Documento 85-cnbb (1)

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DOCUMENTOS DA CNBB – 85

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  1. 1. DOCUMENTOS DA CNBB 85
  2. 2. Conferncia nacional dos bispos do Brasil Evangelizao da juventude Desafios e perspectivas pastorais
  3. 3. Paulinas Rua Pedro de Toledo, 164 04039-000 So Paulo SP (Brasil) Tel.: (11) 2125-3549 Fax: (11) 2125-3548 http://www.paulinas.org.br [email protected] Telemarketing e SAC: 0800-7010081 Pia Sociedade Filhas de So Paulo So Paulo, 2007 Nenhuma parte desta obra poder ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrnico ou mecnico, incluindo fotocpia e gravao) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permisso escrita da Editora. Direitos reservados. Direo-geral: Flvia Reginatto Editora responsvel: Vera Ivanise Bombonatto
  4. 4. 5 Apresentao Aps dois anos de reflexo e duas Assemblias da CNBB, a Igreja do Brasil recebe como presente o documento: Evangelizao da juventude: desafios e perspectivas pastorais. No mesmo perodo em que o papa se encontra com a juventude brasileira, a CNBB publica este como instrumento dinamizador da ao evangelizadora no Brasil. Contemplando a realidade juvenil atual e desejan- do oferecer luzes para o trabalho junto aos jovens, este documento referncia para todos que, na Igreja, tm se colocado na evangelizao desta parcela to impor- tante da sociedade: pastorais da juventude, movimentos, congregaes religiosas, novas comunidades, grupos juvenis e de crisma, Pastoral Vocacional, Pastoral da Educao e servios diversos. A evangelizao da juventude interessa muito Igreja e aos seus pastores. Temos um compromisso srio com a formao das novas geraes que, pressionadas por tantas propostas de vida, necessitam de muito dis- cernimento, de coragem, de verdadeiros caminhos e, principalmente, de nossa presena amiga: Os jovens tm o direito de receber da Igreja o Evangelho e de ser introduzidos na experincia religiosa, no encontro com Deus e no contato com as riquezas da f crist.
  5. 5. 6 E os pastores da Igreja tm grande desejo de lhes co- municar a Boa-Nova de Jesus Cristo e de acolh-los na comunidade eclesial (Estudos da CNBB, n. 93, Apresentao). Estamos certos de que o presente e o futuro da prpria Igreja dependem desta nossa opo afetiva e efetiva por eles, como, tambm, a nossa sociedade progredir medida que puder contar com cidados verdadeiramente capacitados a testemunhar, defender e propagar os valores do Evangelho, todos eles a favor da vida plena para o ser humano. A busca de unidade de nossas foras eclesiais em vista de um trabalho mais eficiente encontra neste documento as suas linhas gerais e motivaes. A di- versidade de carismas, espiritualidades e pedagogia de trabalho juvenil para ns uma riqueza na Igreja de Jesus Cristo. Quanto mais estivermos convencidos do valor da unidade na diversidade mais os nossos jovens se beneficiaro, as nossas comunidades se fortalecero e a nossa sociedade sentir a fora positiva de uma juventude convicta e entusiasmada pelos verdadeiros valores pregados por Jesus Cristo. Uma adequada evangelizao, iluminada pelo Esprito Santo que faz novas todas as coisas, nos garantir uma juventude mais amada e animada em vista do Reino de Deus. A nossa presena educativa
  6. 6. 7 no meio dos jovens e nossas estruturas organizativas encontraro neste documento valiosas orientaes e mo- tivaes para que os jovens se tornem verdadeiramente apaixonados por Jesus Cristo e seus fiis discpulos em vista do bem de todos. Braslia, 26 de maio de 2007 Memria de So Filipe Neri, Evangelizador da juventude Dom Dimas Lara Barbosa Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro Secretrio-Geral da CNBB
  7. 7. 9 Introduo 1. Jesus, vendo que eles o seguiam, perguntou-lhes: Que procurais? Eles responderam: Mestre, onde moras? Ele respondeu: Vinde e vede. Foram, viram onde Jesus morava e permaneceram com ele aquele dia (Jo 1,38-39). A juventude mora no corao da Igreja e fonte de renovao da sociedade. Os jovens de todos os tempos e lugares buscam a felicidade. A Igreja continua olhando com amor para os jovens, mostrando- lhes o verdadeiro Mestre Caminho, Verdade e Vida que os convida a viver com ele. Ns, pastores, consideramos urgente e importante o tema da evangelizao da juventude para refleti- lo luz da Palavra de Deus e de tantas riquezas e desafios deste momento histrico-cultural em que vivemos. 2. Jesus envia a Igreja ao mundo para dar continui- dade sua obra. Evangelizar constitui, de fato, a graa e a vocao prpria da Igreja, a sua mais profunda identidade. Ela existe para evangelizar, ou seja, para pregar e ensinar, ser o canal do dom da graa.1 Junto aos jovens, ela quer ser um meio atravs do qual eles se percebam como filhos 1 EN, n. 14.
  8. 8. 10 amados de Deus e irmos de todos, capazes de entender e acolher com alegria a Boa-Nova que transforma a partir de dentro de cada um e ao seu redor.2 3. A f h de ser apresentada aos jovens como um encontro amoroso com Deus, que toma feies humanas na pessoa de Jesus Cristo: No incio do ser cristo, no h uma deciso tica ou uma gran- de idia, mas o encontro com um acontecimento, com uma pessoa que d vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo.3 Desse modo, estaro em jogo duas realidades: o encontro pes- soal com Jesus Cristo e a aceitao de um projeto de vida baseado no seu Evangelho. Essa adeso necessariamente incorpora a realidade em que o jovem vive como conseqncia de verdadeira encarnao crist. 4. Queremos renovar a opo afetiva e efetiva4 de toda a Igreja pela juventude na busca conjunta de 2 Evangelizar, para a Igreja, levar a Boa-Nova a todas as parcelas da humanidade, em qualquer meio e latitude, e pelo seu influxo transform-las a partir de dentro e tornar nova a prpria humanidade: Eis que fao novas todas as coisas [...]. A Igreja evangeliza quando, unicamente firmada na potncia divina da mensagem que proclama, ela procura converter ao mesmo tempo a conscincia pessoal e coletiva dos homens, a atividade em que eles se aplicam, e a vida e o meio concreto que lhes so prprios (EN, n. 18). 3 Bento XVI, Encclica Deus Amor, n. 1. 4 Cf. Documento de Santo Domingo, n. 114.
  9. 9. 11 propostas concretas que favoream uma verdadei- ra evangelizao desta parcela da nossa sociedade. A responsabilidade de anunciar Jesus Cristo e seu projeto aos jovens convoca-nos a uma constante vigilncia para que a vontade de Deus e os sinais dos tempos sejam respondidos de modo adequado, principalmente em uma poca de muitas mudan- as.5 5. Queremos colaborar com a pluralidade de pasto- rais, grupos, movimentos e servios que existem em nossas Igrejas particulares para que trabalhem em conjunto, visando ao bem da juventude, e para que os nossos jovens, reconhecidos como sujeitos e protagonistas, contribuam com a ao de toda a Igreja, especialmente na evangelizao dos outros jovens. 6. Desejamos, juntos, abrir caminhos para favorecer o desenvolvimento dos jovens, quanto ao anncio 5 Mais que a uma reflexo, somos chamados a uma maior proximidade do mundo juvenil, para que, a partir da prpria juventude, descubramos caminhos novos na evangelizao, contemplando seus reais anseios e apresentando-lhes a pessoa de Jesus Cristo, com seu rosto verdadeiro, capaz de encantar e atrair, para que os jovens o conheam, o sigam e encontrem nele uma resposta convincente; consigam acolher uma mensagem e tornarem-se seus discpulos [...]. A evangelizao da juventude no se justifica apenas pela preocupao da Igreja em aumentar os seus membros, ou garantir seu futuro. O empenho na evangelizao da juventude nasce da conscincia da prpria Igreja de sua misso evangelizadora, de sua fidelidade ao mandato recebido e pela convico da riqueza presente na juventude, e que, sem ela, a Igreja seria fartamente empobrecida (Homilia de Dom Jos Mauro Pereira Bastos na 44 Assemblia Geral da CNBB).
  10. 10. 12 do querigma,6 educao aos valores cristos,7 formao bblica e teolgica, iniciao vida litrgica, ao ensino religioso nas escolas e univer- sidades,8 educao para a solidariedade e para a fraternidade;9 superao de preconceitos;10 educao psicoafetiva; formao na ao11 e para a cidadania. Estamos convictos de que a forma- o da juventude contribui para a promoo da dignidade de sua vida em todos os aspectos.12 7. Alegramo-nos com as muitas aes positivas que acontecem no meio da juventude e desejamos que a Igreja seja cada vez mais sinal e portadora do amor de Deus aos jovens, apresentando-lhes a pessoa e o projeto de Jesus Cristo como proposta 6 A Igreja existe para evangelizar, isto , para anunciar a Boa Notcia do Reino, proclamado e realizado em Jesus Cristo (cf. EN, n. 14): sua graa e vocao pr- pria. O centro do primeiro anncio (querigma) a pessoa de Jesus, proclamando o Reino como uma nova e definitiva interveno de Deus que salva com um poder superior quele que utilizou na criao do mundo. Esta salvao o grande dom de Deus, libertao de tudo aquilo que oprime a pessoa humana, sobretudo do pecado e do Maligno, na alegria de conhecer a Deus e ser por ele conhecido, de o ver e se entregar a ele (CNBB. Diretrio Nacional de Catequese. Braslia, CNBB, 2006. n. 30). 7 Cf. CNBB, Diretrizes gerais 2003-2006, doc. 71, n. 23. 8 Ibid., n. 24. 9 Ibid., n. 123b. 10 Ibid., n. 131. 11 Ibid., n. 201. 12 Ibid., n. 85f.
  11. 11. 13 segura e transformadora para si e para o seu meio, convocando-os a se tornarem realmente membros atuantes em suas comunidades de f, amando-os e acreditando em suas potencialidades, entendendo- os em suas buscas para contribuir com a defesa e a promoo da vida, incentivando-os a serem cada vez mais agentes de transformao da prpria realidade, estimulando os que j esto engajados a viverem um processo contnuo de crescimento, converso pessoal e compromisso com a socieda- de, desenvolvendo um esforo amplo e constante de evangelizao de jovens que lhes proporcione o conhecimento da Palavra de Deus e que os ajude a discernir, criticamente, ideologias e propostas religiosas que tentam reduzir ou instrumentalizar a f.13 8. A evangelizao exige testemunho de vida, anncio de Jesus Cristo e adeso a ele, adeso comunidade, participao na misso da Igreja e transformao da sociedade.14 Evangelizar im- plica, em primeiro lugar, proporcionar o anncio querigmtico da pessoa de Jesus Cristo. Em se- guida, esta experincia dever ser aprofundada em grupos de convivncia que devem conduzir cate- 13 Ibid., n. 105f. 14 EN, nn. 17-24.
  12. 12. 14 queticamente a uma maturidade na f e prontido para ser discpulo e protagonista na construo do Reino de Deus por toda a vida, buscando a transformao da sociedade.15 9. O presente texto quer ser um instrumento para a evangelizao da juventude. Ele pretende no esgotar o assunto nem aprofundar a compreenso do fenmeno juvenil mas sim oferecer propostas evangelizadoras s realidades locais de modo provocador, na busca de novos caminhos, num dilogo franco e construtivo com a cultura ps- moderna. Dividimos as reflexes em trs partes: I. Elementos para o conhecimento da realidade dos jovens. II. Um olhar de f a partir da Palavra de Deus e do Magistrio. III. Linhas de ao. 15 Cf. Diretrio geral para a catequese, n. 49.
  13. 13. 15 I. Elementos para o conhecimento da realidade dos jovens 10. Conhecer os jovens condio prvia para evan- geliz-los. No se pode amar nem evangelizar a quem no se conhece. Por esse motivo, iniciamos com alguns elementos das realidades juvenis, bus- cando conhecer a gerao de jovens cuja evangeli- zao se apresenta como um dos grandes desafios da Igreja neste incio do sculo XXI. necessrio ter em conta a variedade de comportamentos e situaes da juventude hoje e a dificuldade de delinear um nico perfil da mesma no mundo e no Brasil. Alm do mais, trata-se de uma situao exposta oscilao constante, marcada ainda com maior impacto pela velocidade social das mudanas culturais e histricas, com as vulnera- bilidades e potencialidades dos jovens, tudo isso confrontado com uma experincia significativa da Igreja quanto evangelizao da juventude. 1. As transformaes culturais e os jovens 11. A modernidade abriu as portas do mundo para uma nova atitude do homem e da mulher face
  14. 14. 16 vida, acentuando a centralidade da razo, a liberdade, a igualdade e a fraternidade. Num pri- meiro momento, a Igreja fragilizou-se ao resistir possibilidade de mudana, distanciando-se da juventude, da sua linguagem, de suas expresses e maneiras de ser e viver diante do avano da modernidade. Uma das finalidades do Conclio Vaticano II, convocado pelo Papa Joo XXIII, era ajustar melhor as instituies da Igreja s necessidades de nosso tempo.1 12. Nas ltimas dcadas, ao lado da cultura moderna vem-se fortalecendo a cultura ps-moderna. A ps-modernidade no uma nova cultura que se contrape de modo frontal modernidade. Cons- tatam-se mudanas no cenrio, grande velocidade e volume da informao, rapidez na mudana do cotidiano por parte da tecnologia, novos cdigos e comportamentos. Devido globalizao e ao poder de comunicao dos meios eletrnicos, essas mudanas vm penetrando fortemente no meio juvenil. 13. A ps-modernidade no substitui a modernidade. As duas culturas vivem juntas. Os valores da modernidade continuam sendo importantes para os jovens: a democracia, o dilogo, a busca de felicidade humana, a transparncia, os direitos 1 Cf. SC, n. 1.
  15. 15. 17 individuais, a liberdade, a justia, a sexualidade, a igualdade e o respeito diversidade. Uma Igreja que no acolhe esses valores encontra grandes dificuldades para evangelizar os jovens. 14. Os jovens de hoje e a Igreja em que vivem so influenciados pelos impactos da modernidade e da ps-modernidade. Alguns elementos deste momento histrico exercem grande influncia na mentalidade, nos valores e no comportamento de todas as pessoas. Ignorar estas mudanas difi- cultar o processo de evangelizao da juventude o grupo social que assimila esses valores e mentalidade com mais rapidez. Uma evangeliza- o que no dialoga com os sistemas culturais uma evangelizao de verniz, que no resiste aos ventos contrrios.2 15. Dentre os muitos elementos da nova cultura ps-moderna3 que influem no processo de evangelizao dos jovens e no fenmeno da indiferena de uma parcela da juventude face Igreja, destacamos a subjetividade, as novas expresses da vivncia do sagrado e a centra- lidade das emoes. 2 A ruptura entre o Evangelho e a cultura sem dvida o drama da nossa poca, como o foi tambm de outras pocas (EN, n. 20). 3 Mais informaes sobre esse assunto podem ser encontradas no Anexo 1: Impacto das tendncias do mundo contemporneo sobre os jovens.
  16. 16. 18 1.1 A subjetividade 16. A subjetividade, no contexto ps-moderno, particu- larmente em referncia juventude, merece estudos e conhecimentos aprofundados para que o dilogo e a linguagem estabelecidos com os jovens tenham impacto e fora de convocao para o seguimento de Jesus. A evangelizao da juventude exige atua- lizao permanente do conhecimento da dinmica de sua subjetividade. H de se levar em conta a sua complexidade. Este conhecimento possibilitar um adequado tratamento do fenmeno do subjetivismo que gera, facilmente, a permissividade, o egosmo, a identificao simples da felicidade com o prazer, a incompetncia para lidar com a pluralidade de solicitaes e ofertas, entre outras. Estas questes afetam a subjetividade humana, particularmente a juvenil. 17. O ideal coletivo dos anos 1970-1980 de cons- truir um mundo melhor foi sendo substitudo por uma maior preocupao com as necessida- des pessoais, com os sentimentos, com o pr- prio corpo, com a melhora da auto-estima, com a confiana, com a libertao dos traumas etc. O ambiente de descrdito dos grandes ideais coletivos em que vivem faz com que segmentos da juventude tenham forte tendncia de viver somente no presente, na cultura do descartvel.
  17. 17. 19 Este fenmeno tem o efeito de se concentrar, no momento atual, na busca de sensaes e emo- es passageiras. Ao mesmo tempo, h outros segmentos que manifestam preocupao com um futuro mais prximo. 18. Nesse contexto faz-se necessrio buscar um equilbrio entre o projeto individual e o projeto coletivo. Os dois grandes movimentos de nosso tempo, o movimento pela justia social e o mo- vimento pela auto-realizao, so metades de um todo esperando para se unirem numa grande fora de renovao.4 Porm, o equilbrio deve ser promovido com muita sensibilidade, pois a auto-realizao pressupe a relao com o outro, com a comunidade. Ao mesmo tempo, de maneira alguma a comunidade deve ser sinnima de uni- formidade. 1.2 As novas expresses da vivncia do sagrado 19. Em tal conjuntura, acontece uma redescoberta da dimenso religiosa. H a busca de uma espiritua lidade que d unidade e gosto vida. Trata-se, entretanto, de uma religiosidade mais individual. Face a tanto medo, pressa e caos, muitas pessoas voltam-se para vrios tipos de manifestaes 4 Cf. Steinem, G. Revolution from within. Boston, Little/Brown, 1993.
  18. 18. 20 religiosas e msticas (ocultismo, nova era, esote- rismo, horscopos, astrologia...). Outras pessoas refugiam-se em grupos fundamentalistas em que as verdades so ensinadas de maneira dogmati- zada, evitando, assim, a angstia da dvida. 20. Embora esta mudana cultural possa oferecer uma terra frtil religio, importante analisar com cautela tais expresses do sagrado. A abertura para o transcendente no significa, necessariamente, uma aceitao das religies organizadas. Muito fermento espiritual est sendo elaborado fora das instituies. H estudos que demonstraram que muitos jovens esto procurando razes para viver sem envolver-se com uma Igreja. Trata-se de uma espiritualidade centrada na pessoa e no a partir de uma vivncia institucional e, por isso, busca-se algo que satisfaa suas necessidades. 21. No entanto, a mudana cultural abre uma porta para o processo de evangelizao dos jovens. Hoje mais fcil trabalhar a espiritualidade, em todas as suas dimenses, que na dcada de 1980, quando o tempo dedicado s celebraes e orao era freqentemente visto como algo secundrio face urgncia da transformao social. necessrio, contudo, resistir tentao de reduzir ou manipu- lar a mensagem do Evangelho para ganhar mais adeptos.
  19. 19. 21 1.3 A centralidade das emoes 22. Se antes se exaltava a razo, hoje se acentua a emoo. Se a importncia dada s emoes po- sitiva, sua absolutizao leva a um esvaziamento intelectual, do compromisso transformador e da conscincia crtica, leva superficialidade e falta de perseverana, podendo facilmente conduzir ao fundamentalismo, que tem suas expresses dentro de todas as grandes religies. 23. O fenmeno religioso que mais chama a ateno, dentro desse novo contexto cultural centrado nas emoes, o crescimento do neopentecostalismo, que acentua a subjetividade e o elemento afetivo em sua metodologia de evangelizao.5 Este fenmeno mais visvel pelo nmero de Igrejas pentecostais que nascem a cada dia, principal- mente nas periferias das grandes cidades. Com a diversificada oferta de escolha do sagrado, por parte do consumidor, a f regulada pelo mercado, de modo especial, pela TV. A religio deixou de representar o espao da relao do crente com Deus para se transformar em veculo de ascenso social ou em promessa de felicidade 5 H tambm outros aspectos do neopentecostalismo, como o atendimento per- sonalizado, ausncia de burocracia e de exigncias, simplicidade de doutrina, flexibilidade moral, esprito de tolerncia, organizao simplificada que elimina intermedirios, espaos bonitos, encontros alegres e informais.
  20. 20. 22 plena. Troca-se a elaborao analtica que exige a dor da busca e da reflexo por sesses de entre- tenimento religioso.6 24. A tendncia de acentuar os sentimentos, no mundo contemporneo, tem forte penetrao no meio dos jovens e levanta questes importantes referentes metodologia de trabalho pastoral. Por outro lado, medida que aumenta o nvel de escolaridade dos jovens, aumenta, tambm, a necessidade de uma base intelectual da f; caso contrrio, muitos acabam abandonando sua f. importante lem- brar que as duas culturas continuam convivendo juntas: a modernidade, que acentua a razo, e a ps-modernidade, que acentua a centralidade das emoes. 25. H necessidade de levar em conta os dois enfoques da cultura contempornea e manter um equilbrio entre os dois plos: o racional e o emocional. Emoes, sentimentos e imaginao precisam ser integrados em uma metodologia que tenha objetivos claros. Ao mesmo tempo, a razo deve deixar espao para as emoes e a imaginao. A mensagem do Evangelho precisa ser apresentada como resposta s dimenses da vida do jovem. 6 Dr. William Csar Castilho Pereira, professor da PUC-Minas. Cf. Pereira, William Csar Castilho (org.). Anlise institucional na vida religiosa consagrada. Belo Hori- zonte/Rio de Janeiro, O Lutador/CRB, 2005.
  21. 21. 23 A formao deve ser integral, isto , considerar as diversas dimenses da pessoa humana e os processos grupais. 2. Perfil da juventude brasileira 26. Nossa inteno considerar a juventude com suas potencialidades para renovar a sociedade e a Igre- ja. A juventude a fase do ciclo de vida em que se concentram os maiores problemas e desafios, mas , tambm, a fase de maior energia, criatividade, generosidade e potencial para o engajamento. 27. Com relao juventude, a noo construda bem recente. Para efeitos de polticas pblicas, a idade adotada no Brasil vai dos 15 aos 29 anos, com diviso em subgrupos por agrupamento de interesses e afinidades, caminhando na linha da definio pela necessidade de afirmao dos di- reitos juvenis. Trata-se de uma fase marcada por processos de desenvolvimento, insero social e definio de identidades, o que exige experimen- tao intensa em diversas esferas da vida.7 J no podemos mais olhar para a juventude como ciclo de breve passagem para a vida adulta. O perodo da juventude se alongou e seu transformou, ga- 7 Cf. Freitas, Maria Virgnia de. Juventude e adolescncia no Brasil; referncias conceituais. So Paulo, Ao Educativa, 2005. p. 31.
  22. 22. 24 nhando maior complexidade e significao social, trazendo novas questes para as quais a sociedade ainda no tem respostas integralmente formula- das.8 Desse modo, incluir os jovens na Igreja, hoje, significa olhar para as mltiplas dimenses em que eles esto inseridos. Para, a partir da, trat-los como sujeitos com necessidades, poten- cialidades e demandas singulares em relao s outras faixas etrias. A juventude requer estrutura adequada para seu desenvolvimento integral, para suas buscas, para a construo de seu projeto de vida e sua insero na vida profissional, social, re- ligiosa etc. To importante, tambm, olhar para a juventude conforme sua diversidade, segundo as desigualdades de classe, renda familiar, regio do pas, condio de moradia rural ou urbana, no centro ou na periferia, de etnia, gnero etc.; em funo destas diferenas, os recursos disponveis resultam em chances muito distintas de desenvol- vimento e insero.9 28. Dentre o complexo perfil da juventude brasileira, destacamos alguns elementos que consideramos primordiais, na viso da realidade para a evange- lizao dos jovens: perfil socioeconmico, prota- gonismo e participao social, e perfil religioso. 8 Ibid., pp. 31-32. 9 Ibid., pp. 31-32.
  23. 23. 25 2.1 Perfil socioeconmico 29. Para caracterizar a juventude, as estatsticas brasileiras geralmente seguem os parmetros de organismos internacionais, considerando o grupo etrio de 15 a 24 anos.10 Em 2000, no ltimo re- censeamento geral da populao, estavam nessa faixa etria cerca de 34 milhes de pessoas, o que representa 20% da populao brasileira.11 Se acrescentarmos a esse contingente os indivduos de 25 a 29 anos, em geral designados pelos dem- grafos de jovens adultos, teramos um total de 47 milhes. A juventude brasileira marcada por uma extrema diversidade e manifesta as diferen- as e as desigualdades sociais que caracterizam nossa sociedade. Trata-se de um contingente populacional bastante significativo, em idade pro- dutiva, que se constitui em uma importante fora a ser mobilizada no processo de desenvolvimento de nosso pas. 30. Dentre as vrias diferenciaes que recortam a juventude, esto as de classe social, cor e etnia, sexo, local de moradia, as diferentes situaes de responsabilidade face famlia, alm das varia- 10 Em pases da Europa, para efeito de execuo de polticas pblicas, h uma ten- dncia de considerar como jovens os indivduos com at 30 anos de idade. 11 Cf. IBGE. Censo Demogrfico de 2000.
  24. 24. 26 es relativas ao gosto musical ou estilo cultural e as pertenas associativas, religiosas, polticas. 31. H jovens que tm um padro de vida elevado, mas so uma minoria. A maioria dos 34 milhes de jovens brasileiros representa um dos segmentos populacionais mais fortemente atingidos pelos mecanismos de excluso social. As estatsticas demonstram que a juventude um dos grupos mais vulnerveis da sociedade brasileira. Ela especialmente atingida pelas fragilidades do sistema educacional, pelas mudanas no mundo do trabalho e, ainda, o segmento etrio mais destitudo de apoio de redes de proteo social. 32. Eis alguns dos principais problemas com os quais se deparam, hoje, os jovens brasileiros:12 a dispa- ridade de renda; o acesso restrito educao de qualidade e frgeis condies para a permanncia nos sistemas escolares; o desemprego e a insero no mercado de trabalho; a falta de qualificao para o mundo do trabalho; o envolvimento com drogas; a banalizao da sexualidade; a gravidez na adolescncia; a AIDS; a violncia no campo e na cidade; a intensa migrao; as mortes por causas externas (homicdio, acidentes de trnsito e suicdio); o limitado acesso s atividades espor- tivas, ldicas, culturais e a excluso digital. 12 Cf. Anexo 2: Situao socioeconmica da juventude brasileira.
  25. 25. 27 33. O impacto da pobreza, em uma sociedade que sacraliza o consumo, relativiza os valores, atinge a famlia, o primeiro lugar de socializao do jovem. Cresce o nmero de homens e mulheres que no fundam lares estveis, levando o ncleo familiar a se desintegrar. Essa situao deixa fortes cicatrizes emocionais na personalidade de muitos jovens em um momento crtico de suas vidas. Impressiona o nmero de jovens nas comunidades juvenis que enfrentam problemas emocionais srios. 34. Destacam-se trs marcas da juventude na atuali- dade: o medo de sobrar, por causa do desempre- go, o medo de morrer precocemente, por causa da violncia, e a vida em um mundo conectado, por causa da Internet.13 O sentido e a dureza dessas marcas anseiam por uma Boa Notcia que, a partir de um olhar de f, pode ser encontrada no interior da prpria juventude.14 13 Novaes, Regina & Vital, Christina. A juventude de hoje: (re)invenes da partici- pao social. In:Thompson, Andrs (org.). Associando-se juventude para construir o futuro. So Paulo, Peirano, 2006. pp. 112-113. 14 H 32,1 milhes de brasileiros com mais de 16 anos e algum tipo de acesso In- ternet, segundo o Ibope. Eram menos de 10 milhes em 2002. (Folha de S. Paulo, 13/02/06, pgina A2). A pesquisa realizada pelas ONGs Ibase e Plis revelou que 51,2% dos 8.000 jovens entrevistados nas regies metropolitanas no tinham acesso a computadores, mas a excluso digital muito influenciada pelo pertencimento de classe: se 80% dos jovens das classes A/B tm esse acesso, entre os jovens das classes D/E este ndice cai para 24,2% (Ibase & Plis, 2005, p. 27).
  26. 26. 28 35. Esse quadro aponta a necessidade de promover mudanas mais profundas e estruturais no modelo de desenvolvimento econmico-social adotado no pas, com reorientao de investimentos que garan- tam os direitos bsicos da populao aos jovens em particular nas reas de educao, criao de empregos, infra-estrutura urbana, sade, acesso cultura e ao lazer, que tm repercusses na situ- ao de segurana pblica. Joo Paulo II acusou o liberalismo de subordinar a pessoa humana e condicionar o desenvolvimento dos povos s foras cegas do mercado, sobrecarregando desde seus centros de poder aos pases menos favorecidos com cargas insuportveis. No mesmo discurso o Santo Padre considerava que o neoliberalismo cau- sou o enriquecimento exagerado de uns poucos custa do empobrecimento crescente de muitos, de forma que os ricos so cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres.15 2.2 Protagonismo e participao social 36. Duas imagens da juventude predominam nos meios de comunicao e na opinio pblica. De um lado, as propagandas e as novelas apresentam 15 Joo Paulo II, falando na sua visita a Cuba, em 1998, em que afirmou claramente que nem o marxismo nem tampouco a verso neoliberal do capitalismo apresen- taram solues para um desenvolvimento equilibrado.
  27. 27. 29 os jovens como modelos de beleza, de sade e de alegria, despreocupados, e impem padres de vida e de consumo aos quais poucos jovens realmente tm acesso. Os jovens tambm so caracterizados pela fora, ousadia, coragem, gene- rosidade, esprito de aventura, gosto pelo risco. De outro, nos noticirios, esto os jovens envolvidos com problemas de violncia ou comportamentos de risco, que so, na maioria das vezes, negros e oriundos dos setores populares. 37. Essas duas imagens polares convergem para o mesmo senso comum que considera a juventude individualista, consumista e politicamente desin- teressada. Mas esses so esteretipos que no do conta da diversidade de experincias da juventude brasileira. Por um lado, verdade que: a) segundo pesquisas da Unicef, 65% dos adolescentes (de 12 a 17 anos) nunca participaram de atividades associativas e/ou comunitrias;16 b) de acordo com um levantamento nacional recente, realizado pelo Instituto Cidadania, entre jovens de 15 a 24 anos de todo o Brasil,17 apenas uma minoria participa 16 Secretaria Geral da Presidncia da Repblica, Coordenao Nacional do Projovem, maro 2005, Regina Novaes. 17 Para maiores informaes ver Abramo, Helena & Branco, Pedro Paulo (orgs.). Retratos da juventude. So Paulo, Fundao Perseu Abramo/Instituto da Cida- dania, 2005.
  28. 28. 30 formalmente de movimentos estudantis, sindica- tos, grupos religiosos, associaes profissionais e partidos; 15% dos jovens participam de algum agrupamento juvenil. 38. No entanto, atualmente no Brasil h uma srie de novas formas de participao juvenil, entre as quais podemos destacar: a) a pertena a grupos (pastorais, movimentos eclesiais, novas comuni- dades, redes, ONGs e outras organizaes juvenis) que atuam para transformar o espao local, nos bairros, nas favelas e periferias; b) a participao em grupos que trabalham nos espaos de cultura e lazer: grafiteiros, conjuntos musicais, de dana e de teatro de diferentes estilos, associaes es- portivas; c) mobilizaes em torno de uma causa e/ou campanha: grupos ecolgicos, comits da Campanha contra a Fome, aes contra a violncia e pela paz, grupos por uma outra globalizao etc.; d) grupos reunidos em torno de identidades es- pecficas: mulheres, negros, indgenas, pessoas com deficincia. 39. Para alm do discurso corrente de que os jovens de hoje no participam, so desinteressados e aliena- dos, alguns estudos recentes tm demonstrado que os jovens desejam participar ativamente da vida social, tm muitas sugestes do que deve ser feito para melhorar a situao do pas e querem dar sua
  29. 29. 31 contribuio. Entretanto, no encontram espaos adequados: as formas de participao presentes na sociedade e no Estado so percebidas pelos jovens como muito distantes de sua realidade cotidiana.18 2.3 Perfil religioso 40. Constata-se que o perfil religioso do jovem bra- sileiro semelhante ao da populao. Segundo o Censo de 2000, os catlicos no pas eram 73,8% da populao. Entre os jovens de 15 a 24 anos, eram 73,6%. Enquanto no conjunto da populao a presena evanglica representava 15,5%, entre os jovens a adeso s Igrejas evanglicas era um pouco menor: 14,2%. A maior diferena encon- trava-se no grupo que se identificava como sem religio: na populao, 7,4%, e entre os jovens: 9,3%.19 41. Embora expressivo, este dado no deve ser in- terpretado como um avano do atesmo entre a juventude brasileira. A maioria desses jovens vive alguma experincia religiosa. Alguns estudos tm 18 Ibase & Plis. Juventude brasileira e democracia; participao, esferas e polticas pblicas. Rio de Janeiro, s.n., 2005. p. 72. 19 Em todas as faixas etrias as outras religies (espiritismo kardecista, umbanda, candombl, judasmo, religies orientais, isl etc.) somaram 3% e, entre os jovens de 15 a 24 anos, 3,3%.
  30. 30. 32 demonstrado que a grande maioria dos jovens sem religio acredita em Deus ou tem outras crenas e, portanto, so inspirados por uma mstica, muito embora no estejam vinculados a uma instituio religiosa em particular.20 42. Alm disso, fenmenos que marcam a dinmica do campo religioso na atualidade so intensifica- dos quando se trata da populao jovem, como a busca contnua por uma expresso de f que d sentido s suas vidas (o que acelera o trnsito religioso); a atrao por manifestaes religiosas exticas; e a elaborao de snteses pessoais a partir do repertrio de crenas e prticas dis- ponveis em vrios sistemas religiosos. Nesse contexto, florescem espiritualidades relacionadas idia do estabelecimento de uma Nova Era, que integraria o ser humano ao cosmo, em uma dimenso holstica, e responderia a preocupaes desde aquelas relativas sade fsica e psquica, 20 Em uma pesquisa nacional representativa da juventude brasileira, realizada em metrpoles, cidades grandes, mdias e pequenas, e tambm no interior, 11% dos jovens se apresentaram como sem religio, sendo que 10% declararam acreditar em Deus, mas no ter religio, e 1% identificou-se como ateu e agnstico (cf. Juven- tude, percepes e comportamentos: a religio faz a diferena, artigo de Novaes, Regina em Retratos da juventude brasileira; anlise de uma pesquisa nacional. So Paulo, Fundao Perseu Abramo, 2005. pp. 263-290). Outro estudo desenvolvido numa metrlope refora essa constatao: 98,5% dos 800 jovens entrevistados, com idades entre 15 e 24 anos, disseram acreditar em Deus (cf. Novaes & Mello, Jovens do Rio, 2002).
  31. 31. 33 com as correspondentes prticas teraputicas, at o respeito e defesa da biosfera. 43. Isso se d em uma fase do ciclo vital em que as pessoas costumam se questionar acerca de vrios aspectos de suas vidas: caminhos profissionais, continuidade dos estudos, relacionamento afe- tivo. recorrente a experimentao em muitos desses mbitos originando vnculos provisrios. Tambm a adeso religiosa torna-se campo de reflexes e experincias. Muitos jovens colocam em xeque a herana religiosa recebida na fam- lia, o que tem levado a diferentes percursos: a opo consciente pela tradio religiosa na qual foram educados; o rompimento com essa herana que pode se traduzir na converso a outro sistema religioso ou a desvinculao religiosa. Inclusive, tem-se verificado que jovens que no passaram por uma socializao religiosa tm aderido a diferentes grupos religiosos. 44. Muitos jovens ligados s instituies religiosas dispem generosamente de seu tempo livre para desenvolver as atividades de seu grupo. Tambm porque nessas ocasies costumam estar em contato com outros jovens e se alegram nesta convivn- cia. Tal disponibilidade fica reduzida quando os jovens iniciam os estudos universitrios ou a vida profissional ou, ainda, quando associam trabalho
  32. 32. 34 e estudo. Sem negar as motivaes religiosas desta busca de participao no grupo, so manifestaes que se iniciam com fora na adolescncia, na des- coberta de outras realidades alm da famlia, onde possam construir sua autonomia e sua independn- cia. Da, a importncia pedaggica e teolgica de um acompanhamento adaptado da vivncia grupal nessa fase. 45. A preocupao com a evangelizao da juventude leva-nos, tambm, a olhar a crescente busca dos adolescentes21 por espaos grupais. Na ausncia de uma proposta evangelizadora que corresponda s necessidades dos adolescentes, estes acabam se inserindo nos grupos destinados aos jovens. Neste cenrio, muitas vezes provocador de res- postas equivocadas para adolescentes e tambm para jovens, necessitamos conhecer e aprofundar os elementos que marcam a vida destes sujeitos, 21 A noo de adolescncia, construda pela Unicef, que tambm adotada pelo Estatuto da Criana e do Adolescente ECA e para efeito de polticas pblicas, delimita a idade dos 12 aos 18 anos incompletos. Apresenta a adolescncia como fase especfica do desenvolvimento humano caracterizado por mudanas e transformaes mltiplas e fundamentais para que o ser humano possa atingir a maturidade e se inserir na sociedade no papel de adulto. No entanto, considera que muito mais que uma etapa de transio, contemplando uma populao que apresenta especificidades, das quais decorrem uma riqueza e potencial ni- cos. preciso considerar a adolescncia na sua condio de grandes diversidades e desigualdades, em seus espaos naturais, culturais e sociais (cf. Freitas, Maria Virgnia de. Juventude e adolescncia no Brasil; referncias conceituais. So Paulo, Ao Educativa, 2005. p. 29).
  33. 33. 35 para que a evangelizao possa oferecer propostas diferenciadas, segundo cada realidade. 46. Sensveis s manifestaes artsticas e culturais da sociedade contempornea, jovens de diferentes identidades religiosas aderem com entusiasmo a eventos semelhantes no mbito religioso (shows, concentraes em estdios etc.). Assim tem cres- cido o nmero de bandas e artistas religiosos. 47. Em nossa Igreja h uma presena significativa de jovens em vrios setores da vida eclesial: nas comunidades eclesiais de base e nas parquias, participando das equipes de liturgia e de canto, atuando como catequistas, em diversas pasto- rais. Esto presentes tambm nas pastorais da juventude, nos movimentos eclesiais, nas novas comunidades e nas diferentes iniciativas promo- vidas pelas congregaes religiosas e institutos seculares. 48. Muitas vocaes sacerdotais e religiosas e para ou- tros ministrios eclesiais tm sido suscitadas por essa participao. Chama a ateno o fato de que um nmero crescente de jovens esteja buscando propostas vocacionais exigentes nos campos da contemplao e da ao. Outro trao a destacar a responsabilidade e a seriedade com que muitos jovens catlicos, animados pela sua f, tm abra- ado a dimenso do servio, seja no cuidado aos
  34. 34. 36 mais pobres, seja na atuao em movimentos e organizaes sociais com vistas construo de uma sociedade justa e solidria. No entanto, nem sempre os jovens atingidos pela ao pastoral da Igreja na catequese crismal, grupos de jovens e em outras iniciativas pastorais tm sido conquistados para um slido engajamento na comunidade de f e muitas vezes eles no se sentem acolhidos em algumas parquias. 3. Valor da experincia acumulada da Igreja 49. Diante do desafio de evangelizar a juventude con- tempornea, a Igreja no est comeando do zero. H um caminho histrico percorrido por ela que revela uma herana muito rica. H uma corrente atravs da qual uma gerao de jovens e agentes evangelizadores adultos passa a experincia acu- mulada para outra. A Igreja Catlica uma das organizaes que tm mais experincia acumula- da e sistematizada no trabalho com a juventude. importante resgatar essa experincia, estando atentos aos sinais dos tempos. Em cada poca, medida que mudavam os desafios, os enfoques, os valores e o ambiente cultural da sociedade, a mentalidade dos jovens tambm mudava. Os jo- vens so mais sensveis s mudanas e propensos a aceitar o novo. Tudo o que acontece na socie-
  35. 35. 37 dade tem seus reflexos na ao evangelizadora da juventude. Os jovens que so atingidos pela ao evangelizadora esto inseridos simultaneamente na sociedade e na Igreja. 50. Em cada poca h necessidade de adequar as concepes e as prticas de evangelizao para se relacionar com os jovens. Se a Igreja apresentou uma proposta que se tornou predominante, no significa que todos os jovens tenham aderido a ela. Aprendemos com as conquistas e os erros do passado.22 Nem tudo muda de uma poca para a outra. Mudam, s vezes, os enfoques, o ponto de partida, alguns elementos da metodologia, sendo que outros permanecem. Na Igreja do Brasil, muitas foras pastorais atuam junto aos jovens e com eles. Cada uma delas tem a sua prpria riqueza e contribui, no interior da Igreja, para a evangelizao da juventude. Destacamos entre elas as pastorais da juventude, os movimentos 22 Das coisas mais tristes hoje ver o assassinato de grupos de jovens. Nossa juven- tude mais eliminada pela violncia do que se participasse de guerras. Este ano da juventude (na Arquidiocese de Mariana) um grande ato penitencial da Igreja, por no saber ouvir a juventude [...]. Falta muito para assumirmos Puebla, e sofremos por isso. A Igreja precisa ser povo, tem que ir pobreza. Isso cria mstica. Igreja que reza deve trabalhar com os pobres e pelos pobres. No podemos deixar cair os braos diante de tanta luta da vida contra a morte. Mas diante da vida sendo assassinada, Cristo vem para trazer a mensagem: Eu vim para que todos tenham vida! Acreditar, lutar pela vida, vivifica este mundo (Dom Luciano Mendes de Almeida no 8 Encontro Nacional da Pastoral da Juventude, em Janeiro de 2006 Campinas, SP, falando sobre a opo pelos jovens e pobres feita em Puebla).
  36. 36. 38 eclesiais, o servio pastoral das congregaes e as novas comunidades. Reconhecemos que a evangelizao dos jovens obra de muitas mos, inclusive com a contribuio da Pastoral Familiar, Pastoral Vocacional, Pastoral Catequtica, ao missionria.23 23 Esta rica herana da Igreja do Brasil e da Amrica Latina est descrita no Anexo 3.
  37. 37. 39 II. Um olhar de f a partir da Palavra de Deus e do Magistrio 51. Escutando e compreendendo os gritos e clamores dos jovens, a Igreja chamada a evangelizar e ser evangelizada na atualidade. necessrio olhar com f e luz da palavra da Igreja o caminho evangelizador a ser percorrido, a partir do objetivo geral da ao evangelizadora da Igreja no Brasil, ponto de referncia de toda a ao pastoral: EVANGELIZAR proclamando a Boa-Nova de Jesus Cristo, caminho para a santidade, por meio do servio, dilogo, anncio e testemu- nho de comunho, luz da evanglica opo pelos pobres, promovendo a dignidade da pessoa, renovando a comunidade eclesial, formando o povo de Deus e participando da construo de uma sociedade justa e solidria, a caminho do Reino definitivo.
  38. 38. 40 52. Ser cristo significa conhecer a pessoa de Jesus Cristo, fazer opo por ele, unir-se a tantos outros que tambm o encontraram e, juntos, trabalhar pelo Reino e por uma nova sociedade. A evan- gelizao da juventude passa por alguns eixos temticos, a saber, o seguimento de Jesus Cristo, a Igreja, comunidade dos seguidores de Jesus, e a construo de uma sociedade solidria. A Igreja, consciente de sua misso, oferece seu ensinamen- to e a sua viso a respeito da juventude e de sua evangelizao. 1. O seguimento de Jesus Cristo 53. A busca juvenil de modelos e referncias uma porta que se abre para o processo de evan- gelizao. Aqui est a grande oportunidade de apresentar Jesus Cristo. Contudo, o seguimento de Jesus Cristo no se equipara ao seguimento de outros lderes religiosos ou mestres. Estes podem indicar o caminho e apontar a porta, mas no so o caminho nem a porta. Quando encontramos o caminho, podemos legitimamente esquecer o lder ou o mestre. Jesus Cristo, porm, sendo Deus, , ele mesmo, Caminho, Verdade e Vida. Assim, seguir o caminho entrar no Caminho, entrar em Cristo e Cristo em ns, numa profunda in- terioridade mtua, formando uma como nica
  39. 39. 41 personalidade mstica.1 J no sou eu que vivo, mas Cristo que vive em mim (Gl 2,20). 54. Com criatividade pastoral, importante apresen- tar e testemunhar Jesus Cristo dentro do contexto em que o jovem vive hoje e como resposta s suas angstias e aspiraes mais profundas. Devemos apresentar Jesus de Nazar compartilhando a vida, as esperanas e as angstias do seu povo.2 Um Jesus que caminha com o jovem, como ca- minhava com os discpulos de Emas, escutando, dialogando e orientando.3 55. Jesus Cristo o ponto culminante da ao de Deus na histria humana. O Verbo se fez carne e morou em nosso meio (cf. Jo 1,14). o fato mais deci- sivo da histria da humanidade. Jesus o rosto humano de Deus e o rosto divino do homem.4 testemunha do amor infinito de Deus, que se revela em seus ensinamentos, em seus milagres e exemplo de vida. A partir da morte e ressurreio de Jesus Cristo e do envio do Esprito Santo, a Boa-Nova se espalhou para a humanidade. 1 Cf. Paulo VI, no Documento sobre Indulgncias. 2 Documento de Puebla, n. 176. 3 Um resumo interessante da vida de Jesus apresentado em Celam. Civilizao do Amor; tarefa e esperana, orientaes para a pastoral da juventude latino-americana. So Paulo, Paulinas, 1997. pp. 101-121. 4 Cf. Ecclesia in America, n. 67.
  40. 40. 42 56. Jesus congrega ao seu redor um crculo de dis- cpulos e discpulas que o seguem. nesta vida comunitria que vo aprender o sentido de vida. O relacionamento diferente. Devem reconhecer- se como irmos (cf. Mt 10,24-25). Os Evangelhos mencionam, em primeiro lugar, os Doze (cf. Mt 10,1) e, depois, para alm desse pequeno grupo, os setenta e dois que ele envia em misso (cf. Lc 10,1) e todos os demais que o seguem (cf. Mt 8,21). Jesus sabia que no estaria muito tempo com eles. Precisava form-los e transform-los para a misso que deveriam assumir com seu retorno ao Pai. 57. O jovem assim como todo cristo convida- do por Jesus a ser discpulo. O convite pessoal: Vem e segue-me (Lc 18,22). Ele sempre chama os seus pelo nome (cf. Jo 10,4). O entusiasmo provocado pelo convite revelado por Andr, que corre em busca do seu irmo Simo e lhe anuncia jubiloso: Encontramos o Messias (Jo 1,41). O seguimento e o testemunho at dar a vida so dois aspectos essenciais da resposta do discpulo. O relacionamento entre o Mestre e o discpulo significa uma vinculao pessoal com ele: Vs sois meus amigos (Jo 15,14).
  41. 41. 43 58. O grande modelo do seguimento Maria. Nela descobrimos todas as caractersticas do discipu- lado: a escuta amorosa e atenta (cf. Lc 1,26-38), a adeso vontade do Pai (cf. Lc 1,38), a atitude proftica (cf. Lc 1,39-55) e a fidelidade a ponto de acompanhar seu filho at a cruz (cf. Jo 19,25-27) e continuar sua misso evangelizadora (cf. At 2). 59. Com efeito, o seguimento de Jesus um exerccio que inclui procedimentos prprios, fecundando o corao do discpulo e discpula, gerando uma conscincia tica prpria para sustentar uma con- duta que no mundo aponte o compromisso com a vida e caminho do Reino definitivo. De modo especial, o discipulado se exercita no caminho catecumenal que Jesus Mestre aponta para a ex- perincia dos seus discpulos, como apresentado em Mc 8,2710,52. Partindo dali, Jesus e seus discpulos atravessavam a Galilia, mas ele no queria que ningum o soubesse. Ele ensinava seus discpulos e dizia-lhes: O Filho do Homem vai ser entregue s mos dos homens, e eles o mataro. Morto, porm, trs dias depois ressuscitar. Mas eles no compreendiam o que lhes dizia e tinham medo de perguntar. Chegaram a Cafarnaum. Estando em casa, Jesus perguntou-lhes: Que dis- cuteis pelo caminho?. Eles, no entanto, ficaram calados, porque pelo caminho tinham discutido
  42. 42. 44 quem era maior. Jesus sentou-se, chamou os Doze e lhes disse: Se algum quiser ser o primeiro, seja o ltimo de todos, aquele que serve a todos! (Mc 9,30-35). 60. O desafio para o jovem assim como para todos os que aceitam Jesus como caminho escutar a voz de Cristo em meio a tantas outras vozes. O jovem escuta a voz do Mestre de diferentes ma- neiras. A ao evangelizadora deve ajud-lo a ter contato pessoal com Jesus Cristo nos Evangelhos, por meio de sua mensagem, suas atitudes, sua ma- neira de tratar as pessoas, sua coragem proftica e a coerncia entre seu discurso e sua vida. Os Evangelhos assinalam com freqncia que Jesus rezava e passava horas e noites em orao diante do Pai. As celebraes e a orao so espaos importantes onde este encontro pessoal acontece e aprofundado, no silncio e na contemplao. O jovem encontra o Senhor na leitura dos Evan- gelhos e na vida comunitria, na qual aprende a escutar a voz de Deus no meio das circunstncias prprias de nosso tempo, vivenciando assim o mistrio da Encarnao. 61. A formao do discpulo acontece na vida de comunidade, onde se experimenta o mandamento novo do amor recproco, que suscita um ambiente de alegria, de amizade, de carinho, de acolhida
  43. 43. 45 e de respeito. O encontro com Cristo, presente entre aqueles que se renem em seu nome (cf. Mt 18,20), no amor, trar conseqncias e deixar marcas indelveis na capacidade de relacionamen- to entre as pessoas, envolvendo os sentimentos, a inteligncia, a liberdade e o compromisso com um novo modo de agir na Igreja e na sociedade. Comunidades e grupos assim formados atrairo os que vierem de fora. 62. Quem se torna discpulo de Jesus, transforma-se em portador de sua mensagem. Jesus chama o discpulo para envi-lo em misso. No encontro com Cristo, o novo discpulo sente-se impelido pelo Esprito Santo a anunciar aos outros a experi- ncia que teve com Cristo e como nele reconheceu o Messias, o Salvador. Como o Pai me enviou, tambm eu vos envio. Recebei o Esprito Santo (Jo 20,21-22). Depois da ressurreio: Ide, fazei com que todos os povos se tornem meus discpu- los (Mt 28,19). 63. O jovem o evangelizador privilegiado de outros jovens. uma afirmao repetida em muitos do- cumentos da Igreja. Esta misso s pode nascer do encontro pessoal com o Mestre, aprendendo a ser sempre mais semelhante a Ele. Para evange- lizar, exige-se a experincia de ser evangelizado,
  44. 44. 46 isto , de ter descoberto que Jesus o Caminho, a Verdade e a Vida. 64. O encontro com Jesus Cristo no algo abstrato. necessrio caminhar com os jovens e fazer com eles a experincia de Jesus, Palavra eterna do Pai. Ele est presente na Sagrada Escritura, na liturgia, sobretudo na Eucaristia; na comunidade reunida em seu nome, nos irmos e irms, especialmen- te nos mais necessitados.5 Caminhos pastorais para suscitar este encontro so a orao pessoal, o dilogo ecumnico e religioso, o cotidiano da vida (escola, bairro, trabalho, famlia...), as artes (msica, teatro, dana...) e toda a criao, numa relao harmoniosa com as criaturas. 65. A evangelizao da juventude deve incluir uma slida formao tica, com uma proposta moral consistente. Assim, a nova Evangelizao mani- festar sua fora missionria, sendo anunciada como Palavra viva. 66. A sensibilidade especial dos jovens para as situ- aes de pobreza e desigualdade social nos abre um caminho espiritual e de formao de consci- ncia. Jesus revela que o pobre um sinal de sua presena em nosso meio. Tive fome e me destes de comer. Tive sede e me destes de beber. Era fo- 5 Cf. Ecclesia in America, n. 12.
  45. 45. 47 rasteiro e me acolhestes. Estive nu e me vestistes, doente e me visitastes, preso e viestes ver-me (Mt 25,35-36). O pobre algum que no nos deixa dormir em paz. Jesus alerta contra o perigo da prioridade dada s riquezas materiais, raiz da m distribuio de renda. H uma pergunta que no pode deixar de nos incomodar: Por que a verdade de nossa f no teve maior incidncia social na Amrica Latina, num continente de cristos? O discpulo se compromete com coerncia de vida e de ao na transformao dos sistemas polticos, econmicos, trabalhistas, culturais e sociais que mantm na misria espiritual e material milhes de pessoas em nosso continente.6 2. Igreja, comunidade dos discpulos de Jesus 67. Quando evangelizados com testemunho e metodologia os jovens se empolgam com a pessoa e o projeto de Jesus Cristo. Por que, con- tudo, face Igreja muitos mostram resistncia? Muitos jovens tm dificuldade para entender que eles so Igreja ou no se sentem acolhidos nas comunidades. Constatamos que a imagem que muitos deles tm da Igreja de algo ultrapassado, 6 Celam. V Conferncia do Episcopado da Amrica Latina e do Caribe, Documento de participao. So Paulo, Paulinas, 2005.
  46. 46. 48 burocrtico, e que fala uma linguagem que no se conecta com sua vida. Freqentemente compre- endem-na apenas como instituio e no como a comunidade dos seguidores de Jesus. Em muitos ambientes universitrios e meios de comunicao, a Igreja apresentada como cmplice da injustia e, em diferentes situaes histricas, contra o pro- gresso humano. Falta aos jovens o conhecimento de tantas experincias de santidade e solidariedade na histria da Igreja, tendo como protagonistas os missionrios Bem-aventurado Pe. Anchieta, Pe. Manoel de Nbrega, Bartolomeu de Las Casas. Em nosso tempo, tambm destacam-se outros exemplos de vida crist, santidade e martrio: So Domingos Svio, Santa Maria Goretti, Santo Frei Galvo, Bem-aventurada Madre Teresa de Calcu- t, o Servo de Deus, Joo Paulo II, os brasileiros Pe. Manoel Gomes Gonzalez, o coroinha Adlio Daronch e Albertina Berkenbrock, a serem proxi- mamente beatificados, assim como Ir. Dulce, Dom Oscar Romero, Dom Helder Cmara, Ir. Dorothy, Pe. Josimo, Pe. Ezequiel Ramim, Dom Luciano Mendes de Almeida, Dom Jos Mauro Pereira Bastos e tantos outros. Nas cidades grandes, chama a ateno a ausncia dos jovens na vida eclesial, de modo especial os de nvel social e escolaridade mais elevada, para os quais no h um trabalho
  47. 47. 49 pastoral especfico. Em alguns lugares, a Igreja se afastou e os perdeu. Advertimos a respeito da ne- cessidade urgente de apresentar missionariamente a verdadeira face da Igreja juventude e trabalhar a relao entre f e razo. 68. AsresistnciascontraaIgrejasevencemprogressi- vamente com o amadurecimento da compreenso dos contextos histricos e quando se destacam os aspectos positivos, como a credibilidade da Igreja nas pesquisas sobre as instituies sociais, como tambm o contato com experincias autnticas de Igreja que contradizem as afirmaes negativas. 69. A Igreja santa, mas formada por homens e mu- lheres marcados pela realidade do pecado. Devido fraqueza humana, ela sofre continuamente a tentao de se afastar da mstica do seu fundador. A Igreja que evangeliza precisa ser continuamente evangelizada. Pode-se criticar muito a Igreja. Ns o sabemos e o Senhor mesmo nos disse que ela comoumaredecompeixesbonseruins,umcampo com trigo e joio. O Papa Joo Paulo II, que nos mostrou o verdadeiro rosto da Igreja nos numero- sos beatos e santos que proclamou, tambm pediu perdo pelo mal causado, no correr da histria, pelas palavras ou atos de homens da Igreja.7 7 Homilia de Bento XVI para mais de um milho de jovens na Jornada Mundial da Juventude em Colnia, em 2005.
  48. 48. 50 70. Mesmo com a presena significativa de jovens no espao eclesial, constatamos a ausncia da grande maioria. Isto se reflete, tambm, na dificuldade de atrair vocaes para o ministrio presbiteral, para a vida consagrada e para o laicato. Na evan- gelizao da juventude est em jogo o presente e o futuro da Igreja. No entanto, a Igreja trabalha com a juventude no somente para buscar voca- es que garantem sua continuidade mas tambm para despertar a riqueza que trazem, ajudando-os a descobrir a vocao para o servio do Reino e a transformao da Igreja e de toda a sociedade. 71. importante que os jovens sejam ajudados a entender que as cincias humanas apontam para a ambivalncia de todas as estruturas. Por um lado, elas so necessrias. Sem as estruturas no h continuidade no tempo, e a mensagem original morre. A Igreja a presena viva do Cristo atuante na histria. Sem a Igreja, no estaria viva a mensa- gem de Jesus hoje e no teramos os Evangelhos. Atravs da Igreja, uma gerao de crentes passa sua f seguinte. Por outro lado, as estruturas se desgastam com o tempo, dificultando a compre- enso da Boa-Nova, que est em sua origem. Por isso, h necessidade de renovao contnua. 72. Um caminho importante para despertar nos jovens o amor pela Igreja e o sentido de pertena a ela
  49. 49. 51 a referncia s experincias das primeiras Comu- nidades dos Atos dos Apstolos, para concretizar hoje a vida eclesial que nasceu do derramamento do Esprito no Pentecostes, na qual resplandecia (cf. At 2,42-47) a orao, a fidelidade Palavra, a partilha dos bens e a Eucaristia (Frao do Po). 73. Em nosso tempo, luz do Conclio Vaticano II e de tantas manifestaes dos papas e dos bispos, insiste-se na Comunho e Participao, palavras e realidades que indicam um caminho a ser tambm proposto aos jovens. Sua raiz o Batismo, pelo qual se manifesta uma igualdade fundamental entre todos os cristos, fazendo-os todos responsveis pela Igreja, cada qual segundo a prpria vocao. A Igreja, novo povo de Deus, descrita como Corpo de Cristo, uno na variedade dos membros, onde todos tm igual dignidade. uno o povo eleito de Deus: Um s Senhor, uma s f, um s batismo;8 comum a dignidade dos membros pela sua regenerao em Cristo, comum, a graa de filhos, comum, a vocao perfeio; uma s a salvao, uma s a esperana e a uni- dade, sem diviso.9 8 Cf. Ef 4,5. 9 Conclio Vaticano II, Lumen gentium, n. 32.
  50. 50. 52 74. Por isso, muitos documentos do Magistrio ponti- fcio e episcopal apontam para a renovao da vida da Igreja atravs do caminho do servio, no qual todos os fiis, comeando dos ministros ordena- dos, buscam superar a tentao do autoritarismo e assumir o modelo do lava-ps, atentos palavra do Senhor: Sabeis que os governantes das naes as dominam e os grandes as tiranizam. Entre vs no dever ser assim. Ao contrrio, aquele que quiser tornar-se grande, entre vs, seja aquele que serve, e o que quiser ser o primeiro, dentre vs, seja o vosso servo. Desse modo, o Filho do Homem no veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos (Mt 20,25-28). O modelo de todos Jesus, o Bom Pastor, que conhece os seus pelo nome e est disposto a dar sua vida por eles. 75. Cada cristo, por seu batismo, responsvel pela construo da Igreja, para que ela seja um espelho do amor de Deus no mundo e sinal do Reino. Na histria da Igreja, todas as vezes que se buscaram formas mais elevadas de vida no Evangelho, colocou-se na vida fraterna seu apoio funda- mental.10 importante que os jovens tenham a experincia de relacionamento fraterno autntico e do exerccio da autoridade como servio em sua 10 Cf. CNBB, Diretrizes gerais 2003-2006, doc. 71.
  51. 51. 53 comunidade paroquial, nas comunidades eclesiais de base, nas pastorais nas quais se envolvem, nos movimentos eclesiais ou novas comunidades com os quais se comprometem, como sinal de que possvel viver com autenticidade o seguimento de Jesus. 76. Nas atividades pastorais com a juventude, faz-se necessrio oferecer canais de participao e en- volvimento nas decises, que possibilitem uma experincia autntica de co-responsabilidade, de dilogo, de escuta e o envolvimento no processo de renovao contnua da Igreja. Trata-se de va- lorizar a participao dos jovens nos conselhos, reunies de grupo, assemblias, equipes, processo de avaliao e planejamento. 77. Mas a Igreja no existe somente para fortalecer a vivncia da f em comunidade. Existe para construir o Reino, e o Reino mais amplo do que a Igreja peregrina. A Igreja, comunidade dos que crem em Jesus, constitui na terra o germe e o incio deste Reino, que, como fermento ou pequena semente, faz a massa crescer e tornar-se imensa rvore. 78. O Conclio Vaticano II prope, como vocao da humanidade inteira, e como meta a ser efetiva e intensamente procurada, a fraternidade universal. Afirma, tambm, que a revelao crist favorece
  52. 52. 54 poderosamente esta comunho entre as pessoas, e ao mesmo tempo leva a uma compreenso mais profunda das leis da vida social.11 Se a juventude for levada a enxergar uma Igreja que procura ser isso, graas ao caminho que segue, ter menos di- ficuldade de assumi-la com sua alegria vibrante. 79. importante falar da Igreja aos jovens como o Mistrio que persevera atravs da histria huma- na devido presena do Esprito Santo. A Igreja existe no somente para ser um lugar de encontro agradvel e de segurana dos que partilham a mesma f; ela existe para evangelizar, isto , para anunciar a Boa Notcia do Reino, proclamado e realizado em Jesus Cristo,12 atravs de nossas fragilidades e riquezas. 80. Um grande desafio reconhecermos que tambm no segmento da sociedade chamado juventude se encontram as sementes ocultas do Verbo, como fala o Decreto Ad gentes, do Vaticano II.13 Entrar 11 Cf. Gaudium et spes, n. 38. Outros textos relevantes so Gaudium et spes, n. 78b (a fraternidade universal condio da paz) e Gaudium et spes, n. 92 (o dilogo em vista da fraternidade, respeitando a diversidade de etnias, culturas e religies). A fraternidade universal ressaltada tambm como fim do anncio de Cristo (Ad gentes, n. 8) e do apostolado dos cristos leigos (Apostolicam actuositatem, p. 14) e fundamento da oposio da Igreja a toda forma de discriminao das pessoas humanas (Nostra aetate, n. 5). 12 Cf. EN, n. 14. 13 AG, n. 11.
  53. 53. 55 em contato com o divino da juventude enten- der sua psicologia, sua biologia, sua sociologia e sua antropologia com o olhar da cincia de Deus. O jovem necessita que falemos para ele no so- mente de um Deus que vem de fora mas tambm de um Deus que real dentro dele em seu modo juvenil de ser alegre, dinmico, criativo e ousado. A evangelizao da Igreja precisa mostrar aos jovens a beleza e a sacralidade da sua juventude, o dinamismo que ela comporta, o compromisso que daqui emana, assim como a ameaa do pe- cado, da tentao do egosmo, do ter e do poder e, com isto, auxiliar tambm na conscientizao de tudo aquilo que procura danificar esta obra de Deus. Uma verdadeira espiritualidade possibilita ao jovem encontrar-se com a realidade sublime que h dentro dele, manter um dilogo constante com aquele que o criou. 81. Considerar o jovem como lugar teolgico acolher a voz de Deus que fala por ele. A novidade que a cultura juvenil nos apresenta neste momento, portanto, sua teologia, isto , o discurso que Deus nos faz atravs da juventude. De fato, Deus nos fala pelo jovem. O jovem, nesta perspectiva, uma realidade teolgica, que precisamos apren- der a ler e a desvelar. No se trata de sacralizar o jovem, imaginando-o como algum que no
  54. 54. 56 erra; trata-se de ver o sagrado que se manifesta de muitas formas, tambm na realidade juvenil. Trata-se de fazer uma leitura teolgica do que, de forma ampla, chamamos de culturas juvenis. Numa poca em que se fala tanto de inculturao ou em outros termos de encarnar-se na rea lidade, de aceitar o novo, o plural e o diferente, na evangelizao da juventude, estaremos diante de feies muito concretas e imprevisveis. Dizer que, para a Igreja, a juventude uma prioridade em sua misso evangelizadora, afirmar que se quer uma Igreja aberta ao novo, afirmar que amamos o jovem no s porque ele representa a revitalizao de qualquer sociedade mas tambm porque amamos, nele, uma realidade teolgica em sua dimenso de mistrio inesgotvel e de perene novidade. 3. Construo de uma sociedade solidria 82. As Diretrizes Gerais da Ao Evangelizadora da Igreja no Brasil afirmam que participar da construo de uma sociedade justa e solidria constitui um dos objetivos da ao evangelizadora da Igreja no Brasil.14 14 Um breve resumo do empenho da Igreja na solidariedade com todos se encontra em CNBB, Diretrizes gerais... 2003-2006, doc. 71, nn. 152-175.
  55. 55. 57 83. A evangelizao dos jovens no pode visar so- mente a suas relaes mais prximas como o grupo de amigos, a famlia , a amizade, a fraternidade, a afetividade, o carinho, as pequenas lutas do dia-a-dia. A ao evangelizadora deve tambm motivar o envolvimento com as grandes questes que dizem respeito a toda a sociedade, como a economia, a poltica e todos os desafios sociais de nosso tempo. H necessidade de animar e capacitar o jovem para o exerccio da cidadania, como uma dimenso importante do discipulado. A dimenso poltica e social da f, contudo, deve ser apresentada aos jovens de maneira que no se reduza a apenas uma ideologia. 84. A sociedade brasileira , hoje, uma das mais desi- guais do mundo.15 Tal situao reflete um modelo social que prope um ideal de consumo ilusrio e inatingvel para os pobres, somente possvel para os mais ricos. Esse modelo alimenta a difuso da violncia, resultado dos muitos conflitos e tenses produzidos por um mundo desigual, incapaz de respeitar a dignidade das pessoas. Uma desigual- dade que, aos olhos do cristo, um escndalo e, ao mesmo tempo, um desafio, diante do qual no 15 Com pequenas oscilaes, os pobres se apropriam de 12 a 14% da renda nacional. Os 10% mais ricos se apropriam de cerca de 50% da renda nacional (cf. Henri- ques, Ricardo [org.]. Desigualdade e pobreza no Brasil. Braslia, Ipea, 2000. pp. 21-47).
  56. 56. 58 basta protestar ou lamentar, mas preciso redo- brar com lucidez e perseverana o empenho na construo de uma sociedade justa e solidria. 85. O cristo se identifica com aquele que o bom samaritano, que socorre a vtima dos assaltantes, smbolo de toda vtima inocente do mal do mundo, sem se perguntar sobre a raa ou a religio dele. Ele cura inmeras pessoas, vtimas da doena ou daquelas foras malignas que atacam os seres humanos. Ele traz uma palavra de esperana aos pobres e reparte o po com eles, promessa de um futuro diferente, de um outro mundo possvel. Ele acolhe e perdoa os pecadores. Ele miseri- cordioso. Estende a mo para levantar o cado, acolhe com abrao o que volta arrependido e vai ao encontro do afastado. Devolve o ser humano s suas tarefas, s suas responsabilidades e sua dignidade.16 4. Pronunciamentos do Magistrio sobre a juventude 86. O Magistrio da Igreja se ocupou muitas vezes da evangelizao da juventude.17 Apresentamos alguns ensinamentos da Igreja que podem bali- 16 Cf. Lc 15,11ss; Jo 8,1-11; Lc 23,39-43. 17 No Anexo 4 temos um aprofundamento deste tema.
  57. 57. 59 zar as atividades que posteriormente queremos propor, em vista de um novo impulso em to im- portante tarefa pastoral. saudvel e inspirador alimentar-nos do Magistrio da Igreja com relao evangelizao da juventude. Claro que seria impossvel apresentar tudo o que se fez e se falou sobre juventude; portanto, chamamos ateno aqui somente para alguns textos. 87. Joo Paulo II, na Christifideles laici, retomou a riqueza do que o Conclio Vaticano II falou sobre a juventude, afirmando que a Igreja tem tantas coisas para dizer aos jovens, e os jovens tm tantas coisas para dizer Igreja. Este dilogo recproco, que dever fazer-se com grande cordialidade, clareza e coragem, favorecer o encontro e o intercmbio das geraes, e ser fonte de riqueza e de juventude para a Igreja e para a sociedade civil. Na sua mensagem aos jovens o Conclio diz: A Igreja olha para vs com confiana e amor [...]. Ela a verdadeira juventude do mundo [...]. Olhai para ela e nela encontrareis o rosto de Cristo.18 88. Continua atual o desafio lanado por Joo Paulo II aos jovens brasileiros: urgente colocar Jesus como alicerce da existncia humana. Os melhores amigos, seguidores e apstolos de Cristo foram sempre aqueles que perceberam, um dia, dentro 18 Cf. Exortao Apostlica Christifideles laici, n. 46.
  58. 58. 60 de si, a pergunta definitiva, incontornvel, diante da qual todas as outras se tornam secundrias: Para voc, quem sou eu? A vida, o destino, a histria presente e futura de um jovem dependem da resposta ntida e sincera, sem retrica, sem subterfgios, que ele puder dar a esta pergunta. Ela j transformou a vida de muitos jovens.19 89. J em Medelln, o episcopado da Amrica Latina referia-se juventude como uma grande fora nova de presso e como um novo organismo social com valores prprios.20 A Igreja v na juventude a constante renovao da vida da hu- manidade. A juventude o smbolo da Igreja, chamada a uma constante renovao de si mesma. Por isso ela quer desenvolver, dentro da pastoral de conjunto, uma autntica Pastoral da Juventude, educando os jovens a partir de sua vida, permi- tindo-lhes plena participao na comunidade eclesial. 90. Em Puebla, o episcopado faz duas opes pre- ferenciais que marcaram a Conferncia: a opo preferencial pelos pobres e pelos jovens. Falando das opes pastorais, a Conferncia inicia dizendo 19 Joo Paulo II aos jovens brasileiros em Belo Horizonte (1/7/1980) em A palavra de Joo Paulo II no Brasil. So Paulo, Paulinas, 1980. pp. 37 e 38. 20 Valemo-nos de Concluses de Medelln; II Conferncia Geral do Episcopado Latino- Americano. Uma publicao do Regional Sul 3 da CNBB, 1968. Referimo-nos ao captulo sobre juventude, pp. 32-37.
  59. 59. 61 que a Igreja confia nos jovens, sendo eles a sua esperana. Por ser dinamizadora do corpo social e especialmente do corpo eclesial, a Igreja faz uma opo preferencial pelos jovens com vistas sua misso evangelizadora no continente. 91. Em Santo Domingo, os bispos reafirmam a opo preferencial pelos jovens feita em Puebla, de modo no s afetivo mas tambm efetivamente: opo por uma Pastoral Orgnica da Juventude, com acompanhamento, com apoio real, com dilogo, com maiores recursos pessoais e materiais e com dimenso vocacional. 92. O Episcopado Brasileiro ressalta: Cuidado particular merecem os jovens, considerando-se a situao que encontram na sociedade de hoje. Ela lhes apresenta uma oferta imensa de experincias potenciais e de conhecimentos, mas no lhes fornece recursos adequados para satisfazer suas aspiraes. Alm disso, muitas vezes os desvia para caminhos ilusrios de busca do prazer. Os jovens so um grande desafio para o futuro da Igreja,21 que deve torn-los protagonistas da evangelizao e artfices da renovao social.22 21 CNBB, Diretrizes gerais..., doc. 71, n. 198. 22 Joo Paulo II, Christifideles laici, n. 46; cf. tambm CNBB, Diretrizes gerais..., doc. 61, nn. 236 e 237.
  60. 60. 62 III. Linhas de ao 93. Depois de analisar a realidade e o perfil desta nova gerao de jovens, na primeira parte deste documento, e, em seguida, confrontar esta reali- dade juvenil com os princpios da f, queremos apresentar alguns desafios, princpios orientado- res e linhas de ao que brotam desta realidade e das diversas experincias positivas que j vm acontecendo em nossa Igreja. 94. No fostes vs que me escolhestes; fui eu que vos escolhi (Jo 15,16). Do encontro pessoal com Jesus Cristo nasce o discpulo, e do discipulado nasce o missionrio. O encontro pessoal a primeira etapa. Em seguida, nasce um itinerrio, em cujas etapas vai amadurecendo pouco a pouco o com- promisso com a pessoa e o projeto de Jesus Cristo, luz do mistrio pascal. Cada etapa abre horizon- tes ao jovem para definir seu projeto de vida. O jovem aprende a escutar o chamado de Cristo; a buscar uma vida interior de valores evanglicos; a sair do individualismo para pensar e trabalhar com os outros; a participar de uma comunidade eclesial concreta; a se sensibilizar, como o bom samaritano, com o sofrimento alheio; a partici- par de uma pastoral orgnica com os outros; a entender que a luta pela justia um elemento
  61. 61. 63 constitutivo da evangelizao; e a se comprometer de maneira decisiva com a misso. Estas etapas devem levar a uma opo vocacional, entendida como vocao de leigo ou vocao de especial consagrao, como presbtero ou religioso(a). O que sustenta a caminhada a graa de Deus. 95. Acreditamos que para responder de maneira qua- lificada aos anseios da juventude, s necessidades da Igreja e aos sinais dos tempos, necessitamos das seguintes linhas de ao: 1a linha de ao: formao integral do(a) discpulo(a) 2a linha de ao: espiritualidade 3a linha de ao: pedagogia de formao 4a linha de ao: discpulos e discpulas para a misso 5a linha de ao: estruturas de acompanhamento 6a linha de ao: ministrio da assessoria 7a linha de ao: dilogo f e razo 8a linha de ao: direito vida
  62. 62. 64 1a linha de ao: formao integral do(a) discpulo(a) Desafios e princpios orientadores 96. Desafia-nos, de modo especial, a promoo de um processo de evangelizao que leve em conta as diferentes dimenses da formao integral num caminho que desperte e cultive os jovens e a co- munidade eclesial para a irrenuncivel dimenso vocacional do grupo.1 O conceito de formao integral importante para considerar o jovem como um todo, evitando assim reducionismos que distoram a proposta de educao na f, reduzin- do-a a uma proposta psicologizante, espiritualista ou politizante.2 1 Um grupo no nasce pronto, nem nasce grupo. Como a pessoa, ele precisa ser preparado e convocado vida. Precisa ser gestado, para depois nascer como grupo, passar pelas diversas etapas de crescimento at chegar maturidade. Como a gente, o grupo tambm morre um dia: alguns precocemente, outros depois de cumprirem sua misso e darem frutos Se o gro de trigo no morrer.... preciso, pois, conhecer as etapas de um planejamento pelas quais passa o grupo, a fim de poder, como assessor(a), orientar o processo. Faz-se necessrio, igualmente, um plano de formao que oriente o processo e possibilite o seu acompanhamento em cada etapa (Teixeira, Carmem Lcia [org.]. Passos na travessia da f; metodologia e mstica na formao integral da juventude. So Paulo, CCJ, 2005. p. 34). O caminho vocacional descrito aqui pode ser visualizado no grfico B do Anexo 5. 2 Estas dimenses podem ser visualizadas no grfico A do Anexo 5.
  63. 63. 65 97. O discipulado comea com o convite pessoal de Jesus Cristo: Vem e segue-me (Lc 18,22). Na formao para o discipulado necessrio partir de uma formao integral. Quem trabalha na formao de jovens necessita estar atento s cinco dimenses: psicoafetiva, psicossocial, mstica, sociopoltico-ecolgica e capacitao. Trata-se de efetivar, pedagogicamente, um conceito que se encaixa no contexto da sensibilidade da cultura jovem e aponta para uma nova sntese que integre o racional com o simblico, a afetividade, o corpo, a f e o universo. Cada uma das cinco dimenses vista como uma relao que o jovem tem com um aspecto da sua vida, respondendo s perguntas de fundo que todo ser humano faz, consciente ou inconscientemente. Dimenso psicoafetiva Processo da personalizao 98. As perguntas de fundo so: Quem sou eu? Qual a relao comigo mesmo? So perguntas importan- tes para o autoconhecimento e para a construo da personalidade do jovem. Sem a capacidade de autoconhecimento e autocrtica, o jovem incapaz de analisar as situaes com objetivida- de, de administrar os conflitos e de se relacionar com outros de uma maneira equilibrada. Sem
  64. 64. 66 esta dimenso torna-se difcil o silncio interior e o encontro com Deus na orao e a verdadeira converso. Dimenso psicossocial Processo de integrao 99. As perguntas de fundo so: Quem o outro? Como relacionar-me com ele? Como tratar as relaes de gnero? Como entender o relacionamento virtual hoje existente? Essa dimenso acentua a importn- cia das relaes entre as pessoas que acontecem, por exemplo, nas amizades, nos grupos, na vida em comunidade, na famlia, no meio ambiente. A felicidade do jovem depende da sua capacidade de comunicar-se com os outros, num dilogo que considera e respeita a cultura. 100. A amizade algo natural e importante na vida do jovem. Face a uma cultura contempornea que incita concorrncia, o Evangelho prope um relacionamento baseado no amor e no servio. 101. A evangelizao da nova gerao de jovens precisa ir alm do nvel das idias e da formao terica. No se constri a comunidade crist somente com idias. H necessidade de descer ao nvel da afetividade, de viver relaes de fraternidade voltadas para o discipulado. Nosso esforo ser criar condies para que as pessoas possam vi- ver relaes de solidariedade e de fraternidade
  65. 65. 67 que permitam sua maior realizao, no contexto atual.3 Comunidade pressupe amizade, calor humano, a aproximao afetiva e um projeto de vida em comum. 102. Essa dimenso busca motivar o jovem para o envolvimento na comunidade eclesial. medida que ele se sente valorizado em suas capacidades, consegue perceber o valor de caminhar com aque- les que partilham da mesma f em Jesus Cristo. Alm do mais, pouco a pouco, vai se envolvendo nas suas atividades e se corresponsabilizando na sua misso. Os Atos dos Apstolos descrevem a comunidade dos primeiros cristos como sendo um s corao e uma s alma (At 4,32), e isto o jovem vai experimentando na vida comunitria. 103. A sexualidade, dom de Deus, uma dimenso constitutiva da pessoa humana, que nos impul- siona para a realizao afetiva no relacionamento com o outro. Porm, os jovens vivem, hoje, em um ambiente erotizado em que a sexualidade , infelizmente, banalizada e freqentemente trans- formada em meio egosta de prazer e de manipu- lao e corrupo das relaes mais profundas entre as pessoas. Neste contexto importante desenvolver um programa de educao para o amor que integre a sexualidade em um projeto 3 Cf. CNBB, Diretrizes gerais... 2003-2006, doc. 71, n. 113.
  66. 66. 68 mais amplo de crescimento e maturidade no qual ela seja baseada na liberdade e no no medo; leve em conta as exigncias da tica crist; leve ao amor e responsabilidade; desperte para a auto- estima, principalmente no cuidado com o corpo do prprio jovem e dos outros; tenha Deus, criador da vida, da sexualidade e da alegria, como sua fonte de inspirao. 104. Um dos importantes espaos de formao acon- tece no relacionamento familiar. Atingida por tantos fatores externos, nem sempre a famlia capaz de cultivar valores essenciais para a vida. O jovem, ento, exercitando no seio da famlia o amor, o perdo, a pacincia, o dilogo, o servio, vai amadurecendo como pessoa e, enquanto se forma, vai, ele mesmo, sendo portador de valores em benefcio da famlia. Dimenso mstica Processo teolgico-espiritual 105. As perguntas de fundo so: Qual a minha relao com Deus? De onde vim? Para onde vou? Qual o sentido da minha vida? Qual o sentido da morte? Qual o sentido do sofrimento? 106. A dimenso teolgica cultivada no estudo, na catequese e no aprofundamento dos dados bsicos da f. Desse aprofundamento faz parte a iniciao leitura da Palavra de Deus, do conhecimento de
  67. 67. 69 Jesus Cristo e da Igreja. A dimenso espiritual corresponde experincia de Deus. Isso pode ser feito atravs de retiros, da vivncia sacramental, da orao e do servio aos pobres. No basta estudar Deus; necessrio tambm ter uma expe- rincia de Deus. A relao com Deus est tambm presente nas outras dimenses e as ilumina. Os aspectos teolgico e espiritual no s caminham juntos mas tambm se complementam. Dimenso sociopoltico-ecolgica Processo de participao-conscientizao 107. As perguntas de fundo so: Qual a minha relao com a sociedade ao meu redor? Como organizar a convivncia social? Podemos mudar a sociedade? Como me percebo como ser integrado nature- za? A conscincia da cidadania faz ver que todo poder emana do povo e em seu nome exercido. Essa dimenso abre o jovem para os problemas so- ciais locais, nacionais e internacionais: problemas de moradia, sade, alimentao, m qualidade da educao, direitos humanos desrespeitados, discri- minao contra a mulher, violncia, guerra, ecolo- gia, biodiversidade. No se pode pregar um amor abstrato que encobre os mecanismos econmicos, sociais e polticos geradores da marginalizao de grandes setores de nossa populao. Aqui h
  68. 68. 70 necessidade de formar o jovem para o exerccio da cidadania e direitos humanos luz do ensino social da Igreja. H necessidade de conectar a f com a vida, a f com a poltica. Dimenso de capacitao Processo metodolgico 108. As perguntas de fundo so: Qual a minha relao com a ao? A f sem ao, diz So Tiago, est morta. Como trabalhar? Como me organizar atravs de um consistente projeto pessoal de vida? Como administrar meu tempo? Como organizar as estruturas de coordenao que facilitam o acompanhamento sistemtico, a comunicao, o aprofundamento e a continuidade? Como coorde- nar uma reunio de grupo e assegurar concluses concretas? Como montar um curso? Como avaliar e acompanhar sistematicamente, no dia-a-dia, os processos grupais de educao na f? Como planejar e avaliar a ao evangelizadora? As habilidades so necessrias para acompanhar as estruturas de apoio para o processo de evangeliza- o dos jovens. Sem estas habilidades, os projetos pastorais no caminham. Pistas de ao 109. Avaliar periodicamente a situao pastoral para verificar se todas as dimenses da formao in-
  69. 69. 71 tegral esto sendo contempladas, no processo de evangelizao dos jovens, identificando as lacunas a serem preenchidas. 110. Fazer um trabalho de conscientizao vocacional, ajudando o jovem a definir e a elaborar o seu pro- jeto de vida, contemplando todas as dimenses da formao. 111. Organizar uma catequese crismal que, estando atenta formao integral dos jovens, procure oferecer-lhes, enquanto esto no processo cate- qutico, oportunidades significativas de vivncia grupal, de atividades comunitrias, de meditao da Palavra de Deus, de experincia de orao, engajamento nas pastorais existentes nas comu- nidades etc. 112. Mobilizar as escolas para que elas garantam em todo o processo pedaggico uma formao inte- gral dos jovens. 113. Envolver as famlias nos diferentes programas da ao evangelizadora, orientando-as a contri- burem de forma mais intensa na educao da f de seus filhos e buscando parceria com a Pastoral Familiar. 114. Elaborar subsdios que favoream o amadureci- mento juvenil e promover cursos e encontros com temticas relacionadas educao para o amor, corporeidade, homossexualidade, questes de gnero, etnia, entre outras.
  70. 70. 72 115. Estimular uma prtica humanizadora com jo- vens por meio da elaborao e prtica de novas maneiras de relacionamento que superem as contradies existentes e garantam o exerccio do poder coletivo, da iniciativa e da criatividade de seus participantes, alm de estimular o processo de formao integral, a comunho, a comunica- o e o Mistrio da Encarnao Mistrio da transformao do Reino de Deus concretizado na capacidade de as pessoas se amarem. 2a linha de ao: espiritualidade Desafios e princpios orientadores 116. A rapidez das mudanas, os atrativos de diferentes nveis e a agitao do cotidiano desafiam a vivn- cia de uma verdadeira espiritualidade. Muitos jovens no vivem num contexto cristo, numa famlia crist, no foram iniciados na f. 117. Por isso, todos ns pastores, agentes de pastoral, catequistas, educadores de jovens, pais de famlia, lideranas perguntamos: Como provocar no jovem o desejo do seguimento ao Senhor? Como motiv-lo a uma espiritualidade compreensvel e acessvel, cheia de sentido, gosto, orientao, segurana e alegria de viver? Como trabalhar a
  71. 71. 73 espiritualidade segundo a opo pelos pobres e o compromisso com a construo de uma sociedade justa e solidria, a Civilizao do Amor? 118. A vocao santidade e a certeza de que a ju- ventude um lugar teolgico da comunicao de Deus desafiam a Igreja a uma proposta de espiri- tualidade como caminho que d sentido vida, em um constante dilogo com o Pai, atravs de Jesus, no Esprito Santo. Consoante com os tempos e com as caractersticas juvenis, a espiritualidade proposta aos jovens deve contemplar a alegria, o movimento, a expresso corporal, a msica, os smbolos, o envolvimento com a vida, a amizade, a convivncia, a espontaneidade etc. 119. A espiritualidade a motivao central e a bssola para orientar a vida de acordo com a vontade de Deus. Dessa forma, propomos aos jovens uma mstica: centrada em Jesus Cristo e no seu proje- to de vida; acolhedora do cotidiano como lugar privilegiado de crescimento e santificao; alegre e cheia de esperana; marcada pela experincia comunitria onde se medita a Palavra de Deus e se celebra a Eucaristia; apoiada no modelo do sim de Maria e na certeza de sua presena materna e auxiliadora; conduzida pelo compromisso com o Reino, traduzida no compromisso com a trans- formao social a partir da sensibilidade diante do sofrimento do prximo.
  72. 72. 74 120. Para alimentar constantemente a espiritualidade crist, o jovem necessita encontrar instrumentos, pessoas e momentos que o marquem profunda- mente, provocando nele o desejo de verdadeira mudana. Estes meios colocam o jovem num processo constante de reviso de vida e de dis- cernimento vocacional diante de Deus e diante do mundo. Alm disso, o jovem que, ao optar pelo Senhor, assume uma nova postura diante da vida , naturalmente, percebido, notado, admira- do e seguido pelos seus companheiros: Jovens evangelizando jovens. Entre tantos meios para este exerccio cotidiano de crescimento na f, destacamos: 121. A orao pessoal: o dilogo pessoal, ntimo, profundo com Jesus Cristo, no Esprito Santo, nos fortalece na dignidade de filhos diante do Pai. O jovem criativo quando se sente vontade com Deus e amado por Ele. Olhando para Jesus, que no se cansava de rezar ao Pai, principalmente nos momentos de maiores decises, o jovem se sente motivado a fazer o mesmo. Alm do mais, tudo pode ser matria de orao e de conversa com aquele que s deseja a entrega total, irrestri- ta, constante a ele e, por isso, doao aos irmos e irms. A sintonia com Jesus Cristo cura as feridas, corrige os passos, orienta a vida, perdoa
  73. 73. 75 os pecados, acorda do comodismo e da inrcia, critica as omisses e d a alegria de viver. No d para ser de Cristo se no se reservam momentos especiais para estar com ele. Este contato amigo anima converso, retomada do projeto de vida, ao desejo de santidade, ao discernimento vocacional, ao compromisso com os mais pobres e sofredores, ao envolvimento na comunidade, ao fortalecimento da f, da esperana e do amor. 122. A orao comunitria: nem sempre fcil re- zar com os outros, mas sabemos o quanto isto importante para a espiritualidade crist. Em comunidade, eleva-se a Deus uma voz unssona. Juntos louvamos, pedimos, agradecemos, cho- ramos, cantamos, silenciamos. Em comunidade, apresentamos a Deus os sucessos, as fraquezas, os sonhos, as lutas do povo. As celebraes so mo- mentos fortes de espiritualidade. Entre elas, desta- camos a missa dominical. Ela ultrapassa os dias, as preocupaes, as frustraes, os problemas, o cansao, to presentes na rotina dos outros dias da semana. Domingo o dia de encontrar-se com os outros jovens e irmos, tambm eles desejosos de novas respostas e foras para o seu cotidiano. Domingo o dia do Senhor. preciso recuper-lo como um dia especial de revigoramento espiritual, em que a Eucaristia ocupa lugar central.
  74. 74. 76 123. Aparticipaonacomunidade:desdeoincioda Histria da Salvao Deus forma um povo e vai se comunicando com ele, num processo constante de dilogo, convite converso e ao compromisso, com promessas de felicidade e fidelidade. Deus quis salvar a pessoa no isoladamente mas parti- cipante de um povo que o conhecesse na verdade e santamente o servisse (cf. LG, n. 9). A espiritua lidade da comunho fraterna essencial na vida crist e todo jovem convidado, desde cedo, a fazer esta experincia fundante da f atravs de seu envolvimento nas diversas responsabilidades assumidas na comunidade. O nosso testemunho de unidade, cultivado no exerccio de cada membro de uma mesma comunidade, mostrar ao mundo a fora transformadora da religio bem vivida. Ao lado dos outros, descobrimos no s o que temos de comum ou de diferente, mas acreditamos na comunicao de Deus que se serve de todos para falar a todos. 124. ALeituraOrantedaBblia(LOB):ummtodo que vem de antiga tradio da Igreja para ajudar no estudo e orao da Bblia. Ele contempla quatro passos: leitura, meditao, orao e contemplao da Palavra de Deus. tambm chamada de Lectio Divina. Deus, querendo deixar registrado na his- tria todo o seu projeto e sua vontade, serviu-se
  75. 75. 77 de vrias pessoas para escrever as experincias, as maravilhas, as quedas, as lutas, as fraquezas e as conquistas do seu povo. Quanto mais mer- gulhamos nas Escrituras, mais nos identificamos com este povo e adquirimos entendimento do que somos, para onde vamos e o que devemos fazer. Nas Sagradas Escrituras entra-se em contato com o povo que seguro da escolha de Deus nunca desanima e sempre se mostra criativo para en- frentar o mundo e propor novos caminhos. Jesus Cristo a Palavra de Deus por excelncia , ao se colocar como Caminho, Verdade e Vida (Jo 14,6) nos convida a conhec-lo profundamente. Assim, crer na Palavra de Deus essencial para um processo de crescimento do jovem que quer se comprometer cada vez mais com este projeto do Criador. 125. A vivncia dos sacramentos: de maneira toda especial encontramo-nos com Jesus na celebrao dos sacramentos. O jovem, batizado, desejoso de se tornar adulto na f, descobre, atravs da preparao e da celebrao do sacramento da Crisma, uma ocasio de receber os dons do Es- prito Santo e de ser ungido, isto , consagrado para a misso. importante que esta preparao leve o adolescente e o jovem a ter uma experin- cia comunitria da f! Animado porque a Igreja
  76. 76. 78 reconhece este grau de maturidade, o jovem se alimenta constantemente da misericrdia de Deus e do Po descido do cu. O sacramento da Recon- ciliao, preparado de maneira adequada e jovial, capaz de envolver e regenerar aquele que, nesta fase delicada da vida, se sente bastante agredido, atormentado, seduzido por tantos contra-valores da sociedade comodista e hedonista. Deus, que perdoa, tambm oferece um alimento eficaz ao jovem fraco e frgil: o Corpo e o Sangue de seu amado Filho Jesus. A evangelizao da juventude precisa ter um corao eucarstico! A comunho eucarstica, o exerccio da adorao ao Sants- simo e tantas outras manifestaes litrgicas, com linguagem apropriada, revigoram a vida do jovem e o incentivam a ser, tambm ele, po para as necessidades do prximo. 126. A devoo a Nossa Senhora: o reconhecimento da presena materna de Maria se desenvolve a partir das celebraes litrgicas e das diversas expresses da piedade popular. Entre elas destaca- se a reza do tero, com a qual, enquanto o jovem se sente abraado pela Me, medita os mistrios da Paixo, Morte e Ressurreio de Jesus. De grande valia so tambm as celebraes e as fes- tas marianas, as peregrinaes aos santurios de Nossa Senhora, as procisses em sua homenagem.
  77. 77. 79 Ao mesmo tempo em que a comunidade em suas oraes apresenta os jovens a Maria, ela, tambm, apresenta Maria aos jovens. 127. Osdiversosencontrosespirituais:nossatradio eclesial comprova o valor perene