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1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE A FORMAÇÃO EDUCACIONAL SEM OS CONTADORES DE HISTÓRIA Por Michelle de Souza Moraes Orientador: Antonio Fernando Vieira Ney Rio de Janeiro 2006 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A FORMAÇÃO EDUCACIONAL SEM OS CONTADORES DE

HISTÓRIA

Por Michelle de Souza Moraes

Orientador: Antonio Fernando Vieira Ney

Rio de Janeiro 2006

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A FORMAÇÃO EDUCACIONAL SEM OS CONTADORES DE

HISTÓRIA

OBJETIVO:

Este trabalho tem por objetivo despertar o interesse

pelas histórias da História da Humanidade, revendo

os passos das antigas gerações, resgatando os

valores deixados por estas e estimulando uma nova

visão sobre a contribuição dos contos, mitos, lendas

e fábulas à sociedade atual. Indicar a importância

das histórias como fonte de conhecimento e como

forma de ilustrar as aulas dos profissionais de

educação, tornando-as mais interessantes e

transmitindo valores culturais, éticos e morais.

Michelle de Souza Moraes

Docência do Ensino Superior

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AGRADECIMENTOS

Ao corpo docente do Projeto “A Vez do Mestre”, em

especial ao meu orientador, Antonio Fernando Viera

Ney, pela atenção dada ao meu trabalho. Aos meus

alunos, que muitas vezes serviram, sem saber, como

fonte de pesquisa para esta monografia, e a todos

que, diretamente ou indiretamente, contribuíram à

elaboração destes textos.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos meus pais, Sebastião e

Maria da Graça, que sempre me apoiaram em tudo

o que eu quis e precisei fazer, incluindo a

elaboração desta pesquisa.

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RESUMO

Um dos grandes problemas enfrentados pelos atuais professores é a

dificuldade em aproximar-se de seus alunos, de uma forma que lhes permita

conhecer melhor seu docente e, ao mesmo tempo, que o docente lhe conheça.

Independente do nível no qual o discente se encontra, a relação

professor-aluno está cada vez mais restrita, não só pela falta de tempo e

recursos, mas também porque as relações humanas já não recebem hoje a

atenção de outrora.

Diversos livros e artigos acadêmicos sobre o assunto já foram escritos e

as universidades seguem realizando debates que visam à união entre estes

principais personagens da educação: professores, alunos e familiares.

Entretanto, o que se vê na realidade dos bancos escolares e universitários é

ainda um desinteresse e desestímulo em relação ao aprendizado.

Traçando uma linha histórica da escola mais antiga até a escola

contemporânea o que pode ser observado é que a atual metodologia

empregada pela maioria dos centros educacionais não estimula a imaginação e

a criatividade dos alunos. Em meio a essa perda de estímulos, também se

perdeu o hábito de contar histórias.

Formar no discente o gosto pelo aprendizado não é uma tarefa simples,

por esta razão, talvez valha a pena recorrer aos métodos que os mais antigos

utilizaram para ensinar aos seus semelhantes algo mais sobre sua cultura, seu

modo de vida e seu orgulho por pertencer a um grupo.

A curiosidade acompanha os seres humanos desde os tempos mais

remotos e esse foi o motor que impulsionou o homem ao longo de sua jornada.

Indagações sobre sua origem, seu passado, o significado de seus sonhos,

seus desejos, suas paixões e tudo mais que o cercava levaram o homem a

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6criar relatos fantásticos, capazes de explicar o que o lhe afligia, lhe oferecer

consolo nos momentos mais difíceis e dar-lhe esperanças de um futuro melhor.

Contar histórias aproximava as pessoas, tornava-as mais semelhantes,

dava-lhes um apoio comum, como se todos tivessem uma origem única. Assim

ocorreu em relatos religiosos, históricos e de fundo moral ou social.

Durante os momentos mais conturbados de sua história os homens

criaram suas lendas, seus mitos, seus contos e transmitiram-lhe aos seus

descendentes como uma forma de manter viva sua cultura. Talvez agora, que

estamos num momento tão conturbado da educação, seja a hora mais

apropriada para recorrer aos relatos que foram capazes de juntar os homens, e

reunir a tríade que forma a prática educacional: professores, alunos e família.

O que será visto ao longo deste trabalho é que o homem evolui e atingiu

o estágio de progresso no qual está hoje por que foi curioso o suficiente para

não se conformar apenas com o que estava pronto e confiar que poderia

melhorar e aprender mais e mais.

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METODOLOGIA

A metodologia aplicada à elaboração deste trabalho será composta por

livros que façam alusões diretas e indiretas ao tema, assim como artigos e

sítios de internet que contribuam à sua construção.

Relatos de autores consagrados, outros menos conhecidos, alguns

anônimos ou ainda totalmente desconhecidos ofereceram a base teórica

necessária à realização e defesa do tema proposto. Profissionais como Içami

Tiba, Augusto Cury, Daniel Goleman, entre outros citados na Bibliografia,

serviram como a fonte que alimentou e auxiliou para o desenvolvimento da

monografia aqui apresentada.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 09

CAPÍTULO I 12

A HISTÓRIA DAS HISTÓRIAS 12

1.1 A origem dos contos 12

1.2 Os objetivos das produções de relatos 14

1.3 Os mitos, fábulas, lendas e contos através dos tempos 16

1.3.1 Na Antigüidade 19

1.3.2 Na Idade Média 23

1.3.3 Nos tempos modernos 26

1.3.4 Na era das Revoluções 28

1.3.5 No século XX 34

1.4 O que se aprende com os contos de cada época 36

CAPÍTULO II 41

FOLCLORE BRASILEIRO: UMA FONTE DE APRENDIZAGEM 41

2.1 Elementos formadores do folclore brasileiro 41

2.1.2 A contribuição jesuíta 42

2.1.3 A contribuição indígena 43

2.1.4 A contribuição negra 45

2.2 A influência dos contos, mitos e lendas brasileiras no campo social 46

CAPÍTULO III 49

A SOCIEDADE GLOBAL E O DESAPARECIMENTO DOS

CONTADORES DE HISTÓRIA 49

CAPÍTULO IV 57

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A FORMAÇÃO DO DOCENTE E SUA ATUAÇÃO A PARTIR DE

UMA NOVA PRÁTICA 57

4.1 Enriquecer uma aula por meio de histórias 57

4.1.1 Ensinar e divertir 58

4.1.2 Estimulando o emocional e criando novas possibilidades 60

4.2 Desenvolver novos paradigmas educacionais 62

CONCLUSÃO 64

BIBLIOGRAFIA 66

ÍNDICE 69

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INTRODUÇÃO

A sociedade passa por um período de crises. Crises financeiras,

culturais, morais, éticas, políticas e psicológicas. Os avanços tecnológicos e

científicos ofereceram à Humanidade um pacote de atividades, de máquinas e

de lazer nunca imaginado, entretanto esses avanços não tornaram a existência

humana mais fácil ou sublime. Ao contrário do que as antigas gerações

imaginavam o progresso evidenciou as diferenças sociais. O mercado de

trabalho tornou-se mais exigente e, a corrida à conquista de uma vaga neste,

mecanizou o homem moderno, prejudicando sua produção cultural e

diminuindo seus ramos filosóficos.

O aumento de livros de auto-ajuda nas prateleiras das livrarias do país e

seus nomes entre as listas dos mais vendidos são exemplos de que uma boa

parcela dos indivíduos de nossa era sentem-se perdidos diante da

modernidade e das tensões sociais. Muitos são os sentimentos que rondam o

cérebro dessas pessoas: indignação, desesperança, solidão, tormentos em

relação ao futuro e desconfianças. Somados ao ritmo incessante das atividades

profissionais, esses temores descaracterizaram as culturas humanas. As

pessoas já não conversam muito, não trocam experiências, não se

aconselham, não escutam o que os idosos têm a dizer (pois a maioria os

considera desinformados em relação à sociedade moderna e globalizada)

enfim, já não se abrem às antigas histórias que por séculos foram transmitidas

de uma geração à outra.

A transmissão cultural que outrora era feita através de práticas orais

perdeu seu espaço para os meios de comunicação de massa. A tecnologia

modelou a humanidade para que esta atendesse ao chamado do progresso,

tornando-a submissa, alienada e sem valores éticos.

A questão central desta monografia é apresentar a importância do

resgate do ato de contar histórias às gerações futuras, dado que esta é uma

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11atividade multifuncional, uma vez que renova a prática oral; desenvolve a

interpretação e a argumentação; transmite valores culturais, morais e éticos;

estimula a imaginação e a criatividade; além de fortalecer os vínculos afetivos

entre o contador e seu ouvinte.

A transmissão de valores através de contos, mitos e fábulas está

presente na trajetória humana praticamente desde o seu surgimento. Mesmo

antes de falar, o homem começou a desenhar sua história nas paredes das

cavernas. Dessa forma rudimentar, iniciaram-se os primeiros registros da

história humana. Mais tarde, com o surgimento da fala e da escrita, o Homem

desenvolveu os relatos que contariam sua história aos povos que encontraria e

às futuras gerações.

Transmitir a cultura através de relatos é uma prática humana antiga. Os

egípcios, os gregos, os romanos, já transmitiam seus valores sócio-culturais a

partir de seus mitos e muito do que se sabe hoje sobre essas antigas

civilizações deve-se a estes mesmos mitos, que transmitiram de uma forma

lúdica seu modo de vida, seus anseios, sua religião e seus valores. A

importância dos mitos gregos contribuiu também para a psicanálise, pois vale

destacar que Sigmund Freud utilizou todos os personagens desta mitologia

para ilustrar os complexos humanos que ainda hoje rondam a vida social.

A exceção dos mitológicos, a maioria dos contos clássicos teve sua

origem na Idade Média e foram trazidos ao Brasil pelos portugueses. Esses

contos tinham como objetivo um ensinamento moral ou uma representação de

problemas comuns à época. Eram utilizados como forma de alertar a

população contra os perigos existentes, ensinar normas de conduta ou trazer

ensinamentos edificantes.

Os jesuítas penetraram a sociedade indígena, após a chegada dos

portugueses ao Brasil, através de ensinamentos morais que se davam a partir

de contos. Mais tarde essas histórias, que eram divulgadas apenas oralmente,

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12vieram a ser conhecidas como “Contos da Carochinha”. O inesperado pelos

jesuítas é que o povo indígena também tinha muito que ensinar e possuía uma

bagagem de contos tão rica quanto a sua. Essa troca cultural deu origem ao

riquíssimo folclore brasileiro, lamentavelmente tão pouco transmitido nos dias

atuais.

As fábulas ampliam o sentido das atividades lúdicas na vida. Não há

como imaginar o Egito Antigo sem as histórias fabulosas de seus deuses, a

Grécia Clássica sem seus heróis, suas divindades, seus relatos fantásticos;

imaginar a sociedade árabe sem sua incrível coletânea de contos “As mil e

uma noites”. E imaginar o folclore brasileiro sem os personagens indígenas,

caboclos, escravos e colonizadores que fizeram a sua história é praticamente

impossível.

Entretanto as histórias da história têm se perdido nas atuais práticas

docentes. Já não é visto nas escolas o estudo cultural das sociedades ou,

quando visto, o mesmo é feito superficialmente. A falta de tempo devido à

carga horária cada vez mais apertada e à quantidade de conhecimentos

técnicos cada vez maiores retira dos alunos a oportunidade de um

conhecimento cultural tão fundamental à sua visão de mundo.

O presente trabalho tem por objetivo alertar aos docentes e aos pais

quanto à formação educacional, cultural e social que se têm oferecido aos

educandos nos últimos anos e, ao mesmo tempo, alertá-los quanto a formação

que receberam quando eram alunos. Junto a este debate, propõe-se também

uma análise sobre a influência que estes relatos, anteriormente citados,

poderiam exercer sobre a formação do docente e como ele transmitiria aos

alunos sua visão de mundo caso tivesse um embasamento mais lúdico da vida.

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CAPÍTULO I

A história das histórias

1.1 A origem dos contos

Não há, historicamente falando, datas exatas para o surgimento dos

contos na sociedade humana. Entretanto acredita-se que o impulso de contar

histórias tenha surgido quando veio a necessidade de comunicar aos outros

alguma experiência que poderia ter significação para todos.

Ainda hoje, com todos os avanços científicos e as descobertas

arqueológicas acumuladas ao longo dos séculos, percebe-se na Humanidade o

desejo de saber mais sobre si, sobre seu surgimento, sobre o início de sua

vida. Por conta disso as pesquisas que visam desvendar o passado não

findam. Sua mola-mestra – a curiosidade humana – segue forte e poderosa.

Nas sociedades primitivas, a forma que os homens encontraram de

explicar suas origens foi o mito, que em geral contava histórias do início de

algo. Eram histórias sagradas, incontestáveis e aconteciam sempre num

passado bem distante, remoto, sem data concreta. Sobre o mito, fala a

professora de História, Vavy Pacheco Borges:

“A primeira forma de explicação que surge nas

sociedades é o mito, sempre transmitido em forma de

tradição oral. Entre os conhecimentos práticos,

transmitidos oralmente de geração para geração, essas

sociedades incluem explicações mágicas e religiosas da

realidade. (...) O mito é sempre uma história com

personagens sobrenaturais ou deuses. Nos mitos os

homens são objetos passivos da ação dos deuses, que

são responsáveis pela criação do mundo (cosmos), da

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14natureza, pelo aparecimento dos homens e pelo seu

destino. (...) O mito é visto como um exemplo, um

precedente, um modelo para as outras realidades.”

(BORGES, 1980, p.11 e 12).

A partir de então pode-se perceber que os mitos tinham a função de

ensinar às gerações vindouras a visão de mundo de seus antecessores.

Através do mito o homem desenvolveu sua oralidade e começou a estabelecer

suas tradições morais e religiosas.

Com o desenvolvimento da sociedade humana veio uma nova forma de

transmissão oral das crenças, dos valores e das tradições: a fábula. As

primeiras fábulas que se tem notícia surgiram na Grécia Clássica e sua autoria

foi atribuída a Esopo, um escravo grego que viveu por volta do ano 620 a.C. e

transmitiu seus ensinamentos através de histórias curtas, normalmente bem-

humoradas, relacionadas com atividades do cotidiano grego de sua época.

Semelhante ao mito, outra expressão cultural com a característica

marcante do maravilhoso e do mágico foi a lenda. Durante a Idade Média a

sociedade européia viu-se atemorizada com lendas sombrias que habitavam

seu imaginário, como apresenta a professora Vavy Pacheco Borges:

“A Idade Média é um período em que se vê, associada à

predominância da fé, uma enorme credulidade geral.

Acreditava-se em lendas fantásticas, no paraíso terrestre,

na pedra filosofal, no elixir da vida eterna, em cidades

todas de ouro, etc. Existem lendas sobre os mares

estarem assolados por monstros, sobre a terra que

terminava de forma súbita por ser plana, etc. Toda essa

mentalidade reinante refletiu-se na forma de se escrever

a história, na qual há grande presença do milagre, do

maravilhoso e do impossível.” (BORGES, 1980, p.24).

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Após superarem essas lendas assustadoras os europeus lançaram-se a

exploração marítima e chegaram a América, a Ásia e a Oceania, onde

conheceram novas lendas dos povos nativos.

A exceção dos mitológicos, a maioria dos contos populares

mundialmente conhecidos iniciou-se na Idade Média. O povo, analfabeto e

explorado, transmitia seus conhecimentos a seus filhos através de contos que

defendiam normas de conduta ou ensinavam algum conhecimento especial

aplicável a alguma prática cotidiana. Entretanto, esses contos só passaram a

ser conhecidos pelas camadas economicamente privilegiadas da população

mais tarde, quando intelectuais da época foram realizar pesquisas de campo

no interior de seus países e tiveram contato com essas histórias.

1.2 Os objetivos das produções de relatos

O objetivo dos contos populares diverge muito dependendo do contexto

no qual está inserido. Através das fases históricas os contos foram utilizados

das mais diferentes formas, entretanto alguns fatores foram comuns: transmitir

a tradição cultural, reforçar valores, estabelecer normas de conduta e padrões

estéticos.

Quando a sociedade vivia na época do mito estava em seu estágio mais

primitivo e não havia uma separação clara de classes sociais. O mito foi um

relato que atingiu toda a massa popular, compartilhado por todos. Mais tarde o

mito passou a ser utilizado para justificar os poderes de alguns sobre os outros.

A sociedade se dividiu entre ricos e pobres, livres e escravos. A mitologia, com

seus deuses poderosos, passa a dar justificativas para guerras, disputas e

novas formas de conduta. A maior parte da população, rejeitada nas grandes

reuniões e excluídas das decisões que governavam suas vidas, via-se

desamparada pelos seus mitos. Assim surgiu a fábula. Simples, direta e

objetiva, como a maioria dos que a conheciam e divulgavam.

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As fábulas sobreviveram sendo transmitidas oralmente de uma geração

à outra, pois as pessoas que as conheciam eram analfabetas. A escrita era

privilégio dos nobres e dos religiosos, não era para os trabalhadores.

Na Europa dos séculos XVII, XVIII e XIX a sociedade passou a ver os

relatos populares com outros olhos. O Iluminismo francês – filosofia das luzes,

confiança na razão e na ciência como motores do progresso – ganhava espaço

na Europa, mas nem todos os países estavam favoráveis a ele. Vivia-se um

período de busca de uma identidade nacional. As sociedades queriam fatores

que pudessem valorizar sua cultura, que introduzissem sentimentos

nacionalistas para unificar as nações. Para tal, os intelectuais de cada país

iniciaram pesquisas e trabalhos de campo no interior, com pessoas humildes,

para descobrir como viviam, como ensinavam, como pensavam e o que

produziam. Como nos mostra o pesquisador Assis Brasil:

“Esse movimento de valorização do povo pelos

intelectuais teve razões estéticas, intelectuais e políticas.

O movimento tinha uma característica de revolta contra a

arte entendida como algo artificial. Passou-se a valorizar

a simplicidade e o encanto naturais que caracterizavam

os velhos poemas populares e que estavam ausentes de

arte erudita do período. Esse movimento foi contra o

Iluminismo de Voltaire: contra seu elitismo, seu

desinteresse pela tradição, contra sua ênfase à razão.”

(BRASIL, 1984, p.182).

Percebe-se logo que inicialmente esses mitos, contos, lendas e fábulas

estavam associados à cultura popular, desvinculados das camadas intelectuais

e letradas das sociedades. A sobrevivência dessas histórias deveu-se a

tradição oral que dominou a população economicamente desfavorecida e

utilizava sua fala para ensinar seus conhecimentos aos mais jovens. As

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17camadas sociais mais altas entraram em contato com essas produções quando

se tornou necessária a criação de uma identidade nacional, que poderia ser

alcançada através dos valores tradicionais oferecidos por que essas histórias

populares. Um exemplo desse fato foi o ocorrido na Alemanha do século XIX,

quando os irmãos Grimm foram pesquisar as camadas mais humildes da

população alemã e descobriram um verdadeiro tesouro literário, como mostra o

escritor Francisco Marins, membro da Academia Paulista de Letras, citado no

livro de Adelino Brandão:

“Em verdade, os dois estudiosos alemães, cuja

serenidade de investigações levou-os, em seus estudos

de história literária, da crítica e da filologia, às raízes mais

profundas da formação dessas ciências, dizem ter

encontrado no folclore, isto é, nas lendas, nos mitos e

nas manifestações populares, a base informativa da

formação das nacionalidades. E, como, conhecedores da

filologia, ao mergulharem nos meandros da poesia

popular, concluíram pela sua supremacia sobre a poesia

erudita, contra a opinião dominante em seu tempo.”

(BRANDÃO, 1995, p.13).

1.3 Os mitos, fábulas, lendas e contos através do tempo

O mito é a narrativa dos tempos heróicos. Referia-se a deuses e

semideuses que encarnavam as forças da natureza e/ou aspectos da condição

humana. A fantasia sugeria e simbolizava a verdade que realmente deveria ser

transmitida. Seu sentido estava muito ligado a religiosidade, ao respeito aos

deuses.

O mito foi a primeira forma utilizada pelo homem para tentar explicar

suas origens, sua história e difundir sua religiosidade. Mais tarde o mito

também foi utilizado como forma de manutenção da sociedade estabelecida,

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18justificando a ordem social com argumentos “sagrados”. Praticamente todas as

sociedades antigas tiveram seus mitos e desenvolveram histórias para estes,

nas quais narravam seus grandes feitos.

No Egito, na Grécia e em Roma os mitos tiveram grande importância,

pois foi através deles que os povos dessas regiões contaram suas histórias e

deixaram seu legado à Humanidade. No caso específico da Grécia, o mito ficou

tão enraizado à história grega que não há como falar em Grécia Antiga sem

considerá-lo e é muito difícil separar o real do mitológico. Os maiores

monumentos construídos na Grécia eram dedicados às suas divindades

mitológicas, assim como todas as festas e celebrações realizadas, e eram

estas que governavam o modo de vida do povo grego.

A fábula surgiu na sociedade que ainda venerava o mito. Ao contrário

deste, a fábula não era uma narração tão extensa e cheia de personagens. A

fábula consistia numa narração pouco extensa, mas diferia-se também do

conto por possuir um caráter alegórico e por poder ser contada em prosa ou

em versos. Sua função era a de ilustrar um pequeno preceito. Como mostra o

escritor Samuel Johnson, citado no livro “A Psicanálise dos Contos de Fadas”

de Bruno Bettelheim:

“Uma fábula parece ser, no seu estado genuíno, uma

narrativa na qual seres irracionais, e algumas vezes

inanimados, com a finalidade de dar instrução moral,

simulam agir e falar com interesses e paixões humanas.”

(BETTELHEIM, 1984, p.54)

Na época em que surgiu, a fábula não chegou ao status do mito e

manteve-se circulando entre as camadas mais pobres da população, que a

transmitiam por meio da tradição oral. Por estar constituída por um texto

simples, pequeno e rápido, suas histórias eram de fácil memorização. Seus

personagens, normalmente alegóricos – animais que falavam, pensavam e

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19agiam –, representavam as tentações, as dúvidas e o caráter humano. Serviam

como condutoras de normas sociais e de padronização. Muitos dos ditados

populares conhecidos hoje surgiram por causa destas fábulas.

A lenda surgiu quando a sociedade humana vivia um período de

transição social – modo de produção feudal para o capitalismo – e

normalmente servia para assombrar as pessoas, ensinando-lhes algo através

do medo.

No caso das populações americanas primitivas; como os Incas, Astecas,

Maias e as demais populações indígenas que só tornaram-se conhecidas

depois da chegada dos europeus; suas produções assemelham-se mais ao

mito do que a lenda, ainda que muitos escritores refiram-se a estes contos

como “lendas do índio brasileiro” ou “lendas dos povos Incas” e coisas do

gênero. Essas produções tinham por objetivo explicar a origem e difundir a

religiosidades dessas sociedades, características marcantes do mito.

A lenda é a narração oral ou escrita de caráter maravilhoso, na qual os

fatos são deformados pela imaginação popular ou pela poesia de quem a

conta. Na construção de uma lenda, parte-se de um fato real, vivido por algum

personagem conhecido e cria-se algo fantástico ao redor deste fato, como o

aparecimento de um ser misterioso, a intervenção de um poder mágico a favor

ou contra o personagem, etc. A partir de então a história começa a ser contada

como verdadeira.

Na sua forma inicial conto era uma narração pouco extensa, concisa em

que a ação se concentrava em um único ponto de interesse. Daí seu valor

moral e ético. Os personagens dos contos são pessoas comuns, semelhantes

ao povo. Normalmente seus nomes não são citados e quando um herói ou

heroína recebe um nome, dá-se um nome bem comum, tornando-o genérico,

valendo para qualquer pessoa.

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20O conto difundiu-se pelo mundo como histórias destinadas às crianças e

por um longo período esteve atado às produções da Literatura Infantil. No

entanto, nem mesmo seu surgimento justifica este elo, uma vez que as

histórias eram contadas a todos, independente da faixa etária.

Das quatro modalidades de histórias apresentadas, o conto foi o mais

modificado ao longo dos séculos. Muitos escritores dedicaram-se a escrita de

contos e com o tempo alguns passaram a escrever contos mais extensos ou a

adaptar clássicos da literatura universal a forma dos contos – infantis ou

juvenis. Histórias como “O Corcunda de Notre Dame” e “Os miseráveis” de

Victor Hugo, “O conde de Monte Cristo” e “O homem da máscara de ferro” de

Alexandre Dumas são exemplos de clássicos da Literatura Universal que foram

adaptados a contos, com o intuito de facilitar a leitura dessas histórias às

crianças, aos jovens e aos adultos.

1.3.1 Na Antigüidade

A Antigüidade Clássica foi o berço das composições dos mitos que ainda

hoje rondam o imaginário. A civilização egípcia, a grega e a romana deixaram

para o mundo uma riqueza literária de valor incontestável.

Entre as civilizações antigas a primeira a receber atenção especial por

parte dos historiadores é a civilização egípcia. O Antigo Egito foi a primeira

sociedade a estabelecer padrões organizacionais que se mantiveram por um

longo período de tempo, apesar dos obstáculos geográficas que dificultavam a

vida do povo egípcio, como as cheias do Nilo e os períodos de seca.

Os egípcios organizaram suas histórias a partir de idéias mitológicas,

cheias de deuses que representavam força, beleza, dinamismo, riqueza e

inteligência. Acreditavam que o faraó era um membro da mitologia que havia

vindo a terra para governar o povo por um determinado período e sua mulher

(que normalmente era sua irmã) era uma deusa que lhe acompanhara nessa

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21missão. Por isso as pirâmides, que eram as tumbas destes faraós, eram

decoradas com passagens da história mitológica egípcia. Era uma forma de

reproduzir o que os faraós teriam vivido em uma outra existência.

As celebrações eram feitas em honra aos deuses e acreditava-se que

em alguma época, não-determinada, esses deuses teriam vivido na Terra como

simples mortais e a partir deles dera-se a formação da humanidade. Depois,

cada deus regressaria para governar o Egito por um período de tempo.

O pensamento egípcio se firmava em situações cíclicas, como a época

das cheias que sucedia a época da seca, a época de determinado deus

precedia a época de outro, o agrado a um significava o desagrado a outro.

Como nos mostra o professor de História Antiga, Ciro Flamarion Cardoso:

“Em linhas gerais, o pensamento dos antigos egípcios

aparece marcado, em primeiro lugar, por seu caráter pré-

filosófico e mítico. (...) O mito explicava o mundo

descrevendo, em cada caso, como algum fato

supostamente se dera pela primeira vez num longínquo

passado. Um sentido cíclico do tempo e do universo fazia

com que tal ocorrência primordial continuasse tendo

vigência e atualidade: o conhecimento (mítico) do

passado das coisas permitiria, pois, entender o seu

desenrolar atual e futuro”. (CARDOSO, 1982, p.83)

As ruínas das pirâmides, os restos dos sarcófagos e as pinturas egípcias

são as provas da importância da mitologia nessa sociedade.

Na Grécia Clássica, por volta dos anos IX e VIII a.C., um dos maiores

poetas gregos, Homero, teria reunido histórias da tradição oral grega e formado

dois clássicos da literatura mundial: A Ilíada e a Odisséia.

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22Homero era um poeta rapsodo (do grego, costureiro) e cabia aos poetas

desse estilo a circulação do conhecimento, das idéias e da cultura produzida

em cada civilização. Na realidade, ele copilou histórias já existentes, unindo

uma as outras através dos personagens mitológicos que lhes eram comuns.

Por tratar-se exclusivamente de uma transmissão oral era necessária

uma excelente performance por parte do poeta, para que a atenção do público

fosse fixada. Do contrário, a assimilação de idéias não seria garantida. A fim de

que as idéias atingissem o público com um pensamento lógico utilizou-se o

caminho do mito. Os mitos reforçavam valores religiosos e culturais dos povos

gregos.

O gênero literário mais comum da época era a Epopéia, composta por

três princípios básicos: a história acontecia numa época distante, os

personagens principais eram deuses e semideuses e o enredo era cheio de

ensinamentos (religiosos, morais e heróicos).

O mito egípcio difere-se do mito grego pelo fato de o primeiro ser unido

exclusivamente a religião enquanto o segundo também trazia valores de

normas de conduta, justiça e moral.

Séculos mais tarde, ainda na Grécia, houve um fabulista que tornou-se

célebre devido as suas fábulas, sendo conhecido em todas as literaturas. Seu

nome era Esopo.

Há muitas divergências quanto à biografia de Esopo, inclusive há alguns

historiadores que defendem a tese de que ele não existiu (assim como

defendem a não-existência de Homero), entretanto a teoria mais adotada sobre

a história de Esopo é a do historiador grego Heródoto.

De acordo com Heródoto, Esopo teria nascido na Frigia por volta do ano

620 a.C. e trabalhava como escravo numa casa. Seria um escravo aleijado e

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23com algumas dificuldades na fala. Devido a sua aparência nenhum senhor

queria comprá-lo e foi oferecido a Xantós (um rico proprietário) como presente.

Depois de algum tempo na casa de Xantós, Esopo teria ganho a liberdade e

passou a correr a Grécia contando suas fábulas, até ser morto pelos cidadãos

de Delfos por crime de blasfêmia.

As fábulas de Esopo possuíam características comuns. Os personagens

eram animais que apresentavam comportamento humano e as narrativas eram

curtas, com linguagem simples e bem-humorada, sempre relacionadas às

atividades cotidianas. Suas conclusões continham conselhos sobre

generosidade, lealdade e virtudes ligadas ao trabalho, com fundo ético e moral.

A sociedade romana herdou os deuses da mitologia grega. Foi a

sociedade que vivenciou um dos maiores paradoxos da história: dominou

militarmente e foi dominada culturalmente.

O Império Romano construiu suas bases culturais sobre a ordem

estabelecida na Grécia Clássica, adotando suas crenças e valores, porém

adaptando-os a cultura da sociedade romana. Por isso houve a troca dos

nomes dos deuses – por exemplo, a Atena grega era a Minerva romana, a

Afrodite grega era a Vênus romana, o Dionísio grego era o Baco romano, entre

outros – adaptando-os ao latim falado no Império romano e algumas alterações

nos lugares antigos de uma época desconhecida na qual esses deuses teriam

vivido, para que ficasse mais próximo às condições geográficas de Roma.

Sobre Roma, nos fala a professora de História, Vavy Pacheco Borges:

“A cultura romana é, em grande parte, herdeira da cultura

grega. Às características da história na Grécia, os

romanos acrescentam sobretudo uma noção utilitária,

pragmática: a história vai ressaltar o papel de Roma no

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24mundo, servindo ao seu imperialismo.” (BORGES, 1980,

p.20)

Assim, Roma assimilou os valores e gregos e os utilizou para difundir

sua cultura, aumentando seus domínios.

1.3.2 Na Idade Média

Na também chamada Idade das Trevas – século V ao século XV –

surgem, na Europa, as lendas que deram origem a um tema literário que

perdurou por alguns séculos: a novela de cavalaria.

O romance mais conhecido do ciclo das novelas de cavalaria é o que

conta as aventuras do rei Arthur. A obra “O Rei Arthur e os Cavaleiros da

Távola Redonda” foi publicada pela primeira vez em 1485, catorze anos depois

da morte de seu autor, Thomas Malory. Foi um dos primeiros livros a serem

impressos na Inglaterra e é considerado o mais importante das narrativas do

ciclo arthuriano.

O rei que deu origem à lenda teria governado a Bretanha entre o fim do

século V e início do século VI, quando teria morrido em uma batalha em que

chefiava os bretões contra invasores. Seu nome foi citado pela primeira vez por

um bispo inglês chamado Geoffrey de Monmouth, que recolhera histórias da

tradição oral dos bretões e compusera em latim a obra “História dos Reis da

Bretanha”. Foram 99 reis no total e Arthur seria o 91o e o mais destacado. Anos

antes o mesmo bispo escreveu um pequeno texto em latim chamado “O

pequeno livro de Merlin”, no qual apresentava um personagem mágico que

alguns historiadores ingleses acreditam ser um adivinho galês.

A história de Arthur ganhou tanta popularidade que por mais de 400

anos foi contada pelos países europeus e cada país começou a acrescentar

suas próprias lendas à história inicial. Devido a esse fato personagens novos

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25começaram a participar da história de Arthur como o poderoso mago Merlin,

sua meio-irmã e bruxa, Morgana, Lancelot e os cavaleiros da Távola Redonda,

a espada mágica, Excalibur e o Santo Graal – o cálice utilizado por Jesus

Cristo na Última Ceia.

Arthur foi transformado no rei-herói, um modelo de honra, conduta e

cavalheirismo, mesmo lutando em época de batalhas selvagens em defesa da

integridade territorial e da independência política. Suas histórias foram

copiladas por poetas e filósofos da época, que lhe atribuíram as características

fantásticas das lendas originadas entre os povos celtas. Esses povos

transmitiam suas histórias oralmente e graças à sua fértil imaginação os feitos

do personagem Arthur foram imortalizados.

Ainda na Idade Média surgiu na Inglaterra a lenda de um jovem herói-

bandido que roubava dos ricos para dar aos pobres: Robin Hood. A publicação

da história impressa de Robin Hood data de 1495, mas suas aventuras e

popularidade já existiam há mais de cem anos.

Ainda não se identificou um homem que pudesse ter sido de fato o

jovem herói e os historiadores crêem que ele nunca existiu, que tenha sido uma

criação do povo que, injustiçado e oprimido pela nobreza e pelo clero da época,

esperava que um herói o salvasse.

Da mesma forma que aconteceu com o personagem de Arthur antes de

ter uma obra publicada, outros personagens entraram nas aventuras de Robin

Hood, inclusive um frei e uma aristocrata, que veio a ser sua amada Lady

Marian. Esses personagens eram acrescentados pelos populares, que

conforme foram transmitindo oralmente a história de Robin de uma geração à

outra foram incluindo personagens novos à sua saga.

Foi também durante a Idade Média que surgiu uma das mais famosas

coletâneas de contos clássicos do mundo: As mil e uma noites. Com uma

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26mescla de contos persas, hindus e árabes, as histórias relatadas nesta

coletânea transportam o leitor a um mundo novo. Seus relatos fantásticos

fazem com que o leitor desenvolva uma visão geral sobre os costumes, a

religião e o próprio espírito dos povos do Oriente.

A coletânea não foi escrita por um único autor e não há registros dos

escritores de cada um deles. Essa coletânea foi criada lentamente, ao longo

dos séculos IX e X e depois, XIV e XV. A missão desses contos legendários

era a de deixar uma mensagem positiva, transmitindo lições de conduta, de

vida e de amor.

“As mil e uma noites” é composta de uma mescla de contos na qual o

fim de um conto já é o início de outro. O interessante nessa coletânea é que a

história central – a de Sherazade que relatava os contos para o rei – já faz

alusão a importância do ato de contar histórias como forma de distrair, aliviar

tensões e estimular o pensamento crítico do ouvinte. Como nos mostra o

psicólogo Bruno Bettelheim:

“De acordo com a história básica, os dois protagonistas,

um homem e uma mulher, se encontram na maior crise

de suas vidas: o rei desgostoso da vida e cheio de ódio

pelas mulheres; Sherazade temendo por sua vida, mas

determinada a conseguir a libertação dele e dela. Ela

atinge sua meta através da narrativa de muitos contos de

fadas; uma única estória não poderia realizá-lo, pois

nossos problemas psicológicos são demasiado

complexos e de solução difícil. Só uma grande variedade

de contos de fadas poderia fornecer o ímpeto para tal

catarse. São necessários quase três anos de uma

narrativa contínua de contos de fadas para libertar o rei

de sua depressão profunda, para conseguir sua cura. É

preciso que ele escute atentamente os contos por mil e

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27uma noites para reintegrar sua personalidade

completamente desestruturada. (Aqui deveríamos

lembrar que na medicina hindu – e o ciclo das Mil e uma

Noites é de origem hindu-persa – a pessoa mentalmente

perturbada ouve uma estória de fadas, cuja meditação

ajudará a vencer sua perturbação emocional.).”

(BETTELHEIM, 1984, p.110).

1.3.3 Nos tempos modernos

Grandes lendas surgem a luz do Renascimento. Já no início desse

período – no século XVI – o escritor espanhol Miguel de Cervantes fez uma

sátira à mania dos romances de cavalaria, que foram comuns na Idade Média.

Cervantes criou o célebre personagem Don Quijote de la Mancha, cuja loucura

foi atribuída ao seu hábito de ler novelas de cavalaria. Sua obra marcou o fim

das novelas de cavalaria e o início dos tempos modernos, período marcado

pela expansão marítima européia e quando as diferentes culturas mundiais

tiveram seus contatos mais fortes.

A chegada dos europeus à América proporcionou o conhecimento de

outros mitos das civilizações que habitavam este continente. Os Incas, os

Astecas e os Maias, na área hoje denominada América Espanhola, criaram

seus impérios e seus mitos, com deuses e entidades mágicas que governavam

suas vidas. Na área hoje conhecida geograficamente como Brasil e na área

hoje divida pelos Estados Unidos e Canadá eram as nações indígenas que

defendiam seus deuses e faziam suas celebrações em sua honra.

Historicamente esses mitos americanos estavam mais próximos a

mitologia grega da Antigüidade Clássica que às histórias que foram

desenvolvidas nos tempos modernos. Entretanto, como essas produções

entraram em contato com a História apenas após a chegada dos europeus à

América, estão situadas nesse período histórico da Humanidade.

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28

Retornando ao contexto da Europa Moderna, a expansão marítima foi o

fato histórico mais marcante do período. Durante essa época surgiram as

lendas que assombravam os navegantes e as famílias européias dos séculos

XV e XVI: monstros marinhos que devorariam os navios e todas as tripulações

que ousassem transpassar a linha do horizonte, o mito da terra plana que

terminava numa enorme cachoeira da qual nenhum navio escaparia, entre

outras mais que assombravam os europeus.

Na Romênia do século XV houve um imperador que resgatou uma lenda

(a do Vampiro, que já era conhecida nas antigas literaturas egípcias e gregas)

e originou outra das mais conhecidas da literatura universal: a o conde Drácula.

Vladimir Tepes – ou Vlad, o Empalador – foi um príncipe que viveu no

século XV na Transilvânia (Romênia) e ganhou o apelido Drácula porque o

símbolo de sua família era o Dracul (um dragão), porém coincidentemente o

nome Drácula também significa Demônio.

Vlad ficou famoso pelos crimes hediondos que cometeu durante sua

vida, como o do terrível massacre do Dia de São Bartolomeu em 1460, quando

30.000 pessoas foram empaladas – atravessadas com uma estaca de madeira

ou de ferro que era espetada no chão onde agonizaram até a morte.

De acordo com relatos da época, Vlad possuía uma aparência

assustadora para os camponeses romenos da época: era pálido, vestia-se

sempre de preto, tinha hipersensibilidade a luz e tinha os dentes caninos mais

desenvolvidos que o normal, por isso o chamavam de “vampiro”. Em meados

dos anos 80 detectou-se uma doença rara a qual deram o nome de “porfíria”, e

a sua variação mais aguda provoca estas características descritas acima.

Talvez fosse a doença do Drácula.

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29A Romênia da época de Vlad estava dominada pela religião Ortodoxa

Oriental e devido a esse domínio religioso, as lendas romenas divulgavam

histórias de maldições àqueles que não eram batizados, às bruxas, ao sétimo

filho ou filha das famílias e às pessoas que eram excomungadas. Acreditava-se

que essas pessoas facilmente poderiam tornar-se vampiros.

O grande escritor, poeta, teatrólogo e ator inglês William Shakespeare,

em sua última fase (por volta dos anos 1608 a 1613) também escreveu seus

contos, utilizando temas poéticos e fantasiosos, com personagens míticos,

profecias e mágicas. Entre estas produções destacaram-se: A Tempestade,

Contos de Inverno, Péricles, Cybeline, entre outros.

Pelos exemplos citados pode-se perceber que a Europa do final do

século XV, do século XVI e do início do século XVII via-se assombrada por

suas lendas e seu povo criava heróis para salvá-lo das injustiças sociais

ocorridas nesse período.

1.3.4 Na era das Revoluções

Na França do século XVII, no ano de 1621, nasce Jean de La Fontaine.

Este poeta francês publicou suas célebres fábulas entre os anos de 1668 a

1694. Na realidade, La Fontaine escrevia fábulas destinadas ao público adulto,

mas curiosamente suas histórias obtiveram mais êxito entre as crianças.

As fábulas desse período assemelhavam-se às de Esopo, da Grécia

Clássica. Entretanto, as fábulas de La Fontaine tinham por objetivo a

apresentação de uma moral inquestionável e a manutenção da ordem social

estabelecida, oferecendo um modelo de comportamento a ser copiado e

recusando o que se considerava como postura errada.

A mais conhecida das fábulas de La Fontaine é “A cigarra e a formiga”.

Page 30: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Tiba, Augusto Cury, Daniel Goleman, entre outros citados na Bibliografia, serviram como a fonte que alimentou e auxiliou para o

30Nascido em 1628, também na França, o escritor Charles Perrault,

contemporâneo de La Fontaine, tornou-se mundialmente conhecido pela

publicação, no ano de 1697, da obra “Os contos da mamãe Gansa” composta

por onze histórias populares copiladas pelo autor. Antes dele, algumas

mulheres já se haviam dedicado a este trabalho, mas não obtiveram o mesmo

reconhecimento de Perrault, como mostra a escritora, Ana Maria Machado:

“Na França do século XVII, algumas mulheres se

dedicaram a recolher essas histórias que as encantavam

e a lhes dar uma forma mais literária, intercalando-as

também com outras que inventavam. As mais conhecidas

dessas autoras foram Mademoiselle Lhéritier e Madame

d’Aulnoy. Mas quem iria realmente se celebrizar por fazer

isso foi outro francês, Charles Perrault, que seguiu esse

exemplo e em 1697 recontou e publicou alguns poucos

desses contos, especialmente para as crianças da corte

real, narrando-os em finos versos ou prosa burilada, e

fazendo com que todos se acompanhassem de uma

moral. “ (MACHADO, 2002, p.71)

Perrault utilizou o confronto dualista entre oprimidos e opressores, bons

e maus, belos e feios como um exercício de crítica à corte francesa e para

retratar a sociedade de sua época.

A pesar de ter sido a única obra do gênero publicada por Perrault, seus

contos deram-lhe fama internacional pela inteligência valorizada em suas

histórias, nas quais os personagens, normalmente representantes de classes

discriminadas, tornavam-se superiores devido à sua astúcia e esperteza. Seus

personagens perspicazes armavam-se com atributos de inteligência para

derrotar a força bruta, representante do poder opressor da classe dominante da

época.

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31Entre seus personagens mais conhecidos destacam-se: A Gata

Borralheira, Chapeuzinho Vermelho, O Gato de Botas e O Pequeno Polegar.

O início do século XVIII marca a história da humanidade como um

período de transformações. O mundo vivia um período conturbado. Uma época

de contestações, de lutas de classes e de transições. A Europa saia de um

período conflitante repleto por lendas que assustaram suas populações. Esta

fase histórica foi marcada pelas revoluções européias – industrial e francesa –

que estabeleceram mudanças em todos os níveis sociais.

A Igreja Católica perdeu seu domínio, tanto territorial quanto ideológico.

A nobreza manteve seus títulos mais perdeu seus bem e muitos chegaram a

ser assassinados em conflitos populares. Surgiu um novo modo de produção –

capitalista – e uma nova classe social se estabeleceu no poder: a burguesia.

Ainda neste contexto mundial confuso e cheio de temores surgem dois

dos maiores ícones da literatura infantil mundial: os irmãos Grimm e Hans

Christian Andersen.

Os professores alemães Jakob Ludwig Karl Grimm (1785 – 1863) e

Wilhelm Karl Grimm (1786 – 1859) eram especialistas em Filologia – a ciência

da linguagem – e juntos copilaram e publicaram alguns dos contos mais

fantásticos da Literatura Mundial. Traduzido em oitenta idiomas, o livro Contos

Infantis de Grimm, publicado pela primeira vez na Alemanha, no ano de 1812

traz a coletânea de histórias que os irmãos levaram sete anos para reunir.

Os irmãos percorreram vilas e campos para falar com o povo mais

humilde. Procuraram descobrir como suas tradições eram transmitidas e assim

tiveram contato com as histórias que deram origem aos famosos “Contos de

Grimm”. Uma das pessoas que os irmãos conheceram durante seus trabalhos

pelo interior foi uma senhora, já em avançada idade, de nome Frau Dorothea

Viehmann, uma contadora de histórias da época, que forneceu aos irmãos a

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32maior parte dos contos que eles conseguiram recolher. Suas histórias eram

geralmente fantasiosas, repletas de magia e superstição, com mitos que se

tornaram populares em muitos países.

O trabalho desenvolvido pelos irmãos Grimm tinha por objetivo também

criar uma idéia de nacionalidade entre o povo alemão, valorizando sua

produção cultural não-escrita e deixando-a ao alcance de todos. Assim

apresenta a escritora, Ana Maria Machado:

“Mais de um século depois, em 1802, na Alemanha, foi

feita outra coletânea dessas histórias populares. (...)

Organizada por Whilheim e Jacob Grimm, dois irmãos

que eram pesquisadores e filólogos além de escritores,

essa antologia (...) não se destinava à leitura da corte,

mas tinha como objetivo preservar um patrimônio literário

tradicional do povo alemão e colocá-lo ao alcance de

todo mundo. (...) Com esse objetivo os contos eram

narrados em prosa, numa linguagem bem próxima da

oralidade, de um jeito parecido ao que era falado pela

gente do povo que contava essas histórias havia séculos,

e com quem as pesquisas dos irmãos Grimm tinham ido

buscar as diversas narrativas.” (MACHADO, 2002, p.71 e

72)

Entretanto, na realidade, essas histórias trouxeram mais semelhanças

com os outros povos do que diferenças. Como nos mostra o escritor Adelino

Brandão:

“Quando os irmãos Grimm se dispuseram a recolher, por

toda a Alemanha, os contos e lendas populares,

tradicionais e anônimas de seu país, houve um

movimento generalizado de surpresa: ‘ouviu-se um grito

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33universal de admiração’. Pela primeira vez, pode-se

afirmar, os pesquisadores tomaram consciência de que

‘as narrações populares de uma nação têm seu

equivalente nas dos outros povos: e verificou-se, então,

que as histórias maravilhosas contadas pelas amas e

pelos camponeses do outro lado do Reno eram

repetições das mesmas histórias contadas nos serões de

algumas aldeias de França.” (BRANDÃO, 1995, p.71).

O valor dado à tradição no trabalho desenvolvido com os contos

populares imortalizou os irmãos Grimm, tornando-os ícones da Literatura

Infantil mundial. Foi um trabalho que serviu como unificador cultural e, ao

mesmo tempo, uma resposta ao pensamento cientificista que se espalhava

pela Europa do século XIX. Como disse o escritor Assis Brasil:

“Os irmãos Grimm, que, no século XIX, publicaram dois

volumes de contos populares infantis, conhecidos até

hoje, valorizavam a tradição acima da razão e os

sentimentos do povo acima dos argumentos dos

intelectuais.” (BRASIL, 1984, p.182).

Baseando-se em temas folclóricos o dinamarquês Hans Christian

Andersen (1805 – 1875) escreveu 168 contos que revelavam às crianças um

mundo fantástico, no qual animais e seres imaginários adquiriam vida e

sensibilidade. Seus primeiros contos foram publicados entre os anos de 1835 e

1837 e continuou escrevendo e publicando até o ano de 1872. Os mais antigos

são os relacionados à tradição popular e os últimos já eram de sua própria

autoria.

Andersen nasceu na época em que Napoleão Bonaparte obtinha suas

primeiras vitórias. Desde menino recebeu a influência nacionalista típica da

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34época e acabou entregando-se à descoberta dos valores ancestrais como

forma de valorizar o caráter de seu povo.

Andersen tinha uma preocupação especial com a sensibilidade exaltada

pelo Romantismo. Suas histórias eram cheias de ternura e possuíam

elementos de generosidade e caridade, típicos dos escritores românticos.

Assim como Perrault, Andersen utilizava confrontos dualistas em suas

histórias, como entre o desprotegido e o poderoso, nas quais mostrava a

superioridade humana do explorado e a injustiça do poder explorador. Sobre a

obra de Andersen, acrescenta a escritora Ana Maria Machado:

“Algumas décadas depois, outra grande antologia de

contos de fadas surgiu também na Europa. Mais

exatamente na Dinamarca. O responsável por ela foi

Hans Christian Andersen. Mas embora normalmente se

considere a trindade Perrault-Grimm-Andersen como o

grande trio responsável pela compilação e difusão dos

contos populares, o dinamarquês apresenta uma grande

diferença em relação aos outros dois. Tanto, que é

muitas vezes chamado de ‘o pai da Literatura Infantil’.

É que Andersen, diferentemente de Perrault e dos irmãos

Grimm, não se limitou a recolher e recontar as histórias

tradicionais que corriam pela boca do povo, fruto de uma

criação secular coletiva e anônima. Ele foi mais além e

criou várias histórias novas, seguindo o modelo dos

contos tradicionais, mas trazendo sua marca individual e

inconfundível – uma visão poética misturada com

profunda melancolia.” (MACHADO, 2002, p.72)

A inovação dada por Andersen na produção dos contos inspirou outros

escritores a escrever seus próprios contos de fadas. Andersen é considerado o

precursor da literatura infantil mundial e em função da data do seu nascimento,

Page 35: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Tiba, Augusto Cury, Daniel Goleman, entre outros citados na Bibliografia, serviram como a fonte que alimentou e auxiliou para o

35comemora-se em 2 de abril o Dia Internacional do Livro Infanto-Juvenil. O

prêmio internacional mais importante na literatura infanto-juvenil é conferido

pela International Board on Books for Young People – IBBY. Esta premiação é

representada pela medalha Hans Christian Andersen.

1.3.5 No século XX

No século XX muitos dos contos clássicos saíram da literatura e

conquistaram a sétima arte. Com os avanços tecnológicos, começaram a ser

produzidos os primeiros filmes infantis em forma de desenhos animados.

O pioneiro nesta arte foi o cineasta, desenhista e produtor norte-

americano Walter Elias Disney (1901 – 1966), conhecido mundialmente como

Walt Disney. Em 1937, Disney remodela o conto “A Branca de Neve e os Sete

Anões”, escrito pelos irmãos Grimm e lança o primeiro longa-metragem em

desenho animado do mundo. O sucesso alcançado foi tanto que as empresas

Disney não pararam mais suas adaptações. Contos das Mil e uma noites

(como “Aladin e a Lâmpada Maravilhosa”), de Andersen (como “A Pequena

Sereia”), outros contos dos irmãos Grimm (como “Cinderela” e “A Bela

Adormecida”) e muitos outros da literatura mundial foram adaptados para o

cinema e apresentados com a marca das empresas Disney. Esse fato gerou

uma grande desinformação entre os indivíduos que acompanhavam as

produções de Disney: acreditavam que as histórias eram criadas pelo próprio

Disney, uma vez que não se informava ao público os créditos dos verdadeiros

criadores, como apresenta Francisco Marins, citado no livro de Adelino

Brandão:

“Fez bem o estudioso Adelino Brandão em debruçar-se,

com competência e esforço, salientando a verdade para

as novas gerações, pois muitos desavisados continuam a

pensar que Disney e outros adaptadores, são os

verdadeiros autores das estórias de duendes, das

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36madrastas más, das mulas-sem-cabeça, dos príncipes

encantados e dos Joãos e Marias, que povoaram suas

imaginações de crianças, deleitando-as ou talvez

apavorando-as, ou ainda fazendo-as condoerem-se das

desgraças e das dores de muitos heróis legendários e,

não, os distantes e já quase esquecidos Irmãos Grimm.”

(BRANDÃO, 1995, p.14).

Porém, não apenas as empresas Disney aproveitaram os contos antigos

para lançar desenhos em longa metragem e até seriados com seus títulos.

Lamentavelmente, essas versões modificavam as mensagens iniciais dos

contos, reduzindo seus ensinamentos e transformando-os em espetáculos de

efeitos especiais e de comércio, como comprova o psicólogo austríaco, Bruno

Bettelheim:

“A maioria das crianças agora conhece os contos de

fadas só em versões amesquinhadas e simplificadas, que

amortecem os significados e roubam-nas de todo o

significado mais profundo – versões como as dos filmes e

espetáculos de TV, onde os contos de fadas são

transformados em diversão vazia”. (BETTELHEIM, 1984,

p.32).

Além das novas versões dos contos clássicos no cinema, muitos autores

também recriaram essas histórias e as publicaram mantendo os nomes dos

contos originais. No entanto comprometeram a integridade da obra, não

respeitando suas seqüências, os atos de suas personagens e seus finais. Com

isso, o mesmo conto acabou apresentando em inúmeras versões diferentes.

Sobre isso fala a escritora Ana Maria Machado:

“Essas versões expurgadas dos contos de fadas, em

nome do moralismo, do didatismo, do realismo ou do

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37‘politicamente correto’, na melhor das hipóteses

costumam combinar duas características que não são

apenas rima, mas uma lástima: arrogância e ignorância.

A arrogância desses adaptadores está em se

considerarem donos da verdade, mais sábios e melhores

do que aqueles que os precederam, superiores a

gerações e gerações de criadores que vieram lentamente

estabelecendo as versões que conhecemos dos contos

de fadas. Os autores originais, geralmente gente do

povo, de pouca instrução, muitas vezes camponeses,

predominantemente mulheres, eram humildes contadores

de histórias tradicionais. Despretensiosos, prestaram um

imenso serviço cultural à humanidade, preservando esse

riquíssimo acervo de contos populares até os nossos

dias. (...) A ignorância é que explica a interferência

desses adaptadores, na maioria das vezes.” (MACHADO,

2002, p.76 e 77)

1.4 O que se aprende com os contos de cada época

Por meio da leitura de contos, de fábulas, de mitos e de lendas, muito

pode ser aprendido sobre a cultura de cada povo. A produção literária

desenvolvida pela Humanidade ao longo dos séculos foi uma das formas mais

agradáveis de transmissão de conhecimento de uma geração à outra.

A sobrevivência das histórias populares garantiu a conservação do modo

de vida dos povos anteriores, da sua cultura, da sua visão de mundo. Como

disse o já falecido professor norte-americano, Thomas Bulfinch sobre o povo

grego e romano:

“As religiões da Grécia e da Roma Antiga

desapareceram. Mas o legado de seus mitos e heróis

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38continua presente até nossos dias. Estes já não

pertencem à teologia, mas às artes, à literatura e à

erudição. Tornaram-se de tal modo permanentes que

estão vinculados ao imaginário de todos os povos

ocidentais, revelando-se na poesia, nas belas-artes, na

psicologia e na psicanálise, como parâmetros e

modelos.” (BULFINCH, 2001, p.6).

Como pioneiros nas histórias os povos gregos deixaram uma herança

cultural riquíssima e alguns dos contos mais fascinantes de todos os tempos,

como apresenta a escritora brasileira Ana Maria Machado:

“Guardada por tanto tempo e reconhecida como um

tesouro da Humanidade, a cultura grega antiga sempre

despertou o entusiasmo de leitores apaixonados, em

diferentes épocas históricas. São uma fonte inesgotável,

onde sempre podemos beber. Para muita gente, eles são

os mais fascinantes de todos os clássicos.

Provavelmente são os que mais marcaram a cultura

ocidental.” (MACHADO, 2002, p.26)

Com o legado cultural que foi transmitido às gerações pelo tempo

garantiu-se uma agradável forma de educação moral simultânea ao

divertimento e a alegria de aprender. As fábulas enriqueciam as atividades

cotidianas dos povos e sua importância era tanta que sobreviveram por séculos

sem ser escritas, apenas correndo pela boca das pessoas que as contavam.

Quando finalmente essas histórias foram escritas confirmou-se a garantia de

que elas seriam imortais, seus registros fizeram com que elas atravessassem

fronteiras, rompessem as barreiras dos idiomas e atingissem todos os povos.

Como mostra a poetisa Cecília Meirelles sobre Charles Perrault, um dos

grandes nomes da literatura infantil:

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39“Perrault esperava que as mães transmitissem a seus

filhos essa herança do passado, cujo valor educativo

encarecia. E foi feliz. Tanto seus três contos em verso

‘Grisélidis’, ‘Pele de Burro’ e ‘Os pedidos ridículos’ como

seus contos em prosa – ‘A bela adormecida’,

‘Chapeuzinho Vermelho’, ‘Barba Azul’, ‘O gato de botas’,

‘As fadas’, ‘A gata borralheira’, ‘Riquete de crista’ e ‘O

pequeno polegar’ são populares não só na França, mas

no mundo inteiro, e de tal modo absorvidos na tradição

comum que poucas pessoas, ao contá-los, sabem que

foram recolhidos por Charles Perrault.” (MEIRELLES,

1984, p.73)

A partir do conhecimento das histórias fantásticas que por séculos

povoaram o imaginário humano, pode-se perceber como a humanidade evoluiu

com o passar do tempo, seus períodos gloriosos, tristes, alegres, oprimidos e

tranqüilos. Quando se lê alguma história da época medieval, percebe-se o

temor que a Europa vivia naquela época. Em vários países europeus instalou-

se uma crise social muito forte unida a fortes medos do desconhecido. Criaram-

se inúmeras fantasias que assombraram o povo europeu, mas também

surgiram heróis, com uma honra e coragem inabaláveis. Um dos desejos deste

povo, o de um herói que o salvasse de sua condição injusta de vida, foi

retratado pelas histórias do personagem Robin Hood, como nos mostra a

escritora Ana Maria Machado:

“A Inglaterra descobre em seu passado outro ciclo de

lendas medievais recontadas em baladas populares

difundidas, que datavam pelo menos do ano de 1400 –

relativas ao tempo das Cruzadas, no reinado de Ricardo

Coração de Leão. Com elas se divulgavam os feitos de

Robin Hood, um nobre proscrito que vivia com seu bando

de assaltantes/guerrilheiros na floresta de Sherwood e

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40que criou para sempre um modelo clássico de

redistribuição de renda por meio da fórmula que se

resume em ‘roubar dos ricos para dar aos pobres’. Esse

personagem se transformará num dos maiores e mais

duradouros mitos românticos, o do marginal herói, cuja

história necessariamente exige que ele nunca pare de

agir e precisa terminar assim que ele deixa a

marginalidade.” (MACHADO, 2002, p.48)

A publicação de livros só passou a ser realizada no final do século XV,

por esta razão a tradição oral desempenhou um papel tão importante até então,

pois foram os registros orais, gravados na memória do povo, os responsáveis

pela bagagem cultural clássica que ainda hoje serve ao homem, unindo-o aos

seus semelhantes, animando-o, enriquecendo-o e dando-lhe esperança. Como

mostra Cecília Meirelles:

“Transpondo-se a data da invenção da imprensa, chega-

se à Idade Média, aos copistas, aos livros manuscritos, à

cultura limitada a um certo número de privilegiados.

Época das grandes complicações de histórias vindas de

toda parte: cruzados, viajantes, mercadores, filósofos,

monges recolhem lendas piedosas, proezas militares,

ensinamentos morais, aventuras estranhas, casos

curiosos e engraçados ocorridos em lugares exóticos.

Recolhem-nas na memória ou por escrito. E da Pérsia,

do Egito, da Índia, da Arábia caminham para longe e

espalham-se pelos quatro cantos do mundo narrativas

que se encontram com as de outros povos, que se

reconhecem, às vezes, em suas semelhanças,

completam-se, acrescentam-se, confundem-se,

refundem-se e continuam, interminavelmente a circular...

Em albergues, conventos, pousos, caravançás, as horas

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41de descanso enriquecem-se de conversas que arrastam

a experiência do mundo e a sabedoria dos povos, sob a

forma dessas composições orais, tradicionalmente

repetidas, e ouvidas sempre com encanto e convicção.”

(MEIRELLES, 1984, p.43)

Dessa forma os contos clássicos ficarão para sempre no registro do

passado da humanidade, como fonte de um saber antigo que ainda continua

sendo utilizado e influenciando as pessoas ao longo do tempo; como um meio

de atenuar as diferenças entre as nações mostrando quão semelhantes são os

homens em seus anseios, em seus desejos e em seus sentimentos.

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42

CAPÍTULO II

FOLCLORE BRASILEIRO: UMA FONTE DE

APRENDIZAGEM

2.1 Elementos formadores do folclore brasileiro

A palavra “folclore” veio da língua inglesa – folk-lore – e significa o

conjunto das tradições e conhecimentos representado por crenças, canções e

contos populares.

No caso do Brasil, seu folclore é tão misturado quanto a sua formação

populacional. Três raças – branca, indígena e negra – tiveram fundamental

expressão na formação dos contos folclóricos do país.

O riquíssimo folclore brasileiro formou-se a partir da mescla dos três

elementos formadores da sua população: os brancos (colonos e jesuítas), os

indígenas (povo nativo) e os negros (trazidos da África pelos brancos).

O contato entre estes três elementos alterou suas culturas, criando as

bases que formaram o atual folclore brasileiro. Um exemplo disso é dado pelo

escritor Eduardo Galvão – no livro Santos e Visagens – citado por Berta Ribeiro

em seu livro “O índio na história do Brasil”:

“A maioria das crenças e práticas não-católicas do

caboclo amazônico deriva do ancestral ameríndio.

Foram, entretanto, modificadas e influenciadas no

processo de amalgamação com outras de origem ibérica

e mesmo africanas”. (RIBEIRO, 1987, p.101).

Dessa forma, a mesma mistura religiosa que ainda é vista na população

brasileira também foi realizada em suas demais tradições populares. No

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43entanto, como esta união de elementos foi mais intensa, não a percebemos de

imediato. Apenas a partir de longas análises teóricas.

2.1.2 A contribuição jesuíta

O ano de 1549 marca a chegada da Companhia de Jesus às terras

brasileiras. Os jesuítas vieram com missão dupla: aumentar o número de

católicos, devido à perda ocorrida na Europa pela Reforma Protestante, e

trazer a educação à colônia portuguesa.

Em nome do seu Deus europeu os jesuítas penetraram as aldeias

indígenas para iniciar a catequização dos nativos e assim formar os novos

católicos que a Igreja queria. Para tal fim, a Companhia de Jesus tornou-se o

veículo de trabalho intelectual da colônia. Os jesuítas fundaram escolas nas

quais ensinavam a ler, escrever e contar aos filhos dos colonos e aos índios

que já estavam em um estágio mais avançado.

O trabalho de conquista dentro das aldeias era deixado aos

missionários. Estes iam viver entre os índios, adaptavam-se à sua cultura para

serem aceitos e, pouco depois, lentamente introduziam seus princípios

religiosos e seus interesses econômicos. Primeiro havia o obstáculo da língua,

a necessidade de ensinar o idioma colonizador ao nativo. Os missionários

ensinavam a língua “dos brancos” aos nativos e depois começavam a contar-

lhes histórias relativas à Bíblia – para apresentar e reforçar a fé católica – e

contos que visavam transmitir normas de conduta e novos ensinamentos aos

povos indígenas. Esses contos vinham fortalecer a prática da agricultura pelos

índios, atendendo aos interesses econômicos da colônia.

Foram os jesuítas que trouxeram os contos clássicos europeus para o

Brasil. Na realidade, todos os contos reunidos na Europa dos séculos V ao XV,

foram trazidos ao Brasil pelos jesuítas, incluindo as fábulas de Esopo – um dos

principais veículos de normas de conduta utilizado para disciplinar os nativos.

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44Os contos clássicos prendiam a atenção dos indígenas, dominando-os através

da palavra e não das armas (como foi feito pouco tempo depois).

2.1.3 A contribuição indígena

A população indígena encontrada pelos portugueses era imensa.

Subdividida em vários grupos tribais – os mais importantes eram Jê, Karib e

Tupi – a população indígena pré-colonial tratava-se de inúmeras nações dentro

da nação que os portugueses chamaram de Brasil.

Cada nação indígena possuía suas peculiaridades culturais, porém

pontos comuns são encontrados em praticamente todas elas: a educação das

crianças é baseada nos exemplos dos adultos, ou seja, elas crescem imitando

os mais velhos até poderem assumir suas funções sociais. Os idosos têm a

missão de transmitir os valores, os mitos e as lendas da tribo às crianças e aos

jovens. Não havia linguagem escrita e por isso a tradição oral era tão

importante. Não havia classes sociais. A fartura e a penúria da tribo pertencia a

todos.

O encontro com os missionários jesuítas alterou a cultura dos nativos

indígenas. Eles entraram em contato com uma nova religião, um novo modo de

vida e novos valores culturais. Porém, esse encontro também modificou os

missionários jesuítas que foram viver nas aldeias. Eles tiveram de se adaptar

para aproximar-se dos índios e com isso entraram em contato com sua cultura;

acompanhavam suas atividades diárias, conheciam seus mitos, comiam sua

comida e algumas vezes aprendiam sua língua.

Os povos indígenas enriqueceram a cultura popular do Brasil. Suas

lendas contaram, por anos, seu modo de vida, suas crenças e seus temores,

tornando-se a base do folclore nacional. Sobre suas lendas e sua cultura

escreveu o diplomata Alberto da Costa e Silva:

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45“As lendas de um povo são a mais genuína expressão de

suas crenças, costumes e imaginação. Em busca de um

sentido para a sua existência, o homem acaba por tecer

narrativas que expliquem os mistérios do universo e da

sua relação com ele e com a natureza. Essas histórias

que fundem o mundo real e o imaginário, são

transmitidas oralmente, de geração para geração,

mantendo a rica tradição de toda a cultura. A sabedoria

simples e a imaginação ora ingênua, ora cruel, estão

presentes nas lendas que vêm sendo narradas desde a

primeira tribo indígena. Os mistérios e os feitiços dos

homens e da natureza se revelam em cada história e

chegam aos tempos de hoje, possibilitando ao homem

moderno conhecer um pouco da cultura da gente

primeira desta terra”. (SILVA, 2002, p.2).

Cada uma das várias nações indígenas que viviam no Brasil pré-colonial

possuía sua bagagem cultural, suas próprias lendas, seus próprios mitos e sua

própria religião. A maioria dessas nações era politeísta – acreditavam em

vários deuses – e associavam seus heróis a elementos da natureza. Por esta

razão, normalmente a chuva, o sol, a lua, as estrelas, algumas plantas, eram

tão cultuadas pelos povos nativos. Para todos estes cultos eram apresentados

explicações fantasiosas, envolvendo algum acontecimento heróico, romântico

ou de punição.

Quem já teve a oportunidade de ler coletâneas de contos indígenas deve

ter observado que, muitas vezes, para um mesmo elemento natural há mais de

uma explicação. Isso se deve ao fato de que muitas nações diferentes criaram

explicações próprias para a formação de tudo o que conheciam e era

importante para suas vidas. Quando alguns antropólogos começaram a reunir

os hábitos das sociedades indígenas e a registrar informações sobre suas

tradições orais, essas nações já se haviam misturado entre si e com brancos e

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46negros, por essa razão já não foi possível delimitar com segurança de qual

nação partiu cada conto.

2.1.4 A contribuição negra

Da mesma forma que os nativos indígenas formavam distintas nações,

os africanos trazidos ao Brasil pertenciam aos mais variados grupos tribais. Os

navios negreiros que começaram a chegar ao Brasil no século XVI trouxeram

homens que falavam línguas diversas, possuíam culturas diferentes e tinham

crenças distintas. O choque cultural que sofriam quando aportavam em terras

brasileiras era absurdo. Vinham para trabalhar arduamente e eram tratados

como animais. Viam-se obrigados a aprender a cultura do colonizador para

melhor servi-lo. Sua cultura foi esmagada e para mantê-la, realizavam seus

rituais às escondidas, da mesma forma que contavam a história dos seus

povos e suas tradições a suas crianças. Tampouco havia linguagem escrita e,

assim como nas sociedades indígenas, a tradição oral era de suma

importância.

Quando ainda se encontravam na África seus hábitos culturais eram

semelhantes a alguns hábitos indígenas, como comprova a fala do antropólogo

Carlos Rodrigues Brandão:

“As meninas aprendem com as companheiras de idade,

com as mães, as avós, as irmãs mais velhas, as velhas

sábias da tribo, com esta ou aquela especialista em

algum tipo de artesanato. Os meninos aprendem entre os

jogos e brincadeiras de seus grupos de idade, aprendem

com os pais, os irmãos-da-mãe, os avós, os guerreiros,

com algum mago ou feiticeiro, com os velhos em volta da

fogueira. Todos os agentes desta educação de aldeia

criam de parte a parte as situações que, direta ou

indiretamente, forçam iniciativas de aprendizagem e

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47treinamento. Elas existem misturadas com a vida em

momentos de trabalho, de lazer, de camaradagem ou de

amor. Quase sempre não são impostas e não é raro que

sejam aprendizes os que tomam a seu cargo procurar

pessoas e situações de troca que lhes possam trazer

algum aprendizado”. (BRANDÃO, 2000, p.19).

A presença africana temperou a cultura popular brasileira. Juntando-se

às lendas indígenas, as lendas africanas remodelaram a cultura popular,

mostrando como as camadas menos favorecidas fazem para preservar,

transmitir e renovar suas tradições.

A presença negra não se deu apenas nas histórias que eles ofereceram,

mas também na culinária, na difusão da capoeira, no vocabulário, nas

vestimentas, nos adornos e nas festas populares.

2.2 A influência dos contos, mitos e lendas brasileiras no campo

social

As histórias que foram transmitidas pelos povos indígenas, as que foram

trazidas nos navios negreiros pelos negros da África e as que vieram por meio

dos colonizadores portugueses ainda transitam o meio social da população

brasileira atual.

A mistura cultural está presente em todos os campos da vida dos

brasileiros, porém em regiões mais afastadas das zonas urbanas pode-se ver

esta presença com mais claridade, como nos mostra Berta Ribeiro:

“A Amazônia, os longínquos sertões do Brasil Central, o

Nordeste são ainda hoje repositórios de crenças e

práticas indígenas incorporadas ao folclore nacional, na

forma de uma tradição oral. Entre os duendes e

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48assombrações mais correntes – que na concepção do

índio como na do caboclo habitam o fundo dos rios ou o

recôndito da floresta – avultam os botos, a cobra grande,

os curupiras, anhangás e vários outros”. (RIBEIRO, 1987,

p.101).

A partir da fala da escritora, acima, torna-se evidente a mistura que

ocorreu na formação do folclore brasileiro. Ao lado dos elementos fantásticos

indígenas – cobra grande, o boto – estão elementos fantásticos de origem

européia – os duendes – e ainda os de origem africana – as assombrações.

Entretanto, a cultura indígena foi tão envolvida pelos elementos estrangeiros

que penetraram em suas tradições, que acabaram por incorporá-los, como se

fossem de suas próprias tradições.

E reforça a presença indígena nas palavras de Alberto da Costa e Silva:

“O nosso homem rural, na maior parte da nossa

geografia, é caboclo ou cafuzo, quando não claramente

índio de feições e porte. E dorme em rede, e descansa e

cavaqueia acocorado, e faz farinha de mandioca e o beiju

como antes da chegada portuguesa, e arma arapucas,

mundéus e puçás, e explica o mundo com personagens,

histórias e metáforas”. (SILVA, 2002, p.9)

Em regiões mais afastadas das áreas urbanas, os mitos folclóricos ainda

estão bem vivos nas tradições culturais dos povos. Na Amazônia e em algumas

regiões centrais do Brasil, lendas como a do boto cor-de-rosa (o animal se

transformaria em homem nas noites de lua cheia e se relacionaria sexualmente

com moças), da mula sem-cabeça (mulheres que teriam se relacionado

sexualmente com padres), da sereia Iara (um ser metade peixe metade mulher,

com uma bela voz, capaz de atrair os homens para o fundo dos rios com seu

canto e sua beleza), do curupira (um menino com cabelos de fogo e os pés

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49virados para trás, que libertaria os animais aprisionados e enganaria os

caçadores com falsas pegadas) ainda rondam o imaginário popular. É comum

nessas regiões a história de que alguns habitantes são filhos do boto e de que

algumas pessoas que desapareceram nos rios tivessem sido levadas pela

sereia Iara. Na região nordestina muitos pescadores defendem a existência do

“nego d’água”, um ser metade homem metade peixe que vira os barcos dos

pescadores e os puxa para o fundo do mar.

Muitos desses mitos fazem parte do turismo local e alguns habitantes

fazem comércio utilizando essas histórias fantásticas. Estatuetas, amuletos,

pequenos quadros e colares com pingentes, são alguns dos objetos que são

vendidos a partir da utilização das lendas locais. Além se servirem como meio

de vida, esse comércio garante a perpetuação dessas histórias e sua difusão

para outras regiões através dos turistas.

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CAPÍTULO III

A sociedade global e o desaparecimento dos

contadores de história

O advento da tecnologia, a necessidade de conhecimentos múltiplos e a

pressa que movimenta a sociedade humana atual desvalorizou os saberes

transmitidos por meio dos contos. Como mostra a escritora Ana Maria

Machado:

“As histórias populares que chamamos de contos de

fadas constituem uma categoria diferente entre os

clássicos. Em geral, não são encaradas pelos críticos e

pela academia com a mesma nobreza e prestígio (...)

mas poucas obras são tão conhecidas e exerceram

tamanha influência sobre nossa cultura. Além disso,

poucas também foram, sempre, tão oferecidas às

crianças. Talvez justamente seja essa a causa e o efeito

de não terem tanto prestígio e nobreza. Muitas vezes são

consideradas apenas ‘histórias infantis’ e, por isso, vistas

como pouco importantes e sem nobreza literária, se acha

que podem então ser destinadas às crianças.

Duplo preconceito.” (MACHADO, 2002, p.68)

Por medo do ridículo ou pela facilidade de “conhecer” as histórias

fantásticas através do cinema ou da televisão, sem precisar buscá-las em livros

e pesquisar suas origens o ato de contar histórias vem sendo banido,

gradativamente, das relações familiares e pedagógicas. Como nos mostra o

psicólogo Bruno Bettelheim:

“Por que tantos pais inteligentes, bem-intencionados,

modernos, de classe média, tão preocupados com o

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51desenvolvimento satisfatório dos filhos tiram o valor do

conto de fadas e privam a criança do que estas estórias

oferecem? Mesmo nossos ancestrais vitorianos, apesar

da ênfase na disciplina moral e de um modo de vida

tedioso, permitiam e encorajavam os filhos a gostar da

fantasia e do excitamento do conto de fadas.”

(BETTELHEIM, 1984, p.147)

A sociedade que chegou ao novo milênio é muito diferente das suas

antecessoras. A globalização, o comércio entre as nações, as alianças

econômicas entre países, a idéia de uma língua universal, a internet, o ritmo de

trabalho intenso, a aproximação entre as culturas e o desaparecimento

gradativo de traços, outrora considerados pouco comuns, têm uniformizado o

que hoje chamamos de aldeia global.

A família já não dispõe de muito tempo junta. As mães não se mantêm

mais em casa, pois trabalham para ajudar o sustento da família. As crianças

vão para a escola cada vez mais cedo. Sobre isso, fala o psiquiatra e

psicoterapeuta, Içami Tiba:

“Quando os pais trabalham, as crianças vão para a

escola cada vez mais cedo, com dois anos de idade em

média. Entretanto há escolinhas que as recebem com

idade ainda menor. (...) Ainda sem completar a educação

familiar, a criança já está na escola. O ambiente social

invade o familiar não só pela escola, mas também pela

televisão, internet etc. (...) As crianças têm dificuldade de

estabelecer limites claros entre a família e a escola,

principalmente quando os próprios pais delegam à escola

a educação dos filhos.” (TIBA, 2002, p.180).

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52Os meios de comunicação de massa assumiram papéis que antes eram

realizados pela família e pela escola. Não são mais os pais e os professores

considerados modelos de conduta para as crianças e para os jovens e sim os

padrões ditados pela mídia e divulgados através do rádio, da televisão e da

internet. Como diz o psiquiatra brasileiro, Augusto Cury:

“Colocamos uma televisão na sala. Alguns pais, com

mais recursos, colocaram uma televisão e um

computador no quarto de cada filho. Outros encheram

seus filhos de atividades, matriculando-os em cursos de

inglês, computação e música.

Tiveram uma excelente intenção, só não sabiam que as

crianças precisavam de infância, que necessitavam

inventar, correr riscos, frustar-se, ter tempo para brincar e

se encantar com a vida. Não imaginavam o quanto a

criatividade, a felicidade, a ousadia e a segurança do

adulto dependiam das matrizes da memória e da energia

emocional da criança. Não compreenderam que a TV, os

brinquedos manufaturados, a Internet e o excesso de

atividades obstruíam a infância de seus filhos.

(...)

Pais e filhos vivem ilhados, raramente choram juntos e

comentam sobre seus sonhos, mágoas, alegrias e

frustrações”. (CURY, 2003, p. 11 e 12)

A atração que todo o aparelho ideológico da mídia exerce sobre os

indivíduos é tão forte que as pessoas estão tornando-se moldáveis aos

interesses defendidos por essa. A consciência crítica está diminuindo e a

qualidade cultural está cada vez mais inferior.

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53No caso das crianças esta situação é ainda pior, pois como sua

personalidade encontra-se em formação, serão manipuladas facilmente pelos

atrativos truques da mídia; como nos exemplifica novamente Içami Tiba:

“As crianças adoram comerciais de televisão, até mais

que desenhos animados infantis, principalmente se

houver crianças em cena. Movimentos, vozes, lugares,

músicas, coloridos alegres e bonitos, feitos para agradar

o telespectador e lhe vender tudo, prendem sua atenção.

Os desenhos e os bichinhos de pelúcia com forma,

olhares, expressões faciais e movimentos de gente

fazem sucesso com as crianças porque desde cedo elas

gostam de gente”. (TIBA, 2002, p.83).

Ainda sobre a televisão vale a pena ressaltar o perigo que ela pode

representar na formação da personalidade de uma criança, como apresenta

detalhadamente o psicoterapeuta Içami Tiba:

“Muito cuidado com o uso da televisão como babá

eletrônica. Desde pequenas, as crianças ligam sozinhas

a televisão e prestam atenção em comerciais porque

chamam sua atenção por ser alegres, cheios de som,

cores e movimentos, com cenários, pessoas e objetos

maravilhosos. Suas mensagens porém, nem sempre são

apropriadas a crianças. Entram pelos olhos e ouvidos e

passam a fazer parte dos conteúdos de sua mente.

Quanto mais tarde a criança se iniciar no mundo da TV,

melhor. É assustador ver crianças pequenas, de fraldão,

tentando imitar o rebolado das dançarinas. Se elas

imitam a dança, por que não imitarão a violência? Aquela

imagem que entra no ambiente familiar passa a ser

natural, um costume”. (TIBA, 2002, p.175).

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54

Os aparelhos de meios de comunicação de massa, em especial da

televisão – por ser o mais difundido – teve papel fundamental na formação da

sociedade que vemos hoje e, caso não haja uma reação, terá novamente um

papel fundamental na formação da sociedade futura.

A idéia de consumismo, tão comum entre os adultos, atinge mais

fortemente as crianças. Pertencer aos grupos que ela quer implica em ter um

tênis de determinada marca, beber determinado refrigerante, usar uma blusa

de outra marca, ter determinados brinquedos, pentear os cabelos como os de

determinado ídolo etc. Não é à toa que normalmente pessoas que estão no

auge de suas carreiras artísticas são utilizadas como garotos-propaganda para

venderem determinados produtos. Ninguém compraria um xampu utilizado por

uma pessoa comum, do povo; mas com certeza compraria o que fosse utilizado

por aquela atriz – padrão de beleza – protagonista da novela do horário nobre.

Sobre os comerciais, fala o escritor Carlos Eduardo Novaes:

“A expressão ‘intervalo comercial’ é mentira. O intervalo,

na verdade é artístico. Ou vocês duvidam que a

televisão, se pudesse, botaria comerciais no ar 24 horas

por dia? (...)

A televisão brasileira (leia-se Globo) é bonita porque ela

não reflete o país. A TV Globo tem cara de multinacional.

Reflete o Brasil das classes dominantes (que são as que

podem comprar), com seus carrões, de ambientes

requintados, de mulheres bonitas...” (NOVAES, 2003,

p.179)

Mais um alerta é lançado pelo escritor acima citado: o não-reflexo da

realidade do país na televisão. Se a mídia não apresenta o que de fato ocorre

na sociedade, como poderá o Homem moderno tomar consciência de sua

realidade social? Através de leituras, de pesquisa, de estudos e de uma

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55recepção crítica das informações que recebe. Uma das grandes falhas do

mundo moderno é que o homem deixou de filosofar, de se indagar sobre as

coisas que o cercam e sobre como transformar a realidade que vivencia.

Abaixo, um alerta de Carlos Eduardo Novaes:

“Sem a preocupação do Ser, o Homem torna-se oco por

dentro. Perde sua consciência crítica, sua capacidade de

reflexão, e torna-se uma presa fácil da tríplice aliança

formada pelo consumo, a publicidade e a televisão.

O Homem deixa de ser sujeito e passa a ser objeto. Tem

suas decisões e sua própria vida comandada pelos

interesses do mercado. Chega uma hora em que não

conseguimos decidir mais nada. Nem o que fazer com o

tempo livre.” (NOVAES, 2003, p.175)

No mundo ainda em construção da criança, essas informações

transmitidas pelos comerciais fazem um estrago ainda maior. Desde muitio

pequena, a criança já começa a pedir os objetos que a mídia lhe apresenta e

se frustra quando não tem seus desejos realizados.

Durante este trabalho foram apresentadas as produções literárias dos

contos, das fábulas, dos mitos e das lendas que deram a base cultural que

formou a sociedade humana. Um fato triste, mas que pode ser facilmente

comprovado ao longo da leitura desta monografia é que com o avançar dos

anos a produção literária diminuiu.

Quando a Humanidade entrou no século XX, o que se viu foi um resgate

dos contos clássicos (infelizmente nem todos com total integridade) e sua

adaptação aos modelos que atenderiam a sociedade da época, mas não houve

novas criações. Trabalhou-se sobre uma arte já desenvolvida, acrescentando-

lhe novas versões.

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56A cobrança profissional, as crises financeiras, a propagação do egoísmo

– com total desinteresse aos problemas alheios – transformaram a cabeça do

homem moderno.

Como a família quase não se reúne; os professores não têm muito

tempo disponível, pois a maioria se divide entre várias turmas, e o aparelho

ideológico da mídia está presente funcionando como “babá eletrônica” ficou

reservado a este último a transmissão de valores às crianças e aos jovens. Os

contadores de história, outrora tão respeitados e consagrados, alguns

transformados em ícones pela literatura universal foram sugados pelo ritmo

acelerado da sociedade globalizada.

A consagrada autora brasileira, Ana Maria Machado, ganhadora do

prêmio Hans Christian Andersen no ano de 2000, reforça a importância dos

contos clássicos na formação de vários outros célebres autores mundiais:

“O poeta Carlos Drummond de Andrade fez mais de um

poema relembrando seu deslumbramento ao descobrir

outro clássico em cuja leitura mergulhava, o ‘Robinson

Crusoé’. A romancista Clarice Lispector escreveu sobre a

intensa felicidade que lhe proporcionou a leitura de

‘Reinações de Narizinho’, um clássico brasileiro. O poeta

Paulo Mendes Campos celebrou ‘Alice no País da

Maravilhas’, do inglês Lewis Carroll, como uma das

chaves que abrem as portas da realidade. O crítico

francês Roland Barthes descobriu nas leituras

adolescentes da mitologia grega um fascínio pelos

argonautas e seu navio Argos, que o acompanhou por

toda a vida – e esse mesmo mito do Velocino de Ouro

exerceu seu magnetismo sobre o inglês Willian Morris e o

argentino Jorge Luis Borges. (...) O jurista Evandro Lins e

Silva se revela eternamente marcado pelos contos de

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57fadas que sua mãe lhe contava e pelo que conversava

com ele a respeito dos livros que lia. O romancista José

Lins do Rego foi tão influenciado pelas histórias

tradicionais ouvidas de uma ex-escrava, no engenho,

que, ao se tornar escritor, marcou a literatura brasileira

com traços da oralidade. O autor italiano Umberto Eco

revela seu encantamento com as nuances narrativas da

abertura de ‘Pinóquio’.” (Machado, 2002, p.10 e 11).

O que deve ser destacado neste capítulo é que é de vital importância

que a família não deixe de se reunir e de transmitir valores às suas crianças. A

leitura deve ser estimulada desde cedo e a criação da consciência crítica

também. Os pais e professores precisam estar atentos à força que eles

exercem como exemplos de conduta para seus filhos e/ou alunos. Assim, é

indispensável que mantenham viva a chama da indagação, das perguntas, das

pesquisas; uma vez que foi assim que o Homem evoluiu.

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58

CAPÍTULO IV

A formação do docente e sua atuação a partir de uma

nova prática

4.1 Enriquecer uma aula por meio de histórias

Como prática de conhecimento do mundo que nos cerca, os contos

devem manter-se unidos à prática pedagógica. Muito material pode ser

extraído dessas histórias e muito estímulo à leitura, à imaginação e à criação

artística podem ser oferecido às crianças através dos contos de fadas.

O trabalho com histórias não precisa restringir-se a nenhuma matéria

específica, uma vez que há contos disponíveis para atender a qualquer

disciplina. O que não pode ser dispensado é que aja coerência entre a história

escolhida e a proposta de trabalho a ser desenvolvida.

Uma das fortes queixas dos professores, que se tem observado sobre o

aproveitamento dos educandos nas escolas, é a de que os alunos não lêem

nada ou quase nada. A falta de leitura reflete-se em sua forma de escrever e

de se expressar. Os alunos não escrevem bem, não falam bem e não

conseguem argumentar a favor de suas idéias, porque lhes falta embasamento

teórico para tal.

O avanço tecnológico afastou boa parte dos indivíduos dos livros, pois,

no tempo em que estariam lendo, as pessoas preferem assistir programas na

televisão ou navegar pela internet. Ao invés de empregarem a tecnologia como

suporte para a aquisição de mais conhecimentos, as pessoas a usam como

forma de entretenimento puro e simples e tornam-se ainda mais alheias aos

acontecimentos que as cercam. Como nos apresenta o escritor Carlos Eduardo

Novaes:

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59“A televisão (que, todo mundo sabe, não estimula a

reflexão) fez do Homem um ser passivo, comandado por

estímulos. O Homem já não participa das coisas do seu

tempo. O Homem apenas vê, observa o mundo como

algo de que ele não faz parte (algo fora dele).

A televisão não trabalha para desenvolver as qualidades

do Homem, porque não está voltada para ele (a não ser

enquanto consumidor e número de ibope). A televisão,

senhores, está voltada para o ... LUCRO! Sim, para o

lucro. Num sistema capitalista, a televisão é um negócio,

como um armazém.” (NOVAES, 2003, p.177 e 178 ).

Uma nova prática, não voltada para o rechaço às tecnologias, mais ao

tratamento crítico em relação às mesmas, seria o ideal para reorganizar a

sociedade atual e modificar as estruturas inadequadas que ainda persistem. E

essa reorganização se daria através da educação.

Quanto ao termo “educação”, não está restrito apenas ao trabalho

desenvolvido dentro das escolas, mas também ao que se aplica dentro dos

lares. A criança que se desenvolve num ambiente sem questionamentos, que

tem retirado seu direito de indagar, de perguntar e de ter dúvidas, fatalmente

tornar-se-á um adulto passivo, moldável e conformado.

4.1.1 Ensinar e divertir

Quando a criança começa a freqüentar a escola normalmente as

professoras contam-lhe muitas fábulas que consideram adequadas ao mundo

infantil. Porém, conforme a criança vai se desenvolvendo e avançando nas

séries escolares, as histórias começam a desaparecer de seu universo e, elas

nem mesmo discutiram o que aprenderam com estas.

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60“Os contos de fadas, à diferença de qualquer outra forma

de literatura, dirigem a criança para a descoberta de sua

identidade e comunicação, e também sugerem as

experiências que são necessárias para desenvolver

ainda mais o seu caráter. Os contos de fadas declaram

que uma vida compensadora e boa está ao alcance da

pessoa apesar da adversidade – mas apenas se ela não

se intimidar com as lutas do destino, sem as quais nunca

se adquire verdadeira identidade. Estas estórias também

advertem que muitos temerosos e de mente medíocre,

que não se arriscam a se encontrar, devem se

estabelecer numa existência monótona – se um destino

ainda pior não recair sobre eles.” (BETTELHEIM, 1984,

p.32).

Como foram apresentados no desenvolvimento deste trabalho, os

contos, as fábulas, os mitos e as lendas tiveram funções especiais ao longo da

história humana. Esses relatos refletiram as fases históricas da Humanidade,

como o homem vivia em cada época, quais eram seus valores, seus medos e

seus sonhos.

A proposta aqui desenvolvida é a de que esses relatos sejam

amplamente aproveitados na prática docente. Pesquisas, ilustrações, a vida do

autor, o contexto histórico no qual o relato foi produzido, são atividades simples

que oferecerão ao educando a oportunidade de situar o ensinamento que ele

adquiriu através de um simples conto.

“O conto de fadas procede de uma maneira consoante ao

caminho pelo qual uma criança pensa e experimenta o

mundo; por esta razão os contos de fadas são tão

convincentes para ela. Ela pode obter um consolo muito

maior de um conto de fadas de que de um esforço para

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61consolá-la baseado em raciocínio e pontos de vista

adultos. Uma criança confia no que o conto de fada diz

porque a visão de mundo aí apresentada está de acordo

com a sua.” (BETTELHEIM, 1984, p.59).

Por entrar com mais facilidade no mundo da criança, os contos são

capazes de conduzir sua imaginação. Por outro lado, deve-se considerar que

os contos não são produções específicas ao universo infantil, como pensam

muitos. Não há idade específica para a leitura de contos, como não há para a

leitura de histórias em quadrinhos ou outras produções.

Qualquer leitura desenvolve a curiosidade, a indagação sobre o que virá

depois, como se sairá aquela personagem, quais serão os próximos desafios,

será que ela terminará bem, será que o leitor teve alguma identificação com

ela, entre muitas outras, são perguntas que surgem quando se está lendo uma

história.

Com a leitura ou com histórias transmitidas oralmente, o indivíduo pode

perceber que aprender é algo divertido e enriquecedor.

4.1.2 Estimulando o emocional e criando novas possibilidades

Um dos grandes problemas para resolver a questão da inovação

pedagógica é que os professores não chegam às salas de aula estimulados a

desenvolver um trabalho diferente. Primeiro porque não recebem apoio,

segundo porque também não receberam uma educação voltada para tal e por

último porque não há recursos disponíveis para atividades mais dinâmicas.

Imaginemos como seria desenvolver leituras com grupos de uma região

da periferia, numa escola que passa boa parte do ano letivo fechada, devido às

greves ou ao medo que gira em torno das regiões carentes dominadas pelo

tráfico, e sem qualquer recurso financeiro que lhes desse suporte? Talvez

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62ouvindo o que esses alunos sabem, qual é a cultura que desenvolveram e

adquiriram e estimulando-lhes a compreender o porquê de não terem o padrão

de vida que eles assistem nas novelas.

Porém, não apenas entre as classes menos favorecidas a transmissão

de conhecimento tornou-se difícil. Entre os alunos de escolas particulares,

possuidores de tudo que o dinheiro lhes pode comprar, o trabalho tampouco é

simples. O professor concorre com o computador, com os jogos eletrônicos,

com o telefone celular e com assuntos alheios ao que se está sendo proposto

em aula. Se, de um lado falta recursos, do outro falta atenção e, nos dois, falta

tempo hábil.

Trazendo para a sala de aula a cultura do aluno, talvez esse se interesse

mais pelas atividades propostas. Além disso, a partir do momento que o

professor se mostra disposto a conhecer o que o aluno tem a lhe oferecer, o

aluno também se abrirá às idéias de seu mestre.

No caso dos contos de fundo moral, uma atividade interessante que

pode ser realizada com as crianças e os jovens é o debate sobre como agiriam

caso fossem os personagens da narrativa. Suas respostas revelarão muito ao

docente, pois quando indagados sobre suas atitudes, deverão transportar-se

para o mundo da personagem e aplicar suas próprias condutas no momento da

decisão. Essa prática desenvolveria o gosto pela Filosofia, pois, a partir do

momento que o educando começa a se questionar sobre suas atitudes, a

elaborar estratégias de como reagiria em determinada situação para resolver

um problema, ele estaria filosofando.

Quando o professor é também um bom contador de histórias ele ganha

mais atenção e confiança dos seus alunos, pois penetra no seu imaginário e

lhes transmite novas e ricas experiências de vida. Trabalhando o imaginário do

educando o professor marca a sua passagem na vida desse aluno e deixa-lhe

um legado a ser transmitido.

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63

4.2 Desenvolver novos paradigmas educacionais

Uma grande questão ainda a ser discutida é a formação do docente e

sua metodologia.

As escolas têm tratado o conhecimento de uma forma muito

fragmentada e o que tem ocorrido, graças a isso, é que o aluno não consegue

perceber as relações entre uma disciplina e outra. Por conta disso

desenvolvem um gosto especial por determinada matéria e não se interessam

pelas outras.

Lamentavelmente no campo das Universidades a situação não é

diferente. Apesar de terem conhecimentos específicos à sua área, os

estudantes universitários desenvolvem desinteresses particulares por algumas

matérias, em especial àquelas que lhes parecem antagônicas ao curso que

escolheram.

Para resolver esse problema entra a questão da interdisciplinariedade.

Quando as matérias se integram para formar um todo coerente com o que o

educando esperava do curso no qual está, ele se torna mais interessado pelos

conteúdos que lhe estão sendo oferecidos.

Em relação às escolas, atividades que reúnam o maior número de

disciplinas ao redor de um único trabalho seriam interessantes para

desenvolver o interesse dos educandos.

Por exemplo, quando um professor transmitir um conto aos alunos,

indicar apenas seu autor e dar a eles a missão de desvendar os mistérios que

cercam o relato, como: época em que foi escrito, qual era o contexto histórico

deste momento, a que classe social pertencia o autor, qual era a finalidade do

conto (religioso, econômico, moral etc), fazer um mapa indicando onde se

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64passa a história, entre outras atividades mais que os professores podem criar.

Neste caso, foram tratados temas de História, Literatura, Filosofia e Geografia,

reunindo várias disciplinas em função de um mesmo relato.

Vale lembrar que o professor, enquanto ensina, também aprende com

seus alunos, a partir de suas experiências e de seus conhecimentos. Como nos

mostrou o educador Paulo Freire:

“Ensinar inexiste sem aprender e vice-versa e foi

aprendendo que, historicamente, mulheres e homens

descobriram que era possível ensinar. Foi assim,

socialmente aprendendo, que ao longo dos tempos,

mulheres e homens perceberam que era possível –

depois, preciso – trabalhar maneiras, caminhos, métodos

de ensinar. Aprender precedeu ensinar ou, em outras

palavras, ensinar se diluía na experiência realmente

fundante de aprender. Não temo dizer que inexiste

validade no ensino, em que o aprendiz não se tornou

capaz de recriar ou de refazer o ensinado, em que o

ensinado não foi apreendido não pode ser realmente

aprendido pelo aprendiz.” (FREIRE, 1996, p.24)

E com as palavras de Paulo Freire, um dos maiores educadores do país,

se encerra este trabalho. Destacando a importância da troca de experiências e

do ato de ensinar e aprender, apreendendo o conhecimento.

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65

CONCLUSÃO

Assim como foi exposto no decorrer deste trabalho, a história do homem

foi marcada pela constante busca de explicações sobre sua origem, seu papel

no mundo, suas diferenças, seus sentimentos e sobre tudo que o cercava. Para

tal, o homem criou explicações que pudessem responder suas indagações e

confortar seus medos.

Os mitos, primeiras formas de narrativas orais que surgiram, forneceram

ao homem as explicações que esse precisava e tornaram-se sagrados. O

homem transferiu para seus mitos toda a força, toda a inteligência, toda a

astúcia que um ser simples – um mísero mortal – não poderia ter, assim como

toda a fúria, toda a revolta, todo o ódio que não caberiam em um ser humano

comum.

Quando os mitos tornaram-se insuficientes, o homem criou a lenda, com

as mesmas alegorias, o mesmo verniz artístico, porém sem a consideração de

“sagrado” que havia antes. A lenda partia de algo que havia ocorrido na

realidade e que era adornado com explicações mágicas, como foi demonstrado

nas lendas européias sobre o Rei Arthur, sobre Robin Hood, sobre Drácula e

outras mais que marcaram o tempo. O que foi apresentado neste trabalho,

comprova que algumas lendas serviram como conforto, outras criavam medos

e outras, ainda, traziam esperança ao homem.

A evolução humana modelou a forma de contar as histórias. Com o

tempo, os contadores deixaram as narrativas mais longas. A intenção

educativa se fez mais clara a partir da fábula. Os contos ficaram pequeninos e

giravam apenas em torno de um ensinamento moral. O homem fez uma

viagem no tempo, retomando as fábulas gregas de Esopo e destacando novas

fábulas criadas na época das revoluções, como as do francês La Fontaine.

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66Em terras tupiniquins a mesma necessidade de explicações, as mesmas

dúvidas humanas, acompanhavam os nativos – primeiros habitantes do solo

americano – que criaram as lendas indígenas; posteriormente acrescentadas

ao que se chama hoje de folclore nacional. Acrescentadas, porque também o

elemento europeu e o africano misturaram-se ao elemento indígena na

formação da cultura brasileira, uma vez que também era deles as perguntas

que se respondiam “fantasticamente” e com as quais explicavam o mundo.

A escolha deste tema liga-se a necessidade humana de explicar sua

trajetória no planeta, não apenas por vias históricas, mas também, pelas vias

do fantástico, do maravilhoso, do mítico, enfim, do quase inacreditável.

Como foi aprofundado durante este trabalho, o homem sempre fantasiou

sobre sua vida na terra e até sobre uma suposta vida posterior à terrena. As

histórias que cresceram com o homem ao longo de sua evolução foram

demonstrações da sua imaginação, da sua capacidade criadora, da suas

manifestações artísticas. O homem é, e sempre foi, um ser atuante na história.

Um ser que fez e faz história, que a modifica, que a recria e que a conta.

Contar histórias aproxima as pessoas uma das outras e de seu passado,

de sua origem, de seus ancestrais. E na intenção de que este ato não se perca,

de que sua importância não seja esquecida e de que o homem não abandone

esta capacidade criadora e artística que sempre o acompanhou, fica aqui este

trabalho. Como a prova de que a humanidade é mais homogênea do que se

imagina, de que as indagações humanas são semelhantes, independente da

época e da região na qual se está inserido, e de que os homens precisam bem

mais uns dos outros do que são capazes de imaginar.

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67

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70

ÍNDICE

INTRODUÇÃO 09

CAPÍTULO I 12

A HISTÓRIA DAS HISTÓRIAS 12

1.5 A origem dos contos 12

1.6 Os objetivos das produções de relatos 14

1.7 Os mitos, fábulas, lendas e contos através dos tempos 16

1.7.1 Na Antigüidade 19

1.7.2 Na Idade Média 23

1.7.3 Nos tempos modernos 26

1.7.4 Na era das Revoluções 28

1.7.5 No século XX 34

1.8 O que se aprende com os contos de cada época 36

CAPÍTULO II 41

FOLCLORE BRASILEIRO: UMA FONTE DE APRENDIZAGEM 41

2.1 Elementos formadores do folclore brasileiro 41

2.1.2 A contribuição jesuíta 42

2.1.3 A contribuição indígena 43

2.1.4 A contribuição negra 45

2.2 A influência dos contos, mitos e lendas brasileiras no campo social 46

CAPÍTULO III 49

A SOCIEDADE GLOBAL E O DESAPARECIMENTO DOS

CONTADORES DE HISTÓRIA 49

CAPÍTULO IV 57

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A FORMAÇÃO DO DOCENTE E SUA ATUAÇÃO A PARTIR DE

UMA NOVA PRÁTICA 57

4.1 Enriquecer uma aula por meio de histórias 57

4.1.1 Ensinar e divertir 58

4.1.2 Estimulando o emocional e criando novas possibilidades 60

4.2 Desenvolver novos paradigmas educacionais 62

CONCLUSÃO 64

BIBLIOGRAFIA 66

ÍNDICE 69