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5/27/2018 DocumentoBase-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/documento-base-562165dfdc960 1/59  MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO SECRETARIA DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL TÉCNICA DE NÍVEL MÉDIO INTEGRADA AO ENSINO MÉDIO DOCUMENTO BASE Brasília, dezembro de 2007.

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  • MINISTRIO DA EDUCAO

    SECRETARIA DE EDUCAO PROFISSIONAL E TECNOLGICA

    EDUCAO PROFISSIONAL TCNICA DE NVEL MDIO INTEGRADA AO ENSINO MDIO

    DOCUMENTO BASE

    Braslia, dezembro de 2007.

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    Presidncia da Repblica Federativa do Brasil Ministrio da Educao Secretaria Executiva Secretaria de Educao Profissional e Tecnolgica

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    Coordenao Editorial Dante Henrique Moura Texto Dante Henrique Moura Sandra Regina de Oliveira Garcia Marise Nogueira Ramos

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    APRESENTAO

    Entre as razes do Plano de Desenvolvimento da Educao PDE, a opo pelo apoio a forma de oferta de educao profissional tcnica de nvel mdio integrada ao ensino mdio d-se, principalmente, pelo fato de ser a que apresenta melhores resultados pedaggicos. Assim, o PDE prope sua consolidao jurdica na LDB, com o acrscimo de uma seo especificamente dedicada articulao entre a educao profissional e o ensino mdio, denominada Da Educao Profissional Tcnica de Nvel Mdio, e pelo financiamento para a melhoria da qualidade do ensino mdio integrado e ampliao de sua oferta nos sistemas de ensino estaduais por meio do Programa Brasil Profissionalizado, institudo pelo Decreto no. 6.302, de 12 de dezembro de 2007.

    Assim, o Programa Brasil Profissionalizado visa estimular o ensino mdio integrado educao profissional, enfatizando a educao cientfica e humanstica, por meio da articulao entre formao geral e educao profissional, considerando a realidade concreta no contexto dos arranjos produtivos e das vocaes sociais, culturais e econmicas locais e regionais, por meio da prestao de assistncia financeira para construo, ampliao, modernizao e adequao de espao fsico; construo de laboratrios de fsica, qumica, biologia, matemtica, informtica e os recomendados no Catlogo Nacional de Cursos Tcnicos da SETEC; aquisio de acervo bibliogrfico; material de consumo e formao de docentes, gestores e pessoal tcnico-administrativo.

    Porm, faz-se igualmente necessria uma ao poltica concreta de explicitao, para as instituies e sistemas de ensino, dos princpios e diretrizes do ensino mdio integrado educao profissional. Nesse sentido, este documento-base propem-se a contextualizao dos embates que esto na base da opo pela formao integral do trabalhador, expressa no Decreto no 5.154/2004, apresentando os pressupostos para a concretizao dessa oferta, suas concepes e princpios e alguns fundamentos para a construo de um projeto poltico-pedaggico integrado.

    No entanto, tal poltica somente lograr xito se, para alm dos esforos governamentais, a sociedade civil entend-la como necessria e adequada formao de seus cidados e com ela comprometer-se, visando o enriquecimento e consolidao desse projeto.

    Secretaria de Educao Profissional e Tecnolgica

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    SUMRIO Apresentao Introduo

    1 Panorama da Educao Profissional e do Ensino Mdio: (des)construes a partir da dcada de 1980

    1.1 Antecedentes Histricos 1.2 A ltima Etapa da Educao Bsica e a Educao Profissional na

    Constituinte de 1988 e na Gnese da LDB (Lei N 9.394/1996) 1.3 A Reforma da Educao Profissional da Segunda Metade dos Anos 1990:

    o Decreto n 2.208/1997 e o Proep 1.4 Uma Nova Chance para a Integrao entre o Ensino Mdio e a Educao

    Profissional: o Decreto n 5.154/2004

    2 Por uma Poltica Pblica Educacional de Integrao entre o Ensino Mdio e a Educao Profissional Tcnica de Nvel Mdio

    2.1 A Articulao entre as Polticas Setoriais do Estado Brasileiro 2.2 A Necessria Interao entre o MEC e os Sistemas de Ensino 2.3 Quadro Docente Prprio e sua Formao 2.4 Financiamento

    3 Concepes e Princpios 3.1 Formao Humana Integral 3.2 Trabalho, Cincia, Tecnologia e Cultura como Categorias Indissociveis

    da Formao Humana 3.3 O Trabalho como Princpio Educativo 3.4 A Pesquisa como Princpio Educativo: o trabalho de produo do

    conhecimento 3.5 A Relao Parte-Totalidade na Proposta Curricular

    4 Alguns Fundamentos para a Construo de um Projeto Poltico-Pedaggico Integrado

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    INTRODUO

    Em 2003, o Ministrio da Educao/SEMTEC, organizou dois

    seminrios que foram o marco da discusso da integrao. O primeiro Seminrio Nacional Ensino Mdio: Construo Poltica que ocorreu em Braslia em maio de 2003, teve como objetivo discutir a realidade do ensino mdio brasileiro e novas perspectivas na construo de uma poltica

    para esse nvel de ensino, cujo resultado foi sistematizado no livro: Ensino Mdio: Cincia, Cultura e Trabalho. O segundo foi o Seminrio Nacional de Educao Profissional Concepes, experincias, problemas e propostas especfico da educao profissional e tecnolgica e teve como base de

    discusso, o documento intitulado: Polticas Pblicas para a Educao Profissional e Tecnolgica, o resultado dessas discusses foi sistematizado no documento publicado pelo MEC, em 2004, Proposta em discusso: Polticas Pblicas para a Educao Profissional e Tecnolgica.

    Nesses seminrios, principalmente no segundo, ficou evidenciado

    duas concepes de educao profissional, a primeira ancorada nos princpios

    do Decreto n. 2.208/97, que na sua essncia separava a educao

    profissional da educao bsica, e outra que trazia para o debate os princpios

    da educao tecnolgica/politecnia. O documento do MEC j apontava naquele momento a perspectiva de integrao das polticas para o ensino mdio e para

    a educao profissional, tendo como objetivo o aumento da escolarizao e a

    melhoria da qualidade da formao do jovem e adulto trabalhador.

    A discusso sobre as finalidades do ensino mdio deu centralidade

    aos seus principais sentidos sujeitos e conhecimentos buscando superar a

    determinao histrica do mercado de trabalho sobre essa etapa de ensino,

    seja na sua forma imediata, predominantemente pela vertente

    profissionalizante; seja de forma mediata, pela vertente propedutica. Assim, a

    poltica de ensino mdio foi orientada pela construo de um projeto que

    supere a dualidade entre formao especfica e formao geral e que desloque

    o foco dos seus objetivos do mercado de trabalho para a pessoa humana,

    tendo como dimenses indissociveis o trabalho, a cincia, a cultura e a

    tecnologia.

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    A SEMTEC/MEC assumiu, portanto, a responsabilidade e o desafio

    de elaborar uma poltica que superasse essa dicotomia entre conhecimentos

    especficos e gerais, entre ensino mdio e educao profissional. Muitas

    reunies foram realizadas com todos os segmentos da sociedade com o intuito

    de discutir a proposta de uma poltica que recuperasse o que o Decreto n.

    2.208/97 coibia, isso , a possibilidade da integrao da formao bsica e

    profissional de forma orgnica num mesmo currculo. O debate sobre a

    mudana na legislao, uma reivindicao dos educadores progressistas

    desde a origem do Decreto n. 2.208/97, explicita novamente vises

    diferenciadas sobre a relao entre a educao bsica e a profissional.

    A possibilidade mais imediata para o enfrentamento desse problema

    foi a proposio de uma nova regulamentao, o Decreto n. 5.154/04,

    amplamente discutido com a sociedade.

    A exposio de motivos desse decreto argumenta que a Lei de

    Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB) em seu artigo 39 apregoa que

    a educao profissional, integrada s diferentes formas de educao, ao

    trabalho, cincia e tecnologia, conduz ao permanente desenvolvimento de

    aptides para a vida produtiva. V-se, portanto, que a integrao da educao

    profissional com o processo produtivo, com a produo de conhecimentos e

    com o desenvolvimento cientfico-tecnolgico , antes de tudo, um princpio a

    ser seguido. O artigo 40, por sua vez, estabelece que a educao profissional

    deve ser desenvolvida em articulao com o ensino regular ou por diferentes

    estratgias de educao continuada. Tendo primeiro se pronunciado sobre um

    princpio, nesse item, a Lei se pronuncia sobre a forma como a educao

    profissional pode ser desenvolvida.

    O termo articulao indica a conexo entre partes, nesse caso, a

    educao profissional e os nveis da educao nacional. No caso do ensino

    mdio, etapa final da educao bsica, essa articulao adquire uma

    especificidade quando o artigo 36, pargrafo 2o, apregoa que o ensino mdio,

    atendida a formao geral do educando, poder prepara-lo para o exerccio de

    profisses tcnicas. Nesse caso, a articulao pode chegar ao mximo,

    promovendo uma verdadeira integrao, por meio da qual educao

    profissional e ensino regular se complementam, conformando uma totalidade. A

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    Lei assegura que os cursos do ensino mdio tero equivalncia legal e

    habilitaro ao prosseguimento de estudos (art. 36, 3). A preparao do

    estudante para o exerccio de profisses tcnicas realizada no ensino mdio

    configura uma habilitao tcnica que, segundo o pargrafo 4o do art. 36,

    poder ser desenvolvida nos prprios estabelecimentos de ensino mdio ou em

    cooperao com instituies especializadas em educao profissional.

    Portanto, o desenvolvimento da habilitao profissional no ensino

    mdio uma possibilidade legal e necessria aos jovens brasileiros, devendo-

    se ter assegurada a formao geral, de acordo com as finalidades dispostas no

    artigo 35 e com os princpios curriculares a que se referem o artigo 36.

    Entretanto, o Decreto no 2.208/97, ao regulamentar a educao profissional,

    incluindo o pargrafo 2o. do artigo 36 da LDB, impossibilitou qualquer

    perspectiva profissionalizante no ensino mdio. Essa medida era carente de

    respaldo legal, uma vez que estabelecia uma restrio a algo que a lei maior da

    educao permite. Com isso, a revogao de tal decreto era urgente. Essa

    revogao veio a ser feita mediante um novo decreto regulamentador dos

    artigos 35 e 36 e 39 a 41 da LDB, a fim de esclarecer e explicitar aos sistemas

    de ensino como a educao profissional pode se integrar e se articular

    educao escolar, definindo-se as possibilidades de oferta de cursos em cada

    uma das etapas e dos nveis da educao nacional.

    Estava claro, entretanto que, mais importante do que a

    regulamentao formal, era imprescindvel uma poltica indutora da

    implantao do ensino mdio integrado educao profissional. Nesse sentido,

    se pretendia fazer desse decreto um instrumento transitrio de

    regulamentao, para que a ampliao e o aprofundamento do debate

    permitissem desembocar numa regulamentao democrtica e coletivamente

    construda. No obstante ao compromisso com esse propsito e considerando

    a necessidade de se revogar o Decreto n. 2.208/97, no seria possvel

    aguardar a regulamentao definitiva sem que as bases organizacionais da

    educao profissional em articulao com o ensino regular fossem

    estabelecidas. Por isso, a necessidade de um decreto que, alm de revogar o

    anterior, regulamentasse transitoriamente os artigos da LDB que dispem

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    sobre o ensino mdio e a educao profissional. Isso expressava a

    responsabilidade do Ministrio da Educao com sua incumbncia de

    coordenao da poltica nacional de educao, articulando os diferentes nveis

    e sistemas e exercendo funo normativa, redistributiva e supletiva em relao

    s demais instncias educacionais (LDB, art. 8. 1.). Atualmente, o projeto

    de emenda LDB, em tramitao no Congresso Nacional, visa incorporar ao

    texto maior da educao o princpio da integrao.

    Acompanhada a essa medida, porm, segue uma ao poltica

    concreta de explicitao dos princpios e diretrizes s instituies e sistemas de

    ensino, por meio deste documento. A inteno de que a sociedade civil se

    comprometa com essa poltica, considerando-a necessria e adequada

    formao da classe trabalhadora brasileira no sentido de sua autonomia e

    emancipao.

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    1. PANORAMA DA EDUCAO PROFISSIONAL E DO ENSINO MDIO: (DES)CONSTRUES A PARTIR DA DCADA DE 19801

    1.1 ANTECEDENTES HISTRICOS

    A relao entre educao bsica e profissional no Brasil est

    marcada historicamente pela dualidade. Nesse sentido, at o sculo XIX no

    h registros de iniciativas sistemticas que hoje possam ser caracterizadas

    como pertencentes ao campo da educao profissional. O que existia at ento

    era a educao propedutica para as elites, voltada para a formao de futuros

    dirigentes.

    Os primeiros indcios do que hoje se pode caracterizar como as

    origens da educao profissional surgem a partir de 1809, com a criao do

    Colgio das Fbricas, pelo Prncipe Regente, futuro D. Joo VI (Brasil, 1999 -

    Parecer n0 16/99-CEB/CNE).

    Nessa direo, ao longo do sculo XIX foram criadas vrias

    instituies, predominantemente no mbito da sociedade civil, voltadas para o

    ensino das primeiras letras e a iniciao em ofcios, cujos destinatrios eram as

    crianas pobres, os rfos e os abandonados, dentre essas, os Asilos da

    Infncia dos Meninos Desvalidos. Segundo Manfredi,

    Crianas e jovens em estado de mendicncia eram encaminhados para essas casas, onde recebiam instruo primria [...] e aprendiam alguns dos seguintes ofcios: tipografia, encadernao, alfaiataria, tornearia, carpintaria, sapataria etc. Concluda a aprendizagem, o artfice permanecia mais trs anos no asilo, trabalhando nas oficinas, com a dupla finalidade de pagar sua aprendizagem e formar um peclio que lhe era entregue no final do trinio. (Manfredi, 2002, p. 76-77, citado por Maciel, 2005, p. 31).

    A educao profissional no Brasil tem, portanto, a sua origem dentro

    de uma perspectiva assistencialista com o objetivo de amparar os rfos e os

    1 Este captulo foi produzido a partir do texto Educao bsica e educao profissional e tecnolgica: dualidade histrica e perspectivas de integrao (Moura, 2006), apresentado na 1 Conferncia Nacional da Educao Profissional e Tecnolgica, realizada em Braslia DF, no perodo de 5 a 8 de novembro de 2006, assim como de uma verso revisada do mesmo texto apresentada no mbito do GT Trabalho e Educao na 30 Reunio Anual da ANPED, realizada em Caxambu/MG, no perodo de 7 a 10 de outubro do 2007 (Moura, 2007).

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    demais desvalidos da sorte, ou seja, de atender queles que no tinham

    condies sociais satisfatrias, para que no continuassem a praticar aes

    que estavam na contra-ordem dos bons costumes.

    O incio do sculo XX trouxe uma novidade para a educao

    profissional do pas quando houve um esforo pblico de sua organizao,

    modificando a preocupao mais nitidamente assistencialista de atendimento a

    menores abandonados e rfos, para a da preparao de operrios para o

    exerccio profissional. Assim, em 1909, o Presidente Nilo Peanha criou as

    Escolas de Aprendizes Artfices, destinadas aos pobres e humildes, e instalou

    dezenove delas, em 1910, nas vrias unidades da Federao.

    A criao das Escolas de Aprendizes Artfices e do ensino agrcola

    evidenciou um grande passo ao redirecionamento da educao profissional no

    pas, pois ampliou o seu horizonte de atuao para atender necessidades

    emergentes dos empreendimentos nos campos da agricultura e da indstria.

    Nesse contexto, chega-se s dcadas de 30 e 40, marcadas por

    grandes transformaes polticas, econmicas e educacionais na sociedade

    brasileira.

    nesse momento que no Brasil se fortalece a nova burguesia

    industrial em substituio s oligarquias cafeeiras, profundamente afetadas

    pela crise da agricultura do caf dos anos 20 e pelo crash da bolsa de Nova

    Iorque, em 1929.

    Esse processo de industrializao e modernizao das relaes de

    produo exigiu um posicionamento mais efetivo das camadas dirigentes com

    relao educao nacional. Como parte das respostas a essas demandas,

    foram promulgados diversos DecretosLei para normatizar a educao

    nacional.

    Este conjunto de decretos ficou conhecido como as Leis Orgnicas

    da Educao Nacional a Reforma Capanema, em funo do nome do ento

    ministro da educao, Gustavo Capanema. Os principais decretos foram os

    seguintes: Decreto n. 4.244/42 Lei Orgnica do Ensino Secundrio; Decreto

    n. 4.073/42 Lei Orgnica do Ensino Industrial; Decreto n. 6.141/43 Lei

    Orgnica do Ensino Comercial; Decreto n. 8.529/46 Lei Orgnica do Ensino

    Primrio; Decreto n. 8.530/46 Lei Orgnica do Ensino Normal e; Decreto n.

    9.613/46 Lei Orgnica do Ensino Agrcola. Alm disso, o Decreto-Lei n.

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    4.048/1942 cria o Servio Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), que

    deu origem ao que hoje se conhece como Sistema S2.

    Esse esforo governamental evidencia a importncia que passou a

    ter a educao dentro do pas e, em especial, a educao profissional, pois

    foram definidas leis especficas para a formao profissional em cada ramo da

    economia e para a formao de professores em nvel mdio.

    Entretanto, reafirmava-se a dualidade, pois o acesso ao ensino superior, via

    processo seletivo, continuava ocorrendo em funo do domnio dos contedos

    gerais, das letras, das cincias e das humanidades, assumidos como nicos

    conhecimentos vlidos para a formao da classe dirigente (Kuenzer, 1997).

    Desse modo, aps a Reforma Capanema, a educao brasileira

    denominada regular, fica estruturada em dois nveis, a educao bsica e a

    superior. A educao bsica divida em duas etapas: o curso primrio e o

    secundrio, subdividido em ginasial e colegial.

    A vertente profissionalizante, parte final do ensino secundrio, era

    constituda pelos cursos normal, industrial tcnico, comercial tcnico e

    agrotcnico. Todos com o mesmo nvel e durao do colegial, entretanto no

    habilitavam para o ingresso no ensino superior.

    Apesar dessa diferenciao, nesse contexto que, por meio de

    exames de adaptao, surge pela primeira vez uma possibilidade de

    aproximao entre o ramo secundrio propedutico (o colegial, com suas

    variantes cientfico e clssico) e os cursos profissionalizantes de nvel mdio.

    Outra fase de grande efervescncia poltica em torno das questes

    educacionais foi o perodo que antecedeu a vigncia da primeira Lei de

    Diretrizes e Bases da Educao Nacional LDB. O projeto de Lei comeou a

    tramitar no Congresso Nacional em 1948, portanto na fase de

    redemocratizao do pas ps Estado Novo, entretanto a Lei no 4.024 (a

    primeira LDB) s entrou em vigor em 1961.

    2 Para Grabowski (2005), integram o Sistema S: SENAI Servio Nacional de Aprendizagem Industrial, SESI Servio Social da Indstria, SENAC Servio Nacional de Aprendizagem Comercial, SESC Servio Social do Comrcio, SENAT Servio Nacional de Aprendizagem dos Transportes, SEST Servio Social dos Transportes, SENAR Servio Nacional de Aprendizagem Rural, SESCOOP Servio Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo e SEBRAE - Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas.

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    Todo o perodo de trmite e discusses foi extremamente rico em

    debates acerca da sociedade brasileira que estava em conflito entre modelos

    distintos de desenvolvimento. A poltica educacional refletiu esses conflitos de

    poder, de modo que a luta em torno criao da LDB ocorreu em meio

    polarizao de interesses entre os setores populares e populistas que

    pleiteavam, entre outros aspectos, a extenso da rede escolar gratuita

    (primrio e secundrio); e equivalncia entre ensino mdio propedutico e

    profissionalizante, com possibilidade de transferncia de um para outro, ambos

    incorporados na proposta do Ministro Clemente Mariani (Freitag, 1979).

    Enquanto isso, os setores vinculados s classes hegemnicas, cujos

    interesses estavam materializados no substitutivo Lacerda (de Carlos Lacerda)

    reivindicavam a reduo da ao da sociedade poltica sobre a escola. Desse

    modo, defendiam que a educao fosse ministrada predominantemente em

    escolas privadas. Na viso deles, as escolas pblicas deveriam ser

    complementares para quem no quisesse matricular os filhos na escola

    particular, de forma que os pais teriam liberdade de escolher a escola dos

    filhos. Tambm incorporavam a defesa da subveno do Estado para as

    escolas, inclusive s privadas. Justificavam a proposta alegando que o Estado

    precisava assegurar a boa educao dos futuros cidados, independentemente

    da escola escolhida pelas famlias (Freitag, 1979). Finalmente, tambm era

    advogado por esse grupo, o fato de que a obrigao do Estado de

    subvencionar as escolas privadas no lhe daria o direito de fiscalizar essa rede,

    em nome da liberdade de ensino.

    Foi desse contexto de conflitos que resultou a primeira LDB, a qual,

    por um lado, proporciona a liberdade de atuao da iniciativa privada no

    domnio educacional, mas, por outro, d plena equivalncia entre todos os

    cursos do mesmo nvel sem a necessidade de exames e provas de

    conhecimento visando equiparao. Esse fato colocava, formalmente, um fim

    na dualidade de ensino.

    importante frisar que essa dualidade s acabava formalmente j

    que os currculos se encarregavam de mant-la, uma vez que a vertente do

    ensino voltada para a continuidade de estudos em nvel superior e, portanto,

    destinada s elites, continuava privilegiando os contedos que eram exigidos

    nos processos seletivos de acesso educao superior, ou seja, as cincias,

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    as letras e as artes. Enquanto isso, nos cursos profissionalizantes, esses

    contedos eram reduzidos em favor das necessidades imediatas do mundo do

    trabalho.

    Assim chega-se aos anos 1970, de modo que em 1971, sob o

    governo militar, h uma profunda reforma da educao bsica promovida pela

    Lei no 5.692/71 Lei da Reforma de Ensino de 1 e 2o graus -, a qual se

    constituiu em uma tentativa de estruturar a educao de nvel mdio brasileiro

    como sendo profissionalizante para todos.

    As mudanas concentraram-se na educao de grau primrio e de

    grau mdio, mais especificamente nos cursos que at ento se denominavam

    primrio, ginasial e colegial, os quais foram transformados em 1o grau e 2o

    grau, sendo que o 1o grau agrupou o primrio e o ginasial e o 2o grau absorveu

    o colegial.

    Um aspecto extremamente relevante, e, ao mesmo tempo, polmico,

    foi o carter de profissionalizao obrigatria do ensino de 2o grau. Uma

    conjugao de fatores produziu essa compulsoriedade. Por um lado, um

    governo autoritrio com elevados ndices de aceitao popular, evidentemente

    interessado em manter-se dessa forma. Para isso era necessrio dar respostas

    crescente demanda das classes populares por acesso a nveis mais elevados

    de escolarizao, o que acarretava uma forte presso pelo aumento de vagas

    no ensino superior.

    Entretanto, esse governo tinha seu projeto de desenvolvimento do

    Brasil centrado em uma nova fase de industrializao subalterna, o que ficou

    conhecido como o milagre brasileiro. Esse milagre demandava por mo-de-

    obra qualificada (tcnicos de nvel mdio) para atender a tal crescimento.

    Assim, a opo poltica do governo, sustentada no modelo de

    desenvolvimento econmico por ele potencializado, foi dar uma resposta

    diferente s demandas educacionais das classes populares, mas que pudesse

    atend-las. Utilizou-se, ento, da via da formao tcnica profissionalizante

    em nvel de 2o grau, o que garantiria a insero no mercado de trabalho -

    em plena expanso em funo dos elevados ndices de desenvolvimento.

    Entretanto, na prtica, a compulsoriedade se restringiu ao mbito

    pblico, notadamente nos sistemas de ensino dos estados e no federal.

    Enquanto isso, as escolas privadas continuaram, em sua absoluta maioria, com

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    os currculos propeduticos voltados para as cincias, letras e artes visando o

    atendimento s elites.

    Nos sistemas estaduais de ensino a profissionalizao compulsria

    foi amplamente problemtica e no foi implantada completamente. Em primeiro

    lugar, porque a concepo curricular que emanava da Lei empobrecia a

    formao geral do estudante em favor de uma profissionalizao instrumental

    para o mercado de trabalho, sob a alegao da importncia da relao entre

    teoria e prtica para a formao integral do cidado.

    Entretanto, de forma incoerente com o discurso, ao invs de se

    ampliar a durao do 2o grau para incluir os contedos da formao

    profissional de forma integrada aos conhecimentos das cincias, das letras e

    das artes, o que houve foi a reduo dos ltimos em favor dos primeiros, os

    quais assumiram um carter instrumental e de baixa complexidade. E isto no

    ocorreu por acaso, pois fazia parte da prpria concepo de desenvolvimento

    do Pas e da reforma educacional em questo.

    Diante desse quadro, observa-se um acentuado movimento dos

    filhos da classe mdia das escolas pblicas para as privadas na busca de

    garantir uma formao que lhes permitisse continuar os estudos no nvel

    superior. Esse movimento alimenta o processo de desvalorizao da escola

    pblica estadual e municipal, pois era e continua sendo a classe mdia que tem

    algum poder de presso junto s esferas de governo.

    Nesse processo, a profissionalizao obrigatria vai desvanecendo-

    se, de modo que ao final dos anos 1980 e primeira metade dos anos 1990,

    quando, aps a promulgao da Constituio Federal de 1988, ocorre no

    Congresso Nacional o processo que culmina com a entrada em vigor de uma

    nova LDB, a Lei n0 9.394/1996, j quase no h mais 2o grau profissionalizante

    no pas, exceto nas Escolas Tcnicas Federais ETF, Escolas Agrotcnicas

    Federais EAF e em poucos sistemas estaduais de ensino.

  • 16

    1.2 A LTIMA ETAPA DA EDUCAO BSICA E A EDUCAO PROFISSIONAL NA CONSTITUINTE DE 1988 E NA GNESE DA LDB (LEI N 9.394/1996)

    Igualmente ao trmite que resultou na primeira LDB a de 1.961-,

    no processo mais recente de onde emergiram a nova Carta Magna de 1988 e a

    segunda Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (Lei n 9.394/1996) o

    pas estava saindo de um perodo ditatorial e tentando reconstruir o estado de

    direito, de modo que os conflitos no eram pequenos em torno de projetos

    societrios distintos.

    Na esfera educacional, a principal polmica continuou sendo o

    conflito entre os que advogam por uma educao pblica, gratuita, laica e de

    qualidade para todos, independentemente da origem socioeconmica, tnica,

    racial etc. e os defensores da submisso dos direitos sociais em geral e,

    particularmente, da educao lgica da prestao de servios sob a

    argumentao da necessidade de diminuir o estado que gasta muito e no faz

    nada bem feito.

    Nesse embate, prevaleceu a lgica de mercado e, portanto, a

    iniciativa privada pode atuar livremente na educao em todos os nveis,

    conforme garantido pela Constituio Federal de 1988 e ratificado pela LDB de

    19963.

    Especificamente no que tange relao entre a ltima etapa da

    educao bsica (atual ensino mdio, poca 2 grau) e a educao

    profissional, no processo de elaborao da nova LDB, ressurge o conflito da

    dualidade (Frigoto, Civatta e Ramos, 2005). De um lado a defesa da formao

    profissional lato sensu integrada ao 2 grau nos seus mltiplos aspectos

    humansticos e cientfico-tecnolgicos constante no primeiro projeto de Lei de

    LDB, apresentado pelo Deputado Federal Otvio Elsio, que tratava o 2 grau

    da seguinte forma:

    A educao escolar de 2o grau ser ministrada apenas na lngua nacional e tem por objetivo propiciar aos adolescentes a formao politcnica necessria compreenso terica e prtica dos fundamentos cientficos das mltiplas tcnicas utilizadas no processo produtivo (Brasil. 1991, art. 38 citado por Frigotto, Ciavatta e Ramos, 2005).

    3 Anlises mais profundas sobre a questo educacional brasileira na Constituinte de 1988 e na LDB de 1996 podem ser encontradas em Fvero (2005) e Machado (1997), dentre outros.

  • 17

    Nessa proposta, o papel do 2 grau estaria orientado recuperao

    da relao entre conhecimento e a prtica do trabalho, o que denotaria

    explicitar como a cincia se converte em potncia material no processo

    produtivo. Dessa forma, seu horizonte deveria ser o de propiciar aos alunos o

    domnio dos fundamentos das tcnicas diversificadas utilizadas na produo, e

    no o mero adestramento em tcnicas produtivas. No se deveria, ento,

    propor que o ensino mdio formasse tcnicos especializados, mas sim

    politcnicos. (Frigotto, Ciavatta e Ramos, 2005, p. 35).

    Nesse contexto, a politecnia relaciona-se com domnio dos

    fundamentos cientficos das diferentes tcnicas que caracterizam o processo

    de trabalho moderno (Saviani, 2003, p. 140). De acordo com essa viso, a

    educao escolar, particularmente o 2 grau, deveria propiciar aos estudantes

    a possibilidade de (re)construo dos princpios cientficos gerais sobre os

    quais se fundamentam a multiplicidade de processos e tcnicas que do base

    aos sistemas de produo em cada momento histrico.

    Essa perspectiva de formao integral foi perdendo-se

    gradativamente em funo da mesma correlao de foras j mencionada

    anteriormente ao se tratar do embate entre educao pblica e educao

    privada. Desse modo, o texto finalmente aprovado pelo Congresso Nacional

    em 1996 o substitutivo Darcy Ribeiro consolida, mais uma vez, a dualidade

    entre a ltima etapa da educao bsica, que passa a denominar-se ensino

    mdio, e a educao profissional.

    O texto minimalista e ambguo em geral e, em particular, no que se

    refere a essa relao ensino mdio e educao profissional. Assim, o ensino

    mdio est no Captulo II que destinado educao bsica. Enquanto a

    educao profissional est em outro, o Captulo III, constitudo por trs

    pequenos artigos.

    Assim sendo, como a educao brasileira fica estruturada na nova

    LDB em dois nveis - educao bsica e educao superior - e a educao

    profissional no est em nenhum dos dois, consolida-se a dualidade de forma

    bastante explcita. Dito de outra maneira, a educao profissional no faz parte

    da estrutura da educao regular brasileira. considerada como algo que vem

    em paralelo ou como um apndice.

  • 18

    Apesar disso, no 2 do artigo 36 Seo IV do Captulo II que se

    refere ao ensino mdio estabelece-se que O ensino mdio, atendida a

    formao geral do educando, poder prepar-lo para o exerccio de profisses tcnicas. (grifo nosso)

    Por outro lado, no artigo 40 Captulo III , est estabelecido que a

    educao profissional ser desenvolvida em articulao com o ensino regular ou por diferentes estratgias de educao continuada, em instituies especializadas ou no ambiente de trabalho. (grifo nosso)

    Esses dois pequenos trechos da Lei so emblemticos no sentido de

    explicitar o seu carter minimalista e ambguo. Esses dispositivos legais

    evidenciam que quaisquer possibilidades de articulao entre o ensino mdio e

    a educao profissional podem ser realizadas, assim como a completa

    desarticulao entre eles.

    Cabe ressaltar que essa redao no inocente e desinteressada.

    Ao contrrio, objetiva consolidar a separao entre o ensino mdio e a

    educao profissional, o que j era objeto do Projeto de Lei de iniciativa do

    poder executivo que ficou conhecido como o PL n. 1.603, o qual tramitava no

    Congresso Nacional em 1996 anteriormente aprovao e promulgao da

    prpria LDB.

    O contedo do PL n. 1.603 que, dentre outros aspectos, separava

    obrigatoriamente o ensino mdio da educao profissional, encontrou ampla

    resistncia das mais diversas correntes polticas dentro do Congresso Nacional

    e gerou uma mobilizao contrria da comunidade acadmica, principalmente,

    dos grupos de investigao do campo trabalho e educao, das ETF e dos

    Centros Federais de Educao Tecnolgica CEFET.

    Em funo dessa resistncia e da iminncia da aprovao da prpria

    LDB no Congresso Nacional diminui-se a presso governamental com relao

    ao trmite do PL n. 1.603, uma vez que a redao dos artigos 36 Ensino

    Mdio e 39 a 42 Educao Profissional possibilitavam a regulamentao

    na linha desejada pelo governo por meio de Decreto do Presidente da

    Repblica, o que se materializou em abril de 1997, poucos meses aps a

    promulgao da LDB, ocorrida em dezembro de 1996.

    Dessa forma, o contedo do PL 1603 foi praticamente todo

    contemplado no Decreto n0 2.208/1997, de maneira que foi alcanado o intuito

  • 19

    de separar o ensino mdio da educao profissional sem que fosse necessrio

    enfrentar o desgaste de tramitar um Projeto de Lei ao qual havia ampla

    resistncia.

    1.3 A REFORMA DA EDUCAO PROFISSIONAL DA SEGUNDA

    METADE DOS ANOS 1990: O DECRETO N 2.208/97 E O PROEP O Decreto n. 2.208/97, o Programa de Expanso da Educao

    Profissional (PROEP) e as aes deles decorrentes ficaram conhecidos como a

    Reforma da Educao Profissional. Nesse contexto, o ensino mdio retoma

    legalmente um sentido puramente propedutico, enquanto os cursos tcnicos,

    agora obrigatoriamente separados do ensino mdio, passam a ser oferecidos

    de duas formas. Uma delas a Concomitante ao ensino mdio, em que o

    estudante pode fazer ao mesmo tempo o ensino mdio e um curso tcnico,

    mas com matrculas e currculos distintos, podendo os dois cursos serem

    realizados na mesma instituio (concomitncia interna) ou em diferentes

    instituies (concomitncia externa). A outra forma a Seqencial, destinada a

    quem j concluiu o ensino mdio e, portanto, aps a educao bsica.

    Juntamente com o Decreto no. 2.208/97, que estabeleceu as bases

    da reforma da educao profissional, o governo federal negociou emprstimo

    junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) com o objetivo de

    financiar a mencionada reforma como parte integrante do projeto de

    privatizao do estado brasileiro em atendimento poltica neoliberal,

    determinada desde os pases hegemnicos de capitalismo avanado, dos

    organismos multilaterais de financiamento e das grandes corporaes

    transnacionais. Esse financiamento materializado por meio Proep.

    Apesar da crtica que merece essa lgica privatizante que transferiu

    grande parte do patrimnio pblico nacional iniciativa privada a baixos custos,

    necessrio reconhecer que a reforma da educao profissional e o Proep

    foram extremamente coerentes com a lgica neoliberal que os patrocinou, de

    forma que ao serem analisados a partir dessa perspectiva, revelam-se muito

    eficientes.

    Existem vrios aspectos que demonstram essa eficincia. Aqui

    sero destacados apenas dois deles. O primeiro diz respeito lgica da

    relao entre o Proep e a Rede Federal de Educao Profissional e

  • 20

    Tecnolgica e entre o Programa em questo e as escolas estaduais e

    comunitrias.

    A funo do Proep para a Rede Federal era reestrutur-la desde o

    ponto de vista de suas ofertas educacionais, da gesto e das relaes

    empresariais e comunitrias na perspectiva de torn-la competitiva no mercado

    educacional. Mediante projeto, essas instituies receberam aporte de

    recursos, via Proep, com o objetivo de reestruturarem-se a fim de assumir a

    nova funo, ou seja, a de buscar arrecadao a partir da prestao de

    servios comunidade na perspectiva de aumentar sua capacidade de

    autofinanciamento e, dessa forma, o Estado gradativamente se eximiria do

    custo com sua manuteno.

    Paralelamente ao aporte de recursos do Proep, o oramento pblico

    das instituies federais de educao tecnolgica foi sendo reduzido, uma vez

    que esse Programa tinha durao determinada com previso inicial de 5 anos4,

    ao final dos quais, segundo a lgica da reforma, era necessrio que essas

    instituies estivessem preparadas para buscar parte de seus oramentos por

    meio da venda de cursos sociedade e de outras formas de prestao de

    servios.

    Cabe destacar que os critrios de elegibilidade dos projetos

    institucionais eram extremamente coerentes com a reforma da educao

    profissional e tecnolgica. Assim, o projeto que apresentasse alguma proposta

    relacionada com o ensino mdio era sumariamente descartado, medida

    compatvel com a separao do ensino mdio da educao profissional e, mais

    ainda, com o afastamento definitivo das instituies federais de educao

    tecnolgica da educao bsica.

    Nessa mesma direo, a Portaria no 646/97 determinou que a partir

    de 1998 a oferta de vagas de cada instituio federal de educao tecnolgica

    no ensino mdio corresponderia a, no mximo, 50% das vagas oferecidas nos

    cursos tcnicos de nvel mdio no ano de 1997, os quais conjugavam ensino

    mdio e educao profissional. Desse modo, na prtica, essa simples Portaria

    determinou a reduo da oferta de ensino mdio no pas algo flagrantemente 4 Na verdade, em funo de constantes atrasos na elaborao e execuo dos projetos nos moldes exigidos pela forte burocracia definida pelo BID, esse prazo foi ampliado, de maneira que em 2007 algumas aes ainda esto sendo executadas, principalmente, nos sistemas estaduais.

  • 21

    inconstitucional, mas que teve plena vigncia at 01/10/2003, quando foi

    publicada no Dirio Oficial da Unio a sua revogao por meio da Portaria n.

    2.736/2003.

    Merece ressaltar que a manuteno de 50% da oferta do ensino

    mdio na Rede Federal no era a inteno inicial dos promotores da reforma.

    Ao contrrio, a idia era extinguir definitivamente a vinculao das instituies

    federais de educao tecnolgica com a educao bsica. Na verdade, a

    manuteno desses 50% foi fruto de um intenso processo de mobilizao

    ocorrido na Rede, principalmente, entre 17 de abril e 14 de maio de 1997,

    datas de publicao do Decreto no. 2.208 e da Portaria no. 646,

    respectivamente.

    Alm disso, a Rede Federal teve sua expanso limitada. A Unio s

    poderia criar novas unidades para o ensino tcnico mediante parceria com os

    estados, os municpios, o setor produtivo ou organizaes no-

    governamentais, que seriam responsveis pela manuteno e gesto dos

    novos estabelecimentos de ensino (Cunha, 2005, p. 256). Os objetivos do

    Proep determinavam que o aumento da quantidade de centros de educao

    profissional dar-se-ia apenas pela iniciativa dos estados ou dos municpios

    isoladamente ou em associao com o setor privado ou de entidades

    privadas sem fins lucrativos (segmento comunitrio) isoladamente ou em

    associao com o setor pblico. A expanso da educao profissional deveria

    basear-se, preferencialmente, no segmento de escolas comunitrias,

    organizadas como entidades de direito privado.

    O segundo aspecto de eficincia da reforma encontra-se em fatos

    que se fortalecem mutuamente: a LDB de 1996, que ratificou e potencializou o

    mbito educacional como espao prprio para o desenvolvimento da economia

    de mercado, e a regulamentao da educao profissional como sistema

    paralelo, pelo Decreto no. 2.208/97, concebendo a articulao entre ensino

    mdio e educao profissional como entre dois segmentos distintos, definindo

    para este ltimo segmento trs nveis: bsico, tcnico e tecnolgico.

    importante ressaltar que o texto do decreto assume os cursos tecnolgicos

    como pertencentes a educao superior (posio ratificada pelo Conselho

    Nacional de Educao que, claramente, define os cursos desse nvel como

    graduao, conforme Parecer CNE/CES 436/2001, Parecer CNE/CP 29/2002 e

  • 22

    Resoluo CNE/CP 03/2002), porm, com carga horria mnima

    significativamente menor que as demais carreiras deste nvel.

    A combinao desses fatos associados cultura nacional que

    supervaloriza socialmente o diploma de estudos em nvel superior, embora no

    se possa estabelecer uma correspondncia linear entre o status social

    supostamente conferido por esses diplomas e a repercusso econmica destes

    para os seus detentores, fez com que houvesse a proliferao, em uma

    expanso sem precedentes, de cursos superiores de tecnologia na iniciativa

    privada, sem controles muito eficientes sobre a qualidade dos mesmos. Na

    verdade, segundo a lgica inicialmente apresentada, o que realmente

    importava era o fortalecimento do mercado educacional e isso, efetivamente,

    aconteceu.

    Evidentemente, no se pode colocar em lugar comum as ofertas de

    cursos superiores de tecnologia comercializados em grande parte das

    instituies privadas e as proporcionadas pela maioria dos Cefets e outras

    instituies de educao superior pblicas, as quais, em sua maioria, so

    concebidas a partir de uma lgica bem distinta da de mercado, entre muitos

    outros aspectos porque so pblicas, gratuitas e, em geral, de boa qualidade.

    Na prtica, sem experincia de oferta de educao profissional e

    sem conseguir cumprir as exigncias do contrato, grande parte das escolas

    estaduais ou comunitrias financiadas pelo Proep no alcanou a pretendida

    autonomia de gesto e menos ainda a independncia de recursos do

    oramento pblico para sua manuteno, acarretando a no oferta do

    percentual de vagas gratuitas previstas, abandono das instalaes, concludas

    ou no, ou dos equipamentos ou funcionamento em estado precrio.

    Como se v, todo esse contexto do final dos anos 1990 produziu

    efeitos graves sobre a educao brasileira em todos os nveis. No que se refere

    educao bsica, a sntese a explicitao legal da dualidade entre ensino

    mdio e educao profissional, com todas as conseqncias que isso

    representa.

    1.4 UMA NOVA CHANCE PARA A INTEGRAO ENTRE O ENSINO MDIO E A EDUCAO PROFISSIONAL: O DECRETO N 5.154/2004

  • 23

    No incio do mandato do governo federal em 2003, e mesmo antes,

    no perodo de transio, ocorreu o recrudescimento da discusso acerca do

    Decreto no. 2.208/97, em especial no tocante separao obrigatria entre o

    ensino mdio e a educao profissional.

    Esse processo resultou em uma significativa mobilizao dos

    setores educacionais vinculados ao campo da educao profissional,

    principalmente no mbito dos sindicatos e dos pesquisadores da rea trabalho

    e educao. Desse modo, durante o ano de 2003 e at julho de 2004 houve

    grande efervescncia nos debates relativos relao entre o ensino mdio e a

    educao profissional.

    Assim, retoma-se a discusso sobre a educao politcnica5,

    compreendendo-a como uma educao unitria e universal destinada

    superao da dualidade entre cultura geral e cultura tcnica e voltada para o

    domnio dos conhecimentos cientficos das diferentes tcnicas que

    caracterizam o processo de trabalho produtivo moderno (Saviani, 2003, p.140,

    citado por Frigotto, Ciavatta e Ramos, 2005, p. 42) sem, no entanto, voltar-se

    para uma formao profissional stricto sensu, ou seja, sem formar profissionais

    em cursos tcnicos especficos.

    Nessa perspectiva, a escolha por uma formao profissional

    especfica em nvel universitrio ou no s viria aps a concluso da educao

    bsica de carter politcnico, ou seja, a partir dos 18 anos ou mais de idade.

    Entretanto, essa retomada produz reflexes importantes quanto

    possibilidade material da implementao, hoje em dia, da politecnia na

    educao bsica brasileira na perspectiva aqui mencionada. Tais reflexes e

    anlises permitiram concluir que as caractersticas atuais da sociedade

    brasileira dificultam a implementao da politecnia ou educao tecnolgica em

    seu sentido pleno, uma vez que, dentre outros aspectos, a extrema

    desigualdade socioeconmica obriga grande parte dos filhos da classe

    trabalhadora a buscar a insero no mundo do trabalho visando complementar

    5 Aqui se entende educao politcnica como equivalente educao tecnolgica, ou seja, uma educao voltada para a superao da dicotomia entre trabalho manual e trabalho intelectual cultura geral e cultura tcnica. Uma educao que contribua para o domnio dos fundamentos cientficos das diferentes tcnicas que caracterizam o processo de trabalho (Frigotto, Ciavatta e Ramos, 2005).

  • 24

    o rendimento familiar ou mesmo a auto-sustentao muito antes dos 18 anos

    de idade.

    Assim, a tentativa de implementar a politecnia de forma universal e

    unitria no encontraria uma base material concreta de sustentao na

    sociedade brasileira atual, uma vez que esses jovens no podem se dar ao

    luxo de esperar at os 20 anos ou mais para iniciar a trabalhar.

    Tais reflexes conduziram ao entendimento de que uma soluo

    transitria e vivel um tipo de ensino mdio que garanta a integralidade da

    educao bsica, ou seja, que contemple o aprofundamento dos

    conhecimentos cientficos produzidos e acumulados historicamente pela

    sociedade, como tambm objetivos adicionais de formao profissional numa

    perspectiva da integrao dessas dimenses. Essa perspectiva, ao adotar a

    cincia, a tecnologia, a cultura e o trabalho como eixos estruturantes,

    contempla as bases em que se pode desenvolver uma educao tecnolgica

    ou politcnica e, ao mesmo tempo, uma formao profissional stricto sensu

    exigida pela dura realidade socioeconmica do pas.

    Essa soluo transitria (de mdia ou longa durao) porque

    fundamental que se avance numa direo em que deixe de ser um luxo o fato

    dos jovens das classes populares poderem optar por uma profisso aps os 18

    anos de idade. Ao mesmo tempo, vivel porque o ensino mdio integrado ao

    ensino tcnico, sob uma base unitria de formao geral, uma condio

    necessria para se fazer a travessia para uma nova realidade (Frigotto,

    Ciavatta e Ramos, 2005, p. 43).

    Foi a partir dessa convergncia mnima dentre os principais sujeitos

    envolvidos nessa discusso que se edificaram as bases que deram origem ao

    Decreto no. 5.154/04. Esse instrumento legal, alm de manter as ofertas dos

    cursos tcnicos concomitantes e subseqentes trazidas pelo Decreto no.

    2.208/97, teve o grande mrito de revog-lo e de trazer de volta a possibilidade

    de integrar o ensino mdio educao profissional tcnica de nvel mdio,

    agora, numa perspectiva que no se confunde totalmente com a educao

    tecnolgica ou politcnica, mas que aponta em sua direo porque contm os

    princpios de sua construo.

    O Decreto no. 5.154/04 surge na realidade educacional brasileira em

    um momento de profunda crise do ensino mdio. Nessa etapa educacional, s

  • 25

    so oferecidas cerca de 50% das vagas necessrias (Lodi, 2006). Alm disso,

    falta um sentido, uma identidade para o tipo de ensino mdio que

    proporcionado populao e, portanto, urge busc-la.

    Essa falta de sentido/identidade est posta em duas dimenses.

    Uma relativa sua prpria concepo e outra relacionada com o deficiente

    financiamento pblico. Esse problema de financiamento contribui para a falta

    de qualidade do ensino mdio, mesmo se nessa anlise fosse possvel abster-

    se de considerar os problemas inerentes concepo. Evidentemente, esse

    quadro, alm de outros aspectos, contribui para que, a cada dia, aumente o

    nmero de adolescentes excludos do ensino mdio na faixa etria denominada

    de prpria ou regular.

    Alm disso, essa etapa educacional pobre de sentido tanto na

    esfera pblica quanto privada. Nessa perspectiva, necessrio conferir-lhe

    uma identidade que possa contribuir para a formao integral dos estudantes.

    Uma formao voltada para a superao da dualidade estrutural entre cultura

    geral e cultura tcnica ou formao instrumental (para os filhos da classe

    operria) versus formao acadmica (para os filhos das classes mdia-alta e

    alta) 6. Esse ensino mdio dever ser orientado, tanto em sua vertente dirigida

    aos adolescentes como ao pblico da EJA, formao de cidados capazes

    de compreender a realidade social, econmica, poltica, cultural e do mundo do

    trabalho para nela inserir-se e atuar de forma tica e competente, tcnica e

    politicamente, visando contribuir para a transformao da sociedade em funo

    dos interesses sociais e coletivos.

    Entretanto, esse tipo de oferta no amplamente proporcionada

    populao, pois grande parte das escolas privadas concentram seus esforos

    em aprovar os estudantes nos vestibulares das universidades pblicas - mais

    bem reconhecidas que as universidades privadas -, adotando uma concepo

    de educao equivocada, na qual se substitui o todo (formao integral) pela

    parte (aprovao no vestibular).

    6 Essa dualidade no fruto do acaso, mas sim da separao entre a educao proporcionada aos filhos das classes mdia-alta e alta e aquela permitida aos filhos dos trabalhadores. Entretanto, como o objetivo central deste trabalho no est circunscrito a essa oferta educacional, sugerimos, para um maior aprofundamento sobre a matria, consultar: Frigotto; Ciavatta; Ramos, 2005; Cefet-RN, 2005; e Moura; Baracho; Pereira; Silva, 2005

  • 26

    Por outro lado, embora haja escolas pblicas de excelente

    qualidade, essa no a regra geral. Dessa forma, grande parte dessas

    escolas, nas quais estudam os filhos da classe trabalhadora, tentam reproduzir

    o academicismo das escolas privadas, mas no conseguem faz-lo por falta de

    condies materiais concretas. Deste modo, em geral, a formao

    proporcionada nem confere uma contribuio efetiva para o ingresso digno no

    mundo de trabalho nem contribui de forma significativa para o prosseguimento

    dos estudos no nvel superior.

    Uma possibilidade para os filhos da classe trabalhadora a tentativa

    de ingresso em uma das instituies que compem a Rede Federal de

    Educao Profissional e Tecnolgica7, instituies que historicamente atuam

    com referncia em vrios dos componentes que constituem a formao

    integral. Entretanto, tornar-se aluno dessas escolas no fcil, pois a

    concorrncia nos processos seletivos muito elevada, uma vez que a

    quantidade de vagas que podem oferecer muito menor do que a demanda.

    Para ilustrar melhor essa afirmao, apresenta-se a distribuio das matrculas

    no ensino mdio e na educao profissional tcnica de nvel ndio no Brasil,

    em 2005.

    Tabela 1 Matrcula no ensino mdio e na educao profissional tcnica de nvel mdio no Brasil por dependncia administrativa

    Ensino Mdio (EJA) Dependncia administrativa

    Ensino Mdio

    (Regular) Presencial Semi presencial

    Ensino Mdio (TOTAL)

    Educao Profissional Tcnica de Nvel Mdio

    Brasil 8.906.820 1.345.165 405.497 10.657.482 744.690

    Federal 67.650 814 - 68.464 79.878

    Estadual 7.584.391 1.172.870 371.398 9.128.659 233.710

    Municipal 186.045 45.754 15.558 247.357 23.074

    Privada 1.068.734 125.727 18.541 1.213.002 408.028 Fonte: elaborado a partir de INEP/Censo Escolar 2006.

    Ao analisar a Tabela 1, percebe-se que a oferta do ensino mdio

    est concentrada nos sistemas e redes pblicas (88,6% da oferta). Nota-se 7 importante esclarecer que em alguns estados como em So Paulo, por exemplo, a rede Paula Souza atua fortemente na educao tecnolgica. Na mesma direo, o estado do Paran tambm est ampliando de forma significativa a oferta de educao profissional. No obstante, essa no a realidade predominante no pas.

  • 27

    tambm que os cursos tcnicos de nvel mdio correspondem a apenas 6,98%

    da oferta total do Ensino Mdio. Alm disso, a oferta, no mbito federal,

    alcana escassos 10,73% do total de matrculas nesses cursos. E ainda mais,

    a oferta de cursos tcnicos de nvel mdio maior no mbito privado (54,79%)

    do que no pblico (45,21%), mesmo incluindo-se as esferas municipal, estadual

    e federal. Finalmente, no que diz respeito ao pblico da modalidade EJA, na

    Rede Federal, essa oferta praticamente nula em termos estatsticos.

    Nessa perspectiva, a ampliao da oferta do ensino mdio integrado

    nas instituies pblicas de educao pode contribuir para uma efetiva

    (re)construo de uma identidade prpria e, ao mesmo tempo, significativa,

    para a vida de seus grupos destinatrios.

    Nesse sentido, algumas iniciativas governamentais tm

    potencializado essa ampliao, uma delas o Projeto de Lei n 919/2007,

    enviado pelo Executivo ao Congresso Nacional e cujo objetivo incorporar

    LDB o contedos dos Decretos nos. 5.154/2004 e 5.840/2006, que tratam,

    dentre outros temas, do ensino mdio integrado, tanto para os adolescentes

    recm concluintes do ensino fundamental e que ingressam no ensino mdio,

    como para o pblico da educao de jovens e adultos.

    2. POR UMA POLTICA PBLICA EDUCACIONAL DE INTEGRAO ENTRE O ENSINO MDIO E A EDUCAO PROFISSIONAL TCNICA DE NVEL MDIO8

    Para que a integrao entre a educao profissional tcnica de nvel

    mdio e o ensino mdio constitua-se em poltica pblica educacional

    necessrio que essa assuma uma amplitude nacional na perspectiva de que as

    aes realizadas nesse mbito possam enraizar-se em todo o territrio

    brasileiro.

    8 Este captulo foi produzido a partir dos seguintes textos: Ensino mdio integrado na modalidade EJA: financiamento e formao de professores (Moura, 2007c), apresentado no 18 EPENN Encontro de Pesquisa Educacional do Norte e Nordeste, realizado em Macei AL, no perodo de 1 a 4 de julho de 2007; A formao de docentes para a educao profissional e tecnolgica (Moura, 2007b), apresentado no XXIII Simpsio Brasileiro de Poltica e Administrao da Educao, realizado em Porto Alegre, no perodo de 11 a 14 de novembro de 2007.

  • 28

    Para que isso possa ocorrer fundamental que as aes

    desencadeadas nesse domnio sejam orientadas por um regime de

    coordenao e cooperao entre as esferas pblicas em vrios nveis:

    a) entre o MEC e outros ministrios, tendo em vista a articulao com as

    polticas setoriais afins;

    b) entre as secretarias do prprio MEC;

    c) entre o MEC as instituies pblicas de educao superior

    principalmente as que integram a Rede Federal de Educao

    Profissional e Tecnolgica , os sistemas estaduais e os sistemas

    municipais de ensino;

    d) em cada estado, entre o respectivo sistema estadual e os sistemas

    municipais de educao com tratamento anlogo ao Distrito Federal;

    e) em cada estado, entre o respectivo sistema estadual e os rgos ou

    entidades responsveis pelas polticas setoriais afins no mbito estadual

    e dos municpios.

    esse regime de colaborao mtua que dever contribuir para que

    os sistemas e redes pblicos de educao que atuam/atuaro no ensino mdio

    integrado possam faz-lo a partir de solues adequadas para questes

    centrais como: financiamento; existncia de quadro especfico de professores

    efetivos para atuar nos diversos cursos; formao inicial e continuada de

    docentes, tcnico-administrativos e equipes dirigentes; infra-estrutura fsica

    necessria a cada tipo de instituio, entre outros aspectos relevantes.

    Em seguida, so discutidas algumas especificidades desses

    elementos constituintes da poltica pblica em discusso, acima mencionados.

    2.1 A ARTICULAO ENTRE AS POLTICAS SETORIAIS DO ESTADO BRASILEIRO

    A poltica educacional de integrao entre o ensino mdio e a

    educao profissional tcnica de nvel mdio requer sua articulao com outras

    polticas setoriais vinculadas, principalmente, ao Ministrio de Trabalho e

    Emprego (MTE), ao Ministrio de Cincia e Tecnologia (MCT), Ministrio do

  • 29

    Desenvolvimento Agrrio (MDA), Ministrio da Sade (MS), ao Ministrio de

    Desenvolvimento, Indstria e Comrcio (MDIC), entre outros.

    Esses e outros ministrios so responsveis por polticas pblicas

    estruturantes da sociedade brasileira. Portanto, ao se pensar no ensino mdio

    integrado como poltica pblica educacional necessrio pens-lo tambm na

    perspectiva de sua contribuio para a consolidao das polticas de cincia e

    tecnologia, de gerao de emprego e renda, de desenvolvimento agrrio, de

    sade pblica, de desenvolvimento da indstria e do comrcio, enfim,

    necessrio buscar o seu papel estratgico no marco de um projeto de

    desenvolvimento socioeconmico do estado brasileiro, o que implica essas

    interrelaes com, no mnimo, as polticas setoriais acima mencionadas.

    Historicamente, a falta dessa articulao vem contribuindo, por um

    lado, para a superposio de aes e, por outro, para a falta da presena do

    estado brasileiro em muitas regies do pas.

    Com o intuito de exemplificar superposies relativas ao

    financiamento da educao profissional e tecnolgica, recorremos a

    Grabowski; Ribeiro; e Silva (2003), os quais investigaram as aes inerentes a

    essa esfera. No estudo, esses autores identificaram 39 fontes pblicas que

    financiam aes da educao profissional sem que haja uma efetiva

    coordenao e articulao entre os entes pblicos envolvidos, implicando a

    existncia de zonas de sombreamento, como tambm de lacunas na oferta da

    educao profissional.

    Cabe destacar que dentre esses fundos pblicos, encontram-se os

    recursos provenientes do Ministrio da Previdncia e Assistncia Social que

    financiam os sistemas patronais de formao profissional, em especial as

    entidades pertencentes ao Servio Nacional de Aprendizagem Industrial

    (Senai) e ao Servio Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac).

    2.2 A NECESSRIA INTERAO ENTRE O MEC E OS SISTEMAS DE ENSINO

    Outro importante nvel de articulao e interao que precisa ser

    aperfeioado com vistas materializao do ensino mdio integrado como

    poltica pblica encontra-se, internamente, entre as secretarias e

  • 30

    departamentos do MEC, assim como entre o MEC e os estados e municpios.

    Para que essa interlocuo entre o MEC e as unidades da federao se

    concretize, se faz necessrio convocar outras entidades afetas questo para

    uma efetiva participao, tais como o Conselho Nacional de Educao (CNE),

    os Conselhos Estaduais de Educao (CEEs), os Conselhos Municipais de

    Educao (CMEs), o Conselho Nacional de Secretrios de Educao

    (CONSED) e a Unio Nacional de Dirigentes Municipais de Educao

    (UNDIME), o Conselho de Dirigentes dos Cefets (CONCEFET), o Conselho de

    Dirigentes das EAFs (CONEAF) e o Conselho dos Dirigentes das Escolas

    Tcnicas Vinculadas s Universidades Federais (CONDETUF).

    Tambm no plano local (municpio) e regional (estado ou

    mesorregio) imprescindvel a articulao e, alm disso, a interao entre os

    entes que recebem financiamento pblico, na perspectiva de consolidar a

    poltica educacional em discusso. Esta questo nos remete ao regime de

    colaborao entre os entes federados, nos termos em que a CF de 1988 (artigo

    211, caput) e a LDB (artigo 8o, caput) dispem, qual seja: A Unio, os Estados,

    o Distrito Federal e os Municpios organizaro em regime de colaborao os

    seus sistemas de ensino, ainda que at os dias atuais, o regime em tela

    continue carecendo de pormenorizao, o que poderia se dar por lei

    complementar.

    Se o Regime de Colaborao propugna o compartilhamento de

    responsabilidades e encargos educacionais entre os entes federados, podendo

    se dar pela via de convnios, acordos, termos de cooperao, planos, entre

    outros instrumentos, h de esperar uma atuao efetiva das redes estaduais e

    federal de educao bsica e de educao profissional.

    Entretanto, anlises das experincias de diversos programas

    educacionais do governo federal, em ambas gestes do Presidente Fernando

    Henrique Cardoso, conduzem a constatao de que o Regime de Colaborao

    entre os entes federados vem se realizando em meio a um contexto no qual a

    translao de responsabilidades tem levado no cooperao, mas a um

    quadro de concorrncia entre os entes federados. A par das poucas

    experincias academicamente avaliadas como bem sucedidas em torno da

    implementao do Regime de Colaborao, a literatura pertinente vem

  • 31

    apontando mltiplas dificuldades para a sua difuso, tais como: i) a ausncia

    de regras institucionais que aprofundem o estmulo a prticas cooperativas

    entre os entes federados; ii) a precariedade dos dados e informaes sobre a

    realidade escolar no pas; iii) a tradio autoritria nas relaes

    intergovernamentais, aqui caracterizada pela tendncia centralizao e

    concentrao do poder decisrio nas esferas federal e estaduais; iv) a carncia

    de espaos oficiais de coordenao, barganha e deliberao conjunta entre as

    instncias federadas, em que pesem as iniciativas tanto do Consed, quanto da

    Undime nessa rea (Ramos; Souza, Deluiz, 2007).

    Nesse processo, a Rede Federal de Educao Profissional e

    Tecnolgica, alm de oferecer o mximo de vagas possveis no ensino mdio

    integrado, pode cumprir um papel fundamental de articulao entre os entes

    federados, visando efetivao do regime de colaborao. Portanto, um plano

    estratgico e estruturante da poltica de ensino mdio integrado educao

    profissional implica, necessariamente, a cooperao, a colaborao e a

    interao com os sistemas estaduais e municipais, quando for o caso, no

    sentido de contribuir para que tais sistemas construam e implementem seus

    currculos a partir de suas prprias realidades.

    No campo das aes estruturantes que podem ser desenvolvidas

    em regime de colaborao entre a Rede Federal de Educao Profissional e

    Tecnolgica e os sistemas estaduais, merece destaque a formao de

    profissionais para atuar nessa esfera educacional, principalmente, na formao

    docente. O potencial da Rede nesse domnio muito grande, pois atua

    historicamente na formao de tcnicos de nvel mdio, inclusive, na forma

    integrada ao ensino mdio. Alguns Cefets, principalmente os mais antigos,

    atuam na formao de professores para a educao profissional h dcadas.

    Alm disso, nos ltimos anos, outros Cefets vm gradativamente passando a

    atuar nas licenciaturas voltadas para a educao bsica, de forma que j esto

    construindo um bom corpo de conhecimentos no campo da formao de

    professores. Evidentemente, alm dos Cefets, as prprias universidades

    pblicas podem e devem constituir-se em locus dessa formao.

    Outro aspecto importante que ser potencializado por uma maior

    interao entre os sistemas estaduais/municipais e a Rede Federal a

  • 32

    construo do conhecimento nessa esfera educacional, pois ela constitui-se em

    uma inovao no quadro educacional brasileiro. Portanto, fundamental que

    se estruturem e se fomentem grupos de investigao nesse campo, os quais

    devem surgir associados aos processos de formao de professores.

    necessrio, portanto, que haja essa aproximao entre os distintos

    sistemas educacionais para que se desenvolvam as aes estruturantes

    necessrias materializao das intenes previstas neste Documento Base.

    Assim, para que o ensino mdio integrado se torne, efetivamente,

    poltica pblica, no pode prescindir, do envolvimento das distintas esferas de

    governo, do mesmo modo que exige maior articulao com movimentos

    sociais, economias locais e sociedade civil em geral.

    Finalmente, preciso ter claro que os movimentos sociais, ao

    exercerem presso sobre o poder pblico em defesa de suas demandas

    educacionais, tornam-se sujeitos indispensveis ao processo de planejamento

    e formao terico-epistemolgica sobre educao profissional integrada ao

    ensino mdio, por gerarem, tambm, conhecimento em seus campos de

    atuao. Enfim, as concepes de currculo, a construo e a atualizao de

    projetos pedaggicos, as condies e o tamanho da oferta dos cursos so

    aspectos para os quais muito tm a contribuir os movimentos sociais, a

    exemplo do que se tem reivindicado e avanado no mbito do Movimento dos

    Trabalhadores Rurais Sem Terra e das comunidades indgenas, que

    identificam o ensino mdio integrado como uma necessidade coerente com sua

    realidade.

    2.3 QUADRO DOCENTE PRPRIO E SUA FORMAO

    Para efetivao de uma poltica pblica e no apenas um Programa

    de governo, necessrio conhecer as fragilidades e potencialidades dos

    sistemas educacionais, sejam eles federal, estaduais ou municipais, na busca

    da sua superao. Como j explicitado anteriormente, na dcada de 1990, com

    o recuo na oferta de cursos tcnicos na Rede Federal e o completo desmonte

    do que se tinha nos sistemas estaduais, no houve por parte dos sistemas

    concursos pblicos para compor o quadro de professores da rea especfica. A

  • 33

    primeira fragilidade, portanto, diz respeito falta de quadro de professores

    efetivos no domnio da educao profissional, principalmente, nos estados e

    municpios. Em decorrncia, com vistas expanso da oferta do ensino mdio

    integrado, cujos cursos tero durao, em sua grande maioria, de quatro anos,

    fundamental (re)constituir esses quadros efetivos, uma vez que no se

    poder trabalhar nessa perspectiva curricular com professores contratados

    precariamente/temporariamente.

    Assim sendo, responsabilidade dos governos federal, estaduais e

    municipais a (re)composio de seus quadros de professores. Como

    conseqncia dessa carncia, caracteriza-se a segunda fragilidade a ser

    superada, ou seja, a formao de professores que constituiro esses quadros

    efetivos. Tal formao deve ocorrer em duas dimenses. A primeira a

    formao inicial. Os professores das disciplinas especficas so formados, em

    geral, em bacharelados, no possuindo a formao desejada para o exerccio

    da docncia. O parecer do CNE/CEB n 02/97 dispe sobre os programas

    especiais de formao pedaggica de professores para a Educao

    Profissional, mas os mesmos precisam ser revistos, pois no atendem a

    necessidade de formao, principalmente dos sistemas estaduais de ensino.

    Tambm necessrio levar em considerao que mesmo os professores

    licenciados carecem de formao com vistas atuao no ensino mdio

    integrado, posto que tiveram sua formao voltada para a atuao no ensino

    fundamental e no ensino mdio de carter propedutico, uma vez que as

    licenciaturas brasileiras, em geral, no contemplam em seus currculos estudos

    sobre as relaes entre trabalho e educao ou, mais especificamente, sobre a

    educao profissional e suas relaes com a educao bsica.

    O segundo aspecto a ser considerado o da formao continuada.

    Para consolidar uma poltica necessria uma mudana na cultura pedaggica

    que rompa com os conhecimentos fragmentados. A formao continuada para

    professores, gestores e tcnicos tem um papel estratgico na consolidao

    dessa poltica. O MEC, por meio da Rede Federal e universidades federais, e

    os estados, por meio das universidades estaduais, devero atuar em conjunto

    nas suas regies para elaborar e executar aes de formao para os

    professores que forem atuar seja na rea bsica ou na especfica.

  • 34

    Alm disso, a construo dessa formao, tanto inicial quanto

    continuada, necessariamente envolver o MEC, por meio, no mnimo, de suas

    Secretarias de Educao Profissional e Tecnolgica (SETEC), Superior

    (SESU), Bsica (SEB) e Continuada, Alfabetizao e Diversidade (SECAD).

    Igualmente, devero ser envolvidas as associaes de pesquisa, sindicatos e

    outras entidades afins ao campo da educao superior, em geral, da formao

    de professores e da educao profissional e tecnolgica, assim como os

    sistemas estaduais e municipais de educao.

    Desse modo, assume-se como ponto de partida, que a formao dos

    profissionais para o ensino mdio integrado deve guardar suas especificidades,

    mas tambm precisa estar inserida em um campo mais amplo, o da formao

    de profissionais para a educao profissional e tecnolgica.

    Essa formao deve ir alm da aquisio de tcnicas didticas de

    transmisso de contedos para os professores e de tcnicas de gesto para os

    dirigentes (Moura, 2007b). Assim, seu objetivo macro deve ser

    necessariamente mais ambicioso, centrado no mbito das polticas pblicas,

    principalmente, as educacionais e, particularmente, as relativas integrao

    entre a educao profissional e tecnolgica e a educao bsica. Esse

    direcionamento tem o objetivo de orientar a formao desses profissionais por

    uma viso que englobe a tcnica, mas que v alm dela, incorporando

    aspectos que possam contribuir para uma perspectiva de superao do modelo

    de desenvolvimento socioeconmico vigente e, dessa forma, privilegie mais o

    ser humano trabalhador e suas relaes com o meio ambiente do que,

    simplesmente, o mercado de trabalho e o fortalecimento da economia.

    Nesse processo educativo de carter crtico-reflexivo, o professor

    deve assumir uma atitude orientada pela e para a responsabilidade social.

    Nessa perspectiva, o docente deixa de ser um transmissor de contedos

    acrticos e definidos por especialistas externos, para assumir uma atitude de

    problematizador e mediador no processo ensino-aprendizagem sem, no

    entanto, perder sua autoridade nem, tampouco, a responsabilidade com a

    competncia tcnica dentro de sua rea do conhecimento (Freire, 1996).

    Alm disso, necessrio fazer esforos em trs dimenses distintas

    e igualmente importantes: a formao daqueles profissionais que j esto em

    exerccio, os que esto em processo de formao e os que ainda vo iniciar

  • 35

    formao como futuros profissionais da educao profissional e tecnolgica

    (MOURA, 2007b).

    No caso especfico dos professores, em qualquer dessas

    dimenses, ao revisitar Moura (2004; 2007b) e Santos (2004), incorporando

    alguns elementos novos, conclui-se que essa formao, dentre outros

    aspectos, deve contemplar trs eixos fundamentais:

    a) conhecimentos especficos de uma rea profissional;

    b) formao didtico-poltico-pedaggica;

    c) integrao entre a EPT e a educao bsica.

    Esses trs eixos devem interagir permanentemente entre si e

    estarem orientados a um constante dilogo com a sociedade em geral e com o

    mundo do trabalho.

    Tais eixos devem ainda contemplar:

    a) as relaes entre estado, sociedade, cincia, tecnologia, trabalho,

    cultura, formao humana e educao;

    b) as polticas pblicas e, sobretudo, educacionais de uma forma geral e da

    educao profissional e tecnolgica em particular;

    c) o papel dos profissionais da educao, em geral, e da educao

    profissional e tecnolgica, em particular;

    d) a concepo da unidade ensino-pesquisa;

    e) a concepo de docncia que se sustente numa base humanista;

    f) a profissionalizao do docente da educao profissional e tecnolgica:

    formao inicial e continuada, carreira, remunerao e condies de

    trabalho;

    g) o desenvolvimento local e a inovao.

    Com relao especificamente ao ensino mdio integrado, ao se

    tratar de um domnio educacional em processo de construo, coincidimos com

    o Documento Base do Programa Nacional de Integrao da Educao

    Profissional com a Educao Bsica na Modalidade de Educao de Jovens e

    Adultos PROEJA9 (Brasil, 2006a) que aponta para a necessidade de que a

    9 importante ter clareza que uma das principais ofertas do Proeja , precisamente, o ensino mdio integrado, de maneira que, apesar das especificidades da formao de professores para o Proeja, h uma base comum muito forte entre essa formao e a formao de professores

  • 36

    formao de professores precisa ser pensada, inclusive, na perspectiva da

    formao de formadores com o objetivo de contribuir para a constituio de um

    quadro de profissionais nessa rea educacional.

    Alm disso, necessrio produzir conhecimento nesse novo campo

    e, para isso, deve-se estimular a criao de grupos de pesquisa e programas

    de ps-graduao vinculados formao desses profissionais.

    Nesse sentido, a exemplo do que vem sendo feito no mbito da

    formao de professores para o Proeja, fundamental estimular aes, no

    mbito do ensino mdio integrado, dirigidas elaborao e implementao de

    projetos de cursos de especializao destinados aos profissionais do ensino

    pblico que atuam/atuaro nessa esfera educacional.

    Iniciativa semelhante, desenvolvida no mbito do Proeja, formou ou

    est formando, entre 2006 e 2007, cerca de 2.700 profissionais em 15 plos

    distribudos em todo o Pas, sendo 12 em Cefets (SC, ES, SP, MG, MT,

    consrcio Cefet-RJ - Cefet-Campos/RJ - Cefet-Qumica/RJ, BA, PE, RN, CE,

    MA e AM), 2 em universidades federais (UFPB campus de Bananeiras e

    UTFPR - antigo Cefet-PR) e outro em consrcio entre uma universidade federal

    e um Cefet (Cefet-Pelotas e UFRGS). Alm disso, esse curso est sendo

    reproduzido, com alguns ajustes, no binio 2007/2008.

    Outras importantes aes em desenvolvimento no contexto do

    Proeja que devem ser adaptadas e executadas no mbito do ensino mdio

    integrado como forma de potencializar a sua expanso, com qualidade, foi

    originada pelo Edital PROEJA-CAPES/SETEC N0 03/2006, cujo objetivo

    estimular a realizao de projetos conjuntos de pesquisa utilizando-se de

    recursos humanos e de infra-estrutura disponveis em diferentes instituies de

    educao superior, includa a Rede Federal de educao profissional e

    tecnolgica, visando a produo de pesquisas cientficas e tecnolgicas e a

    formao de recursos humanos ps-graduados em educao profissional

    integrada educao de jovens e adultos, contribuindo, assim, para

    desenvolver e consolidar o pensamento brasileiro na rea. A partir desse Edital

    foram selecionados 9 projetos, que se encontram em execuo, provenientes

    de consrcios entre universidades federais e Cefets.

    para o ensino mdio integrado voltado para os adolescentes que freqentam essa etapa educacional na denominada faixa etria regular.

  • 37

    Como se v, os cursos de especializao e as aes inerentes ao

    Edital PROEJA-CAPES/SETEC devem ser adotadas como referncia para o

    processo de expanso e consolidao do ensino mdio integrado, uma vez que

    podero resultar em aes voltadas, dentre outros aspectos, para a formao

    de um corpo de formadores de futuros formadores, profissionais que podero

    desencadear processos institucionais voltados para a formulao, gesto e

    execuo de cursos de ensino mdio integrado, assim como para a criao de

    grupos de pesquisa voltados para a produo do conhecimento nesse domnio.

    2.4 FINANCIAMENTO

    A definio e a garantia das fontes de financiamento pblico para

    dar suporte poltica em discusso uma questo essencial. Partimos do

    pressuposto de que as ofertas inerentes ao ensino mdio integrado esto

    inseridas ao mesmo tempo na educao bsica e na educao profissional e

    tecnolgica. Quanto ao financiamento desde sua insero na educao bsica,

    foi recentemente aprovado no Congresso Nacional o Fundo de Manuteno e

    Desenvolvimento da Educao Bsica e de Valorizao dos Profissionais da

    Educao FUNDEB, que substitui o Fundo de Manuteno e

    Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorizao do Magistrio

    FUNDEF, o qual s garantia vinculao constitucional de recursos para o

    ensino fundamental. Assim, o novo Fundo visa promover a ampliao dessa

    vinculao para a educao infantil e o ensino mdio. Apesar do avano que

    representa o Fundeb, a sua criao no resolver totalmente os problemas de

    financiamento para a educao bsica no Pas.

    Evidentemente, o aumento de 15% (Lei no. 9.424/96) para 20%,

    aps o quarto ano de implantao do Fundeb, sobre uma base de arrecadao

    constituda a partir da mesma lgica do Fundef, representa um maior volume

    de recursos destinados educao bsica do pas. Entretanto, a criao e a

    implantao do Fundeb tambm aumentar substancialmente a populao

    atendida, pois, em 2005, a matrcula total no ensino fundamental foi de

    37.432.378 (Inep, 2006), no ensino mdio, de 10.748.894 (Inep, 2006), ambos

    incluindo a oferta denominada regular e a modalidade educao de jovens e

    adultos, enquanto, na educao infantil, a matrcula chegou a 7.205.013 (Inep,

  • 38

    2006), sendo que as duas ltimas ofertas no esto includas na base de

    atendimento do Fundef, mas passaro a integrar a do Fundeb. Assim, fica claro

    que o Fundeb contribuir para a melhoria do financiamento da educao bsica

    brasileira, mas no representa uma soluo definitiva.

    Apesar de o Fundeb prever o atendimento a alunos regularmente

    matriculados no ensino mdio integrado educao profissional e na educao

    de jovens e adultos integrada educao profissional tcnica de nvel mdio,

    com avaliao no processo, o financiamento do ensino mdio integrado pela

    esfera da educao profissional e tecnolgica, ainda uma situao bastante

    complexa. No existe atualmente a definio de fontes de financiamento

    perenes para a educao profissional e tecnolgica. A cada ano, as verbas

    oramentrias a ela destinadas so definidas a partir da luta por recursos

    escassos no processo de elaborao do Oramento Geral da Unio, onde,

    usualmente, o parmetro predominante o da srie histrica. Esse no um

    critrio justo, pois tende a cristalizar as diferenas existentes, uma vez que

    algumas unidades recebem pouco porque sempre receberam pouco e outras

    so mais bem aquinhoadas porque sempre o foram. Alm disso, as tentativas

    de alterar essa situao, em geral, no logram sair dessa lgica linear e

    meramente quantitativa. Referimo-nos ao fato de que nos ltimos anos, na

    busca de se construrem critrios para mais alm das sries histricas,

    assumiu-se uma combinao entre essas sries e a quantidade de estudantes

    matriculados como nicos critrios de definio oramentria.

    Alm disso, historicamente, esses recursos so insuficientes para

    atender s necessidades globais da educao profissional e tecnolgica

    pblica nas instncias federal, estadual e municipal. Por outro lado, h uma

    grande disperso de recursos em atividades nessa esfera, os quais costumam

    ser distribudos entre vrios ministrios e outros rgos da administrao

    pblica (Grabowski; Ribeiro; Santos Silva, 2003), o que efetivamente dificulta a

    construo, implementao e coordenao da execuo de uma poltica

    pblica nesse domnio. No que diz respeito Rede Federal de Educao

    Profissional e Tecnolgica, Grabowski (2005) nos informa que lhe foi destinado

    em 2005 o montante de cerca de 600 milhes de reais, enquanto o Sistema S

    recebe em torno de 5 bilhes de reais de recursos pblicos a cada ano

    (Grabowski, 2005).

  • 39

    Para fazer frente escassez e disperso dos recursos destinados

    educao profissional e tecnolgica pblica, est em trmite no Congresso

    Nacional um Projeto de Emenda Constitucional que visa criao do Fundo de

    Desenvolvimento da Educao Profissional FUNDEP, de iniciativa do

    Senador Paulo Paim, do PT do Rio Grande do Sul. Essa pode ser uma soluo

    que ajude a perenizar o financiamento da educao profissional e tecnolgica,

    em geral e, em particular, do ensino mdio integrado, tanto na modalidade EJA

    como na oferta dirigida aos adolescentes egressos do ensino fundamental.

    Entretanto, a tramitao e a aprovao do Fundep no Congresso Nacional no

    ser fcil, face diversidade de interesses e projetos sociais em disputa.

    Como espao das discusses e conflitos desses projetos societrios

    podemos mencionar as Conferncias Estaduais de Educao Profissional e

    Tecnolgica, realizadas nos estados da federao, entre maio e junho de 2006,

    como fase preparatria Conferncia Nacional de Educao Profissional e

    Tecnolgica, realizada em novembro de 2006, em Braslia. No Roteiro

    elaborado pelo MEC (Brasil, 2006b) para orientar os debates realizados nas

    conferncias estaduais e na Conferncia Nacional, as propostas foram

    agrupadas em cinco eixos temticos, sendo o segundo deles o Financiamento

    da Educao Profissional e Tecnolgica.

    A proposta no 1 desse eixo foi, precisamente, a criao do Fundep.

    Essa medida foi suficiente para gerar uma polarizao em quase todas as

    conferncias estaduais, assim como na Conferncia Nacional. De um lado, os

    que defendem um projeto de sociedade em que a educao pblica, gratuita e

    de qualidade deve ser um direito de todos os cidados independentemente de

    sua origem socioeconmica, tnica, racial, religiosa etc. posicionaram-se a

    favor da criao do Fundep. De outro lado, os altos dirigentes e assessores das

    instituies vinculadas ao Sistema S posicionaram-se explcita e

    publicamente de forma contrria criao do mencionado Fundo. Assim

    sendo, muito provvel que esse conflito esteja presente no Congresso

    Nacional durante a tramitao da PEC que visa criao do Fundep.

    Voltando ao Sistema S, conhecido nacionalmente dessa forma,

    embora no se constitua efetiva e legalmente em um sistema, preciso

    mencionar que as organizaes que o compem tm uma significativa

  • 40

    capacidade de arrecadao, uma vez que vendem grande parcela dos cursos

    oferecidos e prestam outros servios igualmente remunerados pela sociedade.

    Evidentemente, a ao dos servios de aprendizagem do Sistema

    S de reconhecida importncia no Brasil. No obstante, necessrio

    avanar no que se refere oferta pblica e gratuita dos cursos proporcionados

    por essas instituies, j que atualmente prevalece a prestao de servios

    pagos pela sociedade em detrimento da oferta pblica e gratuita, em que pese

    a origem pblica de significativa parcela do seu financiamento, conforme

    mencionado anteriormente, tratando-se das nicas instituies de educao

    profissional e tecnolgica com ao menos uma fonte de recursos financeiros

    sistemtica.

    Diante do quadro evidenciado fica claro que a busca da superao

    da dependncia de disputa de recursos para a educao profissional e

    tecnolgica no oramento da Unio ou nos oramentos estaduais passa,

    obrigatoriamente, pela urgente criao do Fundep, conforme aprovado na I

    Conferncia Nacional de Educao Profissional e Tecnolgica, em novembro

    de 2006.

    3. CONCEPES E PRINCPIOS10

    Discutiremos aqui o primeiro sentido do ensino mdio integrado, de

    natureza filosfica, que atribumos integrao. Ele expressa uma concepo

    de formao humana, com base na integrao de todas as dimenses da vida

    no processo educativo, visando formao omnilateral dos sujeitos. Essas

    dimenses so o trabalho, a cincia e a cultura. O trabalho compreendido

    como realizao humana inerente ao ser (sentido ontolgico) e como prtica

    econmica (sentido histrico associado ao modo de produo); a cincia

    compreendida como os conhecimentos produzidos pela humanidade que

    10 As reflexes aqui apresentadas se baseiam nos artigos publicados no livro Ensino Mdio Integrado: concepo e contradies; organizado por Frigotto, Ciavatta, Ramos (2005) e em texto de Ramos (2007), intitulado Concepo do Ensino Mdio Integrado Educao Profissional, produzido a partir da exposio no seminrio sobre ensino mdio, realizado pela Superintendncia de Ensino Mdio da Secretaria de Educao do Estado do Rio Grande do Norte, em Natal e Mossor, respectivamente nos dias 14 e 16 de agosto de 2007, a ser tambm publicado em livro organizado pela Secretaria de Educao do Estado do Paran.

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    possibilita o contraditrio avano das foras produtivas; e a cultura, que

    corresponde aos valores ticos e estticos que orientam as normas de conduta

    de uma sociedade.

    3.1. FORMAO HUMANA INTEGRAL

    Ciavatta (2005), ao se propor a refletir sobre o que ou que pode vir

    a ser a formao integrada pergunta: que integrar? A autora remete o termo, ento, ao seu sentido de completude, de compreenso das partes no

    seu todo ou da unidade no diverso, o que implica tratar a educao como uma

    totalidade social, isto , nas mltiplas mediaes histricas que concretizam os

    processos educativos. No caso da formao integrada ou do ensino mdio

    integrado ao ensino tcnico, o que se quer com a concepo de educao

    integrada que a educao geral se torne parte inseparvel da educao

    profissional em todos os campos onde se d a preparao para o trabalho: seja

    nos processos produtivos, seja nos processos educativos como a formao

    inicial, como o ensino tcnico, tecnolgico ou superior. Significa que buscamos

    enfocar o trabalho como princpio educativo, no sentido de superar a dicotomia

    trabalho manual / trabalho intelectual, de incorporar a dimenso intelectual ao

    trabalho produtivo, de formar trabalhadores capazes de atuar como dirigentes e

    cidados.

    A idia de formao integrada sugere superar o ser humano dividido

    historicamente pela diviso social do trabalho entre a ao de executar e a

    ao de pensar, dirigir ou planejar. Trata-se de superar a reduo da

    preparao para o trabalho ao seu aspecto operacional, simplificado,

    escoimado dos conhecimentos que esto na sua gnese cientfico-tecnolgica

    e na sua apropriao histrico-social. Como formao humana, o que se busca

    garantir ao adolescente, ao jovem e ao adulto trabalhador o direito a uma

    formao completa para a leitura do mundo e para a atuao como cidado

    pertencente a um pas, integrado dignamente sua sociedade poltica.

    Formao que, nesse sentido, supe a compreenso das relaes sociais

    subjacentes a todos os fenmenos. (Ciavatta, 2005, p. 85)

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    Para isso, precisamos partir de alguns pressupostos, nos termos

    descritos por Ramos (2005). O primeiro deles compreender que homens e

    mulheres so seres histrico-sociais que atuam no mundo concreto para

    satisfazerem suas necessidades subjetivas e sociais e, nessa ao, produzem

    conhecimentos. Assim, a histria da humanidade a histria da produo da

    existncia humana e a histria do conhecimento a histria do processo de

    apropriao social dos potenciais da natureza para o prprio homem, mediada

    pelo trabalho. Por isso, o trabalho mediao ontolgica e histrica na

    produo de conhecimento.

    O segundo pressuposto que a realidade concreta uma totalidade,

    sntese de mltiplas relaes. Totalidade significa um todo estruturado e

    dialtico, do qual ou