Dominio do entretenimento na contemporaneidade

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REVISTA AÇÃOMIDIÁTICA - Estudos em Comunicação, Sociedade e Cultura Universidade Federal do Paraná Programa de Pós Graduação em Comunicação Vol 2. Nº 2. Ano 2012 O domínio do entretenimento na contemporaneidade 1 Emerson Ike COAN 2 RESUMO Este artigo versa sobre as bases conceituais para compreender o domínio do entretenimento na contemporaneidade, a partir de sua acepção como elemento da cultura, passando pelos estudos críticos centrados nas noções de indústria cultural e de sociedade do espetáculo até os que se referem ao contexto da sociedade midiatizada, na qual se identifica uma fusão entre as dimensões lúdica e informacional. Palavras-chave: Comunicação na contemporaneidade. Entretenimento. Sociedade do espetáculo. Sociedade midiatizada. ABSTRACT This article deals with the conceptual basis for the understanding of the entertainment domain in contemporary time, from its acceptation as an element of culture, going through critical studies centered on the notions of cultural industry and the society of the spectacle, up to those referring to the mediatized society context, in which a fusion is identified between the playful and the informational dimensions in media products. Keywords: Communication in contemporary time. Entertainment. Society of the spectacle. Mediatized society. Introdução Este artigo versa sobre as bases conceituais para compreensão do domínio do entretenimento na contemporaneidade. Parte de sua acepção como componente da natureza psíquica do homem e como elemento da cultura, em razão da dimensão “Homo ludens” (do brincar, jogar, entreter), passando pela postura crítica centrada nas noções de indústria cultural e de sociedade do espetáculo, até o contexto da denominada Dedico este artigo ao Professor Doutor Alysson Leandro Mascaro, com quem compartilho a esperança de uma sociedade mais fraterna e justa, além da razão instrumental reinante. 1 Trabalho apresentado à quarta edição da Revista Ação Midiática Estudos em Comunicação, Sociedade e Cultura, publicação ligada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Sociedade, da Universidade Federal do Paraná. 2 Mestre em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo. Mestre em Comunicação pela Faculdade Cásper Líbero. Membro do Grupo de Pesquisa "Comunicação e Sociedade do Espetáculo" na Faculdade Cásper Líbero.

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Emerson Ike COAN

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    Universidade Federal do Paran

    Programa de Ps Graduao em Comunicao

    Vol 2. N 2. Ano 2012

    O domnio do entretenimento na contemporaneidade1

    Emerson Ike COAN2

    RESUMO

    Este artigo versa sobre as bases conceituais para compreender o domnio do entretenimento

    na contemporaneidade, a partir de sua acepo como elemento da cultura, passando pelos

    estudos crticos centrados nas noes de indstria cultural e de sociedade do espetculo at

    os que se referem ao contexto da sociedade midiatizada, na qual se identifica uma fuso

    entre as dimenses ldica e informacional.

    Palavras-chave: Comunicao na contemporaneidade. Entretenimento. Sociedade do

    espetculo. Sociedade midiatizada.

    ABSTRACT

    This article deals with the conceptual basis for the understanding of the entertainment

    domain in contemporary time, from its acceptation as an element of culture, going through

    critical studies centered on the notions of cultural industry and the society of the spectacle,

    up to those referring to the mediatized society context, in which a fusion is identified

    between the playful and the informational dimensions in media products.

    Keywords: Communication in contemporary time. Entertainment. Society of the spectacle.

    Mediatized society.

    Introduo

    Este artigo versa sobre as bases conceituais para compreenso do domnio do

    entretenimento na contemporaneidade. Parte de sua acepo como componente da

    natureza psquica do homem e como elemento da cultura, em razo da dimenso Homo

    ludens (do brincar, jogar, entreter), passando pela postura crtica centrada nas noes

    de indstria cultural e de sociedade do espetculo, at o contexto da denominada

    Dedico este artigo ao Professor Doutor Alysson Leandro Mascaro, com quem compartilho a esperana

    de uma sociedade mais fraterna e justa, alm da razo instrumental reinante. 1 Trabalho apresentado quarta edio da Revista Ao Miditica Estudos em Comunicao, Sociedade

    e Cultura, publicao ligada ao Programa de Ps-Graduao em Comunicao e Sociedade, da

    Universidade Federal do Paran. 2 Mestre em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de So Paulo. Mestre em Comunicao

    pela Faculdade Csper Lbero. Membro do Grupo de Pesquisa "Comunicao e Sociedade do Espetculo"

    na Faculdade Csper Lbero.

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    sociedade midiatizada, na qual identificada uma fuso entre o ldico e o informacional

    nos produtos miditicos.

    O entretenimento como componente da natureza psquica do homem e como

    elemento da cultura

    H um menino

    H um moleque

    Morando sempre no meu corao

    Toda vez que o adulto balana

    Ele vem pra me dar a mo

    (Bola de meia, bola de gude M. Nascimento e F. Brant)

    O termo entretenimento, do latim "inter" (entre) "tenere" (ter), evoluiu para o

    ingls "entertainment", aquilo que diverte com distrao ou recreao ou um

    espetculo pblico ou mostra destinada a interessar ou divertir (Gabler, 1999: 25). A

    ideia de ter entre indica que o entretenimento nos leva cada vez mais para dentro

    dele e de ns mesmos (Trigo, 2003: 32).

    A dimenso Homo ludens (do brincar, jogar, entreter) possibilita ver na

    atividade no direcionada a um fim pragmtico um componente da natureza psquica do

    homem e uma das bases da cultura. Esta, para compreenso do ldico como um de seus

    elementos constituintes, o conjunto de atividades que ultrapassam a mera finalidade de

    preservar a sobrevivncia material.

    Da que:

    A cultura, em particular, e a vida humana, em geral, so muito mais

    complexas que as tentativas de se padronizar experincias. O esporte,

    a cultura, a poltica, os jogos e as diverses, a religio e as crenas, as

    festas so fontes inesgotveis de atividades humanas prazerosas, que

    se expressam sob os mais diversos conceitos como lazer, recreao,

    cio e entretenimento (Trigo, 2003: 181).

    Freud, em "O poeta e a fantasia", prope procurar na infncia os traos da

    atividade imaginativa do artista, considerando que, ao brincar, toda criana comporta-se

    como um artista na criao de um mundo novo composto dos elementos de seu prprio

    mundo. Tambm explica que brincar uma atividade sria, na qual a criana investe

    grandes quantidades de afeto, e que a realidade, e no a seriedade, que se ope ao

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    jogo. Este pertence ao domnio da fantasia e, quando brinca, a criana procura apoio nas

    coisas palpveis e visveis do mundo real. O poeta faz o mesmo que a criana ao

    brincar: cria um mundo de fantasia, leva-o a srio, investe nele grande quantidade de

    emoo e distingue-o muito bem da realidade. significativo, porm, que, ao

    crescerem, as pessoas param de brincar e perdem o prazer da infncia. Todavia, no

    renunciam ao prazer de brincar. Trocam-no por outro, pelo fantasiar, j que:

    En realidad, no podemos renunciar a nada, no hacemos ms que

    cambiar unas cosas por otras; lo que parece ser una renuncia es, en

    realidad, una sustitucin o una subrogacin. As tambin, cuando el

    hombre que deja de ser nio cesa de jugar, no hace ms que prescindir

    de todo apoyo en objetos reales, y en lugar de jugar, fantasea. Hace

    castillos en al aire; crea aquello que denominamos ensueos o sueos

    diurnos (Freud, 2007: 1344).

    A criana brinca de ser mais velha para imitar o que conhece da vida dos adultos

    e no tem motivo algum para esconder esse desejo. Diferentemente do adulto, de quem

    esperado que no brinque de acordo com as suas fantasias, pois sabedor de que entre

    os desejos que as alimentam h aqueles impossveis de ser revelados, pois considerados

    proibidos. Tanto mistrio, porm, no impede que sejam conhecidas suas fantasias,

    porquanto muitas pessoas, vtimas de doenas nervosas, so obrigadas a revelar a um

    mdico seus devaneios para serem curadas. A Psicanlise , para Freud, a melhor fonte

    de conhecimento das fantasias dos adultos como realizaes de desejos reprimidos e

    desencadeadores de estados patolgicos.

    Indica ainda a relao da fantasia (sonhos diurnos) com os sonhos noturnos, uma

    vez que o sentido destes obedece ao fato de que tambm durante o sono movem-se

    desejos causadores de vergonha e so ocultados, reprimidos e deslocados para o

    inconsciente. De volta ao incio:

    No debe olvidarse que la acentuacin, quiz desconcertante, de los

    recuerdos infantiles en la obra del poeta se deriva en ltimo trmino

    de la hiptesis de que la poesa, como el sueo diurno, es la

    continuacin y el sustitutivo de los juegos infantiles (Freud, 2007:

    1347).

    Isso tudo diz respeito ao efeito que a obra de arte produz, pois o relato direto das

    fantasias de uma pessoa causa indiferena ou at repulsa. Da que as pulses que levam

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    um artista a criar seriam as mesmas que levam outras pessoas neurose. Porm, o

    artista exprime suas fantasias, torna-as aceitveis e at prazerosas aos outros, realizando

    os desejos prprios e os alheios. A tcnica do artista, no particular do poeta, que leva

    superao de algumas barreiras: ou porque as suborna com o prazer puramente formal

    ou esttico que suaviza ou disfara o carter egocntrico de seus devaneios; ou porque

    proporciona um deleite s pessoas com as suas prprias fantasias, em razo do que

    liberam tenses. Eis o componente da natureza psquica do homem para compreenso

    do entretenimento.

    Huizinga observa que to importante como o raciocnio na dimenso Homo

    sapiens e o fabrico de objetos na dimenso Homo faber, e talvez ao mesmo nvel do

    primeiro, o jogo na dimenso Homo ludens, de modo que deve ser tomado como

    fenmeno cultural e estudado em uma perspectiva histrica. O jogo tem primazia sobre

    a cultura, pois objetivamente observvel, passvel de definio concreta, ao passo que

    a cultura apenas um termo que nossa conscincia histrica atribui a determinados

    aspectos. Nada impede interpret-lo como qualquer fenmeno cultural que se apresente

    como inteiramente srio (algo identificado em Freud, para quem o contraponto com a

    realidade), como a Filosofia, o Direito e a guerra, como se revelassem o elemento ldico

    original. Em tais esferas, h (na polmica como busca do saber, no processo judicial e

    na luta, respectivamente) uma instncia primitiva e mtica de competir para vencer, ao

    expor sensibilidade e habilidades tcnicas e por elas ser reconhecido.

    A sociabilidade do homem decorre tambm da sua natureza ldica. ela que

    confere espontaneidade nas relaes de convivncia, independentemente das

    instituies. no jogo e pelo jogo que a civilizao surge e se desenvolve. O percurso

    de sua forma significante como funo social tem origem no mito e no culto3.

    A anttese jogo-seriedade significa que os homens foram tomando conscincia

    do conceito de jogo como entidade independente. uma atividade voluntria e

    desinteressada (sua feio potica): um intervalo em nossa vida quotidiana como funo

    vital, para que o homem, isolada ou cooperativamente, possa suprimir temporariamente

    3 No mito vivo no existe qualquer distino entre o jogo e a seriedade. S quando se torna mitologia

    (literatura, transmitida como uma forma tradicional por uma cultura que em parte se separou da

    imaginao primitiva) foi aplicada ao mito a distino entre o jogo e a seriedade, e em seu detrimento.

    Em relao ao culto, o mito, aps haver perdido seu valor como instrumento adequado da compreenso

    do universo pelo homem, continua desempenhando a funo de exprimir o divino em linguagem potica,

    o que alguma coisa mais do que uma funo esttica, pois na realidade uma funo litrgica

    (Huizinga, 2007: 144-145).

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    o mundo habitual e se colocar num espao/tempo com dinmica prpria, regras

    estruturais e obrigatrias, permissivas de sua repetio como um ritual ou um culto. No

    por acaso, o fascnio, o encantamento, a iluso e o arrebatamento que provoca. Deve o

    participante crer e manter-se fiel ao papel assumido para no ser um desmancha-

    prazeres. O jogo:

    uma atividade que se processa dentro de certos limites temporais e

    espaciais, segundo uma determinada ordem e um dado nmero de

    regras livremente aceitas, e fora da esfera da necessidade ou da

    utilidade material. O ambiente em que ele se desenrola de

    arrebatamento e entusiasmo, e torna-se sagrado ou festivo de acordo

    com a circunstncia. A ao acompanhada por um sentimento de

    exaltao e tenso, e seguida por um estado de alegria e de distenso

    (Huizinga, 2007: 147).

    Quanto ao domnio em formao do ldico na contemporaneidade, Huizinga j

    em 1938 vislumbrava um problema, ainda existente, expresso nas perguntas: em que

    medida a cultura atual continua se manifestando atravs de formas ldicas? At que

    ponto a vida dos homens que participam dessa cultura dominada pelo esprito ldico?

    Coube-lhe denunciar que a definio de jogo por ele formulada, estava sendo

    desvirtuada, uma vez que saa da esfera do divertimento ocasional para a existncia de

    clubes e da competio organizada, de modo que o esprito do profissional no mais o

    esprito ldico, pois lhe falta a espontaneidade, a despreocupao. Sustentou ainda que

    procurar ver se h um contedo ldico na confuso da vida moderna pode levar a

    concluses contraditrias tais como as existentes na busca de atingir um record no

    esporte e na procura de cumprir metas de estatsticas de vendas. J presenciava um

    aspecto esportivo em quase todo triunfo comercial ou tecnolgico: o navio de maior

    tonelagem, a travessia mais rpida, a maior altitude etc. Os negcios transformavam-se

    em jogo (Huizinga, 2007: 217-222).

    Assim:

    cada vez mais fortemente dominada por uma caracterstica que tem

    alguma coisa em comum com o jogo e d a iluso de um fator ldico

    fortemente desenvolvido ... Tudo se passa como se a mentalidade e o

    comportamento do adolescente tivessem passado a dominar certas

    reas da vida civilizada que outrora pertenciam aos adultos

    responsveis (Huizinga, 2007: 227-228).

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    O entretenimento numa postura crtica

    Pois no posso, no devo e no quero

    Viver como toda essa gente insiste em viver

    E no posso aceitar sossegado

    Qualquer sacanagem ser coisa normal

    (Bola de meia, bola de gude M. Nascimento e F. Brant)

    O fato de o ldico ser um componente humano no quer dizer que se deva atuar

    em relao a tudo apenas para se distrair ou se divertir. A poro ldica implica tambm

    ser compromissado com o jogo, isto , participar dele com respeito s suas regras e, no

    menor vis, sentir-se indignado e acusar aquele que se ps como um desmancha-

    prazeres.

    As mudanas ocorridas em decorrncia da sociedade de consumo fizeram com

    que Adorno e Horkheimer cunhassem a expresso indstria cultural, a ponto de em 1947

    sustentarem que a cultura contempornea confere a tudo um ar de semelhana. O

    cinema, o rdio e as revistas constituem um sistema. Cada setor coerente em si mesmo

    e todos o so em conjunto (Adorno; Horkheimer, 1985: 113). Eles cuidaram da relao

    entre a indstria cultural e o entretenimento, na diferenciao entre o modo de se

    apresentar deste antes e depois do advento daquela. Antes de ser assimilada pela

    indstria cultural, a diverso caracterizava-se pelo nonsense, como arte leve em

    relao arte sria, algo como o popular em relao ao erudito. Naquele

    contexto:

    A arte sria recusou-se queles para quem as necessidades e a presso

    da vida fizeram da seriedade um escrnio e que tm todos os motivos

    para ficarem contentes quando podem usar como simples passatempo

    o tempo que no passam junto s mquinas (Adorno; Horkheimer,

    1985: 126-127).

    O vnculo entretenimento/capitalismo ocorre em trs planos. O primeiro, na

    eliminao da oposio tempo livre/tempo de trabalho, pois:

    O consumo de bens de entretenimento alivia, em aspectos

    determinados, os indivduos do processo de trabalho e possibilita um

    tipo de satisfao substitutiva. O central nisso a necessidade dos que

    trabalham de fugir do trabalho alienado, e no a necessidade por

    entretenimento (Buselmeier, 1985: 39).

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    O segundo, na associao diverso/consumo, pois at tirar frias significa

    trabalhar e consumir, ou seja, o tempo livre tornou-se uma mercadoria. Da que:

    O entretenimento e os elementos da indstria cultural j existiam

    muito tempo antes dela. Agora, so tirados do alto e nivelados altura

    dos tempos atuais. A indstria cultural pode se ufanar de ter levado a

    cabo com energia e de ter erigido em princpio a transferncia muitas

    vezes desajeitada da arte para a esfera do consumo, de ter despido a

    diverso de suas ingenuidades inoportunas e de ter aperfeioado o

    feitio das mercadorias (Adorno; Horkheimer, 1985: 126).

    O terceiro, na subordinao da diverso ao princpio da utilidade, por certo que

    os trs se implicam:

    A indstria cultural permanece a indstria da diverso. Seu controle

    sobre os consumidores mediado pela diverso, e no por um mero

    decreto que esta acaba por se destruir, mas pela hostilidade inerente ao

    princpio da diverso por tudo aquilo que seja mais do que ela prpria.

    A diverso o prolongamento do trabalho (Adorno; Horkheimer,

    1985: 128).

    apenas aparente a liberdade de escolha do indivduo, uma vez que:

    O princpio impe que todas as necessidades lhe sejam apresentadas

    como podendo ser satisfeitas pela indstria cultural, mas, por outro

    lado, que essas necessidades sejam de antemo organizadas de tal

    sorte que ele se veja nelas unicamente como um eterno consumidor,

    como objeto da indstria cultural (Adorno; Horkheimer, 1985: 133).

    A inverso do significado de diverso como passatempo para se distrair com

    algo diferente dos afazeres cotidianos est no fato de que o entretenimento deixa de ser

    algo imediato, um fim em si mesmo, transformando-se em um meio para a reproduo

    do modo de produo capitalista (Coelho, 2010: 166). A diverso est a servio das

    grandes empresas na busca de lucro desmedido, coerente com a razo instrumental do

    sistema capitalista de dominao, pela submisso a comportamentos que lhe so teis.

    O tempo livre deixa de ser um espao para se desligar do cotidiano e torna-se um

    tempo que deve ser aproveitado para gerar vantagem financeira ao sistema capitalista,

    ou seja, para consumir (televiso, jornais, revistas, rdio, Internet - meios em que so

    veiculados anncios publicitrios) ou passear para descansar em shopping centers.

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    Na contemporaneidade, sob o imprio de uma ideologia do consumo

    desenfreado de bens, servios e marcas, por fora de uma correspondente publicidade

    ostensiva, o ser humano tem a iluso da liberdade ou da conscincia plena de escolha.

    Tudo se torna valor de troca, bastante o ter algo ou parecer-se com algo,

    insignificante o ser algum. a lgica da produo de aparncias e da cultura da

    imagem, como se fosse vivida em plenitude a prpria realidade social numa ao cvica,

    o que expresso na tese de Guy Debord (1997: 14) sobre o fetichismo das imagens:

    O espetculo no um conjunto de imagens, mas uma relao social entre pessoas,

    mediada por imagens.

    Primeiro, o prprio trabalhador acredita que o valor de uma mercadoria no

    consequncia do tempo de trabalho socialmente necessrio para a sua produo, mas

    decorre da natureza do produto. Depois, os meios tcnicos dominam de modo a

    influenciar, diga-se alienar, a possibilidade de o indivduo criar um distanciamento

    crtico, e de cidado passa a mero consumidor de imagens. Assim:

    no s o trabalhador deixa de se ver e ser visto como o sujeito do

    processo de produo (basta ver o uso do termo classes produtoras para designar os empresrios) como qualquer indivduo no capitalismo

    deixa de ver e ser visto como produtor da prpria realidade social, que

    aparece como se fosse separada das aes humanas (Coelho, 2006: 16-

    17 destaque no original).

    Na relao entre a mdia e o entretenimento a viso se torna legitimadora do que

    passa por ela, sem que seja importante se o que visto verdico, valioso, inteligvel,

    estruturado ou simplesmente banal, falso, manipulador ou distorcido. O domnio do

    espetculo pode ser visto como um componente do atual estgio da sociedade

    capitalista, pois:

    Na fase primitiva da acumulao capitalista, a economia poltica s v no proletrio o operrio, que deve receber o mnimo indispensvel para conservar sua fora de trabalho; jamais o considera

    em seus lazeres, em sua humanidade. Esse ponto de vista da classe dominante se inverte assim que o grau de abundncia atingido na

    produo das mercadorias exige uma colaborao a mais por parte do

    operrio. Subitamente lavado do absoluto desprezo com que tratado

    em todas as formas de organizao e controle da produo, ele

    continua a existir fora dessa produo, aparentemente tratado como

    adulto, com uma amabilidade forada, sob o disfarce de consumidor.

    Ento, o humanismo da mercadoria se encarrega dos lazeres e da

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    humanidade do trabalhador, simplesmente porque agora a economia poltica pode e deve dominar essas esferas como economia poltica. Assim, a negao total do homem assumiu a totalidade da existncia humana (Debord, 1997: 31-32 destaques no original).

    O conceito elaborado por Debord pode ser plenamente compreendido nos seus

    vnculos com a teoria crtica da sociedade capitalista em aproximao com a perspectiva

    frankfurtiana (Coelho, 2006: 13), uma vez que:

    Considerado em sua totalidade, o espetculo ao mesmo tempo o

    resultado e o projeto do modo de produo existente. No um

    suplemento do mundo real, uma decorao que lhe acrescentada. o

    mago do irrealismo da sociedade real. Sob todas as suas formas

    particulares informao ou propaganda, publicidade ou consumo direto de divertimentos , o espetculo constitui o modelo atual da vida dominante na sociedade. a afirmao onipresente da escolha j feita na produo, e o consumo que decorre dessa escolha. Forma e contedo do espetculo so, de modo idntico, a justificativa total das

    condies e dos fins do sistema existente. O espetculo tambm a

    presena permanente dessa justificativa, como ocupao da maior parte do tempo vivido fora da produo moderna (Debord, 1997: 14-

    15).

    A produo de mercadorias inseparvel da produo de imagens que

    influenciam na compra de um produto, na utilizao de um servio ou na identificao

    com uma marca. Cludio N. P. Coelho explica que antes de se tomar contato com as

    mercadorias, toma-se contato com as imagens que as divulgam (2003: 51-52). A

    combinao de produo de mercadorias/produo de imagens dissemina-se para outras

    atividades sociais. Logo, a indstria cultural, a ao dos meios de comunicao de

    massa, direciona-se no sentido de transformar todas as dimenses da vida social de

    acordo com as caractersticas da sociedade do espetculo.

    O entretenimento na sociedade midiatizada

    H um passado

    No meu presente

    ...

    O solidrio no quer solido

    (Bola de meia, bola de gude M. Nascimento e F. Brant)

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    Neal Gabler sustenta que a vida se tornou um filme. A aplicao deliberada de

    tcnicas teatrais em poltica, religio, educao, literatura, comrcio, guerra, crime, em

    tudo, converteu todos os ramos da indstria de entretenimento, na qual o objetivo

    supremo ganhar, satisfazer uma audincia, com uma fora to esmagadora que

    acabou produzindo uma metstase e virando a prpria vida (Gabler, 1999: 13). Ao agir

    como um vrus ebola cultural, o entretenimento invadiu organismos que at havia

    pouco ningum imaginava que fossem capazes de fornecer divertimento (Gabler, 1999:

    17). A transformao da vida num veculo de entretenimento no poderia ter dado certo:

    se aqueles que assistem ao filme-vida no tivessem descoberto o que

    os primeiros produtores de cinema j tinham descoberto anos antes:

    que as plateias precisam de algum elemento de identificao para que

    o espetculo as envolva de fato. No cinema, a soluo foram as

    estrelas. Para o filme-vida so as celebridades. Ainda que o estrelato,

    seja qual for sua forma, confira celebridade automtica, muito

    provvel que hoje em dia ela seja concedida igualmente a gurus de

    dietas milagrosas, a estilistas e as suas chamadas top models, a advogados, polticos, cabeleireiros, intelectuais, empresrios,

    jornalistas, criminosos qualquer um que calhe de ser captado, ainda que efemeramente, pelos radares da mdia tradicional e que, por isso,

    sobressaia da massa annima. O nico pr-requisito publicidade

    (Gabler, 1999: 14-15).

    Tudo o que a mdia precisava fazer para produzir mais celebridades:

    era ampliar o alcance de seus holofotes, ainda que, ao faz-lo, tenha

    quebrado os ltimos elos que porventura ainda uniam a celebridade a

    algum feito, a fama a alguma habilidade. A nica habilidade que

    importava no universo em expanso da celebridade era a habilidade de

    fazer o prprio nome aparecer na mdia (Gabler, 1999: 151).

    Veem-se ainda programas reality? show! como Big Brother Brasil, pelos

    quais se percebe que se famoso meramente por ser famoso, ou seja, no preciso

    reunir qualificaes ou atributos pessoais (intelectuais, cientficos, artsticos, ldicos ou

    desportivos), basta aparecer e permanecer exposto em tempo real.

    Inmeros so os outros exemplos, desde o papel preponderante das telenovelas

    at o crescimento na mdia impressa do espao dedicado a temas como moda,

    gastronomia, cuidados com o corpo, busca de sucesso profissional, autoajuda,

    indicativas da mistura de informao e de entretenimento, a ponto de se falar em

    infotenimento (Coelho, 2010: 163). Isso porque:

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    Em uma sociedade cuja informao uma mercadoria valiosa e os

    fluxos de circulao da informao so controlados por instituies e

    empresas ligadas aos mais diversos setores produtivos, existe uma

    intricada rede que agrupa em um mesmo fenmeno atividades que, na

    origem, so diferentes (esportes, notcias, arte, educao, lazer,

    turismo, show-business), mas que se articulam enquanto mercadorias destinadas a um consumo especfico caracterizado pelo

    prazer (Trigo, 2003: 21-22).

    Dos anos 80 para c, em continuidade ao padro norte-americano, a dimenso

    informativa e a dimenso ldica fundem-se cada vez mais, de modo que aumenta o

    volume de leitores de revistas de atualidades e de entretenimento, nas quais a

    informao social e poltica resume-se mais a entrevistas que em anlises da vida

    cotidiana, dos gostos das personagens pblicas ou em suas opinies sobre conflitos que

    afetam o cidado comum.

    Ali pelos anos 90:

    rara era a semana em que no houvesse um vdeo de uma perseguio

    automobilstica em velocidades alucinantes, de algum acidente areo

    durante uma exibio ou outra, de algum ataque horrendo, por

    exemplo um domador sendo estraalhado por um leo, um refm em

    mos de criminosos com reprteres amontoados em volta,

    ansiosamente aguardando o desfecho do caso, ou ainda de algum pra-

    quedista cujo pra-quedas no abrira. (Avisamos ao telespectador que o que vamos mostrar a seguir pode ser desagradvel, avisa solenemente o ncora.) E ainda que todos saibam que o valor

    informativo de uma perseguio de automvel ou de um acidente de

    pra-quedas zero, todo mundo tambm sabe que o valor em termos

    de entretenimento enorme o que o mesmo que dizer: ns assistiremos (Gabler, 1999: 81).

    As publicaes, os programas de rdio e de televiso geram interpretaes

    satisfatrias para diferentes grupos de consumidores, com comentrios amveis,

    divertidos e vivncias melodramticas obtidas no lugar dos fatos numa estetizao da

    notcia, sem problematizar a estrutura social na qual esses fatos se inscrevem nem

    discutindo a possibilidade de transform-la (Coan, 2011).

    No se nega que o cidado/consumidor, nesse campo de fetichismo das

    imagens, age assim principalmente em razo do status social, ao proporcionar a

    satisfao de fazer parte de uma comunidade de pessoas que adotam tal valor cultural.

    Por outras palavras, sem olvidar a totalidade da lgica mercantil da sociedade do

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    espetculo, adotam a forma midiatizada, num espelhamento, pelo qual a qualidade da

    imagem medida a partir de um modelo sugerido pela mdia numa projeo scio-

    cultural ou extenso simblica. A midiatizao, conforme expe Muniz Sodr (2006:

    20-21), uma ordem de mediaes socialmente realizadas num tipo particular de

    interao, a qual se poderia denominar tecnomediaes, caracterizadas por uma

    espcie de prtese tecnolgica e mercadolgica da realidade sensvel, denominada

    medium. Assim:

    o termo prtese (do grego prosthenos, extenso), entretanto, no designa algo separado do sujeito, maneira de um instrumento

    manipulvel, e sim a forma resultante de uma extenso especular ou

    espectral que se habita, com um novo mundo, com nova ambincia,

    cdigo prprio e sugestes de condutas.

    A mdia exerce sobre o pblico uma influncia principalmente emocional e

    sensorial, em razo da qual identidades pessoais, comportamentos e at mesmo juzos de

    natureza supostamente tica passam pelo crivo de uma invisvel comunidade do gosto,

    na realidade o gosto mdio, estatisticamente determinado de acordo com uma

    qualificao cultural prpria, uma tecnocultura, como um novo bios, um novo tipo

    de relacionamento do indivduo com as referncias concretas e com a verdade, ou seja,

    uma outra condio antropolgica. a tica vicria, que faz as vezes de outrem ou

    de outra coisa (Sodr, 2006: 22-23).

    Nesta era digital em que a dependncia ao mundo virtual tida como inevitvel,

    muitas tarefas cotidianas j foram transportadas para a rede mundial (Internet) em

    computadores e, ultimamente, de telefones celulares ou de outra ferramenta inventada

    da noite para o dia e imediatamente divulgada exaustivamente como ltima moda.

    quase impossvel a ela se furtar, sobretudo para os adolescentes ou aqueles com esprito

    de adolescente, no importando sua faixa etria (argumento que foi prospectivo em

    Huinziga). O importante para essa gente estar ligado ou conectado ao bem de

    consumo mais moderno, quase que instantaneamente substitudo por outro ainda mais

    moderno, e desse modo instalar a relao existencial homem-mquina-meios em

    estranha e instintiva simbiose, muitas vezes para suprimir carncias afetivas de toda

    ordem, sem se dar conta do problema psicossomtico da estima prpria, no permitida a

    busca da plenitude e da identidade do ser pela reflexo. Paradoxalmente, um presente

    sem passado e uma interatividade solitria, e no solidria.

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    Por se tratar de um processo ainda em curso:

    O que talvez tenha transformado o computador, pelo menos nessa

    funo, em mais uma entre as vrias e engenhosas ferramentas

    tecnolgicas a servio da fora imensa e implacvel do entretenimento

    e feito da prpria Internet no uma superestrada da informao e, sim,

    uma superestrada do entretenimento (Gabler, 1999: 224).

    Sendo a mdia um dos principais componentes do atual estgio da sociedade

    capitalista, denominado por neoliberalismo ou por globalizao:

    a vida do ser humano mdio nas sociedades atuais , em geral,

    medocre e s pode ser suportada pelos cenrios e fantasias produzidos

    pela mdia, pela nossa fantasia (baseada na mdia) e pelo

    entretenimento. At mesmo as religies, partidos polticos e ONGs

    partiram para o espetculo para atrair as massas e o financiamento de

    seus projetos. Mas a maioria dessas manifestaes tampouco

    corresponde realidade, pois so propostas fantasiosas que se

    aliceram em um mundo medocre (Trigo, 2003: 147).

    Expe Gabler:

    Claro que nem todos se deixam hipnotizar. Muitos deploram os efeitos

    do entretenimento e das celebridades. Ainda que uma sociedade

    impulsionada pelo entretenimento e orientada pela celebridade no

    seja, necessariamente, uma sociedade que destri todos os valores

    morais, como querem alguns, ela uma sociedade em que o padro de valor saber se algo pode ou no atrair e manter a ateno do

    pblico. uma sociedade onde aquilo que no est conforme por exemplo, literatura sria, debate poltico srio, ideias srias, qualquer

    coisa sria tem mais probabilidade que nunca de ser diludo ou marginalizado. uma sociedade onde as celebridades se tornam

    modelos exemplares porque so elas que aprenderam como roubar a

    cena, independentemente do que tiveram de fazer para roub-la. E,

    num nvel mais pessoal, uma sociedade na qual os indivduos

    aprenderam a valorizar habilidades sociais que lhes permitem, como

    atores, assumir seja qual for o papel que a ocasio exija e a

    interpretar sua vida, em vez de simplesmente viv-la. O resultado que o Homo sapiens est se tornando rapidamente o Homo scaenicus o homem artista (Gabler, 1999: 15-16 destaques no original).

    importante ter em conta que, se o resultado na vida cotidiana uma crescente

    dependncia da mdia, em geral, e da digital, em particular, tudo est sendo explorado

    no por motivos de desenvolvimento humano, mas por motivos mercantis. O que um

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    prolongamento daquilo que j foi denunciado por Adorno e Horkheimer e por Debord.

    Tanto que este, nos seus Comentrios sobre a Sociedade do Espetculo, em 1988,

    constatou que os excessos miditicos4 eram uma das consequncias prticas do fato de

    o espetculo se afirmar por toda parte, sendo que a mudana de maior importncia, em

    tudo o que aconteceu h vinte anos, desde a publicao de A sociedade do

    Espetculo (1967), residia na prpria continuidade do espetculo (1997: 171). Mais

    de vinte anos se passaram e essa afirmao ainda pertinente.

    Consideraes finais

    E me fala de coisas bonitas

    Que eu acredito

    Que no deixaro de existir

    Amizade, palavra, respeito

    Carter, bondade

    Alegria e amor

    (Bola de meia, bola de gude M. Nascimento e F. Brant)

    A noo de que o entretenimento um elemento da cultura, na realizao do ser

    humano em sua poro ldica, pe em questo a necessidade de uma prtica hednica,

    como um fim em si mesmo, que permita ao homem vivenciar uma experincia de

    tenso e alegria, bem como de conscincia de ser diferente da vida cotidiana.

    A postura crtica, sem desconsiderar essa necessidade humana, denuncia o fato

    de que, no bastasse a explorao da fora produtiva laboral, mesmo quando o homem

    est em repouso e procura se distrair, ainda a explorado, porquanto a indstria cultural

    e a sociedade do espetculo o impelem, sem que tenha oportunidade de conscincia, a

    consumir. O entretenimento deixa de ser algo imediato, um fim em si mesmo, e

    transforma-se em um meio para a reproduo do modo de produo capitalista, pois, no

    contexto da modernidade para a contemporaneidade ocidental, o prazer individual passa

    a ser objeto da sociedade de consumo, sabido que uma parcela da individualidade

    4 Sobre o tema cf. Coan, E. I. (2011). A informao como mercadoria e a estetizao da notcia na

    sociedade contempornea, Estudos de Sociologia, v. 16, p. 19-35, no qual h algumas ilustraes de excessos miditicos internacionais e brasileiros, com ref. bibl. especfica sobre o assunto.

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    intersubjetiva do Homo ludens, por ser componente da natureza psquica do homem e,

    em consequncia, de reconhecimento scio-cultural, irredutvel.

    Na denominada sociedade miditatizada, as expresses indstria do

    entretenimento e infotenimento so sinnimas do objetivo supremo de atrair e manter

    uma audincia para obter lucro incontido, a partir da venda de produtos para distrair e

    divertir, substancialmente. A partir da dcada de 80, e de modo mais acentuado na

    dcada de 90 at os dias atuais, a dimenso informativa e a dimenso ldica se fundem

    cada vez mais, por fora de uma intricada rede de instituies e empresas globais que

    agrupam em um mesmo fenmeno atividades que, na origem, so diferentes, mas que se

    articulam como mercadorias destinadas a um consumo especfico caracterizado pelo

    prazer.

    H uma defasagem entre o progresso tecnolgico e o progresso humano, o que

    gera sentimentos de perplexidade. Por viver sob o imprio das aparncias, e cada vez

    mais querer se ajustar a elas, o indivduo compreende cada vez menos seus desejos,

    sentimentos e a sua prpria existncia, anulando-se a tal ponto de perder a conscincia

    de quem realmente , como ser situado no tempo/espao social e na sua prpria histria

    de vida.

    O domnio do entretenimento ou do espetculo o lugar onde triunfa o

    paradigma dos sentidos sobre a mente, da emoo sobre a razo, como um componente

    do atual estgio da sociedade capitalista, apenas para os seus fins instrumentais. Isso,

    diante de todo o exposto, no deve significar uma conformao ao gosto mdio

    midiatizado, mas uma permanente postura crtica, para que uma tica embasada na

    amizade, palavra, respeito, carter, bondade, alegria e amor nunca deixe de existir.

    REFERNCIAS

    ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Dialtica do esclarecimento: fragmentos

    filosficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985.

    BUSELMEIER, M. Entretenimento de massas na esfera do trabalho e do lazer. In:

    MARCONDES FILHO, C. (org.). A linguagem da seduo: a conquista das

    conscincias pela fantasia. So Paulo: Editora COM-ARTE, p. 29-71, 1985.

    COAN, E. I. A relao entre os discursos publicitrio e jornalstico no domnio do

    entretenimento. 281 p. Dissertao (Mestrado em Comunicao na

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    Contemporaneidade) Faculdade Csper Lbero, So Paulo, 2010. Disponvel

    http://www.casperlibero.edu.br/pesquisas/pesquisa/index.php/a-relacao-entre-os-

    discursos-publicitario-e-jornalistico-no-dominio-do-entretenimento,66.html.

    ____ A informao como mercadoria e a estetizao da notcia na sociedade

    contempornea. Estudos de Sociologia, v. 16, n. 30, Araraquara: UNESP/FCLAR, p.

    19-35, 2011. Disponvel em http://seer.fclar.unesp.br/estudos/article/view/3885/3567.

    COELHO, C. N. P. O conceito de indstria cultural e a comunicao na sociedade

    contempornea. Communicare, v. 2, n 2, So Paulo: Csper Lbero, p. 35-46, 2002.

    ____ Publicidade: possvel escapar? So Paulo: Paulus, 2003.

    ____ Em torno do conceito de sociedade do espetculo. In: COELHO, C. N. P.;

    CASTRO, V. J. de (orgs.). Comunicao e sociedade do espetculo. So Paulo: Paulus,

    p. 13-30, 2006.

    ____ Indstria cultural, entretenimento e cultura do narcisismo: a questo do

    controle social teraputico. In: COELHO, C. N. P.; LIMA JUNIOR, W. T. (orgs.).

    Comunicao: dilogos, processos e teorias. So Paulo: Pliade, p. 159-180, 2010.

    DEBORD, G. A sociedade do espetculo. Comentrios sobre a sociedade do

    espetculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

    FREUD, S. Obras Completas. Tomo II. Madrid: Biblioteca Nueva, 2007.

    GABLER, N. Vida, o filme: como o entretenimento conquistou a realidade. So

    Paulo: Companhia das Letras, 1999.

    HUINZINGA, J. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. So Paulo:

    Perspectiva, 2007.

    NASCIMENTO, M.; BRANT, F. Bola de meia, bola de gude. CD 14 Bis II, EMI,

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    SODR, M. Eticidade, campo comunicacional e midiatizao. In: MORAES, D.

    (org.). Sociedade midiatizada. Rio de Janeiro: Mauad, p. 19-31, 2006.

    TRIGO, L. G. G. Entretenimento: uma crtica aberta. So Paulo: Senac, 2003.