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    Cludia Maria Brs Varandas

    Fisiopatologia da Dor

    Universidade Fernando Pessoa

    PORTO-2013

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    Cludia Maria Brs Varandas

    Fisiopatologia da Dor

    Universidade Fernando Pessoa

    PORTO-2013

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    Fisiopatologia da Dor

    Universidade Fernando Pessoa

    Cludia Maria Brs Varandas

    Dissertao apresentada Universidade

    Fernando Pessoa como parte dos requisitos

    para a obteno do grau de Mestre em

    Cincias Farmacuticas

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    Sumrio

    A dor constitui uma experincia indissocivel do ser humano, experincia essa que afeta

    a qualidade de vida do Homem, o seu bem- estar e atividades do dia- a- dia,

    independentemente da sua faixa etria e classe social. A dor pode ser classificada

    segundo a durao temporal e segundo a sua fisiopatologia, assim sendo existe dor

    aguda ou crnica, dor nociceptiva, neuroptica ou psicognica. Contudo

    independentemente do tipo de dor vivenciada, esta assume-se como uma experincia

    subjetiva, complexa, multidimensional e desagradvel. A dor surge fisiologicamente

    como um sinal de aviso e de sobrevivncia. A fisiologia da dor tem sido atualmente um

    assunto arduamente investigado, pois um problema de Sade Pblica bastante

    abrangente e associado a todas as doenas, pois na realidade poucas so as doenas que

    em algum momento da sua evoluo no apresentaram dor. Sabe-se que existem

    estruturas intimamente relacionadas com a dor como os nociceptores, os diferentes

    feixes de espinal medula, as fibras sensitivas, o sistema nervoso central e o perifrico,

    clulas e mediadores qumicos e funcionais. O tratamento da dor torna-se algo

    imprescindvel, sendo sobretudo importante o tratamento farmacolgico, no entanto os

    possveis tratamentos no farmacolgicos atualmente disponveis merecem especial

    ateno pois complementam a teraputica farmacolgica.

    Palavras-Chave: dor, fisiopatologia da dor, nociceptores, espinal medula, clulas,

    mediadores, tratamento farmacolgico, tratamento no farmacolgico.

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    Abstract

    Pain is an experience inseparable from being human, this experience that affects the

    quality of human life, your well-being and day-to-day, whatever their age. Pain can be

    classified according to the temporal duration and pathophysiology, therefore there is

    acute pain, chronic pain, nociceptive pain, neuropathic pain, and psychogenic pain, but

    regardless of the type of pain experienced, this is assumed as a subjective experience,

    complex, multidimensional and unpleasant. Pain arises physiologically as a warning

    sign and survival. The physiology of pain has been an issue currently hard investigated

    because it is a public health problem rather comprehensive and associated with all

    diseases, because in reality there are few diseases that at some point in its evolution did

    not experience pain. It is known that structures are closely related to pain as nociceptors,

    different bundles of spinal cord, sensory fibers, the central and peripheral nervous

    system, cells and chemical and functional mediators. The treatment of pain becomes

    something essential, being especially important pharmacological treatment; however the

    potential non-pharmacological treatments currently available deserve special attention

    because they complement drug therapy.

    Keywords: pain, pain pathophysiology, nociceptors, spinal cord, cells, mediators,

    pharmacological treatment, non-pharmacological treatment.

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    Agradecimentos

    Em primeiro lugar, quero deixar o meu sincero agradecimento Professora Doutora

    Ana Rita Castro pela sua disponibilidade, ateno e por toda a orientao e apoio

    prestado na elaborao deste trabalho de dissertao.

    Em segundo lugar, quero tambm agradecer Professora Doutora Carla Martins Lopes,

    pelas aulas de projeto que foram muito teis, pois ficou bem claro quais as fontes que

    devem ser consultadas e como se elaborar devidamente uma tese.

    Gostaria de agradecer aos meus Pais e namorado, pelo esforo que fizeram ao longo

    destes cinco anos, pelo tempo que disponibilizaram e abdicaram para que o meu sonho

    se pudesse tornar realidade.

    Queria tambm deixar um fiel agradecimento aos meus amigos de curso, Ana Catarina

    Gonalves, Lus Freixo, Margarida Abreu, Ana Melo, que ao longo destes anos

    constitumos grupos de trabalho passando assim com eles, umas boas horas de estudo.

    Por ltimo, queria agradecer a todos os meus Professores da Faculdade Fernando

    Pessoa, que ao longo desta jornada, me auxiliaram, me prestaram toda a ateno e

    sobretudo me instruram para um dia poder exercer a profisso de Cincias

    Farmacuticas.

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    ndice

    NDICE DE FIGURAS ................................................................................................... 10

    LISTA DE ABREVIATURAS ....................................................................................... 11

    I. INTRODUO ........................................................................................................... 13

    II. DESENVOLVIMENTO .............................................................................................17

    1. Definio de dor .......................................................................................................... 18

    1.1 Tipos clnicos de dor ................................................................................................. 19

    1.2 Classificao da dor quanto durao ..................................................................... 20

    1.2.1 Dor aguda .............................................................................................................. 20

    1.2.2 Dor crnica ........................................................................................................... 21

    1.3 Classificao da dor quanto fisiopatologia ............................................................. 24

    1.3.1 Dor nociceptiva ...................................................................................................... 24

    1.3.2 Dor neuroptica ..................................................................................................... 25

    1.3.3 Dor psicognica ...................................................................................................... 25

    2. Avaliao da dor .......................................................................................................... 26

    3. Introduo fisiopatologia da dor ............................................................................... 31

    3.1 Percepo da dor ........................................................................................................ 36

    3.2 Nocicepo e os nociceptores .................................................................................... 38

    3.3 rea sensitiva primria .............................................................................................. 40

    3.4 Sensibilizao central e perifrica ............................................................................. 42

    3.4.1 Sensibilizao central ............................................................................................. 44

    3.4.2 Sensibilizao perifrica ........................................................................................ 46

    3.5 Relao celular com a dor ......................................................................................... 47

    3.6 Papel dos mediadores qumicos e funcionais na dor ................................................. 49

    3.7 Transmisso supraespinal ......................................................................................... 52

    3.8 Modelao descendente ............................................................................................. 54

    4. Tratamento farmacolgico destinado ao tratamento da Dor ....................................... 55

    4.1 Opiides e outros analgsicos ................................................................................... 57

    4.2Anti-inflamatrios ...................................................................................................... 58

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    4.3Relaxantes musculares .............................................................................................. 59

    4.4Anticonvulcionantes .................................................................................................. 59

    4. 5Antidepressivos ......................................................................................................... 60

    4. 6 Outros ....................................................................................................................... 61

    5. Tratamento no farmacolgico empregue na dor ........................................................ 62

    5.1 Termoterapia .............................................................................................................62

    5.2 Bloqueios nervosos .................................................................................................... 63

    5.3 Massagens ................................................................................................................. 64

    5.4 Acupuntura ............................................................................................................... 64

    5.5 Electroestimulao cutnea ...................................................................................... 65

    III. DISCUSSO/CONCLUSO .................................................................................. 66

    IV. BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................... 69

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    ndice de figuras

    Figura 1- Escala Visual Analgica ................................................................................. 28

    Figura 2- Escala Numrica de Avaliao ....................................................................... 28

    Figura 3- Escala de Descrio Verbal ............................................................................ 29

    Figura 4- Escala de Faces de Wong-Baker ..................................................................... 29

    Figura 5- Termmetro de Dor ......................................................................................... 30

    Figura 6- Recetor Sensorial Perifrico. .......................................................................... 33

    Figura 7- Esquema ilustrado da medula espinal. ............................................................ 34

    Figura 8- Diviso citoarquitectnica da substncia cinzenta da medula espinal. ........... 42

    Figura 9- Sensibilizao Perifrica. ................................................................................ 45

    Figura 10- Sensibilizao Central na regio dorsal da medula espinal. ......................... 47

    Figura 11- Escada Analgsica da Organizao Mundial de Sade. ............................... 56

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    Lista de abreviaturas

    AINES:Anti-inflamatrios no esteroides

    APED: Associao Portuguesa para o estudo da Dor

    ATP: Adenosinatrifosfato

    BDNF:Fator neurotrfico derivado do encfalo, do ingls Brain-Derived Neurotrophic

    Factor

    CGRP: Pptido relacionado com o gene da calcitonina, do ingls Calcitonine Gene-

    Related Peptide

    CYP 450:Citocromo P450

    COX:Ciclooxigenase

    EDV:Escala de descrio verbal

    EDVT:Escala da dor visual e tctil

    ENA:Escala numrica de avaliao

    EVA:Escala visual analgica

    FLACC:Escala comportamental da dor para crianas inferiores a trs anos, do ingls

    Faces, Legs, Activity, Cry and Consolability

    GRD:Gnglio da raz dorsal

    IASP: Associao internacional para o estudo da dor, do ingls International

    Association for the Study of Pain

    IFN-:Interfero-gama

    IL: Interleucina

    MLA:mecanorreceptores de limiar alto

    MTC:Medicina tradicional chinesa

    NGF:Fator de crescimento nervoso, do ingls Nerve Growth Factor

    NMDA:N-metil-D-aspartatoNK:recetores da neuroquinina, do ingls Neurokinin Factor

    NO:xido ntrico, do ingls Nitric Oxid

    NT:Neurotrofinas

    NPM:Nociceptores C polimodais

    RD:Raz dorsal

    RV:Raz ventral

    RVM:regio rostral ventromedial da medulaPAG:Substncia cinzenta periaquedutal, do ingls Periaqueductal Gray

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    PAINAD: avaliao da dor em demncia avanada, do ingls Pain Assessment in

    Advanced Dementia

    SIDA:Sndrome da Imunodeficincia Adquirida

    SMT:Trato espinomesenceflico, do ingls Spinomesencephalic Tract

    SNC:Sistema Nervoso Central

    SNP:Sistema Nervoso Perifrico

    SRT:Trato espinorreticular, do ingls Spinoreticular Tract

    STT:Trato espinotalmico, do ingls Spinothalamic Tract

    SP:Substncia P

    TNF:Fator de necrose tumoral, do ingls Tumour Necrosis Factor

    WDR:Nociceptores de campo dinmico amplo, do ingls Nociceptors Wide-Dynamic

    Range

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    I. Introduo

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    Introduo

    A dor no constitui uma doena, mas sim um sintoma especial que mesmo sendo

    comum a muitas doenas, tem a capacidade de provocar uma agresso intensa

    conduzindo assim a uma srie de consequncias desagradveis, atua como um veculo

    atravs do qual, a maior parte das afees se podem manifestar. A forma mais eficaz de

    abolir a dor consiste na remoo da causa patolgica, mas nem sempre isso possvel e

    por vezes tambm um trabalho rduo, conduzindo assim necessidade de se

    implantarem medidas teraputicas que se dirijam para os sintomas. Como quase todas as

    pessoas sentem ou j sentiram dor e visto que a dor crnica afeta mais de trs milhes

    de Portugueses, torna-se imperioso o desenvolvimento da terapia farmacolgica para o

    tratamento da dor (Tavares, 2006; Teixeira, 2001; APED, 2012).

    Como todos os conceitos fisiopatolgicos, tambm este, ter sofrido vrias evolues ao

    longo da Histria da Humanidade, que nos seus primrdios considerava a dor um

    fenmeno csmico, cujo tratamento era possvel recorrendo-se magia. Com a

    civilizao judaico-crist entendeu-se a dor como um castigo de Deus que conferia ao

    Homem que cometesse pecado original, permitindo-lhe assim a purificao da sua alma.

    Segundo Hipcrates a dor tornara-se um sinal necessrio para diagnosticar a doena,

    nascendo assim a necessidade de conhecer as potenciais origens da dor (Dourado,

    2007).

    A grande revoluo do conceito de dor surgiu com Descartes que pela primeira vez,

    definiu a dor como sendo um fenmeno nervoso, pois qualquer estmulo que atingisse

    uma regio corporal seria responsvel por uma sensao que, sendo conduzida ao

    crebro, permitia a libertao dos espritos animais que conduzidos at aos msculosdesencadeavam um impulso. Esta reao ficou conhecida como puxo de corda. No

    sculo XX o Homem transformou-se num ser mais egocntrico, permitindo de certa

    forma, o desenvolvimento de tcnicas que permitissem o tratamento da dor, contudo at

    meados do sculo XX a dor foi percebida sempre de forma rudimentar (Dourado, 2007).

    Na atualidade a dor constitui um dos maiores desafios para a cincia. A manifestao de

    dor passou a constituir um dos aspetos mais investigados por profissionais de sade, pormeio da contribuio de profissionais provenientes das mais diversas reas, de forma a

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    se fazer uma abordagem pluridisciplinar. Sendo a dor uma ligao do corpo mente, um

    misto de sensaes dolorosas e difceis de suportar, uma experincia vivida por toda a

    humanidade, no ser difcil entender o interesse por parte da indstria farmacutica na

    sua investigao, bem como no desenvolvimento de novas terapias adequadas ao seu

    tratamento (Guimares, 1999).

    Segundo Binoche e Martineau (2006) a dor continua a ser responsvel por 50% das

    consultas mdicas. Cerca de 15 a 30% da populao tem uma lombalgia, onde em 10

    casos um pode evoluir para estado crnico. Cerca de 25% da populao sofre de

    enxaquecas de repetio, ou cefaleias e cerca de 70% dos doentes de cancro e de

    sndrome de imunodeficincia adquirida (SIDA) sofrem de dores evolutivas.

    Aproximadamente 50% dos doentes idosos padecem de dores prolongadas e

    incapacitantes.

    A dor constitui uma matria de muito estudo e pesquisa na rea da medicina e o facto de

    ser um problema global incrementa ainda mais a necessidade de se avaliar de forma

    eficaz os doentes que padecem deste problema. Nesse sentido a Agncia Americana de

    Pesquisa e Qualidade em Sade Pblica e a Sociedade Americana de dor classificam a

    dor como o quinto sinal vital, ao qual deve ser dada tanta importncia como

    temperatura, pulsao, respirao e presso arterial. Em 1993, Portugal tambm

    reconheceu a dor como o quinto sinal vital, qual em contexto clnico se deve dar

    extrema importncia (Sousa e Silva, 2004).

    Tendo em conta o tema proposto para a realizao deste trabalho de dissertao o

    objetivo consistiu numa reviso bibliogrfica recente (compreendida na grande maioria

    entre os anos 2000 e 2013), recorrendo ao Pubmed de modo a se apresentar afisiopatologia da dor com base numa bibliografia atualizada, bem como os mtodos de

    avaliao da dor, os tipos clnicos de dor e os tratamentos fsicos e farmacolgicos teis

    no tratamento da dor.

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    II. Desenvolvimento

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    1. Definio de dor

    A dor sempre flagelou os seres humanos, como tal, a busca de solues que permitissem

    tratar os estados dolorosos constituram sempre um desafio imposto Humanidade

    (Guimares, 1999).

    Segundo a Associao Portuguesa para o Estudo da Dor (APED), a dor pode ser

    entendia como uma experincia subjetiva complexa e multidimensional desagradvel,

    impregnada de motivaes pessoais, sociais e culturais que condicionam a forma como

    a dor sentida. A dor no se afirma apenas como uma sensao, a sua complexidade

    envolve mais do que as emoes, devendo ser considerada de forma biopsicossocial. A

    APED considera a dor subjetiva, pois cada pessoa vive a dor de forma diferente.

    Atualmente ainda no existem marcadores biolgicos que permitam caracterizar

    objetivamente a dor (APED, 2012).

    De acordo com a Direo-Geral de Sade, a dor (processo fisiolgico que contribui para

    a manuteno da integridade fsica do ser Humano), um dos motivos pelos quais a

    populao portuguesa recorre aos cuidados de sade. A dor no s provoca sofrimento

    como tambm tem a capacidade de reduzir a qualidade de vida das pessoas e predispe

    o organismo humano a alteraes fisiopatolgicas que podem culminar em co-

    morbilidades (Direco-Geral de Sade, 2012).

    De acordo com Guimares (1999) a dor parte integrante da vida, presente ao longo

    de todo o ciclo desenvolvimental desde o nascimento at morte. A dor no surge de

    forma isolada, surge ligada a doenas, focos inflamatrios, acidentes e tambm atos

    mdicos e cirrgicos. Esta pode operar como um sinal de que algo est errado.

    Estabelecer uma definio cientfica sobre a dor foi algo difcil. Segundo a associao

    internacional para o estudo da dor (IASP), to difcil descrever esta sensao como

    descrever as cores a um cego de nascena, por isso a IASP adotou que a dor pode ser

    definida como uma experiencia sensorial e emocional desagradvel, associada a uma

    leso tecidular, efetiva ou potencial, ou descrita em termos de tal leso. Segundo

    Cahana (2007), a difcil definio da dor est relacionada com a difcil explicao dosfenmenos neuronais nela envolvidos, no entanto algo verdadeiramente sabido, existe

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    Fisiopatologia da dor

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    sempre uma razo etiolgica para o seu aparecimento e existe sempre uma forma de a

    sentir. A dor uma experincia aversiva, pois algo que causa sofrimento (IASP, 2012;

    Cahana, 2007).

    A dor no se assume fora dos organismos animais e pode ser entendida como um

    estmulo nxico capaz de lesar a integridade tecidular. A sensao de dor gerada pelo

    sistema nervoso central (SNC), no se estabelecendo uma relao direta entre a

    intensidade do estmulo e a sensao desenvolvida (Tavares, 2006; Patel, 2010;

    Kazanowski e Laccetti, 2005).

    Em cada dor, podemos observar quatro particularidades: a nocicepo, que permite

    detetar o estmulo nxico; percepo, que consiste na forma como o organismo sente o

    estmulo; o sofrimento; e o comportamento. Estas caractersticas surgem sempre na dor

    mas em propores diferentes consoante o tipo, no entanto, torna-se necessrio saber

    que existe um limite, abaixo do qual a dor no sentida sendo conhecido por limiar da

    percepo e existe tambm um limite, acima do qual a dor se torna insuportvel

    designado de limiar de tolerncia (Tavares, 2006).

    Dourado (2007) entende que a dor um estado mental acoplado ativao dos circuitos

    da nocicepo, pois esta constituda por um misto de fatores sensoriais, cognitivos,

    culturais e comportamentais, bem como um conjunto de fatores fisiolgicos.

    Sabemos que todos os organismos vivos so vulnerveis de sentirem dor, no entanto

    segundo a Grunenthal as mulheres so mais frgeis dor do que os homens devido a

    fatores hormonais, pois os estrognios incrementam a sensibilidade dor, pelo facto de

    estimularem o sistema nervoso, j a testosterona atenua a sensibilidade dor(Grunenthal, 2012).

    1.1Tipos clnicos de dor

    ampla a variedade de dores e de sensaes dolorosas, esta diversidade produto das

    numerosas etiologias de dor, bem como das respostas individuais aos estmulosdolorosos. A dor deve ser classificada de acordo com a fisiopatologia, a durao, a

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    localizao da dor, a etiologia e dependncia do sistema nervoso simptico e regio

    afetada (Sakata e Issy, 2008).

    A dor pode-se manifestar de forma contnua, descontinua, difusa e at perfurante. A

    forma como ela se assume vai condicionar o tipo de tratamento a instituir (Grunenthal,

    2012).

    Quando se pretende classificar a dor em relao sua fisiopatologia ento, esta pode ser

    de origem nociceptiva, neuroptica e psicognica. Quando a dor do tipo nociceptivo

    ento esta, ainda pode ser de origem somtica ou visceral. A dor neuroptica pode ser

    de origem central ou perifrica. Quanto durao pode ser classificada em crnica ou

    aguda e subaguda durvel. A dor pode ser dependente ou independente do sistema

    nervoso simptico e pode surgir atravs de vrias etiologias tais como: o cancro, os

    espasmos ou traumatismos. Existem, sndromes que causam dor, tais como: a

    lombalgia, a fibromialgia, a lombocitalgia. A regio afetada no deixa de ser um mtodo

    de classificao importante, pois dela muitas vezes depende a avaliao a que o paciente

    sujeito, perante isto pode ser uma dor lombar, torcica, ceflica, cervical, abdominal,

    plvica, dos membros, entre outras (Sakata e Issy, 2008).

    1.2 Classificao da dor quanto durao

    1.2.1 Dor aguda

    A dor aguda surge como um indicador de uma possvel leso, ocorrendo de forma

    sbita, sendo que na maior parte das vezes acompanhada por mudanas do sistemanervoso autnomo. Frequentemente a pessoa com este tipo de dor apresenta espasmos,

    sudorese, hipertenso arterial e taquicardia. Apresenta-se como sendo uma dor pontual,

    resultante de traumas ou associada a patologias e durabilidade inferior a seis meses

    (Angellotti, 2007).

    Para Carr e Goudas (1999) a dor aguda consiste numa resposta fisiolgica adversa do

    organismo a um estmulo qumico, mecnico ou trmico. Os mtodos para o controlo dador aguda, tm evoludo ao longo dos tempos e essa evoluo est associada ao facto de

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    se ter reconhecido, que a nocicepo um fenmeno que controla muitos processos

    fisiolgicos.

    De facto, e conforme a Grunenthal, indstria farmacutica especializada no tratamento

    da dor, a dor aguda pode ser entendida como uma dor gerada por um estmulo de dor

    que excita os nociceptores, os quais transmitem estmulos at medula espinal. O

    estmulo doloroso pode ento ser desviado para um neurnio motor, suscitando uma

    resposta reflexa como a retirada de um membro. A dor , depois, transmitida para as

    estruturas supramedulares envolvidas no processamento da dor e chega at ao crebro,

    onde percecionada como dor. Os reflexos supramedulares tambm ativam a frequncia

    cardaca e respiratria e induzem a libertao das hormonas de stress (Grunenthal,

    2012).

    1.2.2 Dor crnica

    Catalano e Hardin (2004) definem a dor crnica como sendo uma dor real, que pode no

    ser bvia para as outras pessoas no entanto, para o paciente bem percecionada. A dor

    crnica influenciada pelo ambiente e envolve muito mais do que o dano tecidual e a

    incapacidade fsica. Pode ser influenciada adversa ou positivamente por vrios fatores

    nomeadamente pelo ambiente familiar.

    Este tipo de dor consiste, numa dor que persiste no tempo. Atualmente considera-se dor

    crnica, quando esta apresenta uma durao superior a trs/seis meses e pode ser

    manifestada de forma espontnea ou surgir devido a estmulos externos. A resposta do

    organismo a uma dor crnica sempre feita de forma excessiva quer em durao,

    amplitude ou as duas em simultneo. Este tipo de dor bastante debilitante em algunspacientes, tendo um impacto grande na vida dos doentes, pois condiciona a sua

    qualidade de vida, bem como em termos teraputicos os pacientes podem apresentar

    uma baixa resposta terapia implementada (D`arcy, 2011).

    O impacto da dor crnica na qualidade de vida dos doentes devastador e superior ao

    provocado por muitas outras patologias crnicas, principalmente pelo sofrimento que

    acarreta e pelas limitaes que impem em mltiplas atividades do dia-a-dia daspessoas. Frequentemente, a dor do doente afeta tambm de forma muito significativa o

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    bem-estar e as atividades dos familiares e outros cuidadores. Fator que no pode ser

    ignorado a grande prevalncia da dor crnica, o que demostra o grave problema de

    sade pblica que urge combater com todos os meios disponveis ao alcance da sade

    (Lopes, et al., 2010).

    Dourado (2007), afirma que uma grande parte da dor crnica est relacionada com

    doena oncolgica ou a patologias no oncolgicas mas que so igualmente graves,

    como dor lombar, artrtica e osteoartrtica (Koft, et al., 2005). Torna-se uma dor

    bastante desgastante, mal localizada e por vezes tambm mal definida pois a sua longa

    durao pode induzir alteraes nos mecanismos homeostticos, de forma, a que este

    tipo de dor seja entendida em diagnstico como sendo uma doena e no um sintoma.

    Este tipo de dor no se afirma como um prolongamento da dor aguda, pois as

    estimulaes nociceptivas que se repetem conduzem a uma variedade de mudanas no

    SNC. A dor aguda induz uma resposta simptica, podendo ocorrer taquicardia,

    hipertenso e alteraes das pupilas, a dor crnica permite modelar a ocorrncia destes

    fenmenos (Mirchandani, et al., 2011).

    Segundo a Direco- Geral da Sade (2001) argumenta-se que este tipo de dor deve ser

    sujeita a uma interveno precoce por parte dos profissionais de sade para que o doentepossa retomar a uma atividade produtiva normal. O mdico deve encaminhar o seu

    doente para as unidades de dor, para se avaliar a dor estabelecida e instituir-se a

    teraputica mais adequada. Assim o tratamento da dor crnica assenta em trs pilares: o

    doente, o mdico e a unidade de dor.

    Os pacientes com este tipo de dor tm em comum a experincia do complexo de

    mudanas biolgicas, psicolgicas e sociais. provvel que os fatores ambientais eafetivos possam eventualmente interagir com o dano tecidual, contribuindo para a

    persistncia de dor e de determinados comportamentos do doente. Embora no existam

    sinais universais da expresso da dor, alguns sintomas so evidentes, por exemplo,

    musculatura apertada, mobilidade limitada, falta de energia, alteraes do apetite,

    depresso, raiva, ansiedade e medo de uma nova leso, o que pode dificultar o retorno

    do indivduo ao trabalho normal ou atividades de lazer. Esses pacientes podem tornar-se

    pr-ocupados com a dor e com os processos somticos, o que pode perturbar o sono ecausar irritabilidade e retraimento social (Kopf et al., 2005).

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    tambm caracterstico destes doentes as frequentes depresses e ansiedades, sendo

    importante reconhecer se estas condies so primrias ou surgem como co- morbidade,

    pois a sua presena ir afetar a resposta a intervenes institudas para tratar a dor. A

    depresso pode ser encontrada em cerca de 50% a 87% dos pacientes com dor crnica e

    estes pacientes tendem a relatar a dor de forma mais intensa e em mais lugares do que

    pacientes sem depresso. Diagnosticar a depresso em pacientes com dor crnica pode

    ter desafios nicos em comparao com os pacientes sem dor crnica, no entanto a

    observao colateral de membros da famlia pode ser til

    para determinar quando h mudanas de humor e nvel de funo associada ao

    transtorno de humor contra a prpria dor. Uma variedade de tratamentos psicolgicos

    combinados com abordagens farmacolgicas pode melhorar esta resposta (Erickson,

    2005).

    A situao de Portugal em relao dor crnica foi estudada recentemente atravs de

    um estudo epidemiolgico transversal a todo o pas realizado em uma amostra aleatria

    da populao adulta portuguesa, com o objetivo de descrever a prevalncia e o impacto

    da dor crnica (Azevedo et al., 2012). Neste estudo participaram 5,094 participantes

    selecionados aleatoriamente, entre janeiro de 2007 e maro de 2008, e as estimativas

    foram devidamente ponderados para a populao. A prevalncia de dor crnica foi de

    36,7% da populao estudada. A dor recorrente ou contnua estava presente em 85%

    dos pacientes com dor crnica moderada a grave. A maior prevalncia de dor crnica

    foi observada entre os idosos, aposentados e desempregados. Cerca de 13% dos

    indivduos relataram um diagnstico de depresso e 49% relataram que a dor causava

    interferncia no seu trabalho. A dor crnica altamente prevalente e causa mal-estar

    pessoal e social, e afeta particularmente os grupos mais vulnerveis. Este estudopermitiu verificar qua a dor crnica um problema que afeta consideravelmente a

    populao portuguesa, sobretudo as pessoas mais vulnerveis como idosos, reformados,

    desempregados e de classes sociais inferiores (Azevedo et al., 2012).

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    1.3 Classificao da dor quanto fisiopatologia

    1.3.1 Dor nociceptiva

    A dor nociceptiva surge quando ocorre uma ativao fisiolgica dos recetores ou da via

    dolorosa, estando associada a leses de tecidos musculares, sseos e ligamentos

    (Schestatsky, 2008).

    O sentimento doloroso que, provm dos msculos, ossos, pele e articulaes consiste na

    dor nociceptiva somtica, afirma-se como uma dor bastante intensa e cortante e de fcil

    localizao. Quando a dor atinge rgos mais internos trata-se de dor nociceptiva

    visceral, dor de carcter vago, persistente e de difcil localizao (Grunenthal, 2012). No

    passado, as vsceras foram encaradas como partes anatmicas insensveis dor, isto

    porque as suas reaes no tinham sido testadas com os devidos estmulos, atualmente

    evidente que a dor gerada por rgos internos sentida por muitos seres humanos e o

    seu impacto pode exceder o da dor provinda de fontes somticas (Carr et al., 2005).

    O impacto da dor visceral est atualmente bem definido, como vrios exemplos o

    demostram: a isquemia miocrdica da aterosclerose, a maior causa da dor cardaca;

    pedras uretrais e nos rins produzem clicas descritas como uma das formas mais

    intensas da dor que qualquer ser humano pode experimentar; sndrome do intestino

    irritvel; ou a dismenorreia que causa dores abdominais e plvicas intensas em cada

    ciclo menstrual, que afetam 50% das mulheres menstruadas. Apesar dos sintomas da

    dor visceral serem comuns por vezes anunciam risco de vida adjacente, sendo ento

    obrigatria uma avaliao rpida e um diagnstico especfico da dor visceral. No

    entanto, devido fraca densidade de inervao sensorial da vscera e extensadivergncia de estmulo visceral dentro do SNC, a verdadeira dor visceral vaga, difusa

    e de fraca definio sensorial (Carr et al., 2005). Independentemente do rgo de

    origem normalmente sentida na linha mdia ao nvel inferior do esterno ou da zona

    superior do abdmen e a intensidade da dor visceral pode no ter ligao com a

    extenso da leso interna. medida que esta progride podem surgir mais problemas que

    dificultam o diagnstico, pois de minutos a algumas horas pode surgir dor de um rgo

    visceral localizado numa parte do corpo cuja inervao entra na medula espinal aomesmo nvel que a inervao do rgo visceral envolvente. A convergncia das fibras

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    dos aferentes viscerais e somticos para os mesmos neurnios sensoriais podem levar a

    uma m interpretao na zona cerebral (Carr et al., 2005), tal como ser referido

    posteriormente.

    1.3.2 Dor neuroptica

    De acordo com Quintal (2004) a dor neuroptica surge como efeito de uma leso ou de

    uma disfuno do SNC ou sistema nervoso perifrico (SNP). Qualquer sndrome de

    origem aguda ou crnica capaz de despoletar um fenmeno somatosensorial ao nvel do

    SNC ou SNP pode ser designado de dor neuroptica.

    Para Jackson (cit. inQuintal 2004) a dor neuroptica pode ser acompanhada por vrios

    fenmenos, tais como: paresia, paralisia, hipoestesia, vasodilatao, anosmia,

    hipoalgesia, cegueira, mioquimias, fasciculaes, distonias, alodinia, vasoconstrio,

    ereo pilosa.

    O conceito de dor neuroptica tem sido alvo de investigao pela cincia mdica.

    Dependendo das condies clnicas, este tipo de dor pode ser de origem central ou

    perifrica. Leses traumticas, dor ps- amputao, mono ou polineuropatias perifricas

    dolorosas, neuralgia trigeminal ou aracnoidite originam disfunes a nvel perifrico; no

    caso da esclerose mltipla, tumores de origem enceflica, doena de Parkinson ou

    epilepsia as leses so de foro central (Costa, 2009).

    Schestatsky (2008) afirma ser difcil diagnosticar este tipo de dor, pois a sensao

    dolorosa no pode ser medida objetivamente. Em muitos casos clnicos ocorre a

    coexistncia da dor neuroptica e nociceptiva, importante que estes casos sejamdevidamente identificados pois cada dor pode exigir uma abordagem teraputica

    diferente.

    1.3.3 Dor psicognica

    Conforme Seixas et al. (2009) este tipo de dor pode ser entendida como aquela que

    surge na ausncia de qualquer processo lesional, ou que permanece aps a resoluo doprocesso lesivo.

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    Classificar uma dor como idioptica ou psicognica acontece geralmente quando ocorre

    uma negao por parte do doente para se realizar uma avaliao clnica e paraclnica.

    Tradicionalmente, esta dor conhecida como sendo uma dor funcional. O processo mais

    comum para esta dor, resulta geralmente de uma disfuno neuropsquica com ou sem

    psicopatologia associada (depresso, distrbios de personalidade, ansiedade). Muitas

    vezes a dor psicognica pode tambm surgir associada dor nociceptiva e dor

    neuroptica podendo alterar a sua apresentao e evoluo clnica. Mesmo sendo

    psicognica causa desconforto e sofrimento ao doente, em situaes em que a

    semiologia no contm especificidade prpria. Geralmente esta dor, demostra

    determinadas caractersticas, tais como localizaes dolorosas frequentemente

    mltiplas, variveis no tempo, por vezes dores ditas como sendo muito antigas, o doente

    geralmente faz descries muito ricas, de forma imprecisa e sem causa somtica,

    permitindo assim excluir alguns parmetros do quadro clnico (Binoche e Martineau,

    2006).

    2. Avaliao da dor

    Powell e colaboradores (2010) afirmam que a gesto clnica da dor depende de uma

    avaliao precisa. Para estes autores a avaliao da dor consiste numa avaliao

    abrangente dos sintomas, do estado funcional e dos antecedentes clnicos do doente

    numa srie de avaliaes, dependendo das necessidades apresentadas pelo doente. Estas

    avaliaes baseiam-se em parte no uso de ferramentas de avaliao, em nveis variados.

    Em que estas ferramentas tentam localizar e quantificar de forma vlida e fivel a

    gravidade e a durao da experincia de dor subjetiva do doente, a fim de facilitar e

    normalizar a comunicao da dor entre o doente e profissionais de sade potencialmentediferentes.

    A avaliao um passo fundamental para que se possa tomar as medidas necessrias

    para o alvio da dor. Esta realizada desde o primeiro dia em que o doente se queixa da

    dor e repete-se ao longo de toda a durao do tratamento. A privacidade indispensvel

    para o sistema de avaliao, a informao revelada pelo doente ao profissional de sade

    confidencial, pois se o doente no se sentir confortvel a sua avaliao pode serprejudicada (Kazanowski e Laccetti, 2005).

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    De acordo com Bates (cit. in Powell et al., 2010) no processo avaliativo existem

    elementos chave aos quais preciso dar extrema importncia, tais como: localizao,

    descrio, intensidade, durao, fatores de alvio e agravamento. No primeiro contacto

    do paciente com o mdico fundamental uma avaliao mais abrangente, por forma a

    se conseguir obter o mximo conhecimento sobre a situao.

    Quando a dor est presente em doentes idosos a sua avaliao requer cuidados

    acrescidos pelo facto de estes muitas vezes apresentarem perturbaes do foro visual,

    cognitivo e auditivo. Um outro fator que no se pode descartar a possibilidade de

    demncia que pode afetar o seu discurso durante a avaliao. As ferramentas que so

    usadas para se avaliar o doente de dor devem ser ajustadas faixa etria do doente

    (Powell et al., 2010; Villegas, 2005).

    Existem mtodos de avaliao unidimensionais e multidimensionais. As escalas

    unidimensionais apresentam como objetivo medir a intensidade da dor mediante apenas

    um valor qualitativo ou numrico, a escala visual analgica, escala numrica de

    avaliao, escala de discrio verbal e a escala de faces so exemplos de escalas

    unidimensionais. A avaliao unidimensional mais prtica e realiza-se mais facilmente

    que uma abordagem multidimensional que avalia mltiplos aspetos, no entanto algumas

    provas de avaliao multidimensional so muito utilizadas, tais como: questionrio da

    dor de McGill, questionrio da dor de Dartmouth, Inventrio Multidimensional da Dor

    de West Haven-Yale, entre outros (Villegas, 2005).

    As ferramentas mais empregues na avaliao de adultos e de idosos com perturbaes

    cognitivas so a Escala Visual Analgica (EVA), Escala Numrica de Avaliao (ENA)e a Escala de Descrio Verbal (EDV). A ferramenta que mais se adequa a casos de

    demncia a escala denominada em ingls Pain Assessment In Advanced Dementia

    (PAINAD). Para as crianas pode-se aplicar as ferramentas anteriores, excetuando a

    PAINAD, mas de acordo com a faixa etria possvel ainda aplicar a escala

    comportamental da dor FLACC (do ingls, Faces, Legs, Activity, Cry and

    Consolability), Escala da Dor Visual e Tctil (EDVT), escala de faces de Wong-Baker e

    o termmetro de dor (Powell et al., 2010).

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    De acordo com Kazanowski e Laccetti (2005) as escalas mais utilizadas quando se

    pretende avaliar a dor so: a escala visual analgica, escala numrica de avaliao,

    escala de discrio verbal, escala de faces de Wong-Baker para crianas acima dos trs

    anos de idade e termmetro de dor para as crianas acima dos sete anos de idade.

    Na escala EVA utiliza-se uma linha horizontal de 10 cm de comprimento, onde num

    extremo temos a situao sem dor e no outro extremo temos a pior dor imaginvel, os

    doentes avaliados devem assinalar nesta escala um ponto que represente a intensidade

    da sua dor, havendo uma equivalncia entre a intensidade da dor e a posio assinalada

    (Villegas, 2005) (Figura 1).

    Figura 1. Escala Visual Analgica. (adaptado de Direco- Geral de Sade (2003). Circular normativan9/DGCG de 14/06/2003)

    A escala ENA muito semelhante escala anterior mas numerada de 0 at 10, e o

    doente deve assinalar o nmero que mais se identifique com a intensidade do seu

    estmulo doloroso (Powell et al., 2010) (Figura 2).

    Figura 2. Escala Numrica de avaliao. (adaptado de Direco- Geral de Sade (2003). Circularnormativa n9/DGCG de 14/06/2003).

    Na escala EDV, o profissional de sade tem por funo descrever ao doente o

    significado da dor, no que respeita os sentimentos, desconforto, sofrimento, assim como

    a importncia da experincia para o paciente. O doente tem de verbalmente e

    visualmente selecionar na escala o tipo de situao com o qual mais se identifica

    (Powell et al., 2010) (Figura 3).

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    Figura 3. Escala de discrio verbal (adaptado de Powell et al., 2010).

    A escala de faces de Wong-Baker constituda por seis rostos de desenhos animados

    compostos por diferentes expresses, onde um grande sorrisinho equivale a sem dor e

    um rosto a chorar representa a pior dor. O profissional de sade encarregue da avaliao

    aponta para cada rosto, descrevendo a dor e pede ao paciente que identifique o rosto que

    se adequa dor que sente (Powell et al., 2010) (Figura 4).

    Figura 4. Escala de Faces de Wong-Baker (adaptado de Wilson e Hockberry, 2008, cit. inPowell et al.,2010).

    O termmetro de dor um utenslio que associa o termmetro a uma srie de palavras

    que descrevem vrios nveis de intensidade de dor. Esta escala foi desenhada parapacientes com limitaes cognitivas moderadas a graves, ou com dificuldade na

    comunicao. A ferramenta mostrada aos pacientes sendo-lhe explicado que, tal como

    a temperatura aumenta no termmetro, a dor tambm aumenta medida que nos

    deslocamos em direo ao topo da escala, o doente deve conseguir indicar no

    termmetro a descrio que mais coincide com a sua dor (Powell et al., 2010) (Figura

    5).

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    Figura 5. Termmetro de dor (Dr. Herr, K., 2008, cit. inPowell et al., 2010).

    Quando se procede avaliao da dor no se deve negligenciar a explicao do paciente

    sobre o padro, intensidade e natureza da mesma, pois devido ao seu carcter subjetivo

    s o paciente consegue descrever a verdadeira forma como ela sentida. As escalas

    existentes para a avaliao da dor, tais como as citadas anteriormente, podem ajudar na

    eficcia da interveno pelos profissionais de sade. Manifestaes tais como o choro,

    resmungos, gritos e proteo de partes especficas do corpo tambm devem ser tidas em

    conta durante o processo avaliativo (Bottega e Fontana, 2010).

    De acordo com depoimentos citados por Bottega e Fontana (2010), a aplicao das

    escalas da dor consiste numa forma de humanizar o atendimento onde o interesse

    depositado no em equipamentos mas sim no paciente, o que ele relata e sente de

    extrema importncia, d-se ao paciente voz ativa e direito de expresso. Este mtodo

    de grande valia no desempenho e planeamento assistencial para que se possa atribuir um

    cuidado mais expressivo em relao patologia e ao paciente como um todo, tentando

    com isso minimizar o sofrimento e dor do paciente.

    Independentemente do mtodo de avaliao, torna-se tambm til recorrer-se a uma

    avaliao fsica da dor, mais propriamente a realizao de um exame neurolgico, sendo

    que o grande objetivo da realizao deste exame se centra na identificao da existncia

    ou no de uma anomalia do sistema nervoso e assim conseguir-se separar as leses

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    centrais de leses perifricas. Realizam-se tambm frequentemente exames

    neurolgicos quando se suspeitam de leses da espinal medula (Kioy e Kopf, 2010).

    Em contexto clnico realizam-se tambm muitas vezes exames msculo-esquelticos,

    pois a dor o sinal usado para limitar as atividades do paciente, que quando continuada

    pode causar danos nas mais diversas estruturas desde msculos, tendes, vasos

    sanguneos e cartilagem articular. Este tipo de exame dever ser realizado atravs de uma

    anlise dos diferentes tecidos, mas por ordem de importncia. Avalia-se a pele (presena

    de rubor, indurao, leses abertas), sistema vascular, faz-se uma avaliao nervosa

    (sensibilidade da pele, funo muscular, reflexo dos tendes profundos), avaliao da

    funo articular (nvel de tumefao, nvel de efuso, amplitude de movimentos, tenso)

    e ossos (analisa-se o alinhamento, pontos sensveis localizados e tumefao) (Fisher,

    2010).

    3. Introduo fisiopatologia da dor

    A dor um mecanismo de sobrevivncia e proteo de extrema importncia que permite

    alertar o Homem e restantes animais do perigo associado a estmulos. O sistema

    nervoso somatosensorial responsvel por processar fisiologicamente os estmulos

    dolorosos, topograficamente e funcionalmente organizados. Embora este sistema opere

    de um conjunto de neurnios sensoriais especficos, este ativado exclusivamente por

    estmulos nocivos atravs de mecanismos de transduo perifrica (Lee e Spanswich,

    2006).

    Segundo Woolf (2000) e Costanzo (2011) aps a observao dos mecanismos

    moleculares envolvidos na dor, os neurnios sensoriais primrios so o local para o

    incio da experincia dolorosa. Estes neurnios, tambm designados nociceptores, soespecializados em conduzir a informao desde a periferia, onde o estmulo detetado

    at ao SNC, particularmente para a medula espinal. Os axnios longos, encontrados nos

    nervos perifricos, estendem-se desde o seu corpo celular at s estruturas conhecidas

    por gnglios da raiz dorsal. Quando estes neurnios so ativados, enviam um sinal

    atravs das suas longas fibras at medula espinal e em seguida para o crebro, onde a

    dor experienciada.

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    A fisiopatologia da dor no um assunto que interesse apenas a investigadores atuais.

    J desde 1965 Melzack- Wall fundaram a Teoria do Porto como um modelo

    explicativo de como a dor se processava. Segundo esta teoria, a modulao da

    experincia da dor efetua-se a trs nveis: periferia, medula espinal e no crebro, sendo

    estes os principais portes de controlo. O controlo executado no sentido ascendente

    de forma a inibir ou facilitar a conduo do estmulo da periferia para o crebro e

    descendente, do crebro at aos cornos posteriores da medula. A abertura e o fecho do

    porto que traduz a passagem ou no da informao dolorosa ao longo das vias nervosas

    so controlados por mediadores qumicos produzidos pelo sistema nervoso, os

    neurotransmissores. Estes, produzidos aps a leso, atuam abrindo o porto se a sua

    aco no for bloqueada por neurotransmissores de inibio como o caso da

    serotonina e as encefalinas (Bastos, 2005).

    A propagao da informao no sentido ascendente condicionada pelo tipo de fibras

    nervosas que predominam na conduo dos estmulos, tambm na regulao

    descendente o influxo sensitivo ligado a processos cognitivos, emocionais e

    estimulao auditiva e visual das estruturas cerebrais promove o encerramento do

    porto (Bastos, 2005).

    A teoria do Porto proporcionou um mecanismo esclarecedor para o controlo endgeno

    da dor e recebeu um apoio bioqumico com a descoberta das endorfinas por Huges e

    Kosterlitz em 1975 (Ver reviso: Vale, 2000). A descoberta de novos mediadores

    bioqumicos, avanos da biologia molecular e farmacologia molecular permitiram a

    caracterizao dos recetores e dos canais inicos e o desenvolvimento de modelos

    experimentais de dor neuroptica, que facultaram um entendimento melhorado dos

    fenmenos de memria celular, abrindo novas perspectivas no conhecimento e

    interveno teraputica dos estados de hiperexcitabilidade do SNC, os quais podem sera razo de dor crnica e neuroptica.

    Os nociceptores so clulas nervosas localizadas na pele, nos msculos, nas vsceras e

    tambm no tecido conjuntivo. Estas clulas respondem ao estmulo que pode ser

    trmico, mecnico ou qumico. Estes neurnios apresentam uma distribuio livre e so

    constitudos por um corpo celular localizado nos gnglios das razes dorsais da medula

    espinal, do qual surge um prolongamento que se bifurca originando um processo centralque termina no corno dorsal da medula espinal e um ramo perifrico que constitui a

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    fibra sensitiva (Figura 6) (Kazanowski e Laccetti, 2005; Diamond e Coniam, 1999;

    Lopes, 2003; Moffat e Rae, 2010).

    Figura 6. Esquema ilustrado da medula espinal. Onde RV representa a raz ventral, RD a raz dorsal e

    GRD representa o gnglio da raz dorsal. O smbolo () representa neurnios com sensibilidade a

    estmulos incuos () e outro sensvel a estmulos nxicos (). Os neurnios incuos so mielinizados com

    fibras A, terminando assim em corpsculos sensitivos, como por exemplo os corpsculos de Vater-

    Pacini (Pa) e corpsculos de Meissner (Me). Os neurnios nociceptivos possuem fibras amielnicas

    (fibras C), que terminam nas terminaes nervosas livres (TN). Os prolongamentos nociceptivos

    terminam no corno dorsal da medula espinal, criando sinapses com os neurnios espinais (NE), cujos

    axnios atravessam a linha mdia e ascendem na substncia branca para diversos ncleos supraespinais

    (adaptado de Lopes, 2003).

    A maior parte dos casos clnicos de dor esto relacionados com uma ativao de

    neurnios aferentes primrios especficos, estimulao dos nociceptores, leso ou

    disfuno dos nociceptores bem como uma ativao do SNC (Lopes, 2003).

    Aps a deteo de um estmulo nociceptivo, ocorre uma srie de eventos tanto eltricos

    como qumicos. A primeira etapa a transduo, onde a energia do estmulo externo

    convertida em atividade eletrofisiolgica. Qualquer que seja a natureza do estmulo, este

    provoca de imediato uma mudana no potencial de membrana. Por consequncia vai

    ocorrer uma alterao membranar permeabilidade de ies surgindo uma onda de

    despolarizao/ repolarizao, que transmitida unidireccionalmente ao longo da

    membrana da clula nervosa, desde a periferia at ao SNC (Figura 7). Na segunda fase,

    ocorre a transmisso, onde a informao codificada transmitida atravs da via medula

    espinal para o tronco enceflico e tlamo. Finalmente, as ligaes entre o tlamo e

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    centros corticais superiores procedem ao controlo da perceo e da resposta de

    integrao afetiva dor (Dourado, 2007; Moffat e Rae, 2010).

    Figura 7. Recetor sensorial perifrico (adaptado dehttps://reader010.{domain}/reader010/html5/0613/5b20be2bda42b/5b20be391f9d6.png).

    Os nociceptores podem ser classificados em quatro classes: mecnicos, trmicos,

    polimodais e silenciosos. Os nociceptores mecnicos respondem a situaes de presso

    intensa enquanto os nociceptores trmicos respondem a temperaturas extremas, que

    podem ser quentes ou frias (> 45C ou

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    Segundo Rexed (cit. inGalea 2012), a substncia cinzenta da medula espinal contem os

    corpos de clulas nervosas dos neurnios espinais e a substncia branca contem os

    axnios que ascendem ou descendem do crebro (Galea, 2002).

    Rexed subdividiu a substncia cinzenta da medula espinal em dez lminas. Da lmina I-

    VI, encontram-se as lminas que fazem parte do corno dorsal da medula espinal. As

    fibras C e Aterminam na zona marginal da lmina I e na zona superficial da substncia

    gelatinosa da lmina II, contudo algumas fibras A terminam na lmina V. Os

    interneurnios excitatrios ou inibitrios que regulam o fluxo de informao

    nociceptiva esto localizados nas lminas V e VI. As clulas que respondem a estmulos

    incuos, mas que no so nocivos esto localizadas nas lminas III e IV, sendo

    reconhecidas como os neurnios de baixo limiar. Em relao nocicepo e aos

    neurnios de baixo limiar, a dinmica destas clulas estende-se at alcanarem a lmina

    V. Esta lmina recebe sinais provenientes de uma gama diversificada de neurnios,

    apresentando um grande campo recetivo. Tanto os estmulos incuos como os nocivos

    so excitatrios, no entanto, na regio das fibras Aso inibitrios, isto permite explicar

    os efeitos da estimulao eltrica do nervo por via transcutnea, no alvio da dor devido

    analgesia produzida quando se promove esta tcnica na regio afetada. A informao

    nociceptiva retransmitida para centros superiores do crebro atravs de vias

    ascendentes (Moffat e Rae, 2010).

    Das vias ascendentes o trato espinotalmico (STT) considerado a maior via envolvida

    na dor, proveniente de neurnios da lmina I e lminas V-VII. A lmina I contm

    clulas que so projetadas para a parte ventromedial do tlamo, permitindo percecionar

    de forma autnoma e emocional a desagradvel experincia dolorosa. O tratoespinomesenceflico termina na substncia cinzenta periaquedutal (PAG), ativando as

    vias descendentes da dor, envolvidas nos aspetos autnomos e somatomotores presentes

    nas reaes de proteo. O sistema amgdala espinoparabraquial, provindo dos

    neurnios da lmina I expressa vrios recetores, destacando-se os NK1, este sistema

    est envolvido nos componentes emocionais ou afetivos da dor (Moffat e Rae, 2010).

    Quanto perceo, dados anatmicos e fisiolgicos demostraram que vrios ncleosnociceptivos prximos ao tlamo esto projetados para uma srie de reas corticais.

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    Estudos recentes, utilizando tomografia por emisso de positres e ressonncia

    magntica funcional mostraram alteraes na oxigenao sangunea nas reas

    subjacentes funo nociceptiva. Esta atividade cerebral amplamente distribuda reflete

    a complexidade da natureza da dor (Moffat e Rae, 2010).

    3.1 Percepo da dor

    Quando se aborda a palavra dor, no contexto biomdico ela entendida primariamente

    sob duas construes diferentes: a dor pode ser entendida como uma unidade de

    percepo e como um sistema sensorial, ou ento dor como um sofrimento e doena

    (Zimmermann, 2004). O seu estudo abrange, a sua compreenso de um ponto de vista

    fisiopatolgico, o conhecimento dos estmulos, os tipos de recetores nociceptivos

    existentes, bem como, a sua distribuio no Ser Humano. Para se perceber a dor torna-

    se til saber como se organizam funcionalmente e anatomicamente os circuitos

    neuronais envolvidos na transmisso da mensagem captada pelos nociceptores, a

    natureza dos mediadores qumicos que codificam e transmitem as mensagens. Torna-se

    igualmente til perceber os mecanismos de controlo da dor e os sistemas analgsicos

    endgenos (Dourado, 2007).

    A dor uma sensao intrinsecamente "m" e tem enorme capacidade de captar a

    ateno, interferir com qualquer atividade em curso e mobilizar os nossos recursos e

    estratgias de defesa. Alguns consideram-na tambm como um indicador da existncia

    de uma necessidade do corpo (como fome, sede), que prepara a ao para remover a

    causa, e organizar a reparao para ocorrer a recuperao de uma leso possvel. A dor

    distingue-se de outros sistemas sensoriais pelo desenvolvimento de uma percepo que

    est intimamente relacionada com sensao, emoo e cognio (Le Bars e Willer,2004).

    A percepo da dor, tal como a maior parte das restantes percees ocorre no crtex

    cerebral, sendo este o final da transmisso do estmulo doloroso. Desde o incio, num

    nociceptor perifrico, segue o seu trajeto atravs da medula at atingir o tlamo. Atravs

    das vias talamicocorticais a informao avaliada e processada atinge a conscincia e a

    percepo. O sintoma de dor pode ser desencadeado em qualquer ponto deste trajeto(Diamond e Coniam, 1999).

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    Um estmulo com intensidade suficiente para produzir uma leso tecidual intensa,

    estimula recetores nociceptivos. Durante algum tempo aceitou-se que uma sensao era

    dolorosa quando determinados estmulos atingiam o SNC, atravs de recetores e trajetos

    inespecficos, onde o SNC avaliando a intensidade, espao e tempo, era entendido como

    dor se a natureza do estmulo tivesse a capacidade de provocar leso tecidual (Diamond

    e Coniam, 1999). No entanto, a clareza atual de que os impulsos de estmulos lesivos

    so conduzidos centralmente atravs de axnios especficos que no conduzem

    estmulos sem capacidade lesiva, veio esclarecer que os terminais destes axnios

    funcionam como detetores especficos.

    Ao contrrio de outras modalidades sensoriais, a sensao de dor acompanhada de

    respostas comportamentais (como retirada ou defesa), bem como reaes emocionais

    (tais como choro ou medo). Alm disso, ao contrrio de outras sensaes, a percepo

    da dor subjetiva podendo ser influenciada por experincias passadas ou presentes.

    Devido ao seu valor para a sobrevivncia, os nociceptores no se adaptam a estmulos

    constantes ou repetitivos (Sherwood, 2010).

    O sistema nervoso ntegro, sobretudo no que enfatiza a sensao dolorosa. A

    modulao de impulsos aferentes para controlar o que percecionado na conscincia

    funo de todo o sistema nervoso sensorial e no apenas de uma parte em especfico.

    Torna-se mais simples estudar isoladamente as estruturas do SNC por onde ocorre a

    passagem do impulso, mas no esquecendo que ocorre interao entre as demais partes

    do sistema sensorial. Clinicamente, isto muito importante pois muitas vezes a

    teraputica instituda para o alvio da dor tendo em conta apenas uma parte do sistema

    sensorial e por consequncia a eficcia teraputica baixa (Diamond e Coniam, 1999).

    Segundo Cole (2005) no crebro existem sete centros que parecem estar envolvidos no

    processamento da dor. O tlamo considerado uma estrutura fundamental para a

    perceo da dor pois transmite mensagens desde o corno dorsal onde se encontram os

    neurnios de segunda ordem para neurnios de diferentes partes do crebro envolvidos

    no processamento da dor. Uma terceira ordem de neurnios conduz a mensagem do

    tlamo ao crtex somatosensorial, estando este relacionado com a localizao da dornuma rea especfica do corpo. O crtex pr-frontal est envolvido com os estmulos

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    dolorosos e estmulos agradveis, mas no com os neutros, este tambm est envolvido

    no processamento dos aspetos afetivos da estimulao sensorial. O crtex insular

    produz um contexto emocionalmente relevante para experincias sensoriais, enquanto o

    cingulado anterior exerce mltiplas funes, estando mais associado com a componente

    afetiva da dor, apresentando tambm a funo de antecipao da dor e permite o

    desenvolvimento de respostas cognitivo-atencionais e motoras da dor. A amgdala

    desempenha um papel importante no processamento, memria e na elaborao de

    respostas emocionais dor. H muitas influncias corticais e subcorticais no

    processamento da dor. O hipocampo participa tambm no desenvolvimento das

    respostas emocionais da dor.

    3.2 Nociceptores e nocicepo

    O termo nociceptor foi criado por Sherrington para descrever recetores que reagem a

    estmulos, que podem causar danos potenciais ou reais. As terminaes nervosas livres

    parecem ser os nicos recetores presentes na vida fetal, enquanto os recetores

    encapsulados (incluindo algumas fibras A), surgem apenas aps o nascimento

    (Brainer-Lima cit. inSila e Valena, 2004).

    Uma caracterstica importante dos nociceptores a capacidade de sensibilizao. A

    sensibilizao desenvolve-se como consequncia da agresso e inflamao do tecido.

    Esta reconhecida como uma reduo do limiar e um aumento na magnitude da

    resposta estimulao nociva. Apesar, da sensibilidade ser uma propriedade dos

    nociceptores, esta no necessariamente nica dos nociceptores, pois os aferentes que

    codificam outras modalidades sensoriais tambm podem ser sensibilizados (Gold e

    Gebhart, 2010).

    Percees significativas da base celular e molecular do nociceptor cutneo tm surgido

    atravs de estudos em seres humanos conscientes e em animais, no entanto, ainda se

    est longe de entender a biologia da clula da percepo da dor. Os avanos so

    dificultados pelas dificuldades inerentes aos estudos de processos neuronais em seres

    humanos, alteraes celulares induzidas em nociceptores por mtodos invasivos, a

    inabilidade de gravar diretamente as pequenas estruturas onde a transduo de estmulosnocivos ocorre e a incerteza em sistemas de que o comportamento de um animal

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    devido sua perceo de dor. Apesar da morfologia das terminaes nervosas sensoriais

    do nociceptor serem extremamente conservadas em animais roedores, em humanos os

    nociceptores cutneos so grupos de neurnios extremamente heterogneos alojados no

    gnglio sensorial perifrico localizado fora do SNC que faz a transduo do estmulo

    externo nocivo para uma zona distante das suas clulas corporais (Dubin e Patapoutian,

    2010).

    Os nociceptores no so aferentes homogneos, alm da heterogeneidade anatmica,

    bioqumica e fisiolgica, eles tambm apresentam heterogeneidade funcional. Esta

    heterogeneidade nociceptiva tem dificultado a identificao de novos agentes

    teraputicos, provavelmente a heterogeneidade dos nociceptores tambm est

    relacionada com alguns fracassos de dados pr- clnicos para constituir intervenes

    clnicas eficazes (Gold e Gebhart, 2010).

    Quanto aos nociceptores presentes nos msculos, articulaes e vsceras, estes possuem

    recetores polimodais do tipo A e C podendo assim responder especificamente a

    estmulos nociceptivos mecnicos, trmicos e qumicos, mas o seu carter nociceptivo

    ainda no foi totalmente demonstrado. No msculo existem fibras finas que so ativadas

    durante a contrao muscular sob condies fisiolgicas, estas fibras no esto

    provavelmente envolvidas na nocicepo, mas sim em reajustes cardiovasculares e

    respiratrios durante o exerccio muscular. As fibras viscerais so constitudas

    sobretudo por fibras C. Na ausncia de fenmenos inflamatrios modificadores da

    sensibilidade, as vsceras so insensveis a estmulos mecnicos ou trmicos, no

    entando, a dor pode ser desencadeada por trao ou distenso. Por isso a dor difusa e

    irradiante muitas vezes referida em estruturas somticas. A dor difusa e irradiante

    consiste numa sensao dolorosa numa regio do corpo que no a origem do estmulodoloroso. mais frequente este tipo de dor ser sentida na pele ou outras estruturas

    superficiais quando os rgos internos esto lesados e/ou inflamados. Esta dor

    habitualmente ocorre porque tanto a regio onde a dor sentida, como a regio onde de

    fato ocorreu a leso, so inervadas por neurnios do mesmo segmento medular (Le Bars

    e Willer, 2004; Seeley et al., 2003).

    Durante as leses cutneas diversos mediadores qumicos so libertados, tais como, a

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    bradicinina, prostaglandinas, substncia P (SP), K+, H+, que desencadeiam a resposta

    inflamatria. Os vasos sanguneos tornam-se mais permeveis, ocorrendo edema e

    eritema cutneo. Os mastcitos prximos do local lesado libertam histamina, ativando

    diretamente os nociceptores, muitas vezes os prprios axnios dos nociceptores libertam

    substncias que sensibilizam esses recetores a estmulos que anteriormente, no eram

    nocivos ou dolorosos, este processo de sensibilizao designado de hiperalgesia,

    sendo esta a base de muitos processos incluindo a reduo do limiar da dor (Costanzo,

    2011).

    A funo dos nociceptores consiste em transmitir informaes aos neurnios de ordem

    superior sobre uma leso tecidual ocasionada por estmulos nocivos. Os recetores

    individuais podem ser considerados como centros, que transformam o estmulo numamensagem apropriada para as clulas nervosas posteriores. Um dos conceitos centrais

    da neurobiologia considera que os neurnios comunicam uns com outros atravs do

    estabelecimento de sinapses. atravs da libertao de transmissores que a clula

    capaz de comunicar com seus adjacentes ps-sinpticos em que o sinal, o estmulo

    nxico codificado pela libertao de neurotransmissores (Fein, 2012).

    Em termos neuroqumicos, os nociceptores so classificados em trs categorias: tipo Cpeptidrgicos, tipo C no peptidrgicos e A. A maior parte dos nociceptores contm

    glutamato (neurotransmissor mais abundante do sistema nervoso), no entanto os

    nociceptores C peptidrgicos (dependentes do fator de crescimento neuronal) contm

    neuropeptdeos, tais como a SP, peptdeo relacionado com o gene da calcitonina

    (CGRP). Os nociceptores tipo C no peptidrgicos contm peptdeos dependentes do

    fator neurotrfico derivado do encfalo (BDNF), podendo-se identificar pela presena

    de isolectinas especficas, recetores purinrgicos e enzimas. Os nociceptores A

    dependem da neurotrofina-3 e do BDNF, podendo ser identificados por neurofilamentos

    especficos, tais como a presena do anticorpo RT97 (Lopes, 2003).

    3.3 rea sensitiva primria

    O corno dorsal da espinal medula e o seu homlogo bulbar ou medula oblongata

    formam a rea sensitiva primria. na rea sensitiva primria que terminam os

    prolongamentos centrais dos neurnios aferentes primrios, que tm por funo

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    transmitir a informao sensitiva provinda da periferia, estabelecendo-se sinapses com

    os interneurnios locais que modelam a informao e com os neurnios espinais que so

    de projeo, transmitindo a informao para nveis superiores do SNC (Lopes, 2003).

    O corno dorsal da medula espinal o primeiro stio de integrao e processamento da

    informao sensorial recebida e tem sido ao longo do tempo dividido em trs grandes

    regies: a zona marginal, a zona da substncia gelatinosa e o ncleo proprius. Tal como

    foi referido anteriormente Rexed dividiu a substncia cinzenta em dez lminas tendo por

    base as suas caractersticas citoarquitectnicas, sendo a lmina I a mais dorsal (Wright,

    2002).

    Estudos anatmicos e fisiolgicos confirmaram as diferenas funcionais dos neurnios

    do corno dorsal nas diferentes lminas, bem como diferenas nos padres da projeo

    destes respectivos neurnios. Alm disso, as clulas e os terminais axoniais nas

    diferentes lminas do corno dorsal apresentam um perfil neuroqumico distinto. De

    acordo com a funo das fibras aferentes primrias, estas vo terminar em lminas

    diferentes. A lmina I tem uma elevada densidade de projeo de neurnios, que

    processam a informao nociceptiva, pois contm neurnios nociceptivos especficos

    que so unicamente excitados por nociceptores. A lmina II, ou substncia gelatinosa,

    contem umas estruturas importantes, conhecidas por glomrulos, atravs dos quais um

    terminal aferente primrio pode estabelecer contacto sinptico com vrias dendrites

    perifricas, terminais axoniais e corpos celulares. Os glomrulos so estruturas

    importantes, pois muitas vezes esto na base da modulao pr-sinptica e ps-sinptica

    da informao recebida pelos neurnios aferentes primrios. Alm disso eles

    compreendem um terminal central primrio aferente que contacta com um grupo de

    quatro a oito dendrites circundantes e outros terminais axoniais perifricos, sendoseparados do tecido circundante por clulas gliais (Wright, 2002).

    As clulas da lmina III so semelhantes s da lmina II embora um pouco maiores e

    mielinizadas. As lminas IV e V so caracterizadas por conterem neurnios de

    diferentes tamanhos, a lmina IV contm clulas grandes e proeminentes, enquanto a V

    distinguida por estar orientada longitudinalmente e conter axnios mielinizados. As

    lminas III, IV e a parte superior da lmina V constituem a maior parte do ncleoproprius. A populao de neurnios que respondem a estmulos nocivos mecnicos e

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    trmicos atualmente tem sido relacionada com a lmina X na proximidade do canal

    central da medula espinal, embora a lmina I e II assumam um papel importante neste

    contexto(Wright, 2002).

    Os neurnios espinais so classificados em trs classes: neurnios no nociceptivos,

    nociceptivos especficos e wide-dynamic range (WDR) (Figura 8). Os neurnios no

    nociceptivos respondem a estmulos incuos, no entanto podem tambm responder a

    estmulos nxicos, mas o tipo de resposta desencadeada igual resposta fornecida a

    um estmulo incuo, esto presentes sobretudo nas lminas II-IV. Os neurnios

    nociceptivos especficos so ativados, apenas por estmulos nxicos, estando

    localizados sobretudo nas lminas I e II. Os neurnios WDR respondem a estmulos

    incuos e nxicos, no entanto a intensidade de resposta diretamente proporcional

    intensidade do estmulo, esto localizados em maior nmero na lmina V (Ver Reviso:

    Lopes, 2003).

    Figura 8. Diviso citoarquitectnica da substncia cinzenta da medula espinal. Representa os neurniosespinais no nociceptivos, representa os neurnios espinais nociceptivos especificos e Representa os

    neurnios WDR. Na parte direita da imagem possvel visualizar os terminais centrais aferentes

    primrios do tipo A, Ae C (adaptado de Lopes, 2003).

    3.4 Sensibilizao central e perifrica

    Antes da descoberta da sensibilizao central, a viso predominante no processamento

    da dor no sistema nervoso central foi largamente entendida como uma parte neural

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    passiva transmitida por potenciais de ao codificados, permitindo informaes sobre o

    incio, durao, intensidade, localizao e qualidade de estmulos perifricos nocivos.

    Mais especificamente a via de transmisso foi entendida como uma via que possibilita

    determinadas ligaes anatmicas entre a medula espinal, tronco cerebral, tlamo e

    crtex. A teoria do porto proposto por Melzack e Wall em 1965 realou que este

    sistema de transmisso sensorial poderia ser modulado na medula espinal por controlos

    inibitrios. Um outro progresso considervel decorreu na dcada de 80, com a

    identificao dos circuitos inibitrios, bem como a descoberta das encefalinas e

    endorfinas. A sensibilizao perifrica foi descoberta ainda nos anos 70, graas a um

    trabalho realizado por Iggo e Perl (Ver Woolf, 2011) que identificaram um alto limiar

    de neurnios sensoriais especficos, sintonizados de forma a responder apenas aos

    estmulos nxicos. Inicialmente Perl e posteriormente outros investigadores,

    demostraram que os nociceptores perifricos terminais poderiam ser "sensibilizados"

    aps ocorrer a leso, reduzindo o seu limiar, principalmente a estmulos trmicos,

    apenas no interior do local da leso e onde o nociceptor terminal fora exposto a

    moduladores inflamatrios. Esta zona foi designada de hiperalgesia primria. Embora

    este fenmeno seja um importante fator para a dor inflamatria de hipersensibilidade,

    no explica ainda a alodinia e hiperalgesia secundria, conceitos que se explicaro mais

    frente (Woolf, 2011).

    As propriedades fisiolgicas dos nociceptores, considerados at agora, foram explicadas

    principalmente a partir de estudos de tecido no lesado, no entanto, os estmulos

    nxicos intensos que conduzem a leso tecidual frequentemente geram um aumento da

    resposta a estmulos subsequentes, denominado hiperalgesia, ou seja, uma sensibilidade

    excessiva ou sensibilidade dor. A hiperalgesia compreende: a hiperalgesia primria,

    uma sensibilidade aumentada na rea afetada predominantemente devido sensibilizao perifrica do nociceptor e a hiperalgesia secundria, uma sensibilidade

    aumentada em redor da rea no afetada, mediada centralmente. A alodnia consiste

    numa sensao dolorosa causada por um estmulo normalmente no doloroso (Fein,

    2012; Woolf, 2011).

    A hiperalgesia um sinal importante, pelo que uma parte integrante do exame de

    diagnstico fsico de um paciente com suspeitas de patologia visceral a procura dehiperalgesia na regio somtica onde se encontra a dor, de tal modo que a ausncia ou

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    presena deste sinal permite classificar a dor visceral como dor visceral sem

    hiperalgesia ou dor visceral com hiperalgesia, respetivamente. A hiperalgesia visceral,

    caracterizada pelo aumento da sensibilidade de um rgo interno, no entanto existe um

    outro fenmeno no menos importante a hiperalgesia viscero-visceral, sendo esta

    oriunda de uma interao sensorial entre dois rgos internos diferentes que partilham

    pelo menos parte do circuito aferente (Carr et al., 2005).

    3.4.1. Sensibilizao central

    O termo sensibilizao central usado para descrever o fenmeno de potenciao wind

    up, a longo prazo e a hiperalgesia secundria. O wind upocorre em resposta a estmulos

    nxicos repetidos dos nociceptores perifricos. Refere-se a um processo que envolve

    uma grande variedade de neurnios em nveis mais fundos do corno dorsal, sendo

    produzido no decorrer da ativao repetida de baixa frequncia de fibras C que causam

    um aumento progressivo da resposta eletrofisiolgica nos neurnios pr-sinpticos do

    corno dorsal (Moffat e Rae, 2010).

    Quando chega o sinal aumentado a partir da periferia, ocorre um aumento da libertao

    de glutamato, que se liga a recetores especficos, designados de recetores N-metil-D-

    aspartato (NMDA), e mais tardiamente liga-se ao recetor metabotrpico de glutamato.

    Estes recetores no so expressos em situaes de dor aguda, mas quando ativados

    contribuem no s para despolarizar o neurnio ps-sinptico, como tambm para gerar

    uma srie de alteraes intracelulares como expresso de oncogenes, sntese de

    protenas, ativao enzimtica (protena-cinases, COX, etc.) e ativao de numerosas

    vias de sinalizao celular, que aumentam o sinal nociceptivo. Em resposta

    sensibilizao perifrica, as vias aferentes primrias tambm libertam a SP e CGRP que

    se ligam a recetores especficos, que so os recetores da neuroquinina, conhecidos por

    recetores NK1 e CGRP1, respetivamente. Esta descoberta permitiu que, durante algum

    tempo, investigadores pensassem que o bloqueio farmacolgico destes recetores

    servisse para controlar seletivamente as manifestaes de dor crnica, no entanto, testes

    realizados em animais experimentais mostraram que os antagonistas dos recetores NK1

    tiveram um efeito antinociceptivo significativo, mas os ensaios realizados em seres

    humanos no tm permitido, no entanto o seu uso generalizado, devido aos efeitos

    adversos que decorre da sua administrao (Figura 9) (Goicoechea e Martn, 2006).

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    Figura 9. Sensibilizao central na regio dorsal da medula espinal. As setas brancas representam

    libertao enquanto, as setas pretas representam ligao a um recetor. COX: ciclooxigenase; NO: xido

    ntrico; SP: substncia P; Glu: glutamato; NMDA: recetor de glutamato; METAB: recetor de glutamato.

    1: libertao de glutamato e ligao aos recetores especficos (NMDA e METAB); 2: libertao da

    substncia P; 3: libertao das substncias pronociceptivas (NO, COX); 4: inibio das vias centrais de

    modulao; 5: desenvolvimento de novos axnios colaterais; 6: transmisso do sinal amplificado ao

    sistema nervoso central (adaptado de Goicoechea e Martn, 2006).

    Como consequncia da amplificao do sinal ocorrem vrios fenmenos, aumento da

    sntese de ciclooxigenase (COX), bradicinina e do xido ntrico (NO). Estas substncias

    so capazes de se difundir para o neurnio pr-sinptico, provocando um aumento da

    excitabilidade dos neurnios espinais. Em situaes de dor crnica para alm, da

    reorganizao da estrutura neuronal surgem ramificaes de axnios colaterais que

    aumentam a quantidade de sinal nociceptivo aferente que por sua vez aumenta a

    libertao de glutamato no espao intersinptico. Por outro lado, ocorre uma perda da

    eficcia da inibio produzida pelas vias descendentes com diminuio da libertao de

    opiides endgenos, incluindo tambm a degenerao celular destes neurnios, o que

    indiretamente aumenta o sinal nociceptivo que enviado para os centros superiores.

    Todas estas mudanas amplificam e mantm de forma muito importante o sinal

    nociceptivo que ocorre no corno dorsal da medula espinal, originando a hiperalgesia e

    alodnia (Goicoechea e Martn, 2006).

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    3.4.2. Sensibilizao perifrica

    A sensibilizao perifrica caracteriza a forma como o estmulo vai evocar a funo de

    plasticidade do nociceptor. O estmulo nesta situao um conjunto de mediadores

    inflamatrios libertados a partir de clulas lesadas e inflamatrias que sensibilizam o

    nociceptor, reduzindo o limiar e consequentemente aumentando a capacidade de

    resposta, essencialmente no local da leso e inflamao. Como resultado da alterao do

    ambiente qumico produzido pela rutura das clulas, desgranulao dos mastcitos,

    secreo de mediadores pelas clulas inflamatrias e na induo da produo de

    enzimas como a COX-2, os nociceptores sofrem uma mudana de detetores exclusivos

    de estmulos nxicos passando tambm a poder detetar estmulos incuos. Como

    resultado, a baixa intensidade dos estmulos ganha acesso via nociceptiva comeando

    a produzir dor, este mecanismo acompanhado por uma ampla gama de

    sensibilizadores, incluindo cininas, aminas, prostanides, fatores de crescimento,

    quimiocinas e citocinas, que com protes e ATP originam uma inflamao (Woolf e

    Ma, 2007).

    Numa situao de dor crnica, seja de origem inflamatria ou neuroptica, os neurnios

    sensibilizados, libertam substncia P e CGRP a partir de vesculas. Estas duas

    substncias quando libertadas na periferia vo estabelecer uma ligao com recetores

    localizados em diferentes clulas relacionadas com o processo inflamatrio, tais como

    os neutrfilos, mastcitos e basfilos. Como consequncia, desta ligao uma srie de

    substncias pro-inflamatrias como a citocina, bradicinina e histamina so libertadas,

    promovendo a sntese de outros mediadores como a COX que, por sua vez, promove a

    sntese de prostaglandinas e eicosanides (Figura 10) (Goicoechea e Martn, 2006).

    Tambm so libertados fatores trficos (Figura 10), como o fator de crescimento

    nervoso (NGF).

    Mesmo estando descrito que os neutrfilos podem libertar pequenas quantidades de

    opiides endgenos, na tentativa de modular a resposta nociceptiva que decorre na

    periferia, toda esta "sopa inflamatria" produz alteraes no pH, ocorre tambm a

    libertao de ATP a partir de clulas lesionadas, sntese e libertao de xido ntrico

    (NO), entre outros, induzindo assim a amplificao do sinal da medula espinal para os

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    centros superiores e ocorre ento a sensibilizao perifrica, que contribui de forma

    importante para a manuteno da dor crnica (Goicoechea e Martn, 2006).

    Figura 10: Sensibilizao perifrica. Nesta imagem as setas brancas representam libertao enquanto as

    setas pretas significam ligao a um recetor. NGF: Fator de crescimento nervoso; BDNF: Fator nervoso

    derivado do crebro, COX: ciclooxigenase; NO: xido ntrico; Sust. P: substncia P; CGRP: pptido

    relacionado com o gene da calcitonina; TNF: fator de necrose tumoral; IL-1: interleucina 1; ATP:

    adenosintrifosfato; , : recetores de opiides; PG: prostaglandinas; LT: leucotrienos; TX: tromboxanos;

    P2X: recetor de ATP; TPRV1: recetor vaniloide. O nmero 1 da figura representa a leso e envio da

    informao para a regio dorsal; o nmero 2 representa a libertao da substncia P e CGRP. O nmero 3

    refere-se libertao de substncias pronociceptivas e inflamatrias desde os mastcitos e neutrfilos; o 4

    representa a ativao dos recetores vaniloides e sensveis ao ATP, por ltimo o nmero 5 representa a

    transmisso do sinal amplificado ao sistema nervoso central (adaptado Goicoechea e Martn, 2006).

    3.5 Relao celular com a dor

    So vrios os tipos de clulas envolvidas na modelao da dor. Alm dos neurnios, os

    principais responsveis e que tm sido referidos durante este trabalho, tambm outros

    tipos celulares tm sido mencionados. Destes destacam-se alguns tipos de clulas de

    glia, clulas endoteliais, fibroblastos, mastcitos, linfcitos e macrfagos. Contudo, a

    ausncia de bons marcadores para algumas clulas tem dificultado o seu estudo (Ver

    Reviso: Afonso e Neto, 2012).

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    Algumas clulas do sistema imunolgico produzem molculas analgsicas, compostos

    tanto pr-inflamatrios como anti-inflamatrios e molculas lipdicas, que promovem a

    modulao da resposta dor (Guillot et al., 2012).

    Os mastcitos esto localizados nos tecidos e a sua ao pode ser estimulada pela

    libertao de adenosina e bradicinina no tecido lesionado (situaes de trauma),

    provocando a libertao de grnulos de histamina, proteases, citocinas e NGF capazes

    de excitarem diretamente os nociceptores e as clulas do DRG. Ocorre tambm a sntese

    de prostaglandinas e quimiocinas no local da leso chamando para esse mesmo local

    neutrfilos que apresentam a capacidade de adeso ao endotlio vascular. A migrao

    dos neutrfilos para a regio inflamada, induz por sua vez a libertao de mais citocinas

    que atuam diretamente no recetor da dor. Estas ltimas tm ainda tambm a capacidade

    de libertar outras substncias como quimiotticas e defensinas que promovem a

    migrao de moncitos e linfcitos para o local (Kraychete et al, 2008).

    Os macrfagos, clulas fagocitrias e apresentadoras de antignio, so responsveis pela

    fagocitose de patogneos e de clulas mortas, como os neurnios e clulas de Schwann,

    libertando prostaglandinas e citocinas, bem como, radicais superxido que esto

    envolvidos na dor neuroptica (Kraychete et al, 2008). Quer os macrfagos residentes

    quer os macrfagos desenvolvidos a partir de moncitos circulantes desempenham um

    papel predominante na resposta imune inicial. Aumentam nos stios das leses nervosas

    e pensa-se estarem envolvidos no desenvolvimento de alodnia. O recrutamento e a

    ativao de macrfagos orquestrado por interaes entre as quimiocinas e os seus

    recetores e pelo contacto com o prprio antignio. Algumas citocinas tais como TNF-,

    estimula a ativao de macrfagos contribuindo para a sensibilizao do nociceptor

    (Guillot et al., 2012).

    Os linfcitos T so as clulas responsveis pela imunidade celular e podem ser

    subdivididas no subtipo helper ou CD4+, citotxico ou CD8+ e reguladores ou

    supressores. Dependendo da leso, podem ocorrer respostas T especficas, tais como a

    secreo de citocinas pelos linfcitos T helper que podem originar pro ou anti-

    inflamatrios. Os linfcitos Th1 ou pro-inflamatrios libertam, por exemplo, interfero-

    gama (IFN-) e interleucina-2 (IL-2), estando relacionados com a resposta imunitria

    celular ativao T e de macrfagos. Os linfcitos Th2 ou anti-inflamatrios libertamas citocinas tais como IL-4, IL-5, IL-6 e IL-10, estando associados com a resposta

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    imunitria humoral- produo de anticorpos e inibio da sntese de citocinas pro-

    inflamatrias. possvel que estas respostas possuam, tambm, efeitos opostos na

    evoluo da dor (Kraychete et al, 2008).

    As clulas gliais representam cerca de 70% da populao celular constituinte da medula

    espinal e do encfalo, estas podem ser subdivididas em cinco subtipos, no entanto no

    SNC so encontrados apenas os astrcitos, os oligodendrcitos e a microglia. Sabe-se

    que os astrcitos e a microglia apresentam funes neuromoduladoras, neutrficas e

    neuroimunes importantes. Os neurnios quando lesados libertam substncias (SP,

    CGRP, ATP, prostaglandinas) que estimulam os astrcitos e microglia, que por sua vez

    estimulam neurnios e clulas de glia vizinhas, potenciando assim a resposta dor

    (Afonso e Neto, 2012).

    3.6 Papel dos mediadores qumicos e funcionais na dor

    A libertao dos mediadores est relacionada com o mecanismo de percepo da dor

    aps a interpretao central de um estmulo perifrico. A libertao exagerada de

    mediadores pode provocar hipersensibilizao do nociceptor, inflamaes causadas por

    mudanas a nvel celular e da matriz extracelular, por isso mediadores

    caracteristicamente diferentes iro condicionar a dor de forma diferente consoante as

    condies patolgicas(Widgerow e Kalaria, 2012).

    A funo quimiorrecetora dos nociceptores crucial para gerar dor inflamatria e a

    maior parte dos mediadores esto envolvidos nessa dor. As terminaes das fibras

    nervosas sensoriais so protegidas por uma barreira designada de perineu