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Entrando em Saúde Mental Do Estigma à Humanização: práticas, dinâmicas e vivências No caminho da reinserção social 1 Introdução “Saúde e doença passam pela avaliação do homem ou da mulher e do lugar que ocupam na sociedade. (…) De facto, as sociedades modernas, submetidas mais do que nunca a mutações culturais, e já não possuindo as crenças e a sacralidade que existiam nas sociedades tradicionais, estão sujeitas a uma «desmoralização social» que resulta da incerteza e das contradições na aplicação das regras sociais e dos valores que guiavam as condutas e legitimavam as aspirações dos indivíduos” (Cabral, 1991: 99). Os estudos sociológicos específicos sobre a problemática da Saúde Mental e sobre as instituições de assistência psiquiátrica são quase inexistentes no nosso país. O interesse pela pesquisa nesta área surgiu por todo o envolto que existe em torno desta problemática. Nos últimos anos começaram a emergir preocupações com a questão da doença mental: a vulnerabilidade dos doentes mentais, a insuficiência de apoios na comunidade, a importância do trabalho multidisciplinar, a reestruturação dos Serviços de Saúde Mental. Essa questão começa nas próprias representações e juízos sociais sobre a doença mental. “A doença mental não se limita a um dos extremos do espectro de racionalidade. Ela reside frequentemente num comportamento cujo sentido imediato é perfeitamente evidente, mas que apesar disso é considerado «perverso», «irrealista», «despropositado», etc.; trata-se de juízos que ocupam uma espécie de território interior entre a razão e a moralidade” (Ingleby, 1982: 100). Toda a acção em Saúde Mental gira em torno do indivíduo, dos grupos e da comunidade. A doença como fonte de perturbação e desequilíbrio do ser humano na sua totalidade bio-psico-social assume uma grande importância em todas as culturas e sociedades e todas elas criam sistemas de protecção contra a doença. Estes sistemas permitem determinar quais os indivíduos doentes, qual a origem da doença e qual a terapêutica adequada para os restituir à vida normal.

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No caminho da reinserção social

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Introdução

“Saúde e doença passam pela avaliação do homem ou da mulher e do lugar que ocupam na sociedade. (…) De facto, as sociedades modernas, submetidas mais do que nunca a mutações culturais, e já não possuindo as crenças e a sacralidade que existiam nas sociedades tradicionais, estão sujeitas a uma «desmoralização social» que resulta da incerteza e das contradições na aplicação das regras sociais e dos valores que guiavam as condutas e legitimavam as aspirações dos indivíduos” (Cabral, 1991: 99).

Os estudos sociológicos específicos sobre a problemática da Saúde Mental e sobre as instituições de assistência psiquiátrica são quase inexistentes no nosso país. O interesse pela pesquisa nesta área surgiu por todo o envolto que existe em torno desta problemática. Nos últimos anos começaram a emergir preocupações com a questão da doença mental: a vulnerabilidade dos doentes mentais, a insuficiência de apoios na comunidade, a importância do trabalho multidisciplinar, a reestruturação dos Serviços de Saúde Mental.

Essa questão começa nas próprias representações e juízos sociais sobre a doença mental. “A doença mental não se limita a um dos extremos do espectro de racionalidade. Ela reside frequentemente num comportamento cujo sentido imediato é perfeitamente evidente, mas que apesar disso é considerado «perverso», «irrealista», «despropositado», etc.; trata-se de juízos que ocupam uma espécie de território interior entre a razão e a moralidade” (Ingleby, 1982: 100).

Toda a acção em Saúde Mental gira em torno do indivíduo, dos grupos e da comunidade. A doença como fonte de perturbação e desequilíbrio do ser humano na sua totalidade bio-psico-social assume uma grande importância em todas as culturas e sociedades e todas elas criam sistemas de protecção contra a doença. Estes sistemas permitem determinar quais os indivíduos doentes, qual a origem da doença e qual a terapêutica adequada para os restituir à vida normal.

Na nossa sociedade o papel de doente implica um certo grau de isenção das responsabilidades habituais. Ao doente não é conferida responsabilidade pelo seu estado, porém, é-lhe exigido que faça todos os esforços para melhorar, nomeadamente, que procure a ajuda adequada junto dos profissionais de saúde. No entanto, no caso dos doentes mentais mesmo isso se torna difícil.

Nesta perspectiva, de entre as múltiplas realidades passíveis de análise no domínio da doença mental, optei por mostrar, através do meu trabalho, a realidade vivida para lá

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dos «portões» de um hospital psiquiátrico. Tratando-se de uma organização que concentra um número elevado de doentes com necessidade de cuidados muito especiais, importa perceber como está organizado o hospital para esse efeito, que género de terapias são aplicadas, quem são os profissionais que trabalham junto dos doentes, que tipo de apoio é prestado a estes doentes, que formas assume a humanização dentro do hospital.

Deste modo, o meu estágio ocorreu na Unidade Sobral Cid do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Coimbra, tendo sido desenvolvido no serviço de internamento da clínica feminina de agudos, psiquiatria geral. O estágio realizou-se de Janeiro a Maio de 2009.

A apresentação dos resultados do meu trabalho que a seguir se fará está organizada em três partes. Na primeira parte reúnem-se os capítulos nos quais é feito o enquadramento do objecto da pesquisa. Assim, no Capítulo I pretendo fazer a caracterização histórica do hospital desde as origens até à fase actual de reestruturação. No Capítulo II é feito o enquadramento social da doença mental; e no Capítulo III são explicitados os procedimentos analíticos e metodológicos utilizados para a realização do presente trabalho.

Na segunda parte sistematizam-se em vários capítulos os dados referentes ao percurso do estágio no hospital. No Capítulo IV está retratada a consulta externa; o Capítulo V desenvolve a questão das terapêuticas utilizadas; o Capítulo VI mostra como vivem os doentes institucionalizados no seu dia-a-dia; no capítulo VII aborda-se a problemática da exclusão e da reinserção social.

Na terceira parte procuro descrever as actividades de estágio. No Capítulo VIII caracterizo o serviço no qual estive os quatro meses e, apresento três histórias com percursos e resultados bem diferentes que acompanhei de perto (Anexo V).

Por fim, na Conclusão, evidenciam-se os resultados do trabalho realizado, tendo em conta as questões de investigação formuladas.

Para concluir o meu trabalho apresento algumas considerações finais que me parecem pertinentes para a problemática em questão.

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I ParteProblemática Teórica e Perspectiva Analítica

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Capítulo I – Das origens à reestruturação: evolução para Centro Hospitalar Psiquiátrico de Coimbra – Unidade Sobral Cid

Em 1848 o poder político começou a mostrar interesse nos doentes mentais que, até aqui, eram acolhidos e tratados indistintamente com os vagabundos, mendigos, deficientes físicos e marginais (Mendonça, 2006), muitas vezes em cárceres ou fossos de fortificação Assim, nesse ano, foi construído o primeiro hospital psiquiátrico – Hospital de Alienados de Rilhafoles (hoje, Hospital Miguel Bombarda, em Lisboa). Seguiram-se o Hospital do Conde de Ferreira, no Porto (1882) e, muito mais tarde, o Hospital de Júlio de Matos, em Lisboa (1942). No ano 1962 surgiu o Hospital de Magalhães Lemos, no Porto; e, o último a ser criado foi, em 1969, o Hospital Psiquiátrico do Lorvão, instalado nas dependências do Convento do Lorvão, no concelho de Penacova, onde existia anteriormente uma Colónia Agrícola.

1. Caracterização Histórica

1.1. Das Origens

Foi de Bissaya Barreto que partiu a ideia de construir nos arredores de Coimbra um local condigno para prestar assistência a doentes mentais, associado a uma colónia agrícola, situado fora da cidade, mas a ela ligada por transportes acessíveis. Deste modo, em 1945, o Decreto-Lei 34.547 de 28 de Abril cria um Hospital Psiquiátrico a que foi dado o nome de Sobral Cid em homenagem ao insigne psiquiatra que fora mestre de Bissaya Barreto na Universidade de Coimbra e seu conselheiro em matéria de assistência psiquiátrica. Aquando da sua construção, afastou-se das linhas arquitecturais da maioria das construções hospitalares, ao separar os pavilhões com grandes avenidas e sebes. O Hospital é estruturado como se fosse uma aldeia pequena, em que as unidades de internamento são casas tipo vivenda, com 1º e 2º piso. A ideia seria inserir os doentes num espaço aberto, com facilidades de sociabilidade, onde permanecessem de uma forma terapêutica e agradável. Esta organização espacial realça a sua lógica humanizante. Quando foi construído o Hospital tinha 15 pavilhões; actualmente, é constituído por 18 edifícios, numa área de 10 hectares, onde predominam as zonas verdes.

A 1 de Janeiro de 1948, “o Hospital Sobral Cid passou a ter autonomia administrativa, orçamento próprio, personalidade jurídica” (Mendonça, 2006: 67). Começaram a processar-se importantes transformações. Introduziram-se os primeiros psicofármacos (neurolépticos e anti-depressivos), utilizados em abundância, o que “iria modificar por completo o ambiente hospitalar e o trabalho de enfermagem, ao conterem como verdadeiras «camisas-de-forças químicas» a exuberância dos sintomas mais temíveis, como a agressividade e a violência (…) A falta de liderança psiquiátrica, o isolamento

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científico, a contenção química dos doentes, fomentam rotinas terapêuticas simplificadas, imobilismo e degradação progressiva, que atingem o seu auge nos primeiros anos da década de 60” (Mendonça, 2006: 80). Até 1963, este hospital transformou-se num asilo superlotado, de condições deploráveis, conservando como clínicas apenas os pavilhões de menor lotação. A sua área de influência abrangia toda a zona centro do país; e, “competia-lhe exercer sobre essa área uma tríplice finalidade assistencial: tratar doentes agudos, recuperar crónicos, asilar inválidos” (Mendonça, 2006: 100).

A lei 2118 de 3 de Abril de 1963 – Lei da Saúde Mental – procurou introduzir a valorização da prevenção em psiquiatria, a actuação extra-hospitalar diversificada, o trabalho em equipa multidisciplinar, a valorização da relação cliente-terapeuta. Esta lei visava evitar a doença mental, evitar a segregação dos doentes mentais e fomentar a sua integração progressiva na sociedade. Todavia, não mereceu aceitação geral, e tudo se foi mantendo inalterado durante anos, nunca chegando a ser concluída a sua regulamentação.

Os doentes ocupavam-se com uma ergoterapia simplista baseada em tarefas úteis para o hospital, como o trabalho agrícola ou em oficinas. À data não existia serviço social nem consulta externa. Em Maio de 1968 nasceu o Serviço de Recuperação de Alcoólicos.

Em 1979, acertou-se uma nova organização do trabalho hospitalar. A área divide-se em dois sectores (A e B), com pavilhões masculinos e femininos para o internamento, com médicos e assistentes sociais fixos. “Foi sentida a necessidade de intervir mais junto das famílias, de as trabalhar no sentido de receberem sem receio os seus doentes de evolução prolongada, com a garantia de apoio domiciliário regular, de administração domiciliária de medicação retard, de novo internamento, temporário, se necessário. Assim aumentou o número de altas consideradas impossíveis até aí” (Mendonça, 2006: 198). Em 1981 é admitida a primeira terapeuta ocupacional e em 1982 o primeiro psicólogo. Em 1990 começa a implementar-se o Serviço de Reabilitação, que englobava a terapia ocupacional e outras técnicas de reabilitação. Este serviço permite desenvolver um processo de integração socioprofissional mais completo, respeitando as competências de cada um. Neste mesmo ano, a consulta externa passou a realizar-se no hospital. Foi cedido o Pavilhão 15, sofrendo, assim, o tratamento ambulatório um desenvolvimento exponencial.

Em 1993, o Ministério da Saúde definiu que o Centro Hospitalar de Coimbra – Hospital dos Covões passaria a ser responsável pelas urgências psiquiátricas externas, ficando também acordado que aí se realizariam as análises e exames dos utentes do Hospital Sobral Cid (HSC). Para além do acordo com este centro hospitalar, o HSC tinha ligações com o Hospital Geral e com alguns Centros de Saúde. Através da realização

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de protocolos com instituições de acção social, como a Casa Abrigo Padre Américo, deu-se uma grande abertura do Hospital à comunidade.

1.2. À Reestruturação

Em 1998 é publicada a nova Lei de Saúde Mental (Lei nº 36/98, de 24 de Julho) que redefine os princípios de organização dos serviços de saúde mental de acordo com os princípios internacionalmente aceites nesta matéria (CNPRSSM, 2007). Porém, a posta em prática das reformas propostas não se verificou. Só alguns anos mais tarde, em 2006, veio a ser nomeada uma Comissão para elaborar um plano de acção para a reforma a implementar até 2016 – a Comissão Nacional Para a Reestruturação dos Serviços de Saúde Mental -, a qual elaborou um Relatório com uma proposta de plano de acção. Depois da sua aprovação pelo Governo em 2007, o Plano entrou em execução e está agora em curso de desenvolvimento.

É no âmbito desta reforma que o Relatório da Comissão Nacional vem salientar a necessidade de criar um único Hospital Psiquiátrico central, na zona centro. Deste modo, o Centro Hospitalar Psiquiátrico de Coimbra (CHPC) foi criado pela Portaria n.º 1580/2007, de 12 de Dezembro1, e resulta da fusão do Hospital Psiquiátrico de Lorvão, do Hospital Sobral Cid e do Centro Psiquiátrico de Recuperação de Arnes. É um estabelecimento público do Serviço Nacional de Saúde dotado de personalidade jurídica e de autonomia administrativa, financeira e patrimonial.

De acordo com o Regulamento Interno, o CHPC elege o cidadão doente como factor central e razão de ser da existência da prestação de cuidados especializados em psiquiatria e saúde mental.

Relativamente ao apoio técnico, o CHPC dispõe de seis comissões: de Ética; de Humanização e Qualidade de Serviços; de Controlo da Infecção Hospitalar; de Farmácia e Terapêutica; de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho; e a Comissão Científica e Pedagógica. Quanto à organização, dispõe de quatro serviços: prestação de cuidados de saúde; suporte à prestação de cuidados de saúde; gestão e logística; e assessoria técnica ao Conselho de Administração.

Nos serviços de prestação de cuidados de saúde estão integrados o serviço de Psiquiatria Comunitária; de Doentes Residentes; de Reabilitação; de Psiquiatria Forense; de Internamento de Curta Duração; de Adições; de Psicogeriatria; de Doentes Difíceis; de Violência Familiar; o hospital de Dia e outros serviços de Intervenções Especiais.

Dão suporte à prestação de cuidados de saúde, a Unidade Clínica de Apoio, o Serviço de Psicologia, o Serviço Social, os Serviços farmacêuticos, o Serviço de Saúde Ocupacional e o serviço de Formação Permanente e Comunicação.

1 Vide Anexo I.

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Dos serviços de gestão e logística fazem parte o serviço de Gestão de Doentes; de Gestão Financeira; de Gestão de Recursos Humanos; de Aprovisionamento; de Alimentação e Dietética; de Gestão Hoteleira; de Instalações e Equipamentos; o Gabinete de Tecnologias e Sistemas de Informação; e o Gabinete Jurídico.

Finalmente, aos serviços de assessoria técnica ao Conselho de Administração pertencem o Gabinete de Planeamento e Controle de Gestão; o gabinete do Utente; o Gabinete de Qualidade e o Gabinete Jurídico.

Conhecida a orgânica do Centro Hospitalar, é importante salientar que este é um Hospital Central especializado na área da psiquiatria e da saúde mental. Por se situar na periferia de Coimbra, e numa colina afastada, no Hospital não se percebe a agitação da cidade, não se ouvem ruídos incomodativos.

A urgência psiquiátrica funcionava há alguns anos no Hospital Geral do Centro Hospitalar de Coimbra (CHC), tendo “no âmbito da reestruturação dos serviços de saúde mental em Coimbra” (Trindade, 2008) passado a concentrar-se nos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC), desde 1 de Outubro de 2008.

As políticas de saúde mental reconhecem, pelo menos desde 1963, que os Hospitais Psiquiátricos alimentam o estigma em relação aos doentes mentais. Foi na sequência desta ideia que se procedeu, ainda que com grande atraso, à reestruturação dos estabelecimentos da saúde mental e, consequentemente, se formou o CHPC. Nesta linha, os três hospitais que o constituem, nos últimos anos, foram reduzindo o número de camas e de doentes internados, com o objectivo final de concretizar a desinstitucionalização do doente mental.

Gráfico I – Recursos Humanos do CHPC, 2009

0

50

100

150

200

250

7

4010 17 16

2

197

9 2 1142

11

203

301

Recursos Humanos

Fonte: Serviço de Pessoal do CHPC.

No Gráfico I podemos ver quadro de pessoal. O Hospital conta com 598 funcionários,

divididos por 15 categorias.

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No Anexo II estão disponíveis os recursos institucionais, os serviços de internamento/lotação, as áreas de influência do CHPC, o organigrama e a planta da instituição.

Capítulo II – Enquadramento Social da Saúde Mental

“Falar de Saúde Mental é falar da pessoa humana, da sua família, da sua escola, do seu trabalho, dos seus lazeres, numa palavra, da sua vida” (Cordeiro, 1982: 12).

2. Evolução do Conceito de Saúde Mental

Os mecanismos de incorporação social da loucura só são perceptíveis numa perspectiva longitudinal. A história da psiquiatria tem a ver com a evolução dos conceitos de loucura, considerada como um fenómeno sobrenatural, imprevisível e sem tratamento e por isso mesmo incompreensível, para passar a ser um fenómeno natural, uma doença, objecto de um estudo científico.

2.1. Afirmação da Psiquiatria como Ciência – Perspectiva Histórica

A Psiquiatria nas Culturas Primitivas é influenciada pela crença total nos fenómenos sobrenaturais, sendo a doença mental associada à influência dos espíritos de antepassados do clã. Como consequência, a atitude face a fenómenos desviantes era de perturbação e de receio. Tudo o que fosse diferente da normalidade era atribuído a causas sobrenaturais. “A doença mental é interpretada como um colapso do sistema mágico-religioso, por violação de um tabu, negligência das obrigações rituais ou possessão do demónio e o seu tratamento é feito pelo «shaman», um «médico» inspirado intermediário entre os espíritos e os doentes e seus familiares” (Cordeiro, 1982: 16). Toda a medicina estava imbuída de concepções mágicas e religiosas, sendo a actividade curativa exercida por curandeiros, feiticeiros e sacerdotes.

A cultura grega estabelece um marco fundamental nas concepções sobre a loucura, ou seja, abandona as explicações mágico-religiosas e procura a sua compreensão num ponto de vista organicista. Hipócrates, século IV a.C., foi o primeiro a estabelecer uma relação entre doenças orgânicas e doenças mentais. Considerava que a maior parte das doenças de espírito tinha uma base somática, portanto, não eram devidas a causas sobrenaturais. De acordo com Cordeiro (1982: 17), Hipócrates apresenta a teoria dos quatro humores corporais: o sangue, a bílis, a linfa e a fleuma. Deste modo,

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descreve os temperamentos humanos como sanguíneo, colérico, melancólico e fleumático. “A loucura é atribuída a perturbações da interacção dos quatro humores corporais, com excesso de bílis negra que daria a perturbação mental” (idem). Os Romanos têm uma concepção de loucura baseada em crenças etruscas relacionadas com bacantes e fúrias no quadro de práticas supersticiosas. Demonstram preocupação com o tratamento de alguns quadros psicopatológicos, prescrevendo fisioterapia, dietas alimentares e actividades lúdicas.

A Idade Média foi uma época de retrocesso e obscurantismo no que se refere à compreensão da doença mental. O conceito de doença mental foi substituído pelo conceito de possessão demoníaca, para a qual não existia tratamento a não ser a morte na fogueira. A excepção surge com os Árabes, “portadores de uma civilização mais aberta e avançada nas ideias e nas técnicas” (ibidem). Os Árabes tinham uma tradição cultural de respeito e protecção pelos doentes mentais, que eram assistidos com humanidade. A eles se deve a criação de alguns albergues.

Na época Renascentista “prevalecem ainda as ideias de feitiçaria e grande número de psicóticos, psicopatas, drogados, pervertidos sexuais são acusados de bruxaria e enviados para cruzadas, guerras e peregrinações” (Cordeiro, 1982: 19). Não obstante, o Renascimento trouxe um despertar cultural e a recuperação dos valores humanistas da cultura greco-romana. Os asilos tornam-se prática comum, confinando doentes mentais, criminosos triviais e mendigos. São internamentos de reclusão e não de cura, cujas condições são degradantes. Os asilos eram visitados por curiosos que se divertiam a observar os loucos que permaneciam acorrentados. Tal como diz Cordeiro (1982: 20), o doente mental é exibido nas ruas e nas feiras, nada sendo feito para a sua cura e reabilitação.

O século XIX representa um marco determinante na afirmação da Psiquiatria como ciência. A evolução das ciências exactas, os conceitos do positivismo, o desenvolvimento da Psicologia, entre outros, determinou o aparecimento de um novo conceito de Psiquiatria. Verifica-se a tendência da substituição do asilo por instituições especializadas no tratamento de doentes mentais – o hospital psiquiátrico.

Durante este século construíram-se instituições psiquiátricas com vista a retirar das prisões, cárceres privados e do abandono um elevado número de doentes mentais. Estas instituições foram vistas durante muito tempo como a melhor solução para a doença mental. Quantos mais doentes fossem admitidos, mais eficiente se considerava a instituição. Assim, eram oferecidas aos doentes condições de protecção, tratamento e socialização. No entanto, no final do século XIX, estes hospitais, que cresceram em número, tornaram-se superlotados e desumanizados. Michel Foucault e Erving Goffman foram dois críticos da institucionalização dos doentes mentais. O trabalho de Goffman sobre as instituições totais e sobre a condição social dos doentes mentais representa um contributo importante para a

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compreensão da realidade social das instituições psiquiátricas. Goffman refere-se às instituições totais como sendo um espaço físico isolado, circunscrito e com uma vigilância autoritária permanente. Como refere na sua obra Asylums, a instituição total é ao mesmo tempo um modelo reduto e uma caricatura da sociedade global (Goffman, 1968). Por seu lado, Foucault, refere-se fundamentalmente ao poder como forma de regulação das relações sociais. A disciplina, enquanto técnica de exercício do poder, implica uma vigilância permanente e constante dos indivíduos. Quando a psiquiatria inicia o processo de apropriação da loucura e de controlo do louco através da sua institucionalização num espaço específico estabelece tecnologias de vigilância total. (Foucault, 1999). Os dois autores criticam a institucionalização dos doentes mentais pela forma desumana de como estes viviam: em constante vigilância, controlados, separados da sociedade, perdendo a sua própria identidade.

Deste modo, a partir dos anos 30, começam a surgir cuidados alternativos com vista a evitar a hospitalização. Procura-se dinamizar os hospitais psiquiátricos. Nos anos 60, os países industrializados viram a população hospitalizada diminuir. Isto porque os psicofármacos, programas terapêuticos mais activos, desenvolvimento de práticas comunitárias e restrições na admissão de pacientes foi um sucesso. Os fármacos possibilitam que os doentes não permaneçam no meio hospitalar. O interesse em des-hospitalizar os doentes mentais tem, igualmente, razões economicistas – menos hospitalizados, menos despesa pública.

2.2. Evolução do Sistema de Saúde Mental Português

A organização e gestão dos Serviços de Saúde Mental têm vindo a evoluir, em Portugal, de forma a adaptar-se às realidades científicas e sociais e, nos últimos anos, à realidade do espaço europeu onde estamos inseridos.

Numa primeira fase, que durou até 1963, o nosso Sistema de Saúde Mental era predominantemente asilar/institucional, numa lógica de estrutura assistencial. Existia uma reduzida disponibilidade de medidas de intervenção terapêutica, bem como uma ausência de acessibilidade ao Sistema.

Na segunda fase da evolução do Sistema de Saúde Mental Português (1963-1989), caracterizada pelos serviços comunitários, entra em vigor a Lei n.º 2118, de 3 de Abril de 1963. Na sequência desta lei foram sendo criados, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 46/102, de 28 de Dezembro de 1964, centros de saúde mental nos diferentes distritos, bem como centros de saúde mental infantil e juvenil, de âmbito regional, em Lisboa, Porto e Coimbra. A Lei pretendia introduzir a valorização da prevenção em psiquiatria, a actuação extra-hospitalar diversificada, a valorização da relação doente-terapeuta, o trabalho em equipa. A acessibilidade aos cuidados melhorou, desenvolveram-se novas formas de intervenção baseadas na comunidade. Foi promovida uma melhor ligação a outros serviços de saúde e de segurança social.

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Na terceira fase (1990-1995) deu-se a desestruturação e contestação. Efectuou-se a interrupção do processo de reestruturação; os programas foram suspensos e os recursos específicos foram cortados. Contudo, face à dificuldade de integração dos cuidados de saúde mental, o Decreto-Lei n.º 127/92, de 3 de Julho, veio determinar a extinção dos centros de saúde mental e a transferência das respectivas atribuições para hospitais gerais, centrais e distritais, bem como dos centros de saúde mental infantil e juvenil para os hospitais pediátricos. Ainda que contribuindo para a integração dos cuidados de saúde mental no sistema geral, embora ao nível exclusivamente hospitalar, a vigência deste Decreto veio frisar as disfuncionalidades do modelo de organização dos serviços, quer pela inexistência de um quadro legal alternativo que possibilitasse o desenvolvimento de um modelo coerente, quer porque o Decreto-Lei n.º 127/92 criou novos serviços, curiosamente também designados «centros de saúde mental», com funções técnico-normativas, de âmbito regional, mas não coincidentes com a divisão do País em regiões de saúde entretanto consagrada no Estatuto do Serviço Nacional de Saúde. Assim, considerando em especial as recomendações da Organização das Nações Unidas e da Organização Mundial de Saúde quanto à promoção prioritária da prestação de cuidados a nível da comunidade, no meio menos restritivo possível, e, no âmbito específico da reabilitação psicossocial, à prestação de cuidados em centros de dia e estruturas residenciais adequadas ao grau específico de autonomia dos doentes, desde meados da década de 90 tornou-se ainda mais iminente a urgência da reformulação da política de saúde mental e consequente revisão do modelo de organização dos serviços, que o Decreto-Lei n.º 127/92, afinal, não logrou prosseguir. Nesta fase surgiram movimentos de protesto e debates no Ministério da Saúde, que culminaram com uma conferência final onde ficaram definidas as bases consensuais para a reformulação da política de Saúde Mental e, ainda, o desenvolvimento de serviços de saúde mental compreensivos e centrados na comunidade.

Por último, a quarta fase (1996-2006) deste processo refere-se à retoma da reforma e sua consolidação. É elaborado um novo Plano de Saúde Mental, no qual são aplicadas as conclusões da conferência final de 1995; é retomada a reestruturação, é desenvolvida a rede de serviços comunitários, melhoram-se as condições residenciais nos hospitais psiquiátricos, desenvolve-se a reabilitação psicossocial. Emerge a nova Lei de Saúde Mental n.º 36/98, de 24 de Julho, é feita uma articulação com o Ministério do Trabalho e da Solidariedade (Despacho-conjunto 407/98 – cuidados continuados integrados); aposta-se na formação em reabilitação psicossocial e nos apoios técnicos dos serviços locais de saúde mental: fóruns sócio-ocupacionais, residências protegidas, residências comunitárias, residências apoiadas2.

Assim, os princípios gerais da política de saúde mental (Lei nº36/98) são os seguintes:

2 In http://www.bdjur.almedina.net/item.php?field=node_id&value=381105.

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a) A prestação de cuidados de saúde mental é promovida prioritariamente a nível da comunidade, de forma a evitar o afastamento dos doentes do seu meio habitual e a facilitar a sua reabilitação e inserção social;

b) Os cuidados de saúde mental são prestados no meio menos restritivo possível;

c) O tratamento de doentes mentais em regime de internamento ocorre, tendencialmente em hospitais gerais;

d) Nos casos dos doentes que fundamentalmente careçam de reabilitação psiocossocial, a prestação de cuidados é assegurada, de preferência, em estruturas residenciais, centros de dia e unidades de treino e reinserção profissional, inseridos na comunidade e adaptados ao grau específico de autonomia dos doentes.

Deste modo, a CNPRSSM (2007) pretende “assegurar o acesso equitativo a cuidados de saúde mental de qualidade a todas as pessoas com problemas de saúde mental do país, incluindo as que pertencem a grupos especialmente vulneráveis; promover e proteger os direitos humanos das pessoas com problemas de saúde mental; reduzir o impacto das perturbações mentais e contribuir para a promoção da saúde mental das populações; promover a descentralização dos serviços de saúde mental, de modo a permitir a prestação de cuidados mais próximos das pessoas e a facilitar uma maior participação das comunidades, dos utentes e das suas famílias; promover a integração dos cuidados de saúde mental no sistema geral de saúde, tanto a nível dos cuidados primários, dos hospitais gerais e dos cuidados continuados, de modo a facilitar o acesso e a diminuir a institucionalização”.

2.3. O Contributo das Ciências Sociais

A afirmação do paradigma sociológico constituiu um momento fundamental de ruptura e construção da psiquiatria contemporânea.

Ao problematizar a fronteira do normal e do psicopatológico, ao evidenciar factores socioculturais relacionados com a incidência de doenças mentais (factores ecológicos, distribuição de doenças mentais por classes sociais, grupos profissionais, religiões), ao investigar conceitos e representações socialmente dominantes sobre a doença mental, o doente e as instituições de cura, a Sociologia das Doenças Mentais (Bastide, 1968), um dos pilares de afirmação da Psiquiatria Social, constitui um outro eixo de abordagem das instituições psiquiátricas tradicionais e das próprias raízes epistemológicas da psiquiatria como forma de conhecimento e de poder, estabelecendo o início da emergência de novos paradigmas na abordagem da doença mental.

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A Sociologia entra no domínio da Psiquiatria com vista a explorar caminhos ainda pouco experimentados, surge o conceito de Psiquiatria Social. Num primeiro momento, este tinha como objecto “o estudo dos remédios e dos meios utilizados pela sociedade na sua luta contra as doenças mentais” (Bastide, 1968: 10). Preocupava-se com este tipo de doenças, pois estas constituem um problema social. Num segundo momento, a Psiquiatria Social foi entendida como sendo os trabalhadores sociais a exercerem funções no campo da psiquiatria. “O hospital psiquiátrico não é um hospital como os outros, onde se prestam cuidados a doentes que, nas suas camas, continuam a fazer parte da sociedade, o hospital psiquiátrico é ao mesmo tempo uma «comunidade» em que o doente deve fazer a reaprendizagem da vida social, onde deve reencontrar o sentimento da sua responsabilidade moral e o sentido da sua autonomia” (idem). Deste modo, pode entender-se a Psiquiatria Social como uma terapêutica que visa a reinserção social do doente mental na sociedade. Num terceiro momento, surge um outro sentido para a Psiquiatria Social que vai ao encontro do anterior, porém, com algumas modificações: “é o estudo dos métodos de tratamento por meio da formação de comunidades, pela reeducação das inter-relações, pela socialização dos «isolados», e mais particularmente pela grupoterapia e ergoterapia” (Bastide, 1968: 11). Nesta linha, valoriza-se as mais variadas técnicas da reaprendizagem da vida social, que incluem o psicodrama e as dinâmicas de grupo, por exemplo. Estes três sentidos dados à Psiquiatria Social fazem esta ciência mais prática do que teórica. É importante que exista uma ciência teórica na base da prática para que não se perca a objectividade no tratamento dos fenómenos sociais. Assim, surge uma definição de Psiquiatria Social teórica: “será o estudo das influências dos factores sociais (constelação familiar, habitação, nível económico e tensões profissionais, religião, etc.) nas perturbações do comportamento” (Bastide, 1968:12) e, a par desta, um outro sentido teórico no qual a Psiquiatria Social seria o estudo das colectividades mórbidas. Certo é que, desde que a psiquiatria Social foi reconhecida como ciência, o seu sentido e o seu objecto variaram sempre de acordo com o autor/investigador e o país que se propunha estudá-la, sendo o único denominador comum o social.

Auguste Comte apelidou os médicos de “veterinários do corpo humano” (Bastide, 1968: 18) não tendo em consideração que o homem não é só um ser biológico, é um ser social. Nesta sequência, o seu seguidor Audiffrend “faz notar que a desorganização da personalidade vai a par com a sua sociedade, e que é preciso distinguir os períodos orgânicos com um mínimo de perturbações mentais, dos períodos de crise com um máximo, lança as bases da Sociologia das doenças mentais” (idem). A Sociologia das doenças mentais destaca-se, então, da Psiquiatria Social, “estabelece correlações entre factos sociais e certos tipos de doenças sem afirmar que estas correlações sejam forçosamente leis causais” (ibidem).

Comte, na sua teoria, mostrava a influência dos factores sociais sobre as doenças mentais; pelo contrário, Morel mostrava a influência das doenças mentais sobre a

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sociedade. Contudo, a Sociologia francesa sofreu uma crise com o desaparecimento de Comte. Vários autores como Lévy-Bruhl, Blondel e Durkheim introduziram dicotomias em relação à Sociologia das doenças mentais. No entanto, quer a teoria caminhasse da Sociologia para a Psiquiatria, quer a Psiquiatria caminhasse para a Sociologia, a conclusão a que se chegou no final do século XIX e inícios do século XX foi que “há uma dimensão social da doença mental” (Bastide, 1968: 28).

Pierre Janet acrescenta a complexidade crescente da vida social. “Enquanto a sociedade não põe problemas difíceis, enquanto não exige acções demasiadamente custosas, os indivíduos dispostos às perturbações psíquicas podem chegar a adaptar-se e a levar uma existência normal; é o caso das comunidades homogéneas e tradicionais, como as comunidades rurais; mas com a concorrência, com a luta pela melhoria do seu nível económico de vida ou do seu estatuto social, a grande cidade, heterogénea e progressista, obriga-nos a desgastar rapidamente os nossos últimos recursos” (Bastide, 1968: 29).

A corrente marxista é, igualmente, importante para o estudo da Sociologia das doenças mentais. A presença do marxismo apresenta-se com duas tendências: “uma que parte dos conceitos de luta de classes e de alienação, e que vai esclarecer o papel patogénico das condições económicas da vida, outra, que é a da psiquiatria soviética ortodoxa, centrada no pavlovismo e na teoria dos reflexos condicionados” (idem). Assim, a corrente de Marx vem demonstrar que nenhum fenómeno, em qualquer domínio, pode ser afastado das condições ambientais do seu aparecimento. Essas condições são situações reais como as divisões e as contradições da sociedade.

Todas estas teorias enfrentam o problema quer de serem demasiado generalistas, quer de serem demasiado específicas. A sua especificidade põe “em evidência principalmente um aspecto, a desorganização, a anomia, a dificuldade de comunicação, os conflitos dos valores ou dos papéis”; a sua generalidade deve-se ao facto de “falar de factores sociais das perturbações mentais em geral não significa grande coisa” (Bastide, 1968: 43).

A Sociologia das doenças mentais não pode esquecer a importância do grupo familiar no seu estudo. A família pode ser vista como “uma instituição social organizada, controlada pelo Estado através do estado civil, ou pela Igreja que considera o laço conjugal como irredutível”, ou pode ser encarada como “um grupo social estruturante, segundo certas normas culturais, um conjunto de relações interindividuais entre marido e mulher, entre os pais e os filhos, entre os irmãos e as irmãs, eventualmente, entre os avós, os pais e os netos” (Bastide, 1968: 183). Assim, a família pode ter uma face institucional ou relacional.

Para finalizar este ponto sobre a importância das Ciências Sociais, nomeadamente a Sociologia, no estudo das doenças mentais resta perspectivar qual o lugar que estas

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doenças ocupam na sociedade. Em primeiro lugar, os diversos estudos históricos sobre as concepções que ao longo dos tempos se têm feito sobre a doença mental permitem perceber que “o doente mental continua a ser encarado com medo ou desgosto, como um ser perigoso ou mentiroso, como um ser à parte. A loucura, como o cancro, ainda é para o povo uma «doença má», que se esconde” (Bastide, 1965: 223). Em segundo lugar, os estudos sobre as relações sociais entre o médico e o doente e sobre o hospital psiquiátrico enquanto instituição ou conjunto de inter-relações, permitem visualizar que no meio hospitalar se forma uma sociedade artificial de comportamentos e atitudes impostos. “O doente já não tem relações familiares, e mesmo a vida sexual é-lhe teoricamente interdita; já não tem relações profissionais, e mesmo que esteja submetido a uma ergoterapia não recebe salário pelo seu trabalho. Mas, além disso, entra numa sociedade de novo fortemente hierarquizada, de mobilidade bloqueada, de comunicação imposta” (Bastide, 1968: 226). Em terceiro lugar, os estudos sobre a reinserção dos doentes estabilizados na sociedade reflectem que esta reinserção é mais a nível profissional do que familiar. No entanto, estes doentes necessitam do apoio e aceitação familiar para terem sucesso na reinserção. “O isolamento que, para certos psiquiatras, define o mundo do doente mental não é mais do que a tradição no plano morfológico, deste marginalismo dos valores repelidos e reprimidos pela sociedade global; numa organização que se desdobra no espaço, é a procura de nichos onde estes valores se podem esconder, vegetar, defender-se também, segregando uma carapaça, que finalmente reduz aquilo que se queria salvar ao seu mínimo existencial” (Bastide, 1968: 235).

Concluindo, o papel da Sociologia das doenças mentais consiste em relacionar os doentes e os que os tratam definindo os critérios da loucura e da cultura.

Capítulo III – Procedimentos Analíticos e Metodológicos

3. Metodologia

3.1. Objecto de estudo

Uma unidade de internamento num Hospital Psiquiátrico constitui um microcosmos específico onde se intersectam uma multiplicidade de realidades passíveis de análise sociológica. Conjugam-se aqui as especificidades e funções sociais das instituições psiquiátricas, suportadas por um modelo de conhecimento científico radicado no poder médico. Por outro lado, os doentes internados têm um estatuto social que não pode ser descartado. Os doentes mentais, sobretudo os doentes com grave desorganização mental e deterioração da vida social, representam um grupo que ocupa os estratos sociais mais baixos, em termos de organização social e, consequentemente, comportam um estigma social particularmente intenso.

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Para desmistificar o estigma que existe na nossa sociedade importa conhecer de perto o mundo do Hospital Psiquiátrico. Deste modo, ao longo da realização do meu estágio no CHPC, procurei analisar de perto o internamento de agudos (clínica feminina - agudos) e conhecer todo o funcionamento do hospital, nomeadamente o serviço de consulta externa, as terapias complementares ao tratamento médico e os residentes (clínica feminina – crónicos).

3.2. Hipóteses de Trabalho

A sociedade portuguesa responde às necessidades do doente mental? Qual é o papel do hospital e da família no tratamento e reinserção do doente mental? Como é que o CHPC se está a reestruturar a fim de evitar a institucionalização? Qual é a importância do trabalho multidisciplinar? Torna-se necessário procurar possíveis respostas a estas interrogações para que elas nos ajudem a compreender algumas das especificidades e contradições que actualmente acompanham o desenvolvimento da saúde mental. Neste sentido, formulei oito hipóteses de trabalho que procurei testar ao longo dos quatro meses de estágio no CHPC.

H1: O CHPC promove a integração social do doente mental. A primeira hipótese que formulei pressupõe que o hospital é um intermediário facilitador da integração social entre o doente do foro mental e a sociedade.

H2: Um internamento longo limita as capacidades do doente mental na sua reinserção social. A segunda hipótese tem subjacente a ideia de que um internamento longo prejudica o doente na sua reinserção social, na medida em que quanto mais tempo o doente estiver afastado do seu meio mais se distanciam os laços com a sociedade, aumentando a dependência relativamente aos técnicos especializados.

H3: A psiquiatria comunitária faz chegar ao doente mental, no seu ambiente natural, o tratamento/reabilitação/apoio. No seguimento da hipótese anterior, esta pressupõe que ao manter o doente no seu meio, prestando-lhe aí todos os cuidados necessários, este mantém a sua rotina diária sem as privações a que o internamento hospitalar obriga (nomeadamente, ao nível das interacções sociais e laborais).

H4: O doente mental necessita de um corte com o seu meio envolvente. A quarta hipótese desenvolve uma ideia contrária à anterior, pois assume que o doente mental, em consequência da sua patologia, beneficia de um internamento hospitalar para um certo apaziguamento bem relação ao meio que o rodeia.

H5: A família é a rede de suporte fundamental no tratamento/reabilitação/apoio do doente mental. Nesta hipótese está inerente a ideia de que um suporte familiar consistente será a base crucial para o sucesso do tratamento.

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H6: Técnicos de formações distintas têm diferentes percepções em relação ao doente mental e à sua reabilitação. A sexta hipótese refere-se às diferentes vertentes do tratamento, apoio e reabilitação do doente mental, de acordo com a formação dos diferentes técnicos.

H7: Técnicos de formações distintas não interagem no tratamento/reabilitação/apoio do doente mental. Esta hipótese diz respeito mais estritamente às relações de trabalho e pressupõe a existência de uma lacuna na articulação do trabalho entre os diferentes técnicos.

H8: O trabalho multidisciplinar é essencial para um tratamento/reabilitação/apoio completo do doente mental. Finalmente, a última hipótese pressupõe que a articulação de informações entre a equipa multidisciplinar é fundamental para o processo de tratamento e reabilitação do doente mental.

3.3. Métodos e Técnicas de Recolha de Informação

O meu estágio no CHPC consistiu numa investigação em trabalho de campo. Através de vários métodos e técnicas de recolha de informação procurei responder às questões colocadas no ponto 3.2. Privilegiei a metodologia qualitativa, ou seja, socorri-me, sobretudo, da observação participante3 e das entrevistas semi-estruturadas. É o método do estudo de caso, cuja experiência de campo envolve muita participação do investigador. “A investigação de terreno tem lugar em situações sociais nas quais o investigador participa. A tarefa do investigador é aqui observar e registar a vida das pessoas tal como ela ocorre” (Burgess, 2001: 57). Este procedimento permite elucidar o significado das situações, o modo como o mundo social é estruturado pelos sujeitos sociais, o modo como interpretam a sua experiência e constroem a realidade. Deste modo, decidi adoptar uma postura compreensiva e auto-reflexiva no manuseamento dos diferentes instrumentos metodológicos utilizados, procurei assumir uma perspectiva crítica. Apesar de fazer uso de uma variedade de técnicas de recolha de informação, pretendi na base de uma estratégia metodológica obedecer a um princípio comum: o de privilegiar uma orientação compreensiva e reflexiva.

Não é possível estudar todas as pessoas e todos os acontecimentos numa dada situação social. A amostra é construída para delimitar os contornos da pesquisa. Para o meu trabalho pareceu-me pertinente utilizar uma técnica de amostragem não probabilística: a amostragem intencional e casuística, uma vez que a minha abordagem vai ser amplamente qualitativa. “Na amostragem intencional os

3 “A observação participante facilita a colheita de dados sobre interacção social: na situação em que ocorre e não em situações artificiais (…) nem em situações artificialmente construídas pelo investigador (…). A vantagem de ser um observador participante reside na oportunidade de estar disponível para recolher dados ricos e pormenorizados, baseados na observação de contextos naturais. Além disso, o observador pode obter relatos de situações na própria linguagem dos participantes, o que lhe dá acesso aos conceitos que são usados na vida de todos os dias” (Burgess, 2001: 86).

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informantes podem ser seleccionados para o estudo de acordo com um certo número de critérios estabelecidos pelo investigador, tais como o seu estatuto (idade, sexo e ocupação) ou experiência prévia que lhes confere um nível especial de conhecimentos. (…) A amostragem casuística é usada para referir o processo pelo qual os investigadores de terreno encontram informantes que lhes proporcionem dados de campo. Neste caso o investigador selecciona os indivíduos com os quais é possível cooperar. Nestes termos a replicação é impossível porque o investigador selecciona indivíduos que estão disponíveis e desejam cooperar na investigação” (Burgess, 2001: 59).

O tempo de estágio foi curto (4 meses) para uma abordagem mais completa. Assim, o meu objectivo principal foi conhecer de uma forma mais detalhada tudo o que o CHPC pode oferecer. Os meus informantes privilegiados foram os técnicos de serviço social e os profissionais de enfermagem, no entanto, contei também com um apoio fundamental de médicos e psicólogos. Fiquei ligada à clínica feminina de psiquiatria geral (agudos), acompanhando todo o trabalho de uma técnica de serviço social responsável por este serviço. Deste modo, os acontecimentos e as pessoas com quem tive mais contacto e acompanhei a realidade quotidiana pertencem a este serviço. Não obstante, procurei dividir o tempo afim de poder conhecer e analisar aquilo a que se propunha o meu estágio.

No inicio deste percurso existiam dúvidas, por parte de todos aqueles que constituem o CHPC, relativamente ao meu papel neste terreno: se era visitante, se era estagiária de serviço social, enfim, a questão fundamental prendia-se com ‘o que faz uma socióloga no hospital?’. Existiam, algumas dúvidas sobre até onde me poderiam franquear o acesso. Com a rotina da minha presença no hospital, a desconfiança foi diminuindo, eu fui-me integrando nos vários grupos e começou a perceber-se melhor o meu papel. Numa terceira fase, a minha presença como socióloga a fazer um estágio para o Mestrado foi claramente aceite, tive a minha integração completa e aceitação pessoal.

Num primeiro momento do meu trabalho, a observação sistemática e participante, as entrevistas não estruturadas, as conversas informais e a análise documental foram os instrumentos privilegiados. Para estudar o mundo social abarcando todos os elementos subjectivos da vida social, o investigador deve ser um observador participante. “Na investigação que envolve o uso da observação participante é o investigador que é o principal instrumento da investigação social. Nesta base a observação participante facilita a colheita de dados sobre interacção social: na situação em que ocorrem e não em situações artificiais (como na investigação experimental) nem em situações artificialmente construídas que são criadas pelo investigador (como nas pesquisas através de inquérito). A vantagem de um observador participante reside na oportunidade de estar disponível para recolher dados ricos e pormenorizados, baseados na observação de contextos naturais. Além

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disso, o observador pode obter relatos de situações na própria linguagem dos participantes, o que lhe dá acesso aos conceitos que são usados na vida de todos os dias. O investigador pode, por conseguinte, fazer a avaliação de uma situação social na base de relatos que foi obtendo a partir de informantes” (Burgess, 2001: 86).

A observação participante foi o grande alicerce do meu trabalho, estando presente em todos os passos que dei no terreno. As conversas informais e as entrevistas não estruturadas foram outra fonte de informação elementar. As pessoas com quem fui falando não se sentiam confrontadas relativamente ao seu saber, deixando a conversa fluir, conseguindo transmitir as informações que eu queria recolher.

A análise documental foi uma base importante no início do meu trabalho. Fiz uma longa pesquisa sobre o enquadramento histórico do hospital, pois para perceber a reestruturação que agora está acontecer é primordial que se conheça toda a evolução, com as várias modificações, do hospital. Nesta análise documental dei, igualmente, particular importância ao aprofundamento do tema da saúde mental, não só a evolução da Lei, como também investiguei os vários conceitos relacionados com esta área, para que no meu dia-a-dia de trabalho esses termos não me fossem desconhecidos. Deste modo, os capítulos I e II deste trabalho foram sustentados por esta técnica metodológica.

Numa fase final do meu percurso, decidi registar informação mais estruturada. Realizei oito entrevistas semi-directivas à equipa multidisciplinar, ou seja, entrevistei dois médicos, duas enfermeiras, duas assistentes sociais e duas psicólogas. Todos aceitaram colaborar de bom grado. Todas as entrevistas são impessoais e anónimas, têm como objectivo comparar as concepções dos diferentes técnicos relativamente ao serviço e à área da saúde mental. Com este tipo de entrevistas pretendi suscitar a reflexão, para que as respostas ganhassem autenticidade e espontaneidade. Três das entrevistas não foram gravadas, todas foram realizadas sem a presença de terceiros, a sua transcrição está disponível no Anexo III.

Toda a II Parte deste relatório foi elaborada recorrendo a informações recolhidas através de entrevistas não estruturadas durante a pesquisa social. Foram conversas preciosas, baseadas no questionário dirigido, com informantes privilegiados nos respectivos serviços. O último ponto desta parte (capítulo VIII) teve como suporte os dados documentais disponíveis na Biblioteca do CHPC. A última parte o meu trabalho, descrição e avaliação das actividades de estágio, comporta todos os métodos e técnicas metodológicas atrás descritos.

Esta experiência foi muito rica tanto a nível pessoal, pois confrontei-me com uma realidade que desconhecia e que percebi que a sociedade em geral também ignora, daí o meu particular interesse em ‘abrir as portas’ do hospital psiquiátrico e mostrar a realidade como ela é; como a nível de trabalho, tive oportunidade de aplicar várias

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técnicas de investigação e enriquecer a minha prática. Cruzar estes dois aspectos foi fundamental para conseguir uma dimensão compreensiva e reflexiva nesta pesquisa.

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II ParteNo Caminho da Humanização

Capítulo IV – Consulta Externa

4. Caracterização e Funcionamento da Consulta Externa

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A consulta externa funciona no Pavilhão 15 do CHPC, está dividida por dois pisos e destina-se ao tratamento em ambulatório.

No andar de baixo está localizada a secretaria, o serviço de doentes, uma sala de espera, um gabinete do serviço social, e vários gabinetes ocupados pelos médicos assistentes e psicólogos. Este piso está destinado a patologias de psiquiatria geral, adições e gerontopsiquiatria. No 1º andar faz-se todos os tipos de consulta de especialidade, com um gabinete destinado ao Serviço Social e vários gabinetes para os médicos assistentes.

Quando os utentes chegam à consulta dirigem-se à secretaria para formalizarem a sua inscrição. Devem fornecer os seus dados pessoais (nome, morada, telefone, bilhete de identidade e cartão de utente) e pagar a taxa moderadora. Após a inscrição aguardam na sala de espera pela consulta. Neste tempo são acolhidos pela enfermagem que lhes faz uma pequena entrevista ao nível da saúde, depois aguardam na sala pela chamada do médico para a consulta. Em seguida, o psiquiatra encaminha o utente para uma entrevista com o serviço social. Muitas vezes os técnicos de serviço social acolhem os utentes antes do médico afim de não ficarem muito tempo sozinhos na sala de espera.

Os utentes que vêm pela primeira vez, por norma, têm prioridade. Os médicos avaliam estes utentes antes das segundas consultas (ou de seguimento), pois já têm conhecimento da situação.

A cada dia da semana, de segunda a sexta-feira, está afecta uma equipa multidisciplinar constituída por médicos, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais.

Durante o período de estágio acompanhei de perto o serviço social também na consulta externa. Na entrevista de acolhimento, o serviço social procura saber quem encaminhou o utente para a consulta (normalmente vêm através do serviço de urgência ou do médico de família) e quem o acompanha (por norma é um familiar directo ou uma pessoa próxima). Nesta entrevista são, ainda, questionados sobre a sua idade e relações sócio-familiares e profissionais. Todos os dados retirados desta entrevista são registados no processo do utente. A entrevista de acolhimento visa conhecer em breves linhas a história do doente. Os utentes são, também, informados acerca do funcionamento do serviço e estimulados a dirigirem-se ao serviço social sempre que sintam necessidade. Estas entrevistas são curtas, não devendo demorar mais do que 15 minutos, para não atrasarem o utente para a consulta médica. O seu objectivo é criar uma relação de proximidade com o utente, este não fica sozinho durante o tempo de espera.

Nem sempre a informação circula da melhor maneira na consulta externa. Muitas vezes, os doentes acabam por ficar na sala de espera do andar de baixo e não se apercebem que estão a ser chamados no andar de cima. Por vezes sobem e descem as escadas até alguém lhes explicar onde devem permanecer à espera. Outro ponto

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que não funciona bem na consulta externa prende-se com o facto de os utentes que estão para segundas consultas não serem informados que serão atendidos apenas após as primeiras, que, como já referi, têm prioridade.

Das entrevistas que assisti pude constatar algumas ideias, por exemplo, verifiquei que recorrem mais mulheres do que homens às consultas de psiquiatria, são sobretudo factores familiares e económicos que estão na origem do recurso à consulta, e as idades dos utentes agrupam-se num intervalo entre os 30 e os 60 anos.

A reestruturação para CHPC ao nível da consulta externa trouxe uma consequência negativa: a centralização. Muitos utentes pertencem a regiões bem distantes e necessitam de muitos recursos para se dirigirem ao hospital. Alguns têm, por exemplo, de alugar um táxi para o dia inteiro para não faltarem à consulta. Se tivermos em conta, que grande parte destes utentes tem poucos recursos económicos, esta centralização das consultas causa um grande transtorno a estes doentes. É importante, então que se considere melhore esta situação a fim de evitar o abandono das consultas. Uma solução será, então, o apoio da equipa multidisciplinar no meio envolvente do utente.

Não assisti a consultas médicas, de enfermagem e de psicologia, pelo que não poderei desenvolver neste capítulo mais informação acerca das consultas externas.

O próximo ponto deste trabalho descreve outras formas de tratamento do doente mental para além do tratamento médico e farmacológico. Decidi denominar estas outras formas de tratamento de terapias complementares, pois, aplicadas em conjunto com o tratamento médico, oferecem ao doente uma reabilitação mais completa, ao nível bio-psico-social.

Capítulo V - Terapias Complementares

5. Terapias Sociais

Quando se fala em hospital, o nosso pensamento organiza-se imaginando uma estrutura biomédica, na qual os doentes permanecem numa enfermaria e recebem um tratamento farmacológico. Porém, quando falamos em hospital psiquiátrico temos que abrir mais a nossa mente e perceber que aqui o modelo vai para além disso, é um modelo bio-psico-social. Sem dúvida que o tratamento farmacológico é privilegiado, sem ele os doentes dificilmente estariam estabilizados. No entanto, essa compensação não é suficiente para o tratamento destes doentes. Eles necessitam de um tratamento mais prático que os ajude na sua vida diária, no seu contexto social, no seu seio familiar. Foi tendo em consideração estas faltas no tratamento dos doentes que, nos últimos anos, surgiram outro tipo de terapias complementares ao tratamento

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farmacológico. São terapias que vão ao encontro das necessidades dos doentes. A Unidade Sobral Cid oferece três respostas: o Hospital de Dia, a Terapia Ocupacional e a Formação Profissional.

5.1. Hospital de Dia

O Hospital de Dia situa-se no Pavilhão 6 e foi criado em 1998, para dar resposta a situações que não têm um tratamento efectivo em regime de consulta e que, também, o tratamento no internamento não foi por si só eficaz. São situações difíceis, algumas crónicas, com problemáticas ao nível do tratamento, e/ou com dificuldades ao nível de adaptação social e familiar. Muitos doentes não melhoram com os tratamentos clássicos e, então, precisam de um tratamento mais prolongado, e/ou necessitam de psicoterapias especificas, como o psicodrama e a terapia familiar. Podem ser individuais ou em contexto de grupo, muitas são difíceis de levar a cabo num internamento completo. É uma intervenção mais qualitativa e mais prolongada, pode durar muitos meses. São actividades umas de âmbito informativo, outras de âmbito formativo, outras de significado terapêutico.

Destina-se a todos os utentes que necessitem de um tratamento mais prolongado e mais próximo, quer tenham uma patologia mais leve ou mais severa.

A maioria dos pacientes são encaminhados pela consulta, no entanto, durante o internamento, também, se pode preparar a alta do doente com vista a um seguimento no Hospital de Dia. Este procedimento não é aconselhável, pois o doente deve tentar primeiro retomar a sua vida, no seu meio. É preenchida uma ficha de encaminhamento pelo médico assistente, que fornece a informação clínica; e pela assistente social, que fornece a informação social e, em seguida, é realizada uma entrevista de avaliação feita pela equipa do Hospital de Dia (médico, enfermeiro, assistente social). Tem que haver algumas condições básicas: 1) os pacientes não podem estar a fazer consumos, isto é, não podem estar num plano terapêutico e continuar a consumir adições, seria um contra-senso; 2) outra condição é não residirem longe, pois morar longe pode constituir um grande encargo para o paciente e para a família dado que não recebem nenhum subsídio; 3) a idade não é uma contra-indicação, mas se for uma pessoa idosa poderá ter dificuldades de adaptação num grupo mais jovem. À quinta-feira o grupo confecciona o almoço e os técnicos (toda a equipa que está ao serviço) almoçam com os pacientes. A cozinha envia para o Hospital de Dia os alimentos para os utentes prepararem o almoço. É um reforço positivo ao seu desempenho. Dependendo da situação assim se traça o programa. As saídas para o exterior são comparticipadas pelo hospital.

A duração de um programa não é definida à partida. Não pode haver uma pressa excessiva em relação ao tratamento, pois são situações mais difíceis, nas quais o acompanhamento em consultas não foi suficiente, ou em que os fármacos por si só

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não resolvem o problema. O programa pode ser alterado consoante a evolução do paciente. O grupo tem um perfil heterogéneo, com homens, mulheres, pessoas empregadas, desempregadas, à procura de emprego.

O Hospital de Dia tem duas vantagens muito importantes, não quebrar a ligação com a família e, em muitos casos, não quebrar o ritmo e as obrigações laborais. São muito poucos os doentes que vão ao Hospital de Dia todos os dias. A maioria vai uma ou duas vezes por semana.

Cada utente tem um programa individualizado, num horário que vai das 9h às 16h30-17h. Este programa é elaborado depois de uma avaliação da equipa, e em conjunto com o utente. Este tempo está ocupado com actividades variadas, desde a marcha, que é uma actividade diária, até sessões de educação para a saúde, onde um técnico, que por norma é um enfermeiro, fala sobre um tema. Fazem-se reuniões de grupo, onde são analisadas histórias de vida, o paciente conta o seu percurso de vida. Tenta-se perceber o sentido individual do utente, que é algo que se perde no internamento completo. O doente não é visto apenas como tal, tem uma história de vida e características próprias, realça-se a sua individualidade. Este é um internamento parcial. O paciente está a meio caminho entre a consulta e o internamento propriamente dito.

Há também um grupo pós-alta, para acompanhamento e melhoria da transição, com um número variável de pessoas, cerca de quatro a seis pessoas. Já tiveram alta mas vêm frequentemente ao Hospital de Dia, por exemplo de quinze em quinze dias. Analisa-se a situação, o que se passa, como é que têm passado, as interacções, trabalho, as dificuldades, etc.

Realizam-se, ainda, reuniões com as famílias onde se procura que venha o maior número possível de familiares e que se destinam a informação e formação. São reuniões grupais, mais demoradas, onde as famílias colocam questões aos técnicos, há um debate. Fala-se sobre a doença, como agir em certas situações, como se explica certo comportamento, dão-se informações sobre o paciente, há uma interacção. Procura-se que as famílias participem mais. Existem sessões mais terapêuticas, mais pedagógicas que são, grosso modo, realizadas por médicos, nas quais se fala, por exemplo, dos fármacos e dos seus efeitos positivos e negativos ou em temas de psicopatologia, como o que é a depressão, como se manifesta, etc. e em que se usa uma linguagem simples e pedagógica. No final, há um debate onde os pacientes dão a sua opinião e colocam questões, há uma interacção.

Este tratamento é complementado com saídas e passeios, como por exemplo, às Caldas da Rainha, onde um grupo visitou uma fábrica; ou sessões que os pacientes organizam, fazem e apresentam algo sobre um tema, como o 25 de Abril, sobre a história de Coimbra, etc. Segue-se depois um debate. Não há uma avaliação propriamente dita, salienta-se o que está bem e o que pode ser melhorado. No

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Hospital de Dia realizam-se também sessões com o objectivo de moderar e controlar a ansiedade. Os pacientes lêem um texto escrito por eles, enquanto os outros estão a assistir, é filmada a sessão. No final, passa-se a gravação para o paciente ver o seu desempenho e faz-se um comentário entre todos. É um conjunto de actividades programadas que ocorrem de semana a semana. O relacionamento é outra questão importante. Procura-se que seja mais próximo, horizontal em relação aos técnicos, o que permite trocas, há uma maior proximidade. É outro contexto, por um lado mais fácil, mas por outro lado mais exigente, pois os pacientes colocam mais questões e solicitam mais os técnicos.

O Hospital de Dia tem uma vantagem relativamente ao tratamento em ambulatório (consulta externa), pois como os técnicos estão com mais frequência com os pacientes, isso resulta num benefício ao nível farmacológico, pois podem avaliar melhor os resultados e alterar as terapêuticas, podem monitorizar tudo mais facilmente. Habitualmente os pacientes aderem porque se sentem apoiados, fazem novos conhecimentos, há um maior contacto que é por eles avaliado como positivo e importante.

Todas as terças-feiras se faz uma reunião de equipa que dura toda a manhã. Discutem-se todas as situações, avaliam-se os casos, os tratamentos, as entradas, as saídas. Outra actividade é o relaxamento, que tem lugar uma vez por semana e de que os pacientes costumam gostar muito. À sexta-feira faz-se uma programação para o fim-de-semana, sendo que, depois, na sessão seguinte se faz uma avaliação de como correu.

O número máximo de pacientes aconselhável por dia é doze. Os pacientes devem aderir voluntariamente ao tratamento, e devem estar estabilizados. É um serviço mais próximo da comunidade, na medida em que o tratamento é feito em ambulatório. Os utentes mantêm a sua vida familiar e social, não existe um afastamento do seu meio. A questão da proximidade da comunidade pode ser discutível pois, como já referi, residir longe é um impedimento para realizar este tratamento. Como se trata de uma reabilitação, sobretudo, ao nível das competências sociais seria importante o investimento na descentralização deste serviço, uma vez que muitos dos utentes do CHPC estão impossibilitados de frequentar o Hospital de Dia pela distância geográfica.

A equipa é constituída por três médicos, três enfermeiras (diariamente estão duas) e alguns estagiários, uma assistente social, um psicólogo, que não está no serviço mas colabora e, duas auxiliares de acção médica. Há uma ligação ao Serviço de Reabilitação, devido a alguns programas em comum. A equipa divide-se pelas actividades.

Quando há uma melhoria significativa, quando já foram ultrapassados alguns condicionalismos de regresso pleno à vida diária, é dada a alta. O paciente acaba o tratamento mas o acompanhamento não. Ou seja, o médico assistente vai continuar a

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acompanhá-lo, ou, então, o utente junta-se ao grupo pós-alta. Não se perde a ligação com o Hospital. É uma segurança para os pacientes que, muitas vezes, telefonam só para conversarem um bocadinho, receberem algum apoio, criando assim vínculos com o serviço. Este é um tratamento mais activo, mais personalizado e mais individualizado, não sendo concentrado na doença e procurando valorizar outras situações.

No Quadro I está ilustrado o exemplo de um programa de intervenção terapêutica. Como já referi, os programas são individuais, pelo que o quadro seguinte representa apenas, o exemplo de uma possível semana no Hospital de Dia.

Quadro I – Programa de Intervenção Terapêutica

Segunda Terça Quarta Quinta Sexta

9h30 Caminhada

Caminhada

Consulta de

Avaliação

Caminhada

Psicoterapia

Individual

Caminhada

Psicoterapia

Individual

Cinematerapia

Discussão de

Tema

10h30Partilhar

Conhecimentos/Habilidades

Reunião de

Equipa

História de

Vida

Treinos de

Autonomia

Doméstica

Educação para

a Saúde

11h30 Programação da SemanaConstrução

em grupoGinástica

Reunião de

Famílias

(mensal)

14h30 Almoço

15h30Ginástica

Terapia Familiar

Avaliação de

Actividade

Reunião

Comunitária

Psicoterapia

Individual

Psicodrama

Modelação

de

Ansiedade

Psicoeducação

Formação da

Equipa

(mensal)

Relaxamento

Actividades no

Exterior

5.2. Serviço de Reabilitação

O Serviço de Reabilitação situa-se no Pavilhão 18 e oferece duas respostas para utentes com problemas de saúde mental: a Terapia Ocupacional e a Formação Profissional.

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5.2.1. Terapia Ocupacional

A Terapia Ocupacional (TO) está integrada na área de acção médica, é responsável pela programação, orientação, coordenação e prestação de cuidados a doentes internados, residentes e de ambulatório. A TO é exercida por técnicos com qualificação profissional para o exercício das funções (Terapeutas Ocupacionais). É um complemento do tratamento clínico. Os Terapeutas Ocupacionais estão integrados em equipas multidisciplinares dos diferentes serviços da Unidade Sobral Cid (Psiquiatria Forense, Serviço de Adições, Clínica Masculina e Clínica Feminina).

Na reunião de equipa são sinalizados os casos para a Terapia Ocupacional e preenche-se uma ficha de encaminhamento. É solicitada uma terapia que será aceite mediante a disponibilidade dos terapeutas. Nem sempre os terapeutas conseguem dar resposta às solicitações da equipa. Faltam os recursos humanos (profissionais) e os recursos espaciais (poucas salas disponíveis). A admissão obedece a critérios estabelecidos em protocolos que especificam as condições de admissão, as informações a prestar pelos serviços e os mecanismos de controlo dos resultados. Cada utente proposto pelas equipas terapêuticas é avaliado (orientação, condições físicas, capacidade para se integrar num grupo) pela Terapia Ocupacional, que em colaboração com as referidas equipas dos serviços estabelece um programa de Terapia Ocupacional individualizado e adequado à situação do utente. O sucesso da terapia depende da adesão do doente. Com a Terapia Ocupacional pretende-se, também, combater o isolamento do utente. Para isso, encontrar sempre uma motivação para manter a estabilidade e fazer uma vida normal é um objectivo sempre presente. O programa é baseado na motivação do utente.

A Terapia Ocupacional visa avaliar e intervir, procura desenvolver/reaprender as capacidades e a integração do utente. O objectivo é reorganizar a funcionalidade da vida do indivíduo, para que este mantenha ou adquira um maior grau de autonomia possível em todas as áreas de desempenho (actividades da vida diária, actividades produtivas e actividades recreativas e de lazer) para uma melhoria da sua qualidade de vida. As actividades podem ser executadas individualmente ou em contexto de grupo (as actividades de grupo não devem exceder a lotação de 10 utentes).

Para atingir esse objectivo, o Terapeuta Ocupacional procede à avaliação de cada doente de forma a identificar a sua disfunção ocupacional e assim proceder à elaboração do programa individual de actividades em Terapia Ocupacional. Este programa procura ter em conta a motivação do doente para que participe com empenho nas diversas actividades propostas. Ao nível individual, os objectivos são conseguir que o doente consiga realizar as actividades da vida diária, e depois integrar uma profissão. Quando o doente está internado dificilmente se consegue atingir a fase da profissão. Grosso modo, o internamento é curto, os objectivos prendem-se com o

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tratamento, de maneira que o terapeuta não consegue passar da avaliação (das capacidades, das limitações). Com os utentes que estão em ambulatório ou na Psiquiatria Forense, os terapeutas obtêm um plano mais completo: avaliação, intervenção e programação.

O terapeuta ocupacional tem uma autonomia técnica inserida nos objectivos da equipa. Relativamente aos doentes internados, a autonomia é limitada devido a algumas restrições: nem todos os doentes têm permissão para saírem do pavilhão; alguns doentes, por opção própria, mantêm-se de pijama o dia inteiro, condicionando a saída do pavilhão; nem sempre as condições meteorológicas são favoráveis, etc. No caso do Serviço de Adições estas condicionantes foram resolvidas pois o Serviço cedeu uma sala para a Terapia Ocupacional. No caso da Clínica Masculina e da Clínica Feminina essa limitação não foi contornada. Os utentes residentes, da Psiquiatria Forense e em ambulatório dirigem-se ao Serviço de Reabilitação.

Alguns doentes internados após receberem a alta iniciam ou continuam uma Terapia Ocupacional no hospital. Tal acontece porque há falta de respostas na comunidade para esta população. Para facilitar esta fase de transição é proposto ao utente um programa terapêutico em ambulatório. A questão da distância geográfica aplica-se, igualmente, para a Terapia Ocupacional. Os utentes que residem longe do CHPC têm dificuldades em cumprir este programa terapêutico, pelo que seria fundamental aplicar esta Terapia nas várias áreas de influência do CHPC. Como se pode verificar no Anexo II, o CHPC abrange uma área muito vasta e nem todos os utentes têm possibilidades, nomeadamente económicas, para frequentarem a Terapia Ocupacional.

Na entrevista individual é explicado ao utente o que é a Terapia Ocupacional, quais são os objectivos e elabora-se o programa terapêutico. As primeiras actividades realizadas com os utentes funcionam com o terapeuta e servem para conhecer e avaliar o doente. Depois, terapeuta e utente, em conjunto, elaboram o programa terapêutico ocupacional. A realização do programa está a cargo, sobretudo, de monitores (de áreas produtivas, ateliers, hortofloricultura). No entanto, há alguns programas que os utentes podem realizar de uma forma autónoma (por exemplo, fazer flores para os carros do cortejo da Queima das Fitas), não necessitando de uma supervisão permanente.

As actividades visam que o utente não perca competências (continuação e manutenção de hábitos da vida diária). A Terapia Ocupacional promove quatro tipos de actividades concomitantes:

* Terapias criativas (pinturas, colagens, escrita, música, movimentos);

* Orientações na realidade (espácio-temporal: jornal de parede, dias temáticos, temas do mês);

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* Actividades produtivas (ateliers de cerâmica, de olaria, encadernação, hortofloricultura, actividades artesanais, actividades da vida doméstica);

* Treino de competências sociais (andar de transportes públicos, ir às compras, informática).

O objectivo final é a reinserção na comunidade.

Relativamente ao horário das actividades, no Serviço das Adições realizam-se das 10h30 às 12h e das 14h30 às 16h; em ambulatório são 4h de manhã e 4h de tarde (das 10h às 10h30 é feita uma supervisão por parte do terapeuta). Uma vez por semana realizam uma actividade exterior, por exemplo ir a uma feira. Todas as 6ª feiras realiza-se uma reunião com utentes residentes e em ambulatório.

Cada terapeuta tem a sua forma de trabalhar, não existe um procedimento fixo. Com a reestruturação juntaram-se técnicos com formas de trabalhar diferentes. Antes no hospital Sobral Cid os profissionais tinham um método e os do hospital do Lorvão outro. Como cada terapeuta tem a autonomia dos seus casos, o conflito é muito ténue pois baseia-se na discordância do método de trabalho: um terapeuta trabalha com o apoio de incentivos, isto é, motiva os seus utentes com incentivos financeiros; o outro terapeuta discorda com este método, pois na sua opinião a Terapia Ocupacional é uma fase do tratamento, não fazendo sentido o incentivo monetário. A Administração do CHPC prevê estes incentivos, ficando ao critério dos terapeutas a sua aplicação. O trabalho da Terapia Ocupacional também depende do trabalho e da disponibilidade dos monitores, pois estes também estão afectos à Formação Profissional.

Para um tratamento eficaz do doente, os fármacos só por si não são suficientes; da mesma maneira, a Terapia Ocupacional sozinha também vale pouco. Assim, é necessário que os diferentes técnicos trabalhem em equipa para que o tratamento tenha um resultado positivo.

A Terapia Ocupacional existe no hospital desde 1981. A integração do serviço sofreu algumas resistências, estando a consolidar-se.

Segundo uma terapeuta, para um maior sucesso da TO, seria necessária uma maior articulação com o serviço de enfermagem. Por exemplo, nas actividades de ‘educação para a saúde’, a enfermagem ensina alguma teoria aos utentes, a Terapia Ocupacional ensina a prática. Seria importante um trabalho conjunto. A enfermagem pode ensinar o quanto as vitaminas são importantes, no entanto, se os doentes experimentassem espremer as laranjas, fazer um sumo e bebê-lo (actividade da Terapia Ocupacional), aprenderiam na prática a importância das vitaminas.

5.2.2. Formação Profissional

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Em 1991 o Serviço de Reabilitação juntou à TO uma vertente fundamental de Formação Profissional, através da realização de cursos de formação.

Para a Formação Profissional são excluídos os doentes internados4. Apenas são aceites doentes compensados, que sejam acompanhados em consultas e com idade mínima legal para trabalhar.

O Serviço de Reabilitação propôs seis cursos para o CHPC: cinco para a unidade Sobral Cid e um para a unidade Lorvão. No hospital Sobral Cid estão os cursos de artes gráficas, carpintaria, floricultura e jardinagem, manutenção de espaços e cozinha, secretariado e trabalho administrativo. No Lorvão estão os cursos de cerâmica criativa e manutenção de espaços e cozinha. Os cursos estão no âmbito do POPH (Plano Operacional de Potencial Humano).

Para poder frequentar um curso de Formação Profissional, o doente pode ser utente do hospital ou de qualquer outra instituição de saúde. Através de um documento de encaminhamento, o utente é proposto para a formação. É solicitada uma entrevista para avaliar a sua assertividade, compensação e motivação. Tem que haver uma aprovação da candidatura por parte da equipa. Posteriormente, a situação é comunicada ao IEFP que também realiza uma entrevista e, posteriormente, autoriza a formação. Se o serviço não considerar o doente apto para as formações de que dispõe, pode propor outras instituições de formação.

Os utentes da Psiquiatria Forense são o grosso da população que frequenta a formação. Como são considerados doentes residentes (permanecem no CHPC por um período mínimo de três anos), podem candidatar-se a formação.

Quando aprovada a candidatura, o utente passa por duas fases: avaliação e qualificação/estágio. Na 1ª fase os doentes passam por uma avaliação. No máximo esta fase dura quatro meses (em geral, não ultrapassa os dois meses). Os utentes recebem um subsídio de acidentes pessoais e de transporte. Se o utente não desistir e se na avaliação for considerado apto, assina o contrato de formação.

Na 2ª fase os utentes passam por duas etapas. A primeira, de qualificação, corresponde à parte lectiva. Tem a duração de um ano e realiza-se no serviço. Os utentes estão ocupados das 9h às 17h com aulas (mais práticas do que teóricas, com turmas pequenas). Têm uma hora de almoço. Podem fazer a refeição no refeitório pagando o prato ou trazendo de casa. Uma vez por mês há uma reunião de avaliação. O objectivo é formar para qualificar e não só para ocupar.

A segunda etapa corresponde a práticas em contexto de trabalho (estágio), tem a duração de nove meses. Os utentes recebem um subsídio de alimentação e de transporte e, nos casos de agregados mais carenciados, recebem uma bolsa de

4 Doentes internados são aqueles permanecem no CHPC por um curto espaço de tempo, o necessário para a sua estabilização e compensação, são os doentes agudos.

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profissionalização. Durante a segunda etapa, alguém do grupo técnico vai ao local de estágio fazer o acompanhamento, juntamente com o supervisor da empresa, uma vez por semana. Os formandos vão ao serviço para uma reunião comum, uma vez por mês, a fim de falarem da sua experiência de estágio.

Muitas vezes, quando o período de estágio corre bem, os utentes conseguem um contrato de trabalho nesse local. Se a empresa não tiver capacidade para empregar, após o estágio o serviço continua a apoiar os formandos encaminhando-os para outras empresas (até conseguir um contrato de trabalho).

A Formação Profissional tem como recursos humanos uma coordenadora (assistente social), dois psicólogos, um terapeuta ocupacional, uma técnica de acompanhamento (licenciada em Ciências da Educação) e doze professores.

O director do Serviço de Reabilitação é médico, não estando muito presente no serviço. As equipas são autónomas na realização das actividades: gerem da melhor maneira o seu serviço, estando o director ao corrente de tudo.

Contudo, há uma certa primazia da Formação Profissional em relação à Terapia Ocupacional. A Formação tem prioridade na ocupação das salas e ateliers, estando a Terapia condicionada a alguma sala que esteja vaga. O mesmo acontece com os monitores, que apenas fazem trabalho com a Terapia após estarem livres da Formação. Isto acontece porque a Formação Profissional necessita de mais meios físicos e humanos para a realização do seu trabalho. Desenvolvendo-se a descentralização da Terapia Ocupacional, a questão do espaço e dos monitores ficaria resolvida, pois o trabalho seria realizado também na comunidade.

As condições físicas do Serviço não são as melhores. As salas são pequenas e desconfortáveis, os corredores são sombrios e frios. Na minha opinião, poderiam ser aproveitados mais os trabalhos que os utentes realizam. Utensílios práticos como mesas e cadeiras; ou mesmo decorativos, como quadros e esculturas. Ver o seu trabalho apreciado e valorizado poderia ser um incentivo para a reabilitação destes utentes.

Capítulo VI – O Mundo dos Residentes

6. Clínica Feminina (Crónicos)

O conhecimento do CHPC não fica completo se não conhecermos o mundo dos residentes. Estes são doentes que foram ficando ao longo dos tempos, muitos desde a

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época em que existia pedopsiquiatria. O hospital reserva três pavilhões para estes doentes, um para as mulheres e dois para os homens.

Eu fui conhecer a realidade das mulheres. Ao longo do estágio estive na clínica de agudos feminina e, por isso, pareceu-me interessante manter a análise no elo feminino do hospital.

Estas mulheres residentes encontram-se no Pavilhão 13, não muito afastado do grande núcleo de pavilhões.

Neste capítulo vou contar como passam os dias estas mulheres.

Habitam 36 doentes no pavilhão, 35 são dependentes, e uma doente que está acamada. Duas das doentes estão numa cadeira de rodas, a doente acamada é totalmente dependente estando durante o dia na sala de convívio, num cadeirão.

6.1. Características da População Residente Feminina

São pessoas maioritariamente idosas, a mais nova tem perto de 60 anos e a mais velha está quase com 90 anos, nasceu em 1920. Contudo, algumas estão muito bem conservadas para a idade que têm. Umas viveram toda a vida no hospital, outras tinham uma vida mais ou menos estruturada, casaram e tiveram filhos. Acabaram por ficar no hospital, pois a sua patologia agravou-se de tal forma que não era possível permanecerem em casa. A residente mais antiga está no hospital desde 1952, há 57 anos. Nessa altura as famílias não tinham capacidades nem físicas nem psíquicas para cuidarem dos seus familiares doentes. A doença não se controlava com a medicação. Muitas ficam agressivas quando descompensam.

A última doente a entrar foi em 1984, há 25 anos. A grande maioria destas doentes entrou na década de 50/60. Foi o resultado das políticas sociais da época, e da mentalidade da sociedade.

De uma forma geral, a sua escolaridade é baixa. Estão internadas há muitos anos, algumas desde crianças, não tiveram oportunidade de aprender a ler e a escrever.

A maior parte das famílias não visita estas doentes. Os contactos são muito irregulares. Algumas já não têm pais nem irmãos, há filhos que ainda vêm. Algumas famílias mantêm a ligação, mas muito pontualmente. Isto pode ter duas explicações: acomodaram-se a esta situação, não conseguem imaginar a sua familiar noutro contexto que não como residente no hospital; por outro lado, podem ter algum receio que lhes seja pedido que levem a sua familiar para casa, e não querem assumir essa responsabilidade. Nalguns casos, só telefonam esporadicamente, não há recordação de visitas. Numa ou noutra situação em que os contactos se vão mantendo, nas épocas festivas, como o Natal e a Páscoa, estas doentes vão a casa de familiares ou de pessoas significativas passar uns dias.

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A equipa não insiste com as famílias para manterem o contacto, procura não pressionar o relacionamento para que o pouco que há não se perca.

Relativamente aos diagnósticos médicos psiquiátricos, pode-se constatar (no quadro da sala de enfermagem) que predominam a esquizofrenia, a oligofrenia e as psicoses. Sendo que, em alguns casos, foi-lhes atribuído mais do que um diagnóstico concomitantemente. Às doenças psiquiátricas juntam-se, igualmente, patologias orgânicas próprias da idade, como doenças cardiovasculares e doenças de pele.

6.2. Rotinas

De manhã, por volta das 8h30 a equipa de enfermagem faz a passagem de turno, até cerca das 9 horas. Começa, então, a rotina de higiene.

Depois dirigem-se ao refeitório para tomarem o pequeno-almoço, até cerca das 10h30. Duas doentes mais autónomas são responsáveis pelas actividades domésticas, como lavar a loiça e arrumar a cozinha, põem a mesa. Há outra doente que é responsável pela roupa, passa a ferro e arruma.

No refeitório cada uma tem o seu lugar, as cadeiras têm cartolinas com os nomes e desenhos criadas por elas. Todas se sentam à mesa para a refeição. É um incentivo à realização das actividades.

Existem duas cadeiras próprias para o banho. Todos os dias, todas as doentes tomam banho de chuveiro.

O quarto de banho é grande, com duas divisões individuais e apropriadas. O local para os banhos não é o mais confortável, mas sem dúvida está adaptado às necessidades destas doentes. É largo e amplo, permitindo que a cadeira de rodas ali permaneça, bem como mais do que uma pessoa para auxiliar o banho. Como são muitas doentes e, praticamente todas precisam de ajuda, os banhos estão escalados para várias horas: de manhã, à tarde e à noite. Tenta-se manter ao máximo as suas capacidades, manter um mínimo de autonomia das doentes, ajuda-se no banho, mas, depois, orientam-se sozinhas para se vestirem.

A hora do almoço é entre as 12h30 e as 13h30. São sentadas de forma estratégica, de acordo com o seu grau de dependência e o tipo de patologia, por exemplo, algumas gostam de comer a comida das outras, portanto tem de se ter atenção a quem se senta ao seu lado. É um espaço grande e agradável. É nesta hora que a enfermagem vai distribuir pelos pratos a medicação. Algumas doentes têm diabetes, ou hipertensão, doenças próprias da idade, como já referi, então, está afixada no refeitório a dieta de cada uma. Após o almoço, muitas das doentes vão descansar um pouco.

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Por volta das 16h, a enfermagem troca o turno. Seguindo-se o lanche. As doentes que estão destinadas ao banho na parte da tarde, fazem-no antes do jantar que é às 19h. Por volta das 21h as doentes vão dormir.

As doentes não estão em quartos individuais, estes têm de duas a quatro camas. As residentes mais dependentes ficam nos quartos do rés-do-chão, as com alguma autonomia ficam no primeiro andar. No entanto, devido à avançada idade, cada vez mais vão passando para o andar de baixo. Isto está a limitar muito o espaço físico.

Os quartos estão decorados de acordo com as preferências de cada uma, como se estivessem em casa. Umas gostam muito de peluches, têm vários em cima da cama; outras, mais religiosas, têm várias imagens e santos; outras gostam de brinquedos, tendo prateleiras arrumadas onde os guardam.

Aquelas que necessitam de cadeira de rodas, não podem ter muitos bens nos quartos, pois dificultam a sua mobilidade.

Junto à sala de enfermagem está a sala da medicação, onde está separada a terapêutica diária de todas as doentes. Está neste local todo o material que é necessário ao nível da enfermagem, como pensos e desinfectantes.

6.3. Actividades

A sala de convívio tem um aspecto confortável, com sofás, cadeiras, mesas, televisão e rádio. Não tem apresentação de hospital, mas sim de uma pequena residência. Anexa a esta sala, está uma sala de actividades. Todos os dias, de manhã durante meia hora, uma hora (e às vezes, também à tarde), realizam algumas actividades terapêuticas. A enfermagem tem um plano que normalmente segue. Essas actividades englobam ‘jogos de recordar e aprender’, o ‘movimento e saúde’, realizam passeios pelo hospital, jogos à bola, dançar, jogos que impliquem actividade física. Jogos terapêuticos, como o dominó ou desenhos. Realizam trabalhos de acordo com a época do ano ou festividade. Temáticas para se manterem ocupadas, actividades que ajudem a manter as capacidades cognitivas activas. São pequenos trabalhos simples como relacionar roupas com a época do ano, o dia da família, o dia do vizinho. Aproveita-se o tema para desenvolver actividades. A maioria dos trabalhos é feito em cartolinas e todos são expostos. Todo o rés-do-chão do pavilhão está decorado com os trabalhos das doentes. Todas as sextas-feiras fazem uma actividade de culinária. Umas partem os ovos, outras batem, outras colocam o produto em formas. Elaboram refeições simples como gelatinas e pudins. No final todas apreciam o resultado e comem ao lanche. É uma actividade que é realizada em grupos pequenos.

Relativamente às actividades exteriores, a enfermagem vai dialogando com elas o que gostariam de fazer. Este ano já visitaram, em Fevereiro, o Museu do Brinquedo, em Sintra; em Abril, a Feira de Março, em Aveiro; em Maio, o Museu do Pão, em Seia.

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Não são actividades mensais, pois exigem muita logística e recursos financeiros e humanos. Curiosamente, são as doentes mais dependentes que mais se interessam em ir. Nunca vão todas, mas procura-se que todas vão saindo. É um convívio bom, passam um dia diferente, criam uma relação com os espaços exteriores. Almoçam aquilo que mais desejarem, normalmente refeições que no hospital não fazem, como batatas fritas e ovos estrelados.

Uma vez por ano, vão passar uma semana de férias na Tocha. É uma actividade que depende muito do hospital e dos técnicos. É uma semana diferente, com muitas actividades, com bailes, etc. Vão todos os doentes residentes do hospital. Todas gostam muito de ir de férias.

É preciso incentivá-las, porque nem sempre aquelas que têm mais capacidades são as que mais colaboram. Algumas adoram realizar as actividades, sobretudo se for com pessoas novas que apareçam no serviço, como os estagiários de enfermagem. Os trabalhos são imensos: reciclagem, dia do coração, dia dos namorados, as profissões. No carnaval participam sempre com um tema. Este ano vestiram-se de estudantes cartoladas. Foram elas que ganharam o primeiro lugar do cortejo de carnaval. Precisam de ser incentivadas e estimuladas a participar, mas no final gostam muito. Evita-se que passem o dia a dormir.

Por vezes passam um dia fora do hospital para irem às compras. O dinheiro é gerido pela enfermagem. Por norma, compram o que querem, porém, às vezes é necessário a enfermagem orientá-las e direccioná-las em relação ao que estão a comprar.

Uma pequena minoria frequenta a Terapia Ocupacional, fazendo muitos objectos em barro, por exemplo. São aquelas que ainda têm alguma autonomia e procuram manter-se activas durante o dia.

Uma das doentes residentes tem um namorado também residente no hospital. Os dois fazem vida de namorados, passeiam juntos, vão às compras. As refeições, cada um faz no seu pavilhão, mas passam o dia um com o outro. Este caso, reflecte a importância que o hospital tem na vida destas doentes. Foram ficando, algumas sem qualquer referência na comunidade. Adaptaram ao máximo a sua vida ao hospital, hoje reconhecem-no como a sua casa.

Estas utentes gostam de receber visitas, a minha presença suscitou alguma alegria. Algumas das doentes mais apelativas fizeram questão que eu visse trabalhos realizados por elas e algumas fotografias expostas nas paredes, como recordação das suas actividades ao ar livre.

É interessante observarmos estas mulheres. Adaptaram-se ao contexto do hospital, vivem como se estivessem em casa, têm uma rotina diária, com higiene e actividades, tratam das suas roupas, têm os seus quartos de acordo com aquilo que gostam. Dão os seus passeios quando querem, saem para irem às compras, nesse dia almoçam e

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lancham fora do hospital. De acordo com os profissionais que trabalham com estas doentes e pelo que pude observar, estas doentes residentes vivem felizes, a sua doença é apenas uma pequena parte do seu ser. Tiveram a infelicidade de serem internadas numa altura em que a sociedade vivia à margem da doença mental. Hoje, a sociedade evoluiu, já reconhece a doença mental, no entanto o estigma permanece e, ainda não existem estruturas que acolham estas doentes. Residem no hospital, pois foi aí que aprenderam a viver, é aí que se sentem protegidas. Não é fácil desinstitucionalizar estas mulheres, já têm este modo de vida muito vincado. A sociedade terá de estar bem preparada para as receber sem que se sintam ameaçadas. Ainda faltam respostas, aquelas que são menos dependentes poderiam perfeitamente receber apoio de um Centro de Dia, por exemplo.

6.4. Uma Reinserção

Existe uma história de reinserção, que todos recordam no hospital.

Antes havia mais pavilhões com doentes residentes. Num desses pavilhões residia uma doente, que ao fim de vários anos no hospital saiu. Foi reinserida num lar em Peniche, ao qual está perfeitamente adaptada. Gosta muito de lá estar.

Uma das doentes internadas neste pavilhão era muito amiga dela. Então, as duas trocam cartas e, a doente residente vai visitá-la periodicamente. Passa um dia com ela no lar. Este é um caso de sucesso. Porém, muito pontual. Nem todas as doentes têm características que lhes permitam adaptar a um novo meio e, nem todas têm a mesma força de vontade para sair.

Capítulo VII – Doença Mental: Exclusão e Reinserção Social

7. Da Exclusão ao Estigma Social

“Deficiente mental será pois o que tem uma falha na ferramenta mental de que dispõe ou na capacidade prática de a utilizar. (…) O deficiente mental existe, mas existe também – não o esqueçamos – a nossa deficiência (dos que julgam ser suficientes) em compreendê-lo” (Matos, 1980: 90).

A expressão exclusão social está hoje muito generalizada e difundida, porém, poucos sabem claramente o que significa. Robert Castel (apud Costa, 1998: 9) “define «exclusão social» como a fase extrema do processo de «marginalização», entendido este como um percurso «descendente», ao longo do qual se verificam sucessivas rupturas na relação do indivíduo com a sociedade. Um ponto relevante desse percurso corresponde à ruptura em relação ao mercado de trabalho, a qual se traduz em desemprego (sobretudo desemprego prolongado) ou mesmo um «desligamento»

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irreversível face a esse mercado. A fase extrema – a de «exclusão social» - é caracterizada não só pela ruptura com o mercado de trabalho, mas por rupturas familiares, afectivas e de amizade”. Assim, a exclusão social pode ser de tipo económico (pobreza, falta de recursos), de tipo social (ausência de laços sociais), de tipo cultural (factores de ordem cultural, como o racismo), de origem patológica (factores de natureza psicológica ou mental), e por comportamentos auto-destrutivos (como a toxicodependência e o alcoolismo) (idem: 21). Deste modo e de acordo com o glossário da Segurança Social5, exclusão social é um conceito que traduz uma situação oposta à de participação e que pode assumir diversas acepções conforme os contextos nacionais em que ela é usada. A exclusão surge com a agudização das desigualdades, resultando numa dialéctica de oposição entre aqueles que efectivamente mobilizam os seus recursos no sentido de uma participação social plena e aqueles que, por falta desses mesmos recursos, se encontram incapacitados para o fazer. A exclusão resulta, então, de uma desarticulação entre as diferentes partes da sociedade e os indivíduos. Coexistem, ao nível da exclusão, fenómenos sociais diferenciados, tais como o desemprego, a marginalidade, a discriminação, a pobreza, entre outros.

A exclusão social que se manifesta na pessoa que sofre de uma doença psiquiátrica acontece a todos os níveis, quer seja no seu meio social, na família ou no local de trabalho. A sua doença é vista como a justificação de todo e qualquer comportamento, perdem credibilidade e competências, pois a sociedade desvaloriza as suas capacidades. Os próximos dois excertos das entrevistas que realizei no período de estágio aos técnicos reflectem bem esta ideia.

“A exclusão social do doente com patologia psiquiátrica manifesta-se no meio onde este se insere. A doença afecta o funcionamento do indivíduo e a ausência de tratamento atempado agrava e acentua a prevalência da sintomatologia. Tal situação é muitas vezes fundamentada pela dificuldade destes em aceder ao serviço de saúde especializado” (Entr. n.º 5, lin. 61-65).

“Eu acho que se manifesta por um grande preconceito, dado ao medo, acho que não há nada que assuste mais o Homem saudável do que poder enlouquecer. Eu acho que existe muito esse medo, e esse medo leva a um certo afastamento da doença psiquiátrica. Esse afastamento, esse estigma, esse preconceito depois fecha muito as portas a doentes que…inclusivamente tivessem uma oportunidade, a não exclusão permitia a sua cura, não é?! Há situações que se tornam autênticas bolas de neve, em que um determinado diagnóstico, ou um determinado internamento, ou uma determinada situação impede que haja uma aceitação. A exclusão social é muitas vezes parte do problema dos nossos doentes, que não conseguem integração e mais facilmente vão ter uma recaída ou não vão suportar. Às vezes uma coisa tão simples

5 Segurança Social, in http://195.245.197.196/left.asp?03.06.10.

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como conseguir um emprego pode dar a âncora para que recupere definitivamente” (Ent. n.º 3, lin. 263-273).

Na minha opinião não devemos falar de exclusão social, mas sim de estigma. Estas pessoas vivem uma discriminação por algo que as categoriza e que de algum modo as diferencia daquelas ditas normais, são rotuladas.

Foi com os gregos que nasceu o termo estigma, criaram esta palavra para “se referirem a sinais corporais com os quais se procurava evidenciar alguma coisa de extraordinário ou mau sobre o status moral de quem os apresentava (…), actualmente, o termo é amplamente usado de maneira um tanto semelhante ao sentido literal original, porém é mais aplicado à própria desgraça do que à sua evidência corporal.” (Goffman, 1988: 11). Quando falamos em estigma, referimo-nos a um atributo verdadeiramente depreciativo. “Um atributo que estigmatiza alguém pode confirmar a normalidade de outrem, portanto ele não é, em si mesmo, nem honroso nem desonroso” (idem: 13).

Os indivíduos portadores de doença psiquiátrica confrontam-se no seu dia-a-dia com os medos e os preconceitos dos outros. As pessoas ditas normais têm medo pois acreditam que estes doentes sejam perigosos. O estigma é o maior obstáculo à recuperação, pois a doença pode ser tratada, no entanto a discriminação continua.

“O estigma para as pessoas que sofrem de doenças psíquicas começa na própria rotulação, com a denotação vaga de «doença mental» a conotar a pessoa como menos válida, incapaz, imprevisível, incurável, má, etc. (…) A questão do estigma tem grande relevância para a saúde pública, para a saúde das pessoas que sofrem de doenças psiquiátricas, para a saúde mental e para a saúde moral. Por isso, a OMS e a Associação psiquiátrica Mundial inscrevem o combate ao estigma como uma importante tarefa no sentido de igualizar as pessoas com doenças mentais às pessoas que sofrem de outras doenças. Para a redução do estigma, apontam-se algumas linhas de orientação que se inscrevem numa melhoria dos cuidados de saúde, desde a prevenção primária até à reabilitação” (Jara, 2006: 21).

“E depois à questão do tabaco e de outras medidas que, não sendo estigmatizantes per si, acabam por ter uma leitura diferenciadora que não sei se é positiva. Todos os doentes internados não devem fumar, não fumam mas os de psiquiatria, os doentes do foro mental, desde que tenham um local para fumar, eles podem fumar. Acho que de alguma forma isto diz que eles são diferentes, e não são, são pessoas que têm características obviamente diferentes, têm até necessidades diferentes, mas isso até um outro doente num outro hospital tem. Não tem forçosamente que ser a pessoa com patologia mental” (Ent. n.º 6, lin. 85-92).

A pessoa que sofre de doença mental é uma pessoa comum.

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7.1. O Serviço Social e a Doença Mental

Foi na década de 60 que se começou a sentir a necessidade da intervenção do serviço Social junto dos utentes no Hospital Psiquiátrico. Então, em 1968, o Hospital Sobral Cid contratou as primeiras Assistentes Sociais. Esta inserção urgente do Serviço Social surgiu, pois nessa altura existia um elevado número de doentes com internamentos prolongados, o que dificultava a sua reinserção social.

Nos anos 70, com o aparecimento de novas respostas terapêuticas, o Serviço Social começou a trabalhar numa óptica multidisciplinar o que permitiu uma abordagem integrada e, de acordo com os princípios da O.M.S., investiu na reinserção sócio-familiar dos doentes.

Como refere o livro do Ministério da Saúde (1999), Hospital Sobral Cid, o Serviço Social tem prestado relevantes serviços técnicos, integrando em equipas multidisciplinares no campo assistencial directo e também no relacionamento do hospital com a comunidade, assegurando a correcta ligação quer entre os doentes e seus familiares, quer com instituições públicas e privadas no que se refere à reinserção dos doentes. Mais recentemente, o Serviço Social tem vindo a intervir mais intensamente no domínio da humanização e qualidade da resposta hospitalar, participando em todas as decisões que envolvam os doentes no seu meio e vivência quotidiana.

O Serviço Social está implementado em todos os serviços do hospital e compete-lhe, para além das suas funções específicas, garantir o funcionamento do Gabinete do Utente, que coordena e organiza a resposta do hospital a todas as exposições, reclamações e elogios apresentados pelos utentes.

O Gabinete do Utente foi criado no Hospital Sobral Cid em 1987, em cumprimento do Despacho 26/86 de 24 de Julho do Ministério da Saúde, sendo da responsabilidade do Serviço Social. É através do Gabinete do Utente que os doentes, familiares, amigos e qualquer outra pessoa poderão informar-se dos seus direitos e deveres, bem como apresentar exposições que contribuirão para a melhoria do funcionamento dos Serviços e qualidade na prestação de cuidados. Tem um regulamento próprio, onde estão normalizados os objectivos, organização e funcionamento. O Gabinete do Utente é responsável pelo tratamento das exposições do Livro de Reclamações, pelas Caixas de Sugestões/Reclamações colocadas em todos os serviços do CHPC, pela informação aos utentes (nomeadamente na Consulta Externa). O Gabinete do Utente procura tratar com a maior brevidade todas as exposições que lhe chegam, quer pela caixa de Sugestões/Reclamações, quer pelo Livro Amarelo, quer por correio.

No internamento de doentes agudos, o Serviço Social desenvolve o seu trabalho tendo por base sempre o modelo sistémico6 e a dinâmica da equipa. Deste modo, participa

6 O trabalho em rede do Serviço Social numa perspectiva sistémica é aquele que visa em primeira instância o doente, depois o doente e a família, o doente, a família e as redes secundárias; avaliando o

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na reunião semanal da equipa terapêutica, cooperando na definição de estratégias de intervenção e preparação da alta; realiza entrevistas psicossociais de avaliação do doente, isto é, elabora um estudo e caracterização sócio-familiar do doente; realiza entrevistas de apoio psicossocial, de ajuda e de aconselhamento; promove reuniões com os doentes e os seus familiares directos ou pessoas de referência, visando a reinserção social e o apuramento de mais dados relativamente ao utente que permitam uma melhor reabilitação do mesmo; articula com o local de trabalho dos utentes sempre que necessário, e com os serviços da comunidade, com vista a facilitar a sua reintegração.

“O serviço social contribui estrategicamente com os seus métodos e técnicas na implicação dos vários sectores sociais que extrapolam o clínico e contribuem para a reabilitação do doente, envolvendo famílias, entidades particulares, associações, entre outros grupos da sociedade onde o indivíduo se insere desde o tratamento à reabilitação. Envolve a procura de soluções e apoios de acordo com as competências pessoais e sociais da pessoa doente, o qual visa a autonomia pela construção de um plano individual de cuidados, onde os vários actores são motivados a participar de forma dinâmica e voluntária na redução dos factores de stress susceptíveis de gerarem sintomatologia, diminuição das capacidades funcionais e isolamento social” (Ent. nº 5, lin. 17-25).

7.2. A Família

“O primeiro desafio para a família e os amigos é mudar a forma de encarar aqueles comportamentos que podem ser sintomas de doença – comportamentos como não querer sair da cama, estar irascível e irritadiço, «acelerado» e irreflectido, demasiado crítico e pessimista” (Mondimore, 2003: 284).

A família exerce para com o doente mental um papel primordial, tanto ao nível de aproximação como de afastamento. O meio familiar é o porto seguro que o indivíduo necessita para se manter equilibrado. “Se o sistema familiar funcionar de forma conturbada, com conflitos e indefinições de papéis e de regras, os seus elementos e, sobretudo, o paciente designado, ou doente, quando existe, ressentir-se-á muito fortemente, nomeadamente, com sinais de hostilidade e desinteresse, reacções impulsivas, inesperadas, infantis, ou outras quaisquer formas que adopta para, ilusoriamente, atenuar a insegurança que vive e, de algum modo, controlar as referências ao seu próprio contexto” (Cordo, 1992: 49).

A família deve perceber que tem um papel fundamental para o tratamento e reinserção do doente, deste modo deve cooperar e ser activa neste processo. Muitas vezes as

contexto social, económico e familiar do doente, a realidade abrangente ao problema do doente; e por último visa verificar a veracidade dos dados fornecidos na fase de acolhimento do doente, e recolher novas informações a fim de avaliar a necessidade do recurso a outros serviços.

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famílias oscilam entre se sentirem responsáveis pela doença e atribuírem-na ao próprio doente ou a causas externas.

A doença mental tem características muito próprias, que acabam por desgastar e sobrecarregar aqueles que acompanham estes doentes. O impacto da doença é visível não só no próprio doente como na família, nas pessoas de referência, com quem mantêm laços, no meio envolvente. O sofrimento e desgaste, sobretudo ao nível das famílias, acontece porque toda a dinâmica familiar fica perturbada, todos os membros da família são afectados pela doença.

“Neste momento, podemos dizer que a família está mais desperta para. Antigamente, e também porque as políticas mudaram…antigamente a pessoa era internada e ficava. A família ia visitar e demitia-se do dever que tinha para com o outro. Neste momento a família não se demite tanto. Aquilo que acontece muitas vezes é que há um estado de saturação, quando a doença é uma doença crónica, com dificuldades de se adaptar e até de se restabelecer após a situação de agudização da doença. A família aí fica um pouco cansada…fica cansada e necessitam de um certo alívio. Essas famílias não são tão apoiantes, porque já estão muito saturadas. Mas podemos dizer, e uma vez que estamos hoje aqui na consulta de gerontopsiquiatria, posso-lhe dizer que aqui é raro o doente que venha sozinho. Vem quase sempre, habitualmente, ou com alguém de família ou com uma pessoa significativa” (Ent. nº 7, lin.95-105).

A família pode ter duas características: protectora ou ausente em relação ao utente. A família protectora mantém os laços afectivos fortes; isola o doente, limitando a sua interacção com as redes. Este tipo de família procura um contacto frequente com os técnicos e serviços, contudo, nem sempre cumpre as orientações técnicas, gerindo a terapêutica de acordo com as suas convicções. Ao querer proteger o doente de tudo, esta família protectora dificulta o seu tratamento. A família ausente caracteriza-se por manter laços afectivos muito fracos. Tende a desresponsabilizar-se do apoio ao doente, chegando mesmo a afastar-se deste. Os contactos com os serviços são escassos e não colabora na orientação terapêutica do doente. Esta desvinculação das famílias acontece devido à grande sobrecarga que o apoio ao doente exige. Não existem respostas que aliviem as famílias no apoio ao doente, originando, muitas vezes, o afastamento destas e a fomentação do estigma, pois começam a olhar o doente como um estorvo.

“A rede social de apoio, seja ela qual for, pode desempenhar um papel importante. Nunca se pode impor como tarefa tratar de um familiar com quem não se tem uma relação próxima. Ter uma pessoa doente é uma grande seca. Ninguém quer um familiar doente. Nem todos os doentes têm boa família. Temos de ter um trabalho de os cativar para os nossos objectivos terapêuticos. Foi por isso que inventaram o Serviço Social, é porque a família não chega” (Ent. nº 1, lin. 66-72).

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Por norma, a família é um núcleo pequeno, pelo que se encontra sobrecarregada, caracterizando-se as relações entre os seus membros pela assimetria e falta de reciprocidade. A pessoa doente recebe muito mais do que aquilo que pode dar, causando situações de stress, tensão e desgaste. A doença pode aglutinar todo o sistema familiar como grupo, fomentando o isolamento social e reduzindo todo o contacto com o exterior.

Quando o projecto da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados de Saúde Mental (RNCCISM) for implementado as famílias irão receber um apoio mais próximo para o seu doente. De acordo com a CNPRSSM (2007: 87) esta Rede Nacional de Cuidados Continuados visa, entre outros objectivos, a reabilitação, integração social, participação e autonomia das pessoas com perturbações mentais graves e ou incapacidade psicossocial, residentes na comunidade e sem suporte familiar e social adequado; a integração familiar, social e profissional; o apoio aos familiares ou cuidadores informais, quer na respectiva preparação e qualificação, quer na prestação dos cuidados; a melhoria contínua da qualidade na prestação de cuidados continuados de saúde mental e de apoio social.

A equipa multidisciplinar considera as famílias o principal suporte para os doentes psiquiátricos. Assim, as famílias devem estar dotadas com conhecimentos e informações sobre a doença e a terapêutica prescrita ao seu familiar, bem como devem possuir uma orientação sobre as estratégias adequadas aos cuidados diários a executar e a exercer nos momentos de crise.

A informação, a orientação e o suporte dado às famílias constitui parte integrante do processo de reintegração social dos doentes psiquiátricos. A participação das famílias constitui uma dimensão importante no tratamento dos doentes, contribui para uma maior adesão ao tratamento tendo impacto positivo nos Serviços de Saúde Mental.

7.3. Reinserção Social e Desinstitucionalização

A nossa sociedade tende a marginalizar e a rejeitar todos os membros, que ao estarem descompensados, não cumprem as normas pré-estabelecidas. O doente mental vai perdendo, com o alongar da doença, as suas competências e a sua capacidade de adaptação a este mundo cada vez mais complexo. A grande perturbação destes doentes é o corte, o afastamento do meio, deixa de existir comunicação, o que o leva à solidão e ao isolamento.

“A criação de meios terapêuticos nos serviços hospitalares e a passagem do eixo de acção para as unidades extra-hospitalares tiveram como corolário natural a criação de programas de reinserção social dos doentes na comunidade. Efectivamente, se se visava criar instituições cujo modelo de funcionamento fosse tão semelhante quanto possível ao existente na sociedade, se se pretendia que os doentes continuassem a

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funcionar como pessoas activas, mesmo como agentes activos de terapêutica, tornava-se necessário complementar esta acção com programas de reinserção social que tivessem como fim último o seu regresso à comunidade e, naturalmente, a sua reinserção nela, sendo de excluir a simples assistência custodial, que até aí fora praticada” (SPPS, 1998: 50).

Deste modo, a reabilitação do doente mental “consiste não só em curar a sua doença, mas também em restabelecer a comunicação do seu Eu com o meio. O ponto alto da reabilitação é a integração social, a devolução do doente aos seus grupos humanos de referência, mas para isso um longo processo é necessário” (Leitão, 1974: 71).

Para que a reinserção seja um sucesso, é necessário, em primeiro lugar, o apoio incondicional da família e/ou das pessoas de referência. Este apoio social dar-lhe-á a segurança necessária para que consiga atingir o segundo ponto da reinserção: o trabalho. O trabalho vai permitir-lhe chegar à auto-realização, vai facilitar a comunicação com os outros e com o meio, vai permitir ao doente ganhar dinheiro para satisfazer as suas necessidades básicas. Assim, com estes dois pontos alcançados, o doente reaprende a viver em sociedade. No entanto, o doente mental não tem as mesmas capacidades e competências que a nossa sociedade exige, tem limitações que o condicionam tanto a nível social como laboral. É importante que a equipa multidisciplinar esteja atenta a este facto. “Todavia, nada será possível fazer enquanto as resistências e os preconceitos disfarçados sob as mais variadas formas impedirem o doente de ser aceite como um ser humano, e sem esta aceitação não há identificação e, portanto, integração social” (Leitão, 1974: 72).

Na última década surgiram algumas respostas no âmbito das políticas sociais dirigidas à pessoa com doença mental. Assim, o hospital psiquiátrico deixa de ser o único apoio a doentes e famílias. A Lei da Saúde Mental 36/98 contribui, então, para a inclusão social e prevenção de recaídas do doente mental. Esta lei estabelece que a prestação de cuidados e a reabilitação devem ser promovidas em estruturas e unidades inseridas na comunidade.

Por sua vez, o Despacho-Conjunto n.º 407/98 de 18 de Junho7, elaborado pelo Ministério da saúde e pelo Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, estabelece as orientações reguladoras da intervenção articulada do apoio social e dos cuidados de saúde continuados. Assim, este Despacho visa a intervenção articulada à saúde e à acção social; a racionalização dos recursos existentes; a promoção da autonomia dos indivíduos em situação de dependência; o reforço das capacidades e competências das famílias; a prioridade à prestação de cuidados no domicílio. Deste modo, o CHPC tem parcerias com a Casa Abrigo padre Américo, com a ARSDOP – Unidade de Vida Protegida (Casa renascer), com o Fórum Socio-Ocupacional CELIUM e com o Fórum Socio-Ocupacional de Santa Teresa (ADFP).

7 Vide Anexo I.

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Estas respostas têm como objectivo acolher e apoiar os doentes que se encontram em regime de internamento ou na comunidade para formação socioprofissional. Contudo, apesar da aplicação destas medidas ter sido efectivada na comunidade, elas revelam-se ainda insuficientes para integrar o número de utentes que delas precisam. Da mesma maneira, estas medidas não respondem às necessidades de muitos utentes com outras características, como idosos e doentes com limitações ao nível das competências decorrentes da doença mental.

“[O Hospital Psiquiátrico] tem uma tradição de integrar nas suas equipas assistentes sociais, psicólogos, tem uma equipa alargada de técnicos especializados na área e habituados a lidar com estes doentes, conhecem muito bem as suas necessidades, conhecem muito bem as estruturas que existem de apoio… têm os contactos, têm a rede de contactos necessária… estão bem vistos nas instituições. A impressão que eu tenho é que quando passa alguma coisa pelo Centro Hospitalar Psiquiátrico de Coimbra as instituições respondem” (Ent. nº 3, lin. 190-196).

A desinstitucionalização dos serviços de saúde mental e a criação de serviços desta natureza ao nível dos cuidados primários, dos centros comunitários e dos hospitais gerais, adequados às necessidades dos doentes e das respectivas famílias podem contribuir para a inclusão social.

“O número de doentes que procuram os serviços subiu em flecha nas consultas externas. Esse aumento aconteceu devido aos quadros clínicos da chamada psiquiatria leve, normalmente tratados com medicamentos e/ou psicoterapia. São descompensações depressivas, ansiosas, reacções, conflitos de tipo pessoal, familiar, conjugal, profissional ou outros, são desajustamentos sexuais, sociais, inadaptações escolares, afectivas, problemas de droga, ideias de suicídio ou outras patologias do mesmo tipo” (Milheiro, 1999: 201). Estes doentes não têm necessidade de um internamento no hospital psiquiátrico, precisam apenas de acompanhamento em ambulatório, ou seja, consulta externa e, eventualmente, Hospital de Dia. O processo de consulta poderá conduzir à identificação de melhores práticas para promover a inclusão social e proteger os direitos das pessoas doentes e diminuídas mentais.

Os quadros psiquiátricos pesados, como a esquizofrenia8, psicoses afectivas, perturbações graves da personalidade, ao serem hoje detectados e acompanhados mais cedo permite que os doentes que sofrem desta patologia sejam tratados em

8 De acordo com Barrachough e Gill (1997), “a esquizofrenia é uma doença psicótica que, na sua fase afectiva, implica ideias delirantes, alucinações e perturbações em múltiplos processos mentais. Em muitos casos evolui para a cronocidade, deixando sintomas psicóticos residuais e prejudicando o desempenho social. (…) As perturbações do humor (perturbações afectivas) incluem doença depressiva e mania. Existem condições episódicas ocorrendo uma ou duas vezes na vida em alguns pacientes mas para outros são recorrentes, com intervalos frequentes, normalmente com boa recuperação entre episódios”. A perturbação afectiva bipolar, inicialmente chamada de psicose maníaco-depressiva, caracteriza-se por episódios maníacos e depressivos; a perturbação afectiva unipolar caracteriza-se por episódios depressivos recorrentes sem os de natureza maníaca.

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ambulatório, e que permaneçam no seu meio social. Mesmo quando há necessidade de internamento, este é, por norma, de curta duração.

Com a reforma psiquiátrica, os hospitais psiquiátricos tendem a ser gradativamente substituídos por enfermarias de psiquiatria nos hospitais gerais, no caso de doentes graves ou em crise. Os doentes com quadros leves/moderados são acompanhados em ambulatórios e devem viver em sociedade para promover a reinserção social.

Com o aumento de população com quadros leves a recorrer aos serviços de psiquiatria, há necessidade de um aumento equivalente ao nível dos técnicos, nomeadamente, sociais, pois, pelo que pude observar, são bastantes os casos em que a doença despoleta com alguma problemática social.

“Cerca de 50% dos doentes internados em estabelecimentos psiquiátricos não deviam lá estar. Temos camas em excesso para as necessidades reais de tratamento de doenças do foro psiquiátrico” (Matos, 2004: 211).

Não obstante, os hospitais psiquiátricos reduziram acentuadamente a sua população. Este facto deve-se à utilização, por parte dos psiquiatras, de novas terapêuticas que privilegiam o ambulatório, diminuindo os internamentos e o desenvolvimento de novos doentes crónicos. A desinstitucionalização é um fenómeno em desenvolvimento na nossa sociedade. A mudança dos hospitais psiquiátricos tem sido progressiva, criar uma rede de serviços na comunidade é uma realidade cada vez mais concreta, pois acompanhar o doente no seu meio proporciona-lhe um acompanhamento muito mais personalizado e adequado ao seu caso.

“A desinstitucionalização propôs-se possibilitar aos indivíduos com perturbações mentais cuidados de saúde na comunidade” (Maria e Sousa, 2000: 181). Um dos grandes problemas inerentes à desinstitucionalização prende-se com o facto de as comunidades não estarem preparadas para receber estes doentes, não existem recursos para dar resposta às necessidades desta população. Como refere Rapport (1990), “a experiência da Saúde Mental Comunitária alargou o campo de acção dos técnicos no tipo de prestação de serviços através da modificação dos conceitos de relação entre os indivíduos e a sua comunidade, introduzindo ideias de saúde pública, de alto risco, de crise e de situações de transição bem como de população”. Os objectivos da Saúde Mental na Comunidade são impedir o aparecimento de perturbações psiquiátricas e/ou o seu agravamento.

“Na realidade, quando entre nós se fala de integração comunitária dos doentes mentais está-se quase exclusivamente a falar de 'integração' dos doentes nas famílias. Do ponto de vista do Estado, as famílias representam o recurso mais económico da implementação da psiquiatria comunitária. Para a psiquiatria, as famílias são a estrutura extra-hospitalar menos exigente, não tratado como parceiro da estratégia terapêutica e de reabilitação, mas como mera transferência de tutela dependente. O doente deixa de estar sob a responsabilidade do hospital e passa para a

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No caminho da reinserção social

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responsabilidade da família, ambos sujeitos (o doente e o familiar) ao cumprimento das determinações médicas”. (Alves e Silva: s/d).

Quando falamos em desinstitucionalização referimo-nos, essencialmente, aos doentes crónicos. Os hospitais psiquiátricos não têm condições para aceitar mais doentes institucionalizados, e as políticas sociais também não o permitem. “ (…) Será mais acertado dizer que em vez de desinstitucionalização, há uma falta de espaço para doentes mentais crónicos” (Carmo, 1996: 64).

A desinstitucionalização deve ser promovida, pois muitos utentes têm competências para estarem integrados na sociedade. Permanecerem no hospital será fazerem uma desaprendizagem, das regras básicas de vida e convivência. No entanto, é preciso não esquecer que a base de doença de muitos utentes está precisamente no meio onde vivem, na família nuclear. Estes utentes têm necessidade de um corte transversal para conseguirem uma reabilitação eficaz. Da mesma maneira que muitas famílias, como já referi atrás, ao viverem uma grande sobrecarga, necessitam de uns dias de «descanso», nestas situações, um internamento de curta duração será a melhor solução.

“Com a desinstitucionalização procura-se uma vida mais normalizada, mais activa e estimulante, fora de um contexto custodial e de perspectivas simplistas sobre os problemas de saúde mental, procurando respostas individualizadas para os doentes em institucionalização total; não pressupõe uma mera transferência de local de habitação, nem o privilegiar de altas para redução de camas hospitalares, com posterior abandono e agravamento da qualidade de vida. Apontam-se como soluções: recolocação familiar; locais normalizados, como residências para idosos e pensões; instituições sociais com apoio psiquiátrico” (CSSM, 1995: 110).

A Comissão Nacional Para a Reestruturação dos Serviços de Saúde Mental (2007: 86) apresenta um leque diversificado de serviços com vista à “inclusão social e prevenir a exclusão das pessoas com problemas de saúde mental do acesso à educação, formação, emprego, habitação condigna, protecção social, cultura, justiça, e favorecer a sua integração nas comunidades naturais, e a igualdade de oportunidades em todos os contextos”. Assim prevê algumas formas descentralizadas de apoio: residências protegidas; centros comunitários para socialização, treino de competências sociais, e promoção da integração social; serviços de orientação, formação e reabilitação profissional; sistemas de emprego apoiado e apoios à contratação no mercado de trabalho; cooperativas ou empresas de inserção; serviços de apoio domiciliário; grupos de auto-ajuda; grupos psico-educacionais para doentes e famílias; organizações de utentes ou de famílias; linhas telefónicas S.O.S; etc.

7.4. Movimento de Doentes

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Na Biblioteca do CHPC estão disponíveis os Boletins Estatísticos Anuais desde o ano 1985, em papel e com possibilidade de consulta.

Nesta secção sobre o Movimento de Doentes, optei por agrupar os dados desde 1991 até 2008, com intervalos de quatro anos (1991-1996-2000-2004-2008). Decidi por iniciar em 1991, pois a organização dos dados anterior a esta data estava por sectores, o que dificultava a compreensão dos mesmos. A impossibilidade de tratar todos os anos também me levou a escolher estes intervalos.

Até ao ano 1995 os serviços de internamento do Hospital denominavam-se A, B, C, D. Na passagem para o ano 1996, o Hospital Sobral Cid reestruturou os serviços, passando a Serviço 1 e 2.

Só no segundo semestre do ano 2004, o HSC voltou a reestruturar os serviços, passando de 1 e 2 para clínica masculina e clínica feminina agudos. O serviço dos doentes residentes também foi reorganizado, passando o pavilhão 2 e 14 a ser clínica masculina; e o pavilhão 13 a ser clínica feminina. Com a última reforma para CHPC os dados passam a englobar a Unidade do Lorvão e de Arnes.

A elaboração dos próximos gráficos teve como objectivo mostrar algumas tendências de evolução ao longo dos anos.

Gráfico II – Lotação Agudos (Masc. e Fem.), 1991-2008

Mas

c.

Mas

c.

Mas

c.

Mas

c.

Mas

c.

Mas

c.

1991 1996 2000 2004 1º

Sem.

2004 2º

Sem.

2008

0

10

20

30

40

50 44

28 30 3035

28

Lotação - Agudos (Masc.)

Lotação

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49

Fem. Fem. Fem. Fem. Fem. Fem.1991 1996 2000 2004

1º Sem.

2004 2º

Sem.

2008

05

10152025303540 36

31 29 2935

29

Lotação - Agudos (Fem.)

Lotação

Fonte: Boletim Estatístico Anual (disponível na Biblioteca do CHPC).

Ao analisarmos a linha de evolução da lotação no internamento de agudos verificamos que é em 1991 que os internamentos atingem o seu pico. Até este ano o serviço hospitalar era o único que funcionava correctamente no apoio aos doentes do foro mental, pelo que recorrer a este meio de tratamento era a única solução. Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 127/92 nota-se uma descida acentuada na lotação de internamentos. Entre 1996 e 2004 a linha manteve-se estagnada, mais uma vez fruto das políticas sociais. Retoma-se a reestruturação e desenvolve-se a rede de serviços comunitários. No segundo semestre de 2004 os números aumentaram ligeiramente como resultado de uma reformulação dos serviços dentro do hospital, voltando depois a atingir os valores desejados. As novas políticas procuram diminuir o número de camas no hospital, privilegiando o tratamento no meio de origem do utente. A criação no primeiro semestre de 2009 de uma unidade de curto internamento visa, precisamente, avaliar num curto espaço de tempo a necessidade ou não de um internamento hospitalar, sendo decidido nesse tempo o seu tratamento em ambulatório ou o internamento na clínica de agudos. No Anexo II estão disponíveis os dados mais recentes (2009) referentes à lotação dos serviços no CHPC.

O Gráfico III, referente à lotação de crónicos, é igualmente o reflexo das políticas sociais que atrás referi. No semestre de 2004 a lotação de mulheres sofreu uma descida acentuada. Isto acontece porque até ao primeiro semestre deste ano os dados referentes a estes doentes de evolução prolongada estavam agrupados por dois serviços, pelo que, com a reorganização, a diferença de doentes femininas que se verifica no Gráfico possa ser explicada com a deslocação destas para outros serviços. Neste momento, a lotação da clínica feminina de crónicos está em 36 doentes e a masculina com 45 doentes. As políticas de desinstitucionalização visam diminuir cada vez mais este número, com o objectivo de, tal com refere a Comissão Nacional Para a

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Reestruturação dos Serviços de Saúde Mental (2007: 93), “[Até 2016] completar o processo de desinstitucionalização em todos os HP’s”.

Gráfico III – Lotação Crónicos (Masc. e Fem.), 1991-2008

Mas

c.

Mas

c.

Mas

c.

Mas

c.

Mas

c.

Mas

c.

1991 1996 2000 2004 1º

Sem.

2004 2º

Sem.

2008

60

65

70

75

80

85

9084

76 76 7680

70

Lotação - Crónicos (Masc.)

Lotação

Fem. Fem. Fem. Fem. Fem. Fem. 1991 1996 2000 2004

1º Sem.

2004 2º

Sem.

2008

01020304050607080 73 70 70 70

41 40

Lotação - Crónicos (Fem.)

Lotação

Fonte: Boletim Estatístico Anual (disponível na Biblioteca do CHPC).

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No caminho da reinserção social

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Gráfico IV – Movimento de Doentes Agudos, 1991-2008

Mas

c.

Fem

.

Mas

c.

Fem

.

Mas

c.

Fem

.

Mas

c.

Fem

.

Mas

c.

Fem

.

Mas

c.

Fem

.

1991 1996 2000 2004 1º

Sem.

2004 2º

Sem.

2008

0100200300400500600700800

Movimento de Doentes Agudos

ExistentesEntradosLinear (Entrados)SaídosTransitadosTratados

Fonte: Boletim Estatístico Anual (disponível na Biblioteca do CHPC).

O Gráfico IV refere-se ao Movimento de Doentes Agudos, desde o ano 1991 até ao ano 2008, em relação ao número de doentes existentes, entrados, saídos, transitados e tratados9. Podemos verificar que o número de doentes existentes diminui substancialmente de um período para o outro, sendo nulo desde o segundo semestre de 2004. A linha de tendência de doentes entrados, no sentido descendente, revela uma resistência ao internamento, pelo que se pode admitir a eficácia do tratamento em ambulatório. Por outro lado, nos últimos anos, o número de doentes saídos é inferior ao número de doentes entrados, o que pode sugerir uma propensão para internamentos mais longos, aumentando o número de doentes transitados. Mais uma vez, a criação da unidade de curto internamento vem permitir a diminuição de internamentos e, nalguns casos, vem prevenir os reinternamentos. O fenómeno da ‘porta giratória’ é uma realidade que a equipa multidisciplinar procura reduzir através de um acompanhamento ao doente desde o primeiro momento sempre numa perspectiva humanizante.

9 Legenda disponível no Anexo IV.

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Gráfico V – Movimento de Doentes Crónicos, 1991-2008

Mas

c.

Fem

.

Mas

c.

Fem

.

Mas

c.

Fem

.

Mas

c.

Fem

.

Mas

c.

Fem

.

Mas

c.

Fem

.

1991 1996 2000 2004 1º

Sem.

2004 2º

Sem.

2008

0

20

40

60

80

100

Movimento de Doentes Crónicos

ExistentesEntradosSaídosTransitadosLinear (Transitados)Tratados

Fonte: Boletim Estatístico Anual (disponível na Biblioteca do CHPC).

No que diz respeito ao Movimento de Doentes Crónicos podemos aferir que há uma certa estagnação. Ao longo dos tempos os doentes vão transitando de período em período. Não saem, daí a necessidade de se promover a desinstitucionalização. Estes doentes adaptaram-se ao meio hospitalar, as suas famílias foram acomodando-se a esta situação, e hoje não há estruturas na sociedade para os receber.

O pico de doentes entrados a partir do segundo semestre de 2004 é meramente indicativo, isto é, como tanto em 2004 como em 2008 houve uma reestruturação do serviço no CHPC, a nível estatístico não foi considerada a existência destes doentes, mas sim a sua entrada.

Os Gráficos VI e VII mostram a evolução da Taxa de Ocupação de Doentes Agudos e Crónicos, respectivamente.

Através da linha de tendência podemos verificar que a taxa de ocupação média está na ordem dos 80%, sendo a tendência descendente. Podemos apurar, também, que a taxa de ocupação feminina é tendencialmente superior que a masculina. Este facto pode significar que são as mulheres que recorrem com maior frequência ao internamento como solução da crise.

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Gráfico VI – Taxa de Ocupação Doentes Agudos (Masc. e Fem.), 1991-2008

Mas

c.

Mas

c.

Mas

c.

Mas

c.

Mas

c.

Mas

c.

1991 1996 2000 2004 1º

Sem.

2004 2º

Sem.

2008

0

20

40

60

80

100

12096.4

81.470.6 67.9

78.6 72

Taxa de ocupação - Agudos (Masc.)

Taxa de ocupaçãoLinear (Taxa de ocupação)

Fem

.

Fem

.

Fem

.

Fem

.

Fem

.

Fem

.

1991 1996 2000 2004 1º

Sem.

2004 2º

Sem.

2008

0

20

40

60

80

100

12099.2

80.668.3

58.5

97.889.8

Taxa de ocupação - Agudos (Fem.)

Taxa de ocupaçãoLinear (Taxa de ocupação)

Fonte: Boletim Estatístico Anual (disponível na Biblioteca do CHPC).

Relativamente aos doentes crónicos, a linha de ocupação média encontra-se, igualmente, na ordem dos 80%, no sentido ascendente. A tendência da ocupação dos doentes crónicos evolui para os 100% pois ao não serem recebidos mais doentes e ao diminuírem o número de camas, a lotação aproxima-se da totalidade. Se um doente crónico falecer, a sua cama não será novamente ocupada, naquele serviço a lotação irá reduzir para menos uma cama. Logo, a relação camas ocupadas-lotação andará par a par.

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No caminho da reinserção social

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Gráfico VII – Taxa de Ocupação de Doentes Crónicos (Masc. e Fem.), 1991-2008

Mas

c.

Mas

c.

Mas

c.

Mas

c.

Mas

c.

Mas

c.

1991 1996 2000 2004 1º

Sem.

2004 2º

Sem.

2008

0

20

40

60

8065.8

82.5 81 80.3

60

79.9

Taxa de ocupação - Crónicos (Masc.)

Taxa de ocupaçãoLinear (Taxa de ocupação)

Fem

.

Fem

.

Fem

.

Fem

.

Fem

.

Fem

.

1991 1996 2000 2004 1º

Sem.

2004 2º

Sem.

2008

0

20

40

60

80

100

67.8

85.592.3 92.7

59.3

94.8Taxa de ocupação - Crónicos (Fem.)

Taxa de ocupaçãoLinear (Taxa de ocupação)

Fonte: Boletim Estatístico Anual (disponível na Biblioteca do CHPC).

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III ParteDescrição e Avaliação das Actividades de

Estágio

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CAPÍTULO VIII – SERVIÇO DE PSIQUIATRIA GERAL: CLÍNICA FEMININA

O processo de integração foi um momento fundamental para o decorrer do estágio e elaboração do presente trabalho.

Tive a oportunidade de conhecer os diversos serviços existentes, a população a que dão resposta e os diversos funcionários e técnicos que intervêm na dinâmica do hospital. Desenvolvi um processo de pesquisa bibliográfica, na Biblioteca do CHPC, sobre a evolução histórica do hospital e as políticas subjacentes. Tive oportunidade de observar o funcionamento e organização do serviço e o modo de intervenção do Serviço Social.

Durante o meu estágio na Unidade Sobral Cid do CHPC presenciei diversas actividades organizadas semanalmente, tal como se pode observar no Quadro II.

Quadro II – Plano das actividades semanais

Horário/Tarefas 2ª Feira 3ª Feira 4ª Feira 5ª Feira 6ª Feira

Manhã Consulta

Externa

Jogos

Terapêuticos

(Educação

p/ Saúde)

Reunião

Comunitária

Reunião

Equipa/Serviço

Tarde Clínica F. Clínica F. Dia Livre Clínica F. Clínica F.

Numa primeira fase do meu estágio, cerca de um mês e meio, eu passei por um período de integração. Acompanhei sempre uma Técnica de Serviço Social em todas as suas intervenções. Assisti às entrevistas de acolhimento, de avaliação, ao apoio psicossocial ao doente e à família, estive presente nos serviços externos. Enfim, segui de perto todo o trabalho desempenhado pelo Serviço Social.

Posteriormente, comecei a realizar um tipo de trabalho mais autónomo voltado para o meu interesse primordial: analisar a organização do hospital, o seu funcionamento estrutural, a relação entre os vários profissionais, analisar o quotidiano dos doentes internados e dos doentes residentes e, ainda, como é efectivada a sua reinserção social.

Deste modo, todas as segundas-feiras de manhã estive na consulta externa. Aqui assisti às entrevistas de acolhimento dos utentes que vinham pela primeira vez à consulta, e às entrevistas de avaliação de utentes já seguidos em consulta no hospital. Às terças, quartas e quintas-feiras, presenciei as actividades terapêuticas proporcionadas pela equipa de enfermagem da clínica feminina. Todas as sextas-feiras realiza-se a reunião de equipa, salvo algum motivo exterior à clínica (como por exemplo, reunião de médicos). Todas as tardes estive no internamento, na clínica feminina, onde presenciei todas as intervenções da minha supervisora.

Importa, então, conhecer melhor a Clínica Feminina de Agudos.

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No caminho da reinserção social

57

8. Caracterização do Serviço

A Clínica Feminina (CF) de Agudos destina-se a utentes do sexo feminino com problemas do foro mental. Estas doentes chegam ao serviço por decisão do médico assistente na consulta externa; através do serviço de urgência dos HUC, o médico psiquiatra de serviço avalia a situação da utente e, sendo necessário, encaminha-a para a clínica feminina do CHPC; ou através de uma decisão judicial10 (internamento compulsivo). O internamento compulsivo destina-se ao doente com anomalia psíquica grave que crie uma situação de perigo para bens jurídicos, próprios ou alheios; que recuse submeter-se a tratamento médico; que não possua discernimento para avaliar a necessidade de tratamento. “O internamento compulsivo é um procedimento legal em que o indivíduo é restringido contra a sua vontade e perde temporariamente alguns direitos à sua autodeterminação. Por esta razão, a lei e os tribunais tomam muito a sério o tratamento psiquiátrico compulsivo, criando muitas salvaguardas contra abusos de procedimento” (Mondimore, 2003: 288).

A hospitalização psiquiátrica é meio para instituir um tratamento adequado e não um fim para a problemática do doente mental. Nem sempre o doente tem a percepção de que necessita de tratamento.

8.1. Acolhimento da Doente

Na chegada ao internamento da Clínica Feminina do CHPC, as doentes são recebidas pela equipa de enfermagem. São estes os profissionais que vão orientar, integrar e acompanhar, permanentemente, a doente durante todo o tempo do internamento.

Quando uma doente chega ao internamento, seja em que horário for, é submetida a uma entrevista de acolhimento/avaliação por parte de um elemento da enfermagem. Nesta entrevista pretende-se averiguar qual a perspectiva da doente em relação à sua doença, como ‘sente’ a doença. É feita a colheita de dados, na qual se pede sempre um contacto telefónico do familiar mais próximo. Se o doente à chegada vier acompanhado por um familiar, é realizada, igualmente, uma entrevista de avaliação com objectivos específicos (saber como vê a doença do seu familiar). Caso o doente chegue sozinho, a equipa de enfermagem fala com a família na primeira visita. Com estas duas entrevistas, esta equipa consegue fazer uma avaliação da relação doente-familiar.

Após esta primeira entrevista, a enfermagem regista os pontos-chave de intervenção (orientações de focagem), elabora um plano de tratamento. De seguida, a utente é

10 De acordo com a Lei de Saúde Mental nº 36/98, artigo 7º, o internamento compulsivo é um

internamento por decisão judicial de portador de anomalia psíquica grave. O internamento compulsivo só

pode ser determinado quando for a única forma de garantir a submissão a tratamento do internado e finda

logo que cessem os fundamentos que lhe deram causa (artigo 8º).

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encaminhada para a Unidade de Curto Internamento e Triagem (UCIT), onde permanecerá cinco dias. Esta unidade situa-se no r/c, na enfermaria C. A UCIT tem como finalidade a doente ser avaliada pela equipa multidisciplinar (psiquiatra, enfermagem, serviço social), procedendo-se à sua alta, no caso de não se justificar o internamento; ou passando a utente para o internamento normal. O objectivo desta equipa de triagem é evitar internamentos desnecessários e perceber porque acontecem as recaídas.

8.2. Quotidiano do internamento

Durante o internamento há regras a serem cumpridas por todas as doentes. O horário das refeições é fixo e quando as doentes são chamadas devem dirigir-se ao refeitório. Entre as 9h e as 9h30 é servido o pequeno-almoço, às 13h o almoço, às 16h o lanche, às 19h o jantar e às 21h a ceia. No final desta última refeição do dia as doentes estão livres para fazerem o que entenderem (ver televisão, ler, conversar, etc.), entre as 22h e as 22h30 recolhem ao leito.

Quando chegam ao internamento são-lhes retirados os objectos cortantes, os perfurantes e mais alguns que eventualmente possam constituir perigo, como fármacos que tragam do domicílio. São orientadas a entregar os vernizes e os produtos voláteis, que eventualmente tragam, de resto, podem ficar com o que trazem. Os objectos de valor devem entregar à família, caso não o queiram, entregam à enfermagem e são colocados no cofre. Se a doente estiver em condições de decidir, pode optar ficar com esses objectos sabendo os riscos que corre, nomeadamente, roubos. Relativamente ao telemóvel, por enquanto as doentes são induzidas a entregá-lo, não é retirado. Elas aderem quase sempre voluntariamente, outras vezes tentam enganar a enfermagem. Não devem ficar com o telemóvel devido a más experiências anteriores. Muitas vezes havia telemóveis a tocar às três e quatro horas da madrugada, o que não é benéfico nem para a doente, nem para quem está no serviço. Por outro lado, estas doentes estão internadas para um período de maior tranquilidade, pelo que, por vezes o exterior tem de chegar de uma forma mais filtrada. Evita-se que relações mais complicadas do seu meio passem para o internamento. Procura-se fazer uma filtragem do exterior negativo para o internamento. Família e outras pessoas que não perturbem a doente, são estimuladas a telefonar e a visitar. Têm uma hora longa de visita (entre as 10h e as 19h, respeitando o horário das refeições) e podem atender os telefones sempre que queiram. Portanto, não há uma rotura.

Relativamente ao dinheiro, deve ser a doente a ficar com ele e a geri-lo. Quando uma doente traz muito dinheiro, muitas vezes pela sua psicopatologia, não o quer entregar à família. A enfermagem guarda-o no cofre, mas não o gere. O dinheiro é entregue à

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doente no momento da alta ou quando estiver mais estabilizada, decide o que quer fazer.

Por norma, as doentes durante o internamento vestem-se e tratam da sua própria roupa. Só quando estão mais perturbadas do ponto de vista mental, e não são capazes de gerir a sua roupa individual, podendo mesmo perdê-la, é que são vestidas com roupas do serviço. Alguns casos de excepção são aquelas doentes, que pela sua concepção de doença, andam sempre de pijama no internamento. Estas doentes entendem o internamento psiquiátrico com um internamento num hospital geral, no qual os utentes devem permanecer de pijama ou mesmo com as roupas do hospital. Num internamento psiquiátrico não é relevante as roupas que os utentes vestem, pelo que essa situação fica ao critério de cada um.

Os quartos estão fechados durante o dia mas apenas por um período de tempo. As janelas estão abertas para arejar os quartos, de maneira que as portas têm de ser fechadas para que não haja risco de fuga. Isto acontece por um curto período de tempo, entre as 9 e as 11 horas. Não é benéfico as doentes dormirem durante o dia, e tenta-se sensibilizá-las para essa questão. Então, muitas vezes, deliberadamente as portas dos quartos estão mais tempo fechadas.

A clínica é composta por 34 camas, mais 5 que pertencem à UCIT (Unidade de Curto Internamento e Triagem). Duas das enfermarias são denominadas SO1 e SO2 que são, na verdade, quartos de isolamento. Destinam-se a doentes muito descompensadas, que coloquem em risco a própria vida e/ou a de terceiros. É um quarto pequeno, com apenas uma janela e uma cama. Tem ar condicionado. As paredes não têm esquinas e estão isoladas com um material almofadado. Nalgumas situações mais graves é retirada a cama, ficando apenas o colchão. Todas estas características visam a prevenção de um acidente. A doente regressa ao internamento normal quando já não representar perigo.

Anexa ao refeitório está uma sala de convívio muito pequena e desconfortável, composta por alguns sofás, cadeiras e uma televisão. As paredes estão decoradas com cartolinas de trabalhos realizados (por exemplo, ditados populares), provavelmente, por outras doentes. Esta sala está quase sempre vazia, sendo as doentes mais dependentes as principais frequentadoras. As doentes mais autónomas não gostam de estar muito tempo junto das outras, optando por ficar ao ar livre ou nos corredores. Em dias de sol, a opção de estar fora do pavilhão é privilegiada pela maioria.

A higiene pessoal é feita pelas próprias doentes quando capazes, ou com o auxílio de uma auxiliar, se necessário. Está sempre presente um elemento da enfermagem que supervisiona e auxilia todo este processo.

O refeitório funciona num regime de cantina. As doentes fazem uma fila, pegam num tabuleiro e dirigem-se à copa onde recebem a refeição. Podem escolher o lugar onde

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se vão sentar, porém, os espaços mais próximos da saída são privilegiados para as doentes com mais dificuldades motoras. Tal como acontece com a higiene pessoal, a refeição é acompanhada de perto pela equipa de enfermagem e pelas auxiliares. É nestas horas que é administrada a medicação. Preferencialmente seria na sala da medicação, no entanto, como são muitas doentes não seria prático esse método. A medicação vem da Farmácia do hospital, já preparada para cada doente e de acordo com a prescrição clínica, para 24 horas. A medicação SOS é aquela que é administrada só se necessário. Esta figura do SOS existe em todos os planos terapêuticos, e é da gestão autónoma do enfermeiro. Isto é, o enfermeiro avalia se é necessário administrar, administra e depois avalia o efeito. É mesmo administrada só em SOS, se há alguma situação que de todo exija uma intervenção mais incisiva do ponto de vista farmacológico, por exemplo, se a doente não conseguir dormir durante a noite.

As saídas para o exterior (consultas, urgências, etc.) são realizadas com o acompanhamento de uma auxiliar e um elemento da enfermagem (poderá ir outro técnico, se necessário).

Todas as doentes podem sair do pavilhão e passear dentro do recinto do Hospital, excepto aquelas que estão com internamento compulsivo, ou que tenham indicações terapêuticas para que não (alguns comportamentos desadequados lá fora, ideações suicidas ainda presentes e marcadas). O bar é longe, fica fora da capacidade de controlo quer da equipa de enfermagem, quer das auxiliares. Assim, aquelas que têm permissão para sair são estimuladas a ir em grupo. Não existe restrição quanto às saídas, no entanto é consensual irem depois do pequeno-almoço, bebem café e fazem uma caminhada; depois do almoço e, por vezes, à tarde. Neste último período, por norma, vão com as visitas.

Embora esteja regulamentado um horário de visitas específico para os hospitais (15h-20h), a clínica feminina permite as visitas das 10h às 19h, sendo sempre respeitada a hora da refeição. Os telefonemas são permitidos entre as 10h e as 21h. A comunicação da doente com o exterior é sempre facilitada, salvo restrição médica.

Durante a semana há actividades terapêuticas fixas e autónomas da enfermagem. Não existe nenhuma intervenção terapêutica multidisciplinar.

Quadro III - Actividades Terapêuticas

Período Terça-Feira Quarta-Feira Quinta-Feira Sábado

Manhã Jogos

Terapêuticos

Educação para a

Saúde

Reunião

Comunitária

Auto-Massagem

Tarde - - Relaxamento -

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Os Jogos Terapêuticos visam incentivar as relações intergrupais e interpessoais, de acordo com os objectivos de cada jogo. Cada jogo apresenta uma metodologia específica, uma duração variável e o recurso a uma ou várias técnicas de treino e desenvolvimento individual e interpessoal. Com estes jogos espera-se que as utentes, entre outras coisas, recuperem a auto-confiança, desenvolvam auto-crítica, treinem competências, memória, assumam responsabilidades dentro do grupo.

Com a Educação para a Saúde, a equipa de enfermagem, pretende desenvolver intervenções que incentivem a adopção de estilos de vida e padrões de comportamento que condicionem favoravelmente a vida; bem como procuram promover o desenvolvimento de normas sociais que respondam às necessidades de saúde e aos interesses da população, incrementando a cultura de saúde. Estas sessões visam o desenvolvimento da capacidade de tomada de decisão no domínio da saúde que promova mudanças conscientes e duradouras do comportamento, ou seja, o desenvolvimento do sentido de responsabilidade face à saúde individual, familiar e ao nível da comunidade.

A Reunião Comunitária procura fomentar a comunicação numa atitude analítica, isto é, a percepção da dinâmica do serviço. Nesta reunião gerem-se conflitos e planeiam-se as actividades terapêuticas para a semana estimulando a participação activa das utentes. Esta actividade é facilitadora no desenvolvimento da expressão verbal dos acontecimentos relacionados com a vivência grupal; no desenvolvimento de relações interpessoais e dinâmicas grupais; na reflexão auto-crítica; no processo comunicacional.

O Relaxamento é importante para o aumento da auto-estima e da auto-imagem, para a melhoria do padrão de sono e de repouso, para a aquisição de conhecimentos sobre a gestão de sentimentos emoções. Do mesmo modo, a Auto-Massagem é fundamental para dotar as doentes de conhecimentos e estratégias na redução do stress, ansiedade e mal-estar, através da utilização de técnicas de relaxamento, estimulação cutânea, massagem terapêutica e gestão de emoções.

Às segundas-feiras e sextas-feiras não há actividades planeadas, uma vez que raramente estão todas as doentes. Algumas têm permissão médica para passarem o fim-de-semana em casa, vão sexta-feira após o almoço e regressam segunda-feira de manhã. Nos dias de hoje, o hospital psiquiátrico aproxima-se cada vez mais da tão falada humanização. As idas dos doentes a casa constituem uma forma de terapia humanista, é um incentivo à reinserção familiar e social. O domingo é passado muitas vezes com as visitas familiares. Algumas doentes são de longe, tendo visitas apenas neste dia.

Nem sempre as utentes aceitam de bom agrado as actividades terapêuticas. Como já referi, um internamento num hospital psiquiátrico não é igual a um internamento num hospital geral, da mesma maneira que as utentes não estão internadas para fazerem

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umas férias da sua vida na comunidade. As utentes vão fazer um tratamento no qual se procura que não percam todas as suas competências, pelo que as actividades visam que não haja um corte com o meio. A fraca adesão que se constata em algumas actividades prende-se com o facto de algumas doentes não aceitarem este método, considerando que devem permanecer nos quartos e tomar a medicação. Deste modo, o procedimento dos profissionais, nomeadamente de enfermagem, baseia-se na estimulação para as actividades. As utentes não são obrigadas a participar, no entanto são incentivadas a fazê-lo, são-lhes explicadas as vantagens que estas actividades têm para o seu tratamento.

“O hospital deve funcionar como uma verdadeira família – deve ser a casa em que vivemos, como uma comunidade, que encare com frontalidade os problemas que se avizinham, numa entreajuda mútua, onde se induza nas pessoas a esperança e a vontade de poder vir a ser uma pedra fundamental na mesma” (Vidigal, 1994: 59).

As aulas de educação física são duas vezes por semana. Há um técnico específico para desenvolver esta actividade. As doentes deslocam-se ao pavilhão do Serviço de Reabilitação, onde terá lugar a aula. Como os internamentos são curtos, muitas destas doentes não realizam esta actividade, pois muitas vezes estão instáveis. De acordo com a equipa de enfermagem, no internamento de agudos o mais importante não é fazer, é estimular a fazer. As doentes têm que perceber que têm uma doença, que os fármacos têm efeitos, e que têm de aprender a contornar esses efeitos e/ou a minimizá-los.

A alta é preparada desde a admissão da doente. Uma vez que o objectivo é que a doente não perca o seu lugar na família, no seu meio sociocultural, que o internamento seja o mais curto possível e que a doente vá estabilizada, equilibrada, a alta deve ser preparada desde o inicio por todos os intervenientes do processo terapêutico. “Durante a fase de internamento a situação social do doente deve ser convenientemente considerada a fim de já estar definida, antes da alta, a atitude a tomar para a sua recuperação e reintegração social. O tipo de tratamento psiquiátrico que o doente recebe no dispensário varia com a competência e meios de trabalho da equipa” (Leitão, 1974: 57).

Aquando da alta, serão entregues ao doente os seguintes documentos: informação clínica para o médico de família; receita médica; informação sobre a data/hora da próxima consulta.

Durante o estágio na clínica feminina de agudos pude verificar que um grande número dos internamentos se deve a reacções e a descompensações de pessoas que face aos problemas, às necessidades, pressões e conflitos do dia-a-dia, não conseguem lidar com eles correctamente. Muitos destes casos são reinternamentos. Quando uma utente é internada a equipa multidisciplinar procura aliviar a sintomatologia psíquica aguda, reverter a descompensação emocional, fazer uma investigação diagnóstica

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detalhada, facilitar a posterior integração familiar e ocupacional, evitar comportamentos inadequados, como a violência. O principal objectivo do internamento do doente psiquiátrico é a sua integração na comunidade com o máximo de autonomia que as suas capacidades permitam, evitando a sua institucionalização. No Anexo V, está disponível um breve resumo de três situações de internamento que acompanhei durante o período de estágio.

Quando uma utente chega ao internamento, o Serviço Social começa a actuar desde o primeiro momento. A equipa multidisciplinar inicia um plano terapêutico com vista à doente permanecer internada o menor tempo possível, pois os internamentos longos afastam a doente do seu meio social, as famílias acabam por afastar-se, demitindo-se do seu papel apoiante, e permitindo o aumento do estigma associado à doença mental. No internamento a família é a primeira instância a quem a equipa recorre, procurando garantir o suporte social à reintegração e reabilitação do doente. Mais uma vez se evidenciam as escassas estruturas de apoio na comunidade, que auxiliem o papel da família. Existindo estruturas de apoio descentralizadas, o doente e a família têm um suporte social mais próximo de si.

As principais problemáticas do doente mental prendem-se com problemas pessoais e familiares, tais como a afectação ao nível das relações interpessoais no agregado, conflitos, ruptura, divórcio, morte, etc; a problemática laboral, como a desadaptação ao trabalho, dificuldades relacionais, desemprego; e a problemática socioeconómica, como a precariedade económica e a dependência de terceiros, estão igualmente associadas a grande parte dos internamentos.

8.3. A Equipa Multidisciplinar

A reunião do serviço, reunião de equipa, realiza-se uma vez por semana, à sexta-feira. Na reunião estão presentes o director do serviço (médico), todos os médicos e internos, dois representantes da equipa de enfermagem, as duas psicólogas e as duas assistentes sociais afectos ao serviço. A reunião começa às 11 horas, com alguma tolerância de atrasos, mesmo que não estejam todos os técnicos presentes. A reunião decorre numa sala ampla com uma mesa redonda (esta é a sala onde se realizam a maioria das actividades terapêuticas), todos os técnicos estão frente-a-frente. São apresentados todos os casos pelo médico assistente da utente. Todos os técnicos envolvidos no tratamento dessa utente complementam a informação e partilham conhecimentos sobre o caso. Esta reunião é o palco principal das interacções entre os técnicos, é o momento privilegiado para a troca de ideias em relação à doente.

Durante a reunião observa-se a existência de uma hierarquia, o que não acontece no quotidiano do serviço. O director faz a primeira intervenção enunciando o nome da doente cuja situação vai ser discutida e o respectivo médico assistente; o médico expõe e só depois os outros técnicos têm a palavra. Esta reunião necessita ser

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presidida para que haja um fio condutor e não se disperse, no entanto, parece-me que esta seria mais eficaz e os técnicos retirariam mais proveito se não fosse tão formalizada, se se dedicasse mais tempo à discussão dos casos. Na minha opinião, nem sempre as situações são muito aprofundadas, poderiam ser definidas mais estratégias no conjunto da equipa do serviço. “Na área da saúde, a dominância dos médicos é uma característica necessária do profissional: poder e superioridade do médico em relação a outras profissões. Podemos definir dominação médica como um conjunto de estratégias que exigem controlo sobre a situação de trabalho, as características institucionais dos profissionais médicos mais ampla autonomia dentro da divisão do trabalho e, finalmente, ocupacionais relacionadas com a soberania sobre grupos profissionais. Essa dominância médica envolve mais de uma localização privilegiada no seio da classe geral, na estrutura da sociedade” (Turner, 1995).

Roger Bastide (1968: 13) afirma que “o psiquiatra só se interessa pelos indivíduos, e por consequência o seu método é mais o método clínico ou histórico de casos; para ele trata-se de pesar acção respectiva dos diversos factores sociais na etiologia das perturbações de tal ou tal paciente”. Na minha observação eu não constatei este facto. No hospital psiquiátrico o médico interessa-se, em primeiro plano, pela situação clínica do utente, mas, após a sua compensação, preocupa-se com toda a situação em torno do doente. “O conhecimento especializado dos profissionais cria a base para o prestígio e a distância social entre o especialista e o cliente, uma vez que o cliente, por definição, está excluído do conhecimento esotérico da associação profissional. A base do conhecimento profissional é a racionalidade cognitiva pela qual o estatuto privilegiado da profissão é baseado numa disciplina científica. A profissão tem que ter uma base hermenêutica, isto é, tem que haver desenvolvimento da interpretação, que prevê a barreira contra a rotinização externa através da regularização da sua base de conhecimento” (Turner, 1995).

Ao contrário do que acontece num Hospital Geral, em que “os enfermeiros sofrem, em particular, os dilemas de profissionalismo versus burocracia, uma vez que no contexto hospitalar, muitas vezes, é difícil para eles exercerem iniciativa e autonomia. O enfermeiro ocupa uma posição subordinada dentro do hospital e com pouco prestígio” (Turner: 1995); neste serviço (clínica feminina), a equipa de enfermagem é bastante autónoma e com iniciativa no seu trabalho. É a enfermagem que está 24 horas com as utentes, é da enfermagem que partem as actividades, é a enfermagem que avalia evolução da doente. A equipa de enfermagem ocupa uma posição mais central, é esta equipa que realmente melhor conhece a evolução da doente.

“Como eu já disse, nós temos uma intervenção que é interdependente, temos uma área que é interdependente e nessa não temos independência. Tem um prescritor que é o médico e nós executamos, é um procedimento técnico. Temos outras que da área da autonomia da enfermagem. E as que são da autonomia da enfermagem são as que se inscrevem nas intervenções em que nós avaliamos, prescrevemos, desenvolvemos

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e voltamos a avaliar. Portanto, é neste sentido…desde que uma intervenção seja prescrita por nós, isto é, seja identificado o problema, seja prescrito por nós qualquer intervenção…e depois vamos avaliar o resultado final…isso inscreve-se nas intervenções autónomas da enfermagem. Obviamente que há delas que são da competência exclusiva dos médicos, sobretudo a prescrição farmacológica…e algumas outras prescrições, indicações terapêuticas…mas de resto, a maiorias das que aqui se desenvolvem…algumas são interdependentes mas muitas delas são independentes. Temos autonomia que está determinada no nosso código” (Ent. nº 6, lin. 171-183).

O excerto supracitado visa mostrar que, ao contrário do que acontece no Hospital Geral, como Graça Carapinheiro (1993) constatou no seu estudo: “neste serviço [medicina interna] o trabalho de elaboração de diagnóstico depende ainda fundamentalmente de raciocínios médicos, particulares e individualizados (…) dada a autonomia e o poder que os médicos desfrutam no hospital, as suas estratégias limitam inexoravelmente as capacidades estratégicas dos restantes profissionais e as possibilidades estratégicas dos doentes”; no serviço de psiquiatria geral, clínica feminina de agudos, este tipo de trabalho hierarquizado não existe. Há uma interacção de saberes, cada profissional aborda o caso da doente de acordo com o seu saber. É esta troca, esta partilha de informações que permite uma humanização no tratamento da doente, esta é encarada como um todo e não apenas na sua componente biológica. Pode observar-se uma perda de hegemonia do poder, do saber médico face a outros grupos profissionais que progressivamente se integram no sistema de assistência psiquiátrica.

O hospital psiquiátrico não é um hospital como os outros. Existe uma maior proximidade técnico-utente, os doentes são acompanhados desde o primeiro momento e mesmo após a alta. O doente sabe que quando sai do hospital o apoio permanece, pode telefonar aos técnicos, pode aparecer no hospital para falar. É visível uma humanização permanente, uma preocupação com a situação do utente.

Conclusão

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A psiquiatria evoluiu para um sistema multidisciplinar mais completo. “Pode-se designar este período da evolução da psiquiatria como o da medicina da totalidade humana, medicina da unidade bio-psico-social, medicina da pessoa dinâmica vivendo um universo movediço e instável” (Leitão, 1974: 43).

O teste às hipóteses que coloquei no início do trabalho foi sendo feito ao longo do estágio pela minha observação diária, complementada com as entrevistas aos técnicos. Assim, com o que ficou exposto, podemos perceber que no CHPC técnicos com formações distintas têm a mesma percepção do doente do foro mental. Todos trabalham pela humanização do doente, procurando olhar este como um todo, e não como sendo apenas um ser biológico ou social. Um exemplo muito relevante da proximidade entre técnicos e doentes é a inexistência da bata branca, apenas a enfermagem e as auxiliares utilizam farda de trabalho. O facto de os médicos e os outros técnicos não utilizarem esta indumentária cria uma relação mais próxima, de confiança. É afastado o «peso» da doença. O trabalho multidisciplinar é essencial para o tratamento do doente mental. As diferentes formações dos técnicos permitem analisar o todo do doente. Ao avaliar-se o indivíduo como um todo consegue-se uma recuperação mais eficaz, pois nenhuma situação fica descurada. A equipa deveria tentar limar algumas arestas deste trabalho multidisciplinar, ou seja discutir mais vezes os casos e não apenas quando há necessidade. A articulação entre os técnicos é boa, mas pode ser melhorada. As reuniões entre a equipa responsável pelo doente deveriam ser mais frequentes, não devendo ficar apenas para a reunião geral de serviço. O facto de os técnicos estarem afectos a mais do que um serviço dificulta esta situação, porém, parece-me pertinente reflectir-se pois uma maior interacção pode ser sinónimo de um tratamento mais eficaz.

O hospital é uma instituição que apoia o doente mental na sua reinserção, contribui para integração eficaz na sociedade. Para tal, contribuem as terapias complementares aos fármacos, que permitem ao utente recuperar algumas competências e aprender outras, bem como é uma porta aberta a novas oportunidades no meio social do doente. O hospital não intensifica o estigma pois durante o tempo em que o doente está hospitalizado não existe um isolamento total da sociedade. Os doentes interagem com outros doentes, interagem com os técnicos, interagem com a família e amigos. Quer isto dizer que o doente durante o internamento não fica excluído do mundo exterior, mantém contactos de alguma forma indirectos com tudo o que faz parte da sua vida social. O afastamento é temporário e não é total. Dependendo da patologia que motiva o internamento, muitas vezes o afastamento do meio é fundamental para uma boa recuperação, uma vez que o doente vai perceber quais as situações que lhe possam estar a prejudicar e vai aprender a contorná-las. Por outro lado, o tratamento do doente no seu meio parece-me, igualmente, uma questão importante. Se o doente

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for afastado do seu quotidiano para ir fazer um tratamento ao hospital, muitas das suas funções diárias vão sair prejudicadas.

Deste modo, sendo os técnicos a ir ao meio do doente muitos dos inconvenientes poderão ser evitados. O utente poderá ter um acompanhamento mais atempado e eficaz, bem como a equipa poderá educar o doente na sua postura perante a doença. Todavia, para que se consiga a eficácia desta equipa multidisciplinar na comunidade, é necessário investir na formação da sociedade face à saúde mental, começando por uma maior descentralização dos recursos de apoio, aumentar as intervenções na comunidade, pois nem todas as populações têm a mesma abertura e conhecimento em relação à doença. Portanto, é necessário evitar constrangimentos quer para o doente quer para o seu meio envolvente.

Considerações Finais

A urgência de um olhar sociológico, de uma visão mais global e integradora desta realidade complexa conduziu a uma tentativa de neste trabalho mostrar o que realmente é um hospital psiquiátrico, de desmistificar os preconceitos existentes na nossa sociedade em relação a esta problemática.

O tempo do estágio foi curto para poder abranger todas as componentes do hospital psiquiátrico, dei ênfase à questão social ficando a faltar uma análise mais aprofundada ao trabalho realizado pelos médicos e psicólogos. A informação recolhida para o meu trabalho é praticamente apenas qualitativa, a meu ver poderia ter sido complementada nalguns pontos com informação quantitativa.

Na minha opinião, o principal objectivo na reestruturação na Saúde Mental não deve ser o encerramento de estruturas, mas antes a criação de novos serviços, que proporcionem maior qualidade de vida a doentes e familiares. Os cuidados comunitários melhoram a acessibilidade e fomentam a autonomia e a integração dos doentes. No entanto, apesar da ênfase no ambulatório, as unidades de curto, médio e longo internamento mostram-se indispensáveis para o tratamento de alguns doentes.

Parece-me fundamental analisar como é prestado o apoio aos doentes na comunidade, criar novas parcerias com instituições disponíveis para apoiar estes doentes, nomeadamente com actividades que lhes permitam ocupar não só os dias, como também valorizar as suas tarefas, ou seja, é importante criar apoios na comunidade.

O caminho para a humanização nos Serviços de Saúde Mental passa muito pelo investimento em equipas de proximidade, isto é, por uma equipa multidisciplinar que,

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como já referi, esteja sempre presente no meio social do doente, que intervenha na crise, que apoie sempre que necessário o doente e a família. Uma equipa que tenha na sua linha de orientação o todo envolvente do doente, nomeadamente a comunidade. É necessário formar e informar mais a sociedade em relação à saúde mental.

Referências Bibliográficas

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