DJALMA FERREIRA PELEGRINI - lagea.ig.ufu.br · A dinâmica da evolução da suinocultura, nos...
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DJALMA FERREIRA PELEGRINI
TRANSFORMAÇÕES NA SUINOCULTURA BRASILEIRA: o programa de integração da Rezende Alimentos/Sadia no Triângulo
Mineiro/Alto Paranaíba
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós - Graduação em Geografia da Universidade Federal de Uberlândia, como requisito à obtenção
do título de Mestre em Geografia.
Área de concentração: Análise e Planejamento Sócio-Ambiental
Orientador: Prof. Dr. João Cleps Júnior
Uberlândia (MG)
Instituto de Geografia 2001
v
AGRADECIMENTOS
Somos imensamente gratos ao Prof. Dr. João Cleps Júnior, pela
competência e disposição com que orientou este trabalho, não medindo
esforços para sua realização, como também pelas inúmeras
manifestações de confiança e amizade transmitidas ao longo destes
dois anos.
Devemos sinceros agradecimentos à Prof.ª Dra. Vera Lúcia
Salazar Pessôa, que, durante a defesa do projeto de pesquisa e exame
de qualificação, colaborou grandemente conosco, oferendo sugestões,
e, posteriormente, na fase final de redação, dispôs-se prontamente a
corrigir o texto original. Também pela boa vontade, sempre manifesta,
na solução de dúvidas, especialmente com relação às normas técnicas.
De forma semelhante, agradecemos ao Prof. Dr. Antônio César
Ortega, que também desde o início contribuiu de forma marcante para
o êxito deste trabalho, levantando questões centrais para o
equacionamento do nosso tema, dentro e fora das salas de aula.
Da Prof.ª Dra. Vânia Rúbia Farias Vlach e do Prof. PhD. Shigeo
Shiki recebemos valiosas contribuições para a execução deste estudo,
pelo que externamos nossa gratidão.
Gostaríamos também de estender os agradecimentos ao Prof. Dr.
Bento Itamar Borges, e, igualmente, ao Prof. PhD. David George
Francis, tanto pelo bom exemplo de consciência crítica, como pelo
estímulo e amizade.
Também expressamos nosso reconhecimento ao Prof. Dr.
Antônio Giacomini Ribeiro, ao Prof. Rosselvelt José Santos e à Profª
Dra. Marlene Teresinha de Muno Colesanti.
Aos colegas, contemporâneos do curso de Pós-Graduação em
Geografia e do Laboratório de Geografia Agrária, agradecemos pela
agradável oportunidade de conciliar debate acadêmico e convívio
amistoso.
vi
Agradecemos também a todos os produtores rurais que nos
receberam de bom grado, disponibilizando parte do exíguo tempo para
responder às nossas indagações.
A pesquisa de campo tornou-se possível a partir do acesso a
informações importantes, obtidas por intermédio da Associação dos
Suinocultores do Triângulo (AST), da Associação dos Suinocultores
do Triângulo e Alto Paranaíba (ASTAP) e da Federação das Indústrias
do Estado de Minas Gerais (FIEMG). A essas entidades, nossos
agradecimentos, especialmente dirigidos à José Antônio de Sousa
(Camon), Jeane Leandro Guarnieri, Guilherme Queiroz, Rúbio
Andrade e Ceres Migliozi Cima.
A Celso Antônio Siqueira somos particularmente gratos pela
digitalização dos mapas e a Ione Mercedes Miranda Vieira, pela
revisão da ortografia e gramática.
De forma especial devemos a todas as pessoas da família, o
apoio e incentivo; ao Jairo, partícipe em muitas dificuldades e
experiências enriquecedoras, do ponto de vista da compreensão da
realidade rural; aos queridos filhos, por compreenderem a nossa
“quase ausência”, e principalmente, à Renata Noemi, pelo
companheirismo e amor.
vii
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . v
LISTA DE FIGURAS... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ix
LISTA DE TABELAS... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . x
LISTA DE SIGLAS... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . xii
RESUMO.... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . xiii
ABSTRACT... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . xiv
INTRODUÇÃO... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 01
1. O SISTEMA AGROALIMENTAR E A EVOLUÇÃO RECENTE
DA SUINOCULTURA BRASILEIRA NO CONTEXTO DAS
TENDÊNCIAS MUNDIAIS DA ECONOMIA... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 05
1.1. As transformações políticas e econômicas do capitalismo
no final do século XX e o setor agroalimentar.. . . . . . . . . . . . . . . . 05
1.2. A reestruturação do segmento agroindustrial de carne
suína.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
1.3. O novo padrão de integração indústria-produtor na
suinocultura.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
2. A CADEIA DA SUINOCULTURA REGIONAL... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
2.1. A suinocultura no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba.. . . . . . 30
2.2. O programa de integração da Rezende Alimentos/Sadia.. . . 35
2.3. A suinocultura em regime de integração.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
2.4. Os Tipos de produtores integrados.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
2.5. Os produtores integrados à Rezende Alimentos/Sadia.. . . . . . 58
viii
3. TRANSFORMAÇÕES NAS RELAÇÕES AGROINDÚSTRIA–
PRODUTORES
RURAIS... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
3.1. Redes organizacionais e contratualização na agricultura.. . 70
3.2. As abordagens sobre o relacionamento agricultura-
indústria.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
3.3. Integração, eficiência produtiva e conflito de interesses.. . 78
3.4. Resistência e subordinação dos produtores aos interesses
industriais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87
3.5. As associações de suinocultores no Triângulo
Mineiro/Alto Paranaíba.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96
CONSIDERAÇÕES FINAIS... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103
ANEXOS... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111
ANEXO 1 – Perfil dos produtores integrados entrevistados.. . . . . . . . . . . . . . 112
ANEXO 2 – Perfil dos produtores integrados associados à AST... . . . . . . 115
ANEXO 3– Roteiro de entrevistas – Produtores Integrados.. . . . . . . . . . . . . 117
xii
LISTA DE SIGLAS
ABCS - Associação Brasileira dos Criadores de Suínos
ABIPECS - Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora
de Carne Suína
ASEMG - Associação dos Suinocultores de Minas Gerais
AST - Associação dos Suinocultores do Triângulo
ASTAP - Associação dos Suinocultores do Triângulo e Alto
Paranaíba
BDMG - Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais
BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
EMBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
FED - Federal Reserve
FIEMG - Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais
FCO - Fundo Constitucional do Centro-Oeste
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICEPA - Instituto de Planejamento e Economia Agrícola de Santa
Catarina
OCDE - Organização de Cooperação e Desenvolvimento
Econômico
xiii
RESUMO
Este trabalho procurou avaliar o sistema de integração de suínos da
Rezende Alimentos/ Sadia, no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, que
vem se transformando numa das principais regiões produtoras de Minas
Gerais. Seguindo as abordagens sobre o setor agroalimentar, buscou-se
compreender as novas configurações na suinocultura, o processo
produtivo, padrões tecnológicos, mão-de-obra e, particularmente, as
relações agroindústria e produtores integrados. Neste estudo de caso
empírico, apresentaram-se os diversos tipos de produtores integrados na
suinocultura, em que se identificam os novos formatos de integração e
renda na atividade. Constatou-se que a maioria dos produtores integrados
podem ser caracterizados como empresários e investidores urbanos, que
praticam outras atividades. Discutiram-se também, as relações
conflituosas desse sistema na região. Finalmente, levantaram-se as
possibilidades de reestruturação desse programa de integração, face aos
problemas enfrentados pelos produtores na região, e as alternativas de
organização da produção.
PALAVRAS-CHAVE: Geografia Rural – Agroindústria – Produtores
Integrados – Suinocultura – Conflitos de Interesses.
xiv
ABSTRACT The objective of this work was to evaluate the Rezende Alimentos /
Sadia swine integration system in the area of the Triângulo Mineiro/Alto
Paranaíba, which is becoming one of the main producing regions of the
state of Minas Gerais. Following the approach on the agro-food system,
understanding of the new configurations in pig breeding, producing
process, technological standards, labor and especially the relation
between agroindustry and integrated producers was sought. This
empirical case study shows the various types of pig breeding integrated
producers in whom the new formats of integration and activity income
are identified. It was observed that the majority of integrated producers
could be characterized as businesspeople and urban investors who
practice other activities as well. The conflicting relations of this system
in the region were also discussed. Finally, the possibilities of
restructuring this integration program were considered, in view of the
problems faced by the producers in the region and production
organization alternatives available.
Key Words: Rural Geography – Agroindustry – Integrated Producers
- Pig Breeding - Interest Conflict
1
INTRODUÇÃO
A produção familiar tem sido, tradicionalmente, responsável
pelo desenvolvimento de diversas atividades rurais, a exemplo da
avicultura, fumicultura, vitivinicultura e suinocultura, em pequenas
propriedades, sob regime de integração com as agroindústrias. Desde o
início dos anos 1960, especialmente nos estados do Sul do Brasil,
essas atividades têm sido praticadas sob um modo de produzir em que
as atenções dos agricultores dirigem-se, fundamentalmente, para a
manutenção e sobrevivência da família e não especificamente para a
acumulação.
No modelo de integração baseado na pequena propriedade, com
mão-de-obra familiar e produção complementar, parte da renda da
terra transfere-se para o capital industrial, em razão do baixo preço
das matérias-primas e da elevação dos valores dos produtos
industrializados, o que tem possibilitado a ascensão de diversos
grupos agroindustriais, principalmente do setor de carnes, a exemplo
da Perdigão Agroindustrial, Sadia S.A. etc.
As transformações econômicas e políticas ocorridas nos centros
mais dinâmicos do capitalismo, no final do século XX, desencadearam
um profundo processo de reestruturação em todos os setores
produtivos, desviando o centro de coordenação das decisões para
agências e corporações que operam em escala mundial, controlando os
fluxos de bens e recursos, utilizando para isso a ciência, a tecnologia e
a informação.
2
Esse processo de reestruturação e globalização, juntamente com
o aumento da preocupação com os problemas ambientais nos países da
Europa e América do Norte, tem provocado repercussões em diversos
segmentos do setor rural brasileiro, dentre os quais, a produção de
carne suína, sobre o qual se concentra a nossa discussão.
Nos últimos anos, tem-se destacado o potencial das áreas dos
cerrados brasileiros (recentemente incorporadas para o cultivo de soja
e milho) para o desenvolvimento de uma suinocultura moderna e
eficiente, sob um novo padrão organizacional, que preconiza,
sobretudo, a produção em grande escala.
O surgimento de novos modelos de integração no Centro-Oeste e
Triângulo Mineiro, com base na produção patronal em grande escala
de produção, não só reduz as possibilidades de incremento da
produção familiar na suinocultura, como também promove a
concentração da produção. Apesar disso, esse novo padrão de
integração tem sido interpretado por alguns estudiosos como o
“sentido único”, que passa a tomar a produção de suínos e aves no
Brasil, necessário para a melhoria da eficiência produtiva, em
conseqüência do esgotamento do sistema tradicional de integração,
baseado na pequena produção familiar. A ênfase deste argumento
consiste em que os novos padrões tecnológicos e o crescimento da
escala de produção tornam possível a conjugação de interesses de
produtores e indústria, cuja solidariedade produtiva permite
incrementos de competitividade num mercado cada vez mais
mundializado.
A eclosão de dúvidas a respeito da continuidade desse novo
padrão de integração dá origem à nossa problemática de estudo, ao
questionarmos as possibilidades de que as modernas granjas de
integração, construídas em grandes dimensões, possam ser palco de
acordos duradouros entre indústria e produtores.
Nossa pesquisa sobre o programa de integração da Rezende
Alimentos/Sadia objetiva captar o sentido da expansão da suinocultura
3
em direção à região central do país nos anos recentes; discutir a
viabilidade da produção integrada, sob o ponto de vista dos
produtores; e apresentar o perfil dos suinocultores participantes e suas
relações com a agroindústria, face às novas configurações produtivas.
A questão central fundamenta-se na posição crítica de diversos
autores, que entendem a produção integrada como um esquema de
subordinação e expropriação de produtores familiares pela indústria,
um caso clássico de exploração do trabalho pelo capital. Como pode
ser legitimado o novo relacionamento, à medida que se amplia o grau
de interdependência entre indústria e produtores capitalistas? Como o
capital industrial submete o capital “rural”?
Se nos anos 70 a discussão acadêmica em torno das relações
indústria-agricultura atinha-se à dissonância entre a persistência e
reprodução de um modo de vida não capitalista (representado pela
produção familiar integrada) num contexto capitalista de produção
(TAVARES DOS SANTOS, 1978), no debate atual, a questão é
colocada de uma forma exatamente oposta, quando são questionadas a
persistência e a reprodução do modo capitalista de produção na
agricultura, no âmbito de suas relações com a indústria.
Além disso, o estabelecimento desse modelo de integração numa
conjuntura desfavorável, face à carência de linhas de crédito é uma
questão que merece ser explorada, já que exige dos produtores um
significativo montante de capital.
Seguindo as abordagens sobre o setor agroalimentar, analisamos
as novas configurações produtivas na suinocultura, a mão-de-obra
utilizada, os padrões tecnológicos e, particularmente, as relações
agroindústria e produtores integrados.
No primeiro capítulo, abordamos a expansão da suinocultura em
direção ao centro do país, sob uma perspectiva que contempla também
as alterações econômicas e políticas ocorridas no ocidente, no final do
século XX.
4
O segundo capítulo trata, especialmente, da suinocultura no
Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, enfocando aspectos da produção
independente. Apresenta também os resultados da pesquisa realizada com
trinta produtores integrados, que participam do programa de integração
da Rezende Alimentos/Sadia. Neste capítulo apresentamos o mapa
político da região onde se concentram as granjas de suínos.
No capítulo terceiro, a discussão centra-se, fundamentalmente, nas
relações dos produtores com a agroindústria integradora, no caso da
Rezende Alimentos/Sadia. Este tema é tratado com base na abordagem de
“redes organizacionais”, como principal tendência de configuração
empresarial no sistema agroalimentar. Porém, o posicionamento dos
produtores na “rede” é estudado com base nas particularidades dos
processos de produção agrícola, que segundo a interpretação de
GOODMAN et al. (1990), estão na raiz da intratabilidade deste setor
para com a lógica capitalista. Por fim, procuramos indagar, de forma
breve, a respeito das formas atuais de organização de produtores, via
associações, condomínios etc, que possam conduzir a um maior grau de
independência dos suinocultores em relação às agroindústrias.
5
1. O SISTEMA AGROALIMENTAR E A EVOLUÇÃO RECENTE
DA SUINOCULTURA BRASILEIRA NO CONTEXTO DAS
TENDÊNCIAS MUNDIAIS DA ECONOMIA
1.1. As transformações políticas e econômicas do capitalismo no
final do século XX e o setor agroalimentar
O processo de reestruturação econômica e tecnológica, nos centros
mundiais do capitalismo, foi um tema amplamente explorado pela
li teratura geo-econômica do final do século XX. Diversos autores que
descreveram esse processo têm em comum a idéia de que essas
transformações surgiram em decorrência da crise econômica do início
dos anos setenta. Além das concepções conservadoras, sob roupagens
neoliberais, surgiram muitas outras idéias e argumentos para explicar e
caracterizar essa crise.
Os trabalhos de BENKO (1996) e HARVEY (1996), incluindo
elementos sócio-culturais e aspectos da geopolítica norte-americana, são
representativos da corrente que procura explicar a crise dos anos setenta
como uma crise no regime de acumulação capitalista, ou seja, uma crise
do fordismo, segundo a ótica regulacionista. Como conseqüência, o
ocaso do fordismo deu lugar a um regime de acumulação, que se orienta
pela inovação, flexibilidade e competitividade.
Outros autores, a exemplo de GOLDENSTEIN (1994), l igam
diretamente a “revolução” pela qual passou o capitalismo internacional
6
ao processo de globalização e integração dos mercados de bens, de
serviços e de capital. CHESNAIS (1996), embora se referindo ao mesmo
processo, denomina-o de “mundialização”, seguindo uma tendência
francesa.
TAVARES (1997), ao tratar do processo de globalização,
caracteriza-o, especialmente, como decorrente da tentativa norte-
americana de reafirmar-se no centro do poder geopolítico mundial,
posição que se encontrava ameaçada devido à emergência de novas
potências. COUTINHO (1992) alude a uma coalização deliberada dos
Estados capitalistas como o evento responsável pelo retorno ao
crescimento econômico das principais economias industriais, a partir de
1983. Para esse autor, as transformações referidas assumem os contornos
de uma suposta “terceira revolução industrial e tecnológica”.
Diante da variedade de explicações para um mesmo fenômeno, é
inegável que haja discordância a respeito das razões que têm conduzido a
esse turbilhão de transformações. Diversos autores têm trabalhado no
sentido de teorizar a mudança, no “olho do furacão do capitalismo”, de
um regime de acumulação caracterizado pela rigidez, para um, no qual a
flexibilidade, a competitividade, a informação e a mobilidade assumem
importância central. Para HARVEY (1996), parece estar claro que:
“.. .no período de 1965 a 1973 tornou cada vez mais evidente a incapacidade do fordismo e do Keynesianismo de conter as contradições inerentes ao capitalismo. Na superfície, essas dificuldades podem ser melhor apreendidas por uma palavra: rigidez. Havia problemas com a rigidez dos investimentos de capital fixo de larga escala e de longo prazo em sistemas de produção em massa que impediam muita flexibilidade de planejamento e presumiam crescimento estável em mercados de consumo invariantes. Havia problemas de rigidez nos mercados, na alocação e nos contratos de trabalho . . .” (HARVEY, 1996: 135).
Segundo HARVEY (1996), na origem da crise do fordismo,
podemos identificar o longo período de superacumulação implementado
após a Segunda Guerra Mundial no ocidente. Fases periódicas de
7
superacumulação são resultantes da dinamicidade tecnológica e
organizacional dos sistemas produtivos. O capitalismo, por natureza, é
orientado para o crescimento. Esse longo período de acumulação
conduziu a um inchaço do setor financeiro e a um excesso de fundos, o
que se traduziu em inflação.
No início dos anos 70, a estagnação da produção de bens, a alta
inflação de preços e o aumento do desemprego compunham o quadro
econômico nos países capitalistas avançados (HARVEY, 1996; BENKO,
1996). A forte deflação que se seguiu, a partir de 1973, indicou que as
finanças do Estado norte-americano “estavam muito além dos recursos,
criando uma profunda crise fiscal e de legitimação” (HARVEY, 1996:
137). O choque do petróleo, em 1973, provocou significativos aumentos
no custo de utilização da energia, além de exacerbar a forte instabilidade
dos mercados financeiros, em razão da reciclagem dos petrodólares e:
“.. .retirou o mundo capitalista do sufocante torpor da ‘estagflação’ e pôs em movimento um conjunto de processos que solaparam o compromisso fordista. Em conseqüência, as décadas de 70 e 80 foram um conturbado período de reestruturação econômica e de reajustamento social e polít ico.” (HARVEY, 1996: 140).
No período imediato, além da busca de alternativas para
economizar energia, intensificou-se a competição entre as corporações.
Reestruturação tecnológica e racionalização do trabalho passaram a ser
as palavras de ordem:
“A mudança tecnológica, a automação, a busca de novas linhas de produto e nichos de mercado, a dispersão geográfica para zonas de controle do trabalho mais fácil, as fusões e medidas para acelerar o tempo de giro de capital passaram ao primeiro plano das estratégias corporativas de sobrevivência em condições gerais de deflação.” (HARVEY, 1996: 140).
A crise do fordismo marcou o nascimento de um novo regime de
acumulação capitalista, freqüentemente denominado “pós-fordismo”,
“produção flexível”, ou, ainda, “acumulação flexível”. Todavia, segundo
8
BENKO (1996), esses conceitos constituem antes interpretações
adaptadas ao período atual do que descrições dele. Esse novo regime
emergente apóia-se na flexibilidade dos processos de trabalho, de
insumos industriais, de produtos e de padrões de consumo e confronta
diretamente a rigidez do fordismo. A acumulação flexível, também
caracteriza-se:
“pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional.” (HARVEY, 1996: 140).
Essas transformações podem ser diretamente relacionadas ao
processo de internacionalização do capital e do crédito, em alta nas duas
últimas décadas. CHESNAIS (1996) refere-se aos incrementos no volume
de negócios nos mercados de câmbio e ao crescimento dos ativos
financeiros como indicativos da hipertrofia da esfera financeira.
Num contexto de crise e instabilidade, segundo BENKO (1996), as
direções nas quais se desenvolvem as relações sociais e a utilização das
novas tecnologias dependem das lutas entre as diferentes forças sociais e
políticas. A flexibilidade conseguida na produção, nos mercados de
trabalho e no consumo, parece ser resultante da busca de soluções
financeiras para as tendências de crise do capitalismo. Desta forma, o
colapso do fordismo-keynesianismo conduziu ao fortalecimento do
capital financeiro.
O emergente modelo de acumulação capitalista assume, mais do
que nunca, proporções mundiais. Seu funcionamento é direcionado
sobretudo por formas de capital financeiro mais concentradas e
centralizadas do que em qualquer período anterior do capitalismo
(CHESNAIS, 1997). À ascensão do capital financeiro atribui-se o
ressurgimento de formas agressivas e brutais de aumentar a
produtividade de capital em nível microeconômico (CHESNAIS, 1996),
conduzindo a uma exacerbação da avidez pelos ganhos em dinheiro, o
que parece ser uma característica do nosso tempo.
9
TAVARES e MELIN (1997) fazem distinção entre a
transnacionalização produtiva que vem ocorrendo, especialmente após a
Segunda Guerra Mundial, e a reação oligopolística das grandes empresas,
decorrente da mudança de cenário provocada pelas políticas de
globalização financeira. Para esses autores:
“.. .deveria estar claro que foi esta segunda, e não a primeira, que reforçou a assimetria de crescimento e de poder em favor dos EUA, ao promover uma reversão da liquidez internacional e induzir consistemente a adoção de políticas deflacionistas e inibidoras do crescimento, que têm recebido a designação geral de neoliberalismo”. (TAVARES e MELIN, 1997:73-74).
Com razão, TAVARES e FIORI (1997) ligam o sentido do termo
“globalização” às transformações da economia e da política no final do
século XX. Em virtude das resistências a que esteve submetido o regime
fordista, o processo de internacionalização foi redelineado, a partir de
novos instrumentos, não se restringindo apenas a uma “revolução
tecnológica”:
“A mundialização é o resultado de dois movimentos conjuntos, estreitamente interligados, mas distintos. O primeiro pode ser caracterizado como a mais longa fase de acumulação ininterrupta do capital que o capitalismo conheceu desde 1914. O segundo diz respeito às políticas de liberalização, de privatização, de desregulamentação e de desmantelamento de conquistas sociais e democráticas, que foram aplicadas desde o início da década de 1980, sob o impulso dos governos Thatcher e Reagan.” (CHESNAIS, 1996: 34).
As políticas neoliberais, vistas por essa ótica, não visam, em
princípio, garantir o pleno funcionamento dos mercados, com base em
parâmetros como eficiência e competitividade, mas fazem parte de um
conjunto de medidas deliberadas, destinadas a reverter a tendência de
decadência da hegemonia mundial por parte dos Estados Unidos,
mediante “um controle rigoroso do FED1 sobre o juro e o câmbio,
1 FED – Federal Reserve, o banco central norte-americano.
10
praticando abertamente uma política monetária violentamente
intervencionista, independentemente do ciclo de negócios”. (TAVARES
e MELIN, 1997: 68).
Segundo COUTINHO (1992), após dez anos de crise – entre 1973 e
1983-, as principais economias industriais do ocidente reencontraram o
caminho do crescimento, com a retomada firme dos fluxos privados de
acumulação de capital , acompanhados de uma sensível recuperação do
incremento de produtividade e de uma aceleração crescente de inovações
técnicas, organizacionais e financeiras. O retorno ao crescimento deve-
se, em grande medida, à “sucessão exitosa de encontros de cúpula entre
as lideranças da OCDE2, caracterizando uma fase de intensa
coordenação política e de política cambial e financeira entre os Estados
capitalistas.. .” (COUTINHO,1992: 70).
O retorno ao crescimento, porém, não ocorreu de forma simétrica
entre os diversos países. Mesmo se considerarmos apenas os países
membros da OCDE, Alemanha e Japão apresentaram taxas de
crescimento menores desde a crise de 1982, voltando a entrar em crise
em 1993. A assimetria torna-se visível “ quando se toma como parâmetro
a expansão quase ininterrupta dos EUA a partir de 1983 com uma taxa
média semelhante à de sua trajetória no após-guerra”; crescimento,
aliás, superior aos demais países da OCDE (TAVARES e MELIN,
1997:71).
Para esses autores, à medida que ocorreu a generalização das
políticas neoliberais por todo o globo, as vantagens competitivas e de
crescimento da Europa e da América Latina só fizeram diminuir em favor
da economia americana e de alguns países asiáticos:
2 Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
11
“É de se destacar, igualmente, que a adesão dos Estados Unidos ao neoliberalismo restringiu-se ao terreno do discurso, pois, na prática, a potência hegemônica adotou, de início, um Keynesianismo bélico clássico, sucedido por investimentos em reestruturação industrial e atração de capitais estrangeiros – e seguiu financiando seu consumo doméstico e seu gasto público por meio de um vultoso endividamento amparado na posição cardeal de sua moeda nos mercados financeiros internacionais.” (TAVARES e MELIN, 1997: 74).
Tavares e Melin ressaltam a centralização da coordenação das
decisões relevantes relativas aos mercados, que agora passam ao
comando restrito de empresas e bancos dos países centrais, “cuja
estratégia é efetivamente global, enquanto que os países periféricos
aparecem, em princípio, apenas como receptores de padrões de consumo
globais difundidos a partir do centro.. .” (TAVARES e MELIN,
1997:77).
Neste sentido, o termo globalização diz respeito à imposição
mundial de regras de dominação econômica e política, sob coordenação
dos Estados Unidos, por intermédio de agências e corporações, que
controlam os fluxos de bens e recursos, utilizando para isso a ciência, a
tecnologia e a informação.
A reestruturação que vem se processando em todos os setores da
economia deve-se ao surgimento de uma diversidade de novas
tecnologias, que atestam a configuração de um novo paradigma
tecnológico. HAHN (1992) utiliza a expressão terceira revolução
industrial para designar o surgimento de um conjunto de tecnologias
emergentes, cujos três principais componentes são a microeletrônica, a
biotecnologia e os novos materiais.
Para CASTELLS (1999), a revolução da tecnologia da informação
foi essencial para a implementação de um importante processo de
reestruturação do sistema capitalista, a partir da década de 80. A
interconexão dos mercados cambiais, financeiros e de aplicações,
promovida por fluxos maciços e continuados de capitais, entre as
principais praças do globo, tornou-se possível graças aos tremendos
12
avanços atingidos no domínio da microeletrônica e telecomunicações
(COUTINHO, 1992). Segundo MAZZALI (1995), a sofisticação dos
sistemas de informação e de comunicação possibilita o processamento,
armazenamento e transmissão de um grande volume de dados,
favorecendo a integração e globalização dos mercados financeiros.
A utilização das novas tecnologias na área da microeletrônica não
está concentrada nos setores de informação e telecomunicações.
Especialmente devido à sua capacidade de promover interações entre os
agentes econômicos, a aplicação dessas tecnologias tem viabilizado a
operação de máquinas-robôs sob controle computadorizado e a
automação completa de processos de produção industrial. A criação de
máquinas-ferramentas de menor porte possibilita a produção diferenciada
de produtos, adequada à demanda de mercados segmentados.
COUTINHO (1992) chama a atenção para a emergência de sistemas
integrados de automação flexível fundamentados na interligação
informatizada, que permite o controle automático e integrado da
produção. Sistemas flexíveis integrados possibilitam a coordenação dos
fluxos de produção fabril e de distribuição. Por sua via, a coordenação
dessas funções é viabilizada pela mesma rede que interliga o marketing,
a comercialização e as finanças. RIZZI (1993) observa que a
flexibilização das plantas industriais possibilita dotar as empresas de
capacidade tecnológica de adaptação às mudanças do ambiente
econômico.
O processo de automação industrial com base em novas tecnologias
não se restringe à esfera da produção, implicando também a criação de
novas formas organizacionais, tanto no trabalho, como na distribuição e
comercialização de produtos. A informatização também abriu caminho
para a flexibilização administrativa, atingida pela redução dos níveis de
chefia, controle e comando, permitindo uma diminuição acentuada dos
postos de trabalho.
As transformações econômicas dos anos 80 e 90 ampliaram, em
todos os setores produtivos, a noção de competitividade entre as
13
empresas e nações, mediante a intensificação do ritmo de progresso
tecnológico, diretamente relacionado ao aumento da capacidade de
inovar produtos e processos.
Entre os efeitos imediatos do acirramento da concorrência
internacional entre capitais e empresas podemos destacar a intensificação
dos processos de internacionalização e adoção de estratégias de
diversificação, concentração, fusões e aquisições.
Segundo MARTINELLI JÚNIOR (1999), a intensificação da
concorrência promove a valorização das estratégias concorrenciais
dentro das empresas, que passam de uma “estratégia doméstica” para
uma “estratégia global”. As operações de fusões e aquisições
possibilitam às empresas adquirentes a transposição de barreiras à
entrada e o acesso de forma rápida e segura aos mercados estratégicos.
Nesse ambiente, a conquista de posições centrais no horizonte
tecnológico, produtivo e econômico assume papel essencial na
redefinição espacial da produção e dos mercados.
O vertiginoso desenvolvimento de tecnologias ligadas à biologia
celular, vegetal e animal, corresponde a uma outra vertente responsável
pela alteração do paradigma tecnológico nas últimas duas décadas,
similarmente aos progressos alcançados na microeletrônica. Essa questão
foi discutida por WILKINSON (1989), atestando um profundo processo
de transformação do sistema alimentar mundial, tanto na base
tecnológica como nos padrões de consumo. No âmbito da indústria,
inovações e capacitação tecnológica têm se tornado temas centrais,
paralelos a uma onda de fusões. Pelo lado da agricultura, o autor revela
uma tendência à ampliação da disponibilidade de produtos agrícolas, por
meio do incremento da produtividade. Além disso, o aumento da
“intercambialidade” tem provocado intensificação da concorrência entre
os diversos produtos, num quadro geral de superprodução e estagnação
de demanda para os principais produtos agrícolas.
Nesse contexto, o domínio das biotecnologias, da microeletrôncia,
da automação e das tecnologias da informação vem provocando um
14
impacto fundamental tanto na reestruturação industrial, como na
produção vegetal e animal.
1.2. A reestruturação do segmento agroindustrial de carne suína
O final da década de 80 marca uma nova fase na agricultura
brasileira, caracterizada, principalmente, pela significativa diminuição
dos recursos oficiais destinados ao crédito agrícola, com a redução
considerável da intervenção do Estado, e pela intensificação da
dependência da agricultura frente aos setores mais organizados da
economia: financeiro, industrial e comercial. A agricultura persiste,
porém, como atividade de base na rede alimentar, ainda que não
preponderante na produção de valor e de poder de decisão.
A abertura comercial empreendida a partir do governo Collor
provocou o rebaixamento dos preços dos produtos agrícolas no mercado
interno e a conseqüente redução da receita dos produtores brasileiros.
Segundo SHIKI et al. (2000), a intensificação da base técnica do
processo produtivo agrícola tornou-se uma necessidade para os
agricultores interessados em se manterem na atividade, diante da queda
da rentabilidade.
A face mais modernizada da agricultura brasileira incorpora, hoje,
práticas como irrigação, plantio direto, intensa mecanização e util ização
de insumos modernos. Aplicando as modernas tecnologias de informação
e imagens de satélite, mais recentemente, vem se difundindo a
agricultura de precisão, especialmente na região dos cerrados .
A intensificação das atividades de várias empresas multinacionais
do setor agroalimentar dos segmentos de biotecnologia e química
agrícola, a exemplo da Monsanto e Novartis e, do segmento de laticínios,
Parmalat e Nestlé, é vista por SHIKI et al. (2000) como um dos sinais
15
das transformações ocorridas no campo político e econômico, que
colocaram essas grandes corporações transnacionais no centro do
processo de determinação das mudanças na agricultura.
A suinocultura3 coloca-se entre os setores mais dinâmicos da
produção alimentar. Pela forte articulação com a indústria de carnes,
neste setor verifica-se uma constante incorporação de novas tecnologias
e uma incessante reorganização nos sistemas de produção, com vistas a
acompanhar o progresso industrial.
O setor agroindustrial, paralelamente às políticas públicas, vem
direcionando as transformações dos processos produtivos rurais. Para
WILKINSON (1989), o progresso técnico na produção alimentar tem
sido, geralmente, o resultado de transferências de outros setores
industriais. Assim, as indústrias do setor alimentar, ressalvadas as suas
peculiaridades, aparentemente vêm operando nas mesmas bases
tecnológicas e organizacionais pelas quais operam os demais setores
industriais (BELIK, 1995).
Para VELOSO (1998), um pequeno número de empresas domina o
setor industrial de carne suína no Brasil, impondo o padrão de entrada,
em razão do alto volume de capital necessário para investimentos, acesso
a informações estratégicas e sofisticação gerencial. Dentre as empresas
líderes, podem ser citadas o Grupo Sadia S/A, Perdigão Agroindustrial
S/A, Cooperativa Central Oeste Catarinense Ltda e a Seara Alimentos.
Segundo VEGRO (2000), as empresas líderes do setor têm conseguido
aumentar o faturamento, por meio da redução de custos e aumento da
escala produtiva. Apesar disso, existe um numeroso grupo de médios e
pequenos frigoríficos atuando no setor de abate e processamento de carne
suína no país. A tabela 1 apresenta uma relação das maiores empresas do
setor de abates de suínos no Brasil , conforme o número de animais
abatidos em 1999.
3 Suinocultura aqui se enquadra no conceito clássico de agricultura, como sendo o da utilização da terra mediante o cultivo de plantas e criação de animais domésticos.
16
A crescente preocupação com a poluição causada pelos dejetos
vem desestimulando a criação de suínos em países desenvolvidos de
clima frio. Nessas regiões, as baixas temperaturas, impedem a
decomposição dos dejetos, acumulando-se em grandes volumes durante
o inverno, causando, além da poluição do ar, sérios riscos de
contaminação da água e dos solos. Face a esses problemas, diversos
países, principalmente europeus, vêm criando leis limitando ou
diminuindo a população de suínos. Em razão disso, alguns especialistas
prevêem aumentos do volume de produção de suínos nos países “em
desenvolvimento” de clima tropical, concomitante à redução nos países
“desenvolvidos”.
Existe a expectativa de um crescimento tendencial das exportações
brasileiras de carcaças de suínos para processamento industrial no
exterior, a fim de manter ativas as indústrias dos países “desenvolvidos”.
Tabela 1 - Brasil: maiores empresas do setor de abate de suínos -1999.
Empresas Suínos abatidos
cabeças Sadia S/A 2.763.987 Perdigão Agroindustrial S/A 1.694.173 Coop. Central Oeste Catarinense – Aurora 1.521.993 Seara Alimentos 1.404.275 AVIPAL S/A Avicultura e Agropecuária 436.473 Doux – Frangosul S/A Avícola Industrial 387.937 Coop. Trit ícola Erechin Ltda 325.939 Coop. Central Agrop. Sudoeste – SUDCOOP 300.994 Batavia S/A / Frigoríf ico Pamplona 292.407 Rezende Alimentos 224.323 Palmali Industr ial de Alimentos Ltda 211.663 Frigumz Alimentos S/A 200.160 COOPERJACUÍ 146.166 Suifrig Industrial e Comercial de Suínos Ltda 126.205 Chapecó Cia. Industrial de Alimentos 118.864 Coop. Trit ícola de Getúlio Vargas 116.293 Coop. Regional Agropecuária Languirú Ltda 70.162 Baumhardt Irmãos S/A 57.984 Fonte: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS INDÚSTRIAS PRODUTORAS e EXPORTADORAS de CARNE SUÍNA (2000)
17
O problema ambiental relacionado à contaminação dos cursos
d’água e do solo por dejetos vem sendo considerado como um grande
entrave à expansão da suinocultura na região Sul do Brasil,
especialmente, no oeste de Santa Catarina, onde se concentra o maior
número de granjas de criação. Nessa região, a declividade dos terrenos e
a localização das granjas próximas aos cursos d’água contribuem para a
contaminação dos mananciais. Alguns especialistas entendem que uma
solução para o problema ambiental do Oeste Catarinense passa pela
adoção de um caminho contrário à concentração ocorrida na década de
1980, ao propor a desconcentração da produção de suínos na região
(TAKITANE e SOUZA, 2000).
Os estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e o oeste
de Minas Gerais apresentam características muito propícias ao
desenvolvimento da suinocultura, em razão da grande produção de grãos,
espaço para distribuição de dejetos e alguns estímulos governamentais,
que vêm atraindo investimentos vultosos, inclusive, de grupos
transnacionais.
Embora se trate de um movimento recente, o estabelecimento de
novas unidades de produção nessas áreas indica a direção que está
tomando a expansão da produção suína no Brasil. As grandes dimensões
adotadas nas modernas unidades de produção e a adoção de elevado
padrão tecnológico estão entre as principais características dos novos
projetos de criação.
O mega-projeto da Carrol’s Foods planeja alojar 51.400 matrizes
suínas, até o ano 2005, no município de Diamantino, no Estado do Mato
Grosso. A Carrol’s Foods pertence ao grupo americano Smithfield Foods
Inc., a maior produtora e processadora mundial de carne suína.
A ação governamental, estimulando a implantação desses novos
projetos, pode ser comprovada pela abertura de linhas de crédito para
financiamento dessas unidades. No caso da Carrol’ Foods, o BNDES4
está disponibilizando, mediante financiamentos, um montante de US$ 5,7
4 Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
18
milhões para investimentos em construção das granjas de produção
(DURÃO, 1999 e SUINOCULTURA INDUSTRIAL, 2000).
A tabela 2 apresenta um quadro dos principais projetos de criação
de suínos em fase de implantação no Brasil, indicando um alojamento
previsto de 233.000 matrizes até 2005. Deste total, 178.000 matrizes,
correspondendo a 76,39 %, estão sendo alojadas em granjas da Região
Centro-Oeste e Triângulo Mineiro, que concentram também os maiores
projetos de criação. A figura 1 apresenta a localização dos maiores
projetos de criação de suínos em implantação nos Estados de Mato
Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Minas Gerais.
Tabela 2 - Brasil: Maiores projetos de criação de suínos em 2000.
Grupo/Empresa Alojamento previsto
- N.º de matrizes - Localização
Carrol’s Food’s 51.400 Diamantino – MTRezende Alimentos 50.000 Uberlândia - MGPerdigão Agroindustrial 35.000 Rio Verde – GOAVIPAL 15.000 Porto Alegre – RS INTERCOOP
13.600 Lucas do Rio Verde, Nova Mutum, Rondonópolis e
Sorriso - MTCOPAVEL 10.000 Cascavel – PRFRANGOSUL 10.000 Caxias do Sul – RSGLOBOAVES 10.000 Toledo – PRGrupo Hofig Jr . 10.000 Brasilândia – MSParmalat 10.000 Castro – PRPif Paf 10.000 Patrocínio – MGCOOPERSUÍNOS 8.000 Varjão-GOTotal de matrizes 233.000Fonte: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS CRIADORES DE SUÍNOS (2000),
TALAMINI (2000) e SUINOCULTURA INDUSTRIAL (2000).
As perspectivas de incremento da produção no interior do país têm
sido percebidas pelas principais empresas do setor industrial de carne
suína, as quais estão liderando esses investimentos, orientando-se não
somente pelas potencialidades dessas regiões como produtoras grãos e
suínos, como também pela nova dinâmica industrial.
19
Figura 1 – Localização dos maiores projetos de criação de suínos
instalados nos estados de Mato .. .
20
As mudanças no ambiente econômico, ocorridas nas últimas
décadas, aceleraram o processo de concentração industrial e estimularam
o aumento da escala de produção e a adoção rápida de modernas
tecnologias ligadas ao abate, processamento e distribuição. A redução de
gastos com administração e transporte também torna-se ingrediente
essencial num plano de redução de custos dentro das empresas.
O estabelecimento de novas plantas industriais abre possibilidades
de estruturação das unidades produtivas sob bases completamente novas,
de acordo com os atuais padrões produtivos, não só no que diz respeito à
industria, mas também no setor de produção rural.
Além disso, a proximidade dos crescentes mercados consumidores
do Sudeste e Nordeste ajuda a compor o quadro de atração dessas
empresas para o centro do país. Assim se pode compreender a
estruturação dos novos empreendimentos, a exemplo do Projeto Buriti ,
da Perdigão, em Rio Verde (GO), a implantação do Frigorífico Pif Paf,
em Patrocínio (MG), e a aquisição da Rezende Alimentos pelo Grupo
Sadia, em Uberlândia, Minas Gerais.
A instalação de grandes plantas industriais, tanto de abate como de
produção de embutidos, demanda um grande volume de matérias-primas,
determinando a forma de organização do setor de produção. Nesse setor,
o padrão adotado conduz à construção de granjas de grandes dimensões,
de forma a comportar maior número de animais. A melhoria dos índices
zootécnicos também é condição indispensável para o aumento da
produção e redução dos gastos com rações, instalações e mão-de-obra5.
Segundo DESCHAMPS et al. (1998: 241-242), uma tendência de
concentração e especialização na produção suína vem ocorrendo em nível
internacional. Nos EUA, o número de propriedades dedicadas à
suinocultura declinou 50% no período de 1989 a 1997, enquanto crescia
o tamanho médio das propriedades. “A especialização ocorre em função
da necessidade de maior eficiência da produção, visando a redução de
custos e aumento das receitas” . VEGRO (2000), faz referência ao
21
crescimento de escala nas granjas de suínos nos EUA, onde o patamar
atual de viabilidade econômica requer o confinamento mínimo de 2000
matrizes.
De acordo com DESCHAMPS et al. (1998), essas tendências
apontam para a consolidação de um mercado cada vez mais competitivo,
em que as estratégias de redução de custos de produção passam a ser
fundamentais para a sobrevivência no mercado.
É oportuno acrescentar que as transformações em curso repercutem
no setor de produção, exigindo adequação dos padrões de carcaças aos
quesitos industriais, segundo especificações de peso, percentagem de
gordura e qualidade da carne.
De forma similar, a alteração nos padrões de consumo tem
conduzido à redução do teor de gorduras nas carcaças suínas, um
ponto importante na conquista de novos mercados, e que vem se
tornando possível mediante um grande esforço na melhoria do padrão
genético dos animais.
O Brasil possui um rebanho suíno estimado em 38,3 milhões de
cabeças, sendo que os três estados do Sul (Rio Grande do Sul, Santa
Catarina e Paraná) respondem por aproximadamente 80 % da produção
industrializada no país (ABCS, 2000). A tabela 3 apresenta os dados
relativos à evolução do rebanho suíno brasileiro nos últimos anos, como
também o número de abates, consumo per capita , produção, importações
e exportações de carne.
Tabela 3 - Brasil: evolução do rebanho, abate e produção de suínos: 1980/2000 5 Os índices de desempenho animal que mais interferem na lucratividade estão associados à fertilidade do rebanho, à taxa de conversão alimentar e ganho de peso.
22
Discriminação
1980 1985 1990 1995 1996 1997 1998 1999 2000
Rebanho* 32,5 32,2 30,0 34,0 35,7 35,8 36,5 37,0 38,3Abate* 17,7 14,0 16,0 19,2 20,4 20,0 22,4 33,5 24,7Consumo per capita (kg)
9,67 7,00 7,05 8,78 9,11 9,31 10,09 10,41 10,9
Produção de carne**
1150 966 1040 1037 1490 1540 1699 1780 1807
Importação** 1,0 2,0 2,0 9,0 5,0 5,01 1,0 5,0 1,0Exportação** 0,2 5,2 13,1 38,5 64,3 63,8 81,5 87,3 122
Fonte: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS CRIADORES DE SUÍNOS (2000)
*Milhões de cabeças; ** Milhões de toneladas
Os dados acima apresentados revelam não só um expressivo
crescimento do rebanho suíno nos últimos anos, mas também da
produção de carne e das exportações, o que reafirma as posições de
CANEVER et al. (2000), para os quais a suinocultura brasileira vem
apresentando uma tendência de crescimento nas quantidades produzidas,
nos tamanhos das criações e melhorias nos índices de produção.
O aumento do plantel de suínos sob o impacto dos grandes projetos
vem gerando apreensão entre os pequenos e médios produtores, que
temem o excesso de oferta de carne no mercado e o conseqüente
rebaixamento de preços (CORREA, 2000 a e b). O alojamento previsto
de 233.000 matrizes no Brasil, até o ano 2005, provocará a entrada no
mercado de 360.000 toneladas de carne suína por ano, conforme dados da
Associação Brasileira dos Criadores de Suínos (ABCS).
Em condições de preços baixos e margens reduzidas, somente os
produtores que obtêm baixos custos de produção, especialmente mediante
o aumento da escala de produção, conseguem suportar longos períodos de
crise, fato que conduz à concentração da produção verificada nos últimos
anos. Supõe-se que o dimensionamento das granjas por meio da adoção
de grandes escalas conduz ao melhor aproveitamento dos recursos e à
obtenção de vantagens na compra de insumos, resultando em redução dos
custos de produção.
O temor de que sobrevenha uma crise semelhante à enfrentada pelo
setor de avicultura no primeiro semestre do ano de 2000 (ROCHA, 2000)
23
justifica-se também, pelo fato de que o consumo interno tem sido
pequeno nos últimos anos, face à concorrência dos cortes de bovinos e de
aves e à timidez das campanhas promocionais, preocupadas
especialmente em estimular o consumo de alimentos industrializados,
que atingem apenas as camadas mais favorecidas da população
(QUEVEDO, 2001). Segundo dados da Associação Brasileira da Indústria
Produtora e Exportadora de Carne Suína - ABIPECS (2000) -, 66% da
produção brasileira de carne suína é dirigida para o mercado sob a forma
de produtos industrializados.
Além disso, as expectativas de incremento das exportações podem
não se confirmar, face às dificuldades de penetração nos mercados
europeu e o norte-americano, que apresentam as maiores taxas de
consumo (tabela 4). Os principais entraves à conquista desses mercados
são constituídos pelas barreiras sanitárias e pela proteção à produção
interna.
Tabela 4 - Principais países produtores de carne suína, em 1999.
Ranking Países Produção
Milhões de toneladas Consumo
Kg/hab/ano 1º China 36,93 30,002º Estados Unidos 8,52 30,603º Alemanha 3,50 58,104º Espanha 2,52 58,505º França 2,30 37,006º Polônia 1,81 41,407º Dinamarca 1,70 70,208º Brasil 1,69 10,099º Holanda 1,61 44,3010º Rússia 1,40 11,80outros - 24,42 -- - 86,40 14,52Fonte: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS CRIADORES DE SUÍNOS (2000)
A tabela 4 também apresenta a relação dos principais países
produtores de carne suína, volume de produção e o consumo médio por
habitante. A dinâmica da evolução da suinocultura, nos próximos anos,
seguramente, está na dependência da capacidade do mercado interno em
absorver a produção, do comportamento do mercado externo, e, por
24
conseguinte, das exportações. De fato, existem reais possibilidades de
ampliação da participação brasileira no mercado mundial de carne suína,
face à elevada média de consumo mundial, que atingiu 14,52 kg/hab/ano
(tabela 4), e às vantagens comparativas apresentadas pela suinocultura
nacional, conforme pode ser visualizado na tabela 5, que apresenta uma
comparação de custos de produção de suínos em alguns países.
Tabela 5 - Custos de produção de suínos em países selecionados - 1998 - em US$/kg
Países Custos de produção US$/Kg
Polônia 1,21
Dinamarca 1,19 França 1,04 Estados Unidos 0,86 Canadá 0,79 Brasil 0,64
Fonte: FIEMG/PROJETO CRESCE MINAS (2000)
Em função do baixo custo de produção, o Brasil, que dentre outros
países possui os custos mais baixos, tem conseguido aumentar o volume
de exportações, no âmbito do Mercosul e, principalmente, por meio da
entrada no mercado russo. O maior volume de vendas do país vem sendo
realizado para Hong Kong e Argentina..
Por outro lado, o setor poderá beneficiar-se do surgimento de
focos de febre aftosa e dos casos de encefalopatia espongiforme bovina
(doença da vaca louca) na Europa, que abrem espaço para a disputa por
fatias do mercado, já que alguns países, a exemplo do Japão, vêm
limitando a entrada de carne suína européia (INSTITUTO CEPA, 2001) 6.
Nesse sentido, o êxito dos programas de controle sanitários,
essenciais para obtenção de certificações de área livre de aftosa e peste
suína, passam a ser fundamentais na conquista de novos mercados
externos. Para esse fim, é também crescente a necessidade de
implementação de medidas de controle que garantam a rastreabilidade
dos rebanhos, não apenas como razões sanitárias, mas também como pré-
condição de competitividade (WILKINSON, 2000).
25
1.3. O novo padrão de integração indústria-produtores na
suinocultura
Há um relativo consenso entre os autores que abordam o
desenvolvimento da agricultura no capitalismo, segundo o qual o
progresso técnico na agricultura, e, por conseguinte, a modernização da
agricultura, têm sido determinados pela dinâmica dos setores comerciais
e industriais. Em alguns segmentos, a modernização tem conduzido à
maior articulação entre indústria e agricultura, por meio de mecanismos
de contratualização. Neste sentido, a criação intensiva de aves e suínos
sob bases modernas foi incrementada no Brasil , a partir da adoção de
sistemas de integração, primeiramente, nos estados da Região Sul e, nos
últimos anos, em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso do Sul.
Na Região Sul, o modelo de integração estabelecido pelas
indústrias do setor de carnes, que permitiu durante décadas o aumento da
produção animal e o crescimento industrial de diversas empresas,
baseou-se, fundamentalmente, no binômio pequena propriedade
diversificada e mão-de-obra familiar.
Nos últimos anos, nas regiões onde foi estabelecido, esse modelo
tradicional de integração vem apresentando sinais de esgotamento.
Existem evidências de que a integração entre indústria - agricultura,
conforme os padrões até então em vigor, especialmente nos setores de
aves e suínos, já não atende às novas e prementes necessidades do setor
industrial de carnes. O fornecimento de matéria-prima a custo baixo, de
forma regular e uniforme, que motivou a implantação dos primeiros
programas de integração, não é hoje o único objetivo almejado pelas
empresas do setor.
Alguns pesquisadores alegam que o esgotamento desse padrão
tradicional deve-se a diversos fatores, entre eles, a necessidade de
6 Instituto CEPA: Instituto de Pesquisa Agrícola de Santa Catarina
26
redução de custos logísticos e de gerenciamento da integração. “Levar
ração, coletar animais, prestar assistência técnica e supervisionar os
contratos de milhares de pequenos integrados – tudo isso é fonte de
custos pouco compatíveis com um negócio de margens reduzidas” . De
outro lado, “o reduzido tamanho médio das granjas na Região sul e o seu
crescimento incremental constituem hoje obstáculos à adoção de
tecnologias mais modernas e produtivas”. (FAVERET FILHO e
PAULA,1998:128-129).
Por essas razões, é questionada na nova conjuntura, a persistência
do modelo de integração adotado no sul do Brasil, que se baseia na
pequena propriedade e na mão-de-obra familiar.
Desde o final dos anos 80, novos modelos de integração vêm sendo
experimentados no Brasil. De acordo com ESPÍNDOLA (1999), uma das
primeiras tentativas de reestruturação do sistema tradicional de
integração deve-se ao Grupo Sadia, mediante a criação do Projeto XXI,
concebido em 1988. Nesse processo, procurou-se selecionar produtores
rurais com área mínima a partir de 20 ha, para a implantação desse
programa visando à difusão de um novo padrão tecnológico e produtivo
entre os produtores, oferecendo-lhes treinamento técnico intensivo com o
objetivo de “transformar o integrado num empresário”. Dentre as
medidas adotadas, incluem-se: aprimoramento da política de
remuneração aos fornecedores de matérias-primas; fornecimento de
material genético diferenciado aos integrados; utilização de mão-de-obra
contratada; construção de granjas para testes e seleção de linhas puras
para multiplicação e hibridação; além do desenvolvimento de um
programa de pesquisas em várias áreas do setor agropecuário.
FAVERET FILHO e PAULA (1998) relacionam a instalação de
novos projetos à marcha das empresas avícolas e suinícolas da Região
Sul em direção ao cerrado, baseada na proximidade com as áreas
fornecedoras de matérias-primas a baixo custo, especialmente milho para
rações, a exemplo da CEVAL, em Barreiras (BA), da Avipal, em Feira de
Santana (BA) e o Projeto Buriti , da Perdigão, em Rio Verde (GO).
27
Discutindo essa questão, HELFAND e REZENDE (1999:266)
afirmam não haver evidência de um êxodo em massa da produção de aves
e suínos do Sul para o Centro-Oeste. Além disso, para o caso do Sul, “a
redução do custo da ração é insuficiente para compensar o maior custo
de transporte entre o Centro-Oeste e os mercados consumidores do
Sudeste”. Para esses autores, embora de forma não conclusiva, “as
possibilidades de instalação de economias de escala na produção e
abate de animais, e de redução de custos de transação mediante a
reorganização das instituições de integração” podem estar favorecendo a
localização da agroindústria no Centro-Oeste.
De fato, a análise dos dados sobre abates de suínos nos estados dos
sul do Brasil, expressos na tabela 6, revelam um crescimento da
produção nos últimos anos. Nesse sentido, pode-se falar de uma
“expansão” e não de um “êxodo” da produção, embora esteja evidente
que as possibilidades de crescimento são maiores no Centro-Oeste.
Tabela 6 - Abates totais de suínos em Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná – 1998 a 2000 – em mil cabeças
Estado
1998 1999 2000
Santa Catarina 7.066,2 7.415,2 7.789,5 Rio Grande do Sul 4.132,9 4.177,3 4.340,5 Paraná 3.247,0 3.385,9 3.450,0
Fonte: INSTITUTO de PLANEJAMENTO e ECONOMIA AGRÍCOLA DE SANTA CATARINA – ICEPA - (2000)
O Projeto Buriti , do grupo Perdigão, constitui um exemplo de
projeto de grande escala envolvendo um programa de integração com
produtores. Sua implantação, iniciada em 1998, prevê a montagem de
810 módulos de integração de suínos e aves, para dar suporte ao
funcionamento de um frigorífico de aves com capacidade para abater 281
mil cabeças e um frigorífico de suínos para 3.500 cabeças/dia. Trata-se
de um projeto de alta tecnicidade, exigindo um forte aporte financeiro e
a contratação de mão-de-obra para manejo dos animais nos galpões.
28
Além de condição financeira capaz de arcar com o investimento inicial, a
empresa procura produtores com marcada visão empresarial.
Nesse programa, porém, ocorre a provisão de fundos para
financiamento dos produtores por intermédio do Fundo Constitucional do
Centro Oeste – FCO-, oferecendo condições de crédito especiais, que têm
provocado, inclusive, o interesse de produtores de outros estados. A fim
de viabilizar este programa, os recursos têm sido repassados nas
seguintes condições: taxa de juros fixos em torno de 14% ao ano, com
rebate de 20%, quatro anos de carência, prazo de até 12 anos para
pagamento. Além disso, o valor do financiamento poderá chegar até a
90% do orçamento. O programa encontra-se ainda em fase de
implantação7.
As principais tendências do setor agroindustrial de carnes tem se
reproduzido nos sistemas de integração que vem sendo instalados na
região central do Brasil. A reestruturação econômico-tecnológica tem
conduzido a transformações tais que as empresas integradoras
organizam-se com vistas ao aumento de competitividade no mercado,
buscando a obtenção de ganhos ligados a economias de escala, custos de
transação e de logística de suprimentos e distribuição.
As ações das empresas integradoras direcionam-se no sentido de
viabilizar a adoção de tecnologias de fronteira nos sistemas de produção,
como alimentação automatizada, galpões climatizados e seleção genética
dos animais8. O programa de integração da Rezende Alimentos, assim
como o Projeto Buriti , da Perdigão, são exemplos dessa tendência.
Por outro lado, o modelo de integração adotado nos novos projetos
de suinocultura em instalação no Brasil Central, apresenta algumas
questões abertas ao debate, lançando dúvidas sobre sua continuidade. Os
termos do debate atual podem ser assim definidos:
7 Dados relativos ao mês de janeiro de 2001. 8 A atenção das empresas integradoras para com o melhoramento genético dos animais de criação pode ser observada desde quando se estabeleceram os primeiros programas. Nota-se, porém, nos últimos anos, a intensificação de ações nesta área, mediante a criação de programas próprios de melhoramento genético. Neste sentido, pode-se enumerar programas de diversas empresas como Agroceres-PIC, Chapecó, Sadia (ESPÍNDOLA, 1999), e o da própria Rezende Alimentos/Sadia.
29
“Se por um lado a estrutura agrária do Centro-Oeste, baseada na média e grande propriedades, poderá facili tar essas transformações técnicas, de outro impossibilita que as relações agroindustriais organizem-se nos moldes do sul, onde predomina a propriedade familiar. Na verdade, ainda não se conseguiu estabelecer um modelo de integração da agroindústria com o setor agrícola nos cerrados.. .” (HELFAND e REZENDE, 1999:223).
A viabilização das estratégias que conduzam à produção
integrada em grande escala requer um perfil de produtor rural
diferenciado. Visão empresarial, abertura para adoção de inovações
tecnológicas, capacidade de investimento e de assunção de débitos
passam a ser características essenciais para a implantação e condução
de grandes projetos de criação. Neste caso, talvez, o perfil dos
“parceiros” requerido pelas agroindústrias pode ser melhor definido
pelo termo produtores - empresários.
A preferência dada a este novo perfil de produtor, pelas
empresas integradoras, que antes selecionavam propriedades que
dispunham de abundante trabalho familiar (PAULILO, 1990 e SHIKI,
1999), representa uma alteração profunda nas relações agricultura-
indústria, condizente com os novos padrões de produção impostos pela
reestruturação produtiva.
30
2. A CADEIA PRODUTIVA DA SUINOCULTURA REGIONAL
2.1. A suinocultura no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba
A criação de suínos em Minas Gerais teve início com a fixação das
famílias vindas de São Paulo e Bahia, no rastro das primeiras migrações.
Dentre os animais domésticos, o suíno caracteriza-se pela extrema
adaptabilidade a diversos ambientes e sistemas de criação. Nas fazendas
antigas, os animais eram criados soltos nas pastagens, presos em
“mangueiros” ou em pequenos cercados denominados “chiqueiros”,
alimentando-se de milho, abóboras, tubérculos, soro de leite e de toda a
variedade de frutas e vegetais. Diversas raças de suínos “caipira”
desenvolveram-se nesses ambientes, algumas já extintas ou em processo
acelerado de extinção. Dentre as mais criadas no passado, podem ser
citadas as seguintes: Piau, Nilo e Caruncho, notáveis pela rusticidade e
elevado teor de gordura na carcaça.
Ao longo de décadas, a criação desses animais constituiu
importante suprimento de gordura e carne às populações rurais, enquanto
que os excedentes eram comercializados nos núcleos urbanos. Com a
intensificação do processo de modernização da agricultura e do êxodo
rural nos anos 1970, gradativamente, essas criações perderam a
importância, ao mesmo tempo em que outras fontes de proteínas
tornaram-se mais presentes na cozinha dos mineiros. A mudança dos
hábitos alimentares ficou evidente com a adoção de óleos vegetais
(principalmente óleo de soja), determinando a drástica diminuição da
criação de porcos do tipo banha.
31
O Alto Paranaíba é uma das regiões pioneiras em Minas Gerais na
criação intensiva de suínos com base em técnicas modernas, visando à
produção de carne. A Associação Mineira de Criadores de Suínos,
primeira entidade de representação de interesses da suinocultura mineira,
nasceu em Patos de Minas, em 1972, sendo, posteriormente,
transformada na atual Associação dos Suinocultores de Minas Gerais –
ASEMG - e transferida para Belo Horizonte (FIEMG/PROJETO CRESCE
MINAS, 2000).
Apesar de apresentar um quadro bastante homogêneo em relação ao
meio físico, estrutura agrária e práticas tecnológicas na agricultura, na
mesorregião do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, a suinocultura tem se
desenvolvido de maneira diversa, cabendo uma diferenciação em nível
microrregional e local.
Em toda a mesorregião, a suinocultura é praticada, principalmente,
em propriedades grandes ou médias, em escala empresarial, juntamente
com outras atividades agrícolas. Nas microrregiões de Uberlândia,
Uberaba e Ituiutaba, malgrado a existência de algumas granjas antigas de
“ciclo completo”, a criação de suínos somente veio a expandir-se a partir
da criação do programa de integração da Rezende Alimentos.
Porém, nas microrregiões de Patrocínio e Patos de Minas, essa é
uma atividade mais antiga, que se estruturou independente da
interferência das agroindústrias e livre dos contratos de integração.
Neste caso, a articulação dos produtores com a indústria restringe-se a
vendas pontuais nas condições de mercado corrente, havendo mesmo uma
resistência dos produtores pelo sistema de integração (FIEMG/PROJETO
CRESCE MINAS , 2000). Como exemplo, o frigorífico Pif Paf, instalado
há 2 anos no município de Patrocínio, apesar dos esforços, não obteve
êxito no estabelecimento de contratos de integração com os criadores. A
tabela 7 apresenta os dados relativos ao plantel de matrizes suínas de
produtores independentes e sob regime de integração, nos diversos
municípios do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba.
32
A recente pesquisa, desenvolvida pela FIEMG/PROJETO CRESCE
MINAS (2000) levantou que o grande diferencial da suinocultura
regional assenta-se na elevada produção de grãos (com destaque para
milho e soja), na presença completa da cadeia produtiva e na qualidade
da plataforma empresarial. A produção de milho, inclusive, é suficiente
para o abastecimento regional, restando ainda um excedente para venda
para outras regiões. Além disso, a região detém a maior capacidade de
armazenagem de grãos do Estado, embora subutilizada.
Tabela 7 - Plantel de matrizes suínas, por município produtor doTriângulo
Mineiro/Alto Paranaíba em 2000
Município Matrizes – Integração
Rezende Alimentos
Matrizes – Produtores
Independentes Abadia dos Dourados - 10 Araguari 1.500 522 Araxá - 60 Capinópolis - 25 Carmo do Paranaíba - 1.364 Coromandel - 500 Guimarânia - 220 Ibiá - 136 Iraí de Minas - 152 Ituiutaba 2.400 - Lagoa Formosa - 190 Patos de Minas - 8.665 Patrocínio - 5.316 Pirajuba 1.500 - Presidente Olegário - 680 Romaria - 45 Santa Juliana 2.400 - Santa Vitória - 625 São Gotardo - 210 Serra do Salitre - 520 Uberlândia 16.600 - Uberaba - 713 TOTAL PARCIAL 24.400 19.953
Fonte: FIEMG/PROJETO CRESCE MINAS(2000) - Produtores independentes Dados pesquisa de campo, nov 2000 a jan 2001 -Produtores in tegrados
Tomando-se a relação entre o preço pago pela arroba de suíno e o
preço da saca de milho como parâmetro de referência da viabilidade da
33
produção suinícola, segundo FIEMG/PROJETO CRESCE MINAS (2000),
o ponto de equilíbrio econômico (quando as receitas eqüivalem às
despesas) é obtido quando uma arroba de suíno paga duas sacas de
milho, numa relação de troca de 1:2. Neste caso, quando os produtores
recebem o equivalente a mais de 2 sacas por arroba de suíno, a atividade
apresenta lucro econômico. Este critério serve para avaliar a
competitividade na suinocultura entre os estados produtores, incluindo-
se a mesorregião do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, cujos resultados
são apresentados na tabela 8.
Tabela 8 - Relação de troca (arroba de suíno/saca de milho de 60 Kg) –
estados selecionados e mesorregião do Triângulo Mineiro/Alto
Paranaíba: 1995 a 1999. Estado/Região 1995 1996 1997 1998 1999 Média no
períodoGoiás 3,07 2,63 3,34 2,99 2,44 2,89Minas Gerais 2,64 2,14 2,67 2,36 2,16 2,39São Paulo - - - - 2,16 2,16Paraná 2,71 1,97 2,83 2,13 1,98 2,32Rio Grande do Sul 2,19 1,38 2,33 1,96 1,71 1,91Santa Catarina 1,92 1,44 2,13 1,72 1,62 1,77Triângulo/AltoParanaíba 2,66 2,16 2,59 2,33 2,34 2,42
Fonte: FIEMG/PROJETO CRESCE MINAS(2000)
A análise dos dados, embora de forma generalizante, revela que o
Triângulo/Alto Paranaíba, e, principalmente Goiás, no Centro-Oeste,
apresentam significativas vantagens competitivas se comparadas aos
estados da Região Sul, quando se levam em conta os preços dos grãos.
Tabela 9 - Comparativos de índices zootécnicos na suinocultura – países selecionados -1999
34
Parâmetros USA* Canadá* Brasil* Média regional**
Leitões nascidos totais/porca 11,70 11,70 11,20 11,20Leitões nascidos mortos/porca 0,77 0,65 0,51 0,30Leitões desmamados/porca 9,6 9,71 9,7 9,6Leitões desmamados/porca/ano 21,8 23,0 22,1 22,57Partos/porca/ano 2,27 2,37 2,28 2,35
Fonte: FIEMG/PROJETO CRESCE MINAS(2000)
* Média dos melhores rebanhos, correspondentes a 10% do to tal ** Média regional : Dados da ASTAP, no Alto Paranaíba
A suinocultura regional praticada por produtores independentes
tem apresentado índices de produtividade comparáveis aos rebanhos de
países desenvolvidos, como decorrência do uso de tecnologias modernas,
como mostra a tabela 9. Este, freqüentemente, tem sido um argumento
utilizado pelos produtores independentes contra a produção integrada,
como veremos na parte posterior deste trabalho.
A tabela 10 apresenta um quadro dos projetos de criação de suínos
em ampliação e implantação na região.
Tabela 10 - Principais projetos de suinocultura em implantação ou ampliação na mesorregião do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba no ano de 2001
Município Matrizes Características
Araguari 800 Ampliação/Integração Romaria 3.700 Implantação/Independente Uberlândia 1.200 Ampliação/Integração TOTAL 5.700 -
Fonte: Dados pesquisa de campo, nov. de 2000 a jan. 2001
Os principais frigoríficos destinatários da produção de suínos da
região operam ainda com capacidade de abate ociosa, mostrando que, por
um lado, o crescimento da produção não encontrará entraves na
industrialização, a curto prazo, mas, por outro, revela a carência de
matérias-primas para suprir o setor de abates, o que implica uma
lucratividade abaixo da planejada. A tabela 11 apresenta a relação dos
principais frigoríficos receptores da produção suína da região,
localização e as respectivas capacidades de abate e o abate atual.
35
Tabela 11 - Localização e capacidade de abate de suínos dos principais frigoríficos em operação. Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba- 2000
Frigoríficos Município Capacidade de Abate/cab/dia
Abate atual cab/dia
Frigorífico Pacheco Araxá 50 15 Frigorífico Diamante do Pontal
I tuiutaba 160 30
Frigorífico Real Uberlândia 120 40 Frigorífico Salermo Belo Horizonte 1.300 800 Frigorífico Triângulo Uberlândia 350 175 Pif Paf Patrocínio 1.200 360 Rezende Alimentos Uberlândia 4.000 1.700 Total - 7.180 3.120
Fonte: FIEMG/PROJETO CRESCE MINAS (2000)
No município de Patos de Minas, estão localizadas três das
principais empresas de material genético suíno do país, que, juntas,
respondem por cerca de 40% do mercado nacional, a saber: Agroceres
PIC, Seghers Hybrids do Brasil e DB-Danbred Melhoramento suíno.
Além destas, a Rezende Alimentos também desenvolve uma linhagem
genética própria de suínos, viabilizada pela importação de animais de
linhas puras das raças Landrace, Large White e Pietran.
2.2. O Programa de Integração da Rezende Alimentos/Sadia
A incorporação das áreas de cerrado para a agricultura tornou-se
possível na década de 1970, a partir de novas possibilidades dadas pelos
avanços tecnológicos e pelas inovações advindas da “Revolução Verde”,
entre as quais, as tecnologias de correção e adubação de solos e a
adaptação de novas espécies e variedades de grãos aos solos de cerrados.
Tendo como centro de difusão das novas tecnologias os programas
iniciais de incentivos, principalmente, com o POLOCENTRO (Programa
36
de Desenvolvimento dos Cerrados) e o PRODECER (Programa de
Cooperação Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados),
imensas áreas de chapadas dos Estados de Minas Gerais, Goiás, Mato
Grosso e Mato Grosso do Sul, tornaram-se produtoras, principalmente de
soja, milho, café e algodão, atraindo agroindústrias processadoras de
diversos produtos.
A implantação de agroindústrias no Triângulo Mineiro tem uma
relação direta com a expansão agrícola nas áreas de cerrados, a partir dos
anos 1970. Com a criação dos distritos industriais, diversas
agroindústrias foram instaladas na região. O parque agroindustrial da
Rezende Alimentos, localizado em Uberlândia, surge nesse contexto.
Segundo MARTINS (1997:58), as primeiras indústrias do
Triângulo Mineiro desenvolveram-se tendo como suporte os capitais
acumulados nos centros urbanos, utilizando a base manufatureira que
havia se constituído para o beneficiamento e processamento de vários
produtos voltados para a comercialização: “a atividade comercial e a
estrutura urbana que se desenvolviam geraram as bases e o estímulo ao
processo de industrialização”.
Em Uberlândia, gradativamente, as atividades industriais passaram
a assumir uma importância fundamental na economia local, como
destinatário das matérias-primas agrícolas e como suprimento da
demanda regional por produtos industrializados. Para o referido autor:
“O desenvolvimento industrial de Uberlândia, desde seus primórdios, apresentou um forte vínculo com as atividades agrícolas e comerciais. Ainda hoje, com toda a diversificação que marca sua estrutura, a indústria de Uberlândia mantém-se articulada a esses dois setores.” (MARTINS, 1997:58).
Com a instalação em Uberlândia de duas indústrias, além da
Rezende Alimentos (ABC-Inco e Cargill) , com plantas destinadas ao
processamento de soja e milho e fabricação de rações, a região
converteu-se, também, em um polo de produção de aves e suínos.
37
Segundo CLEPS JUNIOR (1998), a Rezende Alimentos tornou-se
conhecida no segmento genético-avícola nacional a partir dos anos 1960,
ao obter a exclusividade de importação de duas linhagens “avós” 9 de
frangos de corte – Hubbard e Peterson -, passando à produção e
distribuição de aves de um dia e praticando vendas para empresas
importantes no segmento de carnes, como a Chapecó, Frangosul,
Perdigão e Sadia. Atuando, inicialmente, apenas como produtora de
matrizes para avicultura de corte, a Rezende Alimentos desenvolveu-se,
tornando-se líder neste segmento. A partir de 1982, a empresa passou por
um processo de reestruturação, concentrando-se na produção de matrizes,
pintos e ovos SPF10. Em 1995, a empresa respondia por 50% do mercado
brasileiro de matrizes de corte (FRANÇA, 1995). A partir de 1997, a
empresa já controlava o funcionamento uma indústria de processamento
de soja, um incubatório moderno, uma fábrica de rações, um abatedouro
de aves, um frigorífico para abate de suínos e bovinos e uma indústria de
carnes e embutidos, instalados em Uberlândia, no Estado de Minas
Gerais.
O parque industrial da Rezende Alimentos/Sadia está entre as mais
modernas indústrias do setor de carnes da América do Sul, sendo
composto de um abatedouro de aves, um frigorífico de suínos e a
indústria de embutidos (GUIMARÃES, 2000). Possui capacidade para
abate de 4.000 suínos por dia, capacidade anual de abate de 32,3 milhões
de frangos e produção de 97 mil toneladas de industrializados.
Inicialmente, planejou-se o programa de produção integrada de
suínos com base nas granjas com capacidade de alojamento em torno de
cem animais. Contudo, ficou demonstrado que as pequenas granjas não
apresentariam a capacidade de pagamento necessária para cumprir com o
cronograma de amortização dos financiamentos. A orientação escolhida
9 As aves importadas são denominadas “avós”, que, ao se reproduzirem, darão origem às matrizes. Os frangos comerciais que se destinam ao abate resultam da postura das matrizes. Segundo RIZZI (1993), as “avós” correspondem a uma geração posterior à das “bisavós”, as quais resultam de cruzamento de raças puras, de onde se extraem as linhagens. 10 SPF – Specific Pathogen Free – utilizados na fabricação de vacinas veterinárias e humanas.
38
foi no sentido de fomentar a implantação de granjas com grande
capacidade de alojamento.
No modelo implantado, verifica-se alto dispêndio de capital na
montagem da estrutura produtiva, a utilização intensiva de tecnologia e a
rápida incorporação de inovações ao esquema produtivo, próprio de um
programa gestado temporalmente e em conformidade com a recente
reestruturação tecnológica e industrial, seguindo as tendências da
moderna indústria de carnes, o que pode ser visualizado na qualidade e
no nível tecnológico do parque industrial da empresa. Pode ser
verificado, também, nos galpões de criação, construídos segundo
avançado padrão tecnológico e em grandes dimensões, tendo em vista
tanto a padronização e a otimização da qualidade dos produtos, assim
como observando-se vantagens de escala que oportunizam economias no
transporte de rações e animais, e maiores ganhos industriais, que
refletirão favoravelmente na competitividade da empresa no mercado. Da
mesma forma, sua logística de transportes e distribuição enquadra-se no
novo padrão administrativo e organizacional.
A constante adoção de inovações tecnológicas em seus diversos
segmentos produtivos, presente, inclusive, nos galpões dos integrados,
expressa sua conformidade com o padrão de produção integrada, que vem
sendo adotado, de forma recente, pelas principais empresas integradoras
do setor de carnes. Essas características distinguem tal programa de
outros anteriormente implantados no sul do Brasil , por algumas empresas
e cooperativas.
Outra característica diz respeito à especialização dos produtores,
em criadores de leitões, recriadores e terminadores, de acordo com a
seguinte subdivisão:
• Sítio I – destinados à fase de produção de leitões. O projeto mínimo
destina-se ao alojamento de 1.040 matrizes;
• Sítio II – destina-se à criação dos leitões na fase de creche;
• Sítio III – Fase de terminação. Com projeto mínimo destinado a 1.000
suínos em engorda.
39
A existência de um padrão que define o tamanho mínimo e
especificações técnicas próprias, exigindo um volumoso dispêndio de
capital, restringiu a adesão de um número maior de produtores ao
programa, que, ainda hoje, se encontra em fase de implantação.
Os produtores são remunerados pela integradora com base nos
desempenhos dos lotes de animais entregues de acordo com a fase da
criação. Pelos dados de fertilidade do rebanho (Sítio I), ganho diário de
peso, viabilidade e conversão alimentar (Sítio II e Sítio III), compõe-se
um índice matemático denominado “fator de produção”11. O fator de
produção do lote é comparado ao fator de produção médio dos últimos 10
(dez) lotes de animais entregues à integradora por outros produtores,
compondo-se um “ranking” entre os produtores. Isso resulta no fato de
que a remuneração paga aos produtores é sempre uma expressão do seu
diferencial de produção em relação aos outros produtores.
O programa de integração da Rezende Alimentos teve início em
meados da década de 1990, a partir da assinatura de contratos com vistas
à produção de frangos. Em seguida, em 1996, foram assinados os
primeiros contratos de integração para produção e engorda de suínos.
Atualmente, o número de produtores que participam do programa atinge
algo em torno de 250, envolvendo a criação de frangos, suínos e perus.
A perda de fatias de mercado de pintos de um dia e um foco de
leucose aviária desencadeou uma crise nas contas da empresa, desde
1996. Além disso, uma disputa judicial de origem familiar, acirrada a
partir de 1997, retirou seu fundador e diretor-presidente do controle
11 O fator de produção (FP) do lote é o produto do ganho diário de peso (GPD) pela viabilidade (V) dividido pela conversão alimentar. Sua unidade é g/dia. O fator de produção é expresso pela seguinte fórmula: FP= GPD x V CA O GDP é definido como o ganho de peso do lote dividido pelo tempo de terminação (idade média do terminado menos a idade inicial) e pelo número de suínos entregues, expresso em gramas por dia. A viabilidade é a quantidade de terminados entregue dividida pela quantidade inicial do lote recebido. A conversão alimentar é a quantidade total de ração consumida pelo lote dividida pelo ganho de peso do lote.
40
administrativo da empresa, o que abalou sua credibilidade, prejudicando
a rolagem de débitos da empresa perante as agências de crédito bancário.
A crise interna culminou com a transferência do controle acionário
da empresa, no final de 1999, para o grupo Sadia, que assumiu débitos
perante instituições financeiras no valor de U$116 milhões, além do
pagamento de R$ 134 milhões aos sócios cotistas.
Entre as razões que despertaram o interesse pela aquisição da
Rezende Alimentos, conta-se a qualidade do seu parque industrial , a
ótima localização geográfica (tanto para o suprimento de grãos, como
pela proximidade dos principais mercados consumidores) e a
disponibilidade de mão-de-obra especializada. Com a aquisição, a Sadia
aumentou sua capacidade de produção em 8% no abate de frangos, 20%
no abate de suínos e 7% na fabricação de industrializados (MURAT
JÚNIOR, 1999).
Antes da transferência para o grupo Sadia, a Rezende Alimentos
util izava apenas 30% de sua capacidade de abate de frangos e suínos. A
partir de então, as estratégias adotadas pela empresa concentram-se
especialmente na viabilização do parque industrial , uma vez que o
frigorífico e a indústria de carnes trabalham com capacidade ociosa,
mesmo havendo transcorrido três anos desde o início do funcionamento.
A operação do frigorífico, cuja capacidade instalada de abate é de 4.000
suínos/dia, gera custos elevados, os quais não vêm sendo cobertos pelo
abate em níveis atualmente praticados, em torno de 1.700 suínos/dia.
O rebanho de matrizes pertencente à empresa está hoje em torno de
10.000 matrizes. Somando-se às 16.400 matrizes dos produtores
integrados, o total chega a 26.400 matrizes, número bem abaixo do
programado, que é de 50.000 matrizes, conforme pesquisa de campo.
A empresa vem adotando algumas estratégias como forma de
aumentar rapidamente a oferta de matérias-primas para a indústria. A
primeira diz respeito à flexibilização dos padrões técnicos, abrindo
espaço para adaptação de granjas antigas de ciclo completo existentes na
região, para alojamento de animais no regime de integração. A aceitação
41
de um padrão tecnológico menos rigoroso do que o original tem ampliado
o número de produtores envolvidos, especialmente, nas granjas de
matrizes, onde é maior a carência de produtores integrados. Com isso,
foi expandida a área de atuação do programa, que hoje abrange os
municípios de Araguari, Estrela do Sul, Indianópolis, Ituiutaba, Monte
Carmelo, Monte Alegre de Minas, Nova Ponte, Pedrinópolis, Perdizes,
Pirajuba, Prata, Romaria, Santa Juliana, Tupaciguara, Uberaba e
Uberlândia na Mesorregião do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba. No
município de Ipameri, no Estado de Goiás, adaptou-se uma antiga granja
de ciclo completo com a finalidade de produzir leitões. A figura 2
apresenta o mapa político da região, e a figura 3 apresenta a localização
das granjas de integração, nos diversos municípios dos Estados de Minas
Gerais e Goiás.
O fomento à criação de perus faz parte da estratégia de
diversificação e aumento do faturamento da empresa, aproveitando-se a
estrutura de criação de aves, como incubatório, abatedouro e granjas de
integrados (CORREIO, 2000). Além disso, o incentivo à criação de perus
teve um componente estratégico, já que diminuiu a importância relativa
da suinocultura e avicultura, reduzindo o poder de barganha dos
produtores concomitante à renegociação de preços de remuneração.
Contudo, a receptividade para com a nova opção de criação não foi
muito positiva entre os produtores, em razão da baixa remuneração
oferecida e dos altos custos para conversão das granjas de frangos para
granjas de perus. A criação de perus exige comedouros especiais, mais
resistentes ao impacto do que os comedouros utilizados para frangos. No
início de 2001, a empresa propôs um reajuste de preços de remuneração
para perus, com a finalidade de atrair mais produtores para a integração.
42
Figura 2 – Mesorregião do Triângulo/alto Paranaíba (MG) e Sul do Estado
de Goiás. Divisão Polít ica
44
No programa da Rezende Alimentos, buscou-se, inicialmente, uma
elevada eficiência tecnológica associada ao pagamento de uma melhor
remuneração aos produtores integrados. A remuneração proposta não foi
mantida, ao mesmo tempo em que aparecem sinais de redução do padrão
tecnológico, particularmente, no manejo sanitário das granjas.
O quadro que prevalece atualmente, é de uma indústria que possui
muitos recursos tecnológicos, mas que continua operando com grande
ociosidade, devido à carência de matérias-primas. Ao mesmo tempo,
surgem especulações sobre uma entrada mais agressiva da empresa no
mercado de suínos para abate, a fim de suprir o deficiente abastecimento
da indústria.
É inegável que as condições locais propiciaram o surgimento de
uma articulação entre indústria e produtores-empresários integrados, com
benefícios mútuos, embora não na mesma medida para todos os
produtores. Porém, também parece estar claro que, no momento, falta
atratividade ao programa, além da carência de recursos, condições
necessárias para assegurar a continuidade dos investimentos na
construção de granjas. Por último, existem poucas possibilidades de
surgimento de linhas de crédito a taxas atrativas, a exemplo do FCO na
região Centro-Oeste. Desta forma, poucas alternativas restam para a
integradora no sentido de equacionar a falta de matérias-primas para a
indústria.
Abrir espaço para a participação de produtores familiares,
provocando uma reorientação do programa, apresenta-se como uma
alternativa pouco exeqüível, em função da dinamicidade tecnológica e do
aumento de escala requeridos no atual estágio de competitividade entre
as empresas do setor. Da mesma forma, o aumento do valor básico de
remuneração dos produtores integrados, que poderia atrair novos
investimentos, parece contrariar a orientação que vem seguindo o grupo
Sadia, pois acarretaria a redução imediata de sua lucratividade.
45
Diante do exposto, as especulações que apontam para uma entrada
efetiva da empresa no crescente mercado de suínos para abate apresenta-
se como a alternativa mais provável no momento.
2.3. A suinocultura regional em regime de integração
A caracterização da produção bem como dos produtores de suínos
integrados à Rezende Alimentos é uma etapa fundamental antes de
discutirmos o relacionamento entre os produtores e a indústria
integradora. Por essa razão, a busca de informações a respeito dos
produtores rurais que participam do programa, mereceu atenção especial
nesta pesquisa. Cerca de 100 produtores estão envolvidos no programa
de integração de suínos da Rezende Alimentos, conforme informações da
gerência de integração da empresa.
Nesta pesquisa, foram considerados os dados sobre grau de
escolaridade, atividades no setor urbano, tamanho das propriedades,
volume de investimentos na atualidade, dentre outros, assim como os
objetivos e expectativas dos produtores em relação ao empreendimento
na caracterização do perfil desses agentes.
A pesquisa de campo abrangeu 30 produtores, que foram
entrevistados durante o período de novembro de 2000 a janeiro de 2001.
Além disso, por intermédio da AST (Associação dos Suinocultores do
Triângulo) obtivemos dados de área das propriedades, capacidade de
alojamento e município de localização das granjas de outros 16
produtores, que não foram entrevistados diretamente durante a pesquisa
de campo.
No anexo 3, são apresentados o modelo do roteiro de entrevistas e,
no anexo 1, um quadro geral sobre as informações básicas levantadas,
tais como os dados de escolaridade, local de residência, atividade
urbana, outras atividades rurais, município de localização da granja,
46
distância do frigorífico, valor dos investimentos totais, valor dos
recursos próprios, percentual e valor dos recursos advindos de
financiamentos, número de funcionários por granja e área das
propriedades dos 30 produtores entrevistados.
As propriedades dos produtores integrados estão situadas num raio
140 km de Uberlândia, embora a distância das granjas dos produtores
entrevistados até o abatedouro da Rezende Alimentos seja em média de
55,62 Km. As granjas dos produtores entrevistados estão localizadas nos
municípios de Araguari, Indianópolis, Ituiutaba, Monte Carmelo, Monte
Alegre de Minas, Pirajuba, Prata, Tupaciguara, Uberaba e Uberlândia, no
Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba. A tabela 12 apresenta os dados
relativos à área das propriedades, tipo de granjas, capacidade de
alojamento, distância das granjas até o frigorífico e localização das
granjas dos produtores de suínos entrevistados.
A área média das propriedades dos produtores entrevistados, com
base na tabela 12, é de 368,61 ha. Este valor é inferior à média calculada
das áreas dos estabelecimentos de 37 produtores integrados à Rezende
Alimentos e associados da AST. Com base no anexo 2, a média das
propriedades dos associados da AST é de 495,35 ha. Esta diferença pode
ser, em parte, justificada pelo fato de que um único produtor associado
da AST possui 3.458 ha no município de Uberaba, elevando
substancialmente a média geral.
Uberlândia foi o município com o maior número de granjas
visitadas. As 17 propriedades visitadas neste município apresentam área
média de 250 ha, portanto, inferior à média geral das propriedades.
47
Tabela 12-Área da propriedade, t ipo de granja, capacidade de alojamento , distância do frigorífico e município de localização das granjas dos produtores de suínos.
N.º Área das propriedades
(ha)
Tipo de granja
Capacidade alojamento
(cab.)
Distância do frigorífico -
km
Localização da granja - município
01 500,00 Terminação 6.000 11 Uberlândia02 96,80 Terminação 2.500 12 Uberlândia03 48,40 Terminação 3.300 17 Uberlândia04 114,00 Terminação 3.200 22 Uberlândia05 48,00 Terminação 2.800 140 Ituiutaba06 96,80 Creche 1.400 35 Uberlândia07 1.866,00 Creche
Terminação3.5002.000
20 Uberlândia
08 1.452,00 Terminação 2.200 60 Indianópolis09 25,00
72,00 Creche
Terminação2.4001.700
65 UberlândiaTupaciguara
10 261,00 Matrizes 2.400 30 Uberlândia11 193,60 Creche 5.000 25 Uberlândia12 58,00 Terminação 2.300 12 Uberlândia13 150,00 Creche 11.000 10 Uberlândia14 100,00 Terminação 1.000 15 Uberlândia15 155,00 Terminação 3.400 70 M. Alegre
Minas16 480,00 Matrizes 2.400 30 Uberlândia17 410,00 Matrizes 3.000 50 Araguari18 87,12 Creche
Terminação4.6003.260
35 Uberlândia
19 700,00 Creche 2.600 40 M. Alegre Minas
20 338,00 Terminação 1.700 50 Prata21 26,00 Creche 4.500 30 Uberlândia22 80,00 Terminação 2.100 130 Ituiutaba23 484,00 Terminação 2.800 148 Ituiutaba24 96,90 Terminação 2.750 135 Ituiutaba25 34,00 Creche 8.000 40 Uberlândia26 121,00 Terminação 4.000 129 Monte
Carmelo27 1.200,00 Terminação 8.000 120 Monte
Carmelo28 755,04 Matrizes 1.500 n.d. Pirajuba29 1.258,40 Creche 6.000 120 Uberaba30 120,00 Matrizes 3.200 20 Uberlândia
Fonte: Dados de pesquisa de campo, nov. 2000 a jan. 2001
A figura 4 permite-nos observar que a faixa de 50 a 99 ha destaca-
se como a de maior concentração de propriedades - 24%, e que 50% dos
48
produtores entrevistados possuem menos de 150 ha, embora haja grandes
proprietários envolvidos na atividade.
Figura 4 – Área média das propriedades dos produtores integrados, em ha
Fonte: Dados de pesquisa de campo, nov. 2000 a jan. 2001.
Foram encontradas granjas em propriedades de tamanhos variados,
desde pequenas propriedades, com 26 ha, até propriedades medindo mais
de 1.800 ha, demonstrando que a área da propriedade não é um elemento
fundamental para a entrada dos produtores no empreendimento, embora
os maiores investimentos se localizem nas propriedades médias e
grandes.
A construção dos galpões obedece a um planejamento prévio,
escolhendo-se os pontos mais altos das propriedades, onde ocorre melhor
circulação de ar. Os galpões são sempre posicionados no sentido leste-
oeste, evitando-se a exposição direta dos animais aos raios solares.
As granjas de suínos, no regime de integração com a Rezende
Alimentos, em geral, util izam equipamentos modernos e apresentam
estrutura física muito bem construída, numa perspectiva a longo prazo de
permanência no negócio. Este ponto é sempre lembrado na fala dos
produtores e, freqüentemente, utilizado como argumento em favor de
melhor remuneração. Nas palavras de um produtor: “nosso espírito aqui
no Triângulo é de fazer as coisas bem feitas. Nossa realidade é diferente
13%
24%
13%10%17%
10%13%
< 49
50 a 99
100 a 149
150 a 249
250 a 499
500 a 999
> 1.000
49
da realidade do sul. Temos investimentos e custos a mais. A
remuneração tem que ser maior.. .”
Figura 5 - Granja de terminação de suínos. Vista externa Foto do autor , jan . 2001.
Apesar disso, muitos produtores queixam-se por obterem baixos
rendimentos no lotes de animais. A adoção da grande escala de produção
e utilização de equipamentos modernos não garante a obtenção de
elevados índices de produtividade, que, inclusive, podem sofrer
profundas alterações em função de variações no manejo, doenças, atrasos
na entrega de rações e falhas de execução nas diversas fases do processo
de produção.
As granjas de matrizes apresentam os custos mais elevados de
implantação e por unidade de animal alojado, quando comparadas às
granjas de creche e terminação. Os dados relativos a investimentos
totais, capacidade de alojamento média por granja, custo médio de
alojamento por animal e número de granjas pesquisadas estão expressos
na tabela 13.
50
Tabela 13 - Investimentos totais médios, capacidade de alojamento e número de granjas.
Tipo de granja12
N.º de granjas
Investimento total médio por
granja - R$
Capacidade alojamento
média - cab.
Custo médio de alojamento por
animal - R$ Terminação 18 203.094,12 3.056 65,10
Creche 10 219.450,00 4.900 43,37 Matrizes 5 1.923.600,00 2.500 772,68
Fonte: Dados de pesquisa de campo, nov. 2000 a jan.2001
Figura 6 - Granja de terminação de suínos. Vista interna, destacando-se a tubulação destinada à distribuição automática da ração e a “lâmina d’ água’, embaixo, à direita Foto do autor , jan . 2001.
Os galpões de creche, em geral, são construídos tomando-se por
base as dimensões mínimas de 12 x 90 metros. As dimensões mínimas
encontradas para os galpões de terminação são de 12 x 100 metros. As
12 Os 3 tipos de granjas correspondem a: (1) Granjas de matrizes, onde são alojadas as matrizes destinadas à produção de leitões. (2) Granjas de creche: destinam-se à criação dos leitões, alojados após a desmama, após essa fase os animais são conduzidos às (3) granjas de terminação, onde os animais completam o crescimento e a engorda.
51
instalações para granjas de matrizes são constituídas de vários
galpões, cada um destinado a uma fase ou estágio do ciclo
reprodutivo, constando de baias13 de recria de leitoas, gaiolas de
gestação e baias de parição.
Figura 7 - Granja “creche”. No detalhe, a campânula, para aquecimento dos le itões. Foto do autor , jan . 2001.
Por meio de entrevistas com alguns técnicos da Rezende
Alimentos/Sadia, concluímos que a adoção de tais dimensões para
construção das granjas fundamenta-se na necessidade de diluição de
custos de instalação de rede elétrica e de água, sistema de
aproveitamento de dejetos e utilização de mão-de-obra. A adoção de uma
escala menor certamente comprometeria a capacidade de pagamento dos
financiamentos e a rentabilidade do empreendimento para os produtores.
Evidentemente, a adoção de tal escala objetiva também a redução dos
custos de transporte de rações e de animais.
13 Os galpões, em geral, são subdivididos em baias, onde são alojados os animais, podendo ainda conter um corredor central ou lateral.
52
Segundo a pesquisa, constatamos que a Rezende Alimentos/Sadia
recusa projetos de construção de granjas com dimensões muito
superiores ao padrão proposto, especialmente, para o setor de matrizes,
evitando a dependência da empresa diante de um só produtor e o aumento
do seu poder de negociação.
Figura 8 - Granja de matrizes. Baias para alojamento de leitoas de Reposição. Foto do autor , jan . 2001. Os materiais utilizados na construção dos galpões, em geral, são de
grande durabilidade. Em 93,33% dos galpões visitados, as colunas de
sustentação são de aço, concreto ou premoldados; 80% dos galpões
possuem estrutura metálica para cobertura, cujas telhas, em 46,66% dos
casos, são metálicas, enquanto que, em 43,33% dos galpões, foram
encontradas telhas de amianto e apenas 10% possuem telhas de barro.
Objetivando reduzir a utilização de mão-de-obra, em 72,4 % dos
galpões visitados, são utilizados mecanismos automatizados de condução
da ração dos silos até os comedouros, os quais, em 86,6 % das granjas,
são metálicos e automatizados.
53
A grande maioria dos produtores utiliza os dejetos dos suínos na
adubação do solo empregando bombas elétricas para retirada dos dejetos
dos reservatórios e aplicação direta através de aspersores sobre as
pastagens ou áreas de cultivo. Apesar de considerarem os custos de
equipamentos e energia relativamente elevados, os produtores
entrevistados mostram-se otimistas com a utilização dos dejetos para
adubação, em que alguns resultados promissores vem sendo observados,
verificando-se aumento significativo na capacidade de suporte das
pastagens fertilizadas, principalmente, devido à escassez de nitrogênio,
fósforo e potássio nos solos da região, elementos presentes de forma
abundante nos dejetos de suínos.
Figura 9 - Granja de matrizes. Gaiolas de gestação. Foto do autor , jan .2001
Provavelmente em função dessas medidas, como também do
isolamento de tanques e lagoas de decantação, utilizando-se concreto ou
lona plástica, durante as visitas às granjas de criação não foram
54
observados problemas ambientais devido à destinação inadequada de
dejetos suínos.
Sob uma primeira análise, as propriedades rurais onde se localizam
as granjas possuem áreas suficientes para a distribuição dos dejetos. A
topografia plana e a profundidade dos solos favorecem a distribuição
homogênea e a infiltração da fração líquida dos dejetos, evitando
contaminação dos cursos d’água. Além disso, verifica-se uma rápida
decomposição dos dejetos no solo, sob as condições de temperaturas
elevadas na região na maior parte do ano (a temperatura média anual
situa-se entre 20 e 24º C). A época mais propícia para distribuição dos
dejetos no solo inicia-se em abril-maio, prolongando-se até outubro-
novembro, em função da existência de uma estação seca acentuada no
inverno. A precipitação média anual na região, situa-se entre 1.250 e
1.700 mm.
Figura 10 - Granja de matrizes. Baia de parição.
Foto do autor , jan. 2001.
55
Apesar disso, o grande volume de dejetos produzido poderá
constituir-se num problema futuro, se considerarmos a necessidade de
expansão do programa, a fim de viabilizar a operação da indústria.
Regiões que possuem grande concentração de suínos, a exemplo do oeste
de Santa Catarina, vêm enfrentando problemas de contaminação dos
solos, cursos d’água e lençóis freáticos, além da poluição dos ar.
2.4. Os tipos de produtores integrados
Com base nas entrevistas realizadas com os produtores, foi
possível elaborar uma tipologia de classificação, com o objetivo de
melhor caracterizar o perfil dos produtores integrados e facilitar as
análises das estratégias e expectativas de cada grupo. Essa proposta de
classificação baseia-se na constatação de que apesar da diversidade de
tipos de produtores e das propriedades, “é possível reunir os produtores
em categorias e em grupos distintos, dentro dos quais as condições
sócio-econômicas e as estratégias são semelhantes.. .” (PCT
INCRA/FAO, 1999:22).
Tomando como parâmetros o nível de investimentos, o porte dos
empreendimentos, o desenvolvimento de atividades remuneradas no setor
urbano e a participação da renda advinda da suinocultura na composição
da renda total, chegamos a três tipos básicos de produtores de suínos
integrados.
O primeiro grupo corresponde aos produtores-empresários, que
praticam uma suinocultura de grande porte. O segundo grupo
corresponde aos produtores com renda urbana, cuja suinocultura tem
caráter de complementação de renda. O terceiro grupo diz respeito aos
produtores que desenvolvem atividades exclusivamente rurais, cuja
suinocultura apresenta-se como uma diversificação de atividades dentro
56
da propriedades. A classificação pode ser melhor entendida, observando-
se os tópicos e as considerações seguintes:
Grupo 1 . Produtores-empresários. Possuem empreendimentos com
elevado investimento em capital. Do total dos entrevistados, seis
produtores enquadram-se nesta classificação. Conforme a tabela 14, a
característica predominante neste grupo de produtores é o grande volume
de investimento.
Tabela 14 - Produtores do tipo 1 – atividades rurais e urbanas, área da propriedade, investimento total e percentagem de recursos f inanciados.
N.º Fonte de receita urbana
Outras at iv idades
rurais
Área (ha)
Escolaridade
Invest imento
total R$
% recursos f inanciados
01 Car tór io, a luguel de
imóveis
Pecuár ia de le i te e cor te ,
avicul tura
500,00 Super ior incompleto
700.000,00 0
10 Indústr ia Pecuár ia de le i te e cor te ,
avicul tura
261,00 Super ior 1.918.000,00 0
16 Funcionár io público
Avicul tura, pecuár ia de cor te , café
480,00 Super ior 1.800.000,00 90,00
17 Construtora , imobil iár ia
Pecuár ia de cor te , café
410,00 Super ior 2.200.000,00 0
28 Não possui Soja 755,04 2º grau 1.200.000,00 41,6630 Não possui Pecuária
corte120,00 Superior 2.500.000,00 0
Fonte: Dados de pesquisa de campo, nov. 2000 a jan. 2001
Grupo 2 . Produtores com renda urbana e suinocultura como atividade
complementar. Possuem receitas de origem urbana em diversos setores.
As principais atividades rurais praticadas: pecuária de leite e corte,
suinocultura, avicultura, café. Neste grupo, dezenove produtores, dentre
os entrevistados, enquadram-se nesta classificação. Os dados são
apresentados na tabela 15.
57
Tabela 15 - Produtores do tipo 2 - atividades urbanas e rurais, área da propriedade, investimento total e percentagem de recursos f inanciados. N.º Fonte de
receita urbana Outras
atividades rurais
Área (ha)
Grau de escolari-
dade
Investimento total
R$
% recursos f inanc.
02 Bancário aposentado
Pecuária de lei te
96,80 Superior 170.000,00 52,94
03 Aposentadoria alug. imóveis
Pecuária corte
48,40 2º grau 100.000,00 0
04 Representante comercial
Pecuária corte
114,00 2º grau 186.000,00 38,70
05 Representante comercial
Pecuária de lei te
48,00 Superior 144.694,36 61,67
07 Construtora Pecuária, avicultura
1.866,00 Superior 330.000,00 12,12
09 Açougue Pecuária, avicultura
97,00 2º grau 145.000,00 0
11 Diversos Avicultura,pecuária
193,60 - 178.000,00 0
13 Emp. Turismo Pecuária 150,00 Sup.Incomp.
600.000,00 0
14 Comércio armarinhos
Pecuária 100,00 1º grau 40.000,00 0
18 Cerealista, Representação
Avicultura, pecuária
87,12 2º grau 350.000,00 0
19 Bancário aposentado
Soja,milho, pecuária
700,00 2º grau 147.500,00 38,98
20 Imobiliária Pecuária 338,00 Superior 100.000,00 021 Funcionário
empr. Atacad. Não pratica 26,00 Superior 234.000,00 0
22 Comércio sem. Fert i l iz.
Pecuária 80,00 1º grau 220.000,00 30,00
23 Magistério, comérc. Eletro
Pecuária, avicultura
484,00 2º grau 180.000,00 58,33
24 Medicina Pecuária 96,90 Superior 160.000,00 40,0025 Assistência
técnica rural Não pratica 34,00 Superior 350.000,00 0
27 Indústr ia cerâmica
Pecuária de corte, café
1.200,00 2º grau 450.000,00 60,00
29 Academia Pecuária 1.258,40 Superior 240.000,00 40,00 Fonte: Dados de pesquisa de campo, nov. 2000 a jan.2001
Grupo 3 . Produtores rurais com renda exclusivamente rural. Praticam a
suinocultura como diversificação de atividades. Principais atividades
rurais: Pecuária de leite e corte, suinocultura, avicultura, mandioca, café.
58
Dentre os produtores entrevistados, cinco enquadram-se nesta
classificação. Destes, nenhum recorreu a empréstimos para construção de
granjas. Os dados estão apresentados na tabela 16.
Tabela 16 - Produtores do tipo 3 – atividades rurais, área da propriedade, investimento total e percentagem de recursos financiados.
N.º Outras atividades rurais
Área (ha)
Grau de escolaridade
Investimento total R$
% recursos f inanc.
06 Pecuária de lei te, café, maracujá
96,80 2º grau 60.000,00 0
08 Pecuária de corte e lei te, avicultura
1.452,00 1º grau 100.000,00 0
12 Frango caipira 58,00 Superior 250.000,00 0 15 soja, pecuária,
avicultura 155,00 Superior 120.000,00 0
26 Avicultura, café 121,00 1º grau 230.000,00 0 Fonte: Dados de pesquisa de campo, nov. 2000 a jan. 2001
2.5. Os produtores integrados à Rezende Alimentos/Sadia
Dentre as características comuns aos diversos produtores, a
utilização de mão-de-obra contratada é, provavelmente, a que mais se
destaca. Todos os produtores de suínos entrevistados, que participam do
programa de integração da Rezende Alimentos, contratam mão-de-obra
para o manejo e alimentação dos animais nas granjas. No entanto, essa
não é uma variável diferenciadora dos grupos de produtores, embora seja
um ponto fundamental na distinção entre o modelo de integração da
Rezende Alimentos e os tradicionais programas do sul do Brasil.
PAULILO (1990) relata que a suinocultura integrada no sul do
Estado de Santa Catarina é praticada especialmente por produtores que
utilizam mão-de-obra familiar. Para FERREIRA (1993), a suinocultura
59
integrada relaciona-se quase exclusivamente a agricultores familiares. As
explorações agrícolas familiares satisfazem às exigências das maiores
agroindústrias do país, disciplinando o trabalho e os cuidados na
condução do produto. Além disso, produzem com menor custo porque
utilizam sobretudo mão-de-obra familiar, não remunerada.
ABRAMOVAY (1998a) vê no crescimento da agricultura patronal
no Brasil um ponto revelador do quadro de atraso de nossa agricultura,
diante da preeminência da agricultura familiar nos países capitalistas
avançados. Visto por este ângulo, o modelo de produção agropecuária
integrada da Rezende Alimentos, ao apoiar-se basicamente na agricultura
patronal, caminha em sentido contrário à tendência da moderna
agricultura capitalista.
A utilização de equipamentos automatizados e determinadas
inovações aplicadas na construção dos galpões seguramente reduzem a
utilização de mão-de-obra para distribuição de ração e limpeza das
instalações. São técnicas que oneram os custos de implantação,
economicamente viáveis apenas em galpões de grande escala. Ao optar
pela construção de granjas de grandes dimensões, a Rezende Alimentos
previamente definiu o perfil dos produtores que tomariam parte no
programa de integração, assim como da mão-de-obra a ser utilizada.
Pela tabela 17, observamos que as granjas que alojam matrizes
empregam o maior número de pessoas, em média, 25,8. As granjas de
creche empregam, em média, 2,1, e as de terminação, 1,72 funcionários.
Os empregados são contratados em caráter permanente e residem dentro
das propriedades, porém, nas granjas de matrizes, onde se emprega maior
número de funcionários, estes residem nos núcleos urbanos, sendo
conduzidos pela manhã e à tarde por de veículos dos produtores.
O emprego da mão-de-obra familiar limita-se a tarefas
administrativas e, eventualmente, por ocasião de embargue e
desembarque de animais.
60
Tabela 17- Número médio de empregados, segundo os tipos de granjas de suínos.
Características Granjas de matrizes
Granjas de creche
Granjas de terminação
N.º médio de trabalhadores 25,8 2,1 1,72Animais/ trabalhador 96,89 2.333,3 1.774,5
Fonte: Dados de pesquisa de campo, nov. 2000 a jan.2001
Dentre os 30 produtores entrevistados, apenas um reside
atualmente na propriedade rural, enquanto os demais residem nos
centros urbanos da região.
Com relação ao grau de escolaridade, os dados de 20 produtores
revelam que 44,82 % concluíram algum curso superior, 10,34%
possuem superior incompleto, 31,03% concluíram o 2º grau e 13,79%
dos produtores concluíram o 1º grau, conforme a tabela 18. Estes
índices revelam-se superiores quando comparados a dados de outros
produtores rurais da região14.
Tabela 18 - Grau de escolaridade dos produtores integrados
Grau de escolaridade15
N.º de produtores %
1º grau 4 13,80 2º grau 9 31,04 Superior incompleto 3 10,34 Superior completo 13 44,82 Total 29 100,00
Fonte: Dados de pesquisa de campo, nov. 2000 a jan. 2001
A pesquisa também demonstra que 23 produtores dentre os
entrevistados (76,66% do total) possuem alguma fonte de receita
financeira de origem urbana, e apenas 7 produtores (23,33%)
dependem exclusivamente das atividades de produção agrícola como
fonte de recursos. Estes dados são apresentados na tabela 19.
14 Numa pesquisa com produtores de tomate no município de Araguari – MG, CUSTÓDIO (2.000) -, constatou que 10% dos produtores não chegaram a concluir o curso primário, 52,5% dos produtores concluíram o 1º grau, 15% possuem primário incompleto, 7,5 % possuem ginásio completo, 2,5% possuem colegial incompleto, 7,5% colegial completo e apenas 5% possuem instrução superior. 15 O 1º grau corresponde atualmente ao ensino fundamental, e o 2º grau, ao ensino médio.
61
A freqüência elevada de produtores com atividades no meio urbano
manifesta-se como decorrência da busca por novas oportunidades de
negócios no setor rural. Segundo GRAZIANO DA SILVA (1997:78-
79),“milhares de profissionais liberais urbanos, atraídos pelas
facilidades decorrentes dos novos serviços disponíveis para apoio das
atividades agropecuárias, passaram a olhar os campos como uma
oportunidade também para novos negócios”.
Tabela 19 - Origem das fontes de receitas urbanas dos produtores integrados na suinocultura Fonte de receita urbana
N.º de produtores
Comércio 7 Indústr ia 2 Construção civil 2 Serviços 5 Profissionais l iberais 1 Aposentadoria 3 Funcionário empresa atacadista/ funcionário público
2
Diversas 1 Subtotal 23 (77,66%) Produtores sem receita urbana 7 (23,33%) Total 30 (100,00%)
Fonte: Dados de pesquisa de campo, nov. 2000 a jan. 2001
É importante lembrar que a urbanização processou-se com maior
intensidade na região durante os últimos 50 anos, o que faz com que a
memória rural esteja ainda muito presente nos habitantes das cidades.
A maioria dos produtores integrados entrevistados - 79,16% (anexo
1) - nasceram em famílias que residiam no meio rural. Na verdade,
grande parte dos produtores já possuíam as propriedades rurais antes de
se decidirem pela integração. Para estes, essa era mais uma opção para
diversificar as atividades. O sonho de desenvolver alguma atividade no
campo, em muitos casos, corrobora decisivamente a tomada de decisão
de investir no meio rural.
A diversificação de atividades reduz a dependência financeira dos
produtores diante da empresa integradora, permitindo que o sustento da
62
família seja garantido pelas demais fontes de renda em períodos de crise.
Para a maioria dos produtores, a receita advinda das granjas cumpre
papel apenas de complementação de renda, não sendo fundamental na
composição da renda familiar.
Nesta análise, é importante relacionar o crescimento comercial,
industrial e urbano das principais cidades da região, e, especialmente a
cidade de Uberlândia, à capacidade de investimento dos produtores
integrados em estudo, pois é um procedimento útil para a compreensão
da dinâmica das transformações nesse setor da agricultura.
A idéia central é a de que o vigor da economia urbana do
município interfere na dinâmica da produção agropecuária local e
condiciona o surgimento de novas configurações no espaço agrário
regional. É crucial, portanto, o papel dos centros urbanos na dinamização
das regiões rurais. “O meio rural só pode ser compreendido em suas
relações com as cidades, com as regiões metropolitanas e também com
os pequenos centros em torno dos quais se organiza a vida local
(ABRAMOVAY, 1998b:27) .
Contando com uma população total de 500.095 habitantes, de
acordo com os dados do Censo Demográfico do IBGE (2000), a área de
influência de Uberlândia estende-se não apenas além das fronteiras do
município, em decorrência da penetração de empresas locais dos setores
atacadista e industrial, em vários estados da federação. Também no meio
rural, os efeitos da intensa atividade comercial e industrial de Uberlândia
e de outras cidades do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, podem ser
percebidos.
Apesar da importância da indústria no contexto local, o dinamismo
econômico de Uberlândia, a maior cidade da região, decorre sobretudo
do setor comercial e de serviços, como atestam os dados do PIB do
município, apresentados na tabela 20, relativos a preços correntes de
1997.
63
Tabela 20 - Uberlândia - Produto Interno Bruto (PIB), segundo os setores de atividades econômicas – 1997.
Especificação Município de Uberlândia
Percentual (%)
PIB agropecuário
115.167.841 4,12
PIB industrial 1.226.341.980 43,95PIB serviços 1.449.102.220 51,93PIB total 2.790.612.041 100,00
Fonte: FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO (FJP), Centro de Estat ís t ica e Informações (CEI) (2000)
Para GUIMARÃES (1996), o desenvolvimento do comércio,
especialmente a partir dos anos 1960, possibilitou o aproveitamento da
renda mercantil e a polarização do comércio regional e inter-regional em
torno dos núcleos urbanos do Triângulo Mineiro, com destaque para o
município de Uberlândia.
A aptidão natural do Triângulo Mineiro para o comércio, deve-se
às especificidades próprias, como sua posição estratégica e “sua
capacitação para desempenhar o papel de ponto de interseção de ativos
e substanciosos fluxos inter-regionais de mercadorias” (BRANDÃO,
1989:173), atrelando-a, desde sua ocupação, a importantes circuitos
mercantis nacionais.
Nos últimos anos, pequenas e médias propriedades rurais -sítios e
chácaras- vêm sendo adquiridas por empresários, profissionais
aposentados, enfim, pessoas oriundas do meio urbano, destinando-as às
funções de lazer e produção agrícola.
A aquisição de propriedades rurais por novos produtores de origem
urbana, seguida de investimentos em estrutura produtiva e/ou finalidade
de lazer, e de contratação de mão-de-obra assalariada (processo
verificado principalmente no município de Uberlândia, denominado
também de “efeito urbano”) responde não só pelo crescimento da
produção patronal no município, mas também, em grande medida, pelo
afluxo de novos investimentos ao setor rural, direcionados, inclusive,
para a construção de granjas de integração de aves e suínos. Além disso,
64
como veremos adiante, a elevada participação de produtores que
possuem, paralelamente, atividades urbanas confirma a existência de um
fluxo de recursos de capital no sentido do campo.
Tal efeito tem se tornado possível em razão da concentração de capitais
em torno dos setores mais dinâmicos da economia urbana local e
regional, colocando-se na origem do aporte dos recursos que
viabilizaram a participação dos produtores no programa de integração da
Rezende Alimentos desde meados dos anos 90.
Uma fração menor do grupo de produtores concentraram investimentos
de tal forma que o montante dos recursos canalizados na atividade de
produção suína supera os demais, em investimento e receita
(correspondente ao grupo 1, na classificação proposta). Apesar de
constituir-se no grupo mais dependente em relação à Rezende Alimentos,
são esses os mais dinâmicos e especializados entre os produtores
integrados, cujos negócios envolvem milhões de reais. Em tais
condições, a produção integrada é vista pelos produtores como uma
atividade sumamente empresarial.
Devido ao montante do investimento e à capacidade produtiva instalada,
para esse grupo de produtores, aparentemente, a integração não é a única
possibilidade de inserção no sistema produtivo. Em sua maioria, esses
produtores montaram granjas de matrizes, que correspondem à fase que
demanda mais investimentos em instalações e capacitação técnica. Para
eles, em caso de necessidade, a continuação do ciclo de produção não
seria uma barreira intransponível. Além disso, especula-se a respeito de
um mercado demandante, em ascensão, por leitões desmamados em todo
o Brasil Central, em decorrência da recente instalação de diversos
frigoríficos para abate de suínos, que operam atualmente com capacidade
ociosa16.
16 Além do frigorífico da Rezende Alimentos/Sadia em Uberlândia, dois outros frigoríficos recentemente iniciaram os abates de suínos: Pif-Paf em Patrocínio – MG, e Perdigão, em Rio Verde – GO.
65
Ao considerar o conjunto dos produtores que se enquadram nos
grupos 1 e 2, correspondentes aos produtores empresários e investidores
urbanos, veremos que estes totalizam 83,33% do total dos produtores
integrados entrevistados, o que pode ser assinalado como uma das
principais características do modelo de integração pesquisado. Se
adotarmos a tipologia proposta por GRAZIANO DA SILVA (1999), este
conjunto de produtores integrados agrupa-se na categoria dos grandes
proprietários e capitalistas agrários. Nesse grupo, a orientação dos
investimentos pela taxa de lucro é uma das principais características.
A tabela 21 apresenta os custos totais de implantação de 30 granjas
de produtores integrados de suínos, sendo possível observar valores
monetários expressivos, despendidos, na maioria dos casos, sem apoio
bancário. Os valores investidos na construção de granjas dão a idéia do
poder de mobilização de recursos de alguns setores econômicos da
região, especialmente, os ligados às atividades urbanas.
Conforme ficou demonstrado pelos dados anteriores, na faixa de
classificação de produtores do grupo 3, ou seja, produtores que praticam
exclusivamente atividades rurais, nenhum dos entrevistados tomou
empréstimo bancário para aplicação na suinocultura. Tais produtores
canalizaram recursos de outras atividades, como pecuária e cafeicultura
ou mediante a venda de parte dos seus imóveis. Entretanto, esse fato
pode indicar uma retração da procura por crédito em função de
experiências negativas anteriores. Por outro lado, a concentração dos
créditos bancários nas categorias de investidores urbanos pode ser
indicativa de maior facilidade de articulação desses produtores com o
sistema financeiro, quando se trata de obtenção de recursos de crédito,
ou ainda, de maior disposição para a assunção de riscos, com vistas à
viabilização do investimento.
Pode-se observar que todos os produtores que possuem granjas em
propriedades menores do que 58 ha possuem também outras fontes de
recursos oriundas de atividades nos centros urbanos, expondo a ausência,
no programa de pequenos e mini-produtores (que praticam
66
exclusivamente atividades rurais), diante da carência de recursos
próprios e de linhas de créditos. Mais do que isso, o fato deixa claro que
os produtores familiares não foram incluídos nas linhas de crédito
bancárias destinadas a investimentos em granjas.
Tabela 21 - Total dos investimentos realizados pelos produtores integrados
N.º Investimento total R$
Recursos próprios
R$
Financiamento R$
% de recursos
de financ.
Área da proprieda
de (ha) 01 700.000,00 700.000,00 - 0 500,0002 170.000,00 80.000,00 90.000,00 52,94 96,8003 100.000,00 100.000,00 - 0 48,4004 186.000,00 114.000,00 72.000,00 38,70 114,0005 144.694,36 55.453,15 89.241,21 61,67 48,0006 60.000,00 60.000,00 - 0 96,8007 330.000,00 290.000,00 40.000,00 12,12 1.866,0008 100.000,00 165.000,00 - 0 1.452,0009 145.000,00 145.000,00 - 0 97,0010 1.918.000,00 1.918.000,00 - 0 261,0011 178.000,00 178.000,00 - 0 193,6012 250.000,00 250.000,00 - 0 58,0013 600.000,00 600.000,00 - 0 150,0014 40.000,00 40.000,00 - 0 100,0015 120.000,00 120.000,00 - 0 155,0016 1.800.000,00 180.000,00 1.620.000,00 90,00 480,0017 2.200.000,00 2.200.000,00 - 0 410,0018 350.000,00 350.000,00 - 0 87,1219 147.500,00 90.000,00 57.500,00 38,98 700,0020 100.000,00 100.000,00 - 0 338,0021 234.000,00 234.000,00 - 0 26,0022 220.000,00 154.000,00 66.000,00 30,00 80,0023 180.000,00 75.000,00 105.000,00 58,33 484,0024 160.000,00 96.000,00 64.000,00 40,00 96,9025 350.000,00 350.000,00 - 0 34,0026 230.000,00 230.000,00 - 0 121,0027 450.000,00 180.000,00 270.000,00 60,00 1.200,0028 1.200.000,00 700.000,00 500.000,00 41,66 755,0429 240.000,00 144.000,00 96.000,00 40,00 1.258,4030 2.500.000,00 2.500.000,00 - 0 120,00
TOTAL 15.468.194,35 12.398.453,15 3.069.741,20 24,76 - Fonte: Dados de pesquisa de campo, nov. 2000 a jan. 2001
O Banco do Brasil é a instituição financeira que liberou a maior
proporção dos valores de empréstimo, como mostra a tabela 22. As taxas
de juros oscilaram entre 8,5 % ao ano e 12,0 % mais TJLP. Os prazos de
67
pagamento variaram entre 3 e 8 anos, e os prazos de carência mínimo
foram de 6 meses e máximo de 2 anos.
Tabela 22 - Fonte dos recursos e condições dos empréstimos destinados à aplicação na construção de granjas de suínos. *
N.º
Fonte Recursos Juros anuais Prazo Carência
02 Banco do Brasil 6% + TJLP 8 anos 6 meses04 Banco do Brasi l 8,9% 4 anos 1 ano05 Banco do Brasi l 12% + TJLP 6 anos 1 ano07 Banco Real 10% 4 anos 1 ano16 Banco do Brasi l 8,75% 5 anos 2 anos19 Banco do Brasil 8,75%, 6%+ TJLP 3 e 6anos 6 meses22 Banco do Brasi l 8,75% + TJLP 6 anos 1 ano23 Banco do Brasi l 8,75%; 6%+ TJLP 5 anos 1 ano24 Banco do Brasi l 8,75 5 anos 1 ano27 BNDES 12% 3 anos 1 ano28 BDMG 6% + TJLP 6 anos 1 ano29 Banco Real 8,75% 5 anos 1 ano
Fonte: Dados de pesquisa de campo, nov. 2000 a jan. 2001 *Refere-se apenas aos produtores que recorreram aos f inanciamentos bancár ios.
Apenas 40% dos produtores integrados tomaram empréstimos
bancários para construção das granjas de criação de suínos. Entre os
produtores que contraíram empréstimos, a porcentagem média calculada
dos recursos provenientes de crédito bancário sobre o investimento total
foi de 47,03%. No cômputo geral, a participação percentual dos valores
de crédito liberados pelas agências bancárias para investimentos em
granjas foi de 24,76 %, cabendo aos recursos próprios a maior fração dos
recursos utilizados, evidenciando que a implantação do programa de
integração da Rezende Alimentos dependeu, em grande medida, da
capacidade de investimento dos produtores.
A participação dos produtores no programa de integração é
condicionada pela disponibilidade de capital para a efetivação dos
investimentos. Na verdade, essa escolha é feita fundamentalmente, com
base no nível de capitalização. CLEPS JÚNIOR(1998: 215), chama a
atenção para o aumento da seletividade dos produtores rurais nesse
programa de integração, à medida que ocorre a exclusão “dos pequenos
68
agricultores familiares e seleciona parceiros-produtores, fortemente
capitalizados , constituídos basicamente de grandes empresários.”
As razões da inserção dos agricultores no sistema de produção
integrada tem sido levantadas por diversos autores, não havendo, porém,
consenso sobre essa questão, sobretudo porque os motivos são vários.
TEDESCO (1999:124), pesquisando produtores familiares, ressaltou que,
em geral, “o que está em jogo é a necessidade de reprodução da unidade
familiar e o ethos de colono: o colono luta, diversifica a sua produção
para continuar a ser colono” .
A motivação dos produtores de suínos integrados à Rezende
Alimentos, em princípio, prende-se ainda a outros fatores: atribui-se às
condições de remuneração inicialmente propostas; às possibilidades de
diversificação de atividades nas propriedades rurais mediante a
utilização dos dejetos; à garantia de escoamento dos produtos; à
valorização das propriedades e às potencialidades de crescimento da
suinocultura num contexto nacional a atratividade para o investimento,
que estimulou a participação de empresários urbanos e profissionais
liberais. Nesse caso, a motivação fundamental orienta-se para a obtenção
de lucros e “ fazer crescer o patrimônio”.
A previsão inicial de retorno do capital investido na construção
das granjas, num prazo de 3 anos, e a garantia de 100% de reajuste da
inflação sobre os preços de remuneração dos suínos (com base num
índice composto pela variação de preços da energia elétrica e salário
mínimo) tornava o investimento atrativo do ponto de vista financeiro.
Para isso, contribuiu muito a credibilidade da Granja Rezende, uma
empresa tida como exemplo no contexto regional, até então. Em alguns
casos, a própria empresa participou como avalista frente ao sistema
financeiro na liberação de créditos aos produtores.
Acredita-se que uma maior disponibilidade de capital para
investimentos, por meio de recursos próprios ou linhas de crédito,
especialmente na fase inicial de implantação do programa, teria
estimulado a construção de um maior número de granjas de suínos. A
69
construção dos galpões, nos padrões e dimensões requeridas, demanda
valores monetários freqüentemente elevados, superando, por vezes, os
valores da “terra nua” dos imóveis rurais onde se localizam as granjas.
Um breve exame das principais características da integração
suinícola da Rezende Alimentos/Sadia, necessariamente, inclui a
utilização de mão-de-obra contratada, a predominância de um grau de
escolaridade relativamente elevado entre os produtores, a baixa
participação de recursos de crédito bancário em empreendimentos com
grande aporte de capital, a freqüência elevada de empresários urbanos,
profissionais liberais e capitalistas agrários, os quais conduzem seus
negócios seguindo princípios de administração empresarial.
70
3. TRANSFORMAÇÕES NAS RELAÇÕES AGROINDÚSTRIA-
PRODUTORES RURAIS
3.1. Redes organizacionais e contratualização na agricultura
O estudo da contratualização na agricultura, vista como tendência
atual, oferece a possibilidade de crescimento na compreensão da
moderna agricultura capitalista, não só de seus aspectos técnicos,
organizacionais e mercadológicos, como também dos desajustes e
contradições que se manifestam no meio rural e que se expandem para o
conjunto da sociedade.
A agricultura contratualizada teve seu início em países capitalistas
avançados na avicultura e suinocultura, estando, porém, restrita à
produção de alguns gêneros como carnes, legumes, leite e frutas.
O processo de reorganização das cadeias agroalimentares tem
conduzido a discussões e contestações a respeito dos modelos
explicativos “complexo” e “cadeia”, tidos por alguns como
demasiadamente estáticos. Para captação da dinâmica atual de
organização da produção alimentar e sua articulação com o mercado, a
noção de “rede” tem sido vista como mais adequada por incorporar
também o conceito de flexíbilidade (MALUF e WILKINSON, 1999).
Segundo WILKINSON (1999:42), um sistema alimentar orientado
para a demanda “está em vias de ser implantado, e seu perfil vai
depender muito mais dos padrões de consenso do consumidor do que
imposições por parte das estruturas rígidas da oferta” . Para esse autor,
71
a forma mais atual de conecção da agricultura com os outros setores da
economia diz respeito às configurações em rede. Nessa nova
configuração, um maior poder de coordenação, provavelmente, será
atribuído à grande distribuição. Os dados apresentados por MALUF
(1999:64-65) demonstram, porém, o poder que as empresas líderes
industriais ainda detêm na determinação de preços, ao lado da grande
distribuição.
Para FERREIRA (1993), há uma tendência para o desenvolvimento
de articulações contratualizadas entre agricultura e indústria, devido às
condições atuais do mercado alimentar internacional, em que: “Le
développement d’une économie contractuelle répondrait à de nouveaux
paramètres productifs marqués par la flexibilité et par l’interaction
adaptative, ou ‘solidarité’, entre les di fférents acteurs de la
production”. 17(FERREIRA, 1993:159).
A emergência de um novo formato organizacional, nos anos 80,
“compatibilizou grandes escalas com a possibilidade de diferenciar e
sofisticar produtos”, com base na cooperação. “Dentro das unidades
fabris, a cooperação com e entre a força de trabalho” materializou-se
“em uma nova atitude gerencial” e entre empresas, pela “formação de
sistemas de cooperação entre fornecedores e produtores, entre
produtores-usuários-consumidores e até entre empresas rivais em torno
de projetos pré-comerciais de desenvolvimento tecnológico”
(COUTINHO e FERRAZ, 1995:185).
As redes configuram-se com base em estruturas organizacionais
sinérgicas, comandadas pela indústria ou pelo setor de distribuição, que
articulam relações interempresariais sob a ótica da flexibilidade, da
demanda volátil , da terceirização de serviços etc., “formando uma
complexa rede de relações contratuais que objetivam maximizar fatores
de produção, competitividade, reduzir custos, produzir e dinamizar
nichos de mercados e organizar-se oligopólica e oligopsonicamente”
17 Segundo a autora: “O desenvolvimento de uma economia contratualizada responderá por novos parâmetros marcados pela flexibilidade e pela interação adaptativa ou ‘solidariedade’, entre os diferentes atores da produção”.
72
(TEDESCO, 1999:118). Por meio da contratualização, a produção rural
acopla-se à rede, cujo carro-chefe é a agroindústria, que determina o
ritmo do processo de adoção de inovações, o plano de ações e as
condições de remuneração dos produtores integrados.
Para SORJ et al. (1982:64), o elemento básico para a explicação da
formação da agricultura de integração, seja contratual ou não, está nas
condições macrossociais e históricas, de onde emanam as condições
concretas e imediatas para as diferentes estratégias e arranjos entre
integradoras e integrados. Desta forma: “Frente às condições técnicas à
disposição do capital e às condições naturais da produção agropecuária,
o capital integrador possui uma gama de alternativas estratégicas,
dependentes do contexto de uma dada estrutura social no campo”.
As agroindústrias optam pelo processo de integração como maneira
de obter matéria-prima a um custo menor do que a produção própria, em
que há investimentos em terras, instalações, máquinas, além dos custos
de administração e de mão-de-obra. Por este meio, tais empresas obtêm
as matérias-primas em quantidade, qualidade e tempo adequado ao ritmo
do processo produtivo, possibilitando a adaptação às condições instáveis
de mercado (FERREIRA, 1993). Segundo essa autora, os agricultores
decidem pela integração motivados pela garantia de escoamento do
produto, produção ininterrupta, maior facilidade de acesso ao crédito e
incorporação mais rápida de inovações tecnológicas. Acredita-se que
uma das principais vantagens oferecidas aos agricultores pela
contratualização está na redução de risco, tanto em nível de preço como
em nível de escoamento da produção, além de implicar uma maior
facilidade de acesso ao crédito.
3.2. As abordagens sobre o relacionamento agricultura-indústria
Algumas abordagens sobre o setor de produção agrícola, a exemplo
do agribusiness, que consideram a cadeia produtiva como um todo, sem
73
levar em conta os diversos segmentos (produtores, indústria e comércio),
contribuem pouco para o estudo das relações entre indústria e
produtores, uma vez que não distingue os interesses dos diversos agentes
e terminam por defender os interesses dos setores comerciais e
industriais.
Diversos autores dedicam-se ao estudo do surgimento e
desenvolvimento da indústria de carnes no Brasil , utilizando, para isso, a
noção de “Complexo Agroindustrial”, entendido não somente como etapa
e via do processo de modernização da agricultura, mas também como
instrumental de análise.
Para MÜLLER (1989), o “Complexo Agroindustrial” – CAI - pode
ser definido como o conjunto de segmentos da economia nacional, cuja
dinâmica liga-se às atividades agrárias, constituindo-se numa unidade de
análise. Tal unidade de análise leva em conta os três segmentos que
compõem o “Complexo Agroindustrial” na explicação dos processos
econômicos, sociais e políticos envolvidos nessa temática. Nesse
enfoque, os problemas agrários são identificados e analisados com base
nas relações sociais. Assim, as relações econômicas são definidas a
partir do embate das forças sociais e políticas. O trecho seguinte, tomado
a MÜLLER (1989:134), esclarece bem esta observação:
“.. . assim como o preço de uma mercadoria é a expressão monetária da força dos grupos em concorrência, assim também o são, os lucros e superlucros obtidos sob a moderna base industrial. Mudanças nestas expressões monetárias das relações sociais só são possíveis com alterações no campo das forças sociais. Desta feita, os aspectos negativos da modernização caberiam ser buscados não tanto em fatores exógenos mas sobretudo na incapacidade de se criar um novo campo de confronto entre os grupos sociais no país”.
As transformações ocorridas na agricultura também são analisadas
por GRAZIANO DA SILVA (1996:1) e entendidas como resultantes do
aprofundamento da divisão social do trabalho, fato que provocou a
74
destruição da economia natural, criando as bases para o desenvolvimento
do modo capitalista de produção:
“O processo fundamental da criação do mercado interno é a divisão social do trabalho. Apoia-se em que da agricultura se separam, um após outro, diferentes tipos de transformação das matérias-primas e formam-se ramos industriais com existência própria, que trocam seus produtos por produtos da agricultura. Dessa maneira, a própria agricultura se transforma em indústria e nela se opera idêntico processo de especialização”.
Na concepção desse autor, porém, a industrialização da agricultura
não representa apenas mudanças nas relações do homem com a natureza,
mas também nas relações de produção e com seus instrumentos de
trabalho (GRAZIANO DA SILVA, 1996).
A partir da internalização das indústrias químicas e mecânicas,
fabricantes de insumos e máquinas agrícolas no país, torna-se possível
aprofundar o processo de modernização com a industrialização da
agricultura. “Assim, a própria agricultura se transforma e no seu
interior se opera idêntico processo de especialização”. O
estabelecimento de relações específicas da agricultura “para trás”, com
tais indústrias, e “adiante”, com as agroindústrias processadoras,
determina a constituição dos vários Complexos Agroindustriais nos anos
70. “Tem-se assim o CAI carnes, o CAI sucro-alcooleiro, o CAI laranja,
etc”. (GRAZIANO DA SILVA, 1996:86-87).
Para Ângela Kageyama, a constituição dos Complexos
Agroindustriais concretiza-se por duas vias, a partir da industrialização
da agricultura: 1) com a implantação no país de um parque industrial
destinado a processar a produção agrícola (à jusante), e, 2), pela
internalização no país de um setor industrial responsável pelo
fornecimento de bens de produção e insumos para a agricultura (à
montante). A ação do Estado é fundamental nesse processo, não só como
gestor da modernização, como também por fornecer um aparato de
crédito (Sistema Nacional de Crédito Rural) e de pesquisa agropecuária
oficial, especialmente mediante a criação da EMBRAPA. Para essa
75
autora, a consolidação dos Complexos Agroindustriais concretizou-se por
meio do processo de fusão/integração de capitais intersetoriais pelo
capital financeiro. “A partir da constituição dos CAIs o desenvolvimento
da agricultura passa a depender da dinâmica da indústria.. .”
(KAGEYAMA, 1990:125).
Apesar de admitir que o “Complexo Agroindustrial” seja útil como
ferramenta de estudo, SALLES FILHO e SILVEIRA (1991) consideram
que a liberdade conceitual dificulta sua aplicação. O caráter ambíguo da
noção de CAI fica evidenciado pela sua utilização tanto nos estudos
setoriais da agricultura, aplicáveis na melhoria do desempenho de
empresas industriais e comerciais, como também nas análises críticas de
cunho marxista. Segundo esses autores, o CAI é um conceito de
aplicação restrita, em razão das características específicas devidas à
variedade de produtos. Não há como afirmar a formação de um complexo
em torno de produtos como tomate-mesa, arroz, feijão, frutas etc.
Para MIRANDA COSTA e MAZZALI (1995), a noção de
Complexo Agroindustrial é colocada em xeque como aparato conceitual
para apreensão da dinâmica do setor, a partir do final dos anos 80, uma
vez que os elementos básicos que lhe deram sustentação – um padrão de
desenvolvimento tecnológico, um estilo de inserção da agricultura no
mercado internacional e um determinado perfil de intervenção do Estado
– sofreram profundas alterações.
A aplicação do conceito de Complexo Agroindustrial contribui
pouco para o estudo das relações entre produtores e agroindústria,
porquanto pressupõe uma aliança entre o capital industrial e os
produtores. É verdade que não ocorre contratualização sem que haja
concordância entre as partes, pelo menos em alguns pontos essenciais, e
até mesmo solidariedade entre os elos da cadeia produtiva, porém não há
como negar a constante tensão entre produtores e indústria em torno dos
preços de remuneração e do plano de ações. A utilização do “Complexo
Agroindustrial” no estudo dessas relações, em geral, retira da agricultura
a centralidade como foco de análise, desviando-a para o setor industrial .
76
Numa corrente de interpretação da modernização da agricultura,
divergente da acima apresentada, GOODMAN et al. (1990) rejeitam tanto
as abordagens teóricas e ideológicas advindas do marxismo clássico, das
quais se deriva a tese do “Complexo Agroindustrial”, como as
contribuições da economia neoclássica. Nessa abordagem, a chave para
compreender o caráter único da agricultura reside no fato de que esta
confronta o capitalismo com um processo de produção diretamente
dependente da natureza e dos sistemas biológicos. Como resultado, a
agricultura não poderia ser diretamente transformada num ramo da
produção industrial.
As principais limitações são “representadas pela natureza
enquanto conversão biológica de energia, enquanto tempo biológico no
crescimento das plantas e na gestação animal, e enquanto espaço nas
atividades rurais baseadas na terra” (GOODMAN et al. , 1990:1), as
quais estão na raiz da intratabilidade e da incompatibilidade da
agricultura para com os processos de produção capitalistas.
Diante da impossibilidade de transformação da agricultura
diretamente num ramo da produção industrial, setores capitalistas
industriais, apoiados pelo Estado, esforçam-se por incorporar aspectos
típicos da produção agrícola, transformando-os em setores específicos da
atividade industrial. Segundo o raciocínio de GOODMAN et al. (1990:5-
6):
“Os capitais industriais têm-se restringido a apropriações parciais do processo de trabalho rural, conduzindo em diferentes conjunturas históricas à mecanização da agricultura e a inovações químicas e genéticas (. . .) À medida em que certos elementos do processo de produção rural tornam-se suscetíveis de reprodução industrial, eles são apropriados pelos capitais industriais e reincorporados na agricultura como insumos ou meios de produção. O desenvolvimento capitalista da agricultura é assim caracterizado pela apropriação industrial de atividades discretas, em marcante contraste com a transformação da produção artesanal doméstica e rural. A produção capitalista no caso da agricultura localiza-se na cidade, não no campo”.
77
O desenvolvimento capitalista da agricultura, na interpretação de
GOODMAN et al. (1990:06), relaciona-se ao “movimento competitivo
dos capitais industriais a fim de criar setores de acumulação através da
reestruturação do processo recebido de produção rural pré-industrial”.
Diversas atividades relacionadas com a produção e o processamento, que,
em conjunturas passadas, eram encaradas como elementos integrais do
processo de produção rural, foram gradativamente apropriadas e
substituídas por atividades industriais. Tal desenvolvimento deu-se a
partir da apropriação das atividades relacionadas com a produção rural:
“É precisamente nesta fase, nos setores industriais constituídos por
estas apropriações, que atividades previamente ‘rurais’ são
subordinadas ao capital, removendo as barreiras à acumulação”.
A apropriação desses setores específicos da produção rural pelo
capital industrial foi motivada pela necessidade intrínseca ao próprio
capitalismo, de estabelecimento de novos setores de acumulação. As
estratégias industriais de apropriação e a consolidação de grandes
capitais oligopolísticos no processamento e distribuição de alimentos
revolucionaram a agricultura nos últimos 50 anos. Houve um processo de
integração de capitais industrial, comercial e financeiro, concomitante à
diminuição da significância da produção agrícola nos sistemas de
alimentos e fibras (GOODMAN et al . , 1990), trazendo como
conseqüências sociais a diminuição da renda agrícola, concentração
fundiária, êxodo rural etc.
A agricultura assume, por essa ótica, um caráter residual,
l imitando-se à fração que resistiu à transformação em processos
industriais. A dinâmica das estruturas sociais é determinada pelo grau de
apropriação e substituição dos processos naturais de produção. “As
relações sociais rurais, mesmo reproduzidas pelo capitalismo, são
permanentemente erodidas e reconstituídas à medida em que a
tecnologia reproduz a natureza em um quadro industrial” (GOODMAN
et al. , 1990:137). Assim, as relações sociais são vistas como efeito, ao
invés de causa, como nas análises do “Complexo Agroindustrial”.
78
Desta forma, o setor de produção agrícola não segue exatamente as
mesmas regras dos outros setores da economia, o que significa dizer que
esse setor não está perfeitamente enquadrado no capitalismo. “A
agricultura confronta o capitalismo com um processo de produção
natural” (GOODMAN et al. , 1990:01), incompatível com a produção
capitalista. O fato de que a propriedade da terra e dos meios de produção
agrícola pertence aos agricultores, cria a ilusão contrária. A estrutura de
comercialização dos produtos agrícolas, baseada na livre negociação,
também favorece a crença na falsa idéia de que a agricultura é apenas
mais um setor da economia. Proliferam, no meio rural, os agricultores
que também se dedicam a atividades comerciais: negociantes de gado,
cereais, verduras etc. Sem dúvida, a lógica econômica dominante está
presente na vida dos agricultores, porém a atividade de produção a que
se dedicam é aversa a essa lógica, visto que se fundamenta em processos
biológicos/naturais incompatíveis com o mercado.
3.3. Integração, eficiência produtiva e conflitos de interesses
A produção agropecuária, integrando indústria e produtores, vem
sendo adotada há vários anos em países capitalistas desenvolvidos. No
Brasil, há exemplos de programas de integração implantados na Região
Sul desde a década de 1960, com desdobramentos para o Centro-Oeste e
Sudeste, concomitantes ao rápido crescimento da indústria de carnes,
especialmente, de aves e suínos. Para ESPÍNDOLA (1999:104):
“a adoção do sistema de integração faz parte do projeto modernizante da agricultura brasileira, com o objetivo explícito do aumento da produção e da produtividade agrícola; do estabelecimento de novas relações de produção e da dissolução da estrutura produtiva rural auto-suficiente, mediante a utilização de métodos, técnicas, equipamentos e insumos modernos.. .”
79
Diversos autores têm se preocupado em estudar e caracterizar o
relacionamento dos produtores com a agroindústria, particularmente, no
que diz respeito a projetos instalados no sul do Brasil. DELGADO
(1985) denomina de produtores associados aos fornecedores da grande
agroindústria nos ramos de avicultura, fumicultura, vitivinicultura,
suinocultura, fruticultura e outros, incluindo-os no grupo dos pequenos
produtores tecnificados. Esse autor argumenta que as agroindústrias
expropriam dos produtores parte da renda da terra e dos lucros, mediante
a imposição de condições de monopólio na determinação de preços
industriais, que terminam por deteriorar os termos de troca da
agricultura, e observa que o grau de autonomia formal desse grupo de
produtores é ainda menor que o dos cooperados , pois àqueles não resta
nenhuma possibilidade de participar da estratégia de crescimento da
empresa ou do grupo econômico a que se ligam como fornecedores.
Os autores que se dedicam a essa questão têm caracterizado a
produção integrada no sul do Brasil como sendo uma atividade típica de
pequenos produtores, os quais util izam mão-de-obra familiar, e cuja
decisão de ligar-se às agroindústrias justifica-se meramente pelas
necessidades de sobrevivência, diante de uma conjuntura econômica
desfavorável à pequena produção. Tal condição, ao mesmo tempo em que
lhes garante a regularidade de escoamento de produção, mostra-se
freqüentemente desfavorável a esses pequenos produtores.
De acordo com PAULILO (1990), produzir para uma empresa não
foi a única modificação na vida de seus entrevistados nas últimas três
décadas. Eles passaram a tomar emprestado sistematicamente dinheiro do
sistema financeiro, a usar insumos modernos e a trabalhar com máquinas.
Produzir individualmente, numa situação em que os insumos e os
produtos circulam no mercado internacional, é quase impossível para
pequenos proprietários. É por isso que por mais crítico que o produtor
seja com relação às agroindústrias, ele nunca propõe o desaparecimento
da produção integrada, mas o aumento do poder de barganha dos
fornecedores de matéria-prima.
80
Para SORJ et al. (1982), o ramo da produção avícola é a atividade
na qual os contratos de integração da agroindústria com os produtores
ocorrem de maneira mais formalizada, com a subordinação dos últimos
às condições de regulação das margens de lucro por parte da indústria.
Numa outra análise, MATOS (1996), comparando sistemas de integração
em duas regiões, com produtores integrados à Sadia, Perdigão, CEVAL e
COOAGRI relata que essas empresas vêm difundindo entre os seus
parceiros a idéia da diversificação da atividade produtiva na propriedade,
a fim de que a renda do produtor rural não se restrinja unicamente àquela
obtida com a avicultura, que, embora tenha se constituído em uma
alternativa ao desemprego e sub-emprego urbanos, evitando sua saída da
propriedade, é uma atividade suficiente apenas para a sobrevivência
familiar, principalmente, durante o período de amortização da dívida do
financiamento. Esse autor concluiu ser muito arriscada e não muito
compensadora a atividade de criação, o que corrobora a decisão das
agroindústrias pela integração, e ainda detectou indícios de que os
produtores estavam sendo remunerados apenas pelo custo de mão-de-obra
e de que algumas atividades não necessariamente integradas subsidiariam
aquelas dedicadas à integração.
Para SORJ et al. (1982), existe uma tensão básica na relação entre
produtores, agroindústrias e as empresas de distribuição, pois quanto
menor o preço pago aos produtores, maiores serão os lucros das empresas
e a sua competitividade no mercado.
Se podemos falar de uma submissão da produção integrada ao
capital industrial, esta se dá pelo estabelecimento de um mercado
monopsônico. Neste caso específico, os produtos sequer pertencem aos
produtores e não podem ser livremente comercializados. Isolados do
mercado real, os produtores comportam-se como prestadores de serviços,
seguindo as determinações do plano de ações da empresa integradora.
Nas relações contratuais, a solidariedade econômica é paralela às
relações de conflito, negociação e dominação e traduzem-se por
diferentes estratégias de confrontação e/ou de acomodação, segundo
81
FERREIRA (1993). Nesse contexto, no confronto com as agroindústrias e
as grandes redes de distribuição, as desvantagens recaem em maior
número sobre os produtores, traduzindo-se em diminuição da capacidade
de gestão do empreendimento, riscos de rescisões contratuais, além do
fato de que a contratualização não implica necessariamente a melhoria
das condições sócio-econômicas. Porém, para eles, a possibilidade de
interferência sobre o sistema, em princípio, não é fechada, podendo
constituir grupos de negociação e de pressão e, assim, provocar
alterações nos preços de produtos e mesmo nas cláusulas contratuais.
No estados do sul do Brasil, a partir da década de 1980, verificou-
se uma intensificação do processo de integração, observando-se, no
plano das agroindústrias, o aumento no volume de matérias-primas
processadas e na escala de produção relativamente a um menor número
de produtores. Essa modernização, porém, implicou um intenso processo
de concentração da produção e exclusão dos pequenos suinocultores, ao
provocar a transformação de pequenas criações extensivas em sistemas
de criação intensiva e confinada (TAKITANE e SOUZA, 2000).
Esse fenômeno tem sido observado no Estado de Santa Catarina,
pelo acompanhamento da evolução do rebanho e da redução no número
de suinocultores, como mostra a tabela 23.
A análise da tabela 23, além de evidenciar o crescimento do
rebanho e a evolução dos índices de produção, em razão da adoção de
modernas práticas tecnológicas, também mostra que os interesses da
indústria nem sempre são compartilhados pelos produtores. Em 11 anos,
55% dos produtores foram excluídos do processo de produção, enquanto
o rebanho aumentou em 86,6%. Ao mesmo tempo, houve elevado
incremento de produtividade, paralelo à melhoria dos índices
zootécnicos.
Porém, as causas dessa concentração não podem ser creditadas
apenas ao regime de integração, quando se sabe que este é um fenômeno
que vem ocorrendo também entre os produtores independentes. Contudo,
a reflexão em torno de alguns pontos pode evidenciar o conflito de
82
interesses entre indústria e produtores integrados, ainda que
modernizados.
Tabela 23 - Evolução do rebanho suíno catarinense e variação no contingente de produtores-1985/1996. Parâmetros 1985 1996Rebanho (cabeças) 1.815.000 3.388.000Número de produtores 54.176 24.382Suínos produzidos 2.324.740 6.515.000N.º de matrizes 213.807 330.860Nascidos/matriz/ano 13,10 21,30Terminados/matriz 10,90 19,70Mortalidade % 10,00 6,40Taxa de abate % 128 192
Fonte: INSTITUTO de PLANEJAMENTO e ECONOMIA AGRÍCOLA DE SANTA CATARINA – ICEPA - (2000)
As posições de VELOSO (1998), ao discutir o suprimento de
matéria-prima industrial, demonstram que a integração é uma das
principais estratégias adotadas pelas agroindústrias com vistas ao
aumento da competitividade, ao afirmar que:
“As grandes empresas do setor (carnes), ( . . .) consolidaram-se como líderes no mercado por meio de estratégias como integração vertical, diversificação horizontal, ou seja, outros ramos de atividade, e desenvolvimento de novas tecnologias de manejo, de controle sanitário, etc. Esse sistema de integração gerou economia de recursos às primeiras empresas que o adotaram, mediante processo de aquisições e aumento de escala. Em poucos anos, essas empresas suplantaram as demais que atuavam como organização independente”. (VELOSO, 1998:43).
Adiante, o mesmo autor conclui que:
“é fundamental que se estabeleçam incentivos à produção da carcaça de suínos dentro de um raio de ação dos frigoríficos, e que haja uma aproximação da indústria de abate e processamento e o produtor, mediante o estabelecimento de contratos tipo integração, de forma que estes possibilitem a redução do custo de produção”. (VELOSO, 1998:67-68).
83
Para FARINA e ZYLBERSZTAYN (1998), a competitividade dos
sistemas agroindustriais resulta das relações entre ambiente competitivo,
estratégias empresariais adotadas e estruturas de governança, em que o
ambiente competitivo é constituído pela estrutura do mercado
(concentração, economias de escala, grau de diferenciação dos produtos,
barreiras técnicas de entrada e saída); pelos padrões de concorrência
vigentes; pelas características do consumidor/cliente; e pelo ciclo de
vida da indústria.
Para esses autores, a coordenação é uma característica que deve
ser construída pelos agentes econômicos, fazendo uso de mecanismos
apropriados com a finalidade de reduzir os custos de transação18. Tais
mecanismos são denominados de “estruturas de governança”, entre os
quais se enquadram os contratos de suprimentos regular, contratos de
longo prazo com cláusulas de monitoramento, integração vertical etc.
Parece evidente que, para as agroindústrias, a verticalização
mantém-se como estratégia de inserção competitiva no mercado, embora,
durante o processo de reestruturação, algumas alterações tenham sido
requeridas, como forma de adequação à nova conjuntura econômica.
A necessidade de reunir esforços no sentido de ampliar a relação
entre indústria e produtores, objetivando competitividade, estabilidade e
planejamento, é destacada pelo relatório FIEMG/PROJETO CRESCE
MINAS (2000), mesmo admitindo que a indústria processadora, como
regra, controla a produção e limita a atuação no mercado e os lucros do
suinocultor. Neste caso, o argumento presente é de que a flexibilização
dos modelos de integração é fundamental para a sobrevivência
competitiva das indústrias e para o crescimento da produção suína,
apontando como caminho o estabelecimento e a ampliação de relações
“ganha-ganha” entre os dois segmentos. Por essa ótica, o centro da
questão não é o avanço ou não da integração produtor-indústria, mas
18 Segundo FARINA E ZYLBERSZTAYN (1998:28), os custos de transação podem ser definidos como os custos de: elaboração e negociação de contratos, mensuração e fiscalização de direitos de propriedade, monitoramento do desempenho, organização de atividades e problemas de adaptação.
84
qual o tipo de integração será o mais adequado para a estruturação da
cadeia produtiva.
Entretanto, entre os produtores, a concepção de que a integração se
constitua na melhor forma de relacionamento com a indústria ou de que
seja uma etapa fundamental para o desenvolvimento da suinocultura não
é um ponto de consenso. Se admitirmos os benefícios gerados pelo
sistema de integração, em contrapartida haveremos de considerar as
evidências de que apenas uma parte dos produtores integrados desfrutam
dessas vantagens. Para a outra parcela dos produtores, a relação com a
integradora é do tipo “perde-ganha”. Diante disso, torna-se necessário
distinguir os interesses dos produtores, separando-os dos interesses dos
setores industriais.
Se, de um lado, a adoção de sistemas de integração pode tornar as
indústrias mais competitivas, de outro, no setor de criação, existem
evidências de redução da eficiência (econômica e tecnológica) dos
sistemas de produção sob integração. A eficiência do sistema de
integração tem sido questionada, especialmente, por grandes produtores
independentes, ao comparar os dados das empresas integradoras com os
custos de produção por kg de suíno em suas granjas de ciclo completo.
Os grandes produtores de suínos, em geral, produzem os grãos
necessários à fabricação das rações utilizadas, ou os compram a bons
preços. Em tais condições, a ração é produzida dentro das propriedades,
dispensando-se gastos com transporte de rações. Dispensam-se também
os custos de transporte de animais antes do ponto de abate, lembrando-se
que, no regime de integração, a cada mudança de fase de criação, os
animais são transportados para outras granjas. Em razão desses motivos,
sustenta-se que, na verdade, o custo de produção dos suínos é menor nas
grandes granjas de produtores independentes e não no sistema de
integração.
Sob regime de integração, os produtores não têm autonomia para
solucionar problemas com relação a atrasos na entrega de rações,
doenças, genética inadequada etc, impossibilitando-os de tomar decisões
85
que poderiam resultar em ganhos localizados. A eficiência de um sistema
de integração é determinada pelo funcionamento conjunto e sincronizado
de diversos setores atrelados à produção. A quebra de uma simples
engrenagem na fábrica de rações, assim como uma falha no setor de
transportes ou um foco de infecções em uma granja de matrizes podem
interferir na produtividade de todo o sistema. Sob esse aspecto, a
integração funciona como um sistema rígido, “engessado”.
A comparação dos índices zootécnicos dos rebanhos suínos, pode-
nos oferecer outros parâmetros de análise. Os dados expressos na tabela
24, comparando médias de rebanhos, embora restritos apenas à fase de
cria, indicam a maior eficiência produtiva dos rebanhos de criadores
independentes associados à ASTAP19 em relação ao rebanho de
integração da Rezende Alimentos.
Tabela 24 - Comparação dos índices zootécnicos – Rebanho Rezende e produtores independentes associados à ASTAP
Índice
Produtores independentes ASTAP
Rezende Alimentos
Leitões nascidos vivos/porca 11,2 10,0Leitões desmamados/porca 9,6 9,1Leitões desmamados/porca/ano 22,57 22,3
Fonte: FIEMG/PROJETO CRESCE MINAS (2000) REZENDE ALIMENTOS/SADIA (2000)
Para muitos produtores independentes as empresas integradoras
tornam público um custo de produção abaixo do real, com a intenção de
provocar um constante rebaixamento do preço no mercado. Procedendo
desta forma, tais empresas não correm o risco de que seja solicitada a
elas a elevação dos preços de remuneração para os integrados, já que, na
fórmula de cálculo, é pouco relevante o preço de mercado.
Conforme a interpretação desses produtores, o sistema de
integração “provoca um constante rebaixamento de preços dos suínos no
19 ASTAP – Associação dos Suinocultores do Triângulo e Alto Paranaíba
86
mercado”, sendo por isso considerado nocivo ao setor de produção de
suínos.
Além disso, como o suprimento industrial de matérias-primas não
está restrito à produção integrada, as agroindústrias recorrem ao mercado
para efetuar compras de suínos, quando os preços se tornam
interessantes. Em nossas entrevistas, pudemos contatar produtores de
suínos independentes que já realizaram vendas de animais para a
Rezende Alimentos.
Um outro ponto importante diz respeito às evidências de
apropriação de parte da renda devida aos produtores integrados pela
integradora. Para VELOSO (1998:4), o estabelecimento de contratos de
integração é uma das formas de aumentar a eficiência econômica das
empresas, “evitando-se custos associados ao mecanismo de preços de
mercado e permitindo à própria firma apropriar-se de ganhos que, de
outra forma, seriam auferidos por outros intermediários”. Por meio da
integração, a matéria-prima chega às integradoras por um custo abaixo
do mercado.
Num trabalho a respeito da indústria de frangos no Brasil, RIZZI
encontrou fortes evidências de que:
“. . .a competitividade da indústria nacional e em particular da indústria de frangos (. . .) foi fortemente apoiada pela existência de recursos naturais (. . .) e principalmente, pela baixa remuneração da força de trabalho, tanto a utilizada nos processos produtivos das firmas como o trabalhador rural integrado.” (RIZZI, 1993: 153).
Em resumo, o que se argumenta é que, se a matéria-prima chega
até à agroindústria integradora por um preço menor do que o de mercado,
tal não ocorre em função da maior eficiência do sistema de integração,
mas sim em razão da baixa remuneração paga aos produtores integrados.
87
3.4. Resistência e subordinação dos produtores aos interesses
industriais
A partir de 1996, quando a Rezende Alimentos iniciou o programa
de integração de suínos, diversos produtores passaram a concentrar
investimentos na construção de granjas. Além dos investimentos
necessários, formaliza-se a adesão dos produtores pela assinatura de um
contrato, o que, em linguagem jurídica, é denominado de “contrato de
adesão”.
O conteúdo dos contratos consta basicamente da garantia de
exclusividade da produção para a empresa integradora, obrigações dos
produtores quanto ao manejo e alimentação dos animais, procedimento
de cálculo das remunerações e as obrigações da integradora quanto às
condições de pagamento. O contrato tem prazo de validade
indeterminado, podendo ser rescindido num prazo mínimo de 90 dias,
desde que a outra parte seja comunicada com antecedência. De outra
forma, o não cumprimento das obrigações estipuladas no contrato dá à
outra parte o direito de rescisão.
Diversos produtores revelaram nas entrevistas que os orçamentos
apresentados pela Rezende Alimentos foram amplamente superados pelos
custos reais de construção dos galpões, observando que, em tais
orçamentos, não eram previstos custos de implantação de infra-estrutura
de energia elétrica, poços artesianos, terraplenagem, lagoas de
decantação etc, expondo o fato de que a “maquiagem” do orçamento faz
parte da estratégia de atração de produtores para o programa. “O projeto
é apenas para o produtor entrar . . .”, como relatou um produtor.
Os pontos acordados em contrato vêm sendo, gradativamente,
modificados, por meio de alterações impostas pela Rezende Alimentos
aos produtores, apesar da discordância e resistência de alguns, ainda que
de forma isolada. Durante o ano de 1997, foi apresentada aos produtores
uma alteração contratual, que propunha a redução do índice de correção
88
do preço de remuneração dos suínos, passando de 100% da inflação
calculada, para 62%. A maioria dos produtores integrados concordou
com a alteração, porém, mesmo os que se negaram a assinar o novo
contrato tiveram a fração de correção diminuída. Além disso, a
discordância com a alteração criou um impasse entre os produtores
reticentes e a indústria, que passou a pressioná-los e ameaçá-los de
rescisão contratual.
Simultaneamente, uma crise interna, motivada pelo controle
acionário da empresa, impossibilitou a rolagem de débitos frente a
instituições financeiras, ocasionando atrasos nos pagamentos das
participações dos produtores, o que gerou um clima de instabilidade e
insegurança quanto à continuidade do programa de integração. A criação
da Associação dos Suinocultores do Triângulo - AST-, no final de 1999,
objetivava unir os produtores e discutir idéias propostas que
contribuíssem para a solução do problema.
A crise interna na direção da Rezende Alimentos culminou com a
transferência de 90% de seus ativos para o Grupo Sadia, no final de
1999. A nova direção da empresa, além de não cumprir o cronograma de
reajustes dos preços pagos, procurou reduzir os preços anteriormente
fixados, estabelecendo alterações radicais nos itens contratuais
previamente estabelecidos. Essas determinações dadas pela nova empresa
encontraram uma forte resistência, ao confrontar diretamente os
interesses dos produtores, já organizados por intermédio da AST, em
torno de alguns objetivos comuns, dando origem a um embate de forças
em torno da mesa de negociações.
A solução do impasse, mediante uma via negociada, desenrolou-se
de forma lenta, malgrado a experiência e a habilidade dos dirigentes da
empresa, face à resistência apresentada pelo grupo de produtores.
Apesar disso, diante do impasse gerado em torno dos preços de
remuneração, os produtores cederam às pressões da empresa. As
estratégias de negociação planejadas pela AST foram desarticuladas pelo
não reconhecimento de sua legitimidade por parte da empresa
89
integradora, que insistia em fazer as negociações separadamente com
cada produtor. Aliás, o grupo Sadia mantém uma tradição de se negar a
negociar com grupos de produtores. Mesmo nas integrações localizadas
no sul do Brasil , as negociações são sempre feitas “caso a caso”,
conforme relato de um ex-funcionário da empresa.
O fracionamento do grupo de produtores, de acordo com a fase de
criação (matrizes, creche e terminação) - característico do modelo da
Rezende Alimentos - concorreu também de forma negativa para com os
interesses dos produtores. Criou-se um ambiente de discussão entre os
produtores, em que cada sub-grupo esforçava-se em garantir para si uma
redução menor, o que claramente desmobilizou o grupo. Enquanto isso,
os negociadores da empresa integradora cuidavam em estimular a
rivalidade, usando a estratégia de “dividir para governar”.
A capacidade apresentada pelos produtores de oferecer resistência
por meio da negociação, sem dúvida, reside em suas características
próprias, como a experiência comercial e a relativa independência
financeira conquistada mediante atividades empresariais em outros
setores. Essa resistência, porém, manifestou-se de forma individualizada
e dispersa, impossibilitando a continuidade da resistência conjunta.
Ao final das negociações, o preço médio de remuneração dos
leitões egressos das granjas de matrizes foi reduzido em 6,5%, enquanto
que o preço médio dos leitões de creche foi reduzido em 22,0%. Para os
suínos terminados, manteve-se o preço básico de remuneração, porém, o
período de permanência dos animais nas granjas foi prolongado,
significando redução do número de lotes de animais retirados por ano,
ainda que com a manutenção dos valores recebidos por lote. Com isso,
observou-se a sujeição dos interesses dos produtores às determinações da
empresa, malgrado as potencialidades de uma negociação favorável aos
primeiros por meio da AST.
Apesar da garantia oferecida pela integradora de recepção da
produção e da assistência técnica, muitos produtores mostram-se
insatisfeitos com a remuneração recebida. Acredita-se que essa
90
insatisfação constitua-se hoje na principal causa de desestímulo para
novos investimentos por parte dos produtores.
Entretanto, para os produtores mais otimistas, a variação na
remuneração dos suínos não foi tão expressiva quando se compara o
ganho atual por animal com o valor inicialmente proposto pela empresa.
As perdas no valor de remuneração vêm sendo sentidas de forma
gradativa, pela redução do valor recebido por animal e pelo
prolongamento do tempo de permanência dos lotes nas granjas de
terminação. Assim afirmou um produtor durante uma entrevista: “o
negócio já foi melhor, mas ainda é bom quando comparado à pecuária
de leite, lavouras etc.. .”
Conforme constatou MATOS (1996), em seu estudo comparativo
de alguns programas de integração do Sul e do Centro-Oeste do Brasil ,
as agroindústrias exigem dos produtores uma completa subordinação ao
programa de ações elaborado pela empresa. Embora garantindo a
absorção de toda produção, verifica-se que essa relação, ao ser
contratualizada, desnuda uma imensa vantagem do segmento agro-
industrial representada pelo poder das empresas integradoras sobre os
integrados.
Esse fato acende a discussão sobre as razões pelas quais, mesmo
variando-se o nível tecnológico adotado entre os diversos programas de
integração no Brasil, continua prevalecendo um quadro de dominação e
conflitos entre indústria e produtores.
No caso em estudo, em que significativos avanços tecnológicos
foram incorporados, visando a uma adequação aos novos padrões da
moderna indústria, as condições em que se estabelecem a harmonização
dos interesses da empresa integradora e os interesses dos produtores
integrados, em princípio conflitantes, uma vez que ambos visam a
maximização dos lucros, merece uma discussão à parte.
Na realidade, não se espera que um relacionamento harmônico de
fato possa existir entre indústria e produtores. Conforme ressaltou
91
FERREIRA (1993), é uma relação de confrontos e admiração,
dependência e solidariedade.
Quando indagados a respeito do relacionamento com a integradora,
em geral, os produtores manifestam a opinião de que a relação de
parceria da qual participam é mais favorável à empresa: “a Rezende
controla do jeito que quer, os produtores não têm autonomia”, conforme
relatou um produtor, “ traz a gente no cabresto.. .”
A reduzida autonomia influi negativamente na lucratividade do
negócio. A capacidade de alojamento, por vezes, é diminuída, e o
período de vazio sanitário é prolongado sem que os produtores sejam
consultados20. Além disso, os produtores não têm influência sobre a
qualidade dos leitões recebidos. Freqüentemente, são alojados leitões
com sintomas de infecções, o que ocasiona contaminação do lote,
resultando numa menor remuneração para os produtores.
A formula de cálculo adotada pela integradora não leva em conta a
qualidade dos leitões, para remuneração do produtores. Assim, esses
produtores recebem o mesmo valor por animal entregue, independente da
qualidade do lote. Além da redução da eficiência produtiva de todo o
sistema, os produtores responsáveis pela fases seguintes (recria e
engorda), inevitavelmente, sofrem os prejuízos. “Desgraça para alguns,
alegria para outros”, tem sido uma frase corrente na fala de muitos
produtores.
Os produtores integrados detentores dos empreendimentos mais
vultosos (correspondentes ao grupo 1, segundo a tipologia apresentada
no capítulo 2), em geral, sustentam a asserção de que participam de uma
relação empresário-empresário, acreditando na possibilidade de
realização de negociações, garantindo-se a autonomia de decisão. Nesse
grupo, estão presentes os produtores que ainda continuam investindo na
atividade, entendendo que os empreendimentos são viabilizados pela
adoção de maiores escalas de produção, e explicam que “quem está no
20 Vazio sanitário é o período de tempo que uma granja permanece vazia, a fim de reduzir a população de microrganismos, após a limpeza e desinfecção.
92
ramo, deve aumentar o negócio ou sair da atividade, pois ganha-se na
escala”.
Sobre esse assunto, FERREIRA (1993) assinala que, para garantir
as margens de benefícios, os produtores investem no aumento da
produção. Aqueles que param de investir ou não aumentam seus
rebanhos, gradativamente, passam a receber uma remuneração menor.
Frente aos problemas de renda dos produtores, a solução
usualmente apresentada consiste no aumento da produção e da
produtividade. “Tornar-se competitivo” é a saída proposta, sendo
necessária, para isso, a constante aplicação de investimentos para
adequar-se à escala cada vez maior de produção. Essa receita capitalista,
que vem constantemente sendo colocada em prática, induz fatalmente à
mudança do patamar técnico de produção e aumentos de oferta, com a
conseqüente redução dos preços (VEIGA, 1991).
A utilização de conhecimentos e equipamentos avançados e a
adoção da produção em grande escala tornam viável a “parceria” com a
indústria, pelo menos para a fração dos produtores integrados que
operam com as maiores escalas de produção, no atual patamar de preços.
Especula-se, entre os produtores, sobre a continuidade do processo de
rebaixamento dos preços de remuneração, uma vez que estes são menores
para os produtores integrados no sul do Brasil. Se porventura esse temor
vier a se confirmar, os produtores-empresários ainda têm a opção de
buscar uma inserção no mercado.
Os produtores que praticam uma suinocultura em escala menor, por
enquanto, podem dispor da alternativa de aumentar o volume de
produção, como condição de permanência no negócio. Caso não optem
por essa via, resta a alternativa de paralisar o funcionamento das granjas,
o que, aparentemente, não compromete a sobrevivência de suas famílias.
Aliás, é este o grande trunfo desses produtores. Assim apontou um
produtor: “a Sadia não vai conseguir tudo que quer conosco. O estilo
nosso, aqui, não é de tolerar ser pisado no pé durante muito tempo...”
93
Entretanto, é questionável a possibilidade de que uma paralisação
de atividades de fato venha a ocorrer entre os produtores integrados,
diante da pequena utilização de capital de giro numa granja já
estabelecida, onde os recursos já foram imobilizados. Porém, é inegável
que essa possibilidade constitui-se numa poderosa arma de pressão.
A procura de alternativas que conduzam ao aumento da
participação dos produtores nas decisões sobre preços e condições de
produção, por meio do associativismo, poderá trazer bons frutos, ainda
que não imediatos. Mais do que isso, a organização dos produtores pode
ser vista como uma questão de sobrevivência, em uma sociedade com
interesses organizados: “ou se façam leis eficientes que coíbam a
criação de poder de mercado para todos os setores, como no caso das
leis anti-truste, ou a agricultura terá que se organizar. Estamos longe de
uma sociedade justa”. (LOPES, 1996:404).
Dificilmente, sem a ação política de classe, os produtores poderão
inserir maior valor aos “contratos de parceria”, assinados com a
integradora, e que constituem motivos de insegurança para a categoria.
Alguns autores referem-se a esses contratos como um meio de ajustar a
atividade do agricultor a uma economia dominada pela indústria
(TEDESCO, 1999).
Lembrando o fato de que os contratos dos produtores com a
Rezende Alimentos vêm sendo, paulatinamente, alterados pela empresa
integradora, desconsiderando-se o que previamente havia sido acordado,
um produtor declarou numa assembléia da AST: “contrato não garante
nada, não dá certeza e pode ser rescindido a qualquer hora”.
Faz-se necessária uma reflexão mais abrangente para se chegar a
uma compreensão mais acurada sobre as razões da inaplicabilidade
desses contratos como mecanismo de proteção dos interesses dos
produtores frente à indústria, o que, evidentemente extrapola os limites
deste trabalho. Mas um ponto parece claro: a lentidão na tramitação dos
processos judiciais desestimula as ações por parte dos produtores, ao
mesmo tempo em que encoraja seu descumprimento por parte da
94
integradora. Além disso, uma disputa judiciária para um produtor isolado
significa sua exclusão como produtor integrado.
Para muitos, o fator de produção é um cálculo fictício, que
incorpora também critérios subjetivos, aplicados de maneira heterogênea
entre os produtores, permanecendo a suspeita de que os valores de
remuneração são definidos de maneira arbitrária, considerando mais a
posição do caixa da empresa do que os desempenhos dos lotes.
A organização dos produtores integrados poderá conduzi-los a
novas formas de organização da produção, a exemplo dos condomínios
de produtores rurais, que vêm sendo organizados no Rio Grande do Sul,
Santa Catarina e Paraná (GARCIA, 2001). Nesse sistema, que também é
denominado de “parceria escalonada”, cada produtor-parceiro atua em
uma fase da cadeia produtiva ou em cada setor de atividade, recebendo
as correspondentes porcentagens. Essas idéias são manifestadas por
alguns produtores integrados, ainda que em formas embrionárias: “pra
que vamos continuar trabalhando barato para a Rezende, se nós temos a
faca e o queijo na mão?”
Para DESCHAMPS et al. (1998), existem alternativas para os
produtores que não queiram participar de programas de integração,
citando como exemplo as alianças estratégicas implementadas nos EUA,
onde produtores independentes de pequeno e médio porte associaram-se
para viabilizar sua permanência no mercado. A expansão dos sistemas de
desmame precoce possibilita a segmentação dos produtores em
produtores de leitões, recriadores (creches) e terminadores. Nesse
sistema, as creches são preenchidas em semanas diferentes com leitões
vindos de um mesmo rebanho de reprodução. Após a recria, os leitões
são transportados para as granjas de terminação.
Em países europeus, vêm sendo utilizados os “contratos de
fornecimento” ou “contratos de compra e venda” entre produtores e
indústrias, os quais garantem maior autonomia na gestão das criações.
Nessa modalidade, os compradores não exercem o controle sobre as
95
técnicas e os processos de produção, apenas são especificadas
previamente as condições de entrega e preço.
Acredita-se que, à medida em haja aumento do grau de organização
e mobilização dos produtores integrados, como também da experiência e
visão sobre as potencialidades do negócio que têm em mãos, as
discussões a respeito destes e de outros novos temas serão estimuladas, o
que poderá conduzir a alterações nas relações com a indústria
integradora.
A iniciativa de 52 suinocultores da Zona da Mata de Minas Gerais,
ao se organizarem em torno da implantação do Frigorífico Industrial do
Vale do Piranga (FRIVAP/SAUDALI), em Ponte Nova, constitui um
exemplo de busca de alternativas com grande possibilidade de êxito, por
meio da qual os criadores industrializam os próprios produtos sem a
interferência e participação de agroindústrias (MOURÃO, 2000). Nesse
sentido, a criação do Frigorífico SAUDALI vem contribuindo para o
fortalecimento da suinocultura naquela região.
Com base no capital integralizado com recursos próprios,
estabeleceram-se as cotas de abate por produtor. O restante do capital
necessário para viabilização do empreendimento foi conseguido mediante
linhas de crédito do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais
(BDMG), e do Banco do Brasil . A empresa é gerida por uma diretoria
executiva subordinada a um conselho de produtores.
O frigorífico começou a operar em fevereiro de 2000, com
capacidade de abate de 2.000 suínos/dia. Atualmente, procura-se uma
melhor inserção no mercado regional, por meio do aumento da
disponibilidade de animais para abate e da abertura de novas frentes de
comercialização. A maior parte dos produtos ofertados são colocados no
mercado na forma de carne in natura, resfriada ou congelada, e cortes,
sendo que uma pequena parcela da produção tem sido industrializada.
96
3.5. As associações de suinocultores no Triângulo Mineiro/Alto
Paranaíba
A partir das discussões de um grupo de produtores em torno da
crise financeira da Rezende Alimentos, que provocou a interrupção de
suas parcelas de remuneração, foi fundada a AST (Associação dos
Suinocultores do Triângulo), no final do ano de 1999, a fim de
representar os interesses dos produtores de suínos integrados. A AST
conta hoje com, aproximadamente, 50 membros, correspondendo a cerca
de 50% do total dos produtores integrados à Rezende Alimentos.
Frente à iminência de um desfecho desfavorável devido à
inadimplência da integradora e diante do risco de paralisação das
atividades produtivas, muitos produtores associaram-se e compareceram
às assembléias conclamadas pela associação, quando se discutiam as
alternativas possíveis para os produtores.
Com a assunção do controle da Rezende Alimentos pelo Grupo
Sadia, teve início a atuação da AST, a partir do enfrentamento das
propostas de rebaixamento dos preços de remuneração aos produtores.
A busca de uma “solução de momento” para essa crise demandou a
maior parte do tempo das reuniões entre direção da AST e os produtores.
Para muitos destes, a AST não teve infância, “faltou conversa”, razão
pela qual não foram discutidos muitos pontos necessários para sua
continuidade.
A estratégia da nova diretoria da Rezende Alimentos, de não
reconhecimento de sua legitimidade como canal de diálogo e negociação
impediu a operacionalização de um movimento de resistência e
reivindicação dos produtores por intermédio da AST. Além disso, a AST
encontrou, na barreira da baixa taxa de mobilização dos produtores
integrados, o seu ponto mais vulnerável. Muitos produtores delegaram à
97
AST poderes de negociação diante da empresa integradora, mas, em
seguida, assinaram os novos contratos.
Essa derrocada inicial deixou um saldo de desânimo entre os
produtores, com relação à associação, e a certeza de que a integradora
conseguiu desmobilizar o grupo. O número de associados vem caindo nos
últimos meses, outros continuam associados, porém, sem ver muitas
perspectivas.
Ideologicamente identificados com a ordem econômica e social em
vigor, os produtores integrados mostram-se, em geral, indispostos a
ações coletivas, descartando a possibilidade de realização de movimentos
de pressão, por se assemelharem a movimentos sindicais de trabalhadores
ou de partidos políticos de esquerda . “Vamos agir sem exagero, sem
radicalizar...” Mesmo entre os membros da diretoria da AST, as opiniões
não são francamente favoráveis a um acirramento de posições, o que
confere vantagens na condução das negociações à empresa integradora,
que se mostra bem mais articulada.
Apesar disso, um grupo significativo de produtores ainda acredita
na união por intermédio da AST, dispondo-se a rediscuti-la em novas
bases. Essa discussão, sem dúvida, passa pela definição de seu caráter de
atuação. Percebe-se, entre os produtores, a existência de duas
concepções distintas acerca da associação que planejam. De um lado,
aqueles que preferem estruturar uma associação de base política, de
defesa dos interesses da classe, em moldes sindicais, e, de outro, os que
propugnam por uma agremiação apenas de caráter informativo e
promocional.
A representação de interesses dos produtores integrados à Rezende
Alimentos segue uma tendência já registrada, no Brasil , por ORTEGA
(1996:18), “de diversificação dos interesses agrários e da obsolescência
da representação de caráter geral”, quando os interesses específicos dos
produtores são reunidos em torno de associações setoriais por produto.
No caso em estudo, a AST reúne apenas os produtores integrados, não
somente devido à existência da ASTAP (Associação dos Suinocultores do
98
Triângulo e Alto Paranaíba), que atua na mesma região, mas também em
razão das particularidades da produção integrada.
O Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba é área de atuação da ASTAP,
com sede em Patrocínio, MG, uma entidade atuante que representa os
interesses de 63 suinocultores (a quase totalidade atua como produtores
independentes). A ASTAP juntamente com as demais associações
regionais do Estado de Minas estão ligadas à ASEMG (Associação dos
Suinocultores de Minas Gerais), que por sua vez, é fi liada à ABCS
(Associação Brasileira dos Criadores de Suínos).
Os produtores de suínos independentes estão diretamente
envolvidos com o mercado de insumos e suínos. Diferentemente, os
problemas enfrentados pelos produtores integrados são vivenciados
dentro do círculo da integração, no contato com a agroindústria, uma das
razões pelas quais a AST, desde seu início, nasceu desarticulada da rede
de associações regionais, estudais e nacional de suinocultores. Uma
maior articulação entre a AST, ASTAP e as demais associações,
provavelmente, provocaria o enriquecimento das discussões no tocante à
suinocultura regional, com benefícios tanto para os produtores
integrados como para os produtores independentes.
99
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sob os vários tratamentos dados às transformações do capitalismo
em nível internacional, ocorre a convergência de opiniões de diversos
autores, pelo menos em um ponto: houve uma real transformação nos
padrões tecnológicos e organizacionais, tanto em nível das empresas
como dos sistemas produtivos, nos países centrais, com reflexos sobre os
países periféricos, durante as últimas décadas.
Essas mudanças estão na origem da reestruturação do sistema
agroalimentar mundial, devida tanto aos avanços tecnológicos e
organizacionais como à alteração nos padrões de consumo. No segmento
agroindustrial , verifica-se, principalmente, um intenso processo de
concentração (por meio de fusões e aquisições) e a intensificação das
atividades de empresas transnacionais, que assumem, cada vez mais, um
papel fundamental na coordenação das mudanças na agricultura.
Por outro lado, observa-se na agricultura, também, uma tendência
à concentração da produção e incrementos nos índices de produtividade,
com reflexos positivos na oferta dos principais produtos.
Essa reestruturação encontra eco no setor de produção de carne
suína, que também passa por diversas transformações nos últimos anos.
Trata-se de alterações no âmbito da organização dos sistemas produtivos
e nas formas de parceria com os produtores, e da elevação do patamar
tecnológico.
Estas transformações podem ser visualizadas não só pela expansão
da criação e industrialização de suínos em direção às novas regiões
produtoras de grãos, a exemplo do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba,
100
Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, como também nas
tradicionais regiões produtoras do sul do país, onde a reestruturação tem
provocado efeitos como o aumento e concentração da produção.
Sob o impacto dos novos projetos, verifica-se a tendência de que a
suinocultura cresça a taxas expressivas nos próximos anos, seguindo uma
orientação empresarial forte, gerenciamento eficiente e intensa utilização
de tecnologia.
Sob o ponto de vista da indústria, a integração continua uma
estratégia interessante, ao possibilitar a obtenção de matérias-primas a
custo baixo, o que se reverte em melhor competitividade. Nas
configurações “em rede”, as empresas que coordenam o processo de
produção, adoção de inovações tecnológicas e fixação dos preços obtêm
significativas vantagens em relação aos outros agentes da cadeia
produtiva. O modelo de produção integrada atualmente adotado pelas
grandes empresas do setor, apoia-se, fundamentalmente, em estratégias
de redução de custos e otimização de resultados, por meio do uso
intensivo de tecnologia e da produção em grande escala, da qual
participam produtores com um novo perfil , mais capitalizado,
qualificado e com visão empresarial.
Um breve exame das principais características da integração
suinícola da Rezende Alimentos/Sadia, necessariamente, inclui a
utilização de mão-de-obra contratada, a predominância de um grau de
escolaridade relativamente elevado entre os produtores, a baixa
participação de recursos de crédito bancário em empreendimentos com
grande aporte de capital. Além disso, a maioria dos suinocultores
integrados podem ser caracterizados como investidores urbanos e
produtores-empresários, que conduzem suas atividades de produção rural
de forma empresarial.
Essas características apontam para um especial arranjo local, que
possibilitou o estabelecimento de granjas de criação de suínos em regime
de integração com a Rezende Alimentos/Sadia a partir da transferência
101
de capitais de origem urbana para o setor rural, em condições de baixa
oferta de recursos bancários.
Não está provado que o sistema de integração na suinocultura
apresenta maior eficiência produtiva, quando comparado à produção
independente. Ao contrário, a produção independente pode apresentar
melhores índices de desempenho e maior flexibilidade, além de estar
livre de alguns gastos com administração e transporte de rações e
animais. Desta forma, é possível atribuir à retenção de parte da renda dos
produtores integrados a maior competitividade das empresas integradoras
no mercado de carnes.
Sob o ponto de vista dos produtores, a baixa lucratividade, a
reduzida autonomia de gestão e a menor eficiência produtiva, quando
comparada à produção independente, são argumentos que pesam
negativamente contra o sistema de produção integrada, embora esteja
evidente que, no momento, há um determinado grupo de produtores que
se beneficia com este tipo de articulação com a indústria. Os autores que
propugnam pelo estabelecimento de programas de integração, em geral,
consideram superficialmente os interesses dos produtores, terminando
por defender os interesses das indústrias.
Diante dos conflitos de interesses entre produtores e indústria,
podemos deduzir que a opção feita pela integradora, ao realizar parcerias
com empresários rurais e investidores urbanos, poderá conduzir à
intensificação dos conflitos referidos, à medida que a concentração de
atividades que vem ocorrendo seleciona os agricultores mais
competitivos do ponto de vista da produtividade e da escala de produção,
os quais têm à disposição outras formas de organização e
industrialização da produção.
A disposição dos produtores integrados em aceitar os baixos
valores de remuneração impostos pelas integradoras (como tem sido a
praxe nos relacionamentos entre indústria e produtores familiares nas
integrações no sul do Brasil), em princípio, depende de uma avaliação
que considera a margem de lucro, o risco e a liquidez do investimento.
102
O sistema econômico vigente beneficia os indivíduos com maior
habilidade comercial e de negociação. Sob o ponto de vista da empresa
integradora, os produtores tidos como possuidores do perfil ideal são
justamente os que mais podem oferecer resistência às ações da empresa,
em razão da independência financeira adquirida. A Rezende
Alimentos/Sadia, ao dar preferência aos produtores-empresários, com
capital disponível para um empreendimento de alto custo, e com
capacidade de reinvestimento, preterindo os pequenos produtores,
encontra também um grupo com maiores possibilidades de confrontar
suas imposições.
As possibilidades de organização dos produtores, via associações,
condomínios ou sociedades anônimas, representam um grande potencial a
ser explorado, com enormes possibilidades de êxito. Como bons
exemplos, pudemos verificar o papel exercido pela ASTAP, no Alto
Paranaíba, a criação dos condomínios de produtores na Região Sul e a
organização dos produtores que deu origem à criação do Frigorífico
SAUDALI, em Ponte Nova (MG), cuja configuração estabelecida afina-se
melhor com o perfil de produtores-empresários do que a adoção de um
sistema de integração “empresarial”.
Parece pouco provável, pelo menos num curto espaço de tempo,
que haja um retorno (desejável ou não) ao “modelo clássico” de
integração, baseado na produção familiar. Por outro lado, não está
assegurada a permanência do atual padrão de integração, viabilizável, em
hipótese, pelos sonhados acordos “ganha-ganha” entre indústria e
produtores. Há claros sinais de que os contratos que hora estão em vigor
têm caráter apenas provisório. Por esses motivos, o programa de
integração da Rezende Alimentos/Sadia apresenta diversos aspectos
ainda passíveis de mudança, antes mesmo de ser concretizada sua
implantação.
103
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