Dos Enigmas de Hefesto: cultura, comunicação e trabalho na perspectiva dos discursos...
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UNIVERSIDADE FEEVALE
MESTRADO EM PROCESSOS E MANIFESTAES CULTURAIS
GISLENE FEITEN HAUBRICH
DOS ENIGMAS DE HEFESTO: CULTURA, COMUNICAO E TRABALHO NA PERSPECTIVA DOS DISCURSOS
ORGANIZACIONAIS
Novo Hamburgo
2014
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GISLENE FEITEN HAUBRICH
DOS ENIGMAS DE HEFESTO: CULTURA, COMUNICAO E TRABALHO NA PERSPECTIVA DOS DISCURSOS
ORGANIZACIONAIS
Dissertao apresentada ao Mestrado em
Processos e Manifestaes Culturais como
requisito para a obteno do ttulo de mestre
em Processos e Manifestaes Culturais.
Orientador: Prof. Dr. Ernani Cesar de Freitas
Novo Hamburgo
2014
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Universidade Feevale
Mestrado em Processos e Manifestaes Culturais
GISLENE FEITEN HAUBRICH
DOS ENIGMAS DE HEFESTO: CULTURA, COMUNICAO E TRABALHO NA PERSPECTIVA DOS DISCURSOS
ORGANIZACIONAIS
Dissertao de mestrado aprovada pela banca examinadora em 09 de dezembro de 2014,
conferindo autora o ttulo de Mestre em Processos e Manifestaes Culturais.
Componentes da Banca Examinadora:
_____________________________________________
Prof. Dr. Ernani Cesar de Freitas
Universidade Feevale
_____________________________________________
Prof. Dr. Ana Cristina Fachinelli
Universidade de Caxias do Sul (UCS)
_____________________________________________
Prof. Dr. Rudimar Baldissera
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
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Esta pesquisa dedicada queles que acreditam que a transformao
da sociedade pode se dar apenas por meio da transgresso humana,
resgatando sua singularidade perante a conscincia e a crtica
construo de saberes. queles que acreditam que o conhecimento
algo produzido coletivamente nas interaes do cotidiano e no
somente no lcus (privilegiado) da academia. E, finalmente, queles
que acreditam que o trabalho manifesta nossa cultura (e nossa
identidade) e que por meio dele pode-se alicerar o futuro,
abandonando o obscuro conceito de tripalium rumo edificao de
uma obra.
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AGRADECIMENTOS
Dois anos de mestrado: um tempo de transformao. Tal enunciado me era proferido sempre
que manifesta a inteno de realiz-lo. Enunciado que tambm propagarei. Transformao
densa, profunda e irreparvel. Paradoxal. Tempo de isolamento e de construo do saber. Da
certeza de que nada se desenvolve na solido. Dito isso, o mnimo que posso agradecer.
Agradeo...
- Energia Superior, a quem evoco como Deus: por iluminar minhas escolhas, cercar-me de
seres (humanos e no humanos) com inexplicvel benevolncia e carinho por mim;
- a CAPES por financiar esse estudo e Feevale por confiar o investimento nesta pesquisa e
nesta pesquisadora;
- aos professores do Mestrado em Processos e Manifestaes Culturais por apresentarem
mltiplos olhares cultura e a centralidade da ao humana em sua transformao;
- aos professores Paula Puhl, Cintia Carvalho, Sandra Montardo e Humberto Keske (in
memoriam) por todo o incentivo, desde a graduao, permanncia na vida acadmica e a
oportunidade de aprendizado;
- professora Ana Cristina Fachinelli que, com suas indicaes na qualificao, norteou a
construo da anlise, alm de questionar aspectos fundamentais para o desenvolvimento
desta pesquisa e assim a produo efetiva de contribuies aos estudos organizacionais;
- ao professor Rudimar Baldissera, cujas orientaes advm da leitura (h longa data) de sua
obra. Obrigada pelos conceitos e contribuies Comunicao. Obrigada pela crtica leitura
desta dissertao, que certamente conduziu construo de resultados relevantes rea;
- ao meu estimado orientador, professor Ernani Cesar de Freitas, grande incentivador,
exemplo de pesquisador, professor e ser humano. Certamente todos os adjetivos que se possa
atribuir a sua pessoa sero nfimos ante sua presena. Se saio transformada dessa jornada,
muito devo aos ensinamentos do senhor que pacientemente conduziu meus passos, desafiou
meus medos e amparou minhas angstias;
- aos amigos verdadeiros proporcionados minha jornada nesse mundo;
- aqueles que plantaram desde a infncia a paixo pela educao; que me ensinaram que a
vida se estrutura a cada oportunidade... Pai e Me... Faltam-me as palavras. Transborda o
amor. Obrigada!
- E, finalmente, ao meu grande incentivador, meu esposo. Obrigada por acreditar e mergulhar
em meus sonhos comigo. Obrigada por ser um porto seguro e um conselheiro nas horas de
aflio. Obrigada por me auxiliar financeiramente quando congressos e livros levavam o valor
da bolsa, mas sobraram vrios dias para serem vividos at o prximo ms. Espero um dia
poder retribuir tudo isso a voc!
-
Em prol da evoluo ou da revoluo, a mudana a essncia da vida.
Manuel Castells
Um pouco de audcia sempre necessrio e mesmo no domnio cientfico, onde corre-se o risco de ser criticado por seus pares,
deve-se tentar a aventura. Patrick Charaudeau
"A meu ver, os otimistas acreditam que este mundo o melhor
possvel, ao passo que os pessimistas suspeitam que os otimistas
podem estar certos... Mas acredito que essa classificao binria de
atitudes no exaustiva. Existe uma terceira categoria: pessoas com
esperana. Eu me coloco nessa terceira categoria. Zygmunt Bauman
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RESUMO
A contemporaneidade, caracterizada pela mundializao, implica mudanas nas relaes
estabelecidas entre as diversas esferas da vida humana. Dentre as possibilidades para
compreender esse fenmeno, com base em uma matriz cultural, seleciona-se como lcus as
organizaes, perante a relao comunicao e trabalho. Justifica-se a realizao da pesquisa,
pois trata de uma temtica com produo acadmica recente e restrita a poucos pesquisadores,
alm de orientar-se pela interdisciplinaridade em busca de um olhar ressignificado ao
trabalho. Este estudo tem como objetivo principal identificar e analisar possveis
interpretativos que influenciam a construo de sentidos sobre a atividade laboral mediante os
saberes constitudos enunciados no ato de linguagem em editoriais do jornal da empresa Hera.
Trs eixos tericos norteiam a reflexo: as noes de cultura e cultura organizacional com
referncias de Geertz (2008), Morgan (2011), Martin (2004), Galbraith (1989) e Foucault
(2007); a concepo de trabalho e suas variveis, conduzida por Antunes (2009), Schwartz e
Durrive (2007) e Durrive (2011); e, por fim, o ponto de vista da comunicao organizacional,
na perspectiva interacional, guiado por Deetz (2010), Baldissera (2009a, b), Oliveira e Paula
(2008) e Nouroudine (2002). A anlise do discurso, mtodo que fundamenta a interface entre
as categorias temticas selecionadas para anlise, ancora-se Semiolingustica de Charaudeau
(2010a, 2012a). A pesquisa tem natureza aplicada, descritiva quanto ao objetivo e
contempla a abordagem qualitativa. A limitao da unidade de anlise caracteriza o estudo de
caso na empresa de automao industrial Hera, localizada no Parque Tecnolgico So
Leopoldo (Tecnosinos). O corpus composto por oito editoriais divulgados no jornal da
empresa, em edies publicadas entre janeiro de 2012 e junho de 2014. A lente para anlise
dos dados coletados a terico-ergo-discursiva. Como resultado principal, destaca-se que a
instrumentabilidade atribuda ao processo comunicao, as prescries que encarceram as
interaes e a crena de que as lideranas podem impor aos trabalhadores valores e princpios
modalizados pela organizao impossibilitam uma perspectiva ressignificada do trabalho,
como atividade, e mantm a ele vinculado o sentido do tripallium.
Palavras-chave: Comunicao. Trabalho. Cultura. Organizaes. Discurso.
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ABSTRACT
The world, in the contemporary, is characterized by globalization and imply changes in the
relations between the various spheres of human life. Among the possibilities to understand
this phenomenon, based on a cultural matrix, is selected as locus the organizations, before the
connection between communication and work. Justified the research, because this is a theme
with recent and restricted academic researchers production, and also be guided by
interdisciplinarity in search of a reframed to work look. This study aims to identify and
analyze possible interpretation that influence the construction of meaning on the labor activity
constituted by the knowledge contained in the act of language in newspaper editorials from
company Hera. Three axes guiding theoretical reflection: the notions of culture and
organizational culture with references to Geertz (2008), Morgan (2011), Martin (2004),
Galbraith (1989) and Foucault (2007); the concept of work and its variables, conducted by
Antunes (2009), Schwartz and Durrive (2007) and Durrive (2011); finally, the organizational
point of view from communication, interactive perspective, is guided by Deetz (2010),
Baldissera (2009a, b), Oliveira and Paula (2008) and Nouroudine (2002). The discourse
analysis, method that underlies the interface between the themes selected for analysis, is
anchored Semiolingustica of Charaudeau (2010a, 2012a). Research has applied nature, is
descriptive of the purpose and contemplates the qualitative approach. The limitation of an unit
of analysis characterizes the case study in the industrial automation company Hera, located in
So Leopoldo, at Technology Park (Tecnosinos). The corpus consists of eight editorials
published in the newspaper company published between January 2012 and June 2014
editions. The lens to analyze the data collected is the theoretical-ergo-discursive. As a main
result, it is emphasized that the instrumentality assigned to the communication process, the
prescriptions that imprison the interactions and the belief that leaders can impose on workers
values and principles for organizing modalizing, makes impossible one resignified perspective
of work as activity, and maintains attached to it the sense of tripallium.
Keywords: Communication. Work. Culture. Organizations. Discourse.
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LISTA DE GRFICOS
Grfico 1 - Grupos de Pesquisa CNPq ..................................................................................... 19
Grfico 2 - Gnero da Classe Trabalhadora da organizao Hera ......................................... 127
Grfico 3 - Mdia Salarial da Classe Trabalhadora da empresa Hera por Gnero ................ 127
Grfico 4 - Principais Nveis de Ensino Classe Trabalhadora Hera ................................... 128
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Linhas de Pesquisa dos Grupos de Pesquisa CNPq ............................................... 20
Quadro 2 - Temticas Abordadas em Dissertaes de Mestrado na rea da Comunicao .... 21
Quadro 3 - Categorias e Artigos Publicados em Congressos Nacionais da Intercom 2003 a
2013 .......................................................................................................................................... 22
Quadro 4 - Categorias dos Artigos Intercom ............................................................................ 23
Quadro 5 - Ideologias Organizacionais Principais ................................................................... 43
Quadro 6 - Aspectos da Alienao (ou Estranhamento) no Trabalho ...................................... 55
Quadro 7 - Organizao Cientfica x Flexvel do Trabalho ..................................................... 58
Quadro 8 - Como reconhecer o trabalho, quando no mais trabalho? ................................... 62
Quadro 9 - Influncias da Ergologia......................................................................................... 65
Quadro 10 - Ingredientes da Competncia ............................................................................... 74
Quadro 11 - Modalidades da Linguagem e Trabalho ............................................................... 78
Quadro 12 - Diferenas de Sentido: lingustico e discursivo ................................................... 88
Quadro 13 - Dimenso Interacional entre os Parceiros do Ato de Linguagem ........................ 91
Quadro 14 - Modos de Organizao do Discurso .................................................................... 96
Quadro 15 - Componentes da Situao de Comunicao....................................................... 100
Quadro 16 - Principais Visadas Comunicativas ..................................................................... 102
Quadro 17 - Categorias Terico-ergo-discursivas do Dispositivo de Anlise ....................... 119
Quadro 18 - Caractersticas da Situao da Comunicao ..................................................... 125
Quadro 19 - O Mapa de Possveis Interpretativos: consideraes acerca da Articulao A .. 131
Quadro 20 - Cultura Organizacional e Competncias segundo Durrive (2011)..................... 137
Quadro 21 - Mapa de Possveis Interpretativos: consideraes acerca da Articulao B ...... 138
Quadro 22 - O Ato de Linguagem da Hera: mapa de saberes investidos ............................... 149
Quadro 23 - Deduo Explicao: modo argumentativo e a comunicao informacional .... 150
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - O Ato de Linguagem ............................................................................................... 36
Figura 2 - Cultura Organizacional: cultura, identidade e poder ............................................... 50
Figura 3 - Uma Representao para a Atividade ...................................................................... 64
Figura 4 - O Debate de Normas e as Transgresses ................................................................. 75
Figura 5 - Ressignificao do Trabalho: a perspectiva da atividade ........................................ 80
Figura 6 - Representao da Teoria Semiolingustica de Charaudeau ..................................... 92
Figura 7 - Duplo Processo de Semiotizao ............................................................................. 94
Figura 8 - Contrato de Comunicao ...................................................................................... 100
Figura 9 - Nveis do Modelo Semiolingustico ...................................................................... 106
Figura 10 - Mapa das Categorias de Classificao da Pesquisa ............................................. 113
Figura 11 - Fases da Pesquisa ................................................................................................. 114
Figura 12 - Dispositivo de Anlise (Roteiro) ......................................................................... 117
Figura 13 - Fases da Organizao dos Dados ......................................................................... 122
Figura 14 - Fbrica da Hera em So Leopoldo ....................................................................... 133
Figura 15 - Construo e Disputa de (alguns) Sentidos ......................................................... 151
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SUMRIO
1 CONSIDERAES INICIAIS .......................................................................................... 15
2 TRANSGRESSES DO SUJEITO E AS MANIFESTAES CULTURAIS NO TERRENO DAS INCERTEZAS ....................................................................................... 27 2.1 TERRENOS DE INCERTEZAS: A CULTURA E IDENTIDADE ............................. 29
2.1.1 A Teia e suas Fronteiras: a cultura em processo .................................................. 30 2.1.2 Ditos, No Ditos e Seus Sentidos: assim caminha a identidade .......................... 33
2.2 UMA FRONTEIRA DE INCERTEZAS: MOBILIZAO DE SENTIDOS NO AMBIENTE ORGANIZACIONAL ............................................................................. 37
2.2.1 Prismas Diversos e Sentidos Convergentes: ponderaes acerca da cultura organizacional ...................................................................................................... 39
2.2.1.1 Relaes de Fora e Contexto: a disputa de sentidos nas organizaes ..... 44 2.3 SUJEITOS EM INTERAO: MANIFESTAES CULTURAIS NAS
ORGANIZAES ........................................................................................................ 49
3 INTERAES NO AMBIENTE ORGANIZACIONAL: POSSIBILIDADE DE RESSIGNIFICAO DO TRABALHO? ........................................................................ 51 3.1 A NOO DE TRABALHO E SEUS TORTUOSOS CAMINHOS ........................... 53
3.2 O TRABALHO: UMA ATIVIDADE HUMANA ........................................................ 60 3.3 EM BUSCA DOS ENIGMAS DA ATIVIDADE: A ERGOLOGIA ........................... 64
3.3.1 Transgresses e Renormalizaes: a fonte das normas ....................................... 68
3.3.2 Da Execuo ao Uso de Si: a competncia e o dilogo dos saberes .................... 71
3.4 LINGUAGEM: COMUNICAO E TRABALHO .................................................... 76
4 ORGANIZAES, COMUNICAO E TRABALHO: O DESFILE SIMBLICO DOS DISCURSOS QUE NORTEIAM A ATIVIDADE .................................................. 82 4.1 ANLISE DO DISCURSO: UMA DAS PERSPECTIVAS PARA OS ESTUDOS DA
COMUNICAO ORGANIZACIONAL .................................................................... 85
4.2 ANLISE DO DISCURSO: ALGUMAS PONDERAES ...................................... 88 4.2.1 Teoria Semiolingustica de Charaudeau: o ato de linguagem.............................. 90
4.2.2 A Semiotizao do Mundo .................................................................................. 94 4.2.2.1 Modos de Organizao do Discurso: fonte das operaes de transformao
96 4.2.3 O Contrato de Comunicao ................................................................................ 99
5 BAGAGEM E PERCURSO RUMO AOS ENIGMAS DE HEFESTO ................ 108 5.1 O OBJETO DE PESQUISA ........................................................................................ 108 5.2 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS ................................................................ 110 5.3 PROCEDIMENTOS DE ANLISE E INTERPRETAO DOS DADOS .............. 114
5.3.1 Especificao do corpus .................................................................................... 114
5.3.2 Dispositivo de Anlise: organizao, anlise e interpretao dos dados ........... 116
6 COMUNICA OU TRUMBICA? O ATO DE LINGUAGEM DA HERA E OS SENTIDOS SOBRE A ATIVDADE ................................................................................ 124 6.1 FASES 1 E 2: ARTICULAES A E B E OS MAPAS DE POSSVEIS
INTERPRETATIVOS ................................................................................................. 124
6.2 FASE 3: O MAPA DE SABERES INVESTIDOS E OS SENTIDOS DA ATIVIDADE
148
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7 QUE SEGREDOS, AFINAL, PODE HEFESTO REVELAR? CONSIDERAES RUMO A UM PONTO (QUASE) FINAL ....................................................................... 156
REFERNCIAS ................................................................................................................... 161
APNDICES ......................................................................................................................... 171 APNDICE A - Articulao A: Circunstncias de Discurso X Categorias Tericas
Cultura e Cultura Organizacional ................................................................................ 172 APNDICE B - Articulao A: Contrato de Comunicao X Categorias Tericas
Cultura e Cultura Organizacional Edio 77 ............................................................ 175 APNDICE C - Articulao A: Contrato de Comunicao X Categorias Tericas
Cultura e Cultura Organizacional Edio 78 ............................................................ 176 APNDICE D - Articulao A: Contrato de Comunicao X Categorias Tericas
Cultura e Cultura Organizacional Edio Especial Editorial 1 ................................ 177 APNDICE E - Articulao A: Contrato de Comunicao X Categorias Tericas
Cultura e Cultura Organizacional Edio Especial Editorial 2 ................................ 179 APNDICE F - Articulao A: Contrato de Comunicao X Categorias Tericas
Cultura e Cultura Organizacional Edio 80 ............................................................ 181 APNDICE G - Articulao A: Contrato de Comunicao X Categorias Tericas
Cultura e Cultura Organizacional Edio 81 ............................................................ 182 APNDICE H - Articulao A: Contrato de Comunicao X Categorias Tericas
Cultura e Cultura Organizacional Edio 82 ............................................................ 183 APNDICE I - Articulao A: Contrato de Comunicao X Categorias Tericas Cultura
e Cultura Organizacional Edio 83 ......................................................................... 184 APNDICE J - Articulao B: Usos de Si X Relaes Poder ......................................... 185
ANEXOS ............................................................................................................................... 193 ANEXO A - Editorial do Jornal da Empresa HERA, Edio 77 ..................................... 194
ANEXO B - Editorial do Jornal da Empresa HERA, Edio 78 ..................................... 195 ANEXO C - Editorial 1 do Jornal da Empresa HERA, Edio Especial ......................... 196
ANEXO D - Editorial 2 do Jornal da Empresa HERA, Edio Especial ......................... 197 ANEXO E - Editorial do Jornal da Empresa HERA, Edio 80 ..................................... 198 ANEXO F - Editorial do Jornal da Empresa HERA, Edio 81 ..................................... 199 ANEXO G - Editorial do Jornal da Empresa HERA, Edio 82 ..................................... 200
ANEXO H - Editorial do Jornal da Empresa HERA, Edio 83 ..................................... 201
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1 CONSIDERAES INICIAIS
Hefesto: deus do fogo; deus do trabalho. Filho bastardo de Zeus,
gerado pela ira de Hera frente s traies de seu marido. Nasceu feio,
fraco e deformado, o que fez com que sua me o arremessasse para
fora do Olimpo. O destino do deus defeituoso, no entanto, no
catastrfico. Resgatado e criado pelas divindades Ttis e Eurnome,
Hefesto, ainda criana, demonstra seus talentos na criao de peas
de ourivesaria, manipulando joias sem beleza igual.
O passar dos anos faz o dio de Hefesto aumentar e a nsia de
vingana passa a orientar seu agir. Faz, ento, um trono para
presentear sua me. Trono o qual ela no poderia mais desvincular-
se, j que Hefesto, alm de deus do fogo, da marcenaria e da
ourivesaria, manifesta seu poder para atar e desatar; capaz de tudo
ligar e desligar. Esses poderes garantem a Hefesto seu lugar no
Olimpo. Dentre os notveis trabalhos atribudos a Hefesto, a
mitologia cita os raios de Zeus, o tridente de Poseidon (Netuno), a
couraa de Hracles (Hrcules), as flechas de Apolo e as fulgurantes
armas de Aquiles na Guerra de Tria1.
A histria de Hefesto inspira a reflexo deste estudo de dissertao. Ante o desafio
de fazer parte junto dos demais pesquisadores que buscam identificar possibilidades para
ressignificar o trabalho, os dramas da vida do deus defeituoso assemelham-se s
vinculaes negativas que acompanham a noo de trabalho desde os mais remotos tempos.
Assim como Hefesto fez uso de seus talentos para garantir seu espao no Olimpo e interviu de
forma fundamental s grandes batalhas gregas por meio de seu trabalho, busca-se o olhar s
culturas sob as arestas das intervenes das atividades laborais s representaes identitrias
dos sujeitos, sob um enfoque para alm da relao produo-consumo, mas ao rumo do
legado deixado por cada um ante sua obra.
A tenuidade existente entre os universos pessoal e coletivo cada vez mais evidente.
As relaes entre indivduos e organizaes transcendem os nveis hierrquicos e de
comunicao rapidamente, resultando em intervenes significativas na cultura que os
envolve. As leituras de Bauman (1999) e Lipovetsky (2007), alinhadas com as diversas
informaes disponveis atravs das mdias, convidam reflexo acerca da sociedade que se
est construindo. possvel perceber muitas das relaes sociais pautadas pela
competitividade nociva, que gera vnculos efmeros, ligados a interesses momentneos. De
porte dessas informaes, pe-se em reflexo a pertinncia das organizaes nestas
transformaes da cultura, pois elas representam uma instncia essencial de socializao,
1 Fonte: Coleo Deuses da Mitologia e Otto Marques da Silva.
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16
atravs do trabalho. Sujeitos de origens diversas so postos em um mesmo espao, a fim de
que produzam riqueza, sua fonte pagadora, a si mesmo e sociedade. A comunicao
organizacional mobiliza esta imerso qual os sujeitos so imbricados, visto que por meio
dela so compreendidos discursos que movimentam as relaes dos trabalhadores entre si e
com seu trabalho.
Os sujeitos, enquanto seres que habitam a sociedade e necessitam compartilhar
saberes para que seu convvio ocorra, carecem de orientadores de comportamentos, expressos,
registrados e propagados por meio da cultura que socializada pelas instancias familiares,
pela educao formal, o trabalho, dentre outros espaos coletivos que os congregam. Nesse
sentido, cabe a reflexo acerca das caractersticas da cultura que, no tempo atual,
compartilhada sem limitaes de territrio, de forma mundializada. Essa transformao na
proliferao de diferentes elementos de representao tem implicao intensa no que se refere
formao da identidade dos sujeitos em constante interao.
Com base na proposta dos processos de socializao, elucidados por Berger e
Luckmann (2012), e sob o enfoque do trabalho, tem-se a perspectiva dos vnculos
estabelecidos em sociedade, j que, neste espao, o do trabalho, o sujeito permanece a maior
parte de seu tempo, assim como apreende, por meio da experincia, conceitos fundamentais
para seu viver. Diante dessas percepes, que conduzem novas compreenses a respeito do
meio onde esto inseridos os sujeitos, emerge o entendimento do trabalho, concebido como
atividade, que ultrapassa a viso cientfica2 sobre o termo. Neste entendimento, a
subjetividade humana est em voga, logo, a comunicao exerce papel fundamental na
formao desses sujeitos, que esto imersos nas organizaes.
Os sujeitos advindos da sociedade, por meio de suas aes, constroem e reconstroem
as organizaes e so, assim, motrizes de manifestaes culturais que se propagam por meio
da comunicao. Os elementos escolhidos para compor os discursos transmitem interesses e
expressam possibilidades de aproximao entre pblicos e organizao, sendo a base para
representao da identidade organizacional, que interpretada, ressignificada e difundida por
seus interlocutores. Dessa forma, alm de promover uma cultura prpria, com orientaes de
2 A Organizao Cientfica do Trabalho, ou taylorismo, prope que o trabalho humano uma atividade
simples, pois possvel antecip-la totalmente, de prepar-la de tal forma uma vez modelada pelos outros, aqueles que tivessem de execut-la no teriam de pensar, como disse Taylor. (SCHWARTZ; DURRIVE, 2007, p. 37). A superao dessa perspectiva se faz necessria, j que, segundo Schwartz e Durrive (2007, p. 39),
na distncia e no porque desta distncia entre os projetos do taylorismo e as realidades concretas, nas fbricas onde ele foi iniciado e experimentado que, creio,vai-se encontrar o que chamamos de atividade. Essa noo permeia os estudos da Ergologia.
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conduta e de fazer da atividade, as organizaes tambm se adquam, socializam e acoplam
sujeitos com suas histrias, vivncias e crenas individuais, ou seja, com uma cultura prpria,
que necessita interagir com o todo.
De acordo com essa breve reflexo, manifesta-se o interesse central deste estudo na
ao humana no trabalho, o que promove o reconhecimento dos comportamentos dos sujeitos
em seus coletivos e permite algumas ponderaes acerca dos movimentos constituintes da
realidade social. Perante esses argumentos, contextualiza-se e apresenta-se a temtica central
desta dissertao: um olhar para o trabalho frente os mltiplos movimentos culturais
realizados pelos sujeitos. Delimita-se tal enfoque na relao comunicao e trabalho
manifesta na interao entre sujeito e atividade, em face dos saberes constitudos pelos
discursos organizacionais que influenciam a construo de sentidos sobre a atividade laboral.
Justifica-se a pertinncia do estudo sociedade, visto que contempla a
interdisciplinaridade mediante as conexes tericas realizadas e que conduzem a observao
das organizaes enquanto lcus de manifestaes culturais, tendo por base a linguagem sobre
trabalho. Trata-se de uma temtica que almeja englobar conceitos de reas ainda pouco
exploradas, como a ergologia3, em associao com os conceitos de cultura, organizaes e
comunicao, com nfase nos discursos organizacionais e suas implicaes s manifestaes
culturais e representao identitria.
Por versar-se como um estudo interdisciplinar, defende-se a contribuio ao meio
cientfico. Ao dar f ao entendimento de que respostas compartimentadas, que isolam o
objetivo do subjetivo, no mais se adquam s emergncias ambientais contemporneas,
aceita-se uma compreenso do trabalho diante da perspectiva da linguagem, que vincula os
sujeitos por meio de suas prticas. Assim, justifica-se a compreenso dos espaos coletivos
estruturados diante de objetivos comuns e trocas linguageiras, uma vez que so transformados
por processos de mundializao4, decorrentes da converso entre o global e o local e, que
resultam em uma padronizao comportamental, promovida pela cultura, que permeia todas
as instncias de socializao, inclusive a do trabalho, seja ele remunerado ou no.
3 A Ergologia uma rea de estudos interdisciplinar advinda da filosofia, em interface com a sociologia,
psicologia, lingustica, pedagogia cujo enfoque est nos impactos da linguagem na atividade laboral. O
aprofundamento conceitual se dar no captulo 3 da dissertao. 4 Ortiz (1998) apresenta o conceito com base na noo de globalizao, que se refere s trocas financeiras
realizadas entre os pases. Da mesma forma, alm dos valores monetrios, os valores simblicos so
compartilhados, emergindo a noo de transaes culturais, a mundializao.
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Decorrente dessa noo atribui-se valor linha de pesquisa Linguagens e processos
comunicacionais5, visto que a proposta reside no estudo do trabalho manifesto pelos discursos
organizacionais, perante a interface das proposies da Ergologia, da teoria Semiolingustica
de anlise do discurso e das acepes tericas de cultura e de identidade. Esse vis de
pesquisa decorre de uma construo de pensamento abrangente, convergente e circular, que se
assenta no entendimento de que as prticas sociais, resultantes da ao do sujeito, produzem
uma dupla implicao: cultura que movimentada perante os novos processos estruturantes
da sociedade, e ao sujeito, que os realiza com base naquilo que apreende das situaes
coletivas, com o mundo e com o outro, e que se atualiza diante de novas construes de
sentido. O trabalho constitui-se como espao fundamental dessas relaes humanas, enquanto
meio de socializao que viabilizado pela comunicao organizacional.
Ressalta-se, ainda, que a investigao tem por centro o sujeito, produto e produtor
social. Para tal, o embasamento analtico adotado interacional - discursivo, uma vez que os
pesquisadores, ancorados em tericos das cincias humanas e sociais, compreendem que por
meio das trocas linguageiras se constituem as manifestaes culturais, nos diversos espaos de
convvio coletivo. Da noo cultura adotada para este estudo, julga-se que as organizaes
sejam um importante lcus de mobilizao de saberes e orientaes de comportamento, diante
das prticas comunicativas promovidas em conjunto com os trabalhadores.
A fim de fundamentar a justificativa dessa pesquisa, desenvolveu-se um mapeamento
acerca das contribuies acadmicas que enfocam a relao comunicao e trabalho. Tal
atitude permitiu o delineamento, de forma mais produtiva, da problemtica orientadora do
estudo, bem como dos objetivos que o impulsionam. A definio das fontes dos dados acerca
da produo acadmica atendeu a alguns critrios previamente delimitados pela autora.
Dentre as questes que precisariam ser observadas, esto a legitimidade acadmica e a
disponibilidade do maior volume de trabalhos possvel. Por tratar-se de uma temtica
interdisciplinar, foram privilegiados espaos que assim a registram, o que orientou a escolha
de trs bancos de dados: do diretrio de projetos de pesquisa do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico CNPq, do banco de teses e dissertaes da
Capes e anais dos Grupos de Trabalho, dos Congressos Nacionais da Sociedade Brasileira de
Estudos Interdisciplinares da Comunicao Intercom.
Iniciou-se a investigao com a identificao dos grupos de pesquisa de
universidades brasileiras, registradas no diretrio do Conselho Nacional de Desenvolvimento
5 Linha vinculada ao Mestrado em Processos e Manifestaes Culturais, da Universidade Feevale.
-
19
Cientfico e Tecnolgico CNPq6, com certificao da instituio de ensino e com
atualizao realizada no segundo semestre de 2013, a fim de garantir dados recentes. Tais
critrios garantem validade dos dados apresentados. Os grupos de pesquisa so uma rica fonte
para localizar os principais pesquisadores, representados por seus coordenadores, o que
facilita o acesso a bibliografias utilizadas, bem como a produo do grupo.
A consulta foi realizada em 21 de janeiro de 2014, com base nas palavras-chave
comunicao e trabalho e linguagem e trabalho. Tal escolha deve-se ao referencial terico
que norteia esse estudo acerca da noo de trabalho, cuja evidncia est no uso dos
pressupostos da Ergologia, tanto pelas cincias da comunicao quanto da linguagem. Foram
localizados 6 grupos de pesquisa, sendo as reas do conhecimento distribudas conforme o
Grfico 1.
Grfico 1 - Grupos de Pesquisa CNPq
Fonte: elaborado pela autora
Conforme evidencia o Grfico 1, a concentrao dos estudos sobre o trabalho e sua
relao com a linguagem e comunicao est na rea da Lingustica, sendo que nas Cincias
Sociais Aplicadas apenas um grupo de pesquisa trabalha na produo de conhecimento.
Quanto localizao, a regio Sudeste concentra quatro grupos, distribudos na USP (1),
PUCSP (2) e UFRJ (1). Os outros dois grupos esto na regio sul, nas universidades UDESC
e UTFPR. Tais fatores demonstram a necessidade de ampliao dos estudos relativos
temtica comunicao e trabalho, alm da expanso da reflexo aos mais diversos territrios
do pas, j que a forma como o sujeito se relaciona com seu trabalho um aspecto
fundamental para compreender o comportamento humano em sua especificidade cultural.
Quanto s linhas de pesquisa, o Quadro 1 sintetiza os principais interesses de estudo:
6 Diretrio existente desde 1992.
-
20
Quadro 1 - Linhas de Pesquisa dos Grupos de Pesquisa CNPq
Instituio rea Nome Linhas de Pesquisa Atualizao
USP Comunicao
Centro de
Pesquisa em
Comunicao
e Trabalho
- Epistemologia e Teorias da
Comunicao
- Linguagem e Produo de
Sentido em Comunicao
17/11/2013
PUCSP
Lingustica,
Letras e Artes;
Letras
DIRECT- Em
Direo
Linguagem do
Trabalho
- Anlise Critica do Discurso
- Linguagem nas Relaes de
Trabalho
- Lingustica de Corpus
- Lingustica Sistmico-funcional
16/11/2013
UFRJ
Cincias da
Sade;
Enfermagem
O Mundo do
Trabalho,
Comunicao
e Educao em
Enfermagem
- A comunicao e o ensino de
Enfermagem.
- Estgio extracurricular em
Enfermagem
- Modelos tericos e Polticas
educacionais.
- O mercado de trabalho e a
formao do enfermeiro
- Sistematizao de prticas
educativas nas organizaes,
servios e grupos humanos.
12/11/2013
PUCSP
Lingustica,
Letras e Artes;
Letras
Atelier
Linguagem e
Trabalho
- Estudo de discursos que
circulam em esferas especficas:
da educao, da mdia, da sade,
empresarial e jurdica.
- Estudo de prticas de linguagem
em diferentes situaes de
trabalho.
08/11/2013
UTFPR
Lingustica,
Letras e Artes;
Letras
Discursos
sobre
Trabalho,
Tecnologia e
Identidades
- A formalizao discursiva do
universo do trabalho e da
tecnologia em textos literrios, de
comunicao e outros.
- Literatura infantojuvenil e
formao do leitor: A
representao discursiva do
trabalho e da tecnologia
- Poesia brasileira: o humano, o
social e o esttico.
- Representatividade discursiva
das identidades nacionais em
obras da cultura brasileira.
20/10/2013
UDESC
Cincias
Humanas
Comunicao
Trabalho e
Educao
- Educao e Comunicao
- Trabalho, educao e tecnologia.
29/08/2013
Fonte: elaborado pela autora
Percebe-se que, embora as linhas de pesquisa sejam fortemente marcadas pela rea
principal, seguem uma abordagem interdisciplinar temtica, alm de a maioria apresentar
especificidade quanto ao campo o qual pesquisam, como ensino ou sade, por exemplo. O uso
-
21
de situaes de trabalho apresentadas em obras literrias como campo de anlise tambm
chama ateno, pois pode-se supor que tal espao contribui legitimao do imaginrio, sobre
o trabalho, que permeia o ambiente organizacional. Quanto produo dos grupos,
considerando os dados disponveis no currculo Lattes dos lderes, no perodo de 2003-2013,
destacam-se duas pesquisadoras: Maria Ceclia Prez de Souza e Silva com 11 artigos
publicados, 1 livro organizado e 7 captulos em livros; Roseli Aparecida Fgaro Paulino com
16 artigos, 3 livros organizados/publicados e 7 captulos de livros.
Com base nesses aspectos, buscou-se o banco de teses e dissertaes7 mantido pela
Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior Capes. Com registros desde
1987, condensa um grande volume de trabalhos da ps-graduao de todo o Brasil, nas
diversas reas do conhecimento. A ferramenta de filtro permite a seleo de ano, palavras-
chave, nvel, etc., o que facilita e qualifica a busca diante do nmero de produes. Alm
disso, o acesso aos dados principais do estudo como autor, rea, universidade e resumo esto
disposio para consulta.
Ao utilizar as mesmas categorias aplicadas para acesso aos grupos de pesquisa,
foram encontradas 01 tese e 12 dissertaes relacionadas rea da comunicao, 02 teses e 29
dissertaes vinculadas lingustica. Da leitura dos resumos dessas produes, indica-se que,
quanto s temticas abordadas nas teses, a lingustica enfoca o trabalho a partir das lentes do
discurso, enquanto a comunicao pensada no nvel tcnico para exerccio do trabalho.
Dentre as temticas abordadas nas dissertaes, os estudos advindos da lingustica referem-se
essencialmente anlise do discurso (linha francesa)8, aplicada relao profissional
trabalho nas reas da educao (professor aluno escola mdia) e da sade (mdicos
paciente demais profissionais da sade). J as temticas abordadas nas dissertaes de
mestrado na comunicao so apresentadas no Quadro 2:
Quadro 2 - Temticas Abordadas em Dissertaes de Mestrado na rea da Comunicao
(continua)
Temtica Quantidade
Funo da Comunicao nas Organizaes 3
Representao do trabalho/ trabalhador no cinema 3
Anlise do discurso de classe profissional 3
7 Disponvel em: . Optou-se por esse acesso, pois o portal de Teses e
Dissertaes da Capes (www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses) esteve em manuteno no perodo
consultado, conforme aviso disponvel em: . Acesso em:
21.12.2013; 21.01.2014. 8 Michel Pcheux e Dominique Maingueneau. Alguns estudos tambm utilizam diretamente a proposta do russo
Mikhail Bakhtin.
-
22
(concluso)
Comunicao e trabalho 2
Comunicao e trabalho infantil 1
Fonte: elaborado pela autora
Ao dar prioridade ao campo da comunicao, ao qual se busca contribuir
essencialmente, elenca-se a terceira fonte dos dados: os anais dos congressos nacionais
realizados pela Intercom, no perodo de 2003 a 2013. A seleo dos artigos depreendida a
partir dos seguintes critrios: trabalhos publicados no Grupo de Trabalho (GT) Relaes
Pblicas e Comunicao Organizacional, cujas palavras-chave mencionassem uma das trs
categorias: trabalho, comunicao interna ou identidade. A opo pelo termo comunicao
interna tem relao com o GT selecionado, j que dentre as vrias perspectivas da
comunicao organizacional, acredita-se que essa seja a mais utilizada no encontro dos
estudos sobre a relao comunicao e trabalho. J a categoria identidade foi abordada, pois
tangencia o interesse na representao decorrente das prticas comunicacionais no trabalho. O
Quadro 3 sintetiza os resultados de forma quantitativa:
Quadro 3 - Categorias e Artigos Publicados em Congressos Nacionais da Intercom 2003 a 2013
Ano Submisses Local Categoria
Identidade
Categoria
Trabalho
Categoria
Comunicao Interna
2013 30 Manaus 3 0 2
2012 43 Fortaleza 3 0 8
2011 49 Recife 2 1 4
2010 49 Caxias do Sul 5 3 3
2009 57 Curitiba 5 2 6
2008 34 Natal 1 0 3
2007 39 Santos 2 1 4
2006 42 Braslia 0 1 4
2005 40 Rio de Janeiro 3 2 3
2004 46 Porto Alegre 1 0 3
2003 31 Belo Horizonte 0 2 3
Total 25 12 43
Fonte: elaborado pela autora
Ao considerar o perodo de dez anos fixado para a coleta desses dados, percebe-se
que a produo acadmica acerca do tema comunicao trabalho restrita, o que ratifica a
importncia de pesquis-lo. Com o propsito de observar detalhadamente a produo
cientfica em cada uma das categorias, foram analisados os resumos dos trabalhos
selecionados, o que segue, diante de novas categorizaes, no Quadro 4:
-
23
Quadro 4 - Categorias dos Artigos Intercom
Categoria: Identidade - variaes de abordagem Quantidade
Identidade do sujeito construda a partir do discurso das organizaes 3
Identidade do profissional de Relaes Pblicas 3
Identidade Organizacional (em relao a estratgias de imagem) 16
Identidade e cultura 2
Identidade construda no trabalho 1
Categoria: Trabalho - variaes de abordagem Quantidade
Discurso prescritivo das organizaes 3
Trabalho imaterial 1
Relaes de trabalho: cliente/organizao/ funcionrio 3
Relaes de trabalho na constituio da identidade do trabalhador 3
Uso de tecnologias no trabalho 2
Categoria: Comunicao Interna - variaes de abordagem Quantidade
Mediao tecnolgica 13
Liderana 3
Discursos Organizacionais (Formais e Informacionais Interao) 14
Planejamento da Comunicao Interna (estratgias, processo, fluxo) 13
Fonte: elaborado pela autora
A anlise das categorias comunicao interna, trabalho e identidade revela a
diversidade de abordagens que ancoram a observao do trabalho sob a tica da comunicao.
Por um lado, tal realidade importante quanto busca de possibilidades diferentes e
adequadas s prticas da contemporaneidade, alm da liberdade de formao cientfica dos
pesquisadores. Por outro lado, pode-se questionar a legitimidade da rea perante pluralidade
de noes que norteiam a construo do conhecimento acadmico em cursos de graduao e
ps-graduao.
Diante do panorama exposto pelos dados encontrados nesse mapeamento que
contempla os grupos de pesquisa cadastrados no CNPq, teses e dissertaes nas reas de
comunicao e lingustica e os trabalhos apresentados na edio nacional do evento Intercom,
so possveis algumas inferncias sobre a pesquisa em comunicao e trabalho no Brasil.
Percebe-se que poucos so os grupos cadastrados no CNPq que abordam a relao trabalho e
comunicao, ou linguagem. Esse dado por si justifica a ampliao de pesquisas que do
nfase subjetividade do sujeito para a realizao da atividade laboral, pois da emergem
muitos dos elementos que norteiam as demais escolhas simblicas que coordenam a vida
pessoal, em famlia, na coletividade.
Embora muitos dos estudos enfatizem a imbricao dos discursos nos ambientes
organizacionais, h uma carncia na perspectiva da interao promovida pela comunicao
organizacional e que influencia a elaborao discursiva dos diversos atores. Conforme
apontam Freitas e Guerra (2004), necessrio buscar a interdisciplinaridade para os estudos
-
24
da comunicao organizacional, j que para compreend-la necessrio acessar noes
relativas lingustica, antropologia, sociologia, dentre outras cincias humanas e sociais.
Dentre a produo, avalia-se que as teorias tradicionais, que posicionam a comunicao
enquanto ferramenta a favor das organizaes, ainda prevalecem, visto que nas categorias
comunicao interna e identidade, muitos dos trabalhos relacionam-se com tal perspectiva.
Acredita-se que essa situao, alm de atentar ao cenrio do ensino nas universidades
brasileiras, limita a produo da pesquisa ao mbito ttico, ou seja, no xito das exigncias
organizacionais para sua manuteno no mercado entre os concorrentes.
Da apreenso dos dados referentes ao estado da arte brevemente apresentado,
justifica-se o tema escolhido para abordagem que centraliza no sujeito as transformaes
decorrentes na contemporaneidade. Importa, ento, refletir sobre como percebem as
organizaes esses movimentos mutantes e estabelecer contraposies entre a teoria e as
prticas organizacionais. Para a investigao proposta, delineiam-se duas questes
norteadoras:
1. O ato de linguagem da Hera9 caracteriza a cultura organizacional pela centralidade nas
lideranas, um elevado volume de prescries comportamentais e reduz a atividade
execuo de tarefas?
2. As escolhas enunciativas que compem os editoriais do jornal da empresa neutralizam a
produo de um olhar ressignificado ao trabalho, perante a recusa das interpretaes e
interaes emergentes do cotidiano do ambiente laboral. A comunicao uma prtica
linear, controlada pela gesto?
O objetivo geral da investigao centrou-se em identificar e analisar possveis
interpretativos que influenciam a construo de sentidos sobre a atividade laboral perante os
saberes constitudos enunciados no ato de linguagem em editoriais do jornal da empresa Hera.
Foram estabelecidos quatro objetivos especficos:
a) articular as noes de cultura, de cultura organizacional e de identidade, a fim de
reconhecer como as interaes do cotidiano no ambiente laboral produzem impactos
representao identitria dos trabalhadores;
b) identificar possibilidades de ressignificao do trabalho na contemporaneidade a partir da
noo de atividade na perspectiva da ergologia;
9 Nome fictcio, pois a organizao no autorizou a divulgao de seu nome.
-
25
c) compreender como a comunicao organizacional influencia a produo de sentidos com
base nos mltiplos discursos tensionados no ambiente de trabalho, mediante pressupostos
da teoria Semiolingustica de anlise do discurso;
d) apresentar possveis construes de sentido sobre a atividade diante das estratgias
discursivas enunciadas pela Hera em seu ato de linguagem no jornal de empresa.
Das consideraes tericas, elenca-se a relao comunicao e trabalho como objeto
de estudo, que se delineia tambm diante de suas condies empricas, dado o universo
selecionado com base nos critrios apresentados no captulo 5 desta dissertao. A unidade de
anlise a empresa Hera, fundada na dcada de 1980 e localizada no Parque Tecnolgico de
So Leopoldo (Tecnosinos). Seu negcio desenvolver tecnologia para automao de
processos industriais. A empresa conta com 440 trabalhadores e publica quadrimestralmente
um jornal, destinado a diversos pblicos, como clientes, fornecedores e tambm aos
funcionrios. Das edies publicadas no perodo de janeiro de 2012 a junho de 2014 foram
analisados os editoriais, totalizando oito.
Quanto aos procedimentos metodolgicos, abordados a partir das categorias clssicas
(PRODANOV; FREITAS, 2013), trata-se de uma pesquisa de natureza aplicada, guiada por
objetivos exploratrio e descritivo e abordagem qualitativa problematizao proposta.
Devido limitao do universo, uma unidade de anlise, caracteriza-se o estudo de caso,
desenvolvido com base em dois procedimentos tcnicos de documentao indireta para coleta
de dados: a pesquisa bibliogrfica e a pesquisa documental em jornais de empresa.
A organizao dos dados realizada por meio da tcnica Mapa de Associao de
Ideias (VERGARA, 2005; SPINK, 2010), que permite compreender a relao entre os
contedos a partir de categorias especficas. A lente para anlise dos dados coletados ser
terico-ergo-discursiva, visto que congrega a interface entre os conceitos tericos relativos
cultura organizacional, comunicao organizacional e ao trabalho; as proposies terico-
metodolgicas da ergologia, que compreendem os usos de si, os saberes e a linguagem e, por
fim, a anlise do discurso de base Semiolingustica. Tais aspectos so postos em interao por
meio de um dispositivo de anlise elaborado perante as especificidades do objeto construdo
para essa investigao.
A dissertao estruturada em sete captulos, sendo o primeiro as consideraes
iniciais. No captulo dois, realiza-se uma contextualizao acerca das relaes humanas na
contemporaneidade, com nfase nas situaes de trabalho e no ambiente laboral. Diante da
apreenso da noo de cultura, prope-se a contemplao das organizaes no cenrio social
enquanto lcus profcuo de saberes. Tal olhar favorece o entendimento da representao
-
26
identitria dos sujeitos atravs dos discursos que permeiam as relaes de poder da atividade
laboral. Destaca-se o uso das propostas tericas de Cuche (1999), Geertz (2008), Martin
(2004), Morgan (2011), Galbraith (1989), Foucault (2007), Silva (2013) e Charaudeau (2008).
A reflexo sobre a noo de trabalho se estende no captulo trs. Perante a
apresentao de aspectos referentes ao mundo do trabalho, abordam-se os diversos sentidos
relacionados ao fazer laboral e que so desenvolvidos ao longo do tempo. Dos gregos aos
erglogos, chega-se noo de trabalho como atividade humana que capaz de transgredir as
normalizaes postas e transformar a relao sujeitomundo. A linguagem configura-se como
principal fomento da interveno do sujeito no cotidiano organizacional. Para esse bloco
terico-metodolgico, conta-se com as acepes de Antunes (2009), Sennett (2009), Marx
(2006), Schwartz e Durrive (2007), Schwartz (2004, 2011, 2013), Trinquet (2010), Durrive
(2011) e Fata (2007).
No quarto captulo, discute-se a comunicao organizacional sob a perspectiva da
dimenso da atividade laboral, na relao comunicao e trabalho. Tais dados so
fundamentados por Deetz (2010), Baldissera (2009a, b, 2014), Oliveira e Paula (2008),
Fairhust e Putnam (2010), Nouroudine (2002). A interface com a noo de cultura
organizacional defendida no captulo 2 evidencia a tendncia do uso da anlise do discurso
para compreender a comunicao construo e disputa de sentido. Desse modo, opta-se pela
abordagem Semiolingustica, a qual ancorada na perspectiva de Charaudeau (2008, 2010a,
2012a).
A descrio metodolgica apresentada no captulo cinco. A partir de Prodanov e
Freitas (2013), Gil (2008), Chizzotti (2010), Vergara (2005) e Spink (2010) explicam-se os
procedimentos metodolgicos adotados. A construo do objeto, a especificao do corpus, a
organizao dos dados e a composio do dispositivo de anlise, elaborado com base nas
proposies terico-ergo-discurvivas, tambm so contemplados nesse captulo. O captulo
seis apresenta a anlise aos editoriais do jornal da empresa Hera construda a partir da
proposio metodolgica. Por fim, as consideraes finais sintetizam os principais resultados
diante dos objetivos e questes norteadoras.
Postas a temtica, a justificativa, as problemticas norteadoras, bem como os
objetivos que delineiam o estudo, pde-se estruturar tanto o marco terico, quanto os
procedimentos metodolgicos para constituio e compreenso da anlise do objeto, por meio
do corpus selecionado. Est feito o convite para a leitura das reflexes sobre os enigmas de
Hefesto.
-
27
2 TRANSGRESSES10 DO SUJEITO E AS MANIFESTAES CULTURAIS NO TERRENO DAS INCERTEZAS
Viso de alteridade a capacidade de ver o outro como outro, e no como estranho. (CORTELLA, 2014, p. 117)
Um dos marcos mais relevantes para o entendimento da sociedade contempornea
diz respeito aceitao da subjetividade humana como referncia fecunda diante das
transformaes constantes. Nesse sentido, as relaes estabelecidas entre sujeitos, nos
diversos espaos em que circulam, assumem relevncia, dado que da emergem muitos dos
elementos que os instituem enquanto parte que sofre a ao, mas que tambm atua na
coletividade.
Expondo o trabalho contemplao, Sennett (2009), em A Corroso do Carter,
apresenta algumas de suas caractersticas no novo capitalismo11
: flexibilidade e curto prazo,
sendo as percepes de tempo basilares constituio da subjetividade do ser. Na viso desse
autor, tais aspectos ceifam do sujeito a possibilidade de construir narrativas de vida12
, o que
implica mudanas no processo de sujeio humana, como o enfraquecimento da experincia e
a fragmentao dos laos. Como resultado, pode-se observar o que Sennett (2009) denomina
como corroso do carter, uma vez que suas bases; a confiana, a lealdade e o compromisso;
tm a significao transformada, o que altera a relao consigo e com o meio.
Sennett (2009) chama ateno, ainda, para a hiperespecializao estimulada ao longo
do tempo, por meio do modelo taylorista de gesto do trabalho, cuja consequncia est no
esvaziamento de uma das principais atividades humanas, o trabalho. Se em fase anterior a
organizao cientfica do trabalho havia uma dita oportunidade de investimento e retribuio
pessoal por meio do fazer laboral, o modo de produo no taylorismo promove ao
afastamento intelectual e instaurao de cansativas rotinas. Se havia um estmulo unidade do
sujeito, que aprimorava-se13 humanamente por meio do trabalho, instaurava-se a segregao
10
O termo transgresso utilizado em concordncia com as proposies tericas da Ergologia, apresentadas por
Trinquet (2010) e Schwartz (2011). Nessa perspectiva, a norma prope uma orientao conduta do sujeito, que
diante de um debate entre o posto e seus valores e princpios, transgride e renormaliza o fazer, o que implica a
construo de saberes em funo da atividade realizada. A noo de atividade ser abordada no Captulo 3. 11
A noo novo capitalismo desenvolvida em Sennett (2009) como a oposio ao seu surgimento, denominado
capitalismo industrial. As mudanas decorrentes das formas de produo e consumo implicam novos conceitos
ante a convivncia humana. Tais aspectos so desenvolvidos, sob a tica das relaes de trabalho, no Captulo 3. 12
Sennett (2009) compara a trajetria de vida do sujeito a uma narrativa literria, que possui um encadeamento
padronizado de acontecimentos e, por isso, previsvel. Na narrativa, portanto, parte-se de um estado inicial e chega-se a um estado final. (BARDARI, 2010). 13
Esta noo faz referncia proposta de Diderot, retomada por Sennett (2009), acerca do trabalho, a qual ser
apresentada no captulo 3.
-
28
entre o pessoal e o trabalho. Conforme Sennett (2009), tal situao malfica, pois os
diferentes papis desempenhados por um mesmo sujeito diante das situaes vivenciadas
ocasiona uma crise de valores que afasta a subjetividade da atividade e da construo
processual de saberes, dada a imposio de modos de fazer cientificamente elaborados.
Tratar da reflexo das prticas compartilhadas entre os sujeitos, por vezes, parece
uma atividade de pouca valia, diante de sua base que est no cotidiano e no sujeito, elementos
inseridos de forma natural e pouco consciente em todas as situaes estruturadas e
estruturantes da sociedade. Concorda-se, ento, com Morin (2009, p. 54), ao afirmar que o
retorno [da centralidade] do sujeito constitui hoje um problema fundamental, que se encontra
na ordem do dia. necessrio dar nfase ao encontro do sujeito com o ambiente, visto que
ambos mobilizam todas as ordens sociais. Sob essa perspectiva, Morin (2009, p. 58) prope:
primordial aprender a contextualizar [...] isso , saber situar um conhecimento num
conjunto organizado. Dessa premissa, desenvolve-se a parte inicial dessa investigao.
Diversas so as caractersticas atribudas contemporaneidade. Na obra Tempos
Lquidos, Bauman (2007) d relevo aos aspectos negativos como o consumo excessivo, o
individualismo e o medo. Lipovetsky (2007), em A Sociedade da Decepo, sintetiza a
sociedade atual nas palavras velocidade, acelerao e excesso. Esses dois autores salientam a
amplitude dos paradoxos experimentados diante das circunstncias que permeiam as
vivncias dos sujeitos. Novos conceitos de tempo e espao, provenientes dos processos
globalizantes impulsionados pela internet, promovem sentimentos opostos de liberdade e
priso. Ao mesmo tempo em que os limites espaciais so derrubados a qualquer momento,
permitindo o acesso a diferentes formas de observar o mundo, distncias abismais so
estabelecidas entre vizinhos, familiares, colegas de trabalho. Desbravar o mundo o convite;
o isolamento a condicional.
Sob outro prisma, Ortiz (1998) discorre acerca da noo de mundializao. Da
apropriao da literatura sobre a globalizao, aplica e aprimora a reflexo com enfoque nas
trocas simblicas imbudas inevitavelmente s dinmicas financeiras. Ao entender que no se
trata de um fenmeno emergente da contemporaneidade, esse autor salienta que o comrcio
entre as naes remonta sculos passados, sendo o diferencial do processo de mundializao a
velocidade da superao de limitaes impostas fisicamente. Assim, o que ocorre na
-
29
modernidade-mundo14
a converso de diversas influncias forma de vida, estabelecendo
uma padronizao cultural, cujas caractersticas locais e globais dividem espao.
Ortiz (1998) esclarece o entendimento de padronizao cultural salientando que no
se pode confundi-la com uma uniformizao da cultura. Os elementos simblicos que
conectam os sujeitos advm: a) da tradio, expressa nos costumes locais com o objetivo de
manuteno dos vnculos destes com a sua nao de origem; b) da difuso, proveniente do
estabelecimento de novos laos, sem restrio espacial. Diante dessas duas esferas em
converso, percebe-se que importantes impactos so aplicados cultura. A cultura nada mais
do que a esfera ideolgica deste world system15 (ORTIZ, 1998, p. 26), apreendida por meio
da socializao, com natureza mundializada, ou seja, as diversas manifestaes culturais se
associam, gerando uma padronizao nas concepes simblicas, materializadas na palavra,
por meio da linguagem que supera as limitaes geogrficas.
Ao convergir os apontamentos de Sennett (2009), Bauman (2007) e Lipovetsky
(2007), percebe-se que a contemporaneidade marcada por elementos que desestruturam o
processo de construo das identidades dos sujeitos, promovendo efeitos corrosivos
(SENNETT, 2009) ao indivduo, logo, ao coletivo. Ortiz (1998), embora reconhea tais
aspectos, observa a estruturao do fenmeno da mundializao enquanto enlace
permanentemente construdo pela interao humana, o que enriquece as possibilidades de
analisar os movimentos culturais. Ciente desses aspectos prope-se um caminhar neste terreno
de incertezas, com enfoque na noo de cultura em interface com o ambiente organizacional
em um movimento dialgico.
2.1 TERRENOS DE INCERTEZAS: A CULTURA E IDENTIDADE
Devido elasticidade conceitual que envolve o termo cultura, faz-se necessrio o
posicionamento do pesquisador e a inscrio em alguma filiao terica para sua
compreenso. Cuche (1999) e Geertz (2008) so alguns dos pensadores que defendem seu
entendimento diante de contextualizaes que permitem a construo de uma percepo
ampla, mas ainda assim profcua para a compreenso das relaes que sustentam a sociedade.
Diante dessa realidade, este estudo abre-se ao entendimento gerado por esses autores a fim de
14
Para referir-se ao tempo atual, Ortiz (1998, p. 181) vale-se do termo modernidade-mundo. Emerge da noo de
modernidade enquanto descentramento, individualizao, diferenciao, e de mundo enquanto o extravasar das
fronteiras. 15
Sistematizao mundial mundializao.
-
30
refletir sobre alguns dos aspectos da questo cultural na contemporaneidade, para posterior
conjectura noo de ambiente organizacional, olhar essencial diante da expectativa de
compreender as interaes no trabalho, a partir de sua materializao linguageira.
2.1.1 A Teia e suas Fronteiras: a cultura em processo
Cuche (1999, p. 137) defende a inviabilidade de uma ideia essencialista (pura) de
cultura, pois toda cultura um processo permanente de construo, desconstruo e
reconstruo. Esse autor fundamenta-se no que ele denomina como aculturao, ou o
encontro das culturas, global e localmente. Trata-se do processo que implica mudanas nos
modelos culturais, diante de uma seleo que resulta uma ressignificao. A noo de
aculturao apresentada por Cuche (1999) aproxima-se do que Bhabha (1998) e Hall (2003)
denominam hibridismo16
. Assim, refletir sobre a cultura implica compreender sua
maleabilidade, visto que transpassada pelo trnsito e pela convergncia entre os saberes que
so enunciados entre o eu e o outro, continua e progressivamente.
Essa perspectiva da cultura, enquanto processo, permite a compreenso da dinmica
que envolve a adaptao s mudanas decorrentes das relaes sociais que evoluem a partir
dos movimentos promovidos pelos sujeitos. A cultura permite ao homem no somente
adaptar-se a seu meio, mas tambm adaptar este meio ao prprio homem, a suas necessidades
e seus projetos. (CUCHE, 1999, p. 10). Ao considerar as caractersticas relativas
mundializao, promovidas por Bauman (2007), Lipovetsky (2007) e Ortiz (1998), cabe a
indagao acerca da velocidade do homem em habituar-se s proposies de tempo e espao
que ele mesmo estabelece na contemporaneidade. Trata-se de um questionamento cuja
resposta no evidente, nem facilmente defendida, porm, refere-se a uma reflexo relevante
ao passo que tange a possibilidade de conscientizao ante as diversas problemticas
envolvidas.
Embora a vinculao tempo/ espao no seja o interesse primeiro deste estudo, faz-se
necessrio ao menos tangenciar a inquietao acerca dela, j que as relaes e os saberes que
o sujeito estabelece no ambiente laboral so desenvolvidos sobre esse alicerce. Hall (2003, p.
36) promove uma reflexo interessante ante essa expectativa, pois contempla tanto a noo de
16
O hibridismo cultural refere-se a um termo que tem sido utilizado para caracterizar as culturas cada vez mais mistas e diaspricas. (HALL, 2003, p. 74). A noo de hibridismo abordada por Hall (2003) advm de Bhabha (1998), que discorre sua reflexo a partir da perspectiva sociodiscursiva de Bakhtin (1981), a qual admite que os
interlocutores sempre esto situados e contextualizados. Nesse sentido, as concepes de enunciado e enunciao
assumem relevo, j que o hibridismo est no deslocamento de um ao outro.
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31
cultura como a de identidade: como outros processos globalizantes, a globalizao cultural
desterritorializante em seus efeitos. Suas compresses espao-temporais, impulsionadas pelas
novas tecnologias, afrouxam os laos entre a cultura e o lugar. O posicionamento de Hall
(2003) resultante de seus estudos a respeito das disporas, fenmeno relacionado aos
deslocamentos dos povos a espaos diferentes. Segundo esse autor, este o fator central para
um descentramento de saberes que constituem tanto a cultura, quanto a identidade, visto que
o conceito fechado de dispora se apoia sobre uma concepo binria da diferena.
Est fundado sobre a construo de uma fronteira de excluso e depende da
construo de um Outro e de uma oposio rgida entre o dentro e o fora. [...] A diferena, sabemos, essencial ao significado, e o significado crucial cultura.
(HALL, 2003, p. 33).
A construo de significados um processo contnuo impelido pelo trnsito de
saberes entre os sujeitos, em um mbito social e coletivo. Nesse sentido, antes de prosseguir
na busca por uma orientao acerca da noo de identidade, considera-se adequado ponderar
mais algumas trilhas ao entendimento de cultura. Convida-se, assim, Geertz (2008) ao
dilogo. Esse antroplogo americano defende um conceito semitico de cultura, que encontra-
se com a perspectiva de Hall (2003), e d relevo construo de significados perante a
interao entre os sujeitos: o homem um animal amarrado a teias de significados que ele
mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua anlise; portanto, no como
uma cincia experimental em busca de leis, mas como uma cincia interpretativa, procura
do significado. (GEERTZ, 2008, p. 4). Esse autor prope a observao do comportamento
humano inserido em um contexto que permita a interpretao das aes, que entrelaadas,
gradualmente, transformam-se.
A cultura uma condio bsica existncia humana. Caracteriza-se como um
conjunto de mecanismos para o controle da conduta, por meio de um sistema simblico17
que
engloba elementos e princpios ideolgicos, que aproximam e afastam os sujeitos, expresso
por meio das manifestaes culturais que so articuladas no meio social. Tais manifestaes
so fundamentais para que o homem possa habitar o ambiente coletivo, ou seja, ordenar seu
comportamento com a finalidade de transcender a situao em que se envolve (GEERTZ,
2008).
Geertz (2008, p. 7) prope ainda que, para a anlise da cultura, se faz necessrio
escolher entre as estruturas de significao e determinar sua base social e sua importncia,
17
A interao permanente entre os sujeitos e suas formas de representao instauram smbolos que passam a
fazer parte da cultura e permitem vinculaes e afastamentos a partir dos significados construdos por coletivos
de indivduos (GEERTZ, 2008).
-
32
ou seja, promover um esforo intelectual na observao dos cdigos socialmente
estabelecidos, o que denomina como descrio densa. Esse autor se vale dessa concepo,
pois afirma que a funo daquele que se prope anlise de uma cultura est apenas em
executar uma observao dos sujeitos em seu contexto e em interao, o que possibilita uma
descrio dos elementos simblicos acionados. Ao tomar por base, por exemplo, o ambiente
organizacional, cuja circulao de saberes socializados ampliada devido ao nmero e
diversidade de pessoas postas em interao, percebe-se que o trabalho apresenta-se como
referncia profcua para identificao de elementos culturais em conjuno, diante de
convergncias e divergncias.
A cultura enquanto orientadora comportamental, produto e produtora das relaes
estabelecidas em sociedade, pode estruturar-se de tal forma diante da possibilidade de
socializao de saberes que sustentam tais regras relacionais. Cabe mencionar a noo de
socializao, ou caminhos que conduzem o indivduo a tornar-se parte ativa desse complexo
entrelaamento de elementos simblicos. Nesse sentido, convida-se Berger e Luckmann
(2012) ao dilogo, cujo centro da reflexo est na Construo Social da Realidade.
Ao reconhecer que o conhecimento18
motor da sociedade (BERGER;
LUCKMANN, 2012), o eixo da reflexo parte da existncia de fenmenos que ocorrem
alheios vontade do sujeito, mas que por ele podem ser compreendidos diante da observao
astuta da realidade. Salienta-se que esto includos nesta inteligncia referenciada pelos
autores os saberes apreendidos no cotidiano, que apresenta-se como uma realidade
interpretada pelos homens e subjetivamente dotada de sentido para eles na medida em que
forma um mundo coerente. (BERGER; LUCKMANN, 2012, p. 35), ou seja, por meio dos
saberes que cada comunidade desenvolve, a cultura local atribui aos sujeitos seus papis
sociais. Na contemporaneidade, a multiplicidade de realidades locais s quais se tm acesso
implica amplamente a construo, a desconstruo e a reconstruo dos elementos que
permitem a leitura do mundo, ampliando o processo de hibridizao cultural.
Compreende-se a cultura como processo, cujo movimento contnuo entre sujeitos em
interao resulta em saberes que norteiam suas condutas e os vinculam em redes de
18
A noo de conhecimento em Berger e Luckmann (2012) refere-se ao cotidiano; congrega a linguagem e as
trocas sgnicas em intercmbio entre os sujeitos, o que constitui um acervo social do conhecimento. Tal acervo orienta as posies a serem adotadas pelos indivduos no desempenho de seus papeis sociais, assim como a
interao com o outro. Tal olhar aproxima-se do que Foucault denomina como saberes, ou seja, o processo pelo
qual o sujeito modificado durante a atividade de conhecer (REVEL, 2005). Essas noes, em conjuno,
norteiam o presente estudo. Salientam-se tais aspectos, pois so basilares ao entendimento da noo de trabalho,
desenvolvida no captulo 2, quando optar-se- pela denominao saberes para referir tal processo.
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33
compartilhamento de elementos simblicos, por meio da linguagem. O ambiente globalizado
que articula tais movimentos amplia a construo e o encontro de percepes acerca das
formas como podem ser percebidas as relaes entre os sujeitos e os objetos e,
principalmente, dos sujeitos entre si. Diante da desterritorializao19
, marco da mundializao
(HALL, 2003; ORTIZ, 1998), evidenciam-se as perspectivas relativas aos ambientes
frequentados pelos sujeitos e que carregam em si a singularidade da subjetividade humana por
meio da atividade de trabalho. Faz-se necessria, ento, a abordagem dos ambientes
organizacionais sob perspectivas que privilegiem tal aspecto. Prossegue-se, ento, com a
articulao da cultura e suas manifestaes, a partir da noo de identidade.
2.1.2 Ditos, No Ditos e Seus Sentidos: assim caminha a identidade
A cultura vista como teia, cuja tessitura composta pela socializao de saberes na
convergncia de mltiplos contextos em situaes e espaos especficos, impele a relao
estabelecida pelos sujeitos nos mais diversos ambientes, dentre os quais, neste estudo, se
enfatiza o organizacional. Nesse sentido, observar a ao humana resulta na captao dos
traos identitrios que compem as representaes ancoradas nas convenes coletivamente
estruturadas, cuja funo essencial nortear o comportamento do indivduo na sua relao
com o outro.
A confluncia entre o individual e o coletivo se d por intermdio do imaginrio, que
algo que ultrapassa o indivduo, que impregna o coletivo ou, ao menos, parte do coletivo.
(MAFFESOLI, 2001, p. 76). As concepes e imagens armazenadas mediante as experincias
do sujeito, embora se registrem diante de um interesse particular, sero decorrentes do espao
coletivo e dos estmulos advindos dos dilogos permanentes entre seus membros. A
elaborao do olhar acerca de determinado fenmeno emerge da conjuno ajustada no
espao cultural em que se est imerso, implicando as escolhas e as formas de representao.
Conforme Maffesoli (2001, p. 75), o imaginrio uma fora social de ordem
espiritual, uma construo mental, que se mantm ambgua, perceptvel, mas no
quantificvel. Social, pois est imbricado no coletivo. Espiritual e mental, pois exige a
interiorizao reflexiva diante dos vnculos emocionais estabelecidos. Aura a palavra
19
Desterritorizao poderia significar, ento, diminuir ou enfraquecer o controle dessas fronteiras, aumentando assim dinmica, a fluidez, em suma a mobilidade, seja ela de pessoas, bens materiais, capital ou informaes. (HAESBAERT, 2004, p. 235).
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selecionada por Maffesoli (2001) para referir-se ao imaginrio, j que percebida,
dificilmente explicitada, logo, passvel de (re)construes diante do que compartilhado.
Diante do contexto em estudo, pode-se perceber que das relaes impulsionadas e
estruturadas no ambiente organizacional, o imaginrio, ou ambiente mental e espiritual, se
constitui. O encontro dos sujeitos transforma e reconstri os smbolos e os sentidos. Advm
da as inspiraes e aspiraes que estruturam o cotidiano, mobilizadas pelo motor que orienta
as prticas coletivas e individuais, que podem ser observadas por meio da identidade.
O imaginrio o lao que envolve cultura e identidade. pela existncia do
imaginrio que o processo cultural pode se movimentar. Dele emerge, tambm, a ideia de
identidade, que se refere ao produto dos sujeitos em interao. A perspectiva de Hall (2013,
p.109) insere o elemento discurso como a estrutura e amarras da teia, a identidade, pois
precisamente porque as identidades so construdas dentro e no fora do discurso
que ns precisamos compreend-las como produzidas em locais histricos e
institucionais especficos, no interior de formaes e prticas discursivas especficas,
por estratgias e iniciativas especficas.
As observaes desse autor atentam a dois pontos fundamentais: o contexto e o
discurso como bases para a construo da identidade. As ponderaes referentes noo de
discurso, com base na Semiolingustica, sero abordadas no Captulo 4. Neste momento,
atenta-se influncia do contexto que, conforme Cuche (1999), fundamental para perceber a
fluidez da noo de identidade, em geral, associada fixidez. A construo da identidade se
faz no interior de contextos sociais que determinam a posio dos agentes e por isso mesmo
orientam suas representaes e suas escolhas. (CUCHE, 1999, p. 182). A flexibilidade
garante ao sujeito a adeso social, o aceite, o pertencimento, o que resulta na atribuio de
papeis por ele ambicionados.
Charaudeau (2010a, 2012a) tambm atribui relevncia ao contexto quando se refere
identidade em sua teoria Semiolingustica20
. Para esse autor, a identidade uma forma de
representao que se adqua s interaes linguageiras ou dilogos cotidianos, que se
estabelecem em contextos especficos e produzem dados fundamentais para a construo de
saberes coletivos. A situao de comunicao, as circunstncias discursivas e o contrato de
comunicao promovem elementos ante a leitura do lcus e do contexto que envolve os
sujeitos. A movimentao de conceitos implicar na atribuio de significados, que orientam
a interpretao dos fenmenos, dentro de uma comunidade. A efetivao desse processo
decorre da diferena reconhecida pelos sujeitos diante do discurso.
20
A teoria semiolingustica de Patrick Charaudeau ser apresentada no Captulo 4.
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35
Conforme afirma Silva (2013, p. 76), tanto a diferena quanto a identidade so
criaes lingusticas, existindo, pois, no e pelo discurso ou ato de linguagem, em uma
relao de alteridade, logo, de poder. Aquele que toma a palavra o faz mediante autorizao
do outro, que o reconhece como legtimo para tal ao e digno de ateno. Ao assumir uma
determinada posio, o sujeito rejeita uma srie de outras opes, demarcando fronteiras
acerca daquilo faz, ou no, parte de sua identidade. Trata-se, sobretudo, de uma diviso social
entre ns e eles.
A complexidade envolvida nesse processo, porm, vai muito alm do binarismo que
combina incluso e excluso. Em funo desse aspecto, Silva (2013, p. 87) retoma a noo de
hibridismo cultural: [...] a hibridizao se d entre identidades situadas assimetricamente em
relao ao poder. Tal qual a cultura, a identidade tambm processo. Uma construo que
envolve a ao do sujeito em funo de seus interesses especficos, cujos estmulos advm das
relaes sociais que so estabelecidas durante as situaes de socializao.
Diante de uma relao de alteridade, que prev um jogo discursivo, onde cada sujeito
conquista seu espao de fala, torna-se relevante a contribuio de Charaudeau (2008) acerca
da teoria dos sujeitos da linguagem. Esse autor elabora sua proposta de anlise discursiva
diante de um complexo dispositivo que d nfase ao sujeito, o que contribui com o exposto
por Silva (2013) quanto ao entendimento da regulao das trocas comunicativas.
(CHARAUDEAU, 2008, p. 11).
Neste momento, da proposta de Charaudeau, interessa a noo de dupla identidade
dos sujeitos do ato de linguagem: uma social e outra discursiva. A situao de comunicao
sob as lentes da Semiolingustica prev um espao externo, onde so explicitadas as posies
de cada sujeito, alm da atribuio social legitimada pelas instituies culturalmente
determinadas. Prev ainda, o que considera mais relevante no estudo da identidade, o espao
interno, do implcito, que permite o reconhecimento das intenes e a estruturao das falas
perante finalidades especficas, estabelecendo-se como local da estratgia.
A Figura 1 apresenta as posies dos sujeitos no jogo discursivo diante da relao de
alteridade. O EUc refere-se ao sujeito comunicante e o TUi o sujeito interpretante, seres que
materializam o discurso. J o EUe, sujeito enunciador e o TUd, sujeito destinatrio, so os
seres que na produo discursiva acionam os elementos simblicos registrados no imaginrio
e elaboram as combinaes entre palavras, contexto e sentido que sero enunciados
socialmente.
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36
Figura 1 - O Ato de Linguagem
Fonte: adaptado de Charaudeau (2010a)
Na Figura 1, pode-se perceber que a dupla identidade do sujeito implica uma relao
entre quatro sujeitos: dois seres sociais (sujeitos comunicante (EUc) e interpretante (TUi)) e
dois seres de fala (sujeitos enunciador (EUe) e destinatrio (TUd)). Os primeiros assumem as
funes de produo e interpretao e reproduzem a construo de sentido encenada pelos
protagonistas do ato linguageiro, que no mbito do circuito interno organizam o dizer. De
acordo com Charaudeau (2008), a cada situao comunicacional, os seres de fala acionam
mscaras que permitem a adequao aos papeis assumidos na negociao entre identidades.
Referem-se gama de estratgias que esto disposio da encenao discursiva e que
evidenciam as finalidades de cada sujeito.
As escolhas lingusticas presentes na encenao discursiva (mise-en-scne) elaborada
pelos protagonistas do ato de linguagem resultam na manifestao daquilo que Silva (2013, p.
91) e o prprio Charaudeau denominam como representao, ou trao visvel, exterior. Sob
essa tica, a identidade pode apenas ser percebida diante de seus elementos de representao,
que decorrem de sistemas de significao, emergentes da cultura, assimilados pelo sujeito e
por ele reproduzidos diante do sentido que deseja construir. Como tal, a representao um
sistema lingustico e cultural: arbitrrio, indeterminado e estreitamente ligado a relaes de
poder. (SILVA, 2013, p. 91).
A representao identitria assume, ento, centralidade na movimentao da teia que
comporta a cultura. Percebe-se que a observao da interao dos sujeitos, a partir do ato de
linguagem que os vincula, fornece pistas acerca das suas representaes, que se diferem pela
individualidade construda na socializao constante de saberes ao longo da vida humana, mas
acoplam-se quando do compartilhamento das situaes discursivas. Nesse sentido,
compreende-se que as representaes dos sujeitos referem-se a manifestaes culturais
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37
produzidas na interseco dos diversos espaos ocupados pelos sujeitos, dentre eles as
organizaes. Com o propsito de compreender as imbricaes entre cultura e cultura
organizacional, prossegue-se a reflexo perante uma perspectiva que centraliza a ao
humana.
2.2 UMA FRONTEIRA DE INCERTEZAS: MOBILIZAO DE SENTIDOS NO AMBIENTE ORGANIZACIONAL
Observar o fenmeno de socializao de saberes exige a opo por algum caminho,
tendo em vista que a cultura, conforme o horizonte proveniente da conjuno entre as
perspectivas de Cuche (1999), de Geertz (2008) e de Hall (2003), contempla as diversas
manifestaes diante das prticas cotidianas criadas e recriadas constantemente na relao eu-
outro-contexto. Elenca-se, assim, a conjuntura organizacional como estrutura de significao
para observar os movimentos que contribuem com a construo de saberes que transitam na
sociedade.
A escolha das organizaes como lcus para observao da cultura justificada pela
relevncia do trabalho na vida dos sujeitos. Nas palavras de Chanlat (1996, p. 229), a
organizao-empresa no somente um lugar onde o trabalho fonte de identidades
profissionais e onde se observa uma regulao cultural, mas tambm transformou-se num ator
maior da definio de nossas sociedades modernas. As normas institucionalizantes de cada
profisso ou organizao, alm da remunerao, permite ao trabalhador posicionar-se na
sociedade e movimentar o sistema econmico vigente.
Neste estudo, ressalta-se o trabalho enquanto atividade, ou seja, como debate de
normas e de transgresses, o que, frequentemente, resulta em renormalizaes. (TRINQUET,
2010, p. 96)21
. Ao ancorar-se em tal percepo, o estudo sobre o trabalho implica a linguagem
e como ela estrutura o pensar e agir dos sujeitos no ambiente organizacional, o que parece
mais adequado ao se considerar os aspectos simblicos que permeiam a socializao de
saberes oriunda desse lcus. O local do trabalho est em nfase nesta etapa do estudo, pois
acredita-se que apenas diante de uma panorama acerca do contexto que envolve o trabalho
seja possvel uma compreenso mais apurada acerca de suas implicaes, j que, conforme
aponta Chanlat (1996, p. 228),
21
Trata-se da abordagem ergolgica da noo de trabalho. A Ergologia um mtodo de investigao pluridisciplinar. (TRINQUET, 2010, p. 94), cujo foco a aprendizagem permanente dos debates de normas e de valores que renovam indefinidamente a atividade: o desconforto intelectual. (SCHWARTZ; DURRIVE, 2007, p. 30). Os conceitos relativos Ergologia sero comentados no captulo 3.
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a organizao, enquanto objeto de anlise, no de fato uma tribo, nem um povo,
nem uma sociedade total. Ela no autossuficiente. Atravessada por elementos
societais, ela constitui um elemento da estrutura social e da cultura a qual pertence.
[...] a organizao, enquanto universo singular, produz fenmenos que pertencem ao
universo simblico.
Nesse sentido, faz-se necessria uma atualizao acerca do juzo compartilhado do
que so as organizaes e de como se constituem. Iasbeck (2005, s. p.) afirma que as
organizaes so sistemas sociais regidos por regras, normas e leis de convivncia, nos quais
a comunicao o processo chave que viabiliza as interaes. A noo de sistema
interessante, pois compreende a existncia de elementos que se conectam por pontos
semelhantes a fim de que se coordenem. Os processos interacional e de construo de sentido
so enfatizados no cenrio hostil e competitivo do trabalho que, por vezes, exclui o simblico
em prol de um pseudocontrole de suas instncias perante textos como grficos, relatrios
contbeis e financeiros, dentre outras validaes excessivamente objetivas.
Fairhust e Putnam (2010, p. 105) atestam esse ponto de vista, que ressalta o
comunicacional, ao afirmarem que as organizaes so construes discursivas porque o
discurso a real fundao sobre a qual a vida organizacional construda. Aceitar o discurso
como base das organizaes implica perceb-las como ambientes dinmicos, interativos,
discursivos, com elementos constituintes (essenciais) e constitutivos (meios e recursos) no
processo de criao e de consolidao de realidades. [...] A realidade malevel, construda
pelos indivduos. (MARCHIORI, 2014, p. 16), ou seja, atribui-se aos sujeitos a
responsabilidade pela construo das normas e regras que regem seu convvio coletivo.
O olhar desses autores (IASBECK, 2005; FAIRHUST; PUTNAM, 2010;
MARCHIORI, 2014) salienta tanto a possibilidade de transgresses constantes s normas
postas, quanto s renormalizaes permanentemente atualizadas a partir das interaes. Por
mais que as organizaes tentem cristalizar conceitos diante da definio de elementos
prescritivos, como a misso, viso e valores, por meio manuais ou outros usos informacionais,
eles so (re)construdos a cada situao interacional estabelecida entre e pelos sujeitos, por
meio do proce