começar a observar que os alunos ouvintes vão com-preender as particularidades étnico-linguísticos desses indivíduos surdos. Hoje a gente vem percebendo pelas experiências de rela-tos, até mesmo as experiências que a gente já viveu, que esses alunos eles ainda não compreendem. Eu lembro, por exemplo, uma vez que eu fui interpretar para um amigo meu, o Ademil-ton. Eu acho que a professora Ohana até conhece. Ele é surdo. Na época ele fazia ensino médio. E foi uma experiência muito triste porque o professor não sabia sequer da existência de um profissional interprete de Libras, então eu pedi pra diretora da escola, uma escola pública de Belém pra entrar pra interpretar na aula de química, e o professor me viu virado o tempo todo de costa pra ele. E ele achou que eu era um surdo que estava simplesmente conversando na sala de aula.

Só pra você ter uma noção do que que que é essa falta de compreensão desse outro indivíduo que está ali. E os alunos ouvintes na hora da frequência, começaram a chamar nome a nome, e eu disse “olha, o professor chamou o teu nome”. Ai ele foi lá na frente, e disse pro professor apontar. O professor fez um gesto obsceno pra ele e todo mundo começou a rir. De repente uma aluna chega e pergunta “professor, porque que ele tá aqui na sala de aula”. Ele disse assim: “Eu não sei, eu tô levando até onde eu posso”. Na verdade, esse professor não estava levando nada. Porque aquele momento ali mostrava que

ele não compreendia. Foi quando eu chamei o professor. “Pro-fessor, ele está com dúvidas nisso”. Aí ele disse “Ah, você fala?”. “Sim, eu sou ouvinte, eu sou intérprete”. E aí foi muito legal porque o professor sabia ensinar o surdo, só que ele tem medo de ensinar, porque tem uma barreira imaginária entre o profes-sor e o aluno surdo. Eu não lembro direito o conteúdo, eu acho que era sobre átomos que ele estava ensinando. Ele pegou um pedaço de papel, fez um monte de bolinhas, e ensinou pro Ademilton o conteúdo. Então, ele sabia ensinar, a questão é que ele não sabia como chegar pra ensinar, então, isso é uma questão de currículo oculto.

Os professores, a escola, a direção, a coordenação ped-agógica, todos eles precisam se voltar pra compreender esse espaço plural que existe dentro da escola. A gente fala muito de diferença, mas a escola na verdade, a exclusão ainda impera dentro desse processo. E não é só para os indivíduos surdos, é para todos os alunos que sofrem qualquer tipo de exclusão dentro desse espaço.

Fabrício: Rádio Web UFPA apresentando o programa UFPA Ensino. Hoje o tema é Metodologias de Ensino para Surdos. Os nossos convidados são, o professor Sílvio Santiago Vieira, o professor Ernesto Padovani Netto e a professora Ohana Matias. A gente vai para um rápido intervalo e volta já já. Rádio Web UFPA divulgando conhecimento.

Vinheta: Você está ouvindo UFPA Ensino. Você está ouvindo UFPA Ensino.

Fabrício: Estamos de volta com o programa UFPA Ensino. O nosso tema de hoje é Metodologia de Ensino para Surdos e os nossos convidados de hoje são o professor da Universidade do Estado do Pará Sílvio Santiago Vieira. Também recebo o professor Ernesto Padovani Netto, ele é professor da Seduc e faz o me-strado profissional em Ensino de História e também estou rece-bendo a professora Ohana Matias, que é professora substituta também da UEPA e tradutora/intérprete de Libras e também colabora com o canal História em Libras, pensado aí pelo pro-fessor Padovani.

Estamos de volta aqui pra nossa conversa, vamos começar com o professor Padovani e com a professora Ohana pra eles comentarem um pouco mais sobre esta experiência do canal História em Libras, justamente como é que vocês propõem o ensino da história a partir do canal no Youtube, qual é o diferencial que vocês têm aplicado, lógico além das legend-as e tudo mais, em termos da perspectiva que vocês estão apli-cando a esse ensino de História pra realmente incluir essas pes-soas sendo surdos pra ele ter acesso a esse conteúdo. Profes-sor Padovani.

Ernesto: Na verdade, nós fizemos uma disciplina no mestrado min-istrada pela professora Edilza Fontes que chama-se “História Pública”. Então no Brasil é uma discussão um tanto quanto recente, a discussão sobre História Pública. História Pública perpassa pela questão de que você tem o historiador que produz o conhecimento histórico. Em outros momentos da história, o conhecimento histórico era fundamentalmente pro-duzido pelo historiador e hoje em dia o que nós temos? Nós temos canais no Youtube, nós temos programas de TV, nós

temos jornalistas. Na verdade, todo mundo fala de história o tempo todo. Então, a história ganhou esse viés de história pública. Então, são narrativas que estão aí se degladeando. A gente vê isso no Brasil, esquerda e direita construindo narrativas históricas em torno de situações que ocorreram. Então, esse foi um debate fundamental pra eu pensar o canal. Por que? Em 2013 nós tive-mos as manifestações, o início daquelas manifestações que acabaram culminando com o impeachment. Então, o que acon-teceu? Os surdos chegavam na escola “por que que está acon-tecendo isso?”. Aparecia os blacks bloks quebrando as coisas, colocando fogo, quebrando os bancos e tudo mais e os alunos chegavam “eu não estou entendendo, por que profes-sor na rua esse problema toda a hora na televisão? E eles não entendiam o que estava acontecendo. Então o problema era o acesso à informação. Então, que história está sendo construída para esse aluno? O que que ele está aprendendo no processo escolar, o que que ele está viven-ciando, está vivendo, podendo relacionar, inclusive. Então, eu fui trabalhar nessa perspectiva de explicar. Eu lembro, inclusive, no primeiro vestibular de Libras da UEPA que houve as vagas para os surdos, eu fiz uma discussão com seles sobre essa questão de 2013 dos blacks blocks relacionando com ludismo, quando os operários ingleses quebravam as fábricas e tudo mais. Acabou que foi uma questão que veio na prova, então eles acertaram em massa a questão. Então relacionar os tempos históricos a partir de situações vivenciadas por eles. E o canal História em Libras veio muito nessa perspectiva de pensar a História Pública, a História digital. Nós não temos mais como ser, no meu caso, eu trabalho com história, sermos histo-riadores que ficamos presos somente ao papel, não é verdade?

Somente a entregar textos escritos que uma banca vai ler e muitas das vezes não é lido maciçamente. Então o canal foi uma forma de além de contemplar a exigência do programa que é ter um produto pedagógico, é um exercício de história pública, porque o tema Movimentos Sociais que é o tema da primeira aula, ele surgiu porque eu fui perguntar para os alunos o que eles gostariam de estudar. Isso também é uma perspecti-va muito interessante da gente refletir, porque eu digo “qual é o tema que eu vou colocar? eu não vou elencar um tema de cima pra baixo. Fazer uma aula sobre tal tema e ao perguntar para os alunos, eles tinham muita dificuldade de me responder o que eles gostariam em história. Primeiro, por quê? Existem uma perspectiva de que a história é uma história política. Então, estudar História é estudar Getúlio Vargas, é estudar a Ditadura Militar, é estudar os governos, os grandes heróis na-cionais, entre aspas. E eu queria que eles compreendessem que os surdos tem história.

No YouTube você tem muitas aulas no estilo caseiro, diga-mos assim. Você filma ali o quadro, para um professor que só precisa do recurso da fala é tranquilo. O professor fala, o ouvin-te escutou a informação. Mas para o surdo não, eu preciso de edição, eu preciso que as imagens entrem, eu preciso dialogar com as imagens, eu preciso de uma certa produção. Então, eu encontrei parcerias para produzir esse primeiro vídeo. Houve um custo. Hoje é um momento em que a secretaria de edu-cação replicou essa questão do canal. A Seduc colocou no site, colocou na agência Pará, colocou matérias no YouTube, no Facebook, sobre o projeto. Mas agora a gente precisa de suporte para dar continuidade.

Fabrício: Professor Silvio, eu queria que você falasse um pouco da sua experiência porque o senhor atua em outra área de conhe-cimento que é o ensino religioso. É uma metodologia meio parecida? como é que é são as estratégias que o senhor usa para atuar nessa área específica?

Sílvio: Eu não trabalho com canal especificamente.

Fabrício: Sim, sim.

Sílvio: Hoje eu tenho focado no grupo GESI. As nossas reuniões são todas as sextas-feiras. A gente tem desenvolvido foco na questão da criação de sinais termos que contemplem as questões das religiões. Mas é muito importante ressaltar que nós não estamos focando no cristianismo porque o cristianis-

safio. A sala em si é bilíngue, mas a questão da metodologia dos professores que é o mais difícil, até às vezes o posiciona-mento, eles estão aqui, o intérprete está bem aqui, e eles passam na frente. O surdo reclama “a gente não está conse-guindo visualizar o intérprete”. Então, a gente fica meio assim andando para cá e para cá. Então, assim experiência é muito boa para mim lá na graduação, é outro nível com surdos e assim eu fico muito feliz porque eles estão amadurecendo bas-tante.

Quando eles entraram sentiram muita dificuldade assim como os ouvintes, então assim foi um papel tanto dos intérpre-tes quanto dos professores, enviando materiais para a gente, para a gente procurar como o professor Sílvio falou sobre os sinais termos, se existem, porque são disciplinas muito espe-cíficas. Então, já lá no curso de pedagogia bilíngue que já tem um material pronto, na verdade. Então, assim tem as videoau-las, então geralmente os surdos que vão para lá geralmente são 10 ou 12, porque na verdade nós tutores fazemos uma escala, por exemplo eu vou dois dias, o outro vai mais dois dias. Então assim, a experiência lá é a questão visual que é muito impor-tante.

E o interessante é que os sinais são bem diferentes. Então assim, eles mostram lá na videoaula que é no INES que fica no Rio de Janeiro, e então são bem diferente dos sinais que nós tutores usamos. Então, é uma metodologia muito boa lá assim na questão visual. Então, te dá esse auxílio, interpreta, por exemplo, os textos da Língua Portuguesa. E é esse o trabalho que a gente faz lá.

Fabrício: Na experiência de todos vocês, vocês todos falaram bas-

tante de utilizar estratégias que apelam para esse aspecto visual. A Libras é visual, mas vocês também falaram muito de utilizar estratégias que possam utilizar vídeos, por exemplo, maquetes, enfim, coisas que vão apelar para o sentido visual e vai facilitar esse ensino para esse aluno surdo.

Alguma outra experiência que vocês tiveram, outra poten-cialidade, alguma outra coisa nesse sentido que possa acres-centar para, de repente, um outro professor, para uma pessoa que, de repente, não tenho tido essa experiência, ou de repente possa pensar em alguma outra coisa que vocês possam apre-sentar em algum exemplo?

Ohana: Eu tive uma experiência. Eu ainda era estagiária lá no Astério de Campos. Então, estava eu mais a minha colega Silvana. Então, lembro que na época, eu acho que foi em 2013, eu não sabia o sinal de corrupção. Então, assim, como explicar um conceito, explicar o que é, dar um sinal? Então assim, eu e a Silvana mostramos assim, dramatizamos na verdade.

Nós mostramos um contexto do dia a dia, por exemplo, a gente colocou... eu era a personagem cobrador e ela era um passageiro que ela passava o troco para mim, ou para ela me dava passagem né e eu passava um troco a mais. Então mas ela não me falava nada, ela ficava com dinheiro. Então, explicava para os alunos, “entenderam como é que ocorre a corrupção no dia-a-dia e no contexto político?” Então, foi uma experiência muito boa para mim porque assim quando se está com um surdo, se você não sabe o sinal, o conceito, você tem que apelar até para o teatro, tem que mostrar em algum momento um recurso visual para eles, porque, às vezes, só imagens não dá um sentido para ele. Você tem que dar uma explicação,

mo ele já tem todo um arcabouço de sinais termos.

Nós estamos pegando mensalmente as religiões que já são consideradas religiões mortas. Então, a gente veio desde a Grécia trazendo toda essa questão para trabalhar a questão da sinalização, para ajudar professores tanto de história como também professores de ciências da religião para ensinar os alunos surdos dentro desses contextos. Então, a gente tem toda uma pesquisa com base na lexicografia, na terminologia, buscando compreender se já existem esses sinais, se esses sinais já são utilizados em outros estados, para evitar criar sinais e depois dizer que são variações linguísticas que também não vou entrar muito no mérito porque é uma dis-cussão muito ampla.

Então, após esse primeiro momento que foi a questão da criação esses sinais de Termos, nós desenvolvemos um ciclo de oficinas que nós aplicamos na escola Vilhena Alves no ano pas-sado durante três semanas, onde nós trabalhamos com as met-odologias visuais também com o auxílio do profissional intér-prete de libras, além de que os alunos da UEPA que participam do grupo também sabem sinalizar, mas como a gente percebeu que era um conteúdo muito específico a gente preferiu solicitar a presença do intérprete de libras. Então, nós sentamos com intérpretes, trabalhamos sinais termos que tinham sido cata-logados e os que foram criados. E foi muito interessante como esses alunos surdos ele já compreendem muito essa ideia do visual, assistem muitos filmes, desenhos e trouxeram muitas experiências legais.

Após isso, a gente aplicou em torno de umas 8 a 9 oficinas e nós resolvemos escrever alguns artigos porque a gente per-cebeu, a partir dessa experiência, que os professores que

talvez não saibam lidar com o aluno surdo porque eles não conhecem as metodologias que devem ser trabalhadas. A gente está escrevendo agora um livro que vai ser publicado agora esse ano pela Editora CRV que se chama a “Religião e Educação de surdos: desafios e métodos”, onde a gente tem foco na questão das religiões indígenas, nas religiões afro de matriz africana, especificamente o Candomblé, já que tem um vídeo no YouTube publicado pelo professor Emerson Silva onde ele trabalhou a questão de sinais específicos do Can-domblé.

A gente pegou esse sinais, e fomos trabalhar dentro da sala de aula contextos, por exemplo, sobre os líderes religiosos entre muitos outros contextos. A gente observou que os pro-fessores e os alunos se forem dados para eles as metodologias, se forem oferecidos a eles esse conhecimento, eles conseguem desenvolver o trabalho e o aluno consegue aprender. Então, por isso que o livro é uma alternativa, a gente vai distribuir gra-tuitamente o livro depois como alternativa de ensino para os professores.

Fabrício: Ohana, eu queria saber um pouco mais da tua experiência, porque agora tu estás atuando numa Universidade. O público, com certeza, é diferente. E deve misturar tanto ouvintes quan-tos surdos. Você também está atuando nessa tutoria do curso de pedagogia bilíngue, então, com certeza é uma proposta totalmente diferente que você também deve lidar com metod-ologias diferenciadas para lidar com esse público né?

Ohana: Sim, com certeza, eu atuo tanto no curso letras-libras, que tem metade da turma são surdos e ouvintes. Então ali é um de-

mostrar um classificador para ele, dramatizar para ele entender melhor.

Fabrício: A dramatização é então potencial né. Professor Sílvio, pro-fessor Padovani, querem acrescentar algo mais.

Padovani: Porque a questão é que você tem que construir o con-ceito. Eu vou dar um exemplo aqui, muitas questões de história ou até mesmo no momento de explicar aparece o termo conse-quência. Quais as consequências de determinada situação histórica? Então, para nós ouvintes, vamos pensar assim o con-ceito de consequência. Consequência é uma coisa que acon-tece depois que uma coisa aconteceu e como você vai explicar isso para o surdo? Então, o que a Ohana colocou aqui é funda-mental. Quando eu quero dizer para o aluno o que é conse-quência, eu digo para ele “olha, por exemplo, a pessoa está tomando uma cerveja, whisky, ela pegou um carro, qual pode ser a consequência? Bater o carro. Isso tudo não falado, é dramatizado como ela disse. Então, eu preciso construir esse recurso. Quando ela fala em classifi-cador, de construir cenários narrativo com as mãos para ele. Você está dirigindo mas você bebeu. O que pode acontecer? Você teve uma relação sexual sem preservativo, você pode ficar doente, é uma consequência. Você pode ficar grávida, é uma outra consequência. Então, você tem que construir essas questões. Eu tive três anos como professor Itinerante na escola Luiz Nunes Direito na Cidade Nova. Eu ligado ainda ao Astério, mas desempenham parte da minha carga horária lá. Fizemos várias parcerias com os professores. Então, na apresentação de seminários, nós construímos com os alunos os slides, as apre-

sentações. Eu fazia a interpretação da apresentação dele para os professores. Os professores faziam perguntas. Eu fazia esse papel de intérprete nesse momento. Tem um professor, por exemplo, que fez em alguns momentos a prova de surdos, aquela ideia que a gente tem da prova oral, para o surdo ele fazia a prova sinalizada. Então, ele construía ali 6 questões, reunia comigo e com os surdos, aí ele escolhia “olha, faz essa questão aqui para ele”, aí eu perguntava para o surdo aquela questão, aí o surdo respondia, e eu ia interpretar e fazia esse papel de intérprete nesse momento. Aí o professor avaliava a resposta.

É interessante que é um ser humano. Então, quando ele não sabia, a feição dele mostrava logo que ele não sabia. Ele ficava nervoso, ficava tentando enrolar. O professor já percebia que ele estava com dificuldade para dar resposta. Então, são situações aí, nós fizemos, por exemplo, trabalhos com maquet-es. Esse foi muito interessante, o professor estava trabalhando “A Belle Époque”. E aí ele pediu para os surdos falarem sobre cinema Olympia. Essa foi uma ideia que partiu deles, por exem-plo, eu queria fazer uma maquete do cinema Olímpia, eles dis-seram “não, vamos fazer uma da fundação do cinema, outra dos anos 70/80 e outros agora”. Então, nós acabamos discutin-do a temporalidade, as mudanças arquitetônicas do prédio pú-blico, enfim, ficou bem legal. A apresentação de documentári-os, eu achei um documentário sobre o cinema Olympia, apre-sentamos para eles a interpretação. Então, há uma gama de possibilidades aí realmente. Na questão de química, a professo-ra também pegou umas bolinhas de isopor e aí o que aconte-cia? Aquelas bolinhas de isopor eram as moléculas, aí quando ela queria uma molécula diferente daquela da bolinha, ela já pintava a bolinha de vermelho para representar que era o hidrogênio, que era um carbono.

Então, todas essas possibilidades elas são possíveis de ser utilizada e o interessante é que fica muito bacana para o ouvin-te e para o surdo porque acaba trabalhando um pouco do lúdico. Não é só aquela coisa do professor que fala, fala, fala, e o aluno acaba construindo também ali as coisas, o conheci-mento.

Fabrício: Professor Silvio.

Sílvio: Eu queria complementar fazendo uma boa abordagem voltando lá para a questão do intérprete de libras, porque a gente sabe que o recurso visual, a dramatização tudo isso real-mente eles são de extrema importância. Mas olhando intér-prete em conta uma tecnologia assistiva dentro desse espaço, a gente precisa pensar que o professor deve ter ele também como recurso metodológico. Então, eu quero aproveitar o espaço para conversar também com os professores que possam estar ouvindo os alunos, que é direito do professor ter um intérprete de libras ao seu lado enquanto recurso met-odológico, por que o professor possivelmente não conseguirá sinalizar de forma fluente na sala de aula.

Então atenção para quem tá ouvindo uso decreto 5626/2005 para cobrar dos pais os direitos dos alunos surdos. Você pode levar isso ao Ministério Público para que possa ser trazido o intérprete de Libras. Eu acho que esse recurso met-odológico, o intérprete enquanto recurso metodológico, é im-portantíssimo dentro da sala porque o professor mas na maio-ria das vezes ele não terá tantas vezes para organizar todas as suas aulas de forma visual. Então, esse intérprete de Libras, ali, ele é essencial nos momentos em que o professor não tivesse oportunidade.

Fabrício: Está chegando já ao final do programa, vou abrir o espaço para as considerações finais dos nossos convidados, men-sagem de finais, o que vocês consideram como desafio, algo que vocês queiram reforçar em relação ao que a gente debateu ao longo dessa entrevista. Professor Padovani, pode começar? Ernesto: Na verdade, eu gostaria de agradecer, muito importante esse espaço. A gente percebe que a cada dia a questão da Ed-ucação de surdos está ganhando uma projeção. Eu acho que a questão da redação no Enem foi um antes e depois. O espaço, eu mesmo posso testemunhar, eu já estava ali no mestrado, fazendo projeto, mas depois que veio a redação do Enem, os convites para estar nos espaços, no IFPA, na UEPA na própria UFPA, convites para palestra, enfim. Está discutindo essa questão aumentou muito. Então isso é fundamental, não só para o nosso trabalho né mas para esse público que em algum momento nos falamos aqui da invisibilidade do Surdo, e era um público invisível e é um público que cada vez mais não quer ser invisível, quer ser representado.

Então, nós percebemos que as janelinhas da língua de sinais na TV já é uma coisa que está ganhando muita força, nas campanhas eleitorais, aí foi uma grande novidade. Mas o corre-to é que isto esteja em todos os momentos, em todos os dis-cursos. A gente ainda não vê isso no Brasil, os políticos fazem seus discursos mesmos nos cargos de governadores, presi-dentes, não tem um intérprete.

Quando nós vemos imagens no exterior, o presidente americano falando, a intérprete está do lado. Então, nós temos

um caminho grande aí de conquistas para trilhar, que a comuni-dade surda tem naturalmente também que trilhar.

Fabrício: Ohana. Ohana: Eu quero agradecer também pelo convite. Eu quero agra-decer novamente ao professor Neto por ter me convidado a fazer parte desse canal. Eu não tenho parentes surdos, na ver-dade eu tenho namorado surdo. Então assim, onde estiver um surdo, eu sempre estou lutando com eles. Inclusive, eu faço parte da diretoria da Jubel. É uma honra ser a única ouvinte, então é muita confiança perante os surdos né.

Então assim, na associação a gente luta pela presença do intérprete em sala de aula, nos hospitais, em qualquer espaço. Então assim, essa visibilidade está ocorrendo assim, mas tem que melhorar enfim, tem que avançar mais. Então, para os pro-fessores que estão escutando, eu sei que não tem muito tempo assim para organizar o material, mas fazer um esforcinho. Pro-fessores que estão ouvindo, por exemplo, você tem um aluno surdo ou com outra deficiência procure ter contato com seu aluno, procure saber o que ele pensa, se ele está entendendo. É importante isso.

Fabrício: Professor Sílvio

Sílvio: Bom, primeiramente, eu queria agradecer o convite. Foi uma honra estar debatendo junto com professor Netto Pado-vani e a professor Ohana. E o recado que eu deixo aos profes-sores é sempre buscar pensar, que a partir do momento em que você tem um aluno surdo na sala de aula pensar nessas

metodologias visuais, pensar nessas estratégias que você con-segue desenvolver um trabalho, se as dificuldades elas exist-irem, e caso haja o atendimento educacional especializado na sua escola, procurar o AE de forma a buscar esse suporte que você precisa.

É importante ressaltar que a gente iniciou lá falando sobre a Libras enquanto disciplina, nenhum professor, nenhum aluno vai sair fluente na língua de sinais, porém eu acredito que o ponto mais importante da disciplina é disseminar essa questão da diferença. Então o professor que está hoje trabalhando com surdos ele precisa entender que esse indivíduo tem particulari-dades, ele tem diferenças em relação aos alunos ouvintes e se ele buscar respeitar essas particularidades o desenvolvimento desses alunos será bem maior.

Em suma fica a dica, aproveitando a sala da professora Ohana, quebre essa barreira que existe entre você e o aluno, uma barreira imaginária que já se passaram anos e é necessário você quebrar. Como você faz para quebrar isso é chegando próximo desse aluno perguntando se ele está entendendo, per-guntando de que forma ele que aprender com a professora sugeriu ainda pouco e dessa forma ele vai conseguir fazer com que esse aluno possa expressar as formas que ele pode com-preender melhor, porque a gente deu algumas dicas mas não são receitas.

Cada um, cada professor vai observar dentro dos seus espaços escolares de salas de aula alunos com suas particulari-dades, então, o grande ponto é chegar próximo do aluno que foi que a professora a Ohana citou, quebrar a barreira imag-inária.

Fabrício: Está certo. Muito obrigado professor Silvio, professora Ohana, professor Padovani. Muito obrigado pela participação de vocês, pelos esclarecimentos e por compartilhar conheci-mento com a gente obrigado.

Sílvio: obrigado.

Fabrício: Agradeço mais uma vez a participação do professor Silvio Santiago Vieira, professor Padovani Neto e a professora Ohana Matias. Agradeço também a você ouvinte que acompanha o programa de hoje. Se você quiser enviar críticas comentários ou sugestões é só mandar um e-mail para rá[email protected].

educação de surdos, são experiências muito diversas, lógico, né. Por exemplo, em relação a esse contato que vocês tiveram com a Libras que inclusive, é exigido como eu falei, nos própri-os cursos de licenciatura, esse primeiro contato que muitos professores, licenciandos, hoje alunos de graduação têm, será que ele evoluiu muito dos que vocês tiveram por exemplo, no contato de vocês com a licenciatura? Será que hoje avançamos mais neste contato da Libras, nessa inserção da Libras no ensino superior pra formar esses profissionais, esses profes-sores que vão poder incluir esse aluno no sistema de ensino? ou vocês veem muita similaridade com o que vocês tiveram como experiência enquanto universitários. Como é que vocês veem essa evolução? Teve avanço ou não? Sílvio: A minha primeira formação é em Matemática. Na época em que eu me formei em matemática não existia no currículo a disciplina Língua Brasileira de Sinais, então eu só fui ter contato com a libras enquanto disciplina na especialização, mas hoje eu sou formador de alunos de cursos de licenciatura. Então, mesmo assim eu ainda observo que existem algumas coisas que nós precisamos avançar, por exemplo, a carga horária dessas disciplinas é muito reduzida na maioria dos cursos de graduação. Há curso em que a carga horária varia de 40 horas, 50 horas, 60 horas. A gente há de considerar, o professor Padovani, por exem-plo está desenvolvendo uma dissertação de mestrado onde ele tem um olhar sobre a história desse indivíduo dentro de um processo educacional. Imagina, você precisa apresentar essa história que não é pequena para o aluno graduando. Você pre-cisa trabalhar as metodologias de ensino, você precisa tra-balhar com experiências, você precisa levar esses alunos pra escola de educação de surdos pra que eles possam conhecer

Como professor da escola Astério de Campos que é uma escola de referência em Belém, todo o início de ano nós recebemos muitos convites para formação. E aí eu sou um dos professores que costuma ir dar essa formação. E a preocu-pação é essa. “Professor, sou professor de física, e aí o que que eu vou fazer com o aluno surdo que está na minha sala?”.

Então, quer dizer, mesmo sendo professor de história, eu procurei desenvolver, construir alguns materiais pra esses mo-mentos de formação onde eu explico pra eles, por exemplo, que pro surdo se você vai trabalhar matemática, você vai tra-balhar aquela abstração, aquelas frações, então é muito com-plicado. Agora se você traz para aquelas questões que é algo que está afinado com o aquilo que o MEC pensa em relação ao enem, se você traz que os prédios projeta uma sombra de tantos graus, formando um ângulo, você abre a mente ali pra trabalhar com o surdo porque ele está visualizando o prédio, a sombra, o grau está relacionado com a vida, então não é algo tão distante pro mundo ouvinte.

Em geral, quando estou em momentos de formação, ou em espaços educacionais, eles pensam que o surdo ele não ouve, mas ele sabe ler, então é muito complicado, porque ao não ouvir, o surdo não criou o conceito daquela palavra, nós sabe-mos que mesa é mesa, nós ouvimos a palavra mesa e atribuí-mos à mesa.

O surdo não ouviu essa palavra, então o conceito para ele, a palavra pra ele é um emaranhado de signos pra ele. Ele preci-sa estar gravando aqueles signos. A disciplina libras ela não está dando conta disso, ao meu ver. Os alunos vão pra essa dis-ciplina, eles não vão aprender a língua de sinais. Eu tenho con-tato com professores do ensino regular que têm alunos surdos há oito anos, há sete anos. Na minha pesquisa eu entrevistei

professores que têm alunos surdos há 10, 8 anos e ainda não sabe dá bom dia. Então, na disciplina também esse aluno não vai aprender. Está servindo pra ele entrar em contato e saber que isso existe. Hoje a minha luta, eu estou tentando criar um conceito que é o ensino de história em contextos inclusivos, que esse debate vá de fato pro campo das disciplinas, das áreas de conhecimento e não fique pairando acima de todas disciplinas que não dá conta. As disciplinas têm metodologias diferenciadas de ensino.

Fabrício: Como é que essa realidade no curso de letras, Ohana?

Ohana: Sim, sim, como o professor Neto falou, eu vim do curso Letras Libras, então tinha agrade curricular toda voltada pra Libras, pra educação dos surdos, então assim, em si, eu não tive essa dificuldade, mas se eu dependesse só do curso, hoje em dia talvez, eu estaria sinalizando só o básico, assim infelizmente como muitos colegas meus terminaram o curso e não tinham domínio da Língua de Sinais. Então, eu precisei correr exata-mente para manter contato com o usuário da língua pra poder aprender. Hoje em dia tudo o que eu sei foi porque eu estou sempre tendo contato com o surdo, então assim, quando eu conversa-va nos corredores com meus outros colegas de graduações, seja de letras português, biologia, eles me falavam assim “Ohana, você pode me ensinar qual é o sinal isso, isso, o sinal específico da graduação deles, porque o meu professor falta, porque o meu professor não está presente”, ou como o profes-sor Sílvio falou “a carga horária é muito pouca”, então assim, “não faz a adaptação voltada para o meu curso”. Então, como eu posso chegar numa graduação, por exemplo de licenciatura em biologia e ensinar por exemplo, só o alfabeto, só os sinais

esses espaços que é a partir dessa experiências empírica que ele pode se identificar muito mais com esses processo. Então eu observo que 60 horas, 80 horas é uma carga horária insufici-ente. Na minha opinião, nós deveríamos ter hoje um estágio curricular voltado pra educação especial. Os alunos saem da graduação sem saber como lidar com os alunos com deficiên-cia.

Falando do aluno surdo, ele sai ainda mais perdido haja vista que a Língua de sinais é uma língua diferente da Língua Portuguesa, com uma estrutura gramatical que carrega uma especificidade muito diferente da Língua Portuguesa. Então penso que a gente deve continuar discutindo essas questões da inclusão a fim de que exista um estágio supervisionado especifico. É lógico que as pessoas não vão sair de lá expertise em trabalhar com surdos, mas ela pelo menos terá condições de compreender essa realidade da inclusão escolar visitando esses espaços, essas escolas que têm educação especial que ainda existem aqui dentro de Belém.

Fabrício: Padovani.

Ernesto: Na minha graduação também ainda não havia essa questão da disciplina Libras. Pra dizer a verdade, durante a minha graduação nunca nem passou pela minha cabeça essa realidade. Não era algo discutido, debatido, presente dentro da Universidade, nem na sociedade. O que acontece assim, eu go-staria de concordar com o professor e também aprofundar no sentido de não é só uma questão de apresentar a disciplina com o nome Libras. Então, eu preciso trabalhar com o meu aluno de história metodologias de ensino de história pra surdos, metodologias de ensino de matemática para surdos.

Fabrício: Olá, ouvintes da Rádio Web UFPA. Eu sou Fabrício Que-iroz e a partir de agora você acompanha comigo mais uma edição do UFPA Ensino que hoje vai falar sobre Metodologias de Ensino para surdos.

Segundo o censo do IBGE de 2010, 9 milhões e 700 mil pessoas têm deficiência auditiva. Cerca de um milhão são jovens até 19 anos. No Brasil, os surdos só passaram a ter acesso à educação durante o império.

Em 26 de setembro de 1857, foi criada a primeira escola de educação de meninos surdos, no Rio de Janeiro. Apesar do avanço, somente em 2002, a Lei nº10.436 reconheceu oficial-mente a Língua Brasileira de Sinais, a LIBRAS.

A Libras é fundamental para garantir o aprendizado de alunos surdos. Em 2005, com o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro, a Libras foi determinada como disciplina curricular obrigatória para todos os cursos de licenciatura e também fonoaudiologia, e ela é optativa para os demais cursos do ensino superior e da educação profissional.

Outra grande conquista aconteceu em 2010, quando a profissão de tradutor–intérprete de Libras foi regulamentada em de 1º de setembro.

Além disso, professores têm buscado trazer a Libras para fora da sala de aula. Na internet, por exemplo, existem video-aulas em libras, democratizando o acesso à educação.

Hoje, vamos conhecer o trabalho de professores e intérpretes de Libras que desenvolvem estratégias para melhorar o ensino para surdos. Recebemos aqui no es-túdio da Rádio Web o professor da UEPA Sílvio Santia-go Vieira, ele é mestrando em Ciências da Religião, es-pecialista em Atendimento Educacional Especializado e também coordena o Grupo de Estudos Surdos & Inter-faces do IEPA, que é o Instituto de Educação e Cultura do Pará. Professor Silvio, muito obrigado por sua partic-ipação, bem-vindo.

Sívio Viera: Muito obrigado pelo convite.

Fabrício: Obrigado, professor Silvio. Também estou rece-bendo o Ernesto Padovani Netto, mais conhecido como Padovani. Ele é aluno do Mestrado Profissional em Ensino de História e é responsável pelo canal do Youtube “História em Libras”, e também é professor da SEDUC. Professor Padovani, muito obrigado.

Ernesto Padovani: Obrigado pelo convite, a gente espera contribuir aqui um pouco com o debate.

Fabrício: Obrigado, professor. E também recebemos a Ohana Matias. Ela é tradutora / intérprete de libras, é professora substituta da UEPA. Também atua como tutora na UEPA no curso de Pedagogia Bilíngue, além de ser especialista em Educação Especial e Inclusiva, e também colaboradora do canal “História em Libras”.

Page 17: Divulgando conhecimentoradio.ufpa.br/wp-content/uploads/2018/03/Roteiro... · Eu digo “não, ele sabe diferenciar, o meu papel aqui é de intérprete”. Eu sempre lutava a questão

Ohana, também muito obrigado pela tua participação, bem-vinda.

Ohana: Obrigada pelo convite, é um prazer estar aqui estar fazendo parte desta discussão.

Fabrício: Eu queria que, na verdade, vocês primeiramente se apresentassem um pouco pra gente conhecer um pouco da trajetória e do interesse de vocês por essa área tão cara e tão desafiadora. A gente viu aí por esse pequeno histórico o quanto ela foi negligenciada, a educação de surdos, a educação inclusiva. O que que motivou vocês a trabalhar com essa área que ainda é um desafio na ed-ucação brasileira? Professora Ohana.

Ohana: Ohana: Bom, a minha história em si é bem diferente dos outros. Os meus colegas que eu estudei no curso de letras libras em 2012, a maioria veio da área da interpre-tação da igreja, ou tinha um parente surdo e no meu caso em si é por conta da minha mãe ser pedagoga. Então, como ela fazia na época o curso de libras, ela me incentivou para escolher esse curso. Na verdade, eu con-heci esse mundo novo quando eu passei no vestibular. Então assim, a partir do momento que eu comecei a estudar e começar a entender a história da educação do surdo, foi só um momento assim pra eu procurar saber mais sinais. Então, foi uma grande oportunidade e hoje em dia eu estou atuando, também faço parte da as-sociação dos surdos de Belém. Então eu estou sempre

nessa constante luta em prol da educação dos surdos, na luta por eles.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: Bom, a minha trajetória ela começa quando em 2009 eu resolvi fazer um curso de Língua Brasileira de Sinais no CAES. Eu tive um aluno surdo na época no Augusto Meira. Não sabia como lidar com os alunos surdos. E a minha comunicação com eles era basicamente por meio da mímica, por meio da escrita nos braços. Os surdos eles têm o costume de escrever no braço quando não têm papel, apagava, enfim. E assim eu fui apren-dendo os sinais iniciais e eu percebi que eu deveria ir mais adi-ante. Eu já tinha experiência com educação de alunos cegos e baixa visão, porém a minha experiência com os surdos me fez refletir sobre essas carências que a formação inicial de profes-sores possui. Aí eu fui fazer um curso de libras, tive o professor Arlindo, o professor Tiago Costa como meus professores. E foram pessoas que contribuíram muito para a minha formação inicial na área da língua de sinais. Em 2010, então eu resolvi en-veredar pela especialização nessa área, fiz especialização em Libras. E comecei também em 2010 a interpretar dentro da Igreja Assembleia de Deus. Foi quando eu realmente resolvi me focar nessa questão da interpretação que eu já estava na docência. Posteriormente a isso, eu resolvi criar o grupo de estudos surdos e interfaces, onde a gente tem discussões diversificadas, mas especifica-mente hoje nós estamos discutindo as questões relacionadas a

gênero e sexualidade dentro do grupo, haja vista que a comu-nidade surda belemense, ela apresenta uma pluralidade nesse sentido e é necessário que familiares e escolas possam com-preender essa questão da sexualidade do surdo que manifesta certas diferenças em relação à sexualidade dos indivíduos ouvin-tes. E também com foco na questão da religião pois eu tenho ob-servado que hoje os surdos eles têm buscado enveredar por outros ramos religiosos além do cristianismo. E a minha trajetória hoje tem sido basicamente focar na compreensão de como é que tem se desenvolvido essas territorialidades e os territórios dentro dos espaços sagrados. Hoje minhas pesquisas estão focadas nisso.

Fabrício: Professor Padovani.

Ernesto: Ok. Bem, eu sou professor da rede estadual de ensino há dez anos. Então quando eu comecei eu tra-balhei uns três anos no interior do estado. Tive um públi-co também de trabalhar em comunidades, quando vim, voltei a Belém, voltei pra trabalhar no sistema penal. O que ocorreu? Na verdade, lá no Astério de Campos não tinha professor de história. Aí me fizeram a proposta. Então, na verdade não foi muito uma escolha minha. Che-gando lá, eu criei de fato uma grande identificação com o trabalho. Fiz uma especialização em educação inclusiva e comecei a observar as dificuldades deles em relação à Língua Portuguesa, dificuldades com textos muito grandes, necessidade da utilização de imagens, então eu fui montando uma metodologia a partir de referenciais teóricos como a pedagogia visual e criando meu próprio material didático, criando formas de trabalhar com eles.

Quando surgiu a seleção pro Mestrado Profissional em Ensino de História, o PROFHISTÓRIA, eu fiz a seleção, fui aprovado e fui com isso na cabeça, que eu ia fazer um projeto sobre educação de surdos, unindo essas duas áreas. A questão da história e a questão da metodologia de ensino. E aí perpassam vários elementos, não é só a história em si. O meu trabalho é um trabalho sócio-histórico que vou justamente remontar o período do oralismo, passando pela co-municação total, são metodologias que são utilizadas até hoje como proposta teórica do bilinguismo prevalecendo na edu-cação dos surdos, pelo menos uma tentativa pra que prevaleça. E aí na verdade o canal “História em Libras”, ele surge como um produto desse mestrado. O mestrado profissional em ensino de história, ele exige uma dissertação escrita e um pro-duto pedagógico aplicável. Então existem várias possibilidades de produtos. A minha intenção inicial era fazer um material didático mesmo pra distribuir nas escolas, mas eu fiquei pen-sando na logística disso e no alcance que isso teria. Então, con-versando com amigos porque tem essa questão da interdisci-plinaridade, eu precisei de um amigo meu que trabalha com cinema, precisei da Ohana pra construir a proposta do canal. Então, desenvolvemos a ideia de um canal na internet seria muito melhor porque eu não teria o problema da divul-gação. Colocou na internet as pessoas podem acessar. E nós estamos nesse momento. Graças a Deus o vídeo está sendo muito acessado, teve uma repercussão muito boa. A Mídia Ninja compartilhou nos espaços que eles têm nas mídias digi-tais. Estamos agora aqui nesse debate

Fabrício: Dá pra esse primeiro relato de vocês, em relação à experiência, o contato que vocês tiveram com a Libras, com a

de família, de frutas, aí esse professor vai se formar, vai chegar numa sala de aula e vai só manter esse diálogo só de frutas, alfabeto? Não. Ele tem que saber o sinal de células, de mem-brana, disso, daquilo, tem que saber como é usar um classifica-dor. Infelizmente, é quebrada essa grade curricular das pessoas que estão na licenciatura.

Eu vivenciei isso muito quando eu fui intérprete de uma escola que tinha uma demanda muito grande, tinha 18 surdos na escola. Eu atendia oito surdos no ensino médio. Então, assim, eu observava a dificuldade dos professores. Eles chega-vam pra mim “eu nem tive essa disciplina de libras”, “eu nem sei o que é isso”, “é surdo mudo?” “ah, os teus alunos”. Eles não eram os meus alunos, eles eram alunos deles tanto quanto os ouvintes. Então, no caso, eu falava assim, “professor você tem que direcionar a eles”, “ah, mas só que ele vai pensar que é tu que tá chamando a atenção ou tá explicando”. Eu digo “não, ele sabe diferenciar, o meu papel aqui é de intérprete”. Eu sempre lutava a questão da metodologia, não pensavam no surdo.

Uma vez aconteceu uma situação que foi ao contrário, estava com legenda e sem som. Os ouvintes reclamaram. Aí eu falei para eles, “agora, vocês entenderam o que é estar na pele de uma pessoa surda:” Não é fácil. A informação não chega tão fácil pro surdo.O professor fez esse canal História. Esse canal é uma forma de democratizar tanto para surdo como para ouvin-te porque ele está usando diretamente a língua de sinais e tem ali a legenda.

Fabrício: Professor Padovani

Ernesto: Eu queria retomar mais uma questão pra embasar essa questão da metodologia, porque por exemplo a gente percebe muito há um censo comum de querer resumir a questão à língua. Então, se você tem um intérprete na escola, que não tem, em geral, não tem. Quando tem, então resolveu o proble-ma, agora tem intérprete. Então, eu faço sempre a discussão, o seguinte, se o problema fosse a língua, os nossos alunos ouvin-tes todos não teriam problema nenhum de educação no Brasil. Professor fala português, os alunos todos falam português, en-tendem, então por que os alunos não alcançam a média? Por que nós não estamos nos melhores patamares de educação mundial? Então nós não podemos também resumir o debate à língua. Então, como é que o aluno entende? É a partir da imagem? É a partir da construção de maquete? Qual é a possi-bilidade que se tem de vídeos com legenda?

O primeiro dia que o vídeo foi postado no Youtube, ele ficou sem legenda. Foi uma estratégia mesmo. Eu fui colhendo e estou colhendo os depoimentos pra finalizar a dissertação. “Poxa, não consegui, olha, eu paro, pela metade, eu parei. Não consegui acabar de ver, não tava entendendo nada”.Olha que nós colocamos os recursos imagéticos entrando no vídeo e em alguns momentos chaves aparecia escrito também o que estava sendo falado. Mas mesmo assim as pessoas reclamaram ou muitas fizeram essa reflexão: “poxa, agora eu me senti como os surdos se sentem”. São pequenas situações do dia a dia que no universo da escola se traduz em outras formas, mas são hierarquias de saberes. Um professor está ministrando aula, o outro professor vem dar um recado na turma, bota o rosto dentro da sala, “gente, gente, licença aqui, rapidinho, amanhã tem prova, dois reais a prova e tal”. Recado dado.

O surdo não entendeu. Vamos passar o vídeo pra turma, vamos levar para o auditório, muito legal, todo mundo vai, chega na hora de passar o vídeo me chamam pra interpretar, já aconteceu isso, eu não sou intérprete mas você está na escola, você sabe Língua de Sinais, você é intérprete, você é professor do AE, você é itinerante, você é tudo. Então fui lá interpretar, tudo certo, vamos lá, solta o play, apagam a luz. Como é que o surdo vai ter acesso à minha interpretação, então são questões que... é maldade? Não. Não é. Mas isso estrutura uma hierarquia de saberes. Entendeu. São hábitos que a escola internaliza porque ela é uma escola voltada e pensada para o público ou-vinte. O que me chama atenção é que isso acontece em escolas em que os surdos estudam há 10, 15 anos. Então, quando a escola vai internalizar presença do surdo? Então, acho que essas são questões aí que abrem um bom leque pra gente dis-cutir e pensar.

Fabrício: Só pra voltar, eu achei interessante o depoimento da Ohana, essa relação, dela como intérprete né. O Padovani ele tem o conhecimento, de repente ele pode usar desse conheci-mento pra se comunicar com esse aluno surdo, mas nem todas as escolas têm um profissional como a Ohana. E como é que fica a relação entre o professor e esse intérprete? Onde é que começa o papel de um e o papel de outro? Como é que se con-strói esse relacionamento pra que se possa comunicar e repas-sar esse conteúdo pra esses alunos? Como é essa dinâmica?

Ohana: Bom, a priori, o que deveria ocorrer era ter essa parceria com o professor e o interprete. Por que? porque o papel do intérprete é mediar. Ele não vai ensinar nada. Até porque a minha formação é Letras com habilitação em Libras, não é for-

mação em Letras, Português, Biologia, Matemática, não é.

A minha formação é Letras, então qual é o meu papel ali? É de chegar e interpretar tudo o que o professor falar. E quando eu digo tudo, eu interpretava até palavrões, enfim, tudo o que o professor abrisse a boca eu interpretava porque eu estou ali. Só que infelizmente essa experiência que eu tive o professor confundia, ele pensava que eu era a professora deles, e eu dizia “Olha, eu tenho respaldo, tem a lei, tem o código de ética, tenho tudo o que o senhor quiser eu mostro, mas esse daí não é meu papel, essa competência não é minha, é a sua”. Então, tem que ter essa parceria. O que o intérprete pode ajudar? Ajudar a dar umas dicas, como é que faz o material, coloca a legenda na próxima aula, é assim, é essa parceria. Essa relação de professor, intérprete e aluno.

Sílvio: Relacionando a fala da professora Ohana também pensan-do no atendimento educacional especializado. Então, ela ainda pouco colocou que o professor sempre atribui a responsabili-dade para o intérprete de Libras, mas ele também faz isso para o atendimento especializado. Por quê?

Historicamente a educação do surdo, ela foi atribuída à ed-ucação especial. Então, com o processo de inclusão que se dá a partir de 1996, com a lei de diretrizes e bases 93/94 de 96, é que a gente vem perceber que esses indivíduos com deficiên-cia, pessoas com deficiência, passam a ingressar dentro das escolas regulares. Só que nós passamos a ter dois personagens que antes nós não tínhamos dentro desses espaços, os intér-pretes de libras e os cuidadores também, e também a gente passa a ter o atendimento educacional especializado que as pessoas acham que é antiga educação especial, mas na ver-

dade há controvérsias, porque educação especial funcionava numa sala de aula onde se ensinavam essas pessoas. E o AE não, ele funciona como educação suplementar complementar, porém para o professor da rede regular, ele entende que é responsabilidade do AE ensinar os aluno surdos, que é responsabilidade do intérprete ensinar os alunos surdos, ou seja, esses personagens acabaram tendo responsabilidades além de suas responsabilidades e o professor se exime.

O Vigotski diz que “quando a gente enxerga deficiência primeiro ao invés de enxergar o ser humano, a gente destrói qualquer possibilidade de desenvolvimento desse indivíduo”. Então, a gente pode pegar a fala do professor Netto Padovani, por exemplo, em relação a questão das metodologias e obser-var que a maioria dos professores estão destruindo possibili-dades de desenvolvimento desses alunos na sala de aula exata-mente por causa das metodologias. Eu também não quero cul-pabilizar somente esses professores porque também a gente tem que pensar na formação desses indivíduos e nós também precisamos pensar que a Universidade também deve oferecer cursos de formação continuada, porque esse papel é da Uni-versidade. A gente costuma atribuir essa responsabilidade, “Ah, o governo não faz”, mas a Universidade é quem forma, é ela que deve trazer os professores pra dentro. Ela que precisa buscar parcerias com as escolas, parcerias com as unidades pra que isso possa acontecer.

Hoje, nós ainda observamos uma grande polêmica dentro das escolas. Intérprete de Libras que acabam tendo discussões com professores porque as vezes são atribuídas responsabili-dades. Durante o meu período na rede regular de ensino, eu tive dois alunos surdos, depois eu já estava fluente em Libras, e eu também tive problemas. E é legal colocar isso, porque os

meus alunos ouvintes não gostavam de eu passava a sinalizar na sala de aula. Então, o que que eu fazia, passava todo o con-teúdo de matemática, explicava primeiro em Língua Portugue-sa, passava uma bateria de exercícios pra eles fazerem, e era o momento em que eu ia sinalizar, porque não tinha intérprete de Libras, para os dois alunos surdos.

Só que isso gerava discussões na sala, “Ah, o professor não está dando atenção pra gente”, “o professor agora só olha pra esses surdos, lá vem ele com essa língua de sinais pra dentro da sala de aula”. Então, a gente observa que essas relações de poder que incidem dentro do espaço da sala de aula ainda fazem com que os ouvintes entendam que deve ser dada atenção a eles e que aos indivíduos surdos não deve ser dada atenção. Tem uma charge no livro do Moacir Carneiro muito interessante, inclusive nas formações continuadas eu sempre falo isso pros professores, os professores estão aqui em cima conversando “nós não conhecemos nada sobre esses indivíduos, nunca ouvimos falar nada sobre educação espe-cial”. Aí os alunos todos embaixo olhando.

Na verdade, essas pessoas vão reproduzir lá embaixo esse mesmo pensamento, é por isso que esses alunos pensam hoje que o professor deve dar atenção a eles e não devem dar atenção aos alunos surdos dentro da sala. Já eles também não aprenderam nada sobre educação especial, não aprenderam nada sobre pluralidade, diversidade, e acima de tudo sobre dif-erença.

Ohana: Eu vivenciei nessa escola, eu trabalhei nessa escola, se eu não me engano, dois anos e meio. Então assim, para aquela turma, eu acompanhei os surdos, primeiro, segundo e terceiro

ano. Até metade do convênio. Então, quando foi no primeiro ano, os ouvintes assim sofreram um impacto. “Intérprete?”, “surdos?”, “mãos mexendo?”, “Meu Deus!”, porque foram logo oito na minha turma. Então, assim, no início, eles deixavam de prestar atenção no professor e ficavam assim olhando pra mim, com os olhos vidrados, eu ficava intimidada inclusive, com o tempo eles foram habituando e foi passando ano, dois anos, mas o que me veio à cabeça, assim eu sempre fui tímida, então eu sempre chegava, dava bom dia pra quem estava na frente, mas eu não era de ficar batendo papo com os ouvintes.

Então, eu ficava conversando com os surdos, enquanto o professor não chegava. Então, assim os ouvintes assim, meio que segregavam a gente. Então, o que eu acho engraçado, é quando eles foram ter contato comigo? um dia após a prova do Enem. Tinha gente da escola do primeiro ano que eu nunca tinha visto na vida. Eles chegaram “Ei, tia, a minha proposta está boa”, “será que pode falar deficiente auditivo”, “eles são surdo-mudos”, “é isso, é aquilo”. Foi a primeira vez que eles viram a necessidade. A escola em si diz “Ah, a gente está inte-grando”, mas na verdade segregava. Então foi uma experiência dessa forma, foi ruim pra mim inclusive. Na verdade se não fosse eu ali com os surdos, eles não iam ter visibilidade naquela escola.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: É bem legal a gente observar que as falas estão contemp-lando o que a gente chama de currículo oculto dentro das insti-tuições, e é isso que a gente tem pra parar pra pensar hoje. As metodologias de ensino, elas podem contemplar as necessi-dades do professor na sala de aula, ok. Mas a escola precisa tra-

balhar o currículo oculto que é exatamente o que o professor Netto e a professora Ohana colocaram, que é essa questão da alteridade, de fazer com que o professor e o aluno possam se colocar no lugar do outro, porque inclusão ela precisa ser para todos. Ela tem que começar lá do porteiro até a merendeira. Então não é só o professor que deve passar por esse processo, e quando a escola inteira passar a se modificar, então, a gente vai começar a observar que os alunos ouvintes vão com-preender as particularidades étnico-linguísticos desses indivíduos surdos. Hoje a gente vem percebendo pelas experiências de rela-tos, até mesmo as experiências que a gente já viveu, que esses alunos eles ainda não compreendem. Eu lembro, por exemplo, uma vez que eu fui interpretar para um amigo meu, o Ademil-ton. Eu acho que a professora Ohana até conhece. Ele é surdo. Na época ele fazia ensino médio. E foi uma experiência muito triste porque o professor não sabia sequer da existência de um profissional interprete de Libras, então eu pedi pra diretora da escola, uma escola pública de Belém pra entrar pra interpretar na aula de química, e o professor me viu virado o tempo todo de costa pra ele. E ele achou que eu era um surdo que estava simplesmente conversando na sala de aula.

Só pra você ter uma noção do que que que é essa falta de compreensão desse outro indivíduo que está ali. E os alunos ouvintes na hora da frequência, começaram a chamar nome a nome, e eu disse “olha, o professor chamou o teu nome”. Ai ele foi lá na frente, e disse pro professor apontar. O professor fez um gesto obsceno pra ele e todo mundo começou a rir. De repente uma aluna chega e pergunta “professor, porque que ele tá aqui na sala de aula”. Ele disse assim: “Eu não sei, eu tô levando até onde eu posso”. Na verdade, esse professor não estava levando nada. Porque aquele momento ali mostrava que

ele não compreendia. Foi quando eu chamei o professor. “Pro-fessor, ele está com dúvidas nisso”. Aí ele disse “Ah, você fala?”. “Sim, eu sou ouvinte, eu sou intérprete”. E aí foi muito legal porque o professor sabia ensinar o surdo, só que ele tem medo de ensinar, porque tem uma barreira imaginária entre o profes-sor e o aluno surdo. Eu não lembro direito o conteúdo, eu acho que era sobre átomos que ele estava ensinando. Ele pegou um pedaço de papel, fez um monte de bolinhas, e ensinou pro Ademilton o conteúdo. Então, ele sabia ensinar, a questão é que ele não sabia como chegar pra ensinar, então, isso é uma questão de currículo oculto.

Os professores, a escola, a direção, a coordenação ped-agógica, todos eles precisam se voltar pra compreender esse espaço plural que existe dentro da escola. A gente fala muito de diferença, mas a escola na verdade, a exclusão ainda impera dentro desse processo. E não é só para os indivíduos surdos, é para todos os alunos que sofrem qualquer tipo de exclusão dentro desse espaço.

Fabrício: Rádio Web UFPA apresentando o programa UFPA Ensino. Hoje o tema é Metodologias de Ensino para Surdos. Os nossos convidados são, o professor Sílvio Santiago Vieira, o professor Ernesto Padovani Netto e a professora Ohana Matias. A gente vai para um rápido intervalo e volta já já. Rádio Web UFPA divulgando conhecimento.

Vinheta: Você está ouvindo UFPA Ensino. Você está ouvindo UFPA Ensino.

Fabrício: Estamos de volta com o programa UFPA Ensino. O nosso tema de hoje é Metodologia de Ensino para Surdos e os nossos convidados de hoje são o professor da Universidade do Estado do Pará Sílvio Santiago Vieira. Também recebo o professor Ernesto Padovani Netto, ele é professor da Seduc e faz o me-strado profissional em Ensino de História e também estou rece-bendo a professora Ohana Matias, que é professora substituta também da UEPA e tradutora/intérprete de Libras e também colabora com o canal História em Libras, pensado aí pelo pro-fessor Padovani.

Estamos de volta aqui pra nossa conversa, vamos começar com o professor Padovani e com a professora Ohana pra eles comentarem um pouco mais sobre esta experiência do canal História em Libras, justamente como é que vocês propõem o ensino da história a partir do canal no Youtube, qual é o diferencial que vocês têm aplicado, lógico além das legend-as e tudo mais, em termos da perspectiva que vocês estão apli-cando a esse ensino de História pra realmente incluir essas pes-soas sendo surdos pra ele ter acesso a esse conteúdo. Profes-sor Padovani.

Ernesto: Na verdade, nós fizemos uma disciplina no mestrado min-istrada pela professora Edilza Fontes que chama-se “História Pública”. Então no Brasil é uma discussão um tanto quanto recente, a discussão sobre História Pública. História Pública perpassa pela questão de que você tem o historiador que produz o conhecimento histórico. Em outros momentos da história, o conhecimento histórico era fundamentalmente pro-duzido pelo historiador e hoje em dia o que nós temos? Nós temos canais no Youtube, nós temos programas de TV, nós

temos jornalistas. Na verdade, todo mundo fala de história o tempo todo. Então, a história ganhou esse viés de história pública. Então, são narrativas que estão aí se degladeando. A gente vê isso no Brasil, esquerda e direita construindo narrativas históricas em torno de situações que ocorreram. Então, esse foi um debate fundamental pra eu pensar o canal. Por que? Em 2013 nós tive-mos as manifestações, o início daquelas manifestações que acabaram culminando com o impeachment. Então, o que acon-teceu? Os surdos chegavam na escola “por que que está acon-tecendo isso?”. Aparecia os blacks bloks quebrando as coisas, colocando fogo, quebrando os bancos e tudo mais e os alunos chegavam “eu não estou entendendo, por que profes-sor na rua esse problema toda a hora na televisão? E eles não entendiam o que estava acontecendo. Então o problema era o acesso à informação. Então, que história está sendo construída para esse aluno? O que que ele está aprendendo no processo escolar, o que que ele está viven-ciando, está vivendo, podendo relacionar, inclusive. Então, eu fui trabalhar nessa perspectiva de explicar. Eu lembro, inclusive, no primeiro vestibular de Libras da UEPA que houve as vagas para os surdos, eu fiz uma discussão com seles sobre essa questão de 2013 dos blacks blocks relacionando com ludismo, quando os operários ingleses quebravam as fábricas e tudo mais. Acabou que foi uma questão que veio na prova, então eles acertaram em massa a questão. Então relacionar os tempos históricos a partir de situações vivenciadas por eles. E o canal História em Libras veio muito nessa perspectiva de pensar a História Pública, a História digital. Nós não temos mais como ser, no meu caso, eu trabalho com história, sermos histo-riadores que ficamos presos somente ao papel, não é verdade?

Somente a entregar textos escritos que uma banca vai ler e muitas das vezes não é lido maciçamente. Então o canal foi uma forma de além de contemplar a exigência do programa que é ter um produto pedagógico, é um exercício de história pública, porque o tema Movimentos Sociais que é o tema da primeira aula, ele surgiu porque eu fui perguntar para os alunos o que eles gostariam de estudar. Isso também é uma perspecti-va muito interessante da gente refletir, porque eu digo “qual é o tema que eu vou colocar? eu não vou elencar um tema de cima pra baixo. Fazer uma aula sobre tal tema e ao perguntar para os alunos, eles tinham muita dificuldade de me responder o que eles gostariam em história. Primeiro, por quê? Existem uma perspectiva de que a história é uma história política. Então, estudar História é estudar Getúlio Vargas, é estudar a Ditadura Militar, é estudar os governos, os grandes heróis na-cionais, entre aspas. E eu queria que eles compreendessem que os surdos tem história.

No YouTube você tem muitas aulas no estilo caseiro, diga-mos assim. Você filma ali o quadro, para um professor que só precisa do recurso da fala é tranquilo. O professor fala, o ouvin-te escutou a informação. Mas para o surdo não, eu preciso de edição, eu preciso que as imagens entrem, eu preciso dialogar com as imagens, eu preciso de uma certa produção. Então, eu encontrei parcerias para produzir esse primeiro vídeo. Houve um custo. Hoje é um momento em que a secretaria de edu-cação replicou essa questão do canal. A Seduc colocou no site, colocou na agência Pará, colocou matérias no YouTube, no Facebook, sobre o projeto. Mas agora a gente precisa de suporte para dar continuidade.

Fabrício: Professor Silvio, eu queria que você falasse um pouco da sua experiência porque o senhor atua em outra área de conhe-cimento que é o ensino religioso. É uma metodologia meio parecida? como é que é são as estratégias que o senhor usa para atuar nessa área específica?

Sílvio: Eu não trabalho com canal especificamente.

Fabrício: Sim, sim.

Sílvio: Hoje eu tenho focado no grupo GESI. As nossas reuniões são todas as sextas-feiras. A gente tem desenvolvido foco na questão da criação de sinais termos que contemplem as questões das religiões. Mas é muito importante ressaltar que nós não estamos focando no cristianismo porque o cristianis-

safio. A sala em si é bilíngue, mas a questão da metodologia dos professores que é o mais difícil, até às vezes o posiciona-mento, eles estão aqui, o intérprete está bem aqui, e eles passam na frente. O surdo reclama “a gente não está conse-guindo visualizar o intérprete”. Então, a gente fica meio assim andando para cá e para cá. Então, assim experiência é muito boa para mim lá na graduação, é outro nível com surdos e assim eu fico muito feliz porque eles estão amadurecendo bas-tante.

Quando eles entraram sentiram muita dificuldade assim como os ouvintes, então assim foi um papel tanto dos intérpre-tes quanto dos professores, enviando materiais para a gente, para a gente procurar como o professor Sílvio falou sobre os sinais termos, se existem, porque são disciplinas muito espe-cíficas. Então, já lá no curso de pedagogia bilíngue que já tem um material pronto, na verdade. Então, assim tem as videoau-las, então geralmente os surdos que vão para lá geralmente são 10 ou 12, porque na verdade nós tutores fazemos uma escala, por exemplo eu vou dois dias, o outro vai mais dois dias. Então assim, a experiência lá é a questão visual que é muito impor-tante.

E o interessante é que os sinais são bem diferentes. Então assim, eles mostram lá na videoaula que é no INES que fica no Rio de Janeiro, e então são bem diferente dos sinais que nós tutores usamos. Então, é uma metodologia muito boa lá assim na questão visual. Então, te dá esse auxílio, interpreta, por exemplo, os textos da Língua Portuguesa. E é esse o trabalho que a gente faz lá.

Fabrício: Na experiência de todos vocês, vocês todos falaram bas-

tante de utilizar estratégias que apelam para esse aspecto visual. A Libras é visual, mas vocês também falaram muito de utilizar estratégias que possam utilizar vídeos, por exemplo, maquetes, enfim, coisas que vão apelar para o sentido visual e vai facilitar esse ensino para esse aluno surdo.

Alguma outra experiência que vocês tiveram, outra poten-cialidade, alguma outra coisa nesse sentido que possa acres-centar para, de repente, um outro professor, para uma pessoa que, de repente, não tenho tido essa experiência, ou de repente possa pensar em alguma outra coisa que vocês possam apre-sentar em algum exemplo?

Ohana: Eu tive uma experiência. Eu ainda era estagiária lá no Astério de Campos. Então, estava eu mais a minha colega Silvana. Então, lembro que na época, eu acho que foi em 2013, eu não sabia o sinal de corrupção. Então, assim, como explicar um conceito, explicar o que é, dar um sinal? Então assim, eu e a Silvana mostramos assim, dramatizamos na verdade.

Nós mostramos um contexto do dia a dia, por exemplo, a gente colocou... eu era a personagem cobrador e ela era um passageiro que ela passava o troco para mim, ou para ela me dava passagem né e eu passava um troco a mais. Então mas ela não me falava nada, ela ficava com dinheiro. Então, explicava para os alunos, “entenderam como é que ocorre a corrupção no dia-a-dia e no contexto político?” Então, foi uma experiência muito boa para mim porque assim quando se está com um surdo, se você não sabe o sinal, o conceito, você tem que apelar até para o teatro, tem que mostrar em algum momento um recurso visual para eles, porque, às vezes, só imagens não dá um sentido para ele. Você tem que dar uma explicação,

mo ele já tem todo um arcabouço de sinais termos.

Nós estamos pegando mensalmente as religiões que já são consideradas religiões mortas. Então, a gente veio desde a Grécia trazendo toda essa questão para trabalhar a questão da sinalização, para ajudar professores tanto de história como também professores de ciências da religião para ensinar os alunos surdos dentro desses contextos. Então, a gente tem toda uma pesquisa com base na lexicografia, na terminologia, buscando compreender se já existem esses sinais, se esses sinais já são utilizados em outros estados, para evitar criar sinais e depois dizer que são variações linguísticas que também não vou entrar muito no mérito porque é uma dis-cussão muito ampla.

Então, após esse primeiro momento que foi a questão da criação esses sinais de Termos, nós desenvolvemos um ciclo de oficinas que nós aplicamos na escola Vilhena Alves no ano pas-sado durante três semanas, onde nós trabalhamos com as met-odologias visuais também com o auxílio do profissional intér-prete de libras, além de que os alunos da UEPA que participam do grupo também sabem sinalizar, mas como a gente percebeu que era um conteúdo muito específico a gente preferiu solicitar a presença do intérprete de libras. Então, nós sentamos com intérpretes, trabalhamos sinais termos que tinham sido cata-logados e os que foram criados. E foi muito interessante como esses alunos surdos ele já compreendem muito essa ideia do visual, assistem muitos filmes, desenhos e trouxeram muitas experiências legais.

Após isso, a gente aplicou em torno de umas 8 a 9 oficinas e nós resolvemos escrever alguns artigos porque a gente per-cebeu, a partir dessa experiência, que os professores que

talvez não saibam lidar com o aluno surdo porque eles não conhecem as metodologias que devem ser trabalhadas. A gente está escrevendo agora um livro que vai ser publicado agora esse ano pela Editora CRV que se chama a “Religião e Educação de surdos: desafios e métodos”, onde a gente tem foco na questão das religiões indígenas, nas religiões afro de matriz africana, especificamente o Candomblé, já que tem um vídeo no YouTube publicado pelo professor Emerson Silva onde ele trabalhou a questão de sinais específicos do Can-domblé.

A gente pegou esse sinais, e fomos trabalhar dentro da sala de aula contextos, por exemplo, sobre os líderes religiosos entre muitos outros contextos. A gente observou que os pro-fessores e os alunos se forem dados para eles as metodologias, se forem oferecidos a eles esse conhecimento, eles conseguem desenvolver o trabalho e o aluno consegue aprender. Então, por isso que o livro é uma alternativa, a gente vai distribuir gra-tuitamente o livro depois como alternativa de ensino para os professores.

Fabrício: Ohana, eu queria saber um pouco mais da tua experiência, porque agora tu estás atuando numa Universidade. O público, com certeza, é diferente. E deve misturar tanto ouvintes quan-tos surdos. Você também está atuando nessa tutoria do curso de pedagogia bilíngue, então, com certeza é uma proposta totalmente diferente que você também deve lidar com metod-ologias diferenciadas para lidar com esse público né?

Ohana: Sim, com certeza, eu atuo tanto no curso letras-libras, que tem metade da turma são surdos e ouvintes. Então ali é um de-

mostrar um classificador para ele, dramatizar para ele entender melhor.

Fabrício: A dramatização é então potencial né. Professor Sílvio, pro-fessor Padovani, querem acrescentar algo mais.

Padovani: Porque a questão é que você tem que construir o con-ceito. Eu vou dar um exemplo aqui, muitas questões de história ou até mesmo no momento de explicar aparece o termo conse-quência. Quais as consequências de determinada situação histórica? Então, para nós ouvintes, vamos pensar assim o con-ceito de consequência. Consequência é uma coisa que acon-tece depois que uma coisa aconteceu e como você vai explicar isso para o surdo? Então, o que a Ohana colocou aqui é funda-mental. Quando eu quero dizer para o aluno o que é conse-quência, eu digo para ele “olha, por exemplo, a pessoa está tomando uma cerveja, whisky, ela pegou um carro, qual pode ser a consequência? Bater o carro. Isso tudo não falado, é dramatizado como ela disse. Então, eu preciso construir esse recurso. Quando ela fala em classifi-cador, de construir cenários narrativo com as mãos para ele. Você está dirigindo mas você bebeu. O que pode acontecer? Você teve uma relação sexual sem preservativo, você pode ficar doente, é uma consequência. Você pode ficar grávida, é uma outra consequência. Então, você tem que construir essas questões. Eu tive três anos como professor Itinerante na escola Luiz Nunes Direito na Cidade Nova. Eu ligado ainda ao Astério, mas desempenham parte da minha carga horária lá. Fizemos várias parcerias com os professores. Então, na apresentação de seminários, nós construímos com os alunos os slides, as apre-

sentações. Eu fazia a interpretação da apresentação dele para os professores. Os professores faziam perguntas. Eu fazia esse papel de intérprete nesse momento. Tem um professor, por exemplo, que fez em alguns momentos a prova de surdos, aquela ideia que a gente tem da prova oral, para o surdo ele fazia a prova sinalizada. Então, ele construía ali 6 questões, reunia comigo e com os surdos, aí ele escolhia “olha, faz essa questão aqui para ele”, aí eu perguntava para o surdo aquela questão, aí o surdo respondia, e eu ia interpretar e fazia esse papel de intérprete nesse momento. Aí o professor avaliava a resposta.

É interessante que é um ser humano. Então, quando ele não sabia, a feição dele mostrava logo que ele não sabia. Ele ficava nervoso, ficava tentando enrolar. O professor já percebia que ele estava com dificuldade para dar resposta. Então, são situações aí, nós fizemos, por exemplo, trabalhos com maquet-es. Esse foi muito interessante, o professor estava trabalhando “A Belle Époque”. E aí ele pediu para os surdos falarem sobre cinema Olympia. Essa foi uma ideia que partiu deles, por exem-plo, eu queria fazer uma maquete do cinema Olímpia, eles dis-seram “não, vamos fazer uma da fundação do cinema, outra dos anos 70/80 e outros agora”. Então, nós acabamos discutin-do a temporalidade, as mudanças arquitetônicas do prédio pú-blico, enfim, ficou bem legal. A apresentação de documentári-os, eu achei um documentário sobre o cinema Olympia, apre-sentamos para eles a interpretação. Então, há uma gama de possibilidades aí realmente. Na questão de química, a professo-ra também pegou umas bolinhas de isopor e aí o que aconte-cia? Aquelas bolinhas de isopor eram as moléculas, aí quando ela queria uma molécula diferente daquela da bolinha, ela já pintava a bolinha de vermelho para representar que era o hidrogênio, que era um carbono.

Então, todas essas possibilidades elas são possíveis de ser utilizada e o interessante é que fica muito bacana para o ouvin-te e para o surdo porque acaba trabalhando um pouco do lúdico. Não é só aquela coisa do professor que fala, fala, fala, e o aluno acaba construindo também ali as coisas, o conheci-mento.

Fabrício: Professor Silvio.

Sílvio: Eu queria complementar fazendo uma boa abordagem voltando lá para a questão do intérprete de libras, porque a gente sabe que o recurso visual, a dramatização tudo isso real-mente eles são de extrema importância. Mas olhando intér-prete em conta uma tecnologia assistiva dentro desse espaço, a gente precisa pensar que o professor deve ter ele também como recurso metodológico. Então, eu quero aproveitar o espaço para conversar também com os professores que possam estar ouvindo os alunos, que é direito do professor ter um intérprete de libras ao seu lado enquanto recurso met-odológico, por que o professor possivelmente não conseguirá sinalizar de forma fluente na sala de aula.

Então atenção para quem tá ouvindo uso decreto 5626/2005 para cobrar dos pais os direitos dos alunos surdos. Você pode levar isso ao Ministério Público para que possa ser trazido o intérprete de Libras. Eu acho que esse recurso met-odológico, o intérprete enquanto recurso metodológico, é im-portantíssimo dentro da sala porque o professor mas na maio-ria das vezes ele não terá tantas vezes para organizar todas as suas aulas de forma visual. Então, esse intérprete de Libras, ali, ele é essencial nos momentos em que o professor não tivesse oportunidade.

Fabrício: Está chegando já ao final do programa, vou abrir o espaço para as considerações finais dos nossos convidados, men-sagem de finais, o que vocês consideram como desafio, algo que vocês queiram reforçar em relação ao que a gente debateu ao longo dessa entrevista. Professor Padovani, pode começar? Ernesto: Na verdade, eu gostaria de agradecer, muito importante esse espaço. A gente percebe que a cada dia a questão da Ed-ucação de surdos está ganhando uma projeção. Eu acho que a questão da redação no Enem foi um antes e depois. O espaço, eu mesmo posso testemunhar, eu já estava ali no mestrado, fazendo projeto, mas depois que veio a redação do Enem, os convites para estar nos espaços, no IFPA, na UEPA na própria UFPA, convites para palestra, enfim. Está discutindo essa questão aumentou muito. Então isso é fundamental, não só para o nosso trabalho né mas para esse público que em algum momento nos falamos aqui da invisibilidade do Surdo, e era um público invisível e é um público que cada vez mais não quer ser invisível, quer ser representado.

Então, nós percebemos que as janelinhas da língua de sinais na TV já é uma coisa que está ganhando muita força, nas campanhas eleitorais, aí foi uma grande novidade. Mas o corre-to é que isto esteja em todos os momentos, em todos os dis-cursos. A gente ainda não vê isso no Brasil, os políticos fazem seus discursos mesmos nos cargos de governadores, presi-dentes, não tem um intérprete.

Quando nós vemos imagens no exterior, o presidente americano falando, a intérprete está do lado. Então, nós temos

um caminho grande aí de conquistas para trilhar, que a comuni-dade surda tem naturalmente também que trilhar.

Fabrício: Ohana. Ohana: Eu quero agradecer também pelo convite. Eu quero agra-decer novamente ao professor Neto por ter me convidado a fazer parte desse canal. Eu não tenho parentes surdos, na ver-dade eu tenho namorado surdo. Então assim, onde estiver um surdo, eu sempre estou lutando com eles. Inclusive, eu faço parte da diretoria da Jubel. É uma honra ser a única ouvinte, então é muita confiança perante os surdos né.

Então assim, na associação a gente luta pela presença do intérprete em sala de aula, nos hospitais, em qualquer espaço. Então assim, essa visibilidade está ocorrendo assim, mas tem que melhorar enfim, tem que avançar mais. Então, para os pro-fessores que estão escutando, eu sei que não tem muito tempo assim para organizar o material, mas fazer um esforcinho. Pro-fessores que estão ouvindo, por exemplo, você tem um aluno surdo ou com outra deficiência procure ter contato com seu aluno, procure saber o que ele pensa, se ele está entendendo. É importante isso.

Fabrício: Professor Sílvio

Sílvio: Bom, primeiramente, eu queria agradecer o convite. Foi uma honra estar debatendo junto com professor Netto Pado-vani e a professor Ohana. E o recado que eu deixo aos profes-sores é sempre buscar pensar, que a partir do momento em que você tem um aluno surdo na sala de aula pensar nessas

metodologias visuais, pensar nessas estratégias que você con-segue desenvolver um trabalho, se as dificuldades elas exist-irem, e caso haja o atendimento educacional especializado na sua escola, procurar o AE de forma a buscar esse suporte que você precisa.

É importante ressaltar que a gente iniciou lá falando sobre a Libras enquanto disciplina, nenhum professor, nenhum aluno vai sair fluente na língua de sinais, porém eu acredito que o ponto mais importante da disciplina é disseminar essa questão da diferença. Então o professor que está hoje trabalhando com surdos ele precisa entender que esse indivíduo tem particulari-dades, ele tem diferenças em relação aos alunos ouvintes e se ele buscar respeitar essas particularidades o desenvolvimento desses alunos será bem maior.

Em suma fica a dica, aproveitando a sala da professora Ohana, quebre essa barreira que existe entre você e o aluno, uma barreira imaginária que já se passaram anos e é necessário você quebrar. Como você faz para quebrar isso é chegando próximo desse aluno perguntando se ele está entendendo, per-guntando de que forma ele que aprender com a professora sugeriu ainda pouco e dessa forma ele vai conseguir fazer com que esse aluno possa expressar as formas que ele pode com-preender melhor, porque a gente deu algumas dicas mas não são receitas.

Cada um, cada professor vai observar dentro dos seus espaços escolares de salas de aula alunos com suas particulari-dades, então, o grande ponto é chegar próximo do aluno que foi que a professora a Ohana citou, quebrar a barreira imag-inária.

Fabrício: Está certo. Muito obrigado professor Silvio, professora Ohana, professor Padovani. Muito obrigado pela participação de vocês, pelos esclarecimentos e por compartilhar conheci-mento com a gente obrigado.

Sílvio: obrigado.

Fabrício: Agradeço mais uma vez a participação do professor Silvio Santiago Vieira, professor Padovani Neto e a professora Ohana Matias. Agradeço também a você ouvinte que acompanha o programa de hoje. Se você quiser enviar críticas comentários ou sugestões é só mandar um e-mail para rá[email protected].

educação de surdos, são experiências muito diversas, lógico, né. Por exemplo, em relação a esse contato que vocês tiveram com a Libras que inclusive, é exigido como eu falei, nos própri-os cursos de licenciatura, esse primeiro contato que muitos professores, licenciandos, hoje alunos de graduação têm, será que ele evoluiu muito dos que vocês tiveram por exemplo, no contato de vocês com a licenciatura? Será que hoje avançamos mais neste contato da Libras, nessa inserção da Libras no ensino superior pra formar esses profissionais, esses profes-sores que vão poder incluir esse aluno no sistema de ensino? ou vocês veem muita similaridade com o que vocês tiveram como experiência enquanto universitários. Como é que vocês veem essa evolução? Teve avanço ou não? Sílvio: A minha primeira formação é em Matemática. Na época em que eu me formei em matemática não existia no currículo a disciplina Língua Brasileira de Sinais, então eu só fui ter contato com a libras enquanto disciplina na especialização, mas hoje eu sou formador de alunos de cursos de licenciatura. Então, mesmo assim eu ainda observo que existem algumas coisas que nós precisamos avançar, por exemplo, a carga horária dessas disciplinas é muito reduzida na maioria dos cursos de graduação. Há curso em que a carga horária varia de 40 horas, 50 horas, 60 horas. A gente há de considerar, o professor Padovani, por exem-plo está desenvolvendo uma dissertação de mestrado onde ele tem um olhar sobre a história desse indivíduo dentro de um processo educacional. Imagina, você precisa apresentar essa história que não é pequena para o aluno graduando. Você pre-cisa trabalhar as metodologias de ensino, você precisa tra-balhar com experiências, você precisa levar esses alunos pra escola de educação de surdos pra que eles possam conhecer

Como professor da escola Astério de Campos que é uma escola de referência em Belém, todo o início de ano nós recebemos muitos convites para formação. E aí eu sou um dos professores que costuma ir dar essa formação. E a preocu-pação é essa. “Professor, sou professor de física, e aí o que que eu vou fazer com o aluno surdo que está na minha sala?”.

Então, quer dizer, mesmo sendo professor de história, eu procurei desenvolver, construir alguns materiais pra esses mo-mentos de formação onde eu explico pra eles, por exemplo, que pro surdo se você vai trabalhar matemática, você vai tra-balhar aquela abstração, aquelas frações, então é muito com-plicado. Agora se você traz para aquelas questões que é algo que está afinado com o aquilo que o MEC pensa em relação ao enem, se você traz que os prédios projeta uma sombra de tantos graus, formando um ângulo, você abre a mente ali pra trabalhar com o surdo porque ele está visualizando o prédio, a sombra, o grau está relacionado com a vida, então não é algo tão distante pro mundo ouvinte.

Em geral, quando estou em momentos de formação, ou em espaços educacionais, eles pensam que o surdo ele não ouve, mas ele sabe ler, então é muito complicado, porque ao não ouvir, o surdo não criou o conceito daquela palavra, nós sabe-mos que mesa é mesa, nós ouvimos a palavra mesa e atribuí-mos à mesa.

O surdo não ouviu essa palavra, então o conceito para ele, a palavra pra ele é um emaranhado de signos pra ele. Ele preci-sa estar gravando aqueles signos. A disciplina libras ela não está dando conta disso, ao meu ver. Os alunos vão pra essa dis-ciplina, eles não vão aprender a língua de sinais. Eu tenho con-tato com professores do ensino regular que têm alunos surdos há oito anos, há sete anos. Na minha pesquisa eu entrevistei

professores que têm alunos surdos há 10, 8 anos e ainda não sabe dá bom dia. Então, na disciplina também esse aluno não vai aprender. Está servindo pra ele entrar em contato e saber que isso existe. Hoje a minha luta, eu estou tentando criar um conceito que é o ensino de história em contextos inclusivos, que esse debate vá de fato pro campo das disciplinas, das áreas de conhecimento e não fique pairando acima de todas disciplinas que não dá conta. As disciplinas têm metodologias diferenciadas de ensino.

Fabrício: Como é que essa realidade no curso de letras, Ohana?

Ohana: Sim, sim, como o professor Neto falou, eu vim do curso Letras Libras, então tinha agrade curricular toda voltada pra Libras, pra educação dos surdos, então assim, em si, eu não tive essa dificuldade, mas se eu dependesse só do curso, hoje em dia talvez, eu estaria sinalizando só o básico, assim infelizmente como muitos colegas meus terminaram o curso e não tinham domínio da Língua de Sinais. Então, eu precisei correr exata-mente para manter contato com o usuário da língua pra poder aprender. Hoje em dia tudo o que eu sei foi porque eu estou sempre tendo contato com o surdo, então assim, quando eu conversa-va nos corredores com meus outros colegas de graduações, seja de letras português, biologia, eles me falavam assim “Ohana, você pode me ensinar qual é o sinal isso, isso, o sinal específico da graduação deles, porque o meu professor falta, porque o meu professor não está presente”, ou como o profes-sor Sílvio falou “a carga horária é muito pouca”, então assim, “não faz a adaptação voltada para o meu curso”. Então, como eu posso chegar numa graduação, por exemplo de licenciatura em biologia e ensinar por exemplo, só o alfabeto, só os sinais

esses espaços que é a partir dessa experiências empírica que ele pode se identificar muito mais com esses processo. Então eu observo que 60 horas, 80 horas é uma carga horária insufici-ente. Na minha opinião, nós deveríamos ter hoje um estágio curricular voltado pra educação especial. Os alunos saem da graduação sem saber como lidar com os alunos com deficiên-cia.

Falando do aluno surdo, ele sai ainda mais perdido haja vista que a Língua de sinais é uma língua diferente da Língua Portuguesa, com uma estrutura gramatical que carrega uma especificidade muito diferente da Língua Portuguesa. Então penso que a gente deve continuar discutindo essas questões da inclusão a fim de que exista um estágio supervisionado especifico. É lógico que as pessoas não vão sair de lá expertise em trabalhar com surdos, mas ela pelo menos terá condições de compreender essa realidade da inclusão escolar visitando esses espaços, essas escolas que têm educação especial que ainda existem aqui dentro de Belém.

Fabrício: Padovani.

Ernesto: Na minha graduação também ainda não havia essa questão da disciplina Libras. Pra dizer a verdade, durante a minha graduação nunca nem passou pela minha cabeça essa realidade. Não era algo discutido, debatido, presente dentro da Universidade, nem na sociedade. O que acontece assim, eu go-staria de concordar com o professor e também aprofundar no sentido de não é só uma questão de apresentar a disciplina com o nome Libras. Então, eu preciso trabalhar com o meu aluno de história metodologias de ensino de história pra surdos, metodologias de ensino de matemática para surdos.

Fabrício: Olá, ouvintes da Rádio Web UFPA. Eu sou Fabrício Que-iroz e a partir de agora você acompanha comigo mais uma edição do UFPA Ensino que hoje vai falar sobre Metodologias de Ensino para surdos.

Segundo o censo do IBGE de 2010, 9 milhões e 700 mil pessoas têm deficiência auditiva. Cerca de um milhão são jovens até 19 anos. No Brasil, os surdos só passaram a ter acesso à educação durante o império.

Em 26 de setembro de 1857, foi criada a primeira escola de educação de meninos surdos, no Rio de Janeiro. Apesar do avanço, somente em 2002, a Lei nº10.436 reconheceu oficial-mente a Língua Brasileira de Sinais, a LIBRAS.

A Libras é fundamental para garantir o aprendizado de alunos surdos. Em 2005, com o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro, a Libras foi determinada como disciplina curricular obrigatória para todos os cursos de licenciatura e também fonoaudiologia, e ela é optativa para os demais cursos do ensino superior e da educação profissional.

Outra grande conquista aconteceu em 2010, quando a profissão de tradutor–intérprete de Libras foi regulamentada em de 1º de setembro.

Além disso, professores têm buscado trazer a Libras para fora da sala de aula. Na internet, por exemplo, existem video-aulas em libras, democratizando o acesso à educação.

Hoje, vamos conhecer o trabalho de professores e intérpretes de Libras que desenvolvem estratégias para melhorar o ensino para surdos. Recebemos aqui no es-túdio da Rádio Web o professor da UEPA Sílvio Santia-go Vieira, ele é mestrando em Ciências da Religião, es-pecialista em Atendimento Educacional Especializado e também coordena o Grupo de Estudos Surdos & Inter-faces do IEPA, que é o Instituto de Educação e Cultura do Pará. Professor Silvio, muito obrigado por sua partic-ipação, bem-vindo.

Sívio Viera: Muito obrigado pelo convite.

Fabrício: Obrigado, professor Silvio. Também estou rece-bendo o Ernesto Padovani Netto, mais conhecido como Padovani. Ele é aluno do Mestrado Profissional em Ensino de História e é responsável pelo canal do Youtube “História em Libras”, e também é professor da SEDUC. Professor Padovani, muito obrigado.

Ernesto Padovani: Obrigado pelo convite, a gente espera contribuir aqui um pouco com o debate.

Fabrício: Obrigado, professor. E também recebemos a Ohana Matias. Ela é tradutora / intérprete de libras, é professora substituta da UEPA. Também atua como tutora na UEPA no curso de Pedagogia Bilíngue, além de ser especialista em Educação Especial e Inclusiva, e também colaboradora do canal “História em Libras”.

RÁDIO WEB UFPA: Divulgando conhecimento 14

Page 18: Divulgando conhecimentoradio.ufpa.br/wp-content/uploads/2018/03/Roteiro... · Eu digo “não, ele sabe diferenciar, o meu papel aqui é de intérprete”. Eu sempre lutava a questão

Ohana, também muito obrigado pela tua participação, bem-vinda.

Ohana: Obrigada pelo convite, é um prazer estar aqui estar fazendo parte desta discussão.

Fabrício: Eu queria que, na verdade, vocês primeiramente se apresentassem um pouco pra gente conhecer um pouco da trajetória e do interesse de vocês por essa área tão cara e tão desafiadora. A gente viu aí por esse pequeno histórico o quanto ela foi negligenciada, a educação de surdos, a educação inclusiva. O que que motivou vocês a trabalhar com essa área que ainda é um desafio na ed-ucação brasileira? Professora Ohana.

Ohana: Ohana: Bom, a minha história em si é bem diferente dos outros. Os meus colegas que eu estudei no curso de letras libras em 2012, a maioria veio da área da interpre-tação da igreja, ou tinha um parente surdo e no meu caso em si é por conta da minha mãe ser pedagoga. Então, como ela fazia na época o curso de libras, ela me incentivou para escolher esse curso. Na verdade, eu con-heci esse mundo novo quando eu passei no vestibular. Então assim, a partir do momento que eu comecei a estudar e começar a entender a história da educação do surdo, foi só um momento assim pra eu procurar saber mais sinais. Então, foi uma grande oportunidade e hoje em dia eu estou atuando, também faço parte da as-sociação dos surdos de Belém. Então eu estou sempre

nessa constante luta em prol da educação dos surdos, na luta por eles.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: Bom, a minha trajetória ela começa quando em 2009 eu resolvi fazer um curso de Língua Brasileira de Sinais no CAES. Eu tive um aluno surdo na época no Augusto Meira. Não sabia como lidar com os alunos surdos. E a minha comunicação com eles era basicamente por meio da mímica, por meio da escrita nos braços. Os surdos eles têm o costume de escrever no braço quando não têm papel, apagava, enfim. E assim eu fui apren-dendo os sinais iniciais e eu percebi que eu deveria ir mais adi-ante. Eu já tinha experiência com educação de alunos cegos e baixa visão, porém a minha experiência com os surdos me fez refletir sobre essas carências que a formação inicial de profes-sores possui. Aí eu fui fazer um curso de libras, tive o professor Arlindo, o professor Tiago Costa como meus professores. E foram pessoas que contribuíram muito para a minha formação inicial na área da língua de sinais. Em 2010, então eu resolvi en-veredar pela especialização nessa área, fiz especialização em Libras. E comecei também em 2010 a interpretar dentro da Igreja Assembleia de Deus. Foi quando eu realmente resolvi me focar nessa questão da interpretação que eu já estava na docência. Posteriormente a isso, eu resolvi criar o grupo de estudos surdos e interfaces, onde a gente tem discussões diversificadas, mas especifica-mente hoje nós estamos discutindo as questões relacionadas a

gênero e sexualidade dentro do grupo, haja vista que a comu-nidade surda belemense, ela apresenta uma pluralidade nesse sentido e é necessário que familiares e escolas possam com-preender essa questão da sexualidade do surdo que manifesta certas diferenças em relação à sexualidade dos indivíduos ouvin-tes. E também com foco na questão da religião pois eu tenho ob-servado que hoje os surdos eles têm buscado enveredar por outros ramos religiosos além do cristianismo. E a minha trajetória hoje tem sido basicamente focar na compreensão de como é que tem se desenvolvido essas territorialidades e os territórios dentro dos espaços sagrados. Hoje minhas pesquisas estão focadas nisso.

Fabrício: Professor Padovani.

Ernesto: Ok. Bem, eu sou professor da rede estadual de ensino há dez anos. Então quando eu comecei eu tra-balhei uns três anos no interior do estado. Tive um públi-co também de trabalhar em comunidades, quando vim, voltei a Belém, voltei pra trabalhar no sistema penal. O que ocorreu? Na verdade, lá no Astério de Campos não tinha professor de história. Aí me fizeram a proposta. Então, na verdade não foi muito uma escolha minha. Che-gando lá, eu criei de fato uma grande identificação com o trabalho. Fiz uma especialização em educação inclusiva e comecei a observar as dificuldades deles em relação à Língua Portuguesa, dificuldades com textos muito grandes, necessidade da utilização de imagens, então eu fui montando uma metodologia a partir de referenciais teóricos como a pedagogia visual e criando meu próprio material didático, criando formas de trabalhar com eles.

Quando surgiu a seleção pro Mestrado Profissional em Ensino de História, o PROFHISTÓRIA, eu fiz a seleção, fui aprovado e fui com isso na cabeça, que eu ia fazer um projeto sobre educação de surdos, unindo essas duas áreas. A questão da história e a questão da metodologia de ensino. E aí perpassam vários elementos, não é só a história em si. O meu trabalho é um trabalho sócio-histórico que vou justamente remontar o período do oralismo, passando pela co-municação total, são metodologias que são utilizadas até hoje como proposta teórica do bilinguismo prevalecendo na edu-cação dos surdos, pelo menos uma tentativa pra que prevaleça. E aí na verdade o canal “História em Libras”, ele surge como um produto desse mestrado. O mestrado profissional em ensino de história, ele exige uma dissertação escrita e um pro-duto pedagógico aplicável. Então existem várias possibilidades de produtos. A minha intenção inicial era fazer um material didático mesmo pra distribuir nas escolas, mas eu fiquei pen-sando na logística disso e no alcance que isso teria. Então, con-versando com amigos porque tem essa questão da interdisci-plinaridade, eu precisei de um amigo meu que trabalha com cinema, precisei da Ohana pra construir a proposta do canal. Então, desenvolvemos a ideia de um canal na internet seria muito melhor porque eu não teria o problema da divul-gação. Colocou na internet as pessoas podem acessar. E nós estamos nesse momento. Graças a Deus o vídeo está sendo muito acessado, teve uma repercussão muito boa. A Mídia Ninja compartilhou nos espaços que eles têm nas mídias digi-tais. Estamos agora aqui nesse debate

Fabrício: Dá pra esse primeiro relato de vocês, em relação à experiência, o contato que vocês tiveram com a Libras, com a

de família, de frutas, aí esse professor vai se formar, vai chegar numa sala de aula e vai só manter esse diálogo só de frutas, alfabeto? Não. Ele tem que saber o sinal de células, de mem-brana, disso, daquilo, tem que saber como é usar um classifica-dor. Infelizmente, é quebrada essa grade curricular das pessoas que estão na licenciatura.

Eu vivenciei isso muito quando eu fui intérprete de uma escola que tinha uma demanda muito grande, tinha 18 surdos na escola. Eu atendia oito surdos no ensino médio. Então, assim, eu observava a dificuldade dos professores. Eles chega-vam pra mim “eu nem tive essa disciplina de libras”, “eu nem sei o que é isso”, “é surdo mudo?” “ah, os teus alunos”. Eles não eram os meus alunos, eles eram alunos deles tanto quanto os ouvintes. Então, no caso, eu falava assim, “professor você tem que direcionar a eles”, “ah, mas só que ele vai pensar que é tu que tá chamando a atenção ou tá explicando”. Eu digo “não, ele sabe diferenciar, o meu papel aqui é de intérprete”. Eu sempre lutava a questão da metodologia, não pensavam no surdo.

Uma vez aconteceu uma situação que foi ao contrário, estava com legenda e sem som. Os ouvintes reclamaram. Aí eu falei para eles, “agora, vocês entenderam o que é estar na pele de uma pessoa surda:” Não é fácil. A informação não chega tão fácil pro surdo.O professor fez esse canal História. Esse canal é uma forma de democratizar tanto para surdo como para ouvin-te porque ele está usando diretamente a língua de sinais e tem ali a legenda.

Fabrício: Professor Padovani

Ernesto: Eu queria retomar mais uma questão pra embasar essa questão da metodologia, porque por exemplo a gente percebe muito há um censo comum de querer resumir a questão à língua. Então, se você tem um intérprete na escola, que não tem, em geral, não tem. Quando tem, então resolveu o proble-ma, agora tem intérprete. Então, eu faço sempre a discussão, o seguinte, se o problema fosse a língua, os nossos alunos ouvin-tes todos não teriam problema nenhum de educação no Brasil. Professor fala português, os alunos todos falam português, en-tendem, então por que os alunos não alcançam a média? Por que nós não estamos nos melhores patamares de educação mundial? Então nós não podemos também resumir o debate à língua. Então, como é que o aluno entende? É a partir da imagem? É a partir da construção de maquete? Qual é a possi-bilidade que se tem de vídeos com legenda?

O primeiro dia que o vídeo foi postado no Youtube, ele ficou sem legenda. Foi uma estratégia mesmo. Eu fui colhendo e estou colhendo os depoimentos pra finalizar a dissertação. “Poxa, não consegui, olha, eu paro, pela metade, eu parei. Não consegui acabar de ver, não tava entendendo nada”.Olha que nós colocamos os recursos imagéticos entrando no vídeo e em alguns momentos chaves aparecia escrito também o que estava sendo falado. Mas mesmo assim as pessoas reclamaram ou muitas fizeram essa reflexão: “poxa, agora eu me senti como os surdos se sentem”. São pequenas situações do dia a dia que no universo da escola se traduz em outras formas, mas são hierarquias de saberes. Um professor está ministrando aula, o outro professor vem dar um recado na turma, bota o rosto dentro da sala, “gente, gente, licença aqui, rapidinho, amanhã tem prova, dois reais a prova e tal”. Recado dado.

O surdo não entendeu. Vamos passar o vídeo pra turma, vamos levar para o auditório, muito legal, todo mundo vai, chega na hora de passar o vídeo me chamam pra interpretar, já aconteceu isso, eu não sou intérprete mas você está na escola, você sabe Língua de Sinais, você é intérprete, você é professor do AE, você é itinerante, você é tudo. Então fui lá interpretar, tudo certo, vamos lá, solta o play, apagam a luz. Como é que o surdo vai ter acesso à minha interpretação, então são questões que... é maldade? Não. Não é. Mas isso estrutura uma hierarquia de saberes. Entendeu. São hábitos que a escola internaliza porque ela é uma escola voltada e pensada para o público ou-vinte. O que me chama atenção é que isso acontece em escolas em que os surdos estudam há 10, 15 anos. Então, quando a escola vai internalizar presença do surdo? Então, acho que essas são questões aí que abrem um bom leque pra gente dis-cutir e pensar.

Fabrício: Só pra voltar, eu achei interessante o depoimento da Ohana, essa relação, dela como intérprete né. O Padovani ele tem o conhecimento, de repente ele pode usar desse conheci-mento pra se comunicar com esse aluno surdo, mas nem todas as escolas têm um profissional como a Ohana. E como é que fica a relação entre o professor e esse intérprete? Onde é que começa o papel de um e o papel de outro? Como é que se con-strói esse relacionamento pra que se possa comunicar e repas-sar esse conteúdo pra esses alunos? Como é essa dinâmica?

Ohana: Bom, a priori, o que deveria ocorrer era ter essa parceria com o professor e o interprete. Por que? porque o papel do intérprete é mediar. Ele não vai ensinar nada. Até porque a minha formação é Letras com habilitação em Libras, não é for-

mação em Letras, Português, Biologia, Matemática, não é.

A minha formação é Letras, então qual é o meu papel ali? É de chegar e interpretar tudo o que o professor falar. E quando eu digo tudo, eu interpretava até palavrões, enfim, tudo o que o professor abrisse a boca eu interpretava porque eu estou ali. Só que infelizmente essa experiência que eu tive o professor confundia, ele pensava que eu era a professora deles, e eu dizia “Olha, eu tenho respaldo, tem a lei, tem o código de ética, tenho tudo o que o senhor quiser eu mostro, mas esse daí não é meu papel, essa competência não é minha, é a sua”. Então, tem que ter essa parceria. O que o intérprete pode ajudar? Ajudar a dar umas dicas, como é que faz o material, coloca a legenda na próxima aula, é assim, é essa parceria. Essa relação de professor, intérprete e aluno.

Sílvio: Relacionando a fala da professora Ohana também pensan-do no atendimento educacional especializado. Então, ela ainda pouco colocou que o professor sempre atribui a responsabili-dade para o intérprete de Libras, mas ele também faz isso para o atendimento especializado. Por quê?

Historicamente a educação do surdo, ela foi atribuída à ed-ucação especial. Então, com o processo de inclusão que se dá a partir de 1996, com a lei de diretrizes e bases 93/94 de 96, é que a gente vem perceber que esses indivíduos com deficiên-cia, pessoas com deficiência, passam a ingressar dentro das escolas regulares. Só que nós passamos a ter dois personagens que antes nós não tínhamos dentro desses espaços, os intér-pretes de libras e os cuidadores também, e também a gente passa a ter o atendimento educacional especializado que as pessoas acham que é antiga educação especial, mas na ver-

dade há controvérsias, porque educação especial funcionava numa sala de aula onde se ensinavam essas pessoas. E o AE não, ele funciona como educação suplementar complementar, porém para o professor da rede regular, ele entende que é responsabilidade do AE ensinar os aluno surdos, que é responsabilidade do intérprete ensinar os alunos surdos, ou seja, esses personagens acabaram tendo responsabilidades além de suas responsabilidades e o professor se exime.

O Vigotski diz que “quando a gente enxerga deficiência primeiro ao invés de enxergar o ser humano, a gente destrói qualquer possibilidade de desenvolvimento desse indivíduo”. Então, a gente pode pegar a fala do professor Netto Padovani, por exemplo, em relação a questão das metodologias e obser-var que a maioria dos professores estão destruindo possibili-dades de desenvolvimento desses alunos na sala de aula exata-mente por causa das metodologias. Eu também não quero cul-pabilizar somente esses professores porque também a gente tem que pensar na formação desses indivíduos e nós também precisamos pensar que a Universidade também deve oferecer cursos de formação continuada, porque esse papel é da Uni-versidade. A gente costuma atribuir essa responsabilidade, “Ah, o governo não faz”, mas a Universidade é quem forma, é ela que deve trazer os professores pra dentro. Ela que precisa buscar parcerias com as escolas, parcerias com as unidades pra que isso possa acontecer.

Hoje, nós ainda observamos uma grande polêmica dentro das escolas. Intérprete de Libras que acabam tendo discussões com professores porque as vezes são atribuídas responsabili-dades. Durante o meu período na rede regular de ensino, eu tive dois alunos surdos, depois eu já estava fluente em Libras, e eu também tive problemas. E é legal colocar isso, porque os

meus alunos ouvintes não gostavam de eu passava a sinalizar na sala de aula. Então, o que que eu fazia, passava todo o con-teúdo de matemática, explicava primeiro em Língua Portugue-sa, passava uma bateria de exercícios pra eles fazerem, e era o momento em que eu ia sinalizar, porque não tinha intérprete de Libras, para os dois alunos surdos.

Só que isso gerava discussões na sala, “Ah, o professor não está dando atenção pra gente”, “o professor agora só olha pra esses surdos, lá vem ele com essa língua de sinais pra dentro da sala de aula”. Então, a gente observa que essas relações de poder que incidem dentro do espaço da sala de aula ainda fazem com que os ouvintes entendam que deve ser dada atenção a eles e que aos indivíduos surdos não deve ser dada atenção. Tem uma charge no livro do Moacir Carneiro muito interessante, inclusive nas formações continuadas eu sempre falo isso pros professores, os professores estão aqui em cima conversando “nós não conhecemos nada sobre esses indivíduos, nunca ouvimos falar nada sobre educação espe-cial”. Aí os alunos todos embaixo olhando.

Na verdade, essas pessoas vão reproduzir lá embaixo esse mesmo pensamento, é por isso que esses alunos pensam hoje que o professor deve dar atenção a eles e não devem dar atenção aos alunos surdos dentro da sala. Já eles também não aprenderam nada sobre educação especial, não aprenderam nada sobre pluralidade, diversidade, e acima de tudo sobre dif-erença.

Ohana: Eu vivenciei nessa escola, eu trabalhei nessa escola, se eu não me engano, dois anos e meio. Então assim, para aquela turma, eu acompanhei os surdos, primeiro, segundo e terceiro

ano. Até metade do convênio. Então, quando foi no primeiro ano, os ouvintes assim sofreram um impacto. “Intérprete?”, “surdos?”, “mãos mexendo?”, “Meu Deus!”, porque foram logo oito na minha turma. Então, assim, no início, eles deixavam de prestar atenção no professor e ficavam assim olhando pra mim, com os olhos vidrados, eu ficava intimidada inclusive, com o tempo eles foram habituando e foi passando ano, dois anos, mas o que me veio à cabeça, assim eu sempre fui tímida, então eu sempre chegava, dava bom dia pra quem estava na frente, mas eu não era de ficar batendo papo com os ouvintes.

Então, eu ficava conversando com os surdos, enquanto o professor não chegava. Então, assim os ouvintes assim, meio que segregavam a gente. Então, o que eu acho engraçado, é quando eles foram ter contato comigo? um dia após a prova do Enem. Tinha gente da escola do primeiro ano que eu nunca tinha visto na vida. Eles chegaram “Ei, tia, a minha proposta está boa”, “será que pode falar deficiente auditivo”, “eles são surdo-mudos”, “é isso, é aquilo”. Foi a primeira vez que eles viram a necessidade. A escola em si diz “Ah, a gente está inte-grando”, mas na verdade segregava. Então foi uma experiência dessa forma, foi ruim pra mim inclusive. Na verdade se não fosse eu ali com os surdos, eles não iam ter visibilidade naquela escola.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: É bem legal a gente observar que as falas estão contemp-lando o que a gente chama de currículo oculto dentro das insti-tuições, e é isso que a gente tem pra parar pra pensar hoje. As metodologias de ensino, elas podem contemplar as necessi-dades do professor na sala de aula, ok. Mas a escola precisa tra-

balhar o currículo oculto que é exatamente o que o professor Netto e a professora Ohana colocaram, que é essa questão da alteridade, de fazer com que o professor e o aluno possam se colocar no lugar do outro, porque inclusão ela precisa ser para todos. Ela tem que começar lá do porteiro até a merendeira. Então não é só o professor que deve passar por esse processo, e quando a escola inteira passar a se modificar, então, a gente vai começar a observar que os alunos ouvintes vão com-preender as particularidades étnico-linguísticos desses indivíduos surdos. Hoje a gente vem percebendo pelas experiências de rela-tos, até mesmo as experiências que a gente já viveu, que esses alunos eles ainda não compreendem. Eu lembro, por exemplo, uma vez que eu fui interpretar para um amigo meu, o Ademil-ton. Eu acho que a professora Ohana até conhece. Ele é surdo. Na época ele fazia ensino médio. E foi uma experiência muito triste porque o professor não sabia sequer da existência de um profissional interprete de Libras, então eu pedi pra diretora da escola, uma escola pública de Belém pra entrar pra interpretar na aula de química, e o professor me viu virado o tempo todo de costa pra ele. E ele achou que eu era um surdo que estava simplesmente conversando na sala de aula.

Só pra você ter uma noção do que que que é essa falta de compreensão desse outro indivíduo que está ali. E os alunos ouvintes na hora da frequência, começaram a chamar nome a nome, e eu disse “olha, o professor chamou o teu nome”. Ai ele foi lá na frente, e disse pro professor apontar. O professor fez um gesto obsceno pra ele e todo mundo começou a rir. De repente uma aluna chega e pergunta “professor, porque que ele tá aqui na sala de aula”. Ele disse assim: “Eu não sei, eu tô levando até onde eu posso”. Na verdade, esse professor não estava levando nada. Porque aquele momento ali mostrava que

ele não compreendia. Foi quando eu chamei o professor. “Pro-fessor, ele está com dúvidas nisso”. Aí ele disse “Ah, você fala?”. “Sim, eu sou ouvinte, eu sou intérprete”. E aí foi muito legal porque o professor sabia ensinar o surdo, só que ele tem medo de ensinar, porque tem uma barreira imaginária entre o profes-sor e o aluno surdo. Eu não lembro direito o conteúdo, eu acho que era sobre átomos que ele estava ensinando. Ele pegou um pedaço de papel, fez um monte de bolinhas, e ensinou pro Ademilton o conteúdo. Então, ele sabia ensinar, a questão é que ele não sabia como chegar pra ensinar, então, isso é uma questão de currículo oculto.

Os professores, a escola, a direção, a coordenação ped-agógica, todos eles precisam se voltar pra compreender esse espaço plural que existe dentro da escola. A gente fala muito de diferença, mas a escola na verdade, a exclusão ainda impera dentro desse processo. E não é só para os indivíduos surdos, é para todos os alunos que sofrem qualquer tipo de exclusão dentro desse espaço.

Fabrício: Rádio Web UFPA apresentando o programa UFPA Ensino. Hoje o tema é Metodologias de Ensino para Surdos. Os nossos convidados são, o professor Sílvio Santiago Vieira, o professor Ernesto Padovani Netto e a professora Ohana Matias. A gente vai para um rápido intervalo e volta já já. Rádio Web UFPA divulgando conhecimento.

Vinheta: Você está ouvindo UFPA Ensino. Você está ouvindo UFPA Ensino.

Fabrício: Estamos de volta com o programa UFPA Ensino. O nosso tema de hoje é Metodologia de Ensino para Surdos e os nossos convidados de hoje são o professor da Universidade do Estado do Pará Sílvio Santiago Vieira. Também recebo o professor Ernesto Padovani Netto, ele é professor da Seduc e faz o me-strado profissional em Ensino de História e também estou rece-bendo a professora Ohana Matias, que é professora substituta também da UEPA e tradutora/intérprete de Libras e também colabora com o canal História em Libras, pensado aí pelo pro-fessor Padovani.

Estamos de volta aqui pra nossa conversa, vamos começar com o professor Padovani e com a professora Ohana pra eles comentarem um pouco mais sobre esta experiência do canal História em Libras, justamente como é que vocês propõem o ensino da história a partir do canal no Youtube, qual é o diferencial que vocês têm aplicado, lógico além das legend-as e tudo mais, em termos da perspectiva que vocês estão apli-cando a esse ensino de História pra realmente incluir essas pes-soas sendo surdos pra ele ter acesso a esse conteúdo. Profes-sor Padovani.

Ernesto: Na verdade, nós fizemos uma disciplina no mestrado min-istrada pela professora Edilza Fontes que chama-se “História Pública”. Então no Brasil é uma discussão um tanto quanto recente, a discussão sobre História Pública. História Pública perpassa pela questão de que você tem o historiador que produz o conhecimento histórico. Em outros momentos da história, o conhecimento histórico era fundamentalmente pro-duzido pelo historiador e hoje em dia o que nós temos? Nós temos canais no Youtube, nós temos programas de TV, nós

temos jornalistas. Na verdade, todo mundo fala de história o tempo todo. Então, a história ganhou esse viés de história pública. Então, são narrativas que estão aí se degladeando. A gente vê isso no Brasil, esquerda e direita construindo narrativas históricas em torno de situações que ocorreram. Então, esse foi um debate fundamental pra eu pensar o canal. Por que? Em 2013 nós tive-mos as manifestações, o início daquelas manifestações que acabaram culminando com o impeachment. Então, o que acon-teceu? Os surdos chegavam na escola “por que que está acon-tecendo isso?”. Aparecia os blacks bloks quebrando as coisas, colocando fogo, quebrando os bancos e tudo mais e os alunos chegavam “eu não estou entendendo, por que profes-sor na rua esse problema toda a hora na televisão? E eles não entendiam o que estava acontecendo. Então o problema era o acesso à informação. Então, que história está sendo construída para esse aluno? O que que ele está aprendendo no processo escolar, o que que ele está viven-ciando, está vivendo, podendo relacionar, inclusive. Então, eu fui trabalhar nessa perspectiva de explicar. Eu lembro, inclusive, no primeiro vestibular de Libras da UEPA que houve as vagas para os surdos, eu fiz uma discussão com seles sobre essa questão de 2013 dos blacks blocks relacionando com ludismo, quando os operários ingleses quebravam as fábricas e tudo mais. Acabou que foi uma questão que veio na prova, então eles acertaram em massa a questão. Então relacionar os tempos históricos a partir de situações vivenciadas por eles. E o canal História em Libras veio muito nessa perspectiva de pensar a História Pública, a História digital. Nós não temos mais como ser, no meu caso, eu trabalho com história, sermos histo-riadores que ficamos presos somente ao papel, não é verdade?

Somente a entregar textos escritos que uma banca vai ler e muitas das vezes não é lido maciçamente. Então o canal foi uma forma de além de contemplar a exigência do programa que é ter um produto pedagógico, é um exercício de história pública, porque o tema Movimentos Sociais que é o tema da primeira aula, ele surgiu porque eu fui perguntar para os alunos o que eles gostariam de estudar. Isso também é uma perspecti-va muito interessante da gente refletir, porque eu digo “qual é o tema que eu vou colocar? eu não vou elencar um tema de cima pra baixo. Fazer uma aula sobre tal tema e ao perguntar para os alunos, eles tinham muita dificuldade de me responder o que eles gostariam em história. Primeiro, por quê? Existem uma perspectiva de que a história é uma história política. Então, estudar História é estudar Getúlio Vargas, é estudar a Ditadura Militar, é estudar os governos, os grandes heróis na-cionais, entre aspas. E eu queria que eles compreendessem que os surdos tem história.

No YouTube você tem muitas aulas no estilo caseiro, diga-mos assim. Você filma ali o quadro, para um professor que só precisa do recurso da fala é tranquilo. O professor fala, o ouvin-te escutou a informação. Mas para o surdo não, eu preciso de edição, eu preciso que as imagens entrem, eu preciso dialogar com as imagens, eu preciso de uma certa produção. Então, eu encontrei parcerias para produzir esse primeiro vídeo. Houve um custo. Hoje é um momento em que a secretaria de edu-cação replicou essa questão do canal. A Seduc colocou no site, colocou na agência Pará, colocou matérias no YouTube, no Facebook, sobre o projeto. Mas agora a gente precisa de suporte para dar continuidade.

Fabrício: Professor Silvio, eu queria que você falasse um pouco da sua experiência porque o senhor atua em outra área de conhe-cimento que é o ensino religioso. É uma metodologia meio parecida? como é que é são as estratégias que o senhor usa para atuar nessa área específica?

Sílvio: Eu não trabalho com canal especificamente.

Fabrício: Sim, sim.

Sílvio: Hoje eu tenho focado no grupo GESI. As nossas reuniões são todas as sextas-feiras. A gente tem desenvolvido foco na questão da criação de sinais termos que contemplem as questões das religiões. Mas é muito importante ressaltar que nós não estamos focando no cristianismo porque o cristianis-

safio. A sala em si é bilíngue, mas a questão da metodologia dos professores que é o mais difícil, até às vezes o posiciona-mento, eles estão aqui, o intérprete está bem aqui, e eles passam na frente. O surdo reclama “a gente não está conse-guindo visualizar o intérprete”. Então, a gente fica meio assim andando para cá e para cá. Então, assim experiência é muito boa para mim lá na graduação, é outro nível com surdos e assim eu fico muito feliz porque eles estão amadurecendo bas-tante.

Quando eles entraram sentiram muita dificuldade assim como os ouvintes, então assim foi um papel tanto dos intérpre-tes quanto dos professores, enviando materiais para a gente, para a gente procurar como o professor Sílvio falou sobre os sinais termos, se existem, porque são disciplinas muito espe-cíficas. Então, já lá no curso de pedagogia bilíngue que já tem um material pronto, na verdade. Então, assim tem as videoau-las, então geralmente os surdos que vão para lá geralmente são 10 ou 12, porque na verdade nós tutores fazemos uma escala, por exemplo eu vou dois dias, o outro vai mais dois dias. Então assim, a experiência lá é a questão visual que é muito impor-tante.

E o interessante é que os sinais são bem diferentes. Então assim, eles mostram lá na videoaula que é no INES que fica no Rio de Janeiro, e então são bem diferente dos sinais que nós tutores usamos. Então, é uma metodologia muito boa lá assim na questão visual. Então, te dá esse auxílio, interpreta, por exemplo, os textos da Língua Portuguesa. E é esse o trabalho que a gente faz lá.

Fabrício: Na experiência de todos vocês, vocês todos falaram bas-

tante de utilizar estratégias que apelam para esse aspecto visual. A Libras é visual, mas vocês também falaram muito de utilizar estratégias que possam utilizar vídeos, por exemplo, maquetes, enfim, coisas que vão apelar para o sentido visual e vai facilitar esse ensino para esse aluno surdo.

Alguma outra experiência que vocês tiveram, outra poten-cialidade, alguma outra coisa nesse sentido que possa acres-centar para, de repente, um outro professor, para uma pessoa que, de repente, não tenho tido essa experiência, ou de repente possa pensar em alguma outra coisa que vocês possam apre-sentar em algum exemplo?

Ohana: Eu tive uma experiência. Eu ainda era estagiária lá no Astério de Campos. Então, estava eu mais a minha colega Silvana. Então, lembro que na época, eu acho que foi em 2013, eu não sabia o sinal de corrupção. Então, assim, como explicar um conceito, explicar o que é, dar um sinal? Então assim, eu e a Silvana mostramos assim, dramatizamos na verdade.

Nós mostramos um contexto do dia a dia, por exemplo, a gente colocou... eu era a personagem cobrador e ela era um passageiro que ela passava o troco para mim, ou para ela me dava passagem né e eu passava um troco a mais. Então mas ela não me falava nada, ela ficava com dinheiro. Então, explicava para os alunos, “entenderam como é que ocorre a corrupção no dia-a-dia e no contexto político?” Então, foi uma experiência muito boa para mim porque assim quando se está com um surdo, se você não sabe o sinal, o conceito, você tem que apelar até para o teatro, tem que mostrar em algum momento um recurso visual para eles, porque, às vezes, só imagens não dá um sentido para ele. Você tem que dar uma explicação,

mo ele já tem todo um arcabouço de sinais termos.

Nós estamos pegando mensalmente as religiões que já são consideradas religiões mortas. Então, a gente veio desde a Grécia trazendo toda essa questão para trabalhar a questão da sinalização, para ajudar professores tanto de história como também professores de ciências da religião para ensinar os alunos surdos dentro desses contextos. Então, a gente tem toda uma pesquisa com base na lexicografia, na terminologia, buscando compreender se já existem esses sinais, se esses sinais já são utilizados em outros estados, para evitar criar sinais e depois dizer que são variações linguísticas que também não vou entrar muito no mérito porque é uma dis-cussão muito ampla.

Então, após esse primeiro momento que foi a questão da criação esses sinais de Termos, nós desenvolvemos um ciclo de oficinas que nós aplicamos na escola Vilhena Alves no ano pas-sado durante três semanas, onde nós trabalhamos com as met-odologias visuais também com o auxílio do profissional intér-prete de libras, além de que os alunos da UEPA que participam do grupo também sabem sinalizar, mas como a gente percebeu que era um conteúdo muito específico a gente preferiu solicitar a presença do intérprete de libras. Então, nós sentamos com intérpretes, trabalhamos sinais termos que tinham sido cata-logados e os que foram criados. E foi muito interessante como esses alunos surdos ele já compreendem muito essa ideia do visual, assistem muitos filmes, desenhos e trouxeram muitas experiências legais.

Após isso, a gente aplicou em torno de umas 8 a 9 oficinas e nós resolvemos escrever alguns artigos porque a gente per-cebeu, a partir dessa experiência, que os professores que

talvez não saibam lidar com o aluno surdo porque eles não conhecem as metodologias que devem ser trabalhadas. A gente está escrevendo agora um livro que vai ser publicado agora esse ano pela Editora CRV que se chama a “Religião e Educação de surdos: desafios e métodos”, onde a gente tem foco na questão das religiões indígenas, nas religiões afro de matriz africana, especificamente o Candomblé, já que tem um vídeo no YouTube publicado pelo professor Emerson Silva onde ele trabalhou a questão de sinais específicos do Can-domblé.

A gente pegou esse sinais, e fomos trabalhar dentro da sala de aula contextos, por exemplo, sobre os líderes religiosos entre muitos outros contextos. A gente observou que os pro-fessores e os alunos se forem dados para eles as metodologias, se forem oferecidos a eles esse conhecimento, eles conseguem desenvolver o trabalho e o aluno consegue aprender. Então, por isso que o livro é uma alternativa, a gente vai distribuir gra-tuitamente o livro depois como alternativa de ensino para os professores.

Fabrício: Ohana, eu queria saber um pouco mais da tua experiência, porque agora tu estás atuando numa Universidade. O público, com certeza, é diferente. E deve misturar tanto ouvintes quan-tos surdos. Você também está atuando nessa tutoria do curso de pedagogia bilíngue, então, com certeza é uma proposta totalmente diferente que você também deve lidar com metod-ologias diferenciadas para lidar com esse público né?

Ohana: Sim, com certeza, eu atuo tanto no curso letras-libras, que tem metade da turma são surdos e ouvintes. Então ali é um de-

mostrar um classificador para ele, dramatizar para ele entender melhor.

Fabrício: A dramatização é então potencial né. Professor Sílvio, pro-fessor Padovani, querem acrescentar algo mais.

Padovani: Porque a questão é que você tem que construir o con-ceito. Eu vou dar um exemplo aqui, muitas questões de história ou até mesmo no momento de explicar aparece o termo conse-quência. Quais as consequências de determinada situação histórica? Então, para nós ouvintes, vamos pensar assim o con-ceito de consequência. Consequência é uma coisa que acon-tece depois que uma coisa aconteceu e como você vai explicar isso para o surdo? Então, o que a Ohana colocou aqui é funda-mental. Quando eu quero dizer para o aluno o que é conse-quência, eu digo para ele “olha, por exemplo, a pessoa está tomando uma cerveja, whisky, ela pegou um carro, qual pode ser a consequência? Bater o carro. Isso tudo não falado, é dramatizado como ela disse. Então, eu preciso construir esse recurso. Quando ela fala em classifi-cador, de construir cenários narrativo com as mãos para ele. Você está dirigindo mas você bebeu. O que pode acontecer? Você teve uma relação sexual sem preservativo, você pode ficar doente, é uma consequência. Você pode ficar grávida, é uma outra consequência. Então, você tem que construir essas questões. Eu tive três anos como professor Itinerante na escola Luiz Nunes Direito na Cidade Nova. Eu ligado ainda ao Astério, mas desempenham parte da minha carga horária lá. Fizemos várias parcerias com os professores. Então, na apresentação de seminários, nós construímos com os alunos os slides, as apre-

sentações. Eu fazia a interpretação da apresentação dele para os professores. Os professores faziam perguntas. Eu fazia esse papel de intérprete nesse momento. Tem um professor, por exemplo, que fez em alguns momentos a prova de surdos, aquela ideia que a gente tem da prova oral, para o surdo ele fazia a prova sinalizada. Então, ele construía ali 6 questões, reunia comigo e com os surdos, aí ele escolhia “olha, faz essa questão aqui para ele”, aí eu perguntava para o surdo aquela questão, aí o surdo respondia, e eu ia interpretar e fazia esse papel de intérprete nesse momento. Aí o professor avaliava a resposta.

É interessante que é um ser humano. Então, quando ele não sabia, a feição dele mostrava logo que ele não sabia. Ele ficava nervoso, ficava tentando enrolar. O professor já percebia que ele estava com dificuldade para dar resposta. Então, são situações aí, nós fizemos, por exemplo, trabalhos com maquet-es. Esse foi muito interessante, o professor estava trabalhando “A Belle Époque”. E aí ele pediu para os surdos falarem sobre cinema Olympia. Essa foi uma ideia que partiu deles, por exem-plo, eu queria fazer uma maquete do cinema Olímpia, eles dis-seram “não, vamos fazer uma da fundação do cinema, outra dos anos 70/80 e outros agora”. Então, nós acabamos discutin-do a temporalidade, as mudanças arquitetônicas do prédio pú-blico, enfim, ficou bem legal. A apresentação de documentári-os, eu achei um documentário sobre o cinema Olympia, apre-sentamos para eles a interpretação. Então, há uma gama de possibilidades aí realmente. Na questão de química, a professo-ra também pegou umas bolinhas de isopor e aí o que aconte-cia? Aquelas bolinhas de isopor eram as moléculas, aí quando ela queria uma molécula diferente daquela da bolinha, ela já pintava a bolinha de vermelho para representar que era o hidrogênio, que era um carbono.

Então, todas essas possibilidades elas são possíveis de ser utilizada e o interessante é que fica muito bacana para o ouvin-te e para o surdo porque acaba trabalhando um pouco do lúdico. Não é só aquela coisa do professor que fala, fala, fala, e o aluno acaba construindo também ali as coisas, o conheci-mento.

Fabrício: Professor Silvio.

Sílvio: Eu queria complementar fazendo uma boa abordagem voltando lá para a questão do intérprete de libras, porque a gente sabe que o recurso visual, a dramatização tudo isso real-mente eles são de extrema importância. Mas olhando intér-prete em conta uma tecnologia assistiva dentro desse espaço, a gente precisa pensar que o professor deve ter ele também como recurso metodológico. Então, eu quero aproveitar o espaço para conversar também com os professores que possam estar ouvindo os alunos, que é direito do professor ter um intérprete de libras ao seu lado enquanto recurso met-odológico, por que o professor possivelmente não conseguirá sinalizar de forma fluente na sala de aula.

Então atenção para quem tá ouvindo uso decreto 5626/2005 para cobrar dos pais os direitos dos alunos surdos. Você pode levar isso ao Ministério Público para que possa ser trazido o intérprete de Libras. Eu acho que esse recurso met-odológico, o intérprete enquanto recurso metodológico, é im-portantíssimo dentro da sala porque o professor mas na maio-ria das vezes ele não terá tantas vezes para organizar todas as suas aulas de forma visual. Então, esse intérprete de Libras, ali, ele é essencial nos momentos em que o professor não tivesse oportunidade.

Fabrício: Está chegando já ao final do programa, vou abrir o espaço para as considerações finais dos nossos convidados, men-sagem de finais, o que vocês consideram como desafio, algo que vocês queiram reforçar em relação ao que a gente debateu ao longo dessa entrevista. Professor Padovani, pode começar? Ernesto: Na verdade, eu gostaria de agradecer, muito importante esse espaço. A gente percebe que a cada dia a questão da Ed-ucação de surdos está ganhando uma projeção. Eu acho que a questão da redação no Enem foi um antes e depois. O espaço, eu mesmo posso testemunhar, eu já estava ali no mestrado, fazendo projeto, mas depois que veio a redação do Enem, os convites para estar nos espaços, no IFPA, na UEPA na própria UFPA, convites para palestra, enfim. Está discutindo essa questão aumentou muito. Então isso é fundamental, não só para o nosso trabalho né mas para esse público que em algum momento nos falamos aqui da invisibilidade do Surdo, e era um público invisível e é um público que cada vez mais não quer ser invisível, quer ser representado.

Então, nós percebemos que as janelinhas da língua de sinais na TV já é uma coisa que está ganhando muita força, nas campanhas eleitorais, aí foi uma grande novidade. Mas o corre-to é que isto esteja em todos os momentos, em todos os dis-cursos. A gente ainda não vê isso no Brasil, os políticos fazem seus discursos mesmos nos cargos de governadores, presi-dentes, não tem um intérprete.

Quando nós vemos imagens no exterior, o presidente americano falando, a intérprete está do lado. Então, nós temos

um caminho grande aí de conquistas para trilhar, que a comuni-dade surda tem naturalmente também que trilhar.

Fabrício: Ohana. Ohana: Eu quero agradecer também pelo convite. Eu quero agra-decer novamente ao professor Neto por ter me convidado a fazer parte desse canal. Eu não tenho parentes surdos, na ver-dade eu tenho namorado surdo. Então assim, onde estiver um surdo, eu sempre estou lutando com eles. Inclusive, eu faço parte da diretoria da Jubel. É uma honra ser a única ouvinte, então é muita confiança perante os surdos né.

Então assim, na associação a gente luta pela presença do intérprete em sala de aula, nos hospitais, em qualquer espaço. Então assim, essa visibilidade está ocorrendo assim, mas tem que melhorar enfim, tem que avançar mais. Então, para os pro-fessores que estão escutando, eu sei que não tem muito tempo assim para organizar o material, mas fazer um esforcinho. Pro-fessores que estão ouvindo, por exemplo, você tem um aluno surdo ou com outra deficiência procure ter contato com seu aluno, procure saber o que ele pensa, se ele está entendendo. É importante isso.

Fabrício: Professor Sílvio

Sílvio: Bom, primeiramente, eu queria agradecer o convite. Foi uma honra estar debatendo junto com professor Netto Pado-vani e a professor Ohana. E o recado que eu deixo aos profes-sores é sempre buscar pensar, que a partir do momento em que você tem um aluno surdo na sala de aula pensar nessas

metodologias visuais, pensar nessas estratégias que você con-segue desenvolver um trabalho, se as dificuldades elas exist-irem, e caso haja o atendimento educacional especializado na sua escola, procurar o AE de forma a buscar esse suporte que você precisa.

É importante ressaltar que a gente iniciou lá falando sobre a Libras enquanto disciplina, nenhum professor, nenhum aluno vai sair fluente na língua de sinais, porém eu acredito que o ponto mais importante da disciplina é disseminar essa questão da diferença. Então o professor que está hoje trabalhando com surdos ele precisa entender que esse indivíduo tem particulari-dades, ele tem diferenças em relação aos alunos ouvintes e se ele buscar respeitar essas particularidades o desenvolvimento desses alunos será bem maior.

Em suma fica a dica, aproveitando a sala da professora Ohana, quebre essa barreira que existe entre você e o aluno, uma barreira imaginária que já se passaram anos e é necessário você quebrar. Como você faz para quebrar isso é chegando próximo desse aluno perguntando se ele está entendendo, per-guntando de que forma ele que aprender com a professora sugeriu ainda pouco e dessa forma ele vai conseguir fazer com que esse aluno possa expressar as formas que ele pode com-preender melhor, porque a gente deu algumas dicas mas não são receitas.

Cada um, cada professor vai observar dentro dos seus espaços escolares de salas de aula alunos com suas particulari-dades, então, o grande ponto é chegar próximo do aluno que foi que a professora a Ohana citou, quebrar a barreira imag-inária.

Fabrício: Está certo. Muito obrigado professor Silvio, professora Ohana, professor Padovani. Muito obrigado pela participação de vocês, pelos esclarecimentos e por compartilhar conheci-mento com a gente obrigado.

Sílvio: obrigado.

Fabrício: Agradeço mais uma vez a participação do professor Silvio Santiago Vieira, professor Padovani Neto e a professora Ohana Matias. Agradeço também a você ouvinte que acompanha o programa de hoje. Se você quiser enviar críticas comentários ou sugestões é só mandar um e-mail para rá[email protected].

educação de surdos, são experiências muito diversas, lógico, né. Por exemplo, em relação a esse contato que vocês tiveram com a Libras que inclusive, é exigido como eu falei, nos própri-os cursos de licenciatura, esse primeiro contato que muitos professores, licenciandos, hoje alunos de graduação têm, será que ele evoluiu muito dos que vocês tiveram por exemplo, no contato de vocês com a licenciatura? Será que hoje avançamos mais neste contato da Libras, nessa inserção da Libras no ensino superior pra formar esses profissionais, esses profes-sores que vão poder incluir esse aluno no sistema de ensino? ou vocês veem muita similaridade com o que vocês tiveram como experiência enquanto universitários. Como é que vocês veem essa evolução? Teve avanço ou não? Sílvio: A minha primeira formação é em Matemática. Na época em que eu me formei em matemática não existia no currículo a disciplina Língua Brasileira de Sinais, então eu só fui ter contato com a libras enquanto disciplina na especialização, mas hoje eu sou formador de alunos de cursos de licenciatura. Então, mesmo assim eu ainda observo que existem algumas coisas que nós precisamos avançar, por exemplo, a carga horária dessas disciplinas é muito reduzida na maioria dos cursos de graduação. Há curso em que a carga horária varia de 40 horas, 50 horas, 60 horas. A gente há de considerar, o professor Padovani, por exem-plo está desenvolvendo uma dissertação de mestrado onde ele tem um olhar sobre a história desse indivíduo dentro de um processo educacional. Imagina, você precisa apresentar essa história que não é pequena para o aluno graduando. Você pre-cisa trabalhar as metodologias de ensino, você precisa tra-balhar com experiências, você precisa levar esses alunos pra escola de educação de surdos pra que eles possam conhecer

Como professor da escola Astério de Campos que é uma escola de referência em Belém, todo o início de ano nós recebemos muitos convites para formação. E aí eu sou um dos professores que costuma ir dar essa formação. E a preocu-pação é essa. “Professor, sou professor de física, e aí o que que eu vou fazer com o aluno surdo que está na minha sala?”.

Então, quer dizer, mesmo sendo professor de história, eu procurei desenvolver, construir alguns materiais pra esses mo-mentos de formação onde eu explico pra eles, por exemplo, que pro surdo se você vai trabalhar matemática, você vai tra-balhar aquela abstração, aquelas frações, então é muito com-plicado. Agora se você traz para aquelas questões que é algo que está afinado com o aquilo que o MEC pensa em relação ao enem, se você traz que os prédios projeta uma sombra de tantos graus, formando um ângulo, você abre a mente ali pra trabalhar com o surdo porque ele está visualizando o prédio, a sombra, o grau está relacionado com a vida, então não é algo tão distante pro mundo ouvinte.

Em geral, quando estou em momentos de formação, ou em espaços educacionais, eles pensam que o surdo ele não ouve, mas ele sabe ler, então é muito complicado, porque ao não ouvir, o surdo não criou o conceito daquela palavra, nós sabe-mos que mesa é mesa, nós ouvimos a palavra mesa e atribuí-mos à mesa.

O surdo não ouviu essa palavra, então o conceito para ele, a palavra pra ele é um emaranhado de signos pra ele. Ele preci-sa estar gravando aqueles signos. A disciplina libras ela não está dando conta disso, ao meu ver. Os alunos vão pra essa dis-ciplina, eles não vão aprender a língua de sinais. Eu tenho con-tato com professores do ensino regular que têm alunos surdos há oito anos, há sete anos. Na minha pesquisa eu entrevistei

professores que têm alunos surdos há 10, 8 anos e ainda não sabe dá bom dia. Então, na disciplina também esse aluno não vai aprender. Está servindo pra ele entrar em contato e saber que isso existe. Hoje a minha luta, eu estou tentando criar um conceito que é o ensino de história em contextos inclusivos, que esse debate vá de fato pro campo das disciplinas, das áreas de conhecimento e não fique pairando acima de todas disciplinas que não dá conta. As disciplinas têm metodologias diferenciadas de ensino.

Fabrício: Como é que essa realidade no curso de letras, Ohana?

Ohana: Sim, sim, como o professor Neto falou, eu vim do curso Letras Libras, então tinha agrade curricular toda voltada pra Libras, pra educação dos surdos, então assim, em si, eu não tive essa dificuldade, mas se eu dependesse só do curso, hoje em dia talvez, eu estaria sinalizando só o básico, assim infelizmente como muitos colegas meus terminaram o curso e não tinham domínio da Língua de Sinais. Então, eu precisei correr exata-mente para manter contato com o usuário da língua pra poder aprender. Hoje em dia tudo o que eu sei foi porque eu estou sempre tendo contato com o surdo, então assim, quando eu conversa-va nos corredores com meus outros colegas de graduações, seja de letras português, biologia, eles me falavam assim “Ohana, você pode me ensinar qual é o sinal isso, isso, o sinal específico da graduação deles, porque o meu professor falta, porque o meu professor não está presente”, ou como o profes-sor Sílvio falou “a carga horária é muito pouca”, então assim, “não faz a adaptação voltada para o meu curso”. Então, como eu posso chegar numa graduação, por exemplo de licenciatura em biologia e ensinar por exemplo, só o alfabeto, só os sinais

esses espaços que é a partir dessa experiências empírica que ele pode se identificar muito mais com esses processo. Então eu observo que 60 horas, 80 horas é uma carga horária insufici-ente. Na minha opinião, nós deveríamos ter hoje um estágio curricular voltado pra educação especial. Os alunos saem da graduação sem saber como lidar com os alunos com deficiên-cia.

Falando do aluno surdo, ele sai ainda mais perdido haja vista que a Língua de sinais é uma língua diferente da Língua Portuguesa, com uma estrutura gramatical que carrega uma especificidade muito diferente da Língua Portuguesa. Então penso que a gente deve continuar discutindo essas questões da inclusão a fim de que exista um estágio supervisionado especifico. É lógico que as pessoas não vão sair de lá expertise em trabalhar com surdos, mas ela pelo menos terá condições de compreender essa realidade da inclusão escolar visitando esses espaços, essas escolas que têm educação especial que ainda existem aqui dentro de Belém.

Fabrício: Padovani.

Ernesto: Na minha graduação também ainda não havia essa questão da disciplina Libras. Pra dizer a verdade, durante a minha graduação nunca nem passou pela minha cabeça essa realidade. Não era algo discutido, debatido, presente dentro da Universidade, nem na sociedade. O que acontece assim, eu go-staria de concordar com o professor e também aprofundar no sentido de não é só uma questão de apresentar a disciplina com o nome Libras. Então, eu preciso trabalhar com o meu aluno de história metodologias de ensino de história pra surdos, metodologias de ensino de matemática para surdos.

Fabrício: Olá, ouvintes da Rádio Web UFPA. Eu sou Fabrício Que-iroz e a partir de agora você acompanha comigo mais uma edição do UFPA Ensino que hoje vai falar sobre Metodologias de Ensino para surdos.

Segundo o censo do IBGE de 2010, 9 milhões e 700 mil pessoas têm deficiência auditiva. Cerca de um milhão são jovens até 19 anos. No Brasil, os surdos só passaram a ter acesso à educação durante o império.

Em 26 de setembro de 1857, foi criada a primeira escola de educação de meninos surdos, no Rio de Janeiro. Apesar do avanço, somente em 2002, a Lei nº10.436 reconheceu oficial-mente a Língua Brasileira de Sinais, a LIBRAS.

A Libras é fundamental para garantir o aprendizado de alunos surdos. Em 2005, com o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro, a Libras foi determinada como disciplina curricular obrigatória para todos os cursos de licenciatura e também fonoaudiologia, e ela é optativa para os demais cursos do ensino superior e da educação profissional.

Outra grande conquista aconteceu em 2010, quando a profissão de tradutor–intérprete de Libras foi regulamentada em de 1º de setembro.

Além disso, professores têm buscado trazer a Libras para fora da sala de aula. Na internet, por exemplo, existem video-aulas em libras, democratizando o acesso à educação.

Hoje, vamos conhecer o trabalho de professores e intérpretes de Libras que desenvolvem estratégias para melhorar o ensino para surdos. Recebemos aqui no es-túdio da Rádio Web o professor da UEPA Sílvio Santia-go Vieira, ele é mestrando em Ciências da Religião, es-pecialista em Atendimento Educacional Especializado e também coordena o Grupo de Estudos Surdos & Inter-faces do IEPA, que é o Instituto de Educação e Cultura do Pará. Professor Silvio, muito obrigado por sua partic-ipação, bem-vindo.

Sívio Viera: Muito obrigado pelo convite.

Fabrício: Obrigado, professor Silvio. Também estou rece-bendo o Ernesto Padovani Netto, mais conhecido como Padovani. Ele é aluno do Mestrado Profissional em Ensino de História e é responsável pelo canal do Youtube “História em Libras”, e também é professor da SEDUC. Professor Padovani, muito obrigado.

Ernesto Padovani: Obrigado pelo convite, a gente espera contribuir aqui um pouco com o debate.

Fabrício: Obrigado, professor. E também recebemos a Ohana Matias. Ela é tradutora / intérprete de libras, é professora substituta da UEPA. Também atua como tutora na UEPA no curso de Pedagogia Bilíngue, além de ser especialista em Educação Especial e Inclusiva, e também colaboradora do canal “História em Libras”.

RÁDIO WEB UFPA: Divulgando conhecimento 15

Page 19: Divulgando conhecimentoradio.ufpa.br/wp-content/uploads/2018/03/Roteiro... · Eu digo “não, ele sabe diferenciar, o meu papel aqui é de intérprete”. Eu sempre lutava a questão

Ohana, também muito obrigado pela tua participação, bem-vinda.

Ohana: Obrigada pelo convite, é um prazer estar aqui estar fazendo parte desta discussão.

Fabrício: Eu queria que, na verdade, vocês primeiramente se apresentassem um pouco pra gente conhecer um pouco da trajetória e do interesse de vocês por essa área tão cara e tão desafiadora. A gente viu aí por esse pequeno histórico o quanto ela foi negligenciada, a educação de surdos, a educação inclusiva. O que que motivou vocês a trabalhar com essa área que ainda é um desafio na ed-ucação brasileira? Professora Ohana.

Ohana: Ohana: Bom, a minha história em si é bem diferente dos outros. Os meus colegas que eu estudei no curso de letras libras em 2012, a maioria veio da área da interpre-tação da igreja, ou tinha um parente surdo e no meu caso em si é por conta da minha mãe ser pedagoga. Então, como ela fazia na época o curso de libras, ela me incentivou para escolher esse curso. Na verdade, eu con-heci esse mundo novo quando eu passei no vestibular. Então assim, a partir do momento que eu comecei a estudar e começar a entender a história da educação do surdo, foi só um momento assim pra eu procurar saber mais sinais. Então, foi uma grande oportunidade e hoje em dia eu estou atuando, também faço parte da as-sociação dos surdos de Belém. Então eu estou sempre

nessa constante luta em prol da educação dos surdos, na luta por eles.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: Bom, a minha trajetória ela começa quando em 2009 eu resolvi fazer um curso de Língua Brasileira de Sinais no CAES. Eu tive um aluno surdo na época no Augusto Meira. Não sabia como lidar com os alunos surdos. E a minha comunicação com eles era basicamente por meio da mímica, por meio da escrita nos braços. Os surdos eles têm o costume de escrever no braço quando não têm papel, apagava, enfim. E assim eu fui apren-dendo os sinais iniciais e eu percebi que eu deveria ir mais adi-ante. Eu já tinha experiência com educação de alunos cegos e baixa visão, porém a minha experiência com os surdos me fez refletir sobre essas carências que a formação inicial de profes-sores possui. Aí eu fui fazer um curso de libras, tive o professor Arlindo, o professor Tiago Costa como meus professores. E foram pessoas que contribuíram muito para a minha formação inicial na área da língua de sinais. Em 2010, então eu resolvi en-veredar pela especialização nessa área, fiz especialização em Libras. E comecei também em 2010 a interpretar dentro da Igreja Assembleia de Deus. Foi quando eu realmente resolvi me focar nessa questão da interpretação que eu já estava na docência. Posteriormente a isso, eu resolvi criar o grupo de estudos surdos e interfaces, onde a gente tem discussões diversificadas, mas especifica-mente hoje nós estamos discutindo as questões relacionadas a

gênero e sexualidade dentro do grupo, haja vista que a comu-nidade surda belemense, ela apresenta uma pluralidade nesse sentido e é necessário que familiares e escolas possam com-preender essa questão da sexualidade do surdo que manifesta certas diferenças em relação à sexualidade dos indivíduos ouvin-tes. E também com foco na questão da religião pois eu tenho ob-servado que hoje os surdos eles têm buscado enveredar por outros ramos religiosos além do cristianismo. E a minha trajetória hoje tem sido basicamente focar na compreensão de como é que tem se desenvolvido essas territorialidades e os territórios dentro dos espaços sagrados. Hoje minhas pesquisas estão focadas nisso.

Fabrício: Professor Padovani.

Ernesto: Ok. Bem, eu sou professor da rede estadual de ensino há dez anos. Então quando eu comecei eu tra-balhei uns três anos no interior do estado. Tive um públi-co também de trabalhar em comunidades, quando vim, voltei a Belém, voltei pra trabalhar no sistema penal. O que ocorreu? Na verdade, lá no Astério de Campos não tinha professor de história. Aí me fizeram a proposta. Então, na verdade não foi muito uma escolha minha. Che-gando lá, eu criei de fato uma grande identificação com o trabalho. Fiz uma especialização em educação inclusiva e comecei a observar as dificuldades deles em relação à Língua Portuguesa, dificuldades com textos muito grandes, necessidade da utilização de imagens, então eu fui montando uma metodologia a partir de referenciais teóricos como a pedagogia visual e criando meu próprio material didático, criando formas de trabalhar com eles.

Quando surgiu a seleção pro Mestrado Profissional em Ensino de História, o PROFHISTÓRIA, eu fiz a seleção, fui aprovado e fui com isso na cabeça, que eu ia fazer um projeto sobre educação de surdos, unindo essas duas áreas. A questão da história e a questão da metodologia de ensino. E aí perpassam vários elementos, não é só a história em si. O meu trabalho é um trabalho sócio-histórico que vou justamente remontar o período do oralismo, passando pela co-municação total, são metodologias que são utilizadas até hoje como proposta teórica do bilinguismo prevalecendo na edu-cação dos surdos, pelo menos uma tentativa pra que prevaleça. E aí na verdade o canal “História em Libras”, ele surge como um produto desse mestrado. O mestrado profissional em ensino de história, ele exige uma dissertação escrita e um pro-duto pedagógico aplicável. Então existem várias possibilidades de produtos. A minha intenção inicial era fazer um material didático mesmo pra distribuir nas escolas, mas eu fiquei pen-sando na logística disso e no alcance que isso teria. Então, con-versando com amigos porque tem essa questão da interdisci-plinaridade, eu precisei de um amigo meu que trabalha com cinema, precisei da Ohana pra construir a proposta do canal. Então, desenvolvemos a ideia de um canal na internet seria muito melhor porque eu não teria o problema da divul-gação. Colocou na internet as pessoas podem acessar. E nós estamos nesse momento. Graças a Deus o vídeo está sendo muito acessado, teve uma repercussão muito boa. A Mídia Ninja compartilhou nos espaços que eles têm nas mídias digi-tais. Estamos agora aqui nesse debate

Fabrício: Dá pra esse primeiro relato de vocês, em relação à experiência, o contato que vocês tiveram com a Libras, com a

de família, de frutas, aí esse professor vai se formar, vai chegar numa sala de aula e vai só manter esse diálogo só de frutas, alfabeto? Não. Ele tem que saber o sinal de células, de mem-brana, disso, daquilo, tem que saber como é usar um classifica-dor. Infelizmente, é quebrada essa grade curricular das pessoas que estão na licenciatura.

Eu vivenciei isso muito quando eu fui intérprete de uma escola que tinha uma demanda muito grande, tinha 18 surdos na escola. Eu atendia oito surdos no ensino médio. Então, assim, eu observava a dificuldade dos professores. Eles chega-vam pra mim “eu nem tive essa disciplina de libras”, “eu nem sei o que é isso”, “é surdo mudo?” “ah, os teus alunos”. Eles não eram os meus alunos, eles eram alunos deles tanto quanto os ouvintes. Então, no caso, eu falava assim, “professor você tem que direcionar a eles”, “ah, mas só que ele vai pensar que é tu que tá chamando a atenção ou tá explicando”. Eu digo “não, ele sabe diferenciar, o meu papel aqui é de intérprete”. Eu sempre lutava a questão da metodologia, não pensavam no surdo.

Uma vez aconteceu uma situação que foi ao contrário, estava com legenda e sem som. Os ouvintes reclamaram. Aí eu falei para eles, “agora, vocês entenderam o que é estar na pele de uma pessoa surda:” Não é fácil. A informação não chega tão fácil pro surdo.O professor fez esse canal História. Esse canal é uma forma de democratizar tanto para surdo como para ouvin-te porque ele está usando diretamente a língua de sinais e tem ali a legenda.

Fabrício: Professor Padovani

Ernesto: Eu queria retomar mais uma questão pra embasar essa questão da metodologia, porque por exemplo a gente percebe muito há um censo comum de querer resumir a questão à língua. Então, se você tem um intérprete na escola, que não tem, em geral, não tem. Quando tem, então resolveu o proble-ma, agora tem intérprete. Então, eu faço sempre a discussão, o seguinte, se o problema fosse a língua, os nossos alunos ouvin-tes todos não teriam problema nenhum de educação no Brasil. Professor fala português, os alunos todos falam português, en-tendem, então por que os alunos não alcançam a média? Por que nós não estamos nos melhores patamares de educação mundial? Então nós não podemos também resumir o debate à língua. Então, como é que o aluno entende? É a partir da imagem? É a partir da construção de maquete? Qual é a possi-bilidade que se tem de vídeos com legenda?

O primeiro dia que o vídeo foi postado no Youtube, ele ficou sem legenda. Foi uma estratégia mesmo. Eu fui colhendo e estou colhendo os depoimentos pra finalizar a dissertação. “Poxa, não consegui, olha, eu paro, pela metade, eu parei. Não consegui acabar de ver, não tava entendendo nada”.Olha que nós colocamos os recursos imagéticos entrando no vídeo e em alguns momentos chaves aparecia escrito também o que estava sendo falado. Mas mesmo assim as pessoas reclamaram ou muitas fizeram essa reflexão: “poxa, agora eu me senti como os surdos se sentem”. São pequenas situações do dia a dia que no universo da escola se traduz em outras formas, mas são hierarquias de saberes. Um professor está ministrando aula, o outro professor vem dar um recado na turma, bota o rosto dentro da sala, “gente, gente, licença aqui, rapidinho, amanhã tem prova, dois reais a prova e tal”. Recado dado.

O surdo não entendeu. Vamos passar o vídeo pra turma, vamos levar para o auditório, muito legal, todo mundo vai, chega na hora de passar o vídeo me chamam pra interpretar, já aconteceu isso, eu não sou intérprete mas você está na escola, você sabe Língua de Sinais, você é intérprete, você é professor do AE, você é itinerante, você é tudo. Então fui lá interpretar, tudo certo, vamos lá, solta o play, apagam a luz. Como é que o surdo vai ter acesso à minha interpretação, então são questões que... é maldade? Não. Não é. Mas isso estrutura uma hierarquia de saberes. Entendeu. São hábitos que a escola internaliza porque ela é uma escola voltada e pensada para o público ou-vinte. O que me chama atenção é que isso acontece em escolas em que os surdos estudam há 10, 15 anos. Então, quando a escola vai internalizar presença do surdo? Então, acho que essas são questões aí que abrem um bom leque pra gente dis-cutir e pensar.

Fabrício: Só pra voltar, eu achei interessante o depoimento da Ohana, essa relação, dela como intérprete né. O Padovani ele tem o conhecimento, de repente ele pode usar desse conheci-mento pra se comunicar com esse aluno surdo, mas nem todas as escolas têm um profissional como a Ohana. E como é que fica a relação entre o professor e esse intérprete? Onde é que começa o papel de um e o papel de outro? Como é que se con-strói esse relacionamento pra que se possa comunicar e repas-sar esse conteúdo pra esses alunos? Como é essa dinâmica?

Ohana: Bom, a priori, o que deveria ocorrer era ter essa parceria com o professor e o interprete. Por que? porque o papel do intérprete é mediar. Ele não vai ensinar nada. Até porque a minha formação é Letras com habilitação em Libras, não é for-

mação em Letras, Português, Biologia, Matemática, não é.

A minha formação é Letras, então qual é o meu papel ali? É de chegar e interpretar tudo o que o professor falar. E quando eu digo tudo, eu interpretava até palavrões, enfim, tudo o que o professor abrisse a boca eu interpretava porque eu estou ali. Só que infelizmente essa experiência que eu tive o professor confundia, ele pensava que eu era a professora deles, e eu dizia “Olha, eu tenho respaldo, tem a lei, tem o código de ética, tenho tudo o que o senhor quiser eu mostro, mas esse daí não é meu papel, essa competência não é minha, é a sua”. Então, tem que ter essa parceria. O que o intérprete pode ajudar? Ajudar a dar umas dicas, como é que faz o material, coloca a legenda na próxima aula, é assim, é essa parceria. Essa relação de professor, intérprete e aluno.

Sílvio: Relacionando a fala da professora Ohana também pensan-do no atendimento educacional especializado. Então, ela ainda pouco colocou que o professor sempre atribui a responsabili-dade para o intérprete de Libras, mas ele também faz isso para o atendimento especializado. Por quê?

Historicamente a educação do surdo, ela foi atribuída à ed-ucação especial. Então, com o processo de inclusão que se dá a partir de 1996, com a lei de diretrizes e bases 93/94 de 96, é que a gente vem perceber que esses indivíduos com deficiên-cia, pessoas com deficiência, passam a ingressar dentro das escolas regulares. Só que nós passamos a ter dois personagens que antes nós não tínhamos dentro desses espaços, os intér-pretes de libras e os cuidadores também, e também a gente passa a ter o atendimento educacional especializado que as pessoas acham que é antiga educação especial, mas na ver-

dade há controvérsias, porque educação especial funcionava numa sala de aula onde se ensinavam essas pessoas. E o AE não, ele funciona como educação suplementar complementar, porém para o professor da rede regular, ele entende que é responsabilidade do AE ensinar os aluno surdos, que é responsabilidade do intérprete ensinar os alunos surdos, ou seja, esses personagens acabaram tendo responsabilidades além de suas responsabilidades e o professor se exime.

O Vigotski diz que “quando a gente enxerga deficiência primeiro ao invés de enxergar o ser humano, a gente destrói qualquer possibilidade de desenvolvimento desse indivíduo”. Então, a gente pode pegar a fala do professor Netto Padovani, por exemplo, em relação a questão das metodologias e obser-var que a maioria dos professores estão destruindo possibili-dades de desenvolvimento desses alunos na sala de aula exata-mente por causa das metodologias. Eu também não quero cul-pabilizar somente esses professores porque também a gente tem que pensar na formação desses indivíduos e nós também precisamos pensar que a Universidade também deve oferecer cursos de formação continuada, porque esse papel é da Uni-versidade. A gente costuma atribuir essa responsabilidade, “Ah, o governo não faz”, mas a Universidade é quem forma, é ela que deve trazer os professores pra dentro. Ela que precisa buscar parcerias com as escolas, parcerias com as unidades pra que isso possa acontecer.

Hoje, nós ainda observamos uma grande polêmica dentro das escolas. Intérprete de Libras que acabam tendo discussões com professores porque as vezes são atribuídas responsabili-dades. Durante o meu período na rede regular de ensino, eu tive dois alunos surdos, depois eu já estava fluente em Libras, e eu também tive problemas. E é legal colocar isso, porque os

meus alunos ouvintes não gostavam de eu passava a sinalizar na sala de aula. Então, o que que eu fazia, passava todo o con-teúdo de matemática, explicava primeiro em Língua Portugue-sa, passava uma bateria de exercícios pra eles fazerem, e era o momento em que eu ia sinalizar, porque não tinha intérprete de Libras, para os dois alunos surdos.

Só que isso gerava discussões na sala, “Ah, o professor não está dando atenção pra gente”, “o professor agora só olha pra esses surdos, lá vem ele com essa língua de sinais pra dentro da sala de aula”. Então, a gente observa que essas relações de poder que incidem dentro do espaço da sala de aula ainda fazem com que os ouvintes entendam que deve ser dada atenção a eles e que aos indivíduos surdos não deve ser dada atenção. Tem uma charge no livro do Moacir Carneiro muito interessante, inclusive nas formações continuadas eu sempre falo isso pros professores, os professores estão aqui em cima conversando “nós não conhecemos nada sobre esses indivíduos, nunca ouvimos falar nada sobre educação espe-cial”. Aí os alunos todos embaixo olhando.

Na verdade, essas pessoas vão reproduzir lá embaixo esse mesmo pensamento, é por isso que esses alunos pensam hoje que o professor deve dar atenção a eles e não devem dar atenção aos alunos surdos dentro da sala. Já eles também não aprenderam nada sobre educação especial, não aprenderam nada sobre pluralidade, diversidade, e acima de tudo sobre dif-erença.

Ohana: Eu vivenciei nessa escola, eu trabalhei nessa escola, se eu não me engano, dois anos e meio. Então assim, para aquela turma, eu acompanhei os surdos, primeiro, segundo e terceiro

ano. Até metade do convênio. Então, quando foi no primeiro ano, os ouvintes assim sofreram um impacto. “Intérprete?”, “surdos?”, “mãos mexendo?”, “Meu Deus!”, porque foram logo oito na minha turma. Então, assim, no início, eles deixavam de prestar atenção no professor e ficavam assim olhando pra mim, com os olhos vidrados, eu ficava intimidada inclusive, com o tempo eles foram habituando e foi passando ano, dois anos, mas o que me veio à cabeça, assim eu sempre fui tímida, então eu sempre chegava, dava bom dia pra quem estava na frente, mas eu não era de ficar batendo papo com os ouvintes.

Então, eu ficava conversando com os surdos, enquanto o professor não chegava. Então, assim os ouvintes assim, meio que segregavam a gente. Então, o que eu acho engraçado, é quando eles foram ter contato comigo? um dia após a prova do Enem. Tinha gente da escola do primeiro ano que eu nunca tinha visto na vida. Eles chegaram “Ei, tia, a minha proposta está boa”, “será que pode falar deficiente auditivo”, “eles são surdo-mudos”, “é isso, é aquilo”. Foi a primeira vez que eles viram a necessidade. A escola em si diz “Ah, a gente está inte-grando”, mas na verdade segregava. Então foi uma experiência dessa forma, foi ruim pra mim inclusive. Na verdade se não fosse eu ali com os surdos, eles não iam ter visibilidade naquela escola.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: É bem legal a gente observar que as falas estão contemp-lando o que a gente chama de currículo oculto dentro das insti-tuições, e é isso que a gente tem pra parar pra pensar hoje. As metodologias de ensino, elas podem contemplar as necessi-dades do professor na sala de aula, ok. Mas a escola precisa tra-

balhar o currículo oculto que é exatamente o que o professor Netto e a professora Ohana colocaram, que é essa questão da alteridade, de fazer com que o professor e o aluno possam se colocar no lugar do outro, porque inclusão ela precisa ser para todos. Ela tem que começar lá do porteiro até a merendeira. Então não é só o professor que deve passar por esse processo, e quando a escola inteira passar a se modificar, então, a gente vai começar a observar que os alunos ouvintes vão com-preender as particularidades étnico-linguísticos desses indivíduos surdos. Hoje a gente vem percebendo pelas experiências de rela-tos, até mesmo as experiências que a gente já viveu, que esses alunos eles ainda não compreendem. Eu lembro, por exemplo, uma vez que eu fui interpretar para um amigo meu, o Ademil-ton. Eu acho que a professora Ohana até conhece. Ele é surdo. Na época ele fazia ensino médio. E foi uma experiência muito triste porque o professor não sabia sequer da existência de um profissional interprete de Libras, então eu pedi pra diretora da escola, uma escola pública de Belém pra entrar pra interpretar na aula de química, e o professor me viu virado o tempo todo de costa pra ele. E ele achou que eu era um surdo que estava simplesmente conversando na sala de aula.

Só pra você ter uma noção do que que que é essa falta de compreensão desse outro indivíduo que está ali. E os alunos ouvintes na hora da frequência, começaram a chamar nome a nome, e eu disse “olha, o professor chamou o teu nome”. Ai ele foi lá na frente, e disse pro professor apontar. O professor fez um gesto obsceno pra ele e todo mundo começou a rir. De repente uma aluna chega e pergunta “professor, porque que ele tá aqui na sala de aula”. Ele disse assim: “Eu não sei, eu tô levando até onde eu posso”. Na verdade, esse professor não estava levando nada. Porque aquele momento ali mostrava que

ele não compreendia. Foi quando eu chamei o professor. “Pro-fessor, ele está com dúvidas nisso”. Aí ele disse “Ah, você fala?”. “Sim, eu sou ouvinte, eu sou intérprete”. E aí foi muito legal porque o professor sabia ensinar o surdo, só que ele tem medo de ensinar, porque tem uma barreira imaginária entre o profes-sor e o aluno surdo. Eu não lembro direito o conteúdo, eu acho que era sobre átomos que ele estava ensinando. Ele pegou um pedaço de papel, fez um monte de bolinhas, e ensinou pro Ademilton o conteúdo. Então, ele sabia ensinar, a questão é que ele não sabia como chegar pra ensinar, então, isso é uma questão de currículo oculto.

Os professores, a escola, a direção, a coordenação ped-agógica, todos eles precisam se voltar pra compreender esse espaço plural que existe dentro da escola. A gente fala muito de diferença, mas a escola na verdade, a exclusão ainda impera dentro desse processo. E não é só para os indivíduos surdos, é para todos os alunos que sofrem qualquer tipo de exclusão dentro desse espaço.

Fabrício: Rádio Web UFPA apresentando o programa UFPA Ensino. Hoje o tema é Metodologias de Ensino para Surdos. Os nossos convidados são, o professor Sílvio Santiago Vieira, o professor Ernesto Padovani Netto e a professora Ohana Matias. A gente vai para um rápido intervalo e volta já já. Rádio Web UFPA divulgando conhecimento.

Vinheta: Você está ouvindo UFPA Ensino. Você está ouvindo UFPA Ensino.

Fabrício: Estamos de volta com o programa UFPA Ensino. O nosso tema de hoje é Metodologia de Ensino para Surdos e os nossos convidados de hoje são o professor da Universidade do Estado do Pará Sílvio Santiago Vieira. Também recebo o professor Ernesto Padovani Netto, ele é professor da Seduc e faz o me-strado profissional em Ensino de História e também estou rece-bendo a professora Ohana Matias, que é professora substituta também da UEPA e tradutora/intérprete de Libras e também colabora com o canal História em Libras, pensado aí pelo pro-fessor Padovani.

Estamos de volta aqui pra nossa conversa, vamos começar com o professor Padovani e com a professora Ohana pra eles comentarem um pouco mais sobre esta experiência do canal História em Libras, justamente como é que vocês propõem o ensino da história a partir do canal no Youtube, qual é o diferencial que vocês têm aplicado, lógico além das legend-as e tudo mais, em termos da perspectiva que vocês estão apli-cando a esse ensino de História pra realmente incluir essas pes-soas sendo surdos pra ele ter acesso a esse conteúdo. Profes-sor Padovani.

Ernesto: Na verdade, nós fizemos uma disciplina no mestrado min-istrada pela professora Edilza Fontes que chama-se “História Pública”. Então no Brasil é uma discussão um tanto quanto recente, a discussão sobre História Pública. História Pública perpassa pela questão de que você tem o historiador que produz o conhecimento histórico. Em outros momentos da história, o conhecimento histórico era fundamentalmente pro-duzido pelo historiador e hoje em dia o que nós temos? Nós temos canais no Youtube, nós temos programas de TV, nós

temos jornalistas. Na verdade, todo mundo fala de história o tempo todo. Então, a história ganhou esse viés de história pública. Então, são narrativas que estão aí se degladeando. A gente vê isso no Brasil, esquerda e direita construindo narrativas históricas em torno de situações que ocorreram. Então, esse foi um debate fundamental pra eu pensar o canal. Por que? Em 2013 nós tive-mos as manifestações, o início daquelas manifestações que acabaram culminando com o impeachment. Então, o que acon-teceu? Os surdos chegavam na escola “por que que está acon-tecendo isso?”. Aparecia os blacks bloks quebrando as coisas, colocando fogo, quebrando os bancos e tudo mais e os alunos chegavam “eu não estou entendendo, por que profes-sor na rua esse problema toda a hora na televisão? E eles não entendiam o que estava acontecendo. Então o problema era o acesso à informação. Então, que história está sendo construída para esse aluno? O que que ele está aprendendo no processo escolar, o que que ele está viven-ciando, está vivendo, podendo relacionar, inclusive. Então, eu fui trabalhar nessa perspectiva de explicar. Eu lembro, inclusive, no primeiro vestibular de Libras da UEPA que houve as vagas para os surdos, eu fiz uma discussão com seles sobre essa questão de 2013 dos blacks blocks relacionando com ludismo, quando os operários ingleses quebravam as fábricas e tudo mais. Acabou que foi uma questão que veio na prova, então eles acertaram em massa a questão. Então relacionar os tempos históricos a partir de situações vivenciadas por eles. E o canal História em Libras veio muito nessa perspectiva de pensar a História Pública, a História digital. Nós não temos mais como ser, no meu caso, eu trabalho com história, sermos histo-riadores que ficamos presos somente ao papel, não é verdade?

Somente a entregar textos escritos que uma banca vai ler e muitas das vezes não é lido maciçamente. Então o canal foi uma forma de além de contemplar a exigência do programa que é ter um produto pedagógico, é um exercício de história pública, porque o tema Movimentos Sociais que é o tema da primeira aula, ele surgiu porque eu fui perguntar para os alunos o que eles gostariam de estudar. Isso também é uma perspecti-va muito interessante da gente refletir, porque eu digo “qual é o tema que eu vou colocar? eu não vou elencar um tema de cima pra baixo. Fazer uma aula sobre tal tema e ao perguntar para os alunos, eles tinham muita dificuldade de me responder o que eles gostariam em história. Primeiro, por quê? Existem uma perspectiva de que a história é uma história política. Então, estudar História é estudar Getúlio Vargas, é estudar a Ditadura Militar, é estudar os governos, os grandes heróis na-cionais, entre aspas. E eu queria que eles compreendessem que os surdos tem história.

No YouTube você tem muitas aulas no estilo caseiro, diga-mos assim. Você filma ali o quadro, para um professor que só precisa do recurso da fala é tranquilo. O professor fala, o ouvin-te escutou a informação. Mas para o surdo não, eu preciso de edição, eu preciso que as imagens entrem, eu preciso dialogar com as imagens, eu preciso de uma certa produção. Então, eu encontrei parcerias para produzir esse primeiro vídeo. Houve um custo. Hoje é um momento em que a secretaria de edu-cação replicou essa questão do canal. A Seduc colocou no site, colocou na agência Pará, colocou matérias no YouTube, no Facebook, sobre o projeto. Mas agora a gente precisa de suporte para dar continuidade.

Fabrício: Professor Silvio, eu queria que você falasse um pouco da sua experiência porque o senhor atua em outra área de conhe-cimento que é o ensino religioso. É uma metodologia meio parecida? como é que é são as estratégias que o senhor usa para atuar nessa área específica?

Sílvio: Eu não trabalho com canal especificamente.

Fabrício: Sim, sim.

Sílvio: Hoje eu tenho focado no grupo GESI. As nossas reuniões são todas as sextas-feiras. A gente tem desenvolvido foco na questão da criação de sinais termos que contemplem as questões das religiões. Mas é muito importante ressaltar que nós não estamos focando no cristianismo porque o cristianis-

safio. A sala em si é bilíngue, mas a questão da metodologia dos professores que é o mais difícil, até às vezes o posiciona-mento, eles estão aqui, o intérprete está bem aqui, e eles passam na frente. O surdo reclama “a gente não está conse-guindo visualizar o intérprete”. Então, a gente fica meio assim andando para cá e para cá. Então, assim experiência é muito boa para mim lá na graduação, é outro nível com surdos e assim eu fico muito feliz porque eles estão amadurecendo bas-tante.

Quando eles entraram sentiram muita dificuldade assim como os ouvintes, então assim foi um papel tanto dos intérpre-tes quanto dos professores, enviando materiais para a gente, para a gente procurar como o professor Sílvio falou sobre os sinais termos, se existem, porque são disciplinas muito espe-cíficas. Então, já lá no curso de pedagogia bilíngue que já tem um material pronto, na verdade. Então, assim tem as videoau-las, então geralmente os surdos que vão para lá geralmente são 10 ou 12, porque na verdade nós tutores fazemos uma escala, por exemplo eu vou dois dias, o outro vai mais dois dias. Então assim, a experiência lá é a questão visual que é muito impor-tante.

E o interessante é que os sinais são bem diferentes. Então assim, eles mostram lá na videoaula que é no INES que fica no Rio de Janeiro, e então são bem diferente dos sinais que nós tutores usamos. Então, é uma metodologia muito boa lá assim na questão visual. Então, te dá esse auxílio, interpreta, por exemplo, os textos da Língua Portuguesa. E é esse o trabalho que a gente faz lá.

Fabrício: Na experiência de todos vocês, vocês todos falaram bas-

tante de utilizar estratégias que apelam para esse aspecto visual. A Libras é visual, mas vocês também falaram muito de utilizar estratégias que possam utilizar vídeos, por exemplo, maquetes, enfim, coisas que vão apelar para o sentido visual e vai facilitar esse ensino para esse aluno surdo.

Alguma outra experiência que vocês tiveram, outra poten-cialidade, alguma outra coisa nesse sentido que possa acres-centar para, de repente, um outro professor, para uma pessoa que, de repente, não tenho tido essa experiência, ou de repente possa pensar em alguma outra coisa que vocês possam apre-sentar em algum exemplo?

Ohana: Eu tive uma experiência. Eu ainda era estagiária lá no Astério de Campos. Então, estava eu mais a minha colega Silvana. Então, lembro que na época, eu acho que foi em 2013, eu não sabia o sinal de corrupção. Então, assim, como explicar um conceito, explicar o que é, dar um sinal? Então assim, eu e a Silvana mostramos assim, dramatizamos na verdade.

Nós mostramos um contexto do dia a dia, por exemplo, a gente colocou... eu era a personagem cobrador e ela era um passageiro que ela passava o troco para mim, ou para ela me dava passagem né e eu passava um troco a mais. Então mas ela não me falava nada, ela ficava com dinheiro. Então, explicava para os alunos, “entenderam como é que ocorre a corrupção no dia-a-dia e no contexto político?” Então, foi uma experiência muito boa para mim porque assim quando se está com um surdo, se você não sabe o sinal, o conceito, você tem que apelar até para o teatro, tem que mostrar em algum momento um recurso visual para eles, porque, às vezes, só imagens não dá um sentido para ele. Você tem que dar uma explicação,

mo ele já tem todo um arcabouço de sinais termos.

Nós estamos pegando mensalmente as religiões que já são consideradas religiões mortas. Então, a gente veio desde a Grécia trazendo toda essa questão para trabalhar a questão da sinalização, para ajudar professores tanto de história como também professores de ciências da religião para ensinar os alunos surdos dentro desses contextos. Então, a gente tem toda uma pesquisa com base na lexicografia, na terminologia, buscando compreender se já existem esses sinais, se esses sinais já são utilizados em outros estados, para evitar criar sinais e depois dizer que são variações linguísticas que também não vou entrar muito no mérito porque é uma dis-cussão muito ampla.

Então, após esse primeiro momento que foi a questão da criação esses sinais de Termos, nós desenvolvemos um ciclo de oficinas que nós aplicamos na escola Vilhena Alves no ano pas-sado durante três semanas, onde nós trabalhamos com as met-odologias visuais também com o auxílio do profissional intér-prete de libras, além de que os alunos da UEPA que participam do grupo também sabem sinalizar, mas como a gente percebeu que era um conteúdo muito específico a gente preferiu solicitar a presença do intérprete de libras. Então, nós sentamos com intérpretes, trabalhamos sinais termos que tinham sido cata-logados e os que foram criados. E foi muito interessante como esses alunos surdos ele já compreendem muito essa ideia do visual, assistem muitos filmes, desenhos e trouxeram muitas experiências legais.

Após isso, a gente aplicou em torno de umas 8 a 9 oficinas e nós resolvemos escrever alguns artigos porque a gente per-cebeu, a partir dessa experiência, que os professores que

talvez não saibam lidar com o aluno surdo porque eles não conhecem as metodologias que devem ser trabalhadas. A gente está escrevendo agora um livro que vai ser publicado agora esse ano pela Editora CRV que se chama a “Religião e Educação de surdos: desafios e métodos”, onde a gente tem foco na questão das religiões indígenas, nas religiões afro de matriz africana, especificamente o Candomblé, já que tem um vídeo no YouTube publicado pelo professor Emerson Silva onde ele trabalhou a questão de sinais específicos do Can-domblé.

A gente pegou esse sinais, e fomos trabalhar dentro da sala de aula contextos, por exemplo, sobre os líderes religiosos entre muitos outros contextos. A gente observou que os pro-fessores e os alunos se forem dados para eles as metodologias, se forem oferecidos a eles esse conhecimento, eles conseguem desenvolver o trabalho e o aluno consegue aprender. Então, por isso que o livro é uma alternativa, a gente vai distribuir gra-tuitamente o livro depois como alternativa de ensino para os professores.

Fabrício: Ohana, eu queria saber um pouco mais da tua experiência, porque agora tu estás atuando numa Universidade. O público, com certeza, é diferente. E deve misturar tanto ouvintes quan-tos surdos. Você também está atuando nessa tutoria do curso de pedagogia bilíngue, então, com certeza é uma proposta totalmente diferente que você também deve lidar com metod-ologias diferenciadas para lidar com esse público né?

Ohana: Sim, com certeza, eu atuo tanto no curso letras-libras, que tem metade da turma são surdos e ouvintes. Então ali é um de-

mostrar um classificador para ele, dramatizar para ele entender melhor.

Fabrício: A dramatização é então potencial né. Professor Sílvio, pro-fessor Padovani, querem acrescentar algo mais.

Padovani: Porque a questão é que você tem que construir o con-ceito. Eu vou dar um exemplo aqui, muitas questões de história ou até mesmo no momento de explicar aparece o termo conse-quência. Quais as consequências de determinada situação histórica? Então, para nós ouvintes, vamos pensar assim o con-ceito de consequência. Consequência é uma coisa que acon-tece depois que uma coisa aconteceu e como você vai explicar isso para o surdo? Então, o que a Ohana colocou aqui é funda-mental. Quando eu quero dizer para o aluno o que é conse-quência, eu digo para ele “olha, por exemplo, a pessoa está tomando uma cerveja, whisky, ela pegou um carro, qual pode ser a consequência? Bater o carro. Isso tudo não falado, é dramatizado como ela disse. Então, eu preciso construir esse recurso. Quando ela fala em classifi-cador, de construir cenários narrativo com as mãos para ele. Você está dirigindo mas você bebeu. O que pode acontecer? Você teve uma relação sexual sem preservativo, você pode ficar doente, é uma consequência. Você pode ficar grávida, é uma outra consequência. Então, você tem que construir essas questões. Eu tive três anos como professor Itinerante na escola Luiz Nunes Direito na Cidade Nova. Eu ligado ainda ao Astério, mas desempenham parte da minha carga horária lá. Fizemos várias parcerias com os professores. Então, na apresentação de seminários, nós construímos com os alunos os slides, as apre-

sentações. Eu fazia a interpretação da apresentação dele para os professores. Os professores faziam perguntas. Eu fazia esse papel de intérprete nesse momento. Tem um professor, por exemplo, que fez em alguns momentos a prova de surdos, aquela ideia que a gente tem da prova oral, para o surdo ele fazia a prova sinalizada. Então, ele construía ali 6 questões, reunia comigo e com os surdos, aí ele escolhia “olha, faz essa questão aqui para ele”, aí eu perguntava para o surdo aquela questão, aí o surdo respondia, e eu ia interpretar e fazia esse papel de intérprete nesse momento. Aí o professor avaliava a resposta.

É interessante que é um ser humano. Então, quando ele não sabia, a feição dele mostrava logo que ele não sabia. Ele ficava nervoso, ficava tentando enrolar. O professor já percebia que ele estava com dificuldade para dar resposta. Então, são situações aí, nós fizemos, por exemplo, trabalhos com maquet-es. Esse foi muito interessante, o professor estava trabalhando “A Belle Époque”. E aí ele pediu para os surdos falarem sobre cinema Olympia. Essa foi uma ideia que partiu deles, por exem-plo, eu queria fazer uma maquete do cinema Olímpia, eles dis-seram “não, vamos fazer uma da fundação do cinema, outra dos anos 70/80 e outros agora”. Então, nós acabamos discutin-do a temporalidade, as mudanças arquitetônicas do prédio pú-blico, enfim, ficou bem legal. A apresentação de documentári-os, eu achei um documentário sobre o cinema Olympia, apre-sentamos para eles a interpretação. Então, há uma gama de possibilidades aí realmente. Na questão de química, a professo-ra também pegou umas bolinhas de isopor e aí o que aconte-cia? Aquelas bolinhas de isopor eram as moléculas, aí quando ela queria uma molécula diferente daquela da bolinha, ela já pintava a bolinha de vermelho para representar que era o hidrogênio, que era um carbono.

Então, todas essas possibilidades elas são possíveis de ser utilizada e o interessante é que fica muito bacana para o ouvin-te e para o surdo porque acaba trabalhando um pouco do lúdico. Não é só aquela coisa do professor que fala, fala, fala, e o aluno acaba construindo também ali as coisas, o conheci-mento.

Fabrício: Professor Silvio.

Sílvio: Eu queria complementar fazendo uma boa abordagem voltando lá para a questão do intérprete de libras, porque a gente sabe que o recurso visual, a dramatização tudo isso real-mente eles são de extrema importância. Mas olhando intér-prete em conta uma tecnologia assistiva dentro desse espaço, a gente precisa pensar que o professor deve ter ele também como recurso metodológico. Então, eu quero aproveitar o espaço para conversar também com os professores que possam estar ouvindo os alunos, que é direito do professor ter um intérprete de libras ao seu lado enquanto recurso met-odológico, por que o professor possivelmente não conseguirá sinalizar de forma fluente na sala de aula.

Então atenção para quem tá ouvindo uso decreto 5626/2005 para cobrar dos pais os direitos dos alunos surdos. Você pode levar isso ao Ministério Público para que possa ser trazido o intérprete de Libras. Eu acho que esse recurso met-odológico, o intérprete enquanto recurso metodológico, é im-portantíssimo dentro da sala porque o professor mas na maio-ria das vezes ele não terá tantas vezes para organizar todas as suas aulas de forma visual. Então, esse intérprete de Libras, ali, ele é essencial nos momentos em que o professor não tivesse oportunidade.

Fabrício: Está chegando já ao final do programa, vou abrir o espaço para as considerações finais dos nossos convidados, men-sagem de finais, o que vocês consideram como desafio, algo que vocês queiram reforçar em relação ao que a gente debateu ao longo dessa entrevista. Professor Padovani, pode começar? Ernesto: Na verdade, eu gostaria de agradecer, muito importante esse espaço. A gente percebe que a cada dia a questão da Ed-ucação de surdos está ganhando uma projeção. Eu acho que a questão da redação no Enem foi um antes e depois. O espaço, eu mesmo posso testemunhar, eu já estava ali no mestrado, fazendo projeto, mas depois que veio a redação do Enem, os convites para estar nos espaços, no IFPA, na UEPA na própria UFPA, convites para palestra, enfim. Está discutindo essa questão aumentou muito. Então isso é fundamental, não só para o nosso trabalho né mas para esse público que em algum momento nos falamos aqui da invisibilidade do Surdo, e era um público invisível e é um público que cada vez mais não quer ser invisível, quer ser representado.

Então, nós percebemos que as janelinhas da língua de sinais na TV já é uma coisa que está ganhando muita força, nas campanhas eleitorais, aí foi uma grande novidade. Mas o corre-to é que isto esteja em todos os momentos, em todos os dis-cursos. A gente ainda não vê isso no Brasil, os políticos fazem seus discursos mesmos nos cargos de governadores, presi-dentes, não tem um intérprete.

Quando nós vemos imagens no exterior, o presidente americano falando, a intérprete está do lado. Então, nós temos

um caminho grande aí de conquistas para trilhar, que a comuni-dade surda tem naturalmente também que trilhar.

Fabrício: Ohana. Ohana: Eu quero agradecer também pelo convite. Eu quero agra-decer novamente ao professor Neto por ter me convidado a fazer parte desse canal. Eu não tenho parentes surdos, na ver-dade eu tenho namorado surdo. Então assim, onde estiver um surdo, eu sempre estou lutando com eles. Inclusive, eu faço parte da diretoria da Jubel. É uma honra ser a única ouvinte, então é muita confiança perante os surdos né.

Então assim, na associação a gente luta pela presença do intérprete em sala de aula, nos hospitais, em qualquer espaço. Então assim, essa visibilidade está ocorrendo assim, mas tem que melhorar enfim, tem que avançar mais. Então, para os pro-fessores que estão escutando, eu sei que não tem muito tempo assim para organizar o material, mas fazer um esforcinho. Pro-fessores que estão ouvindo, por exemplo, você tem um aluno surdo ou com outra deficiência procure ter contato com seu aluno, procure saber o que ele pensa, se ele está entendendo. É importante isso.

Fabrício: Professor Sílvio

Sílvio: Bom, primeiramente, eu queria agradecer o convite. Foi uma honra estar debatendo junto com professor Netto Pado-vani e a professor Ohana. E o recado que eu deixo aos profes-sores é sempre buscar pensar, que a partir do momento em que você tem um aluno surdo na sala de aula pensar nessas

metodologias visuais, pensar nessas estratégias que você con-segue desenvolver um trabalho, se as dificuldades elas exist-irem, e caso haja o atendimento educacional especializado na sua escola, procurar o AE de forma a buscar esse suporte que você precisa.

É importante ressaltar que a gente iniciou lá falando sobre a Libras enquanto disciplina, nenhum professor, nenhum aluno vai sair fluente na língua de sinais, porém eu acredito que o ponto mais importante da disciplina é disseminar essa questão da diferença. Então o professor que está hoje trabalhando com surdos ele precisa entender que esse indivíduo tem particulari-dades, ele tem diferenças em relação aos alunos ouvintes e se ele buscar respeitar essas particularidades o desenvolvimento desses alunos será bem maior.

Em suma fica a dica, aproveitando a sala da professora Ohana, quebre essa barreira que existe entre você e o aluno, uma barreira imaginária que já se passaram anos e é necessário você quebrar. Como você faz para quebrar isso é chegando próximo desse aluno perguntando se ele está entendendo, per-guntando de que forma ele que aprender com a professora sugeriu ainda pouco e dessa forma ele vai conseguir fazer com que esse aluno possa expressar as formas que ele pode com-preender melhor, porque a gente deu algumas dicas mas não são receitas.

Cada um, cada professor vai observar dentro dos seus espaços escolares de salas de aula alunos com suas particulari-dades, então, o grande ponto é chegar próximo do aluno que foi que a professora a Ohana citou, quebrar a barreira imag-inária.

Fabrício: Está certo. Muito obrigado professor Silvio, professora Ohana, professor Padovani. Muito obrigado pela participação de vocês, pelos esclarecimentos e por compartilhar conheci-mento com a gente obrigado.

Sílvio: obrigado.

Fabrício: Agradeço mais uma vez a participação do professor Silvio Santiago Vieira, professor Padovani Neto e a professora Ohana Matias. Agradeço também a você ouvinte que acompanha o programa de hoje. Se você quiser enviar críticas comentários ou sugestões é só mandar um e-mail para rá[email protected].

educação de surdos, são experiências muito diversas, lógico, né. Por exemplo, em relação a esse contato que vocês tiveram com a Libras que inclusive, é exigido como eu falei, nos própri-os cursos de licenciatura, esse primeiro contato que muitos professores, licenciandos, hoje alunos de graduação têm, será que ele evoluiu muito dos que vocês tiveram por exemplo, no contato de vocês com a licenciatura? Será que hoje avançamos mais neste contato da Libras, nessa inserção da Libras no ensino superior pra formar esses profissionais, esses profes-sores que vão poder incluir esse aluno no sistema de ensino? ou vocês veem muita similaridade com o que vocês tiveram como experiência enquanto universitários. Como é que vocês veem essa evolução? Teve avanço ou não? Sílvio: A minha primeira formação é em Matemática. Na época em que eu me formei em matemática não existia no currículo a disciplina Língua Brasileira de Sinais, então eu só fui ter contato com a libras enquanto disciplina na especialização, mas hoje eu sou formador de alunos de cursos de licenciatura. Então, mesmo assim eu ainda observo que existem algumas coisas que nós precisamos avançar, por exemplo, a carga horária dessas disciplinas é muito reduzida na maioria dos cursos de graduação. Há curso em que a carga horária varia de 40 horas, 50 horas, 60 horas. A gente há de considerar, o professor Padovani, por exem-plo está desenvolvendo uma dissertação de mestrado onde ele tem um olhar sobre a história desse indivíduo dentro de um processo educacional. Imagina, você precisa apresentar essa história que não é pequena para o aluno graduando. Você pre-cisa trabalhar as metodologias de ensino, você precisa tra-balhar com experiências, você precisa levar esses alunos pra escola de educação de surdos pra que eles possam conhecer

Como professor da escola Astério de Campos que é uma escola de referência em Belém, todo o início de ano nós recebemos muitos convites para formação. E aí eu sou um dos professores que costuma ir dar essa formação. E a preocu-pação é essa. “Professor, sou professor de física, e aí o que que eu vou fazer com o aluno surdo que está na minha sala?”.

Então, quer dizer, mesmo sendo professor de história, eu procurei desenvolver, construir alguns materiais pra esses mo-mentos de formação onde eu explico pra eles, por exemplo, que pro surdo se você vai trabalhar matemática, você vai tra-balhar aquela abstração, aquelas frações, então é muito com-plicado. Agora se você traz para aquelas questões que é algo que está afinado com o aquilo que o MEC pensa em relação ao enem, se você traz que os prédios projeta uma sombra de tantos graus, formando um ângulo, você abre a mente ali pra trabalhar com o surdo porque ele está visualizando o prédio, a sombra, o grau está relacionado com a vida, então não é algo tão distante pro mundo ouvinte.

Em geral, quando estou em momentos de formação, ou em espaços educacionais, eles pensam que o surdo ele não ouve, mas ele sabe ler, então é muito complicado, porque ao não ouvir, o surdo não criou o conceito daquela palavra, nós sabe-mos que mesa é mesa, nós ouvimos a palavra mesa e atribuí-mos à mesa.

O surdo não ouviu essa palavra, então o conceito para ele, a palavra pra ele é um emaranhado de signos pra ele. Ele preci-sa estar gravando aqueles signos. A disciplina libras ela não está dando conta disso, ao meu ver. Os alunos vão pra essa dis-ciplina, eles não vão aprender a língua de sinais. Eu tenho con-tato com professores do ensino regular que têm alunos surdos há oito anos, há sete anos. Na minha pesquisa eu entrevistei

professores que têm alunos surdos há 10, 8 anos e ainda não sabe dá bom dia. Então, na disciplina também esse aluno não vai aprender. Está servindo pra ele entrar em contato e saber que isso existe. Hoje a minha luta, eu estou tentando criar um conceito que é o ensino de história em contextos inclusivos, que esse debate vá de fato pro campo das disciplinas, das áreas de conhecimento e não fique pairando acima de todas disciplinas que não dá conta. As disciplinas têm metodologias diferenciadas de ensino.

Fabrício: Como é que essa realidade no curso de letras, Ohana?

Ohana: Sim, sim, como o professor Neto falou, eu vim do curso Letras Libras, então tinha agrade curricular toda voltada pra Libras, pra educação dos surdos, então assim, em si, eu não tive essa dificuldade, mas se eu dependesse só do curso, hoje em dia talvez, eu estaria sinalizando só o básico, assim infelizmente como muitos colegas meus terminaram o curso e não tinham domínio da Língua de Sinais. Então, eu precisei correr exata-mente para manter contato com o usuário da língua pra poder aprender. Hoje em dia tudo o que eu sei foi porque eu estou sempre tendo contato com o surdo, então assim, quando eu conversa-va nos corredores com meus outros colegas de graduações, seja de letras português, biologia, eles me falavam assim “Ohana, você pode me ensinar qual é o sinal isso, isso, o sinal específico da graduação deles, porque o meu professor falta, porque o meu professor não está presente”, ou como o profes-sor Sílvio falou “a carga horária é muito pouca”, então assim, “não faz a adaptação voltada para o meu curso”. Então, como eu posso chegar numa graduação, por exemplo de licenciatura em biologia e ensinar por exemplo, só o alfabeto, só os sinais

esses espaços que é a partir dessa experiências empírica que ele pode se identificar muito mais com esses processo. Então eu observo que 60 horas, 80 horas é uma carga horária insufici-ente. Na minha opinião, nós deveríamos ter hoje um estágio curricular voltado pra educação especial. Os alunos saem da graduação sem saber como lidar com os alunos com deficiên-cia.

Falando do aluno surdo, ele sai ainda mais perdido haja vista que a Língua de sinais é uma língua diferente da Língua Portuguesa, com uma estrutura gramatical que carrega uma especificidade muito diferente da Língua Portuguesa. Então penso que a gente deve continuar discutindo essas questões da inclusão a fim de que exista um estágio supervisionado especifico. É lógico que as pessoas não vão sair de lá expertise em trabalhar com surdos, mas ela pelo menos terá condições de compreender essa realidade da inclusão escolar visitando esses espaços, essas escolas que têm educação especial que ainda existem aqui dentro de Belém.

Fabrício: Padovani.

Ernesto: Na minha graduação também ainda não havia essa questão da disciplina Libras. Pra dizer a verdade, durante a minha graduação nunca nem passou pela minha cabeça essa realidade. Não era algo discutido, debatido, presente dentro da Universidade, nem na sociedade. O que acontece assim, eu go-staria de concordar com o professor e também aprofundar no sentido de não é só uma questão de apresentar a disciplina com o nome Libras. Então, eu preciso trabalhar com o meu aluno de história metodologias de ensino de história pra surdos, metodologias de ensino de matemática para surdos.

Fabrício: Olá, ouvintes da Rádio Web UFPA. Eu sou Fabrício Que-iroz e a partir de agora você acompanha comigo mais uma edição do UFPA Ensino que hoje vai falar sobre Metodologias de Ensino para surdos.

Segundo o censo do IBGE de 2010, 9 milhões e 700 mil pessoas têm deficiência auditiva. Cerca de um milhão são jovens até 19 anos. No Brasil, os surdos só passaram a ter acesso à educação durante o império.

Em 26 de setembro de 1857, foi criada a primeira escola de educação de meninos surdos, no Rio de Janeiro. Apesar do avanço, somente em 2002, a Lei nº10.436 reconheceu oficial-mente a Língua Brasileira de Sinais, a LIBRAS.

A Libras é fundamental para garantir o aprendizado de alunos surdos. Em 2005, com o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro, a Libras foi determinada como disciplina curricular obrigatória para todos os cursos de licenciatura e também fonoaudiologia, e ela é optativa para os demais cursos do ensino superior e da educação profissional.

Outra grande conquista aconteceu em 2010, quando a profissão de tradutor–intérprete de Libras foi regulamentada em de 1º de setembro.

Além disso, professores têm buscado trazer a Libras para fora da sala de aula. Na internet, por exemplo, existem video-aulas em libras, democratizando o acesso à educação.

Hoje, vamos conhecer o trabalho de professores e intérpretes de Libras que desenvolvem estratégias para melhorar o ensino para surdos. Recebemos aqui no es-túdio da Rádio Web o professor da UEPA Sílvio Santia-go Vieira, ele é mestrando em Ciências da Religião, es-pecialista em Atendimento Educacional Especializado e também coordena o Grupo de Estudos Surdos & Inter-faces do IEPA, que é o Instituto de Educação e Cultura do Pará. Professor Silvio, muito obrigado por sua partic-ipação, bem-vindo.

Sívio Viera: Muito obrigado pelo convite.

Fabrício: Obrigado, professor Silvio. Também estou rece-bendo o Ernesto Padovani Netto, mais conhecido como Padovani. Ele é aluno do Mestrado Profissional em Ensino de História e é responsável pelo canal do Youtube “História em Libras”, e também é professor da SEDUC. Professor Padovani, muito obrigado.

Ernesto Padovani: Obrigado pelo convite, a gente espera contribuir aqui um pouco com o debate.

Fabrício: Obrigado, professor. E também recebemos a Ohana Matias. Ela é tradutora / intérprete de libras, é professora substituta da UEPA. Também atua como tutora na UEPA no curso de Pedagogia Bilíngue, além de ser especialista em Educação Especial e Inclusiva, e também colaboradora do canal “História em Libras”.

RÁDIO WEB UFPA: Divulgando conhecimento 16

Page 20: Divulgando conhecimentoradio.ufpa.br/wp-content/uploads/2018/03/Roteiro... · Eu digo “não, ele sabe diferenciar, o meu papel aqui é de intérprete”. Eu sempre lutava a questão

Apresentador Fabrício Queiroz e convidados, Sílvio Santiago, Ohana Matias e Ernesto Padovani Netto.

Ohana, também muito obrigado pela tua participação, bem-vinda.

Ohana: Obrigada pelo convite, é um prazer estar aqui estar fazendo parte desta discussão.

Fabrício: Eu queria que, na verdade, vocês primeiramente se apresentassem um pouco pra gente conhecer um pouco da trajetória e do interesse de vocês por essa área tão cara e tão desafiadora. A gente viu aí por esse pequeno histórico o quanto ela foi negligenciada, a educação de surdos, a educação inclusiva. O que que motivou vocês a trabalhar com essa área que ainda é um desafio na ed-ucação brasileira? Professora Ohana.

Ohana: Ohana: Bom, a minha história em si é bem diferente dos outros. Os meus colegas que eu estudei no curso de letras libras em 2012, a maioria veio da área da interpre-tação da igreja, ou tinha um parente surdo e no meu caso em si é por conta da minha mãe ser pedagoga. Então, como ela fazia na época o curso de libras, ela me incentivou para escolher esse curso. Na verdade, eu con-heci esse mundo novo quando eu passei no vestibular. Então assim, a partir do momento que eu comecei a estudar e começar a entender a história da educação do surdo, foi só um momento assim pra eu procurar saber mais sinais. Então, foi uma grande oportunidade e hoje em dia eu estou atuando, também faço parte da as-sociação dos surdos de Belém. Então eu estou sempre

nessa constante luta em prol da educação dos surdos, na luta por eles.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: Bom, a minha trajetória ela começa quando em 2009 eu resolvi fazer um curso de Língua Brasileira de Sinais no CAES. Eu tive um aluno surdo na época no Augusto Meira. Não sabia como lidar com os alunos surdos. E a minha comunicação com eles era basicamente por meio da mímica, por meio da escrita nos braços. Os surdos eles têm o costume de escrever no braço quando não têm papel, apagava, enfim. E assim eu fui apren-dendo os sinais iniciais e eu percebi que eu deveria ir mais adi-ante. Eu já tinha experiência com educação de alunos cegos e baixa visão, porém a minha experiência com os surdos me fez refletir sobre essas carências que a formação inicial de profes-sores possui. Aí eu fui fazer um curso de libras, tive o professor Arlindo, o professor Tiago Costa como meus professores. E foram pessoas que contribuíram muito para a minha formação inicial na área da língua de sinais. Em 2010, então eu resolvi en-veredar pela especialização nessa área, fiz especialização em Libras. E comecei também em 2010 a interpretar dentro da Igreja Assembleia de Deus. Foi quando eu realmente resolvi me focar nessa questão da interpretação que eu já estava na docência. Posteriormente a isso, eu resolvi criar o grupo de estudos surdos e interfaces, onde a gente tem discussões diversificadas, mas especifica-mente hoje nós estamos discutindo as questões relacionadas a

gênero e sexualidade dentro do grupo, haja vista que a comu-nidade surda belemense, ela apresenta uma pluralidade nesse sentido e é necessário que familiares e escolas possam com-preender essa questão da sexualidade do surdo que manifesta certas diferenças em relação à sexualidade dos indivíduos ouvin-tes. E também com foco na questão da religião pois eu tenho ob-servado que hoje os surdos eles têm buscado enveredar por outros ramos religiosos além do cristianismo. E a minha trajetória hoje tem sido basicamente focar na compreensão de como é que tem se desenvolvido essas territorialidades e os territórios dentro dos espaços sagrados. Hoje minhas pesquisas estão focadas nisso.

Fabrício: Professor Padovani.

Ernesto: Ok. Bem, eu sou professor da rede estadual de ensino há dez anos. Então quando eu comecei eu tra-balhei uns três anos no interior do estado. Tive um públi-co também de trabalhar em comunidades, quando vim, voltei a Belém, voltei pra trabalhar no sistema penal. O que ocorreu? Na verdade, lá no Astério de Campos não tinha professor de história. Aí me fizeram a proposta. Então, na verdade não foi muito uma escolha minha. Che-gando lá, eu criei de fato uma grande identificação com o trabalho. Fiz uma especialização em educação inclusiva e comecei a observar as dificuldades deles em relação à Língua Portuguesa, dificuldades com textos muito grandes, necessidade da utilização de imagens, então eu fui montando uma metodologia a partir de referenciais teóricos como a pedagogia visual e criando meu próprio material didático, criando formas de trabalhar com eles.

Quando surgiu a seleção pro Mestrado Profissional em Ensino de História, o PROFHISTÓRIA, eu fiz a seleção, fui aprovado e fui com isso na cabeça, que eu ia fazer um projeto sobre educação de surdos, unindo essas duas áreas. A questão da história e a questão da metodologia de ensino. E aí perpassam vários elementos, não é só a história em si. O meu trabalho é um trabalho sócio-histórico que vou justamente remontar o período do oralismo, passando pela co-municação total, são metodologias que são utilizadas até hoje como proposta teórica do bilinguismo prevalecendo na edu-cação dos surdos, pelo menos uma tentativa pra que prevaleça. E aí na verdade o canal “História em Libras”, ele surge como um produto desse mestrado. O mestrado profissional em ensino de história, ele exige uma dissertação escrita e um pro-duto pedagógico aplicável. Então existem várias possibilidades de produtos. A minha intenção inicial era fazer um material didático mesmo pra distribuir nas escolas, mas eu fiquei pen-sando na logística disso e no alcance que isso teria. Então, con-versando com amigos porque tem essa questão da interdisci-plinaridade, eu precisei de um amigo meu que trabalha com cinema, precisei da Ohana pra construir a proposta do canal. Então, desenvolvemos a ideia de um canal na internet seria muito melhor porque eu não teria o problema da divul-gação. Colocou na internet as pessoas podem acessar. E nós estamos nesse momento. Graças a Deus o vídeo está sendo muito acessado, teve uma repercussão muito boa. A Mídia Ninja compartilhou nos espaços que eles têm nas mídias digi-tais. Estamos agora aqui nesse debate

Fabrício: Dá pra esse primeiro relato de vocês, em relação à experiência, o contato que vocês tiveram com a Libras, com a

de família, de frutas, aí esse professor vai se formar, vai chegar numa sala de aula e vai só manter esse diálogo só de frutas, alfabeto? Não. Ele tem que saber o sinal de células, de mem-brana, disso, daquilo, tem que saber como é usar um classifica-dor. Infelizmente, é quebrada essa grade curricular das pessoas que estão na licenciatura.

Eu vivenciei isso muito quando eu fui intérprete de uma escola que tinha uma demanda muito grande, tinha 18 surdos na escola. Eu atendia oito surdos no ensino médio. Então, assim, eu observava a dificuldade dos professores. Eles chega-vam pra mim “eu nem tive essa disciplina de libras”, “eu nem sei o que é isso”, “é surdo mudo?” “ah, os teus alunos”. Eles não eram os meus alunos, eles eram alunos deles tanto quanto os ouvintes. Então, no caso, eu falava assim, “professor você tem que direcionar a eles”, “ah, mas só que ele vai pensar que é tu que tá chamando a atenção ou tá explicando”. Eu digo “não, ele sabe diferenciar, o meu papel aqui é de intérprete”. Eu sempre lutava a questão da metodologia, não pensavam no surdo.

Uma vez aconteceu uma situação que foi ao contrário, estava com legenda e sem som. Os ouvintes reclamaram. Aí eu falei para eles, “agora, vocês entenderam o que é estar na pele de uma pessoa surda:” Não é fácil. A informação não chega tão fácil pro surdo.O professor fez esse canal História. Esse canal é uma forma de democratizar tanto para surdo como para ouvin-te porque ele está usando diretamente a língua de sinais e tem ali a legenda.

Fabrício: Professor Padovani

Ernesto: Eu queria retomar mais uma questão pra embasar essa questão da metodologia, porque por exemplo a gente percebe muito há um censo comum de querer resumir a questão à língua. Então, se você tem um intérprete na escola, que não tem, em geral, não tem. Quando tem, então resolveu o proble-ma, agora tem intérprete. Então, eu faço sempre a discussão, o seguinte, se o problema fosse a língua, os nossos alunos ouvin-tes todos não teriam problema nenhum de educação no Brasil. Professor fala português, os alunos todos falam português, en-tendem, então por que os alunos não alcançam a média? Por que nós não estamos nos melhores patamares de educação mundial? Então nós não podemos também resumir o debate à língua. Então, como é que o aluno entende? É a partir da imagem? É a partir da construção de maquete? Qual é a possi-bilidade que se tem de vídeos com legenda?

O primeiro dia que o vídeo foi postado no Youtube, ele ficou sem legenda. Foi uma estratégia mesmo. Eu fui colhendo e estou colhendo os depoimentos pra finalizar a dissertação. “Poxa, não consegui, olha, eu paro, pela metade, eu parei. Não consegui acabar de ver, não tava entendendo nada”.Olha que nós colocamos os recursos imagéticos entrando no vídeo e em alguns momentos chaves aparecia escrito também o que estava sendo falado. Mas mesmo assim as pessoas reclamaram ou muitas fizeram essa reflexão: “poxa, agora eu me senti como os surdos se sentem”. São pequenas situações do dia a dia que no universo da escola se traduz em outras formas, mas são hierarquias de saberes. Um professor está ministrando aula, o outro professor vem dar um recado na turma, bota o rosto dentro da sala, “gente, gente, licença aqui, rapidinho, amanhã tem prova, dois reais a prova e tal”. Recado dado.

O surdo não entendeu. Vamos passar o vídeo pra turma, vamos levar para o auditório, muito legal, todo mundo vai, chega na hora de passar o vídeo me chamam pra interpretar, já aconteceu isso, eu não sou intérprete mas você está na escola, você sabe Língua de Sinais, você é intérprete, você é professor do AE, você é itinerante, você é tudo. Então fui lá interpretar, tudo certo, vamos lá, solta o play, apagam a luz. Como é que o surdo vai ter acesso à minha interpretação, então são questões que... é maldade? Não. Não é. Mas isso estrutura uma hierarquia de saberes. Entendeu. São hábitos que a escola internaliza porque ela é uma escola voltada e pensada para o público ou-vinte. O que me chama atenção é que isso acontece em escolas em que os surdos estudam há 10, 15 anos. Então, quando a escola vai internalizar presença do surdo? Então, acho que essas são questões aí que abrem um bom leque pra gente dis-cutir e pensar.

Fabrício: Só pra voltar, eu achei interessante o depoimento da Ohana, essa relação, dela como intérprete né. O Padovani ele tem o conhecimento, de repente ele pode usar desse conheci-mento pra se comunicar com esse aluno surdo, mas nem todas as escolas têm um profissional como a Ohana. E como é que fica a relação entre o professor e esse intérprete? Onde é que começa o papel de um e o papel de outro? Como é que se con-strói esse relacionamento pra que se possa comunicar e repas-sar esse conteúdo pra esses alunos? Como é essa dinâmica?

Ohana: Bom, a priori, o que deveria ocorrer era ter essa parceria com o professor e o interprete. Por que? porque o papel do intérprete é mediar. Ele não vai ensinar nada. Até porque a minha formação é Letras com habilitação em Libras, não é for-

mação em Letras, Português, Biologia, Matemática, não é.

A minha formação é Letras, então qual é o meu papel ali? É de chegar e interpretar tudo o que o professor falar. E quando eu digo tudo, eu interpretava até palavrões, enfim, tudo o que o professor abrisse a boca eu interpretava porque eu estou ali. Só que infelizmente essa experiência que eu tive o professor confundia, ele pensava que eu era a professora deles, e eu dizia “Olha, eu tenho respaldo, tem a lei, tem o código de ética, tenho tudo o que o senhor quiser eu mostro, mas esse daí não é meu papel, essa competência não é minha, é a sua”. Então, tem que ter essa parceria. O que o intérprete pode ajudar? Ajudar a dar umas dicas, como é que faz o material, coloca a legenda na próxima aula, é assim, é essa parceria. Essa relação de professor, intérprete e aluno.

Sílvio: Relacionando a fala da professora Ohana também pensan-do no atendimento educacional especializado. Então, ela ainda pouco colocou que o professor sempre atribui a responsabili-dade para o intérprete de Libras, mas ele também faz isso para o atendimento especializado. Por quê?

Historicamente a educação do surdo, ela foi atribuída à ed-ucação especial. Então, com o processo de inclusão que se dá a partir de 1996, com a lei de diretrizes e bases 93/94 de 96, é que a gente vem perceber que esses indivíduos com deficiên-cia, pessoas com deficiência, passam a ingressar dentro das escolas regulares. Só que nós passamos a ter dois personagens que antes nós não tínhamos dentro desses espaços, os intér-pretes de libras e os cuidadores também, e também a gente passa a ter o atendimento educacional especializado que as pessoas acham que é antiga educação especial, mas na ver-

dade há controvérsias, porque educação especial funcionava numa sala de aula onde se ensinavam essas pessoas. E o AE não, ele funciona como educação suplementar complementar, porém para o professor da rede regular, ele entende que é responsabilidade do AE ensinar os aluno surdos, que é responsabilidade do intérprete ensinar os alunos surdos, ou seja, esses personagens acabaram tendo responsabilidades além de suas responsabilidades e o professor se exime.

O Vigotski diz que “quando a gente enxerga deficiência primeiro ao invés de enxergar o ser humano, a gente destrói qualquer possibilidade de desenvolvimento desse indivíduo”. Então, a gente pode pegar a fala do professor Netto Padovani, por exemplo, em relação a questão das metodologias e obser-var que a maioria dos professores estão destruindo possibili-dades de desenvolvimento desses alunos na sala de aula exata-mente por causa das metodologias. Eu também não quero cul-pabilizar somente esses professores porque também a gente tem que pensar na formação desses indivíduos e nós também precisamos pensar que a Universidade também deve oferecer cursos de formação continuada, porque esse papel é da Uni-versidade. A gente costuma atribuir essa responsabilidade, “Ah, o governo não faz”, mas a Universidade é quem forma, é ela que deve trazer os professores pra dentro. Ela que precisa buscar parcerias com as escolas, parcerias com as unidades pra que isso possa acontecer.

Hoje, nós ainda observamos uma grande polêmica dentro das escolas. Intérprete de Libras que acabam tendo discussões com professores porque as vezes são atribuídas responsabili-dades. Durante o meu período na rede regular de ensino, eu tive dois alunos surdos, depois eu já estava fluente em Libras, e eu também tive problemas. E é legal colocar isso, porque os

meus alunos ouvintes não gostavam de eu passava a sinalizar na sala de aula. Então, o que que eu fazia, passava todo o con-teúdo de matemática, explicava primeiro em Língua Portugue-sa, passava uma bateria de exercícios pra eles fazerem, e era o momento em que eu ia sinalizar, porque não tinha intérprete de Libras, para os dois alunos surdos.

Só que isso gerava discussões na sala, “Ah, o professor não está dando atenção pra gente”, “o professor agora só olha pra esses surdos, lá vem ele com essa língua de sinais pra dentro da sala de aula”. Então, a gente observa que essas relações de poder que incidem dentro do espaço da sala de aula ainda fazem com que os ouvintes entendam que deve ser dada atenção a eles e que aos indivíduos surdos não deve ser dada atenção. Tem uma charge no livro do Moacir Carneiro muito interessante, inclusive nas formações continuadas eu sempre falo isso pros professores, os professores estão aqui em cima conversando “nós não conhecemos nada sobre esses indivíduos, nunca ouvimos falar nada sobre educação espe-cial”. Aí os alunos todos embaixo olhando.

Na verdade, essas pessoas vão reproduzir lá embaixo esse mesmo pensamento, é por isso que esses alunos pensam hoje que o professor deve dar atenção a eles e não devem dar atenção aos alunos surdos dentro da sala. Já eles também não aprenderam nada sobre educação especial, não aprenderam nada sobre pluralidade, diversidade, e acima de tudo sobre dif-erença.

Ohana: Eu vivenciei nessa escola, eu trabalhei nessa escola, se eu não me engano, dois anos e meio. Então assim, para aquela turma, eu acompanhei os surdos, primeiro, segundo e terceiro

ano. Até metade do convênio. Então, quando foi no primeiro ano, os ouvintes assim sofreram um impacto. “Intérprete?”, “surdos?”, “mãos mexendo?”, “Meu Deus!”, porque foram logo oito na minha turma. Então, assim, no início, eles deixavam de prestar atenção no professor e ficavam assim olhando pra mim, com os olhos vidrados, eu ficava intimidada inclusive, com o tempo eles foram habituando e foi passando ano, dois anos, mas o que me veio à cabeça, assim eu sempre fui tímida, então eu sempre chegava, dava bom dia pra quem estava na frente, mas eu não era de ficar batendo papo com os ouvintes.

Então, eu ficava conversando com os surdos, enquanto o professor não chegava. Então, assim os ouvintes assim, meio que segregavam a gente. Então, o que eu acho engraçado, é quando eles foram ter contato comigo? um dia após a prova do Enem. Tinha gente da escola do primeiro ano que eu nunca tinha visto na vida. Eles chegaram “Ei, tia, a minha proposta está boa”, “será que pode falar deficiente auditivo”, “eles são surdo-mudos”, “é isso, é aquilo”. Foi a primeira vez que eles viram a necessidade. A escola em si diz “Ah, a gente está inte-grando”, mas na verdade segregava. Então foi uma experiência dessa forma, foi ruim pra mim inclusive. Na verdade se não fosse eu ali com os surdos, eles não iam ter visibilidade naquela escola.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: É bem legal a gente observar que as falas estão contemp-lando o que a gente chama de currículo oculto dentro das insti-tuições, e é isso que a gente tem pra parar pra pensar hoje. As metodologias de ensino, elas podem contemplar as necessi-dades do professor na sala de aula, ok. Mas a escola precisa tra-

balhar o currículo oculto que é exatamente o que o professor Netto e a professora Ohana colocaram, que é essa questão da alteridade, de fazer com que o professor e o aluno possam se colocar no lugar do outro, porque inclusão ela precisa ser para todos. Ela tem que começar lá do porteiro até a merendeira. Então não é só o professor que deve passar por esse processo, e quando a escola inteira passar a se modificar, então, a gente vai começar a observar que os alunos ouvintes vão com-preender as particularidades étnico-linguísticos desses indivíduos surdos. Hoje a gente vem percebendo pelas experiências de rela-tos, até mesmo as experiências que a gente já viveu, que esses alunos eles ainda não compreendem. Eu lembro, por exemplo, uma vez que eu fui interpretar para um amigo meu, o Ademil-ton. Eu acho que a professora Ohana até conhece. Ele é surdo. Na época ele fazia ensino médio. E foi uma experiência muito triste porque o professor não sabia sequer da existência de um profissional interprete de Libras, então eu pedi pra diretora da escola, uma escola pública de Belém pra entrar pra interpretar na aula de química, e o professor me viu virado o tempo todo de costa pra ele. E ele achou que eu era um surdo que estava simplesmente conversando na sala de aula.

Só pra você ter uma noção do que que que é essa falta de compreensão desse outro indivíduo que está ali. E os alunos ouvintes na hora da frequência, começaram a chamar nome a nome, e eu disse “olha, o professor chamou o teu nome”. Ai ele foi lá na frente, e disse pro professor apontar. O professor fez um gesto obsceno pra ele e todo mundo começou a rir. De repente uma aluna chega e pergunta “professor, porque que ele tá aqui na sala de aula”. Ele disse assim: “Eu não sei, eu tô levando até onde eu posso”. Na verdade, esse professor não estava levando nada. Porque aquele momento ali mostrava que

ele não compreendia. Foi quando eu chamei o professor. “Pro-fessor, ele está com dúvidas nisso”. Aí ele disse “Ah, você fala?”. “Sim, eu sou ouvinte, eu sou intérprete”. E aí foi muito legal porque o professor sabia ensinar o surdo, só que ele tem medo de ensinar, porque tem uma barreira imaginária entre o profes-sor e o aluno surdo. Eu não lembro direito o conteúdo, eu acho que era sobre átomos que ele estava ensinando. Ele pegou um pedaço de papel, fez um monte de bolinhas, e ensinou pro Ademilton o conteúdo. Então, ele sabia ensinar, a questão é que ele não sabia como chegar pra ensinar, então, isso é uma questão de currículo oculto.

Os professores, a escola, a direção, a coordenação ped-agógica, todos eles precisam se voltar pra compreender esse espaço plural que existe dentro da escola. A gente fala muito de diferença, mas a escola na verdade, a exclusão ainda impera dentro desse processo. E não é só para os indivíduos surdos, é para todos os alunos que sofrem qualquer tipo de exclusão dentro desse espaço.

Fabrício: Rádio Web UFPA apresentando o programa UFPA Ensino. Hoje o tema é Metodologias de Ensino para Surdos. Os nossos convidados são, o professor Sílvio Santiago Vieira, o professor Ernesto Padovani Netto e a professora Ohana Matias. A gente vai para um rápido intervalo e volta já já. Rádio Web UFPA divulgando conhecimento.

Vinheta: Você está ouvindo UFPA Ensino. Você está ouvindo UFPA Ensino.

Fabrício: Estamos de volta com o programa UFPA Ensino. O nosso tema de hoje é Metodologia de Ensino para Surdos e os nossos convidados de hoje são o professor da Universidade do Estado do Pará Sílvio Santiago Vieira. Também recebo o professor Ernesto Padovani Netto, ele é professor da Seduc e faz o me-strado profissional em Ensino de História e também estou rece-bendo a professora Ohana Matias, que é professora substituta também da UEPA e tradutora/intérprete de Libras e também colabora com o canal História em Libras, pensado aí pelo pro-fessor Padovani.

Estamos de volta aqui pra nossa conversa, vamos começar com o professor Padovani e com a professora Ohana pra eles comentarem um pouco mais sobre esta experiência do canal História em Libras, justamente como é que vocês propõem o ensino da história a partir do canal no Youtube, qual é o diferencial que vocês têm aplicado, lógico além das legend-as e tudo mais, em termos da perspectiva que vocês estão apli-cando a esse ensino de História pra realmente incluir essas pes-soas sendo surdos pra ele ter acesso a esse conteúdo. Profes-sor Padovani.

Ernesto: Na verdade, nós fizemos uma disciplina no mestrado min-istrada pela professora Edilza Fontes que chama-se “História Pública”. Então no Brasil é uma discussão um tanto quanto recente, a discussão sobre História Pública. História Pública perpassa pela questão de que você tem o historiador que produz o conhecimento histórico. Em outros momentos da história, o conhecimento histórico era fundamentalmente pro-duzido pelo historiador e hoje em dia o que nós temos? Nós temos canais no Youtube, nós temos programas de TV, nós

temos jornalistas. Na verdade, todo mundo fala de história o tempo todo. Então, a história ganhou esse viés de história pública. Então, são narrativas que estão aí se degladeando. A gente vê isso no Brasil, esquerda e direita construindo narrativas históricas em torno de situações que ocorreram. Então, esse foi um debate fundamental pra eu pensar o canal. Por que? Em 2013 nós tive-mos as manifestações, o início daquelas manifestações que acabaram culminando com o impeachment. Então, o que acon-teceu? Os surdos chegavam na escola “por que que está acon-tecendo isso?”. Aparecia os blacks bloks quebrando as coisas, colocando fogo, quebrando os bancos e tudo mais e os alunos chegavam “eu não estou entendendo, por que profes-sor na rua esse problema toda a hora na televisão? E eles não entendiam o que estava acontecendo. Então o problema era o acesso à informação. Então, que história está sendo construída para esse aluno? O que que ele está aprendendo no processo escolar, o que que ele está viven-ciando, está vivendo, podendo relacionar, inclusive. Então, eu fui trabalhar nessa perspectiva de explicar. Eu lembro, inclusive, no primeiro vestibular de Libras da UEPA que houve as vagas para os surdos, eu fiz uma discussão com seles sobre essa questão de 2013 dos blacks blocks relacionando com ludismo, quando os operários ingleses quebravam as fábricas e tudo mais. Acabou que foi uma questão que veio na prova, então eles acertaram em massa a questão. Então relacionar os tempos históricos a partir de situações vivenciadas por eles. E o canal História em Libras veio muito nessa perspectiva de pensar a História Pública, a História digital. Nós não temos mais como ser, no meu caso, eu trabalho com história, sermos histo-riadores que ficamos presos somente ao papel, não é verdade?

Somente a entregar textos escritos que uma banca vai ler e muitas das vezes não é lido maciçamente. Então o canal foi uma forma de além de contemplar a exigência do programa que é ter um produto pedagógico, é um exercício de história pública, porque o tema Movimentos Sociais que é o tema da primeira aula, ele surgiu porque eu fui perguntar para os alunos o que eles gostariam de estudar. Isso também é uma perspecti-va muito interessante da gente refletir, porque eu digo “qual é o tema que eu vou colocar? eu não vou elencar um tema de cima pra baixo. Fazer uma aula sobre tal tema e ao perguntar para os alunos, eles tinham muita dificuldade de me responder o que eles gostariam em história. Primeiro, por quê? Existem uma perspectiva de que a história é uma história política. Então, estudar História é estudar Getúlio Vargas, é estudar a Ditadura Militar, é estudar os governos, os grandes heróis na-cionais, entre aspas. E eu queria que eles compreendessem que os surdos tem história.

No YouTube você tem muitas aulas no estilo caseiro, diga-mos assim. Você filma ali o quadro, para um professor que só precisa do recurso da fala é tranquilo. O professor fala, o ouvin-te escutou a informação. Mas para o surdo não, eu preciso de edição, eu preciso que as imagens entrem, eu preciso dialogar com as imagens, eu preciso de uma certa produção. Então, eu encontrei parcerias para produzir esse primeiro vídeo. Houve um custo. Hoje é um momento em que a secretaria de edu-cação replicou essa questão do canal. A Seduc colocou no site, colocou na agência Pará, colocou matérias no YouTube, no Facebook, sobre o projeto. Mas agora a gente precisa de suporte para dar continuidade.

Fabrício: Professor Silvio, eu queria que você falasse um pouco da sua experiência porque o senhor atua em outra área de conhe-cimento que é o ensino religioso. É uma metodologia meio parecida? como é que é são as estratégias que o senhor usa para atuar nessa área específica?

Sílvio: Eu não trabalho com canal especificamente.

Fabrício: Sim, sim.

Sílvio: Hoje eu tenho focado no grupo GESI. As nossas reuniões são todas as sextas-feiras. A gente tem desenvolvido foco na questão da criação de sinais termos que contemplem as questões das religiões. Mas é muito importante ressaltar que nós não estamos focando no cristianismo porque o cristianis-

safio. A sala em si é bilíngue, mas a questão da metodologia dos professores que é o mais difícil, até às vezes o posiciona-mento, eles estão aqui, o intérprete está bem aqui, e eles passam na frente. O surdo reclama “a gente não está conse-guindo visualizar o intérprete”. Então, a gente fica meio assim andando para cá e para cá. Então, assim experiência é muito boa para mim lá na graduação, é outro nível com surdos e assim eu fico muito feliz porque eles estão amadurecendo bas-tante.

Quando eles entraram sentiram muita dificuldade assim como os ouvintes, então assim foi um papel tanto dos intérpre-tes quanto dos professores, enviando materiais para a gente, para a gente procurar como o professor Sílvio falou sobre os sinais termos, se existem, porque são disciplinas muito espe-cíficas. Então, já lá no curso de pedagogia bilíngue que já tem um material pronto, na verdade. Então, assim tem as videoau-las, então geralmente os surdos que vão para lá geralmente são 10 ou 12, porque na verdade nós tutores fazemos uma escala, por exemplo eu vou dois dias, o outro vai mais dois dias. Então assim, a experiência lá é a questão visual que é muito impor-tante.

E o interessante é que os sinais são bem diferentes. Então assim, eles mostram lá na videoaula que é no INES que fica no Rio de Janeiro, e então são bem diferente dos sinais que nós tutores usamos. Então, é uma metodologia muito boa lá assim na questão visual. Então, te dá esse auxílio, interpreta, por exemplo, os textos da Língua Portuguesa. E é esse o trabalho que a gente faz lá.

Fabrício: Na experiência de todos vocês, vocês todos falaram bas-

tante de utilizar estratégias que apelam para esse aspecto visual. A Libras é visual, mas vocês também falaram muito de utilizar estratégias que possam utilizar vídeos, por exemplo, maquetes, enfim, coisas que vão apelar para o sentido visual e vai facilitar esse ensino para esse aluno surdo.

Alguma outra experiência que vocês tiveram, outra poten-cialidade, alguma outra coisa nesse sentido que possa acres-centar para, de repente, um outro professor, para uma pessoa que, de repente, não tenho tido essa experiência, ou de repente possa pensar em alguma outra coisa que vocês possam apre-sentar em algum exemplo?

Ohana: Eu tive uma experiência. Eu ainda era estagiária lá no Astério de Campos. Então, estava eu mais a minha colega Silvana. Então, lembro que na época, eu acho que foi em 2013, eu não sabia o sinal de corrupção. Então, assim, como explicar um conceito, explicar o que é, dar um sinal? Então assim, eu e a Silvana mostramos assim, dramatizamos na verdade.

Nós mostramos um contexto do dia a dia, por exemplo, a gente colocou... eu era a personagem cobrador e ela era um passageiro que ela passava o troco para mim, ou para ela me dava passagem né e eu passava um troco a mais. Então mas ela não me falava nada, ela ficava com dinheiro. Então, explicava para os alunos, “entenderam como é que ocorre a corrupção no dia-a-dia e no contexto político?” Então, foi uma experiência muito boa para mim porque assim quando se está com um surdo, se você não sabe o sinal, o conceito, você tem que apelar até para o teatro, tem que mostrar em algum momento um recurso visual para eles, porque, às vezes, só imagens não dá um sentido para ele. Você tem que dar uma explicação,

mo ele já tem todo um arcabouço de sinais termos.

Nós estamos pegando mensalmente as religiões que já são consideradas religiões mortas. Então, a gente veio desde a Grécia trazendo toda essa questão para trabalhar a questão da sinalização, para ajudar professores tanto de história como também professores de ciências da religião para ensinar os alunos surdos dentro desses contextos. Então, a gente tem toda uma pesquisa com base na lexicografia, na terminologia, buscando compreender se já existem esses sinais, se esses sinais já são utilizados em outros estados, para evitar criar sinais e depois dizer que são variações linguísticas que também não vou entrar muito no mérito porque é uma dis-cussão muito ampla.

Então, após esse primeiro momento que foi a questão da criação esses sinais de Termos, nós desenvolvemos um ciclo de oficinas que nós aplicamos na escola Vilhena Alves no ano pas-sado durante três semanas, onde nós trabalhamos com as met-odologias visuais também com o auxílio do profissional intér-prete de libras, além de que os alunos da UEPA que participam do grupo também sabem sinalizar, mas como a gente percebeu que era um conteúdo muito específico a gente preferiu solicitar a presença do intérprete de libras. Então, nós sentamos com intérpretes, trabalhamos sinais termos que tinham sido cata-logados e os que foram criados. E foi muito interessante como esses alunos surdos ele já compreendem muito essa ideia do visual, assistem muitos filmes, desenhos e trouxeram muitas experiências legais.

Após isso, a gente aplicou em torno de umas 8 a 9 oficinas e nós resolvemos escrever alguns artigos porque a gente per-cebeu, a partir dessa experiência, que os professores que

talvez não saibam lidar com o aluno surdo porque eles não conhecem as metodologias que devem ser trabalhadas. A gente está escrevendo agora um livro que vai ser publicado agora esse ano pela Editora CRV que se chama a “Religião e Educação de surdos: desafios e métodos”, onde a gente tem foco na questão das religiões indígenas, nas religiões afro de matriz africana, especificamente o Candomblé, já que tem um vídeo no YouTube publicado pelo professor Emerson Silva onde ele trabalhou a questão de sinais específicos do Can-domblé.

A gente pegou esse sinais, e fomos trabalhar dentro da sala de aula contextos, por exemplo, sobre os líderes religiosos entre muitos outros contextos. A gente observou que os pro-fessores e os alunos se forem dados para eles as metodologias, se forem oferecidos a eles esse conhecimento, eles conseguem desenvolver o trabalho e o aluno consegue aprender. Então, por isso que o livro é uma alternativa, a gente vai distribuir gra-tuitamente o livro depois como alternativa de ensino para os professores.

Fabrício: Ohana, eu queria saber um pouco mais da tua experiência, porque agora tu estás atuando numa Universidade. O público, com certeza, é diferente. E deve misturar tanto ouvintes quan-tos surdos. Você também está atuando nessa tutoria do curso de pedagogia bilíngue, então, com certeza é uma proposta totalmente diferente que você também deve lidar com metod-ologias diferenciadas para lidar com esse público né?

Ohana: Sim, com certeza, eu atuo tanto no curso letras-libras, que tem metade da turma são surdos e ouvintes. Então ali é um de-

mostrar um classificador para ele, dramatizar para ele entender melhor.

Fabrício: A dramatização é então potencial né. Professor Sílvio, pro-fessor Padovani, querem acrescentar algo mais.

Padovani: Porque a questão é que você tem que construir o con-ceito. Eu vou dar um exemplo aqui, muitas questões de história ou até mesmo no momento de explicar aparece o termo conse-quência. Quais as consequências de determinada situação histórica? Então, para nós ouvintes, vamos pensar assim o con-ceito de consequência. Consequência é uma coisa que acon-tece depois que uma coisa aconteceu e como você vai explicar isso para o surdo? Então, o que a Ohana colocou aqui é funda-mental. Quando eu quero dizer para o aluno o que é conse-quência, eu digo para ele “olha, por exemplo, a pessoa está tomando uma cerveja, whisky, ela pegou um carro, qual pode ser a consequência? Bater o carro. Isso tudo não falado, é dramatizado como ela disse. Então, eu preciso construir esse recurso. Quando ela fala em classifi-cador, de construir cenários narrativo com as mãos para ele. Você está dirigindo mas você bebeu. O que pode acontecer? Você teve uma relação sexual sem preservativo, você pode ficar doente, é uma consequência. Você pode ficar grávida, é uma outra consequência. Então, você tem que construir essas questões. Eu tive três anos como professor Itinerante na escola Luiz Nunes Direito na Cidade Nova. Eu ligado ainda ao Astério, mas desempenham parte da minha carga horária lá. Fizemos várias parcerias com os professores. Então, na apresentação de seminários, nós construímos com os alunos os slides, as apre-

sentações. Eu fazia a interpretação da apresentação dele para os professores. Os professores faziam perguntas. Eu fazia esse papel de intérprete nesse momento. Tem um professor, por exemplo, que fez em alguns momentos a prova de surdos, aquela ideia que a gente tem da prova oral, para o surdo ele fazia a prova sinalizada. Então, ele construía ali 6 questões, reunia comigo e com os surdos, aí ele escolhia “olha, faz essa questão aqui para ele”, aí eu perguntava para o surdo aquela questão, aí o surdo respondia, e eu ia interpretar e fazia esse papel de intérprete nesse momento. Aí o professor avaliava a resposta.

É interessante que é um ser humano. Então, quando ele não sabia, a feição dele mostrava logo que ele não sabia. Ele ficava nervoso, ficava tentando enrolar. O professor já percebia que ele estava com dificuldade para dar resposta. Então, são situações aí, nós fizemos, por exemplo, trabalhos com maquet-es. Esse foi muito interessante, o professor estava trabalhando “A Belle Époque”. E aí ele pediu para os surdos falarem sobre cinema Olympia. Essa foi uma ideia que partiu deles, por exem-plo, eu queria fazer uma maquete do cinema Olímpia, eles dis-seram “não, vamos fazer uma da fundação do cinema, outra dos anos 70/80 e outros agora”. Então, nós acabamos discutin-do a temporalidade, as mudanças arquitetônicas do prédio pú-blico, enfim, ficou bem legal. A apresentação de documentári-os, eu achei um documentário sobre o cinema Olympia, apre-sentamos para eles a interpretação. Então, há uma gama de possibilidades aí realmente. Na questão de química, a professo-ra também pegou umas bolinhas de isopor e aí o que aconte-cia? Aquelas bolinhas de isopor eram as moléculas, aí quando ela queria uma molécula diferente daquela da bolinha, ela já pintava a bolinha de vermelho para representar que era o hidrogênio, que era um carbono.

Então, todas essas possibilidades elas são possíveis de ser utilizada e o interessante é que fica muito bacana para o ouvin-te e para o surdo porque acaba trabalhando um pouco do lúdico. Não é só aquela coisa do professor que fala, fala, fala, e o aluno acaba construindo também ali as coisas, o conheci-mento.

Fabrício: Professor Silvio.

Sílvio: Eu queria complementar fazendo uma boa abordagem voltando lá para a questão do intérprete de libras, porque a gente sabe que o recurso visual, a dramatização tudo isso real-mente eles são de extrema importância. Mas olhando intér-prete em conta uma tecnologia assistiva dentro desse espaço, a gente precisa pensar que o professor deve ter ele também como recurso metodológico. Então, eu quero aproveitar o espaço para conversar também com os professores que possam estar ouvindo os alunos, que é direito do professor ter um intérprete de libras ao seu lado enquanto recurso met-odológico, por que o professor possivelmente não conseguirá sinalizar de forma fluente na sala de aula.

Então atenção para quem tá ouvindo uso decreto 5626/2005 para cobrar dos pais os direitos dos alunos surdos. Você pode levar isso ao Ministério Público para que possa ser trazido o intérprete de Libras. Eu acho que esse recurso met-odológico, o intérprete enquanto recurso metodológico, é im-portantíssimo dentro da sala porque o professor mas na maio-ria das vezes ele não terá tantas vezes para organizar todas as suas aulas de forma visual. Então, esse intérprete de Libras, ali, ele é essencial nos momentos em que o professor não tivesse oportunidade.

Fabrício: Está chegando já ao final do programa, vou abrir o espaço para as considerações finais dos nossos convidados, men-sagem de finais, o que vocês consideram como desafio, algo que vocês queiram reforçar em relação ao que a gente debateu ao longo dessa entrevista. Professor Padovani, pode começar? Ernesto: Na verdade, eu gostaria de agradecer, muito importante esse espaço. A gente percebe que a cada dia a questão da Ed-ucação de surdos está ganhando uma projeção. Eu acho que a questão da redação no Enem foi um antes e depois. O espaço, eu mesmo posso testemunhar, eu já estava ali no mestrado, fazendo projeto, mas depois que veio a redação do Enem, os convites para estar nos espaços, no IFPA, na UEPA na própria UFPA, convites para palestra, enfim. Está discutindo essa questão aumentou muito. Então isso é fundamental, não só para o nosso trabalho né mas para esse público que em algum momento nos falamos aqui da invisibilidade do Surdo, e era um público invisível e é um público que cada vez mais não quer ser invisível, quer ser representado.

Então, nós percebemos que as janelinhas da língua de sinais na TV já é uma coisa que está ganhando muita força, nas campanhas eleitorais, aí foi uma grande novidade. Mas o corre-to é que isto esteja em todos os momentos, em todos os dis-cursos. A gente ainda não vê isso no Brasil, os políticos fazem seus discursos mesmos nos cargos de governadores, presi-dentes, não tem um intérprete.

Quando nós vemos imagens no exterior, o presidente americano falando, a intérprete está do lado. Então, nós temos

um caminho grande aí de conquistas para trilhar, que a comuni-dade surda tem naturalmente também que trilhar.

Fabrício: Ohana. Ohana: Eu quero agradecer também pelo convite. Eu quero agra-decer novamente ao professor Neto por ter me convidado a fazer parte desse canal. Eu não tenho parentes surdos, na ver-dade eu tenho namorado surdo. Então assim, onde estiver um surdo, eu sempre estou lutando com eles. Inclusive, eu faço parte da diretoria da Jubel. É uma honra ser a única ouvinte, então é muita confiança perante os surdos né.

Então assim, na associação a gente luta pela presença do intérprete em sala de aula, nos hospitais, em qualquer espaço. Então assim, essa visibilidade está ocorrendo assim, mas tem que melhorar enfim, tem que avançar mais. Então, para os pro-fessores que estão escutando, eu sei que não tem muito tempo assim para organizar o material, mas fazer um esforcinho. Pro-fessores que estão ouvindo, por exemplo, você tem um aluno surdo ou com outra deficiência procure ter contato com seu aluno, procure saber o que ele pensa, se ele está entendendo. É importante isso.

Fabrício: Professor Sílvio

Sílvio: Bom, primeiramente, eu queria agradecer o convite. Foi uma honra estar debatendo junto com professor Netto Pado-vani e a professor Ohana. E o recado que eu deixo aos profes-sores é sempre buscar pensar, que a partir do momento em que você tem um aluno surdo na sala de aula pensar nessas

metodologias visuais, pensar nessas estratégias que você con-segue desenvolver um trabalho, se as dificuldades elas exist-irem, e caso haja o atendimento educacional especializado na sua escola, procurar o AE de forma a buscar esse suporte que você precisa.

É importante ressaltar que a gente iniciou lá falando sobre a Libras enquanto disciplina, nenhum professor, nenhum aluno vai sair fluente na língua de sinais, porém eu acredito que o ponto mais importante da disciplina é disseminar essa questão da diferença. Então o professor que está hoje trabalhando com surdos ele precisa entender que esse indivíduo tem particulari-dades, ele tem diferenças em relação aos alunos ouvintes e se ele buscar respeitar essas particularidades o desenvolvimento desses alunos será bem maior.

Em suma fica a dica, aproveitando a sala da professora Ohana, quebre essa barreira que existe entre você e o aluno, uma barreira imaginária que já se passaram anos e é necessário você quebrar. Como você faz para quebrar isso é chegando próximo desse aluno perguntando se ele está entendendo, per-guntando de que forma ele que aprender com a professora sugeriu ainda pouco e dessa forma ele vai conseguir fazer com que esse aluno possa expressar as formas que ele pode com-preender melhor, porque a gente deu algumas dicas mas não são receitas.

Cada um, cada professor vai observar dentro dos seus espaços escolares de salas de aula alunos com suas particulari-dades, então, o grande ponto é chegar próximo do aluno que foi que a professora a Ohana citou, quebrar a barreira imag-inária.

Fabrício: Está certo. Muito obrigado professor Silvio, professora Ohana, professor Padovani. Muito obrigado pela participação de vocês, pelos esclarecimentos e por compartilhar conheci-mento com a gente obrigado.

Sílvio: obrigado.

Fabrício: Agradeço mais uma vez a participação do professor Silvio Santiago Vieira, professor Padovani Neto e a professora Ohana Matias. Agradeço também a você ouvinte que acompanha o programa de hoje. Se você quiser enviar críticas comentários ou sugestões é só mandar um e-mail para rá[email protected].

educação de surdos, são experiências muito diversas, lógico, né. Por exemplo, em relação a esse contato que vocês tiveram com a Libras que inclusive, é exigido como eu falei, nos própri-os cursos de licenciatura, esse primeiro contato que muitos professores, licenciandos, hoje alunos de graduação têm, será que ele evoluiu muito dos que vocês tiveram por exemplo, no contato de vocês com a licenciatura? Será que hoje avançamos mais neste contato da Libras, nessa inserção da Libras no ensino superior pra formar esses profissionais, esses profes-sores que vão poder incluir esse aluno no sistema de ensino? ou vocês veem muita similaridade com o que vocês tiveram como experiência enquanto universitários. Como é que vocês veem essa evolução? Teve avanço ou não? Sílvio: A minha primeira formação é em Matemática. Na época em que eu me formei em matemática não existia no currículo a disciplina Língua Brasileira de Sinais, então eu só fui ter contato com a libras enquanto disciplina na especialização, mas hoje eu sou formador de alunos de cursos de licenciatura. Então, mesmo assim eu ainda observo que existem algumas coisas que nós precisamos avançar, por exemplo, a carga horária dessas disciplinas é muito reduzida na maioria dos cursos de graduação. Há curso em que a carga horária varia de 40 horas, 50 horas, 60 horas. A gente há de considerar, o professor Padovani, por exem-plo está desenvolvendo uma dissertação de mestrado onde ele tem um olhar sobre a história desse indivíduo dentro de um processo educacional. Imagina, você precisa apresentar essa história que não é pequena para o aluno graduando. Você pre-cisa trabalhar as metodologias de ensino, você precisa tra-balhar com experiências, você precisa levar esses alunos pra escola de educação de surdos pra que eles possam conhecer

Como professor da escola Astério de Campos que é uma escola de referência em Belém, todo o início de ano nós recebemos muitos convites para formação. E aí eu sou um dos professores que costuma ir dar essa formação. E a preocu-pação é essa. “Professor, sou professor de física, e aí o que que eu vou fazer com o aluno surdo que está na minha sala?”.

Então, quer dizer, mesmo sendo professor de história, eu procurei desenvolver, construir alguns materiais pra esses mo-mentos de formação onde eu explico pra eles, por exemplo, que pro surdo se você vai trabalhar matemática, você vai tra-balhar aquela abstração, aquelas frações, então é muito com-plicado. Agora se você traz para aquelas questões que é algo que está afinado com o aquilo que o MEC pensa em relação ao enem, se você traz que os prédios projeta uma sombra de tantos graus, formando um ângulo, você abre a mente ali pra trabalhar com o surdo porque ele está visualizando o prédio, a sombra, o grau está relacionado com a vida, então não é algo tão distante pro mundo ouvinte.

Em geral, quando estou em momentos de formação, ou em espaços educacionais, eles pensam que o surdo ele não ouve, mas ele sabe ler, então é muito complicado, porque ao não ouvir, o surdo não criou o conceito daquela palavra, nós sabe-mos que mesa é mesa, nós ouvimos a palavra mesa e atribuí-mos à mesa.

O surdo não ouviu essa palavra, então o conceito para ele, a palavra pra ele é um emaranhado de signos pra ele. Ele preci-sa estar gravando aqueles signos. A disciplina libras ela não está dando conta disso, ao meu ver. Os alunos vão pra essa dis-ciplina, eles não vão aprender a língua de sinais. Eu tenho con-tato com professores do ensino regular que têm alunos surdos há oito anos, há sete anos. Na minha pesquisa eu entrevistei

professores que têm alunos surdos há 10, 8 anos e ainda não sabe dá bom dia. Então, na disciplina também esse aluno não vai aprender. Está servindo pra ele entrar em contato e saber que isso existe. Hoje a minha luta, eu estou tentando criar um conceito que é o ensino de história em contextos inclusivos, que esse debate vá de fato pro campo das disciplinas, das áreas de conhecimento e não fique pairando acima de todas disciplinas que não dá conta. As disciplinas têm metodologias diferenciadas de ensino.

Fabrício: Como é que essa realidade no curso de letras, Ohana?

Ohana: Sim, sim, como o professor Neto falou, eu vim do curso Letras Libras, então tinha agrade curricular toda voltada pra Libras, pra educação dos surdos, então assim, em si, eu não tive essa dificuldade, mas se eu dependesse só do curso, hoje em dia talvez, eu estaria sinalizando só o básico, assim infelizmente como muitos colegas meus terminaram o curso e não tinham domínio da Língua de Sinais. Então, eu precisei correr exata-mente para manter contato com o usuário da língua pra poder aprender. Hoje em dia tudo o que eu sei foi porque eu estou sempre tendo contato com o surdo, então assim, quando eu conversa-va nos corredores com meus outros colegas de graduações, seja de letras português, biologia, eles me falavam assim “Ohana, você pode me ensinar qual é o sinal isso, isso, o sinal específico da graduação deles, porque o meu professor falta, porque o meu professor não está presente”, ou como o profes-sor Sílvio falou “a carga horária é muito pouca”, então assim, “não faz a adaptação voltada para o meu curso”. Então, como eu posso chegar numa graduação, por exemplo de licenciatura em biologia e ensinar por exemplo, só o alfabeto, só os sinais

esses espaços que é a partir dessa experiências empírica que ele pode se identificar muito mais com esses processo. Então eu observo que 60 horas, 80 horas é uma carga horária insufici-ente. Na minha opinião, nós deveríamos ter hoje um estágio curricular voltado pra educação especial. Os alunos saem da graduação sem saber como lidar com os alunos com deficiên-cia.

Falando do aluno surdo, ele sai ainda mais perdido haja vista que a Língua de sinais é uma língua diferente da Língua Portuguesa, com uma estrutura gramatical que carrega uma especificidade muito diferente da Língua Portuguesa. Então penso que a gente deve continuar discutindo essas questões da inclusão a fim de que exista um estágio supervisionado especifico. É lógico que as pessoas não vão sair de lá expertise em trabalhar com surdos, mas ela pelo menos terá condições de compreender essa realidade da inclusão escolar visitando esses espaços, essas escolas que têm educação especial que ainda existem aqui dentro de Belém.

Fabrício: Padovani.

Ernesto: Na minha graduação também ainda não havia essa questão da disciplina Libras. Pra dizer a verdade, durante a minha graduação nunca nem passou pela minha cabeça essa realidade. Não era algo discutido, debatido, presente dentro da Universidade, nem na sociedade. O que acontece assim, eu go-staria de concordar com o professor e também aprofundar no sentido de não é só uma questão de apresentar a disciplina com o nome Libras. Então, eu preciso trabalhar com o meu aluno de história metodologias de ensino de história pra surdos, metodologias de ensino de matemática para surdos.

Fabrício: Olá, ouvintes da Rádio Web UFPA. Eu sou Fabrício Que-iroz e a partir de agora você acompanha comigo mais uma edição do UFPA Ensino que hoje vai falar sobre Metodologias de Ensino para surdos.

Segundo o censo do IBGE de 2010, 9 milhões e 700 mil pessoas têm deficiência auditiva. Cerca de um milhão são jovens até 19 anos. No Brasil, os surdos só passaram a ter acesso à educação durante o império.

Em 26 de setembro de 1857, foi criada a primeira escola de educação de meninos surdos, no Rio de Janeiro. Apesar do avanço, somente em 2002, a Lei nº10.436 reconheceu oficial-mente a Língua Brasileira de Sinais, a LIBRAS.

A Libras é fundamental para garantir o aprendizado de alunos surdos. Em 2005, com o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro, a Libras foi determinada como disciplina curricular obrigatória para todos os cursos de licenciatura e também fonoaudiologia, e ela é optativa para os demais cursos do ensino superior e da educação profissional.

Outra grande conquista aconteceu em 2010, quando a profissão de tradutor–intérprete de Libras foi regulamentada em de 1º de setembro.

Além disso, professores têm buscado trazer a Libras para fora da sala de aula. Na internet, por exemplo, existem video-aulas em libras, democratizando o acesso à educação.

Hoje, vamos conhecer o trabalho de professores e intérpretes de Libras que desenvolvem estratégias para melhorar o ensino para surdos. Recebemos aqui no es-túdio da Rádio Web o professor da UEPA Sílvio Santia-go Vieira, ele é mestrando em Ciências da Religião, es-pecialista em Atendimento Educacional Especializado e também coordena o Grupo de Estudos Surdos & Inter-faces do IEPA, que é o Instituto de Educação e Cultura do Pará. Professor Silvio, muito obrigado por sua partic-ipação, bem-vindo.

Sívio Viera: Muito obrigado pelo convite.

Fabrício: Obrigado, professor Silvio. Também estou rece-bendo o Ernesto Padovani Netto, mais conhecido como Padovani. Ele é aluno do Mestrado Profissional em Ensino de História e é responsável pelo canal do Youtube “História em Libras”, e também é professor da SEDUC. Professor Padovani, muito obrigado.

Ernesto Padovani: Obrigado pelo convite, a gente espera contribuir aqui um pouco com o debate.

Fabrício: Obrigado, professor. E também recebemos a Ohana Matias. Ela é tradutora / intérprete de libras, é professora substituta da UEPA. Também atua como tutora na UEPA no curso de Pedagogia Bilíngue, além de ser especialista em Educação Especial e Inclusiva, e também colaboradora do canal “História em Libras”.

@radiowebufpa

Page 21: Divulgando conhecimentoradio.ufpa.br/wp-content/uploads/2018/03/Roteiro... · Eu digo “não, ele sabe diferenciar, o meu papel aqui é de intérprete”. Eu sempre lutava a questão

Ohana, também muito obrigado pela tua participação, bem-vinda.

Ohana: Obrigada pelo convite, é um prazer estar aqui estar fazendo parte desta discussão.

Fabrício: Eu queria que, na verdade, vocês primeiramente se apresentassem um pouco pra gente conhecer um pouco da trajetória e do interesse de vocês por essa área tão cara e tão desafiadora. A gente viu aí por esse pequeno histórico o quanto ela foi negligenciada, a educação de surdos, a educação inclusiva. O que que motivou vocês a trabalhar com essa área que ainda é um desafio na ed-ucação brasileira? Professora Ohana.

Ohana: Ohana: Bom, a minha história em si é bem diferente dos outros. Os meus colegas que eu estudei no curso de letras libras em 2012, a maioria veio da área da interpre-tação da igreja, ou tinha um parente surdo e no meu caso em si é por conta da minha mãe ser pedagoga. Então, como ela fazia na época o curso de libras, ela me incentivou para escolher esse curso. Na verdade, eu con-heci esse mundo novo quando eu passei no vestibular. Então assim, a partir do momento que eu comecei a estudar e começar a entender a história da educação do surdo, foi só um momento assim pra eu procurar saber mais sinais. Então, foi uma grande oportunidade e hoje em dia eu estou atuando, também faço parte da as-sociação dos surdos de Belém. Então eu estou sempre

nessa constante luta em prol da educação dos surdos, na luta por eles.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: Bom, a minha trajetória ela começa quando em 2009 eu resolvi fazer um curso de Língua Brasileira de Sinais no CAES. Eu tive um aluno surdo na época no Augusto Meira. Não sabia como lidar com os alunos surdos. E a minha comunicação com eles era basicamente por meio da mímica, por meio da escrita nos braços. Os surdos eles têm o costume de escrever no braço quando não têm papel, apagava, enfim. E assim eu fui apren-dendo os sinais iniciais e eu percebi que eu deveria ir mais adi-ante. Eu já tinha experiência com educação de alunos cegos e baixa visão, porém a minha experiência com os surdos me fez refletir sobre essas carências que a formação inicial de profes-sores possui. Aí eu fui fazer um curso de libras, tive o professor Arlindo, o professor Tiago Costa como meus professores. E foram pessoas que contribuíram muito para a minha formação inicial na área da língua de sinais. Em 2010, então eu resolvi en-veredar pela especialização nessa área, fiz especialização em Libras. E comecei também em 2010 a interpretar dentro da Igreja Assembleia de Deus. Foi quando eu realmente resolvi me focar nessa questão da interpretação que eu já estava na docência. Posteriormente a isso, eu resolvi criar o grupo de estudos surdos e interfaces, onde a gente tem discussões diversificadas, mas especifica-mente hoje nós estamos discutindo as questões relacionadas a

gênero e sexualidade dentro do grupo, haja vista que a comu-nidade surda belemense, ela apresenta uma pluralidade nesse sentido e é necessário que familiares e escolas possam com-preender essa questão da sexualidade do surdo que manifesta certas diferenças em relação à sexualidade dos indivíduos ouvin-tes. E também com foco na questão da religião pois eu tenho ob-servado que hoje os surdos eles têm buscado enveredar por outros ramos religiosos além do cristianismo. E a minha trajetória hoje tem sido basicamente focar na compreensão de como é que tem se desenvolvido essas territorialidades e os territórios dentro dos espaços sagrados. Hoje minhas pesquisas estão focadas nisso.

Fabrício: Professor Padovani.

Ernesto: Ok. Bem, eu sou professor da rede estadual de ensino há dez anos. Então quando eu comecei eu tra-balhei uns três anos no interior do estado. Tive um públi-co também de trabalhar em comunidades, quando vim, voltei a Belém, voltei pra trabalhar no sistema penal. O que ocorreu? Na verdade, lá no Astério de Campos não tinha professor de história. Aí me fizeram a proposta. Então, na verdade não foi muito uma escolha minha. Che-gando lá, eu criei de fato uma grande identificação com o trabalho. Fiz uma especialização em educação inclusiva e comecei a observar as dificuldades deles em relação à Língua Portuguesa, dificuldades com textos muito grandes, necessidade da utilização de imagens, então eu fui montando uma metodologia a partir de referenciais teóricos como a pedagogia visual e criando meu próprio material didático, criando formas de trabalhar com eles.

Quando surgiu a seleção pro Mestrado Profissional em Ensino de História, o PROFHISTÓRIA, eu fiz a seleção, fui aprovado e fui com isso na cabeça, que eu ia fazer um projeto sobre educação de surdos, unindo essas duas áreas. A questão da história e a questão da metodologia de ensino. E aí perpassam vários elementos, não é só a história em si. O meu trabalho é um trabalho sócio-histórico que vou justamente remontar o período do oralismo, passando pela co-municação total, são metodologias que são utilizadas até hoje como proposta teórica do bilinguismo prevalecendo na edu-cação dos surdos, pelo menos uma tentativa pra que prevaleça. E aí na verdade o canal “História em Libras”, ele surge como um produto desse mestrado. O mestrado profissional em ensino de história, ele exige uma dissertação escrita e um pro-duto pedagógico aplicável. Então existem várias possibilidades de produtos. A minha intenção inicial era fazer um material didático mesmo pra distribuir nas escolas, mas eu fiquei pen-sando na logística disso e no alcance que isso teria. Então, con-versando com amigos porque tem essa questão da interdisci-plinaridade, eu precisei de um amigo meu que trabalha com cinema, precisei da Ohana pra construir a proposta do canal. Então, desenvolvemos a ideia de um canal na internet seria muito melhor porque eu não teria o problema da divul-gação. Colocou na internet as pessoas podem acessar. E nós estamos nesse momento. Graças a Deus o vídeo está sendo muito acessado, teve uma repercussão muito boa. A Mídia Ninja compartilhou nos espaços que eles têm nas mídias digi-tais. Estamos agora aqui nesse debate

Fabrício: Dá pra esse primeiro relato de vocês, em relação à experiência, o contato que vocês tiveram com a Libras, com a

de família, de frutas, aí esse professor vai se formar, vai chegar numa sala de aula e vai só manter esse diálogo só de frutas, alfabeto? Não. Ele tem que saber o sinal de células, de mem-brana, disso, daquilo, tem que saber como é usar um classifica-dor. Infelizmente, é quebrada essa grade curricular das pessoas que estão na licenciatura.

Eu vivenciei isso muito quando eu fui intérprete de uma escola que tinha uma demanda muito grande, tinha 18 surdos na escola. Eu atendia oito surdos no ensino médio. Então, assim, eu observava a dificuldade dos professores. Eles chega-vam pra mim “eu nem tive essa disciplina de libras”, “eu nem sei o que é isso”, “é surdo mudo?” “ah, os teus alunos”. Eles não eram os meus alunos, eles eram alunos deles tanto quanto os ouvintes. Então, no caso, eu falava assim, “professor você tem que direcionar a eles”, “ah, mas só que ele vai pensar que é tu que tá chamando a atenção ou tá explicando”. Eu digo “não, ele sabe diferenciar, o meu papel aqui é de intérprete”. Eu sempre lutava a questão da metodologia, não pensavam no surdo.

Uma vez aconteceu uma situação que foi ao contrário, estava com legenda e sem som. Os ouvintes reclamaram. Aí eu falei para eles, “agora, vocês entenderam o que é estar na pele de uma pessoa surda:” Não é fácil. A informação não chega tão fácil pro surdo.O professor fez esse canal História. Esse canal é uma forma de democratizar tanto para surdo como para ouvin-te porque ele está usando diretamente a língua de sinais e tem ali a legenda.

Fabrício: Professor Padovani

Ernesto: Eu queria retomar mais uma questão pra embasar essa questão da metodologia, porque por exemplo a gente percebe muito há um censo comum de querer resumir a questão à língua. Então, se você tem um intérprete na escola, que não tem, em geral, não tem. Quando tem, então resolveu o proble-ma, agora tem intérprete. Então, eu faço sempre a discussão, o seguinte, se o problema fosse a língua, os nossos alunos ouvin-tes todos não teriam problema nenhum de educação no Brasil. Professor fala português, os alunos todos falam português, en-tendem, então por que os alunos não alcançam a média? Por que nós não estamos nos melhores patamares de educação mundial? Então nós não podemos também resumir o debate à língua. Então, como é que o aluno entende? É a partir da imagem? É a partir da construção de maquete? Qual é a possi-bilidade que se tem de vídeos com legenda?

O primeiro dia que o vídeo foi postado no Youtube, ele ficou sem legenda. Foi uma estratégia mesmo. Eu fui colhendo e estou colhendo os depoimentos pra finalizar a dissertação. “Poxa, não consegui, olha, eu paro, pela metade, eu parei. Não consegui acabar de ver, não tava entendendo nada”.Olha que nós colocamos os recursos imagéticos entrando no vídeo e em alguns momentos chaves aparecia escrito também o que estava sendo falado. Mas mesmo assim as pessoas reclamaram ou muitas fizeram essa reflexão: “poxa, agora eu me senti como os surdos se sentem”. São pequenas situações do dia a dia que no universo da escola se traduz em outras formas, mas são hierarquias de saberes. Um professor está ministrando aula, o outro professor vem dar um recado na turma, bota o rosto dentro da sala, “gente, gente, licença aqui, rapidinho, amanhã tem prova, dois reais a prova e tal”. Recado dado.

O surdo não entendeu. Vamos passar o vídeo pra turma, vamos levar para o auditório, muito legal, todo mundo vai, chega na hora de passar o vídeo me chamam pra interpretar, já aconteceu isso, eu não sou intérprete mas você está na escola, você sabe Língua de Sinais, você é intérprete, você é professor do AE, você é itinerante, você é tudo. Então fui lá interpretar, tudo certo, vamos lá, solta o play, apagam a luz. Como é que o surdo vai ter acesso à minha interpretação, então são questões que... é maldade? Não. Não é. Mas isso estrutura uma hierarquia de saberes. Entendeu. São hábitos que a escola internaliza porque ela é uma escola voltada e pensada para o público ou-vinte. O que me chama atenção é que isso acontece em escolas em que os surdos estudam há 10, 15 anos. Então, quando a escola vai internalizar presença do surdo? Então, acho que essas são questões aí que abrem um bom leque pra gente dis-cutir e pensar.

Fabrício: Só pra voltar, eu achei interessante o depoimento da Ohana, essa relação, dela como intérprete né. O Padovani ele tem o conhecimento, de repente ele pode usar desse conheci-mento pra se comunicar com esse aluno surdo, mas nem todas as escolas têm um profissional como a Ohana. E como é que fica a relação entre o professor e esse intérprete? Onde é que começa o papel de um e o papel de outro? Como é que se con-strói esse relacionamento pra que se possa comunicar e repas-sar esse conteúdo pra esses alunos? Como é essa dinâmica?

Ohana: Bom, a priori, o que deveria ocorrer era ter essa parceria com o professor e o interprete. Por que? porque o papel do intérprete é mediar. Ele não vai ensinar nada. Até porque a minha formação é Letras com habilitação em Libras, não é for-

mação em Letras, Português, Biologia, Matemática, não é.

A minha formação é Letras, então qual é o meu papel ali? É de chegar e interpretar tudo o que o professor falar. E quando eu digo tudo, eu interpretava até palavrões, enfim, tudo o que o professor abrisse a boca eu interpretava porque eu estou ali. Só que infelizmente essa experiência que eu tive o professor confundia, ele pensava que eu era a professora deles, e eu dizia “Olha, eu tenho respaldo, tem a lei, tem o código de ética, tenho tudo o que o senhor quiser eu mostro, mas esse daí não é meu papel, essa competência não é minha, é a sua”. Então, tem que ter essa parceria. O que o intérprete pode ajudar? Ajudar a dar umas dicas, como é que faz o material, coloca a legenda na próxima aula, é assim, é essa parceria. Essa relação de professor, intérprete e aluno.

Sílvio: Relacionando a fala da professora Ohana também pensan-do no atendimento educacional especializado. Então, ela ainda pouco colocou que o professor sempre atribui a responsabili-dade para o intérprete de Libras, mas ele também faz isso para o atendimento especializado. Por quê?

Historicamente a educação do surdo, ela foi atribuída à ed-ucação especial. Então, com o processo de inclusão que se dá a partir de 1996, com a lei de diretrizes e bases 93/94 de 96, é que a gente vem perceber que esses indivíduos com deficiên-cia, pessoas com deficiência, passam a ingressar dentro das escolas regulares. Só que nós passamos a ter dois personagens que antes nós não tínhamos dentro desses espaços, os intér-pretes de libras e os cuidadores também, e também a gente passa a ter o atendimento educacional especializado que as pessoas acham que é antiga educação especial, mas na ver-

dade há controvérsias, porque educação especial funcionava numa sala de aula onde se ensinavam essas pessoas. E o AE não, ele funciona como educação suplementar complementar, porém para o professor da rede regular, ele entende que é responsabilidade do AE ensinar os aluno surdos, que é responsabilidade do intérprete ensinar os alunos surdos, ou seja, esses personagens acabaram tendo responsabilidades além de suas responsabilidades e o professor se exime.

O Vigotski diz que “quando a gente enxerga deficiência primeiro ao invés de enxergar o ser humano, a gente destrói qualquer possibilidade de desenvolvimento desse indivíduo”. Então, a gente pode pegar a fala do professor Netto Padovani, por exemplo, em relação a questão das metodologias e obser-var que a maioria dos professores estão destruindo possibili-dades de desenvolvimento desses alunos na sala de aula exata-mente por causa das metodologias. Eu também não quero cul-pabilizar somente esses professores porque também a gente tem que pensar na formação desses indivíduos e nós também precisamos pensar que a Universidade também deve oferecer cursos de formação continuada, porque esse papel é da Uni-versidade. A gente costuma atribuir essa responsabilidade, “Ah, o governo não faz”, mas a Universidade é quem forma, é ela que deve trazer os professores pra dentro. Ela que precisa buscar parcerias com as escolas, parcerias com as unidades pra que isso possa acontecer.

Hoje, nós ainda observamos uma grande polêmica dentro das escolas. Intérprete de Libras que acabam tendo discussões com professores porque as vezes são atribuídas responsabili-dades. Durante o meu período na rede regular de ensino, eu tive dois alunos surdos, depois eu já estava fluente em Libras, e eu também tive problemas. E é legal colocar isso, porque os

meus alunos ouvintes não gostavam de eu passava a sinalizar na sala de aula. Então, o que que eu fazia, passava todo o con-teúdo de matemática, explicava primeiro em Língua Portugue-sa, passava uma bateria de exercícios pra eles fazerem, e era o momento em que eu ia sinalizar, porque não tinha intérprete de Libras, para os dois alunos surdos.

Só que isso gerava discussões na sala, “Ah, o professor não está dando atenção pra gente”, “o professor agora só olha pra esses surdos, lá vem ele com essa língua de sinais pra dentro da sala de aula”. Então, a gente observa que essas relações de poder que incidem dentro do espaço da sala de aula ainda fazem com que os ouvintes entendam que deve ser dada atenção a eles e que aos indivíduos surdos não deve ser dada atenção. Tem uma charge no livro do Moacir Carneiro muito interessante, inclusive nas formações continuadas eu sempre falo isso pros professores, os professores estão aqui em cima conversando “nós não conhecemos nada sobre esses indivíduos, nunca ouvimos falar nada sobre educação espe-cial”. Aí os alunos todos embaixo olhando.

Na verdade, essas pessoas vão reproduzir lá embaixo esse mesmo pensamento, é por isso que esses alunos pensam hoje que o professor deve dar atenção a eles e não devem dar atenção aos alunos surdos dentro da sala. Já eles também não aprenderam nada sobre educação especial, não aprenderam nada sobre pluralidade, diversidade, e acima de tudo sobre dif-erença.

Ohana: Eu vivenciei nessa escola, eu trabalhei nessa escola, se eu não me engano, dois anos e meio. Então assim, para aquela turma, eu acompanhei os surdos, primeiro, segundo e terceiro

ano. Até metade do convênio. Então, quando foi no primeiro ano, os ouvintes assim sofreram um impacto. “Intérprete?”, “surdos?”, “mãos mexendo?”, “Meu Deus!”, porque foram logo oito na minha turma. Então, assim, no início, eles deixavam de prestar atenção no professor e ficavam assim olhando pra mim, com os olhos vidrados, eu ficava intimidada inclusive, com o tempo eles foram habituando e foi passando ano, dois anos, mas o que me veio à cabeça, assim eu sempre fui tímida, então eu sempre chegava, dava bom dia pra quem estava na frente, mas eu não era de ficar batendo papo com os ouvintes.

Então, eu ficava conversando com os surdos, enquanto o professor não chegava. Então, assim os ouvintes assim, meio que segregavam a gente. Então, o que eu acho engraçado, é quando eles foram ter contato comigo? um dia após a prova do Enem. Tinha gente da escola do primeiro ano que eu nunca tinha visto na vida. Eles chegaram “Ei, tia, a minha proposta está boa”, “será que pode falar deficiente auditivo”, “eles são surdo-mudos”, “é isso, é aquilo”. Foi a primeira vez que eles viram a necessidade. A escola em si diz “Ah, a gente está inte-grando”, mas na verdade segregava. Então foi uma experiência dessa forma, foi ruim pra mim inclusive. Na verdade se não fosse eu ali com os surdos, eles não iam ter visibilidade naquela escola.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: É bem legal a gente observar que as falas estão contemp-lando o que a gente chama de currículo oculto dentro das insti-tuições, e é isso que a gente tem pra parar pra pensar hoje. As metodologias de ensino, elas podem contemplar as necessi-dades do professor na sala de aula, ok. Mas a escola precisa tra-

balhar o currículo oculto que é exatamente o que o professor Netto e a professora Ohana colocaram, que é essa questão da alteridade, de fazer com que o professor e o aluno possam se colocar no lugar do outro, porque inclusão ela precisa ser para todos. Ela tem que começar lá do porteiro até a merendeira. Então não é só o professor que deve passar por esse processo, e quando a escola inteira passar a se modificar, então, a gente vai começar a observar que os alunos ouvintes vão com-preender as particularidades étnico-linguísticos desses indivíduos surdos. Hoje a gente vem percebendo pelas experiências de rela-tos, até mesmo as experiências que a gente já viveu, que esses alunos eles ainda não compreendem. Eu lembro, por exemplo, uma vez que eu fui interpretar para um amigo meu, o Ademil-ton. Eu acho que a professora Ohana até conhece. Ele é surdo. Na época ele fazia ensino médio. E foi uma experiência muito triste porque o professor não sabia sequer da existência de um profissional interprete de Libras, então eu pedi pra diretora da escola, uma escola pública de Belém pra entrar pra interpretar na aula de química, e o professor me viu virado o tempo todo de costa pra ele. E ele achou que eu era um surdo que estava simplesmente conversando na sala de aula.

Só pra você ter uma noção do que que que é essa falta de compreensão desse outro indivíduo que está ali. E os alunos ouvintes na hora da frequência, começaram a chamar nome a nome, e eu disse “olha, o professor chamou o teu nome”. Ai ele foi lá na frente, e disse pro professor apontar. O professor fez um gesto obsceno pra ele e todo mundo começou a rir. De repente uma aluna chega e pergunta “professor, porque que ele tá aqui na sala de aula”. Ele disse assim: “Eu não sei, eu tô levando até onde eu posso”. Na verdade, esse professor não estava levando nada. Porque aquele momento ali mostrava que

ele não compreendia. Foi quando eu chamei o professor. “Pro-fessor, ele está com dúvidas nisso”. Aí ele disse “Ah, você fala?”. “Sim, eu sou ouvinte, eu sou intérprete”. E aí foi muito legal porque o professor sabia ensinar o surdo, só que ele tem medo de ensinar, porque tem uma barreira imaginária entre o profes-sor e o aluno surdo. Eu não lembro direito o conteúdo, eu acho que era sobre átomos que ele estava ensinando. Ele pegou um pedaço de papel, fez um monte de bolinhas, e ensinou pro Ademilton o conteúdo. Então, ele sabia ensinar, a questão é que ele não sabia como chegar pra ensinar, então, isso é uma questão de currículo oculto.

Os professores, a escola, a direção, a coordenação ped-agógica, todos eles precisam se voltar pra compreender esse espaço plural que existe dentro da escola. A gente fala muito de diferença, mas a escola na verdade, a exclusão ainda impera dentro desse processo. E não é só para os indivíduos surdos, é para todos os alunos que sofrem qualquer tipo de exclusão dentro desse espaço.

Fabrício: Rádio Web UFPA apresentando o programa UFPA Ensino. Hoje o tema é Metodologias de Ensino para Surdos. Os nossos convidados são, o professor Sílvio Santiago Vieira, o professor Ernesto Padovani Netto e a professora Ohana Matias. A gente vai para um rápido intervalo e volta já já. Rádio Web UFPA divulgando conhecimento.

Vinheta: Você está ouvindo UFPA Ensino. Você está ouvindo UFPA Ensino.

Fabrício: Estamos de volta com o programa UFPA Ensino. O nosso tema de hoje é Metodologia de Ensino para Surdos e os nossos convidados de hoje são o professor da Universidade do Estado do Pará Sílvio Santiago Vieira. Também recebo o professor Ernesto Padovani Netto, ele é professor da Seduc e faz o me-strado profissional em Ensino de História e também estou rece-bendo a professora Ohana Matias, que é professora substituta também da UEPA e tradutora/intérprete de Libras e também colabora com o canal História em Libras, pensado aí pelo pro-fessor Padovani.

Estamos de volta aqui pra nossa conversa, vamos começar com o professor Padovani e com a professora Ohana pra eles comentarem um pouco mais sobre esta experiência do canal História em Libras, justamente como é que vocês propõem o ensino da história a partir do canal no Youtube, qual é o diferencial que vocês têm aplicado, lógico além das legend-as e tudo mais, em termos da perspectiva que vocês estão apli-cando a esse ensino de História pra realmente incluir essas pes-soas sendo surdos pra ele ter acesso a esse conteúdo. Profes-sor Padovani.

Ernesto: Na verdade, nós fizemos uma disciplina no mestrado min-istrada pela professora Edilza Fontes que chama-se “História Pública”. Então no Brasil é uma discussão um tanto quanto recente, a discussão sobre História Pública. História Pública perpassa pela questão de que você tem o historiador que produz o conhecimento histórico. Em outros momentos da história, o conhecimento histórico era fundamentalmente pro-duzido pelo historiador e hoje em dia o que nós temos? Nós temos canais no Youtube, nós temos programas de TV, nós

temos jornalistas. Na verdade, todo mundo fala de história o tempo todo. Então, a história ganhou esse viés de história pública. Então, são narrativas que estão aí se degladeando. A gente vê isso no Brasil, esquerda e direita construindo narrativas históricas em torno de situações que ocorreram. Então, esse foi um debate fundamental pra eu pensar o canal. Por que? Em 2013 nós tive-mos as manifestações, o início daquelas manifestações que acabaram culminando com o impeachment. Então, o que acon-teceu? Os surdos chegavam na escola “por que que está acon-tecendo isso?”. Aparecia os blacks bloks quebrando as coisas, colocando fogo, quebrando os bancos e tudo mais e os alunos chegavam “eu não estou entendendo, por que profes-sor na rua esse problema toda a hora na televisão? E eles não entendiam o que estava acontecendo. Então o problema era o acesso à informação. Então, que história está sendo construída para esse aluno? O que que ele está aprendendo no processo escolar, o que que ele está viven-ciando, está vivendo, podendo relacionar, inclusive. Então, eu fui trabalhar nessa perspectiva de explicar. Eu lembro, inclusive, no primeiro vestibular de Libras da UEPA que houve as vagas para os surdos, eu fiz uma discussão com seles sobre essa questão de 2013 dos blacks blocks relacionando com ludismo, quando os operários ingleses quebravam as fábricas e tudo mais. Acabou que foi uma questão que veio na prova, então eles acertaram em massa a questão. Então relacionar os tempos históricos a partir de situações vivenciadas por eles. E o canal História em Libras veio muito nessa perspectiva de pensar a História Pública, a História digital. Nós não temos mais como ser, no meu caso, eu trabalho com história, sermos histo-riadores que ficamos presos somente ao papel, não é verdade?

Somente a entregar textos escritos que uma banca vai ler e muitas das vezes não é lido maciçamente. Então o canal foi uma forma de além de contemplar a exigência do programa que é ter um produto pedagógico, é um exercício de história pública, porque o tema Movimentos Sociais que é o tema da primeira aula, ele surgiu porque eu fui perguntar para os alunos o que eles gostariam de estudar. Isso também é uma perspecti-va muito interessante da gente refletir, porque eu digo “qual é o tema que eu vou colocar? eu não vou elencar um tema de cima pra baixo. Fazer uma aula sobre tal tema e ao perguntar para os alunos, eles tinham muita dificuldade de me responder o que eles gostariam em história. Primeiro, por quê? Existem uma perspectiva de que a história é uma história política. Então, estudar História é estudar Getúlio Vargas, é estudar a Ditadura Militar, é estudar os governos, os grandes heróis na-cionais, entre aspas. E eu queria que eles compreendessem que os surdos tem história.

No YouTube você tem muitas aulas no estilo caseiro, diga-mos assim. Você filma ali o quadro, para um professor que só precisa do recurso da fala é tranquilo. O professor fala, o ouvin-te escutou a informação. Mas para o surdo não, eu preciso de edição, eu preciso que as imagens entrem, eu preciso dialogar com as imagens, eu preciso de uma certa produção. Então, eu encontrei parcerias para produzir esse primeiro vídeo. Houve um custo. Hoje é um momento em que a secretaria de edu-cação replicou essa questão do canal. A Seduc colocou no site, colocou na agência Pará, colocou matérias no YouTube, no Facebook, sobre o projeto. Mas agora a gente precisa de suporte para dar continuidade.

Fabrício: Professor Silvio, eu queria que você falasse um pouco da sua experiência porque o senhor atua em outra área de conhe-cimento que é o ensino religioso. É uma metodologia meio parecida? como é que é são as estratégias que o senhor usa para atuar nessa área específica?

Sílvio: Eu não trabalho com canal especificamente.

Fabrício: Sim, sim.

Sílvio: Hoje eu tenho focado no grupo GESI. As nossas reuniões são todas as sextas-feiras. A gente tem desenvolvido foco na questão da criação de sinais termos que contemplem as questões das religiões. Mas é muito importante ressaltar que nós não estamos focando no cristianismo porque o cristianis-

safio. A sala em si é bilíngue, mas a questão da metodologia dos professores que é o mais difícil, até às vezes o posiciona-mento, eles estão aqui, o intérprete está bem aqui, e eles passam na frente. O surdo reclama “a gente não está conse-guindo visualizar o intérprete”. Então, a gente fica meio assim andando para cá e para cá. Então, assim experiência é muito boa para mim lá na graduação, é outro nível com surdos e assim eu fico muito feliz porque eles estão amadurecendo bas-tante.

Quando eles entraram sentiram muita dificuldade assim como os ouvintes, então assim foi um papel tanto dos intérpre-tes quanto dos professores, enviando materiais para a gente, para a gente procurar como o professor Sílvio falou sobre os sinais termos, se existem, porque são disciplinas muito espe-cíficas. Então, já lá no curso de pedagogia bilíngue que já tem um material pronto, na verdade. Então, assim tem as videoau-las, então geralmente os surdos que vão para lá geralmente são 10 ou 12, porque na verdade nós tutores fazemos uma escala, por exemplo eu vou dois dias, o outro vai mais dois dias. Então assim, a experiência lá é a questão visual que é muito impor-tante.

E o interessante é que os sinais são bem diferentes. Então assim, eles mostram lá na videoaula que é no INES que fica no Rio de Janeiro, e então são bem diferente dos sinais que nós tutores usamos. Então, é uma metodologia muito boa lá assim na questão visual. Então, te dá esse auxílio, interpreta, por exemplo, os textos da Língua Portuguesa. E é esse o trabalho que a gente faz lá.

Fabrício: Na experiência de todos vocês, vocês todos falaram bas-

tante de utilizar estratégias que apelam para esse aspecto visual. A Libras é visual, mas vocês também falaram muito de utilizar estratégias que possam utilizar vídeos, por exemplo, maquetes, enfim, coisas que vão apelar para o sentido visual e vai facilitar esse ensino para esse aluno surdo.

Alguma outra experiência que vocês tiveram, outra poten-cialidade, alguma outra coisa nesse sentido que possa acres-centar para, de repente, um outro professor, para uma pessoa que, de repente, não tenho tido essa experiência, ou de repente possa pensar em alguma outra coisa que vocês possam apre-sentar em algum exemplo?

Ohana: Eu tive uma experiência. Eu ainda era estagiária lá no Astério de Campos. Então, estava eu mais a minha colega Silvana. Então, lembro que na época, eu acho que foi em 2013, eu não sabia o sinal de corrupção. Então, assim, como explicar um conceito, explicar o que é, dar um sinal? Então assim, eu e a Silvana mostramos assim, dramatizamos na verdade.

Nós mostramos um contexto do dia a dia, por exemplo, a gente colocou... eu era a personagem cobrador e ela era um passageiro que ela passava o troco para mim, ou para ela me dava passagem né e eu passava um troco a mais. Então mas ela não me falava nada, ela ficava com dinheiro. Então, explicava para os alunos, “entenderam como é que ocorre a corrupção no dia-a-dia e no contexto político?” Então, foi uma experiência muito boa para mim porque assim quando se está com um surdo, se você não sabe o sinal, o conceito, você tem que apelar até para o teatro, tem que mostrar em algum momento um recurso visual para eles, porque, às vezes, só imagens não dá um sentido para ele. Você tem que dar uma explicação,

mo ele já tem todo um arcabouço de sinais termos.

Nós estamos pegando mensalmente as religiões que já são consideradas religiões mortas. Então, a gente veio desde a Grécia trazendo toda essa questão para trabalhar a questão da sinalização, para ajudar professores tanto de história como também professores de ciências da religião para ensinar os alunos surdos dentro desses contextos. Então, a gente tem toda uma pesquisa com base na lexicografia, na terminologia, buscando compreender se já existem esses sinais, se esses sinais já são utilizados em outros estados, para evitar criar sinais e depois dizer que são variações linguísticas que também não vou entrar muito no mérito porque é uma dis-cussão muito ampla.

Então, após esse primeiro momento que foi a questão da criação esses sinais de Termos, nós desenvolvemos um ciclo de oficinas que nós aplicamos na escola Vilhena Alves no ano pas-sado durante três semanas, onde nós trabalhamos com as met-odologias visuais também com o auxílio do profissional intér-prete de libras, além de que os alunos da UEPA que participam do grupo também sabem sinalizar, mas como a gente percebeu que era um conteúdo muito específico a gente preferiu solicitar a presença do intérprete de libras. Então, nós sentamos com intérpretes, trabalhamos sinais termos que tinham sido cata-logados e os que foram criados. E foi muito interessante como esses alunos surdos ele já compreendem muito essa ideia do visual, assistem muitos filmes, desenhos e trouxeram muitas experiências legais.

Após isso, a gente aplicou em torno de umas 8 a 9 oficinas e nós resolvemos escrever alguns artigos porque a gente per-cebeu, a partir dessa experiência, que os professores que

talvez não saibam lidar com o aluno surdo porque eles não conhecem as metodologias que devem ser trabalhadas. A gente está escrevendo agora um livro que vai ser publicado agora esse ano pela Editora CRV que se chama a “Religião e Educação de surdos: desafios e métodos”, onde a gente tem foco na questão das religiões indígenas, nas religiões afro de matriz africana, especificamente o Candomblé, já que tem um vídeo no YouTube publicado pelo professor Emerson Silva onde ele trabalhou a questão de sinais específicos do Can-domblé.

A gente pegou esse sinais, e fomos trabalhar dentro da sala de aula contextos, por exemplo, sobre os líderes religiosos entre muitos outros contextos. A gente observou que os pro-fessores e os alunos se forem dados para eles as metodologias, se forem oferecidos a eles esse conhecimento, eles conseguem desenvolver o trabalho e o aluno consegue aprender. Então, por isso que o livro é uma alternativa, a gente vai distribuir gra-tuitamente o livro depois como alternativa de ensino para os professores.

Fabrício: Ohana, eu queria saber um pouco mais da tua experiência, porque agora tu estás atuando numa Universidade. O público, com certeza, é diferente. E deve misturar tanto ouvintes quan-tos surdos. Você também está atuando nessa tutoria do curso de pedagogia bilíngue, então, com certeza é uma proposta totalmente diferente que você também deve lidar com metod-ologias diferenciadas para lidar com esse público né?

Ohana: Sim, com certeza, eu atuo tanto no curso letras-libras, que tem metade da turma são surdos e ouvintes. Então ali é um de-

mostrar um classificador para ele, dramatizar para ele entender melhor.

Fabrício: A dramatização é então potencial né. Professor Sílvio, pro-fessor Padovani, querem acrescentar algo mais.

Padovani: Porque a questão é que você tem que construir o con-ceito. Eu vou dar um exemplo aqui, muitas questões de história ou até mesmo no momento de explicar aparece o termo conse-quência. Quais as consequências de determinada situação histórica? Então, para nós ouvintes, vamos pensar assim o con-ceito de consequência. Consequência é uma coisa que acon-tece depois que uma coisa aconteceu e como você vai explicar isso para o surdo? Então, o que a Ohana colocou aqui é funda-mental. Quando eu quero dizer para o aluno o que é conse-quência, eu digo para ele “olha, por exemplo, a pessoa está tomando uma cerveja, whisky, ela pegou um carro, qual pode ser a consequência? Bater o carro. Isso tudo não falado, é dramatizado como ela disse. Então, eu preciso construir esse recurso. Quando ela fala em classifi-cador, de construir cenários narrativo com as mãos para ele. Você está dirigindo mas você bebeu. O que pode acontecer? Você teve uma relação sexual sem preservativo, você pode ficar doente, é uma consequência. Você pode ficar grávida, é uma outra consequência. Então, você tem que construir essas questões. Eu tive três anos como professor Itinerante na escola Luiz Nunes Direito na Cidade Nova. Eu ligado ainda ao Astério, mas desempenham parte da minha carga horária lá. Fizemos várias parcerias com os professores. Então, na apresentação de seminários, nós construímos com os alunos os slides, as apre-

sentações. Eu fazia a interpretação da apresentação dele para os professores. Os professores faziam perguntas. Eu fazia esse papel de intérprete nesse momento. Tem um professor, por exemplo, que fez em alguns momentos a prova de surdos, aquela ideia que a gente tem da prova oral, para o surdo ele fazia a prova sinalizada. Então, ele construía ali 6 questões, reunia comigo e com os surdos, aí ele escolhia “olha, faz essa questão aqui para ele”, aí eu perguntava para o surdo aquela questão, aí o surdo respondia, e eu ia interpretar e fazia esse papel de intérprete nesse momento. Aí o professor avaliava a resposta.

É interessante que é um ser humano. Então, quando ele não sabia, a feição dele mostrava logo que ele não sabia. Ele ficava nervoso, ficava tentando enrolar. O professor já percebia que ele estava com dificuldade para dar resposta. Então, são situações aí, nós fizemos, por exemplo, trabalhos com maquet-es. Esse foi muito interessante, o professor estava trabalhando “A Belle Époque”. E aí ele pediu para os surdos falarem sobre cinema Olympia. Essa foi uma ideia que partiu deles, por exem-plo, eu queria fazer uma maquete do cinema Olímpia, eles dis-seram “não, vamos fazer uma da fundação do cinema, outra dos anos 70/80 e outros agora”. Então, nós acabamos discutin-do a temporalidade, as mudanças arquitetônicas do prédio pú-blico, enfim, ficou bem legal. A apresentação de documentári-os, eu achei um documentário sobre o cinema Olympia, apre-sentamos para eles a interpretação. Então, há uma gama de possibilidades aí realmente. Na questão de química, a professo-ra também pegou umas bolinhas de isopor e aí o que aconte-cia? Aquelas bolinhas de isopor eram as moléculas, aí quando ela queria uma molécula diferente daquela da bolinha, ela já pintava a bolinha de vermelho para representar que era o hidrogênio, que era um carbono.

Então, todas essas possibilidades elas são possíveis de ser utilizada e o interessante é que fica muito bacana para o ouvin-te e para o surdo porque acaba trabalhando um pouco do lúdico. Não é só aquela coisa do professor que fala, fala, fala, e o aluno acaba construindo também ali as coisas, o conheci-mento.

Fabrício: Professor Silvio.

Sílvio: Eu queria complementar fazendo uma boa abordagem voltando lá para a questão do intérprete de libras, porque a gente sabe que o recurso visual, a dramatização tudo isso real-mente eles são de extrema importância. Mas olhando intér-prete em conta uma tecnologia assistiva dentro desse espaço, a gente precisa pensar que o professor deve ter ele também como recurso metodológico. Então, eu quero aproveitar o espaço para conversar também com os professores que possam estar ouvindo os alunos, que é direito do professor ter um intérprete de libras ao seu lado enquanto recurso met-odológico, por que o professor possivelmente não conseguirá sinalizar de forma fluente na sala de aula.

Então atenção para quem tá ouvindo uso decreto 5626/2005 para cobrar dos pais os direitos dos alunos surdos. Você pode levar isso ao Ministério Público para que possa ser trazido o intérprete de Libras. Eu acho que esse recurso met-odológico, o intérprete enquanto recurso metodológico, é im-portantíssimo dentro da sala porque o professor mas na maio-ria das vezes ele não terá tantas vezes para organizar todas as suas aulas de forma visual. Então, esse intérprete de Libras, ali, ele é essencial nos momentos em que o professor não tivesse oportunidade.

Fabrício: Está chegando já ao final do programa, vou abrir o espaço para as considerações finais dos nossos convidados, men-sagem de finais, o que vocês consideram como desafio, algo que vocês queiram reforçar em relação ao que a gente debateu ao longo dessa entrevista. Professor Padovani, pode começar? Ernesto: Na verdade, eu gostaria de agradecer, muito importante esse espaço. A gente percebe que a cada dia a questão da Ed-ucação de surdos está ganhando uma projeção. Eu acho que a questão da redação no Enem foi um antes e depois. O espaço, eu mesmo posso testemunhar, eu já estava ali no mestrado, fazendo projeto, mas depois que veio a redação do Enem, os convites para estar nos espaços, no IFPA, na UEPA na própria UFPA, convites para palestra, enfim. Está discutindo essa questão aumentou muito. Então isso é fundamental, não só para o nosso trabalho né mas para esse público que em algum momento nos falamos aqui da invisibilidade do Surdo, e era um público invisível e é um público que cada vez mais não quer ser invisível, quer ser representado.

Então, nós percebemos que as janelinhas da língua de sinais na TV já é uma coisa que está ganhando muita força, nas campanhas eleitorais, aí foi uma grande novidade. Mas o corre-to é que isto esteja em todos os momentos, em todos os dis-cursos. A gente ainda não vê isso no Brasil, os políticos fazem seus discursos mesmos nos cargos de governadores, presi-dentes, não tem um intérprete.

Quando nós vemos imagens no exterior, o presidente americano falando, a intérprete está do lado. Então, nós temos

um caminho grande aí de conquistas para trilhar, que a comuni-dade surda tem naturalmente também que trilhar.

Fabrício: Ohana. Ohana: Eu quero agradecer também pelo convite. Eu quero agra-decer novamente ao professor Neto por ter me convidado a fazer parte desse canal. Eu não tenho parentes surdos, na ver-dade eu tenho namorado surdo. Então assim, onde estiver um surdo, eu sempre estou lutando com eles. Inclusive, eu faço parte da diretoria da Jubel. É uma honra ser a única ouvinte, então é muita confiança perante os surdos né.

Então assim, na associação a gente luta pela presença do intérprete em sala de aula, nos hospitais, em qualquer espaço. Então assim, essa visibilidade está ocorrendo assim, mas tem que melhorar enfim, tem que avançar mais. Então, para os pro-fessores que estão escutando, eu sei que não tem muito tempo assim para organizar o material, mas fazer um esforcinho. Pro-fessores que estão ouvindo, por exemplo, você tem um aluno surdo ou com outra deficiência procure ter contato com seu aluno, procure saber o que ele pensa, se ele está entendendo. É importante isso.

Fabrício: Professor Sílvio

Sílvio: Bom, primeiramente, eu queria agradecer o convite. Foi uma honra estar debatendo junto com professor Netto Pado-vani e a professor Ohana. E o recado que eu deixo aos profes-sores é sempre buscar pensar, que a partir do momento em que você tem um aluno surdo na sala de aula pensar nessas

metodologias visuais, pensar nessas estratégias que você con-segue desenvolver um trabalho, se as dificuldades elas exist-irem, e caso haja o atendimento educacional especializado na sua escola, procurar o AE de forma a buscar esse suporte que você precisa.

É importante ressaltar que a gente iniciou lá falando sobre a Libras enquanto disciplina, nenhum professor, nenhum aluno vai sair fluente na língua de sinais, porém eu acredito que o ponto mais importante da disciplina é disseminar essa questão da diferença. Então o professor que está hoje trabalhando com surdos ele precisa entender que esse indivíduo tem particulari-dades, ele tem diferenças em relação aos alunos ouvintes e se ele buscar respeitar essas particularidades o desenvolvimento desses alunos será bem maior.

Em suma fica a dica, aproveitando a sala da professora Ohana, quebre essa barreira que existe entre você e o aluno, uma barreira imaginária que já se passaram anos e é necessário você quebrar. Como você faz para quebrar isso é chegando próximo desse aluno perguntando se ele está entendendo, per-guntando de que forma ele que aprender com a professora sugeriu ainda pouco e dessa forma ele vai conseguir fazer com que esse aluno possa expressar as formas que ele pode com-preender melhor, porque a gente deu algumas dicas mas não são receitas.

Cada um, cada professor vai observar dentro dos seus espaços escolares de salas de aula alunos com suas particulari-dades, então, o grande ponto é chegar próximo do aluno que foi que a professora a Ohana citou, quebrar a barreira imag-inária.

Fabrício: Está certo. Muito obrigado professor Silvio, professora Ohana, professor Padovani. Muito obrigado pela participação de vocês, pelos esclarecimentos e por compartilhar conheci-mento com a gente obrigado.

Sílvio: obrigado.

Fabrício: Agradeço mais uma vez a participação do professor Silvio Santiago Vieira, professor Padovani Neto e a professora Ohana Matias. Agradeço também a você ouvinte que acompanha o programa de hoje. Se você quiser enviar críticas comentários ou sugestões é só mandar um e-mail para rá[email protected].

educação de surdos, são experiências muito diversas, lógico, né. Por exemplo, em relação a esse contato que vocês tiveram com a Libras que inclusive, é exigido como eu falei, nos própri-os cursos de licenciatura, esse primeiro contato que muitos professores, licenciandos, hoje alunos de graduação têm, será que ele evoluiu muito dos que vocês tiveram por exemplo, no contato de vocês com a licenciatura? Será que hoje avançamos mais neste contato da Libras, nessa inserção da Libras no ensino superior pra formar esses profissionais, esses profes-sores que vão poder incluir esse aluno no sistema de ensino? ou vocês veem muita similaridade com o que vocês tiveram como experiência enquanto universitários. Como é que vocês veem essa evolução? Teve avanço ou não? Sílvio: A minha primeira formação é em Matemática. Na época em que eu me formei em matemática não existia no currículo a disciplina Língua Brasileira de Sinais, então eu só fui ter contato com a libras enquanto disciplina na especialização, mas hoje eu sou formador de alunos de cursos de licenciatura. Então, mesmo assim eu ainda observo que existem algumas coisas que nós precisamos avançar, por exemplo, a carga horária dessas disciplinas é muito reduzida na maioria dos cursos de graduação. Há curso em que a carga horária varia de 40 horas, 50 horas, 60 horas. A gente há de considerar, o professor Padovani, por exem-plo está desenvolvendo uma dissertação de mestrado onde ele tem um olhar sobre a história desse indivíduo dentro de um processo educacional. Imagina, você precisa apresentar essa história que não é pequena para o aluno graduando. Você pre-cisa trabalhar as metodologias de ensino, você precisa tra-balhar com experiências, você precisa levar esses alunos pra escola de educação de surdos pra que eles possam conhecer

Como professor da escola Astério de Campos que é uma escola de referência em Belém, todo o início de ano nós recebemos muitos convites para formação. E aí eu sou um dos professores que costuma ir dar essa formação. E a preocu-pação é essa. “Professor, sou professor de física, e aí o que que eu vou fazer com o aluno surdo que está na minha sala?”.

Então, quer dizer, mesmo sendo professor de história, eu procurei desenvolver, construir alguns materiais pra esses mo-mentos de formação onde eu explico pra eles, por exemplo, que pro surdo se você vai trabalhar matemática, você vai tra-balhar aquela abstração, aquelas frações, então é muito com-plicado. Agora se você traz para aquelas questões que é algo que está afinado com o aquilo que o MEC pensa em relação ao enem, se você traz que os prédios projeta uma sombra de tantos graus, formando um ângulo, você abre a mente ali pra trabalhar com o surdo porque ele está visualizando o prédio, a sombra, o grau está relacionado com a vida, então não é algo tão distante pro mundo ouvinte.

Em geral, quando estou em momentos de formação, ou em espaços educacionais, eles pensam que o surdo ele não ouve, mas ele sabe ler, então é muito complicado, porque ao não ouvir, o surdo não criou o conceito daquela palavra, nós sabe-mos que mesa é mesa, nós ouvimos a palavra mesa e atribuí-mos à mesa.

O surdo não ouviu essa palavra, então o conceito para ele, a palavra pra ele é um emaranhado de signos pra ele. Ele preci-sa estar gravando aqueles signos. A disciplina libras ela não está dando conta disso, ao meu ver. Os alunos vão pra essa dis-ciplina, eles não vão aprender a língua de sinais. Eu tenho con-tato com professores do ensino regular que têm alunos surdos há oito anos, há sete anos. Na minha pesquisa eu entrevistei

professores que têm alunos surdos há 10, 8 anos e ainda não sabe dá bom dia. Então, na disciplina também esse aluno não vai aprender. Está servindo pra ele entrar em contato e saber que isso existe. Hoje a minha luta, eu estou tentando criar um conceito que é o ensino de história em contextos inclusivos, que esse debate vá de fato pro campo das disciplinas, das áreas de conhecimento e não fique pairando acima de todas disciplinas que não dá conta. As disciplinas têm metodologias diferenciadas de ensino.

Fabrício: Como é que essa realidade no curso de letras, Ohana?

Ohana: Sim, sim, como o professor Neto falou, eu vim do curso Letras Libras, então tinha agrade curricular toda voltada pra Libras, pra educação dos surdos, então assim, em si, eu não tive essa dificuldade, mas se eu dependesse só do curso, hoje em dia talvez, eu estaria sinalizando só o básico, assim infelizmente como muitos colegas meus terminaram o curso e não tinham domínio da Língua de Sinais. Então, eu precisei correr exata-mente para manter contato com o usuário da língua pra poder aprender. Hoje em dia tudo o que eu sei foi porque eu estou sempre tendo contato com o surdo, então assim, quando eu conversa-va nos corredores com meus outros colegas de graduações, seja de letras português, biologia, eles me falavam assim “Ohana, você pode me ensinar qual é o sinal isso, isso, o sinal específico da graduação deles, porque o meu professor falta, porque o meu professor não está presente”, ou como o profes-sor Sílvio falou “a carga horária é muito pouca”, então assim, “não faz a adaptação voltada para o meu curso”. Então, como eu posso chegar numa graduação, por exemplo de licenciatura em biologia e ensinar por exemplo, só o alfabeto, só os sinais

esses espaços que é a partir dessa experiências empírica que ele pode se identificar muito mais com esses processo. Então eu observo que 60 horas, 80 horas é uma carga horária insufici-ente. Na minha opinião, nós deveríamos ter hoje um estágio curricular voltado pra educação especial. Os alunos saem da graduação sem saber como lidar com os alunos com deficiên-cia.

Falando do aluno surdo, ele sai ainda mais perdido haja vista que a Língua de sinais é uma língua diferente da Língua Portuguesa, com uma estrutura gramatical que carrega uma especificidade muito diferente da Língua Portuguesa. Então penso que a gente deve continuar discutindo essas questões da inclusão a fim de que exista um estágio supervisionado especifico. É lógico que as pessoas não vão sair de lá expertise em trabalhar com surdos, mas ela pelo menos terá condições de compreender essa realidade da inclusão escolar visitando esses espaços, essas escolas que têm educação especial que ainda existem aqui dentro de Belém.

Fabrício: Padovani.

Ernesto: Na minha graduação também ainda não havia essa questão da disciplina Libras. Pra dizer a verdade, durante a minha graduação nunca nem passou pela minha cabeça essa realidade. Não era algo discutido, debatido, presente dentro da Universidade, nem na sociedade. O que acontece assim, eu go-staria de concordar com o professor e também aprofundar no sentido de não é só uma questão de apresentar a disciplina com o nome Libras. Então, eu preciso trabalhar com o meu aluno de história metodologias de ensino de história pra surdos, metodologias de ensino de matemática para surdos.

Fabrício: Olá, ouvintes da Rádio Web UFPA. Eu sou Fabrício Que-iroz e a partir de agora você acompanha comigo mais uma edição do UFPA Ensino que hoje vai falar sobre Metodologias de Ensino para surdos.

Segundo o censo do IBGE de 2010, 9 milhões e 700 mil pessoas têm deficiência auditiva. Cerca de um milhão são jovens até 19 anos. No Brasil, os surdos só passaram a ter acesso à educação durante o império.

Em 26 de setembro de 1857, foi criada a primeira escola de educação de meninos surdos, no Rio de Janeiro. Apesar do avanço, somente em 2002, a Lei nº10.436 reconheceu oficial-mente a Língua Brasileira de Sinais, a LIBRAS.

A Libras é fundamental para garantir o aprendizado de alunos surdos. Em 2005, com o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro, a Libras foi determinada como disciplina curricular obrigatória para todos os cursos de licenciatura e também fonoaudiologia, e ela é optativa para os demais cursos do ensino superior e da educação profissional.

Outra grande conquista aconteceu em 2010, quando a profissão de tradutor–intérprete de Libras foi regulamentada em de 1º de setembro.

Além disso, professores têm buscado trazer a Libras para fora da sala de aula. Na internet, por exemplo, existem video-aulas em libras, democratizando o acesso à educação.

Hoje, vamos conhecer o trabalho de professores e intérpretes de Libras que desenvolvem estratégias para melhorar o ensino para surdos. Recebemos aqui no es-túdio da Rádio Web o professor da UEPA Sílvio Santia-go Vieira, ele é mestrando em Ciências da Religião, es-pecialista em Atendimento Educacional Especializado e também coordena o Grupo de Estudos Surdos & Inter-faces do IEPA, que é o Instituto de Educação e Cultura do Pará. Professor Silvio, muito obrigado por sua partic-ipação, bem-vindo.

Sívio Viera: Muito obrigado pelo convite.

Fabrício: Obrigado, professor Silvio. Também estou rece-bendo o Ernesto Padovani Netto, mais conhecido como Padovani. Ele é aluno do Mestrado Profissional em Ensino de História e é responsável pelo canal do Youtube “História em Libras”, e também é professor da SEDUC. Professor Padovani, muito obrigado.

Ernesto Padovani: Obrigado pelo convite, a gente espera contribuir aqui um pouco com o debate.

Fabrício: Obrigado, professor. E também recebemos a Ohana Matias. Ela é tradutora / intérprete de libras, é professora substituta da UEPA. Também atua como tutora na UEPA no curso de Pedagogia Bilíngue, além de ser especialista em Educação Especial e Inclusiva, e também colaboradora do canal “História em Libras”.

RÁDIO WEB UFPA: Divulgando conhecimento 17

Page 22: Divulgando conhecimentoradio.ufpa.br/wp-content/uploads/2018/03/Roteiro... · Eu digo “não, ele sabe diferenciar, o meu papel aqui é de intérprete”. Eu sempre lutava a questão

Ohana, também muito obrigado pela tua participação, bem-vinda.

Ohana: Obrigada pelo convite, é um prazer estar aqui estar fazendo parte desta discussão.

Fabrício: Eu queria que, na verdade, vocês primeiramente se apresentassem um pouco pra gente conhecer um pouco da trajetória e do interesse de vocês por essa área tão cara e tão desafiadora. A gente viu aí por esse pequeno histórico o quanto ela foi negligenciada, a educação de surdos, a educação inclusiva. O que que motivou vocês a trabalhar com essa área que ainda é um desafio na ed-ucação brasileira? Professora Ohana.

Ohana: Ohana: Bom, a minha história em si é bem diferente dos outros. Os meus colegas que eu estudei no curso de letras libras em 2012, a maioria veio da área da interpre-tação da igreja, ou tinha um parente surdo e no meu caso em si é por conta da minha mãe ser pedagoga. Então, como ela fazia na época o curso de libras, ela me incentivou para escolher esse curso. Na verdade, eu con-heci esse mundo novo quando eu passei no vestibular. Então assim, a partir do momento que eu comecei a estudar e começar a entender a história da educação do surdo, foi só um momento assim pra eu procurar saber mais sinais. Então, foi uma grande oportunidade e hoje em dia eu estou atuando, também faço parte da as-sociação dos surdos de Belém. Então eu estou sempre

nessa constante luta em prol da educação dos surdos, na luta por eles.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: Bom, a minha trajetória ela começa quando em 2009 eu resolvi fazer um curso de Língua Brasileira de Sinais no CAES. Eu tive um aluno surdo na época no Augusto Meira. Não sabia como lidar com os alunos surdos. E a minha comunicação com eles era basicamente por meio da mímica, por meio da escrita nos braços. Os surdos eles têm o costume de escrever no braço quando não têm papel, apagava, enfim. E assim eu fui apren-dendo os sinais iniciais e eu percebi que eu deveria ir mais adi-ante. Eu já tinha experiência com educação de alunos cegos e baixa visão, porém a minha experiência com os surdos me fez refletir sobre essas carências que a formação inicial de profes-sores possui. Aí eu fui fazer um curso de libras, tive o professor Arlindo, o professor Tiago Costa como meus professores. E foram pessoas que contribuíram muito para a minha formação inicial na área da língua de sinais. Em 2010, então eu resolvi en-veredar pela especialização nessa área, fiz especialização em Libras. E comecei também em 2010 a interpretar dentro da Igreja Assembleia de Deus. Foi quando eu realmente resolvi me focar nessa questão da interpretação que eu já estava na docência. Posteriormente a isso, eu resolvi criar o grupo de estudos surdos e interfaces, onde a gente tem discussões diversificadas, mas especifica-mente hoje nós estamos discutindo as questões relacionadas a

gênero e sexualidade dentro do grupo, haja vista que a comu-nidade surda belemense, ela apresenta uma pluralidade nesse sentido e é necessário que familiares e escolas possam com-preender essa questão da sexualidade do surdo que manifesta certas diferenças em relação à sexualidade dos indivíduos ouvin-tes. E também com foco na questão da religião pois eu tenho ob-servado que hoje os surdos eles têm buscado enveredar por outros ramos religiosos além do cristianismo. E a minha trajetória hoje tem sido basicamente focar na compreensão de como é que tem se desenvolvido essas territorialidades e os territórios dentro dos espaços sagrados. Hoje minhas pesquisas estão focadas nisso.

Fabrício: Professor Padovani.

Ernesto: Ok. Bem, eu sou professor da rede estadual de ensino há dez anos. Então quando eu comecei eu tra-balhei uns três anos no interior do estado. Tive um públi-co também de trabalhar em comunidades, quando vim, voltei a Belém, voltei pra trabalhar no sistema penal. O que ocorreu? Na verdade, lá no Astério de Campos não tinha professor de história. Aí me fizeram a proposta. Então, na verdade não foi muito uma escolha minha. Che-gando lá, eu criei de fato uma grande identificação com o trabalho. Fiz uma especialização em educação inclusiva e comecei a observar as dificuldades deles em relação à Língua Portuguesa, dificuldades com textos muito grandes, necessidade da utilização de imagens, então eu fui montando uma metodologia a partir de referenciais teóricos como a pedagogia visual e criando meu próprio material didático, criando formas de trabalhar com eles.

Quando surgiu a seleção pro Mestrado Profissional em Ensino de História, o PROFHISTÓRIA, eu fiz a seleção, fui aprovado e fui com isso na cabeça, que eu ia fazer um projeto sobre educação de surdos, unindo essas duas áreas. A questão da história e a questão da metodologia de ensino. E aí perpassam vários elementos, não é só a história em si. O meu trabalho é um trabalho sócio-histórico que vou justamente remontar o período do oralismo, passando pela co-municação total, são metodologias que são utilizadas até hoje como proposta teórica do bilinguismo prevalecendo na edu-cação dos surdos, pelo menos uma tentativa pra que prevaleça. E aí na verdade o canal “História em Libras”, ele surge como um produto desse mestrado. O mestrado profissional em ensino de história, ele exige uma dissertação escrita e um pro-duto pedagógico aplicável. Então existem várias possibilidades de produtos. A minha intenção inicial era fazer um material didático mesmo pra distribuir nas escolas, mas eu fiquei pen-sando na logística disso e no alcance que isso teria. Então, con-versando com amigos porque tem essa questão da interdisci-plinaridade, eu precisei de um amigo meu que trabalha com cinema, precisei da Ohana pra construir a proposta do canal. Então, desenvolvemos a ideia de um canal na internet seria muito melhor porque eu não teria o problema da divul-gação. Colocou na internet as pessoas podem acessar. E nós estamos nesse momento. Graças a Deus o vídeo está sendo muito acessado, teve uma repercussão muito boa. A Mídia Ninja compartilhou nos espaços que eles têm nas mídias digi-tais. Estamos agora aqui nesse debate

Fabrício: Dá pra esse primeiro relato de vocês, em relação à experiência, o contato que vocês tiveram com a Libras, com a

de família, de frutas, aí esse professor vai se formar, vai chegar numa sala de aula e vai só manter esse diálogo só de frutas, alfabeto? Não. Ele tem que saber o sinal de células, de mem-brana, disso, daquilo, tem que saber como é usar um classifica-dor. Infelizmente, é quebrada essa grade curricular das pessoas que estão na licenciatura.

Eu vivenciei isso muito quando eu fui intérprete de uma escola que tinha uma demanda muito grande, tinha 18 surdos na escola. Eu atendia oito surdos no ensino médio. Então, assim, eu observava a dificuldade dos professores. Eles chega-vam pra mim “eu nem tive essa disciplina de libras”, “eu nem sei o que é isso”, “é surdo mudo?” “ah, os teus alunos”. Eles não eram os meus alunos, eles eram alunos deles tanto quanto os ouvintes. Então, no caso, eu falava assim, “professor você tem que direcionar a eles”, “ah, mas só que ele vai pensar que é tu que tá chamando a atenção ou tá explicando”. Eu digo “não, ele sabe diferenciar, o meu papel aqui é de intérprete”. Eu sempre lutava a questão da metodologia, não pensavam no surdo.

Uma vez aconteceu uma situação que foi ao contrário, estava com legenda e sem som. Os ouvintes reclamaram. Aí eu falei para eles, “agora, vocês entenderam o que é estar na pele de uma pessoa surda:” Não é fácil. A informação não chega tão fácil pro surdo.O professor fez esse canal História. Esse canal é uma forma de democratizar tanto para surdo como para ouvin-te porque ele está usando diretamente a língua de sinais e tem ali a legenda.

Fabrício: Professor Padovani

Ernesto: Eu queria retomar mais uma questão pra embasar essa questão da metodologia, porque por exemplo a gente percebe muito há um censo comum de querer resumir a questão à língua. Então, se você tem um intérprete na escola, que não tem, em geral, não tem. Quando tem, então resolveu o proble-ma, agora tem intérprete. Então, eu faço sempre a discussão, o seguinte, se o problema fosse a língua, os nossos alunos ouvin-tes todos não teriam problema nenhum de educação no Brasil. Professor fala português, os alunos todos falam português, en-tendem, então por que os alunos não alcançam a média? Por que nós não estamos nos melhores patamares de educação mundial? Então nós não podemos também resumir o debate à língua. Então, como é que o aluno entende? É a partir da imagem? É a partir da construção de maquete? Qual é a possi-bilidade que se tem de vídeos com legenda?

O primeiro dia que o vídeo foi postado no Youtube, ele ficou sem legenda. Foi uma estratégia mesmo. Eu fui colhendo e estou colhendo os depoimentos pra finalizar a dissertação. “Poxa, não consegui, olha, eu paro, pela metade, eu parei. Não consegui acabar de ver, não tava entendendo nada”.Olha que nós colocamos os recursos imagéticos entrando no vídeo e em alguns momentos chaves aparecia escrito também o que estava sendo falado. Mas mesmo assim as pessoas reclamaram ou muitas fizeram essa reflexão: “poxa, agora eu me senti como os surdos se sentem”. São pequenas situações do dia a dia que no universo da escola se traduz em outras formas, mas são hierarquias de saberes. Um professor está ministrando aula, o outro professor vem dar um recado na turma, bota o rosto dentro da sala, “gente, gente, licença aqui, rapidinho, amanhã tem prova, dois reais a prova e tal”. Recado dado.

O surdo não entendeu. Vamos passar o vídeo pra turma, vamos levar para o auditório, muito legal, todo mundo vai, chega na hora de passar o vídeo me chamam pra interpretar, já aconteceu isso, eu não sou intérprete mas você está na escola, você sabe Língua de Sinais, você é intérprete, você é professor do AE, você é itinerante, você é tudo. Então fui lá interpretar, tudo certo, vamos lá, solta o play, apagam a luz. Como é que o surdo vai ter acesso à minha interpretação, então são questões que... é maldade? Não. Não é. Mas isso estrutura uma hierarquia de saberes. Entendeu. São hábitos que a escola internaliza porque ela é uma escola voltada e pensada para o público ou-vinte. O que me chama atenção é que isso acontece em escolas em que os surdos estudam há 10, 15 anos. Então, quando a escola vai internalizar presença do surdo? Então, acho que essas são questões aí que abrem um bom leque pra gente dis-cutir e pensar.

Fabrício: Só pra voltar, eu achei interessante o depoimento da Ohana, essa relação, dela como intérprete né. O Padovani ele tem o conhecimento, de repente ele pode usar desse conheci-mento pra se comunicar com esse aluno surdo, mas nem todas as escolas têm um profissional como a Ohana. E como é que fica a relação entre o professor e esse intérprete? Onde é que começa o papel de um e o papel de outro? Como é que se con-strói esse relacionamento pra que se possa comunicar e repas-sar esse conteúdo pra esses alunos? Como é essa dinâmica?

Ohana: Bom, a priori, o que deveria ocorrer era ter essa parceria com o professor e o interprete. Por que? porque o papel do intérprete é mediar. Ele não vai ensinar nada. Até porque a minha formação é Letras com habilitação em Libras, não é for-

mação em Letras, Português, Biologia, Matemática, não é.

A minha formação é Letras, então qual é o meu papel ali? É de chegar e interpretar tudo o que o professor falar. E quando eu digo tudo, eu interpretava até palavrões, enfim, tudo o que o professor abrisse a boca eu interpretava porque eu estou ali. Só que infelizmente essa experiência que eu tive o professor confundia, ele pensava que eu era a professora deles, e eu dizia “Olha, eu tenho respaldo, tem a lei, tem o código de ética, tenho tudo o que o senhor quiser eu mostro, mas esse daí não é meu papel, essa competência não é minha, é a sua”. Então, tem que ter essa parceria. O que o intérprete pode ajudar? Ajudar a dar umas dicas, como é que faz o material, coloca a legenda na próxima aula, é assim, é essa parceria. Essa relação de professor, intérprete e aluno.

Sílvio: Relacionando a fala da professora Ohana também pensan-do no atendimento educacional especializado. Então, ela ainda pouco colocou que o professor sempre atribui a responsabili-dade para o intérprete de Libras, mas ele também faz isso para o atendimento especializado. Por quê?

Historicamente a educação do surdo, ela foi atribuída à ed-ucação especial. Então, com o processo de inclusão que se dá a partir de 1996, com a lei de diretrizes e bases 93/94 de 96, é que a gente vem perceber que esses indivíduos com deficiên-cia, pessoas com deficiência, passam a ingressar dentro das escolas regulares. Só que nós passamos a ter dois personagens que antes nós não tínhamos dentro desses espaços, os intér-pretes de libras e os cuidadores também, e também a gente passa a ter o atendimento educacional especializado que as pessoas acham que é antiga educação especial, mas na ver-

dade há controvérsias, porque educação especial funcionava numa sala de aula onde se ensinavam essas pessoas. E o AE não, ele funciona como educação suplementar complementar, porém para o professor da rede regular, ele entende que é responsabilidade do AE ensinar os aluno surdos, que é responsabilidade do intérprete ensinar os alunos surdos, ou seja, esses personagens acabaram tendo responsabilidades além de suas responsabilidades e o professor se exime.

O Vigotski diz que “quando a gente enxerga deficiência primeiro ao invés de enxergar o ser humano, a gente destrói qualquer possibilidade de desenvolvimento desse indivíduo”. Então, a gente pode pegar a fala do professor Netto Padovani, por exemplo, em relação a questão das metodologias e obser-var que a maioria dos professores estão destruindo possibili-dades de desenvolvimento desses alunos na sala de aula exata-mente por causa das metodologias. Eu também não quero cul-pabilizar somente esses professores porque também a gente tem que pensar na formação desses indivíduos e nós também precisamos pensar que a Universidade também deve oferecer cursos de formação continuada, porque esse papel é da Uni-versidade. A gente costuma atribuir essa responsabilidade, “Ah, o governo não faz”, mas a Universidade é quem forma, é ela que deve trazer os professores pra dentro. Ela que precisa buscar parcerias com as escolas, parcerias com as unidades pra que isso possa acontecer.

Hoje, nós ainda observamos uma grande polêmica dentro das escolas. Intérprete de Libras que acabam tendo discussões com professores porque as vezes são atribuídas responsabili-dades. Durante o meu período na rede regular de ensino, eu tive dois alunos surdos, depois eu já estava fluente em Libras, e eu também tive problemas. E é legal colocar isso, porque os

meus alunos ouvintes não gostavam de eu passava a sinalizar na sala de aula. Então, o que que eu fazia, passava todo o con-teúdo de matemática, explicava primeiro em Língua Portugue-sa, passava uma bateria de exercícios pra eles fazerem, e era o momento em que eu ia sinalizar, porque não tinha intérprete de Libras, para os dois alunos surdos.

Só que isso gerava discussões na sala, “Ah, o professor não está dando atenção pra gente”, “o professor agora só olha pra esses surdos, lá vem ele com essa língua de sinais pra dentro da sala de aula”. Então, a gente observa que essas relações de poder que incidem dentro do espaço da sala de aula ainda fazem com que os ouvintes entendam que deve ser dada atenção a eles e que aos indivíduos surdos não deve ser dada atenção. Tem uma charge no livro do Moacir Carneiro muito interessante, inclusive nas formações continuadas eu sempre falo isso pros professores, os professores estão aqui em cima conversando “nós não conhecemos nada sobre esses indivíduos, nunca ouvimos falar nada sobre educação espe-cial”. Aí os alunos todos embaixo olhando.

Na verdade, essas pessoas vão reproduzir lá embaixo esse mesmo pensamento, é por isso que esses alunos pensam hoje que o professor deve dar atenção a eles e não devem dar atenção aos alunos surdos dentro da sala. Já eles também não aprenderam nada sobre educação especial, não aprenderam nada sobre pluralidade, diversidade, e acima de tudo sobre dif-erença.

Ohana: Eu vivenciei nessa escola, eu trabalhei nessa escola, se eu não me engano, dois anos e meio. Então assim, para aquela turma, eu acompanhei os surdos, primeiro, segundo e terceiro

ano. Até metade do convênio. Então, quando foi no primeiro ano, os ouvintes assim sofreram um impacto. “Intérprete?”, “surdos?”, “mãos mexendo?”, “Meu Deus!”, porque foram logo oito na minha turma. Então, assim, no início, eles deixavam de prestar atenção no professor e ficavam assim olhando pra mim, com os olhos vidrados, eu ficava intimidada inclusive, com o tempo eles foram habituando e foi passando ano, dois anos, mas o que me veio à cabeça, assim eu sempre fui tímida, então eu sempre chegava, dava bom dia pra quem estava na frente, mas eu não era de ficar batendo papo com os ouvintes.

Então, eu ficava conversando com os surdos, enquanto o professor não chegava. Então, assim os ouvintes assim, meio que segregavam a gente. Então, o que eu acho engraçado, é quando eles foram ter contato comigo? um dia após a prova do Enem. Tinha gente da escola do primeiro ano que eu nunca tinha visto na vida. Eles chegaram “Ei, tia, a minha proposta está boa”, “será que pode falar deficiente auditivo”, “eles são surdo-mudos”, “é isso, é aquilo”. Foi a primeira vez que eles viram a necessidade. A escola em si diz “Ah, a gente está inte-grando”, mas na verdade segregava. Então foi uma experiência dessa forma, foi ruim pra mim inclusive. Na verdade se não fosse eu ali com os surdos, eles não iam ter visibilidade naquela escola.

Fabrício: Professor Sílvio.

Sílvio: É bem legal a gente observar que as falas estão contemp-lando o que a gente chama de currículo oculto dentro das insti-tuições, e é isso que a gente tem pra parar pra pensar hoje. As metodologias de ensino, elas podem contemplar as necessi-dades do professor na sala de aula, ok. Mas a escola precisa tra-

balhar o currículo oculto que é exatamente o que o professor Netto e a professora Ohana colocaram, que é essa questão da alteridade, de fazer com que o professor e o aluno possam se colocar no lugar do outro, porque inclusão ela precisa ser para todos. Ela tem que começar lá do porteiro até a merendeira. Então não é só o professor que deve passar por esse processo, e quando a escola inteira passar a se modificar, então, a gente vai começar a observar que os alunos ouvintes vão com-preender as particularidades étnico-linguísticos desses indivíduos surdos. Hoje a gente vem percebendo pelas experiências de rela-tos, até mesmo as experiências que a gente já viveu, que esses alunos eles ainda não compreendem. Eu lembro, por exemplo, uma vez que eu fui interpretar para um amigo meu, o Ademil-ton. Eu acho que a professora Ohana até conhece. Ele é surdo. Na época ele fazia ensino médio. E foi uma experiência muito triste porque o professor não sabia sequer da existência de um profissional interprete de Libras, então eu pedi pra diretora da escola, uma escola pública de Belém pra entrar pra interpretar na aula de química, e o professor me viu virado o tempo todo de costa pra ele. E ele achou que eu era um surdo que estava simplesmente conversando na sala de aula.

Só pra você ter uma noção do que que que é essa falta de compreensão desse outro indivíduo que está ali. E os alunos ouvintes na hora da frequência, começaram a chamar nome a nome, e eu disse “olha, o professor chamou o teu nome”. Ai ele foi lá na frente, e disse pro professor apontar. O professor fez um gesto obsceno pra ele e todo mundo começou a rir. De repente uma aluna chega e pergunta “professor, porque que ele tá aqui na sala de aula”. Ele disse assim: “Eu não sei, eu tô levando até onde eu posso”. Na verdade, esse professor não estava levando nada. Porque aquele momento ali mostrava que

ele não compreendia. Foi quando eu chamei o professor. “Pro-fessor, ele está com dúvidas nisso”. Aí ele disse “Ah, você fala?”. “Sim, eu sou ouvinte, eu sou intérprete”. E aí foi muito legal porque o professor sabia ensinar o surdo, só que ele tem medo de ensinar, porque tem uma barreira imaginária entre o profes-sor e o aluno surdo. Eu não lembro direito o conteúdo, eu acho que era sobre átomos que ele estava ensinando. Ele pegou um pedaço de papel, fez um monte de bolinhas, e ensinou pro Ademilton o conteúdo. Então, ele sabia ensinar, a questão é que ele não sabia como chegar pra ensinar, então, isso é uma questão de currículo oculto.

Os professores, a escola, a direção, a coordenação ped-agógica, todos eles precisam se voltar pra compreender esse espaço plural que existe dentro da escola. A gente fala muito de diferença, mas a escola na verdade, a exclusão ainda impera dentro desse processo. E não é só para os indivíduos surdos, é para todos os alunos que sofrem qualquer tipo de exclusão dentro desse espaço.

Fabrício: Rádio Web UFPA apresentando o programa UFPA Ensino. Hoje o tema é Metodologias de Ensino para Surdos. Os nossos convidados são, o professor Sílvio Santiago Vieira, o professor Ernesto Padovani Netto e a professora Ohana Matias. A gente vai para um rápido intervalo e volta já já. Rádio Web UFPA divulgando conhecimento.

Vinheta: Você está ouvindo UFPA Ensino. Você está ouvindo UFPA Ensino.

Fabrício: Estamos de volta com o programa UFPA Ensino. O nosso tema de hoje é Metodologia de Ensino para Surdos e os nossos convidados de hoje são o professor da Universidade do Estado do Pará Sílvio Santiago Vieira. Também recebo o professor Ernesto Padovani Netto, ele é professor da Seduc e faz o me-strado profissional em Ensino de História e também estou rece-bendo a professora Ohana Matias, que é professora substituta também da UEPA e tradutora/intérprete de Libras e também colabora com o canal História em Libras, pensado aí pelo pro-fessor Padovani.

Estamos de volta aqui pra nossa conversa, vamos começar com o professor Padovani e com a professora Ohana pra eles comentarem um pouco mais sobre esta experiência do canal História em Libras, justamente como é que vocês propõem o ensino da história a partir do canal no Youtube, qual é o diferencial que vocês têm aplicado, lógico além das legend-as e tudo mais, em termos da perspectiva que vocês estão apli-cando a esse ensino de História pra realmente incluir essas pes-soas sendo surdos pra ele ter acesso a esse conteúdo. Profes-sor Padovani.

Ernesto: Na verdade, nós fizemos uma disciplina no mestrado min-istrada pela professora Edilza Fontes que chama-se “História Pública”. Então no Brasil é uma discussão um tanto quanto recente, a discussão sobre História Pública. História Pública perpassa pela questão de que você tem o historiador que produz o conhecimento histórico. Em outros momentos da história, o conhecimento histórico era fundamentalmente pro-duzido pelo historiador e hoje em dia o que nós temos? Nós temos canais no Youtube, nós temos programas de TV, nós

temos jornalistas. Na verdade, todo mundo fala de história o tempo todo. Então, a história ganhou esse viés de história pública. Então, são narrativas que estão aí se degladeando. A gente vê isso no Brasil, esquerda e direita construindo narrativas históricas em torno de situações que ocorreram. Então, esse foi um debate fundamental pra eu pensar o canal. Por que? Em 2013 nós tive-mos as manifestações, o início daquelas manifestações que acabaram culminando com o impeachment. Então, o que acon-teceu? Os surdos chegavam na escola “por que que está acon-tecendo isso?”. Aparecia os blacks bloks quebrando as coisas, colocando fogo, quebrando os bancos e tudo mais e os alunos chegavam “eu não estou entendendo, por que profes-sor na rua esse problema toda a hora na televisão? E eles não entendiam o que estava acontecendo. Então o problema era o acesso à informação. Então, que história está sendo construída para esse aluno? O que que ele está aprendendo no processo escolar, o que que ele está viven-ciando, está vivendo, podendo relacionar, inclusive. Então, eu fui trabalhar nessa perspectiva de explicar. Eu lembro, inclusive, no primeiro vestibular de Libras da UEPA que houve as vagas para os surdos, eu fiz uma discussão com seles sobre essa questão de 2013 dos blacks blocks relacionando com ludismo, quando os operários ingleses quebravam as fábricas e tudo mais. Acabou que foi uma questão que veio na prova, então eles acertaram em massa a questão. Então relacionar os tempos históricos a partir de situações vivenciadas por eles. E o canal História em Libras veio muito nessa perspectiva de pensar a História Pública, a História digital. Nós não temos mais como ser, no meu caso, eu trabalho com história, sermos histo-riadores que ficamos presos somente ao papel, não é verdade?

Somente a entregar textos escritos que uma banca vai ler e muitas das vezes não é lido maciçamente. Então o canal foi uma forma de além de contemplar a exigência do programa que é ter um produto pedagógico, é um exercício de história pública, porque o tema Movimentos Sociais que é o tema da primeira aula, ele surgiu porque eu fui perguntar para os alunos o que eles gostariam de estudar. Isso também é uma perspecti-va muito interessante da gente refletir, porque eu digo “qual é o tema que eu vou colocar? eu não vou elencar um tema de cima pra baixo. Fazer uma aula sobre tal tema e ao perguntar para os alunos, eles tinham muita dificuldade de me responder o que eles gostariam em história. Primeiro, por quê? Existem uma perspectiva de que a história é uma história política. Então, estudar História é estudar Getúlio Vargas, é estudar a Ditadura Militar, é estudar os governos, os grandes heróis na-cionais, entre aspas. E eu queria que eles compreendessem que os surdos tem história.

No YouTube você tem muitas aulas no estilo caseiro, diga-mos assim. Você filma ali o quadro, para um professor que só precisa do recurso da fala é tranquilo. O professor fala, o ouvin-te escutou a informação. Mas para o surdo não, eu preciso de edição, eu preciso que as imagens entrem, eu preciso dialogar com as imagens, eu preciso de uma certa produção. Então, eu encontrei parcerias para produzir esse primeiro vídeo. Houve um custo. Hoje é um momento em que a secretaria de edu-cação replicou essa questão do canal. A Seduc colocou no site, colocou na agência Pará, colocou matérias no YouTube, no Facebook, sobre o projeto. Mas agora a gente precisa de suporte para dar continuidade.

Fabrício: Professor Silvio, eu queria que você falasse um pouco da sua experiência porque o senhor atua em outra área de conhe-cimento que é o ensino religioso. É uma metodologia meio parecida? como é que é são as estratégias que o senhor usa para atuar nessa área específica?

Sílvio: Eu não trabalho com canal especificamente.

Fabrício: Sim, sim.

Sílvio: Hoje eu tenho focado no grupo GESI. As nossas reuniões são todas as sextas-feiras. A gente tem desenvolvido foco na questão da criação de sinais termos que contemplem as questões das religiões. Mas é muito importante ressaltar que nós não estamos focando no cristianismo porque o cristianis-

safio. A sala em si é bilíngue, mas a questão da metodologia dos professores que é o mais difícil, até às vezes o posiciona-mento, eles estão aqui, o intérprete está bem aqui, e eles passam na frente. O surdo reclama “a gente não está conse-guindo visualizar o intérprete”. Então, a gente fica meio assim andando para cá e para cá. Então, assim experiência é muito boa para mim lá na graduação, é outro nível com surdos e assim eu fico muito feliz porque eles estão amadurecendo bas-tante.

Quando eles entraram sentiram muita dificuldade assim como os ouvintes, então assim foi um papel tanto dos intérpre-tes quanto dos professores, enviando materiais para a gente, para a gente procurar como o professor Sílvio falou sobre os sinais termos, se existem, porque são disciplinas muito espe-cíficas. Então, já lá no curso de pedagogia bilíngue que já tem um material pronto, na verdade. Então, assim tem as videoau-las, então geralmente os surdos que vão para lá geralmente são 10 ou 12, porque na verdade nós tutores fazemos uma escala, por exemplo eu vou dois dias, o outro vai mais dois dias. Então assim, a experiência lá é a questão visual que é muito impor-tante.

E o interessante é que os sinais são bem diferentes. Então assim, eles mostram lá na videoaula que é no INES que fica no Rio de Janeiro, e então são bem diferente dos sinais que nós tutores usamos. Então, é uma metodologia muito boa lá assim na questão visual. Então, te dá esse auxílio, interpreta, por exemplo, os textos da Língua Portuguesa. E é esse o trabalho que a gente faz lá.

Fabrício: Na experiência de todos vocês, vocês todos falaram bas-

tante de utilizar estratégias que apelam para esse aspecto visual. A Libras é visual, mas vocês também falaram muito de utilizar estratégias que possam utilizar vídeos, por exemplo, maquetes, enfim, coisas que vão apelar para o sentido visual e vai facilitar esse ensino para esse aluno surdo.

Alguma outra experiência que vocês tiveram, outra poten-cialidade, alguma outra coisa nesse sentido que possa acres-centar para, de repente, um outro professor, para uma pessoa que, de repente, não tenho tido essa experiência, ou de repente possa pensar em alguma outra coisa que vocês possam apre-sentar em algum exemplo?

Ohana: Eu tive uma experiência. Eu ainda era estagiária lá no Astério de Campos. Então, estava eu mais a minha colega Silvana. Então, lembro que na época, eu acho que foi em 2013, eu não sabia o sinal de corrupção. Então, assim, como explicar um conceito, explicar o que é, dar um sinal? Então assim, eu e a Silvana mostramos assim, dramatizamos na verdade.

Nós mostramos um contexto do dia a dia, por exemplo, a gente colocou... eu era a personagem cobrador e ela era um passageiro que ela passava o troco para mim, ou para ela me dava passagem né e eu passava um troco a mais. Então mas ela não me falava nada, ela ficava com dinheiro. Então, explicava para os alunos, “entenderam como é que ocorre a corrupção no dia-a-dia e no contexto político?” Então, foi uma experiência muito boa para mim porque assim quando se está com um surdo, se você não sabe o sinal, o conceito, você tem que apelar até para o teatro, tem que mostrar em algum momento um recurso visual para eles, porque, às vezes, só imagens não dá um sentido para ele. Você tem que dar uma explicação,

mo ele já tem todo um arcabouço de sinais termos.

Nós estamos pegando mensalmente as religiões que já são consideradas religiões mortas. Então, a gente veio desde a Grécia trazendo toda essa questão para trabalhar a questão da sinalização, para ajudar professores tanto de história como também professores de ciências da religião para ensinar os alunos surdos dentro desses contextos. Então, a gente tem toda uma pesquisa com base na lexicografia, na terminologia, buscando compreender se já existem esses sinais, se esses sinais já são utilizados em outros estados, para evitar criar sinais e depois dizer que são variações linguísticas que também não vou entrar muito no mérito porque é uma dis-cussão muito ampla.

Então, após esse primeiro momento que foi a questão da criação esses sinais de Termos, nós desenvolvemos um ciclo de oficinas que nós aplicamos na escola Vilhena Alves no ano pas-sado durante três semanas, onde nós trabalhamos com as met-odologias visuais também com o auxílio do profissional intér-prete de libras, além de que os alunos da UEPA que participam do grupo também sabem sinalizar, mas como a gente percebeu que era um conteúdo muito específico a gente preferiu solicitar a presença do intérprete de libras. Então, nós sentamos com intérpretes, trabalhamos sinais termos que tinham sido cata-logados e os que foram criados. E foi muito interessante como esses alunos surdos ele já compreendem muito essa ideia do visual, assistem muitos filmes, desenhos e trouxeram muitas experiências legais.

Após isso, a gente aplicou em torno de umas 8 a 9 oficinas e nós resolvemos escrever alguns artigos porque a gente per-cebeu, a partir dessa experiência, que os professores que

talvez não saibam lidar com o aluno surdo porque eles não conhecem as metodologias que devem ser trabalhadas. A gente está escrevendo agora um livro que vai ser publicado agora esse ano pela Editora CRV que se chama a “Religião e Educação de surdos: desafios e métodos”, onde a gente tem foco na questão das religiões indígenas, nas religiões afro de matriz africana, especificamente o Candomblé, já que tem um vídeo no YouTube publicado pelo professor Emerson Silva onde ele trabalhou a questão de sinais específicos do Can-domblé.

A gente pegou esse sinais, e fomos trabalhar dentro da sala de aula contextos, por exemplo, sobre os líderes religiosos entre muitos outros contextos. A gente observou que os pro-fessores e os alunos se forem dados para eles as metodologias, se forem oferecidos a eles esse conhecimento, eles conseguem desenvolver o trabalho e o aluno consegue aprender. Então, por isso que o livro é uma alternativa, a gente vai distribuir gra-tuitamente o livro depois como alternativa de ensino para os professores.

Fabrício: Ohana, eu queria saber um pouco mais da tua experiência, porque agora tu estás atuando numa Universidade. O público, com certeza, é diferente. E deve misturar tanto ouvintes quan-tos surdos. Você também está atuando nessa tutoria do curso de pedagogia bilíngue, então, com certeza é uma proposta totalmente diferente que você também deve lidar com metod-ologias diferenciadas para lidar com esse público né?

Ohana: Sim, com certeza, eu atuo tanto no curso letras-libras, que tem metade da turma são surdos e ouvintes. Então ali é um de-

mostrar um classificador para ele, dramatizar para ele entender melhor.

Fabrício: A dramatização é então potencial né. Professor Sílvio, pro-fessor Padovani, querem acrescentar algo mais.

Padovani: Porque a questão é que você tem que construir o con-ceito. Eu vou dar um exemplo aqui, muitas questões de história ou até mesmo no momento de explicar aparece o termo conse-quência. Quais as consequências de determinada situação histórica? Então, para nós ouvintes, vamos pensar assim o con-ceito de consequência. Consequência é uma coisa que acon-tece depois que uma coisa aconteceu e como você vai explicar isso para o surdo? Então, o que a Ohana colocou aqui é funda-mental. Quando eu quero dizer para o aluno o que é conse-quência, eu digo para ele “olha, por exemplo, a pessoa está tomando uma cerveja, whisky, ela pegou um carro, qual pode ser a consequência? Bater o carro. Isso tudo não falado, é dramatizado como ela disse. Então, eu preciso construir esse recurso. Quando ela fala em classifi-cador, de construir cenários narrativo com as mãos para ele. Você está dirigindo mas você bebeu. O que pode acontecer? Você teve uma relação sexual sem preservativo, você pode ficar doente, é uma consequência. Você pode ficar grávida, é uma outra consequência. Então, você tem que construir essas questões. Eu tive três anos como professor Itinerante na escola Luiz Nunes Direito na Cidade Nova. Eu ligado ainda ao Astério, mas desempenham parte da minha carga horária lá. Fizemos várias parcerias com os professores. Então, na apresentação de seminários, nós construímos com os alunos os slides, as apre-

sentações. Eu fazia a interpretação da apresentação dele para os professores. Os professores faziam perguntas. Eu fazia esse papel de intérprete nesse momento. Tem um professor, por exemplo, que fez em alguns momentos a prova de surdos, aquela ideia que a gente tem da prova oral, para o surdo ele fazia a prova sinalizada. Então, ele construía ali 6 questões, reunia comigo e com os surdos, aí ele escolhia “olha, faz essa questão aqui para ele”, aí eu perguntava para o surdo aquela questão, aí o surdo respondia, e eu ia interpretar e fazia esse papel de intérprete nesse momento. Aí o professor avaliava a resposta.

É interessante que é um ser humano. Então, quando ele não sabia, a feição dele mostrava logo que ele não sabia. Ele ficava nervoso, ficava tentando enrolar. O professor já percebia que ele estava com dificuldade para dar resposta. Então, são situações aí, nós fizemos, por exemplo, trabalhos com maquet-es. Esse foi muito interessante, o professor estava trabalhando “A Belle Époque”. E aí ele pediu para os surdos falarem sobre cinema Olympia. Essa foi uma ideia que partiu deles, por exem-plo, eu queria fazer uma maquete do cinema Olímpia, eles dis-seram “não, vamos fazer uma da fundação do cinema, outra dos anos 70/80 e outros agora”. Então, nós acabamos discutin-do a temporalidade, as mudanças arquitetônicas do prédio pú-blico, enfim, ficou bem legal. A apresentação de documentári-os, eu achei um documentário sobre o cinema Olympia, apre-sentamos para eles a interpretação. Então, há uma gama de possibilidades aí realmente. Na questão de química, a professo-ra também pegou umas bolinhas de isopor e aí o que aconte-cia? Aquelas bolinhas de isopor eram as moléculas, aí quando ela queria uma molécula diferente daquela da bolinha, ela já pintava a bolinha de vermelho para representar que era o hidrogênio, que era um carbono.

Então, todas essas possibilidades elas são possíveis de ser utilizada e o interessante é que fica muito bacana para o ouvin-te e para o surdo porque acaba trabalhando um pouco do lúdico. Não é só aquela coisa do professor que fala, fala, fala, e o aluno acaba construindo também ali as coisas, o conheci-mento.

Fabrício: Professor Silvio.

Sílvio: Eu queria complementar fazendo uma boa abordagem voltando lá para a questão do intérprete de libras, porque a gente sabe que o recurso visual, a dramatização tudo isso real-mente eles são de extrema importância. Mas olhando intér-prete em conta uma tecnologia assistiva dentro desse espaço, a gente precisa pensar que o professor deve ter ele também como recurso metodológico. Então, eu quero aproveitar o espaço para conversar também com os professores que possam estar ouvindo os alunos, que é direito do professor ter um intérprete de libras ao seu lado enquanto recurso met-odológico, por que o professor possivelmente não conseguirá sinalizar de forma fluente na sala de aula.

Então atenção para quem tá ouvindo uso decreto 5626/2005 para cobrar dos pais os direitos dos alunos surdos. Você pode levar isso ao Ministério Público para que possa ser trazido o intérprete de Libras. Eu acho que esse recurso met-odológico, o intérprete enquanto recurso metodológico, é im-portantíssimo dentro da sala porque o professor mas na maio-ria das vezes ele não terá tantas vezes para organizar todas as suas aulas de forma visual. Então, esse intérprete de Libras, ali, ele é essencial nos momentos em que o professor não tivesse oportunidade.

Fabrício: Está chegando já ao final do programa, vou abrir o espaço para as considerações finais dos nossos convidados, men-sagem de finais, o que vocês consideram como desafio, algo que vocês queiram reforçar em relação ao que a gente debateu ao longo dessa entrevista. Professor Padovani, pode começar? Ernesto: Na verdade, eu gostaria de agradecer, muito importante esse espaço. A gente percebe que a cada dia a questão da Ed-ucação de surdos está ganhando uma projeção. Eu acho que a questão da redação no Enem foi um antes e depois. O espaço, eu mesmo posso testemunhar, eu já estava ali no mestrado, fazendo projeto, mas depois que veio a redação do Enem, os convites para estar nos espaços, no IFPA, na UEPA na própria UFPA, convites para palestra, enfim. Está discutindo essa questão aumentou muito. Então isso é fundamental, não só para o nosso trabalho né mas para esse público que em algum momento nos falamos aqui da invisibilidade do Surdo, e era um público invisível e é um público que cada vez mais não quer ser invisível, quer ser representado.

Então, nós percebemos que as janelinhas da língua de sinais na TV já é uma coisa que está ganhando muita força, nas campanhas eleitorais, aí foi uma grande novidade. Mas o corre-to é que isto esteja em todos os momentos, em todos os dis-cursos. A gente ainda não vê isso no Brasil, os políticos fazem seus discursos mesmos nos cargos de governadores, presi-dentes, não tem um intérprete.

Quando nós vemos imagens no exterior, o presidente americano falando, a intérprete está do lado. Então, nós temos

um caminho grande aí de conquistas para trilhar, que a comuni-dade surda tem naturalmente também que trilhar.

Fabrício: Ohana. Ohana: Eu quero agradecer também pelo convite. Eu quero agra-decer novamente ao professor Neto por ter me convidado a fazer parte desse canal. Eu não tenho parentes surdos, na ver-dade eu tenho namorado surdo. Então assim, onde estiver um surdo, eu sempre estou lutando com eles. Inclusive, eu faço parte da diretoria da Jubel. É uma honra ser a única ouvinte, então é muita confiança perante os surdos né.

Então assim, na associação a gente luta pela presença do intérprete em sala de aula, nos hospitais, em qualquer espaço. Então assim, essa visibilidade está ocorrendo assim, mas tem que melhorar enfim, tem que avançar mais. Então, para os pro-fessores que estão escutando, eu sei que não tem muito tempo assim para organizar o material, mas fazer um esforcinho. Pro-fessores que estão ouvindo, por exemplo, você tem um aluno surdo ou com outra deficiência procure ter contato com seu aluno, procure saber o que ele pensa, se ele está entendendo. É importante isso.

Fabrício: Professor Sílvio

Sílvio: Bom, primeiramente, eu queria agradecer o convite. Foi uma honra estar debatendo junto com professor Netto Pado-vani e a professor Ohana. E o recado que eu deixo aos profes-sores é sempre buscar pensar, que a partir do momento em que você tem um aluno surdo na sala de aula pensar nessas

metodologias visuais, pensar nessas estratégias que você con-segue desenvolver um trabalho, se as dificuldades elas exist-irem, e caso haja o atendimento educacional especializado na sua escola, procurar o AE de forma a buscar esse suporte que você precisa.

É importante ressaltar que a gente iniciou lá falando sobre a Libras enquanto disciplina, nenhum professor, nenhum aluno vai sair fluente na língua de sinais, porém eu acredito que o ponto mais importante da disciplina é disseminar essa questão da diferença. Então o professor que está hoje trabalhando com surdos ele precisa entender que esse indivíduo tem particulari-dades, ele tem diferenças em relação aos alunos ouvintes e se ele buscar respeitar essas particularidades o desenvolvimento desses alunos será bem maior.

Em suma fica a dica, aproveitando a sala da professora Ohana, quebre essa barreira que existe entre você e o aluno, uma barreira imaginária que já se passaram anos e é necessário você quebrar. Como você faz para quebrar isso é chegando próximo desse aluno perguntando se ele está entendendo, per-guntando de que forma ele que aprender com a professora sugeriu ainda pouco e dessa forma ele vai conseguir fazer com que esse aluno possa expressar as formas que ele pode com-preender melhor, porque a gente deu algumas dicas mas não são receitas.

Cada um, cada professor vai observar dentro dos seus espaços escolares de salas de aula alunos com suas particulari-dades, então, o grande ponto é chegar próximo do aluno que foi que a professora a Ohana citou, quebrar a barreira imag-inária.

Fabrício: Está certo. Muito obrigado professor Silvio, professora Ohana, professor Padovani. Muito obrigado pela participação de vocês, pelos esclarecimentos e por compartilhar conheci-mento com a gente obrigado.

Sílvio: obrigado.

Fabrício: Agradeço mais uma vez a participação do professor Silvio Santiago Vieira, professor Padovani Neto e a professora Ohana Matias. Agradeço também a você ouvinte que acompanha o programa de hoje. Se você quiser enviar críticas comentários ou sugestões é só mandar um e-mail para rá[email protected].

educação de surdos, são experiências muito diversas, lógico, né. Por exemplo, em relação a esse contato que vocês tiveram com a Libras que inclusive, é exigido como eu falei, nos própri-os cursos de licenciatura, esse primeiro contato que muitos professores, licenciandos, hoje alunos de graduação têm, será que ele evoluiu muito dos que vocês tiveram por exemplo, no contato de vocês com a licenciatura? Será que hoje avançamos mais neste contato da Libras, nessa inserção da Libras no ensino superior pra formar esses profissionais, esses profes-sores que vão poder incluir esse aluno no sistema de ensino? ou vocês veem muita similaridade com o que vocês tiveram como experiência enquanto universitários. Como é que vocês veem essa evolução? Teve avanço ou não? Sílvio: A minha primeira formação é em Matemática. Na época em que eu me formei em matemática não existia no currículo a disciplina Língua Brasileira de Sinais, então eu só fui ter contato com a libras enquanto disciplina na especialização, mas hoje eu sou formador de alunos de cursos de licenciatura. Então, mesmo assim eu ainda observo que existem algumas coisas que nós precisamos avançar, por exemplo, a carga horária dessas disciplinas é muito reduzida na maioria dos cursos de graduação. Há curso em que a carga horária varia de 40 horas, 50 horas, 60 horas. A gente há de considerar, o professor Padovani, por exem-plo está desenvolvendo uma dissertação de mestrado onde ele tem um olhar sobre a história desse indivíduo dentro de um processo educacional. Imagina, você precisa apresentar essa história que não é pequena para o aluno graduando. Você pre-cisa trabalhar as metodologias de ensino, você precisa tra-balhar com experiências, você precisa levar esses alunos pra escola de educação de surdos pra que eles possam conhecer

Como professor da escola Astério de Campos que é uma escola de referência em Belém, todo o início de ano nós recebemos muitos convites para formação. E aí eu sou um dos professores que costuma ir dar essa formação. E a preocu-pação é essa. “Professor, sou professor de física, e aí o que que eu vou fazer com o aluno surdo que está na minha sala?”.

Então, quer dizer, mesmo sendo professor de história, eu procurei desenvolver, construir alguns materiais pra esses mo-mentos de formação onde eu explico pra eles, por exemplo, que pro surdo se você vai trabalhar matemática, você vai tra-balhar aquela abstração, aquelas frações, então é muito com-plicado. Agora se você traz para aquelas questões que é algo que está afinado com o aquilo que o MEC pensa em relação ao enem, se você traz que os prédios projeta uma sombra de tantos graus, formando um ângulo, você abre a mente ali pra trabalhar com o surdo porque ele está visualizando o prédio, a sombra, o grau está relacionado com a vida, então não é algo tão distante pro mundo ouvinte.

Em geral, quando estou em momentos de formação, ou em espaços educacionais, eles pensam que o surdo ele não ouve, mas ele sabe ler, então é muito complicado, porque ao não ouvir, o surdo não criou o conceito daquela palavra, nós sabe-mos que mesa é mesa, nós ouvimos a palavra mesa e atribuí-mos à mesa.

O surdo não ouviu essa palavra, então o conceito para ele, a palavra pra ele é um emaranhado de signos pra ele. Ele preci-sa estar gravando aqueles signos. A disciplina libras ela não está dando conta disso, ao meu ver. Os alunos vão pra essa dis-ciplina, eles não vão aprender a língua de sinais. Eu tenho con-tato com professores do ensino regular que têm alunos surdos há oito anos, há sete anos. Na minha pesquisa eu entrevistei

professores que têm alunos surdos há 10, 8 anos e ainda não sabe dá bom dia. Então, na disciplina também esse aluno não vai aprender. Está servindo pra ele entrar em contato e saber que isso existe. Hoje a minha luta, eu estou tentando criar um conceito que é o ensino de história em contextos inclusivos, que esse debate vá de fato pro campo das disciplinas, das áreas de conhecimento e não fique pairando acima de todas disciplinas que não dá conta. As disciplinas têm metodologias diferenciadas de ensino.

Fabrício: Como é que essa realidade no curso de letras, Ohana?

Ohana: Sim, sim, como o professor Neto falou, eu vim do curso Letras Libras, então tinha agrade curricular toda voltada pra Libras, pra educação dos surdos, então assim, em si, eu não tive essa dificuldade, mas se eu dependesse só do curso, hoje em dia talvez, eu estaria sinalizando só o básico, assim infelizmente como muitos colegas meus terminaram o curso e não tinham domínio da Língua de Sinais. Então, eu precisei correr exata-mente para manter contato com o usuário da língua pra poder aprender. Hoje em dia tudo o que eu sei foi porque eu estou sempre tendo contato com o surdo, então assim, quando eu conversa-va nos corredores com meus outros colegas de graduações, seja de letras português, biologia, eles me falavam assim “Ohana, você pode me ensinar qual é o sinal isso, isso, o sinal específico da graduação deles, porque o meu professor falta, porque o meu professor não está presente”, ou como o profes-sor Sílvio falou “a carga horária é muito pouca”, então assim, “não faz a adaptação voltada para o meu curso”. Então, como eu posso chegar numa graduação, por exemplo de licenciatura em biologia e ensinar por exemplo, só o alfabeto, só os sinais

esses espaços que é a partir dessa experiências empírica que ele pode se identificar muito mais com esses processo. Então eu observo que 60 horas, 80 horas é uma carga horária insufici-ente. Na minha opinião, nós deveríamos ter hoje um estágio curricular voltado pra educação especial. Os alunos saem da graduação sem saber como lidar com os alunos com deficiên-cia.

Falando do aluno surdo, ele sai ainda mais perdido haja vista que a Língua de sinais é uma língua diferente da Língua Portuguesa, com uma estrutura gramatical que carrega uma especificidade muito diferente da Língua Portuguesa. Então penso que a gente deve continuar discutindo essas questões da inclusão a fim de que exista um estágio supervisionado especifico. É lógico que as pessoas não vão sair de lá expertise em trabalhar com surdos, mas ela pelo menos terá condições de compreender essa realidade da inclusão escolar visitando esses espaços, essas escolas que têm educação especial que ainda existem aqui dentro de Belém.

Fabrício: Padovani.

Ernesto: Na minha graduação também ainda não havia essa questão da disciplina Libras. Pra dizer a verdade, durante a minha graduação nunca nem passou pela minha cabeça essa realidade. Não era algo discutido, debatido, presente dentro da Universidade, nem na sociedade. O que acontece assim, eu go-staria de concordar com o professor e também aprofundar no sentido de não é só uma questão de apresentar a disciplina com o nome Libras. Então, eu preciso trabalhar com o meu aluno de história metodologias de ensino de história pra surdos, metodologias de ensino de matemática para surdos.

Fabrício: Olá, ouvintes da Rádio Web UFPA. Eu sou Fabrício Que-iroz e a partir de agora você acompanha comigo mais uma edição do UFPA Ensino que hoje vai falar sobre Metodologias de Ensino para surdos.

Segundo o censo do IBGE de 2010, 9 milhões e 700 mil pessoas têm deficiência auditiva. Cerca de um milhão são jovens até 19 anos. No Brasil, os surdos só passaram a ter acesso à educação durante o império.

Em 26 de setembro de 1857, foi criada a primeira escola de educação de meninos surdos, no Rio de Janeiro. Apesar do avanço, somente em 2002, a Lei nº10.436 reconheceu oficial-mente a Língua Brasileira de Sinais, a LIBRAS.

A Libras é fundamental para garantir o aprendizado de alunos surdos. Em 2005, com o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro, a Libras foi determinada como disciplina curricular obrigatória para todos os cursos de licenciatura e também fonoaudiologia, e ela é optativa para os demais cursos do ensino superior e da educação profissional.

Outra grande conquista aconteceu em 2010, quando a profissão de tradutor–intérprete de Libras foi regulamentada em de 1º de setembro.

Além disso, professores têm buscado trazer a Libras para fora da sala de aula. Na internet, por exemplo, existem video-aulas em libras, democratizando o acesso à educação.

Hoje, vamos conhecer o trabalho de professores e intérpretes de Libras que desenvolvem estratégias para melhorar o ensino para surdos. Recebemos aqui no es-túdio da Rádio Web o professor da UEPA Sílvio Santia-go Vieira, ele é mestrando em Ciências da Religião, es-pecialista em Atendimento Educacional Especializado e também coordena o Grupo de Estudos Surdos & Inter-faces do IEPA, que é o Instituto de Educação e Cultura do Pará. Professor Silvio, muito obrigado por sua partic-ipação, bem-vindo.

Sívio Viera: Muito obrigado pelo convite.

Fabrício: Obrigado, professor Silvio. Também estou rece-bendo o Ernesto Padovani Netto, mais conhecido como Padovani. Ele é aluno do Mestrado Profissional em Ensino de História e é responsável pelo canal do Youtube “História em Libras”, e também é professor da SEDUC. Professor Padovani, muito obrigado.

Ernesto Padovani: Obrigado pelo convite, a gente espera contribuir aqui um pouco com o debate.

Fabrício: Obrigado, professor. E também recebemos a Ohana Matias. Ela é tradutora / intérprete de libras, é professora substituta da UEPA. Também atua como tutora na UEPA no curso de Pedagogia Bilíngue, além de ser especialista em Educação Especial e Inclusiva, e também colaboradora do canal “História em Libras”.

RÁDIO WEB UFPA: Divulgando conhecimento 18