Do Império à Nova República

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Do Império à Nova República. Breve evolução histórico-política do Direito no Brasil CONSIDERAÇÕES INICIAIS A principal característica do Estado no Brasil tem sido a de antecipar-se aos grupos e classes sociais na determinação de nossa história. Esta é rica em exemplos que confirmam que todas as modificações político-econômicas e a incorporação de direitos básicos à ordem jurídica foram efetivadas sempre levando em conta a necessidade de introduzir estruturas modernas, mas com a preservação do antigo modelo de dominação, através da construção de alianças entre as novas e as antigas classes proprietárias, ocasionando a conseqüente exclusão da maioria da população do processo político decisório e da definição dos parâmetros necessários para o desenvolvimento da sociedade e do bem-estar público. Os padrões de dominação dos períodos anteriores sempre foram absorvidos pela elite insurgente, havendo uma conciliação entre a velha e a nova elite, para que fosse possível a convivência, mesmo que circunstancial, dos dois modelos sem a necessidade de destruição do antigo padrão de dominação. Assim, a incorporação de direitos, as modificações econômicas e políticas realizadas no país sempre foram introduzidas pelo Estado, de cima para baixo, com o atendimento dos interesses das classes emergentes, dando origem ao processo que se denomina de "modernização conservadora" [01] . Então, quando se analisa os principais acontecimentos políticos de nossa história, desde a Independência do Brasil até a implantação da Nova República, vê-se uma constante: a conciliação entre os velhos donos do poder e os setores sociais emergentes sob a condução do bastão estatal, transformando pouca coisa para que tudo permaneça como está no poder. Isto, sem dúvida, impediu a formação de uma sociedade democrática com traços nacionais mais sólidos, impossibilitando a realização do direito ao exercício da cidadania democrática para amplos setores da população brasileira.

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Breve evolução histórico-política do Direito no Brasil

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Do Imprio Nova Repblica.Breve evoluo histrico-poltica do Direito no BrasilCONSIDERAES INICIAISA principal caracterstica do Estado no Brasil tem sido a de antecipar-se aos grupos e classes sociais na determinao de nossa histria. Esta rica em exemplos que confirmam que todas as modificaes poltico-econmicas e a incorporao de direitos bsicos ordem jurdica foram efetivadas sempre levando em conta a necessidade de introduzir estruturas modernas, mas com a preservao do antigo modelo de dominao, atravs da construo de alianas entre as novas e as antigas classes proprietrias, ocasionando a conseqente excluso da maioria da populao do processo poltico decisrio e da definio dos parmetros necessrios para o desenvolvimento da sociedade e do bem-estar pblico.Os padres de dominao dos perodos anteriores sempre foram absorvidos pela elite insurgente, havendo uma conciliao entre a velha e a nova elite, para que fosse possvel a convivncia, mesmo que circunstancial, dos dois modelos sem a necessidade de destruio do antigo padro de dominao. Assim, a incorporao de direitos, as modificaes econmicas e polticas realizadas no pas sempre foram introduzidas pelo Estado, de cima para baixo, com o atendimento dos interesses das classes emergentes, dando origem ao processo que se denomina de "modernizao conservadora"[01]. Ento, quando se analisa os principais acontecimentos polticos de nossa histria, desde a Independncia do Brasil at a implantao da Nova Repblica, v-se uma constante: a conciliao entre os velhos donos do poder e os setores sociais emergentes sob a conduo do basto estatal, transformando pouca coisa para que tudo permanea como est no poder. Isto, sem dvida, impediu a formao de uma sociedade democrtica com traos nacionais mais slidos, impossibilitando a realizao do direito ao exerccio da cidadania democrtica para amplos setores da populao brasileira.

EVOLUO HISTRICO-POLTICAO estatismo autoritrio brasileiro tem suas razes no "arcasmo da dominao de tipo oligrquico-patrimonial, herdado da estrutura colonial portuguesa, aliado ao artificialismo da introduo da ideologia liberal"[02]em nosso pas. Nesse sentido, o formalismo, o artificialismo das leis e a concepo tutelar do poder encontram sua razo histrica no modo peculiar com que foi introduzida pelos portugueses a democracia no Brasil. A dominao ibrica trouxe traos distintivos caracterizadores do processo evolutivo da formao do Estado brasileiro. Sobre essa dominao, o prestigiado intrprete da formao da sociedade brasileira, Srgio Buarque de Holanda, diz o seguinte: "O que principalmente a distingue , isto sim, certa incapacidade, que se diria congnita, de fazer prevalecer qualquer forma de orientao impessoal e mecnica sobre as relaes de carter orgnico e comunal, como o so as que se fundam no parentesco, na vizinhana e na amizade"[03].Dessa forma, as estruturas de poder no Brasil foram consolidadas e representadas, e de certa forma ainda so, sobre valores e prticas nsitas ao processo de formao do Estado brasileiro. Citando mais uma vez Srgio Buarque, este, em uma precisa interpretao, entende que os valores de organizao social trazida pelos portugueses foram representativas das estruturas de poder aqui fundadas, eis o que diz o historiador sobre os valores enaltecidos na estruturao da sociedade e do Estado: "o peculiar da vida brasileira parece ter sido uma acentuao singularmente enrgica do afetivo, do irracional, do passional, e uma estagnao ou antes uma atrofia correspondente das qualidades ordenadoras, disciplinadoras, racionalizadoras"[04].Em nosso pas houve apenas uma adaptao dos princpios e instituies democrticas, porm com a continuidade dos interesses e privilgios dominantes de modo a garantir o predomnio quase absoluto das elites (agrrias, industriais e burocrticas), de outra parte, tratou-se de generalizar a idia autoritria e elitista que considera o povo como imaturo e despreparado para o exerccio da democracia e, portanto, para organizar a sociedade e o Estado. Isso evidencia a "imaturidade do Brasil escravocrata para transformaes que lhe alterassem profundamente a fisionomia"[05].Tal idia disseminadora e perpetuante do preconceito contra os pobres, mestios e negros, verificou-se no incio da Repblica, com uma dura deciso poltica denegatria da condio de cidadania, ao serem substitudos, como fora de trabalho, por imigrantes. Nada mais comum que a elite, transportada de sbito para as cidades, carregasse consigo a mentalidade, os preconceitos, e o teor de vida que tinham sido atributos especficos de sua primitiva condio.A Repblica, assim, surge mantendo os mesmos padres de dominao, embora tenha modificado as estruturas de poder. Nada mais representativo de um movimento que se iniciou restrito a determinados grupos de interesse, sendo quase nula a participao popular.A Constituio da primeira Repblica tinha um fundo puramente liberal, garantiu e enunciou as clssicas liberdades privadas, civis e polticas, silenciando sobre a proteo ao trabalhador.Ainda na Repblica, quanto ao novo modelo eleitoral, embora deixe de ter por base o voto censitrio, ainda no se torna um direito universal, j que a cidadania poltica no poderia ser exercida por mulheres, mendigos, religiosos, soldados e analfabetos. O significado desta restrio profundamente antidemocrtico, pois num pas recm sado da escravido, a maioria dos ex-escravos ainda eram analfabetos.Tal quadro agravava-se mais ainda com um poder poltico impessoal e no submisso a nenhuma lei.O coronelismo e o clientelismo foi uma mancha difcil de apagar, perpetuou e ainda insiste em dar sinais de vida. Antes, o coronelismo distinguia-se mais pelo compromisso entre poder privado e poder pblico. O compromisso derivava de um longo processo histrico e se enraizava na estrutura social. O clientelismo, isto , a troca de favores com o uso de bens pblicos, sobretudo empregos, tornou-se a moeda de troca do coronelismo. O coronel nomeava, ou fazia nomear, filho, genro, cunhado, primo, sobrinho. A urbanizao, a industrializao, a libertao do eleitorado rural e o aperfeioamento da justia eleitoral iriam enterrar coronis e coronelismo.O coronelismo, como sistema nacional de poder, sofre grande golpe quando Getlio Vargas assume o poder em 1930, decretando interveno federal na maioria dos estados, "buscando desarmar o poder das oligarquias estaduais e o sistema coronelista"[06]. No entanto, traos desse tipo de dominao continuaram, e como dito antes, as elites polticas no se exaurem ou extinguem, mas se transformam e se amoldam ao contexto poltico-histrico. Assim foi que o Coronelismo conseguiu sobrevida, inclusive sobrevivendo nos dias atuais, isto , os coronis no desapareceram. E surgiu o novo coronel, metamorfose do antigo, que vive da sobrevivncia de traos, prticas e valores remanescentes dos velhos tempos. O historiador Jos Murilo de Carvalho faz uma interessante observao, para ele "o coronel de hoje no vive num sistema coronelista que envolvia os trs nveis de governo, no derruba governadores, no tem seu poder baseado na posse da terra e no controle da populao rural. Mas mantm do antigo coronel a arrogncia e a prepotncia no trato com os adversrios, a inadaptao s regras da convivncia democrtica, a convico de estar acima da lei, a incapacidade de distinguir o pblico do privado, o uso do poder para conseguir empregos, contratos, financiamentos, subsdios e outros favores para enriquecimento prprio e da parentela[07]".Com Getlio no poder, sob a gide de uma ideologia estatista, inaugura-se o modelo paternalista de governo, com a assimilao de parte das reivindicaes sociais pelo Estado, com vistas ao controle estatal das massas. Como exemplo, "teve por objetivos principais reprimir os esforos organizatrios da classe trabalhadora urbana fora do controle do Estado e atra-la para o apoio difuso ao governo"[08]e ainda "o governo se atribuiu um papel de controle da vida sindical"[09].Decidido a constitucionalizar o pas, o Governo Provisrio sob a liderana de Getlio realiza eleies para a Assemblia Nacional Constituinte em maio de 1933. Aps meses de debate a Constituinte promulgou a Constituio, a 14 de julho de 1934.A constituio de 1934 inaugura a fase do constitucionalismo social entre ns, com a introduo e elevao dos direitos sociais ao texto constitucional. Influenciada pela Constituio de Weimar, de 1919, e pelo corporativismo, continha inovaes e virtudes. Dedicou um ttulo Ordem Econmica e Social, iniciando a era da interveno estatal. Criou a Justia do Trabalho e o salrio-mnimo, institui o mandado de segurana, acolheu expressamente a ao popular e manteve a Justia Eleitoral, criada em 1932. Sua grande fora renovadora consistiu na soluo social dada ao seu contexto.Em uma frmula de compromisso entre capital e trabalho, a Constituio de 1934 delineou o arcabouo formal de uma democracia social, que no se consumou, vigorando por um ano s, at 1935, quando a decretao do Estado de stio suspendeu seus efeitos.Em 1937, sob argumento da natureza insurgente das novas formaes partidrias, Getlio revoga a Constituio de 1934 e outorga uma nova Carta Constitucional ao pas. Tem incio oEstado Novo, perodo em que dominou o controle desptico do presidente.A Carta outorgada fortaleceu o Poder Executivo; atribuiu a este interveno mais direta e eficaz na elaborao das leis; reduziu o papel do parlamento nacional; conferiu ao Estado a funo de orientador e coordenador da economia nacional; reconheceu e assegurou os direitos de liberdade, de segurana e de propriedade do indivduo, acentuando, porm, que devem ser exercidos nos limites do bem pblico.A Constituio de 1937, entretanto, no desempenhou papel algum, substituda pelo mando personalista e autoritrio de Getlio. Foi Governo de fato, de suporte policial e militar, sem submisso sequer formal Lei maior. "Houve ditadura pura e simples, com todo o Poder Executivo e Legislativo concentrado nas mos do Presidente da Repblica, que legislava por via de decretos-lei que ele prprio depois aplicava, como rgo do Executivo"[10].J desgastado, Getlio Vargas d incio a uma srie de medidas liberalizantes. E num jogo poltico complexo, alegando como uma das causas a possvel interferncia seguinte sucesso presidencial, as Foras Armadas fora a queda de Vargas em outubro de 1945. Aprovada a Assemblia Constituinte no mesmo ano, a nova Constituio promulgada em 18 de setembro de 1946.A Constituio de 1946, como instrumento de governo, foi deficiente e desatualizada, mas como declarao de direitos e de diretrizes econmicas e sociais, foi gil e avanada. Continha ampla e moderna enunciao dos direitos e garantias individuais, bem como de regras atinentes educao e cultura, e de princpios que deviam reger a ordem econmica e social. Introduziu a regra de que a lei no poderia excluir da apreciao do Poder Judicirio qualquer leso de direito individual; previu a obrigatoriedade do ensino primrio; a represso ao abuso do poder econmico; condicionou o uso da propriedade ao bem-estar social; consignou o direito dos empregados participao no lucro das empresas; no captulo referente cidadania, o direito e a obrigao de votar foram conferidos aos brasileiros alfabetizados, maiores de 18 anos, de ambos os sexos, completando-se assim, no plano dos direitos polticos, a igualdade entre homens e mulheres[11], e dentre outras medidas.De um modo geral, a Constituio de 1946 repetiu os pontos de vista essenciais existentes na Constituio de 1934. No aderiu ao socialismo nem tampouco se manteve na linha rgida do individualismo. Inspirou-se na tcnica da democracia social e econmica, dando nfase famlia, educao e cultura, permitiu tcnicas mais amplas de intervencionismo, estendeu ao trabalhador rural as garantias dadas a operrios, embora nunca se aplicassem tais medidas em proveito do campesinato.Para o constitucionalista Lus Pinto Ferreira, "essa Constituio foi um ponto de contato e significou um retorno legalidade da democracia brasileira"[12]. Ela restaurou as liberdades e garantias tradicionais asseguradas ao povo brasileiro e que a ditadura anteriormente havia violado.Entretanto, faltou substancial efetividade Carta de 1946, notadamente pela no edio da maior parte das leis complementares por ela previstas ou impostas, o que no obstou, porm, a tarefa de redemocratizao, propiciando condies para o desenvolvimento do pas durante os quase vinte anos que o regeu.Em um contexto amplo, quando o eleitorado comeou a emancipar-se, o golpe de 1964 paralisou a experincia e atrasou o aprendizado democrtico por longos 26 anos.Durante a vigncia da Carta de 1946, sucederam-se instabilidades polticas e conflitos constitucionais de poderes, agravadas pelo suicdio de Getlio Vargas em 1954, que reassumira o poder aps o apagado governo de Eurico Gaspar Dutra. O Vice-Presidente Caf Filho assume a chefia do Governo, para completar o mandado. Adoece Caf Filho e assume o Presidente da Cmara dos Deputados, Carlos Luz, que deposto por um movimento militar liderado pelo General Teixeira Lott, que tambm impede Caf Filho de retornar Presidncia. Assume o Presidente do Senado, Nereu Ramos, que entrega a Presidncia a Juscelino Kubitschek. Este assume a presidncia. Para suceder Juscelino, foi eleito Jnio Quadros, que sete meses depois renuncia. Assume o Vice-Presidente Joo Goulart, contra o qual surge forte reao militar. tolhido em suas prerrogativas por uma emenda constitucional parlamentarista que logo depois postergada por um plebiscito que cobra a volta ao presidencialismo. Mas no fim, em complexo e turbulento quadro poltico, sem uma base de apoio slida, homognea e articulada, e defrontando-se com foras poderosas, Goulart cai, no dia 1 de abril de 1964, com o Movimento Militar instaurado no poder.Aos poucos, a mudana da poltica econmica, as intervenes nos sindicatos, a dissoluo dos partidos polticos, a anulao quase completa dos poderes do parlamento e a retirada das eleies da agenda pblica definiram o carter antidemocrtico do novo regime. Este veio a cancelar as oportunidades e quaisquer condies para a participao popular e imps a anulao da prpria existncia de uma comunidade cvica, j que a partir de ento ningum podia participar do espao pblico, pelo simples motivo de que ele no existia mais.Comea ento o regime dos Atos Institucionais. Numa sucesso, foram determinadas suspenses temporrias dos direitos polticos e a cassao de mandatos parlamentares. Com o Ato Institucional n. 4, foi atribudo ao Congresso Nacional o poder de aprovar uma nova Constituio, elaborada obviamente pelo governo militar, assumindo este o papel nsito e originrio que pertence ao povo, ao se auto-atribuir titular do Poder Constituinte Originrio. No mais, o Congresso antes homologou do que elaborou o novo Texto.A rigor tcnico, foi Carta outorgada o que foi feito em 24.1.67. Ela reduziu a autonomia individual, permitindo a suspenso de direitos e garantias constitucionais, alm de hipertrofiar o Poder Executivo. Diante, ainda, de instabilidades, editado o Ato Institucional n. 5 em 1968. Aps, o Estado representado pela doutrina da segurana nacional se coloca acima dos direitos e garantias individuais. Atribuiu competncia ao Executivo para legislar quando do recesso dos rgos legislativos de qualquer dos trs nveis de governo; possibilidade de interveno federal nos Estados e Municpios sem as limitaes previstas na Constituio; poder ao Presidente da Repblica de suspender direitos polticos e cassar mandados eletivos de todos os nveis; suspenso das garantias da magistratura; possibilidades de confisco dos bens; suspenso doshabeas corpusnos casos de crimes polticos e outros; excluso da apreciao judicial dos atos praticados com base no Ato Institucional que se editava, bem como de seus Atos Complementares.Tem incio a ditadura plena. A censura imprensa, sem sombra legal, torna-se prtica disseminada. A tortura aos adversrios polticos, geralmente presos de forma ilegal, reproduz-se sem limites, alm da represso atividade partidria e a politizao das foras armadas.J em 1969, no podendo permanecer no exerccio da Presidncia, Costa e Silva substitudo por Pedro Aleixo, que impedido de assumir pelos trs Ministros militares que completam o preparo de um novo texto constitucional, promulgado em 17.10.69 com a roupagem deEmenda Constitucional n.1 Constituio de 1967.Materialmente era uma nova Constituio. "A emenda s serviu como mecanismo de outorga, uma vez que verdadeiramente se promulgou texto integralmente reformulado"[13]. Nota-se que esta Constituio teve vigncia meramente nominal em grande nmero de seus preceitos. Com efeito, salvante sua parte orgnica, jamais se tornou efetivo o amplo elenco de direitos e garantias individuais, paralisados pela vigncia indefinida do Ato Institucional n.5.Somente a partir de 1974, durante mandato Presidencial do General Ernesto Geisel, que teve incio o processo lento e gradual de refluxo do poder ditatorial. E da para frente assumem os presidentes empossados o compromisso de restaurar a legalidade democrtica. E neste propsito de restaurao democrtica, depois de conturbada disputa presidencial, a 15 de janeiro de 1985, Tancredo e Sarney obtiveram uma vitria ntida no Colgio Eleitoral. "Por caminhos complicados e utilizando-se do sistema eleitoral imposto pelo regime autoritrio, a oposio chegava ao poder"[14].Eleito, Tancredo no chega a tomar posse, acometido de grave doena e falece. Assume, pois, o Vice-Presidente. Pela Emenda Constitucional n.26[15], de 27 de novembro de 1985, convocada uma Assemblia Nacional Constituinte[16], eleita a 15 de novembro de 1986, para elaborar uma nova Constituio do Brasil, tencionando com esta Carta a volta da democracia agenda pblica.Apesar da composio essencialmente conservadora do Congresso Constituinte, da manipulao descarada dos Constituintes, alm do uso incontido do poder econmico, o Texto Constitucional de 1988 trouxe algumas inovaes e avanos democrticos importantes, como resultado de um amplo processo de negociaes, levado a efeito principalmente pela presso e participao da sociedade civil organizada, servindo-se dos mais diversos movimentos sociais e populares.A constituio de 1988 inaugurou uma nova ordem institucional no pas, com o retorno do regime democrtico de governo, avanando consideravelmente com relao ao estabelecimento de mecanismos modernos essenciais para o exerccio da democracia e tambm no que se refere declarao dos direitos sociais.

CONCLUSOPelo exposto, numa sucesso de percalos, aclaram-se os casos de falncia da legitimidade do poder na experincia constitucional brasileira, pela inaplicao das normas constitucionais vigentes a cada poca. Corrobora-se ainda, o fato de, desde a independncia termos tido oito Constituies, numa demonstrao incontestvel de dramaticidade, instabilidade e falta de continuidade de nossas instituies polticas.De fato, em ambiente to perturbado, o exerccio efetivo dos Direitos, sobretudo dos fundamentais, encontra, no raras vezes, malogrado xito. Fato atribudo, sobretudo, pela no aquiescncia ao sentido mais profundo da Constituio por parte das classes dominantes, que constroem uma realidade de poder prpria, refratria a uma real democratizao da sociedade e do Estado.Isso, incontestavelmente, impossibilitou a realizao do direito ao exerccio da cidadania democrtica, bem como a existncia digna e democrtica do povo brasileiro, obstados de seus direitos fundamentais.Mas ainda hoje continua a luta pela cidadania e pela consolidao do espao pblico, como umas das essenciais reivindicaes da populao. Para instituirmos um espao pblico altamente democratizado, com efetivo respeito e cumprimento aos direitos fundamentais, precisamos desenraizar da cultura poltica do Brasil, de vez, a estrutura patrimonialstica, autoritria e burocrtica. Precisamos ainda, mudar a atuao do Estado no Brasil, que aparece como nico sujeito de nossa histria e condutor da vida econmica e poltica, como tutor da sociedade, substituindo-a em sua funo de protagonista dos processos de transformao.

Constituio de 1988Curta e Compartilhe!

TweetarPorEmerson SantiagoAconstituio de 1988 a atual carta magna da Repblica Federativa do Brasil. Foi elaborada no espao de 20 meses por 558 constituintes entredeputadose senadores poca, e trata-se da stima na histria do pas desde sua independncia. Promulgada no dia 5 de outubro de 1988, ganhou quase que imediatamente o apelido deconstituiocidad, por ser considerada a mais completa entre as constituies brasileiras, com destaque para os vrios aspectos que garantem o acesso cidadania.

Assembleia Constituinte de 1988. Foto: Agncia Brasil [CC-BY-3.0-br],via Wikimedia CommonsA constituio est organizada em nove ttulos que abrigam 245 artigos dedicados a temas como os princpios fundamentais, direitos e garantias fundamentais, organizao do estado, dos poderes,defesado estado e das instituies, tributao e oramento, ordem econmica e financeira e ordem social. Entre as conquistas trazidas pela nova carta, destacam-se o restabelecimento de eleies diretas para os cargos de presidente da repblica, governadores de estados e prefeitos municipais, o direito de voto para os analfabetos, o fim censura aos meios de comunicao, obras de arte, msicas, filmes, teatro e similares.A preocupao com os direitos do cidado claramente uma resposta ao perodo histrico diretamente anterior ao da promulgao da constituio, achamadaditadura militar. Durante vinte anos o povo foi repetidamente privado de vrias garantias. O presidente da repblica devia ser necessariamente membro das foras armadas (exemplo disso foi o que ocorreu com Pedro Aleixo, o vice-presidente civil deArtur da Costa e Silva, que foi sumariamente impedido de assumir a presidncia quando da morte deste). Somado s restries e proibies, tnhamos ainda graves casos de tortura e perseguio poltica.Tal cenrio causou uma gradual reao da opinio pblica, com reflexo naassembleia constituinteresponsvel pela confeco da carta. nesse ponto que convergem a maioria das crticas ao texto, pois, num anseio de incluir o mximo de garantias e tornar o documento um espelho do perodo ps-ditadura, este ficou inchado, repetitivo em inmeros pontos, alm de trazer matrias que no so tpicas de uma constituio. Exemplo flagrante disso o ttulo VI, dedicado tributao e oramento, tema mais apropriado a uma lei ou cdigo especfico do que uma seo da carta magna. H ainda o problema do nmero crescente de emendas constitucionais, responsveis por uma desfigurao de vrios pontos do texto original. Atualmente (10/2013), so 74 as emendas aprovadas, tendo a mais recente cerca de um ms poca da concluso deste texto, e com a perspectiva de que mais uma dezena se somem a estas s no prximo ano.Em relao s Constituies anteriores, aConstituio de 1988representou um avano. As modificaes mais significativas foram: Direito de voto para os analfabetos; Voto facultativo para jovens entre 16 e 18 anos; Reduo do mandato do presidente de 5 para 4 anos; Eleies em dois turnos (para os cargos de presidente, governadores e prefeitos de cidades com mais de 200 mil eleitores); Os direitos trabalhistas passaram a ser aplicados, alm de aos trabalhadores urbanos e rurais, tambm aos domsticos; Direito a greve; Liberdade sindical; Diminuio da jornada de trabalho de 48 para 44 horas semanais; Licena maternidade de 120 dias (sendo atualmente discutida a ampliao). Licena paternidade de 5 dias; Abono de frias; Dcimo terceiro salrio para os aposentados; Seguro desemprego; Frias remuneradas com acrscimo de 1/3 do salrio.Modificaes no texto da Constituio s podem ser realizadas por meio deEmenda Constitucional, sendo que as condies para uma emenda modificar a Carta esto previstas na prpria Constituio, em seu artigo 60.Leia tambm: Clusulas Ptreas da Constituio de 1988

Carta de 1988 um marco contra discriminaoPorAna Cristina Teixeira BarretoAo longo da histria da humanidade, as civilizaes impuseram uma posio social de inferioridade s mulheres.Baseadas em leis discriminatrias e exclusivistas que serviram de instrumento de consolidao da desigualdade e assimetria na relao entre homens e mulheres, as sociedades estabeleceram um patamar de inferioridade e submisso em relao ao homem, no somente na seara domstica, no direito familiar, mas no cenrio pblico, como, por exemplo, no mercado de trabalho, atravs do pagamento de remunerao inferior percebida pelos homens pelo exerccio de funes semelhantes ou da dupla jornada de trabalho. A discriminao tambm foi sentida nos espaos pblicos e privados de poder que refletiam a tmida participao poltica das mulheres, quase sempre limitada ou proibida.Os prprios movimentos de direitos humanos ignoravam de incio, as bandeiras de luta do feminismo a favor da participao poltica, igualdade no mercado de trabalho, educao, aborto e sexualidade das mulheres, dentre tantas outras reivindicaes.Os direitos humanos, durante muito tempo, trataram a questo das mulheres de forma secundria, como se seus direitos, lutas e conquistas estivessem atrelados aos direitos do homem. O homem sempre foi o paradigma dos direitos humanos de toda humanidade, como se no existissem outros paradigmas ou setores sociais mais vulnerveis, como as mulheres, crianas, idosos, negros, ndios, migrantes, homossexuais, trans-gneros, transexuais, deficientes fsicos e mentais.Nesse contexto, a ONU, no ano 2000, atravs doRelatrio de Direitos Humanosreconheceu a importncia da promoo da igualdade entre homens e mulheres, ao concluir que a discriminao histrica contra a mulher causa um impacto negativo no crescimento econmico e social dos pases e do mundo, mensurvel mediante indicadores econmicos.A defesa dos direitos da mulher, com a conseqente erradicao de todas as formas de discriminao e violncia, constitui compromisso dos estados democrticos de direito. Um pas que auto se declara democrtico, que tem como primado bsico promover o bem-estar de todos os cidados sem distino, no pode quedar-se alheio ao fenmeno da desigualdade histrica, social e jurdica de que foram alvo as mulheres.O primeiro passo, portanto, conhecer os instrumentos jurdicos existentes.A legislao responsvel por regular as relaes, as instituies e os processos sociais. Por meio dela so assegurados direitos individuais e coletivos, perante o Estado, aos demais indivduos e instituies.Todavia, a legislao, seja constitucional ou infraconstitucional, no capaz de sozinha mudar o cenrio de desigualdade e discriminao, mas constitui o marco inicial para as estratgias polticas de enfrentamento e superao das desigualdades de gnero, por meio da materializao ou concretizao desses direitos.Princpio constitucional da igualdadeA Constituio Federal de 1988 dispe em seu artigo 5,caput,sobre o princpio constitucional da igualdade, perante a lei, nos seguintes termos:Artigo 5. Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes.O princpio da igualdade prev a igualdade de aptides e de possibilidades virtuais dos cidados de gozar de tratamento isonmico pela lei. Por meio desse princpio so vedadas as diferenciaes arbitrrias e absurdas, no justificveis pelos valores da Constituio Federal, e tem por finalidade limitar a atuao do legislador, do intrprete ou autoridade pblica e do particular.O princpio da igualdade na Constituio Federal de 1988 encontra-se representado, exemplificativamente, no artigo 4, inciso VIII, que dispe sobre a igualdade racial; do artigo 5, I, que trata da igualdade entre os sexos; do artigo 5, inciso VIII, que versa sobre a igualdade de credo religioso; do artigo 5, inciso XXXVIII, que trata da igualdade jurisdicional; do artigo 7, inciso XXXII, que versa sobre a igualdade trabalhista; do artigo 14, que dispe sobre a igualdade poltica ou ainda do artigo 150, inciso III, que disciplina a igualdade tributria.O princpio da igualdade atua em duas vertentes: perante a lei e na lei. Por igualdade perante a lei compreende-se o dever de aplicar o direito no caso concreto; por sua vez, a igualdade na lei pressupe que as normas jurdicas no devem conhecer distines, exceto as constitucionalmente autorizadas.O princpio da igualdade consagrado pela constituio opera em dois planos distintos. De uma parte, frente ao legislador ou ao prprio Poder Executivo, na edio, respectivamente, de leis, atos normativos e medidas provisrias, impedindo que possam criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que se encontram em situao idntica. Em outro plano, na obrigatoriedade ao intrprete, basicamente, a autoridade pblica, de aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitria, sem estabelecimento de diferenciaes em razo de sexo, religio, convices filosficas ou polticas, raa e classe social. (MORAES, 2002, p. 65).O legislador no poder editar normas que se afastem do princpio da igualdade, sob pena de flagrante inconstitucionalidade. O intrprete e a autoridade poltica no podem aplicar as leis e atos normativos aos casos concretos de forma a criar ou aumentar desigualdades. O particular no pode pautar suas condutas em atos discriminatrios, preconceituosos, racistas ou sexistas.O Pretrio Excelso apontou o trplice objetivo do prtico da isonomia: limitar o legislador, o intrprete (autoridade pblica) e o particular [...] Realmente, a diretriz da igualdade limita a atividade legislativa, aqui tomada no seu sentido amplo. O legislador no poder criar normas veiculadoras de desequiparaes abusivas, ilcitas, arbitrrias, contrrias manifestao constituinte de primeiro grau. A autoridade pblica, por sua vez, tambm est sujeita ao ditame da isonomia. Um magistrado, e.g., no poder aplicar atos normativos que virem situaes de desigualdade. Cumpre-lhe, ao invs, banir arbitrariedades ao exercer a jurisdio no caso litigioso concreto. Da a existncia dos mecanismos de uniformizao da jurisprudncia, tanto na rbita constitucional (recursos extraordinrio e ordinrio) como no campo infraconstitucional (legislao processual). O particular, enfim, no poder direcionar a sua conduta no sentido de discriminar os seus semelhantes, atravs de preconceitos, racismos ou maledicncias diversas, sob pena de ser responsabilizado civil e penalmente, com base na Constituio e nas leis em vigor. (BULOS, 2002, pginas 77 e 78).O princpio da igualdade pressupe que as pessoas colocadas em situaes diferentes sejam tratadas de forma desigual: Dar tratamento isonmico s partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades. (NERY JUNIOR, 1999, p. 42).Jos Afonso da Silva (1999, pgina 221) examina o preceito constitucional da igualdade como direito fundamental sob o prisma da funo jurisdicional:A igualdade perante o Juiz decorre, pois, da igualdade perante a lei, como garantia constitucional indissoluvelmente ligada democracia. O princpio da igualdade jurisdicional ou perante o juiz apresenta-se, portanto, sob dois prismas: (1) como interdio ao juiz de fazer distino entre situaes iguais, ao aplicar a lei; (2) como interdio ao legislador de editar leis que possibilitem tratamento desigual a situaes iguais ou tratamento igual a situaes desiguais por parte da Justia.Nlson Nery Jnior (1999, pgina 42) procura expressar a repercusso do princpio constitucional da isonomia, no mbito do Direito Processual Civil, da seguinte forma:O Artigo 5,caput, e o inciso n. I da CF de 1988 estabelecem que todos so iguais perante a lei. Relativamente ao processo civil, verificamos que os litigantes devem receber do juiz tratamento idntico. Assim, a norma do artigo 125, n. I, do CPC, teve recepo integral em face do novo texto constitucional. Dar tratamento isonmico s partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades.Conclui-se, portanto, que o princpio constitucional da igualdade, exposto no artigo 5, da Constituio Federal, traduz-se em norma de eficcia plena, cuja exigncia de indefectvel cumprimento independe de qualquer norma regulamentadora, assegurando a todos, indistintamente, independentemente de raa, cor, sexo, classe social, situao econmica, orientao sexual, convices polticas e religiosas, igual tratamento perante a lei, mas, tambm e principalmente, igualdade material ou substancial.O artigo 5,caput,da Constituio Federal assegura mais do que uma igualdade formal perante a lei, mas, uma igualdade material que se baseia em determinados fatores. O que se busca uma igualdade proporcional porque no se pode tratar igualmente situaes provenientes de fatos desiguais. O raciocnio que orienta a compreenso do princpio da isonomia tem sentido objetivo: aquinhoar igualmente os iguais e desigualmente as situaes desiguais. (BULOS, 2002, p. 79).Nesse sentido, a Constituio Federal e a legislao podem fazer distines e dar tratamento diferenciado de acordo com juzos e critrios valorativos, razoveis e justificveis, que visem conferir tratamento isonmico aos desiguais: Assim, os tratamentos normativos diferenciados so compatveis com a Constituio Federal quando verificada a existncia de uma finalidade razoavelmente proporcional ao fim visado. (MORAES, 1989, p. 58).S valem, portanto, as discriminaes contidas na Constituio Federal que visem assegurar a igualdade de direitos e obrigaes, entre homens e mulheres. Pode ser citado, como exemplo, o artigo 7, XXX, da Constituio Federal, que probe a diferena de salrios, de exerccio de funes e de critrio de admisso por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; ou ento, o artigo 7 XVIII que dispe sobre a licena gestante em perodo superior licena- paternidade e, ainda, o artigo 40, pargrafo 1, III,aeb, bem como o artigo 201, pargrafo 7, da Constituio Federal, que do tratamento diferenciando mulher, diminuindo o tempo necessrio para se aposentar.O tratamento igualitrio entre homens e mulheres, previsto no inciso I, do artigo 5, da Constituio Federal, portanto, pressupe que o sexo no possa ser utilizado como discriminao com o propsito de desnivelar substancialmente homens e mulheres, mas pode e deve ser utilizado com a finalidade de atenuar os desnveis social, poltico, econmico, cultural e jurdico existentes entre eles.Igualdade entre homens e mulheresA Constituio do Brasil de 1988 significou um importante marco para a transio democrtica brasileira. Denominada Constituio Cidad trouxe avanos no tocante ao reconhecimento dos direitos individuais e sociais das mulheres, resultado do intenso trabalho de articulao dos movimentos feministas, conhecido comolobbydo batom, que apresentou propostas para um documento mais igualitrio.Alm do tratamento diferenciado na Constituio Federal, poder ser prevista, na legislao infraconstitucional, em aes, polticas e programas estatais, a discriminao positiva das mulheres, com o intuito de afirmar sua igualdade.Na legislao infraconstitucional, fazia-se imperiosa no s uma reformulao para derrogar leis, normas e expresses discriminatrias contra a mulher, bem como a edio de uma lei especfica que tratasse especificamente da violncia contra a mulher, vez que esse tipo de violncia no poderia continuar sendo tratada pela legislao geral como normas penais de natureza meramente punitivo-repressiva.Nesse contexto, foram publicadas a Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, a Lei 10.886, de 17 de julho de 2004, e a Lei 11.106, de 28 de maro de 2005, que alteraram o Cdigo Civil e o Cdigo Penal, respectivamente, dando um tratamento diferenciado e no discriminatrio mulher, bem como a Lei 11.340/06, que dispe sobre a violncia domstica e familiar contra a mulher, sob o enfoque no somente da represso ou punio, mas, sobretudo, da preveno e erradicao da violncia de gnero.A participao das mulheres no processo constituinte foi de grande repercusso na histria poltico-jurdica do pas. Com o lema Constituinte pra valer tem que ter palavra de mulher, o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, em 1985, criou e divulgou a campanhaMulher e Constituinte, a qual mobilizou uma srie de debates entre as mulheres, por todo o Brasil, e resultou na elaborao daCarta da Mulher Brasileira aos Constituintes, que foi entregue ao Congresso Nacional, no dia 26 de agosto de 1986, por mais de mil mulheres. (MONTEIRO, 1998).As mulheres marcaram, assim, a nova Constituio, estando muitas de suas reivindicaes incorporadas ao texto constitucional. A promulgao da Constituio Federal, em 1988, representou o marco poltico-jurdico da transio democrtica e da institucionalizao dos direitos humanos no pas.A Constituio Federal de 1988 adotou, em seu artigo 1, como um de seus fundamentos, a dignidade da pessoa humana, tendo como um dos seus objetivos fundamentais, constantes no artigo 3, a promoo dos bem de todos, sem preconceitos de origem, raa, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminao.Em seu artigo 5, ttulo II, que trata dos direitos e garantias fundamentais, estabelece a Constituio Federal a igualdade de homens e mulheres em direitos e obrigaes, sem distino de qualquer natureza:Artigo 5. Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes:I - homens e mulheres so iguais em direitos e obrigaes, nos termos desta constituio;O princpio da igualdade foi afirmado, de forma geral, nas Constituies brasileiras at 1934, quando, pela primeira vez, o constituinte brasileiro demonstrou sua preocupao com a situao jurdica da mulher. Posteriormente, a Constituio Federal de 1937 suprimiu a expressa referncia igualdade dos sexos, adotando a igualdade genrica do texto das Constituies anteriores. A de 1946 reproduziu o mesmo texto. Somente com o advento da Constituio de 1967, elaborada aps aDeclarao Universal dos Direitos do Homem, fixou-se, textualmente, a igualdade de todos perante a lei, sem distino de sexo:Constituio de 1822 (artigo 178, XII):A lei ser igual para todos, quer proteja, quer castigue e recompensar em proporo dos merecimentos de cada um.Constituio de 1891 (artigo 72, pargrafo 2):Todos so iguais perante a lei. A Repblica no admite privilgios de nascimento, desconhece foros de nobreza e extingue as ordens honorficas existentes e todas as suas prerrogativas e regalias, bem como os ttulos nobilirquicos e de conselho.Constituio de 1934 (artigo 113, pargrafo 1):Todos so iguais perante a lei. No haver privilgios, nem distines, por motivo, de nascimento, sexo, raa, profisses ou do pas, classe social, riqueza, crena religiosas ou idias polticas.Constituio de 1937 (artigo 122, pargrafo 1):Todos so iguais perante a lei.Constituio de 1946 (artigo 141, pargrafo 1):Todos so iguais perante a lei.Emenda Constitucional n.1, de 1969 (artigo 153, pargrafo 1):Todos so iguais perante a lei, sem distino de sexo, raa, trabalho, credo, religiosos e convices polticas. Ser punido pela lei o preconceito de raa.O princpio da igualdade jurdica entre homem e mulher afirmado como preceito Constitucional atual, ao qual se subordinam todas as demais leis do pas: A Constituio Federal de 1988 recepcionou as demandas por igualdade entre homens e mulheres, constituindo-se no marco legal a partir do qual a reforma do Cdigo Civil, obrigatoriamente, deve se orientar. (CFEMEA, 2007,on-line).Na Constituio de 1988 assumiu-se, portanto, o compromisso com a igualdade material, de fato, entre homens e mulheres, no somente a assegurada formalmente na lei:[...] devendo a igualdade ser interpretada no a partir da sua restrita e irreal acepo oriunda do liberalismo, que apenas considerava a igualdade no sentido formal no texto da forma mas devendo ser interpretada com uma igualdade material igualdade no texto e na aplicao na norma impondo tratar os iguais como iguais e os desiguais como desiguais. (LOPES, 2006, p. 11).O pargrafo 5 do artigo 226, o qual proclama que os direitos e deveres referentes sociedade conjugal so exercidos igualmente pelo homem e pela mulher, tambm no deixa dvidas quanto importncia que a Constituio Federal de 1988 conferiu ao princpio da igualdade entre homens e mulheres.O princpio da igualdade, apesar de presente em nossa legislao desde a Constituio do Imprio, datada de 1824, no foi capaz de assegurar de forma plena a igualdade entre os sexos, exemplo disso, que a primeira Constituio Republicana, proclamada em 1891, declarava serem eleitores todos os cidados maiores de 21 anos, assim compreendidos apenas os homens, j que as mulheres, at ento, no eram consideradas capazes de eleger os seus prprios representantes.Constituio de 1824 (artigo 91):Tm voto nestas eleies primrias: 1. Os cidados brasileiros que esto no gozo de seus direitos polticos. 2. Os estrangeiros naturalizados.Constituio de 1891 (artigo70):So eleitores os cidados maiores de 21 anos que se alistaram.Nesse particular, a luta pelo reconhecimento da cidadania das mulheres ganhou fora, conquistando resultados positivos, com a criao da Federao Brasileira para o Progresso Feminino, em 1922, por Bertha Lutz, cujo principal objetivo era a conquista do direito do voto (GOLDENBERG, 1992).Com a promulgao da Constituio de 1934, finalmente, garantiu-se s mulheres o direito ao voto, declarando, em seu artigo 108, serem eleitores os brasileiros de ambos os sexos, maiores de 18 anos, que se alistarem na forma da lei.A luta pela conquista da cidadania plena da mulher e o reconhecimento de sua participao poltica, por meio do voto, evidenciam que a mera previso do princpio da igualdade, no corpo das Constituies Federais do pas desde o Imprio, no foi suficiente para sua plena aplicao, sendo necessria, portanto, uma interpretao mais abrangente que reflita os reais princpios democrticos e assegure a participao de todos, indistintamente.Em ateno ao princpio da isonomia, que visa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida e na proporo de suas desigualdades, a Constituio previu uma srie de normas que visam conferir tratamento diferenciado s mulheres, a fim de reafirmar, positivamente, sua condio de igualdade material com os homens.Desta feita, reconheceu a Constituio Federal, dentre outros direitos, a licena-gestao para a mulher, com durao superior da licena-paternidade (artigo 7, incisos XVIII e XIX); o incentivo ao trabalho da mulher, mediante normas protetoras (artigo 7, inciso XX); prazo mais curto para a aposentadoria por tempo de servio e contribuio da mulher (artigo 40, inciso III; artigo 201, pargrafo 7).Essas excees tm fundamentao prpria. A primeira de ordem biolgica, justificada pelo fato de que o homem no participa diretamente da gestao, atividade que provoca na mulher a necessidade de repouso, e tambm no participa de modo direto da amamentao, que decorre da necessidade de o filho ser alimentado com leite materno.A segunda diferenciao evidencia o reconhecimento de que ainda existem, na prtica, situaes de desigualdade que privilegiam os homens. Assim, apesar de a mulher possuir plenas condies fsicas, intelectuais e psicolgicas de competir no mercado de trabalho, este continua sendo dominado pelo homem, alm de as normas de proteo maternidade, ao criarem direitos excepcionais de inatividade e de assistncia ao recm-nascido, tornarem menos interessante a contratao de mulheres.O terceiro ponto de distino diz respeito ao tempo de servio e contribuio da mulher para a aposentadoria voluntria, concedendo mulher um tratamento diferenciado ao lhe ser exigido cinco anos de trabalho a menos que os homens. Aqui, o legislador levou em conta razes de natureza social, na medida em que a estrutura das sociedades conjugais brasileiras ainda demonstra que as tarefas domsticas, na maioria das vezes, so de responsabilidade exclusiva das mulheres.Assim, as mulheres que trabalham fora de casa, exercem dupla jornada de trabalho, pois, ao voltar para casa, esperam-lhe outras e mais cansativas atribuies.No tocante aos direitos trabalhistas das mulheres, restou proibida a diferena salarial, o exerccio de funes e de critrios de admisso baseados no sexo, raa, cor, idade e outras formas de discriminao.O artigo 7, inciso XXV, da Constituio assegura assistncia gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento at cinco anos de idade, em creches e pr-escolas. Tal dispositivo de grande valia, j que as mes s podem trabalhar se tiverem com quem deixar seus filhos. Nesse sentido, as creches e pr-escolas possibilitam o retorno da mulher ao mercado de trabalho, aps a gestao.No tocante proteo famlia, criana, ao adolescente e ao idoso, a Constituio atual, em seu captulo VII, do ttulo VIII, estabelece a igualdade de direitos e obrigaes entre o homem e a mulher, recebendo a famlia proteo estatal contra a violncia praticada no seio de suas relaes:Artigo 226. a famlia, base da sociedade, tem especial proteo do estado. pargrafo 8. o estado assegurar a assistncia famlia na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violncia no mbito de suas relaes.Esse artigo representou uma grande mudana na legislao brasileira no que diz respeito violncia domstica, que pela primeira vez recebeu ateno e tutela constitucional, passando a ser de responsabilidade pblica a criao de mecanismos para coibir e erradicar a violncia domstica no Brasil.Ainda no se fala em violncia domstica contra a mulher, mas em violncia no mbito das relaes familiares, que incluiu a violncia contra crianas, jovens, idosos homens ou mulheres. Apesar de representar um avano, o enfoque restou diludo para a famlia e para todos os seus membros, quando se sabe que a mulher a maior vtima da violncia domstica e familiar.Alm disso, o pargrafo 7 do artigo 226 dispe que o planejamento familiar livre deciso do casal, competindo ao Estado propiciar recursos para o exerccio desse direito. Convm destacar a relevncia desses artigos, na medida em que mostram que no h mais o conceito de ptrio-poder, pertencendo o poder sobre a famlia tanto ao pai quanto me. Assim, o homem deixa de ser o "chefe da famlia", e, em caso de divergncia entre marido e mulher, a soluo ser transferida ao Judicirio, no havendo mais a prevalncia da vontade do pai.As mulheres conquistaram outros direitos na medida em que lhes foi dispensado tratamento diferenciado, em razo de circunstncias especialssimas, como a maternidade e o parto. Tm, portando, as mulheres assistncia a maternidade, licenas diante da gestao e aps o parto, distintas dos homens, o que evidencia a concretizao do princpio da igualdade, atravs de normas protetoras de materializao dessa afirmao.Merece destaque ainda, a preocupao do constituinte com o planejamento familiar e a paternidade responsvel, em que o planejamento familiar passou a ser de livre deciso do casal, vedando-se qualquer forma coercitiva por parte de instituies oficiais ou privadas, trazendo tambm para o homem a responsabilidade de planejar quando e quantos filhos o casal dever ter.Conclui-se, portanto, que devem existir na legislao apenas as disposies diferenciadoras justificadas, que tm por objeto a defesa da condio feminina ou a defesa de algum outro grupo que necessite de tratamento especial, em determinado aspecto. As demais formas de diferenciao devem ser abolidas, por constiturem potenciais maneiras de discriminao. Nos dizeres de Jos Afonso da Silva (1995), a Constituio afirma o princpio de que todos so iguais perante a lei atravs de vrios dispositivos, alguns diretamente determinadores da igualdade, outros buscando a eqidade entre os desiguais mediante a concesso de direitos fundamentais.Igualdade entre sexos no Cdigo CivilO Cdigo Civil de 1916 foi considerado, na poca de sua edio, um Cdigo avanado at porque no havia no Brasil uma legislao civil prpria, contudo, no que tange ao direito de famlia, era extremamente conservador. Somente era considerada famlia a unidade constituda por meio do casamento civil, no prevendo nenhuma proteo legal para formas distintas de organizao familiar.O Cdigo Civil de 1916, de influncia romana, caracterizava-se pelo tratamento desigual, discriminatrio, afirmando negativamente as diferenas de classe social, sexo e raa, em que a mulher era considerada um ser subordinado ao homem que exercia a chefia na organizao da famlia e a quem incumbia direitos e deveres exclusivos como, por exemplo, representar legalmente a famlia; administrar os bens do casal e os bens particulares da mulher, mesmo no regime de separao total dos bens, alm de lhe competir exclusivamente, o direito de fixar o domiclio da famlia e a obrigao de lhe prover a manuteno.A mulher, ao casar-se, perdia, portanto, nos termos do artigo 233 do Cdigo Civil de 1916, a capacidade civil plena, pois s podia trabalhar ou realizar transaes financeiras se tivesse autorizao do marido para tanto. A mulher nos termos do Cdigo Civil de 1916 detinha, ao lado dos silvcolas, prdigos e menores pberes, capacidade relativa, pois para gerir os atos da vida civil necessitava da assistncia do marido.O artigo 242 dispunha que a mulher casada no podia, sem autorizao do marido, aceitar ou repudiar herana; aceitar tutela, curatela ou outromunuspblico; litigar em juzo civil ou criminal e exercer profisso. Mesmo na Justia do Trabalho, a mulher casada no podia pleitear seus direitos trabalhistas sem a assistncia do marido.Ademais, at 1969, somente a famlia legtima detinha proteo estatal constitucional que gerava muito preconceito e discriminao contra as mulheres separadas ou que convivessem com um homem fora do casamento.Ao homem era conferido o poder de direo da sociedade conjugal; o direito de fixar a residncia da famlia; o de administrar bens do casal e o de decidir em casos de divergncia.Alm disso, esse Cdigo punia severamente a mulher considerada "desonesta", permitindo a anulao do casamento, no prazo de 10 dias, contados a partir do casamento, pelo marido, caso fosse atestada a no virgindade da mulher (artigo 219).Artigo 219 que afirma:Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cnjuge:[]IV O defloramento da mulher, ignorado pelo marido.Admitia ainda deserdao de filha que no se comportasse de maneira condizente com os valores morais da poca: O artigo 1.744. causa para deserdao dos descendentes por seus ascendentes: IV Desonestidade da filha que vive na casa paterna; [...].No que se refere ao regime de bens no casamento, descrito na parte especial do Cdigo de 1916, chamam ateno os artigos 278 a 311, relativos ao regime dotal entre os cnjuges, ou seja, em pleno fim do sculo XX, ainda sobrevive no Cdigo a existncia do dote nas relaes de casamento. O regime dotal pode ser definido como o conjunto de bens que a mulher leva para a sociedade conjugal. Assim, uma parte dos bens da mulher transferida ao marido para que ele possa arcar com o sustento do casal, apenas durante a constncia da sociedade conjugal.Essa transferncia pode ser feita pelos pais, por terceiros ou at pela prpria mulher. Esse artigo explicita uma viso de mundo que imaginava impossvel mulher tutelar seus bens, seu sustento, sua vida. O legislador do incio do sculo considerava impossvel a mulher sustentar a famlia com o seu patrimnio. Mesmo em outras formas de regime, como no regime de separao total de bens, cabia ao homem a administrao dos bens da mulher. A lei civil atual sobre casamento estipula que, na ausncia de pacto antenupcial, o regime matrimonial o da separao parcial de bens, ou seja, s se comunicam os bens adquiridos aps o casamento.Considerando o texto constitucional de igualdade entre homem e mulher, nas relaes conjugais, cada um dos cnjuges administra seus prprios bens e, conjuntamente, os bens comuns.A Lei 4.121, de 27 de agosto de 1962 - Estatuto da Mulher Casada, elaborado por Floriza Verucci e Silvia Pimentel (PIMENTEL, 1985, p. 15), trouxe relativos avanos, ao mesmo tempo em que reafirmou a condio de submisso da mulher ao poderio de seu marido. Com o advento dessa Lei, as mulheres casadas passaram a gozar de plena capacidade e foram consideradas colaboradoras de seus maridos na chefia da famlia e a exercer o ptrio poder sobre os filhos, revogando o artigo que dava prevalncia ao homem em caso de divergncia na educao dos filhos. Passaram a ter poderes para exercer livremente suas profisses, sem prvia licena dos maridos, bem como a praticar todos os atos inerentes defesa desse direito.A lei previa ainda que, no advento do desquite judicial, os filhos menores ficariam com o cnjuge inocente. Todavia, se ambos os cnjuges fossem culpados, ficariam em poder da me os filhos menores, salvo se o juiz verificasse que de tal soluo adviesse prejuzo de ordem moral para eles. O ptrio poder era exercido conjuntamente pelo casal, todavia, havendo divergncia, prevalecia a vontade do marido, o que demonstra a herana patriarcal romana.Essas disposies foram revogadas pela Constituio Federal de 1988. O novel Cdigo Civil, apesar de o projeto do novo Cdigo ser de 1975, o que fez com que ele fosse aprovado com alguns artigos considerados ultrapassados, em decorrncia das transformaes sociais ocorridas neste novo sculo e no fim do sculo passado, trouxe considerveis e necessrias mudanas, pois as antigas disposies j haviam perdido a sua eficcia normativa e social.No mbito do Direito de famlia, princpios norteadores do Cdigo Civil de 1916, em que a famlia tinha por base a unio de pessoas, por meio do casamento com objetivo de procriar e de acumular bens e riquezas, cederam espao para os princpios constitucionais atuais, de dignidade da pessoa humana e da efetividade, no mbito das relaes familiares.O Cdigo Civil atual incorporou ao texto legal, os princpios constitucionais de 1988, bem como as normas esparsas de legislao infraconstitucional, passando a prever e dispor sobre as regras de direito de famlia de forma compilada.Regem o Direito de Famlia moderno: o princpio do respeito dignidade da pessoa humana (artigo 1, inciso II), atravs desse principio a famlia pensada pela tica dos direitos humanos, ligados a noo de cidadania em sentido amplo no contexto constitucional e universal dos direitos humanos; o principio da igualdade jurdica dos cnjuges e companheiros (artigo 226, 5, CF e artigo 1.511, 1.567 CC); o principio da igualdade jurdica dos filhos (artigo 227, 6, CF e artigo1.596 a 1.629 CC); o principio da paternidade responsvel (artigo 226, 7, artigo 1.565 CC e Lei 9.523/96 ); o princpio da comunho plena de vida, baseada na afeio (artigo 1.511 CC, artigo1.513CC); o principio da liberdade para constituir uma comunho de vida familiar (artigo 226, 7, CF, artigo 1.513, 1.565, 1.634, 1.642, 1.643, 1.639 CC);A idia de famlia no est mais atrelada s questes religiosas, patrimoniais ou finalidade, exclusiva, de procriao, mas, em valores como a amizade, o companheirismo, a comunho de vida, o amor. O legislador constituinte afastou-se da posio constitucional anterior de que o elemento estrutural da famlia o casamento.A Famlia, a partir da Constituio Federal de 1988, passou a ser constituda no apenas pelo casamento, podendo ser formada pelo pai, me e filhos, ou somente pelo marido e pela mulher, pois, para efeito da proteo do estado reconhecida como entidade familiar, a unio formada por um homem e uma mulher, com a inteno de constituir famlia, independente de terem gerado filhos.A unio estvel, prevista no artigo 226 da CF/88 e regulamentada pela Lei 8.971/96 e Lei 9.278/96, passou a ser reconhecida pela Constitucional Federal como entidade familiar, sendo assegurada sua converso em casamento, e, embora tenha recebido tratamento constitucional, o constituinte demonstrou, claramente, sua preferncia jurdica pela famlia formada pelo casamento, ao informalismo da unio estvel, entendimento tambm facilmente comprovado nos dispositivos legais infraconstitucionais.Tambm se considera famlia, para efeito de proteo do Estado a entidade formada por qualquer dos pais e os filhos, a chamada famlia monoparental.Assim sendo, por fora do artigo 226, pargrafo 4 da Constituio Federal, a comunidade formada entre o genitor ou genitora e os filhos, a chamada entidade monoparental, tambm considerada famlia, merecendo no s tutela constitucional, mas infraconstitucional, atravs da legislao civil.Existe tambm a famlia formada por filhos, sem pais, ou sobrinhos que so criados por tios, ou ainda formada por netos criados pelos avs. Segundo, interpretao literal da Constituio Federal esse tipo de famlia no receberia proteo constitucional ou legal, enquanto instituio, mas, to somente, os seus membros individualmente, na qualidade de sujeitos de direitos e obrigaes individuais, todavia, h entendimentos jurisprudncias e doutrinrios, que caracterizam esse tipo de entidade como famlia monoparental, ainda que formada apenas pelos filhos.Apesar desses avanos, a Constituio Federal e o Direito Civil moderno ainda adotam uma viso mais restrita do conceito de famlia, muito embora tenha passado a compreender a unio estvel equiparada ao casamento celebrado em regime de comunho parcial de bens, restringem aos companheiros alguns direitos, como por exemplo, os sucessrios e a presuno de paternidade dos filhos advindos na constncia da unio.Alm do mais, o ordenamento jurdico ptrio ainda no compreende as unies homoafetivas como famlia, pois considera membros da famlia, to-somente, as pessoas unidas por relao conjugal, unidas ou no pelo matrimnio, entre pessoas de sexo oposto ou as decorrentes do parentesco.Em uma anlise meramente positivista no seria possvel falar em unio estvel de pessoas do mesmo sexo. As leis reconhecem alguns direitos as relaes homoafetivas, mas ainda no reconhecida como famlia pela Constituio Federal textualmente, por respeito ao conservadorismo da sociedade brasileira da poca de sua promulgao.O fato que as mudanas na sociedade impulsionaram as alteraes na Constituio Federal e na legislao infraconstitucional para proteger a unio informal de duas pessoas desimpedidas para casar, em que muitas vezes, as pessoas eram marginalizadas pela sociedade por manterem uma sociedade informal, o que nos leva a crer que a realidade atual, por aceitar com mais facilidade a unio entre pessoas do mesmo sexo, possa tambm reconhec-la como entidade familiar unida pelo afeto, de modo a impulsionar uma mudana no ordenamento jurdico, a fim de lhes assegurar proteo indistinta das demais entidades familiares.No tocante ao tratamento igualitrio entre homens e mulheres no ordenamento jurdico ptrio, nota-se que, com o avano das lutas e conquistas feministas, a sociedade foi sofrendo mudanas, especialmente, em relao participao da mulher nos espaos pblicos, notadamente pela conquista do direito ao voto, alm de outras mudanas comportamentais, tornou-se imprescindvel uma nova legislao que melhor se adequasse nova ordem de coisas.O novel Cdigo Civil (Lei n 10.406, de 10.01.2002) trouxe alteraes legais pelo fim da discriminao de gnero na legislao cvel e adotou palavras e termos que refletem os avanos da sociedade: o defloramento, por exemplo, passou a no ser mais causa de anulao de casamento, nem de deserdao de filha considerada desonesta; o filho varo, expresso utilizada no Cdigo Civil de 1916 foi substituda pela expresso filho homem; o homem no mais privilegiado na partilha de bens, prevalecendo a igualdade entre homens e mulheres no tocante aquisio de direitos e obrigaes.Foi alterado,v.g, o artigo 2 do Cdigo Civil que substituiu a expresso todo homem para toda pessoa, enfatizando a igualdade de tratamento entre os gneros na legislao brasileira.A expressoptrio poderfoi substituda por poder familiar, conforme determina a Constituio Federal, no artigo 5, inciso I, e no artigo 226, pargrafo 5. Essa mudana fez-se necessria porque se compreendeu que o poder familiar no um direito absoluto do pai e deve ser exercido igualmente pelo pai e pela me, com o intuito primordial de proteger os direitos do menor, nos termos dos artigos 1.631 a 1.632, do Cdigo Civil, que dispem:Artigo 1.631. Durante o casamento e a unio estvel, compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercer com exclusividade.Pargrafo nico. Divergindo os pais quanto ao exerccio do poder familiar, assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para soluo do desacordo.Artigo 1.632. A separao judicial, o divrcio e a dissoluo da unio estvel no alteram as relaes entre pais e filhos seno quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos.A chefia da famlia deixou de ser exercida exclusivamente pelo homem e passou a ser exercida conjuntamente pelo casal, nos termos do artigo 1.567 do Cdigo Civil que prev:Artigo 1.567. A direo da sociedade conjugal ser exercida, em colaborao, pelo marido e pela mulher, sempre no interesse do casal e dos filhos.Pargrafo nico. Havendo divergncia, qualquer dos cnjuges poder recorrer ao juiz, que decidir tendo em considerao queles interesses.O domiclio da mulher no mais o fixado pelo marido, agora compete ao casal a escolha pelo domiclio da famlia. E o marido passou a poder acrescentar o sobrenome da mulher.O direito de uso do nome, na hiptese da separao judicial do casal, passou a ser regulado pelo artigo 1.578 do Cdigo Civil que dispe:Artigo 1.578. O cnjuge declarado culpado na ao de separao judicial perde o direito de usar o sobrenome do outro, desde que expressamente requerido pelo cnjuge inocente e se a alterao no acarretar:I - evidente prejuzo para a sua identificao;II - manifesta distino entre o seu nome de famlia e o dos filhos havidos da unio dissolvida;III - dano grave reconhecido na deciso judicial.pargrafo 1. O cnjuge inocente na ao de separao judicial poder renunciar, a qualquer momento, ao direito de usar o sobrenome do outro. 2. Nos demais casos caber a opo pela conservao do nome de casado.A responsabilidade pelo provimento da famlia e com as despesas comuns do casal recai sobre ambos os cnjuges, na proporo dos rendimentos de seu trabalho e de seus bens, salvo disposio em contrrio expressa em clusula no pacto antenupcial, assegurando aos homens e mulheres igualdade, no s de direitos, mas de obrigaes:1.688. Ambos os cnjuges so obrigados a contribuir para as despesas do casal na proporo dos rendimentos de seu trabalho e de seus bens, salvo estipulao em contrrio no pacto antenupcial.Este dispositivo corresponde ao artigo 277 do Cdigo de 1916, que dispunha: Artigo 277. A mulher obrigada a contribuir para as despesas do casal com os rendimentos de seus bens, na proporo de seu valor, relativamente ao do marido, salvo estipulao em contrrio no contrato antenupcial (artigo 256 e 312).O artigo supracitado do novo Cdigo em muito se assemelha ao artigo 1.568 da mesma lei, que dispe: Artigo 1.568. Os cnjuges so obrigados a concorrer, na proporo de seus bens e dos rendimentos do trabalho, para o sustento da famlia e a educao dos filhos, qualquer que seja o regime patrimonial.Homens e mulheres possuem responsabilidade pela administrao da sociedade, bem como pelo seu sustento. Independentemente do regime de bens, como a vida na sociedade conjugal comum, presume-se que as despesas so feitas em proveito da famlia, o que torna indispensvel a contribuio de ambos os cnjuges, na proporo de seus rendimentos.Referidos artigos contemplam a igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres, cnjuges ou companheiros, na sociedade conjugal, na unio estvel, enfim, nas relaes familiares.A igualdade nos tratados internacionaisAlm dos direitos individuais fundamentais assegurados aos homens e mulheres na ordem interna, como adiante se viu, o Brasil insere-se no plano de proteo internacional mulher, ao dispor, no artigo 5, pargrafo 2, da Constituio Federal, que os direitos e garantias nela expressos no excluem outros decorrentes do regime e princpios por ela adotados e dos tratados internacionais de que o Brasil faa parte integrante.A igualdade entre homens e mulher foi tardiamente contemplada pelo Direito Internacional, surgindo apenas em 1945, na Carta da ONU. Surgiram, posteriormente, aDeclarao Universal de Direitos Humanose oPacto de Direitos Civis e Polticos, instrumentos internacionais que vedaram a discriminao sexista. A Conveno sobre os Direitos Polticos da Mulher, de 1953, dirigiu ateno especial para o aspecto poltico da discriminao histrica das mulheres. (HIRAO, 2007, p. 754).Dentre os tratados internacionais ratificados pelo Brasil, merecem destaque os que tratam especificamente dos direitos das mulheres: a Conveno da Organizao das Naes Unidas sobre a Eliminao de todas as Formas de Discriminao contra a Mulher - CEDAW, adotada em 18 de dezembro de 1979, entrou em vigor em setembro de 1981, aps vinte ratificaes, e a Conveno Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violncia contra a Mulher, ratificada pelo Brasil, em 1995.A Conveno Sobre a Eliminao de todas as Formas de Discriminao contra a Mulher CEDAW (ONU-1979) foi ratificada por 180 pases, todavia, foi a Conveno que mais apresentou reservas dos pases. O Brasil assinou a Conveno, em 31 de maro de 1981, porm somente a ratificou em 1 de fevereiro de 1984, atravs do Decreto Legislativo 93, de 14 de novembro de 1983, com reservas relativas aos artigo 15, pargrafo 4, 16, pargrafos 1, a, c, g e h, bem como ao artigo 29, pargrafo 1, que se referiam igualdade conjugal, tendo em vista que nosso Cdigo Civil no reconhecia a igualdade entre marido e mulher, conferindo ao homem a chefia da sociedade conjugal.Artigo 161. Os Estados-partes adotaro todas as medidas adequadas para eliminar a discriminao contra a mulher em todos os assuntos relativos ao casamento e s ralaes familiares e, em particular, com base na igualdade entre homens e mulheres, asseguraro:a) o mesmo direito de contrair matrimnio;b) o mesmo direito de escolher livremente o cnjuge e de contrair matrimnio somente com livre e pleno consentimento;c) os mesmos direitos e responsabilidades durante o casamento e por ocasio de sua dissoluo;d) os mesmos direitos e responsabilidades como pais, qualquer que seja seu estado civil, em matrias pertinentes aos filhos. Em todos os casos, os interesses dos filhos sero a considerao primordial;e) os mesmos direitos de decidir livre a responsavelmente sobre o nmero de seus filhos e sobre o intervalo entre os nascimentos e a ter acesso informao, educao e aos meios que lhes permitam exercer esses direitos;f) os mesmos direitos e responsabilidades com respeito tutela, curatela, guarda e adoo dos filhos, ou institutos anlogos, quando esses conceitos existirem na legislao nacional. Em todos os casos os interesses dos filhos sero a considerao primordial;g) os mesmos direitos pessoais como marido e mulher, inclusive o direito de escolher sobrenome, profisso e ocupao;h) os mesmos direitos a ambos os cnjuges em matria de propriedade, aquisio, gesto, administrao, gozo e disposio dos bens, tanto a ttulo gratuito quanto ttulo oneroso. (CFEMEA, 2007,on-line).A partir de 1988, com a vigncia da nova Constituio Federal, no seu artigo 226, pargrafo 3, reconheceu-se a igualdade entre homens e mulheres na famlia eliminando, legalmente, o obstculo para o Brasil ratificar totalmente a Conveno, que s veio a ocorrer em 1994, atravs do Decreto Legislativo n 26, de junho, quando a Conveno passou a ter plena aceitao jurdica em nosso pas.AConveno Sobre a Eliminao de todas as Formas de Discriminao contra a Mulher CEDAWest dividida em trs partes. Na primeira, define a discriminao contra a mulher, em seu artigo 1, e estabelece, nos artigo 2 e 3, as obrigaes gerais para os Estados-partes. Na segunda parte, dispe sobre a participao poltica das mulheres. Na terceira parte, prev a obrigao dos Estados-partes adotarem medidas para eliminar a discriminao da mulher no acesso ao trabalho, renda, sade, na economia e na vida social. Na parte IV, trata da igualdade formal e, na parte V, institui o Comit sobre a Eliminao da Discriminao contra a Mulher (Comit CEDAW), composto por especialistas independentes, indicadas e eleitas pelos Estados signatrios, com competncia para examinar os relatrios, peridicos e recomendaes que os Estados apresentam. (HIRAO, 2007).Em 1999, a Assemblia Geral da ONU adotou um Protocolo Facultativo Conveno da Mulher, designando um Comit para receber denncias sobre violaes dos direitos humanos das mulheres. Esse protocolo foi ratificado pelo governo brasileiro, em 2001, pelo Decreto n 4.316/2002.A CEDAW determina, em suas consideraes preliminares, a observncia da igualdade jurdica em todas as esferas da vida pblica e privada, incluindo a famlia:[...] Relembrando que a discriminao contra a mulher viola os princpios da igualdade de direitos e do respeito da dignidade humana, dificulta a participao da mulher, nas mesmas condies que o homem, na vida poltica, social, econmica e cultural de seu pas, constitui um obstculo ao aumento do bem-estar da sociedade e da famlia e dificulta o pleno desenvolvimento das potencialidades da mulher para prestar servio a seu pas e humanidade.AConveno Sobre a Eliminao de todas as Formas de Discriminao contra a Mulher CEDAWconceituou pela primeira vez a discriminao contra a mulher:Artigo 1. Para fins da presente Conveno, a expresso discriminao contra a mulher significar toda distino, e excluso ou restrio baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exerccio pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos poltico, econmico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.A discriminao contra a mulher, nos termos do artigo 1 da Conveno, pressupe, portanto, a distino, a excluso ou restrio baseada no sexo com o objetivo de prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exerccio pela mulher, dos direitos humanos ou liberdades fundamentais e expressa a indivisibilidade dos direitos humanos. (HIRAO, 2007).Essa conveno definiu trs reas de abrangncia da violncia contra a mulher: a que ocorre no mbito da famlia ou unidade domstica ou em qualquer relao interpessoal, quer o agressor compartilhe, tenha compartilhado, ou no, a sua residncia, incluindo-se, dentre outras formas, o estupro, maus-tratos e abuso-sexual; a que ocorre no mbito comunitrio, que cometida por qualquer pessoa, includo, dentre outras formas, o estupro, abuso sexual, tortura, trfico de mulheres, prostituio forada, seqestro e assdio sexual no local de trabalho, bem como em instituies educacionais, servios de sade ou qualquer outro local; e a praticada ou permitida pelo Estado, por meios de seus agentes, onde quer que ela ocorra.Por meio dessa conveno, o Brasil comprometeu-se a estabelecer proteo jurdica aos direitos da mulher em igualdade com os homens e garantir, por meio de Tribunais nacionais competentes e de outras instituies pblicas, a proteo efetiva da mulher contra todo ato de discriminao; a adotar medidas adequadas, at mesmo de carter legislativo, para modificar ou derrogar leis, regulamentos, usos, prticas e disposies penais nacionais que constituam discriminao contra a mulher.AConveno Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violncia contra a Mulher Conveno de Belm do Par, adotada pela Assemblia Geral da Organizao dos Estados Americanos, em 6 de junho de 1994, e ratificada pelo Brasil, em 27 de novembro de 1995, representa um marco contextual e conceitual sobre a violncia de gnero contra a mulher e um grande avano na conquista da emancipao das mulheres, ao dispor em seu artigo 1:Artigo 1. A violncia, para os efeitos da lei, aquela contra a mulher, seja em decorrncia de uma ao ou omisso que encontre base no gnero (gnero masculino e feminino), criao de natureza social, no biolgica), que lhe cause morte, dano ou sofrimento fsico, sexual ou psicolgico, de dano moral ou patrimonial, desde que realizada no mbito da unidade domstica, ou seja, o espao de convvio permanente de pessoas, com ou sem vnculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas, ou no mbito prprio da famlia, como a comunidade formada por indivduos que so ou se consideram aparentados, unidos por laos naturais, por afinidade ou por vontade expressa, e por ltimo, sempre independentemente de orientao sexual, tambm se compreende as decorrentes da relao ntima de afeto quando o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida.O Brasil comprometeu-se a incluir em sua legislao interna normas penais, civis e administrativas para prevenir, punir, e erradicar a violncia contra a mulher; a modificar ou abolir leis, modificar prticas jurdicas ou costumeiras que respaldem a persistncia ou a tolerncia da violncia contra a mulher; a estabelecer procedimentos jurdicos justos e eficazes para a mulher que tenha sido submetida violncia, que incluam, dentre outros, medidas de proteo, julgamento oportuno e o acesso efetivo a tais procedimentos.A importncia dessas duas convenes ressalta-se pelo fato de terem quebrado a dicotomia entre o pblico e privado, possibilitando o rompimento da naturalizao, invisibilidade da violncia domstica, discriminao contra a mulher e impondo ao Estado o dever de proteger a mulher contra a discriminao, o tratamento negativamente desigual e a violao aos seus direitos e de lhe assegurar a dignidade inerente pessoa humana.Essas convenes apontaram tambm para a necessidade de proteo e garantia do direito das mulheres igualdade no casamento, propriedade, liberdade de exercerem qualquer ofcio ou profisso, de se expressarem, participarem da poltica e da economia, em patamar de igualdade com os homens. (PIOVESAN, 2004).A II Conferncia Mundial de Direito Humanos, conhecida como a Declarao de Viena (ONU-1993), reconheceu pela primeira vez que os direitos humanos das mulheres e das meninas so inalienveis e constituem parte integrante e indivisvel dos direitos humanos universais.Segundo aDeclarao de Viena, as necessidades especficas das mulheres, inerentes ao sexo e a sua condio socioeconmica, integram o rol dos direitos humanos, cuja universalidade no pode ser questionada, devendo ser promovida e incentivada a participao igualitria das mulheres na vida poltica, social, econmica e cultural, de modo a erradicar as discriminaes de gnero como um dos objetivos prioritrios da comunidade internacional.A violncia de gnero contra a mulher foi alvo de preocupao daDeclarao de Viena, que considera, nos termos do pargrafo 2, do artigo 18, os vrios graus e manifestaes da violncia, inclusive, as resultantes de preconceito cultural e trfico de pessoas, prevendo que sua eliminao poderia ser alcanada por meio de medidas legislativas, aes nacionais e cooperao internacional, nas reas do desenvolvimento econmico e social, da educao, da maternidade segura e assistncia de sade e apoio social.De acordo com aDeclarao de Viena, a violncia contra a mulher infringe os direitos humanos de metade da humanidade e se realiza geralmente na esfera privada, notadamente, a domstica. Foi estabelecida ainda, nos termos do artigo 38, da Parte II, do Programa de Ao da Declarao de Viena, a inviolabilidade dos direitos humanos, quer por indivduos, quer pela sociedade, competindo ao Estado e s sociedades em geral lutar pela eliminao de toda forma de violao dos direitos humanos, no espao pblico, no local de trabalho, nas prticas tradicionais e no mbito da famlia.Parte II3. A igualdade de condio social e os Direitos do homem das mulheres38. A Conferncia Mundial sobre Direitos Humanos reala a importncia do trabalho a desenvolver no sentido da eliminao da violncia contra as mulheres na vida pblica e privada, a eliminao de todas as formas de assdio sexual, a explorao e o trfico de mulheres, a eliminao de preconceitos contra o sexo feminino na administrao da justia e a erradicao de quaisquer conflitos que possam surgir entre os direitos das mulheres e os efeitos nocivos de certas prticas tradicionais ou consuetudinrias, preconceitos culturais e extremismos religiosos. A Conferncia Mundial sobre Direitos do Homem apela Assemblia Geral que adota o projeto de declarao sobre a violncia contra as mulheres e insta os Estados a combaterem a violncia contra as mulheres em conformidade com as suas disposies. As violaes dos direitos humanos das mulheres em situaes de conflito armado constituem violaes dos princpios fundamentais dos direitos humanos internacionais e do direito humanitrio. Todas as violaes deste gnero, especialmente o homicdio, a violao sistemtica, a escravatura sexual e a gravidez forada, requerem uma resposta particularmente eficaz.AIV Conferncia Mundial sobre a Mulher Igualdade, Desenvolvimento e Paz, conhecida como aDeclarao de Pequim ou Beijin, de 1995, teve como plataforma a garantia dos direitos humanos das mulheres; eliminao de todas as formas de discriminao; adoo de medidas positivas para garantir a paz e o desarmamento; combate pobreza e apoio igualdade; acesso sade e garantia dos direitos sexuais e reprodutivos; acesso educao no discriminatria; participao poltica nos processos de tomada de deciso; eliminao da violncia e da explorao sexual; e a supresso das discriminaes de raa, idade, origem etnia, cultura, religio ou incapacidade.Alm dos direitos, as mulheres pressionaram os governos para que efetivassem os compromissos polticos assumidos em conferncias internacionais, por meio de polticas pblicas: A Plataforma de Ao Mundial dessa Conferncia, assinada por 184 pases, prope objetivos estratgicos e medidas a serem adotadas visando superao da situao de discriminao, marginalizao e opresso vivenciadas pelas mulheres. (CFEMEA, 2006, p. 38).Convm ressaltar que a ratificao desses Tratados Internacionais pelo Brasil cria obrigaes para o Estado, tanto no mbito interno, como externo, vez que geram novos direitos para as mulheres, que passam a contar com uma ltima instncia internacional de deciso, caso os recursos disponveis no Brasil falhem na realizao da justia, exemplo disso foi a condenao, em um caso brasileiro (Maria da Penha), na Comisso Interamericana de Direitos Humanos.O Brasil ratificou ainda vrias convenes da Organizao Internacional do Trabalho (OIT): a Conveno 100/1951, sobre a igualdade de remunerao entre homens e mulheres por trabalho de igual valor; a Conveno 111/1958, que trata da discriminao em matria de emprego e ocupao; a Conveno 156/1881, sobre a igualdade de oportunidades e de tratamento para homens e mulheres trabalhadoras com encargo de famlia; a Conveno 103/1996 (reviso da Conveno 3/1919); a Conveno 171/1990, reviso da conveno 89/1948, referente ao trabalho noturno.Os documentos internacionais, como tratados, pactos e convenes, foram criados para garantir os direitos da pessoa humana, com amplitude regional e mundial.O Estado brasileiro, portanto, tem obrigao de coibir violaes aos direitos das mulheres, no s no mbito pblico, como no privado. A violao contra os direitos das mulheres , com base nesses tratados e convenes, uma violao aos direitos humanos.A Constituio Federal preceitua, em seu artigo 5,caput,o princpio da igualdade, segundo o qual todos so iguais perante a lei, independe de qualquer norma regulamentadora, assegurando a todos, indistintamente, independentemente de raa, cor, sexo, classe social, situao econmica, orientao sexual, convices polticas e religiosas, assegurando a todos igual tratamento perante a lei, mas, tambm e principalmente, igualdade material ou substancial.O tratamento igualitrio entre homens e mulheres, previsto no inciso I, do artigo 5, da Constituio Federal, pressupe que o sexo no possa ser utilizado como discriminao com o propsito de desnivelar substancialmente homens e mulheres, mas pode e deve ser utilizado com a finalidade de atenuar os desnveis social, poltico, econmico, cultural e jurdico existentes entre eles.A Constituio do Brasil de 1988 significou um importante marco para a transio democrtica brasileira. Denominada Constituio Cidad trouxe avanos no tocante ao reconhecimento dos direitos individuais e sociais das mulheres.Na legislao infraconstitucional, fazia-se imperiosa uma reformulao para derrogar leis, normas e expresses discriminatrias contra a mulher, que estabelecesse a igualdade entre homens e mulheres, tal como assegurada na Constituio Federal.O novel Cdigo Civil (Lei 10.406, de 10.01.2002) trouxe alteraes legais pelo fim da discriminao na legislao cvel contra as mulheres, passando a lhes dispensar tratamento igualitrio ao homem, especialmente, no Direito de Famlia, no tocante aos direitos e responsabilidades de ambos no mbito familiar.O interesse do estado na preservao e proteo da famlia faz com que o direito de famlia seja inserido mais no direito publico do que privado, vez que h prevalncia de normas cogentes, de direito publico, de observao obrigatria, em que as partes no podem transigir, por vontade prpria, pois os direitos embora reconhecidos e regulados por lei assumem na maior parte dos casos o carter de deveres.O direito civil atual norma cogente de cumprimento obrigatrio, no sendo passvel de transao, renuncia ou transferncia em muitos casos, ante mesmo o carter de interesse publico de seus dispositivos, em especial, em se tratando de famlia, unidade de extrema relevncia para a sade fsica, moral, psicolgica, econmica, patrimonial e financeira dos indivduos e de toda a sociedade. A famlia a base de toda organizao social.Alm dos direitos individuais fundamentais assegurados aos homens e mulheres na ordem interna, o Brasil insere-se no plano de proteo internacional mulher, atravs da ratificao de tratados internacionais de proteo aos direitos humanos das mulheres que cobem toda forma de discriminao e violao aos seus direitosA Constituio Federal de 1988 representa, portanto, um marco contra a discriminao da famlia contempornea, constituda sob vrias formas.O novo Cdigo Civil segue nessa mesma esteira, na medida em que privilegia a realidade afetiva das relaes em detrimento de formalidades, bem como o interesse da sociedade e da coletividade que prevalece em relao aos interesses particulares.RevistaConsultor Jurdico, 5 de novembro de 2010, 12h15

Criana e adolescente so prioridade na Constituio brasileiraPodemos afirmar que no faltam leis, faltam polticas pblicas consistentes para fazer cumprir o que j est na Constituio e no Estatuto da Criana e do AdolescentePORHELOISA HELENA DE OLIVEIRA|18/10/2013 08:00CATEGORIA(S):COLUNISTAS,DIREITOS HUMANOS

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HELOISA HELENA DE OLIVEIRANo momento em que comemoramos 25 anos da promulgao da Constituio de 1988, que representou um importante marco na conquista dos nossos direitos, importante fazer uma reflexo sobre o que avanou e o que ainda um desafio para garantir que esses direitos assegurados na Carta Magna sejam efetivamente realizados.A partir das discusses internacionais sobre os direitos humanos, a Organizao das Naes Unidas elaborou a Declarao dos Direitos da Criana e com ela muitos direitos foram garantidos. Foi um grande avano focar na doutrina da proteo integral e reconhecer a criana e o adolescente como sujeitos de direitos estabelecendo a necessidade de proteo e cuidados especiais.A doutrina da proteo integral da Organizao das Naes Unidas foi inserida na legislao brasileira pelo artigo 227 da Constituio Federal de 1988, trazendo para a nossa sociedade os avanos obtidos na ordem internacional em favor da infncia e da juventude. Esse artigo constitucional, cujo texto reproduzo abaixo, de forma muito assertiva, encerra o conjunto de responsabilidades das geraes adultas para com a infncia e a adolescncia:Art. 227. dever da famlia, da sociedade e do Estado assegurar criana e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito vida, sade, alimentao, educao, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e convivncia familiar e comunitria, alm de coloc-los a salvo de toda forma de negligncia, discriminao, explorao, violncia, crueldade e opresso. ()A riqueza deste artigo traz muitas possibilidades de reflexo. Ele sinaliza, claramente, a responsabilidade da famlia, da sociedade e do Estado, como as trs instncias reais e formais de garantia dos direitos elencados na Constituio e nas leis. A referncia inicial famlia explicita sua condio de esfera primeira, natural e bsica de ateno, cabendo ao Estado garantir condies mnimas para que a famlia exera sua funo e ao mesmo tempo, para que no recaia sobre ela toda a responsabilidade e nus.Analisando o contexto atual, 25 anos depois, podemos nos questionar se todos esses direitos esto assegurados para todas as crianas. Perguntemo-nos, ento: se nenhuma criana est morrendo por causa evitvel nos rinces de nosso pas, se todas as crianas tem assegurado alimentao saudvel para o seu desenvolvimento pleno, se as crianas brasileiras tem acesso educao pblica de qualidade, se todas as mes que buscam creches para seus filhos pequenos encontram uma vaga disponvel para seu atendimento, se todas as crianas de todas as regies, etnias e classes sociais esto protegidas e a salvo de toda forma de negligncia, discriminao, explorao, crueldade e opresso. Se as respostas a essas questes no forem positivas, significa que h muito a ser feito. A diferena entre o que a famlia, a sociedade e o Estado tem obrigao de fazer e o que efetivamente foi feito representa a dvida social que ainda temos que saldar.Sem buscar estatsticas ou aprofundar nesses pontos, mas apenas recorrendo memoria do que temos visto nos principais noticirios, podemos afirmar que no faltam leis, faltam polticas pblicas consistentes para fazer cumprir o que j est na Constituio e noEstatuto da Criana e do Adolescente, Lei n 8.069, de 13 de julho de 1990, promulgado dois anos depois da Constituio Federal, reconhecido internacionalmente como modelo de legislao para a infncia. obrigao da gerao que elaborou a Constituio fazer cumprir o que foi estabelecido h 25 anos. isso o que se espera de todos e de cada um de ns.Outros textos sobre o ECAO meio ambiente na Constituio Federal de 1988

Trata do meio ambiente, seu conceito, a legislao ambiental brasileira e a tutela constitucional do meio ambiente.PorThomas de Carvalho SilvaO lao essencial que nos une que todos habitamos este pequeno planeta. Todos respiramos o mesmo ar. Todos nos preocupamos com o futuro dos nossos filhos. E todos somos mortais.John KennedyO meio ambiente tem sido a grande preocupao de todas as comunidades do nosso planeta nas ltimas dcadas, seja pelas mudanas provocadas pela ao do homem na natureza, seja pela resposta que a natureza d a essas aes.O presente trabalho tem por objetivo discorrer acerca do meio ambiente, seu conceito, a legislao ambiental brasileira e a tutela constitucional do meio ambiente.1. Conceito de meio ambienteA expresso meio ambiente (milieu ambiance) foi utilizada pela primeira vez pelo naturalista francs Geoffrey de Saint-Hilaire em sua obratudes progressives dun naturaliste, de 1835, ondemilieusignifica o lugar onde est ou se movimenta um ser vivo, eambiancedesigna o que rodeia esse ser.H uma grande discusso em torno da redundncia do termo meio ambiente, por conter duas palavras com significados similares, como observa Vladimir Passos de Freitas (2001, p. 17):A expresso meio ambiente, adotada no Brasil, criticada pelos estudiosos, porque meio e ambiente, no sentido enfocado, significam a mesma coisa. Logo, tal emprego importaria em redundncia. Na Itlia e em Portugal usa-se, apenas, a palavra ambiente.Gasto Octvio da Luz (2007,on line), doutor em meio ambiente e desenvolvimento, analisando dicionrios e enciclopdias de vrias pocas, constata que o material fornecido pelos autores tende a promover a sinonmia entre meio e ambiente. Dessa forma, enquanto conceitos, os verbetes perdem seu valor objetivo e, quanto representao conceitual, poderiam ser ditos como sendo confusos e obscuros.Conforme Luiz Carlos Aceti Jnior (2007,on line), o Novo Dicionrio da Lngua Portuguesa Aurlio define meio como lugar onde se vive, com suas caractersticas e condicionamentos geofsicos; ambiente; esfera social ou profissional onde se vive ou trabalha, e ambiente como o conjunto de condies naturais e de influncias que atuam sobre os organismos vivos e os seres humanos.O professor venezuelano Jos Moy (2007,on line), j na poca da Conferncia das Naes Unidas sobre o Meio Ambiente, no Rio de Janeiro em 1992 (Rio 92), chegou a alardear que meio ambiente no existe, e que o que existe um todo global e integrado, cujos elementos se combinam interdependentemente, formando uma unidade indissolvel que deve ento ser denominado apenas de ambiente.Por outro lado, os defensores do termo afirmam que esta questo no passa de um problema de semntica. Tambm existe uma forte tendncia na manuteno do vocbulo, pois o termo j popularmente difundido como sendo a designao para os assuntos da natureza, e tambm que vrios organismos internacionais, nacionais, estaduais e municipais j incorporaram o termo s suas siglas, como o caso do PNUMA (Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente), Ministrios de Meio Ambiente e Secretarias de Meio Ambiente.No mesmo sentido o entendimento do mestre ambientalista Edis Milar (2001, p. 63):Tanto a palavra meio quanto o vocbulo ambiente passam por conotaes, quer na linguagem cientfica quer na vulgar. Nenhum destes termos unvoco (detentor de um significado nico), mas ambos so equvocos (mesma palavra com significados diferentes). Meio pode significar: aritmeticamente, a metade de um inteiro; um dado contexto fsico ou social; um recurso ou insumo para se alcanar ou produzir algo. J ambiente pode representar um espao geogrfico ou social, fsico ou psicolgico, natural ou artificial. No chega, pois, a ser redundante a expresso meio ambiente, embora no sentido vulgar a palavra identifique o lugar, o stio, o recinto, o espao que envolve os seres vivos e as coisas. De qualquer forma, trata-se de expresso consagrada na lngua portuguesa, pacificamente usada pela doutrina, lei e jurisprudncia de nosso pas, que, amide, falam em meio ambiente, em vez de ambiente apenas.Lato sensu, meio ambiente o conjunto de fatores exteriores que agem de forma permanente sobre os seres vivos, aos quais os organismos devem se adaptar e com os quais tm de interagir para sobreviver.No mbito jurdico, difcil definir meio ambiente, pois como bem lembra Edis Milar (2003, p. 165), o meio ambiente pertence a uma daquelas categorias cujo contedo mais facilmente intudo que definvel, em virtude da riqueza e complexidade do que