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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
PRÉT A JETER: A OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA COMO CRIME NAS RELAÇÕES DE CONSUMO
Por: Juliana Campos de Aguiar Mattos Ribeiro
Orientador Prof. William Lima Rocha
Rio de Janeiro 2015
DOCUMENTO PROTEGID
O PELA
LEI D
E DIR
EITO AUTORAL
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
PRÉT A JETER: A OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA COMO CRIME NAS RELAÇÕES DE CONSUMO
Apresentação de monografia à AVM Faculdade Integrada como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Direito do Consumidor e Responsabilidade Civil Por: Juliana Campos de Aguiar Mattos Ribeiro
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus o dom da vida e por ser privilegiada em ter nascido em uma família brasileira que pôde pautar a educação como sua maior herança.
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DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho aos meus avós Aguiar, Ondina, Doca e Orlando por terem iniciado quem eu sou, aos meus pais João e Solange incansáveis no exercício de me tornarem um ser humano melhor, ao meu marido Cássio Lívio pelo companheirismo e apoio nas horas em que eu mais precisei e ao meu amigo Pedro Brown por me ajudar a concluir com êxito este trabalho.
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RESUMO
O presente trabalho visa demonstrar o estudo da Obsolescência
Programada como crime nas relações de consumo, traçando um paralelo entre
a necessidade de consumo da sociedade capitalista e os crimes do Código de
Defesa do Consumidor (Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990) que estabelece,
em seu Título II, do art. 61 ao 80, um rol de crimes contra os consumidores.
Em especial, o estudo da teoria do “descrescimento” não somente como
um conceito econômico, mas como um conceito político, onde a melhoria do
nível de vida seria decorrência do crescimento do PIB e da consciência social
que deveria ter como meta o aumento do valor da produção. Diminuindo em
escala o consumo permanente da sociedade.
E ainda a discursão do tratamento constitucional ao direito do
desenvolvimento como direito fundamental da sociedade abordando sua
definição e a possibilidade de sua proteção jurídica.
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METODOLOGIA
Pode-se dizer difícil, senão impossível, escolher apenas um método
para o desenvolvimento da pesquisa jurídica, pois trata-se de um curso, que se
caracteriza por um pluralismo metodológico, procurando garantir a objetividade
dos fatos sociais. Sendo assim, além dos métodos lógicos (dentre estes o
hipotético-dedutivo e o método analógico), serão privilegiados os métodos
sociológicos, histórico, analógico e comparativo.
Quanto à tipologia a pesquisa a ser desenvolvida, será bibliográfica e
documental, as fontes de pesquisa serão todas aquelas admitidas na pesquisa
jurídica de natureza bibliográfica e documental: legislação, doutrina,
jurisprudência e direito comparado.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 8
CAPÍTULO I: DOS CRIMES DE CONSUMO O CONCEITO ..................................... 9
CAPÍTULO II: DA OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA .......................................... 16
CAPÍTULO III: A TEORIA DO DESCRESCIMENTO ............................................... 23
CAPÍTULO IV: NASCIMENTO E EVOLUÇÃO DO DIREITO DE ARREPENDIMENTO .................................................................................................... 32
CAPÍTULO V: A TEORIA DO DESENVOLVIMENTO COMO DIREITO FUNDAMENTAL .......................................................................................................... 38
CAPÍTULO VI: A OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA E AS DECISÕES DOS TRIBUNAIS ................................................................................................................... 44
CONCLUSÃO ................................................................................................................ 53
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................. 55
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INTRODUÇÃO
Com a prática mercadológica, onde propositalmente fornecedores
encurtam a vida útil de um produto, que simplesmente torna-se obsoleto no
mercado ou deixa de funcionar em perfeitas condições, vemos a insatisfação
do consumidor claramente, pois vive-se em uma busca constante entre o
moderníssimo e o ultra funcional, embora a prática da obsolescência fomente a
economia a gerar empregos e movimente a máquina do capitalismo, trata-se
de uma prática nociva ao consumidor.
A preocupação com o tema é constante gerando inúmeros estudos e
debates, que tem como ponto focal a relação entre a teoria do descrescimento
e a necessidade de desenvolvimento como direito fundamental e ainda os
crimes de omissão de informação e afirmação falsa ou enganosa sobre os
produtos.
Acredita-se que o combate a obsolescência programada como crime
nos moldes do CDC existe para a proteção efetiva do consumidor, assim, o
mesmo deve receber informações claras sobre o ciclo de vida dos produtos,
ficando ao seu critério escolher ou não determinado bem.
Na verdade, as relações de consumo tornaram-se extremamente
desiguais, e a aplicação das penalidades é, portanto, um instrumento
reconhecidamente eficaz e necessário no que tange às relações
consumeristas, quando aplicadas devidamente, provocam significativas
mudanças nos negócios jurídicos, visando ao bem-estar e à proteção do
consumidor, defendendo-o não só no atendimento que lhe é oferecido, mas
principalmente, na qualidade e durabilidade dos produtos e serviços colocados
à sua disposição.
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CAPÍTULO I:
DOS CRIMES DE CONSUMO
O CONCEITO
“Quem não luta pelos seus direitos não é digno deles.”
Rui Barbosa
1.1 - Dos Crimes de Consumo
Para termos um maior entendimento sobre os crimes de consumo, faz-
se necessário uma breve síntese da evolução histórica da teoria do crime. O
primeiro histórico conceituado sobre delito data do ano de 1590, onde o jurista
italiano Deciano, ditou que crime seria ”fato humano proibido por lei, sob
ameaça de pena, para o qual não se apresentava justa causa para a escusa”.
Sempre coube ao Estado, repreender os atos imputados como crime,
criando leis com penas, que seriam impostas aqueles que transgredissem as
normas nele estabelecidas.
No Brasil, o conceito de ilicitude teve início em 1830 com o Código
Criminal do Império, que tratava crime ou delito como toda ação ou omissão
contrária ás leis penais e em 1890, o Código penal republicano se manifestava
em seu artigo 7º, tratando crime como violação imputável e culposa da lei
penal.
Quando analisamos a teoria do crime somente pela perspectiva penal,
temos a evolução histórica e comprovada dos fatos, mas quando focamos o
crime no âmbito do direito do consumidor, percebemos a inviabilidade de
determinarmos quando e onde surgiu, já que o direito do consumidor existe
desde os tempos mais remotos, pois sempre existiram pessoas vendendo ou
trocando algo.
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Neste estudo para demarcarmos um período, podemos resgatar o
Código de Hammurabi, de 1728 a. C., que continha dispositivos acerca das
punições, sempre severas e com muita violência aos fornecedores que
lesassem os consumidores, o respectivo ordenamento dispunha sobre fraude
com grãos, metais e nos contratos de construção.
Com a Revolução Industrial no século XVIII, toda percepção a respeito
das relações de consumo mudou, o individualismo perdeu a força e os
produtos foram saindo das fábricas, o liberalismo tornou-se forte e as relações
sociais ganharam maior diversidade, como explica o doutrinador Eduardo
Gabriel Saad:
“Nesse mesmo período, velhas ideias sobre a organização social e a origem do poder cedem seu lugar ao liberalismo que se reforça no âmago da revolução Industrial e as relações na sociedade ganham maior diversidade e não menor complexidade. Nesse quadro, consolidou-se a crença de que o desenvolvimento do todo social está na dependência da liberdade do indivíduo para realizar e construir um mundo novo.”
1.2 - A Perspectiva do Direito do Consumidor no Brasil
Historicamente as primeiras informações a respeito do direito do
consumidor no Brasil, referiam-se ao rigor extremo com que o primeiro Código
Penal tratava os falsificadores, que eram punidos com pena de morte, ou
expulsão do país caso fosse comprovada a falsificação.
Anos depois, o Código Civil de 1917, trouxe sem eficácia aos
pressupostos do Direito do Consumidor, o direito de reparação e indenização,
mas somente em 1951 com a Lei de Economia Popular, houve uma pequena,
mas substancial evolução, já que a mesma previa sanções penais e
pecuniárias, e elencava delitos que não foram revogados pelo Código de
Defesa ao Consumidor atual.
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Somente em 1985, com a Lei 7.347, foi regulamentada a ação civil
pública de responsabilidade por danos causados ao consumidor, danos ao
meio ambiente e bens e direitos de valor histórico, mas a lei não abrangia os
interesses individuais do consumidor.
Em 1988, com a Constituição da República Federativa do Brasil, a
defesa do consumidor foi destacada como direito fundamental no seu art. 5º,
inciso XXXII: o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor e
também com a implementação do ADCT em seu art. 48, foi ordenada a criação
do Código de Defesa do consumidor em 120 dias, só que apenas em 1990 a
Lei 8078 foi editada, sendo uma força inovadora que modernizou os institutos
do Direito Civil e do Direito Comercial.
1.3 - Dos Princípios Básicos do Direito do Consumidor
Vemos evidenciado no Código de Defesa do Consumidor que o
legislador fez questão de salientar que os princípios indicados são direitos
básicos do consumidor, não excluindo todos os outros elencados no art. 6º,
podendo todos ser usados em sua defesa.
1.3.1 - Princípio da Dignidade
Conforme aduz o professor Rizzato Nunes:
"A dignidade humana é um valor já preenchido a priori, isto é, todo ser humano tem dignidade só pelo fato já de ser pessoa”.
O mencionado conceito apresenta duas concepções, pois materializa a
relação protetiva que se estabelece entre o indivíduo e Estado, e, ao mesmo
tempo, estabelece o tratamento igualitário e respeitoso que deve ser
observado pelos jurisdicionados.
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Para o Código de Defesa do Consumidor a dignidade humana, é o mais
importante dos princípios, pois em seu art. 4º percebemos que não se trata de
um ideal abstrato, mas de uma verdade real e concreta.
1.3.2 Direito a Proteção a Vida e a Segurança
Quando o CDC estabelece dispositivos que tutelam a saúde e a
segurança dos consumidores, ele reitera de forma ampla o direito básico de
proteção à vida, saúde e segurança.
Ao consumidor é garantida a proteção da vida, saúde e segurança
contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e
serviços considerados perigosos ou nocivos. Vivemos em uma sociedade onde
os riscos eminentes de produtos surgem a todo tempo, sendo claro a
observação deste como um direito preliminar, atrelado ao princípio maior da
dignidade da pessoa humana, uma vez que evidenciamos muitos produtos,
serviços e práticas comerciais perigosos e nocivos para vida, saúde e
segurança do consumidor.
1.3.3 Princípio da Proteção e da Necessidade
A Lei 8078/90 tem caráter protecionista e de interesse social, desta
forma, a necessidade foi o principal motivo para a criação da lei, com o intuito
de prevenir as lides e punir os maus fornecedores.
1.3.4 Princípio da Transparência
A transparência equivale à informação precisa e correta sobre o produto
ou serviço a ser utilizado, conforme o Código de Defesa do Consumidor, ao
fornecedor incumbe novo e indeclinável dever de bem informar ao consumidor
sobre as características do produto, ou serviço e ainda informar corretamente
sobre o conteúdo do contrato, nesta lealdade e respeito na contratação do
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fornecedor com o consumidor, também inclui a fase negocial dos contratos de
consumo.
Transparência significa informação sobre tudo aquilo que vai ser
importante no contrato, portanto o fornecedor tem o dever formal de informar
ao consumidor com muita clareza, as características do produto e as
particularidades do contrato, colocando este último salvo de qualquer lesão.
1.3.5 Princípio da Harmonização de Interesses
A máxima do direito do consumidor diz respeito à harmonia entre as
relações entre consumidores e fornecedores, pois o fornecedor tem direito ao
lucro que, não pode, nem deve ser exagerado e o consumidor deverá ter o livre
acesso ao mercado de consumo, sem qualquer descriminação.
A intervenção do Estado, só existirá se consumidores e fornecedores
não chegarem a um consenso, coma finalidade de concretizar a harmonia,
resolvendo a celeuma entre os interesses dos fornecedores e consumidores, o
Código de Defesa do Consumidor incentivou a criação de departamentos para
a solução de reclamações, com os chamados de serviços de atendimento ao
cliente, a harmonização é prevista no art. 4º inciso III, sendo um dos objetivos
da política nacional, pois torna compatível a necessidade de desenvolvimento
tecnológico e econômico em defesa do consumidor.
1.3.6 Princípio da Vulnerabilidade do Consumidor
Quando classificamos uma categoria de pessoas como vulneráveis,
significa que existe fraqueza, ou seja, fragilidade em comparação a alguma
coisa ou a alguém forte e potente, não se pode conceber a vulnerabilidade, isto
é, o caráter ou qualidade de ser vulnerável, senão em relação a algum ente,
objeto ou situação que faça apontar este estado.
Uma vez reconhecida a vulnerabilidade do consumidor, declarada
também estará a potencialidade ou o poder, inerente ao fornecedor, para
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harmonizar o relacionamento entre ambos é preciso igualar suas posições,
satisfazendo a causa do contato consumerista, sem que haja prejuízo
injustificado.
O aparecimento da defesa e proteção do consumidor é a constatação
fática dessa vulnerabilidade e do poder do fornecedor no cenário mundial,
resultando transformações econômicas e sociais existentes. Sendo assim, a
importância do princípio se dá em virtude da proteção do consumidor, porque
apesar de fazer parte do ciclo produtivo, o mesmo só se completa com a
aquisição do produto ou a utilização do serviço e não é o mesmo quem
comanda ou controla a ação.
1.3.7 Princípio da Intervenção Estatal
Conforme previsto nos artigos 5º, XXXII e 170, da Constituição da
República Federativa do Brasil, o Estado tem o dever de promover a defesa do
consumidor, atuando nas relações de consumo com a finalidade de proteger a
parte mais fraca na relação, ou seja, o consumidor, neste sentido, cabe
observar o entendimento de Hugo Leonardo Barbosa, que diz:
“... a participação do Estado é imprescindível para que haja o equilíbrio de condições entre o fornecedor e o consumidor. Para tanto, deve atuar em dois momentos distintos, inicialmente na elaboração de normas que atendam ao interesse da coletividade e, a posteriori na entrega da efetiva prestação jurisdicional".
Tal afirmativa, não se trata de intervenção do Estado de forma direta,
inviabilizando a relação entre as partes, mas sim de fornecer condições
harmoniosas tornando equivalentes as posições das partes envolvidas no
negócio. O Estado deve atuar de forma direta e se necessário for inclusive com
o seu poder de polícia direta, ou indiretamente, com políticas governamentais e
incentivo às associações de consumidores.
Deste modo, entende-se que o Estado tem o dever e a obrigação de
proteger os interesses dos consumidores, garantindo a efetividade dos direitos,
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a intervenção governamental faz-se necessária por ser o consumidor na
prática a parte frágil na relação jurídica de consumo.
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CAPÍTULO II:
DA OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA
2.1 - Os Problemas Atuais de Obsolescência em Produtos Eletrônicos
Para tratarmos de um tema polêmico e atual como a obsolescência em
produtos eletrônicos, precisamos inicialmente conceituar o termo
obsolescência.
Na verdade a obsolescência é definida como o encurtamento da vida
útil de um bem ou produto, ou seja, a durabilidade de um bem se dá por um
período reduzido, de forma que o consumismo aumente em um menor espaço
de tempo. O jornalista inglês Vance Packard, definiu três formas de
obsolescência de um produto, por forma, quando um produto é substituído por
outro que executa melhor função, como foi o caso do telégrafo para o telefone,
por qualidade, quando um produto é projetado para ser gasto em um tempo
menor do que levaria normalmente e por desejabilidade, quando um produto
que funciona perfeitamente é substituído por outro simplesmente pelo
surgimento de um novo estilo ou pequena alteração que o faça objeto de
desejo, como o caso dos celulares.
Para entendermos a obsolescência programada, necessitamos analisar
a história e o contexto da época, antes da década de 20, vivíamos em um
mundo de produção e não de consumo, o mundo desconhecia o termo
obsolescência, porque a produção é o que impulsionava a economia, ocorre
que com avanço de novas tecnologias e principalmente a partir da crise
econômica de 1929, houve uma explosão do consumo em massa e em 1932 a
obsolescência programada foi sugerida como meio econômico para acabar
com a crise, quanto mais se produzia mais se consumia, ajudando a
movimentar a máquina capitalista.
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Na década de 50, as empresas norte americanas se depararam com a
falta de grandes inovações e a depressão fez com que o governo, junto com os
grandes empresários incutissem na mente da população que a solução para
crise seria o aumento do consumo. Para incentivar o consumismo as indústrias
entenderam que o planejamento prévio do envelhecimento de um produto
deveria ser estudado, assim o estímulo à compra desenfreada e a visão
inconsciente do consumidor contribuiu para a indústria da obsolescência
programada.
2.1.1 – O avanço tecnológico
Com o avanço tecnológico, é normal que os produtos tornem-se
obsoletos, mas por muitas vezes a não durabilidade é intencional gerando uma
substituição forçada do produto. O fenômeno, conhecido como obsolescência
programada, é tido pelos ambientalistas como um dos primeiros problemas
ecológicos enfrentados pelo mercado, podendo ser observado com frequência
nos produtos eletrônicos de última geração, ressalte-se que alguns produtos, já
saem da indústria, programados para durarem por um determinado prazo, o
que na prática, equivale a um período de tempo, bem curto, funcionando
regularmente por poucos meses após o término da garantia.
Os produtos eletrônicos tornaram-se objeto de desejo da maioria da
população mundial e nos dias de hoje com o avanço tecnológico, a informação
cada vez mais rápida e o acesso ao mercado, fez com que os produtos
fabricados tenham data certa para “morrer”, a previsão de vida útil está cada
vez menor.
Vários estudos apontam os celulares como os grandes campeões em
obsolescência programada, uma vez que a troca de aparelho é vista como
atualização de consumo e modernidade pela população, assim, neste
momento começam a surgir os problemas, pois 18 meses é o tempo de vida
útil que um aparelho eletrônico como o celular, permanece nas mãos de um
consumidor e o seu descarte é potencialmente ignorado, normalmente são
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esquecidos em alguma gaveta ou pior, descartados em lixos domésticos, sem
qualquer preocupação ambiental.
E pensarmos que o celular é tão somente um pequeno exemplo dessa
cadeia de problemas, pois temos da mesma forma, as baterias, os
carregadores, impressoras, máquinas fotográficas, computadores, notebooks,
todos descartados pelo consumidor final de forma incorreta. Na verdade o
maior problema que os responsáveis pelo setor tecnológico, ambientalistas e
sociedade enfrentam, não é simplesmente com a destinação dos produtos
desativados, mas sim, com a falta de regras legais que regulamentem não só o
descarte, mas todo o processo produtivo.
2.2- A proteção jurídica da obsolescência
Constatamos que do ponto de vista jurídico ainda temos muito a
evoluir, necessitamos de uma legislação abrangente, que defina a fabricação,
o comércio, a distribuição, o uso e o descarte dos produtos eletrônicos, hoje
somos todos obrigados a consumir e descartar como em círculo vicioso, sem
termos acesso a locais de descarte apropriados.
Os eletrônicos agridem e devastam a natureza, por isso, iniciou-se uma
parceria entre a Receita Federal e Polícia Federal, impulsionando a
fiscalização federal, abrangendo aparelhos fabricados no Brasil e os
importados, sabe-se que 80% do lixo eletrônico produzido em países ricos, são
destinados aos países em desenvolvimento, deste modo a população menos
protegida em termos de segurança e informação, é a que trabalha sem a
infraestrutura necessária e de maneira precária com esse material, os resíduos
são enviados sob pretexto de ajuda aos países pobres, com a alegação que os
eletrônicos enviados podem ser reutilizados, mas o que não é vislumbrado é
que um vasto número de componentes desses aparelhos não são
biodegradáveis, portanto, os equipamentos eletrônicos possuem, por exemplo,
material como plástico que demora cerca de 100 a mil anos para se degradar,
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além de substâncias altamente tóxicas, como o chumbo e o mercúrio, estudar
e promover a reciclagem desses materiais é a atitude mais inteligente.
2.3 – A obsolescência pelo mundo
Na Europa é crescente a preocupação com o impacto ambiental, a
União Europeia tenta regulamentar novos padrões de durabilidade e
reparabilidade dos produtos, mas no Brasil o Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior, estuda através do Comitê Orientador para a
Implementação de Logística Reversa a geração de resíduos eletrônicos de
mais de mil toneladas, desta forma, a política nacional de resíduos sólidos que
foi sancionada em 02 de agosto de 2010, com a Lei 12.305 é uma maneira de
minimizar os impactos socioambientais, onde a responsabilidade é
compartilhada entre governo, fabricantes, revendedores e mesmo
consumidores, a lei torna obrigatória a logística reversa aos produtos
eletrônicos, mas mesmo assim é um pequeno passo dado para a extensão
significativa do problema.
Essa lei ressaltou o que está embasado no artigo 225 caput da
Constituição Federal, que dispõe “Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”.
2.3.1- Obsolescência no Brasil
Para a Legislação Brasileira, a obsolescência programada vem sendo
interpretada em diversas decisões judiciais. O fornecedor tem a
responsabilidade pelo produto, não restringindo-se somente ao período de
garantia, seja por iniciativa do fabricante ou por força de lei, para o direito, o
defeito que surge durante a vida útil do produto, configura-se como vício oculto,
por isso, os fornecedores reduzem propositalmente a determinação da vida útil
do produto.
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O Código de defesa do Consumidor prevê como um direito básico dos
consumidores, o direito a educação e a divulgação sobre o consumo adequado
dos produtos e serviços, bem como o direito a informação adequada e clara, a
fim de garantir que os consumidores possuam todas as informações possíveis,
incluindo característica, durabilidade, desempenho e descarte do produto,
equilibrando a relação de consumo, caso o consumidor constate que alguma
informação tornou-se obsoleta ou obscura e que possa ter sido prejudicado
pela obsolescência programada, poderá se valer do Poder Judiciário para
reparar seu dano. Segundo Hugo Leonardo Barbosa, “para proteger
efetivamente o consumidor, o Princípio da Intervenção do Estado,
previsto no inciso II do art. 4º, "autoriza a intervenção direta do Estado,
visando assegurar-lhe acesso aos produtos e serviços essenciais e
garantir a qualidade e adequação dos produtos e serviços (segurança,
durabilidade, desempenho)". Assim, o consumidor deve receber informações
claras sobre o ciclo de vida dos produtos, ficando a critério do consumidor
escolher ou não determinado bem. Em todo tipo de produto existe uma
previsão de durabilidade, e ocorrendo a antecipação da obsolescência, gera
frustração ao consumidor que não mais poderá utilizar-se do mesmo.
Estando ausente a hipótese de desgaste natural ou uso indevido, é
perfeitamente cabível a substituição do produto na forma do art. 18,§ 1º, inciso
II, do CDC, ou o ressarcimento do valor pago no caso do consumidor assim
desejar. Já a frustração causada pela indisponibilização do produto ou pela
romaria nas assistências técnicas, poderá ensejar a reparação extra
patrimonial, caso o magistrado que julgar a lide não venha a arguir o
indefectível jargão jurídico: "mero aborrecimento do cotidiano que não enseja
reparação”. Observe-se o teor do seguinte julgado:
AC0006196-91.2008.8.19.0004-4ª, CAMARA CÍVEL do TJRJ – Relator DES. SERGIO JERONIMO A. SILVEIRA. Julgamento: 19.10.2011: “Ação de defesa do consumidor, responsabilidade civil c/c indenização de dano material e moral. Aquisição de eletrodoméstico. Aparelho de TV 42PF7321. Defeito apresentado um ano e doze dias após sua aquisição, fora do prazo de
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garantia. Consulta à assistência técnica. Contatos mantidos diretamente com o fornecedor. Ausência de informação. Alegada negligência e descumprimento de contrato da relação com consumidor.” No julgado em comento, pode-se constatar que decorrido o prazo de garantia (um ano e doze dias após a aquisição) o aparelho apresentou um defeito, que se tornou irreparável por falta de peças de reposição. Evidentemente, trata-se de um lapso temporal muito curto para que um produto se torne completamente obsoleto, impróprio, pior ainda: inútil ao fim a que se destina, fazendo jus o consumidor não somente ao dano patrimonial, mas também ao moral pela frustração da expectativa e má-fé configurada na prática abusiva.
O STJ no fim de 2012 julgou um processo sobre defeito após o período
de garantia, responsabilizando o fornecedor por defeito que surgiu durante a
vida útil do produto:
DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL AÇÃO E RECONVENÇÃO. JULGAMENTO REALIZADO POR UMA ÚNICA SENTENÇA. RECURSO DE APELAÇÃO NÃO CONHECIDO EM PARTE. EXIGÊNCIA DE DUPLO PREPARO. LEGISLAÇÃO LOCAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 280/STF. AÇÃO DE COBRANÇA AJUIZADA PELO FORNECEDOR. VÍCIO OCULTO RELATIVO À FABRICAÇÃO. CONSTATAÇÃO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR. DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. EXEGESE DO ART. 26, §3°, DO CDC. Recurso especial conhecido em parte e, na extensão, não provido (STJ REsp 984106/SC. 4ª Turma do STJ. Pub. Dje 20/11/2012 Rel. Min. Luis Felipe Salomão). Observe-se outro julgado, AC 0036369-07.2008.8.19.0002 (2009.001.06289), 17ª Câmara Cível do TJRJ, Relator Des. Custódio Tostes. Julgamento: 18.02.09, neste sentido: “AÇÃO INDENIZATÓRIA C/C DANOS MATERIAIS E MORAIS. APARELHO DE DVD ADQUIRIDO EM LOJA DA RÉ QUE APRESENTOU DEFEITO DENTRO DO PRAZO DE GARANTIA. AUTORIZADA PHILCO QUE NÃO POSSUI PEÇAS DE REPOSIÇÃO, O QUE IMPEDE SEU CONSERTO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO FABRICANTE E
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COMERCIANTE. ARTIGO 18, DO CDC. DANOS MATERIAL E FORMAL CONFIGURADOS. ARTIGO 14, DO CDC. VALOR QUE DEVE SER ARBITRADO EM OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE, LEVANDO EM CONTA, AINDA, A REPROVABILIDADE DA CONDUTA DO AGENTE, A GRAVIDADE DO DANO, A CAPACIDADE DO RESPONSÁVEL E AS CONDIÇÕES PESSOAIS DO OFENDIDO, O QUE FOI OBSERVADO PELO MAGISTRADO. COMFIRMAÇÃO DA SENTENÇA. SEGUIMENTO QUE SE NEGA AOS RECURSOS NA FORMA DO DISPOSITIVO NO ARTIGO 557 DO CPC.”.
2.4 – A obsolescência e o dever do Estado
O Estado vem regulando e criando políticas públicas, visando garantir
um meio ambiente salubre para as próximas gerações, mas ainda é o mínimo
necessário para o desenvolvimento do país. Deve-se buscar transformar os
padrões de consumo através de uma fiscalização mais rígida das empresas
praticantes da Obsolescência Programada, devendo ser tutelada e repensada
de forma inovadora por uma legislação que não seja igualmente obsoleta e
que busque privilegiar os poderosos da indústria consumerista, além de
educar o consumidor ao raciocínio do consumo consciente, para que o mesmo
esteja ciente das suas atitudes para o meio ambiente.
O consumidor deve entender que não possui apenas direitos e
facilidades, mas tem total responsabilidade pelo que consome e pelo que
descarta na natureza, sua assimilação conformada frente às estratégias
industriais deve ser combatida e o pensamento crítico sobre novas ideias de
sustentabilidade devem ser evidenciadas de forma concreta a partir de
políticas públicas mundiais, não basta pensar pequeno no individualismo da
era primitiva para a evolução faz se necessário uma compreensão macro,
entender que o Estado e o consumidor individual está pouco a pouco
contribuindo para a destruição do mundo.
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CAPÍTULO III:
A TEORIA DO DESCRESCIMENTO
3.1 – O Surgimento
A Teoria do Descrecimento nasceu em meados do ano de 2001, quando
Serge Latouche, filósofo e economista influenciado por François Partant,
moderou um debate organizado pela UNESCO, entre o ativista
antiglobalização José Bové e o pensador austríaco Ivan Illich. Latouche já
havia vivido a experiência de comprovar em campo no continente africano, os
efeitos que a ocidentalização produzia nos países menos desenvolvidos.
A palavra descrescimento realmente foi escolhida para provocar,
despertar as consciências e alertar a sociedade, que seu consumo
exacerbado e desmedido deveria findar-se, uma vez que o fundamento da
teoria é defender uma sociedade que produza menos e consuma menos.
Assim, o movimento ecossocial nasceu para lutar contra a cultura do usar e
jogar fora, da obsolescência programada, o crédito sem tom, nem som e os
atropelos que ameaçam o futuro do planeta. Latouche defende uma
sociedade que produza menos e consuma menos. Sustenta que é a única
maneira de frear a destruição do meio ambiente, que ameaça seriamente o
futuro da humanidade, segundo ele: “É preciso uma revolução. Porém, isso
não quer dizer que haja que massacrar e apertar as pessoas. É preciso
uma mudança radical de orientação”. Em seu livro, “A sociedade da
abundância frugal”, ele explica que é necessário almejar uma melhor
qualidade de vida e não um crescimento ilimitado do Produto Interno Bruto.
Não se trata de defender o crescimento negativo, mas um
reordenamento de prioridades. Apostando no decrescimento, apostamos na
saída da sociedade de consumo. Para ele o capitalismo vive numa crise
contínua, comparando o sistema como um ciclista, que ao deixar de pedalar,
cai no chão, porque o capitalismo sempre deve estar em crescimento, pois o
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contrário disso é uma catástrofe para a sociedade, sabiamente discorre que o
crescimento aparentemente real, na verdade tratou-se de um crescimento da
especulação imobiliária e agora tudo o que a sociedade abarcou como
desenvolvimento está em crise.
A crise tratada por Latouche, não é simplesmente uma crise econômica
ou financeira, mas uma crise ecológica, social e cultural, uma crise de toda a
civilização.
3.2 - Decrescimento justo ou barbárie
Segundo Yayo Herrero:
“O capitalismo é intrinsecamente incompatível com os limites físicos do planeta. Por isso, foi desenvolvendo toda uma série de pseudo-soluções que tentam demonstrar que se pode continuar crescendo indefinidamente em um planeta de recursos limitados”.
Vivemos em uma sociedade de excessos, mas ao contrário do que
pensamos a maior parte das coisas importantes ou imprescindíveis está
diminuído, podemos perceber nitidamente esse conceito, quando nos
deparamos com o desiquilíbrio climático causado pelo excesso de transporte
motorizado, os gases de efeito estufa, os aerossóis e a radiação solar e ainda
o quarto fator que diz respeito às transformações nas características da
superfície terrestre; o petróleo, base de nossa organização econômica,
começa a esgotar-se por causa da excessiva extração; a água, o ar e o solo
são envenenados devido ao uso excessivo de monóxido de carbono (CO),
dióxido de carbono (CO2), dióxido de enxofre (SO2), eutrofização, pesticidas,
metais pesados, petróleo, detergentes e queimadas; as desigualdades sociais
se aprofundam porque existe uma acumulação e consumo excessivos de
bens por parte de uma minoria.
A articulação social que garantia os cuidados está se destruindo, entre
outras razões, porque homens e mulheres devem dedicar um tempo excessivo
25
a trabalhar para o mercado; a diversidade social e cultural desaparece diante
dos excessos de um modelo homogeneizador.
3.2.1- Conclusões sobre Descrescimento para Latouche
Latouche trata o descrescimento não como uma alternativa social, mas
como uma matriz da alternativa, um esqueleto a ser construído e a ideia é que
cada Estado, ou país busque sua forma de “descrescer”, mas com medidas
concretas, como por exemplo, a cobrança de impostos sobre os consumos
excessivos, ou mesmo a limitação dos créditos que são concedidos Em sua
teoria é preciso trabalhar menos para ganhar mais, pois segundo ele quanto
mais se trabalha menos se recebe, já que a lei do mercado é leonina, pois se
trabalhamos mais, aumentam as ofertas de trabalho, e como a demanda não
aumenta, os salários tendem a baixar.
Quanto mais se trabalha, mais se provoca a baixa dos salários, então
seria necessário trabalhar menos horas para que todos trabalhem e,
sobretudo, trabalhar menos para viver melhor e isto é mais importante e mais
subversivo. Com esta teoria ele explica o motivo de termos uma sociedade
doente, toxicodependente do trabalho, onde todos estão viciados em
consumir e ganhar cada vez mais e a única forma de descanso que
encontram é assistir televisão, um veneno por excelência, um veículo que
coloniza e torna dependente o imaginário.
Latouche afirma que trabalhar menos ajudaria a reduzir o desemprego,
e que seria preciso uma reconversão ecológica da agricultura, seria
necessário passar da agricultura produtivista à agricultura ecológica
campesina e que essa teoria não é um retrocesso na história, não existe
razão para ser obrigatoriamente algo ruim.
. É necessário comer melhor, consumir produtos sadios e respeitar os
ciclos naturais. Para tudo isso é preciso uma mudança de mentalidade. Caso
medidas concretas fossem tomadas para provocar uma mudança Latouche
26
considera que as democracias, na atualidade, estão ameaçadas pelo poder
dos mercados. “Já não possuímos democracia”, proclama...
“Estamos dominados pela oligarquia econômica e financeira que tem a seu serviço toda uma série de funcionários que são os chefes de Estado dos países”.
E sustenta que a prova mais óbvia está no que a Europa fez com a
Grécia, submetendo-a a estritos programas de austeridade.
“Eu sou europeísta convencido, teria que se construir uma Europa, mas não assim. Teríamos que ter construído, primeiro, uma Europa cultural e política, e ao final, um par de séculos mais tarde, adotar uma moeda única”.
Já em 2008 Latouche sustentava a tese que a Grécia deveria declarar a
suspensão dos pagamentos, como as empresas fazem e bem lembrou que na
Espanha, o rei Carlos V quebrou por duas vezes e que o país não morreu e
com a Argentina, isto aconteceu após a ruína do peso e que a solução para
crise seria fácil, simplesmente anular a dívida, pois em seguida a recuperação
viria.
3.2.2 - A adição ao crescimento do capitalismo
No nosso sistema capitalista, temos como premissa maximizar o
benefício individual no menor tempo possível, um dos seus itens inevitáveis é
o consumo de recursos e a produção de resíduos que não podem parar de
crescer. o capitalismo é intrinsecamente incompatível com os limites físicos do
planeta. Por isso, foi desenvolvendo toda uma série de pseudo-soluções que
tentam demonstrar que se pode continuar crescendo indefinidamente em um
planeta de recursos limitados. Entre elas se destaca a promessa da
desmaterialização da economia a partir da ecoeficiência. A eficiência é
condição necessária, mas não suficiente. O efeito rebote que acompanhou
muitas inovações tecnológicas que pretendiam desmaterializar a economia dá
boa mostra disso.
27
3.2.3 - Decrescimento e qualidade de vida
De uma forma geral, nossa população vive em condições de
subsistência, o aumento no consumo de recursos e energia é associado ao
aumento da qualidade de vida, isto está claro quando vemos o aumento da
esperança de vida, o acesso à educação, à saúde ou mesmo um sentimento
de felicidade.
No entanto, a partir de um determinado ponto, a correlação entre os
aumentos continuados no consumo de energia, o preço do custo de vida por
pessoa e a falta de acesso a bens considerados essenciais pela sociedade
faz com que o crescimento e o consumo em massa aumentem
significativamente os indicadores de mortalidade infantil, a falta de acesso à
educação, a saúde e a segurança.
O sentimento de felicidade está intimamente ligado à qualidade de vida
e a partir de um determinado momento descrescer por mais que gere
ausência de consumo, gera liberdade.
3.2.4- Decrescimento e trabalho
Ao longo do tempo, a sociedade a qual conhecemos, identificou o
trabalho exclusivamente com o emprego remunerado, menosprezando os
trabalhos que centram na sustentabilidade da vida, ou seja, a criação,
alimentação, cuidado de crianças, ou idosos, ou mesmo doentes, que são
imprescindíveis, mas não seguem a lógica capitalista.
Para que a sociedade se ajuste aos limites do planeta se faz
necessário uma redução dos setores de atividades que nos aproximam da
deterioração e necessitamos impulsionar aqueles outros setores que são
fundamentais para a conservação do ecossistema.
O sistema capitalista tornou-se tão rígido, que não paga os custos da
reprodução social, mas também não pode subsistir sem ela, devido a isto
28
temos essa grande quantidade de trabalho que permanece oculta e relegada
às mulheres e as pessoas de baixa classe social, sabemos que toda e
qualquer sociedade que queira se orientar pela sustentabilidade deve
reorganizar seu modelo de trabalho para incorporar as atividades de cuidados
como uma preocupação coletiva.
Na verdade, o emprego remunerado deve ser refletido, pois uma freada
no modelo econômico existente pode causar demissões em massa, existem
trabalhos que não são socialmente desejáveis, como as centrais nucleares, o
setor automotivo ou os empregos que são criados em torno das bolhas
financeiras. Necessárias são as pessoas e, portanto, o progressivo
desmantelamento de determinados setores teria que ir acompanhado de um
plano de reestruturação em um marco de fortes coberturas sociais públicas.
3.2.5 - Igualdade e distribuição da pobreza
Reduzir as desigualdades nos envia ao debate sobre a propriedade.
Encontramo-nos em uma sociedade que defende a igualdade de direitos entre
as pessoas e, no entanto, assume com naturalidade enormes diferenças nos
direitos de propriedade.
Para termos uma cultura voltada para sustentabilidade seria preciso
diferenciar a propriedade ligada ao uso da moradia ou o trabalho da terra,
daquela ligada à acumulação de bens e impor limites.
A economia neoclássica apresenta uma receita mágica para alcançar o
bem-estar, aumentar o tamanho do bolo, ou seja, crescer, evitando assim a
incômoda questão da distribuição. Contudo, o crescimento contradiz as leis
fundamentais da natureza. Assim, o bem-estar volta a ser relacionado com a
distribuição.
29
3.2.6 – Descrescimento Ordenado
Reduzir o tamanho de uma esfera econômica não é uma opção que
possamos escolher. O esgotamento do petróleo e dos minérios, e a mudança
climática vão nos obrigar a isso. Esta adaptação pode ser produzida pela via
da briga feroz pelos recursos decrescentes, ou mediante um reajuste coletivo
com critérios de equidade.
O decrescimento pode ser abordado desde práticas individuais,
comunitárias a um nível macro. Entre elas ressaltamos no nível macro:
− Introduzir limites para o uso de recursos
− Reduzir o consumo nos países do Norte para igualá-lo com o Sul, que
deveria aumentar até poder garantir a saída da miséria de suas
populações. Uma iniciativa neste sentido é colocar um limite máximo
do uso de recursos.
− Estudar a colocação em prática de uma pegada ecológica de consumo
máximo por pessoa em forma de “cartão de débito de impactos”.
− Proibir a produção de setores que destroem a vida.
− Reduzir os resíduos.
− Medidas de aumento da eficiência.
− Aumentar a participação dos elementos renováveis na economia quer
seja na forma de energia ou na forma de matéria, sem esquecer que
vão poder cobrir um consumo inferior ao que temos atualmente.
− Medidas de sensibilização da população sobre os limites do planeta.
priorizando os circuitos curtos de distribuição
− Incentivar uma reruralização da população.
− Promover um urbanismo compacto, de proximidade e bioclimático.
− Fomento de grupos de consumo e mercados locais, impor limites à
criação de dinheiro.
− Ancoragem das moedas a valores físicos como uma bolsa de alimentos
básicos ou de minérios estratégicos ou à quantidade de população.
30
− Proibição de que os bancos criem dinheiro ultrapassando seus
depósitos, ou seja, eliminação dos mecanismos de titularização da
dívida.
− Promoção de moedas locais e redes de troca. Internalização de custos.
− Colocação em prática de um sistema de ecotaxas finalistas e
redistributivas.
− Responsabilidade por parte dos fabricantes sobre todo o ciclo de vida do
produto.
− Introduzir mais controles à produção não ecológica que à ecológica.
Políticas ativas de fomento da economia ecológica e solidária
− Voltar a tornar público o controle dos setores estratégicos, como o
energético ou a banca.
− Medidas para a partilha da riqueza e a limitação da capacidade
aquisitiva: renda máxima e partilha do trabalho (produtivo e reprodutivo).
− Introduzir como únicos os critérios sociais e ambientais nas políticas
públicas de subvenções.
− Etiquetagem de traçabilidade do produto indicando as formas de
produção e de transporte.
− Política de compras verdes e justas por parte das administrações
públicas.
− Diminuir incentivos ao consumo. Um exemplo seria a limitação e o
controle da publicidade.
Segundo Allan Boccato:
“o decrescimento é importante, pois faz frente ao discurso hegemônico do economicismo da sociedade contemporânea, onde praticamente a totalidade da existência, das relações e da simbologia humana estão mediadas por relações econômicas mercantis. O decrescimento propõe o reestabelecimento de outras relações, como a coprodução, a solidariedade, o cuidado, a troca não monetária e a cooperação entre os seres-humanos como forma de organização socioeconômica.”
31
É sabido que não existem impeditivos para a implantação do
descrescimento, na verdade o que impede a tomada de decisão é o
conformismo e a resistência principalmente de quem está no poder, na
chamada decisão social, estes, formam a resistência carregando o caminho
de obstáculos intransponíveis, pois eles que têm maiores condições de
promover as mudanças, mas o maior obstáculo para a implantação da ideia,
são as corporações capitalistas que por terem como objetivo central a
perpetuação do desenvolvimento, colocam-se radicalmente contra as
transformações exigidas pelo mundo.
3.2.6- Decrescimento e crise econômica
Como explica Carlos Alberto Pereira
“a recessão, retração e estagnação econômica são palavras vinculadas ao universo desenvolvimentista. Portanto, só podemos acolhê-las, como portadoras de explicações plausíveis para as mutações em curso nos países materialmente desenvolvidos, se continuarmos insistindo na inócua crença de que só existem soluções para os problemas sociais com a manutenção da lógica fundada no crescimento econômico.”
Possivelmente, se formos capazes de redirecionar o nosso olhar,
veremos que o aumento do desemprego resulta da existência da concentração
de riquezas nas mãos de uma minoria opulenta. Com isso, a realização da
proposta do decrescimento, ao indicar a necessidade da redistribuição dos
bens socialmente produzidos, certamente contribuirá para resolver, dentre
outros, o problema do desemprego. Em consonância com um dos objetivos
do decrescimento que é “trabalhar menos para viver melhor”, a redistribuição
pode ser iniciada com uma substancial redução da jornada de trabalho.
32
CAPÍTULO IV:
NASCIMENTO E EVOLUÇÃO DO DIREITO DE
ARREPENDIMENTO
4.1- Direito de Arrependimento
Diante de recorrentes crises no comércio, o fornecedor se viu obrigado,
para permanecer no mercado, criar meios para continuar vendendo seus
produtos, gastando com poucos investimentos e utilizando-se de menos
vendedores com vínculo empregatício.
Os países desenvolvidos criaram o método de venda “porta em porta”,
prática essa que trouxe conforto aos clientes que cada vez mais sem tempo,
aderiram à modalidade e o comerciante, numa jogada de marketing ampliou o
mercado, utilizando-se de malas diretas e call centers e mais tarde já com a
revolução tecnológica, o uso da internet e-mail, sites e redes sociais. A partir
desta evolução surgiu a necessidade do legislador controlar as contratações
coibindo abusividades nas compras realizadas pelos consumidores.
O controle das contratações chamadas indiretas surgiu primeiro nos
países da Europa e Estados Unidos e veio evoluindo até chegar ao Brasil,
primeiramente através do Código Civil de 1916, até o advento da Lei Federal
8.078/90, que regulamentou as relações de consumo em nosso país com o
Código de Proteção e Defesa do Consumidor.
O Direito de Arrependimento vem descrito em seu art. 49 com o
seguinte texto: Art. 49:
O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio. Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título,
33
durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.
Com esta lei, o prazo definido para a desistência do negócio é de sete
dias, isto quando o contrato de consumo for concluído fora do estabelecimento
comercial, a contar do recebimento do produto, do serviço, ou da assinatura do
contrato, na verdade trata-se de um prazo de reflexão obrigatório instituído
pela lei para assegurar que o consumidor possa realizar uma compra
consciente, equilibrando as relações de consumo.
Para Leonardo de Medeiros Garcia, quando o consumidor adquire o
produto ou o serviço fora do estabelecimento comercial, fica ainda mais
vulnerável na relação instituída com o fornecedor, pois quando o consumidor
está dentro do estabelecimento, ele pode verificar o produto ou o serviço.
Conforme se verifica, o direito de arrependimento é um direito
potestativo conferido aos consumidores que adquirem produtos ou serviços
fora do estabelecimento comercial. No ano da criação do Código de Defesa
do Consumidor em 1990, o legislador se atinha às vendas pelo telefone ou a
domicílio, na época o comércio via internet não era uma realidade. Hoje esse
tipo de venda perdeu espaço para as vendas online, sendo o direito de
arrependimento uma das principais formas de proteção contratual, por esta
razão merece uma maior atenção. Segundo Rizzato Nunes, nas compras
celebradas na internet, por oferta pessoal do vendedor, o consumidor pode
adquirir por impulso e o mesmo pode ocorrer nas compras oferecidas pela TV
e adquiridas pelo telefone. E em qualquer dessas compras o consumidor
ainda não examinou adequadamente o produto ou não testou o serviço.
Na visão de Fernando Gravato de Morais, o propósito do direito de
arrependimento é o de afastar comportamentos pouco meditados, suscetíveis
de produzir efeitos nefastos na sua esfera jurídica e no seu patrimônio. Ainda
de acordo com o autor, pretende-se que ao consumidor seja proporcionada
uma efetiva informação acerca do teor do contrato, e ao mesmo tempo lhe é
34
concedido um determinado período temporal para refletir acerca do negócio
realizado.
4.1.2 O direito de arrependimento na prática
É cabível lembrar, que por força da própria lei o consumidor sequer
precisa motivar as razões que fizeram desistir do negócio Mas como desistir
de um serviço já concluído por força do prazo de reflexão? Como por exemplo,
um eletricista que foi acionado pela internet para coibir um problema de
emergência executa o serviço e logo após o consumidor exerce o direito de
arrependimento por força do art. 49; CDC.
É certo que o prestador de serviço não receba pelo feito? Como
retornar ao status quo? Por essas e outras razões, o direito como regulador
das relações humanas, carece de amparo para que se predomine o bom
senso. Para se resolver questões como a do exemplo acima, alguns países da
Europa vêm exercendo sua prodigalidade, evoluindo sua legislação para
adequar-se ao equilíbrio peculiar das relações de consumo, trazendo
limitações ao exercício do direito de arrependimento e proibindo sua utilização
para os contratos cuja execução já tenha sido iniciada.
Dessa forma, o fornecedor não seria penalizado com consumidores
que de má- fé utilizassem desse instituto. O objetivo dessa norma nos países
Europeus é ponderar o direito de arrependimento nos contratos de prestação
de serviços, não podendo este ser exercido em relação ao serviço prestado,
mas apenas para aqueles contratos que vierem a ser celebrados, do
contrário, entendem a caracterização de um flagrante abuso de direito
conforme o art. 187 do Código Civil. Exemplo sobre o entendimento dos
Tribunais de Justiça de Rio Grande do Sul e do Paraná em face do art. 49 do
CDC:
TJ-RS - Recurso Cível 71004238713 RS (TJ-RS) Data de publicação: 22/08/2013 Ementa: CONSUMIDOR. RESCISÃO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA.
35
AQUISIÇÃO DE FOGÃO POR MEIO ELETRÔNICO. DIREITO DE ARREPENDIMENTO NO PRAZO DE SETE DIAS. ART. 49 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR . RESTITUIÇÃO DO VALOR PAGO DE MODO ADMINISTRATIVO. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. Caso em que a autora adquiriu eletrodoméstico (fogão) por meio eletrônico, vindo a exercer, no prazo legal, o direito de desistência, previsto no art. 49 do Código de Defesa do Consumidor. Resta incontroverso o exercício do direito da consumidora, tendo a ré efetuado a coleta do produto e, em que pese em atraso, o estorno dos valores cobrados integramente (fl. 60), inexistindo, portanto, dever de restituição tampouco de forma dobrada. Igualmente não resta verificado abalo moral. Efetuado o pagamento de modo administrativo antes do ajuizamento da demanda e inexistindo comprovação de abalo de crédito ou a quaisquer dos direitos da personalidade da autora, não há falar em indenização por dano moral. Registra-se que a suspensão da cobrança nas faturas de cartão de crédito dependia também da operadora de cartões de crédito, razão pela qual o estorno das prestações não se deu de modo imediato, tendo essa informação sido prestada a autora (fl. 33). Inexistência de comprovação de prejuízo subjetivo não ultrapassando os fatos narrados na inicial de transtornos decorrentes das relações negociais. Sentença confirmada por seus próprios fundamentos. RECURSO IMPROVIDO.
(Recurso Cível Nº 71004238713, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Marta Borges Ortiz, Julgado em 20/08/2013) TJ-PR - Apelação APL 11602878 PR 1160287-8 (Acórdão) (TJ-PR) Data de publicação: 23/02/2015 Ementa: DECISÃO: ACORDAM os integrantes da Décima Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. EMENTA: DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E MATERIAL. REFRIGERADOR ADQUIRIDO PELA INTERNET. PRODUTO ENTREGUE COM AVARIAS E SEM FUNCIONAMENTO. DIREITO DE
36
ARREPENDIMENTO CABÍVEL À LUZ DO DISPOSTO NO ART. 49 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E QUE DEVE SER EXERCIDO NO PRAZO DE 7 (SETE) DIAS. BEM, ADEMAIS, QUE IMPORTA EM PRODUTO ESSENCIAL, NOS TERMOS DO ART. 18, § 3º. DO CDC, DADA A NECESSIDADE DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS. FORNECEDOR QUE DEVE RESTITUIR O VALOR PAGO ACRESCIDO DOS CONSECTÁRIOS, BEM COMO INDENIZAR A DANO MORAL. REDUÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. NÃO CABIMENTO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. O direito de arrependimento (art. 49 do CDC) próprio das compras fora do estabelecimento comercial assegura ao consumidor o direito de arrependimento no prazo de 7 (sete) dias, com a retorno das partes ao status quo ante. 2. A aquisição de refrigerador para o lar consubstancia-se no chamado produto essencial (art. 18, § 3º, do CDC), pois destina-se à conservação de alimentos perecíveis. Trata-se de exceção que dá ao consumidor a possibilidade de exigir imediatamente as opções do § 1º. do art. 18 do CDC: "I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III - o abatimento proporcional do preço.”. 3. Imperiosa a condenação do fornecedor desidioso no cumprimento dos comandos consumeristas, tanto à restituição do valor pago como aos danos morais, notadamente por se tratar de produto essencial, o que sobeja e muito, ao "mero dissabor”. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJPR - 12ª C. Cível - AC - 1160287-8 - Região Metropolitana de Maringá - Foro Regional de Mandaguari - Rel.: Ivanise Maria Tratz Martins - Unânime - - J. 11.02.2015).
4.1.3 – A Realidade do Sistema Nacional
No Brasil cotidianamente os Procons recebem uma enxurrada de
reclamações e a grande maioria refere-se a consumidores insatisfeitos com
produtos que são comprados fora do estabelecimento comercial São
reclamações que acabam por não perpetuarem na Agência por conta de
37
regulamentação específica da norma no tocante aqueles adquiridos
diretamente na loja.
Um dos maiores fatos que ajudam a engrossar a lista de produtos
defeituosos, está na obsolescência programada, onde os produtos têm
durabilidade inferior dos aparelhos fabricados há 30 anos. De acordo com o
Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), o desgaste natural dos
produtos é normal. Mas, o produto ser “planejado” para parar de funcionar ou
se tornar obsoleto em curto período de tempo é prática da indústria que deve
ser combatida.
Um dos principais exemplos de obsolescência programada é a lâmpada
quando criada durava muito, mas os fabricantes perceberam que venderiam
um número limitado de unidades. Assim, criaram uma fórmula para limitar o
funcionamento das peças, que passaram a durar apenas mil horas.
Com o passar do tempo percebemos através de estudos que também
existe a obsolescência psicológica, quando os consumidores são induzidos a
trocar de produtos mesmo que ainda não apresentem defeitos, estimulados
pela rápida substituição por modelos mais modernos lançados, mas não existe
nenhuma regulamentação que determine o tempo de vida útil de um
equipamento.
38
CAPÍTULO V:
A TEORIA DO DESENVOLVIMENTO COMO DIREITO
FUNDAMENTAL
5.1 – O Desenvolvimento do direito nas Constituições
Quando relacionamos o desenvolvimento, a constituição e aos direitos
fundamentais, percebemos que os doutrinadores conferem pouca relevância a
esses dois campos de pesquisa.
Na obra de Gomes Canotilho, que trata sobre a matéria de Direito
Constitucional, não encontramos referência à questão do desenvolvimento,
mesmo sendo tratada por diversos doutrinadores como uma obra
desenvolvimentista, os pesquisadores e estudiosos sobre desenvolvimento
social, que em sua maioria são cientistas sociais, economistas e mesmos
juristas, também ignoram a constituição no âmbito de suas investigações.
Mesmo que tenhamos poucas informações sobre esses tópicos, não
quer dizer que desenvolvimento e constituição não possuam relações diretas.
A Constituição guarda relações com diferentes aspectos da realidade político-
social e, com a questão do desenvolvimento não é diferente.
Na verdade a proximidade entre desenvolvimento e constituição é
percebida de acordo com o momento histórico. Durante o liberalismo
constitucional, houve uma especial proteção ao direito de propriedade, o que
possibilitou novas oportunidades para o desenvolvimento entendido como a
simples geração de riquezas. Nessa perspectiva desenvolvimento e progresso
se dão por intermédio da auto regulamentação da sociedade para que cada
um possa perseguir o seu próprio interesse.
Após a segunda guerra, novas constituições foram criadas, os países
estavam em processo de reconstrução e crescimento e os novos Estados que
conseguiram sua independência começaram a se posicionar e a construir suas
39
metrópoles, neste momento a relação com o desenvolvimento foi
reposicionada, pois não bastava à busca da felicidade individual, mas uma
nova concepção de justiça social. Neste contexto a Constituição Brasileira de
1988 foi um exemplo entre o texto constitucional e o desenvolvimento
E não apenas a constituição brasileira é mencionada como uma
constituição contemporânea, pois as novas constituições do século XX já
colocaram o desenvolvimento como meta do Estado, portanto as relações
entre a constituição e o desenvolvimento não podem ser negadas, sob pena de
se desconsiderar os dispositivos vigentes.
5.2 – A Constituição Brasileira e o Desenvolvimento
Na Constituição Brasileira o desenvolvimento é posto como um fim ao
qual o Estado Democrático deve dedicar-se. A referência do termo
desenvolvimento foi lembrada, no art. 3º, como vemos:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
A Constituição Federal prevê como competência da União, elabora e
executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de
desenvolvimento econômico e social.
O caput do art. 174 dispõe sobre a competência normativa e reguladora
do Estado sobre a atividade econômica, especificando as funções de
fiscalização, incentivo e planejamento. Por sua vez, o § 1º prevê a necessidade
de uma lei que harmonize os planejamentos nacionais e regionais de
desenvolvimento.
40
5.3 – O Desenvolvimento e a Dignidade da Pessoa Humana
O Primeiro Ministro da Corte Suprema do Senegal, no ano de 1972 foi o
primeiro líder a discursar sobre o conceito de direito ao desenvolvimento
humano. O estudo do direito ao desenvolvimento exige a menção à dignidade
da pessoa humana e esta foi extraída diretamente do pensamento Kant.
Para ter-se a dignidade assegurada e respeitada, deve-se levar em
conta o direito ao desenvolvimento como um meio. Dentro do contexto da
dignidade da pessoa humana e do direito ao desenvolvimento tem-se, que
observar o direito mínimo de existência que possui relevância direta com o
desenvolvimento, pois somente através dele se alcança a concretização do
mínimo existencial.
Em 1986, houve a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, que
dispôs:
“O desenvolvimento humano é o processo de alargamento das escolhas das pessoas, através da expansão das funções e capacidades humanas. Deste modo, o desenvolvimento humano também reflete os resultados nestas funções e capacidades. Representa um processo, bem como um fim. (...) Em última análise, o desenvolvimento humano é o desenvolvimento das pessoas, para as pessoas e pelas pessoas”.
Esta mesma declaração afirma o direito ao desenvolvimento como um
direito humano inalienável e reconhece que a pessoa humana é o sujeito
central do processo de desenvolvimento. Além disso, é conferido ao Estado
papel de protagonista da efetivação dessa categoria de direito, tal como pode
ser percebido em alguns dos artigos da mencionada declaração:
Art. 2.3. Os Estados têm o direito e o dever de formular políticas nacionais adequadas para o desenvolvimento, que visem ao constante aprimoramento do bem-estar de toda a população e de todos os indivíduos, com base em sua participação ativa, livre e significativa e no desenvolvimento e na distribuição equitativa dos benefícios daí resultantes.
41
Art. 6.3. Os Estados devem tomar providências para eliminar os obstáculos ao desenvolvimento resultantes da falha na observância dos direitos civis e políticos, assim como dos direitos econômicos, sociais e culturais.
Art. 8.1. Os Estados devem tomar, em nível nacional, todas as medidas necessárias para a realização do direito ao desenvolvimento e devem assegurar, inter alia, igualdade de oportunidade a todos, no acesso aos recursos básicos, educação, serviços de saúde, alimentação, habilitação, emprego e distribuição equitativa da renda. (...) Reformas econômicas e sociais apropriadas devem ser efetuadas com vistas à erradicação de todas as injustiças sociais.
Art. 8.2. Os Estados devem encorajar a participação popular em todas as esferas, como um fator importante no desenvolvimento e na plena realização de todos os direitos humanos.
O direito ao desenvolvimento como vimos nos exemplos acima, é
percebido no direito internacional. Ainda assim, persiste saber se, na ordem
constitucional pátria, é possível afirmar a existência de um direito fundamental
ao desenvolvimento, tal como previsto na Declaração das Nações Unidas
sobre o Desenvolvimento.
Para Alexy Robert, apesar da alta complexidade do estudo, a categoria
de direitos fundamentais completos, no qual podemos encontrar o direito ao
desenvolvimento, não seria inescrutável. Contudo, somando-se ao fato do
direito ao desenvolvimento configurar-se, como direito fundamental, possui
diferentes concepções político-econômicas e, não é difícil perceber que alguns
problemas poderão surgir para a jurista tanto na análise teórica quanto na
efetivação em concreto.
O principal desses problemas é quanto à delimitação do âmbito de
proteção do direito ao desenvolvimento onde podemos perceber que, a
depender da concepção político-econômica, o suporte fático do referido direito
torna-se de difícil apreensão e, consequentemente, de difícil efetivação.
Mesmo de natureza ampla e complexa, é possível verificar a existência e a
estrutura do direito ao desenvolvimento, bem como de outros direitos
42
econômicos, sociais e culturais. A discussão, assim, girará em torno da
justiciabilidade de tais direitos e dos limites da apreciação judicial desses
direitos.
5.4 – Desafios do Desenvolvimento
Talvez um dos maiores desafios dos países em desenvolvimento, seja
estudar e promover um processo de desenvolvimento qualitativo, que
modifique a estrutura social que impulsione o desenvolvimento em massa e
não apenas paute seu desenvolvimento em um mero crescimento econômico.
Para isso faz-se necessário que os direitos humanos sejam respeitados,
antes de tudo, para que ocorra o desenvolvimento da sociedade por completo,
a democracia é peça chave para o respeito efetivo dos direitos do homem,
além disso, a vontade política dos governantes, pois só assim, serão
propiciadas mudanças na estrutura da administração pública, já que o dinheiro
público é o fator primordial para a transformação estrutural efetiva, mas
infelizmente o que vemos são governos corruptos impedindo o real
investimento das riquezas na sociedade.
O subdesenvolvimento é um obstáculo no exercício da soberania
política, pois enfraquece o poder das reivindicações dos Estados mais pobres,
perante aos Estados ricos, a ONU assumiu o compromisso de lembrar a
importância do desenvolvimento para toda a nação independentemente do seu
nível de desenvolvimento.
Mas para os países que não têm o poder econômico, o caminho mais
seguro, é buscar a solução dos seus problemas no direito, criando
mecanismos jurídicos que estabeleçam uma cooperação internacional,
levando-se em conta as desigualdades reais.
O endividamento dos países pobres em prol do seu desenvolvimento é
bastante evidente, pois em vez de promoção e garantia de bem-estar social, o
que se vê na maioria das vezes são nações encobertas por um manto de
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pobreza e miséria. Os países pobres não têm dinheiro para custear seu
desenvolvimento, nem para quitar suas dívidas oriundas de tal propósito.
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CAPÍTULO VI:
A OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA E AS DECISÕES
DOS TRIBUNAIS
6.1 – A Percepção dos Consumidores sobre a Durabilidade dos Produtos.
A atualização do Código de Defesa do Consumidor não abordou a
percepção dos consumidores perante a obsolescência, um estudo do IDEC,
Instituto de Defesa do Consumidor realizou uma pesquisa onde constatou que
93% dos brasileiros acreditam que o eletroeletrônico duram menos nos atuais
dias e outros 84% acreditam que em sua maioria os produtos são feitos para
quebrar.
No Brasil o tema é tabu, mas sabe-se que apenas as indústrias
farmacêuticas e alimentícias precisam definir a validade do que produzem.
Segundo a Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor (Senacon), do
Ministério da Justiça, não existe projeto para estender a obrigação. Os
esforços estão concentrados em uma solução periférica, a lista de bens
essenciais – produtos que terão de ser trocados ou reembolsados
imediatamente em caso de defeito, como vemos abaixo:
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Figura 1 – Ilustração de durabilidade do produto
Na opinião de Luís Felipe Salomão, ministro do Superior Tribunal de
Justiça o Código de Defesa do Consumidor em sua reforma deve obrigar os
fornecedores a indicarem nos produtos a vida útil deles e preveja punição para
os que praticarem a obsolescência programada, mas sem limitar a evolução
tecnológica.
“Vivemos em uma sociedade pós-moderna, de massa, de consumo de massa, onde tudo é induzido a ter vida curta, onde há necessidade de se trocar frequentemente os produtos. É necessário estabelecer um meio-termo: não barrar a evolução tecnológica, a evolução do design, a evolução das coisas como naturalmente ocorre em um regime capitalista, e, ao mesmo tempo, assegurar ao consumidor seus devidos direitos”.
Salomão sugeriu normas que determinem a vida útil média dos bens de
consumo e destacou a necessidade de se educar os consumidores, para que
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eles percebam as estratégias das empresas, apontando ainda os benefícios ao
meio ambiente e ao consumo responsável:
“O que é desejável é que eles comprem com razoabilidade. O consumidor tem que comprar sabendo o que está comprando, com informação, com qualificação, de tal modo que isso não implique engessar a economia. Encontrar o ponto de equilíbrio é o xis da questão,”.
6.2 – Decisões dos Tribunais
No Brasil, embora o assunto Obsolescência Programada, seja tratado
cada vez mais forte e todos os esforços estejam voltados para combater essa
prática, por falta de uma legislação efetiva e mesmo posicionamento dos
tribunais não temos muitas decisões abrangentes.
As decisões mais famosas e por isso comentadas no meio jurídico
foram dos tratores Sperandio, onde o próprio Ministro Salomão foi o relator e o
caso Apple Brasil que tornou-se mundialmente conhecido e divulgado.
Para ilustrar com efetividade a pesquisa segue a decisão do caso dos
tratores Sperandio na íntegra:
RECURSO ESPECIAL Nº 984.106 - SC (2007/0207915-3) RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO RECORRENTE : SPERANDIO MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS LTDA ADVOGADO : FERDINANDO DAMO E OUTRO(S) RECORRIDO : FRANCISCO SCHLAGER ADVOGADA : ANA PAULA FONTES DE ANDRADE EMENTA DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO E RECONVENÇÃO. JULGAMENTO REALIZADO POR UMA ÚNICA SENTENÇA. RECURSO DE APELAÇÃO NÃO CONHECIDO EM PARTE. EXIGÊNCIA DE DUPLO PREPARO. LEGISLAÇÃO LOCAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 280/STF. AÇÃO DE COBRANÇA AJUIZADA PELO FORNECEDOR. VÍCIO DO PRODUTO. MANIFESTAÇÃO FORA DO PRAZO DE GARANTIA. VÍCIO OCULTO RELATIVO À FABRICAÇÃO. CONSTATAÇÃO PELAS INSTÂNCIAS
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ORDINÁRIAS. RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR. DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. EXEGESE DO ART. 26, § 3º, DO CDC. 1. Muito embora tenha o art. 511 do CPC disciplinado em linhas gerais o preparo de recursos, o próprio dispositivo remete à "legislação pertinente" a forma pela qual será cobrada a mencionada custa dos litigantes que interpuserem seus recursos. Nesse passo, é a legislação local que disciplina as especificidades do preparo dos recursos cujo julgamento se dá nas instâncias ordinárias. 2. Portanto, a adequação do preparo ao recurso de apelação interposto é matéria própria de legislação local, não cabendo ao STJ aferir a regularidade do seu pagamento, ou se é necessário ou não o recolhimento para cada ação no bojo da qual foi manejada a insurgência. Inviável, no ponto, o recurso especial porquanto demandaria apreciação de legislação local, providência vedada, mutatis mutandis , pela Súmula n. 280/STF: "Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário". Ademais, eventual confronto entre a legislação local e a federal é matéria a ser resolvida pela via do recurso extraordinário, nos termos do art. 102, inciso III, alínea "d", da Constituição Federal, com a redação que lhe foi conferida pela E.C. n. 45/04. 3. No mérito da causa, cuida-se de ação de cobrança ajuizada por vendedor de máquina agrícola, pleiteando os custos com o reparo do produto vendido. O Tribunal a quo manteve a sentença de improcedência do pedido deduzido pelo ora recorrente, porquanto reconheceu sua responsabilidade pelo vício que inquinava o produto adquirido pelo recorrido, tendo sido comprovado que se tratava de Documento: 1182088 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 20/11/2012 Página 1 de 23 Superior Tribunal de Justiça defeito de fabricação e que era ele oculto. Com efeito, a conclusão a que chegou o acórdão, sobre se tratar de vício oculto de fabricação, não se desfaz sem a reapreciação do conjunto fático-probatório, providência vedada pela Súmula 7/STJ. Não fosse por isso, o ônus da prova quanto à natureza do vício era mesmo do ora recorrente, seja porque é autor da demanda (art. 333, inciso I, do CPC) seja porque se trata de relação de consumo, militando em benefício do consumidor eventual déficit em matéria probatória. 4. O prazo de decadência para a reclamação de defeitos surgidos no produto não se
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confunde com o prazo de garantia pela qualidade do produto - a qual pode ser convencional ou, em algumas situações, legal. O Código de Defesa do Consumidor não traz, exatamente, no art. 26, um prazo de garantia legal para o fornecedor responder pelos vícios do produto. Há apenas um prazo para que, tornando-se aparente o defeito, possa o consumidor reclamar a reparação, de modo que, se este realizar tal providência dentro do prazo legal de decadência, ainda é preciso saber se o fornecedor é ou não responsável pela reparação do vício. 5. Por óbvio, o fornecedor não está, ad aeternum , responsável pelos produtos colocados em circulação, mas sua responsabilidade não se limita pura e simplesmente ao prazo contratual de garantia, o qual é estipulado unilateralmente por ele próprio. Deve ser considerada para a aferição da responsabilidade do fornecedor a natureza do vício que inquinou o produto, mesmo que tenha ele se manifestado somente ao término da garantia. 6. Os prazos de garantia, sejam eles legais ou contratuais, visam a acautelar o adquirente de produtos contra defeitos relacionados ao desgaste natural da coisa, como sendo um intervalo mínimo de tempo no qual não se espera que haja deterioração do objeto. Depois desse prazo, tolera-se que, em virtude do uso ordinário do produto, algum desgaste possa mesmo surgir. Coisa diversa é o vício intrínseco do produto existente desde sempre, mas que somente veio a se manifestar depois de expirada a garantia. Nessa categoria de vício intrínseco certamente se inserem os defeitos de fabricação relativos a projeto, cálculo estrutural, resistência de materiais, entre outros, os quais, em não raras vezes, somente se tornam conhecidos depois de algum tempo de uso, mas que, todavia, não decorrem diretamente da fruição do bem, e sim de uma característica oculta que esteve latente até então. 7. Cuidando-se de vício aparente, é certo que o consumidor deve exigir a reparação no prazo de noventa dias, em se tratando de produtos duráveis, iniciando a contagem a partir da entrega efetiva do bem e não fluindo o citado prazo durante a garantia contratual. Porém, conforme assevera a doutrina consumerista, o Código de Defesa do Consumidor, no § 3º do art. 26, no que concerne à disciplina do vício oculto, adotou o critério da vida útil do bem, e não o critério da garantia, podendo o fornecedor se
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responsabilizar pelo vício em um Documento: 1182088 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 20/11/2012 Página 2 de 23 Superior Tribunal de Justiça espaço largo de tempo, mesmo depois de expirada a garantia contratual. 8. Com efeito, em se tratando de vício oculto não decorrente do desgaste natural gerado pela fruição ordinária do produto, mas da própria fabricação, e relativo a projeto, cálculo estrutural, resistência de materiais, entre outros, o prazo para reclamar pela reparação se inicia no momento em que ficar evidenciado o defeito, não obstante tenha isso ocorrido depois de expirado o prazo contratual de garantia, devendo ter-se sempre em vista o critério da vida útil do bem. 9. Ademais, independentemente de prazo contratual de garantia, a venda de um bem tido por durável com vida útil inferior àquela que legitimamente se esperava, além de configurar um defeito de adequação (art. 18 do CDC), evidencia uma quebra da boa-fé objetiva, que deve nortear as relações contratuais, sejam de consumo, sejam de direito comum. Constitui, em outras palavras, descumprimento do dever de informação e a não realização do próprio objeto do contrato, que era a compra de um bem cujo ciclo vital se esperava, de forma legítima e razoável, fosse mais longo. 10. Recurso especial conhecido em parte e, na extensão, não provido.
6.3 – O Caso Apple Brasil
Nº 71004479119 (N° CNJ: 0024249-68.2013.8.21.9000) 2013/CÍVEL 1 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TURMAS RECURSAIS CONSUMIDOR. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM REPARAÇÃO DE DANO MORAL. APARELHO IPHONE 3G. VÍCIO DO PRODUTO DEMONSTRADO. REMESSA DO APARELHO PARA ASSISTÊNCIA TÉCNICA. DESNECESSIDADE. SITUAÇÃO QUE DIZ COM A ATUALIZAÇÃO DE SOFTWARE. IMPRESTABILIDADE DO PRODUTO EM RAZÃO DO LANÇAMENTO DE NOVA VERSÃO DO SISTEMA OPERACIONAL. VEROSSIMILHANÇA DA ALEGAÇÃO RECONHECIDA. OBRIGAÇÃO DE FAZER RECONHECIDA. DANO MORAL MANTIDO. 1. Trata a presente demanda de ação de obrigação de fazer,
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cumulada com reparação por danos morais, na qual alegou a autora possuir um telefone modelo Iphone 3G, cuja versão do sistema operacional é a 4.2.1. 2. Aduziu que o viajar ao Uruguai, no final de 2012, percebeu que o aplicativo que mais utilizava, chamado “Whatsapp”, não estava mais funcionando. Sustentou que ao retornar ao Brasil resolveu deletar o aplicativo e adquiri-lo novamente junto à loja virtual da empresa-ré, e que, para sua surpresa, não obteve sucesso na compra pois para que este aplicativo voltasse a funcionar em seu aparelho, deveria possuir instalado o software IOS 4.3. 3. Salientou que com o passar dos dias, também percebeu que uma série de outros aplicativos como Mobo, Facebook, Facebook Messenger, Mercado Livre, Linkedin, Localização, Instagram, Windows Live, etc., não mais funcionaram, visto que necessitavam da versão IOS 4.3. ou superior para operarem. 4. Contudo, relatou que após frustradas tentativas, não obteve êxito em atualizar o sistema operacional do seu Iphone 3G. Argumentou que empresa-ré ao invés de disponibilizar a atualização de softwares dos aparelhos, cria novos smartphones, forçando os consumidores a adquirir os modelos mais recentes lançados no mercado, tornando os anteriores obsoletos. 5. Restou demonstrado pelos documentos de fls. 16 a 26 que através da loja virtual da Apple, a autora tentou atualizar seu telefone para a versão do IOS 4.3. ou superior a fim de que conseguisse voltar a utilizar os aplicativos mais acessados por ela, porém sem sucesso. 6. Assim, em face de novo software lançado pela ré, o seu aparelho iPhone 3G se tornou inutilizável, o que configura inegável dano ao consumidor. 7. É lícito à ré lançar novos aparelhos e novos programas no mercado; mas não é lícito tornar inutilizáveis seus smartphones anteriores e com pouco tempo de uso, razão pela qual tem o dever de fornecer um produto à autora que essa possa utilizar. 8. Dano moral fixado na sentença (R$ 1.500,00), mantido, a fim de evitar a Reformatio in Pejus, já que somente a parte autora recorreu, observando que se trata de mero desacerto contratual o que, em regra, é insuscetível de caracterizar o dano extrapatrimonial. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
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A decisão acima mudou completamente a posição jurídica no Brasil,
embora validada para um caso específico, ela abre precedente para que outras
pessoas que sentirem-se lesadas busquem na justiça seus direitos,
principalmente como no caso em tela que trata de um IPhone comprado no
exterior, já que oficialmente os produtos comercializados nos Estados Unidos e
em outros países não contam com a garantia aqui no Brasil, ocorre que o
entendimento tem se solidificado quando a empresa também comercializa no
Brasil seus produtos.
Neste caso, vemos claramente um caso de obsolescência programada,
já que a Apple não disponibilizou a atualização para que os consumidores
fossem forçados a comprar novos produtos.
Segundo o juiz Lucas Maltez relator do processo:
“Não se pode tolher o direito da ré em lançar novos produtos e novos programas, o que é inerente ao desenvolvimento tecnológico. Contudo, não é lícito à requerida deixar ao desamparo seus antigos clientes, mormente porque se trata de conduta que visa estimular/impelir o consumidor a adquirir um novo iPhone.”
Ele afirmou que se trata de prática abusiva, a qual lesa o direito do
consumidor ao uso de seu aparelho antigo. No entanto, negou o pedido de
ressarcimento por danos morais, destacando que o caso se tratava de
descumprimento contratual.
Segundo juiz Pedro Luiz Pozza:
“a Apple trata o consumidor brasileiro como de segunda categoria, negando-se a reparar seus produtos e obrigando o consumidor a adquirir um novo”.
Embora subjetivo e com muitas opiniões divergentes não podemos
negar que casos e decisões como estas transformam, alertam e acentuam a
opinião dos consumidores e principalmente deixam claro para s empresas que
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as mudanças são lentas, mas são contínuas não há mais como retroagir, são
pequenos passos para grandes decisões.
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CONCLUSÃO
O interesse do tema abordado deu-se em razão da sua atualidade e
pela diversidade do modo com que ele vem sendo apresentado no Brasil e no
mundo, tendo em vista a falta de informação do consumidor que nem mesmo é
alertado contra os abusos existentes. Além de não ter conhecimento e não se
ver como vítima.
No decorrer do trabalho, percebeu-se que a partir da Constituição de
1988, a importância das relações de consumo foi foco em nosso país e
somente depois da Lei 8078/90, com o Código de Defesa do Consumidor,
houve uma adaptação da nova realidade jurídica existente. Verificamos que a
defesa do consumidor no âmbito penal é de suma importância, haja vista que é
uma forma de assegurar a efetividade das demais normas da lei.
A relevância do tema estudado propicia a proteção do consumidor no
mundo moderno, já que o abuso nas relações de consumo e as fraudes são
cada vez mais aprimoradas, as leis não conseguem acompanhar o avanço
tecnológico, não conseguem acompanhar as transformações sociais. A
existência de dispositivos legais eficazes no combate aos crimes contra o
consumidor devem ser destacados e levados ao conhecimento da população.
Mesmo com todo o empenho dos estudiosos quando se trata do
assunto obsolescência programada e defesa do consumidor, é
reconhecidamente notável que mesmo com a conscientização da existência da
obsolescência, ainda não podemos combater sua ilegalidade, pois não há
norma proibindo expressamente esta prática, no entanto, ela é ilegítima frente
aos princípios constitucionais.
Na verdade, consumo, meio ambiente e defesa do consumidor estão
atrelados e por assim ser uma ordem de natureza constitucional e econômica
impõe às empresas o dever de observá-los em obediência aos preceitos
jurídicos.
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O Poder Judiciário pelo contato direto com a sociedade e pela
celeridade com que os problemas chegam vem se pronunciando diante de
complexas discussões que envolvem, direito do consumidor e defesa do meio
ambiente, garantindo com suas decisões uma sociedade de caráter
sustentável, observando a Política Nacional das Relações de Consumo e
reconhecendo práticas abusivas de fornecedores que propositalmente
aproveitam-se da vulnerabilidade do consumidor.
Em suma, mesmo em relação a uma conscientização mundial, estamos
engatinhando na complexidade do assunto, ainda não temos conceitos
fechados, nem leis que efetivamente garantam uma sociedade sustentável,
nem mesmo relações de consumo delimitadas, estamos em constante
evolução, mas o simples fato de começarmos a desenvolver trabalhos e
estudos sobre o assunto nos faz ter esperança, em sermos mais bem
informados sobre nossos direitos nas relações de consumo, esse aprendizado
deve ser levado para o dia a dia e para que futuras gerações não somente
discutam mais implementem as teorias aumentando o tempo e a qualidade de
vida na Terra.
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BIBLIOGRAFIA
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