Dos Enigmas de Hefesto: cultura, comunicação e trabalho na perspectiva dos discursos...

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A contemporaneidade, caracterizada pela mundialização, implica mudanças nas relações estabelecidas entre as diversas esferas da vida humana. Dentre as possibilidades para compreender esse fenômeno, com base em uma matriz cultural, seleciona-se como lócus as organizações, perante a relação comunicação e trabalho. Justifica-se a realização da pesquisa, pois trata de uma temática com produção acadêmica recente e restrita a poucos pesquisadores, além de orientar-se pela interdisciplinaridade em busca de um olhar ressignificado ao trabalho. Este estudo tem como objetivo principal identificar e analisar possíveis interpretativos que influenciam a construção de sentidos sobre a atividade laboral mediante os saberes constituídos enunciados no ato de linguagem em editoriais do jornal da empresa Hera. Três eixos teóricos norteiam a reflexão: as noções de cultura e cultura organizacional com referências de Geertz (2008), Morgan (2011), Martin (2004), Galbraith (1989) e Foucault (2007); a concepção de trabalho e suas variáveis, conduzida por Antunes (2009), Schwartz e Durrive (2007) e Durrive (2011); e, por fim, o ponto de vista da comunicação organizacional, na perspectiva interacional, é guiado por Deetz (2010), Baldissera (2009a, b), Oliveira e Paula (2008) e Nouroudine (2002). A análise do discurso, método que fundamenta a interface entre as categorias temáticas selecionadas para análise, ancora-se Semiolinguística de Charaudeau (2010a, 2012a). A pesquisa tem natureza aplicada, é descritiva quanto ao objetivo e contempla a abordagem qualitativa. A limitação da unidade de análise caracteriza o estudo de caso na empresa de automação industrial Hera, localizada no Parque Tecnológico São Leopoldo (Tecnosinos). O corpus é composto por oito editoriais divulgados no jornal da empresa, em edições publicadas entre janeiro de 2012 e junho de 2014. A lente para análise dos dados coletados é a teórico-ergo-discursiva. Como resultado principal, destaca-se que a instrumentabilidade atribuída ao processo comunicação, as prescrições que encarceram as interações e a crença de que as lideranças podem impor aos trabalhadores valores e princípios modalizados pela organização impossibilitam uma perspectiva ressignificada do trabalho, como atividade, e mantém a ele vinculado o sentido do tripallium.

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  • UNIVERSIDADE FEEVALE

    MESTRADO EM PROCESSOS E MANIFESTAES CULTURAIS

    GISLENE FEITEN HAUBRICH

    DOS ENIGMAS DE HEFESTO: CULTURA, COMUNICAO E TRABALHO NA PERSPECTIVA DOS DISCURSOS

    ORGANIZACIONAIS

    Novo Hamburgo

    2014

  • GISLENE FEITEN HAUBRICH

    DOS ENIGMAS DE HEFESTO: CULTURA, COMUNICAO E TRABALHO NA PERSPECTIVA DOS DISCURSOS

    ORGANIZACIONAIS

    Dissertao apresentada ao Mestrado em

    Processos e Manifestaes Culturais como

    requisito para a obteno do ttulo de mestre

    em Processos e Manifestaes Culturais.

    Orientador: Prof. Dr. Ernani Cesar de Freitas

    Novo Hamburgo

    2014

  • Universidade Feevale

    Mestrado em Processos e Manifestaes Culturais

    GISLENE FEITEN HAUBRICH

    DOS ENIGMAS DE HEFESTO: CULTURA, COMUNICAO E TRABALHO NA PERSPECTIVA DOS DISCURSOS

    ORGANIZACIONAIS

    Dissertao de mestrado aprovada pela banca examinadora em 09 de dezembro de 2014,

    conferindo autora o ttulo de Mestre em Processos e Manifestaes Culturais.

    Componentes da Banca Examinadora:

    _____________________________________________

    Prof. Dr. Ernani Cesar de Freitas

    Universidade Feevale

    _____________________________________________

    Prof. Dr. Ana Cristina Fachinelli

    Universidade de Caxias do Sul (UCS)

    _____________________________________________

    Prof. Dr. Rudimar Baldissera

    Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

  • Esta pesquisa dedicada queles que acreditam que a transformao

    da sociedade pode se dar apenas por meio da transgresso humana,

    resgatando sua singularidade perante a conscincia e a crtica

    construo de saberes. queles que acreditam que o conhecimento

    algo produzido coletivamente nas interaes do cotidiano e no

    somente no lcus (privilegiado) da academia. E, finalmente, queles

    que acreditam que o trabalho manifesta nossa cultura (e nossa

    identidade) e que por meio dele pode-se alicerar o futuro,

    abandonando o obscuro conceito de tripalium rumo edificao de

    uma obra.

  • AGRADECIMENTOS

    Dois anos de mestrado: um tempo de transformao. Tal enunciado me era proferido sempre

    que manifesta a inteno de realiz-lo. Enunciado que tambm propagarei. Transformao

    densa, profunda e irreparvel. Paradoxal. Tempo de isolamento e de construo do saber. Da

    certeza de que nada se desenvolve na solido. Dito isso, o mnimo que posso agradecer.

    Agradeo...

    - Energia Superior, a quem evoco como Deus: por iluminar minhas escolhas, cercar-me de

    seres (humanos e no humanos) com inexplicvel benevolncia e carinho por mim;

    - a CAPES por financiar esse estudo e Feevale por confiar o investimento nesta pesquisa e

    nesta pesquisadora;

    - aos professores do Mestrado em Processos e Manifestaes Culturais por apresentarem

    mltiplos olhares cultura e a centralidade da ao humana em sua transformao;

    - aos professores Paula Puhl, Cintia Carvalho, Sandra Montardo e Humberto Keske (in

    memoriam) por todo o incentivo, desde a graduao, permanncia na vida acadmica e a

    oportunidade de aprendizado;

    - professora Ana Cristina Fachinelli que, com suas indicaes na qualificao, norteou a

    construo da anlise, alm de questionar aspectos fundamentais para o desenvolvimento

    desta pesquisa e assim a produo efetiva de contribuies aos estudos organizacionais;

    - ao professor Rudimar Baldissera, cujas orientaes advm da leitura (h longa data) de sua

    obra. Obrigada pelos conceitos e contribuies Comunicao. Obrigada pela crtica leitura

    desta dissertao, que certamente conduziu construo de resultados relevantes rea;

    - ao meu estimado orientador, professor Ernani Cesar de Freitas, grande incentivador,

    exemplo de pesquisador, professor e ser humano. Certamente todos os adjetivos que se possa

    atribuir a sua pessoa sero nfimos ante sua presena. Se saio transformada dessa jornada,

    muito devo aos ensinamentos do senhor que pacientemente conduziu meus passos, desafiou

    meus medos e amparou minhas angstias;

    - aos amigos verdadeiros proporcionados minha jornada nesse mundo;

    - aqueles que plantaram desde a infncia a paixo pela educao; que me ensinaram que a

    vida se estrutura a cada oportunidade... Pai e Me... Faltam-me as palavras. Transborda o

    amor. Obrigada!

    - E, finalmente, ao meu grande incentivador, meu esposo. Obrigada por acreditar e mergulhar

    em meus sonhos comigo. Obrigada por ser um porto seguro e um conselheiro nas horas de

    aflio. Obrigada por me auxiliar financeiramente quando congressos e livros levavam o valor

    da bolsa, mas sobraram vrios dias para serem vividos at o prximo ms. Espero um dia

    poder retribuir tudo isso a voc!

  • Em prol da evoluo ou da revoluo, a mudana a essncia da vida.

    Manuel Castells

    Um pouco de audcia sempre necessrio e mesmo no domnio cientfico, onde corre-se o risco de ser criticado por seus pares,

    deve-se tentar a aventura. Patrick Charaudeau

    "A meu ver, os otimistas acreditam que este mundo o melhor

    possvel, ao passo que os pessimistas suspeitam que os otimistas

    podem estar certos... Mas acredito que essa classificao binria de

    atitudes no exaustiva. Existe uma terceira categoria: pessoas com

    esperana. Eu me coloco nessa terceira categoria. Zygmunt Bauman

  • RESUMO

    A contemporaneidade, caracterizada pela mundializao, implica mudanas nas relaes

    estabelecidas entre as diversas esferas da vida humana. Dentre as possibilidades para

    compreender esse fenmeno, com base em uma matriz cultural, seleciona-se como lcus as

    organizaes, perante a relao comunicao e trabalho. Justifica-se a realizao da pesquisa,

    pois trata de uma temtica com produo acadmica recente e restrita a poucos pesquisadores,

    alm de orientar-se pela interdisciplinaridade em busca de um olhar ressignificado ao

    trabalho. Este estudo tem como objetivo principal identificar e analisar possveis

    interpretativos que influenciam a construo de sentidos sobre a atividade laboral mediante os

    saberes constitudos enunciados no ato de linguagem em editoriais do jornal da empresa Hera.

    Trs eixos tericos norteiam a reflexo: as noes de cultura e cultura organizacional com

    referncias de Geertz (2008), Morgan (2011), Martin (2004), Galbraith (1989) e Foucault

    (2007); a concepo de trabalho e suas variveis, conduzida por Antunes (2009), Schwartz e

    Durrive (2007) e Durrive (2011); e, por fim, o ponto de vista da comunicao organizacional,

    na perspectiva interacional, guiado por Deetz (2010), Baldissera (2009a, b), Oliveira e Paula

    (2008) e Nouroudine (2002). A anlise do discurso, mtodo que fundamenta a interface entre

    as categorias temticas selecionadas para anlise, ancora-se Semiolingustica de Charaudeau

    (2010a, 2012a). A pesquisa tem natureza aplicada, descritiva quanto ao objetivo e

    contempla a abordagem qualitativa. A limitao da unidade de anlise caracteriza o estudo de

    caso na empresa de automao industrial Hera, localizada no Parque Tecnolgico So

    Leopoldo (Tecnosinos). O corpus composto por oito editoriais divulgados no jornal da

    empresa, em edies publicadas entre janeiro de 2012 e junho de 2014. A lente para anlise

    dos dados coletados a terico-ergo-discursiva. Como resultado principal, destaca-se que a

    instrumentabilidade atribuda ao processo comunicao, as prescries que encarceram as

    interaes e a crena de que as lideranas podem impor aos trabalhadores valores e princpios

    modalizados pela organizao impossibilitam uma perspectiva ressignificada do trabalho,

    como atividade, e mantm a ele vinculado o sentido do tripallium.

    Palavras-chave: Comunicao. Trabalho. Cultura. Organizaes. Discurso.

  • ABSTRACT

    The world, in the contemporary, is characterized by globalization and imply changes in the

    relations between the various spheres of human life. Among the possibilities to understand

    this phenomenon, based on a cultural matrix, is selected as locus the organizations, before the

    connection between communication and work. Justified the research, because this is a theme

    with recent and restricted academic researchers production, and also be guided by

    interdisciplinarity in search of a reframed to work look. This study aims to identify and

    analyze possible interpretation that influence the construction of meaning on the labor activity

    constituted by the knowledge contained in the act of language in newspaper editorials from

    company Hera. Three axes guiding theoretical reflection: the notions of culture and

    organizational culture with references to Geertz (2008), Morgan (2011), Martin (2004),

    Galbraith (1989) and Foucault (2007); the concept of work and its variables, conducted by

    Antunes (2009), Schwartz and Durrive (2007) and Durrive (2011); finally, the organizational

    point of view from communication, interactive perspective, is guided by Deetz (2010),

    Baldissera (2009a, b), Oliveira and Paula (2008) and Nouroudine (2002). The discourse

    analysis, method that underlies the interface between the themes selected for analysis, is

    anchored Semiolingustica of Charaudeau (2010a, 2012a). Research has applied nature, is

    descriptive of the purpose and contemplates the qualitative approach. The limitation of an unit

    of analysis characterizes the case study in the industrial automation company Hera, located in

    So Leopoldo, at Technology Park (Tecnosinos). The corpus consists of eight editorials

    published in the newspaper company published between January 2012 and June 2014

    editions. The lens to analyze the data collected is the theoretical-ergo-discursive. As a main

    result, it is emphasized that the instrumentality assigned to the communication process, the

    prescriptions that imprison the interactions and the belief that leaders can impose on workers

    values and principles for organizing modalizing, makes impossible one resignified perspective

    of work as activity, and maintains attached to it the sense of tripallium.

    Keywords: Communication. Work. Culture. Organizations. Discourse.

  • LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1 - Grupos de Pesquisa CNPq ..................................................................................... 19

    Grfico 2 - Gnero da Classe Trabalhadora da organizao Hera ......................................... 127

    Grfico 3 - Mdia Salarial da Classe Trabalhadora da empresa Hera por Gnero ................ 127

    Grfico 4 - Principais Nveis de Ensino Classe Trabalhadora Hera ................................... 128

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 - Linhas de Pesquisa dos Grupos de Pesquisa CNPq ............................................... 20

    Quadro 2 - Temticas Abordadas em Dissertaes de Mestrado na rea da Comunicao .... 21

    Quadro 3 - Categorias e Artigos Publicados em Congressos Nacionais da Intercom 2003 a

    2013 .......................................................................................................................................... 22

    Quadro 4 - Categorias dos Artigos Intercom ............................................................................ 23

    Quadro 5 - Ideologias Organizacionais Principais ................................................................... 43

    Quadro 6 - Aspectos da Alienao (ou Estranhamento) no Trabalho ...................................... 55

    Quadro 7 - Organizao Cientfica x Flexvel do Trabalho ..................................................... 58

    Quadro 8 - Como reconhecer o trabalho, quando no mais trabalho? ................................... 62

    Quadro 9 - Influncias da Ergologia......................................................................................... 65

    Quadro 10 - Ingredientes da Competncia ............................................................................... 74

    Quadro 11 - Modalidades da Linguagem e Trabalho ............................................................... 78

    Quadro 12 - Diferenas de Sentido: lingustico e discursivo ................................................... 88

    Quadro 13 - Dimenso Interacional entre os Parceiros do Ato de Linguagem ........................ 91

    Quadro 14 - Modos de Organizao do Discurso .................................................................... 96

    Quadro 15 - Componentes da Situao de Comunicao....................................................... 100

    Quadro 16 - Principais Visadas Comunicativas ..................................................................... 102

    Quadro 17 - Categorias Terico-ergo-discursivas do Dispositivo de Anlise ....................... 119

    Quadro 18 - Caractersticas da Situao da Comunicao ..................................................... 125

    Quadro 19 - O Mapa de Possveis Interpretativos: consideraes acerca da Articulao A .. 131

    Quadro 20 - Cultura Organizacional e Competncias segundo Durrive (2011)..................... 137

    Quadro 21 - Mapa de Possveis Interpretativos: consideraes acerca da Articulao B ...... 138

    Quadro 22 - O Ato de Linguagem da Hera: mapa de saberes investidos ............................... 149

    Quadro 23 - Deduo Explicao: modo argumentativo e a comunicao informacional .... 150

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 - O Ato de Linguagem ............................................................................................... 36

    Figura 2 - Cultura Organizacional: cultura, identidade e poder ............................................... 50

    Figura 3 - Uma Representao para a Atividade ...................................................................... 64

    Figura 4 - O Debate de Normas e as Transgresses ................................................................. 75

    Figura 5 - Ressignificao do Trabalho: a perspectiva da atividade ........................................ 80

    Figura 6 - Representao da Teoria Semiolingustica de Charaudeau ..................................... 92

    Figura 7 - Duplo Processo de Semiotizao ............................................................................. 94

    Figura 8 - Contrato de Comunicao ...................................................................................... 100

    Figura 9 - Nveis do Modelo Semiolingustico ...................................................................... 106

    Figura 10 - Mapa das Categorias de Classificao da Pesquisa ............................................. 113

    Figura 11 - Fases da Pesquisa ................................................................................................. 114

    Figura 12 - Dispositivo de Anlise (Roteiro) ......................................................................... 117

    Figura 13 - Fases da Organizao dos Dados ......................................................................... 122

    Figura 14 - Fbrica da Hera em So Leopoldo ....................................................................... 133

    Figura 15 - Construo e Disputa de (alguns) Sentidos ......................................................... 151

  • SUMRIO

    1 CONSIDERAES INICIAIS .......................................................................................... 15

    2 TRANSGRESSES DO SUJEITO E AS MANIFESTAES CULTURAIS NO TERRENO DAS INCERTEZAS ....................................................................................... 27 2.1 TERRENOS DE INCERTEZAS: A CULTURA E IDENTIDADE ............................. 29

    2.1.1 A Teia e suas Fronteiras: a cultura em processo .................................................. 30 2.1.2 Ditos, No Ditos e Seus Sentidos: assim caminha a identidade .......................... 33

    2.2 UMA FRONTEIRA DE INCERTEZAS: MOBILIZAO DE SENTIDOS NO AMBIENTE ORGANIZACIONAL ............................................................................. 37

    2.2.1 Prismas Diversos e Sentidos Convergentes: ponderaes acerca da cultura organizacional ...................................................................................................... 39

    2.2.1.1 Relaes de Fora e Contexto: a disputa de sentidos nas organizaes ..... 44 2.3 SUJEITOS EM INTERAO: MANIFESTAES CULTURAIS NAS

    ORGANIZAES ........................................................................................................ 49

    3 INTERAES NO AMBIENTE ORGANIZACIONAL: POSSIBILIDADE DE RESSIGNIFICAO DO TRABALHO? ........................................................................ 51 3.1 A NOO DE TRABALHO E SEUS TORTUOSOS CAMINHOS ........................... 53

    3.2 O TRABALHO: UMA ATIVIDADE HUMANA ........................................................ 60 3.3 EM BUSCA DOS ENIGMAS DA ATIVIDADE: A ERGOLOGIA ........................... 64

    3.3.1 Transgresses e Renormalizaes: a fonte das normas ....................................... 68

    3.3.2 Da Execuo ao Uso de Si: a competncia e o dilogo dos saberes .................... 71

    3.4 LINGUAGEM: COMUNICAO E TRABALHO .................................................... 76

    4 ORGANIZAES, COMUNICAO E TRABALHO: O DESFILE SIMBLICO DOS DISCURSOS QUE NORTEIAM A ATIVIDADE .................................................. 82 4.1 ANLISE DO DISCURSO: UMA DAS PERSPECTIVAS PARA OS ESTUDOS DA

    COMUNICAO ORGANIZACIONAL .................................................................... 85

    4.2 ANLISE DO DISCURSO: ALGUMAS PONDERAES ...................................... 88 4.2.1 Teoria Semiolingustica de Charaudeau: o ato de linguagem.............................. 90

    4.2.2 A Semiotizao do Mundo .................................................................................. 94 4.2.2.1 Modos de Organizao do Discurso: fonte das operaes de transformao

    96 4.2.3 O Contrato de Comunicao ................................................................................ 99

    5 BAGAGEM E PERCURSO RUMO AOS ENIGMAS DE HEFESTO ................ 108 5.1 O OBJETO DE PESQUISA ........................................................................................ 108 5.2 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS ................................................................ 110 5.3 PROCEDIMENTOS DE ANLISE E INTERPRETAO DOS DADOS .............. 114

    5.3.1 Especificao do corpus .................................................................................... 114

    5.3.2 Dispositivo de Anlise: organizao, anlise e interpretao dos dados ........... 116

    6 COMUNICA OU TRUMBICA? O ATO DE LINGUAGEM DA HERA E OS SENTIDOS SOBRE A ATIVDADE ................................................................................ 124 6.1 FASES 1 E 2: ARTICULAES A E B E OS MAPAS DE POSSVEIS

    INTERPRETATIVOS ................................................................................................. 124

    6.2 FASE 3: O MAPA DE SABERES INVESTIDOS E OS SENTIDOS DA ATIVIDADE

    148

  • 7 QUE SEGREDOS, AFINAL, PODE HEFESTO REVELAR? CONSIDERAES RUMO A UM PONTO (QUASE) FINAL ....................................................................... 156

    REFERNCIAS ................................................................................................................... 161

    APNDICES ......................................................................................................................... 171 APNDICE A - Articulao A: Circunstncias de Discurso X Categorias Tericas

    Cultura e Cultura Organizacional ................................................................................ 172 APNDICE B - Articulao A: Contrato de Comunicao X Categorias Tericas

    Cultura e Cultura Organizacional Edio 77 ............................................................ 175 APNDICE C - Articulao A: Contrato de Comunicao X Categorias Tericas

    Cultura e Cultura Organizacional Edio 78 ............................................................ 176 APNDICE D - Articulao A: Contrato de Comunicao X Categorias Tericas

    Cultura e Cultura Organizacional Edio Especial Editorial 1 ................................ 177 APNDICE E - Articulao A: Contrato de Comunicao X Categorias Tericas

    Cultura e Cultura Organizacional Edio Especial Editorial 2 ................................ 179 APNDICE F - Articulao A: Contrato de Comunicao X Categorias Tericas

    Cultura e Cultura Organizacional Edio 80 ............................................................ 181 APNDICE G - Articulao A: Contrato de Comunicao X Categorias Tericas

    Cultura e Cultura Organizacional Edio 81 ............................................................ 182 APNDICE H - Articulao A: Contrato de Comunicao X Categorias Tericas

    Cultura e Cultura Organizacional Edio 82 ............................................................ 183 APNDICE I - Articulao A: Contrato de Comunicao X Categorias Tericas Cultura

    e Cultura Organizacional Edio 83 ......................................................................... 184 APNDICE J - Articulao B: Usos de Si X Relaes Poder ......................................... 185

    ANEXOS ............................................................................................................................... 193 ANEXO A - Editorial do Jornal da Empresa HERA, Edio 77 ..................................... 194

    ANEXO B - Editorial do Jornal da Empresa HERA, Edio 78 ..................................... 195 ANEXO C - Editorial 1 do Jornal da Empresa HERA, Edio Especial ......................... 196

    ANEXO D - Editorial 2 do Jornal da Empresa HERA, Edio Especial ......................... 197 ANEXO E - Editorial do Jornal da Empresa HERA, Edio 80 ..................................... 198 ANEXO F - Editorial do Jornal da Empresa HERA, Edio 81 ..................................... 199 ANEXO G - Editorial do Jornal da Empresa HERA, Edio 82 ..................................... 200

    ANEXO H - Editorial do Jornal da Empresa HERA, Edio 83 ..................................... 201

  • 15

    1 CONSIDERAES INICIAIS

    Hefesto: deus do fogo; deus do trabalho. Filho bastardo de Zeus,

    gerado pela ira de Hera frente s traies de seu marido. Nasceu feio,

    fraco e deformado, o que fez com que sua me o arremessasse para

    fora do Olimpo. O destino do deus defeituoso, no entanto, no

    catastrfico. Resgatado e criado pelas divindades Ttis e Eurnome,

    Hefesto, ainda criana, demonstra seus talentos na criao de peas

    de ourivesaria, manipulando joias sem beleza igual.

    O passar dos anos faz o dio de Hefesto aumentar e a nsia de

    vingana passa a orientar seu agir. Faz, ento, um trono para

    presentear sua me. Trono o qual ela no poderia mais desvincular-

    se, j que Hefesto, alm de deus do fogo, da marcenaria e da

    ourivesaria, manifesta seu poder para atar e desatar; capaz de tudo

    ligar e desligar. Esses poderes garantem a Hefesto seu lugar no

    Olimpo. Dentre os notveis trabalhos atribudos a Hefesto, a

    mitologia cita os raios de Zeus, o tridente de Poseidon (Netuno), a

    couraa de Hracles (Hrcules), as flechas de Apolo e as fulgurantes

    armas de Aquiles na Guerra de Tria1.

    A histria de Hefesto inspira a reflexo deste estudo de dissertao. Ante o desafio

    de fazer parte junto dos demais pesquisadores que buscam identificar possibilidades para

    ressignificar o trabalho, os dramas da vida do deus defeituoso assemelham-se s

    vinculaes negativas que acompanham a noo de trabalho desde os mais remotos tempos.

    Assim como Hefesto fez uso de seus talentos para garantir seu espao no Olimpo e interviu de

    forma fundamental s grandes batalhas gregas por meio de seu trabalho, busca-se o olhar s

    culturas sob as arestas das intervenes das atividades laborais s representaes identitrias

    dos sujeitos, sob um enfoque para alm da relao produo-consumo, mas ao rumo do

    legado deixado por cada um ante sua obra.

    A tenuidade existente entre os universos pessoal e coletivo cada vez mais evidente.

    As relaes entre indivduos e organizaes transcendem os nveis hierrquicos e de

    comunicao rapidamente, resultando em intervenes significativas na cultura que os

    envolve. As leituras de Bauman (1999) e Lipovetsky (2007), alinhadas com as diversas

    informaes disponveis atravs das mdias, convidam reflexo acerca da sociedade que se

    est construindo. possvel perceber muitas das relaes sociais pautadas pela

    competitividade nociva, que gera vnculos efmeros, ligados a interesses momentneos. De

    porte dessas informaes, pe-se em reflexo a pertinncia das organizaes nestas

    transformaes da cultura, pois elas representam uma instncia essencial de socializao,

    1 Fonte: Coleo Deuses da Mitologia e Otto Marques da Silva.

  • 16

    atravs do trabalho. Sujeitos de origens diversas so postos em um mesmo espao, a fim de

    que produzam riqueza, sua fonte pagadora, a si mesmo e sociedade. A comunicao

    organizacional mobiliza esta imerso qual os sujeitos so imbricados, visto que por meio

    dela so compreendidos discursos que movimentam as relaes dos trabalhadores entre si e

    com seu trabalho.

    Os sujeitos, enquanto seres que habitam a sociedade e necessitam compartilhar

    saberes para que seu convvio ocorra, carecem de orientadores de comportamentos, expressos,

    registrados e propagados por meio da cultura que socializada pelas instancias familiares,

    pela educao formal, o trabalho, dentre outros espaos coletivos que os congregam. Nesse

    sentido, cabe a reflexo acerca das caractersticas da cultura que, no tempo atual,

    compartilhada sem limitaes de territrio, de forma mundializada. Essa transformao na

    proliferao de diferentes elementos de representao tem implicao intensa no que se refere

    formao da identidade dos sujeitos em constante interao.

    Com base na proposta dos processos de socializao, elucidados por Berger e

    Luckmann (2012), e sob o enfoque do trabalho, tem-se a perspectiva dos vnculos

    estabelecidos em sociedade, j que, neste espao, o do trabalho, o sujeito permanece a maior

    parte de seu tempo, assim como apreende, por meio da experincia, conceitos fundamentais

    para seu viver. Diante dessas percepes, que conduzem novas compreenses a respeito do

    meio onde esto inseridos os sujeitos, emerge o entendimento do trabalho, concebido como

    atividade, que ultrapassa a viso cientfica2 sobre o termo. Neste entendimento, a

    subjetividade humana est em voga, logo, a comunicao exerce papel fundamental na

    formao desses sujeitos, que esto imersos nas organizaes.

    Os sujeitos advindos da sociedade, por meio de suas aes, constroem e reconstroem

    as organizaes e so, assim, motrizes de manifestaes culturais que se propagam por meio

    da comunicao. Os elementos escolhidos para compor os discursos transmitem interesses e

    expressam possibilidades de aproximao entre pblicos e organizao, sendo a base para

    representao da identidade organizacional, que interpretada, ressignificada e difundida por

    seus interlocutores. Dessa forma, alm de promover uma cultura prpria, com orientaes de

    2 A Organizao Cientfica do Trabalho, ou taylorismo, prope que o trabalho humano uma atividade

    simples, pois possvel antecip-la totalmente, de prepar-la de tal forma uma vez modelada pelos outros, aqueles que tivessem de execut-la no teriam de pensar, como disse Taylor. (SCHWARTZ; DURRIVE, 2007, p. 37). A superao dessa perspectiva se faz necessria, j que, segundo Schwartz e Durrive (2007, p. 39),

    na distncia e no porque desta distncia entre os projetos do taylorismo e as realidades concretas, nas fbricas onde ele foi iniciado e experimentado que, creio,vai-se encontrar o que chamamos de atividade. Essa noo permeia os estudos da Ergologia.

  • 17

    conduta e de fazer da atividade, as organizaes tambm se adquam, socializam e acoplam

    sujeitos com suas histrias, vivncias e crenas individuais, ou seja, com uma cultura prpria,

    que necessita interagir com o todo.

    De acordo com essa breve reflexo, manifesta-se o interesse central deste estudo na

    ao humana no trabalho, o que promove o reconhecimento dos comportamentos dos sujeitos

    em seus coletivos e permite algumas ponderaes acerca dos movimentos constituintes da

    realidade social. Perante esses argumentos, contextualiza-se e apresenta-se a temtica central

    desta dissertao: um olhar para o trabalho frente os mltiplos movimentos culturais

    realizados pelos sujeitos. Delimita-se tal enfoque na relao comunicao e trabalho

    manifesta na interao entre sujeito e atividade, em face dos saberes constitudos pelos

    discursos organizacionais que influenciam a construo de sentidos sobre a atividade laboral.

    Justifica-se a pertinncia do estudo sociedade, visto que contempla a

    interdisciplinaridade mediante as conexes tericas realizadas e que conduzem a observao

    das organizaes enquanto lcus de manifestaes culturais, tendo por base a linguagem sobre

    trabalho. Trata-se de uma temtica que almeja englobar conceitos de reas ainda pouco

    exploradas, como a ergologia3, em associao com os conceitos de cultura, organizaes e

    comunicao, com nfase nos discursos organizacionais e suas implicaes s manifestaes

    culturais e representao identitria.

    Por versar-se como um estudo interdisciplinar, defende-se a contribuio ao meio

    cientfico. Ao dar f ao entendimento de que respostas compartimentadas, que isolam o

    objetivo do subjetivo, no mais se adquam s emergncias ambientais contemporneas,

    aceita-se uma compreenso do trabalho diante da perspectiva da linguagem, que vincula os

    sujeitos por meio de suas prticas. Assim, justifica-se a compreenso dos espaos coletivos

    estruturados diante de objetivos comuns e trocas linguageiras, uma vez que so transformados

    por processos de mundializao4, decorrentes da converso entre o global e o local e, que

    resultam em uma padronizao comportamental, promovida pela cultura, que permeia todas

    as instncias de socializao, inclusive a do trabalho, seja ele remunerado ou no.

    3 A Ergologia uma rea de estudos interdisciplinar advinda da filosofia, em interface com a sociologia,

    psicologia, lingustica, pedagogia cujo enfoque est nos impactos da linguagem na atividade laboral. O

    aprofundamento conceitual se dar no captulo 3 da dissertao. 4 Ortiz (1998) apresenta o conceito com base na noo de globalizao, que se refere s trocas financeiras

    realizadas entre os pases. Da mesma forma, alm dos valores monetrios, os valores simblicos so

    compartilhados, emergindo a noo de transaes culturais, a mundializao.

  • 18

    Decorrente dessa noo atribui-se valor linha de pesquisa Linguagens e processos

    comunicacionais5, visto que a proposta reside no estudo do trabalho manifesto pelos discursos

    organizacionais, perante a interface das proposies da Ergologia, da teoria Semiolingustica

    de anlise do discurso e das acepes tericas de cultura e de identidade. Esse vis de

    pesquisa decorre de uma construo de pensamento abrangente, convergente e circular, que se

    assenta no entendimento de que as prticas sociais, resultantes da ao do sujeito, produzem

    uma dupla implicao: cultura que movimentada perante os novos processos estruturantes

    da sociedade, e ao sujeito, que os realiza com base naquilo que apreende das situaes

    coletivas, com o mundo e com o outro, e que se atualiza diante de novas construes de

    sentido. O trabalho constitui-se como espao fundamental dessas relaes humanas, enquanto

    meio de socializao que viabilizado pela comunicao organizacional.

    Ressalta-se, ainda, que a investigao tem por centro o sujeito, produto e produtor

    social. Para tal, o embasamento analtico adotado interacional - discursivo, uma vez que os

    pesquisadores, ancorados em tericos das cincias humanas e sociais, compreendem que por

    meio das trocas linguageiras se constituem as manifestaes culturais, nos diversos espaos de

    convvio coletivo. Da noo cultura adotada para este estudo, julga-se que as organizaes

    sejam um importante lcus de mobilizao de saberes e orientaes de comportamento, diante

    das prticas comunicativas promovidas em conjunto com os trabalhadores.

    A fim de fundamentar a justificativa dessa pesquisa, desenvolveu-se um mapeamento

    acerca das contribuies acadmicas que enfocam a relao comunicao e trabalho. Tal

    atitude permitiu o delineamento, de forma mais produtiva, da problemtica orientadora do

    estudo, bem como dos objetivos que o impulsionam. A definio das fontes dos dados acerca

    da produo acadmica atendeu a alguns critrios previamente delimitados pela autora.

    Dentre as questes que precisariam ser observadas, esto a legitimidade acadmica e a

    disponibilidade do maior volume de trabalhos possvel. Por tratar-se de uma temtica

    interdisciplinar, foram privilegiados espaos que assim a registram, o que orientou a escolha

    de trs bancos de dados: do diretrio de projetos de pesquisa do Conselho Nacional de

    Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico CNPq, do banco de teses e dissertaes da

    Capes e anais dos Grupos de Trabalho, dos Congressos Nacionais da Sociedade Brasileira de

    Estudos Interdisciplinares da Comunicao Intercom.

    Iniciou-se a investigao com a identificao dos grupos de pesquisa de

    universidades brasileiras, registradas no diretrio do Conselho Nacional de Desenvolvimento

    5 Linha vinculada ao Mestrado em Processos e Manifestaes Culturais, da Universidade Feevale.

  • 19

    Cientfico e Tecnolgico CNPq6, com certificao da instituio de ensino e com

    atualizao realizada no segundo semestre de 2013, a fim de garantir dados recentes. Tais

    critrios garantem validade dos dados apresentados. Os grupos de pesquisa so uma rica fonte

    para localizar os principais pesquisadores, representados por seus coordenadores, o que

    facilita o acesso a bibliografias utilizadas, bem como a produo do grupo.

    A consulta foi realizada em 21 de janeiro de 2014, com base nas palavras-chave

    comunicao e trabalho e linguagem e trabalho. Tal escolha deve-se ao referencial terico

    que norteia esse estudo acerca da noo de trabalho, cuja evidncia est no uso dos

    pressupostos da Ergologia, tanto pelas cincias da comunicao quanto da linguagem. Foram

    localizados 6 grupos de pesquisa, sendo as reas do conhecimento distribudas conforme o

    Grfico 1.

    Grfico 1 - Grupos de Pesquisa CNPq

    Fonte: elaborado pela autora

    Conforme evidencia o Grfico 1, a concentrao dos estudos sobre o trabalho e sua

    relao com a linguagem e comunicao est na rea da Lingustica, sendo que nas Cincias

    Sociais Aplicadas apenas um grupo de pesquisa trabalha na produo de conhecimento.

    Quanto localizao, a regio Sudeste concentra quatro grupos, distribudos na USP (1),

    PUCSP (2) e UFRJ (1). Os outros dois grupos esto na regio sul, nas universidades UDESC

    e UTFPR. Tais fatores demonstram a necessidade de ampliao dos estudos relativos

    temtica comunicao e trabalho, alm da expanso da reflexo aos mais diversos territrios

    do pas, j que a forma como o sujeito se relaciona com seu trabalho um aspecto

    fundamental para compreender o comportamento humano em sua especificidade cultural.

    Quanto s linhas de pesquisa, o Quadro 1 sintetiza os principais interesses de estudo:

    6 Diretrio existente desde 1992.

  • 20

    Quadro 1 - Linhas de Pesquisa dos Grupos de Pesquisa CNPq

    Instituio rea Nome Linhas de Pesquisa Atualizao

    USP Comunicao

    Centro de

    Pesquisa em

    Comunicao

    e Trabalho

    - Epistemologia e Teorias da

    Comunicao

    - Linguagem e Produo de

    Sentido em Comunicao

    17/11/2013

    PUCSP

    Lingustica,

    Letras e Artes;

    Letras

    DIRECT- Em

    Direo

    Linguagem do

    Trabalho

    - Anlise Critica do Discurso

    - Linguagem nas Relaes de

    Trabalho

    - Lingustica de Corpus

    - Lingustica Sistmico-funcional

    16/11/2013

    UFRJ

    Cincias da

    Sade;

    Enfermagem

    O Mundo do

    Trabalho,

    Comunicao

    e Educao em

    Enfermagem

    - A comunicao e o ensino de

    Enfermagem.

    - Estgio extracurricular em

    Enfermagem

    - Modelos tericos e Polticas

    educacionais.

    - O mercado de trabalho e a

    formao do enfermeiro

    - Sistematizao de prticas

    educativas nas organizaes,

    servios e grupos humanos.

    12/11/2013

    PUCSP

    Lingustica,

    Letras e Artes;

    Letras

    Atelier

    Linguagem e

    Trabalho

    - Estudo de discursos que

    circulam em esferas especficas:

    da educao, da mdia, da sade,

    empresarial e jurdica.

    - Estudo de prticas de linguagem

    em diferentes situaes de

    trabalho.

    08/11/2013

    UTFPR

    Lingustica,

    Letras e Artes;

    Letras

    Discursos

    sobre

    Trabalho,

    Tecnologia e

    Identidades

    - A formalizao discursiva do

    universo do trabalho e da

    tecnologia em textos literrios, de

    comunicao e outros.

    - Literatura infantojuvenil e

    formao do leitor: A

    representao discursiva do

    trabalho e da tecnologia

    - Poesia brasileira: o humano, o

    social e o esttico.

    - Representatividade discursiva

    das identidades nacionais em

    obras da cultura brasileira.

    20/10/2013

    UDESC

    Cincias

    Humanas

    Comunicao

    Trabalho e

    Educao

    - Educao e Comunicao

    - Trabalho, educao e tecnologia.

    29/08/2013

    Fonte: elaborado pela autora

    Percebe-se que, embora as linhas de pesquisa sejam fortemente marcadas pela rea

    principal, seguem uma abordagem interdisciplinar temtica, alm de a maioria apresentar

    especificidade quanto ao campo o qual pesquisam, como ensino ou sade, por exemplo. O uso

  • 21

    de situaes de trabalho apresentadas em obras literrias como campo de anlise tambm

    chama ateno, pois pode-se supor que tal espao contribui legitimao do imaginrio, sobre

    o trabalho, que permeia o ambiente organizacional. Quanto produo dos grupos,

    considerando os dados disponveis no currculo Lattes dos lderes, no perodo de 2003-2013,

    destacam-se duas pesquisadoras: Maria Ceclia Prez de Souza e Silva com 11 artigos

    publicados, 1 livro organizado e 7 captulos em livros; Roseli Aparecida Fgaro Paulino com

    16 artigos, 3 livros organizados/publicados e 7 captulos de livros.

    Com base nesses aspectos, buscou-se o banco de teses e dissertaes7 mantido pela

    Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior Capes. Com registros desde

    1987, condensa um grande volume de trabalhos da ps-graduao de todo o Brasil, nas

    diversas reas do conhecimento. A ferramenta de filtro permite a seleo de ano, palavras-

    chave, nvel, etc., o que facilita e qualifica a busca diante do nmero de produes. Alm

    disso, o acesso aos dados principais do estudo como autor, rea, universidade e resumo esto

    disposio para consulta.

    Ao utilizar as mesmas categorias aplicadas para acesso aos grupos de pesquisa,

    foram encontradas 01 tese e 12 dissertaes relacionadas rea da comunicao, 02 teses e 29

    dissertaes vinculadas lingustica. Da leitura dos resumos dessas produes, indica-se que,

    quanto s temticas abordadas nas teses, a lingustica enfoca o trabalho a partir das lentes do

    discurso, enquanto a comunicao pensada no nvel tcnico para exerccio do trabalho.

    Dentre as temticas abordadas nas dissertaes, os estudos advindos da lingustica referem-se

    essencialmente anlise do discurso (linha francesa)8, aplicada relao profissional

    trabalho nas reas da educao (professor aluno escola mdia) e da sade (mdicos

    paciente demais profissionais da sade). J as temticas abordadas nas dissertaes de

    mestrado na comunicao so apresentadas no Quadro 2:

    Quadro 2 - Temticas Abordadas em Dissertaes de Mestrado na rea da Comunicao

    (continua)

    Temtica Quantidade

    Funo da Comunicao nas Organizaes 3

    Representao do trabalho/ trabalhador no cinema 3

    Anlise do discurso de classe profissional 3

    7 Disponvel em: . Optou-se por esse acesso, pois o portal de Teses e

    Dissertaes da Capes (www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses) esteve em manuteno no perodo

    consultado, conforme aviso disponvel em: . Acesso em:

    21.12.2013; 21.01.2014. 8 Michel Pcheux e Dominique Maingueneau. Alguns estudos tambm utilizam diretamente a proposta do russo

    Mikhail Bakhtin.

  • 22

    (concluso)

    Comunicao e trabalho 2

    Comunicao e trabalho infantil 1

    Fonte: elaborado pela autora

    Ao dar prioridade ao campo da comunicao, ao qual se busca contribuir

    essencialmente, elenca-se a terceira fonte dos dados: os anais dos congressos nacionais

    realizados pela Intercom, no perodo de 2003 a 2013. A seleo dos artigos depreendida a

    partir dos seguintes critrios: trabalhos publicados no Grupo de Trabalho (GT) Relaes

    Pblicas e Comunicao Organizacional, cujas palavras-chave mencionassem uma das trs

    categorias: trabalho, comunicao interna ou identidade. A opo pelo termo comunicao

    interna tem relao com o GT selecionado, j que dentre as vrias perspectivas da

    comunicao organizacional, acredita-se que essa seja a mais utilizada no encontro dos

    estudos sobre a relao comunicao e trabalho. J a categoria identidade foi abordada, pois

    tangencia o interesse na representao decorrente das prticas comunicacionais no trabalho. O

    Quadro 3 sintetiza os resultados de forma quantitativa:

    Quadro 3 - Categorias e Artigos Publicados em Congressos Nacionais da Intercom 2003 a 2013

    Ano Submisses Local Categoria

    Identidade

    Categoria

    Trabalho

    Categoria

    Comunicao Interna

    2013 30 Manaus 3 0 2

    2012 43 Fortaleza 3 0 8

    2011 49 Recife 2 1 4

    2010 49 Caxias do Sul 5 3 3

    2009 57 Curitiba 5 2 6

    2008 34 Natal 1 0 3

    2007 39 Santos 2 1 4

    2006 42 Braslia 0 1 4

    2005 40 Rio de Janeiro 3 2 3

    2004 46 Porto Alegre 1 0 3

    2003 31 Belo Horizonte 0 2 3

    Total 25 12 43

    Fonte: elaborado pela autora

    Ao considerar o perodo de dez anos fixado para a coleta desses dados, percebe-se

    que a produo acadmica acerca do tema comunicao trabalho restrita, o que ratifica a

    importncia de pesquis-lo. Com o propsito de observar detalhadamente a produo

    cientfica em cada uma das categorias, foram analisados os resumos dos trabalhos

    selecionados, o que segue, diante de novas categorizaes, no Quadro 4:

  • 23

    Quadro 4 - Categorias dos Artigos Intercom

    Categoria: Identidade - variaes de abordagem Quantidade

    Identidade do sujeito construda a partir do discurso das organizaes 3

    Identidade do profissional de Relaes Pblicas 3

    Identidade Organizacional (em relao a estratgias de imagem) 16

    Identidade e cultura 2

    Identidade construda no trabalho 1

    Categoria: Trabalho - variaes de abordagem Quantidade

    Discurso prescritivo das organizaes 3

    Trabalho imaterial 1

    Relaes de trabalho: cliente/organizao/ funcionrio 3

    Relaes de trabalho na constituio da identidade do trabalhador 3

    Uso de tecnologias no trabalho 2

    Categoria: Comunicao Interna - variaes de abordagem Quantidade

    Mediao tecnolgica 13

    Liderana 3

    Discursos Organizacionais (Formais e Informacionais Interao) 14

    Planejamento da Comunicao Interna (estratgias, processo, fluxo) 13

    Fonte: elaborado pela autora

    A anlise das categorias comunicao interna, trabalho e identidade revela a

    diversidade de abordagens que ancoram a observao do trabalho sob a tica da comunicao.

    Por um lado, tal realidade importante quanto busca de possibilidades diferentes e

    adequadas s prticas da contemporaneidade, alm da liberdade de formao cientfica dos

    pesquisadores. Por outro lado, pode-se questionar a legitimidade da rea perante pluralidade

    de noes que norteiam a construo do conhecimento acadmico em cursos de graduao e

    ps-graduao.

    Diante do panorama exposto pelos dados encontrados nesse mapeamento que

    contempla os grupos de pesquisa cadastrados no CNPq, teses e dissertaes nas reas de

    comunicao e lingustica e os trabalhos apresentados na edio nacional do evento Intercom,

    so possveis algumas inferncias sobre a pesquisa em comunicao e trabalho no Brasil.

    Percebe-se que poucos so os grupos cadastrados no CNPq que abordam a relao trabalho e

    comunicao, ou linguagem. Esse dado por si justifica a ampliao de pesquisas que do

    nfase subjetividade do sujeito para a realizao da atividade laboral, pois da emergem

    muitos dos elementos que norteiam as demais escolhas simblicas que coordenam a vida

    pessoal, em famlia, na coletividade.

    Embora muitos dos estudos enfatizem a imbricao dos discursos nos ambientes

    organizacionais, h uma carncia na perspectiva da interao promovida pela comunicao

    organizacional e que influencia a elaborao discursiva dos diversos atores. Conforme

    apontam Freitas e Guerra (2004), necessrio buscar a interdisciplinaridade para os estudos

  • 24

    da comunicao organizacional, j que para compreend-la necessrio acessar noes

    relativas lingustica, antropologia, sociologia, dentre outras cincias humanas e sociais.

    Dentre a produo, avalia-se que as teorias tradicionais, que posicionam a comunicao

    enquanto ferramenta a favor das organizaes, ainda prevalecem, visto que nas categorias

    comunicao interna e identidade, muitos dos trabalhos relacionam-se com tal perspectiva.

    Acredita-se que essa situao, alm de atentar ao cenrio do ensino nas universidades

    brasileiras, limita a produo da pesquisa ao mbito ttico, ou seja, no xito das exigncias

    organizacionais para sua manuteno no mercado entre os concorrentes.

    Da apreenso dos dados referentes ao estado da arte brevemente apresentado,

    justifica-se o tema escolhido para abordagem que centraliza no sujeito as transformaes

    decorrentes na contemporaneidade. Importa, ento, refletir sobre como percebem as

    organizaes esses movimentos mutantes e estabelecer contraposies entre a teoria e as

    prticas organizacionais. Para a investigao proposta, delineiam-se duas questes

    norteadoras:

    1. O ato de linguagem da Hera9 caracteriza a cultura organizacional pela centralidade nas

    lideranas, um elevado volume de prescries comportamentais e reduz a atividade

    execuo de tarefas?

    2. As escolhas enunciativas que compem os editoriais do jornal da empresa neutralizam a

    produo de um olhar ressignificado ao trabalho, perante a recusa das interpretaes e

    interaes emergentes do cotidiano do ambiente laboral. A comunicao uma prtica

    linear, controlada pela gesto?

    O objetivo geral da investigao centrou-se em identificar e analisar possveis

    interpretativos que influenciam a construo de sentidos sobre a atividade laboral perante os

    saberes constitudos enunciados no ato de linguagem em editoriais do jornal da empresa Hera.

    Foram estabelecidos quatro objetivos especficos:

    a) articular as noes de cultura, de cultura organizacional e de identidade, a fim de

    reconhecer como as interaes do cotidiano no ambiente laboral produzem impactos

    representao identitria dos trabalhadores;

    b) identificar possibilidades de ressignificao do trabalho na contemporaneidade a partir da

    noo de atividade na perspectiva da ergologia;

    9 Nome fictcio, pois a organizao no autorizou a divulgao de seu nome.

  • 25

    c) compreender como a comunicao organizacional influencia a produo de sentidos com

    base nos mltiplos discursos tensionados no ambiente de trabalho, mediante pressupostos

    da teoria Semiolingustica de anlise do discurso;

    d) apresentar possveis construes de sentido sobre a atividade diante das estratgias

    discursivas enunciadas pela Hera em seu ato de linguagem no jornal de empresa.

    Das consideraes tericas, elenca-se a relao comunicao e trabalho como objeto

    de estudo, que se delineia tambm diante de suas condies empricas, dado o universo

    selecionado com base nos critrios apresentados no captulo 5 desta dissertao. A unidade de

    anlise a empresa Hera, fundada na dcada de 1980 e localizada no Parque Tecnolgico de

    So Leopoldo (Tecnosinos). Seu negcio desenvolver tecnologia para automao de

    processos industriais. A empresa conta com 440 trabalhadores e publica quadrimestralmente

    um jornal, destinado a diversos pblicos, como clientes, fornecedores e tambm aos

    funcionrios. Das edies publicadas no perodo de janeiro de 2012 a junho de 2014 foram

    analisados os editoriais, totalizando oito.

    Quanto aos procedimentos metodolgicos, abordados a partir das categorias clssicas

    (PRODANOV; FREITAS, 2013), trata-se de uma pesquisa de natureza aplicada, guiada por

    objetivos exploratrio e descritivo e abordagem qualitativa problematizao proposta.

    Devido limitao do universo, uma unidade de anlise, caracteriza-se o estudo de caso,

    desenvolvido com base em dois procedimentos tcnicos de documentao indireta para coleta

    de dados: a pesquisa bibliogrfica e a pesquisa documental em jornais de empresa.

    A organizao dos dados realizada por meio da tcnica Mapa de Associao de

    Ideias (VERGARA, 2005; SPINK, 2010), que permite compreender a relao entre os

    contedos a partir de categorias especficas. A lente para anlise dos dados coletados ser

    terico-ergo-discursiva, visto que congrega a interface entre os conceitos tericos relativos

    cultura organizacional, comunicao organizacional e ao trabalho; as proposies terico-

    metodolgicas da ergologia, que compreendem os usos de si, os saberes e a linguagem e, por

    fim, a anlise do discurso de base Semiolingustica. Tais aspectos so postos em interao por

    meio de um dispositivo de anlise elaborado perante as especificidades do objeto construdo

    para essa investigao.

    A dissertao estruturada em sete captulos, sendo o primeiro as consideraes

    iniciais. No captulo dois, realiza-se uma contextualizao acerca das relaes humanas na

    contemporaneidade, com nfase nas situaes de trabalho e no ambiente laboral. Diante da

    apreenso da noo de cultura, prope-se a contemplao das organizaes no cenrio social

    enquanto lcus profcuo de saberes. Tal olhar favorece o entendimento da representao

  • 26

    identitria dos sujeitos atravs dos discursos que permeiam as relaes de poder da atividade

    laboral. Destaca-se o uso das propostas tericas de Cuche (1999), Geertz (2008), Martin

    (2004), Morgan (2011), Galbraith (1989), Foucault (2007), Silva (2013) e Charaudeau (2008).

    A reflexo sobre a noo de trabalho se estende no captulo trs. Perante a

    apresentao de aspectos referentes ao mundo do trabalho, abordam-se os diversos sentidos

    relacionados ao fazer laboral e que so desenvolvidos ao longo do tempo. Dos gregos aos

    erglogos, chega-se noo de trabalho como atividade humana que capaz de transgredir as

    normalizaes postas e transformar a relao sujeitomundo. A linguagem configura-se como

    principal fomento da interveno do sujeito no cotidiano organizacional. Para esse bloco

    terico-metodolgico, conta-se com as acepes de Antunes (2009), Sennett (2009), Marx

    (2006), Schwartz e Durrive (2007), Schwartz (2004, 2011, 2013), Trinquet (2010), Durrive

    (2011) e Fata (2007).

    No quarto captulo, discute-se a comunicao organizacional sob a perspectiva da

    dimenso da atividade laboral, na relao comunicao e trabalho. Tais dados so

    fundamentados por Deetz (2010), Baldissera (2009a, b, 2014), Oliveira e Paula (2008),

    Fairhust e Putnam (2010), Nouroudine (2002). A interface com a noo de cultura

    organizacional defendida no captulo 2 evidencia a tendncia do uso da anlise do discurso

    para compreender a comunicao construo e disputa de sentido. Desse modo, opta-se pela

    abordagem Semiolingustica, a qual ancorada na perspectiva de Charaudeau (2008, 2010a,

    2012a).

    A descrio metodolgica apresentada no captulo cinco. A partir de Prodanov e

    Freitas (2013), Gil (2008), Chizzotti (2010), Vergara (2005) e Spink (2010) explicam-se os

    procedimentos metodolgicos adotados. A construo do objeto, a especificao do corpus, a

    organizao dos dados e a composio do dispositivo de anlise, elaborado com base nas

    proposies terico-ergo-discurvivas, tambm so contemplados nesse captulo. O captulo

    seis apresenta a anlise aos editoriais do jornal da empresa Hera construda a partir da

    proposio metodolgica. Por fim, as consideraes finais sintetizam os principais resultados

    diante dos objetivos e questes norteadoras.

    Postas a temtica, a justificativa, as problemticas norteadoras, bem como os

    objetivos que delineiam o estudo, pde-se estruturar tanto o marco terico, quanto os

    procedimentos metodolgicos para constituio e compreenso da anlise do objeto, por meio

    do corpus selecionado. Est feito o convite para a leitura das reflexes sobre os enigmas de

    Hefesto.

  • 27

    2 TRANSGRESSES10 DO SUJEITO E AS MANIFESTAES CULTURAIS NO TERRENO DAS INCERTEZAS

    Viso de alteridade a capacidade de ver o outro como outro, e no como estranho. (CORTELLA, 2014, p. 117)

    Um dos marcos mais relevantes para o entendimento da sociedade contempornea

    diz respeito aceitao da subjetividade humana como referncia fecunda diante das

    transformaes constantes. Nesse sentido, as relaes estabelecidas entre sujeitos, nos

    diversos espaos em que circulam, assumem relevncia, dado que da emergem muitos dos

    elementos que os instituem enquanto parte que sofre a ao, mas que tambm atua na

    coletividade.

    Expondo o trabalho contemplao, Sennett (2009), em A Corroso do Carter,

    apresenta algumas de suas caractersticas no novo capitalismo11

    : flexibilidade e curto prazo,

    sendo as percepes de tempo basilares constituio da subjetividade do ser. Na viso desse

    autor, tais aspectos ceifam do sujeito a possibilidade de construir narrativas de vida12

    , o que

    implica mudanas no processo de sujeio humana, como o enfraquecimento da experincia e

    a fragmentao dos laos. Como resultado, pode-se observar o que Sennett (2009) denomina

    como corroso do carter, uma vez que suas bases; a confiana, a lealdade e o compromisso;

    tm a significao transformada, o que altera a relao consigo e com o meio.

    Sennett (2009) chama ateno, ainda, para a hiperespecializao estimulada ao longo

    do tempo, por meio do modelo taylorista de gesto do trabalho, cuja consequncia est no

    esvaziamento de uma das principais atividades humanas, o trabalho. Se em fase anterior a

    organizao cientfica do trabalho havia uma dita oportunidade de investimento e retribuio

    pessoal por meio do fazer laboral, o modo de produo no taylorismo promove ao

    afastamento intelectual e instaurao de cansativas rotinas. Se havia um estmulo unidade do

    sujeito, que aprimorava-se13 humanamente por meio do trabalho, instaurava-se a segregao

    10

    O termo transgresso utilizado em concordncia com as proposies tericas da Ergologia, apresentadas por

    Trinquet (2010) e Schwartz (2011). Nessa perspectiva, a norma prope uma orientao conduta do sujeito, que

    diante de um debate entre o posto e seus valores e princpios, transgride e renormaliza o fazer, o que implica a

    construo de saberes em funo da atividade realizada. A noo de atividade ser abordada no Captulo 3. 11

    A noo novo capitalismo desenvolvida em Sennett (2009) como a oposio ao seu surgimento, denominado

    capitalismo industrial. As mudanas decorrentes das formas de produo e consumo implicam novos conceitos

    ante a convivncia humana. Tais aspectos so desenvolvidos, sob a tica das relaes de trabalho, no Captulo 3. 12

    Sennett (2009) compara a trajetria de vida do sujeito a uma narrativa literria, que possui um encadeamento

    padronizado de acontecimentos e, por isso, previsvel. Na narrativa, portanto, parte-se de um estado inicial e chega-se a um estado final. (BARDARI, 2010). 13

    Esta noo faz referncia proposta de Diderot, retomada por Sennett (2009), acerca do trabalho, a qual ser

    apresentada no captulo 3.

  • 28

    entre o pessoal e o trabalho. Conforme Sennett (2009), tal situao malfica, pois os

    diferentes papis desempenhados por um mesmo sujeito diante das situaes vivenciadas

    ocasiona uma crise de valores que afasta a subjetividade da atividade e da construo

    processual de saberes, dada a imposio de modos de fazer cientificamente elaborados.

    Tratar da reflexo das prticas compartilhadas entre os sujeitos, por vezes, parece

    uma atividade de pouca valia, diante de sua base que est no cotidiano e no sujeito, elementos

    inseridos de forma natural e pouco consciente em todas as situaes estruturadas e

    estruturantes da sociedade. Concorda-se, ento, com Morin (2009, p. 54), ao afirmar que o

    retorno [da centralidade] do sujeito constitui hoje um problema fundamental, que se encontra

    na ordem do dia. necessrio dar nfase ao encontro do sujeito com o ambiente, visto que

    ambos mobilizam todas as ordens sociais. Sob essa perspectiva, Morin (2009, p. 58) prope:

    primordial aprender a contextualizar [...] isso , saber situar um conhecimento num

    conjunto organizado. Dessa premissa, desenvolve-se a parte inicial dessa investigao.

    Diversas so as caractersticas atribudas contemporaneidade. Na obra Tempos

    Lquidos, Bauman (2007) d relevo aos aspectos negativos como o consumo excessivo, o

    individualismo e o medo. Lipovetsky (2007), em A Sociedade da Decepo, sintetiza a

    sociedade atual nas palavras velocidade, acelerao e excesso. Esses dois autores salientam a

    amplitude dos paradoxos experimentados diante das circunstncias que permeiam as

    vivncias dos sujeitos. Novos conceitos de tempo e espao, provenientes dos processos

    globalizantes impulsionados pela internet, promovem sentimentos opostos de liberdade e

    priso. Ao mesmo tempo em que os limites espaciais so derrubados a qualquer momento,

    permitindo o acesso a diferentes formas de observar o mundo, distncias abismais so

    estabelecidas entre vizinhos, familiares, colegas de trabalho. Desbravar o mundo o convite;

    o isolamento a condicional.

    Sob outro prisma, Ortiz (1998) discorre acerca da noo de mundializao. Da

    apropriao da literatura sobre a globalizao, aplica e aprimora a reflexo com enfoque nas

    trocas simblicas imbudas inevitavelmente s dinmicas financeiras. Ao entender que no se

    trata de um fenmeno emergente da contemporaneidade, esse autor salienta que o comrcio

    entre as naes remonta sculos passados, sendo o diferencial do processo de mundializao a

    velocidade da superao de limitaes impostas fisicamente. Assim, o que ocorre na

  • 29

    modernidade-mundo14

    a converso de diversas influncias forma de vida, estabelecendo

    uma padronizao cultural, cujas caractersticas locais e globais dividem espao.

    Ortiz (1998) esclarece o entendimento de padronizao cultural salientando que no

    se pode confundi-la com uma uniformizao da cultura. Os elementos simblicos que

    conectam os sujeitos advm: a) da tradio, expressa nos costumes locais com o objetivo de

    manuteno dos vnculos destes com a sua nao de origem; b) da difuso, proveniente do

    estabelecimento de novos laos, sem restrio espacial. Diante dessas duas esferas em

    converso, percebe-se que importantes impactos so aplicados cultura. A cultura nada mais

    do que a esfera ideolgica deste world system15 (ORTIZ, 1998, p. 26), apreendida por meio

    da socializao, com natureza mundializada, ou seja, as diversas manifestaes culturais se

    associam, gerando uma padronizao nas concepes simblicas, materializadas na palavra,

    por meio da linguagem que supera as limitaes geogrficas.

    Ao convergir os apontamentos de Sennett (2009), Bauman (2007) e Lipovetsky

    (2007), percebe-se que a contemporaneidade marcada por elementos que desestruturam o

    processo de construo das identidades dos sujeitos, promovendo efeitos corrosivos

    (SENNETT, 2009) ao indivduo, logo, ao coletivo. Ortiz (1998), embora reconhea tais

    aspectos, observa a estruturao do fenmeno da mundializao enquanto enlace

    permanentemente construdo pela interao humana, o que enriquece as possibilidades de

    analisar os movimentos culturais. Ciente desses aspectos prope-se um caminhar neste terreno

    de incertezas, com enfoque na noo de cultura em interface com o ambiente organizacional

    em um movimento dialgico.

    2.1 TERRENOS DE INCERTEZAS: A CULTURA E IDENTIDADE

    Devido elasticidade conceitual que envolve o termo cultura, faz-se necessrio o

    posicionamento do pesquisador e a inscrio em alguma filiao terica para sua

    compreenso. Cuche (1999) e Geertz (2008) so alguns dos pensadores que defendem seu

    entendimento diante de contextualizaes que permitem a construo de uma percepo

    ampla, mas ainda assim profcua para a compreenso das relaes que sustentam a sociedade.

    Diante dessa realidade, este estudo abre-se ao entendimento gerado por esses autores a fim de

    14

    Para referir-se ao tempo atual, Ortiz (1998, p. 181) vale-se do termo modernidade-mundo. Emerge da noo de

    modernidade enquanto descentramento, individualizao, diferenciao, e de mundo enquanto o extravasar das

    fronteiras. 15

    Sistematizao mundial mundializao.

  • 30

    refletir sobre alguns dos aspectos da questo cultural na contemporaneidade, para posterior

    conjectura noo de ambiente organizacional, olhar essencial diante da expectativa de

    compreender as interaes no trabalho, a partir de sua materializao linguageira.

    2.1.1 A Teia e suas Fronteiras: a cultura em processo

    Cuche (1999, p. 137) defende a inviabilidade de uma ideia essencialista (pura) de

    cultura, pois toda cultura um processo permanente de construo, desconstruo e

    reconstruo. Esse autor fundamenta-se no que ele denomina como aculturao, ou o

    encontro das culturas, global e localmente. Trata-se do processo que implica mudanas nos

    modelos culturais, diante de uma seleo que resulta uma ressignificao. A noo de

    aculturao apresentada por Cuche (1999) aproxima-se do que Bhabha (1998) e Hall (2003)

    denominam hibridismo16

    . Assim, refletir sobre a cultura implica compreender sua

    maleabilidade, visto que transpassada pelo trnsito e pela convergncia entre os saberes que

    so enunciados entre o eu e o outro, continua e progressivamente.

    Essa perspectiva da cultura, enquanto processo, permite a compreenso da dinmica

    que envolve a adaptao s mudanas decorrentes das relaes sociais que evoluem a partir

    dos movimentos promovidos pelos sujeitos. A cultura permite ao homem no somente

    adaptar-se a seu meio, mas tambm adaptar este meio ao prprio homem, a suas necessidades

    e seus projetos. (CUCHE, 1999, p. 10). Ao considerar as caractersticas relativas

    mundializao, promovidas por Bauman (2007), Lipovetsky (2007) e Ortiz (1998), cabe a

    indagao acerca da velocidade do homem em habituar-se s proposies de tempo e espao

    que ele mesmo estabelece na contemporaneidade. Trata-se de um questionamento cuja

    resposta no evidente, nem facilmente defendida, porm, refere-se a uma reflexo relevante

    ao passo que tange a possibilidade de conscientizao ante as diversas problemticas

    envolvidas.

    Embora a vinculao tempo/ espao no seja o interesse primeiro deste estudo, faz-se

    necessrio ao menos tangenciar a inquietao acerca dela, j que as relaes e os saberes que

    o sujeito estabelece no ambiente laboral so desenvolvidos sobre esse alicerce. Hall (2003, p.

    36) promove uma reflexo interessante ante essa expectativa, pois contempla tanto a noo de

    16

    O hibridismo cultural refere-se a um termo que tem sido utilizado para caracterizar as culturas cada vez mais mistas e diaspricas. (HALL, 2003, p. 74). A noo de hibridismo abordada por Hall (2003) advm de Bhabha (1998), que discorre sua reflexo a partir da perspectiva sociodiscursiva de Bakhtin (1981), a qual admite que os

    interlocutores sempre esto situados e contextualizados. Nesse sentido, as concepes de enunciado e enunciao

    assumem relevo, j que o hibridismo est no deslocamento de um ao outro.

  • 31

    cultura como a de identidade: como outros processos globalizantes, a globalizao cultural

    desterritorializante em seus efeitos. Suas compresses espao-temporais, impulsionadas pelas

    novas tecnologias, afrouxam os laos entre a cultura e o lugar. O posicionamento de Hall

    (2003) resultante de seus estudos a respeito das disporas, fenmeno relacionado aos

    deslocamentos dos povos a espaos diferentes. Segundo esse autor, este o fator central para

    um descentramento de saberes que constituem tanto a cultura, quanto a identidade, visto que

    o conceito fechado de dispora se apoia sobre uma concepo binria da diferena.

    Est fundado sobre a construo de uma fronteira de excluso e depende da

    construo de um Outro e de uma oposio rgida entre o dentro e o fora. [...] A diferena, sabemos, essencial ao significado, e o significado crucial cultura.

    (HALL, 2003, p. 33).

    A construo de significados um processo contnuo impelido pelo trnsito de

    saberes entre os sujeitos, em um mbito social e coletivo. Nesse sentido, antes de prosseguir

    na busca por uma orientao acerca da noo de identidade, considera-se adequado ponderar

    mais algumas trilhas ao entendimento de cultura. Convida-se, assim, Geertz (2008) ao

    dilogo. Esse antroplogo americano defende um conceito semitico de cultura, que encontra-

    se com a perspectiva de Hall (2003), e d relevo construo de significados perante a

    interao entre os sujeitos: o homem um animal amarrado a teias de significados que ele

    mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua anlise; portanto, no como

    uma cincia experimental em busca de leis, mas como uma cincia interpretativa, procura

    do significado. (GEERTZ, 2008, p. 4). Esse autor prope a observao do comportamento

    humano inserido em um contexto que permita a interpretao das aes, que entrelaadas,

    gradualmente, transformam-se.

    A cultura uma condio bsica existncia humana. Caracteriza-se como um

    conjunto de mecanismos para o controle da conduta, por meio de um sistema simblico17

    que

    engloba elementos e princpios ideolgicos, que aproximam e afastam os sujeitos, expresso

    por meio das manifestaes culturais que so articuladas no meio social. Tais manifestaes

    so fundamentais para que o homem possa habitar o ambiente coletivo, ou seja, ordenar seu

    comportamento com a finalidade de transcender a situao em que se envolve (GEERTZ,

    2008).

    Geertz (2008, p. 7) prope ainda que, para a anlise da cultura, se faz necessrio

    escolher entre as estruturas de significao e determinar sua base social e sua importncia,

    17

    A interao permanente entre os sujeitos e suas formas de representao instauram smbolos que passam a

    fazer parte da cultura e permitem vinculaes e afastamentos a partir dos significados construdos por coletivos

    de indivduos (GEERTZ, 2008).

  • 32

    ou seja, promover um esforo intelectual na observao dos cdigos socialmente

    estabelecidos, o que denomina como descrio densa. Esse autor se vale dessa concepo,

    pois afirma que a funo daquele que se prope anlise de uma cultura est apenas em

    executar uma observao dos sujeitos em seu contexto e em interao, o que possibilita uma

    descrio dos elementos simblicos acionados. Ao tomar por base, por exemplo, o ambiente

    organizacional, cuja circulao de saberes socializados ampliada devido ao nmero e

    diversidade de pessoas postas em interao, percebe-se que o trabalho apresenta-se como

    referncia profcua para identificao de elementos culturais em conjuno, diante de

    convergncias e divergncias.

    A cultura enquanto orientadora comportamental, produto e produtora das relaes

    estabelecidas em sociedade, pode estruturar-se de tal forma diante da possibilidade de

    socializao de saberes que sustentam tais regras relacionais. Cabe mencionar a noo de

    socializao, ou caminhos que conduzem o indivduo a tornar-se parte ativa desse complexo

    entrelaamento de elementos simblicos. Nesse sentido, convida-se Berger e Luckmann

    (2012) ao dilogo, cujo centro da reflexo est na Construo Social da Realidade.

    Ao reconhecer que o conhecimento18

    motor da sociedade (BERGER;

    LUCKMANN, 2012), o eixo da reflexo parte da existncia de fenmenos que ocorrem

    alheios vontade do sujeito, mas que por ele podem ser compreendidos diante da observao

    astuta da realidade. Salienta-se que esto includos nesta inteligncia referenciada pelos

    autores os saberes apreendidos no cotidiano, que apresenta-se como uma realidade

    interpretada pelos homens e subjetivamente dotada de sentido para eles na medida em que

    forma um mundo coerente. (BERGER; LUCKMANN, 2012, p. 35), ou seja, por meio dos

    saberes que cada comunidade desenvolve, a cultura local atribui aos sujeitos seus papis

    sociais. Na contemporaneidade, a multiplicidade de realidades locais s quais se tm acesso

    implica amplamente a construo, a desconstruo e a reconstruo dos elementos que

    permitem a leitura do mundo, ampliando o processo de hibridizao cultural.

    Compreende-se a cultura como processo, cujo movimento contnuo entre sujeitos em

    interao resulta em saberes que norteiam suas condutas e os vinculam em redes de

    18

    A noo de conhecimento em Berger e Luckmann (2012) refere-se ao cotidiano; congrega a linguagem e as

    trocas sgnicas em intercmbio entre os sujeitos, o que constitui um acervo social do conhecimento. Tal acervo orienta as posies a serem adotadas pelos indivduos no desempenho de seus papeis sociais, assim como a

    interao com o outro. Tal olhar aproxima-se do que Foucault denomina como saberes, ou seja, o processo pelo

    qual o sujeito modificado durante a atividade de conhecer (REVEL, 2005). Essas noes, em conjuno,

    norteiam o presente estudo. Salientam-se tais aspectos, pois so basilares ao entendimento da noo de trabalho,

    desenvolvida no captulo 2, quando optar-se- pela denominao saberes para referir tal processo.

  • 33

    compartilhamento de elementos simblicos, por meio da linguagem. O ambiente globalizado

    que articula tais movimentos amplia a construo e o encontro de percepes acerca das

    formas como podem ser percebidas as relaes entre os sujeitos e os objetos e,

    principalmente, dos sujeitos entre si. Diante da desterritorializao19

    , marco da mundializao

    (HALL, 2003; ORTIZ, 1998), evidenciam-se as perspectivas relativas aos ambientes

    frequentados pelos sujeitos e que carregam em si a singularidade da subjetividade humana por

    meio da atividade de trabalho. Faz-se necessria, ento, a abordagem dos ambientes

    organizacionais sob perspectivas que privilegiem tal aspecto. Prossegue-se, ento, com a

    articulao da cultura e suas manifestaes, a partir da noo de identidade.

    2.1.2 Ditos, No Ditos e Seus Sentidos: assim caminha a identidade

    A cultura vista como teia, cuja tessitura composta pela socializao de saberes na

    convergncia de mltiplos contextos em situaes e espaos especficos, impele a relao

    estabelecida pelos sujeitos nos mais diversos ambientes, dentre os quais, neste estudo, se

    enfatiza o organizacional. Nesse sentido, observar a ao humana resulta na captao dos

    traos identitrios que compem as representaes ancoradas nas convenes coletivamente

    estruturadas, cuja funo essencial nortear o comportamento do indivduo na sua relao

    com o outro.

    A confluncia entre o individual e o coletivo se d por intermdio do imaginrio, que

    algo que ultrapassa o indivduo, que impregna o coletivo ou, ao menos, parte do coletivo.

    (MAFFESOLI, 2001, p. 76). As concepes e imagens armazenadas mediante as experincias

    do sujeito, embora se registrem diante de um interesse particular, sero decorrentes do espao

    coletivo e dos estmulos advindos dos dilogos permanentes entre seus membros. A

    elaborao do olhar acerca de determinado fenmeno emerge da conjuno ajustada no

    espao cultural em que se est imerso, implicando as escolhas e as formas de representao.

    Conforme Maffesoli (2001, p. 75), o imaginrio uma fora social de ordem

    espiritual, uma construo mental, que se mantm ambgua, perceptvel, mas no

    quantificvel. Social, pois est imbricado no coletivo. Espiritual e mental, pois exige a

    interiorizao reflexiva diante dos vnculos emocionais estabelecidos. Aura a palavra

    19

    Desterritorizao poderia significar, ento, diminuir ou enfraquecer o controle dessas fronteiras, aumentando assim dinmica, a fluidez, em suma a mobilidade, seja ela de pessoas, bens materiais, capital ou informaes. (HAESBAERT, 2004, p. 235).

  • 34

    selecionada por Maffesoli (2001) para referir-se ao imaginrio, j que percebida,

    dificilmente explicitada, logo, passvel de (re)construes diante do que compartilhado.

    Diante do contexto em estudo, pode-se perceber que das relaes impulsionadas e

    estruturadas no ambiente organizacional, o imaginrio, ou ambiente mental e espiritual, se

    constitui. O encontro dos sujeitos transforma e reconstri os smbolos e os sentidos. Advm

    da as inspiraes e aspiraes que estruturam o cotidiano, mobilizadas pelo motor que orienta

    as prticas coletivas e individuais, que podem ser observadas por meio da identidade.

    O imaginrio o lao que envolve cultura e identidade. pela existncia do

    imaginrio que o processo cultural pode se movimentar. Dele emerge, tambm, a ideia de

    identidade, que se refere ao produto dos sujeitos em interao. A perspectiva de Hall (2013,

    p.109) insere o elemento discurso como a estrutura e amarras da teia, a identidade, pois

    precisamente porque as identidades so construdas dentro e no fora do discurso

    que ns precisamos compreend-las como produzidas em locais histricos e

    institucionais especficos, no interior de formaes e prticas discursivas especficas,

    por estratgias e iniciativas especficas.

    As observaes desse autor atentam a dois pontos fundamentais: o contexto e o

    discurso como bases para a construo da identidade. As ponderaes referentes noo de

    discurso, com base na Semiolingustica, sero abordadas no Captulo 4. Neste momento,

    atenta-se influncia do contexto que, conforme Cuche (1999), fundamental para perceber a

    fluidez da noo de identidade, em geral, associada fixidez. A construo da identidade se

    faz no interior de contextos sociais que determinam a posio dos agentes e por isso mesmo

    orientam suas representaes e suas escolhas. (CUCHE, 1999, p. 182). A flexibilidade

    garante ao sujeito a adeso social, o aceite, o pertencimento, o que resulta na atribuio de

    papeis por ele ambicionados.

    Charaudeau (2010a, 2012a) tambm atribui relevncia ao contexto quando se refere

    identidade em sua teoria Semiolingustica20

    . Para esse autor, a identidade uma forma de

    representao que se adqua s interaes linguageiras ou dilogos cotidianos, que se

    estabelecem em contextos especficos e produzem dados fundamentais para a construo de

    saberes coletivos. A situao de comunicao, as circunstncias discursivas e o contrato de

    comunicao promovem elementos ante a leitura do lcus e do contexto que envolve os

    sujeitos. A movimentao de conceitos implicar na atribuio de significados, que orientam

    a interpretao dos fenmenos, dentro de uma comunidade. A efetivao desse processo

    decorre da diferena reconhecida pelos sujeitos diante do discurso.

    20

    A teoria semiolingustica de Patrick Charaudeau ser apresentada no Captulo 4.

  • 35

    Conforme afirma Silva (2013, p. 76), tanto a diferena quanto a identidade so

    criaes lingusticas, existindo, pois, no e pelo discurso ou ato de linguagem, em uma

    relao de alteridade, logo, de poder. Aquele que toma a palavra o faz mediante autorizao

    do outro, que o reconhece como legtimo para tal ao e digno de ateno. Ao assumir uma

    determinada posio, o sujeito rejeita uma srie de outras opes, demarcando fronteiras

    acerca daquilo faz, ou no, parte de sua identidade. Trata-se, sobretudo, de uma diviso social

    entre ns e eles.

    A complexidade envolvida nesse processo, porm, vai muito alm do binarismo que

    combina incluso e excluso. Em funo desse aspecto, Silva (2013, p. 87) retoma a noo de

    hibridismo cultural: [...] a hibridizao se d entre identidades situadas assimetricamente em

    relao ao poder. Tal qual a cultura, a identidade tambm processo. Uma construo que

    envolve a ao do sujeito em funo de seus interesses especficos, cujos estmulos advm das

    relaes sociais que so estabelecidas durante as situaes de socializao.

    Diante de uma relao de alteridade, que prev um jogo discursivo, onde cada sujeito

    conquista seu espao de fala, torna-se relevante a contribuio de Charaudeau (2008) acerca

    da teoria dos sujeitos da linguagem. Esse autor elabora sua proposta de anlise discursiva

    diante de um complexo dispositivo que d nfase ao sujeito, o que contribui com o exposto

    por Silva (2013) quanto ao entendimento da regulao das trocas comunicativas.

    (CHARAUDEAU, 2008, p. 11).

    Neste momento, da proposta de Charaudeau, interessa a noo de dupla identidade

    dos sujeitos do ato de linguagem: uma social e outra discursiva. A situao de comunicao

    sob as lentes da Semiolingustica prev um espao externo, onde so explicitadas as posies

    de cada sujeito, alm da atribuio social legitimada pelas instituies culturalmente

    determinadas. Prev ainda, o que considera mais relevante no estudo da identidade, o espao

    interno, do implcito, que permite o reconhecimento das intenes e a estruturao das falas

    perante finalidades especficas, estabelecendo-se como local da estratgia.

    A Figura 1 apresenta as posies dos sujeitos no jogo discursivo diante da relao de

    alteridade. O EUc refere-se ao sujeito comunicante e o TUi o sujeito interpretante, seres que

    materializam o discurso. J o EUe, sujeito enunciador e o TUd, sujeito destinatrio, so os

    seres que na produo discursiva acionam os elementos simblicos registrados no imaginrio

    e elaboram as combinaes entre palavras, contexto e sentido que sero enunciados

    socialmente.

  • 36

    Figura 1 - O Ato de Linguagem

    Fonte: adaptado de Charaudeau (2010a)

    Na Figura 1, pode-se perceber que a dupla identidade do sujeito implica uma relao

    entre quatro sujeitos: dois seres sociais (sujeitos comunicante (EUc) e interpretante (TUi)) e

    dois seres de fala (sujeitos enunciador (EUe) e destinatrio (TUd)). Os primeiros assumem as

    funes de produo e interpretao e reproduzem a construo de sentido encenada pelos

    protagonistas do ato linguageiro, que no mbito do circuito interno organizam o dizer. De

    acordo com Charaudeau (2008), a cada situao comunicacional, os seres de fala acionam

    mscaras que permitem a adequao aos papeis assumidos na negociao entre identidades.

    Referem-se gama de estratgias que esto disposio da encenao discursiva e que

    evidenciam as finalidades de cada sujeito.

    As escolhas lingusticas presentes na encenao discursiva (mise-en-scne) elaborada

    pelos protagonistas do ato de linguagem resultam na manifestao daquilo que Silva (2013, p.

    91) e o prprio Charaudeau denominam como representao, ou trao visvel, exterior. Sob

    essa tica, a identidade pode apenas ser percebida diante de seus elementos de representao,

    que decorrem de sistemas de significao, emergentes da cultura, assimilados pelo sujeito e

    por ele reproduzidos diante do sentido que deseja construir. Como tal, a representao um

    sistema lingustico e cultural: arbitrrio, indeterminado e estreitamente ligado a relaes de

    poder. (SILVA, 2013, p. 91).

    A representao identitria assume, ento, centralidade na movimentao da teia que

    comporta a cultura. Percebe-se que a observao da interao dos sujeitos, a partir do ato de

    linguagem que os vincula, fornece pistas acerca das suas representaes, que se diferem pela

    individualidade construda na socializao constante de saberes ao longo da vida humana, mas

    acoplam-se quando do compartilhamento das situaes discursivas. Nesse sentido,

    compreende-se que as representaes dos sujeitos referem-se a manifestaes culturais

  • 37

    produzidas na interseco dos diversos espaos ocupados pelos sujeitos, dentre eles as

    organizaes. Com o propsito de compreender as imbricaes entre cultura e cultura

    organizacional, prossegue-se a reflexo perante uma perspectiva que centraliza a ao

    humana.

    2.2 UMA FRONTEIRA DE INCERTEZAS: MOBILIZAO DE SENTIDOS NO AMBIENTE ORGANIZACIONAL

    Observar o fenmeno de socializao de saberes exige a opo por algum caminho,

    tendo em vista que a cultura, conforme o horizonte proveniente da conjuno entre as

    perspectivas de Cuche (1999), de Geertz (2008) e de Hall (2003), contempla as diversas

    manifestaes diante das prticas cotidianas criadas e recriadas constantemente na relao eu-

    outro-contexto. Elenca-se, assim, a conjuntura organizacional como estrutura de significao

    para observar os movimentos que contribuem com a construo de saberes que transitam na

    sociedade.

    A escolha das organizaes como lcus para observao da cultura justificada pela

    relevncia do trabalho na vida dos sujeitos. Nas palavras de Chanlat (1996, p. 229), a

    organizao-empresa no somente um lugar onde o trabalho fonte de identidades

    profissionais e onde se observa uma regulao cultural, mas tambm transformou-se num ator

    maior da definio de nossas sociedades modernas. As normas institucionalizantes de cada

    profisso ou organizao, alm da remunerao, permite ao trabalhador posicionar-se na

    sociedade e movimentar o sistema econmico vigente.

    Neste estudo, ressalta-se o trabalho enquanto atividade, ou seja, como debate de

    normas e de transgresses, o que, frequentemente, resulta em renormalizaes. (TRINQUET,

    2010, p. 96)21

    . Ao ancorar-se em tal percepo, o estudo sobre o trabalho implica a linguagem

    e como ela estrutura o pensar e agir dos sujeitos no ambiente organizacional, o que parece

    mais adequado ao se considerar os aspectos simblicos que permeiam a socializao de

    saberes oriunda desse lcus. O local do trabalho est em nfase nesta etapa do estudo, pois

    acredita-se que apenas diante de uma panorama acerca do contexto que envolve o trabalho

    seja possvel uma compreenso mais apurada acerca de suas implicaes, j que, conforme

    aponta Chanlat (1996, p. 228),

    21

    Trata-se da abordagem ergolgica da noo de trabalho. A Ergologia um mtodo de investigao pluridisciplinar. (TRINQUET, 2010, p. 94), cujo foco a aprendizagem permanente dos debates de normas e de valores que renovam indefinidamente a atividade: o desconforto intelectual. (SCHWARTZ; DURRIVE, 2007, p. 30). Os conceitos relativos Ergologia sero comentados no captulo 3.

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    a organizao, enquanto objeto de anlise, no de fato uma tribo, nem um povo,

    nem uma sociedade total. Ela no autossuficiente. Atravessada por elementos

    societais, ela constitui um elemento da estrutura social e da cultura a qual pertence.

    [...] a organizao, enquanto universo singular, produz fenmenos que pertencem ao

    universo simblico.

    Nesse sentido, faz-se necessria uma atualizao acerca do juzo compartilhado do

    que so as organizaes e de como se constituem. Iasbeck (2005, s. p.) afirma que as

    organizaes so sistemas sociais regidos por regras, normas e leis de convivncia, nos quais

    a comunicao o processo chave que viabiliza as interaes. A noo de sistema

    interessante, pois compreende a existncia de elementos que se conectam por pontos

    semelhantes a fim de que se coordenem. Os processos interacional e de construo de sentido

    so enfatizados no cenrio hostil e competitivo do trabalho que, por vezes, exclui o simblico

    em prol de um pseudocontrole de suas instncias perante textos como grficos, relatrios

    contbeis e financeiros, dentre outras validaes excessivamente objetivas.

    Fairhust e Putnam (2010, p. 105) atestam esse ponto de vista, que ressalta o

    comunicacional, ao afirmarem que as organizaes so construes discursivas porque o

    discurso a real fundao sobre a qual a vida organizacional construda. Aceitar o discurso

    como base das organizaes implica perceb-las como ambientes dinmicos, interativos,

    discursivos, com elementos constituintes (essenciais) e constitutivos (meios e recursos) no

    processo de criao e de consolidao de realidades. [...] A realidade malevel, construda

    pelos indivduos. (MARCHIORI, 2014, p. 16), ou seja, atribui-se aos sujeitos a

    responsabilidade pela construo das normas e regras que regem seu convvio coletivo.

    O olhar desses autores (IASBECK, 2005; FAIRHUST; PUTNAM, 2010;

    MARCHIORI, 2014) salienta tanto a possibilidade de transgresses constantes s normas

    postas, quanto s renormalizaes permanentemente atualizadas a partir das interaes. Por

    mais que as organizaes tentem cristalizar conceitos diante da definio de elementos

    prescritivos, como a misso, viso e valores, por meio manuais ou outros usos informacionais,

    eles so (re)construdos a cada situao interacional estabelecida entre e pelos sujeitos, por

    meio do proce