Dois irmãos, duas pessoas diferentes

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Fala sobre as comparações entre irmãos, a dificuldade em se sentir menos apreciado e a importância dos diversos talentos e habilidades no mundo.

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DOIS IRMÃOS, DUAS PESSOAS DIFERENTES

1ª EdiçãoCampinas – SP

Edição da autora2011

ISBN 978-85-912113-3-3

FERNANDA OLIVEIRA CAMARGO HERREROS

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Era uma vez um menino que gostava muito de bichos. Ele gostava

tanto que passava horas lendo os livros sobre animais que sua mãe lhe

comprava. Sabia contar sobre os hábitos de cada bicho, como

caçavam, se alimentavam e viviam.

Este menino tinha um irmão mais velho e os dois iam para a

mesma escola juntos. O menino, a cada ano escolar que começava, já

sabia o que ia acontecer. A professora sempre falava:

- Eu dei aula para o seu irmão no ano passado. Ele era um aluno

maravilhoso, muito inteligente. Você é igual ao seu irmão? Também vai

ser assim?

Lógico que o menino não era igual ao seu irmão, porque cada um

era de um jeito. Não que o menino não fosse inteligente, porque ele

era. Mas a verdade é que ele não gostava tanto de estudar quanto seu

irmão.

Ele gostava mais de brincar, o irmão gostava mais de ler; ele era

falante, o irmão era mais quieto; ele era mais engraçado, o irmão mais

tímido. Era simples assim: um era diferente do outro, não tinha como

serem da mesma maneira.

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A mãe do menino entendia aquilo muito bem e procurava

incentivar o talento de cada um. Sempre que podia levava o mais velho

à biblioteca e o mais novo ao zoológico.

Com o passar do tempo, o menino começou a sentir muita raiva e

tristeza cada vez que o comparavam ao seu irmão na escola. Já não

aguentava mais ser lembrado do quanto seu irmão era melhor do que

ele nos estudos e percebeu que aquele sentimento apertava-lhe o peito

e pesava-lhe nos ombros. Apesar de mostrar-se sempre brincalhão e

despreocupado, a verdade é que se sentia diminuído e pouco

apreciado.

Mas a pior de todas aquelas experiências estava por vir. Um dia a

professora de matemática chamou-o à lousa, na frente de toda classe,

para resolver um problema dificílimo. O menino olhou, olhou para o

problema e não pôde resolvê-lo. A professora gritou:

- Vai sentar, menino. Se continuar assim você vai ter que trabalhar

para seu irmão e pedir para ele te dar dinheiro a vida toda. Você nunca

vai ser alguém de sucesso desse jeito.

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O menino na hora riu e fez de conta que nem se importou com as

risadas da classe, mas aquilo o machucou demais. Aquela frase ficou

passando na sua cabeça por várias vezes naquele dia e naquela noite.

Toda vez que ele lembrava daquilo vinha um gosto amargo na boca, um

aperto no estômago, uma sensação ruim. Sozinho, à noite no seu

quarto, chorou. Chorou de tristeza por não se sentir apreciado, chorou

porque sentiu que não o reconheciam, chorou porque se sentia sempre

menor e à sombra de seu irmão e chorou de raiva daquela professora.

A vida na escola continuou da mesma maneira, o irmão sempre

com notas altíssimas, ganhando prêmios e sendo elogiado e o menino

com seu desempenho de sempre. Ele nunca tinha notas muito altas, às

vezes passava direto, outras vezes ficava de recuperação.

A verdade é que o menino foi ficando cada vez mais sem vontade

de estudar porque parecia que tudo que fizesse sempre seria

comparado ao que seu irmão já tinha feito. E ele conhecia bem como a

comparação era feita: ele era pior, o irmão era o bom, diziam os outros.

Aquilo era tão comum que o próprio menino pareceu se acomodar e

aceitar aquele papel, de ser sempre o menos inteligente.

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Um dia, ao final da aula, o menino estava sentado nos degraus da

entrada da escola quando algo muito estranho aconteceu. Aquela

professora de matemática, que zombara dele na frente de toda classe,

caminhava para o portão da saída, quando esbarrou num mastro da

quadra de esportes. No mesmo instante algo grande e preto passou

raspando pela cabeça da mestra e ela saiu correndo e gritando com as

mãos nos cabelos.

O menino foi embora curioso, pensando o que teria sido aquilo,

mas chegando em casa brincou a tarde inteira e esqueceu o que tinha

ocorrido. No dia seguinte, ele estava novamente à porta da escola,

conversando com várias crianças quando a professora chegou. Ao

passar pelo mastro, mesmo sem tocar nele, a cena se repetiu: algo

grande e preto atacou a cabeça da mestra. Ela gritou, se encolheu e

saiu correndo no meio do pátio. Havia muitos alunos no local e alguns,

ao verem a professora abaixada, gritando e fugindo pela escola,

caíram na gargalhada.

Realmente aquela professora não era muito querida entre os

estudantes porque costumava rir e zombar dos outros.

O menino, que já tinha visto a cena antes, conseguiu prestar mais

atenção dessa vez e notou que o que atacara a professora era um

pássaro grande e escuro, que pousara sobre o mastro no pátio. Sentiu-

se curioso e decidiu descobrir qual pássaro era.

Durante o recreio observou e como entendia muito de bichos, logo

viu tratar-se de um gavião. Aproveitou e foi estudar mais sobre os

hábitos daquela ave.

Novamente, naquele dia, na saída, a mesma professora foi

atacada pelo vôo rasante do gavião. Ela tentou se esquivar, mas o bicho

perseguiu-a até tocá-la da escola.

No dia seguinte ela apareceu de chapéu, tentando se proteger e se

disfarçar, porque era claro que o problema do gavião era com ela. Ele

não atacava mais ninguém, só a professora mesmo.

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O menino até achava bem feito e ria da professora também,

porque ele ainda estava ressentido com o comentário maldoso que ela

tinha feito. “Não era ela que gostava de humilhar as pessoas na frente

dos outros? Deixe-a sentir o que é ser motivo de risada... Quem sabe o

gavião lhe dará uma lição...” – pensava.

Mas passado alguns dias o menino perdeu o sentimento de

vingança e começou a sentir pena da professora porque viu que ela

estava sofrendo com aquilo. Entrava abatida, triste na aula e até

apareceu com arranhões e curativos na cabeça. O menino tinha bom

coração, ele tinha sido ferido mas não gostava de que outros

sofressem. Não era de sua natureza ser mau e vingativo e pensou que

já bastava o que ela tinha passado com o gavião. Ele sabia que podia

ajudá-la e decidiu fazê-lo, mesmo que ela o tivesse judiado no passado.

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O garoto tinha estudado sobre gaviões e observado aquele da

escola desde sua primeira aparição. Sabia que gaviões não atacam os

humanos à toa e procurou o motivo para a agressão à professora.

Logo descobriu um ninho no telhado da escola e com binóculo viu

que neste ninho havia um outro gavião e um filhotinho. O gavião que

atacava ficava todo o dia sobre o mastro perto do ninho e só se

juntava aos outros à noite. Então o menino entendeu: o gavião do

mastro era o pai, que defendia seu ninho com sua mulher e seu

filhote. O mastro era seu ponto de observação. Naquele primeiro dia,

quando a professora esbarrou no mastro sem querer, o gavião

entendeu que ela era uma ameaça, que estava atacando a ele e

poderia machucar sua família e, então, sempre a ameaçava primeiro

para impedir que ela chegasse próxima ao ninho.

O menino sabia que era hora de revelar sua descoberta e

procurou a diretora, que o ouviu com muito interesse. A diretora

chamou a professora e o menino explicou o que acontecia. Elas

ficaram muito admiradas com a inteligência e o conhecimento do

garoto.

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O menino então sugeriu que avisassem à prefeitura e

comunicassem aos órgãos de cuidados dos animais que lá se

encontrava um ninho de gaviões. Falou para professora que não

entrasse mais por aquela porta até que tudo se resolvesse, e que ela

permanecesse bem longe do mastro e do ninho. A escola liberou uma

outra entrada só para a professora e a prefeitura cuidou para que o

gavião e sua família ficassem seguros e tranquilos.

A professora percebeu o quanto tinha sido injusta com aquele

garoto e reconheceu quanto valor ele tinha. Afinal, de que adiantava

todo conhecimento da escola ou da matemática naquela hora em que

ela mais precisou? Ela então percebeu que todos têm sua qualidade e

que há varias formas de sabedoria e de inteligência, e que todas são

igualmente importantes no mudo.

Ela chamou o menino à frente da classe, contou a todos como ele

tinha resolvido o problema e o elogiou muito. Disse o quanto ele era

inteligente e mandou uma carta com os mesmos dizeres para sua

mãe.

O menino ficou muito, muito contente. Sentiu-se reconhecido e

capaz. Descobriu-se inteligente e único, possuidor de tantas

qualidades quanto seu irmão. Agora ele sabia que todos na escola

percebiam que eles eram dois irmãos, duas pessoas diferentes, mas

ambos especiais.

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