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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA PRÁTICA DE ENSINO através de um Projeto de MPB: Sentir e aprender com o cérebro cognitivo e emocional Por: Claudia Menezes Nunes Orientador Profa. Marta Pires Relvas Rio de Janeiro 2013 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

PRÁTICA DE ENSINO através de um Projeto de MPB:

Sentir e aprender com o cérebro cognitivo e emocional

Por: Claudia Menezes Nunes

Orientador

Profa. Marta Pires Relvas

Rio de Janeiro

2013

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

PRÁTICA DE ENSINO através de um Projeto de MPB:

Sentir e aprender com o cérebro cognitivo e emocional

Apresentação de monografia à AVM Faculdade

Integrada como requisito parcial para obtenção do

grau de especialista em Neurociência Pedagógica.

Por Claudia Menezes Nunes

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AGRADECIMENTOS

“Sempre que encontramos uma novidade ou nos defrontamos com o desconhecido deveríamos entender que ganhamos a oportunidade de aprender todos os dias. Por isso agradeço aos amigos de fé sempre, Fátima Ornelas, Nádia Richie e Carly Machado, símbolos do meu ‘fazer pedagógico’; e aos amigos da turma de Neuro, como Juliana Marinho, Erika Ciantar, Ana Paula, Regina Marques, Bia Cardoso e tantas outras figuras ilustres em meu ininterrupto processo de neuroplasticidade na vida”.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à eterna luz da

minha árvore de Natal; à pessoa mais

importante que a AVM me deu; a um ser

humano que me comove e provoca há

mais de 10 anos; à mãe, mulher e amiga

mais elegante que já vi; à profissional de

maior respeito e humildade com que já

convivi; à fonte dos meus estudos de vida

cerebral e pessoal mais densa; enfim,

dedico este singelo trabalho e muito mais

à Profa. Marta Pires Relvas.

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RESUMO

O presente trabalho inicia com reflexões sobre as mudanças de

paradigma sentidas a partir da integração tanto dos elementos das Informática,

quanto do conjunto teórico neurocientífico, no contexto mundial e escola.

Dentro deste recorte, além da percepção das mudanças de comportamentos

cognitivos-emocionais, insere-se o problema direcionador desta escrita, a

saber: como a contribuição do estudo neurocientífico pode favorecer aos

objetivos de aprendizagem de um projeto de ensino líteromusical, dentro da

área de saber Literatura Brasileira, em uma escola pública do Estado do Rio de

Janeiro, em duas turmas do último ano do Ensino Médio? Para o

desenvolvimento do trabalho e possível solução do problema, o fundamento

teórico neurocientífico torna-se outro referencial na qual os chamados

‘arquitetos cognitivos’ (docentes) precisam se reconhecer para atualizar suas

práticas de ensino e suas formas de construir uma relação mais afetiva em sala

de aula. Diante de uma situação-problema (empreendimento do Projeto MPB),

os sistemas nervosos, as formas de adaptação comportamentais e emocionais

(neuroplasticidade), e a própria’ aprendência’ autônoma são percebidas e

observadas como potencialidades em expectativa de motivação, caso os

estímulos docentes ocorram por respeito aos ritmos neuroemocionais e por

colaborações mais desafiantes das informações pré-existentes também.

Conclui-se então que, na contemporaneidade, tanto tecnológica, quanto

neurocientífica, é preciso ‘sentir’ as mentes ‘inquietadas’ (emocionadas) como

mentes ‘recheadas’ com as expectativas de aprender, mas que dependem de

‘ensinantes’ mais flexíveis, acessíveis, estudiosos e transformadores dos

comportamentos em geral.

Palavras chave: Afetividade, Tecnologia, Cognição, Comportamento,

Neuroaprendizagens.

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METODOLOGIA

A metodologia foi construída a partir da observação do desenvolvimento

de diferentes projetos educativos ocorridos entre os anos de 2007 e 2012.

Neste período foram analisados tanto os comportamentos quanto às emoções

expostas pelos aprendentes durante cada etapa de cada projeoto, fato que

trouxe muitas dúvidas sobre os planejamentos, a postura docente, o olhar sobre

o que os aprendentes realmente aprendiam e, principalmente, a importância

das práticas de ensino voltada aos projetos didáticos colaborativos. Neste

ínterim, outros métodos foram muito elencados para a criação desse trabalho,

como: registro das situações-problemas e das emoções ocorridas no processo

de desenvolvimento (coleta de dados); pesquisa de campo, na medida em que

outros professores começaram a propor ou mudanças, ou rápida finalização de

alguns projetos; uso de jornais e revistas para o estabelecimento de outros

conhecimentos sobre aprendizagem discente; pesquisa bibliográfica constante;

muitos encontros e conversas com professores de outras áreas de saber; e

analise por escrito das observações e necessidades dos aprendentes em meio

às atividades.

A escolha desta metodologia segue um julgamento de que, por meio

dela, encontrar-se-iam os elementos necessários às tantas reflexões

apresentadas nesta (neuro) investigação monográfica. Além disso, foram muito

importantes às anotações feitas durante o curso de especialização, blogs

referentes às temáticas do curso; arquivos pedagógicos da pesquisador; e

artigos neurocientíficos publicados em diferentes mídias.

O enfoque é empírico e parte da ação de observação, já que a

pesquisadora trabalha diretamente com seu público-alvo. Ainda assim, é

imprescindível o enfoque teórico que ajudou tanto no aprofundamento das

ideias, quanto no entendimento dos comportamentos cognitivos dos

aprendentes. Como enfoque teórico foram trançados em rede autores como

Robert Lent (‘Cem bilhões de neurônios’), Marta Relvas (Neurociência na

prática pedagógica entre outros), Edgar Morin (A Cabeça Bem-feita), Pierre

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Levy (As Tecnologias da Inteligencia entre outros), Joseph LeDoux (O Cérebro

Emocional), Hugo Assmann (Reencantar a Educação), Ivan Izquierdo

(Memória), Nicholas Carr (A Geração Superficial), Antonio Damásio (O Erro de

Descartes), Lucia Santaella (Culturas e Artes do Pós-humano), Daniel Goleman

(Inteligência Emocional), Suzana Herculano (O Cérebro em Transformação),

Steven Johnson (De Cabeça Aberta), Ana Beatriz Barbosa (Mentes Inquietas)

dentre outros.

Em meio aos estudos neurocientíficos e tendo como foco projetos

pedagógicos voltados à área de Literatura Brasileira e vivenciados em sala de

aula, acredita-se que seja possível entender que a comunhão dos estudos

neurocientíficos ao processo de ensino, com foco, ritmo e objetivos mais

realistas, estimulem fortemente ao crescimento da percepção de qualidade,

tanto nas formas de ensinar, quanto nas maneiras de aprender.

Desta forma, o objetivo principal deste texto é entender o

desenvolvimento do conhecimento de alguns conceitos neurocientíficos, como

memória e atenção, num contexto neural e educacional, a partir da observação

das etapas de desenvolvimento de um projeto educacional colaborativo, com a

temática ‘Música Popular Brasileira’ (MPB), na área de saber - Literatura

Brasileira -, no contexto do Ensino Médio presencial, turno da noite, em uma

escola pública do estado do Rio de Janeiro, no ano de 2010, em duas turmas

de 3º ano.

Por julgar ter nestes objetivos muitas reflexões pertinentes à esta

(neuro)investigação monográfica, foram utilizados, além dos diários de ensino e

arquivos pedagógicos da educadora, diversas perspectivas teóricas assimiladas

ao longo de sua vida profissional e da realização do curso de especialização em

Neurociência Pedagógica.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 9

CAPÍTULO I - Um estudo sobre Neurociência 14

1.1- Origem da Neurociência 16

1.2- A Década do Cérebro 19

CAPITULO II - Neurociência e os ‘Neuroaprendentes’ 21

2.1- Como o cérebro humano funciona para se adaptar? 22

2.2- O que é a Biologia da Informação Neural? 26

2.2.1- O Sistema Nervoso 28

2.3- Límbico, Emoção e ‘Aprendência’ 33

CAPITULO III - Neurociência aplicada à sala de aula tecnológica 42

3.1- Novas Tecnologias e Neurociência 47

3.1.1- Gerações-aprendentes diferentes 49

CAPITULO IV - Projeto MPB sob o olhar neurocientífico 54

4.1- Prática de ensino e de ‘sentir’: em cena, os cérebros 64

4.2- Projeto na escola: Experimentando o cérebro 71

4.2.1- Descrição do Projeto Líteromusical 74

4.2.2- Análise Neurocientífica dos Comportamentos 87

CONCLUSÃO 101

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 107

ÍNDICE 112

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INTRODUÇÃO

“O cérebro é o maior instrumento da Evolução Humana. Use-o para não perder suas potencialidades” (RELVAS, 2005, p.15)

Diferentes eventos históricos no mundo fizeram as sociedades

acelerarem seu desenvolvimento. Segundo Cunha (2005), depois que

Copérnico e Galileu convenceram as pessoas de que as leis que governam o

movimento do céu são as mesmas que governam o movimento na terra; depois

que Darwin desencantou a consciência humana, estabelecendo uma

continuidade entre o animal e o homem; e depois que Freud diagnosticou uma

continuidade entre razão e loucura, entre pulsões do corpo e representações da

alma, entrou em crise cada paradigma pré-estabelecido.

Nesta linha, a impressão de Gutemberg, o processo de industrialização e

o desenvolvimento das tecnologias da informática; além do desenvolvimento

das técnicas de imageamento dos anos 90 e dos meios de comunicação

reorganizaram o panorama escolar, social, político e econômico. E as

sociedades, cada vez mais complexas, segundo Santaella (2004, p. 18), “foram

crescentemente desenvolvendo uma habilidade surpreendente para armazenar

e recuperar informações, tornando-as instantaneamente disponíveis em

diferentes formas [e suportes] para quaisquer lugares”. Daí a noção de

‘mudança de paradigma’. Mas o que seria um paradigma?

Kuhn, em seu texto ‘A estrutura das revoluções científicas’ afirma que um

paradigma “é aquilo que os membros de uma comunidade partilham e,

inversamente, uma comunidade científica consiste de homens que partilham um

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paradigma” (2003, p. 219). Ou seja, o paradigma também pode ser visto como

um sistema de crenças, um conjunto de premissas implícitas que não se

pretende testar. Além disso, o paradigma associa-se à atividade de busca,

visando transformação e ampliação do conhecimento; e se aproxima bastante

da ideia do mapa do conhecimento dominado por um dado grupo cujo

desenvolvimento se dá dentro de um patamar básico de conhecimentos

existentes. Estes são suportes à concepção e à recepção das questões

científicas.

“(...) É como se estivéssemos o tempo todo usando as conhecidas lentes cor de rosa: vemos tudo através dessas lentes. Essa é a realidade em que vivemos. Todas as nossas concepções passam por essa referência e dentro desse sistema está tudo o que consideramos verdadeiro. Só contestamos essas verdades – ou temos consciência delas – quando esbarramos numa parede e quebramos as lentes cor de rosa: subitamente o mundo parece diferente.” (ARNTZ, BETSY e VICENTE, 2007, p. 24)

Ainda assim, há mudanças que transpassam determinadas concepções

e/ou teóricos e alcançam status de real movimento de transformação

paradigmática na sociedade. Se não há ruptura de imediato, há uma forte

guinada dos procedimentos anteriores impulsionados pelas novas concepções

(conjunto teórico). Esta guinada provoca incertezas e inseguranças quanto à

permanência (senão, consistência) de um conjunto de costumes, valores e

conceitos valorizados num corpo científico e, no caso deste trabalho, no

ambiente escolar.

Neste patamar encontra-se a Neurociência, aqui adjetivada como

Pedagógica e que, de acordo com Relvas (2013),

“(...) estuda o sistema nervoso central em pleno desenvolvimento no aspecto neuroquímico, biológico, celular,

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anatômico, fisiológico, psicológico, emocional e social para que o educador e o professor possam compreender dificuldades, transtornos de aprendizagem e comportamentais que possam se apresentar em sala de aula. (...) Ou seja, apresenta-se como [novo] suporte para que os educadores possam promover uma aula melhor, pensando e aplicando recursos que estimulem os canais sensoriais dos estudantes”.

Quando se adota a expressão ‘mudança de paradigma’, neste trabalho,

fala-se numa crescente mudança de visão de mundo diante da integração, por

exemplo, da Neurociência no âmbito da Educação como possibilidade de

transformação dos comportamentos diante dos processos de ensinar e

aprender. Não há descarte do paradigma anterior, há necessárias e inevitáveis

revisões (desorganizações) no processo de construção do conhecimento,

favorecidas pela influência dos estudos neurocientíficos no cotidiano escolar e

as relações professor e aluno, e as formas de ensinar, aprender e conviver.

No fundo teórico e prático de todo este contexto, o funcionamento do

sistema nervoso em sinergia com o mundo exterior vem se tornando forte

tendência às mudanças dos paradigmas pedagógicos no século XXI. Em

consequência, cada vez mais há a introdução e articulação (participação?) do

conteúdo neurocientífico no favorecimento do trabalho docente e,

principalmente, na valorização das formas de aprender dos aprendentes.

Hoje em dia, é preciso pensar o cérebro em sua potência e as ações das

conexões neuronais (plasticidade cerebral) na expansão do potencial de

aprendizagem, quando em processo de aprendizagem, a partir da criação de

planejamentos educacionais com atividades diferentes, contextualizadas,

desafiantes e interessantes.

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Os novos elementos trazidos pela Neurociência não apenas favorecem o

modus operandi da escola em seu processo de ensinar, mas antecipam novas

estruturas de pensamento e provocam mutações nas características

bio/psico/sociais dos sujeitos. Está favorecida, segundo Moraes (2003, p. 133)

a sentença da complexidade apresentada por Edgar Morin que diz: “da ordem

(paradigma tradicional) há uma desordem (presença de novos elementos ou

teorias ou conceitos que remodelam o paradigma anterior) e, por fim uma nova

ordem paradigmática”. A ação de ensinar, então deverá, segundo Relvas (2009,

p.15), implicar na maximização do potencial do funcionamento do cérebro, já

que “aprender exige necessariamente planejar novas maneiras de solucionar

desafios, atividades que estimulem diferentes áreas cerebrais a trabalhar com

máxima capacidade de eficiência”.

Nesta perspectiva fica clara a necessidade de mudança de atuação

docente. Isto não é algo simples e envolve questões estruturais e subjetivas

bem particulares. Mas ainda assim, é preciso procurar compreender as novas

subjetividades que se configuram na educação da cibercultura1. É preciso um

forte despojamento do docente dos papéis assumidos a partir da ótica de outros

paradigmas, de forma que possa transgredir, em sua prática, os limites de uma

sala de aula monológica (montada em toda a sua formação) na qual apenas a

sua voz predomine ou, por meio dela, predomine a voz dos poderes que

1 O termo Cibercultura tem vários sentidos. Mas se pode entender por Cibercultura a forma sociocultural que advém de uma relação de trocas entre a sociedade, a cultura e as novas tecnologias de base micro-eletrônicas surgidas na década de 70, graças à convergência das telecomunicações com a informática. A cibercultura é um termo utilizado na definição dos agenciamentos sociais das comunidades no espaço eletrônico virtual. Estas comunidades estão ampliando e popularizando a utilização da Internet e outras tecnologias de comunicação, possibilitando assim maior aproximação entre as pessoas de todo o mundo.

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representa, como, por exemplo, o currículo e as formas de avaliação sem

contexto.

Dentro de um recorte objetivo, o problema deste trabalho se apresenta

da seguinte maneira: como a contribuição do estudo neurocientífico pode

favorecer aos objetivos de aprendizagem de um projeto de ensino de Literatura

Brasileira, dentro da temática da MPB, em uma escola pública do estado do Rio

de Janeiro, em duas turmas de 3º ano, do Ensino Médio, turno noite?

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CAPÍTULO I

Um estudo sobre NEUROCIÊNCIA

O contexto contemporâneo é de transformações às vezes

surpreendentes, às vezes assustadoras, em que um dos vetores responsável é

a presença cada vez mais ampla da Neurociência como parceira da escola.

Esta, de acordo com Relvas (2009, p. 05) “quer descobrir o funcionamento da

mente do humano, e observa tudo e todos como uma verdadeira engenhoca de

possibilidades no intuito de dinamizar os processos de construção do

conhecimento, diminuir as distancias e promover a evolução acelerada”.

De acordo com a análise sobre ‘mudanças de paradigmas’ de Kuhn, na

atualidade cresce um pensamento em torno dos referenciais tradicionais sobre,

por exemplo, os efeitos da participação das Tecnologias da Informação e da

Comunicação (TIC) nas diferentes formas de relação e da participação da

neurociência no que concerne ao entendimento dos mecanismos de

aprendizagem, situando um olhar mais focado sobre o funcionamento do

sistema nervoso central como organizador dos mais variados comportamentos.

Então.

“(...) Cada tipo de habilidade ou comportamento pode ser bem relacionado a certas áreas do cérebro em particular. Assim, há áreas habilitadas a interpretar estímulos que levam à percepção visual e auditiva, à compreensão e à capacidade linguística, à cognição, ao planejamento de ações futuras, inclusive de movimento, e assim por diante.” (RELVAS, 2009, p.14)

Caberá ao educador reinventar sua profissão, dar ‘plasticidade’ ao seu

contexto teórico e prático em busca de adaptações às necessidades das novas

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subjetividades. Segundo Ramal (2002, p. 190), o docente do século XXI deve

ter “um perfil de professor que atue como arquiteto cognitivo e como

dinamizador da inteligência coletiva”. O primeiro se refere à rede do hipertexto

mental que procura ser potencializado em cada aluno (e aqui a excitação do

sistema nervoso é primordial); já o segundo, pode ajudar a responder aos

desafios das redes criadas pelos alunos, entre grupos, escolas e sistemas

educacionais.

No caso deste trabalho, procura-se entender que este ‘arquiteto

cognitivo’, em seu processo de criação de atividades didáticas ou projetos

pedagógicos, de despojamento dos papéis assumidos a partir da ótica de

outros paradigmas, seja transgressor, em sua prática, dos limites de uma sala

de aula monológica e não prescinda de uma articulação (e estudos) mais séria

e profunda das teorias neurocientíficas, já que estas incluem em sua literatura,

o entendimento das diferenças comportamentais do sujeito singular (ou em

grupo) em que os hormônios ganham grande importância também no contexto

das avaliações em geral.

Além disso, este ‘arquiteto cognitivo’ (educador do século XXI) também

não prescinde do entendimento de que algumas ações educativas são

importantes para se reconhecer as diferenças dos cérebros e dos gêneros em

sala de aula; de que as diferenças de gêneros vão muito além dos órgãos

sexuais; de que é importante estar por dentro dos estilos de comportamento

cognitivo e emocional; e, principalmente de que tornar-se um estudioso dos

processos neuronais (mentais) favorece a elaboração de práticas de ensino real

e sinceramente focadas no aluno.

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Todavia antes de reconhecer a experiência neurocientífica como

potencialmente adequada para o entendimento e transformação da sala de aula

e dos comportamentos em torno da busca e do encontro com o conhecimento,

é necessário se entender a trajetória da neurociência e, para além, entender

sua importância na área educacional.

1.1- Origem da Neurociência

Dentro de uma escola do século XIX, alunos do século XXI e professores

do século XX. Eis a crise que se estabelece. E no bojo disso tudo, a

velocidades da integração e uso exacerbado das tecnologias da informática.

São tempos de estranhamentos, de fortes transformações e muitas incertezas.

E dar conta disso não é fácil para ninguém. Mas uma fonte teórica vem se

tornando importante à Educação: a Neurociência.

A palavra ‘neurociência’ foi criada em 1970. É um campo novo, porém

possui influências antiquíssimas; possui estudos científicos e não científicos

que remontam desde a filosofia grega até os modernos exames de imagens. E

como afirma Relvas (2007, p.22), “(...) é uma ciência nova, que trata do

desenvolvimento químico, estrutural e funcional, patológico do sistema

nervoso”.

Hoje, como ciência aplicada à sala de aula, pode ajudar aos professores

na construção de seus planejamentos, estratégias de ensino e avaliações tendo

em vista a crescente percepção das diferenças entre os comportamentos

cognitivos e emocionais. Além disso, torna-se mais claro apreciar as

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dificuldades de aprendizagem específicas ou em grupo; e apreciar a

importância do exercício (movimento do corpo) e do sono à aprendizagem.

Nesta perspectiva, o educador pode ter uma visão enriquecida e

cientificamente informada sobre a aprendizagem, em lugar de vê-la como algo

que faz sentido em sua intuição e dentro de procedimentos aprendidos em sua

formação, mas sem o respaldo científico efetivo. Com a Neurociência,

aprofunda-se a possibilidade de o educador ser o que Ramal (2002, p.193)

chama de “estrategista do conhecimento: um estudioso dos processos mentais,

que sabe elaborar e testar hipóteses sobre as melhores formas de construção

da árvore de competências, conteúdos e habilidades de cada aluno e de cada

grupo de estudantes”.

A neurociência aplicada à sala de aula vem chamando atenção para

unidades fundamentais de construção da aprendizagem, tais como consciência

fonológica na leitura e compreensão básica de quantidade numérica na

alfabetização matemática, além dos inúmeros comportamentos carregados de

emoção vivenciados todos os dias.

Mas a que se ter um cuidado fundamental: a neurociência não é uma

‘receita de bolo’ (algo pronto para montar e usar) ou panaceia teórica que surge

para reestruturar definitivamente a educação ou resolver todos os problemas da

sala de aula. Ela oferece a oportunidade de o educador estudar e conhecer a

dinâmica dos sistemas biológicos humano, como mais um conhecimento a ser

utilizado em seus processos de ensinar. Como diz Ramal (2002, p.193), como

arquiteto cognitivo, estrategista do conhecimento, hoje cabe ao educador

identificar “as inúmeras possibilidades do mapa de recursos [de ensino], indicar

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caminhos, propor desafios e metas, desenhar mapas de navegação da mente”,

sempre interagindo e mediando a ‘navegação’ dos aprendentes entre as

informações e os desafios apresentados no curso da aprendizagem.

E se para isso o educador entender que o jogo emocional interno

(sistema límbico + córtex pré-frontal) estará ‘alimentando’ todo o processo de

aprender, o conhecimento acontecerá com menos dificuldades.

Esta é apenas a ponta do iceberg!

Mas o que, cientificamente, se chama Neurociência?

Lent (2001, p.04) apresenta a neurociência no plural, ou seja, enfatiza a

ideia de que esta é um conjunto teórico de diferentes áreas do saber que se

complementam na busca do entendimento do cérebro humano. Mas “(...) os

limites entre essas [áreas do saber] não são nítidos, o que nos obriga a saltar

de um nível a outro, ou seja, de uma [área do saber] a outra, sempre que

tentamos compreender o funcionamento do sistema nervoso”.

Para simplificar observe o quadro explicativo resumido abaixo

apresentado por Lent (2001):

Área do Saber Objeto de estudo

Neurociência Molecular Diversas moléculas funcionais no sistema nervoso. Também chamada neuroquímica ou neurobiologia molecular.

Neurociência Celular Células que formam o sistema nervoso, sua estrutura e sua função. Também chamada neurocitologia ou neurobiologia celular.

Neurociência Sistêmica Populações de células situadas em diversas regiões do sistema nervoso. Sistemas funcionais (visão, auditivo, motor etc.). Se mais morfológica chama-se neuro-histologia ou neuroanatomia. Se lida com aspectos funcionais chama-se neurofisiologia

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Neurociência Comportamental

Estruturas neurais que produzem comportamentos e outros fenômenos psicológicos como sono, sexo, emoção etc. As vezes conhecida como psicofisiologia ou psicobiologia.

Neurociência Cognitiva Capacidades mentais mais complexas típicas do homem como linguagem, autoconsciência, memória etc. Também chamada de neuropsicologia

Já Relvas (2012, p.27) escreve o seguinte: “Neurociência é um conjunto

de disciplinas que permeiam os estudos do sistema nervoso e originou-se do

entendimento das bases cerebrais da mente humana”. Como conjunto, é

correto o uso da palavra no singular, fato que justifica a leitura conceitual mais

ampla do cérebro e sua plasticidade neuronal quando em processo de

aprendizagem ou assimilação das informações em geral. E esta forma de

apresentar a neurociência será utilizada neste trabalho.

1.2- A Década do Cérebro

Na década de 90, o desenvolvimento e o aperfeiçoamento das técnicas

de visualização do funcionamento cerebral causaram um novo ‘boom’ na

conjuntura metodológica do entendimento da ação neuronal, agora,

relacionando-a à atividade mental e ao metabolismo cerebral, ou seja, no

aumento do consumo de oxigênio e de glicose pelos neurônios requisitados a

cada momento.

Na história do cérebro, o mundo precisou se transformar fortemente para

possibilitar olhares mais específicos a este órgão por milhares de anos.

Entender seu funcionamento, adaptabilidade, neuroplasticidade, a partir de

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estímulos eletroquímicos em que neurônios disparam gerando reflexão,

interação, pensamento, sinergia e outras conexões, atravessou o tempo

histórico com idas e vindas, às vezes positivas, às vezes negativas.

Atualmente, depois de intenso desenvolvimento das neurociências e da

ciência cognitiva, o cérebro passou a ser mais visto como um ecossistema do

que uma máquina, já que os neurônios vivem em situação de competição e

organização pelo estímulo e direcionamento do ambiente. O cérebro não mais

dicotomiza o que está fora daquilo que se auto-organiza. Ele, agora, é

autopoético, orgânico, fluido e modular. E essa ‘autopoesis’, comentada por

Maturana e Varela, recompõe a dinâmica da cognição humana no retorno de

sua melhor dupla psíquica: razão e emoção.

Apesar do estudo do comportamento humano ser tão antigo quanto à

existência do ser humano, uma área, como a Neurociência, que se pressupõe a

estudar o cérebro, de forma multidisciplinar, tentando chegar a conclusões da

origem dos processos mentais e dos comportamentos, é recente.

Hoje a palavra de ordem é plasticidade, ou melhor, ‘neuroplasticidade’:

milhares de genes, associados ao cérebro, confrontam-se com os trilhões de

sinapses sujeitas à modulação e à mediação ambiental. Esse confronto,

provocado por competições ininterruptas, imprime variabilidade, diversidade e

fluidez às células neuronais, e faz emergir uma mente autônoma e

autorreflexiva da própria estrutura cerebral e de suas múltiplas e variáveis

conexões. Eis o princípio de autonomia e do aprendizado.

Mas como a neurociência explica o aprendizado?

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Capitulo II

Neurociência e os cérebros ‘neuroaprendentes’

“(...) A era das redes estaria marcada, em suas características básicas, por uma dinâmica menos hierarquizada. No bojo das novas tecnologias nos estariam chegando inéditas chances de ampliação efetiva da solidariedade universal entre os seres humanos.” (Assmann, 1998, p. 20)

Sem dúvida nenhuma, hoje, há uma ecologia cognitiva-comportamental

em emergência a partir do contato exacerbado com as novas tecnologias

trazidas pela Informática. Desta feita, há uma crescente necessidade de

flexibilidade adaptativa do ser vivo humano a este momento, de novo, por

questão de sobrevivência, já que é seu substrato genético, persistir em

processo de aprendizagem. Faz parte da característica do ser vivo humano

‘entender-se’ em flexibilidade adaptativa, relacionando-se com toda dinâmica de

(se) continuar aprendendo e estabelecendo novos meios de vida, de

comunicação e, principalmente, de linguagem, a partir do surgimento de um

ambiente diverso.

Nesta linha de pensamento, então, devem-se criar ininterruptamente

outros ambientes propiciadores da experiência do conhecimento. O ser VIVO

humano se projetará em sua realidade, se entenderá como ser VIVO humano

com consciência, pela decisão de (se) investir em múltiplas situações de

interação ‘inteligente’: é a tão decantada integração social. E isso só se faz com

o cérebro, com um sistema nervoso central cheio de excitações estimulantes,

com hemisférios cerebrais sendo ‘atacados’ pela energia celular do corpo

caloso, pela eletricidade das tantas informações percorrendo as vias neuronais

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do sistema límbico até o córtex pré-frontal, passando pelo cerebelo, tronco

encefálico e medula espinhal, no intuito de (re)inaugura-se como ser vivo

criativo e pensante do seu tempo.

2.1- Como o cérebro humano funciona para se adaptar?

O cérebro é a parte mais importante do corpo e sem ele nada mais

funcionaria; decifra experiências concentrando-se no timing dos impulsos que

correm por bilhões de celulas nervosas; é repositório da memória, da mente e

dos sentimentos; é o comandante dos afazeres humanos ordinários e

extraordinários – do despertar ao sono, passando por tudo o que se dá entre

um e ouro; é o guia de todos os atos humanos, desde os mais grosseiros aos

mais sutis movimentos, emoções e pensamentos; da inconsciência ao completo

despertar, até mesmo à hiperconsciência; e, é graças ao cérebro que se pode

aprender diferentes conteúdos, conhecer os mecanismos envolvidos no

aprendizado e causar mudanças de comportamentos biopsicossociais. Nesta

perspectiva, aprender permite oportunidades de transcender os limites físicos

da evolução biológica.

“Em uma visão neurobiológica da aprendizagem, pode-se dizer que, quando ocorrer a ativação de uma área cortical, determinada por um estímulo, provoca alterações também em outras áreas, pois o cérebro não funciona como regiões isoladas” (RELVAS, 2009, P.26)

Há uma complexidade de redes de trilhões de conexões entre bilhões de

células cerebrais dentro do crânio humano com eficiência genética. Mas o

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cérebro também tem suas limitações. Segundo Sejnowski & Delbruck (2012,

p.54),

“um neurônio no córtex cerebral, por exemplo, pode responder ao estímulo de outro neurônio, disparando um impulso, ou um ‘pico’, em milésimos de segundo – um ritmo de lesma comparado com os transistores que servem como interruptores em computadores, que levam bilionésimos de um segundo para ligar. A confiabilidade da rede neuronal também é baixa: um sinal transmitido de uma célula cortical a outra normalmente tem apenas 20% de possibilidade de chegar ao seu destino final e muito menos chance de alcançar um neurônio distante ao qual não esteja conectada diretamente.”

Embora muitos dos processos cerebrais envolvidos no aprendizado

ainda permaneçam desconhecidos, tem sido rápido o progresso das pesquisas

neurocientíficas à compreensão das novas formas de se estimular o processo

de ensinar e aprender. É fonte de diferentes pesquisas, a questão, por

exemplo, do aprendizado acontecendo a partir da utilização de todo o sistema

sensorial (linguagem não verbal) inserido nas emoções.

A partir do estudo neurocientífico aliado à criação de atividades

educativas mais focadas nas maneiras de aprender do aprendente, é possível

retomar a ideia de que, mais do que memorizar fatos e desenvolver habilidades,

a educação tem o papel primordial de se realizar ao longo da vida e de

capacitar pessoas de qualquer idade a enfrentar desafios econômicos, sociais e

comunitários com mais dignidade. De acordo com Relvas (2005), neste século

XXI repleto de tantos estímulos e informações, “conhecer e entender o

processo [neuronal] de aprendizagem tornou-se um grande desafio [e uma

necessidade] aos educadores”.

Além das teorias da aprendizagem, aprofundar-se no movimento cerebral

concorre para um desempenho pedagógico e de aprendizagem bem melhor. É

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preciso tomar ciência de que as células cerebrais recebem todos os tipos de

estímulos em escala de tempo diferentes cujas respostas rápidas contrastam

com o fluxo lento dos hormônios que percorrem a corrente sanguínea.

Em cada estimulo (apresentação de um conteúdo), há aumentos súbitos

na voltagem interna, que percorrem através e entre os neurônios aprendentes,

estes duram alguns microssegundos e dão conta das necessidades imediatas.

Mas é preciso mais. Os estímulos desafiantes na perspectiva de aprender

devem acontecer costumeiramente na sala de aula para que haja

aprofundamento e alargamento das memórias e o aumento do nível de atenção,

atualmente obervado como ação em microssegundos. Como escreve Sejnowski

& Delbruck (2012, p.54), “um neurônio dispara um pico após decidir que o

número de entradas que o estimula a ligar supera o número que comanda para

desativação”.

Então, quando a informação é enviada, os neurônios agem por

associação aos núcleos neuronais mais próximos com informações

semelhantes, através do axônio da célula (que se assemelha a um fio elétrico

ramificado), intensificando as sinapses e formatando a aprendizagem e o

conhecimento.

Neste contexto, a neurociência investiga e traz ao olhar dos educadores

outras leituras sobre o processo de alfabetização, os mecanismos do aprender

a aprender, o controle cognitivo, a flexibilidade, a motivação e as experiências

sociais e emocionais, apresentando os procedimentos neuronais, glandulares e

hormonais ‘remexidos’ quando o cérebro-aprendente entra em perspectiva com

as ações de aprendizagem por colaboração ou individual. É a ciência da

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transformação, afinal sabe-se que o cérebro muda constantemente em

decorrência do próprio aprendizado e permanece ‘plástico’ por toda a vida.

Aprender, portanto, é uma habilidade que altera o cérebro e precisa ser

desenvolvida pelos educadores, mediante o entendimento da ferramenta

teórica: Neurociência.

“Atualmente é necessário compreender que as interações perpassam por aspectos biológicos, psicológicos, sociais; e o ambiente dessa especificidade é a sala de aula, porque este espaço está sendo dessacralizado pela relevância das novas tecnologias no desenvolvimento do comportamento dos aprendentes. É preciso, portanto, reconfigurar esse lugar de forma a promover maior convergência dessas tecnologias como interfaces possíveis de manutenção das aprendizagens.” (RELVAS, 2005, p.09).

A neurociência pedagógica deve ser estudada como um estudo empírico

do cérebro e do sistema nervoso a ser utilizado na observação dos

comportamentos aprendentes e no fomento de dinâmicas pedagógicas a partir

disso, já que, por premissa, o cérebro humano é o órgão que permite aos seres

humanos a adaptação ao meio, o que significa, em essência, aprender sempre.

Pouco a pouco os neurocientistas desvendam a influência da genética no

aprendizado ao longo da vida, somada aos fatores ambientais. Ou seja, a

composição genética sozinha não molda a capacidade de aprendizado de uma

pessoa; a predisposição inscrita nos genes interage com influências ambientais

em todos os níveis. A capacidade de aprendizado, então, como a pressão

arterial, por exemplo, varia e transforma o ser humano como um todo. Segundo

Frith (2012, p.11), “a neurociência tem o potencial de ajudar a entender as

predisposições genéticas da forma como se manifestam no cérebro, e como

cada predisposição pode ser construída pela educação e criação”.

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2.2 – O que é a biologia da informação neuronal?

Entender as bases do aprendizado é entender como o cérebro forma

conexões novas e as memórias; é entender a importância do estímulo à futura

motivação de aprender; o desenvolvimento de habilidades e fortalecimento das

competências; as sensações e ações mais emocionais dos comportamentos

etc. Esse entendimento pode favorecer o lidar com os comportamentos

aprendentes, por exemplo, no dia a dia escolar.

Para fins didáticos, o cérebro pode ser distribuído, segundo Herculano-

Houzel (2005) em três grandes porções: parte sensorial, parte motora e parte

associativa.

A parte sensorial representa todo um conjunto de estruturas que se

prestam a receber informações do ambiente e processá-las de uma maneira

coordenada permitindo ao cérebro a criação, por exemplo, de uma imagem,

uma representação sensorial do ambiente. O real é apresentado pelos sentidos

porque estes constroem o sentido da realidade e nesta se desenvolve e

organiza os comportamentos, principalmente, em relação aos outros.

Estes sentidos do real são enviados para outras regiões do cérebro e

são encarregadas de gerar movimentos, comportamentos, enfim, a parte

motora. Todos os movimentos para não serem não só fluidos, mas apropriados,

adequados às intenções humanas, precisam ser criados de acordo com a

imagem sensorial que se tem do mundo.

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Então boa parte do sistema nervoso é dedicada a processar essas

informações dos sentidos, criar uma representação unificada do mundo e usar

esta representação para dar movimento ao corpo, para criar comportamentos,

interagir com as outras pessoas e com diferentes ambientes.

Além da parte sensorial que fica na parte de trás do cérebro humano e a

parte motora que fica na parte mediana, os sujeitos tem o córtex pré-frontal,

porção de parte da frente do cérebro (HERCULANO-HOUZEL, 2005). Ele, por

definição, não é sensorial e nem motor, é o chamado ‘córtex associativo’ já que

é capaz de acrescentar complexidade aos comportamentos, através de suas

associações, com as memórias do passado, com a elaboração de projeções

para o futuro, os objetivos, estratégias, metas, e permite que os sujeitos-

aprendentes saiam do tempo presente com ferramentas cognitivas e

pedagógicas importantes à sua integração social.

Mas ao mencionar todo esse sistema em funcionamento no cérebro, é

importante entender um ponto nevrálgico de todo esse processamento: o

sistema nervoso.

A filogênese do sistema nervoso humano e o entendimento da evolução

cerebral tornaram-se fontes fascinantes de estudos já que, em ambas,

observou-se uma galáxia de cenários sistêmicos biológicos ainda indecifráveis.

Ainda assim, hoje se reconhece que, no universo biológico humano há

“uma gigantesca ‘galáxia’ com centenas de milhões de pequenas células nervosas que formam o cérebro e o sistema nervoso comunicando-se umas com as outras através de pulsos eletroquímicos para produzir atividades muitos especiais: pensamentos, sentimentos, dor, emoções, sonhos, movimentos e muitas outras funções mentais e físicas, sem as quais não seria possível expressar toda a riqueza interna humana e nem perceber o mundo externo, como o som, cheiro, sabor, luz, brilho etc” (RELVAS, 2005, p.21).

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Segundo Damásio (2011, p.46), “a neuroanatomia é fundamental em

neurociência, desde o nível microscópico dos neurônios individuais (células

nervosas) até o nível macroscópico dos sistemas que se estendem por todo o

cérebro.” Logo, no estudo da neurociência, entender a geografia cerebral em

escalas diversas é muito importante, principalmente, quando, na posição de

educador, deve-se empreender novos comportamentos diante dos diferentes

procedimentos de aprendizagem.

2.2.1- O Sistema Nervoso

O componente principal do sistema nervoso é o cérebro. Além dele, com

os hemisférios esquerdo e direito unidos pelo corpo caloso (um conjunto

espesso de fibras nervosas que liga bidirecionalmente os hemisférios), o

sistema nervoso central (SNC) inclui o diencéfalo (um grupo central de núcleos

nervosos escondidos sob os hemisférios, que inclui o tálamo e o hipocampo), o

mesencéfalo, o tronco encefálico, o cerebelo e a medula espinhal.

O sistema nervoso central, segundo Damásio (1996)

“está ‘neuralmente’ ligado a praticamente todos os recantos e recessos do resto do corpo por nervos, que no seu conjunto constituem o sistema nervoso periférico. Os nervos transportam impulsos do cérebro para o corpo e do corpo para o cérebro”. Em torno desta geografia, percebe-se que “cérebro e corpo estão também quimicamente interligados por substâncias, como hormônios e os peptídeos, que são liberadas no segundo e conduzidas ao primeiro pela corrente sanguínea.” (p.47)

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Ao se seccionar o sistema nervoso central, observam-se diferenças entre

claro e escuro em alguns setores, são as chamadas ‘massa cinzenta’ e ‘massa

branca’. A massa branca (setores claros) corresponde em larga medida aos

axônios, ou fibras nervosas, que saem dos corpos celulares da massa cinzenta,

é a ‘cor da mielina’; já a massa cinzenta (setores escuros) “corresponde em

grande parte a grupos de corpos celulares dos neurônios” (DAMÁSIO, 2011,

p.47). Ela tem duas variedades: em uma, os neurônios estão dispostos em

camadas, formando o córtex; e na segunda, os neurônios estão organizados

não em camadas, mas em cachos no interior de uma taça (núcleo) e existem

muitos deles,

“como o caudado, o putâmen e o pallidum, tranquilamente escondidos nas profundezas de cada hemisfério; ou a amígdala, oculta dentro de cada lobo temporal; existem grandes conjuntos de núcleos menores, como os que formam o tálamo; e pequenos núcleos individuais, como a substantia nigra ou o nucleus ceruleus, situados no tronco cerebral” (p.49).

Este reconhecimento demonstra que a neuroplasticidade2 permite que o

cérebro leve continuamente em consideração o ambiente e armazene os

resultados do aprendizado sob a forma de memórias. O que implica estar

preparado para eventos futuros. E para isso, o entendimento do funcionamento

neuronal é extremamente importante.

Aprender é uma questão de conexões neuronais; e mais, aprender é

uma questão de foco, organização e ritmo neural (Relvas, 2012). Entender as

ações dos neurônios é a chave para se entender o ser humano em sua

2 Segundo Relvas (2005, p.14) “Plasticidade cerebral é a capacidade de o sistema nervoso alterar o funcionamento do sistema motor e perceptivo baseado em mudanças no ambiente, através da conexão e (re)conexão das sinapses nervosas, organizando e (re)organizando as informações dos estímulos motores e sensitivos”.

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estrutura biológica, psicológica e social, além de suas formas de integração,

interação e mediação nos diferentes ambientes.

“Neurônios são células especializadas; são feitos para receber certas conexões específicas, executar funções apropriadas ao passar suas decisões de um evento particular a outros neurônios que estão relacionados com aqueles eventos. Estas especializações incluem uma membrana celular, responsável pelo transporte dos sinais nervosos como pulsos eletroquímicos; o dendrito (...) que recebe e libera os sinais; o axônio (...) que é o cabo condutor de sinais; e pontos de contato sinápticos, onde a informação pode ser passada de uma célula a outra” (RELVAS, 2005, p. 22)

Os neurônios são células muito importantes ao aprendizado porque

processam todas as informações externas; desencadeiam informações por

dentro do organismo; avaliam as informações e coordenam atividades

apropriadas a cada situação ou necessidades correntes dos sujeitos.

“A estrutura do cérebro à qual a neurociência tem dedicado a maior parte de seu esforço de investigação é o córtex cerebral. Esse pode ser visualizado coo um manto envolvente do cérebro cobrindo todas as superfícies, incluindo as que se encontram localizadas nas profundezas das fendas conhecidas como fissuras e sulcos, as quais conferem ao cérebro sua aparência enrugada característica.” (DAMÁSIO, 2011, p.49)

Toda informação é assimilada e gerenciada nos diversos sistemas

cerebrais. Mas para atingir seu objetivo, os neurônios transportam e codificam

as informações eletricamente. Breves pulsos elétricos, em milésimos de

segundo, conhecidos como potenciais de ação ou impulsos nervosos percorrem

cabos biológicos (axônios) que se estendem dos corpos celulares dos

neurônios para conecta sua entrada com as saídas de outros neurônios. Dessa

maneira, os neurônios transmitem informações de um a outro por uma cadeia

alternada de sinais elétricos e químicos.

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Os sinais químicos são liberados em locais especializados chamados de

sinapses, onde os sinais químicos (neurotransmissores3) passam por um

espaço bastante estreito que separa dois neurônios. As moléculas

neurotransmissoras liberadas trabalham pela ligação e, com isso, pela ativação

de moléculas receptoras especializadas que se encontram na superfície do

neurônio receptor do outro lado da sinapse. São os chamados ‘potenciais

sinápticos’. E podem ser inibitórios (hiperpolarizantes): reduzem a

probabilidade que o neurônio receptor tem de disparar um impulso nervoso; ou

excitatórios (despolarizantes): aumentam essa mesmo probabilidade. O

acontecimento do impulso nervoso é, então, uma soma de ambos os potenciais;

acontece assim que um limiar crítico for atingido por essa soma. E estes se

propagam rapidamente pelo axônio, alimentando informações para muitos

outros neurônios, onde o processo de liberação de neurotransmissores e

comunicação química é repetido.

No processo de neuroplasticidade, muitas informações perpassam o

cérebro e este gasta muita energia corporal. E boa parte do consumo

energético cerebral é dedicada a uma única tarefa: produção de baterias

biológicas4, a fonte de energia dos amplificadores de sinais elétricos nos

axônios. Ou seja, segundo O’Shea (2010, p. 43), na verdade, os neurônios

3 Segundo O’Shea (2010, p.51), “os mensageiros primários são os neurotransmissores, que transmitem informações de neurônio a neurônio; os mensagens secundários são as moléculas do mensageiro interno do neurônio. É por meio de sua ação que as propriedades fisiológicas dos neurônios e suas sinapses podem ser alteradas, seja de forma breve, ou por longos períodos de tempo”. 4 São carregadas por proteínas que literalmente bombeiam dois íons com carga positiva em sentidos opostos na membrana do neurônio. Íons de sódio são bombeados para fora do neurônio, enquanto íons de potássio são bombeados para dentro; são dissolvidos no fluido que circunda todas as células, oferecendo-lhe um ambiente de água salgada semelhante à composição da água marinha, na qual a vida celular teve suas origens. Moléculas de proteína altamente especializadas, chamadas de canasi iônicos, restrigem essa passagem de sódio e potássio para dentro e para fora do neurônios, atuando coo porteiros moleculares.

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criam duas baterias: “uma tem valor aproximado de 50mv e está voltada para

dentro (polo positivo no interior), enquanto a outra tem valor de cerca de 70mv

e está voltada para fora (polo positivo no exterior).”

Quando os cérebros-aprendentes acessam emoções (informações)

positivas ou negativas, o potencial de ação é ‘ligado e desligado’ em sequencia.

Diante da evolução cognitiva e emocional humana, mudam-se as voltagens

ininterruptamente. E a velocidade de transmissão é possível graças à melhora

do isolamento do axônio com um revestimento de várias camadas: a mielina.

Em espaços de cerca um milímetro, o revestimento da mielina é interrompido

por espaços conhecidos como nódulos de Ranvier5, onde a membrana axonal é

exposta.

Estímulos, impulsos, potenciais de ação, tudo isso dinamiza a ação do

cérebro humano e sua plasticidade. É uma necessidade natural. A parte

evolutivamente moderna do córtex cerebral é designada por neocórtex. Porém,

há uma maior parte do córtex evolutivamente mais antiga e que, hoje, é

percebida como parte fundamental na observação e entendimento do

comportamento humano: o córtex límbico. É uma das divisões do sistema

nervoso central tanto cortical como subcortical. É também conhecida como

sistema límbico cujas principais estruturas são a circunvolução cingulada (no

córtex cerebral), a amígdala e o prosencéfalo basal (dois conjuntos de núcleos).

Esse maquinário molecular permite que a membrana controle a ativação e a desativação das baterias de sódio e potássio. (O’Shea, 2010, p.43) 5 Nódulos de Ranvier – ou seja, são os espaçamentos isentos de mielina que geram falta de continuidade da bainha. Isso facilita um movimento mais ágil do impulso que, só se propaga com a presença de mielina, ocorre aos saltos.

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Segundo diferentes autores, o sistema límbico é o sistema das emoções,

da memória e da atenção. Elementos importantíssimos à aprendizagem e aos

processos de desenvolvimento de práticas de ensino no século XXI.

2.3- Límbico, emoção e ‘aprendência’

“As emoções são conjuntos de reações químicas e neurais que ocorrem no cérebro emocional e que usam o corpo como ‘teatro’, ocasionando até as emoções viscerais, que afetam os órgãos internos, de acordo com a sua intensidade” (RELVAS, 2012, p.61)

Historicamente, os centros neurais que coordenam as respostas

emocionais têm sido agrupados sob a denominação de sistema límbico. Porém

mais recentemente tem-se demonstrado que diversas regiões encefálicas, além

do clássico sistema límbico, apresentam um papel central no processamento

das emoções, incluindo a amígdala e diversas áreas corticais.

No sistema límbico se estabelece o controle emocional do

comportamento. Desde Descartes, é um sistema que vem chamando a atenção

de muitos estudiosos da experiência subjetiva humana, por exemplo, do humor,

do medo, da alegria, da tristeza etc.

O sistema límbico compõe-se de diferentes elementos cerebrais como o

hipotálamo, o núcleo acúmbens, a amígdala, o tronco cerebral, o tálamo, o

hipocampo, o giro parahipocampal, o giro do cíngulo, o giro órbitofrontal,

núcleos nasais, o fórnix e o córtex cerebral como um todo, ainda que se

destaque o lobo temporal. Ou seja, é um sistema todo articulado e conectado

ao cérebro e que, por isso, demanda um olhar mais aprofundado da sua

funcionalidade e integração ao cérebro humano.

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O sistema límbico tem funções vegetativas e endócrinas, já que é

responsável tanto pelo comportamento humano, quanto pelo bom

funcionamento do sistema nervoso simpático e parassimpático. Também tem a

função de ‘recompensa’ e de ‘punição’, cujo equilíbrio entre um e outro gera a

motivação humana, força motriz da aprendizagem, quando significativa.

O sistema límbico atinge e estimula diferentes ambientes e sistemas no

encéfalo, e um dos resultados principais é a emoção. Esta por sua vez, é

resultado de toda uma estimulação sensorial e muscular, que permite rápidas

alterações fisiológicas em resposta a variadas condições. O ser vivo humano

tem em si mecanismos que possibilitam o alcance da sua cognição,

comportamento, desejo e objetivos futuros. E tudo dependendo da intensidade

e d frequência do impulso nervoso.

Quanto mais intensa a estimulação, mais impulsos nervosos produzidos

numa mesma voltagem. A emoção neuronal então provocará, por exemplo, a

ascensão das memórias (hipocampo) e da atenção (amígdala). Múltiplas

sinapses, sinais elétricos, conexões químicas (neurotransmissores liberados),

criando níveis de aprendizagem, motivação e conhecimento.

Pelo funcionamento constante do sistema límbico em todo o encéfalo e

corpo gera, no organismo vivo humano, o reconhecimento também complexo

dos estímulos da recompensa ou da punição e, por conseguinte, o aprendizado

do trabalho voltado ao alcance do que for desejado ou à fuga do que for

indesejado. E justamente ai está a ‘vontade de aprender’. Cabe aos educadores

observar essa ‘vontade de aprender’ do sujeito-aprendente, como se fosse um

neurônio em expectativa, ou seja, um elemento cerebral, recheado de

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informações em seu núcleo, que precisa de diferentes estímulos significantes

para alcançar intensos potenciais de ação e o conhecimento. Desfaz-se então a

ideia de que, para aprender na escola (leitura, escrita, matemática, pensamento

abstrato = cognição) deve-se agenciar o neocórtex; deixando a emoção

(sistema límbico) às aprendizagens relacionais, afetivas, subjetivas humanas.

Como um sistema integrado, todos os componentes recebem neurônios cujas

ligações (sinapses) acontecerão com mais intensidade, de acordo com as

informações que se for adquirindo ao longo do dia, dos anos ou da vida.

Mas, ainda assim, as mudanças de condutas emocionais são sempre

frutos de muita observação e estudos, já que aprender é mudar

comportamento, é resultado de estimulação cerebral em função de uma

emoção, de acordo com o contexto social (e escolar) de cada sujeito-

aprendente. E para gerar essa emoção de forma focada, é necessário

incorporar-se de muitos dos conceitos neurocientíficos também.

Diante deste trabalho, percebe-se então que a ‘emoção’ é imprevisível.

Está constituída de maneira orgânica na parte biológica humana e no seu

substrato orgânico, mas depende de estímulos internos e externos para se

fazer presente como comportamento síncrono ou assíncrono (simpático ou

parassimpático).

Segundo Damásio (2011), faz clara distinção entre emoções e

sentimentos. Ao contrário das emoções, sentimentos não são instintivos, eles

estão conscientes e discriminatórios porque são baseados na memória, no

conhecimento e no sentido da autobiografia. Na leitura deste mesmo autor, as

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funções básicas de emoções são predefinidas: elas são dispositivos instintivos

e autônomos.

Damásio (2011) distingue três tipos de emoção:

• Emoções primárias / iniciais / universais => surgem durante a

infância, sendo úteis para uma reação rápida quando emergem determinados

estímulos do meio. Envolvem um elevado fluxo de energia e podem existir

como consciência caso sejam inatas. Além disso, refletem diretamente as

mudanças dos estados de espírito. É neste tipo de emoções que se enquadra o

medo, a alegria, a tristeza, a raiva, a surpresa e a aversão.

• Emoções secundárias / sociais / adultas => experimentadas mais

tarde dependem de uma aprendizagem e, portanto, de interações sociais.

Implicam uma avaliação cognitiva das situações, envolvendo, por isso as áreas

do córtex pré-frontal. Há exemplos como a vergonha, o ciúme, a culpa e o

orgulho.

• Emoções de fundo => causadas, por exemplo, por um esforço físico

intenso, pelo remoer de uma decisão complicada de tomar ou pela ansiedade

em relação a um acontecimento agradável / desagradável. Tem-se como

exemplos o bem-estar, o mal-estar, a calma ou a tensão.

Veja o quadro resumido abaixo:

TIPOS DE EMOÇÕES

Pré-emoções Bem-estar Desconforto Emoções Básicas

FELICIDADE MEDO RAIVA TRISTEZA

Emoções cognitivas primárias

(exemplos)

Contentamento / Satisfação

Ameaça / Ansiedade

Imitação / Frustração

Decepção / Prostração

Emoções cognitivas

Amor Alegria

Vergonha Ciúme

Fúria Desprezo

Luto

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secundárias (exemplos)

Inveja

Já Goleman (1995) afirma,

“Todas as emoções são, em essência, impulsos, legados pela evolução, para uma ação imediata, para planejamentos instântaneos que visam a lidade com a vida. A própria raiz da palavra ‘emoção’ é do latim ‘movere’ – mover – acrescida do prefixo ‘e-‘, que denota ‘afastar-se’, o que implica que, em qualquer emoção está implícita uma propensão para um agir imediato.” (p.20).

Entre crianças e animais isto é claro, segundo o mesmo autor, mas “é somente

em adultos ‘civilizados’ que tantas vezes detectamos a grande anomalia no

reino animal: as emoções – impulsos arraigados para agir – são divorciadas de

uma reação óbvia” (p.20).

Um quadro resumido a que Goleman (1995) se refere:

TIPO CARACTERÍSTICA REAÇÃO

IRA Fúria, revolta, ressentimento, raiva, exasperação, indignação, vexame, animosidade, aborrecimento, irritabilidade, hostilidade e, talvez no extremo, ódio e violência patolígicos.

O sangue flui para as mãos, fica mais fácil pegar uma arma ou golpear um inimigo: os batimentos cardíacos aceleram-se e uma onda de hormônios como a adrenalina gera uma pulsação, energia suficientemente forte para uma ação vigorosa.

TRISTEZA Sofrimento, mãgoa, desânimo, desalento, melancolia, autopiedad, solidão, desemparo, perda de prazer, desespero e, quando patológica severa depressão.

Confusão e falta de concentração mental, lapsos de memória, dificuldades alimentares e com sono, apatia.

MEDO Ansiedade, apreensão, nervosismo, preocupação, consternação, cautela, escrúpulo, inquietação, pavor, susto, terror e, psicopatológico: fobia e pânico.

O sangue vai para os músculos do esqueleto, como o das pernas, tornando mais fácil fugir, o corpo imobiliza-se para fugir ou lutar.

PRAZER Felicidade, alegria, alívio, contentamento, deleite, diversão, orgulho, prazer sensual, emoção, arrebatamento, gratificação, satisfação e bom humor, disposição e entusiasmo, euforia, êxtase e, no extremo, mania.

Maior atividade no centro cerebral que inibe sentimentos negativos e favorece o aumento de energia existente e silencia os que geram pensamentos

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de preocupação; a tranquilidade permite o corpo refazer-se de emoções perturbadoras, repouso geral.

AMOR Aceitação, amizade, confiança, afinidade, dedicação, adoração, paixão.

O sangue vai para os músculos do esqueleto, como o das pernas, tornando mais fácil fugir, o corpo imobiliza-se para fugir ou lugar.

Não se pode esquecer também que todo esse arranjo está montado em

torno do sistema corporal para o movimento. As emoções expressam-se

fisicamente no corpo através da atividade motora interna, com batimentos

cardíacos mais rápidos, e externamente em movimentos, tais como um sorriso,

um franzir de cenho ou uma mudança de postura do corpo, seja pulando de

alegria ou sentando-se acabrunhando de tristeza.

Portanto, todo comportamento exterior e interior, resultante de emoções,

está impregnado (carrega consigo) de movimentos de várias partes do

organismo. E particularmente, as relações sociais (e educacionais) dependem

consideravelmente destas emoções no que tange à sua tradução em linguagem

corporal.

Ainda que todas as estruturas do sistema límbico estejam envolvidas nas

emoções, elas também têm suas especificidades executam outras funções

relacionadas a outros sistemas biológicos dos sujeitos. E há algumas que

merecem maior aprofundamento por sua influencia direto no desenvolvimento

da aprendizagem, principalmente a amígdala, o tálamo, o córtex e alguns

neurotransmissores.

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A amígdala (do grego, amêndoa = feixe de estruturas interligadas situado

acima do tronco cerebral, próximo a parte inferior do anel límbico)6 é ‘depósito’

da memória emocional; repositório de impressões e lembranças; poderoso

posto da vida mental; sentinela psicológica; e media as emoções na medida em

que, de acordo com o tipo de input (entrada) e output dos potenciais de ação

das informações recebidos (tipo de aquisição das informações e reorganização

neuronal), em função das mesmas informações. Ela acessa gânglios basais e

neocórtex onde o conhecimento e a memória são estimulados.

Segundo LeDoux (2001), a arquitetura do cérebro oferece a amígdala

posição privilegiada de sentinela emocional. Os sinais sensoriais ‘viajam’ do

olho ou do ouvido para o tálamo e depois – por uma única sinapse – para a

amígdala; um segundo sinal do tálamo é encaminhado ao neocórtex – o

‘cérebro pensante’. Os sentimentos em linha reta (direta) à amígdala são os

primitivos, grosseiros e poderosos, e acaba por explicar o poder da emoção por

esmagar a racionalidade. Enquanto a amígdala lança os sujeitos sociais, o

neocórtex (racional) ainda está pensando qual é a ação mais adequada.

Para Goleman (1995), as explosões emocionais são sequestros neurais

em que a amígdala detecta uma emergência e recruta o resto do cérebro para o

seu plano de emergência, ainda que o ‘cérebro pensante’ (o neocórtex) demore

a perceber o que está acontecendo. São as ações intempestivas, sem controle,

sem a corticalização necessária que deixam os sujeitos-aprendentes perplexos

com as próprias atitudes ‘irracionais’. A vida sem amígdala é uma vida privada

6 Existem duas amígdalas, uma em cada lado do cérebro.

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de significados emocionais, é uma vida em que os sinais dos sentidos são

inócuos ou em que se perde a identificação dos sentimentos.

O acontecimento das emoções requer, portanto, a ação de uma

circuitaria através do sistema límbico, é o chamado Circuito de Papez. Este

está intimamente envolvido no controle cortical das emoções. Desempenha um

importante papel no armazenamento da memória. Segundo Papez, mensagens

sensoriais com conteúdo emocional que chegam ao tálamo são direcionadas ao

córtex e ao hipotálamo (ramo ‘emotivo’). Para tanto, Papez propôs uma série de

conexões do hipotálamo ao tálamo anterior, e deste, ao córtex cingulado. As

experiências emocionais, portanto, ocorrem quando o córtex cingulado integra

as informações provenientes do hipotálamo com as informações provindas do

córtex sensitivo. Uma via eferente do giro do cíngulo ao hipocampo e ao

hipotálamo permite o controle central das respostas emocionais.

Sabe-se hoje que a emoção é um dos comportamentos que exerce

extrema afinidade entre sujeitos e ambientes. Ou como afirma Relvas (2012),

“(...) fonte valiosa de informações que ajudam a tomar decisões, estas são o resultado não só da razão, mas também da junção de ambas, associadas a outras competências emocionais que podem levar ao sucesso na construção das relações no trabalho [e também na escola], tais como: a tolerância à ambiguidade, a compostura, a autoconfiança, a empatia, a energia, a humildade, a criatividade e o planejamento’ (p.61/62)

Com a evolução da inteligência humana, as memórias emocionais,

envolvidas em valências emocionais, subjetivas e singulares se tornaram muito

importantes na construção das relações educacionais. A questão do

desempenho escolar ou acadêmico não descarta as modulações referentes aos

jogos mnemônicos emocionais estimulados ou não no contexto pedagógico. A

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memória, por conseguinte, tão necessária à aprendizagem, deve ser observada

como resposta às práticas de ensino mais significativas quando excitam

potenciais de ação junto ao lobo temporal, ativando a amígdala, durante os

processos de codificação e consolidação das ‘memórias’ aprendentes.

Um aprendizado eficiente requer uma interação entre a emoção e os

processos cognitivos. Ou seja, requer processos de adaptação através da

estimulação, integração e da resposta dos sistemas dentro do sistema nervoso

em muitos níveis: identificação, seleção, integração, armazenamento e uso da

informação, já que este é responsável para percepção, cognição, memória,

intelecto, formulação de atividades motoras e consciência. Então a

aprendizagem se torna uma relação dos sujeitos-aprendentes e seu meio

ambiente do qual resulta a neuroplasticidade adaptativa de comportamentos e

condutas.

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CAPITULO III

Neurociência aplicada à sala de aula mais tecnológica

“O que muda na mudança se tudo em volta é uma dança no trajeto da esperança, junto ao que nunca se alcança?” Carlos Drummond de Andrade.

Desde a década de 80 quando a informatização ganhou todos os setores

de muitas sociedades, há uma geração evoluindo por dentro do ‘novo’ ambiente

virtual. A evolução da maquinaria da Informática se deu par e pass com o

crescimento físico e mental desta geração estabelecendo um ‘novo’ jogo

cognitivo emocional surpreendente. E a escola não ficou isenta de tantas

influências.

Quando se pensa na Neurociência participando deste mundo, pensa-se

em oportunidades de revalorizar o mundo educacional, aproveitando os níveis

(e tipos) de acesso às mais variadas tecnologias digitais e virtuais no contexto

da mutabilidade neural; articulando novas práticas de ensino com a influência

da ‘nova’ cognição de forma a estimular funções superiores como memória e

linguagem; gerenciando (e corticalizando) a ascensão (e solidificação) de

diferentes comportamentos e emoções, advindas das ‘modernas’ maneiras de

se construir relações educativas, sociais e pessoais.

Mas é preciso ter cuidados extras: ainda nos tempos de hoje, mais

tecnológicos e velozes, parte dos aprendentes absorve o fluxo de informações

com mais lentidão do que outros ou prioriza certos instrumentos em detrimento

outros, dependendo das suas formas de contato ou necessidades. De acordo

com Relvas (2012), os primeiros são os cérebros ‘lentiuns’; e os outros, os

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‘pentiuns’, em uma analogia ás processadores dos computadores. Ou seja,

diante de um contexto educacional com pretensão de gerar mudança de

comportamento, inclusive cognitivo, ainda que muito tecnológico, os ritmos

neurais e emocionais estão/são diferentes ou como afirma Baumann (2011)

mais ‘líquidos’.

Há, em sala de aula, diálogos de tempos muito diferentes sempre, hoje,

recrudescidos pela ampliação do número de informações (e práticas) as quais

os aprendentes são expostos antes (e mesmo durante) do processo de

formação ‘humana’. Em sala, digladiam-se valores, desejos, emoções,

informações e aprendizados de tempos diversos. Muitas vezes, por isso, há

uma desarmonia, por exemplo, nas construções afetivas, hoje, entendidas, pelo

estudo neurocientífico, como pontas de lança ao processo de desenvolvimento

da aprendizagem significativa.

Cada vez mais a abordagem neurocientífica do aprendizado é entendida

como um sistema de referência teórico para práticas educacionais para além

das ciências biológicas e está decisivamente construindo olhares (alicerces)

mais focados nas formas de aprender dos aprendentes, principalmente porque,

hoje em dia, ao mesmo tempo em que se percebem modificações no circuito

cognitivo e da memória, já se entende que o aprendizado varia de acordo com a

perspectiva de quem o descreve.

Neste sentido, neste momento desta pesquisa, duas reflexões são

importantes: a ‘neurociência do aprendizado’ é entendida como o processo

cerebral em que o cérebro reage a um estímulo, o que envolve percepção,

processamento e integração da informação; e o olhar dos educadores que

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consideram o mesmo aprendizado, um processo ativo que leva à aquisição de

conhecimento, o que por sua vez acarreta mudanças duradouras, mensuráveis

e específicas de comportamento.

Mesmo assim, não se pode descartar a ideia de que, no século XXI, os

aprendentes estão se comportando diferente. Mesmo em seu dia a dia fora da

escola, os aprendentes assimilaram outras características por causa de suas

intensas imersões conectivas no mundo virtual e isso não pode ser banalizado

ou esquecido. Há peculiaridades cognitivas, emocionais, sociais e culturais

acontecendo a olho nu e isto precisa ser identificado, discutido e modificado

pelos responsáveis pelo ensino e aprendizagem porque há uma geração se

sentindo muito livre, muito autônoma, muito ‘senhora de si’ tendo em vista as

posturas tomadas diante, por exemplo, de seu excessivo tempo em frente á tela

de um computador. Além disso, é uma geração mais solta no mundo mais real e

este se tornou o campo das liberdades quase sem limites e consequências.

No campo educacional, o ‘ensinar’ tradicional começa a cair em desuso

(porque visa formação heterogênea) e precisa ser repensado quase

urgentemente. De acordo com Relvas, (...) se existem várias maneiras de

aprender pelos circuitos neurais, têm-se diferentes maneiras de ensinar (2012,

p. 55). E na relação com os aprendentes, estas outras maneiras de ensinar

iniciam-se pelo sentir e perceber os pontos pelos quais o educador deve incidir

suas propostas e sua mediação.

Professores hoje são estimuladores e cultivadores de potencialidades e

de inteligências sejam elas quais forem. Então a ideia é entender melhor como

se dá o desenvolvimento biopsicossocial dos aprendentes e para isso

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estabelecer aproximações afetivas mais constantes, mudar um pouco o próprio

comportamento pessoal e adquirir estratégias de mais acolhimento.

Neste ínterim, o conteúdo começa a ser visto simplesmente como ponta

do iceberg educacional. Questões como ‘como o aprendente aprende?’ ou ‘de

que forma ele aprende?’ passam a ter grande importância à criação das

práticas de ensino porque principiam pelo estabelecimento do afeto, da

confiança, da amistosidade e da sinceridade.

Porém uma pergunta ainda tem muita força atualmente: será que o

professor sabe mesmo como seu aluno aprende? Para responder a estas e

outras perguntas relacionadas, antes é preciso observar, entender e estimular a

vontade de aprender tendo como resultado a ativação da ação de atenção ao

conteúdo exposto ou às atividades solicitadas. Tronco encefálico, sistema

límbico e córtex pré-frontal precisam ser ativados constante e integradamente.

É dar consciência ao que ainda é desejo ou expectativa ou esperança:

aprender.

Mas, pelo que se percebe (e é voz recorrente), o aprendente parece não

ter vontade de aprender. Na maioria dos casos, ele tem tudo, tudo é fácil,

rápido. É a era do “tudo ao mesmo tempo agora”; ou como diz Relvas (2012), é

a era do ‘fast food’ em que tudo pode em nome da tranquilidade e do pouco

trabalho, tanto na família, quanto na escola; ou ainda, é a era do “cérebro de

recompensa”, em que tudo que é solicitado ao aprendente precisa de um

retorno, um lucro, algo material ou físico que estimule à vontade de realizar, de

fazer, não apenas de aprender. E é preciso refletir sobre isso também diante

das tantas demandas impostas a este educador no cotidiano de sua profissão.

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Nos primeiros movimentos de ensinar há uma sensação insólita porque

se estabelece a desconfiança de que não se sabe nada. Medo, desconforto,

ansiedade, estranhamento, primeiros passos de um professor no mundo real da

sua profissão. Mas é preciso dar ‘conta do recado’. Não dá para ‘fugir da raia’.

Tantas tendências pedagógicas, tantas teorias da aprendizagem, precisam

ajuda-lo neste processo de transição. É preciso usar o cérebro. Sem o cérebro

não há aprendizagem nem educação. Este é o principio básico do processo de

aprender\ensinar de maneira significativa, desafiante e interessante para ambos

os atores educacionais.

Nesta perspectiva, estudar continuamente é imprescindível. E diante da

percepção de que há novas formas de cognição acontecendo, por exemplo,

áreas de saber como biologia, anatomia e fisiologia não podem mais ser

encaradas como conteúdos estanques ao cotidiano dos aprendentes. Elas

apresentam princípios básicos para que o educador compreenda melhor a

cognição e a emoção do seu aprendente quando em aprendizagem. É possível

reconhecer as regiões o cérebro em que estão envolvidas as funções

cognitivas, por exemplo, como leitura e cálculo; entender a importância do

reconhecimento dos mecanismos cerebrais que subjazem as habilidades que

os aprendentes devem adquirir efetivamente; e, principalmente, compreender

as razões biológicas dos comportamentos, mesmo dos chamados ‘desvios de

conduta’.

Esta ação mudará o curso da aprendizagem e do desenvolvimento

integral do aprendente de maneira significativa porque outras dinâmicas

entrarão no conjunto de recursos pedagógicos possíveis em sala de aula. Esta

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ação atrairá o primeiro ponto no qual um professor deve se pautar quando tem

a intenção de ensinar: o interesse. Aprendentes interessados, aprendizagem

acontecendo, cérebro em forte plasticidade. Ou seja, de acordo com Relvas

(2012, p.21)

“O cérebro humano é constituído por dois hemisférios que se complementam. Então, quando estimulado, elabora comandos e respostas, por meio dos circuitos neurais. Por isso, ‘desafiar’ o cérebro é estimulá-lo por uma aprendizagem criativa”.

Atividades lúdicas (diferentes), dinâmicas de grupos temáticas, projetos

interdisciplinares, visitas técnicas etc., estimulam conexões sinápticas diversas

e a mutabilidade cerebral, tudo incorre numa plasticidade neuronal que, no

mínimo, transforma comportamento. Daí haver uma crescente pressão para que

a neurociência passe a fazer parte da formação docente: educador tem o papel

de mediar o processo de aprendizagem, pois com isso altera o funcionamento

do cérebro, principalmente, no campo cognitivo e emocional.

3.1- Novas tecnologias e Neurociência

Com aprendentes do século XXI é óbvio que, dentre tantos recursos, as

novas tecnologias devem ser incluídas dentre os recursos interventivos da

aprendizagem. Elas pertencem ao contemporâneo, ao cotidiano e à realidade,

principalmente daqueles nascidos a partir da década de 80. Elas integram os

recursos pedagógicos porque renovam (por afinidade) a sensação de

pertencimento dos próprios aprendentes no processo de realização das

atividades de ensino. Mas não se deve esquecer que o cérebro é tecnologia

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primeva humana. É o órgão do movimento, da aprendizagem e do

conhecimento. É mutável diante da relação com o mundo externo. Logo ensinar

(enviar um estímulo) aos aprendentes é propor confrontos com informações

pré-conhecidas instaladas na memória a fim de torná-las relevantes no âmbito

da relação de ensino e observar como estes se estabelecem como ferramenta

de integração social. É preciso capacitar os aprendentes a (re)construir os

significados atribuídos a essa realidade e a essa relação (ANTUNES, 2007) .

Na possibilidade de uma prática de ensino mais focada num

conhecimento prévio, até os aprendentes podem se aproveitar do processo, ou

seja, como parceiros do ensino e agentes da própria aprendizagem, podem

conhecer o funcionamento do próprio cérebro e mudar sua visão sobre

aprendizagem ou sobre porque estão na escola. É também uma forma de se

criar autonomia e autogerenciamento da informação em conhecimento.

Para muitos deles ainda, o espaço da escola é igual a um parque de

diversões: serve para mil socializações menos estudar. E por quê? Porque

encontram um cotidiano escolar sempre igual: chegar, sentar, copiar, fazer

exercícios de fixação e ir embora. Que sentido tem isso? Quase nenhum. E

pior, na maioria dos casos, em três ou quatro horas, é chegar, sentar, copiar e

fazer exercícios de fixação de duas ou três áreas do saber diferentes e ir

embora. Nada disso se relaciona com a aprendizagem em si mesma. Nada se

estabelece na memória de longa duração, gerenciada pelo hipocampo e pela

amígdala, de forma a mudar comportamento.

Porém, na medida em que são apresentados aos porquês das suas

posturas, atitudes e comportamentos através de determinadas funcionalidades

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do cérebro ou realizam reflexões sobre os próprios comportamentos e/ou

pensamentos (certezas), os aprendentes podem deixar de acreditar que

apresentam certas dificuldades (estigma que carregam, muitas vezes, por

causa da fala constante dos ‘mais velhos’ sobre eles) e se esforcem por

aprender individualmente ou em grupo. Neste momento sim, diante da reflexão

e do trabalho em grupo, pode-se articular o cérebro de recompensa. Neste

momento sim, pode-se introduzir valores como moral, ética, solidariedade,

equilíbrio, respeito e educação para consigo mesmo e o outro.

3.1.1- Gerações-aprendentes diferentes

Os sujeitos-aprendentes não mais se satisfazem em acessar ou agir em

processo ‘pré-fabricados’ do começo ao fim. Não são passivos e assíncronos;

têm interesses próprios e chegam às escolas já seduzidos por um mundo

midiático em diferentes ambientes. A sedução está na possibilidade de

reinventar a arquitetura virtual no ambiente educacional, de acordo com um

coletivo. A sedução está no nível de sinergia e de interatividade permitidas e

incentivas no período escolar de aprendizado.

Em sala de aula, no envolvimento afetivo, muitas representações se

estabelecem e se esclarecem pelos vínculos e vivência no grupo escolar. Ao

mesmo tempo ambos contem em si mesmo apropriações emocionais, materiais,

psicológicas e culturais diferentes cujo ‘tempero’ (trocas simbólicas e/ou reais)

gera novos desafios emocionais e novas aprendizagens conteúdisticas. Há uma

sensação de pertencimento.

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Do vínculo o que se constrói é o apego. Do apego, um modus operandi

em que, mesmo os aprendizados, as relações adaptativas e assimilativas dos

sujeitos junto às informações se dão dentro de dinâmicas e estratégias

reconhecidas porque já experimentadas (vividas). É quase uma ritualização de

lembranças e esquecimentos (memória) em parceria com os elementos

constitutivos do patrimônio mnemônico sociocultural. E estes, quando tratados

de maneira focada e agradável dão novos significados aos objetivos iniciais de

quaisquer práticas de ensino. Ainda assim, na cena pedagógica, ‘sotaques’

geracionais diversos.

Mesmo hoje, na convivência de duas gerações, no caso, em sala, há

uma memória que remete a um passado, muito presente e necessária, e em

processo de adaptação; e há uma memória que se processa na relação com o

presente, como forma de assimilação. A convergência é pulsante e dá equilíbrio

ao desenvolvimento das relações e inter-relações. E a perspectiva é dar

significância às proximidades e a cada contato, mesmo reconhecendo as

diversidades e respeitando as subjetividades.

Há um mapa mental7 que só se modifica (por acréscimo) lentamente, ou

melhor, com muita reflexão, análise e atenção, porque atinge

“... numerosas funções cognitivas humanas: memória (banco de dados, hiperdocumentos, arquivos digitais de todos os tipos), imaginação (simulações), percepção (sensores digitais, telepresença, realidades virtuais), raciocínios (inteligência artificial, modelização de fenômenos complexos)” (LEVY, 2003, p. 157).

7 Segundo Ontoria (2004, p.25), “O mapa mental é um recurso que canaliza a criatividade porque utiliza as habilidades a ela relacionadas, sobre tudo a imaginação, a associação de idéias e a flexibilidade [...], é reflexo gráfico e externo do pensamento irradiante e criativo a partir de uma imagem central. [...] representa uma realidade multidimensional”.

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Neste sentido, já não se pode comparar os cérebros com um

computador. Neste mundo de convergência intensa e de adaptações não

menos radicais, ele (computador) se torna uma mera ‘máquina de escrever

sofisticada’ e a Internet, um espaço de acesso mais rápido e fácil de encontro

com a informação: se comparado com a capacidade e nas relações complexas

ocorridas na memória humana.

Neste momento do trabalho, a memória está sendo entendida como a

capacidade de reter múltiplas informações e (re)transmiti-las às novas gerações

através de diferentes suportes empíricos e hipertextuais, como voz, música,

imagem, texto etc. Ela é um identificador do patrimônio cultural de cada um ou

do coletivo e é também um fator extremamente importante do sentimento de

pertença de uma pessoa em um grupo como maneira de reconstruir-se.

Porém, com o tempo, a memória torna-se livre e fortemente seletiva. Seu

trabalho de organização das informações, documentos de uma época, torna-se

mais exigente e menos propensa a especulações e probabilidades de uma

cultura em ascensão. Esta exigência (quase resistência) é que vai distinguir

formas de apropriação das duas gerações que se conectam no século XXI.

Contemporaneamente, a facilidade e rapidez dos meios de comunicação

muito relacionados às influências das tecnologias informáticas estabeleceram

um aumento das informações cujo acesso pode ser feito em diferentes

suportes. Este volume de informações aumentou o nível de ansiedade humana

quanto ao consumo de informação. Os professores são afetados por este

movimento acelerado e se sentem dissociados, no sentido de perceberem que,

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apesar das suas expectativas, não têm tempo para apreensão real de todas as

informações ou mesmo de todas as exigências do novo tempo.

Esta visão ansiosa (ou dissociada) diminui o cuidado seletivo em relação

às suas estratégias de ensino, ainda que esteja preso ao movimento de

reorganização cognitiva da geração nascida imersa no ciberespaço. Não se

deve entender que haja uma forma acrítica de assimilar as informações, de

recusar os avanços tecnológicos, ou de desconhecimento técnico, mas deve-se

acreditar numa condição mnemônica natural daqueles que nasceram tendo as

tecnologias da informática como parte da cultura, e uma condição adaptativa

(reflexiva) daqueles que antecederam estas mesmas tecnologias.

Professores têm uma memória sociocultural que os identifica com um

determinado tempo, senão pelas ferramentas de que se cerca para empreender

aprendizagem, pelo conjunto teórico ao qual tem contato em sua formação

profissional. Ambas tornam-se suas marcas intrínsecas. Segundo Stuart Hall

(2000), as ferramentas tecnológicas da informática “não são ‘coisas’ com as

quais [os professores] nascem, mas são ‘coisas’ formadas e transformadas no

interior / processo de representação [e de ensino]”.

Toda a questão do diálogo entre Educação e Neurociência, do diálogo

entre professor, planejamento e aprendentes, é uma questão de esforço diário

para a conquista da qualidade do ensino e de pessoas melhores e mais bem

integradas em sociedade. E tudo se dá no cérebro.

O cérebro é estruturado para ser capaz de processar as informações e

assim ser educado. Ele é fiel escudeiro de acordo com Relvas (2012). E diante

de determinadas dificuldades, se apresenta com ativação compensatória em

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regiões cerebrais normalmente sem ligação com a própria dificuldade. É um

sistema integrado de informações e emoções, cuja excitação provoca

alterações em múltiplas regiões.

Psicologia, neurociência e pedagogia juntas visam transformar a prática

de ensino pelo conhecimento científico. Questões como o que é importante

saber, quem está preparado para ensinar, quem deve ser ensinado e de que

maneira inquietam educadores desde sempre ganham força em discussões

pedagógicas, palestras e publicações em geral.

Antes de quaisquer rotulações ‘neuro’, o momento da educação é de

aproveitamento dos novos conhecimentos sobre o cérebro na prática da sala de

aula. E, como principio, é preciso rever as teorias da aprendizagem

(principalmente Piaget, Vygotsky e Wallon) e alguns temas caros ao campo

educacional como prática de ensino, projetos pedagógicos, planejamento e

avaliação.

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CAPÍTULO IV

PROJETO MPB: Experiência Emocional

“Se fizermos do projeto uma camisa de força para todas as atividades escolares, estaremos engessando a prática pedagógica.” (ALMEIDA, 2001)

Em sala, a mente humana. Em sala, jogos afetivos diversos. Em sala de

aula, necessidades e expectativas diferentes de aprendizado, de emoção e de

desejos. Mesmo em franco processo de transformação, diante da integração

das novas tecnologias no cotidiano educacional, a sala de aula persiste com

seu diagrama tradicional: professores transmitem e alunos escutam.

Paulo Freire passou a vida apresentando e construindo uma realidade

escolar em que, como ponta de lança das dinâmicas pedagógicas, estava o

entendimento de que uma ‘sala de aula’ se faz em parceria com o aluno e o

aprendizado acontece através de desafios cognitivos e atividades lúdicas e

prazerosas dentro um objetivo claro: desenvolver autonomia e

autogerenciamento da aprendizagem. E estes são favorecidos (e aprofundados)

pelos desafios e mediações docentes.

Porém ainda hoje se luta contra o comodismo docente e a criação de

práticas confortáveis que, em grande maioria, desrespeita a gama de

informações que o aprendente traz à escola. A ação de ensinar torna-se

elemento do âmbito dos desejos discentes ou do imaginário docente, ainda que

as teorias da aprendizagem tenham muitos teóricos revolucionários que

pensaram a sala de aula e a cognição dos aprendentes sendo estabelecidas

por elementos simples como: afeto, colaboração, trabalho e solidariedade.

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No setor da educação, embora muito esquecido, ‘tornar-se pessoa’ (de

Carl Rogers), tornar um aluno integrante de uma sociedade, um cérebro sócio-

emocional proativo, não pode ser esquecido ou descartado porque é a real

missão docente. Além de Rogers, autores como Kilpatrick, Freinet, Dewey,

Wallon, Ausubel, Vigotsky, Morin, Delors e Paulo Freire, cada um em seu

tempo, e do seu jeito, vislumbrou o conceito da qualidade de ensino, tão

decantado nos dias atuais, focado num destes conceitos ‘simples’ e em um dos

quatro pilares da educação: o aprender fazendo. É colocar em uso real as

aprendizagens e as relações (emoções) construídas nos tempos de escola: é

instrumentalizar para integrar e provocar novas conscientizações sobre como

agir no mundo atual através da prática do aprendizado.

Atualmente esta vertente tem sido revisitada pelos estudos

neurocientíficos, quando relaciona aprender com desafios cognitivos

emocionais cujo foco é a mutabilidade dos caminhos neuronais intensamente, o

que possibilitaria mudanças de comportamento; e aprender com a utilização de

práticas de ensino que deem significado às informações já conhecidas

(fortificação da ação da bainha de mielina) e provoquem assimilações reais às

informações novas (ampliação da ação das células gliais).

Diante disso, não há novidade no mapa estratégico da ação de ensinar.

Práticas de ensino e estudos neurocientíficos revivem, na prática, o que

Maturana e Varela chamaram de ‘autopoiesis’, ou seja, em que se compreende

o cérebro como parte de uma estrutura através da qual a cognição opera, mas

que não é a única estrutura responsável pela construção do conhecimento, logo

o aprender resultará da história das interações recorrente, das convivências

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sociais estabelecidas, das sinergias articuladas e da transformação estrutural

do próprio aprendente tanto no contexto escolar, quanto no contexto

biopsicossocial. São cérebros em mutabilidade constante de todos os seus

sistemas devido à apreensão de novos estímulos e a possibilidade de vivenciar

sua praticidade (é a significância de Ausubel) no cotidiano.

Freinet investiu no aprender fazendo pelo trabalho. Paulo Freire pela

proatividade. Vigotsky pelo interacionismo. Wallon pela afetividade, Dewey e

Kilpatrick pela pedagogia de projetos. Hoje se apresentam (e se misturam)

autores como Edgar Morin, Roberto Lent, Marta Relvas, Renato Sabbatini, Jo

Furlan, Suzana Herculano dentre outros com a Neurociência estabelecendo

pontes no campo educacional e sua possibilidade como plataforma para uma

releitura tanto da ação de ensinar (práticas de ensino), quanto da ação de

aprender.

Desta forma, as práticas de ensino, envolvendo atividades e projetos

(colaboração e solidariedade), ganham uma nova especificidade no campo

tanto das funções executivas cerebrais, quanto no desenvolvimento emocional

dos aprendentes. É preciso oferecer aos aprendentes condições e oportunidads

para o acesso às informações e posteriormente ao conhecimento. Daí faz-se

necessário repensar urgentemente a prática pedagógica docente, com o intuito

de inovar. E essa inovação refere-se à estimular a capacidade de refletir, tomar

decisões e exercer a cidadania. A permanência (insistência?) da rotina das

ações pedagógicas e a linearidade do contexto escolar então são percebidas

como ‘venenos’ aos cérebros aprendentes sempre muito ‘plásticos’ e

emocionais.

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A pedagogia de projetos (uma ferramenta pedagógica) torna-se um meio

viável para que o docente repense sua prática de ensino como prática de vida,

com a vida e para a vida. Ao se entender efetivamente que ‘projetar’ é lançar-se

a frente da rotina, do ‘já sabido’ e do cotidiano; ao se entender que trabalhar

com projetos integrar a oportunidade de participar, formular, adquirir e construir

conhecimento; entende-se também, como Gadotti (2000) que projetar é pensar

num futuro diferente do presente. E para pensar num futuro parte-se de uma

intenção (objetivo) cuja composição ditará as escolhas das etapas a serem

desenvolvidas e os recursos a serem usados no percurso de realização do

projeto.

Segundo Hernandez (1998), a pedagogia de projetos caracteriza-se pela

escolha de um projeto mobilizador que se baseia nas necessidades e nos

interesses de um aprendente ou de um grupo de aprendentes, tendo o

professor como mediador ao longo de todo o processo de ensino e de

aprendizagem. Logo merece consideração, pois dá significado a aprendizagem

do aprendente pela forma de ensinar, tendo em vista que:

“o aluno que compreende o valor do que está aprendendo, desenvolve uma postura indispensável a necessidade de aprendizagem. Assim, o professor planeja as atividades educativas a partir de propostas de desenvolvimento de projetos com caráter de ações ou realizações com objetivos concretos e reais: montar uma empresa, organizar um serviço de saúde, debelar uma crise financeira da empresa, identificar problemas em processos diversos, elaborar uma campanha educativa, inventar um novo produto e planejar sua comercialização” (p.56)

Com a introdução dos estudos neurocientíficos sobre a

neuroplasticidade, as articulações neuronais e as funções do sistema límbico,

tem-se criado ‘divisores de águas’ em termos de percepção das dificuldades

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das aprendizagens, dos comportamentos (condutas), dos manejos cognitivos e

mesmo de muitos transtornos psicossociais, na dinâmica da realização de

diferentes atividades ou projetos. Segundo a Relvas (2012)8,

“a neurociência permite conhecer um pouco do funcionamento do cérebro e como ocorre a aprendizagem, e pode ajudar na tarefa de desenvolver metodologias mais eficientes para despertar no aluno o interesse de aprender a matéria e pelo [próprio] aprendizado. O ato de aprender é inato do ser humano. O aprender é biológico, mas a relação de aprendizagem é afetiva. É preciso que exista uma motivação, um interesse”.

Particularmente, neste trabalho, teve-se o cuidado de, para justificar a

escolha da metodologia e do ponto de análise, antecipadamente apresentar

alguns esclarecimentos teóricos considerados pertinentes para o entendimento

deste momento da pesquisa, a saber: a percepção da mudança de paradigma

com a crescente aceitação e introdução da neurociência das práticas de ensino;

o contexto histórico dos estudos neurocientíficos, esclarecendo a que ponto

chegou-se no entendimento deste órgão – o cérebro – tão curioso e cheio de

complexidades intrínsecas e adaptativas; a biologia dos comportamentos

neuronais dentro do sistema nervoso, envolvendo múltiplos sistemas internos,

de acordo com o input e output de informações, como forma de se compreender

as ações possíveis de acontecer em sala de aula e no projeto a ser analisado

aqui; e o contexto educacional envolvido com as novas tecnologias

reacendendo a ideia de que aprendentes e ‘ensinantes’ estão em relação na

sala de aula, mas ambos são formados de informações de/em tempos

históricos diferentes.

8 Relvas, Marta. NEUROCIÊNCIA: uma aliada do trabalho do professor nas escolas. Entrevista. Caderno Educação: Folha Dirigida, de 23 a 29 de outubro de 2012, p. 07.

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Deste ponto em diante, a importância do campo das emoções será

considerado o campo das práticas pedagógicas mais significativas. Ratifica-se a

ideia de que as emoções (sistema límbico como um todo) estão presentes

sempre em todos os ambientes, já que se trabalha com seres vivos HUMANOS

e essas precisam ser constantemente observadas e ‘trabalhadas’ caso o

professor deseje uma formação de qualidade aos seus alunos.

A prática pedagógica escolhida relaciona-se a um projeto educacional

desenvolvido numa escola do subúrbio do Estado do Rio de Janeiro, com duas

turmas do último ano do Ensino Médio, turno da noite, dentro da temática MPB,

na área de saber: Literatura Brasileira.

Neste espaço escolar específico, em diferentes situações, aos

aprendentes são impugnados estigmas de todos os tipos: lentos, incapazes,

baixa autoestima, desatentos, aculturados, inconstantes etc., em consequência,

eles já chegam à escola (e à sala de aula), desmotivados e/ou conformados,

ainda que se percebam de forma diferente e apresentem, como quaisquer

aprendentes, múltiplas expectativas quanto à aprendizagem e às futuras

interações, principalmente, no mundo do trabalho.

Os aprendentes, público-alvo deste trabalho, se apresentam

emocionalmente disfuncionais tanto em relação à cognição (aquisição de um

conhecimento, percepção), quanto em relação à afetividade (conjunto de

fenômenos psíquicos que se manifestam sob a forma de emoções).

Em sua grande maioria, suas dificuldades de aprendizagem não se

devem a lesões de quaisquer tipos ou à incidência de fatores orgânicos, elas

são frutos da falta de qualidade e oportunidade de vida pessoal nas relações e

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interações ‘fora da escola’ (sócio-econômicas), elementos que trazem

problemas educacionais em seus processos de formação cognitivos-afetivos

anteriores às solicitações docentes sobre quaisquer atividades de ensino.

Para desenvolver o projeto partiu-se das seguintes premissas: não há

aprendizagem sem estimular e desafiar o processo cognitivo-afetivo; sem que

as relações humanas se tornem a essência do conhecimento; sem intenso

processo de interação com o meio social, através da mediação entre partes

minimamente semelhantes; sem apropriação significativa das informações

através de atividades interessantes cujo objetivo seja a autonomia da vontade

de aprender (motivação); e, por fim, sem emoção e/ou afetividade no trato entre

subjetividades (singularidades?) e os conteúdos.

Não há aprendizagem sem mudança de comportamento. As informações

adquiridas, quando significativas, geram e propagam múltiplas sinapses, já que

o cérebro, como afirma Relvas (2012) “possui grande plasticidade, sofre

alterações constantes que [só] ocorrem quando estimulado, e a partir destes

estímulos os aprendentes aprendem”. Logo envolver o currículo num projeto de

ensino pautado em eixo temático que vá de encontro a determinados problemas

ou interesses sociais do cotidiano do aprendente é envolver cérebros em

emoções vivenciais que provoquem reestruturas sinápticas e enriquecimento da

bagagem informacional de todos os envolvidos no processo.

Nesta perspectiva, não há separação entre a vivência dos campos da

cognição e da emoção, e estas vão acontecer por causa das experiências

vivenciadas com outros sujeitos cujo objetivo (outra vez) seja conferir às

informações (ou conjunto de informações) um sentido afetivo, surpreendendo

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formas de cognição conhecidas e dando qualidade ao que se aprende. No

processo de internalização, enfim, estão envolvidos não só os aspectos

cognitivos, mas também os afetivos (emocionais). Para aprender é preciso

sentir o contexto e as ações como reais e importantes, item fundamental para

ampliação das funções superiores do cérebro como memória e linguagem.

Uma sala de aula estimulada é uma sala de aula com cérebros

realizando conexões neurais com ritmo e repetições (associações) densas e

múltiplas, o que leva tanto o professor, quanto os alunos a transformar seus

caminhos cognitivos e a construir vínculos afetivos. São momentos em que se

instauram comunicações emocionais que incentivam a continuar ensinando e

aprendendo.

Neste sentido é possível descrever e analisar mudanças cognitivas e de

comportamento nos cérebros discentes. Mas é preciso que os docentes tenham

coragem para mudar, desmistificar seus olhares e promover menos rótulos ou

estigmas já que aprender é a voltagem que as informações precisam para

surpreender a realidade com criatividade.

Um projeto educativo é um projeto que deve levar o aprendente a pensar

sobre determinados temas ativamente. E pensar ativamente é estimular os

hemisférios e os lobos cerebrais a encontrar informações na memória agindo na

realidade como elemento transformador da própria realidade. Pensar

ativamente é aceitar a ideia de que os aprendentes são singulares em suas

experiências e participantes ativos na construção dos próprios saberes e não

meros ouvintes dos conteúdos transmitidos. Logo, o educador, ‘capitão’ dessa

navegação aprendente, apresenta-se como um otimizador de neurônios com

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potencial para aprender, um condutor do aprender a aprender, enfim um

incentivador do aprender a ser, a conviver e a fazer, apresentados por Jacques

Delours, em sua ‘Pedagogia para o Século XXI’, com respeito às habilidades

cognitivas e emocionais tão singulares.

No século XXI, com a neurociência, deve-se ter atenção às palavras de

Antônio Damásio (2011) e Joseph LeDoux (2001). O primeiro afirma que os

sentimentos e as emoções são uma percepção direta dos estados corporais e

constituem um elo essencial entre o corpo e a consciência; já, o segundo

compartilha a premissa de que os processos cognitivos e os processos afetivos

são indissociáveis, já que o sistema da amígdala administra a memória

emocional inconsciente, enquanto o hipocampo proporciona a memória

consciente de uma experiência emocional. Logo ensinar e aprender tornam-se

ações transformadoras e inovadoras dos caminhos neurais e emocionais no

intuito de se criar sujeitos aprendentes que, pelo menos, respondam ás

exigências da sociedade em diferentes campos.

Como a aprendizagem depende de práticas de ensino bem planejadas e

com foco em objetivos mais realistas, também depende de um desenvolvimento

cognitivo e afetivo focado na construção de aprendentes, íntegros e integrados

ao mundo atual, com informações neuronais de qualidade. Sendo assim, é

impossível, num projeto educativo, agir no campo cognitivo (córtex pré-frontal)

num momento, e noutro, no emocional (amigada e hipotálamo).

Sentimentos e processos conscientes são parecidos e ambos são

gerados por processos inconscientes, e a influência das emoções sobre a

razão, segundo LeDoux (2001), é maior do que a razão sobre as emoções. A

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corticalização dos conteúdos é fruto de uma energia emocional em expectativa

e em potencia de aprender sempre.

Neste caso, num projeto educativo, cuja colaboração entre equipes

discentes é primordial, obrigatoriamente devem ser levadas em consideração a

memória e atenção desenvolvidas ‘fora da escola’ em determinados contextos

do ensino do conteúdo em si, aqui no caso, a Literatura Brasileira. Há

informações pré-existentes e há maneiras particulares de assimilação, logo,

para dar sentido às etapas do projeto, é de praxe escutar o discente e

aproveitar seu conhecimento prévio, afinal o processo de construção do

conhecmento nunca partirá ‘do nada’ ou do vazio.

Dentro do suporte neurocientífico, o professor então deve observar,

entender e criar práticas que estimulem, além dos canais sensoriais, os

neurônios (e suas sinapses), hormônios e glândulas aprendentes com ritmos e

repetições diferenciadas constantemente. Mas a neurociência “não pode ser

vista como remédio que resolverá todos os problemas da Educação, ou, como

uma teoria, onde tudo pode ser generalizado” (RELVAS, 2012)9, o educador

não deve fornecer um kit pronto e acabado das ferramentas pedagógicas a

serem utilizadas no desenvolvimento do projeto.

Tanto a neurociência deve ser entendida como “aliada para entender

como a aprendizagem ocorre no cérebro e de que maneira são guardados os

saberes e conhecimento” (RELVAS, 2012)10, quanto o professor deve pôr ao

alcance dos aprendentes, um conjunto de ideias e possibilidades de acesso às

informações para a realização e finalização do projeto sem grandes

9 Igual nota 08.

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interferências. Isso sem esquecer que adequações serão necessárias e que

muitas emoções estarão presentes.

A neurociência, a partir do entendimento do sistema nervoso, oferece-se

como mais uma fonte plena de possibilidades de observação e transformação

dos comportamentos cognitivos-afetivos dos aprendentes, neste trabalho, do

Ensino Médio em Literatura Brasileira, diante de práticas de ensino mais lúdicas

e interessantes.

4.1- PRÁTICA DE ENSINO e de sentir: em cena, os cérebros.

“O hipótese de trabalho mais fundamental da Neurociência é que o que somos, fazemos, pensamos e desejamos é resultado do funcionamento do sistema nervoso e sua interação com o corpo. [Diante da visão de inclusão], inclui-se todos, pois estuda a relação cognitiva, motora, emocional e afetiva de comportamentos humanos na sala de aula” (RELVAS, 2012)

Algumas observações iniciais: parte do movimento de ensinar depende

do preparo técnico-emocional do professor. Sem um autoconhecimento no

campo das emoções, ser professor será reproduzir tantas teorias e técnicas

reconhecidas sem realmente pensar sobre o que seja ser um professor hoje.

Formação teórica e integração das novas tecnologias ao conjunto de recursos

pedagógicos secularmente conhecidos não bastam mais para que se identifique

ou se reconheça um professor ‘antenado’ com o século vigente e que sabia

criar vínculos fortes com os chamados ‘nativos digitais’, ou seja, apontar

caminhos de aprendizagem apenas com o estofo técnico é uma ação

fragmentada.

10 Igual nota 08

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Mesmo em tempos mais tecnológicos do que humanizados ‘praticar o

ensino’ é desafiante e se apresenta, ainda hoje, como uma aventura cujos

melhores momentos se estabelecem no processo e não em seu fim. O que se

recomenda são práticas de ensino interativas, participativas, autênticas e

produtivas, e que estimulem os aprendentes tanto à proatividade e à autonomia

quanto à construção do próprio conhecimento. É entender e estimular novos

jeitos de aprender, de se expressar, de pensar e de agir, tendo como prioridade

aspectos sensoriais, intelectuais e tecnológicos.

Diante disso um novo princípio: ensinar é ir além dos pressupostos, dos

preconceitos e dos estereótipos, e reorganizar-se pedagogicamente para

reconhecer e superar obstáculos e entraves que dificultam a possibilidade de

surgimento de um novo conhecimento e de questionamento diante de quaisquer

novas concepções ou teorias. Ensinar é alterar as ações do sistema nervoso no

cérebro e no corpo.

Hoje, com a neurociência, é possível desenvolver um olhar de reforço

(reabilitação) das estratégias já reconhecidas na medida em que torna possível

também, não só saber quando o aprendente aprende, mais como este

aprendizado se processa e, com isso, de que forma pode ser estimulado.

Estudos neuropsicológicos indicam que a velocidade de processamento da

informação no cérebro humano aumenta de maneira substancial no final da

infância e no início da adolescência e esta mudança estaria relacionada com o

desenvolvimento de diversas capacidades emocionais. Logo, ao preparar o

ambiente de aprendizagem discente, o docente deveria saber, além do seu

conteúdo, que o amadurecimento do córtex pré-frontal e de outras regiões

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corticais ocorre na adolescência e este propicia a evolução da memória de

trabalho, o aprofundamento do raciocínio abstrato, a melhora da capacidade de

atenção e o gerenciamento de respostas emocionais.

Segundo a neurocientista Marta Relvas (2012)11, “a quantidade de

informações (conexões neurais) que um cérebro recebe não significa muito,

mas [sim] a qualidade delas. Para que os dados se transformem em

conhecimento, é preciso que eles façam sentido para a pessoa”. E segue: “não

adiantam currículos com excesso de conteúdos, pois a maior parte deles não se

transforma em conhecimento”. Para que se considere o ‘ensinar’ como eficiente,

os conteúdos teóricos devem ser associados a atividades práticas interessantes

e esta a alterações comportamentais e sentimentais.

Antes de tudo, além do autoconhecimento emocional do docente e sua

própria mudança de comportamento diante disso, é preciso se construir um

diálogo franco com o mundo e outros jeitos de aprender em que todos possam

contemplar e/ou se integrar nas diversas esferas do social.

“Os professores têm de dar conta de ensinar uma grande quantidade de conteúdos aos alunos, tudo isso com prazo determinado. Trata-se de um ledo engano. Para que um aluno possa aprender, é preciso que o que é ensinado tenha relação com a vida dele” (RELVAS, 2012).12

Àquele docente que se refugia em práticas de sucesso ou práticas ‘de

sempre’ (tradicionais), há a perda ‘do bonde da história’. Hoje em dia, a prática

de ensino estimula o aprender a aprender, mas se consagra no saber e no

saber fazer; no pensar e no saber fazer pensar ou no pensa sobre o pensar

11 Reportagem “O Poder do Cérebro para o Aprendizado”. Folha Dirigida. Caderno Educação. De 02 a 08 de outubro de 2012, p.1. 12 Idem nota 11.

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(metacognição). Quem muda a educação é o docente e sua criatividade no

cotidiano e, por isso é o agente das mudanças no metabolismo cerebral,

mediador das interatividades e administrador do processo de reconstrução do

conhecimento em sala de aula.

Algumas palavras-conceito estão na borda desta engrenagem acelerada

pela introdução dos estudos neurocientíficos como autonomia, colaboração,

interatividade e afetividade. Isto torna o ambiente educacional agradável ao

aprendente e produz em seu corpo uma substância chamada serotonina, capaz

de gerar o prazer. E, com o prazer, também estão estimuladas a atenção, a

memória e a concentração. É o campo do córtex pré-frontal, encarregado de

gerenciar algumas das capacidades cognitivas humanas, dentre elas, a refinada

capacidade de planejamento racional e emocional.

Embora existam outros momentos da prática de ensino em que se

construam pontos de contato duradouros com a cognição discente, nada é mais

marcante do que o primeiro momento defronte a um docente e sua área de

saber. Como este é um momento mágico, de muita curiosidade, é também um

momento de muita dificuldade, logo a atividade relacional, desenvolvida de

forma prazerosa, tornar-se-á a base de onde o aprendente irá transplantar suas

próprias dificuldades e dar eficácia á transmissão dos impulsos nervosos. Nada

é mais estimulante (e motivador) do que um docente transmissor de

possibilidades, de sucesso, de esperança emocional e de confiança no fazer

educacional.

Antes mesmo da exposição de pontos de determinada área de saber, o

docente deve criar um ambiente de interrelações emocionais, afetivas e

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cognitivas. E dentro da neurociência, saber sentir, saber ouvir e saber olhar são

habilidades sensórias fundamentais. Os lobos temporais e occipitais em alerta

nos aprendentes dão a tônica da construção de um planejamento, da escolha

de recursos, da sábia participação de outros colegas no projeto etc., diante do

qual as competências emocionais devem ser respeitadas.

Mas nada é fácil diante da complexidade do ser humano em suas várias

dimensões. Diante de ações inócuas ou sem sentido, os cérebros são fiéis

escudeiros: em meio ao aprendizado, eles tendem a enfraquecer e eliminam

certas conexões irrelevantes e reforçam outras consideradas úteis por

intermédio da prática. Eles se ‘desligam’ do ambiente e convocam outras

memórias para ‘passar o tempo’. É o momento ‘desinteresse’ discente.

É preciso considerar o aprendente como possuidor de muitas linguagens

e usuários de várias outras. Diante dos docentes, está um sujeito

caleidoscópico cujo cérebro triuno13 de sistemas integrados é preciso atingir

com vários estímulos/ações de ensino diferentes, porém contextualizados. Ou

como afirma Herculano-Houzel (2012)14, os

“estímulos que a criança receber do ambiente, as dificuldades que encontrar e as adaptações que fizer para sobreviver vão definir os caminhos de seu desenvolvimento. Com o tempo, o cérebro gravará as conexões que produziram resultado de sucesso – como aprender a falar e a escrever -, enquanto aquelas ligadas a habilidades inexploradas, como a da música para alguém que não aprender a tocar nenhum instrumento, serão descartadas como ineficazes ou desnecessárias”.

13 O cérebro trinuo é constituído do cérebro primitivo (repetiliano, arquipálio) = preservação, agressão; do cérebro intermediário (paleopálio) = sistema límbico (emoções), também bordolímbico = comanda a ‘grande inteligência’; e do cérebro racional (neopálio ou neocórtex) = tarefas intelectuais (lobos) = mamíferos superiores. 14 Idem nota 11.

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No espaço da sala de aula, há identidades culturais em expectativa de

transformação e esperando serem motivados. Como o mundo mudou,

mudaram-se os sujeitos, as práticas e as relações de ensino. E como o mundo

mudou, houve a emergência, já em processo de implantação, de uma nova

pedagogia que contenha novas práticas curriculares em torno do cotidiano

escolar. Como escreve Relvas (2012)15, “não só de Vygotsky e Piaget vive a

Pedagogia atual”. E como afirma o relatório “Compreender o cérebro: rumo a

uma nova ciência do aprendizado”, da Organização para a Cooperação e o

Desenvolvimento Econômico (OCDE),

“... o aspecto emocional é, em parte, responsável pela matriz cognitiva global presente nas crianças e nos adultos, e devemos levá-lo devidamente em consideração. (...) Temos negligenciado as análises das zonas associadas às emoções e à afetividade, cujo papel nas funções cognitivas não foi, até agora, reconhecido...” (CHABOT & CHABOT, 2005, p.12)

No século XXI, as práticas de ensino potencializam a possibilidade de o

docente a montar o quebra-cabeça do cérebro aprendente em seu processo de

aprender integralmente, mesmo se houver a percepção de que este mesmo

aprendente se apresenta com dificuldades ou transtornos diversos. O que não

pode haver é imobilismo docente baseado em preconceitos, pré-julgamentos e

senso comum. Tal fato só favorece aos mecanismos de exclusão.

Ainda assim, o cérebro, os sentidos e seu vertiginoso movimento nos

lobos cerebrais e hemisférios não podem perder de vista quem é esse

aprendente e qual é a realidade dele. E nisso algumas características devem

ser bem observadas porque são interferências sérias ao processo de

aprendizagem, a saber:

15 Idem nota 08

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• o nível socioeconômico;

• as formas de interação;

• os diferentes comportamentos;

• as condições sociopsicológicas;

• as questões de aptidão e esforço.

Antes de ser criativo, o docente deve ser um bom crítico de seu tempo e

dos seus aprendentes: pobreza ou miséria trazem dificuldade, obstáculos ao

processo de aprender, nunca seu impedimento completo. A ideia então é

promover rupturas, favorecer novas alternativas, estimular novas iniciativas e

desenvolver um esforço por ressignificação do ensinar a aprender. Mesmo com

um público-alvo, em sua maioria, de adultos, para ensinar deve-se saber que

sala de aula é uma sala de convivência de emoções intensas cujo resultado são

abruptas mudanças de humor, o que pode dificultar a atenção, a concentração,

a aprendizagem e, por fim, a criatividade no lidar com as informações em geral.

Porém tudo só será válido se o docente deste novo perfil/visão sobre a

prática de ensino experimentar envolver também conceitos neurocientíficos

relacionados a afetividade (jogos emocionais) e isto demandará exercícios dos

múltiplos saberes (competências e habilidades) em interação em sala de aula

e/ou na escola.

Escola e sala de aula são territórios férteis para experimentações sociais,

cognitivas e emocionais tanto dos aprendentes, quanto dos professores,

quando estão estimuladas sinapses diferentes e a liberdade responsável.

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4.2- Projeto na escola: experimentando o cérebro

No último bimestre de 2007, das turmas 3001 e 3002, os conteúdos de

Literatura Brasileira versavam sobre o Modernismo (Geração de 45) e o

chamado ‘Pós-Modernismo’. Havia também uma indicação do Estado de que as

turmas deveriam desenvolver um projeto chamado ‘MPB nas Escolas’. O

material relacionado ao projeto chegou à escola no início de outubro e continha

06 DVDs e 06 livros sobre a história de alguns dos principais estilos da Música

Popular Brasileira (MPB), a saber: bossa nova, tropicália, festivais, sertanejo,

pagode e samba.

Trabalhar com projetos educacionais, principalmente, interdisciplinares, é

trabalhar com as emoções à flor da pele tanto docentes quanto discentes. É um

momento de múltiplas interações, mas também do surgimento de muitas

barreiras e sentimentos controversos, primeiro entre docentes e, depois, entre

os discentes.

Trocar a passividade dos aprendentes por momentos de maior

socialização entre todos não é tão fácil porque esta troca demanda trabalho,

atenção, concentração e certa exposição. Trocar a comodidade dos docentes

por uma aventura fora dos limites das suas áreas de saber também é outra

dificuldade porque demanda mudanças tanto na estrutura dos planejamentos,

quanto na revisão dos próprios conteúdos para criar adaptações pertinentes.

Dos discentes demanda-se foco e ação. Dos docentes demanda-se estudo e

mudança. Em ambos os casos, é preciso fazer com que todos rompam suas

‘zonas de conforto’, adquiram novas performances cognitivas-emocionais e

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executem determinadas etapas do projeto em outros confortos ou outros

prazeres.

Apesar da oportunidade, emocionalmente isto é muito difícil. Os

docentes estão imersos em políticas públicas entendidas como desvalorizantes

e que exigem suas presenças em múltiplos espaços de trabalho para ganhar

dignidade. Já os aprendentes (ainda que adultos, no caso deste trabalho) tem a

necessidade de serem aceitos em determinado grupo social, tem preocupação

em assumir alguns estilos que agrade a si e aos outros, e tem ansiedade

quanto á sua absorção no mercado de trabalho. E a escola, interface sócio-

comportamental, tem papel fundamental, tanto no campo cognitivo, quanto na

construção da identidade (também emocional) de ambos.

O projeto teve início com a professora de Literatura dos últimos anos do

Ensino Médio. Em seu conteúdo, era preciso mostrar os anos literários de 45,

60 até 90; mudanças mundiais; arte brasileira; processo da Ditadura e

caminhos da literatura e da poesia contemporânea. Em meio a esse conteúdo

se estabelece no Brasil a chamada Música Popular Brasileira (‘MPB’).

A professora estudou todo o material enviado pelo governo do Estado à

escola e incorporou seu conteúdo, alterou seu planejamento para o último

bimestre articulando conteúdos e foi conversar com outros professores. Em

premissa acreditava que música é uma manifestação artística muito próxima

dos aprendentes e isto talvez estimulasse a participação.

A música atravessa o canal olfativo causando, dependendo do ritmo e da

vivência discente, momentos de maior atenção e concentração na atividade. É

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uma linguagem importante para discutir e refletir sobre os rumos do contexto da

literatura brasileira até os dias atuais.

Ainda assim, ensinar com música é uma novidade para ela. Ela vai

romper com suas metodologias mais usuais para se inaugurar em outras

dinâmicas pedagógicas e subjetivas, e, principalmente, no preparo de si mesma

emocionalmente. Mesmo com toda a sua competência cognitiva (associadas ao

saber e ao conhecimento), competência técnica (habilidades técnicas manuais

ou intelectuais) e competência relacional (formas de interação com os outros), a

professora precisava de uma nova competência: a emocional; afinal, no

processo de desenvolvimento do projeto, seria preciso sentir os momentos e as

pessoas, experimentar emoções diferentes e, em consequência, reagir a elas

sem ‘sombrear’ os caminhos, as decisões ou as capacidades intelectuais,

procedimentais ou relacionais.

A estrutura de sala de aula irá mudar. As principais estruturas nervosas

implicadas no aprendizado cognitivo, como hipocampo e córtex pré-frontal, irão

mudar. Diante da atividade, segundo Chabot & Chabot (2005), o aprendizado

das competências cognitivas será possível graças à memória declarativa

(memória semântica e episódica); o aprendizado das competências técnicas se

apoiará na memória procedimental (memória de ações e dos saberes

operatórios); o aprendizado das competências relacionais envolvidas nas

funções superiores da comunicação, da linguagem, do reconhecimento de

rostos e da decodificação não-verbal favoreceria as interações e interrelações

discentes; e o aprendizado das competências emocionais, apoiado pela

memória emocional, relacionada por sua vez à amígdala e ao córtex pré-frontal,

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dará força às relações neuronais (sinapses) ao realizar diferentes associações

entre as informações dos núcleos neuronais.

Interesses e necessidades estarão estimulados, além de abrirem

espaços para a complexidade emocional: a música ou quaisquer outras

manifestações artísticas em sala de aula causam mais agitação, outros

comportamentos e até mais alegria no processo de solução das atividades. E

se, segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), os conteúdos

devem ser trabalhados de forma conceitual, procedimental e atitudinal, renova-

se a questão de aprender como mudança de comportamento. Para a professora

era preciso ficar atenta ao ‘como ensinar’ e ‘o que mudar’. Então decidiu: a

aprendizagem seria investigativa e desafiadora.

Era preciso parar de pensar e começar a sentir este pensar!

4.2.1- Descrição detalhada do Projeto Literomusical

- Título do projeto: ‘Pra não dizer que não falei das flores’

- Apresentação: Em tempos de novas tecnologias, o processo de

aprendizagem precisa ser revisitado e ser revitalizado diante de uma nova

geração muito mais atenta ao audiovisual do que ao textual. Diante disso, é

necessária a promoção de atividades mais interativas cuja ação de colaboração

seja ampla e irrestrita em torno da vivência cultural. Professores, conteúdos e

aprendentes precisam interagir a partir de desafios significativos e curiosos.

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Há também muitas discussões sobre as dificuldades dos aprendentes

quanto às ações de ler e escrever. Diferentes propostas são feitas e diversos

projetos são implantados para que estas dificuldades sejam dirimidas na escola

e os aprendentes possam se integrar na sociedade sabendo analisar situações

e problemas nos quais se defrontarem. A ideia é complexificar o pensamento

com o costume da reflexão e da abstração, não apenas da leitura e escrita

impressa, mas também para leitura e ‘escrita’ de/no mundo.

Tais propostas e/ou projetos não mais se restringem às disciplinas de

Língua portuguesa e Literatura, mas convocam, de maneira interdisciplinar,

todas as disciplinas (e professores) a reverem seus conteúdos e práticas a fim

de que se construam atividades de leitura e escrita com mais dinamismo,

ludicidade e prazer.

O aprendente tem expectativas de ensino e grande pré-conhecimento

que precisam estar contextualizados junto ao objetivo de formação de um

cidadão muito relacionado à escola e ao mundo. Sendo assim, o projeto MPB

nas escolas teve a temática “Pra não dizer que não falei das flores” (música

de Geraldo Vandré cantada num ‘maracãnazinho’ lotado em meio à ditadura

militar no Brasil, na década de 60). É um ‘hino’ ao pensamento livre, à luta

contra as diferentes repressões e ao movimento de libertação jovem das formas

tradicionais de vida. Estas seriam as diretrizes pelas quais o projeto final das

turmas do último ano do Ensino Médio atravessaria até sua culminância.

De acordo com Ricardo Cravo Albin, em entrevista ao site Conexão

Professor, o projeto MPB nas escolas visa, principalmente, aumentar o

rendimento dos alunos e diminuir a evasão escolar. Estes objetivos investem

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também no estímulo ao acontecimento da interdisciplinaridade de conteúdos e a

formação de uma plateia jovem para Musica Popular Brasileira (MPB).

- Justificativa: Em tempos de múltiplas informações sendo transmitidas

em diferentes meios de comunicação, há também a sensação de um gradativo

afastamento dos aprendentes da questão cultural, principalmente aprendentes

moradores em áreas mais violentas ou em clima de constante tensão.

Além disso, a formação destas subjetividades parece voltada unicamente

para a vida prática do trabalho cujo retorno financeiro rápido é o foco maior e,

em muitos casos, em idades cada vez menores. Diante disso, há a necessidade

da promoção de novas formas de ver e vivenciar o cotidiano, basicamente

incentivando escolhas de vida com mais qualidade e bem estar. E o

autoconhecimento histórico-cultural é de suma importância para o

estabelecimento de outras opções de vida porque dão relevância a operações

mentais importantes como ler, conhecer, pensar, interpretar, analisar e, por fim,

escrever a própria realidade. Entendendo o período histórico-cultural brasileiro

antes, durante e depois da ditadura militar, dentro do contexto musical, é

possível empreender novas formas de pensar o cotidiano com mais

solidariedade, sentimento e reflexão em geral.

- Primeiros passos - Após o recebimento do material sobre MPB, houve

muitas discussões entre os professores. Era necessário acertar alguns pontos

do projeto e determinar as diferentes ações, tanto dos professores quanto das

turmas (e grupos de alunos). A base de tudo era a dificuldade de leitura, escrita

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e interpretação dos alunos. Foram levados em consideração os perfis das

turmas, o momento em que cada disciplina se encontrava, os planejamentos

dos professores e, principalmente, as dificuldades de leitura e escrita dos

alunos.

Também se observou a necessidade de se criar maior interesse dos

alunos pela escola, pelo aprendizado e pelos estudos. E chegou-se a conclusão

que um sarau musical com apresentações de dança e teatro seria um evento

interessante para motivar os alunos à leitura e à escrita de seu tempo, de

mundo, de seu contexto ou mesmo de si próprio. Além de potencializar

mudanças de comportamentos sobre e na escola, entre alunos, e entre alunos

e professores.

Um sarau musical é um evento onde os alunos podem se expressar ou

se manifestar cultural e artisticamente. Nele podem se envolver múltiplas

linguagens e recursos, como dança, palestras, poesia, leitura de livros, música

em si, teatralização, mímica etc. Além de vídeos, imagens e sons conseguidos

através das ferramentas digitais e virtuais, por convergência.

Diante deste pensamento, afetividade, ludicidade e dinamismo foram

itens obrigatórios para o desenvolvimento do projeto. Sem estratégias de

sedução não haveria motivação ao projeto. Sem inovação, descontração e

satisfação, não há aprendizagem.

- Objetivo Geral: Oportunizar a interação entre aprendentes, conteúdos,

professores e a história nacional, através do reconhecimento da importância da

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cultura da MPB e sua relação com o cotidiano tanto da escola quanto da

sociedade em geral.

- Objetivos Específicos:

• Incentivar a leitura dentro e fora da escola;

• Criar o hábito da leitura nos alunos;

• Desenvolver o pensamento complexo a partir da história da música;

• Estimular a pesquisa sobre o contexto histórico-cultural do país.

- Objetivos Conceituais:

• Ampliar a leitura e produção da escrita dos alunos integrando as multimídias

interativas;

• Oportunizar a identificação e o diálogo entre as diferentes formas de

linguagem;

• Revelar aos alunos as diferentes linguagens, os tipos de gêneros e as

ferramentas da Internet;

• Criar um banner e um logotipo para a escola;

• Pesquisar sobre MPB e seus grandes compositores entre as décadas de 40 a

80;

- Objetivos Atitudinais:

• Estimular a co-participação e o companheirismo na elaboração das atividades

propostas;

• Desenvolver a colaboração entre as turmas;

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• Mudar comportamentos emocionais e cognitivos diante da historia brasileira e

a sua própria história.

- Objetivos Procedimentais:

• Pesquisar e coletar, através da navegação orientada na Internet, dados de

modelos de sites educacionais;

• Pesquisar na internet buscando nos hipertextos do browser: o layout, temas,

cores, fontes e banner ou logotipo da escola, apresentando o resultado em

forma de relatório;

• Organizar os dados coletados com criatividade;

• Montar o site da escola para divulgar os trabalhos pedagógicos e os eventos

socioculturais desenvolvidos pelos professores e alunos;

• Registrar os dados pesquisados utilizando o editor de textos;

• Levantar objetos relacionados às décadas trabalhadas;

• Fotografar os diferentes espaços pesquisados.

- Público-alvo: turmas 3001 / 3002 - Ensino Médio – noite.

- Metodologia Inicial: As turmas são unidas, num grande círculo, na

sala maior da escola. A professora de Literatura apresenta dois vídeos curtos,

um de automotivação e outro sobre a História da MPB; introduz a questão do

Modernismo Brasileiro desde a Semana de Arte Moderna; e apresenta a ideia

do projeto para o segundo bimestre. É apresentada também a ideia de que o

projeto substitui a prova bimestral, incluindo acerto de notas anteriores, caso as

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turmas sigam alguns item pré-estabelecidos, como presença, participação e

pesquisa. Mas a participação não é obrigatória: caso alguém não queria

participar mantém-se a possibilidade da prova bimestral.

Um pré-projeto é distribuído às turmas para análise e possíveis

mudanças. A realização do projeto é um fato, mas seus critérios podem ser

discutidos e mudados. Antecipadamente as turmas são divididas em seis (06)

equipes com cinco (05) componentes. As turmas levam o pré-projeto para ler e

impingir sugestões.

No dia seguinte, a professora reúne novamente as duas turmas e recebe

as sugestões das equipes. Muito se discute sobre a questão da presença, mas

a professora é irredutível quanto ao item. Porém é flexível quanto ao número de

alunos por equipe (agora existem dois grupos com 06 componentes), aos dias

de ensaio (fora dos dias de aula) e às ações em cada estilo de dança. São

sorteados os estilos das equipes. É possível a troca de estilos e duas equipes o

fazem. É discutida a ordem das apresentações e as datas dos ensaios. A

culminância do evento primeiramente é pensada ao redor da grande árvore

existente no pátio da escola, mas, caso o tempo mude, pensa-se na

apresentação na quadra coberta.

O projeto prevê dois seminários em que as professoras de História, de

Geografia, de Biologia e de Literatura conversarão sobre: tema 1: ‘Mundo

cultural atual’ e tema 2: ‘Ditadura no Brasil’. Eles são momentos em que se

darão as diretrizes das pesquisas, das formas de apresentação, das

visualizações sobre pessoas e personalidades de cada estilo e sobre a

importância de cada um no contexto social.

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- Metodologias intrínsecas:

• Refletir sobre os enredos contidos nas letras da música;

• Proporcionar momento de integração dos sentidos e das relações;

• Promover uma reflexão sobre o papel da MPB diante da realidade também

atual;

• Revelar potencialidades cognitivas, sociais e culturais;

• Desenvolver trabalho que permeie variados componentes curriculares e

incremente competências e habilidades em potencia na sala de aula;

• Possibilitar a interação com as ferramentas tecnológicas;

• Realizar leituras de diferentes letras enfocando o foco narrativo;

• Coletar e mostrar imagens e vídeos com entrevistas ou momentos musicais;

• Fazer levantamento bibliográfico da historia da MPB;

• Desenvolver expressões corporais relacionadas ao estilo pesquisado;

• Narrar como o trabalho foi desenvolvido e seus resultados.

- Recursos de apresentação:

• Internet, enciclopédias, livros e pessoas da área;

• Imagens no Google;

• Vídeos do Youtube;

• Celular (fotos de rua);

• CD/DVD (músicas e musicais);

• Documentários.

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- Avaliação: Como o projeto duraria dois meses, as avaliações

aconteceram na própria situação de aprendizagem. Houve momentos de

discussão sobre vídeos ou documentários; os seminários; a seleção das

músicas apresentadas, lidas e analisadas de cada estilo no ‘grupão’; os acordos

sobre os objetos que montariam o layout dos cantos da quadra; algumas

mudanças na estrutura das equipes e do próprio projeto; e os momentos dos

ensaios para culminância.

Em algumas dessas etapas foram solicitados pequenos trabalhos de

desenvolvimento de letras de música, interpretação, pesquisas e fotos. Em

cada etapa, todos eram avaliados, incentivados a exprimir opiniões e

corrigiram-se deslizes do planejamento inicial.

Em conversas com as professoras participantes foram definidos três

eixos para a observação, desenvolvimento de estímulos e avaliação:

- o conteúdo;

- o aprofundamento no tema;

- a aproximação com a prática social relacionada ao produto final.

A intenção era aproveitar todas as respostas dadas pelos alunos ao

longo do processo. As respostas eram pistas sobre o que já fora compreendido

e no que as professoras precisavam avançar ou o que precisavam sistematizar

(conteúdos) ao ponto de o grupo todo se manter em aprendizagem. Não pode

haver respostas prontas ou ações engessadas. Há incertezas de parte a parte e

isso provoca maior atenção às atividades desenvolvidas.

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Como apresentado anteriormente, em algumas etapas foram feitas

pequenas análises das produções e eram revistas as etapas seguintes do

planejamento. As professoras tinham em mãos (e no processo) pequenos

retratos da aprendizagem e seu conjunto revelava avanços e problemas

enfrentados por cada aluno ou grupo de alunos. Do projeto inicial, foram sendo

construídas pequenas versões sobre os percursos, além de se oferecer um

perfil do trabalho criativo das professoras. Ou seja, as professoras realizaram

avaliações contínuas e atentas aos comportamentos cognitivo, motor e

emocional dos alunos.

Durante a culminância, novas avaliações. Como seria um momento de

visibilidade do processo de aprendizagem discente, levou-se em consideração:

chegada, organização do espaço, caracterizações e apresentação para o grupo

escolar. Neste momento, as professores solicitaram a participação de

professores sem vínculo com as turmas ou com o projeto. Elas entenderam que

haveria maior isenção quanto à observação das apresentações. Importante que

a comunidade escolar perceba também os avanços dos alunos.

- Culminância do Projeto: Na primeira semana de dezembro de 2007,

houve a culminância do projeto.

- Roteiro das apresentações – Durante os ensaios nas semanas

anteriores, aos poucos, foi-se determinando o roteiro das apresentações e

quem faria o que em cada estilo. Em cada ensaio, muitos ajustes quanto às

entradas e as coreografias. Neste momento, as professoras de Biologia foram

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preponderantes nas discussões, nas compras de material, na flexibilidade em

relação às mudanças do projeto e acertos nas coreografias também. Um dia

antes, o roteiro foi entregue a cada equipe para que melhor administrassem a

chegada á escola, mudança de roupa e tempo de apresentação.

Tal roteiro se estabeleceu da seguinte forma:

• GRUPO História da MPB

• GRUPO Bossa Nova

• GRUPO Festival da Canção

• GRUPO Tropicália

• GRUPO Samba

Diante do tempo chuvoso, a apresentação aconteceu no espaço da

quadra coberta da escola. Cada equipe expos pesquisa, apetrechos e objetos

relacionados ao seu estilo ao redor da quadra para visitação pública. Todos os

componentes das equipes estavam caracterizados de acordo com seu estilo.

Os alunos da escola ficaram na parte de baixo da quadra assistindo a

apresentação.

- Roteiro passo a passo com os vídeos e danças: Apresentação do

projeto – Entra o vídeo e som da música DISPARADA, com Jair Rodrigues.

Inicia com som alto (trecho pequeno e inicial: ‘Prepare o seu coração...’). Som

abaixa um pouco. A professora de Literatura fala sobre todo o processo de

construção do projeto (fala curta) e apresenta o mestre de cerimônia: grupo

HISTORIA DA MPB.

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Entra grupo História MPB ao som de ASA BRANCA. Todos dançando

um forro na mesma marcação chegam ao meio do ‘palco’. Baixa o som, cada

um deles vai para um canto DANÇANDO. Um deles sai do grupo e apresenta o

trabalho (itens mais importantes em voz alta), o tema do grupo, seu resumo e

apresenta o próximo grupo.

O grupo da BOSSA NOVA entra cantando ao som de DESAFINADO.

Impressão de que todos estão fazendo uma serenata com Tom Jobim e João

Gilberto. Incentivam as pessoas a cantar. Som vai baixando e um componente

(com violão na mão) ‘toca’ resumo sobre o tema ‘musicado’ e apresenta o

Vídeo BOSSA NOVA (3min23s) à escola. Enquanto isso o grupo, ao fundo,

simula um papo num apartamento com cigarros, garrafas e muito riso ao redor

de um aluno caracterizado de Tom Jobim e junto com o grupo HISTÓRIA DA

MPB.

Ao terminar, um deles vai ao centro do palco e grita: ‘CARCARA! Lá no

sertão..’ Entre o Vídeo de Bethania cantando CARCARA no Teatro Opinião. O

grupo vai para o seu espaço ainda gritando CARCARÁ agora junto com a

música. Um componente do grupo HISTÓRIA DA MPB surge anunciando o

próximo grupo: ‘E com vcs, o FESTIVAL DA CANÇAO!’

O grupo FESTIVAL DA CANÇAO entra marchando junto com o vídeo

CALICE, Chico Buarque. Estamos na Ditadura. Marcha o palco todo. Só se

escuta o som dos pés no chão e a música CÁLICE. De repente tentam bater

nos outros grupos e não conseguem porque eles correm. Aos poucos se

separam e se colocam em cada ponta do palco. Fim da musica. Grupo todo

grita CÁLICE!

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Sem som cada dupla da equipe caminha vagarosamente e fala sua parte

no até o centro do palco. Em cada final, gritam CÁLICE! Ao terminarem, entra

vídeo Geraldo Vandré com PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES.

Som bem baixinho. De cada lado do palco, surge uma dupla lendo ALTO uma

parte do seu resumo. História, ditadura, autores, festivais, tudo é falado como

jogral. Quando o grupo FESTIVAL DA CANÇÃO se junta no centro do palco,

entra o vídeo da Elis Regina cantando ARRASTÃO e o grupo sai imitando o

gesto da Elis jogando os braços em hélice até ir ao seu canto no palco. Entra

outro componente do grupo HISTÓRIA DA MPB, imitando ELIS e seus braços

em hélice, e apresenta o próximo grupo: TROPICÁLIA.

Entra a música ‘Os mais doces Bárbaros’ do CD Doces Bárbaros.

Componentes do grupo TROPICÁLIA surgem de todos os lados e do meio dos

alunos da escola. Estão caracterizados de hippies. Caminham distribuindo

incenso, flores, presentinhos e alegria. Abraçam e beijam as pessoas à

semelhança dos hippies. No refrão ‘alto astral, astronaves, naves cordões’ o

grupo dança ou puxa alguém pra dançar no meio da quadra. Musica toca toda

até o grupo chegar ao palco (5min). A escola toda dança. Componentes se

misturam aos componentes dos outros grupos. Entra o Video-reportagem da TV

Globo, sobre o “Tropicalismo’, mostrando passagens da história deste

movimento (2min). Grupo coloca cordão de havaiana nos outros colegas, brinca

de roda, faz movimento enquanto o vídeo passa.

Entra musica ‘Fé Cega, Faca Amolada’ do CD ‘Doces Bárbaros’

baixinho. Grupo lê seus resumos como quiser: um de pé; outro, deitado; outro

mais, gritando; ou pulando, ou abraçado a alguém etc. Ao final vídeo Gilberto

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Gil e Os Mutantes cantando ‘Domingo no Parque’. Entra o último componente

do grupo HISTÓRIA DA MPB e anuncia o último MOVIMENTO.

Entra o vídeo ARIA BACHIANAS com JORGE ARAGÃO. Dois casais

dançam e incentivam as pessoas a dançarem também. Todos os grupos no

palco dançam à vontade. Dois componentes do grupo BOSSA NOVA saem e

vão buscar com toda pompa, D. TERESA, a dama do SAMBA. Esta fantasiada

de dama da corte atravessa todo o salão, sob aplausos, e apresenta, em vídeo,

o primeiro samba gravado PELO TELEFONE de DONGA (1min20s). Outros

componentes entram (sambando miudinho) e falam sobre o SAMBA ao som da

AVE MARIA, com JORGE ARAGÃO. Um componente apresenta em imagens

variações do samba. Há um grito de VIVA A MPB! Por fim todos se juntam no

palco ao som de KIZOMBA A FESTA DA RAÇA, samba-de-enredo da Vila

Isabel. Neste momento a escola toda sai sambando através da quadra como se

fosse uma escola de samba até a saída. Muitos aplausos!

4.2.2 - Análise neurocientífica dos comportamentos

Um projeto é um processo de (se) pensar em conjunto. O cérebro em

processo de pensar aumenta sua plasticidade, demanda agilidade na ação dos

seus hemisférios e fortifica a produção de massa branca (mielina). É o

movimento intenso das células cerebrais (os neurônios) + as células gliais que

‘acende’ a vontade de realizar o trabalho por diferentes motivos, mesmo para

‘ter nota boa’ em literatura.

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Mais do que compreender, era preciso estimular o ‘sentir’ a

potencialidade do projeto como ponto de onde surgiriam as ações de aprender

a aprender, e a aprender a pensar, sem descartar nenhuma emoção. E neste

‘sentir’ também levar-se-ia em consideração as habilidades que serão

introduzidas e trabalhadas em todos os procedimentos. É dar ênfase ao que

Freinet apresentou como fundamental: desenvolver habilidades ao ‘saber fazer’

cujo resultado é a indicação das capacidades adquiridas.

Os primeiros momentos de introdução do projeto foram de pura tensão e

muita argumentação. Mais do que convencer sobre a importância do projeto, foi

preciso convencer de que o desenvolvimento do projeto era importante para a

vida dos alunos. As emoções se fizeram presentes na medida em que o

contorno da sala de aula pelo qual seria necessário pensar e agir seria

completamente diferente. As estruturas e/ou sistemas cerebrais integravam-se

na memória (hipocampo + amígdalas cerebrais) em função de um cenário futuro

cognitivo desconhecido.

Diante da apresentação das etapas e das discussões sobre os diferentes

itens do projeto (ainda apenas sugestões), a professora teve a sensação de

que muitas barreiras psicológicas foram levantadas. Amígdalas cerebrais

‘atentas’ à suposição de mudança cognitiva e motora enviam aos hipocampos

informações de negação de um status quo, diante de outras informações

anteriores ao projeto sobre outras tentativas de realizar um projeto da escola ou

de outro professor. Mais do que os cérebros racionais, cheios de ajuizamento

das percepções e da lógica, ou funcionando para o exame e classificação das

informações apresentadas (etapas sugeridas), as emoções se sobressaíram

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muito. Logo, nas conversas iniciais, algumas rejeições (muitas vezes

pertinentes), certo irracionalismo e muita impulsividade.

Estas reações sugeriam que o córtex pré-frontal não era parceiro das

amígdalas cerebrais ou que o tálamo estava com problemas para distribuir às

informações aos outros sistemas. Havia problemas nas funções executivas do

sistema integrado cerebral. Alunos e professores (em outro momento) pareciam

se sentir contrariados, ameaçados, perturbados ou mesmo irritados com a

sugestão de uma prática de ensino diferente. Mesmo assim, a professora

seguiu seu ritmo e suas decisões. Ela entendia que, boa parte das reações

emocionais se deviam às pulsões ou carências assimiladas ao longo do tempo

escolar e, que por isso, além de respeitadas, deveriam ser também pensadas

no processo de desenvolvimento do projeto. Porém, para um aprendizado

integral, segundo Chabor & Chabot, (2005, p. 33), quatro categorias de

competências emocionais seriam muito úteis, a saber:

QUATRO CATEGORIAS DE COMPETÊNCIAS EMOCIONAIS

Comunicação Motivação Autonomia Gestão de Si Clareza de espírito Curiosidade Autonomia Concentração Escuta Engajamento Desembaraço Autoconfiança Empatia Interesse Disciplina Autocontrole Espírito de equipe Paixão Iniciativa Otimismo Segurança Perseverança Abertura de espírito Paciência

Todos os atores educacionais vivem em uma sociedade cada vez mais

complexa e tecnológica, em que o problema, de modo geral, não está na falta

de informações, que podem ser armazenadas, distribuídas e atualizadas, em

tempo real, na Internet. O grande desafio está em encontrar informações

confiáveis e interpretá-las coerentemente, na busca de soluções para os novos

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ou antigos problemas, ou, no caso deste trabalho, nas situações-problemas

apresentadas em cada etapa da construção do projeto. Logo, hoje, as quatro

competências emocionais apresentadas acima são o ponto nevrálgico no qual

os docentes devem ter atenção no momento de introduzir e desenvolver

quaisquer atividades didáticas.

As discussões iniciais demonstravam que o ser humano é mesmo

fundamentalmente afetivo e isto não pode ser subestimado. Em cada atividade

ou etapa do projeto, as emoções ‘perturbaram’ a normalidade do funcionamento

do cérebro, já que áreas como hipotálamo, hipocampo, tálamo e amígdala

cerebral eram exigidos de forma diferente. Este era um ‘motor possante’ que

impactava o aprendizado e que, durante as ações focadas no desenvolvimento

do projeto, por cada equipe, foi mudando os comportamentos em vários

sentidos. Então, antes de tudo, a professora precisava ser sensível e se

sensibilizar com as linguagens nas quais se comprometia desenvolver através

do projeto.

As etapas quando acertadas e em curso de solução dispararam emoções

porque provocaram outros comportamentos. Diante da novidade de aprender

de outra maneira, a amígdala cerebral formava a sensação do medo. Mudar o

status quo provoca um comportamento de fuga a uma ameaça em potencial: é

o que Paul Ekman, em seu livro, “A linguagem das emoções” chama de

‘emoções primárias’. Porém diante destas pode-se fabricar outras emoções

relacionadas a uma série de situações e circunstâncias da vida cotidiana ou

escolar.

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No caso do projeto, a professora entendia as ‘recusas iniciais’ muito

relacionadas à insegurança decorrente do desconhecimento sobre os estilos

musicais, ou ao medo do fracasso (seguido de frustração), ou ainda ao receio

antecipado de uma decepção talvez provocada por resultados insatisfatórios em

meio às etapas a serem realizadas. Mas era importante sentir as emoções, era

importante tocar os sentidos discentes ao ponto de fazê-los superar a si

mesmos e era importante trabalhar também emoções secundárias e sociais em

relação à escola. Chabot & Chabot (2005, p.54) descrevem assim estas

emoções:

DISPARADORES EMOÇÕES COMPORTAMENTO

Desconforto no sistema escolar (ameaça)

Insegurança (medo) Evasão escolar (fuga)

Dificuldades em algumas disciplinas (obstáculo)

Frustração (raiva) Crítica do sistema escolar (ataque)

Fracassos (perda) Decepção (tristeza) Desmotivação (retraimento)

Reprimendas e desprezo (situação aversiva)

Humilhação (aversão) Descompromisso (rejeição)

Feedback negativo da parte do professor

(repulsa)

Menosprezo Réplica desrespeitosas ao professor

(condescendência) Resultados inesperados

(situação inesperada) Estupefação (surpresa) Nervosismo (orientação)

Sucessos e encorajamentos (situação

desejada)

Entusiasmo (alegria) Motivação, interesse (aproximação)

Mais do que o campo cognitivo, é fundamental desenvolver a inteligência

emocional no intuito de otimizar todas as emoções que derivam da alegria,

gerar comportamentos orientados para a aproximação e a motivação, e obter,

assim, uma série de benefícios na escola e na sala de aula.

Como o projeto versava sobre música, uma das atividades favoritas dos

aprendentes, aspectos do desenvolvimento cognitivo, afetivo, cultural e social

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estavam bem estimulados. A professora ‘linkava’ a criação do projeto aos

interesses discentes. Como aprender é mudar comportamento, nada melhor do

que o recurso da música para mudar atitudes, pensamentos e discursos sobre o

contexto. Segundo estudos neuropsicológicos apresentado na Revista Mente &

Cérebro especial, ‘O Olhar adolescente 03: os incríveis anos de transição para

a idade adulta’,

“a audição musical na adolescência serve a múltiplos propósitos centrados na própria pessoa: entretenimento, relaxamento e alívio das tensões, aumento dos graus de excitação e combate à solidão, bem como regulação do humor, que é bastante ‘flutuante’” (p.72).

Para iniciar o projeto, dois elementos são fundamentais: leitura e escrita.

Estas fazem parte da memória emocional e ‘acontecerão’ caso esta memória

não seja repleta de neurônios cujos núcleos contenham informações negativas

de baixa autoestima. O discente entende, aprende e é capaz de assimilar

múltiplas informações, logo ao professor cabe imprimir intensas marcas no

cérebro emocional, mas também conduzi-los a comportamentos de menos

repúdio, retraimento, bloqueio de aprendizagem da área de saber ‘Literatura

Brasileira’.

Além de discutir os itens a serem observados e a possibilidade de

modificação do pré-projeto, houve uma transformação no ambiente da sala de

aula. Os discentes, se sentindo respeitados, começaram a apresentar suas

habilidades, por exemplo, no pensamento abstrato diante da pesquisa para o

projeto, como: reler, sublinhar, resumir, interpretar etc. Impactadas estão as

funções cognitivas e intelectuais como a atenção, a percepção, a capacidade

de ajuizar e, ainda mais claramente, a memorização. Diante dos estudos

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neurocientíficos, há a ativação da amígdala cerebral associada à modulação

dos processos motores, cognitivos, de atenção e de memória.

Fechado o projeto, atenção às etapas. Segundo Chabot & Chabot (2005,

p. 70), “a atenção não é apenas o primeiro elo da cadeia do aprendizado, mas

também, muito provavelmente, dentre todos, o mais sensível”. Cada equipe

assumiu o seu papel no processo e, de acordo, com suas pesquisas, outra

emoção ganhou corpo: a ansiedade.

Em cada aula, a professora sentia certo descontrole emocional

novamente, só que agora, era a ansiedade diante da real possibilidade de

construírem um processo de sucesso. Autoestima em ascensão. Através das

pesquisas, outras pesquisas, mais dúvidas, alguns questionamentos

pertinentes, não mais sobre o trabalho solicitado, mas quanto às informações

encontradas no processo da pesquisa para o projeto. A professora percebeu

que os alunos pulavam a etapa do sentir e realizar com o olhar e as ações pré-

organizadas por ela; agora havia mais autonomia de pensamento e ela própria

precisava rever os conteúdos e se preparar. Os alunos não só aprendiam, mas

estavam motivados a aprender mais.

Segundo LeDoux (2001), aprender é emocionar-se, já que o sistema

emocional pode monopolizar todos os recursos do cérebro, ou seja, as

emoções são fundamentais à complexidade do funcionamento das funções

cognitivas e perceptivas dos aprendentes. E afirma (apud Chabot & Chabot,

2005, p.85), “é mais fácil uma emoção assumir o controle do pensamento do

que o pensamento assumir o controle das emoções”.

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Diante da motivação de aprender autonomamente, há intensas projeções

neuronais, realizadas pela amígdala cerebral, para a maioria das partes dos

cérebros, incluindo as regiões responsáveis pelas altas funções cognitivas.

Logo, a vontade de aprender ou a motivação de aprender é singular e subjetiva,

mas depende, no caso da escola, de ações mais efetivas e afetivas ‘trocadas’

em sala de aula entre professores e alunos, em função da realização de

atividades ou projetos, em comum acordo, e de maneira flexível.

Outro ponto importante no desenvolvimento do projeto foi a liberdade de

utilização dos artefatos tecnológicos, desde os mais conhecidos, como murais,

cartazes e maquetes; quanto àqueles cujas dinâmicas dependiam da introdução

da Internet e suas ferramentas. Além disso, fora a música, outras

manifestações artísticas se fizeram presentes, como o canto, a dança e a

pintura. E de acordo com o que se sabe sobre a manifestação das

manifestações artísticas, há uma intensa exposição das emoções,

pensamentos, ideias e descobertas em seus fundamentos. É o momento de

recodificar as informações para alcançar o conhecimento, alcançar instâncias

da consciência, gerando um sentido único ao que se faz ou ao momento pelo

qual o aprendente está passando.

Ainda assim, havia o que Chabot & Chabot (2005), chamou de

‘assimetria afetiva’. Havia uma minoria de alunos ainda fora do ritmo da

atividade, ainda resistentes e necessitando de outras estratégias de

‘convencimento’ e argumentação. A professora reconhecia que, nos cérebros, a

influência das experiências antes da escola era muito marcante e, por isso, ela

lidava com comportamentos emocionais e mnemônicos diferentes. Segundo

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Chabot & Chabot (2005, p.87), “... trabalhos coordenados principalmente por

Richard Davidson, da Universidade de Winsconsin, demonstraram que os

estados emocionais são lateralizados no cérebro”. Ou seja, em projetos

didáticos ratifica-se um conhecimento de a muito tempo:

“... as funções cognitivas, como linguagem e o raciocínio lógico, alojam-se no hemisfério esquerdo do cérebro, ao passo que funções não-verbais, musicais e visuais-espaciais estão concentradas no hemisfério direito do cérebro” (CHABOT & CHABOT, 2005, p.87).

Diante desse conhecimento, uma das primeiras ações da professora foi

organizar momento com vídeos ou leitura em que as equipes colaboravam

entre si. Nesta perspectiva, ela ‘apostava’ no sistema límbico criando conexões

importantes com o córtex pré-frontal, o que ajudaria no desempenho de todos

os alunos. O tempo todo serotonina, dopamina e oxitocina conduzem e

influenciam os comportamentos cerebrais.

Em quatro semanas, os córtexes fizeram os hemisférios cerebrais

‘pensarem’ com intensidade, ainda que cada um tivesse competências e

habilidades diferentes. O esquerdo, por exemplo, sabe falar e o direito não. Mas

na hora da evocação da memória, produção de pensamento e seu uso através

da linguagem, essa máquina gelatinosa, repleta de sistemas integrados,

chamada ‘cérebro’, funciona abruptamente e é criativo.

Os ensaios foram repletos de desejos, respostas relativamente simples à

percepção de que, para além do pensamento abstrato, da linguagem e da

pesquisa, era preciso concretizar, de forma motora, o projeto. No momento dos

ensaios, os aprendentes foram muito mais instintivos e, no circuito cerebral, os

padrões neuronais intensificaram a regulação dos mecanismos homeostáticos

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sem os quais não existiria sobrevivência ou aprendizado. Sem eles, os sujeitos

não seriam capazes de, por exemplo, respirar, regular o ritmo cardíaco,

equilibrar o metabolismo, procurar abrigo e comida, evitar predadores (ou os

inimigos), se reproduzir, etc., além de se apresentarem as chamadas

‘dificuldades de aprendizagem’.

Em cada aula em que o projeto ganhava corpo havia um enorme

movimento inconsciente acontecendo e ninguém se dava conta. Em cada

discussão, decisão, sugestão, ideia e pequenas experimentações, os sentidos

fomentavam elementos eletroquímicos que criavam conexões neuronais

diversas cujas informações simples ganhavam a intensidade do conhecimento

coerente, memória de trabalho e procedimental, sem muitas explicações.

Em cada ideia realizada, o sistema nervoso central se eletrizava,

solicitava a ajuda de outros sistemas internos e se focava no córtex frontal,

momento da consciência da ideia a ser falada. E como o corpo caloso e os

hemisférios estão bem estimulados, não se pode perder de vista a

funcionalidade dos lobos cerebrais neste momento também.

No processo de desenvolvimento (e ensaio final) do projeto, os cérebros

aprendentes estão em constantes e intensas neuroplasticidades. Diante da

atenção e da vontade de aprender (motivação), outros caminhos neuronais são

necessários já que o fim último, além do processo criativo e crítico, é a

aprendizagem. Em função disso, as emoções, geradas pelo sistema límbico,

alcançam com rapidez e intensidade o córtex cerebral. Massa cinzenta

(neurônios) e massa branca (mielina) ganham mais interligações neuronais e

das células gliais, fonte da fixação das informações significativas no cérebro.

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Para cada etapa do projeto realizado, novas ligações excitatórias se

reelaboram por associações entre núcleos neuronais semelhantes. No córtex

cerebral, uma rede neuronal extremamente complexa cujas emoções favorecem

a constituição do aprendizado e de novos comportamentos. Aprender então é

fazer seleções elaboradas na organização cortical em distâncias diferentes.

Neste sentido, os lobos cerebrais (partes diferentes do córtex cerebral)

são muito importantes por interligarem suas funções no processo neuroplástico

de aprender de maneira autônoma, principalmente quando em colaboração e

com prazer.

Segundo Lent (2008), os lobos cerebrais são designados pelos nomes

dos ossos cranianos nas suas proximidades e que os recobrem, a saber: o

lobo frontal fica localizado na região da frente do cérebro (testa), é

responsável pelo planejamento de ações e movimento, bem como o

pensamento abstrato e estão incluídos o córtex motor e o córtex pré-frontal; o

lobo occipital, na região inferior do cérebro (nuca), é coberto pelo córtex

cerebral, processam os estímulos visuais depois de estes terem passado pelo

tálamo, onde há zonas especializadas a visão de cor, movimento, profundidade,

distância etc.; o lobo parietal, na parte superior do cérebro (central), é divido

em córtex somatossensorial (anterior) cuja função é possibilitar a percepção de

sensações como o tato, a dor e o calor (representa todas as áreas do corpo

humano), e a posterior onde acontece a análise, a interpretação e a integração

das informações recebidas pela anterior, o que permite ao sujeito localizar-se

no espaço, reconhecer objetos através do tato etc.; e os lobos temporais, nas

regiões laterais acima das orelhas, tem a função principal de processar os

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estímulos auditivos e, como acontece nos lobos occipitais, as informações são

processadas por associação.

No momento das apresentações, é percebida claramente a integração

dos lobos cerebrais, a aprendizagem de outras habilidades motoras, o uso

focado das memórias procedimentais, ainda que, por causa do nervosismo, os

movimentos sejam um pouco imprecisos. Nada que comprometa os

planejamentos, as decisões e a realização do evento.

Em cada entrada de cada equipe, a descoberta de que eles são

possíveis. As sequencias de ações, manipuladas pelas tantas formas de pensar

os movimentos, são realizadas em comum acordo com os lobos cerebrais. Em

cena, sem que os aprendentes percebessem, o pensamento abstrato e criativo;

a fluência do pensamento e da linguagem verbal e não verbal; as grandes

respostas afetivas às próprias capacidades de aprender a ser, conviver, fazer e

aprender; as capacidades de realizações ligações emocionais com os ouros

aprendentes e/ou com os conteúdos necessários; os julgamentos sociais sem

preconceitos; a vontade e a determinação para ação e atenção seletiva.

Com os instrumentos e tecnologias oferecidos, as competências e as

habilidades dos alunos foram muito utilizadas e desenvolvidas. Sem

perceberem suas potencialidades afloraram e eles puderam enfrentar os

desafios do projeto com grande seriedade. E eles estavam conscientes disso.

Por conseguinte, a professora estava curiosa, afinal o nível de ansiedade

era alto. Havia uma formatação evolutiva mais forte acontecendo: eles estavam

aprendendo... Eles intensificaram o uso do córtex estabelecendo outros

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caminhos neurais à informação. Mesmo com baixa autoestima, mesmo que

muitas de suas ações não prescindissem de supervisão, houve um ganho na

autonomia do pensamento a partir do controle da atividade neuronal, da

coordenação sináptica mais harmônica e da sinergia de emoções sem

imposições ou agressividades.

As bases da construção desse complexo sistema neural mais focado,

prático e de aprendizado foram estabelecidas no processo consciente de

pensar um desafio coerente com seu contexto. Foi nítida a transformação dos

comportamentos e das atitudes. Neurônios e células gliais (células de

sustentação) ganharam complexidade em seus núcleos e facilitaram o processo

de aprendizagem.

Mas nem tudo ‘foram flores’. Alguns membros dos grupos desistiram no

meio do processo. Diante de uma proposta mais dinâmica e fora do quadro de

giz nem todos se adaptaram ou se integraram, e preferiram a prova tradicional.

Está referendada a ideia de que há um conjunto de emoções e vivências com

as quais é difícil lidar porque são previamente aceitas como verdades absolutas

e estas se tornam zonas de conforto ou mecanismos de defesa muito fortes já

que dependem da forma como foram assimiladas/vividas. Daí um professor ou

mesmo a escola pouco ou nada tem o que fazer, justamente porque, além de

demandar um tempo de convencimento que, na prática, não se tem, sugere a

necessidade de participação, neste tempo e no processo, de outros

profissionais.

A estrutura dos córtexes, o ritmo, as experiências e as expectativas são

diferentes. Os sistemas biológicos integrados se articulam de forma diferente.

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As emoções convocam experiências e vivências diferentes. São diferenças

sutis, mas que demandam rearranjos diferentes para cada atividade, desafio ou

projeto. E como o córtex é analógico e não digital, o acesso às informações

demandarão transmissão dentro da ‘fiação’ interior (nervos) diferente também e

muito de acordo com o fenômeno elétrico a qual o corpo será atravessado.

Em todo o processo, às vezes bem lúdico, é a aprendizagem

colaborativa, solidária, cidadão que acontece através da mudança constante da

arquitetura dos fios e sua transmissão eletroquímica; através de conexões

sinápticas diferentes entre e por dentro dos lobos cerebrais e o córtex. E assim

professora e aprendentes aprendem. E assim esquecem. E assim renovam

suas autoestimas. E assim ganham boas notas. E assim dão consistência à

própria inconsciência arquitetônica cerebral.

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CONCLUSÃO

Diante dos dados levantados, observa-se que a sociedade está

transversalizada por diferentes linguagens. Estas linguagens relacionam-se

intimamente com diferentes recursos tecnológicos. E por isso os sujeitos

aprendentes em formação incorporam ‘socializações’ e ‘usabilidades’ à sua

memória com mais tranquilidade. Já os sujeitos ensinantes, mediadores do

conhecimento e articuladores de informações, precisam aprender a se adaptar

neste novo ambiente de forma a torná-lo propício às diferentes aprendizagens.

De acordo com o que foi apreendido nos instrumentos de coleta de

dados, o impacto das tecnologias digitais nos professores entra em conflito com

o tempo de formação e de apropriação de outras tecnologias. Como numa

babel, estes convivem com ‘sotaques’ diversos e precisam convergi-los à

construção do conhecimento. Essa necessidade (quase obrigação) aumenta e

muito o volume de desconfianças e questionamentos, além de provocar

crescentes dificuldades na construção das estratégias de ensino. Aumenta

então o número de professores em depressão, estressados, agressivos ou

mesmo apáticos (níveis altos de cortisol no corpo). Educar não é para qualquer

um, já dizia o educador Paulo Freire.

Quando se afirma que a educação enfrenta um grande problema na

atualidade sob a influência das tecnologias digitais, observa-se que as

socializações dos atores educacionais ocorrem em tempos e de formas

diferentes. Há uma luta entre memórias, identidades e linguagens. Ainda assim

os professores mantêm outra luta: lutam para ensinar a uma população cujas

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interações com as novas tecnologias se dá de forma natural ou ainda nem se

deu, afinal reconhece-se que há um número alarmante de sujeitos não-incluídos

digitalmente ou ‘analfabetos digitais’.

Em sala de aula, esta luta é séria porque antes de tudo deve se

estabelecer o princípio da convivência. Um princípio que só se instaura diante

do respeito, proximidade, afetividade e reconhecimento dos lugares de cada

um. É efetivar a presença da dopamina e da serotonina através das trocas

feronômicas constantes. E as divergências devem ser vividas dentro de um

foco: aprendizagem.

De outra forma, as relações cada vez se paralelizam desmembrando os

sentidos em outras searas que não o respeito ou o interesse da aprendizagem.

Sem isso os aprendentes serão sempre considerados desatentos,

desinteressados e estrangeiros ao tempo atual e às práticas de ensino, e os

professores serão observados como ‘inintelegíveis’, atrasados, antigos e

chatos.

Sem poder se descartar de seus comportamentos cognitivos, os

professores convivem com os fantasmas da obsolescência e da substituição, e

observam pouca positividade no acoplamento das ferramentas digitais no

contexto escolar. Então são ‘duros’ com as mudanças no contexto de suas

práticas; são ‘duros’ nas formas de sentir e escutar seus aprendentes; são

‘duros’ quanto às percepções conscientes da presença de diferentes

dificuldades de aprendizagem; e são ‘duros’ para se sensibilizar e entender que

sem autoconhecimento emocional e revisão constante profissional através de

determinados estudos, sua sala de aula será linear, monótona e cheia de

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rotinas antigas. À insegurança, desconfiança, impaciência, dúvida e até

indiferença aos processos cognitivos ‘emocionáveis’ por aprender.

As práticas de ensino tradicionais são zonas confortáveis que prendem

os docentes a uma memória afetiva em que se reconhecem como sujeitos. Seu

envolvimento com certos recursos, como radio, TV, vídeo, cartazes, murais

constitui a base de suas relações com a aprendizagem. Ou seja, os

professores, desconfiados de seu sentir o tempo presente com tantos senões

cognitivos e comportamentais, procuram o que Lemos (2002; apud PRIMO,

2008) chama de ‘zona de conforto’, marcada pela dessacralização da natureza,

a qual passa a ser explorada e transformada. É uma fase de construção

dialética com o conhecimento e é marcada pela oportunização do conhecimento

sobre a técnica, e início da discussão sobre influências e apropriações

tecnológicas por parte dos professores. Professores se sentem obsoletos. E

precisam administrar uma fuga das “trevas” e ir ao encontro da “iluminação”,

degrau por degrau.

Se por um lado os professores compreendem a facilidade com que os

alunos se apropriam dos usos e características de cada objeto ou ferramenta

tecnológicas (e até ‘usam’ os alunos, quando estão – professores - em

dificuldade), e afirmam que isto se dá devido a terem (alunos) nascidos em

meio às tecnologias digitais e por terem um ‘cérebro mais fresquinho’; por outro

lado, estes mesmos professores creditam a essa facilidade de acesso e sua

usabilidade excessiva, o desenvolvimento de uma mudança de comportamento

relacional e cognitivo quanto às atividades propostas em sala de aula.

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É importante também retomar a discussão sobre o que é ser professor

nos primeiros anos do século XXI, agora com a demanda tanto das

neurociências, quanto das novas tecnologias portáteis ou não. O desafio então

é “catalisar mudanças educacionais importantes e transformar a maneira como

pensamos e concebemos a escola, a educação e a própria vida” (MORAES,

2003, p.167) reconhecendo que os professores têm suas práticas de ensino

vinculadas a outro tempo cultural.

Os professores estão mais integrados às tecnologias da cultura de mídia

(TV. Vídeo e rádio) e letrada. Suas atividades se relacionam com essa memória

formativa. Para que se tornem leitores e autores do ‘novo tempo’ precisam de

um tempo de entendimento e maturação das ‘novas informações’

disponibilizadas. Eles precisam estar novamente confortáveis com as novas

ferramentas digitais e seus usos. E neste momento, pode-se começar a

revolucionar sua memória e se (re) inscrever como interagente fertilizador no

campo educacional contemporâneo.

É comum a opinião de que professores sabem menos que os alunos

quando se fala em usos da internet e de outras maravilhas governadas por

computadores. Deve-se entender que professores precisam ser professores,

pessoas capazes de (re) organizar as informações em meio a atividades que

possibilitam a construção do conhecimento. Não precisam de grande

virtuosismo computacional, e sim sabedoria capaz de inventar modos de usar

os atrativos da Web para que os alunos elaborem conhecimentos consistentes,

robustos, significativos. Nesta perspectiva, demanda-se muito tempo de

pesquisa, estudo e articulações com as informações.

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Segundo Spyer (2007, p. 36), toda participação dependerá da motivação

/ estímulos que podem levar os sujeitos (professores) a acreditar e participar do

projeto. Mas para isso, em resumo, é preciso:

“... reciprocidade (uma pessoa fornece informações relevante para um grupo na expectativa de que será recompensada recebendo ajuda e informações úteis ao futuro), [...] prestígio (para ser respeitado e reconhecido dentro de um determinado grupo, um indivíduo pode oferecer informações de qualidade, fartura de detalhes técnicos nas respostas, apresentar disposição para ajudar os outros e redação elegante), [...] incentivo social (o vínculo a um determinado grupo leva pessoas a oferecerem voluntariamente ajuda e informações), [...] e incentivo moral (o prazer associado à prática de boas ações estimula pessoas a doarem seu tempo e esforço).”

Enfim, com o mesmo cuidado com que se solicita o envolvimento

responsável e qualitativo com o processo de aprendizagem dos alunos, deve-se

ter muita atenção ao processo de inclusão dos professores. Incluir digitalmente

não é apenas entregar um computador em mãos; não é apenas oferecer a

abertura de espaços informatizados (sites) para que professores atualizem suas

estratégias de ensino.

As expectativas, os imaginários e as ações pedagógicas estão incluídos

em um tempo diferente do tempo informatizado atual, logo há necessidade de

um amparo direto e mais próximo ao grupo de professores, seu contexto e

expectativas profissionais, cuja memória cognitiva foi formada por informações

e suportes anteriores às tecnologias digitais.

Diante de todo este contexto, encontra-se o conteúdo neurocientifico e

sua ‘atitude’ de manter o cérebro saudável, ou seja aprendendo através de

estímulos aos impulsos nervosos com significado e respeitando às emoções

singulares e subjetivas que se apresentarem no processo de aprender. É nunca

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parar de descobrir o mundo e a si mesmo por meio de atitudes, hábitos e

aprendizagens saudáveis com ritmo e repetição constante. Com o passar do

tempo, as redes neurais constroem padrões de ligação que podem ser

comparados a camadas entrelaçadas de conhecimentos (neurônios espelho em

funcionamento) que permite aos aprendentes acessar, com instantaneidade, na

memória, semelhanças entre situações de aprendizagem e, muitas vezes,

discerni-las com mais precisão e criatividade.

Segundo Correa (2010, p.48), “recentemente, com a comprovação de

que neurônios continuam a surgir até a meia-idade (um processo denominado

neurogênese)”, a dinâmica e a plasticidade neurológicas se transformaram.

Diante de atividades desafiantes e significativas, os cérebros aprendentes

(mesmo dos adultos) entram em diferentes processos de adaptação cuja base é

reaprender a usar suas próprias habilidades. E é preciso ter respeito

educacional com estes processos de adaptações, principalmente porque, no

contexto da sala de aula, por exemplo, serão as emoções e os sentidos que

darão a tônica destas e outras mudanças biopsicossociais de todos.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2 AGRADECIMENTO 3 DEDICATÓRIA 4 RESUMO 5 METODOLOGIA 6 SUMÁRIO 8 INTRODUÇÃO 9 CAPÍTULO I - Um estudo sobre Neurociência 14 1.1- Origem da Neurociência 16 1.2- A Década do Cérebro 19 CAPITULO II - Neurociência e os ‘Neuroaprendentes’ 21 2.1- Como o cérebro humano funciona para se adaptar 22 2.2- O que é a Biologia da Informação Neural? 26 2.2.1- O Sistema Nervoso 28 2.3- Límbico, Emoção e ‘Aprendência’ 33 CAPITULO III - Neurociência aplicada à sala de aula tecnológica 42 3.1- Novas Tecnologias e Neurociência 47 3.1.1- Gerações-aprendentes diferentes 49 CAPITULO IV - Projeto MPB sob o olhar neurocientífico 54 4.1- Prática de ensino e de ‘sentir’: em cena, os cérebros 64 4.2- Projeto na escola: Experimentando o cérebro 71 4.2.1- Descrição do Projeto Líteromusical 74 4.2.2- Análise Neurocientífica dos Comportamentos 87 CONCLUSÃO 101 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 107 ÍNDICE 112