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DOM DUARTE E A DEMOCRACIA MENDO CASTRO HENRIQUES BERTRAND EDITORA D. Duarte é uma personalidade que prima pela correcção de atitudes e por um relacionamento extremamente afável e bem-educado. Tudo isso tem vindo a ser reconhecido. É um patriota, como tem demonstrado ao longo dos anos e, nomeadamente, ao procurar manter excelentes relações com os Povos das nossas ex-colónias e, em especial, com Timor-Leste. Mário Soares Encontrei em Dom Duarte um Príncipe democrata, defensor da autodeterminação dos povos, porque ele próprio é proveniente de uma família com história secular de luta pela defesa da identidade própria. Pascoal Mocumbi, Primeiro-Ministro de Moçambique, 1994-2004 Dom Duarte encarna as magníficas qualidades que tornam tão atraente o povo português. Maurice Druon, Secretário Perpétuo Honorário da Académie Française Creio que na pessoa do Duque de Bragança, Portugal tem um forte defensor dos valores culturais, e dos padrões históricos e tradicionais, que são o mais forte legado para a juventude. S. A. R. Príncipe Eduardo de Inglaterra O Rei de Portugal, Dom Duarte, poderá não ser monarca reinante ? Mas tem a difícil tarefa de manter vivo o espírito cultural da nação; e isso é mais importante do que usar uma coroa. Tenzin Gyatso, 14º Dalai Lama do Tibete

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DOM DUARTE E A DEMOCRACIA

MENDO CASTRO HENRIQUES

BERTRAND EDITORA

D. Duarte é uma personalidade que prima pela correcção de atitudes e por um relacionamentoextremamente afável e bem-educado. Tudo isso tem vindo a ser reconhecido. É um patriota,como tem demonstrado ao longo dos anos e, nomeadamente, ao procurar manter excelentesrelações com os Povos das nossas ex-colónias e, em especial, com Timor-Leste.Mário Soares

Encontrei em Dom Duarte um Príncipe democrata, defensor da autodeterminação dos povos, porque ele próprio é proveniente de uma família com história secular de luta pela defesa daidentidade própria.Pascoal Mocumbi, Primeiro-Ministro de Moçambique, 1994-2004

Dom Duarte encarna as magníficas qualidades que tornam tão atraente o povo português. Maurice Druon, Secretário Perpétuo Honorário da Académie Française

Creio que na pessoa do Duque de Bragança, Portugal tem um forte defensor dos valores culturais, e dos padrões históricos e tradicionais, que são o mais forte legado para a juventude.S. A. R. Príncipe Eduardo de Inglaterra

O Rei de Portugal, Dom Duarte, poderá não ser monarca reinante ? Mas tem a difícil tarefa demanter vivo o espírito cultural da nação; e isso é mais importante do que usar uma coroa.Tenzin Gyatso, 14º Dalai Lama do Tibete

ISBN 972-25-1517-99 ”789722”5 5177

Mendo Castro Henriques

DOM DUARTE E A DEMOCRACIA

MENDO CASTRO HENRIQUES

DOM DUARTE E A DEMOCRACIAUMA BIOGRAFIA PORTUGUESA

Prefácio de Dom Duarte de Bragança Posfácio de Gonçalo Ribeiro Telles

BERTRAND EDITORAChiado 2006

Mendo Castro Henriques e Bertrand Editora, 2006 Todos os direitos para a publicação desta obra em língua portuguesa reservados por:Bertrand Editora, Lda. RuaAnchieta, nº 29, 1º1249-060 LisboaTelefone: 210 305 500Fax: 210 305 563Correio electrónico: [email protected]ão: Carlos PinheiroImpressão e acabamento: Tipografia PeresDepósito legal nº 248678/06Acabou de imprimir-se em Outubro de 2006ISBN: 972-25-1517-9

Em repetidas oportunidades, tive o ensejo de lhe demonstrar, Senhor Dom Duarte,publicamente, o meu apreço e estima pessoal com a maior sinceridade.Mário Soares, Presidente da República, 1985-1995

Encontrei em Dom Duarte um Príncipe democrata, defensor da autodeterminação dos povos, porque ele próprio é proveniente de uma família com história secularde luta pela defesa de identidade própria.Pascoal Mocumbi, primeiro-ministro de Moçambique, 1994-2004

A Sua Alteza Real o Duque de Bragança manifesto a minha admiração e a minha homenagem pelo seu apoio contínuo ao Povo e à Igreja em Timor Leste.D. Carlos Ximenez Belo, bispo e Prémio Nobel da Paz 1996

D. Duarte sabe mantener una actividad pública de constante interés, preocupación y presencia, no interferente con la del Gobierno, sensible a los problemas mas candentesy deseoso de contribuir a su alivio y solución.Manuel Fraga Iribarne, presidente da Junta de Galiza, 1989-2005

Dom Duarte encarna as magníficas qualidades que tornam tão atraente o povo português.Maurice Druon, secretário perpétuo honorário da Académie Française

Considerámos a visita de Dom Duarte como um aperto de mão simbólico que criou uma ponte por cima dos séculos.Marc D. Angel, rabino da Shearit Israel, Nova Iorque

Sem reivindicar privilégios... Dom Duarte de Bragança tem sabido ser o elo de continuidade que o corpo simbólico do Rei impõe.Vasco Rocha Vieira, governador de Macau, 1991-1999

O Duque de Bragança é um digno representante da comunidade portuguesa, seja na África, nas Américas ou na Ásia.

Otão de Habsburgo

É com a maior alegria que me associo às homenagensAriano Suassuna, Escritor, Brasil

A paixão e dedicação incessantes de Dom Duarte pelas causas humanitária permanece na minha vida como uma fonte de inspiração.Kartika Soekarno, Indonésia

Creio que na pessoa do Duque de Bragança, Portugal tem um forte defensor dos valores culturais e dos padrões históricos e tradicionais que são o mais forte legadoPríncipe Eduardo de Inglaterra

Dom Duarte de Bragança tem sido do maior auxílio em promover as relações entre Fés e Igrejas, entre Portugal e o Reino Unido.Sir Sigmund Sternberg, Grã-Bretanha

Dom Duarte está bem consciente dos seus legítimos e irrefutáveis pergaminhos e Direitos, mas está sobretudo ciente, o que enaltece a sua incontestável posição como Chefe da Casa Real Portuguesa, dos seus imensos e indeclináveis Deveres.Fernando Nobre, Presidente da AMI

O Rei de Portugal, Dom Duarte, poderá não ser Monarca Reinante,mas tem a difícil tarefa de manter vivo o espírito cultural da nação;e isso é mais importante do que usar uma coroa.Tenzin Gyatso, 14º Dalai Lama do Tibete

Senhor Duque de Bragança. A. grande nação Portuguesa foi vítima de tiranias mortíferas já por várias vezes, e, por isso, com sabedoria e coragem, também abristes aVossa Ordem a membros, de vários graus, homens e mulheres, de todas as denominaçõesreligiosas, que se dedicam a obras de caridade, à educação e ao apoio aos Portugueses,Theodore, cardeal McCarrick, arcebispo de Washington, DC, EUA

ÍNDICE GERAL

Prefácio 13I PARTE 15Introdução 17

1. Reconciliação 25A pessoa privada e a pública 25Pactos Dinásticos 28D. Duarte Nuno 35O Regresso 39

2. Anos de Formação 43Formação Básica 43

Colégio Militar 47Educação Superior 49

3. A VOCAÇÃO AFRICANA 51Primeiras experiências 51Serviço Militar 53Uma campanha em Angola 57Retrospectiva 59

4. Causas comuns 63A monarquia no 25 de Abril 63Herdeiro do Trono 66Os Retornados 67Mutualismo Agrícola 69Ambiente e Ordenamento 71Solidariedade 72

Juventude e Património 77Comunidades Lusófonas 78História e «Revolução Cultural» 80

5. A Democracia Portuguesa 81Afirmar a república 82Após o 25 de Abril 91Iniciativas de participação 95A imagem na comunicação social 99Xeque ao rei 101Casamento de Estado 104A Família Real 107As Reais Associações 108Conhecer o País 111

6. O Rei e a República 115O melhor regime 115Objecções e respostas 119A escolha dinástica 120Independência ou ingerência? 122Quem é «incapaz»? 124Partidos Políticos e Partido de Serviço 127Parlamentarismo 130Nobreza ou «Nobre Povo»? 131Quanto custa? 133Modernidade e tradição 137

7. Promover a Lusofonia 141Projectar Portugal 141Angola e Cabinda 143

Brasil 148Cabo Verde 150Guiné 151Macau 151Moçambique 153S. Tomé e Príncepe153Timor 154

8. Portugal no Mundo 165A Marca da Nacionalidade 165Espanha e Galiza. 166Países Europeus 169Rússia 173Estados Unidos 177Ásia 181África 185

9. Religião e Cultura 187Primeiro, o Cristianismo 187Igreja e Estado 192Relações com o Islão 195Relações com o Judaísmo 196Espiritualidades 198Cultura e Cinema 201

10. A Quinta Dinastia 207«Os frutos são de todos...» 207«Europa sim, mas não assim» 209Crise ou oportunidade? 212Que quer o Povo Português? 216A transição é possível? 218POSFÁCIO DE GONÇALO RIBEIRO TELLES 223

II PARTE - Documentação 2331. A Monarquia na Assembleia da República 235Da Constituinte a 1982 235As Revisões Constitucionais de 1982 a 2004 240

2. Documentos Históricos 2531641 -Assento das Cortes de 1641 2531910 - Carta de D. Manuel II ao Povo Português 2641910-Lei de Proscrição 2651912 - Conteúdo do «Pacto de Dover» 2651920 - Abdicação de Dom Miguel de Bragança (II) em Dom Duarte Nuno 2661922 - Pacto de Paris 2671932 - A Sucessão segundo a Carta Constitucional 2671932 - Aclamação de Dom Duarte Nuno de Bragança 270

1934 - Protesto contra o confisco dos bens da Casa de Bragança 271

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1945 - Mensagem por ocasião do nascimento do Príncipe da Beira 2721950 - Revogação das leis sobre banimento e proscrição 2741959 -Proclamação ao Povo Português, por Dom Duarte Nuno 2741970 - Manifesto da Convergência Monárquica 2771986 - Queixa apresentada ao Sr. Presidente da República 2822004 - Petição para a fiscalização da constitucionalidade da última revisão constitucional 2842006 - Parecer do Ministério dos Negócios Estrangeiros 2883. Mensagens 2951973 - Carta a Marcello Caetano, Lisboa, 3 de Setembro 2951974 - Mensagem do Príncipe da Beira de 26 de Abril de 1974 2971977 -Mensagem de S. A. R. o Duque de Bragança 2971977 - Criação do Gabinete do Duque de Bragança 3011978-Criação do Conselho Privado 302Mensagem aos Povos dos Açores e Madeira 302Mensagem do 1º de Dezembro de 1980 303Mensagem do 1º de Dezembro de 1981 306Mensagem do 1º de Dezembro de 1982 311Mensagem do 1º de Dezembro de 1983 317Mensagem do 1º de Dezembro de 1984 321Conferência de Imprensa - Lisboa, em 27 de Novembro de 1985 325Mensagem do 1º de Dezembro de 1986 3261987 - Alocução inaugural da Campanha «87 Timor - Vamos Ajudar» 332Mensagem do 1º de Dezembro de 1987 335Mensagem do 1º de Dezembro de 1988 (Excerto) 341Mensagem do 1º de Dezembro de 1989 342Mensagem do 1º de Dezembro de 1990 (Excerto) 345Mensagem de 1 de Julho de 1991 346Mensagem do 1º de Dezembro de 1991 349Mensagem do 1º de Dezembro de 1992 353Mensagem do 1º de Dezembro de 1993 357Mensagem do 1º de Dezembro de 1994 361Mensagem do 1º de Dezembro de 1995 369Mensagem do 1º de Dezembro de 1996 376Mensagem do 1º de Dezembro de 1997 378Mensagem do 1º de Dezembro de 1998 382Mensagem do 1º de Dezembro de 1999 385Mensagem do 1º de Dezembro de 2000 390

Mensagem do 1º de Dezembro de 2001 392Mensagem do 1º de Dezembro de 2002 397Mensagem do 1º de Dezembro de 2003 401Mensagem do 1º de Dezembro de 2004 404

Mensagem do 1º de Dezembro de 2005 410

4. Cronologia de Actividades (2006 1998) 419

2006 . 4192005 . 4202004 . 4222003 . 4242002 . 4242001 . 4262000 . 4281999 . 4291998 . 430

5. Reis de Portugal 433

6. Testemunhos 435Mário Soares 435Príncipe Eduardo de Inglaterra 436Ermias Sahle Selassie Hailé Selassie 436Tenzin Gyatso, 14º Dalai Lama do Tibete 437Muatchissengue Watembo, Rei de Lunda 437D. Manuel Fraga Iribarne 437MarcD.Angel 439Fernando Nobre 441Theodore McCarrick 442D. Carlos Ximenez Belo 442Vasco Rocha Vieira 443Pascoal Mocumbi 445Otão de Habsburgo 446Maurice Druon 448Kartika Soekarno 448KigeliV do Ruanda 449Mário Soares 449

7. Bibliografia 4517.1. -Arquivos 4517.2. - Publicações periódicas 4517.3.-Monografias 452

8. Índice de Nomes 461

PREFÁCIO

«J’ai souvent l’impression de me répéter, mais c’est la seule façon de ne pas me contredire»Maurice Druon

Com este livro, pacientemente organizado e eloquentemente escrito pelo bom amigo Prof. Mendo Castro Henriques, também tenho a impressão de me repetir...O que justifica a sua edição, só os leitores poderão responder!Tenho de agradecer a Deus pela vida que vivi até agora. Penitencio-me se ofendi alguém, por descuido ou com culpa, e por ter perdido tempo com alguns projectos que não mereceram ser bem sucedidos.Consegui resultados muito positivos noutras iniciativas, e tive razão em muitas das causas que defendi mesmo que não me tenham ouvido em tempo útil... Mas, indiscutivelmente, o mais notável que me aconteceu foi ter casado com a melhor Mulher do mundo e termos recebido de Deus os nossos três filhos que tanta alegria e felicidade nos trazem!Pensando no patriotismo, generosidade e dedicação de tantos Portugueses que tenho conhecido e com quem tenho trabalhado, lembro militantes monárquicos e muitos outros que não tendo uma opinião clara sobre o problema da chefia de Estado, comigo concordam, de um modo geral, e constituem um enorme capital moral. Mobilizar esse capital humano de forma a melhor contribuírem para o nosso futuro colectivo é preocupação de muitos e dever a que me sinto obrigado.Espero que este livro seja útil a todos os que partilham comigo o sentimento de profunda gratidão para com Portugal, e que se sentem responsáveis perante todas as gerações que nos antecederam, que deram o seu esforço e as suas vidas

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para a nossa Pátria comum. Pessoalmente, sinto uma especial responsabilidade perante os meus Pais e antecessores, que me legaram a identidade espiritual que espero saber transmitir aos meus Filhos.«Tradição» significa «transmitir», e todas as famílias deveriam assumir a missão de transmitir aos seus filhos e netos os seus valores espirituais.Preocupo-me sobretudo com as futuras gerações. Que Pátria lhes legaremos? Um País Soberano que possa defender os seus direitos e liberdades, ou um território mais ou menos autónomo, governado por representantes de outros interesses? Um País que garante o direito à vida desde o seu começo ao seu fim natural, o direito a exprimir livremente a sua opinião e a ser ouvido e respeitado pelo Estado? Um País que garante o direito de cada família escolher o modelo de educação que quer dar aos seus filhos, de ver a sua cultura e religião respeitadas (desde que não ponha em causa os direitos dos outros), de ter a sua segurança garantida ou um País que garante os direitos individuais são postos em causa? Um território ainda muito belo onde é agradável viver ou uma «região europeia» degradada sem identidade cultural?Um Portugal que aceita o recurso permanente a modelos de «desenvolvimento» que, destruindo o ambiente, comprometem o amanhã, ou que exige decisões isentas, éticas e científicas, capazes de evitar barbaridades arquitectónicas e urbanísticas cujo único fito parece ser o de «ter de marcar a nossa época, como sinal de progresso»?Um País onde as instituições políticas, policiais, militares e de administração de justiça têm autoridades, prestígio e preparação suficientes para enfrentar o imprevisto, numa época tão instável e perigosa como a que vivemos, ou um País sem capacidade para enfrentar crises respeitando os valores da humanidade?Nestes domínios como em muitos outros do nosso comportamento colectivo, necessitamos de uma «revolução cultural» que permita reencontrar um caminho viável para o nosso

futuro, um caminho respeitador da vontade nacional, em que todos possamos participar a vários níveis, que seja pedagógico, que não se conforme com as decisões erradas, fruto da ignorância, prepotência, desonestidade ou demagogia dos responsáveis e, por isso mesmo, seja um caminho para uma verdadeira e autêntica Democracia.Donde o título deste livro.

Dom Duarte de Bragança

PRIMEIRA PARTE

INTRODUÇÃO

No passado século XX, os poderes políticos sucessivos em Portugal - mesmo antes do 5 de Outubro - impuseram a imagem de um total ajustamento do regime republicano aos ideais de modernização da sociedade, esquecendo que a história viva é mais forte que as ideologias. Esses poderes davam voz aos «bons republicanos» de ideologia progressista e aos «maus monárquicos» reaccionários. E mais do que a acção de Salazar, foi a adesão de muitos pseudomonárquicos às listas da União Nacional durante a II República que desacreditou a Causa Monárquica. Assim surgiram as catalogações dos monárquicos em geral como «homens da direita», «antidemocratas», «antiparlamentaristas», «defensores de elites», «avessos ao progresso», etc. Ficaram silenciados todos os que souberam pôr de lado facciosismos e se bateram, com sacrifício pessoal e determinação, contra as oligarquias dominantes.O primeiro silenciado foi logo D. Manuel II, traído pelas chefias partidárias depois de abrir diálogo em 1909 com os socialistas de Azedo Gneco e com seu primo legitimista D. Miguel. Em 1923, António Sérgio e António Sardinha colaboravam na revista Homens Livres;Nota: MEDINA, 1978

Norton de Matos coincidia com Paiva Couceiro nos desígnios sobre a África portuguesa nos anos 30 e 40;Nota: COUCEIRO, 1948, prefácio de Norton de Matos

a crise de sucessão do marechal Carmona em 1951 revelou como Salazar manipulava os monárquicos de direita; alguns dos principais apoiantes de Humberto Delgado em 1958 eram reputadíssimos monárquicos; a oposição, em vez de republicana, passou a chamar-se democrática, em 1973, reconhecendo a posição dos monárquicos; e está por fazer o inventário da formação monárquica de muitos dos fundadores e dirigentes da Democracia após o 25 de Abril, a começar por Sá Carneiro e outros sociais-democratas, socialistas e democratas-cristãos; muitos deles sempreNota: AVILLEZ, 1981

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preferiram o 1° de Dezembro na Praça dos Restauradores ao 5 de Outubro no cemitério dos

regicidas. Não se conclui de tudo isto que «os monárquicos eram do reviralho»; mas sim que eram portadores da tradição democrática que veio ao de cima. Finalmente, numa viragem histórica fascinante - passados quase 100 anos sobre o regicídio de 1908 e a república em 1910 -, o processo de integração europeia favorece a monarquia em Portugal como o sinal mais simples e legítimo da vontade de independência no mundo global da democracia.Conforme o relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) de 2005, dos primeiros 20 países - com mais alto nível de vida, maior justiça social e maior participação popular - todos são democracias e 12 são monarquias constitucionais que, aliás, vêm à cabeça. Os reis despojados de poderes políticos têm cada vez maior apoio entre a população, apesar de alguns os acusarem de constituir um precedente para a desigualdade entre os cidadãos. Em2006, o livro For Sweden indica que o rei Carlos XVI Gustavo desfruta de 80% de aprovação. A popularidade da família real de Espanha está em crescendo. O 80° aniversário da rainha Isabel II de Inglaterra mostrou a resistência britânica. Simeão da Bulgária foi primeiro-ministro de 2001 a 2005; quase todos os países da Europa do Leste restabeleceram as armas reais nos símbolos nacionais; eis exemplos que desafiam a imagem incontornável do republicanismo que, na Europa do início do século XXI, deixou de determinar as atitudes e comportamentos políticos das populações. Em Portugal, a crescente instrução e politização desde o 25 de Abril, e a substituição dos fundadores da III República por dirigentes partidários de segunda geração, melhorou a receptividade a formas de regime antes liminarmente rejeitadas e deu visibilidade à Casa de Bragança. Se a permanência das monarquias europeias fortaleceu as respectivas sociedades civis, agora o reforço da sociedade civil em Portugal cria espaço para admitir a monarquia. O republicanismo inteligente, como João Soares afirmou recentemente, resume-se ao direito formal de qualquer cidadão poder ser eleito chefe de Estado e à inexistência de mandatos vitalícios em democracia.Mas além de questão política, o dilema república/monarquia é uma questão cultural, um caso de «poder sobre o poder». Talvez por isso, Dom Duarte de Bragança afirmou recentemente que Portugal precisa de uma «Revolução Cultural». Certo é que o Estado Novo tudo fez para apagar a memória da monarquia constitucional, essa longa preparação da democracia entre 1834 e 1910, período semelhante ao que Blandine Barrett-Kriegel chamou em França a «república incerta». Ao manipular os tradicionalistas e silenciar os oposicionistas, o Estado Novo permitiu a produção de uma história de Portugal em que a monarquia liberal ficava esmagada entre o Absolutismo e a I República. Tudo o que se passara

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entre 1834 e 1926 era representado como uma desordem, uma época de «diabo à solta». Foram renegadas as «origens democráticas de Portugal», na fórmula de Jaime Cortesão, o poder local dos municípios representados em Cortes. No Estado Novo, o dilema monarquia/república foi obscurecido pela hegemonia da «situação» perante a «oposição» e, na III República, pela alternativa esquerda-direita.Por tudo isto, falar das instituições monárquicas no Portugal democrático exige deitar fora as «cartas marcadas» de velhas lutas políticas e debates culturais. A história nacional num mundo globalizado tem de ser «lida» com um olhar diferente das recomendações dos

«interesses económicos» e dos conselhos «politicamente correctos» que opinion-makers e spin-doctors vendem aos poderes dominantes, ou que estes lhes encomendam. É por isso que, nesta biografia de Dom Duarte de Bragança, tenho de romper com boa parte dos preconceitos actuais sobre movimentos e instituições políticas.Em mensagens, entrevistas, artigos, conferências e múltiplas intervenções nacionais e internacionais, Dom Duarte de Bragança tem levado a cabo uma extraordinária projecção de Portugal, denunciando os preconceitos criados pela propaganda de uns e o conformismo de outros. É um lutador contra uma república que guarda os «esqueletos no sótão» e uma monarquia com «privilégios de fidalgos». Sem auferir quaisquer rendimentos públicos, antes aplicando os seus em serviço nacional, desenvolve uma persistente actividade em causas comuns. É um reconciliador entre razões desavindas. Nunca toma partido imediato, como figura de consenso que quer ser. Mas, ao longo do tempo, revela uma posição de acordo com as regras de intervenção de quem pensa no passado e no futuro de Portugal e dos povos lusófonos, como ressalta nas suas Mensagens do 1° de Dezembro.Por tudo isso, enquanto os «donos do poder» se preocupam com os negócios do dinheiro, da imagem e dos votos, Dom Duarte tem-se tornado, ao longo dos anos da democracia portuguesa, um intérprete da «marca Portugal». Num mundo globalizado, ele teima em ser o rosto da nação portuguesa, a marca de um país que luta pela sua identidade e diferença. Para cumprir este dever, escolheu por características a abertura, a afirmação, o risco; através das solenes mensagens e demoradas ou breves entrevistas, quase sempre informais e sem nenhuma preparação imediata; através dos mais variados e surpreendentes contactos diplomáticos até às lições em academias e universidades, tem crescido o prestígio de que goza em camadas cada vez mais amplas. Com um bom senso desarmante e um humor

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que rapidamente se torna conhecido, fala com todos os que se interessam por Portugal.A questão é que democracia o povo português deseja, na Europa do século XXI e num mundo político de grandes espaços onde se exige firme identidade. «Da República tal como a herdámos da Revolução Francesa já só resta um esqueleto». A afirmação é de Jean Ziegler, o famoso autor suíço, cristão e terceiro-mundista convicto, professor de Dom Duarte na Universidade de Genebra nos anos 70. Não é difícil perceber porquê. «Hoje são os Estados que se encontram encaixados nos mercados em vez de serem as economias nacionais que se encaixam nas fronteiras estatais». A frase é de Juergen Habermas, filósofo e social-democrata alemão, da Escola de Frankfurt.Nota: HABERMAS, 2000, pp. 129-130

O liberal alemão Ralph Dahrendorf, membro do FDP e ex-ministro federal, corrobora: «No decurso do próximo decénio a tarefa urgente do primeiro mundo será, pois, realizar a quadratura do círculo: conciliar a prosperidade, a coesão social e a liberdade política.»Nota: DAHRENDORF, 1996

Dom Duarte tem viajado muito. Pela Europa, onde quase não há país que não conheça. Pela Ásia e Oceania. Pelas Américas. Destas viagens resultou ter criado Fundações como a Associação de Amizade Portugal-Rússia, o Centro Cultural Luso-Chinês, a Portuguese Heritage Foundation, entre outras. E expandiu a todos os continentes a acção da Fundação D. Manuel II a que preside. Conhecedor profundo dos países lusófonos - Angola,

Moçambique, Guiné-Bissau, S. Tomé e Cabo Verde - que lhe merecem particular carinho, sabe que em África há hoje umas «ilhas de prosperidade» a flutuar num «oceano de povos em agonia».Nota: VELTZ, 1996

Ele é dos que não se conformam que tudo isso a que chamam Lusofonia passe ao lado de 220 milhões de cidadãos em todo o Mundo e que a Comunidade de Países de Língua Portuguesa seja apenas um «somatório de países», sem «personalidade própria».Das suas viagens pelo globo, Dom Duarte conquistou ainda contactos duradouros com as mais marcantes personalidades. Entre «os donos do poder», figuras como Ronald Reagan, o papa João Paulo II, Boutros-Ghali, Fraga Iribarne. Entre «os guardiães da tradição», os chefes das casas reinantes da Grã-Bretanha, Bélgica, Espanha, Países Baixos e Luxemburgo, seus primos em graus diversos através das linhagens de D. Pedro IV e D. Miguel I, além de outros «reis sem trono» na Europa. É amigo de figuras lusófonas como Ximenez Belo, Ramos Horta e Xanana Gusmão (TI-L), Pascoal Mocumbi (MOÇ), França van Dunen (ANG),

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Fradique de Meneses (STP), Aristides Pereira (CV) e Nino Vieira (GUI). Tão ou mais importantes são os seus compromissos com os «senhores do espírito» do nosso tempo; brasileiros como o falecido Gilberto Freyre e Ariano Suassuna, suíços como Jean Ziegler, franceses como Maurice Druon, ingleses como Sigmund Sternberg, russos como Valentin Rasputin, entre outros. E, para nomear um só português, Agostinho da Silva.A Dom Duarte interessam as grandes questões e as acções concretas. Ao português de hoje, ele adverte que um país deve ter grandes desígnios: o ordenamento do território, a formação da juventude, o direito à vida, a abertura e o ecumenismo religiosos, a cooperação entre os povos lusófonos. O seu ponto de vista pode não coincidir sempre com o das maiorias. Mas o facto de não haver coincidência não significa que não haja interesse ou proximidade para com as suas preocupações, como se nota quando recorre aos meios de difusão. Depois do 25 de Abril, conforme sondagens de 2002, cerca de 17% da população considera-se monárquica à partida. Cerca de 30% não se considera nem monárquica nem republicana. São votos puros, sem campanha eleitoral, sem apoios financeiros, sem perspectiva de poder. Nas últimas eleições da monarquia, em Junho de 1910, o Partido Republicano Português teve 12% dos votos nacionais e está provado que a sua média sempre rondou os 10% antes do golpe carbonário do 5 de Outubro.Como têm revelado sondagens actuais, a forma monárquica de governo é acolhida com curiosidade e benevolência crescente. Portugueses de todas as tendências políticas e partidárias reconhecem em Dom Duarte o representante legítimo dos Reis de Portugal e por essa via identificam-no como referência nacional. O casamento com D. Isabel de Herédia foi acompanhado com muita simpatia e conduzido como um acto de Estado. O nascimento e crescimento dos infantes são seguidos com interesse pela imprensa popular. As autarquias convidam oficialmente os Duques de Bragança para comemorar eventos históricos. E se o poder central - ao contrário do poder local - se tem negado a associar a família dinástica a manifestações de Estado, certo é que ela passou a fazer parte da história da democracia portuguesa. Em vários sentidos e por várias razões.Por tudo isto, será que sabemos a que nos referimos, quando falamos de um rei?

Tenho bem presente a primeira vez que saudei Dom Duarte. Foi em 29 de Maio de 1987, por ocasião de um jantar de homenagem no Hotel Lutécia. Estava ao rubro a campanha de Timor 87. Houve discursos e José Campos e Sousa tocou

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canções da Mensagem de Fernando Pessoa. Eu não era monárquico e tinha uma concepção arqueológica dos reis. Nem sou monárquico na acepção distorcida do termo, que é a de uma restauração e exclusivo apego aos valores tradicionais. E deixaria, aliás, de ser monárquico se um dia esse ideal se virasse contra a liberdade e os direitos naturais do ser humano, contra os bens da democracia e do humanismo. Nesse longínquo ano de 87 eu desconhecia quase tudo da actuação de Dom Duarte. Mas aprendi, entretanto, o significado do grito lendário de Almacave, na Lamego de 1143: «O Rei é livre e Nós somos livres. E foram as nossas mãos que nos libertaram!» Hoje, sei exactamente o que então desconhecia. Tentarei explicar-me melhor.Conforme o dito clássico, um rei tem «dois corpos». Nesta biografia, procuro fazer o relato circunstanciado de como Dom Duarte pensa e organiza a sua acção. Mas esta biografia é, também, o relato do modo como ele encarna Portugal. Eu faço parte daquele grupo de patriotas que não consegue falar do nosso querido país de maneira neutra, embora reconheça que a emoção prejudica o sangue-frio da análise. É a mesmíssima emoção das bandeiras que acompanham a selecção nacional de futebol. Por isso, não consigo falar de Dom Duarte sem o admirar. Não porque concorde com todas as suas opiniões pessoais - «o primeiro corpo do rei» - mas porque vejo nele a «pátria com rosto humano» - o «segundo corpo do rei» - que acredito também ser a causa do fascínio que exerce.Por isso admiro como ele, contra ventos e marés quando é o caso, procura ser o intérprete da «lusitana paixão», cheia de fragilidades, mas também de esperanças. Ao longo de mais de três décadas de intervenção pública, ele tem dado a sua voz aos povos lusófonos, às liberdades nacionais, ao ordenamento do território e ao ambiente, ao património e ao ensino da história, à agricultura biológica e às energias alternativas, à justiça social e a causas comuns; utiliza o que os politólogos chamam softpower. projectar a «marca Portugal», dentro e fora do país. E essa sua actividade cresceu a partir quase do nada, ganhou raízes, congregou simpatias e vai num crescendo que nem sempre as sondagens captam. As grandes causas são inovadoras nas soluções.Dom Duarte e D. Isabel adquiriram, entretanto, uma visibilidade pública que favoreceu a inclusão da Família Real no imaginário popular, designadamente em razão do seu casamento e do nascimento dos filhos. Criou-se na população uma imagem nova da Casa Real portuguesa, a qual passou de vaga referência histórica encarnada por uma figura a quem os noticiários davam um breve espaço de expressão, a alguém que era identificado pela conformidade com os valores familiares. O casal está a cuidar da educação e futuro de seus filhos e continuadores

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da «5ª dinastia», os infantes Afonso, Maria Francisca e Dinis. E, por tudo isto, a monarquia parece estar a ser chamada do futuro. No país do Padre António Vieira, é preciso saber escutar as vozes do futuro.Dom Duarte desenvolveu muito bem uma das mais importantes vertentes de um dirigente;

o contacto emocional com a população e a capacidade de dar voz à forma de ser e estar desse povo, e representar o «espaço sagrado» da sua vida e permanência. Como alguém escreveu, «Granjeou um impressionante capital de simpatia e empatia com a generalidade do povo português. Partindo de uma posição claramente desvantajosa, soube entrar no coração das pessoas e aí permanecer como uma referência simultaneamente familiar e telúrica.» A sua intuição levou tempo a firmar-se mas acabou por ser reconhecido o seu papel, como provam os testemunhos nacionais e internacionais que este livro apresenta. Amália Rodrigues, num programa televisivo, respondeu de forma célebre à pergunta se era republicana ou monárquica: «Ah! Eu sou mais monárquica!».Como este livro demonstrará, Dom Duarte tem o perfil que se espera de um rei. Mas... dir-se-á... é um rei sem trono, uma personalidade fascinante, mas sem peso institucional... e há forças interessadas em que não o tenha. Muitos dirão que o reconhecimento internacional de nada serve. E, de acordo com a alínea b) do art° 288° da Constituição, os Portugueses podem escolher livremente as suas instituições políticas... desde que escolham a República. Contudo, a 24 de Abril de 2004, em sede de revisão constitucional, 108 deputados contra 89 votavam a favor da eliminação de «forma republicana de governo», quase alcançando a maioria necessária de 2/3 para admitir a liberdade de regime.A história julgará o modo de operar de Dom Duarte, laborioso como a «Sereníssima Casa de Bragança», distanciado dos poderosos como é timbre de «Suas Altezas», e tenaz como é próprio de suas «Majestades Fidelíssimas». Ele é o «herdeiro do trono», o «Duque de Bragança» que é 37° nas lista dos reis de Portugal. Mas, desde já, ele é um dos «grandes portugueses», alçado a reconciliar uma comunidade de cidadãos. O que posso demonstrar é que a dinâmica histórica conspira a favor de uma democracia coroada em Portugal. Também por este motivo, este livro é, forçosamente, uma biografia incompleta. A última palavra pertencerá ao Povo. E por isso o intitulei Dom Duarte e a Democracia; uma biografia portuguesa.Para realizar este livro, conversei longamente com Dom Duarte na sua casa de Sintra, para colher dados, esclarecer dúvidas, afinar pormenores, reter verdades.

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À sua generosidade se deve este livro ter sido possível. Dialoguei com amigos e conhecedores do seu pensamento e acção: Gonçalo Ribeiro Telles, a quem estou reconhecido pelo posfácio, Bento Morais Sarmento, Augusto Ferreira do Amaral, Fernando Amaro Monteiro. A Luís Pimenta de Castro Damásio, Vasco Telles da Gama, Ricardo Abranches, Carlos Evaristo da Silva, Gonçalo Sampaio e Melo, António Sousa Cardoso, Manuel Amaral e Manuel da Cruz agradeço elementos fornecidos. Recebi a ajuda do Secretariado da Casa Real, em particular de Conceição Laboureur Cardoso, da Fundação D. Manuel II, de Luísa Sá Carneiro e de Maria João Medeiros, das personalidades que enviaram testemunhos, agradeço particularmente ao Dr. Pascal Mocumbi, a Kartika Soekarno e a Ariano Suassuna.A Dr.a Lúcia Melo, Catarina Almeida e Ana Sofia Monteiro, da Bertrand Editora, louvo o zelo que puseram na edição deste livro e as suas úteis sugestões. A António e Maria João Homem Cardoso, agradeço fotografias cedidas. E aos meus pares no Conselho Privado do Duque de Bragança, em particular a João Palmeiro e João Estarreja, agradeço a sugestão para escrever esta biografia.A bibliografia indica obras de referência e as efectivamente consultadas. Consultei

biografias já escritas, quase todas em 1995, entre as quais a excelente de Jorge de Morais, a entrevista de Manuela Gonzaga e as páginas on-line de José Manuel Quintas. Comparativamente, foram úteis as biografias de Paul Preston sobre o rei Juan Carlos de Espanha e de a Jonathan Dimbleba sobre o príncipe de Gales. Não me faltaram testemunhos, artigos e mensagens do próprio Dom Duarte nem reportagens, livros, revistas e peças televisivas, da imprensa e da Internet. Não consegui ser exaustivo, mas procurei nunca ser superficial. Posto isto, os erros que restam são meus. Muito sinceramente, espero corrigi-los em futuras edições. A presente obra, dedico-a aos meus filhos Teresa, Francisco, Jorge e António. Só eles poderão avaliar o que lhes retirei de companhia para a realizar.

25 de Abril de 2005 - 15 de Agosto de 2006

1.RECONCILIAÇÃO

«Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo, / golpe até ao osso, fome sem entretém/ (...) feira cabisbaixa / meu remorso / meu remorso de todos nós...»Alexandre O’Neill

«Ah! Eu sou mais monárquica!» Amália Rodrigues

A pessoa privada e a pública

Quando se inicia a biografia de um rei de Portugal, temos de olhar para o passado longínquo. É preciso visionar como desde os finais do século XII, em que se fundou a nação, as estátuas jacentes nos túmulos representam personagens revestidas em glória dos seus apetrechos em vida. Se era rei, apresentava-se com os emblemas da realeza: a coroa, o manto e o ceptro. No Mosteiro da Batalha vemos esculpido em pedra esse luto que é também um triunfo, a exaltação da dinastia de Avis, dos seus reis, rainhas e infantes. O rei tem dois corpos. O homem morre, a dignidade não.Esta duplicação de natureza foi ensinada na teoria política clássica. Aristóteles já distingue entre os amigos do príncipe e os amigos do principado.Nota: ARISTÓTELES, 1998

Plutarco, na senda do seu mestre, diz que Alexandre separava os «amigos de Alexandre» dos «amigos do rei».Nota: PLUTARCO, cap. 47

Os neopitagóricos diziam que o rei, na sua carne, é como

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o resto da humanidade, mas também uma cópia do supremo Arquitecto.Nota: GOODENOUGH, Erwin, 1928, p. 76

Séneca escreve que um piloto é duas pessoas: passageiro e governante do barco. E

acrescenta: «O príncipe é a alma da república e a república é o corpo do príncipe.»Nota: Epístola, LXXXV, 35 e De dementia, 1, 5, 1

Ou, numa perversão absolutista do tema, o dito apócrifo de Luís XIV «L, ’Etat c’est moi», mais famoso em todo o caso que o dito medieval «papa quipotest dixi ecclesia»?Nota: «Pode dizer-se que Papa e Igreja são o mesmo».

Paralelos, similitudes e antecedentes; sem dúvida que a filosofia política clássica antecipou a ideia dos dois corpos do rei. Mas foi o cristianismo que fez triunfar a ideia de corpo e corporação, ideia filosófica, teológica e jurídica, e que reconheceu no rei uma dupla personalidade: a que age segundo a natureza e a que descende da graça. Do conceito do Corpo Místico de Cristo, evoluiu-se para o conceito medieval do corpus ecclesiae mysticum, e daqui para o corpus reipublicae mysticum e daqui foi um passo até se dizer que o rei «nunca morre». Ou numa variante da fórmula: «O rei morreu, viva o rei!». Ou popularmente, «rei morto, rei posto».Nota: Na tersa linguagem do século XVI: «O rei tem nele dois corpos, a saber, um corpo natural e um corpo político. O seu corpo natural é mortal, sujeito a todas as enfermidades que resultam da natureza ou de acidente, à imbecilidade da infância ou da velhice, e a defeitos semelhantes aos que acontecem aos corpos naturais de outras pessoas. Mas o seu corpo político é um corpo que não pode ser visto ou manipulado consistindo de política e governo e constituído para a direcção do povo e gestão do bem comum.» Edmund Plowden, Commentaries or Reports, Londres, 1816

O princípio é sempre o mesmo: o rei tem uma personalidade privada, como qualquer cidadão, e uma personalidade pública que representa todos os cidadãos.Ou como escreveu o muito mundano cardeal de Alpedrinha, já em Roma e a prudente distância de D. João II: «E lembre-vos, que em outra maneira vos deveis de haver como homem, e em outra como rei; porque como homem satisfazeis vivendo direitamente, e como rei não satisfazeis vivendo direitamente se não regerdes direitamente.»Na época da Restauração, afirmar-se-á que cada nação é como a Serpe ou Fénix renascida, a ave que renasce das suas próprias cinzas e que encima o escudo nacional.A doutrina monárquica portuguesa tradicional cabe numa simples fórmula: «o rei é livre e nós somos livres». No caso de sucessão normal, o reino segue as leis criadas pelo rei. No caso de trono vago, é o povo quem o designa. Doutrina e prática alternavam momentos de exaltação do poder régio com outros de apologia da monarquia electiva; ambos eram necessários na resolução das grandes crises nacionais; nas Cortes de 1383, na Restauração de 1640, na Revolução Liberal de1820. A doutrina foi projectada para os alvores da nacionalidade com as apócrifasNota: Boletim Bibliográfico da Biblioteca da Universidade de Coimbra, t. IV, 1917, p. 168

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«Actas das Cortes de Lamego», o mesmo ano do Tratado de Zamora, o primeiro tratado internacional de Portugal, celebrado a 5 de Outubro de 1143. Por isso adoramos a saga de 1383-85 escrita por Fernão Lopes. Por isso os painéis de São Vicente representam a unidade de todo um povo com a dinastia de Avis no tempo do regente D. Pedro, após as Cortes de 1438. Por isso foram grandes os juristas na restauração de 1640, como explica o

Dr. Mário Soares.Nota: in SOARES, 1954

Por isso os revolucionários do que Almeida Garrett chamava o «glorioso 24 de Agosto» de1820, queriam restaurar as antigas liberdades portuguesas. E o grande Francisco Velasco de Gouveia concluía, «de tudo o que fica dito neste documento se tira por conclusão que o poder régio dos Reis está originalmente nos Povos e Repúblicas; e que deles o recebem imediatamente».Nota: Justa Aclamação, 1641, §33. in TORGAL, 1981

Actualmente, nas democracias modernas, o poder constituinte dos cidadãos é soberano de eleger ou não um rei. Por isso teremos de repensar como também a República tem dois corpos: o colectivo e o individual, a comunidade de cidadãos e a instituição soberana independente. Como muito recentemente disse Ribeiro Telles, «uma soberania a sério do povo, garantindo uma estrutura estável do Estado, na minha opinião, só é possível através da monarquia.»Nota: Entrevista à Capital, 13 Dezembro de 2004

Um rei é o símbolo da república. E as melhores repúblicas na Europa são as monarquias constitucionais. E que um rei não seja eleito por votos será contra o princípio da igualdade, ou, pelo contrário, será a mais profunda das igualdades? O historiador Jacques Monet escreveu: «...Um rei é rei, não porque é rico e poderoso, não porque pertence a um credo particular ou a uma minoria nacional. Nasce rei. E ao deixar a selecção do chefe de estado a este denominador o mais comum no mundo - o acaso do nascimento - proclama-se implicitamente a fé na igualdade humana; a esperança no triunfo da natureza sobre a manobra política e sobre os interesses sociais e do capital financeiro e na vitória da pessoa humana.»Numa época que se presume altamente racional como a nossa, alguns dirão que a realeza é uma construção mística. Mas os genocídios, pandemias, guerras não declaradas, pobreza mundial e desequilíbrios ambientais revelam a alta irracionalidade do nosso tempo. Como disse o primeiro-ministro da Holanda em2004, Tim de Kook, o rei é o melhor defensor da República. E as actuais sete monarquias da União Europeia são as melhores defensoras dos valores universais da democracia e do Estado de Direito, com os mais elevados índices de desenvolvimento humano, de transparência, de capitação.

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É assim que o futuro vem ajudar o passado. Afinal, as fronteiras entre a política, a governação e a mística são mais porosas do que muitos presumem. O «espaço dos reis» que o preconceito nos habituou a colocar na esfera do religioso, do passado e do antidemocrático, tem muito mais de jurídico, constitucional e futurista do que estamos preparados para admitir. Tem muito mais de democrático do que insinuam os «bons republicanos» e os «maus monárquicos». A Monarquia moderna funda-se no preceito kantiano de que o homem é um fim em si mesmo - o maior valor que a república diz defender. Um rei tem uma pessoa privada e uma pessoa pública, uma que lhe pertence inteiramente e outra que pertence à sua pátria, à república. Pode até começar por ser «um

rei sem trono».Foi assim que, quando no frio 15 de Maio de 1945, Dona Maria Francisca de Orleans e Bragança deu à luz o seu primogénito, em Berna, no solo pátrio do Consulado, selou um destino único: o pequeno Duarte Pio João Miguel Gabriel Rafael tornou-se para sempre, aos olhos do mundo, o vínculo que reúne o efémero e o permanente, uma família e uma nação. Nascia um rei.Pactos DinásticosO nascimento de Dom Duarte ocorreu sob o signo da reconciliação entre os dois ramos da família Bragança, desavindos em 1834. Em 1909, impressionado com a crise das instituições após o regicídio, D. Miguel de Bragança inicia conversações com seu primo D. Manuel II. Em 1912, o chamado «Pacto de Dover» findou a escaramuça familiar iniciada nas Guerras Liberais. Em 1922, o Pacto de Paris formalizou a sucessão ao trono. Em 1942, o casamento de D. Duarte Nuno e D. Maria Francisca reuniu os dois ramos da Casa de Bragança. E desses destinos gémeos nasceu o novo herdeiro do trono de Portugal. Precisamente a15 de Maio de 1945.A luta entre constitucionalistas e legitimistas foi um episódio da luta entre a modernidade e a tradição que ocorreu em toda a Europa após as guerras napoleónicas. O jovem D. Miguel, sintonizado com a Europa absolutista, promove as sedições da Vilafrancada e da Abrilada. Seu irmão D. Pedro submete-o à Carta Constitucional em 1826, obtém o reconhecimento na herança do Trono, dá-lhe a mão de D. Maria da Glória, fá-lo seu lugar-tenente e confirma-o como regente na Europa. A história não se faz com «ses», mas, para conhecer Dom Duarte, é importante saber como ele, hoje, encara esta «última oportunidade» do tradicionalismo: «Penso que a adesão de D. Miguel I ao plano de D. Pedro, casando com a sobrinha e reinando como Rei constitucional, teria aberto no país uma

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enorme ”estrada” para a estabilidade. As pressões internas e exteriores no sentido do estabelecimento de uma monarquia constitucional teriam, possivelmente, conseguido, através de D. Miguel I, um eco extraordinariamente importante na atitude dos portugueses. E D. Miguel I num trono constitucional, poderia, muito provavelmente, ter marcado um longo século de evolução das instituições políticas, poupando Portugal, designadamente à catástrofe social e cultural da guerra civil e da perseguição religiosa que se lhe seguiu.»Nota: GONZAGA, 1995, p. 54

Ainda não terminara o ano de 1828 e já D. Miguel I se proclamava Rei, batendo-se numa pugna que haveria de se arrastar até 1834. Derrotado, aceitou a convenção de Évora-Monte e partiu para o exílio. Os remos do escaler que o levaram da praia de Sines para a fragata Pérola, a caminho do exílio, foram os últimos batimentos do coração do Portugal tradicionalista. Diz Dom Duarte sobre o mais malogrado dos seus bisavôs: «A figura de D. Miguel I é ainda pouco conhecida em Portugal. E quem a conhece vê, como eu, que, com os anos, (finalmente livre dos ataques, em parte distorcidos, da propaganda adversária), ganhou uma enorme estatura. Termina a vida como um grande patriarca e um grande príncipe profundamente respeitado por todos os seus partidários em Portugal e por muitas mais pessoas na Europa.»Nota: GONZAGA, 1995, p. 55

A evolução do miguelismo é assunto que apaixona Dom Duarte: «D. Miguel não ganhou, como se sabe, não por falta desse apoio popular, mas porque as potências, designadamente a Inglaterra, tomaram a decisão de afirmar no trono a monarquia constitucional. Essa adesão popular nem sempre, talvez, tivesse os fundamentos ”mais sofisticados”: muitos adoravam-no porque andava muito bem a cavalo, porque ”corria touros”, porque se misturava alegremente com o Povo da rua... A maioria dos portugueses revia-se muito mais na figura de D. Miguel do que nos homens do ”Sinédrio” ou nos grandes caciques que rodeavam o meu outro avô, D. Pedro IV. Este é um aspecto que, a meu ver, era bom: havia uma profunda adesão à representatividade popular do Rei. Acredito, assim, que D. Miguel tinha consigo instrumentos extraordinários para se conseguir a estabilização do país. E também reconheço que em boa parte os desperdiçou. O entusiasmo e o radicalismo que o envolveram na extrema juventude, foram, decerto, por vezes manipulados por pessoas que o rodeavam (nem sempre as mais lúcidas). Criaram um clima para exageros e extremos. Os ”caceteiros”, as forcas, as prisões arbitrárias, enfim, todos os outros abusos autoritários que não são defensáveis.»Nota: GONZAGA, 1995, p. 55

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A monarquia liberal conseguiu a estabilidade da Coroa em torno da qual se moviam as instituições políticas. Mas o «Portugal contemporâneo», esse, levou mais tempo a nascer do que os liberais esperavam e o país merecia. Como escreve à rainha D. Maria II em 6 de Julho de 1846 o «defensor das Cinco Chagas e general comandante das forças populares» da revolta da Maria da Fonte, o padre Casimiro, «todo o povo consente na Carta Constitucional, mas de maneira que o não faça escravo».Nota: VIEIRA, 1987, p. 167

A monarquia liberal fez muito: duplicou a população do país, centuplicou as receitas do Estado, promoveu o fomento agrário e industrial e o das comunicações, permitiu uma plêiade de escritores de que a Geração de 70 é o momento mais ilustre, criou o «terceiro império» em África. O Poder Moderador, concebido pelo meu avô D. Pedro (na linha da Carta francesa de Luís XVIII), e tal como foi exercido, depois, durante mais de 60 anos, adequava-se bastante bem às características da sociedade e do contexto político de Portugal naquele período.»Nota: GONZAGA, 1995, p. 55

A monarquia liberal fez pouco: os partidos esgotaram-se no rotativismo oligárquico, e as suas dissidências alimentaram a ilusão de que o fim do regime seria o início das soluções. «A sociedade, não estando inteiramente preparada para o funcionamento de uma democracia, praticou-a com imperfeições... o trono surgia, em suma, como um pilar indispensável ao apoio das instituições liberais. O Poder Moderador era, assim amplo: a história do século XIX mostra-nos que o rei foi quase permanentemente um agente muito activo da vida política. Dissolvia as Cortes quando o partido do Governo resolvia fazer eleições... Algumas vezes ele próprio tomava a iniciativa de proceder à dissolução, etc., etc. O Poder Moderador era, repito, muito amplo e continha em si consideráveis faculdades de intervenção.»

Quando a solução deveria ser a reforma das instituições, a educação popular, e o reforço das campanhas diplomáticas de D. Carlos, o caminho foi brutalmente rompido pelo atentado terrorista de 1 de Fevereiro de 1908, que pôs fim à vida do Rei e do Príncipe Real. «O sangue tem um preço. O sangue inutilmente derramado por D. Carlos e D. Luís Filipe pesa sobre nós como uma herança macabra», como escreveu Francisco de Sousa Tavares.Nota: Conforme sondagem recente da UCP (2002), 76,5 % da população considera o regicídio de 1908 «um crime horroroso», 18,8% «um mal necessário», e 4,6% «uma coisa boa para o país».

A «política de acalmação» dos sucessivos ministérios monárquicos esvazia de conteúdo a instituição régia. O processo do regicídio, elaborado por juizes probos, é tolhido por conveniências políticas suicidas. D. Manuel II está cada vez mais isolado. Como de modo cruel

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e realista lhe escreve o panfletário republicano João Chagas em Carta Aberta, «V(ossa) M(ajestade) veio muito novo num mundo muito velho».Nota: CHAGAS, 1908, pp. 1-15

D. Miguel de Bragança oferece-se para servir seu primo, a troco de ver reconhecida a linha sucessória legitimista, em caso de não descendência manuelina. As negociações entre o conde de Sabugosa e Saldanha da Gama foram bem encaminhadas e o rei aprova o princípio. Bem informado da situação social do país pelo relatório de Léon Poinsard, D. Manuel II contacta o Partido Socialista de Azedo Gneco e Aquiles Monteverde. Mas os políticos são uma vez mais cúmplices da propaganda republicana, e a proposta morre.Nota: CARDOSO, 2003, pp. 79-80; MONTEIRO, 2006, pp. 62-63; CHAGAS, 1908, p. 231

D. Manuel II não tem aliados internacionais. O rei de Espanha, Afonso XIII, alimenta sonhos iberistas. O rei de Inglaterra, Jorge V, oculta-lhe a combinação maçónica de Julho de 1910 sobre o derrube do regime.Nota: MORAIS, 2005

A família real embarcava na Ericeira a caminho de Gibraltar, e do exílio, quiçá enganada no seu desejo de ir para o Porto.Nota: AA. VV., 1990

Rei destronado, D. Manuel II radica-se na Grã-Bretanha onde continua a servir Portugal. D. Amélia, princesa de Orleães, estabelece-se em França onde continuará a sentir-se portuguesa.Nota: Entrevista de D. Amélia a Leitão de Barros 8/12/1938: «Vinte e cinco anos de Portugal, o meu destino, a minha vida, as minhas afeições e a minha tragédia fizeram-me portuguesa até à alma!» in MONTEIRO, 2006 pp. 187-190

Diz Dom Duarte: «Presto aqui homenagem ao rei Dom Manuel II e à rainha Dona Amélia pelos inúmeros serviços prestados à Pátria, mesmo no exílio, por entre sofrimentos que

calaram, mas que todos podemos adivinhar e não podemos esquecer».Nota: Prefácio de Dom Duarte in HONRADO, 1993, p. 8

O sangue veio depois. Em nome da República, ergueram-se a partir de 1913 e sobretudo depois de 1915, os governos militares e os revolucionários civis, a repressão sangrenta das greves, a intervenção na Grande Guerra, as «levas da morte», as «formigas brancas» e a «Legião Vermelha», a intolerância que exilou e matou presidentes e, por fim, a ditadura, filha do exército republicano. Os monárquicos hesitaram no caminho a seguir. Tinham de um lado o conselho da «velha raposa», José Luciano de Castro, quanto à República: «Não lhe mexam nem se mexam.» Outro foi o proceder. Após as eleições de 31 de Maio de 1911 em que baixam brutalmente os inscritos no colégio eleitoral, Paiva Couceiro anuncia ao ministro da Guerra que vai recorrer às armas: «Vamos ouvir o povo; se o povo

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não der o acordo à I República, pego na espada.» A partir de 29 de Setembro de1911 dá-se a 1ª incursão monárquica, para criar condições para a consulta popular: «...só à Nação cabia o direito de escolher o soberano». D. Manuel II pronuncia-se contra o carácter neutralista do movimento. A bandeira azul e branca nem trazia a Coroa real.Nota: MARTINS, 1948

O insucesso da 1ª incursão chama o ramo legitimista. Em 30 de Janeiro de1912, após encontros preliminares entre representantes, D. Manuel II e D. Miguel II encontram-se em Dover, no Lord Warden Hotel. Conforme nota distribuída à imprensa pelo pretendente legitimista, o pacto visa unir esforços: «Na terça-feira passada, D. Manuel foi a Dover para encontrar seu primo D. Miguel. Nesta ocasião comprometeram-se os dois senhores a empregar os seus esforços comuns para livrar a pátria amada da situação tristíssima em que ela se acha.»Nota: MONTEIRO, 2006 pp. 91-92

Atingido pelo infortúnio um dos ramos dos Braganças, o outro veio em seu auxílio. Duas linhagens reconciliam-se... «convencidos de que as dolorosas circunstâncias que Portugal no momento atravessa requerem, de todos os Portugueses de boa vontade, a conjugação de esforços no ideal único da salvação da Pátria: e querendo, pela Nossa parte, concorrer com o exemplo de actos efectivos para formar a cimentação desse espírito, construtivo e desinteressado, de união e de concórdia».Nota: Cf. Documentação, Parte II

As versões conhecidas do que então se acordou ressalvam que as decisões são tomadas «...sob reserva de futuras e definitivas resoluções pelo poder competente das Cortes».Apesar de resistências de manuelistas - segundo os quais o Pacto de Dover «não existiu» - o seu conteúdo vem na continuidade dos contactos de 1909.Nota: LAVRADIO, 1991, p. 217 e ss.

Dom Duarte afirmou em Mensagem de 2004: «Outra boa notícia é que consegui obter no estrangeiro os Arquivos de S. M. o Rei D. Manuel II, nos quais se têm encontrado documentos interessantes, incluindo correspondência do Rei com o meu Avô D. Miguel a

propósito do Pacto de Dover, que tinha sido assinado pouco tempo antes. Esta documentação será entregue a uma instituição que a porá à disposição dos investigadores.»Nota: Mensagem de 2004. Aviso que estranhamente provocou a surpresa da Fundação da Casa de Bragança no Expresso de 28 de Maio de 2005.

Em Julho de 1912 começa a 2ª incursão que fracassa ingloriamente perante Chaves. A 15 de Setembro, o rei dirige um Manifesto aos Emigrados. Mas logo em Outubro do ano seguinte fracassa mais um levantamento monárquico em

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Lisboa. Tanto improviso cansa. Entretanto, o rei casa com D. Augusta Victoria, na Alemanha, numa cerimónia presidida pelo cardeal patriarca no exílio, e a que assistem muitos representantes das Casas Reais, incluindo o príncipe de Gales. Em 1914 D. Manuel II manda redigir o «Esboço de um Plano Político para a Restauração da MonarQuia». Não cabendo ao monarca ser o chefe operacional de uma insurreição, será criado um lugar-tenente do rei, em 1916, aquando da entrada de Portugal na Grande Guerra.Após o falhanço das incursões de Chaves, acolheram-se os manuelistas à direcção do Comité de Londres, os miguelistas à direcção do Comité de Paris. As atenções voltavam-se para o ramo dos Braganças que se mantivera imune às vicissitudes nacionais, no exílio de Seebenstein, na Áustria. Aqui, D. Miguel I deixara uma descendência respeitada pela generalidade das casas reinantes da Europa Central, a que se ligara. Aos Braganças uniram-se as Casas da Bélgica, da Itália, da Áustria-Hungria, do Luxemburgo, do Liechtenstein, da Baviera, de Bourbon Duas Sicílias e de Thurn e Taxis.Nota: Cf. Documentação, Parte II

D. Miguel II, filho do rei banido e de Dona Maria Teresa de Loewenstein-Wertheim (filha do príncipe Carlos de Loewenstein), transmitirá, em 31 de Julho de 1920, os seus direitos ao Trono português a seu filho D. Duarte Nuno.A Lei do Banimento de 1834, ainda com as instituições liberais por consolidar, vedara à descendência de D. Miguel a intervenção directa na vida portuguesa e impedia-a de pisar solo português, sem apelo ou limite no tempo.Nota: O decreto de 15 de Outubro de 1910, promulgado pelo I Governo republicano, e confirmado depois pela Constituição de 1911, alarga o banimento à generalidade da Família Real portuguesa mas mantém intacto o morgadio da Casa de Bragança na pessoa de D. Manuel II.

Entretanto, a situação evoluiu. O regime de sucessão estabelecido pelos modificados art.os86° a 90° da Carta Constitucional revoga tacitamente a Lei do Banimento, uma vez que em caso de não descendência de D. Maria II, considera que o sucessor resultará da aplicação dos critérios consuetudidários portugueses sobre a ordem regular da progenitura, a anterioridade da linha, a preferência de sexo, a idade da pessoa, e sempre com exclusão de estrangeiros. De facto, é o reconhecimento da descendência miguelista de D. João VI.As eleições de Abril de 1918, durante o consulado sidonista, proporcionaram40 deputados monárquicos (dos quais 9 integralistas). O assassinato do «presidente-rei» em Dezembro desse ano, catapulta as Juntas Militares do Norte para o restauracionismo, enquanto no Sul predominam os sidonistas republicanos. A «Monarquia do Norte» eclode

em 19 de Janeiro de 1919, com o comandante

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Paiva Couceiro, no dia seguinte à abertura da Conferência de Paz de Versalhes. A 13 de Fevereiro está tudo liquidado. Não houve coordenação entre Lisboa e Porto. Não houve contacto com D. Manuel II. Não se esperou pelo apoio de Inglaterra. Desperdiçou-se a predominância monárquica nas Juntas Militares. Especulou-se com a possível ajuda espanhola. Predominou a falta de direcção e o «trauliteirismo». E, para cúmulo, em Lisboa, militares distintos como o lugar-tenente Ayres de Orneias e seus adjuntos Azevedo Coutinho e Álvaro de Mendonça encerram-se em Monsanto com umas centenas de bravos. Ficou para a história como tanta bravura e arreganho se fez acompanhar de tão escassa inteligência. E, sobretudo, a derrota: «(...) Se não fosse a revolta do Porto, seis meses depois dessa data, a Monarquia teria sido restaurada a pedido dos próprios republicanos» é o comentário de D. Manuel II aos membros da Junta Central do Integralismo Lusitano que o vão ver a Inglaterra nesse Outono.

Nota: Nota: SANTIBANEZ, 1920, p. 35

Em duas demoradas audiências em 1919 (Eastbourne, 16 de Setembro e Twickenham, 28 de Setembro) os integralistas Almeida Braga e Pequito Rebelo exigem uma proclamação ao país, a designação de sucessor, a nomeação de um representante e de um lugar-tenente militar e a adopção do programa integralista. No essencial, D. Manuel responde que jurou fidelidade à Carta Constitucional e que o Integralismo Lusitano «se encontrava fora das ideias do seu tempo»; que a aliança exigida entre «poder pessoal do rei» e a organização sindicalista era incompatível com a monarquia constitucional. Como diz hoje Dom Duarte: «Penso que o conceito de monarquia tem de se separar hoje radicalmente do integralismo em tudo o que respeita ao Estado autoritário. A monarquia ”ou é democrática ou não é”.»Nota: GONZAGA, 1995, p. 10

A clivagem entre a facção constitucional e a facção miguelista determinou muitos dos desentendimentos no período posterior à proclamação da República. Entrar nesses pormenores seria excessivamente arqueológico, já que o falecimento de D. Manuel II sem descendência e a aliança do neto do «mano Miguel» (D. Duarte Nuno) com a bisneta do «mano Pedro» (D. Maria Francisca) resolveram o diferendo dinástico. A 21 de Julho de 1920, D. Miguel II renuncia aos direitos ao trono em seu terceiro filho, D. Duarte Nuno, confiando-o à tutela da tia, D. Maria Aldegundes, duquesa de Guimarães. Esta, no seu Manifesto de Baiona, de 1921, declara «o firme propósito de restaurar, conforme a vontade da Nação, (...) a monarquia representativa». Num primeiro momento, a Causa Monárquica, o Partido Legitimist a, o Integralismo Lusitano. Os monárnuicos

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católicos e os constitucionalistas prosseguem a contenda. Abandonado o aventureirismo, triunfa o «radicalismo do centro» no Pacto de Paris em 17 de Abril de 1922. A reconciliação definitiva dos dois ramos dos Braganças sela a unidade entre os monárquicos; só alguns integralistas discordam. Em representação de D. Manuel II, assina o Pacto o

conselheiro Aires de Orneias; em nome de D. Duarte Nuno, o conde de Almada e Avranches. Pelo Pacto se comprometia o filho de El-Rei D. Carlos a «aceitar o sucessor indicado pelas Cortes Reais da Nação Portuguesa».Assim, aquando da morte inesperada de D. Manuel II em Londres, em 2 de Junho de 1932, sem descendência, as fileiras «constitucionalistas» acatam que a representação passe para a linha «legitimista». Respeitando o espírito dos Pactos de Dover e de Paris, bem como os exactos termos dos art.os 86° a 90° da Carta Constitucional, e a expressa vontade de D. Manuel II, o conselheiro João de Azevedo Coutinho, lugar-tenente do Rei falecido, faz a Aclamação de D. Duarte Nuno de Bragança em 19 de Outubro de 1932. A Causa Monárquica, a exemplo do que haviam feito já a Acção Realista Portuguesa - fundada a 8 de Dezembro de1923 - e o Integralismo Lusitano, reconhece a aclamação. Aos 25 anos de idade, D. Duarte Nuno era confirmado como chefe da Casa de Bragança e Herdeiro da Coroa. A legitimidade da pessoa junta-se a legitimidade da Instituição. Era o terceiro grande passo para a reconciliação.

D. Duarte NunoNascido em 23 de Setembro de 1907 no Castelo de Seebenstein, sobre terra enviada de Portugal e baptizado com água da Igreja de Nossa Senhora da Oliveira, de Guimarães, D. Duarte Nuno Fernando Maria Miguel Gabriel Rafael Francisco Xavier Raimundo António, Duque de Bragança, de Guimarães e de Barcelos e Marquês de Vila Viçosa, foi o único filho varão de D. Miguel II e da princesa D. Maria Teresa de Lowenstein-Wertheim.Estudou em Clairvaux, Ratisbona e Pau, e concluiu o curso de Engenharia Agrónoma na Universidade de Toulouse, com uma tese sobre apicultura. Antes de iniciar uma vida pública a que os próprios adversários reconheceram dignidade e sentido de serviço, tornou-se, em Barcelona, piloto aviador - uma paixão seguida, quarenta anos mais tarde, por seu filho Duarte. Nascido e formado fora de Portugal, D. Duarte Nuno sempre falou e sentiu em português, até que pôde regressar.

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Em 1929, sem mais aguardar um salvo-conduto das autoridades republicanas, o jovem Duarte Nuno atravessa a fronteira de Marvão e, na companhia de José Pequito Rebelo, visita Castelo de Vide, Niza, Castelo Branco, Covilhã, Manteigas, Viseu, Buçaco, Coimbra, Leiria, Batalha, Aljubarrota, Alcobaça, Fátima, Caldas da Rainha e Vila Viçosa.A Europa e as Casas Reais do continente conheceram a fibra do herdeiro do Trono de Portugal aquando do confisco em 1934 pelo governo da República dos bens da Casa de Bragança. Em 27 de Fevereiro de 1932, um parecer da Procuradoria-Geral da República considera «propriedade e posse» do rei D. Manuel II os bens que constituíam o morgado da Casa de Bragança.Nota: MONTEIRO, 2006, pp. 128429

Após a morte do rei, o Governo publica o Decreto n° 23240, de 21 de Novembro de 1933, «que deu aplicação e novo proprietário aos bens vinculados da Casa de Bragança». Em 4 de Janeiro de 1934, um parecer assinado por seis causídicos conclui contra o decreto, «ofensivo das antigas leis nacionais e dos mais elementares princípios de justiça», e defende os direitos de D. Duarte Nuno ao morgadio da Casa de Bragança.

Baseado nesse parecer, o Duque de Bragança faz um protesto público que o seu lugar-tenente pede para apresentar a Salazar a 5 de Fevereiro de 1934. «Nascido e criado em um lar proscrito, aprendi no desterro, com a recordação e pelo exemplo de El-Rei D. Miguel, meu augusto Avô, e nos conselhos e lições de meu Pai, a amar e a servir Portugal na pobreza e com o desinteresse de que um e outro, em toda a sua vida, deram prova - fiel como Eles às leis da honra e pronto ao sacrifício da própria vida pelo bem do País. Importa-me, porém, defender e assegurar a função histórica de uma Casa que foi durante séculos verdadeira Instituição Nacional, garantida pela posse da minha Família e por leis que não foram legitimamente revogadas.» O protesto deixa Salazar indiferente. Azevedo Coutinho ainda pedirá para se publicar a «exposição» em jornais. Um panfleto desse mês, «Alerta Monárquicos», adverte contra o confisco. Mas são casos isolados. Como bem resume Amaro Monteiro, «não havia um lugar-tenente do Rei junto dos monárquicos e do poder constituído. Havia, sim, um lugar-tenente de Salazar junto do Rei e dos monárquicos».Nota: MONTEIRO, 2006, pp. 153-155.

Marginalizado por Salazar, D. Duarte Nuno empreende em 1934 uma viagem política e diplomática de reconhecimento a várias cortes europeias. Recebido como rei, o seu encanto granjeou amigos para a causa. É recebido em Londres pelos reis de Inglaterra; em Paris, avista-se com a rainha D. Amélia; em Roma visita o rei Humberto de Itália e fala em audiência privada com o papa Pio XI. Em Portugal, Salazar considerava conveniente manter o banimento apesar das37

suas corteses aberturas a membros dos dois ramos da família real; era o seu modo de anestesiar a «Causa Monárquica» e o lugar-tenente.A Europa assistia hipnotizada ao crescendo do nazismo. Corria o mês de Setembro de 1938 - Pio XI, que publicara a Encíclica Mit Brennender S orge contra o nazismo em Março de 1937, terá dito a Arthur Chamberlain e Lord Halifax, os dois governantes da Inglaterra: «Meus senhores: fala-vos um homem doente a quem poucos dias de vida já restam. Toda a minha vida, e até à minha morte, que está próxima, tenho combatido e combaterei por um certo número de ideias que me são preciosas: a defesa do espírito contra a força brutal, a defesa do fraco contra o opressor, a defesa das pequenas nações contra as grandes, a defesa da liberdade contra a tirania e a defesa de uma verdadeira justiça contra a arbitrária. Mas sinto que tenho de abandonar esta luta dentro em breve.» Aqui o Santo Padre fez uma pausa e enfrentando quem tinha diante de si concluiu: «Meus senhores: é a vós que incumbe a tarefa de prosseguir este combate. Sois vós que deveis defender a civilização ameaçada.»Nota: BROCHADO, 1987, p. 209 in A Verdade «Deus salve a Inglaterra»

D. Duarte Nuno terá presente esta invocação, ao convidar o papa Pio XII para padrinho do seu primogénito, nascido «nas primeiras horas de paz» de 1945.Os Braganças cedo deram sinais de oposição ao nazismo, tal como a generalidade dos círculos monárquicos católicos europeus. Em 1940, em Lisboa, o arquiduque Otão de Habsburgo solicita refúgio para patriotas austríacos condenados ao fuzilamento. Em Dezembro de 1943, em Washington pede que Salazar solicite aos Aliados que avancem para a Europa Central, antes dos soviéticos.2 É destes círculos que parte a única tentativa de deposição de Hitler e que, uma vez falhada, irá provocar centenas de execuções. Em 20 de Julho de 1944 falha o atentado contra o Fúhrer pelo conde Von Stauffenberg, que fizera

parte do Afrika Korps, de Rommel, ele próprio obrigado a suicidar-se. A suspeição total agudizava-se com o estrebuchar do nazismo. Em Julho de 1944, são presas em Viena as infantas Maria Benedita e Maria Adelaide, irmãs de D. Duarte Nuno, sob acusação de escutarem e divulgarem emissões radiofónicas estrangeiras. O príncipe Carlos de Thurn e Taxis, cunhado de D. Duarte, escapa ao fuzilamento por intervenção do Governo português. Em Janeiro de 1944, o marquês do Lavradio pede que a rainha D. Amélia venha para Portugal. Salazar acede a convidar a rainha que lhe responde em 30 de Abril de 1944: «No meio daqueles que há mais de vinte anos me receberam, e rodearam... é desejo meu ficar por ora com eles, que tão infelizes são.» Segundo informação do cônsul-geral António Alves, a rainha, além do cansaço, receava não ter quem a acompanhasse em Portugal.Nota: MONTEIRO, 2006, pp. 204 e 221-222

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Salazar consulta Carmona, insiste com o embaixador Teixeira de Sampayo, ganha tempo. A rainha não vem.Nota: MONTEIRO, 2006, pp. 223-230

Como as autoridades nazis criam problemas à permanência dos Braganças em território do Reich, em 1942 D. Duarte Nuno estabelece-se em Gunten, na Suíça, à beira do lago Thun. Em Portugal, a Causa prepara «um enlace em que o Governo não podia deixar de ver vantagens nacionais», nas palavras de Salazar.João do Amaral e o conde de Almada acompanham o Duque de Bragança numa viagem ao Brasil que haveria de revelar-se marcante. Ali veio a casar Dom Duarte Nuno, em 15 de Outubro desse ano, na Catedral de Petrópolis, com sua prima a Princesa Maria Francisca de Orleans e Bragança, filha do Conde D’Eu, o Príncipe Imperial D. Pedro, neto do Imperador D. Pedro II. É madrinha de casamento a rainha D. Amélia. À cerimónia civil no Consulado-Geral, preside o cônsul-geral de Portugal no Brasil, o Dr. Jordão Maurício Henriques. Estava dado o passo final de reconciliação entre os dois ramos dos Braganças. Mas Salazar quer os duques fora de Portugal. A Espanha seria mau poiso «facilitando viagens e entrevistas nem sempre de estima», escreve Azevedo Coutinho (sempre mais lugar-tenente de Salazar junto ao Rei que vice-versa). «A Suíça é talvez a situação preferível que tentarei fazer adoptar»; também prefere que a infanta D. Filipa «se demore só o indispensável» em Portugal.Nota: MONTEIRO, 2006, p. 211 ’Idem

E do enlace dos dois ramos de Bragança, em15 de Maio de 1945, «em território nacional», na Legação de Portugal em Berna, que nasce o filho primogénito, Dom Duarte Pio João, a que se seguirão, em1946 e 1949, os infantes D. Miguel e D. Henrique. Na Mensagem de 1945 que D. Duarte Nuno dirige ao país por ocasião do nascimento do Príncipe da Beira estão presentes as notas do patriota, do cristão e do defensor da liberdade. O nascimento confirmava a continuidade da vida nacional; ele era o «herdeiro de deveres imprescritíveis». Numa linguagem inusitada para a Causa Monárquica, mas decorrente da Doutrina Social da Igreja, considera-se preocupado com «a existência dos pobres, dos necessitados, dos trabalhadores», e que só com a Monarquia Portugal «reencontrará as garantias, direitos e liberdades derivadas dum Poder que, por ser legítimo e natural, não depende de divisões

nem de egoísmos.» E conclui: «Desejo ainda notar a circunstância feliz de o meu Herdeiro ter nascido nas primeiras horas de paz no Ocidente e da vitória da nossa aliada, a Grã-Bretanha, a quem nos prende, e ao seu Rei, uma amizade muitas vezes secular, sem esquecer outras nações a nós ligadas pelo sangue, pelo espírito e pela afinidade de interesses europeus ou universais.»

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Por esta altura em Portugal, a Infanta D. Filipa escrevia a Salazar, em 26 de Abril de 1945, dando-lhe conta da intenção de reorganização monárquica, suprimindo-se o posto de lugar-tenente e criando-se um Conselho Supremo; dele fariam parte José Pequito Rebelo, Luís de Almeida Braga, Caetano Beirão, Rui de Andrade e D. José Pombeiro. A rainha D. Amélia decide vir a Portugal em romagem aos túmulos reais. Chegará a Lisboa a 17 de Maio de 1945. A 18, milhares de pessoas assinam o seu livro de visitas e algumas são recebidas. Uma delas quase lhe morre nos braços; é o embaixador Teixeira de Sampayo, monárquico convicto a quem Salazar chamava a «parede-mestra do MNE». «Sempre a morte à minha volta!» teria exclamado. Visita também o moribundo marquês do Lavradio. E no Panteão de São Vicente de Fora é o triunfo, apesar de a visita não ser anunciada.Nota: MONTEIRO, 2006, p. 240

O Regresso

Neste final da 2ª Guerra Mundial e início da paz, foram muito diferentes os destinos das dinastias europeias. A Casa de Sabóia foi obrigada a abandonar a Itália, após um referendo muito contestado que deu uma vitória tangencial à República. Nos países do Leste, com a ascensão comunista, Hungria, Roménia e Bulgária perderam reis e regentes. Vários ex-monarcas vêm exilados para Portugal. Em Espanha, em 31 de Março de 1947, o general Franco proclama um «Projecto de lei de Sucessão à Chefia do Estado» que prepara a monarquia sem consultar o conde de Barcelona, «rei de todos os espanhóis». Em Paris, o chefe da Casa Real francesa emite a Proclamação de 7 de Novembro de 1947, após o seu livro Entre Français, e ordena a dissolução de todas as organizações monárquicas francesas, declarando: «Para eles, a monarquia é sobretudo a Autoridade, ao passo que para mim, é, acima de tudo, a Justiça e o equilíbrio.» Perante a Constituição de 1946, assegurava a validade do princípio que representava e mostrava que a monarquia democrática deveria operar com pragmatismo.Nota: in A Vo%, 13 de Fevereiro de 1848

Em 23 de Agosto de 1947, Santos Costa, por instrução de Salazar sonda o presidente Carmona sobre «o que pensava da restauração da Monarquia». Colocado perante a perversa questão, Carmona dá a resposta merecida «de que não é fundamental o problema do regime». E passa a palavra a outros, como o almirante Cabeçadas. Aproxima-se o ano de 1949 e das eleições para a presidência. O regime precisa do apoio dos monárquicos. A Causa, cujo lugar-tenente é o Prof. Domingos Fezas Vital, apoia a candidatura do então promovido marechal

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Carmona. Há monárquicos como Vieira de Almeida, Rolão Preto e alguns dos indigitados para o Conselho Supremo em 1945, que apoiam a oposição.É neste contexto que Salazar decide uma nova aproximação aos Braganças. A Versalhes envia o Dr. José Nosolini para sondar a Rainha D. Amélia conforme relatório secreto que o mesmo lhe envia a 3 de Dezembro de 1948. Nosolini escuta a rainha criticar os que chama de «miguelistas modernos» (vulgo integralistas lusitanos). A sua missão é sondar «sobre a continuidade do poder, evitando as discussões periódicas sobre o chefe do Estado, isto é, reintegrando a Pátria no sistema que a serviu durante anos». A resposta de D. Amélia é peremptória: «Nada deve fazer-se sem o Dr. Salazar!». Nosolini transmite a sugestão que D. Amélia em nome de Portugal legue os seus bens de Portugal em favor dos Princípes de Bragança, em particular o seu afilhado, o Príncipe da Beira. D. Amélia promete que alguma coisa fará. Salazar está informado de que a Família Real vive de um conjunto de doações anónimas de 101 subscritores numa média de 27.800$00 por mês, conforme informação do visconde de Asseca. A 19 de Abril de 1949 a rainha comunica que modificará o seu testamento em favor do afilhado Dom Duarte, deixando-lhe os bens de Portugal. Um apontamento de Salazar de uma conversa com Fezas Vital revela-lhe que esses bens rendiam uns 400 contos anuais ou seja, o valor da colecta dos beneméritos anónimos da Família Real. Assim, seria possível deixar cair a colecta e não seria preciso tocar na Fundação da Casa de Bragança. A contabilidade é perfeita! O maquiavelismo também!Faltava abordar a residência dos exilados. Após diligências várias em que se destacaram os deputados monárquicos, a 21 de Abril de 1950 a Assembleia Nacional declarava formalmente abolidos e sem força jurídica os diplomas de 19 de Dezembro de 1834 e 15 de Outubro de 1910 que formalmente impediam o retorno à Pátria dos membros da Família Real. Pela Lei n° 2040, de 20 de Maio de 1950, o Governo da República assentiu finalmente em abolir a proscrição da Família Real e a figura jurídica do banimento, em geral. Medida talvez redundante, se pensarmos nas disposições da Carta Constitucional sobre a sucessão. Mas medida sem dúvida simbólica do momento político. Nesse mesmo ano, em França, a Assembleia Nacional Francesa punha fim à Lei de Exílio, e Henrique de Orleans, conde de Paris, sobrinho de D. Amélia, voltava ao seu país, instalando-se em Louveciennes, congregando a maioria dos monárquicos franceses.Nota: MONTEIRO, 2006, p. 252

No Governo e na União Nacional, as opiniões dividem-se. Há quem entenda, como de certo modo Salazar, que a Família Real é «património nacional, historicamente tão simbólico como os nossos castelos»; mas entre os políticos forjados na República, há quem receie, como Albino dos Reis, que o retorno dos

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Braganças «possa estimular os sonhos monárquicos de uma restauração». Como diz Amaro Monteiro, Salazar «quer os reis no trono ou no exílio». A D. Duarte Nuno afirmou «que esperava do alto critério de Vossa Alteza o compreender que podendo aqui residir, não deverá porém fazê-lo permanentemente.»Nota: Entrevista de Amaro Monteiro a D. Duarte Nuno em 1959

Maquiavelismo consumado!

Em 31 de Janeiro de 1951, Fezas Vital entrega a Salazar um projecto de lei para ser presente à Assembleia Nacional com vista a resolver o problema dos bens da Casa de Bragança cujos bens móveis e imóveis seriam entregues a D. Duarte Nuno de Braganças, com excepção das «colecções de D. Manuel II», a serem entregues à Fazenda Pública. Salazar anota no canto superior direito «não disse que estava definitivamente assente a sua apresentação».Nota: in MONTEIRO, 2006, p. 277

Faleceu entretanto D. Amélia, a 25 de Outubro de 1951, em Versalhes, sempre acompanhada pelo dedicado e destemido capitão Júlio da Costa Pinto. O Governo decreta funerais nacionais. Mas Salazar trata D. Duarte Nuno sempre à distância, quer esteja na Suíça, em Gaia ou em S. Marcos. É aconselhado a ficar em Portugal até aos funerais da rainha que terão lugar em Novembro, e nos quais o protocolo lhe atribui um lugar menor. Pode ir ao Ultramar, mas não pode contar com facilidades (só conseguiria ir a Angola com a Família Real seis anos depois). «A residência permanente em Portugal é de desanconselhar.» Não obstante «o Principe deve ser educado em Portugal e pode sê-lo!» Havendo urgência em substituir o Prof. Fezas Vital como lugar-tenente (morrerá em 1953), o presidente da República, general Craveiro Lopes, irrita-se que sejam indigitados generais. O escolhido será Passos e Sousa.O estabelecimento da Família Real em solo português, em 1953, suscita alguma agitação porque o prestígio da Instituição Real poderia ameaçar «a segurança do regime». Mas as tergiversações de Salazar eram suficientes para conter os ímpetos monárquicos, fossem eles de direita ou de esquerda. Havia um facto novo. Os herdeiros do trono tinham regressado a Portugal. E «entre os Braganças, o pioneiro das «incursões» por Portugal foi, precisamente, Dom Duarte. Ainda o resto da Família fazia as malas em Gunten, preparando o regresso definitivo, já o Príncipe brincava com os filhos da moleira de Serpins e fabricava jangadas rudimentares para atravessar os braços menos caudalosos do rio Ceira.»Nota: MONTEIRO, 2006, p. 278 MORAIS, 1995, p. 22

Diz Dom Duarte: «Vim de facto várias vezes, antes de meus pais deixarem Gunten.» Era minha tia, a Infanta D. Filipa, quem me trazia, tinha eu os meus seis anos de idade.

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Lembro-me distintamente da Quinta Maria Mendes, em Serpins, propriedade do Caetano Beirão, onde habitualmente ficávamos. Eu adorava!»Escreve Jorge de Morais: «Debruçada sobre o Ceira, a quinta fazia as maravilhas de Dom Duarte e da miudagem que a ele se juntava nas aventuras próprias da idade. Os filhos da moleira da terra, bons conhecedores do terreno, organizavam «excursões» à azenha e ao moinho de vento, «caçadas» na floresta e «expedições» rio acima. O casarão da quinta, imenso e frio, em vez de aterrorizá-lo, fascina-o. Não há luz eléctrica, mas isso parece só acrescentar-lhe beleza aos olhos do Príncipe, até então habituado à organização da vida na Suíça, «onde até a própria natureza parece programada pela mão desinfectada do homem».Nota: MORAIS, 1995, p. 23

Diz Dom Duarte: «Ainda hoje gosto da luz do candeeiro a petróleo, que me lembra sempre aquelas noites mágicas em Serpins.»Talvez tenha nascido aí, durante esses idílios que lhe marcam a infância, uma preocupação pelas coisas da terra que há-de acompanhá-lo toda a vida. Ainda hoje, quando pode, chama à conversa «o exemplo dos moinhos, cuja destruição sistemática ofende» a sua consciência. Insiste: «Mais do que tudo, o homem de hoje tem o dever urgente de intervir para preservar os valores culturais, arquitectónicos, paisagísticos da Nação que nos deixaram.» E, com lógica incontornável, pergunta: «Se não gostamos do que é nosso, como haveremos de gostar de nós mesmos?» Como resumiu Jorge Morais: «E, pela vida fora, é aos valores éticos desses dias que há-de sempre regressar, quando a dúvida o atormenta, quando das fraquezas tem de fazer forças, quando é preciso escolher entre o que está bem e o que está mal.»Nota: MORAIS, 1995, p. 24

2.

ANOS DE FORMAÇÃO

«Português e vivo / É diminutivo. Só fazemos bem Torres de Belém.»Carlos Queirós

«O centro de uma vida surge de repente, como um dom. E, quando surge o centro,tudo arranja em seu redor.» Kurt Hahn

Formação Básica

Em Maio de 1953, a Família Real estabelece-se em solo pátrio. Ao regressarem a Portugal, restava saber se os esperava a liberdade de acção, os bens a que tinham direito, o lugar na representação nacional que lhes pertencia, enfim, as legítimas esperanças de coroarem a república. Em confronto com Salazar sobre o destino dos bens da Casa de Bragança, D. Duarte Nuno aceita a oferta de D. Maria Borges, condessa da Covilhã, que põe à sua disposição a Quinta da Madalena, em Coimbrões, perto de Gaia. Passa por Roma, onde os infantes são apresentados ao papa Pio XII que apadrinhou o primogénito no baptismo. Madrinha fora a Rainha D. Amélia. O actual Duque de Bragança recorda hoje «a bondade e a simpatia» com que foram recebidos no Palácio Vaticano.D. Duarte Nuno foi uma figura respeitabilíssima; mas o seu caminho, em boa parte imposto pelas circunstâncias, foi o distanciamento da multidão. Escreveu Barrilaro Ruas: «O seu prestígio assentava, para além da origem, na prática da prudência, da discrição e da simplicidade.» Em 1953, Dom Duarte está com 8 anos de idade. Até então, recebera lições particulares e seguira os curriculos europeus, mas

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numa idade em que a generalidade das crianças vai a meio da instrução primária, impõe-se recuperar o tempo perdido e adequar os seus conhecimentos escolares à norma nacional. «Comecei em grande desvantagem, muito mais tarde do que as outras crianças», recorda

Dom Duarte. Assim, enquanto D. Miguel pode ainda ser matriculado numa escola pública, o herdeiro recebe lições intensivas em casa do professor Aprígio Rocha, na cidade do Porto, e dentro de algum tempo faz exames e passa para surpresa de muitos que o viam «estrangeirado» e «desadaptado». Dom Duarte sorri: «Isso era pensar que nós seríamos uma Família desligada de Portugal, quando na verdade havia em nossa casa uma autêntica paixão por tudo o que era português. Não se falava outra língua, e a nossa formação foi sempre conduzida com preocupações nacionais.» Como refere Monteiro, é comovente o facto que «nascidos, casados e vividos [sic] no exílio, todos os filhos e netos de D. Miguel dominam o português em vários cambiantes de perfeição». Era uma enorme vontade de preservar a identidade.Nota: MONTEIRO, 2006, p. 201

D. Duarte Nuno nasceu e foi educado na Áustria. D. Maria Francisca era brasileira. Mas tal como é nos emigrantes que mais arreigado fica o portuguesismo, o mesmo sucedeu na Casa Real no exílio... «Foi uma educação em que os principais factores foram o profundo portuguesismo e o bom senso dos meus Pais. (...) Note que os portugueses da emigração são geralmente os mais patriotas! Quanto mais os que foram vítimas de tão injusto exílio. Por outro lado, o meu Pai era um homem de grande bom senso. Devo-lhe uma ”educação do bom senso” que me foi preciosa.»De vez em quando há vozes malévolas que dizem que foi reaccionária a educação de Dom Duarte, e que vivia em S. Marcos rodeado de professores monárquicos! É uma fantasia posta a correr! «A minha educação passou pelo Colégio Militar e pelos Jesuítas (Santo Tirso). Duas grandes instituições cujas escolas de formação de carácter e pensamento me marcaram. Conversei, sim, com muitas das grandes figuras do pensamento monárquico da minha juventude, entre outros, verdadeiros amigos como o Prof. Fernando Pacheco de Amorim e Dr. Barrilaro Ruas...»Nota: GONZAGA, 1995, p. 75

Feitos os estudos básicos, põe-se a questão da educação posterior. D. Duarte Nuno inclina-se para o Colégio Militar e nesse sentido faz sondagens. Em carta a Salazar em 1955, o ministro Santos Costa recomenda o Colégio Militar em regime especial e afirma inquisitorialmente: «O rapaz está a atravessar uma fase muito perigosa; esperto, travesso, rodeado por pessoas que lhe exaltam as exuberâncias inconvenientes.»Mas, à concordância geral, nomeadamente das próprias

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autoridades do estabelecimento de ensino, opõe-se a recusa obstinada do presidente da República, antigo aluno do Colégio. «Meu Pai esbarrou sempre com a oposição do general Craveiro Lopes, que achava que uma educação no Colégio Militar era demasiado perigosa.» Perigosa? «Sim, sempre que insistiam com ele e lhe punham a questão, Craveiro respondia invariavelmente que, como presidente, jurara fidelidade à República; e que permitir que eu entrasse para o Colégio Militar para receber uma formação completa seria um risco para a República e que o regime não devia patrocinar a minha educação nem permitir que eu me prestigiasse. Foi sempre intransigente neste ponto. De tal forma que, anos mais tarde, quando eu finalmente entro para o Colégio e recebo o número 97, por coincidência o mesmo que ele teve quando lá estudou, o general sempre se recusou a

reconhecer-me nas cerimónias do Colégio, contrariando toda a tradição e toda a praxe. Foi assim até ao fim. O general Craveiro tinha uma visão absolutamente fanática da República, e deste ponto de vista era um bom republicano. Mas por causa desse fanatismo não entrei então para o Colégio Militar...»Nota: MORAIS, 1995, p. 29

A alternativa estava à mão, na cidade do Porto: o Liceu de Alexandre Herculano, onde Dom Duarte e D. Miguel são matriculados no ano lectivo de 1955/56. É um ano de adaptação ao ensino secundário, com bom aproveitamento, mas de que o Duque de Bragança guarda escassa lembrança. «Recebíamos a formação típica dos liceus, com grandes doses de memorização, mas pouco mais do que isso.» E, quando chegam as férias grandes de 1956, o chefe da Família Real toma uma decisão: Dom Duarte entrará para o Instituto Nun’Alvares, nas Caldas da Saúde (as «Caldinhas»), em Santo Tirso. «O tempo mostraria que foi uma escolha acertada», considera. No Colégio, onde lhe é atribuído o número 374, recebe «uma educação incomparavelmente melhor, sobretudo no plano espiritual». E fica em regime de internato entre 1957 e 1960.Para a Família terminara, entretanto, o período de Coimbrões. O Governo resolve abrir mão de uma parcela do espólio da Fundação da Casa de Bragança, e cede a D. Duarte Nuno o usufruto do Palácio de São Marcos, perto de Coimbra. Para lá se transferem os Braganças, sem nada possuírem de seu. Toda a casa está inventariada, os móveis etiquetados. E a coragem moral de Dona Maria Francisca e de D. Duarte Nuno de novo se revela, sem um queixume, consciente do essencial. «É mais difícil ser rei sem trono, do que ser rei tout court», ouviu-lhe Fernando Amaro Monteiro, um dos últimos a visitar São Marcos em 1975.É nesse ano lectivo de 1957/58 que despontam no «374», então nos seus 12 anos de idade, as primeiras vocações. Interesse pela Geografia e pelas Ciências

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Naturais. Na Matemática, era mau em Álgebra, mas bom em Geometria, e, depois, em Trigonometria. «Os professores eram excelentes e eram eles que faziam toda a diferença em relação ao ensino oficial, porque as matérias curriculares, essas, eram iguais em toda a parte», recorda. Faz amigos. Integra-se no espírito do colégio, onde só aos domingos os alunos podem sair ou receber visitas. Dom Duarte segue a regra, não tem nem quer privilégios. O padre José Carvalhais, então seu director espiritual, lembra-se de que «uma ocasião quiseram pô-lo a presidente da Congregação Mariana. Ficou admiradíssimo, depois perguntou se o escolhiam por ser filho de quem era. E recusou».A disciplina estrita do instituto das «Caldinhas», gerido pela Companhia de Jesus, vai estimular em Dom Duarte um sentido ético: «Ali recebi uma formação espiritual sólida, lúcida e responsável que me tem sido utilíssima ao longo de toda a minha vida. Os jesuítas são educadores extraordinários, que sabem como dar uma fé esclarecida. Todos os dias eu aprendia alguma coisa de essencial. E, ainda assim, uma vez por ano éramos chamados a participar num retiro em que fazíamos um exame ainda mais profundo, mais global da nossa vida. Nunca íamos pelo caminho da facilidade. Pelo Carnaval, por exemplo, não podíamos sair para andar nos folguedos próprios da época; mas, compreendendo as necessidades de expansão de rapazes naquelas idades, organizavam-se lá dentro festas carnavalescas que, sendo tão divertidas como quaisquer outras, tinham sempre um fundo

formativo e educativo.» Sem hesitação, o Duque de Bragança afirma: «Gostaria de que os meus filhos fossem, como eu, educados pelos jesuítas.»Aluno de bom aproveitamento, esforça-se por igualar as médias na educação física. Mas os mentores das «Caldinhas» dão mais importância às coisas do espírito do que às habilidades do corpo. «Nem sequer havia monitores para nos ensinar desportos.» Mesmo assim aprende a jogar rugby e inicia-se no hóquei em patins. Uma queda ou outra não o desmoralizam: caiu, levanta-se. Bragança até ao fim. Quando conclui o 5° ano, com exame oficial feito no Liceu de Sá de Miranda, em Braga, tem averbados no currículo quatro accesit e uma menção honrosa (no primeiro ano de frequência), três accesit e três menções honrosas (no segundo), três accesit e. duas menções honrosas (no terceiro) e um segundo prémio a Francês {cum laudè). Termina o 2.° ciclo dos liceus com 12 a Letras e 14 a Ciências.Nota: MORAIS, 1995, p. 29

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Colégio MilitarD. Duarte Nuno nunca desistira do propósito de matricular o filho no Colégio Militar: o pedido de inscrição, há muito entregue, é todos os anos renovado. E no Verão de 1960 recebe, por fim, luz verde. Craveiro Lopes deixara a Presidência da República. Finda a obstinação presidencial, o jovem Dom Duarte enverga o uniforme da Luz. E o príncipe deixa nas «Caldinhas» amigos (alguns para toda a vida) e saudade.O ingresso de Dom Duarte no Colégio Militar não fica isento de falatório entre os «alunos velhos», espantados por, ao arrepio do costume, ser admitida uma entrada depois do 2° ano. Só com o tempo compreenderão que não se trata de privilégio; muito pelo contrário, fora vítima de desfavorecimento. Com humor, o capelão, padre Braula Reis, explica à classe de Religião e Moral: «Não o deixaram entrar antes, e lá por ser descendente de Nuno Alvares não deixa de ser português»... E logo faz amigos, com o seu feitio aberto, a sua desconcertante simplicidade. «Para mim, naquela altura, o Colégio Militar era um desafio, e eu sempre gostei de desafios», conta hoje: «Fui confrontado com outros miúdos, que já levavam uma formação física muito avançada. Mas o meu esforço foi compensado pelo espírito de grande camaradagem que encontrei e que era e é apanágio do Colégio. Só para lhe dar um exemplo: quando os melhores alunos percebiam que iam muito à frente dos outros no domínio das matérias, chegavam a fazer erros voluntários, nos pontos, só para não prejudicarem os camaradas mais atrasados. Ainda hoje encontro sinais dessa camaradagem fantástica, entre antigos alunos, mesmo anos e anos depois de termos deixado a Luz. Aliás, quando saímos do Colégio e chegamos cá fora, à vida, ficamos muitas vezes chocados por não encontrarmos esse espírito fraterno no trabalho e no dia-a-dia.»Nota: MORAIS, 1995

Preparando-se para a exigência das disciplinas físicas, recebera lições de equitação com Mestre Nuno Oliveira, no picadeiro da Póvoa de Santo Adrião, e aproveitara o Verão para treinar ginástica e corrida.A vida na Luz é dura: alvorada às seis da manhã, logo seguida de exercícios militares. O Colégio ajuda a moldar-lhe, em contornos mais definidos, um carácter que os colegas definem como «estóico». E em pouco tempo está integrado. Tanto que, ao segundo ano de Luz, uma greve académica sem precedentes na casa encontra no estudante Duarte de Bragança um acérrimo paladino. «Um professor tinha aplicado a um aluno, supostamente

apanhado a copiar num ponto, um castigo que toda a gente considerava injusto e despropositado» - recorda hoje

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Dom Duarte. «Em protesto, os graduados do 7° ano fizeram levantamento de rancho. Eu achei empolgante! Resultado: o 7° ano foi todo expulso do Colégio, em bloco. É preciso não esquecer que, na comunidade da Luz, a lealdade dos mais novos é para com os graduados, não para com os professores. Por isso, e outra vez como protesto, foi a vez de os graduados do 6° ano fazerem levantamento de rancho. E também esses foram todos expulsos. A revolta chegou então ao corpo de alunos do 5° ano (onde eu me integrava, uma vez que fora obrigado a repetir exames para compatibilizar as provas do liceu com o currículo do Colégio Militar), que fazem também levantamento de rancho». A Luz tinha-se amotinado! A sua frente põem uma declaração formal, que assina logo: «Tomei conhecimento de que fico sujeito a ser abatido ao efectivo do Batalhão Colegial se persistir em não tomar qualquer refeição no Colégio.» Era a ameaça pura e simples de expulsão. Mas a coesão dos alunos faz vacilar a direcção. «Tiveram de negociar connosco», conta Dom Duarte, rindo com prazer de um episódio que, na altura, não terá sido tão divertido como hoje parece, à distância de mais de 30 anos. «E a solução foi reintegrar todos os expulsos e esquecer que aquilo se tinha passado...».Nota: MORAIS, 1995, p. 34

Uma greve em forma, no Colégio Militar, não era apenas uma revolta pontual: reflectia, sobretudo, a agitação que já se experimentava no mundo estudantil e na sociedade portuguesa em geral. No fim dos anos 50, a II República sofria revezes. O general Humberto Delgado, candidato da oposição às eleições presidenciais, abanara o regime; fora assaltado o quartel de Beja; pela primeira vez na história, um avião fora desviado para que os sequestradores lançassem panfletos sobre Lisboa; na «revolta da Sé», católicos, monárquicos e oposicionistas moderados desafiaram a ordem estabelecida; em 1961 a índia Portuguesa perdera-se e, em Angola, começara a guerra que se estenderia a Moçambique e à Guiné.«Tudo isso era discutido entre nós, no Colégio», lembra Dom Duarte. «Como era natural, estávamos muitíssimo bem informados sobre tudo o que se passava, em especial nos territórios africanos.» E que pensavam os futuros comandantes das Forças Armadas? «Reconhecíamos, claro, que em tudo aquilo não podia deixar de haver causas justas e humanitárias, causas que aliás vinham sendo defendidas de há muito (por exemplo, por Paiva Couceiro, duas vezes governador-geral de Angola e paladino da ideia de justiça para os povos angolanos). Mas o que estava absolutamente fora de causa era a entrega pura e simples dos nossos territórios africanos a grupos que, nomeadamente no Norte de Angola, se afirmaram espalhando o terror e semeando a morte. Este sentimento era de tal forma generalizado

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nessa época que milhares de pessoas se ofereceram para voluntariamente ir para África mostrar que a questão não podia ser resolvida daquela maneira.»Nota: MORAIS, 1995

Educação Superior

A formação no Colégio Militar deixa em Dom Duarte o estímulo da aprendizagem. Quer conhecer os problemas da terra portuguesa. Pensa mesmo em matricular-se na Faculdade de Agronomia, em Huambo (então Nova Lisboa). Custa à família vê-lo afastar-se por quatro longos anos. Um grupo de professores da Universidade de Coimbra, Henrique Martins de Carvalho e o general Câmara Pina organizam um plano de estudos de oito anos que incluía vários ramos de ensino, desde a Academia Militar à Faculdade de Direito. A formatura de Dom Duarte deveria ser no Instituto de Estudos Ultramarinos. Salazar acompanha com interesse a diligência e faz sugestões. Mas ao ser levada a conclusão a D. Duarte Nuno, este respondeu que seu filho iria cursar Agronomia.Nota: AA. VV. 1992, pp.183-184

O filho sonha com a utilidade de uma vida ligada à defesa da Natureza, aos valores da terra que desde criança aprendera a respeitar e amar. No ano lectivo de 1964/65, seguindo o instinto (e também o exemplo paterno), matricula-se no Instituto Superior de Agronomia. Mas o curso é uma desilusão, as matérias sem ligação ao concreto e sem dimensão humana. Acaba por não concluir a formatura. Interessava-lhe menos a teoria e mais o lado humano da agricultura. De resto, mais do que a paixão pela lavoura, D. Duarte tem a paixão pelo «cooperativismo e pelo crédito agrícola.»Nesta fase crucial em que alcança a maioridade sofre, em Janeiro de 1968, um golpe terrível com a súbita morte de D. Maria Francisca, a amiga de todas as horas. D. Duarte Nuno, entristecido no desgosto, fá-lo herdeiro da Coroa.A sua formação superior completou-se no Instituto para o Desenvolvimento da Universidade de Genebra. Em 1971/72 diploma-se em Genebra com um curso que o habilita nas áreas da Sociologia, e vocacionado para os problemas do Terceiro Mundo. Aí recolhe as lições dos professores Baugener e sobretudo Jean Ziegler, deputado e autor iconoclasta de A Suíça Lava Mais Branco. Ainda hoje com ele troca correspondência. Quando dizia aos seus colegas africanos que servira no Exército Português, estes torciam-se perante o «perigoso colonialista». Mas em breve lhe reconheceram o interesse genuíno por África. E quando mais tarde alguns ocuparam postos nos governos africanos, não se esqueceram do antigo colega.

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Em breve se irá entregar a uma das grandes paixões da sua vida - África. Não a África dos impérios, não a África das guerras; mas a África profunda, telúrica, nobre e indomável que permanece para além das vitórias e das derrotas.Nota: MORAIS, 1995, p. 37 GONZAGA, 1995, cap. IV

«O ”Império” autoritário, em que os ”reinóis” mandam e desmandam nos outros... passou. Agora, de um Portugal grande, que fosse de todos e que cada vez deveria ser mais partilhado, fraterno, igualitário, livre... desse projecto... do fracasso desse projecto, ficou uma mágoa sem remédio, para usar as palavras de Camões».Em 1988 completa o Curso de Defesa Nacional, no Instituto da Defesa Nacional, em Lisboa, dado o seu gosto pelos assuntos estratégicos e militares e a preocupação com a

posição de Portugal no mundo. O curso de 88 é muito coeso e todos os anos reúne pessoas como a Dr.a Maria de Belém, o Prof. José Adelino Maltez, o Dr. Nuno Siqueira, o Almirante Lopo Cajarabille. Todos se lembram de voltar aos bancos da escola no IDN. Um episódio ficou na memória. O Curso foi realizar uma visita de estudo à Marinha, a bordo de uma corveta ao largo de Sesimbra. Ensaia-se a manobra de transferência de um homem de um navio para outro, suspenso por cabo. É preciso um voluntário. Quem se oferece é o herdeiro do trono de Portugal que vai, suspenso durante centenas de metros, por cima da ondulação até chegar à segunda embarcação. A Marinha não falha na manobra. Dom Duarte também não.

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A VOCAÇÃO AFRICANA«Este país é obra de soldados.» Henrique de Paiva Couceiro«Refiro-me à missão histórica de Portugal, à colonização e civilização de territórios de além-mar.»Norton de MatosPrimeiras experiênciasA paixão de Dom Duarte por África é pessoal e partilhada com toda uma geração de portugueses. A intensidade e gravidade com que a viveu revela a resposta de uma dinastia que não esqueceu as sequelas do Ultimatum. A propaganda republicana contra as cedências em África era isso mesmo: propaganda. O país era intensamente africanista, conforme a mentalidade colonizadora da época. A Portuguesa foi composta a 12 de Janeiro de 1890, no dia a seguir ao Ultimatum e dedicada aos dois ramos dos Braganças, o reinante e o exilado na Áustria.Nota: AA. VV, 1999, (Manuel Ivo Cruz), p. 377

Foram soldados, missionários e comerciantes que criaram as fronteiras das futuras nações africanas de expressão portuguesa. Os grandes africanistas eram talvez os únicos monárquicos assumidos: António Ennes, Mouzinho de Albuquerque, Paiva Couceiro, Aires de Orneias, João de Almeida, Azevedo Coutinho. Depois de 1910, e com excepção de Norton de Matos, é que o país se desinteressa de

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África a não ser como destino de degredo ou de sinecuras. Um dos primeiros desejos de D. Duarte Nuno ao chegar a Portugal em 1953 será «visitar o Ultramar». Só o conseguirá em 1957 numa breve visita a Angola em que Dom Duarte acompanha o pai e irmãos.A história tem muitas ironias. Foi a rainha D. Amélia quem, por influência das visitas do príncipe de Gales às índias, insistiu na viagem a África do Príncipe Real. Em 1907, por ocasião da visita a Moçambique de D. Luís Filipe, foi atribuído o nome à cidade da Beira. Sessenta anos depois, mais precisamente de 11 de Agosto a 6 de Setembro de 1966, é um novo Príncipe da Beira que chega a África. Por mão do Eng° Jorge Jardim. Por conselho de quem manda em Lisboa.Nota: Arquivo Pessoal da Família de Jorge Jardim.

Chegado à actual Maputo, Dom Duarte é recebido pelas forças vivas. Reúne-se com o

arcebispo, o reitor dos Estudos Gerais e o governador-geral. Visita a cidade e a zona industrial e recebe cumprimentos e homenagens variadas. Não falta uma reunião com ajunta Provincial da Causa Monárquica. Segue depois para Quelimane, com passagem pelo Gurué. Durante quatro dias pela Zambézia, visita as progressivas plantações de açúcar, chá e sisal. Da Beira segue para o Dondo, a residência da família Jardim. D. Maria Teresa, os onze filhos, todos lá estão. Conhece os parques de caça locais do Gorongosa, Kanga N’thole, Inhamacala. Prefere observar a rica fauna a disparar.Seguem-se visitas oficiais, sempre acompanhado por Jorge Jardim e pela filha mais velha, a Patucha, como é carinhosamente tratada. Vai de avião até Blantyre onde se avista com o presidente Hastings Banda, que mantinha o Malawi em desenvolvimento. É um chefe tribal que se faz eleger popularmente através de um Congresso Nacional. Regressado ao Dondo, segue para a Rodésia, no Mercedes da família Jardim, tomando por vezes o volante em estradas que há pouco deixaram de ser «picadas». Entre 27 e 30 de Agosto está na antiga Salisbury, sendo recebido por Ian Smith e pelos ministros da Defesa, Lord Graham, duque de Montrose, e dos Negócios Estrangeiros, Mr. Vanderbyl. O encarregado de negócios, Dr. Freitas Cruz, excede-se em atenções. Dom Duarte regressa pela Chicamba Real, ao tempo a maior barragem do território, enquanto se preparava a ciclópica Cabora Bassa.A sua visão de Portugal aumenta. Vai até Metangula, na região dos Lagos, Vila Cabral e Nova Freixo. Fala com as autoridades civis, com os comandos militares, tenente-coronel Damião e tenente da Marinha Manuel Abecassis, com os administradores e chefes étnicos da região. Encontra-se com os régulos locais, muito patriotas. Com eles trava animada conversa. Por ali não existe corredor de penetração

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da Frelimo. Começa a compreender até onde chega o nome de Portugal. Fala com D. Sebastião Soares de Resende, com o governador de Manica e Sofala e outras forças vivas. Jorge Jardim escreve ao presidente do Conselho que a viagem é um sucesso, muito acima das expectativas. Admite que o príncipe gostaria de prestar serviço militar em Moçambique, de preferência na Marinha e no Norte. Dom Duarte deixa o Dondo com saudades, muito amigo da família Jardim de quem continuará visita assídua, anos depois. Em 1980, ainda a família Jardim se não recompusera de dificuldades financeiras, convidará Maria do Rosário, a irmã mais nova, para sua secretária pessoal.Em 1968 Dom Duarte visita a Guiné, a convite do então coronel Carlos de Azeredo. O general Spínola, desconhecedor dos motivos da viagem, «torce o nariz», por motivos de segurança ou inquietação. Azeredo apresenta a Dom Duarte o imã Sekuna Djaló, um fula. Com ele e seu sobrinho Salifu Jau, percorre o território, passando de moto e a cavalo por picadas que sabem estar desimpedidas de minas. Pernoita nas habitações de amigos e assim fica a conhecer o terreno como poucos. Fala com os régulos e as populações. Num aquartelamento, o comandante espanta-se que ele não fique na unidade. Dom Duarte desculpa-se da falta de cortesia que seria recusar o convite dos seus amigos fulas. Ao regressar a Bissau, o general Spínola, informado do roteiro do herdeiro do trono, recebe-o já com amizade e uma pontinha de respeito. Ficarão amigos, como se verá após o 25 de Abril.

Serviço MilitarDom Duarte tem 22 anos. Já experimentou a África Portuguesa, que se debate numa crise

de crescimento a que não são alheias as cobiças das duas superpotências. Como a grande maioria da sua geração, irá servir nas Forças Armadas. Quer alistar-se na Força Aérea, seguindo o exemplo do pai, apaixonado pela aviação e detentor de brevete. Antecipando-se aos requisitos e exigências que sabe irá enfrentar na sua candidatura, aproveita os meses das férias grandes de 1967, em França, para obter o brevete de piloto de helicópteros.Com o brevete e já com muitas horas de prática de voo, apresenta-se na Base de Tancos. Como ex-aluno do Colégio Militar, é dispensado da recruta e entrega-se de corpo e alma à instrução de especialidade. Os amigos desse tempo recordam «o belíssimo sentido de humor» e o empenho com que segue os trabalhos de preparação técnica e militar. Nas horas vagas acamarada com os colegas de curso, com quem faz incursões pelo «Ribatejo profundo», acabando não poucas vezes em

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jantaradas que revelam «um sentido inato de boa convivência». Discreto, recusa-se a ser tratado com pompas e prefere que o apresentem como «Duarte, um amigo». E desses dias de espera pelo embarque para África guarda lembrança de um «desenfianço» que deu brado. De visita a uns amigos numa quinta da Chamusca, um colega de curso passa-lhe para as mãos o aparelho em que viajavam. E Dom Duarte delicia-se, pela primeira vez longe do olho feroz da hierarquia, em voos rasantes que o comprovam como piloto. O alferes Bragança está pronto.Mobilizado para Angola, chega a Luanda em Junho de 1968, depois de uma viagem num DC-6 da Força Aérea, repleto de cães-pára-quedistas que não se cansaram de uivar. É colocado na Esquadra 94, na Base Aérea do Negage, onde fica aquartelado. Rapidamente se torna popular, entre camaradas e junto das populações. Quando se trata de Angola, gosta de pôr «os pontos nos is». Diz sempre Uíge, e não «Carmona»; Ndalatando e não «Salazar»; os nomes são da população, não são do regime, como Bento Morais Sarmento se lembra de lhe ouvir. Aprende os dialectos locais, embrenha-se no interior, deixa-se conquistar pela magia africana, estuda os laços que há séculos unem os Portugueses a Angola. Procurado pela Comunicação Social, dá entrevistas e insiste em causas de que muitos andam distraídos. «Como militar acompanharam-me dois sentimentos: por um lado, sentia o dever de bem cumprir as minhas obrigações para com a Pátria, e por outro lado sentia-me frustrado, diria mesmo desanimado, com a política que, em meu entender, não satisfazia nem os interesses das populações locais nem os de Portugal como um todo.»Nota: D’AIRE, 1996, pp. 4-5

Dom Duarte sabe quem serviu: «Eu e os meus companheiros não nos sentíamos minimamente ao serviço da República, mas sim ao serviço de Portugal. Os interesses de Portugal são sobejamente mais importantes do que os da República. Penso que todos os que se bateram em África, arriscando a vida, e perdendo-a muitos deles, não o fizeram senão a pensar na Pátria.»Nota: Ibid., p. 5

É liberto de preconceitos «politicamente correctos» que olha, no início dos anos setenta, para o problema ultramarino: a sua bitola não é o episódio, é a história. O centralismo da metrópole provocou os movimentos independentistas. Dom Duarte propunha uma maior participação dos africanos na vida pública e uma evolução para a democracia numa

federação lusófona, com moeda e Forças Armadas comuns, mas com administrações eleitas pelas populações. Desse modo, respeitar-se-iam as liberdades e a independência dos povos, e perduraria o «sentido histórico comum». E a tese que Spínola retomará em Portugal e o Futuro. Era

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a tese de Paiva Couceiro. Esperanças baldadas... Diz Dom Duarte: «Visitei o Dr. Salazar várias vezes. Era uma pessoa extraordinariamente interessante. Lembro-me de ter tido uma conversa com ele, em que lhe perguntava porque é que não ia visitar o Ultramar e sentir melhor o que lá se passava. Ele respondeu-me que podia tomar melhores decisões se não ficasse emocionalmente envolvido por elas. Achava que se fosse lá, perdia o distanciamento necessário para tomar as decisões que achava correctas.»Em Lisboa, após o afastamento de Salazar por doença, Marcello Caetano tomara as rédeas do poder e parecia sucumbir ao raciocínio simplista da entrega. «Era apenas uma questão de velocidade que o afastava das teses dominantes dos capitulacionistas; não era uma questão de essência.» As suas opiniões começam a incomodar as chefias militares. «Marcello tinha-se convencido de que as independências eram inevitáveis, que tinham chegado com os ventos da História, e deixou de perceber que Portugal era um caso único, ímpar, de relações seculares entre povos identificados por um sentido histórico comum. Claro que eu nunca fui partidário das separações radicais que vêm com as independências; sempre sonhei, eu e a grande maioria dos portugueses, com a constituição de uma Comunidade Lusófona, respeitadora das liberdades dos povos que a integram, mas também respeitadora das raízes desse sentido histórico comum. E sempre a defendi.»Nota: Entrevista a Magazine, Abril de 2006

Desengana-se quem o queria tolhido e limitado pela sua própria condição, ou amorfo e conformado perante o Governo da República, ou indiferente à sua missão histórica de lembrar as raízes. E inicia-se um «cerco» que tem por objectivo, numa primeira fase, «dominá-lo»; e, depois, «neutralizar» o prestígio que, pela sua frontalidade, vai granjeando entre militares e civis, negros e brancos. Recebendo ou não instruções expressas do chefe do Governo, o general Sá Viana Rebelo dá ordens para que o tenente Bragança não possa pilotar. Instado a explicar-se, dá justificações que oscilam, dependendo do dia e do interlocutor, entre «o perigo que seria para a vida de Dom Duarte» e o argumento vago de uma «miopia» que, não obstante, nem o impedira de cumprir todas as missões de voo, nem lhe coarctara a promoção a tenente piloto-aviador. Na opinião do Duque de Bragança, a explicação é mais simples: «Receavam que, ganhando prestígio no campo militar, aumentasse a influência das minhas ideias.»Em 1970, a voz de Dom Duarte elevava-se, incómoda, no Negage e em Luanda; e chegava a Lisboa. O Governo não hesita; por instruções expressas de Marcello Caetano, o herdeiro do Trono é «transferido» para Lisboa, onde pensam neutralizá-lo numa colocação como bibliotecário militar.

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Em Lisboa, sabe a decisão a tomar. Passa à reserva como capitão piloto-aviador da Força Aérea Portuguesa, sem mais benefício do que a satisfação de ter cumprido o dever de toda a

sua geração de portugueses. «Saindo de Angola sob uma pressão a que não podia resistir, deixei lá uma parte pequena mas muito importante da minha juventude. Fiquei muito ligado sentimentalmente a amigos, a companheiros, e pessoas com os mesmos ideais.»Nota: GONZAGA, 1995, p. 68

A vocação africana não o deixa ficar parado. Visitara Moçambique em Agosto de 1969, a convite de D. Eurico Nogueira, bispo de Vila Cabral, para inaugurar a Igreja do Santo Condestável, em Marrupa. Volta a Moçambique em 1971 a convite do comandante geral. O seu mano Miguel presta então serviço militar. Lá está também seu primo Francisco van Uden. Juntam-se no Dondo. E Dom Duarte volta a pernoitar na «Casa 11», onde os primos são «vítimas» das partidas bem dispostas das jovens manas Jardim. Vai depois ter contactos com antigos camaradas de armas, responsáveis da administração e populações.Regressa a Angola em 1972, como colaborador em programas de «Extensão Rural» organizados pelo engenheiro Possinger, perto de Lubango. Tratava-se de melhorar o sistema de agricultura tribal, sem romper com as estruturas familiares. Utilizam-se ferramentas melhoradas, produtos mais nutritivos, aldeamentos mais ordenados. Sempre a sua atitude humanista, totalmente oposta ao que Gilberto Freyre diz da colonização holandesa em Java «...que possuía os mais bem cuidados coqueiros e, ao mesmo tempo, os mais maltratados nativos do Oriente».Percorre todo o planalto central. A sua preocupação é a futura relação dos territórios africanos com Portugal. «E indiscutível que a aliança de Portugal com aqueles povos estava sedimentada em séculos de convivência. Convivência com defeitos, repito, mas que, apesar de tudo, tinha levado àquelas partes do mundo algum acréscimo de civilização e de bem-estar material (embora muitas vezes insuficiente) e, porque não dizê-lo, de justiça. As injustiças da colonização portuguesa eram, apesar de tudo, menores do que as injustiças dos tempos em que, sem os portugueses presentes, as tribos locais se enfrentavam nas mais cruéis e sanguinárias guerras e matanças. Isto pode ”soar mal” a muitos ouvidos. Mas corresponde a uma minha profunda convicção, que declaro sem complexos.»Nota: GONZAGA, 1995, p. 70

À medida que conhece melhor Angola, sonha com uma terceira via que não é a dos movimentos de independência nem a continuidade do regime; rejeita o comunismo internacional da URSS, mas confia pouco na «Nova Ordem» dos EUA; quer a autonomia, mas teme a descolonização. «A descolonização pura e simples,

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a retirada portuguesa, parecia-me que conduziria a banhos de sangue e desastres sem nome. E as pessoas com quem falava, os contactos que ia fazendo, permitiram-me perceber que era falsa a ideia de que nas guerras africanas se afrontavam pura e simplesmente a direita portuguesa e o comunismo internacional. Não há dúvida de que eram essas duas forças os grandes motores da luta. Mas chamava-me muito a atenção a existência de outras, de outros agrupamentos de pessoas, de grupos que seriam o embrião de partidos que, apontando para a autodeterminação e, nalguns casos, para a independência, tinham posições conciliatórias, não totalitárias, abertas à obra dos portugueses, não antiportuguesas em suma. Era absolutamente necessário promover com urgência esses grupos, essas correntes para que se

pudesse sair pouco a pouco da crispação da guerra para a paz.»Nota: GONZAGA, 1995, pp. 70-71

Uma campanha em Angola1973. Marcello Caetano e o regime estão em estado de choque; mas continuam marcadas para 28 de Outubro eleições que o Governo mais uma vez promete livres. Dom Duarte antevê uma oportunidade: criar uma lista independente de candidatos à Assembleia Nacional, por Angola, formada por «portugueses de palavra». O projecto é explicado a Pedro Feytor Pinto, chefe de gabinete de Marcello Caetano; este dá luz verde. Sem hesitações, mete-se num avião e desce em Luanda. Enceta um programa de intensos contactos com todas as forças de Angola, tanto da situação como da resistência. A todos transmite o projecto de autonomia. A lista de deputados reúne portugueses de várias raças e opiniões, na maioria africanos, favoráveis a uma evolução para a democracia e maior justiça social, sem questionar a nacionalidade portuguesa. O Daily Telegraph fala de uma terceira via entre a «situação» (ANP) e a «oposição» (CDU e CDE). A médio prazo propõe-se o estatuto federal para o conjunto dos territórios portugueses, admitindo uma capital em Nova Lisboa. E o reencontro de Paiva Couceiro e Norton de Matos.As autoridades militares de Angola afirmam-lhe que o projecto estava dentro da lei e que era positivo. Fala com o director da DGS no território, o inspector Alcarva, que achou a ideia boa, pois tirava o tapete debaixo dos pés dos que afirmavam que não existia liberdade política em Angola. Apenas insiste que não poderia constar das listas Alexandre Tati, antigo comandante das milícias de Cabinda. Mas conta com muitos outros. «Eu era apoiado por comerciantes e intelectuais, e por

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chefes tribais angolanos. Ajudaram-me muito o coronel Herculano Chorão de Carvalho e Joaquim Santos Silva, director da Rádio Voz de Angola, que era muito importante pois emitia nas línguas indígenas. Tive ainda contactos com responsáveis do MPLA e da UNITA. A UNITA, que na altura contava com grupos na Universidade e com militares nos postos baixos das Forças Armadas Portuguesas, mostrou-se favorável. O pastor protestante que a representava disse-me que a nossa lista seria apoiada discretamente. O MPLA tinha outra posição: queria a independência imediata de Angola, mas achava que o meu projecto poderia ser um passo para a democratização.»Mas a II República não dorme. Ao regressar de S. Tomé, na noite de 31 de Agosto, é interceptado pelo director da DGS no aeroporto de Luanda, que lhe diz ter instruções para o fazer embarcar de imediato para Lisboa. «Pedi-lhe apenas para ir buscar uma bagagem mínima à residência onde estava hospedado, o que me foi concedido.» O Governo expulsara-o de Angola.Chegado a Lisboa, escreve uma carta ao presidente do Conselho, estranhando e repudiando a expulsão. A oposição com a Lista B constituída por «portugueses de palavra» seria a melhor prova de que o Governo aceitava o debate livre. «Marcello Caetano convocou-me em finais do ano a S. Julião da Barra. Aí me afirmou que eu fora retirado de Angola por razões de ”segurança particular”. Respondi-lhe, que, de acordo com a DGS, a minha segurança particular não estava em risco. Marcello Caetano evocou então razões de ”segurança nacional”. Tornei a responder que a própria DGS considerava interessante a

minha actuação. Alterando-se um pouco, Caetano acabou por me dizer que as ”forças vivas” achavam perigosa a minha presença em Angola.»A conversa com Marcello Caetano era de fim de regime. «Vim mais tarde a saber, através de Santos e Castro, que, além da posição explícita de manter Angola como parte integrante de Portugal, Marcello Caetano tinha «um plano B» de proclamar uma independência branca com a ajuda da Rodésia, da África do Sul e de grupos dos EUA. Nesse plano estavam interessados poderosos grupos económicos portugueses. Naturalmente que o 25 de Abril veio terminar com essas expectativas.»Nota: Entrevista com o autor.

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Retrospectiva

Olhando para trás, Dom Duarte compreende que a sua tese era mais «perigosa» para o regime do que a tese da «entrega sumária». Observava em 1995 que «para adaptar a sociedade africana a teorias estranhas à sua maneira de ser e sentir, destrói-se grande parte do tecido ancestral. Impôs-se uma cultura baseada em esquemas mecânicos de consulta (que, mesmo assim, raramente são aplicados com lealdade) e deu-se cabo da estrutura étnica que assegurava em África o governo e a administração da justiça».Nota: MORAIS, 1995, p. 45

Não receia que adulterem as suas palavras e explica: «Em África não se acredita no poder miraculoso das maiorias aritméticas, acredita-se no consenso. Nessa cultura genuína, baseada na fraternidade e na solidariedade, tem valor e respeito quem é mais sábio, não quem é mais rico. Basta ver que não há órfãos, no sentido europeu: quando os pais morrem, os filhos são adoptados por um familiar, por um amigo do morto. Olhe-se para este drama imenso que se vive no Ruanda: quiseram impor à força critérios estranhos, e o resultado é a anarquia, a guerra (alimentada pelas indústrias de armamentos dos países ”bem pensantes”) e a miséria. Nunca isto aconteceu enquanto o Ruanda viveu na sua monarquia tradicional. O que nós fizemos foi levar para lá as nossas doenças sociais, nós que estamos destribalizados, nós que estamos a perder a estrutura familiar alargada à comunidade, a estrutura espiritual que nos permitiria encontrar equilíbrio e felicidade, quebrar a angústia perante o desconhecido, perante a dor, a provação, a morte.»Nota: FERNANDES, 1995

A sua visão sobre a actual violência em África não se restringe aos países lusófonos. «Em toda a África uma das causas da destabilização africana foi a destruição das sociedades tradicionais e das monarquias. Vê-se isto no Ruanda, no Burundi, no Uganda, etc. No Uganda havia quatro reinos que os ingleses respeitaram. Depois da independência foi implantada a República e esses reinos foram extintos. A partir daí começaram as desordens, a guerra civil e os ditadores sanguinários como o Idi Amin. Agora parece que recomeçam a reconhecer a importância dos chefes tradicionais... A Suazilância preservou a sua Monarquia e é em África um país exemplar. Funciona bem. Não há corrupção nem miséria(...).»Nota: FERNANDES, 1995

Muitos destes problemas, anteriores às guerras, radicam em fenómenos de «quebra de valores». As descolonizações ampliaram os seus efeitos. Teria sido possível fazer diferente no caso português? «As Forças Armadas ficaram

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desmobilizadas. Se tivesse havido um mínimo de reacção, no terreno, teria sido possível. Mas não nos esqueçamos de que Portugal estava, virtualmente, sob ocupação; e a anestesia política aplicada durante tantos anos pela II República não ajudou nada. Ainda hoje essa anestesia faz sentir os seus efeitos: estamos a dissolver-nos na União Europeia e mal nos lembramos dos nossos compromissos históricos com os países lusófonos - por indiferença dos governos ou pelo domínio de um raciocínio imediatista.»Nota: MORAIS, 1995, p. 46

Para Dom Duarte as continuidades lusófonas são fortes trinta anos depois da descolonização. Tal como a Inglaterra na Commonwealth e a França na Francofonia, Portugal deixou um pouco de si próprio nos novos países de expressão oficial portuguesa. Mas a autodeterminação poderia ter conduzido a soluções alternativas: «Acho que, quanto a este ponto, se reflecte, de novo, a circunstância de se ter tratado do problema do Ultramar como ”um todo”, sem ter havido a subtileza de se entender (antes ou depois da revolução) que cada território merecia uma consideração calma, ponderada e específica. A construção encontrada para os Açores e para a Madeira, que são Regiões Autónomas com órgãos políticos e administrativos próprios dentro da unidade nacional, poderia, porventura, ter sido aceite pelo Povo de Cabo Verde? Certamente pelo de Timor? Quem sabe se pelo de São Tomé? Quem sabe se pelo de Cabinda (se tivesse havido a coragem de considerar Cabinda como uma entidade diferente de Angola)? Enfim, sobre a descolonização também se tem falado ”milhares de horas” e nem eu tenho opiniões particularmente originais. As que aqui manifesto correspondem apenas a uma síntese. São sinceras e estaria pronto a debatê-las em qualquer instância.»Nota: GONZAGA, 1995

Esta abordagem aos problemas de África é a da Escola Ultramarina, desde Couceiro a Pedro Cardoso. Análise adestrada no jogo dos factores económicos e militares, admite excepções e aceita particularidades. Para Dom Duarte, o decisivo é a capacidade de adaptação ao concreto. Essa capacidade não funcionou na colonização pelo Estado Novo nem na descolonização dos territórios africanos. «Sou dos que pensam que houve em Portugal, além de outros, um erro fundamental no que respeita ao Ultramar: foi o de considerar ”o problema ultramarino” como único e indivisível. Ora acho que, pelo contrário, havia tantos problemas quantos os territórios do Ultramar! Havia que resolver caso por caso, sem se considerar (como na doutrina e na política oficial), que a ”negociação” com o ”adversário” numa frente de guerra destruiria moral e politicamente os fundamentos da posição

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portuguesa e até a sua capacidade de lutar noutros territórios. Posso, é evidente, estar enganado. Mas desde muito novo acreditei que era necessário resolver cada caso por si. E,

note, sempre pensei que haveria que encontrar soluções específicas, até dentro das grandes unidades geopolíticas. Ainda hoje pergunto porque é que Cabinda, que tem uma cultura própria bastante avançada, específica, e uma consciência nacional das mais apuradas que há em África, porque é que Cabinda e os Cabindas haviam de ser um mero distrito de Angola? E outros exemplos se poderiam encontrar: a ideia de considerar que a Guiné e Cabo Verde constituíam ”um todo” era por tal forma contrária às realidades que não resistiu à pressão das mesmas!»1Nem vitória militar... nem descolonização imediata... Por onde passava a terceira via? «Passava, acima de tudo e antes de mais, por definir claramente programas e horizontes, caso por caso. Programas e horizontes abertos ao mais largo debate. Em Portugal. No Ultramar. Com os nossos aliados. Com as Forças Armadas!! Tudo se deveria ter feito para impedir a ruptura militar! Horizontes e debates que se inserissem, é certo, nas perspectivas da autodeterminação, mas sem nunca se perder de vista a grande tradição portuguesa de integração, de miscigenação, de abertura entre os Povos, da criação de laços multirraciais, do anti-racismo e de uma caminhada (repito que muitas vezes lenta e imperfeita!) para degraus sucessivamente superiores de maior civilização e de maior justiça. Os dois, Frelimo e Renamo, iniciavam negociações para alcançar a paz...»Nota: http://www.cabinda.net/braganca.html

Regressado a Lisboa em 1973, Dom Duarte mantém contactos nos territórios lusófonos. De Moçambique, Angola, Guiné, São Tomé, Cabo Verde, das nações Brasileira e Indiana chegam mensagens e solidariedade. Encontra-se com Sá Carneiro, em casa de Carlos de Azeredo, nos finais desse ano. Conversam sobre o que será a democracia. Dom Duarte fala de referendos, de círculos uninominais. Para Sá Carneiro, os partidos são o verdadeiro motor da democracia.Em Março de 1974 enceta uma viagem que há-de marcar muito a sua vida. Viaja para Timor, ficando hóspede de um seu antigo colega em Agronomia, que mais tarde, num falso lugar de delegado indonésio, há-de tentar minorar o sofrimento do povo timorense: é Mário Carrascalão que o leva a visitar Timor. Pernoita em casa de Liurais, que assim ficam a conhecer o herdeiro dos reis com quem celebraram tratados de amizade. Alguns deles irão refugiar-se em Portugal

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em Dezembro de 1975, após a invasão indonésia. Mas as autoridades não querem Dom Duarte e a jornada quase termina com nova expulsão. Quando se preparava para uma conferência, é «convidado» a embarcar num navio da Marinha Portuguesa, que se avariou propositadamente. Entretanto corre, vertiginoso e sobressaltado, o mês de Março de 1974.

4.

CAUSAS COMUNS

«É um acto régio assistir aos prostrados.» Madre Teresa de Calcutá

«Perguntavam-me há bocado se a pátria acabava aqui. Não;

a pátria começa aqui, Portugal começa aqui.»Manuel Alegre, Bragança, 12/01/06

A monarquia no 25 de Abril

A 23 de Abril de 1974, Dom Duarte está em Saigão, de escala na viagem de regresso a Lisboa, após um mês de estada em Timor. O país seguia uma política neutralists, sem relação com «potências colonizadoras» como Portugal. Parecia aguentar-se perante o Norte comunista, mas os Americanos já não enviavam combustível nem munições. Apesar das declarações de «vietnamização», HenryKissinger quase suspendera a ajuda militar. Dom Duarte fala com Tran Van Lang, ministro dos Negócios Estrangeiros e presidente do Parlamento do Vietname do Sul. Quando este lhe pergunta como vão as coisas em Portugal, depois das ameaças de golpe de Estado de que a imprensa internacional se fizera eco, responde que ganham fama as teses do homem do momento - um general que favorece a constituição de uma comunidade lusófona: António de Spínola, o ex-governador da Guiné.No dia seguinte, os seus anfitriões surpreendem-no com os telegramas diplomáticos que começam a chegar a Saigão: «Estava certo! O seu general fez uma revolução!». Dom Duarte escreve então um documento inequívoco, e que marca

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o programa da geração que trouxe a monarquia para a democracia. «Dou o meu inteiro apoio ao Movimento das Forças Armadas e ajunta de Salvação Nacional, a minha plena adesão ao seu Programa, especialmente em ordem à instauração de uma verdadeira e consciente Democracia, saneamento da vida pública e solução do problema do Ultramar, no mais estrito respeito pelos inalienáveis direitos da pessoa humana.»Apressa o regresso. É preciso recomeçar do zero. A questão africana é certamente a mais pesada nos pratos da balança da Revolução de Abril. Dá todo o apoio ao general Spínola, um grande patriota. Mas as forças revolucionárias comunistas queriam impor à democracia um caminho de que discorda. Depois de uma breve passagem pela Madeira, visita o Brasil, onde explica as novas perspectivas; durante um mês viaja pelo interior e é recebido em ombros, apresentado como bisneto da Princesa Isabel, a libertadora dos escravos. Após o Brasil, parte para Angola e Moçambique para acompanhar as forças amigas e realizar missões humanitárias da Ordem de Malta.É tarde de mais para a terceira via; o MPLA toma o poder de modo revolucionário e o exército cubano chega a Angola. O novo rumo norte-americano, até então equidistante das forças políticas, permite ao MPLA uma preponderância no terreno. A coluna da FNLA, comandada por Gilberto Santos e Castro, perde a oportunidade de chegar a Luanda... E é no Ambriz que Dom Duarte assiste ao desmoronamento. Ainda aluga um táxi e consegue chegar às portas da capital; mas já lá estão as tropas cubanas. Tem de regressar à Metrópole. É o início da guerra civil e o êxodo de milhares de europeus e africanos, o início da traumática descolonização. Há angústia e desespero entre os Angolanos.Dom Duarte não aceita a deriva comunista da revolução de Abril nem a entrega unilateral de Angola e Timor, esquecendo forças como a FNLA e a UNITA em Angola, e a UDT em Dili. «Angola e Moçambique» foram entregues aos «partidos comunistas locais sem quaisquer eleições ou consulta aos nacionais ou aos portugueses».

Nota: SHAKESPEARE, 1984, p. 73

Em Lisboa, no Verão de 1974 participa com várias forças na organização da manifestação da «Maioria Silenciosa», para apoiar o general Spínola. Em Agosto, vai ao Palácio de Belém manifestar-se contra a entrega unilateral de Angola ao MPLA. Vem o 28 de Setembro. Milhares de manifestantes confluem sobre Lisboa. O COPCON barra as estradas. Costa Gomes não intervém. Spínola desiste da prova de força e pede a demissão. Será «a reacção em cadeia», como dirá Francisco Hipólito Raposo.

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Alguns dos revolucionários de Abril não compreendem a posição independente de Dom Duarte. Confundindo-o, talvez, com um «perigoso capitalista», ele que pouco mais tem que a consciência da sua missão histórica, «congelam» os seus escassos bens. «Um dia», recorda, «um antigo camarada da Força Aérea encontra-me e pergunta-me se já me tinham solto. Como nunca me haviam detido, fiquei admirado». E quis esclarecer o mistério. «Afinal era simples: tendo ido ao meu escritório, os revolucionários encontraram lá o contabilista, que levaram e mantiveram preso. De cada vez que o pobre homem era chamado a interrogatórios e lhe exigiam que confirmasse ser ele o tal Bragança, ele negava e declarava a sua verdadeira identidade; e esses revolucionários concluíam: bom, temos de esclarecer isto. Voltavam a pô-lo na cela, e dias depois a cena repetia-se. Até que se cansaram e o puseram em liberdade. A mim, nunca me chegaram a deter...»Nota: MORAIS, 1995

Em 25 de Novembro de 1975, os ímpetos extremistas da revolução são travados; a acalmia reconduz o país a alguma normalidade. Adoece D. Duarte Nuno, que entretanto se instalara no «Castelo do Arade», um casarão antigo sobranceiro à praia de Ferragudo, no Algarve, propriedade de sua irmã Dona Filipa. Fernando Amaro Monteiro narra como o visitou ainda em São Marcos num dia invernoso. Lembra-lhe a conspiração de Fevereiro de 1959 em que o herdeiro dos reis de Portugal, convicto de interpretar sentimentos generalizados, se determinara à revolta militar. Salazar dizia representar a ordem; «a desordem» eram todos os opositores - monárquicos, republicanos históricos e comunistas: «Receio que a ordem, na medida em que é filha do constrangimento e não de uma sã harmonia social, possa num futuro breve volver-se no caos irreparável da desordem», escrevera então. Ao despedir-se, Amaro Monteiro ouve ainda uma resposta nobre. «Talvez seja mais fácil ser Rei tout court do que Rei sem coroa». E à beira dos 70 anos de idade, falece na véspera de Natal de 1976, com uma infecção de brucelose. Vai repousar em Vila Viçosa, em sepultura provisória no panteão dos Duques, à espera do seu lugar no panteão da Casa de Bragança. «O meu pai sempre me ensinou que as coisas que temos, podemos perdê-las de um momento para o outro. Não temos de ficar apegados a elas. E a família, desde o exílio de D. Miguel I, habituou-se a nunca ter nada próprio».Nota: Entrevista in Magazine, Abril de 2006

A Dom Duarte e a seus irmãos, D. Miguel e D. Henrique, o engenheiro Pedro da Silveira, um benemérito sem descendência, deixa em herança a propriedade de Santar - um solar do século XVIII e uma quinta com vinha e lavoura, no concelho de Nelas. Aí, e numa casa solarenga em São Pedro de Sintra, que compra por bom preço à família D’Orey, passa a

residir. Aí trabalha na agricultura que

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lhes dá o sustento e no estudo inspirador de uma vida pública em que o falecimento de seu pai vem abrir um novo capítulo.

Herdeiro do TronoEsse novo capítulo vem solenizado na Mensagem de Março de 1977: «Na véspera de Natal do ano findo, ao falecer o meu querido Pai, o Senhor Dom Duarte, Duque de Bragança, encontrei-me investido na chefia da nossa Família e na Representação do Princípio Monárquico, sobre o qual a Nação Portuguesa se organizou, consolidou e desenvolveu, projectando no Mundo benefícios e valores indiscutíveis. Assim, por força de uma sucessão dinástica a que me sinto completamente vinculado, achei-me perante deveres recebidos de meu Pai e dos Reis de Portugal, nossos Antepassados, que a eles nunca se escusaram.» E continua: «Consciente de que esses deveres constituem a justificação essencial do princípio monárquico; que a Instituição Real explica-se por uma dádiva total ao País; que os Reis e os seus Herdeiros nascem para servir a colectividade e para amá-la, reinando ou não; que conforme a vontade do Povo, livremente expressa, poderá caber-lhes reinar, mas jamais disputar; explicam-se para unir, no Trono ou na vida mais discreta, no devotamento público ou na dedicação mais silenciosa. Se de tal forma procederem, serão sempre coerentes face à Realeza que detêm, independentemente do respectivo exercício. Farei do cumprimento desses deveres a razão da minha vida.» Significativamente a mensagem é dirigida «Ao Povo Português, Aos Povos dos Novos Países de Expressão Portuguesa, Às Comunidades de Raiz Lusa do Mundo Inteiro».Investido das funções de herdeiro do trono, Dom Duarte enceta a reorganização das estruturas monárquicas existentes. Em 7 de Outubro de 1977, institui o «Gabinete de S. A. R. o Duque de Bragança», uma entidade da sua exclusiva dependência que desempenhará as tarefas indispensáveis ao funcionamento da Casa Real, ocupando-se dos actos públicos e privados em que Dom Duarte intervenha.Pela Ordem 2/78, determina que a «Causa Monárquica» se deverá transformar numa organização independente, deixando a sua actuação de depender do Chefe da Casa Real, tendo em vista uma dinâmica mais responsável dos seus associados. Tendo apresentado a sua demissão o Dr. Carlos Moreira, em Setembro de 1977 é nomeado para secretário geral da Causa, o Prof. Engº Marco António Monteiro de Oliveira. O então subdirector-geral do Ministério da Indústria e Tecnologia e professor de Economia, que desde 1957 desenvolvia uma destacada actividade

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política monárquica, leva a cabo as transformações determinadas, em colaboração com os filiados.Em Agosto de 1978 é criado o «Conselho Privado de S. A. R. o Duque de Bragança», «um órgão consultivo constituído por pessoas de reconhecido mérito e competência, com funções de conselho em relação ao sucessor dos Reis de Portugal. A 1 de Dezembro, tomavam posse em S. Pedro de Sintra, entre outros membros iniciais, os Drs. João Ameal, Mário Saraiva, Leão Ramos Ascensão e José Pequito Rebelo, que presidia, sendo secretário

Nuno Laboureur Cardoso.Em Abril de 1978, quando os ventos da desunião sopravam sobre as Regiões Autónomas, Dom Duarte aponta caminhos numa Mensagem aos Povos dos Açores e da Madeira, então transcrita com o maior relevo pelos maiores jornais dos arquipélagos. Garantida pela Constituição a autonomia regional, constata que nos Açores e na Madeira permanece uma inquietação e a ansiedade perante o «centralismo burocrático e nivelador, que contraria as antigas tradições de liberdade local e regional», e que «injuria a capacidade de auto-administração de populações que há séculos são exemplo de patriotismo, de inteligência e de criatividade». Em finais de Outubro de 1978, desloca-se com o irmão D. Henrique durante duas semanas às ilhas do Faial, Terceira e S. Miguel, em estadia proporcionada pelos monárquicos locais. Através dos contactos com a população e com as personalidades locais, inteira-se dos problemas dos Açores. Como declara um jornal açoreano, «os separatistas não estão nos Açores, mas sim em Lisboa, na pessoa dos que não querem aceitar as justas reivindicações do Povo Açoriano».A posição de Dom Duarte face aos partidos políticos é clarificada na «Mensagem aos Portugueses» em Março de 1977: «Notai bem que não sou chefe político. Não me identifico com partido algum. Não procuro propagandas eleitorais, nem dependo delas. Não me cabe, em suma, fazer política na acepção comum da palavra.» Considera que um outro tipo de acção cívica lhe está reservado: «Eu concebo a política quase como um apostolado. Creio que posso ser útil neste aspecto. Sem ter tido alguma vez qualquer cargo oficial, só pelo facto de ser quem sou, vejo que tenho muito que fazer, e quero fazê-lo. A ideia de que posso servir de símbolo de unidade e de esperança para os portugueses, merece da minha parte todos os sacrifícios.»Os RetornadosCom Portugal e os povos da lusofonia, Dom Duarte pactua essa fórmula que o há-de nortear para sempre: «Farei do cumprimento desses deveres a razão da minha

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vida.» É então que se lhe impõem redobradas responsabilidades de intervenção. Quem o procura - sejam particulares empenhados em causas humanitárias, sejam organizações não-governamentais em busca de patrocínio, sejam entidades oficiais interessadas no suporte do seu nome para acções de benemerência - nunca parte de mãos vazias. Dom Duarte reinventa o papel social e político de herdeiro dos reis de Portugal. É um «advogado» da sociedade civil.«A descolonização sucedia um novo ciclo na história de Portugal, o da integração europeia. Entretanto, há uma herança de guerra e sofrimento. Antes de mais, importa-lhe minorar o sofrimento dos que haviam feito de África a sua casa e a sua vida - que regressam agora destituídos, feridos na sua dignidade; aportam a Lisboa com a roupa que trazem no corpo, revezam-se em vigílias junto ao cais, sempre na esperança de que possa ter chegado o contentor com os restos de uma existência dedicada às fazendas, aos comércios, aos empreendimentos. Muitos tinham nascido em África, achando-se tão africanos como portugueses.»Nota: MORAIS, 1995

Em vez de lamúrias, Dom Duarte põe a sua vocação africana ao serviço dos «retornados».Nota: MORAIS, 1995, p. 59

Acciona o seu entusiasmo pela acção. E aceita presidir ao Grupo Internacional de Reinstalação dos Refugiados do Ultramar. Organizam-se piquetes de acolhimento; são garantidos alojamentos, obtidos postos de trabalho. Um par de anos depois, poucos são os que, tendo batido à sua porta, não reuniram ainda alento para levantar a cabeça. Dirá anos mais tarde: «Há circunstâncias internacionais e consequências de políticas económicas e sociais portuguesas que vêm de longa data e nos obrigam, como comunidade, a olhar o futuro solidariamente. Tal solidariedade não nos pode forçar a renunciar à liberdade. A caminhada em que todos estamos empenhados tem por meta um regime em que o Povo Português seja verdadeiramente senhor do seu destino. É esse o sentido profundo da Democracia, cuja plenitude os Portugueses há muito procuram alcançar.»Nota: Nota: Mensagem de 1981

Ultrapassada a crise da descolonização, à medida que a democracia estabiliza - e para além do grande «cavalo de batalha» que desde logo é Timor - Dom Duarte bate-se pelo desenvolvimento do país. A outros cabe a actuação política. A ele, cabe-lhe ser o defensor de causas comuns. Intervém publicamente em defesa do equilíbrio ambiental, do desenvolvimento sustentável, do mutualismo e cooperativismo, do património arquitectónico, do ordenamento do território, da formação dos jovens. «E não me lembro de ano da minha vida, desde a adolescência, em que não tenha estado ligado a obras de solidariedade.» Arrostando por vezes o peso

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de ter razão antes de tempo, tem a satisfação do dever cumprido, dando voz a injustiças silenciadas, prioridades desatendidas e bradando contra graves atentados. E o público habitua-se a reconhecer nele o defensor de causas comuns

Mutualismo AgrícolaEntre as causas que Dom Duarte chama a si, a agricultura ocupa lugar cimeiro. A agricultura contemporânea é lavoura, mas é também ocupação e ordenamento do território, preservação do ambiente, do património natural, da qualidade de vida. «A agricultura continua a desempenhar um papel fundamental na vida das nações. Para além da produção de alimentos essenciais, é também a única actividade verdadeiramente responsável pela humanização e ocupação permanente do espaço rural.» Sector tradicionalmente frágil, Dom Duarte entende que deveria bater-se por formas de financiamento auto-sustentado. «As múltiplas e legítimas exigências da vida moderna, a aplicação de novas e melhores técnicas devem respeitar a paisagem tradicional e não destruí-la em nome do efémero e falso crescimento económico, porque leva à destruição da própria comunidade a quem são prometidos os pretendidos benefícios, contribuindo para a desumanização do território.»Nota: MORAIS, 1995

Em Santar, onde reside D. Miguel, Dom Duarte frequentemente participa nas actividades agrícolas. É eleito presidente da Assembleia Geral da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Nelas, participando em plenários de agricultores de outras regiões, com o objectivo de criação de outras Caixas. O cooperativismo de crédito reanimou-se após 1976 graças à Constituição e ao deficiente funcionamento de grande parte da banca nacionalizada. As

«Caixas de Crédito» são cooperativas do quinto tipo, na classificação sergiana, tendo como finalidade indirecta «eliminarem o lucro do banqueiro ou do usurário» e dos intermediários do crédito. No âmbito destes princípios, abraça o mutualismo agrícola desde 1977, dando grande impulso, juntamente com os Drs. Diogo Sebastiana e Ferreira da Costa, às Caixas de Crédito Mútuo em todo o território nacional.Em 1980 existiam 170 Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, e em 1995 atingiam mais de 300 em pleno funcionamento, mobilizando quase 50.000 associados, constituindo um grupo bancário nacional apreciável, e cobrindo quase todos os concelhos. Em 1978 foram constituídas as Sociedades Cooperativas do 2° grau: UNIÃO, do Algarve (UNICAMA), Federação Nacional (FENACAM)

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e Federação Regional do Centro (FERBEC). Em 1980 surgiram as UNIÕES do distrito de Aveiro, Beira Alta e Açores para coordenar e desenvolver as dezenas de Cooperativas de Crédito já constituídas.Nota: 1 DIOGO SEBASTIÃO, Boletim da LPM 19802 MORAIS, 1995, p. 61

Organizou-se depois uma Federação Nacional do Crédito Agrícola Mútuo, que agrupou as associações de cada concelho. Dom Duarte foi Presidente da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Nelas, anos depois, da Federação e finalmente membro do Conselho da CONFAGRI (Confederação Nacional das Cooperativas do Crédito Agrícola). «Não é nada de novo», esclarece. «A filosofia do sistema era simples e pretendeu recuperar a velha tradição mutualista de Portugal. O mutualismo português começou no reinado de D. Sebastião... Os ”celeiros comuns” do século XVI, em que o crédito não era resgatado a um juro superior a 5%, são de facto os antepassados das Caixas Mútuas (de Seguros, de Gado, de Pesca), desenvolvidas no século XIX por D. Pedro V. É nesta linha que se inscreve o pensamento de António Sérgio, de que há muitos anos me considero discípulo», reconhece.Nota: GONZAGA, 1995, p. 59

Em António Sérgio hauriu Dom Duarte o ideal do cooperativismo. «Também já disse muitíssimas vezes que todo o pensamento mutualista me influencia a mim profundamente e que, nesse particular, me sinto bem próximo de António Sérgio...» Já depois do 25 de Abril, é Mário Soares, outro herdeiro da tradição sergiana, quem cria o Instituto de Cooperativismo. À sua frente é colocado um distinto são-tomense, o Prof. Fernando Ferreira da Costa. Para eles, «O cooperativismo é o sistema que melhor corresponde à sensibilidade do povo português. Também aqui vamos na vanguarda...».Nota: MORAIS, 1995, p. 63

Nota: MORAIS, 1995, p. 62Os contactos são úteis e constantes. «No fundo, trata-se de substituir o comunismo material pelo espírito cristão da solidariedade». Perante as nacionalizações bancárias e as colectivizações fundiárias que se seguiram ao 25 de Abril de 1974, o mutualismo agrícola conquista a adesão entusiasta de milhares de agricultores. «Andei de reunião em reunião, a explicar as vantagens, e em pouco tempo já éramos uma força. A Caixa central funciona agora como um verdadeiro banco, que faz respeitar o sigilo e não deixa os seus créditos por

mãos alheias; e os sócios sabem que o dinheiro que lá põem se destina a apoiar os próprios agricultores, numa modalidade que, ao contrário do que sucede na banca nacionalizada e nos bancos de concorrência comercial, não visa a exploração ou a usura, mas sim a entreajuda.»

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A promoção dos méritos das organizações mutualistas, para além das «Caixas Agrícolas Mútuas», encontra-o sempre pronto a «sair a estacada». «O êxito foi enorme - a ponto de a ideia ter sido alargada ao cooperativismo de consumo de produtos alimentares, já em prática em algumas empresas e institucionalizada numa cooperativa que funciona junto da Misericórdia de Viseu (a UDACA). E não resiste a comentar: «É a forma mais prática de valorizar a nossa produção agrícola e de manter um circuito interno de alimentos a baixo custo. E é também o contrário do que vemos nesses grandes hipermercados, onde a cada canto se tropeça em produtos importados do estrangeiro. A nossa agricultura e a nossa indústria estão de rastos, mas muitos portugueses nem sequer se lembram de que podem ajudar a vencer a crise - comprando apenas produtos nacionais!»

Ambiente e OrdenamentoCausa «paralela» à da agricultura é a do ordenamento do território. Nisto é um «cruzado» que persegue os «infiéis» destruidores do ambiente e do ordenamento. De Agronomia ficou-lhe na alma a mesma fibra que em Portugal criou Ribeiro Telles, Caldeira Cabral, Nuno Portas e outros. Sócio militante, há quarenta anos, da Liga para a Protecção da Natureza, propaga os modelos europeus: a reciclagem do papel (timidamente iniciada, nos anos 90, entre nós), o aproveitamento dos vidros em detrimento do uso dos plásticos, a economia das energias, os métodos tradicionais de construção. A energia nuclear «horroriza-o»; o fim da caça, «essa actividade ecológica por excelência», deixa-o indignado. «Confesso que não tenho uma visão conspirativa da História», diz, «mas às vezes parece que é de propósito que se destrói o nosso património, a nossa tradição, a nossa cultura.»Após o 25 de Abril, surgiu uma política de ordenamento. Ribeiro Telles cria a Reserva Agrícola Nacional e a Reserva Ecológica Nacional. Na Secretaria de Estado do Ambiente e no Ministério do Ambiente, as tarefas são urgentes: defender e enriquecer as potencialidades do espaço e a diversidade biológica; regularizar a flexibilidade do processo vital e dos outros fenómenos naturais; promover a instalação das comunidades humanas no território, em condições de dignidade e segurança. Dom Duarte torna-se conhecido como promotor da defesa do ambiente: «O ordenamento do território não deve ser a sobreposição de diferentes interesses nem a compatibilização entre sectores: pelo contrário, deverá realizar a síntese dos sistemas de vida e garantir a defesa dos valores e potencialidades de que depende a perenidade dos recursos vivos e o desenvolvimento da cultura.

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Temos de desenvolver condições para resolver as carências das populações que temos e não para aquelas que imaginamos ter.»Nota: Mensagem de 1199

No I Governo Constitucional, o secretário de estado do Ambiente Manuel Gomes Guerreiro, apesar da contestação dos tecnocratas, reorganiza o Departamento, alargando-o ao Ordenamento do Território. São pontos que o «agrónomo Duarte» percebe: «A substituição dos sistemas tradicionais de uso da terra pela agroquímica e monoculturas extensivas florestais, incentivadas pela política agrária, em nome da CEE, conduziu ao despovoamento dos campos e serras do interior; à degradação da qualidade da água devido aos produtos químicos provenientes da agricultura intensiva; à erosão do solo; à concentração excessiva de nitratos e outros elementos tóxicos nas águas de superfície e subterrâneas, provenientes dos resíduos das explorações de pecuária intensiva que excedem a capacidade de absorção do solo e da vegetação».Nota: MENDES, 1995, p. 86

O ordenamento é instrumento da identidade cultural dos povos e da independência política dos Estados: «O desequilíbrio ecológico, a degradação social, a decadência estética, a saturação demográfica das metrópoles e dormitórios, o despovoamento dos campos e serras, a destruição da memória e das culturas e a desertificação não podem ser travadas por visões sectoriais e economicistas do desenvolvimento regional, porque desconhecem a essência dos diferentes elementos vivos constituintes do território, a complexidade do seu relacionamento, a evolução das suas formas e o funcionamento dos sistemas ecológicos em que se integram.Nota: Mensagem de 1999

SolidariedadeHá muitos teóricos a explicar as causas da pobreza e da exclusão social. Para Dom Duarte, os marginalizados não podem ficar à espera de debates e teorias; têm necessidade de serem servidos; não podem esperar por uma solução perfeita; têm necessidade de solidariedade efectiva e de ver restituída a sua dignidade de homens e mulheres livres: «O sofrimento de muitos confrontado com o desperdício de uns quantos, a insensibilidade de opressores desrespeitando a essência humana de oprimidos, a prioridade material a sobrepor-se ao respeito pelo indivíduo, o esquecimento, a marginalização e a injustiça são apenas algumas motivações convidativas a procedimentos extremos a que o mundo está sujeito. É por

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isso indispensável encontrar novos modelos de desenvolvimento que diminuam as assimetrias, porque não é sustentável tantos milhões de pessoas viverem em escandalosa pobreza ou sob desesperante opressão.»Nota: Mensagem de 2001

Dom Duarte foi educado pelos pais conforme a Doutrina Social da Igreja, no sentido de cuidar dos que sofrem. Em criança, com os pais, irmãos e outras pessoas, visitava famílias pobres e acampamentos de ciganos na região de Coimbrões ou em Gaia, levando sempre um auxílio. Mais tarde, desde os tempos em que foi aluno do Colégio Militar, participou em campanhas de solidariedade e colaborou com a Conferência de São Vicente de Paulo. E após o serviço militar participou em Angola em programas voluntários de desenvolvimento das comunidades rurais africanas. Logo após a invasão indonésia de Timor, estava em

Dezembro de 1975 com refugiados no Vale do Jamor. Foi o início de uma campanha a favor dos direitos humanos e políticos do povo timorense, que veio a ter o seu ponto alto na campanha «Timor 87 - Vamos Ajudar».Grande parte da sua acção de solidariedade social decorre, hoje em dia, no âmbito da Fundação D. Manuel II, resultante da herança da rainha D. Augusta Vitória. Em Lisboa, a Fundação’ cedeu terreno no valor de 5 milhões de euros ao Instituto de Surdos-Mudos da Imaculada Conceição, para construir uma Casa de Acolhimento para crianças carenciadas e deficientes. Concede ainda subsídios anuais ao Banco Alimentar contra a Fome, aos Albergues Nocturnos de Lisboa, à Residência de Idosos de Campolide, à Casa de Protecção de Mães Solteiras de Santo António, ao Lar da Freguesia de Nossa Senhora das Mercês.Para os países e territórios lusófonos têm sido enviados donativos constantes. Para Cabinda, uma tipografia e 10 contentores de bens de primeira necessidade, em colaboração com a diocese de Évora. Para a diocese de Luanda, uma biblioteca e donativos vários. Os municípios de Porto Amélia e Maputo, em Moçambique, receberam bibliotecas. Para diversas paróquias de Goa, foram livros para bibliotecas e escolas de língua portuguesa. Foi reaberta a Misericórdia em Diu, com o apoio da Misericórdia de Lisboa e da Dr.a Maria de Belém. Foi ainda apoiada a recolha de fundos para a construção da Mesquita de Lisboa.Timor tem merecido particular apoio. Durante a ocupação indonésia, Dom Duarte enviou apoio humanitário e equipamento de comunicações à Resistência. Após a libertação, a Fundação conseguiu que fosse oferecido um navio-hospital, comprado ao governo australiano por Eric Hotung, e que transportou refugiados e esteve disponível para fins assistenciais. As dioceses de Dili e Baucau têm recebido apoio periódico, no valor de 750 mil euros, e bibliotecas. Criou-se a

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«Gráfica Diocesana de Baucau», com moderno equipamento offset, comprado com apoio de 75 mil euros doados pelas Reais Associações e transportado pela Marinha Portuguesa.A Madre Teresa de Calcutá disse uma vez: «Enquanto continuais a discutir sobre as causas e as explicações [da pobreza], ajoelhar-me-ei ao lado dos mais pobres entre os pobres e atenderei às suas necessidades». É um exemplo que Dom Duarte tem presente. E quem o conhece, fica a saber do seu entusiasmo pela participação e exortação a tarefas de solidariedade para com todos os países, religiões e etnias. Preocupa-se com a integração das comunidades imigrantes no nosso país, sejam elas africanas, brasileiras ou ciganas. Dois dias depois do mediatizado incidente de Carcavelos de Junho de 2005, estava com a Ordem de Malta, a visitar a Associação Guineense de Solidariedade Social, em Cheias, um dos bairros da Grande Lisboa com problemas de criminalidade. Lembrou que é muito importante o apoio de instituições como esta, dirigida pelo Dr. Fernando Ka, na educação da terceira geração de imigrantes. «Todos os cidadãos deviam ajudar estes jovens, seja por solidariedade, seja por prudência».Nota: Reportagem Correio da Manhã, 14 de Junho de 2005; Mensagem de 2005

JuventudeNuma das viagens de Dom Duarte a Inglaterra, o príncipe Filipe sugeriu-lhe que trouxesse para Portugal o Duke of Edinburgh’s Award. Trata-se de um programa de actividades lançado em Inglaterra em 1956, pelo príncipe Filipe, o Dr. Kurt Hahn (1886-1974),

fundador do sistema educativo «Outward Bound», e por Lord Hunt (1910-1998), o planeador da conquista do Evereste com Sir Edmund Hillary e o sherpa Tenzing Norgay. Portugal tornou-se o primeiro país fora da Commonwealth a ter este programa, e Dom Duarte, o patrono da versão portuguesa com o nome de Prémio Infante D. Henrique. Natural do Porto, o Infante tinha por lema «Talant de Bien Faire» - «Desejo de bem proceder» e «talento para realizar».O Prémio é um programa de desenvolvimento pessoal para jovens dos 14 aos25 anos. São propostas actividades voluntárias e não competitivas, que valorizam a ocupação, o mérito, a dedicação, a motivação, a autoconfiança e perseverança dos jovens. Bem considerado internacionalmente, abrange actividades de serviço à comunidade, talentos pessoais, actividades físicas e espírito de aventura.

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Com a ajuda prestimosa de personalidades como o Eng. Aníbal Miranda, Alcino Cardoso e outros, Dom Duarte cria a Associação Prémio Infante D. Henrique, da qual fica Presidente de Honra. Do Porto em 1987, leva o programa para todo o país.A preocupação com a educação para além dos programas escolares começou a manifestar-se quando Dom Duarte ainda era estudante. «Logo que fomos para o liceu», conta hoje, «eu e o meu irmão Miguel ficámos com a ideia de que os adultos não queriam abrir mão do conhecimento que detinham, e aque por isso nos submergiam naquela carga de material inútil que tínhamos de decorar! Depois, a passagem dos anos, a observação e o estudo confirmaram-me alguns dos piores receios em relação a nossa educação. Se comparar os programas de estudo portugueses com os dos outros países europeus, verifica que ali se formam os jovens para a vida, e que cá se aprende uma teoria totalmente desligada das realidades. Logo desde a primária. As crianças passam a vida a decorar matérias, mas não sabem reconhecer um pássaro ou uma árvore. É que não se faz um esforço para ensinar o raciocínio lógico».Nota: MORAIS, 1995, p. 82

Para apoiar o Prémio, tem realizado viagens pelo país, assinaturas de protocolos com o Governo e Autarquias, entregas de prémios aos jovens, e actividades para angariação de fundos. Participou em encontros internacionais na Austrália, na Nova Zelândia e em Inglaterra. Em Maio de 1993, estudou em Pequim a extensão deste programa às associações de juventude chinesas nos territórios vizinhos de Macau, onde também recolhe fundos.A educação informal é essencial; o currículo académico já não é suficiente, caso não seja acompanhado de uma formação paralela de cidadania: «As actuais políticas de Educação deviam ter consciência do trabalho que o Prémio desenvolve em benefício de uma juventude actual, futuros líderes de amanhã. Custa verificar que o Prémio é o único programa existente a nível nacional que reconhece os jovens por aquilo que eles fazem.»O Prémio propicia à juventude formação paralela, com experiências de vida, de serviço comunitário e de aquisição de experiências profissionais. Aposta na formação dos jovens, tornando-os cidadãos mais preocupados, participativos e tolerantes. «Como sempre assinalei, Portugal continua a precisar de uma educação orientada por valores, que reforce e não enfraqueça o sentido de pertença e de identidade nacional, na qual a língua portuguesa e a história de Portugal são matérias fundamentais.»Nota: Mensagem de 2004

Conhecendo estas potencialidades, as Câmaras

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Municipais desenvolvem núcleos da Associação para operacionalizar a iniciativa, para recepção de candidaturas e desenvolver as actividades, nomeadamente a promoção do Prémio em escolas, universidades públicas e privadas, e instituições e associações de jovens.Em Setembro de 2003, após um protocolo entre a Câmara Municipal do Porto e a Associação Prémio D. Henrique, foram entregues medalhas nacionais aos jovens participantes no Prémio. Segundo Rui Rio, trata-se da defesa «dos valores-base da sociedade».Nota: Diário de Notícias, 16 de Setembro de 2003

Em Março de 2005, constata-se que o Prémio já beneficiou 5600 jovens. Afirma Miguel Horta e Costa, actual presidente da Direcção do Prémio Infante D. Henrique: «O que me atrai no prémio é o facto de ele envolver uma grande aposta na gente nova. É uma luz que surge na luta por uma geração mais sólida em termos ideais.»

PatrimónioO Príncipe Carlos de Inglaterra declarou uma vez que «a Luftwaffe não fez tanto mal a Londres quanto a arquitectura modernista». A afirmação poderá ser exagerada. Mas exagerado também, segundo Dom Duarte, é o desrespeito pela harmonia urbana e arquitectónica, com a conivência do Estado. «Veja o exemplo do Príncipe Carlos, que com a sua grande participação nos debates públicos tanto contribuiu para alertar os Ingleses para os perigos da destruição do património.»No modo como fala da luta pela preservação do património cultural e dos bens naturais e arquitectónicos que ajudaram a formar a consciência portuguesa, há bastante amargura e revolta: «O Estado português mantém em vigor cobertura a uma legislação hostil que só contribui para a destruição do nosso património. Mas esse mesmíssimo Estado não hesita em dar cobertura a mamarrachos urbanos chocantese aberrantes, que custam ao Povo e ao erário público autênticas fortunas.»Dom Duarte critica os «atentados arquitectónicos» em muitas localidades do país e faz-se eco do mal-estar de populações e autarcas perante obras «surreais»: as construções junto aos castelos de Monção e de Castelo Rodrigo; os edifícios em forma de paralelepípedos, dentro das muralhas de Sagres; a esplanada de cimento em frente do Convento de Jesus, em Setúbal; a igreja de Marco de Canaveses que compara a «um edifício de bombeiros». Fala alto. Choca muita gente. A ninguém

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deixa indiferente. «A nova torre em frente à Sé do Porto ou a fortaleza marroquina em frente aos Jerónimos são emblemáticos desta mentalidade, que considera que a nossa geração tem o direito de destruir a harmonia e as perspectivas dos monumentos e paisagens que fazem parte do nosso imaginário colectivo.»Certo é que um pouco por todo o mundo têm surgido escolas alternativas à arquitectura

uniformizante. Como diz um arquitecto, há escolas que se baseiam em modelos regionais. Em Portugal foi Raul Lino quem deu expressão a este movimento. Nas palavras do arquitecto Cornélio da Silva, ele «soube ver e ler em Portugal os ingredientes que mais tarde um grupo de pensadores igualmente viria a identificar sob outras análises, como base de uma vocacionada identidade biológica, geográfica, social e política denominada Integralismo Lusitano.»Dom Duarte sabe que as suas opiniões causam polémica. Mas espera que sejam aceites como uma divergência de critérios e não como uma agressão às instituições de tutela - como o IPPAR - que, nas suas palavras, «têm feito também muito de bom». A sua batalha é contra a uniformização. «Dou um exemplo: estamos todos muito preocupados com a globalização cultural e o lugar da nossa identidade, mas a doutrina oficial do Estado, das Câmaras e das Universidades é que em arquitectura deve ser tudo uniformizado. Não pode haver uma arquitectura minhota ou lisboeta, por exemplo. As Câmaras tentam frequentemente impedir que se faça uma arquitectura regional ou que respeite a nossa cultura e tradição histórica. Trata-se de um contra-senso, pois é um dos traços mais importantes para identificar um Povo.»No plano nacional, Dom Duarte entra em debates, fala aos jornais, vai à televisão. Sempre a defender o que é nosso, ancestral, congénito, português. Cria uma doutrina. «Eu defendo que prestemos atenção ao movimento integralista dos princípios do século XX que defendeu o ”reaportuguesamento” de Portugal, com especial ênfase na arquitectura. Os povos que cultivam os seus próprios valores culturais têm muito mais auto-estima do que os povos que se desprezam a si próprios e que querem copiar tudo lá de fora.»

Comunidades LusófonasO apoio às comunidades portuguesas no mundo, que englobam mais de 4 milhões de luso-descendentes, tem merecido a maior atenção de Dom Duarte. Através da Fundação D. Manuel II e da Portuguese Heritage foundation, de que é vice-presidente a notável luso-americana Manuela da Luz Chaplin, direccionada às comunidades dos EUA e com o apoio de personalidades como a Dr.a Manuela Aguiar, tem desenvolvido múltiplas actividades.

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A Fundação D. Manuel II, constituída em 1966, e de reconhecida «utilidade pública», ajuda os emigrantes portugueses no exterior e os imigrantes angolanos e moçambicanos em Portugal em acções de alojamento, integração, ensino e formação técnica.A Portuguese Heritage Foundation - criada nos Estados Unidos em 1990 - com o apoio de cidadãos americanos e portugueses visa «preservar e disseminar a história e a herança cultural de Portugal e do nosso povo em todo o mundo. A fundação assumirá a responsabilidade de dar a conhecer aos EUA a história da cultura portuguesa, através de exposições, conferências, seminários, publicações e outras iniciativas».Nota: Portugueses, n° 18, Janeiro de 1992

No 5° Centenário dos Descobrimentos organizou uma exposição itinerante, que percorreu vários Estados americanos, sobre «Portugal, o espírito das Descobertas, a riqueza da sua herança, a beleza da sua terra e do seu povo».História e «Revolução Cultural»«Porque é que havemos de destruir as nossas raízes culturais para dar prazer a meia dúzia

de intelectuais convencidos de que são génios? O país tem de se revoltar contra isso, tem de haver uma revolução cultural. Se nós desprezarmos o nosso passado e a nossa identidade cultural, estamos a desprezar-nos a nós próprios. E é contra essa atitude que a televisão e os manuais escolares deveriam trabalhar.»Nota: Entrevista a Magazine, Abril de 2006

Em dezenas de entrevistas, Dom Duarte tem transmitido a sua avaliação da educação em Portugal como «demasiado ideológica e pouco prática», a começar pelo ensino da História. «Todos os povos tentam transmitir, pela História, os valores de uma identidade nacional. E numa antiga Nação como Portugal, mesmo o mais pobre de entre nós nasce rico - de uma língua, de uma História, de uma cultura.»Nota: Entrevista a Expresso, 6 de Novembro de 2004

Refere que «faltam programas alternativos e adaptados a grupos culturais específicos, como os filhos de ciganos ou de imigrantes africanos que falam mal português». O resultado perpetua o baixo nível socioeconómico de determinadas famílias. O mesmo problema volta sempre ao de cima: «Portugal coloca as ideologias à frente das realidades, inclusive na área educativa, e considera-se que se a realidade não corresponde às ideologias é a primeira que está errada».Nota: Entrevista a Ensino Magazine, 2005.

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O ensino da História de Portugal deve transmitir uma identificação com a comunidade nacional, mas sem os preceitos nacionalistas maquiavélicos.Nota: ALBUQUERQUE, 1974

Os conceitos de «interesse nacional» e de «Razão de Estado» não lhe interessam muito porque uma nação também é uma pessoa moral; pode agir bem ou mal, a favor ou contra a lei natural e os direitos humanos. Por isso Dom Duarte repudia a visão fascista de «que o Estado tem sempre razão». Como cristão, só concebe a perfeição como algo de divino; como patriota e democrata nunca esquece que a grandeza nacional é assombrada por crimes por ordem do Estado. Contra essas sombras, cada nação precisa de «um Estado em que o culto ancestral da Independência não se esgota nas fronteiras do egoísmo nacional, porque é exigência de serviço à humanidade».Nota: Mensagem de 1981

Em 1990, Dom Duarte dirigiu ao Prof. Harold Johnson, da Universidade da Virgínia, uma carta sobre um livro de Sir Peter Russell que menosprezara a personalidade e o papel do Infante Dom Henrique, algo que os Portugueses já conhecem desde Duarte Leite:Nota: Prince Henry ’the Navigator’; A ”Life, New Haven, Yale University PressNota: Tradução de carta in http://www.people.virginia.edu/~hbj8n/storm.pdf

«No passado de todas as nações existiram graves pecados colectivos de que nos devemos arrepender. A escravatura foi um destes crimes, tal como o foi a expulsão de Portugal dos Jesuítas e de outras ordens religiosas que educavam e protegiam os povos colonizados com a competência e a dedicação que até hoje, nenhum governo, colonial ou independente,

igualou. A conversão obrigatória dos portugueses de fé judaica e a expulsão dos não conversos foi outro crime com graves consequências culturais e morais, tal como outros actos de justiça e injustiça. Mas as descobertas iniciadas pelo príncipe Henrique, o Navegador, foram, provavelmente, o evento histórico que mais contribuiu para o progresso humano, ao permitir o encontro de culturas e a expansão dos ensinamentos de Cristo no mundo. Hoje, quando a comunidade internacional condena algumas nações por violação dos direitos humanos, de facto está a condenar o desrespeito por princípios cristãos mesmo que o não queira admitir...»Para além dos conhecimentos de história universal, Dom Duarte tem ainda uma paixão pelo lado esotérico. Na sua biblioteca acumulam-se as publicações sobre os mitos fundacionais em que assenta a nação portuguesa. As designadas «aparições» de Jesus Cristo na Batalha de Ourique, o culto do Espírito Santo e o Quinto Império, Nossa Senhora de Fátima são temas que o apaixonam, pois atribuem a Portugal a missão de transmitir ao mundo a mensagem do Cristianismo; preservam a memória colectiva e estimulam à acção. Esta é a justificação espiritual dos Descobrimentos e a razão para a existência independente de Portugal.

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Conhecedor dos estudos de Luiz Filipe Thomaz sobre as tradições fiorita, franciscanas e pacifistas do Quinto Império, diz Dom Duarte: «A tradição do Quinto Império era a de que ele ia realizar-se quando terminasse o Império político português. Ora, esse império terminou com a independência de Timor e o dia da independência foi o Domingo de Pentecostes, o que traz algo de sobrenatural à data. Eu sempre acreditei que a influência portuguesa no mundo podia ajudar ao espírito de unidade universal e de harmonia entre os povos.»Nota: Entrevista a Magazine, Abril de 2006

As novas tecnologias permitem uma difusão da História de Portugal. Escreveu Marco Ramerini: «Anywhere on the coasts of Asia, America and Africa you can find a fort, a church, a geographical name or a family name, that comes from Portugal. These are the remains of the first European country that explored the world in search of spices and souls.»Nota: http://www.colonialvoyage.com/

Afirma Dom Duarte: «Matriz desta cultura portuguesa é a língua, hoje falada por duas centenas de milhões de pessoas espalhadas pelo mundo - e por isso mesmo uma das mais faladas a nível mundial - e adoptada por vários países, como língua oficial, desde a América à Oceania, passando pela África. Esta comunidade linguística representa para nós fronteiras culturais, que devem mobilizar a nossa atenção e as nossas capacidades, e constitui um desafio político importante.»Nota: Mensagem de 2002

A expansão da língua portuguesa é um factor de diálogo entre povos do Atlântico, de África, da Ásia e da Oceania. «Numa época em que o inglês acompanha na sua expressão o ritmo de avanço das novas tecnologias, num momento em que o espanhol se estende no mundo, muito para além das suas fronteiras históricas, e em que o francês procura recuperar

perdas, em espaços novos, terreno para a sua implantação, importa que os Angolanos, Brasileiros, Cabo-Verdianos, Guineenses, Moçambicanos, Portugueses e São-Tomenses se empenhem, em conjunto, na preservação e no enriquecimento do seu primeiro património comum que é a Língua Portuguesa.»Nota: Mensagem de 1994

Perante os riscos de «dissolução» da identidade nacional por poderosos interesses financeiros, Dom Duarte só vê porto seguro na Monarquia, em que o Rei «simboliza a face humana da Nação e assegura a independência e a preservação dos valores permanentes de Portugal». É nestas causas comuns que a Família Real se encontra particularmente bem colocada para ter intervenção. Deste ponto de vista, «a Monarquia, estando ancorada na nossa História e na nossa alma, é o sistema que melhor pode presidir a república dos portugueses. E é, por isso mesmo, a instituição mais ecológica que o homem pode conceber».Nota: MORAIS, 1995, p. 83

Nota de digitalização: As legendas abaixo referiam-se a imagens publicadas neste livro que, obviamente, não foram digitalizadas.

Gravura alemã sobre a Restauração e início da dinastia de Bragança. (A) Os conjurados matam Miguel de Vasconcelos; (B) D. João aplaudido pelo povo de Lisboa; (C) Aclamação do rei, com a mão sobre os Evangelhos; (D) Coroação, tendo o Condestável o estoque na mão. Conforme as Cortes de 1641, «o poder régio dos Reis está originalmente nos Povos e Repúblicas; e que deles o recebem imediatamente».

D. Manuel II profere o Discurso da Coroa na Abertura das Cortes em Maio de 1908. No último Parlamento da 4ª dinastia, os Partidos Monárquicos irão eleger 126 deputados, e o Partido Republicano os restantes 14 lugares, apenas 10% do total.

A 4ª DINASTIAD. Miguel (II) de Bragança, avô paterno de Dom Duarte, abdicou em 1921 em Dom Duarte Nuno.

O assassinato de D. Carlos e D. Luís Filipe em 1 de Fevereiro de 1908 resultou de uma conjura da Carbonária que serviu os intentos do Partido Republicano contra o regime.

D. Manuel II, ainda ferido no braço, e a rainha D. Amélia, dias após o regicídio.

D. Pedro de Alcântara de Orleans e Bragança, avô materno de Dom Duarte, e Príncipe Imperial do Brasil.

MOVIMENTOSOs fundadores do Integralismo Lusitano. Sentados (da esquerda para a direita): António Sardinha, Vasco de Carvalho, Afonso Lucas, Xavier Cordeiro e Alberto Monsaraz. Em pé (da esquerda para a direita): Rui Ulrich, Hipólito Raposo, Almeida Braga e Pequito Rebelo.

Grupo de monárquicos em 1951 quando se dá a ruptura com a Causa Monárquica. Sentados

Vasco de Carvalho, Pinto de Mesquita, Hipólito Raposo e Pequito Rebelo. 1ª fila de pé: (1°) Portugal da Silveira; (6°) Leão Ramos Ascenção; (8°) José Vaz Pinto; (9°) Domingos Megre; (10.°) João Camossa; (12°) Afonso Botelho; (14°) Fernando Vaz Pinto; (17°) Gonçalo Ribeiro Telles. 2ª fila de pé: (6°) Renato Pinto Soares; (7°) Gastão Cunha Ferreira.

Henrique Paiva Couceiro, soldado de África, governador de Angola, comandante militar das incursões monárquicas em 1911-12 e 1919, exilado por Salazar em 1937, representa a oposição monárquica às duas Repúblicas.

Candidatura presidencial de Humberto Delgado - 10 de Maio de 1958, Café «Chave de Ouro», Lisboa. Monárquicos são Vieira de Almeida, de pé, Presidente da Comissão Central da Candidatura; Rolão Preto sentado ao lado de Aquilino, e Luís de Almeida Braga, atrás do general. António Sérgio, ”o filósofo da revolução”, foi o homem que chamou os monárquicos.

RECONCILIAÇÃOO casamento de D. Duarte Nuno e D. Maria Francisca de Orleans e Bragança, bisneta do rei D. Pedro IV, a 15 de Outubro de 1942, na Catedral de Petrópolis, completa a reconciliação entre os dois ramos dos Bragança.«Nas primeiras horas da paz...». Assim saudou D. Duarte Nuno o nascimento de Dom Duarte, em Berna, em 8 de Maio de 1945.Nota: Fim das legendas.

5.A DEMOCRACIA PORTUGUESA

«O Príncipe natural tem menos ocasião e menos necessidade de agradar, donde resulta ser mais amado.» Maquiavel

«P.: Foi educado para ser Rei? R.: Fui educado para ser português!»Dom Duarte

Afirmar a república

Em cerimónias recentes do 5 de Outubro, quando as televisões transmitem as comemorações na Câmara Municipal de Lisboa, fica sempre a dúvida se há mais pessoas nos varandins dos Paços do Concelho se na Praça do Município. O ritual comemorativo do regime republicano já nada diz à população; 16 anos de «balbúrdia sanguinolenta» e 48 de ditadura fizeram com que o princípio nunca plebiscitado se esvaísse, sem sangue nem drama.Quando a 1 de Fevereiro de 1908 o rei D. Carlos e o príncipe D. Luís Filipe «morreram pela Pátria, caíram por terra, na pedra batida do Arsenal, dois homens, uma Pátria, o carácter de um povo e um princípio de soberania. Aqueles tiros de espingarda atingiram em cheio o objectivo marcado. Mais do que um rei, mais do que um homem na perfeita e total acepção da palavra, era o carácter de um povo que caía na rua, e com ele um fecundo sistema de aliança e de legitimidade do poder.

Nota: Francisco Sousa Tavares (citação livre)

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Após o 5 de Outubro, os monárquicos dividiram-se entre os que consideravam indispensável ouvir o povo e os que entendiam restaurar a monarquia, de que modo fosse. Para os primeiros, a monarquia tornou-se a conclusão de um raciocínio, a aceitação de um querer nacional; para os outros era uma escolha heróica, quase uma religião. A expressão mais elaborada das teses autoritárias surgiu no «Integralismo Lusitano», nascido da desilusão com o republicanismo parlamentar. Queriam a monarquia para aplicar uma doutrina política e um programa de governo. Em vez do parlamentarismo, sonhavam com a chamada «representação orgânica» formada pelas famílias, os municípios, as corporações, os sindicatos e, no topo, o rei. As preocupações com os «corpos sociais» era inspirada pela Doutrina Social da Igreja. A ideia da monarquia corporativa ou orgânica vinha de Charles Maurras, Maurice Barres e da A_ction Française, condenada em 1924 pelo papa Pio XI.Na década posterior à 1ª Grande Guerra, a república portuguesa esteve «debaixo de fogo»: Afirma Dom Duarte: «Portugal era um país praticamente ”não governado”. Governos que caíam, se faziam e desfaziam; quase ao acaso; governos que, uma vez votados, não conseguiam governar; revoltas de toda a espécie, etc., etc. A decadência social começou a ser imputada ao sistema parlamentar. E daí foi só um passo até se imputarem esses desastres à própria democracia. Surge assim a ideia de que só governos autoritários poderiam ”endireitar as coisas”. E os monárquicos começam a deixar-se seduzir por tal ideia. A monarquia deveria coroar uma regeneração nacional baseada em certas concepções autoritárias.»1Nota: GONZAGA, 1995

António Sardinha, o mais destacado dos integralistas, morre prematuramente em 1924, quando a sua doutrina evoluía, como é patente na colaboração com António Sérgio. Este, monárquico in pectore e socialista, demitira-se da Armada em 6 de Outubro de 1910. Em 1923 lançara, com António Sardinha, a revista Homens Livres. Colaboravam Bettencourt Rodrigues, Celestino da Costa, Hipólito Raposo, Augusto da Costa, Aquilino Ribeiro, Castelo Branco Chaves, Raul Proença e Câmara Reis. Sairão apenas dois números. Diz Sérgio: «Façam abstracção, por exemplo, da questão do rei e de algumas poucas ideias-sentimentos e verão que quase todas as teses concretas, de organização social, dos integralistas, se harmonizam perfeitamente com as do grupo Seara Nova.» Quais eram essas teses concretas? «Uns e outros são anticonservadores; uns e outros são radicais; uns e outros, regionalistas; uns e outros defendem a criação de uma assembleia representativa das classes e categorias sociais e intelectuais (com a diferença de que os primeiros só desejam essa e os segundos a combinam com um parlamento

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político); uns e outros atacam a plutocracia da sociedade portuguesa; uns e outros querem uma educação primária trabalhista e regional, etc.»Nota: Entrevista ao Diário de Lisboa, Dezembro de 1923.

Para Dom Duarte, o pensamento integralista e o pensamento monárquico divergiram

definitivamente quando a doutrina integralista foi em grande parte absorvida pela doutrina do Estado Novo. «A doutrina do Estado Novo, formulada por Salazar, afastava-se da pureza do integralismo. Correspondeu, no fundo, a um compromisso entre várias grandes correntes desavindas do espectro político português: monárquicos e republicanos; católicos e não católicos. Nesse compromisso foram sacrificadas a monarquia e a democracia. Para os republicanos, a mensagem terá sido ”conserva-se a república. Para os monárquicos ”vamos pôr em prática boa parte das vossas ideias, as ideias do integralismo. Os republicanos ficavam com uma república... mas sem a democracia; os integralistas ficavam com um estado autoritário... mas sem a monarquia nem a representação orgânica genuína. Estes aspectos têm sido referidos: não estou a dizer nada de novo.»Nota: GONZAGA, 1995, p. 43; CARDOSO, 1987; HENRIQUES, et al, 1987

Fazendo convergir todas as correntes políticas, com excepção do Partido Democrático, o 28 de Maio assimilou provisoriamente a maioria dos monárquicos. Nos que se mantiveram independentes acentuou-se a tendência radical. Diz Dom Duarte: «Não vou fazer aqui a história (nem era possível na dimensão destas conversas) de todas as reacções monárquicas contra o Estado Novo. De como Paiva Couceiro e outros grandes monárquicos chegaram a ser presos. De como outras forças monárquicas se manifestaram sistematicamente hostis ao Estado Novo».Nota: GONZAGA, 1995, p. 44

O 28 de Maio começou sem outra ideologia que não a da Ditadura. E quando Salazar está preparado para a criar com o apoio da Causa, morre inesperadamente D. Manuel II, a 2 de Julho de 1932. Salazar decreta funerais nacionais e pronunciará em 23 de Novembro um elogio fúnebre do rei - «Levou-o a morte sem descendentes nem sucessor» - no qual alguns quiseram ver um prenúncio da restauração. Na realidade, era o «enterro da monarquia» dentro da União Nacional: «Fora da União Nacional não reconhecemos partidos. Dentro dela não admitimos grupos». A atitude de Salazar foi pragmática: considerava que os dirigentes da Causa Monárquica não tinham provas dadas; as suas palavras: «...a essa mística da virtude expressiva da superioridade essencial da forma republicana não está oposta uma forte corrente doutrinária» são muito semelhantes às de Fernando Pessoa, também ele monárquico, mas descrente da capacidade organizativa dos monárquicos.

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Sobre o tema escreveu Dom Duarte: «Sem qualquer cinismo, (que é dos sentimentos que penso não ter), não posso deixar de fazer alguma comparação entre esse elogio fúnebre de D. Manuel II e as palavras que Salazar escreve na morte de Humberto Delgado. Penso, pelo contrário, que as magníficas palavras ditas acerca de D. Manuel... significaram, sibilinamente, que a ideia de restauração ”estava arquivada... Enfim: fechemos este parêntesis. A verdade é que a doutrina monárquica cristalizou durante meio século. Deixou-se, portanto, que durante meio século os portugueses associassem a monarquia ao autoritarismo.Nota: GONZAGA, 1995, p. 44

A ditadura apagou a memória da monarquia constitucional, essa longa preparação da democracia entre 1834 e 1910. Da história escolar de Portugal desaparecia o período entre

o Absolutismo e a I República. Tudo entre 1834 e 1926 era representado como uma época de desordens, o «diabo à solta», a «revolução portuguesa», segundo a fórmula de Jesus Pabón.2 Afirma Dom Duarte: «Esta é a razão profunda pela qual muitos portugueses continuaram, até hoje, a associar a ideia de monarquia com a de autoritarismo e antidemocraticidade. Na verdade, o que estão é a parar o filme” na primeira metade do século. Que assistiu a uma grande manifestação de vitalidade do pensamento monárquico. Cuja formulação foi hoje ultrapassada pela História.»Nota: PABÓN, 1934

Continua Dom Duarte: «O que é oportuno sublinhar é que muitos monárquicos desde logo perceberam que o Estado Novo tinha vibrado um golpe tremendo na causa da monarquia em Portugal, retirando-lhe a doutrina e deixando-a, por assim dizer, ideologicamente desarmada. Houve muitas reacções monárquicas contra o Estado Novo. O primeiro exilado político é Henrique de Paiva Couceiro e outros grandes monárquicos chegaram a ser presos. Quando Paiva Couceiro foi preso, aos monárquicos só restava reclamarem o seu direito a também... serem perseguidos. Como sucedeu nesta fase a Hipólito Raposo, Rolão Preto, Alberto de Monsaraz e outros.»Nota: GONZAGA, 1995

Lançado em Fevereiro de 1932, o movimento do nacional-sindicalismo tinha origens integralistas e era virtualmente monárquico. Em Fevereiro de 1933, após o Comício-Jantar do Parque Eduardo VII, Salazar decide liquidar os «Camisas Azuis». Após enviar uma «exposição» ao presidente Carmona, é preso, a 10 de Junho, o «chefe do nacional-sindicalismo» Rolão Preto, na sua casa na Beira, como descreve em «Protesto» a Salazar de 10 de Julho de 1934. Os Camisas Azuis serão extintos em 29 de Julho e Rolão Preto exilado juntamente com Alberto de

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Monsaraz. Regressado em 1935, envolvem-se na revolta de 9 de Setembro na Penha de França que aglutina diversos monárquicos e esquerdistas, uma combinatória repetida em 1959.Nota: MONTEIRO, 2006, pp. 152, 157-159 e 162-165; MALTEZ, 2005, vol II, p. 386

Por essa altura, Paiva Couceiro protesta em carta aberta escrita ao capitão Mário Pessoa, contra cobiças estrangeiras que pairavam sobre Angola. Será desterrado por seis meses. Em 3 de Novembro de 1937 interpela directamente Salazar, tal como Rolão Preto «ao abrigo do n° 18 art° 8° da Constituição vigente». «Está em perigo a integridade nacional» não só porque Angola pode cair em mãos estrangeiras, mas porque o Governo não faz obra de fomento e «não é com o livro das contas que os Impérios se sustentam: venha para o ar livre, e ponha o ouvido à escuta, a ver se ouve, lá das profundezas da História, a voz do Portugal verdadeiro». Desapoiado pelo lugar-tenente do rei, Paiva Couceiro é exilado para Espanha. O general Franco desterra-o para Santa Cruz de Tenerife durante dois anos. Aí escreve o seu livro Profissão de Fé sobre as vantagens da monarquia e com a crítica ao salazarismo. A 29 de Junho de 1938, um numeroso grupo de monárquicos apresenta ao presidente Carmona a necessidade de pôr fim ao exílio de Couceiro. Não obtém qualquer resposta. Regressado a Portugal, buscam aliciá-lo para apoiar o Estado Novo, na sua

modesta residência de Santo Amaro de Oeiras. A tudo resiste, confessando, antes de falecer a 11 de Fevereiro de 1944: «Não sabem o trabalho que eu tive para permanecer pobre.»A atitude varonil de Couceiro determinou vários sectores de opinião genuinamente monárquica a afastarem-se de Salazar. Foi uma atitude renovada após o debate clarificador sobre a chefia de Estado em 1951, nas eleições presidenciais de 1958, na Convergência Monárquica em 1970, e no PPM em 1974. Começam a aparecer as vozes dos que proclamam que a monarquia ou é democrática ou não tem sentido no mundo contemporâneo; que «o rei voltará quando o povo quiser». Contudo, a Guerra Civil de Espanha e a 2ª Guerra Mundial adiam a ruptura dos monárquicos com o Estado Novo porque o país tinha prioridades de sobrevivência.A divisão dos monárquicos mostrava o carácter nacional e abrangente da opção, mas também era uma fraqueza; no fundo, representava o sentimento complexo do povo português perante o Estado Novo. Apercebendo-se destas contradições, Salazar actuou com uma dupla estratégia. Por um lado, manipulou os monárquicos de direita, organizados na Causa Monárquica e com acesso ao poder, satisfazendo a maior parte com promessas, e a alguns com prebendas.Nota: MARTINS, 1948. Escreveu Rocha Martins, monárquico liberal e grão-mestre da Maçonaria, sobre os antigos monárquicos constitucionais: Estavam quase todos dependentes do emprego público, da banca, dos governos. A nobreza mantinha-se no seu pedestal; alguém negociava, mas embrulhava-se nos pergaminhos. Para o povo, um duque ou conde não tinham qualquer significado.

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Por outro lado, perseguiu os oposicionistas monárquicos, que nasciam dos velhos integralistas: Alberto de Monsaraz, Almeida Braga, Hipólito Raposo, Pequito Rebelo, Rolão Preto e Vasco de Carvalho. Escrevem estes então: «Não se mata uma causa por asfixia, nem se pode empreender a regeneração nacional com ambiciosos e com transfugas.»Os descontentes, liberais ou integralistas, opunham-se ao regime em actos cívicos e eleitorais. Em 1949, Vieira de Almeida e Almeida Braga são irradiados da Causa, por intransigentes com o «Estado Novo». Escreve Braga: «Para me declarar monárquico não peço licença ao rei nem aos bobos da corte.» A 8 de Abril de 1950, Hipólito Raposo, Almeida Braga, Pequito Rebelo e Monsaraz, apresentam o documento «Portugal Restaurado pela Monarquia» que veio a ter importante papel na mobilização das jovens gerações.Em contrapartida, os homens da Causa, como Fezas Vital, Cancela de Abreu, Mário de Figueiredo e outros mais salazaristas do que monárquicos, convenciam-se de que estavam a abrir o caminho ao rei. Convictos de que Salazar faria a «restauração», a sua maior oportunidade surgiu com a crise de sucessão do presidente da República, provocada pela doença prolongada e morte do marechal Carmona, a 18 de Abril de 1951. No início de 1951 surge o semanário O Debate, dirigido por Jacinto Ferreira. Apoia o regime, excepto num ponto, expresso por Fezas Vital: «Um Estado cujo representante supremo seja eleito - se é que não, de facto, nomeado - por facções ou partidos, jamais poderá identificar-se com a Nação.» A 24 de Março, um conjunto de deputados monárquicos na Assembleia Nacional em processo de revisão constitucional - Mário Figueiredo, Costa Leite, Soares da Fonseca, João do Amaral e Cancela de Abreu - fazem aprovar uma disposição na Lei n° 2048

segundo a qual «no caso de vagatura da Presidência da República... a Assembleia deliberaria sobre a eleição presidencial». Contra esta posição, Marcello Caetano e Albino dos Reis, entre outros, propõem a 23 de Abril que Salazar suceda a Carmona. Salazar, então presidente da república interino, emite, a 5 de Junho, uma nota oficiosa contra as «manobras monárquicas». A 21 de Julho, é eleito presidente da República o general Craveiro Lopes, candidato da União Nacional. E no 3° Congresso da União Nacional, iniciado a22 de Outubro em Coimbra, Caetano e os seus aliados vencem o debate dentro da União Nacional. Para Caetano, um discípulo do Integralismo, era a ruptura final com a Causa.Nota: CAETANO, 1985

Após a morte da rainha D. Amélia em França, a 25 de Outubro, o Conselho de Ministros decreta funerais; era voz pública que outra vez se tratava de «enterrar

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a monarquia». No 4° Congresso da União Nacional em 1953, os deputados monárquicos são impedidos de retomar «a questão do regime». A Causa pouco mais fez. Além da peregrinação anual a S. Marcos pelo 1° de Dezembro, acabava por dar apoio às listas do regime em vésperas de eleições legislativas, embora em1957 tenha ameaçado concorrer com listas em todos os distritos. Já era tarde. O colaboracionismo tornara-a «...a única causa sem efeito».Nota: GONZAGA, 1995, p. 44

Para Dom Duarte, foi uma armadilha: «Muitos acharam que a aceitação de grande parte da sua doutrina pelo Estado Novo e mesmo a sua consagração na Constituição de 1933, corresponderia a um ”primeiro passo”no caminho da restauração. E aderiram. Passaram, muitos talvez até sem se dar conta, de defensores de uma doutrina monárquica a defensores da doutrina do Estado Novo. Quem se tivesse mantido no estrito plano da defesa da ideia monárquica e da sua reflexão permanente, ou seja, na linha de um trabalho evolutivo de revisão e actualização da doutrina monárquica, teria certamente compreendido que esse caminho não estava certo. Mas muitos homens de bem - (não quero citar nomes, mas penso em vultos destacadíssimos da vida nacional que mantiveram uma fidelidade inabalável à ideia monárquica até ao fim das suas vidas) - não seguiram este caminho. Para eles, Salazar acabaria certamente por ”completar a obra” e substituir a República pela Monarquia.»«É democrática ou não é monarquia!»Nota: Entrevista do Autor a Ribeiro Teles, Ferreira do Amaral e Amaro Monteiro.

Marcada pelas teses da «direita autoritária» na primeira metade do século XX, a movimentação monárquica inflectiu para a oposição após 1951. Além disso, os monárquicos oposicionistas tinham uma posição própria na chamada «questão colonial» e uma posição que vinha de longe, conforme a herança dos grandes africanistas. Diz Dom Duarte: «O movimento republicano (...) conseguiu criar na consciência de uma parte dos portugueses, (penso que não na maioria), a ideia de que a dinastia tinha fraquejado na defesa dos interesses da Nação, designadamente a partir do ultimato. (...) O que muito provavelmente os ingleses não pretendiam é que nós aceitássemos o ultimato! Porque aceitando o ultimato não tinham pretexto (como não tiveram) para atacar Angola e

Moçambique. A partir desta situação, o movimento republicano sustentou que a dinastia de Bragança tinha «traído» ou sido débil na defesa dos interesses da Nação. Aliás, muitos dos

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grandes republicanos vêm mais tarde a reconhecer a extraordinária utilidade da monarquia para as relações internacionais de Portugal! A política de contactos externos ao mais alto nível conduzida por D. Carlos foi notável. Ninguém o pode negar. E esses contactos tinham em mente sempre o propósito ”obsessivo” da defesa da posição portuguesa no Ultramar, brutalmente cobiçada pelas grandes potências!»Nota: GONZAGA, 1995, p. 55

Os monárquicos, católicos e outros dissidentes fundam em 1957 o Movimento dos Monárquicos Independentes. O Centro Nacional de Cultura (CNC), que tivera sede no Largo Trindade Coelho, depois na Rua do Loreto e finalmente na Rua António Maria Cardoso, era o seu fórum. Estar paredes-meias com a sede da PIDE era uma forma paradoxal de garantir reuniões discretas. Sucedem-se as reuniões, a pretexto da revista Cidade Nova, iniciada em 1949, mas que já não se publicava e que tinha sede em Coimbra, embora a maioria dos sócios residisse em Lisboa. Ao movimento aderem Portugal da Silveira e Fernando Amado, que traz grande movimentação cultural ao CNC. Sousa Tavares pontifica na linha política. Em 1958, após grande reunião no Hotel Bragança, é criado o Movimento da Juventude Monárquica onde aparecem Ferreira do Amaral, Luís Coimbra e Alexandre Bettencourt. Na geração mais velha, estão Almeida Monteiro, Quintão Caldeira e Fernando Honrado. O Manifesto Eleitoral, de Outubro, subscrito pelos candidatos à Assembleia Nacional, pelo Círculo de Lisboa, clarifica a concepção democrática do grupo.O Movimento veio a fraccionar-se, reflectindo a diversidade de posições face à Causa. Ribeiro Telles e Sousa Tavares, com Portugal da Silveira, Nuno Vaz Pinto, João Camossa, entre outros, fundaram o Movimento dos Monárquicos Populares. Alinhava com a oposição republicana e com os católicos progressistas, rompendo definitivamente com a Causa. A Liga Popular Monárquica era menos crítica do situacionismo, e dela faziam parte, entre outros, João Vaz Serra e Moura, Fernando Pacheco de Amorim, Pedro Paiva Pessoa, Henrique de Ataíde. A Renovação Portuguesa, com Henrique Barrilaro Ruas, Mário Saraiva e Magalhães e Silva, tinha uma moderada intervenção oposicionista, e lança a «Biblioteca do Pensamento Político», a que se vieram juntar Manoel Galvão, Jacinto Ferreira, Pacheco de Castro e Perry-Vidal, entre outros. Em torno de Jacinto Ferreira prosseguia o grupo do jornal O Debate, equidistante entre Estado Novo e oposição.Os monárquicos oposicionistas apoiarão, em 1958, a candidatura de Humberto Delgado à presidência da República. Numa célebre fotografia tirada em

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10 de Maio de 1958, durante a apresentação da candidatura, no café Chave de Ouro, em Lisboa, vê-se Francisco Vieira de Almeida, de pé, no uso da palavra como presidente da Comissão Central da Candidatura; Francisco Rolão Preto sentado ao lado de Aquilino Ribeiro, e Luís de Almeida Braga atrás do general. Está lá também António Sérgio, o homem que chamou os monárquicos, e a quem Humberto Delgado chamava «o filósofo da

revolução». Foi nessa sessão que a uma pergunta de um jornalista da Reuters sobre o destino de Salazar, se vencido, Humberto Delgado responde: «Obviamente, demito-o!» As razões da adesão monárquica são claras: «A ninguém escapa que o regime é apenas um indivíduo, em fatal declínio, e que tudo se dissolverá com o seu desaparecimento.»Nota: Luís de Almeida Braga, Entrevista ao Diário de Lisboa, 30 de Maio de 1958

Dom Duarte lembra que «nos anos 60 assisti a algumas reuniões do meu Pai, o qual sabia que a PIDE vigiava S. Marcos, em casa da tia Filipa, com opositores do regime, entre os quais António Sérgio e Raul Rego». A movimentação monárquica não escapava à acção da PIDE e da Censura. Como breve ilustração, transcrevem-se algumas ordens da censura. Em 6/4/67 «Exéquias por D. Miguel e D. Adelaide. ELIMINAR os vivas». Coronel Pinheiro; a 13/12/67 «Incorporação do príncipe da Beira nas Forças Armadas» - CORTAR; a 18/5/68 - «Reunião da Liga Popular Monárquica em Macedo de Cavaleiros - CORTAR a designação de «Popular». Tenente Teixeira.Nota: PRÍNCIPE, 1994, pp. 117-121

Os monárquicos democráticos coligavam-se com os republicanos, sendo o aparecimento de listas da Oposição motivo para diatribes de Salazar. Era a época em que interrogava, numa das suas comunicações ao país, se os monárquicos enfiavam «o barrete frígio da República». Consequente na doutrina, a oposição era romântica na acção. Em 11 de Março de 1959 foi abortada a chamada «Revolta da Sé». Embora alguns conjurados se reunissem na Sé de Lisboa, tendo como senha o jornal Novidades debaixo do braço, o sector militar nunca lá esteve. O plano operacional de 11/12 de Março de 1959 foi traçado pelo capitão José Joaquim de Almeida Santos, auxiliado pelo brigadeiro Nuno Vaz Pinto, que depois ficou à margem, e o major João Carlos Robin de Andrade, conotado com o PC no 25 de Abril. O movimento contava com numerosos monárquicos, católicos jocistas- como Manuel Serra (o Manecas das Intentas) - e de outras organizações. Havia monárquicos na parte militar - sobretudo oficiais milicianos na disponibilidade, que se fardaram - e na civil. Sousa Tavares, Amaro Monteiro e Nikias Skapinakis, a prestar serviço militar no Trem Auto, com um total de 80 sargentos e praças, assaltariam Caçadores 5, unidade de confiança do regime. O Comando Distrital

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da Legião Portuguesa, na Calçada da Estrela deveria ser assaltado por um grupo sob o comando do já idoso mas sempre leal capitão Júlio da Costa Pinto.D. Duarte Nuno, a par do movimento de 1959, deu directrizes para a redacção de uma Proclamação a Rolão Preto, Sousa Tavares e Amaro Monteiro. O documento final teve a sua aprovação, com dois pequenos retoques e sob condição de ninguém desconsiderar nem maltratar Salazar e de serem propiciadas retirada e subsistência honrosas ao chefe do governo.Nota: Documentação; Entrevista com Amaro Monteiro

Foi então que teve a ingenuidade de mostrar a Proclamação ao lugar-tenente, «por lealdade e porque ele (general) era um homem de honra e nunca a mostraria a ninguém». Foi um desastre. O general Bénard Guedes informou Salazar e acabou por pressionar D. Duarte Nuno a não assinar o documento na tarde de 16 de Fevereiro. A conspiração seguiu o seu

caminho, mas estava ferida de morte. O major Vasco Gonçalves, da organização militar do PCP, informou que davam apoio intelectual mas que se retiravam do movimento. Após denúncias ainda hoje não apuradas, o 12 de Março verá apenas prisões e fugas. Meses depois de ter estado preso na Trafaria, o capitão Almeida Santos será assassinado pela PIDE, na praia do Guincho.Após a tragédia, o cómico. Um dos muitos conspiradores, esse espírito irreverente que é João Camossa, fez a oposição possível. Já era conhecido por usar jaquetão e calças de fantasia, fatiota restrita por Salazar às tomadas de posse. Levado a julgamento, e instado a retirar a toga de advogado que vestia, João Camossa abriu-a... e declarou que nada mais tinha de seu. O tribunal teve de aceitar. Ficava o desafio. Também ficaram célebres dois episódios por ocasião da invasão de Goa, em 1961. Sousa Tavares, Cunha Ferreira e outros arregimentaram gente em Alfama e Bairro Alto, tomaram de assalto um cacilheiro e desviaram-no para Belém. Já próximo dos Jerónimos desfraldaram bandeiras da Restauração gritando «O pirata do Nehru não é nada para a gente». Noutra ocasião, tomaram conta de um comboio da linha de Cascais. Parando no Estoril, entrou o Sr. Abel, banheiro do Tamariz, que passou a encabeçar a manifestação que terminou com discursos na varanda da Câmara de Cascais.Nas legislativas de 1961 concorreu uma lista de Monárquicos Independentes, pelo Círculo de Lisboa. Após uma reunião à luz das velas, na sede ao Campo Pequeno, onde a Companhia do Gás e Electricidade cortara a energia, é emitido um comunicado grandiloquente, em que os candidatos causticam «o centralismo da soberania e a unificação num todo nacional único, de todo o complexo de Portugal e das Províncias Ultramarinas...» e «o avassalamento da concepção ultramarina do liberal visconde de Sá da Bandeira, à ideia imperialista de domínio». Em

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1965, a lista nem chegou a ser aceite. Ao chegarem ao portão do Governo Civil de Lisboa, os candidatos foram empurrados pela polícia, lá dentro. O portão só se abriu para os candidatos passados cinco minutos da hora limite para a entrega da lista; esta foi «legalmente» recusada.Em 1969, os Monárquicos concorrem às eleições da «primavera política» do Marcelismo. Encabeçada por Barrilaro Ruas, a Comissão Eleitoral Monárquica (CEM) com Fernando Sylvan e Luísa Manoel de Vilhena terá tido perto de 5000 votos, mas aparece com 1300 nas pautas. António de Sousa Lara dirige a Juventude Popular Monárquica em 1969. O Movimento de Monárquicos Populares, com Ribeiro Telles e Sousa Tavares, concorre na CEUD, a convite de Mário Soares. Após as eleições, a Convergência Monárquica reúne todos os movimentos, então dissolvidos, e assim se chegaria a 1974.Diz Dom Duarte: «Em Portugal, a transição para a democracia foi obra da revolução do 25 de Abril e foi preparada do antecedente pelos movimentos oposicionistas, de que os monárquicos eram uma pequena parte. E de recordar que o 3º Congresso da Oposição Democrática de Aveiro teve esse nome depois de os dirigentes da CEM, como o Dr. Barrilaro Ruas, terem chamado a atenção de que o 2º Congresso se chamava «da oposição republicana» com evidente depreciação do contributo monárquico, que já fora muito evidente aquando da candidatura do general Humberto Delgado.» Em 1973 preparava-se a oposição republicana para o seu Congresso em Aveiro. Dias Pereira, que fora governador civil de Coimbra, perguntou a Barrilaro Ruas se a Convergência Monárquica não queria

estar presente; «Como monárquicos, não iriam a um congresso republicano, mas se a designação fosse outra então certamente participariam», foi a resposta. Após conversa com Sottomayor Cárdia, ficou assente que a reunião de Aveiro em Abril, seria o 3º Congresso da Oposição Democrática. A queda da designação «Republicano» era mais do que uma vitória simbólica dos monárquicos.

Após o 25 de Abril

A Revolução de 25 de Abril de 1974 impulsionou o país para a vida democrática. Logo em Maio, a Convergência Monárquica - a par do Partido Socialista, o Partido Comunista, a Sedes e a CDE - é convocada pela Junta de Salvação Nacional, para uma reunião na Cova da Moura. O general Spínola convida-a a organizar-se em partido político. Após debates intensos no Directório Nacional, no prédio do «Franjinhas», na Rua Castilho em Lisboa, fundava-se a 23 de Maio

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de 1974 o PPM - Partido Popular Monárquico. Dom Duarte, tal como outros sectores, considera «pouco lógico» haver um partido que se reclame do nome «monárquico» quando existem muitos mais correlegionários em todos os grandes partidos democráticos como o PSD, o CDS e o PS. Nos pequenos Partido Liberal e Partido do Progresso, Gastão da Cunha Ferreira e Fernando Pacheco de Amorim retomam o espírito «incursionista» que morre no 28 de Setembro. Só depois de provas dadas pelo PPM, Dom Duarte o apoia.A imagem da instituição monárquica em Portugal tem evoluído favorável mas irregularmente desde o 25 de Abril. A desconfiança dos primeiros tempos pós-revolucionários alimentava-se da propaganda do Estado Novo: confundia-se monarquia com reaccionarismo, tradição com retrocesso, instituição real com ditadura. Contra estes preconceitos, apontava-se a prova visível das monarquias constitucionais europeias.Entretanto, a imagem do rei melhorou por vários motivos. O acesso ao poder de políticos não comprometidos com a velha militância antimonárquica abriu na sociedade um espaço de diálogo sobre a questão do regime. A participação de monárquicos na vida democrática impediu que ficassem encerrados num gueto. A instauração monárquica em Espanha, credora em larga medida da democratização do país e da sua pujança nacional, acordou consciências dormentes e inteligências preguiçosas em Portugal. A vitalidade das monarquias europeias foi ficando patente à medida que progredia a integração europeia. Os países europeus do Leste restabeleceram símbolos monárquicos de identidade nacional.Dom Duarte, actualmente já não vota, pois não acha correcto identificar-se com partidos políticos. Mas tempos houve em que a ida às urnas o não comprometia; votou três vezes: «A primeira foi ainda antes do 25 de Abril e votei pela oposição monárquica. A segunda foi nas primeiras eleições legislativas e a última foi numas autárquicas em que votei a favor de uma candidatura à presidência da Câmara de Sintra, onde eu moro.» Lamenta que os monárquicos sejam identificados como «gente de direita»: «Se em Portugal existem, de facto, muitos monárquicos que são simplesmente conservadores e tradicionalistas, também é preciso não esquecer que entre eles se encontram esquerdistas. Em Espanha, Felipe Gonzalez, que é socialista, e o próprio líder comunista admitiram que se não fosse a monarquia, o seu país não teria liberdade e democracia.»Nota: Gente, p. 34, reportagem de Teresa Ribeiro, Fevereiro de 1990

Em nota colateral, quando D. Duarte concorreu a eleições em 1989, perdeu-as. Tratava-se da corrida para a presidência da Fundação que congrega as Caixas

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Agrícolas. Levou a derrota «na desportiva» e manteve a actividade como presidente da União das Caixas Agrícolas da Beira Alta. Mas já em 2003 foi eleito presidente da Assembleia Geral da Associação de Auditores de Defesa Nacional.O «fair-play» democrático de Dom Duarte foi conquistando posições. No PS, vários dirigentes, deputados, autarcas e membros da JS, manifestam-lhe simpatia. O deputado José Luís Nunes foi monárquico de sempre. Manuel Alegre (em conjugação com Mota Amaral) propõe que lhe seja atribuído um cargo de representação nacional. Jaime Gama queixa-se que vive rodeado de monárquicos, como era seu pai e são os seus filhos. Maria de Belém é sua colega auditora de Defesa Nacional e com ele colabora na Misericórdia de Lisboa. Mário Soares éamigo da família e apoiou o casamento régio. Com a Dr.a Maria Barroso colabora na «Campanha Timor 87». Muitos autarcas do PS convidam-no para eventos cívicos locais.No PPD/PSD Dom Duarte conta com simpatias entre figuras de primeiro plano. Os antigos governantes Carlos Macedo, Falcão e Cunha, Duarte Silva, Teixeira Pinto e Manuel Frexes manifestam-lhe apoio. Com Valente de Oliveira colabora no Congresso de Portugueses na diaspora, nos anos 80. Miguel Cadilhe lamenta que o Estado desperdice Dom Duarte como o rosto de promoção de Portugal e considera que o Estado deveria reconhecer o património da Fundação da Casa de Bragança como pertença da família. Mário Raposo, Manuela Aguiar, Rui Carp e António Sousa Lara são monárquicos convictos e em diversas oportunidades manifestam solidariedade pessoal. Durão Barroso, que teve familiares exilados no Brasil para fugir à perseguição republicana, tem palavras de apoio. Pedro Santana Lopes promove as celebrações do 1º de Dezembro em 1989 e, como primeiro-ministro, apoia a remoção da alínea b) do artº 288º. Carmona Rodrigues, da Câmara de Lisboa, descerra em 1 de Fevereiro de 2006 a lápide da memória do regicídio. Alberto João Jardim, muito embora se declare republicano, convida e recebe Dom Duarte como visita oficial.No Partido Popular, Nogueira de Brito e Teresa Costa Macedo são velhos conhecidos que, uma vez reformados das lides partidárias, são membros da Causa Real a que também aderem os deputados e futuros ministros Paulo Portas e Telmo Correia. António Lobo Xavier, Mota Soares, Martim Borges de Freitas entre os jovens, e José Ribeiro e Castro e Anacoreta Correia, entre os mais velhos, manifestam a sua simpatia.No Partido Comunista Português, diversos presidentes de Câmara lhe manifestam simpatia, convidando os Duques de Bragança para festas cívicas ou alinhando em causas comuns do património, ambiente e solidariedade. É assim em Vila Nova da Barquinha e Chamusca; com Manuel Condenado, de Vila

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Viçosa; e Carlos Manuel Sousa, (ex-Setúbal e ex-Palmela); e Ana Cristina Ribeiro, de Salvaterra de Magos, depois eleita pelo Bloco de Esquerda.Apesar destes factos, o drama da imagem «autoritária e minoritária» prosseguiu por largos

anos. Dom Duarte sentiu-o logo após o 25 de Abril, como já antes o sentira seu pai: «A associação de ”democracia com república” e ”monarquia com ditadura” foi cultivada durante decénios quer pelos maus monárquicos quer pelos bons republicanos. Este foi o drama que meu Pai teve de viver, contra o qual sempre lutou e a que eu pude pôr cobro, porque me socorri do testemunho dos monárquicos populares e democráticos que rejuvenesceram o ideal português.»Dado o «voto útil» nos grandes partidos, o PPM teve escassa expressão eleitoral; mas tinha força ideológica decorrente da política ambiental e da orgânica municipalista e do valor dos seus quadros. Em finais de 1978, na sequência da demissão apresentada por Ferreira do Amaral, secretário de estado da Reestruturação Agrária, Francisco Sá Carneiro inicia o choque com a «esquerda militar», acusando o general Eanes de ter conversações com o PCP. Propõe uma coligação de partidos do centro democrático: «os militares (do Conselho de Revolução) deveriam regressar aos quartéis»; era o tempo da «sociedade civil». A primeira versão da Aliança Democrática (AD) - de acordo com Ribeiro Telles, Barrilaro Ruas e outros - integraria PPD, PS e PPM, por sugestão de Carlos Macedo. Seria um «Bloco Central». Quando o PS recusou, foi chamado o CDS, garantidamente centrista e democrático.Após as eleições legislativas de 1979 em que a AD obteve maioria absoluta, o PPM formou um grupo parlamentar de 5 deputados. Ferreira do Amaral, Luís Coimbra, Borges de Carvalho, Barrilaro Ruas, Ribeiro Telles, entre outros, deixaram um rasto brilhante na oratória parlamentar. Após a morte de Sá Carneiro, Pinto Balsemão convida o PPM para o Governo. Apesar de reservas, Ribeiro Telles é nomeado ministro de Estado e da Qualidade de Vida. Fora já sub-secretário de estado do Ambiente nos Governos Provisórios.Ao longo dos anos, as actas dos Congressos, os registos de Grupos e Comissões e Intervenções Parlamentares, as monografias, revistas e jornais testemunham que se debateu o País-Real (palavra que é sua criação contextualizada). «Analisaram-se modelos de Constituição, chamando ao debate eminentes constitucionalistas; debateram-se e publicaram-se opúsculos, propondo ao País leis-modelo de Comunicação Social; estudaram-se novas fórmulas de regionalização e reforma agrária; debateram-se leis e simularam-se modelos de Orçamentos de Estado, em que tomaram parte alguns dos mais brilhantes economistas daquela geração.»Nota: QUINTAIS, 1999

É forte a influência de Bertrand de Renouvin.O PPM foi como o «lince da Malcata»: números fracos, mas simbolismo forte. Actualizava os ideais da monarquia sem os complexos tradicionalistas

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Defendia princípios ambientalistas - muito antes dos «Verdes» - batendo-se contra a instalação de centrais nucleares, pelo urbanismo de qualidade nas cidades, pelos corredores verdes, os cursos de água e as culturas tradicionais no coração das urbes. Liquidada a AD, o PPM recolhe apenas cerca de 35.000 votos (0,5%), em sucessivas eleições legislativas.A excepção foram as eleições para o Parlamento Europeu de 1987, em que Miguel Esteves Cardoso, com uma campanha extremamente personalizada e imaginativa, quase entrava em Estrasburgo. Nas Eleições Europeias de 18 de Junho de 1989, subiu até 2%, mas a elevada abstenção prejudicou a lista onde também estavam Luís Coimbra e Eurico Timor. A saída

dos dirigentes históricos - Telles, Barrilaro e Coimbra - determinou a lenta desagregação do partido, transitando muitos para o Movimento Partido da Terra (MPT). Foi já em estado moribundo que o PPM recebeu de Pedro Santana Lopes dois lugares de deputado nas listas do PSD para as eleições de 20 de Fevereiro de 2005 e o MPT outros dois.Nota: Diário da República e STAPE. Eleições 1975,1976, 1979,1983, 1985,1987, Assembleia Constituinte/ da República, 0,57%, 0,52%, 0,5%, 0,4%.

Iniciativas de participaçãoConsciente de que a esmagadora maioria dos monárquicos reparte o seu voto entre os grandes partidos, Dom Duarte entende ter chegado o momento de novas iniciativas, em finais dos anos 80. Passa a dar entrevistas mais frequentes. Aparece mais em sessões de interesse cívico. Pelo 1º de Dezembro de cada ano, recebe os irredutíveis no Castelo de São Jorge, numa cerimónia simples de saudação à independência nacional. Como diz Jorge Morais: «As Mensagens que aí deixa, a princípio formais e cautelosas, vão ganhando profundidade de ano para ano. Ultrapassam já a dimensão meramente ritual: são cartas políticas. A própria cerimónia se distende, perde a rigidez de um beija-mão. O número de participantes não pára de crescer. Rapazes e raparigas começaram a aparecer, curiosos de ouvirem de perto este Príncipe que lhes fala ao coração, de causas suas - a conservação da natureza, a solidariedade, o primado do espírito, o respeito pelos homens... Na rua, começa a ser reconhecido. Os jornais e a televisão pedem-lhe que intervenha cada vez mais conscientes da curiosidade que há na opinião pública. E em pouco tempo, cativando sempre pela sua simplicidade, Dom Duarte é a cara reconhecida da Monarquia».Nota: MORAIS, 1995

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O impacto da ideia monárquica na população passou, então, por diversas iniciativas, tais como publicações, petições, associações e congressos.As publicações dirigiam-se a audiências muito distintas, mormente aos associados de organizações. É o caso do Boletim da Uga Popular Monárquica, dirigido pelo Engenheiro António de Sousa-Cardoso, iniciado em 1950 e dirigido aos membros da Liga Popular Monárquica, com interessante implantação no país rural. O mensário Consciência Nacional, do Porto, dirigido por Artur Camarate Santos, é publicado entre 1960 e 2003, por assinaturas de âmbito nacional. Órgãos partidários como o Amanhã, do PPM, são publicados entre 1974 e 1986. Entre 1982 e 1986 surgia Monarquia Portuguesa, dirigido por João Rios Alves. Publicado em Lisboa, era de periodicidade bimestral com artigos, entrevistas e peças doutrinárias, direccionado para a população urbana. A publicação Portugueses - Revista de Ideias, dirigida por Mendo Castro Henriques, direccionada a camadas mais intelectuais, sairá entre1987 e 1993, chamando as causas da cultura para a divulgação monárquica. Várias das «Reais Associações» editam boletins, entre os quais se destacará o Boletim da L4 de Lisboa, publicação que acompanha e dinamiza visitas de Dom Duarte pelo país. A partir de 2003 será publicado o listrada Real, boletim da Causa Real, a que preside António de Sousa-Cardoso. Entre Maio de 2000 e Fevereiro de2001, o jornal Semanário publicou uma coluna de opinião inicialmente quinzenal, e posteriormente semanal, denominada Coisas Reais, com numerosa participação.Nota: «Eu, monárquico, me confesso!» - Fernando de Sá Monteiro (23-Fev-2001); «O

”Prec” Real» - Pedro Cymbron (16-Fev-2001); «Questão de identidade» - Aurélio Crespo (9-Fev-2001); «Lembrar o regicídio» -João Mattos e Silva (2-Fev-2001); «Hoje não vou defender a monarquia» - Tomás A. Moreira (26-Jan-2001); «O Rei de todos os Portugueses» - António de Sousa-Cardoso (19-Jan-2001); «A vitória da abstenção» - Nuno Pombo (12-Jan-2001); «O mito da ”ética republicana” - João Mattos e Silva (5-Jan-2001); «O maior cego é aquele que não quer ver» - Clara Picão Fernandes (29-Dez-2000); «A Monarquia está viva!» - Octávio dos Santos (22-Dez-2000); «Paga e cala...» - Nuno Pombo (15-Dez-2000); «Atentos, Veneradores e Obrigados» -João Mattos e Silva (7-Dez-2000); «Carta Aberta aos Monárquicos Portugueses» - António de Sousa-Cardoso (30-Nov-2000); «Monarquia e república» - Clara Picão Fernandes (24-Nov-2000); «Portugal ”Real” e os seus mitos» - Luís da Gama Pimenta de Castro Damásio (17-Nov-2000); «A pretensa independência dos presidentes da República» -João Mattos e Silva (10-Nov-2000); «O nosso candidato presidencial» - António de Sousa-Cardoso (3-Nov-2000); «O que faz correr os monárquicos?» - Nuno Pombo (27-Out-2000); «A República e os Monárquicos, 90 anos depois» - Victor Marques dos Santos (20-Out-2000); «O 5 de Outubro de 2000» -João Mattos e Silva (13-Out-2000); «A República está morta!» - Octávio dos Santos (5-Out-2000); «A Nova Ditadura» - Diogo Afonso de Belford Henriques (22-Set-2000); «...E, de repente, fez-se luz!» - Nuno Pombo (8-Set-2000); «A Monarquia e a Liberdade» -João Mattos e Silva (25-Ago-2000); «Os Reis têm Futuro?» - Pedro Cymbron (4-Ago-2000); «O Presidente da República e os Partidos» - José Luís Nogueira de Brito (21-Jul-2000); «A Hereditariedade Republicana» - Paulo Lowndes Marques (7-Jul-2000); «Sabia que também é Monárquico?» - António de Sousa-Cardoso (23-Jun-2000); «República é democracia?» - Nuno Pombo (9-Jun-2000).

Posteriormente o Diário Digital, publicação on-line, continuará a acolher esta coluna que se mantém em 2006.

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A internet é um meio de comunicação social que desmassifica os contactos através da criação de correio electrónico (e-mail), páginas pessoais, portais e blogs. A informação virtual que liga milhares de pessoas tem um crescimento exponencial, nomeadamente em Portugal. A Real Associação de Lisboa lançou em1998 a sua homepage, devida a Raul Bugalho Marques. Outras Reais Associações criaram páginas oficiais com endereço electrónico. A Casa Real Portuguesa tem página oficial com galeria de imagens, árvore genealógica e agenda. O Fórum Monarquia-Portugal- fundado a 19 de Agosto de 2004 por David Mendes - tem movimento assinável e um boletim on-line. A Causa Real é a página da Federação que reúne as Reais Associações existentes e que têm páginas próprias em Aveiro, Setúbal, Viseu, Braga, Lisboa e Madeira. Única Semper Avis de José Manuel Alves Quintas, tem apresentação excelente de textos e manifestos, figuras marcantes e outras informações. O quinta-feira.com, de João Mattos e Silva, é uma informativa coluna de opinião. O aparecimento de blogs com conotação monárquica é um fenómeno que data de 2003, existindo algumas dezenas no universo virtual e dando origem a encontros pessoais.Em 1986, um grupo de cidadãos, em que se destaca António de Sousa Lara, apresentou ao presidente da República uma «queixa», nos termos do n.° 1 do artigo

52º da Constituição contra «a forma republicana de governo» imposta pelo artigo 290º da Constituição. Falava de uma inqualificável má-fé e desprezo pelo povo português e de sucessivas crises e clivagens que os vários preenchimentos do cargo de Chefe de Estado criam. A exposição não teve seguimento.Nota: Cf. Documentação, Parte II ’ AA. VV., 1989.

Em 1988, no Brasil, o deputado Cunha Bueno viu aprovada por uma maioria de 472 votos na Câmara de Deputados, a proposta de realização em 1993 de um plebiscito nacional sobre a forma e o sistema de governo. «O ressurgimento da Ideia Monárquica que actualmente se está verificando em todo o Mundo é um facto incontroverso. As posições assumidas tanto em Portugal como no Brasil, exprimem essa realidade.» Em livro de 1989 referia-se uma série de artigos sobre as iniciativas de revisão constitucional em Portugal, de 1986 a 1988, no Correio da Manhã, Primeiro de janeiro, Diário de Notícias, Jornal de Notícias, Diário de Lisboa, Comércio do Porto, O Dia, Consciência Nacional e O Diabo; e no Brasil, em 1988, nos periódicos Jornal do Comércio, A Tarde, Diário de Pernambuco, Gaveta do Povo, Correio Braziliense, Jornal da Tarde, Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo, Jornal do Brasil, Diário Popular, Senhor, e no Jornal da Constituinte.Nota: Cf. também Portugueses, nº 9.

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A revista Portugueses, fundada em 1987, com o patrocínio de Dom Duarte promove as Jornadas Luso-Brasileiras sobre Monarquia e Constituição. Entre 19 e 26 de Novembro de 1989, realizam-se colóquios em Lisboa, Porto e Santarém, a que assistem centenas de pessoas, sendo as actas publicadas na revista nº 12. O Congresso estabelece que a fórmula «forma republicana de governo» não obsta à existência de um rei. Mas seria bem melhor que da CRP desaparecesse o equívoco, eliminando-se a alínea b) do então artº 290º. Segundo o constitucionalista Jorge Miranda, isso exigiria uma dupla revisão do texto constitucional. O regime tem de deixar de ser republicano para continuar a ser democrático. Na sequência das Jornadas, o jornal Expresso realizou a primeira sondagem de sempre em Portugal sobre o movimento monárquico. 7% dos inquiridos declarava-se monárquico, sem qualquer campanha prévia.Em 1987 comemora-se o centenário de Luís de Almeida Braga. A família promove um Prémio patrocinado pela Fundação Calouste Gulbenkian, que será obtido pela obra «A Filosofia Política no Integralismo Lusitano», da autoria da equipa formada por Mendo Henriques, José António Cunha, Luís Manuel Bernardo e M.a da Nazaré Barros. No ano de 1988 é o Centenário de António Sardinha.No Norte, as comemorações são empreendidas pela Liga Popular Monárquica, com uma comissão presidida pelo Engº Aníbal de Azevedo Miranda, tendo lugar numerosas conferências e actos cívicos. Em Lisboa, a Universidade Católica organiza um ciclo de Conferências e outros actos terão lugar em Monforte do Alentejo. Entre os oradores, Sousa Tavares e Barrilaro Ruas chamam a atenção para o rejuvenescimento democrático do ideal monárquico.Dando visibilidade à Casa Real, Dom Duarte reactivou as ordens honoríficas dinásticas portuguesas. A ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa foi fundada por D. João VI, em 6 de Fevereiro de 1818, no Rio de Janeiro, aquando da sua Aclamação como monarca do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. É concedida por méritos civil e

militar proeminentes, tanto a portugueses como a estrangeiros. Com ela D. João VI renovou a tradição de que os reis de Portugal não são soberanos absolutos: «Em 1646 um Rei de Portugal, o primeiro da Casa de Bragança, de nome D. João IV, coroou Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, Rainha de Portugal e Padroeira do Reino. A partir dessa altura, os Reis de Portugal nunca mais usaram coroa e passaram a ser defensores dos valores culturais e morais de Portugal.»Nota: Carlos Evaristo da Silva

Suprimida pelo governo da República em 1910, a Ordem continuou a ser usada e conferida pelo chefe da Casa de Bragança. Em 1986, Dom Duarte declarou-a Ordem Dinástica da Casa Real

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de Portugal. A capela de culto é a igreja de Nossa Senhora da Conceição em Vila Viçosa, centro espiritual da unidade portuguesa. Foi visitada pelo papa João Paulo II em 15 de Maio de 1982.A Real Ordem de Santa Isabel foi estabelecida em 4 de Novembro de 1801 pelo Regente D. João, sendo a princesa regente a primeira grã-mestra. O objectivo era distinguir senhoras, em número de 26, por «acções caritativas». Foram agraciadas portuguesas e posteriormente também rainhas católicas estrangeiras. Suprimida pelo Governo da República em 1910, foi reactivada em 1998, como ordem dinástica da Casa Real Portuguesa. É sua grã-mestra actual Isabel, Duquesa de Bragança, que costuma agraciar as novas damas da Ordem, na festa da Rainha Santa Isabel (4 de Julho dos anos pares), em Coimbra. Entre as mais recentes agraciadas contam-se as Dr.as Manuela Eanes, Maria de Jesus Barroso e Maria José Nogueira Pinto.A Ordem Equestre e Militar de S. Miguel da Ala, conhecida por Ordem de S. Miguel da Ala, ou Ordem da Ala, foi fundada por D. Afonso Henriques após a tomada de Santarém, em 1147. No dia de S. Miguel (8 de Maio), segundo a lenda, o santo teria aparecido sob a forma de um braço armado e alado. A Ordem da Ala, teve sempre um carácter reservado, sabendo-se que os grão-mestres eram os Reis de Portugal. Com actividade durante o reinado de D. Miguel I, foi reestruturada em 1848 pelo papa Pio IX. A Real Irmandade de S. Miguel da Ala é hoje chefiada por Dom Duarte, e tem sede na Igreja do Santíssimo Milagre em Santarém, possuindo comendas em Portugal, nos EUA e em Itália, e contribuindo para a projecção do nome português no exterior.A imagem na comunicação socialNos ataques às instituições régias, na Europa como em Portugal, actuam vários preconceitos. Embora pretexto para maiores vendas de publicações, esses ataques nunca são inocentes. Pode até saber-se quem paga os paparazi, mas ficam sempre na sombra os poderes ocultos - do mundo dos negócios e das finanças- interessados em diminuir os reis que são como baluartes da democracia e da identidade cultural de cada povo e que possibilitam a máxima diversidade num contexto aberto de unidade. Como escreveu Ribeiro Telles, «A monarquia é uma instituição nascida da história profundamente humana e enraizada nos povos que têm a virtude de a possuir. As dificuldades e as servidões bem como as glórias da família real são sentidas pela maioria como fazendo parte do seu quotidiano familiar, sendo seguidas pelas pessoas e aproveitados os escândalos pela comunicação social ávida de vendas.»

Nota: In Nova Gente, Outubro 1994, p. 41

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Entrevistado aquando da crise de 1994, «annus horribilis» da família real inglesa, disse Dom Duarte: «Os interesses de certos magnatas da imprensa, apostados em conquistar o Poder na Inglaterra, levam-nos a explorar os problemas da família real inglesa, pois a monarquia é um entrave ao poder absoluto dos grandes grupos financeiros.» E acrescentou: «A dedicação do príncipe Carlos em defesa de valores fundamentais, como são os problemas dos mais pobres, dos bairros degradados, da preservação do património arquitectónico inglês, incomodam todo o tipo de especuladores e esses interesses são, na realidade, uma grande ameaça para a monarquia.»Nota: In Nova Gente, Outubro de 1994, p. 42

E afirma na Mensagem de 2004: «Afinal, sempre é melhor ter uma imprensa má - mas livre - do que outra com uma aparência mais asséptica, mas controlada por uma qualquer agenda de um qualquer poder político ou económico.»Nota: Mensagem de 2004

Existiram forças interessadas em sustentar, durante longos anos, as pretensões da autodesignada Maria Pia de Saxónia Coburgo Bragança (também conhecida por Hilda Toledano), como filha ilegítima do rei D. Carlos, e nascida em 1907. As pretensões de Hilda Toledano baseavam-se numa carta supostamente assinada pelo rei D. Carlos, cópia anexa a um certificado de baptismo, entretanto desaparecido de uma igreja madrilena, na qual lhe eram conferidas as honras e direitos dos infantes da Casa de Bragança. Como escreveu Amaro Monteiro, «mesmo que D. Carlos I ”reconhecesse” a pretensa filha como resultado de um seu adultério, isso não lhe permitiria, pelo artº 87º da lei então vigente [Carta Constitucional], legitimá-la (...) no estatuto de Infanta/Alteza Real.»Nota: MONTEIRO, 2006, pp. 134-143

E conclui Mattos e Silva: «Maria Pia foi uma aventureira, brincou aos reis e rainhas, deu títulos e condecorações carnavalescos, com direitos que nunca teve nem poderia ter tido, foi usada em Portugal pela oposição a Salazar que a deixou cair após o 25 de Abril de 1974».Nota: Cf. Documentação, Parte II

O desenlace deste caso ocorreu apropriadamente em Itália. Em 1980, o jornalista Giuliano Ferrara da Televisão Italiana (RAI 3) convidou Dom Duarte para o célebre programa Uma Koventa. Era um frente-a-frente com um advogado de Verona, o Sr. Rosário Poidimani, que emitia documentos em nome de um «Principado de Bragança» e a quem a autodesignada Maria Pia de Bragança teria vendido direitos de sucessão. Após ponderar os prós e os contras de participação, Dom Duarte aceitou o convite como oportunidade de divulgar a Casa Real

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portuguesa a alguns milhões de italianos. O ponto alto do programa foi quando um dos intervenientes em directo interpelou o advogado: «Beppo: lembras-te de mim na prisão da

Palermo?» O causídico chorava, tendo Dom Duarte consolado o pobre homem. O duque de Aosta, noutra intervenção em directo, mostrou os laços entre as Casas Reais de Sabóia e de Portugal, congratulando-se com a presença de seu primo Dom Duarte. Mau perdedor, o advogado intentou um processo ao jornalista da RAI 3 por pretensos insultos. Perdeu num tribunal de San Marino, onde Dom Duarte teve todo o gosto em testemunhar em favor de Ferrara e onde ainda apareceu a Sr.a Hilda Toledano, de bengala em punho a ameaçar Dom Duarte com uma pronúncia carregada de «rrr». Desde então, falecida a senhora, e reunindo-se a morte ao ridículo, pouco mais se falou no assunto.Nota: Com excepção de Pailler, 2005; cf. «Equívocos e Certezas», por João Mattos e Silva in Diário Digital de 20 Abril de 2006

Em Setembro de 2006, a imprensa anunciava que o Estado português ia processar o Sr. Poidimani por uso abusivo de títulos relacionados com a Casa Real Portuguesa, de que Dom Duarte é chefe.Em 1989, o caderno do jornal O Independente foi uma das maiores afirmações de monarquismo em Portugal. Graças à imaginação criadora de Miguel Esteves Cardoso e de outros jornalistas, apresentava-se uma imagem actualizada que recebeu o pleno apoio de Dom Duarte. Em 1994, uma equipa da BBC realizou o programa Correspondent- emitido a 4 de Março - sobre o movimento monárquico português. O realizador David Walter apresentou Dom Duarte, como «figura altamente prestigiada numa República».Ao longo dos anos, Dom Duarte tem aparecido na rádio e na televisão em inúmeras ocasiões, tanto nas estações públicas como nas privadas. Costuma ser convidado por ocasião do 5 de Outubro, do 1º de Dezembro, ou de temas de interesse nacional. Aquando do recente comentário do ministro da Economia, Mário Lino, que Portugal e Espanha partilham uma língua comum, afirmou na SIC com o seu desarmante bom humor «É verdade! É o galego!» Em entrevista a Carlos Vaz Marques, da TSF, a 31 de Janeiro de 2006, afirma-se que como «rei dos portugueses» é primus inter pares e não «rei de Portugal», dos «súbditos». Aí defende o «valor prático da monarquia» como a escolha «dos povos mais sensatos, mais desenvolvidos». D. Dinis e D. Carlos são os seus «reis preferidos». D. Sebastião e D. José cometeram «erros idelógicos».

Xeque ao rei

Do ponto de vista dinástico, subsistia uma preocupação em meados dos anos 90; nem Dom Duarte nem qualquer dos seus irmãos, os infantes D. Miguel e

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D. Henrique, tinham assegurado descendência. Dom Duarte sempre prometera casar-se antes dos cinquenta anos. Quem o conhecia, sabia que não se tratava apenas de uma boutade. Os Braganças da linhagem miguelista casaram tarde. Dom Duarte é bisneto de Dom Miguel I nascido em 1802, neto de D. Miguel II, nascido em 1853, e filho de D. Duarte Nuno, nascido em 1907.Nota: MORAIS, 1969

Consultado o Conselho de Nobreza em 1991, este órgão emitia o parecer de que a sucessão encontrar-se-ia sempre garantida, na pessoa de um filho do Duque de Bragança ou de um

filho de qualquer dos seus irmãos, ou ainda na de um filho de outro membro da Família Real, de acordo com as precedências estabelecidas pela tradição. A instituição monárquica sempre encontraria no seu seio a solução para a questão sucessória, mesmo que, em última análise, e como aliás já sucedeu, o herdeiro fosse encontrado, por exclusão de partes, na pessoa que a própria Nação escolhesse, designasse e aclamasse como continuador dos Reis de Portugal.Não sossegaram os mais impacientes. No início de 1993 era notícia de primeira página do Expresso a existência de sucessores alternativos ao trono de Portugal.Nota: Expresso, 9 de Janeiro de 1993

Segundo alguns, o impasse criado pela falta de um herdeiro prejudicava a adesão dos portugueses à ideia monárquica. O Conselho Nacional do PPM, presidido por Cardoso da Silva, em 23 de Janeiro de 1993, abordou a questão de «uma verdadeira família real, no sentido de um casal com filhos» capaz de garantir aos portugueses a continuidade dinástica; foi ventilado o nome de D. Francisco van Uden, filho de D. Adelaide, a irmã mais nova de D. Duarte Nuno. Outras vozes se juntam a este coro de ataques, como as de João Braga e Felícia Cabrita, no jornal Expresso.Jacinto Ferreira faz o ponto destes «Desacertos Monárquicos»: «Um certo número de titulares reuniram-se a pretexto de escolher quem deveria ser o herdeiro da Coroa Portuguesa.(...) Reunião inútil e confusa porque a opinião pública ficou a pensar que eram estes senhores que escolhiam o rei, quando era ao contrário. Reunião pouco credível, pois são estes senhores que devolvem as publicações monárquicas. E outros que as recebem, mas não pagam.(...) O PPM junta-se à festa alegando que há falta de militantes porque há falta de confiança no herdeiro actual. (...) Anunciou-se que Dom Duarte casaria com uma condessa polaca, mas na TV Dom Duarte desmentiu essa notícia. O casamento é um passo sério na vida de um homem.»Nota: Consciência Nacional, Junho/Outubro de 1993, 22º ano.

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O «xeque ao rei» tinha ecos na imprensa popular, que explorava com simpatia a ausência de descendência de Dom Duarte. A Sábado de Agosto de 1993 fala de «Rei sem trono nem noiva». Em O Independente Miguel Esteves Cardoso faz comentários désobligeants sobre o Duque e o baile da Associação da Nobreza previsto para a Penha Longa, a 26 de Junho de 1993. Em carta aberta de 17 de Maio de 1993, enviada de Macau, Dom Duarte estranha o gosto duvidoso do artigo e reitera a sólida amizade que o liga a todos os seus primos, Nuno, Francisco e Miguel. O Independente adianta noutro artigo que existe uma mulher fatal na vida de Dom Duarte. «É uma condessa polaca», diz a revista Sábado. As respostas de Dom Duarte continuam serenas: «Quanto ao meu casamento, o que lhes posso dizer é que quando houver notícia, ela será divulgada.»Aproximando-se as eleições presidenciais de 1995, um grupo de monárquicos retoma a ideia - já lançada em repto por Ronald Reagan a Dom Duarte - de uma candidatura do Duque de Bragança à Presidência da República. Obstáculo legal, não havia nenhum. Barrilaro Ruas lança a questão em O Dia. «Penso que um tal candidato teria de traçar a si próprio alguns limites, condizentes com a alta dignidade da sua Herança e da sua Missão. Assim, só aceitaria ser chefe de Estado da República Portuguesa: primeiro, depois de ter tornado bem claro que se disporia a preparar as circunstâncias para um referendo nacional

sobre a forma de regime; segundo, se fosse eleito à primeira volta (visto que a escolha à 2ª volta representa para muitos um mal-menor), e por cerca de 55% ou mais dos votos expressos; terceiro, que nunca se recandidataria.» O Expresso noticia que entre os apoiantes da proposta estão Ribeiro Telles, Ferreira do Amaral, Mendo Castro Henriques e outros. Sucedem-se os artigos nos jornais e as intervenções na rádio, sobretudo de Barrilaro Ruas. A 18 de Janeiro de 95, Baptista Bastos ironiza que, para «aproveitar a degradação das instituições republicanas, Ferreira do Amaral quer Dom Duarte na Presidência da República, quer no republicaníssimo cadeirão de Belém um príncipe de Portugal». Mas «Dom Duarte não dá mostras de querer perpetuar a estirpe da casa e o sangue. Prefere o celibato e uma vida bucólica, sem fadigas e sem emoções...» No início do ano, o DN noticia que Dom Duarte, no final de uma audiência com o presidente da República cessante, Dr. Mário Soares, declara sobre a proposta de candidato presidenciável: «Não concordo!».1 A iniciativa fica por aqui.Nota: Diário de Notícias, 23 de Janeiro de 1995.

Uma surpresa esperava os portugueses.

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Casamento de Estado

Estavam mais serenados os espíritos quando, na manhã de 10 de Março de1995, um comunicado do Gabinete do Duque de Bragança anuncia com sobriedade «o noivado do Senhor Dom Duarte com a Senhora Dona Isabel de Herédia». Uma semana mais tarde, novo comunicado: «O casamento será celebrado por Sua Eminência o Cardeal Patriarca de Lisboa, no próximo dia 13 de Maio, pelas 16 horas, no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa.» A noiva afirmava sobre o noivo: «É um amigo da minha família desde sempre. Já nem me recordo da primeira vez que vi Duarte. Fui seduzida pela sua bondade, a sua tolerância e o seu sentido de humor».Nota: MORAIS, 1995, p. 71

As atenções centram-se agora na futura Duquesa de Bragança. Escreve Jorge Morais: «Quem era Dona Isabel de Herédia? E as perguntas reflectiam todos os tipos de expectativas. Há quanto tempo durava o idílio? Como se conheceram? Que costureiro desenharia o vestido da noiva? A imprensa popular não parara de dar resposta, por vezes com pormenores de imaginação prodigiosa, à curiosidade ávida dos leitores, cativados pela simpatia que já transparece nas primeiras chapas, batidas pelo fotógrafo António Homem Cardoso, semanas antes, no maior dos segredos...»Nota: MORAIS, 1995, p. 73

Isabel de Herédia nasceu em 22 de Novembro de 1966, em Lisboa, numa família com fortes tradições republicanas, mas relacionada com a aristocracia. O rei Humberto de Itália foi padrinho de casamento de seu pai, o arquitecto Jorge Herédia. Vozes em surdina ensaiavam a calúnia, apontando ser estranho Dom Duarte escolher por noiva «a neta do regicida». Dona Isabel é efectivamente bisneta do visconde de Ribeira Brava, destacado republicano e várias vezes preso. A chamada «Conspiração do Elevador» (da Biblioteca Pública, no Chiado em Lisboa) foi desmantelada a 28 de Janeiro. Herédia é preso

juntamente com Afonso Costa e mais alguns conspiradores. Outros, como João Chagas, conseguem fugir. Da prisão, o visconde envia o seu filho Sebastião a avisar D. Carlos em Vila Viçosa do que a Carbonária prepara. O resto é a tragédia conhecida. Mas o que geralmente se ignora é que quando a rainha D. Amélia visitou Portugal em 1934, pediu para se fazer acompanhar por Sebastião Herédia, que levara a Vila Viçosa o aviso fatídico.Aparte os poucos caluniadores, o anúncio do noivado alegra a todos. Dom Duarte «escolheu uma Senhora portuguesa, facto sem precedentes desde a Dinastia

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de Avis e que muito nos alegra»-declarava a Causa Real. E logo lembrava: «A questão do regime não é uma mera reivindicação de uma minoria exótica e ultrapassada, mas uma necessidade imperiosa e urgente para salvaguarda da identidade nacional e da estabilidade política que só a Instituição Real garante plenamente, pela sua essência hereditária, nacional, independente e suprapartidária».Vinham no mesmo sentido as declarações de Dona Isabel na sua primeira entrevista à imprensa, logo após o anúncio oficial do noivado. «Acredito que a monarquia é extremamente importante para a identidade nacional e para o bom e claro funcionamento da vida política». Desse ponto de vista, «a restauração seria um bem para o país»; mas sublinhou: «Só acredito na monarquia votada pelo povo, pelos seus órgãos representativos. Na monarquia democrática, em suma.»Nota: MORAIS, 1995, p. 73

E sobre si mesma diz apenas o indispensável: «Gostaria que o meu casamento correspondesse sobretudo a uma cerimónia de Igreja», disse então. «Acho que não estamos em tempos de grandes festas, com tanta gente ao nosso lado ainda imersa em necessidades, carências, amarguras diversas».Nota: MORAIS, 1995, p. 73

Só quem desconhecesse a sua formação poderia surpreender-se com estas preocupações. Logo aos dois anos de idade parte para Luanda, onde a família se radica. O contacto com a sociedade angolana de então desperta na jovem Isabel um instinto de solidariedade que a educação paterna só favorece. Formada no respeito pelos valores cristãos da magnanimidade e da justiça, vem depois, já no Brasil (para onde os Herédias se mudaram meia dúzia de anos mais tarde), a empenhar-se activamente no Movimento Escutista, onde se destaca pelo seu espírito de iniciativa, a sua franqueza, a sua capacidade de entrega às obras sociais junto da comunidade pobre de S. Paulo.Nota: MORAIS, 1995, p. 74

O anúncio das Núpcias Reais e da expectativa de um sucessor, legítimo herdeiro do trono de Portugal, espicaça o entusiasmo. A imprensa, a rádio e a televisão dão uma cobertura completa dos eventos. As bancas mostram as fotografias oficiais do Duque de Bragança e D. Isabel de Herédia. Houve quem oferecesse avultadas quantias por um convite para a cerimónia religiosa nos Jerónimos, e até apareceram convites falsificados. O comércio fez o seu negócio, especialmente as casas de modas e joalheiros. Uma fábrica de porcelanas apresenta um serviço de jantar para 48 pessoas; a subscrição pública esgota-se. A alegria é muito especial: parece anunciar-se a Quinta Dinastia.

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Apesar dos detractores, a monarquia tem grande apelo na imprensa popular. A revista Eles e Elas, dirigida por Maria da Luz de Bragança, traz a maior reportagem fotográfica. Os media europeus dão grande cobertura. A 23 de Maio, a revista belga Point de Vue publicava a capa e oito páginas de fotografias e texto. Ao longo da última quinzena de Maio multiplicaram-se as edições de livros e revistas, com documentos biográficos e reportagens do casamento. Diálogos com o Duque de Bragança, da autoria de Clara Picão Fernandes; Dom Duarte: a primeira biografia, do jornalista Jorge de Morais; Duarte e Isabel- Duques de Bragança, de Nuno Canas Mendes. A jornalista Manuela Gonzaga publica uma colectânea de entrevistas a Dom Duarte, O Passado de Portugal no seu futuro. Em Setembro, Barrilaro Ruas, coordena o álbum Um Casamento na História de Portugal com as genealogias régias e fotografias de Homem Cardoso.Nota: Cf. Bibliografia

A 13 de Maio de 1995 tem lugar o casamento no Mosteiro dos Jerónimos com a presença de 2000 convidados, 200 jornalistas acreditados, 80 dos quais estrangeiros. A par do presidente da República está sua mulher, a Dr.a Maria Barroso, e, entre os convidados, o primeiro-ministro Dr. Cavaco Silva e outros governantes. O Dr. Mário Soares marca presença como amigo da família e recorda como, desde os tempos longínquos da oposição, a defesa de liberdades nacionais se tornara uma bandeira dos monárquicos. Entre a realeza, estão presentes o príncipe Pedro de Orleães-Bragança, a condessa de Paris, a princesa Teresa de Orleães-Bragança, as rainhas Giovanna e Margarida da Bulgária, o arquiduque O tão da Áustria, o grão-duque herdeiro do Luxemburgo, o príncipe Filipe da Bélgica e a infanta Margarida de Espanha com o seu marido.Dois dias antes da data fatídica dos cinquenta anos, «quando floresciam os jacarandás», Dom Duarte cumpriu a promessa. É o casamento mais mediático jamais realizado em Portugal. O país parou por um dia. O entusiasmo era contagiante. A viatura com Dom Duarte chegou atrasada. Uma jornalista precipita-se, perguntando-lhe se não estava preocupado com o atraso. «Só ficaria aborrecido se fizesse esperar o presidente da República». Um outro episódio diz tudo. «Não sou pelos reis, mas se o Dom Duarte agora se candidatasse à Presidência da República até que era capaz de votar nele», afirma um operário da construção civil nos arranjos dos Jerónimos.Preside à cerimónia o cardeal-patriarca de Lisboa D. António Ribeiro, e lá estão o núncio apostólico, o arcebispo de Braga, D. Eurico Dias Nogueira, os bispos do Porto e Bragança, o Cónego Marques da Silva, da Sé Patriarcal, Padre Mário Cunha, da paróquia do Santo Condestável, frei Elias de Gusmão, da Fundação de S. Martinho do Lima e o Pe. João Seabra, capelão da Ordem de Nossa Senhora

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da Conceição de Vila Viçosa. O cardeal patriarca de Lisboa dirigiu-se aos noivos. «Alteza Real Senhor Dom Duarte de Bragança e Senhora Dona Isabel de Herédia: a Igreja toma parte na vossa alegria e acolhe-vos, bem como aos vossos familiares e amigos, neste templo de Santa Maria de Belém, no dia em que, diante de Deus, ides celebrar o vosso matrimónio.»

A Família Real

Um casamento feliz tem a história do fluir dos anos e dos filhos. E assim foram nascendo os infantes da Quinta Dinastia. A 23 de Março de 1996 nasce Afonso de Santa Maria, Príncipe da Beira, depois baptizado em Braga e consagrado à Nossa Senhora da Oliveira, em Guimarães, respectivamente a 1 e 2 de Junho. Em Mensagem de 2001 afirma-se: «Aproveito também para agradecer aos Vimaranenses e aos Minhotos em geral, a maneira como acolheram a minha Família quando o nosso filho Afonso aqui recebeu a água do baptismo». Sobre D. Afonso, diz D. Isabel que tem «uma educação baseada no sentido das responsabilidades para com Deus e para com Portugal e os portugueses, através do desenvolvimento do seu carácter e das suas capacidades intelectuais e físicas.»A 3 de Março de 1997, nasce Maria Francisca, depois baptizada a 31 de Maio na Igreja de Nossa Senhora da Conceição em Vila Viçosa. A 25 de Novembro de1999 nasce Dinis, baptizado a 19 de Fevereiro de 2000, no Porto. Os media internacionais prestam atenção. A 4 de Dezembro de 1999, em Bruxelas, por ocasião do casamento do príncipe Filipe com Matilde, noticiava-se que «Dom Duarte de Bragança was the only one who did some steps towards the public, or better to say the press, whom I think congratulated him with his newborn son.»Nota: Um Mg portuense escrevia o seguinte em 2005: «E por falar em rei, Dom Dinis, infante de Portugal, esteve nas Antas com o pai, Dom Duarte Pio, o herdeiro do trono português. Baptizado no Porto, recebeu do padrinho Sebastião de Herédia a inigualável honra de ser Portista e, com apenas 4 aninhos, já cita o plantei de cor. Sabendo que há um Portista na casa real, qualquer dia viro monárquica».

Sobre os infantes, afirmou Dom Duarte: «O mais parecido comigo é talvez o Afonso, mais lógico, racional e responsável. Quer ser biólogo, sabe tudo sobre animais marinhos, salamandras, cobras e lagartos, e é um pescador fanático. A Maria Francisca é muito boa em desportos, anda a cavalo lindamente, patina e nada muito bem. Ela diz que quer ser médica e, quando quer enfrentar os pais, diz que vai ser médica legista... O Dinis quer ser militar. Tem espírito de militar, gosta de correr riscos e sai-se muitas vezes com frases de adulto, que nos surpreendem.»Nota: Entrevista a Magazine, Abril de 2006

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Em 1998, D. Isabel é entrevistada sobre a sua acção social. «Apesar de ter pouco tempo disponível por causa dos nossos filhos, tenho-me dedicado a várias instituições como: Ajuda de Mãe; Ajuda de Berço; Ajuda ao Recém-Nascido; Miastenia Gravis; Trissomia 21 e Refúgio Aboim Ascenção. Há ainda alguns projectos em que gostaria de me envolver, como os lares de 3ª idade, apoio e visitas a prisões e projectos ecológicos, mas, como já tenho dito, há que ter cuidado para não me dispersar e prejudicar a família.» De uma forma simples, D. Isabel respondia sobre o que seriam as tarefas da Coroa: «Para além de tarefas necessariamente acrescidas ao serviço do País, teria funções idênticas às que hoje procuro desempenhar: ajudar o meu marido colaborando em obras assistenciais e culturais, para além da acção fundamental da educação dos nossos filhos.» Preocupa-se com as famílias em desagregação, sem terem onde se apoiar, e sem esperança num futuro melhor: «Tem

havido um crescimento desequilibrado em Portugal, no sentido em que se vê as pessoas ao serviço de desenvolvimento sem progresso humano.»Em 12 de Dezembro de 2000, em Roma, recebeu o prémio internacional Women for Peace Award 2000 com que a Together for Peace Foundation - criada por Maria Pia Fanfani, viúva de um ex-primeiro ministro italiano - distingue mulheres que lutaram a favor da paz. Neste caso o motivo foi o trabalho desenvolvido de apoio a organizações assistenciais portuguesas. Foram também premiadas as rainhas da Suécia e da Jordânia. O dinheiro do prémio foi doado ao Refúgio Aboim Ascensão, em Faro.

As Reais Associações

Em 1991, Dom Duarte rejuvenesce as estruturas monárquicas, numa orientação em que teve papel relevante António Sampaio e Melo, então chefe de Gabinete do Duque de Bragança. São criadas as Reais Associações a implantar no Continente com base distrital, nas Regiões Autónomas e nas comunidades portuguesas no exterior. A Mensagem de 1 de Julho de 1991 explica porquê. «Alguns gostariam que o Chefe da Casa Real se assumisse também como chefe de grupo - qual chefe de partido ou de movimento». Existiam outros que «prefeririam que delegasse em alguém funções de mando na organização dos monárquicos. A solução é outra: ”Nem assumir a direcção de qualquer grupo - por maior que ele seja - nem, para tal, mandatar alguém.”»Nessa Mensagem, reconhecendo que «a filiação de muitos monárquicos em partidos políticos é a prova evidente de que o ideal monárquico é, por excelência, suprapartidário», Dom Duarte exorta-os «...a que se inscrevam nas Reais Associações

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de forma a contribuir para a constituição de uma nova forte e influente causa monárquica que a todos represente.»Nota: Cf. Documentação, Parte II

Louvando os que, ao longo de décadas, «conseguiram manter vivo o ideal monárquico em Portugal», a Mensagem dirige-se «a todos os homens de boa vontade, sejam quais forem as suas filiações partidárias e práticas políticas, apenas com a óbvia ressalva de que nem umas nem outras ponham em causa a independência de Portugal, uma verdadeira democracia e os valores morais, religiosos e culturais componentes da fisionomia da Pátria». Os simpatizantes de várias sensibilidades e quadrantes político-partidários devem ter o «objectivo claro de fácil consensualização entre os seus simpatizantes - o de transformar a questão do regime numa questão politicamente relevante».Ao longo dos anos, foram sendo criadas Reais Associações em Aveiro, Beja, Castelo Branco, Braga, Coimbra, Évora, Leiria, Lisboa, Portalegre, Porto, Santarém, Viana do Castelo, Vila Real, Viseu, Setúbal, Faro, Madeira, Açores, Europa e Estados Unidos. Dez anos volvidos, atingiam cerca de 10000 associados. A «Real» de Lisboa, todos os anos, toma a seu cargo a realização do «Jantar dos Conjurados», a 30 de Novembro, precedendo a apresentação da Mensagem do1º de Dezembro.Em paralelo com a criação das Associações, Dom Duarte determina que «a actual Causa Monárquica proceda às alterações estatutárias necessárias à sua transformação numa

federação de reais associações, com órgãos directivos, naturalmente eleitos por elas.» Só em 1993 é criada a Causa Real como órgão federador das Reais Associações. Com Estatutos de Setembro de 1993, realiza um Congresso Anual como espaço plural, abrangente e democrático. Afirmava Dom Duarte no IX Congresso de 2003: «Por isso, há cerca de dez anos foi proposta a mais simples e abrangente das formulações, traduzida neste apelo simples: deixemos de lado tudo (porventura pouco) o que nos divide, para nos passarmos a concentrar exclusivamente no muito que nos une que está, afinal, corporizado no objectivo final do nosso projecto político - restaurar a monarquia em Portugal.»A primeira direcção da Causa Real, sob a presidência de Ferreira do Amaral, em 1995-98, teve um papel dinamizador de muitos eventos locais e de presença em dezenas de municípios. As associações de Braga, Coimbra, Santarém, Lisboa, Aveiro e Setúbal destacaram-se ao longo dos anos, em organizar visitas de Dom Duarte, por vezes acompanhado de Dona Isabel, com a colaboração dos Presidentes das Câmaras Municipais. Essas visitas chamaram a atenção da imprensa e, decididamente, da Presidência da República. Esta desencadeou uma campanha para conferir maior visibilidade aos «Presidentes Históricos», ao património dos

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«Palácios Presidenciais», ao «Museu da Presidência» e à «Primeira Dama». Simultaneamente negava-se visibilidade a Dom Duarte, como sucedeu com o incidente de Darwin em 1999, após a independência de Timor.Após outras Direcções da Causa Real com menor sucesso, a equipa de Sousa Cardoso procurou desde 2001 retomar a visibilidade. O X Congresso da Causa Real, em Lisboa, 4-5 de Outubro de 2003, aborda os Modelos da Construção Europeia e a Relevância da Questão do Regime com a participação de convidados como Oliveira Martins e outros. O XII Congresso da Causa Real, no Parque das Nações, em Lisboa, em Janeiro de 2005, incorpora um debate aberto sobre Monarquia-República, moderado por Fátima Campos Ferreira, no formato do «Prós e Contras», um debate em que ninguém cabeceou, como disse a moderadora. João Soares, Luís Nandim de Carvalho e Manuel Monteiro, na bancada republicana. Ribeiro Teles, José Maltez e Mendo Henriques na bancada monárquica. Do auditório vieram mais de duas dezenas de oportunas intervenções como as de Ferreira do Amaral, Nogueira de Brito e Rui Carp, entre outros. Em debate emotivo com palmas e sem apupos, o republicanismo jogou à defesa.Não é fácil aferir o estado presente das movimentações monárquicas. De um modo geral, os associados apontam dificuldades resultantes da falta de exigência por parte das diversas Direcções, no que toca à propaganda e em saber dinamizar as associações locais. Outro problema é a escassez de sócios. A Associação de Lisboa parece ter cerca de 3000 associados, dos quais uma fracção paga quotas, e a do Porto menos de 1000. Depois, existem Associações «fantasma», apenas com meia dúzia de associados. Como afirma um jovem associado, David Mendes: «Acredito que é fundamental ser-se exigente e não esperar que o ”céu faça tudo”, é preciso também arregaçar as mangas e dar corpo ao manifesto!»Nota: In Fórum Monárquico, Assunto: Avaliação da Acção Monárquica em 2005.

De modo expressivo refere que falta um marketing político para o século XXI: «É realmente necessário deixar de ser ”um clube de bridge” - já passou de moda! e passar a ser

um ”clube de sueca” - é muito mais popular e estou certo de que quem ler entende o sentido político do que quero dizer.»Nota: Ibidem, idem

Este revigoramento do associativismo é acompanhado por uma chamada de atenção para as causas nacionais nas mensagens do 1º de Dezembro.Em 1991, ainda quente o horror de Santa Cruz, Dom Duarte dirige as suas «primeiras palavras ao heróico e martirizado povo de Timor. Se é possível encontrar mérito na desgraça, o do massacre do cemitério de Santa Cruz foi, certamente, o de ter despertado a atenção da opinião pública mundial para a particularmente chocante existência de uma vítima da Comunidade Internacional.»

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Em 1992, vivendo-se a euforia europeia da aprovação do Tratado de Maastricht, Dom Duarte contrapõe que «...a agricultura continua a desempenhar um papel fundamental na vida das nações. Para além da produção de alimentos essenciais é também a única actividade verdadeiramente responsável pela humanização e ocupação permanente do espaço rural.»A Mensagem de 1993 reinventa o simbolismo do 5 de Outubro, sendo Portugal talvez um dos únicos países do mundo que não tem uma data para a independência. «O dia 5 de Outubro de 1143 constitui (...) o primeiro reconhecimento internacional da nossa Independência. Foi, com efeito, nesse dia que, pelo Tratado de Zamora, o Rei D. Afonso VII de Leão reconheceu D. Afonso Henriques como Rei. Quis a vontade dos Portugueses que ao mesmo ano de 1143 fossem atribuídas as famosas Actas das Cortes de Lamego que, embora apócrifas, traduziram nas vésperas da Restauração e depois desta, o fundamento legal para a recuperação e preservação da Independência de Portugal.»Em 1995 reitera o papel central do Ambiente. «Hoje, a problemática do ambiente não se pode circunscrever exclusivamente ao saneamento básico e à qualidade dos alimentos. O equilíbrio ecológico, dinâmico na sua essência, garantindo a interdependência dos seres e a melhor utilização dos factores físicos indispensáveis à sua existência, é, por conseguinte, também indispensável ao desenvolvimento das sociedades humanas.»Em 1997, lança o tema inovador: «...o Estado deveria associar-se como é seu dever, à homenagem que os ex-combatentes do ultramar, de todas as origens, étnicas e sociais, prestam, em cada ano, junto ao seu monumento em Belém. É que o Estado deve também pagar os seus tributos. É uma obrigação moral que lhe é exigida pelo país.»1998 é considerado por Dom Duarte um marco decisivo «já que, pela primeira vez, se utilizou o instituto do referendo para consultar directamente o povo português, sobre duas questões fundamentais. Pela primeira vez, o voto elegia uma ideia e não uma pessoa, significava por isso uma opção e não uma procuração. Os resultados destes referendos deram bem a ideia de que a nação portuguesa está coesa e consistente respondendo às questões fundamentais, com a sua memória histórica a referência dos seus valores e a determinação da sua personalidade.»Conhecer o PaísNa sequência do casamento e nascimento dos infantes, a comunicação social popular cultiva a «imagem dos reis». Assegurada a continuidade dinástica e estabilizada a rotina familiar, Dom Duarte orienta a sua actividade para o «país

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real» em visitas organizadas pelas autarquias, com apoios de várias entidades, nomeadamente as Reais Associações. Por vezes vai acompanhado por Dona Isabel e filhos. A recebê-los estão quase sempre o presidente da Câmara Municipal e outros membros da Autarquia, convidados e munícipes. As visitas primam pela cordialidade, dando azo a uma troca de lembranças. São cerimónias simples de boas-vindas e apresentação de cumprimentos; noutras vezes ocorrem conferências e exposições; noutras, ainda, há centenas de pessoas que aguardam, tributando prolongada ovação. Nalguns casos, ergue-se um clamor popular espontâneo de «Viva o Rei!».Por exemplo, no Verão de 2001, Dom Duarte visita municípios de todas as regiões do país. Em Cantanhede, onde nos Paços do Concelho terá tido lugar uma das reuniões dos Conspiradores de 1640, com o objectivo de expulsar os ocupantes, lembra as ameaças económicas de Espanha. Em Bragança, a Câmara Municipal atribui o nome de membros da Casa de Bragança a 15 artérias da cidade. Nos concelhos de Trancoso, Castelo Rodrigo e Almeida, comemoram-se festas locais. Em Ponta Delgada, a convite da Câmara Municipal, há cerimónias evocativas da visita de D. Carlos I. Na Ilha Terceira, há recepção pela Câmara Municipal de Angra do Heroísmo. Em Salvaterra de Magos há convívio e Tourada Real. Em Ourique é levada a cabo a comemoração da Batalha de Ourique e a inauguração do Centro do Castro da Cola. Na Trafaria, a visita comemora a passagem de D. Carlos e da Rainha D. Amélia. Coimbra e seu termo bem como a Figueira da Foz e Vila Viçosa são visitadas a convite dos respectivos presidentes das Câmaras.Nota: A 22 de Abril - Santarém; a 2 de Maio - Arouca, com Presidente da Câmara Municipal; a 10 de Junho - Bragança; a 23 de Junho - Visita aos concelhos de Trancoso, Castelo Rodrigo e Almeida; a 30 de Junho - Trafaria; a 15 de Julho - Ponta Delgada; a 16 de Julho - Angra do Heroísmo; a 21 de Julho - Salvaterra de Magos; a 25 de Julho - Ourique; a 8 de Agosto - Visita a Coimbra e seu termo; a 10 de Agosto - Arraial da Figueira da Foz; a 7 de Setembro - Vila Viçosa

Nestes contactos com o poder local, é usual referir-se a tradição municipalista e mais de um autarca se refere a Dom Duarte como «o fiel intérprete» da descentralização do país pelos municípios, por certo «a melhor forma de aproximar o Poder dos Cidadãos». Outra nota dominante é a luta pelo património arquitectónico da região. Dom Duarte denuncia «a não utilização de certas técnicas e materiais coevos na recuperação do nosso património» e alerta para «o perigo da especulação imobiliária que descaracteriza e mutila o país de forma irremediável». Respondem os presidentes das Câmaras que estão em marcha «Planos Directores para a Cultura» substituindo a «política do bota-abaixo» pela defesa e conservação do património construído. Noutras ocasiões, traça-se a importância da actividade agrícola da região, factor de enraizamento das populações, e o crescimento de emprego na área dos serviços.

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Ao agradecer a presença da Família Real, os autarcas fazem o discurso do poder local, como Santana Lopes, na Figueira da Foz: «Sentimo-nos desprotegidos pela ausência de altos dignitários da República, ao contrário de Dom Duarte que nos últimos anos nos tem

distinguido com as suas visitas.» Dom Duarte critica o actual modelo de governação do País, pois «em vez de se apostar na educação, saúde e qualidade de vida, continua a apostar-se no betão e em obras como os países ricos, enquanto Portugal tem situações do terceiro mundo», apesar das verbas recebidas da UE, mas desaproveitadas em investimentos que não são estruturais. Vai dizendo que os portugueses «deviam ser mais consultados sobre assuntos tão importantes como as questões da União Europeia», pois está em equação «o futuro de Portugal como Estado-Nação livre e independente, face à crescente alienação de substancial parte da Soberania Nacional, no quadro da globalização que serve, essencialmente, os interesses dos Estados mais poderosos.»Nota: Cronologia 2006-1998 apresenta estas visitas.

De vez em quando Dom Duarte deixa cair uma «bomba ideológica»: «Se eu fosse Rei, criava o Reino Unido de Portugal com os Açores, Madeira e o Continente, ao qual também se podiam juntar os países lusófonos que assim o desejassem.» Noutras circunstâncias, o presidente da Câmara Municipal de Constança iniciou as suas boas-vindas afirmando «Saúdo os futuros reis de Portugal»; teve posteriormente de se defender das críticas de Carlos Brito, do PCP, que ficou muito incomodado. Em 1996 têm lugar, em Vila Viçosa, as festas do 350) aniversário da elevação de Nossa Senhora da Conceição a Padroeira. Quase dez mil pessoas e todos os prelados portugueses estão presentes na missa na Praça da República. O presidente da Câmara, Dr. Josué Bacalhau (PSD) recebe Dom Duarte e Dona Isabel. No final do dia, o casal real atravessa a coxia central da praça. E soltam-se gritos espontâneos «Viva o rei!» e «Viva o Sr. Dom Duarte!». Um homem sai das filas compactas da multidão e exclama: «Meu Senhor, esta terra é Sua!» Em 1998, em Beja, acompanhado pelo presidente da Câmara, António Saleiro (PS), Dom Duarte visita a Ovibeja; o mesmo clamor popular que ninguém encomendou se ouve de vários lados. Na Universidade de Évora é-lhe atribuída uma cadeira especial, em cerimónia a que também assiste o presidente da República, Dr. Jorge Sampaio. Apesar do silenciamento destas actividades pela comunicação social nacional, e das objecções vindas das mais altas instâncias, as visitas têm forte eco na imprensa local que exprime um forte sentimento popular de «mudança» e de estima pela «Família Real». Cada município orgulha-se de eventos da sua história que o aproximam dos reis; a concessão de foral, a elevação a vila ou cidade, visitas e estadias régias, local de batalhas e nascimento de figuras históricas. E a principal razão para as solicitações permanentes de presença de Dom Duarte no «país real».

6.

O REI E A REPÚBLICA

«Viva a República! Viva o Rei!» Agostinho da Silva

«O juiz não pode pertencer a nenhum dos teams)»Anónimo brasileiro

O melhor regime

Monarquia? República? Entrevistado sobre os candidatos na corrida à Presidência da República em 2006, respondeu Dom Duarte: «Os três principais candidatos pareciam-me

todos excelentes. Manuel Alegre teria dado um excelente chefe de Estado porque é um homem de cultura, com o sentido da pátria, de missão histórica de Portugal no mundo, teria o papel do presidente simbólico. Quanto a Mário Soares, acho que foi um acto de coragem e patriotismo sacrificar o sossego da sua idade para se pôr ao serviço do país. Por outro lado, o Professor Cavaco Silva é um homem que inspira confiança, com a competência e capacidade que tem. Para o momento que estamos a viver, terá sido a pessoa mais indicada.»Nota: Entrevista a Magazine, Abril de 2006

Um dos mais antigos debates políticos incide sobre o melhor regime e a forma de governo preferível. A resposta actual a esta questão é muito interessante. Alguns relativizam-na considerando que os regimes variam com o tempo histórico, o espaço geográfico, as circunstâncias sociais e económicas, os caracteres dos povos,

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e assim por diante. Por outro lado, a democracia é considerada o melhor entre os regimes políticos, ou antes, o menos mau, conforme Winston Churchill.A vitória das democracias liberais na 1ª Guerra Mundial liquidou os impérios da Europa Central e da Rússia. Sobre os escombros dos impérios dinásticos ergueram-se o nazismo e o comunismo, que se entenderam até entrarem em luta de morte entre 1941 e 1945. A aliança entre as democracias ocidentais e a «democracia comunista» na 2ª Guerra Mundial esmagou o nazismo. A Guerra Fria foi um longo confronto entre os vencedores. Com a supremacia das democracias liberais do Ocidente sobre as «democracias comunistas» após 1991 surgiu uma única pirâmide de poder mundial encabeçada pelos EUA, o regime do «fim da história», como pensam as elites globalistas mundiais.A verdade é que, com excepção de alguns Estados párias, a esmagadora maioria dos regimes são democráticos. Mas, no «mundo real da democracia», como lhe chamou McPherson, uns são «mais democráticos» que os outros. Entre os mais fiéis a valores como consulta popular, direitos humanos e economia de mercado, estão as sete fortes monarquias da União Europeia, mais de vinte países da Commonwealth Britânica, além do Japão e da Tailândia. Diz Dom Duarte: «Tal como eu a entendo, a monarquia democrática não pode nunca negar que na base de toda a estrutura política estão os direitos individuais, os direitos fundamentais e, especificamente, os direitos políticos que tem cada cidadão pelo mero facto de nascer.»Nota: GONZAGA, 1995

Em 1995, na obra O Passado de Portugal no seu Futuro, Dom Duarte apresentou uma argumentação interessante e serena sobre o dilema monarquia-república. É um texto claro onde, em resposta às questões de Manuela Gonzaga, mostra o seu pensamento fundamentado e coerente sobre o papel de um monarca no nosso tempo e no nosso país. Mais do que uma série de réplicas às habituais objecções antimonárquicas, é uma séria reposição do problema. A alternativa monarquia-república é abordada na actual conjuntura nacional, europeia e mundial - e não como tema intemporal.Dom Duarte sente a necessidade de actualizar o pensamento monárquico português: «Foi-se formando em mim a convicção de que teria de ser eu a fazer esse trabalho. Não digo o de apresentar um corpo completo de doutrina (...). Mas teria de dizer claramente o que é hoje a

monarquia, quais são os seus princípios básicos, qual é a sua configuração conceptual, qual é o seu valor político, qual é o seu valor nacional.» E assim o faz.Entre os monárquicos, o livro representa um alargamento de atitudes. Para os portugueses em geral, é um apelo ao aprofundamento do patriotismo. A sofreguidão

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económica faz esquecer na prática que «uma Nação corresponde a uma caminhada no tempo: o passado, que fez o presente, que se dirige para o futuro. Estas são afirmações banais. Mas voltar a algumas verdades de base é quase sempre muito útil. Portugal é hoje o que a História fez». Na verdade, «a raiz cultural de uma nação tem de ser conhecida por todas as pessoas que vivem num determinado presente para que o ”seu mundo” ganhe pleno sentido».Nota: GONZAGA, 1995, pp. 10-11

A mensagem central é muito clara: a monarquia só é concebível em democracia. «É essencial do ponto de vista monárquico e do próprio interesse nacional, acabar com esta associação entre a ideia de monarquia e a ideia de autoritarismo. Uma das razões pelas quais concordei em lhe falar destes temas é a de eu considerar imprescindível uma revisão da doutrina monárquica em Portugal, uma actualização, uma ”reposição das coisas nos seus lugares correctos”. Confesso que durante muitos anos esperei que alguém o fizesse. Confesso que durante muitos anos pensei que do movimento monárquico saísse uma redefinição clara da doutrina. Mas, sem embargo de ter havido alguns esforços meritórios, tenho de reconhecer que tal não aconteceu.»O livro afirma uma posição central: «Temos de dizer claramente o que é hoje a monarquia, quais são os seus princípios básicos, qual é a sua configuração conceptual, qual é o seu valor político, qual é o seu valor nacional. Mas ninguém ”saiu a estacada” ainda para o fazer. Mas também me fui convencendo de que teria de ser eu por outra razão. É que havendo uma parte dos monárquicos ainda apegada às teorias autoritárias, outra que caminha para a monarquia democrática e ainda muitos outros que vivem numa tremenda confusão ideológica, só eu teria a autoridade suficiente para reafirmar uma revisão doutrinária.»Dom Duarte não receia chocar. «Porque haveria esta postura de chocar alguns monárquicos? Deve dizer-se com sinceridade o que se pensa, ter ideias e apresentar conclusões solidamente fundamentadas. Estar preparado para as explicar e até debater.» Nota: GONZAGA, 1995, p. 53

Neste sentido, Dom Duarte reinterpreta a ideia integralista da aliança entre o rei e o povo: «O integralismo apresentava essa ideia para ”saltar por cima” do parlamentarismo! Era uma concepção a que os ”sábios” chamam institucionalista. O rei seria uma instituição que tinha por função histórica e social defender os interesses ”do povo” contra oligarquias, seitas, organizações, grupos de pressão, com interesses próprios e não ”os do povo”. O rei seria uma espécie de ”grande polícia” do interesse popular!» E continua: «O que temos de afastar por completo

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não é a ideia de aliança entre o rei e o povo, mas sim a ideia de que essa aliança passa ”por cima” das instituições democráticas, tendo mesmo por objectivo bani-las. Isso de maneira nenhuma. A aliança entre o rei e o povo, ou seja, entre a instituição real e o cidadão, continua a ser certamente uma das traves mestras do pensamento monárquico. Mas é uma aliança desejada, consentida, votada, consagrada numa constituição democraticamente aceite. Então, sim.»A oposição emocional entre república e monarquia fazia todo o sentido há um século no quadro de liquidação dos impérios dinásticos. No mundo actual da democracia, essa oposição tem pouco sentido. Dom Duarte chama a atenção para este problema: «Ainda hoje, se diz em Portugal ”Estado democrático” e em França ”Estado republicano” para designar exactamente a mesma realidade: o regime baseado no pluralismo, nas liberdades, no livre exercício dos direitos políticos, no respeito pelos direitos humanos, etc., etc. Enquanto em Portugal se falaria das ”instituições democráticas”, em França referem-se as ”instituições republicanas”.»Na democracia portuguesa do século XXI, falta fé: «Outra das fraquezas é a imagem de instabilidade que a República transmite. Falta fé no sistema republicano. O País não acredita no regime em que vive. É a lógica do cada um por si, em detrimento do bem comum.»A confiança permite-lhe avaliar aspectos respeitáveis do movimento republicano em Portugal. «O movimento republicano partiu de algumas verdades, de alguns erros, de alguns equívocos». Entre os aspectos positivos... «a grande e nobre preocupação com a educação popular generalizada! A enorme preocupação com o desenvolvimento dos territórios de além-mar é outro traço notável do ideário republicano...» Entre os equívocos «...o equívoco de que a monarquia era antidemocrática!...Outro equívoco: a monarquia acobertava ”privilégios” escandalosos e ilícitos.»Monarquia antidemocrática? A resposta de Dom Duarte vem pronta: «Pelo contrário, a democracia implantou-se em Portugal à sombra da monarquia e a Constituição que até agora mais anos vigorou em Portugal foi a Carta Constitucional! Se o movimento republicano podia ganhar votos, ganhar eleições, ganhar o controlo de câmaras municipais, era porque a monarquia, eminentemente democrática, não prendeu os republicanos que ganhassem eleições. Salva a curtíssima (e a meu ver errada) experiência de D. Carlos com João Franco e outros episódios (como o do duque de Ávila e as Conferências do Casino), que são na verdade muito pontuais, não há uma atitude de repressão do movimento republicano.Privilégios dados pelos reis? Na monarquia constitucional «o Governo propunha os títulos e o rei normalmente assinava a concessão, sem debate. Com

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excepção dos títulos usados pela família real (e depois da hecatombe que vitimou D. Pedro V e os seus irmãos, a família real foi muito reduzida em número e, portanto, usou muito poucos títulos), os demais títulos eram propostos, realmente, pelo Governo.»Dom Duarte não «virou» republicano; mantém a condenação dos grandes e violentíssimos erros da I República: «Mantenho eu e mantém qualquer democrata. Os assassinatos, o terrorismo, as perseguições, o radicalismo e os desastres da ordem pública, a perseguição religiosa... não têm desculpa. E levaram muitos a condenar a República sem apelo. Eu, por mim, tenho sobre a matéria uma visão que procuro que seja equilibrada, separando ”o trigo

do joio”!»Aproximamo-nos do cerne da questão: «E, acima de tudo, o movimento republicano partia de dois princípios de doutrina: o da superioridade da designação do chefe do Estado por eleição sobre o sistema da designação por sucessão hereditária; o da ilegitimidade da união entre a Igreja e o Estado, que decorria das suas raízes ateias, positivistas e anticlericais.»A Igreja e o Estado. E o centro das questões do poder. «Quanto à separação entre a Igreja e o Estado, estou pronto a admitir que os republicanos de há um século tinham razão. (...) A separação entre as Igrejas e o Estado é, sem dúvida, o sistema mais saudável e correcto. Sobretudo tratando-se de uma Igreja universal como é a Igreja Católica.»E sobre o chefe do Estado? Chegamos, enfim, ao ponto da discórdia entre «republicanos» e «monárquicos» no grande debate sobre a melhor democracia. «Um enorme número de pessoas acredita na vantagem decisiva que para um sistema político tem uma chefia do Estado por completo independente da luta política, arbitral, consensual, exercida - aspecto importantíssimo - por uma pessoa preparada toda a vida para o efeito... A muitos republicanos esta ideia continua hoje a desagradar... Acham que todos os titulares dos órgãos da soberania devem ser eleitos... O debate não tem fim: só o voto dos cidadãos, em cada país, poderá decidir.»

Objecções e respostas

A monarquia desperta muitos fantasmas na opinião pública. Começando por ser uma ideia abstracta, cada pessoa reveste-a dos elementos que conhece. Existem tradicionalistas e republicanistas que invocam os sinais exteriores do Antigo Regime - corte, nobreza, privilégios - e medem a actualidade por esses resíduos. Existirá uma franja lunática que ainda vê o ofício do rei segundo o papel

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do rei-Sol, czares, e reis absolutos. Para a maior parte da população informada, os monarcas constitucionais cumprem funções de representação, distintas das funções de governo.O carácter e o papel da monarquia são mutáveis na história. Os reis sempre se adaptaram aos tempos. Foram guerreiros. Foram administradores. Casaram-se por «razão de Estado» com princesas estrangeiras. Hoje, os monarcas constitucionais vivem com o realismo do tempo presente. Cumprem os deveres do seu ofício. Casam-se com quem estimam. Representam «o poder dos sem-poder» e continuam a evocar o que há de melhor em cada um dos seus povos.Ainda assim, a opinião corrente estranha a amálgama de factos, ideias e instituições da monarquia ao longo dos tempos; 1) um indivíduo herda a Coroa apenas porque é filho de um outro e porque ambos pertencem a uma família real; 2) um rei influencia as decisões de um Governo, ameaçando o sistema democrático; 3) usufrui de bens nacionais que estariam mais bem aproveitados ao serviço de outras carências da sociedade; 4) é um regime que pode gerar um tarado, um imbecil, ou apenas um incapaz, timorato e volátil nas suas decisões;5) nobres, fidalgos, aristocratas e titulares, pelo simples facto de terem nascido «em berço dourado» e com «sangue azul» vão ter privilégios que não merecem;6) é um regime do passado com rituais e práticas que já não simbolizam a força nem interessam à comunidade de cidadãos: 7) é um regime de mandato vitalício e nesse sentido

promove a desigualdade entre os cidadãos; 8) é um regime não democrático porque o mandato de chefe de Estado não é aberto a todos.A escolha dinásticaPara os matemáticos, um «teorema elegante» é aquele que, entre várias possibilidades de solucionar um problema, optimiza o número de variáveis. A monarquia tem uma solução elegante do problema político porque faz coincidir o interesse pessoal do monarca com o interesse geral da nação. E a grande vantagem da sucessão hereditária em monarquia democrática sobre a eleição do chefe do Estado em democracia republicana.O principal interesse privado do monarca é a prossecução do interesse público. A probabilidade de conservar a Coroa para si e seus descendentes é maior se agir no sentido do bem público. «O compromisso essencial do rei deve ser com a obrigação de serviço que lhe foi legada pela História e nunca o da ideia de defesa ou prossecução de interesses pessoais ou da sua família!»Nota: GONZAGA, 1995, p. 85

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Baseada na sucessão hereditária, a instituição monárquica retira a chefia do Estado ao conflito dos interesses particularistas, sejam estes fundados no número de votos, na riqueza dos grupos financeiros ou na pressão da comunicação social.O interesse particular da monarquia é a persistência da Coroa. Mas esse interesse coincide com o interesse geral da nação; é interesse da dinastia régia lutar contra o particularismo das oligarquias evitando que ameacem o equilíbrio nacional: nenhum grupo deve concentrar demasiado poder. Se a monarquia não for «moderna» não sobrevive: «As monarquias são sempre modernas e simbolizam sempre as suas épocas. Na Idade Média, o rei era o cavaleiro, militar e guerreiro à frente nas batalhas; na Renascença, o rei era um cientista, defensor das artes e da cultura. Hoje em dia, os reis aparecem como chefes das Forças Armadas, vestidos de uniforme militar. Essa é a função mais nobre que simboliza a responsabilidade dos reis de defenderem o país».Nota: Nota: Entrevista in Magazine, Abril de 2006

A sucessão dinástica permite aumentar a estabilidade. As políticas governamentais estão condenadas pela estrutura eleitoral à projecção e à exaustão nos tempos curtos, no improviso, no contraditório, no precário; e ficam submersas na contingência dos interesses, das expectativas, das sugestões, dos boatos e exigências particulares. Afirmou Dom Duarte em entrevista sobre as eleições presidenciais de 2001: «Se os 50 por cento de abstencionistas fossem pessoas convictas da importância do sistema republicano de chefia de Estado teriam ido votar para afirmar a sua posição. Pode ser um sinal de falta de fé na república.»Nota: Entrevista ao Diário de Notícias, 3 de Março de 2001

Se a sociedade é bloqueada pelo imobilismo das políticas «a prazo eleitoral», o monarca adopta uma posição «progressista» e pressiona no sentido de os governos procederem a transformações e reformas. Quando a sociedade é agitada e os estímulos forem demasiado fortes, cabe ao monarca adoptar uma posição «conservadora» e contribuir para a moderação da dinâmica social, civil e institucional. Este «radicalismo do centro» tem a maior importância no Portugal liberal, desde a outorga da Carta Constitucional, ou desde o

famoso discurso de Porto Pireu, de Almeida Garrett, em 1840, até à definição do «centrismo» social-democrata por Amaro da Costa em 1974, que acabou por se propagar ao sistema político português.A dinastia permite que um rei «seja preparado» como um profissional, mediante a educação e o carisma. Um presidente gasta a metade inicial do mandato a aprender, e a outra metade a preparar-se para a eleição seguinte; a sua lealdade inicial é para quem o elegeu. «Por outro lado, os presidentes podem ser pessoas dedicadas, inteligentes - como felizmente têm sido e são os presidentes

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portugueses -, mas são geralmente pessoas que vieram de um partido e de uma carreira política, o que torna muito difícil que de um dia para o outro deixem de ser o militante político que sempre foram. É um esforço que não pode ser exigido a ninguém. Na minha opinião, esta é uma das grandes fraquezas da República.»Nota: Entrevista a O Diabo, 1 de Fevereiro de 2005

O rei é um profissional genuíno, um perito no ofício do Estado. O seu círculo eleitoral é a nação inteira, que deve servir com profissionalismo. Em todas as situações da vida, o perito é melhor que o amador; e o conhecimento e a experiência podem compensar a ausência de ambição de quem já está no topo. Numa época de profissionalismo e especialização, é curioso que se fale pouco que um soberano educado para servir o país faça melhor figura que um amador político.

Independência ou ingerência?

A função de um monarca é a de moderar os poderes existentes e ajudar a ultrapassar crises políticas. Esta função exige uma constante adaptação, argutamente verificada por João Bettencourt: «Na história milenar da Monarquia, evoluiu-se do poder total para a total ausência de poder. Não quer isto dizer que o regime monárquico se adapte sem critério à evolução dos tempos, como uma massa informe e fluida se adapta aos continentes. O que é facto é que, no apreço das contingências, o regime monárquico consegue, de uma forma tão profunda como eficaz, encontrar a melhor maneira de corresponder ao interesse comum e à filosofia da construção democrática. O poder total, quando todos os outros poderes eram incipientes ou inexistentes; a ausência de poder, quando todos os poderes atingiram o ápice da sua expressão própria, consagrada directa ou indirectamente no voto popular.»Nota: João Bettencourt, Setembro de 2004, A Chefia de Estado, Webpage RAL

Um presidente não é verdadeiramente presidente de todos, mas sim de todos os grupos que lhe permitiram alcançar o cargo. É impossível ser eleito sem apoio financeiro e sem obrigações para as minorias que o propuseram. Assim, há um perigo muito real e constante de que a República cesse de proteger os interesses e os direitos de todos os cidadãos, quando o acesso ao cargo supremo é apanágio de um restrito grupo e o coroamento de uma carreira partidária. «(...) Os políticos que acedem ao cargo transportam na sua biografia quase sempre uma fervorosa militância partidária que, consciente ou inconscientemente, acaba por condicionar os seus actos. É vulgar verificar-se no exercício do cargo um

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protagonismo tão vivo que dir-se-ia uma procura artificial de conteúdo para um cargo que efectivamente é de conteúdo reduzido, o que, numa situação mais sensível, pode conduzir ao súbito agravamento das situações e até à lesão constitucional, com evidente prejuízo do sistema democrático.»Um rei não deve o cargo a um corpo de eleitores nem ao apoio de grupos poderosos; o seu ofício e poder derivam da nação histórica. É um moderador; pertence a todos, e não a 33%, 51% ou nem sequer a 99% do eleitorado. Não deve lealdade a um partido ou a uma facção, mas a um país. É independente, e não tem necessidade de manobras políticas para mobilizar votos! «Os reis de hoje na Europa, na Ásia e no resto do Mundo, são isentos politicamente. Que me lembre nunca no século XX, na Europa, um rei exerceu um veto político contra um Governo. Essa atitude é privilégio de algumas repúblicas...»Nota: Entrevista a O Diabo, 1 de Fevereiro de 2005

A monarquia parlamentar assegura a autonomia do Estado e das suas instituições essenciais - forças armadas, diplomacia, magistratura, quadros superiores da administração. Isso acontece por razões de ordem institucional, mas também por razões de concentração de esforços em torno da personalidade régia. Símbolo da unidade nacional, com a autoridade que nasce de uma legitimidade não partidária, o rei chama a si a representação das estruturas do Estado. «Certamente por forma muito menos ostensiva. Mais discreta. Como exige o equilíbrio entre a neutralidade real perante a governação e os limites da ”magistratura de influência”... É óbvio que um rei tem de manter ”em surdina” muitas das suas posições pessoais!»Nota: GONZAGA, 1995

E lembra Dom Duarte: «O general Ramalho Eanes disse, no final do seu mandato, que tentou agir como um rei, mantendo sempre uma grande independência em relação às forças políticas. Foi um excelente presidente como, aliás, Mário Soares. Sucede, porém, que quando a população começa a gostar do presidente e a querer que ele continue como chefe de Estado, a Constituição proibe-o depois de dois mandatos.»Nota: Entrevista a Ensino Magazine, 2005

Um rei não tem de ser uma pessoa excepcional, mas é decerto uma pessoa com uma missão excepcional. A fórmula antiga «pela graça de Deus» lembra que o rei deve a sua posição a um acidente do nascimento, e não aos próprios méritos, e «deve provar a sua aptidão por esforço incessante na causa da justiça», como diz Otão de Habsburgo.O presidente da República deve a sua eleição a uma facção política, o que divide a população e torna artificial a reivindicação de que representa «o povo».

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Na realidade, é uma peça da engrenagem política que inclui o poder legislativo parlamentar e o poder executivo do Governo. Apesar de a ficção constitucional afirmar que um presidente em regime semipresidencialista tem poder executivo, não é isso que sucede na prática. Talvez por isso, a maioria das repúblicas criou «monarquias constitucionais simuladas».

Nota: GONZAGA, 1995

Pode um rei manter a equidistância entre partidos políticos? «Tem sido sempre assim na Europa, pelo menos nos últimos 100 anos. O rei, estando fora da política, consegue criar um consenso em seu torno, e só intervém influenciando discretamente ou em temas que são a defesa de valores permanentes ou então quando acontece uma grande crise que afecte a segurança nacional. O monarca, com o seu exemplo ao longo da vida, contribui para a unidade nacional e para mobilizar os bons impulsos da sociedade. No Japão, os americanos perceberam, no rescaldo da II Guerra mundial, que era indispensável o imperador para poder reconstruir aquele País e mantiveram-no lá, pese embora ser o líder inimigo por excelência durante o conflito.»Nota: Mensagem de 1977

Graças a continuidade e autonomia, identificação com o Estado e suas instituições fundamentais, a monarquia constitucional subtrai o vértice do Estado ao conflito das eleições recorrentes, ao do utades. Resolve de maneira automática e comparativamente pacífica o problema crucial da sucessão do poder ao nível estadual mais elevado. Como diz Dom Duarte: «Não sou chefe político. Não me identifico com partido algum. Não procuro propagandas eleitorais, nem dependo delas. Não me cabe, em suma, fazer política na acepção comum da palavra. O Herdeiro dos Reis de Portugal não tem de pretender; ele detém a Representação imprescritível de um Princípio, cabendo-lhe aguardar quando os Portugueses possam, porventura, decidir sobre as Instituições. Não cabe à Realeza impor-se, mas sim escutar o chamamento do Povo. Não me cabe pois pretender; cabe-me estar ao vosso dispor. O Rei só se justifica como Chefe livre de uma Nação livre.»

Quem é «incapaz»?

O egoísmo de um rei é ser altruísta: servir o país, e não ser servido. Isto diz bastante sobre a monarquia como regime e como modo de vida. O rei é o primeiro servidor do país. Afinal, o termo ministro vem de servus ministerialist a Administração Pública é um Serviço Público, embora o termo afrancesado «funcionário público» diga menos que o britânico public servant.

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Como referência institucional, a instituição régia é talvez a expressão suprema mais resistente às perturbações da experiência colectiva. Uma das vantagens da monarquia é a estabilidade. O monarca é um símbolo permanente da comunidade democrática de cidadãos. Representa a nação acima da política partidária e das políticas públicas; representa o país, mas não governa. Encarna, com a sua continuidade, a colaboração das gerações. Nas variáveis conjunturas nacionais, assume a função mais distintiva da liderança política que é a projecção nos tempos longos, a constância das grandes directrizes e a defesa dos interesses nacionais permanentes.Em república, o sucesso tem de ser imediato. O espectro da reeleição conduz às políticas a curto prazo. Um rei não enfrenta a eleição, e pode apoiar planos e políticas a longo prazo, para a duração do reino, que é a sua vida, e para a sucessão hereditária. Um monarca, por causa de seu papel simbólico, tem maior responsabilidade que um político profissional. O

príncipe Norodom Sihanouk do Cambodja disse: «O dever de um rei ou de um príncipe digno do nome consiste em ratificar, em todas as circunstâncias, os ideais mais nobres e os mais legítimos da nação a que pertence.»Contudo, é um facto bem conhecido que o maior risco do sistema monárquico é a possibilidade de suceder no trono um «homem sem qualidades». Será este risco impeditivo da monarquia? Mesmo na autocrática Arábia Saudita, o rei Saud foi deposto pela família, e substituído pelo seu irmão Faisal. Além disso, este perigo, não é exclusivo das monarquias. Adolfo Hitler, o aiatola Khomeini, Fidel Castro, Idi Amin, Muammar Qaddafi, Saddam Hussein foram escolhidos em repúblicas. No defunto século XX, numerosas repúblicas elegeram presidentes fracos e aceitaram chefes autoritários que receberam, durante decénios, o aplauso das massas, chefes políticos que dispunham de um poder mil vezes superior ao dos modernos monarcas hereditários e que o conquistaram graças à astúcia e à manipulação.É certo que, em democracia republicana, através do voto pode-se revogar os governantes, os autarcas, os parlamentares, e todos os que antepõem o seu interesse «privado» e/ou «da parte» ao interesse público, e pode-se demitir o chefe de Estado doentio ou louco. Nas monarquias constitucionais europeias... também!As leis fundamentais em todas as monarquias parlamentares prevêem mecanismos de destituição do monarca em situações «de patologia» pessoal ou política. Cada país tem uma solução concreta para remover o risco de uma eventual «incapacidade» do rei. ”O rei «incapaz”... é deposto: pelos mecanismos naturais da abdicação ou da regência. Entre nós, D. Afonso VI, apesar das formidáveis vitórias com que os seus generais decidiram a guerra da restauração, foi considerado

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inapto para governar... e afastado. O seu irmão, D. Pedro II, assumiu a regência. E dou-lhe ainda o exemplo de D. Maria I que, tendo sido um dos maiores governantes da nossa História, não resistiu a pressão psicológica da «Revolução Francesa e aos escrúpulos que lhe causavam as atrocidades que seu Pai deixara o Marquês de Pombal cometer. Endoideceu... e foi substituída pelo seu filho D. João, primeiro Regente e depois Rei como D. João VI.» lNota: GONZAGA, 1995, p. 57

Além das incapacidades «físicas», existem crises de confiança política susceptíveis de surgir num contexto que crie afastamento entre a opinião pública e o rei: «A flexibilidade das instituições monárquicas tem sido posta à prova com sucesso. Na Europa do século XX, abdicaram diversos monarcas por razões então consideradas justas. Eduardo VIII abdicou em 1936 por sentir a impopularidade do seu casamento. Afonso XIII abdicou em 1931, tentando impedir a radicalização entre os espanhóis. Leopoldo da Bélgica abdicou em 1945 para ceder lugar à filha. Humberto de Itália abdicou em 1946, por considerar pouco expressiva a maioria que se pronunciou pela monarquia. As monarquias democráticas não geram o perigo de um rei politicamente ”agarrado” ao trono!»As actuais constituições das monarquias europeias têm dispositivos que definem muito claramente a sucessão no trono conforme a ordem regular de primogenitura. Também definem outro tipo de disposições que regulamentam a possibilidade de regências, no caso de impedimentos, quer por motivos naturais de menoridade do herdeiro ou por motivos

forçosos de debilidade ou corrupção. Será ainda de considerar a tutela do herdeiro na sua menoridade. Se há monarcasincompetentes? «Também os houve e haverá. Mas, por exemplo, na Europa do século que acabou dificilmente se consegue encontrar um mau rei, enquanto se encontram facilmente presidentes pouco recomendáveis... Reino Unido, Espanha, Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Suécia, Dinamarca, Noruega são países onde a monarquia democrática tem dado as melhores provas. O caso do rei D. Juan Carlos é Rei de várias nações. No fundo, o rei de Espanha e o rei da Bélgica são os principais factores de união nos respectivos países. Os Espanhóis, em sondagem de 2002, chegaram a dizer que são mais juancarlistas do que monárquicos. E os Belgas dizem com graça que só há um belga, que é o rei, porque, como se sabe, os outros são flamengos e valões.»Nota: Entrevista a O Diabo, 1 de Fevereiro de 2005

Mas há ainda uma objecção prática ao republicanismo. As substituições de cargo em democracia republicana são mais fáceis de teorizar do que de aplicar;

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acontece frequentemente que se troca um presidente bom por um outro de menos confiança, que se elege um «candidato parlamentar desenvolto» em vez de um «sério», um «demagogo» em vez de um «rigoroso», etc. O ponto é que em democracia republicana a possibilidade de substituição das personalidades políticas, não sendo circunstância a desprezar, não modifica a tendência de fundo que aponta para uma involução demagógico-oligárquica, onde a prossecução dos interesses particularistas se torna irresistível. «...O rei, simbolizando a intemporalidade da Nação colocada na chefia do Estado, poderá representar para quantos cidadãos constituem essa Nação um ponto de referência permanente, neutro das lutas políticas e ao qual cabem, em última instância, prerrogativas de defesa da própria constituição, da própria democracia, dos próprios direitos humanos e em suma, das próprias instituições supremas da organização colectiva.»Nota: GONZAGA, 1995, p. 46

Enquanto em monarquia parlamentar o particularismo afecta apenas o príncipe, em democracia republicana o defeito fere todo o sistema. E este é o ponto: sem um elemento unificante, o oligarquismo, inevitável na democracia, começa a oscilar entre dois extremos: a concentração descontrolada e a pulverização e a desintegração dos centros de poder: em ambos os casos, é a perversão do pluralismo democrático.

Partidos Políticos e Partido de ServiçoExiste desde a Grécia antiga uma distinção decisiva entre dois regimes políticos: a aristocracia e a oligarquia. Muito resumidamente, em oligarquia «alguns» usam o poder no interesse de si próprios, enquanto em aristocracia «alguns» influenciam o poder no sentido do interesse geral. A ciência política actual indica com a palavra «oligarquia» todos os grupos com objectivos «corporativos» e «particularistas», e que usam o processo de comotação para restringir o acesso ao seu grupo restrito. O termo «aristocracia» caiu em desuso e tem má conotação pública. Contudo, permanece a necessidade de identificar os grupos que na vida pública servem uma causa de interesse geral e não «se servem» a si próprios.

As democracias modernas têm lugar para os interesses particulares da sociedade e representam os interesses gerais através dos partidos políticos. Em democracia, a movimentação dos interesses generalistas corre através das estruturas dos partidos políticos. Em democracia, nós elegemos os eleitos; ou seja, escolhemos entre representantes seleccionados por aparelhos partidários. Esta definição é

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neutral e não expressa um juízo do valor; a democracia funciona assim. Mas os partidos políticos só servem a democracia quando são representativos. E só são representativos se forem buscar parte dos seus membros à «aristocracia de serviço», a parte da «classe dirigente» que pensa no bem comum e não nos seus interesses particulares.A democracia está exposta ao risco da degenerescência oligárquica, como ensina a escola italiana de ciência política. Mas Guido Dorso, o teórico da moderna democracia italiana pós-1945, acrescentou que a degeneração começa quando os membros da classe política deixam de ser recrutados na classe dirigente. Começam então a acumular-se os problemas da corrupção; de falta de representividade; de incompetência pura e crua; em último caso, da cedência e da traição perante as forças internacionais do dinheiro e da influência. Este fenómeno, «a lei de bronze das oligarquias», tira expressão às personalidades independentes que querem o bem comum. A classe política serve-se a si mesma e não ao seu país; a democracia fica em perigo.A quem pode a democracia recorrer para ganhar um novo fôlego?A democracia não pode prescindir de grupos de vocação generalista, a que poderemos chamar «aristocráticos» no sentido em que «dão o melhor de si mesmos» à república. Quando o Estado é assaltado pela concentração de grupos oligárquicos que agem contra o interesse geral, contra a continuidade, duração, e missão da nação, então é preciso garantir a democracia por outros meios.As personalidades cuja principal vocação é o serviço estão no Estado: militares, diplomatas, professores, magistrados, profissionais da saúde, administrativos. Mas também operam no sector privado, nas profissões industriais, comerciais, agrícolas, nas empresas, nas artes e ofícios, na investigação científica e tecnológica. E muitos estão nas organizações da sociedade civil que prestam cuidados, que operam com recursos humanos, e nas associações cívicas de defesa dos direitos humanos, do ambiente, do património. Podem pertencer (ou ter pertencido) a partidos ou ser independentes. Podemos designar como o «Partido do Serviço» esta força «aristocrática» nas sociedades modernas.Um dos papéis do rei é o de constituir uma referência institucional para esse «Partido de Serviço» formado por todos os que cuidam do interesse geral, pertencendo ou não a partidos. A monarquia constitucional vincula à Coroa as estruturas fundamentais do Estado (forças armadas, diplomacia, magistratura, administração); exige cumprimento das suas regras, impõe justas lealdades, protegendo tais ofícios e cargos das pressões e da intrusão das facções. Evita que as partes arrastem a unidade nacional para os interesses particulares. Protege o Estado em sua coerência decisional e operacional, na persistência e na imparcialidade

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das leis. Garante a personalidade dos grupos institucionais, na autonomia da sociedade

civil, e garante todas as liberdades compatíveis com a dignidade e o exercício da autoridade.Sobre todos estes aspectos, Dom Duarte tem vindo a acumular «avisos à navegação» em sucessivas Mensagens do 1º de Dezembro desde 1977. Merecem-lhe atenção, antes de mais, as Forças Armadas, nas quais serviu com distinção: «Eu próprio servi sob esta bandeira. Muitos e muitos portugueses morreram vendo nela o símbolo da sua Pátria. Muitos heróis foram sepultados nela envoltos». E lembra as grandes tarefas dessas forças: «Hoje cabe às Forças Armadas não só o indeclinável dever de assegurarem a defesa do solo pátrio e participarem, com os nossos aliados, na defesa de um espaço geoestratégico comum, como um relevante papel no quadro da cooperação com os Países Africanos de Língua Portuguesa.»Aluno do Colégio Militar, que completou 200 anos em 2002, considera-o uma escola modelar, que faz dele um Colégio para o futuro, precisamente porque tem passado: «Portugal não se pode eximir de assumir compromissos militares de natureza colectiva, sendo necessário uma Instituição Militar credora da nossa confiança e portadora de valores onde o País se reveja. Para o conseguir, lembro os serviços centenários prestados pelo Colégio Militar, formador de grandes figuras que orgulharam a Pátria.»Nota: Mensagem de 2002

Na sequência do abalo que provoca no país o chamado caso «Casa Pia», adverte sobre a credibilidade da Justiça: «O que mais ressalta da actual situação- sem discutir agora a quem cabe a responsabilidade maior - é que o povo começa a dar sérios e constantes indícios de que não confia na Justiça. Ora, uma Justiça que não induz confiança é como se não existisse! Que a falta de credibilidade comece a atingir os mais variados sectores da sociedade portuguesa é já, por si só, dramático; mas quando a Justiça é afectada, é porque estão em crise os próprios fundamentos do Estado de Direito.»Nota: Mensagem de 2004

As eleições presidenciais dividem o «Partido de Serviço» entre apoiantes dos vários candidatos. Um rei permite institucionalizar uma «aristocracia do serviço público», conferir-lhe prestígio, reconhecimento, autonomia, espírito de dedicação. A «força tranquila» da Coroa garante melhor a independência do Estado perante as forças do voto partidário, do dinheiro e da imagem. Um rei não dirige um partido nem representa uma classe. A Coroa pode combinar as lealdades dos partidos que podem discordar em tudo o mais, mas é um símbolo de unidade. O papel da monarquia belga ou espanhola é por demais evidente na unidade dos respectivos

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reinos. «O problema, hoje, consiste em possuir instituições democráticas e judiciais que efectivamente respeitem os direitos, as liberdades e as garantias. E um Rei tem geralmente mais sensibilidade e independência... Estou convencido de que um rei defende melhor a República do que qualquer presidente, como disse recentemente o primeiro-ministro da Holanda. A realidade diz-nos que um monarca tem mais possibilidades de contribuir para o bom funcionamento das instituições da República, que revelam maior instabilidade quando não há um rei. Se é assim em toda a parte, porque que é que cá não deveria ser? Quanto à minha posição pessoal, é indiscutivelmente muito mais confortável estar na minha situação

actual do que assumir essas responsabilidades...»Nota: GONZAGA, 1995

Em resumo: sem o «Partido de Serviço», um monarca fica privado de meios de intervenção, participação e da acção. Sem monarca, o «Partido de Serviço» fica privado de fazer vingar o interesse geral.

ParlamentarismoConfrontado com o parlamentarismo, que pensa Dom Duarte? «Tenho de lhe dizer com sinceridade que não sou um admirador do bipresidencialismo ou semipresidencialismo. Acho (e isto é uma verdadeira banalidade!) que funciona sem problemas quando o primeiro-ministro e o presidente são do mesmo partido e que pode gerar problemas institucionais de maior ou menor gravidade quando o não são. A expressão mais perfeita da estrutura política atinge-se, no meu entender, com o mais elevado grau de simplicidade, transparência e eficácia. É, para mim, o que se torna possível na monarquia constitucional, na qual os poderes políticos do rei não sejam, nem de longe, tão amplos quanto os de um presidente em bi ou semipresidencialismo. Em Portugal tem havido bons e maus períodos de co-habitação... Mas tende a haver uma tensão latente (ou não!), entre as duas legitimidades eleitorais... ”Crises” baseadas em complexas situações pessoais e/ou partidárias, crises predominantemente ”de pessoas”, de relações pessoais, alimentadas por meios de comunicação, sondagens, raciocínios subtis de políticos, intelectuais, comentadores e opinion makers diversos... tendem a tornar-se quase incompreensíveis para o cidadão comum. Que instintivamente ”reage mal”.»Será a Monarquia só compatível com o parlamentarismo? «Bom... Eu não faço uma afirmação tão radical... Teoricamente nada impede o Rei de ter constitucionalmente os poderes que teria um Presidente em regime presidencial ou

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semipresidencial! O que me parece é que seriam péssimas soluções! No presidencialismo o presidente é o chefe do Executivo! Ora já disse por diversas vezes que me parece hoje absolutamente fora de questão que o Rei governe, que seja o chefe do Governo! Parece-me simplesmente impossível retirar a chefia do Executivo do âmbito do sufrágio periódico!»A chefia do Estado hereditária, neutralizada do ponto de vista eleitoral e partidário, e com poderes de intervenção na vida política reduzidos e rigorosamente definidos pela Constituição, é a hipótese na qual se tornam, de longe, mais improváveis os conflitos institucionais!Uma monarquia assim concebida mais não é do que uma república coroada. Muitos dirão que as diferenças, sendo tão pequenas, nem justificam a mudança: «... Só que as diferenças não são pequenas!! O presidente da Alemanha ou da Itália têm, no fundo, uma legitimidade meramente derivada da de um Parlamento ou outro Colégio Eleitoral. E o Rei teria sempre a legitimidade Nacional e Histórica que a Constituição tivesse consagrado. Poderia exercer os seus poderes com total distância da luta eleitoral...»Nobreza ou «Nobre Povo»?Contra a ideia de que a monarquia é um regime que «cobre os privilégios da nobreza» Dom Duarte é taxativo: «Não há privilégios para ninguém na monarquia democrática. Os privilégios de que alguns cidadãos possam beneficiar mais de que outros, numa sociedade

democrática, quer ela seja uma república quer seja uma monarquia, são apenas aqueles que tenham ganho por si dentro da legalidade! ”Privilégios nobiliárquicos” originários no nascimento... isso aconteceu na História.»Nota: GONZAGA, 1995

Sobre a nobreza na origem, ou melhor, sobre a nobilitação formal de uma pessoa como forma de distinção de serviços prestados à colectividade, afirma: «No passado, esses serviços à colectividade confundiam-se com os serviços prestados à pessoa do rei. Nas monarquias nas quais ainda se continuam a dar títulos (e não são todas), quem propõe ao Rei os títulos a conceder é o Governo. O prémio a dar ao cidadão que se distinguiu cabe dentro dos poderes do Governo. O rei, de novo, exerce aí uma função, como atrás já disse, algo semelhante à de um ”grande notário” que dá fé pública.«A nobreza só tem verdadeiramente sentido depois deste «prémio» inicial dado a alguém que prestou um serviço, se se pretender que a memória do serviço

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prestado e daquele que o prestou não seja esquecida e se perpetue no culto de uma família. Isto é: um título corresponde a um nome impessoal que uma família assume. Esse ”nome impessoal, Visconde de, Barão de, Marquês de, etc., passa a ser usado através dos tempos. Esta é a racionalidade da instituição da nobreza: o ”feito” ou ”serviço” foi importante para justificar que a lembrança daquela pessoa deva, para nunca se perder, gerar um nome intemporal. (...) Em resumo: há séculos, é certo, a nobreza foi essencialmente constituída por um número restrito de grandes potentados, por um conjunto de famílias que fizeram Portugal e depois a sua expansão no mundo. Com o advento da monarquia constitucional e com o liberalismo, entrou-se num regime em que o próprio Governo propunha ao rei, como acima disse, a criação de títulos. Um modelo que, como disse também, é comum nas monarquias modernas.»Nota: GONZAGA, 1995, pp. 62-63

Em termos históricos, acrescenta Dom Duarte: «Quando a monarquia foi substituída pela república em 5 de Outubro de 1910, os títulos deixaram de ter valor legal. Mas (...) não desapareceram da vida social. Ou seja (...) continuaram a ser usados. Falecido o rei D. Manuel II sem descendentes e assumida a chefiadinástica da casa real portuguesa, (...) começaram a aparecer em torno de meu Pai, pessoas a pedir uma confirmação do uso de um nome que na verdade não podiam ir solicitar ao registo civil.» Em meados dos anos 40, criou-se então o Conselho de Nobreza que aplicou a sucessão nos títulos de nobreza e aos brasões as regras que estavam vigentes até 5 de Outubro de 1910. «Assim mantém-se um elo entre a tradição colectiva que é representada pelo chefe da família real portuguesa e a tradição específica daquelas famílias que, animadas por um sentimento tradicionalista, pretendem continuar, ao menos por um nome, ligadas a grandes ou pequenos episódios da nossa História.»Devido a dificuldades de funcionamento, o Conselho de Nobreza foi dissolvido por Dom Duarte em 2003. Em sua substituição foi criado o Instituto da Nobreza Portuguesa - com sede no Palácio Fronteira e presidido pelo marquês de Lavradio - que não está habilitado ao reconhecimento de direitos de uso de título. Aliás, em Portugal, os títulos de juro e herdade não são mais de 50 ou 60.

Nota: Cf. Documentação, Parte II

«Em suma: a nobreza não é hoje ”coberta” pela ordem jurídica. Há monarquias onde os títulos não são usados. No Japão foram mesmo proibidos. Entre a monarquia e a nobreza existe o traço de ligação da defesa do tradicionalismo, que é bom e válido; mais nada. (Note-se que os títulos, os tais ”nomes intemporais” são admitidos, sem complexos, no Registo Civil de grandes repúblicas como a

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Alemanha e a França! O [penúltimo presidente da República Federal Alemã era tratado oficialmente pelo seu título de barão).»Nota: GONZAGA, 1995, p. 64

Por vezes, há quem pergunte a Dom Duarte se, caso a monarquia fosse restaurada em Portugal e subisse ao trono, faria uma grande (ou pequena) distribuição de novos títulos? A sua resposta vem sempre espontânea: «Por mim não faria distribuição nenhuma!... Limitar-me-ia a aguardar que os poderes que integrassem a área do Governo me propusessem, como os governos propõem às rainhas da Inglaterra, da Holanda, ao rei de Espanha ou da Bélgica, uma ”lista de honras” que em qualquer 10 de Junho, como fazem os presidentes da República, pudesse ser, numa cerimónia mais ou menos solene, ratificada pelo Rei. Penso também que, num clima de perfeita articulação constitucional, o rei poderá sugerir (mas nunca impor!), a um primeiro-ministro com quem tenha uma conversa franca, um nome, uma recompensa... mas para além deste limite, entendo que se não deve ir. Eu, pelo menos, não iria com toda a certeza.»Nota: GONZAGA, 1995, p. 65

Quanto custa?A questão dos custos da monarquia tem particular repercussão em Portugal, onde o chamado «escândalo dos adiantamentos» serviu no ataque à Casa Real em1907. Tudo se resumia a que, dada a exiguidade da Lista Civil - a verba que as Cortes votavam para o sustento da Casa Real e que se mantinha espantosamente inalterada desde os tempos do rei D. João VI - o Governo tinha de adiantar verbas, o que desequilibrava a contabilidade. Diz Dom Duarte: «De tudo quanto se pode estudar sobre o problema dos adiantamentos à Casa Real, conclui-se que nenhuma desonestidade, nem de longe, foi cometida pelos últimos reis de Portugal. Que tinham uma lista civil modesta é inquestionável. Que, do ponto de vista do prestígio da representação externa do País, se tornava necessário gastar mais dinheiro, era uma imposição dos factos. Que o Governo, movido mesmo por essas razões, fazia adiantamentos, também é indiscutível. Acho que a propaganda antimonárquica envenenou essa situação e criou mitos que hoje, com a serenidade da distância de um século, não subsistem.»Nota: GONZAGA, 1995, p. 82

Mário Saraiva, num dos seus notáveis textos, cita, a propósito, uma passagem das Últimas Farpas de Ramalho Ortigão: «Um republicano, num qualquer comício, captando a atenção dos que o ouviam, pôs-lhes mui habilmente e graficamente

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diante dos olhos este argumento aritmético demonstrativo da fome da naçãooriginada pelo escândalo da lista civil no Orçamento Geral do Estado. O orador somou, parcela por parcela, o que receberiam o Rei e as demais pessoas da Família Real; dividiu o total (...) pelo preço de dois pães e demonstrou pelo quociente que cerca de 400 mil famílias receberiam de graça dois pães de pataco desde o dia imediato ao do advento da República, em que se distribuísse pelo povo o que devorava a realeza. Ora sucede que, abolida a Monarquia (...) nenhum pão de pataco dos 800 mil que ingeria o Rei foi por enquanto distribuído ao povo.»O «problema dos patacos» passou hoje para a presidência da república. Nuno Pombo escrevia em 2000: «O que não se pode esquecer é que o ”ganho” é uma realidade diferencial, consiste na diferença entre custos e proveitos. Poupou-se na lista civil, mas têm os Portugueses, habituados a orçamentos matemáticos, de pagar mais de três milhões de contos para sustentar a presidência da república. Pagamos o presidente em exercício, o que significa pagar: a Casa Civil, num total de 55 pessoas, que custa, por ano, mais de 600 mil contos; a Casa Militar que custa mais de 100 mil contos; o Gabinete (65 mil contos); pagamos ainda o Serviço de Segurança; o Centro de Comunicações, o Serviço de Apoio Médico, o Conselho Administrativo, a Secretaria Geral e, surpresa das surpresas, o Gabinete de Apoio ao Cônjuge do Presidente da República!!! Suporta o País ainda os anteriores presidentes e respectivos gabinetes, bem como os elevadíssimos encargos periódicos das próprias eleições, para não falar das respectivas campanhas.»Afirmar que as monarquias contemporâneas são um regime caro é uma distorção dos factos; os números mostram que são, certamente, mais baratas que muitas repúblicas. O rei Simeão da Bulgária disse em entrevista: «Ficaria muito surpreendido se algum monarca europeu custasse mais ao contribuinte do que qualquer república europeia democrática... Em termos muito simples, e considerando a fraqueza humana, acho que o ”apetite” de um rei deve ser logicamente menor porque a família esteve no trono durante gerações e foi-lhe sempre dito que está lá para servir e não para se servir!»É um mito que a monarquia seja mais cara que a república. Cálculos feitos em 2003 mostraram que a monarquia britânica custava a cada contribuinte entre61 e 79 pence por ano, conforme os critérios. Aliás, mesmo que a GB fosse uma república permaneceriam sempre custos com a manutenção de património que são os palácios reais. No ano fiscal cessante em Março de 2004, custava ao contribuinte £36,8 milhões, um aumento de 1,7% sobre ano anterior, mas uma redução real de 1%. Entretanto, a Presidência da Irlanda custava ao contribuinte £1,50 por ano, a da Itália £1,23, a monarquia espanhola custava £0,45.lNota: Two years ago the monarchy cost each British citizen the equivalent of a cheap loaf of bread a year. Now it costs just under two pints of milk. http://xo.typepad.com/blog/2004/06/monarchy_costs_.html

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A monarquia em Portugal ressuscitaria este tipo de problemas? O que seria a lista civil numa monarquia no início do milénio? Do que viveria o rei? «De que vive o presidente da República? Se lhe cabe representar internacionalmente o Estado português não envergonha ninguém... O dinheiro que se gasta com o presidente da República ser-me-ia mais do que

suficiente para viver, desempenhando as funções de chefe do Estado. Que não tenha nenhum português a ilusão de que uma monarquia sairia mais cara. De forma nenhuma! É verdade que uma certa mitologia e um certo folclore habituaram muitos a pensar em reis cobertos de pedrarias, fazendo caçadas colossais, participando constantemente em enormes touradas com muitos marqueses e muitos campinos, tendo iates gigantescos, mantendo uma corte caríssima, etc., etc. Equívocos que vêm de outros tempos, de outras eras, de outros contextos. Repare (designadamente quanto ao número de servidores da Casa Real), que em Espanha ”a corte” não foi restaurada. Não há, portanto, em torno do rei, uma nuvem de altos dignitários que por alguma forma ou outra, mesmo não recebendo ordenados, pudessem ser causa de despesas. Um rei, na verdade, hoje não custaria nem mais um centavo do que um presidente da República».Nota: GONZAGA, 1995, p. 83

Sobre o tema dos bens da família real e tributação a que estão sujeitos, Dom Duarte acha que não há equívocos: «Esses são dois problemas que a meu ver estão completamente resolvidos. Ou quase completamente resolvidos. A tributação, se porventura eu assumisse a chefia do Estado em Portugal, penso que não poderia pôr a ninguém um só momento de dúvida! Sobre os bens que tenho, alguns prédios em Lisboa, uma quinta na Beira, uma casa em Sintra, pago hoje impostos e continuaria, certamente, a pagá-los da mesma forma.»Nota: Idem, p. 84

Dom Duarte pode ser o que alguns ainda chamam «pretendente ao trono», mas não é «pretendente a benefícios patrimoniais». «Um dos princípios fundamentais que herdei do meu Pai foi o de que não era legítimo, em qualquer caso, confundir estes aspectos. (...) O sustento da família real? A família real não vive à custa do Estado, e com certeza absoluta, continuaria a não viver. Cada membro da família real deverá ter a noção clara de que o ter nascido no seu âmbito, pelo menos em Portugal, não determina nenhum privilégio. Pode conceber-se (como acontece em certas monarquias) que o Parlamento e o Governo ”utilizem”, se assim posso exprimir-me, os membros da família real para funções de representação, e lhes votem, para esse efeito, uma verba. Mas essa seria uma decisão parlamentar ou governamental. Se ela não fosse tomada, certamente que não morreriam de fome,

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não viveriam nem melhor nem pior do que vivem hoje. Uma restauração da monarquia não envolveria qualquer privilégio financeiro para a família real. A restauração da monarquia não envolveria qualquer despesa extra para o erário!»Nota: GONZAGA, 1995, p. 84 ’Idem, 1995, pp. 84-85

A vida de Dom Duarte prova que as suas «causas nobres» não têm objectivos lucrativos: «Se estamos a falar ”de dinheiros”, gostaria ainda de referir duas coisas. Em primeiro lugar, fiz, realmente, na vida a opção de me dedicar inteiramente à ideia monárquica, a um ideal patriótico, a acções de solidariedade e, assim, de viver com base nos bens (aliás não vultuosos!) que tenho, dedicando a vida a esses objectivos não lucrativos. Portanto, não fiz negócios; o que se não deve confundir com o facto de, por vezes, ter assessorado empresas portuguesas no campo da exportação; não tive nem tenho empregos; recebo algumas rendas

(infelizmente para mim muitíssimo desactualizadas!), de alguns prédios em Lisboa e levo uma vida modesta».Um equívoco persistente na opinião pública é sobre a Fundação da Casa de Bragança que muitos julgam estar na posse... dos Duques de Bragança: «O que dizer de uma família que possui um património de mais de seis séculos deixado incólume por regimes portugueses desde o Liberalismo de 1834, passando pela República de 1910, mas que foi espoliada pelo Estado Novo em nome do interesse nacional?»Certo é que o testamento de D. Manuel II, datado de 1915, está redigido de modo a indicar que dispõe dos seus bens livres - nomeadamente as colecções régias - sem fazer alusão ao bens imóveis da Casa de Bragança, o único morgadio legitimamente remanescente, após a extinção de 1861. Estes seriam propriedade dos legítimos sucessores, desde logo D. Augusta Victoria e D. Amélia. Talvez por influência do seu administrador, Fernandes de Oliveira, e pela existência de dívidas e hipotecas da casa agrícola, a Rainha D. Amélia consente na solução arquitectada por Salazar.«A instituição da Fundação da Casa de Bragança resultou dos actos de D. Manuel II e Oliveira Salazar», diz Dom Duarte. D. Manuel II, que todos - monárquicos e republicanos - respeitaram pelo exemplar patriotismo que manifestou no exílio desde a primeira hora até à sua morte, não foi feliz ao deixar parte dos seus bens «à minha querida pátria», (expressão utilizada no testamento). O Dr. Oliveira Salazar aproveitou-se da pequena frase do testamento do malogrado rei para «anexar» ao património do Estado, sob a capa de uma fundação a que chamou «Fundação da Casa de Bragança», os bens pessoais

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dos Braganças. Ora, na opinião dos melhores juristas, o morgadio da Casa de Bragança era o único que não tinha sido extinto. Dos bens que lhe estavam vinculados não se poderia livremente dispor por morte. Mas mesmo que assim se não entendesse, os bens deixados por D. Manuel II poderiam continuar ligados por uma ou outra forma aos Braganças, proprietários, como quaisquer cidadãos privados, das terras alentejanas, de Vila Viçosa, séculos antes de terem subido ao trono de Portugal.»Nota: GONZAGA, 1995, p. 87

Em 1934, D. Duarte Nuno dirige ao governo da República um protesto contra o confisco dos bens, após a morte do último rei. Em plena concordância com esta posição, Dom Duarte não esconde a mágoa com a espoliação, mas também não se candidata a benesses. Trata o tema com a sua magnanimidade habitual. «A Fundação da Casa de Bragança tem administrado impecavelmente o património dos Braganças através das mais variadas vicissitudes. É responsável por obras de enorme valor cultural e por algumas obras de valor social. E também não ignoro que Salazar mandava a Fundação contribuir, em certos aspectos, para as despesas da minha família. Mas resta que, num puro plano moral, o património que pertencera a uma família antes de subir ao trono, repito, não lhe deveria ter sido retirado depois de ter saído do trono, tanto mais que saía da chefia do Estado muito mais pobre do que quando entrara.» Note-se que a República nada confiscou a D. Manuel II!nota: GONZAGA, 1995, pp. 874

A monarquia acabou em Itália, mas os bens pessoais da Família Real não foram

confiscados. Na Alemanha, os bens dos antigos príncipes reinantes e até do imperador também não sofreram qualquer confisco. No Leste, a partir de 1991, tem havido devolução dos bens que pertenceram a ex-famílias reinantes, como no caso de Simeão Saxe-Coburgo, primeiro-ministro da Bulgária entre 2001 e 2005.

Modernidade e tradiçãoO ideário moderno defende a autonomia individual e social, a possibilidade de cada pessoa escolher o rumo sem constrangimentos sociais e cada colectividade escolher um novo contrato social. Mas se a tradição, como escreveu Alaisdair Mclntyre, é a recepção crítica do passado, tradição e modernidade são compatíveis no regime monárquico. Por isso, o rei Carlos XVI Gustavo da Suécia adoptou como moto, «Pela Suécia - com o nosso tempo».A tradição não consiste nos sinais exteriores. O arquiduque Otão de Habsburgo, tio de Dom Duarte e que foi já deputado do Parlamento Federal Alemão,

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indica que coroas, palácios e títulos são acidentes e sinais externos; não são a base do pensamento político monárquico, «tal como os chapéus altos dos presidentes das repúblicas não davam forma à essência do ideal republicano.» E acrescenta: «Devemos pensar a ideia monárquica como o que é realmente: uma doutrina política, como a ideia de governo misto, como a garantia da continuidade, como a garantia de um Estado acima dos partidos.» Se a monarquia fosse uma caricatura indigesta de um rei, corte, fidalgos e privilégios que cheiram a mofo e ressentimentos, uma «comédia de enganos», então mais valeria encerrar o caso. Como escreveu Nuno Pombo, «Hoje, ser-se monárquico, defender a Tradição como forma de organização do Estado e da representação da Nação, é apresentar um projecto de ruptura.»Nota: «O Culto da Exigência», Nuno Pombo, Nov. 2001, www.monarquia.online.pt

Por motivos idênticos, monarquia não é sinónimo de restauração. A democracia arreigou-se em Espanha, de forma rápida e pacífica, porque a monarquia ajudou a estabilizar as instituições e as nacionalidades. «O Rei encontra-se apenas dependente da Constituição e da sua consciência. Tem de manter um juízo justo, quando há crises graves que possam afectar o país. Em Espanha, o rei Juan Carlos podia ter apoiado os mentores do golpe de Estado tentado, mas a sua avaliação foi no sentido da defesa da Democracia, porque tinha jurado cumprir a Constituição.» Os historiadores costumam falar da «instauração» da monarquia em Espanha em1975.Nota: PRESTON, 2004

Não se confunde monarquia com legitimismo, porque a instituição régia tem maior importância que a lealdade a uma dinastia específica.Simeão da Bulgária disse: «O facto de alguns países não terem actualmente monarca nada significa que é apenas um dos períodos cíclicos da história.» O arquiduque Otão concorda que a história caminha por ciclos. As formas políticas vêm e vão, e não é razoável afirmar que determinadas formas de governo pertencem só ao passado, ao presente ou ao futuro. Existiram Repúblicas grandiosas na Antiguidade - Grécia, Roma e Cartago. Quando finda um ciclo de formas políticas, recomeça um novo.

Nota: «A Intemporalidade da Monarquia», Rodrigo de Moctezuma, Julho 2002, www.monarquia.online.pt

Um caso patético de restauracionismo foi o do conde de Chambord, em França. Após a derrota na guerra franco-prussiana, e o fim da Comuna e da invasão germânica, em 1871, as forças vivas da França queriam a monarquia. Dirigiram-se ao representante da dinastia legítima e propuseram-lhe o trono, dentro do respeito pelas instituições constitucionais. O conde de Chambord escutou-os e concordou com quase tudo. Mas acabou por recusar o trono porque não

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aceitava a bandeira nacional bleu-blanc-rouge, tingida de sangue dos Bourbons, mas também de honra. Só aceitava a bandeira branca com as flores-de-lis, o símbolo do legitirnismo francês.«...Não! Não seria, em caso algum, um ”conde de Chambord à portuguesa! assim se exprime Dom Duarte, recusando a confusão de monarquia com legitimismo. «A actual bandeira portuguesa já é, há quase um século, considerada pelos Portugueses como o seu símbolo nacional. (...) Eu próprio servi sob esta bandeira. Muitos e muitos portugueses morreram vendo nela o símbolo da sua Pátria. Muitos heróis foram sepultados nela envoltos. A bandeira actual, mesmo porventura com incorrecções de técnica heráldica, cobriu-se já de uma tradição e de uma honorabilidade que me levam, a mim pessoalmente, a ter-lhe o maior respeito. E o mesmo digo do hino. Que, aliás, curiosidade que muitos desconhecem, foi dedicado pelo autor ao meu Avô D. Miguel II.Nota: GONZAGA, 1995, pp. 91-92

Dar um «Rei à República» não é diferente de prestar culto a uma personalidade. E é significativo que seja o próprio Dom Duarte a afirmar. «(...) Queria fazer-lhe uma última observação, sempre na linha de outras coisas que já disse atrás. E que quer a bandeira quer o hino, ou seja, os símbolos nacionais, não podem ser ”negociados”entre um rei e os órgãos representativos do país. São definidos pelo parlamento democraticamente eleito, porventura uma Assembleia com poderes constituintes.»Nota: GONZAGA, 1995.

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PROMOVER A LUSOFONIA

«Pátria é a vida, orgulho, a aliança Da alegria, do amor, do sentimento. Pátria... é tradição, passado e herança! O som da bala é... Pátria de momento!»Xanana Gusmão

Projectar Portugal

A comunidade lusófona data da expansão do Portugal europeu. Como escreveu Arnold Toynbee, 1498 assinala o início da «era gâmica» da humanidade, a «primeira aldeia

global», uma evidência que, segundo o jornalista Martin Page, por ser óbvia não é demais repetir. Nos fins da Idade Média, o pequeno povo português, lançou-se com pragmatismo aos descobrimentos e expansão: não só redesenhou o mapa da Terra, como estabeleceu o diálogo universal do abraço armilar; redescobriu o homem como animal de trocas, tanto de bens económicos como de bens espirituais. E a grande consequência desse processo foi a emergência de um espaço policêntrico de povos, culturas, Estados, Igrejas e comunidades, essa poliarquia feita de muitos princípios, a que hoje se chama «comunidade lusófona».Como dizia Fernando Pessoa, foi por Portugal e pelos Descobrimentos que se deu a conversão da civilização europeia em civilização mundial. Passados cinco séculos, a primeira premissa da comunidade lusófona é acreditarmos que valeu a pena esse nosso investimento e que o globo necessita desse «abraço armilar». O intento de contribuir para a unidade do mundo é mais bem realizado, segundo palavras de Pessoa, pela nação que for pequena; nela nenhuma tentativa de absorção territorial pode nascer.Como escreveu Barrilaro Ruas, «desde o tempo em que foi Príncipe da Beira, e visitava, aos 18 anos, os territórios portugueses e outros países africanos, Dom Duarte tem sido o mais convivente, o mais aberto, o mais directo e espontâneo

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dos príncipes modernos. Não há problema ligado ao interesse público - nacional ou internacional - que dele não receba o interesse mais vivo. Quase não há país que não tenha visitado, transmitindo a todos o seu modo de ver, o seu cuidado.» Esta incessante actividade tem um fim muito concreto: propagar Portugal e trazer de volta os recados das comunidades portuguesas em todo o globo. «Sem invadir, nem um pouco, o terreno das competências do Estado, procuro fazer o que está ao meu alcance...»Os países de língua oficial portuguesa continuaram no centro das suas atenções depois das independências. As novas realidades nacionais não alteraram interesses e afectos comuns. Essa missão é solenemente expressa na Mensagem de 1977: «Embora na devida consideração pelas soberanias dos novos Países de expressão portuguesa, consciente de realidades bem patentes e da sua irreversibilidade, não poderia deixar de me dirigir aos respectivos Povos neste meu primeiro acto formal: jamais deixarei de olhar-vos, meus irmãos na expressão lusa, com a imensa afeição com que sempre o fiz, sem paternalismo, mas antes na perspectiva de quem, personificando valores comuns, vos encara e à Nação Portuguesa, como indissoluvelmente ligados.»Em Dom Duarte é evidente a mágoa do desaparecimento da unidade portuguesa: «Engolido na luta feroz entre os super impérios mundiais e submerso em banhos de sangue e sofrimento indescritíveis, quem não sente que o seu desaparecimento rasgou irremediavelmente um pedaço do nosso coração? A nossa acção colonial teve atrasos, injustiças, erros graves (e muito graves). E estes encontram-se em todos os séculos, é claro! Apesar de tudo isso, quase conseguimos manter o rumo de uma aliança humana e antiga entre ”povos fracos” e, no fundo, amigos e irmãos, sem problemas de raça.»Nota: GONZAGA, 1995, p. 206

Contudo, nesta mágoa não se vislumbram saudosismos nem paternalismos deslocados. Nem todos fazem o devido: «E muitas vezes são organizações não-governamentais que fazem aquilo que os Estados deviam tomar como dever nacional: (...) Por que razão o Estado se mantém surdo aos apelos dos povos com quem convivemos tantos séculos?»

Dom Duarte quer advertir os dirigentes lusófonos para as tarefas do presente: «As nossas fisionomias nacionais não seriam o que são caso não tivéssemos vivido, durante séculos, um Destino comum. Nada conseguirá apagar esta realidade em todos nós! Ao ver, ao ouvir e ao sentir Portugal, vejo-vos, ouço-vos e sinto-vos sempre; foi sobretudo através das vossas Terras que nós, Portugueses, sentimos a Terra inteira. Tenho fé em que distinguíreis um dia, serenamente, entre colonialismo e colonização (correspondente,

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esta, a movimentos naturais dos povos) e atingireis a conclusão de que Portugal foi no Mundo um obreiro de experiências ímpares, de que muito haveis beneficiado. Tenho fé em que encontraremos, no futuro, fórmulas de convívio também excepcionais, assentes no respeito pelos direitos dos Estados e cimentadas pelo património lusíada e pelas vossas culturas.»Nota: Mensagem de 1977

Em todos os países lusófonos, Dom Duarte mantém contactos profundos e é sempre amistosamente recebido. Por vezes bastam pequenos pormenores para fazer sentir a diferença. «A Fundação D. Manuel II, recebeu em 1994 um pedido do presidente do Município da Beira, em Moçambique. Dizia ter descoberto que a cidade fora baptizada em homenagem ao Príncipe da Beira, D. Luís Filipe, que a tinha visitado aquando da visita de 1907 aos territórios do ultramar. E, assim, pedia um retrato do Príncipe D. Luís Filipe, que tinha dado o nome à cidade»Nota: GONZAGA, 1995, p. 173

E sobre o futuro? «Acrescento apenas que a Monarquia poderia ajudar, certamente, a manter uma Comunidade Lusófona e se poderia aproximar mais da situação que existe na Holanda: territórios pequenos, dotados de graus amplíssimos de autonomia, continuam a ter por soberano a Rainha da Holanda, mantendo-se assim uma ligação profunda ao que foi a fonte de uma parte importante da sua civilização e da sua cultura.»Nota: GONZAGA, 1995, p. 75

Angola e CabindaFoi em Angola que Dom Duarte aprendeu África. Primeiro em viagens com o pai e irmãos ainda na década de 1960, depois no serviço militar e finalmente em estadias de trabalho e em campanha política. Foi em Angola que a sua paixão africana se adensou. Conhece bem o país, desde as florestas do Uíge ao Zambeze, desde o Planalto Central ao Cunene. Foi lá que assistiu ao derrubar da terceira via em 1974, mas sempre a admirar a grande nação angolana.A história aprisionou Angola nas malhas da Guerra Fria durante muitos anos. A «Guerra de Libertação» não era apenas entre Portugal e os independentistas, porque depois da independência de Angola em 1975, a luta continuou entre o MPLA e a UNITA, apoiados respectivamente pela URSS e pelos EUA. As tentativas de paz são frustradas. Os acordos entre o Governo e a UNITA não são cumpridos.

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Em 1997 houvera tréguas. Forma-se o Governo de Unidade Nacional, cujo primeiro-ministro é o Dr. Fernando França van Dunen, jurista de renome, e primo do presidente José Eduardo van Dunen dos Santos. O Governo exige uma rendição incondicional à UNITA. Dom Duarte vai a Angola para sondar a possibilidade de acordos entre os contendores. Ao primeiro-ministro refere a importância de integrar num Senado os corpos representativos da República de Angola, nomeadamente os chefes tradicionais. Van Dunen escuta-o com atenção e passa as recomendações. Mas está em ruptura com o regime. Em breve será afastado. E esgota-se mais esta tentativa de paz em Angola que terá de esperar pela morte de Jonas Savimbi.Em 1998, o Dr. Mário Soares convida Dom Duarte para almoçar em Paris com Boutros Boutros-Ghali. Tratava-se de colaborar com as Nações Unidas para uma iniciativa de paz em Angola e de o sondar para presidir à Comissão dos Refugiados da ONU. As disposições são as melhores, de ambos os lados. Mas estava próxima a queda de Boutros-Ghali, engendrada pelos EUA, e gora-se esta tentativa de projecção internacional. Entretanto, a burocracia da ONU não se mostra favorável a convidar um elemento fora do sistema.Cabinda. Um pequeno território descontínuo de Angola, a norte do grande rio Congo, resultante da fusão de três reinos desde o século XV: Loango, Kakongo e N'goyo. 7283 km2.Uma população estimada em 300.000 habitantes. Adjacentes à costa, alguns dos maiores campos de petróleo do mundo cuja exploração se iniciou em 1954 e que produzem 700.000 barris de crude por ano. Podia ser um pequeno paraíso, um microestado abastado e feliz. Mas não é. De tempos a tempos, os media noticiam atrocidades, «coisa comum» em África. Cerca de 1/3 da população vive refugiada no Congo e no Zaire. Até 2003 uma guerra sangrenta fez alguns milhares de mortos. Desde então, persistem as violações dos direitos pelas forças militares angolanas.Afirma Dom Duarte: «Quem como eu gosta de Angola, preocupa-se com a possibilidade de ser mal interpretado pelos Angolanos, mas tal não nos permite faltar à verdade num caso de tamanha gravidade. A maioria dos Angolanos conhece bem o problema e está de acordo com as razões dos seus vizinhos de Cabinda, embora, por patriotismo ou por considerações de natureza económica, tenham maior (dificuldade cm o admitir...»Para Dom Duarte, a «crise de Cabinda» é ainda um problema de Portugal. Estava, em 1975, hospedado em casa de Alexandre Tati quando o MPLA, com o apoio do MFA, veio prender o chefe das milícias cabindas e pressionar o general Triemudo Barata. «Sempre tive uma relação ética com o povo de Cabinda», explica. «Para mim, é um caso de justiça nacional, semelhante aliás ao de Timor,

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onde sempre ouvi isto: nós somos timorenses portugueses porque temos um pacto com os Reis de Portugal. E um pacto vale até ser denunciado, o que nesses casos nunca aconteceu. Até o Direito Internacional reconhece esta realidade. Em1974, mais de metade dos países membros da OUA reconheceram a Cabinda o direito a autodeterminação; e quem for a Cabinda ainda hoje ouve o povo dizer que quer ser autónomo, com uma ligação a Portugal que honre o pacto feito em Simulambuco e sagrado de geração em geração».Em sucessivas Mensagens do 1º de Dezembro, em entrevistas e artigos nos jornais, na

televisão e na Internet, Dom Duarte «martela» o tema «politicamente incorrecto» da autonomia de Cabinda. A sua posição é sempre idêntica: Angolanos e Cabindas devem encontrar uma solução satisfatória para o diferendo que os separa, e que é um legado de erros da colonização e da descolonização. E chegou-se à tragédia porque não se deu atenção à história: «Como tudo o que interessa ao descendente dos reis de Portugal, o problema de Cabinda tem profundas raízes na História. Desde Diogo Cão na foz do Zaire, estabeleceram-se relações entre os povos das margens e os Portugueses. Em geral, esse relacionamento foi amigável e profícuo, com a nódoa do tráfico de escravos. Os Estados europeus tratavam com governos africanos que consideravam soberanos, embora com estruturas políticas diferentes das suas. Os Cabindas foram considerados pelos Europeus como o povo africano culturalmente mais desenvolvido.»Veio a corrida europeia para África. As potências europeias com ambições coloniais queriam dividir entre si as áreas de influência Os franceses ocuparam militarmente Ponta Negra. Os chefes cabindas pediram a protecção do rei de Portugal. E o Governo português acolheu com satisfação esse pedido: «Os enviados do Governo português assinaram três tratados: os de Chinfuma e de Chicamba em1884 e o de Simulambuco, a 1 Fevereiro de 1885, com os «Príncipes e Notáveis dos Reinos de Kakongo, Luango e N’goyo», de cuja fusão resultou a actual Cabinda. Esse tratado foi aceite pela Conferência de Berlim como prova de que Cabinda era zona de influência portuguesa. Mas o tratado servia também de garantia de que os Portugueses respeitariam os direitos dos Cabindas, designadamente a integridade do território, os usos e costumes do seu povo e a autoridade dos seus chefes. Além disso teriam de pagar pelo aluguer das terras que viessem a utilizar, não as podendo comprar.»O protectorado português sobre Cabinda foi estabelecido pelo Tratado de Simulambuco de 1 de Fevereiro de 1885, respeitado até à descolonização. Cabinda era «um território separado de Angola, e embora na prática a administração do território tivesse passado a depender de Luanda a partir de 1956, tal não alterou o seu estatuto jurídico». Dom Duarte presenciou mais de uma vez as cerimónias

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evocativas: «Todos os anos, no dia 1 de Fevereiro, as autoridades portuguesas e os descendentes dos nobres signatários do tratado reuniam-se junto do monumento para comemorar a sua assinatura.» O povo de Cabinda tem tradições próprias que poderiam ter proporcionado o direito à autodeterminação em 1974. Mas os imperativos ideológicos da Guerra Fria falaram mais alto: Cabinda permaneceu dependente de Angola, sem consulta às populações.Em 1960, dois grupos separatistas lutam pela independência: o Movimento para a Libertação do Enclave de Cabinda (MLEC) de Ranque Franque; e a Aliança de Mayombe. Com a guerra em Angola, juntam-se na Frente de Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC) sob liderança de Franque. «Nesse ano, a Organização de Unidade Africana classificou Cabinda como o 39º Estado a descolonizar. Angola era o 35º...» O Zaire propôs uma consulta popular. Países como Gabão, Uganda e RCA favoreciam a FLEC, mas a maioria dos membros da OUA opôs-se, alegando o espectro do separatismo em África.Vem o 25 de Abril. Cabinda é sacrificada na fúria uniformizadora da descolonização. Os três movimentos de Libertação de Angola - FNLA, MPLA e UNITA - declaram-na «parte integral e inalienável de Angola». «Ainda antes da independência de Angola, os militares

do Movimento das Forças Armadas vão ao Congo buscar guerrilheiros do MPLA e com eles ocupam a cidade de Cabinda, prendendo o governador, general Themudo Barata, que, com coragem e sentido de honra, havia declarado que, cumprindo as resoluções do MFA, só entregaria o governo do Enclave à organização política que fosse livremente eleita pelo povo de Cabinda». E Dom Duarte elogia a recusa do general Barata em entregar o território ao MPLA. «Por que razão haveria de fazê-lo? O vínculo dos Cabindas é com os nossos reis, com os nossos povos e com a nossa História, não com este partido ou aquele que pega em armas e decide impor os seus interesses circunstanciais pela força.»Na Conferência de Alvor, Portugal cede aos partidos angolanos. Começa a guerrilha em Cabinda entre a FLEC e as FAPLA. «Quando os Cabindas perceberam o que estava a acontecer, e que as promessas dos responsáveis portugueses não iriam ser cumpridas, muitos pegaram em armas, e em grande número foram para o mato, onde organizaram a resistência em nome da FLEC, embora com grande falta de meios materiais. Dezenas de milhares de civis refugiaram-se nos dois Congos vizinhos, onde organizaram acampamentos com escolas e igrejas, servidas pelos seus professores e sacerdotes, contando com algum apoio da Cruz Vermelha Internacional.»Os Acordos de Alvor foram rejeitados por todos os partidos angolanos. Por seu turno, a FLEC desintegra-se em 1977 e o Comando Militar de Libertação de Cabinda - CMLB - exige uma refundação democrática. Daí resulta, entre

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1980/1985 a divisão da FLEC em FLEC-Renovada, sob direcção de António Bembe, e FLEC-FAC (Forças Armadas de Cabinda). Ao longo dos anos, a antiga OUA (actual UA, União Africana) é impotente para apaziguar o conflito; ficaram por aplicar os princípios do direito público internacional de não violência, dos Direitos Humanos, da autodeterminação e democracia.A autodeterminação de Cabinda ganhou alento com o desmoronar do império soviético em 1991, mas, em 1993, Luanda envia 15.000 homens. A UNITA acusa o governo de Luanda de usar uma «política abrasadora» em Cabinda que causa a morte de 700 cabindas. O cerco à FLEC aperta-se e, para se afirmar, rapta estrangeiros, incluindo portugueses. Afirma dom Duarte: «A aliança entre Angola e o presidente Cabila, e a presença no Congo/Brazzaville do exército angolano, veio cercar completamente Cabinda. Perante esta situação e a cortina de silêncio que, em Portugal e no mundo, rodeia a luta, a FLEC recorreu ao rapto de estrangeiros para se fazer ouvir. O principal motivo destes raptos é obrigar o Governo português a assumir as suas responsabilidades pelo cumprimento do Tratado de Simulambuco, de que foi parte e que violou quando entregou Cabinda a Angola em 1975. Não se pode admitir o rapto de civis, mas temos a obrigação moral de reparar a falta cometida em 1975.»A «guerra esquecida de Cabinda» pareceu chegar ao fim com uma ofensiva do Governo em Outubro 2002. Os 2000 homens da FLEC foram presa fácil para as Forças Armadas Angolanas (FAA), que em 2002 tinham derrotado a UNITA e morto Jonas Savimbi. Mas aumentam as violações de direitos humanos. Uma comissão ad-hoc das Nações Unidas reportou, em 2003, abusos sexuais e outras atrocidades. Em 2004, segundo Peter Takirambudde, director executivo da Human Rights Watch - Missão para África, sucediam-se crimes contra civis em Cabinda.Na Companhia de Petróleo do Golfo de Cabinda, a Sonangol detém 41%, a Chevron

Texaco 39,2%, a Elf 10% e a Agip 9,8%.Em 2004, a Associação Cívica de Cabinda desafiou a petrolífera norte-americana na busca de soluções. Para Joaquim Rodrigues, «o sonho americano de liberdade, igualdade, oportunidade de justiça não tem sido operado na região (...)». O padre Carlos Gime refere Cabinda como podendo ser «um pequeno Éden», mas cujos recursos estejam são pilhados a 100%. É «o desenvolvimento do subdesenvolvimento».Os media pouco têm reportado as atrocidades ocorridas em Cabinda, mas os bispos locais, Tiago Nzita, o padre Jorge Congo e o grão-mestre da Maçonaria de Angola têm feito valer os direitos dos Cabindas. Em Portugal, Themudo Barata, em entrevista à SIC em 2002, comparou a situação de Cabinda com o caso de Timor-Leste, e disse que cabia a Portugal assumir um erro na descolonização

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diante da OUA e da ONU. Mário Soares, em 2003 no Parlamento Europeu, afirmou que a hipótese de autonomia de Cabinda tinha de estar dentro do quadro de Angola.Dom Duarte considera que Portugal violou o Tratado de Simulambuco que consagrava o Protectorado de Cabinda, não facultando o direito à autodeterminação. «A ocasião é oportuna para uma negociação política», afirma. «Tenho defendido que embora a solução justa fosse a realização de uma consulta popular, a solução possível seria a concessão a Cabinda de uma ampla autonomia ou do estatuto de território federado. Em 1997 fiz essa mesma proposta aos governantes indonésios para o caso de Timor; dois anos depois, o presidente Habibi punha em prática a minha proposta mais ousada, a realização do referendo. Esperemos que neste caso suceda algo semelhante, mas os Cabindas deverão também estar dispostos a sacrificar uma parte do que querem em troca de uma solução de compromisso aceitável, se essa for possível.»Nota: Em entrevista ao Cabinda.com, de 22 de Outubro de 2004

BrasilO primeiro relacionamento de Dom Duarte com o país irmão ocorre em1971, por ocasião da trasladação do corpo de D. Pedro IV. Antes das cerimónias oficiais em Brasília, para as quais está convidado, dirige-se ao Recife. Um dos seus primeiros contactos é com Gilberto Freyre. No Instituto Joaquim Nabuco passa longas horas a ouvir falar do luso-tropicalismo, a experiência única que criou o Brasil e o defendeu de invasores. «A cobiça holandesa quis-se apoderar do que esse novo tipo de gente hispano-tropical, criadora de uma também nova civilização católica e tropical, sabia já ser seu.» Gilberto fala-lhe de como a monarquia é uma força dos povos contra os poderes do dinheiro e dos políticos, um misto de liberdade e de autoridade de que o rei é o garante. Quando parte para Brasília, leva consigo uma mala pesada com os livros do «Grão-Mestre do Luso-Tropicalismo». As lições de Gilberto e os contactos com ele e seu filho Roberto (falecido em 2005) serão permanentes e profícuos.Em Recife encontra também Ariano Suassuna, monárquico, dramaturgo de génio e homem político que iniciara em 1970 o «Movimento Armoriai», para divulgar as formas de expressão tradicional. Contava três anos de idade quando seu pai, João Urbano Pessoa, governador da Paraíba de 1924 a 1928, foi assassinado no Rio de Janeiro, nas vésperas da Revolução de 1930. Sua mãe, D. Rita,

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muda-se com os nove filhos do casal para a Fazenda Acahuan, no sertão paraibano. Aí, o jovem familiariza-se com os temas e as formas de expressão popular. Em1947, escreve a sua primeira peça e recebe seu primeiro prémio. Formado em Direito, em 1950, dedica-se também à advocacia. O Auto da Compadecida (1955) é considerado «o texto mais popular do moderno teatro brasileiro» e incorpora-se no repertório internacional. De Ariano, Dom Duarte recebe o fulgor da revolta nordestina de António Conselheiro contra os coronéis oligarcas, descrito em A Pedra do Reino.Após esta introdução ao Nordeste, Dom Duarte segue para as cerimónias oficiais da recepção do corpo de D. Pedro IV. Em Brasília estão a família imperial e autoridades portuguesas e brasileiras. O coração de D. Pedro ficara na Cidade Invicta. O lugar no Panteão Nacional será ocupado pelo corpo de D. Miguel. Dom Duarte trava então conhecimento com seus primos da Casa Imperial e nomeadamente da questão sucessória, com D. Pedro de Orleães e Bragança. Com D. João de Bragança, antigo oficial da FAB e piloto da VARIG, troca impressões sobre o património, nomeadamente a recuperação da cidade de Paraty, por ele redescoberta.Na sequência do 25 de Abril, Dom Duarte viaja para o Brasil para explicar a nova situação política. Em 1975, realiza um périplo pelo Nordeste visitando as comunidades portuguesas por forma a ajudar refugiados vindos de Angola a encontrar situações profissionais condignas. Vai a Belém, Recife, Cuiabá, Mato Grosso. Na Academia Matogrossense de Letras é recebido por Lenine Castro Povoas, descendente do general Álvaro Povoas, paladino miguelista das Guerras Liberais. Contacta o Movimento Democrático Brasileiro fundado em 24 de Março de 1966, um dos dois partidos políticos brasileiros durante o período do Regime Militar. Extinto em 27 de Novembro de 1979, com o sistema bipartidário, será refundado com o nome Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB).Em 1989 uma nova longa visita trá-lo de volta ao Brasil. O Movimento Monarquista Brasileiro conseguira um referendo sobre monarquia ou república, na sequência da liberalização do regime, e defendia, naturalmente, o parlamentarismo monárquico. Antes de se dirigir ao Rio de Janeiro, Dom Duarte faz um longo périplo pela Amazónia, cada vez mais no centro das preocupações ecológicas mundiais. Passa primeiro pela Venezuela, onde já estivera em 1975 em visita a Curaçao e outras regiões. Após visitar amigos na Venezuela, segue até à fronteira brasileira, em Puerto Ordaz, uma cidade mineira nos confins do Estado de Boavista. Em Santa Helena de Guarén, os pequenos hotéis têm grades de ferro nas janelas: o padre fala de extraterrestres, o médico é alcoólico, o comandante militar, um antigo rebelde. Um guia da região oferece-se para o conduzir, a ele e à sua prima

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Isabel de Habsburgo, para a Amazónia. Será uma viagem em jeep Toyota; 6000 km em duas semanas. As peripécias sucedem-se. Alternam as estradas de terra e as de asfalto. As primeiras são melhores porque não têm buracos. Passam por povoações de índios, mas nem sempre sabem onde estão. A dada altura, aposta com sua prima Isabel sobre o fuso horário em que se encontram, prometendo cortar o bigode, caso perdesse. Passa por Belavista, capital de Roraima, a primeira cidade brasileira da Amazónia. Visita as missões de Jesuítas

do Mato Grosso e Diamantina. Ao chegarem a Santarém, no Amazonas, tomarão o barco da carreira na direcção de Manaus.Chegado ao Rio de Janeiro, são as reuniões com o Movimento Monarquista Brasileiro. Como atesta uma fotografia sua à chegada ao Rio, perdera a aposta. Entretanto, as duas linhas sucessórias brasileiras não se entendem. Cunha Bueno, um dos arquitectos do referendo no Parlamento de Brasília, impacienta-se. O embaixador Meira Penna, o professor Ives Gandra Martins, muitos são os que apoiam o movimento parlamentarista. Com todos eles Dom Duarte estabelece contactos que estarão na base do Congresso Monarquia e Constituição, levado a cabo em 1990 em Portugal por uma Comissão à frente da qual está Mendo Castro Henriques, director da revista Portugueses.Já depois do casamento, Dom Duarte volta com a Família ao Brasil, em Setembro de 1998. Participa na inauguração de uma fábrica de fibras ópticas no Estado de Minas Gerais. É a Cabelt, de Diocleciano Faria de Oliveira, actual representante dos alcaides do Castelo de Faria. A convite do governador do Estado, assistem ao desfile do Dia Nacional do Brasil, em Belo Horizonte, e visitam as cidades históricas de Ouro Preto e Mariana. Em São Paulo, o casal real é homenageado pelo Dr. António Carlos Noronha. Aí estão D. Luís, chefe da Casa Imperial do Brasil, bem como António Henrique da Cunha Bueno, autor da proposta do referendo sobre Monarquia, Manuel Correia Botelho, Frederico Perry Vidal e personalidades dos meios político, cultural e financeiro brasileiros. A viagem termina com uma visita ao Ceará.

Cabo VerdeDom Duarte visita as ilhas de Cabo Verde pela primeira vez em 1971 com seu primo João de Turn e Taxis. Aí regressará em 1972 com seu mano Miguel. Mantém sempre grande interesse pelo arquipélago, nomeadamente sugerindo a sua aproximação à integração europeia em conversas com o presidente Aristides Pereira. Cabo Verde, sublinha Dom Duarte, «é o único país africano que modificou o regime sem violência, passando a uma democracia plena». Após o casamento, em Julho de 1995, realizará uma estadia no arquipélago.

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GuinéDom Duarte conhece a Guiné-Bissau desde 1968, em tempo de guerra, e lá regressou numa visita em 1999. Recentemente, entre 17 e 21 de Abril de 2006, voltou ao país. Antes de partir para Bolama, numa piroga da AMI (Assistência Médica Internacional), visitou demoradamente o hospital Simão Mendes, em Bissau, tendo elogiado o estado das instalações. Esteve dois dias em Bolama, onde se inteirou dos investimentos na região, em particular o arroz, e manteve contactos com as instituições do poder local. Em Bissau reuniu-se com o presidente João Bernardo «Nino» Vieira, manifestando a esperança de que o país saia das crises que tem vivido; considerou que os Guineenses estão a encontrar «boas soluções» para o futuro, dependendo menos da ajuda internacional. Nino Vieira elogia os trabalhos do comandante Alpoim Calvão que criou fábricas com velhos conhecidos Fulas, enquanto outros portugueses que agiram «por motivos ideológicos» nada fizeram pela Guiné.Dom Duarte ficou «bem impressionado» com o «espírito optimista, positivo e criativo» dos dirigentes da Guiné-Bissau que «têm de se esforçar por corrigir a imagem um pouco

negativa no estrangeiro, por causa da instabilidade». Lembrou que deveria haver uma maior aposta no sector do turismo, pois na Europa, «quase que só se ouve falar da Guiné-Bissau por causa dos problemas». Sobre os objectivos da sua viagem, salientou que a Fundação D. Manuel II tem planos para investir na Guiné-Bissau na agricultura biológica, permitindo a certificação internacional de produtos sem químicos, como o arroz, caju-manga e outros frutos. «A Guiné-Bissau tem muito caju, que está em fase de industrialização e que não necessita de tratamentos químicos. Tal permitirá uma valorização de 20% a 30% dos produtos nos mercados da Europa e dos Estados Unidos, levando a uma exportação de qualidade.»Nota: «Angola Press», Luanda - Sábado, 22 de Abril de 2006 e Jornal da Região de Leiria, ed. 3604, 13 de Abril de 2006

MacauA primeira visita ao território foi em Abril de 1974. Às autoridades chinesas, «tentei convencê-las, nomeadamente a pessoas importantes dentro do Partido, de que seria muito mais benéfico para a República Popular da China manter Macau com o estatuto que tinha». Alguns membros da missão disseram que eu tinha

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razão, que era verdade... mas que por uma questão simbólica era importante a reunificação». Em Maio de 1993, está lá para colaborar no lançamento do Prémio Infante D. Henrique e por ocasião da inauguração do Aeroporto de Macau. Admira a obra do governador Rocha Vieira e de colaboradores como o Dr. Jorge Rangel, e que foi preparada desde 1974 pelo então tenente-coronel Garcia Leandro. Lá regressa em 1998, numa viagem organizada pelas Reais Associações. Desde então, tem acompanhado de perto a evolução e desenvolvimento da actual Região Administrativa Especial da China. Não acredita que a Língua Portuguesa possa um dia desaparecer. «A Língua aprende-se, desaprende-se e volta-se a aprender. Em Goa toda a gente tinha esquecido o português e hoje em dia começa-se a aprender outra vez. (...) As Casas de Macau e as instituições de matriz portuguesa do território devem ser aproveitadas por Portugal para reforço da cooperação económica e cultural.»1

MoçambiqueO conhecimento de Moçambique nos anos 60 criou uma funda recordação em Dom Duarte. Mas durante longos anos, não regressou às terras do Índico onde deixara bons amigos e muita simpatia. Embora a descolonização já estivesse distante, persistia a luta cruenta entre a Frelimo e a Renamo, herança da Guerra Fria que opunha os pró-soviéticos aos pró-ocidentais. A paz parecia longínqua.Com o fim da Guerra Fria, torna-se inevitável o caminho para a pacificação. Em 1990, é introduzida uma nova Constituição, abrindo espaço para o multipartidarismo. Em 1992, quando decorria a fase final das negociações de paz, recebe um convite para uma visita oficial por parte do Dr. Pascoal Mocumbi, ministro dos Negócios Estrangeiros desde 1986 e futuro primeiro-ministro de 1994 a 2004. Fora já ministro da Saúde entre 1980 e 1986. Médico e humanista, o Dr. Mocumbi, descendente do soberano de Inhambane que recebeu Vasco da Gama na «Terra da Boa Gente», transmite ao seu interlocutor a firme determinação que animava todos os Moçambicanos na busca de paz. Dom Duarte vai

acompanhado pela grande lusófona que é a Dr.a Manuela Aguiar e pelo rotário Sr. José de Castro. É recebido pelas forças vivas em Maputo. No Museu da Libertação, interroga o curador sobre o número de moçambicanos que serviam nas Forças Armadas Portuguesas antes de 1974. A pergunta embaraçosa é respondida com lealdade: «Eram muito mais numerosos que os da Frelimo».Nota: Entrevista ao J’TM, 2006.

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Num jantar em sua despedida no clube dos Rotários de Moçambique, Dom Duarte sabe que não deve repetir-se o impasse anterior à independência. A paz entre os dois movimentos continua longínqua. «Estavam os homens da Frelimo, o partido único no poder desde a declaração de independência, a discutir se seria ou não possível encetar um diálogo com os rebeldes da Renamo», conta. Mas, em nome da reconciliação, sabe o que dizer: «Eu não resisti a dizer-lhes: estive sentado a esta mesma mesa, há vinte anos, a ouvir as mesmas perguntas em relação à Frelimo. E, tal como hoje, as perguntas de então eram superficiais e insuficientes. O que importa é que a esta mesa, em 1972 e em 1992, estavam, e estão, negros, brancos, indianos, mestiços. E a terra tinha e tem o mesmo nome: Moçambique.» O primeiro-ministro, militante da Frelimo desde a primeira hora, estudante de Medicina na Universidade de Lisboa nos anos 1960 e licenciado pela de Lausanne, fica seu amigo pessoal desde então e sabe que pode contar com um interlocutor isento.Em Maio de 1995, em lua-de-mel, Dom Duarte passa de novo por Moçambique, apresentando a terra a Dona Isabel. O casal aí se desloca de novo em 1999 para a assinatura de um acordo entre a Cruz Vermelha Moçambicana, a Fundação D. Manuel II e a Fundação Vieira Pinto, de Moçambique. Trata-se de promover projectos em benefício do desenvolvimento técnico e cultural. Durante esta visita, D. Miguel apresentou as credenciais de embaixador da Ordem Soberana e Militar de Malta junto do então presidente Joaquim Chissano.

S. Tomé e PríncipeEntre 21 e 28 de Agosto 2001, a Família Real passa uma semana em S. Tomé e Príncipe. O presidente da República, Dr. Fradique Bandeira de Melo de Menezes, convida-os para um almoço no qual participam membros do Governo e põe-no a par da realidade cultural e económica. É um experimentado estadista, eleito fora da habitual casta de famílias políticas do país. Antigo capitão-comando do Exército Português, licenciado em Direito por Coimbra, seu pai era natural de São Pedro do Sul. Vindo para administrador de Freguesia, o pai casou-se com uma senhora da ilha. O presidente acompanha os Duques de Bragança numa visita a algumas roças. Dom Duarte restitui-lhe o direito a usar o brasão de armas da família «Bandeira de Melo», sendo dos primeiros a felicitá-lo por ocasião da reeleição em Julho de 2006.

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TimorEstá por escrever a história da libertação de Timor no último quartel do século XX. Em Dezembro de 1975, Timor foi uma vítima da Guerra Fria; os interesses indonésios protegidos pelos EUA impuseram-se à sublevação apoiada pelo movimento comunista

mundial. Portugal acabou por defender os direitos do povo timorense quando os governos e, em particular, os ministros dos Negócios Estrangeiros Durão Barroso e Jaime Gama, desencadearam a questão de Timor na ONU. Mas a primeira personalidade que se ergueu e durante vários anos lutou isolada foi Dom Duarte de Bragança.Esse seu contributo começou a desenhar-se na véspera do Natal de 1975. Nesse dia visitava os refugiados no Vale do Jamor, honrando a dívida de gra.úâã. dos liurais para com os reis e a bandeira de Portugal. Durante uma tradicional dança das espadas, quebrou-se a dada altura uma das lâminas. A festa terminou logo ali. Era mau augúrio; anunciava «morte de rei», segundo os anciãos timorenses. Nessa noite faleceu D. Duarte Nuno.Escreve Fernanda Leitão: «Posso testemunhar que, de forma humilde, estive ao lado do Duque de Bragança desde o Natal de 1975, no Vale do Jamor da nossa vergonha, onde os timorenses se amontoavam em barracas oferecidas pelo governo da Noruega, perante o desatino, o desalinho e a indiferença da desordem instalada no poder. Pouco tempo depois, felizmente, o jornal que eu tinha na altura, O Templário, conseguia mobilizar boas vontades e todas as semanas podíamos mandar alimentos, roupas e medicamentos àqueles a quem os traidores de Portugal tinham crucificado. Éramos alguns monárquicos empenhados neste serviço, dirigidos pelo Duque de Bragança - o príncipe discreto, modesto, eficiente e batalhador.»Desde que visitou o território no ano longínquo de 1974, Dom Duarte sentiu-se escolhido pela história para apoiar Timor. Assim o explicou em sucessivas mensagens e comunicações ao país, quando Timor era a esquecida 27ª província da Indonésia. «Embora privado de qualquer poder efectivo, sou ainda representante da Instituição por natureza vocacionada para salvar e garantir a Independência de todos os que, à sombra da Bandeira das Quinas, desejam ser independentes. Cabe-me, pois, acompanhar com constante cuidado o desenrolar deste problema político e humano, e ao mesmo tempo apelar para todos os responsáveis, no plano interno e no plano externo, no sentido de que aos Timorenses seja assegurada uma situação adequada à livre opção do seu futuro, o que implica necessariamente a consideração objectiva de um condicionalismo geopolítico que não está nas nossas mãos alterai.Nota: Mensagem de 1981

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Dom Duarte clamava no deserto para tornar presente Timor à comunidade internacional. Sabia que a tragédia resultara do emaranhado de instituições que, em1974/75, representavam o Estado português. «Em vez de suscitar nesse longínquo território a confirmação da antiga adesão das populações ao ideal comum, tudo fez para semear discórdias e partidarismos e para acentuar rivalidades pessoais, tribais ou regionais. O automatismo dos reflexos, próprio de estruturas provisórias, começou a criar, uma a uma, as condições propícias à invasão, e, na hora em que mais necessária se tornava a capacidade de visão superior dos acontecimentos e de domínio das técnicas diplomáticas, praticamente bloqueou todos os caminhos. Desde então, tudo se passa como se o Estado português se declarasse incapaz de uma iniciativa sequer. E os povos de Timor continuam abandonados.»Nota: Mensagem de 1981

O governo português abandonou Timor em 1975. A conjuntura da época é hoje mais clara.

As Forças Armadas foram para Timor para promover os 3 D- descolonização, democracia, desenvolvimento -, mas tingidos pela cartilha marxista. O governador enviado era o então coronel Lemos Pires, prometedor oficial de Estado-Maior com uma missão talvez impossível. Na sua equipa contava-se o depois vice-ministro comunista dos governos provisórios, o tenente-coronel Arnão Metelo.Nascem em Timor-Leste partidos políticos, alguns dos quais advogam a integração na Indonésia. As divergências degeneram em confrontos armados. As Forças Armadas entregam armas de guerra e munições à Fretilin. Tenta-se substituir a liderança dos liurais, chefes tradicionais, por líderes eleitos «democraticamente». Uma grande parcela de timorenses, com o apoio dos movimentos UDT e Apodeti, revoltou-se contra os marxistas, tendo armas fornecidas pelo capitão Maggioli Gouveia, da polícia portuguesa.Os militares portugueses retiraram-se a 26 de Agosto de 1975 para a ilha de Ataúro e depois para Portugal. Timor está ali horas de fuso horário de Lisboa, e na realidade está tão longe de todos e tão perto da Indonésia... A guerra civil alastra por todo o território. Enquanto se multiplicam as ameaças de intervenção indonésia, a Fretilin, liderada por Nicolau Lobato, expulsa de Dili os movimentos rivais da União Democrática Timorense e Apodeti e proclama unilateralmente a República Democrática de Timor-Leste, em 28 de Novembro de 1975, tendo como presidente Francisco Xavier do Amaral.As indicações de que a Indonésia interviria não foram levadas a sério. Era a idade de ouro do expansionismo soviético. Em reunião de 6 de Dezembro de1975 com o general Suharto, em Jacarta, o presidente dos EUA Gerald Ford

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Kissinger, secretário de Estado, aprovam a invasão brutal que ceifa dezenas de milhares de vidas a partir do dia seguinte. 7 de Dezembro foi um dia de infâmia internacional.O general Suharto, aquando da sua tomada de poder, liquidara cerca de meio milhão de indonésios comunistas pró-Sukarno. Agora não iria permitir um minicomunismo à sua porta e mandou invadir Timor-Leste. Em 7 de Dezembro de1975, algumas tropas indonésias desembarcam em Dili e, nos dias seguintes, outras atravessam a fronteira terrestre e ocupam todo o território. Timor torna-se a «27ª província indonésia». A Austrália foi o primeiro e único país a reconhecer a anexação. Sabia-se já do petróleo de Timor Gap que alguns comparam ao de Cabinda pelas suas ricas propriedades que o tornam importante para destilar combustível de aviação. Em 1989, a Austrália e a Indonésia assinarão um acordo para exploração do petróleo no mar de Timor.Os indonésios pensaram que tudo estaria terminado em poucas semanas. Segundo o jornal norte-americano The Nation, o então secretário de Estado, Henry Kissinger, sempre pródigo em vacinas sangrentas preventivas nos outros, apoiou a invasão, considerando que cinco semanas bastariam. Em Portugal não se andava longe de idêntica convicção; nas conversações oficiais (Reunião de Londres,3/75) admitia-se a integração como inevitável: apenas se desejava que se fizesse com o acordo dos Timorenses, aconselhando-se os indonésios a esforçarem-se por ganhar os corações deles.Um ano depois, os invasores apenas controlavam as principais cidades e um quarto da população; 80% do território estava controlado pela Fretilin.Portugal apresentou protestos na ONU e conseguiu que fossem votadas resoluções que mantinham Timor como território sob administração portuguesa in absentia. Era uma

pequena vitória do direito internacional e em torno dela cristalizou-se uma «união sagrada portuguesa», da extrema direita à extrema esquerda, dos ex-colonialistas aos neolibertacionistas que viam no povo sofredor de Timor o avatar de todos os injustiçados. Timor passou a fazer parte do subconsciente nacional e Dom Duarte tornou-se o intérprete dessa «união sagrada» e o guardião internacional do povo de Timor.A GUERRILHA, NOVA FORMA DE RESISTIREm 1979, Xanana Gusmão começa a percorrer o território com um grupo de50 homens, procurando outros grupos armados, e a reestruturá-los numa guerra de guerrilha. A 10 de Junho de 1980, atacam o emissor rádio de Dili e posiçõesmilitares na capital. Os ocupantes respondem, com prisões, torturas e aSSaSSinatOS.

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Em 1981, anunciam que vão aniquilar de vez a resistência e lançam uma grande operação de cerco às montanhas. Milhares de civis são mobilizados para formar grandes correntes humanas forçadas a avançar à frente do exército indonésio para servir-lhe de escudo. Mas a operação «resultou num fracasso total». Os Timorenses viram o exército indonésio a massacrar civis indefesos: «Foram massacrados à rajada ou esfaqueados, crianças de todas as idades eram esquartejadas, as mães degoladas, as mulheres grávidas esfaqueadas e os bebés que esperavam nascer esmagados ou esquartejados» (carta de um padre, 30/9/81). A determinação para resistir aumentou.Em 1982, a resistência armada recrudesce. «A população tem mais confiança no GPK (nome dado pelos indonésios aos resistentes armados) do que no exército indonésio», reconhece um documento indonésio com indicações sobre a maneira de vigiar e controlar a população, e tratar (torturar) os que se mostram teimosos. Um certo desânimo manifesta-se nas tropas de ocupação. Em 1983, os militares pedem conversações e um cessar-fogo. O coronel Purwanto dialoga com Xanana Gusmão em Março, no território controlado pela República Democrática de Timor-Leste. Xanana exige a autodeterminação sob controlo da ONU. Após quatro meses de cessar-fogo, a resposta de Jacarta é a substituição do coronel Purwanto e um ultimato do general Benny Murdani: «Rendição ou morte». Murdani declara-se pronto a colocar no território 80 batalhões, se for necessário, e garante apresentar Xanana, vivo ou morto, no dia 5 de Outubro, dia das forças armadas indonésias. Há companhias de autodefesa, armadas pelos indonésios, que passam com armas e bagagens para a guerrilha. Outubro passa sem que Murdani consiga outra coisa a não ser massacrar milhares de civis. Em Abril de 1984, o general Murtopo confessa que os seus soldados «disparam contra sombras» e um adido militar ocidental em Jacarta considera que «a situação está em vias de se prolongar indefinidamente, até todos nós ficarmos velhos». A Indonésia inicia uma «transmigração», instalando em Timor-Leste habitantes de outras ilhas.O que nenhum estratego militar se atrevia a imaginar aconteceu: a resistência armada mantém-se, mesmo sem santuários em país vizinho e sem armas nem munições vindas do exterior. É uma luta desigual: quando dispõem de armas automáticas, os resistentes utilizam-nas tiro a tiro para poupar as munições. Em 1988 centenas de jovens juntam-se à guerrilha. Xanana Gusmão ganha consciência de que a solução não será militar, mas política. A resistência armada deve manter-se como testemunho da recusa do povo timorense em aceitar a dominação estrangeira, mas o seu objectivo é um acordo político: «É num diálogo franco e sério que poderemos obter os compromissos necessários à

salvaguarda dos interesses de cada um e de todos em geral O povo de Timor-Leste sabe que não está isento de obrigações para com a zona na qual se insere» (Xanana Gusmão, 5/10/89).

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É neste contexto do acompanhamento da luta armada pela negociação política que Dom Duarte promoveu e foi presidente da Campanha «Timor87». O objectivo era mobilizar a opinião pública contra a violação dos direitos humanos pela Indonésia. A campanha reuniu apoios de múltiplas personalidades e todas as grandes instituições do Estado e da sociedade civil.Nota: «Timor 87. Vamos ajudar!»

Um dos resultados humanitários da campanha foi a angariação de fundos para um bairro para refugiados timorenses em Portugal. No plano político, os apoios mobilizados influenciaram o Governo a considerar a questão de Timor como uma das linhas de força da política externa. Na Mensagem do 1º de Dezembro de 1987, Dom Duarte chamou a atenção para o facto de «a Constituição da República, muito embora consagre nos seus princípios fundamentais o respeito pelo direito dos povos à autodeterminação e à independência, se limita, no caso de Timor, a consignar a obrigação de promover e garantir, apenas, o direito à independência». A revisão constitucional de 1989 consagrará o direito à autodeterminação do povo de Timor, com pleno aplauso de todos os sectores políticos. Na mensagem do1º de Dezembro de 1989, Dom Duarte afirma: «só aos Timorenses cabe decidir qual o futuro que desejam para o seu território. As obrigações históricas, morais e internacionais que temos para com este povo irmão incitam-nos a prosseguir com imaginação e persistência as diligências diplomáticas e outras que temos vindo a desenvolver para cumpri-las».Na questão de Timor, Dom Duarte é muito realista. Para os Timorenses, é fundamental defender a tradição cultural e religiosa e a língua portuguesa. A comunidade internacional é urgente dar a conhecer o drama de Timor. A Indonésia, a braços com conflitos étnicos variados, recusa a autodeterminação. Poderá assegurar o respeito pelos direitos humanos numa primeira fase e conceda autonomia «autogovernativa» numa segunda fase? D. Duarte começa a fazer chegar aos dirigentes indonésios a ideia de um Estado neutralizado em Timor. A argumentação da Indonésia é típica de um país não alinhado: não aceita a noção ocidental de direitos humanos e considera que em vinte anos de «permanência» contribuiu mais para o desenvolvimento que os portugueses em quatro séculos.Dom Duarte combate a designação «maubere» como equivalente a timorense; a palavra é pejorativa e significa «parolo». Assumiu uma carga ideológica e passou a designar «deserdado da sociedade» ou mesmo «proletário». Usada por um dos grupos da resistência, era evitada pelos próprios Timorenses, devido ao significado original e ao sentido marxista que adquiriu.Entretanto, a luta continua. Em 1987, as Falintil são despartidarizadas e no ano seguinte é criado o Conselho Nacional da Resistência. Mário Carrascalão,

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nomeado governador, solicita capitais indonésios para criação de emprego para os jovens timorenses. A pressão internacional abre o território aos compagnons de route do capital: alguns turistas e jornalistas, nem todos pró-indonésios. Os timorenses aproveitam as oportunidades para fazer reivindicações.A visita do papa João Paulo II a Dili em Outubro de 89; a do embaixador americano em Jacarta em Janeiro de 90; e do núncio apostólico em Setembro do mesmo ano, ocasionam manifestações duramente reprimidas. O dilema das autoridades é claro; ou reprimem os Timorenses e se isolam; ou não reprimem, e toda a população vem para rua. É anulada a visita dos deputados portugueses em 89, desejada pelos indonésios como o acto do reconhecimento da soberania indonésia sobre Timor-Leste; para Carrascalão, os Timorenses «vão olhar para este momento como a última oportunidade de demonstrarem os seus sentimentos».Vive-se em Dili um clima de rebelião em Outubro de 89. O general Benny Murdani anuncia mais repressão: «O exército indonésio pode falhar uma vez, mas recomeçará uma segunda e uma terceira vez (...) Esmagá-los-emos a todos, repito, esmagá-los-emos a todos». Carrascalão lamenta-se sobre os jovens que fogem para a guerrilha: «Tínhamos meios para os fazer felizes e não os utilizámos». Ambos esquecem algo que Xanana Gusmão define como «a razão de ser profunda de cada povo: o orgulho de ser ele próprio». Os Timorenses aprenderam a lutar pela «defesa desse bocado de terra que constitui a Pátria de cada povo, e sem a qual não haveria nem povos nem nações». A comunidade internacional começa a olhar de maneira diferente. O «realismo» descobre forte a determinação da resistência: «A paz para Timor-Leste só pode passar pela mudança responsável e real da posição actual do governo de Jacarta», escreve Xanana Gusmão (5/10/89).Em 12 de Novembro de 1991, no cemitério de Santa Cruz, em Dili, as tropas indonésias assassinam centenas de timorenses; o massacre é testemunhado por jornalistas e transmitido pela CNN. A causa da independência e o genocídio do povo de Timor-Leste torna-se global. Em Novembro de 1992, Xanana é subitamente capturado, em Dili. Julgado em Maio do ano seguinte, é condenado a prisão perpétua. O presidente Suharto reduz a pena para 20 anos de prisão, em Jacarta.Nessas horas duras, a guerrilha não abrandou. Os Timorenses não comeram o prato de lentilhas que os indonésios lhes estendiam. Mas os anos passavam e não se vislumbrava qualquer saída. A comunidade internacional e Portugal em particular não reconheciam a anexação; a Indonésia não aceitava qualquer evolução para a sua 27ª província.Em 1996, através dos contactos em Portugal com Ramos Horta e monsenhor Ximenez Belo, que em Dezembro receberiam o Prémio Nobel da Paz, Dom Duarte manobra em prol da autonomia de Timor. Expõe a Jaime Gama que Timor

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poderia ter autonomia, mantendo a Indonésia a soberania formal. O Dr. Jaime Gama ressalva a posição do Governo, mas oficiosamente considera a proposta um passo em frente. Para esse fim, concede um passaporte diplomático a Dom Duarte.A concordância indonésia para a iniciativa foi obtida pelos bons ofícios de Kartika Sukarno, filha do ex-presidente Sukarno e irmã da futura presidente Megawati. Ela convence Ali Alatas, ministro dos Negócios Estrangeiros da Indonésia, das vantagens em receber Dom Duarte. Como Portugal não mantinha relações diplomáticas com a Indonésia,

Kartika veio clandestinamente ao nosso país, a convite de Dom Duarte, que a vai buscar de carro a Madrid.No Verão de 1997, Dom Duarte recebeu indicações de que se poderia deslocar à Indonésia. Fez a longa viagem para o Oriente acompanhado por António Homem Cardoso que foi fotografando tudo. Passou primeiro pela Nova Zelândia onde tinha sido convidado pelo duque de Edimburgo e onde aguardou o visto para entrar na Indonésia. Quando chegou, vinha emitido em nome do «rajá de Portugal». Em Jacarta foi recebido por Ali Alatas. Estava presente o Eng. Mário Carrascalão que já não era o governador indonésio de Timor, mas que regressara de um «exílio dourado» como embaixador na Roménia. Não pôde ver Xanana Gusmão que estava então preso e incomunicável.O plano de paz para Timor foi apresentado ao vice-presidente da República, o Dr. Iussuf Habibi. Deveria ser realizado um referendo em que se perguntasse aos Timorenses se queriam autonomia sob a soberania indonésia ou a continuação da anexação. Deveria ser criado um governo timorense e um parlamento no qual cada reino teria o seu representante. Assim, a Indonésia não perdia a face e os Timorenses seriam autónomos. O Dr. Habibi acabou por concordar, até porque a Constituição indonésia atribuía um estatuto especial a Timor. Mas o presidente Suharto e Ali Alatas não se deixaram convencer.Com as coisas neste pé, Dom Duarte deslocou-se a Timor, sendo recebido pelo governador Abílio Osório e por D. Ximenez Belo. Teve oportunidade de verificar como estava organizada a resistência civil timorense, com delegados em todos os pontos da ilha. Baucau, por exemplo, era indonésia de dia, mas de noite era controlada pela Resistência. Assistiu a uma reunião da Conferência de São Vicente de Paulo, onde estava o bispo Ximenez Belo e Mário Carrascalão, e «gente muito barbuda» que percebeu serem guerrilheiros das Falintil. Eram encontros para resolver diferendos entre as forças ocupantes indonésias e os guerrilheiros.Os principais interessados na ocupação de Timor eram as Forças Militares Indonésias. Desde 1975 que saqueavam Dili. Traficavam produtos como o café, recebiam soldos a dobrar e comissões no fornecimento de equipamentos e

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alimentos. Tinham um entendimento tácito com a Resistência, só havendo confrontos quando um dos lados pisava o risco, o que por vezes sucedia. Xanana Gusmão foi preso ao visitar a família em Dili porque o novo comandante da polícia de Dili desrespeitou acordos tácitos. Após uma recepção oferecida por Lopez da Cruz, embaixador indonésio para Timor, Dom Duarte deixou Jacarta a 23 de Novembro de 1997, convicto de ter «enfiado um calço entre os dirigentes indonésios». Não convencera Suharto, mas sabia agora que o vice-presidente Iussuf Habibi aceitava a autonomia de Timor.Nota: Entrevista com o autor

A resistência timorense continuou. A Igreja católica continuava a fazer pressão. Em 10 de Dezembro de 1996, o bispo Ximenes Belo e José Ramos-Horta recebiam, em Oslo, o Prémio Nobel da Paz. Em 1997, a Comissão de Direitos Humanos da ONU aprova uma resolução condenando Jacarta. Que faltava?Os argumentos da comunidade internacional e a proposta de Dom Duarte apenas calaram fundo quando a Indonésia foi atingida pela crise dos mercados asiáticos. Era uma crise anunciada. A Transparência Internacional alertava que a corrupção desequilibrava o

crescimento dos «tigres asiáticos». Caiu a confiança dos mercados e das entidades financeiras multinacionais. A aliança EUA-Indonésia afrouxou. Em Maio de 1998, Suharto é forçado a demitir-se, cedendo à revolta popular.Nesta hora, o presidente Habibi tinha o projecto de Dom Duarte para mostrar ao secretário-geral da ONU, que aos olhos de muitos observadores pareceu uma súbita resolução. Por ocasião da Expo 98, Kofi Annan, numa cerimónia em Agosto em Lisboa, elogiou Dom Duarte pela sua acção em prol de Timor. O Protocolo celebrado, sob a égide das Nações Unidas, entre Portugal e a Indonésia, consagra a abertura democrática. Em Janeiro de 1999, Portugal e a Indonésia abrem secções de interesses nas duas capitais, sendo nomeada embaixadora a Dra. Ana Gomes. Em 5 de Maio, os ministros dos Negócios Estrangeiros de Portugal e Indonésia e o secretário-geral da ONU assinam um acordo para a realização de um referendo em Timor-Leste, controlado pela ONU.Enquanto Habibi permitia a realização de um referendo, o exército de ocupação acalentava uma onda de terrorismo. Surgiram as milícias armadas AITARAK com elementos do exército de ocupação, outros indonésios e etnias da fronteira com Timor indonésio. O Referendo de 30 de Agosto de 1999 pedia uma escolha entre a autonomia e a independência. Como afirma Dom Duarte: «Eu creio que os Indonésios foram um pouco enganados por Mário Carrascalão de que os resultados do referendo lhes seriam favoráveis. Oficialmente, tiveram 21,5% dos

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votos. O capitão Leal Marques (Dili) contou-me que ao fim do dia, como não aparecia ninguém a votar na Indonésia - o que poderia levantar a falsa acusação de fraude - foram introduzidos votos a favor da Indonésia para não causar alarme.»Nota: Entrevista com o autor

A 30 de Agosto de 1999, 98,6% dos recenseados votam no referendo de autodeterminação. O resultado, anunciado às 9h (hora de Dili) de 4 de Setembro, é uma esmagadora vitória da independência, com 78,5% dos votos.O pequeno povo timorense uma vez mais surpreendeu o mundo. Os Indonésios também. Fechadas as urnas, o ministro da Defesa, general Virantu, deu ordens para iniciar actos terroristas. As milícias e o exército indonésio lançam uma campanha de assassínios, deportações em massa, pilhagens e incêndios, forçando a população a refugiar-se nas montanhas e obrigando a ONU a deixar Dili. A família de Mário Carrascalão foi atacada, tendo sido morto um seu filho e outros familiares e queimada a casa. Pouco se podia fazer. A Fundação D. Manuel II, por exemplo, deu 10000 dólares para o bispo de Baucau entregar a oficiais indonésios, a fim de que só queimassem as lojas, dando a palavra de honra de militar que permitiriam a retirada de bens e pessoas de Baucau.O resto é história. Após algumas semanas de terror causado pelas milícias AITARAK e forças indonésias, como o notório Batalhão 742, as Forças de Paz da ONU desembarcaram em Timor, incluindo o contingente português. O Parlamento indonésio ratificou o resultado das eleições, permitindo a formação do Estado independente de Timor-Leste. A independência foi internacionalmente reconhecida a 20 de Maio de 2002 e Timor-Leste aderiu à ONU a 27 de Setembro. Em 2003 tornou-se o oitavo país da CPLP. É útil que se perceba que foi o modo de operar de Dom Duarte que melhor serviu os interesses nacionais timorenses.

Em jeito de rodapé da história da libertação de Timor, é conhecido o modo como Dom Duarte foi afastado pela República das cerimónias da independência; como lhe foi negado que acompanhasse um hospital de campanha da Ordem de Malta, enviado de Portugal via Darwin, com o coronel Feijó. Perante estas dolorosas e injustas atitudes, de Dom Duarte não sai uma só palavra de queixa. Em Mensagem do 1º de Dezembro de 2000 explica porquê: «Algumas pessoas estranharam o facto de eu próprio, após estes anos de militância a favor do povo de Timor, me ter remetido a um discreto silêncio e até me ter sujeitado a alguns constrangimentos quando Timor ganhava os escaparates e encabeçava os noticiários e as agendas dos políticos em todo o mundo.» O Duque de Bragança estava tranquilo de ter cumprido o pacto com os Timorenses, que anunciara vinte e cinco anos antes: «Quero que fique bem claro que Timor, a causa de Timor vale por si

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própria e a sonoridade que obteve na opinião pública era a maior compensação que eu podia ter por anos de luta incessante que comungo em silêncio com os Timorenses. Para além das iniciativas que tenha tomado, estarei sempre disponível para o que os Timorenses entenderem como útil, se o serviço de Portugal o justificar. Acredito assim que cumpro com fidelidade a aliança eterna estabelecida entre os Reis de Timor e os de Portugal, que hoje me orgulho de representar.»Nota: Mensagem de 1999

8.

PORTUGAL NO MUNDO

«Em vez de jangada de pedra de saramagos descrentes temos de ser uma estrada boiante de agostinhos convictos.»José Adelino Maltez

«Quanto mais buscamos as raízes do Português, mais na essência do nacional descobrimos o Universal.»Jaime Cortesão

A Marca da Nacionalidade

A primeira vez que ouvi falar de Dom Duarte, foi-me referido como «um homem que viaja muito». Efectivamente, em viagens por todo o mundo, guiadas pelo interesse nacional, mas que em nada pesam no Orçamento do Estado; em encontros de autêntica, embora não oficial diplomacia, que se estendem desde a China e o Japão a Marrocos e ao Brasil, desde a União Indiana à Grã-Bretanha e desde os Estados Unidos à Rússia, Dom Duarte passou pelos cinco continentes e mais de cem países.Nestas deslocações internacionais, tem uma constante preocupação e um objectivo: promover o bom conhecimento e a correcta imagem do nosso país e dos nossos interesses. Aproveitando facilidades no acesso a governantes e dirigentes mundiais - resultantes do prestígio e da experiência que granjeou ou de ligações dinásticas - contribui para a projecção de Portugal e dos povos de expressão portuguesa.

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Anos atrás, Joseph Nye, decano da Escola Kennedy de Governação, de Harvard, estabeleceu uma interessante distinção entre hardpower e softpower. Há finalidades que um governo só alcança através da coerção, com forte aplicação de poderes económicos e militares; é o chamado hardpower. Mas há outras finalidades que apenas podem ser alcançadas pela influência cultural, intelectual e moral; isso é softpower. «Um país pode obter os resultados que pretende na política mundial porque outros países o querem seguir, admirar os seus valores, emular o seu exemplo e aspirar ao seu nível de prosperidade e abertura.» Neste sentido, Dom Duarte tem sido o primeiro embaixador português de softpower. Assim se têm pronunciado personalidades como Miguel Cadilhe, à frente do ICEP e, na Assembleia da República, Manuel Alegre e Mota Amaral propuseram um lugar no protocolo de Estado para Dom Duarte.Espanha e GalizaO caso mais exigente da projecção de Portugal é o relacionamento com Espanha. «Em Espanha, o desconhecimento de Portugal chega a ser patético e penoso, apesar dos muitos bons amigos recíprocos.» Sempre que pode, Dom Duarte concede entrevistas aos grandes órgãos de Madrid, da Galiza e da Catalunha, e desloca-se ao país vizinho. 2004 foi o seu ano de Espanha. De 21 a 23 de Maio, a Família Real assiste ao casamento do Príncipe Herdeiro de Espanha com Dona Letizia, que aproximou os reis das nacionalidades espanholas. A 6 de Julho, Dom Duarte desloca-se à Galiza, em Espanha, onde lança o seu opúsculo sobre Nuno Alvares Pereira, Cavaleiro e Santo, peregrino a Santiago, e onde concede a Manuel Fraga a Grã-Cruz da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa. Entre 1 e 3 de Setembro, visita a cidade autónoma de Ceuta a convite do presidente da Cidade Autónoma, D. Juan Vivas Lara, discursando à população da cidade, durante as celebrações da entrega do governo da cidade à Câmara Municipal criada por D. João I. E em entrevista ao jornal ABC, Madrid, a2 de Fevereiro de 2005, explica a estima em Portugal pela Casa Real de Espanha... «Em primeiro lugar, porque acompanhamos o Rei desde pequeno e, depois, pela evolução da Espanha, que foi fantástica, tendo em conta os problemas que herdou do passado. A Espanha conseguiu prosperar e alcançar um extraordinário nível de desenvolvimento.» Na recente conferência inaugural do Congresso sobre os Caminhos Portugueses de Santiago, a 12 de Maio de 2005, o presidente do Bloco Nacionalista Galego assim saudou Dom Duarte: «A última vez que as Cortes galegas reunidas se dirigiram com independência ao seu rei foi no reinado de D. Afonso V de Portugal».

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Por um lado, aparecem governantes a fazer «declarações iberistas» um pouco superficiais. Por outro lado, são frequentes na imprensa portuguesa os artigos que protestam contra a «invasão» económica espanhola. No sector do vestuário, da alimentação, no financeiro, nas telecomunicações e nas grandes superfícies, os «investimentos» são considerados «investidas». Os espanhóis são «auto-suficientes», «arrogantes» e sobretudo «invasores». Em contrapartida, nos media espanhóis pouco ou nada se fala sobre Portugal. Uma explicação simplista diz que Portugal procura um bode expiatório quando a situação económica corre mal. Como explicar este «baixo contínuo» da imprensa, uma persistente

retórica antiespanhola, que resulta de uma deformação da visão histórica?Dom Duarte começa por afirmar que, primeiro, está a independência nacional: «No Primeiro de Dezembro de 1640 tornámos claro que queríamos ser Portugueses estando na Ibéria e não sermos Ibéricos estando em Portugal!» Em segundo lugar, Portugal e Espanha padecem de um mal comum num mundo de globalização crescente: a desarticulação do tecido social, a perda das pequenas e médias empresas - nomeadamente familiares - em proveito das multinacionais. Estas serão indispensáveis nos sectores macroeconómicos. Mas para a estabilidade e coesão sociais, a microempresa é fundamental. Os dois países sofreram no sector agropecuário e pesqueiro. Perderam muito capital para operadores estrangeiros no turismo, banca, energia. E o que os Portugueses vêem como a «invasão económica espanhola» é muitas vezes a invasão alemã, americana e japonesa da Espanha, ou seja, é a globalização.Tudo ponderado, Dom Duarte considera que Portugal não deve ser nem iberista nem antiespanhol: «Num contexto mais amplo, constato uma obstinação de alguns contra a Espanha, a qual apenas favorece o isolamento português e acentua a nossa fragilidade a ponto de deixarmos alastrar a influência espanhola sem uma resposta inteligente que nos defenda e consolide. Julgo que a vizinhança e a História levam a que nos modelos de colaboração de Portugal com a Espanha e as suas regiões autónomas possa estar uma das chaves da solidez da nossa independência.» Sendo generalizado em Espanha o desconhecimento de línguas estrangeiras, Dom Duarte tem proposto que o português seja ensinado nas províncias de fronteira com Portugal.Portugal e Espanha têm caminhos paralelos. «Tudo o que se passa em Espanha tem iniludíveis reflexos em Portugal, até porque existe um consabido paralelo nas histórias dos dois países ou, se quisermos, dos dois grandes reinos peninsulares, Portugal e Espanha.» Ambas as nações partiram da romanização. Ambas se firmaram com a legitimidade medieval da Reconquista e ambas projectaram a fé e o império para além dos oceanos. Ambas tiveram a sua modernidade mediterrânica

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anterior à do Norte da Europa. Depois do interregno absolutista entraram no liberalismo de modo traumático no início do século XIX. Em tempos mais recentes ambas sofreram a perda de impérios e iniciaram a democracia após o derrube de duas ditaduras. «Para o paralelo ser completo, só falta eu vir coroar a democracia portuguesa», ironiza Dom Duarte. Mas aqui aponta diferenças que são grandes: «Claro que a restauração da monarquia espanhola em 1975, e posteriores casamentos das filhas [e em 2004 do herdeiro do trono, o príncipe Filipe] despertam o interesse dos portugueses sobre o problema da monarquia. Mas as situações não são, na verdade, comparáveis. A restauração da monarquia em Espanha foi muito preparada pelo regime do general Franco e coincidiu com a passagem à democracia. A monarquia cobriu-se de prestígio ao chefiar a transição para a democracia e, particularmente, ao defendê-la, como nenhuma outra força quando o movimento militar que acompanhava o golpe de Tejero parecia ser imparável. Foi o rei que fez regressar a tropa aos quartéis. Foi o rei que se manteve inabalavelmente ao lado da democracia. Foi ao rei, aliás, que todas as correntes políticas (dos comunistas à direita), foram, na manhã seguinte, agradecer.»O problema da monarquia em Portugal coloca-se de forma substancialmente diferente da de Espanha. «(...) A monarquia em Espanha tem outro papel ainda muito importante que é o

de ser o cimento de união de um país no âmbito do qual existem poderosas forças separatistas e extremistas. Em Portugal, a monarquia seria o garante da regionalização talvez quanto a algumas tendências nos Açores e na Madeira, mas não há problemas comparáveis aos de Espanha.» Espanha e Portugal são diferentes. E os confrontos históricos resultaram sempre em empate, apesar das intenções de todos os monarcas ibéricos (mesmo os portugueses) de unificar ambas as nações. Foram os povos que não quiseram. Tal como António Sardinha em A. Aliança Peninsular, Dom Duarte aponta a explicação profunda desta realidade: «A Espanha tem um sentimento incompleto de nacionalidade que se manifesta por vezes com desejos de anexação de Portugal. Parece mesmo que durante a 1ª Guerra Mundial, Afonso XIII especulou com essa ideia. Hoje em dia, em Espanha, não há ninguém equilibrado que tenha esses sonhos. As relações com Portugal foram geralmente boas desde o Pacto Ibérico e são ainda melhores no quadro da democracia.»Quanto a Olivença, tem uma atitude: «A Espanha exige a devolução de Gibraltar e não é por isso que não tem boas relações com a Inglaterra. Esta ocupa o território de forma legal, mas a Espanha ocupa Olivença de modo ilegal, porque reconheceu que deveria devolver a localidade a Portugal. Formalmente, fê-lo, mas nunca executou a decisão e já se passaram dois séculos. Portugal deveria negociar a questão, inclusivamente nas cimeiras luso-espanholas onde o assunto

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tem sido ignorado. Tal como se ignora outras situações, como as compensações a quem tudo perdeu nas ex-colónias. O Estado prefere não criar oxidas a rcsolver injustiças.»Nota: Entrevista à Ensino Magazine 2005

Um caso particular das nacionalidades espanholas é a Galiza. Em 1994, Dom Duarte desloca-se à comunidade portuguesa de Vigo, onde radica desde sempre o Consulado-Geral de Portugal. A Casa de Arines foi cedida para sede do Instituto Camões. Assusta-o o desconhecimento espanhol dos acontecimentos em Portugal, confirmado num estudo de 2002, da Universidade de Santiago de Compostela, A itnagem de Portugal e Galiza na imprensa dos dois países. Em 2001, por ocasião do desastre do Prestige, quer conhecer a catástrofe in situ. Vai a Muxía, a zona mais gravemente afectada, com grupos de voluntários portugueses, entre outros, e acompanhado por Fraga Iribarne. A eles se refere em Mensagem de 2002: «Agora, perante os acontecimentos, deveremos estar presentes junto dos que lutam para minorar males maiores, lembrar os nossos irmãos galegos que mais afectados ficam e actuar junto das instâncias adequadas no sentido de punir e eliminar quem ponha interesses particulares acima da preservação dos bens de todos.»Em Julho de 2004, no Ano Santo Jacobeu, pronuncia uma invocação na Catedral de Santiago durante a Missa do Peregrino. Recorda a constante devoção dos reis de Portugal ao Apóstolo Santiago. A 6 de Julho, lança o seu opúsculo Don Nuno Abares Pereira, Caballeroy Santo, peregrino a Santiago. Neste acto participaram o presidente do Parlamento de Galiza, José Maria Garcia Leira e o arcebispo de Braga, D. Eurico Dias Nogueira. O arcebispo de Santiago, Don Julian Barrio Barrio, também recebe a Grã-Cruz da Ordem da Conceição, no Palácio de Rajoy.

Países Europeus

Ao longo dos anos, pode afirmar-se que não há país europeu que Dom Duarte não tenha visitado; desde os mais remotos - como a Finlândia, Sérvia, Holanda, Áustria, Hungria, Noruega, Liechtenstein, San Marino, Croácia, República Checa, Eslováquia - aos que têm particular significado para Portugal.Alemanha - 10 a 12 Fevereiro de 2004 - Dom Duarte participa na Conferência Internacional da Aliança Atlântica (NATO/OTAN), em Berlim. A sua intervenção e a mesa a que presidiu teve por tema: «Turismo, cultura e segurança». A 3 de

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Maio, a Família Real visita Hamburgo a convite da Câmara Municipal e desloca-se à Missão Católica Portuguesa com a presença de numerosos emigrantes.Bélgica - 4 a 6 de Dezembro de 1999 - Em Bruxelas para assistir ao casamento dos primos e príncipes herdeiros Filipe e Matilde. Ao chegar ao aeroporto, Dom Duarte de Bragança dirige-se aos jornalistas internacionais que o cumprimentam efusivamente pelo nascimento de D. Dinis, a 25 de Novembro.

Bulgária - O relacionamento de Dom Duarte com o rei Simeão da Bulgária tem sido muito estreito desde a década de 60 em que Simeão de Saxe Coburgo visitou Angola. Residente em Madrid, o rei é um amigo do nosso país onde viveu sua mãe, Rainha Joana, e desloca-se frequentemente a Portugal. Também mais do que uma vez D. Duarte tem visitado a Bulgária. Em 25-27 de Outubro de 2002, Dom Duarte e D. Isabel assistiram em Sofia ao casamento régio. Em 2005, Dom Duarte voltou a Sofia no âmbito do apoio à candidatura da Bulgária à entrada para a União Europeia.Dinamarca - 13 a 15 de Maio de 2004 - A Família Real assistiu ao casamento do Príncipe Herdeiro da Dinamarca.França - As visitas têm sido numerosas, quer no âmbito de contactos com personalidades francesas, quer em visitas a comunidades portuguesas ou ainda eventos internacionais. Em 14 Junho de 2002 estão em Paris para a recepção oficial na UNESCO. Em 11 Março de 2005, os Duques de Bragança presidiram à homenagem a Serge Lifar, organizada pela «Association Européenne de St. Vladimir». O evento teve lugar na Embaixada Russa em Paris e assistiram mais de quinhentas pessoas.Dom Duarte tem-se correspondido com Maurice Druon, sobrinho do escritor Joseph Kessel, com o qual escreveu o Chant des Partisans; com música de Anna Marly, será o hino da Resistência durante a Segunda Guerra. Druon tem uma notável carrreira de dramaturgo e político ao serviço da França, sendo secretário perpétuo honorário da Academia Francesa.Inglaterra - A 13 de Junho de 2000, Dom Duarte deslocou-se a Londres a convite do príncipe de Gales para participar em algumas actividades culturais e num jantar em St. James. Nessa ocasião, a convite do Colégio Universitário de Christ Church em Oxford, proferiu uma conferência aos estudantes e professores, tendo-se avistado também com a comunidade portuguesa.

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Itália - 9 de Março de 2000 - A convite da Câmara Municipal de Bolonha, Dom Duarte inaugura um Congresso Internacional de Arquitectura e uma Exposição, sob o nome «A Outra Modernidade», integrados nas manifestações de Bolonha Capital Europeia da

Cultura. A 12 de Março de 2005 está presente na Comemoração dos 200 anos dos Bersagliere, numa cerimónia organizada em Casale Monferrato. A 17 Setembro de 2005, os Duques de Bragança assistiram ao casamento da Princesa Ana de Bourbon-Sicília, em Turim, Itália.Luxemburgo - País que alberga a maior percentagem de portugueses no estrangeiro e cujo grão-duque está ligado à Casa de Bragança, o Luxemburgo tem sido repetidamente visitado por Dom Duarte, que é sempre recebido pelo Príncipe Reinante.Mónaco - O intercâmbio com os príncipes do Mónaco tem sido rico ao longo dos anos. A princesa Grace era presidente da AMADE, a Associação Mundial dos Amigos da Infância. Por ocasião da visita a Lisboa, em Janeiro de 1978, a princesa Grace visita os refugiados timorenses no Vale do Jamor e funda-se a AMADE Portugal, sendo Dom Duarte o presidente de Honra. A instituição estará presente no arranque da campanha «Timor 87 - Vamos Ajudar!». Posteriormente foram diversas as visitas de Dom Duarte ao Mónaco, tendo a mais recente ocorrido por ocasião do falecimento do príncipe Rainier em 2005.Montenegro - 6 de Junho de 2005 - Visita à República do Montenegro, na qual o presidente da República e o príncipe Nicolau II presidiram ao restabelecimento na antiga capital real, Cetinge, das armas reais e à restauração da antiga Ordem de Danilo I. O Montenegro foi independente até à ocupação servia na 1ª Guerra Mundial. O país é governado por coligação centrista que decidiu estabelecer a paridade da moeda com o euro. Com Nicolau II - chefe da Casa Real e neto do último rei, e que exerce a arquitectura em França - trocou impressões sobre as invasões napoléonicas. O marechal Marmont, duque de Ragusa, na Dalmácia, ocupou os territórios em 1809; ao espantar-se de que os camponeses cortassem a cabeça aos invasores franceses, ouvia responder-lhe «Mas vocês cortaram a cabeça ao rei!» Em 27 de Maio de 2006, Dom Duarte assiste, em Roma, à missa em acção de graças pela recém-restaurada independência do Montenegro, após 87 anos de anexação pela Sérvia (Jugoslávia). A seu pedido, a cerimónia da «Ordem de Danilo» tem lugar na igreja de Santo António dos Portugueses, assistindo também o príncipe Alberto do Mónaco e o presidente da República do Montenegro.

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Polónia - Em Setembro de 1993, visita a Polónia, acompanhado pela senhora Barbara Piacekwa Johnson, polaca de origem e herdeira da Johnson&Johnson: financiara o sindicato Solidariedade, nos tempos comunistas e agora queria apoiar os estaleiros de Gdansk. Dom Duarte é recebido pelo presidente Walesa e pelo cardeal Glemp, primaz da Polónia. Com ambos troca propósitos de amizade e de mútuo interesse para ambas as nações. Em Varsóvia, contacta com diversas instituições científicas e culturais e observa ainda trabalhos em curso de restauro e recuperação de edifícios destruídos pela 2ª Guerra Mundial.Suécia - Em Maio de 2006, Dom Duarte e D. Isabel visitam a Suécia, por ocasião do 60º aniversário do rei Carlos XVI Gustavo do qual é primo em 5º grau. O livro For Sweden indica que o rei, sem quaisquer poderes políticos formais, desfruta de 80% de aprovação e é um bom contraponto ao primeiro-ministro actual, Góran Persson. Segundo o jornalista Niklas Ekdahl, «quanto mais os elitistas argumentam, mais apoios têm os reis entre os Suecos».Suíça - País do seu nascimento - em Berna - e de formação - Genebra - Dom Duarte considera a Suíça, «a melhor democracia do mundo» pela constante participação dos seus

cidadãos em referendos cantonais e nacionais. Também se adivinha que gosta muito de «um país onde nem se nota o presidente da República». Repetidas vezes tem passado pela Suíça, em trânsito, ou para breves deslocações e eventos. Em 14-17 de Novembro de 1999 teve lugar em Genebra, o II Congresso Mundial das Famílias. O Programa tinha 8 sessões plenárias e 20 concomitantes, com oradores de 36 países. Dom Duarte foi um dos Dirigentes do Congresso e presidiu a diversas sessões em particular sobre a «bomba do despovoamento» e suas consequências na sociedade ocidental.Vaticano - Presente na história de Portugal desde a Bula Manifestis Probatum de1179, a sede da Igreja Católica Apostólica Romana tem o maior significado para o herdeiro do trono de Portugal. Dom Duarte é apresentado por seu pai ao papa Pio XII, seu padrinho de baptismo, em 1957, em visita conjunta com seu pai e irmão Miguel, e acompanhado pelo Dr. Sousa Lara. Por ocasião da entronização do papa João Paulo I, em 1978, deslocou-se a Roma para assistir a essa importante cerimónia, tendo na ocasião contactos com o cardeal Villot. Por motivos de saúde não pôde estar presente na coroação do papa João Paulo II, ainda em1978. Em posteriores visitas, desloca-se ao Vaticano em 1989, antes da visita de João Paulo II a Timor, para prestar os seus conhecimentos sobre a situação no território. Em 1998 é a apresentação da família - Isabel, Afonso e Francisca. O infante

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Afonso proferiu algumas frases em polaco que muito agradaram ao pontífice. A explicação é que uma empregada polaca em casa ensinara-as ao infante. Em2004 é recebido com a família em Audiência Geral, sendo depois chamados para a frente. O infante D. Dinis diz ao papa: «Eu sou teu amigo e quero ir para tua casa», sendo beijado na testa pelo pontífice. Em Março de 2005, o casal real assiste ao funeral solene do papa João Paulo II.RússiaO final da Guerra Fria fez nascer uma grande esperança no Leste. Os direitos do homem e a democracia, proclamados desde 1948, iriam finalmente realizar-se. Durante mais de 50 anos e até Novembro de 1998, a realização dos direitos do homem fora adiada pela desunião entre as nações e pela hostilidade mortal entre as duas superpotências. O comunismo e a ditadura do proletariado na URSS tinham congelado durante meio século o projecto colectivo da humanidade. Que nova ordem mundial resultaria do fim da bipolaridade?A esperança de 1991 foi imensa. Mas as desilusões também. Dos EUA vieram especulações sobre o «fim da História» e o «choque das civilizações». Afirmou-se que a «morte das ideologias» daria lugar a novas ideologias, como o Fundamentalismo. E sobretudo, as oligarquias globalistas do capital financeiro - contra posições de Jacques Delors e do papa João Paulo II - tomaram uma decisão com consequências ainda hoje incalculáveis de reorganizar a comunidade internacional com base na economia da mão invisível e na força militar americana. Recusava-se, assim, a arbitragem internacional dos conflitos e a segurança colectiva para esconjurar a guerra; recusava-se a intervenção das organizações multilaterais como a ONU; recusava-se confiar a distribuição dos bens do planeta a entidades com critérios normativos. Morria a esperança, nascida no longínquo ano de 1648, de um contrato social entre Estados e povos de grandezas diferentes, mas iguais em direitos. O direito da força impunha-se à força do direito.

Nota: Em 2000, Jacques Delors convida Dom Duarte para ser o «rosto português» do euro, na campanha de lançamento da moeda única. Desaconselhado a aceitar o convite, Dom Duarte não deixa de lamentar a escolha depois realizada, já sem responsabilidade de Delors.

A medida que a libertação de muitas das nações dominadas pela URSS não se viu acompanhada de um acesso às benesses ocidentais, assistiu-se a um ressurgir dos sentimentos religiosos e monárquicos, latentes numa população até então cerceada nos seus direitos e pensamento. Países como a Rússia, Hungria, Bulgária e,

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muito recentemente, em 2005, a Sérvia e Montenegro, restabeleceram as armas reais com a Coroa e a Cruz. Poderiam estes acontecimentos relacionar-se com a anunciada «conversão da Rússia»? Poderia a monarquia constituir uma referência depois do vazio criado por décadas de uniformização comunista? Poderia a religião trazer o que a fórmula democrática só por si não conferia? O acentuar dos nacionalismos agressivos tem desnudado os efeitos perniciosos da «colonização soviética». As feridas demoram a sarar mas, em contraste com os conflitos acirrados nos Balcãs, a instabilidade quase desapareceu na Europa do Leste e na Rússia.Atento a estes grandiosos acontecimentos, Dom Duarte de Bragança seguiu de perto o processo de desintegração do império soviético e o fim da Guerra Fria. Em particular, a grande nação russa sempre o atraíra, chegando a falar a língua russa com alguma fluência. Ainda hoje o «spasiba bolshoi» pode assomar naturalmente aos seus lábios para agradecer uma atenção. O seu primeiro contacto ocorre em1990 a convite do presidente Gorbachev. Acompanha então o general Eanes a Moscovo, para participar no Congresso Internacional para a Paz no Mundo. Aí conhece o célebre pintor Ilya Glazunov, representado em museus de todo o mundo, bem como o escritor Valentin Rasputin, do Soviete Supremo da URSS, e convidado em 1990 para o Conselho Presidencial de Gorbachev. Fala também com o célebre cineasta Nikita Mikhailov, realizador de Sol Enganador e O Barbeiro da Sibéria, em parte filmado em Portugal.Em 1991, Ilya Glazunov vem a Portugal. Em longas conversas durante a feitura do retrato de Dom Duarte que se encontra em Vila Viçosa, fala-lhe da sua vida e do povo a quem se dirige a Mensagem de Fátima; a infância durante o cerco de Leningrado, a juventude como artista mimado, e a idade adulta em que as convicções patrióticas e cristãs das suas obras lhe trazem conflitos com o regime soviético. As suas exposições tinham milhões de visitantes, mas eram quase sempre encerradas pelas autoridades. Dá-se neste ano, entretanto, um facto simbólico. As duas estátuas peregrinas de Nossa Senhora de Fátima, esculpidas por José Thedim e que por ordem do bispo de Fátima-Leiria tinham partido de Portugal, a primeira a 13 de Maio de 1947, na direcção do Oriente e a segunda a 13 de Outubro de 1947 na direcção do Ocidente, ao cuidado de John Haffert, co-fundador do Exército Azul de Fátima, tinham alcançado a Rússia, respectivamente em 1991 e em 1992.Nos anos 70, o metropolita Nicodim de Leninegrado, figura proeminente da Igreja Ortodoxa russa e encarregado das questões das Relações Externas, veio secretamente a Fátima. Percorreu o Santuário e ajoelhou-se na capela Bizantina do Exército Azul, perante o Sagrado ícone de Kazan. É uma imagem da Virgem

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com o menino Jesus ao colo, pintura em madeira ao estilo greco-bizantino, dos séculos XII ou XIII, feita em Constantinopla. Alguns anos depois, ao visitar o Vaticano em 1978, o metropolita Nicodim morre de enfarte cardíaco nos braços do papa João Paulo I, após celebrar a eucaristia a 31 de Agosto. Aos jornalistas o papa afirma «Asseguro-vos que nunca ouvi palavras tão belas acerca da Igreja. São segredo. Não as devo repetir». A 28 de Setembro falece João Paulo I. Alguns viram estes acontecimentos inesperados como um prenúncio da união entre as Igrejas de Pedro e de André.Eleito pontífice, João Paulo II aplicará as ideias ecuménicas do Concílio Vaticano II. Tem como prioridade visitar a Rússia. Responsáveis do Vaticano para as relações inter-religiosas sondam Dom Duarte sobre o regresso da imagem da Virgem de Kazan. O interlocutor do Vaticano é a Igreja Ortodoxa russa que sempre alimentara a expectativa do retorno do ícone, mas cujas relações com a Igreja Católica são marcadas por desconfiança. O comunismo bastante contribuiu para as envenenar, criando muitas dificuldades. Em particular obrigou a Igreja Greco-Católica (desprezavelmente chamada «Uniata») a ceder templos na Ucrânia à Igreja Ortodoxa, mais controlada pelo regime e muito infiltrada pelo KGB.A Senhora de Kazan é a padroeira e protectora da Rússia. Por todo o país são-lhe dedicadas centenas de basílicas, igrejas e capelas; mas foi nas de Moscovo e de São Petersburgo que se preservou o ícone mais sagrado. Seguia os Czares nas deslocações em campanha. Em 1713 acompanhou a transferência da capital para São Petersburgo. A derrota do imperador Napoleão em 1812 foi atribuída à sua intercessão. Em Moscovo, a Basílica de Kazan na Praça Vermelha fora destruída no tempo de Lenine. Sabendo-se que o ícone fora posto a salvo em Fátima, uma equipa da televisão russa desloca-se a Portugal. Levarão de volta, quase que pela primeira vez, as notícias do extraordinário apelo de Fátima. A expectativa criada é extraordinária, mas existem tensões entre ortodoxos e católicos.Em 1992 Dom Duarte é convidado a Sampetersburgo num momento histórico. E o Natal ortodoxo e, naquela fria noite de 5 para 6 de Janeiro, assiste emocionado e, ao mesmo tempo, surpreendido, a uma manifestação de ressurgimento da fé. A Catedral de Nossa Senhora de Kazan, onde estivera o Museu do Ateísmo, vai ser restituída à Igreja Ortodoxa. Na Ópera da ex-Leninegrado tem lugar o espectáculo que viria a terminar com a mudança do nome da cidade. É a «Telemaratona para a Ressurreição de São Petersburgo», tendo como pano de fundo uma imensa reprodução do ícone de Kazan. Calcula-se que as cerimónias foram transmitidas para cerca de 160 milhões de espectadores. O presidente da Município pediu perdão pelos roubos e atrocidades comunistas e restitui a chave da catedral de Kazan ao metropolita. E depois apresenta ao público o seu

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convidado de honra, Dom Duarte de Bragança, Chefe da Casa Real de Portugal, pedindo-lhe que fale do ícone de Kazan.Dom Duarte explica como a imagem viera da Rússia depois da revolução de1917 e fora parar à Igreja ortodoxa de Fátima, lugar das aparições e da conversão da Rússia. Durante a Revolução de Outubro, o ícone desaparecera. Roubado ou desviado, foi posto a salvo num mosteiro ortodoxo dos EUA. Passaram vários decénios. Na década de 60, sobrevêm dificuldades económicas ao mosteiro. O recheio é posto à venda. John

Haffert, criador do Exército Azul, em Fátima, e grande amigo de Dom Duarte, compra o ícone e deposita-o em Fátima. Tem esperança que um dia o possa restituir à Rússia, passado o furacão comunista. E passaram mais quase 30 anos.As perguntas a Dom Duarte sucedem-se: «O que é Fátima?» «Porquê em Fátima?». Vem uma pergunta crítica: «A anunciada conversão da Rússia seria o regresso do catolicismo?» Dom Duarte estava prevenido. Em Coimbra pedira conselho à irmã Lúcia. E a vidente carmelita escreveu uma carta onde consideraque as palavras de Nossa Senhora significam que a Rússia voltaria a ser um país cristão; invoca a passagem evangélica de «a Casa de Meu Pai tem muitas mansões». Dom Duarte tinha a carta traduzida para russo. E apresenta-a nesse momento. E acrescenta: «Durante decénios, a Europa Ocidental rezou pela conversão da Rússia e pelo triunfo do Imaculado Coração de Maria. Agora é o resto do mundo, e em particular a Europa Ocidental que tem necessidade das orações do povo russo, para se converter.»A telemaratona marcou a história da comunicação social na Rússia. O patriarca Alexis I comunica-lhe que o considera não só um mediador como um bom portador da Virgem de Kazan. Afinal é ele quem representa Portugal, guardião da imagem. Dom Duarte, de acordo com John Haffert, considera que é João Paulo II quem deverá fazer a entrega. O ícone vai para Roma. John Haffert falece em 2001. É conhecido como entre as amarguras de João Paulo II está o facto de jamais ter obtido autorização para realizar una visita pastoral à Rússia. Em 2004, sabendo que não terá mais saúde, envia o ícone de Kazan. Quase noventa anos depois de ter saído da Santa Rússia, terminava a bela história que começara em 1917.Em 1993, na sequência de uma visita à Polónia, Dom Duarte segue para Moscovo e São Petersburgo, onde ficará acompanhado pela filha da princesa Gorchakov, e dirige-se para a Sibéria. Fica alojado na residência de Valentin Rasputin, consagrado autor de A- Floresta, O Fogo, e outras novelas, e que virá a ser secretário de estado do Ambiente e Religião do oblast de Irkutsk. Vive em Ust’-Uda, uma aldeia no rio Angara, a algumas centenas de quilómetros de Irkutsk, e a 50 km do lago Baikal. Com ele, Dom Duarte aprofunda o seu conhecimento da alma russa.

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Nos anos 1970, Valentin Grigor’evich Rasputin publicou os melhores best-sellers da URSS, do movimento da «prosa campestre». Em 1977 e 1987, recebeu o Prémio URSS de Literatura, e em 2000recebeu o Prémio Solfenitsin de Literatura, das suas novelas (povestí), escritas entre 1967 e 1976 descrevem os efeitos social, cultural e psicológico da urbanização das áreas rurais da sua Sibéria e o enorme custo da modernização em termos espirituais e morais. Aí se apercebe Dom Duarte de como a alma russa resistiu ao comunismo e se prepara para o assalto do novo capitalismo selvagem. Escuta as queixas de Rasputin sobre «os coivboys da celulose que destroem a região do lago Baikal».Voltará à Rússia em 1994 e começa a formar a ideia de que o fim do pesadelo comunista não foi seguido pelo sonho prometido pelo capitalismo. Glazunov, então com 65 anos, começa a pintar a tragédia da Rússia pós-Soviética: violada, roubada e sob ataque da pseudocultura do Ocidente laico. Soljhenitsyin faz ouvir os seus protestos. Carlos Santos Pereira recorda-se de o acompanhar a uma ex-kholko e: «Estando em missão jornalística, a certa altura fui com Dom Duarte visitar uma pequena empresa com exploração de terras, a 200 km de Moscovo. Era o Inverno russo e Dom Duarte apareceu com a sua samarra alentejana. íamos num automóvel Volga, pesadíssimo. Como não estávamos

completamente legalizados para sair do oblast de Moscovo, o taxista estava em pânico. A dada altura, o carro atasca-se na floresta. Saímos todos e, com um machado, começámos a cortar ramos de árvore para colocar debaixo das rodas. Caída a noite, poderia ser um momento difícil. Mas ajudou a boa disposição e o deslumbramento de Dom Duarte com a situação, apesar do insucesso. Entretanto chega um camponês com um tractor e desatola a viatura. Chegamos cheios de fome e sede a uma aldeola. Dom Duarte é o único que consegue beber e considerar bom o ”refrigerante local” uma mistela inqualificável de cor verde. Com isso marca pontos na população. Várias vezes voltei a contactar com ele e saber do seu entusiasmo pela Rússia. Tive pena que, no regresso, a vida não me proporcionasse colaborar na Associação de Amizade Luso-Russa que Dom Duarte criou.» Efectivamente, no regresso, Dom Duarte funda a Associação Cultural Luso-Russa, com a ajuda de Nuno Laboreur Cardoso, e que estimulará o relacionamento cultural entre ambos os países.Estados UnidosA primeira viagem de Dom Duarte aos Estados Unidos é à Califórnia em 1980. Em São Francisco, por indicação de António Cruz Rodrigues, fica hospedado na Teamster Union. A união sindical que começara por ser de equipas (teams) de

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muleteiros, e depois de camionistas e ferroviários, expandiu-se a outras profissões nos anos de 1930, tornando-se independente da grande central sindical AFL-CIO em 1957, agregando trabalhadores dos serviços e do sector público. Os seus amigos americanos ficam muito espantados quando o ouvem dizer que aprendeu muito com as lições sindicais dos «rednecks» que se podem aplicar a Portugal para desafiar o quase monopólio da Intersindical, que então predominava.Por intermédio do Prof. Norman Bailey, director dos Assuntos Económicos, no National Security Council, 1981-1983, e amigo de Ronald Reagan, é recebido pessoalmente em 1983 na Casa Branca. Em Washington, o presidente comunica-lhe o interesse com que os EUA vêem a independência de Portugal em relação a Espanha e o agrado pelo interesse de Dom Duarte nas causas de paz nos países lusófonos, sobretudo Timor. E sugere-lhe: «Mas por que não se candidata a um cargo político, como seja o de presidente da República?» Dom Duarte explica-lhe que essa hipótese seria vista pelos Portugueses como uma contradição. «Se eu digo que o sistema monárquico é melhor do que o republicano, independentemente das qualidades pessoais do Presidente ou do Rei, e depois aceito participar numa instituição republicana, estou a contradizer-me.»Em Junho de 1989, Dom Duarte está presente na inauguração em Newport, Rhode Island (EUA), de um monumento comemorativo do descobrimento português da Nova Inglaterra pelos irmãos Côrte-Real. Assistem ao acto o Dr. Mário Soares e o governador do Estado. Da autoria de Charters de Almeida, o monumento patrocinado pela Fundação Cultural Luso-Americana, está implantado num Parque nacional, frente ao Atlântico, e sublinha a temática da rosa-dos-ventos. O senador Clairborne Pell, grande amigo de Portugal e de Dom Duarte, e filho de um antigo embaixador em Lisboa, de Maio de 1937 a Fevereiro de 1941, pronunciou na ocasião um importante discurso sobre a amizade luso-americana.Segue depois para Nova Iorque onde é recebido pela Sr.a Claire Schulmann, presidente do bairro de Queen’s, em Nova Iorque, por ocasião das comemorações do tricentenário de D. Catarina de Bragança. É uma história que vem de longe, e que ainda não terminou. Em 1689, a cidade é designada de Nova Iorque, em

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é fundada a Sociedade dos Amigos de D. Catarina de Bragança. Foi publicada uma biografia da rainha e comemorado o 3º centenário de Queen’s.Em 1988, deliberou-se erigir uma estátua de 10 metros de altura. O monumento seria o segundo maior da cidade, logo após a Estátua da Liberdade. Tendo ganho um concurso para o projecto, a escultora Audrey Flack começou a trabalhar numa fundição em Beacon, Nova Iorque. A estátua da rainha com um orbe na mão seria erigida numa plataforma, frente ao edifício das Nações Unidas do outro lado do East River.Foi então que começou a segunda saga de Catarina de Bragança. Para Stanley Cogan, «o local da implantação da estátua foi mal escolhido. Ficar de frente para as Nações Unidas implicava ficar de costas para Queen’s». Entretanto, o Rev. Charles Norris da Igreja Baptista da Jamaica e a activista Betty Dopson, que organizou a Liga de Amigos contra a Rainha Catarina, propagaram versões de que os monarcas Carlos e Catarina lucravam com o comércio de escravos. Também os americanos irlandeses não apreciaram um monumento a eclipsar o cemitério de Calvary, ali ao lado, para imigrantes. Finalmente, durante a Guerra da Independência ocorreu a batalha de Kips Bay na zona proposta para a estátua. Houve ainda discordâncias entre o criador da estátua, o assistente, a fundição e os financiadores. Tudo indica, desde 1998, que a estátua de Catarina não ficará em terrenos públicos. A estátua da que deveria ser «a mais alta de todas as rainhas» descansa na remota fundição de Beacon, à espera de um desenlace feliz.Conhecedor e amigo profundo do povo norte-americano, Dom Duarte quis publicamente manifestar o seu repúdio pelas acções dos terroristas islamistas que se abateram sobre os Estados Unidos em 11 de Setembro de 2001, apesar do crescente unilateralismo desse país. Foi o historiador Paul Kennedy quem escreveu sobre os Estados Unidos após 1991: «The eagle has landed». De facto, os EUA apresentam-se como um Estado global, sem o qual o cartel financeiro não sobreviveria. Imperium superai regnum (o império é superior ao reino) já dizia Marco Aurélio. E a ordem imperial americana supera os Estados nacionais. Os EUA recusaram ratificar em 1997 a Convenção Internacional sobre as minas anti-pessoal e abandonaram em Fevereiro de 2000 os planos para a integrarem no futuro próximo. Recusaram integrar a Convenção de Roma, de 1998, que confere a sanção judicial contra genocídios, crimes contra a humanidade e crimes de guerra. Decidiam-se, assim, contra a existência de um Tribunal Penal Internacional, com capacidade de julgar não só os Estados (como é o caso do Tribunal de Haia), mas também indivíduos e com competências ilimitadas no espaço e no tempo. Os EUA suspenderam, em termos práticos desde 11 de Setembro de 2001, a aplicação da Convenção de Genebra sobre prisioneiros de que são signatários. Em Janeiro

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de 2001, os EUA recusaram ratificar o Protocolo de Quioto que prevê a redução gradual e controlo internacional das emissões de carbono para a atmosfera.36% dessas emissões provêm dos EUA. Em 2001, os EUA recusaram assinar a convenção da OCDE contra os paraísos fiscais, para controlar e depois suprimir os chamados centros offshore onde é feita lavagem de dinheiro. Após desmantelar o seu arsenal biológico, os EUA recusaram assinar em Dezembro de 2001 o protocolo adicional de inspecção

territorial à Convenção sobre a Interdição das Armas Biológicas (CIAB) em vigor desde 1975 e já assinado por 167 países dos quais 16 não ratificaram. Em 2002, os EUA lançaram uma «iniciativa estratégica» que anula unilateralmente, como já sucedera em 1983 com SDI, o Tratado entre a URSS e EUA sobre sistemas de Mísseis Balísticos Intercontinentais (Tratado ABM), que datava de 1972.A visita de Dom Duarte a Nova Iorque, em Novembro de 2001, teve como objectivo participar com outros portugueses na missa de sufrágio pelos mortos nos atentados de 11 de Setembro. Os fundamentalistas islâmicos não precisaram de meios sofisticados para a causar destruição. Em entrevista, Dom Duarte ataca o terrorismo como arma política: «Obviamente eu não concordo com essa ”política do terror!”». Referindo-se aos «extremistas islâmicos, os terroristas espanhóis, irlandeses, africanos e outros, [que] acham legítimo usar essa mesma estratégia para ganharem uma guerra que julgam justa...» afirma que não se deve usar dois pesos e duas medidas: «Só poderemos condenar este terrorismo assumindo que os fins não justificam os meios em nenhum caso e se condenarmos também, por exemplo, o bombardeamento de Dresden na Alemanha ou de Hiroshima no Japão, de Dili em Timor, e mais recentemente os bombardeamentos de Belgrado, etc. Ora os países que o fizeram recusam assumir essas culpas e dizem que ”foi necessário para desmoralizar o adversário e apressar o fim da guerra”.» E conclui o seu raciocínio sobre o terror nas democracias e nos regimes totalitários: «Curiosamente todos os grandes genocídios e terrorismos praticados por Estados no século XX, incluindo o genocídio dos Arménios pelos Turcos e a perseguição aos católicos no México, foram cometidos por regimes completamente republicanos...»Nota: O Independente, 2005

Dom Duarte tem regressado regularmente aos EUA. Em 2003 esteve no Jantar de Gala da Real Associação de Nova Jérsia. Aí foi apresentada uma peça da autoria de Manuela Chaplin, representando Afonso Henriques e a sua Corte. Em 2005, nova visita. A 21 de Outubro participa num jantar de convívio e cultura organizado pela Real Associação de Nova Jérsia e da Pensilvânia, em Newark. A 22 de Outubro está nas Cerimónias Litúrgicas da Ordem de Malta na Catedral de Washington. A 23 realiza a Investidura dos novos membros da Comenda

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Norte-Americana da Real Irmandade de São Miguel da Ala, em Washington, DC. Liquidados os abusos de um Sr. Barker para promover uma versão inaceitável da Ordem, na ocasião, foram condecorados o cardeal Theodore McCarrick, de Washington, DC; o arcebispo para os Militares, S. E. R. Edwin O’Brien; frei James Michael von Stroebel, da Ordem de Malta; o senador da Carolina do Norte, Dr. James Forrester; e o embaixador de Portugal, Dr. Pedro Catarino.

ÁsiaChina ContinentalNo Outono de 1986, Dom Duarte viaja até à China a convite da Associação Chinesa para a Amizade com os Países Estrangeiros. Através do embaixador Sir Eric Hotung, neto de Sir Robert Hotung, criador do Hospital de Macau e da Noble House, da família dos «compradores» que ajudaram a criar Hong-Kong (descritos no célebre romance de James

Michener) obtém um visto. No início formal da visita em Pequim, a 22 de Novembro, é recebido pelo vice-presidente do Congresso do Povo e presidente do Partido Democrático dos Operários e Camponeses. E um dos «pequenos partidos democráticos...» (um pouco mais de500000 membros) admitidos pelo PC chinês, juntamente com o Kuo Min Tang, e que defende liberdades para os agricultores. Conversa também com Deng Pu Fang, o filho de Deng Xao Ping. Pu Fang é presidente da Associação dos Deficientes Físicos, e ele mesmo deficiente em consequência de ter sido atirado por uma janela da Universidade pelos Guardas Vermelhos, na Revolução de 1966. Falam-lhe da importância de Macau manter a presença dos portugueses, mas com indispensável entrega à China. Portugal é o único país europeu que nunca esteve em conflito com a China, mesmo na rebelião dos Boxers, em 1900. Visita a Igreja Católica oficial, tendo ocasião de verificar o número espantoso de assistentes às cerimónias litúrgicas e de escutar dos sacerdotes chineses estimativas da existência de cerca de 80 milhões de católicos encobertos em todo o país.Após Pequim, inicia uma viagem de duas semanas, em comboio e automóvel pela China rural. Visita a estrutura de serviços e industrial da Escola de Agricultura agrobiológica que fabrica produtos medicinais na Faculdade de Medicina Tradicional, em Shi An, a cidade dos túmulos dos guerreiros de terracota. O seu guia é o futuro presidente da Xin Hua em Macau. Dormem em pequenos albergues rurais. As bermas das estradas estão repletas de milho a secar, dificultando a circulação.

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Observam os métodos de agricultura tradicionais em comparação com o uso de adubos químicos e pesticidas. Os camponeses têm alguma liberdade de cultivo. No regresso a Pequim, fica hospedado no famoso palacete de Chang Kai Chek. Passando por Macau é recebido pelo governador Pinto Machado, médico e antigo mandatário para o Norte da campanha do Dr. Mário Soares. Troca impressões com ele e com a Dr.a Maria de Belém Roseira, que fez bom trabalho na Televisão de Macau. No regresso, cria o Centro de Intercâmbio Cultural Luso-Chinês, que editará um boletim a partir de 1988; trata-se de preparar a permanência cultural e técnica da identidade portuguesa no território de Macau, após a mudança de soberania programada para 1999.índiaDom Duarte visita a antiga índia portuguesa pela primeira vez em Janeiro de 1992, acompanhado por um vasto grupo. Preocupa-o a defesa da património cultural de Goa face à invasão de turistas e a urgência de fazer respeitar a arquitectura, a paisagem e o ambiente goeses. Recebido no Centro de Estudos Indo-Portugueses de Goa, prontifica-se a assumir em Portugal o papel de representante dos interesses culturais do território.Em 21 de Janeiro de 1993, acompanhado pelo mano Miguel, Dom Duarte deslocou-se à índia em nova viagem cuidadosamente preparada a fim de promover a cooperação cultural. Aproximavam-se os 500 anos da chegada de Vasco da Gama a Calecute (actual Kozhikode). Chega a Bombaim, ponto de partida de uma viagem por Kerala, Diu e Goa. Aos jornalistas descreve-a como uma «peregrinação cultural às raízes portuguesas na índia». «A história deveria ser usada como um instrumento para compreender a nossa herança comum» e «os dois povos beneficiarem do encontro de culturas. Os que clamam contra os excessos dos Portugueses que exploravam as populações têm de situar os factos no contexto da época.» Houve quem não gostasse destas observações; no Partido BJP, O.

C. Mathew criticou a memória do poder colonial.É recebido com grande amizade na Universidade de Calecute e saudado pelo seu vice-chanceler, o Dr. Umerkutty. Vem lançar a Fundação Cultural Indo-Portuguesa na Universidade, para promover a história cultural, protecção de monumentos e cultura histórica. Com o apoio de entidades portuguesas como o Instituto Camões e a Fundação Calouste Gulbenkian, é fundada uma cátedra para o estudo da história indo-portuguesa. Dom Duarte solicita uma maior cooperação entre as universidades de ambos os países. Transmite as suas preocupações com conflitos

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raciais e políticos e a violência em Timor. E deixa recados sobre a oportunidade da monarquia em Portugal, atendendo à popularidade de que desfrutam os monarcas nos países europeus por serem uma garantia de identidade nacional.Durante a visita a Goa, reconfirma os títulos de três notáveis goeses: o barão Dempo, conhecido industrial, o visconde de Perném e o visconde de Damão. Aprecia a influência portuguesa, mas não gosta dos hotéis que destoam da arquitectura tradicional.A Fundação Cultural irá dedicar-se a restaurar a arquitectura de raiz portuguesa. Em Diu, planeia montar uma Biblioteca e um Centro Cultural de Ensino de Línguas. A sua passagem deixa na imprensa indiana uma marca de simpatia e cosmopolitismo.JapãoNa primeira visita oficial ao Japão, em 1986, Dom Duarte encontra-se com o príncipe Akihito - o «legítimo herdeiro» e actual imperador - que tem para com ele actos de atenção muito significativos. Em recepção na Biblioteca Imperial, onde apenas familiares são recebidos, mostra-lhe as fotografias da visita ao Japão da família imperial brasileira, nomeadamente a tia-avó princesa Isabel de Bragança, a Libertadora dos escravos, 100 anos antes. O então príncipe Akihito observa que Portugal não aproveita a sua boa imagem histórica de país globalizador para se projectar no mundo actual. Dom Duarte fica com a impressão de que muitíssimos japoneses conhecem, de nome, o Portugal antigo. Na rua, quando diz a crianças que é de Portugal, respondem-lhe «Tanegashima, pum-pum». Mas o país de hoje é desconhecido. O turista japonês raramente visita Portugal. Como lhe diz o embaixador João Salgueiro, na Exposição comemorativa dos 450 anos da chegada ao Japão, realizam-se várias obras para intelectuais, mas quase nada se investe na cultura popular, nem em exportações apreciadas, como cristais, pratas, e porcelanas.Na Universidade de Sofia, onde 3000 alunos estudam a língua portuguesa, Dom Duarte encontra-se com o padre Coelho, SJ, professor de cultura portuguesa e grande militante da causa de Timor. Com ele tem longas conversas sobre o Oriente. O padre Coelho adverte-o da importância quase infinita que os japoneses atribuem às boas maneiras e ao protocolo: «Se as respeitar, somos considerados interessantes e não Gaijin, bárbaros do sul». Foram conselhos preciosos. Quando

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se tratou de presentear o imperador na despedida, Dom Duarte estava ciente de que o mais importante era o embrulho. Afinal o imperador do Japão já tem tudo. Assim, foi comprar o papel dourado com fitas mais caro que encontrou, mais caro mesmo que a peça de porcelana da Vista Alegre oferecida.

Arábia SauditaEm 2001 visita pela primeira vez a Arábia Saudita, a convite do príncipe Khalid Al-Faisal bin Abdul Aziz Al-Saud, irmão do rei. São também convidados o príncipe Carlos de Inglaterra o rei Simeão da Bulgária. Debate-se a criação de uma Fundação Euro-Arabe que prestaria ajudas ao desenvolvimento nos países do terceiro mundo. O Palácio Real está cheio de gente e de tendas. São pessoas que vêm de todo o país e que esperam pela audiência a que têm direito do emir ou governador de província. É a democracia à maneira árabe.Trava-se diálogo em torno dos dilemas da dinastia saudita, onde não existe separação entre Igreja e Estado. Para o princípe Khalid, a Arábia Saudita é um país de pessoas crentes no Islão, governado por crentes e com leis muçulmanas. Se houvesse democratização à ocidental, quem ganharia as eleições seriam os fundamentalistas islâmicos, um resultado pior para todos. Na lógica do príncipe Khalid, o Ocidente tem problemas pois o povo é crente, mas é governado por ateus com leis anticristãs. Dom Duarte explica polidamente a separação de Igreja e Estado como uma sólida tradição ocidental.IsraelmEntre 23 Fevereiro e 4 Março de 2006, os Duques de Bragança foram em peregrinação à Terra Santa e aos locais importantes da vida de Cristo. Visitaram também o patriarca latino de Jerusalém. Dom Duarte realizou visitas particulares ao rabino-mor sefardita de Jerusalém, ao presidente da Grande Mesquita de Jerusalém. No Museu da Diaspora teve oportunidade de conhecer o ensino da história do povo judeu no mundo. Contactou com personalidades de vários sectores da vida israelita por iniciativa do embaixador de Portugal, Melo Bártolo. Estabeleceu ainda contactos com instituições que promovem o progresso da agricultura e da cooperação internacional.

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ÁfricaÁfrica do SulEm Maio de 1999 visita a África do Sul e Moçambique. Em Joanesburgo enaltece a grande amizade construída ao longo dos anos entre os emigrantes portugueses da África do Sul e a Nação Zulu, realçando o papel do rei Goodwill Zwelithini. Discursa numa cerimónia na Sociedade Portuguesa de Beneficência (SPB), a que assiste o rei dos Zulus e a sua mulher, a rainha Manteombi Shylywezulu, o núncio apostólico na África do Sul, D. Manuel Monteiro de Castro, o cônsul-geral de Portugal em Joanesburgo, António Ramalho Ortigão, o presidente da SPB, comendador Bernardino Faria, outras altas individualidades e centenas de membros da comunidade portuguesa.Gostou da obra exemplar que é a SPB e sugeriu que ela passasse a fazer parte das Misericórdias Portuguesas, à semelhança do que aconteceu com obras idênticas das comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo, como uma no Luxemburgo recentemente. Recebido calorosamente pelo monarca zulu, o Duque de Bragança teve oportunidade de recordar, no discurso e nas entrevistas concedidas, que a amizade existente entre os dois se cimentou ao longo dos últimos anos em vários encontros, em Portugal e na África do Sul.Durante a sua lua-de-mel, S. A. R. o Senhor Dom Duarte fora recebido no Kwazulu/Natal pelo rei zulu, com todas as honras devidas a um monarca, no término de um passeio pela

Suazilândia. Mais recentemente o herdeiro do trono de Portugal serviu de anfitrião a Goodwill Zwelithini durante uma visita deste a Portugal.1ZaireEm Dezembro de 1977 visita a República do Zaire, com o objectivo de estudar um programa de auxílio para os cerca de cem mil refugiados oriundos de Angola e Cabinda que aí se encontram. Em representação da Ordem de Malta, Dom Duarte é bem acolhido pelas autoridades zairenses e tem a oportunidade de verificar as penosas condições de sobrevivência das vítimas da guerra criada pelos interesses político-económicos mundiais em Angola.In Correio da Manhã de 3 de Maio de 1999

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EtiópiaDom Duarte ainda não visitou a Etiópia, mas, em Agosto de 2003 recebeu, em Ourem e Sintra, a Ermias Selassie, neto do imperador da Etiópia. Hailé Selassie modernizou a Etiópia, obtendo a sua admissão à Sociedade das Nações. Foi expulso em 1936 pela Itália fascista e encontrou refúgio em Portugal, que voltou a visitar em 1959. Morreu em 1975, expulso por um golpe militar. O avô de Ermias Selassie, Taffari Makonnen, casou com a filha de um imperador em1911, passando a príncipe. O Ras Taffari foi nomeado herdeiro do trono em 1917 e imperador da Etiópia em 1930,111º na linha de sucessão do rei Salomão. Sendo conhecido como «Leão de Judá», tomou o nome de Hailé Selassie, que significa «O Poder da Trindade». Entretanto, o revolucionário jamaicano Marcus Garvey criou o movimento «Back to Africa» evocando o príncipe, Ras Taffari, e criando a religião Rastafariana. Ermias, que vive actualmente em Virgínia, Washington DC, preside à Selassie Foundation, que ajuda estudantes etíopes sem meios e procura intervir no seu país devastado pela guerra e pela fome.

9.

RELIGIÃO E CULTURA

«No nosso tempo, o caminho da santidade passa necessariamente pelo mundo da acção.»Dag Hammarskjold, secretário-geral da ONU, 1953-1961

«O grande drama de vida e de morte para os povos é o que decide a sorte das culturas.»Gilberto FreyreNota: Cf. FREYRE, 1940

Primeiro, o Cristianismo

A posição religiosa de Dom Duarte é de meridiana clareza. É um crente convicto e esclarecido que «de forma oportuna e inoportuna» prova o seu cristianismo. Esta sua preocupação com «a fé e as obras» foi herdada de seus pais e reforçada pela firme educação religiosa e pela experiência de quem percorreu meio mundo, assistindo a demasiado sofrimento para manter os braços caídos. São numerosas as associações e pessoas que

muito devem a este «católico praticante». São conhecidas as suas actividades no âmbito da Ordem Soberana e Militar de Malta, para servir populações afligidas por carências ou catástrofes. Foram marcantes as suas visitas ao papa João Paulo II. São permanentes as suas iniciativas para valorizar as virtudes cristãs heróicas, como sucede com os seus recentes esforços em prol da canonização de Nuno Alvares Pereira ou da beatificação do imperador Carlos I de Habsburgo. É também conhecido o seu diálogo ecuménico com as religiões

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judaica e islâmica, como patrono do «Fórum das Três Religiões», e a sua conhecida abertura a correntes de espiritualidade.Todo este empenho de Dom Duarte resulta de uma visão clara de que a maior parte das grandes ideias da modernidade ocidental têm origem no cristianismo. É sua convicção que dele precedem noções tais como a responsabilidade individual, a liberdade e os direitos humanos, resultantes de uma noção de Deus que exige responsabilidade. Esta visão - completamente diferente do fatalismo do mundo antigo e das sociedades orientais - convida à actividade incessante, que Dom Duarte revela nas suas viagens e intervenções.É mais um combate cultural que enceta com vivacidade, como me apercebi ao longo de muitas conversas travadas em Sintra: «A religião cristã é menosprezada pela maioria dos intelectuais que a consideram cheia de irracionalidades e dogmatismos. A comunicação social trata-a como «matéria ultrapassada» e «caça livre». «Nos dias de hoje, atacar religiões não cristãs, como o islão ou o judaísmo, é considerado grave. Mas atacar o cristianismo, e o catolicismo em particular, é como a caça livre, não tem limites.» Creio que anda por aqui bastante mais ignorância do que má vontade. Eu não sou um leitor dos chamados autores escolásticos, mas sei bem que assim foram chamados no seu tempo porque fundaram as grandes escolas europeias e permitiram a ascensão da ciência ocidental. E isso sucedeu, porque prezavam o raciocínio lógico sobre Deus - afinal é isso que significa teologia - que distingue o cristianismo de outras religiões fatalistas.»Nota: Entrevista com o autor

A «falta de lógica» é o principal «pecado intelectual», segundo Dom Duarte, e que esconde a fonte cristã de onde vêm os progressos do Ocidente: «Li algures que o teólogo alemão Karl Rahner descreve a teologia como ”a ciência da fé”, mas parece-me mais um raciocínio sobre Deus, que não tem de ser científico. Em todo o caso, a ênfase está em descobrir a natureza e a vontade de Deus e em compreender o relacionamento entre Ele e os seres humanos. Outros, melhor do que eu, mostraram que isto exige uma imagem de Deus como um ser omnipotente, um ser consciente, justiceiro, misericordioso... mas sobrenatural. É um Deus que cuida dos seres humanos, mas que, mais do que dar ordens e impor códigos, gera um esforço de responsabilidade que nos levou... primeiro no Ocidente e agora em todo o mundo... a criar a teologia e a moral. É daqui que resultam as perguntas sobre o pecado, a paz e a guerra, se uma criança tem alma, se pode haver aborto e eutanásia, se devemos perdoar as dívidas dos países em falta... Nós nem nos apercebemos de que todas estas grandes questões de interesse imediato têm

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origem no cristianismo, tão forte é a propaganda anticristã e a ignorância sobre o papel da

religião na vida humana.»Nota: Entrevista com o autor

O cristianismo partilha com as outras religiões monoteístas a noção de um Deus pessoal. Mas progrediu muito mais nas concepções da sociedade e nas questões de moralidade, devido à «descoberta» da pessoa humana individual, na qual se baseiam os direitos fundamentais. Todas as religiões falam de deveres; só o cristianismo acolhe os direitos. Diz Dom Duarte: «A noção de individualidade foi descoberta pelo cristianismo, o que parece absurdo para muitos intelectuais contemporâneos. E de certo modo é absurdo... ou melhor... é surpreendente. Qualquer pessoa julga-se uma criatura que olha para o mundo de uma perspectiva original. Mas há culturas que privilegiam os sentimentos de individualidade, enquanto outras reforçam a colectividade, ao ponto de suprimirem o eu. Em boa parte dos continentes africano e asiático... na grande maioria do planeta, afinal... a pessoa depende da colectividade: os direitos que os indivíduos possuem são conferidos pelo grupo a que pertencem. Ninguém pensa ”sou senhor do meu destino.” Em vez disso, é o fatalismo, o controlo por forças externas. É como no mundo antigo, onde creio que mesmo os filósofos gregos não tinham um conceito equivalente à noção cristã de ”pessoa”.»A pessoa como foco do pensamento cristão, eis o tema central do que já alguns chamaram «uma excentricidade cultural»: «A liberdade é um outro conceito de origem cristã. Pura e simplesmente não existe em muitas culturas; na maioria das línguas nem existia a palavra antes da chegada dos missionários e dos colonizadores. A frase ”direitos humanos individuais” seria incompreensível sem o cristianismo. Eu, que tanto me interesso por Timor, percebo perfeitamente como a Igreja Católica é o melhor apoio das populações, que dela receberam e desenvolveram noções tais como a responsabilidade individual, a liberdade e os direitos humanos.»Dom Duarte insiste neste ponto: «Muito se tem escrito sobre as origens e o valor do individualismo. Parece-me existir uma relutância em confessar abertamente a tese fundamental de que o sentimento ocidental de pessoa é sobretudo uma criação cristã. Lembro-me de em conversas com o professor Barrilaro Ruas este me apontar que Camões compara o destino imposto pelos deuses com a liberdade que cabe aos homens. Mais tarde ele escreveu um grande comentário de Os Lusíadas... creio que levou mais de dez anos a compô-lo... onde desenvolve essa ideia.»«Essa ideia» de responsabilidade e de missão pessoal é muito forte: «Desde o seu começo, o cristianismo ensinou que o pecado é uma questão pessoal; não

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depende do grupo, mas de cada indivíduo preocupado com a salvação. No catecismo antigo, ensinava-se que Deus é um juiz que recompensa a ”virtude” e castiga o ”pecado”. Parece antiquado, mas não é. Significa que a doutrina cristã da vontade livre é incompatível com o fatalismo. Senão a culpa do mal e os méritos do bem seriam de Deus. O cristianismo foi fundado na doutrina, que os seres humanos têm a capacidade e a responsabilidade de determinar as suas próprias acções.»E Dom Duarte prossegue com o seu desarmante bom senso: «Segundo muitos bons autores, o progresso intelectual e material rápido da humanidade começou na Alta Idade Média quando foram aplicadas as concepções do cristianismo, apesar de muitos erros, violências e desvios, como sucede em toda a obra humana. Os cristãos deram testemunho do poder da

razão e da possibilidade de progredir. O sucesso ocidental assentou na ascensão do cristianismo, o principal evento da história europeia. Por isso me revoltei, quando eliminaram a referência ao cristianismo do Preâmbulo do ”chumbado” Tratado Constitucional Europeu. Custava-me ver os Europeus renegarem o que lhes permitiu progredir. Isto só mostra que a propaganda e a ignorância atacam mesmo as mentes mais sofisticadas, como decerto eram as dos deputados à Convenção Europeia.«A Europa, todos o sabemos, deve a sua identidade a valores estruturantes que a configuraram culturalmente, entre os quais avultam os do cristianismo. Independentemente das nossas convicções em matéria religiosa, não podemos deixar de secundar os insistentes apelos de Sua Santidade o papa João Paulo II para a inclusão, no Tratado Constitucional Europeu, da matriz cristã para a identificação da cultura europeia.»Nota: Mensagem de 2003

O cristianismo não ocorre num vazio de civilizações. Como o confrontar com outras religiões? «Tenho lido um pouco, sempre que posso, sobre a comparação entre religiões, assunto que me apaixona. O judaísmo e o islão tradicionais abordam as respectivas Escrituras como uma lei que deve ser compreendida e aplicada... Não a tratam como uma base para um raciocínio lógico sobre o significado da pessoa, do mundo e de Deus. Enfim... Segundo os estudiosos, o judaísmo e o islão são religiões muito preocupadas com a conduta correcta, com ”a lei e os regulamentos da vida em comunidade”. Quanto ao cristianismo, é uma religião ”ortodoxa” porque procura formular a opinião correcta de uma maneira lógica, enfatizando a doutrina e a estrutura intelectual dos catecismos. Naturalmente istoprovoca muitas controvérsias intelectuais... como aquelas das teologias antigas que foram ridicularizadas como disputas sobre ”o sexo dos anjos”. Mas, ao mesmo tempo, os sacerdotes e todos os cristãos sentem que têm de ser inovadores para

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procurar uma verdade cada vez mais ”lógica” e mais fundamentada. E hoje em dia ninguém disputa que a Igreja, após o Concílio Vaticano II, obrigou todo o mundo a dar atenção ao respeito pela vida humana, à luta contra a fome e a pobreza, ao desejo de paz entre as nações, ao desenvolvimento dos povos... ”o novo nome da paz”.»Nota: : Entrevista com o autor

A experiência internacional de Dom Duarte tem aqui uma aplicação muito particular: «Pelo que me tenho apercebido nas minhas viagens... e repare que estou apenas a formular uma impressão, não a extrair uma conclusão científica... existem várias razões para a conversão ao cristianismo. Claro que há a exigência de uma fé com um forte apoio emocional. Mas pelo que tenho visto em África e na Ásia (e sem excluir pessoas noutros continentes) existe um outro factor significativo de conversão. E que, de entre todas as religiões, o cristianismo apela a raciocinar de uma maneira lógica e a comportar-se segundo fundamentos racionais. As outras religiões falam só de deveres, mas o cristianismo também refere os direitos. Foi isso que nós aprendemos na Europa e no Ocidente. E para muitos não-Europeus, tornar-se cristão é tornar-se moderno... E, por este motivo, ao contrário do que afirmam muitos intelectuais... o cristianismo está a crescer com a globalização.»Um exemplo caro a Dom Duarte é o da China: «Calcula-se que, em 1949, haveria uns dois milhões de cristãos na China. Eram menosprezados pelos marxistas e pelos liberais

ocidentais como ”cristãos do arroz” porque se dizia que só eram religiosos a troco de assistência. Mas cinquenta anos mais tarde, descobriu-se que resistiram a décadas de repressão. Atingem hoje um número de perto de 80 milhões, e sobretudo entre os chineses mais instruídos e modernos das cidades. Na minha estadia na China tive ocasião de frequentar os templos católicos e de me aperceber da força deste movimento sobre o qual a comunicação social pouco refere.»Conclui Dom Duarte: «Há muitos ”gurus” e correntes políticas poderosas que supõem que o ”resto do mundo” conseguirá obter uma modernização sem o cristianismo e mesmo sem a liberdade que permite a acumulação de conhecimentos científicos, técnicos e comerciais. Estão convencidos de que a globalização vai disseminar essas informações. Acham que não é preciso criar as circunstâncias sociais ou culturais que as produziram. Mas do que eu tenho seguido sobre este assunto, constato uma conclusão curiosa. Alguns afirmam que o Ocidente deve a sua superioridade ao armamento mais poderoso que possui. Outros estudiosos acham que o sistema económico ocidental é a chave da explicação. Outros atribuem

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a superioridade a um melhor sistema político democrático. Mas quando se quer encontrar a razão suprema desta superioridade, descobrimos que o coração de uma cultura é a sua religião. O fundamento cristão da vida moral, social e cultural possibilitou a política das liberdades individuais. É um facto que conhecemos bem da história medieval.»Nota: Entrevista com o autor

Igreja e EstadoNas mais diversas culturas, a instituição monárquica tem sido encarada como elo entre o humano e o divino, uma ligação perfeitamente compatível com a separação entre Igreja e Estado, desenvolvida nos países cristãos ocidentais. O reconhecimento de limitações na construção das sociedades é um princípio que mesmo os não crentes aceitam. A separação entre a Igreja e Estado pertence à esfera da governação e é a culminação lógica das tendências de secularização que o cristianismo sempre promoveu.Nota: O Clube dos Fenianos Portuenses e a Associação Ara Solis celebraram a 13 de Abril de 2006 os 600 anos da separação entre o Estado e a Igreja no Porto, na iniciativa «Porto - Capital da Liberdade». Comemorava-se o acordo de 13 de Abril de 1406, em que o bispo do Porto cedia direitos administrativos sobre a cidade, terminando um conflito iniciado em 1176 entre a burguesia da cidade e o bispo D. Fernando Martins.

Embora haja antecedentes significativos2, a separação formal de Igreja e do Estado foi um benefício introduzido em Portugal pelo Governo da I República, a que presidia Afonso Costa. Como Dom Duarte já escreveu: «Quanto à separação entre a Igreja e o Estado, estou pronto a admitir que os republicanos de há um século tinham razão. O que nada justificou ou justifica, é claro, as perseguições e as limitações (antidemocráticas) à liberdade religiosa, de culto, de consciência... Nesse campo, os delitos foram imperdoáveis!... A separação entre as Igrejas e o Estado é, sem dúvida, o sistema mais saudável e correcto. Sobretudo tratando-se de uma Igreja universal como é a Igreja Católica.»Nota: GONZAGA, 1995

O discernimento permite a Dom Duarte aceitar como indispensável a separação entre a Igreja e o Estado, a situação que mais perfeitamente se adapta às condições presentes históricas, à vivência da sociedade democrática e à postura da Igreja Católica. Escreveu: «A Monarquia, ancorada na Democracia, é a grande promotora dessa liberdade fundamental que é a liberdade religiosa! Todos os cidadãos são iguais perante a lei, quaisquer que sejam as suas posições religiosas (ateus ou adeptos de uma religião). Um rei, como indivíduo, é livre, perante Deus

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e os homens, de ter e praticar a sua religião; como rei, não pode ter preferências. Um rei não pode, como tal, ter preferência por católicos contra protestantes, contra muçulmanos, ou por muçulmanos contra judeus!»Dom Duarte é um católico e, por isso mesmo, tem sido um promotor incansável do ecumenismo. É constante o seu apoio a iniciativas que congregam as religiões judaica, muçulmana e outras religiões da paz que comungam do espírito de Assis, proclamado por João Paulo II em 1998. 2001 foi para Dom Duarte o ano das três religiões: «A Realeza não tem de ser confessional, mas a Realeza sempre foi em Portugal uma instituição ao serviço das pessoas e das comunidades. Por isso tive a honra e o privilégio de receber em Fátima o Dalai Lama, e com ele privar, em prol da Paz, em momentos de raro recolhimento. Também tive recentemente a oportunidade de confraternizar, em Nova Iorque, com individualidades representativas do judaísmo sefardita de origem portuguesa»Nota: Mensagem de 2001

No seu relacionamento com o islão, Dom Duarte foi acolhido por Khalid Saud, príncipe herdeiro da Arábia Saudita, em Riade, tendo-lhe oferecido as insígnias de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa. «Se acrescentarmos a minha presença como patrono do ”Fórum das Três Fés”, que reúne personalidades representativas do cristianismo, judaísmo, e do islão, creio ter demonstrado a preocupação ecuménica que sempre procuro pôr em prática.»Como disse em Mensagem de 2003: «Os Reis de Portugal foram durante longo tempo ”soberanos das três religiões”, guardas, guias e juizes de todos aqueles que, por caminhos diferentes, prestavam culto ao Deus do Universo e do Homem e reconheciam o significado essencial da Revelação através do Livro Sagrado, sem esquecer o que há também de revelação divina, na Ordem do Mundo e na consciência humana.» João Paulo II, que o acolhe no Vaticano mais do que uma vez, compreende que está perante um daqueles homens raros, cuja força de ânimo ultrapassa as baias do tempo. Numa das audiências pontifícias, o papa João Paulo II dá-lhe a notícia da morte da imperatriz Zita da Áustria; mas logo conta como a Senhora lhe havia dito tempos antes que ele era ”o quinto Papa que conhecia”- uma curiosa forma de João Paulo II apreciar o carácter da Instituição Real.O cristianismo de Dom Duarte permite-lhe reconhecer os desvios provocados pelas religiões políticas na história da espiritualidade ocidental. Os grandes protagonistas da Guerra Fria lutam por representar a «verdade da história»: a URSS quis ser a «Terceira Roma» e os EUA proclamam a Nova Ordem Mundial e o «Fim da História». Utilizam as tradições apocalípticas e gnósticas para a sua auto-interpretação e actuação como actores

providenciais que pretendem salvar

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a humanidade. «Exteriorizam o mal», considerando-se isentas de qualquer defeito. O espectro de um apocalipse nuclear, produzido pela acção humana, é a derradeira e mais dramática expressão desta perspectiva maniqueísta que se recusa a aceitar as limitações humanas.Esta convicção de Dom Duarte foi reforçada pelas sequelas dos acontecimentos do 11 de Setembro de 2001. O ataque dos terroristas islâmicos na América lançou fundos equívocos sobre a relação entre política e religião, sugerindo que islamismo poderia ser sinónimo de fundamentalismo. A resposta americana do «choque das civilizações», sugerida por ideólogos como Bernard Lewis, parece uma profecia que se cumpre, de tanto ser propalada, o equívoco de que as religiões impelem à violência e à intolerância. Para Dom Duarte as religiões impelem à paz, segundo o espírito de Assis, de João Paulo II: «Quando hoje se está em risco de identificar o crente de outra religião com o próprio mal, é urgente aprofundar o sentimento das crenças e dos cultos, é indispensável que proclamemos a autêntica fraternidade espiritual e afectiva entre os fiéis das grandes religiões, não para cada qual abandonar a sua, mas para provarmos todos em comum que não são exclusivamente os nossos interesses e as nossas ideologias que pretendemos servir.»Nota: Mensagem de 2001 -Mensagem de 2004

Muito significativo é modo como tem apoiado a canonização de Nuno Alvares Pereira.A atenção ao «Santo Condestável» renasceu em Portugal na década da I República, no âmbito da Cruzada Nuno Alvares e em paralelo com a propaganda de Joana d’Arc. Essas duas figuras da cristandade medieval uniram na mesma pessoa o génio militar e a acção caritativa. Beatificado Nuno Alvares em 1918 pelo papa Bento XV, o papa Pio XII pretende canonizá-lo por decreto em 1940, como «modelo para os militares em guerra». A iniciativa falha devido à oposição do Estado português. O Dr. Caeiro da Matta, então ministro dos Negócios Estrangeiros, e cumprindo instruções superiores, considera o momento pouco oportuno.A Ordem do Carmo e o Patriarcado de Lisboa retomaram a causa da canonização em Julho de 2003. Além de soldado exemplar devido à bravura e sentido estratégico, o «Santo Condestável» foi um modelo de generosidade. Tendo acumulado, ao serviço da Coroa, três condados, vinte senhorios e 16000 dobrões de renda, de tudo abdicou ao entrar para a Ordem dos Carmelitas. E é muito importante que além dos templos cristãos que fez erguer - e em que se destaca naturalmente o Convento do Carmo, em Lisboa - concedeu subsídios a mouros e judeus para a construção de mesquitas e sinagogas

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Em coordenação com o vice-postulador, frei Francisco Rodrigues, Dom Duarte divulga a acção e a recolha de assinaturas para a petição de canonização. Com todos insta para que escrevam ao papa manifestando o interesse popular e as vantagens espirituais da canonização para as dioceses. Diligencia junto a jornais, paróquias e associações que mobilizarão Portugal e o Mundo para recordar os exemplos deste «Santo para o nosso tempo». Em 2002, o Boletim da Fundação D. Manuel II, Futuro Real, é dedicado à causa da

canonização.Na Mensagem de 2004, Dom Duarte elabora o alcance ecuménico desta movimentação: «Creio que esta iniciativa trará grandes vantagens espirituais a Portugal e aos povos nossos irmãos numa época de abandono dos autênticos valores cristãos, numa perspectiva ecuménica, através das numerosas obras que o Santo Condestável realizou durante a sua vida, incluindo a construção de vários mosteiros com notável acção social e educativa, bem como a doação de sinagogas e mesquitas a comunidades judaicas e muçulmanas.» O processo da postulação foi entregue a 5 de Março de 2004 à Nunciatura em Lisboa, seguindo depois para a «Causa dos Santos» presidida pelo cardeal D. José Saraiva Martins e, finalmente, para o papa. Irá Bento XVI canonizar o Condestável, depois de Bento XV o ter beatificado?A 3 de Outubro de 2001, o papa João Paulo II beatifica Carlos I de Habsburgo, último imperador e rei austro-húngaro, exilado na Madeira. Os Duques de Bragança estiveram presentes nas cerimónias, com chefes de Casas Reais da Europa. Dom Duarte escreve o prólogo e lança no Funchal, em 13 de Outubro, o livro Carlos I o Imperador da Paz. O livro narra a trajectória do imperador desde a infância, cobrindo a carreira militar, os estudos jurídicos em Praga, a sucessão a Francisco José, o casamento com Zita de Bourbon Parma e os derradeiros anos do império. Em anexo reproduz correspondência das autoridades portuguesas acerca das condições a que esteve sujeita a família imperial.Relações com o IslãoO relacionamento de Dom Duarte com alguns dos mais significativos governantes de países islâmicos tem sido frequente e proveitoso. Não é estranho a este acesso o facto de Dom Duarte também descender do Profeta Maomé. Em 1992 visita os Emirados Árabes Unidos. Em 1994 desloca-se a Abu-Dhabi e a Marrocos, sendo recebido no Palácio Real de Fez por Hassan II. O monarca salienta a importância que tem o fortalecimento de laços entre Portugal e Marrocos. «A história de Portugal constitui, quando olhada de certo ângulo, uma lição

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oportuna para o momento que a humanidade está a viver. Por um lado, houve na nossa História séculos de hostilidade, de incompreensão, de mortal conflito, entre cristãos e muçulmanos. Por outro lado, sempre se procurou, para além da linguagem das armas, uma outra linguagem, mais interior e mais fecunda: a linguagem das almas, na busca de compreensão e até de comunhão à volta dos mesmos valores espirituais.»Se quisermos perceber o que se passa actualmente no mundo islâmico, temos de considerar a centralidade da religião. Para esses povos, a religião constitui a base e o foco essenciais da identidade e da lealdade. Contudo, muitos muçulmanos e os não muçulmanos que vivem no Islão gostam dos benefícios da secularização. Se a Chari’a tradicional fosse hoje aplicada, a população perderia benefícios. Além disso, o direito internacional, incluindo os direitos humanos, não pode coexistir com a Charia. A única maneira de reconciliar os imperativos de mudança nos países muçulmanos é desenvolver uma versão da lei pública islâmica compatível com padrões modernos e ocidentais do constitucionalismo, do direito penal e do direito internacional.Dom Duarte, que desde muito cedo contactou com populações islâmicas portuguesas em Moçambique e Guiné, debatendo estes temas com o Dr. Amaro Monteiro, recomenda uma terceira via, distinta das posições laica e fundamentalista. Sem dissolver a crença islâmica,

como sucede com o laicismo, mas combatendo o fundamentalista que quer regressar ao passado, apoia as correntes reformistas que vão aparecendo e que em Portugal têm sido apresentadas pelo Instituto Luso-Árabe para a Cooperação de que é presidente o Dr. Manuel Pechirra.Relações com o JudaísmoEm Nova Iorque, a 8 de Novembro de 2001, Dom Duarte visitou a congregação Shearith Israel, conhecida como a Sinagoga Portuguesa de Nova Iorque. Como disse o rabino Marc D. Angel, a visita «foi um aperto de mão simbólico que criou uma ponte por cima dos séculos. A sua visita foi breve. Mas foi um gesto de amizade e de respeito. Ao estender-nos a mão, nós demos-lhe a nossa, para lhe transmitir as boas-vindas».Nota: Cf. Documentação, Parte II

Após a expulsão dos judeus de Portugal, os restantes foram convertidos à força em «cristãos-novos». No dia 19 de Abril de 1506, foram chacinados mais de 4 mil, velhos e novos, homens, mulheres. O massacre da Pascoela e a expulsão dos judeus são nódoas na história de Portugal.

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Fundada em 1654, a Sinagoga Portuguesa de Nova Iorque é a congregação judaica mais antiga da América do Norte, a única até meados do século XVIII, e a única da cidade até 1825. Os fundadores provinham de famílias de Portugal e Espanha que partiram para evitar a conversão obrigatória. Durante os séculos XVI e XVII, os descendentes recuperaram a sua herança judaica em Amesterdão. Alguns envolveram-se nas actividades da Companhia Holandesa das índias Ocidentais, estabeleceram-se no Brasil e criaram uma congregação no Recife. Em1654, Portugal reconquistou esta sua província, e os judeus tiveram de partir. Alguns regressaram a Amesterdão. Outros foram para territórios próximos e estabeleceram comunidades em Curação, São Tomás, Suriname e Jamaica. Um grupo de 23 veio para Nova Amesterdão (mais tarde Nova Iorque) em Setembro de 1654. Foram os fundadores da comunidade judaico-americana.As primeiras gerações estavam imbuídas da cultura ibérica. A primeira Constituição - de 1728 - foi escrita em inglês e português. Algumas das entradas no primeiro livro de registos estão em português. E entre as figuras principais na comunidade figuram pessoas com apelidos como Seixas, Peixoto, Mendes, Maduro. Todas estas raízes portuguesas vieram ao de cima quando Dom Duarte visitou a congregação Shearith Israel em Novembro de 2001. Participou na liturgia da manhã de sábado, bastante semelhante ao que se escutaria nas sinagogas medievais de Portugal e de Espanha. Foi cordialmente cumprimentado e viu os livros de registos. Como disse o rabino Marc D. Angel: «Considerámos a visita de Dom Duarte como uma expressão visível do seu interesse em restabelecer a ligação com esta comunidade judaica que tem raízes profundas em Portugal. Foi como que uma reaproximação, em que ele, como símbolo da realeza portuguesa, veio ter com a comunidade judaica, em espírito de respeito e fraternidade. Foi também com este espírito que ele foi recebido pela congregação. Sentimos que a sua visita à sinagoga simbolizou o interesse crescente de Portugal em recuperar o seu relacionamento com os judeus de raiz portuguesa e, de algum modo, reparar as injustiças cometidas contra os judeus na Ibéria medieval.»

Nota: Cf. Documentação, Parte II

Também significativa foi a recepção aos Abarbanel, uma antiquíssima família judaica. No século XV, Isaac Abarbanel foi um líder na vida religiosa e secular, além de tesoureiro do rei D. Afonso V. Em 2004, Dom Duarte, convida a família de Nova Iorque para a sua residência em Sintra, uns cinco séculos depois da expulsão da comunidade judaica de Portugal. Agindo como embaixadores dos judeus de ascendência portuguesa, os Abarbanel escutaram Dom Duarte dizer: «Esperei 500 anos para ter este almoço convosco» e responderam: «Os descendentes do duque

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de Bragança e os descendentes de D. Isaac são agora amigos, e olharemos para a frente em vez de para trás, sem qualquer ressentimento». Os Abarbanel vendem nos EUA o primeiro vinho kosher de Portugal, intitulado «Terras de Belmonte» por iniciativa de Dom Duarte e com «Selo Real».EspiritualidadesA uma jornalista da revista Point de Vue, que um dia lhe perguntou sobre a sua personalidade e pólos de interesse, D. Duarte respondeu: «Sou preguiçoso em relação ao que não me apaixona. Gosto daquilo a que hoje chamamos ciências humanas, mas também da física e de tudo o que é técnico. Mas também da parapsicologia. Sou fascinado pelo inexplicável ou pelo inexplicado, pela radiestesia, pelo magnetismo, pelo mistério das Pirâmides, pela história das sociedades secretas e das seitas»Nota: MENDES, 1995

A abertura intelectual de Dom Duarte integra este gosto pelo mistério, o desconhecido, sobre o qual algo se tem especulado. Apaixonado pela parapsicologia, conhece as técnicas mais importantes, resultante do contacto com um grande especialista, o padre jesuíta González-Quevedo. Este defende que a revelação cristã e os verdadeiros milagres são o fundamento para aceitar racionalmente a religião cristã. Em longas conversas com o padre franciscano Albino Mezzi, catedrático de Universidade de S. Paulo, Dom Duarte foi conhecendo o conjunto de ciências que estudam os fenómenos incomuns. «O verdadeiro milagre, poder sobrenatural, é uma força agindo no mundo e superando as forças da natureza. Só Deus faz milagres. Mas muitos dos fenómenos atribuídos a forças divinas resultam, simplesmente, do desconhecimento. A interpretação pseudo-religiosa confunde os milagres divinos e verdadeiros (fenómenos supranormais) com fenómenos naturais, extranormais e paranormais.»As responsáveis pela existência de superstição são as seitas religiosas fanáticas e a ciência positivista que negou tudo o que fosse incomum, sem o estudo. A ciência é o estudo de todos os factos do nosso mundo, comuns ou incomuns. Considerando a radiestesia e o pêndulo fundamentais na investigação do inconsciente e das intuições, Dom Duarte estudou as doutrinas que «tentam preparar o futuro utilizando todos os recursos humanos, ainda longe de estarem totalmente explorados». Já assistiu e praticou experiências, assistido pelo padre Quevedo, que o guiaram através do inconsciente. Desse modo, considera ter percorrido

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mentalmente todos os momentos da sua vida, até ao nascimento e vida uterina, o que lhe permitiu proceder a uma purificação das recordações de traumas da primeira infância, extraindo-as do inconsciente. Acreditando no poder da reminiscência, admite a possibilidade de um reencontro com a memória dos antepassados.Nota: MENDES, 1995

Neste contexto se integra a sua paixão antiga pelo Oriente, pela índia, pelo Tibete, que herdou de seu pai: «Sempre senti um grande fascínio em relação às culturas tradicionais. (...) No nosso mundo de hoje, a cultura tradicional pode parecer estar morta, mas a verdade é que ela sobrevive, encoberta debaixo das culturas de consumo dominantes».Nota: MORAIS, 1995

Em 2001 deparou-se-lhe uma oportunidade única para prestar mais um serviço à causa da paz. Após contactos estabelecidos pela Kroner Foundation for Religious Research, e pela Fundação Cultural Histórica Oureana de que era presidente, convidou o Dalai Lama a visitar Portugal, propondo recebê-lo em Fátima, «altar do mundo».De acordo com a crença budista, o actual Dalai Lama (o nome significa Oceano de Sabedoria), de seu nome Gyatso, foi confirmado em 1931 como a14ª reencarnação de Buda. Quando o Tibete foi invadido pela China comunista em 1959, exilou-se na índia, onde vive, e de onde governa espiritualmente o seu povo. A visita a Portugal não era «nem política, nem oficial, mas de humilde peregrino». Aceitou o convite porque partira do «rei de Portugal» e não de um presidente; ele mesmo é também o líder e o rei espiritual de Tibete e não um líder político eleito.Instado porque visitava Fátima, o Dalai Lama respondeu: «Porque visitei Jerusalém duas vezes? Porque visitei Lourdes? Porque temos muito para aprender em cada lugar religioso onde podemos ir e orar pela paz!». Em audiência de 27 de Novembro entre o Dalai Lama, os duques de Bragança e o bispo de Leiria-Fátima, D. Serafim da Silva Ferreira, a situação de Tibete foi comparada à de Timor. D. Serafim expõe as aparições e a mensagem de Fátima em 1917, Dom Duarte recorda as visitas - com seu Pai - a refugiados tibetanos exilados na Suíça, referindo também à ascensão e colapso do comunismo na Rússia. Com o patrocínio da Fundação Kronzer, Dom Duarte oferece o programa de Bolsas Dalai Lama para estudantes tibetanos exilados em Portugal.Segue-se a manifestação ecuménica que foi a deslocação à Basílica e à Capelinha das Aparições. No altar-mor da Basílica, todos os presentes rezaram o pai-nosso e visitaram os túmulos de Jacinta e Francisco, beatificados a 13 de Maio de 2000. Cercados por milhares de peregrinos, o Dalai Lama e Dom Duarte dirigiram-se

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à Capelinha onde uma flor entregue por uma criança foi apresentada à Senhora de Fátima junto com um Katak, um lenço branco ceremonial da paz.D. Serafim explicou aos presentes a visita do Dalai Lama e pediu para rezar uma ave-maria para uma solução pacífica no Afeganistão. Dom Duarte agradeceu ao Dalai Lama a sua visita e disse: «Nós todos rezamos pela solução pacífica da situação tibetana.» O Dalai Lama recitou uma oração tibetana apontando para a imagem de Nossa Senhora de Fátima, referindo a importância de visitar lugares espirituais onde «cada um de nós pode aprender

com religiões e culturas diferentes». Após missa na Basílica, encontrou-se com comunidades religiosas: Franciscanos, Missionários de Consolata, Irmãs de São Vicente de Paulo, Carmelitas de Fátima, além de delegados de várias denominações religiosas, nomeadamente muçulmanos e um bispo ortodoxo grego e uma representante do Convento de Santa Teresa, de Coimbra, onde então residia a irmã Lúcia.A conhecida abertura espiritual de Dom Duarte levou-o sempre a interessar-se pelas Maçonarias, apesar da reputação política melindrosa da instituição entre os monárquicos. Conhecia o Raul Rego desde os anos 50. E, um republicano convicto, Raul Rego conhecia bem a Família Real. Conta-se que silenciou alguns protestos antimonárquicos na Rua do Grémio Lusitano, ao Bairro Alto, em Lisboa apontando para os retratos dos grão-mestres que ornavam as paredes, entre os quais D. Pedro IV - trisavô por via materna de Dom Duarte - e outros fundadores do liberalismo português como Saldanha e Sá da Bandeira. Afinal o Grande Oriente Lusitano só se tornou pró-republicano por volta de 1890. «A Maçonaria era monárquica em Portugal. A Carbonária, que cometeu o Regicídio, é que era profundamente republicana. Mas houve um grande desentendimento entre D. Carlos e a Maçonaria quando o rei achou que devia suspender o Parlamento e reformular a Constituição e, nessa altura, a Maçonaria tornou-se republicana. Só recentemente é que o Grande Oriente Lusitano tomou a decisão de deixar de ser especificamente republicano. Hoje são neutros como instituição, têm lá dentro monárquicos e republicanos, embora a maioria seja republicana».Nota: Entrevista a Magazine, Abril 2006

Com o grão-mestre Prof. José Manuel Anes, estudioso da história das tradições, mantinha contactos de há muito, bem como com o grão-mestre da Grande Loja Regular de Portugal, o Dr. Fernando Teixeira. Contudo, de ambos os lados, havia vozes que discordavam, ódios que vinham do passado e incompreensões mútuas sobre objectivos patrióticos convergentes.Em 2004 Dom Duarte aceita o convite do Grande Oriente Lusitano para visitar a respectiva sede. É recebido pelas autoridades desta obediência maçónica - o

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grão-mestre Dr. António Arnaud e o vice grão-mestre Dr. Luís Fontoura. «Vem ao caso lembrar o convite que o Grande Oriente Lusitano me fez este ano para visitar a sua sede e assinalar o respeito que a minha pessoa e o que ela representa lhes merece.»Nota: Mensagem de 2004

Com esta desempoeirada atitude de reconciliação que lhe vale as habituais críticas de surdina, Dom Duarte esclarece que não excluía ninguém do horizonte português e que a todos a Casa Real deveria congregar com rigor, simplicidade e afecto. «É uma verdade essencial e até diria dogmática que todos os monárquicos devem ter presente: o Príncipe é de todos e não de ninguém!» É um compromisso solene, de parte a parte: também terminam as hostilidades do Grande Oriente à ideia monárquica. Quando meses mais tarde, em Coimbra no funeral do Dr. Fernando Vale, antigo grão-mestre falecido com 104 anos, alguém levanta o grito «Viva a República!», o Dr. António Arnaud manda calar o interveniente, lembrando o compromisso de meses atrás: «Viva Portugal» era o único grito permitido.

Cultura e CinemaSondar os filmes preferidos de Dom Duarte é uma forma de vermos as referências culturais que norteiam o seu pensamento e acção através da linguagem que o século XXI mais facilmente identifica. E à medida que o escutei referir de modo espontâneo os filmes da sua vida - visionados um pouco por todo o mundo em vídeos, no cinema - surgia o perfil de quem descobriu no cinema internacional e no chamado cinema paralelo alternativas muito mais interessantes que o cinema de Hollywood. A par de realizadores consagrados como Mel Gibson, Wim Wenders e Akira Kurosawa, entre outros, estima filmes com temas de história, natureza, documentários e comédia.Na que é talvez a mais importante categoria de filmes - o drama - Dom Duarte elege Braveheart e A. Paixão de Cristo. São filmes que reflectem as fortes convicções de um dos mais conhecidos actores e cineastas mundiais, um católico de origem irlandesa. Entre os guiões de dramas históricos que Mel Gibson considera realizar, figura um sobre Nuno Alvares Pereira que lhe fizeram chegar às mãos. Teremos um dia Hollywood a tratar do Condestável português? Exemplares também, parecem-lhe todos os filmes de Kurosawa, desde o velho Sete Samurais até A Sombra do Guerreiro e Ran. Em particular, a história do sósia que tem de ocupar o lugar do senhor da guerra é uma parábola extraordinária sobre o tema «a missão faz o homem».

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Entusiasmam-no os filmes que abordam temas históricos e de preferência, portugueses. Gostou imenso de Guerra doMirandum, (Fernando Matos Silva, 1984) cheio de dramas pessoais no meio da guerra remota em Trás-os-Montes. Apreciou Inês de Portugal, (José Carlos de Oliveira, 1997, baseado na obra do escritor João Aguiar) com cenários fantásticos das filmagens - Alcobaça, Linhares, Quinta das Lágrimas - concorda com a razão de Estado. Afonso IV tinha mesmo de eliminar a doce Inês, cujo casamento traria uma submissão aos interesses castelhanos, como aliás esteve para suceder em 1383-85. Em, O Processo do Rei (João Mário Grilo,1990), o rei D. Afonso VI é deposto porque não se libertou das suas fraquezas e devido à ingerência francesa do rei Luís XIV e da rainha Maria Francisca de Sabóia. O rei perdia, mas, entretanto, o país ganhava a Guerra da Restauração.Em filmes sobre a história mais recente, elege Underground de Emir Kusturica. Em 1995, o júri do Festival de Cannes deu uma das suas raras segundas Palmas de Ouro a esta narrativa sobre a história da Jugoslávia e de todos os países europeus ex-comunistas. Gerações inteiras sofreram com a Segunda Guerra Mundial, a Guerra Fria, o Comunismo, a Guerra dos Balcãs. Para Dom Duarte é um filme sobre o amor ao país natal. As boas intenções dos verdadeiros dirigentes, a alma da nação, são suplantadas por muitos interesses conflituosos. A viagem à ex-Jugoslávia feita pelo grande cineasta bósnio é a nostalgia de um país, as ilusões de um povo sem nome. E o subtítulo de Kusturica diz quase tudo: Era uma vez um país.Entre os filmes históricos, Dom Duarte prefere os filmes de produção nacional ao cinema americano. Conhece-se o filme Ana e o Rei, com Jodie Foster, uma nova versão do musical de 1956 The King and I com Yul Brynner e Deborah Kerr. Mas geralmente desconhece-se que estes filmes foram considerados ofensivos para a cultura da Tailândia e proibidos. Em resposta, os tailandeses produziram dois filmes épicos Suriyothai e The King Maker sobre a

história do Sião no século XVI. The King Maker mostra o impacto de Portugal na independência do país. É a saga de Fernando de Gama, interpretado por Gary Stretch. Após um naufrágio na costa de Sião e a captura por mercadores de escravos, Gama comandará uma força multinacional de portugueses e de samurais cristãos, ao serviço do rei Ayutthaya, nas guerras contra os invasores.Na categoria de ficção científica coloca à frente Solaris (1972), de Andrei Tarkovsky, filme do grande realizador russo que teve problemas na URSS e que foi aclamado no Ocidente, como a resposta ao 2001 Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick. A missão Solaris estabeleceu-se num planeta onde está presente uma inteligência, ainda desconhecida. Kelvin, o enviado da Terra, encontra um ambiente de mistério nos dois cientistas sobreviventes. A pouco e pouco percebe que é o próprio Solaris que sonda os desejos humanos e os materializa. E assim

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reencontra a sua mulher morta há sete anos, comunicando os verdadeiros sentimentos. É esta fábula em que podemos revisitar e alterar o passado diz-nos que não estamos fatalmente condenados a repetir os mesmos erros.Outro dos filmes de ficção científica preferidos é Sqylent Green, sobre uma sociedade sem respeito pela vida humana. Charlton Heston faz duas descobertas chocantes nos centros futuristas de eutanásia: a Terra era bela em épocas anteriores e os cadáveres dos idosos são reciclados num produto que dá o nome à fita. O seu grito angustiado «Soylent Green são pessoas!» - a sua última fala - transformou-se em palavra de ordem dos grupos ecológicos e da cultura popular americana contra os abusos ambientais.No cinema documentário, Dom Duarte elege Africa Addio, uma obra-prima moralmente complexa. Dos mesmos produtores de Mundo Cão, é um filme violento sobre a transição do colonialismo europeu para as independências africanas. Gualtiero Jacopetti e Franco E. Prosperi agarraram nas câmaras, e durante três anos, documentaram a entrega de poder aos governantes negros. Os colonialistas, antes orgulhosos e respeitados, estão agora reduzidos a ver os africanos vaguear pelas propriedades. As próprias equipas de filmagem são atacadas. Numa cena, a câmara observa centenas de civis que tentam fugir a um massacre lançando-se ao mar. No dia seguinte, a mesma praia é filmada, vendo-se os cadáveres a boiar. A mesma mistura de selvajaria e serenidade surge no tratamento dos animais. As zebras são abatidas por cordas esticadas entre dois jipes. Os elefantes são caçados de helicópteros. Africa Addio é um dos filmes mais explosivos de sempre. Para uns, é racista, imoral e brutal. Para outros, um dos mais brilhantes documentários de sempre. Não se fica indiferente.Entre o documentário e a ficção, adora O Caçador da Sibéria, de Serik Aprimov (2004). É uma apresentação da cultura dos nómadas pastores da Ásia central, dos seus cavalos e alimentos a que não falta um romance. Também o entusiasmou o muito recente Marcha dos Pinguins (de cineastas franceses, 2006). É a fábula de um grupo de animais que luta por manter as suas tradições, mesmo com grande sofrimento.Um dos seus cineastas preferidos de ficção é Wim Wenders, melhor realizador em Cannes, 1987, e um apreciador de Portugal, da música dos Madredeus de Lisboa em particular. Lisbon Story (1994) é a história da imagem à procura do som. Para reconstituir o filme do seu amigo desaparecido, o realizador Monroe, o engenheiro de som Winter tem de vir para a capital portuguesa e falar de Deus, da arte e do cinema. Até ao Fim do Mundo (1991) tem

sido considerado uma odisseia da era moderna e narra uma viagem para curar a cegueira, para restabelecer a visão, enquanto tudo corre mal em redor. As máquinas do cientista Farber

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permitem emitir as imagens do cérebro da sua mulher cega, enquanto a humanidade está sob a ameaça de um satélite nuclear. Em Asas do Desejo, Berlim está cheia de anjos que escutam os pensamentos humanos e tentam confortá-los. Filmada a preto e branco, a película ganha cor quando os anjos percebem as realidades humanas, como quando um dos anjos se apaixona por uma trapezista, ou sente coisas simples tais como tomar café e fumar cigarros.Um caso particular de filmes de ficção que Dom Duarte aprecia são os de temas lusófonos. Trikale (1985), passado em Goa, 1961, é a história de uma família goesa com posses. Ao contrário dos filmes de Bollywood, é um filme do «cinema paralelo», como lhe chamam na índia, com um ritmo lento e luz original. O autor da história e realizador Shyam Benegal retraía Goa sem fechar os olhos à originalidade dos católicos goeses protagonizados por «Dona Maria Souza-Soares» e seus familiares, num retrato muito fiel.Para quem conhece Angola, existe um livro e peça filmada que, para Dom Duarte, diz tudo sobre o pós-independência. Trata-se do famoso Quem me Dera ser Onda!, de Mário Rui, de 1982. A unidade revolucionária está longe e, em nome da igualdade socialista, o MPLA tem de organizar a nação contra a liberdade das pessoas. Atormentado pela escassez de alimentos em Luanda, Diogo traz um leitão para criar no apartamento do 7º andar. Quer sobreviver melhor que os outros bons marxistas. Mas o leitãozinho, chamado «Carnaval da Vitória» - o nome da grande festa que marca a derrota da FNLA - irá tornar-se o centro das atenções de Zeca, Ruça e Beto que arranjam expedientes para ir adiando a matança. «Vocês não gostavam de ser onda? - Deve ser bom. Assim por cima da água nem é preciso saber nadar. Quem me dera ser onda!», dizem os miúdos. E assim, a política vai sendo driblada pela utopia infantil, enquanto não chega a «aurora radiosa do socialismo».Nesta linha de comédia moral, Dom Duarte destaca Mediterrâneo, (Gabriele Salvatores, 1991) um filme italiano, dedicado a «todos os que fogem». É a história de um punhado de militares italianos que, enviados em plena 2ª Guerra Mundial para uma pacífica ilha no mar Egeu, têm de se adaptar aos costumes locais. Um dia, quando já estão integrados, um navio inglês vem recolhê-los. Todos regressam a Itália a contragosto e levam o burro. Muitos anos passaram, e o filme vive dos contrastes entre os «bons tempos» da ilha e a vida de vicissitudes e sonhos que não se realizam em Itália.Entre as comédias, destaca clássicos portugueses como O Costa do Castelo e O leão da Estrela e outros com António Silva. Retraíam os costumes de há unscinquenta anos de uma maneira ligeira e têm um ritmo que nunca pára a atenção. Aprecia as comédias de Jane Fonda sobre a vida quotidiana. Das 9 às 5 e outros

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menos conhecidos filmes da actriz americana (da qual apreciou evidentemente Barbarei/d) parecem-lhe as melhores fábulas em que a mulher empregada é explorada pelo «sistema» e pelo «patrão». E claro que se ri com o Inspector Closeau e a terrível pantera cor-de-rosa.Em paralelo com o cinema, Dom Duarte estima a banda desenhada. No Colégio de Santo

Tirso lia-se avidamente ao ritmo semanal A Marca Amarela, da série «Blake e Mortimer», de E. P.Jacobs, que era editada no Cavaleiro Andante. Apreciou, como todos, as aventuras de Tintin mas tinha particular apreço por Philemon, criado por Fred, nos anos 60. É a história do jovem aldeão, sempre com ar desgrenhado e uma camisola azul e branca, acompanhado do burro Anatole. Acontecem-lhe aventuras mirabolantes tendo por companheiros o tio Félicien, que o inicia na filosofia, e Barthelémy, o náufrago, enquanto o pai o obriga a assentar os pés na terra. Dom Duarte também elege l^nogood, o «vizir que queria ser califa em lugar do califa», criado por René Uderzo, o que é um bom comentário para quem lida com os poderosos deste mundo. Continua a considerar a Banda Desenhada como um óptimo veículo para a divulgação da história nacional, estando actualmente a envidar esforços para que seja criada a história de Timor em BD

10.

A QUINTA DINASTIA

Se mandarem os reis embora, hão-de tornar a chamá-los.»Alexandre Herculano

«Os monárquicos formam o maior partido clandestino em Portugal.»Miguel Esteves Cardoso

«Os frutos são de todos...»Ao longo de trinta anos de intervenções públicas, Dom Duarte tem defendido que nesta época de grandes integrações internacionais, o povo português deve confiar na transição para a monarquia para garantir a independência nacional. Um rei reforça a vida colectiva e fortalece a democracia. «É isso que é preciso explicar. É isso que os monárquicos devem explicar a todos os portugueses. E isso que se pode e deve realizar no mais puro e integral respeito pelo Estado de direito, pela liberdade de escolha dos governantes e sem interferir com os mais diversos programas dos governos que os cidadãos sucessivamente escolham.»À «superfície das águas», tudo está sereno. De acordo com a Constituição da República Portuguesa, o Estado é soberano, a Constituição é a lei fundamental e a democracia é autogarantida. Mas «as águas profundas» da vida nacional mostram-se muito agitadas. A progressiva adesão da República Portuguesa a organizações internacionais, os sucessivos tratados de integração europeia e o desinteresse dos cidadãos pela vida pública, mostram que a soberania está em erosão, os direitos constitucionais são desvalorizados e a democracia perde substância. Como afirmou o professor Jean Ziegler, «da república, tal como a herdámos da Revolução Francesa, já só resta um esqueleto». O Estado republicano tem as

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maiores dificuldades em manter a soberania num mundo globalizado. Por vários motivos que ultrapassam cada Estado. Por razões internas diversas. Como este livro procurou explicar.Em primeiro lugar, a degradação da soberania do Estado na «ordem internacional» resulta da falta de controlo sobre os mercados financeiros. A sombra das ideias da «paz pelo

comércio» surgem sempre os predadores que não pertencem a qualquer escola de pensamento, não têm uma aventura colectiva, nem possuem um horizonte histórico, não são de direita nem de esquerda, nem do Norte nem do Sul. A sua única motivação é o dinheiro. E Dom Duarte é um antiplutocrata. O bem comum, a justiça social, a fraternidade entre os povos, a ordem livremente aceite, a defesa dos bens públicos, a lei que liberta as vontades dos cidadãos, tudo o que é romantismo para os mercados financeiros é ponto de honra para ele. Neste ponto, Dom Duarte está de acordo com Jean-Jacques Rousseau e ambos com o cristianismo: «Estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e que a terra não é de ninguém»Nota: ZIEGLER, 2004

A globalização não é o efeito de uma fatalidade económica, mas sim de políticas deliberadas dos Estados e das empresas multinacionais. Basicamente, tem efeitos bons e diminui a pobreza. Mas o professor Jean Ziegler cita consequências estarrecedoras: «Existirão hoje no planeta quase mil milhões de pessoas subalimentadas, um sexto da humanidade, enquanto a agricultura poderia alimentar, agora, cerca de12 mil milhões de habitantes. E se juntarmos males do subdesenvolvimento, tais como fome, epidemia, guerras (...) verificaremos que, no ano passado, houve um total de mais de 58 milhões de vítimas, segundo os critérios da ONU, 2 milhões a mais que o total de vítimas da 2ª Guerra Mundial.»A «embalagem institucional» dos Estados pode permanecer idêntica; mas o poder das instituições estatais está cada vez mais nas mãos de entidades financeiras internacionais. Na fachada, os Estados nomeiam os seus representantes para a Organização Mundial do Comércio; escolhem os governadores e suplentes do Banco Mundial; administram o Fundo Monetário Internacional. É a stateless global governance. Na realidade, os representantes dos Estados exercem cada vez menos poder. Entre os Governos do G-8 e resto, há um abismo. Os primeiros impõem decisões. Os outros acatam-nas. E dentro do G-8 há um outro abismo entre os EUA e os «sete anões», porque os EUA dispõem de indiscutível supremacia militar.Recordando que os problemas são globais, mas as soluções são locais, afirma Dom Duarte: «O que dá força a um Estado e mais particularmente a um Estado democrático é, acima de tudo, a ideia que encarna. Numa sociedade onde se

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enfrentam os interesses de grupos sociais distintos, creio que o Estado democrático deve tentar tornar a convivência mais justa, mais solidária e mais livre através da fiscalidade, da segurança social, dos serviços públicos. E as pessoas têm lealdade para com o seu Estado na medida em que dele extraem os benefícios que lhe foram prometidos pelo contrato social. Um Estado que deixa de fornecer aos cidadãos um sentimento de segurança, que não lhes assegura um mínimo de estabilidade social e de rendimentos, um futuro crível, sobretudo para os mais velhos e para os mais jovens, e que não garante uma ordem pública em conformidade com as convicções morais dos seus membros, é um Estado falhado.»«Europa sim, mas não assim»Nota: Entrevista com o autor

A face mais visível em Portugal das integrações internacionais é a adesão à

União Europeia. Em Mensagens do 1º de Dezembro, bem como em intervenções e entrevistas, são permanentes as chamadas de atenção de Dom Duarte para que a Europa não seja construída «nas costas da população» por poderosas elites internacionais, afastadas dos interesses concretos de cada um dos povos europeus e, particularmente, dos portugueses. Desde 1992, na sequência da aprovação do Tratado de Maastricht e mais particularmente a partir de 1999, na sequência do Tratado de Nice, que estas preocupações avultam: «Actualmente debatem-se propostas alternativas para a inserção de Portugal na Europa. Para uns, deveria realizar-se um generoso projecto de união solidária entre as Nações Europeias; para outros deve avançar-se no sentido de extinguir os actuais Estados, formando uma ”República Federal Europeia”; outros ainda procuram conciliar qualquer dessas duas soluções com uma clara linha de actuação que aproxime a Europa de outros Estados que com ela tenham grandes afinidades culturais e históricas.»Nota: Mensagem de 2001

A tomada de posição de Dom Duarte começa, como sempre, pelo longo prazo: «Fala-se, a este propósito, da ”construção europeia” como se ela fosse obra dos últimos cinquenta anos. A Europa é filha da civilização cristã, (o que agora se quer esquecer) e esta civilização europeia estendeu-se com mais ou menos profundidade a vários continentes.» Depois, é importante reconhecer a diversidade: «A Europa não é um território indiferenciado, mas um mosaico de povos e Nações, com culturas próprias, harmoniosamente diferenciadas pelas suas línguas, histórias pátrias e identidades nacionais. O processo de unificação europeia deve respeitar esta enorme diversidade, se quer ser, como proclama,

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Um processo de enriquecimento europeu. De seguida, é preciso compatibilizar a construção europeia com a independência nacional: «Nós somos europeus. Portanto, nada de mais natural do que estarmos a participar num processo comum à maioria dos estados europeus. Mas em nenhum momento poderá ser aceitável que a presença de Portugal no quadro da União Europeia possa culminar com a sua diluição nuns hipotéticos Estados Unidos da Europa. Esta é a proposta dos federalistas europeus. Os portugueses têm de perceber o alcance do que está a ser decidido em seu nome…» Finalmente, Dom Duarte é irredutível; a partilha de poderes com a União Europeia deve ser sancionada por referendo, a mais democrática das expressões da vontade popular. (…) Seja qual for o caminho, compete aos portugueses pronunciarem-se sobre o seu futuro.Nota: Mensagem de 2001.

O processo de integração europeu em curso desde 1957 modifica o princípio da soberania nacional por diversas vias. Primeiro, os Estados-membros transferem poderes decisórios para os órgãos comunitários ou, em alternativa, partilham-nos entre órgãos comunitários e nacionais. Depois, a ordem jurídica comunitária prevalece quando sobre uma matéria exista contradição entre o que ela dispõe e o que cada ordem jurídica estatal consagra. Em terceiro lugar, existe a possibilidade de o Tribunal Europeu anular decisões dos governos nacionais por violarem o direito comunitário e de estes serem responsabilizados por incumprimento do direito comunitário. Finalmente, foi transferida para o banco Central Europeu a autorização da emissão monetária, até então pertencente aos bancos centrais de cada

estado-membro. Os estados-membros da União Europeia já não são plenamente suberanos. Mas a Grã-bertanha, Irlanda, Dinamarca e Suécia têm nos seus soberanos uma garantia de independência dos respectivos povos.Como se manifesta nas suas políticas europeias!Após o alargamento da União europeia a mais 10 países, em 2004, as elites europeias decidiram propor um tratado constitucional que alterava substancialmente os equilíbrios de decisão e criava novos órgãos e funções de coordenação política, retirando novas fatias, embora aparentemente pequenas, de soberania nacional.Nota: A Europa, Portugal e o Rei, João Matos e Silva, Nov-2003, www.monarquia.online.pt

Dom Duarte movimenta-se em artigos e entrevistas e adverte para o risco maior: «Corremos assim o risco de que opções da maior importância para Portugal, sejam tomadas em centros de poder quase totalmente alheios aos interesses nacionais porque fundamentalmente ”obedientes” aos interesses das potências dominantes na Europa. Isto apesar dos eventuais esforços dos governos portugueses.»

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Em 2004 acompanha os trabalhos de um grupo de cidadãos, encabeçado por Teixeira Pinto, que entrega uma petição ao Tribunal Constitucional para averiguar da constitucionalidade da sexta revisão constitucional. Estava em causa, em particular, um novo nº 4 no artigo 8º da Constituição: os tratados que regem a União Europeia, e as normas comunitárias derivadas, seriam aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, devendo apenas respeitar os «princípios fundamentais do Estado de direito democrático». É um ponto crucial para os monárquicos, porque estava em causa o artigo 288º da Constituição que impõe que qualquer lei de revisão constitucional deve respeitar um conjunto de princípios. Segundo Dom Duarte, «na última [sexta] revisão da Constituição Portuguesa eliminou-se aquilo que constituía a garantia escrita e aceite da independência nacional e da soberania portuguesa»Nota: Expresso, 6 de Novembro de 2004

A avaliar pela impressionante resposta a uma sondagem europeia publicada no Diário de Notícias de 11 de Novembro de 2003, os portugueses não sabiam o que estava em discussão. Mas «com referendo ou sem ele, mesmo com esclarecimento público atempado e claro, a maioria quer pertencer à Europa - absorveu bem a mensagem europeísta dos sucessivos governos democráticos - dando de mão beijada as perdas de soberania.»Estava em causa o facto de a garantia dos «princípios fundamentais do Estado de direito democrático» no novo nº 4 do artigo 8º não abranger «o princípio da independência nacional» na organização do poder político. Os princípios do respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, sufrágio universal, separação e interdependência de poderes, independência dos tribunais e segurança jurídica, nunca poderiam ser desrespeitados por Portugal com membro da União Europeia; a grande questão é se a República isolada garante a independência, ou se precisa de um «soberano».Nota: 2 Ibid.

O momento era dramático perante as pressões de federalistas e antifederalistas. Como escreveu Pierre Moscovici: «A Europa pode tornar-se uma potência democrática, pacífica, capaz de organizar a mundialização. Ou pode regredir para uma zona de livre comércio, sem regras nem legitimidade, submetida à dominação do modelo americano».Nota: MOSCOVICI, 2001

Dom Duarte não perdeu o bom senso. Em comunicado de 11 de Junho de 2004, afirmava: «Tal como sempre fiz no passado, numa posição de total independência face às opções partidárias em presença, é meu dever como Chefe da Casa Real Portuguesa apelar aos portugueses conscientes dos seus direitos para que votem nas próximas eleições para o Parlamento

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europeu.» Ao mesmo tempo, continuava a sua campanha em jornais nacionais contra a deriva federalista.Nota: «O Repto da Europa», artigo in O Independente, 19 de Setembro de 2003; «A Constituição Europeia e o futuro de Portugal», artigo in Expresso, 6 de Novembro de 2004; «Acerca do nosso futuro na Europa», Entrevista a O Diabo, Outubro 2004; «Mais de 20% dos portugueses preferem ter um Rei do que um Presidente», entrevista ao Correio da Manhã, 5 de Outubro de 2004 ; «A Constituição Europeia e o futuro de Portugal», artigo in Expresso, 6 de Novembro; «A maioria é monárquica», entrevista à revista Focus, 242, 2004; «Hoje o grande valor é a democracia, e são os reis os seus grandes defensores», entrevista ao diário ABC, de Madrid, 2 de Fevereiro de 2005; «O futuro do País está em risco», entrevista a O Diabo, 1 de Fevereiro de 2005; «Tenho um dever para com o País», entrevista a O Independente, 15 de Julho de 2005.

A rejeição do Tratado Constitucional pelo eleitorado da França e da Holanda, na Primavera de 2005, obrigou as elites federalistas a recuarem. As democracias nacionais revelaram-se mais fortes que as oligarquias internacionais, travando o declínio da soberania dos estados-membros. Após os referendos de Maio de2005, os povos europeus deram um suspiro de alívio e de reconhecimento aos Franceses. Portugal acabou por não realizar o referendo sobre o Tratado Constitucional, considerado morto. «Europa sim, mas não assim» foi a mensagem que ficou. E para ela Dom Duarte deu o seu contributo pessoal e coerente.Crise ou oportunidade?Os avanços dos grandes espaços internacionais, os progressos da integração europeia e a perda de soberania pela República conjugam-se no sentido de uma reavaliação da viabilidade da monarquia em Portugal. A crise é uma oportunidade para a monarquia devido à evolução natural da democracia portuguesa e também porque as mudanças globais revelam as dificuldades do velho Estado-Nação republicano em garantir a independência nacional neste novo ciclo em que a soberania é partilhada, a Constituição desvalorizada e a democracia ameaçada.Na história da humanidade, a soberania foi uma conquista essencial de cada povo, trazendo a garantia dos direitos do homem, das liberdades públicas, do contrato social. Encarnou a vontade colectiva, a igualdade perante a lei, a autonomia dos cidadãos. O Parlamento e o Governo eleitos são soberanos para proteger a lei e garantir a ordem. Os chefes de Estado

são soberanos, embora na Europa seja grande a diferença entre presidentes da República transitórios e monarcas constitucionais que, mesmo dispondo de poderes apenas simbólicos, são soberanos ao representar a Nação no Estado e o Estado perante a Nação.Na actualidade, nenhum Estado tem soberania no que se refere ao respeito e garantia dos direitos humanos; a condutas que provocam ameaças à paz e à segurança internacionais; à sanção de comportamentos individuais considerados

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«crimes de guerra» ou «crimes contra a humanidade». Nestas áreas, a Comunidade Internacional chamou a si o poder de intervenção, expropriando os Estados da decisão nessas matérias, criando conceitos novos ou adaptando velhos princípios: a «assistência humanitária», a «intervenção humanitária», o «direito à assistência humanitária», o «direito de ingerência», a «legítima defesa» e a «retaliação contra ataques terroristas» são disto exemplo. No plano externo, o Estado tem a soberania condicionada pela moral e o direito universais. A Comunidade Internacional pretende que os Estados cumpram normas fundamentais em matéria de direitos humanos e de garantia da paz e segurança internacionais, nomeadamente com o «direito de ingerência internacional» que em certas circunstâncias derroga o princípio da integridade territorial dos Estados.Entretanto, as sucessivas revisões do texto constitucional - não têm compensado a cedência desses poderes soberanos com a reafirmação da independência nacional.Nota: Cf. Documentação, Parte II, Cap. 1

Perante esta degradação da soberania, o estudo comparativo das prerrogativas régias nas actuais constituições monárquicas europeias mostra como a integração europeia e a independência nacional se compatibilizam muito mais facilmente quando existe um monarca.Nestas circunstâncias, o monarca é chefe do Estado, símbolo da unidade e permanência, que arbitra e modera o funcionamento regular das instituições, assume a mais alta representação do Estado nas relações internacionais, e exerce as funções que lhe atribuem expressamente a Constituição e as leis. A Coroa é hereditária nos sucessores do monarca, legítimo herdeiro da dinastia histórica, sendo a sucessão no trono conforme a ordem regular de primogenitura e representação em Portugal. Outro tipo de disposições regulamenta a possibilidade de haver regências, no caso de impedimentos, quer por motivos naturais de menoridade do herdeiro ou por motivos forçosos de impedimentos por debilidade ou corrupção do mesmo. Considera-se ainda a tutela do herdeiro na sua menoridade e o modo como o monarca presta juramento de desempenhar fielmente suas funções, guardar e fazer guardar a Constituição e as leis, e respeitar os direitos dos cidadãos e dos órgãos de poder regional e local.Nota: BOGDANOR, 1999; FISICHELLA, 2001; HENRIQUES, 2003

Naturalmente que o ponto crucial é a definição dos poderes do rei como chefe de Estado e no que se diferencia de um presidente da República. No essencial, os poderes de um chefe de Estado régio são apenas simbólicos, até porque a sua legitimidade é muito superior à de um presidente da República. As constituições monárquicas actuais definem ainda como se processa o consentimento do Estado para obrigar-se internacionalmente e outros pontos que devem ser objecto

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de transparência total e de parcimónia para que não haja futuros melindres, tais como a dotação orçamental da Casa Real e outros aspectos do património. As disposições deixam ainda claro de que modo os actos do rei serão referendados para ganharem validade. Será que, como alguns já dizem, «o regime tem de deixar de ser republicano para continuar a ser democrático»?Uma Constituição é um padrão de conduta do poder político e o modelo de actuação para governantes, magistrados, parlamentares e cidadãos. Mas a Constituição da República Portuguesa tem vindo a ser mutilada por princípios que o republicanismo já não consegue justificar. O debate é sobre a salvaguarda dos superiores interesses da nação portuguesa, em caso de confronto entre a Constituição e um tratado negociado e assinado com entidades supranacionais: como revelou a sexta revisão constitucional, quem cede é a Constituição da República e não a União Europeia.Nota: Cf. Documentação, Parte II, Cap. 1

O processo de construção da União Europeia tem mostrado que os governos negoceiam «lá fora» aquilo para que «cá dentro» não se encontram habilitados. O grande exemplo é o frustrado Tratado Constitucional Europeu. Como os textos negociados «lá fora» eram incompatíveis com a Constituição, a 23 de Abril de 2004 a Assembleia da República decidiu revê-la em conformidade com o Tratado, e não ao inverso. O Direito Comunitário tem hoje o primado sobre o Direito Constitucional; este depende de acordos por vezes bem pouco transparentes e sugeridos pelos mercados financeiros mundiais e pelos interesses dos grandes países europeus.Claro que nenhuma Constituição é um valor absoluto. Acima dela estão os princípios de humanidade. Acima do poder constituinte estão imperativos que vinculam todos os Estados, como sejam: o valor sagrado e inalienável da pessoa humana e o respeito pelos seus direitos fundamentais; e a garantia da paz e da segurança internacionais, visando a criação de uma sociedade mais justa. As normas da Constituição nunca podem negar estes princípios que apontam para bens comuns da humanidade, superiores a qualquer ordem nacional; o constituinte não pode legislar contra eles. E ainda resta muito por fazer porque «vivemos num mundo onde é infinitamente mais grave violar uma regra do comércio internacional do que um dos direitos do homem.»Nota: Warren Allmand, Presidente da Associação Rights and Democracy, Canadá

Sucede que em tempos de europeização, o Estado republicano é obrigado a desvalorizar o papel da Constituição nacional como lei fundamental, tanto mais que não se sabe se está em causa a «Constituição oficial» ou a «Constituição oficiosa» que se foi desenvolvendo ao sabor dos Tratados Europeus. Uma coisa

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é o que o texto da Constituição diz, outra, bem diferente, por vezes, é a prática aplicativa ou a efectividade das suas normas. Acresce que os partidos políticos desenvolvem práticas em sentido contrário ao texto da Constituição. O chamado «Estado de partidos» é sempre uma tendência porque se reforçam os grupos de interesses e a representação parlamentar resulta

enfraquecida. Sobre estes aspectos, afirma Dom Duarte: «Como representante da instituição régia, não me cabe, nunca, tomar partido entre as alternativas programáticas das forças políticas portuguesas. Todas têm o seu contributo valioso a dar. Mas cabe-me tomar posição, procurando esclarecer e ser esclarecido. Por exemplo, a realização de acordos de revisão constitucional entre os dois maiores partidos políticos substitui-se ao que deveria ser o papel da própria Assembleia da República; os acordos no que respeita à eleição dos juizes do Tribunal Constitucional, incluindo a indicação do seu presidente não é o processo mais curial; o acordo entre os partidos políticos com assento parlamentar no que diz respeito ao número de presenças nas respectivas votações parlamentares pode viciar as votações; o financiamento dos partidos políticos deveria seguir os procedimentos correntes europeus de transparência de declaração de interesses. Dirão que isto são pormenores, talvez. Mas na democracia que melhor conheço - a Suíça, que é ”a melhor democracia do mundo” - tudo depende de pormenores...»Nota: Entrevista com o autor

A democracia apenas se sustenta como modelo político se os seus membros forem «bons cidadãos». E, contudo, a evolução portuguesa nos últimos anos tem revelado fenómenos preocupantes muito pouco «democráticos». Diz Dom Duarte: «Creio ser um exagero quando quase tudo é elevado pela Constituição a direito fundamental. Eu acho muito estranho que, para a Constituição, tanto seja ”fundamental” o direito à vida como o direito a tempo de antena. Também é preocupante a ”cultura de morte”: o aborto é visto como um direito da mulher a dispor do seu próprio corpo, em qualquer circunstância; tolera-se a utilização de embriões humanos para experiências; a eutanásia é considerada direito a dispor da vida.»Outra sua preocupação é a vontade maioritária sobrepor-se à dignidade da pessoa humana. Afirma: «O absolutismo do princípio maioritário em democracia, como qualquer absolutismo em política, tem graves riscos. Quando a vontade da maioria é considerada critério de verdade, é mau. O holocausto nazi, o Goulag estalinista e outras matanças por ordem do Estado, podem ter sido apoiadas pela maioria da população, mas nem por isso foram legítimos. Não é pelo facto de um referendo ou uma maioria parlamentar aprovar uma lei do aborto que este se torna recomendável. Quanto a mim, o princípio maioritário tem de ter limites na moral universal.»

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E ainda: «Um outro factor preocupante é a perda de direitos criada pelo abuso dos progressos científicos. Existe hoje o risco de uma verdadeira ”cegueira ética” na biomedicina e na genética, quando se pratica a clonagem humana, a utilização de embriões humanos para experiências científicas; na compra e venda de órgãos e tecidos humanos para transplantes; na transformação dos falecidos em dadores voluntários de órgãos e tecidos sem manifestação de vontade expressa nesse sentido; também me preocupa que todos os nossos passos e conversas possam ser objecto de controlo por sistemas de vigilância. Os ataques de11 de Setembro reforçaram esta tendência que sacrifica a liberdade à segurança. Chegou-se já ao ponto de cada um de nós ser suspeito ao entrar num aeroporto, em bancos, instituições públicas, supermercados, restaurantes ou mesmo num condomínio fechado. O direito à imagem, à privacidade, e mesmo à presunção de inocência, encontram-se feridos.»

Que quer o Povo Português?A evolução democrática do país após quase 100 anos de República contribuiu para tratar questões, antes consideradas como tabu. A medida que desaparecem as adesões emotivas e ideológicas ao republicanismo, é possível olhar numa perspectiva mais realista para as propostas e personalidades políticas.O estudo objectivo de factos, atitudes e representações sociais sobre a monarquia com o objectivo de verificar a sua receptividade por parte da população é do âmbito das sondagens de opinião. Mas avaliar atitudes da população sobre a Casa de Bragança e sondar a «possibilidade» de se instaurar a monarquia em Portugal são estudos que têm de ter em conta factos marcantes da história nacional recente.A primeira sondagem sobre o tema, realizada pelo Expresso a 8 de Dezembro de 1989, na sequência do I Congresso Luso-Brasileiro Monarquia e Constituição, contava 7% de monárquicos à cabeça. Em 1995, uma sondagem de opinião realizada pelo Diário de Notícias, por ocasião do casamento régio, mostra que 14% dos portugueses favorece a ideia monárquica, enquanto uma significativa maioria deseja ver banida a alínea b) do art) 288 da Constituição, que sujeita o País à obrigatoriedade da «forma republicana de Governo».Nos quase 100 anos que decorreram após a implantação da República, o país teve experiências políticas de força simbólica muito distinta, não sendo a monarquia alternativa de poder desde 1910. A instabilidade da I República resultou da inconsequência política e social do projecto republicano. A I República viveu experiências terroristas que originaram um sentimento generalizado de repulsa pela população, enquanto as classes dirigentes projectavam as suas quezílias internas nos sentimentos populares.

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Do Estado Novo, ou II República, chegou a falar-se como um misto de «ditadura política» e «democracia da sociedade civil». O regime autoritário e as suas violências, como a censura prévia e a perseguição política, só eram postos em causa pelas franjas oposicionistas mais politizadas e, por isso mesmo, marginalizadas, entre as quais se encontravam os monárquicos.Nota: Centro de Estudos de Sondagens de Opinião, UCP.

A adesão à Revolução de Abril é uma reacção ao imobilismo salazarista. Neste início do século XXI, as adesões puramente ideológicas à forma republicana de regime são escassas. A maturidade democrática da população e a substituição dos líderes carismáticos da democracia portuguesa pelos líderes rotineiros da2ª geração indicam que as ideologias já não determinam as atitudes actuais da população.Sendo assim, como indica o inquérito do CESOP em 2002, «é de inquirir se os sentimentos republicanos são tão generalizados como se admite e os defensores do credo republicano fazem crer. Será que os ”republicanos puros”, confrontados com factos e opiniões que contrariam o ”republicanismo” expressas no dia-a-dia das notícias e dos telejornais, refizeram os seus pressupostos? Terá a população começado a pôr nos pratos da balança as vantagens e os inconvenientes dos regimes republicano ou monárquico? Ou pelo contrário, continua a seguir a doutrina que os anos foram impondo como certa e segura e que as intervenções dos políticos reforçam nos discursos e nas celebrações da implantação da República? Será que estas celebrações e o seu simbolismo têm algum efeito nas percepções

e atitudes políticas? Será que a legitimação jurídica do regime é aceite e sustenta as justificações concretas que os cidadãos fazem das suas opções? Ou será que tudo isto não passa de ideologia de opinion-makers, continuando a população alheia a elucubrações que só interessam a ideólogos e analistas sociais e políticos?Confrontado com este tipo de interrogações afirma Dom Duarte. «Acho que muitos portugueses são monárquicos. Muitíssimos. Mesmo sem o terem formulado! Gostam da continuidade e gostam de ver no presidente da República aquilo que no fundo gostariam de ver num rei. Foram mais amados os presidentes do ”tipo régio”, que conseguiram encarnar de alguma forma uma figura nacionalmente simbólica, do que os ”presidentes burocratas” que passaram apenas cortando fitas e assinando promulgações. (...) Os portugueses sentem a diferença entre um chefe de Estado e um chefe de Governo. E de um chefe de Estado eleito esperam que se eleve, tanto quanto lhe seja possível, acima de facções e de partidos! Posição que um rei tem por natureza!»Mas será ainda possível «dar um rei à democracia portuguesa»? Diz Dom Duarte: «Há monárquicos nos partidos. Mas também neles há muitas pessoas para as quais a questão ”monarquia/república” está ultrapassada e que não se

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apercebem claramente das grandes vantagens da monarquia. E há ainda outro factor antimonárquico: a circunstância de em todos os grandes partidos haver sempre alguns ”barões” que aspiram a chefia do Estado como topo de uma carreira!»O que falta na opinião de Dom Duarte para que a monarquia se transforme num projecto coerente e eficaz? «Falta apenas que os monárquicos se ponham de acordo quanto ao modelo de organização que melhor permita atingir os resultados propostos. O movimento tentou diversas formulações incluindo a da constituição de um partido político em 1974. Sem menosprezo pelos muitos méritos das diversas formulações ensaiadas pelos monárquicos portugueses, a verdade é que nenhuma delas conseguiu envolver e galvanizar, no sentido de suscitar níveis de compromisso que qualificassem o projecto político que defendemos.»

A transição é possível?O estabelecimento da monarquia pela via democrática recolhe hoje a unanimidade dos monárquicos. Ficaram para trás as paixões e as agonias que tiveram a sua grandeza humana há várias dezenas de anos. O que a história facilmente explica em 1911 e em 1919, quando a oposição anti-republicana era vital e tinha foros de guerra civil, perdeu fundamento com a acalmia ideológica e a pacificação democrática da sociedade portuguesa. Como escreveu Barrilaro Ruas: «Os Princípios conservam a sua verdade. Os exemplos históricos mantêm a sua dignidade. Mas há vínculos morais, há vivências secretas que amorteceram ou se desataram. (...) Ao mesmo tempo, e ainda mais depressa do que este processo se deu no campo monárquico, deu-se ele também no campo republicano. A força ideológica do republicanismo é coisa a bem dizer morta. Os Portugueses já podem conversar.»Em Mensagem de Junho de 2002, em Braga, afirmou Dom Duarte: «Os Portugueses devem perceber que a proposta dos monárquicos não é de ”derrubar a República” e as suas instituições democráticas, mas sim de «dar um Rei à República.» Já em entrevista de 1989 ao jornal O Independente, declarou expressamente que «os monárquicos devem esquecer o restauracionismo e lançar-se numa nova época instauracionista, de acordo com a tradição

portuguesa e o universo democrático». Como então escreveu José Adelino Maltez, tudo isso «só será viável se a política portuguesa voltar a ter aquela necessária temperatura espiritual geradora de efectiva legitimidade e de democráticos consensos populares». A confluência da legitimidade dinástica numa família por mais de 170 anos afastada da pompa, poder e riqueza dos «grandes deste mundo», traçou também uma das características de Dom Duarte, como escreveu Rui Rocha: «A seriedade de uma representação

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que não está desgastada pelo ”mundanismo decadente”, o afastamento da superficialidade que ainda caracteriza uma boa parte da imagem monárquica».A transição democrática para a monarquia pode seguir diversos caminhos: a votação parlamentar, o referendo, um plebiscito ou eleição presidencial a envolver a pessoa do rei. Desaparecida a condenação intransigente do regime republicano como «o inimigo» e ultrapassada a imagem do regime monárquico como «o passado», emergem as figuras dos representantes da próxima dinastia. Como este livro demonstra.Em primeiro lugar, Dom Duarte revelou-se um «homem de causas» do presente, preocupado com o desenvolvimento social, económico e cultural do país. Conquista o futuro quem tem esperança na vitalidade e independência da língua, da juventude e das empresas. As causas em que se empenha têm tudo que ver com essas prioridades que ele agarra de mãos cheias, projectando a imagem do país dentro do seu campo de acção que é o da representação nacional. Enquanto prosseguem os «jogos sem fronteiras» da República, os Portugueses começam a lembrar-se que entre eles existe, vive e pensa alguém que não tem outra ambição senão servir Portugal. Vastíssimas camadas de população conhecem a figura, os sentimentos, as opiniões de D. Duarte de Bragança; há trinta anos que ele não se furta a dar resposta às perguntas, à simples curiosidade ou às profundas inquietações dos seus concidadãos. E também é verdade que ele soube projectar Portugal no mundo em viagens guiadas pelo interesse nacional, mas que nada pesam no Orçamento do Estado. O que falta, então?Um segundo aspecto é que a estatuto de Dom Duarte recupera a memória nacional. Falar do actual representante dos reis de Portugal é recordar o grito lendário de Almacave, em Lamego, do século XII: «O Rei é livre e nós somos livres. E foram as nossas mãos que nos libertaram.» Devido aos seus ascendentes, mais de um milénio da história da humanidade gravita na sua acção e mensagem e nas suas raízes pessoais. Emergindo da humanidade universal, Dom Duarte apresenta-se ao mundo como o herdeiro de uma história de 900 anos, onde reconhece grandes acertos e erros. Como este livro mostrou, sabe exaltar as Descobertas, a Lusofonia, o Património Cultural, o Missionarismo Cristão. Sabe, ao mesmo tempo, pedir perdão pela conversão forçada e expulsão dos judeus, a escravatura, e a expulsão dos jesuítas. Esta memória reconciliadora é rara em figuras públicas e merece ser sublinhada. Como Dom Duarte repete, com o seu fantástico sentido de humor: «Já houve quem dissesse que eu era uma espécie de Torre de Belém com fato e gravata!»

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Como esta biografia também mostrou, a vida de Dom Duarte tem raízes... no futuro. A referência à monarquia no início do século XXI parecerá a alguns anacrónica...! Mas quantos previram a queda do Muro de Berlim em 1989? Ou que a União Soviética iria ruir

em 1991?1 Que a América dominaria a Mesopotamia em2003? Monarquia... Será uma concepção assim tão louca? Será que pertence mesmo ao passado? Porque será que o jovem século XXI português a pode reivindicar? Em vez de escutarmos os deterministas que há poucos anos recomendavam o «fim da história» e agora obrigam ao «choque das civilizações», é mais correcto sentir que estamos no limiar de um novo ciclo em que o Estado está a mudar, em que «os problemas são globais, mas as soluções são locais». E Portugal sempre teve soluções porque «Portugal é um acto de vontade». Como escreveu Dom Duarte, «não há imposições, espartilhos políticos ou construções artificiais - mesmo etiquetadas de realismo político - que resistam à força indomável da vontade dos Povos».Em Maio de 2006, o Ministério dos Negócios Estrangeiros, com base em parecer do seu Departamento de Assuntos Jurídicos, solicitado pelo então ministro Professor Diogo Freitas do Amaral, estabelece que «o Estado Português reconhece, de acordo com aquele direito consuetudinário, que a Casa Real de Bragança e o seu chefe, o Sr. D. Duarte Pio, Duque de Bragança, são os legítimos sucessores dos Reis de Portugal. A esse reconhecimento associa-se o reconhecimento tácito das restantes Casas Reais do mundo.»Com base jurídica incontornável porque baseada na doutrina da Carta Constitucional de 1826 que estatuías «regras consuetudinárias da sucessão dinástica» - presentes no parecer de 1932 do Dr. José Augusto Vaz Pinto - o documento estatal de 2006 aprofunda ainda o reconhecimento de Dom Duarte como legítimo herdeiro da Casa Real Portuguesa pelo «reconhecimento histórico e da tradição do Povo Português»; e pelo «reconhecimento tácito das restantes casas reais da Europa e do Mundo com as quais a legítima Casa de Bragança partilha laços de consanguinidade».Com base nesse reconhecimento, o Estado confere a D. Duarte representatividade política, histórica e diplomática uma vez que os duques de Bragança, sem qualquer suporte financeiro do Estado para os serviços prestados em nome de Portugal, «são várias vezes enviados a representar o Povo Português em eventos de natureza cultural, humanitária ou religiosa no estrangeiro, altura em que lhes é conferido o passaporte diplomático».Em toda a sua actuação, Dom Duarte tem-se mostrado o representante legítimo e incontestado da Coroa Portuguesa, o actualizador da reconciliaçãoNota: Houve excepções: Helène Valéry d’Encausse, Emmanuel Todd e Andrei Amalrik

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operada por seus pais entre os dois ramos da dinastia de Bragança. A sua formação doutrinária e prática foi muito valiosa. Prestou serviço militar ao país, em hora de necessidade. Soube criar para si um papel no quadro da democracia portuguesa, defendendo causas nobres e mostrando capacidades de liderança. Revitalizou «a ideia régia», mostrando que a monarquia ou é democrática ou não é monarquia. Deu-lhe visibilidade através do casamento com descendência. Soube projectar Portugal para além do espaço europeu como o arauto da lusofonia. A sua persistência no apoio a Timor foi recompensada. A sua fé pessoal permite-lhe ser um cristão ecuménico, digno herdeiro dos «soberanos das três religiões». Deu provas de que tem um projecto para Portugal no século XXI. O Povo português dirá se ele poderá ou não ser o reconciliador nacional e se o seu projecto é possível.Diz Dom Duarte: «Penso que é possível. Que seria desejável. Que seria bom para o país. Digo-o em termos plenamente objectivos. Em primeiro lugar, acreditando, como acredito,

nas vantagens para uma comunidade nacional e para a estrutura do Estado (no que respeita, designadamente, à sua simplificação e transparência) que resultariam da restauração da monarquia, não tenho dúvida nenhuma de que ela seria um bem para o País. Mas também, de tudo quanto já disse, resulta com clareza que me é completamente estranha a ideia de qualquer restauração que não passe pela via democrática. Só uma restauração desejada pelo povo e consagrada constitucionalmente pela deliberação dos seus representantes é concebível.»Nota: GONZAGA, 1995

POSFÁCIO

Num momento em que Portugal tanto procura o seu lugar no mundo, é de extrema importância apostar no futuro, chamando a atenção para a Instituição Real como suporte de uma identidade nacional aberta ao serviço à humanidade.Como demonstra esta biografia política «Dom Duarte e a Democracia», redigida pelo meu amigo e companheiro de ideias Mendo Castro Henriques, um rei, para além da personalidade que tem, é um valor intrínseco de base indispensável à continuidade democrática e à existência da comunidade. E hoje, e para nós, a personalidade de Dom Duarte, apresenta-se como tendo raízes, história e sentimentos comuns a todos os portugueses; constitui a «Pátria com figura humana».O Povo, as instituições e a criseO Povo português, ao consentir na implantação da República, deve ter cometido um dos mais graves erros da sua história. Perturbado e atónito perante o regicídio, crime organizado por um complot de mais de três dezenas de importantes individualidades políticas, aceitou com a República a abertura de uma crise institucional que se tem vindo a agravar até aos nossos dias. Sem o regicídio não teria sido possível o Cinco de Outubro e talvez Portugal enfileirasse hoje ao lado das democracias coroadas e desenvolvidas da Europa.A crise das instituições tornou a vida política desligada do país real e por isso mesmo tortuosa e labiríntica. Por isso, o povo descrê da política e não acredita no futuro do seu país. Vive em permanente pesadelo: quando julga ter conseguido apanhar o belo fruto da árvore carinhosamente cultivada, acorda e verifica estar de costas, caído no chão.

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O 25 de Abril, para muitos, permitiu acalentar a esperança de que, finalmente, se poderiam colher os frutos da árvore. Era o reencontro de um caminho há muito perdido. Caminho longo que haveria de se encetar sem demoras. Mas a crise das instituições é um facto palpável e visível por mais que não a queiram admitir alguns políticos do 25 de Abril interessados em repetir os erros cometidos pela I República que motivaram a II República.É ao Povo que compete realizar as transformações necessárias nos diferentes níveis em que se organiza a nação (municipal, regional insular e nacional). A vontade popular é livre quando conscientemente expressa em raízes profundas que a inserem na história e nos condicionalismos geográficos resultantes da humanização do território.Só construindo uma economia ao serviço duma política de valorização nacional se poderá debelar a crise económica e financeira. Essa política deverá procurar melhorar a qualidade de vida da população, promover o povoamento harmónico do território e desenvolver a

agricultura e a indústria, nunca perdendo de vista, como condição essencial, a dignificação e liberdade da pessoa humana, o direito à vida, à saúde e à cultura de todos e a afirmação e autonomia das famílias e das comunidades em que o povo se organiza.Política agrícola e ruralidade; pessoa humana e vida comunitária; autonomia regional e descentralização; desenvolvimento e qualidade de vida; recursos e povoamento serão os binómios que deverão nortear uma política de desenvolvimento.2. As transformações necessáriasMudar de vida não deve dizer respeito apenas ao actual estado de coisas, terrivelmente corrosivo do edifício democrático, mas sim a uma nova forma de encarar todos os graves problemas que afectam profundamente a vida nacional e que estão na base da actual crise política. É necessária uma transformação cultural e moral profunda.A crise não é exclusivamente económica e financeira. A crise, é, principalmente, política, cultural e institucional, comprometendo, entretanto, o futuro dos Portugueses, que, por isso, descrêem hoje da vida política e até do próprio Estado, porque não se sentem participantes nem beneficiados pelo processo económico de crescimento que lhes tem sido imposto.Hoje apenas uma pequena camada da população beneficia das vantagens e sofre os caprichos de uma incipiente sociedade de consumo cuja existência e exigências perturbam o desenvolvimento geral do País.

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As ideologias universalizadas substituíram os laços comunitários pela camaradagem abstracta na edificação de um projecto mundial sem ser necessária a contribuição nacional. O amor pela terra e a construção e transformação laboriosa das paisagens foram substituídos pela integração forçada das populações num planeamento exclusivamente quantificado e simplista.Estamos, dia após dia, a destruir a solidariedade entre os Portugueses e a ideia de pátria.Os Portugueses, hoje, apenas se encontram patrioticamente no futebol, vibrando com as vitórias obtidas nas competições internacionais. Para além do desporto, já não se vibra com qualquer outra conquista alcançada pela comunidade nacional.Os laços próximos de amizade e de sangue ainda perduram e ligam os Portugueses, a religião ainda une muitas comunidades, mas são as generalizadas ideologias vazias de programas e de ideias concretizáveis que vão ocupando o lugar do amor pela pátria, do respeito pela história, do interesse pelas comunidades próprias.A defesa da Constituição afirma-se por motivos ideológicos, afastados da realidade e do interesse nacional, não chegando, por isso, a mobilizar vontades e a justificar sacrifícios.É necessário, quanto antes, mudar de vida para que se verifique a recuperação deste País como nação e pátria.É impossível mudar de vida sem permitir que as comunidades recuperem a sua forma cultural própria, através duma nova divisão político-administrativa, que permita e fomente aquela recuperação. A nova divisão político-administrativa deverá ir ao encontro, por um lado, da realidade cultural e histórica do País e, por outro, permitir a melhor utilização dos recursos naturais e humanos, contribuindo assim decisivamente para a melhoria da qualidade de vida de todos os Portugueses. É preciso que a região-plano e a região-natural se fundam numa só.Exige-se a transformação tranquila do país positivista no país real.

Para além da profunda crise cultural e moral, atravessamos, desde há 95 anos, uma grave crise institucional, que resulta de não termos ainda possibilitado a evolução normal das instituições históricas que construíram e representam a pátria. A realeza foi afastada pelo golpe militar de 5 de Outubro, o municipalismo foi comprometido pelo liberalismo, o parlamentarismo foi repudiado pela II República. Com que ficámos?

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3. Portugal, a Europa e o MundoA cultura europeia assenta na liberdade e dignidade da pessoa humana e na afirmação das comunidades históricas que constituem a Europa.É a diversidade das culturas que caracteriza e define a unidade da Europa e constitui a sua força e dimensão humanas. Multiplicidade cultural estabelecida e enriquecida por uma teia complexa de relações históricas e alicerçada na «ruralidade» cuja expressão erudita, conquistada na Uberdade, é consequência e fonte daquela.Quanto mais se afirmarem as culturas das nações dos povos que constituem a Europa, mais necessária e importante para o mundo será a sua defesa. Defesa que sem essa afirmação cultural não faz sentido.Se uma aliança militar tem por fim, como no caso da NATO, a defesa, é porque tem algo a defender. Esse algo é, sem sombra de dúvida, a cultura, que, nascida na Europa, transbordou para as margens do Atlântico, para a África e para o mundo.Portugal não pode, portanto, prosseguir na sua política de desenvolvimento económico sem atender à sua própria cultura e à promoção da sua população, sem comprometer, gravemente, toda a estratégia do Tratado do Atlântico. A afirmação e defesa da sua ruralidade, o desenvolvimento de uma agricultura diversificada e de uma indústria que garantam a melhoria da qualidade de vida do povo português são, portanto, fundamentais para que haja uma contribuição positiva de Portugal para a defesa da Europa.A Aliança Atlântica alicerça-se na democracia e na liberdade e muito especialmente nas monarquias europeias como formas humanas com cultura própria, indispensáveis à evolução do espírito e da cultura.A estrutura militar é indispensável, a acção económica é insubstituível, mas não faz sentido defender a Europa e o Atlântico em termos puramente económicos ou militares.A defesa militar e a economia terão de ser a consequência da revalorização permanente dos valores humanos e culturais que são a verdadeira substância da nossa civilização.A defesa da pessoa humana e da «terra» como expressão das comunidades que nela vivem e trabalham e como suporte da sua cultura e futuro, está perfeitamente justificada sempre que a Europa existir como unidade cultural baseada na liberdade dos povos e nações que a constituem.

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O Povo português foi-se individualizando ao longo da História, agarrado a um território exíguo. Construiu, no entanto, um espaço próprio para viver à custa do trabalho e do saber acumulado de muitas gerações.Essa independência deve-se, em grande parte, à vontade dos Portugueses de serem livres, ao facto de terem criado uma Cultura e Civilização próprias e um Estado forte intimamente relacionado com aquela vontade.

Também, para essa independência contribuiu a importância estratégica da orla marítima atlântica e dos arquipélagos dos Açores e da Madeira.Portugal, entalado entre a Espanha e o Atlântico, estaria condenado a ser absorvido por um espaço geográfico e económico mais importante se não tivesse tido, ao longo da sua História, um Estado forte que, apoiando-se numa situação geográfica privilegiada, garantia a independência e desempenhando importante papel civilizador no Mundo.É como Estado periférico que Portugal se consegue afirmar atlântico e não ibérico, apesar de a Europa continuar a ser a fonte donde provém a nossa Cultura e a Hispânia a mãe donde nascemos.Temos conseguido resistir à atracção ibérica. O próprio ideal republicano, que nasceu defendendo a integração de Portugal numa Federação de repúblicas ibéricas, não conseguiu impor tal objectivo aos Portugueses, dado o arreigado patriotismo destes e a vontade de constituírem uma Nação independente.O facto de não possuirmos um espaço económico importante não nos poderá fazer desprezar a herança e abandonar o papel civilizador que temos vindo a desempenhar no Mundo. O materialismo mercantilista que ainda impera na comunidade europeia, contrariando a existência da Europa das Pátrias, impede-nos de aceitar uma integração baseada exclusivamente em razões de mercado.Também, por outro lado, não nos devemos prestar a ser um «trampolim» de que certos interesses económicos e financeiros dos países europeus mais desenvolvidos industrialmente se venham a servir para penetrar nos novos países africanos de língua portuguesa. Mas, pelo contrário, devemos contribuir, com a nossa actividade, para que a cultura europeia consiga, através da nossa, continuar um diálogo frutífero com os novos Estados africanos, contribuindo assim para o seu desenvolvimento e bem-estar das populações.4. Dignificar as InstituiçõesPara recuperar Portugal, é necessário o que a muitos parece impossível: reatar a continuidade perdida. É trabalho principalmente da juventude.

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A I e II Repúblicas acabaram sem terem conseguido refazer a esperança do Povo Português num futuro digno e garantir melhores condições de vida para a generalidade da população.A III República, nascida dum movimento a que o Povo deu todo o seu entusiasmo - movimento bem diferente do golpe de 5 de Outubro de 1910, sem assassinato do chefe de Estado - está a cair nos mesmos erros das duas primeiras, não permitindo a evolução das instituições mesmo quando esta é exigida pelo interesse nacional.A profunda reforma do Estado está travada por preconceitos, suspeições e pelo próprio anquilosamento das instituições.Conseguiremos garantir a nossa independência e o progresso, com o regime republicano, que põe em causa os valores essenciais, a continuidade e a estabilidade do próprio Estado, especialmente antes, durante e após as eleições presidenciais?O exemplo do Povo espanhol, que restaurou a Monarquia Constitucional, garante da democracia e da sua liberdade, não será um exemplo a seguir?Não se trata de negar a história da República nem as suas realizações positivas que pertencem ao património comum dos Portugueses; trata-se, antes, de acertar o passo com as realidades da hora que passa, e vencer, da maneira mais eficaz, as dificuldades do Mundo

de hoje; trata-se do futuro de Portugal e da Democracia.Muitos ainda julgam que a Monarquia tem uma certa disposição para ser um instrumento de conservadorismo social. Hoje, pelo contrário, verifica-se que as monarquias não representam nenhum obstáculo ao desenvolvimento dos mais avançados programas políticos e sociais, e que muitas repúblicas apresentam até um carácter mais conservador e estático.A necessária reforma profunda do Estado deve merecer dos Portugueses um momento de reflexão, nas vésperas das eleições presidenciais.A questão do regime, que muitos pretendem levianamente ocultar, está posta em causa, quer queiramos quer não.O governo do Povo não se pode concretizar sem instituições que garantam que um número limitado de pessoas possa legítima e permanentemente assegurar a representação popular e o executivo que desta imane.A existência de partidos é, na actualidade, essencial para a ordem democrática. Verificamos, ao longo da História, que sempre existiram partidos. Formavam-se à volta de pessoas, confissões religiosas, dinastias e, também, por motivações sociais e económicas. Eram, no entanto, explosões temporárias e acidentais que não deixaram, contudo, de ter enorme importância na evolução da sociedade.

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No entanto, os partidos são hoje indispensáveis ao normal funcionamento dos Parlamentos e, portanto, da Democracia. Como são órgãos permanentes da política, os partidos deverão ser estáveis e organizarem-se à volta de programas bem definidos.A actividade dos partidos deve nortear-se pelo cumprimento dos respectivos programas, que, segundo o partido, por um lado, respondam melhor às necessidades políticas do dia-a-dia e, por outro, formulem reformas indispensáveis ao desenvolvimento do País. Mais do que as pessoas que militam e dirigem partidos políticos, são os programas e propostas concretas que devem estar em causa e serem apreciados pelo eleitorado.Os partidos não devem procurar ocupar o Estado, isto é, partidarizá-lo de tal maneira que os lugares de gestão se confundam com os lugares políticos. Os partidos perdem a sua legitimidade democrática quando pretendem substituir o Estado, dando então lugar a oligarquias ferozmente instaladas no poder e a clientelas ávidas de conseguirem viver à sombra do orçamento.O Parlamento da III República sofre de muitos dos defeitos de estrutura e funcionamento que foram apontados aos parlamentos dos últimos anos do liberalismo e da I República. Falta de aprofundamento dos problemas, ausência duma fiscalização eficaz dos grandes empreendimentos, perda de tempo na discussão de casos de menor importância.O Parlamento e as assembleias municipais e de freguesia são órgãos cujo funcionamento eficaz é indispensável ao desenvolvimento da Democracia. O Parlamento e o Governo ocupam o centro da vida política, em cada momento, enquanto o chefe de Estado garante a continuidade do poder - é este um dos muitos aspectos em que o regime monárquico é mais vantajoso do que o republicano -, a independência dos Tribunais, das Forças Armadas e do corpo diplomático.A política tem sempre de assumir o curto prazo mesmo que procure, por reformas sociais e pelo desenvolvimento, conquistar o futuro. Para isso, há que adaptar o Parlamento às circunstâncias do nosso tempo, visto que da resolução de muitos problemas depende a

sobrevivência e a dignidade das sociedades.5. A Monarquia? Desejável e possível.A restauração da monarquia constitucional no nosso país é necessária, pelo que é possível.

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Há razões estratégicas, derivadas da situação internacional, e profundos motivos sociais e culturais que justificam ser de grande interesse, para o futuro de Portugal e para o desenvolvimento da democracia, a restauração da realeza.A economia da grande maioria das nações tem hoje de se integrar em espaços mais vastos e de maiores recursos. A independência dos povos históricos depende, por conseguinte, da afirmação que fizerem, em termos de instituições, de cultura e de educação, das suas raízes históricas e da maneira própria de ser e de estar no Mundo.Se repararmos, a maioria dos Estados da União Europeia da nossa dimensão, ou mesmo superior, com marcadas culturas ancestrais, são monarquias constitucionais e democráticas.A Espanha, ao reconquistar a democracia e um lugar fundamental na Europa, não se esqueceu de restaurar a monarquia em toda a sua plenitude constitucional, nacional e cultural, como símbolo da unidade na diversidade de nações e garantia da democracia e da liberdade. Hoje, a Espanha está lançada para o futuro como grande comunidade e importante Estado.Se o Povo português não quer vir a ser «absorvido» pelo vizinho ou pelo capitalismo europeu, em termos culturais, sociais e económicos, e não quer ver diminuir o seu prestígio no mundo, passando apenas a ser considerado como um espaço amorfo da Península Ibérica ou um simples território de parcos recursos físicos, terá de apelar para a sua História, para os seus valores culturais e sociais e para as raízes democráticas das suas instituições.A monarquia é, portanto, mais que uma necessidade, um dever patriótico desta geração.O problema para aqueles países que ainda são repúblicas e já foram monarquias consiste em saber como transitar para a realeza. Como fazer a monarquia dos tempos próximos?Só a vontade do povo expressa democraticamente poderá legitimar a transição para a monarquia e desenvolver subsequentemente um sistema democrático e parlamentar com sentido social.Os limites materiais da actual Constituição impedem qualquer alteração à forma do regime e constituem, quando interpretados à letra, uma afronta à liberdade de decidir do povo português.Como fazer então?Só o representante da dinastia histórica poderá quebrar a teia de artifícios antidemocráticos, de artimanhas e preconceitos que tolhem a vontade do povo português.

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Quando for julgado oportuno, o actual representante da História viva e do Povo na continuidade da dinastia não poderá deixar de prestar um grande serviço a Portugal, propondo-se à livre escolha dos Portugueses.A via democrática e a necessidade de se garantir o futuro de Portugal devem portanto presidir à transição em Portugal para a monarquia do futuro.

Gonçalo Ribeiro Telles

SEGUNDA PARTE

DOCUMENTAÇÃO

A MONARQUIA NA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

«Monarquia... República... Oh, a balbúrdia ignóbil dos mitos que nada exprimem!»António Sérgio

Da Constituinte a 1982

Uma Constituição reflecte sempre o compromisso entre as forças políticas existentes nos momentos em que é elaborada ou revista. Neste sentido, a Constituição Portuguesa de 1976 determinou, no seu próprio texto, como e quando pode ser modificada, indicando os limites dessas mudanças. Os deputados constituintes de 1976 chamaram a estes preceitos intocáveis «Limites Materiais da Revisão» e consagraram-lhe um artigo, o artº 290º (actualmente o artº 288º) segundo o qual «as leis de revisão constitucional têm de respeitar» uma série de preceitos. Eram, assim, intocáveis, em futuras revisões, a independência nacional e a unidade do Estado, a separação das Igrejas do Estado, os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, a planificação democrática da economia, o princípio da apropriação colectiva dos principais meios de produção e solos, bem como dos recursos naturais e a eliminação dos monopólios e latifúndios, a participação das organizações populares de base no exercício do poder local e, além de outras normas, a forma republicana de governo. Coexistem aqui três tipos de normas: as que consagram limites materiais que correspondem a princípios democráticos consagrados; outras que se referem à «Constituição simbólica»; e outras ainda que visam cristalizar o regime, bloqueando qualquer evolução e modernização da sociedade portuguesa

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A evolução da vida política e a democracia da sociedade civil foram revogando, pelo desuso, o espartilho das normas constitucionais da Constituição de1976 referentes ao socialismo obrigatório e tutelado pelo MFA. A sociedade de inspiração marxista passou para um Portugal de economia aberta, uma democracia parlamentar e membro da União Europeia, sem descurar os países lusófonos e as responsabilidades no âmbito da Aliança Atlântica. E como as normas constitucionais devem resultar do máximo consenso da comunidade e não ser ditadas de cima para baixo, isto é, do aparelho de poder para a sociedade, os representantes da nação acabaram por eliminar, desde 1982, alguns dos limites materiais. Como as revisões constitucionais dependem da balança de poderes do sistema político português, onde prevalece o bipartidismo, o texto constitucional foi sempre alterado com base em acordos; em 1982 entre a AD e o PS e, em 1989, entre o PSD e o PS.A existência de limites materiais de revisão induz práticas de constitucionalidade duvidosa: eleva programas partidários a ideologia de Estado e atesta menoridade política a futuras gerações. Em particular, o limite material da forma republicana de Governo exprime uma

norma cada vez mais inaceitável em democracia. O republicanismo é um princípio político que foi absorvido pela democracia. A história veio mostrar que não é na forma republicana ou monárquica que reside a bondade ou maldade dos regimes. São as monarquias europeias os melhores exemplos de democracia actual e foi graças à Monarquia que a Espanha fez a sua transição democrática.Estas posições e avaliações transpareceram nos debates e trabalhos da Assembleia da República desde 1975. Nelas participaram não só os deputados do PPM, como ainda independentes, republicanos ou monárquicos, nos grandes partidos. Todos exprimiam em sede de revisão constitucional ou noutras oportunidades, os anseios e os protestos de muitos cidadãos. Desde 1977, houve vozes a preconizar o instituto do referendo para ultrapassar a forma republicana de Governo como limite inultrapassável por qualquer revisão do então artigo 290º da Constituição. Em 1977 Olívio França (PSD) considerava José Luís Nunes (PS) como um dos monárquicos com quem se poderia contar para a defesa das liberdades.1 Em 1979, o deputado Cunha Leal (IND) vinha suspeitar que a inclusão do PPM na AD, ao facultar-lhe o acesso à Assembleia da República, trazia a questão monárquica.2Com a entrada do PPM na AR, as referências à monarquia tornaram-se regulares. Quando em sessão de 31 de Janeiro de 1980, Luís Coimbra (PPM) vem prestar homenagem aos homens de 1891, lembra que, para João Chagas, foi a

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indignação provocada pelo Ultimato «... a causa única do movimento revolucionário do Porto». As figuras impolutas do alferes Malheiro, Basílio Teles, Sampaio Bruno, Alves da Veiga, Miguel Verdial e Santos Cardoso, acreditavam que a implantação da República seria a melhor maneira de redimir a Pátria da inépcia de muitos dos políticos de então, tantas vezes assacada aos «excessos» de liberdades que a monarquia constitucional proporcionara. Era uma triste ilusão! Passados17 anos e em nome dos seus ideais, um chefe do Estado e um grande português - el-rei D. Carlos - seria assassinado e, após mais 17 anos de república, Portugal veio a sofrer o mais longo período de ditadura da sua história de oito séculos de liberdade. «A todos os adversários ou até mesmo aos nossos aliados que estão convictos dos seus ideais e da grandeza das suas intenções, como era o caso dos revolucionários do 31 de Janeiro, nós, populares monárquicos, manifestar-lhes-emos sempre a nossa consideração, já que é também pelo seu exemplo que cimentamos a certeza da razão do nosso combate, por um Portugal mais livre, mais justo, mais próspero e mais universalmente português.» Ao voto associou-se Sousa Tavares (Indep.) lembrando as palavras de António Sérgio: «Monarquia..., República... Oh, a balbúrdia ignóbil dos mitos que nada exprimem!».A 11 de Dezembro de 1980, estavam ao rubro Camarate e as eleições. Após evocar Sá Carneiro e Amaro da Costa, diz Borges de Carvalho (PPM) «As eleições presidenciais do passado dia 7, tanto para os eleitores do candidato vencedor como para os do vencido, consistiram na escolha do mal menor. E se, por respeito para com a maioria dos parlamentares desta Assembleia, que não é monárquica, não nos move, nesta sede e neste momento, o intuito de fazer a crítica da forma republicana da chefia do Estado, não podemos deixar de referir quão triste é a circunstância da triste escolha de um mal menor.»Fizera-se o acordo entre a AD e o PS para a extinção do Conselho da Revolução. Salgado Zenha refere que a acção do Conselho é susceptível de crítica, mas também de louvor. E, neste contexto, adianta: «Não se pode chegar ao absurdo de se dizer que todos os Órgãos de

Soberania que não são eleitos não são democráticos, pois então tem de se tirar a conclusão de que todas as monarquias europeias não são democráticas.» Há órgãos não eleitos que podem ter função democrática. Mas sendo a Aliança Democrática e o general Soares Carneiro «partidários da manutenção de uma estrutura semipresidencial, defendem «a concentração totalista de todos os poderes do Estado na Assembleia da República, o que significa uma espécie de doença política que é a «parlamentarmente».» Responde-lhe Ferreira do Amaral (PPM) que as forças monárquicas são por coerência e desde sempreNota: 1980-01-31 e 1980-02-01

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parlamentaristas. A representação parlamentar é a mais genuína, pois doseia as forças políticas de forma que corresponde às tendências do eleitorado, o que não acontece em relação à eleição para chefe do Estado. Assim, o PPM entendia que o regime político ideal para a Europa livre, que Portugal buscava, é o sistema parlamentar.Nota: 1II 1980-1241 e 1980-12-12

Em votação da moção de confiança ao Governo a 22/01/1981, Borges de Carvalho defendia que os acontecimentos davam, infelizmente, razão ao PPM que não assinara o Pacto MFA-Partidos; denuncia essa porta aberta para a ditadura e a Constituição de 1976 por conter princípios contrários ao pluralismo e à alternância democrática. E se Portugal, passados quase sete anos sobre o 25 de Abril, ainda discutia a institucionalização da democracia, a evolução democrática espanhola mostrava o papel decisivo desempenhado pelas instituições monárquicas - nomeadamente a intervenção do rei João Carlos contra Tejero. Em contrapartida, «a chefia do Estado, em república, negando àquele cargo a independência, o desinteresse político, o apartidarismo, a altura, enfim, que deveria ter, acarreta, paralelamente, a tentação dos sonhos de poder pessoal».Nota: 2II 1981-01-22 e 1981-01-23

Registando as intenções democráticas do PS, espantava-se com a «acérrima defesa do socialismo obrigatório e constitucional», designadamente a defesa do artigo 290º da Constituição por Mário Soares. E concluía: «Nós, deputados populares monárquicos, hoje e aqui declaramos solenemente a nossa oposição frontal ao artigo 290º da Constituição ou a qualquer outro que, com o mesmo espírito, venha a ser proposto para o substituir.»Nota: 3II 1981-01-22 e 1981-01-23

A 25 de Abril de 1981, discursa Borges de Carvalho que «a história destes sete anos é a história de todo um povo, das suas comunidades vivas e plurais, da sua vontade de ser livre. É com uma profundamente sentida palavra de homenagem ao povo português que iniciamos a nossa intervenção neste sétimo aniversário do golpe libertador do 25 de Abril.» Apoiando a proposta da AD de revisão do texto constitucional, salientava que o PPM só aceita como independente o rei, «só o rei é sereno». Por isso, no plano político, dessolidariza-se da chefia do Estado republicana e chama a atenção para o exemplo das monarquias europeias, com uma palavra de justa admiração e respeito pelo papel da monarquia espanhola na defesa da democracia.Nota: 4II 1981-04-25 e 1981-04-27

Em reunião plenária de 12 de Outubro de 1981, o presidente Leonardo Ribeiro de Almeida teve dificuldade em conter os ímpetos da alguns parlamentares

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contra o tempo de antena na televisão do PPM apresentado no 5 de Outubro. Em declaração política, Herberto Goulart (MDP/CDE) condenou a utilização desse tempo de antena, respondendo de forma intempestiva a pedidos de esclarecimento de Portugal da Silveira e Luís Coimbra (PPM), Sousa Tavares e Silva Marques (PSD) e Mário Tomé (UDP). Ainda a este propósito, Raul Rego (PS) protestou contra alegações de Sousa Tavares (PSD), a que este respondeu em contra-protesto. Almeida Santos (PS) respondeu a pedidos de esclarecimento e a manifestações de solidariedade de Barrilaro Ruas (PPM), Sousa Tavares (PSD), Carlos Brito (PCP), Mário Tomé (UDP), Lopes Cardoso (UEDS) e Oliveira Dias (CDS).A 03/02/1981, Barrilaro Ruas (PPM) voltava à carga sobre o significado nacional do 31 de Janeiro. No calendário, o dia é seguido pela data do regicídio. «E houve momentos em que o conflito dos dois patriotismos - o que se revia na Restauração do 1º de Dezembro e o que a repudiava - se tornou sangrento e fratricida. Sucessivamente, o 31 de Janeiro de 1891, o 1º de Fevereiro de 1908 e o 5 de Outubro de 1910 provaram a força das ideias e que essas ideias, quando se transformam em ideologias, são inimigas das pátrias e dos homens.» Reiterava a sua homenagem àqueles que, no 31 de Janeiro, se sacrificaram a um ideal e àqueles que, carregados de história, caíram no Terreiro do Paço.À medida que se aproximava a oportunidade da revisão constitucional, a Aliança Democrática debatia a necessidade de desprogramatizar e desideologizar a Constituição. A 11/06/1981 Barrilaro Ruas (PPM) defende que a Constituição adopte formas de democracia directa de natureza referendária. Borges de Carvalho coloca a opção entre a democracia pluralista ou socialismo obrigatório. António Vitorino (UEDS) responde a Borges de Carvalho que a Frente Republicana e Socialista quer uma alternativa democrática e progressista ao poder liberal-conservador da AD e há uma ideia fundamental da Constituição que quer preservar: «é a República por muito que isso não agrade ao Grupo Parlamentar do PPM». E lança o repto se o PPM está ou não disposto a demarcar-se clara e inequivocamente de posições de monárquicos de direita. Em resposta, Luís Coimbra (PPM) declara que António Vitorino não pode confundir regime democrático com regime socialista. «Sr. Deputado, quero lembrar-lhe que, se existem fascistas entre monárquicos, olhe V Ex.a para os seus colegas republicanos, porque aí não só existem fascistas, como também comunistas, que, como sabe, são inimigos da democracia pluralista, tão defendida pela sua e pela minha bancada. Somos monárquicos e democratas, embora aceitemos que o Sr. Deputado possa tirar daí outras conclusões. Agradecia também que, quando falasse em Monarquia, não se esquecesse de que em 70 anos de República o nosso país já viveu 48 anos de ditadura debaixo da II República.»

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A Assembleia da República tinha figuras com arreigadas convicções antimonárquicas. A 12/01/1981 Raul Rego (PS) considera que a monarquia não representa nada, porque o povo português «desde há sessenta anos é republicano». Mas a 07/01/1982 lembrava que os franciscanos, no final da monarquia, com a Voz de Santo António, proibida em Maio de

1910, defendiam a democracia no velho regime, contra a escola dos jesuítas do Mensageiro do Coração de Jesus. Acrescentava que o franciscanismo foi a fraternidade na Idade Média, e a fraternidade é o socialismo no nosso tempo, lembrando Alves Correia e Jaime Cortesão, que foi para o túmulo com o hábito de S. Francisco de Assis.Outras vezes, o debate decaía para as questões do momento. Estava ao rubroa actuação do sindicato Solidariedade na Polónia. Após Portugal da Silveira (PPM)declarar que ninguém perguntou ao povo se queria ou não monarquia em Portugal,António Mota (PCP) respondia-lhe que, reis em Portugal, jamais virão, porque«rei cheira a bolor». «A monarquia, Sr. Deputado, é um regime que já passou eque o povo detesta. É que enquanto os reis e os monárquicos viviam no luxo,essas populações viviam na miséria.» Em resposta, António Moniz (PPM) lembraque «já passou o tempo em que o senhor punha panos vermelhos sobre todos osmonumentos da cidade do Porto para tentar transformar o Porto num Kremlin vermelho. Mas também lhe digo que tomara a Polónia ter um rei e uma rainha quelhe garantissem a democracia». O equívoco era recorrente. Procurava-seempurrar a Monarquia para a antidemocracia, como ensinara a propaganda doEstado Novo. Concluía Borges de Carvalho (PPM): «Devo dizer-lhe que nenhumdos deputados do PPM aqui presentes precisava do aval de ninguém para, aquandodo 25 de Abril, ter a porta aberta em qualquer dos partidos democráticos.»As Revisões Constitucionais de 1982 a 2004A revisão constitucional de 1982 diminuiu a carga ideológica da Constituição, liquidando a tutela do MFA, extinguindo o Conselho da Revolução, criando o Tribunal Constitucional e flexibilizando o sistema económico. Em sede de revisão constitucional dividiam-se as forças entre a Aliança Democrática, que adaptava a Constituição a um regime democrático de tipo ocidental, baseado numa economia de mercado, e as forças de Esquerda, que queriam conservar os princípios do socialismo obrigatório.Um dos pontos quentes era os limites materiais da revisão da Constituição. Na revisão de 1982 foram mantidos. Estava também em causa introduzir o referendo. Pretendia-se legitimar pela lei ordinária o recurso ao referendo, quer a título consultivo, quer deliberativo. Para os deputados da AD, o referendo era

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compatível com a Constituição e reforçava as instituições da democracia representativa. As bancadas da oposição davam justificações diversas para recusarem o referendo. O PS considerava que o referendo visaria, por parte da AD, as questões de «revisão inconstitucional da Constituição» a UEDS declarou que a FRS propunha o referendo a nível local, mas que ele era perigoso a nível nacional; a ASDI aceita o referendo por uma questão de princípio, mas que era necessária uma pedagogia, pois o povo português não está preparado para optar num referendo popular. E o PCP afirmava que o tempo e o lugar não eram adequados à criação do referendo.A questão de regime - monarquia ou república - pairava sobre o instituto do referendo. Lopes Cardoso (UEDS) e Nunes de Almeida (PS) consideram que o referendo pode ser uma forma de subverter a Constituição. Para Luís Beiroco (CDS), o referendo constitucional ou de ratificação significava «não aceitar que uma maioria, que teve lugar num determinado momento histórico e num determinado circunstancialismo, possa deliberar, para todo sempre, sobre o futuro de uma determinada comunidade política». E

Borges de Carvalho (PPM) reiterava que desde a primeira hora, o seu partido recomendava o referendo para ultrapassar o artigo 290º da CR «que continua a ser uma monstruosidade». Concluía Luís Coimbra (PPM): «Nós estávamos dispostos, inclusivamente, a tratar dessa questão (dos limites materiais) nesta revisão da Constituição, embora, com certeza, vá haver outras. Portugal tem nove séculos de história, já teve vários regimes - um que, razoavelmente, durou oito séculos, outro que, em 70 anos deu, infelizmente,50 anos de ditadura.»Submetida à votação a proposta da AD de aditamento de uma nova alínea n) ao artigo 136º - referendo - registaram-se 98 votos a favor (do PSD, do CDS e do PPM) e 78 votos contra (do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP), sendo reprovada por não atingir os dois terços exigidos. Para António Vitorino, esta rejeição liquidava a possibilidade de «restauração referendária da monarquia». «A partir de agora só resta... o regresso sebastianista do rei a cavalo, numa manhã de nevoeiro». Vital Moreira: (PCP) congratulava-se com o fim do projecto golpista, antidemocrático e desleal de «uma revisão constitucional sob uma reserva mental de má fé para na próxima oportunidade voltarem à tentativa de alterar a Constituição da República mediante um golpe de Estado». Borges de Carvalho sossega Vital Moreira: «Propor candidatos à Presidência da República foi coisa que no PPM nunca fizemos nem faremos.» Luís Coimbra (PPM) lamenta que o recurso ao referendo popular não tenha sido aprovado. E lembra ao povo português que foram os partidos da oposição que inviabilizam ao povo português referendar a adesão à CEE! Em declaração de voto do partido, Sousa

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Tavares (PSD) declara que a partir desta votação, o referendo morreu em Portugal. Silva Marques (PSD) interroga-se sobre se tendo a República várias ditaduras em setenta anos, quantas não terá tido a Monarquia em oito séculos. Luís Coimbra contraprotesta que é lamentável para muitos republicanos que o regime em setenta anos tenha tido cinquenta anos de ditadura. Quanto à questão dos oito séculos, não penso que «estivéssemos muito atrasados em termos de poderes políticos em relação a outros países, nomeadamente da Europa. Se antes do 25 de Abril nunca nos recusámos ao diálogo com os nossos adversários, também agora não nos íamos com certeza eximir a essas situações.» Ironiza Almeida Santos (PS) que «na monarquia houve menos ditaduras. Houve uma só!» Responde-lhe Luís Coimbra: «Refere-se à ditadura que fez Portugal?»A 21/11/1985 Tito de Morais (PS) apresenta à Câmara um projecto de uma comissão eventual para as Comemorações do 75º Aniversário da Assembleia Constituinte e da Constituição da República Portuguesa de 1911 que declarara «para sempre abolida a monarquia e banida a Dinastia de Bragança» e que «A forma de governo de Portugal é a de república democrática». José Manuel Mendes (PCP) reitera que o princípio republicano faz parte integrante do regime democrático, embora reconheça que «vêm do triunfo liberal as raízes das liberdades civis e políticas, bem como as do governo representativo». Essa componente antimonárquica traduz-se na afirmação das regras da não vitaliciedade, da periodicidade e da renovação da investidura nos cargos públicos, com a necessária implicação do sistema electivo para apuramento da vontade popular. Essa «fusão da ideia republicana com a democrática» explica o artigo 290º, alínea b) da Constituição da República Portuguesa vigente que consagra irreversivelmente a forma republicana de Governo, apontando o imperativo da legitimação popular, directa ou indirecta, do

presidente da República, a existência de uma assembleia representativa, a realização de eleições periódicas dos órgãos do poder, a responsabilização dos executivos perante as entidades que detêm a representatividade das opções colectivas. Finalmente, permanecem, como símbolos nacionais, «A Portuguesa» (que fora estandarte do movimento antimonárquico) e a Bandeira verde e rubra da República.Luís Beiroco (CDS), apoiando a comemoração da proclamação da República, um ideal democrático que hoje é património de todos os democratas portugueses, contesta a visão do deputado do PCP: «O problema da monarquia/república é uma questão de forma de Estado, não uma questão de organização do Estado, pois que mesmo as monarquias que hoje subsistem na Europa estão todas enformadas pelos princípios democráticos que animaram os republicanos portugueses de 1911.»

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Vasco da Gama Fernandes (PRD) intervém a 09/06/1986 sobre o centenário do nascimento de três grandes figuras nacionais: Aquilino Ribeiro, Luís de Almeida Braga e o padre Alves Correia que «estimei igualmente, fraternalmente». Lembra como Carlos Malheiro Dias, monárquico, foi o primeiro que saiu em defesa de Aquilino Ribeiro, ou melhor, avisando o País e a cultura portuguesa da aparição sensacional do grande escritor. Diz sobre Luís de Almeida Braga: «Foi meu companheiro nas bancadas das defesas dos presos políticos nos tribunais especiais - os célebres plenários - e fez comigo a defesa de Henrique Galvão no Tribunal de Santa Clara. Pela sua compostura de grande dignidade cívica, merece o respeito dos republicanos, fosse ele monárquico ou deixasse de o ser.» Ribeiro Telles (Indep.) associa-se às palavras de Vasco da Gama Fernandes e à homenagem prestada, destacando «o patriota, o grande democrata, o defensor da Uberdade, o monárquico coerente e aberto que sempre foi Luís de Almeida Braga».A 29/01/1987, Borges de Carvalho (Indep.) aplaudido pelo CDS e por alguns deputados do PSD, aproveitando a efeméride do regicídio, propõe que a Assembleia repudie a violência política e homenageie D. Carlos: «Sobre o sangue derramado na calçada por D. Carlos e D. Luís Filipe de Bragança erigir-se-ia a República e, em cortejo, os seus anos de instabilidade e ditadura. Cortado brutalmente o fio condutor da evolução para formas superiores de liberdade e realização histórica, Portugal afastou-se, quase irremediavelmente, do progresso político das politicamente mais felizes nações da Europa.» Em nome do grupo de doze deputados, entrega um voto: «Na passagem de mais um aniversário do regicídio, a Assembleia da República exprime o seu profundo repúdio pela violência como forma de afirmação política, e homenageia o penúltimo chefe de Estado português do período do constitucionalismo monárquico.»Adiada a votação, Borges de Carvalho reclama em 03/02/1987 que o voto tem um horizonte temporal preciso. António Capucho, líder da bancada parlamentar do PSD, apoia a diligência, mas pronuncia-se contra um voto que não considera «totalmente inocente». «Sendo matéria do foro íntimo de cada um, penso que toda a Assembleia estaria disponível para, em abstracto, manifestar o seu profundo repúdio pela violência como forma de afirmação política. (...) Em relação à segunda parte do voto, sem prejuízo de muitas qualidades que reconheço ao penúltimo chefe de Estado português do período do constitucionalismo monárquico, não poderei homenageá-lo nessa qualidade.»Em resposta, Borges de Carvalho salienta que o voto liga uma efeméride da história de Portugal ao repúdio pela violência política. A Assembleia deve ultrapassar complexos.

Lembra que ele mesmo votou favoravelmente a comemoração do 31 de Janeiro. «Não se deve discutir a dignidade de cada um, a forma como

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encararam a sua missão histórica, a forma como morreram ao serviço daquilo que consideravam justo e certo. Em Portugal, ainda não se homenageou os mortos do Ultramar e, por que não, os que contra nós se bateram e no mesmo campo de batalha morreram.»Raul Rego (PS) chocado, considera que D. Carlos foi «o rei dos adiantamentos à Casa Real no valor de 4 milhões de contos de hoje». Se fossem propostos votos de protesto por cada assassínio real até hoje, tem muitas dezenas deles a fazer. E em resposta ao que acha uma provocação aos democratas da Assembleia da República, propõe um protesto contra o assassínio de Manuel Buissa [sic], Alfredo da Costa e Sabino da Costa pelas Forças Armadas, sem julgamento, no Terreiro âo Paço, no dia 1 de Fevereiro de 1908.Borges de Carvalho (Indep.) discorda de Raul Rego: «Não sei se as contas que apresentou estão ou não bem feitas» e lembra que a ditadura da II República foi republicana e não monárquica e que sendo da candidatura da CEUD, muito antes de 1974 «não tenho lições a pedir-lhe nem tenho de as receber de V. Ex.a, no que diz respeito à defesa da democracia em Portugal.» Também Raul Rego (PS) replica que não recebe nenhumas lições de democracia.Silva Marques (PSD) propõe uma alteração subtil ao texto: «Na passagem de mais um aniversário do regicídio, a Assembleia da República exprime o seu profundo repúdio por tal tipo de violência como forma de afirmação política, relembrando a este propósito o penúltimo chefe de Estado português do período do constitucionalismo monárquico.» Finalmente submetido à votação, com a nova redacção, o voto foi rejeitado, com votos contra do PS, do PRD, do PCP e de 2 deputados do PSD, votos a favor de 29 deputados do PSD, 7 deputados do CDS e Borges de Carvalho e Gonçalo Ribeiro Telles e com a abstenção do MDP/CDE, de 16 deputados do PSD, de 4 deputados do PRD e de 2 deputados do CDS.Frederico Moura e Ribeiro Telles (Indep.) entregaram declarações de voto escritas. Carlos Brito (PCP) declara os comunistas solidários com as gerações de republicanos que os precederam e justifica a votação negativa por entender que seria um péssimo caminho julgar os acontecimentos e as personalidades da História com os conceitos e os valores políticos de hoje. José Manuel Tengarrinha (MDP/CDE) justifica a abstenção por considerar este voto irrelevante e até absurdo. Repudia qualquer forma de violência como meio de afirmação política e declara-se contra «um soberano que era contra os ventos da História». Não foi desta que ficou redimido o assassinato do rei e do príncipe real.A 12/05/1988, Natália Correia (PRD) diz sobre a história do Parlamento português: «Permito-me, porém, sugerir que, a fim de focar na história do Parlamento

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português as suas raízes na cultura política e social da Nação, não sejam nessa obra esquecidas as instituições que poderão chamar-se a ”pré-história” do Parlamento e que recebiam mesmo este nome entre os de cúria e os de concílio nos mais antigos documentos. Refiro-me às Cortes, o órgão que levava junto do rei a voz dos súbditos. Ainda que, com um percurso atribulado, entrando numa existência pouco significativa a partir de D. João II,

não convocadas nos reinados dos monarcas investidos de poder absoluto, como D.João V e D.José, a impressão de que as Cortes representavam a nacionalidade aviva-se em momentos aflitivos como na crise do final da dinastia de Avis, do triunfo dos Filipes e da Restauração da Independência. Por isso, os teorizadores do Liberalismo pátrio captaram nessa instituição da velha monarquia a ”lei da terra”, no dizer entusiástico de José Liberato. E porque essa ”lei da terra” contém as sementes do moderno Parlamento a história que deste se fizer não a deve ignorar.»Em 1989 teve lugar a 2ª Revisão Constitucional. Nela se conseguiu a maioria necessária para mudar alguns limites materiais. O acordo entre os dois grandes partidos - PSD e PS - produziu os dois terços de votos para formar a Constituição mais indicativa de valores do que de princípios partidários. Deu-se maior abertura ao sistema económico, pondo termo ao princípio da irreversibilidade das nacionalizações efectuadas após o 25 de Abril.Verificava-se que em 1988 no Brasil fora aprovada uma emenda à Constituição, em resultado da qual uma consulta democrática se realizaria em 1993 para definir as futuras formas de regime e de governo. Em Espanha, e noutras democracias europeias, a monarquia continuava a revelar-se um esteio fundamental das respectivas sociedades. Neste contexto, António Sousa Lara (PSD) travou um combate na AR pela eliminação da alínea b) do artº 290º, o que possibilitaria a discussão, sobre o tema da integração nas Comunidades Europeias. Votando favoravelmente as alterações ao artº 290º da Constituição, Sousa Lara discordava do acolhimento constitucional de limites materiais de revisão, e em particular da alínea b). Submetido a votação, o artº 290º, passou com a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PSD, do PS, do CDS e da independente Helena Roseta e votos contra do PCP, do PRD, de Os Verdes e dos independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.No âmbito da campanha presidencial de 1990, travam-se de razões no Parlamento, a 28 de Novembro, Almeida Santos (PS) e Basílio Horta (CDS): o primeiro acusa o segundo de «falar com os monárquicos, que, naturalmente, querem instaurar a monarquia, embora, se fossem lúcidos, como eu desejava que fossem, soubessem que não vale a pena. (...) A posição deles, de fidelidade ao último dos

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Braganças, é bonita, mas nem o Salazar se atreveu a tirar-nos a República!...» Basílio Horta, que se assume como republicano, pensa que não tem sentido, hoje em dia, considerar o regime republicano como um limite material e pergunta: «Prefere viver na monarquia da Dinamarca, da Holanda ou na república do Pinochet, quando ele pontificava no Chile?»As revisões que se seguiram, em 1992 e 1997, vieram adaptar o texto constitucional aos princípios dos Tratados da União Europeia, consagrando ainda alterações referentes à capacidade eleitoral de cidadãos estrangeiros, à possibilidade de criação de círculos uninominais, ao direito de iniciativa legislativa aos cidadãos, reforçando também os poderes legislativos exclusivos da Assembleia da República. Resultou uma Constituição muito menos agressiva para importante parte dos portugueses, apesar dos restos de intolerância, de resistência à mudança e de sectarismo.Diz a Lei Fundamental que é o artº 288º, que diz ser inalterável «a forma republicana de Governo». Esta cláusula, que impede o povo português de se pronunciar democraticamente sobre o regime, é completamente inaceitável. Os referendos apenas se justificam em ditaduras ou democracias imperfeitas, pois em boa democracia é suficiente a votação em

plenário de deputados que são genuinamente representantes do eleitorado cuja vontade traduzem, mas que efectivamente não consultam.Ainda em 1991, ao abrigo da Lei de Petição, foi apresentada uma proposta de alteração do artº 290º pela revista Portugueses, de que era director Mendo Castro Henriques juntamente com Rodrigo Moctezuma e Augusto Ferreira do Amaral. Recolhidas 1300 assinaturas e entregue na Assembleia da República, foi-lhe atribuída a referência de Petição nº 109/VI (l.a). Em 27 de Maio de 1992 os proponentes são ouvidos em sede própria. Em diálogo com parlamentares e contra os argumentos de António Reis (PS) e Odete Santos (PC), argumentam que «a eleição democrática, directa ou indirecta, do chefe de Estado é o necessário coroamento do exercício da soberania popular, o fecho da abóbada do edifício do Estado democrático».No âmbito da revisão de 1997, debate-se uma vez mais o agora artigo 288º. Um numeroso grupo de deputados do PSD e do CDS/PP apresenta uma proposta de eliminação da alínea b), propondo a «forma democrática de governo» como limite material. Como diz Ribeiro da Costa (CDS/PP) o que «os portugueses - os democratas - esperam de nós é que saibamos aprofundar a democracia e não lhe coloquemos entraves, para que se consagre a liberdade plena». Para Pedro Cam

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pilho (PSD) trata-se de não pôr em causa decisões de gerações vindouras. Para António Galvão Lucas (CDS-PP) a defesa da forma democrática de governo é mais importante do que a forma republicana de governo.José Magalhães (PS) considera inaceitável que se elimine um limite material que faz parte do «código genético da Constituição». Para Luís Sá (PCP) a proposta de alteração aponta para uma ruptura constitucional. «É parte indelével da Constituição em vigor o facto de os órgãos de soberania deverem ser eleitos e que ninguém deveria ser titular de um órgão de soberania pelo facto de ter nascido de um certo pai e de uma certa mãe». E salienta outro aspecto: «A arquitectura institucional que existe em Portugal aponta para uma forma de governo mista parlamentar/presidencial ou para um regime semipresidencial. Aceito que há monarquias democráticas, mas eu acrescentaria: apesar da monarquia! (...) Exactamente porque o rei foi esvaziado de qualquer função significativa, limitando-se a desempenhar funções simbólicas e representativas.»Luís Queiró (CDS), sem defender directamente a monarquia, considera que não deve constituir limite material. Vieira de Castro (PSD), dizendo-se monárquico, mas respeitador do presidente da República enquanto o houver, esclarece que a ruptura constitucional é uma invenção. Trata-se de dar aos Portugueses o direito de seguirem os caminhos que muito bem entenderem, desde que democráticos. «Queremos trazer para a Constituição Portuguesa um princípio que está consagrado na Constituição republicana francesa desde 1793. Pode ler-se no seu artigo28º: ”Um povo tem sempre o direito de rever e reformar a sua Constituição. Nenhuma geração pode sujeitar as gerações futuras às suas leis”.»Para Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP), a proposta reforça as garantias democráticas da Constituição. O artigo 288º tem pouca legitimidade e é insólito em Constituições de países democráticos; é algo que só vem «no artigo 70º da Constituição do Gabão e no artigo 63º da Constituição do Burundi. Não é um exemplo de liberdade porque, desde 1793, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão garante a todas as gerações que não lhes

sejam impostas leis pelas gerações anteriores. Também não é um exemplo de rigor conceptual porque, na verdade, o que está em causa não é uma forma de governo, mas, sim, uma representação do Estado e da chefia do Estado. É disso que, efectivamente, se trata. Por último, não é um exemplo de rigor terminológico porque, desde logo, esta Constituição, aquando da sua aprovação, acabou com o termo ”Portugal”, ou seja, deixou de haver República».Também Pedro Roseta, declarando-se republicano, subscreve a proposta. «Parece-me que o que é essencial e não pode ser mudado na Constituição (...) é

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apenas aquilo que é anterior e superior ao Estado, o primado da pessoa humana e dos seus direitos, com todos os desenvolvimentos; as regras do jogo democráticas, e a independência nacional. A estes princípios ”sagrados” não se deve juntar mais nenhum; trata-se de respeitar a vontade de gerações futuras.»Medeiros Ferreira (PS) ironiza que já há muita presença de símbolos monárquicos na AR: o retrato do rei D. Luís e o trono vago, na Sala do Senado; a Sala D. Maria II e a estátua do rei D. Carlos. É interrompido pelo presidente da AR - Almeida Santos (PS) - que o esclarece que a transferência dos retratos dos reis para salas nobres da Assembleia teve por origem «a decisão unilateral e não influenciada de um republicano, que sou eu». Apanhado de surpresa Medeiros Ferreira (PS) considera que tais obras deveriam estar em museus públicos, e não povoar de forma arbitrária mas intencional o palácio do Parlamento.Moreira da Silva (PSD) vota contra a proposta porque a considera um sofisma: «Se o povo português entender que o regime republicano deve ceder perante o monárquico, não é o artigo 288º, alínea g), da Constituição que o impede. É um símbolo, ou se aceita ou não se aceita! Pessoalmente, aceito-o, com o regime republicano que temos!» Para Ribeiro da Costa (CDS-PP) isso seria subverter o próprio regime democrático e os princípios constitucionais: «Foi isso que o senhor agora aqui veio dizer, ou seja, que o povo pode sempre revolucionar, entrar em revolução! A democracia, se a Constituição o permitir, comporta formas de o povo exprimir as suas opiniões em cada momento!»Perante a insistência de Moreira da Silva de que a proposta «é um sofisma e uma hipocrisia!» e que, por detrás dela, está a subversão do regime republicano e a instauração de um regime monárquico, levantam-se protestos de Manuela Aguiar (PSD), Pedro Roseta (PSD) e Nuno Abecassis (CDS-PP). Nuno Abecassis, que nunca foi monárquico, afirma: «Não admito a ninguém que diga que assino um papel para pretender tornar posições sub-reptícias, sejam subversivas ou quaisquer outras.»Luís Sá (PCP) considera que os promotores da proposta têm objectivos políticos. «Com dúzia e meia de limites materiais, propõem a revisão de apenas um! E alguns dos Srs. Deputados republicanos, subscritores da proposta, deixaram instrumentalizar-se!» E conclui: «É evidente que há monarquias com formas democráticas de governo e com direitos, liberdades e garantias - é incontestável. E também há repúblicas que se transformaram em ditadura e que, por isso mesmo, para mim, deviam perder o nome de república.»...Mas «o problema que está em causa é algo muito simples: é dizer que esta Constituição deixa de ser a Constituição que é se matérias fundamentais como a forma republicana do governo for abolida.(...) Os Srs. Deputados consigam a vontade maioritária do povo português para provocar uma ruptura com a ordem constitucional vigente

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e naturalmente haverá outra Constituição que consagrará a forma republicana do governo ou a forma monárquica do governo!»Ribeiro da Costa (CDS-PP) justifica o incómodo PCP com a reformulação do artigo 288º: «A ser aprovada, era mais uma machadada na Constituição! Com certeza que era, depois de esta ter sido expurgada de mais alguns elementos ideológicos que lá se encontravam. O PCP passou de sequestrador da Assembleia Constituinte, como estamos recordados, a defensor da Constituição. Claro que defendeu a Constituição de 1976, depois agarrou-se à Constituição de 1982, depois à de 1992 e agora há-de agarrar-se à de 1996 e assim sucessivamente! De facto, o PCP é um náufrago que se vai agarrando às Constituições quais bóias de salvação!». Para Luís Sá, isto são provocações e falsificações! «Apenas lhe diria o seguinte: o PCP agarra-se à Constituição porque é adepto de princípios republicanos, democráticos e dos direitos, liberdades e garantias!»Medeiros Ferreira (PS) admira-se com a atitude de Nuno Abecasis: «A proposta ocorre num momento em que há uma maior actividade dos monárquicos em Portugal: e a televisão pública transmite, no Canal 1, todas as cerimónias sociais relacionadas com essa família.» Para Rui Namorado (PS) existe contradição entre as opções monárquicas e a igualdade perante a lei. Ribeiro da Costa (CDS-PP) afirma que «o que está a ser discutido não tem que ver com a forma de representação da chefia do Estado, mas sim com a liberdade de cada geração decidir, em cada momento, qual é a forma de representação da chefia de Estado que quer adoptar para esse mesmo momento.»Submetida à votação a proposta 123-P, que altera a alínea b) do artigo 288º, apresentada pelo CDS-PP e por deputados do PSD, não obteve a maioria de dois terços necessária. Contra votaram PS, parte do PSD, PCP e Os Verdes, votos a favor do CDS-PP e dos deputados do PSD Álvaro Amaro, António Rodrigues, António Taveira, António Vairinhos, Antunes da Silva, Cabrita Neto, Carlos Pinto, Castro de Almeida, Crus Oliveira, Domingos Gomes, Duarte Pacheco, Falcão e Cunha, Fernando Pedro Moutinho, Ferreira do Amaral, Francisco Martins, Hugo Velosa, João Poças Santos, José Gama, Luís Nobre, Macário Correia, Manuel Frexes, Manuela Aguiar, Mendes Bota, Paulo Mendo, Paulo Pereira Coelho, Pedro Holstein Campilho, Pedro Roseta e Vieira de Castro e abstenções dos deputados do PSD Barbosa de Melo e Lalanda Gonçalves.Em 2001, a Constituição foi revista, a fim de permitir a ratificação, por Portugal, da Convenção que cria o Tribunal Penal Internacional, alterando as regras de extradição. No início de 2001, ano de eleições presidenciais, circula o Apelo de 2001, cujos primeiros subscritores são Ribeiro Telles, Barrilaro Ruas, Mendo Henriques, Adelino Maltez, Luís Coimbra e Bento Sarmento.

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Em 2003, anunciando-se nova revisão constitucional, as Reais Associações voltam a pedir a alteração da alínea b) do artº 288º para «é inalterável a forma democrática de Governo». Os peticionários António Sousa Cardoso e Miguel Sousa Otto fizeram a entrega da petição na Assembleia da Republica ao então presidente Mota Amaral. Encontraram-se depois com representantes dos partidos políticos.Em 2004, o projecto de revisão apresentado pela maioria PSD e PP eliminava a alínea b) do artº 288º, sobre a «forma republicana de governo». A proposta apontava para que fossem

eliminados diversos limites materiais como sejam a «existência de planos económicos». Os limites materiais intocáveis permaneceriam a independência nacional, a soberania, a democracia e o sufrágio universal, os direitos, liberdades e garantias, as autonomias e o poder local.Anunciava-se um combate duro, até porque Francisco Louçã (BE) vinha referindo as «manobras da direita». A 08/10/2003 afirmava na AR «que Telmo Correia promete a hipótese da monarquia a D. Duarte Nuno. Isto é a ”revisão” da Constituição! É uma revisão do princípio da República, do princípio constitutivo desta Assembleia Constituinte e da nossa vida política em democracia». E voltava à carga em 07/01/2004: «É certo que esta revisão tem esse passado - todas as derrotas da direita -, mas não tem presente e não tem futuro, porque, ao procurar abrir as portas a uma revisão constitucional que possa permitir a restauração da monarquia, destino apaixonante dos nostálgicos da Casa de Bragança, ou ao impor o primado da Constituição europeia na Constituição Portuguesa antes mesmo de aquela estar escrita, a direita mostra que vale como capela mortuária de ideologias tristes e desistentes, usadas agora para entreter o País à falta de se saber governar.»No âmbito da revisão, Telmo Correia (CDS-PP) conduziu a questão dos limites materiais da revisão. A proposta da maioria suprimia a existência de planos económicos e a forma republicana do regime. «Os republicanos menos afectos a esta consideração democrática insurgem-se, ainda que haja quer republicanos quer monárquicos que entendem que esta não é uma questão de limite material. E que, como sabemos, para nós, limite material é a democracia e é a democracia que deve ser limite material. Há democracias que são monarquias e há democracias que são repúblicas.» A limitação de mandatos é uma questão de democracia. «Desde logo, a actual Constituição, muito democraticamente, não consentiu no seu articulado o princípio negativo das anteriores constituições republicanas.» Correia de Jesus (PSD) levanta a questão de quantas constituições de países democráticos têm um artigo sobre limites materiais.

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Alberto Martins (PS) levanta o fantasma do «restauracionismo»: «Esta proposta será inexoravelmente derrotada. E sê-lo-á porque ela pretende contrariar o núcleo essencial da Constituição da República. O artigo 288º é matricial enquanto referência identitária da Constituição do 25 de Abril!. A República foi buscar à Constituição de 1911 este limite material à revisão constitucional.» A oposição ao projecto considera que o artº 288º não era um elemento isolado da CRP: «A ideia de república, como os senhores sabem, é não só uma forma de governo e de regime, mas também uma forma de estado democrático, que tem como objectivo a realização do bem comum.»Luís Fazenda, do BE, ironiza sobre a limitação de mandatos em 23/04/2004: «Vimos aqui todo o desvelo do CDS-PP pelo princípio republicano da limitação de mandatos; hoje vimos aqui abertura à monarquia. Como se limitam os mandatos da monarquia?» Medeiros Ferreira (PS) considera que nas monarquias «há um precedente máximo para a desigualdade entre os cidadãos e é contra esse precedente máximo que funda o seu republicanismo».Posta a votação, a proposta de eliminação da «forma republicana de governo» obteve 89 votos contra e 108 a favor, perto da maioria de 2/3 necessária para ser aprovada.

2.

DOCUMENTOS HISTÓRICOS

1641 - Assento das Cortes de 1641

Assento feito em cortes pelos três estados dos Reinos de Portugal, da aclamação, restituição e juramento dos mesmos Reinos. Ao muito alto e muito poderoso Senhor Rei Dom João IV deste nome.

Os três estados destes Reinos de Portugal juntos nestas Cortes onde representam os mesmos Reinos, e têm todo o poder, que neles há, resolveram, que por princípio delas deviam fazer assento por escrito, firmado por todos, como o direito de ser Rei, e Senhor deles pertencia, e pertence, ao muito alto e muito poderoso Senhor Dom João IV deste nome, filho do Sereníssimo Senhor Dom Teodósio, Duque de Bragança, e neto da Sereníssima Senhora Dona Catarina Duquesa do mesmo estado, filha do Sr. Infante Dom Duarte, e neta do muito alto, e muito poderoso Senhor Rei Dom Manuel.Porquanto depois que no primeiro dia de Dezembro do ano próximo de 1640 em que primeira vez, foi aclamado por Rei nesta Cidade de Lisboa, e em todos os seguintes, em todo o mais Reino, e jurado, e levantado, nesta mesma Cidade em os quinze do mesmo mês. Ajuntando-se depois nestas Cortes, os três estados, e celebrando-se solenemente em os 28 de Janeiro de 1641.Assentaram seria conveniente para maior perpetuidade, e solenidade de sua feliz aclamação, e restituição ao Reino, que sendo agora juntos tornem em nome do mesmo Reino fazer este assento por escrito, em que o reconhecem, e obedecem, por seu Legítimo Rei, e Senhor, e lhe restituem o Reino, que era de seu

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Pai, e Avô, usando nisto do poder, que o mesmo Reino tem para assim o fazer, determinar, e declarar de justiça.E seguindo também a forma, e ordem que no princípio do mesmo Reino se guardou com o Senhor Rei Dom Afonso Henriques, primeiro Rei dele. Ao qual tendo já os Povos levantado por Rei no Campo de Ourique, quando venceu a batalha contra os cinco Reis mouros, e tendo-lhe passado Bula do título de Rei, o Papa Inocêncio In no ano de 1142, contudo nas primeiras Cortes que logo subsequentemente celebrou na Cidade de Lamego pelo fim do ano de 1143 sendo juntos nelas os três estados do Reino, tornaram outra vez, em nome de todo ele, ao aclamar, e levantar por Rei com assento por escrito, do que nelas se fez, para memória, e perpetuidade de seu título.E pressupondo por coisa certa em direito, que ao Reino somente compete julgar, e declarar a legítima sucessão do mesmo Reino, quando sobre ela há dúvida entre os pretendentes, por razão do Rei último possuidor, falecer sem descendentes, e eximir-se também de sua sujeição, e domínio quando o Rei por seu modo de governo se fez indigno de reinar. Porquanto este poder lhe ficou, quando os Povos a princípio transferiram o seu no Rei, para os governarem. Nem sobre os que não reconhecem superior, há outro algum a quem possa competir, senão aos mesmos Reinos, como provam largamente os Doutores, que escreveram na matéria, e há muitos exemplos nas Repúblicas do mundo, e particularmente neste Reino, como se deixa ver das Cortes do Sr. Rei Dom Afonso Henriques, e do Sr. Rei

Dom João I.Com este pressuposto, os fundamentos, e razões que o Reino teve para aclamar por Rei ao Senhor Rei Dom João IV e para agora nestas Cortes o tornar a aclamar, determinar, e declarar que o legítimo Senhorio dele lhe pertence, e lhe devia ser restituído, posto que os Reis Católicos de Castela estivessem em posse dele são os seguintes:1º - Que falecendo o Sr. Rei Dom Henrique sem filhos, nem descendentes, a justa e legítima sucessão do Reino se deferiu à Sr.a Duquesa de Bragança sua sobrinha filha legítima do Sr. Infante Dom Duarte seu irmão representando a pessoa de seu Pai, com todas as qualidades, que nele concorriam para haver de suceder. Por este benefício da representação ter lugar na sucessão dos Reinos (a qual se defere por direito hereditário) e porque especialmente na sucessão deste de Portugal está admitido por disposição, e declaração expressa feita pelo Sr. Rei Dom João I era seu testamento, mandando nele, que o Sr. Infante Dom Duarte seu filho primogénito, ou em seu defeito seu filho, ou neto, e qualquer outro legítimo descendente por sua linha direita, sucedesse nele, segundo se requeria

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por direito, e costume na sucessão destes Reinos, e Senhorios, que são palavras formais da cláusula do dito testamento. Pelas quais fica sem dúvida haver de ter lugar na sucessão dele a representação, havendo-o assim disposto o dito Senhor Rei Dom João I que o podia dispor, e declarar. E na mesma conformidade o haver também disposto o Sr. Rei Dom Afonso V seu neto nas Cortes, que celebrou nesta Cidade em seis de Março de 1476 quando foi casar a Castela com a Senhora Rainha Dona Joana. Termos em os quais os mesmos Doutores, que negaram a representação, nestas semelhantes sucessões dos Reinos, e morgados confessam, que se devem admitir.E suposta a representação, lhe não poder preferir o Católico Rei Filipe de Castela, sobrinho também do Sr. Rei Dom Henrique, ainda que fosse mais velho em idade, e estivesse em igual grau de parentesco; Por ser filho de irmã fêmea a Senhora Imperatriz Dona Isabel, e sucedendo-se por representação ficar excluído, pois representava a pessoa de sua mãe, que lhe não podia dar mais, do que ela tinha. E pelo contrário a Senhora Duquesa Dona Catarina, entrar representando a pessoa do Infante Dom Duarte seu Pai, o qual se fora vivo, ouvera de excluir a Imperatriz sua irmã. E anda que concorressem à dita sucessão, sendo primos irmãos, sem concorrer Tio, haver de ter lugar a representação por ser mais verdadeira, e mais comum a opinião dos Doutores na matéria, que esta sucessão por representação se admite entre os primos irmãos, sem com eles concorrer tio, e assim o dispor o direito comum dos Romanos, posto que o contrário fosse determinado, pelas Leis das partidas de Castela, que neste Reino não ligam, nem se devem guardar.E assim deferindo-se a legítima sucessão do Reino, à Senhora Dona Catarina, se ficou derivando dela em seu filho o Sr. Dom Teodósio, e em seu neto o Sr. Dom João IV posto que actualmente não tivesse posse do Reino.2º - Porque ainda em caso negado, que não pudesse ter lugar o beneficio da representação, e por ele não pudesse deferir-se a sucessão do Reino à Senhora Duquesa Dona Catarina sobrinha do Sr. Rei Dom Henrique, se lhe deferiu pela prerrogativa de melhor linha, que é a primeira das quatro qualidades, pelas quais se defere as sucessões dos Reinos, morgados, e bens vinculados.Porquanto na mesma cláusula do testamento do Sr. Rei Dom João I acima referida, fez o

dito Senhor expressa constituição de linhas entre seus filhos para a sucessão destes Reinos, chamando em primeiro lugar o dito Sr. Infante Dom Duarte seu filho primogénito, e seus filhos, e netos e quaisquer outros legítimos descendentes por linha direita, que é a que os Doutores chamam linha do primogénito, e logo em falta desta primeira linha, chamou a dos outros seus filhos,

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por sua direita ordenança, a saber. Primeiramente a do Infante Dom Pedro (que era o filho segundo) com todos seus filhos, e netos, e faltando esta segunda linha chamou a do Infante Dom Henrique (seu filho terceiro) e acrescentou, que assim fosse nos outros seus filhos pelo modo sobredito, que são também palavras formais da mesma cláusula do testamento.Das quais se segue precisamente, que na sucessão destes Reinos depois da representação tem o primeiro lugar a prerrogativa da linha para que em quanto houver descendentes da linha do filho primogénito se não admita pessoa alguma da linha do filho segundo génito, e da mesma maneira nos outros filhos. Porque ainda que de direito comum haja controvérsia nos Doutores, negando alguns as linhas mais, que a do possuidor, e primogénito, e não admitindo que os outros filhos constituam linha, senão quando chegaram a ocupar a sucessão. Contudo havendo expressa disposição do testador, que chamou seus filhos e descendentes por linhas separadas, não há Doutor algum, que as contradiga, nem pelo conseguinte podem ter controvérsia na sucessão deste Reino, onde expressamente estão dispostas na cláusula do dito testamento do Sr. Rei Dom João I.Pelo que como entre os filhos, e filhas do Sr. Rei Dom Manuel depois da linha do filho primogénito que foi o Sr. Rei Dom João III, que se acabou no Sr. Rei Dom Sebastião cada um dos outros filhos (deixando aqueles que morreram na idade da infância) constituisse sua linha, na qual para a sucessão do Reino incluíram a si, e a seus filhos, e descendentes, e excluíram os outros. Segue-se que extintas as linhas do Sr. Infante Dom Fernando, e do Sr. Infante Dom Luís, que não deixou filho legítimo, e do Sr. Cardeal Dom Afonso, e do Sr. Cardeal e Rei Dom Henrique que faleceu sem filhos, nem descendentes, entrou a sucessão na linha do Senhor Dom Duarte, e nela achou a Senhora Duquesa Dona Catarina sua filha, a quem se deferiu. E não podia entrar na linha da Senhora Imperatriz Dona Isabel, na qual estava o Rei Católico de Castela seu filho, senão depois de estar de todo acabada, e extinta a linha do Sr. Infante Dom Duarte, que por ser filho varão, constituiu linha superior à sua na forma da mesma cláusula do dito testamento do Senhor Rei Dom João I, que entre os filhos varões por sua ordem, constituiu as primeiras linhas.3º - Porque em falta do benefício da representação, e da prerrogativa de melhor linha, tinha a mesma Duquesa a Senhora Dona Catarina, melhor direito na sucessão deste Reino, fundado em vocação expressa, que é a qualidade, que vence a todas as mais nestas sucessões.

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Porquanto o mesmo Senhor Rei Dom João I na cláusula do dito seu testamento, depois de chamar o Infante Dom Duarte seu filho primogénito com todos seus filhos, netos e descendentes legítimos, chamou também os outros filhos seguintes com seus descendentes na forma acima referida, e do filho primogénito que lhe sucedeu no Reino, que foi o Sr. Rei Dom Duarte, nasceu o Sr. Rei Dom Afonso V, filho seu primogénito, e nasceu o Sr. Infante

Dom Fernando seu filho segundo génito, com vocação expressa pela cláusula do dito testamento, depois de acabada a descendência do primogénito. E como esta se acabou no Sr. Rei Dom João II que não deixou filho legítimo, tornou a sucessão do Reino ao filho do dito Sr. Infante Dom Fernando seu tio, que foi o Sr. Rei Dom Manuel do qual nasceu o Sr. Infante Dom Duarte, e dele a Sr.a Duquesa Dona Catarina sua filha. Por onde ficou tendo a mesma vocação, que tinha o mesmo Sr. Infante Dom Fernando seu bisavô Pai do dito Sr. Rei Dom Manuel seu Avô. E por esta vocação devia necessariamente ser preferida ao dito Rei Católico de Castela, posto que fosse também descendente do mesmo Sr. Infante Dom Fernando pelo mesmo Sr. Rei Dom Manuel, o era pela Sr.a Imperatriz Dona Isabel, e não podia preferir a Senhora Duquesa Dona Catarina, que tinha a vocação expressa por filho varão o dito Sr. Infante Dom Duarte seu Pai.4º - Porque nas ditas primeiras Cortes celebradas em Lamego pelo Sr. Rei Dom Afonso Henriques, estava expressamente determinado que quando o Rei falecesse sem filhos herdeiros lhe pudessem suceder seus irmãos, se os tivesse; mas porém que os filhos destes para entrarem na herança, terão necessidade de consentimento do Reino, e serem aprovados pelos três Estados dele. E enquanto o não fossem, não poderiam reinar. A qual Lei se guardou, e praticou, porque sucedendo no Reino, o Sr. Rei Dom Afonso III por morte do Sr. Rei Dom Sancho seu irmão, que faleceu sem filhos se tem por certo, que para o Sr. Rei Dom Dinis filho do Sr. Rei Dom Afonso III haver de entrar a reinar por morte de seu Pai, celebrou em sua vida Cortes em que o fez jurar por sucessor do Reino. E da mesma maneira faltando descendentes legítimos ao Sr. Rei Dom João II posto que declarou, em seu testamento por herdeiro, e sucessor ao Duque de Beja, que foi o Sr. Rei Dom Manuel filho do Infante Dom Fernando, irmão segundo do Sr. Rei Dom Afonso V. Contudo logo nas Cortes, que celebrou em Montemor-o-Novo, foi aceite por Rei pelos três Estados do Reino, que nelas se ajuntaram. Por onde ainda quando por falecimento do Sr. Rei Dom Henrique sem descendentes pudesse em caso negado ter direito de suceder o Rei Católico de Castela como sobrinho seu, não podia reinar, nem tomar posse do Reino, como de facto tomou sem primeiro ser aceite, e aprovado pelos três Estados juntos em Cortes, o que não foi.

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E quando menos necessitava de esperar a determinação, e sentença do mesmo Reino junto em Cortes sobre a pretensão que tinha à sucessão dele. A qual não esperou, e antes dela se empossou entrando com armas. Nem deferiu ao Legado do Sumo Pontífice que assim lho encarregava da sua parte.Logo por cada uma destas cabeças não teve título justo de reinar, e ficaram ele, e seus sucessores sendo intrusos, no sentido em que o direito chama tiranos àqueles que sem justo título ocupam o Reino, e podia, e pode agora o mesmo Reino reintegrar-se em seu direito, aclamando, e aceitando por Rei, o Sr. Rei Dom João IV como neto legítimo da dita Senhora Duquesa Dona Catarina a quem competia legitimamente o direito da sucessão dele.5º - Porque nas mesmas primeiras Cortes de Lamego, e as Leis, que se ordenaram sobre a herança, e sucessão do Reino, se determinou também que a filha fêmea do Rei, que casasse com Príncipe estrangeiro, que não fosse Português não pudesse herdar, nem suceder nele, para que assim nunca o Reino saísse fora das mãos dos Portugueses, nem reinasse nele pessoa que o não fosse. E nesta conformidade, deixando o Sr. Rei Dom Fernando uma filha casada com o Rei Dom João de Castela, foi excluída da sucessão, não somente por não ser legítimo, tendo-se por nulo o matrimónio do dito Sr. Rei Dom Fernando, com a Senhora

Rainha Dona Leonor sua mãe, mas também por estar casada com príncipe estranho. E assim se assentou nas Cortes, que se celebraram em Coimbra, aonde os três estados o determinaram. E havendo o Reino por vago elegeram por Rei ao Senhor Rei Dom João I, Mestre de Avis, e filho (posto que ilegítimo) do Sr. Rei Dom Pedro donde ficou também por esta cabeça, faltando o direito de suceder, ao Católico Rei de Castela, por ser Príncipe estrangeiro, e podiam então, e pode agora o Reino aclamar, e obedecer por Rei, a seu Príncipe natural, o Sr. Rei Dom João IV, não só por título de legítima sucessão, mas também de eleição, que ficava competindo aos Povos, e Reino.E quando estas razões não foram bastantes para justamente o poder fazer estando em contrário a posse de sessenta anos, que eram passados desde o tempo que o dito Rei Católico de Castela se empossou deste Reino no fim do ano de1580 principiada e continuada por três actos de sucessão em sua pessoa, e na de seu filho o Católico Rei Dom Filipe III, e na de seu neto o Católico Rei Dom Filipe IV de Castela, e aprovada pelo mesmo Reino, nas Cortes, que se celebraram em Tomar no ano de 1581, e nas que depois fizeram nesta Cidade de Lisboa no ano de 1619, nas quais ambas foram jurados, obedecidos, e reconhecidos por Rei deste Reino.

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Se assentou, e determinou pelos mesmos três Estados, que quanto à posse posto que de tantos anos lhes não podia obstar, nem aproveitar aos ditos Reis de Castela, por ser a princípio violenta tomada com força de armas, e dos numerosos exércitos, com que o dito Rei Católico violentamente se empossou do Reino, e por ser atentado estando pendendo no juízo dos Governadores, a causa da sucessão sem esperar sua sentença, nem aprovação do mesmo Reino junto em Cortes. E a que teve haver sido somente de alguns particulares persuadidos com grandes mercês, que sem estarem em Cortes, a não podiam dar, e a sentença que depois alcançou haver sido nula, por não ser dada, por todos os Governadores do Reino, que o Senhor Rei Dom Henrique deixou nomeados, e faltando qualquer deles lhes faltava conforme o direito poder para sentenciarem. Além do que o fizeram em tempo que ainda [?] não tinham jurisdição para dar sentença, que competia somente aos três Estados do mesmo Reino juntos em Cortes. E ultimamente por ser dada em Aiamonte lugar de Castela, onde (quando a tivessem) não podiam exercitar jurisdição. E assim começando a dita posse com o vício intrínseco da violência, e do atentado que nela se cometeu, estando pendendo o Juízo, mais ficou tirando o direito ao dito Rei Católico (quando o tivera) do que confirmá-lo.Pois conforme as regras dele a posse violenta não causa prescrição, nem também nos Reinos a pode haver de menor tempo, que de cem anos. Nem finalmente pode correr contra o Reino, que nunca teve faculdade, e liberdade para a reclamar senão agora, e também era necessário pelo que tocava ao particular interesse dos pretensores, que contra um deles começasse a prescrição, e se cumprisse o tempo legítimo dela, o que não houve, nem se cumpriu.E quanto ao juramento da obediência e fidelidade, que tinham dado nas ditas Cortes, aos ditos Reis Católicos de Castela, os não ligava, nem obrigava para se não poderem eximir de seu domínio, e sujeição. Porquanto o modo com que o Rei Católico Filipe IV depois que sucedeu, governou este Reino era ordenada a suas comodidades, e utilidades, e não ao bem comum, e se compunha de quase todos os modos, que os Doutores apontam, para o Rei ser indigno de reinar.

Porque não guardava ao Reino seus foros, liberdades, e privilégios antes se lhe quebraram por actos multiplicados. Não acudia à defesa, e recuperação de suas Conquistas, que eram tomadas pelos inimigos da Coroa de Castela. Afligia, e anexava os Povos com tributos insuportáveis, sem serem impostos em Cortes fazendo com força às Câmaras do Reino, consentir neles. Gastava as rendas comuns do mesmo Reino, não somente em guerras alheias, mas também em coisas que não pertenciam ao bem comum dele. Aniquilava a nobreza, vendia por dinheiro

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os ofícios de Justiça, e fazenda. Provia neles, pessoas indignas, e incapazes. O estado eclesiástico, e Igrejas, eram oprimidos com tributos, tirando-lhe as rendas e dando-se às pessoas que davam os arbítrios, iníquos delas; e finalmente exercitava estas e outras coisas contra o bem comum por ministros insolentes, e inimigos da pátria dos quais se servia, sendo as piores pessoas da República.Nos quais termos, ainda que os ditos Reis Católicos de Castela, tiveram título justo, e legítimo, de Reis deste Reino o que não tinham, e por falta deles, se não puderam julgar por intrusos. Contudo o eram pelo modo do governo, e assim podia o Reino eximir-se de sua obediência, e negar-lha sem quebrar o juramento que lhe tinham feito. Por quanto conforme as regras de direito natural, e humano, ainda que os Reinos transferissem nos Reis todo o seu poder, e império para os governarem, foi debaixo de uma tácita condição de o regerem, e mandarem com justiça, sem tirania, e tanto que no modo de governar usarem delas, podem os Povos privá-los dos Reinos, em sua legítima natural defesa, e nunca nestes casos foram vistos obrigar-se, nem o vínculo do juramento estender-se a eles.E assim sendo tudo o sobredito certo em facto, e tão notório, que não necessitava de prova judicial, nem ao Rei Católico de Castela podia competir legítima defesa para com ela haver de ser ouvido, nem haver outro legítimo sucessor a quem se pudesse recorrer, e não, aproveitarem as muitas queixas, e lembranças que os Tribunais do Reino, e pessoas graves dele fizeram por muitas vezes ao mesmo Católico Rei de Castela e com a demonstração que haviam feito os Povos de Évora, e de outros lugares do Reino para se livrarem da opressão dos tributos sem consentir com eles a nobreza, não havia bastado para o governo se emendar, antes com isso se piorou. Assentou justamente o Reino congregado nestes três estados, usando de seu poder, e em sua natural defensa, negar-lhe a obediência, e dá-la ao Sr. Rei Dom João IV, que pelo direito derivado da Senhora Duquesa Dona Catarina sua Avó, era o legítimo Rei, e sucessor deste Reino.E pelas mesmas razões podia ele justamente aceitar a aclamação, e restituição que dele se lhe fez, e desforçar-se e restituir-se ao Reino, pois em sua pessoa tinha radicado o direito da sucessão dele, e com violência e força de armas se havia tirado à Sr.a Duquesa sua Avó, e nem ela, nem o Sr. Duque Dom Teodósio seu filho em suas vidas tiveram faculdade para sem perigo evidente delas, e de sua casa o fazerem. Antes o mesmo Senhor Duque Dom Teodósio fez seu legítimo protesto, e reclamação por escrito, quando jurou aos Católicos Reis de Castela nas ditas Cortes, e esse de sua própria letra, e sinal, tomando nele por testemunhas aos Santos do Céu, por se não poder fiar naquela conjunção das pessoas da terra,

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nos quais termos ainda que se não intimasse judicialmente lhe ficou conservando seu direito, para quando houvesse faculdade de poder desforçar-se, e usar dele para si, ou por seus sucessores. A qual somente agora teve, e o pode fazer o Sr. Rei Dom João seu neto, pela aclamação unânime, e restituição, que o Reino todo lhe fez, não somente de rigor de justiça pelo direito que tinha da sucessão, mas juntamente pelas grandes qualidades, excelências, e virtudes, que concorrem em sua Real pessoa bastantes para sem outro direito poder, e dever ser eleito por Rei destes Reinos, suposto o estado, a que o chegaram com seu governo os ditos Reis Católicos de Castela.E para constar do sobredito, e do que nisto o Reino obrou, entendendo ser vontade de Deus nosso Senhor, que para este tempo foi servido reservar a restituição dele, com manifestos sinais do Céu fizeram os três estados, este breve assento firmado por todos, para ficar sendo o princípio destas Cortes e ficar manifesta em todo o tempo a justiça e razão com que assim se determinou, e executou, deixando a comprovação de tudo o sobredito no facto, e no direito ao Livro que em nome do Reino, se divulgara, e imprimira, sobre esta matéria.Escrito em Lisboa aos cinco dias do mês de Março de mil e seiscentos e quarenta e um anos, por Sebastião César de Meneses, Secretário do Estado da Nobreza, Doutor nos Sagrados Cânones, Inquisidor da Suprema do Conselho de o Rei nosso Senhor, e Desembargador do Paço. Que assinaram juntamente as pessoas que assistem em Cortes velos três Estados do Reino, segundo o uso e costume do mesmo Reino.Joanes Mendes de Távora. Bispo Conde.F. Bispo do Algarve.F. Bispo de Targa.R. Arcebispo de Lisboa.Bispo D. Francisco de Castro. Inquisidor geralD. Sebastião Arcebispo de Braga. Primaz das Espanhas.D. M. Bispo de Lamego.M. Bispo de Eivas.M. Marquês de Fronteira do governo do Rei meu Senhor e de seu Conselho de Estado.Marquês de Gouveia do Conselho de estado do rei meu Senhor e seu Mordomo-mor.

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O Conde de Odemira do Conselho de S. Majestade, mordomo-mor da Rainha nossa Senhora.Marquês de Vila Real Conde de Valença e Valadares do Conselho de estado do Rei meu Sr.O Visconde de Ponte de Lima do Conselho do estado e governo Presidente da justiça de Portugal.O Licenciado Dom António Pereira.Fernão Moniz Freire Sr. e Donatário da casa de Bobadela e mais vilas anexas.O Desembargador Dom André de Andrada do Conselho de S. Majestade Lente de prima de teologia jubilado e reconduzido.Conde da Vidigueira Almirante da índia, do Conselho do Rei nosso Senhor.Tristão da Cunha de Ataíde Sr. e donatário da vila de Povolide e Castro Verde.Fernão Teles Conde de Unhão do Conselho do rei nosso Sr.Pedro de Mendonça Furtado alcaide-mor de Muge de Santiago de Cacem guarda-mor do Rei meu Senhor.Jorge de Melo do Conselho de guerra de Sua Majestade e general das galés deste Reino.

Rui de Moura Teles, Sr. das vilas da Póvoa e das Meadas.D. Luís da Cunha alcaide-mor de Aldeia Galega da Merceana veador da Rainha nossa Sr.aDom Pedro de Menezes Conde de Cantanhede do Conselho do Rei nossoSr., Presidente da Câmara de Lisboa.Dom Carlos de Noronha do Conselho de Sua Majestade presidente da mesa da censura e ordens.Manoel da Silva de Sousa, do Conselho de Sua Majestade alcaide-mor de Alpalhão.Diogo de Mendonça Furtado do Conselho de S. Majestade e alcaide-mor da vila do Casal presidente do conselho da índia.Luís de Melo porteiro-mor de sua majestade alcaide-mor da vila de Serpa.Henrique Correia da Silva do Conselho de Sua Majestade Alcaide-Mor da Cidade de Tavira e Veador de Sua Majestade.Henrique Correia da Silva.Dom João Mascarenhas. Senhor da Vila de Soure. Alcaide-mor das Vilas de Montemor-o-Novo, Alcácer do Sal e Grândola, Comendador e Alcaide-mor de Mértola.

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O Conde de Monsanto, fronteiro-mor, Vedor-mor, coudel-mor e Alcaide-mor de Lisboa.O Conde de Redondo caçador-mor de sua majestade.O Conde de São Lourenço Regedor da casa da Suplicação, do Conselho de Sua Majestade.O estado dos povosO Procurador de Lisboa D. Miguel de Almeida.O Desembargador Francisco Rebelo Homem, provedor de Lisboa.Martim Ferreira da Câmara, procurador da cidade de Évora.Aires Falcão Pereira, procurador da Cidade de Évora.Rui de Albuquerque, procurador da Cidade de Coimbra.João de Sá de Macedo da Cidade de Coimbra procurador.Martim Ferraz de Almeida provedor do Porto.Manuel de Sousa de Almeida procurador da cidade do Porto.J. de Melo Coutinho procurador de Santarém.Sebastião de Carvalhal procurador de Santarém.João da Gama Ferrão procurador da cidade de Elvas.Francisco Figueiredo e Cunha definidor da Comarca de Esgueira [?].António Barradas Montoso procurador da Vila de Monforte e definidor da ouvidoria de Vila Viçosa.Diogo Botelho de Matos procurador da Vila de Olivença e definidor de Campo Maior e Mourão.Manuel Pimentel procurador e definidor da cidade de Miranda.António de Miranda Mendes, definidor de Campo Maior.João de Oliveira... definidor da ouvidoria de Porto de Mós.Gregório do Amaral de Castelo Branco, definidor das cortes da vila de Guimarães.... do Amaral Pimentel definidor da Vila de Castelo Branco.Bernardo Correia de Lacerda definidor da Comarca de Lamego.Mateus de Brito Godins definidor da Comarca de Beja.Francisco da Orta procurador da vila de Atouguia e definidor da comarca de Leiria.Pedro Lopes Correia definidor da comarca de Lagos.

Mateus de Sá Pereira definidor da comarca da Torre de Moncorvo.Rui Teles definidor da vila de Alenquer definidor da ovidoria do mestrado de Santiago das terras do Duque de Aveiro e procurador de Santiago de Cacem.

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Paulo Machado de Brito.Luís Gonçalves Monis definidor da ouvidoria de Avis.Francisco Freire de Sousa definidor da Comarca de Tomar.Paulo de Mancelos da Fonseca definidor da ouvidoria da vila de Pombal de Cristo.Duarte de Paiva Manuel definidor da ouvidoria de Montemor-o-Velho.Miguel de Coimbra Macedo procurador, e definidor da Comarca e Cidade de Bsaga.Gaspar de Seixas de Almeida definidor da Comarca de Pinhel.Pedro de Lemos de Andrade definidor da Comarca de Viana.Manuel Correia Carvalho definidor da Comarca de Setúbal.Desembargador Antunes Portugal definidor de Castelo Branco.Jerónimo Alcoforado Pimenta definidor da ouvidoria de Nisa.João Botado de Almeida definidor da Comarca de Torres Vedras.António Machado Vilas Boas procurador da vila de Vila do Conde e definidor da comarca da ouvidoria da vila de Barcelos.Gaspar de Oliveira Sarmento definidor da ouvidoria de Bragança.

1910 - Carta de D. Manuel II ao Povo Português

Meu Caro Teixeira de Sousa:Forçado pelas circunstâncias, vejo-me obrigado a embarcar no yacht real Amélia. Sou português e sê-lo-ei sempre. Tenho a convicção de ter sempre cumprido o meu dever de rei em todas as circunstâncias e de ter posto o meu coração e a minha vida ao serviço do meu país. Espero que ele, convicto dos meus direitos e da minha dedicação, o saberá reconhecer.Viva Portugal!Dê a esta carta a publicidade que puder. Sempre muito afectuosamente ManuelYacht, 5 de Outubro de 1910Entregue por D. Manuel II ao Sr. Serrão Franco com destino ao Presidente do ConselhoIn Joaquim Leitão, Diário dos Vencidos, Porto, Edição do Autor, 1911, 347 pp.

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1910 - Lei de Proscrição

Decreto de 15 de Outubro de 1910O Governo da República Portuguesa faz saber que, em nome da República, se decreta, para valer como lei, o seguinte:Artº 1º - É declarada proscrita para sempre a família de Bragança, que constitui a dinastia deposta pela Revolução de 5 de Outubro de 1910.Artº 2º - Ficam incluídos expressamente na proscrição os ascendentes, descendentes e colaterais até o quarto grau do ex-chefe do Estado.

Artº 3º - É expressamente mantida a proscrição do ramo da mesma família banido pelo regime constitucional representativo.Artº 4º - No caso de contravenção do artigo 1º, incorrerão os membros da família proscrita na pena de expulsão do território da República e, na hipótese da reincidência, serão detidos e relegados nos tribunais ordinários.Artº 5º - O Governo da República regulará oportunamente a situação material da família exilada, respeitando os seus direitos legítimos.Os Ministros de Todas as Repartições o façam imprimir, publicar e correr. Dado nos Paços do Governo da República, aos 15 de Outubro de 1910.Joaquim Theophilo Braga = António José de Almeida = José Relvas = Affonso Costa = António Xavier Correia Barreto = Amaro Justiniano de Azevedo Gomes = Bernardino Luís Machado Guimarães - António Luís Gomes.

1912 - Conteúdo do «Pacto de Dover»(Celebrado em Dover entre o Rei D. Manuel II e o Príncipe D. Miguel II de Bragança)[1912]

«Convencidos de que as dolorosas circunstâncias que Portugal no momento atravessa requerem, de todos os Portugueses de boa vontade, a conjugação de esforços no ideal único da salvação da Pátria:E querendo, pela Nossa parte, concorrer com o exemplo de actos efectivos para formar a cimentação desse espírito, construtivo e desinteressado, de união e de concórdia;Tratámos e convencionámos, sob reserva de futuras e definitivas resoluções pelo poder competente das Cortes, um entendimento, nos seguintes termos gerais:

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1º - O direito d’ El-Rei D. Manuel ao trono de Portugal é reconhecido pelo Senhor D. Miguel de Bragança e Sua Família;2º - No caso de faltar El-Rei D. Manuel e Sua Sucessão, e S. A. R. o Príncipe D. Afonso e Sua Sucessão - o direito ao trono de Portugal pertencerá a S. A. o Infante Dom Duarte, filho terceiro do Senhor D. Miguel;3º - São restituídos ao Senhor D. Miguel, Sua Família e Seus Partidários, o gozo, na forma que se tratar, das suas honras e títulos, sob a cláusula única de que essa restituição não importe encargos para o Tesouro Público.»

1920 - Abdicação de Dom Miguel de Bragança (II) em Dom Duarte Nuno

Eu, Dom Miguel II de Portugal, Duque de Bragança, etc., filho de El-Rei Dom Miguel I, querendo acima de tudo o bem estar e a prosperidade da Nação Portuguesa, tendo respeito a que o estado em que Portugal se encontra, exige uma acção política em que a juventude venha dar o entusiasmo da sua idade aos Princípios Tradicionais, que Eu sempre defendi e encarno, e reconhecendo que melhor assegurarei os interesses da Dinastia que represento, não continuando a manter pessoalmente os direitos à coroa de Portugal e seus Domínios, que de El-Rei meu Pai herdei com a honra do seu nome e a tradição das suas virtudes, hei por bem, de moto próprio e de livre vontade, ceder todos os meus direitos à coroa de

Portugal e à sua soberania em a Pessoa do meu muito querido e amado Filho, o Infante Dom Duarte Nuno de Bragança, e em seus legítimos descendentes, visto encontrar-se afastado da sucessão, por sua espontânea renúncia, o meu muito querido e amado Filho primogénito D. Miguel, Duque de Viseu. E atendendo assim ao sossego e tranquilidade pública, e para evitar o embaraço e perturbação que sempre causa ao estado político a incerteza da pessoa que há de suceder no governo do Reino, mais me apraz determinar que, se o dito meu filho Dom Duarte Nuno falecer sem deixar filho ou filha legítima, lhe suceda pela ordem respectiva do nascimento, aquela de suas irmãs, que por então se mantiver solteira, ou seja casada com português e conserve os direitos à coroa de Portugal. E em fé e verdade de assim o querer e mandar, e para que tenha seu cumprido efeito, sob o selo das minhas Armas o escrevi e firmei.Em Bronnbach, aos 31 de Julho de 1920.(a) Dom Miguel de Bragança.

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1922 - Pacto de Paris

Os abaixo assignados, analisada detidamente a situação política do Paiz e cônscios de que interpretam o sentir da grande maioria dos monarchicos portuguezes, que são a maioria do Paiz, desejando sincera e lealmente ver terminadas as dissenções entre a Família Monarchica, que só aproveitam aos partidos da Republica com grave prejuizo da nossa Causa e do nosso Paiz;Ouvidos os seus Augustos Mandantes e por Eles devidamente auctorizados, declaram:O primeiro signatário:a) Que o seu Augusto Mandante, na falta de herdeiro directo, acceitará o Successor indicado pelas Cortes Geraes da Nação Portugueza.b) Egualmente acceitará as resoluções das mesmas Cortes quanto á Constituição Politica da Monarchia restaurada.c) Que, de accordo com a Santa Sé, será resolvida a questão religiosa, mediante diploma a ser submettido ás Cortes.Pelo segundo signatário foi dito:Que, perante as declarações anteriores, o seu Augusto Mandante pedia e recommendava a todos os Seus partidários que acatem como Rei de Portugal o Senhor D. Manuel II e que se unam lealmente sob a mesma bandeira que abriga todos os monarchicos, que é a bandeira da Pátria e a bandeira que ha de salvar Portugal. Feito em Pariz, aos 17 d’ Abril de 1922.(a) Ayres d’Ornellas [representante de D. Manuel] (a) Conde d’Almada e Avranches [representante de D. Duarte Nuno

1932 - A Sucessão segundo a Carta Constitucional

A morte, sem descendência, do Ultimo Rei de Portugal, formula aos monárquicos constitucionalistas o grave problema da sucessão do falecido, último rebento da sua dinastia, a de Bragança Saxe.Fiéis aos princípios liberais introduzidos no país, em 1820, suspensos desde a Abrilada em 1823 à morte de D. João VI em 1826, e durante o reinado de D. Miguel, de 1828 a 1834, mas decisivos modeladores da vida do Estado desde então, mantiveram eles o apego ao

último Monarca da dinastia decaída e hoje extinta, porque nele se encarnou o estado de coisas abruptamente suspenso em 1910.Para eles a República tem sido um simples interregno, cujo fim, aliás, parecia cada vez mais remoto, e por isso ao fazerem no Porto a efémera restauração de1919, logo puseram em vigor a Carta Constitucional.

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Dentro desse texto fundamental da ordem política que serviram, terão de resolver o problema.Não será, fora de propósito, mesmo à margem de uma vista ligeira sobre o assunto.No seu título V, «Do Rei», e capítulo IV, «Da sucessão do reino», composto dos artigos 86 a 90 regula o assunto a Carta Constitucional.Dispõe o artigo 86º que a Senhora D. Maria II, por cessão e abdicação de seu pai, reinaria sempre em Portugal, e dizem textualmente os três artigos seguintes:Artº 87º - Sua Descendência legítima sucederá no Trono, segundo a ordem regular da Primogenitura, e representação, preferindo sempre a linha anterior às posteriores; na mesma linha o grau mais próximo ao mais remoto; no mesmo grau o sexo masculino ao feminino; no mesmo sexo a pessoa mais velha à mais moça.Artº 88º - Extintas as Linhas dos Descendentes legítimos da Senhora D. Maria II, passará a Coroa à colateral.Artº 89º - Nenhum estrangeiro poderá suceder na Coroa do Reino de Portugal.Morto sem descendência o Senhor D. Manuel II, façamos agora a busca do seu herdeiro político, com auxílio duma pequena tábua genealógica.Não tinha o Monarca agora falecido, nem irmãos, nem primos ou tios pelo lado português, nem há descendência deles. É preciso chegar ao grau de seu avô D. Luís I para encontrar duas irmãs deste rei, que deixaram sucessão, as infantas D. Maria Ana e D. Antónia. Casou a primeira com o Rei Jorge de Saxe, e a segunda com o príncipe Leopoldo de Hohenzollern, e a sua descendência está hoje largamente representada em várias casas principescas da Europa.Mas todos esses parentes de Manuel II são estrangeiros, e, como tais, inábeis por força do transcrito artº 89º da Carta.Extinta ou incapaz toda a descendência de D. Maria II, é forçoso recorrer ao artº 88º - a Coroa passaria à linha colateral.Desta linha e do mesmo grau de D. Maria II, a descendência existente é a de seus irmãos D. Januária, princesa das Duas-Sicílias, D. Francisca, princesa de Joinville, e D. Pedro II do Brasil, também representada em príncipes estrangeiros, e portanto incapazes, pelo mesmo princípio.É preciso, pois, ir até ao grau de D. Pedro IV.Aí, além das infantas que faleceram sem descendência ou a têm estrangeira, há as linhas derivadas de D. Miguel I e da Infanta D. Ana de Jesus Maria, duquesa

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de Loulé, esta com larga sucessão nas casas titulares de Loulé, Azambuja, Belmonte e Linhares, etc., e em outras famílias do país.Mas entre as duas linhas não há que escolher. No mesmo grau, o sexo masculino prefere ao

feminino (art. 87º) e por isso prefere a descendência de D. Miguel I.Nesta e pelo mesmo princípio, a de seu filho D. Miguel (II) e na deste, pela renúncia do filho maior, D. Miguel, duque de Viseu, em seu irmão mais novo, o titular do direito é hoje este príncipe, D. Duarte Nuno de Bragança.A este raciocínio pode objectar-se com a Carta de lei de 19 de Dezembro de1834, a chamada «Lei da Proscrição».Na verdade, dispõe o seu artº 1º:«O ex-infante D. Miguel e seus descendentes são excluídos para sempre do direito de suceder na Coroa do Reino de Portugal, Algarves e seus domínios.»Mas a objecção tem resposta.Promulgada em 1826, pode dizer-se que a Carta foi a lei fundamental do país desde o seu juramento pela Infanta Regente, ministério e corte, em 31 de Julho desse ano, até 23 de Julho de 1828, dia em que as Cortes Gerais reconheceram D. Miguel por legítimo Rei de Portugal.Consumada a usurpação de D. Miguel pela Convenção de Évora-Monte, em26 de Maio de 1834, voltou nessa data a Carta à sua categoria de texto constitucional, e promulgou-se no seguinte mês de Dezembro, aliás com constitucionalidade discutível, a lei da proscrição.Mas a atribulada história da Carta continuaria.A Revolução de Setembro, em 1836, aboliu-a pelo decreto de 10 desse mês, mandando reconhecer como lei fundamental a Constituição de 1822. Ora este texto atribuía no artº 141º, aos legítimos descendentes de D. João VI, segundo a ordem normal da primogenitura, a coroa portuguesa.Assim, o decreto de 36, incorporando a Constituição de 22, revogava a lei da proscrição e restituía a D. Miguel os perdidos direitos.Provavelmente, o caso não passou despercebido, porque, quando se quis consolidar o movimento de Setembro, bem viva ainda a opinião legitimista do país, introduziu-se na Constituição de 1838, jurada a 4 de Abril desse ano, e que veio substituir a de 22, o princípio da lei da proscrição: a linha colateral do ex-infante D. Miguel e de toda a Sua descendência é perpetuamente excluída da sucessão, diz o artº 90º.Passaram anos, e as vagas da política liberal trouxeram pela última vez à tona de água a Carta de 26.Foi em 1842, em seguida ao movimento de Costa Cabral. Pelo decreto de 10 de Fevereiro, foi a dádiva de D. Pedro reposta em vigor, revogando portanto a Constituição de 38.

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A luta entre as duas correntes liberais continuou, para vir concluir na transacção dos Actos adicionais. Mas em 1852, à data do primeiro, o liberalismo parecia definitivamente consolidado, e a dinastia reinante bastante robusta, com a numerosa prole de D. Maria II, para que alguém se preocupasse com as ninharias da sucessão eventual da Coroa.Ora, por força do decreto de 42, ficou a Carta valendo, como se fosse texto dessa data.E revogando a Constituição de 38, reintegrava D. Miguel, ainda vivo, na plenitude dos direitos que, como se expôs, na sua. primeira vigência, a de 1826, lhe conferia.Assim o mundo dá voltas. E o célebre papel com que o «Dador» brindou a Nação há mais dum século, estabelecendo, contra as leis então vigentes, a exclusão da Coroa do seu legítimo sucessor, D. Miguel I, mais tarde exilado, obriga, afinal a restituir direitos depois

de outro exílio real, ao legítimo herdeiro dele.Um exílio repara o outro. O direito novo vai afluir ao direito histórico da Nação. Ou não fosse verdade que Deus escreve direito por linhas tortas.José Augusto Vaz Pinto - In A Voz de 2 de Setembro de 1932

1932 - Aclamação de Dom Duarte Nuno de Bragança

Proclamação do Lugar-TenenteJoão de Azevedo CoutinhoEm Nome da Causa Monárquica,Aclamando Rei de PortugalO Senhor D. Duarte Nuno de BragançaAos Monárquicos PortuguesesPor grande desgraça e luto de Portugal, foi Deus servido chamar a Si o nosso Rei Senhor D. Manuel II, cuja memória de bondade, desdita e gloriosos serviços à Pátria todos os portugueses veneram e honram.Considerando que perante este doloroso e inesperado acontecimento, importa acatar e aplicar as regras do sistema monárquico, que asseguram a sucessão real;Considerando que a união de todos os monárquicos é indispensável neste momento, mais que nunca, por motivos de ordem nacional e internacional;Considerando que as normas de direito, acordes com o sentimento público, fazem recair a necessária sucessão de El-Rei na Pessoa de Sua Alteza o Príncipe Dom Duarte de Bragança;

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Considerando que as doutrinas que Sua Alteza Real se dignou aprovar em carta que me dirigiu se identificam com o pensamento político claramente manifestado por El-Rei D. Manuel II em vários documentos;Ouvidos o Conselho da Lugar-Tenência, o Conselho Político e a Comissão Executiva da Causa Monárquica, membros dos anteriores Conselhos, direcção das Juventudes Monárquicas, delegados distritais, antigos ministros, parlamentares, governadores civis e senadores monárquicos, antigos combatentes e representantes da imprensa monárquica:Em nome da Causa que tenho representado, reconheço e proclamo num brado de fé e patriotismo, como já o fizeram outros grupos monárquicos, Rei Legítimo de Portugal Sua Alteza Real o Senhor Dom Duarte de Bragança.VIVA SUA MAJESTADE O SENHOR DOM DUARTE II!João d’Azevedo Coutinho(In Documentos da Aclamação de El-Rei Dom Duarte II, Lisboa, 1933, p. 24)

1934 - Protesto contra o confisco dos bens da Casa de Bragança«Eu, D Duarte, Duque de Bragança, tendo tomado conhecimento do Decreto-lei nº 23.240, de 21 de Novembro de 1933, que deu aplicação e novo proprietário aos bens vinculados da Casa de Bragança, formulo perante o Governo Português e perante a Nação o meu protesto contra tal disposição, ofensiva das antigas leis nacionais e dos mais elementares princípios de justiça.

Não me move qualquer impulso de ambição.Nascido e criado em um lar proscrito, aprendi no desterro, com a recordação e pelo exemplo de El-Rei D. Miguel, meu augusto Avô, e nos conselhos e lições de meu Pai, a amar e a servir Portugal na pobreza e com o desinteresse de que um e outro, em toda a sua vida, deram prova, fiel como Eles às leis da honra e pronto ao sacrifício da própria vida pelo bem do País.Importa-me, porém, defender e assegurar a função histórica de uma Casa que foi durante séculos verdadeira Instituição Nacional, garantida pela posse da minha Família e por leis que não foram legitimamente revogadas.Importa-me recordar os altos serviços prestados à Pátria pelos Duques de Bragança, meus Antepassados; pelo fundador da Casa, o Santo Condestável; por El-Rei D. João IV, como Ele salvador da Independência Nacional, e por todos

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os Senhores Reis que se lhe seguiram em legítima sucessão, acrescentando todos eles o Poder Real com a força e a tradição da sua Casa.Importa-me lembrar que, pela expressa vontade dos instituidores do vínculo e pelas leis seculares que informam a posse e a sucessão na Casa de Bragança, esta constitui uma propriedade particular de natureza especial, não partilhável nem susceptível de disposição testamentária; propriedade cuja guarda e conservação me pertence hoje a Mim, pela própria legitimidade da minha herança dinástica, cumprindo-me transmiti-la intacta aos meus Sucessores, em memória e respeito de um passado, que é ao mesmo tempo da minha Família e da Nação; e esse direito de propriedade, embora de natureza especial, não se compadece com a disposição de confisco contida no Decreto nº 23.240, negando-se existência e vida à Família de Bragança que, mercê de Deus, não se extinguiu.Os institutos de interesse público, criados pelo decreto, embora dignos da minha atenção, não justificam esse acto do Governo, que interpôs em um assunto de carácter patrimonial uma decisão de força, que não cabe nas considerações que lhes servem de fundamento.Contra esse acto do Governo formulo o meu protesto, porque o meu silêncio poderia ser levado à conta de assentimento tácito à flagrante, injusta e por todos os títulos bem inesperada violação de direitos, que são meus e dos meus Sucessores, direitos aos quais não renuncio nem me é dado renunciar, porque pertencerão no futuro, como hoje, ao Chefe da Casa de Bragança, à qual cumpre continuar na história da Pátria as gloriosas tradições do seu passado.»

D. Duarte de Bragança

1945 - Mensagem por ocasião do nascimento do Príncipe da Beira

PORTUGUESES:Sempre meus Avós vos anunciaram o nascimento de seus Filhos - e sempre essa notícia encheu de contentamento e certeza todos os lares portugueses. Para a Nação, nas Instituições que represento, o nascimento dum Príncipe ou duma Princesa confirmava a continuidade da vida nacional, unida no mesmo amor.Sejam quais forem os tempos, de longe ou de perto, vós sois para mim o mesmo que fostes

para os meus Antepassados: o Povo querido e glorioso que melhor serviu a Deus e à sua Terra e mais amou os seus Reis. Por isso vos anuncio, como Eles anunciavam, o nascimento de meu Filho, oferecendo a sua vida ao bem de Portugal com o mesmo fervor com que há muito consagrei a minha.

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Herdeiro de deveres imprescritíveis, acima de interesses pessoais e de partidarismos, dou-vos nesta hora de interrogações e ansiedades que oprimem, a certeza de que não findará no meu Lar a consciência das responsabilidades que me prendem a Portugal e à felicidade de todos os Portugueses.De todos vós, sou o único a quem as circunstâncias não permitem viver nessa terra bendita que meus Avós tanto dilataram. Quero-lhe, porém, dobradamente e ao seu Povo, na saudade constante a que a separação me força. O vosso coração deve compreender isto. E compreender também que, quanto tenho sofrido no exílio, só me faz desejar que nenhum de vós o sofra.Unamo-nos todos. Temos de favorecer a harmonia, a ordem de que a Nação precisa. Mas igualmente vos digo que não renuncio nem fujo a nenhuma das minhas responsabilidades históricas. E espero que a vossa consciência colectiva vos mostre, num profundo instinto acordado, que só na Monarquia reencontrará as garantias, direitos e liberdades derivadas dum Poder que, por ser legítimo e natural, não depende de divisões nem de egoísmos.Antes de tudo, preocupa-me a existência dos pobres, dos necessitados, dos trabalhadores; e, num aumento geral de riqueza, o conjunto de providências que a todos devem levar pão e alegria. Penso, do mesmo modo, no nosso lugar no mundo e no completo resgate da civilização que Portugal tão largamente difundiu e tantos males e experiências têm ameaçado. Estas preocupações e os sentimentos de justiça que as determinam derivam dos fundamentos morais dos princípios que sustento, da própria ética cristã que os formou, sem necessidade de outras razões.Desejo ainda notar a circunstância feliz de o meu Herdeiro ter nascido nas primeiras horas de paz no Ocidente e da vitória da nossa aliada, a Grã-Bretanha, a quem nos prende, e ao seu Rei, uma amizade muitas vezes secular, sem esquecer outras nações a nós ligadas pelo sangue, pelo espírito e pela afinidade de interesses europeus ou universais.E podeis acreditar que, em meu Filho, continuará a dedicação com que vos acompanho, pensando só no bem de todos vós e na grandeza da Pátria.Duque de Bragança[ D. Duarte Nuno de Bragança ](In D. Duarte Nuno de Bragança - um Rei que não Reinou. Testemunhos sobre a vida e a obra de Dom Duarte II Chefe da Casa Real de Bragança, Lisboa, 1992, pp. 233-234)

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1950 - Revogação das leis sobre banimento e proscrição

Lei nº 2.040, de 27 de Maio de 1950.Em nome da Nação, a Assembleia Nacional decreta e eu promulgo a lei seguinte:Artigo único. São revogados a Carta de Lei de 19 de Dezembro de1834 e o Decreto de 15 de Outubro de 1910 sobre banimento e proscrição. Publique-se e

cumpra-se como nela se contém.Paços do Governo da República, 27 de Maio de 1950 - António Oscar de Fragoso Carmona - António de Oliveira Salazar.

1959 - Proclamação ao Povo Português por Dom Duarte Nuno

PORTUGUESES:«Desde que por morte de meu Primo, El-Rei D. Manuel II, eu herdei a total representação dos príncipes que fizeram a grandeza da Pátria, sempre tenho procurado manter-me na posição política de silêncio e de afastamento, que deve caracterizar a conduta do depositário de uma Herança sagrada, situada por princípio acima de todos os partidarismos e de todos os interesses de facção, porque se identifica com a própria História Nacional.Com a ajuda de Deus, conservei até hoje essa linha de rumo, de acordo com o exemplo que nas agruras do exílio recebi de meu Pai, e que a todos deu o Monarca destronado em 1910.Porém, fiel como Eles às leis da Honra e pronto para todos os sacrifícios pessoais pelo bem comum, eu creio ser meu dever intervir no momento actual, em que parece estar em causa o interesse nacional; perante a gravidade dos problemas que se levantam, poderia o meu silêncio parecer uma renúncia, e nunca em caso algum renunciarei à responsabilidade que herdei dos Reis de Portugal e devo integralmente transmitir à minha descendência.Eis porque me dirijo a Vós, portugueses de todas as raças e de todos os credos, exortando a que atenteis nas perspectivas angustiantes que ensombram o futuro da nossa Pátria querida; elas são o resultado fatal daqueles graves defeitos políticos já por mim denunciados em 1945, por ocasião do nascimento do Príncipe da Beira: a inexistência de autênticas instituições políticas, substituídas pela acção efémera dos homens e a teoria do Poder assente na transitoriedade e no empirismo de todos os regimes pessoalistas.

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A homenagem que presto à recta intenção de muitos dos governantes, ao acerto da administração pública e à constante defesa da ordem interna e da paz exterior, não pode, porém, anular em meu espírito o preço elevado que representa o atrofiamento das liberdades públicas e a menor consideração pela dignidade humana, aquela dignidade que deve - nas palavras de Sua Santidade Pio XII - constituir o limite e a medida de toda a acção política. Como também receio que a ordem, na medida em que é filha do constrangimento e não de uma sã harmonia social, possa num futuro breve volver-se no caos irreparável da desordem.Eu, como herdeiro dos Reis que promoveram os vossos direitos fundamentais e defenderam contra todas as pressões a vossa dignidade, não quero deixar de denunciar, em nome dum Passado cujas lições nenhum improviso poderá ofuscar, o erro de todas e quaisquer situações que, fazendo tábua rasa do Direito Público e do princípio institucional, alicerçam o Poder em prestígios pessoais. É em momentos de crise, como aquele que se avizinha, que mais dolorosa se torna a ausência de uma Autoridade que, pela sua origem e natureza transcendentes, tenha o poder natural de arbitrar e defender o equilíbrio e a unidade nacional.As experiências políticas e sociais do nosso tempo, longas ou fugazes, têm-me arraigado na convicção de que o Rei, como procurador histórico da Nação, é o mais natural processo de

defesa e manutenção das liberdades públicas, perante a força, a autoridade e as largas funções que caracterizam o Estado Moderno; o monarca não está por natureza enfeudado a uma «direita» ou a uma «esquerda», e por isso ele tem em si o dom de libertar as Instituições sem que perigue a autoridade do Estado. A sombra da Instituição Monárquica, o diálogo das opiniões pode prosseguir livremente como elemento fundamental da evolução progressiva do País. No seu próprio interesse e dos seus descendentes, o Rei é a garantia do respeito das leis fundamentais da vida pública, o fiador das liberdades naturais e legítimas do Povo e, finalmente, o zelador da justiça social.Creio ser possível, na aparente desorientação dos espíritos, encontrar o denominador comum do pensamento político, da ansiedade popular, das opiniões dos homens cultos e das vitais exigências da grei. Será ele uma síntese política em que a acção dum Governo eficiente e forte se exerça no estrito acordo das regras da moral cristã e do Direito Público, respeite como limite os inalienáveis direitos da pessoa humana, faça florescer as liberdades públicas e associativas, e seja condicionado e fiscalizado por uma genuína representação nacional. É esta, aliás, a grande tradição da Monarquia Portuguesa, e creio que Vós, portugueses, sabereis reconhecer a vantagem que a Instituição Real vos oferece na realização e defesa do harmonioso edifício dum Estado verdadeiramente nacional.

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Na hora em que vos dirijo estas palavras, uma apreensão profunda pesa nos espíritos mais esclarecidos em relação às circunstâncias graves que do exterior começam a pairar sobre o futuro das Províncias Ultramarinas Portuguesas. Creio ser dever de todo o português meditar sobre o melhor condicionalismo que é possível criar para conservar além do tempo a unidade e a grandeza da Pátria. Penso que a excessiva centralização administrativa pesa hoje na sã evolução do Ultramar. Mas a descentralização, que reputo urgente, tem de ser concebida à sombra dum princípio de unidade política e constitucional que saiba e possa prevalecer naturalmente sobre a profunda diversidade de cada Província. Só assim será possível trazer do domínio das ideias para o domínio dos factos o belo sonho da Comunidade Lusíada.Haverá, por acaso, instituição que mais naturalmente possa realizar essa unidade, perpetuá-la no tempo e simbolizá-la no sentido e no amor dos povos, que a Instituição Real?Queria que as palavras que vos dirijo, a Vós portugueses, fossem para todos um elemento de paz e de esperança.Longe de ambicionar ser o chefe de uma facção, só no amor de todo um Povo eu saberia buscar a fonte da minha Autoridade e do Poder Real. Sempre os meus Antepassados foram Reis de todos os portugueses, e a História regista que o Rei foi o aliado natural do povo humilde, sofredor e bom da Terra Portuguesa. O ideal que vos proponho, que proclamo necessário à vossa inteligência e ao vosso coração, é cimentado no respeito do homem e da sua liberdade, na ânsia duma justiça social ampla, no sentimento duma Autoridade consente e forte, mas profundamente legal e humana. E busca libertar a Nação do abraço do Estado, para de novo poderem florescer em torno da Coluna Real as instituições múltiplas duma Nação viva, pujante, livre e próspera.Nesta encruzilhada do destino nacional, eu peço a Deus, humildemente ligado àquela Fé que deu aos meus Avós o direito de se chamarem Fidelíssimos, que dê às minhas palavras a graça de unirem os Portugueses num fraterno abraço, num imenso desejo de matarem o ódio e de todos juntos continuarem Portugal. E a todos saúdo, ricos e pobres, homens da

cidade e da fábrica, do campo e do mar, ignorantes e sábios, homens das Forças Armadas que deram glória e lustre à Terra e aos Reis e são os depositários da virilidade lusíada.Eu Vos quero muito e sempre estarei convosco até ao fim.Viva Portugal!»

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1970 - Manifesto da Convergência MonárquicaI - RAZÕES DE UMA ATITUDEA grande maioria dos monárquicos portugueses foi forçada a concluir, perante a evidência dos factos, que a ideia monárquica vem nas últimas décadas sendo afastada da problemática real do País, e que a sua viabilidade é sistematicamente tornada mais aleatória.Julgam portanto aqueles que têm militado no campo - quer da independência quer da oposição ao Estado Novo - chegado o momento de criarem as condições indispensáveis para que a atitude, o pensamento e a acção monárquicas, na pluralidade das suas possibilidades e programas, permitam pôr decididamente ao serviço do Povo e da Liberdade dos Portugueses, as valiosíssimas potencialidades da Instituição Real.Fazem-no após análise e meditação da política monárquica, desde a implantação da República, certos da responsabilidade que o futuro fará pesar sobre os seus ombros, e consideram, em consciência, esta atitude um serviço a Portugal.II - MEDITAÇÃO E ANÁLISEMuito se deve, no passado, às Juventudes Monárquicas Conservadoras e à Causa Monárquica.Organizadas há mais de meio século sobre os destroços dos partidos monárquicos, desarticulados pela mudança de regime, e sobre o movimento (então ainda organicamente amorfo e ideologicamente indeterminado) com que a Juventude desse tempo respondeu a essa mudança, muito devem a ideia monárquica e a própria Pátria a essas duas faces da organização monárquica.Em plena agitação demagógica, na fase tumultuosa da vida pública, aparentemente dominada pelas personalidades políticas do novo regime, mas em que, efectivamente, os grupos activos nem entendiam os pretensos mentores, nem eram governáveis por eles, e em que os grupos de renovação intelectual (o Integralismo Lusitano, a Seara Nova, a Filosofia Portuguesa, a Acção Realista e muitos mais), prejudicados pelos ambientes e pelas constantes solicitações de acção necessária, dificilmente cumpriam a sua missão própria, a Causa Monárquica deu, muitas vezes - sob a égide de Aires de Orneias, de Paiva Couceiro, de Martins de Carvalho, de Fernando de Souza, de Carvalho da Silva, de Fernando Pizatro e de outros - o exemplo de equilíbrio, de serenidade sem indiferença, de acção sem nervosismo, de manobra sem indignidade, que permitiu conservar as

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esperanças no plano político a um povo que as circunstâncias precipitavam no desespero e encaminhavam para a guerra civil.E, nesse aspecto, é forçoso reconhecê-lo, a Causa Monárquica superou todas as demais organizações congéneres, com excepção do Partido Legitimista, reorganizado em 1893, que da Causa se manteve separado - embora colaborasse lealmente - até terminar o problema dinástico.

Dominada desde o início pelo que restava do Partido Conservador Liberal, fundado no primeiro ano do século por João Franco, influenciada pela obra dos últimos anos de Ramalho Ortigão e pela renovação cultural promovida pelo Integralismo Lusitano no segundo decénio, articulada no terceiro decénio pela integração da Acção Realista, a Causa Monárquica foi também o principal instrumento da fusão das várias correntes do pensamento monárquico quando, por morte do Senhor Dom Manuel, em 1932, a questão dinástica, que dividiu o país por mais de cem anos, se resolveu naturalmente.Foi ela quem pôde, nos anos quarenta deste século, fazer a propaganda dinástica necessária e - principalmente através da CORG (Comissão Organizadora da Causa Monárquica) - tornar conhecida do português comum, do homem da rua, a figura do Rei, nascido no exílio, banido do território nacional e efectivamente impedido do se apresentar publicamente em Portugal.E, se o mérito da obra, no plano estritamente monárquico como no plano nacional, há-de ser partilhado entre a Causa Monárquica e o Partido Legitimista (fundido em 1920 com o Integralismo Lusitano), a verdade é que a organização material que a tornou possível foi a Causa Monárquica.Mas, a seguir à fase paroxística de agitação política e social do fim do primeiro quartel do século, que parecia o início de guerra civil, as circunstâncias em que teve lugar o pronunciamento militar de 1926, nomeadamente a tendência restauracionista que o informou, permitiram que, sem quebra de dignidade nem de coerência, muitos monárquicos - quer dos que se mantinham como «franco-atiradores», quer dos que se integravam em qualquer das denominações embrionariamente organizadas - se comprometessem na obra da situação emergente do «28 de Maio».E tem de se reconhecer que esse compromisso, embora discutível, era lógico e moralmente lícito (apesar de a intenção restauracionista ter sido formalmente abandonada nos primeiros dias de Junho de 1926) enquanto não se manifestou, em 1932, o propósito de considerar um status quo constitucional intrinsecamente incompatível com a Monarquia.

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Porém as relações que muitos tinham criado com alguns aspectos da obra política realizada entre 1926 e 1932, conjugadas com a comodidade das situações individuais que, entretanto se estabeleceram e os prematuros desaparecimentos de Xavier Cordeiro, de António Sardinha, de Álvaro Maia e do Príncipe Dom Miguel, bem como o de João Franco, o de Aires de Orneias e os dos próprios Senhores Dom Miguel Segundo e Dom Manuel, impediram que a maioria dos monárquicos acompanhassem Paiva Couceiro, Augusto de Saldanha, Almeida Braga, Hipólito Raposo, Alberto Monsaraz, Pequito Rebelo, Rolão Preto e Vasco de Carvalho quando, sucessivamente, estes se desligaram de uma situação que tinha nascido restauracionista, mas que se tornaria imobilista e administrativamente oportunista, no pior sentido.As limitações impostas pela idade e por circunstâncias de vária ordem às principais figuras da política monárquica de então - Azevedo Coutinho, Fernando de Souza, Martins de Carvalho, Fernando Pizarro, Ruy Ulrich, etc. - facilitaram a outros a manutenção (com transigência que já envolvia alguma indignidade política) de compromissos com o novo regime republicano, não só depois de tais compromissos terem perdido fundamento, mas até depois de as operações de desarticulação do Nacional Sindicalismo, a prisão de Paiva Couceiro e de Hipólito Raposo, bem como o exílio do Conde de Monsaraz e as

perseguições, a Pequito Rebelo e a Rolão Preto, os terem tornado eticamente insustentáveis.E, com capciosa justificação, a transigência prosseguiu ainda, depois de ter sido mantida a lei do banimento da Família Real como excepção às medidas tomadas em 1941 perante a situação internacional, que tornaram livre o regresso a Portugal de todos os portugueses exilados por motivos políticos.De 1945 a esta parte, a história pública da Causa Monárquica limita-se quase somente a uma sucessão de transigências, de muitos daqueles a quem o Rei cometeu a Sua defesa, a da Dinastia, a dos interesses de Portugal.Outras iniciativas ocasionais foram levadas a cabo por dedicados servidores do Rei, que julgaram poder servi-lo integrados na Causa Monárquica, que nas suas funções puseram o maior zelo, para descobrirem, ao fim de pouco tempo, que a preocupação dominante da organização era a de «não fazer ondas!», argumentando-se com a noção hegeliana, incorrectamente formulada, de que «a única hipótese não comunista de solução política do País é a Restauração» e com o arbitrário pressuposto de que «toda a oposição ao actual regime, quando não é comunista, é, pelo menos, inspirada pelo partido comunista».Impedidos pelos órgãos da Causa Monárquica de actuar, mesmo no plano intelectual, parte dos membros da CORG (Comissão Organizadora da Causa Monárquica) tiveram de formar, em 1939, o «GAMA», o qual atraiu muitos jovens desse tempo, nascidos antes de 1920.

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Em Fevereiro de 1949, a irradiação da Causa Monárquica de Almeida Braga e de Vieira de Almeida implicou o afastamento de, praticamente, todos os jovens monárquicos nascidos entre 1920 e 1930.Pela frequente e relapsa colaboração com a União Nacional em todos os momentos em que podia e devia manifestar a sua independência -, Outubro de 1949, Maio de 1951, Outubro de 1953 e de 1957, Maio de 1958 - a Causa Monárquica obrigou outros a assumirem a defesa da limpidez da dignidade monárquica, afastando de si vagas sucessivas de jovens que nasceram entre 1930 e 1940.Apesar de tudo, por mérito da tradição de dignidade que as gerações passadas lhe tinham legado e da obra que, em benefício da Causa Monárquica, embora contra ela, foi realizada por Almeida Braga, por Vieira de Almeida, por Alberto Monsaraz, por Pequito Rebelo, por Fernando Amado, pelos signatários dos manifestos monárquicos de Outubro de 1957 e de Maio de 1958, e por alguns outros, a Causa Monárquica tinha ainda audiência nacional no início dos anos 60. A manobra eleitoral de Outubro de 1961, as confusões e tergiversações de igual mês de 1965 e de Setembro de 1969, e quase todas as manifestações de carácter político da Causa Monárquica, bem como as que por elas foram inspiradas ou aprovadas, divorciaram-na não só dos grupos activos, mas da juventude e da intelectualidade monárquica, e dos portugueses em geral.A experiência do passado (glorioso ainda que longínquo) da Causa Monárquica, a certeza da absoluta inviabilidade ética, lógica e política dos compromissos em que se enredou, mostram claramente a necessidade de tudo tentar para a reformar imediatamente, e entretanto constituir um organismo coordenador da actividade dos movimentos políticos e culturais, e das pessoas que, por serem monárquicas, foram irradiadas da Causa ou tiveram de se afastar, ou não puderam ou não quiseram nela integrar-se.Importa que esse organismo seja, antes de mais, um núcleo de convergência monárquica e não um partido monárquico, propugnador de determinada forma monárquica, de certo

regime económico-social ou de particular processo administrativo.A «CONVERGÊNCIA MONÁRQUICA», além de ser monárquica extreme - e nada mais, poder congregar e coordenar os movimentos e as pessoas que nela convergem, há-de ser independente dos compromissos em que se enredou a política monárquica oficial.E, para poder, nas circunstâncias presentes, exercer eficazmente as funções que lhe incumbem, tem também de ser independente de cada um dos movimentos (ou partidos embrionários) que dela fazem parte e, quanto possível, do próprio particularismo ideológico geracional ou local, da maioria das pessoas

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que, congregadas em qualquer daqueles movimentos ou individualmente, se integrarem na «CONVERGÊNCIA MONÁRQUICA».Só em tais termos a «CONVERGÊNCIA MONÁRQUICA» pode ser: centro de convívio e diálogo entre monárquicos; organismo coordenador de movimentos monárquicos díspares e, possivelmente, divergentes em aspectos ideológicos alheios ao da própria essência da Monarquia; centro de organização de actividades, de interesse monárquico, capaz de contar com a leal colaboração de todos; eficaz instituição comum para o restabelecimento da confiança dos monárquicos e do respeito dos Portugueses no plano da actividade política.E estas missões, que a «CONVERGÊNCIA MONÁRQUICA» generosamente pretende aceitar e cumprir, constituem, no seu conjunto, a primeira condição necessária, ainda que insuficiente, para atingir o objectivo último de todos nós: a RESTAURAÇÃO DO PODER REAL.In - PROGRAMA

A «CONVERGÊNCIA MONÁRQUICA» procura conjugar todos os movimentos e todas as pessoas que pretendam tornar possível a solução monárquica, a partir de uma raiz popular.Tem por objectivos imediatos:1º - Libertar a ideia monárquica das deformações que lhe alteram o sentido e defendê-la dos falsos preconceitos que se lhe opõem.2º - Estudar as suas potencialidades através da análise comparativa dos mais característicos exemplos de países que conseguiram aliar à estabilidade política e à liberdade dos POVOS o maior progresso cultural, social e económico, precisamente todas as actuais monarquias do mundo civilizado.3º - Testemunhar as possibilidades humanas da Dinastia como símbolo e personificação das liberdades constitucionais.4º - Demonstrar que, em monarquia, a pluralidade das posições políticas é indispensável à sua permanência e que aquela é garantia da possibilidade de constante evolução e progresso.5º - Realizar, num futuro próximo, um CONGRESSO DO PENSAMENTO MONÁRQUICO.A «CONVERGÊNCIA MONÁRQUICA» está portanto para além dos partidos, pois procura efectivar a verdadeira representação popular da Monarquia.Até à realização do Congresso, a «CONVERGÊNCIA MONÁRQUICA» será dirigida por um Conselho Director Provisório, assistido por uma pré-Assembleia.

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António Crespo de Carvalho; António Pardete da Fonseca; Augusto Cassiano de Andrade Barreto; Daniel Noronha Feio; Fernando Costa Quintais; Fernando Teixeira Viana; Gaspar de Campos; Gonçalo Pereira Ribeiro Telles; Henrique Barrilaro Ruas; Henrique Queirós Athayde; João Crespo de Carvalho; João Camossa de Saldanha; João Seabra; Joaquim Navarro de Andrade; Jorge Portugal da Silveira; José Manuel Neves da Costa; Manuel Mascarenhas Novais Ataíde; Manuel de Carvalho Costa; Manuel Ramos Ferreira; Marco António Monteiro de Oliveira; Mário Mendes Rosa; Mário Pessoa da Costa; Pedro Paiva Pessoa; Rodrigo Moctezuma Pinto Leite; Rui Quartin Santos; Sebastião de Lancastre e Victor Manuel Quintão Caldeira.

1986 - Queixa apresentada ao Sr. Presidente da RepúblicaQueixa apresentada em 30 de Maio de 1986, nos termos do nº 1 do artigo 52º da Constituição, ao Sr. Presidente da República, por cidadãos monárquicos e republicanos:

«É opinião dos signatários que uma Constituição não deve, nem pode, hipotecando a opinião democrática dos vindouros, pretender legislar ad eternun, sob pena de, por razões de pormenor, se arriscar a si própria a ver encurtada a sua vida ou diminuindo o respeito que por ela os cidadãos devem ter. Assim, os signatários, de uma forma geral contrários a todas as disposições que, antidemocraticamente, obrigam a nossa e as vindouras gerações a uma intolerável situação de capitis deminutio, vêm perante V. Ex.a reclamar em especial contra a alínea com cuja citação iniciaram a presente queixa. É que ela, para além de implicar, ou pretender implicar (de forma pouco inteligente e constitucionalmente bárbara) que aos portugueses é vedado escolher uma forma de governar não republicana, quiçá monárquica, implica também que, pelo menos teoricamente, deveriam existir «formas de governo republicanas» versus «formas de governo monárquicas». O que além de falso, é destituído de sentido e nem teoricamente se verifica. O que existe (e V Ex.a será por certo, o primeiro a reconhecê-lo) são materialmente formas de governo autoritárias e ditatoriais versus formas de governo democráticas e, formalmente, formas de governo parlamentar, semipresidencialista ou presidencial unipessoais, de executivo ou de assembleia. Terá sido, pois, um lapso com ridículos efeitos, a introdução da alínea em causa no texto constitucional. E não o terá sido menos o facto de na revisão de 1982 se nãoter aproveitado para o corrigir. Na impossibilidade de descortinar claramente o que se passou no espírito dos constituintes, entende-se, de maneira geral, que a absurda

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imposição se refere, não à forma republicana de governo, figura inexistente, mas à forma de regime republicano, isto é, à caracterização do regime através da existência de um Chefe de Estado eleito. Para a Constituição, mais importante que a democracia e as liberdades públicas é o ódio serôdio e ridículo à chefia dinástica do Estado. A vontade popular será inconstitucional caso venha a desejar substituir o regime republicano pelo monárquico, ainda que, no mundo de hoje, estes existam precisamente nos países onde a democracia atingiu as suas formas mais aperfeiçoadas. Donde se conclui, Sr. Presidente, que a disposição em causa não tem, necessariamente, cabimento numa Constituição democrática,

só o podendo ter em simulacros de Constituição elaborados por regimes totalitários. Acresce, Sr. Presidente, que o artigo 37º da Constituição consagra expressamente a liberdade de expressão e informação da qual deriva, expresso no artigo 51º, o direito de associação e organização política «a fim de concorrer democraticamente para a formação da vontade popular e organização de poder político». Não sendo de admitir que os constituintes entendessem consagrar expressamente tais liberdades e direitos mas, ao mesmo tempo, proibir a sua democrática concretização - o que revelaria inqualificável má-fé e desprezo pelo povo português - torna-se evidente que a alínea b) do artigo 290º da Constituição se choca frontalmente com os princípios consagrados no plano dos direitos, liberdades e garantias, princípios que, evidentemente, antecedem as disposições do artigo 290º e não podem, por este, ser derrogados. Ou prevalecem os direitos e desaparece a alínea em causa, ou se dá a hipótese inversa a bem da constitucional coerência, o que será totalmente inadmissível. No primeiro caso, para além da coerência, consagrar-se-ia a democraticidade da Constituição; no segundo talvez se ganhasse em coerência, mas passaríamos a viver em ditadura. Assim, e atendendo a que:1 - A vontade popular é soberana e não pode, nem deve, ser espartilhada por imperativos como os contidos no artigo 290º da Constituição, designadamente na sua alínea b);2 - Portugal pertence à CEE, cujos membros são em grande parte monárquicos, sendo a referida alínea, objectivamente, uma ofensa a tais países;3 - A monarquia se tem revelado por toda a parte como um esteio fundamental da democracia, v.g. no caso espanhol;4 - As sucessivas crises e clivagens que os vários preenchimentos do cargo de Chefe de Estado têm provocado no seio da democracia portuguesa têm, indubitavelmente, posto em causa aquilo a que a Constituição chama «forma republicana de governo».

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Os cidadãos abaixo assinados, monárquicos e republicanos, mas acima de tudo portugueses, apresentam queixa a V. Ex.a contra a Constituição da República e rogam queira fazer presente a sua queixa a que têm direito, com o empenhamento pessoal que a fé democrática e a obrigação de defender a democracia não deixarão de impor a V. Ex.a.Este facto torna-se mais actual quando se verifica que no Brasil o povo irmão acaba de aprovar uma emenda à sua constituição em resultado da qual uma consulta democrática será realizada em 1993 para definir as futuras formas do regime e de governo. A eliminação daquela alínea da nossa Constituição possibilitaria a abertura da discussão aos mais altos níveis, sobre um tema que ganha maior acuidade à medida que aprofundamos a nossa integração nas Comunidades Europeias.»Primeiro signatário - António Sousa Lara

2004 - Petição para a fiscalização da constitucionalidade da última revisão constitucional

1. É sabido que aquela que esteve para ser a mais minimalista e discreta revisão da nossa Constituição acabou por ser uma das mais significativas e, seguramente, a mais problemática de todas as que até agora se realizaram, quer no plano simbólico, quer no plano substancial. Referimo-nos, obviamente, às novas disposições aprovadas que autorizam a subordinação política da nossa ordem constitucional ao quadro jurídico da União Europeia, ressalvados os princípios fundamentais do Estado de Direito democrático.

De forma simplificada mas efectiva, referimo-nos, pois, ao espantoso processo que veio permitir que, conquanto a União Europeia seja fiel aos princípios democráticos, as suas normas se imponham no nosso país apesar de, ou mesmo contra, a Constituição Portuguesa. Entendem os signatários deste documento que tal revisão constitucional, a aguardar ainda promulgação por parte do Senhor Presidente da República, constitui um acto de desvitalização política e de esterilização constitucional, que é politicamente incompreensível e juridicamente inconstitucional.2. É politicamente incompreensível por inúmeras razões. Desde logo pela forma como decorreu todo o processo. Não se discute a competência da Assembleia da República para empreender a revisão constitucional, mesmo quando se trate de uma revisão que, no limite, seja amputadora da soberania como esta foi. Porém, a própria Assembleia da República está constitucionalmente sujeita a regras para poder rever a Constituição, sendo nosso entendimento que tais regras não foram

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respeitadas. Também o facto de estar investida de poderes constitucionais não desobriga a Assembleia da necessidade de produzir um amplo debate político, sobretudo quando se trate, como é o caso, de matéria da maior relevância. Ora, é patente que esta revisão constitucional foi empreendida com cuidadoso silêncio e com preocupante ocultação de argumentos políticos, resultando num processo meio obscuro que consubstancia, apesar de tudo, um golpe violento na natureza do Estado. Deste modo, o processo de revisão não foi apenas incompreensível, foi também criticável do ponto de vista da ética e da transparência políticas. É também politicamente incompreensível porque se tratou de um acto totalmente imprudente. Ao admitir a secundarização do texto fundamental em face das normas comunitárias, o Estado português desarmou-se constitucionalmente perante o processo de integração europeia. Ora, até aqui, o processo de integração tem sido commumente entendido como de progressiva cooperação e, sobretudo mais recentemente, de gradual partilha de soberanias entre Estados, procurando obedecer a um princípio de equilíbrio e a um vector de intergovernamentalidade.Naturalmente, tal processo não tem sido indiscutível nem isento de espinhos. Porém, qualquer que seja o posicionamento que se tenha nesta matéria da construção europeia, e qualquer que seja o grau de identificação com o processo em curso, facilmente se concordará em que apenas se negoceia a partilha de soberanias quando existe de facto alguma reserva de soberania. O que aconteceu, no entanto, foi que, com esta revisão, tal reserva de soberania constitucional foi sacudida e baldeada como estorvo e inconveniente.O resultado, perverso, é que sem tal reserva de soberania não teremos, realmente, meio de prosseguir no processo de integração europeia com um mínimo de autonomia constitucional.Por outro lado, abdicar de qualquer salvaguarda política e jurídica da soberania nacional em face do processo de construção europeia é imprudente e intolerável, mesmo para aqueles que sustentam o projecto pleno de uma Europa federal. É que até estes têm defendido que a susceptibilidade de recuo é a arma das «soberanias» federadas, pelo que também eles foram traídos com a revisão operada.Vieram alguns explicar, a posteriori, querendo minimizar e desdramatizar o significado da revisão, que já hoje o acervo comunitário se impõe ao direito interno, pelo que as alterações constitucionais não trariam grande novidade. Mas, claro, a ser assim, a revisão seria

plenamente dispensável por inócua, o que não foi o caso. Além de que sempre sobra uma abissal diferença entre a supremacia

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do direito comunitário no domínio dos compromissos validamente assumidos no passado, à luz da Constituição Portuguesa, e a supremacia incondicionada do direito comunitário no domínio de todos os compromissos futuros - mesmo daqueles que Portugal não queira assumir.No entanto, o argumento que mais se insinuou, também apenas aposteriori, foi o de que haveria necessidade de garantir antecipadamente a constitucionalidade de uma futura e eventual constituição europeia, sob pena de exclusão do nosso país desse passo importante que se estaria novamente a desenhar apesar das expectativas frustradas da Convenção europeia. Mas, a ser assim, apenas se percebe melhor que não é possível, nem teórica nem pragmaticamente, fazer coexistir dois legados constitucionais autênticos no mesmo espaço e no mesmo tempo. Aqueles que cederam a tal preocupação foram vítimas de um excesso de zelo e mais não fizeram que inverter a hierarquia natural de prioridades, prometendo trocar, antecipada e voluntariamente, a actual Constituição Portuguesa por uma vaga promessa de constituição europeia.Os signatários deste documento discordam abertamente desta perspectiva, alertando para que ela assinala um marco novo no caminho da construção europeia, consumado na perspectiva de admitir o princípio de que a União pode, se for caso disso, fazer-se não com, mas contra os Estados europeus. Reconhecendo, embora, como legítima a posição de todos quantos abertamente perfilham a ideia de criação de um tal Estado europeu, os signatários apresentam-se nos antípodas de tal posição política, não confundindo as patentes mudanças e transformações ao nível do paradigma dos estados-nação com a sua precipitada declaração de óbito, nem muito menos com uma qualquer declaração de guerra contra os actuais Estados.3. Por outro lado, e independentemente da questão política de fundo, é nossa convicção que a revisão da Constituição foi também juridicamente inconstitucional.A Constituição da República Portuguesa constitui a máxima expressão normativa da soberania do Estado Português. Isto significa que não existe nenhuma norma jurídica nacional ou internacional que seja superior aos seus princípios e regras fundamentais, já que, se tal viesse a suceder, a Constituição portuguesa deixaria de ser o título jurídico do poder político de um Estado independente, para passar a ser o estatuto de uma entidade meramente autónoma.O artigo 288º da Constituição impõe que qualquer lei de revisão constitucional deva respeitar, sob pena de inconstitucionalidade material, um conjunto de princípios e regras fundamentais que integram a identidade constitucional. E, à cabeça desses princípios intangíveis surgem, na alínea a) do referido artigo, os princípios da «independência nacional» «e da «unidade do Estado», encontrando-se o primeiro consagrado explicitamente no artigo 1º da Constituição quando enuncia que «Portugal é uma República soberana (...)» e no nº 1 do artigo 3º, o qual reza que «A soberania, una e indivisível, reside no povo (...)».Deve ainda considerar-se:Que a Lei que aprovou a sexta revisão constitucional introduziu um novo nº 4 no artigo 8º da Constituição, o qual passou a prever que os tratados que regem a União Europeia, bem

como as normas comunitárias derivadas, se aplicam na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, devendo apenas respeitar os «princípios fundamentais do Estado de direito democrático»; que o referido nº 4 do artigo 8º permite a interpretação segundo a qual uma directiva ou um simples regulamento da União podem prevalecer sobre qualquer norma da Constituição Portuguesa, com excepção das que consagram os sobreditos «princípios fundamentais do Estado de direito democrático»; que a expressão «princípios fundamentais do Estado de direito democrático» não é textualmente equivalente à de «princípios básicos e estruturantes do Estado» que diversos Tribunais Constitucionais, como o alemão e o italiano, têm avançado como limites constitucionais soberanos, inderrogáveis pelo direito comunitário; que a noção de «princípios fundamentais do Estado de direito democrático» não abrange, necessariamente, o princípio da independência nacional na organização do poder político, dado que o seu objecto é composto pelos princípios do respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, sufrágio universal, separação e interdependência de poderes, independência dos tribunais e segurança jurídica, valores que nunca poderiam ser desrespeitados pelas normas da União Europeia;Que a ser esse o significado dado à expressão «Estado de direito democrático», semelhante limite aos tratados e às normas comunitárias constituiria uma fórmula inútil, senão redundante, permitindo que qualquer norma do direito comunitário se superiorizasse sobre as disposições da nossa Constituição que enunciam e protegem o núcleo da soberania interna e externa do Estado português; Que o nº 6 do artigo 7º, introduzido pela mesma revisão, concede ao poder político português um «cheque em branco» para transferir para a União Europeia componentes fundamentais da unidade e indivisibilidade da soberania, que se encontram consagradas no nº 1 do artigo 3º da Constituição, permitindo que o núcleo dessa mesma soberania composta pela política externa, de segurança e de defesa, possa transitar, sem qualquer limite, para a União Europeia;Que o nº 6 do artigo 7º e o nº 4 do artigo 8º, introduzidos na sexta revisão da Constituição, violam o limite material expresso na alínea a) do artigo 288º da

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Constituição, dado que permitem que o princípio da independência nacional ou da soberania do Estado venha a ser violado e esvaziado por normas não constitucionais, como as de direito comunitário, de forma a transformar uma República soberana num estado federado ou numa região autónoma;Que os referidos preceitos são normas «constitucionais inconstitucionais», porque violam a primeira disposição dos limites materiais à revisão constitucional expressos na alínea a) do artigo 288º - já que pressupõem que uma lei de revisão constitucional possa impor um «duplo processo de revisão», alterando a identidade fundamental e soberana da Constituição, o que é proibido pela Lei Fundamental - e também porque instituem um processo ad libitum de revisão constitucional supranacional, sem intervenção da Assembleia da República, e em total desrespeito pelos limites temporais, de iniciativa, de aprovação e de promulgação estabelecidos no Título II da Parte IV da Constituição;Que a Lei de revisão constitucional de 2004, procurando fragmentar e esvaziar o princípio da soberania da República Portuguesa no seu núcleo fundamental, através de normas não constitucionais, nem sequer procura previamente eliminar a alínea a) do artigo 288º da Constituição, podendo incorrer em «fraude à Constituição», já que procura simuladamente, alterar a identidade da Lei Fundamental à margem dos limites que a mesma impõe;

Que a Lei que aprova a sexta revisão constitucional, na parte que se refere aos artigos 7º e 8º, não é uma genuína Lei de revisão, mas um expediente normativo criador de uma transição constitucional que, depreciando a identidade fundamental da Constituição de 1976, altera a natureza soberana do Estado português e abre caminho a que o mesmo perca os seus atributos mínimos de independência, sem que sequer o povo, titular da soberania, o autorize.Por todo o exposto, vêm os signatários requerer que o Presidente da República, o Procurador-Geral da República e o Provedor de Justiça suscitem respectivamente, ao abrigo das alíneas a), d) e e) do nº 2 do artº 281º da Constituição, a fiscalização abstracta sucessiva do nº 6 do artº 7º e do nº 4 do artº 8º da Lei de Revisão Constitucional aprovada em 2004.Primeiro Signatário - Paulo Teixeira Pinto

2006 - Parecer do Ministério dos Negócios Estrangeiros(...)

I. DAS NORMAS DE SUCESSÃO NA CHEFIA DA CASA REAL DE PORTUGALCabe, de antemão, precisar as normas que regem a transmissão de títulos nobiliárquicos, em particular aqueles associados à realeza de Portugal, para enfim

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confrontar a legitimidade de Rosário Poidimani, por oposição a D. Duarte Pio de Bragança.As regras sobre a sucessão régia, ou neste caso sobre a sucessão na chefia da Casa Real, em Portugal a Sereníssima Casa de Bragança, fazem parte do direito costumeiro internacional, não se encontrando estabelecidas em nenhum texto consolidado, antes emergindo da ordem social europeia e dispersas pelos vários sistemas constitucionais europeus ao tempo das grandes Monarquias Europeias, dos quais hoje sobrevivem apenas alguns de que são exemplo o Reino Unido, a Espanha, a Dinamarca, a Bélgica, o Luxemburgo, o Mónaco, etc. Em Portugal, algumas dessas normas encontraram expressão escrita nas Constituições Monárquicas - Constituição de 1822, Carta Constitucional de 1826 e Constituição Política de 1838.Em 1911, com a primeira Constituição republicana, foram expressamente revogadas todas as disposições constitucionais anteriores, pelo que deixaram de valer na ordem jurídica portuguesa. Não deixam, contudo de servir de referência escrita mas apenas na parte que corresponde às mencionadas normas da tradição dinástica europeia.De tal tradição resulta que:1. A sucessão da Coroa segue a ordem regular de primogenitura, e representação entre os legítimos descendentes do monarca reinante (ou do chefe da Casa Real, num regime não monárquico), preferindo sempre a linha anterior às posteriores e, na mesma linha, o grau de parentesco mais próximo ao mais remoto e, no mesmo grau, o sexo masculino ao feminino e, no mesmo sexo, a pessoa mais velha à mais nova.2. Extinta a linha da descendência do monarca reinante (ou do chefe da Casa Real num regime não monárquico) passará a Coroa às linhas colaterais e, uma vez radicada a sucessão em linha, enquanto esta durar, não entrará a imediata.3. Extintas todas as linhas dos descendentes e colaterais, caberá ao regime (Cortes, Parlamento, Conselho da Nobreza ou Povo) chamar à chefia da Casa Real uma pessoa

idónea a partir da qual se regulará a nova sucessão.4. A descendência do chefe da Casa Real nascida fora do seu casamento oficial- entenda-se canónico - está afastada da sucessão da Coroa, salvo por intervenção expressa do regime (Cortes, Parlamento, Conselho da Nobreza ou Povo) e nunca do próprio monarca.5. Mesmo em exílio, a sucessão real mantém-se, com todos os privilégios, estilos e honras que cabem ao chefe da Casa Real não reinante.

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II. DA SUCESSÃO NA CHEFIA DA CASA REAL DE BRAGANÇADe acordo com aquele direito costumeiro, a sucessão na chefia da Casa Real Portuguesa deu-se do seguinte modo:- D. Pedro IV de Portugal, I do Brasil, irmão de D. Miguel, abdicou do Trono Português.- D. Maria II, seguinte na linha de sucessão, assumiu o trono.- A descendência de D. Maria II manteve o Trono até 1910, aquando da Implantação da República.- D. Manuel II, último Rei de Portugal, morreu no exílio, sem descendentes, nem irmãos legítimos.- A linha colateral mais próxima de acordo com as normas sucessórias era a linha que advinha de D. Miguel, irmão de D. Pedro IV Desse modo, o filho de D. Miguel, Miguel Maria de Assis Januário, tornou-se legitimamente o novo chefe da Casa Real de Bragança por sucessão mortis causa de D. Manuel II.- Ainda no exílio, sucedeu a D. Miguel [agora, de Bragança], seu único filho varão D. Duarte Nuno de Bragança e a este o actual chefe da Casa Real, D. Duarte Pio de Bragança.Em 1950, por Lei da Assembleia Nacional, a Família Real portuguesa foi autorizada a retornar ao território nacional.Porque alguns defendiam que se mantinha em vigor a disposição da Constituição de 1838 que excluía da sucessão a linhagem de D. Miguel, irmão de D. Pedro IV, e para explicitamente reconhecer essa linha colateral com seguinte na sucessão a D. Manuel II, este ex-monarca e D. Miguel Maria de Assis Januário assinaram um documento, conhecido como o Pacto de Dover onde o primeiro reconhecia a legitimidade para a sucessão ao filho de D. Miguel, D. Duarte Nuno. Na verdade tal Pacto era juridicamente desnecessário, pois com a Constituição de1911 haviam sido revogadas todas as disposições constitucionais anteriores.III. DA LEGITIMIDADE NO USO DO TÍTULO A QUE SE ARROGA ROSÁRIO POIDIMANIO Sr. Rosário Poidimani alega ser o legítimo sucessor do último Rei de Portugal, D. Manuel II, como tal, pretendente ao trono de Portugal e verdadeiro chefe da Casa Real de Bragança. Invoca essa sua legitimidade com base nos seguintes factos:- No exílio, o último Rei de Portugal, D. Manuel II entretanto casado com a princesa Augusta Vitória de Hohenzollern-Sigmaringen, veio a falecer em 1932 sem deixar descendentes.

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- Terá, entretanto, sobrevivido uma filha ilegítima do Rei D. Carlos, pai de D. Manuel II,

chamada D. Maria Pia de Saxónia Coburgo de Bragança, nascida em 1907, também conhecida por Hilda Toledano.- Esta filha ilegítima terá sido baptizada por vontade de seu pai, o Rei D. Carlos, numa paróquia de Alcalà de Henares, perto de Madrid, e o mesmo soberano ter-lhe-á atribuído, por carta, todas as honras, privilégios e direitos dos Infantes de Portugal.- Não tendo quaisquer outros sucessores, e considerando-se legítima pretendente ao trono português, D. Maria Pia de Bragança terá abdicado dos seus direitos em prol de Rosário Poidimani, por meio de documento autenticado em notário.III. A. DA BASTARDIAComo referido anteriormente, a sucessão à chefia da Casa Real faz-se de acordo com as normas costumeiras que afastam da mesma sucessão a descendência ilegítima, outrora designada bastardia. Assim, mesmo provada a existência de uma filha ilegítima de El-Rei D. Carlos, mesmo por vontade daquele monarca, ela não poderia jamais suceder na chefia da Casa Real.Símile modo, quando El-Rei D. João II, que viria a morrer sem descendência legítima, tentou «legitimar» seu filho bastardo, D. Jorge de Lencastre, não o conseguiu, tendo-lhe sucedido no trono o seu primo e cunhado D. Manuel I, Duque de Beja.De facto, o único descendente real ilegítimo que conseguiu subir ao Trono Português foi D. João I. Seu pai, D. Fernando I deixara como único herdeiro legítimo uma filha, D. Beatriz, casada com o Rei de Castela. Essa ainda chegou a ser Rainha de Portugal, mas por fortes oposições internas por temor de que Portugal perdesse a independência com aquela união real dos tronos de Portugal e de Castela, e após um sangrento interregno, tomou o Trono o Mestre de Avis, D. João I, com o apoio legitimante da Nobreza e do Povo portugueses.VIII. DA OFENSA AO BOM NOME DE PORTUGAL E À CASA DE BRAGANÇADo que é dado conhecer pela documentação fornecida, encontra-se em curso uma acção penal na qual é arguido principal o Sr. Rosário Poidimani, nas competentes sedes jurisdicionais italianas, pela alegada prática dos crimes de fraude, evasão fiscal, coacção, burla, extorsão e mesmo usurpação de funções públicas.Não obstante a acção penal em curso, a actuação como «Duca di Bragança», Chefe da «Real Casa de Portugal» e «Príncipe de Saxónia de Coburgo e de

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Bragança», e de, por esse meio, se ter feito passar por representante do Estado Português, ao ponto de ter, inclusive, aberto «Consulados» da «Real Casa de Portugal», conferiu fé pública aos seus actos e revelou-se lesiva para o bom nome de Portugal e da legítima Casa de Bragança.Por outro lado, no que concerne à apropriação ilegítima do título de Duque de Bragança, entende-se - e é nesse espírito que a República Portuguesa tem mantido a legislação sobre o uso de títulos nobiliárquicos (Decreto do Governo nº 10537, de 12 de Fevereiro de 1925) - que os títulos ou forais correspondem a antigas tradições de família, pelo que elementos importantes da identidade pessoal e familiar. Mesmo em regime republicano, não proteger os legítimos titulares do uso ou apropriação indevida dos seus títulos implica uma violação da norma prevista no artº 26º da Constituição da República Portuguesa (direito à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, ao bom nome e reputação, à imagem...).Acresce que o Sr. Rosário Poidimani tem ostentado um brasão que, até 1910, correspondeu ao brasão do Chefe de Estado de Portugal, acção que parece configurar um uso abusivo e

ilegítimo de símbolos da soberania nacional, previsto e punido pelo Código Penal no artº 332º.De acordo com as considerações anteriores, considera-se conveniente, salvo melhor opinião, o Estado Português constituir advogado, através da Embaixada de Portugal em Roma, para que, através desse mandatário, o Estado se associe, e, querendo, a Casa de Bragança o faça também na qualidade de contra-interessado, à acção penal em curso, nos termos dos números 3 e 4 do artº 5º do Regulamento do Conselho 44/2001, de 22 de Dezembro de 2000, que regula a competência jurisdicional em matéria civil e comercial, com o intuito de obter reparação dos danos de que resultou o desprestígio do nome de Portugal, da sua história e tradição, designadamente danos não-patrimoniais e patrimoniais (despesas administrativas, honorários dos advogados, etc.).E, se a lei italiana previr a protecção da imagem ou da honra do nome de um Estado ou dos seus símbolos históricos, ou de uma entidade histórica como a Casa de Bragança, possa, salvo melhor entendimento, ser despoletado o processo conducente à punição por violação dessas normas.Se, por fim, após terem sido encerrados os seus «consulados» e ter sido condenado na reparação dos danos mencionados, o Sr. Rosário Poidimani insistir em prosseguir as suas actividades ilícitas e em intitular-se ilegitimamente Duque de Bragança e Chefe da «Real Casa de Portugal» (cuja propositada semelhança com Casa Real de Portugal ou de Bragança conduz ao erro sobre a legitimidade daquela) configurará o crime de desobediência previsto pelo direito penal italiano e português.

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CONCLUSÃO

Face ao que precede, conclui-se nos seguintes termos: p - Não obstante ser Portugal uma República, o direito à sucessão na chefiada casa real não-reinante continua a ser regulado pelo direito consuetudináriointernacional;- O Estado Português reconhece, de acordo com aquele direito consuetudi’ nário, que a Casa Real de Bragança e o seu chefe, o Sr. D. Duarte Pio, Duque deBragança, são os legítimos sucessores dos Reis de Portugal. A esse reconhecimento, associa-se o reconhecimento tácito das restantes Casas Reais do mundo; mesmo reconhecida oficialmente, a Casa de Bragança não tem qualquer capacidade de representação do Estado que não lhe tenha sido expressamente e adhoc concedida. Não é igualmente um sujeito de Direito Internacional dotado de soberania, pelo que não detém a faculdade de receber e enviar representações diplomáticas;- A actuação do Sr. Rosário Poidimani em Itália, designadamente a prática de crimes em nome da sua «Real Casa de Portugal» revelou-se lesiva para o nome de Portugal e para a honra da Casa Real de Bragança, desrespeitosa para a história e para os interesses do país e abusiva no uso dos símbolos e títulos outrora do chefe de Estado de Portugal que agora pertencem à legítima Casa Real de Bragança.- Salvo melhor opinião, considera-se conveniente para o Estado Português (e igualmente para a Casa Real de Bragança na qualidade de contra-interessai dos) associar-se, nos termos do Regulamento do Conselho 44/2001, de 22 deDezembro de 2000, à acção penal em curso em Itália, se tal ainda for possível, ou intentar

uma nova acção de responsabilidade civil pelos danos patrimoniais e não-patrimoniais que implicou a lesão da imagem, do nome e da honra do Estado Português e da Casa Real de Bragança; eventualmente, se a lei italiana o previr, despoletar igualmente uma acção penal com vista à punição por ultraje à imagem e aos símbolos da soberania de um Estado.Departamento de Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros Lisboa, 17 de Abril de 2006

3.

MENSAGENS

1973 - Carta a Marcello Caetano, Lisboa, 3 de SetembroMeu caro Prof. Doutor Marcello Caetano:Antes da ida de Vossa Excelência a Londres, eu pedira ao Dr. Pedro Feytor Pinto o favor de lhe perguntar a vossa opinião sobre a oportunidade de ser apresentada em Angola uma segunda lista de candidatos nas próximas eleições para deputados à Assembleia Nacional.O Dr. Feytor Pinto, ao regressar de Londres disse-me que o assunto deveria ser tratado em Luanda e por isso para lá me dirigi, depois de ter pedido aos meus amigos coronel Herculano de Carvalho e Dr. Joaquim Santos Silva que estudassem, com o necessário sigilo, a viabilidade prática de tal projecto.Quando cheguei a Luanda no passado dia 24 de Agosto, fomos explicar o projecto e ouvir a opinião do Dr. Alcarva, Director-Geral de Segurança em Angola. A opinião pessoal do Dr. Alcarva foi francamente favorável, como aliás favoráveis tinham sido as opiniões chegadas até mim de numerosas personalidades de insuspeita fidelidade aos interesses portugueses, tais como Embaixadores, Governadores de Distrito, e até mesmo um presidente provincial da ANP.Em seguida pedimos audiência ao Senhor Secretário-Geral do Governo de Angola1, sem que tal se viesse a efectivar pelos factos que a seguir relato.Entretanto, fui passar três dias a S. Tomé a visitar amigos, e, quando regressei a Luanda na noite do dia 31 de Agosto, a DGS informou-me de que, por motivos de segurança, eu tinha de embarcar no próximo avião para Lisboa, nessa mesma noite.Ao tempo o general António Osório Soares Carneiro.

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As poucas vezes que o Governo tem expulso um cidadão nacional de uma das províncias têm sido justificadas por actos que põem gravemente em perigo a segurança nacional.Não posso aceitar de maneira alguma uma situação como esta que põe em jogo a minha honra e a de toda a minha família.A acusação implícita neste facto é tanto mais injusta quanto o meu irmão Miguel, o meu primo Francisco e eu arriscámos a nossa vida em zonas operacionais, na defesa da unidade nacional. Muitas outras vezes me desloquei a Angola e a outros territórios ultramarinos com o objectivo de estudar mais de perto as suas peculiaridades e interesses, pondo de parte comodidades e riscos conscientemente aceites, como qualquer outro cidadão que ama e serve a sua Pátria.E no que se refere aos vários grupos de monárquicos, mais ou menos irrequietos, jamais poderão constituir ameaça à segurança nacional e sempre estiveram de acordo com o

Governo no que se refere à intransigente defesa de todos os portugueses, africanos e europeus, e do seu património comum.De qualquer modo aproveito para lembrar a Vossa Excelência que, no âmbito interno, o perigo para a Pátria nunca virá deste lado e que, quanto menos compreensiva for a Administração Pública para com esses grupos, mais agressivos eles se tomarão, ao sentirem-se privados da justiça e do uso legítimo da liberdade. Não será difícil compreender que a Lista B seria constituída por portugueses de palavra que nunca dificultariam a acção do Governo em ordem à realização do progresso e bem-estar das populações.Aliás, da vitória em Angola de deputados da oposição adviriam vantagens de ordem internacional que, ainda que não eliminassem totalmente a campanha internacional contra nós dirigida, viria esclarecer a opinião pública de que no Ultramar se está a processar uma evolução política no sentido de uma maior participação de todos os grupos sociais e culturais, de acordo, afinal, com a política que Vossa Excelência vem definindo.Expostos e interpretados os factos, estou convencido de que a indelicadeza e prepotência de que fui objecto foi consequência de má interpretação de qualquer instrução dada por algum funcionário público, de que certamente me será dado conhecimento e justa reparação.Espero que Vossa Excelência compreenda o meu sentimento de desgosto e de repúdio perante a hipótese de me ser atribuído qualquer acto que pudesse ser considerado perigoso para os interesses nacionais e aguardo as providências que V. Exa. tiver a bem fazer, no sentido de me serem dadas as devidas explicações e de me ser garantido o pleno exercício dos direitos que a Constituição me assegura

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como cidadão português, nomeadamente o direito de me deslocar livremente em todo o território nacional.Muito lhe agradeço a atenção prestada e peço a Deus o ajude na sua tão espinhosa missão.Dom Duarte Pio João, Príncipe da BeiraCartas particulares a Marcello Caetano, 1º volume, org. de José Freire Antunes, Carta 142, pp. 238-240

1974 - Mensagem do Príncipe da Beira de 26 de Abril de 1974Vivo intensamente este momento de transcendente importância para a Nação Portuguesa e julgo dever comunicar o meu pensamento na hora presente:1. Dou o meu inteiro apoio ao Movimento das Forças Armadas e à Junta de Salvação Nacional, a minha plena adesão ao seu Programa, especialmente em ordem à instauração de uma verdadeira e consciente Democracia, saneamento da vida pública e solução do problema do Ultramar, no mais estrito respeito pelos inalienáveis direitos da pessoa humana.2. Peço a todos os Portugueses que ponham todo o seu entusiasmo, energia e inteligência ao serviço da nova sociedade, fundada na liberdade e na participação, para a construção e defesa do bem comum.3. Reitero o meu propósito de que o nome monárquico não seja utilizado em contradição com os princípios de dignidade da pessoa humana, justiça social, liberdade e pluralismo político, e participação de todos nas decisões, princípios que não podem ser ofendidos sem grave prejuízo para o viver do Povo Português e para o futuro da nossa Pátria comum.Dom Duarte Pio João

In Espólio de Mário Saraiva, Arquivo da Casa Museu Mário Saraiva

1977 - Mensagem de S. A. R. o Duque de BragançaAo Povo PortuguêsAos Povos dos Novos Países de Expressão PortuguesaÀs Comunidades de Raiz Lusa do Mundo InteiroNa véspera de Natal do ano findo, ao falecer o meu querido Pai, o Senhor Dom Duarte, Duque de Bragança, encontrei-me investido na chefia da nossa Família

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e na Representação do Princípio Monárquico, sobre o qual a Nação Portuguesa se organizou, consolidou e desenvolveu, projectando no Mundo benefícios e valores indiscutíveis. Assim, por força de uma sucessão dinástica a que me sinto completamente vinculado, achei-me perante deveres recebidos de meu Pai e dos Reis de Portugal, nossos Antepassados, que a eles nunca se escusaram.Sejam quais forem as circunstâncias, tais deveres não prescrevem pois constituem a justificação essencial do Princípio que represento; a Instituição Real explica-se por uma dádiva total ao País, para além da existência ou inexistência do Trono. Os Reis e os seus Herdeiros nascem para servir a colectividade e para amá-la, reinando ou não, em mandato natural que não cessa de obrigá-los e, todavia, deve afastá-los da competição pelo Poder. Atentos à vontade do Povo, livremente expressa, poderá caber-lhes reinar, mas jamais disputar; explicam-se para unir, no Trono ou na vida mais discreta, no devotamento público ou na dedicação mais silenciosa. Se de tal forma procederem, serão sempre coerentes face à Realeza que detêm, independentemente do respectivo exercício.Farei do cumprimento desses deveres a razão da minha vida, não esquecendo que a Instituição Real, como elo entre o Passado, o Presente e o Futuro, tem uma função de síntese e obriga a visão conciliadora, onde, por vezes, se tenham cavado notórias diversidades. Não estranhareis, assim, o meu cuidado em dirigir-me a vós no imenso conjunto formado por este Povo antigo, pelos Povos dos novos Países de expressão portuguesa e, de modo geral, por todas aquelas Comunidades que na Europa, em África, na Ásia, na América e na Oceania guardam raízes culturais e formas de sentir que nos irmanam, mesmo para além das alterações mais recentes e, por isso, mais vivas. Não poderia dirigir-me apenas ao Povo Português nos seus limites geográficos quase iniciais, muito embora sejam para ele, naturalmente, a minha primeira dedicação e a minha fidelidade total. Se tal fizesse, faltaria à amplitude do Princípio que encarno, traço de união no tempo, permanência no desenvolvimento das circunstâncias, sinal de identidade nas separações. Embora na devida consideração pelas soberanias dos novos Países de expressão portuguesa, consciente de realidades bem patentes e da sua irreversibilidade, não poderia deixar de me dirigir aos respectivos Povos neste meu primeiro acto formal: jamais deixarei de olhar-vos, meus irmãos na expressão lusa, com a imensa afeição com que sempre o fiz, sem paternalismo, mas antes na perspectiva de quem, personificando valores comuns, vos encara e à Nação Portuguesa, como indissoluvelmente ligados. As nossas fisionomias nacionais não seriam o que são caso não tivéssemos vivido, durante séculos, um Destino comum. Nada conseguirá apagar esta realidade em todos nós! Ao ver, ao ouvir e

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ao sentir Portugal, vejo-vos, ouço-vos e sinto-vos sempre; foi sobretudo através das vossas Terras que nós, Portugueses, sentimos a Terra inteira. Tenho fé em que distinguíreis um dia, serenamente, entre colonialismo e colonização (correspondente, esta, a movimentos naturais dos povos) e atingireis a conclusão de que Portugal foi no Mundo um obreiro de experiências ímpares, de que muito haveis beneficiado. Tenho fé em que encontraremos, no futuro, fórmulas de convívio também excepcionais, assentes no respeito pelos direitos dos Estados e cimentadas pelo património lusíada e pelas vossas culturas.Desejaria de todo o coração que esta minha fé fosse partilhada por todos os Portugueses! Desejaria ver-vos, meus Compatriotas, completamente libertos de uma certa má-consciência que, a dado momento, vos foi instilada... Má-consciência que minou o justo orgulho por quanto, ao longo de séculos, foi tarefa colectiva Além-Mar. Desse sentimento de frustração, insinuado entre nós havia muito, aproveitou um processo de «descolonização» que, por mim, prefiro não qualificar; a Nação Portuguesa o fará, se acaso o não fez ainda, como também sucederá ou já sucedeu com os próprios Povos dos novos Países de expressão portuguesa. Em vós, saúdo a Grei magnífica, humilde e grande, sofredora e combativa, que na força das suas virtudes e na humana crueza dos seus defeitos marcou de forma excepcionalmente positiva uma presença por onde quer que tenha passado, escrevendo comunicação na História como mais ninguém soube fazê-lo.Assim, dizendo, recordo certas Comunidades de raiz lusa, como Goa, Damão e Diu, e lembro dolorosamente o Povo de Timor, traído na sua aspiração de Portugalidade. Com mágoa funda e a mais fraterna solidariedade, dirijo uma saudação especial àqueles Portugueses das mais variadas etnias que, atingidos por um processo de descolonização sobre o qual não lhes foi feita qualquer consulta, sofrem entre nós a amargura das suas vidas destroçadas e as dores da saudade: ânimo, meus Compatriotas, pois muito tereis a dar e a receber neste velho País! Sede pacientes e guardai a cabeça levantada pelo muito que haveis feito; os factos vos darão, também aqui, ensejo de utilizardes a grande riqueza da vossa experiência e da vossa abertura.O equilibrado orgulho, a convicção de nós próprios, o sentido de uma identidade nacional são-nos fundamentais na fase histórica que atravessamos. Nenhum Povo digno desse nome se apresentou jamais perante a História ou perante a Comunidade Internacional como réu do seu Passado! Tal equivaleria a pedir desculpa de existir... É necessário que tenhamos consciência disso para podermos preservar a nossa fisionomia e realizar, sobre nós mesmos, um exame de consciência, uma

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reforma da mentalidade, direi mesmo uma pedagogia colectiva. Disso carecemos para conseguirmos, enfim, rever sem espírito destruidor, reconstruir sobre valores imperecíveis, dialogar sem a brecha da malquerença, reformular sem criar situações de vácuo, defender a liberdade sem resvalar para a demagogia. Nesta se instalam as tentações totalitárias e se insinuam os messianismos ditatoriais, que as gentes fatigadas e desejosas de ordem acolhem com natural alívio para, depois, perigosamente neles delegarem a consciência.Ao dirigir-vos estas palavras, interrogo-me sobre se serão elas, efectivamente, as que muita gente esperaria ouvir de mim. Em consciência, sei serem as que me competem. Notai bem que não sou chefe político. Não me identifico com partido algum. Não procuro propagandas eleitorais, nem dependo delas. Não me cabe, em suma, fazer política na

acepção comum da palavra. O Herdeiro dos Reis de Portugal não tem de pretender; ele detém a Representação imprescritível de um Princípio, cabendo-lhe aguardar quanto os Portugueses possam, porventura, decidir sobre as Instituições. Não cabe à Realeza impor-se, mas sim escutar o chamamento do Povo. Não me cabe pois pretender; cabe-me estar ao vosso dispor. O Rei só se justifica como Chefe livre de uma Nação livre. Para que ele possa ser livre, é imprescindível que a Nação o consagre em liberdade, ou por amor da liberdade, como aconteceu com El-Rei D. Afonso Henriques, com El-Rei D. João I e com El-Rei D. João IV.Nas circunstâncias actuais, cabe-me prestar em interessada abstenção o meu desvelo a todos os Portugueses, de quaisquer correntes políticas, desde que respeitem e preservem a independência da Pátria, sirvam o interesse colectivo, cumpram os deveres inerentes à cidadania, no usufruto da sua liberdade, respeitem a liberdade dos outros e reconheçam a dignidade transcendente da pessoa humana. Integrado neste Povo de que sou parte, cabe-me servi-lo por todos os meios, consoante a lição recebida dos meus Antepassados e vivida no dia-a-dia da minha Família, com a elevação inerente à Instituição que personifico. Tal me obriga a uma dádiva aberta, a uma militância constante ao serviço do interesse nacional, a uma disponibilidade discreta mas atenta. Assim Deus me ajude, fortalecendo-me na Fé Católica, como ajudou os Reis Fidelíssimos meus Avós. Pois creio interpretar quanto o Povo Português desejaria fosse, por parte do Rei, a compreensão do Princípio Real, caso um dia decida aclamá-lo.Rogo a Deus vos tenha a todos em Sua Santa Guarda.Lisboa, Março de 1977Dom Duarte de Bragança

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1977 - Criação do Gabinete do Duque de BragançaTranscreve-se, para conhecimento geral, o Preâmbulo e as Bases I e II (as Bases III e IV são relativas ao modo de funcionamento e carácter das decisões).PreâmbuloConsiderando a necessidade da existência e actuação de uma entidade que desempenhe de modo responsável e contínuo as tarefas indispensáveis ao bom funcionamento da Minha Casa, tive por bem criar um Gabinete que se designará por «Gabinete de S. A. R. o Duque de Bragança».Base IO Gabinete de S. A. R. o Duque de Bragança é a organização de representação pessoal da M. exclusiva dependência, ao qual incumbe coadjuvar e ocupar-se dos actos públicos e privados em que intrevenha ou seja chamado a intervir.Base IIO GSARDB, inclui uma secretaria-geral com gabinete e auditorias. A secretaria-geral é o organismo de coordenação geral dos serviços do gabinete e integra, pelo menos, os seguintes gabinetes:. Relações internas, com competência sobre os assuntos específicos às relações com organizações culturais, políticas e de outras índoles que actuem no interior do País;. Relações externas, cuja competência respeita às inter-relações deste Gabinete com organismos estrangeiros;. Imprensa, com competência para os assuntos de comunicação social, publicidade,

informação, propaganda e afins;. Protocolo, com competência relativa à especificidade da actividade protocolar, incluindo a representação pessoal sempre que necessário;. Fazenda, com competência para assuntos de índole financeira do GSARDB.Poderá ser nomeado um Chefe de Gabinete do GSARDB com funções de coordenação geral dos serviços. A Secretaria-Geral manterá, paralelamente aos vários gabinetes, elementos próprios para o desempenno das tarefas que caibam no âmbito específico da sua actuação.

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As auditorias serão pelo menos as seguintes:. Religiosa, Económica, Jurídica e Militar, esta subdividida segundo os diversos ramos das Forças Armadas, as quais participarão na discussão e darão parecer obrigatório em todas as questões em que alguns dos sectores específicos das auditorias seja questão de fulcral relevo no assunto a tratar pelo Gabinete.7 de Outubro de 1977, Dom Duarte1978 - Criação do Conselho PrivadoConsiderando a conveniência da criação dum órgão consultivo constituído por pessoas de reconhecido mérito e competência, por forma a prestar-me o seu conselho, quando for considerado útil, é criado o «Conselho Privado de S. A. R. o Duque de Bragança» que se regerá pelo estatuído na presente Ordem:Artº 1º - O Conselho Privado tem funções consultivas em relação à Minha Pessoa na qualidade de sucessor dos Reis de Portugal, ou a quem Me representar e reunirá por Minha iniciativa ou a pedido do próprio Conselho.Artº 2º - Compõem a Conselho Privado personalidades de reconhecido mérito, por Mim nomeadas expressa e formalmente.

Abril de 1978 - Mensagem aos Povos dos Açores e MadeiraComo herdeiro e representante dos Reis de Portugal, não posso ficar indiferente perante os problemas que hoje se levantam em relação aos Arquipélagos dos Açores e da Madeira.Garantida pela actual Constituição uma justa autonomia regional, importa criar e manter as instituições mais adequadas, sem esquecer que é aos povos madeirense e açoriano que compete escolher os seus caminhos e definir os seus interesses.É manifesto que, em ambos os arquipélagos, mas especialmente nos Açores, continua a haver uma legítima ânsia de autonomia, que não encontra correspondência na prática política do Governo da República.Repetindo vícios vindos de longe, ainda vigora um centralismo burocrático e nivelador, que contraria as antigas tradições de liberdade local e regional, constitui um desmentido diário aos princípios expressos na Lei Fundamental e injuria

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a capacidade de auto-administração de populações que há séculos são exemplo de patriotismo, de inteligência e de criatividade.Tudo o que sei dos Açores e da Madeira leva-me à certeza de que é por amor às virtudes ancestrais de dignidade e fidelidade e por uma participação consciente e decidida na cultura

portuguesa, que hoje se levantam nessas terras a inquietação e a ansiedade.Ser português foi sempre, e sempre continuará a ser, ter do mundo e da vida uma visão universalista. Mas o sentido universal da nossa cultura exige o respeito activo pelos valores próprios das comunidades históricas e pelos direitos inalienáveis da pessoa humana.Todos os povos têm direito a dispor de si próprios. Aqueles que a história uniu hão-de procurar em conjunto a melhor forma de servir o destino comum.Em nenhum momento é lícito aos Continentais, ainda que seja sob pretexto de habitarem a capital e constituirem os órgãos centrais do Estado, desconhecer o princípio fundamental de toda a ordem política: a fonte do Poder é sempre, em termos históricos, o Homem e a sua liberdade.Dom Duarte, Abril de 1978

Mensagem do 1º de Dezembro de 1980O 1º de Dezembro (em cuja véspera aqui nos reunimos) é uma ocasião natural para o encontro dos Portugueses com a sua História. Há trezentos e quarenta anos que esta data é celebrada e ela é, agora, depois de longos anos de desentendimento, uma das raras festas oficiais que podem congregar a Nação inteira.A memória da Restauração deve ser vivida, essencialmente, como instrumento de serviço ao bem comum. Como representante do Rei Restaurador, cabe-me a obrigação de contribuir, em toda a medida de que for capaz, para que a legitimidade dinástica seja factor poderoso do renovar quotidiano da identidade nacional. A homenagem que, na minha pessoa, vós quisestes prestar à Instituição Real, há-de ser prova da vontade decidida a fim de me restaurar Portugal.Na crise que o País atravessa e que todos nós temos sofrido, faz falta essa instituição, entre todas fecunda, que assegura, quase pela sua própria existência, a harmonia do conjunto da sociedade e defende a liberdade e a dignidade das pessoas e das comunidades e, através delas e para maior bem, a independência pátria.

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Por toda a Terra Portuguesa cresce a grande desolação da ruína do seu Património Cultural, enquanto se acumulam as provas de desprezo por todos os valores permanentes, e a poluição material e espiritual destrói o equilíbrio dos recursos e das paisagens, e, o que mais é, impede a harmonia e a continuidade das gerações. Porque a degradação da imagem física do País traduz a degradação mais profunda e mesmo a morte da sua própria alma.Estamos ainda no «Ano Europeu do Património Cultural». Felizmente, vemos ressurgir uma crescente preocupação por este tema: novos serviços oficiais e numerosas associações regionais trabalham com entusiasmo.Mas, infelizmente, a parte mais frágil, mais dificilmente recuperável do nosso Património está a ser vandalicamente desfigurada. A nossa arquitectura popular, a beleza das nossas aldeias e vilas, está a desaparecer, vítima de uma «arquitectura» absurda e apalhaçada, que seria proibida em qualquer outro país europeu. De que serve salvarmos alguns monumentos, se perdemos esta autêntica «memória de um Povo», prova da nossa identidade cultural?O problema é, evidentemente, complexo. As suas causas vão desde os motivos psicológicos, que, por exemplo, levam os emigrantes a pretenderem mostrar a todos o seu triunfo económico, até à falta de apoio que eles e as autoridades municipais sentem neste

campo, passando pelos interesses de certos construtores e industriais. Mas não podemos desistir, pois as gerações futuras têm o direito de receber um País tão belo como o que herdámos. Temos de conseguir «um futuro para o nosso passado».Os antigos foros municipais, por vezes anteriores à própria Monarquia, é certo que parecem agora restaurados, ao menos na letra da Constituição e outras leis. Mas é preciso dizer que a engrenagem meramente jurídica do Poder Local está sujeita a critérios ideológicos e partidários que, a esse nível, facilmente desvirtuam a vontade popular, e não tem a garanti-la uma adequada estrutura económica e sociológica. É do Estado-Proprietário e Empresário que os povos continuam a esperar apoios e benesses - quando, afinal, o Estado nada seria sem essas comunidades locais e regionais, sem o seu trabalho, sem a sua imaginação, sem o seu sacrifício. Os imperativos de Justiça Social e de liberdade de iniciativa não podem ser cumpridos enquanto as populações, e muito especialmente as populações rurais, não dispuserem de instrumentos legais e reais de autodesenvolvimento. Penso, sobretudo, nos diversos aspectos do Cooperativismo, que um pouco por toda a parte, e algumas vezes com raízes bem antigas, vai procurando, contra uma barreira de preconceitos e rotinas burocráticas, abrir

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caminho a actividades de produção, de distribuição, de consumo e de crédito, apropriadas a seres racionais e livres - e não a máquinas.O Cooperativismo de crédito é parte imprescindível de um cooperativismo independente e tem em Portugal raízes nos celeiros comuns medievais, nas mútuas, etc.Na nossa prática actual, as Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, reflectindo o tradicional sentido de honra da gente do campo, provaram ser as únicas instituições capazes de dar corpo a qualquer política de crédito agrícola que seja coerente, responsável e justa, pois exprimem as necessidades dos mutuários e acompanham a aplicação dos dinheiros emprestados.Quando a Nação for assim - comunidade política feita de comunidades vivas e concretas, com vocação e poderes diversificados e assegurados -, começará a ser possível aos Portugueses cumprir na História futura, o que no passado foi sua glória e seu martírio.Não podemos ocultar que a missão de Portugal no Mundo está ainda, em boa parte, por cumprir. A fase propriamente soberana dessa missão não foi talvez, numa perspectiva ecuménica, a mais decisiva. Os instrumentos jurídicos são sempre funcionais - não essenciais.Assumimos a História; aceitamo-la na sua dimensão total; louvamos a intenção universalista e humanista que a ela presidiu. Mas não são os factos posteriores, com todo o seu peso de Ideologia, de Utopia e de desumanidade; não é o processo da chamada «descolonização» que nos há-de impedir de afirmar que o Povo português continua empenhado na História como agente incomparável da civilização. Este Povo, que foi o primeiro a estar presente nas «sete partidas» do Mundo, continua a desempenhar, na política e na cultura contemporâneas, um papel em que ninguém o pode substituir.Na América do Sul e nas duas vertentes da África, há povos que asseguram a perpetuidade da língua portuguesa e de alguns dos valores fundamentais da cultura de que ela é expressão.A indesmentível qualidade europeia de Portugal não esgota a sua realidade.Somos, desde o início do século XV, um Povo de todo o mundo. E esse carácter universal,

em que precedemos todos os outros povos é hoje mantido pelo Brasil e pelo conjunto de países de expressão portuguesa que, por métodos diversos (que nem sempre podemos aprovar), procuram a imagem da sua identidade, e nela vão tornando mais viva a marca do espírito lusíada.Neste plano, quero reafirmar o doloroso cuidado que a todos os portugueses merece a dramática situação do Povo de Timor. A presença de alguns milhares

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de refugiados timorenses em Portugal; os constantes apelos que, da sua terra distante, chegam até nós, ou o silêncio forçado da maior parte da população; o esforço dos refugiados em Portugal e na Austrália, para se adaptarem sem se enraizarem - tudo mostra a dignidade e a grandeza desse Povo. Não podemos ignorar os factos.A guerra civil desencadeada por pessoas ao serviço da «Revolução mundial» e alimentada pelos representantes do Estado português (mais por cobardia que por vontade expressa) provocou uma reacção de defesa do poderoso Estado vizinho.Internacionalmente, Portugal ainda é reconhecido como a «potência responsável» e deve estar disponível para, se tal for a melhor solução, reassumir as suas responsabilidades.Faço aqui um apelo ao nobre Povo indonésio e aos seus governantes (que tão bem me receberam há quatro anos) no sentido de tentarem encontrar em conjunto com o Governo português uma solução que, garantindo a segurança, a liberdade e estabilidade da região, garanta também os legítimos direitos do Povo Timorense às estruturas políticas adequadas à defesa de uma cultura e identidade próprias desenvolvida durante quatro séculos.Voltados para a Europa, e especialmente para a Comunidade Económica Europeia, não podemos renunciar a estas e outras «prisões», que constituem parte integrante da nossa existência. Se queremos a Europa, não é tanto pelo peso da sua técnica e dos seus interesses materiais, como pelo esplendor do seu pensamento, a que os valores cristãos dão unidade e profundidade.Há uma evidente necessidade de sermos com ela solidários na defesa de umterritório há milénios humanizado. Mas o que mais importa defender, juntamente com todos os europeus, é a cultura que dá sentido à História.Este momento que hoje quisestes viver comigo deve ficar como penhor de um compromisso tomado em comum, para que a memória da Restauração de1640 seja inspiradora de actos políticos fundamentais: para já, a prática diária do serviço do Povo, num horizonte mais largo, a completa restauração de Portugal.

Mensagem do 1º de Dezembro de 1981 Há circunstâncias internacionais e consequências de políticas económicas e sociais portuguesas que vêm de longa data e nos obrigam, como comunidade, a olhar o futuro solidariamente. Tal solidariedade não nos pode forçar a renunciar

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à liberdade. A caminhada em que todos estamos empenhados tem por meta um regime em que o Povo Português seja verdadeiramente senhor do seu destino. É esse o sentido profundo da Democracia, cuja plenitude os Portugueses há muito procuram alcançar.Mas não é possível a democracia plena, isto é, a liberdade de cada um dentro de uma esfera

nacional soberana, sem a continuada afirmação de uma verdadeira identidade vivida no plano da Política e no plano da Cultura.Como representante dos Reis que, integrando as potencialidades e a expressão viva do nosso Povo, fizeram Portugal, cabe-me a responsabilidade de uma reflexão acerca das condições institucionais da existência, segurança e progresso da Nação Portuguesa.Tal responsabilidade vê-se infelizmente acrescentada por força da crise constitucional que o País atravessa, enquanto sobre ele convergem muitas das tendências mais negativas do mundo contemporâneo.O Povo que somos há-de saber responder a este desafio. Mas, em História, nada acontece por acaso.No momento em que o País, através dos seus representantes, trata de rever ou reformar, segundo rituais próprios, a sua Lei Fundamental, não é lícito esconder que o que está em jogo por detrás da questão do doseamento de liberalismo com socialismo ou de presidencialismo com parlamentarismo - ou, até, no problema das relações correctas entre as Forças Armadas e o poder político - é a existência ou não-existência do Estado como forma histórica e concreta de uma comunidade feita de pessoas e de outras comunidades, menores na extensão, mas de igual dignidade. Do que se trata é de reencontrar as condições adequadas ao bem comum. Para qualquer povo, de um modo especial para este Povo carregado de História e de Cultura, o bem comum não se pode confundir com o bem-estar, com a riqueza, com a força, com o prestígio ou com a «qualidade de vida».O bem comum dos Portugueses tem de corresponder ao cumprimento de um desígnio, que é legítimo apelidar de missão.E a correspondência colectiva a esse ideal não pode ser deixada ao mero jogo das forças, das ideologias e dos interesses, que se cruzam, sobrepõem ou sucedem de acordo com uma técnica jurídica que tudo ameaça reduzir à burocracia.A ausência, na Constituição do Estado português actual, de um factor de natureza histórica e cultural, traduz-se em desvios e em desequilíbrios, dos quais apenas considerarei alguns exemplos mais relevantes.Quando o natural desejo de independência, como o mais perfeito modo de existência colectiva, agitou populações do Ultramar, não surgiu, dentro da estrutura política portuguesa, nenhuma instituição capaz de falar em nome da comunidade

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das gerações, em nome de um projecto comum para o qual seriam igualmente indispensáveis os povos de origem europeia e os de origem africana ou oriental. Alguém que, não por força de uma ideologia ou pelo fascínio pessoal, mas pela natural relação e identificação com a linha-mestra da História, e até por ser o único essencialmente consagrado ao Todo, pudesse congregar e não dividir, oferecendo a todos e a cada um (quer no plano pessoal, quer no plano colectivo) a fruição de uma independência vivida em comum. A lição, violentamente interrompida, de uma História muitas vezes secular, seria a única susceptível de eficácia (porque seria dotada de legitimidade) para que a crise de crescimento e de -consciência ultrapassasse o momento crítico em que a separação parecia ser a única saída, e abrisse caminho a uma vivência sentida e amada como bem comum de muitospovos, e condição fundamental para cumprir a missão também comum.Não é outra a origem da tragédia de Timor, hoje tão presente à consciência dos

Portugueses. O emaranhado de instituições que, em 1974-76, representava o Estado português, em vez de suscitar nesse longínquo território a confirmação da antiga adesão das populações ao ideal comum, tudo fez para semear discórdias e partidarismo e para acentuar rivalidades pessoais, tribais ou regionais. O automatismo dos reflexos, próprio de estruturas provisórias, começou a criar, uma a uma, as condições propícias à invasão, e, na hora em que mais necessária se tornava a capacidade de visão superior dos acontecimentos e de domínio das técnicas diplomáticas, praticamente bloqueou todos os caminhos.Desde então, tudo se passa como se o Estado português se declarasse incapaz de uma iniciativa sequer. E os povos de Timor continuam abandonados.Embora privado de qualquer poder efectivo, sou ainda representante da Instituição por natureza vocacionada para salvar e garantir a Independência de todos os que, à sombra da Bandeira das Quinas, desejam ser independentes. Cabe-me, pois, acompanhar com constante cuidado o desenrolar deste problema político e humano, e ao mesmo tempo apelar para todos os responsáveis, no plano interno e no plano externo, no sentido de que aos Timorenses seja assegurada uma situação adequada à livre opção do seu futuro, o que implica necessariamente a consideração objectiva de um condicionalismo geopolítico que não está nas nossas mãos alterar.Este doloroso caso de Timor veio tornar mais vivo ou mais saliente o problema da responsabilidade das Forças Armadas, do seu papel e da sua articulação com o conjunto das estruturas do Estado. E é este o segundo exemplo que quereria abordar neste dia, para mais tradicionalmente dedicado à memória do acto glorioso

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a que os soldados e os marinheiros portugueses deram vitoriosa continuidade ao longo de quase vinte e seis anos de Guerra da Restauração.Da diversidade de posições assumidas perante a questão constitucional (ou pelo menos legal) da dependência dos comandos militares, ressaltam dois pontos de vista, na aparência antagónicos. Por um lado, as Forças Armadas não devem ser, no País, fonte de perturbação política, de intranquilidade, de desequilíbrio, e toda a estrutura do Estado deve assegurar-lhes a eficácia da sua acção de Defesa Nacional. Mas, por outro lado, importa que a Defesa da Pátria não tenha cor política, não dependa das flutuações ideológicas e do jogo eleitoral. Aqueles que defendem a primeira destas teses preferem, muito naturalmente, que os altos comandos, embora nominalmente dependentes do presidente da República, praticamente sejam da escolha do Governo, isto é, do poder executivo emanado da Maioria. Aqueles, porém, que desejariam ver as Forças Armadas isentas e livres de disputas partidárias facilmente se inclinam para a solução presidencialista, pensando garantir-lhes, deste modo, não apenas a Isenção, mas um acentuado distanciamento.Na linha histórica definida por S. Mamede, Ourique, Aljubarrota, Montes Claros e Vimeiro, houve certamente alguns momentos em que nem mesmo o Poder Real logrou escapar à pressão das paixões e dos ventos da História. Mas quem negará a evidência de que os soldados portugueses nunca foram tão livres como quando seguiram o Rei, e nunca foram tão escravos como quando se deixaram arrebatar por um ideal momentâneo?A Tradição que represento ensina que o Rei, símbolo pessoal e dinástico de uma soberania que não lhe pertence mas que lhe cumpre exprimir e servir, embora seja o eleito da História, está sujeito a uma confirmação que se define pelo consenso popular e por um conjunto de normas apuradas pelo tempo e pelo engenho dos homens.

Quando as Cortes de Lisboa aclamaram rei, sob o nome de D. João IV, o8º Duque de Bragança (vão cumprir-se dentro de algumas semanas trezentos e quarenta anos), a ideia que presidiu a esse acto soleníssimo foi a de restaurar o pacto originário entre o Povo e o Rei, expresso na acta apócrifa das Cortes de Lamego pela mais autêntica das fórmulas políticas: «Nós somos livres. O nosso Rei é livre. E foram as nossas mãos que nos libertaram.» Com perfeita intuição perceberam os nossos antepassados, antes e depois de toda a reflexão filosófica, que, ao menos em sociedades como a portuguesa, marcadas por uma profunda liberdade pessoal e por uma consciência muito viva de missão histórica, a liberdade popular é inseparável da liberdade real. A experiência mostra que não é possível

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em Portugal manter, pelo espaço de algumas gerações, a continuidade do serviço a esse ideal comunitário, fora do quadro institucional que a Nação Portuguesa criou para si própria na época da Fundação, e soube recriar para além das grandes crises por que passou a sua independência.Dentro desse quadro institucional, tudo encontra o seu lugar próprio, e não faz sentido perguntar de quem dependem as Forças Armadas, ou se a sua dignidade e a sua eficácia são melhor servidas pelas eleições em que se escolhem partidos ou por aquelas em que se escolhe entre os candidatos à chefia do Estado.A tarefa nacional que a todos incumbe exige a salvaguarda do nosso património cultural, cuja permanente valorização constitui condição imprescindível de uma política de desenvolvimento económico e social que nos garanta um futuro viável. Há que garantir a existência, a dignidade e a melhoria das condições de vida da nossa ruralidade: tão desprezada pela sociedade viciada pelo consumo sem medida e por uma tecnologia desumana. Para isso, é indispensável a defesa das potencialidades do nosso território para a produção dos alimentos essenciais, dia após dia destruídas em nome de um falso ideal de progresso ou para mero benefício de minorias, que a si próprias se servem.Por sua vez, há que defender uma vida urbana digna para os portugueses que trabalham nas cidades e nas grandes áreas metropolitanas, uma política energética baseada na sobriedade, na poupança e na racionalidade dos consumos, em face dos benefícios gerais e multiplicáveis, deles resultantes.Não sabemos até onde serão executadas as ameaças que surgem no horizonte, mas a nossa dependência externa no campo alimentar preocupa os próprios dirigentes da NATO, que consideram Portugal a sua segunda linha de defesa.Certo é que as Forças Armadas poderão preparar o país para uma situação de emergência, de modo a que cada habitante saiba o que deverá fazer num caso desses.Mas é dos agricultores que esperamos a possibilidade de sobreviver fisicamente se, por qualquer motivo, não for possível continuar a importar o que comemos.Paradoxalmente, uma parte considerável dos créditos atribuídos à agricultura e distribuídos por intermédio de uma estrutura bancária não vocacionada para esse fim acabam por ser desviados para outras actividades. E enquanto os governantes confessam que só por intermédio das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo a agricultura poderá receber o apoio financeiro justo e racional de que necessita para cumprir a sua missão, entidades financeiras dependentes do Estado vêm contrariando o esforço destas cooperativas de crédito.

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Somos, aliás, quase o único país europeu em que o movimento cooperativonão dispõe da sua própria Caixa Central, apesar de as nossas Caixas Agrícolas há» mais de um ano terem preparadas as suas estruturas. Já é tempo de os agricultores! «não deixarem os seus créditos por mãos alheias».Não é possível o verdadeiro desenvolvimento económico e social se as populações não puderem dispor da iniciativa e organizar-se por si próprias.B O nosso Povo pode vencer todas as crises, se souber encontrar o caminho que conduza à recriação de Portugal.Para isso, alicerçados na nossa História e na nossa Cultura, fortes na solidariedade social e nacional, que é permuta constante de liberdade, vamos, em franco diálogo, tentar recuperar e actualizar as linhas-mestras da nossa institucionalização como Estado. Um Estado em que o culto ancestral da Independência não se esgota nas fronteiras do egoísmo nacional, porque é exigência de serviço à humanidade.Nestes tempos apocalípticos, para lá das nossas dificuldades presentes, dasIP pesadas ameaças que cobrem o Mundo e especialmente a Europa e África, quero reafirmar a esperança no futuro de Portugal, ligado ao futuro de tantos povos que falam a língua portuguesa e através dela continuam a receber, transmitir e criar valores, ligado também ao equilíbrio do Velho Continente e do Mundo inteiro.

Mensagem do 1º de Dezembro de 1982Agrada-me particularmente a escolha deste local histórico, ligado pedra a pedra à memória de três momentos essenciais da nacionalidade: a Fundação, a Revolução popular de 1383-85 e a Restauração.O 1º de Dezembro não teria sentido sem a gesta das origens, consubstanciada em D. Afonso Henriques, que pela primeira vez ergueu neste castelo a Bandeira de Portugal; ou sem o movimento irresistível da vontade popular que fez do Mestre de Avis o fundador da Dinastia dos Descobrimentos, que fez do mar o nosso destino e assim criou o mundo moderno. Revolução da Legitimidade, o1º de Dezembro de 1640 pressupõe a criação dessa legitimidade, aqui bem perto mediante a renovação do pacto entre o Povo e o Príncipe, um e outro consagrados a um propósito nacional que bem cedo se revelaria universal.É à luz deste passado (sem o qual não seríamos portugueses) que importa analisar alguns aspectos da situação interna e externa, e procurar, nos «sinais dos tempos», alguma promessa de um futuro melhor.

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O mundo em que vivemos e que, dia a dia, deveríamos construir fraternalmente, encontra-se numa grave crise económica, social e moral, e talvez às portas de uma nova guerra generalizada. A leste e mesmo a oeste, por absurdo que tal nos pareça, há políticos influentes que encaram a guerra como única saída para a crise económica. Se a Europa Ocidental for atacada nos próximos anos, tudo leva a crer que as forças da Aliança Atlântica se limitarão a defender a Península Ibérica e as ilhas Britânicas, tal é a superioridade militar do inimigo.Sob este ângulo, para Portugal o perigo não parece tanto da ameaça militar quanto do isolamento económico. Numa altura em que somos particularmente dependentes do exterior

no campo alimentar e energético.Mas, mesmo que essas sombrias ameaças não se concretizem, não estaremos livres das consequências da crise económica mundial e, mais cedo ou mais tarde, em melhores ou piores circunstâncias, teremos de construir o nosso futuro de uma maneira mais realista.Nessa sociedade do futuro, não poderão prevalecer, nem a produção cega, nem o consumo ilimitado, nem os desequilíbrios regionais e sociais, com todo o cortejo de injustiças e misérias que delas resultam fatalmente.Não sabemos quanto tempo irá demorar esse parto da nova humanidade, mais ou menos doloroso conforme nos soubermos preparar a tempo.A política económica dominante no decénio de 1950 a 60 foi particularmente marcada pela ideia de que todos os países caminhariam por uma via linear em que só os pontos de partida eram diferentes.Aos países mais desenvolvidos competiria, como numa acção didáctica, guiar os menos desenvolvidos, começando por lhes fornecer os instrumentos necessários para o arranque.Como todos hoje reconhecem, nada disso se verificou, e apenas se foi alargando o fosso de povo para povo, de região para região e, muitas vezes, também entre sectores da mesma população.Cresceu a injustiça. Acentuaram-se os desequilíbrios regionais e as desigualdades sociais. Eliminaram-se ou degradaram-se culturas e recursos naturais. Massificou-se a sociedade. Esmagou-se a pessoa humana. E tudo isto teve como resultado - e por sua vez como causa - a exaltação do luxo, o despertar da cobiça, a inteira negação dos valores espirituais.Assim verificada a irracionalidade do processo económico adoptado, que não olhara à natural limitação dos recursos e à essência biológica de muitos dos fenómenos subjacentes à transformação de energia e matéria, ficavam por satisfazer os anseios e inquietações da humanidade, frequentemente lançados para metas ilusórias.

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A exploração do chamado Terceiro Mundo fez-se e continua a fazer-se sem a contrapartida de um autêntico desenvolvimento dos povos e sem respeito pelas culturas próprias, que permitiam a auto-suficiência essencial à vida e à independência de comunidades tradicionais.Nos países «desenvolvidos», o crescente desemprego, quer dos trabalhadores imigrados, quer dos próprios nacionais, revela as fraquezas estruturais de um sistema incapaz de absorver os excedentes resultantes da decadência e despovoamento provocados nas regiões marginalizadas ou dependentes, e não menos impotente para garantir a felicidade e o bem-estar nas áreas convencionalmente consideradas desenvolvidas.É precisamente nestas que a falta de habitações próximas do local de trabalho, a congestão dos transportes urbanos e suburbanos, a artificialização da cidade, as perspectivas entreabertas, mas logo fechadas à juventude, a segregação social ou de tipo racista - o isolamento da pessoa humana, destruídos que foram todos os vínculos naturais ou culturais que a faziam viver no seu mundo - deram origem ao crime galopante, à droga dominadora, ao pessimismo generalizado, ao ódio à vida, à trágica diminuição da criatividade.Apesar de nunca ter atingido os resultados previstos no âmbito da produção, Portugal não escapou às consequências negativas da sociedade industrializada e dâ políúca materialista e tecnocrática do crescimento pelo crescimento.No Litoral e nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto surgiram todos os sinais negativos

das áreas «desenvolvidas» e poucas das vantagens imediatas.Concentração demográfica excessiva; desequilíbrios sociais vincados; degradação crescente da qualidade de vida dos seus habitantes; destruição do ambiente, dos valores culturais e da Natureza; desorganização do espaço físico e delapidação dos recursos; impossibilidade de corresponder com infra-estruturas e equipamentos básicos indispensáveis às necessidades e exigências sempre crescentes.Pelo contrário, no interior do País aumentaram as carências. A população abandonou as zonas de maior fragilidade económica do meio rural, e este foi dominado por todo o processo de exploração dos recursos pela monocultura extensiva, quer agrícola quer florestal, destruidora da fertilidade e inimiga das formas tradicionais do povoamento.Os termos em que se tem dado o crescimento económico, tecnológico e industrial estão a ser agora postos em causa pelas populações, pelos políticos, pelos técnicos, pelos pensadores.

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Estamos numa viragem da História, e Portugal possui valores inestimáveis que lhe permitirão ser vanguarda em muitas das facetas de uma mudança que as novas gerações querem operar.A convicção finalmente generalizada de que todos estamos embarcados no mesmo navio e vivemos solidariamente as mesmas necessidades de justiça, de equilíbrio e de desenvolvimento em qualquer parte deste planeta levam-nos a considerar idênticos os problemas essenciais dos países que a si mesmos se chamam desenvolvidos e daqueles que recebem o nome de subdesenvolvidos. O crime tornado habitual, a poluição generalizada, a delapidação dos recursos, a frequente irresponsabilidade das multinacionais, a alienação das pessoas e da própria sociedade, são hoje universais e tanto afectam ricos como pobres, embora de modos diversos.Os valores permanentes da ruralidade são os primeiros marcos a considerar na definição da sociedade do futuro. São eles que permitem uma revisão da escala urbana dos empreendimentos dando sentido à recuperação e nova utilização do quadro histórico e arquitectural do passado, bem como à restauração das relações de vizinhança das antigas comunidades rurais, de bairro ou de rua.Uma autêntica política energética será baseada no gradual e articulado desenvolvimento dos processos produtivos e das fontes de energia em lugar do desenfreado esbanjamento que hoje se verifica (especialmente no nosso país) talvez pela falta de «controle» e de gestão adequada por parte das populações directamente afectadas, ou seja, das comunidades locais e regionais.Para pôr em prática um desenvolvimento diversificado e à medida do homem não são suficientes nem sequer adequados os governos centrais por muito que cresçam os seus poderes e se acumulem os instrumentos ao seu dispor. Cada vez mais se reconhece a necessidade de confiar às pessoas e às comunidades concretas o seu próprio destino.Descentralização do Estado e regionalização da sociedade surgem assim como as duas faces complementares de um mesmo profundo movimento de apelo ao Homem, à sua capacidade de imaginação, de iniciativa, de sacrifício, de participação e de criação.Desse esforço global de desenvolvimento tem de fazer parte uma política de ambiente que deverá integrar, desde a base, todas as actividades económicas, sociais e culturais.A criatividade alicerçada na diversidade das vocações e das opções será a principal

característica da sociedade pela qual vale a pena lutar.

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A economia de posse vai suceder a do bem-estar, ao serviço de um novo humanismo, que não se satisfaz com a mera quantidade imposta pela lei do crescimento e do consumo, antes exige a qualidade dos produtos e a subordinação das coisas aos valores espirituais.Só a participação livre de todos os portugueses, desde as mais pequenas autarquias às regiões, às províncias, à Nação, poderá promover e fazer triunfar todo este processo de mudança, em que os homens do nosso tempo estarão a dar passos decisivos.Como expressão da vontade consciente de cada homem e fundamento de todas as relações políticas, a democracia garante a cada momento a legitimidade dos actos e das leis do Estado. Mas, sem um fundo histórico, constituído por valores enraizados na cultura e no próprio inconsciente colectivo, não existem verdadeiras instituições, nem verdadeira Pátria. Assim os Portugueses vão compreendendo, através dos sobressaltos e tensões das sucessivas modalidades do regime republicano, que um Povo como aquele de que fazemos parte não pode renunciar à sua dimensão histórico-cultural, sob pena de acabar por se dissolver no anonimato.Estamos aqui para recordar e de algum modo renovar um antigo Pacto, que é a própria fonte do Estado português.No 1º de Dezembro de cada ano, a todos os portugueses queremos significar (com maior ou menor consciência dos fenómenos históricos e do sentido da Política) que não prescindimos do vínculo constitutivo que prende a todas as instituições da comunidade nacional a Instituição Real. É esse vínculo que faz falta, entre todos, na actual Constituição, em que se acumulam as normas de tipo processual, mas quase nada tem que ver com a permanência de um Povo e da sua missão.Por mim, sei que a Instituição ultrapassa em qualquer momento aquele que a encarna. Por isso me sinto integrado numa linha histórica cuja razão de ser é o serviço dos Portugueses.Sei também que ninguém pode servir Portugal cortando as amarras que o prendem a muitos Povos de todo o mundo que nos ajudaram a cumprir o desígnio histórico que é a essência, da nossa cultura.Para todos esses Povos vai sempre o meu pensamento e a minha dedicação. E ninguém estranhará que esse cuidado se dirija de modo muito especial àqueles que têm particulares razões de queixa dos procedimentos havidos para com eles. Lembro antes de mais os Timorenses, cujo direito é inegável.

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Mas sob os pontos de vista jurídico, político e moral, nem só o problema de Timor continua por resolver.Já há séculos Angola fora cristianizada quando nos finais do século XIX Cabinda entrou de um modo particular para a soberania portuguesa. Em 1885, os legítimos representantes do seu povo estabeleceram com o Rei de Portugal o tratado de Simulambuco, o qual passou a ser a base jurídica, reconhecida internacionalmente, que justificava a presença portuguesa nesse território. Até 1974 todas as «constituições da república» reconfirmaram a identidade de Cabinda como território distinto dos demais do nosso «Império», e mesmo nesse ano a maioria dos Estados africanos reconheceu ao seu povo o direito à autodeterminação, de

acordo com o artigo 73º da Carta das Nações Unidas e com a declaração 2621 de 15/10/1970, da mesma organização.É indubitavelmente necessário fazer justiça a essa pequena nação, que há quase um século se confiou livremente à protecção portuguesa, e que agora sofre cruel opressão de ocupantes estrangeiros.Não posso terminar sem falar dum acontecimento que me deu grande alegria:Tivemos recentemente uma prova de que Portugal ainda se mantém fiel à sua tradição de respeito pela vida.O Santo Padre Pio XII, meu Padrinho de Baptismo, declara que «cada ser humano e também a criança no seio materno, recebe o direito à vida imediatamente de Deus e não dos pais ou de qualquer sociedade ou autoridade humana». Mas, mesmo pondo de parte as considerações de ordem espiritual, não podemos ignorar que a pretendida legalização do aborto é somente um passo mais na escalada contra o direito à vida. O próximo seria a legalização da eutanásia.Esta «morte por caridade» já é praticada clandestina porém frequentemente em muitos países. Contra a vontade do próprio doente, que não é consultado, os médicos já decidem quando o devem matar por o considerarem incurável. A seguir, poderá legislar-se no sentido de ser o próprio Estado a decidir quem tem ainda o direito à vida, ou quando é que esta passa a ser um encargo excessivo para a comunidade.E evidente que não tenho o direito de julgar as mães que praticam o aborto, tantas vezes pressionadas por circunstâncias dramáticas. Como afirmaram os nossos bispos recentemente, a melhor maneira de combater esse mal é lutar contra as causas que a ele conduzem e os adversários do aborto serão inconsequentes se não travarem também essa luta. Gostaria de lembrar, por exemplo, que a nossa legislação sobre a adopção de crianças dá muito poucas garantias aos pais adoptivos e desencoraja grandemente essa tão generosa atitude.

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Mensagem do 1º de Dezembro de 1983A celebração do 1º de Dezembro, que todos os anos temos feito, apresenta, desta vez, um significado especial. Precisamente há seis séculos, o povo de Lisboa aclamava o Mestre de Avis «Regedor e Defensor do Reino». Seguiu-se o cerco de Lisboa pelo exército castelhano. Aí começou a revelar-se o futuro Condestável Nun’Alvares Pereira, que pouco depois levaria os Portugueses à vitória na batalha dos Atoleiros. Esclarecido o problema de Direito público por João das Regras, as cortes de Coimbra de Abril de 1385 levariam ao trono o filho mais novo de El-Rei D. Pedro. E as sucessivas vitórias de Trancoso, Aljubarrota e Valverde iriam confirmar a fecundidade da aliança indestrutível da Realeza com o Povo. Em toda a parte, considerado em teoria, o regime monárquico tem, sobre o regime republicano, vantagens fáceis de provar. Mas, no caso português, a Instituição Real não é apenas um instrumento jurídico e uma técnica política adequada ao bom governo: é uma instituição essencialmente nacional, claramente adoptada pelos povos do Reino, como elemento integrante da própria Nação. A Revolução de 1640 foi um regresso à Legitimidade. Mas quem definiu o critério fundamental dessa legitimidade foram os Portugueses de 1383, ao manifestarem sem sombra de dúvida que só aceitavam um «Rei natural». 1640 pode ser uma revolução de palácio, um «golpe de Estado» promovido e efectuado pela Nobreza. Mas esse acto, perfeitamente consciente e tão bem concebido

como executado, não teria sido possível, nem teria qualquer sentido, se, alguns séculos antes, não tivesse havido a revolução popular que levou ao trono o Mestre de Avis. El-Rei D. João IV, que neste dia especialmente exaltamos, aceitou a Coroa (que logo ofereceu a Nossa Senhora da Conceição) para continuar a obra de D. João I, seu directo antepassado.Com o reinado de D. João I fixaram-se as linhas mestras da Monarquia Portuguesa: Rei natural; representação nacional participante do Poder; municipalismo; organização do Trabalho; missão universalista em serviço dos mais altos valores transcendentes ou históricos. Assim ficou definida a identidade do PovoPortuguês, ligada, essencial e intimamente, à dignidade nacional, e portanto à Independência, servida e garantida por uma Monarquia de base democrática, que se diria providencialmente preparada para as exigências dos tempos modernos.Os Portugueses souberam vencer todas as crises da sua longa História, renovando o Pacto inicial com a Dinastia. Só em 1910 e nestas últimas décadas éque a crise cultural, activada pelas ideologias oitocentistas, resultou em ruptura institucional. A quebra do vínculo originário que, no século XII, dera existência

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ao Estado português, trouxe como consequências a funesta libertação de factores negativos e destruidores, entre eles a negação da História, o ódio aos Reis que a conduziram e perpetuaram, finalmente a miragem do Iberismo, mais ou menos mascarado de federalismo. Contra estes miasmas se levantam, felizmente, as novíssimas gerações, desejosas, ansiosas de conhecer a sua História para se reconhecerem a si mesmas e encontrarem resposta para o problema de identidade e da responsabilidade perante os outros povos. Ainda que fosse preciso lutar contra a corrente, devíamos lutar. Mas a verdade é que as mais novas tendências vão exactamente no sentido da reafirmação dos valores históricos.Portugal não é apenas um território ou um somatório de portugueses. Portugal é uma construção humana multissecular, virada para um futuro que não prescinde da terra humanizada e do sentir e saber colectivos.Este Povo, que soube dotar-se de instituições adequadas a uma nação histórica incomparável, tem o seu lugar bem marcado no mapa do mundo, e não pode prescindir da sua originalidade e da sua inteira capacidade de decisão, depois de tantas provas dadas através dos tempos.As boas relações de vizinhança com a Espanha, sempre desejadas mas nem sempre fáceis de conseguir, devem hoje firmar-se e desenvolver-se no sentido de uma mais intensa e variada cooperação cultural e económica. Numa época como a nossa, tão caracterizada pelas imensas possibilidades de convivência entre os Povos, seria lamentável que Portugueses e Espanhóis se mantivessem teimosamente apegados a preconceitos históricos (ou anti-históricos) e se recusassem a um entendimento claro e leal à mesa das negociações diplomáticas e comerciais, e até em certos aspectos de um plano de defesa militar que pode ter de visar interesses e direitos comuns aos dois Estados. Um maior conhecimento da História de Espanha, da sua cultura riquíssima e dos seus recursos humanos e naturais é certamente desejável, até para que nós, Portugueses, estejamos preparados para equilibrar tais realidades e potencialidades por meio de uma política externa inteligente, e sobretudo fazendo apelo à nossa própria capacidade. Recusando qualquer fatalismo geográfico, próprio de uma mentalidade materialista e simplista, devemos praticar, muito consciente e muito livremente, uma política hispanófila. Mas essa política pressupõe a existência de dois

centros de decisão inteiramente livres, cada um deles dotado do que, em termos clássicos de Direito Internacional, se designa por soberania. Quaisquer que sejam as limitações estruturais ou conjunturais que deve sofrer a teoria das soberanias nacionais, embora se tenham presentes os exageros a que conduziu esta teoria, não podemos deixar de reafirmar a necessidade de preservar uma independência e uma originalidade que a História confirmou sem desmentido possível. O gosto de tudo submeter

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a dúvidas e incertezas pode interessar a pesquisadores da Opinião, mas só pode contrariar, talvez sem remédio, qualquer desígnio sério de política nacional e internacional.Quando é aconselhável uma política de fraterna amizade com a Espanha, tudo o que seja alimentar a suspeita de que é possível, contrariando a vontade de todas as gerações, integrar Portugal num todo ibérico, equivale a renunciar àquela política. A política de amizade (ou de aliança) com a Espanha pressupõe o respeito de três momentos históricos fundamentais, simbolizados por D. Afonso Henriques, D. João I e D. João IV.O problema do entendimento com a Espanha relaciona-se, na hora actual, com outro problema, mais vasto mas aparentemente menos complexo, o da entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia.O que vou dizer acerca desta questão deve ser tido como uma tentativa inteiramente pessoal de contribuir para uma solução sensata.O alargamento de um mercado traduz-se em benefício colectivo para a economia de cada um dos participantes, desde que as respectivas dimensões sejam semelhantes, porque o progresso técnico em todos os domínios torna, quer a produção, quer outras formas de acção (como o comércio, etc.), tanto mais eficientes e tanto mais baratas, quanto maiores forem os mercados. No caso, porém, de haver uma desproporção nas dimensões - que é o caso de Portugal perante a CEE - aquelas mesmas razões actuam em sentido negativo, pois as enormes indústrias europeias, as grandes empresas comerciais, os grandes gabinetes de projectos, etc., logo aniquilarão os seus minúsculos congéneres portugueses. Só para termos uma ideia daquela desproporção, basta recordarmos que, no que toca à tecelagem (algodões), actualmente a CEE permite que Portugal lhe exporte creio que 3,5% do total que ela (CEE) importa do estrangeiro, que foi difícil negociar a passagem de 3% para 3,5%, e que esse êxito foi a salvação para essa nossa indústria.E isto a respeito de uma indústria que é das maiores que possuímos. Numa futura entrada nossa para a CEE, o mais que estas indústrias poderiam esperar é que as suas indústrias congéneres europeias as comprassem (ao desbarato). Quanto às mais pequenas, os europeus nem para elas olharão: serão logo aniquiladas.Os nossos industriais só costumam pensar que iriam ficar melhor por passarem a ter aberto um mercado muito maior, e esquecem que, em contrapartida, também os europeus passarão a ter abertos às suas indústrias os nossos mercados, onde elas colocariam os seus produtos a metade do preço.

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Por outro lado, iam ver agravados os seus próprios custos de produção (já hoje elevados por disporem de pouco capital e deficientes métodos de produção e de gestão), e agravados, dizia, porque os mais baixos custos de trabalho logo desapareceriam, porque a CEE implica

livre circulação dos trabalhadores.Uma terceira causa ia agravar a nossa situação. Era exactamente a nossa posição geográfica que é suficiente para pôr fora de concorrência europeia todo o produto cujo peso unitário seja barato (ferro, cerâmicas, cimentos, etc., etc.). Estamos na ponta da Europa numa esquina, bem distantes dos grandes mercados.E por fim, no momento actual, estamos descapitalizados. Estamos na margem da Europa e seríamos marginalizados. Marginalizados e colonizados. E, se por alguma razão especial ocasional, alguma indústria de boa dimensão fosse viável ser aqui instalada, seriam grandes capitalistas europeus a montá-la e a dirigi-la... e a levar os resultados. Mas, infelizmente, mesmo esses casos seriam muito raros. O mesmo se daria com o comércio. E até a nossa «massa cinzenta» logo seria absorvida pelos grandes centros de investigação europeia.Aliás importa notar que os portugueses por todo o mundo ocupam lugares de responsabilidade no comércio, na indústria, na agricultura e frequentemente sobressaem pela sua actividade intelectual. Enquanto isso, a grande maioria dos nossos emigrantes na Europa exercem profissões subalternas: porteiros, operários, etc.Seja qual for a decisão final do Povo Português no que diz respeito à Europa (que não pode deixar de ser consultado antes da conclusão positiva de um processo que envolve a perda de alguns elementos de soberania), há uma política de interesse indiscutível para nós e para o mundo: o reforço de laços de amizade e cooperação de Portugal com os Estados e Povos de cultura portuguesa. Pertencem esses Povos a um espaço designado habitualmente por «Terceiro Mundo», mas a presença da língua e de outros elementos essenciais da cultura lusíada garante à imensa riqueza das suas culturas próprias e dos seus recursos demográficos e económicos um papel de extrema importância no contexto internacional. Embora faltem ainda os instrumentos jurídicos adequados à definição desse todo de língua portuguesa, são bem visíveis (como há pouco se pôde verificar) as forças de atracção recíproca entre Portugal e cada um desses Povos. Se lembrarmos que deles faz parte o Brasil, com toda a extraordinária capacidade no plano económico e cultural, e com todo o peso que por mérito próprio já tem no sistema das potências mundiais, poderemos estar confiantes na futura auto-suficiência da comunidade dos Estados lusófonos.

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Para essa Comunidade não podemos levar apenas o prestígio moral de um Passado que já hoje é universalmente reconhecido como um serviço à humanidade: temos de oferecer a esse complexo de dimensões intercontinentais, por um lado, o exemplo de uma identidade cultural constantemente renovada; por outro, um viver colectivo capaz de integrar e de valorizar os grandes recursos naturais que a Terra e o Mar têm à nossa disposição, e que, na maior parte dos casos, mal começámos a conhecer, quanto mais a explorar!As comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo - exemplo actual da nossa vocação universal - só nos pedem que partilhemos com elas a responsabilidade patriótica de preparar o amanhã. Não as podemos afastar das escolhas fundamentais. Têm elas também uma palavra a dizer quando se trata de traçar as grandes coordenadas da política futura.Não quero deixar de dirigir uma saudação especialmente amiga aos Povos que, em África ou no Oriente, sentem que Portugal os abandonou. Como herdeiro dos Reis de Portugal, tenho sobre mim o peso de uma responsabilidade histórica, que não posso nem desejo repudiar e que me obriga a lançar um repetido apelo à consciência nacional e internacional. Apelo a favor da vida, da liberdade e da autonomia sem peias dos povos particularmente

martirizados. Mas há aspectos menos dramáticos a considerar. Penso, por exemplo, na necessidade de defender o uso da língua portuguesa em Goa.Quereria dirigir em especial esse apelo aos homens da informação, verdadeiros agentes de comunicação entre os Portugueses e entre Portugal e o Mundo. Ao mesmo tempo que lhes agradeço a sua presença, peço-lhes que prossigam sem desfalecimento a nobre missão de informar com verdade e de criticar comespírito construtivo. Estar atento ao que se passa e ao que se devia passar em toda a parte onde estão em jogo valores portugueses é tarefa certamente hercúlea. Nenhum de nós lhes recusará o seu esforço.Mesmo nos momentos mais difíceis, nas horas de provação que a História nos tece - sobretudo nestas - há que manter, vigorosamente, a identidade e a dignidade nacionais, condição de esperança num futuro renovador de Portugal!

Mensagem do 1º de Dezembro de 1984A passagem, em 6 de Abril do próximo ano, do 6º centenário da aclamação de D. João I nas Cortes de Coimbra de 1385 será certamente ocasião para estudos históricos e jurídicos. Mas é aos políticos e ao cidadão comum que pertence o

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cuidado de reflectir sobre o significado profundo desse acto comunitário. Sem as Cortes de Coimbra, talvez tivesse sido impossível a vitória de Aljubarrota. Ou, pelo menos, o triunfo militar não teria correspondido às exigências de uma nova política, de uma nova sociedade, da universalização da cultura - a «Sétima Idade» de que fala Fernão Lopes.A reunião das Cortes de Coimbra manifesta, por um lado, a inteligência superior com que o Mestre de Avis e os seus companheiros souberam encarar a crise histórica que viviam, e por outro lado, a escolha do método mais democrático até então conhecido. Escolhido, eleito pelos representantes legítimos da Nação, D. João I foi também reconhecido como herdeiro de uma linha dinástica. E a sua aclamação soleníssima, em Coimbra e, simultaneamente, em Lisboa, corresponde a essa dupla atitude da Representação Nacional. Portugal não se limitava a dar-se um rei, instituindo-o, criando-o a partir do nada. A lição da História é, portanto, clara: a Realeza é, nas épocas de crise nacional, o melhor, o mais adequado instrumento para as reformas necessárias, e antes de tudo para refazer a identidade e gerar a esperança. Mas a Realeza constitui, também, uma reserva histórica, um dos «dados imediatos» com que todo o político autêntico deve poder contar. Como «dado elementar» da História política dos Portugueses, a Instituição Real pertence ao bem comum e, como tal, pode e deve ser utilizada pela Nação. Como «instrumento» político - o mais perfeito que, no seu plano, a História conseguiu produzir - a Instituição Real só pode ser reencontrada e reconstruída pela consciência e a vontade dos homens: só há Rei onde o Povo é livre. E a liberdade do Povo temexigências específicas para cada época. A experiência histórica não é coisa vã. A Monarquia Portuguesa há-de saber assimilar toda a longa e variada evolução das formas políticas nos últimos séculos. As Cortes medievais foram a mais democrática expressão da vontade nacional. Não o seriam hoje, se pretendêssemos transportá-las artificialmente para o nosso tempo, em lugar de fazer delas a melhor fonte inspiradora das instituições modernas.Portugal atravessa uma crise de consciência colectiva, e essa crise deriva, essencialmente,

do vazio intelectual, da ausência de debate de ideias orientado para a afirmação da nossa independência como valor da Humanidade. E, sempre que as dificuldades materiais ultrapassam certo limiar e atingem grande parte da comunidade, a consciência não pode deixar de reflectir essa situação e tornar-se, afinal, nova causa de agravamento desta.Quando os Portugueses sofrem de desemprego alarmante, quando crescentemente se manifestam as situações de carência e se deparam desequilíbrios gritantes entre zonas do mesmo país e cidadãos da mesma pátria; quando a falta de produtividade dos vários sectores económicos e a falta de racionalidade dos

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serviços públicos parecem desafiar inutilmente a imaginação e a vontade dos responsáveis; quando, por outro lado, vemos o Estado continuar a lançar-se em empreendimentos desmedidos e pretender abarcar actividades por natureza apropriadas à iniciativa e responsabilidade das pessoas e das pequenas comunidades (enquanto não o vemos intervir para pôr cobro à especulação e ao caos administrativo), não se pode fugir a uma conclusão: a crise que todo o país sofre resulta, em larga medida, se não essencialmente, da crise do Estado. O Povo Português tem necessidade de um Estado forte; não de um Estado absorvente e tentacular. Forte, para servir e, se necessário, defender; não forte para dominar.Um Estado democrático forte exige um Parlamento eficaz e verdadeiramente representativo dos eleitores e das forças políticas em presença, mediante a concorrência leal entre os Partidos.A representação política dos Portugueses deve corresponder, por um lado, à comunidade nacional - onde têm lugar próprio os debates e o confronto entre as grandes correntes de pensamento -; por outro lado, às comunidades locais, onde melhor cabe a atenção aos problemas concretos. A cada Português cabe o direito de ser informado adequadamente para poder com consciência exercer o direito de escolher, que é próprio dos cidadãos.A necessária descentralização do Poder não deve ser entendida como destruição do Estado. O Estado dignifica-se e aperfeiçoa-se na justa medida em que liberta a sociedade. A eficácia do Estado cresce com a sua democraticidade. Eesta depende da articulação das diversas esferas do poder, que nasce das pessoas e não das abstracções ideológicas e jurídicas.A necessária e desejada regionalização não significa pulverização. Trata-se de um problema particularmente complexo, impossível de resolver sem ter em conta as tradições culturais, as realidades sociológicas e a vontade das populações.O Estado, para garantir a nossa liberdade e independência, necessita de Forças Armadas adaptadas às necessidades da época em que vivemos. Uma Marinha e uma Força Aérea capazes de defenderem o nosso território e a nossa Zona Económica Exclusiva são objectivos por todos aceites. Mas creio também que deveríamos poder utilizar a elevada experiência de combate de tantos de nós para, no seio do Exército, criarmos uma estrutura regionalizada, de voluntários, que servisse simultaneamente de defesa militar e de defesa civil no caso de catástrofes, designadamente inundações, incêndios e terramotos.Nos cuidados e na aflição do dia-a-dia, falta disposição e tempo para os problemas de fundo e de estrutura, dos quais depende, afinal, o futuro colectivo. A própria análise da situação real da economia portuguesa, feita pelos melhores especialistas, conduz a diagnósticos inteiramente opostos. Mas o que

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vemos é bastante para compreender que se acuse o Estado de hipotecar a Nação. A dívida externa é hoje equivalente a cinco Orçamentos do Estado.O sistema fiscal (ou antes, a mistura de diversos sistemas, com origens e fundamentações contraditórias) parece imaginado para promover níveis elevadíssimos de fuga e evasão. E o cidadão comum sente-se indiferente ao apelo de solidariedade social que deve justificar o imposto em qualquer sociedade saudável. A inflação é uma forma de imposto indirecto, altamente injusto, promovido pelas excessivas despesas do Estado e financiado por fabricação de moeda.Em face de tão grave panorama, os responsáveis políticos procuram cristalizar a esperança no futuro acesso à CEE. Mas, se parece desejável que Portugal se vincule mais intensamente à sua família europeia, não o é menos que o Povo tenha clara noção dos custos que eventualmente se lhe exigirá pelo estreitamento desses laços de família. E o Povo - triste é dizê-lo - desconhece em absoluto esse preço. A menos que, no pouco tempo que parece restar até à consumação da nossa entrada, um esforço muito sério seja feito por parte das instituições e da Administração, para esclarecer completamente de que se trata. Esforço que terá de ser paralelo com o da mais pronta e eficiente adaptação dos regimes económicos, legais e administrativos internos, de modo a suavizar na medida possível o que vai ser um choque inevitável. E não será demais acentuar que um passo de tanta gravidade não deveria ser dado sem consulta directa à população.A restauração da Monarquia só poderá ser feita - como sempre tenho dito - por vontade expressa do Povo Português (no qual reside a soberania), quando este quiser reatar o Pacto com a Coroa. Foi esse Pacto originário que deu fundamento à Monarquia Portuguesa. Mais que Rei de Portugal, D. Afonso I foi «Rei dos Portugueses». Já há oito séculos a Política tinha uma componente pessoal.O consenso exigido não me afasta, entretanto, em cada momento, de estar ao serviço do Povo, porque me sinto, conjuntamente com todos os portugueses, responsável pelo futuro da Pátria.Sem abdicar do que sou e do que represento - porque isso seria fazer o Povo abdicar da Dinastia que dele faz parte, sinto-me preparado para lutar e sofrer com ele.Por isso estou, neste momento particularmente difícil, ao lado de todos os que sofrem e de todos os que anseiam por um futuro melhor, especialmente a juventude que se prepara para começar a vida.Só uma Monarquia assente nos princípios democráticos da Representação autêntica dos Portugueses permitirá, de um modo habitual, o mais aberto debate de ideias, sem pôr em risco a própria liberdade de discussão.

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Verdadeiramente, só a Monarquia poderá cumprir até ao fim o desígnio de modernidade que se exprimiu há seiscentos anos nas Cortes de Coimbra e em Aljubarrota e que já nesses dias actualizava a intenção primordial de D. Afonso Henriques ao criar, em consonância com o Povo, um novo Reino voltado para tarefas universais.Herdeiro de todos os Reis que ao longo dos séculos serviram a comunidade pátria, quero reafirmar, neste aniversário da Restauração, a minha esperança de que, com a ajuda de

Deus e o nosso esforço, possamos uma vez mais renovar Portugal.

Conferência de Imprensa - Lisboa, em 27 de Novembro de 1985«Creio que será compreendida a minha constante preocupação de frisar, como fiz logo após a morte de meu Pai, o Senhor Dom Duarte Nuno, que a Representação histórica detida pelo Chefe da Casa de Bragança é imprescritível e indeclinável. Para além do papel que a livre e expressa vontade dos Portugueses possa porventura um dia restituir ao princípio monárquico, cabe-me pois servir a colectividade como me for possível» - afirmou o herdeiro do Trono de Portugal, o Duque de Bragança, D. Duarte, numa conferência de Imprensa, que ontem promoveu no Grémio Literário.Substituindo a sua tradicional Mensagem do 1º de Dezembro por esta forma, que considerou mais directa para contactar com os Portugueses, o Duque de Bragança reservou a cerimónia do dia da comemoração da Restauração para um contacto mais participado e mais dialogante com os monárquicos. Nesta conferência de Imprensa, o herdeiro da Coroa portuguesa teve particular cuidado em frisar a sua inteira disponibilidade para «servir a Nação», por inerência natural da sua posição, não se limitando a esperar pelo dia em que a Monarquia seja restaurada para assumir os seus deveres.«É uma missão nem sempre compreendida», frisou D. Duarte de Bragança, pois, «cada pessoa tende, em fenómeno humano de transposição e sublimação, a formular do Rei, quando ele não reina, a imagem determinada por um natural subjectivismo. É um símbolo para que então se transferem preconceitos derivados de propaganda ultrapassada ou nostalgias magoadas, ansiedades insatisfeitas e frustrações que culpabilizam. Esquece-se aí que a Monarquia só poderá ser uma resultante da vontade nacional. Também não se recorda que não cabe ao Representante da Instituição Real actuar como se fora o chefe político que não

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pode ser por definição essencial, pois, acima da exequibilidade da Monarquia estão a pureza e perenidade do Príncipe que a legitima, ao serviço do País. Surge diferente perante os ânimos a posição do Rei quando ele está efectivamente integrado na vida constitucional do Estado. Porque, um rei não é só um governante preparado para dirigir os destinos da Nação, ao invés de um chefe republicano que, eleito por máquinas eleitoralistas, pode ser (e costuma sê-lo) muito diferente do que aparenta, o Rei é, também, a continuidade da governação, a possibilidade de se lançarem planos económicos, sociais, culturais a longo prazo, sem a perspectiva de que a mudança periódica de governante venha a alterar essa linha.»Noutro ponto da sua comunicação, D. Duarte referiu-se às eleições presidenciais, ainda «naquele sentido de serviço nacional que é a razão da minha vida». A esse respeito, afirmou considerar que é particularmente importante este momento em que se avizinham as eleições presidenciais e uma Nação em crise, sofredora e cansada, será de novo chamada a dividir-se face ao preenchimento de uma Magistratura que, marcada no processo pré-eleitoral por arranjos, acordos ou conluios desconhecidos do Povo, a este se apresentará, finda a votação e talvez por maioria pouco convincente, como expoente de uma unidade que ainda na véspera não fomentava, possivelmente disposta a ceder perante alianças obscuras que estiveram na base do sucesso nas urnas».Frisando falar apenas «no domínio dos princípios» e determinado pelo propósito de «fiel à

Representação que detenho e se identifica com oito séculos de vivência colectiva», o herdeiro da Coroa de Portugal disse «pedir a todos os portugueses que, atentando nas lições da História (mormente de 1910 até agora), alertem quanto antes um sistema de provados inconvenientes e se congracem em torno da Instituição Monárquica, que rege tantas prósperas nações da Europa e se identificou, em termos indeléveis, com a nossa projecção no Mundo. De toda a maneira, proceda ou não assim o País, eu terei a honra de estar sempre ao seu serviço, porque é esta a minha obrigação.»

Mensagem do 1º de Dezembro de 1986Acabado de regressar de uma visita ao Japão e à China, gostaria, antes de mais, de vos dar conta do caloroso acolhimento que me dispensaram nessa importante região do Mundo onde Portugal mantém ainda bem vivo o prestígio que despertou no século XVI.

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Prestígio que contrasta com a actual quase ausência de expressão cultural e económica portuguesa nessas paragens; em ambos os países foi-me manifestada estranheza pela nossa falta de acção.Estou certo de que gerindo o nosso prestígio nessa zona - toda ela em crescendo de importância económica e seguramente a mais importante em futuro próximo - conseguiremos obter dividendos muito superiores àqueles que a nossa actual dimensão territorial poderia fazer supor.Macau, onde me foi grato permanecer alguns dias e de que vos gostaria de falar, noutro momento, com pormenor, constitui para nós, mesmo num quadro político diferente, um trunfo excepcional para intervenção naquele espaço, sobretudo se soubermos associar, à nossa iniciativa, outros países de língua portuguesa, em especial, o Brasil.O Dia da Restauração constitui, em cada ano, oportunidade singular para o Herdeiro dos Reis de Portugal se dirigir a todos os seus compatriotas, sem excepção.Não desejaria que fosse a minha iniciativa encarada como o cumprimento de um hábito, no sentido rotineiro emprestado à palavra e, muito menos, se encarasse como algo que aos monárquicos se restringisse.Insisto em que a oportunidade destas palavras visa a Nação Portuguesa na sua globalidade e constitui não o cumprimento de uma quase formalidade, mas sim um acto que aproveita o significado do dia para exortar a vivificação da identidade nacional.Esse dever de todos nós radica-se, afinal, na verdade de nos concentrarmos em torno de valores e de modelos que nos deram fisionomia colectiva; zelarmos por eles é, assim, tão elementar quanto é autêntica a realidade dentro da qual conseguimos subsistir, em séculos de vicissitudes, como Pátria independente.Pouco, hoje, se fala de Pátria. Vulgarizou-se o termo País. Mas Pátria e País não são sinónimos.Creio actual e necessário distinguir a grandeza destas noções porque se a de País traduz, apenas, o corpo social, política e geograficamente demarcado, a de Pátria confere-lhe uma tónica espiritualista e imperecível.Relembrá-lo é dever indeclinável do Duque de Bragança como representante daquele que, em 1 de Dezembro de 1640, encarnou a Restauração da Pátria.Mas do mesmo modo que a Restauração foi obra do Rei e do Povo, também a memória do seu exemplo deve ser por todos nós partilhada.

Num momento em que experimentamos novos desafios é importante que saibamos o que somos, é necessário que tenhamos consciência da nossa identidade, é indispensável conhecermos a nossa vocação.

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Seria estranho que, passados quinhentos anos sobre o início da nossa epopeia marítima, tivéssemos dúvidas quanto à nossa vocação como Povo, quanto às traves mestras da nossa identidade nacional.Cerca de nove séculos de história pátria, meio milénio de contacto universal são tempo bastante para que possamos fazer o balanço do nosso esforço colectivo, conhecer o que é permanente em nós e o que nos distingue dos outros.Os Portugueses, procurando descobrir os outros, descobriram-se a si próprios!E não estaremos longe da verdade se dissermos que da simbiose destas duas descobertas brotou uma maneira de estar e de sentir no Mundo que constitui a Herança de que Portugal, com legítimo orgulho, se não considera exclusivo beneficiário.É que, se como povo deixámos, ao longo de séculos, heranças a outros, como geração partilhamos, hoje, com eles uma herança comum.Penso, certamente, nos Povos que, hoje, integram os novos Estados de língua portuguesa, penso no Brasil e não esqueço todas as Nações que não tendo experimentado ou tendo conhecido episodicamente a soberania portuguesa, mas que connosco conviveram, ainda hoje se orgulham da parcela que lhes cabe na Herança Portuguesa.Que não nos preocupe a criação, a exemplo da experiência de outros, de uma Comunidade lusíada porque ela já existe.As comunidades não se confundem com associações de interesses económicos ou políticos, por definição, nascidas do acordo de vontades e, pela mesma razão, perecíveis. Constroem-se ao longo de gerações, fundam-se numa comunhão de vida, de valores e, muitas vezes, de sangue.Não devemos, assim, preocupar-nos senão com a preservação dos laços que nos unem, isto é, da Comunidade que constituímos com todos os herdeiros da História Portuguesa.Um povo não muda de vocação. E a vocação de Portugal, testada ao longo de séculos, é a da comunicação tolerante e da convivência pacífica com outros povos.Vocação não frustrada porque constantemente realizada!É, pois, natural que não estranhemos, hoje, o significado da solidariedade e nos dispúnhamos a partilhar com outros povos o esforço; o que desenvolvem para a concretização de ideias que nos são comuns: a independência e a liberdade.Mas havemos de ser coerentes!

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Não podemos ignorar a persistência, no Mundo, de situações de opressão social e nacional, Estados em que é evidente o divórcio entre as aspirações do povo e as dos detentores do Poder.Só por absurdo se pode aceitar que a pretexto da solidariedade com os povos se coopere com governantes deles distantes e a eles impostos, que por sistema lhes negam a liberdade de escolha, coarctam a participação, enfim, oprimem.Temos de ser criteriosos!

Vastas regiões do Mundo são, hoje, assoladas pela fome. Provocada, em muitos casos, por catástrofes naturais e, em outros, por conflitos regionais e lutas intestinas dos Estados, a fome atinge proporções verdadeiramente alarmantes.Tragédia que afecta, entre outros, Angola e Moçambique, países a cujo destino estamos indissociavelmente ligados por razões de responsabilidade histórica e moral e a cujas populações devemos dar testemunho de solidariedade humana.Não posso deixar também de lembrar aqui um povo que lutou pela Pátria portuguesa e que continua a sofrer uma situação injusta, em violação de todas as regras do Direito Internacional, da convivência civilizada entre as Nações e em completo desrespeito pelos seus direitos, tradições e legítimas aspirações: o Povo de Timor.Timor constitui um desafio à nossa coerência, ao nosso realismo, à nossa capacidade para enfrentarmos situações difíceis.Portugal deve reforçar a sua presença e fazer ouvir cada vez mais a sua voz nos organismos internacionais de que é membro, como forma de, independentemente do seu peso político e poder económico, afirmar o seu prestígio, defender os seus valores e fazer vingar os seus interesses.Mas o recurso às organizações e aos organismos internacionais não nos deve poupar a uma constante procura de soluções em outros espaços e com outros interlocutores. A questão de Timor exige de nós um esforço diversificado e permanente. O povo de Timor não pode ser, apenas, o dever de esperar - tem de ter, também, o direito à esperança.As comunidades portuguesas espalhadas pelo Mundo devem merecer-nos uma particular atenção. Esse impressionante número de Portugueses que, em solo estrangeiro, constrói o futuro das suas famílias e que pela qualidade do seu trabalho granjeia para Portugal a admiração e o respeito gerais, contribui poderosamente para a construção do nosso dever colectivo.

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Devemos esforçar-nos por melhorar a comunicação com eles e manter, através deles, o bom nome de Portugal.Não poderemos, pois, regatear-lhes o apoio de que carecem - quase exclusivamente cultural - e muito menos negar-lhes o legítimo direito de participarem mais larga e directamente na vida das suas comunidades de origem e na do todo nacional de que fazem parte.Os que regressarem à Terra Mãe ou os que se mantiverem em terra estranha - todos deverão poder sentir-se familiarizados com a realidade do país e estar aptos a serem igualmente co-responsabilizados pelas suas opções.Portugal espera deles um concurso activo dentro ou fora das suas fronteiras para a defesa dos interesses nacionais.Cabe aos meios de comunicação social um importante papel neste esforço de reaproximação dos Portugueses.A tarefa da informação é, muitas vezes dura e, não raro, heróica. Da constante busca da verdade, da resistência às pressões que visam adulterá-la ou camuflá-la, da sua correcta transmissão aos cidadãos, depende a qualidade e o acerto das decisões numa sociedade democrática.Dirijo o meu pensamento aos profissionais da informação cuja independência é imprescindível à salvaguarda da liberdade e cuja responsabilidade perante o País e o seu futuro é imensa.

Penso no esforço da imprensa das nossas comunidades e no dos órgãos de informação regional e local de cujas persistência e sobrevivência depende, em grande medida, o nosso conhecimento do País real o que, por si só, é razão bastante para que sejam devidamente apoiados.A importância económica e política da adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia deveria ter implicado - como sempre insisti - prévios esclarecimentos e consulta ao Povo Português.Não aconteceu assim...É porém necessário que o esclarecimento se faça e se processe tão amplamente quanto possível, por forma a que a unidade do esforço português, indispensável perante o novo desafio, não seja quebrada por incorrectas, sectárias ou simplesmente superficiais informações.A salvaguardada da nossa independência neste novo quadro de interdependências nacionais resultará, por outro lado, da consciência que soubermos manter da identidade pátria e da preservação dos laços que nos unem aos Povos de cultura e língua portuguesas e, por outro lado, da capacidade que revelarmos para, perante os outros, constituirmos uma frente comum.E que, mesmo entre amigos, a competição tem as suas regras.

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Face a este novo e grande desafio não nos poderemos deixar adormecer ou intimidar. Temos o dever de nos mantermos despertos e de robustecermos a nossa capacidade de resposta.E esta passa pela estabilidade política e económica, geradora da confiança. É indispensável ao crescimento económico, ao fortalecimento da nossa economia o concurso de todos os cidadãos. Há que libertar os recursos para o investimento privado e redimensionar as despesas do Estado porque, se umas servem indiscutivelmente o interesse colectivo, outras, resultando de experiência falhadas ou condenadas, pelas mesmas realidades, a falhar, não o servem e antes prejudicam uma justa repartição da riqueza.Há que incentivar o associativismo e, em particular, o cooperativismo, no sector agrícola.Se é decisiva a participação dos Portugueses no fortalecimento da economia nacional, não o é menos na definição do perfil do Estado e no seu funcionamento.É necessário que toda a organização política e administrativa do Estado corresponda à vontade expressa do Povo Português.Tenho constantemente salientado a importância da descentralização e da regionalização como factores do desenvolvimento nacional e como adequada resposta às aspirações das comunidades. É importante reforçar o poder local (expressão da responsabilidade das comunidades) dotando-o não só dos meios financeiros como dos meios técnicos necessários ao seu exercício.A introdução do referendo, instrumento de consulta, por excelência, e a do voto uninominal que, facultando aos eleitores um melhor conhecimento do candidato, personaliza a sua eleição, são não só desejáveis como necessárias.Não posso deixar de denunciar também aqui o agravo ao Povo Português que a Constituição da República consagra na alínea b) do seu artigo 290º impedindo-o de mudar a «forma republicana de governo».Embora a expressão seja, em si mesma, imprópria, a verdade é que, negando aos

representantes do Povo a possibilidade de escolherem livremente as suas instituições, constitui uma flagrante violação dos seus direitos fundamentais.Neste dia consagrado à Restauração é-me grato recordar convosco a expressão da vontade que levantou ao Trono os meus Avós D. Afonso Henriques, D. João I e D. João IV.A Instituição Real só tem sentido se for querida ao Povo se se alicerçar na vontade do Povo. Recebi uma Herança Familiar de Serviço e não tenho outra ambição senão a de servir a Pátria!Só ao Povo Português cabe pretender

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O Herdeiro dos Reis de Portugal está na disposição de servir de acordo com a vontade Livre dos Portugueses.

1987 - Alocução inaugural da Campanha «87 Timor - Vamos Ajudar!»Alocução proferida por S. A. R. D. Duarte, Duque de Bragança, na sessão de apresentação da Comissão Nacional da Campanha de «87 Timor - Vamos Ajudar!», no dia 4 de Fevereiro de 1987.Minhas senhoras e meus senhores,Tenho de começar as minhas palavras reconhecendo a grandeza da alma de Portugal no socorro ao infortúnio em que se medem as solidariedades profundas. Porque se nos interesses imediatos o povo se desencontra, é nos sentimentos mais interiores que se une, desenhando a alma nacional.A Comissão que hoje vos apresento, de tão variadas personalidades, com interesses e leituras da vida tão diversas - a sua presença aqui, dizia eu, é o testemunho da razão de Fernando Pessoa que, pensando no «reencontro» escreveu: «Todos os caminhos vão dar à ponte, quando no rio não há nenhuma.»É este o caso. Somos capazes de nos juntar para a construção de uma ponte para a esperança.Vamos juntos ajudar a alterar o quadro de vida de uma comunidade de refugiados. Não uma qualquer comunidade, mas sim, refugiados da nossa própria História. Eles são da nossa própria família, eles são da família de Portugal.É certo que sempre que um grupo social se encontra - como este - reduzido ao desamparo, é porque foi vítima de sucessivas injustiças. Por isso, o sentido da nossa solidariedade não poderá ser o da esmola. É nosso dever contribuir para que o seu horizonte seja o desenvolvimento e a libertação com acções concretas a fim de atingir resultados. E o fim desta campanha «87 Timor - Vamos Ajudar!» é o de promover condições de alojamento e de integração social.Esta iniciativa irá durar até ao fim de 1987 e não quero deixar de recordar que este é o Ano Internacional das Pessoas Sem Casa.Feito o levantamento das situações mais carentes, propomo-nos conseguir a construção de 162 fogos que alberguem outras tantas famílias. Mas, ficarmos por aqui, seria como que acalmar a boa consciência com um tecto.É também alvo desta Campanha a angariação de postos de trabalho, cursos de formação profissional e de apoio à escolaridade das crianças.

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Não posso por isso deixar de sublinhar a presença, nesta Comissão Nacional, de todos os parceiros sociais, que demonstram assim uma maturidade e uma superior consciência cívica, que estou certo calará fundo no íntimo dos Portugueses. A sua acção será determinante para que não se transfira um gueto de um lado para o outro, mas sim que se consiga a integração destas pessoas, dando-lhes a oportunidade de uma aprendizagem profissional e promovendo o seu legítimo direito ao trabalho. A presença de todos os parceiros sociais, e ainda e sobretudo a garantia e a felicidade de ser esta uma verdadeira campanha de cidadãos.A participação nesta iniciativa de membros da Administração Pública, Governo da Nação, Governo do Distrito e Autarquia de Lisboa é imprescindível para o sucesso de uma campanha destas proporções, mas é acima de tudo o penhor da intenção dos nossos dirigentes de resolver esta aguda situação de miséria.O envolvimento do Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas é mais uma prova de que impera nesta instituição o sentido da História, de que é garante e protagonista.O altruísmo dos intelectuais e personalidades membros desta Comissão Nacional são a própria essência e vitalidade do espírito português.A adesão tão expressiva das fundações e organizações não governamentais de solidariedade social, se é mais uma prova do acerto da sua vocação, é certamente um pequeno exemplo dos incontáveis serviços prestados ao País.A Comissão Nacional da Campanha «87 Timor - Vamos Ajudar!» é assim constituída pelo:Sr. Dr. Viegas Tavares - Presidente da Liga dos Amigos de TimorDr. Luiz Gonzaga Ribeiro - Presidente da Cruz VermelhaDr. João Rebelo de Carvalho - Presidente dos Serviços Assistenciaisda Ordem de MaltaDr. Hernâni Lopes - CAFDr.a Teresa Costa Macedo - Presidente da Amade InternacionalDr. António Maria Pereira - Liga dos Direitos do HomemDr. Pedro Loff - Instituto de Apoio à CriançaAlto Comissariado das Nações Unidas para os RefugiadosMinistro do Trabalho e Segurança Social e Ministro da Habitação eObras PúblicasGeneral Lemos Ferreira - CEMGFASecretária de Estado da Cultura

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Dr. Afonso Moura Guedes - Governador Civil de LisboaEng. Nuno Krus Abecassis - Presidente da Câmara de Lisboa Dr. Azeredo Perdigão - Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian Dr. José Damasceno de Campos - Provedor da Misericórdia de Lisboa Dr. Rocha de Matos - Associação Industrial Portuguesa Eng. José Crespo de Carvalho - Confederação do Comércio Português Eng. José Manuel Casqueiro - Confederação dos Agricultores PortuguesesDr. Jaime Lacerda - Confederação da Indústria Portuguesa Sr. Torres Couto - UGTSr. Emídio Martins - CGTP IntersindicalDr.a Maria Cavaco SilvaDr. João Soares D. Sophia de Mello Breyner Dr. António Quadros D. Agustina Bessa Luís

Eng. Paulo Vaiada Dr.a Natália CorreiaArqtº Tomás TaveiraDr.a Helena Vaz da Silva - Centro Nacional de CulturaEng. Paulo CebolaPadre Apolinário Guterres - Comissão Executiva desta Campanha e Capelão da Comunidade TimorenseSr. Artur Albarran - Comissão Executiva desta Campanha Dr. João Campos Henriques - Comissão Executiva desta Campanha Sr. Francisco Ribeirinho - Comissão Executiva desta Campanha Dr. Moisés do Amaral - Comissão Executiva desta Campanha e Presidente da Comunidade dos Refugiados TimorensesAcabada de arrancar, esta iniciativa conseguiu já a cedência dos terrenos necessários e o projecto de arquitectura, bem como a garantia de construção de arruamentos e infra-estruturas, donativos estes que representam muitos milhares de contos, mas sobretudo um elevado sentido cívico de todas as entidades e personalidades contribuintes. É esse espírito, que estou certo, iremos encontrar na generalidade das empresas que vamos contactar para a angariação de materiais, mão-de-obra e donativos em dinheiro necessários à concretização deste grande acto de FRATERNIDADE.

335Não duvido também da receptividade que terão os vários acontecimentos - alguns já programados e outros em fase de programação - que se irão desenrolar ao longo do ano, no âmbito desta campanha. Concertos de diversos tipos de música, espectáculos de teatro, ballet e ópera, regata naval, festival militar, um meeting de atletismo e um torneio de futebol, um desfile automóvel e um rally, uma tourada e um jumping hípico, uma grande festa rural e outros eventos que serão oportunamente divulgados.Quanto mais esforços juntarmos, mais longe poderemos ir. A nossa história é uma sucessão de exemplos de capacidades e realizações. Por isso temos de acreditar em nós próprios.87 Timor - Vamos Ajudar!

Mensagem do 1º de Dezembro de 1987Ao comemorarmos a Restauração que teve início há trezentos e quarenta e sete anos, devemos ter presente o seu duplo significado de revolução e de luta de libertação nacional.Os Portugueses haviam-se apercebido de que a continuidade da Pátria estava em perigo.Não estavam, apenas, em causa a gestão ou o tipo de gestão da RePública, mas a sua total sujeição a interesse estrangeiro. A própria língua ia sendo preterida.Havia que restaurar a soberania, repor a legitimidade, em suma, reafirmar a identidade nacional.Só um rei português poderia, então, assegurar a defesa dos nossos valores permanentes. Com D. João IV, os Portugueses reassumiram a responsabilidade de continuar Portugal.Um dos valores permanentes cuja guarda pertence, em primeiro lugar de responsabilidade histórica, à Instituição que represento, é a língua portuguesa.Foi ela, nas suas formas ainda balbuciantes, que contribuiu decisivamente para distinguir Portugal das outras parcelas da Península Ibérica.Foi ela que a partir do século XVI, já estruturada em moldes clássicos, foi oferecida como um bem comum a um número sempre crescente de povos e culturas.Por meio dela se entenderam para o convívio da Fé, da Cidade e do Comércio, as tribos, os reinos e os impérios de bem metade do Mundo. E o novo ciclo da nossa existência histórica

encontra, ainda na língua portuguesa, um elo de ligação indispensável para tornar a construir, sobre alicerces mais adequados ao mundo moderno, uma verdadeira e livre Comunidade Lusíada.

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A esse instrumento insubstituível de compreensão internacional importa que prestemos a mais cuidadosa atenção.Língua facilmente aberta aos contributos estranhos - num processo que tem paralelo evidente com o gosto português de tudo assimilar - a língua portuguesa desde sempre teve de ser defendida.Desde o século XVI muitos foram os que se empenharam em limpá-la de impurezas e conservar-lhe a nobreza.. Citarei, já nos nossos dias, Aquilino Ribeiro e Hipólito Raposo.Estamos hoje, e havemos de estar mais ainda num futuro próximo, confrontados com o gravíssimo problema da unidade do português falado e escrito.Talvez esse ideal seja difícil quando se trata duma língua falada por cento e oitenta milhões de homens dispersos por todas as partes da Terra. Mas nem por isso devemos desistir de combater pela dignidade da língua pátria.E parece que, nos dias de hoje, um aspecto quase novo deste problema nos exige especial cuidado. Refiro-me à questão da linguagem científica e técnica. A experiência mostra indiscutivelmente que o confronto da língua portuguesa com as modernas exigências da especialização cultural não tem sido positivo.Na maior parte dos casos, o Português baixa liberalmente todas as barreiras quando vê chegar a massa ingente de termos estrangeiros, em especial anglo-saxónicos, que recobrem as mais variadas espécies de novos saberes, novos processos, novos objectos...Diante dessas hordas que nos assaltam, a lei do menor esforço aceita e agradece, enquanto a nunca desmentida capacidade de tudo justificar encontra explicação para todo o atropelo.Estará a língua portuguesa condenada a falar inglês nos laboratórios, nas fábricas, nas universidades? Será ela incapaz de achar no seu tesouro termos próprios? Não será o momento azado para que os linguistas - felizmente abundantes e ilustres em Portugal e no Brasil (e não só!) - ajustando o seu esforço ao contributo de cientistas e técnicos, forjem novas palavras?A questão é a de saber se vale ou não a pena introduzir o português nas novas tecnologias; conhecida a importância da língua como elemento de ligação e factor de aproximação entre os povos e tendo presente o vasto espaço em que se fala português, há que, sem demora, meditar e decidir nesta matéria.Penso que, no caso de aceitarmos este novo desafio, deveremos procurar fazer frente comum com as demais línguas latinas, especialmente com o castelhano que tão bem tem conseguido preservar a sua unidade.Não pode a política permanecer alheia a este problema. Trata-se de defender a língua portuguesa. Quer dizer que se trata da defesa nacional. Trata-se também

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de evitar que os nossos estudantes os nossos técnicos sintam que esses campos da alta cultura são de outra gente, são de outra língua.A língua é não só um veículo, mas também um cimento da Cultura.

A Comunidade de Língua Portuguesa é, ao mesmo tempo, uma comunidade de povos e uma comunidade de culturas. Devemos esforçar-nos por consolidar e enriquecer esse magnífico quadro de relações que a História nos legou.O que ficará da presença portuguesa em Macau depois do ano 2000?A gravíssima degradação do panorama arquitectónico do território que, nos últimos anos, desgraçadamente foi permitida, aliada ao diminuto esforço realizado para o ensino da língua portuguesa à multidão de chineses que nele se refugiou, não nos oferece uma perspectiva optimista.Devemos contudo esforçar-nos por reparar o possível e investir no futuro.A minoria descendente das antigas famílias de Macau que, ao longo de séculos, criaram e desenvolveram uma identidade cultural luso-chinesa muito própria, é, e poderá ser no futuro, garante de uma continuidade cultural.Ainda recentemente, altas personalidades da República Popular da China me manifestaram a importância que atribuem à permanência portuguesa naquele território, para além do ano 2000.Quem melhor do que os portugueses de Macau para garantir essa presença?Mas, infelizmente, os postos de responsabilidade na Administração de Macau continuam, ainda hoje, na sua grande maioria, confiados apenas a portugueses europeus, pessoas que, por muito competentes que sejam, não têm laços com Macau e por certo, não ficarão ali depois da mudança de bandeira.Urge, pois, e desde já, que os Macaenses participem mais intimamente na Administração do território.A cooperação com os países africanos de língua portuguesa deve intensificar-se, em particular, no plano cultural. Temos em comum um riquíssimo património que não podemos deixar perder sob pena de diminuirmos a nossa identidade própria.Devemos e podemos prestar a esses novos Estados uma colaboração mais decidida e sistemática por forma a contribuirmos para o seu progresso e para o reforço dos muitos laços que nos unem.As guerras civis que, há vários anos, martirizam os povos de Angola, Cabinda e Moçambique, não só nos confrangem como nos impõem uma atitude de estrita imparcialidade para com os beligerantes.Temos, à partida, condições únicas para servirmos de medianeiros entre as partes. Saibamos preservar essas condições; saibamos manter-nos fiéis ao princípio da não ingerência nos assuntos internos de outros Estados; saibamos agir soberana e construtivamente sem tomarmos partido!

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A dramática situação que estes novos países experimentam é, em grande medida, o resultado de não termos sabido assegurar aos seus povos a prometida autodeterminação.Também ao Povo de Timor não foi até agora garantido este seu inalienável direito.A História recente dá-nos exemplos vários de autodeterminação em sentido diverso do da independência.Mas o que importa - seja qual for o sentido da determinação - é que ele corresponda à vontade expressa do povo a que respeita, e Portugal tem a incumbência moral, histórica e internacional de garantir ao Povo de Timor o direito à livre escolha do seu futuro.É curioso verificar que a Constituição da República, muito embora consagre nos seus

princípios fundamentais o respeito pelo direito dos povos à autodeterminação e à independência, se limita, no caso de Timor, a consignar a obrigação de promover e garantir, apenas, o direito à independência.Sendo certo que a pobreza do texto em nada nos desobriga, teria sido preferível que, a exemplo das resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas, tivéssemos também aí referido o direito à autodeterminação.Seria útil que, em tempo de revisão constitucional, introduzíssemos na Lei Fundamental do Estado um pouco mais de clareza no tratamento desta importante questão.A heróica resistência do Povo de Timor à ocupação indonésia merece-nos e ao mundo inteiro profunda admiração, respeito e solidariedade.O desenvolvimento económico e social que a potência invasora parece agora esforçar-se por promover em Timor, desproporcionado em relação ao que se verifica nas províncias indonésias, decorre, por um lado, de inconfessadas necessidades militares, próprias da ocupação e, por outro, da convicção da sua utilidade numa bem orquestrada campanha de propaganda.Se é certo que quando deixámos de administrar o território não era excelente o seu grau de desenvolvimento, não é menos certo que largas zonas da Indonésia tinham então idênticos e mesmo inferiores níveis de desenvolvimento e continuam a tê-los!Seria pois ridículo aceitar-se hoje que o empenho indonésio no progresso de Timor corresponda a um desinteressado ensejo de recuperar o pretendido atraso do território.A difícil situação internacional em que a Indonésia se colocou ao invadir Timor e ao procurar perpetuar a sua presença ali - tentativa acompanhada de persistentes violações dos direitos humanos - tem-se tornado embaraçosa quer para ela, quer para os países que nela têm importantes interesses.

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Passados doze anos sobre a invasão de Timor já não é possível à Indonésia manter o sempre discutível e, neste caso, particularmente suspeito, argumento da legítima defesa preventiva.Tão pouco consegue fazer acreditar que a anexação violenta do território tenha ficado legitimada por um plebiscito realizado sob a sua ocupação militar.É-lhe finalmente impossível negar a veracidade dos inúmeros testemunhos de violação dos direitos humanos praticados pelas suas forças, mesmo quando os apresenta como o resultado de lutas fratricidas entre Timorenses.Por seu lado, os países que detêm importantes interesses económicos e estratégicos na Indonésia, só mediante um verdadeiro malabarismo político conseguem conciliar a condenação formal dos seus actos com o auxílio que, por conta daqueles interesses, lhe prestam.Tudo isto poderá explicar a situação de impasse e de comprometida inércia que, de longe, temos observado, e que os Timorenses, onde quer que estejam, têm sofrido de perto!O facto de as Nações Unidas condenarem a ocupação indonésia e reconhecerem a Portugal o papel de país administrante, aliado ao desejo comum de encontro de uma solução, constitui motivo de esperança e exige de nós um empenhado esforço.É, porém, indispensável que sejam apresentadas propostas realistas e aceitáveis para todas as partes...A Indonésia - país que abriga vários conflitos étnicos - terá dificuldade em discutir a forma e a oportunidade da consulta ao povo de Timor antes de reunir garantias de que uma

possível independência do território não lhe afectará nem a segurança nem a unidade.Ora, como já tenho dito, a criação em Timor de um Estado neutralizado ou de um Estado exíguo, cujo estatuto seja garantido por potências com poder efectivo - amigas de Portugal e da Indonésia - poderá constituir a solução possível.Aquelas mesmas potências deveriam ser garantes do prévio processo de autodeterminação.Quase no final de 1987, não posso deixar de expressar uma palavra de louvor a todos aqueles que, ao longo do ano, deram o seu contributo à campanha de solidariedade para com os refugiados de Timor.A essa admirável empresa cívica que associa em projecto comum portugueses de todas as convicções e de diferentes responsabilidades, não poderá já ser negado o mérito de ter contribuído decisivamente para a reabordagem do problema.Aproveito também para dirigir uma palavra de apreço aos que, um pouco por toda a parte, em Portugal, mantêm viva a tradição do serviço voluntário.

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Aos órgãos de comunicação social tem cabido, e continuará a caber, um importante papel na denúncia de situações sociais graves e na busca de soluções para eles.Têm, na questão de Timor, realizado um excelente papel e bom seria que conseguissem alertar e comprometer nesse empenho órgãos de informação de outros países.É grande a responsabilidade das mulheres e dos homens da informação!Importa que neste século da massificação, por excelência, da manipulação fácil das opiniões, os responsáveis pela informação assumam também o papel de guardiões da Liberdade. Esta será tanto maior quanto mais independente e acessível for a informação. Não se tratará mais de formar a opinião pública, mas de permitir a sua auto formação.Informação e participação são as palavras-chave do Estado contemporâneo. A Democracia participada, isto é, caracterizada pelo concurso vário e constante dos cidadãos na vida colectiva - muito para além dos momentos eleitorais - deve também poder ser vivida em Portugal.Para que isto seja possível é, porém, necessário que a Constituição da República não continue a restringir as liberdades dos Portugueses.Refiro-me, mais uma vez - e penso que com a maior actualidade - à questão do artigo 290º, o que nega aos Portugueses o direito de mudarem a impropriamente designada «forma republicana de governo».Faço votos para que os responsáveis pela próxima revisão constitucional ultrapassem as dificuldades técnicas que a alteração deste artigo levanta.Para terminar, gostaria de pedir a todos os portugueses interessados nos destinos da nossa Pátria que procurem de algum modo responder ao desafio da construção da Europa do futuro. Se não lutarmos pela Europa que queremos, seremos prisioneiros da Europa que outros querem construir...A construção de um mercado comum não devia ser o mais importante, mas sim a unidade espiritual e a solidariedade das nações.A Pátria exige de todos nós uma dedicação sem reservas, um empenhamento constante.O Herdeiro dos Reis de Portugal não pretende senão servir!Viva Portugal!

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Mensagem do 1º de Dezembro de 1988 - ExcertoCom efeito, a construção da Pátria Portuguesa não se fundara em promessas vãs nem em compromissos de oportunidade. Levara centenas de anos a firmar-se, eivada de princípios cristãos e orientada por indesmentível realismo político.A própria Epopeia dos Descobrimentos, alargando o território e a população, não se determina nem realiza sem fundamento científico ou estratégico.Só uma identidade nacional assim forjada, só uma enraizada vontade de liberdade, só uma forte aspiração colectiva, puderam, então, inspirar e alicerçar a Restauração de Portugal.Não creio que soframos, hoje, de crise de identidade.A identidade nacional tem contornos perfeitamente definidos e todos dela temos consciência profunda.Receio, porém, que soframos, agora, de uma crise de finalidade.Ainda não nos resignámos a ser um país pequeno.Neste quadro de considerações deve pôr-se a questão da Europa.A adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia, realizada apenas dez anos após o termo da nossa soberania ultramarina, introduz no percurso histórico português inovações e expectativas tais que, sobre as mesmas, importa reflectir.Grande parte dos nossos actuais parceiros comunitários goza, há muito, de idênticas condições políticas e económicas e foi-se preparando e - diria - habituando ao longo de, pelo menos, três décadas, à ideia de construção de uma Europa politicamente unida.Sendo, embora, vários os projectos políticos que possam defender-se para esta Europa, é facto notório que o modelo federativo tem granjeado, nos últimos anos, crescente e significativo apoio.A ideia não é nova nem original no quadro das Comunidades Europeias.Já nos começos dos anos 50, Robert Schuman, ao lançar as bases da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, as compreendia como «Fundamentos concretos de uma Federação Europeia».Mas, apesar de tudo, o projecto federal não é, ainda hoje, questão pacífica entre os Estados europeus com maiores potencialidades políticas e económicas.É que traz consigo importantes limitações das soberanias nacionais e da paridade entre os Estados cuja união prevê.Por outro lado, os países pequenos - sobretudo os de menores recursos- terão dificuldade em fazer valer os seus pontos de vista, mesmo em regime de

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proporcionalidade face a maiorias esmagadoras de sinal contrário, dos Estados mais populosos.Experimentarão, sempre que tal aconteça, a dupla dimensão da sua pequenez e os custos nacionais que esta e a lógica federativa comportam.As opções não são fáceis! Importa, porém, que as que sejam tomadas não comprometam irremediavelmente o futuro de Portugal.Pede-nos a geração portuguesa do futuro que não nos esqueçamos de lhe legar o direito que herdámos de mudar os rumos do passado. Os Portugueses não estão suficientemente informados sobre esta questão.Ouvem e lêem declarações auspiciosas de responsáveis políticos nacionais e estrangeiros

sobre a matéria, mas não lhes têm sido fornecidos, com o pormenor exigido para a formação da sua opinião, os dados do problema e as chaves para a sua própria decisão.

Mensagem do 1º de Dezembro de 1989Ao comemorarmos o Dia da Restauração, num momento em que grande parte dos povos da Europa clama por Liberdade e por independência reais, e luta com vigorosa determinação pelo reconhecimento da sua identidade nacional, fazemo-lo com dupla satisfação.É que revemos nesse extraordinário movimento não só a decisão e a acção dos homens de 1640, como a confirmação da actualidade dos princípios por que, então, lutámos e em que continuamos a acreditar: a identidade nacional, a autodeterminação e a independência política, a Liberdade dos homens e dos povos.Quantos povos estão, ainda, ou vão sendo subjugados pelos espartilhos de Estado plurinacionais que, a pretexto de artificiais solidariedades, os asfixiam e, em aparente demonstração de liberdade, apenas lhes concedem o direito à manifestação folclórica?A identidade nacional alimenta-se da identidade cultural, mas não se confunde com ela! A identidade nacional só encontra verdadeira satisfação na independência política. E esta, sendo compatível com interdependências várias, deve cuidar-se como bem precioso que é - sob pena de se diluir naquelas e perdendo o seu valor.Os que defendem para a Europa a tese da construção federal deveriam meditar sobre esta verdade.A federação é apenas um dos modelos possíveis para a futura estrutura da Comunidade Europeia e é certamente o que mais atinge a independência nacional.

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Seria útil que os seus apologistas informassem os Portugueses sobre esta graveimplicação.Só o entusiasmo que as utopias conseguem desencadear pode explicar que alguns se disponham, já, a sacrificar as nações europeias a uma nação em projecto.As nações são comunidades humanas com características acreditadas pela história. Não são abstracções que se possam substituir por outras abstracções! Existem ou não existem, nascem e crescem naturalmente. Não se programam nem se trocam! Mas podem perder-se quando os seus membros abdicam da sua liberdade fundamental.Os Portugueses que, no século XVII, em torno do meu avô Dom João, Duque de Bragança, se decidiram a pôr termo à união pessoal íilipina, não o fizeram contra Espanha, mas contra a negação, por ela, da nossa identidade nacional e das nossas liberdades. Não os movia um sentimento agressivo, mas um intuito defensivo. A Restauração deu fim a uma situação de humilhante dependência a que elites venais e irresponsáveis haviam anos antes conduzido o País, a pretexto de que era a melhor, senão a única, solução para Portugal ainda sofredor dos efeitos de Alcácer-Quibir.A nossa liberdade fundamental é perfeitamente compatível com uma colaboração ainda mais estreita com os restantes membros da Comunidade Europeia.Devemos mesmo participar com afinco na construção deste espaço de interesses comuns e de interdependências, sempre na medida em que melhor possamos salvaguardar os nossos interesses próprios e a independência nacional.Importa, porém, que não nos esqueçamos de que o quadro de relacionamento com a Europa

livre é cada vez maior e que, subjacente a ele, deve estar o espírito cristão que é comum a todos os povos do Continente e que inspirou a sua obra civilizadora...Não há povos livres onde os homens não são livres!Também a Liberdade não pode ser entendida como uma abstracção!Também a liberdade não se esgota nas garantias formais de constituições e leis.A Liberdade implica essencialmente respeito. Respeito do homem pelo homem, respeito dos governantes pelos governados e destes por aqueles.É certamente por esta razão que hoje, um pouco ou mesmo muito, por toda a parte andam associados, nas bocas de tantos, as palavras liberdade e transparência.É que se a primeira serve de referência, a segunda serve de garantia!Só com transparência podem os povos aperceber-se do grau de liberdade de que desfrutam; só com transparência podem defender-se dos abusos e dos atentados cometidos contra a liberdade; só com transparência podem conhecer

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e fazer face a situações ilegítimas de privilégio. Estas, por seu lado, nem sempre carecem de transparência para se tornarem evidentes e até gritantes. Mesmo em Portugal, não é difícil encontrar os seus sinais. A questão de Timor prende-se naturalmente como todo o enunciado de princípios que fiz.É-me grato poder referir aqui que, na sequência da revisão deste ano, passou a estar consagrado na Constituição da República o direito de Timor à autodeterminação.A inovação, já por mim sugerida na Mensagem de 1 de Dezembro de 1987, há muito que se impunha por elementares lógica e coerência.Todos conhecemos os desastres que ocorrem quando se promovem independências sem prévia consulta dos povos.Temos, pois, razões de sobra para acreditar na importância do princípio da autodeterminação e para entendê-lo como direito inalienável do Povo de Timor.Só aos Timorenses cabe decidir qual o futuro que desejam para o seu território. As obrigações históricas, morais e internacionais, que temos para com este povo irmão incitam-nos a prosseguir com imaginação e persistência as diligências diplomáticas e outras que temos vindo a desenvolver para cumpri-las.A História recente tem demonstrado como, em política, a persistência é também virtude!A visita de Sua Santidade o papa João Paulo II a Timor realçou para o Mundo, mau grado as tentativas de aproveitamento político, a situação dramática deste já tão martirizado povo.Já quando da minha visita ao Santo Padre, algum tempo antes, Sua Santidade me fizera saber da sua preocupação pelos direitos humanos do Povo de Timor. Saibamos ver e apreciar nesta visita, estritamente pastoral, quanto de útil resultou para o despertar da consciência internacional em relação a Timor.Mas o princípio que defendemos para todos - e, em particular, para os povos nossos irmãos - também não nos pode ser negado!Também o Povo Português tem direito à autodeterminação! Foi pena que nesta última revisão constitucional se tenha mantido a disposição que veda aos Portugueses a possibilidade de escolherem as suas instituições fundamentais...Com efeito, o actual artigo 288º, respeitante aos limites materiais de revisão, reproduz a infeliz e gasta disposição do anterior artigo 290º proibindo aos representantes do Povo Português alterar a impropriamente designada «forma republicana de governo».

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Teria sido mais sensato e coerente como moderno Estado de direito que, a exemplo do que aconteceu na Constituinte Brasileira, tivesse sido devolvida aos Portugueses a plena liberdade de opção.O caso brasileiro é, neste ponto, verdadeiramente exemplar, Com efeito, em resultado da aprovação de uma proposta, os Brasileiros serão chamados, em 1993 para decidirem se preferem continuar em República ou restaurar a Monarquia.É curioso que, também no Brasil, a República foi proclamada na sequência de um golpe militar antidemocrático.Nesta ordem de ideias, penso poder inscrever uma declaração do Senhor Presidente da República, de 5 de Outubro último, realçando que, mais do que República ou Monarquia, importa a democracia...Pela minha parte, quando defendo as vantagens da instituição Real sobre a Republicana, sempre tenho insistido em que a Monarquia só é restaurável pela vontade expressa dos Portugueses.Cabe pois aos Portugueses a escolha das instituições que entendam mais úteis para Portugal.O Herdeiro dos Reis de Portugal está disposto a servir de acordo com a vontade dos Portugueses!Viva Portugal!

Mensagem do 1º de Dezembro de 1990 - ExcertoOs grupos que se batem pelo respeito dos Direitos Humanos merecem, quando não instrumentalizados por interesses políticos obscuros, o meu total apoio e simpatia.Não posso deixar de referir com admiração o trabalho persistente e incansável daqueles que, em Portugal e no estrangeiro, estão empenhados em alertar a opinião pública e, através dela, os responsáveis do Governo, para as ainda constantes violações dos Direitos do Homem em Timor.O calvário dos Timorenses ainda não acabou. Mas tem de acabar porque, de contrário, acabará o próprio e heróico Povo de Timor!Nesta hora em que, mercê da crise do Golfo, a Comunidade Internacional parece ter sido despertada para fazer valer a força do Direito, em defesa dos mais fracos e ofendidos - pelo menos, em zona de petróleo - há que tudo aproveitar para chamar a sua atenção para o gritante problema de Timor.Nada será demais na defesa dos Direitos Humanos e do direito à autodeterminação dos Timorenses.

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Cabe aqui reconhecer e louvar o esforço que, neste sentido, tem vindo a ser ultimamente desenvolvido pelos responsáveis e representantes de Portugal, nas assembleias, nas comissões especializadas e nas chancelarias do Mundo.Importa, porém, que não desistam nem desfaleçam porque nada de menos é aceitável para os representantes de um país com tão grandes responsabilidades históricas, humanas e jurídicas como Portugal.

Devemos, por outro lado, congratular-nos com as notícias vindas de Angola e de Moçambique, de São Tomé e de Cabo Verde - outros espaços de cultura lusíada - onde, embora com ritmos diferentes, começam a dar-se os primeiros passos no sentido de as populações exprimirem livremente a sua vontade.Ainda no quadro africano, e das responsabilidades de Portugal, não quero deixar de referir o caso de Cabinda.Ligado ao nosso País pelo Tratado de Simulambuco, consagrado constitucionalmente como território distinto dos demais que integravam o espaço português, o Reino de Cabinda tem sido, em Portugal e no estrangeiro, ou simplesmente ignorado, ou assimilado a Angola.Porque Cabinda não é só um território, mas um Povo; porque, neste momento, são muitos os Cabindas que, exilados ou não, se batem - também eles - pelo reconhecimento do seu direito à autodeterminação; porque, finalmente, nos cabe - também neste caso - uma responsabilidade gravíssima a que não devemos eximir-nos, lanço-vos, e a todos os responsáveis, um apelo para uma solidariedade empenhada na resolução do caso de Cabinda.Oito séculos de comunhão nacional com a Coroa explicam que o Herdeiro dos Reis de Portugal tenha, por tudo isto, por tudo o que afecta os Portugueses e os seus irmãos de cultura e língua portuguesas, um sentimento de particular preocupação e responsabilidade.Mas a Portugal interessa sobretudo que os Portugueses possam escolher em toda a liberdade.

Mensagem de 1 de Julho de 1991AOS MONÁRQUICOS PORTUGUESESSempre que me é dado pronunciar-me sobre o ideal monárquico e a eventualidade da restauração da Monarquia, em Portugal, tenho defendido as vantagens da Instituição Real sobre a Republicana, sublinhado que só aceito a restauração como resultado da vontade expressa do Povo Português e que não tenho outra ambição senão a de servir.

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Acredito que a Instituição Monárquica pode, melhor do que a República, servir os interesses de Portugal, estou convicto de que reinando posso servir melhor os interesses da Pátria, estou decidido a aceitar a missão que os Portugueses me queiram confiar como Herdeiro dos Reis de Portugal. Este, como já antes sublinhei, «não é chefe nem mentor político» de qualquer facção «porque a sua única aliança sagrada e permanente é com a Nação», como um todo.Estou «aberto ao contacto com todos os homens de boa vontade, sejam quais forem as suas filiações partidárias e práticas políticas, apenas com a óbvia ressalva de que nem umas nem outras ponham em causa a independência de Portugal, uma verdadeira democracia e os valores morais, religiosos e culturais componentes da fisionomia da Pátria».Como corolário de tudo isto tenho, repetidas vezes, afirmado que não sou um pretendente - e muito menos um candidato - e que só aos Portugueses cabe pretender.Não ignoro que alguns gostariam que o Chefe da Casa Real se assumisse também como chefe de grupo - qual chefe de partido ou de movimento - e que, como tal encabeçasse o combate pela viabilização política do Sistema Monárquico.Outros, mais preocupados em salvaguardar a figura do Herdeiro dos Reis de Portugal da liça política entre portugueses, prefeririam que delegasse em alguém funções de mando na

organização dos monárquicos.Ora, em meu entender, o Chefe da Casa Real, considerada a ressalva atrás exposta, isto é, a que se relaciona com a defesa dos valores permanentes, e não se verificando situação política nacional de excepção, isto é, não havendo impedimentos legais, ou outros, à livre organização e expressão políticas, não deve assumir a direcção de qualquer grupo - por maior que ele seja - nem, para tal, mandatar alguém.Tal não obsta, em minha opinião, a que recomende a todos «os que pensam e sentem monarquicamente» que se organizem por forma a fazerem valer junto dos demais portugueses as potencialidades da causa real e a promoverem, com eles, a mudança das instituições.As causas que não são servidas perdem-se. E o seu serviço exige, por regra, coerência e espírito de sacrifício.Cabe-me, aqui, dirigir uma palavra de particular louvor a todos aqueles que, ao longo de décadas, em circunstâncias políticas diversas e, tantas vezes, adversas, com sacrifícios pessoais e familiares sem conta, conseguiram manter vivo o ideal monárquico em Portugal. Não fosse o seu persistente e abnegado esforço de organização, teorização e divulgação doutrinária e o ideal monárquico estaria, porventura, esquecido.

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Da geração mais velha muitos já Deus os chamou. Outros continuam, sem desfalecimento, o combate comum. Nenhum deles viu, até hoje, realizado o seu sonho, mas todos souberam manter viva a chama da Monarquia. E esta, em cada geração, alimenta fogos novos.Importa que as gerações mais novas saibam sempre revelar, a exemplo da Monarquia, capacidade de inovação e de adaptação aos tempos e às circunstâncias novas.Importa também que, a exemplo da Instituição que defendem, saibam constituir, entre si, espaços de diálogo e de acção política conjunta que, embora assentes no maior denominador comum, isto é, o da defesa da Monarquia, respeitem as diferenças de cada um.É este o pensamento que tem presidido à criação das Reais Associações: espaços de pluralismo político onde cabem, podem e devem trabalhar, em conjunto, monárquicos de todas as correntes ideológicas e políticas, de todos os grupos culturais e políticos, em ordem à definição e à execução de objectivos e estratégias comuns.De âmbito distrital, podendo criar, no seu seio, núcleos concelhios, as Reais Associações deverão dar corpo a uma nova Causa Monárquica com estrutura federativa.Para tal será necessário que, a par da criação, em cada distrito, de uma Real Associação, a actual Causa Monárquica proceda às alterações estatutárias necessárias à sua transformação numa federação de reais associações, com órgãos directivos, naturalmente eleitos por elas.Todo este processo deverá ser, obviamente, acompanhado da filiação em massa de todos os monárquicos nas reais associações. Todos - sem excepção - são chamados.Importa que todos os monárquicos, com mais ou menos idade, disponibilidade e recursos, com maior ou menor destaque na vida cultural, económica e política de Portugal se filiem nas reais associações.Só assim poderá saber-se quantos são, onde estão, o que fazem os monárquicos. Só com este conhecimento lhes será possível dimensionarem a sua própria capacidade de intervenção, como tais, na vida política portuguesa.Por esta razão, e tal como meu Pai um dia fez, exorto, hoje, todos os monárquicos à filiação

numa estrutura comum. Exorto-os a que se inscrevam nas reais associações por forma a contribuírem para a constituição de uma nova, forte e influente Causa Monárquica que a todos represente.Dirijo, finalmente, um apelo à coerência dos monárquicos.Como já atrás referi, a coerência, de par com espírito de sacrifício, é uma das exigências do serviço das causas.

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Não raro, as disputas políticas relevam a importância de questões menores e fazem esquecer, ou, pelo menos, secundarizar na prática, a defesa das que são fundamentais.Tal é particularmente notório no campo da luta partidária.A filiação de muitos monárquicos em partidos políticos é a prova evidente de que o ideal monárquico é, por excelência, suprapartidário.Se isto é verdade, não é menos verdade que a luta entre partidos, mobilizando esforços e, tantas vezes, paixões antagónicos, em vista da concretização de fins imediatos, relega frequentemente para terceiro plano a abordagem de questões fundamentais.Tal é o caso do tristemente não discutido impedimento constitucional - refiro-me ao artigo 288º - que nega aos Portugueses a possibilidade de optarem- se assim o entenderem - pela Monarquia.Trata-se de um flagrante agravo à liberdade dos Portugueses que, os monárquicos, em particular, não podem ignorar nem tolerar, sob pena de se desacreditarem.Manda a coerência que, onde quer que militem, façam uso de todos os instrumentos democráticos ao seu alcance para obviarem a esta tão evidente restrição das nossas liberdades.Do mesmo modo não será aceitável, porque não coerente com o ideal monárquico, que, em momentos eleitorais, dêem o seu apoio a programas ou a candidatos que, de antemão e por quaisquer outras formas, se disponham a negar aos Portugueses a possibilidade de escolherem a instituição fundamental do país ou a ofender os valores permanentes da nossa Pátria.Confio na vossa coerência e no vosso espírito de sacrifício.Deus Guarde Portugal!

Mensagem do 1º de Dezembro de 1991Dirijo as minhas primeiras palavras ao heróico e martirizado povo de Timor: o vosso sacrifício não é em vão. O vosso combate é já também o de todas as famílias do mundo. Que Deus vos ajude!Neste dia em que comemoramos a restauração das nossas liberdades temos o pensamento e o coração em Timor, território e povo que há dezasseis anos apenas sobrevive, sujeito a uma dupla tirania: a da ocupação militar indonésia e a do silêncio internacional.Da primeira, isto é, da permanência em Timor de um poder estranho e hostil e das suas consequências, nada poderei dizer que não seja já sobejamente conhecido e até confirmado, sem pudor, pelas próprias autoridades indonésias.

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Mas da segunda, da tirania do silêncio, não poderei deixar de vos dizer o que penso sob

pena de com ela colaborar.Se é possível encontrar mérito na desgraça, o do massacre do cemitério de Santa Cruz foi certamente o de ter despertado a atenção da opinião pública mundial para a particularmente chocante existência de uma vítima da Comunidade Internacional.Com efeito, mais do que a revelação do massacre - já por si suficientemente impressionante - mais do que a notícia da persistência, nos dias de hoje, de uma situação de impune ocupação estrangeira, foi o conhecimento da conivência activa e passiva da Comunidade Internacional perante a sistemática agressão militar e administrativa indonésia e sobretudo o seu inexplicável silêncio que abalaram a opinião pública e, qual feitiço, mobilizam, agora, apressadamente governos e parlamentos, instâncias internacionais e as grandes empresas da comunicação social.Ao longo destes últimos dezasseis anos Timor terá estado ocasionalmente no seu pensamento, ora como moeda de troca de estabilidades estratégicas, económicas ou políticas, ora como pretexto para abater a ditadura militar indonésia.Na verdade, nem a constante violação do Direito Internacional, dos Direitos Humanos ou dos valores da Democracia demoveram altos responsáveis políticos ou gestores das grandes cadeias de comunicação social do seu silêncio cúmplice.Dir-se-ia que só os interesses - a prazo - económicos, políticos e militares os motivam.Poderá agora dizer-se que só o receio de que a opinião pública - que a todos sustenta - conheça a extensão da sua incoerência, do seu desrespeito por princípios e promessas eleitorais ou pelos valores deontológicos, que a toda a hora proclamam, os preocupa.Mas se é importante que a opinião pública tome conhecimento desta triste realidade e, em consequência, se afirme doravante mais exigente perante os órgãos do poder político e mediático, é indispensável que não se perca tempo e oportunidades com recriminações ou refutações de responsabilidades, porque Timor não pode esperar mais! Todos temos de agir.São hoje evidentes os esforços que Portugal desenvolve em todas as chancelarias e assembleias do Mundo para que se ponha termo à onda de violência e à ocupação estrangeira que a gera, e que aos Timorenses seja garantido o exercício do seu direito à autodeterminação.As recentes e múltiplas iniciativas dos nossos órgãos de soberania são acompanhadas por um apoio esmagador de todos os Portugueses.Somos, mercê dos laços históricos, culturais e religiosos que nos unem aos Timorenses e também pelo estatuto que nos é reconhecido internacionalmente

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como potência administrante do Território, uma voz não negligenciável de Timor. Por esta razão importa que falemos claro.E neste ponto não posso deixar de lamentar que o nosso discurso oficial nem sempre revele unidade.Estou a falar-vos concretamente do indevido uso da palavra «mauber» para identificar o povo de Timor.«Mauber» é um termo pejorativo que significa «parolo» e que só por exagerada extensão da terminologia marxista poderá significar deserdado da sociedade ou mesmo proletário.Usado, ao princípio e com este conteúdo ideológico por um dos grupos de resistência ao invasor, há muito que é por ele evitado no quadro da Convergência Nacional Timorense.É em todo o caso inaceitável que seja utilizado por Portugal que não está sujeito a regime

marxista nem é suposto que apoie algum grupo de resistência em particular.Estamos solidários com Timor e com os Timorenses.Não os discriminamos consoante as suas opções ideológicas.Importa que nos unamos todos e ao Mundo para que a Indonésia deixe viver Timor.Não posso deixar de manifestar o meu regozijo pelo magnífico trabalho desenvolvido pelos grupos de defesa dos Direitos Humanos e pelas outras associações humanitárias em prol da causa de Timor.Os mártires de Timor merecem bem uma placa evocativa nas ruas das nossas cidades.Há muito que me insurjo contra a toponímia de ruas e praças que perpetuam, por gerações, a luta fratricida entre portugueses.Tenho proposto, em alternativa, que evoquemos, nos lugares públicos, os momentos altos da nossa História, as mulheres e os homens que a ilustraram e os nossos desafios colectivos.E a defesa da causa de Timor é um deles.Outro pequeno território da comunidade lusíada, a cujo povo foi negado o direito à autodeterminação, e de que nos chegam notícias de repressão, é o povo de Cabinda.Também este não nos pode deixar indiferentes.Ligado a Portugal pelo Tratado de Simulambuco de 1 de Fevereiro de 1885, o território de Cabinda foi sem determinação do seu povo integrado em Angola, por ocasião dos Acordos de Alvor.

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Tal facto, embora reconhecido pela Comunidade Internacional, não tem outro valor que o que resulta da força de quem o impôs aos Cabindas.E os exemplos da história recente têm revelado que não há imposições, espartilhos políticos ou construções artificiais - mesmo etiquetadas de realismo político - que resistam à força indomável da vontade dos Povos.Importa pois, e desde já, que se previnam situações trágicas evitáveis.Tenho no meu pensamento também os povos de Angola e Moçambique e acredito que das suas provações tenham tirado lições bastantes para construírem a Paz.Pude verificar, na minha última visita a Moçambique, quão profunda é a expectativa de uma colaboração com Portugal, em particular no plano cultural.Faltam ali livros e professores de Português.Assiste-se à situação absurda de o ensino do Português ser ministrado por estrangeiros pouco familiarizados com a nossa Língua.É urgente que se faça algo para obviar a esta situação. Ajudemos Moçambique a defender a Língua Portuguesa!A língua comum e os traços de aculturação de vários séculos de unidade lusíada forjaram entre os seus povos hábitos de convivência de que destacarei por maior grandeza a tolerância.Mas esta qualidade colectiva que aponto como Legado da História comum, deve, como qualquer virtude, ser cultivada sob pena de se perder.Portugal, que durante anos poderia considerar-se um país exclusivamente de emigração, tem vindo a tornar-se também um país de imigração.Somos hoje, em toda a plenitude do termo, um país de acolhimento.Coloquemos, pois, ao serviço dos imigrantes, isto é, da sua integração na Sociedade

Portuguesa, todo o capital de saber e experiência que adquirimos com as nossas gerações de emigrantes.Saibamos usar os nossos talentos na resolução dos nossos problemas próprios!Há que prevenir e evitar as situações de marginalidade e as suas consequências.Neste sentido, julgo que seria aconselhável a adopção urgente de programas educativos para os filhos de imigrantes dos bairros mais pobres que, em muitos casos, não dominam a nossa língua.Só reduzindo a sua desvantagem de partida é que poderemos, honestamente, falar em inserção na sociedade portuguesa.Sem me querer alongar muito mais não resisto porém à obrigação de vos lembrar, mais uma vez, a questão do artigo 288º da Constituição da República, isto é, a da negação aos Portugueses, pela Lei Fundamental, do seu direito de escolha das instituições.Não tenho a sensação de pregar no deserto.

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Tenho pelo contrário a convicção de que a minha denúncia e o meu apelo são escutados e encontram compreensão e apoio num cada vez maior número de Portugueses.No meu entender, muito mais relevante do que saber-se qual o mecanismo técnico-jurídico necessário para a eliminação do limite material em questão é o simples facto da sua existência.É, em minha opinião, inaceitável que num Estado que se pretende moderno e de Direito, e ainda Democracia exemplar, se mantenha na Lei Fundamental - duas revisões constitucionais passadas - uma disposição tão flagrantemente antidemocrática.Esta evocação tem particular significado no dia em que comemoramos a afirmação da vontade popular de 1640, e o reatamento do tradicional Pacto entre o Rei e o Povo.Ao reafirmar o respeito pela vontade do Povo Português não faço mais do que honrar o compromisso dos reis meus Avós.Deus Guarde Portugal!

Mensagem do 1º de Dezembro de 1992Algum tempo antes da alvorada restauradora de 1640, o Governo de Madrid ofereceu ao meu avô Dom João, Duque de Bragança, o lugar de Vice-Rei da Lombardia. Lugar, sem dúvida, invejável na comunidade filipina de Estados da Europa de então.Na óptica do Conde-Duque de Olivares, primeiro-ministro espanhol, havia que dividir - dispersando e envolvendo - todos quantos - poucos - em Portugal, pudessem encabeçar uma resistência organizada ao poder hegemónico de Espanha.O lugar não foi aceite.Sessenta anos antes, grande parte da elite portuguesa que sobrevivera ao desastre africano de Alcácer-Quibir havia-se deixado seduzir por promessas ou, simplesmente, pela expectativa de lugares honrosos e de benefícios financeirosnum espaço comum europeu.Tudo lhe parecera, então, aliciante, tanto mais que, para sua tranquilidade, de um ponto de vista formal, Portugal continuaria a existir como Estado independente, embora com um Rei comum ao da vizinha Espanha.Agora, seis décadas depois, já não se cumpriam nem os benefícios materiais do começo, nem as promessas feitas em Cortes.

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A nossa independência era, em cada dia, diminuída por via administrativa. Já nada se prometia aos Portugueses, mas já quase tudo se lhes pedia!A sua anterior grandeza diluira-se na teia dos interesses espanhóis. Os amigos de ontem eram, por força desse processo absorvente, os adversários de hoje.Nem as elites nem o povo suportavam, por mais tempo, uma situação de diminuída e, cada vez mais, comprometida soberania.Já então a consciência nacional dos Portugueses integrava, para além da identidade cultural, a consciência e o hábito secular da independência nacional.Várias outras comunidades de povos, com identidades culturais definidas, aspiravam então - e continuam a aspirar - na Europa, mais do que à autonomia, à independência.A experiência de vida em comum havia-lhes ensinado que não basta a um povo ser diferente para ser soberano.Haviam compreendido que para se obter ou garantir a independência nacional não basta ser-se detentor de uma identidade cultural definida.Esta verdade, estes ensinamentos, deveriam suscitar alguma reflexão naqueles que, contratando hoje cedências da nossa soberania, se afadigam em assegurar-nos que a identidade cultural continuará intocável.Como se esta fosse o cerne da questão!Vem obviamente a propósito a questão do Tratado de Maastricht. Em alguns pontos, todos - defensores e opositores - parecem estar de acordo:- O Tratado consagra cedências da soberania nacional;- O Povo Português não conhece o teor do Tratado;- É lamentável que dele não tenha conhecimento e desejável que sobre ele se faça uma campanha de esclarecimento e se promova um debate alargado.Já quanto à oportunidade e à utilidade destes esclarecimentos e debate, as opiniões divergem. Há os que entendem que eles devem ter lugar antes da ratificação do Tratado e precederem mesmo um referendo nacional sobre a matéria, e os que, negando a hipótese do referendo, lhes diminuem implicitamente a oportunidade e a utilidade, fazendo-nos crer que, por sua vontade, esclarecimento e debate só venham a ocorrer após a ratificação, isto é, depois do facto consumado.Esta última e curiosa posição tem sido assumida, com frequência, por vários responsáveis políticos. Em seu entender, o referendo não pode ter lugar porque:- Já é tarde;- Não foi realizado quando da adesão à Comunidade Europeia;- Se o fizéssemos ficaríamos numa posição pouco credível junto dos nossos parceiros comunitários;- Seria muito caro;

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- Os políticos não sabem o que perguntar ao Povo;- A Constituição não o permite.Toda esta argumentação, cuja pobreza confrangedora a muitos espantou e que me permito salientar, terá possivelmente constituído fundamento para a decisão parlamentar (que

lamento) de não se incluir, em sede de revisão constitucional, a alteração ao preceito que, alegadamente, não permite a consulta popular nesta matéria.Não haverá dúvida de que a questão das cedências de soberania é de relevante interesse nacional;Não haverá igualmente dúvida de que o referendo é a mais democrática das expressões da vontade popular.E ninguém, em boa lógica, encontrará suporte moral para defender que preceitos consagrados em nome do Povo não possam ser alterados por esse mesmo Povo.Vezes sem conta, tenho chamado a atenção para a lamentável persistência, no texto constitucional, da disposição que nega ao Povo Português a possibilidade de mudar, se assim o entender, a designada «forma republicana de Governo».A famigerada alínea b) do artigo 288º da Constituição, que tal consagra, é, por certo, um dos calcanhares de Aquiles do pretendido Estado Democrático e de Direito que ouvimos proclamar a quatro ventos.É, por outro lado, uma afronta à dignidade e à soberania do Povo Português.Queira Deus que tal seja compreendido pelos seus representantes e modificado em conformidade com o princípio de que a soberania reside no povo.Todas estas questões prendem-se claramente com as liberdades dos Portugueses e estas são Património que ao Herdeiro dos Reis de Portugal cabe defender.De partida para a índia, onde espero visitar Goa, Damão e Diu, Cochim e Calecute, e contactar as comunidades de raiz cultural lusíada, não quero deixar de salientar a importância que elas têm para a preservação da nossa própria identidade.Temos de as apoiar. Tudo o que lhes dermos não será, apenas, um acto de justiça pelo enorme e quase isolado esforço que têm desenvolvido para a sobrevivência da língua e da cultura lusíadas, mas um meio de assegurarmos a própria sobrevivência de uma importante componente da nosssa identidade cultural.O Património Arquitectónico Português reflecte, também ele, traços da nossa identidade e por essa razão deve ser defendido.Tradicionalmente o Urbanismo e a Arquitectura respeitavam a Harmonia - essa Harmonia que existe em toda a Criação Divina.Mas hoje, como alguém já disse, a nossa geração expulsou Deus da Cidade para introduzir o dogma da infalibilidade humana.

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Ignoram-se a harmonia e o equilíbrio e devastam-se irremediavelmente espaços e conjuntos, vilas e aldeias.Constroem-se, as mais das vezes, aberrações que são uma manifestação de incomensurável orgulho e prepotência da parte dos seus autores.Neste quadro se situa o próprio Estado, ora não agindo, ora agindo como violador directo ou como cúmplice outorgante da violação daquela harmonia e daquele equilíbrio. Construindo, em áreas históricas, edifícios completamente desenquadrados a pretexto de que o que importa é o contraste, o Estado tem prestado um muito mau serviço a Portugal.Importa que, neste campo, mude definitivamente de rumo!Outra matéria que deve merecer a nossa melhor atenção é a do futuro da Agricultura portuguesa.A agricultura continua a desempenhar um papel fundamental na vida das nações. Para além

da produção de alimentos essenciais é também a única actividade verdadeiramente responsável pela humanização e ocupação permanente do espaço rural.A actividade agrícola, suportada pela paisagem, é indispensável à afirmação cultural do Povo Português e à sua independência.A substituição dos sistemas tradicionais de uso da terra pela agro-química e monoculturas extensivas florestais, incentivadas pela política agrária, em nome da CEE, conduziu ao despovoamento dos campos e serras do interior; à degradação da qualidade da água devido aos produtos químicos provenientes da agricultura intensiva; à erosão do solo; à concentração excessiva de nitratos e outros elementos tóxicos nas águas de superfície e subterrâneas, provenientes dos resíduos das explorações de pecuária intensiva que excedem a capacidade de absorção do solo e da vegetação.As múltiplas e legítimas exigências da vida moderna e a aplicação de novas e melhores técnicas devem respeitar a paisagem tradicional e não destruí-la em nome de um efémero e falso crescimento económico, porque isso conduz à destruição da própria comunidade a quem são dirigidos os pretendidos benefícios, contribuindo para a desumanização do território.As necessárias transformações devem ser feitas com o acordo e a participação dos povos. As transformações impostas têm conduzido vastas regiões à degradação e ao despovoamento.O território das nações constitui uma «herança» viva construída pelo esforço de muitas gerações e que por isso deve ser transmitida, acrescida, aos vindouros.A política agrícola da Comunidade Europeia tem, por um lado, contribuído para fomentar a agricultura intensiva, de enormes riscos ambientais e desperdícios

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energéticos e, por outro, procurado combater os excedentes da produção de muitos bens alimentares, tentando reduzir as áreas agricultadas, e reformando agricultores, o que conduzirá ao despovoamento dos campos, ao abandono de vastas áreas e ao maior emprego de pesticidas e adubos nas terras eleitas para continuarem a ser agricultadas.Mas as políticas comunitárias não são isentas de contradições. Com efeito, a política de ambiente da Comunidade Europeia advoga uma acção, em relação à terra e ao espaço rural, completamente diferente da visão economicista da política agrícola.Defende a aplicação de subsídios à agricultura de montanha e a regiões economicamente deprimidas; a proibição de pesticidas e pagamentos de auxílio aos agricultores que se sujeitem a determinadas práticas tradicionais.Por sua vez, os fundos estruturais destinam-se também a incentivar práticas agrícolas compatíveis com o ambiente, o que contradiz a política de abandono das terras, «modernização» da agricultura, competitividade e pensões de reforma antecipadas.Temos de estar atentos e ser criteriosos. A política agrícola do nosso país deve ser orientada no sentido que mais interessar aos Portugueses e melhor contribuir para o desenvolvimento global e humanização do território.Por esta razão é, a meu ver, urgente que se proceda a um estudo científico e sociológico para a definição de uma política agrícola nacional.Não me querendo alongar muito mais, não posso deixar de dirigir uma palavra de solidariedade aos povos nossos irmãos de Angola, Moçambique e Timor cujo sofrimento não é dimensionável.

No caso de Timor, território a que nos prendem, para além das responsabilidades históricas, obrigações políticas actuais, reconhecidas internacionalmente, gostaria de formular o voto de que:- O seu Povo venha a dispor de um Deputado no nosso Parlamento;- Seja votada uma verba em apoio da sua causa;- Um membro do Governo, ou um Alto Comissário, passe a ter por incumbência específica a defesa dos interesses de Timor e dos Timorenses.Deus Guarde Portugal!

Mensagem do 1º de Dezembro de 1993Há datas que assumem particular significado na consciência dos Povos. As que evocam o triunfo ou a frustração das suas aspirações, e as que marcam o nascimento ou a morte dos seus projectos colectivos.

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A alma das nações, como a dos homens, é tão sensível aos momentos de elevação como aos de desalento. São, todavia, as datas de unidade nacional que fazem vibrar, num sentido ou noutro, o sentimento e o ânimo dos Povos!Assinalá-las é pois tão legítimo e útil como é inaceitável celebrar momentos de divisão nacional.Ao comemorarmos o Dia da Restauração no ano em que Portugal celebra oito séculos e meio de Independência - caso raro no Mundo - devemos fazê-lo não só com alegria, mas com a reflexão que tão longo caminho e tão entusiástica, paciente, sofrida e gloriosa caminhada nos impõe.Neste momento em que somos confrontados com novos desafios, interrogam-nos as passadas e as vindouras gerações quanto ao destino que daremos à Herança recebida dos nossos Avós.O dia 5 de Outubro de 1143 constitui não só um marco do nosso caminho, uma etapa da nossa caminhada, como um insubstituível elemento da Herança que recebemos, o primeiro reconhecimento internacional da nossa Independência.Foi, com efeito, nesse dia que, pelo Tratado de Zamora, o Rei D. Afonso VII de Leão reconheceu D. Afonso Henriques como Rei.Quis a vontade dos Portugueses que ao mesmo ano de 1143 fossem atribuídas as famosas Actas das Cortes de Lamego que, embora apócrifas, traduziram nas vésperas da Restauração e depois desta, o fundamento legal para a recuperação e a preservação da Independência de Portugal.Quase cinco séculos distavam entre os Portugueses de 1640 e os de 1143, mas nada conseguira apagar neles a vontade de serem livres e de, através da sua liberdade maior que é a Independência, continuarem a dar testemunho, perante os outros, dos valores em que acreditavam e das características que os distinguiam.Um dos valores que, em meu entender, tem ilustrado com maior constância o credo e a prática dos Portugueses é o da tolerância.Herdada porventura da colonização árabe ou mesmo do reino cristão visigótico que a precedeu, a tolerância constituiu, desde a Fundação, uma referência da maneira de o Português se dar aos outros e ao Mundo.Por esta razão pode dizer-se que ela faz parte do Património de Portugal.

Assim sendo, parece-me não só oportuno como natural que reflictamos um pouco sobre o valor da tolerância no nosso relacionamento actual com as comunidades de imigrantes que aqui vivem e trabalham.Sem me esquecer da comunidade cigana e de outras menos tradicionais mas igualmente minoritárias no conjunto nacional, não quero deixar de salientar a importância da integração na sociedade portuguesa dos nossos irmãos africanos e brasileiros, todos eles herdeiros como nós da Herança Lusíada.

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Importa, em meu entender, que Portugal continue o ser o que sempre foi: uma Pátria de acolhimento.Como já em tempos referi, nós que, por motivos vários, religiosos, políticos e económicos, conhecemos ao longo da História - melhor que muitos - o desafio e a provação da emigração, temos particular facilidade para compreender o fenómeno e o dever moral de o encararmos com justiça.Não se pense, porém, que ao recomendar que, com coração aberto, criemos oportunidades concretas para uma vivência em comum, não defenda igualmente que aceitemos o desafio imenso da cooperação com os seus países de origem.Uma bem sucedida cooperação, geradora de desenvolvimento e riqueza, poderá diminuir e mesmo eliminar as causas da emigração económica.A cooperação exigirá, por certo, um esforço de Portugal como um todo.Para a sua concretização contamos à partida com um capital invejável que, só por descuido nosso e cobiça de outros, poderá perder-se: a Lusofonia. É corrente dizer-se que «a falar é que a gente se entende».Falamos todos a mesma língua, mas nem todos temos as mesmas possibilidades de a cultivar.A investida de algumas nações europeias, e não só, nos países lusófonos do continente africano, ditada não por razões morais ou obrigações históricas, mas apenas por interesses materiais, tem sido tentada através de sistemáticas acções de penetração das respectivas línguas.Estou a pensar muito concretamente em Moçambique, onde o inglês, falado nos países vizinhos, vai dilatando a sua influência na expectativa ou já ao sabor dos contratos, e na Guiné, onde o francês circundante vai realizando uma manobra claramente absorvente.Ao português, todavia, não falta começar, mas continuar!Impõe-se pois que na cooperação com estes países demos particular atenção ao apoio à língua.Não apenas para que os seus povos continuem a revelar poetas e prosadores lusíadas, isto é, continuem a sentir em português, mas para que possam também estudar e criar riqueza, na língua que nos é comum.São porém enormes as suas carências em livros e professores, e muito insuficientes os apoios que lhes prestamos, neste domínio essencial.É necessário que os ajudemos. Mas ajudando-os também nos ajudaremos.Quantos jovens portugueses não se sentirão tentados pela perspectiva de contribuírem com a sua criatividade e conhecimentos técnicos para o desenvolvimento destes novos países?Quantas oportunidades de emprego e de realização profissional pode a cooperação suscitar?

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Quantos empresários não se sentirão atraídos pela possibilidade de realização de acções conjuntas com os aparelhos industrial e comercial destes países - não muito distantes do nosso - designadamente através da criação de empresas mistas?É certo que nos casos de Angola e Moçambique a guerra não facilitou a cooperação e terá sido a grande responsável pelo desvio de intenções, projectos e investimentos para outras paragens, tidas por seguras.Este facto terá igualmente contribuído para o aparente entusiasmo com que todas as opções europeias foram recebidas em Portugal.A crise económica, grave e generalizada, que a Europa ora experimenta, se bem que superável, como todas as crises, levantou, porém, algumas dúvidas e esmoreceu muitos entusiasmos.Passou-se de um optimismo desmesurado para um pessimismo excessivo.Ora, importa que sejamos realistas.Nada há de miraculoso ou de caritativo no relacionamento entre Estados.O maior ou menor fruto que possamos colher da relação de Portugal com outros países europeus ou africanos dependerá essencialmente da dimensão da nossa oferta e da nossa capacidade para competir com os outros.Se é claro que, no plano da competição internacional pela conquista dos mercados africanos temos, em relação aos novos países irmãos, uma maior facilidade de comunicação, não é menos claro que a nossa aposta com eles não pode apenas repousar nessa facilidade.Há que preparar e vocacionar técnicos, recrutar e adoptar meios.Também a relação com os nossos parceiros europeus exige um crescente esforço de preparação e de adaptação.Não há actividade económica sem esforço, não há evolução que não tenhaos seus custos.É certo que não temos em Portugal uma tradição de salvaguarda das regras da concorrência e não é menos certo que alguns sectores da actividade produtiva nacional se encontram numa situação particularmente vulnerável.Há que ensinar os produtores a penetrar e a conquistar os mercados.Há que desenvolver o já restaurado, mas ainda insuficiente, ensino técnico-profissional.Há que apoiar as actividades em que sempre nos distinguimos pela qualidade, mesmo que tal não constitua, de imediato e no mercado europeu, a opção mais lucrativa.Mas como já atrás recordei, a dimensão da nossa oferta e os mercados potenciais dos Portugueses não se circunscrevem ao espaço europeu.

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Neste dia em que simultaneamente assinalamos dois momentos decisivos da vontade portuguesa, a independência em 1143 e a Restauração em 1640, cujo sucesso quase se confundiu com a sorte das armas, cabe uma referência necessária às Forças Armadas, verdadeiro corpo nacional onde me orgulho de ter servido.As preocupações da Defesa não se circunscrevem à preparação para guerra, mas estendem-se à educação para a solidariedade nacional e para o desenvolvimento das capacidades cívicas e técnicas de quantos passam pelas fileiras.Mas se é inegável e relevante o papel desempenhado pelas Forças Armadas em tempo de

paz, não se pense que esta é, por si mesma, duradoura ou que pode ser assegurada apenas por outros, sem pesados custos para a nossa liberdade e dignidade.Importa sobretudo que amigos e potenciais adversários saibam que estamos decididos a defender-nos e que dispomos dos meios suficientes para o fazermos em concertação com os nossos aliados.Cabe-me, aqui, dirigir igualmente uma palavra ao Corpo Diplomático, também ele, por definição, caracteristicamente nacional, cujas habilidade e firmeza na defesa dos direitos do Povo de Timor começam a dar resultado e merecem o nosso maior louvor.Uma palavra de apreço também para todos os portugueses que aqui e no estrangeiro têm assumido a defesa desse martirizado povo irmão.A solidariedade e o voluntariado não são, em Portugal, palavras vãs.Dirijo finalmente o meu pensamento aos milhares de portugueses e, em particular, aos jovens, que, no dia-a-dia, anónimos ou não, participam voluntária e activamente no combate à injustiça, à pobreza e à miséria, ao fogo e à poluição.O seu espírito de doação ao bem comum e o inestimável serviço que prestam a Portugal merecem de todos nós respeito e admiração.Também o Herdeiro dos Reis de Portugal não deseja senão servir.Deus vos guarde!Viva Portugal!

Mensagem do 1º de Dezembro de 1994Há precisamente 350 anos tinha início, em Elvas, bastião alentejano da Bandeira das Quinas, mais um episódio da Guerra da Restauração.Acontecia, naquele dia 1 de Dezembro de 1644, uma nova investida do exército espanhol que a sorte das armas não premiou.

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No mesmo ano, travara-se a Batalha de Montijo com uma tão inesperada quanto retumbante vitória portuguesa.As hostes de Portugal, empenhadas numa verdadeira luta de libertação nacional, recuperavam a confiança em si mesmas e envolviam no seu entusiasmo todo o Povo Português.Quatro anos antes proclamara-se no Reino o reencontro de Portugal com a independência real. Povo e nobreza de mãos dadas haviam proclamado um novo rei português, o herdeiro legítimo da Coroa, meu avô D. João, Duque de Bragança.Reatara-se, assim, o pacto entre o rei e o povo que a política de integração desenvolvida por Madrid havia quebrado.Contrariando o juramento de Filipe II de Espanha, nas Cortes de Tomar de1581, o Conde-Duque de Olivares, ministro de Filipe IV de Espanha ia, naqueles anos que precederam a Restauração, tentando absorver Portugal através da política tributária, da mobilização das nossas forças armadas para conflitos que nada tinham que ver com a nossa independência e a nossa segurança e nomeando administradores espanhóis para lugares de responsabilidade no nosso país.O povo e as elites consideravam-se traídos. Elites bem diferentes das de 1580. Estas dir-se-ia que, com a notícia do desaire de Alcácer-Quibir, haviam perdido a sua força anímica.Portugal, porém, esforçara-se, não em vão, em deter naquele campo marroquino o avanço

do Turco. Perdera com os seus aliados magrebinos uma batalha, mas significara com a sua determinação que não seria impune outra investida turca naquelas paragens.Não se perderam, então, as praças portuguesas do Norte de África e salvaguardou-se o território peninsular. O jovem rei D. Sebastião, tão incompreendido por alguns, havia-se decidido com entusiasmo, mas movera-se, sobretudo, por um clarividente sentido geoestratégico.Vinda a derrota militar, seguiu-se, em Portugal, a derrota do espírito que a cobiça estrangeira alimentou e a abdicação vil de alguns portugueses satisfez.Estes, desprovidos daquele sentir e daqueles ideais que haviam cruzado armas por terras africanas, fertilizando os seus arcais com o sangue e a virtude dos melhores e dos mais jovens, aceitaram com cómodo entusiasmo e, em nome de todo o Povo, o desafio de uma experiência ditada de fora.Podem fazer-se experiências em Portugal, mas não se podem fazer experiências com Portugal!Todos os povos têm o direito à autodeterminação, isto é, decidirem por si próprios o rumo colectivo a seguir.

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Mas nem a Espanha, a potência europeia de então, nem a camarilha do partido filipino português se preocuparam, na altura, com a quebra dos compromissos assumidos nem com a opinião e a vontade dos Portugueses.Acreditaram que a simples pressão da força seria suficiente para conter os sinais nacionais de repulsa.Foi longa e dura a guerra de libertação iniciada a partir de 1 de Dezembro de 1640 e dela registamos, na nossa memória colectiva, alguns dos feitos mais brilhantes das Forças Armadas Portuguesas.Os exemplos de então perduraram nestes três séculos e meio, no Buçaco ou no Vimeiro, em Macontene ou em Chaimite, na Flandres ou no Rovuma e na Guerra do Ultramar.Cabe-nos a todos prestar a homenagem devida a todos quantos, vivos ou caídos pela Pátria, se bateram, sem discutir, pela mesma Bandeira das Quinas.Hoje cabe às Forças Armadas não só o indeclinável dever de assegurarem a defesa do solo pátrio e participarem, com os nossos aliados, na defesa de um espaço geoestratégico comum, como um relevante papel no quadro da cooperação com os Países Africanos de Língua Portuguesa.Têm desses países e desses povos um conhecimento insuperável que importa a todos, Africanos e Europeus, aproveitar ainda nesta geração.O fim do ciclo do Império não foi senão o termo de uma etapa na relação entre Portugal e a África.Importa que o relacionamento com os Estados africanos irmãos se alargue e cresça, pois só desta forma se poderá desenvolver o projecto de uma Comunidade Lusíada influente no Mundo.Neste ano de balanço histórico em que se comemoram os 600 anos do nascimento do Infante D. Henrique e os 500 anos do Tratado de Tordesilhas; neste ano em que celebramos o Infante de Sagres, impulsionador das Descobertas, e D. João II que lhes deu consagração ao partilhar o Mundo Novo com os Reis Católicos, impõe-se que reflictamos sobre o papel de Portugal no Mundo e sobre a sua Herança.

Descobrimos e povoámos terras desertas e habitadas, encontrámos culturas diferentes e aculturámo-nos, levámos para terras distantes o nosso conceito da Cidade e trouxemos delas experiência da convivência, criámos nos outros identidades novas e, fazendo-o, descobrimos também em nós uma nova identidade.Passam neste ano também vinte anos sobre o começo da nossa partida de África. Não penso que nos possamos orgulhar da forma como partimos porque não ignoro as consequências previsíveis e, em alguns casos dramáticas, dessa partida.

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Penso, porém, que é tempo de nos descomplexarmos por não termos promovido uma descolonização exemplar.Não conheço descolonização que o tenha sido ou simplesmente boa. É que, em meu entender, a atitude moral de todos os descolonizadores foi, sem excepção, a de abandono.Pouco importa para o facto se nuns casos a descolonização, isto é, o corte dos vínculos entre a potência colonizadora e o território colonizado, foi pacífico e até cerimonioso ou se foi violento e brusco.Pouco importa, para o efeito, se nuns casos a potência colonizadora preveniu e garantiu os seus próprios interesses ou se até esses não acautelou.E não será aceitável que perante os flagelos sem conta que, em consequência, atingiram o continente negro, se considerem boas as descolonizações que acautelaram ou tentaram acautelar aqueles interesses e más as que os esqueceram.Todas as descolonizações, tomando por referência os valores por elas proclamados, isto é, a Autodeterminação, a Democracia e o respeito pelos Direitos Humanos, foram um fracasso.Fracasso porque não se acautelaram verdadeiramente os direitos dos descolonizados, fracasso porque não se respeitaram verdadeiramente as suas legítimas aspirações.Passados vinte anos sobre a descolonização dos territórios do então Ultramar Português - sendo já evidente que ela não só não foi exemplar como foi em vários casos, em África e, para além dela, na Oceania, causadora de situações de conflito aberto e de destruições humanas e materiais constantes -, há que saber assumir colectivamente as nossas responsabilidades históricas nesse processo.Não aprendemos com os erros dos outros, quero dizer, não tirámos lições das deficientes descolonizações belga, britânica, espanhola e francesa. Em vez disto, temo-nos erradamente culpabilizado por não termos sido dos primeiros a agir do mesmo modo.Porém, ao assumirmos perante a História as nossas responsabilidades colectivas não poderemos deixar de assumir os nossos erros em particular no caso de Cabinda.Cabe-nos aqui o dever moral de alertar as consciências do Mundo para o seu inegável direito à autodeterminação. Fazê-lo é contribuir para o encontro de uma paz verdadeira e sólida entre os africanos.Pouco importa se, neste caso, o Tratado de Alvor consagrou a integração do território, e do seu povo em Angola e se tal foi reconhecido pelas Nações Unidas.As leis nem sempre são justas e os tratados raramente contemplam os direitos de terceiros.

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E, nesta questão, avulta não só o facto de Portugal ter violado um tratado com Cabinda, que respeitara até 1974, quero dizer, o Tratado de Simulambuco que consagrava

internacionalmente o estatuto de Protectorado daquele território, mas a evidência de ao Povo de Cabinda não ter sido facultado o direito à autodeterminação.Em consequência, o Estado angolano passou a ter fronteiras mais alargadas e ricas do que a descolonizada província ultramarina de Angola. Fronteiras ditadas não pelo direito dos povos, mas pelos interesses petrolíferos; fronteiras criadas não pelo respeito pelos homens, mas pela implacável lei dos negócios e dos interesses estratégicos dos mais fortes.Os novos Estados africanos têm o direito a viverem em paz e, para tal, a organizarem livremente as suas condições de harmonia.Penso que os Estados do continente africano só terão a ganhar se adaptarem o Sistema Representativo aos diferentes interesses culturais e religiosos dos seus povos.Ao contrário do que muitos pensam, a África negra não era, antes da presença dos colonizadores europeus, um continente vazio de organização, um espaço carente de estruturas.Com efeito, estruturas tradicionais assentes em valores seculares organizavam a vida dos diferentes povos.Uma sabedoria tradicional presidia à condução dos seus destinos e foi essa sabedoria que permitiu a permeabilidade do Homem Africano aos valores, vindos de fora, com dimensão universal.Forjaram-se identidades pela conversão ao Cristianismo ou ao Islão e pelo acesso à instrução.Aproveito para significar, neste campo, o admirável desempenho das Missões portuguesas ao serviço do Padroado.Missões que foram escola de princípios e de fé, mas que foram igualmente espaços de formação e de aculturação de inestimável valor.Missões que respeitaram as estruturas ancestrais e que, não raro, defenderam as populações locais ora de abusos ora de simples erros das administrações coloniais.A África e o Africano tinham e têm de ser respeitados na sua autenticidade.E é neste sentido que me refiro à conveniência para a África e os Africanos de construírem um sistema representativo e democrático em consonância com os seus valores e a sua própria experiência institucional.Da sua experiência poderão resultar frutos, mesmo para outros continentes, onde, em muitos casos, imperam ficções de representatividade alheias das realidades dos povos.

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E não há verdadeira representatividade onde a pluralidade de interesses de um povo não está representada.Uma das instituições e um dos valores que a África soube preservar até hoje e que constitui uma referência necessária para a estabilidade e o crescimento harmonioso das sociedades economicamente desenvolvidas é a Família - a Família como célula base da Sociedade, escola de valores e de convivência social.Mas também a Família como quadro que não se circunscreve ao núcleo restrito constituído pelos pais e pelos filhos, mas que considera e respeita os avós e os parentes.Encontremos neste Ano Internacional da Família um momento ainda de reflexão sobre o valor e o papel da Família na formação dos jovens e na preparação dos cidadãos.Vivemos infelizmente ainda numa época de violência. Importa que saibamos utilizar todos os meios ao nosso alcance para diminuir a violência e os seus efeitos, designadamente na

Família.Os órgãos de comunicação social, em geral, e a televisão, em particular, pelo enorme poder que detêm no despertar e na formação da opinião pública, têm, neste campo, uma responsabilidade particular.Se lamento a sua frequente negligência no quadro da prevenção da violência e da preservação dos valores morais que devem nortear qualquer sociedade civilizada, não posso deixar de me regozijar pela forma corajosa e construtiva como têm denunciado e equacionado a dramática situação de Timor.Temos bem viva - eu diria cada vez mais viva com o relato dos dramáticos incidentes destes últimos dias - a questão de Timor e dos Timorenses.A questão que envolve matéria de violação do direito internacional e dos Direitos Humanos não se esgota porém neles. Envolve, igualmente, a questão da autodeterminação do Povo de Timor e da nossa responsabilidade histórica, moral e política como país internacionalmente reconhecido como potência administrante.Não escondo aqui o regozijo pelo facto de a questão não se circunscrever, hoje em dia, a uma campanha da sociedade civil portuguesa, mas de envolver todos os seus representantes políticos e de ter adquirido lugar, já notório, na opinião pública internacional.Cabe-me, neste particular, dirigir uma palavra de apreço, pela acção desenvolvida nestes últimos anos junto das chancelarias e dos areópagos estrangeiros, em prol das liberdades do Povo de Timor, ao Senhor Presidente da República, ao Governo, aos parlamentares e a todos os partidos do Governo e das oposições.A sua intervenção inscreve-se na reassunção das nossas responsabilidades colectivas.

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Em relação a Timor não temos reivindicado direitos, mas apenas deveres.Deveres que só estarão cumpridos no dia em que o Povo de Timor escolher livremente o seu destino.Importa, pois, que nos empenhemos seriamente no processo que conduza à sua autodeterminação.Também quanto a Timor temos de reconhecer que não foi apenas o nosso abandono ou a nossa desleixada intervenção no território, durante o período revolucionário de há vinte anos, que gerou ou alimentou a sua dramática situação.Chegámos ao ponto de consagrarmos, durante anos, na Constituição da República, o direito, apenas, à independência, esquecendo o primeiro e elementar direito do Povo de Timor à autodeterminação. Demos-lhe com tal consagração a triste notícia de que se porventura quisessem pronunciar-se colectivamente pela manutenção dos seus seculares laços com Portugal, este não estaria interessado neles.Regozijo-me que, dois anos após o apelo por mim lançado para que tal mudasse, tenham os senhores deputados alterado de forma feliz aquela disposição constitucional reconhecendo aos Timorenses o direito à autodeterminação.Não é irrealista uma solução para o caso de Timor. Mas é difícil.É um desafio aos Timorenses, a todos os demais Portugueses e à comunidade internacional. Um repto à coerência dos que proclamam, por toda a parte, a necessidade de respeito pelo Direito Internacional e pelos Direitos Humanos.Qualquer solução provisória e de compromisso que se venha a encontrar nas negociações em prol das liberdades dos Timorenses não deve assentar senão num quadro de garantias

efectivas.Já há anos que advogo que, na hipótese de os Timorenses virem a optar pela independência, poderia sustentar-se a figura do Estado neutralizado. Tal traria garantias não só a Timor, mas à própria Indonésia.Quero dizer, com tal estatuto, garantido por algumas potências influentes na zona, não poderia o império javanês argumentar, como o tem feito, com infundados receios de agressão por parte desse eventual Estado ou de perturbação vinda de Timor e repercutida no seu seio.Aí teriam papel de relevo as potências garantes desse mesmo estatuto de neutralidade.Mas essas mesmas potências deveriam assegurar, no quadro de uma iniciativa das Nações Unidas, a própria realização livre da autodeterminação de Timor.Há que aprender a respeitar Timor e os Timorenses, a sua cultura e a sua língua.

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O português foi e é em Timor e no continente africano um factor de unidade porque é um factor de diálogo.Cabe-nos saber preservar para o diálogo com todos os povos nossos irmãos, da Oceania, da Ásia e da África, o dom precioso da Língua de Camões. E quando falo desta e dos povos que a cultivam não esqueço o papiar e os povos que, através do papiamento, continuam a falar o português aculturado.Também não esqueço o Povo Brasileiro que, na sua maneira de falar e de escrever a Língua de Vieira, é um aliado fundamental na batalha da língua.A singularidade do português não deve ser entendida, apenas, no sentido veicular de expressão e de comunicação. É que, através da sua expressão e da sua comunicação, veicula também sentimentos e estados de alma dificilmente traduzíveis para outras línguas porque resultantes de uma secular comunhão entre os que o falam.Numa época em que o inglês acompanha na sua expressão o ritmo de avanço das novas tecnologias, num momento em que o espanhol se estende no mundo, muito para além das suas fronteiras históricas, e em que o francês procura recuperar perdas, em espaços novos, terreno para a sua implantação, importa que os Angolanos, Brasileiros, Cabo-Verdianos, Guineenses, Moçambicanos, Portugueses e São-Tomenses se empenhem, em conjunto, na preservação e no enriquecimento do seu primeiro património comum que é a Língua Portuguesa.O Património Cultural de um povo é o registo material e imaterial da sua identidade.É, pois, dever de todos nós o de contribuirmos para a sua preservação e de denunciarmos e evitarmos a sua delapidação. Delapidação que Garrett significava como engano na criança que após arrancar as folhas de um livro com elas fazia uma carapuça para enfiar na cabeça. Mas nós não nos podemos deixar enganar!O direito de criar não pode ofender e destruir o que já foi criado sob pretexto de que há-de dar lugar ao novo.Isto que vos digo é tão verdadeiro quanto ao património artístico e monumental como o é para o casario urbano e rural ou para a paisagem.A preservação do património ambiental diz igualmente respeito a todos nós e é uma das condições do crescimento harmonioso de uma sociedade.Portugueses!Só um povo antigo pode fazer balanços históricos, só um povo maduro sabe assumir as suas

responsabilidades colectivas, só um povo generoso sabe continuar a dar-se aos outros.Devemos sentir-nos orgulhosos de Portugal!

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Neste ano de balanço histórico, neste dia em que evocamos a restauração das liberdades portuguesas e em que reflectimos sobre o nosso papel no Mundo, ontem, hoje e no futuro, não posso terminar sem o grito vibrante de:Viva Portugal!

Mensagem do 1º de Dezembro de 1995Três dias antes da alvorada restauradora do 1º de Dezembro de 1640 foramos Conjurados assaltados pela dúvida, atingidos pela incerteza, abalados pela angústia.O Poder Espanhol era imenso, o Conde-Duque de Olivares tivera já conhecimento da conjura - dizia-se - e as hostes portuguesas ainda não estavam suficientemente organizadas.Mas as tentativas de normalização hispânica de Portugal haviam atingido um nível sufocante. O povo revoltara-se, por várias vezes, e o esmagamento dos seus intentos só adiara a sua satisfação. Era crescente a sua vontade de liberdade. As elites compreendiam-na e comungavam dela.Mas havia que escolher o momento oportuno e agir de maneira concertada para que triunfasse a causa de Portugal. Tal era o pensamento de meu avô, D. João, Duque de Bragança.Poderia correr-se o risco de um fracasso que previsivelmente inviabilizasse, por longo tempo, o projecto restaurador?Já antes, na incerteza quanto ao momento decisivo e quanto à aceitação por D. João, da coroa portuguesa, neste conflito entre a natural impaciência e a necessária prudência, se aventara, como hipótese de recurso, a implantação de uma república.Seria, no entender dos conspiradores, um mal menor. Eles sabiam que a maior parte dos países europeus há muito que abandonara a chefia electiva, propícia a disputas e desgastes no interior da nação e evoluíra para a monarquia, isto é, para uma chefia do Estado hereditária. Havia ainda, porém, alguns exemplos de república, em Veneza, em Génova e na Holanda.Agora, ou melhor, então, o que estava essencialmente em jogo era a independência efectiva de Portugal. Se para a reconquistar e garantir não fosse possível restaurar a monarquia com um rei português, ao menos que se tentasse a república. O mais importante era conseguir a independência de facto.Cedo, porém, se dissiparam as dúvidas e se fortaleceram as certezas.

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D. João, cuja prudência e habilidade são hoje conhecidas, aceitou encabeçar a revolução, a coroa e a restauração da soberania portuguesa.E como era necessário reforçar a coesão nacional face à potência europeia que era a Espanha, o já Rei D. João IV decretou que não fossem dados prémios aos vencedores, nem se perseguissem os vencidos.D. João IV assumia, como rei de todos os Portugueses, a chefia natural da Nação Portuguesa.

Estavam assim criadas as condições de ânimo colectivo para a longa luta de libertação nacional.Esta, e o seu sucesso, reafirmariam perante a Europa e o Mundo a nossa identidade nacional e a nossa indiscutível autodeterminação pela soberania.Há séculos que estamos familiarizados com ela e que sabemos que não há prato de lentilhas que se possa substituir à nossa Uberdade fundamental.Por esta razão, pela experiência e pela maturidade por nós adquiridas nesta questão, temos hoje o dever de estar atentos, de ponderar responsavelmente as opções do nosso futuro e de reivindicarmos sempre do Poder que escute e siga a nossa vontade como Povo.Na questão europeia, como em todas as que devem fundar-se nos direitos de cada um e nos valores democráticos, há que combater as tentações unicitárias e pugnar por uma unidade que não só respeite a nossa identidade como nação e Estado, como as nossas liberdades fundamentais.É possível que a interdependência económica a que estamos sujeitos no mundo de hoje, em particular no quadro europeu, possa determinar caminhos não suspeitados nem desejados até há pouco tempo.Mas é indispensável que perante esses imperativos possamos sempre levantar, com toda a liberdade e reconhecimento externo, a nossa voz soberana.Há que não descurar os elementos de coesão interna e combater os factores de desagregação da Pátria.Nem sempre os desafios a que a História nos lançou, ou lança, foram, ou são, desejados por nós. Mas importa que lhes saibamos fazer face.E, como já tenho dito em outras ocasiões, só os desafios difíceis são dignos dos Portugueses!Fechou-se o ciclo do Império. Hoje, somos chamados pelos restantes países europeus a dar o nosso contributo para a construção de uma unidade, no Velho Continente.Mas esta nova vocação não substitui nem diminui a que temos, por herança e por responsabilidade histórica e moral, de nos solidarizarmos e de cooperarmos com os nossos irmãos de África e da Oceania.

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Vinte anos passados sobre as independências africanas lusíadas, é-me grato verificar que, em Angola e em Moçambique, países flagelados pela guerra, a paz começa a assentar arraiais.Os problemas do seu pós-guerra são tão ou mais difíceis de enfrentar que os da própria guerra que sofreram. As potências que, ontem, apoiaram as partes em conflito, pouco se preocupam, hoje, com a sorte das populações, enfim, reconciliadas.Elas precisam do nosso apoio. A cooperação connosco é desejada por elas e acolhida favoravelmente pelos seus governos.Cabe-nos responder com prontidão, com iniciativa, com empenhamento e com dinamismo. Importa que ponham ao serviço da cooperação o nosso conhecimento do território, das gentes e das culturas desses países e que não deixemos dúvidas quanto às vantagens da cooperação connosco.Sempre tenho insistido na necessidade de preservarmos e de fortalecermos o espaço de Língua Portuguesa.A língua é e sempre foi um importantíssimo elemento de unidade e de compreensão. E é,

no quadro da cooperação, um factor adicional do sucesso desta.É de lamentar que, nestes últimos vinte anos, a questão da língua, do seu ensino e difusão, não tenha constituído uma das prioridades dos governos portugueses no seu relacionamento com África. Alguns gestos isolados não são suficientes nem para suprir as inúmeras carências, designadamente em livros e professores, nem para contrabalançar a investida de outras línguas que, desde há anos, alimenta expectativas e interesses locais.A notícia da entrada de Moçambique para a Comunidade Britânica foi recebida por nós com alarme. Não ignorávamos, todavia, que este grande país africano carece para a sua reconstrução de larga e diversificada ajuda externa e que está cercado por países de língua inglesa.A sua opção é não só legítima como soberana.E, como afirmou o seu presidente, o facto de Moçambique ter aderido àquela comunidade de países anglófonos, não significa que o português deixe de ser a língua do seu país, ou que Moçambique não venha a contribuir para o fortalecimento e desenvolvimento da Comunidade Lusíada a que todos pertencemos.O seu discurso, por mais apaziguador que seja, não nos deve, todavia, tranquilizar.A decisão do Governo moçambicano resultou, a meu ver, em parte, das razões objectivas atrás expostas e, por outra parte, da nossa lamentável negligência. Se não nos empenharmos, desde já, com determinação e largueza de

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horizontes, no caminho da cooperação, não tardará muito que, a contragosto dos Portugueses e dos Moçambicanos, de hoje, esse admirável país africano do Índico deixe de fazer parte do espaço lusíada.Se vos falei, apenas, dos países saídos da guerra, nem por isso deixo de ter no meu pensamento os que sem o sofrimento daquela tragédia, se debatem hoje, com problemas igualmente graves, mas de diferente dimensão. Também estes - e estou naturalmente a pensar em Cabo Verde, na Guiné e em São Tomé e Príncipe - pretendem ver alargada a cooperação connosco e reforçado o ensino da nossa língua comum.É por de mais conhecido - e sobre o tema já, por várias vezes, me tenho pronunciado - que as independências da antiga África portuguesa, ocorridas há duas décadas, não foram infelizmente fruto de um processo de autodeterminação nem resultaram de uma reflectida organização de meios, quer por parte dos dirigentes africanos de então, quer por parte dos dirigentes portugueses da época.Resultaram, como se sabe, do voluntarismo de uns e do abandono de outros, todos pressionados pelos interesses das grandes potências.Se, agora, mais uma vez, evoco o deficiente processo da Descolonização é porque persistem, na África e na Oceania, situações de desconformidade com o Direito Internacional e com o princípio da autodeterminação dos povos que nos dizem particularmente respeito.Estou a referir-me aos territórios de Cabinda e de Timor.É sabido que, em resultado do Tratado de Simulambuco, celebrado entre Portugal e Cabinda, em 1885, ficou aquele território com o estatuto, reconhecido internacionalmente, de Protectorado. Menos de um século depois, Portugal seria signatário dos Acordos de Alvor que, em violação do Direito Internacional e do direito de os Cabindas decidirem livremente sobre o seu futuro, integrou o território no novo Estado angolano.

Esta situação motivou a resistência armada do Povo de Cabinda que, sem aliados externos, tem perdurado ao longo destes vinte anos para defender a sua liberdade e a sua identidade própria.Apraz-me registar que, neste ano em que se comemoraram os vinte anos das independências dos países africanos irmãos, tenha sido iniciado um diálogo construtivo entre Cabinda e Angola.São certamente os primeiros passos da paz, mas importa que tenham continuidade e que encaminhem os dois povos para a concórdia e a colaboração.A História não pode ser emendada, mas os erros cometidos no seu percurso podem ser corrigidos. É necessário que prevaleça o realismo e que com coragem,

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Cabindas e Angolanos compreendam que o preço da paz exige cedências de ambos.Noutro espaço do mundo que os Portugueses criaram, em Timor, também se fazem comemorações. A Indonésia, cuja ditadura militar insiste em manter-se naquele território, comemora, à sua maneira, com perseguições, torturas e chacinas, o vigésimo aniversário da sua brutal ocupação.Timor, como todas as causas que se prendem com a defesa dos Direitos Humanos, não é uma causa perdida!Antes pelo contrário.Quem comparar a atitude da opinião pública e dos governos com alguma influência nas decisões do Mundo terá de concluir que, nestes vinte anos e, sobretudo, nestes últimos anos, muita coisa mudou, em favor de Timor.A opinião pública começou a ser informada, a organizar-se e a agir sobre os seus governos, questionando ou condenando atitudes tíbias ou contraditórias com os discursos oficiais.Os governos foram sendo progressivamente obrigados a sair do seu silêncio para se justificarem ou para agirem menos descarada e mais encapotadamente em apoio da Indonésia.Também várias das oposições começaram a considerar Timor e os Timorenses uma bandeira política suficientemente forte para abalarem os seus adversários nos governos.A comunicação social tem, por seu lado, desenvolvido um papel admirável na denúncia e na demonstração perante o Mundo da flagrante injustiça que se continua a sofrer no território e de que são cúmplices várias das grandes potências.Timor deixou de ser uma questão cómoda!Os Timorenses têm esperança em cada um de nós e esperam com fé que Portugal os apoie na sua luta pela sobrevivência e pela libertação.Cabe-nos fazer eco do seu sofrimento e dos seus direitos perante a Comunidade Internacional e contribuir por todos os meios legítimos ao nosso alcance para atenuar e evitar o primeiro e fazer prevalecer os segundos.A Organização as Nações Unidas, cujo 50º aniversário é também comemorado este ano, não tem tido a força bastante para fazer respeitar os seus princípios e as suas decisões no que respeita ao território de Timor.Tal se deverá, em parte, a deficiências estruturais e a falta de meios, mas na sua maior parte, a incoerente cedência de princípios em favor de interesses inconfessados por parte das potências que, em maior grau, garantem o seu sustento financeiro.Queira Deus que o facto de a sua Assembleia Geral ser este ano presidida por um eminente

jurista português possa contribuir, pela reforma anunciada e

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pelo prestígio pessoal do mesmo, não só para tornar a Organização mais eficaz, como mais sensível para a questão de Timor que, tanto e justiíicadamente, tem preocupado o seu país de origem.Ao felicitar as autoridades portuguesas pelo seu crescente esforço em prol das liberdades dos Timorenses gostaria de, mais uma vez, insistir no que, em meu entender, pode contribuir para reforçarmos perante os outros o nosso empenhamento em relação a Timor.Neste quadro permito-me, mais uma vez, sugerir a nomeação de um Alto Comissário para Timor e (ou) a criação de um departamento governativo votado exclusivamente aos assuntos do Território, a criação de um círculo eleitoral por Timor e a disponibilidade de uma verba orçamental para o apoio à criação e manutenção de lobbies timorenses junto dos países com maior poder de influência.Dirijo aos Timorenses uma palavra de esperança, de fé e de confiança. Os vossos direitos não serão esquecidos! O vosso sofrimento não será em vão! O dia da vossa libertação já está mais próximo! Não estais sós! Portugal inteiro está convosco!Sem me querer alongar muito mais gostaria de abordar perante vós, de forma sucinta, algumas questões que reputo importantes não só para a preservação da nossa identidade como para a salvaguarda do nosso futuro.Preocupa-me e a todos deve preocupar igualmente a questão do Ambiente.Hoje, a problemática do ambiente não se pode circunscrever exclusivamente ao saneamento básico e à qualidade dos alimentos. Diz respeito a toda uma nova perspectiva ecológica e cultural do território em que vivemos.O equilíbrio ecológico, dinâmico por essência, garantindo a interdependência dos seres e a melhor utilização dos factores físicos indispensáveis à sua existência, é, por conseguinte, também indispensável ao desenvolvimento das sociedades humanas.Perspectiva cultural porque os Portugueses, geração após geração, foram dando forma ao território e construindo belas paisagens que permitiram com grande esforço o povoamento do território.As paisagens tradicionais, ecologicamente equilibradas, são hoje não só um património visível e insubstituível da nossa identidade como também suporte de um desenvolvimento sustentável.É com muita apreensão que assisto à degradação sistemática do território em nome de um falso progresso e de um individualismo egoísta que, fundamentado na ideologia do liberalismo económico, não só alarga as injustiças, provocadas pela competição cega da produção, mas ainda leva a um consumo desenfreado.Despreza-se o mundo rural porque se considera como certo o seu desaparecimento em face do progresso material. Nada mais errado.

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Por este motivo, as aldeias despovoam-se, a juventude abandona a província e sucede o deserto humano.O povoamento harmónico do território, a existência e vida de marcos culturais impressos na paisagem reflectem-se, geração após geração, na definição da nossa identidade nacional.

A existência dum mundo rural digno e, por conseguinte, duma agricultura próspera é indispensável ao povoamento e à valorização da herança que recebemos.Está, portanto, em causa um modelo de crescimento económico e de sociedade de consumo cuja aplicação tem agravado a pobreza e a marginalidade social nas cidades, o abandono da agricultura, a destruição de muitas potencialidades do território e a degradação da paisagem.O vasto património arquitectónico, histórico e paisagístico que são os centros históricos das nossas cidades, vilas e aldeias está - como desde há muito venho denunciando - a ser adulterado por novas construções e aproveitamento errado de edifícios.A política de habitação social, por seu lado, não tem produzido a oferta necessária, mas tem-se traduzido, quase sempre, na construção de enormes «colmeias» humanas com habitações de exíguas dimensões, onde não é possível a convivência familiar nem a intimidade pessoal.A Família tem direito ao espaço!Não são as famílias que devem adaptar-se ao espaço, mas é o espaço que deve ser adaptado às famílias!Uma política de ambiente para ser eficaz tem de se apoiar no ordenamento ecológico e social do território e no respeito pelo património tanto natural como construído.Importa que a todos os níveis e em todos os sectores, se promova uma educação que permita a compreensão e a adesão a estes valores.Portugueses!Neste dia em que comemoramos a restauração da nossa liberdade maior que é a Independência, nesta hora em que recordamos a coragem e a determinação dos nossos Avós, saibamos ser dignos da sua herança, saibamos ser dignos de Portugal!A Pátria Portuguesa vale bem todos os nossos esforços, todos os nossos sacrifícios!Viva Portugal!

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Mensagem do 1º de Dezembro de 1996Se há valor perene, se há sentimento constante, se há direito fundamental que nem os tempos nem os regimes podem calar, esse é o de os povos determinarem livremente o seu destino.São esses valores, sentimento e direito colectivos que hoje comemoramos ao evocarmos a restauração das nossas liberdades, em 1 de Dezembro de 1640.Os Portugueses de então, ao aclamarem rei o meu avô, Dom João, Duque de Bragança, souberam dizer não à política de centralismo progressivo da Dinastia germânica dos Austrias. Esta, entre nós, conhecida por «dinastia filipina», era, havia sessenta anos, comum aos reinos de Portugal e Espanha.Em 1640, porém, já nem o estatuto de independência formal era respeitado. O conde-duque de Olivares, cujo cargo poderíamos, hoje, equiparar ao de primeiro-ministro de Espanha, preocupado com os interesses europeus e a política hegemónica de Madrid, não só promovia a absorção dos recursos humanos e materiais portugueses, em serviço da estratégia espanhola, negando na prática a nossa independência, como ia retirando ao compromisso assumido por Filipe I, nas Cortes de Tomar - fundamento jurídico daquela dinastia - o carácter de juramento, para o interpretar como uma mera liberalidade do monarca, e assim pôr em causa a própria existência de Portugal como reino formalmente

independente.Os Portugueses reagiram e restauraram, com um príncipe português, a nossa soberania.Neste ano em que passam 350 anos sobre a coroação de Nossa Senhora como Rainha de Portugal, gostaria de fazer uma breve referência ao significado e às consequências de tal acontecimento.Em 1646, as Cortes, concordando com a vontade do Rei, decidiram, em gesto de gratidão pelas vitórias obtidas nas batalhas da Restauração, declarar e jurar a Imaculada Conceição de Vila Viçosa, Padroeira e Defensora do Reino de Portugal.Oferecida a Coroa à Virgem Maria, os reis portugueses nunca, desde então, foram coroados, passando a ser apenas aclamados pelos representantes da Nação. O Acto da Aclamação, muito enraizado na Tradição Portuguesa, consubstanciava o Pacto entre o Rei e o Povo. Acentuava o princípio de que o Poder fora por Deus confiado ao Povo e que este, em cada geração, o delegava no Rei.Foi este princípio e esta convicção política que por duas vezes salvaram a independência portuguesa, primeiro no século XIV, face a Castela, com a escolha de Dom João, Mestre de Avis, e depois, no século XVII, face a Espanha, com a aclamação de Dom João, Duque de Bragança.

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Ao evocar hoje a Revolução de 1640 e a luta de libertação nacional que se lhe seguiu - longa de mais de vinte anos, mas coroada de êxito com o restabelecimento pleno das nossas liberdades - quero dirigir uma palavra de esperança e de encorajamento aos Timorenses do interior e do exterior, aos combatentes da Liberdade que naquela ilha da Oceania, ou pelo Mundo fora, lutam, também há já mais de vinte anos, pelo reconhecimento efectivo por parte da comunidade internacional do seu direito à autodeterminação.Como já tenho afirmado, no que respeita a Timor, só podemos considerar duas barricadas: a da liberdade e a da opressão; a do respeito pela sua identidade cultural e religiosa e a do seu subtil ou ostensivo - mas sempre brutal - aniquilamento; a da resistência e a da repressão; a da autodeterminação e a da escravidão; a dos Direitos Humanos e a do genocídio.A opção é clara! Mas há que dá-la a conhecer, insistentemente, ao Mundo para que este a faça sua!Para tal importa que os Timorenses se unam, como um só, para que o Mundo possa ouvir a voz de Timor!Os Timorenses devem, em meu entender, deixar claro, por um esforço combinado de convergência e de afirmação políticas, que formam um só bloco, que reconhecem uma só representação e que estão dispostos e preparados para assumirem a responsabilidade de uma administração autónoma e provisória do Território, preliminar ao indispensável processo de autodeterminação que a Carta e as resoluções das Nações Unidas prevêem e exigem.Tal administração que, há já vários anos, defendo, com uma ou outra configuração, não contraria nem diminui, em meu entender, o papel e a responsabilidade de Portugal como potência administrante e poderá hoje ser mais bem compreendida e aceite pela comunidade internacional com o exemplo da solução encontrada para a Palestina.A Indonésia tem de começar a habituar-se à ideia de que, mais tarde ou mais cedo, vai ter de abandonar o Território e de que a boa vizinhança com Timor, que a geografia impõe e o futuro aconselha, não pode alicerçar-se na memória de estabilidades conseguidas com o

silêncio dos mortos e o silenciar dos vivos, mas numa paz construída por homens livres, senhores do seu destino!A poucos dias da entrega do Prémio Nobel da Paz a Dom Carlos Ximenes Belo e a José Ramos Horta, justíssima consagração internacional do seu distinto mas comum empenhamento em defesa da vida do martirizado Povo de Timor, é natural que rejubilemos. Teremos, todavia, de ter presente que este gesto simbólico de tão grande significado e repercussão internacionais - já considerado inoportuno pela Indonésia - não é senão uma etapa ganha na luta que, queira Deus, será cada vez menos longa até à libertação de Timor.

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Angola e Moçambique, países irmãos, que este ano me foi dado visitar e em que pude apreciar os esforços de reconciliação nacional e de recuperação material a que os flagelos das prolongadas guerras civis inevitavelmente os obrigam, parecem ter encontrado finalmente o caminho da paz, que é condição do seu futuro.Da sua paz e do seu progresso depende em grande medida o sucesso da Comunidade de Países de Língua Portuguesa.E, neste contexto, que é do interesse de todos os países lusófonos, não pode Portugal economizar o seu apoio sempre que ele seja manifestamente solicitado pelos seus parceiros.Cabe-me aqui dirigir uma palavra de louvor às nossas Forças Armadas, que, hoje como ontem, dão testemunho da sua abnegação e da sua eficácia ao serviço dos valores, dos interesses e dos compromissos de Portugal.As suas missões, em Angola, na Bosnia e em Moçambique, têm, em qualquer dos casos, prestado um inestimável contributo para a reconstrução das relações humanas, há muito destruídas pela guerra. Contributo que, em Angola e em Moçambique, assume uma dimensão fraternal ditada pela História.Podemos delas estar orgulhosos. Devemos prestigiá-las e valorizá-las. É esta, aliás, a atitude de todos os Estados democráticos. É que, sendo indiscutível a sua subordinação ao poder civil quando este se encontra legitimado pela vontade do povo que representa, é também indiscutível que constituem no seio da nação, o corpo de salvaguarda da sua defesa, da sua independência e das suas liberdades.Caros compatriotas.Neste ano em que Deus nos deu a felicidade do nascimento do nosso primeiro filho e em que temos sido alvo de tantas manifestações de simpatia, nesta quadra em que se aproxima a Festa da Família, por excelência, minha mulher e eu queremos a todos significar a nossa gratidão e desejar a todas as famílias portuguesas um Santo Natal!\

Mensagem do 1º de Dezembro de 1997Ao comemorarmos o Dia da Restauração em que passam oitocentos e cinquenta anos sobre a data da conquista de Lisboa aos mouros, devemos reflectir sobre o que ambos os acontecimentos representaram e representam para a nossa identidade e para a nossa consciência colectiva de valores como a liberdade, a independência e a justiça.Ambos os acontecimentos foram de reconquista: um de reconquista cristã e outro de reconquista da soberania, ambos de afirmação de fé, o primeiro da

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fé em Cristo face ao domínio do infiel; o segundo de fé na independência, na liberdade e na justiça face ao domínio do estrangeiro.Em um e outro casos muitos foram os portugueses que eivados de um ideal superior sacrificaram a vida para preservar o bem geral.Só quem nunca experimentou a privação desses bens maiores da vida do homem e da comunidade a que pertence pode perigosamente conceber que sejam diminuídos ou mesmo substituídos por outros de menor valor.E essa tentação é infelizmente verificável nas sociedades que como a nossa e a de todos os países europeus, gozam, simultaneamente, de paz prolongada, e de crescente bem-estar material em que a teia de interdependências parece ser solução para todos os problemas presentes e futuros... mas não é!É que a conhecida fórmula «independência possível na interdependência necessária» ao enfatizar o imperativo cada vez mais premente da colaboração mútua entre os Estados não prescinde da componente essencial que se chama independência.E é da verificação desta verdade, isto é, de que, o mais possível, a independência é necessária para a construção do futuro, que a própria União Europeia a consagra através do princípio da subsidariedade que se traduz em os órgãos comunitários só decidirem sobre problemas que os estados-membros não possam resolver por si próprios.Por esta razão, e, a não ser que negligenciemos a nossa participação neste processo, deixando a outros a defesa dos nossos interesses, ignorando a nossa identidade, o nosso valor e peso específicos como um dos Estados europeus mais antigos, as nossas capacidades, as nossas ligações afectivas e culturais e as nossas responsabilidades no mundo, não devemos ter medo da construção europeia.Como comentava um conselheiro de Filipe IV de Espanha, a propósito do movimento restauracionista português, iniciado em 1 de Dezembro de 1640, «para ter experiência é preciso conhecer o passado para não chorar o futuro».E conhecer o passado de Portugal é conhecer a própria identidade nacional.Se hoje me congratulo com a decisão e o empenhamento das nossas autoridades em promoverem a familiarização dos jovens com os símbolos nacionais, sinais da nossa identidade, não posso deixar de lamentar a pobreza dos programas escolares, com triste repercussão nos manuais, a deficiente preparação dos professores, a precariedade dos incentivos à leitura e a falta de aproveitamento das novas tecnologias para transmissão às novas gerações do caminho percorrido pelos seus avós em mais de oito séculos e meio de história.Como já o tenho dito, a história recente - como qualquer outra lembrança - ou se aceita ou se rejeita como um todo, com os seus créditos e os seus débitos.

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E como não é concebível que um português renegue a sua própria origem, ter-se-á de concluir que a aceita na sua plenitude.Por esta razão considero que o Estado deveria associar-se, como é seu dever, à homenagem que os ex-combatentes do Ultramar, de todas as origens, étnicas e sociais, prestam, em cada ano, junto ao seu monumento em Belém, aos que, mortos ou vivos, sempre abnegadamente e muitas vezes heroicamente, se bateram pela pátria nas três frentes africanas.Passados vinte e três anos sobre o fim da nossa participação na guerra ultramarina não é

aceitável que o Estado não renda o justo tributo aos que por ele não discutiram empenhar as suas próprias vidas.É que o Estado deve também pagar os seus tributos. É uma obrigação moral que lhe é exigida pelo país.E mal estaremos se nesta questão tão sensível o Estado se divorcia da sociedade que deve representar, mantendo uma atitude que não encontra paralelo em nenhuma grande democracia do mundo.Há que saber dar exemplos!Há que saber formar os homens de amanhã.«Homens homens» como dizia Vieira no «Sermão da Sexagésima», distintos dos «homens brutos», dos «homens troncos» e dos «homens pedras». Homens e mulheres conscientes das suas responsabilidades individuais e comunitárias, com formação espiritual, moral, cívica e patriótica, capazes de responderem com confiança aos desafios do presente e do futuro.Pessoas na sua plena acepção, e cito novamente Vieira, distintos das «criaturas sensíveis», das «criaturas vegetativas» e das «criaturas insensíveis».Neste ano em que se assinala o quarto centenário da morte do Padre António Vieira, eminente pregador e génio literário, evangelizador corajoso e restaurador militante a quem a língua portuguesa tanto deve, somos naturalmente levados a meditar sobre o seu exemplo de coerência de vida, de clarividência no exame dos homens, dos seus vícios e virtudes, de assunção da hierarquia de valores e de responsabilidades e de persistência na defesa dos direitos humanos.A sua obra, retrato da vida exemplar que dedicou às grandes causas da humanidade, constitui um manual de ensinamentos preciosos para os Angolanos, Brasileiros, Cabindas, Cabo-Verdianos, Guineenses, Moçambicanos, Portugueses e São-Tomenses, quero dizer, para todos os povos que integram a comunidade de Estados lusófonos e para todos os que, nela não inseridos, mantêm o seu apego à língua e à cultura portuguesas.Apraz-me, neste quadro, registar que têm vindo a ser aumentados e diversificados os instrumentos de cooperação entre Estados lusófonos.

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Num mundo em que o inglês e o castelhano conseguiram alcançar, mais do que o francês e o português, o lugar de línguas veiculares de primeira grandeza, o português, a língua que, há precisamente quinhentos anos, Vasco da Gama levou para o Oriente, não só continua a alimentar culturalmente muitos países e regiões como está a ser adoptado em vários Estados como segunda língua.Se tal constitui para nós motivo natural de orgulho, constitui igualmente motivo de responsabilidade imensa.E que a língua não é só um instrumento de comunicação, mas de compreensão e de solidariedade também.E desta realidade têm, felizmente, consciência os Timorenses em cujo convívio pude estar há poucos dias a convite do Senhor Bispo de Dili, Dom Carlos Ximenes Belo.Timor e os Timorenses não se sentem isolados. Têm fé em Deus, confiança em Portugal e acreditam que a comunidade lusófona continuará a apoiar a sua causa com firmeza e sentido fraternal.A incerteza e a ansiedade, de par com a dignidade e tenacidade, povoam o coração dos

Timorenses. Há em Timor um viver habitual que não é o comum dos povos livres. E o que resulta da convivência forçada com um ocupante militar e com um ocupante civil.O primeiro pretende sublinhar pela sua presença, por vezes, cruenta uma soberania de facto que ao direito repugna;O segundo pretende conquistar, pela sua recente mas crescente ocupação, designadamente em colonatos agrícolas, o direito a pronunciar-se sobre os destinos de uma terra a que é alheio e que se chama Timor.E que a Indonésia continua, infelizmente, a prosseguir na sua política de transmigração de populações projectando, assim, fazer pender a balança demográfica do território a seu favor.O sofrimento individual e colectivo, ao fim de quase um quarto de século de ocupação indonésia, familiarizou os Timorenses com o pragmatismo. Mas este não os fez abdicar e, antes, lhes reforçou os sentimentos e as convicções mais profundas.Os Timorenses têm uma noção muito realista do tempo. Têm consciência da dificuldade actual que Portugal e a comunidade internacional têm para persuadir a Indonésia a retirar do território e a permitir a satisfação do seu legítimo direito à autodeterminação.E têm, por outro lado, esperança de que das negociações entre Portugal e a Indonésia possa surgir uma plataforma de entendimento que possibilite a solução de problemas.

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Digo de problemas, já que a solução do verdadeiro problema, isto é, a escolha do seu destino, reservam-na, naturalmente, para eles.Mas a salvaguarda dos direitos humanos, a preservação da língua e da cultura portuguesas, o fim da transmigração da Indonésia para o território, uma experiência de autogoverno pelos ali nascidos, a substituição da polícia indonésia por uma polícia timorense e a retirada progressiva das forças militares indonésias, estão no horizonte dos que almejam que se consiga negocialmente como situação transitória.Tenho, por minha parte, a convicção de que ambos os países conseguirão encontrar uma fórmula adequada à satisfação destes anseios e aproveito para louvar as autoridades portuguesas, as associações de defesa dos direitos humanos e os órgãos de comunicação social pelo notável trabalho que têm desenvolvido em prol da causa de Timor.O herdeiro dos reis de Portugal não tem outra ambição senão a de servir.Por esta razão sempre tem afirmado a sua disponibilidade para cumprir missões onde quer que o interesse da pátria e dos Portugueses o exijam, independentemente da natureza do regime vigente.Como sempre tenho dito, o chefe da Casa Real não é um pretendente.A opção pela monarquia deve, apenas, resultar da pretensão do povo. Por esta razão só este se poderá, em algum momento, designar por pretendente.Ao príncipe cabe servir a pátria em conformidade com a vontade da nação.Viva Portugal!

Mensagem do 1º de Dezembro de 1998Para além das múltiplas crises que se perfilam no horizonte do mundo neste limiar do milénio e nos emergem nas notícias, nas preocupações dos governantes, nas reflexões dos intelectuais, começo por assinalar que este ano de 1998 foi para o nosso país um marco decisivo, já que pela primeira vez se utilizou o instituto do referendo para consultar

directamente o povo português, sobre duas questões fundamentais.Pela primeira vez, o voto elegia uma ideia e não uma pessoa, significava por isso uma opção e não uma procuração. Os resultados destes referendos deram bem a ideia de que a nação portuguesa está coesa e consistente respondendo às questões fundamentais com a sua memória histórica, a referência dos seus valores e a determinação da sua personalidade.Este forte sentimento e expressão do todo nacional foi mais eloquente do que as campanhas em presença e no meu entender corresponde ao movimento que há358 anos se afirmou com veemência contra o domínio da coroa espanhola.

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1998 foi também o ano em que Portugal apresentou ao mundo uma Exposição tecnologicamente evoluída, superiormente organizada e de inquestionável beleza.Lamento unicamente que tanta qualidade não fosse acompanhada de uma ampla divulgação da História que fizemos, especialmente a comemoração dos500 anos da chegada de Vasco da Gama à índia, motivo de orgulho que a modernidade não pode fazer esquecer, sob pena de esquecermos o que nos caracteriza e diferencia.Mas se hoje celebramos a data a partir da qual retomamos o curso da História de Portugal, não podemos esquecer aqueles que se vêem privados dos direitos de optar e de agir. Recordar hoje Timor e a sua luta é obrigação de todos os Portugueses em coerência com o que a história nesse longínquo ano de 1640 lhes ensinou e legou. No que me cabe, e como é do conhecimento público, tenho procurado, sem alarde, contribuir para que seja encontrada a solução possível que sirva ou venha a servir a vontade e os interesses do povo de Timor e continuarei disponível para defender os objectivos de Portugal e Timor nesta nobre causa de todos nós.Considerando as preocupações e alertas que inúmeras pessoas me fazem chegar, não posso deixar de aflorar, ainda que brevemente, duas áreas que considero estarem a atravessar uma grave crise que não se pode iludir porque directamente ligadas ao próprio conteúdo da independência. Refiro-me à justiça e à agricultura.Se outros sectores estratégicos da nossa vida pública atravessam uma fase particularmente sensível, recolhe a justiça dimensão acrescida porque o tempo e a eficácia são intrínsecos ao próprio conceito, e a crise na justiça é de facto uma ruptura de cidadania e do exercício da soberania.Também a situação do mundo rural, a que sou particularmente sensível, preocupa seriamente os Portugueses, pois sabemos que o problema crucial é o de modelo de desenvolvimento que tem provocado o desequilíbrio social, a concentração da população no litoral e o consequente despovoamento do interior. Por sua vez, a politica agrícola e florestal e o caos urbanístico têm contribuído para aquela concentração e também para a desertificação, ou seja, degradação dos recursos naturais das regiões menos desfavorecidas.Destruiu-se a imagem cultural das aldeias, vilas e cidades;Destruíram-se solos dos mais férteis do País por uma urbanização desordenada;Abandonaram-se sistemas agrícolas equilibrados por se considerarem ultrapassados pelo progresso;

384Criou-se o mito do crescimento económico, através de acções sectoriais independentes e abusivas ou despropositadas, como panaceia do desenvolvimento global do País. É dever de

todos os que nesta área actuam prestar urgente atenção à agricultura, porque no dia em que ela morrer de todo é Portugal que morre com ela.Quando exprimo preocupações e não escondo ânsias é porque aspiro por um Portugal melhor em que a juventude sinta o entusiasmo do futuro em vez do pesadelo do dia de amanhã, em que o bem-estar e a cultura sejam como o ar que se respira e a terra que nos viu nascer seja o lugar das nossas aspirações e a Pátria da nossa identidade.Portugal, integrado como está na União Europeia, o que não podemos deixar de considerar como útil e vantajoso, não pode aceitar que a sua presença nesse quadro de compromissos possa culminar na sua diluição como Estado independente e soberano.Aos monárquicos, hoje aqui mais uma vez reunidos, não quero deixar de lembrar que é necessário renovar o ardor das ideias perante as novas realidades, desmanchar o fogo-fátuo das vaidades humanas que associam ao ideário monárquico diletantismo e futilidade, quando de facto é o regime humanista e civilizado por excelência!Falta aos Portugueses que somos um corpo institucional em verdadeira harmonia com a vivência tradicional.Para que a Democracia se aperfeiçoe e se aprofunde servindo não só a maioria e a maioria eventual própria do sistema de alternância, mas na realidade servindo todos os grupos legítimos, todas as minorias, é urgente que a República Portuguesa se abra à Monarquia.Todos sabemos que houve formas de monarquia demasiado rígidas e absolutas. Todos sabemos como hoje a monarquia é concretamente, em toda a parte do mundo, sinónimo de serviço ao bem comum, através de um equilíbrio sábio e eficaz entre princípios, ideias, valores e aspirações que à primeira vista pareciam inconciliáveis.O próprio Parlamento, considerado e bem um dos esteios da democracia, é em Portugal exemplo duma representação marcadamente ideológica. Falta, e não sou o único a notá-lo, uma representação orgânica de valores municipais, culturais e de interesses específicos de certas comunidades, assim como também a experiência e o saber de altos responsáveis relegados para reformas memorialistas quando poderiam ser muito úteis ao país que serviram. Todos caberiam no conjunto orgânico de uma Segunda Câmara, que o regime monárquico sempre adopta, uma vez que é preocupação permanente da instituição monárquica respeitar e auscultar em permanência, o todo nacional.

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Sendo a monarquia o garante de uma democracia plena, como a Europa fielmente o retrata, e sendo Portugal um país que se orgulha de ter dotado os seus eleitores de um regime de liberdade de escolha, verdadeiramente democrático seria tornar possível aos Portugueses a opção pela instauração da Monarquia. Tal opção é-lhe hoje vedada constitucionalmente, o que é de facto um absurdo que não me cansarei de denunciar.Aos monárquicos cabe, pois, a missão histórica, essa também, de divulgar esta ideologia, certos de que se depararão com surpreendente receptividade a uma ideia que muitos, antes de lhes ser anunciada, nunca tinham considerado.Tenho percorrido o país de lés a lés e sempre encontro, nas autarquias e nos autarcas, um enorme respeito e profunda simpatia pelo que consideram que eu represento, independentemente da sua filiação partidária.O movimento vive do impulso e do exemplo de todos os monárquicos e tem como destinatários todos os cidadãos de qualquer filiação partidária com suficiente abertura de espírito para afastar preconceitos e deformações que a paixão propagandista espalhou

durante décadas.Finalmente, quero reconhecer publicamente o mérito e o consequente sucesso que augura o denodado esforço com que Portugal tem procurado intervir no Processo de Paz de Angola e Guiné; no interesse sempre manifestado por Moçambique, Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe.Em monarquia vigoram os princípios de coesão nacional, dentro dos propósitos de alargada representatividade. Os monárquicos exigem naturalmente que a Instituição que represento seja o garante do Portugal de ontem, de hoje e de amanhã. Tal me obriga, a mim e à minha família, a estar disponíveis para que um dia, se democraticamente os Portugueses assim o entenderem como útil, possamos responder à chamada, a bem de Portugal.

Mensagem do 1º de Dezembro de 1999Neste primeiro dia de Dezembro em que mais uma vez lembramos a restauração da independência de Portugal, invoco com respeito e serena atenção o martirizado Timor!É em Timor que nos revemos. A luta desse povo valente e nobre não foi só contra a falta de Liberdade imposta pelo regime militar que ocupou a sua terra em1975, foi especialmente em defesa da sua identidade cultural e espiritual que estava a ser destruída. E aí os Timorenses dão-nos a nós, os Portugueses da Europa,

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uma lição importantíssima nesta época em que tantos parecem desistir da nossa identidade e independência em troca de duvidosos benefícios materiais.A reacção da imensa maioria do povo português aos acontecimentos de Timor reveste-se de enorme importância, porque mostra e demonstra a toda a gente que Portugal, como Nação, continua bem vivo.É a manifestação da consciência da nossa identidade, mas é também, uma manifestação de unidade no essencial, uma revelação do que é essencial para o povo português, tanto mais legítima quanto desinteressada.Após a conquista de Malaca por Afonso de Albuquerque, os navegadores portugueses herdaram os circuitos comerciais que os Malaios tinham desenvolvido nos arquipélagos que hoje constituem a Indonésia. Acabaram por chegar à última ilha antes da Austrália, por volta de 1515.Os reis timorenses, ou Liurais, ficaram tão bem impressionados com a nossa gente, esses estranhos «malais» com grandes barbas, que decidiram estabelecer um pacto eterno com o Rei de Portugal. Os Liurais dizem que esse pacto se mantém válido até hoje...Durante os cerca de quatrocentos e cinquenta anos seguintes, assistiu-se a um caso único na colonização europeia. Na generalidade, os Timorenses governaram-se a si próprios, apoiando-se na orientação espiritual e temporal da Igreja e na defesa organizada pelo representante do Rei de Portugal.Ao longo do tempo, houve alguns desentendimentos, e mesmo alguns conflitos. Houve até um governador que os Timorenses devolveram ao Rei. Essa História de um povo guerreiro e livre que estabelece uma aliança eterna com outro povo, do outro lado do mundo, merece ser melhor conhecida, livre de manipulações políticas; veja-se o caso do Liurai D. Boaventura que entra em conflito armado com o Governo da Província e que em 1912 restaura a Monarquia Portuguesa em Timor...Desde a campanha «Timor 87 - Vamos Ajudar!», que mobilizou dezenas de milhares de

portugueses em favor dos refugiados no Vale do Jamor, até às apoteóticas recepções do Bispo de Dili e do Comandante Xanana Gusmão, ficou claro que a ligação entre os dois povos é alheia a critérios políticos ou económicos; é afectiva, é uma relação de amor que sobreviveu às loucuras de 1975 e a 25 anos de ocupação pelo país vizinho, e é encarada por ambos os povos como uma responsabilidade.Algumas pessoas estranharam o facto de eu próprio, após estes anos de militância a favor do povo de Timor, me ter remetido a um discreto silêncio e até me ter sujeitado a alguns constrangimentos quando Timor ganhava os escaparates e encabeçava os noticiários e as agendas dos políticos em todo o mundo.

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Quero que fique bem claro que Timor, a causa de Timor, vale por si própria e a sonoridade que obteve na opinião pública era a maior compensação que eu podia ter por anos de luta incessante que comungo em silêncio com os Timorenses. Para além das iniciativas que tenha tomado, estarei sempre disponível para o que os Timorenses entenderem como útil, se o serviço de Portugal o justificar. Acredito assim que cumpro com fidelidade a aliança eterna estabelecida entre os Reis de Timor e os de Portugal, que hoje me orgulho de representar. Também não podemos esquecer o caso de Angola, país que está no coração dos portugueses e continua longe da Paz. Em ligação, mas sem identificação com o povo angolano, olhemos para Cabinda, que se uniu a Portugal pelo Tratado de Simulambuco, assinado no século XIX e reconhecido pela Conferência de Berlim, como base jurídica para a nossa presença na margem direita do rio Zaire.Espero que Angolanos e Cabindas encontrem em breve uma solução satisfatória para o que os divide, situação por nós legada por erros da colonização e desastrosa descolonização.Acompanho a auspiciosa evolução de Moçambique, Cabo Verde, Guiné Bissau e S. Tomé e Príncipe, países nossos irmãos que, se a monarquia fosse restaurada em Portugal, poderiam ter connosco uma relação mais profunda e profícua assente na instituição real e nas raízes históricas, sem quaisquer equívocos.Por outro lado, dentro de dias, a administração de Macau é transferida para a República Popular da China e será retirada a Bandeira das Quinas que há quatro séculos protege esse território.No entanto, estou seguro de que a multissecular amizade que une os nossos dois povos e a multimilenar sabedoria chinesa garantirão a todos os Macaenses um futuro próspero em liberdade. Mas a continuidade da presença cultural portuguesa dependerá muito da vontade dos nossos governos e da capacidade dos nossos empresários.No próximo ano celebra-se o quinto centenário da chegada de Pedro Álvares Cabral a Porto Seguro e essa comemoração deveria ser aproveitada para um trabalho sério de esclarecimento e de investigação da nossa história comum com o Brasil. Para além da necessidade de reforçar a colaboração das nossas economias de que há já exemplos bem encorajadores, é preciso não esquecermos o extraordinário manancial que pode advir do entendimento justo dos dois povos.Vamos entrar no último ano do século e do milénio, ocasião propícia para fazermos uma curta reflexão sobre o estado do corpo e da alma do nosso país que se definiu como nação independente, no dealbar deste milénio.Começo por perguntar o que é feito da nossa identidade histórica quando nos encontramos agregados a uma comunidade cujo modelo de desenvolvimento e

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textura de interesses colide muitas vezes com a nossa experiência, com o cimento das nossas alianças e parcerias tradicionais dos domínios vitais da agricultura e das pescas.Se é evidente a crise na justiça e na saúde, por razões de inépcia ou de indevida sobreposição de interesses, não é menos verdade que tem faltado uma visão estratégica que enfrente com coragem e empenho as questões de fundo sem que os objectivos esmoreçam perante a gramática dos votos apenas sensível a interesses imediatos e supérfluos.Por outro lado apercebemo-nos de que os investimentos consagram prioridades que não derivam da lógica do desenvolvimento equilibrado em função do aproveitamento dos recursos e da qualidade de vida dos Portugueses, mas obedecem a figurinos de ostentação e protagonismo fácil. Uma capa de país rico a cobrir realidades próximas de Terceiro Mundo.Lembro o instante problema da educação, da necessidade de contemplar com realismo o ensino técnico, estimulando a qualidade e a perícia que sempre foram atributos do trabalho português.O ensino da História sem sectarismos nem maniqueísmos pondo os Portugueses em Paz com a sua memória e conscientes das suas responsabilidades no futuro, sobretudo na salvaguarda do Património Cultural, que requer um trabalho titânico para o qual devem ser afectados recursos com urgência e com prioridade sobre a animação cultural sempre dispendiosa, volátil e de eficácia duvidosa.Diz-se com alguma ênfase que Portugal está na moda para o exterior; mas é necessário que Portugal esteja na moda antes de mais para os próprios Portugueses.A obra cultural mais significativa de um povo, ao desbravar a terra e fixar-se num território, é a paisagem, cuja construção, evolução e transformação sempre acompanhou o desenrolar da civilização.Dentro e fora do Homem, reina a multiplicidade, que só não será desordem e caos se houver um princípio ordenador que garanta um equilíbrio dinâmico e a evolução harmoniosa entre os elementos constituintes, dando continuamente unidade ao todo.O advento de uma nova era, onde os valores do espírito, da ética e da moral, bem como o respeito pelas coisas e leis da natureza, terão uma posição de destaque, obriga a que, desde já, se inicie um planeamento integrado do território segundo aqueles valores e princípios.O Ordenamento do Território não deve ser a sobreposição de diferentes interesses nem a compatibilização entre sectores, pelo contrário, deverá realizar a síntese dos sistemas de vida e garantir a defesa dos valores e potencialidades de que depende a perenidade dos recursos vivos e o desenvolvimento da cultura.

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Temos de desenvolver condições para resolver as carências das populações que temos e não para aquelas que imaginamos ter.O desequilíbrio ecológico, a degradação social, a decadência estética, a saturação demográfica das metrópoles e dormitórios, o despovoamento dos campos e serras, a destruição da memória e das culturas e a desertificação não podem ser travadas por visões sectoriais e economicistas do desenvolvimento regional, porque desconhecem a essência dos diferentes elementos vivos constituintes do território, a complexidade do seu relacionamento, a evolução das suas formas e o funcionamento dos sistemas ecológicos em

que se integram.Além de tudo, nunca é demais salientar que, para além de produzir, a agricultura tem a importante função de fixar as populações no território, em condições de dignidade.Traçado este pequeno esboço, a que não posso deixar de emprestar algum dramatismo, sei que a têmpera de que somos feitos faz com que olhemos o futuro não só com confiança, mas com optimismo, cientes dos desafios da era que se aproxima.A crise do Estado moderno, que todos reconhecem, deriva de uma espécie de ruptura entre a Nação e o Estado. Como se sabe, são as instituições que criam os elos entre a Nação e o Estado.Em Portugal, a Realeza foi sempre a instituição determinante e nuclear da sólida harmonia entre a Nação e o Estado, conjugada com o fundamento democrático que é o voto individual e o fundamento burocrático que se substituiu ao fundamento aristocrático que estava ligado à noção de virtude no serviço.No Estado Republicano, afastada que foi a Realeza, perdeu-se o elemento agregador por excelência de todas as instituições, provocando a ruptura entre a Nação sempre viva e multifacetada e o Estado que sofre a forte incidência do fundamento burocrático, alheando os cidadãos da realidade política, e criando um desinteresse gravíssimo pelo sistema democrático. É visível o cada vez maior aumento percentual da abstenção, o que revela a ruptura de que falo.A Monarquia e o compromisso dinástico são uma necessidade que os novos tempos evidenciam e que os monárquicos têm a obrigação moral de testemunhar, sem cansaço, sem divisões pueris, com um vibrante entusiasmo de quem serve, mais do que uma causa, um povo e uma nação que todos os dias acolhe os nossos passos, as nossas esperanças, e promete um futuro para os nossos filhos.Na primeira linha do serviço estarei sempre eu e a minha família, sem olhar a dificuldades, obstáculos ou incómodos, atentos ao milénio que aqui nos trouxe e ao que nos espera. Assim Deus nos Ajude.

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Mensagem do 1º de Dezembro de 2000Há trezentos e sessenta anos, antepassados nossos conseguiram devolver Portugal aos Portugueses, mas desde os alvores da nacionalidade e até hoje, muitas foram as gerações que se sacrificaram para que Portugal conservasse a sua independência. Isso obriga-nos a estar atentos e particularmente preocupados se detectamos quaisquer sinais que a possam pôr em crise.Ao olharmos para o nosso país, vemos que se acentuam a dependência externa e a obediência a padrões e directivas alheios à nossa vontade. Sentimos a ressonância de grandes grupos económicos estrangeiros que se comportam majestaticamente num mercado repartido em nome da economia global. Notamos que, em relação à União Europeia, estamos outra vez menos competitivos, mas, ao que parece, despreocupados, como se não precisássemos de competir duramente para viver melhor. Todos estes sintomas acentuam o sentimento de crise que, apesar de não atingir o imediato do dia-a-dia, vai todavia minando os alicerces da nossa vida em sociedade. E, quando tal acontece, mais grave e mais profunda é a crise porque afecta a Nação, a Pátria e o Estado no conjunto dos seus valores e referências.A indiferença crescente perante os valores que justificaram e mantêm a identidade nacional,

o património cultural, as tradições e a História, são factores que atingem não apenas o comum dos portugueses, mas também os mais responsáveis que tendem a refugiar-se num plano cada vez mais tecnicista, afastando-se do papel que lhes deveria caber numa nação com tão longo passado. Isto porque não há progresso verdadeiro que dispense o progresso cultural. Quando uma Nação deixa de o compreender, estará de, certo à beira de deixar de o ser.Veja-se, por exemplo, que enquanto em Portugal fazemos gala na utilização de vocábulos importados sobretudo da língua inglesa, os nossos irmãos brasileiros demonstram o seu profundo respeito pela língua portuguesa ao emitirem directivas muito precisas para a tradução para português dos termos e expressões das novas tecnologias, no mundo académico, comercial e económico.Esta é mais uma prova da importância que tem para o futuro da nossa identidade a manutenção de profundos laços fraternais com os povos e nações que connosco partilharam durante séculos uma cultura e uma história comuns.Por outro lado, não podemos deixar de considerar que, no contexto político, a rejeição do poder moderador e do valor simbólico e catalizador da Instituição Real como fundadora e coetânea da Nacionalidade, e as várias contradições e infelizes experiências do regime republicano ao longo dos últimos noventa anos, provocaram entre os Portugueses um sentimento de orfandade que frequentemente se exprime no divórcio entre a Nação e o Estado.

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Faltam-nos de facto instituições que se possam considerar em verdadeira harmonia com a nossa tradição. A liberdade consagrada no texto constitucional não se encontra verdadeiramente alicerçada no húmus sociopolítico e socioeconómico e falta-lhe praticamente toda relação com a história. Há tempos, um autor contemporâneo com vasta experiência política dizia que «o povo português é um povo sem memória e um povo sem memória é um povo sem dignidade». Em meu entender, não são os Portugueses que perderam dignidade ou que a memória se lhes apagou - a política em Portugal é que não a consagra.O ensino da História às crianças e aos adolescentes é quase inexistente. Nestas circunstâncias, dificilmente se poderia esperar que a juventude se sentisse compenetrada do sentido próprio da História pátria e da Pátria ela mesma. É preciso não esquecer que, no contexto europeu, nações antigas como Portugal, pelo alto preço que pagaram pela manutenção do seu território, se constituem elas próprias em património comum da União Europeia. Ignorar esta realidade é um grave erro na construção do futuro europeu.O processo de construção europeia assenta em alguns equívocos subjacentes aos tratados de Maastricht e Amesterdão, pela importância exagerada que tem sido dada a factores económicos, em prejuízo dos aspectos políticos e culturais. O carvão e o aço não podem moldar o humanismo, os sentimentos e a criatividade dos povos que a história congregou.Sendo incerto o destino da chamada construção europeia e volúveis as opções dadas como auspiciosas, a precaução aconselha que o conteúdo dos tratados acentue o carácter de reversibilidade nos compromissos.A Europa das Pátrias facilita a discussão das questões institucionais e impede as tentativas, expressas ou dissimuladas, da fracturar as soberanias e alimentar o expansionismo de países com economias mais fortes.

Nós somos europeus. Portanto, nada de mais natural do que estarmos a participar num processo comum à maioria dos Estados europeus. Mas em nenhum momento poderá ser aceitável que a presença de Portugal no quadro da União Europeia possa culminar com a sua diluição nuns hipotéticos Estados Unidos da Europa. Esta é a proposta dos federalistas europeus. Os Portugueses têm de perceber o alcance do que está a ser decidido em seu nome...Mesmo que se pudesse eventualmente demonstrar que tal proporcionaria vantagens económicas. Porque, ainda que se verificassem, seria à custa da sobrevivência da nossa independência. Independência cuja restauração mais uma vez estamos a comemorar, mas que se voltasse a ser tragicamente perdida quase de certeza jamais poderia voltar a ser resgatada.

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A Europa deve procurar a unidade e não impor a unicidade.A Monarquia é a forma mais democrática e eficaz de dar às Pátrias o parentesco dos interesses alheios sem prejuízo das respectivas personalidades.Para que a democracia se aperfeiçoe e se aprofunde em Portugal é indispensável banir o artº 288º alínea b) da Constituição que consagra como único o sistema republicano. É preciso bradar alto e bom som que o Rei é sinónimo de liberdade, de serviço ao bem comum com sereno equilíbrio entre ideias, valores e aspirações as mais diversas. Daí a verificação feita por sociólogos de que as nações em que mais se acentua o progresso, a paz, o respeito cívico e o desenvolvimento cultural, são Monarquias. Terá assim valido para alguma coisa a longa experiência histórica de tantos povos e sobretudo dos povos europeus donde brotou, no começo da Idade Média, a Monarquia.Tal como tenho afirmado em anos anteriores, eu e a minha família estaremos sempre na linha da frente da disponibilidade e do serviço. Hoje encontrei razões de preocupação, mas também necessariamente de fé e confiança no futuro dos Portugueses. Por isso concluo com a palavra dum poeta, cujo centenário se comemora este ano, nas suas canções heróicas: «ACORDAI» e acrescentarei: ENQUANTO É TEMPO!

Mensagem do 1º de Dezembro de 2001Vim celebrar esta data no berço da nossa nacionalidade para dar o meu apoio à nobre iniciativa tomada pela autarquia de Guimarães, que pretende que o Centro Histórico da cidade seja reconhecido como Património Cultural da Humanidade.Aproveito também para agradecer aos Vimaranenses e aos Minhotos em geral, a maneira como acolheram a minha Família quando o nosso filho Afonso aqui recebeu a água do baptismo.Após mais de oito séculos da sua História, durante os quais a Soberania Nacional manteve um dos seus instrumentos mais importantes - uma moeda própria - Portugal vai deixar, dentro de semanas, de ter o seu escudo. Ficará, com o euro, assim ainda mais dependente de decisões tomadas além fronteira, sobre as suas questões financeiras. Corremos assim o risco de que opções da maior importância para Portugal sejam tomadas em centros de poder, quase totalmente alheios aos interesses nacionais porque fundamentalmente «obedientes» aos interesse das potências dominantes na Europa. Isto apesar dos eventuais esforços dos governos portugueses. É pois indispensável que sejam encontrados mecanismos, interno

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e a nível da Europa, que evitem estas nefastas mas possíveis consequências, de modo a que o euro se torne efectivamente num útil meio de desenvolvimento económico, respeitador das culturas diferenciadas que fizeram da Europa um expoente de civilizações no Mundo.Quando a 1 de Dezembro de 1640 os Portugueses recuperaram a sua independência aclamando o Duque de Bragança, D. João, Rei de Portugal, voltaram a colocar a nossa Pátria no seu caminho histórico.Actualmente debatem-se propostas alternativas para a inserção de Portugal na Europa. Para uns, deveria realizar-se um generoso projecto de união solidária entre as Nações Europeias; para outros, deve avançar-se no sentido de extinguir os actuais Estados, formando uma «República Federal Europeia»; outros ainda procuram conciliar qualquer dessas duas soluções com uma clara linha de actuação que aproxime a Europa de outros Estados que com ela tenham grandes afinidades culturais e históricas.Seja qual for o caminho, compete aos Portugueses pronunciarem-se sobre o seu futuro. Esse direito ainda não lhes foi claramente facultado, apesar dos preocupantes sintomas já perceptíveis, como sejam a massificação de comportamentos importados, a erosão de princípios fundamentais herdados, a perda de poder sobre grande parte do nosso património, a que não escapa o modo como é utilizado o solo de todos nós. Tudo isto sem que o Povo tenha decidido.Recordo que se define um Estado como formado por um Povo, um Território, uma identidade cultural que unia e justificava o território, e depois um poder Legislativo e Coercitivo. Assim, com a destruição ou diluição dos valores culturais que dão forma à identidade de um Povo, se destroem ou diluem os direitos de soberania.Não saber conservar aquilo que o Tempo não devorou e a mão do Homem poupou, deturpar em gesto de vã glória o que escapou de autêntico, representa uma missão não cumprida e sujeita-nos à condenação das gerações vindouras.A causa do Património é uma Cruzada em que se combate pela identidade de Portugal, onde se realiza a melhor e mais elevada expressão da herança colectiva, que se completa quando alcança a preservação da identidade cultural.Os povos sem memória não têm futuro, e a degradação progressiva da nossa paisagem natural ou construída pelo homem é simultaneamente uma causa e uma consequência da progressiva perda de identidade nacional que estamos a sofrer. Felizmente muitos responsáveis lutam com coragem contra esta degradação. No entanto, não basta salvarmos algumas áreas do país como quem cria museus vivos ou parques naturais, é necessário criarmos as condições para que o desenvolvimento seja orientado no respeito por este património que nos foi legado pelos

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nossos antepassados e que temos a obrigação de preservar e melhorar para os nossos descendentes. Neste sentido encorajamos todos os responsáveis, nos diversos níveis da decisão, nomeadamente os que agora se apresentam para assumir responsabilidades autárquicas, para que se excedam no sentido de serviço para que forem eleitos, e zelem por um desenvolvimento urbanístico orientado para o Homem e preservando as condições ambientais que o futuro da humanidade exige.Este apelo à preservação do Património Territorial e Cultural mais não visa que convidar as

Portuguesas e os Portugueses a concentrarem-se no que é nosso, mais não procura que alertar, em tempo útil, as Instituições do Estado a fortalecer o que nos une, afastando os sinais de degradação que emergem da cena política. A credibilidade da classe política e das instituições políticas no exercício do poder aglutinador de defesa do que é Portugal constitui alicerce principal para preservar a ligação entre «eleitores» e «eleitos», base fundamental para o exercício democrático do poder. A ninguém serve o desprestígio das nossas instituições políticas. Por outro lado, o País espera dos seus chefes e representantes uma corajosa defesa da nossa forma de ser e estar, exige deles firmeza, capacidade de decisão e tomadas de posição de modo a que não seja ferido o seu brio e fiquem defendidos os legítimos direitos de um Estado soberano. Devemos escrupuloso respeito aos outros Estados; mas temos de, com tranquilidade e sem vacilar, terminar iniciativas iníquas que grandes ou pequenos nos queiram impor.E melhor não encontramos para assegurar o êxito deste processo que a Instituição Real, sendo o Rei que surge na vida da nação como uma solução consensual e um instrumento de pacificação e de progresso. Ainda recentemente, o Rei Simeão da Bulgária, independentemente do êxito que venha a conseguir, ofereceu para o Serviço da Pátria o prestígio da sua dinastia, a experiência de uma vida de trabalho, a independência dos seus pontos de vista e das suas intenções.Veio a seguir o caso do Afeganistão, em que um soberano, afastado do trono há três décadas, é reconhecido por muitas forças políticas e até pela Organização das Nações Unidas, como elo de ligação, ponto de convergência, a mais alta garantia de concórdia para um futuro difícil. Em ambos os casos trata-se de Monarcas que já ocuparam o trono, e que estão prontos a servir os seus povos no posto que as circunstâncias revelarem mais útil. Não é, em qualquer desses casos, uma renúncia à dignidade e grandeza da instituição, é sim, a prova mais clara dessa grandeza e desse prestígio, um reflexo (ainda que sujeito à refracção da conjuntura) da alta virtude da Realeza.A história de Portugal, constitui, quando olhada de certo ângulo, uma lição oportuna para o momento que a humanidade está a viver.Por um lado, houve na nossa História séculos de hostilidade, de incompreensão, de mortal conflito, entre Cristãos e Muçulmanos. Por outro lado, sempre se

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procurou, para além da linguagem das armas, uma outra linguagem, mais interior e mais fecunda: a linguagem das almas, na busca de compreensão e até de comunhão à volta dos mesmos valores espirituais. Os Reis de Portugal foram durante longo tempo «soberanos das três religiões», guardas, guias e juizes de todos aqueles que, por caminhos diferentes, prestavam culto ao Deus do Universo e do Homem, e reconheciam o significado essencial da Revelação através do Livro Sagrado, sem esquecer o que há também de revelação divina na Ordem do Mundo e na consciência humana. Quando hoje se está em risco de identificar o crente de outra religião com o próprio mal, é urgente aprofundar o sentimento das crenças e dos cultos, é indispensável que proclamemos a autêntica fraternidade espiritual e afectiva entre os fiéis das grandes religiões, não para cada qual abandonar a sua, mas para provarmos todos em comum que não são exclusivamente os nossos interesses e as nossas ideologias que pretendemos servir. A Realeza não tem de ser confessional, mas a Realeza sempre foi em Portugal uma instituição ao serviço das Pessoas e das comunidades. Por isso tive a honra e o privilégio de receber em Fátima o Dalai Lama, e com ele privar, em prol da

Paz, em momentos de raro recolhimento. Também tive recentemente a oportunidade de confraternizar, em Nova Iorque, com individualidades representativas do judaísmo sefardita de origem portuguesa, assim como tive o enorme prazer de ser acolhido por Sua Alteza o Príncipe Herdeiro da Arábia Saudita, em Riade. Se acrescentarmos a minha presença como Patrono do «Fórum das Três Fés», que reúne personalidades representativas do Cristianismo, Judaísmo e do Islão, creio ter demonstrado a preocupação ecuménica que sempre procuro pôr em prática.Porque a referida visita que efectuei a Nova Iorque teve também como objectivo participar com portugueses na missa de sufrágio pelos desaparecidos nas trágicas ocorrências do 11 de Setembro, não posso deixar de manifestar o meu repúdio pelas acções terroristas que então se abateram sobre os Estados Unidos e, simultaneamente, trazer algumas reflexões quanto a causas e consequências dos factos verificados. A massificação do acesso à tecnologia aliada à globalização dos meios de comunicação, torna possível a qualquer descontente desesperado, de formação adequada, extravasar a sua ira através de métodos ou processos letais de destruição maciça. E são tão diversificados os meios utilizáveis, que se torna difícil, senão impossível, impedir, em qualquer parte do mundo, a sua efectivação. Há, pois, que aceitar uma realidade de risco, e com ela saber conviver em consciência, mas sem tibieza, enquanto prevalecem condições propícias ao desespero impulsionador. O sofrimento de muitos confrontado com o desperdício de uns quantos, a insensibilidade de opressores desrespeitando a essência humana de oprimidos, a prioridade material a sobrepor-se ao respeito pelo indivíduo,

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o esquecimento, a marginalização e a injustiça são apenas algumas motivações convidativas a procedimentos extremos a que o mundo está sujeito. É por isso indispensável encontrar novos modelos de desenvolvimento que diminuam as assimetrias, porque não é sustentável tantos milhões de pessoas viverem em escandalosa pobreza ou sob desesperante opressão.Deus queira que nova consciência cívica tenha nascido em 11 de Setembro, de efeitos proveitosos e duradouros, embora não afastando a necessidade, a curto prazo, de dotar os Estados com forças armadas aptas a enfrentar, neutralizar e levar a julgamento os mentores dos horrores do terrorismo.Portugal não se pode eximir de assumir compromissos militares de natureza colectiva, sendo necessário uma Instituição Militar credora da nossa confiança e portadora de valores onde o País se reveja. Para o conseguir, lembro os Serviços centenários prestados pelo Colégio Militar, formador de grandes figuras que orgulharam a Pátria. Ser militar, tal como ser sacerdote, requer uma verdadeira vocação, e o Colégio Militar sempre soube despertar esta vocação nos jovens que o frequentaram. Extingui-lo por mesquinhas razões economicistas seria um péssimo negócio para Portugal.Deste berço de Guimarães fomos capazes de nos erguer e dar os primeiros passos. Começando no Continente e depois pelos quatro cantos do Mundo. Passados mais de oito séculos de tenaz luta pela sobrevivência, deixámos pedaços do que levámos e acreditávamos, e ainda hoje, já sem o exercício de soberania, mantemos ligações de privilégio com muitos dos Estados que ajudámos a erguer. Próximo de todos eles, lembro Timor que se apresta para celebrar a Liberdade, e que tantos sacrifícios soube suportar e com determinação ultrapassar. Apesar das dificuldades, confio na capacidade dos Timorenses em sobrepor diferenças e ressentimentos, transformando Timor em exemplo

para todos os povos. Também recordo Cabinda, com especificidade ainda não reconhecida; Angola, onde a Paz tarda a ser encontrada; Moçambique, Cabo Verde, Guiné e S. Tomé e Príncipe, numa procura permanente da afirmação que merecem; Macau, vivendo uma nova realidade que desejamos frutuosa e feliz e, finalmente, o grande Brasil, grande na dimensão, na riqueza da sua diversidade cultural, no potencial da sua capacidade criadora, na generosidade das suas gentes, fruto da sua Fé que os nossos antepassados levaram de cá. A todos saúdo neste idioma que deverá cada vez mais ser um laço de união entre nós, se soubermos evitar a sua divisão em várias linguagens diferentes. Nesta histórica Guimarães, no início do novo milénio, a Isabel e eu renovamos, com solenidade, a afirmação da nossa disponibilidade para cumprir o destino que os Portugueses nos queiram traçar. Que Deus nos dê a Graça de os saber servir e assim corresponder ao que de nós for exigido.Viva Portugal!

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Mensagem do 1º de Dezembro de 2002No Primeiro de Dezembro de 1640 tornámos claro que queríamos ser Portugueses estando na Ibéria e não sermos Ibéricos estando em Portugal! Por estranho que possa parecer, a data que hoje comemoramos ganha este ano um significado especial porque no horizonte próximo se definem já os contornos de uma nova Europa que emerge da natural evolução dos tratados e em particular do alargamento da União Europeia aos países de Leste.Que as propostas desçam à praça, que o fulgor doutrinário se expresse nos quadros partidários, que os tribunos clamem por novas perspectivas ou ensejo - tudo está certo, a democracia é isso mesmo. Todavia, em Portugal, sente-se sobretudo um grande alheamento em relação às questões fundamentais... Os Portugueses andam distraídos do essencial e atentos aos detalhes do que menos importa.Verificamos que, ao longo dos anos da nossa vivência democrática, as opções fundamentais da política nacional, as que efectivamente conformam o Estado e determinam o seu futuro independentemente da circunstância eleitoral, nunca foram referendadas pelo voto popular - refiro-me à opção Institucional da forma do Estado - Monárquico ou Republicano, assim como as opções europeias. Isto ofende os princípios democráticos e desconsidera a capacidade intelectual dos Portugueses. Mas a realidade tarde ou cedo surgirá com mais ou menos dramatismo e essa realidade parece encaminhar-nos para o Federalismo, para o Presidente Europeu e naturalmente para uma autonomia cada vez menor no perímetro das políticas nacionais já constrangidas pelas exigências da moeda única. O que restará para a Pátria e para a sua defesa? O que restará para o caminho da nossa cultura se ela ainda existir, da nossa história se alguém ainda a conhecer? Vivemos num mundo onde o capital, o conhecimento, a técnica e as informações não têm fronteiras. Neste contexto, nós, isoladamente, temos poucas possibilidades de defender eficazmente os nossos interesses, nem nenhum País europeu está em condições de o fazer. E cada vez menos! A união das Nações Europeias pode surgir então como defesa da nossa terra, das nossas instituições e dos nossos valores. Mas há que conservar o domínio do que constitui a essência ou suporte da nossa identidade. Pôr em comum meios seguros e rápidos de defesa militar e de protecção ecológica, assim como de política externa, é obviamente uma necessidade, desde que não percamos a nossa capacidade de participar nas decisões. Sendo essencialmente espiritual e cultural, a nossa identidade nacional traduz-se politicamente na nossa comunidade nacional, que não deve diluir-se mas participar activamente na construção da

nova Europa, preservando as instituições políticas

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nacionais, e reforçando a sua capacidade de intervenção no quadro europeu, para que a nova soberania seja efectivamente partilhada e não apenas transferida para uma entidade supranacional.Quando importantes passos se projectam no quadro da União Europeia, agora em fase de alargamento, seria por isso importante, estatuir claramente que qualquer acordo que se venha a estabelecer relativo a uma estrutura supranacional (federal ou não) não se poderá fazer, em caso algum, para reforçar a soberania nacional de um estado-membro, em detrimento da soberania nacional de outro ou outros estados-membros. Se a intervenção nas estruturas comunitárias merece atenção constante, haverá que cuidar, contudo e acima de tudo, da nossa Identidade Nacional, construída ao longo da nossa história secular, que faz de nós uma das mais antigas nações da Europa, e é uma identidade cultural, que se corporizou politicamente e se expandiu mundialmente. Matriz desta cultura portuguesa é a língua, hoje falada por centenas de milhões de pessoas espalhadas pelo mundo - e por isso mesmo uma das mais faladas a nível mundial - e adoptada por vários países como língua oficial, desde a América à Oceania, passando pela África. Esta comunidade linguística representa para nós fronteiras culturais, que devem mobilizar a nossa atenção e as nossas capacidades, e constitui um desafio político importante.Mas a cultura ultrapassa o mero âmbito linguístico, e traduz-se num vasto património de valores, tradições, costumes e crenças, que importa preservar e projectar, por um lado, e recriar e potenciar, por outro. As escolas são um dos mais importantes meios de transmissão e criação de cultura. Permitam-me que mencione aqui o Colégio Militar, que completa 200 anos, e constitui uma escola modelar, com identidade e cultura institucional (nome, símbolos, sentido de pertença transgeracional), e com um projecto pedagógico com valores (nos objectivos e nos métodos) que faz dele um Colégio para o futuro, precisamente porque tem passado.Num contexto mais amplo, constato uma obstinação de alguns contra a Espanha, a qual apenas favorece o isolamento português e acentua a nossa fragilidade a ponto de deixarmos alastrar a influência espanhola sem uma resposta inteligente que nos defenda e consolide. Julgo que a vizinhança e a História levam a que nos modelos de colaboração de Portugal com a Espanha e as suas regiões autónomas possa estar uma das chaves da solidez da nossa independência.Em paralelo, Portugal tem de constituir a figura de Estados associados que poderiam incluir Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe, Timor, e possivelmente outros Estados e territórios. Com as regiões autónomas da Madeira e dos Açores constituiriam um arco atlântico que daria a Portugal e ao conjunto dessas nações uma grande projecção no contexto mundial.

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Reforçar a nossa capacidade de decisão económica pede grupos económicos fortes, capazes de competir a nível europeu e mundial, que impeçam que Portugal seja apenas invadido por capitais e empresas estrangeiras, e possa ser parceiro actuante na construção da união económica e monetária.Para ter um lugar no Mundo à altura da expansão da sua língua, Portugal tem de reforçar os seus centros de decisão, de desenvolvimento económico

competitivo no sector privado, mas também no sector cooperativo.A política de desenvolvimento do nosso país tem-se traduzido excessivamente no investimento em obras públicas onde domina o sector da construção civil, em detrimento de um progresso equilibrado do todo nacional. O «desenvolvimento sem progresso» não contribui para a felicidade dos Portugueses, antes pelo contrário...Uma visão produtivista e extensiva da agricultura que, sem atender às condições naturais, tem apenas considerado como objectivo a eventual e efémera conquista dos mercados internacionais por produções portuguesas de difícil competitividade. Tal política deu lugar a extensas áreas de florestas destinadas à indústria, mas ecologicamente desequilibradas; ao regadio em solos impróprios; ao desaparecimento da pecuária de montanha; ao despovoamento das aldeias e dos montes; ao progressivo desaparecimento da agricultura de auto-abastecimento local e regional e ao abandono das potencialidades de cariz mediterrânico que caracterizam grande parte do nosso território e da nossa cultura. A política agrícola não poderá deixar de fomentar a produção de alimentos essenciais. A diminuição da dependência externa em produtos alimentares contribuiria em muito para o equilíbrio da nossa economia e até para a nossa segurança em caso de grave crise militar ou económica que ponha em causa as nossas importações.Nós, Portugueses, temos de estar unidos na defesa do Portugal que nos pertence, na preservação dos espaços que a História nos legou - geograficamente na Europa, mas culturalmente no Mundo. Devemos saber distinguir quando procuram desvirtuar a nossa soberania; quando marginalizam valores em que nos revemos; quando fomentam a diluição de 10 milhões numa massificação de 500 milhões; quando aliciam as novas gerações para modelos de vida porventura de maior conforto, mas hipotecando a riqueza da diferença herdada. E esta riqueza herdada combate e pune comportamentos desviantes que envolvem mulheres ou menores, sobretudo os mais vulneráveis e desfavorecidos; está atenta e é crítica sempre que o efeito «globalização» arraste prepotência, fome e miséria sobre os mais desprotegidos; esta herança preocupa-se com a juventude, a sua formação, ensino e protecção; fortalece as ligações históricas com o Brasil, Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique, e tem particular sensibilidade

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para com Timor e Cabinda; acredita e respeita os direitos de cada um; defende a qualidade de vida nos campos, nas cidades, na família, no emprego; em suma, esta riqueza herdada defende a dignidade do Homem nas suas liberdades e crenças.No Primeiro de Dezembro de 1640 tornámos claro que queríamos ser Portugueses estando na Ibéria e não sermos Ibéricos estando em Portugal! Hoje, com igual determinação deveremos afirmar e sobretudo sentir que... Ser Português e Estar na Europa não pode confundir-se com Ser Europeu e Estar em Portugal! Procuremos recuperar atrasos, oferecendo colaboração, partilhando experiência, manifestando empenho, proporcionando capacidade, transmitindo valores e a nossa Fé; mas não abdicando do orgulho de ter nascido Português, não cedendo autonomia no essencial, não aceitando subserviência, não permitindo a adulteração do que nos une.Mas sejamos solidários, nomeadamente perante calamidades naturais ou de natureza ambiental, e disso deverá ser exemplo recente o afundamento do «Prestige». Agora, perante os acontecimentos, deveremos estar presentes junto dos que lutam para minorar males maiores, lembrar os nossos irmãos galegos que mais afectados ficam e actuar junto das

instâncias adequadas no sentido de punir e eliminar quem ponha interesses particulares acima da preservação dos bens de todos. Não podemos continuar cúmplices de práticas usadas nos transportes marítimos que põe em grave risco o futuro dos nossos mares, a sobrevivência dos que dele e das suas costas dependem, a segurança dos que neles navegam, muitas vezes a coberto de irresponsáveis «bandeiras de conveniência»...Portugal tem uma responsabilidade especial nesse sector, por razões históricas e pela sua imensa Zona Económica Exclusiva (ZEE) no Atlântico; deverá criar-se um certificado internacional de navegabilidade eficaz e impedir que os navios que não o tivessem em dia saíssem dos portos ou atravessassem as ZEE dos Estados que a ele aderissem.O momento que atravessamos, mormente a nível interno, deixa-nos inquietações, mas também certezas quanto ao caminho a trilhar. As soluções, sejam elas de natureza política, militar, institucional, económica ou administrativa, deverão nascer do permanente desejo de bem servir os que de nós dependem, sem desperdício de talento e inteligência em vã luta fratricida pela efémera imagem de ganhador circunstancial. Nos vários domínios das nossas actividades, há Portugueses com aptidões, conhecimentos e competência, tão bons ou melhores que os demais, seja no domínio político, empresarial, científico, técnico, industrial, administrativo ou desportivo. Podemos ter carência de meios materiais, mas temos qualidades profissionais que muitas vezes a ultrapassam, apesar de um comportamento de auto flagelação que importa combater. Mas que desperdício ver esbanjar tanta

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capacidade esquecendo o principal e realçando o acessório! Que infelicidade ver constantemente ser posto em causa o que conseguimos! Em contraste, que alegria ver pulsar em comunhão a defesa de causas nobres, como Timor!E que causa maior podemos ter hoje que nos unir na defesa de Portugal e dos Portugueses? E que apelo de maior relevo poderia eu fazer aos Monárquicos de todo o País, aos que não o sendo são igualmente patriotas, que outro apelo escolheria senão o de se colocarem ao serviço do progresso de Portugal, dos seus valores e das suas gentes.O conjunto de valores aos quais me venho referindo constitui a essência da «coisa pública», ou seja, da res publica, e resulta claro que só um chefe de Estado verdadeiramente independente dos interesses económicos e político-partidários pode assegurá-la.Neste sentido, em termos de teoria política, pode dizer-se, sem dúvidas, que um Rei defende melhor a República do que qualquer Presidente, por mais preparado que esteja e por melhores que sejam as suas intenções.Assumindo as responsabilidades de que me honro, como sempre o afirmei, que, com toda a minha família, estamos disponíveis e ao serviço dos Portugueses, se for para bem de Portugal.Obrigado pela vossa presença!Mensagem do 1º de Dezembro de 2003Neste mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, finalmente elevado a Panteão Nacional, é para mim uma responsabilidade e uma honra falar junto ao túmulo do Rei Fundador da Nacionalidade e da Casa Real que represento e chefio.Quero deste modo prestar também uma homenagem à Capital da Cultura, esta tão bela e histórica cidade de Coimbra, verdadeira «alma mater» do saber nacional ao longo de tantos séculos.

Aqui e agora, é de justiça lembrar quantos, seguindo o exemplo de D. Afonso Henriques, durante nove séculos sacrificaram as suas vidas pela nossa liberdade e pela independência da nossa Pátria.Entre eles distingo a figura notável de D. Nuno Alvares Pereira, cuja causa de canonização começada em 1641 foi felizmente retomada este ano pelo Senhor Cardeal Patriarca de Lisboa.Os ideais a que o Santo Condestável dedicou a sua vida constituem um esclarecido exemplo para a nossa época.Olhando o horizonte que nos cerca, avulta neste momento a questão da nossa adesão à denominada Constituição Europeia, que a meu ver não pode nem deve

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ser um «cheque em branco» aos «eurocratas»! A verdade é que o texto que nos é proposto não traduz nem a natureza, nem o sentido, nem os limites da soberania que restará aos estados-membros, que correm sério risco de dissolução.A Europa é um conjunto de Nações, e a edificação da sua unidade não pode nunca fazer-se tentando apagar ou diluir esta realidade que constitui a sua maior riqueza. A Europa não é um território indiferenciado, mas um mosaico de povos e Nações, com culturas próprias, harmoniosamente diferenciadas pelas suas línguas, histórias pátrias e identidades nacionais. O processo de unificação europeia deve respeitar esta enorme diversidade, se quer ser, como proclama, um processo de enriquecimento europeu.Desta afirmação decorre a necessidade de evitar todas as opções que contribuam para o seu apagamento. Se é certo que é urgente acelerar e tornar mais ágil e eficaz o processo de decisão, sobretudo com as perspectivas de alargamento, é fundamental ter presente que a unificação não se faz por processos e medidas administrativas, mas por avanços políticos que traduzam a realidade negociada que foi sempre a Europa ao longo da sua história.Por exemplo:...A eleição de um Presidente do Conselho Europeu não poderá vir a constituir um meio de controlo dos grandes países sobre os pequenos. Ou fragmentário do ponto de vista político....E que a subordinação da vontade própria, expressa na Constituição, possa vir a ser posta em causa.Este projecto devia ser mais conhecido e precisa de ser mais debatido pelos Portugueses, para sobre ele se virem a pronunciar com conhecimento de causa e sentido de responsabilidade. Portugal, embora sendo uma pequena parte desta grande Europa, deu importantes contributos ao longo da História para a sua projecção mundial, e muito tem ainda a dar para o seu desenvolvimento futuro. A Europa, todos o sabemos, deve a sua identidade a valores estruturantes que a configuraram culturalmente, entre os quais avultam os do Cristianismo. Não se pode entender o que é a Europa sem o contributo do Cristianismo e sem a afirmação do valor da pessoa humana e dos seus direitos e deveres que informam o humanismo, traço essencial da nossa cultura comum.Independentemente das nossas convicções em matéria religiosa, não podemos deixar de secundar os insistentes apelos de Sua Santidade o Papa João Paulo II para a inclusão, no Tratado Constitucional Europeu, da matriz cristã para a identificação da cultura europeia.Por outro lado, a identidade nacional, que exigimos seja respeitada no Tratado Constitucional, impõe que sejamos nós próprios a preservá-la e a cultivá-la também,

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desde os valores culturais, designadamente o património tão amargamente abandonado, até às vertentes paisagísticas e ambientais.Assume particular gravidade a degradação progressiva do nosso ordenamento territorial e muito particularmente a crescente desertificação do interior do país e o abandono a que vai sendo votado o mundo rural. Além do mais, a paisagem é um elemento determinante para o nosso desenvolvimento social e económico especialmente centrado no turismo, como forma de compensar uma economia com baixa especialização tecnológica e deficientes índices de trabalhadores qualificados.Não podemos esquecer também o mar com todas as suas potencialidades económicas e geoestratégicas específicas, aquele mesmo mar a que devemos a independência e subsistência histórica como nação, que inspira a nossa maneira de ser e de estar no mundo.Foi pelo mar que nos ligámos ao mundo e que rasgámos novos horizontes à Europa, comunicando com povos de outros continentes. O aprofundamento das relações com a Comunidade dos Povos de Língua Portuguesa não só não é incompatível com o desenvolvimento da União Europeia como, pelo contrário, o justifica e fundamenta.Portugal, é opinião corrente, está a atravessar momentos de crise grave. Os indicadores do nosso desenvolvimento económico revelam que nos distanciámos dos demais países da União Europeia, em vez de nos aproximarmos. A sociedade portuguesa tem sido sacudida pela revelação de escândalos que abalam a confiança dos Portugueses nas instituições públicas e nos seus representantes. O país foi devastado no último Verão por calamitosos incêndios que, para além de dizimarem vastas áreas de floresta e vitimarem pessoas e bens, mau grado o denodado esforço de tantos portugueses, revelaram carências na nossa capacidade de enfrentar semelhantes flagelos, pondo simultaneamente em evidência deficiências do ordenamento do território e de organização indispensáveis para enfrentar com eficácia catástrofes como esta.A desmedida defesa de interesses particulares, sem olhar à sua subordinação ao interesse público e ao bem comum, dificulta a partilha de desígnios nacionais mobilizadores. Multiplicam-se gestos e manifestações de desrespeito da legalidade. Um vento de descrença e de desânimo parece varrer a nossa vida colectiva, agudizada pela tradicional propensão para a maledicência.Os Portugueses precisam de confiar em si próprios e nas suas capacidades de realização e de afirmação. Os Portugueses de hoje não são diferentes dos Portugueses de sempre. A crise que atravessamos, para além dos seus aspectos económicos e sociais, é sobretudo uma crise moral e da moral, uma crise de valores e de auto-estima.

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Está implantado um sistema propulsor da facilidade em vez do esforço, da abdicação em vez do empenho, do trivial em vez da excelência. Quando o horário da oferta lúdica concorre com o do trabalho é sinal de que algo está errado numa sociedade que afinal se compraz nos festejos e gastos sumptuários e que descura o essencial e vital para a saúde da nação.Uma sociedade que considera os reformados como um peso na economia, em vez de os honrar com a gratidão pelo trabalho prestado ao longo de uma vida inteira, e informa com displicência que cada um cuide de si porque escasseiam os fundos para as pensões, parece-

me ser tudo isto sinal de uma verdadeira crise que não posso calar.Lembro mais uma vez a necessidade de rever o texto constitucional no sentido de permitir aos Portugueses a escolha livre e democrática do regime que melhor sirva Portugal. Por mim, assumo as palavras que meu Pai uma vez proferiu: «Não sou monárquico por ser príncipe, sou monárquico por convicção.» Neste Primeiro de Dezembro, em que comemoramos a Restauração de Portugal, ocorrida em tempos de decadência e de desalento de tantos, saibamos reconduzir o país sem tibiezas nem complexos ao estatuto da sua dignidade e ao horizonte de progresso que merece e que devemos ao futuro. Viva Portugal!

Mensagem do 1º de Dezembro de 2004Ao longo dos últimos anos, neste dia de comemoração mas sobretudo de reflexão, tenho dado conta de preocupações que sinto relativamente ao nosso país, e indicado alguns caminhos que me parecem conter soluções de desenvolvimento para Portugal e para os Portugueses. Tenho de admitir, e com mágoa o faço, que aquelas preocupações não se dissiparam, e se agravaram os receios que tinha quanto ao futuro. Temo até que se possam ter reduzido as opções que estavam ao nosso alcance.Já em 1998 disse... «Quando exprimo preocupações, significa esperar mais de uma Justiça que se quer rápida e credibilizada; se comento a Saúde exijo que seja mais eficaz e atempada; se me refiro à Educação é porque a desejo diversificada, útil e abrangente; se comento positivamente ou com receios este ou aquele projecto, nada mais me motiva que esperar que o amanhã dos Portugueses seja melhor que o Hoje; é porque aspiro para os jovens menos dificuldades e mais oportunidades de se realizarem do que porventura tiveram seus pais.

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«Não me move qualquer crítica política para este ou outro Governo, para com esta ou aquela Instituição, nomeadamente perante quem legitimamente representa o meu País.»Há cinco anos comentei... «Apercebemo-nos de que os investimentos consagram prioridades que não derivam da lógica do desenvolvimento equilibrado em função do aproveitamento dos recursos e da qualidade de vida dos Portugueses; mas obedecem a figurinos de ostentação e protagonismo fácil: uma capa de país rico a cobrir realidades de Terceiro Mundo.»E... «O ensino da História sem sectarismos, pondo os Portugueses em paz com a sua memória e conscientes das suas responsabilidades no futuro, sobretudo na salvaguarda do património cultural, que requer um trabalho titânico para o qual devem ser afectados recursos com urgência e com prioridade sobre a animação cultural sempre dispendiosa, volátil e de eficácia duvidosa.»No ano seguinte acrescentei... «Recordo que se define um Estado como formado por um povo, um território, uma identidade cultural que unia e justificava o território, e depois um poder Legislativo e Coercitivo. Assim, com a destruição ou diluição dos valores culturais que dão forma à identidade de um Povo, se destroem ou diluem os direitos de soberania.«Não saber conservar aquilo que o Tempo não devorou e a mão do Homem poupou, deturpar em gesto de vã glória o que escapou de autêntico, representa uma missão não cumprida e sujeita-nos à condenação das gerações vindouras.«A causa do Património é uma Cruzada em que se combate pela identidade de Portugal, onde se realiza a melhor e mais elevada expressão da herança colectiva, que se completa

quando alcança a preservação da identidade cultural.«Os povos sem memória não têm futuro, e a degradação progressiva da nossa paisagem natural ou construída pelo homem é simultaneamente uma causa e uma consequência da progressiva perda de identidade nacional que estamos a sofrer.«Felizmente muitos responsáveis lutam com coragem contra esta degradação... Neste sentido encorajamos todos os responsáveis, nos diversos níveis da decisão, nomeadamente os que agora se apresentam para assumir responsabilidades autárquicas, para que se excedam no sentido de serviço para que forem eleitos e zelem por um desenvolvimento urbanístico orientado para o Homem e preservando as condições ambientais que o futuro da humanidade exige.» Não fizemos o suficiente!E ainda no ano passado... «A Europa é um conjunto de Nações, e a edificação da sua unidade não pode nunca fazer-se tentando apagar ou diluir esta realidade que constitui a sua maior riqueza. A Europa não é um território indiferenciado, mas um mosaico de povos e Nações, com culturas próprias, harmoniosamente

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diferenciadas pelas suas línguas, histórias pátrias e identidades nacionais. O processo de unificação europeia deve respeitar esta enorme diversidade, se quer ser, como proclama, um processo de enriquecimento europeu.«Desta afirmação decorre a necessidade de evitar todas as opções que contribuam para o seu apagamento. Se é certo que é urgente acelerar e tornar mais ágil e eficaz o processo de decisão, sobretudo com as perspectivas de alargamento, é fundamental ter presente que a unificação não se faz por processos e medidas administrativas, mas por avanços políticos que traduzam a realidade negociada que foi sempre a Europa ao longo da sua história.»E mais adiante... «Não se pode entender o que é a Europa sem o contributo do Cristianismo e sem a afirmação do valor da pessoa humana e dos seus direitos e deveres que informam o humanismo, traço essencial da nossa cultura comum...» e ainda... «Não podemos esquecer também o mar com todas as suas potencialidades económicas e geoestratégicas específicas, aquele mesmo mar a que devemos a independência e subsistência histórica como nação, que inspira a nossa maneira de ser e de estar no mundo. Foi pelo mar que nos ligámos ao mundo e que rasgámos novos horizontes à Europa, comunicando com povos de outros continentes.»E terminava... «Portugal, é opinião corrente, que está a atravessar momentos de crise grave.«Os indicadores do nosso desenvolvimento económico revelam agora que nos distanciamos dos demais países da União Europeia, em vez de nos aproximarmos.«...A desmedida defesa de interesses particulares, sem olhar a sua subordinação ao interesse público e ao bem comum, dificulta a partilha de desígnios nacionais mobilizadores. Multiplicam-se gestos e manifestações de desrespeito da legalidade por parte de minorias activas que não olham a meios para satisfazer os seus interesses próprios. Um vento de descrença e de desânimo parece varrer a nossa vida colectiva, agudizada pela tradicional propensão para a maledicência...«...Está implantado um sistema propulsor da facilidade em vez do esforço, da abdicação em vez do empenho.»Simultaneamente, não deixava de reflectir quanto a eventuais causas remotas e caminhos possíveis, abrindo opções aos Portugueses quanto aos caminhos a trilhar.Assim, na minha mensagem de 1998 pode ler-se: «O facto histórico da supressão violenta

do poder moderador, valor simbólico e catalisador da Instituição Real, como fundadora e coetânea da nacionalidade, assim como as várias e contraditórias experiências do ideal republicano ao longo dos últimos 88 anos,

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provocaram nos Portugueses um quase subconsciente sentimento de orfandade que frequentemente se exprime no divórcio entre a Nação e o Estado. É certo que não nos falta a formalidade, a legalidade convencional e orgânica, traçada nas páginas da Constituição. Mas falta aos Portugueses que nós somos um corpo institucional em verdadeira harmonia com a vivência tradicional. Para que a Democracia se aperfeiçoe e se aprofunde, servindo não só a maioria e a maioria eventual própria do sistema de alternância, mas na realidade servindo todos os grupos legítimos, todas as minorias, é urgente que a democracia, é urgente que a República Portuguesa se abra à Monarquia.«E, sendo a Monarquia o garante de uma Democracia plena, como a Europa fielmente o retrata, e sendo Portugal um País que se orgulha de ter dotado os seus eleitores de um regime de liberdade de escolha, verdadeiramente democrático seria tornar possível aos Portugueses poder optar pela instauração da Monarquia. Tal opção é-lhes hoje vedada constitucionalmente, não me cansarei de o denunciar.«Ao lembrar aqui, mais uma vez, a necessidade de rever o texto constitucional no sentido de permitir aos Portugueses a escolha livre e democrática do regime que melhor sirva Portugal, continuo e continuarei a pugnar para que tal ocorra, por dever para com Portugal, por respeito para com os Portugueses, por acreditar nas virtudes da Democracia.»Anos depois afirmei... «A crise do Estado moderno que todos reconhecem deriva de uma espécie de ruptura entre a nação e o Estado. Como se sabe, são as instituições que criam os elos entre a nação e o Estado. Em Portugal, a Realeza foi sempre a instituição determinante e nuclear da sólida harmonia entre a nação e o Estado, conjugada com o fundamento democrático que é o voto individual e o fundamento burocrático que se substituiu ao fundamento aristocrático, ligado à noção de virtude no serviço.«No Estado Republicano, afastada que foi a Realeza, perdeu-se o elemento agregador por excelência de todas as instituições, provocando a ruptura entre a nação sempre viva e multifacetada e o Estado que sofre a forte incidência do fundamento burocrático, alheando os cidadãos da realidade política e criando um desinteresse gravíssimo pelo sistema democrático. É visível o cada vez maior aumento percentual da abstenção, o que vem confirmar a ruptura de que atrás falei. Que certamente se agravará, se se cair na tentação de legislar ou proceder de modo a alterar ou adulterar o pronunciamento dos Portugueses em referendos democráticos de realização recente. Estaria não só em causa a falência dessa importante ferramenta democrática, como sairiam desacreditadas as instituições que o tivessem permitido, afastando-se ainda mais o povo português de uma vivência em democracia plena.

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«A Monarquia e o compromisso dinástico são uma necessidade que os novos tempos evidenciam e que os monárquicos tem obrigação moral de testemunhar, sem cansaço, sem divisões pueris, com o vibrante entusiasmo de quem serve, mais que uma causa, um povo e uma nação.»

Tudo isto foi dito, e quando hoje posso repeti-lo sem perda de oportunidade, tal significa um agravamento das situações e das circunstâncias uma vez submetidas ao desgaste do tempo.Com efeito, uma análise desapaixonada da situação que presentemente caracteriza a vida nacional não pode deixar de ser preocupante. Desde logo pela situação financeira. Assim, é meu entendimento que a par do sempre necessário rigor orçamental - que, aliás, deveria ser uma preocupação de todos, e não só do Governo, mas também de sempre, e não só deste ciclo político, pois que se trata de tributar e redistribuir uma riqueza que é dos cidadãos antes de o ser do Estado- impõe-se também que o Orçamento sirva para contribuir para a retoma da economia real mais do que para a mera contabilidade pública. Ora, esta perspectiva é, manifesta e infelizmente, uma dimensão que tem faltado ao debate político sobre esta temática. Na verdade, aquilo a que o povo assiste é a uma polémica estéril entre posições que oscilam entre, de um lado, um pessimismo exagerado- e perigoso, pelo sentimento de medo e descrença que induz na comunidade - e, de outro, um optimismo que a frieza dos números não pode ainda confirmar. Aqui, como noutras áreas, o que falta é algum bom senso, talvez maior realismo. Mas encerra convicção e vontade, e mau seria amputar a oportunidade onde a Esperança existe.Outro plano que não pode passar em claro reporta-se ao estado da Justiça. O que mais ressalta da actual situação - sem discutir agora a quem cabe a responsabilidade maior - é que o povo começa a dar sérios e constantes indícios de que não confia na Justiça. Ora, uma Justiça que não induz confiança é como se não existisse! Que a falta de credibilidade comece a atingir os mais variados sectores da sociedade portuguesa é já, por si só, dramático; mas quando a Justiça é afectada, é porque estão em crise os próprios fundamentos de Estado de Direito.Para este estado de coisas muito têm contribuído, sem dúvida, as campanhas sensacionalistas, quando não obscenas, que alguma imprensa tem promovido, sempre em busca do sórdido em troca do fácil e lucrativo sucesso mediático. Se de alguma forma se puder presumir que o estado cívico de uma comunidade se afere também por aquilo que esta gosta de ver e ler, então ter-se-ia de concluir que dificilmente se pode descer mais independente da realidade dos factos. Mas também aqui não me parece haver razão alguma para pessimismo, porque é no corpo debilitado que se encontra a génese do seu ressurgimento. Afinal, sempre

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é melhor ter uma imprensa má - mas livre - do que outra com uma aparência mais asséptica, mas controlada por uma qualquer agenda de um qualquer poder político, ou económico.Como sempre assinalei, Portugal continua a precisar de uma educação orientada por valores, que reforce e não enfraqueça o sentido de pertença e de identidade nacional, na qual a língua portuguesa e a história de Portugal são matérias fundamentais.Se o Ensino tem como objectivo a aptidão, a Educação procura valorizar o Carácter. O primeiro assenta na Ciência e na Arte, o segundo em critérios, princípios e fronteiras de Respeito pelo Ser Humano.Privilegiar a solidariedade com o próximo, sabendo contudo distingui-la da conivência; entender a disciplina como obediência, afastando o seguidismo; colocar o valor próprio ao serviço do bem comum, sabendo ajuizar quando prejudica o colectivo... são exemplos da

Educação de Carácter que fez e faz do Português cidadão do Mundo e Estandarte de Portugal. Não podemos deixar de os incluir na formação das gerações vindouras, sob pena de perdermos a nossa identidade como povo secular. A educação é um grande desígnio nacional, uma batalha para a nossa afirmação como povo, onde será importante diminuir o excessivo peso do Estado e dar maior liberdade às famílias e aos estudantes de escolherem a escola e a formação escolar mais consentânea com os seus valores. E para isso o Estado deve criar condições de escolha livre, nomeadamente em termos de financiamento.A Europa atravessa uma fase crucial da sua existência como plataforma duma comunidade de interesses e de objectivos. Esta fase pode conter a dinâmica de uma transformação radical que pode não coincidir com o que cada país europeu pretende da União em que está inserido e por isso pede-se aos Portugueses uma especial atenção à sua própria realidade para que não a percam de vista nas decisões que vão ter de tomar.Todos lamentamos o precário funcionamento das nossas instituições, a forma como se degradou a nossa economia, a consciência cívica, a moral social e individual.Urge acordar para as virtudes adormecidas do nosso carácter, apostar no compromisso da nossa própria existência como nação e deitar mãos ao trabalho, ao esforço, à valentia de que foram exemplo os conjurados de 1640.Vem ao caso lembrar alguns convites que aceitei este ano para visitar certas instituições e programas de televisão. Perante os que criticaram, e estão no seu direito, estas minhas visitas, não quero deixar de esclarecer que não excluo ninguém do horizonte português e a todos a Casa Real deve congregar com rigor,

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simplicidade e afecto. É uma verdade essencial e até diria dogmática que todos os monárquicos devem ter presente: «O príncipe é de todos e não é de ninguém»!Para que se crie a dinâmica do ressurgimento, é preciso que antes de mais os Portugueses acreditem em si próprios e percebam o que querem e para onde vão. Em democracia compete-nos a todos e a cada um de nós ser Conjurados no dia-a-dia, defendendo a nossa identidade, independência no proceder, coragem na acção e Fé na procura do que queremos para os nossos vindouros. A Nação, o nosso Portugal não exige menos, e a Instituição Monárquica, como repositório do acervo secular da nossa nacionalidade, e consequentemente bastião de Portugalidade na permanente procura dos desejos e interesses de Portugal e dos Portugueses onde quer que se encontrem, não pode furtar-se a estar presente como catalisadora da realidade portuguesa, independentemente das opções políticas oriundas da aplicação da vida democrática.Não posso terminar sem me congratular com a notícia de que este ano o Santo Padre João Paulo II irá proclamar a canonização do nosso grande herói nacional D. Nuno Alvares Pereira. Este acontecimento será certamente motivopara meditarmos sobre as nossas obrigações para com a Pátria que os nossos antepassados nos legaram.Outra boa notícia é que consegui obter no estrangeiro os arquivos de S. M. o Rei D. Manuel II, nos quais se tem encontrado documentos interessantes, incluindo correspondência do Rei com o meu Avô D. Miguel a propósito do «Pacto de Dover», que tinha sido assinado pouco tempo antes.Esta documentação será entregue a uma instituição que a possa pôr à disposição dos investigadores.

Comecei por transmitir preocupações e sugerir soluções. Termino com uma certeza - o brio dos Portugueses, o seu apego e amor por Portugal são garantia de que as dificuldades serão ultrapassadas. Neles confio e neles deposito o meu destino.Por mim entendo como minha obrigação estar atento, estar disponível, alertar, congregar e levantar a bandeira da Pátria que muitos já baniram do seu vocabulário. Portugal é o compromisso pessoal e familiar que sustento sem descanso.

Mensagem do 1º de Dezembro de 2005Neste 1º de Dezembro passam 365 anos sobre a data em que o povo português pegou em armas para reafirmar a sua independência.

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São tantos anos quanto os dias do calendário, e que nos convidam a um balanço da vida nacional.Enquanto, à nossa volta, a natureza faz cair as folhas de Outono e assistimos a efémeras agitações políticas, devemos auscultar as expectativas mais profundas dos Portugueses, tal como o fizeram os Restauradores de 1640.Durante este ano, no território continental e nas regiões autónomas, visitei numerosos concelhos, quer a convite das autoridades locais, quer das Reais Associações e outras personalidades.Vi progressos económicos que, infelizmente, nem sempre respeitam essas outras riquezas que são o nosso património natural e arquitectónico.Mas também tive a oportunidade de ver que o Estado gasta parte dos nossos recursos em obras de luxo de país rico, enquanto continuamos a ter um nível de desenvolvimento humano próximo de alguns países com os quais não gostaríamos de nos comparar.Não podemos gastar como se fôssemos um país do «Primeiro Mundo» e ter uma formação, uma educação e um estilo de vida próximo do «Terceiro Mundo».Ou seja, gastamos como ricos e trabalhamos como os países pobres, de uma maneira desorganizada e com falta de planificação.Num ano de confrontos com minorias étnicas e religiosas em França, visitei em Portugal Associações de Solidariedade Social que realizam um bom trabalho de integração de jovens já nascidos em Portugal.Considero muito importante o apoio destas instituições na educação da chamada terceira geração e creio que todos deveriam ajudar esses jovens, seja por solidariedade, seja por prudência.Tal como em anos anteriores, realizei viagens e visitas de representação ao exterior, por vezes com a Duquesa de Bragança, viagens que, é oportuno referi-lo, jamais custaram um único euro ao erário nacional.Na Europa Central, a convite dos governantes, visitei a Bulgária e a Sérvia-Montenegro onde tive contactos com a população.São países que aspiram a integrar-se na União Europeia: mas nas suas bandeiras e escudos restabeleceram as coroas nacionais, como já sucedera na Rússia, Polónia e Hungria. Afirmam assim a vontade de iniciar um novo ciclo histórico, sem perda de identidade.Por convite dos respectivos Governos Regionais, visitei a região da Galiza e a cidade autónoma de Ceuta.Em ambas fui muito bem recebido e testemunhei o apreço que essas regiões espanholas têm

para com o Herdeiro dos Reis de Portugal.

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Visitei Comunidades Portuguesas na Bélgica, França, Luxemburgo, Suíça e Estados Unidos, e mantive contactos com personalidades desses países.São quatro milhões e meio de portugueses que lamentam que o português não seja uma língua ainda mais internacionalizada, devido à falta de uma grafia uniforme entre portugueses e brasileiros.Devemos bater-nos para que a língua de Fernando Pessoa e Luís de Camões, a língua de Gilberto Freyre e de Jorge Amado, a língua de Craveirinha e Luandino seja língua de trabalho na Organização das Nações Unidas.Entretanto, o calendário nacional é marcado pela aproximação das eleições presidenciais de 2006.Em primeiro lugar, saúdo os candidatos presidenciais. Desde 1976, o cargo de Presidente tem sido desempenhado por personalidades dignas e com provas públicas dadas.Teoricamente, o cargo é uma instituição democrática para a qual qualquer cidadão nacional pode ser eleito e permite ao eleitorado uma importante decisão sobre o nosso futuro.Mas, apesar do formalismo da Constituição, só é candidato viável quem atingiu o topo de uma carreira político-partidária; promovido pelos aparelhos partidários, dificilmente encontrará independência fora deles.Em segundo lugar, congratulo-me que nas Comissões de Apoio dos candidatos mais destacados participem monárquicos convictos, tal como me congratulo que muitos outros permaneçam de fora.Para mim, isso significa que a ideia de monarquia se tornou transversal ao sistema político.Como tive ocasião de afirmar, «Os portugueses devem perceber que a proposta dos monárquicos não é de ”derrubar a República” e as suas instituições democráticas, mas sim de ”dar um Rei à República”.»E agora acrescento que o nosso objectivo deverá ser a «democracia real», a democracia presente aperfeiçoada pela identidade histórica e pelas expectativas de um Portugal mais justo.Em terceiro lugar, e pensando no artº 288º da Constituição que impõe «a forma republicana de governo», quero agradecer publicamente a todos quantos se têm batido nas Revisões Constitucionais - na de 1982, de 1992, de 1996, de2004 - para que desapareça esse «ferrolho ferrugento».Em Abril de 2004, em sede de revisão constitucional, 108 deputados - contra 89 - votaram a favor da eliminação do «ferrolho» constitucional, aproximando-se bastante da maioria necessária de 2/3.

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Em representação de todos os deputados que ao longo destes anos continuam a apoiar esta causa, destaco, por já falecidos, os nomes de José Luís Nunes, Nuno Abecassis e Francisco Sousa Tavares.Como herdeiro dos Reis de Portugal, continuo disponível para os grandes desafios colocados aos Portugueses, para servir a Pátria e para garantir a democracia através da instituição real.

Um Rei representa não só o Estado democrático, de que é o garante, mas a Nação de cujos interesses permanentes é o guardião.Creio - e cada vez mais acompanhado me sinto - que a mais valia das instituições republicanas diminui à medida que se consolida a democracia e novas ameaças surgem em Portugal.Não vou insistir que as instituições republicanas nasceram sob o signo do sangue de D. Carlos e D. Luís Filipe de Bragança. Sobre esse sangue derramado no Terreiro do Paço, erigiu-se a República e os seus primeiros 16 anos de instabilidade, seguidos por 48 anos de ditadura também republicana.Cortado brutalmente o fio condutor da evolução para formas superiores de liberdade e realização histórica, Portugal afastou-se do progresso político das nações politicamente mais felizes da Europa.Sabemos hoje que esse atentado terrorista da Carbonária merece a esmagadora repulsa do povo português.Conforme sondagem recente, 76,5% da população considera-o «um crime horroroso», 18,8% «um mal necessário» e 4,6% «uma coisa boa para o país».Aproximando-se mais um aniversário do regicídio, quero exprimir o meu profundo repúdio pela violência e pelo terrorismo como forma de afirmação política, em qualquer parte do mundo.A I República destronou o Rei, mas a Democracia e a defesa da república jamais foi o programa dos que a si próprios se designavam por «democráticos» e «republicanos».O regime implantado em 5 de Outubro de 1910 instituiu, em rigor, o «governo de uma plutocracia contra os interesses de uma grande massa de deserdados».No Estado Novo, governou um homem solitário; a representação política seguiu o modelo do partido único.A oposição emocional entre república e monarquia, como o ainda faz certa propaganda republicana, tem pouco sentido no mundo actual da democracia.Em Portugal diz-se «Estado democrático» e em França «Estado Republicano» para designar a mesma realidade: o regime baseado no livre exercício dos direitos políticos e no respeito pelos direitos humanos.

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Enquanto em Portugal se falaria das «instituições democráticas», em França referem-se as «instituições republicanas».Do mesmo modo, causa estranheza falar de «ética republicana», quando existe uma só ética universal, expressa pelas religiões e pela moral nos princípios da liberdade, justiça e compaixão.Os velhos mitos da propaganda republicana são como um feitiço que se vira contra o feiticeiro.Recentemente, uma publicação nacional demonstrou que, conforme os Orçamentos de 2005, o Rei de Espanha receberá 7,8 milhões de euros enquanto ao Presidente português cabem 13,32 milhões de euros.A Casa Civil portuguesa gasta mais 41,7% do que a Casa Real espanhola.Contas feitas ao PIB e à população, a Presidência da República portuguesa custa dezoito vezes mais por habitante que o Rei de Espanha!Nós preferimos naturalmente Portugal, mas decerto que não é por este motivo!

Tenho apelado na comunicação social, nacional e internacional, que vivemos um tempo de vésperas, um tempo de novos desafios a enfrentar com novas soluções...Na actual globalização das actividades económicas e financeiras, da tecnologia e da informação, o modelo clássico do Estado republicano atravessa uma profunda crise porque não responde às aspirações de identidade nacional.Os especialistas têm demonstrado esta crise em poucas palavras.E, como creio que disse Albert Einstein, «os problemas de uma sociedade não podem ser resolvidos ao nível das soluções que os criaram».Os mercados nacionais, isto é, os espaços económicos protegidos do exterior que se afirmaram no passado, já não passam de sobrevivências, sem significado decisivo, a não ser para as pequenas empresas.O espaço económico europeu está aberto à maior parte das empresas que, no caso das multinacionais que operam em Portugal, até preferem deslocalizar-se para Espanha.É cada vez maior o grau de autonomia dessas grandes empresas em relação às políticas definidas pelos governos dos Estados nacionais.Os Estados europeus perderam o poder de cunhar moeda - como o escudo da República em Portugal - e de controlar os instrumentos das políticas monetárias, e vêem a sua liberdade orçamental gradualmente limitada.Com a abertura das fronteiras, têm dificuldades nas políticas fiscais e no domínio da redistribuição, para já não falar das dúvidas sobre a evolução do Estado Providência e sobre a capacidade para garantir o pleno emprego.

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O declínio das prerrogativas nacionais é patente nas áreas da informação, da comunicação e da cultura.As novas tecnologias mudaram as fronteiras.A escala mundial afirma-se uma cultura mediática que condiciona todas as culturas nacionais.Se a isto somarmos a internacionalização do crime organizado, o terrorismo, o tráfico de armas e de drogas, a proliferação nuclear, as questões ambientais e os fluxos migratórios, conclui-se que se reduziu de forma drástica a margem de manobra dos Estados europeus, nos planos interno e externo.Muitos dos domínios de acção que no passado estavam reservados à soberania nacional deram lugar a uma soberania partilhada e a um processo de integração que parece incontornável.Ao mesmo tempo, constato que as monarquias europeias se encontram entre os Estados mais desenvolvidos do mundo, conforme relatórios da OCDE e das Nações Unidas.Não afirmo que um rei resolve tudo; afirmo, sim, que um rei é sinal do caminho das boas soluções.No país e no mundo, surgem novos movimentos de revitalização regional, de revalorização dos poderes locais e de fascínio pelas singularidades culturais e pelas identidades territoriais.Cada Povo sente a necessidade de contrabalançar o esvaziamento do papel do Estado pela afirmação da sua identidade, entendida como realidade sociológica gerada a partir do património histórico e cultural da Nação.A rejeição do Tratado Constitucional Europeu, contra a opinião das elites governantes, teve

muito que ver com isto.Com todo o respeito, não se trata de problemas para um Presidente da República.São problemas de uma outra escala; de como iniciar uma nova época histórica e de criar pontes entre civilizações.O nosso país merece um novo protagonismo nesta nova época.É neste contexto que a democracia real ganha cada vez mais adeptos em Portugal.Um dos desafios que se colocam aos Portugueses é o de melhor utilizarem o seu sentimento identitário, em nada contraditório com a sua integração europeia, a sua pertença lusófona e a sua presença atlântica.Das últimas eleições presidenciais, conhecemos a elevada abstenção e a ausência de participação popular.

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Destas, só conhecemos ainda a falta de recenseamento dos jovens até 21 anos (só 30% se recensearam), que não recebem qualquer educação para a cidadania.Sendo ponto assente, em democracia, que o eleitorado tem sempre razão, então a maioria do Povo não se revê na imagem que a chefia do Estado republicano tem dado de si própria.E isto não pode deixar de constituir matéria de reflexão política para o futuro.Os enormes desafios que se colocam ao País exigem mais do que nunca um chefe de Estado que seja o representante simbólico da identidade nacional, o garante da coesão e um factor de união entre todos os Portugueses, a instância suprema capaz de imprimir ao Estado o sentido permanente da prossecução do interesse nacional.Tenho para mim que só a figura de um Rei pode ser referência indiscutível para a Justiça, para a Defesa Nacional, para as Relações Externas, para a Administração Pública.Julgo que os monárquicos aprenderam a lição. Um Rei não se deixa envolver em querelas partidárias.Se os Partidos Políticos são o «sal e pimenta» das democracias e da liberdade de expressão, alguém tem de estar à parte deles - os Tribunais - e acima deles - o Rei, mantendo a chama da Identidade Nacional, tão importante num mundo cada vez mais globalizado e culturalmente indiferenciado.A magistratura de influência não se resolve com a figura passageira de um Presidente da República; o nosso modelo constitucional semipresidencialista confere-lhe poderes demasiados para intervir no Governo, mas não lhe dará nunca a distância nem a imparcialidade suficiente perante os portugueses.Por isso, a instituição real que durante oito séculos corporizou a identidade nacional surge, enquanto referência moral e histórica, como uma solução política de normalidade constitucional a merecer cada vez mais a reflexão nacional.Nesta nova fase de democracia consolidada, mas de independência ameaçada, Portugal precisa de um chefe de Estado que tenha a consciência de que somos Europeus, Atlânticos e Lusófonos, nesse verdadeiro triângulo estratégico, referido há cem anos por um dos mais puros paladinos monárquicos do século XX, o então capitão Henrique de Paiva Couceiro.Comecei por afirmar que os anos que passam consolidam o prestígio das nações.Mais ainda no caso de uma Pátria como Portugal.Neste sentido, queria concluir anunciando duas novidades, em meu nome e da Duquesa de Bragança.

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Em primeiro lugar, anuncio a intenção de criar em 2006 um «Prémio» que recompense os talentos e o serviço à comunidade prestados por cidadãos nacionais e no espaço da lusofonia.Finalmente, conto que, para o ano, se Deus quiser, o nosso filho Afonso, ao fazer dez anos, esteja presente no seu «primeiro» 1º de Dezembro. Tal como sempre eu e a minha família, ele está a ser preparado para servir Portugal.

CRONOLOGIA DE ACTIVIDADES2006-1998

200630 de Agosto - Atribuição da Medalha de Mérito de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, à equipa e comitiva oficial da Selecção Nacional de Futebol.14 de Agosto - Celebração da Batalha de Aljubarrota.2 a 12 de Agosto - Família Real de visita aos Açores.29 de Julho - Presidência do Campeonato Internacional de Columbofilia, em Mira. Cerimónia na Câmara Municipal a convite do seu Presidente, Dr. João Ribeiro Reigota, e convívio com cerca de 20000 participantes e seus familiares. Feira Agrícola de Cantanhede, com o Presidente da Câmara, Dr. João Moura.18 de Julho - Comemorações do 50º Aniversário da Fundação Gulbenkian.14 de Julho - Lançamento do livro Viva a República! Viva o Rei! de Teresa Sabugosa, no Clube Literário do Porto.6 de Julho - Lançamento do livro Salazar e a Rainha (D. Amélia) de Fernando Amaro Monteiro. Dom Duarte de Bragança apresentou o Autor. A obra foi apresentada por Carlos Pinto Coelho.4 de Julho - Cerimónias da Rainha Santa Isabel, em Coimbra.30 de Junho a 2 de Julho - Bodas de Prata dos Grão-Duques do Luxemburgo.26 a 27 de Junho - Visita a Inglaterra. Na Câmara dos Lordes, almoço commembros. Jantar no Palácio de Buckingham a convite de Duque de Edimburgo.29 de Junho - Visitas aos concelhos de Mira e Cantanhede sendo recebido pelos presidentes das Câmaras.17 a 27 de Junho - Visita à República de Timor-Leste em plena agitação civil e militar; encontros com o ex-primeiro-ministro Alkatiri e com o actual Dr. José

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Ramos Horta e com o Presidente Alexandre ”Xanana” Gusmão e família, em sua casa.7 a 16 de Junho - Visita à República Popular da China para assistir à celebração dos 80 anos do embaixador Eric Hotung, em Xangai.31 de Maio - Viseu - Visita a Torredeita, pelo 40º Aniversário da Fundação Joaquim dos Santos.27 de Maio - Roma - Missa em Santo António dos Portugueses em acção de graças pela independência do Montenegro.3 de Maio - Festas das Cruzes, em Barcelos, a convite da Câmara Municipal.

2 de Maio - Estocolmo - Dom Duarte e D. Isabel são convidados do 60º aniversário do rei Carlos XVI Gustavo da Suécia.17 a 21 de Abril - Visita à Guiné-Bissau. Bissau e Bolama, encontros com entidades locais. Encontro com Presidente Nino Vieira.31 de Março - Lisboa -Jantar do Lyons Clube de Alvalade.29 de Março - Visita ao Príncipe reinante do Liechtenstein, em Vaduz.17 de Março - Conferência de Dom Duarte no Centro Paroquial do Feijó, concelho de Almada.11 de Março - Visita à Base Aérea do Montijo.6 de Março - Participação na Assembleia-Geral da CONFAGRI, Vila do Conde.23 de Fevereiro a 4 de Março - Peregrinação à Terra Santa. Visitas particulares ao Rabino-Mor Sefardita de Jerusalém, ao Presidente da Grande Mesquita de Jerusalém, ao Museu da Diaspora.1 de Fevereiro - Inauguração da lápide comemorativa do Regicídio na Ala Norte do Terreiro do Paço.31 de Janeiro - Entrevista no programa «Pessoal e Transmissível» de Carlos Vaz Marques, na TSF.6 de Janeiro - XII Congresso da Causa Real. Fórum Prós e Contras da Monarquia.

20051 de Dezembro - Mensagem do 1º de Dezembro, 365 anos após a Restauração.26 de Outubro - Lançamento de Dom Duarte de Bragança, Um Homem de Causas; uma longa entrevista realizada pela jornalista Palmira Correia, editada pela Dom Quixote.

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23 de Outubro - Investidura dos novos membros da Comenda Norte-Americana da Real Irmandade de São Miguel da Ala, em Washington DC.22 de Outubro - Cerimónias Litúrgicas da Ordem de Malta na Catedral de Washington.21 de Outubro - Convívio organizado pela Real Associação de Nova Jérsia e da Pensilvânia, em Newark.18 de Outubro - Concerto na Academia Militar em memória da Rainha Dona Catarina de Bragança.14 de Outubro - Núcleo de Sintra da Cruz Vermelha. Recepção na Embaixada da Áustria. Jantar no Convento do Beato, presidido pela Senhora Duquesa de Bragança, em apoio da Associação Portuguesa de Oncologia.12 de Outubro - Grémio Literário - 10º aniversário da Associação Portuguesa da Ajuda à Igreja que Sofre.8 de Outubro - Jantar de apoio à Associação Terapêutica Hípica.6 de Outubro - Visita ao Chefe de Estado-Maior do Exército.24 de Setembro - Cerimónia anual da Irmandade Militar de Nossa Senhorada Conceição, em Lamego. Participaram os Chefes de Estado-Maior do Exército, Marinha e Força Aérea, e numerosas outras personalidades civis e militares.17 de Setembro - Casamento da Princesa Ana de Bourbon-Sicília, em Turim, Itália.20 e 21 de Agosto - Festas de Nossa Senhora da Agonia em Viana do Castelo, a convite do Dr. Defensor Moura, Presidente da Câmara Municipal.11 a 17 de Agosto - Madeira, por ocasião da inauguração de uma estátua do Beato Carlos,

Imperador da Áustria e Rei da Hungria.15 de Julho - Entrevista ao semanário O Independente: «Acredito na ideia do Quinto Império.»26 de Junho - Os Duques de Bragança baptizam o navio-cruzeiro «Douro Queen».16 de Junho - Dom Duarte e o primo Leopoldo, príncipe de Aremberg, visitam a Associação Guineense de Solidariedade Social, em Cheias, um dos bairros da Grande Lisboa com problemas de criminalidade.6 de Junho - Visita à República do Montenegro, ainda associada à Sérvia.27 de Maio - Madeira - Com o Príncipe Eduardo de Inglaterra.12 de Maio - Conferência de Abertura em Santiago de Compostela sobre os Caminhos Portugueses de Santiago.5 de Maio - Feira agrícola OVIBEJA a convite da Câmara Municipal de Beja.Abril - Mónaco - Exéquias do Príncipe Rainier.

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19 de Março - Bênção e entrega de imagem da Imaculada Conceição no panteão do Mosteiro de S. Vicente de Fora.12 de Março - Itália - Comemoração dos 200 anos dos Bersagliere, numa cerimónia organizada em Casale Monferrato.11 de Março - Paris - Homenagem a Serge Lifar, organizada pela «Association Européenne de St. Vladimir».Março - Vaticano - Funeral solene do Papa João Paulo II.15 de Fevereiro - Funeral da Irmã Lúcia, na Sé Nova de Coimbra.2 de Fevereiro - Entrevista de Dom Duarte ao diário ABC de Madrid.1 de Fevereiro - Entrevista de Dom Duarte ao semanário O Diabo.8 de Janeiro - Santarém - II Almoço de Reis, organizado pela Real Associação do Ribatejo.

20041 de Dezembro - Mensagem de S. A. R. o Duque de Bragança.30 de Novembro - «Jantar dos Conjurados».6 de Novembro - Dom Duarte de Bragança publicou «A Constituição Europeia e o Futuro de Portugal» (in Expresso).3 de Novembro - Dom Duarte de Bragança presidiu ao lançamento do livro Filhos de Ramires - As Origens do Integralismo Lusitano de José Manuel Quintas (Editorial Nova Ática).22 de Outubro - Dom Duarte de Bragança afirmou, em entrevista a ibinda. com: «Ocasião é oportuna para uma negociação política em Cabinda».20 de Outubro - Cerimónia em S. Jorge (Aljubarrota), em que a Fundação D. Manuel II entregou reproduções do quadro de D. Nuno Alvares Pereira a várias Misericórdias da região.13 de Outubro - Funchal - Dom Duarte de Bragança lançou no Funchal o livro Carlos I o Imperador da Paz.23 de Setembro - Comunicação de S. A. R. o Duque de Bragança acerca de Cabinda.21 de Setembro - Intervenção de Dom Duarte no workshop da Associação Tratado de Simulambuco (ATS) - Casa de Cabinda de Portugal.18 e 19 de Setembro - Marrocos, a convite da Família Real Marroquina e da Unesco para

participar no grande festival de nómadas do deserto.2 de Setembro - Visita à cidade autónoma de Ceuta a convite do seu Governo, tendo realizado um discurso à população durante as celebrações da data em que se comemora a entrega do governo da cidade à futura Câmara Municipal.

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25 de Julho - A convite da Câmara Municipal, nas Festas do Concelho de Meda.6 de Julho - Dom Duarte de Bragança deslocou-se à Galiza, em Espanha, onde lançou o seu opúsculo Don Nuno A.lvares Pereira, Cabalkroj Santo, peregrino a Santiago, e onde concedeu a Manuel Fraga a Grã-Cruz da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa.29 de Junho - Cerimónia comemorativa da entrega do Foral de Sintra.19 de Junho - A Duquesa de Bragança visitou a Biblioteca de Sintra, onde conviveu com numerosas crianças e lhes leu uma história da sua autoria.15 de Junho - Ribeira de Pena, a convite da Câmara Municipal, entregou 10 quadros de D. Nuno Álvares Pereira a várias Santas Casas da Misericórdia de Trás-os-Montes.11 de Junho - Comunicado apoiando a participação nas eleições para o Parlamento Europeu.10 de Junho - Cerimónias do Dia dos Combatentes, junto ao Monumento aos Combatentes em Belém. À tarde, tomou parte na Procissão do Corpo de Deus, em Braga.2 de Junho - Entrevista à revista Focus: «A maioria é monárquica».21 a 23 de Maio - Presença no Casamento do Príncipe Herdeiro de Espanha.13 a 15 de Maio - Presença no Casamento do Príncipe Herdeiro da Dinamarca.8 a 10 de Maio - Dom Duarte participou com uma intervenção no Congresso Internacional de Arquitectura Tradicional, organizado em Viseu.3 de Maio - Visita a Hamburgo a convite da Câmara Municipal dessa cidade. Realizou-se também uma visita à Missão Católica Portuguesa com a presença de numerosos emigrantes.22 de Abril - Sintra - 2.a Maratona da Poesia, na Biblioteca de Sintra. Dom Duarte participa e oferece à Biblioteca Municipal uma edição em russo de Os ”Lusíadas, de Luís de Camões.21 de Abril - Entrevista de Dom Duarte de Bragança à RTP1.6 de Abril - Cerimónia comemorativa da Batalha, dos Atoleiros, realizada na vila de Fronteira, pelo Exército.3 de Abril - Cerimónia de encerramento do processo de Canonização do Beato Nuno, na Igreja do Santo Condestável.31 de Março - Cerimónia de inauguração das novas instalações da RTP.17 de Fevereiro - Tomada de posse como Presidente da Assembleia-Geral da Associação de Auditores da Defesa Nacional.

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10 a 12 de Fevereiro - Dom Duarte na Conferência Internacional da Aliança Atlântica, em Berlim. A sua intervenção e a Mesa a que presidiu teve por tema: «Turismo, cultura e segurança».

2003

8 de Dezembro - Mensagem de S. A. R. a Duquesa de Bragança.1 de Dezembro - Mensagem em Coimbra.12 de Outubro - Peregrinação de portugueses a Fátima, pelos 600 anos da Casa de Bragança.8 de Outubro - Funchal - Cerimónias comemorativas da descoberta do arquipélago da Madeira.3 a 5 de Outubro - X Congresso da Causa Real, em Lisboa.28 de Setembro - Na Igreja do Castelo de Ourém - Missa e a cerimónia de investidura da Real Irmandade da Ordem de São Miguel da Ala.19 de Setembro - Dom Duarte publicou O Repto da Europa.16 de Setembro - Porto - Cerimónia de entrega dos diplomas e medalhas do Prémio Infante D. Henrique.29 de Agosto - Abertura das comemorações dos 600 anos da Casa de Bragança, no Castelo de Ourém. Presente também o Príncipe Ermias Selassie, neto do Imperador Hailé Selassie.21 a 28 de Agosto - Férias em S. Tomé e Príncipe.14 de Julho - Morte de Henrique Barrilaro Ruas, membro do Conselho Privado de S. A. R. o Senhor Dom Duarte.22 de Maio - Dom Duarte debate arquitectura na Fundação Serralves, no Porto, com o Prof. Arq. Souto Moura.

200216 a 18 de Dezembro - Visita a S. Tomé e Príncipe. Recepção pelo Presidente da República.14 de Dezembro - Visita à Base Aérea de Sintra. Entrevista à TVI. Jantar da RA de Portalegre.9 de Dezembro - Entrevista à TV de Israel.8 de Dezembro - Vila Viçosa - Festa de Nossa Senhora da Conceição.7 de Dezembro - Entrevista à RTP. Jantar de Santo Tirso.

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1 de Dezembro - Mensagem de S. A. R. o Duque de Bragança.30 de Novembro - «Jantar dos Conjurados».29 de Novembro - Escola Naval do Alfeite. Visita oficial.22 de Novembro -Jantar das Reais Associações do Porto, Braga e Viana.19 a 21 de Novembro - Visita a Paris e Viena.18 de Novembro - Luso - Congresso de Fogos Florestais.13 de Novembro - Câmara Municipal de Lagos.8 e 9 de Novembro - Paris.7 de Novembro - Gois - Nelas. Feira do Entreposto.25 a 27 de Outubro - Bulgária - Sofia. Casamento régio.4 a 7 de Outubro - Roma. Visita ao Papa João Paulo II.27 de Setembro - Guimarães - Festas do Santo Sepulcro.26 de Setembro - Paris.13 de Setembro - Luxemburgo.12 de Setembro - Lisboa - Exposição de Fotografias de rua a favor de Crianças de Moçambique - UNESCO.

6 de Agosto - Porto e Figueira da Foz.14 de Julho - Concerto da Causa Real.3 e 4 de Julho - Visita a Coimbra no âmbito das Festas da Cidade e da Rainha Santa Isabel.29 a 30 de Junho - IX Congresso da Causa Real.21 a 23 de Junho - Óbidos - Colóquio de História das Ordens Militares.16 de Junho - Braga. Visita oficial.15 de Junho - Visita a Ponte de Lima.14 de Junho - Paris - Recepção oficial na UNESCO.7 a 9 de Junho - Visita a Bruxelas.31 de Maio - Entrevista a TV Russa.29 de Maio - V. Nova de Gaia - Concerto da Causa Real.23 de Maio - Visita a Viseu.6 de Maio - Visita a Santiago de Compostela - Universidade.Maio - O Presidente da República não integra Dom Duarte na comitiva portuguesa a Timor.Abril - Visita a Santarém e Moita.29 de Março - Visita a Óbidos, por convite do Presidente da Câmara.Março - Visita a Ponta Delgada por convite do Presidente da Câmara.Fevereiro - Fátima.21 de Janeiro - Lisboa - Assinatura de protocolo de cooperação entre Escola Naval, CALM Rebelo Duarte e a Associação do Prémio Infante D. Henrique.

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20015 e 6 de Dezembro - Conferência de Henrique Barrilaro Ruas «A Independência de Portugal», no âmbito da Quinzena Monárquica.1 de Dezembro - Mensagem.30 de Novembro - Malveira - «Jantar dos Conjurados» organizado pela Real Associação de Lisboa.27 de Novembro - Duque de Bragança recebe o Dalai Lama em Fátima.26 de Novembro - Vila Real - «Jantar dos Conjurados».25 de Novembro - Ponte de Lima - «Jantar dos Conjurados», organizado por Reais Associações de Viana do Castelo e Braga. D. Duarte profere conferência «O Descobrimento do Brasil e o papel da Casa Real na abolição da escravatura».25 de Novembro - Viana do Castelo - Exposição Portugal-Brasil e Conferência por Dom Duarte. Lançamento de livro na Paróquia de Fátima.24 de Novembro - Coimbra - «Jantar dos Conjurados», organizado pela Real Associação de Coimbra.20 de Novembro - Lisboa - Na Sociedade Histórica da Independência de Portugal, Dom Duarte presidiu ao lançamento de livro.17 de Novembro - Porto - Inauguração da nova sede da Real Associação do Porto e da Causa Real.14 de Novembro - S. Paulo, Brasil - Benefício das Obras Assistenciais da Ordem de Malta.9 de Novembro - Lisboa - Sessão cultural sobre os 500 anos da descobertado Brasil, organizada pela Associação da Força Aérea Portuguesa.8 de Novembro - Lisboa - Constituição da Fundação D. Ximenes Belo, na qual o Duque de Bragança integra o Conselho da Fundação.

Novembro - Participação em programas de televisão sobre a família e o Natal. SIC, TVI e Canal Família.26 de Outubro - Lisboa - Assembleia Geral da Associação NET Lorosae (na Educação por Timor) que em colaboração com a diocese está a preparar a constituição do Instituto de Ensino Politécnico em Baucau.25 de Outubro - Lisboa - Assembleia Geral da Confederação das Cooperativas Agrícolas e de Crédito.15 a 18 de Outubro - Roma, Itália - Peregrinação Internacional da Ordem de Malta.14 de Outubro - Lisboa - Investido no Mosteiro dos Jerónimos, como Cavaleiro da Ordem Equestre do Santo Sepulcro de Jerusalém.

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9 de Outubro - Nova Iorque - Visita a Nova Iorque para Missa em homenagem dos mortos no 11 de Setembro e recepção na Sinagoga Portuguesa Shearit Israel7 de Setembro - Vila Viçosa a convite do Presidente da Câmara.21 a 28 de Agosto - A Família Real passa uma semana em S. Tomé e Príncipe.10 de Agosto - Arraial da Figueira da Foz, organizado pela Real Associação de Coimbra.8 de Agosto - Visita a Coimbra e seu termo.25 de Julho - Cerimónias comemorativas da Batalha de Ourique, com recepção na Câmara Municipal de Ourique.21 de Julho - Salvaterra de Magos - Convívio e tourada com Presidente da Câmara Municipal.16 de Julho - Ilha Terceira, num almoço convívio organizado pelo núcleo da Real Associação local, sendo recebido pela Câmara Municipal de Angra.15 de Julho - Em Ponta Delgada (Ilha de S. Miguel), a convite da Câmara Municipal, cerimónias evocativas da visita de Dom Carlos I.5 de Julho - Almoço no Porto com os membros da nova Comissão Executiva da Causa Real.30 de Junho - A convite da Junta de Freguesia e Paróquia da Trafaria, visita a essa localidade em comemoração da centenária passagem de Dom Carlos e D. Amélia.27 de Junho - Em Trancoso, acompanhados pelos filhos. Primeira Feira Medieval.23 de Junho - Visita aos Concelhos de Trancoso, Castelo Rodrigo e Almeida, promovida pelas respectivas Câmaras Municipais e pela Real Associação da Guarda.20 de Junho - A convite do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, jantar no Museu dos Coches, oferecido ao Príncipe Abdul Aziz da Arábia Saudita.16 de Junho - Recepção a H. Abarbanel, descendente de Isaac Abarbanel, chanceler de D. João II.Junho - Mensagem ao Congresso Causa Real, em Aveiro.10 de Junho - Bragança - A Câmara Municipal de Bragança atribuiu o nome de membros da Casa de Bragança a 15 artérias da cidade.9 de Junho - Fátima, Festejos dos 500 anos do Brasil - Missa de Acção de graças celebrada pelo Pe. Marcelo Rossi, em homenagem da Comunidade Portuguesa do Brasil aos cantores Roberto Carlos e Roberto Leal.18 de Maio - «Jantar da Primavera», organizado pela Real Associação do Porto.16 de Maio - Comemorações da Batalha de Albuera, travada em 1811 contra o exército de Napoleão.

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2 de Maio - Festas da Rainha Santa Mafalda em Arouca, com Presidente da Câmara Municipal.28 de Abril - França - Casamento dos Príncipes de Arenberg.27 de Abril - Concerto de Gala no âmbito do Prémio Infante Dom Henrique.22 de Abril - Missa e procissão do Santíssimo Milagre que se realizou em Santarém.20 de Abril - Cerimónias comemorativas dos 500 anos do Mosteiro dos Jerónimos.25 de Março - D. Duarte de Bragança publicou «Cabinda e Timor» (Diário de Notícias).3 de Março - «Há sinais de falta de fé na república», entrevista de D. Duarte de Bragança ao Diário de Notícias.3 de Março - Estoril - inauguração da Rua Rainha Joana da Bulgária, em companhia dos Reis Simeão e Margarita.Janeiro - Apelo - Reflexão 2001. São primeiros subscritores Ribeiro Telles, Barrilaro Ruas, Mendo Henriques, Adelino Maltez, Luís Coimbra e Bento Sarmento. O Apelo circula na internet e terá 2500 assinaturas.5 a 6 de Janeiro - Câmara Municipal da Covilhã - Lançamento da obra Reis e Rainhas de Portugal.

200012 de Dezembro - Roma, Itália - A Duquesa de Bragança recebeu o prémio internacional «Womens for Peace Award 2000».10 de Dezembro - Lisboa - Fórum Estudante.8 de Dezembro - Braga - Comemorações do dia de Nossa Senhora da Conceição.4 de Dezembro - Lisboa - Inaguração de nova Sede conjunta da Real Associação de Lisboa e da Causa Real.1 de Dezembro - Mensagem - «Acordai... Enquanto é tempo!»9 de Novembro - CRIDEM 2000 FÓRUM da Maia sobre Questões de trabalho com o secretário de estado adjunto do Ministério do Trabalho e da Solidariedade, Dr. Rui Cunha.5 de Outubro - Caravana monárquica - «Se Portugal quer ser realmente democrático...»21 de Setembro - A convite do Presidente da Câmara Municipal de Viseu, encerramento das Feiras de S. Mateus.

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3 de Setembro - Lamego - Centro de Instrução de Operações Especiais.21 de Agosto - Visita ao Vimeiro, a convite do Presidente da Câmara Municipal da Lourinhã.11 de Agosto - Jantar organizado pela Real Associação de Coimbra, com o Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz.24 de Junho - Vila Nova de Cerveira - Recepção oficial nos Paços do Concelho.23 de Junho - Visita a Vila Nova de Cerveira, sendo recebido pelo Presidente da Câmara Municipal.22 de Junho - Visita ao Alto Minho - Monção.13 de Junho - Londres - A convite do Príncipe de Gales para actividades culturais. Dom Duarte profere conferência no Colégio Universitário de Christ Church em Oxford.

26 de Maio - O Semanário iniciou a publicação de uma coluna de opinião quinzenal denominada «Coisas Reais».20 de Maio - Jantar do 11º Aniversário da Real Associação de Lisboa.12 e 13 de Maio - Santuário de Fátima - Beatificação dos Pastorinhos Jacinta e Francisco.25 a 30 de Maio - Dom Duarte deslocou-se a Timor onde entrega 5 contentores de roupa às Dioceses.6 e 7 de Maio - VII Congresso da Causa Real, em Setúbal. «Queremos apenas devolver o Estado à Nação».4 de Abril - Recepção à Princesa tailandesa Sirindhorn, na Câmara Municipal de Lisboa.9 de Março - A convite da Câmara Municipal de Bolonha, Dom Duarte inaugura um Congresso Internacional de Arquitectura e a Exposição «A Outra Modernidade».19 de Fevereiro - Baptizado do Infante D. Dinis, no Porto.

19994 de Dezembro - Bruxelas - Casamento do príncipe Filipe.1 de Dezembro - Mensagem.25 de Novembro - Nascimento do infante D. Dinis.21 de Novembro - Torres Novas, nos Paços do Concelho a convite do presidente da Câmara.14 a 17 de Novembro - Geneva, Suíça - Comunicação e Presidência de Mesa no World Congress of Families.

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2 a 11 de Novembro - Viagem a Macau.8 de Maio - Visita a Moçambique. Acordos entre Cruz Vermelha Moçambicana, Fundação D. Manuel II e Fundação Vieira Pinto, de Moçambique.1 a 7 de Maio - Visita à África do Sul - Joanesburgo.Maio - V Congresso da Causa Real - Federação das Reais AssociaçõesAbril - Edição do livro A. Monarquia Portuguesa - Reis e Rainhas na História de um Vovô (Selecções do Reader’s Digest).

19981 de Dezembro - Mensagem do Duque de Bragança.24 de Outubro - Comemorações dos 700 anos do Foral e da criação do Condado de Barcelos.4 de Outubro - Visita oficial ao concelho de Palmela, integrada nas Comemorações do V Centenário da Viagem de Vasco da Gama.Setembro - Visita ao Brasil - Estado de Minas Gerais (fábrica de fibras ópticas Cabelt), Estado de São Paulo e Estado de Ceará.Julho e Agosto - Lisboa - Expo’98 - Dom Duarte convidado a participar em diversas cerimónias oficiais de diversos países.28 de Maio - Morte do Dr. Mário Saraiva (secretário do Conselho Privado do Duque de Bragança).30 de Junho - Almoço oferecido ao Arquiduque Jorge de Habsburgo.29 de Junho - Sintra - Dom Duarte agraciado com Medalha de Ouro pela Câmara Municipal de Sintra.

29 de Junho - D. Isabel - Campanha ao Apoio ao Recém-Nascido.25 de Junho - Congresso de Abertura da África ao Mundo.21 de Junho - Câmara Municipal de Castelo Branco. Visita oficial.20 de Junho - Câmara Municipal de Covilhã. Visita oficial.19 de Junho - Câmara Municipal de Santarém - Lançamento de Candidatura a Património da Humanidade.18 de Junho - Espanha - Toledo. Recepção na Fundação Talavera que criou Centro de Arquivos.14 de Junho - Fundão - Congresso do Espírito Santo organizado pela SC Misericórdia.10 de Junho - Sernancelhe - Peregrinação de Nossa Senhora da Lapa, com milhares de pessoas. Alocução do Bispo de Lamego. Câmara Municipal Sernancelhe RAL Viseu.

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31 de Maio - Sintra - Apresentação do Campus Universitário de Sintra.10 e 11 de Abril - Guarda - IV Congresso da Causa Real - Federação das Reais Associações.Março - Arábia Saudita - Riade - Visita e debate sobre Fundação Euro-Árabe para ajudas ao desenvolvimento ao Terceiro Mundo.

5.

REIS DE PORTUGAL

Mais de um milénio da história da humanidade gravita nas raízes de Dom Duarte de Bragança. Além de descendente por varonia dos reis de Portugal, conta por antepassados personalidades como Carlos Magno, Hugo Capeto, Nuno Alvares Pereira, Carlos V e Luís XIV. A ascendência árabe de Maomé, transmitida por Branca de Castela, vem reunir-se a ascendência judaica, de Inês Pires, mãe do 1º duque de Bragança, D. Afonso. Pela rainha Ana de Kiev, mulher de Henrique I de França (1008-1060), cuja mãe era uma princesa mongol, descende de Gengiscão. Os casamentos consanguíneos de alguns ascendentes justificam o tratamento por «primos» entre soberanos das Casas Reais Europeias.

D.AFONSO HENRIQUESI D. SANCHO ID. AFONSO IID. SANCHO IID. FERNANDOD. DUARTED. AFONSO VD. JOÃO IID. JOÃO IIID. AFONSO VID. PEDRO IV (1 DO BRASIL)D. Maria IID. Pedro VD.AFONSO III

D. DINISD. AFONSO IVD. PEDRO ID. DIOGO, duque de ViseuD. MANUELD. ISABELCarlos VD. JOÃO D. FILIPE II ID. SEBASTIÃOD. FILIPE III D. FILIPE IIID. JOÃO IHENRIQUE D. DUARTE,CARDEAL-REl DUQUE DE GUIMARÃESD. AFONSO, 1° duque de BragançaD. FERNANDOD. FERNANDOD. JAIMED. TEODÓSIOD. CATARINA co D. JOÃOD. TEODÓSIOD. JOÃO IVD. LUIS ID. CARLOSD. MANUELD. Pedro IID. João VD. José ID. Maria ID. JOÃO VID. Pedro IIID. PEDRO II Imperador do BrasilD. ISABELD. PEDROD. M.A FranciscaD. Miguel ID. MiguelD. Duarte NunoD. DuarteD. Isabel de Herédiad. AfonsoD. Maria franciscaD. DINIS

TESTEMUNHOS

Mário Soares

Senhor Dom DuarteAcuso a recepção da sua carta e do amável convite para o seu casamento, que muito nos sensibilizou, a minha Mulher e a mim, e que muito lhe agradecemos.Portugal é hoje uma República tolerante, aberta ao que é diferente, inovadora no plano cívico, de ampla liberdade como durante toda a vida, através de uma actuação política persistente, me esforcei que fosse. Em repetidas oportunidades tive o ensejo de lhe demonstrar, Senhor Dom Duarte, publicamente, o meu apreço e estima pessoal com a maior sinceridade. Acresce que conheço a Família de sua Noiva, que respeito e estimo, dando-se o caso de o Visconde da Ribeira Brava - que já tive ocasião de homenagear publicamente, na sua terra, como grande republicano e homem de coragem e de honra que foi - ter sido amigo de meu Pai.Aceito, pois, com muito gosto, o seu honroso convite, como Presidente de uma República que entende dever respeitar por igual todos os portugueses, independentemente dos seus credos e opções políticas, e como cidadão que sempre se confessou, como sabe, «republicano, socialista e laico».Imagino que ao seu casamento assistirão personalidades públicas, nacionais e estrangeiras, com diferentes graus de responsabilidade, a nível dos respectivos Estados. O que suscita, seguramente, problemas protocolares que penso poderão ser regulados, no que se me refere, entre alguém da minha Casa Civil e quem V. Ex.a determinar.

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Desejo ainda, Senhor Dom Duarte, felicitá-lo vivamente, formulando os melhores votos de felicidade para Sua Noiva e para si. Minha Mulher acompanha-me, naturalmente, nestes votos. Peço-lhe ainda, Senhor Dom Duarte, que transmita a sua Noiva as minhas muito vivas e sinceras felicitações pela equilibrada, inteligente e, a todos os títulos, notável entrevista que hoje deu ao Público.Aceite, Senhor Dom DuarteCom os meus afectuosos cumprimentosPresidente da República, Lisboa, 14 de Março de 1995

Príncipe Eduardo de Inglaterra

«...Creio que na pessoa do Duque de Bragança, Portugal tem um forte defensor de valores culturais, padrões históricos e tradicionais que são o mais forte legado para a juventude...».S. A. R. o Príncipe Eduardo de Inglaterra, Conde de Wessex (Entrevista Dulce Batley, da APN, 2001 Sessão dos Prémios Infante D. Henrique)2001

S. A. I. Ermias Sahle Selassie Hailé Selassie

«Há cinco séculos Portugal encontrou a Etiópia, Terra de Preste João e desde então desenvolveu-se uma forte relação fraterna e cultural entre as nossas nações e os nossos

povos, e uma forte aliança cristã em África entre os nossos Imperadores e os Vossos Reis. Esta Aliança sobreviveu ao tempo, a grandes conflitos mundiais e a mudanças radicais de regime. Sobrevive hoje e por isso, quase 50 anos depois do meu avô, O Imperador Hailé Selassie ter visitado Portugal, aceitei o convite de Sua Alteza Real O Duque de Bragança para vir a Portugal na qualidade de representante dos descendentes dos Reis de Portugal fraternalmente abraçar o representante dos Reis dos Portugueses, aquele que mais que ninguém, dedica a sua vida a zelar por manter viva as Vossas tradições Culturais e a Vossa identidade nacional. Os meus votos neste VI centenário do nascimento do primogénito da

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Casa de Bragança, é que Deus Guarde o Duque de Bragança e a Casa Real de Bragança, para bem do futuro de Portugal.»Ourém, 22 de Agosto de 2003

Tenzin Gyatso, 14º Dalai Lama do Tibete

«O Rei de Portugal, Dom Duarte, poderá não ser Monarca Reinante mas tem, à semelhança do Dalai Lama, que também é Rei do Tibete, a difícil tarefa de manter vivo o espírito cultural da nação e isso é mais importante do que usaruma coroa...»Seguidamente alguém explica a S. S. o Dalai Lama que os Reis de Portugal da Casa de Bragança desde 1646 que não usavam Coroa, pelo facto que a mesma ter sido oferecida a N. S. da Conceição de Vila Viçosa e o Dalai Lama respondeu:«Está a ver o que eu digo, os Reis já tinham essa missão já nesse tempo.»Fátima, 22 de Novembro de 2003

S. M. Muatchissengue Watembo, Rei da Lunda«É sempre bom vir a Portugal, e, especialmente encontrar o Duque de Bragança, D. Duarte, pois recebemos um abraço e um sorriso do tamanho de Portugal, onde se sente o calor humano de todos os Portugueses e dos povos que visitam a Terra de Santa Maria.»

D. Manuel Fraga IribarneDON DUARTE DE BRAGANÇA,UN MODERNO ”PRÍNCIPE CRISTIANO”Conocí personalmente a Don Duarte en el Pazo de Calheiros, sito en Ia hermosa localidad de Ponte de Lima. Ambos y otros invitados éramos huéspedes dei Conde de Calheiros, su propietario) quien nos obséquio con una agradable cena precedida de una más agradable tertúlia en los jardines dei Pazo, verdadero

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mirador sobre el valle dei Lima y Ia monumental población surgida en el extremo Sur dei viejo puente romano.

Recuerdo, de entonces, el interés que había mostrado D. Duarte por los problemas dei medio ambiente, en general, y por su adecuada explotación agrícola y ganadera, en particular Ia agricultura ecológica.Algún tiempo después, el 18 de enero de 1994, tuve el gusto de recibirlo en mi despacho de trabajo, en Santiago de Compostela. Había venido, prioritariamente para interesarse por la colónia portuguesa residente en Vigo, ciudad de larga tradición en sus relaciones lusitanas donde radica, «desde siempre», el Consulado General que Portugal tiene en Galicia. Por entonces se estudiaba Ia cesión, por el Ayuntamiento de aquella urbe, de un edifício de carácter monumental, Ia «Casa de Atines», para sede de una delegación gallega dei «Instituto Camões», iniciativa que posteriormente se concretizo y desde hace poços anos sirve de sede a la referida institución cultural lusa.Una de Ias preocupaciones dei Sr. Duque, que me expuso en dicha visita, era la del desconocimiento que, a su entender, tenía Espana de los acontecimientos que se desarrollaban en Portugal, quizás por una deficiente información a través de los médios de comunicación social. Ocho anos después, en el 2002, hizo buena tal opinion refitiendo-se a las relaciones bilaterales Galicia-Portugal, un estudo titulado «A imaxe de Portugal e Galicia na prensa dos dous países» realizado y publicado por la Facultad de Ciências de a Comunicación de la Universidad de Santiago de Compostela.Dom Duarte regresó a Galicia el ano 2003 con motivo dei desastre producido, en sus costas, por los vertidos del «Prestige». Queria conocer, «in situ» la magnitud de la catástrofe en la que, entre otros grupos de trabajadores voluntários ilegados de diversos países, había uno muy activo integrado por portugueses.Apoyamos su visita indicándole, como más expresiva, para llevarla a cabo, Ia zona de Muxía considerada como Ia más reiterada y gravemente afectada. Luego en el almuerzo que gustosamente le ofrecí en un restaurante de Santiago, tuvimos Ia oportunidad de hablar largamente de este y otros asuntos de interés para nuestros respectivos países.Siete meses después, el 6 de julio dei 2004 recibimos de nuevo a Don Duarte en Santiago. En esta ocasión el motivo era más feliz: venía con su esposa Dona Isabel y sendas delegaciones de las Ordenes dinásticas de Nossa Senhora da Conceição y de Santa Isabel, como peregrino ai sepulcro dei Apóstol Santiago en este «Ano Santo Jacobeo».

439Su Alteza Real pronuncio una ferviente invocación en la Catedral, durante la «Misa del Peregrino», recordando la constante devoción de sus egrégios antepasados, los Reyes de Portugal, ai Santo Apóstol y luego en acto diferente que tuvo lugar en el Palácio de Rajoy, nos distinguió ai Senor Arzobispo de Santiago y a mi, imponiéndonos Ias insignias de la prestigiosa Orden de Vila Viçosa.En el almuerzo ofrecido a los Duques y acompaíiantes, con este motivo, tuve Ia oportunidad de conversar de nuevo con Dn. Duarte y con Dna. Isabel, a la que no conocía personalmente y que me causo muy grata impresió.Entre las delicadezas dei Sr. Don Duarte hacia mi persona no debo olvidar las invitaciones que me curso para asistir ai bautismo de sus dos hijos varones, Don Afonso, el Príncipe da Beira y el Infante Don Dinis, solemnes ceremonias que tuvieron lugar en Ias Catedrales de Braga y Porto, a las que, infelizmente, no pude asistir.El Duque es un português de sentimiento, orgulloso de su país en la historia y tradiciones, de proyección universal, que le son propias. Con el talante de un Príncipe cristiano católico, por título «fidelísimo» a la Santa Iglesia Romana, conserva y hace justa gala de ello, el

espíritu reKgioso de la monarquia lusitana, que Su Alteza Real proyecta siempre que habla sobre cuestiones sociológicas actuales y, de manera especial, sobre todo lo que se refiere a las famílias.Respetuoso con la República establecida en Portugal D. Duarte sabe mantener una actividad pública de constante interés, preocupación y presencia, no interferente con la del Gobierno, sensible a los problemas mas candentes y deseoso de contribuir a su alivio y solución. De todos es conocida su actitud valiente en la grave crisis de Timor, cuyas implicaciones humanitárias no es preciso recordar.Todo lo antedicho no seria posible sin el respeto que el pueblo português y con él sus gobernantes contemplan a quien encarna los derechos de una monarquia que rigió los destinos dei país desde los orígenes de su nacionalidad durante casi ocho siglos.Santiago de Compostela, Março de 2005

Marc D. Angel«A congregação Shearith Israel, popularmente conhecida como a Sinagoga Portuguesa e Espanhola de Nova Iorque, foi fundada em 1654. É a congregação

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judaica mais antiga da América do Norte. Foi a única congregação judaica até meados do século XVIII, e a única congregação judaica de Nova Iorque até1825. Os fundadores provinham de famílias judaicas medievais de Portugal e Espanha, convertidas à força ao catolicismo. Durante os séculos XVI e XVII, os descendentes destes conversos foram para territórios onde pudessem recuperar a sua herança judaica e viver abertamente como judeus. Amesterdão transformou-se numa plataforma de conversos que voltavam ao judaísmo. Alguns destes judeus envolveram-se nas actividades da Companhia Holandesa das índias Ocidentais, estabeleceram-se no Brasil e criaram uma congregação no Recife. Em1654, Portugal reconquistou esta sua província, e os judeus tiveram de partir. Alguns regressaram a Amesterdão. Outros foram para territórios próximos e estabeleceram comunidades em lugares como Curaçao, São Tomás, Suriname, e Jamaica. Um grupo de 23 judeus veio para Nova Amesterdão (mais tarde Nova Iorque) em Setembro de 1654. Foram os fundadores de Shearith Israel - e da comunidade judaico-americana.As primeiras gerações de Shearith Israel estavam profundamente imbuídas com a cultura ibérica. Com efeito, a primeira Constituição da congregação - de1728 - foi escrita em inglês e português. Algumas das entradas no primeiro livro de registos da congregação estão em português. E entre as figuras principais na comunidade figuram pessoas com apelidos portugueses como Seixas, Peixoto, Mendes, Maduro.Embora Shearith Israel tenha agora 350 anos de idade, não esqueceu as suas raízes portuguesas e espanholas. Assim, foi para nós uma ocasião incomparável quando fomos visitados por S. A. R. Dom Duarte, Duque de Bragança, em 8 de Novembro de 2003. O Duque participou aqui na liturgia da manhã de sábado e foi cordialmente cumprimentado por membros da congregação. Mostrámos-lhe o nosso primeiro livro de registos que inclui a Constituição em português e inglês, e as referidas entradas em português. Acompanhado pelo Sr. Roger Mendes, assistiu à liturgia na nossa sinagoga bastante semelhante ao que se escutaria nas sinagogas medievais de Portugal e de Espanha.

Considerámos a visita de Dom Duarte como uma expressão visível do seu interesse em restabelecer a ligação com esta comunidade judaica que tem raízes profundas em Portugal. Foi como que uma reaproximação, em que ele, como símbolo da realeza portuguesa, veio ter com a comunidade judaica, em espírito de respeito e fraternidade. Foi também com este espírito que ele foi recebido pela congregação. Sentimos que a sua visita à sinagoga simbolizou o interesse crescente de Portugal em recuperar o seu relacionamento com os judeus de raiz portuguesa e, de algum modo, reparar as injustiças cometidas contra os judeus

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na Ibéria medieval. A sua visita foi breve. Mas foi um gesto de amizade e de respeito. Ao estendermos a mão, nós demos-lhe a nossa para lhe transmitir as boas-vindas. Foi um aperto de mão simbólico que criou uma ponte por cima dos séculos.»Marc D. Angel, Rabino da Congregação Shearit Israel de Nova Iorque Nova Iorque, Junho de 2005

Fernando NobreTenho a honra e o grande prazer de conhecer S. A. R, o Senhor Dom Duarte, Duque de Bragança, há vários anos. Nas nossas amistosas, francas e profícuas conversas, invariavelmente notei o seu inquebrantável e imenso amor por Portugal e pela comunidade lusa ou luso descendente.Com tenacidade e espírito de sacrifício sempre abordou positivamente o futuro de Portugal. É de realçar o profundo conhecimento que tem sobre as verdadeiras dificuldades que o país enfrenta, mas também sobre os aliciantes desafios e oportunidades que se nos deparam e oferecem nestes tempos de aceleradas incertezas e efémeras, mudanças globais. A sua visão abrangente e as suas ideias claras alimentaram sempre as nossas conversas enriquecidas pela sua disponibilidade ao diálogo, aberto e construtivo.Tenho a certeza de que os seus artigos, assim como as suas entrevistas e comunicações, em boa hora reunidos em livro, contribuirão para esclarecer o povo português e impulsionarão o despertar da tão salutar e imperiosa esperança que tanta falta nos faz.Nas nossas conversas, com a humildade genuína característica ímpar dos espíritos humanistas e esclarecidos e apanágio da real grandeza que não suporta vaidades estéreis, sempre mostrou interesse em conhecer a minha visão do Mundo, debatendo amigável e frontalmente comigo, quando discordava, aceitando com simplicidade a reciprocidade do procedimento.Aberto ao conhecimento, verdadeiro Democrata, o Senhor Dom Duarte está bem consciente dos seus legítimos e irrefutáveis pergaminhos e Direitos mas está sobretudo ciente, o que enaltece a sua incontestável posição como Chefe da Casa Real Portuguesa, dos seus imensos e indeclináveis Deveres.É por tudo isso que, para mim, o Senhor Dom Duarte é hoje, sem dúvida alguma, um dos mais ilustres representantes da dignidade da Nação Portuguesa.

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De Timor à Guiné, de Angola a Ceilão, de Cabinda ao Brasil, de Goa ao Benin, de São

Tomé a toda a nossa diaspora, as suas atempadas e justas tomadas de posição são portadoras de uma História que nos deve orgulhar e mostrar os futuros caminhos.Obrigado, Senhor Dom Duarte por continuar a ser o garante de um passado português que me motiva e do qual muito me orgulho. Por tudo isso, bem haja!15 de Julho de 2005

Theodore McCarrick«Senhor Duque de Bragança... a grande nação de Portugal caiu vítima de tiranias cancerígenas já por várias vezes, e, por isso, com sabedoria e coragem, também abristes a Vossa Ordem (Ordem de São Miguel da Ala) a membros de vários graus, homens e mulheres, de todas as denominações religiosas, que se dedicam a obras de caridade, à educação e ao apoio aos Portugueses em Portugal e no Mundo. Fazeis isto para que a orgulhosa e antiquíssima cultura Cristã da Vossa grande nação sobreviva e dê frutos... Eis a vossa missão, o vosso ideal. Que o Senhor que em Si iniciou este bom trabalho O leve a completá-lo».Cardeal Theodore Me Carrick, Arcebispo de Washington, D.C.,Washington, 23 de Outubro de 2005D. Carlos Ximenez BeloBispo de Dili e Prémio Nobel da Paz 1996Em 1997 visitou a Diocese de Dili (Timor Oriental) Sua Alteza Real o Duque de Bragança, a convite do então Administrador Apostólico de Dili, o autor destas linhas. Nos dias da sua estadia em «Timor Timur», Sua Alteza Real hospedou-se no humilde Paço Episcopal de Lecidere, edifício este que foi totalmente incendiado e destruído pelas milícias timorenses e soldados indonésios em 6 de Setembro de 1999. Em Dili, sempre acompanhado do Administrador Apostólico, D. Duarte realizou visitas de cortesia ao Senhor Governador Abílio Osório Soares, ao Comandante Militar indonésio e ao Chefe da Policia indonésia.

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Obtida a devida autorização pudemos viajar de helicóptero militar e pudemos assim visitar alguns concelhos de Timor-Timur; Oe-Kusi-Ambeno, Sawe (Manufahi) Ainaro e Baucau. Nessas localidades, D. Duarte pôde contactar com as autoridades (Bupati, Dandin e Kapolres) sacerdotes, religiosas, alguns chefes de sucos, professores, alunos das escolas e populações.Não se fizeram declarações políticas; mas nos encontros D. Duarte demonstrou que estava solidário com o povo de Timor-Leste e dizia que era importante continuar a manter a amizade entre os povos de Portugal e de Timor, amizade essa alicerçada nos laços históricos, culturais e religiosos. As populações pediam a D. Duarte para que o Governo Português não se esquecesse dos seus deveres para com Timor.Ao longo de décadas houve personalidades, igrejas, meios de comunicação social que apoiaram a autodeterminação de Timor-Leste. Nesse processo, Sua Alteza Real o Duque de Bragança deu o seu contributo para que em Timor se realizasse a consulta popular sobre a autonomia de Timor-Leste. Já depois do referendo, D. Duarte apoiou Timor com uma tipografia que foi destinada para a Diocese de Baucau. Com essa tipografia imprimiram-se livros escolares e outros materiais didácticos, contribuindo assim para a preservação da cultura e da língua portuguesa em Timor-Leste.

A Sua Alteza Real o Duque de Bragança manifesto a minha admiração e a minha homenagem pelo seu apoio contínuo ao Povo e à Igreja em Timor-Leste.Mogofores, 3 de Fevereiro de 2006

Vasco Rocha VieiraDas diversas formas de organização política das sociedades, a monarquia - em todas as suas variantes, desde a absoluta à constitucional - é aquela que tem uma relação mais profunda com o tempo e com a garantia de uma continuidade essencial da estruturação política na História. É nesse contexto que se formula o princípio dos dois corpos do Rei, onde coexiste um corpo humano de uma personalidade concreta, que é rei ou herdeiro da coroa, que está sujeito às vicissitudes do humano e do histórico, com o corpo simbólico de um rei que tem o horizonte temporal dessa comunidade onde funciona como o elo que une as sucessivas gerações para a realização do objectivo colectivo que é a sua persistência como entidade no concerto das nações. Se o corpo humano do rei é perecível,

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portanto, temporário, o corpo simbólico do rei é intemporal, retoma a linha de continuidade no preciso momento em que é interrompida.Esta ligação do tempo do rei com o tempo da comunidade é o traço singular e distintivo da forma de organização política monárquica. Não há liberdade nesta relação do rei com a comunidade que o institui como aquele que assegura a continuidade no tempo; cada elo desta ligação herda o que os anteriores lhe transmitiram e é responsável pelo que transmite aos seguintes. Em lugar da liberdade dos que podem escolher o seu destino, quem tem a posição de destaque de chefiar uma casa real assume a obrigação de quem se integra numa missão que transcende a vontade de cada um. O seu destino é o destino da comunidade que seleccionou uma via dinástica para estabelecer a sua identidade e para defender a sua continuidade. As circunstâncias históricas podem alterar a forma política de organização da sociedade, optando pela democracia ou por formas autoritárias, mas não podem alterar a responsabilidade com a relação de continuidade que uma família real, uma dinastia, assume para com a comunidade a que pertence. Ainda que a forma política monárquica não seja a adoptada num período histórico, não é quebrada a responsabilidade da família real enquanto a comunidade de que emerge e que a constitui como série de elos de continuidade existir.A História de Portugal inicia-se com a afirmação de um rei, que se afirma como primeiro elo de uma dinastia, ao mesmo tempo que estabelece a identidade nacional da comunidade que dirige. Ao longo da História, mudaram as dinastias, mas não se alterou a relação que nasce dos dois corpos do rei, o corpo terreno e o corpo simbólico.Dom Duarte de Bragança, personalidade que vive no contexto das suas circunstâncias próprias, é o elo presente desta longa cadeia que simboliza a continuidade da comunidade portuguesa no tempo. Mesmo que não tenha nenhuma responsabilidade concreta no exercício do poder político no quadro de um regime democrático republicano, Dom Duarte de Bragança conserva a sua responsabilidade como portador de uma missão e de uma obrigação que não é alienável: ser digno dos que o antecederam, transmitir para os que lhe sucedem o encargo de simbolizarem a continuidade da comunidade portuguesa no tempo. É uma responsabilidade exclusiva e irrenunciável, porque nenhuma outra entidade pode

ocupar esse lugar. E é nos tempos de crise e de perplexidade, quando grandes mudanças ameaçam a realização das expectativas formadas na sociedade, que as entidades e as instituições com capacidade para simbolizarem a continuidade têm um papel mais importante a desempenhar.Participante empenhado nos acontecimentos da vida portuguesa, com a sua formação no Colégio Militar e o cumprimento dos seus deveres militares a

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Força Aérea Portuguesa em Angola, tem assumido, com regularidade, um protagonismo relevante em iniciativas da sociedade civil e, em especial, deve ser sublinhado o seu empenhamento pessoal na defesa do povo maubere e da independência de Timor. Sem reivindicar privilégios políticos, mas mantendo-se fiel à sua missão e à sua obrigação de defender a dignidade dos seus antecessores e de transmitir a sua responsabilidade aos seus sucessores, Dom Duarte de Bragança tem sabido ser o elo de continuidade que o corpo simbólico do Rei impõe. Não há valorização maior nem elogio mais merecido do que responder com sucesso ao que é a sua missão irrenunciável.Para além do seu papel institucional há a sua personalidade. A sua simpatia, a sua modéstia natural, a sua capacidade de comunicação com todos os estratos sociais, o seu interesse pelos acontecimentos portugueses e a sua vontade de participação cívica dão realidade, consistência e calor humano ao que são as suas obrigações institucionais. Mesmo para os que não são monárquicos, mesmo que a evolução política não se oriente no sentido da restauração monárquica, Dom Duarte de Bragança já provou ser um amigo seguro de Portugal e merecedor da estima e da admiração de todos os que o conhecem.Lisboa, 17 de Março de 2006

Pascoal MocumbiQuando, em 1960, cheguei a Portugal, ainda sob o regime ditatorial de Salazar, para estudar Medicina em Lisboa, nunca imaginaria que um dia haveria de privar com um distinto descendente de família real Portuguesa, como veio a acontecer três décadas depois.O meu encontro com Dom Duarte Pio de Bragança tem lugar quando decorria a fase final das negociações de Paz para Moçambique, em Roma. Dom Duarte cativou-me pela sua amabilidade e capacidade de compreensão das tradições e valores culturais dos seus interlocutores, revelando a riqueza das suas vivências com pessoas de diferentes origens e horizontes culturais.Foi por isso fácil estabelecer confiança e conversar sobre a paz, que tardava a chegar mesmo depois de, em 1990, ter sido introduzida uma nova Constituição abrindo espaço para o multipartidarismo em Moçambique.O país estava dilacerado por uma guerra devastadora, mas sem uma causa genuinamente nacional. Estando eu na frente diplomática do Governo, a minha

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missão era fazer amizades e trazer amigos a Moçambique, para que partilhando connosco o sofrimento vivido, nos pudessem aconselhar outras abordagens para «a guerra sem sentido entre irmãos» que perdurava.

Precisávamos de ajuda dos Amigos do nosso povo para acelerar a busca de paz, para prosseguirmos a construção de uma nação independente e soberana. Pessoa simples e afável, mostrou-se disponível para dar o seu contributo para o fortalecimento das relações de amizade e cooperação entre os povos de Moçambique e de Portugal. Convencido, como estava, de que o pior tinha sido ultrapassado na mesa das conversações em Roma, transmiti ao meu interlocutor a firme determinação que nos animava na busca de paz, e que esta não tardaria muito a ser alcançada, pelo que deveríamos desde já ir pensando no desafio de sarar as feridas da guerra e na reconstrução do tecido social e das infra-estruturas.Assim estabelecemos e mantivemos relações de amizade com Dom Duarte.Eu acredito que o exercício da democracia começa em casa, na família. Encontrei em Dom Duarte um Príncipe democrata, defensor da autodeterminação dos povos, porque ele próprio proveniente de uma família com história secular de luta pela defesa de identidade própria, como parte duma nação, com um passado e identidade cultural.Haia, 28 de Maio de 2006Primeiro-Ministro da República Popular de Moçambique (1994-2004)Ministro dos Negócios Estrangeiros (1986-1996)Ministro da Saúde (1980-1986)Desde Março de 2004, é High Representative of the European and Developing Countries Clinical Trials Partnership (EDCTP) com sede em Haia, Países Baixos.

Otão de HabsburgoViena, 5 de Julho de 2006O passado de Portugal e da sua casa reinante, a Casa de Bragança, é uma das páginas mais gloriosas da história da Europa e da cristandade. Como viajei muito pelo mundo fora, sei quanto conta o nome de Portugal mesmo em lugares onde desde há muito tempo foram interrompidas as relações com a mãe pátria. Para

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mim, por conseguinte, uma das tarefas principais de Portugal, é de repor o seu nome no mapa do mundo em todos os lugares onde os Portugueses estiveram e provar assim que, mesmo uma pequena nação que tem um espírito de patriotismo, de fé e de empresas humanitárias, é capaz de fazer milagres.Encontrei Portugal nas minhas viagens através de vários continentes. Um dos encontros mais impressionantes fui em Angola onde me encontrava num recanto das montanhas dos Dembos. Cheguei a uma colina onde uma das tribos celebrava a sua festa especial. Juntei-me ao grupo, e havia uma grande dança em redor do fogo dirigida por um ancião de ar muito distinto com uma bela bengala que era manifestamente a insígnia do chefe. Dançava-se, e falava-se e, de repente, o chefe saiu do grupo, veio até mim, abraçou-me e disse «Caro Primo». Francamente, fiquei a bastante surpreendido. É que, explicaram-me então, aquando da conquista do território, o Rei de Portugal decidira que todos os chefes de tribo seriam automaticamente primos do Rei de Portugal. Como o chefe soubera que a minha avó era da Casa de Bragança, eu era automaticamente seu primo.Esta pequena história mostra efectivamente o que o nome de Bragança e de Portugal significa ao longo dos séculos nas diferentes partes do mundo. Não é a lembrança de uma conquista pela violência, mas a aproximação humana entre as raças sob o sinal da Cruz.

Lamentei muito que alguns Portugueses tenham esquecido esta irradiação mundial. É contra isso que Dom Duarte de Bragança luta. Ele é, com efeito, o melhor representante de Portugal nas diferentes regiões onde se encontram as marcas da história, seja na África, nas Americas ou na Ásia. Dom Duarte de Bragança deixou em toda a parte uma recordação e é hoje o melhor embaixador de Portugal e, sobretudo, do seu espírito. É isso que é indispensável não somente para o seu país, mas para toda a Europa.Devemos-lhe muito. E por isso que Portugueses, Brasileiros e Africanos desejam, a ele e à sua família, que continue nesta missão histórica que leva o nome do Portugal da verdadeira cristandade para além das fronteiras do nosso continente, na perspectiva de uma história que é uma parte da qual todos somos herdeiros. É uma nova expansão o que ele realiza pelas suas deslocações e pelas suas declarações. É por isso, que como europeu, lhe desejo uma longa vida com grandes sucessos. Que a missão que traçou para a sua vida e que excede de longe as fronteiras da Europa seja coroada de sucessos, nesta retomada da missão eterna de Portugal que está tão viva hoje como na época da frota de Vasco da Gama.

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Maurice DruonEntre os herdeiros de coroas e de tronos, Dom Duarte de Bragança é daqueles que vivem o seu destino com maior dignidade, elegância e vontade. O acolhimento fácil que a todos presta é testemunha de uma longa linhagem de soberanos; presta atenção a quem dele se aproxima; pratica a arte da fidelidade; e tem interesse por tudo o que é humano.Dom Duarte encarna as magníficas qualidades que tornam o povo português tão atraente.Paris, 6 de Julho de 2006Kartika SoekarnoOur philanthropic paths have crossed a few years ago thanks to the humanitarian interest of H.R.H D. Duarte for Timor’s democracy.I had the great pleasure of meeting the Duke and Duchess of Bragança in1997 at their residence in Sintra. At this occasion, the Duke was on his way to Indonesia. It was an honor for me to organize during his visit a meeting with our Foreign Affairs Minister, H.E. Ali Alatas to discuss his ideas to provide a special autonomy for Timor.The passion and continuous dedication of Dom Duarte for humanitarian causes have always remained in my life a source of inspiration for my foundation for Indonesian Children.Dom Duarte’s ability to communicate with various layers in society have always impressed me.In fact, it reminded me of the ability my father, the late President Sukarno had to communicate with people and inject enormous energy into the groups of people who listened to him when he made his various speeches. Dom Duarte has the ability to rise above the crowd, show them the way on how they should be led: his vision is not only his vision. On the contrary, it becomes a shared vision. His vision extends to the «have nots» of Indonesian society. He was instrumental for raising substantial amount of funds for my foundation. In fact, when I met him, my foundation supported only 2000 children. Today, we are now able to support 8000 children.

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My best wedding present was the presence of my friend Dom Duarte and the recognition of

my philanthropic work when he awarded me with the medal from the crown of Portugal. I am grateful to have had the support of the Dom Duarte for the work of my foundation which aims at improving the quality of education and basic health care for children in Indonesia.With kind regards, Djakarta, July 2006

Kigeli V do Ruanda«O Duque de Bragança representa para Portugal a Alma do Povo Português e da sua rica história e cultura».Fátima, 26 de Setembro de 2006

Mário SoaresConheci pessoalmente D. Duarte de Bragança, logo a seguir ao 25 de Abril, salvo erro, no Grémio Literário. Surpreendeu-me pela sua simplicidade, afabilidade e simpatia.Sendo, como sou, «republicano, socialista e laico», isso não me impediu, ultrapassando preconceitos antimonárquicos, de estabelecer, com o presuntivo herdeiro da Coroa, uma relação de grande cordialidade e empatia.Já era Presidente, quando me anunciou a decisão de se casar e me convidou - e à minha Mulher - para assistirmos à cerimónia do seu casamento, no Mosteiro dos Jerónimos.Reflexão feita, aceitei o convite e assisti à cerimónia, presidida pelo Senhor Cardeal D. António Ribeiro. Como «Presidente de todos os portugueses», entendi dever aceitar o convite que - diga-se - causou alguma estranheza em certas Casas reinantes europeias. A minha presença enfureceu alguns amigos meus mais jacobinos e radicais, mas penso que enobreceu a República, que sempre vi como inseparável da Democracia, ou seja: uma instituição pluralista, respeitadora dos Direitos Humanos, tolerante e convivente com todas as opiniões, incluindo,

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naturalmente, as monárquicas, desde que respeitem a República, nos termos da Constituição.D. Duarte é uma personalidade que prima pela correcção de atitudes e por um relacionamento extremamente afável e bem educado. Tudo isso tem vindo a ser reconhecido. É um patriota, como tem demostrado ao longo dos anos e nomeadamente procurando manter excelentes relações com os Povos das nossas ex-colónias e, em especial, com Timor-Leste.Mário SoaresVau, 29 de Agosto de 2006

7.

BIBLIOGRAFIA

7.1. Arquivos

Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, LisboaArquivo Pessoal de Dom Duarte de Bragança, SintraArquivos da Liga Popular Monárquica Gonçalo Ribeiro Telles, LisboaFamília de Jorge Jardim, LisboaVasco Telles da Gama

7.2. Publicações periódicas

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7.3. Monografias

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índice de nomes

Abílio Osório, 160Aboim Ascensão, 108Adelino Amaro da Costa, 121, 237

Adolf Hitler, 37, 125Adriano de Magallanes, 169Afonso de Albuquerque, 386Afonso Costa, 104, 192Afonso Moura Guedes, 334Afonso XIII, 31,16, 168Agostinho da Silva, 21 115Agustina Bessa Luís, 334Aiatola Khomeini, 125Akira Kurosawa, 201Alaisdair Maclntyre, 137Alberto de Monsaraz, 84, 86Alberto João Jardim, 93Alberto Martins, 251Albino dos Reis, 40, 86Albino Mezzi, 198Alcino Cardoso, 75Alexandre Magno, 25Alexandre Bettencourt, 88Alexandre ”Xanana” Gusmão, 20, 156, 157160,161,386Alexandre Herculano, 45, 207 Alexandre O’Neill, 25 Alexandre Tati, 57 Alexandre Soljenitsin, 177 Alferes Malheiro, 237 Alfredo Costa, 244AliAlatas, 160,Almeida Garrett, 27Almeida Santos, 239, 242, 246, 248Almeida Monteiro, 88Alpoim Calvão, 151Álvaro de Mendonça, 34Álvaro Amaro, 249Álvaro Povoas, 149Alves Correia, 240, 243Alves da Veiga, 237Amália Rodrigues, 23, 25Ana Cristina Ribeiro, 94Ana Gomes, 161Ana Sofia Monteiro, 24Anacoreta Correia, 93Andrei Tarkovsky, 202Aníbal Azevedo Miranda, 75, 98Aníbal Cavaco Silva, 106, 112Ana de Kiev, 433Anna Marl}’, 170António Alves, 37António Arnaud, 201António Bembe, 147António Borges de Carvalho, 94, 237-244

António Capucho, 243António Conselheiro, 149António Carlos Noronha, 150António Crespo de Carvalho, 282António Cruz Rodrigues, 177António Ennes, 51

462

António Galvão Lucas, 247António Henrique da Cunha Bueno, 97, 111, 150António Homem Cardoso, 24, 104 106, 160António Feijó, 162António Lobo Xavier, 93António Maria Pereira, 333António Moniz, 240António Oscar de Fragoso Carmona, 17, 38,39, 54, 84, 85, 86, 93, 274 António Osório Soares Carneiro, 237 António Pardete da Fonseca, 282 António Ramalho Eanes, 94, 123, 174 António Reis, 246 António Rodrigues, 249 António Saleiro, 113 António Sampaio e Melo, 108 António Sardinha, 17, 82, 98 António Sérgio, 17, 70, 82, 89, 235, 237 António Silva, 204António Sousa-Cardoso, 24, 96, 99, 250 António Sousa Lara, 91, 93, 97, 245, 284 António de Spínola, 53, 54, 63, 64, 91 António Vitorino, 239, 241 Aprígio Rocha, 44 Aquiles Monteverde, 31 Aquilino Ribeiro, 82, 89, 243, 337 Ariano Suassuna, 6, 21, 24,148, 149 Aristides Pereira, 21, 150 Aristóteles, 25 ArnãoMetelo, 155 Arnold Toynbee, 141 Arthur Chamberlain, 37 Artur Camarate Santos, 96 Audrey Flack, 179 Auguste Marmont, 171 Augusto da Costa, 82Augusto Cassiano de Andrade Barreto, 282 Augusto Ferreira do Amaral, 24, 94, 237, 246 Augusto Pinochet, 246 Aurélio Crespo, 96 Ayres de Orneias, 34, 35, 51, 267 Azedo Gneco, 17, 31 Baptista Bastos, 103 Barão Dempo, 183Barbara Piacekwa Johnson, 172Basílio Horta, 245, 246Basílio Teles, 237Bénard Guedes, 90Bento XV, 194, 195Bento XVI, 195Bento Morais Sarmento, 24, 54, 249Bernard Lewis, 194Bernardino Faria, 185Bertrand de Renouvin, 94Bettencourt Rodrigues, 82Betty Dopson, 179Boutros-Ghali, 20,144Caeiro da Matta, 194Caetano Beirão, 39, 43Caldeira Cabral, 71Câmara Reis, 82

Cancela de Abreu, 86Cardeal de Alpedrinha, 26Cardeal Glemp, 172Cardeal Villot, 172Cardeal Theodore McCarrick, 6, 181Carlos Brito, 113, 239, 244Carlos de Azeredo, 53, 61Carlos I de Habsburgo, 187, 195Carlos de Thurn e Taxis, 37Carlos Evaristo da Silva, 24Carlos Gime, 147Carlos Macedo, 93-94Carlos Malheiro Dias, 243Carlos Manuel Sousa, 94Carlos Moreira, 66Carlos Queiroz, 43Carlos Santos Pereira, 177Carlos Vaz Marques, 101Carlos XVI Gustavo, 18, 137, 172Carmona Rodrigues, 93Castelo Branco Chaves, 82Catarina Almeida, 24Celestino da Costa, 82Chang KaiChek, 182Charles Maurras, 82Charlton Heston, 203Charters de Almeida, 178

463

fcClara Picão Fernandes, 96Claire Schulmann, 178Clairborne Pell, 178Clara Picão Fernandes, 106Conceição Laboureur Cardoso, 24Conde de Almada, 35, 38, 267Conde de Barcelona, 39Conde de Chambord, 138-139Conde de Sabugosa, 31Conde Duque de Olivares, 362, 376Conde von Stauffenberg, 37Conde-Duque de Olivares, 353, 376Condessa de Paris, 106Correia de Jesus, 250Cornélio da Silva, 77Coronel Purwanto, 157

Costa Leite, 86Craveirinha, 412Craveiro Lopes, 41, 45, 47, 86Cunha Leal, 236D. Adelaide, 89, 102D. Afonso de Santa Maria, 23, 107, 172, 173,417D. Afonso Henriques, 311, 319, 324-325, 331,358, 402D. Afonso IV, 202 D. Afonso V, 166 D. Afonso VI, 125,202 D. Amélia, 31, 36, 37, 38, 39,40,41, 43, 52, 86,104,112,136D. Ana de Jesus Maria, 268 D. António Ribeiro, 106 D. Augusta Victoria de Sigmaringen, 33, 73,136D. Boaventura (Liurai), 386 D. Carlos, 30, 35, 81, 88, 100, 101, 104, 112,118, 200, 237, 243, 244, 248, 413 D. Carlos Ximenez Belo, 5, 20, 159, 160, 161,377D. Catarina de Bragança, 178-9 D. Dinis, 23,107,173 D. Duarte Nuno, 28, 34, 35, 36, 37, 38, 41, 43,44; 45^ 49^ 52, 65,101,102, 137, 154, 250,270,271,272,273,274,297 D. Eurico Dias Nogueira, 56, 106,169D. Filipa, Infanta, 38, 39, 41, 65, 89D. Francisco van Uden, 56, 102D. Henrique, 38, 65, 67, 102D. Isabel de Herédia, 21,22,104,105,107,108,109,112,113,153,170,172,417 D. João de Orleães e Bragança, 149 D. João I, 166, 311, 317, 319, 321-322, 331,376D. João II, 26, 245, 363 D. João IV, 309, 317, 319, 331, 335, 343, 353,362, 369-70, 376, 383 D. João V, 245 D. João VI, 33, 98,126,133 D.José, 106, 245 D. José Pombeiro, 39 D. José Saraiva Martins, 195 D. Julian Barrio Barrio, 169 D.Juan Carlos de Espanha, 126, 138, 238 D. Luís Filipe, 30, 52, 81,143, 243, 413 D. Luís I, 241D. Manuel Fraga Iribarne, 5, 20, 166, 169 D. Manuel II, 17, 20, 24, 28, 30, 31, 32, 33, 34,35,36,41, 73,77, 78, 83, 84,132,136,137,264-7,410D. Manuel Monteiro de Castro, 185 D. Maria 1,126D. Maria II, 28, 30, 33, 35, 248 D. Maria Adelaide de Loewenstein, 37 D. Maria Aldegundes, 34 D. Maria Benedita, 37D. Maria Francisca de Bragança, 23, 107,172 D. Maria Francisca de Orleans e Bragança, 28,34, 38, 44, 45, 49D. Maria Francisca de Sabóia, 202 D. Maria Teresa de Loewenstein, 33 D. Miguel I, 20, 28, 33, 34, 36, 44, 65, 99,102,149D. Miguel (II), 28, 31, 32, 33, 34, 89,102, 139,265-6

D. Miguel, duque de Viseu, 17, 38, 44, 45, 56,65, 69, 75, 101, 150, 153, 172,182 D. Pedro II, 126D. Pedro IV, 20, 27, 28, 30, 34, 38, 148,149 D. Pedro V, 70,119

463

Clara Picão Fernandes, 96Claire Schulmann, 178Clairborne Pell, 178Clara Picão Fernandes, 106Conceição Laboureur Cardoso, 24Conde de Almada, 35, 38, 267Conde de Barcelona, 39Conde de Chambord, 138-139Conde de Sabugosa, 31Conde Duque de Olivares, 362, 376Conde von Stauffenberg, 37Conde-Duque de Olivares, 353, 376Condessa de Paris, 106Correia de Jesus, 250Cornélio da Silva, 77Coronel Purwanto, 157Costa Leite, 86Craveirinha, 412Craveiro Lopes, 41, 45, 47, 86Cunha Leal, 236D. Adelaide, 89,102D. Afonso de Santa Maria, 23, 107, 172, 173,417D. Afonso Henriques, 311, 319, 324-325, 331,358, 402D. Afonso IV, 202 D. Afonso V, 166 D. Afonso VI, 125, 202 D. Amélia, 31, 36, 37, 38, 39,40, 41, 43, 52, 86,104,112,136D. Ana de Jesus Maria, 268 D. António Ribeiro, 106 D. Augusta Victoria de Sigmaringen, 33, 73,136D. Boaventura (Liurai), 386 D. Carlos, 30, 35, 81, 88, 100, 101, 104, 112,118, 200, 237, 243, 244, 248, 413 D. Carlos Ximenez Belo, 5, 20, 159, 160, 161,377D. Catarina de Bragança, 178-9 D. Dinis, 23, 107, 173 D. Duarte Nuno, 28, 34, 35, 36, 37, 38, 41, 43,44, 45, 49, 52, 65,101,102,137,154, 250,270,271,272,273,274,297 D. Eurico Dias Nogueira, 56,106,169D. Filipa, Infanta, 38, 39, 41, 65, 89D. Francisco van Uden, 56,102D. Henrique, 38, 65, 67, 102

D. Isabel de Herédia, 21,22,104,105,107,108,109,112,113,153,170,172,417 D. João de Orleães e Bragança, 149 D. João I, 166, 311, 317, 319, 321-322, 331,376D. João II, 26, 245, 363 D. João IV, 309, 317, 319, 331, 335, 343, 353,362, 369-70, 376, 383 D. João V, 245 D. João VI, 33, 98,126,133 D.José, 106, 245 D. José Pombeiro, 39 D. José Saraiva Martins, 195 D. Julian Barrio Barrio, 169 D.Juan Carlos de Espanha, 126, 138, 238 D. Luís Filipe, 30, 52, 81,143, 243, 413 D. Luís I, 241D. Manuel Fraga Iribarne, 5, 20, 166, 169 D. Manuel II, 17, 20, 24, 28, 30, 31, 32, 33, 34,35, 36,41,73, 77, 78, 83, 84,132,136,137,264-7, 410D. Manuel Monteiro de Castro, 185 D. Maria 1,126D. Maria II, 28, 30, 33, 35, 248 D. Maria Adelaide de Loewenstein, 37 D. Maria Aldegundes, 34 D. Maria Benedita, 37D. Maria Francisca de Bragança, 23, 107, 172 D. Maria Francisca de Orleans e Bragança, 28,34, 38, 44, 45, 49D. Maria Francisca de Sabóia, 202 D. Maria Teresa de Loewenstein, 33 D. Miguel I, 20, 28, 33, 34, 36, 44, 65, 99,102,149D. Miguel (II), 28, 31, 32, 33, 34, 89, 102, 139,265-6D. Miguel, duque de Viseu, 17, 38, 44, 45, 56,65, 69, 75,101,150,153,172,182 D. Pedro II, 126D. Pedro IV, 20, 27, 28, 30, 34, 38,148,149 D. Pedro V, 70, 119

464

D. Pedro de Orleães Bragança, 149D. Sebastião, 70, 71, 362D. Sebastião Soares de Resende, 53D. Serafim da Silva Ferreira, 199Dag Hammarskjold, 187Dalai Lama, (Tenzin Gyatso) 6, 193, 199, 200,395Daniel Noronha Feio, 282 David Mendes, 97, 110 David Walter, 101 Deborah Kerr, 202 Deng Pu Fang, 181 Deng Xao Ping, 181 Dias Pereira, 91Diocleciano Faria de Oliveira, 111, 150 Diogo Belford Henriques, 96 Diogo Cão, 145 Diogo Freitas do Amaral, 220 Diogo Sebastião, 69 Dom Vasco Telles da Gama, 24 Domenico Fisichella, 213 Domingos de Fezas Vital, 39, 40, 41, 86 Donald Trump, 178 Duarte Leite, 79 Duarte Silva, 93 Duque de Aosta, 101 Duque de Ávila, 118 Duque de Montrose, 52 E.P. Jacobs, 205 Edmund Hillary, 74 Edmund Plowden, 26 Eduardo VIII de Inglaterra, 126 Edwin O’Brien, 181 Emídio Martins, 334 Emir Kusturica, 202 Eng. António de Sousa Cardoso, 96 Eng. Rocha de Matos, 334 Eng. Po s singer, 56 Eric Hottung, 73, 181 Ermias Selassie, 186, 436 Erwin Goodenough, 26 Erwin Rommel, 37 Eurico Timor, 95 Falcão e Cunha, 93Família D’Orey, 65

Fátima Campos Ferreira, 99, 110Felicia Cabrita, 102Felipe Gonzalez, 92Fernanda Leitão, 154Fernandes de Oliveira, 136Fernando Amado, 88Fernando Amaro Monteiro, 24, 36, 41, 44, 45,65, 89, 90,100,196 Fernando Costa Quintais, 282 Fernando Ferreira da Costa, 69, 70 Fernando França van Dunen, 20, 144 Fernando Honrado, 88 Fernando Ka, 74 Fernando Matos Silva, 202 Fernando Nobre, 6Fernando Pacheco de Amorim, 44, 88, 92 Fernando Pessoa, 22, 83, 141, 412 Fernando de Sá Monteiro, 96 Fernando Santos Costa, 39, 44 Fernando Sylvan, 91 Fernando Teixeira, 200 Fernando Teixeira Viana, 282 Fernando Vale, 200 Fernão Lopes, 27 Fernão Pacheco de Castro, 88 Augusto Ferreira do Amaral, 88, 94, 99, 103,109,110Fidel Castro, 125 Fradique de Meneses, 21, 153 Francisco da Costa Gomes, 64 Francisco Hipólito Raposo, 64 Francisco Pinto Balsemão, 94 Francisco Sá Carneiro, 17, 61, 94, 237 Francisco Rolão Preto, 40, 84, 85, 86, 89 Francisco Salgado Zenha, 237 Francisco Sousa Tavares, 30, 88, 89, 90, 91, 98,237,239,241,413 Francisco Louçã, 250 Francisco Velasco de Gouveia, 27 Francisco Vieira de Almeida, 40, 86, 89 Francisco Xavier do Amaral, 155 Franco E. Prosperi, 202 Fred, 205

465

Frederico Moura, 244Frederico Perry Vidal, 88, 111, 150Frei Elias de Gusmão, 106Frei Francisco Rodrigues, 195Freitas Cruz, 52Gabriele Salvatores, 204Garcia Leandro, 152Gary Stretch, 202Gaspar de Campos, 282Gastão da Cunha Ferreira, 90, 92Gengiscão, 433General Benny Murdani, 157, 159General Franco, 39, 85, 168General Murtopo, 157General Virantu, 162Gerald Ford, 155Gilberto Freyre, 21, 148, 187, 412Gilberto Santos e Castro, 64Giovanna da Bulgária, 106Giuliano Ferrara, 100Gonçalo Ribeiro da Costa, 246-49Gonçalo Ribeiro Telles, 24, 27, 71, 88, 91, 94,95, 99,103,110, 231, 243, 244, 249, 282 Gonçalo Sampaio e Melo, 24 Goodwill Zwelithini,

185 Gõran Persson, 172 Grão-Duque do Luxemburgo, 106 Gualtiero Jacopetti, 203 Guido Dorso, 128 Hailé Selassie, 186 Harold Johnson, 79 Hassan II, 195 Hastings Banda, 52 Helena Roseta, 245 Helena Vaz da Silva, 334 Henrique Barrilaro Ruas, 43, 44, 88, 91, 94, 95,98, 103,106,141, 188, 218, 239, 249, 282 Henrique Galvão, 243 Henrique de Orleans, 40 Henrique Paiva Couceiro, 17, 31, 34, 48, 51, 55,57,60,83,84,85,416 Henrique Queiroz de Ataíde, 88, 282 Henrique Martins de Carvalho, 49 Henry Kissinger, 63, 156Herberto Goulart, 239Herculano Chorão de Carvalho, 58Hernani Lopes, 333Hilda Toledano, 100, 101Hipólito Raposo, 82, 84, 86Humberto de Itália, 126Humberto Delgado, 17, 48, 84, 88, 89, 91Ian Smith, 52IdiAmin, 59, 125Ilya Glazunov, 174, 177Inês Pires, 433Infanta Margarida de Espanha, 106Infante D. Henrique, 79, 363Inspector Alcarva, 57Irmã Lúcia, 176, 200Isaac Abarbanel, 197Isabel de Habsburgo, 150Isabel II de Inglaterra, 18Iussuf Habibi, 148, 160, 161Ives Gandra Martins, 150Jacinto Ferreira, 86, 102Jacques Delors, 173Jacques Monet, 27Jaime Cortesão, 19, 165, 240Jaime Gama, 93, 154, 159, 160Jaime Lacerda, 334James Forrester, 181James Michael von Stroebel, 181James Michener, 181Jane Fonda, 204Jean Ziegler, 20, 21, 49, 207, 208Jean-Jacques Rousseau, 208Jesus Pabón, 84Joana d’Arc, 194Joana da Bulgária, 170João Aguiar, 202João Ameal, 67João de Azevedo Coutinho, 34, 35, 36, 38, 51,270

João Bernardo Vieira, 21, 151 João Bettencourt, 122 João Braga, 102 João Camossa, 88, 90, 282 João Carlos Robin de Andrade, 8

466

João Chagas, 31, 104,236João Corregedor, 245João Crespo de Carvalho, 282João das Regras, 317João de Almeida, 51João de Turn e Taxis, 150João do Amaral, 38, 86João Bosco Mota Amaral, 93, 166, 250João Estarreja, 24João Franco, 94, 118João Mário Grilo, 202João Mattos e Silva, 96, 97, 100, 210João Palmeiro, 24João Paulo I, 172, 175João Paulo II, 20, 99, 159, 172, 173, 175, 187,189,193,194,403,410 João Rebelo de Carvalho, 333 João Rios Alves, 96 João Salgueiro, 183 João Seabra, 282 João Soares, 18, 99, 110, 334 João Urbano Pessoa, 148 João Vaz Serra e Moura, 88 Joaquim Chissano, 153 Joaquim Leitão, 265 Joaquim Navarro de Andrade, 282 Joaquim Rodrigues, 147 Joaquim Santos Silva, 58 Jodie Foster, 202 JohnHaffert, 174, 176 Jonas Savimbi, 144, 147 Jonathan Dimbleby, 24 Jordão Maurício Henriques, 38 Jorge V, 31 Jorge Amado, 412 Jorge Congo, 147 Jorge Dias, 165 Jorge de Herédia, 104 Jorge de Morais, 24, 41, 95, 104, 106 Jorge Jardim, 52-53 Jorge Miranda, Jorge Rangel, 152Jorge Portugal da Silveira, 88, 239, 240, 282 Jorge Sampaio, 113José Adelino Maltez, 50, 99,110,165, 219, 249José António Cunha, 98José Augusto Vaz Pinto, 220José Azeredo Perdigão, 334José Campos e Sousa, 21José Carlos de Oliveira, 202José de Castro, 152José Crespo de CarvalhoJosé Damasceno de Campos, 334José Joaquim de Almeida Santos, 89, 90José Liberate, 245José Luciano de Castro, 31José Luís Nogueira de Brito, 93, 96, 99, 110José Luís Nunes, 93, 236, 412José Magalhães, 247José Manuel Alves Quintas, 24, 97José Manuel Anes, 200José Manuel Casqueiro, 334

José Manuel Neves da Costa, 282José Manuel Durão Barroso, 93, 154José Manuel Mendes, 242José Manuel Tengarrinha, 244José Maria Garcia Leira, 169José Mattoso, 18José Medeiros Ferreira, 248, 249, 251José Meira Penna, 111, 150José Mendes Cabeçadas, 39José Nosolini, 39José Ramos Horta, 20, 159, 161, 377José Ribeiro e Castro, 93José Thedim, 174Joseph Kessel, 170Joseph Nye, 166Josué Bacalhau, 113Juan Vivas Lara, 166Juergen Habermas, 20Juliana da Orange, 143Júlio da Costa Pinto, 41, 90KarlRahner, 188Kartika Soekarno, 6, 24, 160Kofi Annan, 161Kurt Hahn, 43, 74Leal Marques, 162Leão Ramos Ascensão, 66,

467

Leonardo Ribeiro de Almeida, 238Lech Walesa, 172Lemos Ferreira, 333Lenine, 175Lenine Castro Povoas, 149Léon Poinsard, 17Leopoldo da Bélgica, 126Lopes Cardoso, 239, 241Lopez da Cruz, 161Lopo Cajarabille, 50Lord Graham, 52Lord Halifax, 37Lord Hunt, 74Luandino Vieira, 412Lúcia Melo, 24Luís XIV, 26, 202, 433Luís XVIII, 30Luís de Almeida Braga, 34, 39, 86, 89, 98, 243

Luís Beiroco, 241-242Luís Câmara Pina, 49Luís de Camões, 90,188, 412Luís Coimbra, 94, 95, 236, 239, 241, 242, 249Luís Fazenda, 251Luís Fontoura, 201Luiz Gonzaga Ribeiro, 333Luís Manuel Bernardo, 98Luís da Gama Pimenta de Castro Damásio,24,96Luís Queiró, 247 Luís Sá, 247-249 Luís Valente de Oliveira, 93 Luísa Manoel de Vilhena, 91 Luís Sá Carneiro, 24 Luiz Filipe Thomaz, 80 M.a da Nazaré Barros, 98 Madre Teresa de Calcutá, 63, 74 Magalhães e Silva, 88 Maggiolo Gouveia, 155 Manoel Galvão, 88 Manuel Abecassis, 52, 412 Manuel Alegre, 63, 93, 115,166 Manuel Amaral, 24 Manuel Andrade e Sousa, 178 Manuel Buíça, 244Manuel Condenado, 93Manuel Correia Botelho, 111, 150Manuel Frexes, 93Manuel Gomes Guerreiro, 72Manuel Mascarenhas Novais Ataíde, 282Manuel de Carvalho Costa, 282Manuel de Ramos Ferreira, 282Manuel Monteiro, 99, 110Manuel Pechirra, 196Manuel Serra, 89Manuel Themudo Barata, 144, 146, 147Manuela Aguiar, 77, 93, 152, 248Manuela da Luz Chaplin, 77, 180Manuela Eanes, 99Manuela Gonzaga, 34, 106, 116Maomé, 195, 433Maquiavel, 81Marc D. Angel, 5,196-197Marcello Caetano, 55, 57, 58, 86, 295Marco António Monteiro de Oliveira, 66, 282Marco Aurélio, 179Marco Ramerini, 86Marcus Garvey, 186Margarida da Bulgária, 106Maria Barroso, 93, 106Maria Borges, (Covilhã), 43Maria de Belém, 50, 73, 93, 182Maria Cavaco Silva, 99, 334Maria João Homem Cardoso, 24Maria José Nogueira Pinto, 99Maria da Luz de Bragança, 106Maria do Rosário, 53

Maria Pia Fanfani, 108Maria Teresa Jardim, 52Maria Teresa de Loewenstein, 33, 35, 53Mário Carrascalao, 61, 158, 159, 160, 161, 162Mário de Figuereido, 86Mário Lemos Pires, 155Mário Lino, 101Mário Mendes Rosa, 282Mário Pessoa, 85Mário Pessoa da Costa, 282Mário Raposo, 93Mário Rui, 204

468

Mário Saraiva, 66, 88,133, 297Mário Soares, 5, 27, 70, 9, 93, 103, 106, 123,144, us, 178,182, 238 Mário Sottomayor Cárdia, 91 Mário Tomé, 239 Marquês de Lavradio, 37, 39, 132 Marquês de Pombal, 126 Marquês de Sá da Bandeira, 200 Martim Borges de Freitas, 93 Martin Page, 141 Maurice Barres, 82 Maurice Druon, 5, 13, 21, 170 McPherson, 116 Megawati Soekarno, 160 Mel Gibson, 201 Melo Bártolo, 184 Mendo Castro Henriques, 13, 96, 98, 99, 103,110,111,150, 213, 223, 246, 247 Metropolita Nicodim, 174 Miguel Cadilhe, 93, 166 Miguel Esteves Cardoso, 95, 101, 103, 207 Miguel Horta e Costa, 75 Miguel Sousa Otto, 250 Moisés do Amaral, 334 Moreira da Silva, 248 Mouzinho de Albuquerque, 51 Mr. Vanderbyl, 52 Muammar Qaddafi, 125 Muatchissengue Watembo, 437 Nandim de Carvalho, 99, 110 Napoleão Bonaparte, 175, 427 Natalia Correia, 244, 344 Nicolau Lobato, 155 Nikias Skapinakis, 89 Nikita Mikhailov, 174 Nikias Ekdahl, 172 Norman Bailey, 178 Norodom Sihanouk, 125 Norton de Matos, 17, 51, 57 Nunes de Almeida, 241 Nuno Abecassis, 248-249, 334 Nuno Álvares Pereira, 45, 47, 166, 169, 187,194,201,317,402,410 Nuno Canas Mendes, 106Nuno Cardoso da Silva, 102Nuno Laboreur Cardoso, 67, 177Nuno Oliveira, 47Nuno Pombo, 96, 138Nuno Portas, 71Nuno Siqueira, 50Nuno Vaz Pinto, 88, 89O. C. Mathew, 182Octávio dos Santos, 96Odete Santos, 246Oliveira Dias, 239Oliveira Martins, 110, 456Oliveira Salazar, 17, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 43,44, 49, 54? 55, 65, 83, 84, 85, 87, 89, 90,100,136,246,274 Olívio França, 236Otão de Habsburgo, 5, 37, 106, 123, 137, 138 Padre Apolinário Guterres, 334 Padre

António Vieira, 23, 380 Padre Braula Reis, 47 Padre Casimiro José Vieira, 30 Padre Coelho, 183 Padre Gonzalez-Quevedo, 198 Padre João Seabra, 106 Padre José Carvalhais, 46 Padre Mário Cunha, 106 Padre Marques da Silva, Pascoal Mocumbi, 5, 20, 24, 152 Passos e Sousa, 41 Patriarca Alexis I, 176 Paul Kennedy, 179 Paul Preston, 24 Paulo Lowndes Marques, 96 Paulo Portas, 93Paulo Teixeira Pinto, 93, 211, 288 Paulo Vaiada, 334 Pedro Álvares Cabral, 387 Pedro Campilho, 246 Pedro Cardoso, 60 Pedro Catarino, 181 Pedro Cymbron, 96 Pedro Loff, 333 Pedro da Silveira, 65 Pedro Feytor Pinto, 57, 296

Pedro Mota Soares, 93Pedro Paiva Pessoa, 88, 282Pedro Roseta, 247-248Pedro Santana Lopes, 93, 95, 113Pequito Rebelo, 34, 36, 39, 67, 86Peter Russell, 79Peter Takirambudde, 147Phillip Kronzer, 199Pierre Moscovici, 211Pio XI, 36, 37, 99Pio XII, 37, 43,172,194, 316Plutarco, 25Presidente Cabila, 147Presidente Gorbachev, 174Presidente Suharto, 155,156, 159, 160, 161Presidente Soekarno, 160Presidente José Eduardo dos Santos, 144Princesa Ana de Bourbon-Sicília, 171Princesa Grace do Mónaco, 171Princesa Isabel de Bragança, 64, 183Princesa Teresa de Orleães-Bragança, 106Príncipe Alberto do Mónaco, 171Príncipe Carlos de Inglaterra, 24, 33, 52, 76,100,170,184Príncipe Eduardo de Inglaterra, 6 Príncipe Faisal Saud, 125 Príncipe Filipe da Bélgica, 106, 107, 170 Príncipe Filipe de Edimburgo, 160 Príncipe Filipe de Espanha, 166, 168 Príncipe Imperial do Japão Akihito, 183 Principe Khalid Saud, 184, 193, 395 Príncipe Nicolau II (Montenegro), 171 Príncipe Pedro de Orleães-Bragança, 106 Príncipe Rainier, 171 Prof. Bogener, 49 Ralph Dahrendorf, 20 Ranque Franque, 146 Ramalho Ortigão (Embaixador), 133, 185 Raul Bugalho Marques, 97 Raul Castro, 245 Raul Lino, 77 Raul Proença, 82 Raul Rego, 89, 200, 239, 240, 244 René Uderzo, 205Ricardo Abranches, 24Robert Schumann, 341Rodrigo Moctezuma, 246, 282Ronald Reagan, 20, 103, 178Rosário Poidimani, 100-101, 289-293Rui Carp, 93, 99,120Rui de Andrade, 39

Rui Namorado, 249Rui Quartin Santos, 282Rui Ramos, 18Rui Rio, 76Rui Rocha, 219S. Francisco de Assis, 240Sá Viana Rebelo, 55Sabino da Costa, 244Saddam Hussein, 125Saldanha da Gama, 31Salifujau, 53Sampaio Bruno, 237Santos Cardoso, 237Sebastião de Herédia, 104Sebastião de Lencastre, 282Sekuna Djaló, 53Séneca, 26Serge Lifar, 170Serik Aprimov, 202Serrão Franco, 265Shyam Benegal, 204Sigmund Sternberg, 6, 21Silva Marques, 239, 242, 244Simeão da Bulgária, 18,134,137,138,170,184Sophia de Mello Breyner, 334Sr. Abel, 90Sousa Lara (Pai), 172Stanley Cogan, 179Stanley Kubrick, 202Teixeira de Sampayo, 38-39Teixeira de Sousa, 93, 265Teresa Costa Macedo, 93, 333Tejero de Molina, 168, 238Telmo Correia, 250Tenzing Norgay, 73Tomás A. Moreira, 96Tiago Nzita, 147

470

Tim de Kook, 27Tito de Morais, 242Torres Couto, 334Tran Van Lang, 63Umerkutty, 182Valentin Rasputin, 21, 174, 176, 177Vasco de Carvalho, 86

Vasco da Gama, 182Vasco da Gama Fernandes, 243Vasco Gonçalves, 90Vasco Rocha Vieira, 5, 152Vernon Bogdanor, 213Victor Manuel Quintão Caldeira, 88, 282Victor Marques dos Santos, 96Vieira de Castro, 247Visconde de Asseca, 40Visconde de Damão, 183Visconde de Perném, 183Visconde de Ribeira Brava, 104Viegas Tavares, 333Vital Moreira, 241Warren Allmand, 215WimWenders, 201,203Winston Churchill, 116Xanana Gusmão, 141Yul Brynner, 202Zita, Imperatriz da Áustria, 193, 195