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JANAINA DA SILVA GUERRA DO SENSO COMUM AO CONHECIMENTO CRÍTICO O (A) TRABALHADOR (A) SOCIAL NA INCUBAÇÃO DE COOPERATIVAS POPULARES PELOTAS 2005

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JANAINA DA SILVA GUERRA

DO SENSO COMUM AO CONHECIMENTO CRÍTICO

O (A) TRABALHADOR (A) SOCIAL NA INCUBAÇÃO DE COOPERATIVAS POPULARES

PELOTAS

2005

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Janaina da Silva Guerra

DO SENSO COMUM AO CONHECIMENTO CRÍTICO

O (A) TRABALHADOR (A) SOCIAL NA INCUBAÇÃO DE COOPERATIVAS POPULARES

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Serviço Social da Universidade Católica de Pelotas, como requisito para obtenção do título de Assistente Social Orientador: Antônio Carlos Martins da Cruz

Pelotas

Escola de Serviço Social da UCPEL

2005

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Aos meus pais, por terem compreendido minhas ausências, por apoiarem minhas

decisões, terem dedicado suas vidas a mim e pelo amor e estímulo que me ofertaram.

Ao meu namorado pelo carinho e por ter, com sua descontração, me

proporcionado momentos de alegria, mesmo naqueles onde a angústia e o nervosismo

prevaleciam.

Dedico-lhes essa conquista como forma de profunda gratidão.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a fundamental ajuda de meu orientador, Antônio, por contribuir com

minha formação profissional e principalmente pessoal, no sentido de haver me instigado

constantemente à construção da percepção crítica a respeito da sociedade.

Agradeço àqueles professores que, comprometidos com a mudança social,

fomentam, dentro e fora da academia, a militância crítica de resistência às injustiças sociais.

Agradeço ao Instituto de Estudos Políticos Mário Alves, por ser este, um espaço

de discussão e militância, que me oportunizou pensar e lutar no processo de construção por

uma nova realidade social.

Agradeço a INTECOOP, por haver me proporcionado, enquanto estagiária, a

experiência da troca entre saberes e da construção coletiva que ultrapassam os muros da

Universidade.

Meus profundos agradecimentos a todas as cooperadas que me ajudaram na

construção deste trabalho.

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RESUMO

Este trabalho trata do processo de construção coletiva do conhecimento crítico dentro de empreendimentos populares e de como o (a) Trabalhador (a) Social pode contribuir com este processo. Por entender que não existem “receitas” para a prática profissional, e que, portanto as formas de construção da criticidade resultam da experimentação coletiva, este trabalho foi realizado a partir do método da pesquisa-ação, complementado pelo levantamento da história oral de vida das cooperadas que compõem os empreendimentos. Durante a pesquisa de história oral de vida, constatou-se que a formação da consciência dá-se através de relações sociais externas que se interiorizam, isto é, as cooperadas, cuja história se caracteriza pela participação em espaços de debate e de construção, possuem maior disposição à solidariedade e à autogestão, ao contrário daquelas que não tiveram a oportunidade de vivenciar ou militar em espaços com tais características. Então, a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares - INTECOOP surge como um espaço que, além de ser uma alternativa ao trabalho convencional, intervém na vida das pessoas como fator externo que fomenta as discussões acerca das manifestações da questão social. O (a) Trabalhador (a) Social que atua neste espaço deve contribuir com discussões que instiguem o conhecimento crítico, através de um processo constante de reeducação do (a) mesmo (a) e das demais cooperadas, assim como instigar questionamentos que possibilitem a emersão das contradições sociais, estabelecendo continuamente uma relação de horizontalidade e troca entre os saberes acadêmico e popular. Palavras-chave: empreendimento popular – conhecimento crítico – pesquisa-ação – história oral de vida – Trabalhador (a) Social – cooperadas

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 07

1 CONHECENDO A PESQUISA .......................................................................... 111.1 O caminho da pesquisa ........................................................................................... 111.2 Por que a pesquisa-ação e a história oral de vida? ................................................. 161.2.1 A pesquisa-ação ...................................................................................................... 161.2.2 Sobre a história oral ................................................................................................ 201.2.3 A história oral de vida ............................................................................................ 22

2 SENSO COMUM E CONHECIMENTO CRÍTICO: O (A) TRABALHADOR (A) SOCIAL NO PROCESSO DE MUDANÇA ............... 24

2.1 Senso Comum x Conhecimento Crítico ................................................................. 242.2 O (a) Trabalhador (a) Social na construção do conhecimento crítico: uma revisão

teórica ..................................................................................................................... 31

3 INCUBADORAS TECNOLÓGICAS: O COOPERATIVISMO E A ECONOMIA POPULAR E SOLIDÁRIA NO SISTEMA CAPITALISTA ... 37

3.1 ITCP’s: A troca entre saberes ................................................................................. 373.1.1 Projetos que vêm contribuindo para a viabilidade da incubação ............................ 403.1.2 O campo de atuação no presente ............................................................................ 423.2 O Cooperativismo e sua Trajetória Histórica ......................................................... 433.2.1 O cooperativismo utilizado inadequadamente ........................................................ 473.3 A busca pela solidariedade e cooperação nas relações de trabalho ........................ 483.3.1 Empresas de autogestão e Cooperativas Populares ................................................ 51

4 CONHECER A HISTÓRIA, EXPLICAR O PRESENTE E TRANFORMAR O FUTURO ............................................................................. 54

4.1 História da CRID e da DunasVest .......................................................................... 544.2 O que dizem as cooperadas? ................................................................................... 564.2.1 Escolaridade e mercado de trabalho ....................................................................... 574.2.2 Cooperativismo e trabalho convencional ............................................................... 604.2.3 O meu e o nosso ...................................................................................................... 634.2.4 Assistência e assistencialismo ................................................................................ 644.2.5 Desemprego: oportunidade ou falta de vontade ..................................................... 674.3 Análise comparativa ............................................................................................... 68

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5 DO SENSO COMUM AO CONHECIMENTO CRÍTICO .............................. 73

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 83

REFERÊNCIAS .................................................................................................. 86

APÊNDICE ........................................................................................................... 90

ANEXOS ................................................................................................................. 92

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INTRODUÇÃO

A Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares - INTECOOP da

Universidade Católica de Pelotas -UCPEL é um projeto de extensão universitário que busca,

através da interdisciplinaridade, instigar a troca entre os saberes acadêmico e popular, na

construção de iniciativas populares que sigam a autogestão e a solidariedade nas relações de

trabalho.

O presente trabalho surgiu a partir da necessidade de se encontrar subsídios para

melhor desenvolver a pesquisa-ação dentro de iniciativas populares incubadas pela

INTECOOP e assim, atingir os objetivos propostos pela mesma.

Por acreditar que tais subsídios trariam respostas a uma série de dúvidas referentes

aos grupos incubados – no que diz respeito ao histórico dos mesmos, assim como a trajetória

de cada cooperada – optou-se pela história oral de vida, enquanto dispositivo de coleta de

dados, como melhor forma de identificá-los, já que tal instrumento proporciona uma leitura da

realidade a partir do observado pelas entrevistadas.

Ao iniciar a pesquisa-ação em conjunto com a INTECOOP – a fim de construir

coletivamente com os grupos incubados um espaço onde prevaleça a autogestão, a

solidariedade e a cooperação – foi realizada uma pesquisa diagnóstica cujo objetivo era

melhor conhecer o meio e as pessoas com quem se iniciaria o empreendimento popular.

Porém, tal objetivo não foi atingido por esta pesquisa não proporcionar dados (ou

proporciona-los superficialmente) a respeito de como as cooperadas vêem a realidade onde

vivem, além de como se observam enquanto parte desta realidade.

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O projeto de intervenção tinha como metodologia a pesquisa-ação, e buscava

subsídios teóricos e práticos que possibilitassem a elaboração de propostas para a atuação do

(a) Trabalhador (a) Social junto aos empreendimentos populares, a fim de contribuir com o

processo de construção da consciência crítica, a partir de uma alternativa à forma de trabalho

convencional, através da Educação Popular e da Economia Popular e Solidária, cujos

princípios são a Autogestão e a Cooperação.

O projeto buscava também experimentar processos pedagógicos e de ação social

que permitissem às cooperadas superarem o senso comum, em direção à construção de uma

visão crítica da sociedade. Então, através da pesquisa-ação, se pretendia disponibilizar, às

mesmas, ferramentas teórico-práticas necessárias para a geração de renda a partir do trabalho

solidário e autogerido.

O primeiro capítulo, intitulado “Conhecendo a pesquisa”, trata primeiramente do

caminho percorrido até a compreensão de que atingir a autogestão e a cooperação dentro de

empreendimentos populares – através de relações de trabalho solidárias e não competitivas,

como se observa no trabalho convencional – é resultado de um processo de construção

coletiva de uma outra consciência a respeito do que é Economia Popular e Solidária e do que

é Cooperação, e de como podem ocorrer dentro de uma sociedade capitalista. Ainda no

primeiro capítulo, vê-se a metodologia utilizada na pesquisa, ou seja, a pesquisa-ação, e

secundariamente a história oral de vida.

No segundo capítulo – cujo título é “Senso comum e Conhecimento Crítico: o (a)

Trabalhador (a) Social no processo de mudança” – vê-se o significado do senso comum e o

quanto este impede a emancipação das pessoas frente à alienação do capitalismo, e

conseqüentemente que elas atinjam a criticidade a respeito do mesmo. O item 2.1 deste

capítulo está fundamentado basicamente nas obras de Antônio Gramsci.

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Também no segundo capítulo, porém no item 2.2, é discutido sinteticamente o

histórico do Serviço Social, prendendo-se ao Movimento de Reconceituação e ao projeto de

ruptura da profissão, considerados grandes avanços no processo de transformação teórico-

prática entre a categoria dos (as) Assistentes Sociais.

O terceiro capítulo intitulado, “Incubadoras Tecnológicas: cooperativismo e a

economia popular e solidária no sistema capitalista”, mostra o que são as Incubadoras

Tecnológicas de Cooperativas Populares - ITCP’s, desde sua criação até sua implantação no

espaço acadêmico de todo Brasil. Também trata de explicar o que é a INTECOOP-UCPEL e

como ela vem atuando na região sul do Estado do Rio Grande do Sul.

No item 3.2 do mesmo capítulo, é discutido o conceito de cooperativismo, seus

princípios, sua trajetória histórica, bem como suas distorções contemporâneas.

O item 3.3 detém-se na Economia Popular e Solidária e na autogestão,

explicando-os e colocando-os como alternativa à economia competitiva e individualista

difundida no sistema vigente. Além disso, dá ênfase também à diferença que existe entre as

empresas de autogestão e as cooperativas populares, apesar de coincidirem no que se refere a

serem empreendimentos autogeridos.

O quarto capítulo: “Conhecer a história, explicar o presente e transformar o

futuro”, refere-se à descrição das experiências de incubação, onde é feito o relato e a análise

dos grupos pesquisados, ou seja CRID (Cooperativa de Reciclagem Integrada do Dunas) e

DunasVest (Cooperativa de Vestuário do Dunas), mostrando primeiramente como as

cooperadas se observam nas relações sociais que estabelecem e posteriormente comparando

os dois grupos, a fim de conhecer se o trabalho desempenhado pela INTECOOP, durante o

período de incubação, vem instigando a criticidade entre os envolvidos no processo de

autogestão e solidariedade.

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No quinto e último capítulo, cujo título é “Do Senso Comum ao Conhecimento

Crítico” procura-se – a partir do constatado na pesquisa realizada entre os dois grupos acima

mencionados – formas de como o (a) Trabalhador (a) Social, comprometido com a

transformação social, pode apoiar, dentro das iniciativas populares, a transição do senso

comum ao conhecimento crítico.

O presente trabalho trata-se de uma contribuição àquelas pessoas que,

comprometidas com a transformação social, buscam incessantemente formas de superar os

ditames do capitalismo por entenderem que este favorece e legitima os privilégios de poucos,

enquanto a maioria da população sofre cotidianamente com suas conseqüências.

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CAPÍTULO I: CONHECENDO A PESQUISA

1.1 O caminho da pesquisa

Ao ingressar na Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares – INTECOOP

e ir a campo, a partir da pré-incubação da iniciativa popular de reciclagem, hoje denominada

Cooperativa de Reciclagem Integrada do Dunas- CRID, foram observados fatores que vêm

impedindo o grupo de construir a autogestão e a cooperação.

As pessoas que compõem tal empreendimento possuem baixa renda, são

desempregadas ou subempregadas e não cumprem os requisitos impostos pelo mercado de

trabalho, pois ou passaram da idade estipulada pelo mesmo ou são muito jovens, sendo esta

condição sinônimo de inexperiência aos “olhos” deste.

O problema da escolaridade também contribui para o desemprego, visto que a

maioria sequer teve a oportunidade de completar o Ensino Fundamental. Além disso, a

questão da aparência implica para a falta de emprego, pois a maioria das cooperadas carece de

uma vestimenta adequada, ou seja, acabam não seguindo padrões estipulados pelo mercado de

trabalho, justamente por estarem desprovidas de dinheiro para satisfazer tais padrões.

Observando as exigências do mercado de trabalho, que prevê a constante

qualificação da mão-de-obra (mesmo não revertendo através do salário todo o dinheiro

investido pelo trabalhador que procurou qualificar-se), visualiza-se uma contradição

desumana, isto é, os trabalhadores – cuja renda, gerada através de biscates, não atinge um

salário mínimo mensal – estando desempregados, jamais conseguirão atingir os padrões

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estipulados (boa vestimenta, escolaridade, etc.) se não lhes for dada a oportunidade de ter um

emprego para contempla-los.

Em entrevista recente ao Diário Popular (2005, p. 18), na matéria intitulada

“Crescem exigências para garantir uma vaga”, o presidente do Sindicato do Comércio

Varejista - Sindilojas, Sr. Renzo Antonioli, diz o seguinte: “Para ter futuro, o candidato a uma

vaga no comércio de bens ou serviços precisa ter noções básicas de informática, de

gerenciamento de estoques e de relacionamento com o cliente. Ninguém está disposto a

contratar alguém despreparado ou que não tenha boa apresentação.”

Com isto, vê-se que inseridas no mercado de trabalho estão apenas aquelas

pessoas da classe-média e classe média-alta que têm dinheiro para contemplar as exigências

do mesmo, enquanto que a massa popular segue dependente de políticas públicas

assistencialistas e alienantes.

Com o desemprego, as pessoas têm dificuldade em distinguir seus direitos de

práticas assistencialistas. Elas têm direito à moradia, mas ficam extremamente gratas àquele

político que lhes consegue um terreno ou uma habitação. Elas têm direito à alimentação, mas

ficam gratas quando lhes são doadas cestas-básicas. E em troca da “bondade” dos políticos,

além de outras pessoas que querem tirar proveito através da caridade, elas vendem seu direito

ao voto, submetem-se a participar de algo que não são adeptas, etc. Isto ocorre porque ter

direitos não significa ter acesso a eles. É uma questão de direito que nossas necessidades

básicas sejam supridas, porém existem milhares de pessoas passando fome, frio, sem moradia,

sem emprego, etc.

Ao utilizar as Frentes Emergenciais de Trabalho (Governo do Estado do Rio

Grande do Sul) a INTECOOP tratou de garantir às pessoas uma renda mensal, e ao mesmo

tempo tratou de oportunizar-lhes a geração de renda enquanto produto do seu próprio

trabalho. Isto se viabiliza com a realização de cursos profissionalizantes, e fundamentalmente

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de oficinas e cursos que oportunizem a troca entre os saberes e a construção de uma

consciência crítica por parte de todos os envolvidos (professores, estagiários e cooperados).

Porém, infelizmente, algumas das pessoas que compõem as iniciativas populares

vêem o trabalho da INTECOOP apenas como geração de renda provisória. Ou seja, após o

término das Frentes de Trabalho estas se desligaram do projeto e partiram em busca de outras

políticas públicas. Tal atitude não é condenável, ao contrário, é uma prática comum e que

deve ser respeitada, apesar de questionável, pois antes procurar políticas públicas alienantes

do que não ter nenhuma fonte de renda.

A metodologia da INTECOOP prevê que os empreendimentos populares se

viabilizem economicamente num curto espaço de tempo, mas nem sempre isto ocorre, porque

ao trabalhar em parceria com órgãos estatais ou não – através do encaminhamento de projetos

– a INTECOOP passa a depender das deliberações daqueles para que o objetivo acima seja

cumprido, o que em vários casos acaba surtindo uma significativa demora.

Além disso, a questão do mercado também contribui para a não viabilidade dos

empreendimentos populares, pois estes não dispõem de capital suficiente para competir com

as grandes empresas que fabricam em larga escala e barateiam seus produtos, podendo assim

diversificar as condições de pagamento.

Trata-se de um processo demorado, que não proporciona resultados imediatos,

isto é, leva tempo até pôr em funcionamento as iniciativas populares, e quando isso ocorre,

inicialmente não há geração de renda suficiente para que as cooperadas tenham uma vida

digna, por isso muitas têm dificuldade em permanecer em tais iniciativas.

A forte evasão que ocorre entre as cooperadas, quando estas constatam a demora

na geração de renda justifica-se por dois motivos: primeiro, a urgência de que suas

necessidades básicas sejam supridas, e segundo, pela cultura disseminada no sistema

capitalista, pois “uma vez que os capitalistas isolados produzem ou trocam com o único

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objetivo de obter lucros imediatos, só podem dar importância aos resultados mais próximos e

imediatos” (ENGELS, 1982, p. 26).

Obviamente a citação acima não foi mencionada com a intenção de denominar as

cooperadas de “capitalistas isolados”, mas fazendo referência ao fato destas reproduzirem

práticas que lhes são alheias, ou seja, próprias dos mesmos.

Vistos os problemas acima mencionados, acredita-se que estes impedem

significativamente a construção de uma nova mentalidade referente à questão do trabalho,

pois presas a conservadoras concepções, ou ainda, passando dificuldades financeiras, a

maioria das cooperadas não se tornam acessíveis à construção coletiva de uma outra relação

de trabalho, onde prevaleça a solidariedade e a cooperação.

Portanto, o projeto de pesquisa procura, com a contribuição do (a) Trabalhador (a)

Social, fazer da incubação de iniciativas populares um dispositivo de mudança da realidade de

todas as pessoas envolvidas, não só referente à renda, apesar desta contribuir expressivamente

para a não dissolução do grupo, mas principalmente no sentido de que estas construam uma

visão crítica da sociedade, tornando as relações de trabalho dentro dos empreendimentos

populares solidárias e verdadeiramente autogeridas.

Nossa questão norteadora era: Como o (a) Trabalhador (a) Social pode contribuir

– junto aos (as) cooperados (as) das iniciativas de economia solidária incubadas pela

INTECOOP/UCPEL – com o processo de transição (a) do senso comum ao conhecimento

crítico, e (b) da condição de “objeto” à condição de “sujeito” dos processos sociais.

Metodologicamente, o projeto guia-se pela pesquisa-ação, por entender que a

construção de uma consciência crítica trata-se de um processo coletivo, onde todos os

envolvidos são sujeitos (e não objetos) do mesmo. “Não usando as pessoas, mas junto com as

pessoas. Você experimenta junto com as pessoas e não as usando. Elas estão por dentro do

processo” (FREIRE E HORTON, 2003, p. 34).

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Depois de iniciada a pesquisa-ação, observou-se a falta de dispositivos para segui-

la, ou seja, esta era deficiente no que se tratava de trazer à tona as subjetividades das

cooperadas. Por isto, o instrumento de história oral de vida foi utilizado como forma

subsidiária à pesquisa-ação, pois para realizá-la qualitativamente, de maneira a atingir os

objetivos propostos no projeto, sentiu-se a necessidade de conhecer minuciosamente a vida

das pessoas envolvidas no processo.

O projeto de pesquisa teve como amostragem o total de 12 cooperadas

entrevistadas, sendo metade da Cooperativa de Reciclagem Integrada do Dunas -CRID e a

outra da Cooperativa de Vestuário do Dunas - DunasVest. Apesar de acompanhar somente a

primeira cooperativa, foi necessário realizar a pesquisa com as cooperadas do DunasVest a

fim de comparar os dois empreendimentos.

Tal comparação foi imprescindível, pelo fato da DunasVest estar sendo incubada

pela INTECOOP há mais tempo e ter espaço físico, além de maquinários para desenvolver

seu trabalho, enquanto que a CRID tem um período de incubação de apenas 11 meses e não

disponibiliza de local, nem maquinário para se viabilizar economicamente.

A fim de realizar o levantamento da história oral de vida das cooperadas, a

entrevista foi separada em dois blocos: o primeiro procurava conhecer a história de vida

destas, desde a infância até os dias de hoje, e o segundo procurava saber quais eram os

principais problemas que estas enfrentavam e a quais fatores atribuíam estes problemas; quais

eram seus planos, como poderiam fazer para concretiza-los, se dependia só delas concretiza-

los; quais formas de trabalho (convencional ou cooperativo) preferiam, etc. (ver apêndice)

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1.2 Por que a pesquisa-ação e a história oral de vida?

1.2.1 A Pesquisa-ação

Os métodos de pesquisa tradicionais precisam ser superados por outras formas de

pesquisa, já que geralmente não surtem resultados frente aos objetos pesquisados, ou seja, por

serem instrumentos, em muitos casos, ineficientes, ao constatar e resolver os problemas que

originaram a pesquisa, pois os dados coletados a partir destes métodos “não permitem uma

visão dinâmica da situação” (THIOLLENT, 2000, p. 19).

Nos métodos tradicionais não existe uma interação entre os “pesquisadores e os

pesquisados”, havendo uma forte desigualdade, onde os primeiros são sujeitos e os segundos

são objetos do processo. O pesquisador que opta por métodos com este perfil trata o indivíduo

como “mero informante, e ao nível da ação ele é mero executor” (THIOLLENT, 2000, p. 19).

Geralmente a pesquisa convencional não parte em busca de um novo cenário

social, ou seja, “não há focalização da pesquisa na dinâmica de transformação desta situação

numa outra situação desejada” (THIOLLENT, 2000, p. 19). Diferente da pesquisa-ação, onde

“é possível estudar dinamicamente os problemas, as decisões, ações, negociações, conflitos e

tomadas de consciência que ocorrem entre os agentes durante o processo de transformação da

situação” (THIOLLENT, 2000, p. 19).

Analisando a pesquisa convencional – sendo esta prioritariamente difundida pelo

meio acadêmico1 - observa-se que ela prevê, enquanto coleta de dados, a criação de

formulários ou questionário (quantitativos, qualitativos ou quanti-qualitativos), isto é, as

1 Não querendo dizer que as outras formas de pesquisa, inclusive a pesquisa-ação, sejam descartadas pelo meio acadêmico, ao contrário, elas também são estudadas (mesmo que superficialmente). Mas há um incentivo maior por parte da academia para que os métodos convencionais de pesquisa sejam utilizados. Mesmo naqueles cursos progressistas que instigam a transformação social.

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entrevistas têm um número “x” de questões que devem ser seguidas rigorosamente. Tal

método dificulta o diálogo e a interação entre entrevistador e entrevistado, o que torna o

processo maçante para ambas as artes, além de pouco produtivo.

A pesquisa-ação – sendo uma forma de pesquisa participante – surge nos Estados

Unidos, na década de quarenta, e segundo Haguette (1995, p. 111), teve sua origem “na

psicologia social, tendo sido cunhada por Kurt Lewin.”

Ao dizer o porquê da pesquisa-ação ser considerada uma forma de pesquisa

participante, Thiollent coloca o seguinte:

toda a pesquisa-ação é do tipo participativo: a participação das pessoas implicadas nos problemas investigados é absolutamente necessária, [...] uma pesquisa pode ser qualificada de pesquisa-ação quando houver realmente uma ação por parte das pessoas ou grupos implicados no problema sob observação (2000, p. 15).

Lembrando Haguette (1995), a pesquisa-ação de Lewin pode ser distinguida de

quatro formas: pesquisa-ação de diagnóstico, onde o pesquisador diagnostica e receita

soluções; pesquisa-ação participante, que envolve na pesquisa todos os membros de

determinado espaço (pesquisador, pesquisado); pesquisa-ação empírica, que acumula “dados

de experiências de trabalho diário em grupos sociais semelhantes” (1995, p. 113); e a

pesquisa-ação experimental, “que exige um estudo controlado da eficiência relativa de

técnicas diferentes em situações sociais praticamente idênticas” (1995, p. 113).

Porém, a intervenção proposta por Lewin, a partir da pesquisa-ação, não trás

consigo “a transformação das estruturas da sociedade de classes” (HAGUETTE, 1995, p.

113). Tal enfoque será priorizado nas ciências humanas aplicadas européias, contrapondo-se à

psicologia social americana e tratando, com isso, de construir “uma nova proposta de ciência

libertadora” (HAGUETTE, 1995, p. 113).

A respeito do papel do pesquisador que opta por desenvolver a pesquisa-ação,

Haguette coloca que:

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A pesquisa-ação, pois, exige muito mais do pesquisador que a pesquisa convencional pelo fato de, por definição, requerer um nível de interação maior entre pesquisadores e pesquisados, baseada em uma dinâmica dirigida por ele e que pode levar a riscos de desestruturação dos grupos quando mal-executada. Por outro lado, pode levar também a interpretações errôneas sobre a situação do grupo e sobre o real (1995, p. 115).

Com a pesquisa-ação “pretende-se alcançar realizações, ações efetivas,

transformações ou mudanças no campo social” (THIOLLENT, 2000, p. 41). Ela tem como

principal característica a intervenção, tendo esta como principais funções as “ações

integradoras que levam à auto-regulação do objeto de estudo (grupo, instituição, movimento

social, indivíduo)” (HAGUETTE, 1995, p. 117).

Apesar da pesquisa-ação prever uma interação entre o objeto pesquisado e a ação

realizada, à medida que os resultados emergem, este não se torna seu principal objetivo, pois

caso contrário a pesquisa-ação não seria uma alternativa a “muitas pesquisas convencionais a

serviço dos grupos dominantes, na vida econômica e política” (THIOLLENT, 2000, p. 46), já

que estas também prevêem tal interação.

Quanto ao principal objetivo da pesquisa-ação, Franck (citado por THIOLLENT,

2000, p. 46), diz que “a principal questão é a seguinte: ‘como a pesquisa [...] poderia tornar-se

útil à ação de simples cidadãos, organizações militantes, populações desfavorecidas e

exploradas?’”

A resposta à pergunta acima está nela mesma, pois a pesquisa-ação poderia tornar-

se útil, neste sentido, à medida que fosse desenvolvida para estes atores sociais e nos espaços

que estes atuam. Ou seja, o pesquisador que opta por esta pesquisa deve direcioná-la às

camadas populares, contemplando, assim, os interesses das mesmas.

R. Zuñiga citado por Thiollent coloca que:

A pesquisa-ação é inovadora do ponto de vista científico somente quando é inovadora do ponto de vista sócio-político, isto quer dizer, quando tenta colocar o controle do saber nas mãos dos grupos e das coletividades que expressam uma aprendizagem coletiva tanto na sua tomada de consciência como no seu comportamento com a ação coletiva (2000, p. 45).

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Referente ainda aos objetivos da pesquisa-ação, estes perpassam os “aspectos

acadêmicos e burocráticos da maioria das pesquisas convencionais” (THIOLLENT, 2000, p.

16), e buscam a tomada de consciência crítica entre os que dela participam, perante

determinada realidade. Portanto, “não se trata apenas de resolver um problema imediato e sim

desenvolver a consciência da coletividade nos planos político ou cultural a respeito dos

problemas importantes que enfrenta, mesmo quando não se vêem soluções a curto prazo”

(THIOLLENT, 2000, p. 18).

A pesquisa-ação pode ser definida como:

uma proposta político-pedagógica que busca realizar uma síntese entre o estudo dos processos de mudança social e o envolvimento do pesquisador na dinâmica mesma destes processos. Adotando uma dupla postura de observador crítico e de participante ativo, o objetivo do pesquisador será colocar as ferramentas científicas de que dispõe a serviço do movimento social ou da comunidade [grifos do autor] com que está comprometido (OLIVEIRA E OLIVEIRA citado por HAGUETTE, 1995, p. 147).

Porém, não se pode adotar uma postura ingênua quanto aos resultados da

pesquisa-ação, no que se refere à transformação social. Tal pesquisa pode proporcionar

mudanças, porém estas se limitam a pequenos grupos e não a uma superestrutura. “Tais

mudanças são necessariamente limitadas pela permanência do sistema social como um todo”

(THIOLLENT, 2000, p. 43), este “nunca é alterado duravelmente por pequenas modificações

ocorrendo na consciência de algumas dezenas ou centenas de pessoas” (THIOLLENT, 2000,

p. 43).

Então, a pesquisa-ação é utilizada neste projeto, porque permite a interação entre

todos os envolvidos no processo (pesquisador e pesquisado), através da troca entre os saberes

acadêmico e popular e sua valorização, buscando uma intercompreensão entre estas duas

representações, a fim de instigar o questionamento frente à sociedade atual, construindo

coletivamente uma consciência crítica.

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1.2.2 Sobre a história oral...

Para melhor entender do que se trata a história oral de vida, é necessário que se

conheça o método de história oral, já que aquela é uma das modalidades desta, existindo ainda

outras duas: a história oral temática e a tradição oral, que não serão explicadas neste trabalho.

No Brasil a história oral tarda a surgir, se comparada a outros países como, por

exemplo, os Estados Unidos, onde a mesma se consolida na década de sessenta e passa a

representar o principal instrumento de pesquisa utilizado dentro da Academia.

Segundo Meihy (1996, p. 23), a história oral tardou a se desenvolver no Brasil,

devido a dois fatores dito por ele “primordiais”: “a falta de tradições institucionais não-

acadêmicas que se empenhassem em desenvolver projetos registradores das histórias locais e

a ausência de vínculos universitários com os localismos e a cultura popular.”

Além disso, a história oral começa a ser discutida pelo meio acadêmico brasileiro

“quando as fronteiras disciplinares perderam seus exclusivismos, já sob a luz do debate

multidisciplinar” (MEIHY, 1996, p. 23), e quando a Ditadura Militar torna-se mais flexível

(final dos anos 70, com a campanha pela anistia), pois durante este período não se tinha

liberdade de fazer pesquisas que levassem em consideração gravações a respeito de

experiências e opiniões.

A história oral não significa algo que é gravado e preservado apenas por se tratar

de uma técnica oral, mas ela preocupa-se “com o que é relevante e significante para a

compreensão da sociedade e não na acumulação anárquica de supostas peças de evidência que

não acrescentam nada aos dados já existentes” (HAGUETTE,1995, p. 93).

A história oral baseia-se no depoimento pessoal e na memória, por isto geralmente

alguns dados do passado expostos pelo entrevistado estão sujeitos à interferência do vivido no

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presente, e acabam por serem mudados, ou seja, o relato torna-se infiel ao que realmente

ocorreu.

Haguette, ao falar das limitações da história oral, cita Moss quando este enfatiza:

A memória não é simplesmente um reservatório passível de dados, cujo conteúdo pode ser esvaziado e escrutinizado à vontade. Ela está empenhada e integrada com o presente – com atitudes, perspectivas e compreensões que mudam continuamente – trabalhando e retratando os dados da experiência em novas reformulações, opiniões e, talvez, até novas criações (1995, p. 94).

Levando em consideração a limitação apresentada, e para que não haja uma visão

deturpada, distorcida ou obscurecida por alguma ideologia, é necessário que a amostra do

projeto de pesquisa tenha um número ampliado de entrevistados, e que os dados coletados

sejam analisados e confrontados conjuntamente, pois “não podem ser vistos em termos de

suas peças individuais, ou seja, da informação de um único depoente” (HAGUETTE, 1995, p.

94).

Outro fator que contribui, significativamente, para a distorção dos dados coletados

durante a pesquisa, é a posição ideológica do entrevistador. Este tende a apegar-se a

informações que possam confirmar sua posição frente à realidade, descartando outras que

acredita não serem relevantes. Então, “a prática da história oral deve envolver toda a

‘vigilância epistemológica’ para controle do erro e preservação da fidedignidade dos dados”

(HAGUETTE, 1995, p. 95).

Quanto ao conceito de história oral, cabem as considerações de Meihy:

A história oral implica uma percepção do passado como algo que tem continuidade hoje e cujo processo histórico não está acabado. A presença do passado no presente imediato das pessoas é razão de ser da história oral. Nesta medida, a história oral não só oferece uma mudança para o conceito de história, mas, mais do que isto, garante sentido social à vida de depoentes e leitores que passam a entender a seqüência histórica e a sentirem-se parte do contexto em que vivem (1996, p. 10).

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1.2.3 A História Oral de Vida

Assim como a história oral, a história oral de vida foi utilizada, primeiramente,

nos Estados Unidos, e como dito anteriormente, enquanto principal instrumento de pesquisa,

dando origem a uma série de trabalhos científicos. Já no Brasil ainda hoje ela é utilizada como

técnica secundária.

No instrumento de história oral de vida, o sujeito exclusivo do processo é o

entrevistado, tendo este a liberdade e o espaço total para expressar períodos de sua vida, ou

seja, não sofrendo pressão por parte do entrevistador, tratando este de evitar excessivas

interrupções durante o relato.

Conforme Meihy (1996, p. 35): “nas entrevistas de história oral de vida, as

perguntas devem ser amplas, sempre colocadas em grandes blocos, de forma indicativa dos

grandes acontecimentos e na seqüência cronológica de cada entrevistado.”

Um fator importante que deve ser respeitado, mesmo podendo gerar conflito, é a

questão da verdade durante o depoimento da história oral de vida. Tal questão depende

exclusivamente do entrevistado. Meihy (1996, p. 35) coloca que: “se o narrador diz, por

exemplo, que viu um disco voador, que esteve em outro planeta, que é a encarnação de outra

pessoa, não cabe duvidar.”

Segundo Haguette (1995, p. 79), a história oral de vida pode estar enfocada dentro

de duas perspectivas: “a primeira, a mais usual, é tratá-la como documento e, a segunda, como

técnica de captação de dados.”

Uma das funções da história de vida, que parece ser primordial, é à busca de

novos conhecimentos quando as fontes teóricas que já se exauriram, ou seja, ela “pode sugerir

novas variáveis, novas questões e novos processos que podem conduzir a uma reorientação da

área” (HAGUETTE, 1995, p. 82).

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Utilizar a história oral de vida, enquanto método científico, significa conhecer

determinada realidade a partir dos olhos daqueles que dela fazem parte, justamente por ser

“muito mais subjetiva que objetiva” (MEIHY, 1996, p. 5). Por exemplo, saber como é viver

numa comunidade extremamente pobre, a partir do relato da pessoa que nela vive e sofre

cotidianamente com a miséria.

De acordo com Haguette:

Para a sociologia, é fundamental que as questões sobre determinados problemas sociais, como delinqüência, crime, droga, prostituição (e, se pudéssemos, introduziríamos a corrupção, o roubo e outros), sejam levantadas do ponto de vista do delinqüente, do criminoso, do corrupto ou do ladrão, para que, assim, conheçamos suas táticas, suas suposições, seu mundo e os constrangimentos e as pressões aos quais estão sujeitos (1995, p. 82).

A história de vida contribui significativamente para que o pesquisador subtraia do

depoente como o mesmo percebe sua vida, suas experiências e como se vê enquanto individuo

inserido num contexto social. Enfim, contribui para que os trabalhos científicos condigam

com a verdade, a partir da forma como as pessoas interpretam suas próprias vidas, assim

como o mundo onde vivem.

Portanto, a história oral de vida está sendo utilizada neste trabalho por melhor

relatar a vida das entrevistadas da forma como elas a vêem e a entendem, buscando conhecer

seus anseios, suas perspectivas e ao que elas atribuem sua condição social. Além disso, ela

serve como complemento à pesquisa-ação, por entender esta como sendo instrumento que

fornece uma intervenção qualitativa, onde todos os agentes sociais participam do processo de

construção da consciência crítica, e conseqüentemente constroem uma outra realidade social.

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CAPÍTULO II: SENSO COMUM E CONHECIMENTO CRÍTICO: O (A) TRABALHADOR (A) SOCIAL NO PROCESSO DE MUDANÇA

2.1 Senso Comum x Conhecimento crítico

As pessoas nascem e se desenvolvem num sistema político-econômico e social

pré-estabelecido, onde são criadas normas a fim de aguçar a competitividade, o

individualismo e o egoísmo, e conseqüentemente a tendência é que se tornem indiferentes,

submissas, alienadas, além de agirem com naturalidade frente às injustiças que traz consigo a

sociedade.

A educação tradicional, tanto a passada de pais para filhos, quanto à educação das

escolas, não instiga o questionamento, ao contrário, sempre que a criança faz perguntas, estas

são “podadas” e a mesma é taxada de “chata”, importuna ou demasiadamente curiosa, como

se a curiosidade fosse prejudicial ao desenvolvimento humano. Até mesmo entre os colegas, o

questionamento é sinônimo de burrice e isto coíbe a participação.

Assim, as pessoas crescem com uma visão superficial e fragmentada da realidade,

não procurando conhecer a “raiz” das informações que chegam até elas e obtendo como

verdade tudo o que escutam em conversas informais ou nos meios de comunicação, sendo

estes extremamente tendenciosos e reprodutores da ideologia dominante.

Chauí, ao falar sobre o papel referido à escola e sobre a instrumentalização da

cultura, destaca que:

além de reprodutora de ideologia e das relações de classe, está destinada a criar em pouco tempo, a baixo custo e em baixo nível, um exército

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alfabetizado e letrado de reserva. [...] instrumentalização de cultura efetuada pela educação, tanto para reproduzir relações de classe e sistemas ideológicos, quanto para adestrar mão-de-obra para o mercado de trabalho” (BRANDÃO, 1985, 57-60)

Principalmente entre as classes baixas tem-se presente a acriticidade, isto porque

nunca foi dada a estas a oportunidade de conhecer além daquilo que está posto. Muitas das

pessoas que compõem estas classes são analfabetas ou semi-analfabetas, estão desempregadas

ou sub-empregadas, e isto dificulta o acesso às informações que superam a ideologia

capitalista. As únicas informações as quais estas têm acesso são as que confortam e

conformam no sentido de colocar a realidade vivida como algo irreversível e natural.

As mazelas do capitalismo estão tão impregnadas no cotidiano das pessoas que

mesmo querendo desvencilhar-se, acabam por reproduzir aquilo que condenam. Isto é,

algumas pessoas têm consciência das contradições que o capitalismo trás consigo e lutam

constantemente pela libertação e emancipação perante o mesmo, porém por mais que haja um

processo de reeducação constante, sempre acabam reproduzindo, mesmo que minimamente, a

“educação” imposta por este sistema.

Também existem exceções entre as classes menos favorecidas, ou seja, mesmo

que esteja vigente apenas o senso comum, existem aquelas pessoas que, instigadas por algum

acontecimento externo, ou no seu cotidiano, conseguem observar as contradições existentes

no capitalismo, desvencilham-se das explicações superficiais a respeito da sociedade, e criam

ou passam a participar de movimentos reivindicatórios, tais como: movimentos sociais,

associações de bairro, etc.

Freire (1991, p. 23) no livro “Pedagogia do Oprimido” relata as palavras ditas por

um operário, durante um curso a respeito da consciência crítica: “Talvez seja eu, entre os

senhores, o único de origem operária. Não posso dizer que haja entendido todas as palavras

que foram ditas aqui, mas uma coisa posso afirmar: cheguei a esse curso ingênuo e, ao

descobrir-me ingênuo, comecei a tornar-me crítico.”

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A reprodução da lógica dominante pelas classes populares, além de ser algo

legitimado pela educação nos vínculos familiares e nas escolas, é também vista – de forma

clara – nas relações de trabalho. A relação professor-aluno é a mesma relação patrão-

empregado, ou seja, apenas um é detentor do saber, apenas um tem poder.

Nos alunos, assim como nos trabalhadores, há um comportamento submisso, onde

eles apenas aceitam o que lhes é imposto como algo verdadeiro. Existe por parte destes um

medo intenso, ou de desautorizar a figura do professor, ou, por parte do trabalhador, de perder

seu emprego.

Estas figuras tradicionais (professor-patrão), que se fazem presentes na sociedade,

são impostas como algo necessário na vida das pessoas. Observa-se que dentro das iniciativas

populares, são estimuladas situações a fim de se superar as relações acima citadas, porém

estas relações acabam de alguma forma, sendo criadas pelos próprios cooperados.

Um exemplo: as iniciativas incubadas pela INTECOOP são acompanhadas por

equipes de monitores (as), sendo estes (as) coordenados (as) por professores (as), que

constituem a INTECOOP. A relação que se tenta estabelecer é completamente distinta da

relatada anteriormente, ou seja, as reuniões, ou melhor, conversas, dão-se através da educação

popular, e não de forma hierarquizada, sendo este um fator constantemente trabalhado.

Porém, quando o professor (a) está presente no empreendimento, tudo o que ele/ela propõe é

aceito como verdade e não questionado, mas quando estão somente os (as) monitores (as), os

encaminhamentos e os cursos são construídos e aplicados coletivamente.

Outro exemplo é com relação à presença do patrão. Sempre procuramos

(professores/as e monitores/as) deixar claro que todos têm o poder de decisão, que todos

devem participar ativamente da construção do empreendimento popular, mas os (as)

cooperados (as) – no início da pré-incubação – sentiram a necessidade de tomar como

“patrões” duas pessoas que representam o grupo nos momentos onde as (os) 20 não possam

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estar presentes ou quando o espaço físico não comporta muitas pessoas, como por exemplo,

quando as reuniões são realizadas nas salas da INTECOOP, na Universidade. Eles tinham tão

presente à relação patrão-empregado, que – dentro da cooperativa – até para ir ao banheiro

pediam autorização a estas duas pessoas.

Tais exemplos comprovam o quanto às figuras citadas acima são respeitadas, por

serem temidas, e conseqüentemente, o quanto é difícil livrar-se de costumes criados a fim de

domesticar as pessoas para que não se voltem contra o sistema vigente. Por isto, é vantajoso

que as pessoas não agucem a criticidade perante a sociedade e permaneçam “fiéis” ao senso

comum.

O senso comum, enquanto algo que serve de “escudo” ao capitalismo para evitar

que as pessoas rebelem-se, é grande empecilho no processo de construção da consciência

crítica, uma vez que estas têm a certeza de estarem em situação de vulnerabilidade social,

porque acreditam terem um lugar muito bom reservado a elas por Deus e que o sofrimento faz

parte da vida terrena, ou ainda que as coisas sempre foram assim e nunca irão mudar.

Durante uma das entrevistas, a cooperada T.J.O.C. da CRID relatou sua história

de vida, em determinado momento colocando o seguinte: “eu queria aprender a ler um pouco

que eu quase não sei, estudei só até a segunda série. Eu sou Evangélica, então eu queria

aprender a ler pra pelo menos aprender a ler a Bíblia pra passar pros meus filhos, porque a

única coisa que a gente pode deixar de bom pra eles é o Evangelho, porque do jeito que está o

mundo hoje... está difícil até pra ti sair na rua” (sic)1 (aqui refere-se à violência).

A respeito da relação pessoal entre senso comum e religião, Gramsci coloca que:

Os elementos principais do senso comum são fornecidos pelas religiões e, conseqüentemente, a relação entre senso comum e religião é muito mais íntima [...] predominam no senso comum, os elementos ‘realistas’, materialistas, isto é, o produto imediato da sensação bruta, fato que, ademais, não está em contradição com o elemento religioso, ao contrário; mas estes elementos são ‘supersticiosos’, acríticos (1995, p. 144).

1 Neste sentido sic significa: segundo informação do cliente.

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Ao criticar o Ensaio Popular, que parte sua análise legitimando o senso comum ao

invés de criticá-lo cientificamente, Gramsci (1995, p. 147) afirma que “o senso comum é um

conceito equívoco, contraditório, multiforme, e que referir-se ao senso comum como prova de

verdade é um contra-senso.”

Para Gramsci (1995), o senso comum não é um conhecimento natural, verdadeiro,

das massas populares. Como foi dito anteriormente, tudo o que se aprende e se conhece na

sociedade, não é algo construído a partir de um processo coletivo, é algo já pronto. Então, o

senso comum na verdade não provém puramente das classes populares, mas sim dos grupos

dirigentes, refletido naquelas, ou seja, o senso comum nada mais é do que a lógica

hegemônica capitalista refletida nas camadas populares.

Ao tornarem-se detentoras do senso comum, as pessoas vão aderindo a normas

pré-estabelecidas. Enquanto trabalhadoras, são obrigadas a produzir aquilo que não podem

ter, justamente por produzir para outrem, sem dar-se conta que estão sendo exploradas, ou

sem ter a iniciativa de questionar. Isto porque o sistema nos deposita medo, para que não o

atinjamos e acatemos ao que por ele nos é imposto, já que povo com medo, é povo vulnerável.

Ao desenvolvermos, durante a pré-incubação, a oficina de Gestão Cooperativa nas

cooperativas de reciclagem – por entendermos que a maioria dos cooperados trabalharam nas

fábricas de compotas (pêssego, figo, etc) de nossa região – fizemos a seguinte pergunta: Se

vocês quisessem comprar uma compota de pêssego, com o salário que vocês recebiam na

fábrica, daria para comprar sem prejudicar a compra de outros alimentos considerados

essenciais à sobrevivência?

A unanimidade respondeu que não, pois trabalhavam muito e ganhavam pouco.

Mas os pêssegos que não serviam para comercializar poderiam ser levados para casa e

utilizados pelos trabalhadores e sua família. Ou seja, as pessoas tendem a contentar-se com

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pouco, pois ali elas estão apenas para vender sua mão-de-obra e tudo que o patrão lhes oferece

além do salário, significa que ele é generoso. O patrão necessita praticar esta “falsa

generosidade” (FREIRE, 1991, p. 32) para acobertar o seu descaso perante os trabalhadores.

Seria o mesmo que tirar o pão, para dar as migalhas.

Segundo Freire:

Os opressores, falsamente generosos, têm necessidade, para que a sua ‘generosidade’ continue tendo oportunidade de realizar-se, da permanência da injustiça. A ‘ordem’ social injusta é a fonte geradora, permanente, desta ‘generosidade’ que se nutre da morte, do desalento e da miséria. (1991, p. 31)

Em certos casos, a falsa generosidade por parte dos opressores não é algo

proposital, ou seja, nem mesmo eles dão-se conta de sua condição de opressores, por também

encararem esta relação (opressor-oprimido) como sendo algo natural. Não se sentem culpados

por sua riqueza, pois desconhecem que com o acúmulo desta, estão aguçando a pobreza, e

crêem que o fato de serem ricos foi porque se esforçaram, foram espertos, tiveram sorte. Por

isto, anteriormente foi colocado que o senso comum não é exclusividade das classes-baixas,

mas nas próprias classes média e alta ele se faz presente.

Um exemplo claro, pode ser visto numa reportagem da Folha de São Paulo (1999,

p. 15) cujo título é: O lavrador que mudou a história bancária do país. Trata-se de Amador

Aguiar, presidente do Banco Bradesco. Filho de família pobre, não chegou a concluir o

Ensino Fundamental, tem como religião a Igreja Presbiteriana, e atribui o sucesso na vida ao

seu próprio esforço e principalmente por ser do signo de Aquário: “os aquarianos estão

sempre à frente do seu tempo” (ver anexos).

Mas, não podemos descartar o fato dos trabalhadores serem cotidianamente

explorados e perderem seu valor enquanto seres humanos, a fim de contribuir efetivamente na

geração dos lucros de seus patrões. Os trabalhadores tendem a perder a sua condição humana

e passam a ser considerados “coisas” por aqueles que pagam sua explorada mão-de-obra.

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Então, existe uma inversão de papéis, onde a força de trabalho (capital variável)

tem valor inferior ao de uma mercadoria, ou seja, “[...] que o operário decai em mercadoria e

na mais miserável mercadoria, que a miséria do operário está na relação inversa do poder e da

magnitude da sua produção[...]” (MARX, 1993, p. 60).

Todo material que existe na sociedade é produzido por alguém, isto é, nada

funciona, é realizado sem que haja interferência humana. Até mesmo as máquinas que

substituem os trabalhadores são fabricadas por estes mesmos. Nisto observa-se uma grande

contradição, onde o trabalhador produz aquilo que ocasionará seu desemprego.

Substituir o trabalho humano por máquinas foi o que a Montadora Automotiva

Toyota realizou, pois ao perceber que estava perdendo clientes para a concorrência, a mesma

substituiu todos os operários por robôs durante algum período. Após quase a quebra da Ford –

sua concorrente no Japão – ela novamente contratou os operários, pois neste período que ficou

robotizada não gerou lucros, apenas “roubou” os lucros da concorrente, ou seja, ela aumentou

o capital constante (máquinas) e diminuiu o capital variável (força de trabalho), diminuindo

assim, a mais-valia (informação verbal)2. Então, lembrando Marx (1996) a única coisa que

produz valor e conseqüentemente gera lucro é o trabalho, que é somente realizado pelo

trabalhador.

A desvalia do trabalhador não é algo exclusivo do capitalismo, isto também era

visto no sistema Feudal, ou seja, “no que se relacionava ao senhor, este pouca diferença via

entre o servo e qualquer cabeça de gado de sua propriedade. Na verdade, no século XI um

camponês francês era avaliado em 38 soldos, enquanto um cavalo valia 100 soldos!”

(HUBERMAN, 1986, p. 08).

2 Informação repassada no Curso de Formação Política “Como funciona a sociedade?”, organizado pelo Instituto de Estudos Políticos Mário Alves, em maio de 2005.

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Então, pode-se observar o quanto à educação (na sua forma mais ampla) –

imposta pelo sistema atual – exerce grande influência no desenvolvimento do ser humano, ou

seja, ele reflete enquanto adulto, àquilo que lhe foi passado enquanto criança. Porém, tal

situação não é algo irreversível, bem como a lógica capitalista costuma impor como verdade,

mas sim algo mutável, através de um processo de transformação das velhas teorias-práticas e

construção coletiva de novas.

2.2 O (a) Trabalhador (a) Social na construção do conhecimento crítico: uma revisão

teórica

A trajetória do Sistema Capitalista foi marcada pela utilização e criação de

diversas profissões que servem para manter sua hegemonia, e assim este não correr o risco de

ser ameaçado por quem sofre cotidianamente com as manifestações da questão social

conseqüentes de suas práticas, isto é, às camadas populares. Entre as profissões que o

Capitalismo se utilizou, está o Serviço Social, como prática difundida pela Igreja Católica a

fim de fazer caridade as “almas” desprotegidas, ou seja, enquanto algo meramente

assistencialista e paternalista. É no capitalismo que o Serviço Social é instituído como

profissão. Apesar disto, suas práticas mantiveram-se as mesmas, só que além da intervenção

da Igreja, o Serviço Social passou a torna-se também responsabilidade do Estado burguês3.

Ao falar do Serviço Social tradicional, Netto define que é:

a prática empirista, reiterativa, paliativa e burocratizada dos profissionais, parametrada por uma ética liberal-burguesa e cuja teologia consiste na correção – desde um ponto de vista claramente funcionalista – de resultados psicossociais considerados negativos ou indesejáveis, sobre o substrato de

3 O Estado e a Revolução, Lênin (1987, p.10-6) relata que: “Para Marx, o Estado é um órgão de dominação de classe, um órgão de submissão de uma classe por outra; é a criação de uma ‘ordem’ que legalize e consolide essa submissão, amortecendo a colisão das classes [...] Como o Estado nasceu da necessidade de refrear os antagonismos de classe, no próprio conflito dessas classes, resulta, em principio, que o estado é sempre o Estado da classe mais poderosa, da classe economicamente dominante, que também graças a ele, se torna a classe politicamente dominante e adquire, assim, novos meios de oprimir e explorar a classe dominada”

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uma concepção (aberta ou velada) idealista e/ou mecanicista da dinâmica social, sempre pressuposta a ordenação capitalista da vida como um dado factual ineliminável (2004, p.117-8).

Mesmo com a intervenção do Estado no social – tornando a população cada vez

mais vulnerável aos ditames do capitalismo, através da criação de políticas públicas que

disseminam o assistencialismo e contribuem para a reprodução da ideologia dominante por

parte das camadas populares – a parte progressista do Serviço Social tratou de buscar, através

da reflexão-ação, formas de contribuir com a emancipação do povo oprimido.

Nos anos 60 e 704, houve fortes movimentações para ultrapassar o direcionamento

conservador da profissão – pela categoria dos (as) Assistentes Sociais – por entenderem que

as necessidades das pessoas devam ser supridas permanentemente e não momentaneamente. E

para que isto ocorra não se deve seguir com antigas práticas – como apenas a entrega de

cestas básicas ou trabalhos burocráticos –, mas ir ao encontro de outras, que instrumentalizem

o “processo de transformação social substantiva, conectado à libertação social das classes e

camadas subalternas” (NETTO, 2004, p. 140).

A intenção de mudança dentro da profissão foi explicitada através de discussões

por parte da categoria em diversos seminários (promovidos pelo Centro Brasileiro de

Cooperação e Intercâmbio de Serviços Sociais – CBCISS) organizados ainda durante a

ditadura militar. Entre eles pode-se aqui citar quatro de grande importância: de Araxá, de

Teresópolis, de Sumaré e do Alto da Boa Vista (este ocorrido quase no fim da ditadura).

Apesar destes seminários procurarem uma perspectiva modernizadora da profissão,

infelizmente os Documentos de Araxá e Teresópolis “não ultrapassaram os traços

conservadores que marcaram historicamente a profissão, [...] reforçaram o projeto profissional

4 Segundo Simionatto (1995, p. 182): “a aproximação do Serviço Social à tradição marxista, já ocorrida no início nos anos 60 e interrompida pela conjuntura política instaurada pelo Golpe de 1964, será retomada com maior expressividade na segunda metade da década de 70.”

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comprometido com a política de dominação e controle das classes subalternas, ditada pelo

Estado autoritário” (SIMIONATTO, 1995, p. 179).

Na verdade o que se pode constatar nestes documentos é a preocupação exclusiva

com práticas empiristas, levando em consideração apenas o aperfeiçoamento técnico e

metodológico da profissão, não dando importância à teoria e aos valores ideológicos da

mesma.

Por outro lado, nos seminários de Sumaré e do Alto da Boa Vista houve forte

inclusão de correntes teóricas – a partir da ampliação do debate por parte dos organizadores

do CBCISS – que fortaleceram a profissão, tal como a crítico-dialética, além das antigas

vertentes, porém com nova “roupagem”, como é o caso da fenomenológica, segundo lembra

José Paulo Netto (2004).

Netto (2004, p. 157), no livro Ditadura e Serviço Social, ao falar das vertentes

teóricas acima mencionadas, coloca que a fenomenologia nada mais é do que a “reatualização

do conservadorismo”, pois:

trata-se de uma vertente que recupera os componentes mais estratificados da herança histórica e conservadora da profissão, nos domínios da (auto) representação e da prática, e os repõe sobre uma base teórico-metodológica que se reclama nova, repudiando, simultaneamente, os padrões mais nitidamente vinculados à tradição positivista e às referências conectadas ao pensamento crítico-dialético, de raiz marxiana. (2004, p. 157).

Cabe lembrar que Netto (2004, p. 275) considera como marcos na construção da

“intenção de ruptura” dois trabalhos: “a elaboração da equipe que construiu o ‘Método Belo

Horizonte’ e a reflexão produzida por Marilda Villela Iamamoto.”

O Método Belo Horizonte, por:

configurar a primeira elaboração cuidadosa, no país, sob a autocracia burguesa, de uma proposta profissional alternativa ao tradicionalismo preocupada em atender a critérios teóricos, metodológicos e interventivos capazes de aportar ao Serviço Social uma fundamentação orgânica e sistemática, articulada a partir de uma angulação que pretendia expressar os interesses históricos das classes e camadas exploradas e subalternas. (NETTO, 2004, p. 275).

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E a reflexão de Iamamoto, por tratar-se “de uma elaboração que, exercendo

ponderável influência no meio profissional, configura a primeira incorporação bem-sucedida,

no debate brasileiro, da fonte ‘clássica’ da tradição marxiana para a compreensão profissional

do Serviço Social” (NETTO, 2004, p. 276).

Paralelamente à realização de tais seminários e formulação dos documentos já

mencionados, havia fortes discussões que se davam principalmente entre Assistentes Sociais e

profissionais de outras áreas do conhecimento dentro de pequenos núcleos no meio

acadêmico. Eram professores (as) que, por causa da repressão na época, necessitavam

esconder-se a fim de expor suas opiniões e pontos de vista livremente, e de conseguir

construir (através de pesquisas), mesmo que a longo prazo, formas de incentivar o pensar na

transformação social, a partir da Academia.

Quanto à repressão do período ditatorial que impedia a ruptura das velhas práticas

do Serviço Social, Netto (2004, p. 250) expõe o seguinte: “quer na área estatal, quer na área

privada, o terreno para inovações prático-profissionais na perspectiva da ruptura era

demasiado estreito e seu custo extremamente alto.”

Com relação às Universidades como espaços fomentadores do projeto de ruptura,

Netto relata:

No espaço universitário tornou-se possível a interação intelectual entre Assistente Sociais que podiam se dedicar à pesquisa sem as demandas imediatas da prática profissional submetida às exigências e controles institucional-organizacionais e especialistas e investigadores de outras áreas; ali se tornaram possíveis experiências-piloto [...] destinadas a verificar e a apurar os procedimentos interventivos propostos sob nova ótica. [...] coube a tendências vinculadas à perspectiva da intenção de ruptura, de um lado, fomentar uma interlocução nova (porque envolvente, co-responsabilizada e fecunda, tendente à paridade entre os interlocutores), entre Assistentes Sociais, Historiadores, Filósofos, Sociólogos, Antropólogos, Economistas, Jornalistas, etc, e, doutro, procurar uma relação prático-operativa inovadora com os envolvidos (a ‘população’) nas suas experiências (buscando uma interação intencionalmente sem subordinações ou tutelas com os seus utentes). (2004, p. 251)

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O projeto de ruptura exposto por Netto, é lembrado por Simionatto, porém como

Movimento de Reconceituação, onde esta coloca que tal movimento:

se desenvolverá a partir de várias vertentes, desde as de natureza nitidamente desenvolvimentista até as que, de forma mais radical, propunham a criação de um Serviço Social comprometido com a realidade dos povos latino-americanos, cujo referencial deslocava-se da visão funcionalista para a perspectiva dialética. (1995, p. 177)

Então, cabe ressaltar que a visão progressista do Serviço Social foi bastante lenta

devido, principalmente, ao modelo repressor vigente no Brasil de 1964 até 1984. Mas, além

disso, houve grande resistência daqueles que seguiam com uma visão conservadora frente à

realidade profissional e impediam que o Serviço Social se desvencilhasse de práticas

assistencialistas que contribuem para o conformismo das classes subalternas, frente à estrutura

capitalista excludente e exploradora.

Por isso, mesmo com a intenção de mudança da prática profissional – inclusive

com a construção do novo currículo político-pedagógico – a maioria dos Assistentes Sociais

seguem atuando a partir de velhas práticas, agindo com neutralidade frente às relações sociais

e legitimando o sistema capitalista como algo que deve ser apenas melhorado, acreditando

contribuir com esta melhora através da doação de suprimentos que saciam momentaneamente

algumas carências da população pobre.

A respeito da “neutralidade” que alguns profissionais acreditam e costumam

manter, Freire (1981, p. 39) comenta: “É uma ingenuidade pensar num papel abstrato, num

conjunto de métodos e de técnicas neutros para uma ação que se dá em uma realidade que

também não é neutra.”

Porém, mesmo com todos os empecilhos expostos acima, o Serviço Social vem

contribuindo com a construção de uma nova realidade social, através de uma formação

acadêmica que fomenta, qualitativamente, a indagação e indignação perante as injustiças

sociais acentuadas no capitalismo. E vem afastando-se, mesmo que lentamente, de antigas

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práticas impostas pelo sistema econômico, político e social vigente, ou seja, o que o

capitalismo utilizou para a defesa de sua hegemonia através do controle social5, está sendo

hoje utilizado para combatê-lo.

5 “O controle social, do ponto de vista sociológico, refere-se ao estudo dos modos como é exercida a pressão social, aqui apreendida como imposição e/ou persuasão orientada para a conformação dos agentes sociais à organização vigente da sociedade e ao poder de classe” (IAMAMOTO e CARVALHO, 1988: p.107). Trata-se “do conjunto de métodos pelos quais a sociedade influencia o comportamento humano, tendo em vista manter determinada ordem” (IAMAMOTO e CARVALHO citando K. MANNHEIM, 1988: p.108).

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CAPÍTULO III: INCUBADORAS TECNOLÓGICAS: O COOPERATIVISMO E A ECONOMIA POPULAR E SOLIDÁRIA NO SISTEMA CAPITALISTA

3.1 - ITCP’s: A troca entre saberes

As Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares – ITCP’s surgem a partir

de conflitos teóricos dentro do meio acadêmico. Vê-se a existência de conflitos entre duas

tendências distintas dentro das Universidades brasileiras: uma de cunho conservador e a outra

transformadora.

De acordo com Cruz (2005), a primeira defende que as Universidades continuem

voltadas aos interesses do capital, ou seja, aproximem-se dos setores empresariais realizando

pesquisas que beneficiem os mesmos. Já a segunda – que almeja a transformação social e vê a

Universidade como uma das formas de proporcionar tal conquista – procurou desenvolver

meios de atender diretamente as necessidades básicas das camadas desfavorecidas da

sociedade1.

As ITCP’s têm como objetivo central “disponibilizar o conhecimento acadêmico

às cooperativas populares, contribuindo para a formação e consolidação de iniciativas

econômicas autogestionárias, viáveis economicamente e geridas solidariamente”2. Porém, as

formas para atingir este objetivo são particulares de cada ITCP, ou seja, não existe método

pré-determinado de atingi-lo.

1 CRUZ, 2005, v. 8, n. 8, p. 36-54. 2 Informação retirada do Programa permanente da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares.

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A primeira Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares surge na

Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1996. Atualmente existem cerca de 25 ITCP’s

organizadas em duas Redes diferentes: a Rede Unitrabalho (Rede Interuniversitária de

Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho) e a Rede de ITCP’s.

A INTECOOP da UCPEL – desenvolvida pelo Núcleo Local da Rede

Unitrabalho, e este por sua vez vinculado à Escola de Serviço Social –, foi criada em 1999

como um projeto interdisciplinar de extensão e pesquisa universitária, a partir da iniciativa de

seus professores em torno da discussão do trabalho e do desenvolvimento local.

Compreendendo a democratização dos saberes como prática emancipatória, a

INTECOOP (2004) tem a missão de apoiar o desenvolvimento de iniciativas econômicas

associativas, que se orientem por princípios solidários, fundados sob uma perspectiva de

articulação da cooperação e da autogestão, da viabilidade econômica, da preservação

ambiental, da cidadania ativa e das potencialidades éticas em favor da vida.

Trata-se, portanto, de uma relação de complementaridade entre o saber acadêmico

e o saber dos trabalhadores, na intersecção sócio-pedagógica propiciada pela ação de

incubação. Isto permite disponibilizar conhecimentos técnico-científicos para os trabalhadores

das iniciativas e ao mesmo tempo aproximar o ensino e a pesquisa acadêmica das

necessidades dos setores mais empobrecidos da população.

Sua concepção de cooperativismo guiada pela Economia Popular e Solidária

segue quatro princípios básicos: os princípios de autogestão, de viabilidade econômica, de

preservação ambiental e da cidadania ativa.

Os métodos e metodologias utilizados pela INTECOOP para a criação de

iniciativas de economia solidária devem levar em conta as condições específicas de cada

grupo e valorizar o saber popular, oportunizando a síntese entre os saberes citados

anteriormente.

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A incubação da INTECOOP começa a partir da seleção dos empreendimentos a

serem incubados, sendo realizada dentro dos próprios empreendimentos, pelos estudantes

(monitores), que fazem um curso preparatório anterior a ida a campo, e pelos professores

(coordenadores) membros da INTECOOP.

Dentro da incubação existem três fases distintas3:

- Pré-incubação: onde são realizadas oficinas juntos aos grupos incubados, cujo objetivo é melhor conhecer os mesmos e definir o tipo de empreendimento que será realizado. Tal procedimento dá-se através de três tarefas: pesquisa-diagnóstica a respeito do grupo, viabilidade econômica do empreendimento e um curso de gestão cooperativa;

- Incubação: onde são realizadas duas tarefas pela equipe que são fundamentais para viabilizar o grupo enquanto empreendimento solidário e autogestionário: Em um primeiro momento atua-se como “assessoria técnica” da iniciativa, estando esta em processo de produção e de geração de renda, a fim de consolidar-se como grupo e negócio, isto é, desenvolve-se a regulamentação jurídica, a consolidação dos mecanismos de decisão, a regulação do fluxo de produção, etc. Em um segundo momento, além de continuar prestando “assessoria técnica”, a equipe desenvolve um conjunto de atividades pedagógicas, visando à qualificação dos trabalhadores para a autogestão.

- Desincubação: é o momento quando a equipe prepara-se para desligar-se do grupo incubado. Neste período o empreendimento deve estar em pleno funcionamento, com os trabalhadores conhecendo as formas de mantê-lo viável economicamente, além de autogestionário e solidário no que diz respeito às relações de trabalho que nele existem.

O tempo de incubação previsto vai de 22 a 33 meses, e divide-se da seguinte

forma: 1 a 3 meses no período de pré-incubação; 18 a 24 meses no período de incubação e 3 a

6 meses no períodode desincubação.

Encontra-se em discussão também uma quarta fase chamada de pós-incubação,

que seria um momento de articulação da INTECOOP com as iniciativas incubadas,

construindo, com isso, uma relação de ajuda mútua, além de redes de negócios.

3 Informação retirada do Programa permanente da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares.

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3.1.1 Projetos que vêm contribuindo para a viabilidade da incubação

Seguindo tais princípios e metodologias, a INTECOOP vem buscando, junto aos

governos e às fundações, aprovar projetos a fim de viabilizar economicamente as iniciativas

que a mesma incuba. Quanto aos projetos, pode-se aqui citar três de grande importância: o

Projeto para a construção de Galpões de Reciclagem encaminhado à Fundação Banco do

Brasil, as Frentes Emergenciais de Trabalho da Consulta Popular do Governo Estadual –

COREDE-SUL e o Convênio nº. 67/04 desenvolvido junto ao Gabinete da Reforma Agrária e

Cooperativismo – GRAC no ano de 2004.

Quanto ao projeto encaminhado à Fundação Banco do Brasil, o mesmo foi

aprovado e seu dinheiro liberado há pouco tempo (final de Julho/2005). Todavia, mesmo com

o encaminhamento deste, existe uma demorada espera até que haja terrenos disponibilizados

pela Prefeitura Municipal de Pelotas para a construção dos quatro Galpões.

No ano passado (2004) houve uma discussão, junto à administração municipal

anterior, a respeito da liberação dos terrenos assim que o projeto encaminhado à Fundação

Banco do Brasil fosse aprovado. Com a mudança da administração municipal, primeiramente

seguiu-se com a parceria, mas num segundo momento houve o rompimento de tal

compromisso, ou seja, o novo governo negou-se em apoiar tal projeto e conseqüentemente as

iniciativas de reciclagem.

Há menos de dois meses (agosto de 2005) a INTECOOP teve novamente um

diálogo com representantes da Prefeitura e os mesmos voltaram atrás quanto ao apoio.

Todavia, não existe uma garantia efetiva dos mesmos quanto à liberação dos terrenos, o que

dificulta a viabilidade de construção dos Galpões, impossibilitando, assim, a garantia do local

e das condições adequadas de trabalho aos cooperados.

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O convênio nº. 67/04 firmado entre o GRAC e a UCPEL foi aprovado através da

Consulta Popular do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, no orçamento de 2004, afim

de que fossem desenvolvidos cursos de formação na área do cooperativismo para os

agricultores assentados na Região sul do Estado, mais especificamente nos municípios de

Piratini, Erval e Canguçu. São cerca de 17 assentamentos rurais acompanhados pela

INTECOOP durante o ano de 2005.

Quanto ao Projeto Frentes Emergenciais de Trabalho, o mesmo prevê a

contratação de monitores e técnicos a fim de que estes contribuam com a aplicação de cursos

de capacitação. Também há previsão de uma renda mensal no valor de R$ 300,00 aquelas

pessoas que se encontram desempregadas e que necessitam de renda para manterem-se

inseridas em tal programa, pois o mesmo exige oito horas diárias de dedicação exclusiva,

sendo 4 horas para a aplicação de cursos e as outras 4 horas para o desenvolvimento de

alguma atividade de geração de renda, como por exemplo, a reciclagem.

Quanto aos cursos de capacitação, pode-se ver em Singer (2003, p. 122) a

necessidade dos mesmos, quando este coloca que “é indispensável, porque os ex-

desempregados [...], necessitam de um período de aprendizagem para ganhar eficiência e

angariar fregueses.”

Por tratar-se de pessoas extremamente pobres, que se encontram desempregadas e

exercem atividades informais há algum tempo, senão por toda a vida, as Frentes Emergenciais

de Trabalho estão sendo utilizadas pela INTECOOP como forma de atrair estas pessoas e

mostrar-lhes uma nova forma de trabalho, que vise à pessoa humana e não o lucro de apenas

um indivíduo detentor dos meios de produção.

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3.1.2 O campo de atuação no presente

Atualmente a INTECOOP incuba um total de 09 empreendimentos, sendo 03 da

zona rural, dentro dos assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra -

MST, e 06 da zona urbana, instalados em diversos bairros da periferia da cidade de Pelotas.

Existe, desde 2001, uma Incubadora (física, isto é, um prédio) de

empreendimentos populares, construída pela Prefeitura Municipal em parceria com a Agência

Estatal Alemã (encarregada de gerenciar projetos no 3° mundo), para a Cooperação Técnica –

GTZ e o Governo do Estado do Rio Grande do Sul, que está localizada no Loteamento Dunas,

Bairro Areal.

O Loteamento Dunas é considerado um dos Loteamentos mais empobrecidos do

município, onde no ano de 2002 existiam 12.000 habitantes, cujo índice de desemprego

atingiu 42,9% da população economicamente ativa.4 Nesta Incubadora estão em processo de

construção três empreendimentos: a cooperativa de vestuário - DunasVest, a cooperativa de

artesanato - Artes e Cia. e a cooperativa de separação de resíduos sólidos denominada

Cooperativa de Reciclagem Integrada do Dunas- CRID.

O último empreendimento, no qual nossa equipe atua, é formado por 20

cooperadas, sendo, na sua formação original, composto por 18 mulheres e 2 homens. Porém,

com o término das Frentes Emergenciais de Trabalho, muitos saíram e hoje a cooperativa é

composta apenas por mulheres.

Estas pessoas têm enorme dificuldade em se desvencilhar dos mecanismos

impostos pelo capitalismo e aderir a uma nova forma de trabalho. Elas se incluem no trabalho

cooperativo, mas os resquícios do trabalho convencional estão tão impregnados em suas

vidas, que romper com estes é extremamente difícil e demorado.

4 CRUZ, Antônio; SCUR, Gabriela. Emprego-Desemprego e Hábitos de Consumo dos moradores do Bairro Dunas (Pelotas/RS). Pelotas: Escola de Serviço Social da UCPEL, 2000. 54 p. Relatório.

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A grande maioria trabalha esporadicamente, então a maior parte de sua renda

provém de biscates como faxinas (no caso específico das mulheres) e separação e venda de

resíduos sólidos (mulheres e homens), além de políticas públicas do governo, sendo estas

assistencialistas, pois não prevêem a emancipação e autonomia da pessoa humana, ao

contrário, servem apenas para legitimar o sistema vigente.

Quanto à INTECOOP, cabe então dizer que se trata de uma inovação no meio

acadêmico, pois permite o contato direto das pessoas neste inseridas com as comunidades

empobrecidas do Município e, principalmente, permite a troca constante de saberes através de

tal contato. Além disso, possibilita àquelas pessoas inseridas nestas comunidades terem um

trabalho dignificante e autônomo, autogestionário e solidário, a fim de que conheçam uma

outra concepção de trabalho e de que construam uma nova realidade para suas vidas.

3.2 O Cooperativismo e sua Trajetória Histórica

O cooperativismo está cada vez mais difundido na sociedade atual como uma

nova possibilidade de geração de renda àquelas pessoas que sofrem diretamente com as

questões sociais oriundas do sistema capitalista.

Segundo Hartung:

Cooperativismo é uma associação de pessoas com interesses comuns, organizada economicamente e de forma democrática, com a participação livre de todos os que têm idênticas necessidades e interesses, com igualdade de deveres e direitos para a execução de quaisquer atividades, operações ou serviços. (1996, p. 07).

Porém, cabe lembrar que a idéia de cooperação sempre esteve presente na vida

humana. Um exemplo de tal afirmação pode ser visto durante a pré-história, com o

comunismo primitivo, que teve considerável durabilidade. Onde o homem vivia e trabalhava

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coletivamente, tudo o que era produzido por todos era também distribuído proporcionalmente

ao trabalho de cada um.

A forma cooperativa surge, na sociedade moderna, com o crescente desemprego

causado pela introdução das máquinas a vapor nas fábricas, durante a I Revolução Industrial,

e tem sua inspiração no socialismo utópico. Ou seja, o cooperativismo surge como alternativa

ao modelo tradicional de trabalho, visto nas empresas capitalistas, que colocam as

mercadorias acima dos trabalhadores.

O surgimento do cooperativismo teve grande influência de Robert Owen (1771-

1858), principal representante do socialismo utópico inglês, em 1799. Ele não usou o termo

cooperativa, mas sim “co-operation” , que significa “trabalhar junto”.

Robert Owen era empresário e não admitia a exploração dos trabalhadores dentro

das fábricas. Owen defendia que a existência da propriedade privada era a grande causadora

do egoísmo humano e “propunha a sua substituição pela propriedade comunitária, onde os

trabalhadores seriam agrupados em cooperativas” (CRUZ, 1997, p. 33).

Além disso, dizia que a moeda era a causa da pobreza e do aumento do

desemprego. Por tal motivo, em 1832, “propôs a sua substituição como remuneração do fator

trabalho, por vales, equivalentes ao total de horas trabalhadas na produção de bens e serviços”

(CRUZ, 1997, p. 33). Tais vales poderiam ser trocados nos mercados de troca criados pelo

mesmo Owen.

Então, após tornar-se sócio-administrativo das manufaturas de algodão em New

Lamark, na Escócia, “reduziu a jornada de trabalho dos seus operários, aumentou os salários,

proibiu o trabalho de crianças menores de 10 anos de idade, construiu escolas gratuitas para

os filhos de seus empregados, amparou a velhice e introduziu práticas previdenciárias, até

então inexistentes” (CRUZ, 1997, p. 33).

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Porém, a precursora do cooperativismo foi a cooperativa de consumo dos artesãos

de Rochdale-Inglaterra (fundada em 1843), da qual fazia parte Charles Howarth, ex-aluno de

Robert Owen. Em tal cooperativa, inicialmente, eram distribuídos apenas três produtos: trigo,

açúcar e manteiga. A mesma, em sua criação, era composta por 28 associados, conhecidos

mais tarde como “Os 28 artesãos de Rochdale”.

Em 1943, a cooperativa de Rochdale, cujo nome era “Sociedade Eqüitativa dos

Pioneiros de Rochdale Limitada”, tornou-se a principal fonte econômica desta cidade e já

tinha um total de 47.000 cooperados. De acordo com Cruz:

No auge da 2ª Grande Guerra, em 1943, a população de Rochdale era de 96.000 habitantes, sendo que deste total, estavam associados à cooperativa mãe cerca de 47.000 cooperados. Se somarmos a esse número, mulheres e filhos dos associados, chegamos a conclusão de que toda a população da cidade nesta época, participava, direta, ou indiretamente, daquela sociedade imaginada pelos Pioneiros de Rochdale. (1997, p. 47)

Com isto, pode-se concluir que os 28 artesãos de Rochdale – que a principio

tinham seus ideais considerados utópicos e inexeqüíveis pelos críticos da época – tornaram-se

um exemplo de cooperativismo, seguido pela maioria das pessoas que se utilizam do mesmo

como alternativa às condições degradantes nas quais se encontram, a fim de construírem uma

forma de trabalho mais igual e solidária para todos.

A forma de gestão cooperativa, além de ser uma possível solução às questões

econômicas e sociais, trás consigo um modelo autogestionário, baseado na efetiva

participação dos trabalhadores em todos os processos de produção e em todas as decisões que

são tomadas cotidianamente dentro dos empreendimentos. Diferentemente das empresas

tradicionais, que se regem pela lógica do capital e utilizam o modelo taylorista-fordista de

produção como forma de fragmentar o trabalho e economizar tempo a fim de gerar maior

lucro.

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São sete os princípios do cooperativismo5:

1 Adesão livre e voluntária: as cooperativas são abertas a todas as pessoas aptas a trabalhar coletivamente, respeitando os direitos e os deveres da vida coletiva, sem nenhuma discriminação social, racial, sexual, religiosa ou qualquer que seja. 2 Gestão democrática pelos cooperados: as cooperativas são organizações democráticas controladas por seus associados, que participam de todas as definições políticas para o trabalho cooperativo. Homens e mulheres, quando eleitos em assembléia geral, respondem pela cooperativa. Na assembléia cada cooperado tem um voto, independente do lugar que ocupe na cooperativa. O principio democrático é de que o ser humano é que tem valor, e por tanto, todos os cooperados tem o mesmo valor. 3 Participação econômica dos cooperados: os associados contribuem igualmente e controlam democraticamente o capital de sua cooperativa. Os sócios geralmente destinam algumas sobras para a formação de reservas para a cooperativa ou para a realização de alguma outra atividade que venha a ser definida pelos sócios em assembléia geral. 4 Autonomia e independência: as cooperativas fundamentam-se no trabalho solidário e coletivo entre as pessoas. Qualquer acordo ou decisão tomada pela cooperativa deve assegurar que o controle seja democrático e exercido pelos seus sócios, de forma autônoma e independente. 5 Educação, formação e informação: as cooperativas fornecem educação e treinamento a seus sócios e aos representantes eleitos e cooperados, para que os mesmos possam contribuir com seus conhecimentos para o desenvolvimento de sua cooperativa. Na construção de uma cooperativa autogestionária é fundamental o investimento em educação e aperfeiçoamento dos conhecimentos. Deve haver um sistema de informação que garanta o acesso dos cooperados a todas as informações. 6 Intercooperação: as cooperativas servem seus associados mais efetivamente e fortalecem os movimentos cooperativistas trabalhando junto às iniciativas locais, regionais, nacionais e internacionais. A solidariedade deve se dar entre os cooperados e também entre as cooperativas, na busca de uma sociedade mais justa e igualitária. 7 Interesse social pela comunidade: as cooperativas trabalham também para o desenvolvimento de suas comunidades na construção de valores éticos, morais e humanos, na perspectiva de um funcionamento autogestionário.

O processo de cooperativismo no Brasil teve grande demora por se tratar de um

país cuja mão-de-obra era basicamente escrava. Somente com o advento da República, aliado

ao início da imigração européia, é que houve a consolidação do cooperativismo no país.

No Brasil, as primeiras cooperativas datam do século XIX, cujo primeiro ramo foi

o “agropecuário, seguido pelo de consumo e de crédito, respectivamente” (CRUZ, 1997, p.

5 Informação retirada do material da Organização das Cooperativas do Estado do Rio Grande do Sul (OCERGS): Cooperativismo: um modo de vida, 2000, Porto Alegre

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93). A primeira cooperativa, em moldes rochdaleanos, foi criada em 1847, no Paraná, pelo

médico francês Jean Maurice Fevre, e chamou-se Cooperativa de Produção Teresa Cristina.

3.2.1 O cooperativismo utilizado inadequadamente

Em nosso país, a Lei 5.764/71, que rege o cooperativismo, impõe que a

cooperativa tenha um mínimo de 20 cooperados, porém tal exigência torna-se um problema,

já que as cooperativas de pequeno porte não geram renda de forma satisfatória para sustentar

este total de trabalhadores e suas famílias.

Este número mínimo de cooperados acaba favorecendo àquelas cooperativas de

grande porte, cujo produto ou prestação de serviços tem forte divulgação no mercado, gerando

com isso, uma renda mensal suficiente ao sustento das famílias que dela dependem.

Porém, cabe aqui colocar que grande parte das cooperativas que atingem este

patamar, não seguem os princípios do cooperativismo, e apenas se utilizam juridicamente

deste modelo para assegurar seus interesses privados e receber os benefícios que o mesmo trás

consigo, não tendo gastos com os direitos assegurados por lei aos trabalhadores.

Segundo Oliveira (citado por PEREIRA, 1999, p. 13), “a criação de falsas

cooperativas para burlar a legislação trabalhista, com o fim único de reduzir custos, tem

denegrindo o movimento das cooperativas de trabalho.”

Tais empresas são conhecidas como “coopergato”, ou seja, são providas de patrão

e exploram seus trabalhadores da mesma forma que as empresas convencionais, não existindo

uma relação de associados, de horizontalidade, e sim uma relação comum de patrão e

empregado.

Aliás, a prática de fazer com que os trabalhadores acreditem que também são

“donos” da empresa é muito comum no sistema capitalista. Isto é utilizado pelas empresas

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através da participação nos lucros, onde o trabalhador recebe míseras porcentagens dos lucros

destas.

Esta estratégia utilizada pelos capitalistas faz com que a auto-estima do

trabalhador se eleve e com isso, trabalhe mais, pois ele sente-se responsável pela empresa,

vindo a proporcionar maior acúmulo de riquezas nas mãos do capitalista.

Portanto, por operarem na lógica do capitalismo, nada mais comum que os

empresários se utilizem do cooperativismo com o intuito de lucratividade, burlando leis (o

que é de praxe) e aproveitando-se do desconhecimento dos trabalhadores a respeito das

mesmas e do próprio modelo cooperativista.

Além disso, o cooperativismo trata de incluir as pessoas desempregadas no

mercado de trabalho, ou seja, seria ingenuidade crer que o cooperativismo é alternativa ao

sistema econômico-político-social atual. Mas pode-se sim fazer do cooperativismo uma das

formas de construir uma nova realidade social, por ele proporcionar um espaço de discussão

entre as pessoas socialmente vulneráveis.

3.3 A busca pela solidariedade e cooperação nas relações de trabalho

A Revolução Francesa (séc. XVIII), com seus ideais iluministas6 de “Liberté,

Égalité et Fraternité”, é considerada um marco da consolidação do Sistema Capitalista na

sociedade. Porém, desde sua criação o capitalismo mostrou-se um sistema extremamente

excludente, desumano e desigual. Ou seja, o mesmo não seguiu os ideais propostos durante a

Revolução Francesa e pelo qual a mesma se deu.

6 Iluminismo é o “movimento cultural-filosófico, ocorrido durante o século XVIII (Século das Luzes), que representou um esforço coerente de valorização da ciência e o abandono de preconceitos tradicionais, com o objetivo de se incentivar o progresso da atividade humana, em especial a arte de pensar” (CRUZ, 1997, p. 13).

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A economia defendida pelo capitalismo é competitiva, e somente aqueles poucos

que possuem os meios de produção são considerados incluídos, enquanto que a maioria da

população empobrecida segue na luta diária pela sobrevivência.

Como alternativa à competição (apesar de atualmente esta não estar tão aparente

na sociedade), criam-se formas de tornar a sociedade mais justa e igual. Surge então a

Economia Popular e Solidária, onde aqueles que participam da atividade econômica devem –

ao invés de competir – cooperar entre si.

Ao colocar que atualmente a competição não é mais predominante na sociedade,

Singer relata o seguinte:

A economia capitalista atual não é competitiva na maior parte dos seus mercados, dominada geralmente por oligopólios. Mas há concorrência no comércio varejista e em muitos mercados de serviços, de modo que os consumidores com poder aquisitivo têm possibilidades de escolha. Os pobres são obrigados a gastar o seu pouco dinheiro no essencial à sua sobrevivência (2002, p. 08).

Com a citação acima mencionada, pode-se observar que não importa se as táticas

utilizadas pelo sistema capitalista são mutáveis, pois a mudança jamais está direcionada ao

bem-estar da população em geral, mas sim aos detentores do poder, cujo único objetivo é o

acúmulo de capital.

A construção de iniciativas populares seguindo a lógica da Economia Popular e

Solidária é uma alternativa às empresas tradicionais capitalistas, pois exerce uma relação de

horizontalidade entre seus participantes, onde todos têm poder de participação e decisão

dentro do empreendimento.

A economia popular é solidária, porque a solidariedade na organização do

trabalho significa respeito nas relações, reconhecimento do direito do próximo e ajuda mútua

nas tarefas a serem realizadas, superando o oportunismo e a submissão a alguém. De acordo

com Singer “a solidariedade na economia só pode se realizar se ela for organizada

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igualitariamente pelos que se associam para produzir, comerciar, consumir ou poupar” (2002,

p. 16).

Ainda referente à solidariedade na economia, compete a esta o objetivo maior de

criar “novas formas de organização da produção com lógica ‘incluidora’” (SINGER, 2003, p.

124), e para atingir tal objetivo é necessário que as novas formas de organização não se dêem

isoladamente, mas sim através de redes de cooperação e intercâmbio, ou seja, “o ponto de

partida da economia solidária é o reconhecimento que a causa maior da debilidade da pequena

empresa e do autônomo é o seu isolamento” (SINGER, 2003, p. 124).

Além disso, a economia é autogestionária, pois todos têm direito de iniciativa e

participam do planejamento de como executar as tarefas dentro da cooperativa. Sua

administração dá-se de forma transparente, onde todos os membros têm acesso às informações

sobre o andamento da mesma. Ao contrário da forma pela qual são administradas as empresas

capitalistas, que aplicam a heterogestão, ou seja, “a administração hierárquica, formada por

níveis sucessivos de autoridade, entre os quais as informações e consultas fluem de baixo para

cima e as ordens e instruções de cima para baixo” (SINGER, 2002, p. 16).

Contudo, não se pode confundir autogestão com participação. Cabe lembrar que

autogestão ainda tem um conceito indefinido, ou seja, está em constante processo de

construção; “se refere dessa forma a uma experiência em curso, cuja amplitude é ambígua e

[...] a própria significação da palavra deixa-se afetar pela referência imprecisa” (GUILLERM

e BOURDET, 1976, p. 19).

Segundo Guillerm e Bourdet, participação:

é simplesmente participar de uma atividade que já existe, que tem sua própria estrutura e finalidade; o participante se mistura quase individualmente ao grupo preexistente; junta-se aos outros e com eles colabora, mas carece de iniciativa, limitando-se a prestar seu concurso, a dar sua contribuição. (1976, p. 20)

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Então, o fato de simplesmente participar não significa autogerir seu próprio

empreendimento. O trabalhador que se insere num grupo já formado não pode contentar-se

em apenas participar deste grupo, enquanto alguém que apenas assume tarefas. Ele tem que

ter iniciativa perante o grupo, pensar juntamente com o grupo, para que este se viabilize

enquanto empreendimento autogestionário.

Caso contrário, tal empreendimento irá confundir-se com uma empresa

tradicionalmente capitalista, onde os empregados não são pagos para pensar e sim para

cumprir com as tarefas que lhes são designadas, sem ao menos ter o direito de criticá-las ou

melhorá-las, enquanto condições mais decentes de trabalho.

3.3.1 Empresas de autogestão e Cooperativas Populares

Cruz (1997) descreve que existem vários países, como por exemplo, os Estados

Unidos, que têm sua legislação favorável à compra de empresas - que não possuem grande

quantidade de lucros – pelos seus empregados. Isto faz com que os mesmos consigam

autogerir esta empresa e aumentar sua produtividade, aumentando conseqüentemente os

lucros.

No Brasil, não existe legislação que apóie tal procedimento, mas isto não se torna

empecilho para que o mesmo ocorra. Um exemplo disto é o que aconteceu com a empresa

Cristais Hering, que passou o controle de 51% da empresa aos seus funcionários, aplicando

com isso, a co-gestão.

Por co-gestão entende-se: “reintegrar – ainda que parcialmente – a iniciativa e a

‘criatividade’ operárias nos processos de produção” (GUILLERM e BOURDET, 1976, p. 23).

Isto é, os operários não se tornam donos da empresa, mas têm participação considerável

dentro da mesma.

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Além da Cristais Hering, tem-se como exemplo a Coopram, localizada na região

do ABC paulista, que foi tomada pelos operários após a falência da antiga fábrica e

transformada numa cooperativa. Neste caso não se trata de co-gestão, pois os operários não

participam de apenas algumas porcentagens da empresa, mas sim de 100% da mesma.

Entretanto, cabe a seguinte questão: Como a empresa conseguirá superar os

empecilhos que quase a levaram à falência, se os trabalhadores que irão administrá-la, na sua

maioria, nunca viveram uma experiência como esta?

Como resposta a tal questionamento, os trabalhadores que passaram por esta

experiência criaram a Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão e

Participação Acionária – ANTEAG, para assessorá-los a fim de que as empresas por eles

geridas atinjam o sucesso almejado.

Existe uma significativa diferença entre as empresas de autogestão e as

cooperativas populares. Elas coincidem no que diz respeito à autogestão, já que ambas são

autogeridas pelos trabalhadores que delas fazem parte, porém as primeiras tratam-se de

fábricas com espaço físico e maquinário próprios, já as segundas geralmente iniciam os

empreendimentos sem nenhum capital constante.

Este último caso é o das cooperativas incubadas pela INTECOOP, onde não é

disponibilizado nenhum outro recurso a não ser a mão-de-obra dos trabalhadores que

compõem os grupos e a intervenção dos monitores e professores da Incubadora. Por isso,

torna-se necessária a ajuda financeira (através do encaminhamento de projetos) proveniente

dos governos e/ou fundações na viabilização das iniciativas populares.

Por fim, caso haja a consolidação da economia solidária e esta atinja dimensões

significativas, Singer diz que:

ela se tornará competidora do grande capital em diversos mercados. O que poderá recolocar a competição sistêmica, ou seja, a competição entre um modo de produção movido pela concorrência intercapitalista e outro movido pela cooperação entre unidades produtivas de diferentes espécies contratualmente ligadas por laços de solidariedade. (2003, p. 139).

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Portanto, pode-se concluir que a economia popular e solidária pode transformar-se

numa nova opção ao trabalhador, mesmo que dentro do Sistema Capitalista, isto é, ele terá

outra alternativa para organizar-se economicamente, não dependendo unicamente das formas

tradicionais de trabalho impostas por este Sistema.

Assim, ambientada numa nova forma de trabalho, a pessoa humana poderá

constituir uma visão crítica da sociedade que a condicionou à situação de miséria e

exploração, ou seja, poderá visualizar as contradições que o capitalismo trás consigo para,

com isso, manifestar sua indignação, repudiando as práticas adotadas pelo mesmo.

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CAPÍTULO IV: CONHECER A HISTÓRIA, EXPLICAR O PRESENTE E TRANSFORMAR O FUTURO

4.1 Histórico da CRID e da DunasVest

Conforme exposto no primeiro capítulo, ao iniciar a pesquisa-ação, em Dezembro

de 2004, notou-se a falta de subsídios considerados essenciais para dar continuidade à mesma,

ou seja, informações aprofundadas a respeito do campo de atuação (neste caso a Cooperativa

CRID) e das pessoas que dele faziam parte.

Como forma de obter tais subsídios, optou-se por utilizar o instrumento de história

oral de vida, sendo este realizado entre os meses de Agosto à Outubro de 2005, conseguindo,

assim, obter melhores informações das pessoas com quem trabalhamos desde Dezembro de

2004, quando iniciaram as Frentes Emergenciais de Trabalho do Governo do Estado do Rio

Grande do Sul.

Os dois grupos de iniciativa popular estudados foram a CRID e a DunasVest,

sendo que o primeiro estamos acompanhando desde o início da incubação, e com o segundo

foi necessário o contato apenas nos meses da pesquisa de história oral de vida, utilizando-o

como comparativo, pelos motivos já expostos no primeiro capítulo deste trabalho.

Há cerca de dois anos a INTECOOP assessorou um grupo cuja demanda era a

criação de uma cooperativa de reciclagem, porém por não existir o local nem os maquinários

necessários para viabilizar o trabalho de reciclagem, e assim viabilizar economicamente a

cooperativa, este grupo dissolveu-se.

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Ao entrevistar a Sra. S.A.M., que compôs o grupo anterior e faz parte do atual,

esta relatou: ‘uma vizinha entrou pro grupo e me avisou, na primeira vez. Depois não deu

certo, porque não tinha um local pra fazer o galpão, faltou o terreno. Eles disseram que ia vim

uma verba de R$ 7.000,00 naquela época, mas como não tinha o terreno, o dinheiro voltou. Ai

cada um foi pra um lado.” (sic)

Em Dezembro de 2004, após a liberação das Frentes Emergenciais de Trabalho do

Governo Estadual, procurou-se novamente as pessoas que compunham o grupo anterior,

porém apenas duas destas optaram por continuar na iniciativa, as demais se opuseram, pois

alegavam que não iam continuar fazendo reuniões sem ter garantia de trabalho.

Então, houve uma reunião inicial com as duas pessoas que restaram, e deliberou-

se que estas iriam comunicar as demais pessoas do Loteamento Dunas, que já trabalhavam

com reciclagem (catadores/as), para que estas se somassem ao projeto. Após a realização de

tal procedimento, houve o cadastramento das vinte cooperadas e assim formou-se a CRID,

porém não legalmente. Cabe ressaltar que, mesmo com o esforço em procurar pessoas que já

trabalhassem neste ramo, infelizmente, a metade das vinte pessoas que compunham o grupo

não cumpriam tal requisito.

Uma das cooperadas que optou por não desistir do grupo, na pesquisa diagnóstica1

realizada pela INTECOOP durante a pré-incubação, disse o seguinte: “Eu já participava do

outro grupo, aí me chamaram pra esse. Quando não deu certo da outra vez, eu fiquei frustrada.

Antes era só ‘enrolação’, agora eu sinto mais firmeza.” (sic)

No momento, após forte mobilização por parte das cooperadas, a documentação

para legalizar a cooperativa já está a cargo da Advogada da INTECOOP, que está

organizando-a para encaminhá-la a Junta Comercial.

1 No primeiro mês de pré-incubação (Janeiro de 2005) foi realizada a pesquisa diagnóstica a fim de conhecer o que o grupo entendia por cooperativismo, trabalho, solidariedade, etc.

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Quanto ao grupo do DunasVest, não houve a oportunidade de acompanhá-lo

desde a sua criação, mas a partir das entrevistas de história de vida, conheceu-se sua trajetória

e as dificuldades que passou e vem passando, no sentido de viabilizar-se economicamente.

O empreendimento DunasVest teve início - há 4 anos - a partir da participação de

suas cooperadas no Comitê de Desenvolvimento do Dunas, onde se faziam inúmeras reuniões

cujos objetivos eram: criar a cooperativa e construir a Incubadora do Dunas.

Uma das cooperadas que participou da criação da cooperativa relatou que: “a

gente quando começou não tinha nada, fizemos muito almoço pra conseguir dinheiro e

comprar os maquinários que a gente tem. Claro que as máquinas não são boas, são precárias,

são máquinas domésticas, o que não seria o ideal pra nós, mas tudo o que a gente conseguiu,

foi à base de muito esforço. A gente não tinha nem local, pedia uma casa emprestada, o

colégio emprestado, são quatro anos de luta.” (sic)

Atualmente a DunasVest está composta por apenas 07 pessoas, sendo que no

período das Frentes Emergenciais de Trabalho, era composta por um total de 21 pessoas. No

mês de setembro de 2005, este grupo inaugurou uma loja – no Comitê de Desenvolvimento do

Dunas – a fim de divulgar e vender os produtos da cooperativa.

A documentação para legalizar a DunasVest ainda não foi encaminhada à Junta

Comercial, e provavelmente isto tardará a ocorrer, pois não existe o mínimo de pessoas

previsto por lei (20 pessoas) para que o empreendimento torne-se uma cooperativa.

4.2 O que dizem as cooperadas?

A partir do que foi dito pelas entrevistadas que participaram da pesquisa de

história oral de vida, cabe ressaltar as situações que são relevantes no sentido de avaliar até

que ponto o senso comum pode interferir na construção da consciência crítica, dentro de

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espaços que propõem uma alternativa ao trabalho imposto pelo modelo político-social-

econômico vigente, além de conhecer se o trabalho da INTECOOP está proporcionando uma

abertura a esta tomada de consciência.

4.2.1 Escolaridade e mercado de trabalho

Na fala das cooperadas observam-se valores morais difundidos não

necessariamente na educação provinda da escola tradicional, mas principalmente dentro da

família. Porém, não são valores criados, mas reproduzidos pelas pessoas, com o intuito de

afirmar o capitalismo enquanto sistema hegemônico.

“E roubar foi coisa que eu nunca ensinei e digo: vocês podem chegar na porta de

uma casa e pedir até um pão um dia que não tiver, mas roubar jamais e nem estar na esquina.

Isso aí, graças à Deus, o dia que eu morrer, vou morrer contente, porque meus filhos nunca

mexeram em nada e não são de estar na esquina nesses negócios de drogas.” (sic)

A fala acima demonstra entre outros fatores, a existência de valores ditados por

uma pequena parcela da sociedade para que a grande massa popular os siga, com o intuito

desta não pôr em risco o “direito” à propriedade privada daquela. E para garantir que tais

valores não sejam rompidos, criam-se formas de amedrontar as camadas populares através do

castigo terreno (Poder Judiciário) e principalmente do castigo divino (Deus).

Quanto à escolaridade, vê-se que as entrevistadas acreditam no estudo como algo

importante, inclusive duas delas, sendo uma da DunasVest e outra da CRID, sonham em

voltar a estudar. “Bom, o estudo pra mim era tudo, eu tenho vontade de estudar, chego a

sonhar que estou escrevendo no colégio.” (sic) Elas atribuem a falta de estudo ao fato de

começarem a trabalhar quando ainda crianças e a fatores físicos: “[...] e lá fora era muito

longe, a gente levava mais de uma hora de a pé pra chegar na escola” (sic).

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Em nenhum momento das duas entrevistas, atribuiu-se ao fato de não ter

oportunidade de estudar (tanto naquela época, quanto agora) à pobreza na qual vivem,

fazendo cotidianamente um esforço descomunal para conseguirem oportunizar aos filhos o

que não lhes foi garantido. “A gente luta, briga uma vida inteira pros filhos estudarem, a gente

também não teve condições de estudar, mas deu uma chance pra eles estudarem.” (sic)

Das entrevistadas, somente a M.A.D (CRID) colocou que achava chato estudar.

Isto ocorre, porque a educação tradicional (ver item 2.1 do Capítulo II) não instiga a

curiosidade do aluno, e reprime constantemente sua forma de pensar e agir, além de ensinar a

partir de uma realidade diferente da vivida por ele e que pouco lhe atrai, lhe interessa.

Freire (1981, p. 14), referindo-se a alfabetização expõe que: “tanto as palavras,

quanto os textos das cartilhas nada têm que ver com a experiência existencial dos

alfabetizandos.” E ainda, ao falar da educação tradicional como apenas a transferência de

conhecimento, Freire segue dizendo que:

Em tal prática, os educadores são os possuidores do conhecimento, enquanto os educandos são como se fossem ‘vasilhas vazias’ que devem ser enchidas pelos depósitos dos educadores. Desta forma, os educandos não têm por que perguntar, questionar, desde que sua atitude não pode ser outra senão a de receber, passivamente, o conhecimento que os educadores neles depositam. (1981, p. 87)

É interessante observar que a M.A.D. desistiu dos estudos porque achava “chato”,

mas quando lhe foi indagado a respeito de seus sonhos, esta disse: “É dos meus filhos

terminar os estudos. É trabalhar, estar bem empregada, ganhando meu dinheiro, sem precisar

estar mendigando nada” (sic). Isto demonstra que ela atribui o desemprego à falta de

escolaridade.

Nada melhor para representar a idéia da relação desemprego-escolaridade, dita

acima, do que a frase: “João já sabe ler. Vejam a alegria em sua face. João agora vai conseguir

um emprego!” (FREIRE, 1981, p.15).

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A cooperada do DunasVest, Sra. L.S.S. coloca que ter escolaridade não é

sinônimo de estar bem empregada: “eu tenho irmãs formadas em Técnicas Domésticas no

CAVG e outra tem Doutorado em Pedagogia e tá desempregada, então nem o diploma tem

tanta importância assim.” (sic)

Portanto, cabe salientar que a maioria das cooperadas estudou ou sonhou em

voltar a estudar, porque – mesmo sendo a educação tradicional pouco atrativa – acaba

contribuindo, porém não garantindo, a obtenção de um emprego.

Entre as entrevistas, aparecem constantemente as exigências do mercado de

trabalho como algo que impede a obtenção de um emprego: “aqui mesmo, minha filha pra

pegar numa loja tem que ter curso de computador, quando surge um curso ela tem que dar

uma taxa por mês e daí, de onde tira? E se ela paga essa taxa, ela passa dificuldade, vai passar

a necessidade do alimento” (sic).

A Sra. D.F.D. (DunasVest) expõe que existe “racismo velado” na sociedade, o que

contribui para o desemprego, também coloca que: “é lógico que se eu chegar numa firma, ela

não vai me dar serviço desse jeito, olha só: preta, pobre, gorda, desdentada, é tudo que o

sistema não quer.” (sic)

Vê-se que ao mesmo tempo em que a cooperada acredita existir um “racismo

velado”, ela própria legitima este racismo inferiorizando-se quando se intitula “feia, pobre,

gorda...” Isto comprova que a “autodesvalia é outra característica dos oprimidos. Resulta da

introjeção que fazem eles da visão que deles têm os opressores” (FREIRE, 1991, p. 50).

Marx manifesta que:

a economia nacional não conhece o operário desocupado, o homem de trabalho, na medida em que ele se encontra fora da relação de trabalho. O bandido, gatuno, mendigo, o homem de trabalho desocupado, o esfomeado, miserável e criminoso, são figuras que não existem para ela, antes só para outros olhos, para os do médico, do juiz, do coveiro e do curador dos pobres, etc, fantasmas fora do seu reino. (1993, p. 76)

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Assim, as pessoas aderem ao subemprego como forma de sustento, submetendo-se

não a exploração do trabalho formal, mas agora à exploração do informal, isto é, “se eu fosse

fazer uma limpeza e dizia pra dona da casa que queria R$25,00 e ela dizia que R$25,00 não

podia me pagar, eu tinha que fazer por menos pra levar o que comer.” (sic)

4.2.2 Cooperativismo e trabalho convencional

Incluir-se no mercado de trabalho é extremamente difícil por todos os fatores

vistos anteriormente, e incluir um empreendimento popular neste mercado tem o mesmo ou

maior grau de dificuldade. Quanto a isto, a cooperada da DunasVest, A.V.N. diz: “Acabei

fundando uma cooperativa com mais de 20 pessoas de alimentação alternativa, e faltou muito

pouco pra dar certo, pra falar a verdade faltou mercado pra ela e aí teve que desmanchar tudo,

porque senão ia ficar com dívidas.” (sic)

Exatamente por conhecer as dificuldades em viabilizar um empreendimento

popular, a cooperada D.F.D. da DunasVest, coloca: “Mas o principal é a falta do dinheiro, de

poder vender mais, de poder trabalhar mais. Por isso, que a gente briga muito, eu e o pessoal

da INTECOOP, porque eles acham que a gente não tem que ter patrão, tem que trabalhar por

si, mas a gente não consegue esse dinheiro. E eu dou valor ao patrão por isso, porque ele paga

meu INPS, eu tenho salário no fim do mês que eu posso contar. E assim trabalhando por conta

como cooperativa não, a gente não têm uma carteira assinada, a gente não tem garantia

nenhuma.” (sic)

Por isto, a cooperativa é o sonho da maioria das entrevistadas, e acaba tornando-se

algo utópico, pois se pudessem optar, trabalhariam no empreendimento popular, mas como

este não lhes proporciona uma garantia, estas disputam uma vaga no mercado de trabalho para

serem exploradas, porque necessitam do salário fixo, mesmo que injusto. Para Karl

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Mannheim, “utopias [...], são aquelas idéias, representações e teorias que aspiram uma outra

realidade, uma realidade ainda inexistente.” (LÖWI, 1995, p. 13)

Refere-se à questão acima os principais problemas observados na DunasVest, e

expostos pela cooperada A.V.N.: “Tem umas que questionam: tá mas pára aí, vou trabalhar o

mês inteiro pra ganhar R$10,00, se eu faço uma faxina por semana e ganho R$40,00. Então, é

uma coisa que quase não se tem argumento pra argumentar isso. Tu trabalha um dia na

semana, e realmente tu trabalha, não é nada fácil, mas tu vem pra casa com R$40,00. Tu

trabalha 30 dias, tendo que conviver, ceder, ter ‘jogo de cintura’ com mais nove pessoas” (sic)

Todas as cooperadas entrevistadas sabem, mesmo que minimamente, do que trata

o cooperativismo, tendo cada uma sua forma de defini-lo, apesar de todas as definições

subentenderem um sentimento de união. “Pra mim é a amizade das pessoas, o grupo. Porque

eu acho que tem que ser todo mundo unido. Se vai fazer uma coisa, todo mundo fazer junto”

(sic).

A cooperada M.A.D. define o cooperativismo como: “[...] uma família de muitos

que o único objetivo é trabalhar pra manter aquilo ali e pra ter dinheiro. A cooperativa pra

mim é que nem lá em casa. Nós somos seis irmãos, tem a minha mãe, tem meus sobrinhos,

tem as cunhadas, os cunhados, então quando resolve fazer alguma coisa, é todo mundo junto,

não tem ninguém pra se mixar, ficar se escondendo pra não fazer ou pra não cooperar com o

dinheiro pra fazer uma vaquinha, pra fazer um almoço. E pra mim, a cooperativa é isso, eu

espero que seja!” (sic)

A M.A.D. compara o cooperativismo à sua família no sentido de que todos devem

cooperar para que algo se viabilize. Tal colocação é pertinente, pois ao não estar vivendo na

prática o cooperativismo – já que não existe local, nem material, para trabalhar – observa-se

que ela busca algo no seu cotidiano para definir o que ainda é abstrato.

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Com relação à participação que deveria ter dentro da cooperativa, enquanto

espaço de autogestão, a entrevistada A.V.N. relata que “tinha gente que nunca falava, que não

estava concordando com o que estava acontecendo, mas não se posicionavam, não diziam

nem que sim, nem que não, e aos poucos elas estão [...] É que essas pessoas quando

resolveram se posicionar, aquelas pessoas que se queixavam que elas não se posicionavam,

tão achando ruim. Porque agora tu me incomoda, antes tu não me incomodava e era bom.”

(sic)

Mesmo havendo nas relações entre as cooperadas o que foi dito acima pela Sra.

A.V.N., algumas seguem omitindo-se frente às decisões da cooperativa. De acordo com a Sra.

L.S.S.: “as pessoas não dizem na tua frente e ficam falando nas costas, porque não teve

coragem e fica quieta. Aí botou o pé na rua quando acabou aquela reunião e diz: eu acho que

não devia ter aceitado! Aí eu digo: Mas porque tu não falou, fulana? Tu não visse que eu

também falei que não achava que devia ser assim? Aí ela fala: Ah, porque a outra podia ficar

braba! Não, mas é a tua opinião, é importante a tua opinião, tu tens que colocar, tu não podes

deixar a tua opinião de fora.” (sic)

Quanto à autogestão dentro do empreendimento popular, a Sra. A.V.N. coloca

que: “o patrão é quem se preocupa se tem que pagar imposto, água, luz, telefone, se a linha

custa muito caro, se naquela roupa leva tanto metros de linha, é ele quem se preocupa com

isso, tu só trabalha. E com nós é diferente, a gente que tem que se preocupar com isso, tu tem

que te preocupar em produzir, te preocupar em ter mercado pra quem vender, tu tem tudo.”

(sic)

Autogerir o próprio empreendimento não é tarefa fácil, pois a responsabilidade

por viabilizar economicamente e manter viável a iniciativa popular não é mais de uma única

pessoa, mas do grupo, onde todos que dele participam devem empenhar-se em conhecer as

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funções de cada setor da empresa na sua totalidade, e não de forma fragmentada, como ocorre

no trabalho convencional.

De acordo com Marx (1993, p. 62), no trabalho convencional “quanto mais o

operário se esmera tanto mais poderoso se torna o mundo objectivo, estranho, que ele cria

perante si próprio, tanto mais pobre ele próprio, o seu mundo interior, se tornam, tanto menos

lhe pertence de seu.”

4.2.3 O meu e o nosso

A entrevistada A.V.N. fala o seguinte a respeito das relações que a mesma

estabelece na cooperativa: “Se eu não usar assim: a DunasVest é minha [...] nós somos dez, se

cada uma não disser pra si que ela é sua [...] Eu acho que se tu diz: é nossa, tem três se

preocupando e as outras sete ficam só na carona. Eu costumo pensar que é meu, e se é meu,

eu brigo, porque é meu, eu vou fazer, porque é meu. Não estou fazendo pela fulana, pela

colega, estou fazendo por mim. Mesmo que isso venha a beneficiar a todos, eu procuro

direcionar a minha pessoa.” (sic)

A afirmação feita pela cooperada demonstra a dificuldade em se desvencilhar da

ideologia capitalista, como por exemplo, o incentivo à propriedade privada, ou seja, quando

ela diz: “e se é meu, eu brigo, porque é meu, eu vou fazer, porque é meu” (sic), observa-se o

individualismo e o sentimento de posse. Neste caso, a solidariedade torna-se secundária na

afirmação “mesmo que isso venha a beneficiar a todos” (sic).

Ideologia em Karl Marx “é um conceito pejorativo, um conceito crítico que

implica ilusão, ou se refere à consciência deformada da realidade que se dá através da

ideologia dominante: as idéias das classes dominantes são as ideologias dominantes na

sociedade.” (LÖWI, 1995, p.12)

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Quando a mesma cooperada coloca: “acabei fundando uma cooperativa com mais

de 20 pessoas” (sic) também se verifica a exclusividade na fundação de algo, ou seja, o eu

está, neste caso, em maior relevância que o nós. Não fomos nós que fundamos a cooperativa,

fui eu. Esta forma de expressar-se acaba refletindo nas relações de dentro do empreendimento.

O exposto se contrapõe à construção de e para a coletividade, onde “não há

estritamente falando um ‘eu penso, mas um ‘nós pensamos’. Não é o ‘eu penso’ o que

constitui o ‘nós pensamos’, mas, pelo contrário, é o ‘nós pensamos’ que me faz possível

pensar” (FREIRE, 1981, p. 86).

4.2.4 Assistência e assistencialismo

Entre as formas de acomodar a população desfavorecida, vê-se a criação de

políticas públicas, que devem ser questionadas, mas não descartadas, pois infelizmente são

elas que asseguram a sobrevivência, mesmo que precária, de grande parcela da população.

Durante as entrevistas são observados alguns programas governamentais como: o

Bolsa Escola (Governo Federal), as Frentes Emergenciais de Trabalho (Governos Federal e

Estadual) e o Família Cidadã (Governo Estadual de 1998 à 2002).

Ao comparar o grupo do qual fazia parte no Família Cidadã, com o grupo

originado pelas Frentes de Trabalho, a cooperada T.J.O.C. (CRID), coloca que o primeiro “era

uma maravilha” (sic) se comparado com o segundo. Ao falar isto, ela está se referindo a

questão da união e harmonia que quase não existiram dentro do grupo de iniciativa popular

acompanhado pela INTECOOP.

Não existiram tais características, porque o dinheiro do Família Cidadã, conforme

relatado pela cooperada, “chegava dia 20 e era certinho” (sic), já o dinheiro das Frentes

atrasou cerca de 3 meses no primeiro pagamento e assim sucessivamente.

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Com o constante atraso no pagamento das Frentes Emergenciais de Trabalho, a

incubação da INTECOOP ficou extremamente prejudicada, pois as cooperadas ficavam

ansiosas com a incerteza da vinda do dinheiro, o que gerou vários conflitos entre as mesmas e

delas com a INTECOOP, o que veio a interferir, assim, no processo de cooperativismo e

autogestão.

Durante as entrevistas, é relatado pela Sra. D.M.M.R. (CRID) o recebimento das

Frentes Emergenciais de Trabalho, através do Movimento dos Trabalhadores Desempregados

(MTD): “Agora eu estou esperando esse galpão aqui, e enquanto não vem, eu entrei nessa

coisa do MTD esse, que é dos Sem Terra. Só que nós só vamos fazer luta e fazer os cursos

aqueles, mas esses cursos são pagos, a gente faz, mas recebe. Se for um mês, recebe um mês,

se for dois, recebe dois e assim eu vou levando a vida.” (sic)

A partir deste relato, tem-se a certeza de que a cooperada possui uma visão

equivocada do papel do MTD, enquanto movimento social. E segundo a entrevista (ver

anexos), pode-se observar que tal equívoco dá-se pelo fato desta não conhecer o movimento, e

tampouco participar de reuniões que possam esclarecer o “fazer luta” (sic). Ou seja, tal

movimento serve-lhe apenas como fonte provisória de renda.

Ao informar a respeito da ajuda que recebe, também a cooperada D.M.M.R. diz

que: “o pessoal lá da Igreja da Luz ajudam muito, caderno e lápis eu não gasto nada pra ele, e

já disseram que se ele passar de ano, eles vão ajudar ele. Mas eu não queria, né? A gente ter

que depender dos outros pra ajudar, mas da onde eu vou tirar pra dar pra ele?” (sic)

É interessante ressaltar o quanto a religião pode impedir a libertação da

consciência, contribuindo para que a pessoa, além de conformar-se com a situação financeira

e social atual, agradeça por “migalhas” fornecidas pelo governo, sem dar-se conta dos direitos

que tem e que lhe devem ser assegurados: “Graças a Deus hoje meus filhos tem uma ajuda do

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governo, que é o bolsa escola, pros material deles, mas eles têm só o necessário, não tem o

material completo” (sic).

Além das políticas governamentais, existe também forte presença da Igreja –

enquanto aparelho ideológico do Estado – como fomentadora da caridade e assistencialismo

dentro da comunidade. O interessante na fala da D.M.M.R. é observar que ela não tem

pretensão de depender da “boa vontade” de outras pessoas para sobreviver, ao contrário “se a

gente tivesse já trabalhando ali, quando terminasse esse dinheiro, nós já tava com o dinheiro

ganho do nosso suor.” (sic)

Contudo, não se pode descartar a contribuição de setores progressistas da Igreja

Católica, ligados à Teologia da Libertação, junto às Comunidades Eclesiais de Base, que

proporcionam uma ampliação do debate, entre as classes populares, a respeito da questão

social.

As pessoas estão fartas de depender da ajuda seja do governo, seja da caridade de

outrem. Elas querem trabalhar, produzir para seu próprio sustento, sentirem-se úteis. Ao

estarem excluídas do mercado de trabalho, estas acreditam não ter mais utilidade para coisa

alguma, então ocorre o que relata a Sra. D.M.M.R.: “Eu acho que um pouco da minha doença

também é porque a gente não tem onde trabalhar. Eu sempre trabalhei na minha vida!” (sic)

O fato de todas as entrevistadas da CRID concordarem que entraram no grupo de

iniciativa popular devido ao dinheiro das Frentes Emergenciais de Trabalho, não é algo

surpreendente, porque a ausência deste dinheiro dificultaria a construção de cursos, oficinas

ou reuniões pela INTECOOP com a participação efetiva das cooperadas. Afinal, ninguém que

passa por necessidades financeiras preocupa-se com outra coisa senão com a forma de obter

dinheiro para alimentar-se no dia-a-dia.

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Porém, algumas também colocaram que apesar do dinheiro ter sido o responsável

por sua entrada na cooperativa, “não foi só por causa do dinheiro, eu entrei por causa que ia

sair o galpão e eu não queria tanto o dinheiro, eu queria era trabalhar” (sic)

4.2.5 Desemprego: oportunidade ou falta de vontade

Outro momento que cabe analisar é quando a Sra. D.M.M.R. sente-se culpada pela

situação que se encontra e a M.A.D e a A.V.N. afirmam que depende somente delas a

realização de seus planos e sonhos.

As pessoas são instigadas pelas instituições que convivem (escola, família, Igreja)

a culparem-se por tudo que ocorre em suas vidas. Elas percebem-se como sendo parte isolada

do todo e têm dificuldade em observar que a maioria da população sofre com os mesmos

problemas que elas, ou seja, não é coincidência, são situações conseqüentes do capitalismo.

Então, elas estão em situação de pobreza, não porque são preguiçosas, incapazes, não tiveram

sorte, ou Deus não quis, mas porque a sociedade atual não permite.

Cabe colocar a afirmação da entrevistada L.S.S.: “até quando tu pega aquela

pessoa que não tem capacidade nenhuma, se tu investir nela, consegue dela. Tu podes não

conseguir aquilo que tu quer, porque ela não nasceu pra aquilo ali, mas algum potencial ela

tem e tu vais descobrir e ela vai começar a botar pra fora.” (sic)

Quanto a isto, é também pertinente a colocação da cooperada M.A.D.: “se tivesse

mais emprego, mais oportunidade eu não estaria desse jeito. Porque se tiver que limpar uma

valeta, eu vou e limpo. Não tem problema!” (sic)

As cooperadas L.S.S. e A.V.N, mesmo sendo da mesma cooperativa (DunasVest),

e mesmo estando envolvidas com o Comitê de Desenvolvimento do Dunas, ou seja, ocupando

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os mesmos espaços de discussão e construção, tem visões completamente distintas a respeito

do motivo pelo qual as pessoas encontram-se desempregadas.

Enquanto a L.S.S. afirma que é falta de oportunidade, a A.V.N. diz o seguinte:

“Eu não acho que tu não teve oportunidade, eu acho que tu não teve foi vontade. Ou tu ficas

na miséria eternamente, e a miséria que eu digo é essa situaçãozinha assim, tu vai lá vira

faxineiro, te acomoda a esse tipo de vida, ganhando pouquinho, vivendo com pouquinho, ou

tu começa a lutar por um outro caminho.” (sic)

Por último, cabem as afirmações da cooperada D.M.M.R (CRID): “tanta gente

com tanta coisa e a gente sem nada! [...] Tem muita gente que tem oportunidade e pode ter

tudo que quer e não sabe aproveitar e eu quero aproveitar e não tenho essa oportunidade.”

(sic) Isto mostra que:

as massas populares podem perceber as razões mais imediatas que explicam um fato particular, sem contudo captar, ao mesmo tempo, as relações entre este fato particular e a totalidade de que ele participa. (FREIRE, 1981, p. 139)

4.3 Análise comparativa

A DunasVest, como mencionado anteriormente, foi utilizada como comparativo

para conhecer se a intervenção da INTECCOP vem contribuindo com a construção do

conhecimento crítico por parte de todos os envolvidos neste processo, tornando assim a

iniciativa popular um espaço de discussão e construção do coletivo.

Após analisar as entrevistas das cooperadas de cada grupo, viu-se que a CRID

surgiu na vida daquelas pessoas enquanto alternativa ao desemprego, proporcionando-lhes

conhecer outras formas de trabalho que visem o seu bem-estar e não as coloquem na condição

de objetos do processo.

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Por compreenderem a forma de trabalho cooperativo como algo que às liberta da

dependência de um patrão, todas cooperadas da CRID relataram que se fosse apenas questão

de escolha, obviamente não deixariam o cooperativismo pelo trabalho convencional.

Apesar das dificuldades e das incertezas referentes à vinda do Galpão de

Reciclagem, fruto do Projeto encaminhado pela INTECOOP à Fundação Banco do Brasil,

elas estão encaminhando a documentação de legalização da CRID à Junta Comercial, pois

acreditam que com a cooperativa legalizada, terão maior oportunidade de viabilizá-la

economicamente.

Quanto ao entendimento do que é autogestão e do que são relações solidárias

dentro do ambiente de trabalho, cabe lembrar que este processo está em fase inicial para

ambos os grupos, tanto para a CRID, com apenas 11 meses de incubação, quanto para a

DunasVest, que está há 4 anos vivendo este processo.

Na DunasVest existem dois grupos: um onde a solidariedade se expressa de forma

mais clara e outro em que a solidariedade quase não se expressa.

O primeiro grupo demonstra que as relações dentro da cooperativa devem ocorrer

no sentido de instigar a participação e autogestão de todas as cooperadas. Vê-se o

comprometimento com o empreendimento popular enquanto um espaço alternativo de

geração de renda e de luta pela cidadania.

O segundo grupo, apesar de entender o cooperativismo da mesma forma que o

primeiro grupo, entra em constante contradição quando expõe que as relações devem dar-se

de forma individual, impositiva e não coletiva. Além de colocar que o desemprego, a

desmobilização e a miséria são problemas individuais, ou seja, a pessoa é a única culpada.

É importante expor que o cooperativismo (autogerido e solidário) provoca nas

pessoas um sentimento de desconforto perante as injustiças que ocorrem em suas vidas. “Às

vezes eu fico pensando: mas eu sou cidadã, eu tenho que lutar por isso [...] Então, pelo meu

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direito de cidadã, eu vou lutar, eu comecei a aprender muita coisa nesse sentido de lutar por

aquilo que é justo. Não pensar: eu não vou fazer, vou me incomodar! Tem que se incomodar

às vezes! As pessoas se acomodam. Então, o cooperativismo é também um pouco de luta, de

mostrar quem tu és, que tu és capaz, que tu podes fazer, e isso eu fui juntando tudo.” (sic)

Mesmo “o cooperativismo sendo também um pouco de luta”, é necessário frisar

que construir uma consciência crítica, libertadora, é um processo demorado, e a pessoa

disposta a lutar pelo e no cooperativismo, deve dispor-se também a reeducar-se no sentido de

superar o individualismo difundido pela sociedade atual.

Isto justifica a utilização de palavras do tipo: “Acabei fundando uma cooperativa”

(sic); “eu vou fazer, porque é meu” (sic); “não estou fazendo pela fulana, pela colega, estou

fazendo por mim” (sic), ou seja, estas expressões surgem mesmo que: “não é minha intenção

mandar” (sic)

O histórico de vida das cooperadas mostra que a maioria é de origem muito pobre

e começou a trabalhar quando ainda criança, com exceção da A.V.N. que teve “a

oportunidade de conviver com uma situação de classe um pouco mais alta do que a que

convivo hoje. Eu fui criada numa classe social mais elevada.” (sic)

Do mesmo modo, a maioria nunca havia participado de espaços de discussão e

construção anteriores a incubação da INTECOOP. A única que se aproximou foi a L.S.S.,

onde durante a adolescência foi “uma jovem cristã” (sic) e participou “das reuniões do grupo

jovem [...] criava encontros religiosos, retiros, [...] coordenava, sempre aqueles mais líderes

criavam pros outros.” (sic)

Então, na história de suas vidas, não ocorreu nenhum fato que pudesse despertar

um sentimento de angústia e descontentamento perante as contradições da sociedade atual, e

lhes instigasse veementemente formas de mobilização para lutar contra a injustiça social que

sofrem cotidianamente.

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As duas cooperadas que são exceções em relação às outras nas suas histórias de

vidas, são àquelas consideradas líderes pelo grupo da DunasVest. Respostas para tal fato não

podem ser conclusivas com os poucos dados (referentes ao grupo) proporcionados pela

pesquisa, porém são pertinentes algumas hipóteses.

No caso da L.S.S., esta relatou que era líder no grupo de jovens da Igreja, isto é,

pode ser que o “espírito de liderança” tenha se estendido para sua participação dentro da

cooperativa. Já no caso da A.V.N.: “eu costumo pensar que é meu, e se é meu, eu brigo,

porque é meu, eu vou fazer, porque é meu. Não estou fazendo pela fulana, pela colega, estou

fazendo por mim.” (sic) Com isto, a mesma deixa claro como costuma agir com relação à

cooperativa, isto pressupõe que as cooperadas apesar de reconhecerem a tomada da liderança,

legitimam-na e não expõem seu descontentamento.

Quanto às relações hierárquicas que não deveriam ocorrer, mas acabam

ocorrendo, dentro da cooperativa, cabe a colocação da Sra. M.S.A.B.: “Depois que eu vim pra

cá eu até fui estudar mais uns dias, mas aí as gurias começaram: ou tu ficas no estudo ou tu

vens pra cá, aí tu vê o que é melhor pra ti.” (sic)

Contudo, a pesquisa de história oral de vida mostrou que a pessoa que teve a

oportunidade de atuar em outro espaço de discussão e construção anterior à cooperativa,

expressa claramente a solidariedade e a autogestão dentro da mesma. As demais cooperadas

estão num processo embrionário, portanto tais características estão em vagarosa construção.

Então, antes de intervir dentro do espaço de incubação, torna-se necessário

conhecer a história de cada cooperada, para trazer à tona suas experiências anteriores e/ou

construir novas percepções, através do questionamento de situações passadas, negando-as (ou

legitimando-as) e superando-as (ou mantendo-as).

Vê-se que a INTECOOP desempenhou o papel de interferir na vida destas

pessoas, na medida em que lhes proporcionou conhecer alternativas ao trabalho tradicional,

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isto é, na medida em que contribuiu para que elas não ficassem bitoladas aos slogans

conformistas oriundos do capitalismo. Porém, não buscou conhecer a história destas pessoas

para trabalhar a partir do conhecimento que elas têm a respeito de suas próprias vidas e da

sociedade onde vivem.

Certamente a INTECOOP vem colaborando para que as pessoas - tanto as

cooperadas quanto os estagiários, os técnicos e os professores – adquiram, em cada contato,

cada troca, elementos que possam contribuir dialeticamente para a superação do

conhecimento ingênuo. Mas os resultados poderiam ser maiores e se dar em menor tempo, se

a história de vida das cooperadas ocupasse um papel primordial no processo de incubação.

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CAPÍTULO V: DO SENSO COMUM AO CONHECIMENTO CRÍTICO

No capítulo anterior foi exposto o perfil das pessoas com quem a INTECOOP

trabalha e que se tornaram o público da pesquisa-ação mencionada no primeiro capítulo, ou

seja, pessoas pobres, excluídas do mercado de trabalho e cuja única renda provém do

subemprego, de políticas públicas e da caridade.

As pessoas que compõe os empreendimentos populares, assim como qualquer ser

humano que não tenha suas necessidades básicas saciadas, não se importam com outra coisa

senão a forma como conseguirão supri-las, ou seja, “o impulso da alimentação é inexorável e

pouco maleável, quer dizer, cobra sua satisfação imediata e ameaça a continuidade da

existência” (IASI, 2001, p. 17).

Torna-se difícil senão impossível instigar a construção de uma consciência crítica

sob estas condições, isto é, “os homens devem estar em condições de viver para poder ‘fazer

história’” (MARX, 1999, p. 39).

Retoma-se a conhecida frase de não apenas dar o peixe, mas dar sim o peixe,

ensinando a pescar. Tal prática não está associada ao assistencialismo, já que este se refere

exclusivamente ao ato de doar (prestação de favores) sem instigar a libertação da pessoa

humana, mas favorecendo que esta continue alienada e dependente do sistema vigente.

De acordo com Freire:

No momento em que os ‘trabalhadores Sociais’ definam o seu quefazer como assistencialista e, não obstante, digam que este é um quefazer educativo, estará cometendo na verdade um equívoco de conseqüências funestas, a não ser que tenham optado pela domesticação dos homens. (1992, v.24, p. 44)

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Utilizar-se de políticas criadas pelo Estado burguês, cujo intuito é manter a ordem

e acomodar os socialmente excluídos, é necessário, pois “para viver, é preciso antes de tudo

comer, beber, ter habitação, vestir-se e algumas coisas mais” (MARX, 1999, p. 39). Porém,

isto não significa legitimá-lo, mas negá-lo através da análise crítica do que por ele é criado.

Nesta perspectiva, com a pesquisa de história oral de vida, comprovou-se que a

superação da consciência ingênua poderá ocorrer exclusivamente com a viabilidade

econômica do empreendimento popular. Sem isto, o trabalho de emancipação dos envolvidos

neste processo será quase impossível de acontecer.

Entre outros fatores, a dificuldade financeira faz, em muitos casos, com que as

pessoas exerçam uma atividade espontânea, portanto não revolucionária. Por exemplo, o fato

das cooperadas lutarem pelas Frentes de Trabalho torna-se algo espontâneo, porque implica

na sobrevivência das mesmas. A partir do momento que estas atingem seu objetivo, ou seja,

conseguem o dinheiro que estava atrasado, voltam a acomodar-se.

Lembrando Gramsci:

as idéias que constituem as concepções de mundo não crescem ex abrupto, espontaneamente da estrutura econômica [...] não nascem espontaneamente no cérebro de cada indivíduo [...] a ideologia proletária não pode emergir espontaneamente numa sociedade em que outra ideologia, contrária a do proletariado, é hegemônica. (INNOCENTINI citado por FRANCO, 1985, p. 123).

Frente a isto, cabe a seguinte questão: como trabalhar para construir coletivamente

a consciência crítica dentro das iniciativas populares, superando assim a consciência ingênua?

Ou melhor: “como o ‘roubo dos famintos’ adquire a forma de uma expropriação coletiva das

classes possidentes ou como ‘as greves dos explorados’ podem se inserir num conjunto de

ações organizadas que visem destruir a supremacia burguesa?” (FRANCO, 1985, p. 116).

Como observado no segundo capítulo, o senso comum impede significativamente

a libertação da consciência, pois “é no terreno do senso comum que as classes subalternas

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incorporam as ideologias dominantes, cuja pretensa verdade se impõe às classes subalternas

como única, como superstição” (SIMIONATTO, 1995, p. 79).

Porém, é preciso esclarecer que Gramsci não pretende extinguir o senso comum,

ao contrário “procura mostrar que o senso comum já é filosofia, mesmo incipiente e

fragmentária.” (SIMIONATTO, 1995, p. 82) Ele propõe a passagem do mesmo para “uma

concepção mais coerente, que não ocorrerá através de uma educação ‘verbal e livresca’, mas

em conexão com a luta política de uma classe” (SIMIONATTO, 1995, p.81).

O (a) Trabalhador (a) Social comprometido (a) com a emancipação das classes

subalternas deve reconhecer o senso comum como sendo à base do conhecimento, pois todos

partem deste para explicar a realidade. Significa que negá-lo, num primeiro momento, seria

negar aquilo que as pessoas sempre consideraram como verdadeiro e real. Tal atitude

acarretaria a descrença e o afastamento das mesmas do processo de construção coletiva.

É preciso cuidado, ao trabalhar junta à comunidade, para que não ocorra uma

“transfusão de consciência” por parte do (a) Trabalhador (a) Social, onde este, por ansiar

desenvolver um trabalho mesmo que emancipatório ignora e, portanto, não valoriza o saber

popular, tratando de introduzir seu conhecimento acadêmico como se as pessoas não fossem

providas de consciência. Pois “não se trata, como reconheceu Gramsci (citado por FRANCO,

1985, p.115), ‘de introduzir, a partir do zero, uma forma de pensamento na vida de todo

mundo, mas de renovar e tornar crítica uma atividade já existente. ’”

Considerar que uma pessoa possa ser desprovida de consciência é um equívoco,

pois “não a concebemos como uma coisa que possa ser adquirida e, que, portanto, antes de

sua posse, poderíamos supor um estado de ‘não consciência’” (IASI, 2001, p.13), por isso

fala-se sempre em processo de consciência e não consciência por si só.

De acordo com Iasi:

Partindo de uma compreensão marxista, o processo de consciência é visto [...] como um desenvolvimento dialético onde cada momento trás em si os

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elementos de sua superação, onde as formas já incluem contradições que ao amadurecerem remetem a consciência para novas formas e contradições, de maneira que o movimento se expressa num processo que contém saltos e recuos. (2001, p.12)

O trabalho na comunidade deve considerar primeiramente o saber das pessoas que

nela vivem. Isto requer escutá-las, dialogar com elas e não iniciar a intervenção impondo

práticas enquanto técnico (a) “dono (a) da verdade”, mas manter uma relação de

horizontalidade junto às mesmas. No que se refere ao diálogo, cabe a colocação de Freire

(1992, v. 24, p.51): “problematizando, critica e, criticando, insere o homem em sua realidade

como verdadeiro sujeito da transformação.”

Caso contrário, a intervenção estaria não experimentando novas práticas, mas

reproduzindo as mesmas que o capitalismo impõe como forma de manipulação das classes

populares e manutenção do poder. Esta reprodução, ao invés de libertar, estaria apenas

legitimando a relação dominante-dominados.

Durante as entrevistas de história de vida, observou-se o distanciamento que

existe entre a linguagem acadêmica e a popular. Mesmo havendo forte interesse por parte de

técnicos e professores em aproximar estes dois meios, através da troca entre os saberes, tal

processo é demorado e complexo. A análise foi feita a partir do exposto por L.S.S.:

“Era assunto encima de assunto e eu sou muito curiosa, tudo quanto é coisa que eu

não entendo, que falavam e eu não entendia, eu pegava o dicionário para saber o que era

aquilo, pra não ficar fazendo feio lá na frente dos outros. Aí eu fui crescendo e entendendo as

coisas.” (sic)

Se existem palavras que a cooperada não reconhece durante as reuniões, significa

que não fazem parte do vocabulário utilizado no seu cotidiano. Ela também coloca: “pra não

ficar fazendo feio lá na frente dos outros” (sic), ou seja, o fato de estar na presença de outras

pessoas com “mais estudo”, faz com que ela se intimide em situações que buscam a troca, e

ao invés de apenas perguntar, quando não entende algo, recorre ao dicionário.

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A atuação dos profissionais que trabalham na comunidade necessita de uma

constante reeducação, porque “a ideologia pequeno-burguesa que os ‘atravessou’, em sua

condição de classe, interfere no que deveria ser a sua prática revolucionária, que se torna

assim contraditória de sua expressão verbal” (FREIRE, 1981, p. 141).

Quanto à invasão cultural que com freqüência é realizada por técnicos, mesmo

não sendo esta sua intenção, esta interfere de forma expressiva no processo “dialógico”, e

consequentemente na emancipação da pessoa humana. Explica Freire que:

O primeiro [invasor] atua, os segundos [invadidos] têm a ilusão de que atuam na atuação do primeiro; este diz a palavra; os segundos, proibidos de dizer a sua, escutam a palavra do primeiro. O invasor pensa, na melhor das hipóteses, sobre os segundos, jamais com eles; estes são ‘pensados’ por aqueles. O invasor prescreve; os invadidos são pacientes da prescrição. (1992, v. 24, p. 41-2)

Também, a partir da pesquisa de história oral de vida, foi comprovado que sem

conhecer o histórico das pessoas com quem se trabalha, a fim de observar quais relações

sociais e de que forma estas se interiorizaram na consciência das mesmas, não é possível

realizar um trabalho que fomente a conhecimento crítico.

Segundo Iasi (2001, p. 14): “a consciência seria o processo de representação

mental (subjetiva) de uma realidade concreta e externa (objetiva), formada neste momento,

através de seu vínculo de inserção imediata (percepção). Dito de outra forma, uma realidade

externa que se interioriza.”

Quando se fala em consciência crítica, esta não deve ser entendida como algo que

uma pessoa detém e passa para outras como se houvesse algum tipo de catequização. Na

verdade, a consciência crítica não é um bem que se adquire, mas é algo que deve ser

construído por cada um e por todos, tratando-se de um processo coletivo. Refere-se a cada um

– sendo fundamental conhecer a história das pessoas – porque a primeira forma de

consciência é construída a partir das relações que o ser humano desenvolve com o mundo

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concreto, sendo estas realizadas na instituição família, e sucessivamente na escola, no

trabalho, etc.

“Cada indivíduo vive sua própria superação particular” (IASI, 2001, p.13), porque

ninguém pode desenvolver por outra pessoa uma concepção crítica. Tal concepção somente

ocorre no momento em que a mesma constata por si só as contradições sociais. Este processo

não pode ser imposto, mas instigado por relações externas através de constantes

questionamentos que fazem emergir tais contradições, por isto acaba sendo também coletivo.

Segundo Freire (1981, p.39): “no momento que os indivíduos, atuando e

refletindo, são capazes de perceber o condicionamento de sua percepção pela estrutura em que

se encontram, sua percepção começa a mudar”

É ingenuidade pensar que apenas com a construção do conhecimento crítico pode-

se transformar a sociedade. Isto não ocorre porque tal processo dificilmente ou jamais atingirá

a todos, mas sim micro organizações e micro parcelas populacionais. Para efetivamente

atingir a transformação social é necessário voltar à atenção para a superestrutura, portanto,

construir a criticidade torna-se um dispositivo que contribui com este processo.

É necessário voltar-se à transformação da superestrutura, porque é através dela

que a “classe dominante consegue impor a sua ideologia” (SIMIONATTO, 1995, p. 79):

em primeiro lugar, detém a posse do Estado e dos principais instrumentos hegemônicos (organização escolar, religiosa, imprensa, etc) [...] e, em segundo, possui o poder econômico que representa uma grande força no seio da sociedade civil, pois, além de controlar a produção e distribuição dos bens econômicos, organiza e distribui as idéias. (SIMIONATTO, 1995, p. 79)

A transformação social poderá ocorrer porque nada na sociedade é imutável,

inerte. Caso contrário continuaríamos vivendo em sociedades primitivas e não teríamos,

enquanto seres históricos, a pretensão de, através do trabalho, transformar a realidade e a nós

mesmos, afim de ir ao encontro de outras formas de vida, mais ou menos adequadas.

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Quanto à mudança de percepção que se pode ter da realidade, Freire (1981, p. 39)

coloca que: “é algo importante perceber que a realidade social é transformável; que feita pelos

homens, pelos homens pode ser mudada; que não é algo intocável, um fado, uma sina, diante

de que só houvesse um caminho: acomodação a ela.”

O (a) Trabalhador (a) Social pode contribuir com a mudança de percepção da

realidade, pois ao perceber-se “objeto” dos processos sociais, deve instigar constantemente

que os demais indivíduos também se percebam nesta condição, e assim partam coletivamente

a procura de formas de superação da condição de “objeto” à condição de “sujeito” destes

processos. Ou seja, reconhecendo-se enquanto produtores da sua própria história, pois “se os

homens não se reconhecem através dele, não o assumirão” (FRANCO, 1985, p. 117).

Voltando ao capítulo IV, quando foi explicitado que algumas cooperadas viam as

Frentes Emergenciais de Trabalho utilizadas pela INTECOOP como simples política

assistencialista, tal atitude pode ser explicada, porque as Frentes chegaram até as cooperadas

como algo pronto, elas não participaram efetivamente da construção do projeto que viabilizou

a vinda desta política. Então elas não se reconheceram como sujeitos deste processo, porque

não foi algo produzido coletivamente com estas.

Instigar a construção coletiva é um trabalho demorado e constante, por isto a

principal pergunta dentro da academia, por estudantes do Serviço Social, é: como instigar a

consciência crítica para a transformação social se dentro das instituições tenho que seguir

normas pré-estabelecidas pelas mesmas, que não visam à libertação do indivíduo?

Cabe lembrar que a maior contratação de Assistentes Sociais é feita por

instituições, e ainda que grande parte dos estágios curriculares na academia se dá dentro

destas, por isto o (a) acadêmico (a) de Serviço Social tem dificuldade em observar “lacunas”

que possam contemplar o que é estudado dentro do curso, isto é, construir dispositivos para a

transformação social.

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Tendo dificuldade em observar tais “lacunas” – e sendo a construção da

criticidade também um processo de reeducação constante – alguns (as) acadêmicos (as),

depois de profissionais, frustram-se e terminam acomodando-se, pois ao não encontrarem

espaços para instigar a consciência crítica, passam a acreditar na dissociação entre teoria e

prática e vêem-se defendendo a instituição na qual trabalham.

Porém, estas “lacunas” realmente existem e de acordo com Rodrigues1 podem ser

utilizadas para fomentar o rompimento de regras institucionais:

O Assistente Social em sua prática cotidiana defronta-se com imposições institucionais, fenômenos conjunturais, fenômenos estruturais e ainda limitações profissionais, que podem ser ‘obedecidas’ ou ‘enfrentadas’ com competência e habilidade, na perspectiva da mudança e/ou superação dos limites e a utilização das oportunidades existentes, construídas e negociadas no atendimento dos objetivos profissionais, além daqueles colocados pela população usuária da instituição e dos próprios objetivos institucionais. ([19 --], p. 115)

O (a) Assistente Social que, ao ingressar na instituição, passa a acreditar no

desenvolvimento de uma atuação neutra, e descrê da relação entre teoria e prática, entra num

processo de perda do sentimento de luta, de resistência e de enfrentamento das desigualdades

e injustiças sociais que foi instigado durante a academia. Assim, ele (a) começa a atuar de

forma reacionária, pois ao invés de instigar, acaba impedindo as transformações, ao invés de

fazer emergir as contradições sociais, as encobre de forma que o indivíduo mantenha-se

alienado.

Segundo Freire (1981, p. 135): “separada da prática, a teoria é puro verbalismo

inoperante; desvinculada da teoria, a prática é ativismo cego. Por isto mesmo é que não há

práxis autêntica fora da unidade dialética ação-reflexão, prática-teoria.”

1 RODRIGUES, João Antônio. A questão do método na Teoria Social de Marx e o Serviço Social. Bauru: Faculdade de Serviço Social-ITE- Bauru, [19 --]. 9 f. Notas de aula.

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O (a) Assistente Social que tornar-se reacionário – enquanto pessoa que se

acomoda e pratica o assistencialismo, pois não acredita ou não anseia por transformação –

consequentemente assumirá posições sectárias, mesmo aquele que se define como profissional

cuja atuação prevê a libertação das camadas populares.

O (a) Trabalhador (a) Social sectário (a), mesmo que assuma uma posição

libertadora, acaba negando a si mesmo e “até quando se pensa dialético, a sua é uma ‘dialética

domesticada’” (FREIRE, 1991, p. 26), pois “a sectarização é sempre castradora, pelo

fanatismo de que se nutre [...] é mítica, por isto alienante [...] mítica e irracional, transforma a

realidade numa falsa realidade, que, assim, não pode ser mudada [...] é um obstáculo à

emancipação dos homens” (FREIRE, 1991, p. 25).

Independente da opção política que adote o (a) Trabalhador (a) Social, caso sua

posição seja sectária, sua prática somente favorecerá a ideologia dominante, porque como dito

anteriormente, a conscientização não é imposta, não deve haver uma transfusão de

consciência. A construção é coletiva e o (a) Trabalhador (a) Social comprometido (a) com

esta construção deve tornar-se acessível à troca de saberes e, consequentemente, à obtenção

de novos conhecimentos.

A hegemonia capitalista procura atrair para si profissionais das classes

subalternas, afim de que estes contribuam para a manutenção e fortalecimento da mesma.

Marx (citado por SIMIONATTO, 1995, p. 54) coloca que “quanto mais capaz for uma classe

dominante de incorporar os homens mais eminentes das classes dominadas, tanto mais sólida

e perigosa será a sua dominação.”

Por isto, “não são raros os revolucionários que se tornam reacionários pela

sectarização em que se deixam cair, ao responder à sectarização direitista” (FREIRE, 1991, p.

25), ou seja, cabe reafirmar que o processo de reeducação frente às imposições capitalistas

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deve ser constante, para que não se corra o risco de reproduzir velhas práticas que, ao invés de

transformarem, legitimam.

Diferente do (a) reacionário (a) e sectário (a) é o (a) Trabalhador (a) Social

radical, ou seja, “a radicalização [...] é sempre criadora pela criticidade que a alimenta [...] é

crítica, por isto libertadora. Libertadora porque, implicando o enraizamento que os homens

fazem na opção que fizeram, os engaja cada vez mais no esforço de transformação da

realidade concreta, objetiva” (FREIRE, 1991, p. 25).

Ser radical implica no verdadeiro comprometimento com a transformação social,

lutando não pelas, mas em conjunto com as camadas populares. O (a) trabalhador (a) radical

não é libertador (a) de homens e mulheres, é sim fomentador (a) da libertação a partir de um

processo coletivo, a partir do contato direto e constante com as camadas oprimidas. “Se a

sectarização [...] é o próprio do reacionário, a radicalização é o próprio do revolucionário”

(FREIRE, 1991, p. 27).

Portanto, o (a) Trabalhador (a) Social radical, enquanto ser histórico, tem a tarefa

também histórica e coletiva de “criar uma hegemonia que se oponha a da burguesia. O que

compreende a formação de uma camada de intelectuais organicamente ligada ao proletariado”

(FRANCO, 1985, p. 115).

Por último, não existe “receita” para a construção da criticidade, o que existem

são formas de instigar a visualização das contradições presentes no capitalismo, através do

experimento de processos pedagógicos e de ação social, “pois prática-teoria-prática,

encaminham as mediações em cada realidade, em cada relação particular do sujeito, seja ele o

indivíduo, o grupo ou população com uma perspectiva de totalidade” (RODRIGUES, [19 --],

p. 112).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O cooperativismo regido pela Economia Popular e Solidária pode transformar a

realidade econômica e social das pessoas que nele trabalham, assim como também pode

tornar-se um espaço que fomente a construção coletiva do conhecimento crítico.

Mas não é o empreendimento popular por si só e tampouco a construção crítica

que proporcionarão a transformação social. Estes são apenas dispositivos instigadores de tal

processo, pois como dito anteriormente, apenas com a transformação da superestrutura é que

se pode efetivamente atingir a mudança social.

O processo de consciência crítica dá-se na medida em que as pessoas passam a

observar as contradições do capitalismo como, por exemplo, a sociedade dividida em classes

extremamente desiguais, havendo um “abismo” econômico e social entre elas.

Estas contradições não emergem espontaneamente na mentalidade de cada

indivíduo, pois a ideologia dominante não permite tal possibilidade. Então, levando em

consideração que a consciência se transforma a partir da vivência de fatores externos que se

interiorizam através das relações sociais que se estabelecem, a inserção em espaços de debate

e a construção coletiva podem contribuir significativamente para a criticidade.

Enquanto fator externo, a INTECOOP proporcionou às cooperadas conhecerem

uma alternativa ao trabalho formal e principalmente vem instigando que as mesmas

construam um sentimento de luta e busca da cidadania.

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Porém, a pesquisa de história oral de vida explicitou que a pré-incubação da

INTECOOP, que prevê apenas uma pesquisa-diagnóstica, é sucinta no sentido de não fazer

emergir a história de vida das cooperadas, processo metodológico cujo intuito é conhecer para

intervir, seguindo a educação popular.

Conhecer a história de vida das pessoas com quem se trabalha é essencial para a

construção do conhecimento crítico, pois como explicitado nos capítulos anteriores, é através

dela que observamos se houveram experiências emancipatórias entre as relações sociais que

se estabeleceram no decorrer de suas vidas ou se houveram apenas relações sociais alienantes,

e por isto conformistas.

Outra conclusão que o instrumento de história oral proporcionou está ligada à

viabilidade econômica das iniciativas populares. Tal viabilidade está relacionada diretamente

com o fomento ou empecilho da construção do conhecimento crítico dentro das mesmas, ou

seja, é o que garante esta construção. Sem renda, ninguém que sofre cotidianamente com a

desigualdade social é capaz de libertar-se das imposições capitalistas.

É importante que a participação do (a) Trabalhador (a) Social, comprometido (a)

com as camadas populares, nestes espaços, seja de troca entre saberes e não da imposição de

um saber sobre o outro. O (a) mesmo (a), por ter formação superior, não se torna o detentor do

conhecimento e os demais nada têm a acrescentar, pois “o homem, como um ser histórico,

inserido num permanente movimento de procura, faz e refaz constantemente o seu saber”

(FREIRE, 1992, v. 24, p. 47).

Cabe salientar que nem mesmo o (a) Trabalhador (a) Social possui o

conhecimento crítico, pois este não se obtém como uma propriedade, ele está em processo de

construção em todos os indivíduos, independente de sua posição na sociedade. E para que

todos estejam comprometidos com este processo é necessário que se sintam parte primordial

do mesmo.

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Por último, os professores, técnicos e monitores da INTECOOP, se sua intenção é

a transição do senso comum ao conhecimento crítico, devem estar cientes de que todos devem

sofrer uma constante reeducação no sentido de observar e agir, não reproduzindo velhas

práticas, mas construindo coletivamente outras que proporcionem a emancipação de todos os

trabalhadores.

“Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em

comunhão” (FREIRE, 1992, p. 52). Pois não se trata de construir uma nova sociedade

somente para mim, ou para ti, ou para ele, mas sim para todos nós.

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APÊNDICE

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APÊNDICE - Instrumento de História Oral de Vida

O presente instrumento de pesquisa por se tratar da história oral de vida, não houve

uma seqüência uniforme das perguntas feitas às entrevistadas, ou seja, em alguns momentos

foram improvisadas e acrescentadas perguntas a fim de esmiuçar o relatado pelas mesmas.

1-) Me conta a história da tua vida desde a infância até hoje.

2-) Como é a tua vida hoje? Quais são os problemas que ela tem?

3-) O que fez ou faz com que a tua vida seja assim?

4-) Quais são teus planos para o futuro?

5-) Atingir estes planos só depende de ti?

6-) O que pretendes fazer para que as coisas sejam do jeito que queres?

7-) A tua entrada na cooperativa foi por opção ou necessidade?

8-) Se pudesses optar, preferirias seguir na cooperativa ou ter um trabalho

convencional?

9-) O que é cooperativismo?

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ANEXOS

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Anexo A - Matéria do Jornal Folha de São Paulo de 13 de Fevereiro de 1990

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Anexo B- Atestado de correção do Português