DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários...

59
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA O HOMEM, A ÉTICA E A MEDIAÇÃO Por: Carlos Henrique da Silva Orientador Prof. William Rocha Rio de Janeiro 2015 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

Transcript of DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários...

Page 1: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

O HOMEM, A ÉTICA E A MEDIAÇÃO

Por: Carlos Henrique da Silva

Orientador

Prof. William Rocha

Rio de Janeiro

2015

DOCUMENTO PROTEGID

O PELA

LEI D

E DIR

EITO AUTORAL

Page 2: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

2

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

O HOMEM, A ÉTICA E A MEDIAÇÃO

Apresentação de monografia à AVM Faculdade

Integrada como requisito parcial para obtenção do

grau de especialista em Mediação de Conflitos com

Ênfase em Família

Por: Carlos Henrique da Silva

Page 3: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

3

AGRADECIMENTOS

Agradecer não é algo tão simples de fazer, pois para se chegar a algum

lugar, você precisa da ajuda de outras pessoas. E várias as que me ajudaram.

Primeiramente quero agradecer a Deus que me deu forças para

continuar e vencer. Pelos meus pais, pela família onde fui concebido onde

aprendi valores, simples, mas tão cheios de esperança. Obrigado mãe,

obrigado pai. Vocês não estão mais entre nós, mas vai aqui meu muito

obrigado! Aos meus irmãos Jorge Luís e Paloma meu mais profundo e sincero

agradecimento. À minha linda esposa Elisangela, meu especial muito obrigado

pela sua imensa paciência, dedicação, pelo estímulo, sem o qual este trabalho

não seria possível.

Ao meu orientador, ilustríssimo prof. William Rocha, pelo aprendizado,

pelo apoio, meu muito obrigado.

Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela

atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

Page 4: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

4

DEDICATÓRIA

À minha querida esposa Elisangela,

companheira de todos os momentos,

fáceis ou difíceis.

Page 5: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

5

RESUMO

A ética tem sido tratada desde os primórdios da existência humana. Ela

toma vulto com as sociedades antigas passando pela Grécia, Roma e tantos

outros povos. Está presente em tantos códigos antigos como atuais e a cada

dia necessita ser revisitada e proclamada, devido à não usual prática da

mesma por muitos. A ética necessita ser pregada e observada para que uma

sociedade possa desenvolver-se. Nesse contexto, a mediação não pode ser

praticada se não estiver alicerçada por parâmetros éticos. Ela não tem

qualidade e não sobrevive se não presentes estiverem os valores necessários

ao funcionamento deste instituto chamado mediação. Há tantos pólos onde a

mediação está sendo desenvolvida. Mas necessário é, que esta ferramenta de

resolução de conflitos, seja praticada observando os princípios éticos

constitucionais – onde nasce sua formalização – e, os dispositivos infra-

constitucionais nos quais se baseia. Seus profissionais também deverão

observar esses princípios, sem os quais estarão fadados ao fracasso e

dissabor. Assim, se a mediação for encarada de forma séria e em bases éticas

já mencionadas, o resultado será benéfico não somente para mediandos e

mediadores, mas a sociedade brasileira irá aferir ganho, possibilitando a

resolução litigiosa por um caminho bem mais excelente.

Page 6: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

6

METODOLOGIA

A metodologia utilizada no presente trabalho é a revisão bibliográfica,

sendo pesquisados livros, apostilas e textos utilizados em sala de aula,

anotações das aulas e publicações nas áreas de mediação, ética, psicanálise e

direito. Também há consultas da web. Autores como os filósofos Olinto A.

Pegoraro e Adolfo Sánchez Vázquez, David Zimerman e Antônio Carlos M.

Coltro suscitam o tema. A pesquisa bibliográfica tem como princípios a análise

textual, a contextualização e síntese pessoal.

Page 7: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

7

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I - Ética através dos tempos 09

CAPÍTULO II - Ética e Constituição 21

CAPÍTULO III – Ética e Mediação 32

CONCLUSÃO 51

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 55

WEBGRAFIA 58

ÍNDICE 59

Page 8: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

8

INTRODUÇÃO

A pós modernidade produz dinâmicas que desafia a todos a repensar

as questões éticas. A tecnologia, o acúmulo de riquezas, a disseminação e

controle da informação associada a um paradigma do Estado como provedor

de bens necessários não se mostram suficientes para redução da violência,

exclusão da injustiça e oferecimento de uma alternativa ao modus vivendus

angustiante e conflituoso em que se encontra boa parcela da humanidade.

Essas questões são recorrentes à história do homem, pois envolvem a

felicidade, o sofrimento, potencialidade e condições efetivas de gerar bem

estar e não injustiças. Fazer prevalecer a solidariedade, a paz e a criatividade

inibindo a ignorância, os conflitos, a exclusão do próximo e evitar a destruição

do ambiente em que vive.

Certo é a impossibilidade de uma ética de abrangência que seja

compatível com os preceitos de todos os indivíduos e todas as sociedades. A

consciência moral pode variar de pessoa para pessoa, mas impossível deixar

de reconhecer um princípio ético mínimo, de validade geral e universal,

suficiente que possa ter aceitação em todas as culturas. Nas palavras de José

Renato Nalini1, “reconhecer o outro como igual, como igualmente merecedor

de tratamento compatível com a dignidade humana, é uma atitude ética.”

A Carta da República de 1988 possui vários elementos que se

integram à necessidade da ética quando inaugura um novo conjunto de

preocupações neste sentido. E a mediação não poderia ser diferente. Norteada

por princípios éticos, a mediação só terá êxito se tanto o mediador como

quanto a instituição onde ela se propaga possuírem postura ética com base

nos códigos de ética que a regulamentam e na observância do

comportamental mínimo social ético nas questões que envolvem a resolução

de conflitos numa sociedade tão litigiosa como a que se assiste no Brasil.

1 NALINI, José Renato. Aspectos Psicológicos na Prática Jurídica. Organizadores: David Zimerman e Antônio Carlos Mathias Coltro. Campinas, SP: 2002. p. 32.

Page 9: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

9

CAPÍTULO I

ÉTICA ATRAVÉS DOS TEMPOS

Não peço que me mostres o exemplo de um ato

justo, mas peço que me faças ver a essência por

força da qual todas as condutas justas são justas.

(Platão, filósofo.)

As relações entre os homens se desenvolveram em diferentes épocas e

sociedades, onde o comportamento foi influenciado pela realidade social,

histórica e moral. As doutrinas éticas não podem ser consideradas em si

mesmas, mas dentro de um contexto histórico de mudanças e de sucessão

quer sejam culturais, políticas ou sociais. Ética e história possuem íntima

relação, pois que, relacionam-se com a vida em sociedade e entre si mesmas,

já que cada momento ético histórico se relaciona com o anterior e se enriquece

ao longo do tempo.

1.1 – Considerações iniciais sobre a ética.

A palavra ética vem do grego ethos, que significa moral. Apesar da

mesma raiz em comum para ambos os termos, há de se fazer diferenciação

entre eles.

A moral se refere às ações, ou seja, à conduta real, individual ou

coletiva. É um sistema de normas, princípios e valores que regulam as

relações entre indivíduos e desses com a sociedade. São dotadas de caráter

histórico e social, acatadas por uma convicção coletiva, não mecânica, externa

ou impessoal. A ética, por sua vez, alude aos princípios ou juízos que

originaram essas ações. Pode-se dizer que, a ética e a moral,

respectivamente, correspondem à teoria e à prática, estando sempre

entrelaçadas entre si.

O ilustríssimo PROF. OLINTO A. PEGORARO explica, num

entendimento mais atual que, “A ética refere-se sempre à estrutura radical do

ser humano, ao núcleo subjetivo único e intransferível: a consciência e a

Page 10: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

10

liberdade. Neste reduto de acesso exclusivamente pessoal cada um decide,

assume suas opções e por elas responde”.2

1.2 – Ética e história.

Ao longo do tempo os princípios e valores encarnados na vida moral

entram em crise e exigem uma ética que atenda a necessidade de novas

reflexões com a justificativa de substituição de umas sobre as outras. Os

conceitos, valores e normas tornam-se problemáticos e buscam estar em

conexão com os anseios sociais dentro das suas estruturas. Diante disso tem-

se alguns desses conceitos a seguir.

1.2.1 – Ética no mundo greco-romano.

A Grécia do século V a.C – em muitas de suas cidades-estado – com a

vitória da democracia escravista, a democratização da vida política e uma

intensa vida pública, deram origem à filosofia política com as idéias dos

sofistas, de Sócrates, Platão, Aristóteles, estóicos e epicuristas.

O sofista reage contra a sabedoria do mundo, pois o considera sem

profundidade. Prefere saber sobre o homem, principalmente no que tange aos

campos político e jurídico. Protágoras relativiza o saber dizendo que “tudo é

relativo ao sujeito, ao homem, medida de todas as coisas”. Górgias prega que

“é impossível saber o que existe realmente e o que não existe.” Para alcançar

êxito, o cidadão da polis deve praticar a argumentação, a persuasão ensinada

pelos sofistas, que cobram por isto. A ética sofista perpassa pela arte de

persuadir e põe em dúvida a tradição e a existência de verdades e normas

válidas. Essas normas por serem humanas, no entendimento sofista, são

transitórias.

Sócrates possui uma ética racionalista onde bondade, conhecimento e

felicidade possuem estreito relacionamento. Com ele o homem tornou-se tema

2 PEGORARO, Olinto A. Ética é Justiça. Petrópolis, RJ, Vozes, 1995, p. 101.

Page 11: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

11

da reflexão ética e filosófica. O ser humano – homem - que age retamente é

aquele que conhece e pratica o bem. Agindo dessa forma, sente-se dono de si

mesmo e, como resultado, é feliz. Sócrates pregava a necessidade de

restauração da imagem do homem. Para tal deveria olhar para dentro de si

mesmo. Daí a máxima socrática “conhecer a si mesmo”. Esta é a base para a

existência de um bom cidadão numa polis justa. Assim, a ética nasce com os

temas centrais do bem, da virtude, do valor da pessoa e da sociedade justa.

Já para Platão, discípulo de Sócrates, a ética está intimamente ligada a

filosofia política, pois a polis é o lugar apropriado na prática de uma vida moral.

Alguns autores comungam que Platão é o “pai” da ética. Com efeito, ele

desenvolveu cerca de 350 anos a.C. um complexo sistema filosófico que

continua sendo extremamente popular até os dias de hoje. Ele desenvolveu

uma teoria racional sobre a constituição da alma humana como eterna,

estabelecendo a supremacia e autonomia da razão sobre as emoções e os

impulsos ou vontade [...]. (GOUVÊA, 2002, p. 54).

Porém, este não é o entendimento da maioria dos pensadores, pois

mesmo antes de Platão, já haviam outros sistemas que apresentavam

condutas a serem seguidas por todos, como o Código de Hamurábi.

Entretanto, inegável é a sua importância para o pensamento ético.

Platão entende que nós devemos decidir se desejamos chegar à uma

alma purificada e ter uma vida mais justa, seguindo o que é razoável, sem

julgamentos desnecessários. A virtude passa a ser praticada em nossas almas,

que são a sede de nossa consciência, não mais a busca através da harmonia

cósmica. Assim traz um sentido individualista para essa busca. Ele acredita

que a felicidade não deve ser buscada somente pelo indivíduo, mas por toda a

sociedade, pois a ética se encontra no meio social. E um indivíduo não pode

alcançar a felicidade minimamente ética em uma comunidade viciosa. A

coletividade deve alcançar a felicidade também, a fim de não incutir conceitos

duvidosos entre seus membros, que interagem todo tempo entre si.

Já Aristóteles, nascido em Estagira na Macedônia (384 – 322 a.C.) e,

discípulo de Platão, não aceita que a idéia exista separada dos indivíduos; se

opondo ao dualismo ontológico de Platão. A ética de Aristóteles está associada

Page 12: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

12

à filosofia política, ou seja, a comunidade social e política é o meio necessário

onde o homem pode encontrar a felicidade (eudaimonia). O homem não pode

levar uma vida moral isoladamente, mas como parte da sociedade.

Esta vida moral e ética não é um fim em si mesmo, mas condição para

se viver uma vida realmente humana na qual repousa esta felicidade. Numa

comunidade baseada na exclusão social, onde os escravos se mantem

excluídos da vida política e as mulheres são subjugadas, a verdadeira vida

moral pertence à uma elite, que pode realizar-se nela. Assim, o homem bom

(sábio) deve ser também, um bom cidadão formado para a justiça e

estabilidade (paz) na polis. Segundo ele, “ao homem não basta viver; ele quer

viver bem”.

No império romano, a ética filosófica clássica já estava em plena

decadência e ruína, face a perda da autonomia dos Estados gregos e

sucessiva queda de impérios: primeiro o da Macedônia; em seguida o próprio

império romano. No período dos imperadores romanos, o homem interior mais

se angustiava e os tempos eram ainda mais tormentosos. Chega-se a um

momento crítico de profunda decadência da sociedade onde ainda sobrevivem

as antigas escolas filosóficas; mas já em ruínas, se esgotam e caem umas

depois das outras, tendo como um dos motivos a expansão do Cristianismo. O

estoicismo, sobrevive neste mundo em decadência, por um tempo ainda e, tem

como seu principal expoente Zenão de Cítio, na Grécia e, Sêneca, Epíteto e

Marco Aurélio em Roma; o epicurismo tem como seu representante, Epicuro

na Grécia e, Tito Lucrécio Caro, em Roma.

Tanto para o estoicismo como para o epicurismo, a moral se define em

relação ao universo, não mais à polis. Assim, para ambos a física é a premissa

da ética, pois a mesma é colocada como pano de fundo da necessidade

material, física do mundo.

Para os estóicos, o mundo ou cosmos tem como seu coordenador um

único e grande Ser que tem Deus como princípio, alma ou razão. Tudo

acontece de acordo com Sua vontade. O acaso e a liberdade não existem. O

homem está sujeito à uma fatalidade e destino absolutos. A atitude do sábio é

aceitar o seu destino e condição. Assim, aceitando viver de acordo com a

Page 13: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

13

razão, com consciência de seu destino e função no universo, sem se deixar

levar por paixões, afetos ou coisas exteriores; praticando para tal, a apatia, o

sábio conquista a liberdade interior e sua autossuficiência absoluta. Como

resultado, o indivíduo se define moralmente sem necessidade da comunidade,

pois o estóico é cidadão do cosmos, não da polis.

Para os epicuristas, a existência de todas as coisas vem da formação a

partir do átomo, inclusive a alma, sem interferência divina nos fenômenos

físicos nem na vida do homem. Assim, o homem pode buscar o bem neste

mundo, que para Epicuro, é o prazer. O importante é escolher os prazeres que

sejam bons e duráveis, pois há muitos prazeres e nem todos são necessários

e úteis. Os prazeres corporais são fugazes e imediatos, mas os espirituais

contribuem para a paz da alma. O epicurista, retirado da vida social, então,

encontra em si mesmo a tranqüilidade da alma e a autossuficiência.

Desta feita, a ética epicurista e estóica surge numa época de

decadência e de crise social, onde a unidade da moral e políticas grega, se

dissolvem.

1.2.2 – Ética Medieval e sua Verticalização.

A ética na idade média é pautada na doutrina cristã. O mundo antigo

ruiu, a escravidão cede seu espaço à servidão e sobre a base da igreja

Romana aquela sociedade garante uma certa unidade social, pois a política

está na dependência da religião e a igreja exerce poder espiritual e social.

Os medievais adotaram o conceito grego de verdade como adequação

da mente com a coisa, mas por razões teológicas, desenvolveu-se com muito

cuidado o conceito de verdade ontológica, ou seja, a verdade de cada coisa

criada por Deus. A moral e a ética estão impregnadas de um conteúdo

religioso, encontrado em todas as manifestações sociais naquele momento.

O homem passa a olhar para o alto, na busca do Seu criador, Deus; e,

não mais para si mesmo ou para a sociedade, a polis greco-romana.

Page 14: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

14

Nesse contexto, a ética de Agostinho de Hipona (354 – 430) consiste

na busca da felicidade no gozo da suprema Verdade onde Deus é a única e

verdadeira alegria. Nos termos latinos uti et frui, Agostinho resume sua ética

cristã: frui, fruir, gozar, alegrar-se e uti, usar, servir-se. Ele explica a ética da

fruição dos bens divinos em harmonia com a utilização das coisas terrenas que

alimentam a vida material, a vida humana em direção ao verdadeiro bem e

única e suprema felicidade, que é estar após a morte com Deus.

Agostinho acredita na ordem natural das coisas como caminho da

transcendência divina e felicidade humana. Sempre sustentou a liberdade

como fundamento ético, negando as forças externas, os corpos celestes como

determinantes da vontade humana. Para Agostinho: “não há um “destino” que

nos impele fatalmente, como queriam os estóicos; o homem tem inteligência e

o dom da liberdade para decidir seu agir na direção da cidade celeste (Civ.,

X,5).

A ética agostiniana se coloca na ordem das essências, ou seja, Deus,

homem, animal, vegetal, mineral, que cria a ética da adoração a Deus, de

amor aos homens em Deus e, da utilização equilibrada das coisas materiais.

Já no século XIII, Tomás de Aquino (1226 - 1274) adota princípios

éticos gerais que coincidem com a ética aristotélica. Tomás viveu num século

de apogeu da ontologia, da ética e da política aristotélica como reação aos

agostinianos que perderam a hegemonia da filosofia platônica e neoplatônica.

A tese central de Aristóteles do agir humano virtuoso em vista de um

bem supremo na convivência política justa forma também as bases da ética

tomista. Porém, Aquino trata de “cristianizar” a sua moral onde Deus é o bem

objetivo ou fim supremo, cuja posse causa gozo ou felicidade.

A ética tomista se insere no âmbito da antropologia, da política e da

metafísica, não, porém como fizeram os gregos, mas como procedem os

cristãos que crêem num universo criado por Deus e orientado para a

eternidade.

O cerne da ética de Aquino se contextualiza no mundo real da vida

direcionado para seu Criador. A especificação da ética em virtudes morais,

intelectuais, vida política e regimes de poder são simples conseqüência.

Page 15: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

15

Fundamental é o movimento de retorno da criatura ao Criador, com auxílio das

virtudes humanas e da fé.

Tem-se então que, a ética de Tomás implica na razão como base e na

fé como coroamento transcendente. Cabe à ética criar normas de conduta

humana baseadas no entendimento da estrutura metafísica do homem como

animal racional e animal político por sua própria natureza.

1.2.3 – Ética Moderna e o Antropocentrismo.

A partir do século XVI até início do século XIX se cultiva na nova

sociedade que sucede à sociedade feudal a ética moderna, que se caracteriza

pela convivência com uma série de mudanças em vários aspectos.

Se incrementam as forças produtivas na economia impulsionadas pelo

desenvolvimento científico e se desenvolvem as relações capitalistas de

produção; na ordem social, se fortalece uma nova classe social, a burguesia,

que luta para impor seu domínio através de revoluções que se estendem por

várias regiões da Europa; no plano estatal, desaparecem os pequenos Estados

Feudais, que dão lugar a grandes Estados modernos, únicos e centralizados.

A religião deixa de ser a forma ideológica dominante e o homem

adquire um valor pessoal, não só como ser espiritual, mas também como ser

corpóreo, sensível. Dotado não somente de razão, mas também de vontade. A

contemplação dá lugar à ação.

Em Descartes (século XVII) já há a tendência de se basear a filosofia

no homem, ainda que como um abstrato eu pensante.

Um dos grandes pensadores da Era Moderna, representante do

Iluminismo, uma de suas maiores influências – havia outros grandes

pensadores no seu tempo tais como: Goethe, Fichte e Hegel - foi Immanuel

Kant (1724 – 1804).

A ética de Kant expressa da forma mais perfeita a expressão da ética

moderna. Suas obras que apareceram, não por acaso, anos imediatamente

anteriores à Revolução Francesa de 1789 são: Fundamentação da Metafísica

dos Costumes (1785) e Crítica da Razão Prática (1788).

Page 16: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

16

Kant defende que não é o sujeito que gira em torno do objeto, mas sim

ao contrário. O que o sujeito conhece é o produto de sua consciência. O

homem como sujeito moral é ativo, criador e está no centro tanto do

conhecimento quanto da moral. Sua ética parte do factum (o fato) da

moralidade. O comportamento moral pertence a um sujeito autônomo e livre,

ativo e criador. A ética kantiana é o ponto de partida na qual o homem se

define antes de tudo como ser ativo, produtor ou criador.

O problema da moralidade traz a questão do fundamento da bondade

dos atos, ou em que consiste o bom. Para Kant, o único bom em si mesmo é

uma boa vontade. A bondade de uma ação não se deve buscar em si mesma,

mas na vontade com que se fez.

O principal objetivo da ética kantiana é mostrar a existência de uma

razão pura prática capaz de determinar a vontade sem recorrer ao empirismo e

à sensibilidade; opera por si só, sendo portanto, anterior à experiência. Nisso

Kant se distancia dos gregos e medievais, quando afirma a distância entre a

razão empírica e a razão pura prática.

De acordo com Kant, não se exige o cultivo da moral para viver-se em

sociedade; basta que a liberdade seja exercida nos termos da lei.

Para Aristóteles, a virtude moral da justiça, por exemplo, é necessária

para a continuidade da sociedade; na ética kantiana, a moralidade subjetiva é

regulada pelo imperativo categórico e a lei social estabelece a compatibilidade

das liberdades que é o mútuo respeito. A moral kantiana se firma nas ações

externas livres e reguladas pelo direito. Os deveres de compaixão,

benevolência, caridade e outros gestos humanitários são exclusivamente atos

da virtude ética subjetiva e nada tem a ver com a ordem jurídica. São

exclusivamente morais e nunca legais, exatamente como as obrigações sociais

são sempre deveres legais e nunca morais.

De Kant em diante, a ética será normativa, ou seja, a ética da lei moral

substitui a ética das virtudes. A ética não será mais o comportamento virtuoso,

mas o cumprimento da lei moral.

Page 17: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

17

1.2.4 – Ética Contemporânea e sua Objetivação.

As doutrinas éticas posteriores a Kant surgem numa sociedade na qual

afloram revoluções sociais do século passado e presente. A ética

contemporânea surge num contexto de contínuos progressos científicos e

técnicos que vão desaguar num imenso desenvolvimento das forças

produtivas, que acabarão por ameaçar a própria existência humana diante das

guerras que se travarão.

A ética contemporânea se defronta com uma pluralidade de tendências

culturais e morais dentro de uma mesma sociedade, que se formam a partir

dos juízos de valores recebidos por cada um dos indivíduos dentro de seu

próprio contexto de convivência.

Assim, um novo pensamento começa a surgir contestando o

racionalismo absoluto e passa a assumir a existência de uma parte

inconsciente do ser humano. As principais correntes dessa ética

contemporânea são: o Existencialismo, o Pragmatismo, a Psicanálise, o

Marxismo, o Neopositivismo e a Filosofia Analítica.

Kierkegaard (1813 – 1855) é considerado o pai do Existencialismo.

Para ele, o que vale é o homem concreto, sua individualidade e subjetividade.

Diferentemente de Jean Paul Sartre (1905 – 1980), para quem Deus

não existe, tendo como conseqüência disso, a total liberdade do homem sem

nenhum vínculo com um possível criador; Kierkegaard, entende haver três

estágios na existência individual: estético, ético e religioso. O estágio superior

é o religioso, pois a fé é sustentada por uma relação pessoal, subjetiva com

Deus. O estágio ético está abaixo do religioso onde o indivíduo deve pautar

seu comportamento por normas gerais. E o estágio estético se situa num

degrau inferior ao ético, onde importa o prazer do momento, busca-se a alegria

momentânea3.

Nos Estados Unidos do último quarto do século passado nasce e se

difunde como doutrina ética o Pragmatismo tendo como seus principais

3 VASQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética. 35ª edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013. p. 287.

Page 18: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

18

A mercantilização das diversas atividades humanas aliadas ao

progresso científico e técnico com o desenvolvimento do espírito

empreendedor nos E.U.A. propiciaram o surgimento e difusão de uma filosofia

antiespeculativa – o Pragmatismo - desconectada dos problemas no âmbito da

metafísica. Filosofia esta atenta às questões práticas com sentido utilitarista.

O Pragmatismo sinaliza identificação com o útil. A verdade é entendida

como aquilo que tem utilidade, ao que é bom. Isso é que leva ao êxito. Valores,

princípios e normas são considerados como nada e o bom vai depender da

atividade prática de cada um como sua variante.

Essa ética é marcada pelo egoísmo, pois reduz o comportamento

moral aos atos que levam ao êxito do indivíduo.

Ainda que não se possa se referir a uma ética psicanalítica strictum

sense também não há como negar que algumas das descobertas da

Psicanálise, como a confirmação da existência do inconsciente do homem,

contribuíram para que haja um julgamento ético diferenciado.

Sigmund Freud (1856 – 1939) fundou a psicanálise como corrente

psiquiátrica e psicoterapêutica onde o pressuposto básico é a afirmação de

que existe uma área da personalidade, da qual o ser humano não tem

consciência, que é o inconsciente. No inconsciente estão armazenadas as

recordações, desejos ou impulsos “proibidos” pelo consciente, que lutam para

escapar desse “lugar obscuro”, burlando a censura.

Freud chama a energia que se manifesta no inconsciente de libido, que

é de natureza sexual. Quando esta energia não pode ser canalizada ou

adaptada e é reprimida surge, por exemplo, a neurose, que é uma das formas

de perturbação psíquica. Freud empresta uma importante contribuição à ética,

pois se o ato moral é aquele no qual o sujeito age livre e conscientemente, os

atos praticados por uma motivação inconsciente devem ser excluídos do

campo moral.

De outra vista, a Psicanálise ajuda a se colocar no seu devido lugar

aquelas normas que são impostas ao sujeito de maneira absoluta.

A ética marxista explica e critica as morais do passado e,

simultaneamente, expõe as bases teóricas e práticas de uma nova moral. O

Page 19: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

19

Marxismo olha o homem como um ser produtor, transformador, criador,

inventivo, social e histórico. Mediante seu trabalho transforma a natureza

externa, nela se mistura e, ao mesmo tempo, cria um mundo de acordo com

suas necessidades e natureza humana.

Para o Marxismo, o homem é um ser essencialmente social, pois

somente ele produz relações sociais, tais como as relações de produção do

operariado. E também, é um ser histórico, tendo em vista que, as várias

relações que se formam num determinado período no espaço e tempo

constituem uma unidade econômico-social que muda de acordo com suas

contradições internas pautadas na base econômica e na superestrutura

ideológica, a moral.

Marx entende que o homem deve intervir na transformação social de

forma prática e consciente. A moral ou ideal deve atender ao cumprimento

desta participação humana, sem a qual ambos poderiam se transformar em

algo impotente, sem importância efetiva na vida do homem em sociedade.

O Neopositivismo e a Filosofia Analítica aglomeram as correntes éticas

contemporâneas que concentram sua atenção na análise da linguagem moral,

tratando o homem como algo que pode ser definido, defendendo também os

conceitos de obrigação, dever e justeza.

Como porta-vozes destas correntes se apresentam como seus

principais representantes, G. E. Moore (1873 – 1958) com a publicação de

Principia Ethica em 1903, Ayer, Stevenson, Hare, Nowell-Smith e Toulmim.

A partir dessas correntes, que aceitam a linguagem moral como o meio

pelo qual as relações efetivas se manifestam no mundo real, esses filósofos

entendem que o homem deve ser aceito como ser social que assume a

liberdade como algo que deve ser aproveitado juntamente com o outro.

Reduzida a tarefa da ética à análise da linguagem moral, abstrai-se

dela o seu aspecto ideal de juízos e termos morais, evitando-se as grandes

questões morais. Porém, o filósofo contemporâneo, Stevenson vê-se obrigado

a reconhecer que os grandes problemas morais começam onde esta

investigação termina. Defende os direitos essenciais a todos os seres

humanos, como o direito à vida e à educação.

Page 20: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

20

Ética é postura na ação diante do outro mediante princípios tais como

o respeito à subjetividade, à dignidade da pessoa, à diversidade. Ao longo dos

tempos, pôde-se observar que o prisma ético sofre mudanças de acordo como

essas posturas e posições são colocadas frente ao homem daquele tempo,

daquela sociedade.

Page 21: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

21

CAPÍTULO II

ÉTICA E CONSTITUIÇÃO

"Fora da Constituição, não há instrumentos nem meio que afiance a

sobrevivência democrática das instituições.” (Paulo Bonavides, jurista)

Os valores éticos numa sociedade correspondem a uma escolha

axiológica do grupo humano que compõe esta comunidade e seu

comportamento.

Superado o legalismo, que caracterizou regimes de exceção como o

fascismo e o nazismo, as constituições dos Estados Democráticos de Direito

trazem – quase que em sua totalidade – normas éticas vistas como primordiais

para a criação e manutenção do próprio Estado e o bem-estar de seus

cidadãos.

A Constituição é a ordem fundamental de um Estado, a expressão de

um povo para organizá-lo jurídico e politicamente.

2.1 – Constituição e Origem.

A evolução do homem sempre esteve associada à sua capacidade de

pensar e perceber; sua inteligência o torna superior aos animais. Não advinha

de sua força ou estatura, mas do seu raciocínio capaz de separar o bem do

mal.

Inicialmente, o homem primitivo vivia da caça, pesca, coleta de frutos e

raízes onde não havia propriedade privada nem acumulação de riquezas. As

atividades e o produto eram repartidos coletivamente.

Com o decorrer dos tempos, houve a complexidade da organização

social e a necessidade de regramento das relações sociais; para tal, inicia-se o

conceito do direito natural como norma constante e invariável garantindo a

Page 22: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

22

realização do melhor ordenamento da sociedade humana, possibilitando a vida

associada.

Com a positivação do direito, como o conjunto de regras que a maioria

das sociedades humanas reconhece, a despeito de elementos variáveis dos

quais nem todos os grupos sociais reconhecem, surgem as primeiras normas

escritas.

Os primeiros documentos escritos dos diversos povos tais como dos

sumérios, assírios, babilônios, fenícios, egípcios, palestinos, persas, assim

como os de Creta, Esparta, Atenas, Cartago, Roma entre tantos outros.

Paulino Jacques sublinha este aspecto dos primórdios do

constitucionalismo: “Eram mais instituições do que constituições, documentos

escritos, códigos políticos. Não escritos, consuetudinários, e, por ato de

modificação. Não se conheciam, ainda, o ‘poder constituinte’, de onde

emanam as Constituições escritas, mas tão-só o ‘poder legiferante ordinário’.

(JACQUES, 1974 apud PENNA, 2012, p. 156)

Pode-se considerar o Código de Hamurábi como umas das leis

escritas mais antigas do mundo e o mais antigo código penal da história,

baseado em antigas leis sumérias. Este código tinha suas leis sustentadas no

princípio “olho por olho, dente por dente”, conhecido como Lei de Talião.

Mas foram os gregos que vislumbraram primeiramente a importância

do Estado na vida prática de sua sociedade, compreendida na polis, onde

orbitava tanto a vida social como política e religiosa.

Conforme destacou Gruppi:

(...) o Estado é então a expressão da dominação de uma classe, é a

necessidade de regulamentar juridicamente a luta de classes, de manter

determinados equilíbrios entre as classes em conformidade com a correlação

de forças existentes, a fim de que a luta de classes não se torne dilacerante. O

Estado é a expressão da dominação de uma classe, mas também um

Page 23: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

23

momento de equilíbrio jurídico e político, um momento de mediação.4 (grifo

nosso)

Assim como os gregos, os romanos estabeleceram o conceito de

Constituição como o centro de concentração de poder do Estado, fazendo

distinção entre a essa Constituição e as disposições legislativas particulares,

referindo-se à Lei Maior como rem publicam constituere. Para garantia de

direitos, assegurando a não intervenção de um indivíduo sobre o direito do

outro foram criadas inúmeras leis com destaque para a Lei das XII Tábuas,

que se baseava num direito costumeiro, do qual era necessária uma lei que

pudesse consolidar e impor as regras desse direito.

Com o passar do tempo, as Constituições Imperiais (constitutiones

principum), leis emanadas pelo príncipe (Imperador) vão obtendo importância

até se chegar à grande codificação de Justiniano (século VI), o Corpus Juris

Civilis que reuni as leis do Codex e as novas leis do próprio Imperador (as

Novellae), que imortalizaram o Direito Romano.

Na Idade Média, o Constitucionalismo passa a ser fortemente

influenciado pela Igreja Romana e pelo poder político do feudalismo, que

enfraqueceu o Estado e monopolizou o poder político.

Na Inglaterra, o rei João Sem Terra travava disputas contra o rei da

França, o Papa Inocêncio III e os nobres ingleses, sendo vencido e obrigado a

assinar em 1215 a Magna Carta, documento pelo qual o monarca se obrigava

a respeitar os direitos dos nobres e da Igreja, evitar os abusos da

administração e da Justiça e não estabelecer impostos sem o prévio

consentimento dos seus vassalos. Pode-se considerar esta a primeira

manifestação constitucional escrita.

Porém, foi a Constituição dos Estados Unidos da América, promulgada

na Convenção da Filadélfia em 1787, considerada a primeira constituição

escrita. Esta constituição conjuntamente com a Constituição Francesa

4 GRUPPI, Luciano. Tudo Começou com Maquiavel. Ed. L&PM, Porto Alegre – RS, 16ª edição: 2001. p. 31, apud PENNA, Maria Cristina V. Martines. Constitucionalismo: Origem e Evolução Histórica – RDBC nº 21 – jan. a jun. 2013. p. 156.

Page 24: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

24

elaborada em 1791, logo após a Revolução Francesa vão influenciar

diretamente as constituições brasileiras.

2.2 – Ética e a Carta Magna de 1988.

Pensar ética e valores morais na sociedade brasileira hodierna é

refletir como propor uma nova concepção moral que aplaque a chaga da

corrupção, que a cada dia ganha mais visibilidade, até então desconhecida da

maioria da população. Corrupção esta desprovida de qualquer sensatez, que

se revela nos mais diversos níveis estatais e privados a despeito de discursos

inflamados em prol da ética e da moral, de condutas politicamente corretas e

da defesa dos direitos individuais do homem.

2.2.1 – A Constituição da República e seu significado ético.

A Carta da República de 1988 surge num contexto do retorno do país

aos ideais da democracia garantindo a todos o exercício da cidadania e inicia

uma nova fase onde as preocupações éticas se fazem mais presentes, com a

ordem jurídica constitucional almejando alcançar o máximo do convívio social

pleno de estabilidade e paz, em se tratando de ética ser a ciência da conduta.

Assim, as normas são construídas de forma que surtam efeito prático

no comportamento e na conduta das pessoas, das sociedades, das

organizações, das corporações, das cooperativas, instituições e sindicatos bem

como dos órgãos governamentais.

De forma que, causem efetivas repercussões sobre a consciência e a

moral social, além de que a ética populacional.

Ao consagrar o nascimento do Estado Democrático de Direito, a

Constituição Brasileira de 1988 elege a igualdade e a justiça como valores

éticos a serem perseguidos.

A Constituição Brasileira, como qualquer constituição de um Estado

inicia-se pelo preâmbulo, o qual conforme Kelsen, não seria uma norma no

sentido estrito da palavra; mas como integrante da Constituição, sinaliza um

Page 25: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

25

efetivo comando de observância obrigatória para todos os cidadãos da

República, o que passa a constituir uma questão ética.

Mitre afirma que “o preâmbulo é o pórtico da Constituição” e, sem as

portas a entrada não existe: através do preâmbulo a Constituição é

promulgada e passa a ter existência.

A partir do preâmbulo da Carta Magna há elementos que remetem à

valores éticos:

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos

em Assembléia Nacional Constituinte para instituir

um Estado Democrático, destinado a assegurar o

exercício dos direitos sociais e individuais, a

liberdade, a segurança, o bem-estar, o

desenvolvimento, a igualdade e a justiça como

valores supremos de uma sociedade fraterna,

pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia

social e comprometida, na ordem interna e

internacional, com a solução pacífica das

controvérsias, promulgamos, sob a proteção de

Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA

FEDERATIVA DO BRASIL.” 5 (grifo nosso)

Como se observa, na introdução da Constituição de 1988,

estabeleceram-se valores mais elevados que uma sociedade que se declara

fraterna, pluralista e sem preconceitos possa ter. Valores esses que

necessitam se firmar em todos os segmentos sociais do país e também,

internacionalmente, perante outros Estados Democráticos de Direito.

Pode-se citar a garantia que o Estado deseja conceder aos seus

cidadãos dos direitos fundamentais sociais e individuais como um dos valores

éticos elencados neste preâmbulo. Há também a necessidade de igualdade e

5 REUTERS, Thomson. Vade Mecum 2013 Universitário RT. Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo – SP, 5ª edição: 2013. p. 15.

Page 26: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

26

justiça numa sociedade fraterna e a busca de soluções pacíficas com vistas à

harmonização social de seus habitantes.

Todos os pressupostos éticos presentes no preâmbulo constitucional

vão nortear o sentido desta Constituição chamada de ‘Constituição Cidadã’,

pois que olha para os anseios sociais e se coloca à disposição da cidadania, a

fim de alcançar os fins sociais para qual se dispõe.

2.3.1 – Constituição e alguns de seus preceitos éticos.

O legislador, ao participar da elaboração da Carta Magna, diante das

preocupações – o país saía de um período de ditadura – instituiu em seu bojo

artigos que estão impregnados de uma profunda textura ética.

Analisando alguns desses textos, é possível detectar essas

preocupações éticas impregnadas de valores.

No Título II, dos Direitos e Garantias Fundamentais, há várias

referências com parâmetros valorativos tais como: a vedação à tortura, ao

tratamento desumano e degradante; a indenização por dano moral, inclusive

em violação da intimidade, da vida privada, da honra, da imagem; a proibição

da associação para fins ilícitos; o direito de petição aos Poderes Públicos em

defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder. Trata-se de uma

ética da dignidade do ser humano.

José Afonso da Silva explica que: “direitos fundamentais do homem-

indivíduo são aqueles que reconhecem autonomia aos particulares, garantindo

a iniciativa e independência aos indivíduos diante dos demais membros da

sociedade política e do próprio Estado.” 6 7

A Constituição de 1988 expõe em seu corpo uma orientação ético-

política fundamentada na solidariedade social do qual verifica-se alguns

desses preceitos: a ética da universalidade – de acordo com art. 5º, caput -

6 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Malheiros Editores Ltda, São Paulo – SP, 23ª edição: 2004. p. 190. 7 A explicação sobre a ética nos arts. 5º, caput até o 232 e incisos da CFRB nas p.p. 26-30 desta monografia são baseadas nos comentários disponíveis em: http://www.esdc.com.br/RBDC/RBDC-08/RBDC-08-125-Eduardo_Bittar.pdf. Acessado em 02/12/2015.

Page 27: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

27

que elimina qualquer tentativa de xenofobia em território nacional, tendo em

vista a pluralidade racial e sua origem histórica em que se vive no país e

entende ser necessária a convivência salutar e harmônica entre as mais

diversas etnias nacionais e alienígenas em solo brasileiro.

O art. 5º, inciso I confere a ética da igualdade sem distinção. Aqui

observa-se a ética presente também na mediação a partir desta base

constitucional, onde todos são iguais perante a lei, ou seja, o mediador deve

ser escolhido consensualmente pelas partes, independentemente do sexo dos

indivíduos.

O inciso II do art. 5º da Carta Magna traz a ética da liberdade,

voluntariedade e disponibilidade onde as pessoas não são obrigadas a fazer

algo se assim não quiserem. Privilegia a liberdade de consciência e ação onde

ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude

de lei.

A liberdade aqui não como uma exceção, mas sim como uma regra

que deve ser respeitada e acatada por todos. As exceções serão tratadas em

lei própria.

Há incisos do art. 5º que primam por uma ética do não-abuso de poder,

da não-violência, da preservação de direitos humanos não somente aos

cidadãos livres mais também aos presos e criminosos, tais como: III, XXXIX,

XLII, XLV, XLVI, XLVII e outros.

Quando os incisos IV, VIII, IX, XXVII tratam do livre exercício de

qualquer trabalho, ofício ou profissão atendidas as qualificações específicas

estabelecidas por lei, com vistas à formação de uma consciência livre de

quaisquer barreiras, vínculos ou impedimentos, levando em conta a

necessidade do pluralismo na formação do pensamento e diálogos sociais,

valorizando a proteção dos autores e criadores por meio de leis próprias, há de

se falar em uma ética da liberdade intelectual, promovendo o desenvolvimento

científico, literário, artístico e cultural do país.

Há também a privacidade como a reunião de determinadas

informações que a pessoa humana decide manter em seu sigilo, segurança ou

Page 28: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

28

dar a elas publicidade a quem quiser, onde, quando ou em que condições

considerar mais favorável sem que haja lei obrigando-a a fazer isto.

Daí extrai-se a ética da proteção à privacidade da personalidade

humana que se encontra nos incisos V, X e XII, que se expressa pelo direito à

intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, ou seja, contra o

dano à moralidade, a repressão ao abuso invasivo dos caracteres, da

intimidade da pessoa humana.

A ética da liberdade do pensamento está presente nos incisos IV, VIII,

IX e XXVII, permitindo a formação de mentes ideológicas, científicas, literárias

e artísticas livres de barreiras ou impedimentos, com vistas ao pluralismo de

pensamento e diálogo social, com a proteção – inclusive – do autor e do

criador de suas obras através de leis próprias.

A construção de valores igualitários de forma que um cidadão não

oprima o outro e muito menos o Estado assim o faça, com a oficialização de

um credo religioso em detrimentos dos demais, vedando as suas

manifestações, culto e crença fazem parte da ética da tolerância, seja religiosa,

seja racial contida nos incisos VI e XLI.

Uma ética do trabalho baseada na valorização do trabalhador,

permitindo a todos a livre escolha da profissão, resguardadas as condições

mínimas legais e com foco, principalmente, nas necessidades das famílias

como alimentos e saúde e todos os demais institutos de direitos e deveres

sociais associados ao trabalho é o que almejam os arts. 6º e 7º da Carta da

República.

Em tempos de crise e grassa corrupção no Brasil, o art. 37 caput e

seus incisos revigora a necessidade da ética administrativa, que remete a uma

moral administrativa com atuação dos gestores públicos de forma digna e justa

nas atividades estatais onde a cultura do respeito e observância no cuidado

com o dinheiro público e às necessidades sociais devem ser metas a serem

perseguidas por todos, a fim de que fomente a consciência de um Estado

exemplar que cuida corretamente dos seus cidadãos.

Aliada à necessidade de solidez do Estado no que tange à moralidade,

está presente nos arts. 170, caput até o 181 e 192 a ética da ordem econômica

Page 29: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

29

regulando a atividade econômica no país e incentivando o desenvolvimento

dos mais diversos setores produtivos de forma equilibrada e equânime.

Na área científica, a Constituição em seu art. 218 prima por uma ética

que busca a formação de uma mentalidade voltada para a busca do

conhecimento e sua aplicabilidade através da implantação de programas que

auxiliem as pesquisas nos mais diversos setores do conhecimento, visando

alcançar as necessidades das variadas regiões e culturas do espaço brasileiro.

Na área da comunicação, nos arts. 220 e 221 se apresenta a ética da

comunicação social que estimula a criação de órgãos estatais que possam

coibir a formação de monopólios e oligopólios de comunicação, difundir a

cultura, informação e veiculação de notícias e dados, possuindo os meios de

comunicação, liberdade ampla de atuação, vedados os dispositivos legais

éticos e jurídicos.

Há de se falar também na ética ambiental e da preservação do meio

nos incisos e parágrafos do art. 225, que prioriza a utilização dos recursos

naturais do país respeitando os princípios da sustentabilidade, a despeito do

potencial energético e da biodiversidade do país.

Este princípio da sustentabilidade prioriza a proteção dos recursos

hídricos, minerais, biológicos, vegetais etc de maneira racional evitando a

degradação e uso dos mesmos de modo excessivo e desgastante a fim de

preservá-los para as gerações seguintes, tendo em vista serem estes, finitos.

No contexto social, a Lei Magna observa a ética familiar no art. 226,

incisos e parágrafos com o objetivo de preservar e fortalecer a célula mater da

sociedade, a família como elemento nuclear de formação social e por onde se

inicia a construção de uma sociedade de valores sólidos e justos.

E os arts. 227, 228 e 229 integram uma ética voltada para a criança, o

adolescente e o jovem através da proteção legal de suas necessidades, do

cuidado de suas privações, imbuindo a família à responsabilidade de

proporcionar um ambiente adequado dentro do lar e fora dele, de maneira que

a criança, adolescente ou jovem possam se desenvolver de forma saudável e

digna, proibida a discriminação entre filhos nascidos dentro do casamento ou

Page 30: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

30

fora dele e a presença ativa do Estado na proteção infantil contra o abuso, a

violência familiar e o trabalho precoce.

Preocupado ainda com os anseios sociais, o Diploma Legal Brasileiro

em seu art. 230 se nos apresenta com uma ética de amparo e suporte ao

idoso na direção de valorização e dignificação da vida humana, promovendo

sua longevidade; tarefa essa, onde a família e o Estado tem papel

preponderante, permitindo que independentemente de ter uma vida produtiva

ou não do ponto de vista laboral, o idoso tenha qualidade de vida.

Nos art. 231 e 232 trata da ética não discriminatória de outras raças,

culturas e etnias, com vistas à desconstrução da idéia de uma única civilização

hegemônica em território brasileiro instituída pela história e tradição; garantindo

aos povos indígenas tratamento adequado e proteção exclusiva e adaptada às

suas necessidades, com enfoque contra a exploração de seu habitat, a

deterioração dos costumes, invasão de suas terras e degradação de seu meio

ambiente, fator de sobrevivência para esses povos.

Desde os primórdios da civilização, as sociedades perceberam a

necessidade de valores éticos a fim de possibilitar a convivência mais

harmoniosa possível em comunidade. Daí, surgiram as primeiras leis, os

primeiros códigos escritos que culminaram com a primeira Magna Carta

assinada pelo rei João Sem Terra em 1215, na Inglaterra medieval.

A partir daí, outras constituições foram surgindo e, no Brasil, a

Constituição de 1988 foi um marco na tarefa de redemocratização do país.

Trouxe com ela, a tarefa de inserir valores éticos que vão influenciar todo o

convívio moral e valorativo da sociedade brasileira, no que tange inclusive, ao

acesso à resolução de conflitos através dos mais diversos canais de

negociação, como a mediação. Ética esta que está presente tanto nas relações

interpessoais como intergrupos, ou seja, a própria mediação, a partir do

embasamento constitucional, constitui um meio não adversarial onde os

valores éticos deverão ser não somente aportados e reconhecidos, mas

colocados em prática.

A Lei Máxima Brasileira teve esta preocupação. Mas para que haja

efetividade na aplicação, às vezes difícil, da legislação pátria; há de se falar

Page 31: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

31

numa ética do envolvimento de todos e cada um, solidariamente, não somente

de nossos gestores públicos.

Karl-Otto Apel propõe uma ética da responsabilidade dos seres

humanos onde a partir de uma comunidade real, se estabelece uma

comunidade ideal de comunicação, dado que “por primeira vez na história da

humanidade, a conservação da existência vem a ser um problema que

interessa à espécie humana como um todo e deve ser solucionado por ela

como um todo”.8

8 APEL, Karl-Otto. Estudos de Moral Moderna. Ed. Vozes - 1994. p. 163 e segs., apud GARCIA, Maria. A Constituição como Substrato Político e Ético da Comunidade – RDBC nº 09 – jan. / jun. 2007. p. 64.

Page 32: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

32

CAPÍTULO III

ÉTICA E MEDIAÇÃO

"A não-violência leva-nos aos mais altos conceitos de ética, o objetivo de toda

evolução. Até pararmos de prejudicar todos os outros seres do planeta, nós

continuaremos selvagens.” (Thomas Edison, cientista)

3.1 – Ponderações sobre a Ética e a Mediação.

O cenário da pós-modernidade vivencia conflitos diversos entre os

indivíduos como resultado, dentre outros fatores, da crescente complexidade

da vida social.

Não que antes deste atual estado de coisas, já não houvessem

conflitos. O conflito é intrínseco ao ser humano desde seus primórdios.

A diferença agora é que esses se acentuam e a moral valorativa

tradicional de conteúdo hierárquico se esmaece e, em seu lugar surgem

sistemas sociais que se operacionalizam conforme seus próprios códigos e

critérios, influenciados pelo ambiente em que se formam.

Porém, valores admitidos ao longo dos séculos se tornam recorrentes e

necessários – como a solidariedade e a lealdade – e, agora mais do que isto,

adquirem certa universalidade, ainda que seu conteúdo se enriqueça e alargue

o entendimento da sociedade, deixando de pertencer a um tipo de moral em

particular.

Segundo Eduardo Bittar:

“Uma solução ética pressupõe que a

decisão se origine das próprias partes

envolvidas, o que se alcança com consenso e

sensatez, dispensando-se a autoridade, o

custo, o prejuízo e a demora, extraindo-se de

Page 33: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

33

forma pacífica entre as partes, pela real

disposição de, por meios informais alcançar a

plenitude do meio termo necessário para a

solução de controvérsia.” 9

Neste contexto, a ética na mediação perpassa pelos códigos, pelas

normas, legislação vigente e vai mais adiante. Olha para os parâmetros

comportamentais de mediadores, das partes, advogados e instituições

envolvidas. Tem a Lei Magna como bússola, mas busca ir um pouco mais além

das palavras, da pura letra, fria e sem sentimentos ou afeto.

3.2 – Mediação.

3.2.1 – Conceitos.

A palavra “mediação” vem do latim mediare, que significa intervir,

mediar, dividir ao meio. A mediação é um meio de solução de conflitos onde

duas ou mais pessoas, com a participação de um terceiro neutro, o mediador,

negociam a fim de chegar a um entendimento comum que seja o melhor para

ambos os mediandos.

O Manual de Mediação Judicial do Ministério da Justiça define

mediação como sendo:

“...um processo autocompositivo

segundo o qual as partes em disputa são

auxiliadas por uma terceira parte, neutra ao

conflito, ou um painel de pessoas sem

interesse na causa, para auxiliá-las a chegar a

uma composição. Trata-se de uma negociação

assistida ou facilitada por um ou mais terceiros

na qual se desenvolve processo composto por

vários atos procedimentais pelos quais o(s)

terceiro(s) imparcial(is) facilita(m) a negociação

9 BITTAR, Eduardo C. Bianca. Curso de Ética Jurídica. São Paulo: Saraiva. 2002, p. 38.

Page 34: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

34

entre pessoas em conflito, habilitando-as a

melhor compreender suas posições e a

encontrar soluções que se compatibilizam aos

seus interesses e necessidades.” 10

Christopher Moore define a mediação com a seguinte citação:

“A mediação é um prolongamento ou

aperfeiçoamento do processo de negociação

que envolve a interferência de uma aceitável

terceira parte, que tem um poder de tomada de

decisão limitado ou não-autoritário. Essa

pessoa ajuda as partes principais a chegarem

de forma voluntária a um acordo mutuamente

aceitável das questões em disputa. Da mesma

forma que ocorre com a negociação, a

mediação deixa que as pessoas envolvidas no

conflito tomem as decisões. A mediação é um

processo voluntário em que os participantes

devem estar dispostos a aceitar ajuda do

interventor se sua função for ajudá-los a lidar

com suas diferenças – ou resolvê-las. A

mediação é, em geral, iniciada quando as

partes não mais acreditam que elas possam

lidar com o conflito por si próprias e quando o

único meio de resolução parece envolver a

ajuda imparcial de uma terceira pessoa.” 11

Já para João Roberto da Silva, a mediação pode ser considerada

como: “a técnica de resolução de conflitos não adversarial, que, sem

imposições de sentenças ou laudos, e com um profissional devidamente

10 AZEVEDO, André Gomma (org.). 2013. Manual de Mediação Judicial (Brasília/DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD) – 4ª edição, 2103 – p. 85. 11 MOORE, Christopher. O processo de mediação. 2ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1998, p. 34.

Page 35: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

35

preparado, auxilia as partes a acharem seus verdadeiros interesses e a

preservá-los num acordo criativo onde as duas partes ganhem.” 12

A mediação é um meio geralmente não hierarquizado de solução de

disputas em que duas ou mais pessoas, com a colaboração de um terceiro – o

mediador – que deve ser apto, imparcial, independente e livremente escolhido

ou aceito, expõem o problema, são escutadas e questionadas, dialogam de

forma construtiva e procuram identificar os interesses comuns, opções e,

eventualmente, firmar um acordo.

A mediação, como uma RAD – Resolução Alternativa de Disputa, é

método em virtude de se basear num complexo interdisciplinar de

conhecimentos científicos extraídos especialmente da comunicação, da

psicologia, da sociologia, da antropologia, do direito e da teoria dos sistemas.

Além de ser também uma arte, visto que um mediador capacitado deve possuir

habilidades e sensibilidades inerentes ao seu trabalho.

3.2.2 – Fundamentos Jurídicos da Mediação.

A mediação de conflitos não ocorre à margem dos princípios jurídicos.

Os valores jurídicos que se consubstanciam a mediação são os que tratam dos

Direitos Humanos, que considerados fundamentais, constitucionais e

internacionais, é requisito à formação dos mediadores.

3.2.2.1 – Na Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU

– 1948).

Como conseqüência das duas grandes guerras mundiais, foi criada em

1948 a Organização das Nações Unidas (ONU) com a incumbência de evitar a

guerra e promover a paz entre as nações. Para tal, foi considerado que a

12 SILVA, João Roberto. A mediação e o processo de mediação. São Paulo: Paulistanajur, 2004, p. 13.

Page 36: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

36

promoção dos direitos humanos seria condição sine qua non para a

manutenção da paz nas sociedades.

Diante disso, a Assembléia Geral das Nações Unidas teve como um dos

primeiros atos, a proclamação de uma Declaração Universal dos Direitos

Humanos em 1948, cujo primeiro artigo dispõe o seguinte:

“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”.

Observa-se que as três palavras de ordem da Revolução Francesa

estão a postos neste artigo, reafirmando os direitos de liberdade ou civis e

políticos. Sem querer trazer uma idéia ingênua da necessidade de respeito aos

direitos humanos, que em verdade, na maioria das vezes em muitos países

não são observados, o que a Declaração agora exige é que não haja mais

pessoas escravizadas, mulheres violentadas, xenofobias e infanticídio, por

exemplo, dentre tantas outras mazelas.

A partir da declaração, através de conferências, pactos, acordos,

protocolos internacionais, outros direitos foram se universalizando, se juntando

aos direitos de primeira geração (liberdade, civis e políticos). Os direitos de

igualdade, sociais e econômicos (de segunda geração); os direitos ecológicos,

que dizem respeito aos povos, às culturas e à própria natureza (de terceira

geração). E mais recentemente, abrem-se perspectivas para os direitos das

gerações futuras (de quarta geração).

NORBERTO BOBBIO se referia aos direitos de segunda e terceira

geração, não como exatamente “direitos”, mas como “exigências morais”, pois

que não há coação para fazê-los respeitar.

Desses direitos, os direitos sociais de igualdade, ainda que ocorram

depois dos direitos individuais de liberdade, são prioritários porque sem estes,

aqueles não alcançam sua concretude. Na verdade tem-se uma relação de

complementaridade entre eles, visto que, a igualdade supõe poder regulatório

e liberdade implica força emancipatória.

Nessa igualdade, pode-se exemplificar a desigualdade de renda, como

um dos fortes fatores conexos à insegurança, segundo Ad Melkert, que foi

Page 37: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

37

administrador-adjunto do Programa das Nações Unidas Para o

Desenvolvimento (PNUD):

“Se observarmos as sociedades em que há uma distribuição mais

equitativa dos recursos e da renda, elas são mais pacíficas e mais bem

organizadas.” 13

Em ocorrendo essa distribuição mais igualitária, haverá mais segurança,

renda, a sociedade ficará mais organizada e a corrupção descerá a níveis

nunca antes experimentados em toda história humana. Para tal há de se criar

condições, o Estado deve adotar políticas adequadas com maior investimento

no desenvolvimento humano (educação, saneamento, saúde e serviços), criar

condições para que esses investimentos se originem não somente dos cofres

públicos, mas também a participação da iniciativa privada.

Essas são metas já estabelecidas pelo compromisso que países

assumiram com os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), que

compõe uma série de metas a serem atingidas.

Assim, percebe-se a importância fundamental para a mediação,

formação dos mediadores e facilitadores da mediação conhecer esses direitos

humanos, dos quais vão influenciar diretamente no comportamento da

sociedade diante da mediação como alternativa à resolução de disputas e nos

relacionamentos sociais entre si.

3.2.2.2 – Na Constituição da República Federativa do Brasil de

1988.

Já se viu que não pode conceber o bem-estar da cidadania e a das

relações entre os homens se não existir o estado de paz. E paz não há onde

houver conflitos judiciais. Observa-se, então que, a finalidade do Estado

Democrático de Direito está intimamente correlacionada à instituição do estado

de paz.

13 Disponível em: http://www.pnud.org.br/Noticia.aspx?id=1340 – Acessado em 09/02/2016.

Page 38: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

38

A Constituição representa nada a mais, nada a menos, que a vontade

social.

A mensagem contida na Carta Magna, denominada “guia de orientação

máxima”,14 que é o preâmbulo, prevê a solução de conflitos de forma pacífica,

ou seja, não se concede ao Judiciário única forma de resolução de litígios.15

Esse é um dos caminhos.

Esses fundamentos essenciais e institucionais da CRFB/88 que adota,

dentre outros compromissos, o do Estado de solucionar pacificamente os

litígios seja de qualquer origem, corroboram para a natureza constitucional

válida, eficaz e eficiente à existência da mediação, como umas das formas

alternativas de solução de conflitos.

A mediação encontra-se cabalmente respaldada no Texto Magno pelo

princípio do acesso à justiça (art. 5º, XXXV da CRFB/88). Há um juízo

compatível positivo de constitucionalidade no instituto da mediação inserido na

Constituição da República Federativa do Brasil.

Esta RAD vem atender sob diversos aspectos o já citado preceito de

acesso à justiça à medida que preconiza por um método que lhe é privativo,

com vistas a solucionar conflitos, com adaptabilidade notória ao caso concreto,

que possui várias especificidades.

Por outro lado, a mediação também se coaduna com o princípio

democrático, tema basilar da Constituição em ordenamento pátrio e outros

Estados Soberanos, a partir do momento em que facilita aos cidadãos uma

maior e efetiva participação na árdua tarefa de resolução de contendas dentro

de um contexto das liberdades, com autonomia de suas vontades, na busca

por diferentes formas de distribuição de justiça, respeitando os princípios e

garantias fundamentais.

Diante disso, a afirmação do Poder Constituinte contida no preâmbulo

constitucional, compromete toda sociedade brasileira no Brasil e em âmbito

internacional com a solução pacífica de litígios e tendo a mediação como uma

dessas formas de solução pacífica de contendas.

14 DELGADO, José et al. – Mediação: um projeto inovador. Brasília: CEJ – CJF, 2003. p. 17. 15 Para tanto, vide capítulo II, 2.2.1, pp. 25-26 desta monografia.

Page 39: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

39

Assim, pode-se dizer, que o instituto da mediação está expressamente

amparado pelo nosso ordenamento jurídico, na figura da Constituição Federal

da República do Brasil.

3.3 – Ética na Mediação.

A mediação e a ética estão intimamente atreladas. A ética é a

expressão unânime do certo, em certo sentido, do bom ou ruim. Estuda o

comportamento humano e tenta buscar uma padronização dessas condutas

com fins de minimizar os conflitos sociais.

A mediação, por sua vez, possui princípios éticos, que de acordo com

Carlos Eduardo de Vasconcelos:

“são normas objetivas e fundamentais,

relacionadas às virtudes subjetivas. São,

portanto, normas fundamentais de conteúdo

axiológico, cujo sentido é dado pelos valores

éticos. Referem-se, em última analise, à

dignidade da pessoa humana, reconhecida

como postulado supremo da vida social, com

seus atributos de honestidade (veracidade) e

altruísmo (amor). 16

Preceitos pelos quais os homens são desafiados a assumir

coletivamente a ética da responsabilidade social e devem se unir para o bem

comum, além de serem responsáveis pelas previsíveis conseqüências de seus

atos.

Desta feita, a ética profissional, o conjunto de normas, a participação

profícua do mediador ético, inclusive no exercício regular da profissão e com

preparo adequado para desempenhá-la, a colaboração dos mediandos e seus

advogados também de forma ética conjuntamente com a da instituição onde

16 VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de Conflitos e Práticas Restaurativas – Ed. Método: São Paulo, 2008 – p. 105. O autor expõe como princípios éticos fundamentais, os princípios da igualdade de oportunidades, da existência digna (ou solidariedade), da igual liberdade e da estabilidade consensual (democrática).

Page 40: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

40

funciona o processo não-adversarial são fatores imprescindíveis para que haja

uma mediação norteada pela ética, de forma que haja um resultado benéfico a

todos.

3.3.1 – Mediador e Ética.

Sabe-se que qualquer pessoa pode exercer a função de mediador.

Porém, a mediação assim como os demais métodos de resolução de conflitos,

necessita para o melhor desempenho que, o mediador seja capacitado para o

exercício da função com conhecimentos da técnica, dos métodos e dos

princípios éticos que norteiam a mediação. Isso agrega credibilidade e respeito

pelo processo, seus profissionais, os mediadores e, as instituições que

acolhem e incentivam a mediação de conflitos em seus espaços.

E, devido à seriedade e rigor científico que possui a mediação, o

parâmetro comportamental dos profissionais que atuam na mediação, como os

mediadores, deve refletir o propósito de estimular as partes a participar de

forma harmônica e pacífica do procedimento na busca da resolução de seus

conflitos.

Os princípios éticos específicos aplicados à mediação de conflitos

considerados fundamentais à atuação dos profissionais na resolução de

disputas e das instituições envolvidas são embasados no Código de Ética para

mediadores do Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem

– CONIMA, na Lei de Mediação nº 13.140/2015 e no Código de Ética para

Instituições de Mediação e Arbitragem também do CONIMA.

Em relação aos mediadores o Código de Ética17 preconiza os seguintes

princípios a serem adotados pelos mediadores:

a) Autonomia da vontade das partes: o mediador deve respeitar a vontade

das partes em participar do processo de resolução de conflitos ou, se

preferirem não aderirem. Aqui há o princípio ético constitucional previsto

no art. 5º, caput que reza: “...Todos são iguais perante a lei, sem

distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à

17 Disponível em: http://www.conima.org.br/codigo_etica_med. Acessado em 07/11/2015.

Page 41: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

41

liberdade...”,18 ou seja, não há de se permitir que haja uma mediação

feita mediante coação. Presente está o livre-arbítrio. É a vontade

exclusiva do indivíduo em negociar ou não negociar.

b) Independência: o mediador não deve ser parente, dependente,

empregador, prestador, tomador de serviços ou amigo intimo de algum

dos mediandos. Ou seja, não há de que se tenha algum tipo de

afinidade entre o facilitador e os mediandos.

c) Imparcialidade: o profissional da mediação deve procurar compreender

a realidade dos mediandos, sem que nenhum preconceito ou valores

pessoais possam interferir no seu trabalho. Deve tratar seus assistidos

com isenção e nenhum conflito de interesses ou relacionamento pode

afetar sua imparcialidade. Este item tem aporte nos preceitos éticos da

Lei Maior que prevê no art. 5º, LIV: “ninguém será privado da liberdade

ou de seus bens sem o devido processo legal.” O mediador não pode

apreciar provas nem fazer juízo de valor sobre o caso, a fim de não

prejudicar sua necessária isenção.

d) Credibilidade: o mediador deve ser um profissional de total confiança,

idôneo, franco e coerente. Honestidade e altruísmo também fazem parte

deste item, o que facilitará o rapport19 entre ele e seus mediados.

e) Aptidão: o facilitador deve ter a capacitação, a competência necessária

para atuar no conflito. As improvisações não podem ocorrer, a fim de

satisfazer as expectativas dos mediados.

f) Confidencialidade: todos os envolvidos na mediação se obrigam a

guardar sigilo a respeito do conteúdo. O Texto Máximo da República

18 REUTERS, Thomson. Op. Cit. p. 16. 19Rapport: Relacionamento harmonioso ou estado de compreensão recíproca no qual por simpatia, empatia ou outros fatores se gera confiança e comprometimento recíproco, in AZEVEDO, André Gomma. Op. Cit. p. 128.

Page 42: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

42

preconiza em seu inciso X do art. 5º que “são invioláveis a intimidade, a

vida privada...”, ou seja, pode-se considerar a intimidade como sinônimo

de privacidade, o que obriga a este segredo profisssional, desde que

não contrarie a ordem pública20; fato pelo qual a confidencialidade é

imediatamente rompida e a mediação encerrada.

g) Diligência: o mediador deve ter o cuidado e dedicação na realização de

suas tarefas. Deve nortear o processo com zelo, regularidade e

paciência. Deixar que a mediação transcorra com plena oportunidade

para os mediados vislumbrarem um entendimento. Imagine um

mediador que constantemente chega atrasado para iniciar uma sessão

de mediação. Isso pode comprometer todo um trabalho para se chegar

a um acordo pleno por parte dos mediandos, pois pode afetar o rapport

entre o mediador e os mediandos.

Além desses princípios éticos, outros da mesma natureza devem ser

observados. O profissional da mediação deve ter um perfil cooperativo,

avaliando a aplicabilidade da mediação ou não ao caso concreto. Esclarecer,

sempre que necessário, quanto aos seus honorários e forma de pagamento.

Abster-se de promessas e garantias a respeito do resultado, sempre tendo em

mente que ele é um facilitador. Quem deve chegar a uma solução

compartilhada são os mediados.

O mediador, ao perceber que é preciso realizar um caucus (sessão

privada), deve dialogar separadamente somente quando for dado o

conhecimento e igual oportunidade à outra, esclarecendo ao final quais os

pontos que podem ser do conhecimento do outro mediado e os que devem

ficar sob sigilo.

Permitir que ambos mediados tenham informações suficientes para

avaliar e tomar suas decisões sobre o caso e, eximir-se de forçar um acordo

entre os mediados ou tomar decisões por eles próprios.

20 Vide Lei 13.140/2016 art. 30, caput, §§ e seus incisos e art. 31 da referida Lei.

Page 43: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

43

No inicio do processo de mediação, o mediador deve descrever como

ocorrerá o processo, definindo com os mediandos todos os procedimentos

pertinentes para alcance de uma solução.

Deve esclarecer quanto ao sigilo e utilizar as técnicas que se aplicam ao

caso de forma que assegure qualidade e transparência, levando a bom termo

os objetivos da mediação.

Se o caso pedir, sugerir a busca de especialistas na medida em que

suas presenças esclareçam pontos específicos e preservem a equanimidade

entre os mediados.

Em relação à instituição onde ocorre o processo de mediação, o

mediador deve colaborar para que o serviço prestado nesses espaços tenham

qualidade com aprimoramento e especialização pessoal assim exigidos pela

entidade. Aqui também salienta-se a importância de respeitar as normas

institucionais e éticas da profissão, submetendo-se ao Código de Ética da

instituição onde atua.

3.3.2 – Advogado e Ética.

O advogado representa um importante papel em uma mesa de

mediação. Ele pode ser um grande aliado do mediador na busca de soluções

que atendam seu cliente esclarecendo quais são os direitos seus direitos e

auxiliar tanto seu representado quanto o mediador na busca por soluções

criativas que atendam aos interesses de todos.

Para tal, é imprescindível que o operador do direito haja com ética no

exercício de sua profissão. Os padrões de conduta ética do advogado são

pautados no Estatuto da Advocacia e Ordem dos Advogados – Lei 8.906/94 c/c

a Resolução 02/2015 (Código de Ética da OAB) do Conselho Federal da

Ordem dos Advogados do Brasil. 21

O advogado possui o dever ético, pois nesta qualidade, ele é um

funcionário do sistema jurídico que tem responsabilidade especial pela

21 Disponível em: http://www.oab.org.br/Content/pdf/LegislacaoOab/Lei-8906-94-site.pdf. E em : http://www.oab.org.br/visualizador/19/codigo-de-etica-e-disciplina. Acessado em 05/12/2015.

Page 44: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

44

qualidade da justiça e deve zelar para atender as expectativas da sociedade e

dos tribunais onde quer que exerça sua atividade.

Ele tem o dever ético na mediação de informar ao cliente sobre as

questões acerca do processo de mediação em andamento. Aconselhá-lo na

negociação com veracidade, confidencialidade e boa-fé explicando ao cliente

de maneira que permita ao mesmo a tomada de decisões que possam auxiliá-

lo a chegar a um bom acordo.

Reza o art. 20 do Código de Ética da OAB:

“O advogado deve abster-se de patrocinar

causa contrária à ética, à moral ou à validade de

ato jurídico em que tenha colaborado, orientado ou

conhecido em consulta; da mesma forma, deve

declinar seu impedimento ético quando tenha sido

convidado pela outra parte, se esta lhe houver

revelado segredos ou obtido seu parecer”.

A boa-fé do advogado implica que o advogado exerça sua profissão com

independência em nome de seu cliente e defenda os interesses e as posições

do mediado, até o limite em que essas posições possam ser sustentadas de

forma que ele tenha convicção de estar agindo de acordo com a lei.

O operador do direito deve ter sigilo profissional, que é inerente à sua

profissão – assim como ocorre com os mediadores. O advogado deve guardar

as confidências de seu assistido, que somente poderão ser reveladas pelo

advogado diante de grave ameaça ao direito à vida, à honra, ou quando o

advogado for afrontado pelo próprio cliente; desde que nos limites da

necessidade de sua defesa. 22

Óbvio dizer que, o advogado deve honrar as solicitações de seu cliente

de não revelar informações específicas ao mediador, as quais ele não deseja

que sejam ditas.

22 Ver arts. 25-27 do Código de Ética da OAB c/c arts. 7º, II e XIX, 34, VII e 72, § 2º do Estatuto da Advocacia e da OAB.

Page 45: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

45

No preparo de um possível acordo, o advogado não pode redigir um

acordo que lhe permita locupletar-se com bens ou a alguém do parentesco do

mediado, salvo anuência do mediado e dentro dos parâmetros legais.

Nem é permitido à este profissional do direito fazer ou negociar um

acordo que lhe conceda direitos autorais ou publicidade na imprensa sobre

informações ligadas ao mediado.

É também defeso ao advogado participar da elaboração de um acordo

que restrinja seus direitos na prática da advocacia após o término da relação

profissional com seu cliente, o mediado.

3.3.3 – Instituições e Ética.

As instituições são criadas para organizar e gerenciar as atividades

humanas num espaço com maior grau de complexidade, em torno de um

interesse socialmente reconhecido.

A mediação ocorre nesses espaços que como tal, necessitam de

normas éticas que possam contribuir para o bom desenvolvimento negocial em

torno da resolução de conflitos.

O CONIMA 23 possui Código de Ética para Instituições de Mediação e

Arbitragem 24 que passou a vigorar a partir de 02/01/2011.

Em seu texto há uma série de normas que deverão ser observadas

pelas instituições com vistas a seu desenvolvimento e atendimento às

demandas sociais, como no caso da mediação.

A instituição deve reconhecer a importância da autonomia da vontade

dos mediados na prática da negociação de conflitos. Os mediandos tem a

liberadade em escolher a forma como irão transacionar seu patrimônio, se

através da mediação ou outro tipo de resolução de conflitos, inclusive com a

escolha da instituição que irá acompanhar o procedimento.

23 Vide página 40 desta monografia. 24 Disponível em: http://www.conima.org.br/docs/cod_etica_inst_med_arb_conima.pdf. Acessado em 07/11/2015.

Page 46: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

46

Esse princípio – da autonomia das partes – não deve ser relegado em

momento algum pela instituição no desempenho de suas funções.

Assim como os mediadores, a instituição deverá proceder com

imparcialidade, independência, competência, diligencia e confidencialidade

bem como zelar pelos princípios fundamentais do processo de mediação.

Escolher a instituição para os mediandos perpassa pela confiança nela

depositada por eles, desde o início, com a indicação de determinada instituição

onde ocorrerá a mediação, até o seu término.

Segundo o Código de Ética Para Instituições de Mediação do CONIMA:

“Essa confiança é imanente à sua

conduta quanto ao desenrolar de todo o

procedimento, motivo pelo qual a instituição

deverá sempre ser imparcial, no sentido de

evitar qualquer privilégio a uma das partes

em detrimento da outra; independente,

entendendo-se não estar vinculada a

qualquer das partes envolvidas na

controvérsia; competente, no sentido de

conhecer profundamente os parâmetros

ditados pelas partes e pelo seu próprio

regulamento para a organização e a

administração do procedimento; e diligente,

pressupondo-se que não poupará esforços

para proceder da melhor maneira possível

quanto à execução das suas funções.” 25

A Instituição de Mediação e Arbitragem estará sempre disponível a

prestar esclarecimentos a quem quer que seja acerca dos métodos e formas

de mediação ou arbitragem, assumidos por ela através de convenção, cláusula

ou compromisso de mediação. Deve cumprir seu papel de tal maneira, que não

paire dúvidas a respeito de sua indicação. Para tal, deverá executar seu

25 Vide nota nº 24 à p. 45.

Page 47: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

47

objetivo com qualificação e disponibilidade de tempo para atender às

exigências dos mediandos.

Em relação aos interessados na mediação, a instituição terá que revelar-

lhes, sempre que necessário, interesse ou relacionamento de qualquer

natureza (negocial, profissional ou social) que possa ter ou que tenha tido com

qualquer um dos mediados, de forma institucional ou através de seus

funcionários e colaboradores que possa afetar a sua imparcialidade e sua

independência ou comprometer sua imagem decorrente disto.

Não se admite que a instituição, que aceitou o encargo e a indicação

para sediar a mediação, renunciar a ele, pois subentende-se que ela já avaliou

a dimensão dos serviços a serem prestados. Sua renúncia poderá trazer

prejuízos aos mediados, pois implicará em interrupção de uma mediação em

andamento e início de novo procedimento em uma outra instituição indicada. O

que traz desgaste e desconforto a todos os envolvidos, a despeito das

emoções e comportamentos peculiares da mediação que estão envolvidos

neste processo.

Diante dos mediados, seus representantes e advogados, a instituição

credenciada para realização das mediações em seu espaço terá que ter

prudência e veracidade a respeito dos resultados das mediações, abstendo-se

de promessas e garantias. Evitar evocar a idéia de que os resultados são

sempre com acordo pleno e os mediandos sempre saem satisfeitos, com vistas

à proveitos e propaganda pessoal. Isso implica em não se comportar de forma

que permeie dúvidas acerca de sua conduta ou aparência parecerem

duvidosas.

Seu relacionamento com os envolvidos na mediação não deve gerar

nenhum vestígio de dúvida com relação à sua imparcialidade e independência.

No que tange ao procedimento da mediação, deve zelar para que os

princípios não somente éticos, mas de uma forma geral, sejam preservados ao

longo de todo processo perante os mediandos, seus representantes e

advogados. Isso envolve seu comportamento perante os profissionais e os

mediandos, que será probo e urbano, dentro e fora do processo.

Page 48: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

48

Em seu trabalho, a instituição deverá garantir que todos os envolvidos

na mediação acesso às informações necessárias para o acompanhamento e

compreensão do processo de mediação, garantindo tratamento igualitário e

respeitoso aos profissionais e mediados envolvidos na mediação.

Frente aos mediadores, a instituição precisa zelar para que não violem o

Código de Ética dos Mediadores, inclusive com relação ao atendimento pleno

do processo e observação do regulamento. Para tal, se houver prerrogativa da

instituição na escolha de mediadores, buscar o melhor perfil de acordo com o

caso concreto, é a melhor opção.

Exigir dos mediadores que garantam sua independência, imparcialidade

e disponibilidade na condução do processo bem como que executem seu

trabalho com competência, discrição e diligência, de tal maneira que alcance

as expectativas dos mediandos.

Em relação ao processo, a instituição tem o dever de manter a

integridade do mesmo, administrando e organizando o procedimento com

esmero. Guardar sigilo sobre os fatos expostos durante a sessão de mediação

durante e depois de finalizado o caso. Isso fará com que os mediandos se

sintam amparados e tenham a expectativa de que o processo de mediação

ocorrerá dentro dos padrões normais esperados.

Essa postura institucional é importante, pois se traduz numa conduta

inatacável, no sentido de que esta organização não será alvo de críticas ou

controvérsias futuras por parte dos mediados, advogados, representantes,

mediadores ou outras pessoas eventualmente interessadas num determinado

caso concreto. Daí a importância de manter a integridade da administração do

procedimento, com extrema retidão em todas as suas ações e atitudes.

A instituição deve ter consciência de que a sua contribuição é realizar

atos administrativos que possam refletir no bom andamento das sessões de

mediação, respeitada a missão de cada profissional atuante neste meio.

Outro aspecto ético das instituições onde há mediações é na relação

entre ela e outras instituições administradoras de procedimentos de mediação.

A instituição nunca deve se manifestar de forma depreciativa em relação

a outra instituição, com intuito de angariar vantagens próprias com esta atitude.

Page 49: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

49

Pelo contrário, deve promover o clima de cooperação entre as diversas

instituições que trabalham com a matéria, objetivando troca de conhecimentos

e intercâmbios, no almejo do bom andamento dos processos de mediação e

sucesso de todos.

Se identificado comportamentos antiéticos, deverá a instituição

comunicá-los ao órgão fiscalizador dessas instituições – no Brasil, entre tantos,

há o CONIMA, para que seja instaurado o respectivo procedimento disciplinar,

com intuito de se apurar os fatos alegados e se tomar as providências cabíveis,

coibindo desta feita, posturas incompatíveis com as instituições que tratam

sobre a mediação. Assim, haverá oportunidades para os profissionais éticos e

a mediação será cada vez mais fortalecida e corretamente divulgada no

espaço brasileiro.

Há também de se falar na instituição ética frente à sociedade onde atua.

Ela deve promover a divulgação de seus serviços de mediação e outros afins

que assim houver, evitando depreciar ou confrontar com outros métodos de

resolução de conflitos, como os meios utilizados pelo Poder Judiciário,

abstendo-se de utilizar em sua denominação e identificação de seus serviços e

profissionais, expressões e símbolos que façam qualquer associação com este

Poder ou outros órgãos estatais dedicados à resolução de controvérsias.

Tal comprometimento é importante, pois evita a indução dos usuários de

seus serviços a erro em relação à natureza privada ou não de sua atividade,

quando forem mediações efetuadas fora do âmbito dos tribunais brasileiros.

Page 50: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

50

CONCLUSÃO

Com os sofistas, a ética se debruça sobre o relativismo ou subjetivismo

que Protágoras expressa com a máxima: “O homem é a medida de todas as

coisas”; da qual Sócrates critica afirmando que há um saber válido e universal

intrínseco da própria humanidade que possibilita a fundamentação de uma

moral também universal.

Platão e Aristóteles desenvolveram o racionalismo ético de Sócrates.

Em ambos a ética está associada a polis, inclusive Aristóteles se refere à ética

como sendo ramo da política. Já, Platão desenvolve a questão ética do corpo e

da alma onde o corpo, por suas paixões e desejos, não permite ao homem a

sua purificação e a encontrar o caminho do Bem. Esta idéia do Bem concede a

Platão ser chamado o pai da ética, apesar de haverem autores que

questionam tal título. E Sócrates pode ser considerado o pai da moral, por

trazer a noção da razão onde se fundamentam as normas e costumes morais.

Os estóicos e epicuristas buscaram uma ética pautada na paz interna do

indivíduo e no autocontrole pessoal da pessoa humana. A felicidade está

contida na condição íntima de cada um.

Os filósofos cristãos herdaram alguns dos conceitos dos antigos

filósofos em seus escritos, adaptando-os à uma nova roupagem, que

atendesse aos anseios da nova religião tais como: a purificação da alma

iniciada por Platão e retomada por Agostinho de Hipona na idéia de elevação

para compreender a vontade de Deus e a imortalidade, como um aspecto do

reino de Deus onde reina a eternidade.

Tomás de Aquino retoma a noção de felicidade da ética aristotélica, do

qual Deus é esta fonte. A idéia da razão foi substituída pela noção de amor e

boa vontade para com todos, inclusive a si mesmo.

Com o Iluminismo, surge Kant com sua ética formal onde os seres

humanos devem ser vistos como fins e não meios para o alcance de

determinados interesses. Já Marx critica a ética burguesa e a afirma em outros

patamares qualitativos, ao invés de negá-la totalmente. Freud também

Page 51: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

51

colaborou com o tema, ao relacioná-lo a tabus sociais como o desejo, o

inconsciente e a sexualidade e o complexo de Édipo.

A ética tão decantada pelos filósofos da antiguidade hoje é vista como

algo sujeito a mutações tão imprevisíveis. Seu conceito varia historicamente.

Em eras remotas, a lei ainda não era escrita; havia a oralidade na

passagem dos valores incutidos naquela comunidade, de geração para

geração. Com o surgimento, ainda que restrito aos mais ricos e influentes

cidadãos da polis – da democracia, as leis vão se tornando normas mais

complexas a medida que a sociedade se organiza. O que culmina com a

primeira Magna Carta na idade média em solo inglês. Essa lei resumia valores

éticos muitos dos quais ainda hoje vigoram em muitas constituições pátrias,

como o princípio dos direitos humanos, coibir abusos do poder público e a

cobrança de impostos sem prévia autorização.

Vale ressaltar que como concepção do Direito natural, essas normas

não se reduziam a meros instrumentos normativos, mas era forma de trazer à

luz os valores mais necessários, sejam eles éticos, morais ou apenas

normativos, apreendidos por aquela sociedade naquele período e naquele

espaço de tempo, para serem formalizados.

Em seu ordenamento jurídico, o Brasil dispõe das fontes tradicionais do

Direito, a lei, a jurisprudência, o costume e a doutrina, com destaque para a lei,

dentre elas a Carta Magna de 1988, permeada de considerações éticas em

seu texto.

A leitura ética da Lei Máxima de 1988, desde o seu preâmbulo, vincula-

se a idéia de democracia como um regime político que se alicerça nos valores

morais da sociedade brasileira apoiados na liberdade, igualdade e

fraternidade. Valores esses fundantes de um genuíno Estado Democrático de

Direito. Não uma ética do faz-de-conta, mas aquela que influencie de forma

efetiva o comportamento não somente dos profissionais da mediação

envolvidos, mas toda a sociedade.

No mundo atual tratar deste tema – Ética – em consonância à mediação

e ao profissional mediador se torna tarefa árdua, não somente por ser uma

questão relativamente nova, a mediação; mas também pelos turbulentos

Page 52: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

52

tempos em que se vive. Tempos difíceis onde o certo delineia o falso e os

conceitos de moral, ética e virtude se misturam ao imediatismo capitalista, à

empobrecedora corrupção nacional, à inversão de diversos valores e à

violência.

Vive-se infelizmente, o cumprimento profético do romance Laranja

Mecânica26 com a violência aterrorizando o meio social.

A mediação – prevista na Constituição Federal de 1988 em seu

preâmbulo e outros dispositivos – favorece a resolução de conflitos num tempo

razoável, trazendo uma nova maneira que vai além do Poder Judiciário, visto

suas principais características, a celeridade e a economicidade.

O mediador – frente ao seu trabalho de atenuar conflitos – deve estar

imbuído de cultivar os princípios éticos, tais como a autonomia da vontade das

partes, a independência, a imparcialidade, credibilidade, aptidão,

confidencialidade e diligencia. Princípios esses presentes na Lei Maior da

nação.

O advogado e as instituições que norteiam a prática da mediação

também deverão seguir seus códigos de ética contribuindo para que esta

modalidade de resolução de contendas não caia na descrença da sociedade,

mas seja respeitada como tal, visto seu conteúdo fortemente ético.

Diante disso, a ética se mostra um tema tão atual mesmo após

inúmeros avanços científicos e tecnológicos. Continua a intrigar a todos e a

chamar a atenção de uma forma ou de outra; conforto, esperança e alegria

para alguns e motivo para “torção de nariz” de outros.

Mas neste filtro ético é interessante que se manifestem os bons

profissionais e órgãos, quer sejam advogados, mediadores ou instituições que

praticam a mediação. Como bem disse o apóstolo Paulo em sua carta aos

Romanos:

“E até importa que haja entre vós

heresias, para que os que são sinceros se

manifestem entre vós.” Livro de I Coríntios

26 Laranja Mecânica: romance de Anthony Burgess publicado em 1962 que demonstra, num futuro próximo, a extrema violência juvenil na sociedade inglesa.

Page 53: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

53

11:19 (Bíblia de Almeida Corrigida e

Revisada On Line -

https://www.bibliaonline.com.br/acf/1co/11).

Acessado em 15/02/2016.

Para que se separem os que são compromissados com a qualidade da

mediação efetuada e os resultados práticos do contato com os mediandos, a

instituição e demais envolvidos a médio e longo prazo.

Ainda não se alcançou tais valores em sua plenitude em solo pátrio,

mas a busca por uma ética que permeie a figura do mediador frente ao seu

tempo, deve ser perseguida.

Page 54: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

54

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

APEL, Karl-Otto. Estudos de Moral Moderna. Ed. Vozes – 1994. p. 163 e segs.

AZEVEDO, André Gomma (org.). 2013. Manual de Mediação Judicial

(Brasília/DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento – PNUD) – 4ª edição, 2013 – p. 85.

BITTAR, Eduardo C. Bianca. Curso de Ética Jurídica. São Paulo: Saraiva.

2002.

CAPELLETI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça – tradução e revisão de

Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998.

CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. A constituição aberta e os direitos

fundamentais: ensaio sobre o constitucionalismo pós-moderno e comunitário.

Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003 – p. 42.

CEZAR-FERREIRA, Verônica A. da Motta. Família, separação e medição: uma

visão psicojurídica. São Paulo, Ed. Método, 2007.

COOLEY, John W. A advocacia na mediação.

COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo

moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

DELGADO, José et al. – Mediação: um projeto inovador. Brasília: CEJ – CJF,

2003. p. 17.

GARCIA, Maria. A Constituição como Substrato Político e Ético da

Comunidade – RDBC nº 09 – jan. / jun. 2007. p. 64.

Page 55: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

55

GROSMAN, Cláudia F. e MANDELBAUM, Helena G. (Orgs.). Mediação no

judiciário: teoria na prática e prática na teoria. Primavera Editorial, São Paulo –

SP, 1ª edição: 2011.

GRINOVER, Ada Pellegrini, WATANABE, Kazuo e NETO, Caetano Lagrasta.

Mediação e gerenciamento do processo: Revolução na prestação jurisdicional:

guia prático para a instalação do setor de conciliação e mediação. Ed. Atlas, 2ª

reimpressão, São Paulo – SP – 2008.

GRUPPI, Luciano. Tudo Começou com Maquiavel. Ed. L&PM. Porto Alegre –

RS, 16ª edição: 2001. p. 31.

MOORE, Christopher. O Processo de Mediação. 2ª Ed. Porto Alegre: Artes

Médicas Sul, 1998, p. 34.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15ª edição – São Paulo: Atlas,

2004.

NALINI, José Renato. Aspectos Psicológicos na Prática Jurídica.

Organizadores: David Zimerman e Antônio Carlos Mathias Coltro. Campinas,

SP: 2002. Ed. Millennium. p. 32.

PEGORARO, Olinto A. Ética é Justiça. Petrópolis, RJ, Vozes, 1995, p. 101.

PENNA, Maria Cristina V. Martines. Constitucionalismo: Origem e Evolução

Histórica – RDBC nº 21 – jan. a jun. 2013. p. 156.

REUTERS, Thomson. Vade Mecum 2013 Universitário RT. Ed. Revista dos

Tribunais, São Paulo – SP, 5ª edição: 2013. p. 15.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Malheiros

Editores Ltda. São Paulo – SP, 23ª edição: 2004. p. 190.

Page 56: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

56

___________________. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. Malheiros

Editores Ltda. São Paulo – SP, 6ª edição: 2004. ps. 108 e sgs.

SILVA, João Roberto. A mediação e o processo de mediação. São Paulo:

Paulistanajur, 2004, p. 13.

VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de Conflitos e Práticas

Restaurativas – Ed. Método: São Paulo, 2008 – p. 105.

VASQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética. 35ª edição. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 2013. p. 287.

Page 57: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

57

WEBGRAFIA

1 - http://www.conima.org.br/docs/cod_etica_inst_med_arb_conima.pdf. Acessado em 07/11/2015.

2 - http://www.conima.org.br/codigo_etica_med. Acessado em 07/11/2015. 3-http://www.esdc.com.br/RBDC/RBDC-08/RBDC-08-013-

Ives_Gandra_da_Silva_Martins.pdf. Acessado em 09/01/2016.

4 - http://www.esdc.com.br/RBDC/RBDC-09/RBDC-09-045-Maria_Garcia.pdf.

Acessado em 15/12/2015.

5 - http://proxy.furb.br/ojs/index.php/juridica/article/view/4059/2533. Acessado

em 15/12/2015.

6 - http://www.oab.org.br/Content/pdf/LegislacaoOab/Lei-8906-94-site.pdf. Acessado em 05/12/2015. 7 - http://www.oab.org.br/visualizador/19/codigo-de-etica-e-disciplina. Acessado em 05/12/2015.

8 - http://www.pnud.org.br/Noticia.aspx?id=1340 – Acessado em 09/02/2016.

9 - http://www.esdc.com.br/RBDC/RBDC-08/RBDC-08-125-Eduardo_Bittar.pdf. Acessado em 02/12/2015.

Page 58: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

58

ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 6

SUMÁRIO 7

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I

ÉTICA ATRAVÉS DOS TEMPOS 09

1.1 – Considerações iniciais sobre a ética 09

1.2 – Ética e história 10

1.2.1 – Ética no mundo Greco-romano 10

1.2.2 – Ética Medieval e sua Verticalização 13

1.2.3 – Ética Moderna e o Antropocentrismo 15

1.2.4 – Ética Contemporânea e sua Objetivação 17

CAPÍTULO II

ÉTICA E CONSTITUIÇÃO 21

2.1 – Constituição e Origem 21

2.2 – Ética e a Carta Magna de 1988 24

2.2.1 – A Constituição da República significado ético 24

2.3.1 – Constituição e alguns de seus preceitos éticos 26

CAPÍTULO III

ÉTICA E MEDIAÇÃO 32

3.1 – Ponderações sobre a Ética e a Mediação 32

3.2 – Mediação 33

3.2.1 – Conceitos 33

3.2.2 – Fundamentos Jurídicos da Mediação 35

Page 59: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Aos meus amigos de sala de aula e funcionários da AVM, agradeço pela atenção dispensada e suporte nos momentos de necessidade.

59

3.2.2.1 – Na Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU – 1948) 36

3.2.2.2 – Na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 38

3.3 – Ética na Mediação 39

3.3.1 – Mediador e Ética 39

3.3.2 – Advogado e Ética 44

3.3.3 – Instituições e Ética 45

CONCLUSÃO 51

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 55

WEBGRAFIA 58

ÍNDICE 59